Roseli Lopes
Roseli Lopes
Roseli Lopes
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Lopes, Roseli da Silva Felipe, 1984-
L864p As paisagens das vilas da UFV: entre o patrimônio cultural
2023 e os lugares de memória (1948-2008) / Roseli da Silva Felipe
Lopes. – Viçosa, MG, 2023.
1 dissertação eletrônica (196 f.): il. (algumas color.).
Inclui anexo.
Orientador: Carolina Marotta Capanema.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa,
Departamento de História, 2023.
Referências bibliográficas: f. 178 -190.
DOI: https://doi.org/10.47328/ufvbbt.2023.653
Modo de acesso: World Wide Web.
LOPES, Roseli da Silva Felipe, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, setembro de 2023. As
paisagens das vilas da UFV: entre o patrimônio cultural e os lugares de memória (1948-
2008). Orientadora: Carolina Marotta Capanema.
O presente trabalho busca, por meio de análise documental, bibliográfica e da história oral,
estudar a problemática do conceito de patrimônio cultural contido na legislação urbana e
territorial da Universidade Federal de Viçosa (UFV), instituição de Ensino Superior localizada
na Zona da Mata do estado de Minas Gerais. O Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental
(PDFA) da UFV, elaborado em 2008, é o documento que norteia a política de expansão física
e territorial da instituição, bem como suas práticas de preservação do patrimônio cultural. Um
dos objetivos do trabalho foi analisar os argumentos expressos no mesmo documento para
definir o conjunto de bens culturais representativos da memória da universidade. O principal
ponto de análise se atém aos critérios de patrimonialização utilizados na preservação do
conjunto arquitetônico e paisagístico conhecido como Vila Giannetti, em contraponto às seis
vilas operárias que são de construção contemporânea e que foram deixadas de fora da legislação
patrimonial. O marco temporal está circunscrito ao período de 1948 a 2008. O primeiro ano
refere-se ao início do projeto de construção da Vila Giannetti e o segundo ao ano em que o
PDFA entrou em vigor. Os resultados da pesquisa indicaram que a escolha dos bens culturais
da universidade vai ao encontro da concepção de patrimônio fundada na tradição francesa,
assentada no caráter histórico-temporal, monumental e representativo das elites sociais. Desse
modo, as vilas operárias, que também são espaços de vivências coletivas, de modos de vida e
de formação de memórias, foram excluídas das políticas patrimoniais da instituição. O principal
argumento deste trabalho situa-se na defesa de que a construção das paisagens destas vilas (Vila
Giannetti e vilas operárias) é indissociável, pois estiveram em constante interação entre si.
Logo, constituem igualmente lugares de memória representativos da história da universidade.
LOPES, Roseli da Silva Felipe, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, September, 2023. The
landscapes of the UFV villages: between cultural heritage and places of memory (1948-
2008. Adviser: Carolina Marotta Capanema.
The present work seeks, through documentary and bibliographic analysis and also Oral History,
to analyze the issue within the concept of cultural heritage contained in the urban and territorial
legislation of the Federal University of Viçosa (UFV), a higher education institution located in
the Brazilian state of Minas Gerais. UFV’s Physical and Environmental Development Plan
(PDFA), which was drafted in 2008, is the document that guides the institution’s physical and
territorial expansion policy, as well as its practices for preserving cultural heritage. One of the
objectives of this work is to analyze the narratives expressed in the document in order to define
the set of cultural assets representative of the university’s memory. The main point of analysis
is based on the patrimonialization criteria used in the preservation of the architectural and
landscape complex known as Vila Giannetti, in contrast to the six working-class villages of the
institution, which are of contemporary construction and which were left out of the cultural
heritage legislation. The timeframe is limited to the period from 1948 to 2008. The first year
refers to the start of the Vila Giannetti construction project and the second, to the period in
which the PDFA came into effect. The results of the research indicate that the choice of the
university’s cultural assets is in line with the conception of heritage founded on the French
tradition, based on the historical, temporal, monumental and representative character of the
social elites. In this way, the workers’ villages, which are also spaces for collective experiences,
ways of life and the formation of memories, were excluded from the institution’s heritage
policies. The main argument of this thesis lies in the defense that the construction of the
landscapes of these villages (Vila Giannetti and workers’ villages) is inseparable, as they were
in constant interaction with each other, and that they also constitute lieux de mémoire that are
representative of the university’s history.
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 16
CAPÍTULO 1: ENTRE A PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNISTA E O
APAGAMENTO DA MEMÓRIA............................................................................................35
1.1 Patrimônios culturais da UFV.............................................................................................35
1.2 Breve histórico sobre os órgãos de proteção patrimonial brasileiro................................... 61
1.3 As legislações patrimoniais em três universidades federais mineiras.................................66
CAPÍTULO 2: VILAS DA UFV – CONTROLE SOCIAL.................................................... 76
2.1 Silenciamento da memória e invenção do patrimônio institucional................................... 76
2.2 O surgimento das vilas operárias........................................................................................ 83
2.3 Vilas da UFV...................................................................................................................... 91
2.4 Vila dos Professores............................................................................................................ 95
2.5 Vilas dos Operários........................................................................................................... 109
2.5.1 Vila Mattoso...................................................................................................................110
2.5.2 Vila Sete Casas...............................................................................................................112
2.5.3 Vila Dr. Secundino.........................................................................................................113
2.5.4 Vila Dona Chiquinha..................................................................................................... 115
2.5.5 Vila Araújo.....................................................................................................................117
2.5.6 Vila Chaves.................................................................................................................... 119
CAPÍTULO 3: VILAS DA UFV - FORMAÇÃO DE PAISAGENS E LUGARES DE
MEMÓRIA............................................................................................................................. 123
3.1 Noção de natureza contida no projeto do campus universitário....................................... 123
3.2 As conexões sociais e interligações das vilas................................................................... 131
3.3 As vilas e suas paisagens como lugares de memória........................................................ 141
CAPÍTULO 4: PRODUTO..................................................................................................... 147
4.1 Definição e enquadramento.............................................................................................. 147
4.2 Circuito do Patrimônio Cultural da UFV.......................................................................... 147
4.3. Objetivo............................................................................................................................148
4.4. Metodologia..................................................................................................................... 149
4.5 Resultados......................................................................................................................... 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................175
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 178
ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS....................................................................... 191
ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP..................................................194
16
INTRODUÇÃO
1
Veja-se, como exemplo desse tipo de abordagem, os estudos de Besse (2014), Meneses (2002), Scifoni (2006).
17
2
A Resolução N.º 14/2008 do Conselho Universitário (CONSU), que aprova o Plano de Desenvolvimento Físico
e Ambiental (PDFA) do Campus UFV-Viçosa (2008-2017), também legisla sobre a configuração da COESF. Esta
é uma Comissão consultiva que se reúne de maneira ordinária (o documento não deixa claro a periodização) – e
em casos eventuais de maneira extraordinária – para analisar e emitir parecer sobre o espaço físico do Campus
UFV - Viçosa. Disponível em: http://arquivo.ufv.br/soc/files/pag/consu/completa/2009/09_09.pdf. Acesso em: 8
out. 2022.
3
A origem da denominação das vilas operárias será objeto de análise no Capítulo 2 da dissertação, “Vilas da UFV
– Controle social”.
4
Sobre a tipologia arquitetônica da Vila Giannetti, ver Carvalho e Ferreira (2012). Sobre a estética colonialista,
ver: “Estética, multiculturalismo e decolonialidade” (Del Valle, 2020).
18
terceirizados). Suas casas, após a Resolução N.º 06/91 do CONDIR 5, deixaram de exercer a
função de moradia para abrigar atividades administrativas e educacionais da UFV.
Ademais, também foi possível perceber que a possibilidade de derrubada das casas não
foi um fato isolado da reunião, pois, ao que indica uma postagem do blog do professor Ítalo
Stephan, do Departamento de Arquitetura da UFV, a discussão já havia sido travada em outro
momento. Segundo ele, “substituir belas casas por prédios modernos de boa qualidade
arquitetônica? É isso que temos visto nesses últimos anos no Campus? Passar por cima da
história? Repetir o que se quer fazer em toda a cidade que tem um patrimônio cultural?”
(STEPHAN, 2010, s.p.). Ao mesmo tempo, podemos perceber que, desde 2008, quando o
PDFA entrou em vigor, uma série de normas específicas de uso e ocupação daquele espaço foi
determinada, a fim de que não houvesse a descaracterização daquele “conjunto arquitetônico e
urbanístico” (PDFA, 2008-2017).
Nesse sentido, iniciou-se a busca e pesquisa pelos documentos institucionais que
tratavam a respeito da origem da Vila Giannetti, bem como de legislações de preservação e
conservação “patrimonial” da universidade que convergissem com o tema. A busca não foi
fácil, pois pudemos perceber na grande massa documental referente à história da universidade
presente no Arquivo Central e Histórico que existem alguns conjuntos de documentos que estão
com datas descontínuas, como os relatórios de atividades da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária (ESAV). Apesar do marco temporal da pesquisa iniciar em 1948 – início do
planejamento de construção da Vila Giannetti e também da estadualização da ESAV – optamos
por consultar documentos anteriores a esta data na tentativa de elucidar um pouco sobre as
demandas e questões que impulsionaram o início da construção. Isto justifica a análise de fontes
relacionadas ao período da ESAV (1922-1948). Outro motivo, foi a ampliação posterior do
tema da pesquisa, com a inclusão das outras vilas residenciais, uma vez que na documentação
pesquisada a partir da década de 1940, fazia pouca ou nenhuma menção sobre elas.
Entretanto, apesar de voltarmos um pouco no tempo para fazer a pesquisa documental,
o marco temporal no título do trabalho continuou sendo a data de 1948, pois acreditamos que
se trata de um marco de expansão importante para a universidade, que influenciou diretamente
na construção de algumas vilas, como a Vila Araújo, por exemplo, cujos terrenos foram
5
O Conselho Diretor (CONDIR) da UFV correspondia, na época (1974-1999), data baseada na primeira e última
resolução do Conselho, ao atual Conselho Universitário (CONSU). Entretanto, as atas do CONSU começaram a
ser redigidas em 1969, ano da federalização da Universidade até os dias atuais. Atualmente, o CONSU é o órgão
superior de administração da referida instituição. Percebe-se, pois, que houve em certo momento, durante o período
da UFV, a coexistência dos dois órgãos. Disponível em: https://www.soc.ufv.br/?page_id=161. Acesso em: 14 de
nov. 2022.
19
adquiridos pela instituição na segunda metade da década de 1940. Diante disso, os objetivos da
pesquisa consistiram em três eixos: estudar a problemática do conceito de patrimônio cultural
contido na legislação urbana e territorial da Universidade Federal de Viçosa (UFV), analisar os
argumentos expressos no documento para definir o conjunto de bens culturais representativos
da memória da universidade e, o principal deles, pesquisar os critérios de patrimonialização
utilizados na preservação do conjunto arquitetônico e paisagístico da Vila Giannetti, em
contraponto às seis vilas operárias que são de construção contemporânea e que foram deixadas
de fora da legislação patrimonial.
Para a realização deste trabalho foram utilizadas diferentes metodologias a saber: (1)
Análise de fontes documentais variadas, como: relatórios de atividades administrativas, cartas
de associação de professores, atas de reuniões, organogramas, escrituras, planos institucionais,
contratos, leis estaduais e federais, mapas, blog, sites oficiais e imagens. (2). História Oral, com
a realização de 36 entrevistas divididas entre quatro grupos, quais sejam: atuais ocupantes da
Vila Giannetti; ex-moradores da Vila Giannetti; moradores das vilas dos operários e membros
da Comissão do PDFA. (3) Análise bibliográfica, cujos temas permearam o campo do
patrimônio cultural, teoria da história, paisagem e memória. Além de escritos memorialistas,
artigos, dissertações e teses que tratam da história da instituição sob um viés de cunho crítico.
(4). Visitas In Loco, nas quais pudemos extrair impressões e percepções acerca dos modos de
vida existentes no passado e no presente e acerca da infraestrutura das vilas; (5) Análise dos
dados oriundos do questionário pós-circuito patrimonial, uma intervenção social relacionada ao
produto desenvolvido nesta dissertação para atender exigência dos programas de mestrado
profissionais.
Nesse âmbito, cumpre lembrarmos que, apesar da extensa estrutura física e
administrativa na qual a UFV se assenta atualmente, o início do empreendimento (ESAV) não
possuía uma estrutura organizacional tão detalhada, o que refletiu na organização da
documentação. Portanto, a ausência de órgãos administrativos específicos que centrassem as
informações fez com que fosse iniciado um verdadeiro trabalho investigativo, até que
encontramos, na documentação relacionada aos primeiros cursos que deram origem à Escola
Superior de Agricultura e Veterinária, os relatórios informando que, além da função de ensino,
tais cursos exerciam funções administrativas que envolviam até mesmo os empreendimentos
de construção da infraestrutura da instituição.
Para entender melhor como funcionava e ainda funciona a estrutura administrativa é
preciso primeiro compreender que a constituição da Universidade Federal de Viçosa teve sua
formação empreendida em três fases: Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV),
20
momento que antecedeu as entrevistas, quase nada se sabia sobre esses locais. Mas, até o início
das entrevistas, a Vila Giannetti era nosso único objeto de estudo.
Entretanto, logo no início da interlocução com o primeiro grupo, algumas questões que
até então não haviam sido levantadas no estudo começaram a ser suscitadas. Observamos, por
exemplo, que nos depoimentos e narrativas dos ex-moradores da Vila, em sua maioria
professores, sobrepunha-se o discurso de escassez financeira vivenciado durante o período da
UREMG. A partir disso, veio a primeira questão: se os professores da Vila Giannetti, que
tinham acesso à moradia digna, com ótima localização e infraestrutura, passaram por períodos
de dificuldades, como passaram os funcionários que residiam na vilas operárias e que não
tinham os mesmos serviços disponíveis aos professores? Foi a partir dessas primeiras
indagações e, posteriormente, com os primeiros relatos orais dos moradores das vilas operárias
que a pesquisa tomou outro rumo. A ideia de tentar entender os motivos pelos quais a Vila
Giannetti estava sendo “ameaçada” não fora abandonada, mas, agora, o olhar havia se tornado
mais amplo e sensível, e o questionamento ia além da preservação somente da Vila Giannetti.
Naquela ocasião perguntávamos porque também não inseriram no PDFA as outras vilas
como patrimônio cultural da universidade, uma vez que, nelas, segundo conversas informais
com arquitetos, também existem aspectos arquitetônicos relevantes. Além, claro, de serem
lugares de memórias, muitas das quais amparadas, inclusive, na história de fundação da
instituição, visto que muitos dos moradores que ali ainda residem são descendentes de
trabalhadores que atuaram na construção da ESAV6. Então, onde estavam os documentos que
falavam a respeito dessas vilas e de seus moradores? Por que não havia encontrado nenhum
registro documental sobre elas? O cenário com que me deparara era, então, de um verdadeiro
silêncio ou apagamento da memória nos documentos oficiais da universidade.
Diante disso, o problema que passou a guiar a pesquisa foi o questionamento sobre os
critérios de patrimonialização utilizados no Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental
(PDFA 2008-2017) da Universidade Federal de Viçosa para eleger a Vila Giannetti e outros
patrimônios culturais do campus, em detrimento das vilas operárias e tantos outros bens
patrimonializados. A partir disso, e subsidiado pelas pesquisas realizadas, o estudo nos
conduziu a perceber que as vivências cotidianas dos operários nas vilas, assim como as relações
que estabeleceram com a paisagem que foram produzidas naquele lugar, possibilitaram a
formação de memórias coletivas, as quais permitiram criar relações de identidade com o local.
6
Algumas dessas Vilas, como a Vila Araújo, a Dr. Secundino e Dona Chiquinha, ainda possuem moradores
residindo – alguns, inclusive, há mais de cinco décadas.
22
Cabe destacar que as críticas contidas no trabalho estão pautadas em estudos que questionam o
discurso hegemônico de patrimônio cultural, no qual busca-se privilegiar bens culturais ligados
à memória das elites. Essa abordagem exclui perspectivas e vozes de grupos marginalizados,
comunidades locais e indivíduos comuns que também têm uma relação significativa com seu
ambiente cultural. Isto posto, o presente estudo almeja propor uma perspectiva mais inclusiva
da temática do patrimônio cultural na Universidade Federal de Viçosa.
Para esses propósitos, a dissertação está dividida em quatro capítulos, cujos títulos são:
(1) “Entre a preservação da arquitetura modernista e o apagamento da memória”; (2) “Vilas da
UFV - Controle Social”; (3) “Vilas da UFV - Formação de paisagens e lugares de Memória”; e
(4) “Produto”.
No primeiro capítulo – “Entre a preservação da arquitetura modernista e o apagamento
da memória” – buscamos analisar quais foram os parâmetros de patrimonialização utilizados
na política patrimonial contida no PDFA para eleger os bens culturais da universidade,
principalmente a Vila Giannetti. Além disso, pretendemos compreender quais as narrativas
atreladas a esse conjunto escolhido para representar a identidade cultural da instituição. Na
oportunidade também foi feita uma análise comparativa das práticas protecionistas da UFV com
outras que são adotadas por duas universidades localizadas na Zona da Mata e Campo das
Vertentes. O objetivo é tentar compreender se as políticas patrimoniais ou planos que
mencionam a tutela dos patrimônios culturais presentes nesses territórios se alinham à política
patrimonial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os resultados
da pesquisa indicam que os bens culturais da UFV são frutos de escolhas políticas realizadas
por determinados grupos que buscaram privilegiar o patrimônio material de pedra e cal e as
memórias elitistas do início da fundação da instituição. Essas escolhas foram excludentes, pois
deixaram de fora uma série de memórias, principalmente as produzidas pelos moradores e
moradoras das vilas dos operários, cujo trabalho foi a força motriz para se construir o território
no qual se assenta hoje a universidade.
O segundo capítulo – “Vilas da UFV - Controle Social” – aborda o contexto trabalhista
mais amplo de constituição das vilas. Por meio da elaboração de mapas e da análise dos
conteúdos das entrevistas e imagens, verificamos que as escolhas para a localização e instalação
das vilas residenciais da UFV não se deram de forma aleatória. Pelo contrário, em sua grande
maioria, as vilas foram construídas próximas aos locais de trabalho dos operários, geradas pelo
discurso capitalista em voga daquele momento, de aumento da produção e da “melhoria das
condições de vida” dos trabalhadores. Em consequência disso, foi observado o
desenvolvimento de um forte controle social daquele grupo, pois, por meio da rigidez e do
23
domínio do espaço trabalhista e privado, buscou-se forjar a conduta moral e social daqueles
trabalhadores. Apesar da recente desocupação de algumas vilas operárias, seja por motivos de
mudança de finalidade, seja por perda do vínculo institucional ou pela destruição de algumas
residências, foi possível verificar que ainda existem três vilas residenciais na universidade (Dr.
Secundino, Araújo e Dona Chiquinha) que são habitadas e que seguem resistindo às
transformações no espaço da instituição.
No terceiro capítulo – “Vilas da UFV - Formação de paisagens e lugares de Memória”
– procuramos demonstrar, por meio dos relatos orais, que as paisagens das vilas dos operários,
assim como da Vila Giannetti, são também lugares de memória. Isso significa dizer que, para
além da ligação com os locais de trabalho, o cotidiano de vivência nessas vilas produziu
associações com a natureza, com momentos de lazer e de manifestações culturais que são
aspectos constitutivos da identidade desses grupos. Exemplos desses cenários são as hortas e a
criação de animais para abate nos diversos quintais das vilas operárias – alimentos esses que
muitas vezes foram compartilhados em comunidade. Também são exemplos as quadrilhas que
aconteciam na Vila Giannetti e as festas religiosas que ocorriam em todas as vilas. Dessa forma,
o objetivo do capítulo é dar visibilidade e valorização à paisagem cultural das vilas. Assim,
procuramos demonstrar que, a exemplo da Vila Giannetti, que foi escolhida como
representativa da memória cultural da universidade, as vilas operárias também possuem
aspectos sociais, afetivos, paisagísticos e arquitetônicos que as qualificam para figurar no rol
do conjunto de bens culturais da UFV.
Por fim, encerramos a discussão com a proposta do Produto, cumprindo a exigência da
legislação que regula a implementação dos cursos de mestrado e doutorado profissional no
âmbito dos programas de pós-graduação stricto sensu. O produto, pensado como uma ação de
intervenção social, visa cumprir o papel de elaboração de proposta com vistas à resolução de
problemas7. No caso da presente dissertação, optou-se por trabalhar com um circuito
patrimonial, visando compreender a percepção da comunidade acadêmica sobre a temática do
patrimônio cultural e, especialmente sobre os bens selecionados pela instituição como
representativos da memória local.
O circuito almejou cumprir um duplo papel de intervenção social: (1) dar visibilidade
às estruturas, aos/às moradores/as e às memórias das pessoas que passaram pela vila nos últimos
setenta anos, mas foram invisibilizadas pela história hegemônica e institucionalizada da
7
Disponível em: http://www.pgextensaorural.univasf.edu.br/index.php/courses/elaboracao-de-projeto-
intervencao-social/. Acesso em: 15 ago. 2023.
24
universidade; e (2) servir como possível subsídio para a construção de uma nova política
patrimonial da instituição, amparada também na opinião pública. As impressões e percepções
dos visitantes sobre o circuito (intervenção social) foram coletadas por meio de um questionário
e da observação participativa. Os resultados foram satisfatórios, pois foi observado que o
objetivo de abrir uma reflexão sobre a inclusão e democratização das memórias que são
transmitidas por meio dos patrimônios culturais foi alcançado.
8
O texto a seguir dedica-se ao percurso metodológico de pesquisa das fontes, por meio da análise de cada conjunto
documental consultado, bem como apresenta resultados de análise, que são incorporados aos capítulos da
dissertação.
25
Relatórios de atividades
Cabe aqui fazer uma análise sobre o teor destes relatórios. Os relatórios dos primeiros
anos de existência da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV) referentes aos anos
de 1925 a 1947 (ESAV, 1925; 1926; 1927; 1928; 1929; 1935; 1947) registraram enfaticamente
o discurso da escassez e da superação de obstáculos. A menção aos “apertamentos”, termo
utilizado em grande parte dos relatórios de atividades, buscava destacar que mesmo em meio à
escassez orçamentária os idealizadores do projeto estavam conseguindo introduzir e estruturar
o ensino agrícola na Zona da Mata Mineira.
O que podemos perceber dos relatórios analisados, compreendidos entre 1925 e 1954,
dos quais 13 contêm alguma informação sobre a construção das residências no campus UFV
(1925, 1926, 1927, 1928, 1929, 1935, 1947, 1949, 1950-1954 – este último compilado em um
único documento), é que se tratam de documentos pormenorizados que fazem uma verdadeira
prestação de contas de todo o funcionamento da escola, seja das despesas com a parte
administrativa (pagamento de pessoal e compra de material de infraestrutura); social (moradias,
saúde, conduta e disciplina, tanto dos alunos quanto dos trabalhadores) ou de ensino (frequência
de alunos, relação de todos os formandos, motivo das faltas). Todos os gastos, passivos e ativos
são contabilizados. Neles estão elencados os materiais gastos na construção dos primeiros
edifícios, principalmente o Edifício Principal (atual Edifício Arthur da Silva Bernardes) que,
segundo se pode verificar nos relatórios, foi o mais dispendioso; nas compras de máquinas; o
gasto com a folha de pagamento, um dos principais assuntos que aparecem nos relatórios e que,
segundo consta, mesmo com os atrasos nos salários, os professores e trabalhadores seguiam
suas funções; e os valores gastos com alimentação, saúde, emissão de diplomas, valores
arrecadados com mensalidades, dentre outros demonstrativos. Enfim, procurava-se tomar nota
de tudo o que acontecia, seja referente à contabilidade ou à conduta moral dos estudantes ou
trabalhadores.
Atas da UREMG
Entrevistas
9
Essa casa se refere a atual Associação dos ex-alunos, localizada na casa n.49 da Vila Giannetti.
27
Vila Araújo 5
Cumpre explicarmos aqui a metodologia que foi utilizada na abordagem de cada grupo,
pois cada uma se deu de maneira diferente. Além disso, foi estabelecido um critério de voltar,
no mínimo, duas vezes em horários diferentes em cada casa, caso fosse encontrada vazia na
primeira tentativa, pois o objetivo era conseguir o maior número de impressões possíveis dos
moradores ou ocupantes. Mas, infelizmente, em algumas casas não foi possível realizar a
entrevista, uma vez que mesmo voltando em horários diferentes a mesma encontrava-se fechada
ou o ocupante não tinha interesse em atender.
O procedimento metodológico no ato das entrevistas foi o de iniciar com uma breve
conversa. Inicialmente, foi explicado o motivo do trabalho, seguindo-se da apresentação e
leitura dos seguintes documentos exigidos pela Plataforma Brasil e pela PPG para a realização
28
10
Para consultar a numeração e respectiva localização das casas, ver Mapa-3.
11
É relevante dizer que, para ocupar as residências da Vila Giannetti, cada órgão ou unidade administrativa celebra
um contrato de cessão de uso com a administração da universidade, cujas regras e exigências de uso e ocupação
são estabelecidas, bem como o prazo da cessão. Alguns desses órgãos são os seguintes: Fundação Artística,
Cultural e de Educação para a Cidadania de Viçosa (Facev), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR),
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia
(CREA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), Instituto
UFV de Seguridade Social (AGROS), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Fundação
de Rádio e Televisão Educativa e Cultural de Viçosa (FRATEVI), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas
Gerais (EPAMIG), Instituto Estadual de Florestas (IEF).
29
Sobre as entrevistas com os moradores das vilas dos operários, a metodologia foi
parecida com a realizada com os atuais ocupantes da Vila Giannetti, de forma presencial.
Contudo, nem todos os moradores quiseram ou puderam participar – casos estes que serão
explicados especificamente. Outro fator a se mencionar é que a maioria das entrevistas com
esse grupo foi realizada no meio externo, em varandas ou quintais das casas, à exceção de uma,
que ocorreu na parte interna da Capela Católica do Cristo Rei, localizada na Vila Dr. Secundino,
por escolha do entrevistado, e outra, de maneira online, também por escolha do entrevistado. A
escolha para a realização das entrevistas em espaços mais arejados foi, em geral, feita pela
pesquisadora, em função do trabalho ter ocorrido no contexto da pandemia da Covid-19, e por
abordar muitas pessoas idosas. Outro critério adotado foi o de voltar ao menos duas vezes em
cada casa, em horários diferentes, quando percebíamos que não tinha ninguém em casa, ou na
indisponibilidade daquele momento, para agendar um outro dia e horário que fossem
convenientes para o entrevistado ou entrevistada.
A primeira vila visitada foi a Dr. Secundino, situada nas proximidades do Departamento
de Zootecnia13, composta atualmente por quatro casas, nas quais residem quatro famílias. Mas,
segundo os relatos coletados, já houve vinte e duas14 famílias residentes, mas com o passar do
tempo as outras residências foram demolidas.
12
Segundo entrevistas com os ex-moradores e moradoras da Vila Giannetti, houve um tempo, provavelmente em
meados da década de 1960, que havia várias famílias de professores americanos lá também vivendo. Muito
provavelmente essa vinda se deu em função do Convênio com a Universidade de Purdue.
13
Para localização das vilas, consultar Mapa 2, Capítulo 2.
14
Sobre o número de casas que existia na Vila Dr. Secundino, verificamos que há um desencontro de informações,
pois para os moradores haviam vinte e duas residências, já em estudos realizados na vila consta a quantidade de
vinte e uma casas.
31
defenderem que o PDFA (2008-2017) trouxe diretrizes de preservação que até então não
existiam na UFV. Segundo eles, apesar das recomendações não estarem sendo seguidas
atualmente, elas foram uma espécie de guia para ajudar na expansão territorial da instituição de
maneira “sustentável”.
As narrativas vão ao encontro de reiterar a preservação da Vila Giannetti pelo seu valor
histórico e arquitetônico. Quando perguntados sobre as vilas operárias, alguns membros
mencionaram que estariam de acordo com a inclusão das mesmas no rol dos patrimônios
culturais do campus, tendo em vista a relevância arquitetônica do estilo de época e também
pelas vivências dos moradores dali, mas que não o fizeram porque não houve demanda por
parte de nenhum setor ou grupo que reivindicasse essa importância naquele momento. Vejamos
um trecho de entrevista que ilustra esse argumento:
(...) elas têm a sua importância, e mereciam receber, por ter um valor histórico
que elas representam, e pelo potencial que está atrelado não só as
características, é, da arquitetura dessas edificações nessas vilas, pela forma
como essas edificações foram implantadas, o que que eu digo forma? O
traçado, o tamanho do lote, as características de ocupação e uso do solo, a
localização delas, comparativamente ao centro do poder e a relação delas com
a cidade de Viçosa. Uma tá mais perto do centro da cidade, as outras estão
próximas aos locais de trabalho, tudo isso aí tem um conjunto de fatores
históricos, de elementos, que tipificam a cultura de um determinado momento,
que hoje não se trata de dizer que é certo, que é errado... Mas de reconhecer
que ele reproduz uma forma de vida, quer dizer, reproduzia uma forma de
viver e de tratar as pessoas que hoje, se mostrado pra outras pessoas, pra gente
vê, “Será que é assim que nós, enquanto seres humanos, independentemente
de conhecimento, de inteligência, de posição que a gente ocupa? Será que a
gente precisa de ter esse aparente distanciamento que era criado entre
senhores, e, não vou falar escravos, mas os que geravam, valor, recursos, para
os mandatários?”. É claro que a administração da instituição não era, não
lucrava diretamente com isso, mas reproduzia uma forma de ser de uma
sociedade aí15.
15
Trecho da entrevista A.C.G.T. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 1h13min. Data: 21 de
setembro de 2022. Viçosa, MG.
33
Contratos
Em relação à análise dos contratos, tanto os celebrados com os moradores das vilas dos
operários quanto os celebrados com os órgãos administrativos e parceiros que ocupam as casas
da Vila Giannetti atualmente, essa se deu por meio de pesquisa realizada no Sistema Eletrônico
de Informações (SEI). Em relação aos moradores das vilas operárias, conseguimos pesquisar
somente um processo, pois os outros estavam com restrição de acesso. Sobre o conteúdo,
pudemos perceber que, a partir de 1993, por meio da Resolução N.º 3/1993 do CONDIR, que
versa sobre a política habitacional para imóveis residenciais da UFV, houve a implementação
de medidas administrativas que visavam normatizar a gestão destes imóveis, como o
estabelecimento de taxa de ocupação (como um aluguel) e a emissão de contas de luz e água.
Além disso, estabeleceu-se que, a partir daquela data, os imóveis se destinariam ao uso da
expansão do campus, sendo ocupados por moradores somente aquelas edificações que fossem
“consideradas essenciais, por sua localização em áreas estratégicas, de experimentação,
pesquisa, produção, segurança, assistência ou manutenção de serviços fundamentais ao bom
desempenho das atividades-fim” (UFV, 1993, s.p.). Acredita-se ser o caso da Vila Araújo, cuja
maioria dos servidores que ali residem trabalham nos setores ligados ao Departamento de
Zootecnia, que fica nas proximidades. Não cabe ao presente trabalho julgar se os preceitos do
contrato estão ou não sendo cumpridos pelos moradores. À nossa discussão interessa apenas
trazer à superfície as vivências e transformações que aqueles moradores imprimiram na
paisagem daqueles locais e suas memórias.
Sobre os contratos realizados com os órgãos administrativos que se localizam na Vila
Giannetti, notamos que recentemente entrou em vigor a nova normativa que aprovou o Plano
de Uso e Ocupação dos Imóveis da Vila Giannetti, Resolução do CONSU N.º3, de 15 de
fevereiro de 2022. Esta resolução versa sobre os pagamentos das taxas de manutenção, água,
luz, ocupação, rede de dados e limpeza urbana. Além dos critérios de concessão que passarão
a ser analisados pela Comissão de Espaço Físico (COESF), nota-se no teor destes contratos a
menção à preservação da Vila Giannetti, em seu parágrafo único: “O ocupante não deverá poder
alterar a fachada ou construir qualquer anexo sem expressa autorização da Pró-Reitoria de
Administração, ouvida a COESF” (UFV, 2022, s.p.).
Sobre as regras de manutenção nas residências da UFV, foi possível, por meio da
pesquisa, verificar que há uma diferença entre os imóveis da Vila Giannetti e os das Vilas
Operárias. Em relação aos primeiros, como a Vila Giannetti figura no rol dos bens culturais da
UFV, pudemos perceber que a mesma possui regras próprias de uso, ocupação e manutenção
34
que são regidas pelos contratos de cessão. Quando as atividades que são desenvolvidas nas
casas são de departamentos ligados à UFV, a mesma se responsabiliza pela manutenção, mas
quando não, os “locatários” são os responsáveis. Já em relação aos imóveis dos operários,
verificamos na recente normativa o estabelecimento sobre as cobranças de valor de ocupação e
energia elétrica. Entretanto, sobre a manutenção das casas, foi verificado nas entrevistas que a
instituição não fornece ajuda de custo para essa despesa, ficando as manutenções sob a
responsabilidade dos moradores que ali residem.
Diante do exposto, é claramente perceptível que as residências da Vila Giannetti se
apresentam mais conservadas do que as das vilas operárias que, segundo relatos dos moradores,
não possuem condições financeiras para tais reformas. Ressaltamos que a escolha por trabalhar
com fontes documentais diversas possibilitou um maior embasamento documental para a
pesquisa, o que propiciou uma compreensão mais inclusiva e democrática sobre o patrimônio
cultural da universidade.
35
16
O PDI é um instrumento de planejamento e gestão, norteador das decisões e ações institucionais, instituído pelo
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) como parte do processo de avaliação institucional.
Disponível em: https://planejar.ufv.br/wp-content/uploads/2018/06/PDI-UFV. Acesso em: 08 fev. 2023.
17
Disponível em: https://www.dac.ufv.br/ufvtemhistorias/22/. Acesso em: 08 fev. 2023.
18
A estrutura organizacional da UFV é dividida em várias unidades administrativas e de ensino. Mencionaremos,
devido à complexidade do organograma, somente as principais: (1) Conselho Universitário (CONSU) e (2)
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE); (3) Reitoria e Vice-reitoria; (4) Sete Pró-Reitorias: Pró-Reitoria
de Ensino (PRE), Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PPG), Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC),
Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PCD), Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PGP), Pró-Reitoria de
Administração (PAD) e Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento (PPO); (5) Campus UFV-Florestal, (6) Centro
de Ciências Agrárias (CCA), (7) Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCB), (8) Centro de Ciências Exatas
e Tecnológicas (CCE), (9) Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH) e (10) Campus UFV – Rio
36
modo que estabeleça diretrizes específicas. O que existe é uma unidade administrativa, a
Divisão de Assuntos Culturais (DAC), ligada à Pró-Reitor de Extensão e Cultura(PEC), que
pratica ações de cunho cultural norteada por três áreas: Memória e Patrimônio Cultural,
Produção Musical e Difusão Cultural. Apesar do esforço da área de Memória e Patrimônio
Cultural, percebe-se que as medidas adotadas ainda estão muito imbricadas à concepção
monumental de patrimônio.
Tal conceito é muito bem trabalhado pela autora Françoise Choay, historiadora e
filósofa francesa em seu livro A Alegoria do Patrimônio (2006). Segundo Choay (2006, p. 17),
o caráter monumental do patrimônio está ligado ao contexto da Revolução Francesa, no qual
“os revolucionários de 1789 não pararam de sonhar com monumentos e de construir no papel
os edifícios através dos quais desejavam afirmar a nova identidade da França”. Desta maneira,
essa noção de monumentalidade se refere à grandeza e ao caráter imponente de uma obra ou
edifício que inspira admiração e respeito. Segundo o pensamento da época, esses monumentos
eram considerados testemunhos materiais da história humana e deveriam ser preservados para
as gerações futuras.
Voltando ao contexto das áreas e legislações que gerem os patrimônios culturais da
UFV, observamos que, além da unidade Memória e Patrimônio Cultural da DAC, encontra-se
na universidade o Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental (PDFA), citado anteriormente,
que desde 2008, em função da crescente expansão, tanto física como educacional da instituição,
se tornou um documento norteador para gerir o uso e a ocupação dos espaços públicos. Em
meio a diversas recomendações e diretrizes, consta nele uma seleção dos bens culturais que
foram escolhidos pelos membros que o idealizaram para representar a identidade da
universidade.
Para melhor compreendermos as memórias e narrativas que estão associadas à escolha
desses bens patrimoniais, primeiro apresentaremos quais são eles. Segundo consta da lista de
“patrimônio histórico”19 do PDFA (2008-2017), temos:
Paranaíba. A divisão em centros de ciências se refere ao agrupamento de cursos de graduação que possuem
disciplinas e áreas afins. Disponível em: https://www.ufv.br/organograma-geral/. Acesso em: 09 nov. 2022.
19
Cabe esclarecer que o termo “patrimônio histórico” mencionado no PDFA se refere a uma visão específica de
patrimônio, que está atrelada ao caráter temporal de ancienidade desses bens. Entretanto, observamos que, em
certa medida, essa concepção tem sido reprovada pelos órgãos patrimoniais nacionais e internacionais, que
atualmente estão adotando concepções mais abrangentes do termo.
37
Casa sede do Campo Experimental “Diogo Alves de Mello”20 (Figura 1). Trata-se da
residência onde morou o professor Diogo Alves de Mello, primeiro professor e chefe do
Departamento d
e Agricultura da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), que também ministrou
a primeira aula da instituição em 1927. Segundo consta nas mídias digitais oficiais da UFV21,
essa é a última casa das dez construídas na década de 20. Essas dez casas se tratam das
residências dos primeiros professores e diretores da ESAV. Como a Escola teve seu
funcionamento inspirado no modelo dos internatos, era comum que os professores, alunos e
trabalhadores morassem em suas dependências. Atualmente, a casa se tornou a sede do
Departamento de Agronomia. Segundo Relatório Anual de Atividades do diretor da ESAV,
datado de 1929,
Pela descrição da planta acima podemos notar que as residências conferidas aos
professores eram amplas e confortáveis. Além disso, eram dotadas de cômodos essenciais para
a salubridade e o bem estar humano, como os banheiros, por exemplo, tanto para empregadas
quanto para os professores. Essa é a diferença mais visível entre as casas dos operários e dos
professores, pois os primeiros não possuíam esse cômodo no interior de suas residências,
conforme veremos posteriormente, no decorrer do trabalho.
20
Segundo Resolução N.º 8 de 1996, o Conselho Universitário da UFV “aprovou o tombamento da área
experimental do ‘Vale da Agronomia’, compreendida entre o prédio do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas
e o Departamento de Engenharia Agrícola”. Toda essa área foi denominada de “Campo Experimental Professor
Diogo Alves de Mello”. Disponível em: https://www.soc.ufv.br/wp-content/uploads/08-961.pdf. Acesso em: 18
abr. 2023.
21
Disponível em: https://vidaememoria.ufv.br/casa-diogo-alves/. Acesso em: 25 mar. 2022.
38
Edifício Bello Lisboa (Alojamento Velho) (Figura 4). Edificação que faz parte do
conjunto de construções do início da fundação da ESAV, em 1926. Segundo informações das
22
Se trata do site “vidaememória”, um projeto criado para “despertar o interesse e melhorar a interação da
comunidade com recursos ambientais e culturais preservados no Campus da UFV pela informação (pequenos
identificadores com a presença de QRcode), além de enfocar a importância histórica e cultural”. Disponível em:
https://vidaememoria.ufv.br/o-projeto/. Acesso em: 23 ago. 2023.
23
Disponível em: http://atom.ufv.br/uploads/r/arquivo-central-e-historico-da-ufv-ach-
ufv/e/8/2/e8291c4931e2b772993abc00c97d7b1e3f39a5ec2c23a1e56f8ca531566684ef/Item__52_.pdf. Acesso
em: 28 mar. 2022.
40
mídias digitais da universidade, “nos primeiros tempos o edifício contava com dormitórios
propriamente ditos, salas de estudos, instalações sanitárias e em seu subsolo funcionava a
cozinha e o restaurante da instituição até o ano de 1964”24. O edifício recebeu esse nome no
ano de 1976, como homenagem ao engenheiro João Carlos Bello Lisboa, que foi diretor da
ESAV e também conhecido como um dos fundadores da escola, pois veio para Viçosa com o
objetivo de, na qualidade de engenheiro civil, auxiliar na construção dos prédios Ed. Arthur da
Silva Bernardes e Prédio do Alojamento Masculino, que formariam o conjunto arquitetônico
básico da Escola Superior de Agricultura e Veterinária – ESAV. Vejamos:
Estação Ferroviária (Figura 5). Edifício inaugurado no mesmo ano da ESAV (1926),
o projeto foi elaborado pelo Escritório Técnico da Leopoldina Railway e executado por Bello
Lisboa. A edificação foi ampliada em 1952 para abrigar o posto dos Correios e Telégrafos e,
24
Disponível em: https://vidaememoria.ufv.br/edificio-bello-lisboa/. Acesso em: 28 mar. 2022.
41
posteriormente, abrigou por muitos anos uma barbearia. Segundo documentos encontrados no
site Atom, gerenciado pelo Arquivo Central e Histórico da UFV, o primeiro contrato celebrado
para atravessamento da linha férrea entre a The Leopodina Raiway Company e a Escola
Superior de Agricultura e Veterinária data de 193425. A construção da estação foi importante
para o crescimento da ESAV, tendo em vista que “foi construído um desvio para transporte de
material, passando o desvio em frente ao prédio principal e alojamento, local de descarregar o
material utilizado na construção (areia, pedra e madeira, por exemplo)”26. Em 2003, a estação
foi revitalizada para abrigar atividades culturais da universidade. Tais projetos fazem parte do
escopo administrativo da Divisão de Assuntos Culturais (DAC), pertencente à Pró-Reitora de
Assuntos Culturais (PEC).
Quatro Pilastras (Figura 6). As Quatro Pilastras foram construídas no final dos anos
de 1920, com inspiração na edificação existente na Iowa State Agricultural College, hoje Iowa
State University, instituição onde estudou Peter Henry Rolfs, cujos princípios básicos eram
‘Aprender Fazendo’ e ‘Ciência e Prática’. Em meados da década de 1930, o Professor João
Moojen de Oliveira criou a expressão: “Ensinar, Saber, Agir e Vencer”, traduzida dos dizeres
em latim Ediscere, Scire, Agere e Vincere, que se tornaram o lema da Universidade Federal de
25
Disponível em: http://atom.ufv.br/. Acesso em: 28 ago. 2023.
26
Disponível em: https://vidaememoria.ufv.br/estacao-cultural/. Acesso em: 28 mar. 2022.
42
Viçosa e estão gravados nas pilastras. Ao entrar na universidade, avista-se a grafia em latim, e,
saindo, avista-se em português27.
27
SILVA, Fabricio Valetim; BORGES, Vera A. Origem da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado
de Minas Gerais: Peter Henry Rolfs e Os Pilares do Saber Esaviano (1920-1929). Revista HISTEDBR On-line,
Campinas, n. 29, p. 169-197, mar.2008. Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/pf-
fe/publicacao/5052/art12_29.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
28
A sigla se refere à Escola Superior de Agricultura. Cabe lembrar que nesta época, a ESAV era formada por
apenas dois cursos, denominados de escolas, quais sejam o de agricultura (ESA) e o de veterinária (ESV).
43
Além dessa demanda social apresentada pelos professores, a construção da Vila também
teve motivação política, dado que um dos pré-requisitos para se retornar a Escola Superior de
Veterinária (ESV) para a ESAV, que havia sido transferida para Belo Horizonte, foi a
construção de casas para todos os professores, além da construção do Hospital Veterinário e
outras infraestruturas do curso. Tal solicitação, também está expressa na lei de estadualização
da escola de 1948 (UREMG-1948).
Atualmente a Vila abriga em suas casas diversas unidades de ensino, pesquisa, extensão
e unidades administrativas da UFV. Além de sedes de órgãos “parceiros”, alguns dos quais tem
no seu escopo de trabalho correlação com as atividades desenvolvidas pela universidade.
45
Réplica da Floresta (Figura 9). Trata-se de réplica inaugurada em 1992 para reproduzir
a sede da Escola Nacional de Florestas (ENF)29. Segundo Adailton Damião dos Santos (2019),
ENF funcionou na UREMG de 1960 até 1963, ocasião que, por motivos diversos, foi transferida
para Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Segundo o mesmo autor, ela foi a primeira
escola de ciências florestais do Brasil. O objetivo de sua criação era “afinar ainda mais os
discursos e as práticas dos cientistas sobre a flora das matas mineiras: o uso dos seus recursos,
o replantio de árvores e a necessidade de sua preservação” (SANTOS, 2019, p. 57). Adailton
informa que, após a transferência para Curitiba, a UREMG criou em 1964 a Escola Superior de
Florestas (ESF), que foi incorporada em sua estrutura administrativa. Segundo placas de
comemoração e homenagem afixadas no local, conclui-se que o edifício continuou a abrigar
salas de aula. Posteriormente, foi a sede do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e, atualmente,
funciona como unidade da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram).
29
Segundo informação colhida por meio de conversa informal com servidores antigos da UFV, a localização
original do edifício da ENF situava-se onde é atualmente a UFV CREDI, cooperativa de crédito que fica próxima
ao Edifico Arthur da Silva Bernardes. Contudo, não foram encontrados documentos que comprovem a veracidade
dessa informação.
46
30
O terreno que deu origem à ESAV era formado por um conjunto de fazendas contíguas, que foram compradas
pelo estado de Minas Gerais a partir do ano de 1922. Foram comprados, na época, 453 hectares de terras de dez
proprietários pelo valor de 294:800$000 réis, sendo os proprietários: Alberto Álvaro Pacheco, Alexandre Ferreira
da Silva, os herdeiros de Antonio Massena, Antonio Vitarelli, Christiano Machado, José Tristão Gonçalves
Guimarães, Huventino Octávio de Alencar, Laurentino Vieira, Lino Lopes Rosado e Octávio Pacheco
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, 1996).
31
CAPANEMA, Carolina M. Belezas de um mundo fabricado: arquitetura e árvores cultivadas. Viçosa. 2020.
Disponível em: <https://emtudovejonatureza.wixsite.com/inicio/post/belezas-de-um-mundo-fabricado-
arquitetura-e-arvores-cultivadas>. Acesso em:28 mar. 2022.
50
Além dos patrimônios acima descritos no PDFA, existe na UFV o Edifício Arthur
Bernardes (Figura 18) – que foi tombado pelo município de Viçosa, por meio do decreto
municipal Nº 3603/2001. Foi o primeiro edifício a ser construído, em 1922, para abrigar todo
funcionamento propriamente dito da ESAV. Deste modo, abrigava tanto as estruturas que
compunham as atividades de ensino, como salas de aula, departamentos, biblioteca e
laboratórios, quanto da administração da escola, como gabinete do diretor e dos professores e
secretaria. Além disso, em seu subsolo funcionavam os alojamentos de estudantes.
Assim como as fontes documentais, Peter Burke (2017) nos diz que as imagens podem
ser utilizadas como evidências históricas, desde que seja realizada uma análise crítica,
procurando evidenciar a intencionalidade da sua representação, seu contexto e outros
significados ocultos que elas podem possuir. Desse modo, a imagem não é a representação da
'verdade', mas produto cultural de uma sociedade que tem a intenção de comunicar alguma
mensagem. Diante disso, iremos fazer uma breve análise da imagem que retrata a fase de
conclusão do segundo andar do prédio principal (Figura 19).
Por meio dessa representação, podemos perceber que existem algumas pessoas
(homens) trajando roupas mais escuras, parecendo ser ternos, e outras, a maioria, trajando
roupas mais claras. Essa diferenciação nas vestimentas nos indica que se tratavam de pessoas
que assumiam cargos diferentes na estrutura da ESAV, parecendo serem as de terno, os homens
ligados a esfera administrativa, como os diretores e engenheiros, e os homens de roupas mais
claras, os trabalhadores ou operários que estavam trabalhando na construção do prédio. O ato
de se posicionar a frente das construções imponentes ou de máquinas inovadoras coaduna com
a mensagem de passar o sentimento de progresso e modernidade. No caso da ESAV, a exemplo
52
dos relatórios de atividades escritos pelos diretores nos primeiros anos de sua construção e
analisados na introdução deste trabalho, nos quais nos mostraram os relatos minuciosos de todo
funcionamento da escola, também existem no acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV
várias fotografias que procuram ilustrar todas as fases da construção da ESAV, desde os
edifícios até as plantações realizadas nos diversos campos de experimentação, dentre outras
fotografias. Esses registros nos indicam que havia, por parte da administração da ESAV, uma
intenção de documentar o progresso e as obras que dariam origem a escola. Isso demonstra,
como já mencionado anteriormente, que a despeito dos períodos de escassez orçamentária
porque estavam passando, a Administração conseguiu prosseguir com a construção da
instituição.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2022. Google Earth, referência do PDFA (2008-2017).
Como podemos verificar por meio das figuras acima, a escolha do conjunto de bens
listados no PDFA (2008-2017) indica que foram fruto de decisões políticas realizadas por
determinados grupos que buscaram privilegiar o patrimônio edificado. As memórias atreladas
a eles são as que vão ao encontro do passado, isto é, do início da fundação da instituição,
vinculadas às elites e com ênfase no curso de Agronomia, que teve destaque no contexto de
surgimento da modernização agrícola no Brasil. Associadas a elas estão as concepções de
modernidade e de progresso difundidas naquele período. É possível perceber, desse modo, que
54
são memórias elitistas e excludentes, uma vez que não abarcam a diversidade cultural que
existia e ainda existe dentro do território32 da universidade.
Problematizando o discurso oficial veiculado pela UFV, a sua constituição, tanto física
como educacional, se deu em diferentes fases, o que refletiu diretamente na escolha de alguns
bens como, por exemplo, o conjunto arquitetônico e urbanístico da Vila Giannetti, que teve seu
planejamento de construção iniciado em finais da década de 1940, na fase de implantação da
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG). Já os outros se referem à fase de
fundação, época da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), na década de 1920.
Para contextualizar melhor sobre esses conjuntos arquitetônicos, faz-se necessário
relembrar como se deu o início do empreendimento da instituição de ensino. Segundo o discurso
hegemônico, presente nas mídias institucionais e nas obras memorialistas sobre a história da
universidade, a construção da mesma teve sua formação empreendida em três fases: Escola
Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), Universidade Rural do Estado de Minas Gerais
(UREMG) e a atual Universidade Federal de Viçosa (UFV). Entretanto, antes de explanarmos
sobre elas, cabe salientarmos que esse discurso organizado e desprovido de conflitos e relações
com os fatos históricos que ocorreram no período foi objeto de estudo da autora Isabel
Pompermayer, em sua dissertação de mestrado. Para Pompermayer, o intuito de divulgar e
manter uma narrativa sobre o passado da instituição que fosse eloquente, saudosista e que
elevava sempre as memórias dos precursores tidos como responsáveis pela fundação e
organização da UFV, sobretudo na fase da ESAV, se deu com o objetivo de promover a
identidade e a coesão da universidade. Para verificar como isso ocorreu, a autora buscou
trabalhar as memórias coletivas sobre a escola e estabelecer o seu quadro de referências
(POMPERMAYER, 2018).
O quadro de referências ao qual se refere Pompermayer (2018) diz respeito às obras
memorialistas sobre a instituição, que são, em sua maioria, publicadas em datas comemorativas,
com o objetivo de manter a valorização e o status social da atual UFV. Ele também se refere ao
conjunto de autores e editores, servidores que são autorizados pela escrita desta memória. Ainda
para a autora, esse quadro
32
Ressaltando que, neste trabalho, o conceito de território será o utilizado pelo viés do autor Milton Santos, que
diferencia: “território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência,
das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida” (SANTOS, 1999, p. 27).
55
33
Disponível em:
https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DEC&num=6053&comp=&ano=19
22. Acesso em: 3 out.2022.
34
Sobre o conceito de modernização ver: COELHO, France Maria Gontijo (1999); RIBEIRO, Maria das Graças
Martins (2016); e SILVA, Gustavo Bianch (2014).
56
agroexportadora e para a futura ocupação de cargos públicos. Neste último caso, o acesso estava
restrito aos homens35 que tinham recebido instrução média e superior, com a intenção de que
pudessem dar continuidade ao processo de abastecimento do mercado externo (AZEVEDO,
2005).
Segundo Silvia Fávero Arend (2013), no início do século XX houve uma ampliação da
escolarização das mulheres. Aquelas advindas das “famílias das elites e dos setores médios
passaram a frequentar o curso primário, o ginásio e, eventualmente, o secundário nas escolas
confessionais católicas femininas e de outras congregações religiosas presentes nas capitais dos
estados da federação” (AREND, 2013, p.72). No que concerne à educação feminina no âmbito
do ensino agronômico no Brasil, regido pelo Decreto Federal n.º 8.319, de 20 de outubro de
1910, havia a previsão no Art. 354 de instalação de “escolas domésticas agrícolas, de caráter
elementaríssimo, ligadas aos estudos primários, as quais visavam preparar as filhas dos
cultivadores para os misteres da vida agrícola, conforme a expressão contida na própria lei”
(BRASIL, 1910). Entretanto, não foi possível encontrar documentos que tratassem da presença
feminina nos cursos de Agronomia e Veterinária nos tempos da ESAV, o que leva a crer que a
escola tinha o ensino voltado para a educação dos homens.
Somente em 1952, em decorrência da Lei n.º 272, de 13 de novembro de 1948, que criou
a UREMG, quando a Escola Superior de Ciências Domésticas (ESCD) foi fundada, dando
origem ao curso de Economia Doméstica que as mulheres passaram a ter acesso ao ensino na
universidade. De acordo com informações institucionais, veiculadas no site da universidade e
presentes na página oficial do curso,
Não é a proposta deste trabalho fazer um estudo de gênero sobre a educação que se
ministrou no início da fundação da UFV. Contudo, pudemos notar que, assim como as outras
memórias que foram silenciadas na escolha dos patrimônios culturais da universidade, as
mulheres também foram relegadas a este lugar. Desse modo, iremos fazer aqui uma breve
exposição sobre o curso de Ciências Domésticas, bem como sua relevância para a história da
O uso do gênero aqui é intencional na medida em que a ausência de mulheres nos cursos de Agricultura e
35
instituição, uma vez que um dos objetivos do trabalho é discutir o discurso hegemônico que
direcionou as escolhas patrimoniais.
As Ciências Domésticas surgiram nos Estados Unidos no início do século XX, como
demanda do desenvolvimento industrial e da urbanização. As mulheres começaram a trabalhar
fora de casa em grande número, e a estrutura familiar tradicional foi alterada. Como resultado,
surgiram preocupações com o bem-estar das famílias e a necessidade de oferecer educação e
formação para lidar com essas mudanças. Foi nesse contexto que surgiu a ideia de um curso
que abordasse temas como nutrição, saúde, higiene, vestuário, gestão doméstica e puericultura.
Essa nova área de estudo foi inicialmente chamada de “Economia Doméstica”, e tinha como
objetivo formar profissionais capacitados para atuar como educadores, consultores e líderes
comunitários, capazes de ajudar as famílias a enfrentar os desafios do mundo moderno36.
Em função da relação entre UREMG e Universidade de Purdue, o curso de Ciências
Domésticas foi trazido para Viçosa com o objetivo de implantar e iniciar a extensão
universitária por meio do saber técnico. Desse modo, a instituição se tornou a primeira
universidade brasileira a fundar o curso, tendo em vista sua importância para o desenvolvimento
rural. Entretanto, a autora Camila Fernandes Pinheiro (2018) faz uma crítica à formação dada
pelo curso, uma vez que era de aspecto genérico e que desconsiderava as especificidades da
vida rural.
Nota-se, desse modo, que as Ciências Domésticas tiveram sim papel de relevância para
a instituição, seja na implantação da extensão universitária ou como o primeiro curso do âmbito
36
AMARAL, Júnior J. C.; ALVES, A. E. S. Ellen Richards e as “Ciências Domésticas”:
elementos para a compreensão da proposta científica de Economia Doméstica. Intelligere, Revista de História
Intelectual, n. 9, p. 230-251. 2020. Disponível em: http://revistas.usp.br/revistaintelligere. Acesso em: 31 mar.
2022.
58
no cenário brasileiro. A exclusão do seu edifício da seleção dos patrimônios culturais da UFV,
só evidencia que as escolhas foram de cunho patriarcal, dentre outros critérios.
Passando para a constituição do corpo administrativo da ESAV, de acordo com o
Decreto n.º 7.323, de 25 de agosto de 1926, que instituía o regulamento da Escola Superior de
Agricultura e Veterinária do estado de Minas Gerais, ela era composta pelos seguintes
membros: “(...) o diretor, o secretário, o bibliotecário, o administrador da fazenda, o porteiro e
os serventes” (SABIONI; BORGES, 2010, p. 41). Existia, também, a Congregação 37, “(...)
constituída pelo Diretor e pelos professores catedráticos e auxiliares da Escola (...), que tinham
como uma de suas incumbências a de cooperar na administração da Escola” (Ibidem, p. 45).
Já na fase da Universidade Rural de Minas Gerais (UREMG), ao analisar os
organogramas, observou-se que a estrutura administrativa da instituição começou a ganhar
forma mais robusta. Este período é marcado pela transferência da administração da escola para
o estado de Minas Gerais por meio da Lei estadual n.º 272, de 13 de novembro de 1948.
Constituída pela antiga ESAV, a UREMG também era composta pela Escola Superior de
Veterinária, que retornava a Viçosa após ter sido transferida para Belo Horizonte em 1943; pela
Escola Superior de Ciências Domésticas; e ainda pela Escola de Especialização, o Serviço de
Experimentação e Pesquisa e o Serviço de Extensão.
Esta fase foi pautada pelo discurso de dificuldades econômicas, tema abordado com
frequência nos relatórios de atividades escritos pelos diretores desde a fase da ESAV, atas e
cartas escritas tanto por diretores de departamento quanto pelos diretores da UREMG, nas quais
frisam sobre o descumprimento do Estado em enviar os recursos orçamentários. Mas, a despeito
disso, a universidade passava por um período de crescimento, tanto em investimentos
financeiros quanto em expansão física. Este fato é atribuído pela autora Maria das Graças
Ribeiro aos “acordos de cooperação firmados pela UREMG com os Estados Unidos, os quais
tiveram sobre a mesma impactos de grandes proporções, contribuindo decisivamente para a
modernização da instituição” (RIBEIRO, 2007, p. 51).
Um dos acordos que mais trouxeram impactos para a UREMG foi o celebrado com a
Universidade de Purdue38. Firmado em 1951, este convênio teve várias renovações até findar
37
A Congregação era um grupo deliberativo formado por professores e a direção central da ESAV, que tinha como
objetivo discutir os rumos pedagógicos e administrativos da escola. Era um grupo que definia várias ações como:
punições por infrações, calendário de avaliações, conteúdos e disciplinas ministradas, entre outros. Tinha o
funcionamento parecido com o desempenhado pelos Conselhos Escolares (PAES, 2017, p. 11).
38
Localizada em West Lafayette, Indiana, é uma universidade tradicional norte-americana criada na segunda
metade do século XIX por meio da Lei de Concessão de Terras Morril, por meio da qual a federação entregava
terras públicas aos estados que concordassem assentar nelas faculdades cujo ensino se embasasse na agricultura e
nas artes mecânicas. Atualmente, segundo consta no site oficial da Universidade, a mesma procura seguir um
59
em 1970. Seu objetivo consistia em um acordo de cooperação técnica e científica assinado após
a Segunda Guerra Mundial entre Brasil e Estados Unidos, no qual este último, por meio desta
relação, buscava ampliar sua zona de influência nos países da América Latina. Tal cooperação
propiciou o intercâmbio entre professores brasileiros e norte-americanos. Os primeiros
passavam um curto período de tempo na Universidade de Purdue, buscando aprender sobre a
chamada moderna ciência agrícola. Aos últimos, por sua vez, cabia ajudar a expandir as práticas
da extensão rural no Brasil. Além deste convênio, outros firmados com empresas privadas,
como a Fundação Ford e a Fundação Rockfeller, que por meio da USAID (Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional), criada para coordenar os acordos e convênios,
fizeram grandes investimentos de infraestrutura na UREMG, como a construção e ampliação
de laboratórios e a construção do Departamento de Engenharia Rural (SILVA, 2014).
Cabe aqui esclarecermos o conceito de “modernização” que permeou a fase da
UREMG. Segundo Gustavo Bianch Silva (2014), os discursos de modernização agrícola no
qual se pautavam os cursos de extensão rural difundidos no Brasil durante este período pelos
técnicos agrícolas norte-americanos ligados ao projeto Purdue, e também pelas agências de
crédito agrícolas, estavam amparados na deslegitimação das práticas agrícolas tradicionais.
Segundo as narrativas hegemônicas da época, a agricultura rotineira praticada pelos produtores
brasileiros estava ligada a aspectos de um passado atrasado que precisava ser superado, para
que os produtores pudessem obter maiores benefícios em relação à produção. Para Martine
(1990 apud SILVA, 2014, p.16), “as supersafras contribuíram para fortalecer uma imagem de
uma agricultura moderna, autossuficiente, de consequências sociais inevitavelmente
benéficas”. Na verdade, observa-se que esse discurso estava transpassado por interesses
políticos e econômicos excludentes, que beneficiavam os grandes produtores rurais e o mercado
externo norte-americano e excluía os pequenos produtores rurais.
Para a autora France Maria Gontijo Coelho (1999), o processo de modernização das
escolas agrícolas estava pautado pela mudança do paradigma no sistema de ensino que já estava
atribuído a elas desde a fundação. A supervalorização das competências técnicas e do ensino
prático foi a razão de ser dos profissionais agrários que despontaram no final do século XIX e
início do XX no cenário brasileiro.
Seguindo esse roteiro, foram criadas, no Brasil, as escolas agrícolas nas quais instituiu-
se a introdução de novas técnicas, como irrigação e uso de maquinário na produção agrícola.
Ainda no contexto de modernização da UREMG, as remessas de recursos enviadas à
universidade por meio dos convênios celebrados, tanto com a Fundação Ford e Rockfeller,
quanto com o projeto Purdue, muitas vezes serviam para aparelhar a infraestrutura da escola.
Além do campo da pesquisa, os investimentos foram direcionados para a construção de
diversos departamentos, como o de Economia Rural e de Ciências Domésticas, para compras
de máquinas e equipamentos, para a construção da biblioteca, laboratórios e criação de campos
de experimentação. Ademais, houve também remessas revestidas para a construção de uma das
casas do conjunto arquitetônico e urbanístico da Vila Giannetti, a casa de n.52, financiada pela
Fundação Ford, que teve sua construção erguida em tempo recorde para abrigar o responsável
pela fundação durante o período que durasse o convênio (SABIONI; BORGES;
MAGALHÃES, 2006). Além disso, por diversas vezes esses recursos também foram utilizados
para o pagamento de professores e funcionários39.
A terceira e última fase de constituição da atual Universidade Federal de Viçosa refere-
se à federalização da instituição de ensino por meio da incorporação da UREMG, instituída
pelo Decreto-Lei Federal n.º 570, de 08 de maio de 196940. Esse período representou o início
de vários marcos de expansão e desenvolvimento do campus de Viçosa ao longo dos anos. Um
dos mais visíveis e atuais foi a adesão da universidade ao Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto n.º
6.096, de 24 de abril de 2007, que permitiu a ampliação de vagas por meio da criação de cursos
39
Esses e outros assuntos foram discutidos nas diversas reuniões que se deram no âmbito do Conselho
Universitário da UREMG, como demonstrado nas ATA de n.º 8/1951, no qual podemos encontrar sobre a doação
da Fundação Rockefeller; na Ata n.º 9/1952 sobre a vinda de professores da University Purdue para UREMG para
trabalhar no serviço de extensão e Economia Doméstica. Além de mais uma doação da fundação Rockefeller para
aparelhamento de laboratórios.
40
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del0570.htm. Acesso em 09 out.
2022.
61
de graduação, como os cursos de Ciências Sociais e Engenharia Mecânica, por exemplo. Além
disso, gerou o aumento no número de vagas nos concursos públicos para técnicos
administrativos e docentes. O intuito era ampliar o acesso e a permanência no Ensino Superior
nas universidades públicas brasileiras41. A adesão ao REUNI certamente influenciou a
elaboração do PDFA, documento que prevê o enquadramento dos bens culturais da
universidade, já que era de se prever que a expansão da instituição causaria impactos nos
processos de ocupação territorial do campus e, consequentemente sobre seu patrimônio.
Segundo o artigo da autora Rúbia Fonseca Roberto (2011, p. 318), que trata sobre a
reestruturação porque passou a UFV em atendimento à adesão ao programa REUNI, uma das
construções que constava neste documento foi a erguida para abrigar os “(...) edifícios
destinados à área da Saúde”. Tais edifícios que abrigam os cursos de Medicina e Enfermagem
e que se localizam próximo à popularmente conhecida “avenida da saúde” estão muito
próximos a uma antiga vila dos operários, a Vila Dr. Secundino de São José. Essa Vila está
sofrendo impacto direto da reestruturação física que foi implementada naquela região, uma vez
que vem paulatinamente sendo destruída. Tal ação teve respaldo primeiro no planejamento da
reestruturação dos novos projetos de construção e ocupação territorial implementados pelo
REUNI e, posteriormente, sua consagração se deu com o PDFA, que em sua “Seção VI – Do
uso e ocupação do solo na zona de expansão 2 (ZEx2)”, no item VIII, diz que “a área da Vila
Secundino deverá ser futuramente destina a expansão do CCB” (PDFA, 2008, p. 24).
Apesar de estar localizada em uma zona de expansão física, a Vila Secundino, assim
como sua contemporânea abastada, a Vila Giannetti, tem sua construção e constituição
enquadrada na história de fundação da UFV. Entretanto, por suas memórias não se enquadrarem
no discurso oficial elitista da fundação da instituição, a mesma foi silenciada, da mesma maneira
que as memórias das outras vilas operárias.
Essas diferenças podem ser explicadas, segundo o autor Michel-Rolph Trouillot (1995,
p. 59), como dadas pelo “(...) desnível de poder na produção de fontes, arquivos e narrativas”,
consideradas como formas de se moldar o conhecimento histórico por meio da perspectiva de
certos grupos sociais. A partir disso, podemos afirmar que a história é uma construção social
forjada pelos interesses de poder que existem em determinado momento histórico. Trouillot
(1995) mostra como as narrativas históricas são criadas a partir de um processo de seleção e
41
Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm. Acesso em 09 out.
2022.
62
exclusão, e que os eventos, pessoas e experiências que não se encaixam nos padrões dominantes
são, muitas vezes, silenciados ou marginalizados.
Assim, verificamos, deste modo, que as memórias que estão atreladas aos patrimônios
culturais da instituição remontam ao discurso hegemônico de um passado patriarcal, elitista,
grandioso e de superação de dificuldades, o qual desconsidera os conflitos sociais nos diferentes
contextos históricos em que os atores e as atrizes do passado estavam inseridos. Diante disso,
não é de se estranhar que os bens culturais elencados no PDFA estejam associados àquela que
é considerada a fase áurea da instituição, a saber, a época de idealização e construção de seus
primeiros edifícios e equipamentos, vinculados ao ideal de progresso e civilização vigentes no
período, como expressos pelos edifícios Arthur da Silva Bernardes e Bello Lisboa (Alojamento
Velho). Do mesmo modo, ocorreu a valorização de estruturas associadas à cultura norte-
americana, representada pelas Quatro Pilastras, e por aspectos construtivos da Vila Giannetti.
O fenômeno explica também a valorização do contexto de modernização e mecanização da
produção, no qual a universidade esteve imersa, representada no PDFA pela Estação Ferroviária
e pelas máquinas localizadas no “Galpão de máquinas e implementos da Agronomia”.
Para realizar uma análise dos discursos que estão atrelados aos patrimônios culturais,
observa-se que se torna fundamental a compreensão dos contextos sociais nos quais os valores
que os determinam são forjados. Para o autor Michel Foucault, em seu livro A Ordem do
Discurso (1970), o discurso surge como uma forma de poder impulsionada pela necessidade de
suprir a “vontade de verdade” que surge nas diversas sociedades ao longo do tempo. Munidos
deste poder, certos grupos criam e se apropriam de discursos para impor ou silenciar outros,
sendo este um modus operandi pelo qual obtêm controle social, em especial, nas instituições.
Para Foucault, “Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e
uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando
de nossa sociedade – uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” (FOUCAULT,
1970, p. 10). No caso do patrimônio, o discurso é utilizado para impor uma identidade a
sociedade, por meio de valores generalizados que não refletem sua diversidade cultural, mas
que representam apenas uma pequena parcela da população, em sua maioria, as elites.
Alinhado a este pensamento, estudos mais recentes começaram a trabalhar no sentido
de fazer uma crítica a esse discurso autorizado do patrimônio, como denominado por Laurajane
Smith (2021). A autora espanhola Guadalupe Jimenez Esquinas (2017) utiliza da perspectiva
63
feminista para isso. Segundo ela, existe ausência do gênero em vários campos do patrimônio,
sejam nas representações dos bens culturais ou nas próprias instituições gestoras. Neste sentido,
ela argumenta que, muitas vezes, o patrimônio cultural é definido e valorizado a partir de uma
perspectiva masculina e hegemônica, o que leva a uma exclusão sistemática das contribuições
e experiências das mulheres na construção da cultura.
Outro ponto analisado por Esquinas é a limitação de valores que se atribui aos bens
culturais. A autora propõe que devemos abordar o patrimônio cultural de forma mais ampla,
considerando não apenas os valores de cunho tradicional, mas também os representados por
aspectos mais sensíveis. Nesta perspectiva, Laurajane Smith (2021) traz a visão de atribuir
caráter afetivo ao patrimônio. Este, evocado por meio da memória, no sentido da memória
coletiva analisada por Halbwachs (1990), emerge por intermédio das lembranças vivenciadas
pelos grupos.
Entretanto, observamos que a trajetória até a chegada dessas novas concepções não se
deu sem conflitos e ainda estão longe de ser amplamente aplicadas. No caso brasileiro, podemos
notar nas bases de fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
(órgão público criado em 1937 durante o governo de Getúlio Vargas para gerir os assuntos e as
escolhas dos patrimônios culturais brasileiros) que os valores atribuídos aos patrimônios iam
ao encontro de forjar uma identidade cultural, de valor universal para o Brasil, cuja finalidade
era a valorização e construção da ideia de nação. Alinhado a esse pensamento, eram escolhidos
somente patrimônios que representassem valores históricos, artísticos e arquitetônicos
vinculados a “fatos memoráveis da história do Brasil”43. Estes, por sua vez, estavam atrelados
aos critérios de ancianidade, valor estético ou caráter excepcional.
42
Tradução livre:O patrimônio não foi apenas criado e utilizado para sustentar os grandes discursos do
nacionalismo, do imperialismo, do colonialismo, do elitismo cultural, do triunfalismo ocidental e da exclusão
social baseada na classe e na etnicidade, mas também foi criado e utilizado por e para sustentar os grandes homens
ocidentais das elites sociais e econômicas no poder baseadas na perpetuação de hierarquias sexo-gênero
(ESQUINAS, 2017, p. 23).
43
BRASIL, Decreto-lei n.º 30/11/1937. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/522691. Acesso em: 31
mar. 2022.
64
44
BRASIL, Decreto-Lei n.º 8.534, de 02 de janeiro de 1946. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-8534-2-janeiro-1946-458447-
publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 31 mar. 2022.
66
Contudo, apesar da legislação patrimonial brasileira ter sido alterada ao longo das
últimas décadas, incorporando novos conceitos e abordagens, como a preservação do
patrimônio imaterial e o maior apoio da participação da sociedade civil na gestão do patrimônio
cultural, observamos que na prática, ainda falta percorrermos um longo caminho no sentido de
desenvolver a democratização da definição do que é patrimônio no Brasil; tanto o que tange ao
acesso a estes bens, quanto aos seus processos de escolhas.
Ainda existem categorias (como a da paisagem cultural, por exemplo) que precisam ser
melhor discutidas. A paisagem, como objeto de pesquisa e como categoria patrimonial, ganhou
ao longo do tempo diferentes perspectivas de estudos, pois, além dos valores de seus aspectos
estéticos, monumentais e excepcionais, destacados no início das discussões sobre patrimônio
no Brasil, foi possível, por meio de disciplinas da área das ciências humanas, ampliar os olhares
sobre ela. Verificamos, desta maneira, que sua análise permite descortinar enredos e discursos
sociais que possibilitam aflorar memórias coletivas. Conforme assinala Besse (2014, p.18), é
“possível mostrar que as determinações da construção paisagística também são econômicas,
religiosas, filosóficas, científicas e técnicas, políticas, até psicanalíticas etc.” e, por isso,
constituem-se testemunhas do passado. Alguns avanços nesse sentido podem ser notados na
Legislação Patrimonial com destaques para as interseções entre aspectos culturais e ambientais.
Este é o caso da inserção da categoria Paisagem Cultural na lista da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1992, e a Regulamentação da
paisagem como instrumento de preservação do patrimônio cultural pelo IPHAN em 2009, por
meio da chancela da Paisagem Cultural.
as práticas e políticas de salvaguarda da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da UFV. O objetivo é descobrir se as práticas
realizadas na UFV estão alinhadas com as de suas conterrâneas.
Segundo informações que se encontram nas mídias institucionais, a UFSJ “foi instalada
em 21 de abril de 1987 como Fundação de Ensino Superior de São João Del-Rei (FUNREI) e,
no ano de 2002, foi transformada em Universidade”48. A UFSJ está localizada na cidade mineira
de São João del Rei, cidade setecentista e palco do início da história da colonização do atual
estado de Minas Gerais.
Segundo dados do IPHAN49, a cidade tem um núcleo histórico urbano que compõe o
conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade e é constituído por vários conjuntos de bens
materiais, como igrejas, capelas e pontes, totalizando um conjunto de setecentos imóveis, que
foram tombados em 1938.
Como parte da estrutura administrativa da universidade, a Pró-reitora de Extensão e
Assuntos Comunitários (PROEX) atua visando ao desenvolvimento de atividades e práticas
culturais no âmbito da instituição. Dentre as principais ações realizadas pela PROEX, destacam-
se o Inverno Cultural, a Semana de Extensão Universitária (que integra o Congresso de
Produção Científica e Acadêmica), a administração do Centro Cultural, do Centro de Referência
de Cultura Max Justo Guedes (Fortim dos Emboabas), Concurso de Presépios, Museu do Barro
e Museu de Vivências50.
Percebemos que as ações que são praticadas nos museus acima vão além da concepção
tradicional de exposição das reminiscências do passado colonial, ao passo que é possível notar
que as práticas desenvolvidas nos mesmos têm o objetivo de demonstrar, valorizar e
desenvolver projetos que aproximem a comunidade acadêmica da população da cidade. Um
exemplo é o Museu de Vivências, que “visa trabalhar a noção de lugar, identidade e questões
ligadas às relações étnico-raciais – já que a maioria da população do bairro consiste de
afrodescendentes. Esse ponto de memória trabalha, fundamentalmente, com o patrimônio
imaterial” (UFSJ, 2023, s.p.).
O bairro mencionado se chama Alto das Mercês e é formado por descendentes
quilombolas que trabalharam na exploração do ouro na cidade. Segundo um documentário que
consta na página do site da universidade, a cidade teve sua fundação iniciada naquele local.
Outras ações praticadas pela Pró-Reitoria são as exposições do acervo de cerâmica e cursos que
48
Disponível em: https://ufsj.edu.br/dplag/a_ufsj.php. Acesso em: 12 de mar. 2023.
49
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/375/. Acesso em: 13 de mar. 2023.
50
Disponível em: https://ufsj.edu.br/dplag/a_ufsj.php. Acesso em: 12 de mar. 2023.
69
visam dar visibilidade e conhecimento para a população sobre os materiais de matriz africana
e indígena51.
O que pudemos perceber é que a instituição de ensino tem aproximado suas práticas de
patrimônio cultural das concepções mais abrangentes defendidas em parte, pelo IPHAN, ao
passo que almejam desenvolver projetos e ações sobre o patrimônio imaterial dos diversos
grupos que habitam a cidade de São João del Rei – objetivos também em consonância com os
diversos itens descritos no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da Universidade.
51
Disponível em: https://ufsj.edu.br/dplag/a_ufsj.php. Acesso em: 12 de mar. 2023.
52
Disponível em: https://ufsj.edu.br/coesf/. Acesso em: 01 abr. 2022.
53
Disponível em: https://www2.ufjf.br/procult/apresentacao/. Acesso em: 13 de mar. 2023.
70
Reitoria de Cultura (PROCULT) atua em diversos setores culturais, como: museus, centros de
memórias, música, teatro, artes, acervos, jardim botânico, dentre outros. O objetivo é
“estabelecer a concepção de cultura como direito, o que impõe à política cultural uma meta de
universalização do acesso aos meios de criação, difusão e fruição de bens culturais e pressupõe
tratar cada cidadão como um agente cultural” (UFJF, 2023, s.p.).
Para tanto, desenvolve seus projetos e ações culturais por meio dos seguintes órgãos:
Centro Cultural Pró-Música, que trabalha a formação da Música Colonial Brasileira e Música
Antiga; Centro de Conservação da Memória (CECOM), cujo objetivo principal é preservar a
memória social local, regional e nacional; Cine-Theatro Central, bem tombado pelo IPHAN;
Coral Universitário; Fórum da Cultura, localizado em um casarão que remonta à primeira
metade do século XX e que resguarda a memória da universidade; Memorial da República
Presidente Itamar Franco; Museu de Arqueologia e Etnologia Americana; Museu de Arte
Murilo Mendes (MAMM) e Museu da Moda Social.
Verificamos, a partir dos diversos setores e ações promovidas pela UFJF, que a mesma
busca, por intermédio da difusão cultural, estabelecer a interdisciplinaridade entre diversos
campos que permeiam a temática. No campo do patrimônio, notamos que existem trabalhos
voltados para diversas categorias, tanto materiais quanto imateriais, como a promoção de ações
socioambientais no Jardim Botânico da instituição que visam valorizar a paisagem.
Segundo o PDI da instituição, os órgãos ligados à PROCULT, bem como as ações e
projetos culturais desenvolvidos pelos mesmos, estão em consonância com as metas da
instituição (PDI/ UFJF, 2022-2027).
Além da PROCULT, a UFJF conta com um Laboratório de Patrimônios Culturais
(LAPA) em seu campus. De cunho interinstitucional, se trata de um grupo de pesquisa e
extensão criado em fins de 2008, com o objetivo transdisciplinar de discutir e pesquisar os
processos históricos de formação dos patrimônios culturais, bem como das políticas,
intervenções e formas de gestão dos mesmos. O laboratório conta com a supervisão de
professores do Departamento de História e Arquitetura e Urbanismo, além de pesquisadores de
outras instituições federais (UFJF, 2023). Entretanto, apesar das ações desenvolvidas, a
universidade não conta com um órgão ou documento específico dedicado a gerir seu patrimônio
cultural.
A última instituição elencada é a UFV, objeto do presente trabalho. Retomando as ações
culturais promovidas pela instituição, temos a Pró-Reitoria de Cultura (PEC) como o órgão
administrativo responsável por “coordenar, estimular e compatibilizar as atividades de extensão
e cultura desenvolvidas pelas diversas unidades da UFV” (UFV, 2023, s.p.). Organizada em
71
três divisões, Extensão (DEX), Eventos (DEV) e Assuntos Culturais (DAC), cabe a esta última
gerir, promover e difundir a cultura no âmbito do campus UFV.
Como dito anteriormente, no início do capítulo, a DAC está dividia em três eixos de
atuação institucional: Memória e Patrimônio Cultural, compreendendo o Museu Histórico e a
Pinacoteca da UFV, Casa Arthur Bernardes, tombada pelo IPHAN, e a Estação Cultural;
Produção Musical, composta pelos diversos grupos de corais e a Difusão Cultural que tem
função de estimular a promoção de grupos artísticos e programas de intercâmbio cultural com
outras instituições (UFV, 2023). Além destas unidades administrativas, a PEC conta também
com a Secretaria de Museus e Espaços de Ciência (SEMEC), órgão criado em 2019, por meio
da Resolução n.º 03 do CONSU54 com a “finalidade de contribuir para a preservação e
fortalecimento da memória institucional” (CONSU/ UFV, 2019, s.p.). Segundo o Art. 5º do
Regimento Interno da SEMEC, seus espaços integrantes são os seguintes:
Apesar da crítica, por não contemplar a diversidade cultural, a UFV trouxe no PDFA
(2008-2017) diretrizes de preservação que até então não existiam em seu território. Segundo
membro da comissão que elaborou o PDFA, apesar destas recomendações não estarem sendo
seguidas atualmente, elas foram uma espécie de guia para ajudar na expansão territorial da
instituição de maneira “sustentável”.
Criado em 2008, o PDFA-UFV é composto por três comissões para planejar, controlar
e gerir o espaço físico do Campus da UFV: a COESF, a COMAM e o CA-PDFA. A Comissão
do Espaço Físico (COESF), juntamente com a Comissão de Meio Ambiente (COMAM), fazem
parte da estrutura da Pró-Reitora de Administração, enquanto que a Comissão de
Acompanhamento e Gestão do Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental do Campus
UFV-Viçosa (CA-PDFA) pertence à estrutura organizacional da Pró-Reitoria de Planejamento
e Orçamento (PDFA, 2008). Apesar das Comissões terem equivalente importância, a COESF é
a mais atuante e regular dentre elas, tendo sido debatidos em suas reuniões os assuntos de
relevância institucional sobre a expansão física da universidade, tais como: a escolha de locais
55
Trecho da entrevista de A.C.G.T. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 1h13min. Data: 21
de setembro de 2022. Viçosa, MG.
73
56
A origem da denominação das vilas operárias será objeto de análise do próximo capítulo desta dissertação “Vilas
da UFV– Controle Social”.
57
Regido pela Resolução n.º 14/2008 do Conselho Universitário, o PDFA é o instrumento orientador e normativo
dos processos de ocupação territorial do Campus para os dez anos seguintes à sua expedição, com indicação de
revisão findo o prazo de cinco anos, o que não ocorreu. O documento tem a “finalidade de orientar a expansão
físico-territorial na totalidade do seu território, de forma social e ambientalmente sustentável e compatível com as
metas de expansão didático-pedagógica da UFV”. O Plano foi elaborado em 2008 por uma comissão mista de
professores do Departamento de Arquitetura e agentes administrativos. Como ainda não foi realizada a sua
atualização, o mesmo ainda se encontra vigente. Disponível em: https://www.planejar.ufv.br/infraestrutura/.
Acesso em: 12 jul. 2022.
74
Partindo do princípio de que o bem não nasce com valor patrimonial, mas que certos
grupos lhe atribuem valor e significado, percebemos que ao longo do tempo a concepção de
patrimônio do IPHAN sai do campo do valor histórico, cujo caráter cronológico era o ponto
determinante de análise, e entra no campo da cultura. Assim, não é necessário que um bem
tenha valor de ancianidade para estabelecer relação de identidade com determinados grupos
sociais. Patrimônio é tudo aquilo que foi criado ontem, mas também pode ter sido criado hoje,
o importante é o significado que essa representação cultural, seja ela material ou imaterial,
simboliza para a população que a elege.
Diante disso, observamos que a eleição do conjunto dos bens culturais da UFV presente
no PDFA (2008-2017) foi fruto de uma seleção que buscou privilegiar o patrimônio material e
patriarcal que está associado às memórias dos idealizadores da fundação da instituição. O
intuito em consagrar tais memórias foi o de elevar o passado que inseriu a instituição no cenário
da modernização agrícola brasileira. Para tanto, essa memória, dita como “oficial”, foi e é
reverberada até hoje nas obras de memorialistas e nas mídias digitais da universidade.
75
O estudo de outros aspectos da vida social tem resultado numa visão menos
harmônica. Se se revisa a noção de patrimônio sob a ótica da teoria da
reprodução cultural, os bens reunidos por cada sociedade na história não
pertencem realmente a todos, ainda que formalmente pareçam ser de todos e
estar disponíveis ao uso de todos (CANCLINI, 1994, p. 96).
77
Verificamos, desta maneira, que para Canclini o discurso sobre o patrimônio cultural é
utilizado como uma forma de legitimar e preservar certas formas de expressão cultural em
detrimento de outras. Essa seleção é feita a partir de critérios políticos, econômicos e culturais,
o que revela a dimensão de poder presente na construção da memória coletiva.
Uma das formas de fazer a revisão do discurso patrimonial dominante é dar voz às
memórias silenciadas, chamadas por Michael Pollak (1989, p. 5) de “memórias subterrâneas”,
pois são as memórias que foram esquecidas ou suprimidas no discurso oficial, e que emergem
no contexto da vida privada geralmente por meio da história oral. Ao se fazer o estudo dessas
memórias, o autor fala que poderemos compreender a história de forma mais complexa, uma
vez que a história oficial é seletiva e tendenciosa.
Destacamos que as memórias subterrâneas geralmente estão atreladas à história das
minorias, concepção da chamada “História Nova”, um movimento historiográfico que surgiu
na França na década de 1970 com a Escola dos Annales. Esse movimento propôs uma nova
forma de escrever a história, buscando se afastar da história tradicional, que era centrada nos
grandes eventos políticos e militares, e focando em aspectos mais amplos da sociedade, como
a cultura, a economia, as mentalidades e as relações sociais. Além disso, seus estudos
ampliaram o campo do documento histórico que, até então, estava fundamentado no documento
escrito, por uma história baseada na multiplicidade de documentos de diversos tipos e formatos
(LE GOFF, 1990).
Ainda segundo Pollak (1989, p. 4), as memórias subterrâneas são mais predominantes
nas redes familiares ou de pequenos grupos, nas quais, por meio do testemunho das vivências
individuais, encontram amparo para se sustentarem ao longo do tempo. Entretanto, quando
essas memórias emergem no espaço público, há uma verdadeira disputa de memórias, uma vez
que começam a reivindicar a representação de suas múltiplas e diferentes identidades.
Exemplos de memória subterrânea são as dos operários da UFV, ESAV e UREMG, que
trabalharam e participaram da constituição da instituição em diferentes períodos, mas que foram
obliteradas pela instituição. Fato este que já foi objeto de algumas pesquisas realizadas por
78
autores e autoras que tiveram a UFV ou suas denominações anteriores como objeto de estudo58.
Um exemplo, são as ausências de seus nomes nos resultados das pesquisas, como foi lembrado
por Pompermayer (2018), quando diz que era impossível concluir um trabalho de
experimentação sem a ajuda desses profissionais, cabendo, deste modo, o devido
reconhecimento a todos que participaram do projeto.
Nesse ponto, France Maria Coelho180 destaca que era comum, na horticultura,
denúncias de fracassos por falta ou rodízio de mão-de-obra auxiliar e ressalta
a importância de dar atenção para esse trabalho anônimo dos funcionários,
também chamados de operários. De fato, as atividades evidenciadas, como a
pesquisa, sempre são envoltas de nomes de professores e alunos. Mas não é
difícil pensar que apenas uma pessoa não seria capaz de cuidar de uma cultura
inteira sozinha. É notável a ausência de informações sobre esses operários
(COELHO, 1999 apud POMPERMAYER, 2018, p. 39).
Outros exemplos são as memórias dos moradores que residiram e ainda residem nas
Vilas Operárias da UFV. Ao serem entrevistados, pudemos observar que a maioria das
memórias vai ao encontro de um passado de muita convivência, amizade, festividades e ajuda
comunitária. Entretanto, não deixaram de mencionar, também, as dificuldades porque passaram
com a precária estrutura física das casas e das localidades em si, como relatos sobre a existência
de esgoto a céu aberto e falta de calçamento. Além disso, mencionaram como lidaram com os
períodos em que a UFV passou por crises financeiras, nos quais o estado de Minas Gerais não
repassava os recursos e a universidade tinha dificuldade para honrar com os compromissos,
mormente os salários de funcionários, dentre eles, operários e professores. Esses relatos se
sobressaíram quando foi perguntado como era a convivência na vila:
58
Sobre as críticas à exclusão das memórias operárias da UFV, ver: 1. AZEVEDO, Denilson Santos de.
Melhoramento do homem, do animal e da semente: o projeto político pedagógico da Escola Superior de
Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1920-1948): organização e funcionamento. 2005. 229f. (Tese
de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005; 2. COELHO, France Maria Gontijo. A Construção
das Profissões Agrárias. 1999. 329f. (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 1999; e 3.
POMPERMAYER, Izabel Morais. Continuidades e descontinuidades da memória: um estudo sobre a Escola
Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (MG) por meio de publicações de 1939 a 2016. 2018. 177f.
(Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2018; 4.SANTOS, Vanda do Carmo Lucas
dos. Narrativas Obliteradas: das memórias operárias, trabalhadores da construção e manutenção do
campus da ESAV e UREMG, no período de 1922 a 1969.2022. 247f.(Dissertação de Mestrado). Universidade
Federal de Viçosa, Viçosa, 2022.
79
Era 6 meses sem receber né, aí, tinha a sorte que Viçosa era uma cidade que
(...), então, tem sempre uns lugares que cê podia comprar fiado, pra pagar
depois, e aí tinha os vendedor que acabava amigo da gente com isso. Eles
esperava um tempo, que a UFV, podia pagar, e, igual cooperativa que tinha
pra comprar também, mas cooperativa igual a Funarbe hoje, acabou o ponto,
cê não tem como comprar, né? Então, quando acabava o ponto da cooperativa
que tinha, que hoje é a vigilância no lugar ali, né, a cooperativa era no lugar
da vigilância, aquela casinha ali, quando terminava o ponto, que a pessoa não
podia comprar, aí ia pra rua. O sô xxx60, o xxx, o xxx, né, comprava lá e eles
aguentava segurar, esperar, tinha o sô xxx, que era açougueiro, e a gente ia se
virando, e também o quintal tinha uns pato, tinha uma galinha, sempre tinha
uma fruta, tinha uma verdura, né, porque nas casa ali quase todo mundo já
tinha uma horta, e tinha bicho pra criar assim, galinha, pato, né?61
Olha, a minha mãe na época, eu perdi minha mãe muito assim, a minha mãe
morreu com 47 anos de idade, ela na época, a escola, o colégio normal, era
um colégio interno, sabe, ela lavava roupa, buscava aquelas trouxas de roupa,
e a comida era muito difícil. A minha mãe cozinhava, às vezes assim, mamão,
as coisas assim, sabe... A gente tinha uma vida muito difícil. E a gente
comprava hoje onde é a vigilância, hoje a vigilância era uma cooperativa onde
vendia, tipo assim, de supermercado, mas a gente comprava as coisas. Ontem
mesmo eu tava lembrando, comprava as coisas, tudo os quilinhos, sabe, e
ainda levava aquela sacola, tinha que levar aquela sacola pra colocar os
mantimentos, então era essa vida muito difícil62.
Como se pode constatar, havia uma relação intrínseca dos operários com a natureza, que
os permitiu, em alguma medida, atenuar o atravessar dos períodos de crises financeiras, haja
vista as produções de subsistências realizadas nos quintais e a criação de animais para o abate.
Essas práticas faziam parte da cultura do local e eram partilhadas por todos os moradores.
Sobre a cooperativa mencionada nas entrevistas acima, segundo notícia veiculada em
15 de outubro de 1970 no jornal Gazeta Universitária, a mesma mudou de nome em 1956 e
passou a se chamar “Pôsto de Abastecimento”. Segundo a matéria, o referido posto teria a
“finalidade de fornecer, em melhores condições, os gêneros de primeira necessidade aos
operários, funcionários e professôres da Universidade”, dando a entender que a antiga
cooperativa fornecia somente o básico do consumo alimentar. Outra informação se refere ao
59
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
60
Optou-se por utilizar essa simbologia para omitir os nomes de algumas pessoas que foram citadas nas entrevistas.
61
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG. Sobre a utilização desta fonte de pesquisa, cabe destacar que optamos por transcrever as
falas da forma mais fiel possível ao modo como foi enunciado.
62
Trecho da entrevista de I.P. Moradora da Vila Dona Chiquinha. Duração de 16min52s. Data: 3 de setembro de
2022. Viçosa, MG.
80
“ponto”, o nome dado ao período em que os operários tinham para poder comprar “fiado”,
cabendo explicar que o valor era descontado diretamente no contracheque deles (GAZETA
UNIVERSITÁRIA, 1970).
Por meio da imagem abaixo (Figura 20) podemos notar que existe semelhança com a
paisagem onde se localiza a Divisão de Vigilância da UFV atualmente, logo na entrada da
universidade, na Avenida P.H. Rolfs. Inferimos dessa maneira, que o antigo posto de
abastecimento se localizava no mesmo local, o que confirma o relato dos ex moradores das
vilas operárias acima.
Fonte: LADEIRA, Antônio C. Pôsto de Abastecimento. Gazeta Universitária, Viçosa, 15 de outubro de 1970.
Disponível no acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV.
Além dessa informação, nos chamou a atenção também a preocupação que o autor
expressou na matéria sobre a situação das famílias operárias. Este dado confirma, conforme
relatos dos moradores das vilas, que o período em que a UREMG passou por dificuldades
financeiras foi mais sentido por estes trabalhadores do que pelos professores.
Não nos preocupa o setor que se refere aos professores. Êstes têm sua situação
cômoda, estabilizada. Preocupa-nos, sim essas famílias operárias, essas
famílias que são mantidas com o mínimo salário e não lhes são dadas melhores
condições de suprimento dos gêneros de primeira necessidade. Preocupa-nos
esses marginalizados, com jovens a educar, com uma missão a cumprir, com
uma áspera condição a enfrentar. Isso, sim, nos dilacera (GAZETA
UNIVERSITÁRIA, 1970, s.p.).
Segundo trecho da entrevista, a não reivindicação dos espaços das vilas operárias pelos
seus moradores fez com que a Comissão do PDFA não levasse em conta aquelas paisagens
como relevantes o suficiente para inseri-las no rol dos patrimônios culturais da UFV.
Entretanto, a pesquisa não problematizou essa questão junto aos moradores, não podendo
confirmar desse modo, se eles tinham conhecimento ou não se poderiam reivindicar aqueles
locais como de interesse patrimonial.
O fato é que existe na UFV, por motivos diversos, uma dificuldade de encontrar
documentação sobre as moradias operárias, ou mesmo sobre seus primeiros moradores. O
discurso hegemônico sobre a história da UFV nos indica que a instituição teve e tem o interesse
de construir e manter a imagem positiva de um passado grandioso, agrário e precursor no
cenário do ensino superior agrícola, bem como do agronegócio brasileiro. Deste modo, não era
ou é interesse que venha à tona as memórias dos operários, principalmente as que mencionam
as precárias infraestruturas das casas, como a ausência de banheiros no interior das residências
63
Trecho da entrevista de G.C.G. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 38min. Data: 6 de
setembro de 2022. Viçosa, MG.
82
– um fato que destoa e muito das residências dos professores – além da falta de encanamento
dos esgotos, como foi relatado por vários moradores das vilas:
Não era, aonde a gente morava usava era aquela, num sei se é assim que fala,
privada, na onde a gente morava, né, e aqui agora tem banheiro, mas não tem,
como fala, rede de esgoto, ela corre praquela bananeira abaixo ali...64
(....) tinha era fossa, aqui na vila inclusive tinha, era fossa, depois que doutor
Edson foi ser reitor, aí que ele mandou colocá, colocá água aqui e colocá
banheiro…65
(...) tinha o banheiro, inclusive, era assim, antes tinha 6 banheiro comunitário,
na parte de baixo na vila assim, é, antes das casa. Um era na parte de baixo, aí
na rumo da segunda tinha uns 6 banheiro, que era comunitário, e usava, o tipo
que eles falava privada, né, no quintal, se precisava eles fazia pra todo mundo.
Aí, depois disso, resolveram que ia fazer banheiro nas casa, né? Agora eu num
me lembro exatamente a data mais aí. Construíram. Sei que lá em casa foi
construído primeiro, depois na casa do xxx, na casa da xxx, que era, que tinha
construído, depois foram construindo nas outras casas, mesmo assim eles
construíam na porta da cozinha, eles não construíam dentro da casa, eles
construíam na porta da cozinha, é, logo assim na saída da cozinha, no quintal
[...] (ruído) mas fizeram todo, mais eu não lembro exato qual data...66
Atualmente, nas casas que ainda residem moradores nas vilas já existem banheiros no
interior das residências, assim como já existe rede de água e esgoto encanados.
Ainda sobre trazer à superfície as narrativas obliteradas, Trouillot (2016) analisa as
diferentes perspectivas que surgem dos relatos históricos quando se dá voz a essas memórias.
Seu trabalho sobre a história do Haiti mostrou que houve, por parte da história oficial, um
processo de escolha de narrativas históricas, que foram criadas a partir de um processo de
seleção e exclusão, e que os eventos, pessoas e experiências que não se encaixavam nos padrões
dominantes foram silenciados ou marginalizados. O mesmo se pode dizer sobre a história da
UFV, que nesse rearranjo de seleção de memórias, permite-nos observar o duplo significado da
palavra história. Desse modo, Trouillot afirma que:
Seres humanos participam na história não apenas como atores, mas também
como narradores. A ambivalência inerente à palavra “história” em várias
línguas modernas, incluindo o inglês, alude a esta participação dual. No uso
vernáculo, história significa tanto os fatos em questão quanto uma narrativa
64
Trecho da entrevista de S.F.J. Moradora da Vila Araújo. Duração de 8min06s. Data: 24 de agosto de 2022.
Viçosa, MG.
65
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
66
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa,
83
sobre esses fatos, tanto “o que ocorreu” quanto “aquilo que se diz ter
ocorrido”. O primeiro significado enfatiza o processo sócio-histórico; o
segundo, nosso conhecimento desse processo ou uma estória sobre esse
processo (TROUILLOT, 2016, p. 20).
História aqui é tratada por Trouillot como a ciência que estuda as narrativas que foram
produzidas ao longo do tempo. Afirma que uma das maneiras de acessar essas narrativas é por
meio do retorno ao passado a ser recordado, mas também a um sujeito coletivo que recorda.
Para Trouillot, o rastreamento do poder demanda uma visão mais ampla da produção histórica
do que admitem alguns teóricos. À vista disso, não se pode excluir, pois, qualquer dos atores
que participam da produção da história (TROUILLOT, 2016). Nesse sentido, é preciso que a
UFV seja mais democrática quanto à publicidade das memórias dos seus diferentes atores e
atrizes históricos, a fim de que essas diferentes perspectivas também ocupem espaço nos seus
meios oficiais de divulgação sobre o seu passado.
Verificamos, a partir dessa breve discussão sobre discurso hegemônico, construção da
história e seleção de memórias, que estes conceitos coadunam com o presente trabalho no
sentido de tentarmos entender as narrativas atreladas à seleção dos bens culturais que constam
no PDFA (2008-2017) da UFV. Afinal, os fragmentos ou resíduos dos processos históricos,
sejam eles classificados como naturais ou culturais, nos permitem compreender a formação do
discurso hegemônico e da história institucional.
67
Sociedade baseada em comunidades que viveriam em fazendas coletivas agroindustriais, onde todos
desempenhariam suas tarefas em proveito da comunidade. As pessoas deveriam trabalhar apenas no que
quisessem. Os falanstérios seriam edifícios-cidade que abrigariam todos os membros da comunidade e onde seriam
instalados bens coletivos, como cozinha e biblioteca (SILVA, 2008, p. 34).
85
Como se tratavam de residências de baixo custo, o lucro obtido com os alugueis pelos
especuladores imobiliários era alto, o que fez aumentar ainda mais o número de construções
desta forma de habitação para o operariado que, devido aos baixos salários, tinha moradias cada
vez mais precárias e em condições insalubres.
Segundo relatos dos técnicos higienistas do estado de São Paulo, escritos em finais do
século XIX e analisados de maneira crítica pelo autor Nabil Georges Bonduki (1994), a
superpopulação dos cortiços, ocupados em sua imensa maioria por operários pobres, dentre eles
vários imigrantes vivendo em situações precárias de infraestrutura e higiene, levou a diversos
problemas, como a disseminação de doenças infecciosas (febre amarela, varíola, cólera e
tuberculose). Além disso, segundo Bonduki (1994, p. 28), os relatos técnicos tinham um cunho
de discriminação racista e preconceituosa ao relatar esses problemas, pois se associava a eles o
pensamento de que os cortiços eram lugares de criminalidade, violência e promiscuidade.
Frente a estes problemas relatados pelos higienistas sobre as moradias operárias, o
Estado se viu no direito de intervir para, segundo o discurso técnico proferido, garantir a saúde
pública.
para ditar regras de higiene e saúde. Criou, também, o Código Sanitário de 1894, e implantou
a participação do Estado nas obras de saneamento básico (BONDUKI, 1994).
Bonduki fala que as visitas realizadas pela Diretoria de Higiene consistiam em
“interferências diretas no cotidiano dos moradores, com os inspetores procurando determinar
os comportamentos e hábitos de vida, de higiene e de asseio domésticos” (Ibidem, p. 36),
configurando, deste modo, o controle social por parte do Estado ao operariado. Além desse
controle higienista, havia nas visitas realizadas pelos técnicos sanitaristas a intenção de forjar o
comportamento moral dos trabalhadores, pois segundo relata o mesmo autor, a intenção era
vigiar, controlar, conduzir e ensinar os hábitos de morar para que a classe trabalhadora não se
perdesse nos maus caminhos (BONDUKI, 1994, p. 36).
Segundo o mesmo autor, as rigorosas medidas de controle dos higienistas foram
transportadas para o Código Sanitário de 1894, que proibiu a construção de cortiços e exigiu do
município que “desaparecessem” com os existentes. Em substituição, no início dos anos de
1900, o governo do estado de São Paulo incentivou a construção de vilas operárias por parte da
iniciativa privada, como sendo o modelo de moradia para os trabalhadores, pois seriam
residências unifamiliares, construídas em série, com mais cômodos, e refletiriam os aspectos
sanitários incentivados pelos higienistas.
Sobre esse novo cenário, Bonduki esclarece que surgiram desta iniciativa dois modelos
de vilas operárias: “o assentamento habitacional produzido por empresas destinadas
exclusivamente para alojar seus funcionários e aquele produzido por investidores privados
destinados ao aluguel de mercado” (Ibidem, p. 51).
Observamos que o primeiro modelo foi o mais implantado pelas fábricas e indústrias de
diversos segmentos que se instalaram no Brasil, uma vez que, para elas, após os treinamentos
dos operários, era vantajoso manter essa mão de obra especializada próxima ao local de
trabalho, porque garantiria a fixação da mesma. Ademais, como afirma a autora Vania Herédia
(2003, p. 3), “ter o operário próximo garante a manutenção e continuidade do processo fabril”.
Além do mais, como afirma a mesma autora:
Outro fato importante que podemos extrair do documento de 1925 e que depois irá se
confirmar com a entrevista de um morador da Vila Dr. Secundino é que era comum a não
construção de sanitários (“conveniências sanitárias”) na parte interna das residências dos
operários. Este fato, inclusive, propagou entre os operários e suas famílias vários episódios de
verminoses, situação essa que posteriormente desencadeou, por parte da instituição, campanhas
de controle de doenças como esta.
Sobre a disponibilidade da mão de obra, observamos que essa era uma prática comum
para os moradores das vilas dos operários, tendo em vista que frequentemente eram acionados
para trabalhar fora dos horários habituais das jornadas e aos finais de semana: “(...) porque olha,
presta bem atenção, eu num tenho forga domingo, eu num tenho forga sábado, feriado eu tenho
que tá tudo presente aqui, se solta um animal aí de noite quem prendia era eu, quem lavava o
prédio duas vezes no mês era o xxx e os pessoal aqui”68.
Já em outro caso, temos o relato de um servidor que pediu para morar em uma das casas
das vilas. O critério de concessão era ter vínculo com algumas das unidades laborais instaladas
próximas às vilas para prestar serviços de vigilância, ronda ou no trato dos animais:
Aqui foi o seguinte: pra mim vir pra aqui, foi assim, lá no abatedouro onde eu
trabalhei, lá precisava de ficar uma pessoa de ronda lá, eu trabalhei de ronda
muitas vezes lá, mas foi assim mais no lugar dos oto, né? Então, eu precisava
de um lugar pra morar, (...) que tem água, tem tudo, eu vou ver se eu consigo
68
Trecho da entrevista de J.A.P. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 22min44s. Data: 19 de setembro de
2022. Viçosa, MG.
89
lá, porque eu fazia tanto serviço aí que muita gente já nem gosta de fazer,
gosto de trabalhar de ronda, ficar à noite, pessoal tem gente que tem medo
demais, né? Aí eu conversei com o diretor, com o diretor nosso, (...) aí ele
falou assim, “Não, é, você tá falando uma coisa até interessante aí pra nós, é
muito interessante ter uma pessoa, fica de prontidão, que é a hora que a gente
precisa ficar lá em cima no abatedouro, porque lá é um lugar isolado”69.
Além do controle social por meio da jornada de trabalho, Bonduki (1994) destaca que
outra forma de controle que o patronato tinha sobre os operários era a tentativa de moldar a
conduta moral dos mesmos. Deste modo, afirma que as vilas de empresas,
Sobre as práticas que visavam forjar uma ideologia moral aos operários, observamos
que as mesmas ações também foram adotadas na ESAV no período de sua fundação. Como
destaca Azevedo (2005), ao transcrever o discurso de Bello Lisbôa, proferido a turma de
formandos de 15 de dezembro de 1935, da qual foi convidado como paraninfo. Na transcrição,
podemos notar o ar de satisfação e regozijo do mentor sobre os feitos realizados em prol dos
enquadramentos dos trabalhadores da ESAV nos padrões civilizatórios burgueses:
69
Trecho da entrevista de G.G.F. Morador da Vila Dona Chiquinha. Duração de 18min33s. Data: 30 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
90
Essas concessões feitas aos trabalhadores e suas famílias inibiam sua livre
manifestação política, em uma época de fortes embates entre o capital e o
trabalho e o avanço do movimento operário. Horários, apitos e normas de
conduta faziam parte do cotidiano dos moradores da vila, que se sentiam
orgulhosos de pertencer a um projeto pioneiro e valorizavam o forte espírito
de solidariedade entre eles próprios (TEIXEIRA, 2009, p. 5).
Na ESAV, essa política não foi diferente, pois é possível notar nos discursos proferidos
nas diversas reuniões com os encarregados das obras que a política de tentar inculcar um
modelo de conduta cívica, moral, higienista e de controle rígido da disciplina dos operários,
dentro e fora do ambiente da escola, era algo proeminente. Exemplos podem ser apontados nas
diversas ordens de serviço analisadas por Azevedo (2005), as quais demonstram as penalidades
aplicadas pela má execução dos serviços e pelas faltas dos operários nos dias de carnaval e
outros feriados, bem como a escolha do dia para a consulta médica dos operários, domingo.
Podemos notar, a partir do exposto, que a instituição das habitações operárias desde a
Revolução Industrial, passando pelos cortiços brasileiros e depois com a implantação das vilas
operárias, foi um projeto capitalista transpassado de benefício social que as fábricas ou
instituições ofereciam aos operários, visando à manutenção destes trabalhadores em localidade
próxima ao trabalho, com o objetivo de aumentar a produtividade. O controle que o patronato
mantinha sobre esses operários era de diversos tipos, desde a concessão de serviços básicos
como saúde e educação, oferecidos dentro da vila, ou ditando as regras de conduta moral, cívica
e higiênica do modo de viver dos operários e de suas famílias.
91
Esse modelo foi transportado para a ESAV no início de sua fundação. Entretanto, com
o passar dos anos e a mudança nos regimes de trabalho, e devido ao crescimento de tecnologias
computacionais e de comunicação, houve a extinção de cargos e a contratação de mão de obra
terceirizada, dedicada a fazer a segurança de muitas unidades da universidade. Assim, a
utilização de mão de obra disponível nas vilas para vigilância e ronda deixou de ser feita, o que
fez com que a instituição fosse dependendo menos dos serviços dos moradores das vilas com o
passar do tempo. Associado a isso, as aposentadorias dos servidores, dentre outros motivos,
faziam com que eles perdessem o vínculo com a universidade, o que configurava na perda da
sua “utilidade”, pressupondo, assim, que os mesmos devessem desocupar as habitações –
processo que vem acontecendo atualmente.
Essa é uma questão que se arrasta há algum tempo nos meios administrativos da UFV.
Entretanto, não é objetivo do presente trabalho adentrar nestes meandros; cabe a nós somente
problematizar as memórias desses operários que foram criadas em meio às paisagens das vilas
para analisar como se dão as questões em torno da eleição do que é patrimônio na UFV e quais
memórias são eleitas ou silenciadas. Desse modo, a seguir, apresentaremos o contexto de
constituição e historicidade de cada uma das vilas operárias da universidade.
Atualmente, a UFV possui o seu terreno no Campus UFV-Viçosa registrado como área
única no Cartório de Registro de Imóveis da cidade, sob a matrícula de n.º 35.734, constituindo
uma área total de 16.010.144,00 m2. Essa matrícula reúne as matrículas referentes a todos os
terrenos que foram adquiridos ao longo do tempo pela instituição, desde os anos de 1921 até o
ano de 1985, último registro que consta no levantamento do Livro de Escrituras (BORGES;
EUCLYDES, 1996) e no Cartório de Registro de Imóveis. Esse fato mostra que a universidade
esteve sempre em constante expansão.
Ressaltamos que a UFV, além dos campi de Florestal e de Rio Paranaíba, também possui
terrenos em cidades como: Coimbra, São Miguel do Anta, Canaã, Cajuri, Araponga e
Capinópolis. A maioria destes terrenos é destinada à prática de experimentação agrícola ou
manejo animal. Desse modo, possuem grandes porções de terra que são dispensadas para o
cultivo de legumes, hortaliças, locais para galpão de máquinas, depósitos, estábulos, currais e
casas de apoio para os técnicos.
O terreno que deu origem à antiga ESAV foi construído sobre locais onde eram
praticadas a monocultura agrícola e o cultivo de pastagem para o gado. Sob este terreno, a
92
Acredita-se que a diferença do projeto construtivo entre as vilas dos professores e dos
trabalhadores se deve em função da posição social que cada grupo ocupava dentro da
instituição. Desse modo, o projeto das casas dos professores possuía um número maior de
cômodos e o acabamento do material era de melhor qualidade. Além disso, a localização na
93
qual foram instaladas possuía infraestrutura adequada, como ruas largas e calçadas, e rede de
água e de esgoto encanados. Outro ponto que merece atenção é o projeto paisagístico que foi
desenvolvido para a Vila Giannetti, com jardins na frente de todas as casas e várias árvores
flamboyants70 plantadas ao longo das calçadas.
Sobre o projeto construtivo das residências das vilas dos professores e dos
trabalhadores, podemos notar claramente a diferença entre eles, como o valor das construções,
pois somente uma casa de professor custou quase a metade do valor do conjunto das dez casas
de operários. Além do tamanho da área construída e das comodidades em cada tipologia,
vejamos as diferenças nas descrições abaixo, sendo o primeiro trecho referente às casas de
professores, e o segundo, às casas de operários.
As Flamboyants são árvores exóticas de Madagascar e de hábito arbóreo. A Vila Giannetti possui 55 indivíduos
70
da espécie Delonix regia (Bojer ex Hook.) localizadas ao longo da sua via (EISENLOHR et al., 2008, p. 320).
94
transcrito pelo então diretor da ESAV, Bello Lisboa, em 1935: “Mostrei fotografias, dezenas,
de casas de empregados. Triste testemunho do estado de vida do nosso povo. Vamos influir
para que se melhorem as residências de nossos empregados e do povo, de arrabaldes de cidades
e das propriedades agrícolas” (ESAV, 1935, p. 139).
Outro fato a se considerar se relaciona com a campanha para eliminar verminoses dos
operários e que foi comemorada por Bello Lisboa em 1935, em seu discurso, quando foi
paraninfo da turma de formandos daquele ano: “(...) nesta noite de festa e de luzes, ainda
cantando a grandiosidade da obra, do seu melhoramento material e do seu conhecimento –
representada no 0% de verminoses” (AZEVEDO, 2005, p.70). Essa ocorrência nos leva a inferir
que essas doenças foram consequências da insalubridade de suas residências, tendo em vista a
ausência de sanitários adequados e rede de esgoto encanada. Tal situação persistiu acontecendo
também com os moradores da Vila Secundino, construída na década de 1940, e que foi erguida,
pelo que parece, nas mesmas condições insalubres das dez primeiras residências da década de
1920, conforme constatamos por meio do relato de um morador.
Não, o esgoto era a céu aberto dentro na Vila, onde trazia muita doença, muito
bicho de pé, era terrível, porque cheirava muito forte, porque tinha pouca água
e muito sol e a agente andava praticamente todos de descaço. Então, a gente
pegava muito bicho no pé e não tinha nada de higiene. Somente fez um
banheiro uma vez que no governo do professor Dr. Edson Posch, que era reitor
da UFV, que foi quando ele tinha uma comadre aqui na Vila, que se chamava
XX, e a esposa do Dr. Edson pediu para ele fazer para ela um banheiro aqui
na Vila, porque a privada era perigoso a gente podia cair. Aí o Dr. Edson disse
para a esposa dele: “Eu não posso fazer para ela, porque se eu fizer para ela
eu tenho que fazer para todo mundo”, e meses depois ele mandou construir, aí
fez toda a rede na Vila71.
71
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
95
72
Trecho de entrevista de R.C.A.M. Fundador(a) de um dos órgãos que ocupam casa na Vila Giannetti. Duração
de 6min30s. Data: 19 de julho de 2022. Viçosa, MG.
96
Como podemos perceber a partir da imagem acima, desde o início da construção da Vila
Giannetti, todo o conjunto de infraestrutura urbana foi planejado, como calçamento,
encanamento de rede de água e esgoto, além do paisagismo. Podemos observar por meio das
ruas largas, do afastamento dos passeios e da construção dos jardins e arborização que havia
uma preocupação por parte da administração daquele período em oferecer um local de bem
estar social para os professores que morariam ali.
A Vila Giannetti, como mencionado no capítulo anterior, foi escolhida juntamente com
outros bens patrimoniais como “Patrimônio Histórico Arquitetônico e Urbanístico” da UFV
(PDFA, 2008, p. 2). Sua escolha está relacionada com os critérios de natureza histórica e
arquitetônica, cujas memórias estão associadas ao passado da elite docente e também ao aspecto
construtivo do segmento de cidades jardins.
Para discutir um pouco sobre a transformação porque passou a paisagem da Vila
Giannetti ao longo do tempo, achamos pertinente pesquisar informações de como era o terreno
no qual a Vila foi constituída. A partir disso, nos foi possível descobrir que a mesma foi erguida
sob a matrícula de dois terrenos, sendo os proprietários: Antônio Vitarelli e João Tristão
Gonçalves Guimarães.
Segundo o livro de Escrituras n.º 71, fl. 31 (BORGES; EUCLYDES, 1996, p. 24), que
faz referência ao proprietário Antônio Vitarelli e sua mulher, D. Maria Francisca, ele oficial de
pedreiro e ela com ocupação não mencionada, as terras foram compradas pelo estado de Minas
Gerais em 06 de fevereiro de 1922, por meio de uma escritura de compra e venda, pela quantia
de quatorze contos de réis. Era um terreno de dezoito hectares, quarenta e dois ares e oitenta
97
Além disso, o argumento de construção das casas se tornou condicionante para que a
Escola de Veterinária, que havia sido transferida para Belo Horizonte, retornasse a Viçosa, a
fim de fortalecer a área de ensino agrícola na futura UREMG.
Percebe-se, também na Ata de 1951, que diante do aumento da demanda por moradias,
a direção da universidade se viu na incumbência de estabelecer critérios que determinassem a
escolha daqueles que mereceriam receber uma residência em seu terreno, não só os professores,
98
mas também servidores que compunham o corpo administrativo. Entretanto, não houve menção
aos operários:
73
Durante a reunião da Congregação em 17 de setembro de 1954, o professor José de Alencar apresentou a
proposta de homenagear Américo René Giannetti alterando o nome da Vila dos Professores, a qual foi aceita por
unanimidade (UREMG. Atas da Congregação referente ao ano de 1954. Viçosa-MG: UFV, ACH).
74
O Conselho Diretor (CONDIR) da UFV correspondia, na época (1974-1999), data baseada na primeira e última
resolução do Conselho, ao atual Conselho Universitário (CONSU). Entretanto, as atas do CONSU começaram a
ser redigidas em 1969, ano da federalização da universidade até os dias atuais. Atualmente, o CONSU é o órgão
superior de administração da instituição. Percebe-se que houve, em certo momento, durante o período da UFV, a
coexistência dos dois órgãos. Disponível em: https://www.soc.ufv.br/?page_id=161. Acesso em: 14 de nov. 2022.
99
Para um melhor entendimento, foi elaborado um mapa (Mapa 3), no qual procuramos
identificar as numerações das casas, bem como uma tabela detalhada (Tabela 1) com as
denominações oficiais de cada edificação na atualidade. Na Tabela 1 também foram assinalados
alguns detalhes sobre as entrevistas realizadas com os atuais usuários. Entre eles, encontram-se
servidores técnico-administrativos, trabalhadores terceirizados e servidores técnico-
administrativos que já se aposentaram e estão trabalhando como voluntários. O objetivo em
entrevistar esses atuais usuários das casas da Vila Giannetti foi o de descobrir se os mesmos
possuíam conhecimento de estarem ocupando um espaço culturalmente valorizado pela
instituição. Cabe destacar aqui que optamos por excluir as residências que são ocupadas por
órgãos parceiros, pois os ocupantes são membros externos à universidade, podendo contribuir
pouco com o fornecimento de informações históricas sobre as edificações.
A respeito da numeração das casas, ocorreu um fato interessante, pois, ao ir a campo,
percebemos que três edificações (as de n.º 4, 15 e 17) não existem. A de n.º 4 se refere a um
estacionamento que, pelo espaço, pressupõe-se que houve a derrubada da casa existente, e as
outras duas simplesmente não existem, e nem mesmo há indícios que houve construções delas
no local, o que nos leva a crer que houve algum erro na numeração.
100
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, a partir do Google Maps, 2022. Referência do site da UFV com a numeração
das casas.
Tabela 2 - Denominações das casas da Vila Giannetti e plano de trabalho das entrevistas.
Situação
N.º Órgão da casa no
Denominação Entrevista
Casa Gestor momento da
entrevista
Situação
N.º Órgão da casa no
Denominação Entrevista
Casa Gestor momento da
entrevista
Situação
N.º Órgão da casa no
Denominação Entrevista
Casa Gestor momento da
entrevista
Situação
N.º Órgão da casa no
Denominação Entrevista
Casa Gestor momento da
entrevista
Situação
N.º Órgão da casa no
Denominação Entrevista
Casa Gestor momento da
entrevista
Ao conversar com os usuários atuais das casas da Vila, percebemos que a grande
maioria dos entrevistados e entrevistadas já havia, em algum momento, ouvido falar da história
da Vila Giannetti como moradia para professores. Entretanto, mesmo entre esses que não
sabiam que ela havia recebido a designação de patrimônio cultural da UFV, todos disseram que
“desconfiavam” disso por conta do “rigor” no momento de solicitar manutenções. Segundo
105
relataram, muitas coisas não eram permitidas, como trocar o modelo das janelas, substituir o
telhado, fazer novas ampliações ou instalações de adaptação (como de um bicicletário, por
exemplo – demanda apresentada por uma servidora à administração, que foi negada).
Vejamos um trecho de relato:
Trecho da entrevista de L.S.S.F. Servidora da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
75
Como eu tinha falado antes, eu acho que falta um critério de controle, porque
é muito fácil você patrimonializar e não fazer mais nada. Um patrimônio de
fachada só para falar que é e para ganhar ponto com isso. As casas precisam
de manutenção, lá tem um problema sério que são aqueles telhados lindos
invertidos e, com as nossas árvores enormes que estão cheias de folhas, eu te
convido a ir lá. Nos dois quartos do fundo que a gente usa, você não consegue
ficar dentro, porque está tudo mofado. Apesar deles terem feito manutenção
nos telhados, alguns foram descaracterizados, porque trocaram a telha e isso
também tem que ser avaliado pelo patrimônio... vamos dizer assim... porque
mudou tudo em cima. Não é porque a gente não está vendo que tem que tirar.
E precisa ter um controle mínimo, precisa estabelecer critérios, como
estávamos falando76.
Ah, em parte, sim, eu entendo assim nem tudo que vai ser pedido que pode ser
feito, se não vai ter gente que vai querer derrubar a casa e fazer outra no lugar.
Então, eu entendo que, sim, mais que existe um certo descaso e, às vezes, essa
questão de se proteger o patrimônio, ela é usada para justificar esse descaso,
isso é fato, a gente vivencia isso. Coisa simples, como colocar um vidro numa
janela, troca de lâmpada, troca de tomada, coisas que não afetaria a estrutura
da casa, pelo contrário, melhorariam e até protegeriam. Por exemplo, tinha
uma calha ali na cozinha, ali, tava com infiltração, uma junção de um rufo,
tava com infiltração, tava descendo água por lá por baixo da laje, tava saindo
na lâmpada da cozinha... A gente abriu a solicitação em novembro do ano
passado, o rapaz veio aqui deve ter um mês, aí eu brinquei com ele: "mas você
não quer esperar começar a chover para ter certeza de que tá tendo infiltração
aí não?". Então assim, tem pouca mão de obra, a gente entende, para atender
às vezes um serviço específico da UFV, mas tem coisas que a resposta foi
simplesmente assim, foi cancelado. Por exemplo, a pintura da janela, a
resposta que a gente recebeu foi que no momento não teria como atender que
ia ser cancelada a solicitação, a gente não sabe de tudo que tá envolvido na
Trecho da entrevista de R.C.A.M. Fundadora de um dos órgãos que ocupam casa na Vila Giannetti. Duração de
76
questão de recurso, mão de obra e todas essas questões, mas por outro lado a
gente vê se gastando dinheiro com outras coisas, então assim, a gente fica sem
entender, né? Se é um patrimônio por que que não é melhor cuidado, melhor
preservado, e enquanto isso outras demandas são atendidas mais
prontamente77.
Podemos perceber, pelos relatos acima, que os usuários das residências da Vila
Giannetti sentem que há uma questão ambígua em relação às manutenções que podem ou não
ocorrer nas casas, pois, ao mesmo tempo que o PDFA a enquadra no rol da seleção dos
patrimônios culturais da UFV com a definição de regras específicas de intervenção, pela mesma
questão o mesmo documento congela o conjunto arquitetônico impedindo que sejam realizadas
modificações de adaptação que poderiam vir a melhorar o cotidiano dos usuários daquele local.
Segundo relatos, o problema poderia ser solucionado com critérios claros e específicos em uma
legislação patrimonial.
Cabe salientar que recentemente ocorreram reformas de adaptação em algumas casas da
Vila, como, por exemplo, construção de rampas de acesso para pessoas com necessidades
especiais, além da pintura de algumas fachadas. Segundo conversas com arquitetos que
trabalham na Diretoria de Projetos e Obras (DPO), essas construções são para adequação mais
acessível do espaço e elas não configuram em descaracterização do conjunto paisagístico. Em
relação às cores das tintas com as quais estão sendo pintadas as residências, segundo os mesmos
técnicos, nenhuma que foi pintada até hoje está agredindo a harmonização do conjunto
arquitetônico.
Observamos com isso que, para alguns/mas entrevistados(as), mais do que preservar o
bem cultural para as gerações futuras, o patrimônio tem que estabelecer relações de identidade
com a sociedade do presente. Logo, o mesmo tem que ter um uso atual que atenda, de maneira
adequada, às necessidades dos grupos que os utilizam ou ocupam, para que possam ter
significado de relevância, continuidade e preservação. Essa questão precisa ser melhor
problematizada pela administração.
77
Trecho da entrevista de L.A.X.G. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
14min30s. Data: 24 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
108
o mesmo não aconteceu com as vilas dos operários. Estas quase não possuem menção na
documentação institucional da universidade, apenas indícios nos relatórios anuais de construção
e nas atas da ESAV-UREMG compreendidas entre os anos de 1949 e 1955. Entretanto, esses
indicativos se dão de maneira genérica, sem citar a nomenclatura das vilas; apenas mencionam
“casa de operário” quando relatam sobre alguma reforma que se realizou, sem especificar a
localização da moradia, conforme relatório da UREMG de 1967, como em: “Reforma ligeira
em casas de operários atendendo exclusivamente a fogões e tanques” (UREMG, 1967, p. 4).
Este é notadamente um caso de apagamento da memória das vilas operárias.
Diante da dificuldade em encontrar documentação sobre as vilas operárias no Arquivo
Central e Histórico da UFV, e em outros acervos institucionais, optamos por priorizar os
registros cartoriais e as entrevistas com os moradores para tentar delinear o histórico destas
construções e as memórias atreladas a elas. Optou-se por realizar entrevistas com os moradores
que ainda residem nas vilas, com o intuito de colher depoimentos sobre as vivências cotidianas,
assim como a relação que mantêm com a paisagem ali formada. Excluímos, desta forma, as
seguintes vilas desta metodologia: Vila Mattoso, Vila Sete Casas e Vila Chaves, por estarem
desabitadas e terem sua finalidade revertida para demandas administrativas.
Segundo as autoras Aline Werneck Barbosa de Carvalho e Tatiana Sell Ferreira (2012,
p. 5), no artigo Difusão da ideologia do habitar moderno no interior de Minas Gerais - estudo
de caso das moradias funcionais no Campus da Universidade Federal de Viçosa, no qual fazem
uma análise do aspecto arquitetônico das vilas da UFV, as vilas operárias “foram construídas
nas duas décadas subsequentes a fundação da ESAV”, que foi criada em 1922, obedecendo a
desenhos de plantas e tipologias arquitetônicas semelhantes, com exceção da Vila Giannetti,
que possui características bastante diferenciadas das demais.
Segundo as autoras,
Vale explicar que o levantamento das casas das vilas operárias realizado pelas autoras
supracitadas foi realizado em 2012. Nesse período, as obras de infraestrutura, como banheiros
e rede de água e esgoto, já haviam sido construídas.
109
A partir de 1993, por meio da Resolução n.º 3/93 do CONDIR, que rege “A Política
Habitacional Para Imóveis Residenciais da UFV”, foram determinados critérios de ocupação
para estes imóveis.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, Divisão de Projetos. Cadastro Planta Geral - Vilas, 1986. Viçosa-
78
MG, ACH.
111
moradores residindo nessa Vila. Atualmente, nas casas funcionam unidades administrativas,
como a divisão de vigilância do campus, por exemplo, além de projetos de extensão.
A partir do georreferenciamento, foi possível descobrir que as terras nas quais se formou
a vila pertenciam a dois proprietários: Francisco Damasceno Campos e Christiano Machado e
sua mulher, dona Jovita Teixeira de Siqueira, fazendeiros.
A Vila Sete Casas fica próxima aos Departamentos de Direito e Dança. Encontra-se
atualmente subutilizada, com várias casas vazias, passando a sensação de abandono. Entretanto,
as duas primeiras casas, representadas pela primeira imagem da Figura 24, adiante, são usadas
como apoio para os funcionários terceirizados que prestam serviço de construção civil para a
universidade. A cobertura asfáltica no início da Vila e a adaptação dessas residências, como
pintura e construção de um galpão, foram modificações realizadas para atendimento desta
finalidade. Tal dedução se refere à comparação realizada com a segunda imagem da mesma
figura, a partir da qual podemos verificar que o calçamento não chegou até o final da vila.
113
católica na área da Vila. Segundo o artigo de Carvalho e Ferreira (2012), a vila “foi edificada
entre 1949 e 1952, aproximadamente”, e o projeto contava com vinte79 residências construídas
em ambos os lados da via. Entretanto, segundo relatos colhidos durante as entrevistas, havia
um total de vinte e duas casas, sendo essa considerada a maior vila dos operários da UFV.
Um fato que ocorre é que as residências dessa Vila estão sendo destruídas
paulatinamente, à medida que seus moradores se mudam. Acreditamos que isso está
acontecendo em função da crescente demanda por espaço físico na universidade, com o intuito
de ampliação da instituição, conforme está expresso no PDFA: “Art. 78 - A expansão físico-
territorial na Zona de Expansão 2 - ZEx2 deverá obedecer às seguintes estratégias de uso e
ocupação do solo: VIII. a área da Vila Secundino deverá ser futuramente destinada à expansão
do CCB” (PDFA-2008-2017, p. 25).
Ao sobrepor o mapa de 1922 sobre o terreno atual da UFV, é possível perceber que o
lugar onde está localizada a Vila Dr. Secundino ultrapassava os antigo limites da ESAV,
deduzimos que esse terreno tenha sido comprado posteriormente. Como não foi elaborado outro
mapa dos lotes adquiridos depois de 1922 (o único com os nomes e limites detalhados das
antigas propriedades) (Mapa 4), não é possível conferir os nomes dos antigos proprietários e,
por sua vez, os limites do antigo terreno. Logo, os registros de terras anteriores à construção da
Vila são ausentes no presente trabalho.
Universidade Federal de Viçosa, Divisão de Projetos. Cadastro Planta Geral - Vilas, 1986. Viçosa-MG: UFV,
79
ACH.
115
De acordo com as figuras acima (Figura 25), podemos observar pela imagem tirada em
2013 que o desmonte da Vila já havia iniciado. Pode-se notar, pelos entulhos, a recente
derrubada de uma das residências. Entretanto, apesar disso, ainda existia um número
significativo de residências dos dois lados da Vila, o que já não ocorre em 2022, uma vez que
já não existe nenhuma casa na parte superior.
Sobre a denominação da Vila, tudo indica ser uma homenagem a Antônio Secundino de
São José, agrônomo formado na ESAV, que em 1933, a convite de Bello Lisboa, se tornou
professor assistente do Departamento de Agronomia da mesma instituição. Em 1937, foi
promovido a Chefe do Departamento de Genética, Experimentação e Biometria, e em 1947
aceitou o cargo de diretor da Escola, no qual permaneceu até 195180. Secundino é reconhecido
pela comunidade acadêmica como figura ilustre pelos feitos nas pesquisas com o milho híbrido,
o que, segundo os relatos oficiais, foi uma revolução no cenário do agronegócio brasileiro
(PACHECO, 2006). Além da vila de operários, a Biblioteca Central da UFV também leva o
nome de Antônio Secundino, sendo designada – “Biblioteca Central Professor Antônio
Secundino”. Novamente, comprova-se a valorização de uma tradição da instituição de se ligar
à seleção de memórias das elites que fizeram parte da fundação da universidade.
Devido à ausência de documentação, não foi possível precisar a data em que a Vila
recebeu a nomenclatura. Entretanto, foi possível perceber nas entrevistas realizadas com os
moradores desta localidade, que os mesmos se sentem honrados em habitá-la, devido ao
passado de sucesso de seu homenageado. Desse modo, observamos que a grande maioria
conhece um pouco sobre a história de Antônio Secundino.
A segunda vila de operários que ainda possui moradores é a Vila Dona Chiquinha.
Localizada nas proximidades da Nova P.H. Rolfs, é composta por apenas três residências.
Entretanto, no projeto original81, contava com quatro, e por isso concluímos que uma foi
derrubada. O acesso a elas é um pouco difícil, como constatado pela imagem da Figura 26, pois
a área está coberta pela vegetação alta. A percepção que tivemos deste pequeno grupo de
moradores, quando realizamos as entrevistas, é que são pessoas que convivem bem e apreciam
a tranquilidade do local. O tempo que moram ali varia de vinte a setenta anos.
Universidade Federal de Viçosa, Divisão de Projetos. Cadastro Planta Geral - Vilas, 1986. Viçosa-MG: UFV,
81
ACH.
116
Assim como nos casos anteriores, a documentação sobre essa vila é escassa. Entretanto,
“de acordo com relato de um antigo morador, a vila foi edificada na década de 1950”
(CARVALHO; FERREIRA, 2012, p. 6).
Em conversas informais com servidores mais antigos da UFV, os mesmos disseram que
a nomenclatura da vila se refere a uma “grande fazendeira” que havia na região. Logo, em
pesquisa pelos registros cartoriais na Divisão de Projetos e Obras da PAD82, encontramos a
“Escritura pública de doação que faz o Estado de Minas Gerais à Universidade Federal de
Viçosa”, em 4 de janeiro de 1971, com a seguinte descrição de doação de um terreno:
82
A Pró-Reitoria de Administração da UFV (PAD) está dividida, na atual gestão (2019-2023), em quatro
Diretorias, a saber: Diretoria de Logística (DLO), responsável pela manutenção das condições de transporte;
Diretoria de Manutenção de Edificações (DIM), responsável pelos assuntos relacionados à manutenção da
infraestrutura física dos edifícios; Diretoria de Meio Ambiente (DAM), responsável pelo tratamento de água, das
áreas verdes e da coleta de resíduos; Diretoria de Projetos e Obras (DPO), responsável pelos projetos estruturais e
pela infraestrutura das obras; e Diretoria de Segurança Patrimonial e Comunitária (DSG), que responde pela
segurança patrimonial do Campus e da comunidade acadêmica. Disponível em: https://pad.ufv.br/conheca-a-pad/.
Acesso em: 01 abr. 2023.
117
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Divisão de Projetos. Cadastro Planta Geral - Vilas, 1986. Viçosa-
83
6 da manhã, chegava em casa 6 da noite, e tinha um chefe dele que saiu a casa
pra ele, mas ele já tinha uma propriedade aqui e cedeu a casa pro xxx, aí nois
viemo morar aqui84.
84
Trecho da entrevista de E.V.O. Moradora de uma das casas da Vila Araújo. Duração de 12min. Data: 16 de
agosto de 2022. Viçosa, MG.
119
Após pesquisa no livro de Escrituras (1996) foi possível verificar que a escritura de
compra do terreno do senhor Sr. José da Silva Araújo Jr. e de outros foi realizada em 17 de
janeiro de 1946, com todas as descrições do documento acima. Logo, a partir do exposto,
podemos concluir que a compra foi realizada e a Vila instalada no terreno da “Fazenda dos
Araújo”, como era conhecido aquele local, a partir da segunda metade da década de 1940
(ESCRITURAS, 1996).
Como em outros casos, não restam indícios das culturas que eram plantadas naquele
local, na época em que era conhecida como “Fazenda dos Araújo”.
A Vila Chaves é atualmente composta por apenas uma casa que foi reformada, e possui
a localização mais distante do centro administrativo da UFV, situando-se próximo ao aeroporto
de Viçosa. Ela possui acesso tanto por uma estrada de terra, que se liga ao campus, quanto pela
rodovia BR 120.
Segundo a planta geral de levantamento das vilas, realizada pela Divisão de Projetos da
PAD, a mesma era constituída por 13 casas85, sendo 10 delas em formato geminadas, dispostas
em ambos os lados da rua. “A tipologia das três casas isoladas é a mesma das casas geminadas,
diferindo apenas quanto ao telhado e ao tratamento da fachada” (CARVALHO; FERREIRA,
2012, p. 6). Pelas imagens a seguir (Figura 28), as casas geminadas representam a primeira
imagem, à esquerda, e as três isoladas são representadas pela imagem à direita.
Sobre a infraestrutura desta Vila, podemos notar, a partir da Figura 28, que, a exemplo
das outras vilas, a localidade não possuía calçamento. Outra informação é que após um período
Universidade Federal de Viçosa, Divisão de Projetos. Cadastro Planta Geral - Vilas, 1986. Viçosa-MG: UFV,
85
ACH.
120
de pouco mais de uma década, todas as residências foram destruídas, restando no local apenas
uma casa (Figura 29), que não corresponde mais ao aspecto arquitetônico e construtivo das
antigas residências que ali existiam. Deste modo, assim como Carvalho e Ferreira, (2012, p.2),
acreditamos que a demolição da Vila Chaves se deu em função da “expansão física decorrente
do crescimento acadêmico da instituição, (..) para dar lugar à construção de novos edifícios
educacionais e administrativos”.
Não encontramos mais nenhuma outra documentação ou registro que pudesse fornecer
informações sobre sua constituição. Entretanto, em relação à nomenclatura, em conversa com
servidores mais antigos, os mesmos disseram que a Vila recebeu o sobrenome de um antigo
reitor da UFV.
Assim, deduzimos, pela semelhança do sobrenome, que o Sr. Geraldo tenha sido o
homenageado com o nome da Vila. Entretanto, não foi encontrada nenhuma documentação a
respeito.
Após esta pesquisa inicial sobre as vilas operárias da UFV, chegamos à conclusão de
que suas construções foram instituídas sob a forma de um mecanismo de controle social. As
características que comprovam essa teoria são as que vão ao encontro do controle da vida dos
trabalhadores fora do ambiente de trabalho, como a escolha do dia para consultas médicas, a
proibição da participação em festejos de carnaval e de primeiro de maio, além da proibição de
sindicatos ou de organizações e atividades de protesto. Essas práticas tinham como objetivo
manter os trabalhadores sob controle e minimizar o potencial de organização e resistência. Além
122
disso, buscavam forjar a conduta moral dos operários, baseando-se na rígida disciplina e nos
costumes cívicos, bem como em ideias propagadas pela universidade no início da sua
construção.
123
Neste trabalho, optamos pelo uso da noção de paisagem como “fato cultural” ou
“processo cultural”, no sentido que lhe é atribuído por Ulpiano Bezerra de Meneses (2002), o
que pressupõe dizer que a paisagem é fruto do trabalho organizado de determinada sociedade,
a qual, através de experiências e vivências, estabelece relações com o meio em que vive,
transformando-o e sendo por ele transformada. Nossa abordagem escolheu por esse
direcionamento na medida em que acreditamos que “pessoas e ambientes são componentes
constitutivos do mesmo universo” (MENESES, 2002, p. 36), pois nenhuma sociedade se
constitui em exterioridade ao meio, mas, sim, em interação contínua com o mesmo, num
processo de coevolução (CABRAL, 2014).
Nosso propósito foi o de analisar os processos culturais e naturais que constituíram as
paisagem das vilas e a transformação desses locais em “lugares de memória” (NORA, 1993).
Como afirma Meneses (2002, p.36-37), “a paisagem oferece pistas materiais que permitem
perceber seu caráter histórico. São esses ‘traços fósseis’ que conduzem ao entendimento da
formação geomorfológica e social da paisagem contemporânea e de suas sucessivas fisionomias
anteriores ao longo do tempo”. Assim, por meio dos relatos orais, foi possível compreendermos
a construção das paisagens das vilas, às quais estão relacionados diversos sentidos, valores e
significados.
Posto isso, quando analisamos mais de perto esses valores e significados, nos é
permitido identificar vários aspectos daqueles grupos e perceber que esse conjunto de
características e relações que se formaram ali representa o conjunto identitário daquele local.
Desse modo, conferir valor de patrimônio cultural a determinada paisagem implica dizer que
as relações que foram estabelecidas naquele lugar, sejam sociais ou com os elementos da
natureza local, estão intrinsecamente atreladas ao desenvolvimento do grupo que ali se
estabeleceu.
A partir do exposto, iremos explanar um pouco sobre as diversas relações que se
estabeleceram no território da UFV tendo a paisagem como personagem constituinte desse
cenário.
Com base em Verger (1990), Arrusul (2009) explica que as universidades surgiram na
Europa Ocidental, entre os séculos XI e XII, sob o rígido monopólio da igreja. Com o passar
do tempo e o surgimento dos Estados Nacionais, as universidades se tornaram espaços urbanos,
e passaram a assumir um papel social, tendo em vista que seus intelectuais participavam das
decisões políticas das cidades.
Para o autor Luciano Godoy Arrussul, a ideologia dos Estados Nacionais moldou o
sistema de ensino das universidades, uma vez que,
O modelo alemão era baseado no conhecimento científico, cujo objetivo era avançar o
conjunto da sociedade em seus aspectos sociais, culturais e econômicos. Esse sistema
consolidou o sistema de cátedra, no qual havia um líder intelectual responsável pela gestão
administrativa e acadêmica dos conteúdos curriculares (ARRUSSUL, 2009).
O modelo francês era caracterizado pela ênfase na centralização e no controle do
governo sobre as universidades. Essa centralização e controle estendiam-se ao currículo e ao
ensino. Por sua vez, o modelo anglo-saxônico seguia os preceitos rígidos da formação da
personalidade e do caráter com forte aceno moral. Essa foi a matriz incorporada pelas colônias
norte-americanas, que imprimiram nos colleges (precursores das universidades) tal modelo de
educação. Os colleges eram, segundo Arrussul (2009), comunidades universitárias rurais nas
quais os estudantes do sexo masculino conviviam com seus tutores em regime de internato.
Entretanto, apesar do modelo importado, as universidades norte-americanas ressignificaram a
concepção inicial e imprimiram em suas instituições características próprias, como a tríade do
ensino, da pesquisa e da extensão. Ademais, para além do campo educacional, as universidades
norte-americanas também moldaram a concepção do espaço físico no qual se instalaram.
Remanescentes dos colleges, os terrenos nos quais essas instituições foram adaptadas
para se fundar as universidades eram, em sua maioria, rurais. Segundo o autor J. Philip Gruen
(2012), a transformação na paisagem desses locais se deu desde a origem. Ela se dava em função
125
The landscape connections are literal: the legislative impetus for establishing
land-grant colleges was ostensibly to create institutions that would provide
proper training in the extraction, processing, and management of natural
resources for the advancement of America’s rising agricultural, industrial, and
military empire86 (GRUEN, 2012, p. 3).
86
Tradução livre: As conexões da paisagem são literais: o ímpeto legislativo para estabelecer faculdades de
concessão de terras foi ostensivamente criar instituições que forneceriam treinamento adequado na extração,
processamento e gerenciamento de recursos naturais para o avanço do crescente império agrícola, industrial e
militar da América (GRUEN, 2012, p. 3).
126
Não é de estranhar que essa descrição seja semelhante a muitos dos campi universitários
que conhecemos no Brasil, inclusive o da UFV tendo em vista que a proposta foi difundida nos
países da América Latina e incorporada por muitos deles. No Brasil, durante o governo de
Getúlio Vargas, o ministro da educação, Gustavo Capanema, seguindo o modelo do projeto
norte-americano, difundiu o ideal de cidade universitária a ser implantado no país. Seu conceito
procurava imiscuir ao projeto, o “pensamento paradigmático de um urbanismo moderno e
inovador, no qual serviria de suporte a um governo que desejava firmar valores culturais”
(ARRUSSUL, 2009, p. 44).
Cabe explicar que a primeira universidade criada no Brasil foi no Rio de Janeiro e tinha
passado a se chamar, desde 1937, Universidade do Brasil. Sua criação foi um importante marco
na história do ensino superior no país, pois objetivava-se fundar as referências para as
faculdades e escolas nacionais. A Universidade do Brasil passou por um processo de expansão
e desenvolvimento, incorporando novas faculdades e institutos ao longo dos anos. Em 1965, a
instituição foi reorganizada e se tornou a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
(ARRUSSUL, 2009).
Sobre o projeto educacional a ser implantado por Gustavo Capanema, este buscava
forjar segurança e disciplina em um lugar bucólico, e tinha o intento de afastar os estudantes,
que estavam em constante formação da personalidade, dos problemas e efervescências sociais
que ocorriam nas cidades, seguindo, desse modo, o princípio da não-contaminação pelas
mazelas sociais. Nesse sentido, foram construídas, além de edificações com finalidade de
ensino, construções que supriam as necessidades básicas do cotidiano dos estudantes, como
mercados, farmácias e bancos, a fim de que os mesmos não precisassem sair do campus
universitário. Esses aspectos atendiam o objetivo do Estado Novo, de organizar as vidas das
coletividades.
127
A utilização da palavra vernacular citada por Gruen (2012) tem concepção semelhante
à atribuída pelo autor John Brinckerhoff Jackson, na obra de Jean Marc Besse (2014),em que é
utilizada para definir uma das facetas do conceito de paisagem. Segundo Jackson, “paisagem
política” e “paisagem vernacular” não são concepções contrárias, mas o oposto disso: são
apenas conceitos diferentes de uma mesma paisagem que, sendo muitas vezes justapostos,
poderão coexistir em um mesmo local.
O conceito de paisagem política proposto em Besse refere-se à dimensão política e
ideológica que está presente nas paisagens. Ele argumenta que as paisagens são construídas e
moldadas por relações de poder, influências políticas e processos sociais. Ao observar uma
paisagem, é possível identificar elementos que refletem a política, como monumentos,
símbolos, infraestruturas e arranjos espaciais. Besse examina como os poderes instituídos
moldam a paisagem, como essas estruturas são materializadas e como a política é expressa e
87
Tradução livre: O campus de concessão de terras é, talvez, o campus vernacular do país. Aparentemente sem
coerência, um núcleo razoavelmente bem ordenado de edifícios acadêmicos e administrativos vestidos em estilos
tradicionais muitas vezes dá lugar a arranha-céus, estacionamentos, estruturas residenciais, estradas, campos,
celeiros e dependências. Caminhos, gramados, lagoas, riachos, caminhos e cobertura de árvores, ocasionalmente
espelhando os contornos da paisagem, ajudam a suavizar o que poderia se tornar uma perspectiva formal mais
chocante, mas consistência, ordem e formalidade raramente fornecem a impressão duradoura (GRUEN, 2012, p.
2).
128
representada no ambiente físico. Ele investiga as relações de poder entre diferentes atores
sociais e políticos e demonstra como essas associações se manifestam nas paisagens urbanas e
rurais.
Por outro lado, a paisagem vernacular, também abordada por Besse, refere-se à
dimensão cultural e cotidiana das paisagens. Ela se concentra nas formas de vida, nas práticas
culturais e nas experiências das pessoas que habitam e interagem com a paisagem. Essa
abordagem valoriza a compreensão das paisagens a partir das perspectivas e vivências dos
indivíduos e comunidades locais. Esse tipo de paisagem é o modelo que, segundo Gruen (2012),
se pretendia imprimir nos campi universitários norte-americanos.
Com o desenvolvimento das cidades e a expansão das universidades, notamos que o
projeto inicial de campus universitário, como local que mescla o ambiente urbano e rural, sofreu
algumas adaptações. O aumento da circulação de veículos fez com que antigos espaços verdes
se transformassem em estacionamentos, além de outras remodelações. Entretanto, apesar disso,
como afirma Gruen (2012), a concepção vernacular da paisagem ainda é perceptível em meio
ao projeto político.
And yet the presence - and the visibility - of the land remains, marked as much
by the ordinary barns, stables, and tilled fields on the edges as it is by the
varied building types and open spaces in the center. Tightly organized or not,
that presence reminds us of the land-grant mission to uplift the industrial
classes and transform the natural landscape for the economic advancement of
the region. How this vernacular campus reconciles its buildings and spaces
with the realities of the cultural origins of its soil may ultimately provide the
most lasting features of its landscape88 (GRUEN, 2012, p. 6).
88
Tradução livre: E, no entanto, a presença - e a visibilidade - da terra permanecem marcadas tanto pelos celeiros
comuns, estábulos e campos cultivados nas bordas quanto pelos variados tipos de construção e espaços abertos no
centro. Firmemente organizada ou não, essa presença nos lembra da missão fundiária de elevar as classes
industriais e transformar a paisagem natural para o avanço econômico da região. Como este campus vernacular
reconcilia seus edifícios e espaços com as realidades das origens culturais de seu solo pode, em última análise,
fornecer as características mais duradouras de sua paisagem (GRUEN, 2012, p. 6).
129
maioria de café e milho, além de pasto. Estes espaços foram manejados para dar lugar às
diversas terraças89 agrícolas, que foram implantadas ao longo dos terrenos, a fim de dar subsídio
ao ensino e à pesquisa, sobretudo às aulas práticas do curso de Agricultura, além de outras ações
de manejo com a terra. Essas marcas ainda persistem nos campos de experimentação agrícola
do Vale da Agronomia.
Ao analisar a paisagem do Campus UFV sob a perspectiva descrita por Jean Marc Besse
(2014), podemos identificar tanto elementos que refletem as estruturas de poder e as dinâmicas
políticas presentes quanto componentes que representam a cultura da comunidade universitária.
Para tanto, sobre a paisagem política, ao se referir às características físicas, simbólicas
e sociais que refletem as estruturas de poder e as relações de poder presentes em determinado
espaço, notamos que no contexto da UFV elas podem ser facilmente identificadas na disposição
geográfica de seus principais edifícios. Observamos que os mesmos estão distribuídos de
acordo com a hierarquia administrativa e acadêmica, como a localização do prédio que abriga
os setores administrativos (Edifício Arthur Bernardes), político (Edifício Professor Rolfs -
Reitoria) e financeiro, todos localizados na parte central da Universidade.
Já a paisagem vernacular, ao se referir às características mais cotidianas e culturais de
um determinado espaço, pode ser relacionada, no caso da UFV, aos elementos presentes nas
áreas de convívio social, como as praças, áreas verdes e espaços de preservação ambiental, os
quais buscam conciliar a convivência humana com a natureza. Essa configuração de cenário
pode ser observada também a partir de características particulares da cultura estudantil, como
as festas e os eventos, e da cultura e costumes desenvolvidos nas vilas residenciais, seja na
Giannetti ou nas operárias.
Como exemplificado anteriormente, com o surgimento dos colleges em assentos
agrícolas e posteriormente adaptados para universidades e campus universitário, notamos que
essas modificações nada mais foram que resultados de processos de interação entre elementos
culturais e naturais que se deram ao longo do tempo. Entretanto, essa relação entre natureza e
cultura é um tema complexo e sistêmico, que há muito vem sendo discutido pela historiografia
como concepções díspares. Contudo, observamos que estudos mais recentes, como o
desenvolvido pelo autor, filósofo e cientista francês Bruno Latour (2020), esse processo é mais
89
O terraceamento da lavoura é uma prática de combate à erosão fundamentada na construção de terraços com o
propósito de disciplinar o volume de escoamento das águas das chuvas. Essa prática deve ser utilizada
concomitantemente com outras práticas edáficas (são formas de manejo ou tratos ou manipulação do solo), como
por exemplo, a cobertura do solo com palhada, calagem e adubação fertilizante balanceadas, e com práticas de
caráter vegetativo, por exemplo, rotação de culturas com plantas de cobertura e cultivo em nível ou em contorno.
A combinação dessas práticas de controle da erosão compõe o planejamento conservacionista da lavoura.
Disponível em: https://www.embrapa.br/documents/10180/13599347/ID01.pdf. Acesso em: 12 mai. 2023.
130
associativo que dicotômico, pois faz parte de uma rede de interações que conecta a humanidade
e faz surgir implicações sobre ela e o meio biofísico.
Latour argumenta contra a visão tradicional de separação entre natureza e cultura,
destacando que as ações humanas têm consequências profundas para os ecossistemas e a vida
no planeta e vice-versa. Ele critica a ideia de que a natureza é algo externo e passivo, e propõe
uma perspectiva mais ampla e interconectada, na qual as transformações humanas são
reconhecidas como parte integrante da natureza. A essa nova relação, o autor adiciona o
conceito de Antropoceno (ceno para “novo”, antropos para “humano”) (LATOUR, 2020, p.
182), vocábulo proposto para descrever uma nova era geológica, na qual as atividades humanas
estão tendo um impacto significativo nos sistemas ecológicos e geológicos do planeta.
Latour aborda temas como crise climática, perda de biodiversidade e poluição, e discute
como essas questões estão interligadas e exigem uma resposta coletiva. Contudo, não é o objeto
do trabalho adentrar nessas questões, mas, apesar disso, mesmo que de maneira incipiente,
podemos estabelecer uma relação desse processo associativo entre cultura e natureza proposta
por Latour com o estudo em questão.
Dessa forma, podemos estabelecer algumas conexões sobre a relação entre humanidade
e natureza e as transformações que ocorreram nas paisagens das vilas residenciais da UFV.
Embora a transformação da paisagem nas vilas tenha sido predominantemente impulsionada
por forças externas, como o desenvolvimento urbano da universidade, observamos que os
próprios moradores, muitas vezes, também modificavam ativamente seu ambiente para atender
às suas próprias necessidades e se adaptarem às condições existentes.
Alguns exemplos dessa modificação incluem: a construção de habitações e
infraestrutura, como o aumento dos cômodos das casas; a criação de espaços comunitários,
como a construção da Capela católica do Cristo Rei na Vila Dr. Secundino; e as práticas de
subsistência, como a construção dos quintais para o cultivo de hortaliças, frutas e legumes, além
131
Como dito anteriormente, observamos que a construção das paisagens das vilas
residenciais (Vila Giannetti e vilas operárias) é indissociável, pois estiveram em constante
interação entre si, desde o início de suas formações, embora isso fosse negligenciado nos
documentos oficiais. Nesse sentido, iremos trazer à luz algumas dessas relações por meio dos
relatos orais dos moradores e ocupantes das residências, pois, como afirma o autor Alessandro
Portelli (1997), uma das principais características da história oral é trazer à superfície mais os
significados do que aos fatos em si.
Logo, o foco será nas experiências subjetivas e nas narrativas individuais, uma vez que,
como argumenta Portelli (1997), a história oral valoriza não apenas os fatos e eventos históricos,
mas também os sentimentos, as emoções e as perspectivas pessoais dos entrevistados. Dessa
forma, buscamos compreender a história a partir da perspectiva dos que a viveram,
proporcionando uma visão mais inclusiva do passado.
A partir das entrevistas realizadas com os moradores e ex-moradores das vilas operárias,
observamos que a relação que existia entre estes e os professores da Vila Giannetti era de
prestação de serviços domésticos (cuidar da casa, cortar grama e cuidar dos jardins). Esse
serviço podia ser executado tanto pelos homens como pelas mulheres, conforme podemos notar
nos trechos das entrevistas abaixo:
Quase todo mundo da vila Secundino trabalhava na vila Gianetti. (...) xx,
minha irmã, eu, xx, xx, xx, tudo trabalhava na casa 27, com a dona Feliz e o
professor Aldo. Mas a gente trabalhou com vários professores também, com
a dona Maria Comastre, com a dona professora Silvia, (...), xx, a maioria dos
morador da vila trabalhava na vila Gianetti, tanto jardineiro, como cozinheiro,
como arrumadeira, como passadeira...91.
Sobre o manejo dos jardins e da horta da Vila Giannetti, podemos fazer uma análise
comparativa com os existentes nas vilas operárias, pois notamos que as funções eram diferentes.
As áreas verdes presentes na Vila Giannetti tinham a função de embelezamento, critério estético
que atribuíam à natureza - eram os jardins dos ricos, enquanto que nas vilas operárias, a
preocupação era com a subsistência - eram os quintais dos pobres.
A relação dos moradores da Vila Giannetti para com os moradores das vilas operárias,
como verificamos no trecho acima, no entendimento dos operários, se dava em forma de
“ajuda”, como o oferecimento das sobras de comida que “colocavam no papel de laminado” e
entregavam para os moradores das vilas operárias. Essa ação demonstra em que medida
divergiam as realidades dos moradores dessas diferentes vilas, revelando uma disparidade
profunda.
Esse trecho nos faz lembrar a obra Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960)
da autora Carolina Maria de Jesus – um diário autobiográfico que retrata a vida da autora como
catadora de papel e moradora de uma favela em São Paulo. Por meio de uma escrita direta, crua
e reveladora, Carolina Maria de Jesus descreve a realidade da pobreza, a luta pela sobrevivência
e a persistência diante das adversidades. Para ela, a favela é o local ao qual a sociedade e o
90
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
91
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG.
92
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
133
poder político relegaram aqueles que devem ser esquecidos ou que estão aguardando para serem
“jogados fora”. Vários dos trechos de sua obra demonstram passagens de “ajuda assistencial”,
como oferecimento de comida e roupas por pessoas que subiam a favela para ajudar os
moradores daqueles locais: “Tem as igrejas que dá pão. Tem o São Francisco que todos os
meses dá mantimentos, café, sabão etc.” (JESUS, 1960, p. 16). Essa é uma das passagens
semelhantes ao último trecho da entrevista mencionada anteriormente, que remete às “ajudas”
que os professores enviavam para as vilas por meio de restos de alimentos e outros utensílios e
vestuários.
Além desse relato, cabe destacar as atividades desempenhadas pelas esposas dos
professores, que eram baseadas em ações higienistas sobre o cuidado com a casa, vestuário,
alimentação e puericultura. Segundo relatos dos entrevistados, as mulheres que estavam à frente
destas práticas faziam parte da Associação Feminina Effie Rolfs93, entidade que congregava as
esposas dos professores da UREMG e que tinha o objetivo de realizar trabalhos sociais via
visitas nas casas dos operários, além de palestras no Salão Nobre da Reitoria da UREMG.
(...) a Tetê, filha do Fagundes, do reitor que tinha aqui na escola, a Tetê
(apelido dela era Tetê), ela vinha muito aqui em casa, até margarina no pão
ela ficava ensinando meus menino a passá94.
Sim, eu me lembro porque a esposa dos professores, ela dava reuniões pras
mulheres funcionárias sobre higiene, e a gente, eu me lembro que eu era bem
pequenininha, aí é onde hoje que era, né, a Secom. Então, eles também davam
leite em pó que a gente buscava, e lá a gente, onde hoje a reitoria, funcionava
lá o alojamento feminino, e a gente ficava lá em cima na varanda brincando,
na gangorra, que tinha95.
A partir dos relatos, notamos que, além das ações de cunho higienista e cuidado com o
lar e com os filhos, também era oferecida pela Associação Feminina Effie Rolfs a doação de
93
Edição N.º4 do Informativo da UREMG, 4 de abril de 1968. Disponível em:
http://atom.ufv.br/index.php/edicaono- 04-3. Acesso em: 07 out. 2022.
94
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
95
Trecho da entrevista de I.P. Moradora da Vila Dona Chiquinha. Duração de 16min52s. Data: 3 de setembro de
2022. Viçosa, MG.
96
Trecho da entrevista de G.F.P.M. Ex-Morador da Vila Giannetti. Duração de 17min35s. Data: 26 de julho de
2022. Viçosa, MG.
134
comida, como leite em pó e fubá (já mencionado em outro trecho de entrevista da dissertação).
Podemos perceber, pelos relatos, que essa ajuda de cunho assistencial era intensificada nos
períodos de crises, principalmente nas épocas em que os salários dos funcionários atrasavam.
Retomando um pouco sobre a discussão realizada no capítulo anterior, sobre o projeto
capitalista de tentar forjar uma conduta moral aos trabalhadores das vilas operárias, o qual
objetivava o aumento da produção, observamos que as ações desenvolvidas pela Associação
Feminina Effie Rolfs atendiam, de certo modo, a esse mesmo fim. As palestras e visitas
domiciliares aos moradores das vilas, ensinando-os como se vestir, alimentar, higienizar a casa
e cuidar dos filhos, demonstram claramente o projeto de controle social que a ESAV-UREMG
tinha para com os operários. O objetivo era adequar o modo de vida desses sujeitos, para que
se alinhassem ao sistema de ensino moral e disciplinar que era desenvolvido na instituição, a
fim de que, seguindo tais preceitos, não houvesse qualquer contaminação de aspirações e
reivindicações sociais. Essa postura era disseminada, por meio do discurso hegemônico da
época, no ambiente urbano da cidade.
As vilas e os estudantes
Até pouco tempo a relação que havia entre os moradores das vilas operárias e os
estudantes da UFV era de prestação de serviços, principalmente da mão de obra feminina, em
que havia a cultura das conhecidas “lavadeiras”. Essa foi a principal atividade desenvolvida
pelas mulheres das vilas, tendo sido essa remuneração, durante o período de crise pela qual a
UREMG passou, um complemento primordial na renda das famílias, conforme pode ser
percebido pelos relatos abaixo:
O papel das mulheres, vou dar exemplo de mamãe, todas lavavam roupas nos
alojamentos, no alojamento feminino e no antigo prédio, onde é o CCE, se
chamava ACAR, acho que é assim que fala, onde ficavam os estudantes de
mestrado e doutorado temporários, e a agente buscava roupas no masculino e
feminino. Então, mamãe lavava roupa de quase trinta pessoas, além de família
da cidade, aí para ajudar os pais, porque não recebiam. Todas as mulheres da
Vila lavavam roupa para fora e, no meu caso, eu plantava muita horta e vendia
muita verdura na cidade, era o que a gente fazia97.
(...) então, a maioria ficava em casa, igual minha mãe, minha mãe ficava em
casa, mas ela lavava roupa pra fora, né, aqueles estudantes da UFV e tudo. Ali
na vila tinha as mulheres que trabalhavam em casa que lavavam pra fora, né?
97
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
135
Elas não saíam pra trabalhar, mas pegavam serviço em casa, (...) elas pegavam
roupa pra lavar em casa...98.
(...) ah, os estudantes adoravam ir pra vila Secundino, festa na vila Secundino,
então todo mundo adorava ir, festa junina, festa... Qualquer festa que a gente
fazia lá (...) a última quem fez foi o professor Marcelo, da Sociais, do 100 anos
da Vila Secundino100.
98
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG.
99
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG
100
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG.
136
Aqui era uma relação absolutamente normal, tranquila, costumava até no dia
dos professores os alunos, às vezes, grupo de dois, irem ao gabinete de
determinado professor e falava: “Oh, professor amanhã é dia dos professores,
nós vamos almoçar na sua casa”. Então, era muito comum os professores aqui
101
A notícia da divulgação do evento foi veiculada no jornal Folha da Mata, versão on-line, em 25/11/2016 e,
depois veiculada como realizada em 08/12/2016. Também foram feitas postagens de fotos e comentários de
pessoas que participaram do evento na rede social Facebook.
137
no dia de receber os estudantes sempre dois, às vezes três, para almoçar no dia
do dos professores. Uma tradição que acabou depois, era bem curioso102.
(...) depois da casa, nos fundos da casa 34, onde morou o senhor XXX, que
foi o primeiro morador daquela casa, existia aqui o que nós chamávamos de
“Alagoinha”: era um pequeno açude bem grande. Por ali nós nadávamos e
pescávamos. Tinha muito lambari e muita traíra, muita cará, e era bem
divertido103.
(...) a gente brincava muito mais pra cá, na parte do gramado, né? E essa
giratória, tinha plantas, a gente entrava lá pra dentro, ali era um universo
mágico que a gente era pequenininho, as plantas eram grandes, a gente sumia
ali dentro, a gente brincava no meio das plantas, mas as brincadeiras
aconteciam muito nessas áreas nos entornos das casas ou nos quintais.(...)
Tinha riachos - eu ia até comentar isso - em alguns quintais passavam um
riachozinho, era uma delícia brincar de atravessar o riacho. É... essa coisa de
poder brincar perto de água, de poder buscar lá um pouquinho de água. Então,
algumas casas mais pra cima tinha um pouco de um riacho, não sei
precisamente quais casas tem ou não tem104.
102
Trecho da entrevista de G.F.P.M. Ex-Morador da Vila Giannetti. Duração de 17min35s. Data: 26 de julho de
2022. Viçosa, MG.
103
Trecho da entrevista de G.F.P.M. Ex-Morador da Vila Giannetti. Duração de 17min35s. Data: 26 de julho de
2022. Viçosa, MG.
104
C.L.G.C. Ex-Moradora da Vila Giannetti. Duração de 26min37s. Data: 19 de setembro de 2022. Viçosa, MG.
138
Sobre os riachos localizados no fundo das casas da Vila Giannetti, cabe esclarecer que
tudo indica que os mesmos não existem mais, pois, por meio das entrevistas com os atuais
usuários das casas não foi mencionada em nenhuma passagem a presença dos mesmos.
Entretanto, nos fundos do estacionamento que existe entre as casas de números 3 e 5 existe um
viveiro de mudas onde passa um pequeno trecho de água, a mesma água não continua nos
quintais das casas localizadas rua acima. Em relação às plantas da rotatória, as mesmas não
existem mais; o que há atualmente é vegetação rasteira e plantas de pequeno porte.
Sobre o cultivo das hortas nos diversos quintais das vilas dos operários, seja para
consumo próprio ou para comércio, essa foi uma ação que se desenvolveu em praticamente
todas as vilas operárias. Eram essas verduras, legumes e frutas dos quintais que, segundo
relatos, ajudavam a complementar a renda das famílias, sobretudo nos tempos de crise
financeira:
(...) eu plantava nesse quintal aqui, ó, plantava muita verdura, muito legume,
que eu fazia pro meus filho, eu fazia muda de planta, é... pode falá?
I: ... chifre de viado [risos]
R: ... nome da planta, né?
I: [risos] tinha um moço que tinha uma loja lá na rua, eu levava pra lá, deixava
lá com ele, ele vendia pra mim [risos], é onde que eu comprava pão pros
menino, porque a despesa era muito grande105.
Nossa Senhora, nóis gosta de morar no mato... nóis adora morá no mato... é
que meu horário de serviço, meu intervalo de serviço, eu tenho um lugar pra
plantar, cuidá duma criação. (...) Tem, a horta por aqui afora tudo, uai,
mandioca, cana, inhame, planto de tudo106.
Observamos, deste modo, que as funções que as vilas (Giannetti e operárias) atribuíam
à paisagem e aos elementos da natureza se davam de maneiras diferentes. Tais funções estavam
associadas às posições sociais que cada grupo ocupava na instituição. Logo, é importante
ressaltar que as práticas de manejo da natureza pelos moradores das vilas operárias eram
influenciadas pelos fatores sociais, econômicos e culturais que estavam imbuídos naquele
período.
105
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
106
Trecho da entrevista de M.P.F. Morador da Vila Araújo. Duração de 7min32s. Data: 24 de agosto de 2022.
Viçosa, MG.
139
(...) essa via de ligação entre a UFV e a principal avenida de acesso à cidade,
passando pela Vila Giannetti, representou um forte impacto urbanístico,
rompendo-se com o caráter fechado da vila propiciado pelo traçado das ruas
sem saída. A necessidade de áreas para estacionamento e o aumento do fluxo
de pedestres e de ciclistas provocaram grandes modificações nas áreas
externas, frontais e laterais das residências, especialmente nos jardins e nas
garagens, muitas vezes descaracterizando os imóveis urbanísticos
representados pela Vila Giannetti (CARVALHO; FERREIRA, 2012, p. 8).
De encontro às observações das autoras acima, podemos notar também nas falas das
entrevistas de alguns membros da comissão do PDFA (2008-2017) que, sem dúvida, a
construção da via alternativa é considerada como a maior descaracterização do conjunto
arquitetônico e paisagístico da Vila Giannetti:
(...) houve aquela ligação com a avenida lá em cima lá que mudou uma
característica da vila que era um lugar sossegado né, com pouco afluxo. E hoje
a vila é um dos lugares que, por força do destino, né, ela virou um caminho de
passagem, né? Eu, por exemplo, passo na via muitas vezes por dia quando, eu
tô indo para minha casa ou voltando para minha casa, que é a melhor forma
de eu chegar lá na Castelo Branco, lá em cima. Então, nesse entendimento
houveram mudanças109.
É, a entrada alternativa, ela alterou drasticamente, esse meio ambiente, vamo
falar assim. Então, se você parte do princípio que você escutava determinadas
coisas, som de pássaros, animais, presença deles, né, com a construção da
107
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG.
108
CARVALHO, Aline Werneck Barbosa; FERREIRA, Tatiana Sell. Difusão da ideologia do habitar moderno no
interior de Minas Gerais, estudo de caso das moradias funcionais no Campus da Universidade Federal de Viçosa.
Arquitexto, ano 12, s.p., 2012. Disponível em:
https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.144/4347. Acesso em: 01 de abr. 2022.
109
Trecho da entrevista de E.I.F.F. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 13min50s. Data: 6
de setembro de 2022. Viçosa, MG.
140
entrada alternativa, aquilo ali virou uma via de acesso de média pra alta
velocidade às vezes, e isso influenciou. Se eu falo que esse ambiente natural
é importante, também, eu não posso deixar de citar a construção da via
alternativa como um fator de dano ao patrimônio Vila Giannetti110.
Ó, eu vou dizer o seguinte, a primeira grande intervenção é... não vou dizer a
primeira, talvez a única grande intervenção que levou a essas considerações
foi a chamada via alternativa. Por que a via alternativa? A ideia da via
alternativa era passar na parte, sair onde que ela encontra realmente com a
Castelo Branco, mas não era passar dentro da Vila Giannetti. O caminho
original - eu tô falando porque eu participei do processo do estabelecimento
da via alternativa, por trás do projeto da via alternativa - e ela passaria fora da
Vila Giannetti, digamos assim, entre o morro das bandeiras ora, e os fundos
dos lotes da vila Giannetti, por uma questão de custeio, vamos dizer assim,
isso aí eu já estava, num foi levado na condição de que eu participei pra
elaboração do projeto, com a decisão administrativa da UFV de encurtar o
caminho, de mudar, de encurtar as intervenções e diminuir custos, o que foi
feito no meu entendimento, sem levar em conta o relevante valor patrimonial,
de história, de paisagismo, que a Vila leva ou tem por si 111.
O projeto arquitetônico de construção da Vila Giannetti foi idealizado para que aquele
espaço fosse considerado como um local “fechado”, baseado no traçado das ruas sem saída, no
qual os professores e suas famílias pudessem viver de maneira tranquila. Contudo, em função
da crescente demanda para dar mais fluxo ao trânsito da cidade, e também por questões de
facilidade, política e economia, conforme relato acima, a via veio a ser construída, modificando
drasticamente o espaço físico que, atualmente, comporta um intenso tráfego de veículos.
Segundo conversas informais com membros da comissão do PDFA (2008-2017), foram
apresentados, à época, dois projetos de construção para a via: um que passava por dentro da
Vila Giannetti e outro que passava por fora. Mas, conforme o relato acima, a primeira planta
foi escolhida, inclusive, com forte apoio de setores administrativos da UFV.
Cabe ressaltar que, além da via alternativa, também existem outros fatores de
descaracterização do espaço físico dessa localidade, que são modificações tanto internas quanto
externas. Em relação ao interior das residências, várias casas foram adaptadas para abrigar
laboratórios e outros setores que subsidiam as práticas de ensino e extensão da universidade.
Desse modo, houve modificações como acréscimos de cômodos e troca de pisos, além de outras
adaptações. No exterior, a alteração mais significativa foi a construção do Monumento ao Ex-
aluno da UFV, em 9 de dezembro de 2017112. Nele encontra-se o Busto do Ex-Aluno Antônio
110
Trecho da entrevista de G.C.G. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 38min. Data: 6 de
setembro de 2022. Viçosa, MG.
111
Trecho da entrevista de A.C.G.T. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 1h13min. Data: 21
de setembro de 2022. Viçosa, MG.
112
Disponível em: https://aea.ufv.br/relatorio-gestao/. Acesso em: 19 de jul. 2023.
141
Secundino de São José, aluno da primeira turma de Engenheiros Agrônomos da ESAV, mesmo
personagem que designa o nome da Vila Dr. Secundino. O monumento está situado em área
central da Vila Giannetti, com arquitetura destoando das casas homogêneas e da paisagem
arborizada ao redor.
A partir de conversas reunidas durante as entrevistas, podemos perceber que o espaço
físico da referida Vila é altamente disputado dentro da universidade, principalmente após o
crescimento que ocorreu com a implantação do REUNI, em 2007, que implicou no aumento
exponencial dos cursos e construções dentro do campus. Segundo constam nos relatos, a
posição de proximidade ao centro urbano da cidade de Viçosa e o tamanho relativamente grande
das casas da Vila são os principais fatores que contribuem para essa disputa.
Para Nora (1993), os “lugares de memória” são locais físicos ou simbólicos que se
tornaram símbolos importantes para uma sociedade e são usados como pontos de referência
para preservar sua história e identidade cultural. Esses lugares podem incluir monumentos
históricos, museus, memoriais, cemitérios, prédios antigos, festivais tradicionais e outros
elementos que evocam lembranças do passado coletivo. Desse modo, os lugares de memória
transcendem o simples papel de monumentos ou estruturas históricas, pois carregam consigo
narrativas ricas e significativas, representando eventos, lugares, paisagens ou períodos
importantes que marcaram a história de um determinado grupo ou sociedade.
Segundo Nora (1993), a memória não é apenas um registro objetivo do passado, mas
sim algo que é ativamente construído e moldado pelas sociedades ao longo do tempo. Os lugares
de memória tornam-se espaços onde essa construção e preservação da memória
acontecem.Além disso, esses lugares podem ser vistos como uma forma de resistência contra o
esquecimento e a perda da história em meio às rápidas mudanças sociais e culturais. Logo,
preservar esses lugares significa manter ativa e viva a identidade coletiva dos personagens que
viveram ali e criaram relações com omeio em que se constituíram.
Dentro deste contexto, acreditamos que as vilas residenciais da UFV, bem como suas
paisagens ocupam status de lugares de memórias, tendo em vista que foram palco e personagens
de vivências culturais, socionaturais e políticas, que fazem parte do imaginário coletivo da UFV
e dos moradores e ex-moradores destes locais.
Testemunhas do crescimento das cidades e das mudanças sociais e urbanas da
modernidade, as vilas residenciais tornaram-se centros de trabalho para milhares de pessoas ao
142
longo da história. Elas foram construídas nas proximidades dos locais de trabalho, refletindo
uma nova abordagem na organização da vida urbana e social dos sujeitos em um determinado
tempo. Entretanto, como analisado no Capítulo 2, verificamos que esse modelo revela a
intenção dos proprietários ou empregadores de controlar a vida dos operários, moldando suas
rotinas e interações sociais.
Apesar do controle social ao qual eram submetidos, os moradores das vilas residenciais
da UFV seguiam suas vidas e rotinas cotidianas, estabelecendo relações sociais e afetivas com
os seus pares e com o meio biofísico nesses locais, conforme apresentado anteriormente. Tais
relações ainda permanecem no imaginário coletivo de alguns moradores, conforme podemos
observar no trecho das entrevistas abaixo:
A Vila tinha a fogueira, a gente brincava de roda, fazia a festa, o pessoal era
muito feliz. Era o espaço que a gente tinha, mas agora, como o pessoal todo
quase já morreu ou mudou, foi embora e destruíram a Vila quase toda. Hoje
tem a Capela do Cristo Rei, então, de vez em quando, a gente reúne todo
mundo ou vai na casa de um, vai se encontrando, porque na cidade, ninguém
conseguiu fazer amigos mais. Então, já mudou todo mundo que é idoso e
muitos já morreram e então, de vez em quando, tem a missa aqui na Vila e
tem a confraternização no dia do Cristo Rei. Aí, nós nos encontramos o
pessoal da Vila com o pessoal dos Cristais113.
Ah, Vila Secundino é uma família... Era vinte e duas casas, mas todos, todos,
família, os moradores antigos todos, até hoje somos todos amigo, os que estão
vivos, né? Por ser marcante, né, nesse período... Mas graças a Deus até hoje,
todos que tava, é assim, na vila Secundino, a gente tinha uma vantagem,
passava o pontilhão pra lá e a gente podia ficar com a casa aberta o dia todo,
podia deixar a casa aberta e sair, não tinha preocupação de que ia entrar
alguém, que era coisa, podia dormir com a janela aberta114.
(...) ia para quadra, brincar, jogar bola, jogar queimada, esses negócio, mais
geralmente brincava no meio da vila também. A vila era um espaço aberto,
que num tinha acesso a carro, né, de pra lá e pra cá, igual tem hoje. Então,
geralmente brincava no meio da vila, as festa, as brincadeira geralmente
ocorriam mesmo no meio da vila115.
(...) eu vim morar aqui, mas aqui tinha as casa tudo aí, as casa por cima aí, as
casa por baixo, era até bonito aqui, era muito bonito essa vila aqui. Aí nós
viemos morar aqui no ano de 1966 (...) tinha um campozinho de futebol, lá em
cima lá, que os menino, às vezes, jogava bola lá, e no mais era só mesmo na
rua que encontrava116.
113
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
114
Trecho da entrevista de R.C.C. Ex-Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 33min09s. Data: 27 de julho
de 2022. Viçosa, MG.
115
Idem.
116
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
143
Quando perguntado aos moradores das vilas operárias como era o convívio social
naqueles locais, observamos que as respostas iam ao encontro de lembranças de um passado
muito afetivo e comunitário. Por ser considerada a maior vila operária da UFV, as recordações
dos entrevistados da Vila Dr. Secundino retomam as reminiscências de um cotidiano muito
alegre, pacífico, de festividade e de brincadeiras de crianças na rua. Como está localizada em
uma via sem saída, as crianças podiam brincar com mais tranquilidade, conforme relatado nos
excertos acima. Sobre o campo de futebol mencionado no último relato, este não existe mais.
É perceptível o tom saudosista nos relatos dos entrevistados, o que nos faz crer que as
vivências que tiveram ali são fatores constitutivos importantes da formação da memória coletiva
daqueles moradores. Tanto que, como narrado acima, verificamos que os laços dos ex-
moradores com a Vila ainda permanecem, uma vez que sempre retornam em períodos de
festividades para rever os amigos e vizinhos.
Outra referência importante dessa memória coletiva da Vila Dr. Secundino são as 22
casas que haviam ali. Como narrado acima, “era muito bonito” ver a via cheia de casas dos dois
lados, paisagem esta que está drasticamente modificada pela derrubada paulatina das
residências, à medida que os moradores estão falecendo ou se mudando. Esse fato chamou a
atenção, inclusive, de um dos ex-membros da comissão do PDFA, conforme excerto abaixo:
(...) uma vila que foi desmanchada e cortou meu coração ver aquilo, né? Eu
botei até uma foto no Facebook e isso e gerou uma reação inesperada, porque
assim eu botei aquilo como se fosse uma denúncia - olha o que tão fazendo -
e alguém lá da vila reclamou para mim que aquilo machucava eles, de vê isso
acontecer, eu tirei em respeito ao sentimento das pessoas, mas era assim117.
Outro fragmento de entrevista que cabe destacar se refere a um(a) morador(a) da Vila
Dona Chiquinha, que lá nasceu e vive até hoje. Não nos foi informada precisamente a idade,
mas inferimos que essa pessoa reside naquele local há mais de cinquenta anos, sendo o(a)
habitante mais antigo(a) dali. Pelo relato, podemos verificar que o entrevistado(a) reconhece
aquele espaço como constitutivo de suas raízes históricas e emocionais, ao passo que, mesmo
após o falecimento dos pais, não teve interesse em se mudar.
(...) eu nasci nessa casa, o meu pai morava na roça, a universidade era o
UREMG na época, né? Eles sabiam que as pessoas eram trabalhadoras,
buscavam as pessoas para trabalhar na universidade, eles buscaram,
construíram essa casa, onde nós entramos aqui nessa casa, é... primeiro
117
Trecho da entrevista de E.I.F.F. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 13min50s. Data: 6
de setembro de 2022. Viçosa, MG.
144
Sobre as memórias da vida cotidiana dos ex-moradores da Vila Gianneti, notamos que
muitas se relacionam com o período da infância, haja vista que nasceram ali ou eram muito
pequenos quando foram morar naquele espaço.
A gente jogava nas ruas, não existia, vamos dizer assim, um salão de festas
como existem em outros condomínios. A gente se reunia na rotatória principal,
que hoje é ocupado por aquele marco que a Associação dos ex-alunos fez, ali
existia um parque infantil. Então, tinha balanço, tinha, não sei como chama,
um quadrado cheio de repartição que os meninos subiam por dentro, e tinha
escorregador, que a gente se reunia ali, ou na rua mesmo, na porta de casa119.
Olha, a coisa mais comum para nós aqui, meninos, era nessa praça central, era
a nossa área de lazer. Ali a gente jogava queimada, jogava futebol, bolinha de
gude, piso-piso, pião, tudo que você pensar de brincadeira de menino, a gente
fazia ali. Encima, depois da casa 34, tinha uma área antes de construir as outras
casas, tinha uma área onde nós tínhamos um campo de futebol. Então, esse era
o nosso divertimento. Assim, quase que anexo a ele, tinha uma quadrazinha
de vôlei de areia. Que não tinha nada, então essa era a opção de esporte que a
gente tinha, que além de brincar aqui na Pracinha, como a gente chamava120.
(...) uma coisa que era muito marcante era o piche, que usava pra fazer o
remendo dos bloquetes... Isso parou de acontecer ao longo dos anos, mas, no
passado, não. Frequentemente o piche era renovado, e aí quando ele era
renovado, uma coisa asfáltica né... que fazia muito calor, ele dava aquelas
pelotas, aí o gostoso era estourar aquelas bolinhas de piche, né? Então, a gente
juntava, brincava, ficava brincando com aquilo e mais então durante a nossa
infância toda... esse piche tava muito presente porque, recorrente,
frequentemente ele era refeito, então, a gente tinha muito contato com esse
material. Era aquele cheiro forte, mas era gostoso as bolas, as bolhas de piche,
no período de calor que a gente ficava estourando121.
118
Trecho da entrevista da I.P. Moradora da Vila Dona Chiquinha. Duração de 16min52s. Data: 3 de setembro de
2022. Viçosa, MG.
119
Trecho da entrevista R.C.A.M. Ex-Moradora da Vila Giannetti. Duração de 14min25s. Data: 19 de julho de
2022. Viçosa, MG.
120
Trecho da entrevista de G.F.P.M. Ex-Morador da Vila Giannetti. Duração de 17min35s. Data: 26 de julho de
2022. Viçosa, MG.
121
Trecho da entrevista de C.L.G.C. Ex-Moradora da Vila Giannetti. Duração de 26min37s. Data: 19 de setembro
de 2022. Viçosa, MG.
145
campos de futebol e quadra de areia, além da pracinha. Essas práticas, comuns a qualquer
infância, além de nos evidenciar que a Vila Giannetti era um ambiente tranquilo e com famílias
numerosas, também nos indica pelos nomes dos brinquedos que o local recebia mais
investimento financeiro que os demais – fato também evidenciado pela menção ao piche para
remendo dos bloquetes, como forma de brincadeira, indicando uma melhor infraestrutura das
ruas. Assim, observamos, por meio das evidências citadas, que a memória coletiva, além de
cumprir a função de perpetuar acontecimentos repetitivos de certas sociedades, também serve
para desnudar questões sociais que podem ser problematizadas à luz do presente, como a
desigualdade social, por exemplo.
Para os atuais ocupantes da Vila Giannetti, as relações estabelecidas com o espaço estão
associadas ao dia a dia do trabalho, à exceção de alguns ex-moradores que trabalham atualmente
na Vila, cujas memórias se misturam com as referências do passado pessoal e familiar. A
maioria dos atuais usuários estabelece a ligação com o local por meio da função estética da
paisagem. Amparado nos moldes norte-americanos das cidades-jardins, conforme já
mencionado, o projeto paisagístico composto por ruas largas e vasta arborização traz boas
sensações aos sentidos humanos.
Além da análise realizada das vilas residenciais da UFV como lugares de memórias
afetivas, configurando, desse modo, um patrimônio intangível, no sentido em que é descrito por
Smith (2021, p. 141) “como uma negociação política subjetiva de identidade, lugar e memória
(...) na medida em que patrimônio é um momento ou um processo de (re)construção cultural e
social de valores e sentidos”, podemos também estabelecer uma relação dessas memórias com
as questões materiais, como as desigualdades socioeconômicas, o papel do trabalho na
sociedade e a importância da habitação e do urbanismo para uma vida digna. Nesse sentido,
demonstramos o quão divergente eram as realidades entre os moradores da Vila Giannetti e das
vilas operárias.
Cabe esclarecer, ainda, que a partir das entrevistas realizadas com membros da comissão
que elaborou o PDFA (2008-2017), verificamos que houve uma mudança de perspectiva por
parte dessas pessoas, ao passo que alguns membros afirmaram que existem valores históricos e
arquitetônicos nessas vilas que não foram considerados na época do PDFA, mas que poderiam
ser adotados pela universidade como critérios de proteção para as mesmas. Para além desses
critérios institucionais, soma-se o caráter afetivo demonstrado acima como fatores que podem
ser considerados para se atribuir às vilas operárias a categoria de lugares de memória.
Em conclusão, os lugares de memória, como as vilas da UFV, são fundamentais para
entendermos a história coletiva, as mudanças e o crescimento da UFV ao longo do tempo. Eles
146
nos convidam a refletir sobre o passado e a herança cultural e histórica dos moradores e ex-
moradores desses espaços, fazendo com que, por meio da problematização e da reflexão do
tema do patrimônio cultural, a universidade se oriente pela construção de uma política
patrimonial mais inclusiva e consciente.
147
CAPÍTULO 4: PRODUTO
122
Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/avaliacao/sobre-a-
avaliacao/avaliacao-o-que-e/sobre-a-avaliacao-conceitos-processos-e-normas/mestrado-profissional-o-que-e.
Acesso em: 08 mai. 2023.
148
4.3. Objetivo
4.4. Metodologia
A metodologia utilizada constituiu-se de visitas in loco nas imediações e nos locais nos
quais estão situados os bens culturais da UFV, e também nas vilas operárias. Nesse âmbito,
esclarecemos que não adentramos nas vilas que ainda possuem moradores, pois entendemos
que seria algo que traria desconforto para os habitantes destes locais. Apenas percorremos o
entorno das vilas, de modo que pudemos avistar a disposição das casas e a paisagem de maneira
clara.
A proposta consistiu na realização de dois circuitos no mesmo dia, porém, em horários
distintos, sendo um pela manhã e outro na parte da tarde, a fim de abarcar o maior número
possível de interessados. O dia escolhido foi o dia 01 de julho de 2023, sendo o primeiro circuito
às 09h00 da manhã e o outro às 14h00 da tarde, com inscrições entre os dias 16 a 28 de junho.
O ponto de encontro foi as Quatro Pilastras, sendo este o primeiro patrimônio a ser visitado e,
também o ponto de retorno na hora da partida. O itinerário será abordado detalhadamente em
subitem à frente.
Para o transporte dos visitantes, foi solicitada à Divisão de Transportes da UFV (DTR),
por meio do apoio da secretaria do Mestrado, a disponibilização de um micro-ônibus de 30
lugares. É importante esclarecer que, em função de restrição orçamentária, não foi possível a
realização de mais dias de visita, objetivo perseguido inicialmente. As requisições foram
solicitadas e aprovadas, sendo gerados os protocolos de números 36262 e 36263 no órgão
responsável (DTR).
Foi estimado um tempo entre uma hora e meia a duas horas de visita para percorrer
todos os pontos selecionados (patrimônios culturais elencados no Capítulo 1 e vilas operárias).
Estimativa que considerou o percurso em si, com algumas paradas, nas quais fizemos algumas
150
reflexões munidas de textos de apoio ou trechos de entrevistas realizadas com os moradores das
vilas operárias.
Cabe explicar que não foram realizadas visitas em dois locais: no sistema composto por
sete coletores de enxurrada construídos no Campo Experimental Diogo Alves de Mello, por se
tratar de local de difícil acesso, e na Vila Chaves, por essa se constituir um local distante no
campus. Entretanto, acreditamos que essas ausências não comprometeram o objetivo do
circuito, dado que, a exemplo dos outros locais, houve uma contextualização sobre essas
estruturas.
O circuito foi registrado no sistema de Registro de Atividades de Extensão (RAEX) da
UFV como evento, sob o número EVE-3788/2023. Tal iniciativa foi tomada por se tratar de
evento de amplo interesse da comunidade universitária, principalmente estudantil, que
somaram a maior parte dos inscritos. O registro também facilitou as tratativas de requisição de
transporte adequado, além da emissão de certificados de participação, que só poderiam ser
emitidos mediante registro do projeto no sistema supracitado.
Após as visitas, houve a entrega de um questionário, por meio do qual, a partir de
perguntas relacionadas com o circuito, colhemos as impressões dos visitantes. O intuito foi
realizar um levantamento sobre o perfil do público e sobre a atividade,e subsidiar a análise das
perspectivas apresentadas pela comunidade universitária sobre a seleção, os usos e a maneira
como a instituição gere os seus patrimônios culturais.
Para a inscrição dos participantes, foi disponibilizado um formulário on-line no Google
Forms (Figura 34), no qual os interessados puderam se inscrever, escolhendo qual o melhor
horário (manhã ou tarde) para participar do circuito.
Divulgação
Inscrição
Figura 35 - Imagem do ponto de encontro nas Quatro Pilastras realizado na parte da manhã
Figura 36 - Imagem do ponto de encontro nas Quatro Pilastras realizado na parte da tarde
Foto (esquerda): Luiza Pacheco, julho/ 2023. Foto (direita): Dirley Lopes, julho/ 2023.
Participantes da manhã. Participantes da tarde.
O circuito prosseguiu para a Vila Dr.Secundino, onde houve uma parada, mas os
participantes não desceram do transporte (Figura 40). Durante essa parada, houve algumas
explicações sobre a vila e leituras de alguns trechos de entrevistas com os moradores.
Especialmente sobre a relação dos mesmos com os elementos naturais em prol de sua
subsistência e, sobre as diferenças entre a infraestrutura disponível nesta vila e nas vilas
operárias, de forma geral, em contraposição à Vila Giannetti.
Para isso, utilizamos da leitura dos seguintes trechos:
(...) eu plantava nesse quintal aqui, ó, plantava muita verdura, muito legume,
que eu fazia pro meus filho, eu fazia muda de planta, é... pode falá?
I: ... chifre de viado [risos]
R: ... nome da planta, né?
I: [risos] tinha um moço que tinha uma, uma loja lá na rua, eu levava pra lá,
deixava lá com ele, ele vendia pra mim [risos], é onde que eu comprava pão
pros menino, porque a despesa era muito grande124.
123
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
2022. Viçosa, MG.
124
Trecho da entrevista de I.M.P. Moradora da Vila Dr. Secundino. Duração de 27min15s. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
159
Figura 40 - Parada nas proximidades da Vila Dr. Secundino para leitura das entrevistas
Fonte: Carolina Capanema, julho/2023. Participantes Fonte: Dirley Lopes, julho/ 2023. Participantes da
da manhã. tarde.
Após a parada, seguimos pela Avenida P.H. Rolfs, em direção ao Laticínio Funarbe,
passando em frente às Vilas Dona Chiquinha e Seteu, abordando algumas explicações sobre
elas. Posteriormente, seguiu-se para o local em que se localiza a Vila Araújo (Figura 42).
Trecho da entrevista de G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de
125
2022. Viçosa, MG. Cabe esclarecer que, no trecho da entrevista “(...) pessoal que trabalhava na Universidade”, o
entrevistado está se referindo aos homens adultos que moravam na Vila e que trabalhavam na UFV.
160
Figura 41 - Imagem de uma das duas residências que ficam no interior da Vila Araújo
Foto: Dirley Lopes, julho/ 2023. Participantes da Foto: Dirley Lopes, julho/ 2023. Participantesda tarde.
manhã
Questionário
4.5 Resultados
Número de inscritos
Podemos notar que a participação das mulheres atingiu quase 63% (62,79) do total dos
participantes, enquanto a dos homens foi de pouco mais de 34% (34,88). Ou seja, a quantidade de
participantes mulheres foi quase o dobro da quantidade de participantes homens. Cabe destacar que não
foi realizado nenhum estudo mais aprofundado para saber o motivo da maior participação das mulheres
no circuito, mas inferimos que, neste caso, seja um tema que desperte maior interesse nesse grupo.
Sobre o gráfico acima, podemos destacar que, à exceção da categoria “Outros”, na qual
a maioria foi de homens (6 para 5), em todas as outras o número de mulheres superou o número
de homens. Outro fato interessante que podemos extrair da mesma categoria citada, é que ela
nos mostra que existe um interesse por parte da comunidade viçosense em conhecer os
patrimônios culturais da UFV, bem como sua história, dado que essa categoria não possui
vínculo com a universidade. Já em relação à categoria de estudantes, o maior número de
participação, pertencentes a diferentes cursos, ela nos indica que a divulgação foi ampla e
irrestrita dentro do campus, pois alcançou pessoas de diferentes formações interessadas na
temática do patrimônio cultural da universidade. Além disso, é importante mencionar que a
168
Questões Discursivas
Sobre essas perguntas, é importante ressaltar que nem todos os participantes quiseram
justificar suas respostas, respondendo apenas com palavras curtas como “Sim” ou “Não.
Seguiremos abaixo para as análises realizadas dessas questões.
- 16 pessoas disseram que sim, sendo as justificativas as seguintes: (1) “Sim, pois não
representam só os bens da UFV, como a memória dos mesmos”. (2) “Sim. Os bens
patrimoniais representam a história de muitos que ajudaram para a sua preservação e
sua constituição até o dia de hoje”. (3) “Sim. Nos mostra o que foi deixado pelos que já
trabalharam em prol de todos”. (4) “Sim. Nas explicações ficou clara a importância de
cada bem, assim como o contexto histórico de cada um deles.” (5) “Sim. Todos os
patrimônios apresentados representam a história”. (6) “Sim. Eles contam a história da
UFV”.
- 19 pessoas disseram que não, quais sejam as justificativas: (1) “Não, pois representam
um corte elitista”. (2) “Não. Pois deveria ser atualizado conforme o crescimento e
desenvolvimento da instituição, contemplando a participação dos diversos agentes
históricos e sociais”. (3) “Não. Diversos bens que também não estão patrimonializados
dizem muito sobre a trajetória da UFV e compõem a história e paisagem da
universidade”. (4) “Não. Considero que os bens selecionados são importantes, mas
outros, que são necessários, ficam esquecidos. Considero que a UFV deveria incluir em
sua memória patrimonial a história dos estudantes e demais trabalhadores que
participaram da sua trajetória. São patrimônios apenas as grandes figuras”. (5) “Não.
Diversos locais e outros elementos que contam a história da UFV não são
169
operários que não são contempladas dentre os bens patrimonializados, mas que foram
fundamentais para a construção e existência da UFV”.
- 1 pessoa respondeu que representa uma parcela da história: “Representam uma parcela
da história da UFV, e por apresentar maiores cuidados em um patrimônio que em outro
relegam viesses populares formativos da instituição, caracterizando-a de uma forma
elitista”.
- 1 pessoa respondeu que representam boa parte: “Boa parte, mas não em toda a sua
diversidade. Acredito que além dos referidos bens, a cultura e a história da UFV também
estão em tradições e eventos estudantis”.
Podemos perceber pelas respostas dos participantes a essa questão, que a maioria
considera que os bens escolhidos pela UFV não representam a sua diversidade cultural como
um todo, ou representam em parte, pois exclui agentes e elementos históricos que fizeram parte
da constituição da universidade, como, por exemplo, os trabalhadores das vilas operárias, as
próprias vilas e os estudantes. Segundo as respostas, a escolha para a seleção de bens
patrimoniais da UFV privilegiou somente as memórias de um grupo de pessoas, como os
professores, configurando deste modo em um corte elitista da história.
Por outro lado, houve uma boa parte dos participantes que responderam que, sim, os
patrimônios culturais que a UFV elegeu representam a sua história e diversidade como um todo,
pois contam essa história de maneira satisfatória. Contudo, alguns foram de encontro a essa
resposta, dizendo que os bens escolhidos deveriam ser melhor preservados.
Acreditamos que essa questão foi muito importante para gerar reflexões críticas sobre
os critérios de patrimonialização que a UFV utilizou na escolha dos patrimônios como
representativos da sua identidade cultural.
Para representar essas respostas utilizamos no gráfico (Figura 50) de nuvens abaixo as
seguintes palavras e frases que mais se sobressaíram: não, sim, representam a memória, contam
a história, importância de cada bem, deveria ser atualizado, grandes figuras, pioneiros, versão
linear e simplista da história, apagamento da memória, grupos elitizados, acervo dos operários
está perdido ou mal representado, apenas uma parte da história, forma elitista, tradições e
eventos estudantis, deveria preservá-los melhor, deixou vários elementos que contam a história
da UFV de fora, deixa de fora os trabalhadores e estudantes, não representa a diversidade, corte
elitista, em partes, boa parte.
171
- Paisagísticos: Recanto das Cigarras, Horto Botânico, a vista das Três Bandeiras, as
árvores dos formandos, áreas verdes, as lagoas e as matas preservadas.
Sobre a sugestão dos animais como patrimônios, informamos que sequer houve
qualquer indução à resposta, mas o que ocorre é que existem atualmente vários cachorros que
habitam o território do campus, inclusive são bem assistidos pela comunidade acadêmica, que
fornecem água e comida. Existe inclusive uma rede social sobre eles chamada “@dogs da UFV,
hoje com quase 2.000 seguidores. Alguns até apareceram em nosso circuito, conforme Figura
37. Em relação ao jacaré e às capivaras, são animais que estão no imaginário da comunidade
universitária, devido a presença dos mesmos nas lagoas. A capivara inclusive é tida como
mascote pela universidade, tendo sua caricatura plotada no ônibus que transportou os
participantes no circuito realizado na parte da manhã, conforme pode ser vista na Figura 43.
Essa sugestão dos animais como patrimônio cultural imaterial coaduna com o
enquadramento que fazem a UNESCO e o IPHAN. Além disso, existe em tramitação na Câmara
dos Deputados Federais um projeto de lei, Projeto de Lei N.º 318, de 2021, que versa sobre a
criação de animais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Segundo o projeto, a atividade
de criação e reprodução de animais deve ser reconhecida como patrimônio cultural imaterial,
“em razão da sua natureza intrínseca de preservação e desenvolvimento das espécies animais,
consideradas como patrimônios naturais e culturais, integrantes da identidade e da memória da
sociedade brasileira” 126.
Sobre os elementos e culturas que permeiam o universo estudantil, como a piscina do
DCE, o porão do Centro de Vivências e as árvores dos formandos, observamos o caráter afetivo
que os estudantes que participaram do circuito patrimonial imprimem nesses locais e elementos
da natureza. Relações essas que vão de encontro à discussão sobre a utilização do caráter afetivo
como critério de patrimonialização, aspecto trabalhado pela autora Laurajane Smith (2021) e
mencionado no Capítulo 3.
Em relação à fábrica de Doce de Leite Viçosa, cabe informarmos que o processo de
fabricação do doce foi considerado Patrimônio Cultural Imaterial do estado de Minas Gerais
por meio da Lei N.º 24.033, de 5 de janeiro de 2022. Segundo a lei, “é de relevante interesse
Os resultados obtidos com o referente exercício prático, aqui nomeado como produto,
foram muito positivos, pois pudemos perceber, pelo número de inscritos, que há uma demanda
expressiva por parte da comunidade universitária e viçosense por adquirir mais conhecimento
sobre a história da UFV. De encontro a isso, cabe destacar que duas escolas, uma pública da
cidade vizinha de Pedra do Anta, e outra da esfera particular, da cidade de Viçosa, manifestaram
interesse em trazer seus alunos do ensino fundamental para participar do circuito. Entretanto,
como não se tratava de visitas educacionais e, sim, com finalidade de pesquisa, tivemos que
recusar a participação dos mesmos, pois eram grupos hegemônicos e ocupariam todas as vagas
127
Disponível em: https://leisestaduais.com.br/mg/lei-ordinaria-n-24033-2022-minas-gerais-reconhece-como-de-
relevante-interesse-cultural-do-estado-o-processo-de-fabricacao-do-doce-de-leite-vicosa-produzido-no-
municipio-de-vicosa. Acesso em: 18 ago. 2023.
174
disponíveis. Além disso, se tratava de grupos maiores, o que demandaria um planejamento mais
complexo, como mais dias de visitas e disponibilidade de veículos.
Ademais, pelas respostas dos questionários e pelo número expressivo de estudantes
inscritos, percebemos que esse grupo não se sente representado nas escolhas dos bens culturais
pela UFV, haja vista as sugestões de espaços e elementos que representam sua identidade, tais
como os espaços de convivência citados acima, como a piscina do DCE e porão do Centro de
Vivências.
Desse modo, foi demonstrado com esse pequeno exercício prático que a UFV poderia
implantar uma política patrimonial mais transparente e democrática quanto às discussões em
relação à representatividade dos bens ou espaços culturais da instituição, a fim de que haja uma
ampliação dessas escolhas para que abarque toda diversidade dos grupos que compõem o seu
território.
175
CONSIDERAÇÕES FINAIS
nacionais, dentre elas a ESAV, observou-se que tal modelo capitalista seguia a premissa do
controle social do homem livre. Esse autoritarismo que se estendia do local de trabalho para a
vida privada das residências dos trabalhadores – representadas pelas vilas operárias.
Nesse sentido, observamos que as vilas residenciais construídas no território da ESAV,
primeiro as vilas operárias: Vila Araújo, Vila Dr. Secundino de São José, Vila Dona Chiquinha,
Vila Sete Casas, Vila Mattoso e Vila Chaves, e, posteriormente, no período da UREMG, a Vila
Giannetti, também foram criadas seguindo a relação de controle social que moldava os modos
de vidas dos trabalhadores – mas de formas diferentes, tendo em vista que eram ocupadas por
pessoas de “classes sociais” distintas, operários e professores.
A Vila Giannetti e as vilas operárias da UFV configuram-se uma excelente ilustração
desse projeto de controle, a começar com a própria localização das residências dos operários,
próxima aos locais de trabalho, fato que os transformava em mão de obra disponível, podendo
ser acionados a qualquer tempo, até mesmo fora do horário de trabalho, como aos fins de
semana e à noite, por exemplo. Outro fator a ser mencionado é o fato da proibição de
participarem das festividades que ocorriam na cidade de Viçosa, como o carnaval e a
comemoração do Primeiro de Maio.
Outra forma de controle social eram as ações praticadas pela Associação Feminina Effie
Rolfs. Verificamos que, por meio das visitas realizadas pelas esposas dos professores nas casas
dos operários, sob a ótica assistencialista de realizar trabalhos sociais por meio dos
“ensinamentos” de como se vestir, alimentar-se, higienizar a casa e cuidar dos filhos,
claramente o objetivo era moldar o modo de vida dessas pessoas. A finalidade era o alinhamento
ao sistema de ensino moral e disciplinar que era desenvolvido na instituição, a fim de que,
seguindo tais preceitos, os operários se mantivessem longe do contato com o meio externo (no
caso a cidade), que segundo o discurso hegemônico da época era um lugar de contaminação, o
qual poderia inculcar ideias de manifestação social frente às situações de controle às quais
estavam sendo submetidos.
Entretanto, mesmo em meio ao autoritarismo, observamos que as vilas residenciais da
UFV, tanto a Giannetti, quanto a dos operários, se tornaram lugares de memória, onde histórias
pessoais se entrelaçaram com a narrativa coletiva da Universidade. As memórias dos
trabalhadores (professores e operários) e suas famílias estão enraizadas nas paisagens e nas
construções das residências. São memórias afetivas que remetem a fatos da infância, como as
brincadeiras nas ruas ou no parquinho, e da vida em comunidade – essa praticada de maneira
mais enfática pelos operários, principalmente na época de crise pela qual a UREMG passou,
177
onde a comida era compartilhada por todos. Além disso, há as lembranças das festividades que
eram realizadas nas diversas vilas, tanto de cunho religioso como civis.
Logo, o que pudemos perceber nas entrevistas realizadas com os moradores das vilas
operárias e os ex-moradores da Vila Giannetti é que as paisagens dessas vilas tornaram-se
espaços carregados de significado afetivo e identitário. Essas concepções já são utilizadas por
estudos mais recentes sobre patrimônio cultural, como sendo critérios válidos de
patrimonialização, entretanto, não são problematizadas quando se trata de pensarmos a
valorização de patrimônios de representatividade diversa, como o caso ora colocado em estudo.
Posto isto, as vilas residenciais, bem como suas paisagens, não são apenas um conjunto
de casas, mas, sim, verdadeiros testemunhos de um passado nacional e local representativos de
períodos históricos relevantes, como as transformações ocorridas durante a Revolução
Industrial, que moldaram a sociedade moderna e redefiniram as relações de trabalho. Em nível
local, representa o crescimento e expansão da Universidade Federal de Viçosa. Por meio desses
“suportes de memória” (HALBWACHS, 1990), é possível compreendermos melhor como eram
essas relações de trabalho e a vida dos moradores dentro desses territórios e, por isso, preservar
esses locais é manter viva a história e a cultura das comunidades que ali viveram, bem como a
história institucional como um todo.
Conclui-se, desse modo, que a política patrimonial que rege a UFV não está em
consonância com as mudanças conceituais mais abrangentes porque vem passando o campo do
patrimônio cultural, tendo em vista que as narrativas construídas pela instituição sobre os bens
patrimoniais elencados no PDFA, ainda estão muito ligadas ao aspecto monumental do
patrimônio cultural, que assume a característica de perpetuar a herança do passado, fundada na
tradição patriarcal das elites sociais, econômicas, políticas e intelectuais (LE GOFF, 2003).
Dessa maneira, espera-se que a crítica contida neste estudo seja o ponto de partida para que a
universidade possa refletir sobre processos mais inclusivos no que tange à temática patrimonial,
e comece a incluir bens cujas narrativas vão ao encontro dos valores representativos das práticas
sociais, memórias e identidades coletivas dos variados grupos sociais que habitam o seu
território.
178
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Fontes Documentais
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setembro de 2022. Viçosa, MG.
A.S.A. Morador da Vila Araújo. Duração de 13min06s. Data: 19 de agosto de 2022. Viçosa,
MG.
C.M.G. Funcionária de um dos órgãos que ocupam casa na Vila Giannetti. Duração de 5min39s.
Data: 20 de julho de 2022. Viçosa, MG.
C.O.C.F. Servidora da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
10min25s. Data: 24 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
184
D.D.C. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de 12min48s.
Data: 31 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
E.L.S. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de 6min35s.
Data: 14 de julho de 2022. Viçosa, MG.
E.V.O. Moradora de uma das casas da Vila Araújo. Duração de 12min. Data: 16 de agosto de
2022. Viçosa, MG.
F.C.P. Funcionária de um dos órgãos que ocupam casas na Vila Giannetti. Duração de 5min35s.
Data: 20 de julho de 2022. Viçosa, MG.
F.S.L. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de 17min22s.
Data: 31 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
G.C.G. Membro da Comissão que elaborou o PDFA. Duração de 38min. Data: 6 de setembro
de 2022. Viçosa, MG.
G.G.F. Morador da Vila Dona Chiquinha. Duração de 18min33s. Data: 30 de agosto de 2022.
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G.M.L.R. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 30min14s. Data: 20 de julho de 2022.
Viçosa, MG.
G.S.S. Servidor aposentado que trabalha como voluntário de um dos órgãos que ocupam casas
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H.L.M. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de 8min22s.
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Viçosa, MG.
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Viçosa, MG.
J.A.P. Morador da Vila Dr. Secundino. Duração de 22min44s. Data: 19 de setembro de 2022.
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J.L.R. Morador da Vila Araújo. Duração de 7min28s. Data: 16 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
185
J.M.F. Servidor aposentado que trabalha como voluntário de um dos órgãos que ocupam casas
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L.A.X.G. Servidor da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
14min30s. Data: 24 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
L.S.L. Funcionária de um dos órgãos que ocupam casas na Vila Giannetti. Duração de 3min40s.
Data: 25 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
L.S.S.F. Servidora da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
11min39s. Data: 18 de julho de 2022. Viçosa, MG.
M.G.E. Servidora da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de 10min56s.
Data: 22 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
M.J.L. Moradora da Vila Dona Chiquinha. Duração de 8min40s. Data: 30 de agosto de 2022.
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P.V.F.S. Servidora da UFV. Ocupante de uma das casas da Vila Giannetti. Duração de
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Viçosa, MG.
S.F.J. Moradora da Vila Araújo. Duração de 8min06s. Data: 24 de agosto de 2022. Viçosa, MG.
2. Documentos Institucionais
Relatórios Anuais de Atividades das Diretorias Gerais e dos Reitores da UREMG. Anos de
1950-1954 (compilado em documento único),1955, 1956, 1957,1958, 1961, 1962, 1965, 1966,
1967, 1968, 1969. Disponível no acervo documental do Arquivo Central e Histórico da
Universidade Federal de Viçosa
3. Legislação
Decreto N.º 8.143, de 1.º de fevereiro 1965. Estatuto da UREMG. SABIONI, Gustavo Soares;
BORGES, José Marcondes (Org.) Legislação de Importância Histórica: Escola Superior de
Agricultura e Veterinária – ESAV – 1926-1948, Universidade Rural do Estado de Minas Gerais
– UREMG – 1948-1969, Universidade Federal de Viçosa – UFV – 1969. Viçosa, MG: Ed.
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190
Decreto-Lei N.º 570, de 08 de maio de 1969. Institui sob forma de Fundação a Universidade
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2022.
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Resolução N.º3/2022 do CONSU. - Aprova o Plano de Uso e Ocupação dos Imóveis da Vila
Giannetti. IDEM.
191
ANEXOS
Nome:
Idade:
Cor:
Gênero (Masculino/Feminino/Outros):
10. Você acha que ocorrem muitas intervenções naquele espaço? Se sim, o que acha disso?
11. Você identifica algum tipo de conflito ou disputa nas vilas? Se sim, quais?
12. Como acha que podemos preservar as Vilas da UFV? Tanto a Vila Gianetti como as
outras?