Projeto Ina - Neuropsicologia

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Monografia do Curso de Introdução à Neuropsicologia

Instituto de Neurociências Aplicadas (INA)

Claudia Castro de Andrade


Orientadora: Bruna Velasques

A NEUROCIÊNCIA E A PROPOSTA FISICALISTA:

UMA ALTERNATIVA PARA SE PENSAR O COMPORTAMENTO E O PROCESSO

COGNITIVO

RIO DE JANEIRO

2012
 Histórico:

A relação entre a mente e o corpo há tempos faz parte do escopo das discussões

filosóficas. Com René Descartes, esse tema aflorou de forma dualista que separou em

substâncias distintas, a res extensa (corpo extenso) da res cogitans (alma, de qualidade

inextensa). As qualidades físicas, portanto, seriam diferentes da substância mental.

Assim, a mente foi posta como algo não-físico que não se reduz a um substrato físico e

que, por esta razão, não pereceria juntamente com o corpo e como ele. Em outros

termos, isso equivale a dizer que a degeneração física do cérebro não implicaria, então,

em nada no domínio mental, pois além de serem de substâncias, e possuírem qualidades,

diferentes, a mente não estaria subordinada às mesmas leis físicas a que está o corpo

físico. Como afirma Churchland, a teoria cartesiana subdivide-se em dois tipos: a

matéria física, extensa; e uma substância inextensa que anima esta matéria física, e para

essa teoria a realidade divide-se em dois tipos: a matéria comum e a consciência, feita

de outra substância que a matéria. Nisto se fundamentava o dualismo cartesiano.

(Churchland, 2004, p. 26-27).

No entanto, a filosofia moderna, marcada tanto por correntes racionalistas

quanto por empiristas passou a ser questionada, na medida em que surgia a necessidade

de um pensamento fundamentado no rigor lógico e científico. Como afirma o filósofo

Danilo Marcondes, o “questionamento ao projeto moderno se faz, em grande parte, nos

termos de um ataque à centralidade atribuída à noção de subjetividade nas tentativas de

fundamentação do conhecimento empreendidas pelas teorias racionalistas e empiristas”

(2012, p. 256). Influenciada pela urgência e necessidade de se pensar sob a luz do

conhecimento científico mediante a necessidade de observação empírica, a filosofia e a


psicologia tradicional passou a ter sua autonomia questionada no que concerne à

fundamentação do conhecimento.

Assim, sobre essa filosofia analítica, cujo objetivo era introduzir a necessidade

de uma análise lógica e de base científica, Marcondes comenta ainda que o objetivo de

sua crítica ao idealismo subjetivista “diz respeito precisamente à questão da

fundamentação do conhecimento científico: como os atos mentais, sendo subjetivos,

podem ter a validade universal, objetiva, que se requer na ciência?” (2012, p. 265). Por

meio dessa pergunta, as teorias fisicalistas, em oposição às teorias dualistas que

defendem um estatuto próprio e autônomo para a mente considerando-a como algo que

independe da matéria, irão justificar a relação mente-corpo em termos materialistas e

objetivados por uma ciência experimental pautada no argumento de que não se poderia

falar de comportamento e processos cognitivos sem se considerar o estudo de nossos

aparatos físicos que somente pode ser realizado mediante métodos que façam uso de

comprovação empírica.

A percepção deixa de ter uma perspectiva essencialista, de base inatista, para ser

compreendida em termos materialistas que visam justificar o estudo da mente a partir

dos achados científicos dos quais dispomos e o dualismo desaparece ao se tratar a

relação entre a mente e o cérebro enquanto uma relação que envolve um processo

materialmente único. Nesse sentido, em vista dos avanços nas pesquisas de

neurociência, considera-se importante destacar os estudos desta área para uma

compreensão sobre processos cognitivos e sobre o comportamento. A razão desta

pesquisa justifica-se pelo fato de introduzir no escopo dos temas de uma filosofia da

mente a importância das descobertas na área neurocientífica que são capazes de revelar

como o comportamento se associa às condições neuronais e por trazer para o debate

acadêmico uma abordagem fisicalista sem separação entre mente e cérebro, na qual
sejam ressaltados nossos atributos físicos, mostrando como eles interferem em nosso

conhecimento e comportamento, mediante, por exemplo, as descobertas entre

determinadas áreas corticais lesionadas e seus respectivos déficits cognitivos e/ou

motores.

 Introdução:

A antiga discussão sobre o problema mente-corpo, ainda protagoniza um embate

ideológico entre dualistas, que separam a matéria extensa da substância não-física, e

monistas, que consideram que a mente não difere da matéria. Segundo Chalmers (1996),

por exemplo, que defende o dualismo, a consciência não se reduz a estados físicos, por

outro lado, para Paul Churchland, faz-se necessário uma compreensão considerando-se,

sem dúvida, os aspectos fisicalistas, pois o fato de termos um sistema nervoso “torna

possível uma orientação discriminativa do comportamento” (2012, p. 47). Ainda

segundo Churchland, se isso está correto, então não precisamos introduzir “substâncias

ou propriedades não-físicas em nossa explicação teórica de nós mesmos. Somos

criaturas da matéria. E deveríamos aprender a conviver com esse fato.” (id. ibid.).

Procurando então superar a discussão entre monistas e dualistas, a neurociência

cognitiva pretende justamente mostrar como as atividades do encéfalo constroem aquilo

que denominamos “mente” (Bear et al. 2010).

Fundamentando-se, então, na relação entre aspectos físicos e mentais, muitos

cientistas dedicaram-se ao estudo observacional post-mortem das áreas cerebrais em

pacientes que em vida apresentaram algum tipo de deficiência motora ou cognitiva, a

fim de demonstrar a relação entre danos físicos e seus respectivos déficits psíquicos ou

motores. O método conhecido como “ablação experimental” foi uma técnica que

auxiliou neurocientistas a pesquisar essas relações e essa técnica anátomo-clínica

desenvolvida por alguns neurologistas e fisiologistas foi possível graças à descoberta de


regiões encefálicas e suas respectivas funcionalidades. Depois de examinar o encéfalo

de um antigo paciente, o neurologista Paul Broca encontrou uma lesão no lobo frontal

esquerdo deste paciente e concluiu ser aquela região responsável pela fala. A perda

dessas habilidades da fala ficou conhecida como “afasia de Broca”, pois, “uma lesão na

área de Broca interfere gravemente na produção da fala” (Bear et al. 2010), embora não

impeça a compreensão da linguagem. Isso demonstra, desde já, a importância da

neurociência para se pensar a relação mente-cérebro nos termos de uma filosofia da

mente.

São muitas as evidências já encontradas pela neurociência que, mediante a

investigação de áreas específicas do córtex, conseguem demonstrar a relação entre

estímulos e lesões dessas áreas e suas respectivas fisiologias comportamentais. Assim,

ao buscar elementos de pesquisa de reconhecida comprovação empírica no que

concerne aos avanços que envolvem as pesquisas em neurociência, tenciono, portanto,

demonstrar uma relação, não somente possível, mas, sobretudo, necessária, entre a

mente e o cérebro, agregando, desse modo, conhecimentos científicos e filosóficos.

Parte-se, então, do pressuposto de que as pesquisas das áreas encefálicas possam ser de

grande importância para estudos das ciências cognitivas, de modo geral. Além disso,

considera-se também de grande importância a maturação do sistema nervoso como algo

fundamental para a compreensão de nossas estruturas cognitivas. Parto, então, do

princípio de que os estudos voltados para este tipo de pesquisa precisam levar em

consideração os processos evolutivos e a ocorrência destes processos no sistema

nervoso como algo fundamental para a mudança perceptiva e comportamental do

homem.
 Justificativa Científica

A proposta desse trabalho tem como fundamento analisar tais pressupostos

teóricos partindo, primeiramente, da pesquisa em neurociência. Objetiva-se, então,

pensar a relação mente-cérebro tendo como base pressupostos fisicalistas tanto do ponto

de vista neurocientífico quanto do ponto de vista filosófico, na medida em que se

considera válida a compreensão sobre o que tem nos apresentado a neurociência em

termos de pesquisas voltadas para o estudo da anatomia cerebral e de suas respectivas

funcionalidades. Assim, corroborando para as pesquisas em neurociência, de

perspectiva fisicalista, que refutam um domínio mental enquanto um domínio

“fantasma” (mas, que por outro lado não desconsideram os sentidos internos de nossos

estados introspectivos), cumpre agora entender o funcionamento de nosso sistema

cognitivo a partir dos processos neuronais, ampliando-se nossos conceitos de sistemas

físicos, de modo a conceber estados de consciência introspectiva, não como

constituições diferentes da matéria física que operam num domínio oculto podendo se

reduzir, ou não, a aparatos físicos, mas sim como parte da própria dinâmica de

disposições, capacidades e potencialidades corporais.

A proposta aqui apresentada, então, é justamente não apenas se reduzir

sensações a estados físicos, mas salvaguardar os processos introspectivos, na medida em

que não o colocamos como algo tributário de um domínio extrafísico, mas como

propriedades necessariamente constitutivas de nossos estados neurofisiológicos. Em

termos gerais, refuta-se o domínio não-físico (defendido pelos dualistas), sem rejeitar a

introspecção (recusada pelos behavioristas). Contudo, convém lembrar que essa

introspecção é tributária de inegáveis aparatos físicos que comandam nossas emoções e

todos os estados internos. Esses estados internos não são mais entendidos como um

domínio mental separado do corpo que ora serve de mediador (mente como aquilo que
nos capacita a perceber e a fazer uso de nosso cérebro) e ora é identificado com suas

especificidades físicas (que afirma que dor, um estado interno, é meramente ativação da

fibra “c”).

A lacuna que esta investigação poderá preencher diz respeito não somente às

diferenças metodológicas entre as pesquisas das áreas voltadas para o conhecimento,

sejam elas científicas ou filosóficas, mas, sobretudo, refutar desde o mecanicismo

fisicalista até as especulações sem base empírica. Espera-se, portanto, com este

trabalho, destacar nossos estados introspectivos sem negar que eles, no entanto, são

decorrentes dos processos neurofisiológicos aos quais estamos inegavelmente sujeitos.

 Objetivo geral e específico

No que diz respeito aos sistemas e neurônios, sabe-se que há toda uma relação

implícita entre a anatomia e a fisiologia neuronal. O objetivo geral deste trabalho refere-

se ao estudo do Sistema Nervoso Central (SNC) e do Sistema Nervoso Periférico (SNP)

em sua relação com o processo cognitivo e o comportamento humanos. Busca-se então

correlacionar sistemas neurais com os sistemas comportamentais, bem como com a

percepção humana. Levando-se em consideração que nossa parte física, isto é, o

cérebro, é determinante para a forma como apreendemos o mundo, o objetivo deste

trabalho, em seu caráter específico, refere-se a uma caracterização de pretensão

fisicalista que seja, vale lembrar, coadunante com as pesquisas que vem sendo

realizadas na área neurocientífica, que demonstram, por sua vez, a relação entre mente e

cérebro, considerando-se, nesse sentido, o segundo (o cérebro) como causa do primeiro

(a mente). Em termos gerais, este trabalho, em termos específicos, pretende justificar

nossos estados qualitativos e a apreensão do mundo a partir de nossos aparatos físicos,

condicionando, assim, a existência dos qualia à existência do cérebro.


 Hipóteses

1. 1ª hipótese:

A proposta deste trabalho parte da hipótese de que a mente não seria como

alegaram os dualistas de substância, um substância inextensa que difere de nossos

atributos físicos. A mente não é então algo que está apartado do encéfalo tal como

propuseram os dualistas. Ter um cérebro é condição sine qua non para que se tenha

estados mentais. Com isso, vale lembrar as palavras de Churchland (2004, p. 45) que

lembra que se a mente e nossos estados qualitativos como a introspecção, a dor e as

emoções fossem entidades distintas de nossas condições neurofisiológicas então eles

deveriam ser completamente invulneráveis ao nosso controle direto e às patologias que

resultam de danos nos cérebro.

2. 2ª hipótese:

Ao mesmo tempo, mesmo contrários à perspectiva dualista que defende a

existência de uma substância imaterial, por um lado, não concordaremos aqui com os

behavioristas, para os quais serão excluídas as qualidades introspectivas de nossas

sensações (os “qualia” sensoriais) (Churchland, 2004). Churchland afirma que, sem

dúvida, “o behaviorismo é claramente compatível com uma concepção materialista do

que são os seres humanos” (2004, p. 50) “uma vez que os estímulos e as respostas são

eventos físicos” (Fodor, 1981, p. 115). E, com a intenção, portanto, de dar um fim na

relação causal entre mente e cérebro, os behavioristas excluíram a mente de suas

considerações de pesquisa. O próprio Skinner (2006, p. 13-14) pergunta

impiedosamente onde estariam então nossos sentimentos e estados emocionais. Como

diz Churchland, (2008, p. 48), o behaviorismo foi, sem dúvida, uma “reação contra o

dualismo”, contudo, a primeira falha dos behavioristas, segundo Churchland, foi a


refutação de aspectos internos, introspectivos, pois “ele evidentemente ignorava, e até

mesmo negava, o aspecto ‘interior’ de nossos estados mentais” (2008, p. 50).

Churchland considera isto uma falha, pois “ter uma dor, por exemplo, não parece ser

meramente uma questão de estar inclinado a gemer, esquivar-se, tomar aspirina, e assim

por diante”. (2004, p. 50). Não podemos negar, então, tais características, mas nem por

isso estamos autorizados a descrevê-las como se estivessem separadas de nossos

aparatos físicos.

A segunda falha foi considerar determinados estados mentais como

“disposições”. Para Churchland (2008), nessa concepção, ainda é possível se associar

tais disposições com uma substancia imaterial. Desse modo é que os behavioristas

incorreriam no mesmo erro dos dualistas que eles tanto criticavam.

Assim a proposta aqui apresentada é salvaguardar os processos introspectivos,

na medida em que não o colocamos como algo tributário de um domínio extrafísico,

mas como propriedades necessariamente constitutivas de nossos estados

neurofisiológicos. Afinal, “a introspecção revela um domínio de pensamentos,

sensações e emoções e não um domínio de impulsos eletroquímicos numa rede neural”

(2004, p. 57). A consciência, portanto, não é uma coisa subjacente a uma estrutura

encefálica organizada, mas o próprio resultado/produto dela, ou seja, um

produto/resultado de estruturas neurofisiológicas organizadas e, desse modo, havendo

uma estrutura física, haverá, necessariamente, uma consciência.

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