Sustentabilidade em Edificações Públicas: Entraves e Perspectivas
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net/publication/259313173
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All content following this page was uploaded by Suely Mara Araújo on 17 December 2013.
RESUMO
Apesar da subjetividade decorrente das várias interpretações e abrangências que o termo Sustentabilidade
ainda permite, são indiscutíveis os efeitos negativos das ações de alto impacto sócio-ambiental da
sociedade contemporânea. Mas a transição entre a intenção e a ação é o principal desafio entre os que
”militam” no meio, principalmente na Administração Pública, em virtude dos entraves burocráticos e
legais que se apresentam. Se por um lado o princípio da economicidade é um dos pilares conceituais da
Administração Pública, por outro a sua interpretação errônea e limitada tem inibido as ações públicas por
edificações mais sustentáveis e eficientes. Já existem instrumentos legais favoráveis, porém estes ainda
carecem de uma aplicação mais efetiva. Enfim, quais as barreiras e caminhos legais, técnicos e
administrativos para a efetivação dessas ações? É sobre esse panorama que trata o presente artigo, que
apresenta uma abordagem analítica preliminar sobre os principais caminhos que podem ser utilizados pela
Administração Pública na busca por edificações mais sustentáveis, consolidados nesta pesquisa nos
seguintes tópicos de análise: (1) Instrumentos Legais; (2) Selos Verdes e Certificações; (3) Agenda
Ambiental da Administração Pública; (4) Concursos de Projetos.
Palavras-chave: sustentabilidade, edificações públicas, administração pública, impacto ambiental
ABSTRACT
Despite the subjectivity regarding the various interpretations of the term Sustainability, it is undeniable the
negative effects of the high socio-environemental impact actions of contemporary society. But transition
between intention and action is the main challenge for those who militate on this issue, mainly at the
Public Administration, because the bureaucratic and legal barriers. If, on one hand, the Economic
Principle is one of the conceptual basis of Public Administration, on the other hand, its misinterpretation
has inhibited public actions towards more sustainable and efficient buildings. There are favorable legal
instruments, but they lack a proper and effective application. So, one question arises: which are the
barriers and the legal, technical and administrative paths to turns those actions more effective? This paper
is about this issue, presenting a preliminary analytical approach about the main alternatives which could
be implemented by Public Administration on its quest for more sustainable buildings. These alternatives
are consolidated in the following topics of analysis: (1) Legal Instruments; (2) Green Certificates; (3)
Public Administration Environmental Agenda; (4) Architectural Competitions.
Keywords: sustainability, public buildings, public administration, environmental impact
1
Este artigo é produto da pesquisa intitulada “Projetos Sustentáveis: Aplicação da Legislação Ambiental e Sustentável na Elaboração de Projetos,
Execução e Reforma de Edificações Públicas”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação da Câmara dos Deputados.
1. CONTEXTOS
A preocupação com a sustentabilidade está presente em todas as formas de produção e consumo. No caso
da produção do espaço não é diferente. A sustentabilidade urbana depende de ações em várias escalas e no
caso das edificações, em particular, é preciso incorporar seus conceitos, princípios e diretrizes ainda na
fase de projetos. A indústria da construção, se por um lado é uma das principais responsáveis pelas ações
de impacto sócio-ambiental, é também um segmento que tem um grande potencial de contribuição na área.
De acordo com o relatório do UNEP (United Nations Environment Programme), publicado em março de
2007, uma boa arquitetura e a economia de energia em prédios poderiam fazer mais pelo combate ao
aquecimento global do que todas as restrições de emissão de gases de efeito estufa definidas no Protocolo
de Kyoto. Ainda de acordo com o relatório, “o uso mais eficiente de concreto, metais e madeira na
construção e um menor consumo de energia em itens como ar-condicionado e iluminação em casas e
escritórios poderiam economizar bilhões de dólares em um setor responsável por de 30% a 40% do
consumo mundial de energia”. Em resumo, decisões corretas na fase projetual podem resultar em
edificações com menor impacto ambiental e conseqüentemente maior sustentabilidade. Neste artigo,
apresentamos um breve panorama e análise crítica sobre alguns dos caminhos que estão sendo seguidos
pela Administração Pública na tentativa de tornar suas edificações mais sustentáveis. Iniciamos com uma
avaliação da legislação federal existente e em tramitação, discutindo sua aplicabilidade e, principalmente,
suas limitações. Na Seção 2 é colocada em discussão a ”onda verde”, que se refere ao modismo em torno
dos ”selos ambientais” de edificações e sua repercussão na arquitetura. A Seção 3 traça um breve histórico
da formação da agenda ambiental da Administração Pública e da Rede A3P, classificando e avaliando as
ações já desenvolvidas pelas instituições governamentais. Finalmente, na Seção 4, o tema do concurso de
projetos de arquitetura é abordado, assumindo-se o instrumento como um dos principais veículos para
viabilizar a sustentabilidade em edificações públicas.
2. INSTRUMENTOS LEGAIS
Nesta seção apresentamos uma breve análise sobre a legislação federal aplicável ao tema.
Preliminarmente, vale ressaltar que não obstante a legislação que regula a implantação de edificações estar
concentrada, sobretudo, na esfera municipal, há várias normas federais que interferem diretamente na
questão da sustentabilidade das edificações públicas. Isso decorre da competência da União para legislar
concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, estabelecendo normas gerais, no campo tanto do
direito ambiental quanto no direito urbanístico (art. 24 da Constituição Federal), bem como para legislar
concorrentemente sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a
Administração Pública (art. 22, inciso XXVII, da CF).
De acordo com o art. 225 da Constituição Federal, impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defender o meio ambiente e preservá-lo para a presente e as futuras gerações. No mesmo dispositivo de
nossa Carta Política, entre outras incumbências em relação à defesa ao meio ambiente, destaca-se que o
Poder Público deve controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, inciso
V, da CF) e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica ou provoquem a extinção de espécies (art. 225, § 1º, inciso VII, da CF). A
responsabilidade da Administração Pública é reforçada pelo disposto no § 3º do mesmo dispositivo da
Magna Carta, segundo o qual as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
Em muitos casos, a responsabilidade ambiental demandada pela Constituição Federal está associada à
elaboração de projetos, especificação de materiais e execução de obras que possam incluir técnicas,
produtos ou decisões potencialmente lesivos ao meio ambiente. No caso da produção ou renovação de
edificações, é necessário não apenas evitar o dano ao meio ambiente, mas também promover soluções
eficientes e ambientalmente sustentáveis. Há uma série de leis federais em vigor que apresentam reflexos
nessa questão. Como o nosso foco está nas edificações públicas, o primeiro diploma legal a ser destacado
é a Lei nº 8.666, de 1993 – Lei de Licitações. Quando conceitua projeto básico (art. 6º, inciso IX), essa lei
fala em “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para
caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base
nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado
tratamento do impacto ambiental do empreendimento [...]” (grifou-se). No art. 12 da mesma lei, entre os
requisitos mínimos que devem ser observados na elaboração dos projetos básicos, insere-se o impacto
ambiental (inciso VII). Cumpre dizer que o impacto ambiental a que se referem os citados dispositivos
legais deve ser entendido em sentido amplo, que envolve os efeitos não apenas sobre o meio ambiente
natural, mas também sobre o meio ambiente socioeconômico. Questões como adequação do
empreendimento à cultura local integram as avaliações sobre impacto ambiental, consoante a doutrina
mais consistente sobre o tema e, também, a legislação específica em vigor, a exemplo da Resolução nº 01,
de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, que regula o Estudo Prévio de Impacto
Ambiental – EIA. Ocorre que essas determinações da Lei de Licitações, talvez por seu caráter genérico,
como regra não têm sido observadas na contratação de obras ou serviços relacionados às edificações
públicas. Requisitos como economia ou facilidade na execução, conservação e operação com certeza têm
tido peso muito maior do que considerações quanto ao impacto ambiental. Se a construção de uma obra
civil de grande porte, como uma hidrelétrica ou uma rodovia, necessariamente tem seus efeitos ambientais
ponderados por meio do respectivo EIA, o mesmo não ocorre nas contratações que envolvem projeto e
construção de edificações e outras obras de menor porte. Não se defende aqui, de forma alguma, que se
passe a exigir EIA para toda e qualquer obra civil. Isso significaria um desperdício inaceitável de recursos
humanos e materiais. O que se propugna é que, nos atos dos Poderes Públicos competentes por autorizar a
implantação do empreendimento, sejam levados em consideração os potenciais efeitos ambientais a ele
associados. A licença urbanística a cargo do Poder Público municipal, receba ela esse nome ou
simplesmente a denominação mais comum de alvará de construção, deveria ser também uma licença
ambiental. Essa proposta ganha vigor com a tendência recente de descentralização das atribuições pelos
licenciamentos ambientais, refletida no Projeto de Lei Complementar nº 388, de 20072, de autoria do
Poder Executivo, que configura uma das propostas do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Hoje, na aplicação das normas de controle urbanístico e ambiental, ao invés de haver complementação, há
visões segmentadas, conflito e, não raro, omissão. A própria observância da legislação ambiental pode
induzir a isso. Se, por exemplo, for ser construída uma edificação pública, que não integre um
empreendimento mais amplo obrigado a licenciamento ambiental, e ela contiver um pequeno sistema de
abastecimento de combustíveis para os veículos oficiais, a única parte da obra que terá seus parâmetros
ambientais avaliados será esse sistema, sujeito a licenciamento nos termos da Resolução nº 273, de 2000,
do Conama. Outra proposta nessa mesma linha, também constante do PLP 388/2007, é a integração dos
processos de licenciamento ambiental como os procedimentos autorizativos relativos à supressão da
vegetação nativa. No caso das edificações, o ente público responsável pela licença urbanística deveria
responsabilizar-se, em conjunto, pela análise sobre a possibilidade, ou não, de serem suprimidos
determinados tipos de vegetação, como a vegetação nativa das chamadas Áreas de Preservação
Permanente – APP. O Poder Público, em todos os seus níveis, deve ter a responsabilidade de assegurar o
correto cumprimento da legislação ambiental.
Outra linha de preocupação necessária refere-se às compras de materiais para as obras realizadas pela
Administração Pública. Já está mais do que na hora de a legislação prever exigências ambientais para as
compras públicas. Deve-se propugnar pela adoção do paradigma da “licitação sustentável”, em todos os
2
O PLP 388/2007 foi apensado à proposta com conteúdo similar que já tramitava na Câmara dos Deputados, o PLP 12/2003, de autoria do Dep.
Sarney Filho, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
níveis de Governo. Nesse sentido, não apenas se deve garantir que os produtos comprados tenham origem
comprovadamente legal do ponto de vista das exigências da legislação ambiental. A Administração pode e
deve avançar mais e exigir, por exemplo, que só se adquira madeira certificada. As análises de preço,
qualidade, disponibilidade e funcionalidade da compra necessitam complementação a partir da avaliação
ambiental. Isso inclui a análise da origem, do ciclo de vida integral dos produtos, dos aspectos sociais e
outros elementos. Há de ser criar uma nova cultura organizacional de compras que considere a questão
ambiental. Já há algumas iniciativas pontuais da Administração nesse campo. Especificamente no
Congresso Nacional, no conjunto de proposições em trâmite pretendendo alterar a Lei de Licitações,
constam projetos com avanços nessa linha. O PL 1.715/1999, de autoria do Dep. Marcos Afonso,
estabelece que em obras e serviços públicos, a madeira utilizada deve ser oriunda de plano de manejo
florestal aprovado pelo órgão ambiental competente. Apensados a esse projeto, estão o PL 5.079/2005, o
PL 6.910/2006 e o PL 7.677/2006, todos com preocupação similar.
Segundo Galiano (2005), não há ecologia sem economia. Apesar de muitos profissionais, arquitetos e
urbanistas, desejarem hoje a produção ecologicamente correta e defenderem uma plataforma ideológica de
um mundo mais limpo e sustentável, há na gênese deste movimento a atual crise do petróleo observada
pela constante elevação no preço do barril desde a década de 1990, que se iguala à mesma ocorrência dos
3
LEED (EUA), Breem Ecohomes (Reino Unido), CASBEE (Japão), BGRS (Austrália), HK BEAN (China), entre outros.
anos 1970. A crise dos anos 70 também trouxe para muitos destes profissionais a demanda por uma
produção arquitetônica de baixo consumo de energia, principalmente nos aspectos da climatização,
iluminação natural e poluição. A sociedade foi levada a repensar as formas de produção e consumo, não
por uma atitude benevolente ou altruísta, mas pela necessidade de sobrevivência e manutenção da própria
economia de mercado. Queiram ou não, cientes ou não, por princípios ecológicos ou econômicos;
arquitetos e urbanistas são protagonistas desse processo de reavaliação energética.
A expressão Edifícios Verdes (Green Buildings) foi inicialmente utilizada para titular as iniciativas de
construções que utilizassem recursos de maneira eficiente, com redução no consumo de energia; que
fossem mais confortáveis; e que tivessem maior longevidade. Segundo Silva (2003), o primeiro sinal da
necessidade de se avaliar o desempenho ambiental de edifícios veio exatamente com a constatação que,
mesmo os países que acreditavam dominar os conceitos de projeto ecológico, não possuíam meios de
verificar quão "verdes" os seus edifícios eram de fato. Como seria comprovado mais tarde, edifícios
projetados para sintetizar os conceitos de construção ecológica freqüentemente consumiam ainda mais
energia que aqueles resultantes de práticas comuns de projeto e construção. Uma das deficiências do
enfoque aplicado pelos selos tradicionais é a redução das questões da sustentabilidade das edificações a
apenas preocupações ecológicas, o que acaba ocultando outras questões sérias como as econômicas e
sociais, de igual importância para o surgimento de novos paradigmas sustentáveis. Estas observações não
reduzem a importância de atestar-se criteriosamente a viabilidade ambiental de um edifício, mas destacam
a importância de avaliações mais abrangentes e adaptadas à realidade local. Alguns pesquisadores
acreditam ser fundamental a criação de um modelo nacional de certificação ambiental. Porém, o que se
deve observar é que estes não se tornem uma “rotulagem verde” ou apenas um meio publicitário para
viabilizar empreendimentos que carregam consigo “carimbos” e “rótulos” de atitudes ecologicamente
corretas. A tendência do mercado nacional, no entanto, aponta para uma crescente valorização das
certificações, como o Sistema ISO, o INMETRO, o selo PROCEL de eficiência energética, entre outros.
De certo, o destaque publicitário ou mercadológico proveniente da certificação ou da aplicação de um selo
sempre ocorrerá. Mas isto deve ser conseqüência e não objetivo. Afinal, se a publicidade conquistada com
a obtenção de um certificado se tornar objetivo principal e motivação para obtê-lo, os meios avaliados
para a obtenção do selo, razão principal da existência de uma metodologia, podem ser negligenciados por
tornarem, neste caso, de importância secundária.
Observa-se que os critérios estabelecidos nos selos são concebidos de forma a não constituir um
empecilho à criação do projetista, quando na verdade deveriam integrar os condicionantes básicos do
processo projetual. O projeto não tem a valorização devida e surge como algo autônomo à eficiência
energética, um acessório. Na prática, sabe-se que é por meio dos projetos arquitetônico e urbanístico que
se promovem as mais valiosas intervenções na proposta de uma produção sustentável. Não sendo
valorizado o meio e sim o resultado, cai-se na armadilha de entender a “solução verde” como o
acoplamento de dispositivos, sistemas, técnicas e tecnologias para contornar os problemas ambientais e
inclusive de projeto. As soluções de eficiência e sustentabilidade deveriam resultar da qualidade do
projeto proposto e é nesse sentido que pesquisadores têm defendido a certificação do processo (o projeto)
e não só do produto edificado. Outra consideração geral a ser apontada relaciona-se aos interesses sociais
e econômicos. Uma metodologia que considere tais parâmetros com certeza considerará a diversidade dos
fatos e situações inerentes a cada região, país e cultura distinta. O projeto avaliado poderá apresentar
soluções culturalmente adequadas preservando a identidade cultural do país, meta desejável em uma
avaliação consistente da sustentabilidade. O que se tem visto na prática dos “selos verdes” é uma produção
arquitetônica homogeneizada em seus “clichês” ecológicos, desprovidas de elementos e linguagens
associados à cultura e à tecnologia local. Sob esse aspecto, pode-se dizer que a arquitetura vernacular e a
arquitetura moderna brasileira já eram sustentáveis antes mesmo deste termo existir, e bem mais eficientes
que muitos edifícios verdes contemporâneos. Deve-se entender que algumas estratégias consideradas
adequadas sob o ponto de vista ecológico global podem ser nocivas ao desenvolvimento sócio-econômico
da população local. É importante, assim, considerar sempre uma discussão entre técnica e tecnologia,
avaliando a capacidade da mão de obra e dos meios disponíveis em determinada região. O que se observa
é o enrijecimento das metodologias de certificação. À medida que buscam parâmetros e critérios
universais para avaliar a condição “verde”, ambiental ou sustentável de um empreendimento, afastam-se
da diversidade inerente à pluralidade de situações existentes no local que o mesmo será implantado e do
julgamento do meio. Um país em desenvolvimento não pode incorporar novos procedimentos e
tecnologias da mesma forma que são aplicados em países desenvolvidos. Em outras palavras, uma
edificação sustentável na Europa ou nos Estados Unidos poderá ser ‘insustentável’, se transplantada para
os trópicos em desenvolvimento.
Paralelamente às discussões em torno das certificações e dos selos ambientais e das ações da iniciativa
privada sobre a sustentabilidade, as instituições governamentais começaram, em escala global, a traçar sua
própria agenda ambiental, principalmente em decorrência da Eco 92 - Conferência das Nações unidas para
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em 1996, por recomendação do Conselho de Ministros de Estado
membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, todos os governos
foram convidados a envidar esforços no sentido de implementar medidas estratégicas, visando melhorar o
desempenho ambiental de suas instituições, iniciando por suas atividades administrativas rotineiras, das
ações mais simples (economia de água e energia, gestão de resíduos) até as mais complexas (adequações
físicas das instalações prediais, revisão de processos de produção, etc). No Brasil, o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) lançou em 2001 o Programa Agenda Ambiental na Administração Pública, conhecido
pela sigla A3P. Seu principal objetivo é sensibilizar gestores públicos para as questões ambientais,
estimulando-os a incorporar princípios e critérios de gestão ambiental em suas atividades de rotina nas
áreas administrativas dos diversos órgãos governamentais. Em 2005 foi criada a Rede A3P, um canal
aberto de comunicação permanente para promover o intercâmbio técnico, difundir informações sobre
temas relevantes à agenda, sistematizar dados e informações sobre o desempenho ambiental dos órgãos,
incentivar e promover programas de formação e mudanças organizacionais, permitindo a troca de
experiências entre o MMA e as instituições públicas das diversas esferas. Atualmente, segundo
informações do MMA, já integram cerca de 300 (trezentas) instituições participantes da rede.
Em março de 2007, foi desenvolvido um questionário4 e submetido a algumas instituições públicas, com o
objetivo de avaliar o nível de envolvimento de instituições públicas com o tema da sustentabilidade em
edificações. Entre as ações catalogadas (como resultado das respostas aos questionários ou de pesquisas
diretas), foi possível identificar pelo menos três grupos de comprometimento das instituições com o tema:
Grupo 2 - Neste grupo se enquadram as instituições caracterizadas por ações mais fundamentadas que se
refletem através de intervenções físicas no espaço. Assim, a preocupação ambiental extrapola a simples
economia de recursos e eficiência energética, voltando-se também para a qualidade dos espaços de
trabalho. Os sistemas prediais são modernizados: substituição do sistema de iluminação artificial por
luminárias de alto rendimento; instalação de torneiras com temporizador e vasos sanitários de baixo
4
Como parte da pesquisa intitulada “Projetos Sustentáveis: Aplicação da Legislação Ambiental e Sustentável na Elaboração de Projetos,
Execução e Reforma de Edificações Públicas”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação da Câmara dos Deputados.
consumo; substituição do sistema de ar condicionado por outro mais eficiente e que não utilize gases
prejudiciais à camada de ozônio. Em alguns casos, verifica-se também a adoção de novas tecnologias,
como aproveitamento de água de chuva (para sanitários e áreas externas); automação predial e instalação
de software de acompanhamento do consumo elétrico por circuitos no edifício, possibilitando a adoção de
medidas específicas e, conseqüentemente, um controle maior sobre o desempenho do edifício. As técnicas
passivas (sem consumo de energia) também são aplicadas em alguns casos e incluem, por exemplo, a
instalação de brises e películas nas janelas e fachadas sujeitas a uma maior carga térmica. Com relação à
qualidade do ambiente de trabalho, são verificadas intervenções em relação à substituição do mobiliário
por estações ergonômicas; criação de ambientes mais integrados e instalação de divisórias com trechos em
vidro para uma melhor distribuição e penetração da luz natural; adaptação física de espaços para
deficientes; criação de espaços de convívio, como jardins e espaços para fumantes nas áreas externas dos
edifícios. Neste estágio, tendo em vista as exigências técnicas de algumas ações, o projeto necessita da
consultoria de profissionais especializados ou mesmo de instituições, como por exemplo, o
acompanhamento oferecido pela Universidade de Brasília a algumas das intervenções realizadas no
MMA. Podem ser mencionados como representantes deste estágio na categoria reforma e manutenção o
Ministério do Meio Ambiente e Cultura5 e na categoria de nova edificação o Tribunal Superior Eleitoral,
projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. Neste caso, apesar de alguns aspectos do projeto de arquitetura
serem questionáveis sob o ponto de vista do desempenho ambiental, foram adotadas – de forma
complementar - algumas tecnologias para redução do consumo de água e energia, além da exigência de
certificação da madeira a ser aplicada na obra.
Grupo 3 - Este grupo se enquadram às iniciativas de construção de novas edificações em que o projeto
tenha sido concebido, originalmente, a partir de princípios sustentáveis. Nestes casos, a adoção de
recursos tecnológicos para redução do consumo de recursos naturais (água e energia) ocorre como
complementar de um projeto arquitetônico que contempla a eficiência energética como uma premissa,
com base em princípios bioclimáticos. Como integrante deste estágio, podemos citar o Banco do Brasil6.
Na sua sede em Brasília, responsável pelas diretrizes que fundamentam o trabalho das demais unidades no
Brasil, foi constituído um grupo com o intuito de discutir a aplicação de princípios sustentáveis nas
atividades da instituição. Especificamente com relação às instalações físicas, a preocupação nas
edificações existentes ocorre marcadamente em relação à eficiência energética e à acessibilidade física. A
justificativa, porém, para o Banco do Brasil aparecer enquadrado nesta categoria, deve-se ao projeto para
construção de agências sustentáveis, com previsão de conclusão para 2008, e em cujo projeto estariam
refletidas preocupações com clima, entorno, eficiência energética, acessibilidade física e especificação de
materiais e equipamentos.
5. CONCURSOS DE PROJETO
O concurso de projetos de arquitetura é um dos quatro caminhos - entre os citados neste artigo – em busca
da promoção da sustentabilidade em edificações públicas. A legislação federal (Lei 8666/1993), conforme
mencionado na Seção 1, define o concurso como uma das modalidades de licitação publica (art. 22, IV), e
a forma preferencial para a contratação de projetos de arquitetura pela administração pública. Na mesma
lei, defini-se que o “projeto básico”, elemento essencial para a contratação de serviços de engenharia, deve
assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental (Art. 6º, IX), o que
demonstra a consciência pública sobre o papel e a importância da arquitetura na construção de cidades
mais sustentáveis.
5
Informações a respeito do Ministério do Meio Ambiente fornecidas pelo arquiteto da Gestão Administrativa João Batelli, em abril de 2007.
6
Informações a respeito do Banco do Brasil fornecidas pela Coordenação Nacional do Programa de Ecoeficiência do Banco do Brasil, em abril de
2007.
A integração de critérios de sustentabilidade nos concursos públicos nacionais de arquitetura é a ação que
mais diretamente pode ser implementada pelos órgãos públicos que pretendem escolher o melhor projeto
que, entre outros aspectos, contemple avaliações adequadas para edifícios e cidades de menor impacto
ambiental. Nesse sentido é que diversos editais têm procurado incorporar nos termos de referência e nas
diretrizes projetuais, aspectos relacionados aos princípios da sustentabilidade.
Com esse enfoque podem ser destacados dois recentes concursos de projetos de arquitetura: a sede da
PETROBRÁS - Unidade de Negócios do Espírito Santo, em Vitória-ES, ocorrido em 2005, e a sede da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, em Brasília-DF, realizado em
2007. O primeiro prevê em edital implantação que busque ampliar a biodiversidade existente no terreno
com a construção do conjunto de edifícios que contemple requisitos e padrões de segurança, meio
ambiente e saúde da empresa. O segundo traz estreita relação entre os aspectos de sustentabilidade
ambiental envolvidos e a busca do aprimoramento científico e tecnológico ligados à imagem institucional.
Em ambos os casos, o termo de referência, parte integrante da documentação do concurso, sinaliza os
critérios de sustentabilidade que deverão fazer parte das propostas submetidas a julgamento.
Na sede da PETROBRÁS, a preocupação com a difusão dos conceitos de sustentabilidade previstos levou
a comissão organizadora a promover um workshop sobre eficiência energética em edifícios, previsto no
cronograma de atividades e destacado na importância da participação, não obrigatória, dos inscritos no
concurso. O terreno da PETROBRÁS, localizado entre uma das principais vias urbanas da cidade de
Vitória, tem características topográficas particulares e uma grande quantidade de elementos naturais
preserváveis além de solo composto por rochas aparentes. A documentação do concurso previa uma
integração racional, de forma a preservar as características ambientais favoráveis do sítio e minimizar a
alteração da paisagem, buscando preservar as espécies nativas de grande porte.
“As edificações deverão ter formas que se integrem, sendo projetadas dentro dos
conceitos que valorizem a implantação de sistemas eco-eficientes, mantendo-o como
referência tecnológica em energia e desenvolvimento sustentável.“ 7
Processo semelhante foi implementado no projeto para o Centro de Pesquisas (CENPES II) da
PETROBRÁS localizado na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. Para GONÇALVES; DUARTE (2006), a
iniciativa da Petrobrás quanto ao desempenho ambiental dos edifícios contribui para a formalização do
interesse das empresas públicas pela inserção de questões de sustentabilidade na construção e operação de
edifícios e mostra que esse tipo de exigência pode redefinir as obras públicas no país. O edital do concurso
de arquitetura, lançado em 2004, trouxe questões de sustentabilidade na arquitetura tidas como
eliminatórias: (a) orientação solar adequada; (b) forma arquitetônica: adequada aos condicionantes
climáticos locais e padrão de uso para a minimização da carga térmica interna; (c) material construtivo das
superfícies opacas e transparentes: termicamente eficiente; (d) superfícies envidraçadas: taxa de WWR
(window wall ratio) adequada às condições de conforto térmico e luminoso internos; (e) proteções solares
7
Termo de Referência Concurso Público de Arquitetura para sede da Petrobras UN-ES, IAB-ES, abril-2005, p. 5
externas: adequadas às fachadas; (f) ventilação natural: aproveitamento adequado dos ventos para
resfriamento e renovação do arinterno; (g) aproveitamento da luz natural; (h) uso da vegetação; (i)
sistemas para uso racional de água e reúso; e (j) materiais de baixo impacto ambiental: dentro do conceito
de desenvolvimento sustentável
O edital para o concurso da sede da CAPES em Brasília definiu como diretriz conceitual da proposta a
contemplação de aspectos relacionados à sustentabilidade e ao conforto ambiental:
Em ambos os casos, as intenções estão claras nos documentos referenciados. Os resultados finais dos
concursos – que independentemente dos termos de referência, e sim por exigência legal, têm obrigação de
considerar o impacto ambiental dos projetos – geram a expectativa de um compromisso com aspectos
sustentáveis. No entanto, trata-se de uma árdua tarefa: eleger a melhor arquitetura, e que esta também seja
sustentável e eficiente, principalmente em um contexto em que a sustentabilidade tem sido reduzida a
acessórios e soluções superficiais.
8
Termo de Referência Licitação pública na modalidade concurso público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a Sede da CAPES
em Brasília, IAB-DF, abril-2006, p. 4.
6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Neste artigo foi apresentada uma breve análise crítica sobre os principais caminhos (efetivos ou
potenciais) que estão sendo seguidos pela Administração Pública em busca de edificações mais
sustentáveis. O que se observa, em geral, é que ainda falta um aprofundamento maior sobre os conceitos
envolvidos e que pouca ação prática foi efetivada. Ainda faltam parâmetros objetivos que permitam traçar
planos concretos de redução do impacto sócio-ambiental e o aumento da eficiência (não apenas
energética) dos edifícios públicos. Nesse sentido, algumas conclusões e perspectivas podem ser
apresentadas: (1) a preocupação ambiental deve ser integrada ao processo de concepção e licenciamento
do projeto, inclusive em termos de parâmetros legais; (2) a Administração Pública deve pautar suas
compras e contratações por parâmetros sócio-ambientais, o que deve estar refletido na legislação que
norteia esses atos governamentais; (3) os parâmetros ambientais devem ser estabelecidos de forma
abrangente e consistente, que considere as peculiaridades locais em termos de meio ambiente natural e
também socioeconômico, e não simplesmente copiar modelos de outros países; (4) necessita-se reforçar a
troca de informações sobre sustentabilidade ambiental em edificações públicas; (5) os concursos de
arquitetura constituem um instrumento importante para viabilizar a sustentabilidade ambiental em
edificações pública, apesar da necessidade de fortalecimento dos instrumentos técnicos que subsidiam os
editais e de formas mais objetivas de inclusão do tema sustentabilidade nos processos de julgamento.
7. REFERÊNCIAS
MILARÉ, E. Direito do Ambiente. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000.
8. AGRADECIMENTOS