Mmaeditora,+4448 10421 1 CE - 231110 - 133314
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Paulo Meksenas
Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo Abstract
Esta é uma análise do sermão da Sexagé- This is an analysis of the Sexagésima (sixtie-
sima, proferido pelo padre Antonio Vieira th) Sermon issued by Father Antonio Vieira
em 1655, na Capela Real da cidade de in 1655, at the Royal Chapel in Lisbon,
Lisboa, Portugal. Aborda os problemas da Portugal. It looks at the persecution of the
perseguição dos jesuítas na província do Jesuits in the province of Maranhão, in the
Maranhão no Brasil Colônia, porque defen- Brazil colony period, because they defen-
diam as populações indígenas exploradas ded the indigenous populations against 49
economicamente por colonos e proprietá- economic exploitation by the settlers and
rios de terra.Vieira discorre sobre o signi- landowners. Vieira discussed the meaning
ficado da prédica como ação militante. of preaching as militant action. This article
Este artigo trata o referido sermão como um treats this sermon as a classic text of modern
texto clássico da ciência política Moderna political science and establishes its own ter-
e estabelece uma terminologia própria: o minology: the term sermon is defined as a
termo sermão é empregado como parte de part of a political theory and the term pre-
uma teoria política; o termo pregação é en- aching is understood as a guided political
tendido como ação política orientada ou action or militancy, strictly speaking. In this
militância propriamente dita. Neste contex- context, it is possible to question the mea-
to, é possível interrogar-se acerca dos sig- ning of militant education that takes place
nificados de uma educação militante que by means of didactic strategies of sociali-
se dê por meio de estratégias didáticas da zation of theory.
socialização da teoria. Keywords: Education. Political theory. Mi-
Palavras-chave: Educação. Teoria política. litancy.
Militância.
à didática com a qual o profeta e/ou o militante atinge o seu público locali-
zado; 5) frente à voz, como a sedução exercida pelo movimento do corpo.
Em síntese, teríamos:
Pensa o jesuíta na prática política que seduz e contagia por ser uma práti-
ca capaz de congregar imagem em si. As práticas políticas devem conter
sempre uma dimensão imagética e isto significa fazer/agir e anunciar/tor-
nar público aquilo que é feito. Não há como envolver um maior número de
pessoas com uma ação política que é feita às escondidas, sorrateiramente.
Ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sorrateiramente. A libertação é
um ato público, daí o valor que Vieira dá aos termos imagem/luz/espelho.
Uma prática política feita às escondidas não tem imagem e não pode, por-
tanto, ser pública e, menos ainda, revolucionária. Isto merece uma citação:
liza. O semear não é assim. É uma arte sem arte; caia aonde cair, isto é,
aquele que teoriza a política deve militar politicamente e isto significa socia-
lizar o conhecimento que produziu, semear. Esta socialização, por sua vez,
possui uma dinâmica diferente daquela presente no ato de teorizar. Socializar
a teoria, insistimos, não é o mesmo que teorizar. No teorizar, o conceito é
que se destaca, é a sua régua e o seu compasso. Na socialização dessa
teoria, ou no semear, o exemplo dado pela boa obra daquele que professa é
o que mais se destaca: é uma arte sem arte porque é um exemplo moral.
Neste ponto encontramos a definição do papel da didática na so-
cialização da teoria ou, nos termos inacianos, do estilo da pregação. Deve,
ainda, essa socialização ser diferente do
[...] estilo violento e tirânico que hoje se usa! Ver vir os tristes
passos da Escritura, como quem vem ao martírio; uns vêm acor-
rentados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm
torcidos, outros vêm despedaçados; só atados não vêm! Há tal ti-
rania? Então no meio disto, que bem levantado está aquilo! Não
está a cousa no levantar, está no cair. (VEIRA, 1945, p. 16).
claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e
tão alto que tenham muito que entender os que sabem. O rústico
acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante
para sua navegação e o matemático para as suas observações
e para os seus juízos. De maneira que o rústico e o mareante,
que não sabem ler nem escrever, entendem as estrelas; e o mate-
mático, que tem lido quanto escreveram, não alcança a entender
quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: – estrelas que todos
vêem e muito poucos as medem. (VIEIRA, 1945, p. 18).
sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem. Para tal, é
preciso superar o estilo violento e tirânico que hoje se usa.
Ao abordar a questão dos conteúdos presentes no processo de socia-
lização de uma teoria política, Vieira adverte, no item VI da Sexagésima, que
o sermão há-de ser de uma só cor, há-de ter um só objeto, um só assunto, uma
só matéria, isto é, deve o pregador buscar o estabelecimento da didática no
que se refere ao tema do seu discurso político, porque a extrema variedade
de temas, conceitos, problemas e questões que se propõem ao militante-
ouvinte pode mais confundir que esclarecer. Vieira se explica retomando a
parábola do semeador, que serve de linha mestra ao seu raciocínio:
Palavras finais
As partes IX e X do Sermão da Sexagésima são dedicadas à con-
clusão e buscam uma resposta ao problema que a prédica procurou pôr em
questão. Inicialmente, o inaciano inquiriu-se: nunca houve tantas pregações,
nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de
Deus, como é tão pouco o fruto? Após uma minuciosa exposição, abordando
todos os ângulos desta pergunta, Vieira observa:
Notas
1 Dá-se o nome de Restauração ao regresso de Portugal à sua completa independência em relação
72 ao Reino de Castela, depois de sessenta anos de regime de monarquia dualista (1580-1640)
em que as coroas dos dois países couberam ambas a Felipe II, Felipe III e Felipe IV de Castela.
A má administração do governo espanhol e o excesso de tributos que recaíam sobre a burguesia
comercial portuguesa constituíram causas maiores de insatisfação, sendo responsáveis pelo levan-
te do povo lusitano contra a união de Portugal com Castela. Após a restauração, em 1640, D.
João IV assume a Coroa portuguesa. Para aprofundar esta questão, vide: Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira (1978).
2 Para aprofundar aspectos da vida e obra de Antônio Vieira ver: Muraro (2003).
3 Só para citar alguns, vide: Faoro (2000), Holanda (1999) e Leal (1997).
4 Entendemos por militância política a prática do sujeito que age orientado por um projeto utópico
de sociedade, no qual a crítica à experiência social em que vive o impulsiona em direção a atitu-
des de questionamento e mesmo de ruptura de determinado contexto social. Acerca do conceito
de militância política, ver Relatório de Pesquisa intitulado A pedagogia da ação política popular:
histórias de militância (2005).
5 A opinião de Antonio Cândido (2000), como sabemos, influenciou e ainda expressa enormemen-
te uma opinião acadêmica. Admite este autor que a produção literária no Brasil em seu período
formativo – que se situa entre o século XVI, com os autos e cantos de Anchieta, e as Academias
da primeira metade do século XVIII, fase em que também congregou as obras de Antonio Vieira –,
não constituiu o que denominou por sistema literário. Em outras palavras, mesmo que incorporasse
Antonio Vieira em sua Formação da Literatura Brasileira, ainda assim o jesuíta seria abordado em
perspectiva puramente literária. Tal perspectiva é, deliberadamente, evitada neste artigo.
6 Consta no Evangelho de São Matheus, 13, 4 – 9: “Eis que o semeador saiu a semear e, ao
semear, uma parte da semente caiu à beira do caminho e as aves vieram e comeram. Outra parte
caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra. Logo brotou, porque a terra era pouco
profunda. Mas, ao surgir o sol, queimou-se e, por não ter raiz, secou. Outra ainda caiu entre os
espinhos [...] (falta alguma coisa aqui) [...] cresceram e a abafaram. Outra parte, finalmente,
caiu em terra boa e produziu fruto à razão de cem, sessenta e trinta por um. Quem tem ouvidos,
ouça.”
7 Acerca da metáfora do espelho diz Foucault (1981, p. 33): “Até o século XVII, a semelhança
representou um papel construtor no saber da cultura ocidental.” E assim, o espelho simbolizaria
essa possibilidade de, ao refletir o alter de modo invertido, pensar uma mudança que não
desconsidere aquilo que já está posto. Além disso, n’As palavras e as coisas, Foucault analisa
longamente a pintura Las Meninas, de Velásquez, e chama a atenção do leitor para o espelho
que lá aparece e, a partir daí, tece suas considerações acerca do espelho como possibilidade
de representação.
8 Perry Anderson (2004) cita os livros intitulados sucessivamente Razão e revolução de Marcuse,
A destruição da razão, de Lukács, A lógica como ciência positiva, de Della Volpe, Questão de
método e crítica da razão dialética, de Sartre, Dialética negativa, de Adorno, Ler o capital de
Althusser, e a eles se refere.
9 Nos termos propostos por Vieira (1945, p. 20) significa: “Há-de tomar o pregador uma só ma-
téria, há-de definí-la para que se conheça, há-de dividí-la para que se distinga, há de prová-la
com Escritura [teoria], há de declará-la com a razão, há-de confirmá-la com o exemplo, há-de
amplificá-la com as causa, com os efeitos, com as circuntâncias, com as conveniências que se
hão-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de
satisfazer as dificuldades, há-de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumen- 73
tos contrários, e depois disto há-de colher, há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de
acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto [...]” prova-la e os
verbos da seqüência deveriam vir acentuados na oxítona.
10 Vale insistir que neste estudo não damos aos termos evangelho; palavra de Deus e Deus, uma
interpretação literal. Na busca de fazer uma leitura de Vieira como um clássico da ciência política
moderna, permitimo-nos fazer dos três termos em questão algumas metáforas: tomamos evangelho
ou escrituras por teoria política, bem como a expressão palavra de Deus. Por fim, tomamos Deus
como a verdade contida em uma teoria que pensa o possível momento de realização histórica
de uma utopia política. Dito isto, fica compreensível – assim esperamos – o raciocínio que se
estabelece após esta nota.
Referências
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Madri: Taurus, 1975.
ANDERSON, Perry Considerações sobre o marxismo ocidental. Tradução Isa Tavares. São
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Janeiro: Globo, 2000.
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Elisa Mascarenhas São Paulo: Ática, 1978.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 7. ed. Tradução Carlos Nelson Coutinho e Leandro
Konder. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
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