Quinto Imperio Messianismos Padre Antoni PDF
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Amon Pinho
Universidade Federal de Uberlândia
Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa
Resumo
Mediante perspectivas desenvolvidas por certos trabalhos de Agostinho da Silva e de Ariano
Suassuna, o artigo trata das potenciais afinidades eletivas entre o pensamento profético-
escatológico do Padre Antônio Vieira e alguns dos aspectos messiânicos da cultura popular
tradicional luso-afro-brasileira, enquanto formas de expressão das culturas letrada e iletrada,
respectivamente. O objetivo central é refletir sobre as afinidades, similaridades ou analogias,
apreendidas pelos autores referidos, considerando como eles constituem, em seus escritos,
cadeias sincrônicas de sentido, nas quais o “erudito” está intimamente relacionado com o
“popular” e vice-versa.
Abstract
The article deals with potential elective affinities between the prophetic-eschatological thinking
of Father Antonio Vieira and some messianic aspects of the luso-afro-brazilian folk culture, as
forms of expression of literate and non-literate cultures, respectively. This is achieved through
the perspectives developped by certain works of Agostinho da Silva and Ariano Suassuna. Its
main purpose is to reflect on the affinities, similarities or analogies observed by the mentioned
authors, taking into consideration how they constitute, in their writings, synchronic chains of
meaning, in which the “erudite” is closely related to the “popular”, and vice versa.
Havia ali [em Canudos], como fundo, as crenças religiosas portuguesas da Idade Média,
vamos pôr priscilianismo, joaquimismo, franciscanismo espiritual, e diga quem disso
souber mais do que nós […] o que é ortodoxo e o que é heterodoxo em tudo isto; havia
sebastianismo ou messianismo, como queiram, no sentido de atitude de uma cultura que
recusa submeter-se a outra com mais força; havia cristianismo de evangelho, portanto
Tanto faz dizer Português como Brasileiro, Quaderna! (…), a história de Dom Sebastião,
O Desejado, transcende os limites puramente individuais e nacionais para ser um Mito
humano: o do homem sempre desejoso de se transcender, alçando-se, pela Aventura, pelo
delírio, pelo risco, pela grandeza, pelo martírio, até o Divino! É por isso que meu livro de
poemas, O Rei e a Coroa de Esmeraldas será uma espécie de sagração mítica da História
de Portugal na História do Brasil.
Ariano Suassuna, Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
Proponho-me, com estas notas à margem, delinear uma reflexão sobre as afinidades
ou confluências que possam haver entre a obra profético-escatológica do Padre Antônio
Vieira e algumas das manifestações da cultura popular tradicional luso-afro-brasileira,
enquanto registros que respectivamente são de uma cultura letrada, por um lado, e de
uma cultura sertaneja majoritariamente iletrada, por outro. Culturas que sem sombra de
dúvida configuram duas esferas distinguíveis, que igualmente poderíamos denominar
pelos termos latos de cultura erudita e de cultura popular, e sobre as quais procurarei
refletir ancorado na perspectiva basilar de que não constituem compartimentos
homogêneos e estanques, e sim instâncias heterogêneas que incessante e reciprocamente
interagem, comportam circularidades e se interseccionam, inspirando-se,
transformando-se, afirmando-se e/ou negando-se mutuamente. Não o farei, todavia, na
forma de uma aproximação direta aos sujeitos-objetos em causa. Alternativamente, será
meu propósito realizar uma abordagem mediada deles, por meio dos pensamentos e
experiências de vida de autores como Agostinho da Silva, Ariano Suassuna e, a um
nível apenas preambular, Jaime Cortesão, o grande historiador dos “fatores
democráticos na formação de Portugal” (1984), da expansão comercial-marítima e do
“humanismo universalista dos portugueses” (1966).
Ao regressar a Portugal, na segunda metade dos anos cinquenta do século passado,
depois de um prolongado exílio político na França, na Espanha e sobretudo no Brasil,
Cortesão (CORTESÃO et al., 1991, p. 61) concedeu uma entrevista em que declarava
ter a sua ida para o Brasil realizado-se, em 1940, sob o imperativo de circunstâncias
alheias (para não dizer de todo adversas) à sua vontade.
Brasil. Depois, viver no Brasil é conhecer, sob certos aspectos, um Portugal mais
português que o da metrópole; um Portugal que foi sonhado e medido pelas
dimensões de um continente e transplantado com a totalidade da seiva originária
para uma terra, um clima e um meio humano que representavam outros tantos e
terríveis problemas de adaptação a resolver. Não é pequena lição e proveito para um
português haver compreendido este fato e transformá-lo em programa de ação.
1
Interessante notar as estreitas conexões entre essa noção do Portugal-ideia, conceito que é de um
Portugal-ideal, e o Padre Antônio Vieira, estabelecidas por Agostinho da Silva em Reflexão à margem da
literatura portuguesa, livro de 1957: “Portugal ideal em que o primeiro momento é marcado pela atuação
de Vieira, cuja grandeza só pode ser plenamente aferida quando se lhe liga a figura à construção desse
Brasil que afinal sonhava como base ou centro de um Quinto Império, para que Portugal provavelmente,
para quem tinha olho de águia, se revelava já impotente. O pregador […] viu como ninguém que era
extraordinariamente difícil que Portugal se recuperasse da crise […]. E então, para Vieira, Portugal passa
a ser não propriamente um determinado país – no qual, no entanto, ainda tenta intervir, supondo que a
força acumulada no Brasil por jamais se ter aceitado no período de 1580 a 1640 qualquer interferência
espanhola poderia ser transferida para Portugal –, mas sim uma ideia a difundir pelo mundo. Dizer-se
Portugal é para Vieira dizer-se não os graus de longitude, a latitude, que ficam entre tal ou tal ponto da
carta, mas o Reino de irmandade, de compreensão, de cooperação que se devia estender pelo universo
como preparação necessária para um futuro Reino de Deus” (Silva, 2000, p. 64-65).
[...] que Portugal foi atravessado, do século XV ao XVII inclusive, por profundas
correntes milenaristas, sem o conhecimento das quais a história desse país
permanece incompreensível. Pôde-se escrever que, em Portugal, “a persistência do
messianismo animando a mentalidade de um povo, durante um tempo tão longo e
conservando-lhe a mesma expressão, é um fenômeno que, com exceção da raça
judia, não tem equivalente na história”.
E prossegue o autor:
A pesquisa recente mostrou que era preciso dar uma significação escatológica aos
projetos e às expedições além-mar de Manuel, o Venturoso. Ele pensava em uma
espécie de realeza universal e messiânica, o quinto império de Daniel, que veria
Portugal trazer para a religião de Cristo todas as nações não cristãs. Fato particular
em Portugal: as trovas, especialmente as do inspirado sapateiro Bandarra, compostas
entre 1530 e 1546, anunciavam o próximo aparecimento de um rei ainda oculto – o
Encoberto – que seria o salvador do mundo. A esperança do reaparecimento do rei
Sebastião, desaparecido em 1578 por ocasião de uma batalha contra os “mouros” no
Marrocos, inscreve-se nessa tradição.
Portugal
Bendito seja... Abençoado pelo Criador
Uma utopia, um destino, um sonho
Místico de grandes realezas
Sonhar... Com glórias um rei desejar
E o sol volta a brilhar
Com a esperança no olhar
Mas desapareceu como um grão de areia no deserto
E encantado renasceu
Em cada ser, em cada coração
Para afastar a cobiça, na busca do ideal
O Quinto Império Universal
[…]
Nas terras tropicais do meu Brasil
A herança, a dor... O mito ressurgiu
Eis o guerreiro sebastiano
O mais ufano dos lusitanos em verde e branco
Que traz no peito uma estrela a brilhar
De Norte a Sul desta nação
Faz a manifestação popular
Referências
VIEIRA, P.e Antônio. Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício, 2 vols. Introdução e notas de
Hernâni Cidade. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957.
______. História do futuro. 2. ed. Introdução e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.
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