O Bebê Renegado - Sem Perdão - Thatyanne Tenório
O Bebê Renegado - Sem Perdão - Thatyanne Tenório
O Bebê Renegado - Sem Perdão - Thatyanne Tenório
FICHA TÉCNICA:
R E V I S Ã O : T. T. E d i t o r i a l
D E S I G N C A PA : D e s i g n e r T. Te n ó r i o
@autorathatyanne
[email protected]
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da
Língua Portuguesa.
To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s .
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
N o t a d a a u t o r a
E N V O LTA N A S C O B E RTA S , t e n t o e n c o n t r a r u m a
p o s i ç ã o c o n f o r t á v e l p a r a d o r m i r. A c h u v a l á f o r a b a t e
contra a janela, criando um som ritmado que geralmente
me acalma. Mas esta noite, meu sono é inquieto, cheio de
sonhos perturbadores e imagens confusas.
Ta l v e z s e j a a a n s i e d a d e q u e s i n t o s o b r e o f u t u r o
incerto ou a constante preocupação com Felipe e suas
atitudes.
Minha mão repousa suavemente sobre minha barriga
de oito meses, sentindo os movimentos sutis do bebê. A
e s c u r i d ã o d o q u a r t o é s u a v e m e n t e i l u m i n a d a p e l o a b a j u r,
cuja luz deixo acesa para me sentir mais segura.
De repente, ouço a porta da frente se fechar com
um estrondo. Me sento com dificuldades e fico olhando
para a porta do quarto. Não demora muito, a vejo abrir
lentamente, e Felipe entrar cambaleando. O observo
começar a tirar a roupa, enquanto seu olhar me tem.
— Vo c ê m e a s s u s t o u — a v i s o p a r a e l e q u e r e t i r a o s
sapatos e se joga ao meu lado na cama. O cheiro forte de
á l c o o l i m p r e g n a n d o o a r. — B e b e n d o d e n o v o ?
Ele murmura algo ininteligível, virando-se para o
lado. — Só tive um dia difícil, Marina. Preciso de um
pouco de paz, ok?
E s t i c o o b r a ç o e p e g o m e u c e l u l a r. S ã o e x a t a s 2 h 3 0
da madrugada.
— E u q u e r o d o r m i r, c a r a l h o ! — e l e g r i t a , m e
assustando com sua agressividade de sempre. — Parece a
porra do meu pai! — suas narinas inflam e seus olhos
escurecem de puro ódio.
Te n t o n ã o r e s p i r a r o f e d o r d e b e b i d a f o r t e q u e s a i
de seus lábios e rapidamente posiciono minha mão por
cima da sua o parando.
E n c h o u m c o p o e p r e s t e s a b e b e r, a p o r t a d o
apartamento se abre.
— A n t e s d e v o c ê , h a v i a u m a o u t r a m u l h e r, M a r i n a .
— fala de braços cruzados. Seu rosto não muda quando
e l e v o l t a a f a l a r. — E l a é f i l h a d o a m i g o d o m e u p a i . E u
devia ter te contado, mas o sexo com você era alucinante.
A minha ideia era ficar com você mesmo depois de
c a s a d o c o m a Tr i z , a f i n a l , e u g o s t o d e c o m e r s u a b o c e t a .
To n t a c o m a s i n f o r m a ç õ e s , p a s s o p o r e l e e v o u a t é a
sala. Me sento com dificuldades, enquanto minha cabeça
está fervilhando com as suas palavras. Eu sou a outra da
relação? Casamento com outra? Só percebo que estou
chorando quando levo a mão para limpar as lágrimas.
— S e u f i l h o ! Vo c ê e n g r a v i d o u p o r q u e v o c ê q u i s !
Essa coisa não estava nos meus planos, Marina.
— Marina...
— L a r g o u a p o b r e z a ! Vo c ê a c h a r e a l m e n t e q u e
alguém como eu, que sempre tive tudo do bom e do
m e l h o r, m e a p a i x o n a r i a p o r u m a m u l h e r c o m o v o c ê ? —
ele me humilha friamente, rindo como se fosse um
p s i c o p a t a a p ó s t e r c o m e t i d o u m c r i m e e g o s t a d o . — Vo c ê
foi tão fácil, abriu as pernas para mim feito uma cadela
no cio. Quem me garante que você já não tenha feito isso
com outros?
— E u o d e i o v o c ê ! — e u f i n a l m e n t e c o n s i g o d i z e r,
m i n h a v o z t r e m e n d o d e r a i v a e d o r. — C o m o p o d e s e r t ã o
cruel? Posso ter o nosso bebê a qualquer momento e você
não se importa?
A n t e s d e s a i r, e l e m e o l h a u m a ú l t i m a v e z e e m
seguida me dá as costas.
S o z i n h a e u m e p e r m i t o c h o r a r, e u n ã o f a ç o a
m í n i m a i d e i a d o q u e f a z e r. O u p a r a o n d e i r. O l h o p a r a o
lado e vejo o cartão, o pego e quando leio Diogo Macêdo,
percebo que é o cartão do irmão de Felipe. Fico sem
c o m p r e e n d e r, m a s p o r f i m o d e p o s i t o n o s o f á . A p o i o u m a
mão no encosto do sofá e me levanto, minhas costas estão
doendo, mas não ligo, não quero ter que encontrar Felipe
mais uma vez por ali.
Vo u p a r a o q u a r t o , p e g o o s m e u s p o u c o s v e s t i d o s ,
roupas íntimas e roupinhas que comprei para o bebê.
Ainda não sei o sexo dele, mas não me impediu de
comprar alguns macaquinhos em cores neutras. Abro uma
gaveta e pego um envelope.
R$700.
— B o m d i a ! Vo c ê é a a m i g a d o S r. M a c ê d o ? — p a r o
um tanto confusa, mas aceno incerta. — Ele disse que
poderia deixar a chave do apartamento comigo.
— A h ! — b a l b u c i o e m e a p r o x i m o p a r a e n t r e g a r. —
Obrigada.
— Só estou fazendo meu trabalho, senhorita —
murmura e olha minha mala. — Precisa que eu chame um
táxi?
— S i m , p o r f a v o r. — r e s p o n d o e e l e m e s o r r i
educado enquanto guarda a chave. — O senhor sabe de
algum hotel ou pousada baratos?
— Te m n o c e n t r o , e p r ó x i m o d a r o d o v i á r i a t e m u m
hotel.
— Te m d o i s h o t é i s .
— B o m d i a , g o s t a r i a d e u m q u a r t o , p o r f a v o r.
— E quanto é a presidencial?
Tu d o n o q u a r t o é r e a l m e n t e l i n d o e b e m - o r g a n i z a d o .
Vo u a t é a c a m a e m e d e i t o n e l a . É t ã o m a c i o e p e r f u m a d o ,
olho para a porta e percebo que o funcionário já foi. Me
liberto das sapatilhas e me aconchego melhor no meio da
cama.
— Filha?
— Ele já nasceu?
A o f u n d o e u e s c u t o n i t i d a m e n t e m i n h a m ã e c h o r a r.
— Vo u c o m p r a r a p a s s a g e m d e i d a — aviso
decidida. — Quando eu estiver aí, aviso a senhora.
— Tu d o b e m , f i l h a . Ve n h a m e s m o ! S e u p a i p re c i s a
t e p e rd o a r, e l e t a m b é m s e n t e s u a f a l t a .
— Não acredito!
Ta l v e z s e j a p r o b l e m a c o m o s i t e ? D e c i d o t e n t a r
mais tarde, minha cabeça está um turbilhão e também
estou com fome. Então me lembro que não tomei café.
Pensando nisso, pego o telefone do hotel e peço a
refeição. Em seguida vou até a janela e fico observando a
vista. Caso eu não consiga fazer a compra da passagem
pelo cartão, posso comprar com dinheiro que restou, se
for o mesmo que está no site daria certo.
Os minutos passam e quando batem à porta, sei que
é o serviço de quarto. Permito a entrada e sorrio para
uma mulher que empurra um carrinho.
O p e g o e m e s m o s a b e n d o q u e d e v o e v i t a r, c o m o e l e
aos poucos. Finalizado ele, bebo um pouco do café e
pego uma fatia de bolo. Em cima da cama, meu celular
c o m e ç a a t o c a r. M e a p r o x i m o d e l e e v e j o u m n ú m e r o
desconhecido, o pego e no quarto toque o atendo.
— Marina...
S a i o d o b a n h e i r o e a j e i t o m e u v e s t i d o l o n g o . Vo u
até a mala e a verifico, xingo baixinho quando não
encontro uma blusa de frio. O finalzinho de tarde trouxe
o frio junto, e eu estava contando com uma peça de roupa
mais quente que deveria estar aqui. Mas, claro, está
f a l t a n d o . A j e i t o a m a l a n o v a m e n t e , t e n t a n d o m e a c a l m a r.
Meu jantar deve chegar em breve, e o hotel tem um
aquecimento decente.
De repente, ouço uma batida na porta.
— Já deve ser o jantar — murmuro, me dirigindo
até a porta com um sorriso leve. Porém, assim que abro,
meu coração quase para. — Felipe?!
Meu sorriso desaparece instantaneamente.
Ele está ali, parado, com uma expressão de raiva
que eu não entendo. Afinal, quais os motivos da raiva
dele? A única que tem o direito de estar com raiva sou
eu. No entanto, vê-lo daquela forma em minha frente,
traz o medo que eu sempre tive quando o via assim.
— O que você está fazendo aqui? Como me
encontrou? — Pergunto com o coração acelerado de
medo.
— Vo c ê a c h a q u e p o d e m e e v i t a r, M a r i n a ? B l o q u e a r
meu número? — Felipe empurra a porta com força,
entrando no quarto.
Dou um passo para trás, surpresa e assustada com
sua agressividade.
— F e l i p e , e u n ã o q u e r o b r i g a r, p o r f a v o r. E u e s t o u
grávida, você sabe disso. — tento manter a calma, mas
minha voz treme. — Eu fui embora como você mandou!
Vo c ê m e n e g o u e n e g o u o n o s s o b e b ê .
— Vê se aprende de uma vez! — ele avança, e eu
dou mais um passo para trás, encostando na cama. — Eu
s o u o ú n i c o q u e p o d e e x i g i r a l g o d e v o c ê ! Vo c ê m e
bloqueia, me faz ir atrás de um taxista do caralho e ainda
acha que pode me responder desse jeito?
— F e l i p e , n ã o é a s s i m . . . Vo c ê s a b e . . . — t e n t o
e x p l i c a r, m a s e l e n ã o q u e r o u v i r. S e u s o l h o s e s t ã o c h e i o s
de fúria.
A n t e s q u e e u p o s s a r e a g i r, e l e m e d á u m t a p a . M e
desequilibro e sinto meu corpo pender para o lado e caio
no chão, batendo forte. Uma dor aguda atravessa meu
abdômen, e quando olho para baixo, sinto algo descer por
minhas pernas. Levo a mão trêmula até ela, e fico
horrorizada olhando meus dedos sujos de sangue.
— Meu Deus! O que você fez? — grito, com a voz
desesperada. Coloco a mão sobre a barriga, sentindo uma
dor crescente. As lágrimas começam a escorrer pelo meu
r o s t o e n q u a n t o t e n t o m e l e v a n t a r, m a s m e u c o r p o não
responde.
Felipe recua, parecendo chocado com o que acaba
d e f a z e r.
— A c u l p a é s u a ! Vo c ê m e p r o v o c o u a f a z e r i s s o !
— Me ajuda! — peço com os olhos cheios de
lágrimas.
S i n t o m a i s d o r, e d e s s a v e z s o l t o u m g r i t o .
Ele hesita, mas ao ver o sangue e a minha expressão
d e d o r, p e r c e b o s e u s o r r i s o e c a l m a m e n t e e l e m e d á a s
costas.
Luto para alcançar meu celular na mesa de
cabeceira e não consigo.
— Não...
Do chão, após alguns segundos, ouço passos rápidos
e mesmo com os olhos cheios de lágrimas, vejo um
homem loiro de terno se aproximar apressadamente. Ele
parece ser muito bonito e elegante, mas a dor que sinto
me incapacita a olhá-lo com mais atenção.
— Precisamos levá-la ao hospital! — ele fala com
sua voz grossa.
Seu olhar me analisa meticulosamente.
— O m-meu bebê! — murmuro trêmula enquanto o
vejo retirar o paletó e em seguida me pegar nos braços.
— Ah!
— Desculpe! — Pede e ao mesmo tempo sai do
quarto comigo. Em meio a minha dor vejo a recepcionista
d o p r é d i o c o r r e r a o n o s s o l a d o . — I g o r ! Va i l i g a n d o o
carro!
— Eu acho que foi o seu irmão que saiu correndo.
Ouço outra voz ao fundo falar e fico confusa.
Irmão? Me agarro mais nele e quando sinto a dor fina
novamente, eu grito fincando as unhas no pescoço dele.
Para a minha surpresa, ele desce as escadas comigo e
f e c h o o s o l h o s c o m m e d o d e c a i r. S ó v o l t o a a b r i - l o s
quando sinto o vento frio bater em minha pele. Sou
colocada no carro e o desconhecido se junta ao meu lado.
Rapidamente saímos dali, enquanto minhas lágrimas
banham meu rosto.
— Q-Qual o seu nome? — Soluço, sentindo meu
corpo tremer por tanta dor que sinto.
— Diogo e o seu? — Se apresenta, com o semblante
aparentemente preocupado.
Franzo o cenho e na penumbra do carro, levo meus
dedos a camisa branca manchando-a de sangue.
— D-Diogo Macêdo? — Ele parece surpreso, mas
concorda. — Eu u-usei o seu cartão.
Ve j o q u e e l e c o n c o r d a , e n t ã o p a s s e i a s u a m ã o p o r
minha barriga. Assim que faz isso, sinto meu bebê chutar
e eu sorrio em meio ao choro.
— Vo c ê m e d e v e R $ 1 . 9 9 0 , 0 0 .
Penso que ele vai sorrir e dizer que está brincado,
mas ele se mantém sério. Eu não tenho esse dinheiro
t o d o . F i c o g e m e n d o d e d o r, q u a n d o f i n a l m e n t e p a r a m o s e
Diogo desce, percebo que chegamos.
Com cuidado, ele me pega novamente nos braços e
anda até a entrada. Fecho os olhos e logo sou colocada
d e i t a d a e m u m a m a c a . Te n t o m e m a n t e r a c o r d a d a , m a s
n ã o s o u f o r t e o s u f i c i e n t e e a c a b o d e s m a i a n d o d e d o r.
Quando acordo mais uma vez, me vejo deitada na
maca com uma bata azul e em meu braço direito tem um
a c e s s o c o m s o r o . Te n t o m e m o v e r, m a s s i n t o u m a d o r n o
corpo do lado esquerdo. Me recordo da queda que levei e
fico alarmada.
— Alguém? — o desespero me toma ao olhar de um
l a d o a o u t r o e m e e n c o n t r a r s o z i n h a . — P o r f a v o r ! Te m
alguém aí?
— Acordou! — uma enfermeira entra e sorri para
m i m . — Tu d o b e m ? — m e a v a l i a , p r e o c u p a d a .
— O meu bebê? — acaricio minha barriga e deixo
as lágrimas rolarem por meu rosto. — Eu caí e eu
sangrei, mas eu senti meu bebê chutando. Ele está bem?
Eu...
— Calma, mamãe — ela pede com um sorriso. —
Foi só um susto. Eu vou chamar o seu marido e avisar ao
médico que você acordou.
— O meu marido está aqui? — pergunto confusa e
quando noto que fiz a pergunta em voz alta, dando a
e n t e n d e r q u e D i o g o é m e u m a r i d o , p e n s o e m m e c o r r i g i r.
— Está sim, acho que ele foi resolver as pendências
do hospital. Faz horas que você dorme por conta da
medicação.
Olho para o relógio de parede, 22h30.
Vo l t o m i n h a a t e n ç ã o p a r a a e n f e r m e i r a , s ó p a r a
descobrir que ela me deixou sozinha no quarto.
— Obrigada, Deus! Obrigada! — passeio minha mão
por minha barriga, sinto uma leve ondulação e sorrio.
— Vo c ê é o f i l h o d e l e ? — e s c u t o a p e r g u n t a e v e j o
o médico entrar no quarto sendo seguido por Diogo. —
Seu pai é um grande homem. Ele deve estar radiante com
o neto a caminho.
— Ele não sabe e prefiro assim.
O médico dá um sorriso sem graça e se aproxima de
mim. Meu olhar intercala dele para Diogo. Fico sem
entender sua presença ali, até agora, mas agradecida
eternamente.
— Sra. Macêdo...
— Marina — o corrijo e olho rápido para Diogo que
cruza os braços. Então ali, pela primeira vez, notei o
distintivo em seu pescoço juntamente com a arma na
cintura. — M-Meu nome é Marina.
— Certo, Marina. Que susto não é mesmo? — o
médico me avalia.
— Sim — respondo e esfrego os dedos dos pés sob
o lençol fino. — O meu bebê está bem mesmo?
— Sim. Com a queda sua placenta descolocou, mas
com repouso absoluto vocês vão ficar bem. Infelizmente
é c o m u m i s s o a c o n t e c e r, p o r i s s o s e m p r e r e c o m e n d a m o s
que a mamãe fique de repouso, não pegue peso, sem
estresse e em alguns casos como o seu, sem sexo.
Tímida, eu encaro as minhas mãos.
— Então o meu bebê não corre risco?
— Não se obedecer e ficar de repouso. — engulo
em seco e o observo anotar algo na prancheta. — Eu vou
passar vitaminas para você. O seu exame de sangue não
f o i o q u e e u e s p e r a v a , M a r i n a . Te m q u e s e a l i m e n t a r b e m ,
você não está fazendo isso.
A p ó s c a r i m b a r, e l e e n t r e g a o p a p e l a D i o g o q u e o l ê
atentamente.
— Amanhã eu libero vocês — fala e estende a mão
para Diogo. — Amanhã de manhã eu volto, qualquer coisa
pode chamar a enfermeira.
Ele nos deixa sozinho e ali, me sinto intimidada
com a presença imponente ao meu lado. O papel é
dobrado e guardado em seu bolso, então ele se aproxima
da cama.
— Marina, não é?
— Sim.
— O que aconteceu naquele quarto?
Analiso o que respondo. Eu sei que Felipe e ele não
se dão bem, porque Felipe sempre reclama do irmão, mas
ele acreditaria em mim?
— Eu caí — minto e não consigo sustentar seu
o l h a r. — C o m o s a b i a q u e e u e s t a v a l á ?
De braços cruzados, ele da a volta no leito e se
senta perto.
— A recepcionista disse que tinha um homem com
você no quarto. — comunica ignorando minha pergunta.
— Era o Felipe? Foi ele que deu o meu cartão para você?
Foi ele que te machucou?
Seus olhos azuis me encaram de um jeito intenso,
desvio o olhar dele, mas logo seus dedos tocam meu
rosto. Forçando nossos olhares.
— Não acreditaria em mim — respondo sem forças.
— O b r i g a d a p o r m e a j u d a r, D i o g o . S e r e i e t e r n a m e n t e
grata por ter salvo meu bebê.
Ele afasta a mão e fita minha barriga.
— O bebê é dele?
— Sim, mas ele não quer saber da gente. Eu não era
amante dele, se pensa assim. A gente já namorava, mas
ele aparentemente não estava satisfeito comigo. — falo e
ele me escuta em silêncio. — Estávamos juntos há dois
anos, eu morava no apartamento dele, mas aí ontem ele
m e m a n d o u e m b o r a . E u n ã o t e n h o p a r a o n d e i r, a m i n h a
família é de Santa Catarina e o meu pai não me aceita
grávida.
— Entendo. — cruza os braços desviando os olhos
com a expressão de revolta.
— Desculpa pelos R$1.990,00 — peço e ele volta a
m e o b s e r v a r. — E u n ã o t e n h o c o m o t e p a g a r a g o r a , s ó
tenho R$675.
— Não quero o seu dinheiro — retruca e vai até a
p o l t r o n a . — F a l e i a p e n a s p a r a d e s c o n t r a i r.
— Ah! É que você estava tão sério. — engulo em
seco.
Ele se senta e sem me responder afrouxa a gravata.
O observo arregaçar as mangas da camiseta branca suja
de sangue, o paletó está no braço da poltrona. Diogo é
um homem bonito, os braços fortes, corpulento e bem
alto. Olhos azuis escuros, barba um pouco grande loira, a
m e s m a c o r d e s e u c a b e l o . Te m u m a p r e s e n ç a m a r c a n t e ,
assim como o perfume que está usando. Desço meu olhar
por seu corpo e foco nas coxas grossas. Subo o olhar para
seu rosto e fico tímida quando percebo que me encara.
Ele esfrega a mão na barba sem desviar nossos olhares.
— Amanhã quando estiver de alta, vamos abrir um
boletim de ocorrência contra ele. — decide por mim, com
a expressão dura e revoltada.
— O quê? — estou assustada. — Não! Ele vai ficar
furioso, não! É melhor deixar para lá.
— S e v o c ê n ã o f i z e r, e u v o u f a z e r. — a v i s a e e u o
encaro incrédula. — Não vou passar a mão na cabeça dele
porque é o meu irmão.
— Não, por favor! Quando ele está furioso... —
paro quando o percebo atento. Engulo em seco e me
deito. Não vou falar para ele do que já sofri com o irmão
dele. — Eu não quero fazer nenhum tipo de denúncia e
v o c ê t e m q u e a c e i t a r.
— Eu sou um agente federal, Marina. Eu vi a
situação, sabemos que foi ele, se eu não fizer quem será
preso sou eu. — penso em dizer algo, mas ele é mais
rápido. — Durma tranquila, vou estar aqui quando
a c o r d a r.
F i c o c o n f u s a , e q u e r o s a b e r p o r q u e e l e v a i f i c a r,
mas me mantenho em silêncio. Fechos os olhos e tento
d o r m i r, m a s e n t ã o s i n t o u m a p r e s s ã o c r e s c e n t e n a b e x i g a ,
u m a s e n s a ç ã o c o n s t a n t e q u e n ã o c o n s i g o i g n o r a r. O l h o
para Diogo e ele mantém os olhos fechados.
— Está dormindo? — indago e ele me encara. —
Poderia chamar a enfermeira?
— Está sentindo dor? — questiona ficando de pé.
— Não — balanço a cabeça e retiro o lençol das
minhas pernas. — Só preciso da ajuda dela para ir ao
banheiro.
Para minha surpresa, ele se aproxima e estende os
braços. Fico uns segundos olhando seus braços com as
v e i a s s a l t a d a s , e p e n s o e m n e g a r, m a s q u a n d o s i n t o q u e
não vou aguentar esperar apenas aceito. Com delicadeza
ele me pega nos braços e percebo que ele não faz esforço.
Diogo me leva até o banheiro dali e me coloca em pé
perto do vaso.
Ele rapidamente sai, mas deixa a porta encostada.
Não ligo para aquilo e a cada movimento, por menor que
f o s s e , p a r e c e i n t e n s i f i c a r a n e c e s s i d a d e d e u r i n a r.
Quando finalmente me sento no vaso sanitário, o alívio é
imediato. Uma parte minha sente vergonha por ele,
possivelmente, estar ouvindo. Então, mesmo quando
termino fico uns minutinhos ali em silêncio.
— Está tudo bem?
— Sim, obrigada. — me seco e em seguida lavo as
mãos. — Diogo? — após dar a descarga eu o chamo e ele
me verifica. Em seguida caminha em minha direção e me
p e g a n o s b r a ç o s . — Te m c e r t e z a d e q u e v o c ê p o d e f i c a r
a q u i c o m i g o ? N ã o q u e r o o a t r a p a l h a r.
— Não vou te deixar sozinha até resolvermos isso.
De volta ao quarto, sou colocada em cima do leito.
— A sua namorada não vai brigar?
Ele sorri e fico surpresa. Diogo também é bonito
quando sorri.
— Precisa de mais alguma coisa? — nego,
percebendo que ele não me afirma ter alguém. O observo
ir até a poltrona e se sentar com as pernas abertas e
braços cruzados. — Então durma.
Me aconchego mais onde estou deitada e aliso
minha barriga. Era um alívio saber que meu bebê está
bem e que Diogo, apesar de desconhecido para mim, está
ali protegendo meu sono. Não acredito que Felipe possa
a p a r e c e r, m a s s e i s s o a c o n t e c e r p e l o m e n o s n ã o e s t a r e i
sozinha. Fecho os olhos, e no mesmo instante me lembro
da feição raivosa dele, do tapa, do sorriso ao me ver
caída e sangrando.
Como eu pude ser tão cega em relação a ele?
Me culpo sem conseguir evitar e rapidamente seco
minhas lágrimas. Não quero que Diogo me veja assim, ele
já fez tanto por mim e nem ao menos me conhece. Solto
um suspiro e decido dormir de vez.
C a p í t u l o 3 – D i o g o
J á é m a n h ã q u a n d o d e c i d o l e v a n t a r, m e u c e l u l a r
marca 8h20 e meu primeiro pensamento é em Diogo. Ele
já tinha ligado? Já tinha voltado da operação? Sento-me
na cama, ainda sentindo a sonolência da noite mal
dormida. Pego o celular ao meu lado e verifico as
n o t i f i c a ç õ e s , e l e e s t á p r e s t e s a d e s c a r r e g a r, m a s n ã o h á
nenhuma mensagem. Levanto-me lentamente, tentando
afastar o nervosismo. Decido tomar um banho para tentar
m e d i s t r a i r, m a s c a d a m o v i m e n t o é a u t o m á t i c o , m e u s
pensamentos sempre voltando para ele. A água quente
ajuda a relaxar meus músculos, mas não consegue
acalmar meu coração inquieto.
M e u b a n h o é b e m p r á t i c o e r á p i d o . Vi s t o u m d o s
meus vestidos enormes, e minha calcinha de vovó. Felipe
nunca gostou delas, mas ele não entendia que elas são
confortáveis, diferente das outras.
Lembro-me que ele me falou algo sobre eu me
esforçar para parecer feia para ele. O que jamais fiz, eu
só não usaria as calcinhas desconfortáveis só porque ele
gosta. Após já vestida e perfumada, saio do quarto e vou
até a cozinha, onde Herbertina já está preparando o café
d a m a n h ã . O a r o m a d e c a f é f r e s c o e n c h e o a r, e e l a m e
oferece um sorriso caloroso.
— Bom dia, Marina. Dormiu bem? — Me pergunta,
colocando uma xícara de café na minha frente.
— Mais ou menos — respondo, tentando sorrir de
volta. — Alguma notícia do Diogo?
Herbertina balança a cabeça, mas seu olhar é
tranquilo.
— Ainda não, querida. Mas ele sempre avisa quando
c h e g a . Te n h a p a c i ê n c i a .
Eu aceno, tentando me agarrar às suas palavras de
c o n f o r t o . To m o u m g o l e d e c a f é , m a s m i n h a m e n t e
c o n t i n u a a v a g a r, p r e o c u p a d a c o m e l e . D i o g o é f o r t e ,
preparado, mas o perigo é sempre real. Me sento na
cadeira e deposito a xícara na mesa.
— Ele saiu tão cedo, né? Quanto tempo demora para
ele voltar?
— Depende muito — Herbertina me sorri. — As
vezes ele volta para o departamento, tem que trabalhar
por lá. Ou as vezes ele dá entrevistas.
— Mesmo? — Questiono surpresa, meu olhar vai
para a tv da sala. — A gente pode ligar a tv?
— Será que é uma boa ideia?
— Por favor!
Ela me olha por um momento, desce o olhar para a
minha barriga, mas por fim acena e vai até a sala. Encaro
a t v, m a s e s t á n o c o m e r c i a l . E l a v o l t a a s e a p r o x i m a r,
m a s m i n h a a t e n ç ã o e s t á n a g r a n d e t e l a d e t v.
— Eu fiz omelete de espinafre com queijo.
Ao dizer isso me oferece um prato bem recheado.
— Eu não quero que a senhora se esforce muito —
falo e ela me sorri. — É sério, no apartamento do Felipe
eu comia qualquer coisa.
— Por isso está sem vitaminas — retruca e vai até o
balcão onde estão os meus remédios. — Eu não entendo
como o Felipe ficou esses anos todos sem falar nada.
— No primeiro ano que fui morar no apartamento
d e l e — c o m e ç o f a z e n d o - a m e o l h a r. — E l e m e p r o m e t e u
que me apresentaria para os pais, mas quando me mandou
embora, disse que ele nunca se interessaria por alguém
como eu. Que eu era apenas uma diversão para ele.
— Eu sinto muito, filha. O Felipe sempre pendeu
para o lado canalha.
Desvio meu olhar para o prato.
— Eu acho que se eu soubesse que ele era assim,
teria voltado para casa. Só que meu pai não vai me
aceitar lá, não grávida e solteira. Ele é das antigas.
— Eu entendo e sinto muito — responde se
sentando a minha frente.
To m o o s c o m p r i m i d o s e e m s e g u i d a c o m e ç o a c o m e r
t e n d o H e r b e r t i n a c o m o c o m p a n h i a . Tu d o e s t á t ã o
delicioso, que me contenho para não pedir por mais.
Estou grávida, mas não posso abusar muito com a
comida.
— Quantos anos o Diogo tem?
— Se não me falha a memória, 35. — Ela me
analisa sutilmente. — E você?
— 26.
— Tão jovem, os dois.
Continuo comendo e olho rapidamente para a tv
quando escuto a musiquinha do noticiário. Então eu vejo
“Operação Encruzilhada” escrito em letras garrafais e
algumas imagens de carros de polícias já em frente ao
departamento.
"Bom dia. Em uma operação de grande escala
re a l i z a d a n a m a n h ã d e h o j e , a P o l í c i a F e d e r a l
d e s m a n t e l o u u m a d a s m a i o re s o rg a n i z a ç õ e s c r i m i n o s a s
d o p a í s , e n v o l v i d a e m t r á f i c o i n t e r n a c i o n a l d e d ro g a s e
l a v a g e m d e d i n h e i ro . A a ç ã o , d e n o m i n a d a O p e r a ç ã o
Encruzilhada, teve como palco principal o Rio de
J a n e i ro . N o s s o re p ó r t e r, J o ã o S i l v a , t e m m a i s d e t a l h e s . "
To c o m i n h a b a r r i g a e n q u a n t o m i n h a a t e n ç ã o
c o n t i n u a n a t v. A c e n a m u d a p a r a u m r e p ó r t e r q u e e s t á n o
local.
" B o m d i a . E s t o u a q u i n o P o r t o d o R i o d e J a n e i ro ,
o n d e a P o l í c i a F e d e r a l re a l i z o u u m a o p e r a ç ã o a u d a c i o s a
q u e re s u l t o u n a p r i s ã o d e 2 5 p e s s o a s , i n c l u i n d o o n o t ó r i o
traficante conhecido como 'El Fantasma'. A operação foi
liderada pelo Agente Federal Faruk, que está no
Comando das Operações Táticas, conhecido por sua
a b o rd a g e m d i re t a e i m p l a c á v e l . "
Engulo em seco ao ouvir o nome, por um momento
pensei que seria o Diogo. A imagem na tela mais uma vez
muda para mostrar agentes da Polícia Federal, vestidos
de terno e gravata, com distintivos visíveis, conduzindo
prisões e apreendendo drogas e dinheiro.
" A O p e r a ç ã o E n c r u z i l h a d a f o i re s u l t a d o d e m e s e s
d e i n v e s t i g a ç õ e s i n t e n s a s . F o r a m a p re e n d i d o s m a i s d e
500 kg de cocaína, armas de fogo, veículos de luxo e
c e rc a d e 1 0 m i l h õ e s d e re a i s e m d i n h e i ro . A l é m d i s s o ,
d o c u m e n t o s e c o m p u t a d o re s c o m i n f o r m a ç õ e s v a l i o s a s
s o b re a re d e d e t r á f i c o f o r a m c o n f i s c a d o s . "
A câmera foca no rosto mascarado de um homem, e
f r a n z o o c e n h o q u a n d o e l e f a l a c o m o r e p ó r t e r.
"Estou agora com o agente mais conhecido como
F a r u k q u e l i d e ro u a o p e r a ç ã o . S e n h o r, c o m o f o i
c o o rd e n a r u m a o p e r a ç ã o d e s s a m a g n i t u d e ? "
“ F o i u m t r a b a l h o á rd u o e m e t i c u l o s o . N o s s a e q u i p e
t r a b a l h o u i n c a n s a v e l m e n t e p a r a re u n i r p ro v a s e g a r a n t i r
q u e c a d a e t a p a f o s s e e x e c u t a d a c o m p re c i s ã o . A
segurança da equipe e a eficácia da operação foram
nossas prioridades. Hoje, conseguimos desmantelar uma
o rg a n i z a ç ã o c r i m i n o s a q u e c a u s a v a m u i t o d a n o a o n o s s o
país.”
— É o Diogo — me avisa e fico surpresa —, ele é
todo bonitão falando desse jeito — Herbertina comenta
comigo.
Apenas aceno, admirada pela tenacidade de Diogo.
M e p e r g u n t o o q u e m a i s a q u e l e h o m e m é c a p a z d e f a z e r.
" A o p e r a ç ã o e n v o l v e u c e rc a d e 5 0 a g e n t e s f e d e r a i s
e f o i c o o rd e n a d a s i m u l t a n e a m e n t e e m v á r i a s c i d a d e s d o
p a í s . A p r i s ã o d e ' E l F a n t a s m a ' re p re s e n t a u m g o l p e
s i g n i f i c a t i v o c o n t r a o t r á f i c o i n t e r n a c i o n a l d e d ro g a s . "
*** ***
“ É m e l h o r v o c ê t e r p e rd i d o e s s e b a s t a rd o , p o rq u e
se eu a encontrar grávida, não queira saber o que vai
acontecer com você.”
“O que você disse para o idiota do meu irmão?
Acho bom você pensar bem no que está fazendo, Marina!
Mande agora sua localização!”
O que seria de mim quando eu for embora? Felipe
irá atrás de mim na minha cidade natal? E quando eu
tiver o meu bebê? O que eu vou fazer? Saio da cama
lentamente e no instante que fico em pé, sinto minha
visão ficar turva e meu corpo ficar mole. Para evitar a
queda, deixo meu celular cair no chão e apoio minhas
mãos no móvel.
— Marina? — Ouço a voz de Diogo ao longe, e em
questão de segundos ele está no quarto. Sinto suas mãos
me segurarem com cuidado, então eu o encaro. — O que
aconteceu? Está com dor?
— O que vai acontecer comigo quando o Felipe
souber que estou aqui?
Diogo me ajuda a sentar e olha para o chão, meu
celular está ligado, mas a tela está quebrada. Ele se
abaixa e o pega.
— O que ele fez?
— E - E u n ã o s e i o q u e f a z e r, D i o g o — m u r m u r o
enquanto choro. — Eu não tenho nada. Eu não tenho
emprego, dinheiro, nada... O que vai ser do meu bebê?
Meu pai está com raiva de mim, não me aceita em casa e
o Felipe quis que eu perdesse o bebê naquele noite.
— Marina...
— Eu não posso ficar aqui — o interrompo e ele
a c e n a . — E u s ó v o u t e a t r a p a l h a r ! Vo c ê é j o v e m e . . .
— Marina — ele me toca o rosto em uma carícia
t í m i d a . — Vo c ê n ã o v a i m e a t r a p a l h a r, n e m o s e u b e b ê .
Enquanto estiver aqui, nada vai faltar para vocês. Não
precisa se preocupar com isso, nem com o meu irmão. Ele
não vai chegar perto de vocês, e não vai fazer nada
c o n t r a v o c ê s . E u n ã o v o u d e i x a r.
Balanço a cabeça em negação, Diogo não entende
meu medo.
— E l e v a i m e b a t e r. . .
— Ele não vai encostar um dedo em você — sua voz
s a i m a i s d e t e r m i n a d a . — Vo c ê c o n f i a e m m i m ?
Com os olhos cheios de lágrimas, o encaro
sentindo um misto de medo e esperança. Nunca imaginei
que encontraria alguém disposto a me proteger assim,
ainda mais sendo um desconhecido até pouco tempo.
Diogo parece firme, sua expressão é de determinação,
mas também vejo uma gentileza que não havia notado
antes.
— Confio — respondo, minha voz saindo baixinho.
Ele dá um aceno e faz mais um carinho em minha
bochecha.
— Ótimo, agora você vai descansar e...
— Eu não quero ficar sozinha — o interrompo
sentindo um aperto no peito. — Eu não gosto de ficar
sozinha. Eu ficava muitas horas sozinha naquele
apartamento.
Diogo engole em seco e maneia a cabeça.
— Tu d o bem, mas eu preciso tomar banho — avisa e
eu desço meu olhar para a blusa preta de mangas curtas
que ele usa e short. — Quer ficar na sala por enquanto?
Só preciso de um banho.
To m a d a p e l a c o r a g e m do momento eu aceno e
decido fazer uma pergunta.
— Por que você é tão sério? Nas suas fotos que eu
vi com a Herbertina, em todas você está sério. Até
naquela foto que tem na sala, você ganhou um prêmio e
nem sorriu.
Ele para confuso e fica me encarando.
— Eu não sou “tão sério” — retruca e me pega nos
b r a ç o s . — Vo c ê v a i f i c a r s e n t a d a , n ã o v o u d e m o r a r.
Concordo e olho seu rosto tão próximo do meu. Ele
a n d a a t é a s a l a e n e m p a r e c e c a n s a d o p o r m e c a r r e g a r.
Assim que sou colocada no sofá, ele fica agachado a
minha frente.
— N ã o s a i a d a q u i — m a n d a e e u c o n c o r d o . — Vo c ê
quer que eu pegue alguma coisa?
To r ç o o s d e d o s e o l h o p a r a a c o z i n h a , p e n s o e m
c o n f i r m a r, m a s n ã o q u e r o o i n c o m o d a r c o m a l g o t ã o
bobo.
— Não.
Ele segue o olhar para a cozinha, mas logo me
encara.
— Mesmo?
— É que hoje pela tarde — murmuro sem jeito,
sinto meu rosto queimar só com ele me encarando tão
perto. — A dona Herbertina me deu alguns morangos.
Eles estavam tão gostosos.
Ele me analisa por alguns segundos, mas logo fica
de pé e vai até a cozinha. O observo ir até a geladeira e
pegar o pote dos morangos. Antes de vir até mim, ele os
lava e eu fico ali sentada esperando.
— Só tem esses — comenta e me entrega. —
Amanhã eu compro mais.
Dou uma mordida e sinto o gosto adocicado se
espalhar em minha língua.
— Não, não se incomode. — Franzo o cenho e dou
mais uma mordida. — Esse é realmente delicioso, eu
comeria um balde cheio.
Olho para Diogo ao mesmo tempo que ele sorri
enquanto me observa, mas logo volta a ficar sério. Mais
uma vez ele sorriu para mim, e ele é tão lindo sorrindo. A
água do morango escorre por meu lábio, mas rapidamente
recolho com a língua.
— Vo l t o l o g o .
Ele praticamente corre para longe e eu fico sentada
s e m c o m p r e e n d e r o p o r q u ê d e e l e f u g i r.
C a p í t u l o 5 – D i o g o
Vo l t a r p a r a o q u a r t o d o h o s p i t a l p a r e c e u m a
eternidade. Deitada na maca, sinto cada sacolejo
enquanto a enfermeira me empurra pelos corredores. Meu
corpo ainda se recupera do milagre que acabou de
a c o n t e c e r, e m e u s b r a ç o s m a l p o d e m e s p e r a r p a r a s e g u r a r
meu bebê de novo.
A porta do quarto se abre, e a luz fria das lâmpadas
fluorescentes ilumina o ambiente. Cada detalhe parece
novo, como se eu estivesse vendo tudo pela primeira vez:
a cama com os lençóis brancos, a poltrona ao lado, a
m e s a c o m o s e q u i p a m e n t o s m é d i c o s . Te n t o m e a j u s t a r n a
maca, mas minha atenção está totalmente voltada para o
pequeno berço ao lado da cama.
A enfermeira me ajuda a me transferir da maca para
a cama. O movimento é dolorido, mas nada se compara à
ansiedade que sinto para estar perto do meu bebê
novamente. Assim que estou acomodada, ela me sorri e
pede um momento. Ajeito o meu cabelo e tento subir mais
na cama. Antes de chegar ali, fui limpa por duas
enfermeiras e vesti outra bata do hospital.
Escuto a porta abrir e assim que viro o rosto na
direção, percebo Diogo com uma roupa diferente. Após
fechar a porta se aproxima de mim.
— Oi, como se sente?
Sorrio. Por dentro me sinto cheia de felicidade e
um pouco cansada também. No entanto, a expectativa de
ver meu bebê é maior que tudo.
— Feliz! — respondo e ele para do meu lado. — Eu
fiquei com medo, mas no fim deu certo. — ele desvia o
o l h a r, m a s l o g o v o l t a a m e e n c a r a r. P e l a j a n e l a p e r c e b o
que ainda está de noite e é inevitável não me sentir
c u l p a d a . — S e v o c ê q u i s e r i r p a r a c a s a e d e s c a n s a r, t u d o
bem. Hoje o dia foi tão corrido para você.
— Só volto para casa com vocês, Marina. — Diogo
murmura decisivo.
Não a lamentação em sua voz, ou qualquer coisa do
tipo.
Meu peito aquece e minha vontade de sorrir
aparece, mas me mantenho normal. Guardo para mim a
vontade de dizer que foi especial ele estar comigo
quando mais precisei, como se aquilo fosse um segredo
que eu tenho que guardar a sete chaves. Ele se senta na
poltrona e pega o celular do bolso.
— Eles estão demorando para trazer meu bebê. —
comento um tanto ansiosa, quero meu bebê nos meus
braços.
D i o g o p a r e c e m e c o m p r e e n d e r, p o i s m e o l h a e f i c a
de pé rapidamente.
— Vo u v e r c o m a e n f e r m e i r a — a v i s a e a n t e s d e
sair pergunta: — Sente alguma dor?
— Não, só um pouco cansada.
Ele fica parado na porta, mas logo se afasta. Fecho
os meus olhos, e apoio minha mão na barriga. Me lembro
de Felipe e sua mãe na casa do Diogo. Da pequena
discussão, do momento em que Felipe me descobriu ali.
Tu d o v e i o c o m o u m s o c o , m e d e i x a n d o a m e d r o n t a d a .
Afinal, Felipe já sabe onde estou e que vim para o
hospital.
Ao fundo escuto a voz grave de Diogo e de uma
m u l h e r, a s s i m q u e a b r o m e u s o l h o s , p e r c e b o a e n f e r m e i r a
com um embrulho nos braços.
— Oi mamãe — ela fala e eu sorrio. — Demoramos
porque fizemos os exames de praxe, em breve o médico
vem informar os resultados. O seu bebê.
Esfrego as mãos no lençol e delicadamente meu
filho é colocado em meus braços. O calor do seu corpo
contra o meu é reconfortante, e o mundo parece se
i l u m i n a r.
Olho para o rostinho dele, os traços delicados, a
respiração tranquila. É um momento de pura paz, como se
o tempo tivesse parado só para nós. Beijo os seus
cabelinhos ralos em sua cabeça, e em seguida o toco na
bochecha gorducha. Respiro fundo, sentindo o cheiro
suave do meu bebê.
— Qual o nome dele?
Olho para a enfermeira que ainda está ali.
— Ainda não escolhi.
— Precisamos atualizar o nome dele caso fiquem
mais dias — avisa. Então olho na pulseira que está no
bracinho dele. — Quando tiverem o nome, me chamem.
Na identificação dele, está o número do quarto e o
m e u . O b s e r v o a e n f e r m e i r a i r, n o s d a n d o p r i v a c i d a d e .
— Quer ajudar a mamãe a escolher o seu nome? —
p e r g u n t o c o m a v o z c a r i n h o s a . To c o e m s u a b o c h e c h a , e l e
é muito lindo. — Me sinto uma boba por não ter um nome
ainda.
— Não sinta — Diogo responde, ele se mantém na
poltrona com os braços cruzados. — Qual vai ser?
Olho para o meu bebê.
— O q u e a c h a d e Ti a g o ? — i n d a g o , q u a n d o n ã o
recebo uma resposta encaro Diogo. Ele arregala os olhos
e pigarreia. — Feio?
— Q u e r a m i n h a a j u d a ? Te m c e r t e z a ? — c o n c o r d o e
ele franze o cenho como se não compreendesse. Então ele
n ã o i r i a m e a j u d a r ? Ta l v e z f o s s e p e d i r d e m a i s . — Q u a l
outro nome pensou?
Olho para Diogo, e surpresa lhe endereço um
sorriso. Me volto para o meu bebê, que dorme
serenamente.
— Rômulo.
— Não. — Diogo tem uma careta. — Outro?
Penso mais um pouco, então sorrio.
— O q u e a c h a d e H e i t o r o u Vi n í c i u s ? — q u e s t i o n o
para Diogo que fica uns segundos analisando, mas logo
acena.
— Heitor é um bom nome.
Concordo e acaricio os cabelos ralos do meu bebê.
— Heitor Ribeiro — falo em voz alta.
— Ribeiro?
— É o meu sobrenome — aviso, e quando o vejo
acenar com seriedade continuo: — Eu ouvi a sua mãe me
chamando de vagabunda, tudo o que não quero agora é
que ela ache que eu tive o meu bebê para dar o golpe.
Solto um suspiro e desvio nossos olhares.
— Tu d o b e m — f a l a e f i c o a l i s o r r i n d o p a r a o m e u
b e b ê , a g o r a H e i t o r.
— A dona Herbertina? — pergunto. — Ela sabe que
já tive o Heitor?
— Sim, eu avisei assim que você deu entrada aqui,
liguei para ela e pedi para que fosse para casa. O Igor foi
buscar uma roupa para mim, a dona Herbertina já estava
lá. Ela mandou uma roupinha para o Heitor e para você.
Assenti e só agora percebi que o macacão que ele
usa, foi o que comprei. Me sinto envergonhada por não
ter comprado mais nada.
— Não se preocupe — Diogo volta a falar como se
lê-se meus pensamentos. — Amanhã vamos resolver sobre
as coisas dele e as suas. Nada vai faltar para você ou o
seu bebê.
Te n t o m e s e g u r a r, m a s n ã o c o n s i g o p r e n d e r a s
lágrimas. Fecho os olhos por um instante, deixando os
s e n t i m e n t o s m e i n v a d i r e m . O m e d o , a d o r, a i n c e r t e z a , a
felicidade... todos me deixando extremamente sensível.
Sinto dedos tocarem em meu rosto, abro os olhos só para
ver Diogo ao meu lado.
— Obrigada, Diogo. — Minha voz sai baixinho, mas
sei que ele escutou. Pois noto que a expressão de seu
rosto suaviza, seu olhar percorre por meu rosto: me
lendo, me decifrando.
— N ã o p r e c i s a a g r a d e c e r.
Ele olha para Heitor e dá um sorriso de lado. Então
tenho a ideia.
— Quer segurá-lo?
Assim que faço a pergunta, ele me olha assustado.
Te n h o q u e s e g u r a r a v o n t a d e d e r i r, e d o u a p e n a s u m
s o r r i s o e n c o r a j a d o r.
— Eu não levo jeito para segurar bebês.
F r a n z o o c e n h o , m a s l o g o v o l t o a s o r r i r.
— Quantos bebês você já segurou?
— Nenhum. — Nega cruzando os braços e continua:
— Por isso não levo jeito.
Aceito o que diz, pois não quero forçá-lo a nada.
Seus olhos me encaram me deixando levemente
r u b o r i z a d a , n ã o s e i e x p l i c a r p o r q u e f i c o a s s i m . Ta l v e z
por Diogo ter uma presença marcante e me deixar sem
jeito com tão pouco, ou pela forma que estou invadindo
sua vida. Inevitavelmente, meu olhar desce por seu rosto
e me perco por alguns segundos o analisando. Eu já tinha
visto que Diogo era forte e dono de um corpo musculoso,
mas ali com aquela camisa preta, tudo realça. Engulo em
seco e percorro com os olhos os caminhos dos grandes
braços. Aparentemente, ele percebe, pois assim que volto
a olhá-lo no rosto, noto seu sorriso de lado. O que só faz
meu coração bater mais rápido.
— Estou atrapalhando?
Olho de supetão para a porta e vejo um homem
a s i á t i c o e n t r a r. E l e u s a u m a c a m i s e t a p r e t a , j a q u e t a
aberta, calça jeans e coturnos. Me volto para Diogo que
tem os braços cruzados.
— Achei que já tinha ido.
— E não conhecer meu sobrinho? — indaga e eu
fico confusa. Não me lembro de Felipe ou Herbertina
falarem sobre um outro irmão. — Como vai, Marina?
Seu rosto não me é estranho, mas no momento não
consigo associar de onde o conheço.
— Desculpe, mas eu conheço você?
— S o u o I g o r, a m i g o d o s i m p a t i a a q u i — f a l a
enquanto se aproxima ficando do lado de Diogo. — Fui
com ele até o hotel naquele dia. Eu que dirigi para esse
hospital.
Arregalo levemente os olhos e então aceno. Não me
lembrava realmente, só sentia medo e desespero no dia.
— Ah, certo! E obrigada.
— Imagina — dá de ombros e se inclina em minha
direção. — Qual o nome dele?
— Heitor — Diogo e eu falamos em uníssono. —
Por que ainda está aqui?
Fico sem entender por que Diogo está praticamente
expulsando o amigo dali.
— Já disse, vim ver meu sobrinho. — retruca para
Diogo. — Ele tem cara de joelho, né? Mas é bonitinho.
— Meu filho não tem cara de joelho. — franzo o
cenho um pouco ofendida, meu bebê é lindo.
Igor me dá um sorriso brincalhão.
— Eu falei que ele é bonitinho — murmura. —
Posso segurá-lo?
D i o g o l o g o o i m p e d e d e s e a p r o x i m a r, a i n t e r a ç ã o
dos dois é bem confusa, mas me tira um sorriso.
— Vo c ê n ã o s a b e s e g u r a r u m b e b ê .
— S ó s e n d o i d i o t a p a r a n ã o s a b e r, n é ? ! — I g o r r i e
eu não consigo segurar a minha risada. Diogo me encara,
e eu tento ficar séria, falhando miseravelmente. — E aí,
posso?
Sinto o olhar de Diogo em mim, então dou de
ombros. Igor pega Heitor com delicadeza, e o traz para o
peito. Ele continua sorrindo e sutilmente balança os
braços.
— Cuidado com ele — Diogo manda, seu olhar
a t e n t o n o m e u b e b ê . — É m e l h o r v o c ê s e s e n t a r.
— Está vendo só, Marina? — Igor me olha, em
seguida o amigo. — É isso que tenho que aturar todos os
d i a s . E l e s ó s a b e m a n d a r, n u n c a c a r i n h o s o . N e m p a r e c e
que sou o único melhor amigo dele.
Percebo que Diogo revira os olhos, mas em seguida
continua cuidando do meu bebê com os olhos. Lembro de
Herbertina falar sobre as questões não resolvidas dele,
talvez seja isso mesmo que o impeça de se abrir mais.
Apesar de ele ter usado um tom mais sério, percebo que
ele gosta do amigo e Igor deve saber disso. Em meio ao
meu devaneio, Diogo enfia a mão no bolso e pega o
c e l u l a r. E l e v ê a t e l a , m a s l o g o o d e s l i g a .
— Está bom, Igor — ele fala e aponta em minha
direção. — Agora entregue o Heitor para a Marina.
— Eu não vou deixar ele cair — avisa e quando o
vejo segurar Heitor com apenas um braço, quase tenho
um infarto. Igor pega rapidamente o celular do bolso e
m e e n t r e g a . — Ti r a u m a f o t o d e n ó s t r ê s . Vo u r e v e l a r e
c o l o c a r n a m i n h a s a l a . Vo c ê e s t á u m p o u c o d e s c a b e l a d a ,
se não saía na foto também.
Um tanto sem jeito, passo a mão no meu cabelo.
— Não ligue para ele.
Aceno tímida e tiro a tal foto. Devolvo o celular e
a c e i t o q u a n d o e l e m e e n t r e g a H e i t o r. E l e s e r e m e x e
fazendo uma careta, abre a boca e vira o rostinho em meu
seio coberto. Quando não encontra o que procura, solta
um choro agudo e angustiado.
— O p a , a c h o q u e c h e g o u a h o r a d e i r.
Te n t o a j e i t a r H e i t o r e m m e u s b r a ç o s , e l e c o n t i n u a
chorando.
— Eu vou chamar a enfermeira.
A g r a d e ç o a D i o g o q u e s a i a o l a d o d e I g o r. M i n u t o s
depois, a enfermeira entra e se aproxima ficando ao meu
lado. Com um sorriso acolhedor e gestos tranquilos,
oferece orientação com paciência e cuidado.
— Segure a cabeça dele assim, bem próxima ao
peito, para que ele possa encontrar o mamilo com mais
facilidade. — a enfermeira orienta, ajustando
delicadamente a posição dos meus braços. — Isso,
exatamente assim. Agora, deixe-o sentir o seu cheiro e o
s e u c a l o r.
Sigo as instruções, tentando relaxar e me
c o n c e n t r a r n o p e q u e n o r o s t o d e H e i t o r. E l e s e r e m e x e ,
suas mãozinhas — cobertas pelas luvinhas do macacão —
se movendo de forma descoordenada enquanto procura
instintivamente pelo seio. Seus pequenos olhos estão
fechados, e ele emite pequenos grunhidos de frustração.
— C a l m a , m e u a m o r. — m u r m u r o , m i n h a v o z s u a v e
e reconfortante. — A mamãe está aqui.
Com a ajuda da enfermeira, consigo posicionar o
m a m i l o n a b o c a d e H e i t o r. E l e r a p i d a m e n t e s e a c a l m a ,
começando a mamar com uma intensidade surpreendente
para alguém tão pequeno. Sinto uma onda de alívio e
e m o ç ã o a o v ê - l o f i n a l m e n t e s e a l i m e n t a r, e u m s o r r i s o
suave aparecer em meu rosto.
— Isso, ele está pegando bem. — diz a enfermeira,
c o m u m t o m d e s a t i s f a ç ã o . — Vo c ê e s t á f a z e n d o u m ó t i m o
trabalho, mamãe. Lembre-se de manter essa posição e
observe os sinais que ele dá quando estiver satisfeito.
Assinto, mantendo o olhar fixo em seu rostinho.
Sinto uma conexão profunda com ele, como se o mundo
ao redor tivesse desaparecido, deixando apenas nós dois
nesse momento íntimo e sagrado. Cada pequena sucção de
Heitor parece fortalecer esse laço, e sinto o amor
maternal crescendo cada vez mais dentro de mim.
— Ele é tão perfeito. — sussurro, meus olhos
brilhando com lágrimas de felicidade.
— E você é uma mãe maravilhosa. — a enfermeira
responde, dando um tapinha carinhoso no meu ombro. —
Continue assim, e ele vai crescer forte e saudável.
Respiro fundo, sentindo-me mais confiante e
s e g u r a . Te n h o a c o m p a n h i a d a e n f e r m e i r a , a t é q u e H e i t o r
a f a s t a o r o s t i n h o e s o u i n s t r u í d a a f a z ê - l o a r r o t a r. A p ó s
isso, ela o pega dos meus braços e o deposita no bercinho
ao lado.
— Descanse — pede e eu fico olhando Heitor
ressonar tranquilamente. — Daqui a pouco volto com o
seu café.
S o r r i o e n q u a n t o a o b s e r v o i r.
Não demora muito e Diogo entra, fecha a porta e se
encaminha até parar ao meu lado. Me sinto mais segura
com ele ali, então encosto minha cabeça no travesseiro
fino.
— Cadê o seu amigo?
— Foi para casa — responde sem desviar os olhos
de mim. — O Igor fala muita baboseira, então, não ligue
para ele.
— Tu d o b e m — a s s i n t o e o l h o u m a ú l t i m a v e z p a r a
H e i t o r. M e u s o r r i s o é i n e v i t á v e l . — E l e e s t a v a t ã o
lindinho mamando. — relanceio para Diogo que está
sentado na poltrona. Mantém os braços cruzados,
expressão séria. Nem parecia o sorridente de antes. — O
Igor não achou estranho você me ajudar? Eu fiquei
surpresa por ele ter me tratado bem.
— Não devo nada a ninguém, Marina — retruca e eu
c o n c o r d o . — S e e u d e c i d i t e a j u d a r, f o i p o r q u e a c h e i
certo.
— Eu sei, mas as outras pessoas podem te criticar
ou não sei, não quero que se prejudique. A maioria aqui
a c h a q u e v o c ê é o p a i d o H e i t o r. . .
— Se sente incomodada?
— Não — nego rápido e fico torcendo os dedos sem
s a b e r e x a t a m e n t e o n d e q u e r o c h e g a r. — D e s c u l p a , e u n ã o
sei o que estou falando. Me sinto cansada.
— Então descanse — fala com a voz macia. —
E s t a r e i a q u i q u a n d o a c o r d a r.
Aceno e fecho os olhos. Estou extremamente
cansada, e sabendo que Diogo está ali, me sinto mil vezes
mais segura.
A p ó s a l g u n s m i n u t o s c o n s i g o a c a l m a r H e i t o r, q u e
adormece em meus braços. Herbertina está na lavanderia
c o l o c a n d o a l g u m a s r o u p i n h a s p a r a l a v a r, e e u e s t o u n a
sala enquanto Diogo está no quarto montando o berço. É
quase inevitável segurar meu sorriso de felicidade, tenho
m e u b e b ê c o m i g o , p e s s o a s b o a s a o m e u r e d o r, f i c a r i a
mais feliz ainda com os meus pais por perto. Solto um
suspiro e fico de pé, passo pelo quarto que tem a porta
aberta. Diogo está sentado no chão enquanto já tem 50%
do berço montado.
Ve j o q u e e s t á c o n c e n t r a d o , s e u s o l h o s n ã o s a e m d o
manual em suas mãos.
Continuo caminhando e passo pela lavanderia, a
porta do quintal está encostada. A empurro e vejo
Herbertina colocando outras roupas no varal. Fico na
á r e a p r o t e g i d a p e l a s o m b r a , e b a l a n ç o l e v e m e n t e H e i t o r.
A parte detrás é enorme, tem uma piscina e um grande
espaço em verde.
— Ele já montou o berço? — pergunta olhando em
minha direção.
— Ainda falta — respondo e me sento em uma
cadeirinha que tem ali. — Aqui atrás é tão grande.
— É — afirma e se aproxima. — Diogo uma vez me
falou sobre adotar um cachorro, mas nunca mais falou
sobre.
— Eu gosto de cachorro — aviso e sinto Heitor se
r e m e x e r e m m e u s b r a ç o s . — Vo u c o l o c a r e l e n o c a r r i n h o ,
só quer ficar no dengo nos braços.
Herbertina sorri para mim.
— Ele é todo esperto.
Vo l t o p a r a d e n t r o e a s s i m q u e p a s s o p e l a p o r t a d o
quarto, Diogo não está mais lá. Antes de chegar na sala,
o vejo em pé perto do filtro na cozinha. Ele bebe água e
a o m e v e r p a r a d a , p e r c o r r e m e u c o r p o c o m o o l h a r. N ã o
me sinto invadida, é quase como uma carícia.
— Vo c ê n e m a l m o ç o u a i n d a — f a l o p a r a e l e q u e
deposita o copo dentro da pia. — Eu vou colocar o Heitor
deitado no carrinho, ai coloco sua comida.
— Não precisa, Marina — murmura enquanto anda
até parar em minha frente. — Falta pouco para terminar
de montar o berço.
Diogo usa uma camiseta preta sem mangas, short da
mesma cor e tão próximo assim, só evidencia o quão alto
e f o r t e e l e é . E n g u l o e m s e c o e b a l a n ç o H e i t o r.
— Eu não vi você comendo hoje — falo e ele
arqueia uma sobrancelha. — Então, eu vou colocar
mesmo assim.
Ele franze levemente o cenho e sem esperar uma
r e s p o s t a , l h e d o u a s c o s t a s . Vo u a t é a s a l a e c o l o c o
Heitor no carrinho. Segura de que ele está bem, vou até a
cozinha e lavo as mãos na pia. Diogo não está mais lá.
Em seguida começo a montar o prato de comida para
Diogo. Esquento por alguns minutos e em sequência volto
o prato à mesa. Coloco um pouco de suco e deixo em
frente o almoço.
Com tudo pronto vou até o quarto, paro na entrada
e pigarreio para chamar a atenção.
— A comida está na mesa.
Diogo me olha por uns segundos, mas logo se dá
por vencido e anda em minha direção. Dou espaço para
ele passar e o acompanho até a cozinha. Sorrio e olho
para a sala, verificando se Heitor está bem. Ao ver que
sim, me permito observar Diogo que se senta de frente
para mim.
— Vo c ê j á c o m e u ?
— Sim — confirmo e me aproximo para apoiar as
m ã o s n o e n c o s t o d a c a d e i r a . — To m e i b a n h o e c o m i —
r e s p o n d o , D i o g o a c e n a c o m e ç a n d o a c o m e r. — E o s e u
trabalho?
— Meu chefe me deu duas semanas de folga —
avisa e eu fico surpresa. — Aproveitando que está aqui,
pode se sentar?
E n g u l o e m s e c o , e o l h o u m a ú l t i m a v e z p a r a H e i t o r.
— É sobre o seu pai? — indago, pois me lembro
muito bem do pai dele ter ido até o hospital. Meu medo
do que ele poderia fazer naquele momento quase me
sufocou. — O Felipe deve ter falado com ele, eu...
— O Felipe não falou com ele — Diogo me
t r a n q u i l i z a e e u m e s e n t o p a r a e n t e n d e r. — O I g o r p o d e
t e r d a d o a e n t e n d e r, q u e o H e i t o r é o m e u f i l h o — a s s i m
que ele fala, eu fico assustada. — E eu confirmei quando
meu pai foi até o hospital.
— O quê? Mas por quê? — questiono sem
c o m p r e e n d e r.
Diogo se encosta para trás e fixa os olhos em mim.
— Eu conheço o meu pai, Marina. Ele com toda
certeza forçaria um casamento entre vocês e não
sossegaria até que isso acontecesse.
Engulo em seco sentindo um frio na espinha ao
ouvir a declaração de Diogo. Felipe havia dito que estava
comprometido com outra, e só a menção que fiz sobre o
pai ou a outra que ele mantém relacionamento saberem
s o b r e a g r a v i d e z , f o i m o t i v o p a r a e l e m e b a t e r. . . S e o p a i
forçasse um casamento, seria a minha sentença nas mãos
de Felipe.
Meu coração acelera, mas me forço a manter a
compostura.
— Mas e se ele descobrir que mentiu? — questiono
um tanto tensa. — Acha mesmo que ele faria Felipe se
casar comigo?
O vejo franzir o cenho.
— Vo c ê g o s t a r i a d e c a s a r c o m e l e ?
— Não! Não quero! — balanço a cabeça atordoada.
— É que, se o seu pai descobrir? Ou se sua mãe pedir o
exame de DNA? Vão achar que eu tentei dar o golpe.
— Se ela pedir você não vai fazer — Diogo volta a
f a l a r. — E u c o n f i r m e i , p o r q u e p e n s e i n o s e u b e m - e s t a r e
n o d o H e i t o r. E u s e i c o m o o m e u i r m ã o p o d e s e r c r u e l .
A sinceridade em sua voz me faz engolir em seco e
d e s v i a r o o l h a r. É e s t r a n h o r e c e b e r c o n f o r t o d e a l g u é m
que normalmente é tão reservado e direto. Mas, neste
momento, suas palavras e a forma como ele cuida de mim
e do Heitor me oferecem uma pequena fagulha de alívio
em meio ao medo que sinto. Esfrego o lado da minha
têmpora e respiro fundo.
— Te m c e r t e z a , D i o g o ? — m i n h a v o z s a i m a i s
hesitante do que eu gostaria, e meus olhos buscam os
dele, tentando ler suas intenções.
— Va m o s f i n g i r q u e s o u o p a i d e l e e q u e v a m o s
tentar ficar juntos. Até que você consiga se estabilizar —
ele responde, e eu aceno, um pouco aliviada, mas ainda
com a sensação de estar entrando em algo desconhecido.
— Depois disso, podemos dizer que não demos certo
juntos.
Seus olhos, sempre tão firmes e determinados, me
analisam com uma intensidade que me faz sentir um frio
na barriga. Por um breve momento, me sinto tímida, como
se estivesse desnuda diante dele, vulnerável e exposta.
No entanto, a realidade é que eu não tenho muitas
opções.
*** ***
Com a chegada da noite, tomei um banho quente
que relaxou todos os meus músculos. Assim que termino,
tiro o excesso de água dos cabelos e pego a toalha do
gancho. Me seco ainda dentro do box, e após isso, paro
em cima do pano de chão. Meu olhar vai até o espelho
q u e t e m a l i . Ti r o a t o a l h a d o c o r p o e o b s e r v o m e u s s e i o s
e barriga. Fico de lado e solto um suspiro. Será que
demora muito meu corpo voltar ao normal?
Me enrolo novamente e vou para o quarto. Sorrio
quando vejo o berço montado, e paro ao lado, observando
H e i t o r d o r m i r n e l e . S e m m e c o n t e r, a c a r i c i o a b o c h e c h a
gordinha e fico alguns minutos parada apenas o olhando.
Diogo está sendo realmente minha salvação nesse
momento, mas eu sei que estou abusando muito dele e
mesmo que ele já tenha dito que não preciso me
p r e o c u p a r, é i n e v i t á v e l . O l h o a o r e d o r e v e j o t u d o o q u e
f o i c o m p r a d o p a r a H e i t o r, t e m a t é b r i n q u e d o . S o r r i o m a i s
u m a v e z . P r e c i s o f a z e r a l g u m a c o i s a p a r a r e t r i b u i r, m a s o
quê?
Pensando nisso, vou até a cômoda, pego um vestido
e peças íntimas. Meu sutiã nem cabe meus seios, mas por
enquanto é o único que tenho. Após me vestir e pentear
os cabelos, saio do quarto.
Herbertina e Diogo estão na cozinha, parecem
conversar baixinho. Penso em voltar para o quarto, mas
Diogo me percebe e pigarreia. Com isso, Herbertina olha
para trás e me sorri.
— Não queria interromper — aviso sem jeito.
— Não, imagina! — se aproxima de mim. — E o
Heitor?
Olho dela para Diogo, que mais uma vez me olha
dos pés a cabeça. O que será que ele está pensando? Me
achando feia? Deve ser o vestido, que agora que não
estou com barrigão, está bem grande na parte da frente.
— Dormindo, acho que vai dormir a noite toda. —
a s s i m q u e t e r m i n o d e f a l a r, e l a c o m e ç a a r i r e m e t o c a o
rosto. — O que foi? Ele não vai?
Projeto os braços para frente do corpo, tentando
inutilmente esconder a roupa que estou usando.
— Não quero colocar medo — murmura e eu engulo
em seco. — Mas acho difícil.
F i c o s e m c o m p r e e n d e r. P o r q u e d i f í c i l ? P r o c u r o o
olhar de Diogo, e o vejo sorrindo. Ele ainda está com a
mesma roupa, e sob o meu olhar se senta na cadeira.
— Eu acho que ele vai dormir — afirmo e ela
acena. — No hospital, ele mal chorou.
— Isso porque você ficou o tempo todo com ele nos
braços — Diogo me dedura.
Olho para Herbertina que me sorri como se tivesse
me pego na mentira.
— Não fiquei o tempo todo — retruco e me sento
em frente a ele. — Só um pouquinho.
O vejo cruzar os braços e arquear a sobrancelha.
Sem que eu peça, Herbertina me traz um pouco do
mousse. Agradeço com um sorriso. Provo e assim que o
gosto doce se espalha em minha língua, fecho os olhos
s e m r e s i s t i r. P e g o m a i s u m a c o l h e r a d a e a p r e c i o
l e n t a m e n t e o s a b o r. A b r o o s o l h o s e e n c a r o D i o g o q u e
também está me observando, ele tem a mandíbula travada
e isso me chama a atenção.
Enquanto como, Herbertina começa a falar sobre
a l g u m a c o i s a q u e n ã o c o n s i g o f o c a r. M e u o l h a r n ã o s a i d e
Diogo, que está claramente se esforçando para manter a
compostura. Sinto uma mistura de curiosidade e
inquietação diante da sua expressão fechada. Por um
instante, imagino o que pode estar passando pela cabeça
dele. Ele parece tão distante, perdido em seus próprios
pensamentos, e isso me faz sentir um frio na barriga.
Desço meu olhar por seu rosto, no momento exato que ele
passa a língua pelos lábios.
Aquele gesto me faz pensar em como será um beijo
d e l e ? Ta l p e n s a m e n t o m e f a z e n g o l i r e m s e c o , e s e m q u e
eu tenha controle do meu corpo, sinto um calor subir por
minhas veias. A maior concentração sendo em meu
v e n t r e . S i n t o t a m b é m m e u r o s t o e s q u e n t a r, e n t ã o l e v o o s
dedos sutilmente até a bochecha. Eu só posso estar louca,
mas não consigo parar de pensar em estar com Diogo.
Herbertina, com sua presença calorosa e seu jeito
g e n t i l , c o n t i n u a a f a l a r, m a s s u a s p a l a v r a s s e t o r n a m u m
s o m d i s t a n t e p a r a m i m . Tu d o o q u e c o n s i g o p e n s a r é e m
Diogo. Ele tem um olhar intenso, quase como se estivesse
t e n t a n d o r e s o l v e r u m e n i g m a q u e n ã o c o n s e g u e d e c i f r a r.
As sobrancelhas dele se aproximam cada vez mais, e eu
posso ver a tensão em seus músculos. Será que ele
percebeu?
Algo no seu olhar me faz sentir que ele está me
a v a l i a n d o . Te n t o n ã o m e d e i x a r l e v a r p e l a n e r v o s i s m o
que sinto e foco em terminar meu mousse. As colheradas
se tornam um pequeno ritual de conforto para mim,
enquanto a sensação doce e cremosa me acalma um
pouco.
— Vo c ê s e s t ã o m e o u v i n d o ? — o l h o p a r a H e r b e r t i n a
ao mesmo tempo que Diogo. — No que estão pensando?
— N-Nada! — gaguejo e assim que olho para
Diogo, ele tem o olhar divertido para mim. — Só
apreciando o mousse.
— Está uma delícia mesmo — ela comenta, e em
seguida olha para Diogo. — E você? Sei que não gosta de
doce, mas poderia experimentar um pouco.
— Vo u f a z e r i s s o , o b r i g a d o d o n a H e r b e r t i n a .
A o f u n d o e s c u t o u m c h o r o b a i x o s e i n i c i a r.
D e p o s i t o a t a ç a n a m e s a e a n t e s d e s a i r, e n c a r o
Herbertina que tem o olhar de “eu avisei”. Sorrio e me
levanto indo para o quarto. O choro fica mais audível
quando abro mais da porta, o berço fica bem ao lado da
c a m a . Vo u a t é e l e e o p e g o c o m c u i d a d o .
— O que foi meu bebê? — indago como se ele fosse
m e r e s p o n d e r. — E s t á c o m f o m e ?
Me sento na cama e o coloco deitado em meus
b r a ç o s . Ta l m o v i m e n t o o f a z c h o r a r m a i s . O b a l a n ç o m a i s
um pouco e ofereço um seio. Ele pega, mas logo o solta
c h o r a n d o . Vo l t o a f i c a r d e p é e t e n t o d a r o s e i o m a i s u m a
v e z . E l e c o n t i n u a a c h o r a r. S e m p e r d e r a c a l m a , o d e i t o
no colchão e tento ver se está de xixi. Ao ver que sim,
começo a trocá-lo.
Os minutos se passam e nada do que faço ameniza o
c h o r o . E n t ã o d a p o r t a o u ç o H e r b e r t i n a m e c h a m a r, m e
viro para ela aliviada.
— O que foi? Ele não quer mamar?
— Ele não quis, ai troquei a fraldinha dele — aviso
para ela que já está ao meu lado. — Nada do que eu faço
o acalma.
— D e i x a e u v e r.
Dou espaço para ela e a observo dar uns tapinhas na
barriguinha dele.
— Vê que está inchada? — Pergunta, e eu concordo.
— Va m o s f a z e r a s s i m .
Então a observo pegar as perninhas dele e
movimentá-las, como se ele estivesse pedalando. Não sei
quantos minutos ficamos ali, mas quando ele parou de
c h o r a r, e u s o u b e q u e n a d a m a i s d o í a . H e r b e r t i n a s a i
a v i s a n d o q u e i r i a s e p r e p a r a r p a r a d o r m i r, e m e d e i x a
com o meu bebê. Ainda fico com ele nos braços, mesmo
depois que ele dorme, e é inevitável não lembrar de
D i o g o e i s s o m e f a z s o r r i r. E l e n ã o p o d e m e c u l p a r p o r
querer ficar com Heitor nos braços. Foram tantos meses a
espera dele, e quando por um momento pensei que o
perderia, meu mundo desabou.
Solto um suspiro e por fim o coloco deitado.
Me sento na cama e meu olhar crava no celular
quebrado no móvel. O pego e analiso se o estrago foi
muito grande; a tela está trincada e não liga quando
aperto no botão de lado. Solto um suspiro e penso no que
p o s s o f a z e r. P r e c i s o f a l a r c o m a m i n h a m ã e , q u e r o c o n t a r
sobre Heitor e perguntar como meu pai está. Ainda tenho
esperanças de que ele vá me aceitar de volta.
Saio do quarto sem fazer barulho, e dou logo de
cara com Diogo. Ele está prestes a entrar no próprio
q u a r t o , m a s a o m e v e r, f i c a p a r a d o . M e u s o l h o s m e t r a e m ,
e descaradamente observo seus braços enormes.
— Algum problema? — questiona e eu balanço a
cabeça alarmada.
Sem jeito levo meus dedos a uma mecha do meu
cabelo, colocando atrás da orelha.
— Eu queria poder ligar para minha mãe —
respondo e quando meu olhar vai para dentro do quarto
dele, me recordo da nossa cena mais cedo. Sentir o
peitoral desnudo contra o meu, e o rosto tão perto foi
uma sensação nova e totalmente quente. Fico
envergonhada na mesma hora. — Posso usar o telefone?
— É claro — ele afirma com aquele olhar intenso,
subitamente me deixando com uma sensação de calor no
corpo. — Pode se sentir à vontade aqui.
Ve j o s e u o l h a r p e r c o r r e r m e u r o s t o com uma
intensidade que me faz sentir um arrepio.
— Obrigada — agradeço tentando esconder a
inquietação na minha voz, e em um ato desesperado
gesticulo em direção ao quarto. — Agora pode entrar no
seu quarto.
Engulo em seco, totalmente tensa, enquanto o
encaro. Ele cruza os braços e, para minha surpresa, seu
olhar se torna divertido. É como se ele gostasse de como
me deixa sem jeito.
— Obrigado por permitir — ele diz, com um meio
sorriso. — Mais alguma coisa?
Assim que percebo o tom divertido em sua voz,
t e n t o r e l a x a r e d e s v i o o o l h a r p a r a o c o r r e d o r.
— Não, obrigada.
Ele acena com a cabeça, ainda com aquele sorriso
enigmático, e entra no quarto. O vejo fechar a porta atrás
de si e, por um momento, fico sozinha. Meu coração
acelera, e sem que eu entenda o motivo, deixo um sorriso
e s c a p a r. A n d o r a p i d a m e n t e a t é o t e l e f o n e e a s s i m q u e m e
sento, solto um suspiro. O pego e digito os números,
q u a n d o c o m e ç a a c h a m a r, l e v o a t é a o r e l h a . R e p a s s o
m e n t a l m e n t e o q u e v o u f a l a r, a t é q u e a c h a m a d a c a i .
Franzo o cenho, mas tento novamente.
— Alô, mãe? — falo assim que sou atendida. —
Mãe?
— Oi, Marina — ela fala baixinho. Ouvir minha
mãe me deixa emocionada. — Eu estava na cozinha, mas
v i m a q u i n o q u i n t a l t e a t e n d e r.
— O pai está aí? — indago entre ansiosa e curiosa.
— Já foi deitar — avisa, sua voz parece embargada.
— E l e e s t á c o m u m a g r i p e . Vo c ê s a b e c o m o e l e f i c a
d o e n t e , m a s n ã o s e p re o c u p e q u e j á j á e l e f i c a b o m . Vo c ê
sumiu, o que aconteceu?
Faz tanto tempo que vi meu pai doente, mas me
lembro que ele fica feito um bebezão carente.
— O meu bebê nasceu, mãe — comunico e posso
o u v i r q u e f i c a s u r p r e s a . — É u m m e n i n o , H e i t o r.
— Um menino?! Meu Deus!
— Sim, mãe — confirmo sentindo meus olhos se
encherem de lágrimas. — Ele se parece comigo quando
bebê... — olho para o corredor e o encontro vazio. —
Mãe, não precisa se preocupar comigo, estou na casa de
um amigo e...
— Amigo? — A voz soa confusa. — Não sabia que
tinha amigo. — Ela murmura baixinho. — Marina, eu
tentei te ligar antes e não consegui...
— Meu celular quebrou — falo rápido a
interrompendo.
— P o r f a v o r, m e o u ç a — p e d e , e e u a c e n o c o m o s e
e l a f o s s e v e r. — E u s e i q u e n ã o é i s s o q u e q u e r o u v i r d e
m i m , m a s e u n ã o c o n s e g u i m a n d a r o d i n h e i ro q u e f a l e i . O
seu pai descobriu e não permitiu.
As palavras rondam minha cabeça e eu apenas
concordo.
— Tu d o b e m , m ã e , e u . . .
— E talvez acho melhor você não voltar — profere,
d e s s a v e z m e i n t e r r o m p e n d o . — E u s e i q u e é d u ro d e
o u v i r, e d e f a l a r t a m b é m a c re d i t e . S ó n ã o é u m b o m
momento. — Fico uns bons minutos calada, digerindo
aquela fala. — Marina?
— E-Estou aqui — respondo e seco minhas
l á g r i m a s . — Tu d o b e m , m ã e . E u e n t e n d o .
— Ótimo! Não p re c i s a l i g a r, e s p e re a minha
ligação.
Q u a n d o p e n s o e m r e s p o n d e r, e l a e n c e r r a a c h a m a d a .
F i c o s e m c o m p r e e n d e r, c o m o o l h a r v i d r a d o n o t e l e f o n e .
Não sei se é impressão minha, mas notei um certo
distanciamento em toda sua fala. Coloco o telefone em
seu lugar e fico estática.
— Conseguiu ligar?
De supetão, olho para o lado. Diogo está parado me
observando, seus olhos sérios e inquietantes. Fico de pé e
dou um leve sinal de que consegui falar com a minha
mãe, mas sinto que ele percebe algo a mais na minha
e x p r e s s ã o . Te n t o p a s s a r p o r e l e , m a s s u a m ã o f i r m e
segura meu braço, um gesto de proteção que parece mais
uma âncora.
Meu olhar choroso se fixa no dele. Ele tem o poder
de me fazer sentir um misto de segurança e
v u l n e r a b i l i d a d e , e , s e m c o n s e g u i r m e c o n t e r, o a b r a ç o
novamente. Seu cheiro é tão marcante, algo que me dá
uma sensação de aconchego inesperada.
— O que aconteceu? — sua voz é baixa, mas eu
percebo a preocupação subentendida.
Fecho os olhos por um instante, na intenção de
ordenar meus pensamentos e sentimentos. A conversa com
minha mãe foi um turbilhão de palavras não ditas e uma
sensação de abandono disfarçada de conselhos. Sinto uma
pontada de dor ao lembrar da última coisa que ela disse,
aquelas palavras que, apesar de suaves, carregavam um
peso de indiferença.
— Eu falei com a minha mãe — digo, minha voz um
pouco abafada pelo abraço —, mas não foi como eu
esperava.
Sinto Diogo acariciar meu cabelo, um toque
c a r i n h o s o , c o m o s e q u e r e n d o m e r e c o n f o r t a r. E n q u a n t o o
abraço se prolonga, meu rosto está pressionado contra o
peito largo. Sinto o calor e a firmeza de seu corpo, e, de
repente, percebo algo que antes não havia notado. Seu
coração está batendo rapidamente, um ritmo acelerado
que parece contrastar com a calma que ele tenta
t r a n s m i t i r.
— Eu sinto muito — a voz é carregada de
sinceridade, é palpável.
Fecho os olhos e coloco minha mão sobre seu peito,
sentindo cada batida forte e vibrante. O som do seu
coração é como um tambor que acelera com a tensão do
momento, um testemunho silencioso de que, mesmo por
trás de sua fachada de segurança, ele também está
afetado.
— Diogo, você está bem? — pergunto, levantando a
cabeça para encarar seu rosto.
Ele me olha com um misto de surpresa e
preocupação, mas não diz nada. Em vez disso, a
expressão dele suaviza e ele dá um leve sorriso, tentando
tranquilizar-me, mas o som do seu coração continua a
bater em um ritmo acelerado. É como se o pulsar dele
estivesse sincronizado com o meu próprio estado
emocional, criando uma conexão que eu não posso
i g n o r a r.
Diogo parece hesitar por um momento, seus olhos
fixos nos meus como se procurassem palavras que não
encontram. O calor do abraço ainda nos envolve, e a
proximidade faz o mundo parecer um pouco mais simples,
como se todas as preocupações fossem deixadas de lado
por um instante.
Com um gesto suave, ele afasta uma mecha de
cabelo que caiu sobre o meu rosto. Seus dedos tocam
minha pele com uma ternura inesperada, e a sensação é
tão íntima que sinto um frio na barriga. Seus olhos, fixos
nos meus, parecem buscar a permissão para algo mais. A
tensão no ar é palpável, e o ambiente ao nosso redor
p a r e c e d e s a p a r e c e r, r e d u z i d o a u m p e q u e n o e s p a ç o o n d e
só existimos nós dois.
Sinto meu coração acelerar também, não apenas
pelo calor do abraço, mas pela intensidade do momento.
Diogo inclina a cabeça lentamente, e eu o acompanho,
nossos rostos se aproximando cada vez mais. O espaço
entre nós diminui até que posso sentir a respiração dele
misturada com a minha.
Quando nossos lábios finalmente se encontram, é
um toque suave e hesitante. O beijo começa de forma
delicada, como se ambos estivéssemos explorando esse
novo território com cuidado. É um beijo carregado de
emoção, uma fusão de conforto e desejo, onde a
intensidade das batidas dos nossos corações parece
encontrar um ritmo harmonioso. O tempo parece se
e s t e n d e r, e a p r e o c u p a ç ã o e a d o r q u e s e n t í a m o s a n t e s s ã o
momentaneamente substituídas por uma sensação de
conexão profunda. Assim que nos afastamos, o vejo
e n g o l i r e m s e c o e m e s o l t a r.
— Me desculpe! — murmura, a voz baixa e cheia de
vergonha. Ele leva a mão à barba, tentando esconder o
constrangimento. — Me desculpe, Marina. Eu não sei o
que deu em mim.
O movimento dos seus dedos, esfregando seus
lábios como se tentasse apagar o beijo, é quase um golpe
no meu coração.
Sinto um nó na garganta e uma onda de tristeza
misturada com confusão. Não deveria me sentir assim,
mas o ato de ver Diogo se afastar de mim, como se o
beijo fosse algo do qual ele se arrependesse, faz meu
c o r a ç ã o s e a p e r t a r. A s e n s a ç ã o d e r e j e i ç ã o é s u t i l , m a s
persistente.
— Tu d o b e m . N ã o p r e c i s a s e d e s c u l p a r — d i g o ,
tentando esconder a ferida na minha voz. — Eu vou para
o quarto.
D i o g o l e v a n t a o o l h a r, h á m i s t u r a s d e s e n t i m e n t o s
em seus olhos, mas o que mais se sobressai é o brilho de
arrependimento. Há um silêncio tenso entre nós, e o
ambiente ao nosso redor parece ter retornado ao seu
estado normal, com todas as preocupações e medos de
volta.
— Eu só... — ele começa, mas não consegue
encontrar as palavras certas.
Dou um passo para trás, tentando dar espaço para
a m b o s p r o c e s s a r m o s o q u e a c a b o u d e a c o n t e c e r.
— Boa noite, Diogo — murmuro, tentando manter a
calma na voz.
Diogo assente lentamente, e a expressão dele se
suaviza um pouco. Mesmo trêmula dou as costas a ele e
caminho até o quarto. Assim que fecho a porta atrás de
mim, levo os dedos aos lábios e sorrio. Diogo me beijou
e foi o melhor beijo que já recebi, apesar de ter sido
a p e n a s u m e n c o s t a r d e l á b i o s . Vo u a t é a c a m a e m e d e i t o
nela. Sentir os lábios nos meus, a barba roçando em meu
r o s t o e o s b r a ç o s a o m e u r e d o r, f o i c o m o s e e u f l u t u a s s e
em um sonho vívido.
No entanto, quando ele me afastou e claramente o
arrependimento ficou visível... me senti mal. Então veio
a dúvida: Ele se arrependeu por ter me beijado? Ou o
desconforto era pelo fato dele ter beijado a ex do irmão?
Por um momento me questiono se é assim como Diogo me
vê. Me viro na cama, totalmente desconfortável com
aquilo. Quero questioná-lo e saber a resposta. Se ele agiu
por impulso e me beijou no calor do momento, beijo esse
que eu aceitei, eu o entendo. Afinal eu também queria
beijá-lo, por culpa talvez, dos meus hormônios. No
entanto, me ofende pensar que Diogo de certa forma,
sente nojo de mim.
Heitor começa a resmungar no berço, seu pequeno
corpo se movendo inquieto. Levanto-me da cama com
cuidado e vou até ele, balançando-o delicadamente com a
mão em seu peito. A sensação do seu calor contra minha
pele me dá um conforto momentâneo, e eu tento acalmá-
lo com suaves movimentos de balanço.
Meu pensamento deveria estar inteiramente focado
em como cuidar do meu bebê e em encontrar uma maneira
de colocar minha vida nos trilhos. Mas, paradoxalmente,
enquanto balanço Heitor e tento fazer com que ele volte a
d o r m i r, m i n h a m e n t e n ã o p a r a d e s e v o l t a r p a r a D i o g o .
No beijo, e em como ele me deixa sem jeito,
nervosa, mas ao mesmo tempo tão viva. Como pode em
tão pouco tempo, ele me deixar assim? Me fazer sentir
protegida e desorientada ao mesmo tempo?
Meu bebê volta a dormir e eu me afasto voltando
para a cama.
A noite seria longa.
C a p í t u l o 9 – D i o g o
*** ***
Minutos depois saio do quarto com Heitor de
barriga cheia e de banho tomado. Assim que chego na
cozinha, sorrio para Diogo que vem em minha direção.
Dona Herbertina está sentada à mesa, mas nos observa em
silêncio. Para a minha surpresa, Diogo acolhe Heitor com
cuidado nos braços.
— Ve n h a c o m e r, M a r i n a — d o n a H e r b e r t i n a m e
chama e eu me aproximo da mesa. — A primeira refeição
do dia é importante, eu sempre falo isso para o Diogo.
Me sento enquanto Diogo vai até a outra cadeira.
Observo Diogo inclinar-se levemente, sua expressão
s u a v i z a n d o e n q u a n t o t o c a a m ã o z i n h a d e H e i t o r, q u e s e
agarra imediatamente ao seu dedo. O sorriso dele é
discreto, mas verdadeiro, e faz meu coração se aquecer
ainda mais.
Me sirvo de um copo de suco, e ao fundo escutamos
uma buzina ser acionada no portão. Curiosa, vejo Diogo
ir até o painel e apertar o botão para ativar a câmera de
s e g u r a n ç a . E l e s e i n c l i n a l e v e m e n t e p a r a o l h a r m e l h o r, o s
ombros tensos. O vejo soltar um suspiro e me pergunto
quem é.
— É a minha mãe.
Dona Herbertina me encara e respira fundo. Já
D i o g o s e a p r o x i m a d e m i m e m e e n t r e g a o H e i t o r. E s c u t o
a porta do carro bater com força e em questão de
segundos, ela já está na sala. Diogo está parado na
entrada para recepcioná-la, mas ao invés de falar com
ele. Adriana o ignora. Seus olhos estão a procura de
alguém e assim que ela me vê na cozinha, vem em minha
d i r e ç ã o a p a s s o s d e c i d i d o s . Te n s a , d o u u m a p e r t o m a i s
f i r m e e m H e i t o r, s e n t i n d o s e u c o r p i n h o q u e n t e c o n t r a o
meu peito.
Assim que para a minha frente, ela solta um suspiro
e em seguida pega meu copo de suco, jogando o líquido
em mim. No susto eu me levanto bruscamente, fazendo
H e i t o r c o m e ç a r a c h o r a r. D i o g o c o r r e a t é m i m e s e g u r a a
mãe pelo braço. Seu olhar está irado.
— O que pensa que está fazendo, mãe? — ele
indaga de um jeito nervoso.
Herbertina ao mesmo tempo vem ao meu socorro e
p e g a H e i t o r, o l e v a n d o p a r a o q u a r t o . S e m r e a ç ã o , a p e n a s
observo Adriana se soltar do agarre do filho.
— O que eu estou fazendo?! — sua voz soa
incrédula. — O que você está fazendo?! Eu já sei de
tudo, Diogo! O seu irmão me contou! Essa é a vagabunda
que foi o motivo de você brigar com ele! — Adriana
p r o f e r e d e s c o n t r o l a d a , e n t ã o m e e n c a r a . — Vo c ê n ã o t e m
v e r g o n h a n e s s a c a r a , n ã o ? Te n t a r d a r o g o l p e n o F e l i p e e
agora no Diogo?
— Eu não quero dar o golpe em ninguém!
Diogo fica praticamente na minha frente, me
protegendo da histeria da mãe.
— Nem se você quisesse conseguiria! Eu vou contar
para o seu pai, Diogo! Eu não acredito que você está
fazendo isso com a sua família! — ela franze o cenho
transtornada. — O seu pai vai ficar sabendo dessa
palhaçada!
— Mãe, chega! — Diogo fala mais alto fazendo-a
p a r a r. E l a t e m o o l h a r o f e n d i d o . — N ã o v a i d i z e r n a d a a o
pai, não vai se intrometer nisso!
— Eu não vou deixar que uma vagabunda —
murmura enquanto o encara. — Se aproveite da nossa
família! O Felipe me falou quem ela é — assim que fala
a p o n t a e m m i n h a d i r e ç ã o . — Vo c ê e s t á a r r u i n a d a ! N ã o ,
melhor! — Adriana sorri. — Eu vou tirar esse
bastardinho de você, e você vai para a cadeia. O meu
marido, pai do meu filho Felipe é um delegado. Família
errada para dar o seu golpe!
— Eu disse chega! — dessa vez, a voz de Diogo sai
mais alta e firme. Assustando nós duas. — Quer levar
e s s e a s s u n t o a o p a i ? Va m o s e n t ã o ! — e u o o l h o a s s u s t a d a
e com a mão trêmula o toco no braço. — Mas vamos
também colocar toda história a limpa! E pode ter certeza,
mãe. Nem o melhor advogado será capaz de tirar o Felipe
da cadeia depois de tudo o que for contado.
Ve j o o s o l h o s d e l a s e arregalarem, como se
estivesse realmente ofendida.
— Eu não posso acreditar nisso! — Adriana leva
uma mão a boca. — Como pode se virar contra a sua
f a m í l i a a s s i m ? ! Te m n o ç ã o d o q u e v o c ê e s t á f a z e n d o ?
Ficando do lado dessa vagabunda e fingindo que esse
b a s t a r d o é o s e u f i l h o ? Va i t e r c o r a g e m d e c r i a r u m
bastardo que nem é seu? Estragar a sua vida desse jeito?
Os ombros de Diogo caem e seu rosto muda o
semblante.
— Então fui um bastardo que a senhora não queria e
estragou a sua vida?
— Eu não disse, Diogo! Não coloque palavras na
minha boca! — ela vocifera, seu olhar duro focado nele.
— Eu aceitei você! Criei como se fosse meu filho e não
d e i x e i q u e t e f a l t a s s e n a d a ! To d o s o s b r i n q u e d o s q u e o
Felipe tinha, você tinha igual. Não vou admitir isso! Não
sei qual o seu problema comigo, porque você nunca me
falou, mas não vou aceitar isso que está querendo fazer!
Diogo solta um riso forçado, seu olhar está no
chão.
— A senhora não sabe por que nunca fez questão de
me ouvir! — Diogo volta sua atenção para a mãe. — Eu
tinha acabado de perder a minha mãe e irmão — ele fala
fazendo Adriana ficar calada. — Eu estava sofrendo, eu
s ó q u e r i a f i c a r s o z i n h o . . . E o q u e m e d i s s e ? Vo c ê j á é u m
rapaz, por que está chorando? Um Macêdo não chora.
Adriana engole em seco, mas não desfaz a pose
altiva.
— E u n ã o m e n t i ! Vo c ê j á e r a b e m g r a n d i n h o p a r a
ficar chorando pelos cantos. Era só sorrir mais, conversar
com as pessoas... eu te levei para tantos lugares.
— Me tratava como se eu fosse um bichinho de
exposição! — Diogo retruca visivelmente nervoso. —
Nunca teve paciência comigo.
— Diogo! — Adriana respira fundo. — Não estou
aqui para tratar dos seus ressentimentos comigo! Estou
aqui para evitar que uma golpistazinha safada, suje o
nosso nome.
Notando como Diogo está visivelmente abalado, eu
tomo à frente.
— Eu nunca! Nunca precisei dar golpe em ninguém!
— falo, Adriana cruza os braços. — E presenciando essa
insensibilidade toda, é uma confirmação para mim. Não
quero nada que venha do Felipe, nem da senhora ou do
seu marido! Não quero o meu bebê perto de pessoas como
a senhora.
— Vo c ê n ã o i r i a t e r m e s m o ! Vo c ê v a i e m b o r a e v a i
levar esse bastardinho. — profere e eu me mantenho
firme. — Pouco me importa para onde! Queria atrapalhar
o noivado do meu filho e não conseguiu. Agora quer
atrapalhar a chance do Diogo? O que você tem a
oferecer? Um rostinho bonito, mas não tem onde cair
morta.
— Mãe...
— A Amanda é uma advogada de respeito —
Adriana ignora o filho, não tirando os olhos de mim. —
Ela tem futuro, teve educação. Não é nenhuma
interesseira. Então se você realmente tiver um pingo de
vergonha na cara, vai pegar as suas coisas e deixar os
meus filhos viverem como merecem. — seu olhar varre
meu corpo, em seguida olha por cima do meu ombro. —
Pense no bastardinho, não vai querer ficar sem ele. Por
que pode ter certeza de que eu consigo...
— Chega, mãe. — Diogo toma a minha frente. — É
m e l h o r a s e n h o r a i r. O q u e d e c i d i r f a z e r, p o u c o m e
importa. Minha posição é essa, e tenha em mente de que
não vou deixar que Felipe saia disso empune. Sabe o
caminho da saída.
Adriana nega com a cabeça e ajeita os cabelos bem
arrumados.
— É realmente decepcionante, Diogo.
Após ela sair rapidamente, o silêncio que se segue
me permite respirar com dificuldade. Meus olhos se
enchem de lágrimas, e por um momento, estou perdida em
pensamentos confusos. Então, sinto um toque suave no
meu rosto e me concentro nos olhos de Diogo. O azul,
que normalmente parece calmo como duas piscinas
serenas, agora está agitado, como um oceano em fúria.
Mas ainda assim, seu toque é carinhoso, delicado.
— Ela não pode tirar o Heitor de mim — murmuro
trêmula, ele logo nega com a cabeça. — Eu não quero
meu bebê longe de mim, Diogo.
— N ã o ! Vo c ê n ã o v a i f i c a r l o n g e d e l e e e l a n ã o v a i
fazer nada.
— Ela vai contar para o seu pai? Meu Deus...
— Marina — meu rosto é acolhido,
automaticamente toco em sua mão. — Fique calma! Estou
do seu lado, nem meu pai ou ninguém vai te machucar ou
tirar o Heitor de você. Eu não vou permitir!
Concordo com a cabeça e aceito o seu beijo suave.
Em seguida os braços enormes estão em minha volta.
— E u t ro q u e i a ro u p i n h a d o H e i t o r — m e v i r o e m
direção ao quarto, ainda nos braços de Diogo. Herbertina
se aproxima com o olhar apreensível. — Eu sinto muito
por tudo isso que você teve que ouvir Marina. A dona
Adriana sempre foi assim, não leve em consideração nada
que ela tenha dito.
Saio do conforto dos braços musculosos de Diogo e
sou acolhida por Herbertina. Eu sei disso, mas sei que em
algumas coisas ela disse a verdade. Entrei na vida de
Diogo de repente, bagunçando tudo, tirando qualquer
possibilidade de ele conhecer outra pessoa.
— Va m o s a t é o c a r t ó r i o , M a r i n a — e l e d i z .
Me volto para Diogo com o cenho franzido, mas
logo nego com a cabeça.
— Eu não quero que meu bebê tenha o sobrenome
da sua família — respondo decidida. — Não quero que
isso se torne um peso para ele no futuro. O seu pai foi
muito educado comigo, mas eu não quero.
Diogo me observa em silêncio por um momento e
então fala:
— Não, ele não terá o sobrenome Macêdo. — Ele
f a z u m a p a u s a a n t e s d e c o n t i n u a r. — E l e t e r á o m e u
sobrenome, Arslan.
Franzo o cenho e quando penso em falar algo, dona
Herbertina me toca o rosto.
— Vá trocar essa roupa melada de suco — manda e
me endereça um pequeno sorriso. — Nesse momento
p r e c i s a m o s p e n s a r n o b e m d o H e i t o r, e r e g i s t r a n d o e l e é
uma segurança para os dois.
Concordo um pouco atordoada, e quando meu olhar
vai até Diogo, eu corro para abraçá-lo. A barba raspa por
meu pescoço e quando me afasto lentamente, meus olhos
fixam em seus lábios.
— Va i f i c a r t u d o b e m — a f i r m a t o c a n d o e m m i n h a
bochecha. — Eu vou ligar para um colega que trabalha no
cartório, vou pedir esse favor a ele.
Me viro e Herbertina está lá nos encarando.
Vo u e m d i r e ç ã o a o q u a r t o e , a s s i m q u e e n t r o ,
caminho até o berço. Heitor está acordado, chupando a
chupeta, com os olhos atentos, explorando cada detalhe
a o r e d o r. S o r r i o a o v ê - l o a s s i m d e s p e r t o e c u r i o s o .
— Oi, meu amor — murmuro, acariciando seus
cabelos finos. — A mamãe precisava tanto de um abraço
seu...
Meu olhar desce para meu corpo e em sequência
vou até a minha mala. Do fundo dela pego uma calça
jeans, e uma blusa mais arrumada. Jogo as peças em cima
da cama, e vou para o banheiro. Molho apenas o meu
corpo para tirar o suco que secou na minha pele.
De volta para o quarto me visto e percebo que a
calça ficou bem apertada, mas entrou.
Te n t o n ã o d e m o r a r, e a p ó s c a l ç a r o s p é s c o m o
s a l t o . P e g o H e i t o r, a m i n h a b o l s a c o m o s m e u s
documentos e a bolsa de bebê. Chego na sala e vejo
Diogo já vestido apropriadamente: com uma calça jeans,
camiseta preta e coturnos. Ele vem até mim e segura as
bolsas. Nos despedimos de Herbertina e saímos de casa.
*** ***
Após algumas horas, chegamos no cartório e fomos
logo atendidos. Entramos em uma sala particular e
rapidamente tudo foi feito. Diogo realmente registrou o
meu bebê como dele, e isso de certa forma me deixou
emocionada. Enquanto o assistente organizava os papéis,
olho para Diogo. Ele está tranquilo, decidido, sem
nenhuma hesitação. Era como se, para ele, aquilo fosse o
mais natural do mundo.
Então, ansiosa o observo inclinar e assinar o último
documento. Engulo em seco, tentando conter as lágrimas
q u e a m e a ç a m c a i r. Tu d o a q u i l o a i n d a p a r e c i a s u r r e a l , m a s
ao mesmo tempo certo. Diogo se vira para mim, ficando
bem perto e me toca a bochecha.
— Tu d o b e m ? — e l e p e r g u n t a , o s o l h o s a z u i s c h e i o s
de uma gentileza que me desarmava.
— Sim — respondo. Heitor ressona em meus braços.
— Ta l v e z u m p o u c o n e r v o s a .
Diogo sorri e após pegar os documentos que lhe são
entregues, me indica a saída. Respiro fundo e caminho
com Diogo ao meu lado. No lado de fora, sinto os raios
do sol e cobrindo Heitor com a fraldinha, sigo para a
caminhonete. Em um gesto cavalheiro, Diogo abre a porta
de trás e me espera deitar Heitor na cadeirinha. Enquanto
f a ç o i s s o , e s c u t o o c e l u l a r t o c a r. O l h o p a r a t r á s , s ó p a r a
ver Diogo com a cabeça inclinada me analisando com um
pequeno sorriso.
— O seu celular está tocando, sabia? — aviso com
um pequeno sorriso, como se ele não soubesse.
Ele sorri e atende a chamada.
— Sim? — termino de prender Heitor ainda
sorrindo. Ele está tão lindo, os cabelinhos então, estão
mais crescidos. — O quê?! — assustada me volto para
Diogo. A expressão dele é raivosa, sinto meu coração
a c e l e r a d o . — I g o r, e u e s t o u i n d o . N ã o é p a r a e n t r e g a r
relatório nenhum!
— O que foi?
— Querem deportar o narcotraficante que eu prendi,
estão querendo nossos relatórios sobre o caso —
r e s p o n d e e n q u a n t o g u a r d a o c e l u l a r n o b o l s o . — Va m o s
até lá, não tem como eu te deixar em casa antes.
— Eu posso pegar um táxi.
— De jeito nenhum — ele retruca e fecha a porta
traseira, em seguida abre a do passageiro para mim. —
Vo c ê v a i c o m i g o e d e p o i s v a m o s p a r a c a s a .
Me acomodo no assento e o observo correr até o
motorista. Ao mesmo tempo que ele dá a partida, ele
coloca o cinto de segurança. Diogo está realmente
transtornado, então evito fazer qualquer pergunta. Coloco
o cinto e deixo meu olhar fixado no caminho que
seguimos. O trânsito está fluído e mal paramos em
semáforos fechados.
Em questão de minutos chegamos, e curiosa encaro
o grande departamento. Há alguns carros estacionados
mais distantes, e policiais por perto.
— Eu volto logo — avisa enquanto tira o cinto e me
o l h a . — P o r f a v o r, n ã o s a i a d o c a r r o .
Aceno e ele logo sai a passos rápidos. Solto um
suspiro e regulo a saída do ar-condicionado. Olho para
trás, só para ver Heitor com sua chupeta. Sorrio e estico
a mão até tocar em seu rostinho. Meu bebê é tão
inocente, tão alheio a tudo o que está acontecendo ao
n o s s o r e d o r. C a d a v e z m a i s s i n t o a n e c e s s i d a d e d e
p r o t e g ê - l o d e q u a l q u e r c o i s a q u e p o s s a n o s a m e a ç a r.
No painel, vejo o envelope com as papeladas do
registro. O seguro mais firme e sinto um nó na garganta.
Esse nome, "Heitor Arslan Silva", parece tão definitivo,
tão carregado de significado. A assinatura de Diogo ao
lado da minha é uma marca de algo que, embora pareça
temporário, pode deixar consequências duradouras.
Não posso deixar de imaginar como será o futuro.
Se Diogo encontrar alguém e decidir construir uma vida,
como ele explicaria essa escolha? Como ele justificaria
ter dado seu sobrenome para um filho que não é
b i o l o g i c a m e n t e d e l e ? Ta l v e z s u a f u t u r a e s p o s a n ã o a c e i t e .
E s e i s s o a c o n t e c e r, e l e i r á à j u s t i ç a p a r a r e m o v e r o
s o b r e n o m e ? O p e n s a m e n t o m e f a z e s t r e m e c e r, e s i n t o u m
arrepio de incerteza.
Esfrego minha têmpora, tentando afastar a dor de
c a b e ç a q u e c o m e ç a a s e f o r m a r. É t a n t a c o i s a p a r a
p r o c e s s a r, t a n t a i n c e r t e z a s o b r e o q u e e s t á p o r v i r. M a s ,
ao mesmo tempo, o simples fato de Diogo ter feito isso
por nós, de ter assumido esse compromisso, me faz sentir
a l g o q u e n ã o c o n s i g o e x p l i c a r.
Fecho os olhos e respiro fundo, tentando encontrar
clareza no meio desse turbilhão de pensamentos.
— Ei! — me assusto e olho para a janela ao meu
lado. É o chefe de Diogo, está parado com um sorriso.
Fico uns segundos o olhando, rapidamente ele faz um
gesto para eu baixar o vidro. Olho para a entrada onde
Diogo sumiu, mas por fim baixo o vidro. — Acho que te
assustei — ele ri e apoia o braço na janela. — Cadê o
Diogo?
— Ele entrou — respondo e junto os papéis. —
Como vai o senhor?
— Senhor? — ele repete e ri. Observo seu rosto
pálido, ele mantém a barba preta um pouco grande. Mas
seu cabelo é cortado baixo. — Eu não sou tão velho
assim.
Engulo em seco e olho para a entrada; nada do
D i o g o a p a r e c e r.
— É questão de respeito — falo e ele acena. — Eu
posso ajudar em alguma coisa? — pergunto quando ele
f i c a a l i p a r a d o , s e m f a l a r o q u e r e a l m e n t e q u e r.
— Não — balança a cabeça e olha para trás, mas
r a p i d a m e n t e m e e n c a r a . — E u a c a b e i d e c h e g a r,
estacionei ali atrás. Passei e vi você sozinha — murmura
e olha para o banco de trás. — Na verdade, não está
s o z i n h a . Vi e r a m c o n h e c e r o n d e D i o g o t r a b a l h a ?
— Não — nego e quando ele fica me olhando,
percebo que quer saber mais. — Fomos até o cartório,
para registrá-lo.
— Isso é bom! — ele afirma e eu sorrio educada. —
Bom, eu vou indo, não quer esperar o Diogo lá dentro?
— Não, eu espero aqui mesmo. — respondo para ele
que acena.
Não lembro o nome dele, mas agradeço quando me
dá as costas. No entanto, ele me olha novamente.
— Não é comum — ele fala e me olha —, mas eu
acho que você não foi muito com a minha cara.
Pega desprevenida, eu o encaro com o cenho
franzido, mas logo me recupero.
— Não, imagina.
— Marina, eu sou policial — seu sorriso me deixa
d e s c o n f o r t á v e l . Tu d o n e l e e x a l a u m a á u r e a c a f a j e s t e . —
Eu percebo.
Solto um suspiro.
— É que eu não gosto quando me encaram como se
me medisse dos pés a cabeça — aviso e recebo uma
expressão surpresa. — Eu fico desconfortável em ser o
centro das atenções. Não gosto muito.
— Ah, e naquele dia eu realmente fiquei te olhando
— fala e sorri em seguida. — Mas não me leve a mal! Eu
sou casado! — mostra a aliança. — Era só surpresa,
porque ninguém sabia sobre você. Até o fofoqueiro do
Igor nunca falou nada. — aceno deixando meu sorriso
e s c a p a r. O I g o r p a r e c i a s e r u m f o f o q u e i r o m e s m o ,
d i f e r e n t e d o D i o g o . — E n t ã o , p o r f a v o r, m e d e s c u l p e s e
te deixei desconfortável.
— Tu d o b e m .
— Te m c e r t e z a d e q u e n ã o q u e r e n t r a r ?
— Te n h o , m u i t o o b r i g a d a .
Finalmente ele acena e caminha em direção a
entrada.
Suspiro aliviada quando finalmente ele entra no
p r é d i o , e e u f i c o s o z i n h a n o c a r r o . Te n t o r e s p i r a r f u n d o e
m e a c a l m a r. P e l o m e n o s , e l e f o i s i m p á t i c o e p e d i u
desculpas por me deixar desconfortável. Fico observando
a entrada por alguns segundos antes de voltar minha
a t e n ç ã o p a r a H e i t o r, q u e d o r m e t r a n q u i l a m e n t e n a
cadeirinha.
C a p í t u l o 1 8 – D i o g o
N e g o c o m a c a b e ç a e n q u a n t o l e i o a O rd e m d e
Deportação que o advogado de Juanito trouxe. Com ele
tem mais alguns agentes da imigração. Igor está de
braços cruzados e dessa vez não tem o sorriso no rosto.
Ele está sério, seu olhar não abandonando o advogado
que fala de um jeito enfadonho.
— Se puder agilizar — o engravatado fala para
mim. — Queremos que ele saia do país até o final da
tarde.
— Isso é uma palhaçada. — exclamo, jogando a
ordem em cima da mesa. — Há um processo legal que
deveria ocorrer no Brasil, e não no México.
O advogado tenta manter a compostura, mas a
tensão é visível.
— A decisão já foi tomada e não há muito o que
d i s c u t i r. A o r d e m p r e c i s a s e r c u m p r i d a .
— Não aceito isso! — digo, a voz firme e carregada
de frustração. — Como podem decidir algo tão sério sem
considerar que o devido processo legal deveria estar
ocorrendo no país correto?
Igor se aproxima, pondo a mão em meu ombro como
um gesto de apoio, embora sua expressão também reflita
a preocupação.
— Se isso não for resolvido rapidamente, vou ter
que intervir de outra forma — o advogado diz, mantendo
o tom sério.
A conversa se torna um emaranhado de argumentos
e tentativas de negociação, e o ambiente fica carregado
de tensão. O destino de Juanito agora parece depender de
um fio de esperança, e o tempo está se esgotando
rapidamente.
— Não dá para acreditar — resmungo e observo um
dos agentes pegar uma pasta de relatórios. — Essas
garantias de que ele será julgado adequadamente... —
bufo e pego novamente o papel. — Prisão domiciliar?
Isso é sério?
O advogado olha rapidamente o relógio e em
seguida para os agentes.
— Meu cliente tem problemas sérios de saúde — ele
a f i r m a e q u a n d o o s a g e n t e s c o m e ç a m a s a i r, e l e e s t e n d e a
mão para mim em um cumprimento. O ignoro. — Bom,
c a s o q u e i r a r e c l a m a r, p o d e f i c a r à v o n t a d e , m a s f o i o j u i z
Cavalcanti que assinou a autorização.
E s f r e g o a m ã o n o r o s t o e m e v o l t o p a r a I g o r. E l e
tem os braços cruzados.
— De volta a estaca zero.
Solto um suspiro e saio da sala, passo por algumas
pessoas que me cumprimentam, mas não retribuo. Antes
de chegar na saída, vejo Marcelo e o advogado
conversarem baixinho. Paro onde estou e fico olhando a
cena, rapidamente sou percebido e me aproximo.
O advogado sai, enquanto Marcelo me sorri.
— Eu acabei de falar com a Marina e...
— Sabia sobre essa decisão? — aponto em direção
ao advogado, a frustração evidente em minha voz.
Marcelo franze o cenho, a surpresa evidente em seu
rosto.
— Como soube? — pergunta, mas logo balança a
c a b e ç a c o m u m s u s p i r o c a n s a d o . — I g o r. — e l e a f i r m a , o
cansaço claro em sua voz. — Diogo, não cabia a mim
d e c i d i r i s s o . Te m o s u m t r a t a d o i n t e r n a c i o n a l , e v o c ê s a b e
que, se estiver dentro dos requisitos, esses tratados têm o
mesmo status que emendas à Constituição.
A menção ao tratado internacional me dá um pouco
de perspectiva, mas a raiva não diminui. Eu ainda estou
pensando em como Juanito pode escapar da justiça.
— Não é só sobre os requisitos do tratado, Marcelo.
É sobre garantir que ele enfrente as consequências dos
crimes que cometeu. Ele não pode simplesmente ser
colocado em prisão domiciliar e ficar livre para se mover
c o m o q u i s e r. C o m o o j u i z p e r m i t i u a l g o a s s i m ?
Marcelo suspira, o olhar é exausto.
— Eu entendo sua frustração, Diogo. — afirma e em
seguida me toca o ombro. — Mas a decisão foi tomada
com base no cumprimento das garantias legais. O tratado
exige que ele tenha o direito a um julgamento justo, e
isso inclui a consideração das condições que ele
enfrentará em seu país de origem. Se não cumprirmos
com essas exigências, estaríamos violando a lei.
Eu passo a mão pelo rosto, tentando controlar a
raiva e a frustração.
Cruzo os braços.
— O que falava com o advogado? — questiono sem
tirar os olhos dele.
— Nada de mais — ele dá de ombros e olha para
t r á s . — F a l e i c o m a M a r i n a , é m e l h o r i r, n ã o d e v e d e i x á -
la esperando por tanto tempo sozinha.
Olho para fora onde meu carro está estacionado.
Marcelo me dá uns tapinhas no ombro e entra. A passos
rápidos vou para a caminhonete, assim que tomo o lugar
do motorista, respiro fundo. Me viro para Marina que tem
o o l h a r t e n s o , H e i t o r c o n t i n u a a d o r m i r.
— O q u e a c o n t e c e u ? — e l a p e r g u n t a i n d e c i s a . Ve j o
rastros de medo em seu olhar e fico confuso. — Não
conseguiu resolver?
— Não — balanço a cabeça e em seguida dou a
partida, saindo dali. — O narcotraficante que prendi vai
ser deportado e julgado no país dele. Uma palhaçada sem
tamanho.
— Sinto muito.
Me volto para ela e pego sua mão. Deixo um beijo
nela, Marina me sorri na hora.
— Va m o s p a r a c a s a .
Dirijo pela cidade com os dedos firmemente no
volante, desviando de carros e semáforos, tentando me
concentrar no caminho para casa, mas minha mente ainda
está presa àquela maldita decisão. Não posso acreditar
que o "Fantasma" pode simplesmente escapar pelas
brechas de um tratado. Respiro fundo novamente,
tentando afastar o pensamento.
Chegamos na rua de casa, e eu relaxo um pouco.
Dou uma olhada rápida para Marina, tentando mostrar
que estou mais calmo, mas algo no meu campo de visão
m e f a z p a r a r. U m c a r r o p r e t o , e s t a c i o n a d o d o o u t r o l a d o
da rua. As janelas escuras, ninguém à vista. Meus
sentidos acendem como se um alerta interno disparasse.
M e u s i n s t i n t o s g r i t a m p a r a n ã o p a r a r. P i s o n o
acelerador e passo direto pela casa. Sinto o olhar confuso
de Marina se voltar para mim.
— O que foi? — ela pergunta, tentando esconder a
preocupação na voz.
— Nada, só... — minha mente já está à mil. Um
carro desses, parado ali, não é coincidência. — Só vou
dar uma volta no quarteirão.
Ve j o a e x p r e s s ã o d e M a r i n a e n d u r e c e r, e l a s a b e q u e
não estou dizendo tudo, mas também sabe que não vou
d i z e r. P a s s o d i r e t o p e l a c a s a , o o l h a r f i x o n o r e t r o v i s o r,
avaliando qualquer movimento atrás de nós. O coração
bate um pouco mais rápido, cada fibra do meu corpo
p r o n t a p a r a r e a g i r.
Eu não gosto de surpresas, especialmente quando
elas aparecem na porta da minha casa.
Dou a volta na esquina, os olhos atentos a qualquer
sinal de que estamos sendo seguidos. O carro preto
p e r m a n e c e n o m e u r e t r o v i s o r, i m ó v e l . Te n t o m a n t e r a
c a l m a , m a s s i n t o a t e n s ã o n o m e u p e i t o c r e s c e r. A l g o n ã o
está certo.
— Diogo, o que está acontecendo? — Marina
insiste, agora a voz mais firme, a preocupação evidente.
O l h o r a p i d a m e n t e p a r a e l a , d e p o i s p a r a H e i t o r,
dormindo tranquilo no banco de trás. Preciso ser
cuidadoso. Não posso deixá-los em perigo. Respiro
fundo, mantendo o tom calmo.
— Te m u m c a r r o p a r a d o a l i n a r u a d e c a s a . . . n ã o
gosto de coincidências assim, ainda mais hoje.
E l a f r a n z e a t e s t a , o l h a p e l o r e t r o v i s o r, t e n t a n d o
ver o que eu vi.
— E se for só um vizinho? Ou alguém esperando?
— Ta l v e z s e j a — r e s p o n d o , m a n t e n d o o o l h a r n a r u a
à f r e n t e . — M a s e u n ã o v o u a r r i s c a r.
C o n t i n u o d i r i g i n d o d e v a g a r, f i n g i n d o q u e e s t o u
a p e n a s p r o c u r a n d o v a g a o u d a n d o u m a v o l t a . Vi r o à
direita na próxima esquina, e pego um caminho
alternativo, afastando-nos do carro preto. Meu cérebro
trabalha rápido, pensando em todas as possibilidades,
tentando calcular se é apenas paranoia ou se tem algo de
real nisso.
Marina respira fundo ao meu lado, sinto que ela
quer dizer algo, mas ela espera. Ela não está acostumada
com meus instintos, não sabe que, quando eu sinto que
a l g o e s t á f o r a d o l u g a r, g e r a l m e n t e e s t o u c e r t o . E n t ã o ,
talvez ache que não possa ser nada.
Dirijo por alguns minutos, fazendo curvas sem
direção definida, até ter certeza de que não estamos
sendo seguidos. Decido parar em um pequeno mercado.
P r e c i s o d e u m m o m e n t o p a r a p e n s a r, p a r a a v a l i a r a
situação.
— F i q u e n o c a r r o c o m o H e i t o r, v o u c o m p r a r á g u a
— d i g o , j á s a i n d o a n t e s q u e e l a p o s s a p r o t e s t a r.
Entro no mercado e finjo olhar as prateleiras, mas
meu foco está na entrada, nos carros lá fora. Respiro
fundo, tentando manter a calma enquanto penso em todas
a s o p ç õ e s . Vo l t a r p a r a c a s a a g o r a , s e m s a b e r q u e m e s t á
n a q u e l e c a r r o , é u m r i s c o q u e e u n ã o p o s s o c o r r e r.
Pego uma garrafa de água, pago rapidamente e volto
para o carro. Marina me encara, tentando ler meu rosto,
procurando respostas.
— E agora? — ela pergunta, enquanto coloco o
cinto de segurança. — A dona Herbertina está lá.
— Va m o s d a r m a i s u m a v o l t a a n t e s d e v o l t a r. Q u e r o
ter certeza de que não estamos trazendo problemas para
casa.
Ela apenas assente, confiando em mim. Aperto o
volante com força e tomo o caminho de casa, atento a
c a d a m o v i m e n t o a o r e d o r. Q u a n d o e n t r o n o v a m e n t e n a
rua, o carro preto já não está mais lá. Meu olhar varre
cada canto, cada sombra, procurando qualquer sinal de
ameaça. Nada.
Estaciono em frente à casa e aperto o controle do
p o r t ã o . O u ç o o s o m f a m i l i a r d o m o t o r, m a s n ã o b a i x o a
guarda. Minhas mãos ainda estão firmes no volante, os
olhos atentos a qualquer movimento suspeito. O portão se
abre lentamente, e avanço, parando apenas quando estou
dentro da garagem. Pressiono o botão novamente e vejo a
p o r t a c o m e ç a r a s e f e c h a r, c o b r i n d o - n o s c o m o u m e s c u d o .
— Tu d o b e m — m u r m u r o , m a s a i n d a n ã o s o l t o o a r
preso nos pulmões.
Marina desce do carro, hesitante, mas vai até o
banco de trás e pega Heitor com cuidado. Ele resmunga
um pouco, ainda sonolento, sem saber da tempestade que
passa pela minha cabeça. Olho para Marina, e a
acompanho.
Ela percebe minha tensão, sente o peso da incerteza
n o a r.
— Diogo, estamos seguros agora, não estamos? —
ela pergunta, com o tom mais suave, como se quisesse me
t r a n q u i l i z a r.
Assinto, mas meu olhar ainda vagueia pela
garagem, pelos cantos, por cada ponto cego.
— Sim, estamos em casa.
Uma sensação de alívio começa a se misturar com a
a d r e n a l i n a q u e a i n d a c o r r e e m m i n h a s v e i a s . Ta l v e z f o s s e
a p e n a s p a r a n o i a , m a s p r e f i r o e s t a r a l e r t a . Vo l t o p a r a
Marina, que já está com Heitor nos braços, acariciando
suavemente a cabeça dele enquanto me observa.
— Va m o s e n t r a r — d i g o , f i n a l m e n t e , t e n t a n d o
parecer mais calmo. Ela me segue de perto, sem fazer
perguntas.
Me recordo do rapaz que vi no shopping e franzo o
cenho. Seria ele que encontrou minha casa? Mas como?
Assim que entro na sala, Marina vai até Herbertina e se
senta ao seu lado. Não podemos mais ficar aqui, não até
que eu tenha certeza de que não estamos em real perigo.
A s d u a s c o m e ç a m a c o n v e r s a r, e u s o i s s o a o m e u f a v o r.
Ando até o meu quarto e quando e entro nele. Ligo o
c o m p u t a d o r, e a c e s s o o a p l i c a t i v o d a s c â m e r a s .
Minhas mãos se movem rápidas, digitando a senha
s e m h e s i t a r.
As imagens começam a aparecer na tela, uma após a
outra. Primeiro, a entrada da casa. Depois, a vista da rua.
As gravações se sucedem em sequência, e eu ajusto o
zoom assim que vejo o carro parado. Retrocedo as
imagens e no momento que o carro estaciona, foi quando
minutos antes saímos. Por isso eu não o vi ali quando
saímos.
Ninguém sai do carro e ele continua parado. Sem
demora pego a placa, e jogo nos sistemas e bancos de
dados que contêm informações sobre placas de veículos.
Nada é encontrado, e isso me faz soltar um suspiro
inquietante.
*** ***
Marina
— Vo c ê e s t á u m p o u c o a é r e a ? — a p e r g u n t a m e t r a z
de volta. Olho para dona Herbertina. — O que aconteceu
lá?
— Nada — dou de ombros, não quero preocupá-la
com isso. — Deu tudo certo.
A n t e s q u e e l a p o s s a m e r e s p o n d e r, n a t v o p l a n t ã o
de notícias nos chama a atenção.
O n a rc o t r a f i c a n t e p re s o n o c o m e ç o d e s s e m ê s n a
Operação Encruzilhada, foi assassinado hoje a caminho
d e u m h a n g a r p a r t i c u l a r. J u a n i t o , m a s c o n h e c i d o c o m o E l
Fantasma, seria deportado para o país de origem, para
que assim fosse julgado em seu país natal. Assim como
Juanito, o advogado Callion Hernandéz e mais três
agentes da imigração, também foram mortos. As
i n f o r m a ç õ e s p a s s a d a s é d e q u e d u a s v a n s p re t a s
c e rc a r a m o c a r ro q u e e s t a v a l e v a n d o o p re s o , e a t i r a r a m
com fuzis. A suspeita é de que tenha sido um acerto de
c o n t a s . J u a n i t o f o i p re s o p e l o a g e n t e F a r u k d a
Superintendência Regional da Polícia Federal do RJ, que
comandou a operação aqui no Rio. Juanito deveria ser
julgado aqui no Brasil, mas por conta de uma decisão do
Juiz Emílio Cavalcanti, o p re s o pôde usufruir
momentaneamente dessa liberade.
Pela visão periférica vejo Diogo se aproximar com
o olhar surpreso.
— Diogo?
Ele me olha ao mesmo tempo que seu celular toca.
O observo atender e ficar alguns minutos calado, apenas
ouvindo.
— Certo, pai. — Diogo afirma, mas sem tirar os
o l h o s d a T V.
Ajeito Heitor nos meus braços, ansiosa para saber o
q u e e l e t e m p a r a d i z e r.
— Então, meu filho! — dona Herbertina fala ao meu
lado. — O que foi?
Assim que ele encerra a ligação, ele nos olha. Algo
me diz que o carro preto estacionado na rua, não é uma
coincidência.
— Meu pai viu o que aconteceu e quer que fiquemos
na casa dele, até que tudo esteja bem. Ele sabe que eu
estava nesse caso.
— Como assim? — indago com a voz trêmula. —
Até que tudo esteja bem? O que está acontecendo, Diogo?
Ele suspira e se senta ao meu lado, sua mão pega a
minha.
— Não quero que se assuste — ele pede calmo —,
mas eu acho que estou sendo seguido e agora isso
aconteceu.
Meu coração acelera, e sinto uma onda de ansiedade
tomar conta de mim. Meus dedos apertam a mão dele, e o
olhar de Diogo se mantém firme no meu.
— Seguido? Por quem? — pergunto, tentando
manter a voz firme, embora o medo se instale no meu
peito.
Diogo passa a mão pelo rosto, claramente tentando
escolher as palavras certas.
— Não tenho certeza ainda, mas desconfio que seja
alguém ligado ao caso em que estava trabalhando — ele
confessa. — Meu pai acha que é mais seguro ficarmos
todos juntos na casa dele até que eu descubra quem é e o
que realmente está acontecendo.
Olho para Heitor em meus braços, seu rostinho
tranquilo, alheio a tudo. A ideia de estarmos sendo
seguidos e de estarmos em perigo me assusta
profundamente. Me forço a respirar fundo, tentando
manter a calma.
— E o que você vai fazer? — pergunto em um
sussurro, sentindo o pânico crescendo dentro de mim.
— Vo u d e s c o b r i r q u e m e s t á p o r t r á s d i s s o — D i o g o
responde com firmeza. — Mas, enquanto isso, preciso
garantir que vocês estejam seguros. Não quero arriscar
nada. — sinto o peso da situação. A seriedade em seus
olhos me faz entender que ele está levando tudo muito a
sério. — Nós vamos ficar bem, Marina — ele continua,
apertando minha mão. — Confie em mim.
Eu o encaro por um momento, tentando encontrar
u m a r e s p o s t a n o s e u o l h a r. A s s i n t o l e n t a m e n t e , s a b e n d o
que, apesar do medo, não tenho outra escolha senão
confiar nele.
— Está bem, Diogo — murmuro. — Eu confio em
você.
Dona Herbertina se levanta.
— Vo u a j u d a r a j u n t a r t u d o p a r a v o c ê s i r e m .
— O quê? — Diogo franze o cenho. — A senhora
vai também.
— Sua mãe e eu na mesma casa? — ela franze o
cenho. — Filho, não vai dar certo. Eu vou para a minha
casa e nada vai acontecer comigo.
— D o n a H e r b e r t i n a — t e n t o f a z e n d o - a m e e n c a r a r.
— A senhora não pode ficar sozinha.
— Então a senhora vai passar alguns dias na casa
da sua irmã — Diogo fala olhando diretamente para ela.
— Vo u p e d i r p a r a q u e u m a g e n t e v á c o m a s e n h o r a .
— Acha mesmo necessário?
— A senhora é importante para mim — ele fala, me
arranca um sorriso e um olhar emocionado de dona
Herbertina. — Eu não vou deixá-la desamparada.
Sem falar nada, dona Herbertina o abraça e ele
d e m o r a u n s s e g u n d o p a r a r e a g i r. M a s l o g o a a b r a ç a d e
volta. Assim que se separam, ela vai em direção ao
c o r r e d o r.
H e i t o r a b r e o s o l h i n h o s d e v a g a r, a i n d a s o n o l e n t o , e
faz um beicinho antes de soltar um suspiro. Passo a mão
suavemente pela sua cabeça, tentando acalmá-lo antes
que o choro comece de verdade.
— S h h h , m e u a m o r. . . — s u s s u r r o , b a l a n ç a n d o - o
levemente. — Está tudo bem.
Ele me olha com aqueles olhinhos curiosos, como
se estivesse tentando entender o que está acontecendo.
Sinto um aperto no peito ao pensar que, mesmo tão
p e q u e n o , e l e p o d e s e n t i r a t e n s ã o n o a r. Te n t o s o r r i r p a r a
ele, mostrando uma calma que, no fundo, estou longe de
s e n t i r.
Diogo observa a cena em silêncio, seus olhos
suavizando por um momento ao ver o meu bebê em meus
braços. Ele se aproxima e passa a mão no rostinho de
H e i t o r, q u e i m e d i a t a m e n t e o l h a e m s u a d i r e ç ã o .
— Eu sinto muito por ter que irmos para a casa do
meu pai — avisa e eu aceno. — Não quero ir para um
hotel, não é seguro. Não tenho outra casa, apenas essa e
dado as coisas que já aconteceram desde que assumi essa
operação... não pode ser coincidência. — eu concordo e
logo sinto um carinho na bochecha. — Hoje foi o carro
n a r u a , a m a n h ã p o d e r i a s e r a l g o p i o r.
— Eu fico com medo só de imaginar — comento
sincera. Diogo continua o carinho em mim, para em
seguida me beijar os lábios. — E se sua mãe falar para o
seu pai?
— E estragar o noivado do Felipe?
D e s v i o o o l h a r p a r a H e i t o r, e o c o l o c o e m p é . N ã o
ligo para Felipe, mas me preocupo com as consequências
da nossa mentira, não quero que Diogo saia prejudicado.
Solto um suspiro e beijo a cabeça do meu bebê.
— Heitor Arslan — falo em voz alta, olho para
D i o g o q u e s o r r i . — Vo c ê g o s t o u d o s e u s o b r e n o m e , m e u
bebê? Tão lindo e comportado, não chorou em nenhum
m o m e n t o . Vo c ê é o a m o r d a m i n h a v i d a , m e u b e b ê . —
minha voz é fofa e calma.
Os olhinhos grandes e verdes de Heitor parecem me
encarar com uma curiosidade inocente, como se ele
entendesse o que estou sentindo. Ele solta um sorriso
banguela, tão puro e sincero, que sinto meu coração se
aquecer de imediato. É incrível como um sorriso tão
simples pode me trazer tanta paz.
— Acho que ele entende o que você está falando —
Diogo comenta em um tom baixo, como se estivesse
compartilhando um segredo.
Passo os dedos pela bochechinha macia do meu
b e b ê , e m e u s o r r i s o c r e s c e a i n d a m a i s . To d o o m e d o e a
preocupação parecem diminuir um pouco diante daquele
pequeno ser que, mesmo sem palavras, me dá tanta força.
— Ele entende — murmuro, sem tirar os olhos do
m e u f i l h o . — D e v e r i a t e n t a r.
Diogo me encara um tanto confuso, e volta o olhar
p a r a o c o r r e d o r.
— Eu vou juntar as minhas roupas para irmos. —
e l e d i z e e u a c e n o . — Vo u f a z e r d e t u d o p a r a q u e e s s a
estadia não dure muito tempo.
— Tu d o b e m — r e s p o n d o e e l e n o v a m e n t e m e b e i j a
os lábios.
E l e s e a f a s t a c o m a q u e l e b r i l h o n o o l h a r, d e i x a n d o
um rastro de presença que parece preencher todo o
a m b i e n t e . Q u a n d o d e s a p a r e c e n o c o r r e d o r, f i c o a l i ,
tentando acalmar as borboletas que insistem em voar
dentro de mim. Meu coração bate acelerado, e a sensação
de estar apaixonada me envolve por completo, como se eu
estivesse flutuando em meio a uma nuvem de emoções.
Fico de pé e decido ir ajudar dona Herbertina.
Saber que Diogo foi seguido e que a qualquer momento o
que aconteceu com o preso, possa chegar em nós, me
deixa com o coração aos pulos de medo. Por um momento
esqueci completamente que o trabalho de Diogo é sim
perigoso, seus riscos diários, e voltar para a realidade me
deixa completamente perdida.
C a p í t u l o 1 9 – D i o g o
Um mês.
Já tem um mês que estou com o meu bebê e Diogo,
morando na casa dos pais dele. Para a minha surpresa,
Felipe desde que soube da nossa vinda para cá, não se
dirigiu em nenhum momento ou se quer tentou falar
comigo. Mas seus olhares, quando percebo que
direcionados a mim, me faz sentir um arrepio de medo.
É como se ele estivesse à espreita, esperando um
m o m e n t o p a r a a g i r, p a r a d i z e r o u f a z e r a l g o q u e m e f a ç a
questionar ainda mais minha segurança aqui. Por um
lado, é um alívio não ter que lidar com ele diretamente,
m a s , p o r o u t r o , o s i l ê n c i o d e l e é p e r t u r b a d o r. A a u s ê n c i a
de palavras pode ser tão ameaçadora quanto a presença
delas.
Com um suspiro, busco meu bebê no berço, e em
seguida pego a bolsa dele. Hoje temos consulta e Diogo,
q u e e s t á n o t r a b a l h o , p r o m e t e u v i r n o s b u s c a r. D e s d e q u e
voltou ao departamento, ele está empenhado a resolver
logo a situação para que possamos voltar para casa. Pelo
q u e s a i u n a T V, o t a l t r a f i c a n t e f o i m o r t o p o r i n i m i g o s
q u e s a b i a m q u e e l e s e r i a t r a n s f e r i d o . Ta l v e z u m a c e r t o d e
contas, ou queima de arquivos como Igor falou na semana
passada.
E l e e d o n a H e r b e r t i n a v i e r a m n o s v i s i t a r, a p e s a r d a
mãe do Diogo não gostar de ver Herbertina, evitou ficar
por perto.
Saio do quarto e com cuidado desço as escadas.
A s s i m q u e c h e g o n a s a l a , v e j o Te r e z a — a c o z i n h e i r a —
passar em direção a cozinha. Ela me sorri educada e eu
retribuo. Me sento no sofá da sala e sorrio para o meu
bebê que já está maiorzinho e mais esperto. Acho incrível
q u a n d o D i o g o c h e g a , c h a m a p o r H e i t o r, e e l e f i c a
procurando com os olhos. Só falta falar de felicidade. O
beijo nos cabelinhos pretos e o posiciono em meu colo.
— Boa tarde, Marina — levanto meu olhar e
observo Amanda descer as escadas. Está impecável com
um salto, calça jeans e uma blusa de alfaiataria verde. Já
faz alguns dias que ela é hóspede, também evita falar
comigo e pelo que soube, hoje é alguma prova de algo do
casamento. Ela para próxima a mim, percorre o olhar por
m i n h a r o u p a e d á u m s o r r i s i n h o d e l a d o . — Va i s a i r ?
É t ã o n í t i d o o d e s d é m e m s e u o l h a r.
— Boa tarde — respondo educada e posiciono meu
b e b ê p a r a m a i s p e r t o d e m i m . — Te m o s c o n s u l t a s .
— Ah — Amanda cruza os braços. — Esperando o
Uber?
— D i o g o — r e s p o n d o f a z e n d o - a s o r r i r. — E s t á
q u a s e n a h o r a d e l e c h e g a r.
Ela se aproxima mais e sorri para o meu bebê.
— Acho bonito o Diogo ir te levar — comenta e eu
apenas a observo. — Mas se bem que deve ser mais
c a n s a t i v o p a r a e l e . I r t r a b a l h a r, p e g a r a q u e l e t r â n s i t o
horrível, te levar para a consulta, depois voltar para te
t r a z e r, v o l t a r p a r a o t r a b a l h o — e l a r i b a l a n ç a n d o a m ã o .
— Realmente, muito trabalho assim. Ele não reclama? Ele
sai bem cedo, né? Não sei como ele aguenta.
F r a n z o o c e n h o e q u a n d o p e n s o e m r e s p o n d e r,
escutamos um carro estacionando em frente. Olhamos ao
mesmo tempo para a entrada e em questões de segundos,
Diogo aparece em nosso campo de visão. Ele está usando
um terno, seu olhar encontra o meu e enquanto se
aproxima, ignora Amanda.
— Desculpe a demora — pede e eu fico de pé. — O
trânsito estava horrível.
Assim que ele fala aquilo, olho para Amanda que
me sorri como se dissesse “eu te disse”.
— Tu d o b e m — d o u d e o m b r o s e n q u a n t o e l e p e g a a
b o l s a d e H e i t o r, e o t o c a n a b o c h e c h a c o m c a r i n h o . —
Tc h a u A m a n d a .
— A h , D i o g o ! — e l a o c h a m a f a z e n d o - o s u s p i r a r.
Seu olhar muda para um mais sério. — Será que tem
como me deixar na avenida principal?
— Não — nega colocando uma mão em minhas
costas, indicando a saída. — Eu não vou pela avenida
p r i n c i p a l . P o d e c h a m a r u m U b e r, m a s v a i t e r q u e e s p e r a r
na portaria. Carros desconhecidos não entram.
— Posso ficar em qualquer parte que puder me
deixar naquelas redondezas. — Amanda tenta de novo. —
A c h o q u e o U b e r i r i a d e m o r a r, n ã o q u e r o c h e g a r a t r a s a d a .
— Então talvez devesse ter saído mais cedo — ele
r e s p o n d e e t e n t o s e g u r a r m e u s o r r i s o . — Va m o s i n d o ? —
pergunta para mim, rapidamente aceno.
— Tu d o b e m , D i o g o . F i c a p a r a u m a p r ó x i m a . —
Amanda responde e mesmo não vendo seu rosto, sei que
ela não gostou da resposta.
Ando com Diogo para fora da casa, e quando
estamos ao lado da caminhonete, olho para seu rosto. Ele
a o n o t a r m e u o l h a r, s o r r i e s e c u r v a p a r a m e b e i j a o s
lábios. Em seguida abre a porta traseira, ele pega Heitor
dos meus braços e sorri carinhoso. Enquanto conversa
baixinho com o meu bebê, o coloca na cadeirinha.
Cada movimento dele é cuidadoso, quase como se
estivesse manuseando algo extremamente precioso. A
forma como seus olhos suavizam quando ele olha para o
meu bebê me faz perceber o quanto Diogo está
comprometido em ser o pai que Heitor precisa.
Enquanto ele ajusta as correias da cadeirinha e
verifica se tudo está seguro, meu coração se enche de
uma mistura de gratidão, admiração e algo mais. Heitor
solta um pequeno resmungo, e Diogo responde com um
sussurro suave, acariciando-o no rostinho.
Depois de garantir que Heitor está confortável, ele
fecha a porta traseira com cuidado e, em um gesto que já
se tornou natural para nós, estende a mão para mim. Eu a
aceito, sentindo o calor de sua palma contra a minha.
— O que foi? — Diogo pergunta adotando um tom
carinhoso. — Não estamos tão atrasados — murmura e
logo desliza os dedos por meu rosto. — Demorei a sair
porque estava em uma reunião.
— Não estou te atrapalhando, né?
Diogo me encara confuso e nega com a cabeça.
— Nem você ou o Heitor me atrapalham — afirma e
carinhosamente me beija novamente. — Então não
pensem nisso.
Sorrio e quando Diogo se inclina para me beijar
mais uma vez. Preciso conter as borboletas em meu
estômago que estão agitadas. Esse tempo que passamos
j u n t o s , e v e r a f o r m a c o m o e l e m e t r a t a e t r a t a H e i t o r, m e
trouxe a certeza de que estou apaixonada por Diogo.
Afinal, esse sentimento forte só pode ser isso. Aquela
necessidade de estar ao lado dele, de contar os minutos
p a r a e l e c h e g a r, d o s b e i j o s , d o s t o q u e s . . . de vê-lo
c o n v e r s a n d o e s o r r i n d o p a r a H e i t o r. . .
Sinto a barba de Diogo roçar minha pele
novamente, e é como se uma corrente elétrica percorresse
meu corpo, cada célula reagindo ao toque dele. Aperto
meus dedos em sua nuca, puxando-o para mais perto,
como se isso fosse suficiente para acalmar o fogo que me
consome por dentro.
Os últimos dias foram uma mistura de emoções
intensas e o que mais se sobressaiu foi o desejo. Parecia
que cada toque dele trazia uma nova onda de sensações,
cada vez mais profundas, cada vez mais irresistíveis.
Diogo tem sido paciente, sempre respeitando meus
limites, mas seu toque sempre foi um lembrete de que ele
está ali, ao meu lado, disposto e carinhoso.
Nunca imaginei que me encontraria ansiando tão
desesperadamente pelo toque de um homem, mas com
Diogo, é diferente. Ele não é apenas um homem; ele é o
homem que me fez redescobrir partes de mim que eu
tinha esquecido, o homem que, mesmo nas piores
tempestades, se tornou meu porto seguro.
Encerro o beijo com muito custo e apoio minhas
mãos em seu peito. Seu perfume me deixa totalmente
inebriada, louca para encontrar seu calor novamente,
sentir a textura da sua pele sob minhas mãos. O coração
b a t e a c e l e r a d o n o m e u p e i t o , e é d i f í c i l m e a f a s t a r,
mesmo por um momento. Os olhos de Diogo me observam
atentamente, um misto de desejo e ternura que me deixa
ainda mais apaixonada. Respiro fundo, tentando controlar
a agitação que se instalou dentro de mim.
— Melhor irmos agora — falo e ele concorda
a j e i t a n d o a p o s t u r a . — Vo c ê f i c a m u i t o b o n i t o d e t e r n o .
— Obrigado — Diogo sorri e abre a porta do
p a s s a g e i r o p a r a m i m . — Vo c ê t a m b é m e s t á m u i t o b o n i t a
com esse vestido.
Passo a mão no tecido e ajeito a regulagem na parte
da cintura. Deixei o salto de lado e calcei uma sapatilha
que estava bem guardada na mala. Me sinto bonita, mas
preciso admitir que ver Amanda toda elegante, me deixou
um pouco sem confiança e por um momento lembro das
qualidades que Adriana disse sobre Amanda.
Acomodo-me no assento e observo Diogo correr
para o lugar do motorista.
Enquanto coloco o cinto, noto Amanda sair da casa
e ir a passos rápidos para a portaria. Olho para Diogo que
mantém a atenção no caminho, e quando finalmente
saímos, eu solto um suspiro.
— O que foi?
— Nada. — sorrio, mas ele continua esperando uma
resposta decente. — Só sinto saudades de ser apenas a
gente.
— Eu entendo — fala voltando a olhar para a pista.
— Eu verifiquei as câmeras de seguranças da casa, e não
achei nada de diferente — avisa e eu o encaro. — Mesmo
assim não me sinto confortável de deixar você, Heitor e
dona Herbertina sozinhos lá. O condomínio é mais
seguro.
— Não pensou em morar no condomínio?
— Não até agora — confidencia e olha rápido para
mim. — Me mudar para longe foi o meio que achei
m e l h o r. M i n h a m ã e é u m a p e s s o a d i f í c i l .
Concordo, então franzo o cenho com o detalhe que
ele disse.
— Quantas câmeras têm na casa?
— Na parte da frente e trás são três, totalizando
seis — responde com o olhar pensativo. — Na área de
dentro, e no quintal também tem câmeras. Na sala, e nos
quartos.
— Na sala? — questiono sentindo meu rosto pegar
fogo. — Mas... fizemos aquilo na sala. — meu olhar é
assustado. — Mais alguém viu?
— Não — ele nega rápido com o semblante sério. —
Eu instalei as câmeras e apenas eu tenho o acesso delas.
N ã o e r a a i n t e n ç ã o g r a v a r, m a s n ã o s e p r e o c u p e , n i n g u é m
vai ver aquilo.
— Vo c ê vai apagar? — minha voz sai quase
sussurrada.
— Já apaguei — avisa e eu solto um suspiro calmo.
Ele busca a minha mão e a beija. — Não se preocupe.
Sorrio agradecida e encosto minha cabeça na janela,
mas as lembranças nublam minha mente. Na sala da casa
dele, foi a primeira vez que dei prazer a Diogo e quase
f i q u e i c o m m e d o d e n ã o c o n s e g u i r. Ve r e p e g a r e m s e u
pau enorme, foi realmente uma surpresa para mim, mas
e u d e v e r i a d e s c o n f i a r. D i o g o é b e m a l t o , e n t ã o e r a ó b v i o
que seu tamanho também seria proporcional.
— Qual a sua altura?
Ele me olha confuso, mas logo responde.
— 1,90.
— E q u a n t o c a l ç a ? — s e u o l h a r v o l t a a m e p r o c u r a r,
então ele sorri. — Não é nada disso que está pensando. —
minto, fazendo-o sorrir mais.
— Eu não pensei em nada — se justifica ainda
sorrindo. — 45. E você?
— 36, e tenho 1,67 — falo reprimindo um sorriso.
— São quase 1,70 se você reparar bem.
— Claro! Quase uma gigante — debocha em um
tom risonho. — Nem parece que preciso me curvar todo
p a r a t e b e i j a r.
Cruzo os braços achando-o lindo sorrir desse jeito
brincalhão.
— Isso saiu como uma reclamação — comento e
arqueio a sobrancelha. — Por acaso está reclamando?
— Longe de mim. — Diogo para no sinal, então
encosta o braço na janela fechada. — Hoje foi um dia
estranho.
— Como assim?
— Igor estava calado demais — ele fala e me olha
dando de ombros. — Ele não é de ficar calado. Sempre
p e r g u n t a p e l o H e i t o r, c o m o e s t á a c o n v i v ê n c i a n a c a s a
dos meus pais..., mas hoje ele pareceu um tanto disperso.
— E você perguntou o que aconteceu?
— Perguntei se a dona Herbertina estava bem —
responde. — Ele disse que sim.
— Mas perguntou se ele estava?
Diogo para por um minuto e me olha de relance.
— Ele sabe que pode se abrir comigo.
— Ou talvez ele precise saber que você está aqui
para ele. — murmuro e ele me olha. — As vezes é preciso
falar o óbvio.
Diogo fica uns minutos calado, então concorda.
Te r m i n a m o s o t r a j e t o e e s p e r o D i o g o e s t a c i o n a r n a v a g a
d i s p o n í v e l d o h o s p i t a l . A n t e s d e d e s c e r, o o b s e r v o
abotoar o terno e colocar o distintivo por dentro do
paletó, escondendo-o parcialmente.
— Va m o s ? — e l e m e p e r g u n t a , o l h a n d o d i r e t a m e n t e
nos meus olhos.
— Va m o s . — r e s p o n d o , e r e t i r o o c i n t o .
Diogo rapidamente desce e dá a volta até parar ao
meu lado, ele abre a porta para mim, e eu desço da
caminhonete. Ao meu lado, ele ajeita a gravata com uma
das mãos enquanto a outra abre a porta traseira. Diogo
l o g o p e g a a b o l s a d e H e i t o r, e n q u a n t o e u p e g o o m e u
bebê com carinho. Olho para o lado, só para ver Diogo
o l h a r a t e n t o a o r e d o r. S u a m ã o e n c o s t a n a b a s e d a s
m i n h a s c o s t a s , e n t ã o c o m e ç a m o s a a n d a r.
Ao entrarmos no hospital, o cheiro de antisséptico e
o som baixo de murmúrios me atingem. Paramos na
r e c e p ç ã o e D i o g o s e i n f o r m a q u a l a n d a r p r e c i s a m o s i r.
C o m t u d o e s c l a r e c i d o , v a m o s a t é o e l e v a d o r. A m i n h a
c o n s u l t a f i c a n o t e r c e i r o a n d a r. H e i t o r r e s m u n g a e D i o g o
o toca na mãozinha, falando com ele de forma fofa.
Aquilo me arranca um sorriso, algum dia eu conseguiria
olhar aquela cena sem sentir meu peito aquecer com
aquele sentimento forte?
S a í m o s d o e l e v a d o r e c a m i n h a m o s p e l o c o r r e d o r.
Nas cadeiras próximas posso ver algumas mamães
esperando, algumas sozinhas e outras acompanhadas.
Diogo aponta para uma cadeira e assim que me sento, ele
vai até a recepção. Duas enfermeiras estão conversando,
mas ao terem a presença de Diogo perto, se calam.
Ele fala brevemente e em seguida volta para o meu
lado.
— Ela está atendendo, quando saírem, será a nossa
v e z . — a v i s a e o l h a a o r e d o r, m a s l o g o v o l t a a m e
e n c a r a r. — Q u e r q u e e u e n t r e c o m v o c ê ?
— Quero — afirmo e sorrio. Heitor resmunga mais
uma vez, e dessa vez Diogo o pega. — Que dengoso.
— O papa... — Diogo trava e engole em seco,
p e r c e b o s e u o l h a r v i r e m m i m , m a s l o g o d e s v i a r. — E u
não ligo de você ser dengoso.
Meu coração acelera ao perceber o que Diogo
e s t a v a p r e s t e s a d i z e r. " P a p a i " . E r a i s s o q u e e l e i r i a
f a l a r, e d e n t r o d e m i m , e u d i g o u m v i b r a n t e " s i m ! " D i o g o
já protege e cuida de Heitor como se fosse seu, mas ouvir
isso em voz alta, reconhecido em palavras, é algo muito
m a i s p r o f u n d o . Ta l v e z e u p r e c i s e d a r u m e m p u r r ã o z i n h o
para que ele perceba que já o aceito plenamente, tanto
c o m o p a i d o H e i t o r, q u a n t o c o m o m e u h o m e m .
Ele o balança suavemente nos braços, um sorriso se
formando lentamente em seus lábios.
— Claro que o papai não liga por você ser dengoso
— falo com a voz suave e carinhosa. Encaro Diogo e vejo
sua surpresa; seus olhos brilham de um jeito que faz meu
c o r a ç ã o a c e l e r a r. — E l e a d o r a d a r a i n d a m a i s d e n g o a
e s s e b e b ê l i n d o . — S o r r i o p a r a H e i t o r, q u e m e r e t r i b u i
com um grande sorriso banguela. — É sim, meu bebê.
Muito dengo.
Ainda sorrindo, volto meu olhar para Diogo. Ele me
toca a bochecha, o toque é suave, mas cheio de
significado.
— Obrigado — ele murmura, a voz baixa e
emocionada.
Balanço a cabeça, minha mão alcança sua barba. É
impossível não notar a felicidade em seu rosto, e isso
também me deixa feliz.
Depois de alguns minutos de espera, um casal sai
do consultório, e somos chamados. Seguro a mão de
Diogo, sentindo o calor e a firmeza de seus dedos,
enquanto entramos juntos. A médica nos recebe com um
sorriso atencioso e começa a examinar Heitor com
cuidado, verificando seu peso, altura e saúde geral. Ela
consulta o calendário de vacinação e olha para nós.
— Hoje vamos aplicar a segunda dose da vacina
contra Hepatite B, tudo bem? — explica ela, de forma
gentil.
Assinto, segurando a mão de Diogo com um pouco
mais de força. Ele olha para mim, e seu aperto
reconfortante me faz sentir segura.
— Va i s e r r á p i d o , m e u a m o r. — m u r m u r o p a r a
H e i t o r, t e n t a n d o c o n f o r t á - l o e n q u a n t o a m é d i c a s e
aproxima com as seringas.
Heitor resmunga, e eu fico apenas observando
enquanto a médica instrui Diogo sobre como segurá-lo
corretamente para a aplicação da vacina. Diogo segue as
instruções, ajustando Heitor em seus braços com
delicadeza, mas firmeza. Ele faz isso com tanta
n a t u r a l i d a d e q u e s i n t o u m a o n d a d e t e r n u r a m e i n v a d i r.
— Muito bem, agora é só manter a calma — a
m é d i c a c o n t i n u a p r e p a r a n d o a s e r i n g a . — Va i s e r r á p i d o ,
prometo.
Heitor se contorce um pouco, mas Diogo o segura
com cuidado, sua expressão focada, mas afetuosa.
— Tu d o b e m , p e q u e n i n o , o p a p a i e s t á a q u i — e l e
murmura suavemente, e meu coração acelera ao ouvir
suas palavras.
A médica aplica a vacina com rapidez e eficiência.
Heitor solta um grande choro, e Diogo começa a balançá-
lo enquanto conversa baixinho com ele.
— Pronto, já acabou — a médica diz, sorrindo. — A
mamãe está quase chorando — comenta e me sorri. — Ele
foi um campeão!
Olho para Diogo e vejo o orgulho em seus olhos.
Não posso deixar de sorrir também em meio a emoção,
tocando suavemente seu braço.
— E agora?
A médica nos entrega alguns papéis, explicando
sobre os cuidados após a vacinação e o cronograma das
próximas doses. Ela sorri gentilmente para nós,
claramente percebendo a conexão especial que formamos
ali.
— Lembrem-se de observar se ele terá alguma
reação — orienta. — Um pouco de febre ou irritação é
normal, mas se notarem algo diferente, não hesitem em
m e l i g a r.
— Obrigado, doutora — Diogo responde, ainda
embalando Heitor em seus braços. Sua voz é calma, mas
tem um toque de gratidão genuína.
— D e n a d a . Vo c ê s s ã o u m a l i n d a f a m í l i a — e l a
comenta com um pequeno sorriso. — Agora é sua vez
mamãe. Me conte como passou o resguardo?
R e s p i r o f u n d o e p e n s o n o q u e v o u d i z e r. S u t i l m e n t e
olho para Diogo, então ele dá um sorriso e fica de pé.
— Vo u t e e s p e r a r l á f o r a — f a l a e s e g u r a a b o l s a d e
H e i t o r. — O b r i g a d o m a i s u m a v e z d o u t o r a .
Assim que ficamos apenas nós, me volto para a
doutora e dou um pequeno sorriso.
— Foi um mês um pouco intenso — confesso,
ajeitando-me na cadeira. — Mas acho que estou me
recuperando bem. O Diogo é bem cuidadoso comigo e o
nosso bebê.
A médica sorri com compreensão, anotando algumas
coisas em seu prontuário.
— É normal se sentir assim — ela diz com
gentileza. — O resguardo é um período delicado, tanto
física quanto emocionalmente. Mas fico feliz em saber
que você tem apoio. E como está se sentindo agora?
Paro um momento, consigo perfeitamente sentir
meu rosto queimando de vergonha, mas preciso ser
franca.
— Doutora, posso perguntar algo mais pessoal? —
começo, um pouco hesitante. A médica acena com a
c a b e ç a , i n c e n t i v a n d o - m e a c o n t i n u a r. — É s o b r e . . . s e x o .
Quando posso voltar a ter?
Ela sorri compreensiva, como se já esperasse essa
pergunta.
— Claro, Marina. Essa é uma pergunta muito
comum. Geralmente, recomendamos esperar pelo menos
seis semanas após o parto, o que coincide com o período
d e r e s g u a r d o . M a s c a d a c a s o é ú n i c o . Vo c ê t e v e a l g u m
desconforto ou complicação durante o resguardo?
— Não, nada significativo. Estou me sentindo bem
— respondo, um pouco mais aliviada.
— Isso é um ótimo sinal — ela comenta, anotando
algo no prontuário. — Se você está se sentindo pronta e
confortável, pode voltar a ter relações sexuais. Só se
lembre de que é importante que ambos se sintam à
vontade. E, se sentir qualquer dor ou desconforto, é
melhor dar um tempo e voltar aqui.
— Entendi. Obrigada, doutora. Isso me tranquiliza
bastante.
Ela sorri de volta.
— F i c o f e l i z e m a j u d a r. O m a i s i m p o r t a n t e é q u e
você esteja se sentindo bem e que essa retomada aconteça
de forma natural para você e para o seu parceiro. E
lembre-se, que se não quiserem mais um bebê por agora,
precisam usar camisinha. Caso faça uso de um
contraceptivo, pode voltar a usá-lo, ele não interfere na
amamentação.
Sorrio, me sentindo mais segura.
— Obrigada novamente.
Ela se levanta junto comigo e me acompanha até a
porta.
— Se tiver qualquer dúvida ou preocupação, estou
a q u i p a r a a j u d a r.
Ao abrir a porta, vejo Diogo do lado de fora, ele
está sentado enquanto Heitor dorme tranquilo em seus
braços. No instante que me vê, sorri, mas está atento.
— Tu d o c e r t o ? — e l e p e r g u n t a , e s t e n d e n d o a m ã o
para mim.
— Tu d o c e r t o — r e s p o n d o , s o r r i n d o d e v o l t a . —
A g o r a , p o d e m o s i r.
Pego a bolsa de Heitor e andamos para fora. Minha
mente ansiosa formula imagens nossas, e só com isso
sinto meu corpo vibrar em antecipação. Eu não tenho uma
calcinha sensual que seja nova, a maioria é estilo vovó
por serem mais confortáveis. E pensando bem, não quero
ter a minha primeira vez com Diogo no quarto dele na
casa dos pais. Pensar isso me traz um sorriso nervoso,
sou totalmente hipócrita. Afinal, já me entreguei de
outras formas mais intensas para Diogo.
Mas não é errado querer tornar essa primeira vez,
depois do resguardo, de um jeito diferente. E assim como
ele, eu também preciso me entregar completamente a ele.
Q u a n d o c o m e ç a m o s a n o s b e i j a r, é q u a s e i m p o s s í v e l p a r a r
e i r d o r m i r. P o s s o c o n t a r n o s d e d o s , a s v e z e s q u e t i v e
vontade de montar Diogo e senti-lo bem fundo em mim.
Especialmente quando ele me toca com os dedos, ou
propõe de um jeito safado colocar só a cabecinha. Sorrio
nervosa.
— Está tudo bem? — ele pergunta quando estamos
chegando na caminhonete. — Bem pensativa.
— Nada demais — dou de ombros e paro ao lado da
porta traseira. — Diogo, poderíamos sair para jantar? —
e l e m e o l h a p o r a l g u n s s e g u n d o s . — Q u e r d i z e r, s e p u d e r,
sei que está sendo cauteloso.
Ele abre a porta de trás e deposita com cuidado
H e i t o r.
— Acho que podemos sim — fala e me olha, mas
volta a verificar meu pequeno. — Não quero que se sinta
presa de forma alguma.
— Não me sinto — retruco rápido. — É que, eu
quero sair com você. Um segundo encontro.
Diogo se vira para mim e me sorri.
— Tu d o b e m p o r m i m — c o n c o r d a , d a n d o - m e u m
b e i j o r á p i d o . — Vo u t e l e v a r e j á v o u p r o v i d e n c i a r n o s s a
volta para casa. Não gosto nem um pouco de estar lá, nem
de deixar você na mesma casa que minha mãe, Felipe e
Amanda. — Ele suspira, passando a mão pela barba. —
Sinto muito por tudo isso.
— Não, está tudo bem — dou de ombros. — No
início, fiquei com medo de o Felipe ou sua mãe falarem a
verdade, mas depois percebi que eles não fariam nada. Só
fico preocupada com a possibilidade de você se
p r e j u d i c a r.
Então, sinto um longo carinho no rosto. Os olhos
azuis de Diogo parecem ler minha alma, e como me sinto
nesse exato momento.
— Não recaindo em você e no Heitor — murmura
carinhoso. — Eu enfrento qualquer coisa por vocês.
C a p í t u l o 2 2 – M a r i n a
Te r m i n o d e d i g i t a r u m r e l a t ó r i o e o l h o p a r a o l a d o ,
pela parede de vidro, consigo ver Igor lendo uma
papelada. O conselho de Marina me vem a mente, e após
um suspiro me levanto da cadeira e saio da sala. Assim
que paro em sua frente, ele me olha esperando o que
t e n h o a d i z e r. P i g a r r e i o e a n t e s d e f a l a r, o l h o a o r e d o r,
nossos colegas estão ocupados demais em seus afazeres.
— Vo c ê s a b e q u e é m e u m e l h o r a m i g o — f a l o e e l e
me olha surpreso. — Então se algo está acontecendo e
você precisar de ajuda, sabe que pode falar comigo.
Igor se encosta na cadeira e dessa vez me sorri.
— Eu sei — afirma cruzando os braços. — Agora
por que isso?
Me sento na cadeira em frente a ele.
— Vo c ê e s t á c a l a d o , s é r i o d e m a i s . . . — c o m e n t o e
ele inclina o corpo para frente. — Não é você.
E l e r e s p i r a f u n d o e o l h a a o r e d o r. D e m o r a u n s
segundos, então balança a cabeça.
— É que eu vi uma coisa quando estava vindo —
fala baixinho. — Me deixou pensativo.
— O quê?
I g o r a b r e a b o c a p a r a f a l a r, m a s p a r a a b r u p t a m e n t e .
Olho para trás e vejo Marcelo se aproximar com um
pequeno sorriso.
— Papeando, não é? — nosso chefe pergunta, mas
logo sorri. — Estou brincando. Eu quero aquele relatório
q u e t e p e d i o n t e m , M o n t a g n e r.
— Claro! — observo meu amigo abrir uma gaveta e
pegar uma pasta. — Aqui.
— Obrigado — Marcelo nos encara, faz que vai
embora, mas logo nos olha. — Vão amanhã ao jantar do
Emílio Cavalcanti?
— Jantar? — indago confuso, mas então me lembro
que meu pai mencionou ele há dois dias. — A celebração
da aposentadoria dele. — comento recebendo um aceno.
— Soube, só não lembrei que é amanhã.
— Espero que vá, Diogo. — seu olhar está em mim.
— Muitas pessoas importantes estarão por lá. Pense em
como isso seria bom para a sua carreira.
C o n c o r d o e o o b s e r v o i r. M e v o l t o p a r a I g o r q u e
tem a atenção em Marcelo, mas não dura muito.
— Ele tem razão.
— O que você viu? — pergunto curioso, fazendo
I g o r s u s p i r a r. — S a b e q u e p o d e c o n f i a r e m m i m .
Ele assente com a cabeça. Então me encara.
— Estou vindo por um caminho diferente, por estar
na casa da tia HBT — fala e eu concordo. — Então, no
semáforo na avenida da praça histórica, eu vi uma moto
parar ao lado do carro do Marcelo, ele entregou um
envelope e o garupa entregou um pacote. No fim os dois
apertaram as mãos e cada um pegou destino diferente.
— O quê? — franzo o cenho. — Um envelope e
pacote?
— Pois é — afirma me olhando nos olhos. — Foi
algo bem rápido e suspeito. Enquanto uns morrem, outros
são perseguidos... ele recebe um presente misterioso?
— I s s o é u m a a c u s a ç ã o g r a v e , I g o r.
— E você acha que eu não sei? — ele indaga e
posso ver a sinceridade em seus olhos. Ele está
visivelmente perturbado com isso. — Só comentei com
você. Por que sinceramente? Não consigo confiar em
mais ninguém aqui.
Ficamos nos encarando por alguns minutos, então
eu fico de pé.
— Va m o s p o r p a r t e s — p e ç o e r e c e b o u m a c e n o . —
P o d e t e r s i d o u m a e n c o m e n d a q u a l q u e r.
— Sendo entregue no semáforo? — Igor cruza os
braços com o olhar descrente. — Se fosse algo banal, por
que não ser entregue aqui? Ou na casa dele? Isso está
muito estranho. — ele olha para a tela do notebook em
cima da mesa, em seguida para mim. — Poderíamos
i n v e s t i g a r. S ó a g e n t e .
— Se estivermos errados... — murmuro para ele. —
Podemos perder nosso emprego.
— Inferno! — Igor pragueja e fica de pé. — Preciso
de um cafezinho. O que vai fazer hoje?
— Eu pensei em voltar para casa — comento
enquanto andamos lado a lado. — Nada mais aconteceu,
verifiquei as câmeras e tudo está normal. Um mês é
tempo demais naquela casa, Marina fica praticamente no
quarto, só sai pela manhã quando estou em casa.
— E o seu irmão? Aprontou?
— Ele não para em casa, mal o vejo por lá —
respondo e o observo parar em frente a mesa de café. —
Soube por alto que a Beatriz está redecorando o
apartamento. Minha mãe convidou a Amanda para passar
uns dias por lá. Parece ter sido de propósito.
— Amanda — ele repete com o cenho franzido. —
Já tive o desprazer de conhecê-la há alguns anos, chata.
É muito bonita, mas a Marina é mais. — assim que ele
f a l a a q u i l o e u t e n t o n ã o l i g a r. — A M a r i n a t e m a q u e l e
j e i t o d o c e d e s o r r i r, e d u c a d a , l i n d o s o l h o s , l i n d o
sorriso... Realmente muito bonita. — travo a mandíbula
morrendo de ciúmes, e talvez notando isso, meu amigo
c o m e ç a a r i r. — E n t ã o v o c ê s e s t ã o f i r m e s m e s m o ? O u s ó
fingindo?
— Ela está comigo! — esclareço fazendo-o balançar
a cabeça. — E o Heitor já me chamou de papai.
— Agora isso é mentira! — Igor ri alto. — O cara
de joelho nem dente tem ainda. Como que vai falar?
O observo encher uma caneca de café e seguida dar
um gole.
— Estou apaixonado por ela — aviso abruptamente,
e i s s o o f a z m e o l h a r. — C o m o n u n c a e s t i v e a n t e s . —
quando ele se mantém calado, eu continuo sem ligar se
estou parecendo um bobo. — Eu me sinto nervoso quando
estou perto dela, mas é um nervosismo bom, um calor que
m e a b r a ç a o p e i t o e m e f a z q u e r e r s o r r i r. . . q u e r e r e s t a r
c o m e l a , c o m o H e i t o r. N ã o p r e c i s a m o s f a z e r n a d a , s ó o
fato de ela estar perto, já me traz um sentimento bom.
C o m o s e f i n a l m e n t e e u p u d e s s e r e s p i r a r, d e p o i s d e m u i t o
tempo. Antes de nos mudarmos, eu fiquei com medo.
Medo deles se machucarem. Só essa possibilidade me tira
o chão.
Igor bebe mais um pouco do café e me olha com o
cenho franzido. Seu olhar vasculha o meu, como se
e s t i v e s s e p e n s a n d o n o q u e d i z e r. E e u f i c o a l i , a p e n a s
esperando uma reação.
— Isso não é paixão, meu amigo. — ele nega com
convicção. — Pode até sido antes — fala rápido quando
eu abro a boca para retrucar —, mas agora é outro
s e n t i m e n t o . Vo c ê s e v ê q u a n d o f a l a i s s o ? S e u s o l h o s a t é
brilharam. Sabe quando eu te vi assim? Quando fui com a
t i a , v i s i t a r v o c ê s . Vo c ê e s t a v a s o r r i n d o c o m o c a r a d e
joelho nos braços. Onde está o carrancudo que não tem
paciência com ninguém? — Igor ri e me bate o ombro. —
Vo c ê a m a e s s a m u l h e r, a m a o n o s s o b e b ê c o m c a r a d e
j o e l h o , e n e m a d i a n t a n e g a r.
P e n s o e m r e t r u c a r, m a s s u a s p a l a v r a s p a r e c e m f a z e r
sentido para mim. Então esse sentimento é amor? Isso me
pega de surpresa, e por um momento fico com receio. Ela
também me ama?
— I g o r. . . — o c h a m o , e e l e m e e n c a r a . — N ã o
chame o Heitor de cara de joelho. — falo e ele leva a
mão ao quadril. — A Marina não gosta.
— A mulher e o seu dom em mandar no homem —
ele fala e sorri. — Eu sinto muito por ela, mas o carinha
de joelho e eu, temos uma conexão forte de tio/padrinho
q u e v o c ê s n ã o v ã o e n t e n d e r.
— Ela é a mãe.
— E...? — Igor termina de beber o café e cruza os
b r a ç o s . — Q u a n d o e l e c r e s c e r, v o u c o n t a r d e s s a o p r e s s ã o
que estão fazendo comigo, e ele com certeza vai ficar do
meu lado. — ele olha rapidamente o horário no celular e
s o r r i . — F a l t a m d e z m i n u t o s p a r a l a r g a r, m e l h o r e u j u n t a r
m i n h a s c o i s a s . Va i m e s m o s e m u d a r h o j e ? S e q u i s e r p o s s o
t e a c o m p a n h a r.
— Acho que a Marina vai ficar feliz — falo e busco
o c e l u l a r. S ã o 1 8 h 5 0 . — N ã o p r e c i s a , a d o n a H e r b e r t i n a . . .
— Está morrendo de saudades do C.Jota.
— D e q u e m ? — f r a n z o o c e n h o s e m c o m p r e e n d e r.
— O cara de joelho.
Reviro os olhos recebendo um sorriso e volto para a
minha sala. Marina com certeza não iria gostar desse
n o v o a p e l i d o , m a s p e l o m e n o s f i z a m i n h a p a r t e e m p e d i r.
Na minha sala, pego meu paletó, chaves da caminhonete e
a carteira. Encerro as atividades do computador e guardo
na gaveta o novo caso que me foi passado.
Ainda me sinto inconformado como tudo ocorreu em
questão da operação encruzilhada. Mesmo tendo as
características de um assassinato, Marcelo decidiu
arquivar temporariamente esse caso por achar as provas
insuficientes, já que Juanito morreu. Ele que sabia de
quem estava por trás, e infelizmente tudo isso aconteceu.
Então aquilo que Igor me confidenciou vem a minha
mente. Seria o Marcelo o traidor? Igor havia sido firme
ao sugerir essa possibilidade, e, embora me custasse
a c r e d i t a r, e r a d i f í c i l i g n o r a r a f o r m a c o m o a s p e ç a s
p a r e c i a m s e e n c a i x a r. S e m f a l a r q u e o v i c o c h i c h a n d o
com o advogado de Juanito naquela tarde. Um agente
morto, uma operação sigilosa, e agora um arquivo
t e m p o r á r i o q u e n i n g u é m p a r e c i a q u e r e r r e a b r i r.
A ideia de ser Marcelo me deixava inquieto.
Levo a mão à nuca e a massageio.
— Vo u c o m v o c ê — I g o r a v i s a c o m a j a q u e t a e m
m ã o s . — Te a j u d o c o m a m i n i m u d a n ç a .
— Te m c e r t e z a ?
— Já avisei a dona Herbertina — fala andando ao
meu lado. — Ela ficou contente.
Balanço a cabeça e tomo o lugar do motorista,
enquanto meu amigo vai até o próprio carro estacionado
ao lado. Assim que dou a partida, meu pensamento vai até
M a r i n a e e u s o r r i o . Vo l t a r p a r a c a s a e t e r n o v a m e n t e a
privacidade com ela, me tira um sorriso malicioso. Estou
indo dormir de pau duro quase todas as noites, e só eu sei
o q u ã o d i f í c i l é m e c o n t r o l a r. Te r o c o r p o d e M a r i n a
colado ao meu, naquela cama pequena, e não poder tomá-
la com fúria.
Igor rapidamente passa por mim e buzina, vou logo
atrás.
P e g o o c e l u l a r e s u s p i r o . Vo u p r o v i d e n c i a r u m
celular para Marina, sempre quando estou no trabalho,
me pego pensando nela e que poderíamos conversar pelo
dia.
O caminho até que é rápido, chegamos quase ao
mesmo tempo na portaria e eu informo que Igor está
comigo. Entramos e Igor estaciona atrás de mim. Abro a
porta e meu amigo vai até o sofá e se senta.
— Tr a z o m e u s o b r i n h o / a f i l h a d o , p o r f a v o r — I g o r
manda enquanto se esparrama no sofá. — Saudades do
C.Jota.
— A Marina vai brigar com você — falo me
dirigindo as escadas. — E eu vou ficar do lado dela.
— Melhor amigo, hein? — ele debocha de braços
cruzados.
Sorrio e apresso o passo até o quarto. Chego no
corredor e franzo o cenho ao ver a porta aberta, Marina
sempre a mantém fechada. Adentro o quarto e fico
confuso ao vê-lo vazio, Heitor não está no berço, mas a
bolsa dele está na cômoda.
— Marina? — a chamo e vou até o banheiro. Abro a
porta o encontrando vazio, então tento a porta do closet.
Está trancada. — Marina?
— Diogo? — a voz soa baixinho, um pouco trêmula.
— Cheguei — aviso e olho para o quarto, estou
confuso. — O que faz aí? O Heitor está com você?
Demora uns segundos, mas ela logo abre a porta.
Assim que meus olhos batem em seu rosto, vejo o lábio
inferior cortado e um hematoma em sua bochecha. Meu
sangue ferve instantaneamente. Dou um passo à frente,
mas ela recua, ainda segurando Heitor com força contra o
peito. Meu olhar percorre seu rosto, procurando alguma
explicação.
— O que aconteceu? — pergunto, tentando manter a
calma, mas minha voz sai carregada de raiva e
preocupação.
Marina treme ligeiramente, os olhos se enchem de
l á g r i m a s e n q u a n t o d e s v i a o o l h a r. M e u c o r a ç ã o s e a p e r t a ,
e uma mistura de medo e fúria toma conta de mim.
— Diogo...
— Foi o Felipe? — pergunto mais firme, e ela me
olha como se tivesse sido pega em flagrante. Só isso já
me dá a resposta.
E l a a s s e n t e , b a i x i n h o . S i n t o m e u c o r p o e n r i j e c e r, a
adrenalina correndo em minhas veias. Não vou deixar
i s s o a s s i m . S e m m e c o n t e r, l h e d o u a s c o s t a s s a i n d o f e i t o
um furacão. No entanto, ela segura o meu braço, me
parando.
— Diogo, não... — ela pede, a voz embargada de
medo. — Ele já foi... não me deixa aqui sozinha.
Respiro fundo, tentando controlar a raiva que
a m e a ç a t r a n s b o r d a r. P u x o - a p a r a p e r t o d e m i m ,
e n v o l v e n d o - a n u m a b r a ç o p r o t e t o r. E n t ã o q u a n d o m i n h a
mão passa por seu ombro, percebo- desnudo-o, diferente
do outro lado. Lentamente eu seguro a alça que está
pendurada, e noto que ela está arrebentada.
— Desgraçado! — meu coração dispara. O que mais
ele fez? Marina se encolhe em meus braços, e eu sinto
uma onda de raiva, misturada com uma preocupação
q u a s e s u f o c a n t e . — M a r i n a , e l e . . . — c o m e ç o a p e r g u n t a r,
mas minha voz falha.
Não sei se quero ouvir a resposta. Não sei se estou
p r o n t o p a r a s a b e r o q u e m a i s e l e f o i c a p a z d e f a z e r. E l a
balança a cabeça, os olhos cheios de lágrimas, enquanto
segura minha camisa branca com força.
— Ele tentou... — sua voz é apenas um sussurro. —
M a s e u c o n s e g u i e s c a p a r. M e t r a n q u e i n o c l o s e t , f i q u e i
com medo dele estar lá fora, então fiquei até agora.
A sensação de alívio é momentânea, logo
substituída pela fúria pura e crua. Seguro o rosto dela,
meu polegar acariciando sua bochecha machucada.
— Me desculpe! — peço deixando-a confusa. Então
saio em disparada, Marina me chama, mas não paro.
Vo u a t é o q u a r t o d e F e l i p e , e n a r a i v a a c a b o
chutando a porta. Ela se abre violentamente, mostrando o
quarto vazio.
— Diogo! — Marina me chama, e eu a ignoro.
Vo u p a r a a e s c a d a e a d e s ç o c e g o d e ó d i o . I g o r a o
me ver alterado fica de pé, em alerta.
— Leve a Marina e o Heitor para a minha casa —
mando enquanto puxo do bolso as chaves. — Eu vou
encontrá-los lá!
— O quê? O que aconteceu? — ele pergunta
segurando meu braço. Então Marina desce as escadas,
ainda segurando Heitor nos braços. — O que houve
caralho?!
— E l e a a g r e d i u ! — r u j o f o c a d o e m I g o r. — E l e a
agrediu e tentou estuprá-la.
A expressão de Igor muda instantaneamente, seus
olhos se arregalam e o rosto endurece.
— Desgraçado... — Igor murmura entre os dentes, e
posso ver a mesma raiva crescendo dentro dele.
— I g o r, p o r f a v o r. . . — M a r i n a c o m e ç a , s u a v o z
trêmula. — Não deixe que ele saia assim!
Ve j o m e u a m i g o e n g o l i r e m s e c o , e s o l t a r o m e u
braço. Igor acena com a cabeça, embora seu olhar
permaneça fixo em mim. Ele sabe que eu não vou
descansar até encontrar Felipe. Não vou deixar passar o
que ele fez.
— Eu vou levá-los.
— O q u ê ? — o u ç o M a r i n a e x c l a m a r, H e i t o r c h o r a r,
mas não paro para olhá-la.
Rapidamente me afasto deles, meu corpo inteiro
treme de raiva. Saio pela porta da frente, determinado.
F e l i p e n ã o v a i e s c a p a r.
Ele vai pagar pelo que fez.
C a p í t u l o 2 3 – D i o g o