Oliveira Custodia

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RAFAEL SERRA OLIVEIRA

CADEIA DE CUSTÓDIA:
admissibilidade e valoração da prova pericial de DNA

Tese de Doutorado
Orientador: Professor Titular Dr. Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE DIREITO
São Paulo-SP
2020
RAFAEL SERRA OLIVEIRA

CADEIA DE CUSTÓDIA:
admissibilidade e valoração da prova pericial de DNA

Tese apresentada à Banca Examinadora do


Programa de Pós-Graduação em Direito, da
Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Direito, na
área de concentração Direito Processual, sob
a orientação do Prof. Titular Dr. Gustavo
Henrique Righi Ivahy Badaró.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE DIREITO
São Paulo-SP
2020
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
OLIVEIRA, Rafael Serra. Cadeia de custódia: admissibilidade e valoração da prova
pericial de DNA. 300 f. 2020. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2020.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA:

Professor(a):
Instituição: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Assinatura: ____________________________________________

Professor(a):
Instituição: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Assinatura: ____________________________________________

Professor(a):
Instituição:
Assinatura: ____________________________________________

Professor(a):
Instituição:
Assinatura: ____________________________________________

Professor(a):
Instituição:
Assinatura: ____________________________________________
Aos meus filhos, João e Helena.
Ao meu amor, Luiza.
Aos meus pais, irmãs e avó.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus filhos, João e Helena, e à minha esposa, Luiza, pela
paciência que tiveram para aguentar, ao longo de meses, o meu mau humor, as minhas
ausências aos finais de semana e as constantes dúvidas acadêmicas que, inadequadamente,
compartilhava com eles à mesa de jantar. A falta que eu sentia da acolhedora companhia de
vocês sempre foi a minha principal motivação para fazer e acabar este trabalho. Durante todo
o caminho, vocês me fizeram companhia dentro do meu coração e me deram carinho sempre
quando estávamos juntos. Agora, de volta por inteiro aos amores da minha vida, terei a
felicidade de retribuir tudo o que fizeram por mim.
Também agradeço aos meus pais, Andrea e Marcelo, às minhas irmãs, Mariana
e Carolina, e à vovó Terezinha, por terem permanecido ao meu lado por toda a vida, sempre
me dando apoio para seguir estudando. O amor que sempre me dedicaram fez com que eu
chegasse até aqui.
No plano acadêmico, agradeço ao meu orientador, Professor Gustavo Henrique
Righi Ivahy Badaró, pela atenção, paciência e dedicação com que sempre recebeu e
esclareceu as minhas dúvidas. O seu profundo conhecimento e a enorme admiração que
nutro pelo senhor deixaram o árduo trabalho de produção da tese de doutorado mais
prazeroso.
Agradeço ainda à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
nomeadamente aos Professores Antonio Magalhães Gomes Filho, Maurício Zanoide de
Moraes, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, José Raul Gavião de Almeida, Marcos
Alexandre Coelho Zilli, Marta Cristina Cury Saad Gimenes, André de Carvalho Ramos,
Heitor Vitor Mendonça Sica, Susana Henriques da Costa e Enrique Ricardo Lewandowski,
pelas aulas ministradas na pós-graduação, que contribuíram decisivamente para a minha
formação jurídica e desenvolvimento do pensamento crítico.
Aos amigos e companheiros de escritório, João Pedro Vidal, Julia Moraes e
Marcela Otero, agradeço pela disposição em auxiliarem na revisão do texto e também por,
na minha ausência, cuidarem com muito zelo e qualidade do trabalho diário da nossa
advocacia criminal.
Estendo os meus agradecimentos aos amigos Claudia Bernasconi, Renato
Marques Martins, Alberto Toron, Guilherme Paiva Corrêa da Silva, André Pinho Ribeiro,
Renato Villaça Di Dio, Cristina Alencar, Renato Stanziola Vieira, Danyelle Galvão e Felipe
Campana pelo necessário apoio, psicológico ou jurídico, que me dedicaram, cada um ao seu
tempo e modo, sempre quando solicitados.
Por fim, agradeço à Biblioteca do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM), nas pessoas de Anderson Fernandes Campos, Natalí de Lima Santos e Simone
Camargo Pinheiro Meneguetti Nogueira, pela ajuda na busca por livros e artigos,
economizando-me muito do tempo necessário para a realização dessa tarefa.
RESUMO

OLIVEIRA, Rafael Serra. Cadeia de custódia: admissibilidade e valoração da prova


pericial de DNA. 2020. 300 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2020.

O presente trabalho tem a finalidade de estabelecer os elos da cadeia de custódia da perícia


de identificação por DNA e as consequências resultantes da sua inobservância. Para atingir
esse objetivo, ao longo da pesquisa foram trabalhados os conceitos relacionados à prova
pericial em geral, o seu tratamento legal e as especificidades do contraditório para esse meio
de prova. Na sequência, foram desenvolvidas as questões essenciais relacionadas à cadeia
de custódia, incluindo a sua conceituação, pressupostos, requisitos, elos, ônus de registro,
limites e tratamento legal. A partir disso, passou-se a analisar as consequências que a quebra
da cadeia de custódia tem na admissibilidade da prova, estabelecendo os critérios a serem
verificados, em cada caso, para definir se a falta dos registros que autenticam a identidade e
a integralidade do elemento ou fonte de prova impedem a sua entrada no processo ou se
essas lacunas devem ser consideradas no momento de valoração da prova pelo juiz. Por fim,
ao abordar as principais questões genéticas e técnicas relativas à perícia de identificação por
DNA, aplicou-se a essa atividade probatória os conceitos e conclusões anteriormente
estabelecidos sobre a cadeia de custódia e as consequências da sua quebra.

Palavras-chave: Processo penal. Cadeia de custódia. Perícia. Identificação por DNA.


Admissibilidade.
ABSTRACT

OLIVEIRA, Rafael Serra. Chain of custody: admissibility and assessesment of DNA


identification expertise. 2020. 300 p. Thesis (Doctorate) – Faculty of Law, University of São
Paulo, São Paulo, 2020.

The purpose of this document is to establish links in the chain of custody for DNA
identification expertise and the consequences arising from it being disregarded. To reach this
objective, the research touched on concepts related to overall expert evidence, its legal
approach and the specifics on the adversarial procedure for this method of proof. Next,
fundamental issues related to the chain of custody were explored, including its
conceptualization, assumptions, requirements, links, burden of records, limits and legal
framework. From this point forward, an analysis was performed on the consequences that
the breach of the chain of custody has on the admissibility of the evidence, determining the
criteria to be verified in each case in order to define whether the lack of the records that
authenticate the identity and the completeness of the element or source of evidence precludes
it from being admitted into the case or whether these deficiencies should be considered at
the time the judge assesses the evidence. Lastly, by addressing the key genetic and technical
issues related to DNA identification expertise, the concepts and conclusions previously
established concerning the chain of custody and the consequences of its breakdown were
applied to this evidentiary activity.

Keywords: Criminal proceedings. Chain of custody. Expertise. DNA identification.


Admissibility.
RIASSUNTO

OLIVEIRA, Rafael Serra. Catena di custodia: ammissibilità e valutazione della perizia per
l'identificazione tramite DNA. 2020. 300 f. Tesi (Dottorato) – Facoltà di Diritto, Università
di São Paulo, São Paulo, 2020.

Il presente lavoro ha lo scopo di stabilire gli anelli della catena di custodia della perizia per
l'identificazione tramite DNA e le conseguenze derivanti dalla sua inosservanza. Al fine di
raggiungere questo obiettivo, nel corso della ricerca sono stati elaborati concetti relativi alla
prova peritale in generale, al suo trattamento legale e alle specificità del contraddittorio
mediante tale mezzo di prova. Successivamente, sono state sviluppate le questioni essenziali
relative alla catena di custodia, tra cui la sua concettualizzazione, i presupposti, i requisiti,
gli anelli, l’onere di registrazione, i limiti e il trattamento legale. Fatto ciò, si è passati ad
analizzare le conseguenze che la rottura della catena di custodia ha sulla ammissibilità della
prova, stabilendo i criteri da verificare in ogni caso, per stabilire se la mancanza dei registri
che autentichino l'identità e l'integrità dell'elemento o fonte di prova ne precludono l'entrata
nel processo o se tali lacune debbano essere prese in considerazione al momento della
valutazione della prova da parte del giudice. Infine, nell'affrontare le principali questioni
genetiche e tecniche relative alla perizia per l'identificazione tramite DNA, sono stati
applicati a questa attività probatoria i concetti e le conclusioni precedentemente stabiliti sulla
catena di custodia e le conseguenze della loro rottura.

Parole chiave: Processo penale. Catena di custodia. Perizia. Identificazione tramite DNA.
Ammissibilità.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 19

1. A PROVA PERICIAL NO PROCESSO PENAL ..................................................... 23

1.1. Conceito de prova pericial ............................................................................. 23

1.2. Fonte de prova pericial .................................................................................. 26

1.3. Meio de prova pericial ................................................................................... 30


1.3.1. Tipicidade processual do meio de prova pericial................................... 34
1.3.2. Contraditório no meio de prova pericial ............................................... 40
1.3.2.1. Perícias renováveis .................................................................... 42
1.3.2.2. Perícias não renováveis .............................................................. 49

1.4. Elemento de prova pericial ............................................................................ 55

1.5. Resultado da prova pericial ........................................................................... 60

2. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL .......................... 67

2.1. Relação entre processo penal, verdade, epistemologia e direitos


fundamentais ......................................................................................................... 67

2.2. Conceito de cadeia de custódia do elemento e da fonte de prova ................. 75

2.3. Pressupostos da cadeia de custódia ............................................................... 79

2.4. Finalidade da cadeia de custódia ................................................................... 83


2.4.1. Requisito da identidade ........................................................................ 87
2.4.2 Requisito da integralidade ..................................................................... 91
2.4.3. Conclusão sobre a finalidade de autenticação da prova ......................... 95

2.5. As fases do procedimento de manutenção da cadeia de custódia ................. 98


2.5.1. Preservação do local e coleta da fonte de prova .................................... 98
2.5.2 Empacotamento e etiquetagem ............................................................ 101
2.5.3 Transporte ........................................................................................... 103
2.5.4 Armazenamento .................................................................................. 104
2.5.5 Manuseio ............................................................................................ 106

2.6. Ônus de manter os registros da cadeia de custódia .................................... 107

2.7. Limites da cadeia de custódia ...................................................................... 114


2.8. Disciplina da cadeia de custódia no processo penal brasileiro ................... 117
2.8.1. Disciplina específica sobre cadeia de custódia no Código de Processo
Penal ........................................................................................................... 118
2.8.2. Outras previsões legais esparsas relacionados à manutenção da cadeia de
custódia ....................................................................................................... 123
2.8.3. Projeto de Lei em trâmite no Congresso Nacional sobre a manutenção da
cadeia de custódia........................................................................................ 128

3. CONSEQUÊNCIAS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA ...................... 133

3.1. Verificação da admissibilidade do elemento ou fonte de prova obtido com


falha na manutenção da cadeia de custódia....................................................... 134
3.1.1. Critérios lógicos de admissão da prova .............................................. 137
3.1.1.1. A relação entre os critérios lógicos de admissão da prova e a
quebra na cadeia de custódia ................................................................ 143
3.1.1.2. Regime de inclusão no sistema de admissão da prova. ............. 148

3.2. Os critérios de proibição ou exclusão da prova .......................................... 151


3.2.1. Exclusionary rules ............................................................................. 156
3.2.2. As proibições de prova....................................................................... 163
3.2.3. Comparação entre os sistemas de exclusão da prova no sistema da
common law norte-americano e nos sistemas europeu-continental ............... 172
3.2.4. Implicação da quebra da cadeia de custódia nas regras de exclusão das
provas.......................................................................................................... 175
3.2.4.1. Falta de informações essenciais ao exercício do contraditório .. 176
3.2.4.2. Falta de informações necessárias para relacionar a prova à
preservação de direitos fundamentais quando houver proibição ou
limitação à atividade probatória............................................................ 185

3.3. Valoração ..................................................................................................... 190

4. CADEIA DE CUSTÓDIA NA PERÍCIA DE IDENTIFICAÇÃO POR DNA ...... 197

4.1. Perícia de identificação por DNA para fins penais ..................................... 199
4.1.1. Introdução às questões genéticas e matemáticas relacionadas ao exame
de identificação por DNA ............................................................................ 199
4.1.2. Procedimento de identificação por polimorfismos STR (short tandem
repeats ou repetições curtas consecutivas ou microssatélites) ...................... 203
4.1.2.1 A técnica de RFLP (restriction fragment length polymorphism) 204
4.1.2.2 A técnica de PCR (polymerase chain reaction ou reação em cadeia
polimerase) .......................................................................................... 208
4.1.3. Identificação pelo método SNPs (single nucleotide polymorphism) .... 214

4.2. Cadeia de custódia da fonte e do elemento de prova na perícia de


identificação por DNA ........................................................................................ 217
4.2.1. Fonte de prova: pontos de atenção para proteção contra contaminação,
inibição, degradação e troca ......................................................................... 218
4.2.1.1. Preservação do local ................................................................ 220
4.2.1.2. Coleta de material genético ...................................................... 224
4.2.1.3. Empacotamento e etiquetagem ................................................. 228
4.2.1.4. Transporte, recebimento e armazenamento ............................... 231
4.2.1.5. Outros cuidados a serem adotados no laboratório e ao longo de
todo o caminho da fonte de prova ......................................................... 233
4.2.2. Elemento de prova: pontos de atenção para a proteção do seu conteúdo
contra alterações causadas pela técnica utilizada na sua produção ................ 235
4.2.2.1. Segue: o problema da análise do resultado do exame................ 243

4.3. Consequências da quebra da cadeia de custódia na perícia de identificação


por DNA .............................................................................................................. 248
4.3.1. Inadmissibilidade em decorrência da irrelevância e impertinência da
fonte de prova .............................................................................................. 249
4.3.2. Inadmissibilidade em decorrência da irrelevância e impertinência do
elemento de prova........................................................................................ 256
4.3.3. Exclusão da prova por falta de informações essenciais ao exercício do
contraditório ................................................................................................ 259
4.3.4. Exclusão da prova pela falta de informações necessárias para relacionar a
prova à preservação de direitos fundamentais quando houver proibição ou
limitação à atividade probatória ................................................................... 268
4.3.5. Valoração........................................................................................... 270

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 275

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 283


19

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de um processo penal orientado pela busca da verdade1 passa


pelo aprimoramento da atividade probatória, pois “o grau de verdade, isto é, a maior ou
menor aproximação da verdade, é determinado diretamente pela disciplina legal do
procedimento probatório que se adote para a verificação dos objetos do processo”2.
A atividade probatória deve estar atrelada a métodos que auxiliem na maior
aproximação possível entre o fato reconstruído no processo e o evento histórico acontecido
no mundo real.3 Não se pode esperar, pois, uma prestação jurisdicional correta advinda de
uma decisão fundada em fatos falsos.4
Nesse contexto, a cadeia de custódia ganha relevo por representar método
epistêmico para verificação da fidelidade entre a prova introduzida em juízo e o fato histórico
reconstruído,5 o que deve ser feito pela manutenção de registros que permitam às partes e ao
juiz verificarem se o elemento ou a fonte de prova introduzido em juízo é exatamente o que
o proponente diz ser. Isto é, a manutenção da cadeia de custódia permite aferir se a atividade
probatória resulta da análise da mesma coisa colhida ou apreendida, bem como se as suas
características e conteúdo foram mantidos inalterados.6

1
A relação entre processo penal e verdade está desenvolvida ao longo do trabalho, especialmente no item 2.1,
infra. Contudo, desde já, cabe a advertência de Jorge de Figueiredo Dias: “naturalmente que essa verdade
não é a narrativa construída pela acusação e a defesa, dita «verdade formal». Mas também não é
integralmente a factualidade (a «facticidade») histórica do real acontecido, mesmo que na sua relevância
para as exigências normativas do caso: é sim esta facticidade combinada com as – e por consequência
condicionada e limitada pelas – exigências impreteríveis de garantia dos direitos das pessoas face ao Estado.
(…). A verdade que se procura, mesmo através da actuação do princípio da investigação oficial é (…) a
verdade processualmente válida, hoc sensu, a verdade judicial” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Acordos sobre a
sentença em processo penal: o fim do Estado de Direito ou um novo “princípio”? Porto: Conselho Distrital do
Porto da Ordem dos Advogados, 2011. p. 49).
2
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003. p. 37.
3
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 159; MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes.
Garantias constitucionais na produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito
Constitucional e Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, v. 26, n. 106,
p. 243.
4
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 140.
5
Nesse sentido: PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons,
2019. p. 39; EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo, v. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 241); MACHADO, Vitor Paczek. JEZLER
JÚNIOR, Ivan. A prova eletrônico-digital e a cadeia de custódia das provas: uma (re) leitura da Súmula
Vinculante 14. Boletim IBCCrim. v. 24, nº 288. São Paulo: nov., 2016. p. 08.
6
PRADO, Geraldo. Ainda sobre a “quebra da cadeia de custódia das provas”. Boletim IBCCrim, n. 262, São
Paulo: set. 2014. p. 16-17.
20

Ainda que a cadeia de custódia tenha importância, de forma geral, para a


acreditação de todas as fontes de prova reais e imateriais e também para os elementos de
prova não renováveis, ganha destaque o seu estudo aplicado especificamente à prova
pericial.7
O primeiro motivo desta ênfase está no fato de as perícias serem
costumeiramente realizadas na fase de inquérito policial, sem a presença do juiz e sem a
participação direta das partes em contraditório, tendo como objeto de análise fontes de prova,
muitas vezes perecíveis ou contamináveis, que também foram colhidas longe dos sujeitos
processuais.8
O segundo motivo decorre do risco de os conhecimentos altamente
especializados que envolvem as perícias transformarem as partes e o juiz em destinatários
passivos do elemento de prova produzido. Esse problema se agrava caso ausentes as
informações necessárias para que se verifique adequadamente, em contraditório judicial, a
sua idoneidade para a reconstrução dos fatos discutidos.9
Dentro das perícias em geral, o exame de identificação por DNA tem atraído
especial atenção por conta do seu elevado poder de persuasão judicial. Não raras vezes, tal
exame é tratado como autorreferenciado10 por magistrados, que lhe outorgam valor superior
às demais provas,11 sem considerar a falibilidade do teste.12
A partir desse pano de fundo, o presente estudo busca apresentar, ao seu final,
os elos da cadeia de custódia do procedimento probatório da perícia de identificação por
DNA que devem ser registrados, desde a localização da fonte de prova até a apresentação do

7
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015,
p. 22.
8
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha
de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008. p. 275; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique
Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 15, n. 65, p. 175-208., mar./abr. 2007. p. 195.
9
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha
de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008. p. 274.
10
LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para preservar a prova
penal. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan-
16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>. Acesso em: 27 nov. 2019
11
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 108.
12
ROSELLÓ, Francesc Torralba. Preguntas éticas que suscitan las pruebas genéticas. In: MASIÁ CLAVEL,
Juan. Pruebas genéticas: genética, derecho y ética. Bilbao: Universidad Pontificia Comillas / Desclée De
Brouwe, 2004. p. 130.
21

elemento de prova em juízo. Dessa forma, as partes e o juiz poderão ter informações
suficientes para verificar a relevância, pertinência e legalidade da prova.
Para tanto, o trabalho terá início com a abordagem dos principais aspectos da
prova pericial em geral. Após, será estabelecida uma matriz conceitual sobre o tema da
cadeia de custódia com a qual se trabalhará no decorrer da pesquisa. Serão abordadas, ainda,
as consequências da inobservância da cadeia de custódia na admissibilidade e valoração da
prova. Ao fim, esses conhecimentos previamente construídos serão aplicados
especificamente ao exame de identificação por DNA.
Assim, o primeiro capítulo trabalhará os conceitos relacionados à prova pericial
em geral e a sua disciplina no Código de Processo Penal. Haverá destaque para a análise das
especificidades desse meio de prova para o exercício do contraditório nos casos de exames
renováveis e não renováveis.
Na sequência, será adotado um modelo de processo penal epistêmico orientado
à busca da verdade como premissa para o estudo da cadeia de custódia. A partir dessa
perspectiva, o segundo capítulo trará o conceito de cadeia de custódia, bem como os seus
pressupostos, requisitos, etapas, ônus de demonstração, limites e, finalmente, a sua disciplina
no Código de Processo Penal.
A partir da concepção de cadeia de custódia desenvolvida no capítulo dois, o
terceiro capítulo será dedicado à análise dos reflexos da falta de registro da cadeia de
custódia nos requisitos lógicos e políticos de admissibilidade da prova. Serão estabelecidas
as diretrizes para que se avalie, nos casos concretos, se a falta de informação para a
autenticação do elemento ou fonte de prova impedirá a sua utilização no processo ou se
deverá ser considerada pelo magistrado no momento de valoração da prova.
Por fim, o quarto capítulo tratará das questões genéticas e técnico-
procedimentais necessárias para a compreensão da perícia de identificação por DNA.
Abordará, em seguida, as etapas a serem observadas para a adequada manutenção da sua
cadeia de custódia, finalizando com a identificação e apontamento dos elos que, se faltantes,
culminarão na inadmissibilidade da prova.
23

1. A PROVA PERICIAL NO PROCESSO PENAL

O estudo da prova pericial possui múltiplas ramificações jurídicas e técnico-


científicas que levantam diversos problemas passíveis de intensos debates, os quais, apesar
da importância que possuem, fogem do objeto proposto para o presente trabalho.13 Esse
capítulo, portanto, não tem a pretensão de tratar de todos os assuntos relacionados às perícias
em geral, tampouco de problematizá-los e analisá-los criticamente.
Entretanto, com o intuito de apresentar as premissas com as quais se trabalhará
ao longo dos capítulos seguintes, faz-se necessário abordar o atual estágio da doutrina acerca
dos conceitos relacionado à prova pericial, notadamente aqueles que serão importantes no
desenvolvimento do estudo da cadeia de custódia e as consequências da sua quebra na prova
pericial de identificação por DNA.

1.1. Conceito de prova pericial

O termo prova não está limitado ao estudo do direito, sendo também relevante
em outras áreas de conhecimento, como a epistemologia, a psicologia e outras ciências.14
Mesmo restringindo, neste estudo, à sua acepção jurídica, a palavra prova não possui
tratamento legal e doutrinário uniforme, sendo constantemente utilizada com diferentes
significados,15 em especial como sinônimo da atividade probatória, dos meios de prova ou
do resultado da prova.16
Na definição de Moacir Amaral Santos, prova é “a soma dos fatos produtores
da convicção, apurados no processo”17. No mesmo sentido, Magalhães Noronha define

13
Nesse sentido, em obra dedicada a fazer muitos desses enfrentamentos, Vázquez: “[a] conhecida como prova
pericial gera muitos problemas diversos suscetíveis de intensas discussões: quem é o experto que pode atuar
como perito; o rol de perito e a atividade do julgador frente a este; o tipo de julgador para valorar o
conhecimento do experto; os critérios jurídicos relacionados a admissão, produção e valoração da dita
informação; múltiplas questões próprias das muitas áreas de conhecimento e o seu impacto na prova jurídica;
os custos dessa atividade probatória e as possibilidades econômicas das partes em juízo ou inclusive o
emprego de recursos estatais para isso, etecetera” (VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba
pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 26/27, tradução nossa)
14
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 385.
15
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 41.
16
Conforme Vázquez, “[o] termo ‘prova’ é ambíguo. Com ele podemos fazer referência aos elementos de
prova, à atividade probatória e ao resultado probatório” (VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la
prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 27, tradução nossa). No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 157.
17
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. Vol. 1. 2ª ed. corr. e atual. São Paulo:
Max Limonad, 1952. p. 21.
24

prova como a demonstração que o acusador faz da pretensão punitiva e o acusado da sua
defesa.18 Como se observa, os dois autores reduzem o conceito de prova ao seu resultado.
Diferentemente, Tornaghi adota o conceito procedimental da prova ao defini-la
como “a atividade probatória, isto é, conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros
(testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção
deste último (julgador)”19.
As diversas acepções juridicamente dadas ao termo prova se mantêm mesmo
quando se restringe a análise à prova pericial.
Ao definir perícia como a “prova destinada a levar ao juiz elementos instrutórios
sobre normas técnicas e sobre fatos que dependam de conhecimento especial”20, Frederico
Marques apresenta um conceito de prova pericial com significado correspondente ao da
informação obtida no exame realizado.
Com o mesmo sentido, na legislação brasileira, o artigo 529 do Código de
Processo Penal (CPP) estabelece prazo para o oferecimento de “queixa com fundamento em
apreensão e em perícia”, ou melhor dizendo, no conteúdo resultante da perícia. Da mesma
forma, a doutrina penal sustenta a necessidade de prova pericial para a constatação do crime
de tráfico de drogas, referindo-se, no caso, à conclusão da perícia.
Por outro lado, o mesmo Código de Processo Penal faz uso do termo “prova
pericial” com o significado de atividade probatória, na redação do artigo 481, parágrafo
único, ao regulamentar a hipótese em que a “diligência consistir na produção de prova
pericial”. O artigo 159, §5º, do CPP, elenca, ainda, uma série de atos “permitidos às partes,
quanto à perícia”, utilizando o termo como substitutivo da atividade probatória desenvolvida
pelas partes no processo judicial.21

18
NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 86.
19
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 4 ed., rev. e aum. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 265.
20
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 350.
21
Apesar da adoção de exemplos extraídos do Código de Processo Penal brasileiro, a diversidade de
significados do termo prova é verificada nos ordenamentos jurídicos em geral, conforme Vázquez: “as normas
sobre a prova em um sistema jurídico atente ao objeto que regula: regras sobre os meios de prova, regras
sobre a produção das provas admitidas e regras sobre o resultado das provas admitidas e produzidas”
(VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 27, tradução
nossa).
25

Apesar dessa falta de unidade acerca do tema,22 tem prevalecido na doutrina o


entendimento de que a prova pericial constitui meio de prova, conforme se depreende da
definição de Badaró, para quem perícia “é um exame que exige conhecimentos técnicos,
científicos ou artísticos e que serve ao convencimento judicial”23.
Também Tourinho Filho descreve perícia como sendo “o exame procedido por
pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou
experiência qualificada acerca de fatos, circunstâncias ou condições pessoais inerentes ao
fato punível, a fim de comprová-los”24.
No mesmo sentido, Gomes Filho define perícia como “o instrumento para
ingresso de elementos de prova apoiados em um saber especializado que o juiz e demais
operadores do direito, como homens comuns, normalmente não possuem”25.
Ainda, Laurence Dumoulin afirma que “a perícia judiciária pode ser entendida,
num sentido genérico e extensivo, como o conjunto das formas tomadas para a introdução
de uma racionalidade técnico-científica [...] no processo e nas decisões judiciárias”26.
Assim, definimos perícia como meio de prova consistente na realização de
exame em fonte de prova, do qual serão extraídas informações e conclusões (elementos de
prova), cuja obtenção depende de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos,
especializados e não jurídicos, sobre objetos, dados, substâncias químicas e biológicas,
condição pessoal ou circunstâncias do delito, que serão levados ao juiz por meio de laudo
pericial.
Antes de prosseguir com as especificidades do procedimento da prova pericial,
é necessário, levando-se em consideração este conceito, distinguir fonte de prova, meio de
prova e elemento de prova, tratando, desde já, das especificidades de cada um para a perícia.

22
Conforme Gomes Filho e Badaró, a falta de clareza sobre o tema pode resultar “em inúmeras confusões e
desentendimentos [...], sobretudo no âmbito do processo judicial, em que a atividade probatória tem como
objetivo a persuasão do julgador sobre a realidade dos fatos em que se fundamentam as pretensões das partes”
(GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208, mar./abr. 2007. p. 117).
23
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 438.
24
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 273.
25
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 274.
26
DUMOULIN, Laurent. L'expert dans la justice: de la genèse d´une figure à ses usages. Paris: Economica,
2007, p. 16-17.
26

1.2. Fonte de prova pericial

As fontes de prova são tudo que for idôneo para se extrair informações com a
finalidade de comprovar os fatos alegados no processo. Conforme explica Badaró,
“[o]corrido o fato, tudo aquilo que puder servir para esclarecer alguém sobre a existência
desse fato pode ser considerado como fonte de prova daquele fato”27.
No mesmo sentido, Taruffo reconhece que “muitas são as coisas que podem ser
usadas como fontes de prova” 28, desde que “tenha[m] algum significado ou certa utilidade
para a busca da verdade dos fatos em litígio”29.
No caso da perícia, por se tratar de uma prova técnica, as fontes de prova estão
restritas às coisas ou pessoas que detenham conteúdo cuja obtenção dependa de
conhecimento especializado, diverso do jurídico.
As fontes de prova são classificadas em pessoais (testemunhas, vítima e acusado)
e reais (dados, objetos, material genético, etc.).30 No âmbito da prova pericial, é exemplo de
fonte de prova pessoal o indivíduo submetido a exame de lesão corporal (art. 168 do CPP).
Por sua vez, são fontes de prova reais periciáveis o material genético encontrado no local do
crime, a arma de fogo e o projétil utilizados na prática do delito ou, ainda, substâncias
entorpecentes apreendidas.
Se a fonte de prova é o próprio corpo de delito (e.g. a pessoa no exame de lesão
corporal, o corpo da vítima no exame necroscópico no homicídio), a perícia é classificada
como intrínseca, ao passo que, se a fonte de prova for pessoa ou coisa que sirvam como
prova do crime (e.g. perícia em dispositivos eletrônicos apreendidos, exame grafotécnico em
documentos apreendidos), a perícia será extrínseca.31

27
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 165. No mesmo sentido: TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 52.
28
TARUFFO, Michele. A prova. Tradução de João Gabriel Couto. Madrid: Marcial Pons, 2014. p. 57.
29
TARUFFO, Michele. A prova. Tradução de João Gabriel Couto. Madrid: Marcial Pons, 2014. p. 57.
30
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 308.
31
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 443.
27

Destaca-se também que a fonte de prova existe anterior e independentemente do


processo,32 dependendo da atividade probatória das partes e, subsidiariamente, do juiz33 para
que as informações nelas contidas sejam inseridas no processo.
A busca por fontes de prova integra o direito à investigação, compreendido no
processo penal como o primeiro estágio do direito à prova.34 A possibilidade de procurar
fontes de prova é etapa indispensável do direito à prova, em sentido amplo, pois, para que
se possa requerer ao juiz a produção de determinada prova, é preciso ter ciência prévia da
fonte de prova da qual emanará a informação pretendida,35 isto é, somente será possível
solicitar a realização de perícia em determinado objeto ou material genético se, previamente,
houver conhecimento da sua existência, individualidade, localização e preservação.
Ainda que se permita ao juiz a realização de atividade probatória subsidiária, a
busca por fonte de prova é atividade exclusiva da Polícia Judiciária e das partes, incluindo a
defesa,36 representando limite instransponível à atividade instrutória do juiz.37 Conforme

32
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 166.
33
Neste sentido, Badaró: “[e]m suma, o sistema acusatório, quanto à atividade probatória, deve reconhecer o
direito à prova da acusação e da defesa, podendo ainda o juiz ter poderes para, em caráter subsidiário ou
suplementar, determinar ex officio a produção de provas que se mostrem necessárias para o acertamento do
fato imputado” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed., ver. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p. 104). Em sentido contrário, admitindo a atividade instrutória do juiz apenas a
favor do acusado e desde que “moderada”, Prado conclui: “[o] juiz é o destinatário da prova e, sem dúvida
alguma, sujeito de conhecimento. Quando, porém, se dedica a produzir provas de ofício se coloca como ativo
sujeito do conhecimento a empreender tarefa que não é neutra, pois sempre deduzirá a hipótese que pela prova
pretenderá ver confirmada. Como as hipóteses do processo penal são duas: há crime e o réu é responsável ou
isso não é verdade, a prova produzida de ofício visará confirmar uma das duas hipóteses e colocará o juiz,
antecipadamente, ligado à hipótese que pretende comprovar” (Sistema Acusatório: A conformidade
constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 141).
34
De acordo com Badaró, “[o] direito à prova envolve cinco momentos distintos: (1) investigação; (2)
propositura; (3) admissão; (4) produção; (5) valoração” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo
penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 404).
35
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 86.
36
Acerca da atividade defensiva na produção de provas no curso do inquérito policial, Marta Saad sustenta que
“não pode a autoridade policial negar o requerimento de diligência formulado pelo acusado, desde que guarde
importância e correlação com o esclarecimento dos fatos e a defesa do acusado” (SAAD, Marta. O direito de
defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 351). Badaró, por sua vez, ressalta “a
necessidade de uma disciplina legal do direito de investigação particular” (BADARÓ, Gustavo Henrique
Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 405).
37
De acordo com Badaró, “[p]artindo da distinção entre fontes de provas e meios de prova, percebe-se,
facilmente, que perigo para a imparcialidade está no juiz que é um pesquisador, um ‘buscador’ de fontes de
provas. Já o juiz que, diante da notícia de uma fonte de prova, como a informação de que uma certa pessoa
presenciou os fatos, determina a produção do meio de prova necessário – o testemunho – para incorporar ao
processo as informações contidas na fonte de prova, não está comprometido com uma hipótese prévia, não
colocando em risco a sua posição de imparcialidade. Ao contrário, o resultado da produção daquele meio de
prova pode ser em sentido positivo ou negativo, quanto à ocorrência do fato” (BADARÓ, Gustavo Henrique
Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 119/120).
28

ensina Gomes Filho, o artigo 156 do CPP, ao prever os poderes instrutórios do magistrado,
“não atribui poderes de investigação ao juiz penal”.38
Isso porque, conforme Zilli, “toda e qualquer iniciativa instrutória pressupõe o
atendimento dos requisitos relativos a um juiz natural, independente e imparcial”39. Ocorre
que, adverte Gomes Filho, “é difícil imaginar que um juiz ativo na fase de investigação possa
ser, ao mesmo tempo, um magistrado imparcial no momento da decisão”40.
Nas palavras de Badaró, “o que não parece adequado é que o juiz saia
averiguando e buscando fontes, pois, neste caso, transformar-se-ia em juiz instrutor, ao
mesmo tempo em que seria o julgador da causa, com seríssimos riscos de perda da
imparcialidade”41.
Isso não impede, por outro lado, que, caso uma nova fonte de prova seja revelada
no curso do processo pelas partes ou na produção de algum meio de prova, o juiz determine
a produção desta prova pelo seu meio legal.42 Nessa hipótese, como é evidente, o magistrado
deverá se atentar aos pressupostos de toda excepcional atividade instrutória do juiz, a saber:
ação supletiva, complementar, independente, imparcial, motivada e com respeito ao devido
processo penal na produção da prova.43
No que se refere à perícia, tal distinção é importante porque impede que o
magistrado, de ofício, determine diligências que tenham como finalidade a obtenção de
fontes de prova para submissão à perícia. Assim, na hipótese da falta de material genético
de um investigado para identificação por DNA por comparação com o material encontrado
no local do crime, o juiz não poderá atuar de ofício para determinar a apreensão de objetos
descartados pelo investigado para obtenção de fontes de DNA.44

38
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 260.
39
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 182.
40
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 260.
41
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 168.
42
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 168.
43
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 181/182.
44
Na hipótese de diligência conduzida exclusivamente por determinação da autoridade policial, o Superior
Tribunal de Justiça reconheceu a licitude da apreensão de objetos descartados pelo investigado para realização
de perícia de identificação por DNA. Na oportunidade, o Tribunal declarou que tal diligência não viola a
garantia do nemo tenetur se detegere, mesmo que o investigado tenha se negado anteriormente a fornecer
29

As fontes de provas periciáveis, ao contrário do que ocorre com outras fontes de


prova incorporadas ao processo por meios de prova diversos da perícia, demandam cuidados
específicos, uma vez que até mesmo a sua identificação e coleta podem demandar uma
expertise especial. Como destaca Tourinho Filho, “[m]uitas vezes, um objeto aparentemente
sem qualquer valia pode ser importante para a investigação”45.
Por essa razão, com o intuito de preservar todas as fontes de prova periciáveis
existentes no local do crime, o artigo 6º, I, do CPP, determina que a autoridade policial adote
providências “para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada
dos peritos criminais”46.
Destaca-se que a redação desse inciso sofreu significativa e importante alteração
com a entrada em vigor da Lei nº 8.862/1994. Enquanto a redação original previa que a
conservação do local e do estado das coisas fosse feita pela autoridade policial apenas “se
possível e conveniente”, o dispositivo atual impõe a preservação até a chegada dos peritos.
Dessa forma, retirou-se da autoridade policial o poder de decisão sobre a
necessidade de preservação do local e das coisas, transformando-o em um dever legal. Mais
do que isso, a modificação legislativa também transferiu para os peritos a decisão sobre a
liberação do local e o acesso de outras pessoas às coisas, conforme se extrai do inciso II, do
artigo 6º, do CPP, que condiciona a apreensão dos “objetos que tiverem relação com o fato”
à sua liberação “pelos peritos criminais”.
Portanto, observa Valente, “aos peritos não lhes é somente exigido que aprecie
os fatos, os vestígios, mas que os percepcionem [...], porque em muitos casos os indícios

material genético: “[...] no presente caso - material biológico do paciente obtido pela autoridade policial,
após o descarte de um copo e uma colher de plástico, para que o Estado investigasse a autoria delitiva -, não
há que falar em violação à intimidade, já que o indivíduo, no momento em que dispensou o copo e a colher,
deixou de ter o controle sobre o que outrora lhe pertencia (saliva que estava em seu corpo); não podia mais,
assim, evitar o conhecimento de terceiros. (...). Nessa perspectiva, quanto à suposta violação do direito do
paciente à não autoincriminação ("nemo tenetur se detegere"), ressai das decisões, em que pese a não
concordância do paciente na coleta de material biológico (e-STJ fls. 1662 e 1667/1668), que o exame do DNA
é permitido mesmo sem o seu consentimento quando o objeto investigado (saliva) já está fora de seu corpo e
foi abandonado por seu titular, ou seja, o que não se permite é o recolhimento do material genético à força
(violência moral ou física), o que não ocorreu na espécie, em que o copo e a colher de plásticos utilizados pelo
paciente já haviam sido descartados” (HC n º 354.068, 5ª T., Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
21.03.2018).
45
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado: arts. 1º a 393º. 14. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 78.
46
Em complemento, especificamente para o exame de local, o artigo 169 do CPP prevê que, “[p]ara o efeito
de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que
não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias,
desenhos ou esquemas elucidativos”.
30

não são percepcionados por qualquer AJ (Autoridade Judiciária) ou OPC (Órgão de Polícia
Criminal), mas sim por peritos”47.
Percebe-se, então, que é justificável o cuidado legal na preservação das fontes
de prova periciáveis, pois, como ressaltam Pacelli e Fischer, “se se trata de prova técnica é
preciso resguardar todas as circunstâncias relevantes para a apuração dos fatos.
Evidentemente”48.
Considerando que, “para o êxito de uma investigação criminal, a conservação
do local de crime e do estado das coisas ali encontradas é de vital importância”49, a
autoridade policial tem, assim, o dever legal de isolar o local do crime, conservando o estado
das fontes de prova lá existentes até a chegada e liberação pelos peritos,50 devendo, ainda,
registrar eventuais violações praticadas “por outros funcionários do Estado (ou mesmo
particulares), que poderão, a seu devido tempo, responder pelo ato praticado”51, até mesmo
criminalmente (art. 347 do CP)52.
Por fim, as fontes de prova relacionadas à materialidade do crime são
denominadas “corpo de delito”53 e, nos termos do artigo 158 do CPP, deverão ser submetidas
à perícia sempre que a infração deixar vestígios.

1.3. Meio de prova pericial

De acordo com Chaia e Hairabedián, “se afirmamos que fonte de prova é um


dado independente do processo, é preciso contar com um instrumento, um mecanismo, uma

47
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Processo penal, t. 1. Coimbra: Almedina, 2004. p. 308.
48
PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua
jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 413.
49
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. vol.
1. 7. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 129.
50
Nesse sentido, dispõe o artigo 158-B, II, do CPP: “isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas,
devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime”.
51
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. vol.
1. 7. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 129.
52
Nesse sentido, dispõe o artigo 158-B, §2º, do CPP: “É proibida a entrada em locais isolados bem como a
remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo
tipificada como fraude processual a sua realização”.
53
Na definição de Frederico Marques, corpo de delito são “os elementos do corpus criminis e o corpus
instrumentorum”, abrangendo, portanto, “a) os sinais da atividade do delinquente; b) o resultado ou produto
da infração; c) o corpus instrumentorum, ou meios empregados pelo delinquente” (MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium, 2009. p. 360). Em
igual sentido, Tourinho Filho define corpo de delito de seguinte forma: “nada mais representa senão o conjunto
dos vestígios materiais deixados pela infração: num crime de dano, os vestígios se reúnem na própria coisa
danificada; num homicídio, são o próprio cadáver; num furto com arrombamento da janela, os vestígios estão
na janela arrombada etc.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal
comentado: arts. 1º a 393º. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 597).
31

fórmula, um procedimento para poder introduzir esse dado ao processo penal. Essa é a
função que cumpre um meio de prova”54.
Entretanto, a separação entre os conceitos de fonte de prova e meios de prova
nem sempre foi destacada pela doutrina nacional, que costumeiramente tratava dentro do
conceito de meios de prova também o conceito de fontes de prova. Pontes de Miranda, por
exemplo, definiu meios de prova como “as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz
recebe os elementos ou motivos de prova”55.
Na doutrina italiana, por outro lado, a distinção é comumente feita, conforme se
extrai do ensinamento de Tonini: “meio de prova é o instrumento por meio do qual o
processo adquire um elemento que serve para a decisão (por exemplo, uma prova
testemunhal)”56.
Por influência da doutrina italiana,57 a doutrina nacional também passou
distinguir entre fontes de prova e meios de prova, restringindo o conceito de meio de prova,
de acordo com Gomes Filho, aos “instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos
são introduzidas no processo”58. Também para Badaró, “meios de prova são os instrumentos
pelos quais se leva ao processo um elemento de prova apto a revelar ao juiz a verdade de
um fato”59.
Assim, como já antecipado, a perícia é um meio de prova na medida em que
representa o instrumento pelo qual as partes e o juiz extraem informações das fontes de prova
e as inserem no processo, com a finalidade de revelarem a verdade sobre os fatos discutidos
em juízo.
Destaca-se que essa característica de interdependência da perícia com a pré-
existência de uma fonte de prova é um dos fatores que a distingue daquilo que a doutrina
classifica como meios de pesquisa de prova, também chamados de meios de investigação ou

54
CHAIA, Rubén A; HAIRABEDIÁN, Maximiliano. La prueba en el proceso penal: proceso acusatorio,
juicio oral, carga probatoria, prueba ilegal, medios de prueba, construcción de la verdad, valoración-
arbitrariedad, motivación de la sentencia, jurisprudencia vinculada. Buenos Aires: Hammurabi, 2010. p. 89,
tradução nossa.
55
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, 1 ed., Rio
de Janeiro, Forense, 1947. p. 155. No mesmo sentido, MARQUES, José Frederico. Elementos de direito
processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium, 2009. p. 270.
56
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 52.
57
Badaró reconhece a influência da doutrina italiana ao apresentar, em sua obra, a distinção entre fontes de
prova e meios de prova (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2018. p. 390, nota de rodapé 17).
58
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 41.
59
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 392.
32

obtenção de prova,60 isto é, “certos procedimentos (em geral, extraprocessuais) regulados


pela lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por
outros funcionários (policiais, por exemplo)”61.
Distinguindo os dois conceitos, Badaró ensina que “enquanto os meios de prova
são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma
afirmação fática [...], os meios de obtenção de prova [...] são instrumentos para a colheita
de elementos ou fontes de provas, estes, sim, aptos a convencer o julgador”62.
Tomando-se como exemplo o ordenamento jurídico nacional, embora o
legislador não tenha se preocupado em fazer a devida distinção terminológica,63 o
ordenamento jurídico prevê os seguintes exemplos de meios de pesquisa de prova: (i) busca
e apreensão; (ii) interceptação telefônica; (iii) interceptação ambiental; (iv) agente infiltrado;
(v) quebra dos sigilos legalmente protegidos, como o bancário e o fiscal.64
Assim, a perícia se insere no conceito de meio de prova porquanto é o
instrumento pelo qual se extrai informação relevante de uma fonte de prova para a
demonstração da veracidade dos fatos alegados pelas partes, que será apreciada pelo
magistrado. Não se confunde, portanto, com os meios de pesquisa de prova, que são métodos
de prospecção de elementos ou de fontes de prova, de existência e conteúdo desconhecidos
previamente pelos sujeitos processuais, cujo resultado poderá ser (i) descartado se
irrelevante,65 (ii) analisado pelo juiz se contiver informação para o esclarecimento dos fatos
alegados, ou, ainda, (iii) uma fonte de prova para extração de informações por algum meio
de prova.
Não é incomum, inclusive, que os meios de pesquisa de prova tragam à
investigação fontes de prova que serão objeto de perícia, como costumeiramente acontece

60
Gomes Filho se refere ao mesmo conceito com as terminologias “meios de pesquisa ou de investigação da
prova” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 309).
61
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 309.
62
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 391.
63
Ao contrário do que ocorre, por exemplo, na legislação portuguesa, em que o Código de Processo Penal
disciplina os “meios de prova” no Título II, precisamente entre os artigos 128 e 170, ao passo que os “meios
de obtenção de prova” estão previstos no Título III, entre os artigos 171 e 190.
64
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 393.
65
Na interceptação telefônica, por exemplo, o artigo 9º da Lei nº 9.296/96 prevê que “[a] gravação que não
interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após
esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada”.
33

com armas de fogo, documentos, dispositivos eletrônicos e entorpecentes, encontrados no


curso de buscas e apreensões.
No Código de Processo Penal, o meio de prova pericial está disciplinado no
âmbito do “Título VI”, denominado “Da Prova”, juntamente com outros meios de prova.66
No que se refere exclusivamente à perícia, o legislador dedicou-se com maior atenção ao
“exame de corpo de delito” (art. 159 a 161), mas trouxe também regras aplicáveis às
“perícias em geral”, dentre as quais indicou pequenas particularidades a serem adotas nos
casos de autópsia (art. 162 a 166), exame de lesões corporais (art. 168), exame do local do
crime (art. 169), exames laboratoriais (art. 170), exame de destruição ou rompimento de
obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada (art. 171 e 172), incêndio (art. 173),
exame para reconhecimento de escritos (art. 174) e exame dos instrumentos do crime (art.
175).
A previsão legal da perícia como meio de prova aliado à disciplina de um
procedimento a ser seguido para a sua realização permite classificá-la como um meio de
prova típico, trazendo como consequências algumas particularidades a serem analisadas.

66
Para além do exame de corpo de delito e perícias em geral (arts. 158 a 184), o CPP prevê os seguintes meios
de prova: interrogatório (arts. 185 a 196), confissão (arts. 197 a 200), depoimento do ofendido (art. 201),
testemunhas (arts. 202 a 225), reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228), acareação (art. 229 a 230),
documentos (arts. 231 a 238) e indícios (art. 239). Não obstante a busca e apreensão esteja também no Título
VII do CPP, entende-se, como será demonstrado abaixo, que tal medida cautelar probatória é meio de obtenção
de prova, razão pela qual não foi aqui incluída. A inclusão do interrogatório como meio de prova é questionada
por parte da doutrina, como Badaró (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 388) e Gomes filho (GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal brasileiro. In: YARSHELL, Flávio
Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 309), que
sustentam ser o ato um meio de defesa, em decorrência da previsão constitucional do direito ao silêncio (art.
5º, LXIII). Por outro lado, corrente diversa, encabeçada por Magalhães Noronha (NORONHA, E.
Magalhães. Curso de direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 104) e Frederico Marques
(MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium,
2009.p. 318), defende ter o interrogatório natureza mista, sendo tanto um meio de prova, como de defesa.
Aderimos a esta última posição. O interrogatório, de fato, não será meio de prova quando o réu se mantiver em
silêncio, não prestando qualquer informação que poderá ser utilizada na comprovação de fatos alegados. Não
se pode negar, por outro, que caso o réu se manifeste, a acusação poderá se utilizar das declarações para
comprovar as alegações feitas na denúncia, sendo, nessa hipótese, meio de prova. Assim como Badaró,
entendemos inadequada a inclusão da confissão entre os meios de prova pelo CPP, uma vez que tal ato é apenas
uma manifestação de vontade do réu que será levada ao processo por documento produzido extrajudicialmente
ou, em juízo, no curso do interrogatório, sendo estes dois últimos os instrumentos (meios de prova) para a
entrada da informação no processo (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 388).
34

1.3.1. Tipicidade processual do meio de prova pericial

Conforme acima destacado, a legislação brasileira nomeia um rol de meios de


prova e meios de pesquisa de prova, prevendo, em alguns casos, também o procedimento
probatório para a sua realização.
Nos casos em que estão expressamente nomeados e ritualmente disciplinados
em lei, a doutrina os classifica como meios de prova típicos. De acordo com Gomes Filho,
“são assim típicas as provas catalogadas e reguladas em lei”67.
Como explica Badaró, contudo, “não se pode confundir tipicidade probatória,
entendida como a previsão de um procedimento probatório típico para a produção de um
determinado meio de prova, com a simples nominação da prova”68. Por vezes, a lei apenas
cataloga o meio de prova, sem disciplinar ou fazer referência ao procedimento probatório a
ser seguido para a sua realização, como ocorre, por exemplo, com o agente infiltrado (art.
12 da Lei nº 12.850/13) e a reprodução simulada dos fatos (art. 7º do CPP).69 Trata-se, nesses
casos, de meio de prova típico meramente referido.70

67
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 314.
68
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 395.
69
Ao tratar especificamente da reprodução simulada dos fatos, Gomes Filho e Badaró destacam que “em
relação a tal meio de prova há, apenas, sua nominação no CPP. Não há, porém, disciplina legal do
procedimento probatório a ser adotado na realização da ‘reprodução simulada dos fatos’. Neste último
sentido, pois, trata-se de uma prova atípica, ao menos quanto ao seu procedimento”. A leitura isolada desse
trecho pode conduzir à conclusão de que os autores entendem ser atípica a reprodução simulada dos fatos.
Entretanto, na sequência do mesmo texto, Gomes Filho e Badaró afirmam que “[e]m se entendendo que o meio
de prova atípico é aquele que não está previsto no ordenamento jurídico e para o qual não há um procedimento
específico, diante do quadro acima exposto, parece difícil mencionar um meio de prova atípico que possa ser
utilizado no processo penal brasileiro” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique
Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-208, mar./abr. 2007. p.182 /183). Percebe-se, portanto, que os
autores não incluíram a reprodução simulada dos fatos entre os meios de prova atípicos, apesar de
reconhecerem a atipicidade procedimental. Por conta desta constatação, entendeu-se necessário adotar uma
classificação que inclua entre os meios de prova típicos aqueles que não têm o rito procedimental previsto em
lei, mas diferenciando-os daqueles que os têm. Com posição diversa, Guilherme Madeira Dezem sustenta que
“[e]mbora não seja comum, às vezes o ordenamento indica apenas o meio de prova, mas não o procedimento
probatório. Tem-se aqui situação de prova atípica” (DEZEM, Guilherme Madeira. Da prova penal: tipo
processual, provas típicas e atípicas. Campinas: Millennium, 2008. p. 147).
70
SOUZA, Diego Fajardo Maranha Leão de. Busca e apreensão digital: prova penal atípica. Boletim
IBCCRIM, São Paulo, vol. 15, n. 181, p. 14-15., dez. 2007. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=64376>. Acesso em: 29 nov. 2019.
35

Há, ainda, o meio de prova típico por analogia,71 consistente nas hipóteses em
que a lei, ao nomear um meio de prova, expressamente adota o procedimento probatório
previsto para outro meio de prova. É o que se verifica no artigo 227 do CPP, caso em que
prevê que o reconhecimento de objetos seguirá a disciplina procedimental prevista no artigo
226 do CPP para o reconhecimento de pessoas, “no que for aplicável”.72
Por fim, classifica-se como meio de prova atípico “aquele que não está previsto
no ordenamento jurídico e para o qual não há um procedimento probatório específico”73.74
A despeito de o Código de Processo Penal fazer expressa referência a
determinados meios de prova e seus ritos, o rol legislativo não é taxativo,75 admitindo-se a
adoção de outros meios de provas,76 com a ressalva de que a sua admissibilidade está
condicionada à adoção de meios legais e moralmente legítimos.77

71
SOUZA, Diego Fajardo Maranha Leão de. Busca e apreensão digital: prova penal atípica. Boletim
IBCCRIM, São Paulo, vol. 15, n. 181, p. 14-15., dez. 2007. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=64376>. Acesso em: 29 nov. 2019.
72
Nesse sentido, Gomes Filho e Badaró destacam que “[...] quanto ao reconhecimento de coisas há previsão
específica de tal procedimento probatório no CPP, sem haver, contudo, uma disciplina específica. [...] Há um
aproveitamento, parcial e adaptado, do procedimento probatório do reconhecimento pessoal” (GOMES
FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de prova no
processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-208,
mar./abr. 2007. p. 182).
73
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208., mar./abr. 2007. p. 183.
74
Conforme explica Guilherme Madeira Dezem, “[a] ideia de atipicidade probatória é vista, pela doutrina
italiana majoritária, de maneira intimamente ligada à ausência de previsão legal da fonte de prova que se
quer utilizada no processo” (DEZEM, Guilherme Madeira. Da prova penal: tipo processual, provas típicas e
atípicas. Campinas: Millennium, 2008. p. 144). Entretanto, com precisão, o autor explica que “não parece
admissível a posição”, pois “a limitação da atipicidade probatória tão-somente às fontes de prova afasta a
própria possibilidade de existência das provas atípicas no sistema: é que dada a definição deste termo [...],
são fontes de prova as pessoas ou as coisas sobre as quais recairá a atividade probatória. Ora, nesta situação,
difícil imaginar algo que não seja pessoa ou coisa e que possa ser fonte de prova atípica” (DEZEM, Guilherme
Madeira. Da prova penal: tipo processual, provas típicas e atípicas. Campinas: Millennium, 2008. p. 150/151).
75
Afirmando não ser taxativo, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Prova e sucedâneos de prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-208., mar./abr. 2007. p. 180. Aury Lopes Jr. entende que “[c]omo regra, sim, é
taxativo. Entendemos que, excepcionalmente e com determinados cuidados, podem ser admitidos outros meios
de prova não previsto no CPP” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2019. p. 380).
76
Apesar de não haver previsão expressa no CPP para a admissão da prova atípica, o artigo 396 do Código de
Processo Civil, aplicável por analogia ao processo penal (art. 3º do CPP), prevê que “[a]s partes têm o direito
de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na
convicção do juiz”.
77
De acordo com Tourinho Filho, “[o] veto às provas que atentam contra a moralidade e dignidade da pessoa
humana, de modo geral, decorre de princípios constitucionais, por isso que não pode ser olvidado”
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 239). Da mesma forma, para Lopes Jr., na produção da prova atípica deve-se atentar para ter “todo o cuidado
necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova, sob pena de ilicitude ou
ilegitimidade dessa prova”, de modo que somente serão admissíveis “contanto que sua aquisição não viole
36

Nesse mesmo sentido segue a legislação italiana que, nos termos do artigo 189
do Codice di procedura penale, ao tratar da admissão da prova atípica, expressamente prevê
que o juiz pode admiti-la se for “idônea para assegurar o acertamento dos fatos e não
prejudicar a liberdade moral da pessoa”.
Portanto, os ordenamentos jurídicos brasileiro e italiano fixaram uma posição
intermediária entre a liberdade e a taxatividade dos meios de provas, pois permitem a
introdução no processo de prova não disciplinada na lei, desde que atendidas as condições
legais para a sua admissibilidade, isto é, desde que seja idônea para verificação dos fatos e
não prejudique a liberdade moral da pessoa.78
Na hipótese da aceitação de meio de prova atípico, explica Laronga, apoiando-
se em Grevi, “será tarefa do juiz definir em concreto o procedimento para sua realização,
ouvindo-se as partes, a fim de acordar, se possível, sobre os prazos”79.
A partir destes conceitos, classifica-se a perícia como meio de prova típico, pois,
mesmo reconhecendo que “no campo da prova pericial, em razão dos meios tecnológicos,
têm surgido diversas modalidades de perícias não previstas ou disciplinadas pelo CPP”80,
há regras gerais que devem ser seguidas para a realização de qualquer exame pericial.
Nesse sentido, o artigo 159, caput, do CPP, é expresso ao estender os
procedimentos gerais previstos para “outras perícias”. Como explica Hassan Choukr, “[o]
artigo em comento abre a possibilidade de realização de outras perícias que não as
previstas expressamente no Código, medida que é salutar diante dos avanços
tecnológicos”81.
Dessa forma, a tipicidade do meio de prova pericial decorre do fato de que para
“todas estas perícias sem procedimento probatório específico, seguem-se as regras gerais
do CPP, em especial aquelas sobre o exame de corpo de delito”82.

proibições explícitas ou decorrentes do sistema de garantias” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual
penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 380/381). Aliás, a própria lei, ao admitir a prova atípica, faz expressa
ressalva no sentido de deverem ser observados “os meios legais” e “moralmente legítimos” (art. 396 do CPC).
78
Neste sentido: LARONGA, Antonio. Le prove atipiche nel processo penale. Padova: CEDAM, 2002. p. 5,
tradução nossa.
79
LARONGA, Antonio. Le prove atipiche nel processo penale. Padova: CEDAM, 2002. p. 6, tradução nossa.
80
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208., mar./abr. 2007. p. 181.
81
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. vol.
1. 7. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 479.
82
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208., mar./abr. 2007. p. 182.
37

Apesar dessa constatação, é importante ressaltar a incalculável diversidade de


modalidades periciais e as crescentes inovações técnicas decorrentes do avanço das ciências
que são passíveis de serem adotadas na realização de um exame. Nesses casos, como ressalta
Dominioni ao tratar das novas provas científicas, há “um componente específico que
intervém na atividade probatória, mas escapa, é estranho às previsões legislativas, não
tanto porque o legislador o considera um fenômeno da atipicidade probatória, mas porque
pertence, por sua natureza, ao patrimônio da ciência e da técnica, e do incessante, mutável
e nunca concluído desenvolvimento das pesquisas”83.
Essas características específicas da prova pericial deixam margem para a adoção
de procedimentos que, assim como nas hipóteses dos meios de prova atípicos, podem não
estar em conformidade com a exigência legal de que a prova seja produzida com observância
aos meios legais e moralmente aceitáveis.
Por essa razão, tratando do sistema italiano, Dominioni conclui que a nova prova
científica somente “pode ingressar no processo quando, no momento da admissão, for
possíviel realizar a análise judicial delineada pelo art. 189”84, ou seja, quando se revelar
“idônea para assegurar o acertamento dos fatos e não prejudicar a liberdade moral da
pessoa”85.
No Brasil, é preciso seguir essa mesma cautela, de modo que, mesmo se tratando
de meio de prova típico, naquilo que se refere aos procedimentos da perícia que fujam da
regulamentação geral do Código de Processo Penal, deve-se aplicar o mesmo regramento
dado aos meios de prova atípicos. Nesses casos, então, a admissibilidade dos procedimentos
depende de análise judicial, no caso concreto, acerca da sua idoneidade para verificação do
fato, bem como do respeito aos valores da pessoa humana.
Aliás, é o que se verifica no tratamento dado pela jurisprudência nacional no que
se refere ao exame de polígrafo. Não obstante seja referido como prova pericial, o exame de
polígrafo não é admitido em razão da ausência de comprovação científica de sua eficácia.86
Além disso, a inexistência de procedimentos probatórios específicos para muitas
perícias em espécie não autoriza a produção da prova irritual, isto é, da “prova típica

83
DOMINIONI, Oreste. In tema di nuova prova scientifica. In: Diritto penale e processo. Mensile di
giurisprudenza, legislazione e dottrina, n. 9, Milao: IPSOA, 2001. p. 1061, tradução nossa.
84
DOMINIONI, Oreste. In tema di nuova prova scientifica. In: Diritto penale e processo. Mensile di
giurisprudenza, legislazione e dottrina, n. 9, Milao: IPSOA, 2001, p. 1063, tradução nossa.
85
Artigo 189 do Codice di procedura penale italiano.
86
Nesse sentido: STJ, HC nº 269.873, decisão monocrática, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 11.10.2017.
38

produzida sem a observância do seu procedimento probatórios”87.88 Nesse sentido sustenta


Ferrari:

[Não se admite] divergências nos meios de produção típicos; de fato, se assim


fosse, toda a disciplina dos procedimentos probatórios se traduziria em um corpo
paternal de sugestões fornecidas pelo legislador aos advogados e ao juiz sobre o
melhor e mais eficaz método, testado pela tradição, para provar e acertar em juízo
os fatos controversos.89

Dessa forma, as regras procedimentais dispostas no Código de Processo Penal


para as perícias em geral devem ser seguidas para a realização de todas as perícias em
espécie, pois, como explica Badaró, “[q]uando a lei estabelece um determinado
procedimento probatório para produção de um meio de prova, este procedimento não pode
ser desvirtuado”90.
Por fim, deve-se cuidar para que o elemento de prova pericial não derive de
prova anômala,91 isto é, para que não seja produzido de acordo com o procedimento
legalmente previsto para outro meio de prova típico. Ainda que haja previsão legal, por
exemplo, para “oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a
quesitos” (art. 159, §5º, I), tal ato deve ser realizado em complementação ao exame pericial

87
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Provas atípicas e provas anômalas: inadmissibilidade da
substituição da prova testemunhal pela juntada de declarações escritas de quem poderia ser testemunha. In:
YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ,
2005. p. 344. No mesmo sentido: LARONGA, Antonio. Le prove atipiche nel processo penale. Padova:
CEDAM, 2002. p. 13, tradução nossa
88
Exemplo de prova irritual é o reconhecimento pessoal, prova típica prevista no artigo 226 do CPP, realizado
sem atenção às formalidades procedimentais dispostas nos seus incisos I, II e IV, a saber: “a pessoa que tiver
de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida”. Na sequência,
“a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”. Ao final “do ato de
reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para
proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais”.
89
FERRARI, Francesca. La prova migliore: una ricerca di diritto comparato. Milano: Giuffrè, 2004. p. 338,
nota de rodapé 145, tradução nossa.
90
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Provas atípicas e provas anômalas: inadmissbilidade da
substituição da prova testemunhal pela juntada de declarações escritas de quem poderia ser testemunha. In:
YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ,
2005. p. 344.
91
Na definição de Badaró, prova anômala “é uma prova típica, utilizada ou para fins diversos daqueles que
lhes são próprios, ou para fins característicos de outras provas típicas” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 395). No texto “[p]rovas atípicas e
provas anômalas: inadmissibilidade da substituição da prova testemunhal pela juntada de declarações
escritas de quem poderia ser testemunha”, Badaró desenvolve em detalhes o exemplo da substituição do
depoimento pessoal em juízo pela declaração escrita. Nesse caso, a prova que deveria ingressar no processo
por meio testemunhal, acaba ingressando documentalmente (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Provas atípicas e provas anômalas: inadmissbilidade da substituição da prova testemunhal pela juntada de
declarações escritas de quem poderia ser testemunha. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à
Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005).
39

previamente realizado, não sendo admissível que a oitiva substitua o exame em si. Essa
substituição produziria prova anômala na medida em que o elemento de prova pericial seria
produzido pelo meio de prova típico previsto para prova testemunhal, com evidente prejuízo
à qualidade da prova, pois as conclusões do perito não estariam fundadas no exame da coisa
ou da pessoa, mas sim na percepção que teria acerca das informações que receber sobre a
coisa ou pessoa.92
Pelo mesmo motivo, como adverte Nucci, “não nos parece correta a posição
daqueles que sustentam tratar-se de exame de corpo de delito indireto a prova testemunhal
(art. 167, CPP)”93. Isso porque as “testemunhas não são peritos e depõem informalmente
sobre o que viram e sabem. Inexiste qualquer espécie de exame ou verificação técnica. Logo,
não há perícia alguma”94. O que se tem, portanto, não é a aceitação de prova anômala, mas
apenas a aceitação legal de que “a prova da existência da infração penal foi conseguida de
maneira alternativa à ideal: à falta de possibilidade de perícia, conforme recomendação
legal (art. 158, CPP), realiza-se por meio de prova testemunhal (art. 167, CPP)”95.
Portanto, por ser típico, o meio de prova pericial deve seguir as regras gerais e,
quando houver, as regras especiais previstas no código para a realização dos exames, não se
admitindo a prática irritual do procedimento. Soma-se a isso o fato desse meio de prova
abranger incontáveis métodos e modalidades de exames (que só crescem com o avanço
tecnológico), tornando necessária a observância das regras de admissão da prova atípica, no
que se refere às perícias que não tenham procedimento específico legalmente previsto,
exigindo a verificação, no caso concreto, do uso de meios legais e moralmente legítimos.

92
Nada impede que, sendo possível em razão do objeto e do método, o perito faça o exame da coisa ou pessoa
em audiência e apresente as suas conclusões, se entender que já possui condições para tanto. Conforme destaca
Eduardo Espínola Filho, ainda que não tratando especificamente da audiência, “na hipótese dos peritos
poderem formar logo um juízo seguro, fornecendo, imediatamente, as suas conclusões, e desde que o façam
por ocasião da diligência [...], não há necessidade de laudo escrito, fazendo-se constar do próprio auto da
diligência [...] o seu parecer, que poderá ser ditado na ocasião” (ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de
processo penal brasileiro anotado. comentários aos arts. 63-184. vol. 2. 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1956.
p. 509). No entanto, neste caso, não houve substituição do meio de prova pericial pelo testemunhal, apenas
realizou-se o exame em juízo, na presença das partes.
93
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
66.
94
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
66.
95
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
66.
40

1.3.2. Contraditório no meio de prova pericial

A produção da prova em contraditório tem dupla finalidade: processual e


epistêmica. De acordo com Vázquez, pelo aspecto processual, o contraditório funciona como
“uma garantia processual das partes para que questionem as provas apresentadas pela
contraparte”96, ao passo que, por uma perspectiva epistêmica, permite “ao juiz obter mais
informações sobre as provas que tenham sido apresentadas inicialmente, com as quais pode
tomar decisões melhor fundadas”97.
Por isso, conforme Gomes Filho, “só podem ser consideradas provas no sentido
jurídico processual, os dados de conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz
e com a participação das partes, em contraditório”98. No mesmo sentido, Frederico Marques
ensina que “em face da Constituição, não há prova (ou como tal não se considera), quando
não produzida contraditoriamente”99.
Portanto, em decorrência da inexistência de contraditório nos atos praticados
para obtenção dos elementos de informação em inquérito policial de matriz inquisitória, que,
em regra, são praticados sem a participação ativa das partes e na ausência do juiz, “os
elementos trazidos pela investigação não constituem, a rigor, provas no sentido técnico-
processual do termo”100.
Na legislação nacional, a exigência da produção da prova em contraditório
também vem expressa no conteúdo normativo do artigo 155 do CPP ao garantir que “[o] juiz
formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial,
não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos
na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Assim, de uma maneira geral, ainda que se reconheça o direito e as vantagens da
participação ativa das partes no inquérito policial,101 a não influência do investigado na

96
VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 33,
tradução nossa.
97
VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 33,
tradução nossa.
98
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 250.
99
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 194.
100
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208, mar./abr. 2007. p. 193.
101
Nesse sentido, Marta Saad, apoiando-se em Eduardo Espínola Filho, destaca que “[...] as diligências
solicitadas podem influenciar o deslinde da persecução: ‘pode ser importante o material colhido por meio de
41

produção dos elementos de informação colhidos no inquérito policial não traz prejuízo
duradouro. Com exceção das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, todos os atos
voltados à coleta de informações relevantes para a reconstrução dos fatos deverão ser
refeitos, em contraditório, no curso da ação penal.
Nesse sentido, Aury Lopes Jr. sustenta que “as provas repetíveis ou renováveis,
enquanto inquisitoriais, têm valor meramente informativo – os chamados atos de
investigação –, não podendo servir de base ou sequer apoiar subsidiariamente o veredicto
condenatório”102.
Contudo, no que se refere ao meio de prova pericial, o problema se coloca de
maneira diversa, pois, como reconhece Gomes Filho, “sempre houve dificuldade para um
exercício pleno do contraditório em relação à prova pericial”103, já que “as perícias são
realizadas, na sua grande maioria, na fase do inquérito policial, em que ainda não existe a
participação da defesa”104.
A situação se agrava, no que se refere ao déficit de contraditório, quando se
verifica que, com relação à “prova pericial produzida durante o inquérito policial, tem sido
aceito, com tranquilidade, a possibilidade de o juiz valorá-la no momento da sentença”105,
pois, com respaldo nas exceções dispostas no artigo 155 do CPP, sustenta-se “que se trata
de uma prova cautelar, produzida antecipadamente, tendo em vista que, na maioria dos
casos, deve ser realizada desde logo, diante do risco de perecimento dos objetos a serem

diligências solicitadas pela defesa, por exercer influência no caminhar da investigação ou nas avaliações dos
órgãos encarregados de formular ou de admitir a acusação. Um aspecto novo revelado por tais diligências
pode conduzir a autoridade a alterar o rumo de sua apuração. O acréscimo trazido ao conjunto dos dados
antes coletados pode fazer com que não haja acusação ou, se existente, que não seja acolhida’” (SAAD,
Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 345/346).
102
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003. p. 205.
103
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 250.
104
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 275. No mesmo sentido: GOMES FILHO, Antonio Magalhães;
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de prova no processo penal brasileiro. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-208, mar./abr. 2007. p. 195.
105
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208. mar./abr. 2007. p. 195.
42

examinados”106, motivo pelo qual, “[n]este caso, na fase judicial, a perícia será submetida
ao contraditório diferido”107.
Entretanto, a prova pericial não pode ser alijada da compreensão geral de que o
“contraditório é verdadeira condição de existência da prova”108. Pelo contrário, conforme
Gomes Filho, é “indeclinável a necessidade de que a prova pericial, como qualquer outra,
seja produzida e discutida com a observância da garantia do contraditório”109.
Daí porque Taruffo, mesmo ao diferenciar “os mecanismos processuais para
apresentação das provas periciais” daqueles exigidos para outras provas, destaca que é
“orientação geral [...] que as garantias do devido processo legal, também no contexto das
provas periciais, devem ser asseguradas”110.
Diante desta aparente dicotomia, é preciso aprofundar a análise do tema para
buscar a devida composição da necessidade cautelar que, por vezes, impõe a realização da
perícia a curto prazo, com o direito das partes de participarem, em contraditório, da produção
da prova.111
Nesta tarefa, é necessário distinguir as três hipóteses possíveis: (i) perícias
renováveis; (ii) perícias não renováveis realizadas quando não se sabia quem era o
investigado; (iii) perícia não renovável realizada quando já se sabia quem era o investigado.

1.3.2.1. Perícias renováveis

Como demonstrado acima, a doutrina e a lei impõem, como regra, a produção


da prova em contraditório. No Processo Penal, tal exigência é graduada, pois, como

106
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208, mar./abr. 2007. p. 195.
107
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208, mar./abr. 2007. p. 195.
108
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 250.
109
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 250.
110
TARUFFO, Michele. A prova. Tradução de João Gabriel Couto. Madrid: Marcial Pons, 2014. p. 94.
111
Nesse sentido, Nucci expõe a necessidade de “compor os interesses de efetivação do laudo em curto espaço
de tempo e de participação dos interessados na discussão do seu conteúdo [...]” (NUCCI, Guilherme de
Souza. Código de Processo Penal comentado. 18 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 462).
43

reconhece Talamini, se “a relação processual civil, por exemplo, normalmente se satisfaz


com a possibilidade do contraditório; a penal, exige-o efetivo”112.
Da mesma forma, Tucci explica que “reclama o processo penal de conhecimento
de caráter condenatório, especialmente na segunda fase da persecutio criminis – de
instrução criminal, ou da ação penal –, o contraditório efetivo, real, a fim de que perquirida,
com absoluto rigor, a verdade material, reste devidamente assegurada a liberdade jurídica
do acusado”113.
Mais do que isso, sustenta Tucci, no processo penal “o contraditório real assume
a natureza de indisponível, dada, precipuamente, a impessoalidade dos interesses em
conflito”114.
Dessa forma, o processo penal não se contenta com o exercício de um
contraditório enfraquecido, quando há a possibilidade de um contraditório forte, uma vez
que o exercício pleno do contraditório não só é exigível, como também é indisponível.
Na relação entre contraditório e prova, conforme explica Badaró, deve-se
distinguir entre “provas ‘submetidas ao contraditório’”115 e “provas ‘produzidas em
contraditório’”116, “que implicam, respectivamente, um contraditório fraco e um
contraditório forte”117.
Da mesma forma, Gomes Filho distingue entre as “provas formadas no processo
e pré-constituídas”, havendo, no primeiro caso, “o contraditório para a prova” e, no
segundo, “sobre a prova”118. Assim, segue o autor, na primeira hipótese:

[A] participação das partes processuais deve ser realizada sempre no mesmo
momento em que se desenvolve a atividade processual de formação dos dados
probatórios, ou seja, o contraditório é essencial para a prova, com consequência
de que, sem ele, a informação não pode servir para o julgamento; em outras
palavras, não há prova. Já na segunda hipótese, a função de controle assegurada

112
TALAMINI, Eduardo. Prova emprestada no processo civil e penal. Revista de Informação Legislativa n.
140, vol. 35, p- 145-162. Out. dez. 1998. p. 146.
113
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal: estudo
sistemático. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 181. No mesmo sentido, Fernandes (FERNANDES,
Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 65).
114
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal: estudo
sistemático. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 181.
115
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 398.
116
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 398.
117
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 398.
118
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Limites ao compartilhamento de provas no processo penal. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 24, n. 122, p. 43-61., ago. 2016. p. 51. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=131333>. Acesso em: 29 nov. 2019.
44

pelo contraditório é exercida sobre uma prova já existente, atribuindo-se aos


interessados a possibilidade de discutir o conteúdo das informações, trazer outros
dados ou postular novas diligências.119

Idêntica é a lição de Badaró que, incialmente, distingue que “as provas


constituendas se formam no âmbito do processo, enquanto que as provas pré-constituídas
existem fora do processo, em procedimentos extra processuais”120, para então, com apoio
em Taruffo, concluir:

[A] regra segundo a qual a prova deve se formar em contraditório vale somente no
processo, ou seja, para as provas constituendas, que propriamente são criadas no
processo; já para as outras provas, isto é, as pré-constituídas, o importante é que
seja garantido o contraditório, não para a formação da prova, mas para a sua
valoração. Neste caso, basta que as provas pré-constituídas sejam submetidas ao
contraditório, antes da decisão judicial.121

Dessa forma, mesmo não sendo a produção da prova em contraditório judicial


uma decorrência inafastável do princípio do contraditório como critério de validade da
prova, esse rigor é exigido para as denominadas provas constituendas. Admite-se o
enfraquecido contraditório diferido122 apenas nos casos em que, por se tratar de prova pré-
constituída, o único meio possível de confrontá-la será por meio da sua submissão ao
contraditório.
No processo penal, portanto, a realização do efetivo e fortalecido contraditório
durante a produção da prova ou o enfraquecido contraditório diferido na prova pré-existente
não é uma escolha das partes, do juiz ou da autoridade policial que preside o inquérito. Ao
contrário, tipificando a garantia de observância a um contraditório efetivo no processo penal,
o artigo 155 do CPP estabelece como regra a “prova produzida em contraditório judicial”.
Essa regra somente poderá ser mitigada quando a prova for, por sua própria natureza, pré-

119
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Limites ao compartilhamento de provas no processo penal. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 24, n. 122, p. 43-61., ago. 2016. p. 51. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=131333>. Acesso em: 29 nov. 2019.
120
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova emprestada no processo penal e a utilização de elementos
colhidos em Comissões Parlamentares de Inquérito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol.
22, n. 106, p. 157-179, jan./fev. 2014. p. 168. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=103185>. Acesso em: 29 nov. 2019.
121
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova emprestada no processo penal e a utilização de elementos
colhidos em Comissões Parlamentares de Inquérito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol.
22, n. 106, p. 157-179, jan./fev. 2014. p. 169/170. Disponível em:
<http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=103185>. Acesso em: 29 nov. 2019.
122
Admitindo que o contraditório diferido é fraco, Pacelli e Fischer: “[é] que, em tais situações, o contraditório
é diferido, ou seja, é adiado – da fase de investigação para a fase de instrução – permitindo-se que a defesa
levante objeções técnicas, do ponto de vista jurídico ou tecnológico, àquele material realizado sem o controle
judicial. Por certo que a qualidade das objeções é reduzida, na medida em que se cuida de questionamentos
pos factum, sem o alcance das percepções imediatas, em tempo real” (PACELLI, Eugenio; FISCHER,
Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p.
347).
45

constituída (e.g. documentos) ou porque, em razão de especificidades do caso concreto,


tornou-se cautelar, irrepetível ou antecipada.
Transpondo estes conceitos para a perícia, de início, deve-se descartar a hipótese
de realização de um contraditório diferido em decorrência de a prova ser naturalmente pré-
constituída. As coisas ou pessoas, em regra, se tornam fontes de prova periciáveis com a
prática do crime, para demonstração da tipicidade em si (e.g. lesões na pessoa, substância
entorpecente na coisa, rompimento de obstáculos), identificação do autor (e.g. material
genético) ou ainda na reconstrução da dinâmica dos fatos (e.g. exame de local).
Por certo que nenhum interesse pericial há, por exemplo, nas lesões corporais ou
em materiais genéticos no local do crime que preexistam ao fato investigado, pois não serão
fontes de prova capazes de auxiliar na caracterização do delito, na identificação do autor ou,
de qualquer modo, na reconstrução dos fatos.
Desta forma, por não se enquadrar na excepcional admissão do contraditório
diferido para as provas pré-existentes, a prova pericial somente poderá não ser produzida em
contraditório nas limitadas hipóteses da parte final do art. 155 do CPP, isto é, quando for
irrepetível, cautelar ou antecipada.
Isso porque, nestes casos, a própria fonte de prova não existiria mais na fase
judicial, sendo impossível a sua repetição, seja porque a atuação do tempo alterou as
características da coisa ou pessoa que seriam objeto do exame (cautelar), seja porque em
razão da ocorrência de um fator externo imprevisível (irrepetível) ou previsível (antecipada)
a fonte de prova não está mais disponível.
Como se vê, portanto, a excepcional possibilidade de um contraditório diferido
na prova pericial está diretamente relacionada ao fato de a fonte de prova não estar mais
disponível (mesmo nesses casos, dentro dos limites traçados no item 1.3.2, infra).
Por esta razão, independentemente do motivo que levou a autoridade policial a
fazer a perícia no curso do inquérito policial, em sendo possível a renovação do exame, a
perícia somente poderá ser considerada como prova para futura valoração judicial com o
refazimento do meio de prova em contraditório judicial, uma vez que se trata de prova
constituenda, fora das exceções do artigo 155 do CPP.
De acordo com Gomes Filho e Badaró, “se não se estiver diante de uma perícia
determinada cautelarmente, a prova técnica deverá ser realizada em juízo, com a
possibilidade de contraditório prévio, especialmente pela faculdade das partes formularem
46

quesitos, inclusive com a possibilidade de acompanhamento da própria realização dos


exames pelos interessados”123.
Contudo, a questão se coloca mais complexa quando a perícia, apesar de ser
passível de repetição em juízo, era necessária na fase de inquérito por ser condição para o
recebimento da denúncia, como, por exemplo, a perícia de potencialidade lesiva da arma de
fogo ou o laudo de constatação para o crime de tráfico de entorpecentes.124
Nesses casos, parte da doutrina sustenta que a obrigatoriedade da realização da
perícia na fase policial permitiria que, em juízo, a prova fosse submetida apenas ao
contraditório diferido.125 Contudo, discordamos de tal entendimento. Como demonstrado, a
regra é a produção da prova em contraditório, que não pode ser excepcionada por critérios
não legais.
A necessidade de perícia para fundamentar a acusação não é, por si só, exceção
legal à necessidade da produção da prova em contraditório. Assim, nos casos em que a fonte
de prova permanecer disponível, a renovação da perícia, em contraditório judicial, será
condição para que o resultado possa ser valorado como prova pelo juiz, nos exatos termos
do art. 155 do CPP.
Por outro lado, diversa corrente doutrinária admite o refazimento da prova em
juízo, mas com ressalvas. Nesse sentido, ao tratar das “provas obtidas no inquérito policial”,
Frederico Marques sustenta que, “se possível a repetição da perícia, o juiz poderá autorizar
que outra se produza, desde que a crítica ao laudo, pelos argumentos que apresente,
justifique essa duplicação de provas”126.
Da forma como compreendemos, não se pode exigir justificação da parte que
pretende produzir a prova nos exatos termos em que a lei determina, isto é, em contraditório.

123
GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos de
prova no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 15, n. 65, p. 175-
208, mar./abr. 2007. p. 195/196.
124
Tais perícias, apesar de necessárias, não são cautelares, pois não há qualquer risco de perecimento da fonte
de prova com o passar do tempo. Conforme Grinover, Fernandes e Gomes Filho, serão cautelares “os casos
em que há urgência, seja porque há risco de desaparecerem os sinais do crime, seja porque é impossível ou
difícil conservar a coisa a ser examinada [...]” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio
Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10 ed., rev. e atual. São
Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 144/145).
125
Em sentido contrário sobre esse ponto específico, Grinover, Fernandes e Gomes Filho: “[m]as, se a perícia
não for necessária na fase indiciária, porque inexiste perigo de que desapareçam os sinais do crime ou de que
se dispersem outros elementos probatórios, ou porque servirá ela para justificar a instauração do processo,
deve ser realizada na fase processual, mediante contraditório prévio e com a participação do juiz” (grifo
nosso) (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 145).
126
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 304.
47

Desde que o elemento de prova resultante seja relevante para a reconstrução dos fatos (o que
se presume, já que, em não sendo, mesmo a perícia da fase policial não deveria ser admitida
como prova), o pedido, em conformidade com a regra prevista em lei, é justificável em si
mesmo.
Ademais, caso seja exigida uma justificativa da parte, o único apontamento que
possivelmente poder-se-ia fazer seria o de um eventual erro na perícia, conforme, aliás,
defende Greco Filho: “é válida a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por
determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver
errada, possa ser refeita”127.
O problema é que tal exigência, para além de criar exceção extralegal à regra de
produção da prova em contraditório, acaba por exigir que as partes atuem contra os seus
próprios interesses processuais, inviabilizando, na prática, essa alternativa. Isso porque, de
duas uma: (i) se o pedido for da acusação, por ser hipótese de perícia obrigatória para o
recebimento da denúncia, o pedido fundado na demonstração do erro resultaria na admissão
de que a prova, desde o início, não era idônea para sustentar a acusação oferecida; soma-se
a isso, a circunstância de que qualquer alteração fática demandaria o oferecimento de nova
denúncia; por outro lado, (ii) se o pedido for da defesa, a exigência da demonstração do erro
equivaleria ao acusado ser obrigado a demonstrar falhas na acusação que pesa contra si, para,
somente assim, poder se defender. Neste caso, se o erro é evidente a ponto de ser percebido
pela simples análise diferida do laudo, melhor seria apontar tais erros apenas em memoriais
finais, com a instrução encerrada, principalmente em decorrência do princípio do in dubio
pro reo.
Por fim, destaca-se que sequer é objeto de debate, ante a obviedade, o fato de
que as declarações da testemunha e o reconhecimento pessoal feito por ela devem ser
repetidos em juízo,128 inclusive – e principalmente, aliás – caso sejam os únicos elementos
de informação que fundamentam a denúncia.
Tratando-se também de prova constituenda, estando disponível a fonte de prova
para a renovação do exame, não há qualquer fundamento legal ou lógico para dar à perícia
tratamento diverso do que é dado aos demais meios de prova.

127
GRECO FILHO, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 111.
128
Nesse sentido, Frederico Marques destaca: “[a]s provas pessoais colhidas no inquérito, quando não
renovadas em juízo, de quase nada valem, a não ser para reforço e esclarecimento de indícios e elementos
circunstanciais do fato delituoso e respectiva autoria. É que, nessa fase preparatória de investigação, as
provas são produzidas sem publicidade, e de maneira não contraditória e unilateral” (MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium, 2009. p. 304).
48

Poder-se-ia sustentar, na esteira de Frederico Marques, que o “[s]eu valor é o


mesmo, quer se trate de perícia realizada em juízo, quer se cuide de exame pericial efetuado
durante a fase preparatória do inquérito”129, pois “[a] sua força probante deriva da
capacidade técnica de quem elabora o laudo e do próprio conteúdo deste”130.
Entretanto, a adoção desse argumento pressupõe também a aceitação das
premissas da infalibilidade humana e da objetividade científica, premissas que se provaram
historicamente equivocadas. Conforme Badaró, “mesmo no campo das ciências naturais, no
início do século passado, descobertas científicas, no campo da física e da matemática,
colocaram por terra o ideal de um modelo de conhecimento científico objetivo, fundado na
causalidade”131.
Além disso, na verdade, a circunstância de ser a prova pericial decorrente de um
conhecimento técnico-especializado traz maior importância ao exercício do pleno
contraditório na sua produção, pois é justamente esta especificidade que permite ao perito
emitir juízo de valor acerca do exame realizado que, apesar de não ser vinculante, exerce
elevado poder de persuasão no magistrado.
Nesse sentido, adverte Gomes Filho, “o progresso da ciência não garante uma
pesquisa imune a erros e seus métodos, aceitos pela generalidade dos estudiosos em um
determinado momento, podem parecer errôneos no momento seguinte”132, de modo que, “se
de um lado esse grande manancial de informações pode servir a uma mais exata apuração
da verdade, por outro também é maior o risco de que eventuais distorções da realidade
nesse tipo de prova não sejam percebidas pelo juiz, pelas partes, ou pela sociedade”133,
possibilidade que se agrava com a tendência “de subtraí-la do controle do contraditório”134.
Ora, se mesmo na prova oral se reconhece a importância da produção da prova
em contraditório porque a participação das partes pode alterar o resultado obtido, com maior
razão, na prova técnica, a produção em contraditório se faz necessária, pois, com a

129
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 352.
130
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 352.
131
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “Prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos”. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, 2018. p. 51. Disponível em:
<http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 29 nov. 2019.
132
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 155.
133
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 155.
134
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 156.
49

possibilidade de as partes indicarem assistente técnico, as discussões em contraditório sobre


métodos de exame e outras especificidades da perícia podem alterar substancialmente o
resultado e auxiliar o juiz na futura compreensão de seu conteúdo.
Dessa forma, o meio de prova pericial deve seguir a regra geral, prevista no
artigo 155 do CPP, segundo a qual as provas deverão ser produzidas em contraditório, de
modo que para que sejam valoradas como prova, é obrigatória a repetição judicial das
perícias realizadas na fase policial, desde que ainda disponível a fonte de prova, que a parte
requeira no momento processual oportuno e que se cumpram os requisitos de
admissibilidade necessários para qualquer prova.

1.3.2.2. Perícias não renováveis

Antes de analisar especificamente o exercício do contraditório nas perícias não


renováveis realizadas no inquérito policial, é preciso, em um primeiro momento,
compreender o motivo pelo qual o artigo 155 do CPP se referiu expressamente às provas
cautelares e antecipadas. Numa leitura desatenta, poderia parecer desnecessária a dupla
referência, já que toda prova antecipada possui natureza cautelar. Em um segundo momento,
caberá, ainda, distinguir as provas cautelares e antecipadas das provas irrepetíveis.
De um modo geral, são cautelares as provas que demandam “a utilização, pela
técnica processual, de certos mecanismos tendentes a antecipar algumas providências, de
modo a evitar que a demora possa comprometer a eficácia ou a correção da função
judiciária”135. Desse modo, toda prova antecipada é cautelar, “pois o que o procedimento
cautelar propicia é justamente a antecipação da formação da prova”136.
Ainda que toda prova antecipada possa ser considerada cautelar, o legislador
buscou diferenciar as provas cautelares em que o contraditório é impossível – em razão de
risco de ineficácia da diligência ou porque ainda não se sabe quem é o investigado – daquelas
em que, apesar da urgência, é possível a atuação das partes em contraditório durante o
incidente de produção antecipada de prova. Assim, em artigo de lei que estabelece como

135
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 252.
136
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 253.
50

regra a produção da prova em contraditório judicial, o legislador destacou a espécie das


provas antecipadas, das cautelares em geral.137
Isso porque, apesar da urgência na sua produção, a inviabilidade do contraditório
não é uma característica ontológica das provas cautelares. É certo que algumas diligências
investigatórias dependem da surpresa para a eficácia da medida, como são os casos da busca
e apreensão, da interceptação telefônica e do agente infiltrado. Porém, também é certo que
muitos outros atos de investigação, apesar de urgentes e potencialmente não renováveis, não
têm a sua eficácia afetada pela ciência prévia das partes, tampouco por sua produção em
contraditório. Exemplos disso são os casos de perícias em que a fonte de prova, ainda que
perecível, demora muitos dias – ou até mesmo meses – para se degradar.138
Ao distinguir a prova cautelar da antecipada, o artigo 155 do CPP buscou
estabelecer uma gradação para os casos excepcionais de restrição ao contraditório. Assim, o
texto legal disciplina como (i) cautelar a prova não renovável, produzida sem qualquer
contraditório – hipótese aplicável para os casos em que, além da urgência, a prévia ciência
da parte era impossível; e (ii) antecipada a prova não renovável produzida com o maior
contraditório possível, em incidente de produção antecipada da prova – hipótese aplicável
para os casos em que, apesar da urgência, a prévia ciência e participação ativa das partes em
contraditório era possível.
Ainda sobre os significados das expressões provas cautelares e provas
antecipadas no contexto da interpretação do artigo 155 do CPP, na hipótese de não se adotar
a distinção acima proposta, seria forçoso concluir de que se trataria, em ambos os casos, de

137
Destaca-se que a necessidade de fazer esta diferenciação já era exaltada por Antonio Sacarance Fernandes:
“[r]essurge, entre nós, na direção de tendência manifestada em outros países, preocupação em distinguir atos
próprios de investigação, para cuja efetivação não há como exigir prévia intimação do suspeito a fim de
acompanhá-la, de atos outros, em relação aos quais é possível permitir a participação do indiciado. Assim,
não tem sentido intimar previamente o suspeito para acompanhar ato de investigação consistente em
interceptação de suas ligações telefônicas ou em ato de busca e apreensão a ser feito de surpresa para
localizar objeto importante guardado em residência do próprio suspeito. Nada impede, entretanto, que se
possibilite ao indiciado estar presente em ato de inquirição de testemunha” (FERNANDES, Antonio
Scarance. Processo penal constitucional. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 72).
138
Nesse ponto, deve-se destacar o posicionamento de Badaró no sentido de que até mesmo para os meios de
pesquisa de prova, quando a surpresa não for essencial para o seu sucesso, o contraditório deverá ser observado:
“[a] urgência também costuma estar ligada aos meios de obtenção de prova que, também, necessitam da
surpresa para o seu êxito. É o caso, por exemplo, das interceptações telefônicas ou buscas e apreensões.
Impossível, em tais casos, um contraditório prévio ou o contemporâneo à obtenção do meio. Mas, a urgência
também não é característica indefectível dos meios de obtenção de prova. É possível que uma decisão que
afaste o sigilo bancário ou fiscal, seja precedida de contraditório das partes. Como em tais meios de obtenção
de prova, os dados a serem obtidos não podem ser acessados, alterados ou destruídos pelo investigado, já que
estão armazenados com terceiros, a regra é que se produzam em contraditório de partes” (BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 429/430).
51

uma desnecessária repetição da referência à prova cautelar, tanto na forma do gênero como
também da espécie antecipada.
No entanto, tal entendimento não se coaduna com uma interpretação sistemática
do texto legal. O CPP não só prevê um procedimento geral de produção de prova antecipada
(art. 156, I), como também trata especificamente da possibilidade de antecipação da prova
testemunhal (art. 225), em contraditório e perante o juiz.139
Além das provas cautelares e antecipadas, o artigo 155 do CPP ainda admite o
elemento de informação colhido na fase inquisitória, sem contraditório, quando irrepetível.
Entretanto, conforme sustenta Badaró, “a irrepetibilidade que autoriza a valoração judicial
do elemento de prova colhido sem contraditório é aquela que decorre de fatores
imprevisíveis, quando da sua obtenção”140. Ou seja, como acrescenta Gomes Filho,
“[s]omente quando tiver sido imprevisível a impossibilidade de renovação da prova será
viável utilizar os elementos anteriormente obtidos sem o contraditório”141.
Assim, diferentemente das provas cautelares e antecipadas, em que a
impossibilidade de renovação judicial da prova é previamente conhecida, na prova
irrepetível o não refazimento da prova deriva de fator externo, posterior e imprevisível.
Nesse sentido, explica Badaró, “[n]a prova irrepetível, não houve contraditório
na sua produção e não poderá mais haver, porque a fonte de prova, por fatores
imprevisíveis, não mais está disponível. Já na prova antecipada, fatores previsíveis de risco
e indisponibilidade da fonte de prova justificaram a sua produção antecipada, mas em
contraditório de partes e perante um juiz”142.
Com essas considerações, retomando a análise da prova pericial não renovável,
podemos concluir que, salvo raras exceções (e.g. incêndio que destrua a fonte de prova em
depósito), a perícia não poderá ser classificada como irrepetível, pois o risco de
desaparecimento dos sinais do crime ou a impossibilidade de conservação da coisa são
previsíveis.143

139
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 430/431.
140
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 430.
141
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 254.
142
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 431.
143
Em sentido contrário, Antonio Scarance Fernandes sustenta que a irrepetibilidade da prova pode decorrer
de sua característica natural, o que resulta na aceitação de uma prova irrepetível decorrente de evento
52

De modo geral, portanto, as perícias não renováveis, realizadas no curso do


inquérito policial, são cautelares ou antecipadas, sendo certo que, nos dois casos, como
providências de natureza cautelar, são “somente admissíveis em caráter excepcional, estão
sujeitas aos requisitos típicos do fumus boni iuris – no caso, a relevância da prova que se
pretende produzir antecipadamente – e do periculum in mora – caracterizado aqui pelo
risco de que, ao tempo da instrução, a fonte de prova não mais exista ou não possa trazer
as informações que interessam ao processo”144.
Especificamente as perícias cautelares (com o significado dado pelo art. 155 do
CPP), não repetíveis, terão lugar sempre que for impossível a participação das partes, em
contraditório, na realização do exame. Essa situação pode ocorrer seja porque ainda não se
conhece a identidade do investigado, seja porque a imediatidade do exame não permite
esperar o tempo necessário para organizar o ato com a presença dos interessados.
Não há como negar que os exames do local do crime e o necroscópico, por
exemplo, são perícias em que a urgência “faz com que não se possa instaurar um
contraditório contemporâneo a sua produção. A produção de uma prova em contraditório
demanda tempo que, neste caso, é inimigo da urgência”145.
Da mesma forma, seria impossível a realização da prova em contraditório caso
se desconheça a identidade do investigado. Seria possível mencionar, exemplificativamente,
a situação de se obter uma fonte de prova, no local do crime ou no corpo da vítima, que seja
suficiente para uma única extração de material genético. A perícia de identificação por DNA,
por meio desta extração e busca de compatibilidade em banco de dados, seria realizada, nesse
exemplo, sem a participação das partes.
Nestes casos, as partes somente poderão realizar o contraditório diferido no
resultado da perícia, podendo pedir esclarecimentos aos peritos, por meio da formulação de

previsível: “[a] irrepetibilidade de um elemento informativo, permitindo a sua utilização como prova, sujeita
a contraditório diferido, pode ser de duas espécies: uma irrepetibilidade natural e uma irrepetibilidade
resultante de fato posterior” (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 73/74). Contudo, ao dar exemplos de provas naturalmente irrepetíveis,
o autor cita a interceptação telefônica e a busca e apreensão, meios de pesquisa de prova que têm na surpresa
requisito de validade. Como já desenvolvido, não entendemos que estes meios de pesquisa de prova sejam
irrepetíveis, no significado dado a este termo pelo artigo 155 do CPP.
144
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 253.
145
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 429.
53

quesitos complementares e oitiva em audiência, e indicar assistente técnico para elaboração


de parecer e também ser ouvido perante o juiz.
Diferentes, contudo, são as situações em que há tempo hábil para a formação do
contraditório e que o investigado é conhecido. Nessas hipóteses, o único empecilho que se
coloca para a produção da prova pericial em contraditório judicial é a impossibilidade
cronológica, pois o decurso do tempo pode causar efeitos deletérios na fonte de prova.
Para solucionar essas situações, o artigo 156, I, do CPP, introduziu no
ordenamento penal brasileiro a produção antecipada da prova, que poderá ser feita “mesmo
antes de iniciada a ação penal”, caso “consideradas urgentes e relevantes”146.
O que se verifica, portanto, é que a lei disciplinou a solução a ser adotada se,
apesar de relevante para os fatos apurados, a fonte de prova tiver características que se
deterioram com o passar do tempo, de modo que o aguardar da instrução judicial pode causar
a impossibilidade da produção da prova. Para tanto, com o intuito de evitar o risco de
perecimento da fonte de prova e, simultaneamente, garantir que a prova constituenda seja
produzida em contraditório, como lhe é característico, tornou-se possível a realização
judicial do meio de prova, com a efetiva participação das partes e na presença do juiz, ainda
na fase de inquérito policial.
Conforme explica Aury Lopes Jr., “[o] incidente de produção antecipada da
prova é uma forma de jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito, através
da prática do ato ante uma autoridade jurisdicional e com plena observância do
contraditório e do direito de defesa”147.
Destaca-se que a participação do juiz na fase do inquérito policial para
resguardar direitos fundamentais do cidadão não é algo novo, sendo sempre exigida, por
exemplo, quando se coloca em voga a inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI, da CF) e das
comunicações telefônicas (art. 5º, XII, da CF), que somente poderão ser relativizadas com
autorização judicial. Na hipótese ora em análise, a atuação excepcional do juiz objetivará
garantir o direto de produção da prova em contraditório.

146
Conforme Nucci, “[a]s provas antecipadas advêm do novel instituto, criado pela Lei 11.690/08 (art. 156,
I, CPP), possibilitando-se à parte interessada que solicite ao magistrado (e este, de ofício, faça o mesmo) a
produção de determinada prova, cuja coleta seria feita, como regra, durante a instrução do processo”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
29).
147
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003. p. 207.
54

Os exemplos mais comuns da produção da prova antecipada são os casos de


testemunhas enfermas ou idosas148 – muito por conta da expressa previsão legal do art. 225
do CPP. Não há, porém, qualquer restrição legal para que o mesmo procedimento seja
adotado em qualquer outro meio de prova em que a informação que se pretenda obter seja
relevante, a fonte de prova demande urgência e as partes estejam, ainda que precariamente,
identificadas.
Nesse sentido, Nucci reconhece a possibilidade de antecipação da prova pericial,
hipótese em que “segue-se o procedimento estampado no Código de Processo Penal,
possibilitando-se aos interessados a oferta de quesitos e a apresentação de assistentes
técnicos”149.
Assim, na prova pericial não renovável, deve-se optar, caso possível, pela sua
produção na modalidade antecipada, permitindo a participação efetiva do investigado para,
em contraditório150, “solicitar determinado tipo de análise ou de meios; bem como formular
quesitos aos peritos, cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato”151.
A título ilustrativo, é possível reformular o exemplo da identificação por DNA
em que há fonte para extração de apenas uma amostra de material genético. Caso o exame
fosse feito por comparação direta – e não mais por busca em banco de dados –, saber-se-ia
exatamente quem é a pessoa investigada. Não haveria, portanto, qualquer razão para que a
produção da prova não fosse feita pelo rito da prova antecipada, ainda mais considerando o
peso que tal prova teria na definição da autoria delitiva.

148
Com esse exemplo, Badaró: “[a]ssim, por exemplo, no caso de uma testemunha presencial de um crime que
seja muito idosa ou esteja acometida de grave e irreversível doença [...], não é possível aguardar o término
do inquérito policial, o oferecimento da denúncia, a citação e resposta do acusado e, por fim, a designação de
audiência de instrução e julgamento para, só então, ouvir tais pessoas que tem relevantes informações sobre
os crimes” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2018. p. 430). Também entende do mesmo modo Nucci: “[a]ssim, exemplificando, pode-se colher
o depoimento de uma testemunha muito idosa, de forma antecipada, ainda na fase investigatória, em razão da
urgência requerida pelo caso concreto” (NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 29).
149
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
44.
150
Nesse sentido, Murillo ressalta que, segundo o Código Nacional de Processo Penal Mexicano, "quando for
realizada uma perícia sobre objetos consumidos quando analisados, a primeira análise não será permitida,
exceto pela quantidade estritamente necessária, a menos que sua existência seja escassa e os especialistas não
podem expressar sua opinião sem consumir completamente”, “neste último casos ou qualquer outro
semelhante que impeçam que posteriormente se pratique uma perícia independente, deverá ser notificado o
Ministério Público e o defensor do imputado, se este já tiver designado um ou a defensoria pública, para que,
se julgar necessário, os assistentes técnicos de ambas as partes pratiquem conjuntamente o exame ou, para
que o assistente da defesa testemunhe a realização da opinião de especialistas” (MURILLO, José Daniel
Hidalgo. Cadena de custodia. Ciudad de México: Flores, 2017. p. 18, tradução nossa).
151
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003. p. 207.
55

Ressalta-se, por fim, que a prova antecipada deverá ser utilizada apenas em
situações excepcionais, quando presentes as exigências cautelares, sendo sempre preferível
aguardar a instrução judicial, se possível. Como destaca Badaró, mesmo na produção de
prova antecipada “pode haver restrições – em graus variados – ao contraditório”152,
principalmente quando feita na fase de inquérito policial, porque antes do oferecimento da
denúncia “os fatos poderão ainda não estar perfeitamente delimitados, ainda que já haja
um investigado indiciado [...]”153.
Desta forma, caso seja previsível a impossibilidade de renovação da perícia em
contraditório judicial, faz-se necessária sua produção antecipada, desde que o tempo
necessário para a intimação das partes não afete as características da fonte de prova e desde
que o investigado já seja conhecido.

1.4. Elemento de prova pericial

No curso do processo judicial, as partes devem atuar na produção de provas a


fim de comprovar a veracidade dos fatos por elas alegados.154 A atividade probatória, por

152
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 430.
153
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 431.
154
Adota-se aqui o entendimento de que o objeto da prova não são os fatos em si, mas sim a afirmação que as
partes fazem sobre os fatos. Nesse sentido, Gomes Filho: “[a]firma-se, em geral, que o objeto de prova (thema
probandum) são os fatos que interessam à solução de uma controvérsia submetida à apreciação judicial. Com
isso, pretende-se colocar em especial evidência a circunstância de que a atividade probatória não se destina
a informar o juiz sobre as normas de direito positivo, mesmo porque tal conhecimento pelo juiz é presumido
(iura novit curia). Mas essa ideia traduz apenas uma visão parcial e aproximada daquilo sobre o que,
efetivamente, verte a atividade probatória judicial. Em primeiro lugar, a prova não objetiva simplesmente
reconstruir uma realidade fática como tal, mas na medida em que os fatos a serem provados constituam
pressupostos para a aplicação judicial do direito. Para o processo (e particularmente para a atividade
probatória) o próprio fato é determinado, segundo a sua idoneidade para produzir consequências jurídicas.
Em síntese, como adverte Taruffo, é o direito que define e determina aquilo que no processo constitui o fato.
Sob outro aspecto, também não é exato dizer que a prova destina-se a obter o conhecimento sobre um fato,
pois, antes disso, o que se apura no processo é a verdade ou a falsidade de uma afirmação sobre o fato. É que
o fato, como fenômeno do mundo real, somente poderia ser constatado no próprio momento em que se verifica;
não é possível, portanto, provar um acontecimento passado, mas somente demonstrar se uma afirmação sobre
este é ou não verdadeira. Disso resulta que, na verdade, o thema probandum é determinado pelas proposições
representativas do fato juridicamente relevante, e colocadas pelas partes como base da acusação ou da defesa,
ou mesmo como como fundamento de eventual pesquisa judicial.” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal brasileiro. In: YARSHELL, Flávio
Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 316/317). Com
igual posição, Badaró, “[o]s fatos são acontecimentos históricos que existiram ou não existiram. Assim, os
fatos ou existem ou são imaginários. O que pode ser verdadeiro ou falso e, portanto, passível de prova, são as
afirmações quanto à existência do fato” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 399). Em sentido contrário, Frederico Marques
conceitua objeto da prova como “a coisa, fato, acontecimento, ou circunstância que deve ser demonstrado no
processo”. Ao assumir tal posição, de fato, como destacado por Gomes Filho, percebe-se a preocupação de
56

sua vez, produz informações extraídas das fontes de prova, que servirão de substrato para
futura apreciação judicial em relação às afirmações das partes sobre os fatos juridicamente
relevantes. O conteúdo proveniente da atividade probatória judicial, ainda não apreciado
pelo juiz, é o que constitui o elemento de prova.
Assim, de acordo com Gomes Filho, elemento de prova é “cada um dos dados
objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à
decisão da causa”155. No mesmo sentido, Badaró entende que “elemento de prova é o dado
bruto que se extrai da fonte, ainda não valorado pelo juiz”156.
Em outras palavras, o elemento de prova é a informação extraída de uma fonte
de prova ou revelada por um meio de pesquisa de prova, que tem a finalidade de demonstrar,
no processo e ao juiz, a veracidade sobre um fato alegado.
Por esse aspecto, o elemento de prova é o dado por meio do qual se busca atingir
o que Tourinho Filho chama de “objetivo da prova”, isto é, a informação colhida com a
finalidade de “formar a convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da
causa”157.
No caso das perícias, o elemento de prova é o resultado do exame realizado, que
normalmente é apresentado em juízo na forma de laudo escrito.158 A depender da perícia, o
elemento de prova pode (i) estar limitado à descrição de um fato ou objeto (perícia
percipiendi), como acontece nos exames de nível de poluição sonora de um local ou que
indicam a data de validade disposta na embalagem dos produtos, sem analisar se estão ou
não impróprios para o consumo; ou (ii) conter a declaração conclusiva sobre o fato ou objeto

Frederico Marques de distinguir prova do fato e do direito: “como o juiz se presume instruído sobre o direito
a aplicar, os atos instrutórios só se referem à prova das quaestiones facti”, com exceção do direito estrangeiro
e consuetudinário, que podem ser objeto de prova (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito
processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium, 2009. p. 254). Também Tourinho Filho entende
que objeto de prova “são todos os fatos, principais ou secundários, que reclamem apreciação judicial e exijam
comprovação” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 233).
155
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 307.
156
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 386.
157
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 232.
158
Conforme Eduardo Espínola Filho, “não há necessidade de laudo escrito, fazendo-se constar do próprio
auto da diligência [...] o seu parecer, que poderá ser ditado na ocasião” (ESPINOLA FILHO,
Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. comentários aos arts. 63-184. vol. 2. 3. ed., Rio de
Janeiro: Borsoi, 1956. p. 509). No mesmo sentido: NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual
penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 98.
57

examinado (perícia deducendi), comum nas perícias ambientais que indicam ou não a
existência de dano, ou na constatação se o projétil foi disparado por uma determinada arma
de fogo.159
O elemento de prova decorrente das perícias deducendi merece particular
atenção porque, ao contrário do conteúdo obtido através dos demais meios de prova, fornece
ao juiz não somente uma informação sobre os fatos alegados pelas partes, mas também um
juízo de valor sobre a questão controvertida.160 Isto é, ao passo que a testemunha assume
postura passiva, respondendo às indagações das partes de acordo com as observações que
teve dos fatos, os peritos, nas perícias deducendi, analisam a fonte com a consequente
emissão de uma opinião técnica sobre a matéria. 161 Assim, como destaca Badaró, “enquanto
a prova testemunhal se decompõe em observação e declaração, a perícia é constituída por
observação, avaliação e declaração”162, de modo que a “característica fundamental da
perícia é que o perito emite um juízo de valor sobre os fatos”163.164
Em decorrência desta especificidade, aliás, desenvolveu-se por parte da doutrina
a noção de que, conforme entende Tourinho Filho “a perícia é mais que um meio de prova
e que, na verdade, pelo menos no nosso jus positum, o legislador não considerou o perito
como simples sujeito de prova, mas como auxiliar do Juiz”165.

159
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 234. No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4.
ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 439. Ainda, de acordo com Vázquez, as “inferências
feitas pelo perito em um processo judicial podem ser sobre os fatos particulares do caso, mas também pode
simplesmente enunciar conhecimentos gerais totalmente independentes do caso ou uma espécie mesclada, isto
é, a instanciação do caso concreto em uma generalização” (VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la
prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 44, tradução nossa).
160
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 438/439.
161
Apesar de extrapolar os limites deste trabalho, vale destacar a problematização feita por Vázquez sobre o
fato de o perito emitir opinião sobre um assunto especializado: “[o]utra pergunta relevante é como
identificamos o experto, é através de suas credenciais, isto é, seus títulos acadêmicos? através de outros
expertos? [...] Uma coisa são os elementos da expertise, outra distinta é como identificamos o experto”
(VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 44, tradução
nossa).
162
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 438.
163
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 438.
164
Em decorrência do juízo de valor feito pelo perito, pontua Fierro-Mendez Heliodoro: “a doutrina tem
alertado que o encargo do perito requer três funções, a saber: a preparação técnica; moralidade e discrição.
Não se pode ser um bom perito se falta alguma dessas condições. O dever de um perito é dizer a verdade; mas
para isso é necessário: primeiro saber encontrar a verdade, e depois querer dizê-la. O primeiro é um problema
científico e o segundo é um problema moral” (HELIODORO, Fierro-Mendez. La Prueba em el Derecho Penal.
Sistema acusatório. Bogotá: Leyer, 2006, p. 191, tradução nossa).
165
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 274.
58

Não obstante o Código de Processo Penal tenha consagrado o perito como


auxiliar do juiz ao tratar da sua função processual no Título VIII do Livro I, sob a rubrica de
“auxiliares da justiça”, também disciplinou a sua produção dentre os meios de prova (cf.
item 1.3, supra). Não sem razão, portanto, Aury Lopes Jr. sintetizou que o perito é “um
‘auxiliar da justiça’, na definição do Título VIII do CPP, mas cuja produção (laudo) é sim
um meio de prova”166.
A exclusão da perícia dos meios de prova também foi criticada por Gomes Filho,
que alertou para o fato de que “a perícia teria conquistado o reinado antes atribuído à
confissão”167. No mesmo sentido, Espínola Filho conclui: “[i]nsistimos, particularmente,
em que, como meio de prova que é, o exame pericial não goza de qualquer privilégio sobre
os outros gêneros de prova”168.
Apesar da controvérsia teórica, a divergência sobre a classificação da perícia
como meio de prova, a depender do que se entende por auxiliar da justiça, não traz efeito
prático algum no que se refere à elaboração e ao conteúdo do elemento de prova derivado
do exame pericial, já que existe convergência doutrinária na conclusão de que,
diferentemente do que ocorre com todos os outros meios, as perícias deducendi contêm juízo
de valor sobre os fatos.
A convergência doutrinária quanto a esse ponto conduz a uma única conclusão
lógica e racional, também adotada sem divergências: a existência de conteúdo valorativo no
elemento de prova pericial exige cuidados para que a atividade probatória esteja protegida
por regras que garantam o efetivo contraditório, com ativa participação das partes, a
imparcialidade do avaliador (perito) e a não vinculação do juiz ao elemento de prova
produzido.
De fato, com exceção feita aos posicionamentos acerca do contraditório (cf.
1.3.2, supra), a doutrina não diverge sobre a exigência de um perito imparcial na elaboração
do elemento de prova e a não vinculação do juiz a ele.
No que se refere à imparcialidade na produção do elemento de prova, entende-
se que, como os peritos “detêm enorme influência no poder decisório do magistrado, na
esfera criminal, influindo consideravelmente na solução da causa, [...] devem agir com total

166
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 424.
167
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 155.
168
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. comentários aos arts. 63-184.
vol. 2. 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1956. p. 572.
59

imparcialidade”169. Por isso, como forma de se resguardar sua imparcialidade, os peritos


estão sujeitos aos mesmos impedimentos e suspeições dos juízes, sendo que a “infringência
a essas regras torna nulo o ato pericial”170.
Na legislação brasileira, de maneira expressa, o artigo 280 do CPP estende aos
peritos, no que couber, as hipóteses de suspeição do juiz previstas no artigo 254 do mesmo
diploma legal. Sobre o impedimento, entretanto, a lei proíbe os peritos de atuarem apenas
em casos em “que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente
sobre o objeto da perícia” (art. 279, II, do CPP), previsão equivalente às hipóteses de
impedimento dos juízes previstas no art. 252, II e III, do CPP.
Apesar de inexistir expressa previsão nesse sentido, a doutrina estende também
aos peritos as hipóteses legais de impedimento inicialmente previstas para o juiz no artigo
252, I e IV, do CPP, sob o fundamento da necessidade de garantia da imparcialidade.171
Aliás, com razão, pois não é verossímil crer na imparcialidade daquele perito que tenha como
cônjuge, por exemplo, o promotor da causa ou, ainda pior, se ele próprio estiver diretamente
interessado no feito.
Já acerca do conteúdo do elemento de prova, as conclusões declaradas no laudo
serão recebidas pelo magistrado como elemento de prova a ser analisado em conjunto com
os outros produzidos na instrução. O juiz não está, portanto, vinculado à manifestação do

169
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8 ed., rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 575. No mesmo sentido: José Frederico Marques ressalta que “o perito deve atuar com
imparcialidade e perfeita exação, visto que lhe cabem tarefas de suma importância para perfeito
esclarecimento do thema probandum” (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual
penal: vol. 2. 3.ed. atual Campinas: Millennium, 2009. p. 325); Ainda: NORONHA, E. Magalhães. Curso de
direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 95.
170
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 10 ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 175. Nesse ponto,
apesar da discordância sobre a classificação da perícia como meio de prova, tanto Tourinho Filho (TOURINHO
FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 286), como
Gomes Filho (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria
Thereza Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 275), Espínola Filho (ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código
de processo penal brasileiro anotado. comentários aos arts. 63-184. vol. 2. 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi,
1956. p.280/281) e Aury Lopes Jr. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2019. p. 322) convergem.
171
E. Magalhães Noronha, ao tratar do tema, afirma: “[c]om efeito, presta ele serviços de relevo e de suma
importância cuidando, então, a lei de ditar normas que afastam a suspeita de parcialidade de sua atuação,
estendendo-lhes incompatibilidades e impedimentos relativos a pessoas que dirigem ou movem o processo, ou
nele intervêm” (NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973.
p. 96). Nesse mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 439, nota de rodapé 142; GRINOVER, Ada Pellegrini;
FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10
ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 175.
60

perito.172 Positivando o princípio liberatório no ordenamento jurídico nacional, o artigo 182


do CPP expressamente prevê que “[o] juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo
ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”173.
Com essas peculiaridades, portanto, a perícia é meio para a produção de
elemento de prova que, apesar de seu conteúdo técnico-opinativo, deverá ser considerado
pelo juiz em conjunto com os demais elementos de prova acostados aos autos, inexistindo
relação de preferência em relação a eles.

1.5. Resultado da prova pericial

O significado de resultado da prova se diferencia do conceito de elemento de


prova. O resultado da prova, conforme Badaró, é “a conclusão do juiz sobre a credibilidade
da fonte e a atendibilidade do elemento obtido”174. Conforme acrescenta Gomes Filho,
embora o resultado da prova seja “a própria conclusão que se extrai dos diversos elementos
de prova existentes”175, o mesmo não é obtido “apenas pela soma daqueles elementos, mas
sobretudo por meio de um procedimento intelectual feito pelo juiz, que permite estabelecer
se a afirmação ou negação do fato é verdadeira ou não”176.
Destaca-se que o resultado da prova poderá ser positivo, negativo ou
inconclusivo,177 dependendo do efeito que o elemento de prova terá na formação da

172
Nesse sentido, Grinover, Fernandes e Gomes Filho (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio
Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10 ed., rev. e atual. São
Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 138), e Badaró (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo
penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 450). Ainda, E. Magalhães Noronha afirmar que “[o]
laudo não obriga o juiz. Caso contrário, seria o perito, em última análise, o julgador” (NORONHA, E.
Magalhães. Curso de direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 96).
173
Nesse ponto, apesar da discordância sobre a classificação da perícia como meio de prova, concordam tanto
Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 3. 32 ed., rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 92), como Gomes Filho (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas: Lei 11.690,
de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de. (coord.). As reformas no processo penal: as novas Leis
de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 274), Espínola Filho
(ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. comentários aos arts. 63-184.
vol. 2. 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1956. p. 569) e Aury Lopes Jr. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito
processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 424).
174
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 386.
175
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 308.
176
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova: reflexos no processo penal
brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São
Paulo: DPJ, 2005. p. 308.
177
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 387.
61

convicção do juiz, a ser revelado na sentença, quando da motivação apresentada pelo


magistrado no julgamento.
A doutrina norte-americana, com clareza, faz a distinção entre elemento de prova
e resultado de prova ao denominar o primeiro de evidence e o segundo de proof. Enquanto
o termo evidence é utilizado para denominar um objeto, dado ou informação apresentado em
juízo com a intenção de demonstrar a veracidade ou falsidade de um fato controvertido,178
proof é o efeito que a evidence tem na persuasão e formação da convicção do juiz sobre o
fato alegado.179
A prova pericial, em decorrência da sua qualidade técnica, tem grande influência
no resultado da prova por causa do alto poder de persuasão no convencimento do juiz,
tornando-se, por vezes, o principal ou até mesmo o único elemento de prova considerado
pelo magistrado para adotar como verdadeiro ou falso o fato alegado pela parte.
Nesse ponto, Grinover, Fernandes e Gomes Filho reconhecem que “[a]
valoração pericial, positiva ou negativa, de elementos de prova relativos à materialidade, à
autoria ou a determinadas circunstâncias do fato criminoso constitui forte fator de
convencimento do julgador”180, pois, “apesar de não estar vinculado às conclusões da
perícia (art. 182 do CPP), toma normalmente a prova técnico-científica como base de sua
fundamentação, por não ser dotado de conhecimentos técnicos especializados”181.
Entretanto, a compreensão dessa realidade também traz consigo a preocupação,
destacada por Gomes Filho, de que a perícia se torne a rainha das provas182 ou, ainda pior,
que se torne “o perito, em última análise, o julgador”183.
A identificação desse problema impõe duas consequências: (i) a assimilação pelo
magistrado de que não há hierarquia entre as provas, de modo que a prova pericial deve ser
valorada em conjunto com os demais elementos de prova existentes nos autos; e (ii) a
necessidade de se ter maior atenção na admissibilidade da perícia como prova,
principalmente no que se refere à conservação da fonte de prova e à idoneidade do método

178
MAY, Richard. Criminal evidence. 2 ed., Londres: Sweet & Maxwell, 1990, p. 4.
179
CAMPBELL, Henry B. Black's Law Dictionary. 6 ed., St. Paul, Minn, West Group, 1990, p. 1215.
180
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 138.
181
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 138.
182
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 155.
183
Rechaçando esta possibilidade, Magalhães Noronha afirma: “[o] laudo não obriga o juiz. Caso contrário,
seria o perito, em última análise, o julgador” (Curso de direito processual penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
1973. p. 98).
62

científico, de forma que se garanta que a perícia efetivamente se presta a demonstrar o que
se diz capaz.
A segunda consequência acima apontada, por sua conexão mais próxima com a
quebra da cadeia de custódia, será aprofundada nos capítulos seguintes. Vale pontuar, desde
logo, que, independentemente do juízo prévio de admissibilidade da perícia, cabe ao
magistrado analisar os elementos de prova de acordo com a diretriz estabelecida na
exposição de motivos do Código de Processo Penal, segundo a qual “[t]odas as provas são
relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior
prestígio que outra”184.
Assim, conforme explica Aury Lopes Jr., deve-se cuidar para que o sedutor
discurso científico não cegue o juiz,185 por mais encantador ou “evidente” que seja o seu
resultado, pois “o evidente cega, impede a discussão, seda os sentidos e mata o
contraditório”186. Com isso, conclui o autor que “uma prova pericial como essa demonstra
apenas um grau, maior ou menor, de probabilidade de um aspecto do delito, que não se
confunde com a prova de toda a complexidade que constitui o fato”187.188
No mesmo sentido, Gascón Abellán alerta para que:

[A] importância das provas periciais na prática processual não tem sido
acompanhada de um processo de cautelas e controles em relação às mesmas. Há
acontecido o contrário. Principalmente pelo fato de se apresentaram como
‘científicas’ (e porque na maioria das vezes - pelo menos na Europa - proverem de
laboratórios oficiais da polícia científica) estas provas vem sido acompanhadas de
uma áurea de infalibilidade que interrompe (quando não claramente impede)

184
CAMPOS, Francisco. Exposição de motivos do código de processo penal. 1941. Disponível em:
<http://honoriscausa.weebly.com/uploads/1/7/4/2/17427811/exmcpp_processo_penal.pdf>. Acesso em: 29
nov. 2019.
185
Em trecho de Pacelli e Fischer sobre a prova pericial, temos a exata noção da maior representatividade com
que este elemento de prova é recebido, até mesmo para quem nega ser “superior às demais”: “[n]ão há,
portanto, hierarquia de prova. Mas especificidade dela, não temos dúvidas! E por especificidade da prova
entendemos o meio técnico especializado que permite maior compreensão do significado da prova, bem como
de suas possíveis interpretações. A prova técnica não é uma prova superior às demais. Mas é, sim, uma prova
uma prova especial, quanto ao conteúdo da interpretação de um meio de prova” (PACELLI, Eugenio;
FISCHER, Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2016. p. 393).
186
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 439.
187
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 439.
188
Na mesma linha, Neuburger, apesar de reconhecer a importância de o juiz “abandonar [...] uma ‘teoria
autoritária’ do livre convencimento em favor da busca de pesquisa científica para embasar sua própria
decisão”, ressalta o risco de a prova pericial gerar “atitudes judiciais submissas e renunciadas, indulgentes
com a recepção acrítica”, para, então, concluir que cabe ao juiz “assumir o papel do ‘domínio real do processo
de tomada de decisão’, do ‘pesquisador diligente e atento à verdade através da consciência e do escrutínio
crítico de uma emergência fática útil’” (NEUBURGER, Luisella de Cataldo. La prova scientifica nel processo
penale. Padova: CEDAM, 2007. p. 508).
63

qualquer tentativa de revisão ou reflexão crítica sobre elas, com o resultado de que
sua validade e valor probatório são geralmente assumidos como dogmas de fé.189

Ao criticar a expressa predileção do legislador pelo exame de corpo de delito nos


crimes que deixam vestígios (art. 158 do CPP)190, Frederico Marques afirmar ser
“baboseira”, fora do sistema da prova legal, a adoção de um elemento de prova em
detrimento de outros,191 já que a existência do crime pode ser demonstrada por outros
elementos de convicção.192 O argumento, obviamente, vale também em sentido contrário,
sendo, então, “baboseira” o apego cego ao resultado da perícia para a formação da convicção
judicial sobre os fatos alegados, sem a devida consideração dos outros elementos de prova
disponíveis.
Por certo que a rejeição parcial ou integral do laudo deve ser justificada pelo
juiz, principalmente para explicitar os motivos pelos quais não adotou as conclusões técnicas

189
ABELLÁN, Marina Gáscon. Prueba científica. un mapa de retos. In: VÁZQUEZ, Cármen. Estándares de
prueba y prueba científica: ensayos de epistemología jurídica. madrid: marcial pons, 2013. p. 182, tradução
nossa.
190
Apesar da predileção pelo exame de corpo de delito direto ou indireto, o artigo 167 do CPP permite que
“[n]ão sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal
poderá suprir-lhe a falta”. Assim, “O CPP estabelece uma ordem de sucessão quanto aos meios de prova da
materialidade delitiva e uma regra de exclusão. Em regra, realiza-se o exame de corpo de delito direto. Não
sendo este possível, por ter desaparecido o corpo do delito, mas havendo outros dados que possam ser
analisados pelos peritos, realiza-se o exame de corpo de delito indireto. Por último, não sendo possível o
exame de corpo de delito direto, nem o exame de corpo de delito indireto, a prova testemunhal poderá
comprovar a materialidade delitiva. De outro lado, em nenhuma hipótese, a prova da materialidade delitiva
poderá ser feita por meio da confissão” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 447). A existência da regra de exclusão proibindo a prova da
materialidade pela confissão é explicada por Tourinho Filho: “[...] as razões são óbvias: muitas e muitas vezes,
o réu confessa um crime que efetivamente não cometeu. O amor paternal, o amor filial, a paixão, a vontade
de ganhar algum dinheiro, o desejo de encontrar, na cadeia, um lugar para dormir e comer, distúrbios mentais,
eis alguns motivos que podem levar um homem a confessar um crime que efetivamente não cometeu”
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado: arts. 1º a 393º. 14. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 599/600).
191
Sobre isso, Badaró explica: “[e]fetivamente, trata-se de uma regra não encontrada em outros sistemas
processuais penais. Melhor seria que se exigisse uma fundamentação adequada que demonstrasse,
efetivamente, com base em que elementos o juiz racionalmente optou por uma afirmação fática como sendo a
que encontra elementos que a corroborem no grau suficiente para o standard probatório exigido, no caso do
processo penal, prova além de qualquer dúvida razoável. Num sistema que funcionasse corretamente, nos
casos em que um crime tivesse deixado vestígio e houvesse uma dúvida razoável sobre sua ocorrência, cuja
demonstração demandasse conhecimentos técnicos, certamente o juiz não conseguiria justificar uma escolha
racional pela hipótese acusatória sem que estivesse amparada em uma perícia sobre o corpo de delito. Porém,
quando a motivação não é levada a sério, a manutenção da regra da obrigatoriedade de exame de corpo de
delito é um antídoto a um livre convencimento que foi deturpado em um livre arbítrio judicial” (BADARÓ,
Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 445/446).
192
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: vol. 2. 3.ed., atual Campinas:
Millennium, 2009. p. 362.
64

alcançadas por perito que, em tese, possui maior conhecimento sobre a área de expertise
exigida pelo objeto da perícia realizada.193
Nesse sentido, Echandía qualifica como “absurdo” “ordenar ao juiz que aceite
cegamente as conclusões dos peritos”194, na medida tal medida “desvirtua as funções
daquele [juiz]”195 e transforma os peritos “nos juízes da causa”196, contudo, finaliza o autor,
“[n]aturalmente, a rejeição pelo juiz do parecer dos peritos deve basear-se em razões sérias,
numa análise crítica”197.
Nesse ponto, até mesmo para auxiliar o juiz nessa tarefa, é essencial que o
contraditório tenha sido efetivamente exercido pelas partes, principalmente no que se refere
aos conhecimentos e métodos técnicos que envolvem o exame específico, que poderão ser
contrariados, com maior rigor e precisão, por assistente técnico. Isso porque, também
gozando da capacidade técnica necessária para o exame realizado, o assistente técnico
poderá demonstrar equívocos metodológicos no procedimento, apontar circunstâncias,
objetos ou fatos essenciais para o resultado do exame que foram ignorados pelo perito no
exame, entre outras possíveis falhas ou lacunas que colocam em dúvida o juízo de valor
emitido pelo perito.198
A melhor qualidade da prova técnica produzida em contraditório, ao exigir o
conhecimento de outros campos da ciência, permitirá o aprofundamento da discussão,
conduzindo o processo na direção de um pronunciamento judicial mais qualificado, já que o

193
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 446; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado: arts.
1º a 393º. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 629. Por sua vez, Pacelli e Fischer defendem que “o juiz, por
não se qualificar como expert, não pode arvorar-se em censor dos peritos e dos assistentes técnicos”. Por isso,
entendem que, antes de rejeitar integral ou parcialmente o laudo, o juiz deve primeiro determinar “a
complementação, o esclarecimento ou até mesmo a elaboração de um novo laudo oficial, recorrendo, se
necessário, a outros peritos ou profissionais com conhecimento na matéria” (PACELLI, Eugenio; FISCHER,
Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p.
420).
194
ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de La Prueba Judicial, Tomo II, Santa Fé: Rubinxal-Vulzoni,
2007. p. 112.
195
ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de La Prueba Judicial, Tomo II, Santa Fé: Rubinxal-Vulzoni,
2007. p. 112.
196
ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de La Prueba Judicial, Tomo II, Santa Fé: Rubinxal-Vulzoni,
2007. p. 112.
197
ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de La Prueba Judicial, Tomo II, Santa Fé: Rubinxal-Vulzoni,
2007. p. 113.
198
Conforme Pacelli e Fischer, “[...] o papel dos assistentes técnicos será de suma importância, na medida em
que poderão apontar defeitos nos laudos oficiais, demonstrando ao juiz a incompletude do laudo, sobretudo
quando não esclarecidas as dívidas em audiência” (PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários do
Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 419).
65

juiz “terá o dever de valorar o parecer técnico, em especial, confrontando-o com o laudo
do perito oficial, fundamentando as razões pelas quais deu mais valor a este ou àquele”199.
Salienta-se, por fim, que a aceitação da perícia não se confunde com a sua
admissão como prova – realizada em etapa anterior e tratada no capítulo 3, infra –, pois o
que se aceita ou rejeita é a conclusão, o juízo de valor do perito, não o elemento de prova
introduzido no processo. Assim, somente após a validação dos critérios de admissão da prova
pericial no processo, o juiz irá valorar o seu conteúdo para aceitar ou rejeitar o laudo.
Também não se pode confundir como sendo rejeição da perícia a conclusão do
magistrado no sentido de o laudo não ter revelado elemento de prova suficiente para
demonstrar a veracidade de um fato alegado no processo. Nesse caso, as conclusões da
perícia foram integralmente aceitas, mas o elemento de prova, quando analisado em conjunto
com os outros do processo, não foi conclusivo para convencer o juiz. Pode-se exemplificar
essa situação com os laudos que atestam a data da validade dos produtos vencidos que, apesar
de aceitos, podem não formar a convicção do juiz sobre a impropriedade daqueles produtos
para o consumo.200 Diferente é a situação de um laudo que concluiu pela existência de dano
em superfaturamento da obra, em que a análise do perito desconsiderou os custos com uma
etapa preliminar da obra também contratada, razão pela qual o juiz rejeitará a conclusão, isto
é, a equivocada afirmação sobre a existência do dano.
Portanto, como se demonstrou, o resultado da prova envolvendo o elemento de
prova pericial possui particularidades que devem ser observadas no momento processual
adequado, principalmente pelo magistrado na formação da sua livre convicção motivada.

199
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 450. Em sentido contrário, Pacelli e Fischer sustentam que sobre “os laudos produzidos pelos assistentes
técnicos [...] sequer é preciso que o juiz fundamente, em maior extensão, a razão pela qual preferiu seguir o
laudo oficial” (PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua
jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 419).
200
Nesse sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça: “a materialidade do crime descrito art. 7º, inciso
IX, da Lei n. 8.137/1990 apenas se perfaz com a realização da perícia constatando a nocividade ao consumo
humano, não bastando mera irregularidade na embalagem ou validade vencida” (REsp nº 1.792.212/SP, 5ª
T., Min. Rel. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 21.03.2019). Com o mesmo entendimento: RHC 97.335/SC,
5ª T., Min. Rel. Joel Ilan Paciornik, DJe 28.03.2019.
67

2. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

O estudo da cadeia de custódia da prova se insere na construção de um processo


penal em que a busca pela descoberta da verdade atua como indicador epistêmico na
verificação da hipótese acusatória. Nessa medida, conforme se aprofundará na sequência
deste capítulo, a epistemologia atua como elemento conector entre prova e verdade no
processo penal.201
Por conta dessa relação, antes de se aprofundar no tema, será preciso estabelecer
as premissas a partir das quais se trabalhará com o tema da cadeia de custódia, já que, como
advertiu Taruffo, “tudo isso pode ser considerado carente de sentido, mas com a condição
única de que se negue a premissa: o veriphobic que nega a priori a possibilidade de que o
processo seja orientado à busca da verdade dos fatos”202.
Para além dessa perspectiva epistêmica, a cadeia de custódia também se
relaciona com os registros que vinculam o elemento ou a fonte de prova aos impedimentos
e exceções impostas à atividade probatória em proteção a direitos fundamentais.203
Assim, para que na sequência seja possível aprofundar o estudo do tema da
cadeia de custódia, inicialmente é preciso estabelecer o modelo de processo penal com o
qual se trabalhará e a sua relação com a verdade, epistemologia e direitos fundamentais na
atividade probatória.

2.1. Relação entre processo penal, verdade, epistemologia e direitos


fundamentais

Como já reconhecido por Badaró ao tratar do tema da verdade e a possibilidade


epistêmica de atingi-la, “[s]eria pretensioso, após milênios de discussões filosóficas, querer

201
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos". Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80., 2018. p.
44. Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05
dez. 2019.
202
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 222.
203
Reconhecendo a dupla vinculação epistêmica e constitucional da cadeia de custódia, Edinger: “[...] tratarei,
em sequência, dos fundamentos do constrangimento epistemológico no processo, para, então conceituar a
cadeia de custódia sob essa luz. Após, farei a subsunção do conceito de cadeia de custódia aos fundamentos
constitucionais que o albergam, em verdadeiro raciocínio silogístico” (EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia,
rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257,
mai./jun. 2016. p. 238).
68

dizer qual a solução correta para tais problemas”204. Dessa forma, sem qualquer intenção
de incorrer na denunciada pretensão, passa-se a estabelecer o modelo de processo que servirá
de premissa para o desenvolvimento do estudo da cadeia de custódia.
Conforme Grinover, a regularidade do processo e a justiça das decisões são
fatores legitimantes do exercício da jurisdição.205 Também neste sentido, Scarance
Fernandes afirma que “[é] mediante o processo que o juiz, como órgão soberano do Estado,
exerce a sua atividade jurisdicional e busca, para o caso, a solução mais justa”206.Verifica-
se, assim, que a busca por decisões justas é fator legitimante da própria jurisdição,
compreendida, no processo penal, como o exercício do poder de punir.207
Partindo-se dessa premissa, o Estado, na tarefa jurisdicional de verificação da
hipótese acusatória, deve buscar a correta reconstituição dos fatos históricos,208 pois, como
afirma Taruffo, “nenhuma norma é aplicada de maneira correta a fatos errados”209. O
correto juízo fático somente poderá ser perseguido por meio de um processo penal orientado
pela busca da verdade, no qual “a apuração da verdade dos fatos correspondentes ao assim
chamado suporte fático abstrato regulado pela norma é uma condição necessária para a
correta aplicação da norma no caso concreto”210. Caso contrário, se a verdade fosse

204
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos". Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80., 2018. p. 46.
Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05 dez.
2019.
205
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo constitucional em marcha: contraditório e ampla defesa em cem
julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 9.
206
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999. p. 31.
207
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos". Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80., 2018. p. 45.
Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05 dez.
2019.
208
Nesse sentido, Badaró sustenta que “o resultado do processo penal somente será justo e legítimo, caso
sejam respeitados três fatores concorrentes: um correto juízo fático, com vistas à reconstrução histórica dos
fatos imputados; um correto juízo de direito, com uma acertada interpretação da lei e aplicação da norma aos
fatos; e, por fim, o funcionamento do instrumento processual, respeitando direitos e garantias das partes, com
estrita observância do rito legal. Em suma, uma decisão justa necessita do bom exercício de atividades
epistêmica e hermenêutica, desenvolvidas sob o devido processo legal” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e jurídicos". Revista brasileira de direito
processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80, 2018. p. 45/46. Disponível em:
<http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05 dez. 2019).
209
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 140.
210
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 140.
69

indiferente ao processo, seria mais rápido e menos custoso retomar o sistema de ordálias ou
decidir por meio do lançamento de dados.211
A vinculação do processo penal com a verdade também decorre da justificativa
ético-social da aplicação da sanção penal. Adotando-se a concepção de Taruffo, a verdade
como vetor orientador do processo deriva da compreensão de “um quadro de uma situação
sociopolítica”, em que “a verdade constitui um valor basilar de referência a um standard”,
ao qual devem se conformar Estado e particulares.212 Uma vez estabelecido este cenário de
organização social, segue Taruffo, “seria, por assim dizer, um tanto paradoxal imaginar um
sistema democrático, inspirado no valor da verdade, no qual, entretanto, a administração
da justiça não se inspirasse em tal valor”213.
Outrossim, partindo de uma análise teleológica da busca pela verdade no
processo penal, Ferrer Beltrán destaca que somente a aplicação de sanção com fundamento
na comprovação da verdade sobre o fato permite ao Estado ter êxito na tarefa de
direcionamento das ações dos destinatários da norma. Caso a punição, pois, não estivesse
atrelada à verdadeira ocorrência do fato tipificado, atingindo randomicamente a todos
independentemente do seu comportamento, não haveria razão para que os cidadãos
deixassem de praticar determinada conduta.214
Dessa forma, adotando-se as concepções processual, filosófica e teleológica
acima apontadas, a busca pela verdade se estabelece como fator legitimador do poder de
punir,215 materializando-se no processo por meio da busca pela correta reconstituição do fato
enunciado na hipótese acusatória.
Não se ignora, contudo, que, apesar de desejável, a verdade absoluta é
inatingível. O que se persegue, portanto, é a verdade relativa, isto é, a maior aproximação

211
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos". Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80., 2018. p. 46.
Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05 dez.
2019.
212
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 120. Para o detalhamento, ver p. 95/120.
213
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 120/121.
214
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 30.
215
No mesmo sentido, SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias; GOMES,
Jefferson de Carvalho. O protagonismo dos sistemas de tecnologia da informação na interceptação telefônica:
a importância da cadeia de custódia. In. Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 3,
n. 2, p. 605-632, 2017, p. 610.
70

possível entre a reconstrução dos fatos no processo e o fato histórico ocorrido no mundo
real, sendo certo que este existe e deve servir de medida para a formatação daquela.216
Conforme Badaró, “ainda que não possamos saber, com absoluta certeza,
quando um enunciado fático é verdadeiro, podemos saber quando, com base em uma
probabilidade lógica prevalecente, um enunciado é preferível ao outro”217.
Dessa forma, ainda que se busque orientar o processo pela verdade, a afirmação
de que a proposição sobre o fato está provada não corresponde a dizer que o fato é
verdadeiro.218 Isso porque a prova da proposição de um fato é proveniente da existência de
elementos de provas que ofereçam a um enunciado maior probabilidade quando confrontado
com outro, bem como a sua falsidade na hipótese da falta ou da insuficiência de elementos
a seu favor. Disso decorre, inclusive, a possibilidade de se considerar provado judicialmente
um fato falso.219 Apesar dessas necessárias ressalvas acerca do que se entende por verdade
e fato provado, como reconhece Prado, “a exigência de busca da verdade dos fatos desponta
como condição de veracidade, validade e aceitação da decisão judicial”220.
Nesta esteira, até para que se atinja a maior correspondência possível entre a
reconstrução do fato no processo e o evento histórico, é necessário que “a averiguação da
verdade seja o objetivo fundamental da atividade probatória no processo judicial”221. No
âmbito penal, a sanção dependerá da comprovação da alegação do fato222 imputado pela
acusação, de forma que a decisão não é um pronunciamento judicial isolado e desconectado

216
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 518.
217
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Editorial dossiê “prova penal: fundamentos epistemológicos e
jurídicos". Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 43-80., 2018. p. 49.
Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/138>. Acesso em: 05 dez.
2019.
218
FERRER BELTRÁN, Jordi. Prova e verità nel diritto. trad. de Valentina Carnevale. Bologna: Il Mulino,
2004. p. 69.
219
FERRER BELTRÁN, Jordi. Prova e verità nel diritto. trad. de Valentina Carnevale. Bologna: Il Mulino,
2004. p. 69.
220
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 40.
221
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 31,
tradução nossa.
222
Taruffo distingue os “fatos materiais” da alegação das partes sobre os fatos. Conforme explica o autor, os
fatos materiais aconteceram ou não aconteceram no mundo real, sendo desarrazoado discutir sobre se são ou
não verdadeiros. O que se debate no processo penal é se o enunciado sobre um fato apresentado pela parte
possui ou não correspondência nos fatos materiais ocorridos no mundo real. Em caso positivo, a proposição é
verdadeira; em caso negativo, é falsa. Assim, a expressão “verdade do fato” é a maneira elíptica de dizer
verdade sobre uma alegação que tem como correspondência um fato (TARUFFO, Michele. La prueba de los
hechos. Madrid: Trotta, 2002. p. 117).
71

dos demais atos processuais. Ao contrário, está atrelada aos fatos reconstruídos pelas partes
em juízo.223
Desta forma, da aceitação de um processo penal orientado à busca da verdade
decorre a exigência de métodos que imponham esse valor na atividade probatória de busca
e determinação dos fatos alegados, isto é, a definição de “uma função epistêmica do
processo, considerando-o um conjunto estruturado de atividades com o fim de obter
elementos de conhecimento verídicos sobre os fatos relevantes para a solução da
controvérsia”224.
A estreita conexão entre a operatividade da verdade no processo penal e a criação
de um sistema de controles epistêmicos é reconhecida também por Prado, para quem a
reorientação do dispositivo processual “demanda a introdução de métodos e práticas
probatórios de verificação dos fatos que possam ser efetivamente confrontados em
contraditório e testados relativamente ao seu potencial de explicação da realidade”225.
Na construção do que chamou de epistemologia garantista – em contraponto com
uma epistemologia inquisitiva –, Ferrajoli destaca que o “cognitivismo processual na
determinação concreta do desvio punível” demanda a existência de “procedimentos que
permitem tanto a verificação como a refutação” das hipóteses acusatórias.226

223
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 36.
224
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 159. No mesmo sentido, Margraf e Pesch afirmam que: “[e]m um
processo penal legitimado pela verdade processual, deve vigorar providências que resguardem efetivamente
o caráter cognitivo da persecução penal, que não se justifica juridicamente quando baseada em impressões
pessoais, sentimentos ou valores pré-concebidos, dispensando a incidência e operação de elementos
informativos obtidos de forma ilícita” (MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias
constitucionais na produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional
e Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246.
p. 243).
225
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 39.
No mesmo sentido, Moraes que, após afirmar que somente os atos de prova são capazes de fundamentar a
sentença, em detrimento dos atos de investigação, conclui que “[e]ssa garantia implica na verdade processual,
e não verdade real, com fundamento no devido processo legal, o que justifica a adoção de um rigoroso sistema
de controles epistêmicos” (MORAES, Ana Luisa Zago de. Prova penal: da semiótica à importância da cadeia
de custódia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 25, n. 132, p. 117-138, jun. 2017. p.
129). Também Santoro, Tavares e Gomes afirmam que “[n]ão se pode ignorar que seja possível [...] diante
da formação da convicção judicial a partir de dados colhidos sem passar pelo filtro do contraditório, admitir
que exista alguma compatibilidade empírica da decisão com dos dados. O problema está exatamente na
idoneidade dos dados” (SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias; GOMES,
Jefferson de Carvalho. O protagonismo dos sistemas de tecnologia da informação na interceptação telefônica:
a importância da cadeia de custódia. Revista brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 3, n.
2, p. 605-632., 2017. p. 609).
226
FERRAJOLI, Luigi et al. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 40.
72

Assim, conforme Edinger, a atividade probatória: “[...] não é só a reconstrução


do passado, mas também conta com um viés legitimador do processo, o qual, por sua vez,
fundamenta limites epistemológicos, com o fim de que não se produzam juízos fáticos que
não possuam nenhuma correspondência com a realidade [...]”227.
Verifica-se, então, que a construção de um processo penal orientado pela busca
da verdade pressupõe um sistema de controle epistêmico que auxilie na atividade cognitiva
por meio da definição de métodos que permitam a verificação dos elementos de prova que
sustentam os fatos alegados.
Como explica Prado, o cuidado na formação e na preservação do elemento de
prova é uma questão epistêmica, que se traduz no princípio processual da desconfiança, isto
é, na exigência de submissão dos objetos, documentos e proposições apresentados pelas
partes a um processo de acreditação, porque, nem as coisas, nem as informações, tampouco
as partes possuem uma qualidade distinta para que se possa depositar uma confiança
especial.228
Assim, sintetizando a relação entre processo, verdade e epistemologia, Taruffo
destaca que “um procedimento epistêmico válido requer que a determinação ou a criação
dos elementos de conhecimento e das informações necessários para a formulação de
conclusões confiáveis sejam conhecidos e verificáveis, além de – quando possível –
repetíveis”229.
Nesse espaço de verificação das informações se insere a cadeia de custódia.
Constitui-se, pois, como método necessário para a legitimação de um processo penal em que

227
EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 240.
228
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 95.
No mesmo sentido, LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para
preservar a prova penal. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2015. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2015-jan-16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>. Acesso
em: 27 nov. 2019. Ainda no mesmo sentido: MORAES, Ana Luisa Zago de. Prova penal: da semiótica à
importância da cadeia de custódia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 25, n. 132, p.
117-138, jun. 2017, p. 133; MENEZES, Isabela Aparecida de; BORRI, Luiz Antonio; JUNIOR SOARES,
Rafael. A quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobramentos no processo penal brasileiro. Revista
brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 277-300., 2018. p. 283-284. Também
Edinger afirma que “[...] a regulamentação da atividade probatória se trata de um constrangimento
epistemológico, que diz respeito tanto ao aspecto demonstrativo quanto ao aspecto persuasivo da prova”
(EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais.
São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 240).
229
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 180.
73

a busca da verdade atua como indicador epistêmico,230 funcionando como forma de


autenticação judicial dos elementos e fontes de prova introduzidos no processo.231
Entretanto, como reconhece Badaró, “[n]enhum processo é apenas um
instrumento epistêmico. Por mais que a descoberta da verdade seja relevante, como
condição necessária para a justiça da decisão, a verdade não é um valor que deve ser
perseguido a qualquer custo ou a qualquer preço”232.
De acordo com Muñoz Conde, “no processo penal, a busca pela verdade está
limitada pelo respeito a algumas garantias que têm, inclusive, o caráter de direitos humanos
reconhecidos como tal em todos os textos constitucionais e leis processuais de todos os
países da nossa área de cultura”233. Por isso, conclui Gomes Filho, “o objetivo de apuração
da verdade processual deve conviver com demais interesses dignos de proteção pela ordem
jurídica”234.
Dessa forma, a atividade probatória está também limitada por regras legais
fundadas em limites extraprocessuais ou políticos que, juntamente com limites de cunho
epistêmicos, legitimam o poder de punir estatal, já que, “[s]e o objetivo do processo é uma
decisão justa, assim não o será aquela proferida com base em uma reconstrução histórica

230
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 39.
Também Edinger deixa claro que “[...] um desses limites à atividade probatória é a necessidade de sua
rastreabilidade, consubstanciada na cadeia de custódia” (EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia,
rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257,
mai./jun. 2016. p. 241). No mesmo sentido, ainda, MACHADO, Vitor Paczek; JEZLER JUNIOR, Ivan. A
prova eletrônico-digital e a cadeia de custódia das provas: uma (re)leitura da súmula vinculante 14. Boletim
IBCCRIM, São Paulo, vol. 24, n. 288, p. 08-09, nov. 2016. p. 08.
231
Ressalte-se, no entanto, que a documentação da cadeia de custódia representa apenas um dos métodos de
controle epistêmico no processo penal. Como destaca Prado, a preservação da cadeia de custódia é apenas
“uma das modalidades pelas quais se constata a idoneidade do procedimento probatório” (PRADO, Geraldo.
A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 134). No mesmo sentido,
Dallagnol e Câmara destacam que a cadeia de custódia “constitui um possível método de autenticar uma dada
prova, que não prejudica a possibilidade de que a autenticação se dê por muitos outros diferentes métodos”
(DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 533). Para outros métodos epistêmicos no
processo penal, ver: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Um modelo de epistemologia judiciária: o
controle lógico e racional do juízo de fato no processo penal. 2018. Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018. Disponível em: <https://repositorio.usp.br/item/002933836>. Acesso em: 17 dez. 2019.
232
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 154.
233
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal. 3. ed. Buenos Aires:
Hammurabi, 2007. p. 155, tradução nossa.
234
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 98.
74

inverídica dos fatos, mas também haverá injustiça se o processo não se desenvolver segundo
os cânones constitucionais e legais”235.
Nessa perspectiva, dentro dos parâmetros que serão desenvolvidos ao longo
deste capítulo, a manutenção da cadeia de custódia também assume a função de manter
registros suficientes “para rastrear a legalidade da atividade persecutória, pois de outra
maneira não haveria como identificar provas ilícitas”236. Sob essa concepção, explica Pérez,
será o exame de “cada ato que integra a cadeia de custódia que determinará a correção
jurídica da prova”237.
Portanto, relacionando processo penal, verdade, epistemologia e direitos
fundamentais, o estudo da cadeia de custódia se desenvolve dentro da concepção de processo
penal que pede “uma verdade fática passível de verificação por procedimentos probatórios
que não elimine a liberdade moral e física dos investigados, nem que esteja sujeita a
falsificações que lhe diminuam a qualidade de credibilidade”238.
Assim, conforme sintetiza Figueroa Navarro, com a manutenção da cadeia de
custódia “os órgãos jurisdicionais podem concluir se as informações aportadas ao processo
são provas contundentes e inequívocas para acreditar os fatos delitivos que se imputam ao
acusado e, especialmente, se foram obtidas com plena regularidade constitucional e
legal”239.
Dessa forma, adotadas as premissas de que a busca da verdade, limitada por
critérios políticos de proteção a direitos fundamentais, é elemento legitimador do processo
penal, e que a sua perseguição somente é possível por meio da correta reconstrução fática,
passa-se ao estudo da cadeia de custódia como mecanismo necessário para auxiliar na

235
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 166.
236
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 41. No mesmo sentido,
MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória e
o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 241.
237
PÉREZ, Marta del Pozo. Diligencias de investigación y cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 150,
tradução nossa.
238
MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória
e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 242/243.
239
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. El aseguramiento de las pruebas y la cadena de custodia. In. La ley
penal: revista de Derecho penal, procesal y penitenciário, Madri, vol. 8, n. 84, p.5-14, jul./ago., 2011, p. 12,
tradução nossa.
75

obtenção processual de um grau ideal de conhecimento dos fatos, sem perder de vista a
verificação dos limites à atividade probatória impostos por garantias fundamentais.240

2.2. Conceito de cadeia de custódia do elemento e da fonte de prova

Como demonstrado no tópico anterior, o processo penal orientado pela verdade


impõe a adoção de uma atividade probatória que permita a máxima correspondência entre o
fato ocorrido no mundo real e a sua reconstrução no processo. Nessa tarefa, “para garantir
a fidelidade entre a prova e o fato histórico reconstruído, é indispensável a manutenção da
cadeia de custódia”241, pois “sem a cadeia de custódia é quase impossível demonstrar em
juízo a certeza desde o seu encontro, a certeza sobre a sua manipulação, a certeza sobre o
procedimento, a certeza sobre o seu descarte”242.
Outrossim, transpondo o seu caráter epistêmico, como sustenta Pérez, “não há
dúvidas de que o conjunto de atuações chamado de cadeia de custódia é uma garantia que
deve ser outorgada a todo acusado para evitar a possibilidade de uma condenação fundada
em uma prova inválida”243.
No entanto, antes de analisar os pressupostos, finalidades e limites da cadeia de
custódia para o processo penal, faz-se necessário conceituá-la como o objeto de estudo.244
Para evitar confusões terminológicas, é preciso diferenciar “cadeia de custódia”
da “demonstração da cadeia de custódia”. Isso porque, a cadeia de custódia propriamente
dita consiste na sucessão de fatos ocorridos no mundo real (e.g. coleta da fonte de prova,
posterior análise laboratorial e sucedida da lavratura de laudo), ao passo que a demonstração
da cadeia de custódia é que deve ser feita pelo registro da sucessão destes acontecimentos
(e.g. o registro da coleta da fonte de prova por auto de apreensão, seguido da documentação
do transporte e do recebimento da fonte de prova em laboratório).245

240
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 39.
241
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 522.
242
MURILLO, José Daniel Hidalgo. Cadena de custodia. Ciudad de México: Flores, 2017. p. 1/2.
243
PÉREZ, Marta del Pozo. Diligencias de investigación y cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 150,
tradução nossa.
244
Nesse sentido, afirma Gutiérrez Sanz: “[o]s efeitos que a cadeia de custódia tem no âmbito processual não
devem nos fazer esquecer que, antes de tudo, a cadeia de custódia é, de início, um mecanismo, uma
engrenagem concatenada de atos de manipulação de vestígios da atividade criminal” (SANZ, María Rosa
Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 25, tradução nossa).
245
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 524.
76

Como consequência, a não ser que cadeia de custódia seja entendida como a
elipse de documentação da cadeia de custódia, 246 trata-se de imprecisão terminológica falar
em violação ou quebra da cadeia de custódia, pois, seguindo ainda o exemplo acima, a fonte
de prova foi ou não foi coletada e o perito teve ou não teve contato com a fonte de prova
para análise laboratorial. O que pode faltar, contudo, são os registros desses contatos,
impedindo a posterior verificação da sucessão desses fatos que, independentemente da
documentação, aconteceram.247
Superada essa necessária distinção terminológica, Steen conceitua a “limpa
cadeia de custódia” 248 como “registros escritos e testemunhas documentando a ordem de
possessão desde o momento em que a evidência foi localizada, coletada, transportada,
armazenada, e finalmente apresentada à Corte”249. Por sua vez, conceituando cadeia de
custódia como um procedimento, Cervantes afirma: “a cadeia de custódia é um
procedimento penal, consistente no acompanhamento contínuo feito pela autoridade
investigadora, sobre as evidências físicas e/ou fontes de provas materiais, com a finalidade
de preservá-las desde seu descobrimento até a sua apresentação em juízo [...]”250.
Assim, de acordo com Figueroa Navarro, o registro da cadeia de custódia pode
ser entendido como a “rota da prova”, pois permite comprovar “o rastro seguido pelos
elementos e fontes de prova, as condições adotadas para a sua salvaguarda e as pessoas
encarregadas da sua custódia”251.

246
Como se verá abaixo (item 2.6), apesar de a concomitante documentação dos atos ser o principal e mais
seguro meio para a demonstração da cadeia de custódia, admite-se, dependendo das características do elemento
ou fonte de prova, que essa demonstração seja feita também por outros meios.
247
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 524.
248
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 12, tradução nossa.
249
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 12, tradução nossa.
250
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 22, tradução nossa. No mesmo sentido, Gutiérrez Sanz, conceitua cadeia de
custódia como “[...] a concatenação de atos de recolhimento, custódia e analise dos vestígios obtidos no
desenvolvimento de uma investigação pena [...]” (SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el
proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 30, tradução nossa).
251
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 7, tradução nossa. No mesmo sentido, Moraes conceitua a cadeia de custódia
como: “[...] um processo usado para manter e documentar a história cronológica da evidência, e deve resultar
em documentação formal no interior do processo” (MORAES, Ana Luisa Zago de. Prova penal: da semiótica
à importância da cadeia de custódia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 25, n. 132, p.
117-138, jun. 2017. p. 132).
77

No mesmo sentido, Lopes Jr. e Morais da Rosa entendem que “[a] cadeia de
custódia exige o estabelecimento de um procedimento regrado e formalizado,
documentando toda a cronologia existencial daquela prova, para permitir a posterior
validação em juízo”252.
Da mesma forma, Prado define cadeia de custódia como “os elos entre as
diversas atividades que compõem o procedimento probatório para aferir o valor probatório
da informação obtida”253.
Para que, na prática, se realize a demonstração da cadeia de custódia, exige-se
“a documentação ininterrupta, desde o encontro da fonte de prova, até a sua juntada no
processo, certificando onde, como e sob a custódia de quais pessoas e órgãos foram
mantidos tais traços, vestígios ou coisas, que interessam à reconstrução histórica dos fatos
no processo”254.
Como detalha Edinger, a partir do primeiro elo da cadeia, que corresponde à
documentação da localização e coleta do vestígio, “para que se tenha o desenvolvimento de
uma cadeia de custódia da maneira correta, o registro deles [...] deve conter os três
seguintes elementos: quem manejou o vestígio, o que fez com ele, e como fez isso”255.
Assim, conforme Eberhardt, “ao exemplo de um vestígio recolhido, todos os atos
desde a coleta, transporte, entrega, recebimento, armazenamento e futura análise deverão
ser sempre registrados e documentados até o final do processo”256.
Tratando especificamente da prova pericial, Espindula conceitua a “cadeia de
custódia como sendo a sequência de proteção e guarda dos elementos materiais encontrados

252
LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para preservar a prova
penal. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan-
16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>. Acesso em: 27 nov. 2019. No mesmo sentido,
Margraf e Pesch definem a cadeia de custódia como: “um processo utilizado para manter e documentar a
história cronológica da evidência, devendo resultar como produto na documentação formal do processo”
(MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória
e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 242).
253
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 81.
254
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 523.
255
EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 242.
256
EBERHARDT, Marcos. Provas no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 222.
78

durante uma investigação e que devem manter resguardadas as suas características


originais e informações, sem qualquer dúvida sobre a sua origem e manuseios”257.
Destaca-se que a manutenção da cadeia de custódia tem especial importância
para as provas periciais,258 “porquanto a validez dos resultados da perícia depende da
garantia da procedência e conteúdo dos objetos analisados”259, de modo que, como destaca
Murillo, os registros devem ser mantidos “sem ignorar os procedimentos técnicos e/ou
científicos e, portanto, a manipulação pelos técnicos e/ou cientistas para se chegarem à
conclusão apresentada”260.
Apesar disso, a manutenção da cadeia de custódia não se confunde com a
atividade probatória em si. Os registros que informam o caminho e eventuais alterações no
conteúdo do elemento ou fonte de prova têm natureza instrumental,261 sendo essenciais para
que “as opiniões e informações possam surtir plena eficácia dentro do processo”262.
Reconhecendo este caráter instrumental de acreditação da prova, Prado sustenta
que a “cadeia de custódia da prova nada mais é que um dispositivo dirigido a assegurar a
fiabilidade do elemento probatório”263.
Assim, não há confusão entre cadeia de custódia e a atividade probatória
propriamente dita. O registro de evento que contaminou a fonte de prova ou que influenciou
no resultado da produção do elemento de prova não afeta a correta manutenção dos elos da

257
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 185.
258
Nesse sentido, Tabuenca ressalta “[...] a especial transcendência que tem a cadeia de custódia das
amostras, restos e vestígios para que se possa obter o resultado pretendido com a prática da prova pericial”
(LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 22. tradução nossa).
259
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 26, tradução nossa.
260
MURILLO, José Daniel Hidalgo. Cadena de custodia. Ciudad de México: Flores, 2017. p. 1, tradução
nossa.
261
Conforme Dallagnol e Câmara, “[a] prova da cadeia de custódia, neste sentido, não deixa de ser uma prova
de segundo grau ou metaprova, pois é uma prova sobre uma prova” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo;
CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende;
QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2019. p. 530).
262
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 22, tradução nossa). No mesmo sentido, destacando a natureza instrumental da documentação da cadeia de
custódia, SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi,
2016. p. 40/41; FIGUEROA NAVARRO, Carmen. El aseguramiento de las pruebas y la cadena de custodia.
In. La ley penal: revista de Derecho penal, procesal y penitenciário, Madri, vol. 8, n. 84, p.5-14, jul./ago., 2011,
p. 10.
263
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 86.
79

cadeia. Por outro lado, a falta de registro de atividade com potencial de causar alteração na
fonte ou no elemento de prova, que impeça a posterior verificação do ato, configura quebra
da cadeia de custódia.
Portanto, compreende-se como a cadeia de custódia cumpre com a sua função
epistêmica de aproximar ao máximo o fato reconstruído processualmente do fato ocorrido
no mundo real, bem como a maneira que desempenha a sua função política de adequação da
atividade probatória aos limites impostos por direitos fundamentais. A documentação da
cadeia de custódia, pois, ilumina todo o percurso da prova, muitas vezes obscuro porquanto
desenvolvido em inquérito policial de raiz inquisitiva, criando registros sobre a rota e
eventuais alterações do elemento ou fonte de prova, que, posteriormente, poderão ser
revisados pelas partes em juízo.

2.3. Pressupostos da cadeia de custódia

Para que a documentação da cadeia de custódia não se perca em formalismos


desnecessários,264 é preciso estabelecer os pressupostos para se exigir a manutenção dos
registros referentes ao caminho percorrido pelo elemento ou fonte de prova para a sua futura
autenticação.
Iniciando pelos elementos de prova,265 constitui pressuposto para que se exija a
documentação da cadeia de custódia o fato de terem sido colhidos sem contraditório,266 isto
é, que o meio de prova tenha se desenvolvido sem a interferência das partes e a presença do
juiz.267

264
Nesse sentido Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes, que, embora tratassem das formas dos atos
processuais, podem ser interpretados à luz da manutenção da cadeia de custódia: “[o] que deve ser combatido,
nessa matéria, é o excessivo formalismo, que sacrifica o objetivo maior de realização da justiça em favor de
solenidades estéreis e sem nenhum sentido. É que existem no ordenamento formas completamente inúteis,
destituídas de qualquer finalidade. Trata-se do formalismo inócuo, residual, sem explicação lógica,
sobrevivente de fases superadas do direito processual penal. Mas as formas só devem ser respeitadas na
medida e nos limites em que sejam necessárias para atingir sua própria finalidade: conferir segurança às
partes e objetividade ao procedimento” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance;
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 17). Nesse sentido, também cabe citar a decisão do Tribunal Supremo Espanhol, no recurso
nº 10714/2015, em que se alegava quebra da cadeia de custódia porque havia “disparidade de alguns dados
(ata de recepção em comparação com o informe de análise) [...]”, e os julgadores afastaram essa alegação
afirmando que: “[a] cadeia de custódia não é uma espécie de liturgia formalizada na qual qualquer falha
resultaria na perda de toda eficácia” (Tribunal Supremo. Sala de lo Penal. n. do recurso 10714/2015. Nº de
resolución 277/2016, tradução nossa).
265
Compreendido aqui, conforme detalhado no capítulo anterior, como o resultado da atividade probatória
realizada na fase judicial, com exceção das provas cautelares, antecipadas e irrepetíveis.
266
Sobre ser o contraditório elemento indispensável de validade da prova, ver, supra, capítulo 1, item 1.3.2.
267
Nesse sentido, Tabuenca: “[c]onvém começar fazendo um apontamento terminológico, sob a expressão
‘aseguramento de la prueba’ que, em sentido amplo, se incluem tanto aquelas atividades desempenhadas na
80

Isso porque, como nas provas constituendas as partes e o juiz participam e


interferem na produção do elemento de prova,268 é descabido cogitar que os mesmos sujeitos
processuais, que atuaram diretamente na obtenção daquela informação, necessitem realizar
posterior verificação e autenticação do conteúdo resultante da atividade probatória da qual
foram atores.
Pode-se depreender, a partir disso, que a demonstração da cadeia de custódia
será exigível na apresentação de elementos de prova que, por sua natureza (documentos) ou
previsão legal (cautelares, antecipadas e irrepetíveis), não foram obtidos em contraditório.269
Importante destacar que, se por um lado a documentação da cadeia de custódia
é desnecessária nos elementos de prova obtidos em contraditório, de outro é essencial nos
elementos de prova pré-constituídos,270 pois é o único meio possível para o efetivo exercício
do contraditório diferido, já que somente com a existência de informações suficientes para a
integral reconstrução do caminho da prova, as partes e o juiz poderão verificar e autenticar
a informação apresentada no processo.271

fase de investigação tendente à prática de atos probatórios quando se prevê a impossibilidade de que se possa
realizar ou reproduzir em juízo (caso da prova antecipada e da prova pré-constituída), como as que perseguem
conservar as fontes de prova ao longo de todo o processo penal” (LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena
de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La
cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 21, tradução nossa).
268
A distinção entre as provas constituendas e pré-constituídas foi feita no capítulo 1, item 1.3.2.
269
Relacionando a inexistência de contraditório na produção da prova e a exigibilidade da cadeia de custódia
nesses casos, Oliveira Vasconcelos e Azevedo: “[n]o lugar da antes preponderante prova testemunhal, os
documentos e objetos passaram a representar maior importância para as decisões penais[...]. Os mencionados
elementos probatórios serão submetidos ao contraditório por ocasião do seu ingresso no processo. No entanto,
sua existência independe de qualquer intermediação judicial. Por isso, no que tange ao exame de DNA e a
interceptação telefônica, por exemplo, provas extraprocessuais, é indispensável a existência da cadeia de
custódia” (OLIVEIRA VASCONCELOS, Caroline Regina; AZEVEDO, Yuri. Ensaios sobre a cadeia de
custódia das provas no processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 194/195). No
mesmo sentido, Knijnik afirma que a “cadeia de custódia é extremamente importante” nos casos em que os
elementos de prova são “produzidos à margem do contraditório, no seio de medidas cautelares inaudita altera
parte, sujeitas a contraditório diferido” (KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no direito
processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p.170/171).
270
Neste ponto, importante o destaque feito por Moraes: “[...] no campo dos métodos ocultos de investigação,
as inovações tecnológicas introduzidas parecem capazes de realizar os objetivos perseguidos pela filosofia da
consciência. As interceptações, assim com (sic) a coleta de material genético, têm pretensão de ‘evidência’,
verdadeiros atalhos para obtenção da tão almejada (e ilusória) ‘verdade’, que sedam os sentidos e têm a
pretensão de bastar-se por si só [...]” (MORAES, Ana Luisa Zago de. Prova penal: da semiótica à importância
da cadeia de custódia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 25, n. 132, p. 117-138, jun.
2017. p. 131). No mesmo sentido, Menezes, Borri e Soares afirmam que “[a] cadeia de custódia da prova
encontra fundamento em diversos dispositivos constitucionais [...] especialmente em relação aos meios de
obtenção de prova levados a cabo valendo-se do fator ‘surpresa’ (ex. interceptação telefônica e busca e
apreensão), ou ainda elementos produzidos na fase inquisitorial, desde que sejam provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas” (MENEZES, Isabela Aparecida de; BORRI, Luiz Antonio; JUNIOR SOARES,
Rafael. A quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobramentos no processo penal brasileiro. Revista
brasileira de direito processual penal, Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 277-300, 2018. p. 285-286).
271
Próximo é o entendimento de Margraf e Pesch que, após estabelecerem que cabe ao processo “evitar o
contágio da evidência” (MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais
81

Por sua vez, os meios de pesquisa de prova, assim como os elementos de prova
pré-constituídos, por apresentarem natureza cautelar e irrepetível, devem ter a cadeia de
custódia documentada. Em regra, tais atividades não são realizadas em contraditório e, por
isso, também devem ser submetidas ao controle de autenticação do seu caminho, identidade
e conteúdo.272
Aspecto importante relacionado à manutenção da cadeia de custódia dos meios
de pesquisa de prova está na sua estreita relação com a os limites políticos da atividade
probatória. Os meios de pesquisa de prova, de forma geral, envolvem alguma restrição de
direitos fundamentais do investigado e, por isso, dependem de prévia autorização judicial
para definição dos limites para a sua execução.273
Por ter caráter instrumental e, com isso, não se confundir com a atividade
probatória em si, a manutenção da cadeia de custódia não está relacionada com a verificação
de prévia decisão judicial autorizadora do meio de pesquisa de prova. A violação da reserva
de jurisdição, pois, representa a inobservância de requisito do próprio procedimento
probatório. Entretanto, como explica Prado, o “controle de legalidade que o juiz exercita
sobre os métodos ocultos de investigação se estende à execução concreta das medidas
deferidas judicialmente, não podendo ficar restrito ao exclusivo exame da legalidade da
própria decisão”274.

na produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e


Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p.
243), afirmam que “[a] cadeia de custódia da prova é um dispositivo voltado a garantir a confiabilidade do
elemento probatório, ao colocá-lo sob proteção de interferências que possam falsificar o resultado da
atividade probatória” (MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na
produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e
Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p.
243).
272
Nesse sentido, tratando da cadeia de custódia nos meios de investigação da prova, Prado destaca que “no
âmbito de incidência de métodos ocultos de investigação que sobrevivem no ambiente rarefeito das cautelares
inaudita altera pars, a emergência dos controles sugeridos internacionalmente é indiscutível. A constatação
em um processo concreto de que houve supressão de elementos informativos colhidos nestas circunstâncias
fundamenta a suspeição sobre a infidelidade de registros remanescentes e realça a ineficácia probatória
resultante da quebra da cadeia de custódia” (PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de
controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo:
Marcial Pons, 2014. p. 82). Da mesma forma, realçando a necessidade de manutenção da cadeia de custódia
nos meios de pesquisa de prova, Espindula lista uma sequência de cuidados que se deve ter para a proteção da
fonte de prova na busca e apreensão, o que, segundo conclui, demonstra “a necessidade de participação de
peritos criminais integrando a equipe que irá proceder à busca”. Na ausência do perito, continua o autor, “as
tarefas e procedimentos [...] deverão ficar sob a responsabilidade da autoridade policial” (ESPINDULA,
Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas:
Millennium, 2013. p. 192).
273
Sobre a necessidade de prévia autorização para execução dos meios de pesquisa de prova, ver: VILARES,
Fernanda Regina. Processo penal: reserva de jurisdição e CPIs. São Paulo: Ônixjur, 2012.
274
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 68.
82

Assim, sem prejuízo da manutenção do necessário para o controle epistêmico,


os registros da cadeia de custódia dos meios de pesquisa de prova deverão ser suficientes
para relacionarem as informações e objetos obtidos na sua execução com os limites
intransponíveis estabelecidos na decisão judicial que excepcionou determinado direito
fundamental do investigado.
No que se refere às fontes de prova, a necessidade de documentação da cadeia
de custódia se restringe às fontes de prova reais e às “imateriais” 275.276
Por existirem independente e extraprocessualmente, as fontes de provas reais
demandam “a adoção de determinados cuidados, para garantir sua autenticidade e
integridade no sentido de que o objeto levado ao processo para ser valorado pelo juiz é
exatamente a mesma coisa tal qual encontrada e apreendida”277.
No que se refere às fontes de provas imateriais, a autenticação deverá ser feita
por procedimento eletrônico confiável que demonstre que a coleta e o armazenamento dos
dados foram feitos de maneira a não permitir a modificação, adição ou subtração de
informações.278
Em contrapartida, as fontes de prova pessoais não estão sujeitas ao controle de
custódia. Em primeiro lugar, essas fontes sequer são mantidas em custódia, o que, por si só,
impede qualquer tipo de controle. Em segundo lugar, as alterações a que estão sujeitas as
pessoas decorrem do passar do tempo, o que não pode ser evitado pela sua conservação em
qualquer que seja o ambiente controlado, tornando ineficaz qualquer pretensa tentativa de
manutenção da sua custódia.

275
Nesse sentido, ensina Badaró: “[t]ambém se poderá pensar na cadeia de custódia nos casos de ‘coleta’ ou
‘apreensão’ de elementos ‘imateriais’ registrados eletronicamente, como o conteúdo de conversas telefônicas,
ou transmissão de e-mails, mensagens de voz, fotografias digitais, filmes armazenados na internet etc.”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 522).
276
Incluindo as fontes imateriais dentro do gênero “prova documental”, compreendida como “aquela
estruturada em um papel escrito ou registro eletrônico”, Espindula sustenta que “todos os elementos que darão
origem às provas periciais ou documentais necessitam dos cuidados para resguardar a sua idoneidade ao
longo de todo o processo de investigação e trâmite judicial. Necessitam, portanto, dos indispensáveis
procedimentos de garantia da cadeia de custódia” (ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão
geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas: Millennium, 2013. p. 186).
277
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 522.
278
Nesse sentido, DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia
de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova
do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 539.
83

2.4. Finalidade da cadeia de custódia

O registro da cadeia de custódia tem a finalidade de autenticar (ou garantir a


“mesmidade”)279 o elemento e a fonte de prova apresentados no processo,280 especialmente
quando não foram produzidos e coletados na presença e com a intervenção das partes.281
A manutenção da cadeia de custódia com a finalidade de autenticação da prova
é reconhecida no ordenamento jurídico norte-americano.282 A vinculação da demonstração

279
A correspondência entre os conceitos de autenticação e “mesmidade” é comum na doutrina. De acordo com
Bautista, a “Lei da mesmidade” decorre do “princípio universal de autenticidade da prova” (BAUTISTA, Juan
Carlos Urazán. La cadena de custodia en el nuevo código de procedimiento penal. Faceta Juridica, Bogotá,
jan. 2005. Disponível em: <https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019). Nesse
mesmo sentido, PRADO, Geraldo. Ainda sobre a “quebra da cadeia de custódia das provas”. Boletim do
IBCCrim, n. 262, São Paulo: set, 2014. p. 16. Assim, já nos trabalhos de Bautista e Prado, os termos
autenticação e “mesmidade” são correspondentes no que se refere à cadeia de custódia. Essa indicação se faz
importante porque, por influência espanhola, na doutrina nacional, sobressaiu-se a utilização do termo
“mesmidade”. Como explica Badaró, na “doutrina espanhola desenvolveu-se a ideia de ‘mesmidade’ da prova,
expressão que acabou sendo consagrada pelo Tribunal Supremo espanhol, na Sentença de 10 de fevereiro de
2010: ‘es a través de la cadena de custodia como se satisface la garantía de la mismidad de la prueba’”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 525). Entretanto, ao originariamente adotar o termo “mesmidade” no Brasil,
Prado esclareceu que empregou “o termo em sua forma aproximada à língua espanhola, porque não há
correspondente adequado em português, não se tratando de ‘mesmice’, pois que em português o uso coloquial
desta palavra remete a outro significado”. Na mesma oportunidade, o autor considerou a utilização da palavra
“identidade”, mas ponderou que “igualmente não resolveria a questão, embora talvez seja mais propício que
‘mesmice’”. De fato, concordamos com Geraldo Prado sobre a não correspondência dos significados de
“mesmidade”, da forma como adotado na doutrina espanhola, e identidade. A incompletude se dá porque, como
se desenvolverá ao longo do texto, a “mesmidade” é composta pela identidade e integralidade conjuntamente.
Com estas ressalvas, por entendermos que o termo “autenticação” oferece uma melhor compreensão sobre o
tema ao mesmo tempo que soluciona o problema linguístico já antecipado por Geraldo Prado, este foi adotado
para o desenvolvimento deste trabalho, ao invés de “mesmidade”.
280
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 522.
281
Com algumas alterações e acréscimos neste texto, muito em decorrência das diferenças dos sistemas
processuais mexicano e brasileiro, mas com a mesma essência, este conceito foi desenvolvido por Aguirre:
“[a] cadeia de custódia pode ser vista como um sistema que pode contribuir para garantir a autenticidade ou
mesmidade dos dados e meios de provas coletados desde a investigação (ou em flagrante delito) e que serão
apresentados perante um juiz de controle, que verificará a legalidade de sua obtenção (elemento ou fonte de
prova) para possivelmente se tornar parte das provas que serão valoradas na fase de julgamento”
(HERNÁNDEZ AGUIRRE, Christian Norberto. La cadena de custodia, su regulación y límites en el sistema
penal acusatorio mexicano. Iter Criminis: revista de ciencias penales, México, 6ª Época, n. 16, p. 49-80,
jan./mar. 2017. p. 55). No mesmo sentido, Figueroa Navarro, para quem o objetivo de manutenção da
documentação da cadeia de custódia é “assegurar que aquilo se apresenta ao Tribunal como evidência ou
prova é a mesma coisa que foi encontrada na cena do crime” (FIGUEROA NAVARRO, Carmen. El
aseguramiento de las pruebas y la cadena de custodia. In. La ley penal: revista de Derecho penal, procesal y
penitenciário, Madri, vol. 8, n. 84, p.5-14, jul./ago., 2011, p. 07). Ainda no mesmo sentido, LADRÓN
TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In. FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 21.
282
Conforme Dallagnol e Câmara: “[o] ponto de partida para entendermos a finalidade da prova da cadeia
de custódia é sua compreensão no direito norte-americano, de onde foi importada a discussão. A
demonstração da cadeia de custódia entra no contexto do estudo da evidência ou direito probatório, que, em
território estadunidense, goza de autonomia em relação aos procedimentos civil e penal. Mais
84

da cadeia de custódia com a tarefa de autenticação da prova está inserida no artigo IX do


Federal Rules of Evidence, que trata justamente da “autenticação e identificação das
evidências”283.
Esclarecendo o que se exige para a autenticação da prova, a regra 901, (a), do
aludido artigo norte-americano, impõe à parte que apresenta a prova o dever de autenticá-la,
devendo cumpri-lo por meio da apresentação de evidências suficientes para demonstrar que
o item é o que o proponente diz ser.284
Nesse sentido, reconhece Giannelli, a autenticação por meio da manutenção da
cadeia de custódia “refere-se à exigência de que uma evidência seja provada genuína, isto
é, que ela seja o que o proponente diz que é”285.
Conforme detalha Anderson, a autenticação da evidência no ordenamento
jurídico norte-americano corresponde à verificação de que “o objeto apresentado é o objeto
que estava envolvido no incidente e que a sua condição permanece substancialmente
inalterada”286.
Da mesma forma, Tabuenca aponta que, na Espanha, a finalidade da cadeia de
custódia é garantir “que aqueles [vestígios] que se colocam à disposição do Tribunal, são

especificamente, a prova da cadeia de custódia é uma das possíveis técnicas utilizadas naquilo que lá se chama
de ‘autenticação da prova’” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa.
A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.).
A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 532). No mesmo
sentido: GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications, p. 447-465, 1996, p. 447. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 07 jan. 2020.
283
Federal rules of evidence, from title 28 – appendix. United States Code. dez. 2019. Disponível em
<https://uscode.house.gov/view.xhtml?path=/prelim@title28/title28a/node218&edition=prelim>. Acesso em:
20 dez. 2019.
284
Federal rules of evidence, from title 28 – appendix. United States Code. dez. 2019. Disponível em
<https://uscode.house.gov/view.xhtml?path=/prelim@title28/title28a/node218&edition=prelim>. Acesso em:
20 dez. 2019.
285
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 447, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 07 jan. 2020. Em idêntico sentido, Dallagnol e Câmara: “[o] problema da autenticação da prova
reduz-se a uma questão: é esse item de evidência, esta prova, o que o seu proponente diz que é?”
(DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 532).
286
ANDERSON, Michael B. Chain of custody requirements in admissibility of evidence. Montana Law
Review. vol. 37, Issue 1, Winter, 1976. p. 147, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarship.law.umt.edu/mlr/vol37/iss1/7/>. Acesso em: 19 dez. 2019.
85

os mesmos que foram recolhidos no lugar dos fatos no momento em que se iniciava a
investigação criminal”287.
No mesmo sentido seguiu o ordenamento jurídico colombiano, no qual a
exigência de autenticação da prova fundamentou a inclusão das regras sobre a cadeia de
custódia no código processual. Como destaca Bautista, ao tratar da reforma processual penal
na codificação colombiana, a cadeia de custódia é “um sistema fundamentado no princípio
universal da autenticidade da evidência (lei da mesmidade) que determina que o ‘mesmo’
que se encontrou na cena do crime é o ‘mesmo’ que se está utilizando para tomar uma
decisão judicial”288.
Ainda tratando do sistema Colombiano, Muñoz Neira reconhece que “a
evidência física não está isenta do requisito da autenticação e é justamente aí que tem um
papel decisivo a cadeia de custódia”289, que consiste justamente no dever de “mostrar que
o objeto que oferece como evidência é o mesmo que foi apreendido”290.
Também no México, conforme explica Aguirre, os registros da cadeia de
custódia foram implementados “com a finalidade de certificar a autenticidade e indenidade
do que foi recolhido diante de um possível crime”291.
Destaca-se que o uso do termo “autenticidade”, por autores como Bautista e
Aguirre, acima referidos, consiste em imprecisão terminológica, possivelmente derivada de
equivocada tradução das Federal Rules of Evidence norte-americanas. Isso porque,
conforme destacam Dallagnol e Câmara, “é imperioso ressaltar que ‘autenticação’ e
‘autenticidade’, nesse contexto, não se confundem. Uma prova que passa pelo teste de
autenticação pode não ser autêntica”292, já que, “a acusação pode oferecer como prova um

287
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 21, tradução nossa).
288
BAUTISTA, Juan Carlos Urazán. La cadena de custodia en el nuevo código de procedimiento penal. Faceta
Juridica, Bogotá, jan. 2005, tradução nossa. Disponível em:
<https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019.
289
NEIRA, Orlando Muñoz. Sistema penal acusatorio de Estados Unidos: fundamentos constitucionales.
Panorama procesal. Principio de oportunidade. Juicios por jurado. Pincipales diferencias con el derecho
colombiano. Bogotá: Legis, 2006. p. 361, tradução nossa.
290
NEIRA, Orlando Muñoz. Sistema penal acusatorio de Estados Unidos: fundamentos constitucionales.
Panorama procesal. Principio de oportunidade. Juicios por jurado. Pincipales diferencias con el derecho
colombiano. Bogotá: Legis, 2006. p. 361, tradução nossa.
291
HERNÁNDEZ AGUIRRE, Christian Norberto. La cadena de custodia, su regulación y límites en el sistema
penal acusatorio mexicano. Iter Criminis: revista de ciencias penales, México, 6ª Época, n. 16, p. 49-80,
jan./mar. 2017. p. 50/51, tradução nossa.
292
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 533.
86

documento falso apreendido com o réu, que passa no teste de autenticação, porque é o que
a acusação diz ser, mas não passa no teste de autenticidade por ser falso”293.
Portanto, feita essa ressalva, conclui-se que a manutenção da cadeia de custódia
tem a finalidade de autenticação da prova, isto é, de demonstrar que as fontes ou elementos
de prova, quando da sua apresentação em juízo, são o que o proponente diz ser e possuem
exatamente as mesmas características, individualidade e conteúdo que tinham no instante
imediatamente anterior à sua obtenção.
Em decorrência de seu caráter instrumental (item 2.2, supra), a autenticação da
prova poderá ser positiva quando a manutenção da cadeia de custódia demonstrar a correção
na obtenção, preservação, manuseio da fonte de prova e produção do elemento de prova, ou
negativa, nas hipóteses em que os registros demonstrarem irregularidade em alguma etapa
da atividade probatória.
Sobre esse ponto, é importante destacar a impropriedade de tratar como violação
da cadeia de custódia do elemento ou fonte de prova as situações em que todos os registros
foram devidamente feitos e, justamente por conta dessas informações, tornou-se possível
identificar uma falha na atividade probatória.294
Nesses casos não há violação da cadeia de custódia. Ao contrário, a correta
manutenção dos registros serviu ao seu propósito de autenticar, ainda que negativamente, o
elemento ou fonte de prova. Tal circunstância deverá ser resolvida no processo, a depender
da ilegalidade, pelas normas que disciplinam a ilicitude e a ilegitimidade da prova.295
Com esse esclarecimento, portanto, conclui-se que a documentação da cadeia de
custódia consiste em método epistêmico de autenticação, positiva ou negativa, do elemento
ou da fonte de prova no processo penal. Em ordem de cumprir com tal finalidade, contudo,
os registros atinentes ao caminho percorrido pela fonte de prova, real ou imaterial, ou

293
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 533.
294
Assim, por exemplo, entendemos que não constitui violação da cadeia de custódia o exemplo dado por
Edinger, pois a falta de todos os áudios captados foi detectada justamente pela existência dos registros do
histórico da prova, realizando-se uma autenticação negativa: “[p]rimeiro caso: você é réu de uma ação penal.
A ação se baseia, principalmente, em interceptações telefônicas. Certo de que possibilitaria o exercício da
constitucionalmente estabelecida ampla defesa, com base na Súmula vinculante 14, o seu procurador
constituído requer acesso à integralidade das interceptações feitas. Todavia, apesar de ter sido franqueado o
acesso aos autos, parte das provas obtidas a partir da interceptação foi extraviada, ainda na polícia, e o
conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas
conversas e na sua ordem, com a omissão de alguns áudios” (EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia,
rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257,
mai./jun. 2016. p. 237/238).
295
Sobre isso, ver capítulo 3, em especial item 3.2.
87

elemento de prova obtido sem contraditório devem conter informações suficientes para
verificação de dois requisitos de autenticação: (i) identidade e (ii) integralidade.296

2.4.1. Requisito da identidade

A primeira etapa da autenticação do elemento ou da fonte de prova é garantir a


sua identidade. Assim, os registros do caminho da prova devem conter elementos suficientes
para demonstrar que aquilo que está sendo apresentado em juízo é exatamente o que foi
colhido durante a investigação.
Nesse sentido, ainda que não sob a terminologia de “requisito de identidade”,
Badaró sustenta que o procedimento de cadeia de custódia deve assegurar, “a partir de um
conjunto de dados individualizadores”297, “que a coisa objeto de perícia ou simplesmente
apresentada em juízo é a mesma coisa que foi colhida e guardada e examinada”298.
Reconhecendo o requisito da identidade, Dallagnol e Câmara sustentam, no
mesmo sentido, que, para a prova da cadeia de custódia, “é necessária uma individualização
do item de evidência, apta a mostrar que é o mesmo item”299.
Mesmo desenvolvida dentro de um conceito mais amplo de “mesmidade”300,
Lopes Jr. e Morais da Rosa destacam que a documentação da cadeia de custódia deve
demonstrar que a prova apresentada para valoração do juiz tem exata correspondência com

296
Nesse sentido, Figueroa Navarro: “[d]este modo, as provas devem aportar no processo criminal com todas
as garantias, podendo verificar se, no percurso dos elementos probatórios, desde a sua primeira localização
até sua incorporação em juízo, foram cumpridos os requisitos regulatórios necessários para garantir sua
plena identidade e integridade” (FIGUEROA NAVARRO, María del Carmen. El aseguramiento de las pruebas
y la cadena de custodia. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, vol. 8, n. 84,
p. 5-14., jul./ago. 2011. p. 9, tradução nossa). No mesmo sentido, referindo-se aos requisitos da identidade do
item e conservação de sua substância (utilizado no sentido de manutenção de sua integridade): ANDERSON,
Michael B. Chain of custody requirements in admissibility of evidence. Montana Law Review. vol. 37, Issue
1, Winter, 1976. p. 147/149. Disponível em: <https://scholarship.law.umt.edu/mlr/vol37/iss1/7/>. Acesso em:
19 dez. 2019.
297
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 525.
298
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 525.
299
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 537.
300
Como já dito acima, o conceito de “mesmidade” engloba tanto o requisito da identidade como o da
integralidade, de forma que corresponde ao que se denominou, na classificação adotada neste trabalho, por
autenticidade.
88

a que foi colhida.301 Dessa forma, o cumprimento do requisito da identidade para a


manutenção da cadeia de custódia da prova impõe como exigência a devida individualização
do material colhido, de modo a poder garantir que a mesma coisa foi colhida e,
posteriormente, apresentada em juízo.
Na verificação do cumprimento desse requisito, deve-se distinguir as
necessidades impostas para a manutenção da cadeia de custódia dos itens fungíveis e dos
infungíveis.302
Tratando-se de coisa infungível, no que se refere exclusivamente ao
cumprimento do requisito da identidade, basta a correta identificação do objeto,
discriminando documental e detalhadamente as informações que o individualizam dos
demais.
Dessa forma, na hipótese de uma arma de fogo registrada, a lavratura de um auto
de apreensão identificando marca, modelo, cor e, principalmente, o número de registro, será
suficiente para cumprir com esse requisito, pois tais informações serão suficientes para que,
posteriormente, as partes e o juiz autentiquem a identidade do item.
A situação é diversa nos itens fungíveis. Nesses casos, faz-se necessária a adoção
constante de procedimentos de individualização para o tornar identificável ao longo de todo
o processo.303 Conforme Giannelli, “a cadeia de custódia é comumente exigida para as
evidências fungíveis porque estes itens não possuem características únicas. A incapacidade

301
LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para preservar a prova
penal. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan-
16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>. Acesso em: 27 nov. 2019.
302
Para Dallagnol e Câmara, tratando-se da coisa infungível “dispensa-se a comprovação da cadeia da sua
custódia porque ela tem características que a identificam”. Na sequência, no entanto, os autores sustentam que
“[s]e o agente policial que efetuou a apreensão da arma anotou o seu número de registro e se o perito que
nela realizou os testes registrou a numeração da arma no laudo, esta evidência (o laudo e o termo de apreensão
indicando a sua numeração) é suficiente para a sua autenticação” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo;
CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende;
QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2019. p. 536). Ao que parece, portanto, apesar da afirmarem a desnecessidade da cadeia de
custódia, os autores adotam uma cadeia de custódia simplificada para os itens infungíveis, decorrente das suas
características individualizantes. A mesma contradição também é vista em: KNIJNIK, Danilo. Prova pericial
e seu controle no direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 172/173.
303
Anderson admite a possibilidade de um item fungível ser identificado por outras circunstâncias do caso
concreto que não as suas próprias características. Para tanto, apresenta, como exemplo, a possibilidade de
“demonstrar que uma distinta caixa azul mudou de mãos e que a maconha foi encontrada dentro da caixa”,
sugerindo que a rastreabilidade e distinção da caixa azul se estende à maconha, que estava no seu interior. Com
isso, conclui que “pode não ser significativo que o item seja fungível, desde que sejam de alguma forma
identificáveis” (ANDERSON, Michael B. Chain of custody requirements in admissibility of evidence.
Montana Law Review. vol. 37, Issue 1, Winter, 1976. p. 4, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarship.law.umt.edu/mlr/vol37/iss1/7/>. Acesso em: 19 dez. 2019).
89

para diferenciar entre itens fungíveis torna a identificação positiva impossível de ser feita
isoladamente por observação”304.
Nos casos de amostras de sangue, por exemplo, o material coletado deve ser
guardado em recipiente lacrado, com numeração de identificação, de modo a evitar a
abertura e a substituição do conteúdo.305 Além disso, as informações sobre a fonte do sangue
devem constar no documento vinculado ao recipiente, por meio da referência expressa ao
número de identificação do lacre: se pessoal, com a identificação do indivíduo; se real,
também deve haver, em relação ao objeto, a sua apreensão, guarda em embalagem e lacração
com numeração de identificação. No mesmo documento, ainda, é necessário que se informe
o local, o dia e a hora em que foi feita a coleta, bem como a pessoa que a realizou, que
também tem que ser devidamente identificada.
Ademais, para que se mantenha a identidade do item fungível ao longo de todo
o curso da prova, o mesmo procedimento de individualização acima transcrito deve ser
repetido sempre que o invólucro contendo o item for aberto. Nestes casos, impõe-se,
adicionalmente, a manutenção de todos os registros anteriores e a expressa identificação do
lacre rompido, pois somente assim será possível manter a sequência exata da custódia do
item desde a sua coleta até a sua autenticação.306
Por fim, em se tratando de meio de pesquisa de prova, a apresentação do seu
resultado em juízo pressupõe que a sua obtenção se deu dentro dos limites definidos na
autorização judicial que restringiu o direito fundamental do investigado. Dessa forma, para
que o elemento ou fonte de prova seja o que a parte diz ser, obrigatoriamente tem que ter
sido obtido dentro dos limites da decisão judicial.
Nesses casos, portanto, o cumprimento do requisito da identidade abrange
também a existência de registros suficientes para que as partes e o juiz consigam verificar se

304
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 451, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 19 dez. 2019.
305
Em situação análoga, Dallagnol e Câmara explicam que “quando a droga é apreendida, deve ser embalada
(se já não estiver), lacrada e identificada” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de
Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo
Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p.
536).
306
Para Dallagnol e Câmara, “exemplificativamente, quando o saco plástico contendo a droga é lacrado e há
eventual rompimento do lacre para colheita de amostra, seguido de nova lacração, sendo todas essas etapas
formalizadas em termos que indicam o número do saco e o rompimento do lacre com a assinatura do
responsável em tais termos” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa.
A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.).
A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 537).
90

aquilo que foi apresentado em juízo é, de fato, produto obtido dentro dos limites impostos
pelo juiz ao excepcionar determinado direito fundamental do investigado.
Isso porque a vinculação entre o resultado do meio de obtenção de prova e o
direito fundamental excepcionalmente restringido exige “satisfação sobre a maneira como
concretamente será afetado o direito durante uma investigação criminal”307, pois, nada
obsta que, “ainda que a decisão judicial esteja formalmente correta, a execução da medida
possa descambar para abusos ou ocultar interesses reprováveis por trás de pronunciamento
judicial legítimo”308.
Assim, utilizando-se como exemplo a interceptação telefônica, ainda que a
prévia autorização judicial seja matéria atinente ao procedimento probatório em si e não à
cadeia de custódia, uma vez existente a decisão, os suportes técnicos necessários para
relacionar o diálogo captado ao período de 15 (quinze) dias de duração da restrição a direito
fundamental integram os registros exigidos ao cumprimento do requisito da identidade para
a autenticação da prova.
A falta dos suportes técnicos impede que determinado diálogo seja autenticado
como o que a parte diz ser, isto é, o produto de captação judicialmente autorizada. A
inexistência desses registros possibilitaria que um diálogo captado no 16º dia de
interceptação, já fora dos limites da autorização judicial, fosse inserido no processo como
parte das captações obtidas dentro do prazo de 15 (quinze) dias.309
Nesse sentido, reconhece Prado, “[o]s suportes técnicos que resultam da
operação, portanto, devem ser preservados”310, pois “[s]em esse rastreamento, a
identificação do vínculo eventualmente existente entre uma prova aparentemente lícita e
outra, anterior, ilícita, de que a primeira é derivada, dificilmente será revelado”311.

307
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 68.
308
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 68.
309
A importância da manutenção desses registros técnicos para a manutenção da cadeia de custódia da
interceptação telefônica é destacada por Prado que, ao final, conclui: “[o]s suportes técnicos, pois, têm uma
importância para o processo penal que transcende a simples condição de ferramenta de apoio à polícia para
a execução de ordens judiciais” (PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles
epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons,
2014, p. 79). No mesmo sentido, MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias
constitucionais na produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional
e Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246.
p. 241.
310
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 79.
311
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 79. No mesmo sentido,
91

A identidade, contudo, não é o único requisito necessário para a autenticação dos


elementos e fontes de prova, sendo essencial também a manutenção de registros que
permitam a futura verificação da integralidade do que for apresentado em juízo.

2.4.2 Requisito da integralidade

A segunda etapa da autenticação da fonte de prova ou do elemento de prova é


garantir que o objeto não sofra alteração na sua composição, conteúdo ou característica, que
resultem na modificação das condições que tinha no instante imediatamente anterior à sua
coleta ou da informação dele extraída. Tais modificações poderiam reduzir ou negar o valor
probatório do objeto.312
Conforme Badaró, “a integralidade é a condição de a fonte de prova que se
apresenta íntegra ou inteira, não tendo sido adulterada, sofrendo diminuição ou alteração
de suas características, que se mantêm as mesmas desde a sua colheita”313.
Nesse sentido, Figueroa Navarro sustenta que a documentação da cadeia de
custódia deve garantir que a fonte de prova ou o elemento de prova apresentado em juízo
seja “o mesmo que foi apreendido, podendo-se afirmar a sua falta de contaminação,
substituição, alteração ou manipulação”314.
Da mesma forma, Doran destaca que a documentação da cadeia de custódia
precisa conter informações suficientes para que as partes e o juiz possam verificar “que não

MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória e
o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 241.
312
Nesse sentido, Giannelli sustenta que a “alteração de um item pode reduzir ou negar o seu valor
probatório”, razão pela qual “antes de um objeto material ser admissível como evidência, o proponente deve
estabelecer que mantem ‘substancialmente as mesmas condições que tinha quando o crime foi cometido’”
(GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 447, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 19 dez. 2019).
313
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 525. No mesmo sentido, Margraf e Pesch afirmam que “[c]adeia de
custódia é o termo dado ao dispositivo que pretende garantir a integridade dos elementos probatórios” e que,
em se tratando de obtenção de fontes de prova, um dos aspectos mais importantes é “a preservação da
idoneidade do todo o trabalho que tende a ser feito sigilosamente, em um ambiente de reserva que, caso não
seja respeitado, compromete o conjunto de informações que venham a ser obtidos dessa maneira, tratando-se
de evitar a quebra da cadeia de custódia” (MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes.
Garantias constitucionais na produção probatória e o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito
Constitucional e Internacional: Cadernos de direito constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106,
p. 225-246. p. 241).
314
FIGUEROA NAVARRO, María del Carmen. El aseguramiento de las pruebas y la cadena de custodia. La
ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, vol. 8, n. 84, p. 5-14., jul./ago. 2011. p.
7, tradução nossa.
92

ocorreu adulteração da evidência e que ela não foi contaminada, tanto pelas outras
evidências armazenadas proximamente, como pela embalagem na qual está
armazenada”315.
Assim, nas fontes de prova que estão sujeitas a contaminação, além do
armazenamento, a correta documentação da integridade da prova exige o registro do
procedimento adotado para a sua coleta e, posteriormente, para a sua análise laboratorial (cf.
itens 2.5.1 e 2.5.5, infra). A integralidade da amostra de sangue coletada para exame de
alcoolemia, por exemplo, estará em risco caso seja utilizado álcool na assepsia do local de
extração,316 de modo que tal informação é fundamental para a futura autenticação da perícia
realizada.
Os exemplos são muitos e as exigências variam de acordo com as próprias
características da fonte de prova, mas o que não se altera é a necessidade de documentar
todas as informações necessárias para posterior autenticação da prova. No que se refere
especificamente à preservação da integridade da prova, esse procedimento de documentação
significa registrar as informações de coleta, transporte, depósito e manuseio que demonstrem
que tais práticas não alteraram as características e a composição da coisa.
Ressalta-se, contudo, que as alterações sofridas pela fonte de prova em
decorrência do procedimento técnico-pericial em si não atentam contra o requisito da
integralidade,317 desde que tais modificações e o procedimento adotado para isso sejam
devidamente documentados.318

315
DORAN, Robert A. Exploring the Links in the Chain of Custody. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/66568187/Exploring-the-Links-in-the-Chain-of-Custody>. Acesso em: 31
dez. 2019. tradução nossa.
316
Conforme Martins e Oliveira, “[n]os casos de indivíduos vivos, as amostragens de sangue em veia no
antebraço devem ser realizadas após a limpeza do local da introdução da agulha com produtos que não
contenham etanol na formulação” (MARTINS, Bruno Spinosa de; OLIVEIRA, Marcelo Firmino de. Exame
do teor alcoólico em acidentes de trânsito. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA,
Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes.
Campinas: Millennium, 2012. p. 114).
317
Nesse sentido, ao tratar da necessidade da manutenção da integridade do objeto, Mestre Delgado sustenta
que “devem ser cumpridas uma série de garantias formais na custódia e tratamento dos elementos, a fim de
evitar qualquer troca ou alteração neles e garantir que o que se apresenta finalmente perante o órgão judicial
é o mesmo (e – salvo as imprescindíveis deteriorações que derivem da realização técnica das análises que
foram preciso ser feitas – com sua mesma composição, natureza e conteúdo)que foi recolhido no começo da
investigação” (DELGADO, Esteban Mestre. La cadena de custodia de los elementos probatorios obtenidos de
dispositivos informáticos y electrónicos.In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia
en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 49/50).
318
Conforme Bautista, é fator da cadeia de custódia da fonte de prova a manutenção do “estado original, isto
é, que não tenha sofrido modificações e, se sofreu, que seja registrada” (BAUTISTA, Juan Carlos Urazán. La
cadena de custodia en el nuevo código de procedimiento penal. Faceta Juridica, Bogotá, jan. 2005. tradução
nossa. Disponível em: <https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019).
93

Deve-se ter especial atenção aos casos em que a natureza da fonte de prova ou
as alterações nela causadas pelo procedimento pericial inviabilizem a renovação da prova
em juízo. Nessas hipóteses, far-se-á também necessário registrar as informações suficientes
para a futura verificação da integralidade do elemento de prova.
Tratando-se de elemento de prova não renovável, a integralidade da fonte de
prova, apesar de necessária, não será suficiente para a autenticação da prova, principalmente
quando a atividade probatória envolver determinado exame técnico-científico e, entre os
métodos possíveis e existentes para a sua realização, existirem alguns não validados
cientificamente ou que apresentem potencial de extrair da fonte de prova informação
alterada.
Existindo discussão científica sobre a possibilidade de a técnica adotada alterar
o resultado do exame, o registro do método pelo qual se produziu o elemento de prova se
torna necessário elo da cadeia de custódia para a verificação da integralidade da informação
introduzida no processo. Somente assim as partes e o juiz poderão conferir o potencial de se
ter extraído da fonte de prova informação diversa da que nela existia quando da sua coleta.
Outro ponto a ser realçado, é o fato de o requisito da integralidade não se prestar
a garantir o impossível, de modo que não pode ser exigida a manutenção de uma fonte de
prova perecível até a sua apresentação no processo. Nessas hipóteses, o que se faz necessário
é o registro da cadeia de custódia da fonte de prova até a produção da prova irrepetível,
permitindo que, posteriormente, autentique-se que a fonte de prova submetida à perícia
preservava, no momento do exame, a mesma composição e características que tinha no
instante imediatamente anterior à sua coleta.
Como exemplo, podemos adotar a perícia para análise da (im)propriedade para
consumo de um alimento. Para a sua realização, é imprescindível que os alimentos tenham
sua custódia documentada, desde a sua apreensão até a sua submissão ao exame laboratorial,
com destaque para as condições do seu armazenamento. Dessa forma se permitirá futura
verificação de que eventual constatação da impropriedade do consumo resulta de
característica do alimento como foi encontrado no momento da apreensão, e não de
características assumidas posteriormente, em decorrência de alterações sofridas pelo
incorreto armazenamento.
Salienta-se, ainda, que, para o requisito da integralidade, não há fundamento na
diferenciação entre itens fungíveis e não fungíveis. As exigências para manutenção das
mesmas características e composição estão mais relacionadas às especificidades do objeto
do que a sua fungibilidade.
94

A demonstração disso pode ser feita pelo mesmo exemplo da arma de fogo
registrada, anteriormente mencionado para demonstrar a menor necessidade de
documentação para registrar a sua individualidade. A preservação da integralidade da arma
de fogo é essencial para a apuração de eventual delito de posse ilegal de arma de fogo, pois
o seu não funcionamento implicaria na atipicidade da conduta.319 Portanto, não seria possível
admitir uma alteração do funcionamento da arma após sua apreensão decorrente de incorreto
manuseio ou armazenamento – ou ainda, no limite, que a arma quebrada seja consertada.
Portanto, a manutenção da sua integralidade exige o registro de todas as pessoas que tiveram
acesso à arma, indicando data, hora, motivo e procedimento adotado para o manuseio.320
Assim, ainda sobre o exemplo da arma de fogo registrada, apesar da sua
preservação em recipiente lacrado não ser necessária para o cumprimento do requisito da
identidade, tal procedimento é necessário para atender ao requisito da integralidade. Somente
assim se poderá autenticar a manutenção das características da arma desde a sua apreensão
até a sua apresentação em juízo.321
Destaca-se que a realização de perícia na arma de fogo na fase de investigação
não é suficiente para que se deixe de registrar a custódia da arma, pois o teste de disparo é
repetível, de modo que deve ser refeito, em contraditório, na presença das partes e do juiz,
sempre que solicitado (cf, capítulo 1, item 1.3.2, supra).

319
Nesse sentido, posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça: “PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS
CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM A NUMERAÇÃO RASPADA. INEFICÁCIA DA
ARMA ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. CRIME
IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Terceira
Seção desta Corte pacificou entendimento no sentido de que o tipo penal de posse ou porte ilegal de arma de
fogo cuida-se de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, sendo irrelevante a demonstração de seu efetivo
caráter ofensivo. 2. Na hipótese, contudo, em que demonstrada por laudo pericial a total ineficácia da arma de
fogo (inapta a disparar), deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de
afetação do bem jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do
meio. 3. Ordem concedida.” (HC nº 445.564, 6ª T., v.u., Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura, DJe
24/05/2018).
320
O requisito da integralidade, portanto, não admite que a simples identificação da arma permita o seu repasse
entre agentes públicos sem qualquer registro, como defendem Dallagnoll e Câmara: “[...] para que se prove
que uma arma apresentada diante do júri é a mesma que foi apreendida quando do flagrante por homicídio e
é a mesma que foi periciada, basta a referência nesses atos ao número de registro da arma. Essa arma
percorreu um caminho por repartições públicas nas quais vários agentes tiveram contato com ela. Mesmo
assim, dispensa-se a comprovação da cadeia da sua custódia porque ela tem características que a identificam,
como número de registro” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa.
A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.).
A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 536).
321
Nesse sentido, Imwinkelried explica: “[a] teoria da pronta identificação do objeto tem um valor probatório
limitado: esta teoria prova a identidade do objeto, mas não assegura sua manipulação correta entre o
momento da apreensão e o momento da análise pelo Tribunal” (IMWINKELRIED, Edward J. The methods of
attacking scientific evidence. Virginia: The Michie Company, 1982. p. 84, tradução nossa).
95

Dessa forma, juntamente com a identidade, a integralidade se coloca como o


segundo requisito de autenticação do elemento e da fonte de prova em juízo, sendo certo que
ambos devem ser conjunta e integralmente cumpridos para que se permita atestar a correta
manutenção da documentação da cadeia de custódia.

2.4.3. Conclusão sobre a finalidade de autenticação da prova

Pelo desenvolvido acima, conclui-se que a autenticação por meio da cadeia de


custódia “é um sistema composto por documentos e registros que permitem verificar a
identidade e a condição de inalterabilidade do material probatório”322, especificamente das
fontes de prova reais e imateriais, e dos elementos de prova não produzidos em contraditório,
isto é, das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, incluindo os meios de pesquisa de
provas e seus resultados.
Apesar dessas constatações, a exemplificação de situações específicas
demonstrou que um mesmo procedimento de documentação da cadeia de custódia, como o
armazenamento em recipiente lacrado, pode ser necessário para a manutenção da identidade
dos itens fungíveis e desnecessária para os infungíveis.
Percebeu-se também que a desnecessidade de individualização e lacração para
verificação da identidade dos bens fungíveis não afasta a necessidade de adoção desse
mesmo procedimento para o cumprimento do requisito da integralidade, como
equivocadamente se poderia concluir.323
Dessa forma, ainda que do ponto de vista acadêmico seja importante a separação
conceitual dos requisitos para compreensão do que deve ser cumprido para a autenticação
do item custodiado, na prática, a distinção dos requisitos, se deixado sob a decisão subjetiva
do agente custodiante, pode causar prejuízos irreparáveis na futura autenticação do item
custodiado.
A não adoção de um procedimento específico, em razão da correta compreensão
de que não era necessário para preservar a sua identidade, pode resultar em grave
consequência de violação da cadeia de custódia sob a perspectiva do requisito da

322
BAUTISTA, Juan Carlos Urazán. La cadena de custodia en el nuevo código de procedimiento penal. Faceta
Juridica, Bogotá, jan. 2005. tradução nossa. Disponível em:
<https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019.
323
Este equívoco pode ser visto em: DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa
Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de
(Orgs.). A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 536.
96

integralidade, uma vez que a “extensão da cadeia de custódia, contudo, depende da


finalidade para a qual a evidência é apresentada”324.
O equívoco de deixar a documentação da cadeia de custódia com espaço para a
subjetiva apreciação do agente custodiante se relaciona com a impossibilidade de prever,
quando da investigação, qual será a hipótese acusatória ou defensiva que aquele mesmo
elemento ou fonte de prova será utilizado para sustentar.
Voltando-se ao exemplo da arma de fogo registrada, a manutenção da sua
identidade poderá ser suficiente para sustentar a causa de aumento de pena no crime de roubo
(art. 157, §2º-A, do CP), caso se adote posicionamento de parte da doutrina que aceita até
mesmo o simulacro para este fim.325 Não importará, para aqueles que adotam esta posição,
eventual violação da integralidade perdida em suposta inexistência de registro da localização
e guarda da arma até a sua apresentação em juízo. Por outro lado, este mesmo vício na
integralidade do item custodiado causará problema na autenticação do elemento de prova
quando se buscar demonstrar a hipótese acusatória em caso de porte ilegal de arma de fogo,

324
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 453, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 19 dez. 2019).
325
Sobre este debate doutrinário e jurisprudencial, explicam Mirabete e Fabbrini: “[n]a doutrina e na
jurisprudência predominava o entendimento de que o emprego de arma simulada (ou de brinquedo), por ser
meio idôneo a intimidar a vítima, desconhecedora desta circunstância, constituía a qualificadora prevista no
art. 157, §2º, inciso I, o que levou o STJ a editar a Súmula 174, com a seguinte redação: ‘No crime de roubo,
a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena”. Ponderável corrente não aceitava
tal orientação, uma vez que, embora o instrumento utilizado seja idôneo para intimidar, não é apto a causar
danos à integridade física da vítima. De qualquer forma, em sessão de 24-10-2001, o STJ, ao julgar o REsp
213.954-SP, revogou a Súmula 174, conforme publicação no DOU de 6-11-2001” (MIRABETE, Julio
Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1192/1193).
Contudo, apesar da revogação da Súmula pelo STJ, há julgados posteriores, de outros Tribunais, aplicando a
causa de aumento de pena em hipótese de simulacro de arma de fogo, como os seguintes precedentes do TJSP:
“Reconhecimento da arma de brinquedo simulacro para fins de reconhecimento da majorante prevista no art.
157, §2º, I, do Código Penal. Cabimento. O Código Penal, no caso sob luzes, reclama que a grave ameaça
decorra do emprego de "arma" e nas circunstâncias do caso concreto, ainda que se aceite que a arma de fogo,
confessadamente usada pelo réu, fosse de brinquedo, não se pode negar que ela assumiu o conceito de "arma",
que é todo instrumento que, sob o ponto de vista da pessoa para quem ele é mostrado, pode produzir-lhe mal,
pode feri-la, ainda que apenas sob o critério subjetivo, no caso, da vítima, que desconhece tratar-se, como no
caso presente, de simulacro de arma de fogo” (Apelação Criminal nº 0013023-93.2004.8.26.0609, 1ª Câmara
Criminal Extraordinária, Rel. Des. Airton Vieira, j. 10/03/2014. Disponível em:
<http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=7417876&cdForo=0>. Acesso em: 17 dez. 2019). Da
mesma forma, parte da doutrina continua sustentando a possibilidade de o simulacro de arma de fogo
fundamentar a majorante. Neste sentido, Fernando Capez: “[o] fundamento dessa causa de aumento é o poder
intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência. Por essa razão,
não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a
infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação. Assim, a arma de fogo
descarregada ou defeituosa ou o simulacro de arma (arma de brinquedo) configuram a majorante em tela,
pois o seu manejamento, não obstante a ausência de potencialidade ofensiva, é capaz de aterrorizar a vítima”
(CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial. vol. 2.. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 470).
97

caso em que o funcionamento da arma é discussão relevante no processo, vez que a sua
inaptidão poderá resultar na atipicidade do fato.
Então, também por conta disso, justamente por não poder prever qual será o
conteúdo futuro da hipótese acusatória que o elemento ou fonte de prova sustentará, uma
correta manutenção da cadeia de custódia não deve deixar margem de apreciação para o
agente custodiante no que se refere ao que registrar ou não.
Para evitar lacunas irreparáveis na documentação em decorrência de espaços de
subjetividade dos agentes custodiantes, os registros da cadeia de custódia devem seguir
rígido procedimento de registro, preservando, em qualquer hipótese, tanto a identidade
quanto a integralidade do item custodiado, de modo que todas as informações necessárias
para futuro rastreamento e autenticação do elemento e da fonte de prova estejam disponíveis
às partes e ao juiz.
Dessa forma, a correta documentação procedimental deve registrar as diversas
etapas da cadeia de custódia, cujo passo a passo será melhor detalhado adiante (item 2.5),
mas que, desde já, pode-se indicar as seguintes fases: descrição da coleta; identificação do
item; individualização em embalagem lacrada e numerada; descrição do estado, composição
e características originais do item; condições de preservação e guarda, lugares de
permanência; transportes; alterações de órgão ou agente custodiante; modificações no estado
original em decorrência de procedimentos necessários; descrição do motivo e do
procedimento adotado sempre que alguém tiver contato com o item; data, hora e agente
responsável por todos os eventos anteriormente listados.326
Por fim, o elemento custodiado deve sofrer a menor quantidade de movimentos
e manuseio possível, para que se minimize a interferência nas características originais do
elemento ou fonte de prova. Conforme explica Bautista, “[a] cadeia de custódia deve ser
composta pelo menor número de custódias que se puder: o menor número faz com que o

326
Nesse sentido, Bautista sustenta: “[o]s fatores da cadeia de custódia se consagram para estabelecer a
histórico fidedigno do elemento. Esse histórico fidedigno é o que dá segurança às decisões judiciais. Os fatores
da cadeia de custódia são: identidade, isto é, se o elemento é o ‘mesmo’; estado original, isto é, não ter sofrido
modificações e, se tiver, o seu registro; condições de coleta, em outras palavras, forma como o elemento foi
incorporado; preservação, em outro sentido, como ele é mantido; embalagem, leia-se para efeito, recipientes
e colocação dos elementos nestes; envio, isto é, transporte; locais de permanência; datas desses, ou seja,
período; mudanças que o custodiante fez, que nem sempre ocorrem, mas que se observam de acordo com a
natureza do elemento e das análises; nome, identificação e cargo da pessoa que tenha tido contado com o
elemento, para deduzir a responsabilidade” (BAUTISTA, Juan Carlos Urazán. La cadena de custodia en el
nuevo código de procedimiento penal. Faceta Juridica, Bogotá, jan. 2005. Disponível em:
<https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019, tradução nossa).
98

elemento seja menos manipulado; a menor manipulação faz com que se exponha menos; a
menor exposição protege, defende, o elemento”327.

2.5. As fases do procedimento de manutenção da cadeia de custódia

A manutenção da cadeia de custódia pode ser mais ou menos complexa, a


depender das características próprias do elemento ou fonte de prova.328 Apesar disso, de uma
maneira geral, alguns cuidados sempre deverão ser observados para que se garanta registros
suficientes para a futura autenticação daquilo que se pretende introduzir no processo.
Antes, porém, vale destacar que, não obstante a seguinte divisão em etapas
facilite a identificação dos momentos críticos a serem registrados, a cadeia de custódia
consiste na concatenação de atos, ligados entre si, que se inicia com a preservação do lugar
do crime e se encerra com a apresentação da fonte ou elemento de prova em juízo.329 Desse
modo, qualquer ato de coleta, manipulação, transporte, transferência ou armazenamento
deve ser documentado com a indicação de data, hora e pessoa interveniente; motivo e
detalhamento do procedimento adotado; estado da amostra, da embalagem e do lacre antes
e depois do manuseio; e intercorrências que tenham, de qualquer forma, afetado o estado
original da amostra, da embalagem ou do lacre.

2.5.1. Preservação do local e coleta da fonte de prova

Nas hipóteses em que a busca e a coleta de fontes de prova ocorrem numa cena
de crime, a manutenção da cadeia de custódia deve ter início com a preservação do local, a
partir da chegada dos responsáveis por conduzirem a investigação.330 Tal medida é

327
BAUTISTA, Juan Carlos Urazán. La cadena de custodia en el nuevo código de procedimiento penal. Faceta
Juridica, Bogotá, jan. 2005. tradução nossa. Disponível em:
<https://fundacionluxmundi.com/custodia.php#1>. Acesso em: 06 dez. 2019.
328
Gutiérrez Sanz conclui pela existência de um conteúdo mínimo comum à cadeia de custódia ao afirmar:
“[s]omos conscientes de que não pode ser idêntico o tratamento que se outorga a uma amostra biológica
daquele aplicado a substâncias estupefacientes, porém, em essência, são comuns os requisitos básicos de
atuação e as possíveis irregularidades que se podem cometer em cada um destes estágios” (SANZ, María
Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 62, tradução
nossa).
329
Nesse sentido, sustenta Chorres: “a cadeia de custódia se inicia ou se põe em funcionamento no mesmo
lugar dos fatos, com a polícia ou outra autoridade que esteja primeiro no local, continuando com os peritos
que recolhem as fontes de prova, logo os que participam ativamente do seu translado e trabalho pericial, e
finaliza com o juiz” (CHORRES, Hesbert Benavente. Comentarios y estudio del acuerdo general número
01/2010, del procurador general de justicia del estado de México (con cadena de custodia). Azcapotzalco:
Flores, 2011. p. 102, tradução nossa).
330
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 24.
99

necessária para evitar a alteração ou contaminação do estado original da fonte de prova antes
mesmo de sua coleta.331
Em todos os demais casos, a manutenção da cadeia de custódia inicia-se com a
etapa de documentação da coleta da fonte de prova (i.e. segunda etapa). Nesse sentido,
explica Steen, “a primeira pessoa a fisicamente coletar a evidência e removê-la da cena do
crime inicia o registro da cadeia de custódia”332.
Tratando conjuntamente dessas duas etapas, Sanz sustenta que a manutenção da
cadeia de custódia começa com “as diligências tendentes à proteção das evidências e a
colheita material dos diversos vestígios”333. No mesmo sentido, Tabuenca ressalta a
importância da “cadeia de custódia como um aspecto do asseguramento das fontes de
prova”334, pois “a validez do meio de prova em concreto que se poderá chegar a praticar
dependerá de que a fonte de prova tenha permanecido inalterada durante o tempo”335.
De fato, a malsucedida coleta, que altere a fonte de prova, modificará também o
resultado do elemento de prova dela derivado.336 Por isso, é essencial que esse processo de
preservação do local e coleta da fonte de prova seja “realizado pelos próprios peritos da

331
De acordo com Santiago, “[a]lgumas medidas de segurança são extremamente necessárias para que a
cadeia de custódia efetive-se sem vícios. Uma delas diz respeito à preservação do local de crime, que tem por
objetivo impedir a alteração e a eliminação das evidências remanescentes no local, mantendo-as incólumes”
(SANTIAGO, Elizeu. Criminalística comentada: exposição e comentários de temas periciais e assuntos
correlatos. Campinas: Millennium. 2014. p. 22). Assim, complementa González, “[o] primeiro respondente
deve evitar que outras pessoas entrem ao lugar dos fatos, que manipulem as evidências, que toquem no
cadáver, que descartem objetos relacionados com o caso” (GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de
custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley, 2016. p. 3, tradução nossa).
332
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 14, tradução nossa.
333
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 62, tradução nossa.
334
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 21, tradução nossa.
335
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 21, tradução nossa.
336
Nesse sentido, tratando da perícia de identificação por DNA, Bonaccorso sustenta que “a integridade e a
preservação dessas amostras constituem-se em fatores essenciais à consecução de perfis genéticos bem
caracterizados e definidos, pré-requisito para a produção de laudos periciais de excelente nível técnico-
científico” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes.
Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 53.
Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
100

Polícia Científica”337, pois “somente estes são verdadeiramente qualificados para garantir
que o procedimento de coleta não vai alterar a integridade das análises”338.
Além disso, para que futuramente seja possível averiguar se o próprio
procedimento de coleta alterou ou modificou as características da fonte de prova, o registro
do momento de coleta “exige a individualização da pessoa autorizada a fazê-lo e o modo
técnico ou científico para realizá-lo”339.
Dependendo das circunstâncias do crime, do local em que a evidência foi
encontrada e das características próprias da fonte de prova, a obtenção de imagens do local
também integra a documentação da cadeia de custódia. Como explica Steen, “[f]otografias
não só mostram o item como ele foi coletado, mas também mostram o contexto no qual foi
encontrado. Por isso, é altamente recomendado que as evidências sejam claramente
fotografadas antes de serem coletadas”340.
Por certo que a coleta de fonte de prova em ambiente controlado não necessita
de imagens, como, por exemplo, no caso da obtenção de amostra de sangue, para exame de
alcoolemia, por médico devidamente habilitado e em ambiente propício. Contudo, serão
úteis para a autenticação da fonte de prova, seja no que se refere à sua integração na dinâmica
dos fatos, seja para análise de fontes de contaminação, fotografias da cena do crime que
indiquem a localização, o estado e o ambiente em que uma amostra de sangue foi coletada
para ser periciada.

337
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 66, tradução nossa.
338
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 66, tradução nossa. Acerca dessa relevante questão técnica, exemplifica Moreno Salas: “[c]om respeito aos
indícios biológicos, o levantamento deve ser com equipe adequada para seu correto manuseio, que dependerá
do estado físico da fonte de prova, pois podemos encontrar em estado sólido ou líquido, úmido ou seco, por
exemplo o sague, o qual podemos encontrar tanto na forma líquida, coagulada ou em crosta, em superfícies
lisas ou absorventes. Isto implica na utilização de diferentes técnicas de levantamento, que vão desde uma
esfregar, quando o sangue se encontra em uma superfície absorvente, incluindo, se o sangue está seco, o uso
de isotônico. Se a quantidade encontrada é considerável, como no caso de uma poça de sangue, se usam
pipetas, cotonetes, seringas, fragmentos de tela de algodão, dependendo do caso. Se se trata de fragmentos de
tecido se podem usar pinças, ou algum objeto parecido, como pauzinhos” (SALAS, Jorge Alberto Moreno.
Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015.
p. 75, tradução nossa).
339
GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley,
2016. p. 16, tradução nossa. Sobre isto, exemplifica Moreno Salas ao tratar das amostras de sangue: “[d]eve-
se cuidar para que os instrumentos não estejam contaminados para garantir a preservação das fontes de
prova. A embalagem poderá ser de vidro, papel ou papelão, evitando-se o uso de embalagens de plástico, pois
favorecem a umidade e com isso a produção de fungos ou bactérias que podem degradar a fonte de prova ou
contaminá-la” (SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del
hallazgo o de los hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 75/76, tradução nossa).
340
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 14, tradução nossa.
101

Em suma, acerca dessa segunda etapa, concluiu Chorres, “no momento de


coletar os elementos físicos de prova, deve-se deixar expressamente registrada a cadeia de
custódia, fazendo a sua descrição completa, registro de sua natureza, lugar exato onde foi
encontrada, técnica empregada para manipulá-la e colhê-la e a identificação do funcionário
que realizou estas ações”341.

2.5.2 Empacotamento e etiquetagem

A terceira etapa da manutenção da cadeia de custódia inclui o empacotamento e


etiquetagem da fonte de prova coletada. Como sustenta Steen, “localizada e coletada a
evidência, a prática ideal é embalar e selar a evidência antes de tirá-la do local”342. Nesta
etapa, continua o autor, “no mínimo, a etiqueta da embalagem da evidência deverá informar
data, número do caso, número do item, suspeito, vítima, descrição da evidência, exame
necessário, oficial do caso”343.
Sob a perspectiva da manutenção da identidade da fonte de prova, o
procedimento de embalagem e etiquetagem é etapa importante da cadeia de custódia por
cumprir as funções de individualização da fonte de prova – especialmente relevante para os
itens fungíveis –, e de relacioná-la com o fato apurado, por meio do registro das informações
de referência do caso.344
Também no que tange à manutenção da integralidade, especialmente o
empacotamento, exerce relevante função de preservar a fonte de prova “custodiar as fontes

341
CHORRES, Hesbert Benavente. Comentarios y estudio del acuerdo general número 01/2010, del
procurador general de justicia del estado de México (con cadena de custodia). Azcapotzalco: Flores, 2011. p.
102, tradução nossa.
342
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 14, tradução nossa.
343
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019.p. 14/15, tradução nossa. No mesmo sentido, Chorres: “[a] cadeia (assim chamada porque
não deve romper-se ou interromper-se em nenhum momento) se inicia no instante em que se recolhe a amostra,
com a cadeia de custódia externa mediante anotação de data e hora, classe da amostra, lugar da coleta,
condições e circunstâncias da coleta, do empacotamento e do acondicionamento [...]” (CHORRES, Hesbert
Benavente. Comentarios y estudio del acuerdo general número 01/2010, del procurador general de justicia
del estado de México (con cadena de custodia). Azcapotzalco: Flores, 2011. p. 102, tradução nossa).
344
Conforme Espindula, “imediatamente ao colocar na embalagem própria, deve ser fechada e devidamente
lacrada. O lacre deve ter numeração, a fim de facilitar os respectivos controles e protocolos de
encaminhamentos [...]. Em cada tipo de embalagem já deve ter impresso em uma de suas faces um espaço
para o preenchimento de dados relativos ao objeto acondicionado e sobre a ocorrência em andamento”
(ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 189).
102

de prova recolhidas no local do delito para que sobre as mesmas não se produza nenhum
tipo de alteração ou contaminação”345.
Para atender à dupla exigência de preservação da identidade e integralidade,
explica Pérez, “cada amostra deve ser embalada de forma isolada e individualizada,
separando umas das outras em um recipiente apropriado para sua conservação [...], com
etiqueta de referência”346.
Ressalta-se, ainda, que a “embalagem deve ser específica para cada tipo de
vestígio, dependendo da sua condição”347, pois “o acondicionamento em embalagem
inapropriada [...] pode acarretar em modificação das condições daquele vestígio”348.
Ademais, como adverte Moreno Salas, a etiquetagem da fonte de prova deve
acontecer logo após a sua embalagem, cuidando para que “a etiqueta nunca vá sobre a fonte
de prova, mas sim sobre o recipiente, de tal maneira que não afete a sua preservação”349.
Por fim, é importante se atentar para as características individuais da fonte de
prova coletada, pois, em alguns casos, circunstâncias específicas deverão atrasar ou acelerar
o procedimento de empacotamento. Por exemplo, “uma roupa ensanguentada não deve ser
empacotada até estar devidamente seca”350, de modo que é preciso atrasar o procedimento
ao “enrolá-la em um papel limpo e transportá-la a um local de secamento. Somente quando
suficientemente seca, o material poderá ser embalado”351. Ao contrário, em fontes de prova
biológicas “suscetíveis de entrar em estado de putrefação”352, é preciso acelerar o processo
para que o seu “transporte seja o mais rápido possível”353.

345
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 66, tradução nossa. No mesmo sentido, Santiago sustenta ser necessário “providenciar para que as
evidências sejam registradas e coletadas, obedecendo às normas e critérios técnicos exigidos, embalando-as
corretamente para que não se contaminem” (SANTIAGO, Elizeu. Criminalística comentada: exposição e
comentários de temas periciais e assuntos correlatos. Campinas: Millennium, 2014. p. 23, tradução nossa).
346
PÉREZ, Marta del Pozo. Diligencias de investigación y cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 147,
tradução nossa.
347
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 189.
348
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 189.
349
SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los
hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 76, tradução nossa.
350
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 14, tradução nossa.
351
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 14, tradução nossa.
352
SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los
hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 76, tradução nossa.
353
SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los
hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 76, tradução nossa.
103

2.5.3 Transporte

A quarta etapa se refere ao momento do transporte da fonte de prova, fazendo-


se necessária a adoção de procedimentos para evitar a troca, destruição ou contaminação da
evidência.354
Para tanto, além da manutenção de todos os dados que já devem acompanhar o
item desde o procedimento de embalagem e etiquetagem, a correta manutenção da cadeia de
custódia no transporte ou transferência exige o registro adicional do dia e hora da entrega e
da retirada, o local de origem e destino e o estado da coisa no destino, tudo em documento
com “o nome de quem entrega, assim [como] do de quem recebe, assinado por ambos”355.
Como detalhadamente expõem Torres e Alberich, sempre que houver o
transporte ou a transferência de custódia, é preciso registrar “a data e hora em que se levaram
a cabo cada atividade no traslado das amostras, o organismo ou empresa responsável, a
identificação profissional e pessoal dos intervenientes, o número de pacotes que foram
afetados no transporte, assim como todas as incidências presentes, incluindo se o transporte
foi realizado em condição de refrigeração”356.
Além disso, a escolha do meio de transporte deverá ser feita com os devidos
cuidados para “proteger a evidência de contaminantes, condições climáticas e elementos
danosos”357. Assim, levando-se em consideração as exigências específicas da coisa sob
custódia,358 durante o transporte “se aplicarão as medidas mais adequadas segundo a sua

354
GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley,
2016. p. 16.
355
SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los
hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 82/83, tradução nossa. No mesmo sentido, Chorres: “toda transferência
de custódia deverá ser registrada em formulário, indicando data, hora, nome e assinatura de quem recebe e
de quem entrega” (CHORRES, Hesbert Benavente. Comentarios y estudio del acuerdo general número
01/2010, del procurador general de justicia del estado de México (con cadena de custodia). Azcapotzalco:
Flores, 2011. p. 102, tradução nossa).
356
TORRES, Pilar García de Yébenes; ALBERICH, Pilar Gascó. La cadena de custodia de muestras
relacionadas con presuntos ilícitos contra el medio ambiente. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La
cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 134, tradução nossa.
357
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 16, tradução nossa.
358
Como explicam Torres e Alberich, as características individuais que influenciam no transporte podem estar
vinculadas à demora ou às condições do translado. Assim, “dado que as análises de amostras meio-ambientais
requerem um tempo mínimo entre a coleta da amostra e a realização de provas pelo laboratório, assim como
a adequação de alíquotas para determinação de certos parâmetros, é fundamental que as amostras sejam
recebidas pelo laboratório o quanto antes. No caso concreto das análises microbiológicas, as amostras devem
chegar em recipientes estéreis e em um período inferior a 24 horas desde a coleta das amostras. Este requisito
também é imprescindível para realizar a análise de certos parâmetros como é o caso da Demanda Bioquímica
de Oxigênio. Em ocasiões, a própria natureza das amostras requer que se enviem o quanto antes e refrigeradas
ao laboratório por serem amostras perecíveis que podem ser inadequadas se o transporte não é o correto,
104

natureza (adição de conservantes, manutenção em refrigeração ou congelado, etc.) até sua


recepção [...], e para isso se utilizarão frigoríficos portáteis ou sistemas de isolamento”359.
O fator tempo também é um ponto a ser considerado quando do transporte, pois,
caso a “amostra se degrade com o passar do tempo, o transporte deverá ser urgente e em
condições que assegurem a sua conservação”360.
Outrossim, deve-se cuidar para que, no curso do transporte, uma fonte de prova
não contamine ou seja contaminada por outra, de modo que somente deverão ser
transportadas conjuntamente aquelas evidências cujas características particulares assim
permitam.361

2.5.4 Armazenamento

Após a preservação do local (quando houver), coleta, empacotamento,


etiquetagem e transporte, a quinta etapa será a de armazenamento da fonte de prova, que
“consiste na guarda e adequada conservação da evidência até o momento em que deverá
ser apresentada em juízo”362.
Esta fase tem início com a tarefa do “funcionário encarregado de receber a
amostra e inspecionar o seu estado e lacre, verificando a informação da etiqueta e do
selo”363. Como sustentam García, Márquez e Jiménez, é aconselhável que “o pessoal
encarregado de receber os vestígios/amostras em cada Departamento (gestores de amostra)
estejam qualificados para realizar esta atividade”364, para que, se for o caso, registrem

como é o caso das amostras de peixes, pela degradação biológica que podem sofrer” (TORRES, Pilar García
de Yébenes; ALBERICH, Pilar Gascó. La cadena de custodia de muestras relacionadas con presuntos ilícitos
contra el medio ambiente. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso
penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 134, tradução nossa).
359
GARCÍA, Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues.
Servicio de criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de
custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 158/159, tradução nossa.
360
PÉREZ, Marta del Pozo. Diligencias de investigación y cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 147,
tradução nossa.
361
RODRÍGUEZ, Antonio del Amo; VILLARREAL, Gema Barroso; GARCÍA, Jefe Ana Isabel Fernández.
Comisaría general de policía científica. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia
en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 150.
362
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 26, tradução nossa.
363
SUÁREZ, Berly Gustavo Cano. La cadena de custodia en el código procesal peruano. In. FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 233,
tradução nossa.
364
GARCÍA, Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues.
Servicio de criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de
custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 160, tradução nossa.
105

“todas as anomalias que observem, tanto do ponto de vista formal (número de vestígios,
descrição, etc.) como técnico”365.
Na sequência, a pessoa encarregada “tomará oportunamente as medidas para a
preservação e armazenamento apropriado dos vestígios e/ou amostras recebidas, com base
na natureza das mesmas, sendo responsável por sua custódia”366.
Assim, no que se refere às condições de armazenamento, é preciso
compatibilizar a situação do local com as características da fonte de prova, pois, como
adverte Sanz, “se o lugar é de tal natureza que permite que o material recolhido sofra algum
tipo de contaminação, destruição ou confusão com outro, teremos que concluir que foi
descumprido o dever de custódia da evidência”367.
Além disso, são necessários cuidados com segurança do local e manutenção de
registro de acesso, de modo que, como destaca González, a fonte de prova deve ficar sob os
cuidados “de uma entidade e/ou pessoa idônea, guardada em um lugar seguro e acessível
somente a pessoas autorizadas”368.
Dessa forma, “toda vez que a evidência for removida do local seguro de
armazenamento, a pessoa que faz a remoção torna-se parte da cadeia de custódia”369,
motivo pelo qual deverá se identificar, registrando dia e hora da retirada e da devolução, bem
como o motivo pelo qual precisou ter contato com a fonte de prova.

365
GARCÍA, Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues.
Servicio de criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de
custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 160, tradução nossa.
366
GARCÍA, Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues.
Servicio de criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de
custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 160, tradução nossa.
367
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 73, tradução nossa. No mesmo sentido, García, Márquez e Jiménez atestam que as fontes de prova devem
ser mantidas “a todo momento sob controle e nas condições de armazenamento mais adequadas para evitar
qualquer deterioração ou contaminação, de origem externa ou entre elas” (GARCÍA, Coronel José Martínez;
MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues. Servicio de criminalística de la guardia
civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer,
2015. p. 160, tradução nossa). Também González sustenta que se deve ter em conta “a temperatura e demais
condições de armazenamento para cumprir com os protocolos da cadeia de custódia” (GONZÁLEZ, Rubén
Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley, 2016. p. 30/31, tradução
nossa).
368
GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley,
2016. p. 18, tradução nossa. No mesmo sentido, Suárez salienta que a fonte de prova deve ser “guardada em
uma cabine ou ambiente de armazenamento dotado de segurança até que seja designada ao analista ou perito
competente” (SUÁREZ, Berly Gustavo Cano. La cadena de custodia en el código procesal peruano. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015
p. 233, tradução nossa).
369
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 16, tradução nossa.
106

2.5.5 Manuseio

Por fim, a sexta etapa é a documentação do manuseio ou da análise da fonte de


prova. Nessa fase, assim como em todas as outras, é necessário registrar no documento de
recepção data, hora, pessoas que tiveram acesso e estado da amostra.370 Durante o período
de análise, “a custódia das amostras é de responsabilidade do laboratório, devendo ficar
registrado [...] a localização, manipulação por cada analista, armazenagem e conservação
de cada uma das amostras e suas alíquotas correspondentes”371.
O procedimento de análise deverá ser precedido da “descrição detalhada do
vestígio, antes de proceder a perícia”372, documentando-se, posteriormente, “os
procedimentos aplicados à fonte de prova e o estado que ficou após a análise”373. Além
disso, “qualquer teste deve ser acompanhado de um detalhado relatório explicando o porquê
a análise foi feita”374.
Ao final da análise, tratando-se de fonte de prova que permita a repetição do
meio de prova, devem ser adotadas “as medidas de preservação que sejam necessárias, para
evitar a sua degradação, deterioração ou caducidade dos parâmetros a serem analisados,

370
Conforme Sanz, “[n]esta etapa da cadeia de custódia se faz a recepção das amostras ou vestígios pelo
técnico que levará a cabo a análise, portanto, a primeira coisa que se deve avaliar e documentar é o estado
da evidência no momento quando foi recebido e o aspecto da embalagem. Tudo isso deveria refletir no
chamado documento de recepção” (SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal
español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 76, tradução nossa). No que se refere ao registro da data e horário, Steen
explica: “[s]empre que a evidência for removida do seu local seguro de armazenamento, o profissional que
fizer a remoção deve [...] escrever na embalagem o horário, a data e o motivo para abri-lo” (STEEN, Michael
C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals. Columbia, 2019. p. 17,
tradução nossa).
371
TORRES, Pilar García de Yébenes; ALBERICH, Pilar Gascó. La cadena de custodia de muestras
relacionadas con presuntos ilícitos contra el medio ambiente. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La
cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 135, tradução nossa.
372
TORRES, Pilar García de Yébenes; ALBERICH, Pilar Gascó. La cadena de custodia de muestras
relacionadas con presuntos ilícitos contra el medio ambiente. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La
cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 151, tradução nossa.
373
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 26, tradução nossa. No mesmo sentido, González: “[m]omento de
processamento. Exige identificar a pessoa autorizada para ordenar as atividades periciais sobre a evidência,
a identificação do perito, e o procedimento científico e técnico utilizado” (GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo.
Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley, 2016. p. 16, tradução nossa). Também,
Gutiérrez Sanz, ao descrever a fase da análise e exame dos indícios, afirma que “[a] validade probatória do
informe pericial dependerá de sua correta realização por pessoa qualificada, fazendo uso da tecnologia
apropriada [...]” (SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra:
Aranzadi, 2016. p. 78, tradução nossa).
374
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 16, tradução nossa. No mesmo sentido, García, Márquez e Jiménez: “[n]o informe
elaborado com o motivo das análises dos vestígios/amostras, se fará constar o estado final destas” (GARCÍA,
Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues. Servicio de
criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el
proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 161, tradução nossa).
107

garantindo, assim, a possibilidade de realizar novos ensaios durante o período de tempo


que definir em cada caso”375.
Nesses casos, as pessoas que abriram e analisaram a amostra deverão refazer o
procedimento de empacotamento e selagem, relacionando o pacote e lacre violados com os
novos colocados para manutenção da guarda da fonte de prova.376
Por fim, para que seja facilitada a manutenção da cadeia de custódia e
minimizada a possibilidade de eventos que afetem a identidade ou a integralidade do
elemento ou fonte de prova, é recomendável manusear a fonte de prova o mínimo necessário
para a realização do procedimento.377

2.6. Ônus de manter os registros da cadeia de custódia

Inicialmente, deve-se frisar que o ônus de registrar a cadeia de custódia não se


confunde com o ônus de indicar os vícios da cadeia de custódia e eventuais prejuízos deles
decorrentes.378 Neste momento, apenas o primeiro será objeto de análise, ao passo que o
segundo será desenvolvido no capítulo seguinte, dedicado às consequências da violação da
cadeia de custódia.
Conforme se demonstrou ao tratar dos pressupostos para a documentação da
cadeia de custódia (item 2.3, supra), a adoção deste método epistêmico decorre da não
participação de todas as partes e/ou do juiz no momento da coleta, guarda e manuseio das
fontes de prova, bem como na produção das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas.
Partindo-se desta premissa, não há alternativa que não seja restringir o ônus de documentar
o caminho da prova àqueles que tenham, de fato, contato com ela.379

375
GARCÍA, Coronel José Martínez; MÁRQUEZ, Nicomendes Expósito; JIMÉNEZ, Emilio Rodrígues.
Servicio de criminalística de la guardia civil. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de
custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.p. 161, tradução nossa.
376
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 17.
377
SALAS, Jorge Alberto Moreno. Cadena de custodia y metodología aplicada al lugar del hallazgo o de los
hechos. Azcapotzalco: Flores, 2015. p. 4. No mesmo sentido: MURILLO, José Daniel Hidalgo. Cadena de
custodia. Ciudad de México: Flores, 2017. p. 57.
378
Essa diferenciação é feita por Badaró em: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia
e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da
investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 533/535.
379
Nesse sentido, esclarecem Menezes, Borri e Soares: “[...] necessário se faz que o detentor da fonte de prova,
na maioria das vezes o Estado-acusação, tenha o devido cuidado na coleta, manipulação e transporte do
objeto que, posteriormente, será um elemento probatório, a fim de preservar a cadeia de custódia e garantir
a integridade da prova” (MENEZES, Isabela Aparecida. BORRI, Luiz Antonio. SOARES, Rafael Junior. A
quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobramentos no processo penal brasileiro. In. Revista
brasileira de direito processual penal. Belo Horizonte, vol. 4, n. 1, p. 277-300, 2018. p. 284).
108

Assim, conforme González, “são responsáveis pela cadeia de custódia os


servidores públicos e particulares que contribuam ao asseguramento das características
originais dos elementos físicos da prova”380.
No mesmo sentido, Chorres sustenta que a manutenção da cadeia de custódia “é
desempenhada inicialmente pelos policiais que realizam o trabalho de vigilância e que
chegam primeiro a conhecer do caso, somando-se a esta tarefa os funcionários e pessoas
sob cuja responsabilidade estão os elementos de prova durante as diferentes etapas do
processo penal”381.
Ainda acerca da documentação da cadeia de custódia, Suárez explica que, “no
local dos fatos, a responsabilidade recai nos agentes policiais, no fiscal, nos investigadores,
na criminalística, técnicos (fotógrafos, datiloscopistas, planimetristas, entre outros) e
demais pessoas que participam de uma ou outra maneira da diligência”382. Depois, continua
o autor, a responsabilidade “se estende ao pessoal auxiliar encarregado de levar os
elementos materiais obtidos ao laboratório ou outros estabelecimentos, como ao pessoal
técnico [...], assumindo todos em suas respectivas esferas o compromisso de cumprir com
as regras da cadeia de custódia estabelecida em sua respectiva área”383.
Assim, a documentação da cadeia de custódia deve ser feita pelas pessoas que
possuem contato com o elemento ou fonte de prova, tornando-se, cada um deles e ao seu
tempo, o respectivo agente de custódia responsável por documentar a sua própria identidade,
o estado e circunstâncias em que encontrou a coisa, detalhando o procedimento adotado,
incluindo data, hora, motivo, bem como o estado e local que deixou o item.
Em regra, como explica Badaró, “nos sistemas em que a investigação criminal
está atribuída a órgãos estatais, é função dos agentes estatais, que têm contato com a fonte
de prova real, a documentação da cadeia de custódia”384.

380
GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley,
2016. p. 17, tradução nossa.
381
CHORRES, Hesbert Benavente. Comentarios y estudio del acuerdo general número 01/2010, del
procurador general de justicia del estado de México (con cadena de custodia). Azcapotzalco: Flores, 2011. p.
100, tradução nossa.
382
SUÁREZ, Berly Gustavo Cano. La cadena de custodia en el código procesal peruano. In. FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 228,
tradução nossa.
383
SUÁREZ, Berly Gustavo Cano. La cadena de custodia en el código procesal peruano. In. FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 228,
tradução nossa.
384
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 534.
109

Apesar disso, nas hipóteses em que os elementos ou fontes de prova forem


obtidos por meio de investigações privadas ou indivíduos particulares, o ônus da
documentação da sua cadeia de custódia recairá sobre as pessoas que participaram da coleta,
manuseio, guarda e produção, até a sua apresentação judicial.385
Contudo, mesmo quando o ônus do registro de alguns elos da cadeia couber a
terceiro, caberá à parte que introduziu a prova no processo apresentar informações
suficientes para que a outra parte e o juiz façam a sua autenticação. Assim, como exemplifica
Giannelli, “se um terceiro acha um rifle próximo à cena do crime e o entrega à polícia horas
ou dias depois do crime, será necessário ‘prestar contas’ do tempo em que o rifle ficou na
posse do terceiro para que seja possível relacionar a arma ao local onde ocorreu o
crime”386.
Assim, até em decorrência do raciocínio lógico de ser impossível exigir a tarefa
de quem só teve acesso à prova a partir da sua apresentação em juízo, a atribuição do ônus
de demonstrar a manutenção da cadeia de custódia recai sobre aqueles que tiveram contato
com o elemento ou fonte de prova, seja o obtendo ou o produzindo.
Com essa definição acerca do ônus de manutenção da cadeia de custódia, emerge
questão mais complexa que é estabelecer o que é admissível como prova para acreditar o
elemento ou fonte de prova apresentado em juízo.
De uma maneira geral, a manutenção da cadeia de custódia deve ser feita de
forma documentada e concomitantemente aos eventos. Como sustenta Sanz, se a
demonstração da cadeia de custódia está na rastreabilidade “de todas as atividades
realizadas por cada uma das pessoas que se põe em contato com as evidências, estamos
diante da necessidade de que tal procedimento apareça convenientemente documentado”387,

385
Neste sentido, sustenta Aguirre: “[a] responsabilidade da cadeia de custódia será das pessoas que se
encontrarem em contato direto com evidências [...], tanto pelos órgão de segurança pública, como demais
pessoas que intervenham (por exemplo, ainda que não seja o ideal, as fontes de prova ou as evidências que
tenham sido encontradas, fornecidas e até guardadas por uma vítima, ofendidos ou testemunhas), então a
cadeia de custódia pode começar no momento e lugar em que as evidências são encontradas e entregues por
um particular e recebidas ou guardadas posteriormente por uma autoridade competente” (HERNÁNDEZ
AGUIRRE, Christian Norberto. La cadena de custodia, su regulación y límites en el sistema penal acusatorio
mexicano. Iter Criminis: revista de ciencias penales, México, 6ª Época, n. 16, p. 49-80, jan./mar. 2017.p.
70/71, tradução nossa).
386
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 453, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 19 dez. 2019.
387
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 36, tradução nossa.
110

de modo que “a documentação aparece, portanto, como pressuposto para poder dirimir as
dúvidas que no processo possam surgir sobre a ‘mesmidade’ da fonte de prova”388.
Não por outra razão, ordenamentos jurídicos que adotam sistemas de controle
das fontes e elementos de prova dispõem de formulários a serem preenchidos, pelos agentes
custodiantes de cada ato, com as informações relevantes para garantir a identidade e
integralidade do item naquela etapa específica.389
Entretanto, como alerta Cervantes, “não se pode ignorar que a cadeia de
custódia é em essência um fato, não o registro deste fato”390, sendo que “uma das formas
que pode ser provado este fato é mediante o testemunho”391.
No mesmo sentido, após “definir a cadeia de custódia como o procedimento
documentado”392, Tabuenca reconhece que “nada impede que os eventuais defeitos na
acreditação ou documentação da cadeia de custódia possam ser corrigidos mediante a
prática de outros meios de prova em audiência, como o testemunho dos agentes [...] ou
outras pessoas que participaram de qualquer dos estágios temporais da cadeia de
custódia”393.
Esse entendimento, inclusive, sedimentou-se na jurisprudência espanhola,
conforme reconhece Sanz:

Os tribunais têm considerado que a documentação não é a única forma pela qual
se pode excluir as suspeitas sobre a ausência de integridade da cadeia. Assim, abre-

388
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 36, tradução nossa.
389
Na Colômbia, por exemplo, o formulário de registro da cadeia de custódia pode ser visualizado no Manual
do Sistema de Cadeia de Custódia (Manual del sistema de cadena de custodia. Fiscalía General de La Nación,
2018. p. 57/58. Disponível em: <https://www.fiscalia.gov.co/colombia/wp-content/uploads/MANUAL-DEL-
SISTEMA-DE-CADENA-DE-CUSTODIA.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2019). Da mesma forma, no caso do
México, os formulários de registro da cadeia de custódia podem ser visualizados nos Protocolos de Cadeia de
Custódia desenvolvido pela PGR (Protocolos de cadena de custodia – Dos grandes etapas: preservación y
procesamiento. Servicios Periciales PGR México, 2 ed., 2012. p. 39/42, 44/45 e 47. Disponível em:
<http://www.inacipe.gob.mx/stories/publicaciones/descargas_gratuitas/ProtocolosdeCadenadeCustodia.pdf>.
Acesso em: 06 nov. 2019).
390
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 29, tradução nossa.
391
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 29, tradução nossa.
392
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 23, tradução nossa.
393
LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In.
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015.
p. 26.
111

se a possibilidade de substituir ou complementar uma documentação insuficiente


através de outros meios, como podem ser os testemunhos.394

A mesma orientação é seguida no sistema de autenticação norte-americano,


conforme se extrai do conteúdo da regra 901 (b), das Federal Rules of Evidence, que elenca
um rol exemplificativo de meios pelos quais as partes poderão autenticar a evidência
apresentada em juízo, incluindo o “testemunho de que um item é o que se diz ser”395.
Dessa forma, apesar de a documentação ser o meio preferencial e mais seguro
de demonstração da cadeia de custódia, admite-se que a autenticação do elemento ou fonte
de prova seja feita por outros meios.396
Para tanto, contudo, deverão ser observadas as possibilidades do caso concreto
e, principalmente, se as características do elemento ou fonte de prova permitem a sua
acreditação em juízo por outros meios de prova. Conforme estabelecido no Manual de
Evidências de Nova Iorque, o “necessário para obter o requisito de autenticação e
identificação em cada situação será ‘diferente de acordo com a natureza da evidência que
se busca ter admitida’ (People v McGee [...])”397.
Assim, como sustenta Cervantes, “a idoneidade de uma testemunha para
reconhecer um objeto ou documento, depende das particularidades do caso”398, sendo que

394
SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 37, tradução nossa. No entanto, há jurisprudência espanhola em sentido contrário, como a SAP Madri
18/2014, em que se afirmou que “[...] a cadeia de custódia exige que conste sempre nos protocolos de
conservação as assinaturas tanto dos policiais que ocupam, transportam, entregam ao Comissário, guardam,
conservam e depositam a substância apreendida, quanto as assinaturas de quem em cada uma das sequências
recebem [...]” (Audiencia Provincial Madri, nº do recurso 16/2012; nº de resolución 18/2014, tradução nossa).
395
Federal rules of evidence, from title 28 – appendix. United States Code. dez. 2019, tradução nossa.
Disponível em
<https://uscode.house.gov/view.xhtml?path=/prelim@title28/title28a/node218&edition=prelim>. Acesso em:
20 dez. 2019.
396
Nesse sentido, ao comentar um caso julgado pela Sala Penal do Tribunal Supremo espanhol em que se
discutia a acreditação do conteúdo de um disquete, contendo informações contábeis do investigado, entregue
pelo querelante sem qualquer registro da cadeia de custódia para assegurar a integralidade das informações
nele contidas, Mestre Delgado explica que o Tribunal admitiu a prova porque “‘a totalidade da prova praticada
no processo penal’ (que no caso eram os depoimentos de testemunhas e peritos, assim como documentos e
anotações manuscritas dos extratos bancários) permitiu concluir que as informações contidas nos disquete
correspondiam com as da empresa e, consequentemente, respaldavam a realidade do seu conteúdo”
(DELGADO, Esteban Mestre. La cadena de custodia de los elementos probatorios obtenidos de dispositivos
informáticos y electrónicos. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso
penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 75/76, tradução nossa).
397
People v. McGee - 49 N.Y.2d 48, 424 N.Y.S.2d 157, 399 N.E.2d 1177 (1979). tradução nossa. Disponível
em: <https://www.nycourts.gov/judges/evidence/9-AUTHENTICITY/9.01_IN%20GENERAL.pdf>. Acesso
em: 06 dez. 2019.
398
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 28, tradução nossa.
112

“quanto mais raro ou singular é um indício, menos rigorosa deve ser a cadeia de custódia
para que uma testemunha possa reconhece-lo”399.
Deve-se destacar, ainda, que nos casos em que as características do elemento ou
fonte de prova permitirem a autenticação por prova testemunhal ou outro meio, a
demonstração da cadeia de custódia deve trazer informações específicas sobre os eventos
não documentados. Como explica Steen, as testemunhas devem estar preparadas para
“explicarem como reconhecem a evidência que estão autenticando, i.e., distinguindo
características, números de série, iniciais no formulário de cadeia de custódia, etc.”400.
Também para Edinger, “caso se tente suprir a cadeia de custódia com
testemunhos, devem eles ser corretos e exatos; testemunhos vagos não devem ser levados
em consideração, uma vez que não contam com efetivo valor probatório”401.
Desta forma, a possibilidade de autenticação da prova por meios diversos da
documentação dependerá das especificidades do caso. Tratando-se de itens fungíveis, por
exemplo, o requisito da identidade dificilmente será atendido por qualquer outro meio que
não o registro documental, já que não possuem elementos individualizadores que
potencialmente poderiam ser descritos por uma testemunha para diferenciá-los de outros.
Por outro lado, no caso da prática de um crime com a utilização de um objeto que tenha
característica próprias bem definidas, pode-se cogitar a possibilidade de sua identificação
ser feita por uma testemunha ou pela vítima.
As exigências de detalhamento dos elos da cadeia de custódia, contudo, não se
estendem às violações leves à sua manutenção,402 isto é, às falhas que não colocam em risco
a qualidade do resultado do elemento de prova produzido ou, tratando-se da fonte de prova,
a ser produzido.403

399
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 28, tradução nossa.
400
STEEN, Michael C. A chain of custody guide for american and mexican law enforcement professionals.
Columbia, 2019. p. 25, tradução nossa.
401
EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 250.
402
De acordo com Giannelli, “‘prestar constas’ de todos os elos da cadeia de custódia não necessariamente
significa que todos estes elos devem ser demonstrados em juízo” (GIANNELLI, Paul C. Chain of custody.
Faculty Publications. 1996. p. 457, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 19 dez. 2019).
403
Nesse sentido, Tabuenca: “[q]uestão distinta que se convêm abordar é se as irregularidades leves que
podem ter havido ao longo do procedimento de custódia e realização da perícia (como poderia ser a
insuficiências ou defeituosa documentação de algum ato concreto), impediria também a eficácia deste meio
de prova. Em nossa opinião não deve ser assim, podendo surtir plena eficácia sempre e quando a anomalia
que pode ter se produzido no curso do procedimento e atuações seguintes não afetarem os aspectos
fundamentais do objeto da perícia” (LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena de custodia en el proceso penal
113

Destaca-se, por fim, que, como será detalhado ao longo do capítulo 3, não
obstante seja ônus da parte proponente da prova manter o registro da sua cadeia de custódia,
esse dever não se confunde com o ônus de sempre demonstrar a higidez da cadeia de custódia
como requisito necessário para a sua admissão no processo.
Isso porque, ainda que alguns elementos e fontes de prova exijam um debate
aprofundado acerca da sua admissibilidade – principalmente quando a falha na cadeia de
custódia tiver relação com a pertinência, relevância e garantias fundamentais (v. capítulo 3)
–, deve-se trabalhar no processo penal com um regime de inclusão de provas (cf. capítulo 3,
item 3.1.1.2, infra),404 de modo que não se impõe às partes o ônus de demonstrar a cadeia de
custódia da prova para a sua admissão no processo.
Contudo, como será aprofundado no capítulo 3, a falha no registro da cadeia de
custódia poderá ser objeto de questionamento pela parte contrária e/ou pelo juiz quando for
suficiente para colocar dúvidas sobre a relevância ou pertinência do elemento ou fonte de
prova para o processo, ou ainda, sobre violações a garantias fundamentais do acusado.
Nesses casos, então, os elos sequenciais e ininterruptos do caminho da prova
deverão ser apresentados pela parte proponente da prova até atingir o standard exigido para
a demonstração de sua pertinência ou relevância,405 além da sua legalidade.
Ressalta-se que, mesmo sendo possível essa demonstração por meios de provas
diversos da documentação, a manutenção da cadeia de custódia não poderá se fiar
exclusivamente na boa-fé objetiva dos agentes públicos.406 Isso porque, a discussão sequer
é pautada por ser a ação do agente custodiante boa ou ruim – aliás, se isto estiver registrado

español: revisión normativa. In: FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso
penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 26, tradução nossa). Com o mesmo entendimento: BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES,
Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2017. p. 535.
404
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 311/314.
405
Conforme detalhado no capítulo 3, item 3.1.1.2, infra, o standard de admissibilidade da prova por seus
critérios lógicos de pertinência e relevância exige que a prova tenha maior probabilidade de ser o que diz ser
do que não ser, diferente do standard necessário para condenação de prova além da dúvida razoável. Assim,
uma prova com falha na cadeia de custódia pode ser, ao mesmo tempo, admitida e insuficiente para
fundamentar uma condenação.
406
Nesse sentido, Dallagnol e Câmara sustentam: “[c]onquanto a presunção de boa-fé ou regularidade da
prova não se revista de caráter absoluto, se não demonstrada má-fé, supõe-se a integralidade da evidência,
sob pena de subverter toda a lógica do sistema jurídico. Existe uma expectativa legítima de lealdade na
conduta das pessoas, com base na boa-fé objetiva que regula a conduta de indivíduos em relações – inclusive
relações processuais –, e é a partir dessa premissa que os comportamentos dos polos de um processo devem
ser examinados” (DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia
de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova
do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 543).
114

pela cadeia de custódia, nem de quebra será possível falar –, mas sim na incredulidade que
a falha na cadeia de custódia trouxe sobre o potencial de uma prova influenciar no
esclarecimento do fato alegado ou, ainda, por impedir o exercício ou a verificação de garantia
fundamental.
Assim, ainda que se defenda uma presunção de veracidade nos atos praticados
por agentes públicos, em matéria de prova penal, tal presunção encontra limites claros nos
critérios lógicos e políticos de admissibilidade da prova (cf. capítulo 3, item 3.1.1, infra), os
quais, aliás, já partem de uma presunção de admissibilidade do material aportado aos autos
ao se colocarem como exceções de um sistema de inclusão da prova.
Disso conclui-se que, se por um lado o registro da cadeia de custódia não é
requisito indispensável para admissibilidade da prova, a parte proponente deve cuidar da sua
manutenção, já que a sua ausência poderá levantar questionamentos que podem culminar na
sua inadmissibilidade, pois, nos termos dos artigos 157, caput, e 400, §1º, ambos do CPP,
não são admissíveis as provas irrelevantes ou impertinentes e as produzidas com violação a
direito fundamental de natureza processual ou material.407

2.7. Limites da cadeia de custódia

O estudo da cadeia de custódia como método de autenticação dos elementos e fontes


de prova não pode prescindir da definição de suas limitações. Tal abordagem é necessária
para que não sejam atribuídas à manutenção da cadeia de custódia supostas falhas que, na
verdade, estão relacionadas a finalidades que não lhes são próprias, com o intuito de
desacreditar o seu potencial de auxiliar na maior aproximação possível entre o fato histórico
do mundo real e a sua reconstrução em juízo.408
O primeiro limite da documentação da cadeia de custódia é a sua imprestabilidade
como meio de verificação e autenticação dos eventos ocorridos antes do início do seu
registro, isto é, antes de a fonte de prova ter sido encontrada.

407
O balanceamento destes dois aspectos que envolvem o elemento e a fonte de prova quando houver lacuna
na demonstração da cadeia de custódia é objeto de análise no capítulo 3.
408
Esse problema é identificado por Sanz: “[s]eja por indeterminação legislativa, seja pela dificuldade de
isolar que atuações são próprias da cadeia de custódia, a realidade nos mostra que em algumas ocasiões as
impugnações contra a regularidade da cadeia de custódia, na realidade, se dirigem contra diligências que,
ainda que se realizam sobre as evidências ou elementos que se encontrem no lugar do delito, não são
propriamente atividades que devam enquadrar-se propriamente no que denominamos cadeia de custódia”
(SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016.
p. 28/29, tradução nossa).
115

Como explica Badaró, é necessário se atentar para que não se confunda a


documentação da cadeia de custódia com as hipóteses de falsificação, adulteração e
substituição da fonte de prova. Nesses casos, explica o autor, “o problema não será da cadeia
de custódia ou da documentação da cadeia de custódia, mas da própria coisa, isto é, a fonte
de prova real, que fora colhida, guardada e depois exibida em juízo”409.
No mesmo sentido, reconhece Nieva-Fenoll, “se a realidade da amostra é falsa,
a observância da ‘cadeia de custódia’ só poderá servir para ocultar cada vez mais a
falsidade do vestígio, debaixo de um manto de aparente legalidade que não permite detectar
que o que falhou foi justamente o momento inicial [...]”410.
Assim, não é problema atinente ao estudo da documentação da cadeia de
custódia, por exemplo, a implantação de drogas em determinado local para incriminar
alguém, tampouco a modificação ou contaminação, por quem quer que seja, de uma fonte
de prova existente na cena do crime antes da sua localização e subsequente coleta pela
perícia. Não obstante sejam questões importantes a serem enfrentadas no processo, a
manutenção da cadeia de custódia, ou a falta dela, não prestará auxílio algum na solução
desses problemas.411
A título de exemplo, pode-se citar a hipótese de inclusão, na cena do crime, do
material genético de alguém que nunca esteve no local. Nesta hipótese, mantendo-se o
registro de todo o caminho da prova, desde a sua localização até a sua apresentação em juízo,
o método da cadeia de custódia irá autenticar prova não autêntica.412

409
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 525.
410
NIEVA-FENOLL, Jordi. Algunas sugerencias acerca de la práctica y valoración de la prueba del perfil de
ADN. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, vol. 9, n. 93, p. 17-26., mai.
2012. p. 19, tradução nossa.
411
A inadmissibilidade da prova falsa não é objeto de controvérsia doutrinária, podendo derivar tanto de sua
origem ilícita (e.g. a apresentação de um documento material ou ideologicamente falso), como da sua
irrelevância para demonstrar a veracidade dos fatos alegados em juízo, uma vez que informações falsas não
auxiliam no esclarecimento das hipóteses discutidas em juízo.
412
Interessante o caso nº 147/2012 julgado pela SAP Santa Cruz de Tenerife, na Espanha, no qual não existem
registros de como os policiais encontraram as substâncias entorpecentes dentro do veículo, o que motivou os
magistrados a afirmarem: “[...] resulta evidente que a reiterada denúncia que efetuam as defesas acerca do
encontro de cocaína e haxixe no painel de controle do veículo [...] nada tem a ver com a cadeia de custódia
que começa desde que essas substâncias são recolhidas pelos agentes policiais [...] e finaliza quando as
mesmas chegam, neste caso, às dependências de Sanidade da Subdelegação do Governo de Canarias para sua
definitiva custódia e análise [...]” (Sala de Audiência Provincial, Santa Cruz de Tenerife, Sección 5, nº do
recurso 147/2012, p. 21, tradução nossa). O caso foi citado por Gutiérrez Sanz, que concluiu não se tratar de
um problema de cadeia de custódia (SANZ, María Rosa Gutiérrez. La cadena de custodia en el proceso penal
español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 30). Ressalte-se, no entanto, que referido caso tratava tão somente da
ausência de informação sobre como os policiais chegaram ao local, mas também da ausência de informação
sobre como as substâncias foram apreendidas (Diz o caso: “[...] ainda podendo ser certo que não se realizou
116

Daí a importância de se compreender os limites da documentação da cadeia de


custódia, pois, em situações como a acima exemplificada, a má compreensão e a equivocada
aplicação deste método epistêmico, ao invés de auxiliar, poderá prejudicar o processo
orientado pela verdade, pois autenticará prova que, por conta da sua origem, não é
autêntica.413
Não se nega, por óbvio, a necessidade de afastar do processo fontes de prova
forjadas, implantadas, falsificadas ou manipuladas, seja por questões legais, seja por uma
perspectiva epistêmica de correta reconstrução dos fatos. Apenas se nega à cadeia de
custódia esse controle, por absoluta impropriedade do meio, já que não se pode exigir que a
documentação que começa a ser feita na coleta da fonte de prova seja método eficaz para
identificar ilegalidades anteriores ao início do seu registro.
Dessa forma, como já adiantado ao diferenciar autenticidade de autenticação da
prova (item 2.4, supra), estabelece-se como primeiro limite da documentação da cadeia de
custódia o estado em que foi encontrada a fonte de prova. Isso significa que a documentação
da cadeia de custódia não se estende à autenticação da elaboração ou formação da fonte de
prova, ao contrário, tem como ponto de partida a sua existência e como ponto de chegada a
sua apresentação em juízo íntegra e integral.
O segundo limite é a má-fé do agente custodiante ou o erro procedimental que
altere a identidade ou a integralidade do elemento ou fonte de prova, sem que tal
circunstância seja verificável por meio de uma cadeia de custódia perfeitamente mantida.
Pode-se imaginar inúmeras maneiras para adulterar ou mesmo trocar uma fonte
de prova, sem prejuízo algum da manutenção da cadeia de custódia. Pelo viés da má-fé, o
registro da abertura do lacre seguida de nova embalagem e lacração não impede que, entre
um procedimento e outro, o agente custodiante troque o item fungível ali existente por outro
de igual tamanho, peso, características externas, mas com outra composição (e.g. a troca de
soro fisiológico em pó por cocaína, ou vice-versa). Considerando um erro procedimental,
não há como descartar que um perito abra, simultaneamente, duas amostras de sangue de

uma reportagem fotográfica ou uma ata in situ das manobras desenvolvidas pelos agentes para o
descobrimento das diferentes substâncias e sua apreensão [...]”), o que, conforme será detalhado abaixo, faz
parte dos procedimentos obrigatórios da documentação da cadeia de custódia.
413
Tal equívoco é verificado em Dallagnol e Câmara quando, para sustentarem que “o ônus probatório em
matéria de cadeia de custódia [...] cabe à defesa”, fazem uso do argumento de que seria impossível para a
acusação demonstrar “que a prova apresentada não é fruto de falsidade ou engano” (DALLAGNOL, Deltan
Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel
de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed.
Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 546/547). Contudo, como se explica acima, a cadeia de custódia não é método
para identificação da falsidade da fonte de prova, sendo, portanto, equivocado o exemplo adotado para sustentar
as conclusões dos autores.
117

pessoas diferentes e, no momento do exame, troque uma pela outra, mas documente a
informação de que examinou a amostra correta.
Dessa forma, a má-fé do agente custodiante e o erro procedimental se colocam
como o segundo limite para o alcance da autenticação da prova por meio da documentação
da cadeia de custódia.
Apesar disso, a correta manutenção da cadeia de custódia é importante meio
para, aliado a outros métodos, auxiliar na identificação de eventuais ilícitos praticados no
manuseio e na preservação da fonte de prova ou de erros procedimentais.
Com o avanço tecnológico das últimas décadas, não há mais qualquer empecilho
para que se faça o registro em áudio e vídeo dos ambientes de depósito, abertura e manuseio
das fontes de prova. Aliás, o monitoramento ambiental por câmeras de vídeo é expediente
comum na sociedade atual, inclusive em órgãos públicos. Na hipótese de existirem essas
gravações, a correta documentação da cadeia de custódia, com a identificação de dia, local
e hora, do manuseio de determinada fonte de prova, permitirá que as partes e o juiz façam a
efetiva verificação da existência de erro ou má-fé dos agentes custodiantes.
Percebe-se, portanto, que, mesmo quando encontra o seu limite, a documentação
da cadeia de custódia mantém a sua importância por conter informações necessárias para,
em adição a outros métodos, permitir a autenticação do elemento ou da fonte de prova.

2.8. Disciplina da cadeia de custódia no processo penal brasileiro

Dada a importância da cadeia de custódia para a acreditação da atividade


probatória, a necessidade de regulamentação de seu procedimento era constantemente
destacada por profissionais da perícia-técnica. Nesse sentido, Espindula afirma que a
sequência dos atos de proteção da cadeia de custódia “deve ser devidamente regulamentado
no âmbito dos institutos de perícia, mediante a edição de um POP – procedimento
operacional padrão, onde deverá constar todas as etapas de proteção e rotinas de manuseio
dos objetos”414.
Da mesma forma, especificamente para o processo penal, Badaró apontava como
“fundamental que a lei processual estabeleça regras gerais e padrões mínimos do conteúdo

414
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 188.
118

de documentação de toda cadeia de custódia e as consequências processuais de seu


desrespeito”415.
Apesar disso, por muito tempo, o ordenamento processual penal brasileiro não
teve um sistema próprio de manutenção da cadeia de custódia, não obstante fosse possível
extrair de alguns artigos esparsos do Código de Processo Penal a disciplina de procedimentos
a serem seguidos na obtenção, guarda e produção de elementos e fontes de prova (cf. item
2.8.2, infra).416
Contudo, suprindo essa demanda, em 24 de dezembro de 2019, foi promulgada
a Lei nº 13.964/19 para, dentre outras finalidades, incluir os artigos 158-A a 158-F, no
Código de Processo Penal, regulamentando especificamente a cadeia de custódia.417

2.8.1. Disciplina específica sobre cadeia de custódia no Código de Processo


Penal

Na análise dos artigos 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E, 158-F incluídos no
Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/19, de início, devemos apontar o equívoco de
incluir a disciplina da cadeia de custódia em conjunto com os procedimentos específicos
para a produção da prova pericial,418, pois se de fato a manutenção da cadeia de custódia do
elemento e fonte de prova pericial tem destacada importância nesta área por conta dos
aspectos técnicos e científicos envolvidos, não se pode excluir a indispensabilidade de se
manter os registros da história da prova obtida por outros meios, como interceptação
telefônica, busca e apreensão, agente infiltrado, entre outros, principalmente porque são
executados longe do controle do juiz e do contraditório das partes.
A partir dessa observação, é possível concluir sobre a inadequação do conceito
de cadeia de custódia disposto no artigo 158-A: “o conjunto de todos os procedimentos
utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais

415
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 527.
416
Conforme Badaró, “[e]mbora no Código de Processo Penal brasileiro não haja uma regra expressa
determinando, como princípio geral, a preservação da cadeia de custódia, tal necessidade pode ser extraída
de uma interpretação sistemática” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua
relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da
investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 526).
417
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 2019. Edição Extra. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>. Acesso em: 29 dez. 2019.
418
De acordo com a Lei: “Capítulo II Do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e das perícias em
geral”.
119

ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento
até o descarte”.
A restrição do conceito de cadeia de custódia aos vestígios encontrados “em
locais ou em vítimas de crimes” equivocadamente exclui a necessidade de se manter os
registros sobre fontes de prova colhidas em qualquer outro ambiente que não o local do crime
ou na vítima em si. Assim, para além de excluir todos os outros meios de prova que não o
pericial – como já criticado acima –, tal conceituação limita até mesmo a aplicação da cadeia
de custódia à prova pericial. A redação legal não abrange, por exemplo, a coleta de fontes
de prova obtidas do próprio investigado (e.g. a apreensão de drogas em sua posse em
flagrante delito,419 a coleta de sangue), em locais públicos (como apreensão de material
descartado pelo investigado)420, entre outros.421
No que se refere ao período da preservação da cadeia de custódia, o Art. 158-A,
§ 1º, define que o seu início “dá-se com a preservação do local de crime ou com
procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio”,
devendo ser mantida, conforme Art. 158-A, parte final, “até o descarte”.
O artigo 158-B, por sua vez, lista as etapas a serem seguidas para a adequada
manutenção da cadeia de custódia.
A primeira fase inclui o “reconhecimento”, “isolamento” e “fixação”, que
consiste no “ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da
prova pericial” (inciso I), evitando-se “que se altere o estado das coisas, devendo isolar e
preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime” (inciso
II).422 Por fim, antes que se proceda a coleta, essa etapa deve ser concluída com o que a lei

419
A situação se agrava nas hipóteses análogas ao caso Jalloh c. Alemanha, julgado pela Corte Europeia de
Direitos do Homem, no qual se entendeu possível a realização de procedimentos médicos no investigado,
mesmo contra a sua vontade, para obtenção de fonte de prova (Case of Jalloh v. Germany (Application n.
57810/00). European Court of Human Rights. Disponível em:
<https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-76307%22]}>. Acesso em: 06 dez. 2019).
420
Hipótese de obtenção de fonte de prova permitida pelo Superior Tribunal de Justiça: “5. No caso, entretanto,
não há que falar em violação à intimidade já que o investigado, no momento em que dispensou o copo e a
colher de plástico por ele utilizados em uma refeição, deixou de ter o controle sobre o que outrora lhe pertencia
(saliva que estava em seu corpo). 6. Também inexiste violação do direito à não autoincriminação, pois, embora
o investigado, no primeiro momento, tenha se recusado a ceder o material genético para análise, o exame do
DNA foi realizado sem violência moral ou física, utilizando-se de material descartado pelo paciente, o que
afasta o apontado constrangimento ilegal. Precedentes” (HC nº 354.068/MG, 5ª T., Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, DJe 21.03.2018).
421
Destaca-se que o § 3º, do artigo 158-A, apresenta o conceito do termo “vestígios” utilizado em seu caput,
evidenciando que ficam excluídas da manutenção da cadeia de custódia as fontes de provas imateriais:
“[v]estígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à
infração penal”.
422
A violação desta fase, de acordo com o previsto no artigo 158-C, § 2º, pode caracterizar crime: “[é] proibida
a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação
por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização”.
120

denominou de fixação, isto é, “descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no


local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser
ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo
pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento” (inciso III).
Ainda sobre esta etapa, complementa o artigo 158-A, § 2º, “[o] agente público
que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial
fica responsável por sua preservação”.
Nesse ponto, é criticável a redação legal que excluiu os particulares do ônus de
manter a cadeia de custódia. Com o desenvolvimento da investigação particular e
procedimentos de compliance em empresas privadas, essa regra se faz absolutamente
necessária para a acreditação judicial do elemento ou fonte de prova, principalmente porque
as consequências da quebra da cadeia de custódia independem da função pública ou privada
do agente, relacionando-se, em qualquer hipótese, com a falta de credibilidade que afetou a
prova.
A segunda etapa é a de “coleta”, que consiste no “ato de recolher o vestígio que
será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza” (inciso IV,
art. 158-B). Conforme complementa o artigo 158-C, caput, “[a] coleta dos vestígios deverá
ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário
para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames
complementares”, “ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal
responsável por detalhar a forma do seu cumprimento” (§ 1º).
A terceira etapa da manutenção da cadeia de custódia legalmente prevista é a
fase de “acondicionamento”, definida, pelo inciso V, do art. 158-B, como:

[...] procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma
individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas,
para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a
coleta e o acondicionamento.

Para além desta previsão geral, o artigo 158-D detalha o procedimento de


“acondicionamento”, exigindo que (i) “[o] recipiente para acondicionamento do vestígio
será determinado pela natureza do material” (caput); (ii) “[t]odos os recipientes deverão
ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a
inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte” (§ 1º); (iii) “[o] recipiente
deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e
vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre
121

seu conteúdo” (§ 2º); (iv) “[o] recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder
à análise e, motivadamente, por pessoa autorizada” (§ 3º); (v) “[a]pós cada rompimento de
lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula
do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo
lacre utilizado” (§ 4º); e, por fim, (vi) “[o] lacre rompido deverá ser acondicionado no
interior do novo recipiente” (§ 5º).
A quarta etapa prevista é a de “transporte” e “recebimento”, para a qual se
determina que no “ato de transferir o vestígio de um local para o outro”, deve-se utilizar
“as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a
garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse”
(inciso VI, art. 158-B). Chegando-se ao local de recebimento, exige-se que o “ato formal de
transferência da posse do vestígio” seja “documentado com, no mínimo, informações
referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de
origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame,
tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu” (inciso VII, art.
158-B).
A quinta etapa de “armazenamento” impõe a “guarda, em condições adequadas,
do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou
transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente” (inciso IX, art. 158-B).
Para o adequado cumprimento dessa etapa de manutenção da cadeia de custódia, o artigo
158-E prevê que “[t]odos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia
destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao
órgão central de perícia oficial de natureza criminal” (caput), nas quais é preciso manter
“os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção, devolução de materiais e
documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo
ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas
características do vestígio” (§ 1º), de modo a controlar “a entrada e a saída de vestígio [...]
consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito a que eles se relacionam” (§
2º) e “[t]odas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio”, que “deverão ser identificadas e
deverão ser registradas a data e a hora do acesso” (§ 3º).
Assim, sumariza o § 4º do artigo 158-E, “[p]or ocasião da tramitação do
vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a
identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação”.
122

Destaca-se, no que se refere ao armazenamento, que o Estado não poderá se


eximir da responsabilidade de proceder a adequada guarda da fonte de prova por sua
ineficiência ou incapacidade de cumprir com esta função, pois, conforme expressamente
prevê o parágrafo único do artigo 158-F, “[c]aso a central de custódia não possua espaço
ou condições de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial ou
judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso,
mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal”.
Seguindo para a sexta etapa, o artigo 158-B, inciso VIII, regula a fase de
“processamento”, disciplinando os cuidados na realização do “exame pericial em si”,
especialmente para que seja feita a “manipulação do vestígio de acordo com a metodologia
adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado
desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito”.
Nessa etapa, além da descrição da metodologia do procedimento realizado, que
devem constar do laudo, deve-se incluir também as informações sobre o estado da coisa
periciada antes e depois da sua análise, para que se tenha conhecimento das modificações
que o próprio exame causou na fonte de prova.
Por fim, a necessidade de manutenção da cadeia de custódia será encerrada com
o “descarte”, “procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação
vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial” (inciso X, art. 158-B). Até o
seu descarte, contudo, conforme prevê o artigo 158-F, caput, “[a]pós a realização da
perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer”.
Apesar dos notórios avanços trazidos pela Lei nº 13.964/19, deve-se salientar o
risco de a disciplina da cadeia de custódia se tornar um conjunto de regras que servirão
apenas de guia com orientações para os agentes públicos incumbidos da persecução penal.
A uma, porque, para além da referência ao crime de fraude processual quando
houver ingresso não autorizado na cena do crime ou a remoção de vestígios por pessoa não
autorizada (158-C, § 2º, do CPP) – o que sequer era necessário já que a lei penal já resolve
a questão (art. 347 do CP) –, não há previsão de sanção material ou processual específica
para o descumprimento da manutenção da cadeia de custódia, de modo que eventual violação
deverá ser analisada exclusivamente sob a ótica das regras gerais de admissibilidade da prova
(cf. capítulo 3, infra).
A duas, porque, não obstante os incisos IV, V, VI, VII e IX, do artigo 158-B,
façam expressa referência à necessidade de as etapas serem cumpridas levando em
consideração as características próprias da fonte de prova e também com a aplicação da
123

metodologia necessária para se alcançar o elemento de prova almejado, faltou a inclusão de


norma processual penal em branco. Tal medida permitiria que os órgãos especializados nas
mais diversas áreas de conhecimento técnico-científico regulassem, por meio de normas
administrativas, os cuidados especiais que os diferentes tipos de materiais e procedimentos
demandam, permitindo que a lei processual penal se ajustasse aos avanços tecnológicos que
afetam diretamente a qualidade final da prova produzida.423
Ademais, mesmo não sendo indispensável, deve-se lamentar a não inclusão na
lei do princípio da mínima intervenção no elemento e fonte de prova424 como parâmetro a
ser seguido ao longo de toda a atividade probatória, com a finalidade de evitar o aumento do
risco de alteração no estado da coisa decorrente do seu desnecessário manuseio.

2.8.2. Outras previsões legais esparsas relacionados à manutenção da cadeia de


custódia

Como acima pontuado (item 2.8.1), a disciplina do Código de Processo Penal


sobre cadeia de custódia trata especificamente da sua aplicação à prova pericial. Apesar
disso, o ordenamento jurídico brasileiro contém artigos esparsos prevendo procedimentos
para a manutenção da identidade e integralidade da prova. Desses dispositivos, é possível
extrair a exigibilidade da autenticação de fontes e elementos de prova relacionados a outros
meios de prova, bem como previsões complementares referentes ao meio de prova pericial.
Tratando dos procedimentos a serem adotados no local do crime para evitar a
contaminação da fonte de prova, o artigo 6º, I, do CPP, determina à autoridade policial que
preserve o lugar “para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada
dos peritos criminais”425. Somando-se a isto, o inciso II, do mesmo artigo, prevê que o

423
Reconhecendo o problema da tipificação processual penal do procedimento da cadeia de custódia em razão
do avanço tecnológico, Badaró sustenta: “[r]essalte-se, por fim, que não há que se exigir que o legislador
estabeleça no Código de Processo Penal uma disciplina específica sobre os elementos a serem documentados
na cadeia de custódia de cada uma das possíveis fontes de prova reais que poderão interessar ao processo.
Principalmente no caso das provas periciais, em que os avanços da prova científica têm sido constantes, seria
algo praticamente impossível. O tema da prova científica deve ser tratado não apenas pelo direito, mas pela
própria ciência, estabelecendo os seus métodos e padrões para a produção válida da prova científica”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 527).
424
Reconhecendo o princípio da mínima intervenção: PRADO, Geraldo. Ainda sobre a “quebra da cadeia de
custódia das provas”. Boletim do IBCCrim, n. 262, São Paulo: set., 2014. p. 17.
425
Reconhecendo que este dispositivo legal tem conteúdo voltado à manutenção da cadeia de custódia, ver:
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 526.
124

contato de qualquer pessoa com objetos existentes na cena do crime se dará somente “após
liberados pelos peritos criminais”426.
Da leitura conjunta dos aludidos incisos pode-se extrair, de um lado, a
preocupação de se evitar a contaminação de potenciais fontes de prova pela presença de
pessoas no local – para o que somente o isolamento seria suficiente. Mas também é possível
constatar, por outro, a exigência legal de que a coleta e guarda da fonte de prova seja feita
por perito, isto é, por pessoa com conhecimento técnico qualificado para extrair e empacotar
a fonte de prova por meio do procedimento adequado, evitando trocas e/ou contaminações
que afetem a identidade ou a integralidade da prova.427
Nessa tarefa, no que se refere às perícias, conforme determina o artigo 169,
parágrafo único, do CPP, os peritos deverão registrar eventuais “alterações do estado das
coisas” existentes no local do delito, incluindo nessas coisas as fontes de prova lá
disponíveis.
Ainda, como explicado anteriormente (item 2.5.1), o registro de imagens do local
e da fonte de prova integram a manutenção da cadeia de custódia da prova pericial nas
hipóteses em que as condições do ambiente puderem, de alguma forma, trazer informações
relevantes acerca da identidade e integridade da fonte de prova. Nesse sentido, também
integram a manutenção da cadeia de custódia os dispositivos legais dos artigos 164, 165, 169
e 170, todos do CPP, que preveem a necessidade do registro fotográfico do cadáver na
posição em que foi encontrado, das suas lesões externas e dos vestígios deixados no local,
bem como da possibilidade de instruir o laudo de corpo de delito, do exame do local e do
exame laboratorial com fotografias, desenhos ou esquemas ilustrativos.
O armazenamento das fontes de prova também é objeto de previsão legal.
Conforme expressamente previsto no artigo 159, §6º, do CPP, para garantir a realização de

426
Tem igual conteúdo o artigo 169 do CPP: “[p]ara o efeito de exame do local onde houver sido praticada a
infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada
dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos”.
427
Sobre isso, especificamente acerca da fonte de prova pericial, ver capítulo 1, item 1.2, supra.
125

contraprova e/ou nova perícia,428 o órgão oficial manterá sempre a guarda429 do material
probatório que serviu de base para a perícia “salvo se for impossível a sua conservação”430.
Destaca-se que a única exceção à regra de guarda do material para contraprova
é a impossibilidade de sua conservação. Essa hipótese se restringe à deterioração da fonte de
prova em decorrência das suas características naturais,431 não sendo admissível a perda da
identidade ou integralidade da coisa em razão da sua má conservação decorrente da
ineficiência ou incapacidade do Estado de armazenar adequadamente a fonte de prova.
Esse dispositivo legal tem particular importância porque, sendo possível a
preservação da fonte de prova, o meio de prova pericial será repetível, sendo certo que, nos
termos do artigo 155 do CPP, somente será admissível como elemento de prova quando
realizada em contraditório judicial (cf. capítulo 1, item 1.3.2, supra).
Assim, a adequada manutenção da custódia da fonte de prova deve ser objeto de
atenção por parte dos órgãos estatais de investigação e acusação, pois o desaparecimento ou
deterioração do estado da coisa, em razão das más condições de armazenamento, impedirão
a realização da contraprova e, por conseguinte, a utilização como elemento de prova de
eventual resultado de perícia realizada na fase policial, sem contraditório.432

428
Para exames de laboratório, o artigo 170 do CPP prevê expressamente a guarda de material com a finalidade
de nova perícia: “[n]as perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade
de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou
microfotográficas, desenhos ou esquemas”.
429
Nesse ponto, vale trazer a ressalva de Gomes Filho: “[a] expressão ‘sempre sua guarda’ empregada pelo
legislador pode ensejar o entendimento que a conservação desses objetos seja indefinida. Mas isso deve ser
lido à luz do sistema do Código de Processo Penal, que no art. 118 prevê textualmente: ‘Antes de transitar em
julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao
processo’. Assim, com o trânsito em julgado da sentença final, cessa essa obrigação para o órgão oficial.
Mesmo antes disso, será possível que o juiz, depois de ouvir os eventuais interessados na realização de exames
pelos assistentes técnicos, verifique que a conservação dos referidos objetos é dispensável” (GOMES FILHO,
Antonio Magalhães. Título VII: da prova. In: GOMES FILHO, Antonio Magalhães; TORON, Alberto
Zacharias; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy (coord.). Código de Processo Penal Comentado. 2. ed.
São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 425).
430
Conforme dispõe o artigo 159, §6º, do CPP: “[h]avendo requerimento das partes, o material probatório
que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua
guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua
conservação”.
431
Conforme Nucci, haverá impossibilidade de guarda, “por exemplo, com o cadáver, que precisa ser
sepultado” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 18. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2019. p. 459).
432
Para Choukr, “[a] impossibilidade de realização do laudo com o material mencionado neste artigo pode
acarretar a nulidade processual. Situação neste sentido foi apreciada no julgado contido na RJTACrim
23/405, no qual se analisou a seguinte situação fática, ligada a crime contra as relações de consumo: ‘[...]
Trata-se de infração que deixa vestígios sendo, portanto, indispensável o exame de corpo de delito [...]. No
caso, dentro do prazo legal, requereu o impetrante a realização de perícia de contraprova (...). Ocorre que a
Divisão de Bromatologia e Química do Instituto Adolfo Lutz, em ofício encaminhado à 1ª Delegacia do
DECON – Departamento Estadual de Polícia do Consumidor, informou não ser possível a realização da
contraprova, em face da inutilização das amostras colhidas’, acarretando, assim, o trancamento da ação penal
126

Outrossim, no que se refere especificamente à atividade dos peritos, o artigo 160


do CPP determina que, no laudo, eles “descreverão minuciosamente o que examinarem”.
Esse dispositivo complementa o que acima foi descrito como a sexta etapa da manutenção
da cadeia de custódia (item 2.5.5). Ao exigir uma minuciosa descrição do exame, a lei
determina aos peritos que registrem o estado em que coletaram ou receberam a fonte de
prova (indicando embalagem e lacre, quando houver), o procedimento que foi nela realizado,
as alterações que tal atividade causou nas suas características originais e, por fim, o seu
estado ao final do exame.
No que se refere à cadeia de custódia, essa previsão legal tem maior relevância
nas perícias não repetíveis. Nesses casos, o contraditório diferido somente poderá ser
efetivamente realizado a partir do momento em que a parte que não participou da sua
realização tiver informações suficientes para contestar a produção do elemento de prova.
Ainda atinente ao registro da atividade dos peritos para a adequada manutenção
da cadeia de custódia, o artigo 166, caput e parágrafo único, do CPP, faz particular
complemento para os casos em que há dúvida sobre a identidade do cadáver, exigindo,
nesses casos, que os peritos descrevam “tudo quanto foi feito para a descoberta da correta
identidade do cadáver, narrando-se o procedimento empregado, as provas realizadas, os
confrontos feitos, os sinais encontrados e as pessoas que participaram do ato”433. Da mesma
forma, no que se refere aos exames de destruição, rompimento de obstáculo ou escalada, o
artigo 171 do CPP, determina que os peritos façam a descrição dos vestígios.
Pode-se incluir também entre as regras de manutenção da cadeia de custódia a
previsão legal do artigo 245, §7º, do CPP. Esse dispositivo impõe aos executores da busca e
apreensão a lavratura de auto circunstanciado devidamente assinado (garantindo a
identificação de todas as pessoas que tiveram acesso à fonte ou elemento de prova
apreendido). Neste documento “serão consignados todos os fatos relevantes ocorridos
durante a realização da busca e relacionados todos os objetos eventualmente
apreendidos”434.

com a consequente concessão da ordem” (CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários
consolidados e crítica jurisprudencial. v. 1. 7. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 487/488).
433
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 18. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2019. p. 466.
434
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Título VII: da prova. In: GOMES FILHO, Antonio Magalhães;
TORON, Alberto Zacharias; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy (coord.). Código de Processo Penal
Comentado. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 487.
127

Outrossim, o artigo 6º, §2º, da Lei nº 9.296/96, traz idêntica previsão legal para
o procedimento de interceptação telefônica ao determinar que autoridade policial lavre “auto
circunstanciado”, que deverá “conter o resumo das operações realizadas”, isto é, “o modus
operandi, quanto tempo demorou, qual foi o telefone interceptado, qual foi o resultado
obtido [...]”435.
A partir desse mesmo dispositivo legal também é possível extrair a exigência de
serem registrados e preservados “os suportes técnicos que resultam da operação”436, pois
estes dados não só integram o modus operandi da interceptação telefônica, como também
indicam qual foi o telefone interceptado que permitiu a gravação das conversas, bem como
o dia e a hora dos diálogos.
Assim, como destaca Prado, esses suportes técnicos compõem os registros da
cadeia de custódia da interceptação telefônica, já que “apenas dessa maneira é possível
assegurar à defesa, oportunamente, o conhecimento das fontes de prova”437. A análise dos
registros do suporte técnico é extensível também ao juiz, para quem tais informações são
essenciais na tarefa de verificar se a interceptação telefônica foi conduzida pela autoridade
policial dentro dos limites da decisão proferida.
Percebe-se, portanto, que, apesar de a sistematização específica da cadeia de
custódia estar limitada à prova pericial, a legislação processual brasileira abarca uma ampla
regulamentação esparsa sobre a sua manutenção para outros meios de prova, além de trazer
complementos para circunstâncias especiais exigidas para determinadas perícias.
Assim, para além da prova pericial, há regras sobre a necessidade de registro,
seja em relatórios, seja em auto circunstanciado, do procedimento realizado, fornecendo às
partes e ao juiz informações suficientes para que autentiquem o elemento de prova produzido
fora do juízo e sem contraditório, como nos casos dos meios de pesquisa de prova da busca
e apreensão e interceptação telefônica.
Apesar disso, é fundamental que o regramento específico estabelecido para a
manutenção da cadeia de custódia das perícias seja estendido às fontes e aos elementos de
prova dos outros meios de prova e meios de pesquisa de prova, para os quais a sua
observância seja também importante para a acreditação epistêmica e legal da prova.

435
GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio Luiz. Interceptação telefônica e das comunicações de dados e
telemáticas. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 191.
436
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 79.
437
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia
de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 79.
128

2.8.3. Projeto de Lei em trâmite no Congresso Nacional sobre a manutenção da


cadeia de custódia

Apesar de ser recente inclusão no Código de Processo Penal de artigos


específicos normatizando a cadeia de custódia, antes mesmo da tramitação e promulgação
da Lei nº 13.964/19, a matéria estava na pauta no Congresso Nacional por sua inclusão, pelo
Deputado Federal Rubens Pereira Júnior, no Projeto de novo Código de Processo Penal (PL
nº 8.045/2010), em Relatório Parcial apresentado em 4 de julho de 2017.438 Na ocasião, o
Deputado destacou a “necessidade de haver maior preocupação das autoridades e de todos
os funcionários públicos que lidam com provas criminais na preservação correta e no
manuseio das provas sem que a estas se possa imputar a possibilidade de terem sido
adulteradas”439.
A regulamentação da cadeia de custódia foi mantida, com algumas alterações,
em novo Relatório Parcial apresentado no dia 31 de outubro de 2019, pelo Deputado Federal
Hugo Leal. Na oportunidade, ainda que sem prever sanção ao seu descumprimento, a
importância da matéria foi destacada, afirmando-se a necessidade de “impor esta
regulamentação e não apenas facultá-la aos órgãos policiais e periciais, de modo a não
tornar letra morta este dispositivo legal”440.
Da maneira como está disciplinada a matéria no PL nº 8.045/2010,441 conceitua-
se cadeia de custódia como “o registro de todos os atos, técnicos e administrativos, desde a
apreensão, coleta ou o primeiro exame da prova até a sua guarda e preservação” (art. 169-
A, § 1º, do PL nº 8.045/2010). Dentre os atos previstos expressamente, destaca: “I - a
especificação da prova e seu estado original; II - as condições de coleta, preservação,

438
A disciplina está prevista nos artigos 169-A, 169-B e 169-C, dispostos na p. 133 do Relatório Parcial
(PEREIRA JÚNIOR, Rubens. Relatório Parcial no Projeto de Lei n. 8.045, de 2010. p. 133. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1574897&filename=PRP+3+PL
804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 06 dez. 2019).
439
PEREIRA JÚNIOR, Rubens. Relatório Parcial no Projeto de Lei n. 8.045, de 2010. p. 20. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1574897&filename=PRP+3+PL
804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 06 dez. 2019.
440
Cf. Relatório Parcial da 10ª Relatoria-Parcial: Da Prova e das Ações de Impugnação, elaborado pelo
Deputado Federal Hugo Leal (LEAL, Hugo. Relatório Parcial no Projeto de Lei n. 8.045, de 2010 – 10 relatoria-
parcial: da prova e das ações de impugnação. p. 9. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1829180&filename=PRP+9+PL
804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 06 dez. 2019).
441
A redação dos artigos consta da p. 49 Relatório Parcial da 10ª Relatoria-Parcial: Da Prova e das Ações de
Impugnação, elaborado pelo Deputado Federal Hugo Leal (LEAL, Hugo. Relatório Parcial no Projeto de Lei
n. 8.045, de 2010 – 10 relatoria-parcial: da prova e das ações de impugnação. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1829180&filename=PRP+9+PL
804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 06 dez. 2019).
129

embalagem e envio; III - a cronologia da arrecadação e da guarda da prova, indicando


local, data e hora de cada movimentação, bem como o nome do responsável pela guarda e
registro; IV - as mudanças pelas quais a custódia tenha passado; V - o nome e a
identificação de todos que tenham tido contato com os elementos probatórios; VI - os
protocolos de preparo e análise que a prova foi submetida.” (incisos do art. 169-B).
Por sua vez, o parágrafo único, do art. 169-B, do PL nº 8.045/2010, fixa como
termo inicial da manutenção da cadeia de custódia o “lugar em que forem descobertos,
recolhidos ou encontrados os elementos probatórios materiais”, encerrando-se “por ordem
da autoridade competente somente após do final do processo”.
Ao analisar as fases listadas, ao contrário do que consta disciplinado atualmente
no Código de Processo Penal, entendemos que o projeto de lei peca ao não prever
expressamente a necessidade de individualizar a fonte de prova em embalagem lacrada, com
número de série, com a finalidade de manter a sua identidade. Ainda que seja possível
interpretar a sistemática proposta de modo a incluir tal etapa, não se pode desconsiderar que
o legislador entendeu prudente listar os principais atos dignos de registro e deixou de tratar
da etapa de acondicionamento.
Também, para evitar dúvidas, acreditamos importante acrescentar ao inciso VI,
do art. 169-B, do PL nº 8.045/2010, a exigência de se descrever o estado da fonte de prova
ao final do preparo e análise a que foi submetida, justificando e registrando eventuais
alterações no seu estado original descrito desde o inciso I do mesmo artigo.
Por conta dessa mesma preocupação de controlar eventuais modificações nas
características originais na coisa coletada, caberia o acréscimo de inciso com a exigência de
se registrar todas as intercorrências que afetem o estado da prova ou da sua embalagem
lacrada, em qualquer etapa da cadeia de custódia.
Além dos atos e momentos sujeitos a registro para manutenção da cadeia de
custódia, a leitura conjunta dos artigos 169-A, caput, e 169-C, caput, ambos do PL nº
8.045/2010,442 atribui aos servidores públicos que tiverem contato com as fontes ou
elementos de prova o ônus de registrar a cadeia de custódia.

442
Destaca-se a necessidade de ler o artigo 169-C, caput, em conjunto com o 169-A, caput, em razão da má
redação daquele. Isso porque, não obstante o artigo 169-A corretamente preveja a observância da “cadeia de
custódia na aquisição e preservação das fontes e meios de prova”, o artigo 169-C, caput, prevê que “[a]
aplicação da cadeia de custódia é de responsabilidade dos servidores públicos que tiverem contato com os
elementos probatórios materiais”. Ao usar o termo “elementos probatórios materiais”, a leitura isolada deste
artigo levaria à errônea conclusão que estão fora do âmbito da cadeia de custódia as fontes de prova, ou, ainda
que se queira dar uma interpretação mais favorável à redação utilizada para englobar no gênero elemento de
prova as fontes que levaram à sua obtenção, ficariam de fora as fontes de prova “imateriais”.
130

Em complementação, merece destaque o parágrafo único do artigo169-C:

[também a]os particulares que, em razão de seu trabalho ou em cumprimento das


atribuições próprias de seu cargo, emprego, função ou munus público, tiverem
contato com os elementos probatórios materiais, se aplicam as normas penais e
processuais penais relativas aos funcionários públicos.

Apesar desse dispositivo legal vir inserido no artigo que disciplina o ônus de
manutenção da cadeia de custódia, a sua redação evidencia a preocupação de criar meios
para aplicar eventuais sanções que venham a ser cominadas pela falha na cadeia de custódia
também a particulares que prestam serviço público.
Tal iniciativa é totalmente desnecessária. Do ponto de vista penal material, os
artigos 327 e 347, ambos do Código Penal, cumprem essa função. Do ponto de vista
processual, como já dito ao se tratar do assunto acima (item 2.8.1), as consequências da
quebra da cadeia de custódia independem da função pública ou privada do agente.
Aliás, naquilo que deveria regular, isto é, o ônus de manter a cadeia de custódia,
melhor seria incluir nessa tarefa todos os particulares, o que, como já dito (item 2.8.1, supra),
é indispensável em razão do crescimento da investigação privada, compliance de empresas
etc.
Por fim, o artigo 169-A, § 2º, dispõe que “[o]s órgãos policiais e periciais
deverão regulamentar a cadeia de custódia, adaptando-a anualmente aos avanços técnico-
científicos”. Trata-se de uma norma processual penal em branco que exige complementação
por parte de portarias ou normativas de órgão técnicos especializados nas multimatérias que
envolvem, principalmente, as perícias.
Como se vê, portanto, a sistemática prevista no Projeto de Lei é menos detalhada
e possui menor qualidade técnica do que o tratamento atualmente recebido pela matéria no
Código de Processo Penal. Assim, na hipótese de o novo Código avançar no Congresso, é
desejável que o legislador se inspire na legislação já vigente sobre cadeia de custódia, para
adotá-la fazendo os ajustes necessários apenas para suprir as lacunas existentes (cf.
demonstrado no item 2.8.1, supra).
Como exemplo de previsão do projeto que seria importante para suprir lacuna
da legislação atual, destaca-se o artigo 169-A, § 2º, do Projeto que, ao contrário do vigente
Código de Processo Penal, protege a disciplina da cadeia de custódia de prováveis
defasagens decorrentes dos rápidos avanços técnicos-científicos impostos pela tecnologia,
pois estas inovações poderão ser rapidamente – e com maior nível de conhecimento –
131

incorporadas ao processo penal por meio de modificações em normativas administrativas,


que possuem menos burocracia institucional para ocorrer.
133

3. CONSEQUÊNCIAS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA

Na construção de um processo penal epistêmico orientado à busca da verdade,


como ressalta Taruffo, “o princípio da relevância seria muito provavelmente suficiente para
determinar quais informações seriam excluídas e quais seriam obtidas com o escopo de
maximizar a eficácia de tal procedimento na obtenção de conclusões verídicas”443.
Entretanto, como pontua Ferrer Beltrán, “dizer que algo é a finalidade de uma
instituição ou atividade, não exclui que existam outras finalidades ou propósitos”444.
Conforme exemplifica o autor, “a celeridade na tomada das decisões, a proteção a direitos
fundamentais, a proteção a segredos de Estado, o segredo nas relações advogado-cliente,
etc., são também fins habitualmente reconhecidos na grande maioria dos ordenamentos
jurídicos”445.
Ademais, também no campo da atividade probatória em que se insere a
manutenção da cadeia de custódia, o direito das partes de introduzirem provas no processo
não é absoluto. Ao contrário, explica Gomes Filho, “como qualquer direito, também está
sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e
interesses igualmente dignos de proteção”446.
Assim, como ensina Ferrer Beltrán, “para garantir a obtenção destas outras
finalidades, os ordenamentos estabelecem regras jurídicas processuais (ainda que não só
processuais) que funcionam como um filtro de admissibilidade da prova, adicional e
posterior ao juízo de relevância”447.
Portanto, no que se refere à introdução da prova no processo penal, conclui
Taruffo, “[a] regra fundamental, aplicada com prioridade lógica, é a que faz com que a
relevância determine a admissibilidade de uma prova; as exceções a essa regra são as
normas que preveem a inadmissibilidade de provas relevantes”448.

443
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 169.
444
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 31,
tradução nossa.
445
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 77,
tradução nossa.
446
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 91.
447
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 77,
tradução nossa.
448
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 171.
134

Há, portanto, duas etapas a serem seguidas para a introdução da prova no


processo. Num primeiro momento, deve-se analisar os “critérios lógicos de inadmissão de
provas manifestamente impertinentes ou irrelevantes”449. Após a superação da análise
desses critérios, deve-se verificar a incidência de regras de exclusão da prova fundada em
critérios políticos de proteção de outros valores também relevantes ou, ainda, epistêmicos.450
Sendo assim, para a análise das potenciais consequências da quebra da cadeia de
custódia na introdução da prova no processo, é preciso analisar as violações sob cada um
desses diferentes filtros de admissibilidade. Como se detalhará adiante, de maneira geral, a
doutrina tem negligenciado a verificação da relevância e pertinência do elemento ou fonte
de prova, quando da análise da sua admissibilidade em decorrência da violação da cadeia de
custódia, passando-se diretamente para as regras de exclusão.
Com a superação dos filtros de admissibilidade da prova, por fim, será oportuno
refletir sobre os efeitos da violação da cadeia de custódia na valoração da prova.

3.1. Verificação da admissibilidade do elemento ou fonte de prova obtido


com falha na manutenção da cadeia de custódia

A doutrina diverge no entendimento sobre a admissibilidade da prova obtida ou


produzida com violação na cadeia de custódia, com posicionamentos que vão de um extremo
ao outro, isto é, desde o entendimento de que, em regra, é “prova ilícita”451 até a afirmação
de que a exclusão da prova seria “uma aberração”452.
Adotando uma posição ampliativa no que se refere aos efeitos desta violação,
Geraldo Prado sustenta que “[a]o ser quebrada a cadeia de custódia da prova há em regra
prejuízo à comprovação e/ou refutação dos elementos informativos, requisito de verificação

449
Expressão utilizada por Badaró. Ver: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 5 ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 406.
450
Conforme Gomes Filho, “[e]sses limites probatórios podem ter fundamentos extra-processuais (políticos),
como ocorre em relação à proibição de introdução de provas obtidas com violação de direitos fundamentais,
ou processuais (lógicos, epistêmológicos), quando se excluem, por exemplo, as provas impertinentes,
irrelevantes, ou que possam conduzir o julgador a uma avaliação errônea” (GOMES FILHO, Antonio
Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 93).
451
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p.
135.
452
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 532.
135

dos fatos penalmente relevantes. Com isso, os elementos apreendidos não podem ser
empregados validamente como fonte ou meio de prova. Traduzem-se em prova ilícita”453.
No mesmo sentido, Aury Lopes Jr. entende que a consequência da quebra da
cadeia de custódia “[s]em dúvida deve ser a proibição de valoração probatória com a
consequente exclusão física dela e de toda a derivada. É a ‘pena de inutilizzabilità’
consagrada pelo direito italiano”454.
Com uma posição intermediária, Badaró defende que “as irregularidades da
cadeia de custódia não são aptas a causar a ilicitude da prova, devendo o problema ser
resolvido, com redobrado cuidado e muito maior esforço justificativo, no momento da
valoração”455, ressalvando que, “no caso de vícios mais graves, em que se tenha dúvidas
sobre a autenticidade ou integralidade da fonte de prova, em que haja uma probabilidade
de que a mesma tenha sido adulterada, substituída ou modificada, isso enfraquecerá o seu
valor, cabendo ao julgador, motivadamente, fazer tal análise”456.
Por fim, com posicionamento mais restritivo, Dallagnol e Câmara entendem que
“o rompimento na demonstração da cadeia de custódia em uma ou mais das suas conexões
(links), ainda que gere lacunas, não ensejará no Brasil, jamais, a inadmissibilidade da
prova, mas deverá ser objeto de análise no âmbito da valoração do peso daquela prova”457.
Não obstante os posicionamentos dos autores divirjam, todos têm em comum o
foco na verificação da ilicitude ou ilegalidade da prova, isto é, nas regras de exclusão que
compõem a segunda etapa de verificação da admissibilidade da prova, posteriores à
avaliação dos critérios lógicos de relevância e pertinência.
Dessa forma, fazendo expressa ressalva no sentido de ser necessário tratamento
legal específico à matéria que leve em consideração a especificidade de a fiabilidade ser a
“prova sobre a prova”, Geraldo Prado posiciona-se ressaltando que “enquanto não houver
regra a respeito, a violação do devido processo legal e do processo equitativo pela via da

453
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p.
135.
454
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 414.
455
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 535.
456
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 535.
457
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 552.
136

ruptura do contraditório por quebra da cadeia de custódia das provas implica em


tratamento de ilicitude ao nível constitucional”458.
Da mesma forma, Badaró apresenta o seu posicionamento como resposta à
seguinte dúvida que coloca: “se, uma vez constatada a existência de vícios na cadeia de
custódia, isso levaria, necessariamente, à ilicitude ou ilegitimidade da prova, que seria
inadmissível no processo”459.
Por sua vez, Dallagnol e Câmara não só ignoram a etapa de verificação da
relevância ou pertinência ao afirmarem que a “cadeia de custódia jamais será um argumento
para afastar uma prova por ilicitude”460 como também, em contrariedade ao conteúdo do
artigo 400, §1º, do CPP, dizem que sequer há no Brasil “um filtro prévio ao seu exame da
prova, todo questionamento da cadeia de custódia é matéria de mérito e valor da prova”461.
Ocorre que, partindo da compreensão de que a cadeia de custódia é também um
método epistêmico de autenticação da prova e que, do ponto de vista puramente
epistemológico, “somente são inadmissíveis as provas irrelevantes”462, não se pode
prescindir da verificação da relevância ou pertinência da prova produzida com quebra na
cadeia de custódia.
Frise-se que não se trata de negar a necessidade de verificação das regras de
exclusão da prova fundadas em limites políticos – o que deve ser feito, cf. item 3.2, infra –,
mas sim de incluir na análise a etapa anterior do juízo de admissibilidade, isto é, a relevância
e a pertinência da prova.

458
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p.
128.
459
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 535. A mesma conclusão pode ser extraída do seguinte trecho: “[n]o caso
de violação da cadeia de custódia, em tese, duas soluções seriam possíveis: a primeira, considerar que a prova
se torna ilegítima, não podendo ser admitida no processo; a segunda, superar o problema de admissão da
prova e resolver o problema do vício da cadeia de custódia dando menor valor ao meio de prova produzido a
partir de fontes de prova cuja cadeia de custódia tenha sido violada” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra
(orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p.
532/533).
460
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 566.
461
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 538.
462
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 154. No mesmo sentido: FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la
prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 69.
137

Portanto, as consequências da violação da cadeia de custódia devem ser


analisadas, em primeiro lugar, pelos seus reflexos nos critérios lógicos de inadmissibilidade
da prova.

3.1.1. Critérios lógicos de admissão da prova

Para que se compreenda as consequências da quebra da cadeia de custódia, antes


de tudo, é preciso relembrar que os registros sobre o caminho da informação, desde a sua
coleta até o seu ingresso no processo, não constituem, em si, a fonte ou o elemento de prova
utilizado para comprovação do fato alegado, tampouco o meio para sua obtenção ou
produção.
A documentação da cadeia de custódia consiste apenas em método de
autenticação da fonte ou elemento de prova, pelo qual todos os sujeitos processuais poderão
atestar que aquilo que está sendo apresentado no processo é realmente o que a parte diz ser.
Por isso, Badaró afirma que “[n]ão é a cadeia de custódia a prova em si”, pois
“[e]la, em si, não se destina a demonstrar a veracidade ou a falsidade de afirmações sobre
os fatos que integram o thema probandum”463. Da mesma forma, Prado fundamenta no fato
de a “fiabilidade” ser “prova sobre a prova”, a necessidade de a matéria ter um regramento
legal específico.464
Retomada a compreensão já desenvolvida no capítulo anterior de que a cadeia
de custódia não se confunde com os aspectos materiais e atos procedimentais da obtenção e
produção da fonte ou do elemento de prova, em si – mas é o mero registro destes aspectos e
atos –, tem-se como consequência a inafastável conclusão de que a quebra da cadeia de
custódia, por si só, não constitui uma violação à prova.
Apesar disso, a falta de manutenção da cadeia de custódia pode retirar da prova
a sua capacidade de ser útil ao processo; principalmente nos casos em que, em razão da
impossibilidade de rastrear, de maneira sequencial, a sua origem, ela perde a credibilidade
para servir de elemento apto à reconstrução história dos fatos.
Conforme metáfora utilizada por Taruffo, “[u]m historiador que não revela as
fontes de informação que utilizou, ou um cientista que não explica o procedimento que

463
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 535.
464
PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p.
128.
138

seguiu para chegar à sua descoberta certamente não produzirão conhecimentos


merecedores de consideração”465.
Da mesma forma, num processo penal epistêmico, a prova deve atender às
exigências do princípio da relevância, segundo o qual “uma informação é epistemicamente
útil se parece idônea a fornecer elementos de conhecimento que digam respeito, direta ou
indiretamente, aos fatos da causa”466.
Com igual compreensão, Badaró sustenta que a relevância da prova “é
inegavelmente um princípio epistemológico, na medida em que objetiva dotar o processo do
conjunto mais amplo de elementos para uma correta reconstrução histórica dos fatos”467.
Não à toa, aliás, como ressalta Taruffo, “o princípio da relevância faz-se
presente, como critério fundamental de seleção de todas as provas admissíveis, em todos os
ordenamentos processuais”468. No ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 400, §1º, do
CPP disciplina a matéria ao dispor que o juiz poderá indeferir a produção das provas
consideradas irrelevantes ou impertinentes.469
Considerado sob o enfoque negativo, da maneira como disciplinou o Código de
Processo Penal, o princípio da relevância se coloca como um limite lógico ao direito à prova,
que deve impedir a entrada das provas irrelevantes e impertinentes e, no caso de já terem
sido produzidas, excluí-las da valoração pelo juiz.470

465
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 180.
466
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 168.
467
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 155.
468
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 168.
469
Não se ignora que a lei também prevê o indeferimento das provas protelatórias. Contudo, apesar de estar
prevista no mesmo dispositivo legal, não é limite lógico da prova, pois tem relação com limites políticos, tais
como a celeridade e a economia processual.
470
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 156.
139

Contudo, apesar da disposição expressa no Código de Processo Penal,471 não há,


nem na doutrina brasileira, nem na estrangeira,472 consenso quanto à definição desses
critérios lógicos.473
A distinção dos termos na doutrina nacional remonta à década de 1940,474
quando Lopes da Costa conceituou como impertinentes os fatos “que não pertencem à causa,
nenhuma relação tem com ela, não lhe dizem respeito, lhe são estranhos”, sendo, por sua
vez, fatos “irrelevantes ou inconcludentes” aqueles que “embora se refiram à causa, não
influem sobre a decisão, não levam a conclusão alguma (inconcludentes), são
indiferentes”475.
Na mesma linha, tratando do processo penal,476 Frederico Marques sustenta:

[O]bjeto in concreto da prova são os fatos relevantes para a decisão do litígio.


Donde exclui-se no procedimento instrutório toda prova impertinente ou
irrelevante. Fatos que não pertencem ao litígio e que relação alguma apresentem
com o objeto da acusação, consideram-se fatos sem pertinência, e que, portanto,
devem ser excluídos do âmbito da prova in concreto. Inadmissíveis também são,
como objeto de prova, os fatos que não influem sobre a decisão da causa, embora
a ela se refiram.477

471
Conforme destacado por Badaró, apesar de “desde meados do século passado”, ser “comum encontrar na
jurisprudência nacional referência a indeferimento de requerimentos probatórios que fossem impertinentes ou
irrelevantes”, somente na “reforma de 2008, tais critérios lógicos foram expressamente adotados” (BADARÓ,
Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência
e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem ao
prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 299/300).
472
Para profundo detalhamento histórico das divergências doutrinárias sobre o tema, ver: BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e
relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem ao
prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015.
473
O tratamento dos termos como sinônimos é perceptível em Ferrer Beltrán: “[o] legislador espanhol e a
jurisprudência usam frequentemente o termo ‘pertinência’ para referir-se ao que aqui denomino ‘relevância’
(Veja, por exemplo, o STC 51/1985, de 10 de abril). Tratando-se, não obstante, de um filtro de caráter
epistemológico, resulta mais comum o uso do termo ‘relevância’, que prefiro” (FERRER BELTRÁN, Jordi. La
valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 68, nota de rodapé 13, tradução nossa).
474
De acordo com Badaró, “[a] exclusão do objeto da prova dos fatos impertinentes e irrelevantes foi feita, ao
que se acredita, pela primeira vez, por Lopes da Costa” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à
prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah
H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo:
Empório do direito, 2015. p. 301).
475
LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Direito Processual Civil Brasileiro. vol. 2. 2 ed. Rio de Janeiro: José
Konfino, 1947. p. 222.
476
No mesmo sentido, também no processo penal, Hassan Choukr considera irrelevante “a postulação da prova
cuja qualidade não apresenta importância para o deslinde da causa” e impertinente “a postulação da
produção da prova não relacionada ao assunto tratado, despropositada em relação a ele” (CHOUKR, Fauzi
Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. vol. 2. 7. ed. Belo
Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 98).
477
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal: vol. 2. 1 ed. Campinas: Bookseller,
1998. p. 254.
140

Essa conceituação inicialmente adotada na doutrina nacional encontrou eco em


Tucci, para quem “só são admissíveis as provas pertinentes aos fatos objeto de apuração, e
relevantes”, sendo “que constituirá autêntica inutilidade a realização de provas sobre fatos
estranhos à causa sob apreciação de órgão jurisdicional, ou que, mesmo lhe dizendo
respeito, nenhum significado ou influência terão na formação do convencimento do
julgador, ao proferir sentença de mérito”. Assim, conclui que “relevantes [...] são os fatos
que, além de pertinentes, se mostram significativos para a resolução do conflito de interesse
submetido à apreciação do órgão jurisdicional”478.
Entretanto, divergindo da posição acima, Badaró aponta que “[n]essa
conceituação fatos pertinentes e fatos relevantes são círculos concêntricos com raios
distintos, sendo maior o dos fatos pertinentes e menor o dos relevantes. Consequentemente,
todo fato relevante será, necessariamente, pertinente”479.
Realmente, se a admissão exige que, além da vinculação com o discutido no
processo (pertinente), o fato que se pretende provar também tenha potencial de influir na
decisão (relevante), bastaria a verificação deste segundo requisito, tendo em vista que, neste
caso, o primeiro estará, por consequência, automaticamente preenchido. Logicamente, para
ter potencial de influenciar na decisão, o fato terá, necessariamente, relação com o objeto do
processo, ou seja, basta que o fato que se pretende provar seja relevante.
Não por outra razão, partindo da distinção até então encontrada na doutrina,
Dinamarco destacou a inutilidade na autonomia dos conceitos de relevância e pertinência,
pois se “todo fato impertinente é irrelevante”, “a irrelevância é que, em si mesma, exclui o
fato objeto da prova”480, de modo que, em sendo a pertinência um aspecto da relevância, ela
“não merece tratamento autônomo”481.
Para solucionar a, até então, aparente desnecessidade da distinção dos conceitos
de pertinência e relevância, Gomes Filho propôs a diferenciação dos conceitos com base nos

478
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3.ed. rev São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009. p. 166.
479
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os
conceitos de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo:
estudos em homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 301.
480
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. 3. 6 ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 66.
481
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. 3. 6 ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 66.
141

critérios de materiality e relevancy desenvolvidos na doutrina americana para a introdução


da prova no processo.482
Dessa forma, atrelando o conceito de materiality ao de pertinência, Gomes Filho
sustenta que o termo “diz respeito à conexão entre a prova oferecida e os fatos
controvertidos”483, ao passo que, vinculando o conceito de “relevancy” ao de relevância,
destaca que este termo corresponde à verificação “se a prova oferecida tem aptidão para
estabelecer a existência ou inexistência, verdade ou falsidade, de um outro fato, através do
qual seja possível realizar uma inferência lógica; sua aplicação é, portanto, tipicamente
relacionada a prova indireta”484.
No mesmo sentido, Badaró sinteticamente conclui que “[f]ato pertinente é
aquele que, abstratamente, tem por objeto o fato principal ou jurídico. Fato relevante é
aquele que tem por objeto um fato secundário ou circunstancial, que por inferência, se
relaciona com o fato principal”485.
Assim, nessa conceituação mais moderna, um meio de prova será considerado
pertinente quando o fato que se pretende provar por meio dele diga respeito ao fato principal
do processo, isto é, ao factum probandum. Existe, assim, uma relação lógica e abstrata de
pertinência entre a prova pretendida e o fato principal do processo. Como explica Badaró,
enquanto no processo civil “o factum probans dirá respeito ao fato constitutivo,
modificativo, impeditivo ou extintivo do direito”486 no âmbito processual penal, estará
relacionado “ao fato típico, antijurídico e culpável, bem como a sua autoria, além de
qualquer aspecto fático que se inclua num juízo de subsunção de fatos consideráveis na
dosimetria da pena”487.

482
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 131.
483
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 131.
484
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 131.
485
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 315/316.
486
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 315.
487
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 315.
142

O juízo de pertinência da prova decorrerá, portanto, da verificação de que aquilo


que pode, potencialmente, ser demonstrado por meio da prova pretendida, guarda relação
com o fato principal discutido no processo.
Já o critério de relevância não diz respeito ao fato principal do processo, mas a
um fato secundário, ou circunstancial. O meio de prova é relevante quando o fato
(secundário) que se objetiva demonstrar por meio dele puder, por inferência lógica,
influenciar no fato principal, objeto do processo. Existe, assim, uma relevância lógica488
entre o fato secundário que se persegue por meio da prova e o factum probandum.489
No âmbito processual penal, o indício, ou o álibi, apesar de não serem, nos
critérios acima expostos, considerados pertinentes – pois não dizem respeito diretamente ao
fato criminoso, ou sua autoria –, satisfazem o critério de relevância.490 O exemplo trazido
por Badaró acerca do fato caracterizador do álibi é elucidativo: não obstante o factum
probandum seja a autoria delitiva, a prova de que o réu estava em outro local no momento
do crime é relevante, já que, “indiretamente, por inferência, permite definir negativamente
o fato principal”491.
A mesma diferenciação, ainda que tratadas terminologicamente como espécies
de relevância, é feita por Ferrer Beltrán que, ao adotar o critério da relevância como filtro
para a admissão da prova no processo,492 admite a entrada “tanto da prova direta (i.e. a
prova que versa sobre enunciados existenciais do fato ao qual o direito atribui
consequências jurídicas) como a prova indireta (isto é, a prova que versa sobre enunciados
existenciais de outros fatos, dos quais se pode realizar inferências sobre os primeiros)”493.
Apesar das distinções terminológicas, conforme reconhece Badaró, os diversos
ordenamentos convergem ao reconhecer que o “juízo de admissibilidade da prova exige uma

488
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015.p. 314/315.
489
Distinguindo os conceitos, mas em sentido diverso do aqui adotado, Nucci sustenta: “não há que se deferir
a realização de qualquer espécie de prova considerada irrelevante (desnecessária para a apuração da verdade
relacionada à imputação), impertinente (desviada do foco principal da causa, embora possa ser importante
para outros fins)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 18. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2019. p. 1016).
490
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 315.
491
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 315.
492
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 69.
493
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 71,
tradução nossa.
143

relação lógica entre o thema probandum”494, isto é, tenha “aptidão de demonstrar um fato
que se relaciona com o thema probandum, seja diretamente (materiality, no conceito anglo-
americano), ou mesmo indiretamente (relevancy, no conceito de common law), mas de
forma a logicamente poder influenciar no resultado do processo”495.
Assim, não obstante as diversas denominações que possa receber (relevância,
pertinência etc.), exige-se que o elemento de prova que se pretende produzir tenha
potencialidade de influenciar no resultado do processo, de modo que o elemento ou fonte de
prova somente será “relevante para decisão sobre a prova de um enunciado fático se, e
somente se, permite fundar nele (por si só ou conjuntamente com outros elementos) uma
conclusão sobre a verdade de um enunciado fático a provar”496.
Sob essa perspectiva do filtro do critério lógico de admissão da prova é que se
deve analisar, inicialmente, as repercussões da quebra da cadeia de custódia para um
elemento ou fonte de prova, principalmente nas situações em que a quebra afetar o requisito
da identidade.

3.1.1.1. A relação entre os critérios lógicos de admissão da prova e a quebra na


cadeia de custódia

A inadmissibilidade pela impertinência do pedido da parte em realizar perícia


em amostra de entorpecente que, sem qualquer demonstração de sua origem, foi apresentada
em juízo, não seria objeto de grandes discussões jurídicas. Tampouco demandaria acalorado
debate a negativa do pedido de realização de exame de sangue para constatar a embriaguez
sem a indicação de que a amostra é proveniente de alguém específico.
Enfim, os exemplos são muitos e têm em comum o fato de que, pelo
desconhecimento da origem da fonte de prova – a droga poderia estar em qualquer lugar ou
com qualquer pessoa, o sangue pode ser de qualquer um e ter sido colhido em qualquer lugar
–, ela não tem potencial de provar a hipótese acusatória, isto é, que determinada pessoa
portava drogas ou conduzia veículo automotor sob o efeito de álcool.

494
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 311.
495
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 311.
496
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 71,
tradução nossa.
144

Nesses casos, o fundamento da inadmissibilidade da prova decorre da


inexistência de conexão entre a fonte de prova e o objeto do processo, o que resulta na sua
falta de potencial de influenciar no julgamento da hipótese acusatória. Isso porque,
independentemente do resultado positivo ou negativo da perícia, o elemento de prova não
terá potencial de incriminar o investigado, já que não há nexo entre o objeto da prova e o
objeto do processo.497
Por sua vez, em determinadas situações, a quebra da cadeia de custódia conduz
à mesma situação de inadmissibilidade pelos critérios lógicos de pertinência e relevância,
especialmente quando a violação resultar na desconexão entre o elemento ou a fonte de
prova, que se pretende utilizar ou produzir em juízo, com o fato que se pretende provar,
retirando-lhe por completo a potencialidade de influenciar no julgamento.498
Em exemplos costumeiramente utilizados no estudo da cadeia de custódia, como
a falta de lacre em substâncias fungíveis e a injustificada demora entre a coleta de uma
substância e a sua entrega no local competente para sua guarda, é justamente a desconexão
gerada pela falta do elo entre a fonte e o posterior elemento de prova que retira o seu
potencial de auxiliar na reconstrução histórica dos fatos.
Da mesma forma com que o desconhecimento da origem de uma fonte de prova,
que pode ter vindo de qualquer lugar ou pessoa, gera, sem grandes discussões, a
inadmissibilidade da prova por sua falta de potencial de demonstrar a hipótese acusatória,
também na quebra da cadeia de custódia, quando se perder a conexão entre o fato e a prova,
resultará na impertinência ou irrelevância.
De fato, a única diferença entre o déficit de informação sobre a origem e a
inexistência de demonstração do caminho da fonte de prova é o desconforto subjetivo que a
segunda hipótese poderá causar nos agentes públicos que integram o aparato punitivo estatal,

497
Como explica LaRocca Jr., “[q]ualquer item oferecido como prova de que supostamente tem uma
associação com um indivíduo, hora ou local deve ser vinculado a esse indivíduo, hora ou local antes ou no
momento da sua admissão”. Assim, exemplifica o autor, “quando uma faca encontrada na cena de um crime
é oferecida como prova contra X, o proponente deve primeiro mostrar que a faca era de propriedade de X ou
estava sob seu controle” (LAROCCA JR., Nicholas F. Authentication, Identification, and the Best Evidence
Rule. Louisiana Law Review, vol. 36, 1975, p. 186, tradução nossa. Disponível em
<https://digitalcommons.law.lsu.edu/lalrev/vol36/iss1/14>. Acesso em: 20 out. 2019).
498
Ainda que não se referindo especificamente aos critérios lógicos de admissão da prova, é isto que se pode
concluir quando Figueroa Navarro aponta que, no julgamento STS 308/2013, o Tribunal espanhol assentou
que “[h]á que valorar se essa irregularidade (não menção de algum dado que é obrigado a consignar;
ausência de documentação exata ou completa de algum dos passos...) é idônea para gerar dúvidas sobre a
autenticidade ou indenidade da fonte de prova” (FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de
las muestras biológicas In: FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso
penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 113, tradução nossa). O mesmo entendimento é sustentado por: GUTIÉRREZ
SANZ, María Rosa. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016, p. 38.
145

decorrente da suspeita que pairava contra alguém nos casos em que, incialmente, tiveram
efetivo acesso a potencial informação incriminadora perdida. Afora esse aspecto psíquico –
que não é relevante do ponto de vista jurídico ou epistêmico –, a falta de potencial de
influenciar no julgamento será a mesma de quando não se sabe a origem ou se, entre a origem
e o destino, perdeu-se o registo do caminho.
Não por outra razão, no tratamento dado à matéria pelo ordenamento jurídico
norte-americano, a “autenticação e a identificação representam um aspecto especial da
relevância”499, cuja exigência se sustenta na necessidade lógica que é inerente à admissão
da prova.500 Ou seja, a autenticação e a identificação da prova realizada pelo método da
manutenção da cadeia de custódia constitui uma das etapas do procedimento de admissão da
prova que Gomes Filho denomina de “teste de relevancy”501.
Nesse sentido, LaRocca Jr. explica que a “evidência somente se torna admissível
com a demonstração da sua conexão com o fato sobre o qual a sua relevância depende, por
isso a autenticação e a identificação têm sido referidas como ‘aspecto especial da
relevância’”502.
Assim, sustenta Giannelli, a regra da cadeia de custódia no ordenamento jurídico
norte-americano busca “assegurar que a evidência é relevante”503, de modo que “se a
relevância de um objeto depende do seu uso em um crime, a parte proponente deve
estabelecer, pela cadeia de custódia ou de outra forma, a conexão entre o objeto e o
crime”504.
A preocupação com a falta de nexo entre o fato discutido em juízo e a prova
apresentada também é utilizada como fundamento de exclusão da prova pelos tribunais

499
MILLER, David, W. LEACH, Thomas J.; UHRIG, Emily Garcia. Federal & California Evidence Rules.
Nova Iorque: Wolters Kluwer, 2018-2019. p. 640, tradução nossa.
500
Nesse sentido, “Wigmore descreve a necessidade de autenticação como ‘uma necessidade lógica inerente’”
(MILLER, David, W. LEACH, Thomas J.; UHRIG, Emily Garcia. Federal & California Evidence Rules. Nova
Iorque: Wolters Kluwer, 2018-2019. p. 641, tradução nossa).
501
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 131.
502
LAROCCA JR., Nicholas F. Authentication, Identification, and the Best Evidence Rule. Louisiana Law
Review, vol. 36, 1975. p. 186, tradução nossa. Disponível em
<https://digitalcommons.law.lsu.edu/lalrev/vol36/iss1/14>. Acesso em: 20 out. 2019.
503
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 452, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 25 nov. 2019.
504
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 452/453, tradução nossa. Disponível
em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 25 nov. 2019.
146

norte-americanos em caso de quebra da cadeia de custódia, já que, nessa hipótese, a


informação obtida não terá potencial relevância para o julgamento.
Em State of New York vs Jones, por exemplo, a imputação por porte ilegal de
arma de fogo em terceiro grau exigia prova de que a pistola funcionava e estava carregada.505
Para tanto, a acusação apresentou ao juiz um laudo realizado em uma arma apresentada no
laboratório pelo Detetive Gerdon atestando que ela estava operacional. Contudo, a arma
encontrada com Jones havia sido apreendida pelo policial Jack Ward, inexistindo qualquer
informação de como ela foi transferida aos cuidados do Detetive Gerdon.
Por conta disso, o Tribunal não admitiu a prova pericial de funcionamento da
arma por considerar irrelevante em razão da quebra na cadeia de custódia, já que “os
registros são totalmente desprovidos de qualquer informação de como o Detetive Gerdon
entrou no caso, muito menos se a arma que ele entregou no laboratório policial para ser
testada é a mesma que foi apreendida pelo policial Ward”506.
Como se vê, a decisão pela recusa da prova não teve qualquer relação direta com
a violação de direito material ou com vício procedimental da perícia em si, tampouco
importou a qualidade do método laboratorial utilizado ou a qualidade do resultado obtido. A
razão única de decidir pela inadmissibilidade foi a constatação de que a quebra na cadeia de
custódia tirou daquela prova pericial o seu potencial de influenciar na aferição da veracidade
dos fatos discutidos no processo, uma vez que não se pôde relacionar a fonte de obtenção da
informação com o fato ocorrido no mundo real.
Da mesma forma, o Supremo Tribunal Espanhol (STS) declarou a
impossibilidade de valorar uma prova pericial, “não porque o Tribunal duvidasse do
resultado da prova pericial em si”507, mas sim porque a quebra na cadeia de custódia não
permitia estabelecer a conexão do material examinado com o fato que se queria provar em
juízo.
Na hipótese, durante uma operação policial de vigilância realizada entre os dias
26 a 30 de novembro e 10 a 12 de dezembro de 2013, os agentes abordaram pessoas que
saiam de um estabelecimento comercial em que se suspeitava existir a venda de drogas, para

505
Estado de Nova Iorque contra Alfred Jones, Caso nº 1914/2003, julgado em 12 de fevereiro de 2004: “[p]ara
que o povo decida prima facie sobre um caso criminal de posse ilegal de arma, considerado de média
lesividade, é necessário estabelecer se a arma era operável e se estava carregada com munição” (tradução
nossa).
506
Estado de Nova Iorque contra Alfred Jones, Caso nº 1914/2003, julgado em 12 de fevereiro de 2004,
tradução nossa.
507
GUTIÉRREZ SANZ, María Rosa. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi,
2016, p. 26, tradução nossa.
147

revistá-los na busca por entorpecentes. Em concreto, a polícia “interceptou nas imediações


do estabelecimento dois compradores no dia 26 de novembro, um em 27 e quatro em 11 de
dezembro, a todos atribuiu-se ter consigo uma substância, que levou à emissão de um
registro governamental por posse de estupefacientes”508.
O problema se deu, contudo, porque as substâncias apreendidas ao longo de toda
a operação somente foram formalmente registradas como apreendidas e apresentadas na
delegacia ao término da operação como um todo, mais precisamente na madrugada do dia
13 de dezembro de 2013.
A inexistência de registro sobre a posse e guarda das substâncias encontradas
com as pessoas abordadas nos dias 26 e 27 de novembro e 11 de dezembro levou a Suprema
Corte a excluir a possibilidade de valorar o laudo pericial de constatação das substâncias
como droga, em razão da impossibilidade de identificar como sendo o material apreendido
aquele que, dias e até mesmo semanas depois, foi apresentado para realização do exame.
De acordo com o Tribunal, “houve uma infração relevante na cadeia de
custódia”, pois “não consta que as substâncias foram entregues na delegacia, não é crível
que os próprios funcionários guardassem em seu poder ditas substâncias supostamente
psicotrópicas durante vários dias, nem resulta admissível que tenham entregado no dia da
formalização da apreensão sem qualquer referência de onde estiveram até então”. Por tudo
isso, concluiu-se que “a ruptura se deu de forma relevante que deve excluir a valoração da
prova”509.
Evidenciando ainda mais que a razão da inadmissão dessas provas decorreu
única e exclusivamente da impossibilidade de relacionar o objeto da prova pericial com o
fato alegado em juízo, para que tenha potencial relevância na apreciação judicial, o Tribunal
admitiu os exames nas substâncias apreendidas no dia 12 de dezembro porque “essas drogas
foram obtidas em uma operação que teve lugar poucas horas antes da formalização da
apreensão, constando documentalmente que, nas primeiras horas da madrugada do dia 13,
os funcionários policiais atuantes entregaram a droga obtida na operação recém
concluída”510.
Ou seja, não houve violação alguma a direito fundamental ou à lei, material ou
processual. Apenas não se pôde admitir a prova porque não passou no filtro lógico de que
toda prova deve ser potencialmente relevante ou pertinente para a causa. A impossibilidade

508
STS nº 491/2016, Rel. Candido Conde-Pumpido Touron, 8 jun. 2016. Tradução nossa.
509
STS nº 491/2016, Rel. Candido Conde-Pumpido Touron, 8 jun. 2016. Tradução nossa.
510
STS nº 491/2016, Rel. Candido Conde-Pumpido Touron, 8 jun. 2016. Tradução nossa.
148

de precisar que a fonte de prova tem conexão com o fato a torna irrelevante para a decisão
sobre a sua ocorrência.
Da maneira como entendemos, portanto, a avaliação da cadeia de custódia deve
passar inicialmente pelo filtro lógico da relevância e pertinência para a admissibilidade da
prova, pois a sua violação, em muitos casos, poderá retirar o potencial do elemento ou fonte
de prova de influenciar na apreciação dos fatos alegados.
Com a constatação da influência da cadeia de custódia na admissão da prova,
torna-se importante averiguar se o filtro com os critérios lógicos de pertinência e relevância
deve ser aplicado a partir de um regime de inclusão ou exclusão, isto é, se a análise parte da
premissa de que toda prova deve ser admitida, salvo demonstração em contrário (inclusão),
ou se a regra é a inadmissibilidade até que seja demonstrada a sua pertinência ou relevância
(exclusão).

3.1.1.2. Regime de inclusão no sistema de admissão da prova.

A construção de um processo penal epistêmico direcionado à busca da verdade,


apesar de encontrar limitações políticas para exclusão das provas relevantes (item 3.2, infra),
deve trabalhar com o regime de inclusão das provas, quando avaliadas sob a perspectiva
lógica.
Como sustenta Badaró, no que se refere à análise lógica de entrada da prova no
processo, “os critérios de admissibilidade devem ser concebidos a partir de um regime de
inclusão: a regra é que os meios de prova requeridos pelas partes devem ser admitidos.
Somente haverá exclusão nos casos de manifesta irrelevância ou impertinência do meio
probatório requerido pelas partes”511.
Do ponto de vista jurídico-processual, a adoção de um sistema de inclusão das
provas se justifica por um “direito subjetivo à introdução do material probatório no
processo”512, que, conforme explica Gomes Filho, deriva da “garantia do exercício de todos
os poderes para influir positivamente sobre o convencimento do juiz”513.

511
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos
de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H. (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em
homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório do direito, 2015. p. 314.
512
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 84.
513
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 84.
149

Por sua vez, conforme reconhece Taruffo, também há uma justificativa


epistêmica “para a função inclusiva do princípio da relevância”514, uma vez que “a exclusão
de informações úteis viciaria ab origine todo e qualquer procedimento epistêmico; o único
modo para maximizar a confiabilidade dos resultados de tal procedimento consiste no
emprego adequado de todos os elementos de conhecimento disponíveis”515.
Assim, tanto do ponto de vista jurídico, como epistêmico, a ponderação prévia e
em perspectiva sobre o potencial de a prova ser pertinente ou relevante para o futuro juízo
de valoração sobre a veracidade dos fatos alegados deverá pender em favor da admissão da
prova no processo, pois a exclusão de prova potencialmente relevante ou pertinente viola o
direito à prova das partes516 e afasta ainda mais da verdade a reconstrução histórica dos fatos
no processo.
Por isso, Ferrer Beltrán aponta a adoção de um sistema de inclusão das provas
como um dos pontos cruciais no estudo da admissibilidade, pois impõe que “o juízo de
relevância sobre as provas propostas que deve realizar o órgão julgador não seja utilizado
como mecanismo indevidamente restritivo que impeça o exercício do direito (à prova)”517.
Apesar desse necessário cuidado, impossível negar a dificuldade infligida pela
realidade de que tal juízo depende “da prudência do juiz a eventualidade de que, por essas
razões, não sejam excluídas provas potencialmente decisivas para a descoberta da
verdade”518.
Justamente por isso, compartilhando desta preocupação, Chaia alerta para a
importância de “que toda decisão pela qual se indefira um meio de prova requerido seja

514
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 167.
515
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 167.
516
Nesse sentido, Chaia sustenta que “a decisão sobre a procedência ou improcedência de um meio de prova
resulta fundamental para determinar o curso do processo, razão pela qual a rejeição deve ser excepcional e
fundamentada, pois se se excluir uma prova decisiva, sem dúvida se estará violando o direito de defesa em
juízo e colocando em cheque o princípio do contraditório” (CHAIA, Rubén A. La prueba en el proceso
penal: proceso acusatorio, juicio oral, carga probatoria, prueba ilegal, medios de prueba, construcción de la
verdad, valoración-arbitrariedad, motivación de la sentencia, jurisprudencia vinculada. Buenos Aires:
Hammurabi, 2010. p. 72, tradução nossa).
517
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 55, nota
de rodapé 40, tradução nossa.
518
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 169, tradução nossa.
150

fundamentada, que expresse claramente os motivos da rejeição, de maneira tal que seja
possível verificar se houve arbitrariedade na negativa”519.
Para além da exigência de fundamentação, há também que se buscar maximizar
o resultado da conflitante relação existente entre, de um lado, a garantia do direito à prova e
a entrada de conhecimentos úteis para a apuração verídica dos fatos e, de outro, a exigência
da superação da presunção de inocência do acusado para a condenação.
O caminho para tanto é diferenciar o standard necessário para a admissão da
prova, na análise da sua pertinência e relevância, daquele exigido para a condenação.
Portanto, no que se refere ao critério lógico de admissibilidade, a prova deve ser
admitida quando “atende a um requisito muito menos exigente, de mera preponderância de
evidência (normalmente traduzido como uma exigência de probabilidade de 50%)”520.
Nesse sentido se organiza o sistema norte-americano, conforme se depreende da
regra 401 (a) da Federal Rules of Evidence que estabelece como relevante a evidência que
“tem qualquer tendência de tornar o fato mais ou menos provável do que seria sem ela”521.
Destaca-se que a adoção do standard de “probabilidade na linguagem da regra
tem a virtude adicional de evitar confusão entre questões de admissibilidade e questões de
sufficiency sobre a evidência”522.
Portanto, a adoção de diferentes standards para a admissão da prova e para a
condenação523 conduz à necessária conclusão de que uma mesma prova pode transpor a

519
CHAIA, Rubén A. La prueba en el proceso penal: proceso acusatorio, juicio oral, carga probatoria, prueba
ilegal, medios de prueba, construcción de la verdad, valoración-arbitrariedad, motivación de la sentencia,
jurisprudencia vinculada. Buenos Aires: Hammurabi, 2010. p. 75, tradução nossa.
520
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 535.
521
“Regra 401. Teste de relevância da evidência: a evidência é relevante se: (a) tende a tornar um fato mais
ou menos provável do que seria sem a evidência.” (tradução nossa).
522
MILLER, David, W. LEACH, Thomas J.; UHRIG, Emily Garcia. Federal & California Evidence Rules.
Nova Iorque: Wolters Kluwer, 2018-2019. p. 300, tradução nossa. Entende-se por sufficiency, conforme Baker,
o standard estabelecido pela Suprema Corte norte-americana para a condenação: “Jackson estabeleceu o
padrão de que uma condenação deve se basear em evidências suficientes, que a Corte definiu como a evidência
necessária para persuadir o júri dos fatos sem que restem dúvidas da existência dos elementos essenciais do
crime. Id. at 316. O Tribunal de Jackson declarou que se restasse qualquer dúvida, a condenação não poderia
ser mantida” (BAKER, Robert L. Tibbs v. Florida: a dubious distinction between weight and sufficiency of
evidence in the double jeopardy context. DePaul Law Review. Vol. 32, Issue 3, Spring, 1983. p. 663, nota de
rodapé 4, tradução nossa. Disponível em:
<https://via.library.depaul.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2282&context=law-review>. Acesso em: 13 dez.
2019.
523
De acordo com Badaró, “o standard de prova no processo penal, para que haja uma condenação deve ser:
a) há elementos que confirmam, com elevadíssima probabilidade, todas as proposições fáticas que integram
a imputação formulada pela acusação; e, b) não há elementos de prova que tornem viável ter ocorrido fato
concreto diverso de qualquer proposição fática que integre a imputação” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 259)
151

barreira da admissibilidade, por ser considerada pertinente ou relevante, mas ser insuficiente
para, isoladamente, fundamentar a condenação do acusado.
Também no ordenamento jurídico italiano, o artigo 190 do CPP adota o sistema
de inclusão da prova ao prever que somete as provas “manifestamente” irrelevantes terão
sua produção inadmitidas pelo juiz.524 Assim, segundo Tonini, “compete às partes somente
demonstrar a provável relevância e, na dúvida, o requerimento das partes deve ser deferido.
Dessa forma, o quantum de prova imposto à parte requerente é baixo”525.
Portanto, como conclui Badaró, sob o ponto de vista dos critérios lógicos de
admissão da prova, “somente quando o meio de prova requerido for manifestamente
impertinente ou irrelevante, a prova deve ser indeferida”526.
Dessa forma, não obstante a quebra da cadeia de custódia do elemento ou fonte
de prova possa resultar na sua inadmissão por conta da irrelevância e impertinência, a
avaliação deverá ser feita sob a perspectiva de um regime de inclusão da prova, de modo que
deverão ser aceitas aquelas que tenham maior probabilidade de serem o que a parte diz que
são.

3.2. Os critérios de proibição ou exclusão da prova

Para além dos critérios lógicos de admissibilidade destinados a evitar provas


irrelevantes ou impertinentes no julgamento dos fatos alegados, numerosos ordenamentos
jurídicos preveem “regras de exclusão de provas que, na falta de tais regras, seriam
admitidas por serem relevantes”527.
De acordo com Taruffo, algumas regras de exclusão possuem função epistêmica
por terem “o fim de prevenir ou evitar erros ou incompreensões na determinação do valor

524
Nesse sentido, Badaró: “[o] Codice di procedura penale italiano – assim como o projeto de Código de
Processo Penal brasileiro – se vale do advérbio manifestamente, para qualificar a condição da irrelevância
do meio de prova. Consequência disso é que os motivos lógicos de exclusão das provas somente justificarão o
indeferimento em casos extremos, de evidente ausência de conexão entre o fato a ser demonstrado pelo meio
de prova requerido e o thema probandum” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito à prova e os
limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. In: KHALED JR., Salah H.
(coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. São Paulo: Empório
do direito, 2015. p. 312).
525
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 84.
526
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 166.
527
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 171.
152

de determinadas provas”528. Nessas hipóteses, em decorrência de uma prévia compreensão


da menor qualidade daquela prova, o legislador proíbe a sua produção ou valoração para que
não causem erros na reconstrução histórica dos fatos.529 É o caso, por exemplo, da hearsay
rule, no direito norte-americano, que proíbe o testemunho de quem apenas ouviu falar.530 No
nosso ordenamento, podemos destacar a proibição de qualquer outra prova, que não a
certidão de óbito, para o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu (art. 62 do CPP).
Por sua vez, ainda segundo Taruffo, uma “segunda categoria inclui normas de
exclusão que não tem finalidade epistêmica, visto que não visam a favorecer a descoberta
da verdade; são destinadas a que se alcancem fins de outra natureza (mais ou menos
relevantes, de acordo com o caso), mas nada tem a ver com a correta apuração dos fatos”531.
De fato, como já antecipado, estabelecer a busca da verdade como princípio
orientador do processo não significa dizer que não existam outros valores a serem também
protegidos.532 Por isso, alertam Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes, “se a
finalidade do processo não é a de aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve
ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável”533.

528
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 171. Apesar de apresentar essa classificação e reconhecer que “a
prevenção de erros de valoração é um aspecto importante de qualquer procedimento orientado à descoberta
da verdade” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor
de Paula RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 171), Taruffo defende que “o problema da correção de tal
decisão [...] poderia, talvez, ser formulado de maneira mais eficaz e menos paradoxal se fosse posto fazendo-
se referência a outros aspectos da disciplina das provas, ou seja, sob o prisma das modalidades de produção
e de controle da confiabilidade das provas, bem como sob o da qualidade do sujeito ou órgão que atua com
trier of fact” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor
de Paula RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 177). Assim, conclui, “[a] preocupação epistêmica de
assegurar uma correta valoração das provas não pode, por conseguinte, exprimir-se em normas que eliminam
a produção de provas relevantes, e muito menos pode exaurir-se na aplicação de normas contraepistêmicas.
Ao contrário, essa deve ser mantida, para ser satisfeita, em todos os outros momentos do procedimento
probatório” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor
de Paula RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 178).
529
Importante destacar, conforme Badaró, que “a aceitação de tais regras, ditas epistemológicas, é objeto de
controvérsia. Isso porque, para muitos autores, tais limites legais são antiepistêmicos, ao impedir o ingresso
e valoração de elementos relevantes para o convencimento judicial” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 178).
530
Destaca-se, conforme Badaró, que “a regra de exclusão de hearsey admite um grande número de exceções,
nas quais se considera que o testemunho indireto é confiável o bastante para ser admitido. As Federal Rules
of Evidence apresentam um complexo regramento, com quase três dezenas de exceções à regra geral”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 180/181).
531
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 171.
532
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007.p. 31.
533
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 122.
153

Da mesma forma, Badaró afirma que “a busca da verdade não é ilimitada e não
representa um fim que possa ser atingido a qualquer custo. No processo e, principalmente,
na atividade probatória, os fins são tão importantes quanto os meios”534.
Exatamente sob essa perspectiva, Beling, precursor do estudo das proibições
probatórias no direito europeu continental, desenvolveu sua doutrina sobre o tema para,
como reconhece, “manifestar que existem limitações à averiguação da verdade dentro da
investigação no processo penal”535.
Reconhecendo também a vocação das proibições probatórias de estabelecer
limites ao poder de punir do estado, Guerrero afirma que, justamente por isso, esse “é, talvez,
o campo em que se manifesta com maior afinco a tensão entre os direitos fundamentais do
imputado e a efetividade da administração da justiça penal”536.
Também dentro dos sistemas da common law,537 notadamente no direito norte-
americano, Costa Andrade aponta a “experiência das exclusionary rules, um conjunto de
princípios, normas e práticas jurisprudenciais susceptível de ser referenciado como ‘o
sistema’ americano das proibições de prova”538.
Entretanto, ainda que do ponto de vista epistêmico seja possível separar as regras
de exclusão nesses dois grandes grupos de limites epistêmicos ou políticos, ao se aprofundar
no estudo comparado do que chamou de “classes de prova ilícita” existentes em variados
sistemas jurídicos, Armenta Deu concluiu que a diversidade de perspectivas e diferentes
conotações sociopolíticas que envolvem a matéria levaram a “um conceito de prova ilícita
que não é unívoco, servindo para incorporar problemas jurídicos em ocasiões notavelmente
diversas”539.

534
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 411.
535
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 59,
tradução nossa.
536
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 153,
tradução nossa.
537
De acordo com Gomes Filho, o regramento de exclusão/proibição de prova “é mais evidente no sistema da
common law, dada sua longa elaboração, mas que igualmente existe nos ordenamentos de tradição
continental” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 95).
538
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 133.
539
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 31,
tradução nossa.
154

No mesmo sentido, Taruffo afirma que, como as disciplinas jurídicas de exclusão


da prova são “frequentemente muito complexas e articuladas em numerosas previsões
normativas. Não é possível desenvolver aqui uma análise adequada desses sistemas
normativos, mesmo porque esses são muitos diferentes um do outro”540.
A dificuldade de se atingir a definição de um conceito comum aos diferentes
sistemas jurídicos, na visão de Costa Andrade, decorre das “descontinuidades, assimetrias,
incongruências e lacunas do pertinente ordenamento normativo”541 e do “desencontro das
construções doutrinais”542.543
Da mesma forma, Gössel reconhece que os estudos referentes ao que denomina
de “proibições de prova” foram concebidos de maneira muito divergente nos ordenamentos
penais, sendo que “não existe propriamente uma dogmática que seja predominante e
geralmente reconhecida sobre a proibição da prova”544.545
No que se refere ao estudo da cadeia de custódia, sem a pretensão de alcançar
uma sistemática comum aos diversos ordenamentos que trabalham com algum modelo de
regras de exclusão, importa traçar as principais características referentes a essa matéria no
sistema do common law norte-americano e nos sistemas derivados do modelo europeu-
continental.
Isso porque, ainda que do ponto de vista exclusivamente epistêmico, a distinção
seja desnecessária, pois, para cumprir com esta finalidade, exige-se tão-somente a

540
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 170.
541
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 114.
542
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 114.
543
O principal fator assinalado pelo referido autor, para na sequência concluir pela impossibilidade de se ter
um único tratamento legal e doutrinário sobre a matéria, é a inevitável necessidade de considerar os aspectos
do caso concreto para decidir sobre a (in)admissibilidade da prova. Nas palavras de Costa Andrade, “[a]
necessária e permanente referência ao caso concreto impõe naturalmente balizas à reflexão sobre as
proibições da prova e os princípios fundamentais do seu regime. Não pode, nomeadamente, aspirar-se à
definição de uma qualquer malha de enunciados normativos, capazes de enquadrar, como premissas de um
rígido programa condicional, as pertinentes expressões da vida. Terá, pelo contrário, de optar-se por um
discurso marcado pela plasticidade e abertura à surpresa do caso concreto” (ANDRADE, Manuel da
Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 116).
544
GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-constitucionales y
político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693, 1991. p. 673, tradução nossa.
545
Com concepção diversa de Costa Andrade, Gössel atribui, o que chamou de obscuridade acerca do tema,
ao fato de ser uma matéria escassamente investigada: “[q]uem quiser estudar, ou ao menos, se informar sobre
a ‘proibição da prova’ se encontra diante de um dilema: terá escolhido um objeto de exame que permanece
obscuro, e que pertence a uma matéria escassamente investigada” (GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la
verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-constitucionales y político-criminales. Cuadernos de política
criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991. p. 673, tradução nossa).
155

identificação das regras que auxiliam, sem restringir, na busca da verdade,


independentemente do sistema normativo, quando se analisa o mesmo problema pelo viés
das consequências da quebra na cadeia de custódia, traçar os principais pontos de
afastamento e aproximação dos dois principais sistemas de exclusão de prova torna-se
relevante por ser o fundamento utilizado por parte da doutrina para sustentar a impropriedade
de se defender, no direito brasileiro, a proibição de valoração da prova produzida com
violação da cadeia de custódia.
Exatamente neste sentido é a crítica de Dallagnol e Câmara, para quem “[n]os
Estados Unidos, a falta de alguma indicação de autenticação da prova impede que a prova
seja admitida, mas isso decorre de uma peculiaridade de seu sistema jurídico, o que torna
impossível a ‘importação’ acrítica desta tese de inadmissibilidade para o Brasil”546.
Inicialmente, é possível compreender a origem de tal posição, pois, como adverte
Costa Andrade ao comparar os sistemas americanos e germânico,547 com apoio em
Herrmann, “as exclusionary rules e as Beweisverbote [nome dado pela doutrina alemã às
proibições de prova] constituem institutos dogmáticos distintos”548.
No entanto, como se passa a demonstrar, ainda que reconhecidamente partindo
de premissas diferentes, de uma maneira geral, “um elemento comum ou constante na
maioria dos ordenamentos jurídicos, é a exclusão processual da prova obtida com violações
de garantias constitucionais, incluindo as garantias processuais dos acusados”549.
Assim, deve-se, primeiro, analisar se realmente, como sugere parte da doutrina,
há distorções entre o ordenamento jurídico nacional e as regras de exclusão impostas em
outros países, como sanção à violação da cadeia de custódia, que impedem a aproximação
dos diferentes sistemas.

546
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 534.
547
A escolha dos dois sistemas para comparação foi feita por Costa Andrade em razão da primazia do estudo
do tema nesses países. Nesse sentido, explica o autor: o estudo das proibições de prova “aconselha a sua
projeção sobre o panorama do direito comparado. Um exercício que nós podemos ensaiar privilegiando uma
referência abreviada às experiências americana e alemã. Já por representarem os dois paradigmas
tipologicamente mais consistentes e estabilizados de compreensão das proibições de prova” (ANDRADE,
Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 133).
548
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 140.
549
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 172.
156

3.2.1. Exclusionary rules

O sistema norte americano de exclusão da prova deve ser analisado sob duas
perspectivas diversas, distinguindo-se entre as exclusionary rules of intrinsic policy e as
exclusionary rules of extrinsic policy.
A doutrina classifica como exclusionary rules of intrinsic policy as regras de
exclusão que detêm fundamento epistêmico, isto é, voltadas para a exclusão de “provas que
poderiam levar o julgador a uma reconstituição inexata dos fatos”550. Dentro dessas regras
de exclusão estão, por exemplo, as regras de competence, que proíbem o testemunho de
pessoas cuja confiabilidade é duvidosa, como crianças e doentes mentais,551 bem como a
vedação ao testemunho de ouviu dizer (hearsey rule).
Também compõem as exclusionary rules of intrinsic policy as regras atinentes
às provas científicas, técnicas ou que demandem um conhecimento especializado, exigindo-
se que as provas estejam fundadas em princípios e métodos cientificamente confiáveis.552
Como será detalhado adiante (item 3.2.4.1, infra), a jurisprudência norte-americana atribui
ao juiz papel ativo no controle da admissibilidade da prova científica, para que leve em
consideração, no caso concreto, “a confiabilidade da teoria científica ou da técnica, que
deve ser passível de testes, a revisão da teoria pela comunidade científica, a existência de
publicações da teoria, a existência de um percentual de erros conhecidos ou potenciais e a
aceitação geral da comunidade científica”553.
Por sua vez, são classificadas pela doutrina como exclusionary rules of extrinsic
policy554 as “regras que afastam elementos dotados de valor probatório, para salvaguardar
outros valores não conexos com a busca da verdade”555.

550
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 95.
551
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 96.
552
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 155 e 178/196.
553
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 192.
554
Conforme Gomes Filho, as exclusionary rules of extrinsic policy são as que “preveem a exclusão de provas
cuja prática possa representar um atentado à integridade física ou psíquica, à dignidade, à liberdade ou à
privacidade das pessoas, à estabilidade das relações sociais, à segurança do próprio Estado, etc.” (GOMES
FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
p. 99).
555
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 155.
157

Conforme explica Costa Andrade, na tradição da common law norte-americana,


as regras de exclusão com finalidade extrínseca se sedimentaram “como garantias contra a
intervenção abusiva das instâncias de perseguição criminal”556, atingindo apenas de
maneira derivada o direito material substantivo do investigado.557
No mesmo sentido, Turner e Weigend explicam que o sistema de exclusão de
provas relevantes norte-americano “baseia-se na lógica de que a parte que obteve a
evidência ilegalmente não deve se beneficiar dos frutos da violação”558.
Por serem as investigações criminais normalmente conduzidas por órgãos
oficiais, a jurisprudência norte-americana foi sendo desenvolvida na análise de pedidos do
acusado para a exclusão de provas produzidas pela polícia.559 Nesse cenário, fixou-se como
principal fundamento para a exclusão de provas relevantes nos Estados Unidos o “deterrence
effect”, isto é, o efeito dissuasivo que a exclusão da prova causa nos agentes públicos, para
que cumpram a lei em suas próximas atuações.560
Notório exemplo é a regra de exclusão fixada no julgamento Miranda v. Arizona,
quando, por violação à V emenda da Constituição, a Suprema Corte norte-americana
entendeu inadmissível o conteúdo da declaração do investigado que, após duas horas de

556
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 136.
557
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 136.
558
TURNER, Jenia Iontcheva; WEIGEND, Thomas. The Purposes and Functions of Exclusionary Rules: A
Comparative Overview. p. 256, tradução nossa. Disponível em
<https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2_8.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
559
Nesse sentido, Turner e Weigend: “[n]a grande maioria dos sistemas processuais, a maior parte do
trabalho de investigação é realizada por policiais, e normalmente são eles que quebram as regras relativas à
aquisição de provas. O aspecto da integridade do processo criminal é, portanto, mais vulnerável no nível
policial” (TURNER, Jenia Iontcheva; WEIGEND, Thomas. The Purposes and Functions of Exclusionary
Rules: A Comparative Overview. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do exclusionary rules ensure
a fair trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer Open, 2019. p. 259, tradução
nossa. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso
em: 13 dez. 2019).
560
Nesse sentido, Madden: “[d]e acordo com a lógica dissuasiva, as evidências obtidas em violação dos
direitos fundamentais de um indivíduo devem ser excluídas dos julgamentos criminais, a fim de impedir que
os funcionários do Estado violem de maneira semelhante os direitos de outros no futuro” (MADDEN, Mike.
A model rule for excluding improperly or unconstitutionally obtained evidence. Berkeley Journal of
International Law. vol. 33, Issue 2, 2015. p. 447, tradução nossa. .Disponível em:
<https://scholarship.law.berkeley.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1509&context=bjil>. Acesso em: 16 dez.
2019). Em idêntico sentido, Turner e Weigend: “[a]o excluir a evidência que o policial havia adquirido em
violação à lei e, assim, reduzindo drasticamente as chances de condenação, os tribunais esperam convencer
os policiais a cumprir a lei no futuro” (TURNER, Jenia Iontcheva; WEIGEND, Thomas. The Purposes and
Functions of Exclusionary Rules: A Comparative Overview. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.).
Do exclusionary rules ensure a fair trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer
Open, 2019. p. 259, tradução nossa. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-
3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019).
158

interrogatório sem ter sido informado dos seus direitos de constituir advogado e permanecer
em silêncio, confessou a prática do crime.561
Apesar da maior repercussão do caso Miranda, o precedente da Suprema Corte
norte-americana que primeiro tratou das regras de exclusão foi Weeks v. Estados Unidos
(1914). Na oportunidade, decidiu-se pela não admissão de documentos apreendidos pela
polícia na residência do acusado, sem ordem judicial, por violação à IV emenda da
Constituição.562
Pode-se acrescentar aos exemplos das exclusionary rules of extrinsic policy os
denominados privileges, que disciplinam, entre outras coisas, a manutenção dos sigilos
profissionais (client-attorney privilege, journalist´s source privilege) e o depoimento de
pessoas que possuam relações conjugais (marital privilege).563
Contudo, cabe ressaltar que, não obstante o sistema norte-americano de exclusão
de prova com finalidade extrínseca tenha se sedimentado como instrumento de sanção
processual contra as violações procedimentais praticadas pelo chamado police
misconduct,564 “originalmente a exclusão da prova foi adotada porque entendeu-se
necessária para efetivar as garantias previstas nas quarta, quinta e sexta emendas”565.

561
Nesse sentido, Turner: “[e]m sua famosa decisão em Miranda v. Arizona, a Suprema Corte dos EUA
estendeu ainda mais o alcance do privilégio e sustentou que o ambiente coercitivo de interrogatórios em
prisões preventivas contituem um tipo de constrangimento que tem o potencial de interferir na vontade do
acusado. Para eliminar esse efeito coercitivo, antes do interrogatório, os policiais devem alertar os suspeitos
detidos de seu direito de ficar em silêncio, do risco de que qualquer declaração poderá ser usada como prova
contra eles, do direito de consultar um advogado, e do direito de ter um advogado nomeado caso não possam
pagar por um. Após receber os avisos, os suspeitos podem optar por renunciar ao direito de permanecer
calado e de ter um advogado presente durante o interrogatório. A renúncia deve, no entanto, ser consciente,
clara e espontânea” (TURNER, Jenia Iontcheva. Regulating interrogations and excluding confessions in the
United States: Balancing individual rights and the search for truth. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas
(eds.). Do exclusionary rules ensure a fair trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore:
Springer Open, 2019. p. 103, tradução nossa. Disponível em:
<https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019).
562
LIZCANO BEJARANO, Jesús Eduardo. La cláusula de exclusión. Bogotá: Nueva Jurídica, 2013. p. 13.
563
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 100.
564
Nesse sentido, Turner: “[n]a maioria das vezes, no entanto, o Tribunal justificou a exclusão com o
argumento de que ajuda a desencorajar a má conduta dos policiais” (TURNER, Jenia Iontcheva. Regulating
interrogations and excluding confessions in the United States: Balancing individual rights and the search for
truth. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do exclusionary rules ensure a fair trial? A comparative
perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer Open, 2019. p. 103, tradução nossa. Disponível em:
<https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019).
565
TURNER, Jenia Iontcheva. Regulating interrogations and excluding confessions in the United States:
Balancing individual rights and the search for truth. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do
exclusionary rules ensure a fair trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer
Open, 2019. p. 103, tradução nossa. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-
3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
159

Demonstrando a inicial preocupação material-substantiva da exclusão da prova


no caso Weeks, a Suprema Corte fundamentou a sua decisão argumentando que “condutas
destrutivas de direitos assegurados na Constituição Federal devem encontrar sanção nos
julgamentos desta Corte, que está encarregada de a todo tempo proteger a Constituição”566.
O inicial aspecto material da proteção de garantias individuais incutido nas
exclusionary rules of extrinsic policy norte-americanas, aliás, deu causa ao desenvolvimento
da doutrina do “standing requirement”, segundo a qual o acusado não poderia pedir a
exclusão da prova em decorrência de violação de direito de terceiros.567
Apesar disso, com o decorrer do tempo, a jurisprudência norte-americana
sedimentou-se sobre o fundamento do “deterrence effect”, entendendo que a exclusão da
prova “é calculada para evitar, não reparar. O seu propósito é dissuadir – para compelir
respeito às garantias constitucionais é o único meio efetivo”568.
O foco no efeito dissuasivo da exclusão da prova também serviu para
fundamentar a inaplicabilidade da doutrina do “standing requirement”. Isso porque,
conforme reconheceu a Suprema Corte da Califórnia, a admissão da prova ilegal para ser
usada contra aquele que não foi vítima direta do desrespeito ao direito fundamental protegido
seria “um virtual convite à polícia para violar direito de terceiros e trocar a impossibilidade
de acusar os que tiveram o direito violado pela condenação de outros com a utilização da
prova obtida ilegalmente”569.
Conclui-se dessa evolução jurisprudencial que, com fundamento primário no
deterrent effect, “a regra de exclusão objetiva impor limites a qualquer policial na busca
por elementos incriminatórios, preservando determinados direitos constitucionais
contemplados em diferentes emendas da Constituição dos Estados Unidos”570.

566
MADDEN, Mike. A model rule for excluding improperly or unconstitutionally obtained evidence. Berkeley
Journal of International Law. vol. 33, Issue 2, 2015. p. 451, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarship.law.berkeley.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1509&context=bjil>. Acesso em: 16 dez.
2019.
567
Nesse sentido, explicam Kamisar et. al: “[o]s tribunais inferiores haviam desenvolvido a doutrina de que
um réu não tinha ‘legitimidade’ para contestar as provas apreendidas em violação dos direitos constitucionais
de terceiros” (KAMISAR, Yale et al. Modern criminal procedure: cases, comments and questions. 11 ed.
USA: Thonson West, 2005. p. 891, tradução nossa).
568
Cf. Elkins v. United States, 364 US 206, 217 (1960): KINPORTS, Kit. Culpability, deterrence, and the
exclusionary rule. William & Mary Bill of Rights Journal. vol. 21, n. 821, 2013. p. 822, tradução nossa.
Disponível em: <https://elibrary.law.psu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1169&context=fac_works>. Acesso
em: 16 dez.
569
KAMISAR, Yale et al. Modern criminal procedure: cases, comments and questions. 11 ed. USA: Thonson
West, 2005. p. 891, tradução nossa.
570
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 30,
tradução nossa.
160

Mais recentemente, contudo, tanto as exclusionary rules of extrinsic policy,


como as de intrinsic policy passaram a ser mitigadas pela crescente adoção de mecanismo
de ponderação e regras de exceção.
No que se refere às exclusionary rules of intrinsic policy, por exemplo,
“atualmente, a regra de exclusão de hearsay admite um grande número de exceções, nas
quais se considera que o testemunho indireto é confiável o bastante para ser admitido”571.
De fato, verifica-se nas regras 803 e 804 das Federal Rules of Evidence quase três dezenas
de exceções à hearsay rule.
O mesmo movimento é notado no que se refere às exclusionary rules of extrinsic
policy, sendo notável a adoção jurisprudencial de mecanismos de ponderação para admitir
provas, mesmo diante de violações, normalmente fundado no argumento de que a exclusão
da prova, no caso concreto, não causará um efeito dissuasivo nas práticas futuras da polícia
ou, ainda, no alto custo social que causaria a inadmissibilidade da prova.572
No que se refere à necessidade de verificar um verdadeiro efeito dissuasivo na
atividade policial futura, a jurisprudência norte-americana desenvolveu a denominada good
faith exception to the exclusionary rule,573 segundo a qual a prova obtida com violação
procedimental deverá ser admitida caso, no momento da ação, o agente público tivesse
relevantes razões para, de boa-fé, acreditar que estava atuando de acordo com a lei.574

571
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 180/181.
572
Nesse sentido, Turner: “[m]ais recentemente, o Tribunal superou o entendimento sobre o efeito dissuasivo,
de que a regra de exclusão deveria ser usada apenas quando dissuadisse efetivamente os agentes da lei de
violarem a lei no futuro. Se o potencial de dissuasão da regra for muito insignificante ou forem superados
amplamente pelos custos da regra de exclusão, então a exclusão não deverá ser imposta” (TURNER, Jenia
Iontcheva. Regulating interrogations and excluding confessions in the United States: Balancing individual
rights and the search for truth. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do exclusionary rules ensure a
fair trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer Open, 2019. p. 104, tradução
nossa. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso
em: 13 dez. 2019).
573
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 145.
574
Nesse sentido, Turner e Weigend: “[a] posição majoritária é de que se um oficial agiu de ‘boa fé’, não há
espaço para discussão. Por exemplo, se o oficial confiou em um estatuto ou decisão judicial posteriormente
considerada inconstitucional ou se equivocou inocentemente sobre fatos relevantes, ele não pode ser
responsabilizado por ter violado a lei e não há nenhuma conduta da qual ele precise ser dissuadido. A
necessidade de ‘punir’ um policial por má conduta é, portanto, ausente ou pelo menos fortemente reduzida se
ele agiu sem culpa ou foi apenas ligeiramente negligente durante a investigação do crime. Se, por outro lado,
o policial violou a lei de forma deliberada ou imprudente, esse é o tipo de má conduta que merece ser excluído
das evidências, porque o policial deve aprender a respeitar a norma legal no futuro” (TURNER, Jenia
Iontcheva; WEIGEND, Thomas. The Purposes and Functions of Exclusionary Rules: A Comparative
Overview. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do exclusionary rules ensure a fair trial? A
comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer Open, 2019. p. 267, tradução nossa.
Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13
dez. 2019).
161

A good faith exception foi inicialmente adotada no caso United States v. Leon,
quando a Suprema Corte Americana considerou que a sanção de exclusão da prova não terá
qualquer consequência dissuasória nos atos policiais futuros quando penalizar a atividade de
um agente que tinha fundadas razões para acreditar que agia de maneira legal, pois não se
pode evitar a prática de um ato ilegal nos casos em que o ator não tem como saber da violação
que está praticando.
Com base na exceção da good faith, a jurisprudência norte-americana tem feito
frequentes ponderações para manter a admissibilidade da prova. No precedente Herring v.
United States, por exemplo, o policial de um condado recebeu a informação de um policial
de outro condado no sentido de que havia um mandado de busca e apreensão contra Herring.
Em razão disso, realizou-se a busca e foram apreendidas armas e drogas com o investigado.
Pouco depois, verificou-se que o outro condado havia se enganado e que nunca houvera
autorização para a realização da busca e apreensão. Entretanto, a prova foi admitida por se
entender que o erro cometido foi resultado de uma negligência isolada, sendo que somente
devem ser excluídas as provas “para dissuadir condutas deliberadamente imprudentes ou
muito negligentes, ou em algumas circunstâncias em que a negligência é recorrente ou
sistêmica”575.
A ponderação também é feita pela jurisprudência norte-americana para admitir
provas em decorrência do menor custo social causado pela violação na sua obtenção quando
comparado com o crime praticado, fazendo, nas palavras de Turner e Weigend, uma análise
do custo-benefício da prova para decidir sobre a sua exclusão.576
A consideração sobre o desproporcional custo da exclusão da prova foi adotada
como mecanismo de ponderação para manutenção da prova no processo, por exemplo, no
julgamento Hudson v. Michigan. No caso, a defesa questionava a admissibilidade das provas
colhidas em busca e apreensão realizada sem que o policial tivesse batido na porta e
anunciado a medida antes de entrar no local (knock and announce before entry), o que

575
BRADLEY, Craig M. Is the exclusionary rule dead?. Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102,
Issue 1, Winter, 2012. p. 5, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2018.
576
TURNER, Jenia Iontcheva; WEIGEND, Thomas. The Purposes and Functions of Exclusionary Rules: A
Comparative Overview. In: GLESS, Sabine; RICHTER, Thomas (eds.). Do exclusionary rules ensure a fair
trial? A comparative perspective on evidentiary rules. Baltimore: Springer Open, 2019. p. 260. Disponível em:
<https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-12520-2.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
162

constitui violação à quarta emenda.577 Nesta circunstância, contudo, a Corte decidiu que as
regras de exclusão somente são aplicáveis nos casos “em que os seus benefícios dissuasores
superam substancialmente os seus custos sociais”578.
Os diversos precedentes que ampliavam a abrangência dos mecanismos de
ponderação das exclusionary rules of extrinsic policy levaram a Suprema Corte norte-
americana a estabelecer novos critérios – mais restritivos – para a exclusão da prova em
decorrência de violações na sua obtenção ou produção. Ao jugar o caso Davis v. United
States579 definiu-se:

A percepção básica da linha de casos que seguiram Leon é que os benefícios da


exclusão da prisão ‘variam com a culpabilidade da ação policial’ em questão.
Quando a polícia demonstra desconsideração ‘deliberada’, ‘imprudente” ou
‘grosseiramente negligente’ dos direitos da Quarta Emenda, o efeito dissuasório é
forte e tende a superar ou custos resultantes. Mas quando a polícia age
objetivamente com uma ‘crença de boa-fé razoável’ de que sua conduta é legal,
ou quando envolve apenas negligência simples e ‘isolada’, o ‘efeito dissuasório
perde muito de sua força’ e a exclusão não ‘paga o seu caminho’.580

577
BRADLEY, Craig M. Is the exclusionary rule dead?. Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102,
Issue 1, Winter, 2012. p. 3. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2018.
578
BRADLEY, Craig M. Is the exclusionary rule dead?. Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102,
Issue 1, Winter, 2012. p. 4, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2018.
579
A hipótese colocada em julgamento nesse caso era a seguinte: “[e]m Davis, a polícia de Greenville,
Alabama, conduziu uma parada rotineira de trânsito que acabou resultando na prisão do motorista por dirigir
embriagado e Davis, o passageiro, por dar um nome falso à polícia. Depois que os presos foram algemados e
colocados na traseira dos carros da patrulha, a polícia revistou o compartimento do passageiro do veículo e
encontrou um revólver dentro do bolso da jaqueta de Davis. Davis foi preso e condenado por posse ilegal de
uma arma de fogo. É indiscutível que a busca sem suspeita do incidente de carro até a prisão se manteve com
o precedente do Décimo Primeiro Circuito, que foi por sua vez baseado na decisão da Suprema Corte em Nova
York v. Belton. No entanto, após a prisão de Davis, Belton foi essencialmente anulado por Arizona v. Gant.
Gant exigiu que, antes que a polícia pudesse revistar um incidente de carro para prender, quando os suspeitos
estivessem sob seu controle, eles deveriam ter motivos para acreditar que as evidências do crime pelo qual o
réu foi preso seriam encontradas no carro. Essa ‘razão de acreditar’ não estava presente em Davis. Portanto,
a questão era se as evidências deveriam ser excluídas quando a polícia seguisse a lei existente, que
posteriormente seria anulada. Uma maioria de sete a dois concluiu que não deveria” (BRADLEY, Craig M.
Is the exclusionary rule dead?. Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102, Issue 1, Winter, 2012. p. 8,
tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2019).
580
BRADLEY, Craig M. Is the exclusionary rule dead?. Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102,
Issue 1, Winter, 2012. p. 8, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2019.
163

Portanto, percebe-se que, independentemente da origem material ou processual,


da finalidade intrínseca ou extrínseca, da sistematização das exclusionary rules, a atual
jurisprudência norte-americana alargou a porta de entrada para as provas viciadas.
Conforme se vê na construção dos precedentes, a principal razão para a alteração
é o alto custo para a persecução penal que a inadmissibilidade traz como consequência,
devendo-se limitar a exclusão da prova apenas às hipóteses em que as violações decorrerem
de ação deliberada da polícia, ou, ainda, quando a ação foi grosseiramente imprudente ou
negligente.

3.2.2. As proibições de prova

No direito europeu-continental, a construção doutrinária das regras de exclusão


da prova no processo penal europeu continental teve início na Alemanha, em palestra
proferida por Beling sobre as proibições probatórias, apresentando-as “como limite à
averiguação da verdade no processo penal”.581
Ao contrário das exclusionary rules que se sedimentaram sob uma perspectiva
processual, as proibições de prova no sistema civil law desenvolveram-se sob uma
concepção material-substantiva, sendo que “só de forma reflexa e complementar que a tutela
processual intervém e acaba por ganhar autonomia”582.
Nesse sentido, exemplifica Costa Andrade, “[s]ignificativamente e logo na
primeira das suas mais marcantes decisões (caso do gravador, 1960)”583, “toda a
argumentação aqui expendida pelo Tribunal Federal, em busca duma fundamentação das
proibições de prova que recaem sobre as gravações, prossegue apelando para categorias e
princípios próprios do direito material”584. De fato, na ocasião, o Tribunal sustentou que
“quem registra ocultamente num gravador a conversa que mantém com outra pessoa, lesa
direito da personalidade do interlocutor e o seu direito à própria palavra”585.

581
A transcrição da íntegra da palestra está disponível em: BELING, Ernst Von; GUERRERO, Oscar Julián.
Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 3/56.
582
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 136.
583
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 140.
584
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 141.
585
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 141.
164

A partir desta concepção foi que a doutrina germânica desenvolveu a matéria e,


conforme Ambos, atualmente “[d]istingue – sob o conceito geral de ‘proibições
probatórias’ – entre proibições de produção de prova (Beweiserhebungsverbote) e
proibições de uso de prova (Beweisverwertungsverbote)”586.
As proibições de produção de prova regulam ou limitam o modo pelo qual as
provas são obtidas, subdividindo-se em (i) proibição de temas probatórios, (ii) proibição de
meios probatórios e (iii) proibição de métodos probatórios.587 A proibição de produção de
prova sobre temas determinados veda que algum fato seja investigado, como, por exemplo,
os antecedentes criminais já eliminados do registro. Por sua vez, a proibição dos meios de
prova visa a impedir a utilização de determinado meio de prova, como a impossibilidade de
interrogar o réu que invoca o seu direito ao silêncio. Por fim, a proibição dos métodos
probatórios está relacionada à vedação de métodos de investigação, como a tortura.588
Ademais, tais proibições de produção podem ainda ser absolutas ou relativas. A
proibição absoluta impõe uma vedação geral, não admitindo excepcionalidades. Já as
relativas admitem a possibilidade de sua produção sob circunstâncias excepcionais e sempre
dependerão de prévia autorização de determinada pessoa legalmente designada, como, por
exemplo, a interceptação telefônica, que somente pode ser realizada em decorrência de
decisão judicial.589
Por sua vez, as proibições de utilização da prova – referida por alguns autores
como proibição de valoração da prova –, “[i]mpede a constituição de um determinado fato
comprovado como fundamento do julgamento”590, constituindo, portanto, uma proibição ao
juiz de se valer de conclusões provenientes de fatos provados por meio de inadequada prática
probatória.591

586
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p.
64/65, tradução nossa.
587
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 64.
588
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p.
64/65.
589
GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones de prueba en el proceso penal colombiano. In: BELING,
Ernst Von; GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones probatorias. Bogotá: Temis, 2009. p. 156.
590
GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-constitucionales y
político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991. p. 693, tradução nossa.
591
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 65.
165

Contudo, a violação à proibição de produção da prova não acarreta,


automaticamente, na proibição de utilização da prova,592 isto é, não é qualquer erro na prática
probatória que leva à inutilidade processual do fato provado.
O reconhecimento da proibição de utilização da prova decorre, necessariamente,
de uma previsão legal expressa neste sentido ou, ainda, de uma construção teórica baseada
na defesa dos direitos fundamentais do investigado, que fundamente a sua inutilidade.593
Então, conforme reconhece Armenta Deu, “as proibições de utilização
constituem uma sanção frente ao descumprimento das regras que devem ser observadas ao
incorporar ao processo um meio de prova ou levar a cabo uma diligência”594.
Assim, a doutrina alemã classifica como proibição de utilização da prova escrita,
pois a sua incidência depende da existência de previsão legal que imponha a inutilização da
prova.595 Como exemplo na codificação alemã, a doutrina aponta a proibição de utilização
das declarações prestadas por investigados obtidas por meio de técnicas de interrogatório
que violem a liberdade de decisão e ação da pessoa, como a tortura e a fadiga.596
A segunda, por sua vez, é classificada de proibição de utilização da prova não
escrita, que pode ser dependente, quando é aplicada em consequência da violação de uma
proibição de produção de prova, ou independente, nos casos em que a impossibilidade de o
juiz valorar a prova decorre da violação de garantias constitucionais do investigado.597

592
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009.p. 67.
No mesmo sentido: GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-
constitucionales y político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991p. 693.
593
Conforme reconhece Kai Ambos, “[p]ara realmente alcançar uma proibição do uso de evidências, é
necessário uma disposição legal expressa (no caso de proibições no uso de provas escritas [...]) ou uma base
teórica (no caso das proibições de uso não escrito) com fundamento na doutrina das proibições sobre o uso
de evidências” (AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In:
BELING, Ernst Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá:
Temis, 2009. p. 68, tradução nossa).
594
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 49,
tradução nossa.
595
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 68.
596
Conforme consta de decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que analisou a alegação de
admissão de prova pelo Estado alemão com violação à Convenção, destacou-se: “[o] Código de Processo
Penal alemão não contém regras gerais sobre a admissibilidade de provas, além do artigo 136a, que
estabelece que confissões obtidas por tortura, tratamento desumano ou degradante ou coação ilegal não
devem ser usadas como prova contra o réu” (Case of K.S. and M.S. v. Germany (Application nº. 33696/11).
European Court of Human Rights, tradução nossa Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/europa-
prova-ilegal-sonegacao-busca.pdf.>. Acesso em: 20 jul. 2018).
597
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 68.
166

Se, por um lado, a identificação das proibições de utilização de provas escritas é


facilitada por estarem legalmente previstas,598 por outro, a verificação das hipóteses de
proibição de utilização das provas não escritas, dependentes e independentes, é espaço de
amplo desenvolvimento teórico.
A doutrina alemã se ocupou desta tarefa e desenvolveu teorias com o objetivo
de definir critérios para, após a identificação de uma prática proibida de produção de prova
ou de uma violação de norma constitucional, identificar se é o caso de impor a sanção de
proibição de utilização da prova não escrita. Entre todas as teorias, principalmente por terem
encontrado eco na jurisprudência germânica, a doutrina do fim de proteção da norma e a
teoria da ponderação são as mais relevantes.599
De acordo com a doutrina do fim de proteção da norma somente haverá proibição
de utilização da prova quando o objeto de proteção da norma violada na produção da prova
tiver sido ofendido.600 Para exemplificar a hipótese, cita-se o testemunho de um parente do
acusado obtido sem que o tenha sido informado do seu direito de se negar a depor. Neste
caso, houve uma violação à proibição de produção da prova, contudo, para a teoria do fim
de proteção da norma, a consequência de proibição de utilização somente decorrerá se o
procedimento de produção violado tiver como alvo de proteção o acusado. Assim, caso se
entenda que a norma tem como finalidade unicamente proteger a testemunha de eventual
autoincriminação ou da obrigatoriedade de incriminação de um parente, não haverá
proibição de utilização da sua declaração. Por outro lado, se a finalidade da norma é proteger
o acusado de declarações falsas do parente, haverá a proibição de utilização da prova.601
Por sua vez, a teoria da ponderação sustenta a necessidade de ponderar a
gravidade do fato imputado com o peso da infração processual.602 Adotando essa premissa,
Rogal, transcrito por Costa Andrade, afirma que:

[P]ertence às premissas desta doutrina a tese de que a ponderação terá de operar


em termos concretos e globalizantes. Saber se há de ou não reagir-se a uma

598
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p.
70/72.
599
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 105.
600
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 104.
601
Dando especificamente este exemplo, ver: GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones de prueba en el
proceso penal colombiano. In: BELING, Ernst Von; GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones
probatorias. Bogotá: Temis, 2009. p. 169/170.
602
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 104.
167

violação do processo com uma proibição de valoração é questão que terá de ter
uma resposta normativa, encontrada a partir da consideração do interesse concreto
da perseguição penal, da gravidade da violação da lei, bem como da dignidade de
tutela e da carência de tutela do interesse lesado.603

Por conta da origem material-substantiva, eventuais violações a dispositivos


processuais são reconhecidas dentro das proibições de utilização de provas não escritas e
independentes, principalmente quando “se tratar de uma infração legal de especial
gravidade”.604
Nesse sentido, Gössel afirma que “de vez em quando, o Tribunal Federal tem
aceitado expressamente, ou tornado possível, uma proibição de aproveitamento em razão
de violação ‘dos princípios de um procedimento penal próprio de um Estado de Direito”605.
Da mesma forma, Ambos sustenta que, quando houver uma grave violação à
garantia processual do acusado, “o direito a um justo processo (fair trial) e igualmente o
indispensável controle disciplinário das instâncias de persecução penal impõem nestes
casos a não utilização”606. Isso porque, continua o autor, transcrevendo trecho de precedente
do Tribunal Alemão (“BGH”), não se pode renunciar “a uma exigência essencial de um
processo de investigação próprio de um Estado de Direito, isto é, que as provas não podem
ser obtidas mediante violação consciente de direito nem mediante uma equivalente
desatenção do direito”607.
Por estarem dentro das proibições de utilização não escritas e indiretas, as
violações às normas processuais, de modo geral, estão sujeitas a maiores influências da
doutrina da ponderação. Conforme sustenta Armenta Deu, “de acordo com a teoria da
ponderação, de aplicação majoritária na atualidade, os interesses a ponderar levam em
conta a gravidade do fato e o peso da infração processual”608.

603
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p.143.
604
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 110,
tradução nossa.
605
GÖSSEL, Karl Heinz. El derecho procesal penal en el estado de derecho: obras completas Tomo I. Buenos
Aires: Rubinzal-Culzoni, 2007. p. 203, tradução nossa.
606
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 111,
tradução nossa.
607
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 112,
tradução nossa.
608
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 51,
tradução nossa.
168

Entretanto, adverte Roxin, a teoria da ponderação “apenas pode ser adequada


para violações processuais de menor gravidade”, não devendo ser invocada quando estão
em jogo questões atinentes à dignidade humana, direitos da personalidade e o núcleo do
devido processo legal protegido nos tratados internacionais de Direitos Humanos.609
Dessa forma, conclui-se que a sanção da proibição de utilização da prova é
limitada pelas teorias da finalidade da norma e da ponderação, que possuem em comum a
preponderância do direito estatal de investigar, mas mitigadas pelo dever de proteção das
garantias fundamentais do cidadão.
Em outras palavras, em qualquer hipótese, “[s]e a norma processual que foi
violada não favorece ou não atinge em primeiro grau o investigado, estamos longe de uma
proibição de utilização”; “por outro lado, uma proibição de utilização se verifica quando
a norma processual violada tem a finalidade de assegurar as garantias da posição
processual do investigado ou acusado no processo penal”.610
E é exatamente essa a tendência que se percebe ao analisar precedentes dos
Tribunais germânicos. Ao apreciar, por exemplo, a possibilidade de utilização no processo
penal do laudo resultante de exame de sangue feito no acusado por assistente sanitário, ao
invés de um médico, como exige a lei alemã, o Tribunal Supremo Federal (BGH) reconheceu
expressamente o defeito processual e a indevida interferência na esfera individual, mas
permitiu a utilização da prova ao considerar que o defeito não era tão grave quando
comparado às diversas mortes anuais em razão de acidentes de trânsito causados pelo
consumo de álcool.611
Por outro lado, a jurisprudência alemã assentou a proibição de utilização da
prova quando o interrogatório do acusado é obtido sem que a autoridade tenha cumprido
com o dever de informá-lo do seu direito ao silêncio.612 Contudo, o reconhecimento da
proibição de utilização não foi fundamentado no vício procedimental, mas sim da

609
ROXIN, Claus. Por uma proibição de valorar a prova nos casos de omissão do dever de informação
qualificada. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 44-50, mai./ago. 2010. p. 47/48, tradução nossa.
610
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 105,
tradução nossa.
611
GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-constitucionales y
político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991. p. 686/687.
612
GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones de prueba en el proceso penal colombiano. In: BELING,
Ernst Von; GUERRERO, Oscar Julián. Las prohibiciones probatorias. Bogotá: Temis, 2009. p. 168/169. No
mesmo sentido: GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-
constitucionales y político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991. p.
685/686.
169

constatação de que o direito ao silêncio integra o núcleo de direitos que compõem o devido
processo legal.613
Aliás, é justamente neste complexo balanceamento que pendula o estudo da
proibição da prova no direito germânico. Conforme Gössel, “[o] problema da proibição de
prova encontra-se na encruzilhada entre os interesses do Estado a um processo criminal
efetivo, enquanto comunidade jurídica, e os interesses do indivíduo na proteção de seus
direitos pessoais”614.
Não obstante sua primazia no sistema europeu-continental, a complexa
construção do direito alemão refletiu simplificadamente em outros ordenamentos jurídicos.
Na Espanha, por exemplo, o artigo 11.1 Ley Orgánica del Poder Judicial determina que
“[n]ão surtirão efeito as provas obtidas, direta ou indiretamente, violando direitos ou
liberdades fundamentais”.
Apesar disso, sob a alegação de ser uma previsão legal genérica, a doutrina
majoritária e a jurisprudência espanhola têm distinguido entre os direitos fundamentais de
natureza material e processual.615 A partir desta distinção, “ao juízo do Tribunal
Constitucional”, “provocam ilicitude da prova as lesões a direitos constitucionais que não
sejam de âmbito processual”616, ao passo que a exclusão da prova em decorrência de
violações a direitos fundamentais processuais dependerá do reconhecimento da nulidade dos
atos praticados, devido ao potencial prejuízo à defesa.617
Como se percebe, ao menos com relação aos direitos fundamentais de natureza
processual, a previsão de exclusão de prova no ordenamento espanhol também impõe um
juízo de ponderação ao exigir a verificação, no caso concreto, de um prejuízo à defesa do
acusado.
Por sua vez, o ordenamento jurídico italiano denomina de inutilizzabilità a
previsão legal que, em comparação com o sistema alemão, ao mesmo tempo disciplina a
proibição de produção e de utilização de uma prova. Conforme explica Tonini, o termo

613
Cf. ROXIN, Claus. Por uma proibição de valorar a prova nos casos de omissão do dever de informação
qualificada. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 44-50, mai./ago. 2010. p. 47/48.
614
GÖSSEL, Karl Heinz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal: aspectos jurídico-constitucionales y
político-criminales. Cuadernos de política criminal, Madrid, n. 45, p. 673-693., 1991. p. 675, tradução nossa.
615
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 48.
616
DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 48,
tradução nossa.
617
Nesse sentido, ao tratar das infrações a normas processuais, Armenta Deu explica que “[a] obtenção de
provas não implicaria em ilicitude de provas em sentido estrito, mas apenas uma infração processual que
determinaria a nulidade dos procedimentos, devido à impossibilidade de produção de provas” (DEU, Teresa
Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 48, tradução nossa).
170

inutilizzabilità “descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o ‘vício’
que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o ‘regime jurídico’ ao
qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como
fundamento de uma decisão do juiz”618.
Assim, a sanção de “inutilizabilidade” da prova exerce um limite ao livre
convencimento do juiz, uma vez que “exclui alguns elementos de prova do material
utilizável pelo juiz para decidir e fundamentar seu entendimento”619.
Destaca-se que, ao contrário do sistema germânico de exclusão de prova que se
desenvolveu pela proteção material-substantiva dos direitos fundamentais – e demonstrando
que esta não é uma característica intrínseca ao direito europeu continental –, o sistema
italiano partiu da proteção de violações processuais no procedimento de obtenção e produção
da prova, prevendo expressamente, sob a expressão “provas ilegitimamente adquiridas”, a
proibição da utilização do elemento de prova como consequência da violação de uma regra
de produção (art. 191 do CPP italiano).620
Apesar desse foco inicial nos aspectos processuais das violações concernentes à
prova, como observa Gomes Filho:

[...] também na Itália, onde a doutrina e a jurisprudência vinham relutando em


aceitar, definitivamente, a inadmissibilidade das provas obtidas com violação de
normas de direito material, a Corte Constitucional [...] assentou a impossibilidade
de utilização de provas obtidas com infringência a garantias constitucionais.621

A partir disso, explica Badaró, “[t]em-se entendido, também, que existem


vedações implícitas, sendo consideradas inutilizáveis, embora não explicitamente
sancionadas por uma vedação legal, as provas obtidas com violações a princípios
fundamentais”622.

618
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 76.
619
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 79.
620
O aspecto processual da exclusão da prova tem tamanho relevo na sistemática italiana, em que parte da
doutrina sustenta a impossibilidade de aplicação da inutilizzabilità às violações de direito material. Nesse
sentido, Tonini afirma: “[a] proibição idônea a gerar a inutilizabilidade é somente aquela prevista por uma
norma processual. Isso pode ser extraído do nomen iuris do art. 191 do CPP, que se refere às provas
ilegitimamente adquiridas. Se a proibição tivesse como objeto a violação de uma lei penal substancial, teria
sido utilizada a expressão ‘prova ilicitamente adquirida’. Em contrapartida, o nomen iuris do art. 191 refere-
se às provas ‘ilegitimamente adquiridas’. Portanto, as provas obtidas por meio de violação de uma norma da
lei penal substancial (denominadas provas ilícitas) são, em regra, utilizáveis” (TONINI, Paolo. A prova no
processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 77/78).
621
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Provas – Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de Assis. As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 264.
622
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 173.
171

Ademais, o sistema de exclusão de provas italiano também trabalha com a


nulidade do ato praticado, nos casos em que, ao invés da sanção de inutilizzabilità, a lei
disciplina “determinadas regras de produção que são previstas sob pena de nulidade”.623
Por sua vez, no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não trabalhar com os
conceitos de proibição e exclusão de provas,624 a disciplina da prova ilegal não difere
substancialmente daquelas já analisadas, uma vez que, ao menos na doutrina,625 distingue-
se entre as violações de direito material e processual, aplicando-se diferentes sanções a cada
uma delas.
Nesse sentido, esclarece Grinover que “a prova será ilegal toda vez que
caracterizar violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza
processual ou material”626. Por sua vez, a prova ilegal subdivide-se em ilícita e ilegítima:
“[q]uando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova (rectius, o meio de
prova) será ilegítima (ou ilegitimamente produzida), já quando for de natureza material, a
prova será ilícita (rectius, a fonte de prova será ilicitamente colhida)”627.
A distinção não é meramente terminológica, pois traz consigo diferentes
consequências jurídicas para cada uma das violações. Conforme explica Gomes Filho, “as
ilícitas são inadmissíveis no processo (não podem ingressar e, se isso ocorrer, devem ser
desentranhadas); as ilegítimas são nulas e, por isso, a sua produção pode ser renovada,
atendendo-se então às regras processuais pertinentes”628.

623
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78/79.
624
Essa distinção, feita em comparação ao direito alemão, é destacada por Alaor Leite: “[o] processo alemão
não trabalha, em matéria de prova, com as nossas categorias de nulidade ou invalidade, e sim com a noção
da possibilidade de valorar uma prova, isso é, de que o juiz se reporte a ela para fundamentar o seu
conhecimento” (Nota do autor In: ROXIN, Claus. Por uma proibição de valorar a prova nos casos de omissão
do dever de informação qualificada. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 44-50., mai./ago. 2010. p. 45).
625
A alteração do Código de Processo Penal promovida pela Lei nº 11.690/2008 alterou o caput do art. 157 do
diploma legal para prever que “[s]ão inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Como se vê, a lei incluiu
no conceito das provas ilícitas também aquelas produzidas com violação a normas processuais. Entretanto,
como critica Gomes Filho, “[n]ão parece ter sido a melhor, assim, a opção do legislador nacional por uma
definição legal de prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da previsão constitucional, pode levar a
equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da
prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo” (GOMES FILHO, Antônio Magalhães.
Provas – Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. As reformas no processo
penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 266).
626
GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas, interceptações e escutas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p.
135.
627
GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas, interceptações e escutas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p.
135.
628
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Provas – Lei 11.690, de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de Assis. As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 266.
172

Dessa forma, apesar de suas particularidades, o sistema brasileiro também impõe


à exclusão das provas produzidas com violação à norma processual uma espécie de regra de
ponderação ao submetê-la ao sistema de nulidades e, portanto, à existência de prejuízo à
parte afetada. Vale destacar que, na nulidade absoluta, a demonstração do prejuízo não é
dispensada, mas presumida.629
Com essas ponderações acerca do tratamento das proibições probatórias no
direito alemão e seus reflexos em outros países que adotam o sistema processual europeu-
continental, faz-se necessário um comparativo entre as bases desses sistemas e os alicerces
das exclusionary rules norte-americanas, para concluir se as diferenças são suficientes para
impedir que se tenha no ordenamento jurídico brasileiro a sanção de exclusão da prova obtida
com violação à cadeia de custódia originalmente aplicada no sistema norte-americano.

3.2.3. Comparação entre os sistemas de exclusão da prova no sistema da


common law norte-americano e nos sistemas europeu-continental

De modo geral, a principal distinção levantada para afirmar a separação dos


institutos é o fato de que, no direito alemão, as proibições de prova são meios processuais
que tutelam o direito material,630 enquanto as regras de exclusão norte-americanas protegem
os direitos processuais dos acusados.631
Entretanto, ainda que cada um dos sistemas de proibição e exclusão de provas
tenha se fundado, ao longo do tempo, sobre premissas distintas, não é menos verdade que
ambos disciplinam, em maior ou menor extensão, violações a direitos materiais e
procedimentais da obtenção e produção da prova.
No que se refere às exclusionary rules, os privileges, por exemplo, que compõem
o âmbito de proteção das exclusionary rules of extrinsic policy, tutelam eminentemente

629
Nesse sentido, Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes: “[c]om relação aos atos nulos, cumpre ainda
distinguir os casos de nulidade absoluta e nulidade relativa: nos primeiros, a gravidade do ato viciado é
flagrante e, em regra, manifesto o prejuízo que sua permanência acarreta para a efetividade do contraditório
ou para a justiça da decisão; o vício atinge o próprio interesse público de correta aplicação do direito; por
isso, percebida a irregularidade, o próprio juiz, de ofício, deve decretar a invalidade; já nas hipóteses de
nulidade relativa, o legislador deixa à parte prejudicada a faculdade de pedir ou não a invalidação do ato
irregularmente praticado, subordinando também o reconhecimento do vício à efetiva demonstração do
prejuízo sofrido” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 19).
630
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 140.
631
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006. p. 144.
173

direitos materiais dos cidadãos, cuidando de preservar a esfera individual contra a


intromissão do Estado.632
A dupla dimensão material e processual das exclusionary rules é reconhecida
por Gomes Filho, que, ao diferenciar as regras de intrinsic policy dos extrinsic policy,
conclui: “[n]o primeiro caso, a inadmissibilidade tem uma finalidade propriamente
processual, ao passo que a segunda hipótese diz respeito à tutela do direito material”633.
Por sua vez, como demonstrado acima, o sistema alemão tem incluído no
tratamento das proibições de utilização de provas não escritas e independentes as violações
relacionadas a aspectos procedimentais, notadamente quando esbarram em “princípios de
um procedimento penal próprio de um Estado de Direito”634.
Nesse sentido, tratando da proibição de valorar a prova obtida sem que o
investigado tenha sido informado do seu direito ao silêncio, Roxin reputa “louvável” a “tese
que cada vez mais vem se impondo na nova jurisprudência”, “segundo a qual os órgãos da
justiça penal não podem retirar qualquer utilidade das violações conscientes de dispositivos
jurídicos”635.
Assim, como reconhece Badaró:

[...] tanto na doutrina de common law quanto entre os autores alemães, temas
eminentemente processuais, como a vedação do testemunho de ouviu dizer ou a
proibição de obrigar o acusado a produzir prova contra si mesmo, são tratados no
conjunto das exclusionary rules e das proibições de prática de provas [...].636

Ademais, para além da tradição germânica em que as regras de exclusão de prova


se desenvolveram, primordialmente, pelo aspecto material-substantivo, diversos outros
países que também adotam o sistema europeu-continental não têm qualquer barreira para a
inclusão das violações às garantias fundamentais processuais do acusado entre as hipóteses

632
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 99.
633
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 95.
634
GÖSSEL, Karl Heinz. El derecho procesal penal en el estado de derecho: obras completas Tomo I. Buenos
Aires: Rubinzal-Culzoni, 2007. p. 203, tradução nossa. No mesmo sentido: AMBOS, Kai. Las prohibiciones
de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst Von; AMBOS, Kai; GUERRERO,
Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 112. Também reconhecendo a proteção
a direitos processuais: DEU, Teresa Armenta. La prueba ilícita: un estudio comparado. Madrid: Marcial Pons,
2009. p. 51; ROXIN, Claus. Por uma proibição de valorar a prova nos casos de omissão do dever de informação
qualificada. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 44-50, mai./ago. 2010. p. 47/48.
635
ROXIN, Claus. Por uma proibição de valorar a prova nos casos de omissão do dever de informação
qualificada. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 44-50, mai./ago. 2010.. p. 46.
636
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 175.
174

que impedem a valoração da prova, como são os casos acima tratados de Espanha, Itália e
Brasil.
Dessa forma, ainda que não exista um tratamento uniforme acerca da exclusão
da prova, cada sistema, a sua maneira, em maior ou menor extensão, disciplina meios para
proibir a valoração de provas produzidas com violação a direitos fundamentais, incluindo os
processuais.
Destaca-se, ainda, que os diferentes sistemas também convergem ao preverem
mecanismos de ponderação para decisão sobre a aplicação da sanção de não valoração da
prova, quando obtida por meio de alguma violação a direitos.
A jurisprudência norte-americana vem ampliando sistematicamente o escopo da
good faith exception para limitar as regras de exclusão de provas decorrentes de erros formais
na sua produção. Tal modificação jurisprudencial, inclusive, tem como fundamento
doutrinário o tratamento dado à matéria no direito germânico, como explica Bradley:

No entanto, fui eu quem descobriu e trouxe à atenção da Suprema Corte o fato de


que ‘a regra de exclusão automática aplicada em nossos tribunais é [...]
‘universalmente rejeitada’ por outros países.’ Percebendo que países
perfeitamente civilizados como Inglaterra, Canadá e Alemanha não aplicam
automaticamente a regra de exclusão a quaisquer violações em buscas e
apreensões, mas fazem isso de maneira discricionária quando os ‘fins da justiça’
exigirem (ou alguma linguagem semelhante), colocando um freio sobre a
necessidade de uma regra obrigatória. Portanto, não critico necessariamente a
tentativa do Tribunal de limitar o escopo da regra637

A introdução das good faith exceptions e o aumento do seu âmbito de incidência


no sistema da common law norte-americano converge para o juízo de ponderação que sempre
teve papel central na análise das proibições de utilização da prova realizada pelos tribunais
alemães.
Ainda que não tratados sob a rubrica de exceção ou ponderação, os
ordenamentos espanhol, italiano e brasileiro, ao incluírem determinadas violações no
tratamento do sistema de nulidades, adotam um implícito mecanismo de ponderação ao
exigir a demonstração do prejuízo como requisito para exclusão da prova.
Como se vê, apesar de suas particularidades, é possível identificar intersecções
entre os diversos sistemas. Não há grande diferença na sanção prevista na proibição de
utilização de prova escrita alemã, nas exclusionary rules of intrinsic policy, na inutilizzabilità

637
BRADLEY, Craig M. Is the exclusionary rule dead? Jornal of Criminal Law and Criminology. vol. 102,
Issue 1, Winter, 2012. p. 22, tradução nossa. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=7416&
context=jclc >. Acesso em: 13 jun. 2018.
175

italiana e na prova ilícita brasileira, pois todos impedem a valoração da prova obtida com
violações às proibições estabelecidas em cada ordenamento. Da mesma forma, há evidente
proximidade entre as exclusionary rules of extrinsic policy, as proibições de utilização de
provas não escritas e o sistema de nulidades, já que a proibição de valorar a prova obtida
com violação aos respectivos direitos protegidos estará sujeita, em maior grau, aos
mecanismos de ponderação de cada ordenamento (good faith exception, demonstração de
prejuízo etc.).
Assim, independentemente de se analisar as violações procedimentais por um
ponto de vista preponderantemente de tutela do direito material ou por um viés mais
processual, atualmente a diferença se encontra muito mais no campo do fundamento teórico
para aplicação da proibição de utilização ou exclusão da prova, do que no campo prático-
jurídico.
Não por outra razão, ao menos no que se refere ao regramento da matéria no
ordenamento jurídico brasileiro, Badaró sustenta que, mais importante do que distinguir
entre nulidade e inadmissibilidade, é prever a proibição de valorar a prova produzida com
violação a direitos fundamentais, incluindo os de conteúdo material e os de natureza
processual. 638
Por fim, ainda que seja possível perceber origens distintas para as proibições de
prova e para as exclusionary rules, há em comum a característica de serem instrumentos
legais limitadores da busca da verdade no processo penal, em proteção a valores políticos e
epistêmicos relevantes para a sociedade.

3.2.4. Implicação da quebra da cadeia de custódia nas regras de exclusão das


provas

Como se demonstrou acima, os inúmeros sistemas de exclusão da prova


convergem ao disciplinarem, de diferentes maneiras, instrumentos que impedem a valoração
de provas como sanção à sua obtenção com violação de direitos fundamentais do acusado,
que são mitigados, em diferentes extensões, por regras de ponderação.
Contudo, como não se pode deixar de recordar, a quebra da cadeia de custódia,
por si só, não impõe a violação direta a um direito fundamental específico, uma vez que a

638
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
p. 411/416.
176

não documentação do caminho e eventuais alterações do elemento ou fonte de prova não


correspondem, necessariamente, à restrição de garantia do acusado.639 Isso porque, apesar
da inexistência de registros, a prova pode ter seguido todos os trâmites legais, sem qualquer
vulneração de direitos fundamentais.
Na verdade, os registros da cadeia de custódia serão úteis tanto para autenticar a
legalidade de todo o processo, como também para revelar alguma violação a direito
fundamental praticada ao longo da atividade probatória. Neste último caso, deixando
evidente a falta de necessária conexão entre a cadeia de custódia e o direito fundamental, a
prova será ilegal por violação da garantia do acusado, ao passo que a cadeia de custódia
estará perfeitamente mantida, sem qualquer quebra.
Por outro lado, mesmo quando forem suficientes para superarem os critérios
lógicos de admissão, a falta de registros de determinados elos da cadeia de custódia poderá
resultar na exclusão da prova quando a quebra impedir (i) que as partes exerçam,
adequadamente, o seu direito fundamental no curso do processo; ou (ii) que os sujeitos
processuais verifiquem se houve ou não violação de direito fundamental.

3.2.4.1. Falta de informações essenciais ao exercício do contraditório

A primeira hipótese de incidência das regras de exclusão terá lugar caso a falha
na documentação da cadeia de custódia impedir que as partes exerçam, adequadamente, o
seu direito fundamental no curso do processo.
A discussão ganha particular relevo nas novas provas científicas, principalmente
nos casos em que a admissibilidade da prova estiver relacionada com a verificação da
idoneidade do método utilizado na sua produção, mas a quebra da cadeia de custódia impedir
a identificação do método científico utilizado.
Desde 1923, em decorrência do julgamento do caso Frye v. Estados Unidos, a
jurisprudência norte americana estabeleceu como requisito de admissão de provas a
preocupação com a idoneidade do conhecimento científico adotado na sua produção. Na
ocasião, a Corte de Apelação do Distrito de Columbia não admitiu o testemunho de um perito

639
Nesse sentido, afirma Gutiérrez Sanz: “[c]ertamente, nada tem a ver com a integridade ou não da cadeia
de custódia, o fato de que a fonte de prova tenha sido obtida mediante a infração direta ou indireta de direitos
fundamentais, o que daria lugar a uma prova proibida” (GUTIÉRREZ SANZ, María Rosa. La cadena de
custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 90, tradução nossa). No mesmo sentido
segue a jurisprudência do Tribunal Supremo Espanhol: “[...] a irregularidade da cadeia de custódia não
constitui, por si só, vulneração de direito fundamental algum [...]” (STS 1349/2009, nº de recurso 881/2009,
p. 02, tradução nossa).
177

que havia submetido o acusado a um teste da verdade, que consistia em medir a pressão
sanguínea das suas sístoles, enquanto ele respondia a perguntas, como meio para descobrir
se falava a verdade ou mentia.
Com base neste precedente, as Cortes norte-americanas definiram que “para ser
admissível, uma nova técnica científica ‘deve ser suficientemente estabelecida a ponto de
ter obtido aceitação geral no campo particular a que pertence’”640.
O Frye standard de admissão da prova científica perdurou até 1993, quando a
Suprema Corte norte-americana julgou o caso Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals,
fixando um novo padrão a ser seguido dali em diante.
Até chegar na Suprema Corte, a tentativa da família Daubert de provar em juízo
que os danos congênitos em seus dois filhos foram causados pelo uso do medicamento
Bendectin durante a gestação foi frustrada, pois o depoimento de 8 (oito) peritos por eles
arrolados não foram admitidos pelo juiz e pela Corte de Apelação sob o fundamento de que
estavam baseados em uma posição sobre epidemiologia que não gozava de aceitação geral
da comunidade científica, isto é, não atendia ao Frye standard.641
Para reformar a decisão, a Suprema Corte inicialmente ressaltou que o critério
de aceitação geral pela comunidade científica adotado no caso Frye era mais rigoroso do que
as regras vigentes de admissão de prova dispostas nas Federal Rules of Evidence, que
preveem, de modo geral, a admissibilidade de todas as provas relevantes (regras 401 e 402)
e, especificamente com relação às provas técnicas e científicas, a confiabilidade do método
(regra 702).642

640
DOUGHERTY, John Caleb. Beyond People v. Castro: A New Standard of Admissibility for DNA
Fingerprinting. Journal of Contemporary Helth Law & Policy. vol. 7, Issue 1, 1991. p. 272, tradução nossa.
Disponível em: <http://scholarship.law.edu/jchlp/vol7/iss1/18>. Acesso em: 13 dez. 2019.
641
Nesse sentido: KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no direito processual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017. p. 55/57; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova
penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 186/187.
642
Sobre este ponto, explica Watkins: “[o] Tribunal, através do juiz Blackmun, foi o primeiro a declarar que
o teste de Frye havia sido superado pela adoção do Regulamento Federal de Evidência. O Tribunal iniciou
sua análise com as Regras Federais de Evidência 401 e 402, a fim de contrastar o padrão de relevância liberal
das Regras Federais com o teste de admissibilidade de Frye, muito mais rigoroso da lei comum. Embora o
direito comum, como Frye, em certas circunstâncias possa servir como um auxílio à aplicação das Regras,
nesse caso, a coexistência da Regra 702 e Frye é impossível, pois os dois padrões são incompatíveis entre si.
A regra 702 não estabelece ou exige ‘aceitação geral’ como pré-requisito absoluto para a admissibilidade no
texto da regra ou na história legislativa da regra [...] A exigência de conhecimento científico da regra 702
vai, portanto, à confiabilidade da técnica” (WATKINS, Harlan. Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals,
Inc.: General Acceptance Rejected. Santa Clara High Technology Law Journal.vol. 10, Issue 1, Jan., 1994,
tradução nossa. Disponível em
<https://digitalcommons.law.scu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1160&context=chtlj >. Acesso em: 13 dez.
2019).
178

Então, partindo da premissa de que o Frye standard havia sido superado pela
disciplina da matéria contida nas Federal Rules of Evidence, a Suprema Corte atribuiu ao
juiz o papel de gatekeeper na avaliação da entrada da prova científica no processo,643
indicando, ainda que expressamente afirmando não ser esta uma checklist,644 a necessidade
de se observar 4 (quatro) critérios: (i) testabilidade, (ii) revisão pelos pares e publicações,
(iii) taxa de erro e (iv) aceitação geral.645
Esses critérios estabelecidos no caso Daubert foram, posteriormente, refinados
pela jurisprudência norte-americana, com destaque para o caso General Eletric v. Joiner,646
em que a Suprema Corte norte americana definiu que, na admissibilidade da prova científica,
“o juiz deve valorar o âmbito de ‘analitical gap’ entre as premissas (data) e as conclusões
(opinion) apresentadas pelos peritos, para determinar se há entre eles uma correlação
suficientemente estreita que permita considerar a perícia elemento de prova confiável”647.
Posteriormente, em Kumho Tires Co v. Carmichael,648 a Suprema Corte norte-
americana acrescentou que “os fatores Daubert se aplicam ao testemunho de engenheiros e
outros peritos que não são cientistas”649. Do ponto de vista epistêmico, como reconhece
Badaró, trata-se de importante avanço “porque o que importa é saber se o testemunho é
confiável, e não se é científico”650.
Aliás, como deixam expressos os precedentes da Suprema Corte norte-
americana, há evidente preocupação epistêmica na adoção de critérios para a entrada da

643
O papel central do juiz no controle da admissibilidade da prova estabelecida em Daubert resolveu a crítica
até então feita ao Frye standard, no sentido de que o critério da aceitação geral pela comunidade cientifica
delegava o juízo de admissibilidade da prova aos cientistas, conforme DOMINIONI, Oreste. La prova penal
scientifica: gli strumenti scientifico-tecnici nuovi o controversi e di elevata specializzazione. Milano: Giuffrè,
2005. p. 118.
644
Daubert et ux.,individually and as guardians ad litem for Daubert, et al. v. Merrell Dow Pharmaceuticals,
Inc. Certiorari to the United States Court of Appeals for the Ninth Circuit. Jun., 1993. Disponível em:
<https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep509/usrep509579/usrep509579.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
645
Conforme explica FOURNIER, Lisa R. The daubert guidelines: usefulness, utilization, and suggestions for
improving quality control. Journal of Applied Research in Memory and Cognition. vol. 5, Issue 3,
Whashington, set. 2013. p. 307/308 Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2211368116300596>. Acesso em: 16 dez. 2019.
646
Na íntegra: General Electric CO. et al. v. Joiner et ux. Certiorari to the United States Court of Appeals for
the Eleventh Circuit. Dez., 1997. Disponível em:
<https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep522/usrep522136/usrep522136.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
647
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 190.
648
Para o resumo dos fatos envolvendo o caso, ver: KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no direito
processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 98, nota de rodapé 191.
649
Kumho Tire CO., LTD., et al. v. Carmichael et al. Certiorari to the United States Court of Appeals for the
Eleventh Circuit. Março, 1999. p. 138, tradução nossa. Disponível em:
<https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep526/usrep526137/usrep526137.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2019.
650
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 191.
179

prova científica no processo penal, pois estes têm a finalidade de “excluir a expertise que é
falsa e ciência que é ruim”651.
Como explica Taruffo, no processo penal epistêmico orientado à busca da
verdade “é necessário distinguir a ‘ciência boa’ da ‘ciência ruim’, ou da pseudociência (ou
junk science), ou seja, métodos e noções dotados de efetiva validade científica de métodos
ou noções apresentados como dotados de dignidade científica que não são cientificamente
validados”652.
Para além do direito norte-americano, diversos sistemas processuais europeus-
continentais reconhecem a necessidade de certificação do método técnico científico adotado
na realização da perícia.
Na Espanha, como identifica Muñoz Conde, o processo penal moderno convive
com o crescimento da produção de provas periciais que, pela exigência de determinados
conhecimentos científicos, “só podem ser resolvidas aplicando uma determinada
metodologia empírica universalmente admitida e com alto grau de fiabilidade”653.
Por sua vez, Gössel, ao tratar das investigações genéticas como meios de prova
na Alemanha, salienta que o termo engloba apenas a “análise de genoma” e “impressão
genética”, pois “outras investigações genéticas, até o momento não suficientemente
credenciadas, não estão sujeitas a exame a fim de sua eventual relevância jurídico-
processual penal”.654
Tratando do ordenamento argentino, Chaia e Hairabedián sustentam que “por
meio da impugnação da perícia” pode-se buscar “restringir, limitar ou excluir a validez das

651
Conforme expressamente reconhecido no julgamento do caso General Electric CO. et al. v. Joiner et ux.
Certiorari to the United States Court of Appeals for the Eleventh Circuit. Dez., 1997. p. 159, tradução nossa.
Disponível em: <https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep522/usrep522136/usrep522136.pdf>. Acesso em: 13
dez. 2019.
652
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 245.
653
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal. 3. ed. Buenos Aires:
Hammurabi, 2007. p. 89, tradução nossa. Alerta Gutiérrez Sanz que “[a] ciência se modifica de forma contínua
e os standards que, em certo momento se deram como certos, por indiscutíveis, são rapidamente substituídos
por novas investigações que contradizem o anterior. Assim, o resultado de uma perícia fica condicionado pela
ratio de erro da ciência que faz com que não seja infalível. É certo que, se as provas científicas são realizadas
segundo os standards científicos homologados pela comunidade científica neste momento, seus resultados
alcançam um grau elevado de fiabilidade, porém em nenhum caso pode ser considerado como verdade
absoluta embora como verdade processual [...]” (GUTIÉRREZ SANZ, María Rosa. La cadena de custodia
en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 34, tradução nossa).
654
GÖSSEL, Karl Heinz. El derecho procesal penal en el estado de derecho: obras completas Tomo I. Buenos
Aires: Rubinzal-Culzoni, 2007. p. 296, tradução nossa.
180

conclusões do perito, seja por motivos formais, ou bem com questões substanciais,
vinculadas ao método, à prática ou aos resultados obtidos”.655
Já o sistema processual italiano aborda as perícias como novas ciências sob o
regime de provas atípicas, cuja produção depende de um juízo prévio de admissibilidade, a
ser realizado em contraditório entre as partes.656
Deve-se ressaltar que, muito embora haja consenso sobre a necessidade de se
analisar a idoneidade do método utilizado na produção da prova, há grande divergência sobre
os reflexos que a desconfiança sobre a técnica utilizada terá na prova, isto é, se implicará a
sua inadmissibilidade ou se deverá ser algo a ser sopesado pelo juiz no momento da
valoração.657

655
CHAIA, Rubén A; HAIRABEDIÁN, Maximiliano. La prueba en el proceso penal: proceso acusatorio,
juicio oral, carga probatoria, prueba ilegal, medios de prueba, construcción de la verdad, valoración-
arbitrariedad, motivación de la sentencia, jurisprudencia vinculada. Buenos Aires: Hammurabi, 2010. p.
561/562, tradução nossa. Da mesma forma, acerca do ordenamento argentino, sustentam Laura Deanesi e
Augustín Varela: “[e]m conclusão, é necessário exigir, pelo menos, que os depoimentos dos peritos tenham
como base teorias admitidas como confiáveis em sua área e que, além disso, os peritos utilizem procedimentos
e uma metodologia adequada para alcançar o resultado no caso” (DEANESI, Laura; VARELA, Agustín. Los
problemas de la prueba de reconocimiento de personas desde la perspectiva de la psicología del testimonio y
la admisibilidad de la intervención del perito en esos casos. In: ORDÓÑEZ, Pablo. Medios de prueba en el
proceso penal 1: reconocimiento de personas. vol. 1 Buenos Aires: Hammurabi, 2018. p. 175, tradução nossa).
656
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 194.
657
Sabendo-se o método, a inadmissibilidade pode ser resolvida pela irrelevância ou impertinência, pois
“pseudociências não têm aptidão de provar a verdade ou de influenciar o julgador” (BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 195).
Transposta a barreira da pseudociência, a discussão torna-se mais complexa e, seja para sustentar que a que o
assunto deve ser resolvido na admissibilidade, seja para defender se é matéria para valoração, na maioria das
vezes, o debate envolve comparações e diferenciações entre os sistemas da civil law e da common law, como
se verifica da análise feita por Vázquez (VÁZQUEZ, Carmen. La prueba pericial en la experiencia
estadounidense: el caso Daubert. Revista peruana de ciencias penales, Lima, vol. 23, n. 30, p. 223-248,
ago./dez. 2016, p. 240/245, tradução nossa). Diferenciando os sistemas para sustentar que a análise deve ser
reservada para a valoração, Dallagnol e Câmara: “[n]os Estados Unidos, a falta de alguma indicação de
autenticação da prova impede que a prova seja admitida, mas isso decorre de uma peculiaridade de seu
sistema jurídico, o que torna impossível a ‘importação’ acrítica dessa tese de inadmissibilidade para o Brasil.
De fato, causas cíveis e criminais, no direito norte-americano, são julgadas pelo júri. O juiz togado, lá, exerce
um relevante papel de filtrar aquilo que é submetido ao júri, um tribunal formado por leigos. Assim, mesmo
provas relevantes podem ser excluídas pelo juiz quando seu valor probatório for superado, de modo
substancial, por risco de gerar preconceito, confusão ou atrasos injustificados e de perda de tempo, dentre
outros fatotes [...] Contudo, afigura-se importante estabelecer, desde logo, que a autenticação no Brasil, onde
não há sistema de júri e filtro prévio pelo juiz togado, é feita junto com a valoração da prova [...]”
(DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 534/535). Em sentido contrário, Jurs sustenta
que “[p]ara os Tribunais canadenses, contudo, essa função se mantém importante na fase de admissão. A
razão pela qual ela se mantém importante, mesmo na ausência de um júri, é o objetivo ao qual tal função
serve”, já que “apenas provas confiáveis serão admissíveis, a prova pericial é concebida para auxiliar no
atingimento de uma decisão correta, baseada no atual estado da ciência. A prova destituída de confiabilidade
é excluída, então, para assegurar que não induza o processo de estabelecimento dos fatos com conclusões
inválidas” (JURS, Andrew W. Balancing Legal Process with Scientific Expertise: Expert Witness
Methodology in Five Nations and Suggestions for Reform of Post-DaubertU.S. Reliability Determinations.
181

Apesar da importância do debate doutrinário, no que se refere exclusivamente à


cadeia de custódia, a discussão é irrelevante, pois somente haverá quebra na manutenção
desse elo da cadeia quando não se souber qual foi o método utilizado, o que, ao invés de
abrir debate sobre se o método é ou não confiável, inviabiliza a discussão por inexistência
de informação.
Aliás, é precisamente na falta de informação sobre a questão que, existindo, tem
potencial de influenciar na admissão ou no valor da prova que repousa a impossibilidade da
sua valoração pelo juiz. Isso porque, seja para admitir, seja para valorar, como explica
Taruffo, “o dever do juiz é verificar a validade científica e a correção do método aplicado
pelo perito, ou seja, verificar o fundamento racional e epistêmico daquilo que esse fez”658.
Ocorre que, a inexistência de informação sobre o método técnico-científico
utilizado na perícia retira do juiz a possibilidade de fazer qualquer juízo de admissibilidade
ou valor sobre o elemento de prova apresentado, o que, por uma perspectiva epistêmica,
resulta na impossibilidade de atribuir valor àquela informação para formação da sua
convicção sobre os fatos alegados.
O fundamento epistêmico da impossibilidade de valorar essa prova repousa no
fato de que o conhecimento sobre o método e a verificação da sua validade, aceitação e taxa
de erro “representam condições mínimas que qualquer conhecimento científico deve ter para
poder ser qualificado como científico, tanto em geral, como no âmbito do processo”659.

Marquette Law Review. vol. 95, Issue 4, Summer, 2012. p. 1368/1369, tradução nossa. Disponível em:
<http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.818.1859&rep=rep1&type=pdf >. Acesso em: 15
dez. 2019). Por sua vez, Knijnik sustenta que, seja na admissão, seja na valoração, a verificação o Daubert
Standard se faz ainda mais importante do que na common law: “[n]a realidade, pode-se até assinalar que, na
civil law, o problema é mais agudo, porque, contrariamente ao seu congênere norte-americano, o perito é
considerado um auxiliar da justiça, operando sob o manto da imparcialidade, o que lhe confere,
aprioristicamente, superior poder persuasivo, haja vista seu maior aspecto de oficialidade em face dos
assistentes técnicos e em face dos peritos eleitos pelas partes no sistema norte-americano” (KNIJNIK,
Danilo. Prova pericial e seu controle no direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017p. 69/70).
Ainda sobre esta discussão, adotando posição que admite a realização de um contraditório prévio para a
admissão da prova, ver: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova
penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 192/196. Ainda sobre o tema: TARUFFO, Michele. Uma simples
verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p.
246/449. Como se vê, contudo, em todos os casos, parte-se do pressuposto de que se tem conhecimento do
método utilizado, o que não acontece nos casos em que há, neste ponto, a quebra da cadeia de custódia.
658
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de Vitor de Paula
RAMOS. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 248.
659
TARUFFO, Michele. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali. In: Decisione
giudiziaria e verità scientifica. Milano: Giuffrè, 2005. p. 8.
182

No mesmo sentido, explica Vázquez, “nada é menos científico do que assumir


como válido um conhecimento sem um prévio controle de seus postulados ajustados a uma
metodologia científica”660.
Ademais, o déficit epistêmico que a admissão de tal prova causaria no processo
se torna palpável no problema prático identificado por Badaró, quando afirma que, na
impossibilidade de discernir sobre o bom e o mau conhecimento científico, o juiz “[f]ará
como de costume, nos casos em que não há uma regra científica de cobertura, em que
acabará se valendo de máximas de experiência ou conhecimentos do senso comum para
realizar as inferências probatórias. A chance de erro será muito maior”661.
A situação se agrava porque, mesmo se desconhecendo o método utilizado e
tampouco a sua aceitação e falibilidade, a prova técnico-científica é frequentemente
supervalorizada no processo penal.662 Como reconhecem Giacomolli e Amaral, “por
usualmente vir de laboratórios oficiais de polícia científicas, tais provas têm sido
acompanhadas de uma aura de infalibilidade que impacta diretamente no processo penal,
sem quaisquer questionamentos mais aprofundados”663, o que aumenta ainda mais a chance
de erro, praticado quase sempre com a certeza do acerto.
O problema não é somente teórico, conforme se extrai da conclusão de extenso
relatório norte-americano que analisou diversos métodos de ciência-forense comumente
utilizados e, por exemplo, no que se refere à identificação, atestou que “com exceção da

660
VÁZQUEZ, Carmen. De la prueba científica a la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 86,
tradução nossa.
661
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 196.
662
Prado adverte para o equívoco de se dar maior valor epistêmico à prova científica produzida sem o devido
contraditório, principalmente nos meios de pesquisa de prova: “[e]ssa diferenciação entre meios de
investigação e meios de prova, no entanto, sofre a pressão das agências responsáveis pela repressão penal,
que atuam a partir de uma subjetividade dirigida a construir discursivamente a verdade sobre os fatos no
processo criminal valendo-se das evidências que são obtidas através dos meios de investigação. A tendência
dominante no âmbito das agências encarregadas de reprimir as infrações penais consiste em dissipar a
diferença entre os citados meios. A rigor neste plano a distinção, por exemplo, entre a informação obtida por
meio da interceptação telefônica colhida unilateralmente, em um contexto de supressão do nemo tenetur, e
outros elementos informativos filtrados pelo contraditório judicial consistiria no fato de a primeira ser em tese
de qualidade epistêmica superior. Esse raciocínio resulta no fato de que, no campo dos métodos ocultos de
investigação, as inovações tecnológicas introduzidas parecerem capazes de realizar os objetivos perseguidos
pela filosofia da consciência: assegurar o acesso à realidade como objeto autônomo de conhecimento
totalmente desvinculado do sujeito. Algo como ter acesso << à verdade como ela é>>, << à verdade real>>
ou ao << fato puro>>. Por este ângulo equivocado o contraditório judicial seria motivo de contaminação da
<<verdade>>, veículo de impurezas a assegurar a impunidade do agente.” (PRADO, Geraldo Luiz
Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas
obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 69)
663
GIACOMOLLI, Nereu José; AMARAL, Maria Eduarda Azambuja. Possíveis intersecções entre
neurociência e a prova pericial no processo penal: abordagem crítica. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, vol. 27, n. 157, p. 247-284., jul. 2019. p. 254.
183

análise do núcleo do DNA, nenhum método mostrou rigorosamente ter a capacidade de


consistentemente, e com alto grau de certeza, demonstrar a conexão entre a evidência e um
específico indivíduo ou fonte”.664
Para além do fundamento epistêmico, também pelo aspecto jurídico-processual,
a prova não deverá ser valorada em razão do necessário reconhecimento da sua
ilegitimidade, pois a inexistência de relevante informação impede, em qualquer nível, o
exercício da garantia fundamental ao contraditório, ainda que diferido nos casos das perícias
cautelares não repetíveis.
A compreensão desenvolvida por Popper de que a ciência é limitada, incompleta
e falível665 conduz à conclusão de que “as partes do processo penal têm o direito de
questionar as hipóteses formuladas pela parte contrária ou pelo perito nomeado pelo
juiz”666.
Não obstante já se tenha desenvolvido acima tanto a noção de o contraditório
como garantia fundamental para a validade da prova pericial (cf. capítulo 1, item 1.3.2),
como a exclusão da prova por violação de garantias fundamentais processuais do cidadão
(itens 3.2, 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3, supra), vale retomar, nesse ponto, o ensinamento de Gomes
Filho, no sentido de que “correlato ao direito à prova, existe também um direito à exclusão
da prova”667, que poderá se manifestar quando as partes forem impedidas de participarem
“com impugnações, perguntas, críticas, e eventual oferecimento de contraprova, que se

664
Conforme se extrai do relatório: “[f]requentemente em processos criminais e litígios civis, evidências
forenses são utilizadas como suportes para conclusões sobre ‘individualização’ (às vezes referida como
‘compatibilidade’ entre um espécime e um indivíduo em particular ou outra fonte) ou sobre a classificação da
fonte do espécime em uma das várias categorias. Com exceção da análise do núcleo do DNA, no entanto,
nenhum método forense mostrou rigorosamente ter a capacidade de consistentemente, e com alto grau de
certeza, demonstrar a conexão entre a evidência e um específico indivíduo ou fonte” (Committee on Identifying
the Needs of the Forensic Sciences Community, National Research Council. Strengthening Forensic Science
in the United States: A Path Forward. Washington: The National Academies Press, 2009. p. 29, tradução nossa.
Disponível em: <https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/grants/228091.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2019).
665
Nesse sentido, Tonini explica a derrocada da filosofia positivista que sustentava ser a ciência ilimitada,
completa e infalível: “[p]or volta de 1995, Popper e outros estudiosos questionaram essa concepção.
Constatou-se que a ciência é limitada, pois de um fenômeno é possível extrair um número limitado de aspectos
e representá-los por meio de uma lei científica. A ciência é incompleta, pois, quando outros aspectos do mesmo
fenômeno são conhecidos, a lei científica deve ser ampliada para representar também esses outros aspectos.
A ciência é falível, ou seja, toda lei científica tem uma margem de erros que deve ser pesquisada e, ademais,
o conhecimento da margem de erros é o índice de que uma teoria foi testada seriamente. Portanto, hoje é
difundida a concepção da filosofia da ciência denominada pós-positivista” (TONINI, Paolo. Direito de defesa
e prova científica: novas tendências do processo penal italiano. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, vol. 12, n. 48, p. 194-214, mai./jun. 2004. p. 199)
666
TONINI, Paolo. Direito de defesa e prova científica: novas tendências do processo penal italiano. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 12, n. 48, p. 194-214, mai./jun. 2004. p. 200/201.
667
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 89.
184

realiza, em sua plenitude, o contraditório na instrução criminal, requisito essencial à


legitimação da própria atividade jurisdicional”668.
Isso porque, conforme sustenta Maier, a garantia fundamental processual ao
contraditório implica no direito de controlar a prova do adversário, pois dispor de meios e
informações suficientes para “inibir a imputação de que é objeto, ou diminuir as suas
consequências, é uma manifestação essencial da possibilidade de se opor ao processo
criminal”669.
Tratando-se de prova técnico-científica, a falta de informação essencial para se
discutir a metodologia utilizada na sua produção resulta na impossibilidade de afastar a tese
acusatória ou minorar as suas consequências, inviabilizando o contraditório sobre a prova.
Percebe-se, portanto, que há duplo fundamento, epistêmico e processual, para
restringir a valoração dos meios de prova que têm impossibilitado o exercício do
contraditório, pois, como destaca Badaró, a “restrição está justificada tanto pelos fins
institucionais de respeito ao devido processo legal, quanto pela finalidade também
institucional de busca da verdade”670.
Destaca-se, contudo, que a hipótese é de ilegitimidade da prova por violação de
garantia processual do acusado, sujeita ao regime das nulidades e, por conseguinte, à
demonstração do prejuízo.671
Assim, no exemplo adotado da prova técnico-científica, entendemos que o
reconhecimento da nulidade depende da demonstração pela parte de que há controvérsia
científica acerca das diferentes metodologias existentes para a realização do exame em
questão,672 bem como que a adoção de um ou de outro método interfere na qualidade do
resultado obtido.673

668
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 89.
669
MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal I: fundamentos, vol. 1. 2. ed. Buenos Aires: Del Puerto, 2004.
p. 577, tradução nossa.
670
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 197.
671
Sobre isso, ver item 3.2.2, supra.
672
Conforme Kappler, a quebra da cadeia de custódia impedirá a valoração da prova “sempre que se alegue e
prove que causou um prejuízo efetivo e real ao exercício da defesa que a parte deverá justificar, pois o prejuízo
à defesa é requisito essencial para a nulidade dos atos processuais” (KAPPLER, Susana Álvarez de Neyra.
La cadena de custodia em matéria de tráfico de drogas. In: FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena
de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 106, tradução nossa).
673
Como ressalta Badaró, de um modo geral, a discussão acerca da metodologia utilizada não abrange
“qualquer conhecimento científico, mas apenas os conhecimentos científicos novos ou modernos, que exigem
técnicas ou métodos de grande especialização, que se enquadram na chamada ‘nova ciência’” (BADARÓ,
Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.
p. 183). De fato, as novas ciências trouxeram atenção para um problema até então pouco estudado na civil law,
185

3.2.4.2. Falta de informações necessárias para relacionar a prova à preservação


de direitos fundamentais quando houver proibição ou limitação à atividade
probatória

A segunda hipótese em que a quebra da cadeia de custódia pode levar à exclusão


da prova se coloca quando a inexistência de registro de um ou mais elos impede que as partes
e o juiz verifiquem se houve ou não violação a direito fundamental, nos casos em que a lei
impõe uma proibição ou limitação à atividade probatória.
Conforme demonstrado no capítulo anterior ao estabelecer o modelo de processo
penal com que se trabalha neste estudo (item 2.1) e ao construir o conceito (item 2.2),
pressupostos (item 2.3) e finalidade (item 2.4) da cadeia de custódia, para além da
perspectiva epistêmica, os registros dos eventos relacionados à atividade probatória são
necessários para que as partes e o juiz verifiquem se os atos de investigação foram praticados
sem violação das previsões legais que vedam, em qualquer hipótese, a mitigação de direito
fundamental (e.g. obtenção de informação sob tortura, art. 5º, III, da CF) ou, quando for o
caso, com respeito aos limites impostos à excepcional restrição do direito fundamental (e.g.
interceptação telefônica, agente infiltrado, entre outras).674
Na definição da relação entre o requisito identidade para autenticação da cadeia
de custódia e os resultados dos meios de pesquisa de prova (item 2.4.1), tomou-se como
exemplo a interceptação telefônica, para demonstrar a necessidade de vincular as conversas
apresentadas em juízo ao período em que a restrição ao direito fundamental da
inviolabilidade de comunicação telefônica foi autorizada judicialmente. Isso porque, como
lá antecipado, ainda que a atividade probatória tenha sido legalmente autorizada por prévia
decisão judicial, os registros contidos no suporte técnico da interceptação serão necessários

apesar do já quase secular desenvolvimento na jurisprudência norte-americana. Contudo, conforme observado


por Taruffo, os problemas envolvendo os métodos técnicos-científicos não se restringem às novas ciências, o
que se demonstra por estudo realizado nos estados Unidos apontando que diversas perícias comumente usadas
no dia a dia forense norte-americano não possuem completa validação científica (TARUFFO, Michele. Prova
scientifica e giustizia civile. Revista peruana de ciencias penales, Lima, vol. 23, n. 30, p. 205-222., ago./dez.
2016. p. 211/213). Assim, sustentamos a possibilidade de ser discutida a inadmissibilidade de qualquer prova
técnico-científica em que haja quebra da cadeia de custódia sobre o método utilizado, desde que a parte
interessada demonstre a divergência científica e o reflexo no resultado probatório.
674
Neste sentido: PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a
quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 41;
MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória e
o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 241; PÉREZ, Marta del Pozo.
Diligencias de investigación y cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 150
186

para identificar judicialmente os diálogos apresentados como resultado do período de 15 dias


permitido e dos terminais telefônicos corretos.675
Mantendo-se no exemplo da interceptação telefônica, mesmo com todas as suas
particularidades e diferentes graus de extensão, os distintos sistemas de exclusão de prova
abrangem no seu âmbito de proteção a impossibilidade de valorar gravações obtidas
ilegalmente.
Na Alemanha, por exemplo, as Seções 100, 100a e 100b,676 do Código
Processual, impõem uma série de requisitos para a realização da interceptação telefônica,
dentre os quais um catálogo de crimes e a exigência de autorização judicial prévia ou de
convalidação, cuja inobservância resulta na proibição de valorar a prova.677 Em atenção a
isso, o Tribunal Constitucional Federal reconheceu que, inclusive, a gravação ambiental, em
local privado, sem autorização judicial, viola o núcleo da vida privada, incidindo, portanto,
uma proibição de utilização da prova, que não poderá ser valorada.678
Da mesma forma, de acordo com Tonini, na Itália, “caso as interceptações
tenham sido executadas fora dos casos permitidos ou de maneira diversa da prevista em lei,
os respectivos resultados não podem, em hipótese alguma, ser utilizados, ainda que
demonstrem a culpabilidade do acusado”679.
Igualmente, conforme Asencio Mellado, a Constituição Espanhola exige prévia
autorização judicial para a interceptação telefônica,680 sendo que, na sua falta, “os resultados

675
Relacionando os suportes técnicos da interceptação telefônica com a verificação da licitude da prova:
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de
custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 79. No mesmo sentido,
MARGRAF, Alencar Frederico; PESCH, Natália Mendes. Garantias constitucionais na produção probatória e
o descaso com a cadeia de custódia. Revista de Direito Constitucional e Internacional: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, São Paulo, vol. 26, n. 106, p. 225-246. p. 241.
676
Disponíveis, em inglês, em: <https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_stpo/englisch_stpo.html>.
677
Nesse sentido, tratando da Alemanha, Grinover aduz: “[a] interceptação somente pode ser determinada
quando, de outra maneira, torne-se impossível ou extremamente difícil apurar os fatos. A faculdade de ordená-
la cabe ao juiz ou, em caso de urgência, ao membro do Ministério Público, o qual, entretanto, deve submetê-
la à convalidação judicial – condição de sua eficácia – no prazo de três dias. A forma e o conteúdo do
provimento são minuciosamente predispostos, inclusive no que concerne ao prazo de validade da autorização
da interceptação. Faltando tais pressupostos, ou quando a documentação eventualmente colhida não se
demonstrar necessária à investigação, deve ser ela destruída” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas,
interceptações e escutas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 282).
678
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: BELING, Ernst
Von; AMBOS, Kai; GUERRERO, Óscar Julián. Las prohibiciones probatórias. Bogotá: Temis, 2009. p. 90.
679
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 252.
680
MELLADO, José María Asencio; PÉREZ ARROYO, Miguel. La prueba prohibida y prueba preconstituida
en el proceso penal: fundamentos dogmático-procesales y de derecho comparado para la aplicación de la
prueba prohibida en el proceso penal acusatorio. Lince (Peru): Instituto Peruano de Criminologia y Ciencias
Penales, 2008. p. 160.
187

obtidos da diligência de investigação praticada pelo Ministério Fiscal ou pela polícia [...]
serão inutilizados por constituírem, em si mesmo, prova proibida”681.
Outrossim, o sistema da common law norte-americano impõe como requisito da
admissão da interceptação telefônica a prévia autorização judicial. No julgamento Katz v.
Estados Unidos, a Suprema Corte concluiu que “a atividade do Governo de ouvir
eletronicamente e gravar as palavras do peticionário viola a privacidade que
justificadamente confiava ter ao usar o telefone e isso constitui uma ‘busca e apreensão’
contida no significado da quarta emenda”682, determinando, por isso, a exclusão da prova
por falta de “mandado, que é pressuposto constitucional para este tipo de vigilância
eletrônica”683.
Apenas sete meses após Katz, o Título III da Lei Omnibus de Controle de Crime
e Ruas Seguras passou a regular a interceptação telefônica, prevendo, entre outra coisas, uma
exclusionary rule para que “nenhuma parte do conteúdo de qualquer comunicação
interceptada em violação ao estatuto ‘pode ser admitida como evidência em julgamento,
oitiva ou outro procedimento na ou perante qualquer corte, grand jury [...]’ ou qualquer
autoridade federal ou estadual”684.
Também no Brasil, o art. 5º, caput, XII, da CF, fixa a prévia autorização judicial
como linde obrigatório a ser seguido para a excepcional quebra do sigilo das comunicações
telefônicas,685 sendo que a sua inobservância maculará a prova de ilicitude.686

681
MELLADO, José María Asencio; PÉREZ ARROYO, Miguel. La prueba prohibida y prueba preconstituida
en el proceso penal: fundamentos dogmático-procesales y de derecho comparado para la aplicación de la
prueba prohibida en el proceso penal acusatorio. Lince (Peru): Instituto Peruano de Criminologia y Ciencias
Penales, 2008 p. 142, tradução nossa.
682
Katz v. United States. Certiorari to the United States Court of Appeals for the Ninth Circuit. Dez., 1967,
tradução nossa. Disponível em:
<https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep389/usrep389347/usrep389347.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
683
Katz v. United States. Certiorari to the United States Court of Appeals for the Ninth Circuit. Dez., 1967,
tradução nossa. Disponível em:
<https://cdn.loc.gov/service/ll/usrep/usrep389/usrep389347/usrep389347.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.
684
KAMISAR, Yale et al. Modern criminal procedure: cases, comments and questions. 11 ed. USA: Thonson
West, 2005. p. 474, tradução nossa. Sobre o tema, Grinover expõe: “[...] o Supremo americano tem adotado a
tese de que é sempre necessária a prévia autorização da autoridade judiciária, mesmo nos casos
excepcionalmente previstos [...]. Quanto à eficácia probante da interceptação telefônica, feita contrariamente
à lei, o art. 1.215 determina a inadmissibilidade, como prova em juízo, da comunicação, bem como a
inadmissibilidade das provas que dela derivem” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas, interceptações
e escutas. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 276).
685
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 10 ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 211.
686
Conforme ensinam Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes: “[c]onstituem, assim, provas ilícitas as
obtidas com violação do domicílio (art. 5.º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5.º, XII, da CF); as
conseguidas mediante tortura ou maus-tratos (art. 5.º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade
(art. 5º, X, da CF)” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO,
Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10 ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais,
188

Assim, não resta dúvida de que, independentemente do fundamento material ou


processual historicamente adotado por cada sistema jurídico, a captação ilegal, por terceiros,
da comunicação telefônica do investigado é hipótese de exclusão de prova.
Neste contexto, os suportes técnicos dos diálogos captados no curso de uma
interceptação telefônica ganham importância como registros úteis para a manutenção da
cadeia de custódia, uma vez que são necessários para demonstrar que as conversas foram
captadas dentro dos limites da autorização judicial, tanto no que se refere ao período, como
ao terminal utilizado no diálogo.687
A prévia decisão judicial fundamentada, por si só, não permite concluir que as
conversas juntadas ao processo foram legalmente obtidas, caso estas não estejam
acompanhadas de informações que as vinculem aos limites da autorização, pois somente os
dados referentes ao dia, hora e número do telefone, de cada diálogo, permitirão ao juiz e às
partes constatarem que efetivamente a captação se deu dentro do prazo concedido e que foi
obtida de terminal com monitoramento autorizado.
A falta dos dados referentes ao dia, hora e terminal telefônico permite que
diálogos captados em período anterior ou posterior à autorização judicial, ou de um terminal
telefônico diverso dos que foram permitidos, misturem-se com os legalmente obtidos,
impedindo a necessária verificação de vínculo entre o resultado do meio de pesquisa de prova
e os limites impostos legalmente à sua produção.
Nessa hipótese, o problema pode não ser resolvido pela irrelevância ou
impertinência da prova porque, independentemente de quando e de qual terminal foi captado,
o conteúdo do diálogo poderá ter relação com o fato alegado no processo e a realização de
perícia poderá indicar o investigado como interlocutor e atestar que não houve cortes ou
adulterações no conteúdo.

2007. p. 159). No mesmo sentido, especificamente sobre a interceptação telefônica integrar o núcleo de reserva
de jurisdição, Vilares: “[...] a própria Constituição Federal, na redação dada ao inciso XII do artigo 5º
condiciona o afastamento do sigilo telefônico a uma decisão judicial. Isso significa que temos uma cláusula
de reserva de jurisdição constitucional expressa, a qual não pode ser desrespeitada em nenhuma hipótese”.
Por isso, continua a autora, “[n]ão se pode olvidar ser caracterizada como criminosa a conduta de realizar
interceptação telefônica, informática ou telemática sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais.
Nesse caso, estaremos diante de prova ilícita, a qual não poderá ser admitida no processo [...]” (VILARES,
Fernanda Regina. Processo penal: reserva de jurisdição e CPIs. São Paulo: Ônixjur, 2012. p. 148).
687
Conforme reconhece Badaró, “[...] é evidente que a necessidade de identificação do interlocutor decorre
da própria natureza da medida, que demanda identificação do número da linha telefônica interceptada”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI,
Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 530).
189

Entretanto, a quebra na cadeia de custódia que impede a identificação do áudio


como sendo o que a parte diz ser, isto é, resultado obtido dentro dos limites autorizados, tem
potencial de esconder a violação a direito fundamental do investigado, já que não permite a
futura verificação da sua legalidade para a sua autenticação.
Em um caso como este, concluímos que a quebra da cadeia de custódia deverá
conduzir à ilegalidade de todos os diálogos juntados aos autos em que seja impossível a
verificação da potencial violação a direito fundamental.
Tal conclusão é derivativa lógica dos requisitos estabelecidos
constitucionalmente para a mitigação de direito fundamental na produção da prova, os quais
não só devem ser obrigatoriamente seguidos, como devem ser posteriormente verificáveis
pelo acusado, que não participou da produção da prova cautelar, e pelo Magistrado, em juízo
de confirmação da observância, pelos agentes policias e ministeriais, dos limites
estabelecidos para execução do meio de pesquisa de prova.
Por outro lado, não entendemos ser matéria relacionada à quebra da cadeia de
custódia a discussão acerca da necessidade de todos os diálogos captados no curso da
interceptação telefônica serem disponibilizados às partes.688 Nesse ponto, concordamos com
Badaró quando afirma que, “em tal contexto, confundiu-se a cadeia de custódia, entendida
como a documentação da cadeia de custódia – ainda que de algo imaterial – como o
conteúdo das conversas – com a própria existência da fonte de prova”689.
Da maneira como entendemos, foi justamente a hígida manutenção da cadeia de
custódia que permitiu às partes identificarem, nos suportes técnicos da interceptação
telefônica, que alguma conversa recebida ou feita daquele terminal, em determinado dia e
hora, não foi apresentada, apesar de o telefone estar sob monitoramento.
Apesar disso, ainda que entendamos que a hipótese não é de quebra da cadeia de
custódia, concordamos, por outros fundamentos, com a ilegalidade da prova. Isso porque a
revelação, pela correta manutenção da cadeia de custódia, da destruição ou perda de parte
do conteúdo interceptado que não foi encaminhado ao processo implica “clara violação das
regras processuais dos artigos 8º e 9º da Lei nº 9.296/96, tornando a prova ilegítima”690.

688
Em sentido diverso: PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial
Pons, 2019. p. 11.
689
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 529.
690
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 531/532.
190

Em analogia a esta hipótese em que a existência dos registros técnicos revelaram


a não apresentação de parte do conteúdo da interceptação telefônica, é possível cogitar o
desaparecimento de uma arma de fogo apreendida na posse do acusado, no curso de uma
investigação, em que a custódia, com toda a sua cadeia, foi devidamente registrada até o
sumiço do objeto do depósito da polícia. Por certo que deverá ser discutida a possibilidade
de admissão como prova de eventual laudo produzido na fase policial, sem contraditório,
quando a impossibilidade de sua repetição judicial se deu por responsabilidade exclusiva do
Estado na guarda do objeto do crime; ou ainda a falta de materialidade para o recebimento
da denúncia ou para condenação. Contudo, neste exemplo, a discussão não envolve a quebra
na cadeia de custódia.
Nessa mesma situação, porém, a quebra da cadeia de custódia seria importante
se, por exemplo, a arma de fogo fosse encontrada após certo tempo, pois se tornaria
necessária a discussão acerca da manutenção da sua integralidade para a realização da
perícia, em contraditório.
Dessa forma, concluímos que deverão ser submetidos ao tratamento dedicado às
exclusões probatórias as falhas na manutenção da cadeia de custódia que impedirem as partes
e o juiz de verificarem a preservação dos direitos fundamentais do acusado, nas hipóteses
em que a lei proibir a sua mitigação ou impuser limites à sua restrição para a obtenção de
fontes ou elementos de prova.

3.3. Valoração

Conforme desenvolvido ao longo dos itens 3.1 e 3.2, supra, não aderimos à
parcela da doutrina que nega qualquer relação entre a quebra da cadeia de custódia e a
admissibilidade da prova.691 Contudo, dentro do regime de inclusão de provas com o qual
trabalhamos (item 3.1.1.2., supra), não é possível desconsiderar os casos em que os
elementos ou fontes de prova entrarão no processo apesar das falhas nos registros de todos
os elos necessários para a sua completa autenticação.692

691
Sustentando que a quebra da cadeia de custódia não afeta a admissibilidade da prova: BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES,
Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2017. p. 535/536; DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa.
A cadeia de custódia da prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.).
A prova do enfrentamento à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 552; GONZÁLEZ,
Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley, 2016. p. 111/115.
692
Dessa forma, também não aderimos à parcela da doutrina que defende que a quebra na cadeia de custódia
refletirá sempre na sua admissibilidade, como fazem: PÉREZ, Marta del Pozo. Diligencias de investigación y
191

Ao tratar do tema, as Cortes norte-americanas têm separado os casos que


refletem na admissibilidade ou na valoração da prova pela análise da gravidade da quebra
da cadeia de custódia. Nesse sentido, ao julgar o caso Lobozzo, a Suprema Corte de Maine
assentou que “uma falha pequena na cadeia de custódia deve afetar o peso que é atribuído
à evidência, mas não deve afetar a sua admissibilidade”693.
Da mesma forma, ao analisar a jurisprudência norte-americana sobre cadeia de
custódia, Valmaña Ochaita identificou que “os casos de deficiências simples na cadeia de
custódia afetam o peso da prova”694.
Outrossim, Giannelli esclarece a divisão adotada no sistema norte-americano ao
afirmar que, para satisfazer os critérios de admissibilidade, a parte “não precisa eliminar
toda a possibilidade de substituição, alteração ou contaminação”695, uma vez que a mera
possibilidade de esses fatos terem ocorrido “não resulta na inadmissibilidade da evidência
física, mas levanta questões sobre o peso que será a ela concedido”696.
No mesmo sentido, tratando do sistema mexicano, após reconhecer que a perda
da continuidade da cadeia de custódia pode ter “vários efeitos”, Cervantes destaca “a perda
da qualidade da prova que diminui ou afeta severamente seu valor processual”697.
Por sua vez, tratando sobre o tema no ordenamento jurídico colombiano,
González reconhece que os “defeitos da cadeia de custódia, acreditação ou autenticidade
da evidência ou elemento de prova pode conspirar contra a eficácia, credibilidade ou
assimilação de seu mérito probatório”698.

cadena de custodia. Madrid: Sepín, 2014. p. 148/153; KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no
direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 178/179, em especial nota de rodapé nº 209;
EDINGER, Carlos. Cadeia de custódia, rastreabilidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais.
São Paulo, vol. 24, n. 120, p. 237-257, mai./jun. 2016. p. 252/255; PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da
prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 135; LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual
penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 414.
693
State of Maine v. Kevin Lobozzo, tradução nossa Disponível em
<https://www.courts.maine.gov/opinions_orders/opinions/documents/98me228l.htm>, acesso em 26.12.2019.
694
VALMAÑA OCHAITA, Silvia. La regulación normativa de la cadena de custodia en Estados Unidos,
Europa e Hispanoamérica. In: FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso
penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 175, tradução nossa.
695
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 460. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 07 jan. 2020.
696
GIANNELLI, Paul C. Chain of custody. Faculty Publications. 1996. p. 460. Disponível em:
<https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1344&context=faculty_publications>.
Acesso em: 07 jan. 2020.
697
CERVANTES, Esteban Augustín. La cadena de custodia en el procedimento penal mexicano. Ciudad de
México: Tirant lo Blanch, 2016. p. 57, tradução nossa.
698
GONZÁLEZ, Rubén Darío Angulo. Cadena de custodia en criminalística. 4 ed. Bogotá: Doctrina y ley,
2016. p. 113, tradução nossa.
192

No Brasil, a parcela da doutrina que refuta as consequências da quebra da cadeia


de custódia na admissibilidade da prova reconhece que “a quebra de um dos seus elos [...]
interfere no peso a ser-lhe dedicado pelo juiz na formação de seu convencimento”699.
Assim, nas hipóteses em que a quebra da cadeia de custódia não resultar na
inadmissibilidade da prova, entendemos que será no contexto da valoração que o julgador
deverá verificar se a lacuna informativa deixada pelo rompimento dos elos da cadeia
diminuirão a capacidade informativa do elemento de prova resultante do procedimento
probatório que não foi devidamente registrado.700
Destaca-se, aliás, que esse entendimento é consequência necessária da
possibilidade de a quebra da cadeia de custódia retirar do elemento ou fonte de prova a sua
pertinência e relevância, demonstrada anteriormente neste trabalho (item 3.1.1.1, supra).
Para sustentar a inadmissibilidade da prova em decorrência da não superação dos
critérios lógicos da pertinência e relevância, estabeleceu-se que a quebra na cadeia de
custódia pode tirar do elemento ou fonte de prova o seu potencial de influenciar no
julgamento. Contudo, por trabalhar com um regime de inclusão (item 3.1.1.2, supra),
concluiu-se que, em havendo uma maior possibilidade de a prova ser pertinente ou relevante,
do que de não ser, ela deve ser admitida.
Portanto, desde o momento do juízo de admissibilidade, concluiu-se que o
potencial informativo do elemento de prova pode ser influenciado, em maior ou menor grau,
pelos efeitos da quebra da cadeia de custódia.
Como consequência lógica, então, ao valorar elemento de prova admitido
mesmo com quebra na cadeia de custódia, o juiz deverá reconhecer a sua menor
credibilidade, decorrente das incertezas que pairam sobre a sua identidade e integralidade,
para definir o valor que lhe atribuirá.

699
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da
prova. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Orgs.). A prova do enfrentamento
à macrocriminalidade. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 566. No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES,
Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2017. p. 535/536.
700
De acordo com Gomes Filho, “[s]uperada essa fase prévia de seleção daquilo que pode servir de base à
formação de convencimento judicial, e depois de efetivamente produzidas as provas admissíveis, pertinentes
e relevantes (o momento heurístico a que se refere Ubertis), o procedimento probatório chega a seu momento
final e mais importante, o da valoração, no qual cabe ao juiz analisar os elementos obtidos e deles extrair as
suas conclusões quanto às afirmações sobre os fatos da causa” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A
motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 126/127).
193

Salienta-se, contudo, que a decisão sobre enquadrar a quebra da cadeia de


custódia na barreira dos critérios lógicos de admissibilidade ou deixá-la para o momento da
valoração é, muitas vezes, casuísta e subjetiva, não tendo qualquer relação com a gravidade
da falha ou com o nível de conexão possível de ser auferido entre a prova e objeto do
processo.
Nesse sentido, Gutiérrez Sanz adverte que “[o] casuísmo nesta matéria é muito
elevado. De fato, nem sequer a existência de uma mesma irregularidade tem em todo caso
as mesmas consequências”701.
No caso United States of America v. Robert Rawlins, por exemplo, apesar de a
Corte de Apelação para o terceiro circuito ter expressamente reconhecido a quebra na cadeia
de custódia em razão da inexistência de qualquer informação sobre como as drogas foram
enviadas do local da sua apreensão, na cidade de Newark, para o de sua análise, na cidade
de Nova Iorque,702 decidiu-se não reformar a decisão que julgou a prova admissível em razão
da “deferência que devemos à Corte Distrital na resolução de causas desta natureza”703.
Apesar da subjetividade e do casuísmo que podem afetar a correção da decisão,
superada a admissão do elemento de prova que contenha quebra na cadeia de custódia, este
será integrado ao conjunto probatório que será submetido à valoração judicial.
Segundo Badaró, a valoração racional a ser feita pelo julgador “pode ser dividida
em dois momentos distintos: no primeiro analisando o valor de cada meio de prova em si;
no segundo, analisando as provas em seu conjunto para verificar o suporte global que dão
a cada uma das afirmações fáticas penalmente relevantes”704.

701
GUTIÉRREZ SANZ, María Rosa. La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi,
2016, p. 108, tradução nossa.
702
Conforme consta da decisão, “[r]awlins argumenta que a cadeia de custódia das drogas apreendidas a
cada dia foi quebrada porque não há evidências conectando as drogas que foram colocadas em armários de
evidência com as que foram recebidas e testadas pelo DEA. Nós concordamos. Com relação à cocaína
apreendida em 8 de novembro, o químico da DEA Craig testemunhou que ‘pegou a evidência do cofre
principal’, mas Craig estava na Cidade de Nova York, enquanto o agente Benwell testemunhou que ele colocou
as drogas na sala de provas de Newark. Nunca foi estabelecido se Craig retirou, ela mesma, a cocaína de
Newark ou se essas drogas foram em algum momento transferidos de Newark ao que Craig chamou de ‘cofre
principal’ em Nova York” (Robert Rawlins v. United States of America. United States Court of Appeals for the
Third Circuit. n. 08-2948, mai. 2010, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.govinfo.gov/content/pkg/USCOURTS-ca3-08-02948/pdf/USCOURTS-ca3-08-02948-0.pdf>.
Acesso em: 20 nov. 2019).
703
Robert Rawlins v. United States of America. United States Court of Appeals for the Third Circuit. n. 08-
2948, mai. 2010, tradução nossa. Disponível em: <https://www.govinfo.gov/content/pkg/USCOURTS-ca3-08-
02948/pdf/USCOURTS-ca3-08-02948-0.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2019.
704
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 203.
194

Não obstante os dois momentos da valoração sejam importantes no julgamento


das hipóteses fáticas discutidas no processo, a análise dos reflexos da quebra da cadeia de
custódia deve ser feita no primeiro705,706 pois, conforme Gomes Filho, essa é a etapa em que
se faz a “apreciação isolada sobre a aptidão de cada elemento obtido para servir como
fundamento ao convencimento judicial (atentabilidade, idoneidade, credibilidade,
autenticidade da prova)”707.
No mesmo sentido, Ferrer Beltrán destaca que, inicialmente, deve-se “valorar
cada elemento de prova de forma individual, mediando a confiabilidade da testemunha, do
perito, do documento, etc.”708, pois “a valoração individual da prova é imprescindível para
posteriormente realizar uma valoração conjunta”709.
Assim, na atividade de valoração, o julgador deverá restringir a influência
negativa da quebra da cadeia de custódia ao potencial informativo do elemento de prova
obtido sem a manutenção devida dos registros, numa análise individualizada, ainda que num
segundo momento, de maneira reflexa, o enfraquecimento do valor dessa prova possa afetar
o julgamento como um todo, a depender do déficit de valor que lhe seja atribuído e da sua
importância dentro da integralidade do conjunto probatório.710
Por fim, considerando que a condenação penal pressupõe a existência de provas
que justifiquem, a partir da inferência probatória, a elevadíssima probabilidade dos fatos
afirmados pela acusação,711 a utilização de um elemento de prova obtido com violação da

705
Referindo-se especificamente ao primeiro momento da valoração, Gomes Filho explica que “o passo inicial
do procedimento de valoração consiste numa nova seleção das provas já reputadas admissíveis, pertinentes e
relevantes, agora com a finalidade de determinar-lhes a credibilidade racional” (GOMES FILHO, Antonio
Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 127).
706
Para a análise completa do contexto da valoração, ver: FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional
de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 91 e ss; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 200 e ss; GOMES
FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 126 e ss.
707
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 127.
708
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 125,
tradução nossa.
709
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 125,
tradução nossa.
710
Como ressalta Tonini, “[g]eralmente, não existe somente uma prova, mas muitas provas. Os ‘resultados
probatórios’ relativos devem ser valorados pelo juiz com o objetivo de reconstruir o fato a ser provado”
(TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64).
711
Neste sentido, Badaró sustenta: “[a] primeira vantagem é deixar claro que o processo de valoração consiste
em verificar provas que confirmem os fatos. Isto é, parte-se das provas para os fatos já imputados. Portanto,
o standard é formulado em termos de provas que justifiquem, a partir da inferência probatória, os fatos
afirmados. As formulações anteriormente analisadas partiam das hipóteses para sugerir em que medida elas
estariam justificadas por provas. O segundo aspecto positivo é quanto ao critério de gradação do suporte que
as provas dão às hipóteses fáticas. Sugere-se expressão que, de modo mais simples e direto, remete a um
195

cadeia de custódia, para fundamentar uma condenação, “exigirá um reforço justificativo,


demonstrado o porquê ser possível confiar na autenticidade e integralidade”712 da prova.

significado mensurável: ‘elevadíssima probabilidade’, em vez de expressões que nãos são unívocas em, mais
comumente se referem a propriedades não escalonáveis, como razoabilidade ou plausibilidade. Esclareça-se
que, de acordo com as premissas do trabalho, trata-se de probabilidade não matemáticas ou quantificável em
números. Exige-se uma elevadíssima probabilidade lógica (baconiana), a partir da força de confirmação da
hipótese imputada e da eliminação das hipóteses rivais” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 259/260).
712
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 536.
197

4. CADEIA DE CUSTÓDIA NA PERÍCIA DE IDENTIFICAÇÃO POR


DNA

O estudo desenvolvido até este capítulo demonstrou que, mesmo dentro de um


processo penal orientado pela busca da verdade, o grau de verdade obtido com a
reconstrução de fatos históricos713 “é determinado diretamente pela disciplina legal do
procedimento probatório que se adote para a verificação dos objetos do processo”714.
Como consequência, o processo penal demanda a adoção de método epistêmico
de verificação da fidelidade existente entre o elemento de prova inserido no processo e o fato
histórico que se pretende reconstruir, tornando-se, assim, indispensável a manutenção da
cadeia de custódia, isto é, da história da evidência “desde a sua coleta até a sua apresentação
na Corte”715.
As regras de manutenção da cadeia de custódia, assim, possuem enorme
relevância no processo penal, já que estão intrinsicamente relacionadas à obtenção da
verdade judicial, sendo “fundamentais para garantir o juízo mediante a redução dos riscos
de erro judiciário”716.
Para além disso, a manutenção da cadeia de custódia também exerce função
importante no registro de informações que permitam verificar se a prova foi obtida e
produzida sem violar as proibições de meio de prova ou, ainda, dentro dos limites
excepcionais que autorizam a sua produção em restrição a direito fundamental do
investigado.
Não obstante a cadeia de custódia tenha importância na acreditação de diferentes
elementos ou fontes de prova (cf. capítulo 2, item 2.3, supra), Lopes Jr. e Morais da Rosa

713
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 28.
714
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 37.
715
SWANSON, C.R.; CHAMELIN N.C.; TERRITO, L. Criminal Investigation. 8 ed. Boston: McGraw-Hill,
2003. p. 33, tradução nossa. No mesmo sentido, conforme Geraldo Prado, “[a] cadeia de custódia nada mais
é que um dispositivo dirigido a assegurar a fiabilidade do elemento probatório, ao colocá-lo sob a proteção
de interferências capazes de falsificar o resultado da atividade probatória” (PRADO, Geraldo Luiz
Mascarenhas. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas
obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 86).
716
PRADO, Geraldo. Ainda sobre a “quebra da cadeia de custódia das provas”. In: Boletim do IBCCrim, n.
262, setembro de 2014, p. 16-17.
198

exaltam sua “especial relevância” na produção daquelas “que sedam os sentidos e tem a
pretensão de bastar-se por si só, de serem autorreferenciadas, tais como [...] o DNA”717.
Com a mesma percepção, Figueroa Navarro denuncia “sentenças que outorgam
à prova de DNA um caráter técnico e identificador de superior valor ao resto das provas”718,
fato substancialmente agravado pela constatação de Roselló, dando conta de que, “com
frequência, tomam-se decisões sem considerar que fiabilidade tem um teste”719.
Ocorre que, conforme doutrina especializada em genética forense, o exame de
identificação por DNA terá condições de revelar perfis “quando todas as etapas, isto é,
coleta e preservação do material biológico, extração de DNA, genotipagem de marcadores
polimórficos, e análises estatísticas para a obtenção de índices e probabilidades, são
conduzidos de acordo com padrões de qualidade rigorosos”720, sendo “imprescindível que
seja estabelecida uma cadeia de custódia sólida e bem documentada, de forma que a
evidência se sustente no tribunal”721.
Assim, mesmo que se considere que “as provas genéticas, em termos de
identificação, são as mais seguras que se tem conhecimento”722, é inegável, como será
tratado ao longo desse capítulo, que “as análises de DNA não podem ser tidas como uma
prova plena porque não são infalíveis”723.
A relação entre o forte poder de persuasão da prova de identificação por DNA e
as possíveis – e muitas vezes desconsideradas – incertezas que o seu resultado pode conter,
traz relevo para a análise dos aspetos da cadeia de custódia desse elemento de prova,
especialmente para verificar, desde a localização e coleta das fontes de prova, até o método

717
LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para preservar a prova
penal. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan-
16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>. Acesso em: 27 nov. 2019.
718
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 108,
tradução nossa.
719
ROSELLÓ, Francesc Torralba. Preguntas éticas que suscitan las pruebas genéticas. In: MASIÁ CLAVEL,
Juan. Pruebas genéticas: genética, derecho y ética. Bilbao: Universidad Pontificia Comillas / Desclée De
Brouwe, 2004. p. 130, tradução nossa.
720
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 194.
721
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 194.
722
NICOLITT, André Luiz; WEHRS, Carlos Ribeiro. Intervenções corporais no processo penal e a
identificação criminal: lei 12.654/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 73.
723
NICOLITT, André Luiz; WEHRS, Carlos Ribeiro. Intervenções corporais no processo penal e a
identificação criminal: lei 12.654/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 73.
199

pericial utilizado, os principais pontos de interesse para a autenticação da prova de


identificação por DNA.724

4.1. Perícia de identificação por DNA para fins penais

4.1.1. Introdução às questões genéticas e matemáticas relacionadas ao exame


de identificação por DNA

Os desdobramentos dos estudos sobre genética vão muito além da sua influência
no direito, afetando também áreas como a medicina (e.g. células tronco para cura de doenças,
medicina preventiva com base na predisposição genética de desenvolver doenças), a biologia
(e.g. plantas geneticamente modificadas), psicologia (e.g. traços da personalidade definidos
geneticamente), entre outros.725
O presente trabalho, contudo, restringirá o seu escopo à análise das descobertas
científicas relacionadas ao genoma humano que permitem o seu uso na identificação de
pessoas pelo DNA para fins penais, seguindo-se para a descrição dos métodos periciais
utilizados com essa finalidade.
No que interessa para a identificação de pessoas, o DNA é composto por duas
longas linhas paralelas às quais estão presas milhões de bases nitrogenadas, denominadas de
adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C).726 Ao longo de toda a extensão do DNA,

724
Neste ponto, Gutiérrez Sanz afirma: “[o] certo é que atacar a valoração da prova científica se converteu
em uma missão extremamente complexa, e o próprio legislador, através de alguns de seus preceitos aumenta
esta dificuldade. Porém, se isso é assim, ao menos o que se deve garantir é que essa prova científica, à qual
se confere valor capital no processo, seja realizada sobre evidências que foram colhidas no lugar do delito
sem que tenha ocorrido alteração, destruição ou modificação. Essa é a finalidade perseguida ao garantir a
integridade das diversas ligações que conformam a cadeia de custódia” (GUTIÉRREZ SANZ, María Rosa.
La cadena de custodia en el proceso penal español. Navarra: Aranzadi, 2016. p. 34-35, tradução nossa).
725
Conforme Jobim et at.: “[o] avanço tecnológico nas ferramentas e metodologias para o estudo do DNA faz
com que a genotipagem de SNP fosse amplamente utilizada em diversas áreas: farmacogenômica e
farmacogenética, agricultura e pecuária, doenças genéticas, evolução humana e evolução genômica e também
na área da identificação humana” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz
Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-
legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 198).
726
A composição completa do DNA nuclear, conforme Eisele, Campos e Vanrell, é a seguinte:
“[e]struturalmente os ácidos nucleicos encontram-se constituídos por polímeros, isto é, longas cadeias de
nucleotídeos ligados entre si por um enlace 3´-5´-fosfo-diester. Cada um destes nucleotídeos quando isolados
é formado por um grupo fosfato, sob a forma pirofosfato, e um nucleosídeo. O nucleosídeo, pela sua vez, está
integrado por um carboidrato (pentose) e uma base nitrogenada. As pentoses que se encontram nos ácidos
nucleicos são a ribose [no RNA] e a desoxirribose. As bases nitrogenadas podem pertencer ao grupo das
pirimidinas – timina e citosina – as duas bases pirimidínicas presentes no DNA, ou ao grupo das purinas –
guanina e adenina –, sendo as duas bases púricas que se encontram em todo o tipo de ácido nucléico”
(EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 116).
200

uma base nitrogenada presa à primeira linha sempre estará conectada (pareada) a uma base
nitrogenada presa à segunda linha, de maneira não aleatória, pois a adenina sempre fará par
com a timina (A com T), enquanto a guanina sempre estará conectada à citosina (G com C).
Essas ligações são denominadas de pares de bases.727
Os seres humanos possuem 46 dessas fitas duplas que formam o DNA,
organizadas em uma estrutura chamada cromossomo. Ao todo, portanto, são 46
cromossomos, organizados em 23 pares homólogos,728 sendo que, em cada dupla, um
cromossomo foi recebido do pai e o outro da mãe.
As fitas de DNA dispostas possuem, individualmente, uma grande variedade de
informações genéticas organizadas de forma sequencial, denominando de loco (do latim
locus, plural loci) cada um destes trechos.729 Como os cromossomos pareados possuem os
mesmos trechos de informações genéticas, um de cada genitor, as pessoas terão duas
informações genéticas para um mesmo loco.
Dentro de um mesmo loco, portanto, a informação genética também pode variar,
sendo que “cada possível variação é chamada de alelo. Geralmente, existem entre seis e
dezoito alelos para cada loco. Cada pessoa herdou dois destes alelos, um de cada pai, e o
par destes alelos em um determinado locus constitui o genótipo”730. No caso em que o
indivíduo recebe de cada um dos pais o mesmo alelo, é chamado de homozigoto para aquele
loco, já quando os alelos são diferentes, será heterozigoto.
Por meio do projeto genoma humano desenvolvido em escala global entre os
anos de 1990 e 2003, conforme documento publicado pelo Centro de Pesquisa sobre o
Genoma Humano e Células-tronco da Universidade de São Paulo, conseguiu-se “determinar
a sequência dos cerca de 3,2 bilhões de pares de bases que compõem o genoma do Homo

727
Nesse sentido, explica Bianca Carvalho: “[a]s quatro bases nitrogenadas presentes no DNA são: duas
purinas – A (Adenina) e G (Guanina); e duas pirimidinas – C (Citosina) e T (Timina). Entre as duas cadeias
complementares ocorre o pareamento entre adenina e timina (formando duas pontes de hidrogênio), e entre
guanina e citosina, formando três pontes de hidrogênio, sendo, portanto, um pareamento mais estável”
(CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e
revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 290).
728
JOBIM, Luiz Fernando et al. DNA e crime. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís
Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação
pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 225.
729
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 88.
730
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 241,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
201

sapiens”,731 isto é, listar cada uma das cerca de 3,2 bilhões combinações “A com T” ou “C
com G” existentes no DNA humano.
Essa tarefa somente foi possível porque, apesar da visível diversidade fenotípica
dos seres humanos, a “sequência do genoma humano é 99,9% exatamente a mesma em todas
as pessoas”732. Em outras palavras, 99,9% da sequência de 3,2 bilhões de combinações “A
com T” ou “C com G” é mesma em todo ser humano.733
Com tamanha similaridade na codificação do DNA de todas as pessoas,
conseguiu-se determinar o padrão da sequência de bases nitrogenadas que deve se repetir em
todas as pessoas e, além isso, identificar quais são as bases nitrogenadas correspondentes ao
0,1%, que podem diferir nos indivíduos, isto é, os fragmentos potencialmente polimórficos
do DNA humano.
A codificação de um genoma humano comum a todos foi essencial para o
desenvolvimento da identificação por DNA. Somente com essa fonte primária de
comparação, tornou-se possível identificar os casos em que duas amostras apresentam as
mesmas diferenças em relação ao 99,9% de semelhança do sequenciamento modelo. Por
terem sofrido a mesma mutação, as amostras são iguais entre si, mas diferentes do DNA
humano padrão.
Da mesma forma, mas pela lógica inversa, pode-se averiguar a identidade entre
duas amostras de DNA procurando por igualdade entre elas nos trechos correspondentes ao
0,1% do sequenciamento do genoma humano com potencial polimórfico, ou seja, procurar
igualdade nos trechos em que são comuns as variações.
Portanto, a identificação por DNA é feita pela análise dos trechos de
polimorfismos do genoma humano, isto é, pela comparação “das regiões de variabilidade
genética que serve como base para a distinção entre indivíduos”734. Assim, na hipótese de

731
O Projeto Genoma Humano. Centro de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
732
O Projeto Genoma Humano. Centro de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
733
Conforme Michelin, Freitas e Kortmann, “[a] ordem das bases do DNA humano já foi decifrada através do
projeto genoma humano, finalizado em 2003, que mostrou que a sequência das bases no nosso DNA como um
todo é extremamente semelhante em todos os indivíduos. Menos de 1% da sequência é variável, e boa parte
das diferenças residem em sequências repetitivas, que não codificam proteínas” (MICHELIN, Kátia;
FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus
Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas:
Millennium, 2013. p. 87).
734
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 124.
202

as regiões polimórficas de duas amostras apresentarem as mesmas sequências, estar-se-á


mais próximo de uma identificação positiva.
Entretanto, não obstante as regiões polimórficas estejam no 0,1% de
diferenciação do código genético humano ou decorram de mutação em base nitrogenada
pertencente aos 99,9% de igualdade sequencial, pessoas distintas podem apresentar
semelhanças em polimorfismos, já que algumas mutações genéticas e, também, parcelas do
sequenciamento não idêntico das bases nitrogenadas podem ser comuns a diversas pessoas.
Por conta disso, a identificação por DNA pressupõe a prévia seleção dos
polimorfismos que serão comparados para que se faça um estudo populacional sobre a
frequência com que podem se repetir em pessoas diferentes. Conforme explicam Michelin,
Freitas e Kortmann, apenas com “o estudo de um conjunto de locos em um número
significativo de indivíduos, é possível determinar as frequências alélicas em uma dada
população”735 e, com isso, calcular “as probabilidades estatísticas de se observar um dado
perfil genético”736.
Um exemplo é a região polimórfica do código de DNA indicada como
“D351358”, que possui um poder de exclusão de 54% na população caucasoide brasileira,
sendo certo que “quanto maior o poder de exclusão, mais informativa será a análise”737. No
entanto, ainda que o exame constate a identidade entre as amostras comparadas no que se
refere ao polimorfismo “D351358”, a sua análise isolada não será suficiente para, por si só,
concluir por uma identificação positiva. Isso porque, apesar dos 54% de poder de exclusão,
este trecho do DNA continua apresentando elevada frequência naquela população, sendo que
a igualdade entre dois perfis distintos de DNA pode ser mera coincidência.
Por isso, como destaca Bonaccorso, para se afirmar um resultado positivo de
identificação de um indivíduo, “deverão ser analisados loci em número suficiente que
comprove não somente que ele não possa ser excluído como fonte do DNA, mas também que
se comprove virtualmente que fica excluída toda a população mundial”738.

735
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 88.
736
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 88.
737
Conforme tabela disponível em: JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz
Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-
legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p.189.
738
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 81. Disponível em:
203

Dessa forma, os dados genéticos da população739 e a matemática estatística estão


intrinsecamente relacionados ao resultado do exame de identificação de DNA, pois somente
assim será possível saber se os perfis de DNA comparados possuem uma “combinação de
traços genéticos extremamente raros”740, caso contrário, em não sendo o perfil raro, “seria
fácil de imaginar que o suspeito pode não estar relacionado ao crime e que a identidade das
amostras é fruto da causalidade”741.
Portanto, o exame de identificação por DNA exige tanto o conhecimento
científico relacionado ao sequenciamento genético humano e aos seus trechos polimórficos,
como também a realização de estudos para quantificação matemática da frequência com que
as alterações se repetem em uma dada população.

4.1.2. Procedimento de identificação por polimorfismos STR (short tandem


repeats ou repetições curtas consecutivas ou microssatélites)

Conforme concluiu o projeto genoma humano, de toda a sequência de bases


nitrogenadas que compõem o DNA, apenas “cerca de 2% do genoma codifica instruções
para a síntese de proteínas”742, ao passo que “mais do que 50% do genoma humano”743 é
composto por sequências repetidas de bases nitrogenadas “que não codificam proteínas”744.
Essas sequências repetidas são denominadas de VNTR (variable number tandem
repeats), isto é, “seguimentos curtos de DNA que são repetidos em série”745, que se
subdivide em minissatélites (ou LTR, long tandem repeats), nos casos em “que são formados

<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
739
Como explica Mário Sérgio Sobrinho, a falta desses dados é um dos principais problemas para a
identificação por DNA: “[u]ma das maiores dificuldades para a implementação do método do DNA na
identificação de suspeitos da autoria de crimes violentos, além do elevado custo, reside na escassez de base
de dados para comparação” (SOBRINHO, Mario Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 39).
740
Nesse sentido: JOBIM, Luiz Fernando et al. DNA e crime. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 225.
741
Nesse sentido: JOBIM, Luiz Fernando et al. DNA e crime. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 225.
742
O Projeto Genoma Humano. Centro de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
743
O Projeto Genoma Humano. Centro de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
744
O Projeto Genoma Humano. Centro de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
745
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121.
204

por sequências de vários nucleotídeos, por exemplo (AATGCGGTACTACTGAGCC)n”746,


ou microssatélites (ou STR, short tandem repeats), que “são parecidos com minissatélites,
mas com estrutura repetida menor (GATA)n”747.
De acordo com Eiseli, Campos e Vanrell:

[...] os loci dos microssatélites, ou STRs (short tandem repeats), possuem 100 a
350 pares de bases de comprimento, com uma unidade de core repeat de 2 a 5
pares de bases. Os loci dos minissatélites, por sua vez, ou LTRs (long tandem
repeats), possuem 400 a 1500 pares de base, com uma unidade de core repeat de
16 até 70 pares de bases.748

Para cada uma destas sequências RFLP e STR foi desenvolvida uma técnica
específica de análise laboratorial,749 fazendo-se necessário abordá-las individualmente.

4.1.2.1 A técnica de RFLP (restriction fragment length polymorphism)

A identificação por DNA começou a ser feita a partir de “sequências de


minissatélites de grande polimorfismo, que permitem a diferenciação de indivíduos, desde
que não sejam gêmeos idênticos”750. Para tanto, utilizava-se da técnica de RFLP (restriction

746
JOBIM, Luiz Fernando et al. O DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato
da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA.
2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 178.
747
JOBIM, Luiz Fernando et al. O DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato
da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA.
2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 178.
748
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121. Com pequena divergência, Mendes Júnior sustenta
que “os SRTs são caracterizados por uma pequena unidade de 2 a 6 pares de base que se repetem in tandem,
isto é, as unidades são arranjadas consecutivamente” (MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas
à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo
Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes. Campinas:
Millennium, 2012. p. 192).
749
Apesar das especificidades, conforme reconhece Bonaccorso, há quatro passos básicos comuns a qualquer
análise de DNA, independentemente da técnica: “[o]s procedimentos básicos incluem: 1) o isolamento do
DNA da amostra que contém DNA de origem desconhecida e, geralmente mais tarde, o isolamento da amostra,
por exemplo, sangue de um indivíduo conhecido; 2) o processamento do DNA para que os resultados do teste
possam ser obtidos; 3) a determinação dos resultados do teste ou tipagem de regiões específicas do DNA; e
4) a comparação e interpretação dos resultados dos testes, da amostra de origem biológica desconhecida
(amostra questionada) e da amostra de origem conhecida (amostra-referência), para determinar se o
indivíduo conhecido está excluído (não é) como a fonte do DNA ou está incluído como a possível fonte do DNA
encontrado na amostra questionada” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na
elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005. p. 43. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
750
JOBIM, Luiz Fernando et al. O DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato
da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA.
2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 178.
205

fragment length polymorphism) ou DNA fingerprint,751 que se baseia no fato de os


minissatélites de grande polimorfismo apresentarem números de repetições diferentes nas
pessoas,752 ou seja, “um conjunto de 7 bases pode ser repetido 5 vezes em um indivíduo e 12
vezes em outro”753.
O método RFLP consiste em análises paralelas da amostra referência e da
amostra questionada, selecionando-se, nas duas, os mesmos locus de VNTR conhecidos por
serem áreas de polimorfismos. Utilizando-se enzimas de restrição capazes de reconhecerem
o início e o final dos VRTNs selecionados, o DNA é cortado em diversos fragmentos de
tamanhos diferentes, cada um deles representando um loci de VRTN específico. No próximo
passo, os fragmentos de DNA são submetidos ao procedimento de eletroforese, no qual os
locus VRTN são colocados todos num mesmo ponto de partida, dentro de um recipiente
contendo um gel de agarose, e submetidos a uma carga elétrica, que estimula os fragmentos
de DNA a se deslocarem em uma mesma direção, com a diferença que os fragmentos
menores se movimentam mais rápido do que os maiores. Dessa forma, ao desligar a corrente
elétrica ao final do procedimento, cada fragmento de DNA fixa-se em uma posição diferente,
de acordo com a distância que conseguiu percorrer em razão do seu tamanho.754
Em seguida, os fragmentos de DNA são transferidos do gel para uma membrana
de nylon, em procedimento que mantém cada um dos fragmentos na sua exata posição final

751
Nesse sentido: CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO,
Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI.
Campinas: Millennium, 2012. p. 291.
752
Conforme Jobim et al., as sequências de microssatélites são “repetidas em números diferentes em cada
indivíduo, dando-lhe uma característica única” (JOBIM, Luiz Fernando et al. O DNA. In: JOBIM, Luiz
Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-
legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 178). São esses
polimorfismos que, segundo Eisele, Campos e Vanrell, são utilizados na análise por RFLP: “[o] polimorfismo
tradicional baseado na análise do comprimento dos fragmentos resultantes da ação das enzimas de restrição
(restriction fragment length polymorphism ou RFLP) é largamente utilizado na pesquisa de DNA em
criminalística, e implica, nos fragmentos cortados (restriction fragments) que incluem loci (regiões internas
dos VNTR) que, consequentemente, são variáveis no comprimento dos fragmentos” (EISELE, Rogério Luiz;
CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina forense e odontologia
legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 119).
753
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 119.
754
Como explicam Jobim et al.: “[o]s testes iniciam pela extração química do DNA; a seguir essa molécula é
cortada com enzimas de restrição (Hinf-I ou Hae) em inúmeros pedaços, sendo realizada posteriormente a
eletroforese desses fragmentos. Esse procedimento possibilita que os pedações do DNA de cada pessoa a ser
testada, depositados em um orifício perfurado no gel de agarose (espécie de gelatina), sejam posteriormente
dispersos linearmente ao longo do comprimento do gel, carregados pela corrente elétrica aplicada durante
cerca de 18 horas. Os fragmentos do DNA distanciam-se do local de aplicação, mais ou menos de acordo com
o seu peso molecular. Bandas mais pesadas migram menos, e as mais leves ficam mais distantes” (JOBIM,
Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís
Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação
pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 183).
206

após o descolamento. Depois, a membrana é inserida em uma incubadora com “probes”, que
são pedaços conhecidos de minissatélites com fósforo radioativo, que se conectarão apenas
com os minissatélites contidos na membrana de nylon com os quais são compatíveis.755
Por fim, a membrana é exposta ao raio-x para revelação dos pontos com
radioatividade, que aparecem como linhas pretas denominados bandas, sendo que cada uma
destas marcas correspondem à localização na membrana de nylon dos locus de VRTN
selecionados, indicando, assim, a distância percorrida por cada um dos fragmentos e,
consequentemente, os seus tamanhos, já que, quanto maior o fragmento, menor será o seu
deslocamento.756
Como a unidade de core repeat é conhecida (4 pares de bases, por exemplo), o
tamanho total do loci de VRTN dependerá exclusivamente do número de repetições desta
combinação inicial, de modo que será a quantidade de repetições que determinará se aquele
fragmento de VRTN percorrerá um caminho mais ou menos longo.
Fazendo-se este procedimento, paralelamente, com diversos loci de VRTN que,
previamente, sabe-se serem propícios a apresentarem diferentes tamanhos (repetições) nas
pessoas (polimórficos), a combinação dos locais finais de deslocamento dos VRTNs
marcadas na fita pelo raio-x representa o perfil genético do indivíduo757 ou, em outra
palavras, a impressão digital do seu DNA (DNA fingerprint).

755
De acordo com Patton, “[o]s fragmentos de DNA são então inseridos num filtro de nitrocelulose exatamente
na mesma posição em que estão no gel, em um processo conhecido como ‘Southern Blotting’. O padrão dos
comprimentos dos fragmentos de DNA só terá valor se puder ser visível. A visibilidade se alcança através da
ligação de moléculas chamadas ‘probes’ aos fragmentos. As ‘probes’ são na verdade comprimentos curtos de
DNA de fita simples (metade da dupla hélice) com uma ‘etiqueta’ radioativa anexada. O ‘blotter’ é lavado
com uma solução de muitas moléculas da ‘probe’ e as ‘probes’ se ligam ou ‘hibridizam’ com fragmento de
DNA no ‘blotter’ que possui uma sequência de bases complementar ao padrão de bases da ‘probe’. Todo o
excesso de material da ‘probe’ é então lavado. Como apenas alguns fragmentos de DNA terão uma sequência
de bases que complementa uma determinada ‘probe’, a ‘probe’ se unirá apenas em determinados locais no
blotter” (PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law &
Technology. Vol. 3, Spring Issue, 1990. p. 226/227. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019).
756
Patton explica este procedimento: “[p]ara ver os locais onde a ‘probe’ se uniu, um pedaço de filme
fotográfico é colocado em contato com o ‘blotter’ e exposto à radioatividade das moléculas da ‘probe’. Esse
filme é então revelado e pontos ou barras pretas aparecem nos locais em que uma ‘probe’ esteja ligada a um
fragmento de DNA. Essas áreas pretas que mostram a presença de ‘alelos’ ou variações de ‘gene’ são
conhecidas como ‘bandas’. O próprio filme fotográfico é conhecido como 'autoradiografia' ou 'autorad'”.
(PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law & Technology. Vol.
3, Spring Issue, 1990. p. 227, tradução nossa Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019).
757
De acordo com Eisele, Campos e Vanrell, “[o] tamanho destes fragmentos é extremamente variável de uma
pessoa para outra, em razão do número variável de repetições em sequência (VNTR) que se encontra em cada
fragmento. Observando séries de diferentes locações (loci) de VNTS, pode-se traçar o perfil do indivíduo”
(EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 120).
207

Ao final do exame, “cada indivíduo estudado terá a sua amostra localizada lado
a lado com os demais participantes da perícia, possibilitando a comparação dos padrões
obtidos”758.
Nesse ponto, é importante destacar que a exata correspondência entre duas
amostras deve ser considerada, a princípio, apenas uma possibilidade de identificação, uma
vez que, como já dito, 99,9% do código genético das pessoas é idêntico, de modo que a
realização de um exame que utilize “probos” que se fixem a fragmentos do DNA que
compõem esse 99,9% do genoma resultará em fitas idênticas para quaisquer dois seres
humanos.759
Dessa forma, para que a correspondência entre duas amostras analisadas tenha
qualquer valor para a identificação, é necessária a demonstração do polimorfismo dos
fragmentos de VRTNs analisados, isto é, apresentar “estatísticas especificando a raridade
da ocorrência daquelas bandas na população em geral”760, permitindo que seja “calculada
as chances de aleatoriamente aparecerem cada uma das bandas”761 que constam do
resultado do exame.
Outro ponto de atenção é o procedimento adotado pelo perito, pois a técnica
RFLP pode ser aplicada em uma amostra pela análise individual de cada um dos
minissatélites selecionados em sequência ou de vários ao mesmo tempo. Ocorre que,
conforme Jobim et al., “de uma maneira geral, aceita-se internacionalmente que os testes
de DNA mais informativos em investigação de individualidade humana sejam os que
analisam os minissatélites individualmente, com reagentes ou sondas sintéticas específicas

758
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 183.
759
Nesse sentido, alerta Patton: “[d]uas amostras extraídas da mesma pessoa sempre terão idênticos padrões
de banda, mas o fato de duas amostras serem compatíveis não significa que vieram da mesma pessoa, já que
pode haver muitas pessoas que tenham bandas similares. Como exemplo extremo, existem probes para
indicarem regiões do DNA humano não polimórficas, que são comuns a todas as pessoas e produzem bandas
que não variam muito de pessoa para pessoa” (PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case.
Harvard Journal of Law & Technology. Vol. 3, Spring Issue, 1990. p. 227, tradução nossa. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019).
760
PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law & Technology. Vol.
3, Spring Issue, 1990. p. 228, tradução nossa. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
761
PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law & Technology. Vol.
3, Spring Issue, 1990. p. 228, tradução nossa. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019
208

para cada loco”762, ao passo que as “sondas multilocais que analisam vários locos ao mesmo
tempo estudam um grande polimorfismo na mesma reação, mas podem confundir o técnico
pela quantidade exagerada de bandas de DNA existentes”763.
Por essa razão, concluem os autores, os testes com análise simultânea de vários
minissatélites “têm sido pouco utilizados e devem ser acompanhados de estudos com outros
marcadores, para servirem como prova confiável, de acordo com as normas
internacionais”764.
Destaca-se, contudo, que a identificação por DNA pelo método RFLP demanda
uma grande quantidade de amostra de boa qualidade para a sua realização, o que inviabiliza
a sua utilização em diversos casos.765 De acordo com Eisele, Campos e Vanrell, “há uns 20%
de casos em que, devido às quantidades de DNA de alto peso molecular serem exíguas (<
de 100 nanogramas), pode ocorrer uma análise de RFPL insuficiente, e um perfil incompleto
das amostras”766.

4.1.2.2 A técnica de PCR (polymerase chain reaction ou reação em cadeia


polimerase)

Em decorrência das limitações da técnica RFLP, o avanço tecnológico


possibilitou o desenvolvimento da técnica PCR (polymerase chain reaction ou reação em
cadeia polimerase), que “tem por objetivo gerar bilhões de cópias de um pequeno segmento
de DNA contendo um marcador polimórfico a ser genotipado, a partir de nanogramas de

762
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 182.
763
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 184.
764
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 184.
765
Nesse sentido, explicam Jobim et al.: “[a]s limitações dos testes com minissatélites são decorrentes da
necessidade de utilização de amostras com concentrações elevadas de DNA, assim como da dificuldade de
análise de material parcialmente degradado” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In:
JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação
humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas:
Millennium, 2012. p. 184).
766
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 120.
209

DNA genômico”767. Em outras palavras, a PCR é um método que permite a multiplicação,


em laboratório, das sequências específicas de DNA que se pretende analisar, tornando
desnecessária a existência de grande quantidade de material genético.768
Assim, “quando não se conta com volumes apreciáveis de DNA como, por
exemplo, havendo somente vestígios de sangue sobre um substrato, poucas células do
epitélio de transição do lábio no filtro de uma bituca, a saliva deixada ao passar a língua
no selo [...], a técnica da PCR é o procedimento de escolha”769.
Na técnica PCR, os microssatélites (STR), por apresentarem “fragmentos de
DNA de 100 a 300 pares de bases [...] são os preferidos na análise pericial”770. Isso porque,
“para elidir os problemas resultantes da degradação de grandes moléculas de DNA, a
técnica da PCR optou por trabalhar com fragmentos menores dos loci VNTR”771.
A técnica PCR inicia-se com a ampliação dos fragmentos de DNA772 que se
deseja analisar, por meio de procedimento que, não obstante aconteça de maneira contínua
dentro de um aparelho chamado termociclador, pode ser subdividindo em três etapas. A

767
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 195.
768
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 298. No mesmo sentido, afirma Bonaccorso: “[a] qualidade e a quantidade de DNA contido nos
vestígios oriundos de locais de crime ou de atos exumatórios podem ser fatores limitantes à análise. O advento
da PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction, aumentou significativamente a possibilidade de análise das
variações gênicas nestes tipos de vestígios, tornando-se técnica de eleição nos laboratórios forenses”
(BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 69. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
769
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121.
770
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 184.
771
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121.
772
Bonaccorso destaca que, antes de se iniciar o procedimento, deve-se realizar a denominada “quantificação
do DNA extraído”, que tem basicamente duas funções: “[...] assegurar uma diluição adequada para os
extratos concentrados de DNA de modo a adequá-los a concentrações compatíveis para a reação de PCR e
eliminar extratos que contenham apenas traços de DNA que falhariam na etapa de amplificação. Obviamente,
dos ensaios de quantificação também se obtêm informações relevantes para a escolha do tipo de marcador a
ser utilizado na amplificação frente à concentração de DNA aferida” (BONARCCORSO, Norma Sueli.
Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 67. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
210

primeira, denominada de etapa de desnaturação, consiste na separação das duas fitas de


DNA, com a elevação da amostra selecionada à temperatura de cerca de 94ºC.773 Com a
separação, a temperatura é reduzida para menos de 65ºC, dando início à etapa de
anelamento774 ou pareamento, na qual um par de iniciadores específicos para cada loci
(primers) se liga às regiões do DNA que se deseja amplificar, em cada um dos dois
filamentos de DNA separados na primeira etapa, diferenciando estes fragmentos do restante
do código genético. Com os fragmentos STR devidamente selecionados pelos primers,
eleva-se novamente a temperatura para cerca de 72ºC para a etapa de extensão, em que uma
enzima chamada taq-DNA-polimerase é adicionada para sequenciar os nucleotídeos aos
primers pareados nos dois filamentos separados durante a primeira etapa, duplicando as
regiões polimórficas da fita de DNA incialmente existentes.775

773
Esclarece Bonaccorso que “[o] aquecimento aumenta a agitação térmica das moléculas propiciando a
quebra das pontes de hidrogênio” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na
elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005. p. 70. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
774
A denominação “etapa de anelamento” é utilizada em: CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e
impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões
digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p. 299. No mesmo
sentido, BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005.
Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 69.
Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
775
De acordo com Mendes Júnior, a ampliação por PCR ocorre da seguinte forma: “[n]este procedimento,
tubos contendo uma mistura de reação que inclui o DNA genômico (molde), um par de indicadores (primers)
específicos que flanqueiam a região polimórfica a ser amplificada, dNTPs (desoxirribonucleosídeo trifosfatos)
e DNA polimerase termoestável, são acondicionadas em um equipamento termociclador. Este equipamento é
programado para executar um regime de temperaturas caracterizado por três etapas: desnaturação,
pareamento e extensão. Cada uma das etapas tem duração variando de 15 a 60 segundos, dependendo da
composição de bases e do tamanho da região a ser amplificada. Na etapa de desnaturação, a temperatura é
elevada a cerca de 94°C, permitindo que haja o rompimento das ligações de hidrogênio que mantém unidos
os filamentos da dupla-hélice de DNA. Na etapa de pareamento, a temperatura é reduzida a valores inferiores
a 65°C a fim de permitir a hibridação (pareamento) dos primers com o DNA molde; a temperatura exata
atingida nesta etapa é calculada em função da composição de bases dos primers incluídos na reação. Na etapa
de extensão, a temperatura é elevada a cerca de 72°C, permitindo com que o DNA polimerase catalise a união
de nucleotídeos tomando como base a sequência de DNA molde, gerando um novo filamento de DNA”
(MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 195). No mesmo sentido: JOBIM, Luiz
Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato
da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA.
2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 185/186; CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais.
In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano
Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p.298/299 e BONARCCORSO, Norma Sueli.
Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 70. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
211

Assim, ao final de cada ciclo de amplificação, os fragmentos de DNA


selecionados se duplicam, sendo que o procedimento pode ser repetido de 20 a 50 ciclos.
Destaca-se que, em cada novo ciclo, os fragmentos produtos da duplicação anterior se
transformam em molde para também serem duplicados na nova etapa, permitindo a obtenção
de milhões de cópias após poucas repetições do processo.776
A próxima etapa é a de eletroforese em gel de poliacrilamida (PAGE,
polyacrylamide gel electrophoresis), semelhante à realizada na técnica de RFLP.777 Da
mesma forma como descrito no procedimento RFLP, os fragmentos de STR selecionados
são imersos em gel e colocados, linearmente, próximo ao polo negativo de um campo
elétrico, sendo que “aqueles que apresentam menor tamanho percorrem o trajeto em direção
ao polo positivo mais rapidamente”778. Por meio deste procedimento são revelados os
polimorfismos de cada genoma, pois é este mecanismo de separação que “permite associar
o tamanho de cada fragmento de um determinado STR com o número de unidades de
repetição que o caracteriza”779.
A identificação dos fragmentos amplificados pode ser feita pela “coloração com
prata ou pela detecção de sinal fluorescente”780.
O exame feito por coloração com prata apresenta o mesmo problema da técnica
RFLP no que se refere à análise simultânea de mais de um fragmento de DNA, uma vez que
a exatidão da identificação monocromática pode ser comprometida pela eventualidade de

776
Nesse sentido: JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 186. Por sua vez, Mendes Júnior,
sustenta que “[e]ste ciclo de temperaturas se repete por 25 a 35 vezes, sendo que o produto gerado em um
ciclo atua como molde no ciclo seguinte. Deste modo, aproximadamente 2n moléculas de DNA são produzidas
a partir de uma única molécula de DNA molde ao final de n ciclos, sendo que aproximadamente 2n – 2n
apresentam o tamanho desejado” (MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense
de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de
química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 195).
Ainda, conforme Carvalho, “estes ciclos podem repetir-se inúmeras vezes. Em média, a maioria dos ‘Kits’
comerciais recomenda a utilização de 28 ciclos” (CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões
digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões digitais. Coordenação de
Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p. 299).
777
EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina
forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 123.
778
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 196.
779
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 196.
780
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 186.
212

dois ou mais fragmentos apresentarem tamanhos semelhantes e percorrerem praticamente a


mesma distância durante a eletroforese.781 Por conta disso, para minimizar o risco de erro,
no procedimento de coloração com prata, “preferencialmente, analisam-se simultaneamente
três ou quatro marcadores em uma reação”782.
Por apresentar uma solução a esse problema, a técnica de detecção dos
fragmentos por fluorescência tem ganhado espaço na identificação por DNA, uma vez que
permite a análise simultânea de até 16 STRs em uma única reação.783 Para tanto, os primer
são ligados a três ou quatro moléculas de fluoróforos distintas (cores diferentes), criando-se
marcadores diferentes para fragmentos de STRs de tamanhos semelhantes.784 Esse
procedimento, conforme explica Mendes Júnior, “permite uma organização de modo que,
mesmo que fragmentos de diferentes loci migrem juntos durante a eletroforese, os
fragmentos relacionados a cada locus sejam adequadamente determinados”, 785 já que cada
um será reconhecido por sua diferente coloração.786

781
Por isso, advertem Jobim et al., “[a] amplificação de diversos STR no mesmo tubo de ensaio denomina-se
multiplex. Essa metodologia de amplificação múltipla depende de que a temperatura de anelamento dos
primers seja idêntica e o tamanho dos alelos diferente, para que possam ser analisados no mesmo gel de
poliacrilamida, corado com prata” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz
Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-
legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 187).
782
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 196.
783
Nesse sentido: EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual
de medicina forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121; MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira.
Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA,
Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes.
Campinas: Millennium, 2012. p. 196; JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz
Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-
legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 187/188.
784
De acordo com Eisele, Campos e Vanrell, fluoróforos são “marcadores químicos que fluorescem quando
expostos a diferentes comprimentos de onda, transformando-se no instrumento apto a distinguir entre
diferentes nucleotídeos e, assim, ‘ler’ a sequência do DNA”, pois, “[...] cada locus, após uma corrida de
eletroforese, pode ser marcado por um fluoróforo colorido diferente, facilitando assim o reconhecimento, com
auxílio de laser, em tempo real” (EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge
Paulete. Manual de medicina forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121 e 123).
785
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 196.
786
Ao tratar dos dois métodos de identificação, Bonaccorso esclarece que: “[a]tualmente, dado o grande
volume de análises nos laboratórios forenses, mormente os sistemas multiplex são analisados e tipificados
pela utilização de analisadores automáticos. Para facilitação do processo analítico, tem-se optado pela
escolha de sistemas de eletroforese capilar com multicanais para detecção e que são combinados, nos
laboratórios de grande porte, com sistemas robotizados e sistemas de gerenciamento de informações,
incluindo código de barra das amostras para reduzir erros de operação” (BONARCCORSO, Norma Sueli.
Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 79. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
213

Por fim, destaca-se que, não obstante a identificação pelo método PCR sustente
consideráveis vantagens em relação ao RFLP, principalmente por conseguir analisar
simultaneamente uma maior quantidade de polimorfismos, numa amostra menor e em menor
tempo, é preciso destacar que os STRs amplificados pela técnica PCR “não possuem o
polimorfismo dos locos de minissatélites”787. Portanto, para que se tenha o mesmo nível de
discriminação de uma análise pelo método RFLP, é preciso analisar de 4 a 8 fragmentos de
STR amplificados pela técnica PCR.788
Nos Estados Unidos, para uniformizar as análises e garantir que os STRs
utilizados nos exames sejam aqueles que estatisticamente tenham alto grau de polimorfismo
na população,789 o FBI estabeleceu inicialmente 13 fragmentos padrões para serem
verificados na identificação por DNA, número aumentado para 20 locus de STR em 2017.790

145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.


2019).
787
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 188.
788
Conforme Eisele, Campos e Vanrell, “[c]om este processo de detecção, com a avaliação de 4 a 8 loci
AmpFLP, se tem um poder de discriminação semelhante ao que se teria com a análise das RFLPs” (EISELE,
Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina forense e
odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 121). Ainda, Jobim et al. reconhece o menor polimorfismo dos
STRs, mas sustenta que “um loco de minissatélite analisado com sondas unilocais corresponde a três locos de
STR” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 188).
789
A seleção dos STRs é feita pelo FBI, em parceria com “a comunidade científica forense”, por meio da
submissão dos fragmentos a um painel de especialistas organizado pelo FBI: “[o] júri irá considerar os
seguintes critérios, conforme apropriado, para determinar se deve aprovar um novo locus ou um novo kit de
PCR para uma aplicação específica: 1. Estudos concordantes (incluindo estudos de desempenho e de
validação para diferentes plataformas); 2. Amostras misturadas; 3. Amostras inconclusivas; 4. Estudos
populacionais; 5. Estudos de precisão; 6. Amostras de proficiência / qualificação; 7. Reprodutibilidade; 8.
Ensaios de sensibilidade (para determinar a melhor plataforma para ampliação bem-sucedida); 9. Artigos, se
houver, enviados para publicação, relacionados aos estudos de validação internos; 10. E qualquer outra
informação que possa ser necessária ao FBI para determinar a compatibilidade e adequação dos loci ou kits
para uso no NDIS” (National DNA Index System (NDIS) Operational Procedures Manual. FBI Laboratory.
Version 8, 1 maio 2019. p. 88/89. Disponível em: <https://www.fbi.gov/file-repository/ndis-operational-
procedures-manual.pdf/view>. Acesso em: 27 nov. 2019).
790
Conforme consta do NDIS Operational Procedures Manual, “[a] partir de 1º de janeiro de 2017, os CODIS
Core Loci necessários para inclusão no Sistema Combinado de Índices de DNA são: CSF1PO, FGA, TH01,
TPOX, vWA, D3S1358, D5S818, D7S820, D8S1179, D13S317, D16S539, D18S51, D21S11, D1S1656,
D2S441, D2S1338, D10S1248, D12S391, D19S433 and D22S1045”. (National DNA Index System (NDIS)
Operational Procedures Manual. FBI Laboratory. Version 8, 1 maio 2019. p. 97, tradução nossa. Disponível
em: <https://www.fbi.gov/file-repository/ndis-operational-procedures-manual.pdf/view>. Acesso em: 27 nov.
2019).
214

Ademais, para conferir confiabilidade ao procedimento adotado, o FBI também


aprovou uma lista de kits que devem ser utilizados pelos laboratórios credenciados na análise
das amostras.791
Destaca-se, ainda, que o avanço tecnológico permitiu a utilização do método
PCR para realização de procedimento de identificação que, ao invés de fundar o resultado
positivo na identidade de fragmentos de DNA que apresentam alto grau de diferenciação
entre os indivíduos, analisa mutações em pares de bases que, de modo geral, são idênticas
na população. A crescente importância dessa técnica de identificação por DNA e suas
particularidades faz necessária sua abordagem.

4.1.3. Identificação pelo método SNPs (single nucleotide polymorphism)

O SNP (single nucleotide polymorphism) “representa a mudança de um único


nucleotídeo em uma sequência de DNA conhecida”792, isto é, a partir da sequência conhecida
de pares de bases do genoma humano (A com T, C com G), verifica-se que um par de base
nitrogenada sofreu mutação e, por exemplo, no lugar em que o código genético padrão tem
a combinação “A com T”, determinada pessoa tem “C com G”.793
Apesar de raro dentro do universo de 3,2 bilhões de pares de base, “mais de 50
milhões de SNPs validados, já foram identificados nas mais diversas regiões do genoma
humano”794, sendo “o tipo mais frequente de polimorfismo”795.
A identificação por SNPs é vantajosa quando comparada ao STR porque, como
o polimorfismo se resume à alteração de um único par de base – não ao tamanho de uma
sequência de pares de bases iguais –, pode ser utilizado “para a obtenção de maior

791
A lista de Kits aprovados consta do: National DNA Index System (NDIS) Operational Procedures Manual.
FBI Laboratory. Version 8, 1 maio 2019. p. 86/87. Disponível em: <https://www.fbi.gov/file-repository/ndis-
operational-procedures-manual.pdf/view>. Acesso em: 27 nov. 2019.
792
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 198.
793
Conforme Carvalho, “[o]s SNPs (single nucleotide polymorphism) são polimorfismos de base única dentro
de um genoma” (CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO,
Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI.
Campinas: Millennium, 2012. p. 292).
794
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 193.
795
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 198.
215

quantidade de dados a partir de amostras biologicamente degradadas”796. Conforme


explica Mendes Júnior, os SNPs “podem ser analisados em pequenos fragmentos
amplificados (a partir de 33 pb), o que é vantajoso pelo fato de que o tamanho do produto
amplificado por PCR é determinante para o sucesso de amostras degradadas”797.
Por outro lado, os SNPs têm a desvantagem de serem “menos polimórficos e
informativos para a identificação humana do que os tradicionais marcadores de STRs”798,
o que deve ser compensado por uma análise maior de fragmentos de DNA em que há
incidência de SNPs.799 Dependendo do grau de polimorfismo dos fragmentos utilizados, a
análise de 5 a 10 SNPs do DNA será equivalente ao poder de distinção de um STR.800
Entretanto, não é necessário que se faça a identificação por um método isolado.
A análise dos SNPs pode ser utilizada também como complemento ao exame dos STRs, nas
hipóteses em que a amostra obtida não é suficiente para a verificação, por exemplo, dos 20
STRs exigidos pelo FBI para a identificação, pois a conjugação dos resultados aumentará o
nível de discriminação total.801

796
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 192.
797
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 193. Da mesma forma, Jobim et al. aponta
com uma das vantagens dos SNPs o fato de que permitem a “amplificação de fragmentos muito pequenos de
DNA” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 198).
798
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 193.
799
Nesse sentido, Jobim et al. sustenta que “[a] presença de somente dois alelos por loco e a distribuição
altamente específica nas populações representam uma desvantagem no uso destes marcadores, mas isso pode
ser compensado pela análise de um número maior de locos” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação
laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação
humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas:
Millennium, 2012. p. 198).
800
De acordo com Mendes Júnior, “entre 50 e 100 SNPs são necessários para alcançar o poder de
discriminação dos 13 STRs (CODIS) convencionalmente analisados pelo Federal Bureau of Investigation
(FBI)” (MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline
Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise
prática da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 193). Vale ressaltar, como já dito
acima, que em 2017 o FBI ampliou a sua base de análise para 20 STRs. Já conforme Jobim et al. “[o] estudo
de investigação de paternidade pode ser realizado com aproximadamente 50 locos de SNP, o que pode ser
comparado ao poder discriminatório de 10 a 15 locos de STR” (JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação
laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação
humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas:
Millennium, 2012. p. 198).
801
Nesse sentido, Jobim et al.: “[n]a identificação humana, uma das grandes vantagens do estudo do SNP é
na investigação de paternidade envolvendo exumação e identificação de corpos carbonizados, onde utilizamos
como amostra os ossos ou dentes do indivíduo. Normalmente o DNA encontra-se muito degradado, permitindo
216

Assim, em cada caso, a melhor técnica para a identificação por DNA depende
da quantidade e qualidade da amostra que se pretende examinar, sendo que as melhores
amostras poderão ser analisadas por qualquer um dos métodos descritos, inclusive de
maneira conjugada, se necessário, ao passo que a degradação ou a pouca quantidade
restringirá as possibilidades.802
Destaca-se, por fim, que, apesar de atualmente a identificação por DNA ser feita
pela comparação de duas amostras para verificação da sua compatibilidade, é possível
conceber que os avanços tecnológicos e o maior entendimento das funções individuais ou
conjugadas de pares de bases codificantes permitirá que, “no futuro, a análise de SNPs
presentes em genes que já se demonstraram relevantes para a determinação de
características físicas venha a contribuir para a determinação do ‘retrato falado’
biomolecular de um criminoso”803, quando for encontrado o seu material genético no local
do crime ou na vítima.804

somente a análise de fragmentos muito pequenos de DNA. Nestes casos, a amplificação de diversos SNP em
forma de multiplex pode ser muito útil tanto como metodologia única ou complementar ao estudo dos STR”
(JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 199).
802
Nesse sentido: EISELE, Rogério Luiz; CAMPOS, Maria de Lourdes B.; VANRELL, Jorge Paulete. Manual
de medicina forense e odontologia legal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 122.
803
MENDES JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 193.
804
Ainda que não para a elaboração de um “retrato falado”, as características físicas de uma pessoa reveladas
pelos SNPs foram utilizadas com sucesso para encontrar o autor, até então desconhecido, de uma série de
estupros e homicídios praticados em 2001 nas proximidades da Louisiana State University, no caso conhecido
popularmente como “The Baton Rouge Serial Killer”. A investigação estava sendo conduzida “sem sucesso
até que, em outubro de 2003, foi realizada a análise de um conjunto de 71 SNPs cujos alelos alternativos
apresentavam frequências bastante distintas entre populações pertencentes aos diferentes grupos étnicos
principais. Esta característica faz com que SNPs deste tipo sejam conhecidos como AIMs (Ancestru
Informative Markers). Enquanto que os STRs permitem a reconstrução de um perfil genético exclusivo a um
único indivíduo, equivalente a uma “impressão digital de DNA” (DNA fingerprint) única, os AIMs levam à
reconstrução de perfis menos informativos, uma vez que tais perfis apresentam maior probabilidade de serem
compartilhados por indivíduos não-relacionados. Por outro lado, análises estatísticas que consideram os
genótipos do indivíduo em conjunto com as distribuições de frequências alélicas dos AIMs nos diferentes
grupos étnicos podem conduzir a inferências precisas sobre ancestralidade individual, o que não é obtido
satisfatoriamente com os dados de SRTs. A análise deste conjunto de 71 AIMs, que compõem o sistema
multiplex DNAWitnessTM 1.0 (DNAPrint), a partir de amostras de DNA provenientes de material biológico
do agressor, recuperado das vítimas ou dos locais de crime, levou a estimativas de ancestralidade bastante
precisas, porém incompatíveis com as descrições do suspeito baseadas em relatos testemunhais: o cenário
mais provável indicava que o agressor apresentaria grande ancestralidade atribuída à África subsaariana
(85%), associada a uma contribuição secundária nativo-americana (15%); a probabilidade de que o agressor
apresentasse alguma parcela de ancestralidade europeia era muito baixa. Com base nestes dados, o foco das
investigações foi redirecionado para a busca por indivíduos que apresentassem pele mais escura e outras
características antropométricas que caracterizam os afro-americanos. Com isso, dois meses após este
redirecionamento, Derrick Todd Lee, que já havia sido preso em outras ocasiões por roubos e outros pequenos
delitos, além de ter sido considerado com suspeito em homicídio anterior, foi intimado judicialmente a
conceder material biológico para análise. A análise de STRs na amostra de DNA de Derrick Lee foi priorizada
217

4.2. Cadeia de custódia da fonte e do elemento de prova na perícia de


identificação por DNA

Conforme detalhado no item 4.1, supra, o exame de identificação por DNA tem
se aperfeiçoado com o desenvolvimento tecnológico, permitindo que, atualmente, a
quantidade da ordem de picogramas (10-12g) de material genético seja constantemente
utilizada para exames de identificação por DNA.
Entretanto, as técnicas e análises periciais relacionadas aos exames de amostras
complexas, de baixa quantidade, qualidade ou misturadas, têm demonstrado potencial de
afetar o resultado da identificação perseguido e, consequentemente, a informação que será
inserida no processo como elemento de prova.
Da mesma forma, a alta sensibilidade das amostras com pouco DNA tornam as
fontes de prova mais suscetíveis à contaminação, inibição ou degradação, já que picogramas
de outro material genético, abundandes em pessoas e objetos não esterelizados, são
suficientes para prejudicar ou impedir a análise laboratorial.805
Assim, a cadeia de custódia da perícia de identificação por DNA deve manter
informações suficientes para permitir que as partes e o juiz percorram o caminho da prova
para verificarem que a fonte de prova mantém as características de quando foi encontrada,
sendo necessário registrar, etapa a etapa, os diversos cuidados específicos no trato do
material genético, iniciando-se com a sua localização e estendendo-se por todas as fases
seguintes de coleta, empacotamento, transporte, manuseio e armazenagem. 806

no laboratório, e houve compatibilidade perfeita entre o perfil de Derrick e os de várias amostras coletadas
nas cenas de crimes. Em outubro de 2004 Derrick Lee foi condenado e sentenciado à morte por injeção letal.
Atualmente ele se encontra no corredor da morte aguardando a execução. Este caso representou o primeiro
em que análise de ancestralidade genômica auxiliou na resolução de uma investigação criminal” (MENDES
JÚNIOR, Celso Teixeira. Técnicas aplicadas à análise forense de DNA. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO,
Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática da
química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 204/205).
805
MARTINS, Bruno Spinosa de; OLIVEIRA, Marcelo Firmino de. Exame do teor alcoólico em acidentes de
trânsito. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de
química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 107.
806
Bonaccorso afirma que “[...] é imperativo que os centros forenses mantenham a cadeia de custódia de
amostras, através de registros que possam acompanhá-las desde a coleta até sua disposição final, de forma a
comprovar que tomou todas as precauções para prevenir a falsificação, quebra, perda ou contaminação das
amostras” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005.
Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 54.
Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019). Interessante notar que a autora, em momento algum, afirma que a documentação da cadeia de custódia
evitará falsificações ou contaminação das fontes de prova, mas somente que comprovará que foram tomadas
as devidas precauções. Isto porque, na esteira do que já foi esclarecido no capítulo 2, a documentação da cadeia
218

Além disto, nas perícias não renováveis, a cadeia de custódia da perícia de


identificação por DNA deve ser efetivamente demonstrada para garantir que a informação
trazida pelo elemento de prova não foi alterada pela técnica utilizada na sua produção, isto
é, que o procedimento era apto a extrair da fonte de prova disponível a exata informação que
continha, sem modificar o resultado.807
Portanto, passa-se à verificação do quanto necessário para a futura autenticação
da fonte e do elemento de prova para identificação por DNA, tratando, inicialmente, dos
cuidados exigidos para prevenir a contaminação, inibição, degradação e troca do material
genético, para, na sequência, abordar as hipóteses em que a técnica e a análise podem alterar
o resultado da perícia, afetando a informação contida no elemento de prova.

4.2.1. Fonte de prova: pontos de atenção para proteção contra contaminação,


inibição, degradação e troca

A primeira preocupação relacionada à autenticação da fonte de prova utilizada


na indentificação por DNA consiste na possibilidade de contaminação, inibição e degradação
do material genético,808 que pode acontecer a partir da não preservação do local do crime,
estendendo-se por todas as etapas subsequentes de coleta, empacotamento, transporte,
guarda e manuseio.
Para que seja possível compreender as influências que fatores externos podem
ter na fonte de prova para exame de DNA, primeiro é preciso diferenciar os conceitos de
contaminação, inibição e degradação do material genético.

de custódia comporta limites, entre os quais a má-fé daqueles que tiveram contato com a fonte ou elemento de
prova.
807
Segundo Bonaccorso: “[...] [o]s registros da cadeia de custódia devem também indicar dados sobre o
tratamento a que foi submetido o vestígio imediatamente após a coleta, identificação dos lacres utilizados para
sua embalagem, detalhes sobre sua preparação para os testes a que foi submetido [...]” (BONARCCORSO,
Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade
de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 55. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
808
De acordo com Bonaccorso, “[...] os vestígios que podem ser submetidos à análise de DNA são apenas
aqueles de natureza biológica como sangue e sêmen, in natura ou em manchas ou crostas; tecidos, células,
ossos, dentes e órgãos; pelos e cabelos; urina, saliva e outros fluidos corpóreos [...]” (BONARCCORSO,
Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade
de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 44. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
219

A contaminação ocorre quando o material genético relacionado ao crime


investigado é misturado com material genético de pessoas ou animais809 que não têm
vinculação com os eventos do fato criminoso.810 Destaca-se que não há contaminação
quando a mistura de DNA provém de pessoas que estão relacionadas com o crime, como nos
casos em que há pluralidade de autores ou material genético da vítima junto com o do
investigado.
Por sua vez, a inibição é a mistura do material genético com outras substâncias
não genéticas que afetam a reação de amplificação da técnica PCR, como são os casos
conhecidos do ácido húmico do solo, hemoglobina e corante índigo, entre outros.811
Já a degradação não envolve qualquer tipo de mistura de substâncias, mas a
fragmentação do próprio material genético a níveis que dificultam ou inviabilizam o seu
exame, mesmo pela técnica de amplificação do método PCR, o que pode acontercer em
decorrência da sua exposição ao calor, luz solar, umidade ou substâncias químicas.812
A segunda preocupação consiste na possibilidade de troca entre duas ou mais
amostras, o que pode ocorrer já no procedimento de embalo e etiquetagem no local da coleta
ou, ainda, durante as estapas subsequentes de transporte, guarda e manuseio.
Ademais, ainda antes de prosseguir para análise das estapas da cadeia de custódia
do material genético, deve-se destacar que “o processo de identificação genética requer uma

809
Por conta disso, antes de se extrair o DNA do sangue encontrado no local do crime, é preciso fazer a
diferenciação entre sangue humano e sangue de animais que habitem o local do crime, conforme explicam
Michelin, Freitas e Kortmann: “[n]os locais de crime onde há a presença de outros animais, frequentemente
são encontrados vestígios de sangue, os quais precisam ser coletados pelo perito criminal para diferenciação
entre sangue humano e não humano [...], faz-se necessária a distinção daquelas que contém sangue humano
para posterior extração de DNA [...]” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN,
Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO,
Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 97).
810
Nesse sentido: MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios
biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais
de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 107.
811
De acordo com Michelin, Freitas e Kortmann, “[a] reação PCR é suscetível a uma ampla gama de agentes
inibidores, que podem ou não ser removidos com sucesso na etapa de extração e afetam a análise em graus
variados, até mesmo inviabilizando-a em alguns casos. Ao lado dos inibidores conhecidos, como o ácido
húmico do solo, a hemoglobina e o corante índico, existem muitos outros que podem estar mascarados na
composição do suporte do vestígio, como corantes e pigmentos presentes em tecidos e tintas, por exemplo”
(MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In:
VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 108).
812
Nesse sentido: MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios
biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais
de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 108.
220

análise comparativa de coincidência ou compatibilidade entre dois perfis genéticos obtidos


de duas amostras biológicas: uma duvidosa e outra não duvidosa”813.
Assim, a manutenção da cadeia do material genético que será utilizada para
identificação por DNA sempre recairá sobre, pelo menos, duas fontes de prova, “a primeira
geramente obtida daqueles fluidos ou restos biológicos encontrados na cena do crime ou na
vítima (seu corpo, suas roupas [...]), assim como restos humanos sem identificação, e a
segunda, também denominada de amostra referência, dos indivíduos submetidos à
investigação”814 e da própria vítima, quando o seu DNA for necessário para proceder a
exclusão do seu perfil genético em amostras misturadas.815
Dessa forma, todo o procedimento de manutenção da cadeia de custódia da fonte
de prova para a realização de exame de identificação por DNA deve ser seguido em todos
os materias genéticos que serão analisados.816

4.2.1.1. Preservação do local

Ao longo do caminho percorrido pela fonte de prova biológica, desde o seu


depósito no local do crime ou na vítima até a sua submissão a exame laboratorial, são muitas
as variáveis que podem contribuir para a sua contaminação, inibição ou degradação.817

813
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 108,
tradução nossa.
814
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 108,
tradução nossa.
815
Nesse sentido, sustenta Espindula: “[a] análise do perfil genético de vestígios relacionados a locais de
crime deve, sempre que possível, ser feita mediante comparação com padrões coletados da(s) vítima(s) e/ou
suspeito(s) envolvido(s). A simples análise do DNA de amostras coletadas em local de crime geralmente não
dá condições para a conclusão de uma investigação, inquérito ou processo judicial, mas a comparação desta
amostra com o DNA dos envolvidos pode reforçar sobremaneira suas conclusões, ou mesmo reorientar uma
linha de investigação” (ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários
da perícia. 4. ed. Campinas: Millennium, 2013. p. 372).
816
Sintetizando a importância da manutenção da cadeia de custódia da fonte de prova biológica ao longo de
todas as etapas, Bonaccorso afirma: “[s]e o vestígio não for apropriadamente documentado, coletado,
embalado e preservado, ele poderá não cumprir os requisitos científicos e legais para ser admitido como prova
perante a justiça. Se o vestígio que deu origem ao exame de DNA não for apropriadamente documentado antes
da coleta, sua origem pode ser questionada. Se não for bem coletado, sua atividade biológica pode ser perdida.
Se for inapropriadamente embalado, pode ocorrer contaminação exógena ou cruzada e, se não for
apropriadamente preservado, pode ocorrer decomposição e degradação. Qualquer destes efeitos poderá
afetar seriamente a tipagem do DNA” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na
elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005. p. 45. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
817
Nesse sentido, sustenta Figueroa Navarro: “[...] são vários os problemas que podem se colocar durante o
procedimento de coleta, manutenção e envio das amostras biológicas, que podem chegar a comprometer a
221

Assim, conforme Jobim et al., “o problema da contaminação com DNA de


outros indivíduos leva-nos a desejar que a colheita, o armazenamento e o trabalho com as
amostras tenham qualidade”818, o que “inclui os procedimentos que devem acontecer para
o cumprimento de uma cadeia de custódia adequada e que permita garantir a autenticidade
e a integridade da amostra”819.
A manutenção da integridade das amostras bilológicas tem como primeiro
obtáculo a não preservação do local do crime,820 que pode ocorrer em razão de eventos
aleatórios (interferência de curiosos, luz solar, umidade etc.) ou pela atuação de agentes
públicos tecnicamente despreparados.821
Para minimizar estes problemas, é necessário “isolar e proteger rapidamente a
cena do delito”822 com o intuito de proteger as amostras biológicas da “contaminação com

análise de DNA”. (FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In:
FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015,
p. 112, tradução nossa).
818
JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 261.
819
JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 261.
820
Como salienta Espindula, “[c]abe destacar nesta parte, a questão das dificuldades que existem para a
coleta dessas amostras nos locais de crime. Essa é, talvez, a maior dificuldade que teremos para respaldar um
exame correto e idôneo, tendo em vista a sensibilidade do material e o grande risco de contaminação dessas
amostras até chegar ao laboratório” (ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para
peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas: Millennium, 2013. p. 372/373).
821
Conforme Yoshida: “[u]m dos principais problemas encontrados na prática para a resolução de crimes é
a preservação da cena. Infelizmente a não preservação da cena até o desfazimento do local é muito comum na
realidade do Brasil. Isso ocorre, geralmente, por meio de situações que podem ser acidentais ou propositais.
O lapso temporal entre o cometimento do ilícito e a chegada dos primeiros policiais pode ser suficiente para
que curiosos adentrem na cena e deixem ali seus próprios vestígios, que não exatamente têm correlação com
o fato. Este é um exemplo de modificação acidental. Além dessa, o próprio criminoso pode fazer alterações de
objetos e outros vestígios com o objetivo de confundir a perícia”. (YOSHIDA, Ricardo Luís. Análise de
vestígios latentes em locais de crimes. In: BRUNI, Aline Thaís; VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo
Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática da química que soluciona crimes. Campinas:
Millennium, 2012. p.175)
822
JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262. Nesse sentido é a orientação
do Procedimento operacional padrão (POP) nº 2.2. de Genética Forense do Ministério da Justiça, que, em seu
item 4 “Procedimentos”, afirma: “[o] perito criminal deve adotar medidas para impedir que pessoas estranhas
à equipe pericial manipulem os vestígios biológicos presentes no local” (Procedimento operacional padrão:
perícia criminal. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível
em: <http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-
internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019).
222

material humano de familiares da vítima, de pessoas descuidadas que fazem parte da


investigação, ou mesmo de pessoas que desejam tornar as amostras sem valor científico”823.
Na hipótese de o perito identificar que, antes do isolamento, pessoas tiveram
acesso ao local dos fatos, ele deverá identificar aqueles “que possam ter contaminado os
vestígios, como policiais e curiosos, a fim de colher amostras de exclusão”824, para que, se
necessário, sejam utilizadas na análise de evetuais amostras de DNA misturadas.825
Pela mesma razão, nos casos nos quais a vítima esteve no local em que a amostra
questionada foi encontrada, a coleta do seu material genético como referência será
importante, “uma vez que é imprescindível, no momento de interpretação, conhecer sua
contribuição para os resultados”826.

823
JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262.
824
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 107.
825
Esta é a recomendação do Procedimento operacional padrão (POP) nº 2.2. de Genética Forense do
Ministério da Justiça de 2013, que diz, em seu item 4.1: “[t]odas as informações que sejam relevantes para a
investigação ou para futuros exames, como o possível contaminação dos vestígios após o delito, devem ser
solicitadas pelo perito criminal às testemunhas ou aos policiais que se encontrem preservando o local do
crime” e continua o documento determinando, em seu item 5, que devem ser identificados “possíveis
contribuidores eventuais, tais como as de policiais que tiveram acesso ao local do crime ou as de qualquer
outras pessoas sabidamente não relacionadas ao delito, mas que possam ter eventualmente deixado material
biológico no local do crime” (Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Secretaria Nacional de
Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-
seguranca/seguranca-publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019).
Nesses casos em que há interferência de terceiros, caso a fonte de material genético tenha sido efetivamente
coletada por um terceiro, o perito não poderá registrar esta coleta como sua, podendo, no máximo, registrar o
ocorrido no relatório de exame de local e recomendar a entrega do item à autoridade policial, como explica
Espindula: “[é] comum os peritos chegarem a um local de morte violenta e serem abordados por partes
envolvidas, terceiros e até policiais, portando objetos que supostamente estariam no local e que foram
recolhidos para que fossem preservados na sua integridade. Exemplo disso ocorre com o recolhimento de
projéteis e das próprias armas de fogo, facas, documentos da vítima, etc., que são recolhidos por outros na
intenção de que o perito registre como se tal objeto estivesse em determinado lugar e/ou posição. Jamais
poderão registrar dessa forma, pois os peritos somente consignarão os vestígios por eles constatados. Nesses
casos, os peritos não devem receber tais corpos de delito, orientando para que sejam encaminhados pela
Delegacia da área, via ofício, ao Instituto de Criminalística, constando-se o tipo de exame que a autoridade
policial julgue necessário. Os peritos podem e devem somente registrar no seu croqui os objetos que lhe forem
apresentados, identificando-os e depois os fazendo constar no laudo pericial respectivo, no item de outros
elementos, relatando ali as circunstâncias que tais objetos lhes foram apresentados, sem, no entanto, entrar
no mérito da análise pericial em si. Caso a autoridade policial encaminhe tais objetos antes de concluído o
laudo do local e, no ofício de encaminhamento, constar quesitos ou exames que possam ser correlacionados
com o local, então os peritos podem assim discutir em seu laudo, sempre fazendo menção do trâmite e origem
desses objetos” (ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da
perícia. 4. ed. Campinas: Millennium, 2013. p. 202).
826
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 51. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
223

Após o isolamento, devem igressar no local apenas pessoas treinadas para


lidarem com material biológico,827 utilizando trajes completos de proteção, que cubram o
corpo todo, “para evitar que o vestígio seja contaminado indevidamente com DNA do perito
através de gotículas de saliva, suor, pelos e mesmo células epiteliais descamativas”828.
Além disso, por serem mais propensos à contaminação e degradação do que
outras fontes de prova, “os indícios biológicos devem ser os primeiros a serem
recolhidos”829. Conforme sustentam Michelin, Freitas e Kortmann, “esse desafio, por vezes,
é facilitado pela presença de elementos facilmente distinguíveis a olho nu, sob luz
convencional (vestígios ostensivos), tais como sangue visível, sêmen sobre a vítima, fezes,
vômito, marcas de mordida recente com saliva, fios de cabelo, pelos pubianos”830.
Em outros casos, contudo, “os vestígios biológicos não são prontamente
perceptíveis a olho nu, e necessitam ser revelados por algum tipo de luz forense, reagente
químico ou técnica específica (vestígios latentes) para que sejam identificados,
armazenados e transportados corretamente para análise”831.
A busca por vestígios biológicos deve ser feita com cuidado para evitar o uso de
substâncias inibidoras da reação de amplificação por PCR, necessária para identificação por
DNA. Como exemplo, destaca-se a procura por DNA de contato, que pode ser extraído de
objetos que tiveram contato com a pele humana.832 Inicialmente, a busca pelo DNA de

827
Conforme Jobim et al., “[o] pessoal encarregado de colheita de indícios biológicos e de amostras para
identificação humana deve ter formação e experiência para o desempenho das funções. Cursos de formação e
treinamento devem acontecer para a qualificação profissional desses indivíduos” (JOBIM, Luiz Fernando et
al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA, Luís
Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais; identificação
pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 261). No mesmo sentido, Espindula: “[...] é preciso todo um
treinamento e esclarecimentos adequados aos peritos que realizam as perícias de local de crime, a fim de
garantir a adequada coleta, identificação e transporte até o laboratório de DNA” (ESPINDULA,
Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas:
Millennium, 2013. p. 373).
828
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 107.
829
JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262.
830
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 95.
831
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 95.
832
Conforme destacam Michelin, Freitas e Kortmann, “[a] obtenção de DNA de objetos tocados[...], ampliou
muito o número de vestígios que podem ser analisados para a identificação genética. Passaram a ser
corriqueiras análises em vestígios que antes eram sequer considerados para exames de DNA, como volantes
de carro, ferramentas e maçanetas. As próprias impressões papilares, quando sem qualidade para o confronto
224

contato era feita pelas mesmas técnicas utilizadas para a localização de impressões digitais.
Entretanto, na prática, verificou-se que “das amostras de impressão digital previamente
reveladas com pós branco e preto, em apenas 47% destas foi possível obter perfil genético
completo”833, sendo ainda pior a consequência do uso de “pó metálico, que inibiu a reação
PCR”834.
Por outro lado, na busca por vestígio de sangue oculto, por exemplo, a
“utilização de luminol não interfere com exames mais sofisticados, como por exemplo, com
a análise de DNA”835.

4.2.1.2. Coleta de material genético

Com a detecção da fonte de prova biológica, deve-se adotar os cuidados para a


não contaminação da prova no procedimento de coleta, pois, conforme sustenta Espindula,
será inócuo “termos excelentes técnicas e cuidados no manuseio e procedimentos
intralaboratório, se não dermos a atenção necessária para a correta coleta de amostras no
local do crime, visando assegurar toda a garantia de uma amostra sem acréscimos de outras
substâncias”836.
Sintetizando essa etapa, Bonaccorso elenca oito procedimentos a serem seguidos
na coleta de amostras biológicas em locais de crimes:

[...]. a. fotografação de cada vestígio antes de sua coleta; b. consideração da


presença de outros tipos de vestígios físicos de interesse forense como, por
exemplo impressões digitais, antes de recolher e embalar os elementos utilizáveis
de DNA; c. utilização de kits especiais para diferentes tipos de amostras que
possibilitem condições ótimas para armazenamento e transporte; d. recolhimento
de vestígios líquidos com seringas estéreis[...]. Estes vestígios também podem ser
recolhidos com papel absorvente, algodão, gaze ou swab estéril [...] e. as manchas
encontradas em objetos transportáveis não devem ser extraídas in loco, mas todo
o objeto deve ser entregue para exame [...] f. as manchas encontradas em objetos
não transportáveis devem ser colhidas com swab levemente umedecido ou, se

papiloscópico, passaram a ser utilizadas para a identificação genética” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge
Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA,
Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 91).
833
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 296.
834
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 296.
835
YOSHIDA, Ricardo Luís. Análise de vestígios latentes em locais de crimes. In: BRUNI, Aline Thaís;
VELHO, Jesus Antonio; OLIVEIRA, Marcelo Firmino. Fundamentos de química forense: uma análise prática
da química que soluciona crimes. Campinas: Millennium, 2012. p. 183.
836
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 373.
225

possível, raspar a mancha com instrumento limpo, depositando o raspado em


papel. Pequenas gotas podem também ser retiradas com fitas adesivas. Manchas
contidas em tapetes, carpetes e grandes estofados podem ser retiradas recortando-
se o suporte. Deve também ser coletada uma porção do suporte não manchada de
forma a servir de amostra de controle [...] g. pelos e cabelos devem ser recolhidos
com pinças e colocados em envelopes estéreis; h. tecidos, órgãos, ossos e dentes
não devem ser secos, mas apenas congelados antes do envio ao laboratório, sem
adição de qualquer conservante [...].837

Assim, para a devida coleta do material genético, “o perito coletor da amostra


deve estar completamente isolado com luvas e aventais esterilizados, de maneira a isolar
totalmente o seu corpo – e consequentemente o seu material genético – do contato com o
material questionado que esteja coletando”838, uma vez que, sem essas providências, “a
possibilidade do próprio perito que esteja manuseando uma coleta de amostras nos locais
ou em objetos acrescentar o seu próprio material genético é real e relativamente
provável”839.
Ainda com relação ao traje, deve-se ter particular cuidado com a luva, pois:

caso seja tocado um determinado objeto do local do crime que contenha material
biológico de um indivíduo, e um segundo objeto é manuseado com o mesmo par
de luvas, pode haver transferência de material genético de um objeto para outro e
o perfil gerado pode ser a mistura de material genético de dois indivíduos que
dificultará ou inviabilizará a interpretação dos resultados.840

837
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 47-48. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
Próximas são as determinações feitas pela Resolução SSP nº 194/99, nas disposições preliminares do ANEXO,
que diz: “IV. Cada vestígio eleito para coleta deverá ser fotografado, ter sua origem descrita em relatório
individual de identificação, indicando a data e a natureza da ocorrência; o local, a forma e as condições da
coleta; o horário em que foi coletado, consignando-se, quando possível, o tempo aproximado após o crime;
bem como a forma utilizada para acondicionamento e preservação”. No mesmo sentido é o Procedimento
operacional padrão (POP) nº 2.2. de Genética Forense do Ministério da Justiça, que, em seu item 4.1 “Ações
Preliminares”, afirma: “[a]o ter acesso ao local do crime, o perito criminal realizará o reconhecimento a fim
de localizar os pontos prováveis que contenham materiais biológicos pertinentes ao caso, identificar a
dinâmica do evento, quando possível, e tomar providências para a manutenção da preservação dos vestígios
ali presentes. Recomenda-se que, antes da coleta, os vestígios sejam fotografados na posição em que foram
encontrados, com e sem o uso de escala” (Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Secretaria
Nacional de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-
internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019).
838
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 373.
839
ESPINDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed.
Campinas: Millennium, 2013. p. 373. Ressalte-se que, de acordo com o §1º do art. 3º da Resolução SSP nº
194/99: “[f]icam impedidos de proceder às análises de laboratório os Peritos que efetuaram a coleta de
material em local”.
840
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 302.
226

Dessa forma, “a troca de luvas a cada novo vestígio coletado é muito importante
para evitar a contaminação cruzada”841.
Mesmo com esses cuidados, 842 suspeitando-se de contaminação da amostra com
material genético do agente coletor “por manipulação inadequada”843, isto é, quando houver
indícios de “contaminação do vestígio com material biológico do manipulador (testemunha
contaminante), deverá ser coletada amostra-referência deste, para que se conheça seu perfil
genético”844.
No que tange aos instrumentos utilizados para a coleta de vestígios biológicos,
todos deverão ser previamente esterelizados845 não só para “a destruição de micro-
organismos que, sob certas condições, podem se proliferar no material coletado e
fragmentar o DNA, mas principalmente, a eliminação de DNA humano eventualmente
presente no material que será um importante contaminante de vestígio coletado”846.
Destaca-se que nem toda técnica de esterilização é capaz de eliminar a presença
de DNA humano dos instrumentos. Por essa razão, com relação aos itens descartáveis (e.g.

841
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 107. No mesmo sentido, Bonaccorso afirma: “[a] contaminação por
contato físico pode ser evitada pela utilização de máscaras e luvas pelo coletor que deverá manipular as
amostras com pinças. Os manipuladores devem trocar as luvas sempre que estas tenham sido contaminadas
[...]” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005.
Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 53.
Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019). A utilização de luvas descartáveis é também determinação expressa da Resolução SSP nº 194/99, nas
disposições preliminares do ANEXO, que diz: “[d]urante qualquer coleta de material biológico é
imprescindível a utilização de luvas descartáveis, para que se evite contaminação exógena”.
842
Apesar da adoção dos procedimentos previstos, a contaminação do material genético é um dos pontos
considerados críticos pelo Procedimento Operacional Padrão (POP) nº 2.2. de Genética Forense do Ministério
da Justiça, de 2013, que determina, em seu item 5, que “o perito oficial deve tomar todo o cuidado para evitar
a deposição acidental do seu próprio material biológico sobre o vestígio, não devendo, portanto, manipular
ou se encostar no mesmo sem luva, nem falar, espirrar ou tossir sobre ou próximo do mesmo sem máscara”
(Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Brasília:
Ministério da Justiça, 2013. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-
publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019).
843
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 51. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
844
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 51. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
845
Esta é uma determinação expressa da Resolução SSP nº 194/99, nas disposições preliminares do ANEXO,
que diz: “II. Todos os instrumentos e materiais utilizados na colheita deverão ser estéreis”.
846
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 109.
227

suabes, potes, lâminas), é necessário se certificar de que foram produzidos por técnicas que
resultam em material livre de DNA.847 Conforme Carvalho, “esta questão é importante, pois
já foi relatado na Alemanha e Áustria a detecção de um perfil genético único em swabs
apenas estéreis (não DNA-free), o que levou a Polícia a conectar erroneamente 40 crimes
(incidente chamado de Phantom of Heilbronn), devido à contaminação durante o processo
de manufatura dos swabs”848. Da mesma forma, os instrumentos permanetes (e.g. pinças,
tesoura, cabo de bisturi) devem ser submetidos a descotaminação após cada uso por técnicas
capazes de eliminarem o DNA, como o calor úmido sob pressão em autoclaves e a exposição
ao hipoclorito de sódio.849
Com a adoção destas cautelas para não causar dano irreversível ao material
biológico, deve-se coletar o vestígio pela técnica mais adequada, levando-se em
consideração o local em que está depositado o material biológico, o seu estado e
característica.850 Destaca-se que, quando a técnica utilizada coletar outras substâncias
conjuntamente com o material biológico pretendido (como, por exemplo, na raspagem da
madeira contendo mancha de sangue seca),851 deve-se colher em paralelo uma amostra
isolada do material não biológico (amostra controle), para que, na eventualidade de futura

847
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 109.
848
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 302.
849
De acordo com Michelin, Freitas e Kortmann, “[e]studos realizados no laboratório de DNA da Polícia
Federal corroboram que a autoclavagem a 121°C por 20 minutos é suficiente para eliminar DNA em solução
da superfície tratada, enquanto o DNA desidratado é eliminado de forma mais eficiente após autoclavagem a
132°C por 30 minutos. Já a exposição ao hipoclorito de sódio na concentração de 2% por 10 minutos foi
suficiente para eliminar totalmente o DNA da superfície tratada” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge
Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA,
Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 110).
850
Por exemplo, fluidos líquidos em grande quantidade podem ser coletados por meio de seringa, ao passo
que, estando em menor quantidade, a coleta deverá ser feita com suabe. Ainda, se a quantidade for exígua, a
melhor técnica é a do duplo suabe. Por outro lado, se a superfície em que está depositado o vestígio fluido ou
epitelial for absorvente, como madeira, concreto e asfalto, faz-se a coleta por raspagem. Já os vestígios sólidos
de pequeno tamanho são coletados com pinça. Por fim, o material genético sob as unhas pode ser coletado por
espátulas. Tratando detalhadamente de cada uma das técnicas: MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo
de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves;
DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 112/113.
851
Nesse sentido, a coleta por raspagem é “utilizada quando o fluido biológico ou vestígio epitelial estiver
muito impregnado em superfícies altamente absorventes tais como concreto, asfalto e madeira. Devem ser
utilizadas sempre lâminas de bisturi estéreis e uma folha de papel (de preferência pré-dobrada como envelope
primário) para coletar os fragmentos raspados. A coleta é facilitada fixando-se a folha de papel com fita
adesiva. Nas coletas por raspagem o substrato sempre será coletado misturado à amostra, por isso é
necessário coletar uma amostra-controle” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN,
Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO,
Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 112).
228

inibição da reação de PCR, seja possível tentar identificar a substância que está impedindo
a amplificação do DNA e extraí-la da amostra examinada.852

4.2.1.3. Empacotamento e etiquetagem

Após o procedimento de coleta, a atenção se volta para o empacotamento do


material genético, etapa que exige dois cuidados distintos: (i) utilização de embalagem
adequada para a preservação da fonte de prova; (ii) identificação do conteúdo da embalagem
com todos os dados necesários para a sua individualização.
A embalagem de guarda do material biológico deve protegê-lo das condições
que favorecem a degradação do DNA, como a umidade, calor, luz solar e algumas
substâncias químicas.853 Por essa razão, “o vestígio deve ser seco ou, na impossibilidade de
secar, refrigerado e congelado assim que possível”854. Ademais, para evitar o aumento do
calor e da umidade, “os vestígios biológicos jamais devem ser abafados”855.
Assim, para garantir as melhores condições em embalamento, as amostras
devem ser guardadas “em separado em bolsas de papel ou caixas de papelão, evitando-se

852
De acordo com Michelin, Freitas e Kortmann, as amostras-controle “são amostras do suporte do vestígio
(terra, tecido, parede), coletadas em uma região onde não é observado o material biológico. Serve para que
o laboratório possa identificar um possível inibdor em caso de falha da reação de amplificação e trabalhe da
melhor forma para removê-lo. É importante que a amostra-controle seja coletada e acondicionada
separadamente da amostra questionada e seja claramente identificada como tal” (MICHELIN, Kátia;
FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus
Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas:
Millennium, 2013. p. 108).
853
Este é outro ponto considerado crítico pelo Procedimento operacional padrão (POP) nº 2.2. de Genética
Forense do Ministério da Justiça, de 2013 que determina, em seu item 5, que “sempre que possível, os vestígios
úmidos devem ser secos à temperatura ambiente, protegidos da luz solar e encaminhados à unidade de
custódia ou de exames. Quando não for possível sua secagem, devem ser encaminhados em um prazo inferior
a 48 horas ou congelados antes do envio” (Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Secretaria
Nacional de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-
internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019). No mesmo sentido é a Resolução SSP nº 194/99, nas disposições
preliminares, item VII, do ANEXO.
854
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 108. No mesmo sentido, esclarece Bonaccorso que “[é] fundamental
que os vestígios úmidos sejam secos à temperatura ambiente, protegidos da luz solar e do calor [...] As
amostras de sangue líquido devem ser conservadas e transportadas sob refrigeração a 4 º C. Tecidos moles e
órgãos devem ser congelados [...]” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na
elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005. p. 47. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
855
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 108.
229

usar plástico sempre que possível”856. Isso porque “materiais de embalagem em papel ou
papelão são os mais apropriados, pois não abafam o vestígio e permitem que os fluidos
biológicos sequem”857. Contudo, nos casos em que forem coletadas grandes quantidades de
fluido ou objeto umidificado por material biológico (camisa úmida de sangue, por
exemplo858), “podem ser usados recipientes plásticos ou outros materiais que resistam ao
congelamento sem vazar ou quebrar”859.
Por conta do risco de contaminação química, verificada, por exemplo, na
“conservação em formol, fixadores ou corantes usados com outros fins”860, deve-se evitar o
uso dessas substâncias nas embalagens de acondicinamento. Quando houver necessidade,
contudo, é necessário o registro do produto químico utilizado. No caso de sangue líquido,
por exemplo, o conhecimento acerca do anticoagulante é importante, uma vez que “o DNA
pode ser afetado pelo uso de heparina, devendo-se evitar a sua utilização, preferindo-se o
EDTA”861.
Para evitar a degradação causada pela luz do sol são recomendadas embalagens
opacas, preferencialmente “envelopes próprios para embalagem de vestígios biológicos,
com revestimento aluminizado para proteção da luz e agentes dessecantes em seu
interior”862.

856
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262.
857
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 109.
858
Nesses casos, assim que possível, é recomendável a troca por uma embalagem de papel, conforme Jobim et
al.: “[r]oupas e outros objetos podem conter indícios úmidos, geralmente manchas de sangue ou esperma.
Nesses casos, devemos acondicionar as amostras em uma bolsa de plástico para o transporte até o laboratório
onde se deixará secar sobre uma superfície limpa. Após, será possível acondicionar em envelope de papel”
(JOBIM, Luiz Fernando et al. Amostras biológicas para DNA forense. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA,
Moacyr da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 265/266).
859
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 109. No mesmo sentido, é a determinação da Resolução SSP nº 194/99,
em seu item VI das disposições preliminares do ANEXO.
860
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262.
861
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 262.
862
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 110.
230

A embalagem deve ser individualizada com a identificação do caso, número de


referência da amostra, tipo de material biológico que contém, bem como informações sobre
as pessoas que coletaram o material, local, hora, condições de armazenagem até o envio ao
local de armazenagem.863
Para a lavratura desses registros, no caso das embalagens de papel, os “envelopes
e porta-suabes podem ser pré-impressos com formulários que facilitem sua identificação e
registro dos dados da coleta e da cadeia de custódia”864, enquanto que, para as embalagens
plásticas, devem “ser providenciadas etiquetas adesivas com os mesmos formulários
impressos”865.
Paralelamente, em formulário para o envio das amostras, devem ser consignados
os eventos ou circunstâncias que tenham potencial de influenciar no exame de identificação
por DNA,866 como a utilização de substância química, a possibilidade de contaminação do
local dos fatos por terceiros antes do seu isolamento (com o envio de amostras de exclusão),
a potencial coleta conjunta de substância inibidora da reação PCR (enviando, conjuntamente,
a amostra-controle).
No caso da amostra referência, cuja fonte é pessoa previamente conhecida, que
terá seu DNA comparado com o do local dos fatos, faz-se necessário a identificação de cada
um dos indivíduos que fornecerá material biológico, com informações sobre o dia, hora e
local, em formulário que deve ser assinado pelas partes e pela pessoa responsável pela

863
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 263. Esta é uma determinação
expressa da Resolução SSP nº 194/99, nas disposições preliminares do ANEXO, que diz: “V. Qualquer
material que se destine à análise forense de DNA deverá, desde sua coleta até seu encaminhamento final, ser
acondicionado isoladamente e devidamente identificado, através de relatório preceituado no item anterior”.
No mesmo sentido, determina o Procedimento operacional padrão (POP) nº 2.2. de Genética Forense do
Ministério da Justiça, de 2013, em seu item 5 (Procedimento operacional padrão: perícia criminal. Secretaria
Nacional de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/pops-de-per_cia-vers_o-para-
internet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2019).
864
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 110.
865
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 110.
866
Conforme Jobim et al., é recomendável manter “informações de inspeção ocular; documentação adicional
sobre a localização das amostras ou indícios biológicos, desenhos, filmes, fotografias” (JOBIM, Luiz
Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da; COSTA,
Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 363).
231

colheita das amostras, que deverá certificar que nada de anormal aconteceu ou relatar a
anormalidade.867
Além disso, “cada tubo de sangue ou swab bucal deve ser identificado no
momento de sua colheita, devendo ser mostrado para as partes e receber um visto da pessoa
que se submeteu à flebotomia. Dessa maneira, fica afastada a hipótese de ter havido trocas
de sangue durante a colheita, pois as próprias partes estão atentas e rubricam os tubos”868.
Entretanto, nos casos de localização e coleta de amostra referência existente em
item descartado pelo investigado, o agente deve adotar cuidados extras para registrar
informações suficientes que permitam relacionar o material coletado ao seu provedor.
Conforme explica Armengot Vilaplana, nestas situações é preciso “reforçar as garantias
para acreditar que a amostra voluntariamente abandonada pelo suspeito pertencia ao
mesmo (testemunho da polícia; possíveis câmeras de vídeo)”869.

4.2.1.4. Transporte, recebimento e armazenamento

Em qualquer dos casos, seja amostra do crime, seja amostra referência, o


transporte deve ser feito em condições adequadas para evitar a contaminação ou a
degradação do material genético. Assim, é importante que a fonte de prova seja trasportada
em ambiente seco, sem incidência de luz solar, com temperatura controlada, para que o calor
não afete o DNA, devendo ser resfriada quando a amostra biológica for líquida.870
Exemplificando, “as amostras de sangue, de swab bucal e papel de filtro ou FTA podem
viajar na temperatura ambiente sem perda da qualidade do DNA. O tempo decorrente entre
a colheita e o recebimento no laboratório não deverá ser maior do que 15 dias”871.

867
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 269.
868
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 269/270.
869
VILAPLANA, Alicia Armengot. La obtención de muestras biológicas para la determinación del ADN. La
situación legal y jurisprudencial tras las últimas reformas. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y
penitenciario, Madrid, v. 14, n. 128, 32 set./out. 2017. p. 7, tradução nossa.
870
Segundo Michelin, Freitas e Kortmann, “[a] refrigeração temporária de vestígios pode ser feita em caixa
térmica com unidades de gelo reciclável. Se necessário o transporte desse material por períodos mais longos
poderá ser feito utilizando gelo seco” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN,
Gustavo Lucena. Vestígios biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO,
Clayton Tadeu Mota. Locais de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 121).
871
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 270.
232

Assim como é exigível para qualquer fonte de prova, o material biológico deve
ser recebido “de acordo com procedimentos de custódia, anotando-se o nome da pessoa que
recebeu as amostras, tipo de transporte, integridade da caixa, indicar um número de
referência da amostra, fotografar caso necessário”872.
Com relação ao armazenamento, é preciso diferenciar os procedimentos
necessários para os materiais biológicos secos – incluindo aqueles que estão inicialmente
úmidos, mas que devem ser deixados em ambiente livre de contaminação para secagem antes
do armazenamento873 – e aqueles que não podem passar pelo procedimento de secagem sem
perder o conteúdo necessário para o exame.
Assim, quando “completamente secos, os itens deverão ser acondicionados em
embalagens de papel e mantidos em temperatura ambiente, que idealmente não deve exceder
24°C e 60% de umidade relativa do ar”874, sendo que, “em condições em que a temperatura
e umidade ambientes excedem constantemente esses limites, recomenda-se o uso de
condicionadores de ar”875.
Por outro lado, na impossibilidade de serem secos, “tais como tecidos orgânicos,
ossos e dentes com tecidos aderidos, vômito e fluidos absorvidos no solo e líquidos diluídos
tais como urina ou sangue diluído em água, entre outros”876, os materiais biológicos devem
ser “congelados em temperatura igual ou inferior a 20°C negativos assim que possível”877.
Por fim, o armazenamento de pelo para identificação por DNA é um caso
especial, pois, mesmo sendo um material seco, por conter pouco DNA, “recomenda-se que

872
JOBIM, Luiz Fernando et al. Identificação humana pelo DNA. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr
da; COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias
odontolegais; identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 270.
873
Nesse sentido, sustentam Michelin, Freitas e Kortmann: “[s]uportes contendo fluidos biológicos úmidos
precisam estar secos antes do armazenamento. Importante: a secagem de suportes contendo vestígios
biológicos deve ser feita em ambiente protegido da luz, de contaminações e do calor excessivo. Qualquer fonte
de calor como fornos e secadores de cabelo não são instrumentos próprios para a secagem de vestígios
biológicos” (MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios
biológicos. In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais
de crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 120).
874
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 120.
875
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 120.
876
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 121.
877
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 121.
233

o armazenamento de médio e longo prazo seja feito sob congelamento em temperatura igual
ou inferior a 20°C negativos em embalagem plástica”878.

4.2.1.5. Outros cuidados a serem adotados no laboratório e ao longo de todo o


caminho da fonte de prova

No laboratório serão necessários os mesmos cuidados referidos acima sobre o


local do crime, desde a utilização de trajes adequados, até esterelização dos instrumentos
necessários para o exame com técnica capaz de eliminar DNA.879 A essas preocupações,
adiciona-se a importância da “separação física no laboratório das áreas de extração de
DNA, pré-amplificação e pós-amplificação”880, sendo esta última “particularmente
importante, pois evita que produtos de PCR sejam trasferidos para amostras não
amplificadas”881.
Além da separação das salas, para evitar que as pessoas transmitam material
contaminante de um local para outro, “o trânsito de pessoas dentro do laboratório deve
seguir um fluxo unidirecional, da área de extração até a sala pós-PCR”882.
Outrossim, para preservação da integridade da fonte de prova, “outra medida é
a utilização de ponteiras com barreiras para as micropipetas, para não permitir que
moléculas de DNA sejam transferidas entre amostras no momento da pipetagem”883.

878
MICHELIN, Kátia; FREITAS, Jorge Marcelo de; KORTMANN, Gustavo Lucena. Vestígios biológicos.
In: VELHO, Jesus Antonio; COSTA, Karina Alves; DAMASCENO, Clayton Tadeu Mota. Locais de
crime. Campinas: Millennium, 2013. p. 120.
879
De acordo com Carvalho, “[é] recomendável que as áreas de trabalho e que os equipamentos sejam
irradiados com ultravioleta durante 4 horas, diariamente. Além disso, os tubos de reação, ponteiras e pipetas
devem ser submetidos à radiação ultravioleta pelo período mínimo de 1 hora antes do uso” (CARVALHO,
Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de
impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p. 303).
880
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303.
881
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303. Para um esquema ilustrativo desta separação em um laboratório, ver: BONARCCORSO, Norma
Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de
Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 107. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
882
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303.
883
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303.
234

Destaca-se, ainda, que além das pesssoas e dos instrumentos necessários para o
exame, é possível que os reagentes utilizados ao longo do procedimento PCR contenham
DNA humano capaz de contaminar a amostra a ser examinada. Por isso, “no momento da
extração, sempre deve ser feito um controle negativo (sem amostra biológica), para
assegurar que os reagentes utilizados estão livres de contaminantes”884.
Para certificar-se de que o laboratódio mantém “rígidos e idôneos controles de
qualidade (CQ)”885, é necessário a realização de um controle externo de “garantia de
qualidade (GQ)”, isto é, “o monitoramento e documentação do desempenho laboratorial
através de testes de qualidade e auditorias regulares”886.
Por fim, aplicando-se a todas as etapas do caminho da fonte de prova para
identificação por DNA, o registro da identidade de cada um que teve contato com o material
genético é essencial para eventual detecção da origem da contaminação da amostra de DNA.
De acordo com Carvalho, referindo-se à reação PCR, “[a] alta sensibilidade da técnica pode
fazer com que quantidades mínimas de DNA exógeno sejam amplificadas a um nível
detectável”887, sendo que, em havendo contaminação, “todo o pessoal do laboratório
envolvido na manipulação e processamento das amostras deve ter o seu perfil genético
determinado, além daqueles envolvidos na coleta dos vestígios no local de crime”888, para a
detecção da fonte.

884
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303.
885
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 101. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
886
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 101. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
887
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303.
888
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 303/304.
235

4.2.2. Elemento de prova: pontos de atenção para a proteção do seu conteúdo


contra alterações causadas pela técnica utilizada na sua produção

De início, é preciso esclarecer que idealmente o elemento de prova do exame de


DNA pode apresentar dois formatos diferentes: (i) as amostras comparadas diferem em seus
perfis alélicos e, portanto, são de pessoas diferentes; e (ii) as amostras comparadas
combinam em seus perfis alélicos. Nesse segundo caso, há uma subdivisão do elemento de
prova: (ii. a) as duas amostras vieram da mesma pessoa ou de gêmeos idênticos; ou (ii. b)
vieram de pessoas diferentes, mas os padrões de DNA nos loci analisados são iguais.889
No entanto, nos muitos casos em que as amostras possuem baixa qualidade ou
apresentam mistura de materiais genéticos, as conclusões não são resolutivas, podendo-se
limitar a informar que não é possível excluir o investigado como contribuinte para a amostra
questionada ou que o resultado é inconclusivo.
Os pontos sensíveis do elemento de prova do exame de DNA estão localizados
exatamente nas linhas tênues que dividem a inclusão, no laudo pericial, de um resultado ou
outro, pois a informação apresentada como elemento de prova poderá diferir em razão da
técnica e da base de dados utilizada ou, ainda, do subjetivismo da análise que o perito faz
sobre o resultado do exame laboratorial.
Em razão disto, diversas opções feitas pelos peritos no momento da realização
do exame e da posterior análise do resultado devem ser documentadas como parte da cadeia
de custódia da prova de DNA. Vejamos.
De acordo com “NDIS Operational Procedures Manual”, elaborado pelo FBI,
“mesmo com o fortalecimento dos padrões de qualidade, seria um erro negar a possibilidade
de erros nas análises das amostras dos investigados”890. Para além das possíveis falhas
decorrentes da contaminação da fonte de prova, as técnicas de identificação por DNA
possuem limitações que, caso não sejam devidamente reconhecidas e respeitadas na análise
de uma amostra, podem levar a resultados inexatos ou, até mesmo, falsos.

889
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 81. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
890
National DNA Index System (NDIS) Operational Procedures Manual. FBI Laboratory. Version 8, 1 maio
2019. p. 81. Disponível em: <https://www.fbi.gov/file-repository/ndis-operational-procedures-
manual.pdf/view>. Acesso em: 27 nov. 2019.
236

Nos casos em que a amostra de DNA a ser examinada contém material genético
de um só indivíduo e está disponível em grande quantidade, as técnicas de identificação se
provaram meios confiáveis de análise.891
Contudo, a identificação por DNA enfrenta problemas quando uma destas
condições não é preenchida, o que, particularmente para as perícias penais, tornou-se
relevante, na medida em que, como sustenta Bieber, “cada vez mais, os laboratórios
criminais estão sendo requisitados para analisarem DNA de baixa qualidade, pouca
quantidade e contendo misturas complexas”892.
Como demontrado anteriormente (item 4.1.2.2, supra), a técnica de PCR
representou importante avanço tecnológico ao permitir a realização de exames de
identificação em amostras pequenas de DNA, tornando-se a técnica mais divulgada e
utilizada nos laboratórios forenses.893

891
Nesse sentido, Thompson sustenta que os cálculos que apontam para baixíssimas probabilidades de
repetição aleatória de um perfil genético “se aplicam apenas para os casos ideais, nos quais os laboratórios
encontram combinações entre duas amostras de DNA completas e não misturadas” (THOMPSON, Willian C.
Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon; GRUBER, Jeremy (org.). Genetic
explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 241, tradução nossa. Disponível em:
<https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019). Também Dror e
Hampikian, ao tratarem da subjetividade e enviesamento nas análises dos resultados de identificação por DNA,
afirmam: “[é] preciso enfatizar, contudo, que estes efeitos foram observados na análise de DNA misturado.
Pesquisas anteriores feitas em identificação forense indicam que a influência do contexto é mais forte quando
a amostra é ambígua, complexa e a ‘hard call’. Quando os dados são claros e as decisões são simples, a
influência do contexto é diminuída.” (DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic
DNA mixture interpretation. Science and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205, tradução nossa.
Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019).
892
BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
2, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019. No mesmo sentido, Bonaccorso esclarece que, diferentemente das amostras-referência, que
normalmente são colhidas em boa quantidade e sem contaminação, as amostras questionadas não. Assim, “nas
amostras questionadas, uma avaliação preliminar é vital para determinar o melhor método de processamento,
porém a automação é mais dificultosa porque a qualidade e a quantidade de DNA são variáveis e também
porque misturas são frequentemente encontradas, bem como perfis anômalos provenientes de mutações podem
também aparecer, complicando a interpretação [...]” (BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame
de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2005. p. 80. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
893
Nesse sentido, explica Pinheiro: “[a] PRC (polymerase Chain Reaction) é a técnica mais divulgada e
utilizada na grande maioria dos laboratórios que efetuam este tipo de análise, tendo possibilitado a obtenção
de grandes êxitos na resolução de casos forenses. [...]. Por se tratar de uma técnica extremamente sensível é,
teoricamente, possível estudar o perfil genético de um pelo ou de qualquer outro tipo de amostra que tenha
uma quantidade exígua de DNA” (PINHEIRO, M. Fátima. Contribuição do estudo do DNA na resolução de
casos criminais. Revista do Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v. 19, n. 74, p. 145-153., abr./jun. 1998. p.
151).
237

Contudo, em alguns casos, a quantidade de material genético disponível é tão


baixa que passa a ser denominada de “DNA traço”. Conforme Carvalho, “a quantidade de
DNA estimada para estas amostras que são consideradas mínimas, referidas como DNA
traço, pode ser menos do que 200 pg ou 100 pg”894.895
Por conta da quantidade muito pequena de DNA disponível nas amostras traço,
o procedimento comum de amplificação pela técnica PCR não é suficiente para atingir a
quantidade necessária de material genético para a realização do exame de DNA. Portanto,
nesses casos “devem ser feitos alguns ajustes nas técnicas para que se obtenha sucesso na
obtenção de perfis genéticos”896.
Conforme Buckleton, Bright e Taylor, na “abordagem para analisar amostras
suspeitas de terem baixo nível de DNA é aumentando o número de ciclos de amplificações
por PCR de 28 para 34. Essa técnica ficou conhecida como análise LCN”. 897 Neste
procedimento LCN (low copy number), além do aumento do número de reações de
amplificação, há casos em que também é necessário adicionar mais Taq polimerase após o
28º ciclo.898
Entretanto, essas adaptações à técnica PCR potencializam os denominados
efeitos estocáticos, isto é, alteações randômicas no resultado do exame causadas pelo
surgimento ou modificação do tamanho de bandas (ou picos) que indicam a existência de

894
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 300.
895
Picograma (pg) é unidade de massa. 100pg corresponde a 10-10g.
896
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 299. No mesmo sentido Bieber et al.: “a comunidade forense está utilizando métodos que aumentam
a sensibilidade de detecção por melhorias na técnica de extração do DNA, dos kits multiplex e pelo aumento
do número de ciclos de PCR (ou outras manipulações) que permitem a análise de amostras complexas e
desafiadoras” (BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for
evaluation, interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC
Genetics. 2016. p. 2, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019).
897
BUCKLETON, John S.; BRIGHT, Jo-Anne; TAYLOR, Duncan. Forensic DNA evidence interpretation. 2ª
ed. Boca Raton: CRC Press, 2016. p. 198, tradução nossa.
898
Conforme explica Carvalho: “[o] método mais comum de aumentar a sensibilidade da PCR na amplificação
de DNA traço é o aumento do número de ciclos da reação, de 28 (que é o padrão) para 34 ciclos. Esse processo
é chamado de low copy number ou LCN e foi positivamente demonstrado por vários pesquisadores. Gill et al.
(2000) demonstraram, pela primeira vez, que é possível obter perfis genéticos completos por meio de LCN
(aumentando o número de ciclos para 34), a partir de apenas 5 a 10 células (30 a 60 pg). Kloosterman e
Kersbergen (2003), além de usarem 34 ciclos, adicionaram mais aq polimerase à reação, após o 28º ciclo”
(CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e
revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 299).
238

alelo e as suas repetições naquele fragmento de STR. Como consequência dessas alterações,
o resultado final do exame pode não detectar um alelo existente em determinado STR, bem
como errar na determinação do tamanho das repetições de um alelo, ou, ainda, indicar a
presença de alelos que não existem.899
O aumento dos efeitos estocásticos na amplificação das amostras com baixa
quantidade de DNA pode ser demonstrado por meio da submissão de duas amostras, de uma
mesma pessoa conhecida, simultaneamente aos procedimentos de PCR e LCN. Com a
realização dos dois exames em parelelo, aplicando-se o procedimento mais confiável à
primeira amostra para que sirva de base de comparação, é possível identificar eventuais
diferenças que apareçam no resultado do segundo exame, feito pela técnica LCN, que, pela
unicidade da fonte, não deveriam existir.900
A partir desses estudos comparativos, de acordo com Gill, Guiness e Iveson,
concluiu-se que os efeitos estocáticos “tipicamente observados nos baixos níveis de DNA,
são desbalanço heterozigótico, allele drop-out e allele drop-in”901.
O efeito dropout corresponde à falha no resultado do exame que deixou de
reconhecer os existentes alelos em determinado STR (locus dropout)902 ou que reconheceu
apenas um alelo dos dois existentes numa amostra heterozigótica, dando aparência de
homozigose (allelic dropout).903 Conforme explica Stevens, o allelic dropout “é um

899
Nesse sentido, explica Bieber et.al.: [p]equenas quantidades de DNA vão apresentar randômicos
(estocásticos) efeitos durante a amplificação do DNA no resultado do teste STR que podem levar à falha na
detecção de alguns ou todos os alelos do verdadeiro doador (i.e., allele drop-out). (BIEBER, Frederick R. et
al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation, interpretation, and statistical
calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p. 2, tradução nossa. Disponível
em: <https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
900
De acordo com Gill, Guiness e Iveson, a ciência forense identifica os efeitos estocásticos “comparando o
perfil questionado com o perfil do indivíduo conhecido” (GILL, Peter; GUINESS, June; IVESON, Simon. The
interpretation of DNA evidence (including low-template DNA). FSG – 202. 2012. p. 10, tradução nossa.
Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/a73b/61f0d520dd9c85819ecef2252a906c99ad53.pdf>.
Acesso em: 27 nov. 2019).
901
GILL, Peter; GUINESS, June; IVESON, Simon. The interpretation of DNA evidence (including low-
template DNA). FSG – 202. 2012. p. 12, tradução nossa. Disponível em:
<https://pdfs.semanticscholar.org/a73b/61f0d520dd9c85819ecef2252a906c99ad53.pdf>. Acesso em: 27 nov.
2019.
902
De acordo com Buckleton, Bright e Taylor, o “locus dropout descreve o evento quando nenhum alelo é
observado em um locus” (BUCKLETON, John S.; BRIGHT, Jo-Anne; TAYLOR, Duncan. Forensic DNA
evidence interpretation. 2ª ed. Boca Raton: CRC Press, 2016. p. 199, tradução nossa).
903
Como explica Stevens et al., “para um organismo diploide, a falha na amplificação de um alelo pode
resultar em alelo dropout (ADO), causando a aparência de homozigose” (STEVENS, Aaron J. et al. Allelic
Dropout During Polymerase Chain Reaction due to G-Quadruplex Structures and DNA Methylation Is
Widespread at Imprinted Human Loci. G3 (Bethesda). Vol. 7, mar. 2017. p. 1019, tradução nossa. Disponível
em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5345703/>. Acesso em: 27 nov. 2019). Da mesma
forma, para Carvalho, classifica-se como “allele drop-out quando ocorre a amplificação preferencial de um
dos alelos em um ou mais loci heterozigoto” (CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais.
239

problema insidioso de difícil reconhecimento porque o PCR aparenta correto, mas metade
da informação genética está faltanto”904. Ressalta-se que este problema se intensifica no
caso do locus dropout, quando se perde toda a informação genética daquele fragmento
STR.905
Conforme explica Carvalho, o efeito dropout “é uma característica que se torna
mais frequente à medida que a quantidade de DNA molde diminui”906. Assim, quanto mais
ciclos de PCR se faz, maiores são as chances de o resultado ser alterado por esse efeito
estocástico, já que a cada nova ampliação surgem mais DNA cópia, que diluem a quantidade
inalterável de DNA molde da amostra original.
Outro conhecido efeito estocástico é denominado de desbalanço das bandas em
fragmento STR heterozigótico, que acontece quando o resultado do exame indica que os
alelos daquele trecho de DNA selecionado possuem tamanhos diferentes, quando deveriam
ser idênticos.907 Conforme explica Leclair et al., o “desbalanço pode ser causado pelo efeito
estocástico quando se amplia pouco DNA ou DNA degradado ou pela inabilidade de
remover inibidores de PCR durante a extração de DNA”908.

In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano


Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p. 300).
904
STEVENS, Aaron J. et al. Allelic Dropout During Polymerase Chain Reaction due to G-Quadruplex
Structures and DNA Methylation Is Widespread at Imprinted Human Loci. G3 (Bethesda). Vol. 7, mar. 2017.
p. 1019, tradução nossa. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5345703/>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
905
BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
2. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
906
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 300.
907
Conforme Buckleton, Bright e Taylor, o “balanço heterozigótico se refere às alturas relativas de dois picos
de uma heterozigose. Se tudo estiver perfeito, estes dois picos devem ter a mesma altura” (BUCKLETON,
John S.; BRIGHT, Jo-Anne; TAYLOR, Duncan. Forensic DNA evidence interpretation. 2ª ed. Boca Raton:
CRC Press, 2016. p. 199, tradução nossa). No mesmo sentido, Leclair et al.: “[e]m teoria, quando alelos em
um locus heterozigótico são amplificados, os picos e áreas dos alelos devem ter uma razão de 1” (BENOÎT,
Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area ratios at
heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences. Vol. 49, set.
2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019).
908
BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area ratios
at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences. Vol. 49,
set. 2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
240

Por fim, a técnica LCN pode causar o denominado allelic drop-in, quando os
resíduos dos produtos da reação de amplificação, chamados de stutters,909 aparecem no
resultado do exame, dando a falsa impressão de haver um alelo em determinado STR,
quando não há.910 Apesar de a aparição dos stutters ser comum na técnica PCR, estes
“normalmente aparecem como picos de até 15% da altura do pico que lhe originou e
posicionan-se 4 nucleotídeos antes deste”911. Entretanto, o aumento do ciclo de amplificação
pode causar o aumento da produção de stutters, que serão representados no resultado numa
porcentagem maior do que a esperada em comparação ao risco do verdadeiro alelo, podendo
levar o intérprete a ler equivocadamente o resultado por acreditar erroneamente que o stutters
é um outro alelo.
A ocorrência de allelic drop-in poderá influenciar negativamente no resultado,
por exempo, de um fragmento de DNA homozigótico, pois a interpretação de um stutters
como alelo levará à conclusão falsa de uma amostra heterozigótica; outra situação também
problemática é efeito do drop-in num fragmento heterozigótico, já que, nesse caso, a leitura
do stutters como um terceiro alelo induzirá à equivocada conclusão de que a amostra está
contaminada por outro DNA,912 já que ninguém tem três alelos num mesmo locus.913
Esses mesmos problemas decorrentes dos efeitos estocáticos são agravados na
análise de amostra contendo mistura de DNA, isto é, material genético de mais de uma

909
Como explicam Buckleton, Bright e Taylor, os “stutters surgem durante o PCR e produzem pequenos picos,
normalmente uma repetição em menor tamanho do que o pico do alelo correspondente” (BUCKLETON, John
S.; BRIGHT, Jo-Anne; TAYLOR, Duncan. Forensic DNA evidence interpretation. 2ª ed. Boca Raton: CRC
Press, 2016. p. 199, tradução nossa).
910
De acordo com Leclair et al., “os picos de stutter são normalmente picos menores de uma unidade, menores
que os picos dos alelos a que são correspondentes e causados pela derrapagem de produtos durante a
amplificação” (BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and
peak area ratios at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic
Sciences. Vol. 49, set. 2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019).
911
CARVALHO, Bianca de Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia
e revelação de impressões digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium,
2012. p. 300.
912
Nesse sentido, Carvalho: “[o]s stutters são normalmente gerados pela derrapagem da taq polimerase
durante o processo de amplificação do DNA. Assim, a dificuldade na identificação dos stutters pode complicar
a definição do número de contribuintes para o material genético analisado” (CARVALHO, Bianca de
Almeida. DNA e impressões digitais. In: TOCCHETTO, Domingos. Datiloscopia e revelação de impressões
digitais. Coordenação de Adriano Roberto da Luz FIGINI. Campinas: Millennium, 2012. p. 300).
913
Com o explica Bieber et al., “[d]epois da análise STR, a presença de três ou mais picos de alelos em dois
ou mais loci genéticos [...] indica que múltiplos doadores contribuíram para aquela amostra de DNA testada”
(BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
2, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
241

pessoa.914 Esse ponto é particularmente relevante para a identificação penal, pois, conforme
Leclair et al., a “evidência biológica coletada na cena do crime normalmente consiste numa
mistura de substâncias corporais originadas de mais de um indivíduo, de modo que perfis
de STR misturados são normalmente encontrados nas investigações criminais”915.
Numa análise de uma amostra contendo, por exemplo, fragmentos de DNA de
duas pessoas misturados, espera-se que para cada fragmento selecionado sejam encontrados
de 2 a 4 alelos, a depender dos indivíduos serem homozigóticos ou heterozigóticos.
Tomando-se como exemplo o efeito drop-in, uma amostra com dois DNAs homozigóticos
deveria apresentar o total de 2 alelos, um para cada indivíduo. Entretantanto, os picos
causados por stutters podem sugerir a existência de mais um ou até dois outros falsos alelos,
levando à conclusão de que, ao invés de os DNAs pertecerem a dois indivíduos
homozigóticos, são de duas pessoas heterozigíticas.
Além disso, numa amostra misturada, normalmente há maior proporção do
material genético de uma pessoa do que de outra. Numa situação como essa, a diferença de
proporção refletirá no tamanho dos picos indicadores da presença de alelos naquele
fragmento STR analisado, sendo que o material genético em maior quantidade terá picos
maiores. Nesse cenário, “o alelo do perfil menor pode potencialmente não ser detectado se
estiver co-localizado no cromatograma com o pico de stutter correspondente ao alelo do
perfil maior”916.
Da mesma forma, o desbalanço heterozigótico também afeta negativamente a
análise de amostra com DNA misturados,917 pois a menor altura de um pico desbalanceado

914
Conforme explica Bieber et. al., “[a] mistura de DNA se refere à amostra biológica originada de dois ou
mais doadores” (BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for
evaluation, interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC
Genetics. 2016. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019).
915
BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area ratios
at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences. Vol. 49,
set. 2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
916
BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area ratios
at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences. Vol. 49,
set. 2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
917
Cf. BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area
ratios at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences.
Vol. 49, set. 2004. p. 1. Disponível em:
242

pode levar à equivocada conclusão de que esse alelo pertence ao outro indivíduo também
originador do material genético coletado.
A comunidade científica tem buscado desenvolver novos meios para analisar
amostras complexas com mais de dois doadores deconhecidos, como é o caso do método
CPI (combined probability of inclusion).918 Contudo, “nos Estados Unidos, os protocolos de
interpretação de misturas de DNA utilizando o método CPI tem sido criticados quando
aplicados para as misturas foreses, por não ser adequado para esta finalidade”919.
Ademais, ainda que fosse admissível para uso forense, o desenvolvimento dessa
nova técnica de análise do resultado não afastou as consequências negativas que os efeitos
estocásticos podem causar no resultado. Tanto é assim que, com relação ao método CPI de
análise, adverte Bieber et al.: “se o perfil de DNA do crime é de baixo nível, a possibilidade
do alelo drop-out deve ser considerada. Se o alelo drop-out é uma explicação razoável para
o resultado do DNA analisado, então a estatística do método CPI não pode ser nos loci em
que este fenômeno pode ter ocorrido”920.
Como se vê, portanto, as técnicas de identificação por DNA apresentam
importantes problemas nos casos de amostras complexas, que influem diretamente no
conteúdo do elemento de prova produzido.921 Não por outra razão, Stevens et al. adverte

<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
918
De acordo com Bieber et al., “[o] CPI se refere à proporção de uma dada população que deve ser esperada
para ser incluída como potencial contribuidora para a mistura de DNA observada” (BIEBER, Frederick R. et
al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation, interpretation, and statistical
calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p. 2, tradução nossa. Disponível
em: <https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
Acesso em: 27 nov. 2019).
919
BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
1, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
920
BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
1, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
921
Não por outra razão Bonaccorso destaca que, ao elaborar o laudo de exame de DNA, no tópico dos exames
“devem ser indicadas as metodologias empregadas, com as respectivas referências bibliográficas, das
seguintes etapas do exame: a. extração de DNA, indicando as diferentes metodologias empregadas de acordo
com o tipo de material biológico analisado; b. quantificação de DNA, indicando a metodologia e aparelhagem
utilizadas; c. amplificação das regiões polimórficas de DNA, citando os reagentes empregados, seus
fabricantes e data de validade; o tipo de termociclador e o programa empregado na amplificação; d. detecção
dos alelos dos loci amplificados, explicando resumidamente o ensaio eletroforético empregado e a forma
aplicada para evidenciar alelos, citando o equipamento utilizado para leitura dos perfis genéticos”
(BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
243

para o fato de que, “apesar da otimização extensiva e do uso quase onipresente, a PCR ainda
é propensa a falhas em determinadas circunstâncias”922.

4.2.2.1. Segue: o problema da análise do resultado do exame

Além das prejudiciais alterações causadas pelos efeitos estocáticos, outro


delicado aspecto relacionado ao exame de indentificação por DNA está na confiabilidade
dos estudos populacionais utilizados como base de dados. Isso porque, conforme Thompson:

[...] os laboratórios forenses tipicamente baseiam as frequências estimadas não no


NDIS ou qualquer outro amplo banco de dados contendo milhões de perfis, mas
em base de dados estatísticas publicadas que contém poucas centenas de perfis de
‘amostras convenientes’ de membros das principais raças ou grupos étnicos.923

Nesse cenário, cresce a incerteza sobre as estatísticas utilizadas para auferir a


frequência de uma combinação, pois para “gerar um número como de 1 em 2 quadrilhões a
partir de uma base de dados de poucas centenas de perfis requer uma extrapolação baseada
em fortes suposições sobre a independência estatística de vários marcadores”924.
Mesmo que se supere esse problema inicial, a situação se agrava
consideravelmente nos casos em que estão envolvidas pessoas com relação de parentesco,
quando o perfil for parcial, e nas amostras com mistura de material genético.
Apesar da aparente certeza sugerida pela baixa probabilidade estatística
divulgada pelos estudos populacionais, de maneira geral, as bases de dados para frequência
de repetição genética considera pessoas aleatórias de grupo populacional. Assim, por
exemplo, “estima-se que a probabilidade média de duas pessoas não relacionadas terem os

de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
922
STEVENS, Aaron J. et al. Allelic Dropout During Polymerase Chain Reaction due to G-Quadruplex
Structures and DNA Methylation Is Widespread at Imprinted Human Loci. G3 (Bethesda). Vol. 7, mar. 2017.
p. 1019, tradução nossa. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5345703/>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
923
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 247,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
924
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 247,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
244

mesmo treze locus no perfil do DNA é entre 1 em 200 trilhões e 1 em 2 quadrilhões,


dependendo do grau da estrutura genética da população humana”925.
Contudo, não obstante os exames laboratoriais utilizem como base para seus
cálculos os estudos sobre pessoas aleatórias, nas hipóteses em que um suspeito inocente
testado tenha parentesco genético com o verdadeiro autor do crime, a probabilidade de ser
positiva a combinação é significantemente maior. No caso de serem irmãos, por exemplo,
chega a ser 3 milhões de vezes mais provável que cada fragmento analisado seja igual.926
A baixa quantidade de locos analisados (perfil parcial) também tem se revelado,
na prática, a origem de diversos falsos positivos, mesmo quando as frequências de repetição
aleatório daquele perfil na população sugere uma baixa probabilidade.
Esse problema foi revelado em estudo realizado pelo Governo Britânico,
apontando que, entre os anos de 2001 e 2006, 27,6% dos materiais genéticos encontrados
nas cenas de crime e comparados com a base de dados de DNA da Grã-Bretanha reportaram
mais de um perfil como sendo compatível com a amostra duvidosa. Este elevado número de
falsos positivos foi atribuído justamente à significante proporção de materiais genéticos
parciais colhidos nas cenas de crime.927
Demonstando também preocupação com os falsos positivos vinculados a perfis
parciais, nos Estados Unidos, o FBI subiu de 12 para 20 STRs o mínimo a ser considerado
para a indentificação por DNA em matéria criminal.
Entretanto, essa orientação não é necesariamente seguida em outros países, que,
por vezes, utilizam como prova para a condenação pefis genéticos parciais. Na Espanha, por
exemplo, a Terceira Seção da Audiência Nacional condenou o réu porque os peritos
“concluíram que com estes sete locis de DNA, a probabilidade de concordância de uma

925
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 241,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
926
Nesse sentido, Thompson apresenta o seguinte estudo: “[a]pesar de este perfil ser encontrado somente em
1 em 250 bilhões de indivíduos não relacionados, a probabilidade de achar este perfil em parentes do doador
é muito maior: 1 em 14 bilhões para um primo de primeiro grau; 1 em 1.4 bilhões para sobrinho, sobrinha,
tio ou tia; 1 em 38 milhões para pais ou filhos e 1 entre 81.000 para irmãos” (THOMPSON, Willian C.
Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon; GRUBER, Jeremy (org.). Genetic
explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 242, tradução nossa. Disponível em:
<https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019).
927
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 245.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
245

pessoa, elegida ao azar, apresentar estas características genéticas é de 11,4 milhões entre
a população espanhola”928.
Da mesma forma, na Inglaterra, em caso que apontava uma frequência
probabilística menor do que a aceita para condenação no exemplo espanhol, o teste de 6 loci
indicou que a probabilidade de haver outra pessoa com a mesma combinação dos perfis
genéticos da cena do crime e do indivíduo reportado pela base de dados de DNA era de 1
em 37 milhões. Contudo, em razão da debilidade física da pessoa indicada pela base de dados
e a dificuldade que teria para, nestas condições, praticar o crime investigado, realizou-se um
novo exame em loci adicionais, que resultou na exclusão da pessoa como a fonte do material
genético encontrada no local do crime, comprovando, assim, que o falso positivo inicial era
uma coincidência derivada do exame feito em perfil parcial.929
Da mesma forma, nos Estados Unidos, a combinação positiva dos perfis da cena
do crime e do banco de dados produzida com 6 loci apontou Steven Myers como o autor do
crime, com uma frequência de repetição genética de 1 para 1,6 milhões, levando-o a prisão
por 7 (sete) meses. Como a fonte de prova obtida no local do crime ainda estava disponível,
foi realizado um novo exame em outros loci, que demonstrou a incompatibilidade entre os
perfis.930
Outrossim, assim como infringe problemas às técnicas utilizadas, a qualidade da
amostra examinada, principalmente quando há mistura de materiais genéticos, é outra
circunstância desconsiderada pelas estatísticas das bases de dados de frequência
populacional que interfere no resultado do exame.

928
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p. 282, tradução nossa.
929
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 244.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
930
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 245.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
246

A análise de material genético misturado, por si só, já impõe desafios ao exame


de identificação, uma vez que, inexistindo prévia informação de quem são os originadores,931
“a imprevisibilidade relacionada ao número de alelos compartilhados entre os
contribuidores também reduz a habilidade de identificação individual dos perfis contidos
na mistura”932.
Como consequências, “por haver dificuldade de dizer quais alelos estão
associados a cada contribuidor da amostra misturada, normalmente muitos perfis (não só
um) pode ser compatível com aquela composição, e consequentemente existem chances
muito maiores de ser apenas uma coincidência”933.
A desconsideração dessa circunstância, contudo, leva à aplicação, para as
amostras complexas, das estatísticas desenvolvidas para amostra simples de DNA, causando
grave alteração no resultado do exame.
Ademais, por conta desta dificuldade intrínseca às situações em que há mistura
de material genético, a análise dos resultados dos exames de identificação tem se
demonstrado subjetiva e enviesada. Ao contrário dos casos em que a unicidade do doador
permite a obtenção de um resultado decorrente exclusivamente da técnica laboratorial
empregada, “nas situações complexas (como as com DNA misturados), DNA exige e
depende de examinadores humanos fazendo uma variedade de julgamentos subjetivos que
são sucetíveis a viés”934.

931
Na hipótese de uma amostra com dois doadores de DNA, o conhecimento prévio do perfil genético de um
deles facilita a análise, conforme explica Bieber et al., “(misturas) que envolvam somente dois contribuintes e
um deles (ex., no caso de estupro, o material genético da vítima [...]) é sabido, a parte remanescente da mistura
dos perfis de DNA que pode ser inferida como tendo originado da segunda pessoa”, ou seja, “[q]uando o DNA
de um indivíduo conhecido é razoavelmente esperado de estar presente, a contribuição conhecida pode ser
‘extraída’” (BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
2, tradução nossa. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019).
932
BENOÎT, Leclair et al. Systematic analysis of stutter percentages and allele peak height and peak area ratios
at heterozygous STR loci for forensic casework and database samples. Journal of Forensic Sciences. Vol. 49,
set. 2004. p. 1, tradução nossa. Disponível em:
<https://projects.nfstc.org/workshops/resources/literature/Systematic%20Analysis%20of%20Stutter%20Perc
entages%20and.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
933
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 241,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
934
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 203, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
247

Em estudo desenvolvido nos Estados Unidos, o resultado de um exame feito em


amostra de DNA contendo mistura de material genético, utilizado em um caso real, foi
submetido à análise independente de 17 (dezessete) especialistas em DNA, vinculados a
laboratórios certificados pelo Governo norte-americano para esse trabalho, para saber se a
conclusão deles seria a mesma adotada pelos peritos forenses.935 Para evitar qualquer viés,
não foi informado aos especialistas que o resultado do DNA era proveniente de um fato real,
tampouco as circunstâncias do caso.936
No caso real, a perícia forense foi realizada em amostra de DNA coletada do
corpo de uma vítima de estupro coletivo, tendo como informação adicional o fato de que um
dos investigados, dentro de um acordo para ter a pena reduzida, confessou o crime e
identificou os outros autores. A análise dos peritos que tabalharam no caso criminal concluiu
que “os suspeitos idetentificados pelo colaborador não podem ser excluídos de serem
contribuidores para a mistura”937.
O resultado da análise foi importante para a acusação porque, como os suspeitos
alegavam inocência, pelas leis do estado da Georegia, Estados Unidos, o depoimento do
colaborador somente poderia ser admitido como prova se corroborado por outra evidência,
sendo que “se os suspeitos tivessem sido excluídos pelo DNA, ou mesmo se o DNA fosse
‘inconclusivo’, o depoimento incriminador muito provavelmente não seria admitido”938.
Por sua vez, como resultado das 17 análises independentes realizadas, apenas
um especialista chegou a mesma conclusão dos peritos do caso real, no sentido de que o
suspeito não pode ser excluído. Por outro lado, 12 especialistas concluíram que o resultado

935
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 203. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019
936
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 203/204. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
937
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
938
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
248

da análise excluía o suspeito como um dos contribuintes para a amostra misturada, ao passo
que 4 examinadores entenderam ser o resultado inconclusivo.939
Assim, revelou-se que “os examinadores não foram consistentes nas suas
conclusões, o que, por si só, sugere que há um elemento de subjetividade na interpretação
de DNA”940, pois “se fosse totalmente objetivo, todos os examinadores teriam chegado à
mesma conclusão, especialmente porque todos [...] seguem as mesmas orientações para
interpretação”941.942
Além disso, ao comparar o grande contraste entre a análise feita pelos peritos do
caso e a conclusão diferente e conflitante da vasta maioria dos examinadores independentes
consultados, o estudo sustenta ser possível que o conhecimento sobre o contexto fático do
crime, irrelevante para o exame de DNA, tenha enviesado a conclusão a que chegaram os
experts que trabalharam no caso.943

4.3. Consequências da quebra da cadeia de custódia na perícia de


identificação por DNA

O registro de todos os pontos e etapas apresentados sobre a preservação da fonte


de prova e da informação contida no elemento de prova (item 4.2, supra) são importantes

939
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
940
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
941
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205, tradução nossa. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
942
Revelando a subjetividade na análise dos resultados, Bonaccorso cita a necessidade do uso de “estratégias
para interpretação”: “[...] a automação é mais dificultosa porque a qualidade e a quantidade de DNA são
variáveis e também porque misturas são frequentemente encontradas [...]” sendo que “[...] para lidar com ela
são necessárias determinadas estratégias para interpretação”. Diferentemente das amostras complexas,
contudo, “a qualidade do DNA oriundo de amostras referência é geralmente boa e isto faz com que a
automação da tipagem e da identificação sejam relativamente simples” (BONARCCORSO, Norma Sueli.
Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação de mestrado (Faculdade de Direito).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 80. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez.
2019).
943
DROR, Itiel E.; HAMPIKIAN, Greg. Subjectivity and bias in forensic DNA mixture interpretation. Science
and Justice. Vol. 51, Issue 4, dez. 2011. p. 205. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/51849266_Subjectivity_and_bias_in_forensic_DNA_mixture_int
erpretation>. Acesso em: 27 nov. 2019.
249

para a adequada autenticação da prova em juízo, conforme visto no capítulo 3. Não obstante
isso, a impossibilidade de produzir ou valorar uma prova não é consequência automática da
falta de manutenção da cadeia de custódia.
Partindo das premissas já estabelecidas até aqui ao longo do trabalho, faz-se
necessário definir quais quebras da cadeia de custódia da fonte ou elemento de prova na
identificação por DNA poderão resultar na impossibilidade de sua produção ou valoração,
seja pelos critérios lógicos de admissão, seja pela exclusão decorrente da vulneração da
proteção legal a direito fundamental.

4.3.1. Inadmissibilidade em decorrência da irrelevância e impertinência da


fonte de prova

A relevância e pertinência de uma fonte de prova estão lastreadas na sua


potencial capacidade de relevar informações sobre a veracidade das alegações que as partes
fazem sobre os fatos (cf. capítulo 3, item 3.1.1, supra). Disso decorre a necessária
identificação da origem da fonte de prova, caso contrário será impossível relacioná-la ao
caso em discussão.
Tratando-se da identificação por DNA, não serão pertinentes e relevantes ao
processo quaisquer amostras de material biológico, mas somente aquelas que forem
encontradas no local do crime ou no corpo da vítima (amostra questionada), bem como as
que forem coletadas da vítima e dos investigados (amostra de referência).
Assim, mesmo trabalhando com um regime de inclusão das provas, somente
serão admitidas pelos critérios lógicos as provas derivadas de fontes que estejam conectadas
aos fatos objeto do processo, por meio da identificação da sua origem.
Com isso, desde já, pode-se concluir que eventual quebra na cadeia de custódia
que rompa com esta necessária conexão refletirá na falta de relevância ou pertinência da
fonte de prova e, consequentemente, no elemento de prova a partir dela produzido (ou que
se pretende produzir).
Para melhor detalhar essa situação de inadmissibilidade da prova, passa-se a
tratar, dentre as etapas da cadeia de custódia, daquelas particularmente sensíveis à
manutenção da identidade da fonte de prova.
Para se manter a identidade da origem das amostras referência e questionada,
conforme detalhado anteriormente (item 4.2.1, supra), as amostras deverão ser embaladas
isoladamente, mantendo-se o registro individualizado das informações sobre local, dia, hora,
250

pessoas que tiveram contato com o vestígio, número do processo e do lacre, entre outras
informações relevantes para relacionar a amostra com a pessoa (referência) ou com o local
de coleta (questionada).
Salienta-se, ainda, que o procedimento de embalo e etiquetagem deve ser
repetido todas as vezes que alguém tenha contato com a fonte de prova, sendo certo que, nos
manuseios posteriores à coleta, será necessário também documentar, na nova embalagem ou
em relatório anexo, as condições do pacote, o estado da fonte de prova e o número de
referência do lacre da amostra existentes antes da sua abertura (cf. itens 4.2.1.3 e 4.2.1.5,
supra).
Não obstante esta etapa da cadeia de custódia seja comum a todas as fontes de
prova, torna-se particularmente importante para os materias genéticos colhidos com a
finalidade de indentificação, pois, como sustenta Thompson, uma “potencial causa para a
falsa compatibilidade de DNA é o erro de etiquetamento”.944
No que se refere à etiquetagem, a quebra na cadeia de custódia pode decorrer da
(i) falta de informações na etiqueta; (ii) troca de etiqueta entre duas amostras; (iii) troca entre
as amostras em si. Ainda que as três hipóteses possam ser atribuídas a erros dos agentes,
todas podem ser evitadas ou reveladas pela correta manutenção da cadeia de custódia, ao
passo que a falta destes registros impede que as partes e o juiz rastreiem o caminho da fonte
de prova para a sua necessária vinculação com o fato objeto do processo.
A hipótese de falta de informação na etiqueta de identificação será facilmente
resolvida quando a amostra disponibilizada às partes e ao juiz não contiver qualquer
informação que permita relacioná-la ao fato objeto do processo (amostra questionada) ou ao
fonecedor (amostra referência), pois será impossível vincular a fonte de prova com qualquer
alegação de fato que se queira provar.
Destaca-se que a quebra da cadeia de custódia que vulnere o necessário vínculo
entre a fonte de prova e o objeto fático do processo pode ocorrer em qualquer etapa da sua
manutenção. Assim, ainda que num primeiro momento a atiquetagem tenha sido feita
corretamente, a perda da sua restreabilidade em etapas subsequentes, como a de
reembalagem após a abertura, também resultará na sua inadmissibilidade.

944
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 230,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
251

No caso State of Maine v. Vison D. Mangos, por exemplo, a defesa contestou a


admissão do exame de identificação de DNA que vinculava o acusado a peças de roupas
supostamente utilizadas na prática do delito. Para tanto, o acusado alegou a impossibilidade
de identificar se as amostras utilizadas na comparação com o seu sangue tinham sido tiradas
dos itens de roupas encontrados perto da cena do crime, uma vez que a perita laboratorial
responsável pela extração do DNA da roupa e pela montagem das amostras que,
posteriormente, foram encaminhadas para análise, nunca foi ouvida ou apresentou
informações suficientes para se fazer a conexão entre o material genético examinado e a
fonte de prova colhida no local do delito.945
Diante desses fatos, a Suprema Corte de Maine entendeu haver uma “falha
substancial” entre o recebimento dessas roupas pela perita e a entrega dos resultados ao
analista forense que constituiria mais do que uma “pequena quebra de cadeia de custódia”
e, portanto, os reflexos iriam além da valoração da prova, atingindo a sua admissibilidade.946
Para além dessa hipótese de ausência total de informação, quando faltarem
alguns registros acerca da identidade da fonte de prova, as lacunas deverão ser analisadas de
acordo com a situação em concreto, pois a consequente irrelevância e impertinência da fonte
de prova dependerá de circunstâncias variáveis.
Como primeiro exemplo, coloca-se um caso em que houve a coleta de apenas
um vestígio biológico, em um único dia e lugar. Numa situação como essa, a falta de
informação na etiqueta sobre o local, dia e hora, não prejudicará a identidade daquela fonte
de prova, desde que contenha os dados de referência do processo e da amostra. Por outro
lado, num segundo exemplo, o mesmo erro de etiquetagem poderá levar à irrelevância ou
impetinência da fonte de prova caso forem coletados materiais genéticos em mais de uma
localidade ou, ainda, no local e no corpo da vítima.
Por certo que, quanto maior a diversidade de dias, lugares e pessoas em que
houve coleta de material genético, maior a impossibilidade de relacionar uma fonte de prova
específica com a sua origem e, consequentemente, de atrelar o resultado do seu exame com
um fato que se pretenda provar. A troca das amostras, num caso com múltiplas coletas,

945
State of Maine v. Vinsdon D. Mangos. Maine Supreme Judicial Court. Reporter of Decisions. 29 mai. 2009.
Disponível em:
<https://www.courts.maine.gov/opinions_orders/opinions/2008%20documents/08me150ma.pdf>. Acesso em:
25 nov. 2019.
946
State of Maine v. Vinsdon D. Mangos. Maine Supreme Judicial Court. Reporter of Decisions. 29 mai. 2009.
Disponível em:
<https://www.courts.maine.gov/opinions_orders/opinions/2008%20documents/08me150ma.pdf>. Acesso em:
25 nov. 2019.
252

poderá levar à equivocada conclusão de que o DNA encontrado no local A, por exemplo, era
o que estava sob as unhas da vítima, prejudicando a correta reconstrução dos fatos e
potencialmente incriminando falsamente alguém. Outrossim, na hipótese do crime de
estupro, a troca decorrente da falta de informações suficientes na etiquetagem poderá levar
à absolvição de alguém reconhecido pela vítima, mas que o falso negativo demonstrou a
incompatibilidade genética com o agressor.
Ainda acerca da falta de informações na etiquetagem, as amostras coletadas em
material descartado pelo investigado, por constiuir amostra referência, deverão estar
inequivocamente vinculadas a ele. Assim, para que seja admitida como pertinente para o
esclarecimento do fato, o agente público deverá apresentar informações suficientes para
demonstar que aquele item específico foi, de fato, utilizado e descartado por aquela pessoa
a quem se deseja relacionar o material genético.
No que se refere às hipóteses de troca da etiqueta ou da amostra, conforme já
tratado, os vestígios de material genético devem ser trabalhados isoladamente, para evitar
troca ou contaminação. A correta adoção desse procedimento poderá ser facilmente
verificada com a inclusão do dia, hora e local da coleta da amostra ou, no caso de manuseio
posterior, com o registro do dia e hora de abertura e reembalamento. Cada amostra deverá
conter horários diferentes e não sobrepostos, indicando, assim, por meio da cadeia de
custódia, que a identidade de cada uma das amostras foi mantida, já que não havia outra
sendo trabalhada simultaneamente para possibilitar a troca da etiqueta ou da amostra em si.
Apesar da dificuldade de identificação desses erros quando não há manutenção
da cadeia de custódia – o que, aliás, reforça a sua necessidade –, há casos em que, por
circunstânias aleatórias, as falhas foram descobertas, demonstrando a importância de se
manter adequadamente esses registros.
Na investigação de um roubo ocorrido em Las Vegas, as amostras de dois
suspeitos foram trocadas durante a análise comparativa com o DNA encontrado na cena do
crime. Um dos suspeitos “deve ter se envolvido com o roubo – o seu perfil de DNA era
comparível com a amostra da cena do crime. Por causa da troca das amostras, contudo,
este suspeito foi equivocadamente excluído, enquanto o segundo homem foi falsamente
relacionado ao crime”947.

947
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p.
230/231, tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>.
Acesso em: 11 dez. 2019.
253

Nesse caso real, a correta manutenção da cadeia de custódia, com a etiquetagem


das amostras informando o local, data e hora de abertura e fechamento de cada uma delas,
teria sido suficiente para levantar dúvida sobre a possibilidade de troca, de modo que as
partes e o juiz, ao verificarem a simultaneidade das análises, deveriam proceder com um
segundo exame, evitando a equivocada condenação.
Entretanto, a quebra na cadeia de custódia levou a pessoa errada a cumprir quatro
anos de pena até que, por sorte, a polícia descobriu o erro quando o DNA do primeiro homem
foi inserido na base de dados do governo, em razão de uma outra investigação, e o sistema
informou a compatibilidade do seu material genético com o do autor do roubo de Las
Vegas.948
O necessário reflexo da quebra da cadeia de custódia na inadmissibilidade dessa
prova pode ser percebido ao transformar o acontecido numa situação hipotética idêntica. O
pedido de produção de prova pericial de uma parte que solicitasse a comparação entre o
material genético da pessoa A com o do local do crime, para demonstrar a autoria da pessoa
B, por certo não seria admitido por ser manifestamente impertinente. No caso acima narrado,
foi exatamente o que aconteceu, mas a prova foi admitida porque tal circunstância era
desconhecida dos sujeitos processuais, em razão da inexistência dos necessários registros da
cadeia de custódia da fonte de prova.
Em outro exemplo similar, a polícia de Londres deixou de prender um suspeito
de ter praticado aproximadamente 140 estupros em série “porque um erro no teste de DNA
envolvendo a troca das amostras referências levou à falsa exclusão da sua fonte biológica
encontrada nas vítimas do crime. O erro resultou na compatibilidade com a amostra de um
outro homem com o mesmo nome, mas com um álibe sólido”949. Durante meses os crimes
continuaram acontecendo até que a polícia decidiu refazer o teste, descobrindo o erro.950
Outrossim, correlacionadas à falha na etiquetagem por também impedirem a
verificação do nexo entre a fonte de prova e o fato objeto do processo, colocam-se as
hipóteses de (i) utilização de embalagem que permita a modificação, sem registro, da fonte

948
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 231.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
949
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 231,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
950
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 231.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
254

de prova; e (ii) rompimento, sem a devida anotação e reembalagem, de pacote devidamente


lacrado.
Isso porque, nos dois casos, de nada adiantará etiquetar as embalagens com todas
as informações de referência do item e do caso, se seu conteúdo puder ser alterado ou
modificado em razão da natureza da embalagem ou da sua violação.
Nessas situações, as informações do procedimento de etiquetagem que vinculam
a fonte de prova ao fato investigado perdem totalmente a relevância, pois, mesmo quando
devidamente registradas, não será possivel autenticar os conteúdos das embalagens como
sendo os mesmos referidos nas etiquetas e colhidos no local dos fatos.
Para além da falha na manutenção da identidade, de maneira geral, a fonte de
prova também poderá perder a sua relevância ou pertinência pela falha na manutenção da
cadeia de custódia das etapas necessárias à preservação da sua integralidade (cf.
desenvolvido no capítulo 3).951
Contudo, tratando-se especificamente da perícia de identificação por DNA, cujo
resultado serve exclusivamente para verificar a compatibilidade entre as amostras
questionada e referência, sem que disso deva ser feita qualquer outra inferência,952 a quebra
da cadeia de custódia das etapas necessárias para a preservação da integralidade da fonte de
prova deve ser considerada no momento da valoração.
As situações de inibição ou degradação impedem a realização do exame em si,
de modo que a análise laboratorial da fonte de prova não será feita, independentemente da
quebra da cadeia de custódia e de o pedido para a sua produção ter sido admitido.
Apesar disso, quando o ônus da manutenção da cadeia de custódia for do Estado
e a sua quebra impedir a verificação dos eventos que deram causa à inibição ou degradação,

951
Como explica Ladrón Tabuenca, quando não houver “garantia suficiente de que a fonte de prova da qual
se pretende extrair um resultado probatório tenha permanecido inalterada e incólume deste a sua obtenção”,
tampouco será possível “garantir que a perícia realizadas nestes elementos possa ser decisiva e,
consequentemente, admitir a sua eficácia no processo”. Por isso, conclui a autora, nestes casos o resultado da
prova pericial “não pode ser admitido como meio de prova válido” (LADRÓN TABUENCA, Pilar. La cadena
de custodia en el proceso penal español: revisión normativa. In. FIGUEROA NAVARRO, Carmen (Dir.). La
cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015. p. 25/26, tradução nossa).
952
Neste sentido, Mestres Naval e Vives-Rego: “[a] informação conseguida a respeito da identificação de um
suspeito pode também ser útil para inferir circunstâncias adicionais de valor criminalístico. Por exemplo, se
a identificação se faz a partir do sangue ou pele associada à arma do homicídio, pode inferir que a pessoa
esteve em contato com a arma. Outro caso seria quando, ao identificar o sêmen encontrado na vítima, pode-
se inferir que o suspeito teve relação sexual. Entretanto, de um ponto de vista pericial, cremos que a evidência
baseada no DNA deve ser acompanhada de outras evidências adicionais que convençam o juiz ou jurados de
que o portador da informação genética foi quem praticou o crime” (NAVAL, Francesc Mestres; VIVES-
REGO, Josep. La utilización forense de la huella genética (secuencia del ADN o ácido desoxirribonucleico):
aspectos científicos, periciales, procesales, sociales y éticos. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y
penitenciario, Madrid, v. 6, n. 61, p. 46-61., jun. 2009. p. 53, tradução nossa).
255

o laudo pericial que ateste a impossibilidade de realização do exame servirá de elemento de


prova de apoio à hipótese defensiva de negativa de autoria, suportando a alegação de que a
prova da sua inocência não foi produzida pela negligência do Estado, devendo ser valorado
pelo julgador em contraste com as provas que apoiem a hipótese acusatória.
Por sua vez, no que se refere às falhas na manutenção da cadeia de custódia
necessárias para evitar a contaminação da fonte de prova, entendemos que apenas o resultado
do exame poderá trazer informações necesssárias para concluir pela irrelevância ou
impertinência do elemento de prova, sendo inviável a análise prévia dos critérios lógicos de
admissão da prova, ainda mais quando se segue o regime de inclusão probatória.
Isso porque, garantida a identidade da amostra, tem-se a certeza de que o material
genético analisado é o que foi encontrado no local do crime, ainda que contaminado por
outro. Desse modo, antes de se obter o resultado da perícia, não é possível descartar que,
apesar da indevida existência de material genético contaminante, não será possível
individualizar os perfis genéticos misturados na amostra examinada.
Como exemplo, adotamos a hipótese de a vítima morar no local dos fatos com
outra pessoa e, por isso, o material genético desta ser abundante no lugar. Nesse caso, a
inexistência de registros referentes à preservação do lugar e aos cuidados necessários para a
coleta do material genético poderão esconder eventos que tenham contaminado a fonte de
prova disponível com o material genético dessa outra pessoa, tornado-a suspeita do crime.
Não se ignora que o risco de contaminação nessta situação será elevado se
pessoas transitaram indevidamente pela cena do crime ou se a coleta foi realizada com luva
que anteriormente tocou outros objetos, mas tais fatos não são verificáveis por conta da
quebra na cadeia de custódia.
Entretanto, mesmo numa situação como essa, é impossível excluir previamente
o potencial de o exame de indetificação por DNA influenciar no esclarecimento dos fatos ao
revelar, para além do DNA contaminante, o material genético de outra pessoa, já que, apesar
de dificultar, a contaminação não impede a separação e identificação dos diferentes perfis
misturados.
Destaca-se, contudo, que o fato de previamente não ser possível auferir o
potencial de a prova influenciar no julgamento dos fatos não significa que o resultado da
perícia terá algum valor probatório.
No limite, por exemplo, o exame pode revelar que o material genético colhido
no local dos fatos foi contaminado por DNA de animal doméstico, apesar de os falhos
256

registros da cadeia de custódia não apontarem para esse risco. Neste caso, não sendo possível
individualizar e identificar outro perfil genético, o valor probatório da perícia será zero.
Deste exemplo pode-se extrair o cuidado com que deve ser feita a valoração da
prova nos casos em que a quebra na cadeia de custódia esconder informações importantes
sobre a preservação da integralidade da fonte de prova, pois, nestes casos, serão maiores os
riscos de o resultado apresentado como elemento de prova não refletir aquilo que existia no
local do crime.953
Assim, na hipótese acima descrita em que houve quebra da cadeia de custódia e
o resultado do exame apontou o perfil genético de pessoa que convivia com a vítima no local
dos fatos, não obstante fosse impossível antecipar esse resultado e excluir desde logo o
potencial de influenciar no julgamento dos fatos, é certo que o peso a ser atribuído a esta
prova deverá ser baixo, sendo insuficiente para isoladamente suportar uma condenação.

4.3.2. Inadmissibilidade em decorrência da irrelevância e impertinência do


elemento de prova

No que se refere ao elemento de prova resultante da análise pericial, a


impertinência e irrelevânia decorre da inexistência de registo dos fragmentos analisados e
do estudo estatístico populacional que lastreia os polimorfismos necessários para a
identificação por DNA, bem como da sua aplicação ao caso concreto.
Com já tratado ao explicar o exame em si e os problemas relacionados à
identificação por DNA (itens 4.1.2 e 4.2.2.1, supra), o resultado do exame se funda no
cálculo da frequência de incidência daquela codificação genética numa dada população, isto
é, no “número de vezes que determinado perfil genético ocorre na população”954.
Entretanto, as estatísticas para fins judiciais “podem ter efeitos muito perversos
se o juiz ou os jurados não tenham uma formação estatística necessária”955 para interpretar

953
Após reconhecer que nos “chamados sistemas de civil law, houve uma profunda degeneração do livre
convencimento”, que “se transformou, acriticamente, em um método discricionário de valoração da prova”,
Badaró sustenta que, “[m]esmo com tais riscos”, o problema deve “ser resolvido, com redobrado cuidado e
muito maior esforço justificativo, no momento da valoração” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A
cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.).
Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 535)
954
BONACCORSO, Norma Sueli. Elaboração de laudos e relatórios de análises de exames DNA realizados
pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. Arquivos da Polícia Civil: revista tecno-científica, São Paulo, n.
46, p. 59-80., 2001. p. 69, nota de rodapé 20.
955
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308, jan./abr. 2013. p. 284, tradução nossa.
257

corretamente a informação. Não por outra razão, salienta Muñoz Aranguren, “a comunidade
científica tem advertido incesantemente sobre o perigo de incorrer neste tipo de erro nos
processos penais”956.
Um exemplo do uso equivocado da estatística em processo penal aconteceu no
caso R. v. Sally Clark, no qual uma mãe estava sendo acusada de matar os seus dois filhos
recém-nascidos por asfixia. Na falta de provas contra a mãe, a acusação ouviu como perito
um renomado pediatra que, “de maneira enfática, afirmou durante o julgamento que a
probabilidade de uma morte súbita de dois bebês – por causas naturais –, em elas sendo de
uma mesma família, dar-se-ia, estatisticamente, 1 vez em 73 milhões”957. Por conta disso, os
jurados a condenaram à prisão perpétua.
Contudo, a estatística apresentada pelo médico-perito considerava a
probabilidade de dois eventos independentes acontecerem, sem levar em conta que “quase
certamente no caso de morte súbita de bebês influem fatores genéticos ou ambientais”958.
Além disso, apesar de esse dado não ter sido apresentado aos jurados, “estatisticamente era
muito mais improvável que uma mãe houvera assassinado os seus dois filhos, do que a causa
de falecimento de ambos fora natural”959, para ser exato, 17 vezes menos provável.
Somente com o surgimento de novas provas anos depois, demonstrando que as
mortes dos bebês se deram por causas naturais, conseguiu-se a revisão da condenação, para
absolver Sally Clark, oportunidade em que a Corte de Apelação para Inglaterra e Gales
expressamente referiu-se à influência negativa da estatística apresentada pelo perito aos
jurados.960
Enquanto o equivocado uso da estatística no caso R. v. Sally Clark pode ser
atribuído à ação individual de um médico-perito, os exames de identificação por DNA para
fins criminais estarão sempre suscetíveis aos dados estatísticos utilizados, já que, em

956
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p.284, tradução nossa.
957
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p. 284, tradução nossa.
958
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p. 286, tradução nossa.
959
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p. 286, tradução nossa.
960
ARANGUREN, Arturo Muñoz. La valoración judicial de la prueba de ADN: estadística y verdad procesal:
a propósito de la STS Nº 607/2012, de 9 de julio de 2012. Revista Aranzadi de derecho y proceso
penal, Navarra, n. 30, p. 277-308., jan./abr. 2013. p. 286.
258

havendo um combinação entre as amostras, o resultado será apresentado exclusivamente


com fundamento na quantificação da probabilidade daquele perfil genético se repetir em
uma dada população.
A indissociável relação entre os dados estatísticos sobre a frequência de
determinado fragmento de DNA obtido por estudo populacional e o resultado do exame faz
com que qualquer alteração nos primeiros reflita diretamente no segundo, de modo que
aquelas informações podem alterar o conteúdo do elemento de informação produzido e
introduzido no processo.
Assim, torna-se pressuposto da prova de identificação por DNA a indicação de
quais foram os fragmentos STR analisados, quais são os índices de polimorfismos desses
trechos e qual o estudo populacional utilizado, pois o registro dessas informações é a única
forma de as partes e o juiz realizarem a posterior autenticação da frequência de repetição
daquele perfil apresentado como elemento de prova.
Portanto, “dado que a dita fiabilidade pode ser quantificada graças aos cáculos
matemáticos de probabilidade”961, o perito deve incluir em seu laudo as informações
necessárias para que as partes e o juiz verifiquem os dados do estudo populacional que
fundamenta o grau de polimorfismo de cada locus analisado, bem como a acuidade dos
cálculos matemáticos realizados para a obtenção da frequência de incidência daquela
combinação.962
Somente com essas informações o elemento de prova para a identificação
positiva por DNA será pertinente ao processo, uma vez que, sem essas informações, a
presunção que se deve fazer é de que há, realmente, uma probabilidade de 99,9% de os perfis
analisados serem iguais, mas não porque são da mesma pessoa, e sim porque é está a
probabilidade que se terá para um resultado positivo na análise randômica de trechos de
DNA de quaisquer duas pessoas.
O desconhecimento sobre estas informações resultou em falso positivo no caso
Texas v. Sutton, no qual o acusado foi condenado como sendo um dos dois estupradores da
vítima, com fundamento em análise laboratorial que concluiu que “o perfil de DNA de J.

961
BAJO, María José Cabezudo. Es infalible la prueba pericial de ADN: planteamiento de la cuestión. Revista
de derecho y genoma humano, Bilbao, Especial, p. 331-339., 2014. p. 338, tradução nossa.
962
De acordo com Cabezudo Bajo, os cálculos são feitos da seguinte forma, com o uso do “Teorema de Bayes”:
“dada uma coincidência entre perfis, dito teorema calcula a probabilidade de que o sujeito cujo perfil
(identificado) tenha resultado coincidente seja efetivamente o titular da amostra (não identificada)” (BAJO,
María José Cabezudo. Es infalible la prueba pericial de ADN: planteamiento de la cuestión. Revista de derecho
y genoma humano, Bilbao, Especial, p. 331-339, 2014. p. 336).
259

Sutton pode ser esperado de ocorrer em 1 de 694.000 pessoas entre a população negra”963.
Entretanto, após problemas envolvendo o laboratório criminal da polícia de Houston,
diversos casos foram revisados, inclundi Sutton, quando se verificou que o resultado
apresentado decorreu do uso equivocado das estatísticas populacionais e de cáculos
matemáticos para estipular a sua frenquência, pois foram considerados números e fórmulas
adequadas para verificação de amostras únicas, não para amostras misturadas, como era no
caso.964 Após a revisão dos cálculos, foi revelado que a verdadeira frequência de incidência
era de 1 em 15 pessoas.965
Ressaltando a relevância destas informações para a validação do resultado,
Bonaccorso afirma a necessidade de o laudo pericial de identificação por DNA informar,
detalhadamente, as regiões polimórficas analisadas, os cálculos estatísticos empregados e a
base de dados utilizada:

[n]os casos em que se alcança êxito, nas hipóteses de inclusão, devem ser indicadas
as frequências dos alelos obtidos, os cálculos estatísticos empregados e o banco
de dados utilizado. Se for caso de exclusão, devem ser destacados o embasamento
para este resultado e a informação que a análise foi repetida por equipes
independentes do laboratório.966

Portanto, conforme sustenta Cabejudo Bajo, todos os dados necessários para “a


quantificação da probabilidade de havendo uma coincidência entre dois perfis, que ambos
pertençam a mesma pessoa [...] deveria estar no informe pericial. Sem embargos, esta
informação não consta dos informes periciais”967.

4.3.3. Exclusão da prova por falta de informações essenciais ao exercício do


contraditório

No que se refere à manutenção da cadeia de custódia do elemento de prova


obtido por perícia irrepetível – já que o seu refazimento, em contraditório, nos casos da

963
GARRET, Brandon L.; NEUFELD, Peter J. Invalid forensic Science testimony and wrongful convictions.
Virgia Law Review, vol. 95, mar. 2009. p. 65, tradução nossa.
964
GARRET, Brandon L.; NEUFELD, Peter J. Invalid forensic Science testimony and wrongful convictions.
Virgia Law Review, vol. 95, mar. 2009. p. 65.
965
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 246.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em: 11 dez. 2019.
966
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 99. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
967
BAJO, María José Cabezudo. Es infalible la prueba pericial de ADN: planteamiento de la cuestión. Revista
de derecho y genoma humano, Bilbao, Especial, p. 331-339, 2014. p. 338, tradução nossa.
260

repetível, torna desnecessária essa discussão –, a análise com as devidas garantias é aquela
que registra todas as informações necessárias para o exercício do contraditório diferido.
Nas hipóteses em que a análise pericial esgota a fonte de prova ou quando a
própria natureza do objeto impede a sua conservação, deve-se garantir que a técnica utilizada
na extração da informação existente na fonte de prova não altere o seu conteúdo, permitindo
que se verifique se o que foi levado ao processo como elemento de prova reproduz
exatamente a informação que existia na fonte de prova (cf. capítulo 3, item 3.2.4.1).
Assim, nas perícias laboratoriais irrepetíveis, a autenticação do elemento de
prova não se satisfaz com a conservação da identidade e integridade da fonte de prova, pois
ela jamais ingressará no processo. Nesses casos, para além dos registros da manutenção da
cadeia de custódia da fonte de prova até a sua análise, é preciso também registrar o
procedimento pericial para permitir a verificação da técnica utilizada, pois somente assim
será possível garantir que o elemento de prova introduzido no processo reproduz aquilo que
realmente existia na fonte de prova, isto é, que o método utilizado na extração da informação
não alterou o conteúdo ali existente.
Em se tratando de perícia de alta complexidade técnico-científica, não se pode
ignorar a potencial influência da técnica utilizada no resultado da prova, pois, como destaca
Reis, “dependendo dos materiais, dos tipos de perícia e dos exames, fica definida a
metodologia a ser empregada, ou seja, a que melhor se adequa aos resultados
esperados”968, sendo certo que, “não se realizam exames, sejam eles de que espécie for, se
não existirem equipamentos e técnicas específicas para tal”969.
Por isso, inclusive, a admissibilidade das provas produzidas por meio de novas
técnicas científicas tem sido objeto de amplo debate doutinário e jurispudencial, que, nos
Estados Unidos, culminou na fixação dos Doubert Standards, que servem de orientação para
que se avalie a validade da metolologia adotada no exame realizado (cf. capítulo 3, item
3.2.4.1, supra).
No que se refere especificamente à acreditação da perícia de identificação por
DNA, antes mesmo da fixação dos Doubert Standards para as provas científicas em geral,

968
REIS, Albani Borges dos. Metodologia científica em perícia criminal: um crime não é esclarecido pelo
poder da polícia, mas pelo poder da metodologia científica. 2. ed. Campinas: Millennium, 2011. p. 172.
969
REIS, Albani Borges dos. Metodologia científica em perícia criminal: um crime não é esclarecido pelo
poder da polícia, mas pelo poder da metodologia científica. 2. ed. Campinas: Millennium, 2011. p. 171.
261

no julgamento do caso People v. Castro havia-se estabelecido que “uma abordagem


diferente é necessária na complexa área da identificação por DNA”970.
Nesse julgamento, José Castro foi acusado de matar Vince Ponce e sua filha de
dois anos. A análise laboratorial feita no sangue encontrado no relógio de Castro era
correspondente ao sangue de uma das vítimas. Em 1989, ao longo de doze semanas de
julgamento, a Corte Superior de Bronx County, Nova Iorque, discutiu a validade da
identificação feita por DNA em razão das alegações da defesa de Castro no sentido de que a
prova não poderia ser admitida porque não atendia ao, até então considerado, Frye
standard971.
Após analisar todo o procedimento laboratorial, a Corte entendeu ser o Frye
standard inadequado para a validação da prova no caso da identificação por DNA.972 Ao
invés disso, estabeleceu-se um novo e mais elevado padrão para a admissão da prova,
devendo a Corte responder as três seguintes questões: (i) há uma teoria aceita amplamente
na comunidade científica que garante que o teste de DNA produz resultados confiáveis? (ii)
existe alguma técnica reconhecida amplamente pela comunidade científica capaz de produzir
resultados confiáveis na análise de DNA? (iii) no caso concreto, o laboratório analisou as
amostras utilizando técnica aceita amplamente pela comunidade científica?973
Utilizando-se, portanto, desse novo standard, a Corte entendeu que a prova que
atestava a identidade entre o DNA das amostras de sangue coletadas no relógio de Castro e
na vítima era inadmissível porque, apesar de atender ao padrão Frye (duas primeiras
questões), o laboratório “não seguiu procedimentos científicos aceitos porque falhou na

970
DOUGHERTY, John C. Beyond People v. Castro: A New Standard of Admissibility for DNA
Fingerprinting. In Journal of Contemporary Health Law & Policy, v. 7, 1991. p. 294. Disponível em
<http://scholarship.law.edu/jchlp/vol7/iss1/18>.
971
Conforme já tratado anteriormente (capítulo 3, item 3.2.4.1, supra), a partir do julgamento do caso Frye em
1923, as Cortes americanas condicionaram a utilização judicial de uma nova tecnologia cientifica à sua
aceitação geral entre os cientistas da área específica: “[f]rye fixou que para ser admissível uma nova técnica
científica ‘deve ser suficientemente demonstrado que tem aceitação geral dentro do campo específico a que
pertence’” (DOUGHERTY, John C. Beyond People v. Castro: A New Standard of Admissibility for DNA
Fingerprinting. In Journal of Contemporary Health Law & Policy, v. 7, 1991. p. 272, tradução nossa.
Disponível em <http://scholarship.law.edu/jchlp/vol7/iss1/18>. Acesso em: 13 jan. 2020).
972
DOUGHERTY, John C. Beyond People v. Castro: A New Standard of Admissibility for DNA
Fingerprinting. In Journal of Contemporary Health Law & Policy, v. 7, 1991. p. 294, tradução nossa.
Disponível em <http://scholarship.law.edu/jchlp/vol7/iss1/18>. Acesso em: 13 jan. 2020.
973
PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law & Technology. V.
3, Spring Issue, 1990. p. 229. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2020).
262

realização de certos experimentos, técnicas e controles necessários para a produção de


resultados confiáveis”974.
De fato, justamente em razão das especificidades técnicas e metodológicas que
envolvem a identificação por DNA, há amplo controle internacional dedicado à certificação
e validação científica de métodos confiáveis para a realização dos exames.975 O avanço
científico tem feito surgir novas técnicas e apontado a inaptidão e limitações de outras para
a identificação por DNA. Como consequência, diversos regramentos jurídicos e orientações
de órgãos internacionais impõem a prévia certificação de procedimentos, kits e laboratórios,
para que os testes em material genético sejam realizados de acordo com os padrões
estabelecidos e aceitos pela comunidade científica internacional.976
Nos Estados Unidos, o FBI estipulou extensa normativa “descrevendo os
requisitos de qualidade que os laboratórios que fazem teste de DNA forense ou utilizam o
Combined DNA Index System (CODIS) devem seguir para garantir a qualidade e a
integridade dos dados produzidos”977, incluindo, entre outros pontos, a regulação dos
procedimentos de análise (standard 9) e do equipamento (standard 10).978
Por sua vez, tratando do regramento espanhol sobre a identificação por DNA,
Colomer destaca que “a análise é realizada sempre por um laboratório, de acordo com os
protocolos elaborados pela CNUFADN (Comissão nacional sobre o uso forense do DNA,

974
PATTON, Stephen M. DNA Fingerprinting: The Castro Case. Harvard Journal of Law & Technology. V.
3, Spring Issue, 1990. p. 229. Disponível em:
<http://jolt.law.harvard.edu/articles/pdf/v03/03HarvJLTech223.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2020.
975
Conforme Mestres Naval e Vives-Rego: “[n]este sentido, não podemos deixar de mencionar que o
European Network of Forensic Science Institutes (ENFSI) e seu DNA Working Group tem facilitado o
intercâmbio de técnicas, dados e informações para tornar acessível e colocar em prática a identificação
através do DNA com o máximo nível possível de fiabilidade. Também trabalham este tema a Interpol e a
EDNAP (European DNA Profiling Group)” (NAVAL, Francesc Mestres; VIVES-REGO, Josep. La utilización
forense de la huella genética (secuencia del ADN o ácido desoxirribonucleico): aspectos científicos, periciales,
procesales, sociales y éticos. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, v. 6, n.
61, p. 46-61., jun. 2009. p. 54, tradução nossa).
976
Indicando uma série de normativas no âmbito europeu, Alonso cita, entre outros, os seguintes aspectos: “(1)
os critérios de acreditação e medidas de garantia de qualidade, (2) recomendações sobre estudos de validação
interna, (3) controles anti-contaminação e caracterização do efeito drop-in, (4) critérios de análise e
interpretação de perfis de DNA mesclados e (5) valoração estatística” (ALONSO, Antonio. ADN y proceso
penal en España. La labor de la comisión nacional para el uso forense del ADN. In: COLOMER, Juan-Luis
Gómez (coord.). La prueba de ADN en el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 282/283).
977
Quality Assurance Standards for Forensic DNA Testing and DNA Testing Laboratories. FBI Laboratory,
set. 2011. p. 01, tradução nossa. Disponível em <https://www.fbi.gov/file-repository/quality-assurance-
standards-for-forensic-dna-testing-laboratories.pdf/view>. Acesso em: 11 dez. 2019.
978
Com relação ao equipamento, uma lista de kits aprovados para a realização do exame de DNA consta do
National DNA Index System (NDIS) Operational Procedures Manual. FBI Laboratory. Version 8, 1 maio
2019. p. 86/87. Disponível em: <https://www.fbi.gov/file-repository/ndis-operational-procedures-
manual.pdf/view>. Acesso em: 27 nov. 2019.
263

da 3ª LECRIM) e respeitando a cadeia de custódia”979, que inclui, além dos “passos prévios
à análise pericial”980 (e.g. coleta, transporte), “a análise que se realiza no laboratório
conforme as técnicas médicas aconselhdas”981 e a “interpretação das provas biológicas”982.
A preocupação com os aspectos procedimentais, nos casos das provas por exame
de DNA, justifica-se porque, conforme adverte Nieva-Fenoll, “o erro do agente na operação
pode contaminar a amostra com outros restos biológicos [...] ou inclusive com os produtos
químicos ou bioquímicos”983 utilizados na análise, sendo que a “burocracia e condições de
segurança da ‘cadeia de custódia’ tentam prevenir que isso ocorra”984.
No mesmo sentido, Mestres Naval e Vives-Rego, após apontar as especiais
dificuldades dos exames de identificação por DNA em amostras de baixa quantidade,
qualidade ou misturadas, ressalta que “existem diferentes procedimentos técnicos para
solucionar estas dificuldades”985, sendo que, nessas situações problemáticas, o método e a
análise “são cruciais para se chegar a uma identificação satisfatória do ponto de vista
biológico e judicial”986.

979
COLOMER, Juan-Luis Gómez . Los retos del proceso penal ante las nuevas pruebas que requieren
tecnología avanzada: El análisis de ADN. In: COLOMER, Juan-Luis Gómez (coord.). La prueba de ADN en
el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 49, tradução nossa.
980
COLOMER, Juan-Luis Gómez . Los retos del proceso penal ante las nuevas pruebas que requieren
tecnología avanzada: El análisis de ADN. In: COLOMER, Juan-Luis Gómez (coord.). La prueba de ADN en
el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 49, tradução nossa.
981
COLOMER, Juan-Luis Gómez . Los retos del proceso penal ante las nuevas pruebas que requieren
tecnología avanzada: El análisis de ADN. In: COLOMER, Juan-Luis Gómez (coord.). La prueba de ADN en
el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 50, tradução nossa.
982
COLOMER, Juan-Luis Gómez . Los retos del proceso penal ante las nuevas pruebas que requieren
tecnología avanzada: El análisis de ADN. In: COLOMER, Juan-Luis Gómez (coord.). La prueba de ADN en
el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 51, tradução nossa.
983
NIEVA-FENOLL, Jordi. Algunas sugerencias acerca de la práctica y valoración de la prueba del perfil de
ADN. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, v. 9, n. 93, p. 17-26, mai. 2012.
p. 20, tradução nossa.
984
NIEVA-FENOLL, Jordi. Algunas sugerencias acerca de la práctica y valoración de la prueba del perfil de
ADN. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, v. 9, n. 93, p. 17-26., mai. 2012.
p. 20, tradução nossa. No mesmo sentido, Mestres Naval e Vives-Rego reconhecem ser necessário “tomar
todas as precauções para que a amostra não se contamine com células ou DNA do agente que colha a amostra
ou do técnico que a manipule em laboratório” (NAVAL, Francesc Mestres; VIVES-REGO, Josep. La
utilización forense de la huella genética (secuencia del ADN o ácido desoxirribonucleico): aspectos científicos,
periciales, procesales, sociales y éticos. La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario,
Madrid, v. 6, n. 61, p. 46-61, jun. 2009. p. 52, tradução nossa).
985
NAVAL, Francesc Mestres; VIVES-REGO, Josep. La utilización forense de la huella genética (secuencia
del ADN o ácido desoxirribonucleico): aspectos científicos, periciales, procesales, sociales y éticos. La ley
penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, v. 6, n. 61, p. 46-61, jun. 2009. p. 53, tradução
nossa.
986
NAVAL, Francesc Mestres; VIVES-REGO, Josep. La utilización forense de la huella genética (secuencia
del ADN o ácido desoxirribonucleico): aspectos científicos, periciales, procesales, sociales y éticos. La ley
penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, v. 6, n. 61, p. 46-61, jun. 2009. p. 53, tradução
nossa.
264

Para evitar que o procedimento, em si, afete o resultado do exame, é


indispensável “garantir que os testes sejam realizados de maneira própria, com reagentes
apropriados, por indivíduos qualificados e que os resultados sejam interpretados por
indivíduos experientes”987.
Por tudo isso, justamente por conta da interferência da técnica no resultado,
Bonaccorso sustenta que “[d]eve ainda o laudo conter informações bibliográficas sobre as
metodologias utilizadas para a extração; quantificação e amplificação do DNA; forma de
leitura dos alelos obtidos nos testes; fórmulas empregadas para os cálculos estatísticos”988.
Como se vê, portanto, a sensibilidade do exame torna ainda mais importante a
adequada escolha da técnica para realização da identificação por DNA, pois o próprio
procedimento pode causar a contaminação da fonte de prova ou interferir no resultado
obtido.
Tratando-se, então, de exame em que o próprio procedimento pode alterar o
conteúdo do elemento de prova produzido, a falta de registro sobre a técnica adotada para a
realização da perícia de identificação por DNA retira das partes a possibilidade de exercerem
o contraditório diferido sobre a prova previamente produzida, isto é, impede que interfiram
na avaliação que o juiz fará, ao final do processo, acerca do seu valor probatório.
De fato, como já abordado anteriormente (item 4.2.2, supra), a adoção do
procedimento adequado para a realização do exame interfere diretamente no resultado
obtido, uma vez que a qualidade e quantidade dos produtos químicos utilizados pode
contaminar a amostra, inibir a reação necessária para amplificação ou gerar resíduos que
poderão ser erroneamente indicados no exame como falsos alelos (drop-in).
Tratando especificamente da realidade brasileira, Bonaccorso adverte para o uso
de primers elaborados “in house” para a reação de PCR que, apesar de “reprovável para
análises forenses”, “[d]evido à falta de fiscalização do controle de qualidade dos
laboratórios e ao baixo custo destes reagentes, tem sido comum o seu uso por pequenos e

987
BONACCORSO, Norma Sueli. Elaboração de laudos e relatórios de análises de exames DNA realizados
pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. Arquivos da Polícia Civil: revista tecno-científica, São Paulo, n.
46, p. 59-80, 2001. p. 59.
988
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 96. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
265

até grandes e afamados laboratórios no Brasil”989. O resultado disso, continua a autora, é a


obtenção de perfis que “não correspondem à realidade, sendo, portanto, impassíveis de
reprodutibilidade, além de eivar de erros todos os passos analíticos deles subsequentes, o
que leva a desastrosos resultados técnicos que podem, consequentemente, conduzir a erros
judiciais”990.
Para além dos problemas relacionados ao produto químico utilizado, a
quantidade de ciclos PCR também pode causar a amplificação preferencial de um perfil em
detrimento de outro; entre outros efeitos estocásticos relacionados diretamente à técnica
utilizada para o exame laboratorial (cf. itens 4.1.2.1 e 4.1.2.2, supra).
Outra hipótese a ser considerada é a diferença de se realizar a perícia pelo método
RFLP ou PCR, pois, enquanto no primeiro se aceita internacionalmente apenas o exame
individual de cada minissatélite, com a utilização de reagentes e sondas sintéticas específicas
para cada loco,991 no segundo se admite amplificação e posterior análise simultânea de vários
fragmentos de DNA, quando realizada pela detecção de sinal fluorescente (cf. itens 4.1.2.1
e 4.1.2.2, supra).
Ademais, nos casos de comparação entre uma amostra referência e outra
duvidosa, contendo mistura de material genético, por exemplo, Thompson expõe que “ainda
não há um método amplamente aceito” para este tipo de exame, o que abre caminho para a
formulação de “fortes críticas fundadas na probabilidade de a compatibilidade entre as
amostras ser uma coincidência”992. Como exemplo, pode-se destacar a inaplicabilidade da
metodologia CPI para a análise de amostras complexas na identificação por DNA para fins
penais,993 conforme desenvolvido no item 4.2.2, supra.

989
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 96. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
990
BONARCCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. 2005. Dissertação
de mestrado (Faculdade de Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 96. Disponível em:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-15092010-
145947/publico/DISSERTACAO_MESTRADO_NORMA_BONACCORSO.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019.
991
JOBIM, Luiz Fernando et al. Investigação laboratorial. In: JOBIM, Luiz Fernando; SILVA, Moacyr da;
COSTA, Luís Renato da Silveira. Identificação humana: identificação médico-legal; perícias odontolegais;
identificação pelo DNA. 2. ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 182.
992
THOMPSON, Willian C. Forensic DNA evidence: the myth of infallibility. In: KRIMSKY, Sheldon;
GRUBER, Jeremy (org.). Genetic explanations: sense and nonsene. Harvard University Press, 2013. p. 246,
tradução nossa. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2214379>. Acesso em:
11 dez. 2019.
993
BIEBER, Frederick R. et al. Evaluation of forensic DNA mixture evidente: protocol for evaluation,
interpretation, and statistical calculations using the combined probability of inclusion. BMC Genetics. 2016. p.
1. Disponível em:
<https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/29407641/5007818.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
266

Em todas essas hipóteses, as partes somente poderão contrariar adequadamente


o elemento de prova apresentado em juízo se tiverem conhecimento sobre o procedimento
realizado para a elaboração do laudo de identificação por DNA, indicando as possíveis
interferências da metodologia no resultado do exame apresentado como elemento de prova.
Tratando-se de elemento de prova não renovável em juízo, em que a técnica
utilizada na sua produção pode levar ao processo informação diversa da que realmente
continha a fonte de prova, o adequado exercício do contraditório sobre a prova
necessariamente abrange a possibilidade de as partes buscarem a inadimissibilidade daquela
informação como prova quando a técnica não atender aos Doubert standards ou, ainda,
influenciar no peso que o juiz dará a ela quando da sua valoração, pela demonstração das
limitações do exame realizado.
Ademais, além da imprestabilidade e limitações do método em si, a escolha
equivocada de uma técnica em detrimento de outra mais adequada também causará
importante alteração no conteúdo do elemento de prova apresentado em juízo, sempre
quando a adoção da técnica correta permitir a obtenção de informação mais completa do que
a obtida pela utilização da técnica errada.
Como exemplo da diferença informativa, pode-se pensar na apresentação de
elemento de prova concluindo pela impossibilidade de excluir o perfil do investigado da
amostra misturada encontrada na cena do crime, quando, se o exame tivesse sido feito por
técnica mais avançada disponível, seria possível conseguir a eventual exclusão ou
identificação da pessoa.
A estreita relação entre a adoção de procedimentos aceitos internacionalmente
para o procedimento de identificação por DNA e a acreditação do seu resultado é destacada
por Bonarccorso, quando reconhece que “o ataque contundente às provas de DNA será
fatalmente praticado se não forem seguidas na análise e na elaboração do laudo as
recomendações sugeridas por esses organismos controladores de qualidade e de fomento à
pesquisa”994. Por isso, segue a autora, “devem os analistas de DNA se cercar de cuidados
técnicos na realização da análise”, “para que o poder das provas pautadas em análises de
DNA não se esmaeça no exercício do contraditório”995.

994
BONACCORSO, Norma Sueli. Elaboração de laudos e relatórios de análises de exames DNA realizados
pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. Arquivos da Polícia Civil: revista tecno-científica, São Paulo, n.
46, p. 59-80, 2001. p. 60.
995
BONACCORSO, Norma Sueli. Elaboração de laudos e relatórios de análises de exames DNA realizados
pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. Arquivos da Polícia Civil: revista tecno-científica, São Paulo, n.
46, p. 59-80, 2001. p. 59.
267

Percebe-se, portanto, que a alta sensibilidade do exame de identificação por


DNA impõe a adoção de procedimento técnico acreditado internacionalmente, pois, a
depender do método utilizado, a informação resultante do exame poderá ser diversa daquela
que verdadeiramente continha a fonte de prova, seja em decorrência de sua contaminação,
seja porque a técnica utilizada foi equivocada ou insuficiente.
Assim, considerando que a adoção de equivocada técnica de produção do
elemento de prova pode extrair da fonte de prova informação diversa daquela que
verdadeiramente detém, os registros técnicos da análise pericial integram a manutenção da
cadeia de custódia do exame de identificação por DNA não renovável, especialmente a
indicação do “tipo de marcadores genéticos que devem ser usados, sua nomenclatura, a
metodologia válida para sua análise, os métodos estatísticos utilizados para valoração da
prova [...]”996.
Importante ressaltar que a quebra da cadeia de custódia decorrente da falta de
registro do processo de extração de informação da fonte de prova para produção do elemento
de prova não é considerada uma ilegalidade em si mesma. A impossibilidade de valoração
resulta da restrição à garantia fundamental ao contraditório decorrente da inexistência de
informações suficientes para tanto, que, do ponto de vista epistêmico, impede a obtenção de
uma prova de melhor qualidade e, do jurídico, representa violação a condição de validade
da prova (cf. capítulo 3, item 3.2.4.1, supra).
Frise-se, ainda, que além da parte afetada, também ao juiz faltará informações
necessárias para adequadamente interpretar o elemento de prova juntado aos autos, tornando
impossível a atividade valorativa. Se, de um lado, o conhecimento acerca da técnica e
método permite ao juiz verificar a acreditação internacional que possuem, tratando dos
questionamentos sobre o procedimento pericial na valoração da prova, quando, a partir das
críticas apresentadas pelas partes no regular exercício do contraditório, decidirá sobre o quão
influente será esse elemento de prova na formação da sua convicação; de outro, a falta destas
informações impede o magistrado de verificar se o procedimento realizado é validado e se a
sua utilização influenciou no elemento de prova produzido, inviabilizando por completo o
julgamento do grau de acreditação do resultado do exame.
Desta forma, nas perícias não renováveis de identificação por DNA, a falta do
registro da técnica e do equipamento (kits) utilizados na análise da fonte de prova para a

996
CARRACEDO, Ángel. ADN: la genética forense y sus aplicaciones en investigación criminal. In:
COLOMER, Juan-Luis Gómez (coord.). La prueba de ADN en el proceso penal. Valencia: Tirant lo Blanch,
2014. p. 364/365, tradução nossa.
268

obtenção do elemento de prova a ser apresentado em juízo, por ser informação essencial ao
exercício do contraditório das partes e necessária à sua valoração pelo juiz, deverá resultar
na exclusão da prova, impedindo a sua valoração (cf. desenvolvido no capítulo 3).

4.3.4. Exclusão da prova pela falta de informações necessárias para relacionar


a prova à preservação de direitos fundamentais quando houver proibição ou
limitação à atividade probatória

Nos casos de perícia por identificação por DNA, diferentemente dos meios de
pesquisa de prova que devem ser executados dentro dos limites que excepcionam direitos
fundamentais, o elemento de prova é produzido em laboratório, sem oferecer risco aos
direitos fundamentais materiais do investigado (sob a perspectiva das garantias processuais,
a possibilidadae de restrição ao contraditório foi abordada no item 4.3.3, supra).
Dessa forma, a análise dessa possibilidade de exclusão da prova por quebra da
cadeia de custódia para a identificação por DNA se restringe à localização e obtenção das
fontes de prova.
Contudo, mesmo para as fontes de prova, a possibilidade de exclusão da prova
por esse critério será bastante restrita. A sua escassa incidência resulta do fato de a perícia
de identintificação por DNA depender de ao menos duas fontes de prova: uma
obrigatoriamente relacionada ao local do crime ou presente na vítima (questionada); e outra
inequivocamente pertencente ao investigado (referência). Assim, o desconhecimento das
informações sobre a sua obtenção – que poderia encobrir violação a direito fundamental –
refletirá, de modo geral, diretamente na irrelevância ou impertinência das fontes de prova
em razão da impossibilidade de conectá-las ao fato histórico e ao investigado,
respectivamente (cf. item 4.3.1, supra).
Diante desse cenário, a hipótese que permite a incidência desse critério de
exclusão de prova pela quebra da cadeia de custódia é o desconhecimento sobre a localização
e coleta de objeto relacionado ao crime que, por suas características individualizantes,
permitem vinculá-lo ao fato delituoso, estabelecendo a potencial pertinência do material
genético nele encontrado.
Podemos ilustrar a hipótese com a apreensão do instrumento do crime contendo
DNA da vítima ou do agressor, nos casos em que foi levado pelo autor do local do delito
para a sua casa. Tratando-se de uma arma de fogo, por exemplo, as informações sobre a sua
localização e coleta são desnecessárias para relacioná-la ao crime, já que a vinculação pode
269

ser estabelecida por uma perícia que aponte a compatibilidade das ranhuras marcadas no
projétil. Outra possibilidade é a arma do crime ser um objeto de características próprias e
reconhecido, em detalhes, por testemunhas.
Nesses casos, contudo, a inviolabilidade do domicíclio do investigado exige
prévia obtenção de autorização judicial para a busca e apreensão (art. 5º, XI, da CF).997
Entretanto, eventual ausência de decisão judicial para realização da busca e apreensão pode
ser escondida pela falta de registro sobre a sua localização e coleta, levando à
impossibilidade de utilização de eventual material genético colhido nesse instrumento do
crime.998
Por fim, não obstante um dos temas mais complexos e de ampla discussão
doutrinária envolvendo a prova de identificação por DNA esteja relacionado à obtenção da
amostra referência em caso de não consentimento do investigado e a preservação da sua
integridade física,999 esse debate não interfere no estudo da cadeia de custódia.1000 Isso
porque, caso seja mantido o registro demonstrando a violação a direito fundamental do
acusado na coleta da amostra referência, apesar da ilegalidade praticada na sua obtenção, a
cadeia de custódia terá sido mantida, ao passo que, na falta do registro, será impossível
relacionar a amostra referência ao investigado, tornado-a impertitente para ser periciada em
confronto com a amostra questionada.

997
Ao tratar da identificação por DNA, Gomes Filho destaca que, para a “admissibilidade dos mencionados
testes, à vista do que estabelece a Constituição Federal (art, 5º, inc. LVI), torna-se indispensável ressaltar que
na obtenção do material a ser examinado não podem ser desprezados os direitos fundamentais do investigado
ou acusado, como integridade corporal, a intimidade, a honra, a imagem, etc., até porque ninguém pode ser
compelido a fazer prova contra si mesmo” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O teste de DNA como prova
criminal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 18, jul. 1994. p. 1).
998
Conforme Gil Hernández, “dado que a análise do DNA sempre vai acontecer sobre uma série de indícios
físicos coletados no local dos fatos ou da vítima, assim como do suspeito, ainda que se tenha realizado uma
investigação cientificamente correta, evitando os problemas de contaminação e degradação, posteriormente
poderíamos nos deparar com uma nulidade probatória devido a defeitos jurídico-processuais no estrito
cumprimento das garantias legais na hora de obter os ditos indícios” (HERNÁNDEZ, Angel Gil. La
investigación genética como medio de prueba en el proceso penal. Actualidad Penal, Madrid, v. 2, 16/48, p.
865-911, semanal. 1996. p. 886, tradução nossa).
999
Sobre esse tema, ver: MESQUITA, Paulo Dá. A prova em processo penal e a identificação de perfis de
ADN - da recolha para comparação direta entre amostra problema e amostra referência às inserções e
interconexões com a base de dados. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v. 24, n. 4, p. 551-575.,
out./dez. 2014; VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Novas tecnologias e antigos clamores punitivos na
justiça criminal: considerações em busca de critérios para a utilização de exames genéticos no processo
penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 22, n. 110, p. 329-366., set./out. 2014;
GONÇALVES, Manuel. Recolha de amostras de DNA para fins de investigação criminal: suspeito. Revista do
Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v. 34, n. 136, p. 199-222., out./dez. 2013; GIL HERNÁNDEZ, Angel.
La investigación genética como medio de prueba en el proceso penal. Actualidad Penal, Madrid, v. 2, 16/48,
p. 865-911., semanal. 1996.
1000
Apesar disso, é importante ressaltar que a Resolução SSP nº 194/99, em seu art. 6º, g, exige a lavratura de
um termo de coleta de amostra referência contendo, entre outras coisas, a “declaração do doador de que está
fornecendo o material de livre e espontânea vontade”.
270

4.3.5. Valoração

Não obstante o juízo de admissibilidade das provas científicas e, em especial, da


perícia de identificação por DNA tenham standard mais elevado, quando comparado com
outras provas (cf. itens 3.2.4.1 e 4.3.3, supra),1001 o marco divisório para definir sobre os
reflexos da quebra da cadeia de custódia se mantém o mesmo, sendo feito pela avaliação da
sua gravidade.1002
No caso David Burroughs v. State of Indiana, por exemplo, a defesa requereu a
inadmissibilidade da prova de DNA por haver divergência no testemunho do policial que
coletou o sangue e a perita que analisou a amostra. O policial relatou que coletou duas
amostras de sangue, armazenando-as separadamente, cada uma em um envelope pequeno,
os quais foram colocados em seguida dentro de um envelope maior. Por sua vez, a perita que
examinou as amostras descreveu que as duas estavam juntas dentro de um envelope grande.
A Corte entendeu que a divergência nos testemunhos era suficiente para levantar uma “mera
possibilidade de contaminação que deve ser considerada no peso dado à prova de DNA,
não representando uma falha vital na cadeia de custódia”1003.
Assim, nos casos em que a quebra da cadeia de custódia da prova de
identificação por DNA for insuficiente para afetar a sua relevância ou pertinência ou incidir
em alguma das hipóteses de exclusão, o elemento de prova integrará o conjunto probatório
que será valorado ao final do processo.
Na atribuição de valor à prova de identificação por DNA, é preciso, inicialmente,
abstrair-se da equivocada crença na infalibilidade do exame,1004 pois, conforme aponta
Oliveira e Silva, até mesmo quando os procedimentos da cadeia de custódia “são

1001
DOUGHERTY, John C. Beyond People v. Castro: A New Standard of Admissibility for DNA
Fingerprinting. Journal of Contemporary Health Law & Policy, vol. 7, Issue 1. p. 269-306. 1991. p. 294.
Disponível em: <http://scholarship.law.edu/jchlp/vol7/iss1/18>. Acesso em: 09 jan. 2020
1002
No capítulo 3, item 3.3, supra, a matéria foi tratada amplamente, sem especificar a identificação por DNA.
1003
Chris P. Frazier v. Gregory F. Zoeller; Joseph Y. Ho. Court of Appeals of Indiana.. Memorandum Decision.
27 fev. 2014. Disponível em: <https://cases.justia.com/indiana/court-of-appeals/49a04-1307-cr-
360.pdf?ts=1462346171>. Acesso em: 09 jan. 2020.
1004
Conforme sustenta Sérgio Souza: “[e]mbora o sistema adotado como regra no ordenamento processual
penal brasileiro seja o da livre convicção motivada, onde o juiz não se encontra previamente vinculado ao
maior ou menor valor de um meio probatório, podendo analisar livremente a prova dos autos e formar seu
convencimento a partir de argumentos lógicos extraídos de seu prudente raciocínio, há na verdade uma
resistência natural à refutação daqueles provas de natureza científica, pois soa estranho ao senso comum a
possibilidade, por exemplo, de, no confronto entre testemunhas e o resultado de um exame de DNA, o órgão
julgador acolher a versão daquelas e desconsiderar este último” (SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual da
prova penal constitucional – pós-reforma de 2008, atualizado de acordo com as Leis 11.689/08 e 11.690/08.
Editora Juruá. Curitiba: 2008. p. 114).
271

rigorosamente observados, não se pode admitir acriticamente o resultado do exame


genético, uma vez que a correta interpretação dos resultados da perícia é fundamental para
a valoração da prova penal”1005.
Após se destituir dessa falsa compreensão para não comprometer o resultado da
atividade de valoração pela prévia vinculação ao resultado de uma única prova,1006 o
magistrado deverá atribuir peso ao exame realizado, considerando as lacunas existentes em
cada um dos diveros momentos da cadeia de custódia da perícia de identificação por DNA,
que não estão atrelados “somente a questões jurídicas, mas também a genética forense,
probabilísticas e, inclusive, a tecnologia informática”1007.
Destaca-se, contudo, que a valoração do exame de identificação por DNA tem
maior importância nas situações em que o resultado for positivo ou inconclusivo, pois, na
hipótese de ser negativa a compatibilidade do material genético do acusado e a amostra
questionada, ainda que existam outras provas em sentido contrário, essas dificilmente serão
suficientes para derrubar a prova defensiva e atingir standard probatório exigido para a
condenação no processo penal.1008
Isso porque, conforme explica Badaró, para a satisfação do standard probatório,
a hipótese acusatória deverá ser “confirmada por um conjunto concordante de elementos de
confirmação, bem como deverá ter resistido às hipóteses defensivas”1009, sendo que, para a

1005
SILVA, Emílio de Oliveira e. Identificação genética para fins criminais: análise dos aspectos processuais
do banco de dados de perfil genético implementado pela Lei n. 12.654/2012. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
p. 132
1006
De acordo com Gomes Filho, “[...] em primeiro lugar, o autor da decisão leva em consideração todas as
provas regularmente introduzidas no processo e que sejam relevantes para o estabelecimento dos fatos, não
sendo racional se utilizar apenas daquelas que confirmem uma conclusão pré-estabelecida, simplesmente
desconsiderando outras que poderiam invalidar um resultado que se quer a todo custo alcançar” (GOMES
FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 130). No mesmo sentido, Badaró: “[...] a atividade de valoração exige que o juiz analise todas as
provas produzidas. Em relação a cada hipótese fática em que pode ser decomposta a imputação, deverá
valorar tanto as provas que lhe dão suporte, isto é, que confirma a veracidade do fato afirmado, quanto as
provas contrárias, que poderiam refutar este resultado. Se o juiz ignorar um segmento de prova, porque ele
vai contra uma hipótese já previamente escolhida como preferível, isso implicará uma grave quebra da
imparcialidade, indicando que o resultado do processo não foi fruto de uma atividade de verificação
desinteressada da prova” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova
penal. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 201/202).
1007
BAJO, María José Cabezudo. Es infalible la prueba pericial de DNA: planteamiento de la cuestión. Revista
de derecho y genoma humano, Bilbao, Especial, p. 331-339., 2014. p. 338, tradução nossa.
1008
Diferenciando o resultado negativo dos demais, Pérez Marín sustenta que “[...] a falta de coincidência dos
polimorfismos das amostras de DNA exclui, de maneira induvidosa, a autoria, a coincidência não supõe
nenhuma certeza absoluta a respeito do cometimento de um delito, somente proporciona ao juiz uma
probabilidade” (PÉREZ MARÍN, Maria Ángeles. El ADN como método de identificación en el proceso
penal. Revista do Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v. 33, n. 132, p. 127-163., out./dez. 2012. p. 156,
tradução nossa).
1009
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 258-259.
272

tese do acusado derrubar “a hipótese acusatória com ela incompatível, basta a prova dos
fatos afirmados pela defesa, ainda que em intensidade menor”1010.
Ocorre que, para admitir a prova na análise dos critérios lógicos de admissão do
exame de identificação por DNA, o juiz já considerou previamente que a falha na
manutenção da cadeia de custódia não retirou o potencial de o resultado da perícia influenciar
no julgamento, entendendo que há maior probabilidade de a prova ser o que parte diz ser, do
que não ser.
Dessa forma, considerando o standard probatório necessário para a condenação
e a existência de uma prova pericial defensiva que apoia a tese do acusado de negativa de
autoria em um patamar em que há maior probabilidade de o seu conteúdo ser o que a defesa
diz que é, a hipótese acusatória de que o réu praticou o delito não terá resistido à tese
defensiva, ainda que a quebra da cadeia de custódia tenha diminuído o peso do resultado do
exame de identificação por DNA.
Em situação análoga, o Tribunal Espanhol, ao julgar o caso STS 792/2009,
“acabou absolvendo ao previamente condenado por estupro, já que a prova pericial de DNA
determinou que não foi o autor do fato, apesar do reconhecimento efetuado pela vítima, que
assegurava que o agressor era o acusado e que sua voz era a mesma da pessoa que a
atacou”1011.
Por outro lado, nos casos em que o exame for positivo ou inconclusivo, o peso
atribuído ao resultado da identificação por DNA servirá para definir o grau de influência que
terá no segundo momento da valoração, quando “[o] juiz deverá analisar todas as provas
produzidas para verificar se a hipótese posta em julgamento com a formulação da acusação
foi ou não provada”1012, bem como “verificar se hipóteses fáticas diversas ou contrárias,
geralmente alegadas pela defesa, encontram suporte na prova dos autos”1013.

1010
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 258-259.
1011
FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 108,
tradução nossa.
1012
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 200.
1013
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Thomson
Reuters, 2019. p. 200.
273

Por certo que, nesta tarefa, será indispensável ao juiz fazer a justificação1014 da
influência que a falha na manutenção da sua identidade ou integralidade teve no peso
atribuído ao resultado do exame de identificação por DNA.1015
Assim, no caso de um resultado positivo utilizado de apoio empírico à hipótese
de autoria acusatória, o juiz deverá apontar outros elementos de prova que também sustentem
a sua decisão, com destaque para aquelas que supram satisfatoriamente as dúvidas levantadas
pela quebra da cadeia de custódia sobre a fiabilidade da identificação por DNA realizada.
Entretanto, no caso de o exame ser considerado isoladamente para a formação da convicção
do julgador,1016 será imprescindível detalhar as razões pelas quais, mesmo com as incertezas
sobre a identidade e integralidade da prova, foi possível considerá-la à altura do standard
probatório exigível para a condenação.
Por sua vez, independentemente da quebra na cadeia de custódia, o resultado
inconclusivo não servirá de apoio à hipótese acusatória, pois, ainda que não a infirme,
também não a afirma, sendo insuficiente para atingir o standard condenatório.
Por outro lado, nos casos em que o ônus de manutenção da cadeia de custódia
for do Estado, a prova inconclusiva do exame de DNA poderá suportar a hipótese defensiva
quando a impossibilidade de identificação decorrer de contaminação, inibição ou degradação
causada pela falha na cadeia de custódia. Nesses casos, o resultado inconclusivo deverá ser
considerado pelo magistrado como apoio à alegação do acusado de que a prova de sua
inocência só não foi obtida pela negligência do estado, dando a essa prova um peso maior
ou menor de acordo com a influência que a quebra da cadeia de custódia teve na inexatidão
do exame, para, então, confrontá-la com outras provas que sustentem a hipótese acusatória.

1014
Tratando amplamente da valoração das provas científicas, nas quais se enquadra a perícia de identificação
por DNA, Gomes Filho sustenta: “diante da crescente utilização da chamada prova científica, que o emprego
desses conhecimentos especializados no processo não pode dispensar uma atividade justificativa do juiz capaz
de traduzir aos destinatários da motivação, notadamente o homem comum, as informações obtidas por esse
tipo de prova e que tenham sido utilizadas na formação do convencimento” (GOMES FILHO, Antonio
Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 135).
1015
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In:
SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 536.
1016
Apesar de extrapolar o objeto de estudo proposto neste trabalho por não ter relação com cadeia de custódia,
é importante frisar a impropriedade de utilizar a identificação por DNA como única prova de autoria, conforme
exemplifica Emílio de Oliveira e Silva: “[...] o fato de ter sido encontrado material biológico do investigado
na pessoa que se diz violentada sexualmente não prova o estupro, porque tal exame não revela a ausência de
consentimento da suposta vítima para praticar a relação sexual” (SILVA, Emílio de Oliveira e. Identificação
genética para fins criminais: análise dos aspectos processuais do banco de dados de perfil genético
implementado pela Lei n. 12.654/2012. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. p. 135).
274

Portanto, tratando-se de uma prova relacionada às hipóteses acusatórias e


defensivas de autoria delitiva, superadas as etapas de admissibilidade por critérios lógicos e
exclusão da prova, a quebra na cadeia de custódia na perícia de identificação por DNA
deverá refletir no peso atribuído ao seu resultado quando da valoração, momento em que
diversas circunstâncias influenciarão nessa avaliação, incluindo se o elemento de prova
suporta alegação acusatória ou defensiva e se há relação de causa e efeito entre a falha na
manutenção da cadeia de custódia, o resultado do exame e a hipótese que se pretende
demonstrar.1017

1017
Conforme Figueroa Navarro: “[p]or isso se adverte que ‘são de vital importância as circunstâncias
concretas que rodeiam um vestígio biológico para a sua valoração como prova pelo órgão julgador’”
(FIGUEROA NAVARRO, Carmen. La cadena de custodia de las muestras biológicas. In: FIGUEROA
NAVARRO, Carmen (Dir.). La cadena de custodia en el proceso penal. Madri: Edisofer, 2015, p. 110,
tradução nossa).
275

CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho, as matérias objetos de estudo foram individualmente


concluídas em seus respectivos tópicos e, sempre quando necessário, essas conclusões
parciais foram relacionadas e adotadas como premissas no desenvolvimento dos assuntos
correlacionados, de modo que, nesse momento, serão retomadas as principais conclusões já
apontadas anteriormente.
No desenvolvimento de um processo penal epistêmico, orientado à busca da
verdade, que simultaneamente respeite os limites políticos protetores de direitos
fundamentais, a atividade probatória deve ser realizada objetivando a produção de elemento
de prova que, na medida do possível, se aproxime ao máximo do fato histórico ocorrido no
mundo real, sem que sejam extrapoladas as proibições legalmente impostas à sua produção
e as barreiras estabelecidas pela autorização judicial que restringiu direito fundamental em
prol da investigação criminal.
Nesse contexto, a cadeia de custódia constitui meio de autenticação do elemento
de prova não renovável, produzido sem a participação das partes, e das fontes de prova reais
e imateriais, incluindo os elementos e as fontes de prova obtidos na execução dos meios de
pesquisa de prova, que devem ser realizados, prioritariamente, pela manutenção de
documentos com os registros históricos de todos os eventos e informações necessárias para
que as partes e o juiz possam verificar que aquilo que se apresenta em juízo tem a mesma
identidade e mantém a integralidade de estado, características e conteúdo que possuía no
momento em que foi localizado.
Com relação às fontes de prova, a manutenção da cadeia de custódia deve partir
da preservação do local em que está a fonte de prova, perpassando pelas etapas seguintes de
coleta, empacotamento, etiquetagem, transporte, armazenagem e manuseio, até a sua
disposição por não mais interessar ao processo.
No caso dos elementos de prova não renováveis, produzidos sem a participação
das partes em contraditório, para além da manutenção da cadeia de custódia da fonte de
prova, será preciso também manter os registros da técnica e do método utilizados para
obtenção do elemento de prova, para permitir que as partes e o juiz possam, respectivamente,
discutir e valorar a idoneidade científica do exame, bem como o seu potencial de (i) obter a
informação pretendida e (ii) extrair o conteúdo existente na fonte de prova sem o alterar.
Outrossim, somando-se aos registros necessários a todas as fontes de provas
reais e imateriais e aos elementos de prova não produzidos em contraditório, quando o
276

elemento ou a fonte de provas for obtido na execução de meio de pesquisa de prova, a


autenticação da sua identidade exigirá também a manutenção de informações suficientes
para verificação de que a sua obtenção se deu dentro dos limites da restrição de direito
fundamental judicialmente autorizada.
Em qualquer um dos casos, a manutenção da cadeia de custódia deverá ser feita
por quem obtém a fonte de prova, produz o elemento de prova e executa o meio de pesquisa
de prova, por ser impossível delegar esse ônus a terceiro que não participou de cada uma
dessas etapas da atividade probatória.
Não obstante todos esses cuidados necessários para a autenticação da prova, a
manutenção da cadeia de custódia tem como limite a inadequação para identificar
modificações ou substituições da fonte de prova decorrentes da má-fé ou erros
procedimentais do agente custodiante. Mesmo com a exatidão dos registros sobre a abertura
e posterior fechamento das embalagens lacradas em que esteja armazenada a fonte de prova,
por exemplo, não é possível impedir que o responsável pelo manuseio troque um item
fungível por outro visualmente semelhante – ainda que, com o avanço tecnológico, seja
tecnicamente possível exigir que, ao menos os exames laboratoriais, sejam filmados. Da
mesma forma, o registro sobre a utilização de uma metodologia adequada para a coleta da
fonte de prova ou exame nela executado impeça que o agente executor erre na aplicação
prática do método, alterando o estado original da fonte de prova ou o conteúdo dela extraído
na produção do elemento de prova.
Apesar desses limites, a adequada manutenção da cadeia de custódia permite que
se faça a autenticação positiva do elemento ou fonte de prova, quando os registros não
apontarem para qualquer fato que coloque em risco a sua acreditação, ou negativa, nos casos
em que as informações apontarem para algum evento que coloque em dúvida a sua
identidade ou integralidade.
Em nenhum desses casos, contudo, há quebra da cadeia de custódia. Na hipótese
de autenticação negativa, a manutenção da cadeia de custódia cumpriu com a sua finalidade
instrumental de permitir às partes e ao juiz a verificação do seu histórico, devendo os vícios
revelados serem resolvidos pelas regras legais que disciplinam a admissibilidade e exclusão
de qualquer prova.
Por outro lado, constitui quebra na manutenção da cadeia de custódia a
inexistência de registro dos elos necessários para que as partes e o juiz verifiquem a
identidade e a integralidade do elemento ou fonte de prova apresentado em juízo.
277

A verificação das consequências da quebra da cadeia de custódia deve ser feita


em três etapas. Primeiro, é preciso averiguar se a falha impede a admissão da prova pelos
critérios lógicos de relevância e pertinência da prova. Superada esta fase, segue-se para a
análise da incidência das regras de exclusão da prova. Por fim, admitida a prova entre as que
serão valoradas, o magistrado deve avaliar se a quebra na cadeia de custódia diminui o peso
atribuído a esta prova quando da sua valoração.
A primeira fase de verificação dos critérios lógicos de admissão da prova deverá
ser feita sob um regime de inclusão. Assim, somente devem ser barradas as provas por esse
filtro quando a lacuna informativa, decorrente da quebra da cadeia de custódia, não só afetar
a necessária conexão entre a fonte de prova e o objeto do processo, mas também numa
intensidade que torne mais provável que o seu conteúdo não tenha potencial de influenciar
no julgamento dos fatos discutidos em juízo.
Nessas mesmas circunstâncias, tratando-se de elemento de prova cautelar,
irrepetível ou antecipado, cuja produção tenha sido realizada na fase de inquérito policial, já
no juízo preliminar de aptidão da denúncia, o juiz deverá excluí-lo das informações que serão
valoradas, por não atender aos critérios lógicos de admissão da prova.
Na segunda etapa da análise, a quebra da cadeia de custódia deve causar a
exclusão do elemento de prova nas hipóteses em que: (i) faltarem informações essenciais ao
exercício do contraditório diferido; ou (ii) faltarem informações necessárias para relacionar
a prova à preservação de direitos fundamentais, nos casos em que o exercício da atividade
probatória for limitado ou proibido.
A primeira situação tem aplicabilidade específica aos procedimentos probatórios
em que há divergência científica sobre a aptidão e credibilidade de determinadas
metodologias para obterem a informação pretendida ou, ainda, sobre o potencial de a técnica
em si alterar a fonte de prova ou extrair dela informação diversa da existente de fato,
resultando em elemento de prova diferente do que seria obtido com o uso de outro método.
Nessas hipóteses, a falta de informação decorrente da quebra da cadeia de
custódia impede que as partes debatam sobre a idoneidade do método e a acuidade do
resultado, além de impedir o juiz de atribuir à prova o seu devido valor.
Para a exclusão da prova nessa situação, a parte deverá demonstrar a existência
de mais de um método para a realização do exame e que a adoção de um ou outro tem
potencial para alterar o resultado da análise, cumprindo, assim, com a demonstração do
prejuízo necessária para a declaração da nulidade da prova obtida com violação de garantia
processual.
278

A segunda situação incide nos casos em que a quebra da cadeia de custódia


suprime informação com potencial de esconder a obtenção de elementos ou fontes de prova
com violação a proibições legais à atividade probatórias (e.g. tortura, art. 5º, III, da CF) ou
que impeça a sua vinculação aos limites intransponíveis da autorização legal e judicial, nas
hipóteses em que a atividade probatória restringe direitos fundamentais (e.g. interceptação
telefônica e o sigilo das comunicações telefônica, art. 5º, XII, da CF).
Por fim, superadas as etapas precedentes, na última fase de verificação das
consequências da quebra da cadeia de custódia, antes de analisar o conjunto probatório como
um todo, o magistrado deve atribuir a cada prova, isoladamente, o seu próprio valor,
momento em que as dúvidas existentes sobre a identidade e integralidade do elemento de
prova deverão ser consideradas na definição do seu peso.
A definição de um standard probatório mais elevado para a condenação, quando
comparado com o estabelecido para a admissão da prova pelos critérios lógicos, oferece ao
julgador espaço para trabalhar na definição do peso atribuído à prova admitida com quebra
na cadeia de custódia.
Não obstante a manutenção da cadeia de custódia deva ser observada em todas
as fontes de prova reais e imateriais, nos elementos de prova produzidos sem a participação
das partes em contraditório e nos meios de pesquisa de prova, a sua importância é destacada
no meio de prova pericial, em razão dos constantes avanços técnico-científicos e
metodológicos relacionados às análises laboratoriais e da relação direta entre a manutenção
da identidade e integralidade da fonte de prova e o resultado do exame realizado.
Por conta da sua elevada influência na formação da convicção do julgador, a
identificação por DNA se destaca entre as perícias, tornando ainda maior a necessidade de
manter os registros necessários para garantir a autenticação dos seus resultados.
Para tanto, será essencial a manutenção da cadeia de custódia das etapas de
empacotamento e etiquetagem, com o registro detalhado da sua localização, data, hora,
processo de referência e características iniciais, bem como de todas aberturas e relacres
subsequentes, permitindo a rastreabilidade de todo o caminho percorrido pela fonte de prova,
do momento da sua localização até o seu descarte, para não haver dúvida sobre a identidade
das amostras questionadas e referências que serão comparadas para a identificação por DNA.
Nos casos em que a falha na manutenção da cadeia de custódia impedir a
verificação da necessária vinculação entre a fonte de prova e o fato objeto do processo, a
perícia de identificação por DNA perderá o seu potencial de influenciar o julgamento, não
podendo ser admitida por ter se tornado irrelevante e impertinente.
279

No que se refere à integralidade do material genético, a manutenção da cadeia


de custódia deve conter os registros suficientes para demonstrar que foram tomados todos
os cuidados necessários para impedir a contaminação, inibição e degradação das amostras
de DNA que serão analisadas.
Embora em algumas situações as falhas na manutenção dos elos que afetem a
verificação da integralidade da fonte de prova possam resultar na inadmissibilidade da
realização do meio de prova, no caso específico da perícia de identificação por DNA, as
dúvidas acerca da integralidade do material genético afetam exclusivamente o peso que o
julgador atribuirá ao elemento de prova resultante do exame no momento da valoração.
Nos casos de inibição ou degradação do material genético, o estado da fonte de
prova impedirá que o exame seja realizado, de modo que não existirá um resultado
conclusivo sobre a possível identificação do autor do delito.
Por sua vez, quando a quebra na cadeia de custódia deixar de registrar evento
que possa ter dado causa à contaminação da fonte de prova, tal fato não permite concluir
previamente pela falta de potencial de o resultado do exame contribuir para o julgamento, já
que a mistura de materiais genéticos não impede que esses sejam separados e identificados,
individualizando os perfis existentes na sua composição.
Tratando-se de perícia de identificação por DNA não renovável, para além da
manutenção da cadeia de custódia da fonte de prova examinada, a admissibilidade do
elemento de prova apresentado em juízo dependerá também da existência de informações
sobre quais foram as regiões polimórficas analisadas, quais são os índices de polimorfismos
destes trechos, qual o estudo populacional utilizado e quais foram os cálculos estatísticos
empregados. A necessidade dessas informações decorre do fato de 99,9% das sequências
genéticas de quaisquer duas pessoas serem iguais, de modo que, analisados trechos
aleatórios, sem saber se são polimórficos e com qual frequência se repete na população, o
resultado quase certo é a combinação dos perfis genéticos. Assim, para que tenha relevância
ou pertinência como elemento de prova apto a distiguir indivíduos e, com isso, influenciar
no julgamento, tais informações são indispensáveis para a admissibilidade do elemento de
prova.
Ademais, o elemento de prova deve ser anulado quando o resultado da perícia
for apresentado em juízo sem as informações necessárias ao exercício do contraditório
diferido. Tratando-se de exame de identificação por DNA, por seu resultado estar suscetível
a alterações sofridas em decorrência do equipamento e da técnica empregados na análise,
essas informações são indispensáveis para que as partes possam debater os resultados
280

obtidos, buscando influenciar o julgador a diminuir ou aumentar o peso que se atribuirá à


prova no momento de sua valoração. Dessa forma, a quebra na cadeia de custódia pela não
manutenção desses registros impede que as partes exerçam de maneira efetiva o
contraditório sobre a prova e que o julgador tenha elementos suficientes para a valorar em
conjunto com as outras existentes.
No que tange à possibilidade de exclusão da prova em decorrência de a quebra
da cadeia de custódia esconder violação a norma que protege direito fundamental (proibindo
ou restringindo a atividade probatória), no caso específico da perícia por identificação por
DNA, essa hipótese terá aplicação limitada. Como tais restrições à atividade probatória estão
relacionadas às formas de obtenção da prova e, no caso do material genético, o
desconhecimento sobre a sua obtenção levará à irrelevância e impertinência da prova, já que
não será possível relacioná-la ao crime (amostra questionada) ou ao investigado (amostra
referência), essas violações serão resolvidas previamente ao não se admitir a realização da
perícia. Contudo, caso se faça a extração de material genético do instrumento do crime que,
apesar de identificável por suas características próprias, tem o local da sua obtenção
desconhecido porque foi levado pelo autor do local do delito, a quebra na cadeia de custódia
sobre o momento da obtenção pode causar a exclusão da prova pela possibilidade de
esconder, por exemplo, a sua obtenção com violação de domicílio feita sem autorização
judicial.
Por fim, superadas as etapas de admissão e de exclusão da prova, o resultado do
exame de identificação por DNA integrará o conjunto de provas que deverá ser valorado
pelo juiz, momento no qual as quebras na cadeia de custódia, que não deram causa à sua
inadmissibilidade ou exclusão, deverão ser consideradas no peso a ser atribuído ao elemento
de prova.
Destaca-se que, por se tratar de elemento de prova que apoia ou contraria as
hipóteses acusatórias e defensivas sobre a autoria delitiva, o exame de identificação por
DNA, admitido por ter sido considerado relevante ou pertinente, com resultado inconclusivo,
trará forte suporte à alegação defensiva. Isso porque, apesar da quebra na cadeia de custódia,
o julgador já reconheceu o potencial de a prova ser o que diz ser, de modo que, ao não
resultar positivo o exame, a tese acusatória fica enfraquecida e mais distante do standard
exigido para a condenação.
Por outro lado, nos casos de resultado positivo em que o elemento de prova apoie
a hipótese acusatória, a superação do standard probatório para a condenação exigirá do juiz
um reforço de justificação para demostrar o porquê foi possível confiar na identidade e
281

integralidade da prova a ponto de permitir concluir pela elevadíssima probabilidade dos fatos
afirmados pela acusação.
283

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