Revista Direito Processual Penal v4 n2

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Revista

Brasileira de
Direito
Processual
Penal

Volume 4 - Nº 02 - mai./ago. 2018


ISSN 2525-510X
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2

Dossiê “Sistemas Processuais Penais e Imparcialidade Judicial”

IBRASPP
Revista Brasileira de Direito Processual Penal Volume 4 - Número 02
Brazilian Journal of Criminal Procedure Porto Alegre/RS
mai./ago. 2018
http://www.ibraspp.com.br/revista/ (publicado em junho/2018)
ISSN 2525-510X

Expediente / Masthead

   Editores-chefes / Editors-in-chief 
Prof. Dr. Nereu José Giacomolli (Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – Porto Alegre/RS)
Prof. Dr. Vinicius Gomes de Vasconcellos (Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Rio de Janeiro/RJ; Centro Universitário FIEO – São Paulo/SP)

   Editores-associados / Associate-editors 
Prof. Dr. André Machado Maya (Fundação Escola Superior do Ministério
Público do Rio Grande do Sul– Porto Alegre/RS)
Profa. Dra. Bruna Capparelli (Alma Mater Studiorum - Università di Bologna/IT)
Prof. Me. Caíque Ribeiro Galícia (Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS Porto Alegre/RS); Faculdade Campo Grande e
Faculdade Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS)
Profa. Dra. Lorena Bachmaier Winter (Universidad Complutense de Madrid –
Madrid/ESP)

   Editores-assistentes / Assistant-editors 
Prof. Me. Armando Dias Ramos (Universidade Autônoma de Lisboa – Lisboa/PT)
Profa. Dra. Érica Babini Machado (Universidade Católica de Pernambuco –
Recife/PE)
Profa. Me. Maria João Carvalho Vaz (Universidade de Coimbra – Coimbra/PT)
Prof. Me. Rafael de Deus Garcia (Universidade de Brasília – Brasília/DF)
Prof. Dr. Thiago Allisson Cardoso de Jesus (Universidade Estadual do
Maranhão – São Luís/MA)

  Conselho Editorial / Editorial board 


Profa. Dra. Claudia Cesari, Università degli Studi di Macerata, Itália
Prof. Dr. Francesco Caprioli, Università degli Studi di Torino, Itália
Prof. Dr. Gabriel Ignacio Anitua, Universidad de Buenos Aires, Argentina
Prof. Dr. Germano Marques da Silva, Universidade Católica de Lisboa, Portugal
Prof. Dr. Giulio Illuminati, Alma Mater Studiorum - Università di Bologna, Itália
Prof. Dr. Juan Montero Aroca, Universidad de Valencia, Espanha
Profa. Dra. Livia Giuliani, Università degli Studi di Pavia, Itália
Profa. Dra. Lorena Bachmaier Winter, Universidad Complutense de Madrid,
Espanha
Prof. Dr. Manuel Monteiro Guedes Valente, Universidade Autônoma de Lisboa,
Portugal
Prof. Dr. Máximo Langer, University of California, Estados Unidos
Prof. Dr. Michele Caianiello, Alma Mater Studiorum - Università di Bologna, Itália
Prof. Dr. Paolo Ferrua, Università degli Studi di Torino, Itália
Prof. Dr. Rafael Hinojosa Segovia, Universidad Complutense de Madrid, Espanha
Prof. Dr. Raúl Cervini, Universidad Católica de Uruguai, Uruguai
Prof. Dr. Renzo Orlandi, Alma Mater Studiorum - Università di Bologna, Itália
Prof. Dr. Rui Cunha Martins, Universidade de Coimbra, Portugal
Prof. Dr. Stefano Ruggeri, Università degli Studi di Messina, Itália
Profa. Dra. Teresa Armenta Deu, Universidad de Girona, Espanha
Profa. Dra. Vania Patanè, Università degli Studi di Catania, Itália

   Pareceristas (deste número) / Reviewers (of this number) 


Adriana Ferreira Serafim de Oliveira (Universidade Estadual Paulista –
Rio Claro/SP)
Américo Bedê Freire Júnior (Faculdade de Direito de Vitória - Vitória/ES)
Ana Cláudia Carvalho Salgueiro (Universidade de Coimbra/Portugal)
Ana Cristina Gomes (Universidad de Salamanca/Espanha)
Antonio Martínez Santos (Universidad Francisco de Vitoria - Madrid/Espanha)
Bruno Tadeu Buonicore (Universidade de Frankfurt/Alemanha)
Carla Silene Cardoso Lisboa Bernardo Gomes (Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais - Belo Horizonte/MG)
Débora Carvalho Fioratto (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais -
Belo Horizonte/MG)
Décio Franco David (Universidade Federal do Paraná - Curitiba/PR)
Denis Andrade Sampaio (Faculdade de Direito de Lisboa/Portugal)
Denise Hammerschmidt (Faculdade Curitibana - Curitiba/PR)
Diogo Malan (Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Estadual
do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro/RJ)
Dyellber Oliveira Araújo (Universidade de Coimbra/Portugal)
Fábio Ramazzini Bechara (Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo/SP)
Fauzi Hassan Choukr (Ministério Público do Estado de São Paulo - São Paulo/SP)
Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro (Universidade Católica do Salvador -
Salvador/BA)
Fernanda Regina Vilares (Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas - GVLaw - São Paulo/SP)
Flavia Siqueira (Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte/MG)
Flaviane de Magalhães Barros (Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais –Belo Horizonte/MG)
Flávio da Silva Andrade (Universidade Federal de Minas Gerais - Belo
Horizonte/MG)
Francisco França Júnior (Universidade de Coimbra/Portugal)
Gilvardo Pereira de França Filho (Universidade de Coimbra/Portugal)
Gustavo Barbosa de Mesquita Batista (Universidade Federal da Paraíba -
João Pessoa/PB)
Gustavo Noronha de Ávila (Universidade Estadual de Maringá - Maringá/PR)
Humberto Soares de Souza Santos (Universidade Estadual do Rio de Janeiro -
Rio de Janeiro/RJ)
Israel Domingos Jorio (Faculdade de Direito de Vitória - Vitória/ES)
Jéssica Raquel Sponchiado (Universidade de São Paulo - São Paulo/SP)
José de Assis Santiago Neto (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais -
Belo Horizonte/MG)
Luiza Borges Terra (Universidad Pablo de Olavide/Espanha)
Luiza Nivea Dias Pessoa (Universidade de Coimbra/Portugal)
Marcella Alves Mascarenhas Nardelli (Universidade Estadual do Rio de Janeiro -
Rio de Janeiro/RJ)
Marcello Daniele (Università degli Studi di Padova/Itália)
Marcelo Sarsur Lucas da Silva (Centro Universitário Newton Paiva -
Belo Horizonte/MG)
Marcelo Xavier de Freitas Crespo (Faculdade de Direito de Sorocaba -
Sorocaba/SP)
Márcio Ricardo Ferreira (Universidade de Salamanca/Espanha)
Michele Caianiello (Alma Mater Studiorum - Università di Bologna/Itália)
Michelle Gironda Cabrera (Pontifícia Universidade Católica do Paraná -
Curitiba/PR)
Natalia Pérez Rivas (Universidad de Santiago de Compostela/Espanha)
Pedro Rocha Amorim (Universidade de Coimbra/Portugal)
Rodrigo Grazinoli Garrido (Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Universidade Católica de Petrópolis – RJ)
Rodrigo Régnier Chemim Guimarães (Centro Universitário Curitiba -
Curitiba/PR)
Soraia da Rosa Mendes (Universidade Federal de Goiás – Goiânia/GO)
Thadeu Augimeri de Goes Lima (Universidade de São Paulo - São Paulo/SP)
Tomás Grings Machado (Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
São Leopoldo/RS)

  Autores de artigos originais (deste número) /


Authors of original articles (in this number)  
Ana Beltrán Montoliu (Universidad Jaime I de Castellón – Espanha)
Antonio Henrique Graciano Suxberger (Centro Universitário de Brasília –
Brasília/DF)
Fábio Agne Fayet (Faculdade da Serra Gaúcha – Caxias do Sul/RS)
Giulio Illuminati (Alma Mater Studiorum - Università di Bologna/Itália)
Heloisa Estellita (Fundação Getúlio Vargas – São Paulo/SP)
Heloisa Rodrigues Lino de Carvalho (Universidad de Morón – Argentina)
Paloma Marita Cavol Klee (Universidade de Coimbra – Coimbra/Portugal)
Raphael Jorge de Castilho Barilli (Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio
de Janeiro/RJ)
Renato Stanziola Vieira (Universidade de São Paulo – São Paulo/SP)
Roberta Eggert Poll (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
Porto Alegre/RS)
Stefano Ruggeri (Università degli Studi di Messina/Itália)
Valtan Timbó Martins Mendes Furtado (Centro Universitário de Brasília –
Brasília/DF)
Vinícius Wildner Zambiasi (Universidade de Coimbra – Coimbra/Portugal)

Projeto Gráfico [Diagramação e Capa] Camila Provenzi (be.net/camilaprovenzi)


Sumário

483 Editorial

485 Editorial: Instrumentos e práticas de suporte para a realização dos


objetivos de Ciência aberta – Por uma revisão de dados no Direito
Processual Penal
Editorial: Instruments and support practices for the achievement of Open
Science goals – For a review of data in Criminal Procedural Law
Bruna Capparelli

499 Dossiê: Sistemas Processuais Penais e Imparcialidade Judicial

Dossier: Criminal Procedure Systems and Judicial Impartiality

501 Editorial dossier “Sistemas procesales penales e imparcialidad del


juez”: Imparcialidad y prueba en el proceso penal – reflexiones sobre
la iniciativa probatoria del juez
Editorial dossier “Criminal Procedure Systems and Judicial Impartiality”:
Impartiality and evidence in criminal procedure – consequences to judge’s
evidence power
Lorena Bachmaier Winter

533 Modello processuale accusatorio e sovraccarico del sistema giudiziario


“Accusatorial” model of procedure and overload of the judicial system
Giulio Illuminati

559 Equality of arms, impartiality of the judiciary and the role of the parties
in the pre-trial inquiry: the perspective of Italian criminal justice
 aridade de armas, imparcialidade do Judiciário e o papel das partes na
P
investigação preliminar: a perspectiva da justiça criminal italiana
Stefano Ruggeri
605 Imparcialidad judicial y actividad probatoria en la Corte Penal
Internacional
Judicial Impartiality and Evidence at the International Criminal Court
Ana Beltrán Montoliu

645 Ânimo persecutório do magistrado: a quebra do dever de imparcialidade


e sucessivas decisões contrárias ao direito à prova defensiva
Persecutory of the judge: breach of the duty of impartiality and successive
decisions contrary to the right to defensive evidence
Fábio Agne Fayet
Roberta Eggert Poll

669 A centralidade do juízo oral no Sistema Acusatório: uma visão


estratégica acerca do caso penal
The oral trial centrality in the Accusatory System: a strategic view
of criminal case
Raphael Jorge de Castilho Barilli

707 Fundamentos de Direito Processual Penal


Fundamentals of Criminal Procedure

709 A flexibilização da legalidade no Supremo Tribunal Federal: o caso da


execução da condenação sujeita a apelos extremos
Flexibility of legality in the Supreme Court’s case-law: enforcing criminal
sentences pending judgement before high courts
Heloisa Estellita

731 Fundamento central do direito à não autoincriminação


Central foundation of the right against self-incrimination
Heloisa Rodrigues Lino de Carvalho

767 O que vem depois dos “legal transplants”? Uma análise do processo
penal brasileiro atual à luz de direito comparado
 hat comes after the “legal transplants” An analysis of the current Brazilian
W
criminal procedure in light of comparative law
Renato Stanziola Vieira
807 Teoria da Prova Penal
Criminal Evidence Theory

809 Investigação criminal genética – banco de perfis genéticos,


fornecimento compulsório de amostra biológica e prazo de
armazenamento de dados
 NA criminal investigation – DNA database, mandatory DNA collection
D
and time limit for data retention
Antonio Henrique Graciano Suxberger
Valtan Timbó Martins Mendes Furtado

843 Processo Penal Internacional e Cooperação Jurídica


International Criminal Procedure and International Cooperation

845 A (possibilidade de) não execução do mandado de detenção europeu


fundamentada no tratamento ou pena cruel ou degradante
The (possibility of) not execution of European arrest warrant based on cruel or
degrading treatment or penalty
Vinícius Wildner Zambiasi
Paloma Marita Cavol Klee

887 Crítica Científica


Scientific critic (reader’s letter)

889 Crítica científica de “Investigação criminal genética – banco de


perfis genéticos, fornecimento compulsório de amostra biológica
e prazo de armazenamento de dados” - Apontamentos sobre a
inconstitucionalidade da Lei 12.654/2012
Scientific criticism of “DNA criminal investigation – DNA database,
mandatory DNA collection and time limit for data retention” - Notes on the
unconstitutionality of Law 12.654/2012
Rodrigo Grazinoli Garrido
Editorial
Editorial: Instrumentos e práticas de suporte para a
realização dos objetivos de Ciência aberta – Por uma
revisão de dados no Direito Processual Penal

Editorial: Instruments and support practices for the achievement of


Open Science goals – For a review of data in Criminal Procedural Law

Bruna Capparelli1
Alma Mater Studiorum – Università di Bologna / Itália
[email protected]
http://orcid.org/0000-0003-1249-2658

Resumo: O presente editorial indaga sobre a aplicabilidade do open


peer review aos dados das pesquisas de Direito processual penal. Em
primeiro lugar, entende-se identificar os pontos de força e fraqueza
do processo de revisão e validação dos dataset. Em segundo lugar,
se evidenciará as práticas que facilitam a transparência do processo,
a difusão dos dados, a sua confiabilidade e reuso. Para alcançar tais
objetivos, sustentar-se-á que é necessário adotar uma metodologia
sobre a qual basear os critérios de escolha da comunidade cientifica
de referência, individuar as tipologias de atores e as relativas modali-
dades de análise, no momento em que a construção de um contexto
colaborativo e participativo constitui o primeiro passo para delimitar
uma comunidade representativa do Processo penal e de suas diferentes
técnicas de pesquisa.
Palavras-chave: editorial; ciência aberta; Direito Processual Penal;
Revisão de dados.

Abstract: This article discusses the applicability of open peer review to criminal
investigation data. First, it means identifying the strengths and weaknesses of

1
Doutora em Direito Processual Penal na Alma Mater Studiorum – Università di
Bologna e em Ciências Criminais pela PUCRS (em regime de cotutela). Associate
editor da RBDPP.

485
486 | Capparelli, Bruna.

the dataset review and validation process. Second, there will be evidence
of practices that facilitate process transparency, data diffusion, reliability
and reuse. To achieve these objectives, it will be argued that it is necessary
to adopt a methodology on which to base the selection criteria of the
scientific community of reference, to identify the types of actors and the
relative modalities of analysis, at the moment when the construction of a
collaborative and participative context is the first step to delimit a community
representative of the criminal process and its different research techniques.
Keywords: editorial; open science; Criminal Procedural Law; Review of data.

O compartilhamento dos dados na pesquisa é enfatizado pelo


termo de Ciência aberta, onde encontra, se possível, ainda maior relevân-
cia ao lado de muitos outros componentes (open access publishing, open
notebook, open peer review, citizen science, etc.) que sustentam e carac-
terizam uma visão da ciência baseada nos princípios de transparência,
colaboração e integridade da pesquisa.
Simplificando, o primeiro constitui uma premissa da qual nas-
cem os outros princípios de Merton e é estreitamente coligado com os
pedidos de acesso aberto de todos os produtos da pesquisa. O segundo,
aplicado ao contexto da validação dos dados, é relacionado com o peer
review, instrumento que certifica a validade do método e dos resultados.
Partindo da premissa de que os dados representam a primeira
significativa peça na construção do processo de pesquisa e que o seu
compartilhamento é um pressuposto para o progresso do conhecimento,
é licito questionar-se sobre o que significa tornar os dados acessíveis com
base nas mudanças tecnológicas no sistema da comunicação cientifica.
Para Lawrence2 a publicação de dados constitui uma pratica de “tornar os
dados o quanto mais possível permanentemente disponíveis na internet”3 e
contemporaneamente submete-los a um processo de criação de metadados
e de peer review4 para garantir qualidade, transparência e reprodutibilidade.

2
LAWRENCE, Bryan, Citation and Peer Review of Data: Moving Towards For-
mal Data Publication, 2011, p. 6 s.
3
(tradução livre).
4
MAYERNIK, Matthew S. et al., Peer Review of Datasets: When, Why, and
How. Bulletin of the American Meteorological Society, 2015, p. 11 s.

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Atualmente as principais fontes de publicação de dados5 são os


data repository6 e os data journal7. Ambos definem os dados de pesquisa
com a finalidade de torna-los reutilizáveis e aplicam formas específicas de
avaliação que miram a verificar a sua confiabilidade. Quando se instaura
um estreito vínculo entre repository e data journal, se cria um círculo
virtuoso8. De fato, tal vínculo representa um importante incentivo para
os pesquisadores para tornar disponíveis os próprios dados: o data jornal
fornece uma clara atribuição do trabalho dando crédito ao autor(s) e à
(s) instituição(ões), submete o artigo ao processo de peer review aplican-
do determinadas políticas editoriais e critérios de confiabilidade. Além
disso, e talvez a mais importante consequência, os data jornal se inserem
nos principais canais de comunicação científica e, assim como os outros
tipos de publicações, é acessível, reutilizável e potencialmente citável.
Desta forma se assegura a prioridade e o reconhecimento do produtor de
dados reforçando sua reputação. Os data repository e os data journal, que
ativam de forma coordenada um processo de verificação da qualidade
dos dados, substanciam o príncipio de integridade na pesquisa porque a
torna reproduzível e/ou replicável. São estes os elementos funcionais à
visão do sistema de ciência de Merton.
Mas o que se entende por qualidade do dado?

5
Neste editorial, com o termo “publicação de dados” subentende-se sempre
um processo de validação assim como definido por Lawrence.
6
Utiliza-se o termo “data repository” no presente estudo em sua concepção
mais ampla e compreensível dos repository institucionais, os repository disci-
plinares, os data centre e as infraestruturas da pesquisa a nível internacional.
7
O editorial se concentra em particular sobre os data journal denominados
puros, porque publicam somente data paper (CANDELA, Leonardo et al.,
Data Journals: A Survey. Journal of the Association for Information Scien-
ce and Technology, 2015, p. 23 s.). Os data paper descrevem um dataset,
fornecendo detalhes sobre sua colheita, elaboração, calibração, etc., sem
a necessidade de novas análises ou conclusões inovadoras (CALLAGHAN,
Sarah et al., Processes and Procedures for Data Publication: A Case Study
in the Geosciences. International Journal of Digital Curation, 2013, p. 6 s.).
Não são levados em consideração todas as outras tipologias precursoras
dos data jornal.
8
CALLAGHAN, Sarah et al., Guidelines on Recommending Data Repositories
as Partners in Publishing Research Data. International Journal of Digital Cura-
tion, 2014, p. 12.

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O RIN report (2008) associa a qualidade ao conceito de “fit for


purpose”, ou seja, a correspondência entre o dado e a finalidade pela qual
foi recolhido, e, portanto, a congruência entre os dados e os resultados
obtidos (seja positivos ou negativos) que definem o método da pesqui-
sa. A esse princópio de caráter metodológico se adiciona o requisito de
fornecer uma descrição apropriada do dado para permitir o controle e a
validação por parte de outros pesquisadores.
O outro requisito é ligado a todos aqueles elementos que deveriam
tornar o dado idealmente recuperável, acessível e reutilizável, envolven-
do desta forma os aspectos técnicos de criação e conservação do dado.
Wang e Strong9 especificam que a qualidade do dado é determinada
pelo “fitness for use by data consumers”, atribuindo, portanto, um papel
determinante a quem os utiliza. Discute-se que a validação dos dados da
pesquisa constitui um mecanismo complexo, repetido em diferentes fases
do processo de publicação e que envolve especialidades e competências
especificas, também envolvidos em um diálogo aberto que contribui ao
avanço do conhecimento.
As reflexões trazidas neste editorial fazem parte de uma intensa
análise preliminar em matéria de Opening up new methods, indicators and
tools for peer review, dissemination of research results e impact measurement.
Portando, após ter apresentado alguns entre os principais aspectos do
debate sobre validação dos dados, o presente editorial fornece uma breve
descrição de elementos que devem servir como guia para a comunidade
científica para testar a aplicabilidade da peer review aos dados da pesquisa
no Direito processual penal.
A avaliação dos dados corresponde, em grande parte, ao processo
de validação repetido durante o inteiro ciclo da pesquisa. Inicia já na
fase da proposta, com a definição de um data management plan que guia
o pesquisador na colheita e administra os dados segundo critérios de
qualidade. Aplica-se a um set coerente de resultados, obtidos por meio
da elaboração dos dados recolhidos, no momento da submissão segundo
critérios e procedimentos estabelecidos por quem assume a tarefa de
publicar os resultados da pesquisa.

9
WANG, Richard; STRONG, Diane, Journal of Management Information Sys-
tems, vol. 12, n. 4, Spring, 1996, p. 5-33.

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Enfim, é atuada pelos membros da comunidade científica que


possuem acesso ao dataset e o reutilizam para produzir outros resultados.
O ponto crucial é, portanto, representado pela publicação do dado que
implica uma avaliação sobre a qualidade, diferente respeito ao caso do
compartilhamento de dados na pesquisa, por exemplo em paginas web
não submetidas a um processo de avaliação e aprimoramento por con-
trole por pares. Tal avaliação constitui um valor a mais para o potencial
utilizador (certifica a confiabilidade) e contemporaneamente dá crédito
acadêmico ao(s) autor(es) e/ou instituição que os produziu. Por esta
razão a publicação é relacionada não somente com o peer review (tradi-
cional e/ou aberta), mas também com a citabilidade do dataset, porque
esta também constitui uma atribuição de mérito (positiva ou negativa)
pelos pares. Delineia-se, portanto, dois momentos essenciais de avaliação:
(1) aquela feita na fase de pré-publicação pelos especialistas na
conservação e gestão do dado e do domínio;
(2) e uma atuada na fase pós-publicação pela comunidade de
referência através das citações (porém no caso dos dados isto implica a
adoção de um standard que ainda teria que ser definido), ou utilizando
os instrumentos do altmetrics10.
Em geral, a maior parte dos estudiosos são concordes em afirmar
que o processo de peer review de dados é mais complexo e articulado em
relação àquele dos artigos científicos. Este requer um consenso ainda não
alcançado, se não a nível de específicas comunidades, dos quais aspectos
do dado devem ser objeto de avaliação11. A isto adiciona-se a complexidade
ligada às diferentes tipologias de dados, criados e recolhidos, nos diferentes
setores, pra finalidades diversas, com diferentes métodos, instrumentos
e técnicas. Além disso, o dado é por si mesmo dinâmico, continuamente
atualizável e modificável durante a pesquisa. Entram em jogo, portanto,
aspectos ligados à identificação do dataset como produto da pesquisa
estável, complexo e permanente12 que deveriam ser facilmente recupe-

10
Ver: <https://www.altmetric.com/>, acesso: agosto 2017.
11
KRATZ, John Ernest; STRASSER, Carly, Researcher Perspectives on Publica-
tion and Peer Review of Data. PLoS ONE, 2015, p. 35 s.
12
CALLAGHAN, Sarah et. al., Making Data a First Class Scientific Output: Data
Citation and Publication by NERC’s Environmental Data Centres. Internatio-
nal Journal of Digital Curation, 2012, p. 11 s.; MAYERNIK, Matthew S. et al.,

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
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ráveis para ser em seguida reutilizados e reproduzidos. A possibilidade


de reproduzir e/ou replicar os resultados de uma pesquisa, a partir dos
dados recolhidos, representa de fato o fundamento do método científico
sobre o qual se baseia o progresso da ciência. Isto consentiria de subir nas
costas, se não de um gigante, de um corpo de resultados sobre os quais
construir novos conhecimentos13.
Como dito acima, se está delineando um modelo ideal de publi-
cação representado pela estreita colaboração entre trusted data repository
e data journal.
Os repository certificados (trusted) são aqueles que desenvolvem
claras políticas de gestão dos resultados da pesquisa, asseguram e conser-
vam a longo prazo os dados, permitem o acesso ao dataset, implementam
procedimentos de controle de qualidade, desenvolvem instrumentos de
pesquisa para recuperá-los e fornecem estatísticas de uso14. Os data jour-
nal, por sua vez, de acordo com as próprias políticas editoriais, fornecem
dois tipos de linhas-guia:
(1) para o produtor/autor de dados;
(2) para revisores.
As primeiras deveriam guiar o produtor/autor na descrição do
dataset em termos de metodologia e protocolo utilizado para recolher e
elaborar os dados; as segundas deveriam indicar aos revisores os critérios
a partir dos quais avaliar o data paper.
Em tal contexto o data journal, considerado como tipologia de
publicação que promove o reuso e a citação, serve como ponte entre
o dataset acessível em um data repository certificado e o artigo cien-
tífico tradicional, em quanto fornece uma documentação detalhada

Peer Review of Datasets: When, Why, and How. Bulletin of the American Me-
teorological Society, 2015, p. 11 s.
13
CALLAGHAN, Sarah et. al., Making Data a First Class Scientific Output: Data
Citation and Publication by NERC’s Environmental Data Centres. Internatio-
nal Journal of Digital Curation, 2012, p. 17 s.; MAYERNIK, Matthew S. et al.,
Peer Review of Datasets: When, Why, and How. Bulletin of the American Me-
teorological Society, 2015, p. 11 s.
14
CALLAGHAN, Sarah et al., Guidelines on Recommending Data Repositories
as Partners in Publishing Research Data. International Journal of Digital Cura-
tion, 2014, p. 23 s.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
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da metodologia e do processo de colheita dos dados reenviando ao


set originário (através de DOI bidirecionais e/ou link persistentes).
Ademais, pode-se até mesmo referir ao artigo tradicional que, por
outro lado, se focaliza na interpretação dos resultados. A ligação bio-
direcional entre repository e data journal facilita a identificação e a
recuperação do dataset que é acessível pelo repository em termos de
licença e formato. Note-se também que os requisitos de recuperação
e acessibilidade representam as pré-condições necessárias para tornar
o dado reutilizável, por esta razão os elementos que determinam tais
requisitos no dado, e nos respectivos metadados, são também objeto de
controle de qualidade e constituem o denominador comum da maior
parte dos repository e data journal15.
Inumeráveis e diferentes são os aspectos do dado e dos meta-
dados que necessitam de um controle de qualidade, quando entram em
jogo os específicos setores do Direito processual penal, as metodolo-
gias e as técnicas para adquiri-los. São muitas as indicações teóricas16,
assim como são inúmeros os estudos que analisam as práticas em uso
e que indicam uma diversidade nas abordagens e nas praticas de con-
trole de qualidade do repository que nas linhas guia para o revisor17.
Provavelmente, isso depende do fato que alguns critérios de qualidade
do dado (completeza, autenticidade, integridade, interoperabilidade,
reutilizabilidade18) podem ser examinados através de um ponto de vista
diferente que depende largamente do contexto no qual os dados são
validados e das finalidades específicas de cada stakeholder envolvido
no processo de publicação. Indica-se, por exemplo, o requisito da
reutilizabilidade, que tradicionalmente é identificado como uma das
qualidades fundamentais do dado.

15
MAYERNIK, Matthew S. et al., Peer Review of Datasets: When, Why, and
How. Bulletin of the American Meteorological Society, 2015, p. 11 s.
16
LAWRENCE, Bryan, Citation and Peer Review of Data: Moving Towards For-
mal Data Publication, 2011, p. 6 s.; PARSONS, Mark A. et al., Data Citation
and Peer Review. Eos, 2013, p. 297-298.
17
CANDELA, Leonardo et al., Data Journals: A Survey. Journal of the Associa-
tion for Information Science and Technology, 2015, p. 25 s.
18
Cfr. <https://www.force11.org/group/fairgroup/fairprinciples>. Acesso:
maio 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
492 | Capparelli, Bruna.

Em geral, o reuso é visto segundo duas concepções que se referem


a dois aspectos entre eles coligados:
(1) a qualidade dos metadados que facilita o reuso quando permite
de reconstruir o processo de colheita e elaboração;
(2) possível impacto para a comunidade de referência.
Ambos estes aspectos são objetos de avaliação. Simplificando, o
primeiro refere-se aos aspectos mais técnicos do dado, por outro lado, o
segundo é relativo àqueles mais propriamente científicos19.
Todavia, o reuso ligado ao impacto permanece o ponto mais
problemático a ser analisado a priori. Em geral, pode ser confirmado
pelo próprio fato de ser citado uma vez que o dado é publicado e, assim
como as outras formas de publicação, indicações sobre sua relevância
podem ser medidas calculando o número de citações recebidas. Isso entra
entre as principais métricas de avaliação em fase pós-publicação, dando
reconhecimento e crédito a quem produziu os resultados da pesquisa.
Em suma, trata-se de uma ação de coordenação e suporte à pes-
quisa, finalizada a criação de um network e plataformas, com o auxílio
de especialistas de biblioteconomia, tecnologias da informação e comu-
nicação, editores, pesquisadores.
Três são os temas centrais para o desenvolvimento da ciência
aberta: (1) open peer-review; (2) disseminação inovadora dos resultados da
pesquisa; (3) instrumentos alternativos que medem o impacto da pesquisa.
Acredita-se que estes constituem um referencial sobre os quais
analisar as transformações no sistema da comunicação científica, cuja
finalidade é:
(a) identificar mecanismos, processos e instrumentos inovadores
para o peer review aplicado a todos os resultados da pesquisa;
(b) explorar mecanismos de disseminação eficazes para o setor
educativo;
(c) analisar um conjunto de novos indicadores para a avaliação
do impacto dos resultados da pesquisa coligados aos canais de difusão.

19
CALLAGHAN, Sarah et. al., Making Data a First Class Scientific Output: Data
Citation and Publication by NERC’s Environmental Data Centres. Internatio-
nal Journal of Digital Curation, 2012, p. 9 s.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.165 | 493

Geralmente, é difícil delimitar exatamente a área do Processo


penal porque este inclui diferentes setores com autônomas tradições e
que por sua vez influenciam a metodologia e as técnicas de pesquisa. A
variedade dos dados das diferentes abordagens metodológicas e técnicas
de investigações condicionam as modalidades de descrição do dado e dos
metadados, assim como as práticas de difusão e reuso.
O Digital Curation Centre20 (DCC) desenvolveu o standard Data
Documentation Initiative21 (DDI) para a descrição dos dados da pesqui-
sa nas Ciências sociais, nas quais se insere o Direito Processual Penal,
individuando um esquema de metadados e um dicionário que facilita o
acesso, a citabilidade e a reutilização. Além disso, o DDI é inter-operável
com outros esquemas de metadados bibliográficos quais o Dublin Core22,
o Marc23 e Statistical Data and Metadata eXchange24 (SDMX). Todavia,
a difusão do DDI ainda é limitada a um número restrito de repository.
Neste setor, uma porção consistente de dados é representada
pelos dados oficiais (os big data governativos) produzidos com finalidades
diferentes daquelas propriamente científicas. Os entes governativos e os
Institutos de estatísticas nacionais, até mesmo em função das recentes
normativas (na Itália, por exemplo, a lei sobre a transparência, nos USA
ao Freedom act, no Renho Unido ao Freedom of information act), têm a
obrigação de tornar públicos os dados produzidos. Tais entes seguem
procedimentos homologados para a colheita e elaboração dos dados e
fornecem normalmente uma documentação detalhada que descreve
tanto os aspectos metodológicos quanto técnicos do dataset colocado
à disposição. Trata-se frequentemente de investigações repetidas em
intervalos regulares (tipicamente os censimentos), ou sobre temas espe-
cíficos que tendem a revelar comportamentos da população em relação
a um fenômeno. Os dados produzidos pelos Institutos de estatística

20
Digital Curation Centre: <http://www.dcc.ac.uk/>. Acesso: fevereiro 2017.
21
Data Documentation Initiative: <http://www.dcc.ac.uk/resources/metadata-
-standards/ddi-data-documentation- initiative>. Acesso: fevereiro 2017.
22
Dublin Core: <http://dublincore.org/>. Acesso: janeiro 2017.
23
Marc standards: <https://www.loc.gov/marc/>. Acesso: janeiro 2017.
24
Marc standards: <https://www.loc.gov/marc/11StatisticalDataandMetada-
taeXchange https://sdmx.org/>. Acesso: janeiro 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
494 | Capparelli, Bruna.

nacionais e internacionais estão entre as principais fontes utilizadas


pelos pesquisadores sociais para produzir novas pesquisas. Fontes cen-
tralizadas de dados, como por exemplo o UK Data Archive25, fornecem
acesso tanto a dados oficiais como àqueles produzidos para finalidades
científicas e aplicam técnicas assimiláveis de validação que sustentam
a confiabilidade do dado.
É possível afirmar que o modelo de publicação do dado nas ciên-
cias sociais permanece prevalentemente vinculado à difusão através dos
data repository e/ou das tradicionais revistas científicas, algumas das quais
requerem documentação suplementar para a descrição dos dados. Atual-
mente existe somente um único data journal no setor das ciências sociais:
“Research Data Journal (RDJ)”26, criado pelo Data Archiving and Network
Services (DANS)27 em 2016 com a finalidade de aumentar a visibilidade
dos dados depositados no arquivo e de fornecer uma documentação mais
ampla e detalhada. A revista segue o modelo do data journal em quanto
confere o DOI ao artigo e o conecta com o dataset depositado em um
dos arquivos. O seu desenvolvimento recente permite atualmente uma
análise comparativa com as experiências de outros setores disciplinares,
mas constitui sem dúvidas um produto editorial interessante e que merece
ser monitorado no futuro.
Os repository nas ciências sociais representam, portanto, as
principais fontes de acesso aos dados. Consequentemente, a qualidade
do dado é diretamente proporcional à qualidade do repository. Quanto
mais o repository aplica políticas transparentes e adota procedimentos
rigorosos no processo de cura e arquivamento dos dados, mais os dados
publicados serão de alta qualidade científica e, portanto, confiáveis
e reproduzíveis.
Essa relação é bem representada pela pirâmide dos dados no
relatório da Royal Society (2012), onde o valor do dado cresce em rela-
ção às práticas com as quais os dados são administrados e conservados.

25
UK Data Archive: <http://www.data-archive.ac.uk/>. Acesso: janeiro 2017.
26
Research Data Journal: <http://dansdatajournal.nl/ddj/>.
Acesso: dezembro
2016.
27
Data Archiving and Network Services: <https://dans.knaw.nl/en>. Acesso: de-
zembro 2016.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.165 | 495

A pirâmide apresenta quatro níveis de tipologias de data repository, na


base encontram-se as coleções individuais colocadas à disposição dos
produtores de dados; no nível subsequente se encaixam os repository
institucionais que gerem os dados das próprias pesquisas. Neste caso,
considerado que com frequência os repository institucionais gerem di-
ferentes tipologias de publicações, os procedimentos de validação são
frequentemente heterogêneos. Nos planos altos da pirâmide estão os data
center de âmbito nacional28, e o ápice é constituído pelas infraestruturas
de pesquisa a nível internacional29.
Em conclusão, Carpenter afirma que o numero dos dataset dis-
poníveis aumentou em 400% de 2011 a 2015 e algumas investigações30
parecem confirmar essa tendência. Isso ocorre especialmente quando
os editores pedem o acesso ao dado antes da avaliação entre pares. Isto
demonstra, come já afirmado por Merton, que é necessário que as nor-
mas individuais ou de comunidade encontrem uma correspondência
com aquelas das instituições. Somente esta aliança permite consolidar
boas práticas de compartilhamento de dados, que sejam universalmente
reconhecidos como bem comum31.

28
Por exemplo o Gesellschaft Sozialwissenschaftlicher Infrastruktureinrichtun-
gen (GESIS) <https://www.gesis.org/en/home/>. Acesso: janeiro 2017 e o
Swedish National Service (SNS) <https://snd.gu.se/en>. Acesso: janeiro 2017.
29
A nível europeu ver: Consortium of European Social Science Data Archives
(CESSDA Eric) <https://www.cessda.eu/>. Acesso: março 2017; a nível
internacional: Interuniversity Consortium for Political and Social Research
(ICPSR) <https://www.icpsr.umich.edu/icpsrweb/>. Acesso: março 2017.
É interessante mencionar o projeto “Data impact blog” <http://blog.ukdata-
service.ac.uk/>, acesso: abril 2017, que incentiva discussões nos blogs para
intensificar os debates, compartilhar experiências, best practice e manter a
comunidade cientifica atualizada sobre os problemas emergentes.
30
REILLY, Susan et al., Report on Integration of Data and Publications, 2011,
p. 33 s.; JENG, Wei et al., Toward a Conceptual Framework for Data Sharing
Practices in Social Sciences: A Profile Approach. In the Proceedings of the
ASIS, 2016, p. 21 s.
31
FECHER, Benedikt et al., A Reputation Economy: How Individual Reward
Considerations Trump Systemic Arguments for Open Access to Data. Palgra-
ve Communications, Nature Publishing Group, 2017, p. 17051 s.; MERTON,
Robert K., The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations.
University of Chicago Press, 1973, p. 45 s.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
496 | Capparelli, Bruna.

A recente afirmação dos data journal caminha nesta direção, por-


que estes propõem um modelo de forte colaboração entre editores dos
data journal e os gestores dos data repository acomunados pela intenção
de tornar os dados válidos e acessíveis para a comunidade científica.
A criação de novos modelos de publicação cria um efeito sobre
as diferentes componentes do sistema científico. Estes novos modelos
são propostos e experimentados dentro de específicas comunidades
científicas que, com base em suas práticas de pesquisa, se deram regras
comum para o compartilhamento de dados desenvolvendo instrumentos
como as plataformas, metadados, protocolos de validação, etc.
Acredita-se, portanto, que seja importante iniciar um debate com
relação à área do Direito Processual Penal, que analise as problemáticas de
validação do dado, privilegiando os aspectos que os tornam reproduzíveis
e replicáveis (aspectos chave em uma visão de integridade da ciência
fundamentada do principio da “duvida sistemática”) e que reflitam os
critérios acima citados de Merton. Tal integridade encontra na citação
uma ulterior forma de validação que, como sublinhado, subintende o
reconhecimento do autor e a atribuição de prioridade, a qual representa
uma verdadeira moeda da ciência.
Este editorial tem a finalidade de abrir a discussão sobre a apli-
cabilidade da revisão paritária aberta de dados da pesquisa produzidos
nas Ciências Sociais, como é o Direito processual penal, considerando as
transformações no atual cenário da pesquisa científica, cujos objetivos são:
(1) identificar mecanismos, processos e instrumentos inovadores
para o peer review aplicada a todos os resultados da pesquisa;
(2) explorar os mecanismos da disseminação inovadora para o
processo penal;
(3) analisar um conjunto de novos indicadores (altmetric) que
avaliem o impacto dos resultados da pesquisa coligando-os aos canais para
a difusão, com fim de construir o contexto global do compartilhamento dos
dados, para poder identificar os critérios selecionados pela comunidade
científica, em uma perspectiva ampla, que envolve a visão seja daqueles
que fornecem os dados seja de quem utiliza os dados.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.165 | 497

B ibliografia

CALLAGHAN, Sarah et. al., Making Data a First Class Scientific Output: Data
Citation and Publication by NERC’s Environmental Data Centres. International
Journal of Digital Curation, 2012, p. 11 s.

CALLAGHAN, Sarah et al., Processes and Procedures for Data Publication: A Case
Study in the Geosciences. International Journal of Digital Curation, 2013, p. 6 s.

CALLAGHAN, Sarah et al., Guidelines on Recommending Data Repositories as


Partners in Publishing Research Data. International Journal of Digital Curation,
2014, p. 23 s.

CANDELA, Leonardo et al., Data Journals: A Survey. Journal of the Association


for Information Science and Technology, 2015, p. 23 s.

FECHER, Benedikt et al., A Reputation Economy: How Individual Reward Consi-


derations Trump Systemic Arguments for Open Access to Data. Palgrave Commu-
nications, Nature Publishing Group, 2017, p. 17051 s.

JENG, Wei et al., Toward a Conceptual Framework for Data Sharing Practices in
Social Sciences: A Profile Approach. In the Proceedings of the ASIS, 2016, p. 21 s.

KRATZ, John Ernest; STRASSER, Carly, Researcher Perspectives on Publication


and Peer Review of Data. PLoS ONE, 2015, p. 35 s.

LAWRENCE, Bryan, Citation and Peer Review of Data: Moving Towards Formal
Data Publication, 2011, p. 6 s.

MAYERNIK, Matthew S. et al., Peer Review of Datasets: When, Why, and How.
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MERTON, Robert K., Priorities in Scientific Discovery: A Chapter in the Sociology


of Science. American Sociological Review, 1957, p. 22 s.

MERTON, Robert K., The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Inves-
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PARSONS, Mark A. et al., Data Citation and Peer Review. Eos, 2013, p. 297-298.

REILLY, Susan et al., Report on Integration of Data and Publications, 2011, p. 33 s.

WANG, Richard; STRONG, Diane, Journal of Management Information Systems,


vol. 12, n. 4, Spring, 1996, p. 5-33.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
498 | Capparelli, Bruna.

Informações adicionais e declarações do autor


(integridade científica)

Agradecimentos: A autora agradece o prof. Vinicius Vasconcellos


pela valiosa colaboração na revisão do texto do editorial.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


a autora confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste editorial.

Declaração de autoria (declaration of authorship): todas e somente


as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste editorial
estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam
integralmente por este trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): a autora assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

COMO CITAR ESTE EDITORIAL:


CAPPARELLI, Bruna. Editorial: Instrumentos e práticas de suporte para a
realização dos objetivos de Ciência aberta – Por uma revisão de dados no Direito
Processual Penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4,
n. 2, p. 485-498, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.165

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative


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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 485-498, mai.-ago. 2018.
Dossiê:
Sistemas Processuais
Penais e Imparcialidade Judicial

Dossier:
Criminal Procedure
Systems and Judicial Impartiality
Editorial dossier “Sistemas procesales penales e
imparcialidad del juez”: Imparcialidad y prueba en
el proceso penal – reflexiones sobre la iniciativa
probatoria del juez

Editorial dossier “Criminal Procedure Systems and Judicial


Impartiality”: Impartiality and evidence in criminal procedure –
consequences to judge’s evidence power

Editorial dossiê “Sistemas processuais penais e imparcialidade


judicial”: Imparcialidade e prova no processo penal –
reflexos sobre a iniciativa probatória do juiz

Lorena Bachmaier Winter1


Universidad Complutense de Madrid/Espanha
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9212-3336

Resumen: El presente trabajo pretende clarificar cuál es la relación entre


el principio de imparcialidad y la intervención del juez en la práctica
de la prueba. En otras palabras, si reconocer al juez determinadas
facultades en la práctica de la prueba atenta contra la garantía de la
imparcialidad. Se planteará si la garantía de la imparcialidad requiere
la absoluta pasividad del juez en el desarrollo del debate contradic-
torio o si, por el contrario, se trata de una exigencia derivada de una
determinada concepción del modelo contradictorio. Las respuestas
que demos a estas cuestiones incidirán directamente en la valoración
de la posición del juez en relación con la práctica de la prueba, si la
misma ha de excluirse o limitarse o, por el contrario, no afectando al

1
Professora Catedrática da Universidad Complutense de Madrid. Doutora em Di-
reito pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha) e doutora honoris cau-
sa pela Universidad San Pedro (Perú).

501
502 | Bachmaier Winter, Lorena.

principio de imparcialidad, es una cuestión relacionada con los


fines del proceso. Para ello analizará previamente el concepto de
imparcialidad y sus diversas acepciones.
Palabras clave: imparcialidad judicial; independencia; prueba;
proceso penal; sistemas procesales; sistema acusatorio; modelo
contradictorio; sistema adversarial.

Abstract: The aim of this paper is to clarify the relationship between the
principle of impartiality and the role of the judge in the trial with regard to
the evidence. In particular I will argue that recognizing certain powers to
the judge to intervene in the cross-examination of witnesses or interrogating
the defendant, does not necessarily undermine the fundamental right to an
impartial judge. It will be analyzed if the principle of impartiality does per se
justify a completely passive role of the trial judge, or rather a position of the
judge as mere spectator is a requirement of a certain understanding of the
adversarial model. To this end, I will first address the concept of impartiality
and its various meanings.
Keywords: judicial impartiality; judicial independence; criminal procedure;
models of procedure; adversarial system; accusatorial system; right to
confrontation.

Resumo: O objetivo deste trabalho é esclarecer a relação entre o princípio


da imparcialidade e o papel do juiz no julgamento no que diz respeito à
prova. Em outras palavras, se reconhecer algumas faculdades ao julgador
na produção probatória viola a garantia da imparcialidade. Se questionará
se a garantia da imparcialidade requer a absoluta passividade do juiz no
desenvolvimento do debate contraditório ou se, pelo contrário, se trata
de uma exigência derivada de uma determinada concepção do modelo
contraditório. As respostas que apresentaremos a tais questões incidirão
diretamente na valoração da posição do julgado em relação à prática da
prova, se ela deve ser excluída ou limitada, ou se não afeta a imparcialidade,
o que é uma questão relacionada aos fins do processo. Para isso, se analisará
previamente o conceito de imparcialidade e suas diversas definições.
Palavras-Chave: imparcialidade judicial; independência; prova; processo
penal; sistemas processuais; sistema acusatório; modelo contraditório;
sistema adversarial.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.169 | 503

I. I ntroducción

Es difícil exagerar la importancia de la imparcialidad como prin-


cipio integrante del concepto de justicia y, por tanto, de la función juris-
diccional. De hecho, la configuración de la entera estructura del proceso,
como también la del propio estatuto jurídico de los jueces, está concebida
para garantizar a los justiciables el derecho a un juicio imparcial. Las
conductas o actuaciones que pueden suscitar dudas acerca de si el juez
está en condiciones de llevar a cabo su función de manera objetiva y
ateniéndose exclusivamente a la ley, son de muy diversa índole.
Una de las situaciones que genera mayor debate en cuanto a su
incidencia en la imparcialidad judicial —o en la imagen de imparcialidad—
es la que se refiere al rol del juez o tribunal en el debate contradictorio2 y
a su actuación en la práctica de la prueba3. Para valorar la imparcialidad
de un juez concreto, el legislador actúa de un doble modo. Por un lado,
identifica determinadas circunstancias, objetivamente determinadas, que
considera causas de abstención o recusación del juez porque representan
un riesgo para la imparcialidad o su apariencia. Por otro lado, regula el
propio modelo y estructura del proceso penal de manera que prevea,
evite, minimice o excluya que las funciones atribuidas al juez menoscaben
su posición como tercero imparcial. El presente trabajo se centra en un
concreto aspecto de este segundo modo de actuar del legislador.

2
Sobre el sistema contradictorio vid. el interesante capítulo de G. Illuminati,
“Modello processuale accusatorio e sovraccarico del sistema giudiziario”, en
el cual el autor no sólo realiza un análisis conceptual de este sistema y sus
diferencias con el sistema adversarial de los Estados Unidos, sino que además
introduce una visión realista del funcionamiento del proceso penal contra-
dictorio italiano.
3
Vid., entre otros, J. PICÓ I JUNOY, “Reflexiones en torno a la cuestionada
iniciativa probatoria del juzgador penal”,  Revista Justicia 1-1996, pp. 158-
159; J.A. DÍAZ CABIALE, Principios de aportación de parte  y acusatorio: la
imparcialidad del juez, Granada, 1996, p. 199 y ss. En la doctrina brasileña:
M. ZILLI. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal. São Paulo, 2003;
V. VASCONCELLOS. O ‘Sistema Acusatório’ do Processo Penal Brasileiro:
Apontamentos Acerca do Conteúdo da Acusatoriedade a partir de Decisões
do Supremo Tribunal Federal. Direito, Estado e Sociedade, n. 47, p. 181-204,
jul./dez. 2015; J. COUTINHO. O papel do novo juiz no processo penal. In: J.
COUTINHO (coord.). Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio
de Janeiro, 2001.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
504 | Bachmaier Winter, Lorena.

Antes de entrar en materia, conviene recordar algo bien conocido


pero no pocas veces soslayado en la práctica. La garantía de la impar-
cialidad no persigue cuestionar en cada caso la capacidad de jueces y
magistrados para mantener un distanciamiento emocional de los asuntos
que son llamados a decidir; ni tampoco poner en duda su sometimiento
estricto a la ley y su voluntad de aplicar la ley en términos de igualdad.
En otras palabras, no se trata, con las medidas de garantía de la impar-
cialidad, de hacer un juicio moral implícito sobre la persona del juez.
Por ello, verificar la existencia de una causa que afecta a la imparcialidad
judicial no equivale a una afirmación de parcialidad de un juez concreto,
sino que implica simplemente constatar que quizás “puede temerse que
sea iudex suspectus”4.
Como ya he indicado, la delimitación legal de las funciones del
juez en el desarrollo del proceso debe tener por finalidad, entre otras,
lograr que dichas funciones sean ejercidas con las máximas garantías de
imparcialidad, y también que esa imparcialidad se vea reflejada exter-
namente. Es decir, que el juez no sea parte en el propio enjuiciamiento
y tampoco sea percibido como tal. A ello se encaminan precisamente
el modelo acusatorio con dualidad de partes; la no iniciación del pro-
ceso por parte del juez (nemo iudex sine actore); o el derecho al juez
no prevenido, que impide la coincidencia de la función de instruir o
investigar y de juzgar en la misma persona, esto es, que quien instruye
o investiga no asuma posteriormente las funciones de juzgar. Todo esto
es bien conocido y, en la medida en que existe consenso en cuanto a su
importancia para la configuración del proceso penal, no es necesario
analizarlo aquí de nuevo.
Sí hay, en cambio, una cuestión concreta que sigue siendo con-
trovertida, tanto por parte de la doctrina como de la jurisprudencia: la
relativa a la intervención del juez penal en relación con la prueba. Lo
que en sustancia se discute es si la imparcialidad requiere la absoluta
pasividad del juez en el desarrollo del debate contradictorio; es decir, si
su intervención en ese debate con el fin de aclarar los hechos, cuestionar
la veracidad de las declaraciones o valorar la credibilidad de los testigos,

4
Así la sentencia del Tribunal Supremo (STS) español de 21 de octubre de
1986 (RAJ 5714).

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
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implica no sólo una quiebra de la concepción del modelo contradictorio


sino también de la propia garantía de imparcialidad.
En torno a esta cuestión, precisamente, se ha elaborado el presente
trabajo, que pretende clarificar si reconocer al juez determinados poderes
de intervención en la práctica de la prueba atenta contra la garantía de la
imparcialidad. ¿Puede el juez formular preguntas a los testigos o interrogar
al acusado sin perder su imparcialidad? ¿Entrañaría tal actuación riesgos
para la imparcialidad del tribunal o para su apariencia? ¿Puede quizás
afirmarse que la defensa a ultranza de que el juez ha de mantener una
actitud pasiva se basa en una cierta concepción del modelo acusatorio
más que, en rigor, en la garantía de la imparcialidad? Las respuestas que
demos a estas cuestiones incidirán directamente en cómo se configure
la posición del juez en relación con la práctica de la prueba, y por tanto
en qué medida ha de excluirse o limitarse su intervención en la misma
durante el desarrollo del juicio oral.
Es bien conocido que, en materia de imparcialidad judicial, existe
una abundante literatura jurídica, tanto desde la perspectiva procesal
como del derecho constitucional y la filosofía del derecho. Naturalmente,
sería innecesario, por reiterativo, abordar aquí el análisis del fundamento
constitucional o de la relevancia de la imparcialidad para la función juris-
diccional. Pero es inevitable que, para responder a las cuestiones antes
mencionadas, partamos de un concepto de imparcialidad relativamente
perfilado. A ello dedicaré el siguiente epígrafe, que, aunque extenso, en
realidad trata de sintetizar una temática de enorme complejidad5.
A continuación argumentaré que la intervención del juez en
el debate contradictorio con objeto de clarificar los hechos aportados
por las partes en el juicio oral, a mi entender, no tiene necesariamente
que desterrarse por motivos basados en el derecho a un juez imparcial;

5
En este trabajo me limito a abordar la imparcialidad que se exige a los jueces
profesionales, siendo conscientes de que muchas de las afirmaciones pueden
verse moduladas en relación con el tribunal del jurado formado por ciudada-
nos legos, en los que el sexo o la raza pueden, en determinadas circunstan-
cias, ser invocados como causas de recusación de los miembros de alguno de
los miembros. Acerca de la imparcialidad de los miembros del jurado, vid. en
general, E. VALLINES GARCÍA, Instrumentos para garantizar la imparcialidad
e independencia de los jurados, Cizur Menor, 2008, pp. 26 y ss.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
506 | Bachmaier Winter, Lorena.

y que tampoco la noción de un juez más “inquisitivo”, de por sí, incide


negativamente en la imagen de imparcialidad. No abordaré el alcance
del contradictorio en la fase de instrucción que será objeto de análisis
en otro articulo del dossier.6

II. L os perfiles esenciales de la imparcialidad

1. Aproximación a un concepto complejo: objetividad, neutralidad,


parcialidad e independencia

La imparcialidad es un principio nuclear de la impartición de


justicia, sin cuya existencia no puede hablarse propiamente de un proceso
judicial7. Con razón afirma Goldschmidt que resulta extraño que no se
la incluya siempre entre los principios fundamentales del proceso, pues
“la justicia se basa en la imparcialidad de las personas que intervienen
legalmente en la resolución de la causa”8.
Como recuerda Rawls, el núcleo del concepto mismo de justicia
es la fairness, que implica imparcialidad o equidad, requiere la eliminación
de distinciones arbitrarias y, por tanto, está estrechamente ligada a la
igualdad9. Si esto es aplicable al concepto de imparcialidad en abstracto,
también lo es al proceso, que será justo si es imparcial, y por tanto si
satisface los principios que cada una de las partes podrían proponerse
recíprocamente y aceptar mutuamente10.

6
Al respecto vid. el capítulo de S. RUGGERI, en este mismo volumen, “Equa-
lity of arms, impartiality of the judiciary and the role of the parties in the
pre-trial inquiry: the perspective of the Italian criminal justice”. Aunque se
centra en el proceso italiano y su evolución, el análisis de los principios tiene
validez general.
7
Entre otros, M. CAPPELLETTI, “Fundamental Guarantees of the parties in
the civil proceedings (General Report) Cappelletti, en Fundamental Guaran-
tes (con D. Tallon), Milano 1972, p. 664 . En igual sentido S. COTTA, “L’isti-
tuzione giudiziaria tra diritto e politica”, Riv. Diritto Civ., 1984-I, pp. 430 y ss.
8
W. GOLDSCHMIDT, “La imparcialidad como principio básico del proceso”,
Rev. Dcho. Proc., 1950-2, pp. 186-187.
9
J. RAWLS, A Theory of Justice, Oxford 1999 (revised ed.), pp. 10 y ss.
10
Ibidem, pp. 47 y ss.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
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Tan trascendente es esta “exigencia básica del proceso debido”


que “sin juez imparcial no hay propiamente proceso jurisdiccional"11.
La imparcialidad se considera inmanente al propio concepto de juez12,
según lo refleja la máxima nemo judex in causa sua. Expresivamente lo ha
indicado el Tribunal Constitucional español al afirmar que “la nota de im-
parcialidad forma parte de la idea de juez en la tradición constitucional”13.
La imparcialidad aparece con frecuencia unida a la independencia
en los instrumentos internacionales, en los cuales se alude al derecho a
“un juez independiente e imparcial” (e-g- art. 6.1 CEDH). Independen-
cia e imparcialidad son dos principios diferentes pero estrechamente
vinculados y complementarios. La independencia judicial excluye toda
subordinación o dependencia respecto de otros poderes del Estado, y
también respecto de cualquier criterio distinto del que se establece en
la ley14. Pero la independencia tiene en realidad carácter instrumental:
no constituye un fin en sí mismo, sino que se justifica en la medida en
que sirve a la realización del derecho y a la paz jurídica de forma impar-
cial15. Esta conexión intrínseca entre independencia judicial y realiza-
ción del principio de legalidad aparece reiteradamente en la doctrina,
tanto constitucionalista como procesalista16. Y, si no está garantizado

11
Así, entre otras SSTC 60/1995, de 8 de mayo; 11/2000, de 17 de enero; y
151/2000, de 13 de junio. Vid., L. BACHMAIER, Imparcialidad judicial y liber-
tad de expresión de Jueces y Magistrados. Las Recusaciones de Magistrados del
Tribunal Constitucional, Cizur Menor, 2008, p. 19.
12
R. JIMÉNEZ ASENSIO, Imparcialidad judicial y derecho al juez imparcial, Cizur
Menor 2002, pág. 59.
13
STC 162/1999, de 27 de septiembre.
14
Así, por ejemplo, en los “Principios básicos relativos a la independencia de la
judicatura”, adoptados por el Séptimo Congreso de las Naciones Unidas sobre
Prevención del Delito y Tratamiento del Delincuente, celebrado en Milán del
26 de agosto al 6 de septiembre de 1985, y confirmados por la Asamblea Ge-
neral en sus resoluciones 40/32 de 29 de noviembre de 1985 y 40/146 de 13
de diciembre de 1985.
15
Así, por ejemplo, F. BAUR, Justizaufsicht und richterliche Unabhängigkeit,
Tübingen 1954, p.17. Sobre esta conexión en relación con el TPI, vid. más
adelante el trabajo de A.BELTRÁN MONTOLIU, “Imparcialidad judicial y ac-
tividad probatoria en la Corte Penal Internacional”.
16
Entre otros vid., D. SIMON, La independencia del Juez (trad. de C. Ximéne-
z-Carrillo), Barcelona 1985, p.10; J.L. REQUEJO PAGÉS, Jurisdicción e inde-
pendencia judicial, Madrid 1989, p. 116; J. MONTERO AROCA, Independencia

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el principio de legalidad, tampoco lo estará el de la imparcialidad y el


de la igualdad ante la ley.
Por otro lado, hay una clara relación entre la imparcialidad y el
derecho al juez legal o derecho al juez predeterminado por la ley17: la
predeterminación legal del órgano judicial constituye una garantía de la
independencia y de la imparcialidad judicial18.
Con frecuencia, la primera aproximación al concepto de impar-
cialidad se centra en la exigencia de que el juez no sea parte en el pro-
ceso, que sea un tercero ajeno a la disputa: un tercero que no sea parte
en el conflicto y que ocupe una posición trascendente respecto de las
partes19. Junto a ello se destaca que la imparcialidad exige que el juez en
su decisión no tome partido a favor de ninguna de las partes. Es decir,
que sea ajeno a los intereses de las partes: lo que la doctrina italiana ha
denominado terzietà o estraneità del giudice nei confronti degli interessi in
causa20, traducido como desinterés objetivo. Ello significa que no tenga
relaciones con ninguna de las partes y que no realice actos que pongan

y responsabilidad del juez, Madrid 1990, p. 119; J.F. LÓPEZ AGUILAR, La jus-
ticia y sus problemas en la Constitución: justicia, jueces y fiscales en el Estado
Social y Democrático de Derecho, Madrid 1996, p.112 y ss.; I. VALLDECA-
BRES ORTIZ, La imparcialidad del Juez y medios de comunicación, Valencia
2004, pp. 127 y ss.
17
Vid. STEDH Moiseyev v. Russia, Appl. No. 62936/00, de 9 de octubre de 2008.
18
El principio de predeterminación legal tiene su origen en el sistema penal de
las monarquías absolutas, contra el sistema de delegaciones y avocaciones
y como reivindicación de estabilidad de los jueces. Con la implantación de
un sistema de división de poderes, la predeterminación legal adquiere sig-
nificación como garantía de la independencia de los jueces. Vid. I. VALLDE-
CABRES ORTIZ, ob.cit., p. 140. Vid. también: G. BADARÓ. Juiz Natural no
Processo Penal. São Paulo: RT, 2014.
19
Así, por ejemplo, las SSTC 44/1985, 137/1994 y 60/1995. Vid. también, entre
otros, J. MONTERO, Sobre la imparcialidad del juez y la incompatibilidad de fun-
ciones procesales, Valencia 1999, pp. 186-187.
20
Vid. P. CALAMANDREI, Processo e democrazia, Padova 1954, p. 69. En el
mismo sentido A. ARIAS DOMÍNGUEZ, La abstención y la recusación de jue-
ces y magistrados, Madrid 1999, p. 29, “que sus intereses no concurran con
ninguna de las partes antagónicas del conflicto”. J. MONTERO AROCA, ob.
ult. cit., p. 187, citando a Wach, señala que además de no ser parte, la impar-
cialidad implica que “el juez no sirve a la finalidad subjetiva de alguna de las
partes en un proceso.”

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de manifiesto una previa toma de posición respecto del asunto llamado


a decidir.21 Dicho de otro modo: una actitud de neutralidad.
La diversidad de acepciones y notas características que se
atribuyen a la imparcialidad se refleja tanto en la doctrina como en la
jurisprudencia22.
A título de ejemplo, y sin ánimo de exhaustividad, la imparcia-
lidad se ha definido: como un requisito de idoneidad23; de legitimación
del juez24; si concurre una causa de abstención o recusación, como un
supuesto excepcional de falta de legitimación del juez25; como una cualidad
inseparable a la idea de juez26; como una de las garantías más firmes de
una decisión justa incluida dentro del derecho al proceso debido27; como
una manifestación de la independencia judicial en el caso concreto28;
como una actitud29; como un estado de ánimo según el cual el juez a la
hora de juzgar deja al margen cualquier consideración subjetiva; como
objetividad consistente en la vocación de ser fiel a la ley y a los valores
del ordenamiento jurídico30; como neutralidad, desinterés, ajeneidad o
como actitud de rectitud.
Si vamos a un contexto jurídico muy diferente, como es el nortea-
mericano, observamos posiciones similares en materia de imparcialidad
y neutralidad. Así, el Model Code of Judicial Conduct de la American Bar
Association afirma que el término imparcialidad denota ausencia de

21
Sobre esto, en la doctrina brasileña: A. MAYA. Imparcialidade e Processo Penal
da Prevenção: da competência ao juiz das garantias. Rio de Janeiro, 2011.
22
Vid. L. BACHMAIER, op. cit., pp. 20-21.
23
F. CARNELUTTI, Diritto e processo. Trattato del processo civile, Napoli 1958,
p. 74.
24
F. CARNELUTTI, Sistema di diritto processsuale civile, t. IV, Padova 1936, p.
183; V. GIMENO SENDRA, “Poder judicial, potestad jurisdiccional y legiti-
mación de la actividad judicial”, Rev. Dcho. Proc., 1978, p. 336 y ss.; R. SERRA
CRISTÓBAL, La libertad ideológica del juez, Valencia 2004, pp.27 y ss.
25
C. FARANDA, La capacità del giudice, Milano 1958, pp. 42-43.
26
P. CALAMANDREI, Proceso y democracia, Buenos Aires 1960, p. 60.
27
I. ESPARZA LEIBAR, El principio del proceso debido, Barcelona 1995, p. 216.
28
Así A. ARIAS DOMÍNGUEZ, La abstención y la recusación de jueces y magistra-
dos, Madrid 1999, p. 42.
29
J. L. REQUEJO PAGÉS, Jurisdicción e independencia judicial, Madrid 1989, p. 167.
30
E. FAZZALARI, “La imparzialità del giudice”, Riv. Dir. Proc., 1972, p.195.

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prejuicio a favor o en contra de una parte en particular o de una clase de


partes, así como mantener una mente abierta respecto de las cuestiones
que pueden llegar a serle planteadas al juez31.
Por lo que se refiere al Tribunal Europeo de Derechos Huma-
nos (TEDH), en numerosas sentencias se equipara la imparcialidad a
objetividad y neutralidad, y se señalan como características esenciales
la ausencia de prejuicios y de parcialidad32. La definición del TEDH es
deliberadamente genérica y amplia, pero se concreta a través de los
sistemas de control de la garantía en cada caso concreto. En todo caso,
definir la imparcialidad como ausencia de parcialidad obliga a analizar
qué significa la “parcialidad” en el contexto procesal.
Se entiende que existe parcialidad cuando el juez, en el desar-
rollo del proceso o en su decisión, favorece o tiende a favorecer a una
de las partes sobre la base de argumentos ajenos al proceso y distintos
de la aplicación del derecho objetivo, atentando así contra el principio
de igualdad. Es decir, cuando toma partido por una de las partes por
influencia de circunstancias subjetivas y ajenas al caso. Visto desde la
perspectiva opuesta, la imparcialidad reclama que la decisión judicial se
funde exclusivamente en las circunstancias objetivas del caso conforme
a derecho, sin interferencias ajenas, sobre la base de las actuaciones
realizadas en el proceso. Además, la imparcialidad excluye la existencia
de una previa disposición de ánimo en el juez que le haga inclinarse a
favorecer —o perjudicar— a una de las partes33.

31
ABA Model Code of Judicial Conduct 2007: “Impartial,” “impartiality,” and
“impartially”mean absence of bias or prejudice in favor of, or against, par-
ticular parties or classes of parties, as well as maintenance of an open mind
in considering issues that may come before a judge. See Canons 1, 2, and 4,
and Rules 1.2, 2.2, 2.10, 2.11, 2.13, 3.1, 3.12, 3.13, 4.1, and 4.2. Accesible en:
https://www.americanbar.org/content/dam/aba/migrated/judicialethics/
ABA_MCJC_approved.authcheckdam.pdf
32
Entre otras vid., Piersack v. Belgium de 1 de octubre de 1982; Hauschildt v.
Denmark, de 24 de mayo de 1989; Nortier v. Neatherlands, de 24 de agosto
de 1993; Ferrantelli and Santangelo v. Italy, de 7 de agosto de 1996; Buscemi
v. Italy, de 16 de septiembre de 1999; McGonnell v. United Kingdom, de 8 de
febrero de 2000; Morel v. France, de 6 de junio de 2000; Ranson v. United
Kingdom, de 2 de septiembre de 2003 ; Kyprianou v. Cyprus de 27 de septiem-
bre de 2004.
33
Vid. J. RIEDEL, Das Postulat der Unparteilichkeit des Richters, Berlin 1980.

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Son dos, por tanto, los elementos que, en principio, permiten


identificar una actuación parcial34: 1) la influencia de elementos subjetivos
y ajenos al caso en el desarrollo del proceso o en la decisión judicial; y
2) que, sobre la base de esos elementos, se confiera o tienda a conferir
un trato desigual a las partes al margen del estricto sometimiento a la
ley. Por otra parte, para diferenciar una actuación parcial de una mera
infracción procesal que favorece a una de las partes, ha de atenderse a
la actitud interna del juez, proclive a un tal trato de favor. En la práctica,
para evitar difíciles averiguaciones, y una prueba aún más difícil, sobre
el motivo que fue causa de la actuación procesal, lo determinante será
cómo se perciba externamente tal actuación del juez.
De lo expuesto hasta ahora podríamos concluir que los tres ele-
mentos característicos de una actuación parcial son: el ánimo interno del
juez, la incidencia de elementos ajenos al proceso, y la consecuencia de
tender a favorecer a los intereses de alguna de las partes35.
Por lo demás, el hecho de que el juez sea consciente o no de su
tendencia o predisposición a favorecer a una de las partes no es decisivo
para que se aprecie una actuación parcial36.

2. Imparcialidad objetiva, imagen de imparcialidad y estructura del proceso

El Tribunal Europeo de Derechos Humanos, desde la sentencia


Piersack37, y asumiendo una clasificación existente en la jurisprudencia
de los tribunales del Reino Unido (análoga a la distinción entre actual bias

34
Vid. L. BACHMAIER, op. cit., p. 23.
35
Así J. RIEDEL, ob. cit. p. 20; R. JIMÉNEZ ASENSIO, Imparcialidad judicial y
derecho al Juez imparcial, cit., p. 71.
36
Así sucede, por ejemplo, cuando existen prejuicios de los cuales el propio
juez no es consciente, pero que constituyen una posición o convicción in-
terna que, al margen de los elementos objetivos del caso, le hacen tender
a beneficiar o perjudicar a una de las partes. Vid. C. STEMMLER, Befange-
nheit im Richteramt. Eine systematische Darstellung der Ausschließungs- und
Ablehnungsgründe unter Berücksichtigung des gesetzlichen Richters als mate-
rielles Prinzip, Tübingen 1975, pp. 99 y ss.
37
Piersack v. Belgium, de 1 de octubre de 1982.

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y apparent bias38), se ha referido a la imparcialidad subjetiva y objetiva.


Para el Tribunal de Estrasburgo, la aproximación subjetiva a la impar-
cialidad se centraría en la conducta del juez en el caso concreto, con el
fin de determinar si tiene un prejuicio real, averiguar sus convicciones
personales, y analizar su actitud personal frente al asunto39.
Frente a esta dimensión subjetiva, el control de la dimensión objetiva
de la imparcialidad tomaría en cuenta no tanto los posibles prejuicios del juez,
sino las circunstancias del caso, con el fin de analizar si ofrecen garantías
suficientes para excluir legítimas sospechas de parcialidad40. El análisis de
la dimensión objetiva no cuestiona la actitud del juez ni su integridad, sino
que se centra en determinar si un concreto juez por razón de sus funciones,
su situación, o sus relaciones o intereses respecto de las partes o del objeto
del proceso, puede generar dudas objetivas acerca de la imparcialidad.
A este respecto, es importante no olvidar que la propia estructura
del proceso es la garantía básica de la imparcialidad. Su configuración
legal ha de posibilitar que la imparcialidad sea efectiva, que no permita
que una de las partes se vea favorecida frente a la otra, que el debate sea
justo41. Cuando no sucede así, la igualdad podría verse comprometida
(aunque ello no constituya de suyo y necesariamente una actuación
parcial). Asimismo, basta con que las circunstancias externas o la pro-
pia estructura del proceso generen un riesgo objetivo para cuestionar la
existencia real de imparcialidad, pues no sólo es importante evitar que
algún juez sea parcial, sino también que el ciudadano pueda confiar en
que la justicia se aplicará en su caso de manera imparcial.
Se advierte así que la valoración objetiva de los hechos que pue-
den menoscabar la imparcialidad judicial está en estrecha relación con la

38
Vid. G. SLAPPER and D. KELLY, Sourcebook on the English Legal System, Lon-
don 2001, pp. 564-565.
39
Entre otras, vid., Hauschildt v. Denmark, de 2 de mayo de 1989, Thoman v.
Switzerland, de 10 de junio de 1996, Ferrantelli and Santangelo v. Italy, de 7 de
agosto de 1996. Vid. también M. KUIJER, The Blindfold of Lady Justice. Judicial
Independence and Impartiality in Light of the Requirements of Article 6 ECHR,
Leiden 2004, pp. 303-306; K. REID, A practitioner’s Guide to the European
Convention on Human Rights, London, 2008, p.130.
40
Entre otras, De Cubber v. Belgium, de 26 de octubre. Vid. K. REID, ob.cit., p.130.
41
Vid. STC 151/2000, de 13 de junio.

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idea de que la apariencia de imparcialidad es necesaria para la confianza


del ciudadano en la justicia; y que, por ello, la imagen de imparcialidad
judicial debe protegerse como un valor esencial de la propia sociedad.
Es lo que transmite la máxima inglesa de que no sólo es importante que
se haga justicia sino que se vea esa justicia42. En la misma dirección, el
TEDH ha sostenido reiteradas veces que las apariencias son relevantes,
porque está en juego la confianza que, en una sociedad democrática, los
ciudadanos deben tener en sus tribunales de justicia43. La imparcialidad
está directamente conectada con la imagen del poder judicial como ins-
titución y es esencial para la legitimidad de la justicia en general y del
Estado en particular44.
Pese a todo, lo cierto es que, la diferenciación entre las dimen-
siones subjetiva y objetiva no tiene demasiada relevancia práctica: la
garantía de la imparcialidad opera de ordinario sobre causas que se ya
han sido objetivadas, bien por la ley o por la jurisprudencia, presumien-
do que inciden —o pueden incidir— en el ánimo o actitud del juzgador.
Todo lo anterior podría llevar a la conclusión de que lo impor-
tante, en relación con el desarrollo de la función jurisdiccional, es la

42
R. v. Sussex Justices ex p McCarthy: “it is of fundamental importance that jus-
tice must not only be done but should manifestly and undoubtedly be seen
to be done”. La distinción entre el aspecto subjetivo y objetivo de la impar-
cialidad, también fue asumida por el Tribunal Constitucional español, pero
dándole un significado diferente, al distinguir entre las causas que afectan
a las relaciones con las partes —dimensión subjetiva— y las que afectan a
las relaciones con el objeto del proceso —dimensión objetiva—. La diversa
acepción asumida por el Tribunal Constitucional y el TEDH, lejos de contri-
buir a clarificar la noción de imparcialidad ha sido fuente de confusiones o
malentendidos. R. JIMÉNEZ ASENSIO, Imparcialidad judicial y derecho al juez
imparcial, cit., p. 198.
43
En numerosas sentencias del TEDH se repite —casi siempre de manera lite-
ral— la misma afirmación: “(…) even appearances may be of certain impor-
tance. What is at stake is the confidence which the courts in a democratic
society must inspire in the public”.
44
Vid. el Informe 18(2015) del Consejo Consultivo de Jueces Europeos del
Consejo de Europa “La posición del poder judicial y su relación con los de-
más poderes del Estado en una democracia moderna” de 16 de octubre de
2015, accesible en: http://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Temas/Relacio-
nes-internacionales/Relaciones-internacionales-institucionales/Europa/
Consejo-Consultivo-de-Jueces-Europeos

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apariencia de imparcialidad; y que lo mismo debería predicarse respecto


a la estructura del proceso y los poderes de actuación del juez45. A mi
modo de ver, no cabe duda de que, para garantizar una decisión basada en
justicia, lo que importa es la imparcialidad real y no su mera apariencia.
Pero, como ya he señalado antes, normalmente esa garantía puede llevarse
a cabo de manera preventiva sólo centrándose en las apariencias, es decir,
mediante la presunción de que ciertos hechos pueden ser considerados
a priori como factores de riesgo para la imparcialidad. No olvidemos
que la imparcialidad es característica que ha de tutelarse respecto de la
propia administración de justicia en el conjunto de sus instituciones, y
no sólo respecto de la actuación —y actitud— de un juez ante un caso
concreto. La confianza en la justicia es decisiva para la seguridad de todo
el ordenamiento jurídico, y por ello la imparcialidad judicial adquiere
un significado trascendental para el conjunto del sistema institucional46.

3. Los factores subjetivo-personales del juez y la diferencia con la quiebra


de la imparcialidad

Antes he definido la actuación imparcial como aquella en la que


el desarrollo del proceso y la decisión judicial se basan en la estricta
aplicación de la ley, sin que incidan elementos subjetivos ajenos al ob-
jeto del proceso a favor o en contra de una de las partes. Esa definición,
sin embargo, requiere ser matizada, pues toda sentencia judicial, en la
medida en que es la expresión de un quehacer humano, está influida por
elementos subjetivos y en ella se refleja de manera más o menos intensa
la personalidad del juez47.

45
En este sentido el Magistrado De Meyer en su voto particular en el caso Pa-
dovani v. Italy, de 26 de febrero de 1993, ha llegado a expresar en relación con
la imparcialidad judicial que quizás se estaba dando más importancia a las
apariencias que a la propia realidad.
46
Así, R. JIMÉNEZ ASENSIO, ob.cit., p. 72. Imparcialidad en este contexto ins-
titucional se refiere a la neutralidad que los jueces —y por tanto la institución
que representan— deben mantener frente a los demás poderes del Estado,
puesto que esa falta de neutralidad minaría la requerida confianza de la so-
ciedad en el poder judicial
47
L. BACHMAIER, op. cit., p. 31. Así también R. JIMÉNEZ ASENSIO, ob. cit.,
p. 89.

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Toda aplicación de la ley requiere una labor de interpretación


y valoración, que se manifiesta con más intensidad en supuestos de
lagunas legales, de aplicación de normas generales, o ante normas que
expresamente confieren al juez un margen de decisión discrecional48.
Las normas deliberadamente abiertas confieren flexibilidad a las leyes
en una sociedad cambiante y permiten que el juez adapte la regulación
a las circunstancias concretas en cada situación y momento. A medida
que la ley deja mayor margen de discrecionalidad, pierde objetividad y
se relativiza con un elemento subjetivo que podría ir en detrimento de
la neutralidad judicial, así como en el distanciamiento del juez del caso
concreto y de las partes del proceso49. En otras palabras, mientras más
amplio es el ámbito de discrecionalidad judicial, mayor es el riesgo de que
en la decisión del juez influyan elementos externos a favor o en contra
de alguna de las partes.
El elemento valorativo también está presente en el desarrollo
del proceso, por lo que en todo juicio jurisdiccional influyen factores
individuales y sociales de diversa índole que, en conjunción con lo dis-
puesto en la ley, conformarán la decisión judicial50. Como dijo en su día
Carnelutti citando a Capograssi, garantizar una objetividad total sólo
sería posible si el juez estuviera “assente”, en el sentido de que no tuviera
conocimientos de ningún tipo que provocaran una predisposición51; en
la medida en que uno está “presente”, toma conocimiento de los hechos,
se involucra en ellos e irremediablemente tiende a participar a favor o
en contra de una de las partes52.

48
En igual sentido M. KUIJER, ob.cit., p. 315.
49
Así K.A. BETTERMANN, “Vom Sinn und von den Grenzen der richterlichen
Unabhängigkeit”, en Die Unabhängigkeit des Richters, Köln, 1969, p. 53.
50
O. BACHOF, Grundgesetz und Richtermacht, Tübingen 1959, p. 35; R. WAS-
SERMANN, Die richterliche Gewalt. Macht und Verantwortung des Richters in
der modernen Gesellschaft, Heidelberg 1985, pp. 159 y ss.
51
F. CARNELUTTI, ob. cit., pp. 75-76: “Un nostro grande filosofo del diritto
diceva che il giudice, rispetto a ciò che gli si chiede di giudicar, deve essere,
in principio, assente, volendo dire non tanto che non ne sa quanto che non ne
deve sapere nulla, una tabula rasa.”
52
Idem., “Il vero è che nessuno di noi può assistere ai fatti altri, che vuol poi
dire mescolarsi alla vita degli altri, senza proteggiate o, almeno, se vogliamo
trovare un verbo più discreto, senza sbilanciarsi.”

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Es en efecto mucho más realista partir de que todo juez es un ser


humano con sus convicciones, sentimientos y creencias, y que no puede
operar como una suerte de máquina de administrar justicia desprovista
de emociones y que, por tanto, no existe un pronunciamiento judicial
que sea objetivo en términos absolutos. El ordenamiento jurídico parte
de la realidad de que la personalidad del juez está marcada por múltiples
factores, por más distanciamiento emocional que mantenga con el asunto
que es llamado a decidir, y no obstante la ausencia de un interés concreto
en el resultado del proceso. Son los denominados elementos estructurales
de la personalidad, también llamados elementos subjetivo-personales o
condicionamientos sociales e ideológicos.
La proximidad entre estos elementos subjetivo-personales y la
parcialidad es evidente. Los elementos estructurales de la personalidad del
juez no pueden considerarse como elementos ajenos a las circunstancias
del proceso y por tanto su presencia no puede calificarse como contraria
a la garantía de la imparcialidad53. Están implícitos en la propia función
jurisdiccional y el juez no puede prescindir de los mismos al elaborar su
juicio. La función de aplicar el derecho, la elección de la norma aplicable, y
la interpretación jurídica conllevan un margen de discrecionalidad, que en
muchos casos no sólo está admitida y prevista legalmente, sino que resulta
necesaria. En ese margen de elección, que es consustancial al desarrollo
de la función jurisdiccional, inevitablemente inciden las propias concep-
ciones de la persona del juez, y el hecho de que su elección perjudique a
una de las partes no significa que esa opción sea una decisión parcial54.
La existencia de un interés general en la materia a decidir es uno
de los elementos que pueden configurar la estructura subjetivo-personal
del juez, sus simpatías y antipatías o su tendencia a favorecer o perjudicar
la posición de una de las partes. Por ejemplo, aquellos casos en que el juez

53
J. RIEDEL, ob. cit., pp. 31 y ss.
54
J. RAWLS, Justicia como equidad, Madrid 1999, pp. 62-63, quien en relación
con el juez moral afirma que ha de “de considerar las cuestiones con mente
abierta y, en consecuencia, aunque pueda tener ya formada una opinión sobre
un problema, estar siempre dispuesto a reconsiderarla a la luz de ulteriores
pruebas y razones”; y que ha de conocer sus propias preferencias emocionales,
intelectuales y morales, para tenerlas en cuenta a la hora de valorar los pros y
contras de cualquier cuestión sin desconocer “las influencias que el prejuicio y
la predisposición ejercen incluso en sus más sinceros esfuerzos por anularlas”.

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en su condición de ciudadano particular se encuentre en una posición


semejante a la que ocupa una de las partes. Esa proximidad con su propia
experiencia personal puede producir que el juez se interese más por el
asunto concreto y que, como consecuencia de su propia percepción y
sistema de valores, vea con más simpatía una posición que la contraria.

III. El juez como tercero no parte y la práctica de la prueba

Como ya he señalado, en el postulado de la imparcialidad en-


contramos una concreción del principio de igualdad, de igualdad de los
ciudadanos ante el Juez y de igualdad en la aplicación del derecho. La im-
parcialidad constituye, por tanto, una manifestación concreta del principio
constitucional de igualdad55. La ausencia de parcialidad implica que los
justiciables reciban por parte del Juez un trato de igualdad, no en un mero
sentido formal, sino también en un sentido material; que a ambas partes
les sea aplicada la ley en igualdad de condiciones y que el Juez no realice
distinciones en función de situaciones o datos no contemplados en la ley,
para lo cual el proceso debe articularse de tal forma que se minimicen los
riesgos de posible influencia de elementos externos que aparten al Juez de
la aplicación del derecho sin influencias externas contrarias a la igualdad.
La exigencia básica para garantizar la imparcialidad es la de que
el Juez no sea parte: nemo iudex in causa sua. El concepto de imparcia-
lidad aparece inescindiblemente vinculado a la exigencia de que el Juez
no sea parte en el proceso. No ser Juez en la propia causa es un principio
irrenunciable del proceso y, como señalan los ingleses, “the maxim that
no man is to be judge in his own cause should be held sacred”56.
Pero, ¿qué se entiende por “no ser parte”? La exigencia de “no ser
parte” como premisa de la imparcialidad, se utiliza en un sentido estricto
o formal, pero también en un sentido amplio, como tercero totalmente
ajeno a los sujetos y a la disputa que ha de resolver57.

55
Vid. J.RIEDEL, ob. cit., pp. 14 y ss.
56
S.H. BAILEY, J. CHING, M. GUNN y D. ORMEROD, Smith, Bailey & Gunn on
the Modern English System, London, 2002, p. 281.
57
Así, las SSTC 299/1994, de 14 de noviembre; 154/2001, de 2 de julio; o
38/2003, de 27 de febrero, entre otras aluden a la exigencia de que el Juez sea
un tercero ajeno a las partes y al objeto.

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518 | Bachmaier Winter, Lorena.

No ser parte, en este plano amplio, coincide con la exigencia


moral de que el Juez “no tome parte” a favor o en contra de ninguno
de los sujetos del proceso. Jurídicamente esa rectitud moral pretende
preservarse mediante un distanciamiento emocional del Juez, para lo
cual se requiere como premisa básica, pero no única, que el Juez ocupe
la posición de tercero en el proceso. La expresión “no ser parte” en este
sentido amplio implica en primer lugar no ser parte en sentido formal,
y en segundo lugar, no estar condicionado subjetivamente en la emisión
del juicio jurisdiccional. Pero, como puso de relieve Carnelutti58, un
Juez como persona humana “un uomo che non sia parte non esiste”. La
reflexión de este autor parte de reconocer que la “res iudicanda” más
que un juicio sobre una “cosa” implica “iudicare un altro uomo”, por lo
que el Juez es imposible que deje de ser parte en sentido lato, pues es un
hombre al igual que las partes del proceso.
En las definiciones de la imparcialidad suele encontrarse la re-
ferencia a dos condiciones, a la de no ser parte y a la de mantener una
actitud objetiva. En ese contexto, la exigencia de “no ser parte” se refiere
a la posición que el Juez debe ocupar en el proceso, de tal manera que
no coincida con la de las partes59. Pero, ¿intervenir en la práctica de la
prueba le convierte en parte?

1. Facultades probatorias del tribunal e imparcialidad

Una vez definido el concepto y las garantías de imparcialidad en


el proceso penal, es necesario plantearse si la misma exige que el juez se
mantenga absolutamente pasivo ante el debate contradictorio o si, por el
contrario, su intervención más o menos activa en la práctica de la prueba
en el juicio oral, es incompatible con la garantía de la imparcialidad60.

58
F. CARNELUTTI, Diritto e processo, cit., pp. 73-75.
59
En igual sentido, R. JIMÉNEZ ASENSIO, “Imparcialidad es una posición orgá-
nica o estructural de un Juez”, p. 71; A. ARIAS DOMÍNGUEZ, La abstención y
recusación de Jueces y Magistrados, cit., p. 30 es “no ser formalmente parte”.
60
El análisis de la imparcialidad judicial y la práctica de la prueba en el proceso
ante el Tribunal Penal Internacional, es objeto del trabajo de A. BELTRÁN
MONOTOLIÚ en este mismo volumen.

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Al hablar de iniciativa probatoria del juez, es necesario diferenciar


entre intervenciones de muy distinta intensidad61, desde la posibilidad de
ordenar de oficio pruebas no solicitadas por las partes, a la formulación de
preguntas a los testigos, o la intervención más leve de sugerir a las partes
que aporten determinada prueba. Si bien introducir en el proceso penal
pruebas no solicitadas por las partes podría resultar en algunos supuestos
discutible desde el punto de vista de la garantía de la imparcialidad, en par-
ticular, si el órgano juzgador llevara a cabo una búsqueda de esos elementos
de prueba, permitir que el tribunal intervenga en las pruebas personales
mediante preguntas a los testigos, peritos o al acusado, sin duda, no tiene la
misma repercusión. Es en relación con este tipo de “poderes probatorios”
de menor intensidad, respecto de los cuales me voy a pronunciar62.
A su vez ha de distinguirse entre el proceso penal de corte más
adversarial63, como es el proceso penal federal de los Estados Unidos de Nor-
teamérica (USA), de los procesos de corte continental europeo. El sistema
adversarial, que se caracteriza porque el proceso es cuestión de partes, la
posición pasiva del juez como mero espectador del debate se ha considerado
tradicionalmente como un presupuesto esencial del mismo. Siendo un pro-

61
Vid., por ejemplo, J. FERRER BELTRÁN, “Los poderes probatorios del juez
y el modelo de proceso”, Cuadernos Electrónicos de Filosofía del Derecho,
núm. 36 (2017), pp. 88-108, pp. 97-104.
62
Conviene precisar que muchos de los estudios realizados sobre la búsqueda
de la verdad y los poderes probatorios del juez se centran en el proceso civil,
como por ejemplo X. ABEL LLUCH, Iniciativa probatoria de oficio en el pro-
ceso civil, Barcelona 2005; J. PICÓ i JUNOY, El juez y la prueba. Estudio de la
errónea recepción del brocardo iudex iudicare debet secundum allegata et probata
non secundum conscientiam y su repercusión actual, Barcelona 2007; J. FER-
RER BELTRÁN, Prueba y verdad en el Derecho, Barcelona 2005; o el clásico M.
TARUFFO, La prova dei fatti giuridici: nozioni generali, Milano, 1992. Pero las
conclusiones y afirmaciones que se realizan al discutir el principio dispositivo
y el principio de aportación de parte en ese ámbito no son trasladables sin más
al proceso penal, que, al margen de cómo se configuren los poderes de cada
una de las partes en concreto, tiene en todo caso un marcado carácter inqui-
sitivo –debido al más acentuado interés público presente en la aplicación del
derecho penal–, sin poder prescindir en el mismo de la búsqueda de la verdad.
63
Sigo aquí el concepto de adversary que sigue M. DAMASKA, Evidence Law Adrift,
New Haven, 1997, p. 74: “a system of adjudication in which procedural action is
controlled by the parties and the adjudicator remains essentially passive”, siguien-
do a su vez la definición contenida en la Encyclopedia of Crime and Justice.

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520 | Bachmaier Winter, Lorena.

ceso dominado por la actuación de las partes y estando dividido el proceso


en dos casos –el de la acusación y el de la defensa–, una intervención por
parte del juez en la aportación de la prueba, podría interpretarse como un
apoyo a favor de la parte que se viera beneficiada por esa prueba64: parece
claro que la intervención del juez en el interrogatorio de testigos tiene un
impacto muy diferente en un sistema donde los testigos no son testigos “de
las partes”, sino de la causa. La posible percepción de parcialidad por parte
del juez cuando se interroga a un testigo tiende claramente a diluirse en
un sistema el cual los testigos no están vinculados a ninguna de las partes.
Aunque, obviamente, si la intervención es indistinta y unas veces apoya a
una parte y otras veces a la otra, ya no se vería necesariamente como una
inclinación de la balanza en contra de la imparcialidad.
Atribuir a las partes el control sobre la prueba no es una conse-
cuencia del principio de imparcialidad, sino que deriva de la concepción
y fines que se atribuyen al proceso penal65. Ello no obstante, aunque el
sistema de los USA haya optado por un proceso party-driven y orienta-
do fundamentalmente a la resolución de un conflicto, la ley confiere al
juez la potestad de intervenir en la cross-examination, así como ejercer
cierta iniciativa probatoria, llamando de oficio a alguno de los testigos
que considere relevante para determinar los hechos66. Es cierto que, en
la práctica, esa facultad conviene que sea ejercida con moderación, pues
de lo contrario podría verse afectada su posición neutral en el debate
contradictorio, y por tanto en la imagen de imparcialidad que deben
ofrecer en todo caso. Intervenir de manera decisiva en la práctica de la

64
Vid., M. DAMASKA, Evidence Law Adrift, cit., p. 82.
65
M. DAMASKA, The faces of justice and state authority. A comparative approach
to legal process, New Haven 1986, pp. 5 y ss.
66
Así se dispone en las US Federal Rules of Evidence. Rule 614. “Court’s Calling
or Examining a Witness. (a) Calling. The court may call a witness on its own
or at a party’s request. Each party is entitled to cross-examine the witness.
(b) Examining. The court may examine a witness regardless of who calls the
witness. (c) Objections. A party may object to the court’s calling or exami-
ning a witness either at that time or at the next opportunity when the jury
is not present.” Si bien esta intervención está prevista, también es cierto que
el juez sólo debe hacer uso de ella de forma limitada y excepcional, vid., por
ejemplo, H.H. HOBGOOD, “When should a trial judge intervene to question
a witness?”, 3 Campbell Law Rev. (1981), pp. 69-76.

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prueba, no sólo sería contrario al modelo adversarial, sino que también


podría interpretarse en ciertos casos como una inclinación a favor de la
posición de una de las partes.
Por el contrario en el proceso de corte continental europeo, al
estar más orientado al esclarecimiento de unos hechos y la determina-
ción de la responsabilidad penal de los autores, el caso no se divide en
dos, sino que persigue un fin único: buscar en la medida de lo posible la
verdad de lo sucedido67. Lo decisivo es averiguar los hechos y para ello
no es tan importante quién aporta las pruebas, siempre que se respete el
marco de licitud y el derecho de defensa68.

67
No es este el lugar para analizar las complejas cuestiones filosóficas acerca del
concepto de verdad. Asumiendo que la verdad como tal no es un fin alcan-
zable en el proceso pena, toda la estructura del proceso penal debe fomentar
una aproximación a la realidad histórica de los hechos, siempre dentro del
marco del respeto de los derechos fundamentales de los individuos. A mi
juicio, un proceso que merezca denominarse justo debe perseguir acercarse
lo más posible a la verdad de los hechos. Sobre este tema, vid. in extenso, N.
GUZMÁN, La verdad en el proceso penal. Una contribución a la epistemología
jurídica, Buenos Aires, 2006, en donde analiza en profundidad las diversas
concepciones de la verdad, los límites del proceso y, también el contradicto-
rio como método para el conocimiento de esa verdad, en particular pp. 148 y
ss. En la doctrina brasileña: G. BADARÓ. Ônus da prova no processo penal. São
Paulo, 2003. En critica a la busca de la verdad: A. LOPES JR. Direito Processual
Penal. 9ª ed. São Paulo, 2012.
68
No significa lo anterior que el modelo adversarial prescinda de la verdad,
sino que cada uno de los modelos elige un camino diferente para llegar a ella:
investigación oficial exhaustiva de todos los hechos por parte del estado o a
través de una activa investigación de cada una de las partes, aportando los
hechos y medios de prueba que fundamentan su posición. En la obtención
y aportación de la prueba es donde quizás se plasmen con mayor claridad
las diferencias entre el modelo adversarial y el históricamente denominado
modelo inquisitivo. Acerca de los diferentes modelos procesales, en particu-
lar, adversarial frente a inquisitivo, me remito a los diversos trabajos recogi-
dos en L. BACHMAIER WINTER (ed.), Proceso penal y sistemas acusatorios,
Madrid 2008. Vid. también, entre otros, M. LANGER, “In the Beginning was
Fortescue: On the Intellectual Origins of the Adversarial and Inquisitorial
Systems and Common and Civil Law in Comparative Criminal Procedure” en
B. Ackerman, K. Ambos y H. Sikiric (eds.), Visions of Justice, Liber Amicorum
Mirjan Damaska, Berlin 2016, pp. 273-299, p. 277 y ss. M. DAMASKA, “Truth
in Adjudication”, (1998) 49 Hasting Law Journal, p. 289 y ss. En la doctrina
brasileña: V. VASCONCELLOS. Sistemas Processuais Penais: as contribuições
das visões histórica e de direito comparado para o desvelamento da essência
acusatória. Revista de Estudos Criminais, v. 58, p. 127-152, 2015; M. SAAD; D.

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Por último, debe diferenciarse entre los procesos con jurado de


aquellos que se desarrollan ante un tribunal formado por jueces profe-
sionales. En el primero, no sólo debe preservarse la imagen de imparcia-
lidad, sino que debe realizarse un esfuerzo adicional para que la posición
del juez no se perciba como una suerte de guía para la formación de la
convicción acerca de los hechos en las personas que forman parte del
jurado. La posible “contaminación” del jurado proveniente del ámbito
de las propias actuaciones judiciales –y no de elementos exteriores–, se
denominan contaminaciones extrínsecas procesales. Tanto las indebidas
sugerencias por parte del ministerio público, como la introducción en el
juicio de prueba inadmisible, son considerados elementos que pueden
incidir en la imparcialidad de los jurados y por tanto, deben ser evitadas.
Es cierto que una actuación excesivamente inquisitiva por parte
del juez frente al acusado o a alguno de los testigos, podría influir en la
percepción del debate por parte del jurado y, por tanto, podría incremen-
tar el riesgo de que se vea afectada su objetividad. Ello justificaría que
el juez en ese tipo de procesos se mantenga más pasivo en el desarrollo
del debate contradictorio y en la práctica de la prueba. Ahora bien, si la
intervención del juez se limita a formular alguna pregunta para esclarecer
los hechos o clarificar las respuestas ofrecidas por los sujetos interrogados,
esa intervención no parece que debiera interpretarse como un riesgo para
la imparcialidad del jurado.
En este sentido es interesante constatar como Vallines, al argu-
mentar sobre la contaminación extrínseca procesal y extraprocesal, no
menciona en ningún momento la posible afectación de la imparcialidad
de los miembros del jurado por la actividad probatoria llevada a cabo por
el tribunal enjuiciador69.
Los argumentos que se han esgrimido para rechazar cualquier
intervención por parte del juez en la prueba en los procesos con jurado,
no serían válidos en aquellos procesos que se celebran ante un tribunal
formado exclusivamente por jueces profesionales. Sin embargo, se ha
argumentado que aunque no actúe el jurado, la intervención por parte del

MALAN. Origens históricas dos sistemas acusatório e inquisitivo. Revista dos


Tribunais, v. 842, p. 413-435, 2005.
69
E. VALLINES GARCÍA, ob.cit., pp. 28-36.

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juez en la actividad probatoria, implica favorecer la posición de una de


las partes en contra de la otra y ello rompe la necesaria neutralidad que
debe mantenerse en el debate contradictorio. Lógicamente si el proceso
se define como un conflicto entre partes, como una contienda entre ad-
versarios, cualquier intromisión supone apoyar a una parte en detrimento
de su oponente. ¿Pero significa esto que se ve afectada la garantía de la
imparcialidad judicial? ¿Pierde por ello el juez su condición de tercero
ajeno al proceso? ¿Surgen por ello dudas razonables de que no juzgará
los hechos sometido exclusivamente a la ley sin influencias indebidas?

2. La intervención en la prueba no determina una actuación parcial

A la vista de cómo se ha definido el concepto de parcialidad más


arriba –incidencia de elementos subjetivos ajenos a la ley y el proceso a
favor de una de las partes en la decisión judicial–, no parece que pueda
concluirse que una posición más activa del juez en el interrogatorio de los
testigos e incluso que llamara a declarar a alguno que figura en los autos,
incida en la imparcialidad. Si repasamos las diferentes definiciones de
la imparcialidad, con esa actuación el juez no se convierte en parte, no
abandona su posición trascedente, no denota necesariamente interés en
el resultado del proceso, no expresa un estado de ánimo ni se deja llevar
por emociones ajenas a la aplicación del derecho, ni por ello deja de ser
ajeno a la disputa o conflicto que se dirime en el proceso penal. Además,
tampoco veo cómo perjudicaría esa intervención del juez cuando completa
el interrogatorio, aclara respuestas o llama a algún testigo a la fairness del
proceso. Sólo una artificial compartimentación del hecho histórico en
dos relatos enfrentados es lo que lleva a interpretar que la intervención
del juez en el esclarecimiento de los hechos –únicos, no la versiones de
los mismos que cada parte presenta–, supone perder su imparcialidad.
Por ello, a mi juicio el argumento de la imparcialidad judicial no
exige relegar al tribunal a una posición de mudo espectador en el desar-
rollo de un proceso penal sin jurado. Es la concepción del proceso como
un trasunto entre partes la que lleva a limitar los poderes del juez, pero
no porque así lo exija el principio de imparcialidad.

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Una vez afirmado esto, es preciso matizar que, obviamente, si esa


intervención denota un prejuicio previamente establecido a favor o en
contra de una de las partes, o deja vislumbrar una anticipación del fallo,
en ese caso, sin duda, podemos hablar de una quiebra de la garantía de la
imparcialidad. Ahora bien, esa quiebra de la imparcialidad no se produ-
ciría tanto por la intervención en la prueba al formular alguna pregunta
al testigo o al interrogar al acusado, sino por el tono, el contenido o la
intensidad de esa actuación en la práctica de la prueba.
Al respecto es interesa citar la sentencia del Tribunal Supremo
de 10 de marzo de 201670, en la que se afirma que la imparcialidad del
juez no se ve afectada cuando hace un uso razonable y moderado de las
posibilidades de introducir preguntas en el interrogatorio de testigos para
obtener aclaraciones de sus testimonios. Afirma el Tribunal Supremo que
al considerar si el tribunal de primera instancia ha excedido sus poderes,
se deben tener en cuenta los siguientes elementos: la complejidad del
caso, la naturaleza y la forma de las preguntas formuladas por el juez. En
esa ocasión, sin embargo, el Tribunal Supremo, concluyó que formular
78 preguntas dirigidas al acusado con el fin de establecer su culpabilidad,
implicaba ir mucho más allá de la mera complementación del interroga-
torio de las partes, convirtiéndose en un juez inquisidor, contraviniendo
así el principio contradictorio71.
Por tanto, que el juez intervenga en la práctica de la prueba no
afecta necesariamente a la imparcialidad judicial, no es incompatible
con su rol de árbitro ante el enfrentamiento de dos partes en el debate
contradictorio. Pero, dependiendo de cómo articule esa intervención, de
la intensidad de la misma y del modo en que se exprese al desarrollarla,
sí puede verse afectada la imparcialidad y la imagen de imparcialidad.
Además, que no se trata de una intervención contraria per se a
la imparcialidad, queda patente en el hecho de que no sólo en el proceso
penal federal de los USA admita esa intervención por parte del juez en

70
STS (Sala Penal) 922/2016, de 10 de marzo de 2016.
71
Los riesgos de esa persecución frente al acusado por parte del tribunal en-
juiciador son puestos de relieve en el trabajo de F. Agnet Fayet, r. eggert
poll, “Ânimo persecutório do magistrado: a quebra do dever de imparciali-
dade e sucessivas decisões contrárias ao direito à prova defensiva”, en este
mismo volumen.

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el contra-interrogatorio de los testigos, sino que también está admitida


en el proceso más acusatorio en el ámbito del derecho continental eu-
ropeo, que es el proceso penal italiano. En este último, se considera que
la intervención del juez en la prueba no altera el contradictorio ni, por
tanto, incide necesariamente en la imparcialidad. El Codice de Procedura
Penale contempla que el juez pueda formular directamente preguntas a los
testigos con el fin de clarificar o completar su testimonio, pero también
para explorar determinados aspectos no previamente formulados72. Tal
facultad podrá ejercitarla el juez una vez que las partes hayan concluido
con el contrainterrogatorio, y siempre que a las partes se les confiera la
oportunidad de repreguntar al testigo después de haber respondido a las
preguntas del juez.73
En el ordenamiento jurídico español, el art. 708 de la Ley de
Enjuiciamiento Criminal, prevé también esa intervención del tribunal ex
officio en el interrogatorio de los testigos, lo cual nunca se ha cuestionado
desde la vertiente de la imparcialidad74.
Por tanto, parece bastante obvio que, si incluso en los sistemas
de corte más adversarial en los que la iniciativa probatoria recae de ma-
nera casi exclusiva en las partes, se admite cierta iniciativa probatoria
del tribunal, es porque ello no afecta al principio de imparcialidad. Sólo
si el modo de interrogar denotara una anticipación del fallo, entonces se
apreciaría esa quiebra de la imparcialidad. Y sólo si la intervención fuera
excesivamente incisiva a favor de la posición de una de las partes, podría
considerarse que afecta al principio de igualdad de armas.
En conclusión, que el tribunal formule preguntas a los testigos,
a los peritos o a los abogados o incluso, que solicitara a las partes que
aportaran alguna prueba que considera apropiada para poder esclarecer

72
Así G. ILLUMINATI, “El sistema acusatorio en Italia”, en L. Bachmaier
Winter (ed.) Proceso penal y sistemas acusatorios, Madrid 2008, pp.135-
160, p. 157.
73
Ibidem.
74
Para los modelos procesales en Latinoamérica, vid. el trabajo de R. J. de Cas-
tilho Barilli, “A centralidade do juízo oral no Sistema Acusatório: uma visão
estratégica acerca do caso penal” en este mismo volumen, en el cual el autor
destaca cómo las reformas procesales en Latinoamérica se han encaminado
hacia un proceso presidido por la oralidad como respuesta frente a los exce-
sos del proceso de corte inquisitivo anterior.

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526 | Bachmaier Winter, Lorena.

los hechos, no atenta per se contra la imparcialidad judicial.75 Si un orde-


namiento jurídico opta por limitar esa intervención y atribuir al juez un
papel de mudo espectador, la razón no ha de encontrarse en la garantía
de la imparcialidad.

3. Intervención en la práctica de la prueba e imagen de imparcialidad

Resta por plantearse si el hecho de otorgar mayores facultades


al tribunal en la iniciativa probatoria y en el desarrollo del contradicto-
rio –no siendo incompatible con la imparcialidad– ¿puede sin embargo
afectar a la imagen de imparcialidad del juez y de la justicia?
La respuesta aquí, al igual que en el punto anterior, no es
sencilla: dependerá de cómo se desarrolle esa intervención. Si la ac-
tuación del juez en la búsqueda de la verdad mantiene la equidistancia
y formula sus preguntas de forma neutral, la imagen de imparcialidad
no sólo no tendría porqué verse perjudicada, sino que incluso, ese
comportamiento podría incrementar la confianza de las partes en
la justicia: mediante su intervención activa en la prueba, las partes
apreciarían no sólo la profesionalidad del juez, sino también su interés
en el acierto del fallo.
Pero, nuevamente, si mediante su conducta – en la prueba como
en cualquier otro ámbito – el juez denota un prejuicio frente al acusado,
entonces queda afectada la imparcialidad.

IV. A modo de conclusión

En este trabajo he intentado reflejar los argumentos que mos-


trarían que una limitada iniciativa probatoria por parte del tribunal en el

75
En la doctrina brasileña: A. GRINOVER. A marcha do processo. Rio de Ja-
neiro, 2000; M. ZILLI. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal. São
Paulo, 2003. Con visión distinta: J. COUTINHO. Introdução aos princípios
gerais do direito processual penal brasileiro. Revista de Estudos Criminais,
São Paulo, n. 01, p. 26-51, 2001; G. PRADO. Sistema Acusatório. A confor-
midade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro,
2006; A. LOPES JR. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo, 2012.

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desarrollo del juicio oral sin jurado, no es incompatible con el principio


de imparcialidad judicial. En los procesos con jurado, la intervención del
juez sí puede tener una repercusión mayor en la formación de la convic-
ción por parte del jurado y por tanto incidir en su percepción objetiva
del debate contradictorio. Por ello en ese tipo de procesos penales, la
intervención del juez en la práctica de la prueba debe, si no eliminarse,
sí limitarse al máximo.
Dicho lo anterior, el alcance y la intensidad de la intervención
del juez en la práctica de la prueba se verá modulada por el modelo de
proceso que se haya adoptado en cada ordenamiento jurídico. Mientras
que los sistemas acusatorios más estrictos optan por limitar o mini-
mizar esa intervención, para así dar protagonismo a las partes en la
conformación del debate contradictorio, en los sistemas de corte mixto
o acusatorio menos estricto, en los que el tribunal asume un papel más
central en la búsqueda de la verdad y en los que la responsabilidad del
estado en el esclarecimiento de los hechos sigue desempeñando un papel
central –como sería el caso del sistema alemán–76, la intervención del
tribunal enjuiciador en el interrogatorio a los sujetos de prueba, tiende
a ser más amplio e incisivo. Se admite que el juez adopte una posición
más inquisitiva, en el sentido, de posición más activa en el juicio oral
de cara a esclarecer los hechos. Pero, la intensidad de esa actuación no
necesariamente tiene una correlación con la imparcialidad del tribunal:
más facultades de intervención en la prueba no significa automáticamente
menos imparcialidad.
Ahora bien, si la pregunta es si, al conferir mayores poderes de
intervención pueden surgir más situaciones en las que el juez llegue a
transgredir los límites de su función o a mostrar sus prejuicios, la respuesta
es clara: a más oportunidades de intervenir también más oportunidades
de que mediante esa intervención pueda verse afectada la imagen de im-
parcialidad. Pero, ese no es un motivo suficiente para relegar al tribunal a
una posición de mudo espectador. Sería como afirmar que el sujeto que

76
Vid. el art. 244 de la Strafprozessordnung, en el que se regula la práctica de la
prueba en el juicio oral: “(2) Das Gericht hat zur Erforschung der Wahrheit
die Beweisaufnahme von Amts wegen auf alle Tatsachen und Beweismittel zu
erstrecken, die für die Entscheidung von Bedeutung sind.”

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528 | Bachmaier Winter, Lorena.

más habla más se equivoca, y por ello condenar al silencio a todo sujeto,
en este caso, a todo juez.
A partir de ahí, y clarificado que el principio de imparcialidad no
es un argumento determinante para eliminar cualquier intervención del
juez en la práctica de la prueba en el juicio oral, esa intervención vendrá
determinada por el tipo de modelo de proceso adoptado. Sin duda, un
proceso puramente adversarial, en el que las pruebas se aportan para
defender una concreta posición de parte y no son concebidas como
pruebas del caso en general, la intervención del juez en la práctica de la
prueba se percibirá como a favor o en contra de esa parte.
Dicho esto, queda en manos del legislador configurar el proceso
penal, otorgando al juez más o menos poderes, al margen de que ambos
modelos se ajustan a la garantía de la imparcialidad. En esa elección
incidirán muchos factores de tipo cultural, legal, político, histórico,
económico, etc. y el fin que se considere ha de desempeñar el proceso
penal en esa sociedad – más próximo al fin de resolución de conflictos,
de control social o de instrumento para implementar una determinada
política criminal. Pero ese es otro debate, que si bien está estrechamente
vinculado al tema que aquí he abordado, obviamente excede del objetivo
que me he propuesto aquí.

R eferencias B ibliográficas

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532 | Bachmaier Winter, Lorena.

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COMO CITAR ESTE EDITORIAL:


BACHMAIER WINTER, Lorena. Editorial dossier “Sistemas procesales penales e
imparcialidad del juez”: Imparcialidad y prueba en el proceso penal – reflexiones
sobre la iniciativa probatoria del juez. Revista Brasileira de Direito Processual
Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai./ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.169

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 501-532, mai.-ago. 2018.
Modello processuale accusatorio e
sovraccarico del sistema giudiziario

“Accusatorial” model of procedure and overload of the judicial system

Modelo processual acusatório e sobrecarga do sistema judicial

Giulio Illuminati1
LUISS “Guido Carli” Roma / Italia
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-6067-2859

Abstract: Lo scritto analizza i diversi modelli processuali penali, dedi-


cando particolare attenzione alla crisi del sistema giudiziario italiano.
Parole-chiave: sistema accusatorio; sistema inquisitorio; sistema misto;
processo adversary; processo penale italiano.

Abstract: The essay analyzes the different models of criminal procedure, devoting
particular attention to the crisis of the Italian judicial system.
Keywords: accusatorial system; inquisitorial system; mixed system; adversary
proceeding; Italian criminal process.

Resumo: Este artigo analisa os diferentes modelos de processo penal, dedicando


especial atenção à crise do sistema judicial italiano.
Palavras-chave: sistema acusatório; sistema inquisitório; sistema misto; processo
adversarial; processo penal italiano.

Sommario: 1. Il sistema accusatorio come tipo ideale. – 2. Il valore storico


della definizione – 3. Il sistema accusatorio dal punto di vista dogma-
tico. – 4. Il cosiddetto sistema misto. – 5. Caratteri comuni del diritto
processuale penale moderno. – 6. Il processo accusatorio in Italia. –

1
Già ordinario nell’Alma Mater Studiorum – Università di Bologna / Italia. Profes-
sore di Diritto processuale penale – LUISS “Guido Carli” Roma / Italia.

533
534 | Illuminati, Giulio.

7. Processo accusatorio e processo adversary. – 8. L’eccessiva durata


del processo penale italiano: crisi del modello accusatorio. – 9.
Alternative al processo penale per un recupero dell’efficienza del
sistema. – 10. Conclusione.

1. Il sistema accusatorio come tipo ideale. - Anche se è largamente


utilizzato per identificare un determinato modello processuale, il concetto
di sistema accusatorio - come quello, ad esso contrapposto, di sistema in-
quisitorio - viene spesso definito in maniera molto diversa dagli studiosi. La
distinzione finisce perciò col soffrire di una certa perdita di senso, tanto che
talvolta viene considerata di puro interesse storico. Ciò dipende dal fatto
che si tratta di concetti astratti, che rimandano alla elaborazione teorica
di due sistemi ipotetici, ricavati, mediante generalizzazione, a partire da
alcuni caratteri tipici degli ordinamenti processuali reali. Non è dunque in
questione l’analisi e l’inquadramento sistematico di un fenomeno normativo,
da studiare secondo i consueti strumenti dell’ermeneutica giuridica, quanto
piuttosto la definizione di una scala di valori ideologicamente orientata. Infatti
i lineamenti del sistema accusatorio si identificano solo per contrapposizione
a quelli del sistema inquisitorio, e viceversa: l’uno e l’altro, dunque, rappre-
sentano tipi ideali, collocati agli estremi di una linea continua all’interno
della quale possono combinarsi secondo modalità differenti, in relazione a
numerose variabili. In concreto, dunque, esistono sistemi processuali solo
tendenzialmente definibili come accusatori o inquisitori, nessuno di essi
essendo perfettamente corrispondente al tipo, nella forma cosiddetta “pura”.
Dal punto di vista empirico, dunque, l’appartenenza di un deter-
minato sistema processuale all’una o all’altra categoria è determinata da
un esame comparativo, il cui risultato dipende da quegli aspetti specifici
di volta in volta considerati essenziali all’integrazione del modello. Di
solito viene aprioristicamente individuata una serie di principi generali
che rappresentano la sintesi del sistema di riferimento, dai quali si dedu-
cono le conseguenze necessarie sul piano normativo. Tale ricostruzione
tuttavia si basa su proposizioni valutative, dalle quali è delineato un
“dover essere” del processo secondo orientamenti che sono determinati
dal punto di vista soggettivo adottato.

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Pur con le cautele imposte dalla relatività della distinzione, è


tuttavia necessario sottolineare che a ciascuno dei due modelli corris-
ponde dal punto di vista tecnico una diversa struttura, alla quale occorre
fare riferimento se si vuole che abbia senso una classificazione che può
ancora essere considerata utile come criterio di giudizio. A tale scopo
tuttavia è necessario stabilire preliminarmente in che modo vanno isolati
i caratteri che consentano di riconoscere un sistema come accusatorio o
inquisitorio: quei caratteri, cioè, in assenza dei quali si dovrà escludere
che un certo processo possa essere qualificato come appartenente al tipo.

2. Il valore storico della definizione. - La distinzione tra sistema


accusatorio e sistema inquisitorio ha contemporaneamente un significato
storico e un significato teorico-dogmatico, che non si implicano neces-
sariamente a vicenda2. In altre parole, può accadere che alcuni tratti
distintivi riscontrabili nei sistemi processuali classificati come accusatori
o inquisitori, che si sono effettivamente succeduti nel tempo, non siano
da considerare essenziali all’integrazione del modello teorico; oppure che
non siano attualmente più significativi, perché ormai patrimonio comune
degli ordinamenti moderni.
L’approccio storico, comunque, torna utile perché consente non
solo di identificare le ascendenze dell’alternativa considerata, ma anche
di comprendere appieno il significato dei parametri di riferimento della
contrapposizione. La ricostruzione dogmatica, invece, anche se necessa-
riamente convenzionale e quindi, come si è detto, sempre in certa misura
opinabile, richiede la creazione di una struttura concettuale tecnicamente
corretta, completa e logicamente coerente, rispetto alla quale l’accento
viene posto principalmente sulle modalità di accertamento della respon-
sabilità penale, e in particolare sui criteri di ammissione e acquisizione
della prova.
Effettivamente si assiste, nel corso dei secoli, ad un avvicendamen-
to dei due diversi sistemi. E’ diventato quasi un luogo comune il riferimento
al processo penale romano del periodo repubblicano come paradigma
del sistema accusatorio e a quello imperiale classico per l’inquisitorio. La

2
L. Ferrajoli, Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale, 8a ed., Bari, 2004,
p. 574 s.

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contrapposizione, forse eccessivamente schematica, ha dovuto in parte la


sua fortuna alle ideologie politiche volte alla promozione dei diritti indi-
viduali (che sono alla base delle moderne democrazie liberali), tendenti
a mitizzare l’antica repubblica romana intesa come palladio delle libertà,
contro la teoria dello stato assoluto di origine divina, simbolicamente
rappresentato dal sopravvenire del principato. Tuttavia le informazioni
pratiche che si possono ricavare da questa ricostruzione sono abbastan-
za modeste, soprattutto perché ogni paragone con il processo penale
dell’età moderna resta in buona misura artificioso, mentre la ricerca di
simmetrie appare alquanto forzata, essendo spesso dipesa, in passato,
dalle strumentalizzazioni polemiche dei giuristi riformatori.
A ben considerare, la caratteristica saliente del diritto romano
arcaico era l’incerta distinzione tra interesse privato e interesse pubbli-
co alla giustizia penale, confusione ben rappresentata dalla originaria
legittimazione della vendetta personale3. Ma anche con l’affermarsi della
giurisdizione come funzione esclusiva dello Stato4 l’accusa rimaneva
comunque riservata all’iniziativa privata: della parte offesa, ovvero di
qualunque cittadino, in rappresentanza della società, quando fossero co-
involti direttamente interessi pubblici. Si comprende così come carattere
tipico del processo accusatorio, sotto questo profilo, fosse tradizional-
mente considerata la presenza, se non il monopolio, dell’accusa privata.
Per contrasto, il processo inquisitorio si caratterizzerebbe come fondato
sull’iniziativa dei funzionari pubblici: secondo il sistema - prevalente
al tempo dell’impero - dell’azione penale esercitata anche d’ufficio da
un magistrato delegato del principe, incaricato di scoprire i delitti e di
trovarne le prove5.
Un simile criterio di discriminazione fu effettivamente vali-
do lungo tutto il medio evo, quando le due forme convivevano, fino al
definitivo affermarsi della procedura inquisitoria6. Attualmente, però,

3
Per gli approfondimenti v. G. Pugliese, Processo privato e processo pubblico, in
Riv. dir. proc., 1948, p. 72 s.; P. Fiorelli, Accusa e sistema accusatorio (diritto
romano e intermedio), in Enc. dir., I, Milano, 1958, p. 330-331.
4
L. Ferrajoli, op. cit., p. 576.
5
P. Fiorelli, op. cit, p. 332.
6
P. Fiorelli, op. cit, p. 333.

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non sembra più significativo. La pubblicità dell’accusa è ormai un tratto


ineliminabile di ogni ordinamento evoluto: anche là dove esiste la pos-
sibilità - prevalentemente residuale - di un’azione penale privata, il suo
ruolo rimane in pratica del tutto marginale.
Neppure sembra risolutiva la versione aggiornata dello stesso
criterio, con la quale si dà rilievo alla presenza di un apposito organo
dell’accusa separato dal giudice. Se il cumulo delle funzioni denota ine-
quivocabilmente un processo di tipo inquisitorio, poiché l’azione penale è
esercitata dallo stesso soggetto destinato a valutare le prove e a decidere,
è però vero che le due figure oggi risultano quasi ovunque formalmente
distinte, salvo sporadiche eccezioni.
Ciò che veramente si può far risalire all’impero romano, per il
tramite del diritto canonico medievale, è la tradizione burocratica, che
ha contribuito alla progressiva burocratizzazione anche della funzione
giurisdizionale. Si tratta di un’eredità culturale, fatta propria dagli Stati
assoluti e perciò predominante nell’Europa continentale, che ancora pro-
duce i suoi effetti. Nemmeno la rivoluzione francese riuscì a sovvertirla
in modo durevole: questa è probabilmente una delle ragioni che possono
spiegare il sostanziale insuccesso, all’epoca, delle riforme processuali in
senso accusatorio, imperniate viceversa su una larga partecipazione dei
cittadini agli organi giudiziari e quindi sul cosiddetto giudizio dei pari.

3. Il sistema accusatorio dal punto di vista dogmatico. - Nell’acce-


zione moderna, più significativa dal punto di vista dogmatico, la dicotomia
si riferisce essenzialmente al metodo dell’accertamento giudiziale. La sua
origine si può far risalire alle teorizzazioni dei philosophes illuministi, con
il ripudio, in seguito alla rivoluzione francese, del processo inquisitorio
dell’ancien régime. Il processo inquisitorio continentale, con le sue le
tecniche scientificamente elaborate e il complesso armamentario delle
prove legali, aveva infatti trovato la più importante sistemazione norma-
tiva nell’Ordonnance francese del 16707. Si deve notare che viceversa nel
common law inglese l’inquisizione – sebbene introdotta nel XV secolo
dalla monarchia assoluta – era rimasta marginale e non era mai riuscita
ad attecchire stabilmente, a vantaggio del processo davanti alla giuria

7
Ordonnance criminelle du mois d’août 1670 (26 agosto 1670).

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popolare: e proprio al sistema processuale inglese, anche se culturalmente


meno evoluto (e certo all’epoca non assistito dalle garanzie che oggi co-
nosciamo)8, facevano riferimento i riformatori, anche sopravvalutandolo
rispetto alla sua reale natura.
L’inquisizione consisteva in una partita a due tra l’accusato e il
giudice-accusatore, senza una vera dialettica e perciò fortemente squili-
brata a sfavore dell’imputato, che ne finiva inevitabilmente schiacciato9.
L’inquisitore iniziava l’indagine segretamente e d’ufficio (o su denunzia
anche anonima); i testimoni venivano sentiti in segreto senza alcuna par-
tecipazione della difesa; l’imputato, senza poter conoscere con precisione
l’addebito, né le prove a carico, veniva interrogato sotto giuramento ed
eventualmente sottoposto a tortura per ottenerne la confessione, prova
legale per eccellenza; testimonianze e interrogatorio erano documentati
minuziosamente in verbali, che alla chiusura dell’inchiesta venivano
trasmessi con tutti gli atti del processo al tribunale perché in base ad essi
pronunciasse la sentenza.
Viceversa, il processo accusatorio anglosassone si svolgeva in un
dibattimento pubblico, senza interrogatorio dell’imputato, con l’assunzio-
ne orale delle testimonianze, sottoposte alla valutazione immediata dalla
giuria per l’emissione del verdetto10. Emergono così, per contrapposizione,
i caratteri essenziali del sistema, ancora d’attualità nonostante i termini
di riferimento siano oggi cambiati: pubblicità, oralità-immediatezza (che
implica la percezione diretta della prova), contraddittorio: nonché, come
logico corollario, libero convincimento del giudice.
Secondo l’opinione prevalente11, dunque, inquisitorio si può
definire il metodo che esclude la dialettica tra accusa e difesa, per cui
l’indagine, svolta unilateralmente dal magistrato, procede in modo ana-
litico, potenzialmente senza limiti, e l’acquisizione delle prove è scritta e

8
L. Radzinovicz, A History of English Criminal Law and its Administration from
1750, I, London, 1948, p. 3 s.
9
Per una efficace sintesi v. F. Cordero, Procedura penale, 9a ed., Milano 2012,
p. 21-38.
10
V. sul punto M. Ploscowe, The development of present-day criminal procedures
in Europe and America, in 18 Harv. L. Rev., 1935, p. 453 s., 459-60.
11
Si veda, per tutti, la classificazione di G. Conso, Accusa e sistema accusatorio
(diritto processuale penale), in Enc. dir., I, Milano 1958, p. 336.

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segreta; accusatorio, quello basato sul contraddittorio delle parti, sul tema
proposto dall’accusa, davanti ad un giudice non destinato alla ricerca delle
prove, nella tendenziale unità di tempo rappresentata dal dibattimento
orale e pubblico.
Come s’è accennato, sono individuabili ulteriori connotazioni,
ma solo come aspetti eventuali che costituiscono un’eredità storica,
ovvero come conseguenze favorite naturalmente dalla scelta metodolo-
gica: così, ad esempio, la presenza della giuria, ovvero l’esame incrociato
dei testimoni gestito direttamente dalle parti. Si annovera di solito tra i
caratteri distintivi anche il regime della libertà personale dell’imputato,
poiché viene considerata tipica del sistema inquisitorio la carcerazione
preventiva: l’assunto è sostenibile solo in quanto la misura sia considerata
strumentale all’indagine segreta e all’interrogatorio come fonte di prova:
sotto altri profili, invece, la coercizione personale non sembra sostanzial-
mente condizionata – a parte i presupposti specifici e le modalità, che
possono variare – dalla natura accusatoria o inquisitoria del processo.
Dalle grandi linee escono con sufficiente determinatezza due
modelli culturali. Al fondo si può tuttora leggere un diverso modo di
intendere i rapporti tra il cittadino e l’autorità dello Stato: tanto che non
è sbagliata, per quanto schematica, la ricorrente affermazione secondo cui
il processo accusatorio sarebbe tendenzialmente espressione dei regimi
democratici, quello inquisitorio dei regimi autoritari12.

4. Il cosiddetto sistema misto. - Sistema “misto” viene definito


quello adottato dagli ordinamenti processuali dell’Europa continentale a
partire dal code d’instruction criminelle napoleonico del 1808. Tuttavia, ove
si prescinda dal valore convenzionale consacrato dall’uso, la formula appare
priva di un significato autonomo, anzi, finisce con l’impedire un’esatta
classificazione. Non è possibile infatti determinare i caratteri distintivi del
processo misto come tale, senza rinviare alle peculiarità dei singoli casi.
Se è vero, come si è osservato, che col nome di sistema accusatorio e di
sistema inquisitorio si designano due tipi ideali contrapposti, qualunque
scostamento dal tipo dà luogo ad un processo misto, indipendentemente
dal modo in cui gli elementi dei due sistemi sono combinati.

12
Vedi ad esempio L. Lucchini, Elementi di procedura penale, Firenze, 1895, p. 19.

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Secondo l’opinione tramandata, il cosiddetto processo misto


sarebbe un’opportuna mediazione tra l’accusatorio e l’inquisitorio, con
lo scopo di contemperare le esigenze di difesa della società e la tutela
dei diritti individuali, messe in pericolo, rispettivamente, dall’adesione
all’uno o all’altro sistema. La struttura dialettica del primo viene perciò
inserita su un’indagine compiuta con i metodi del secondo. Il risultato è
un processo in due fasi: il giudizio, pubblico e orale, si svolge in contrad-
dittorio sul tema prefissato dopo un’istruzione scritta e segreta, condotta
dal magistrato, senza la partecipazione della difesa, con pieni poteri di
accertamento in ogni direzione.
Lo sdoppiamento così realizzato, nel tentativo di conciliare modelli
opposti, finisce col mancare di coerenza sistematica: ed in effetti questo
tipo di critica venne subito formulata, insieme all’addebito di sommare
i difetti, e non i vantaggi, dei due sistemi13. Tuttavia - anche senza ac-
cedere all’opinione di chi ritiene questo processo un tertium genus, né
accusatorio, né inquisitorio (né “misto”)14 – la soluzione non è priva di
tratti originali, e sarebbe un errore negarle una precisa identità. Tutto
dipende, comunque, dal modo in cui sono disciplinati i rapporti tra la fase
dell’istruzione e quella del giudizio: la fisionomia del processo cambia
completamente a seconda che le risultanze istruttorie abbiano valore
determinante, ovvero le prove valutabili ai fini della decisione possano
essere acquisite solo nel contraddittorio dibattimentale.
Da questo punto di vista, il sistema francese e i suoi derivati
(come l’italiano prima della riforma) sono fondamentalmente da consi-
derare un’evoluzione, con i dovuti aggiornamenti, del vecchio processo
inquisitorio. Infatti, dopo le prime esperienze della legislazione rivoluzio-
naria, intesa a trasformare in modo radicale il precedente ordinamento
con l’adozione di schemi accusatori, la fase del dibattimento andò pro-
gressivamente perdendo peso a vantaggio dell’istruzione – più consona
alle esigenze del mutato clima politico – fino a ridursi a mero controllo
estrinseco delle conclusioni già raggiunte dal giudice istruttore, se non
addirittura ad un’inutile messa in scena.

13
G. Carmignani, Teoria delle leggi della sicurezza sociale, Pisa, 1832, IV, 46 s.
14
G. Foschini, Sistema del diritto processuale penale, I, Milano, 1965, 226 s.

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Il progressivo potenziamento, in epoca più recente, dei diritti della


difesa è valso ad attenuare gli aspetti più marcatamente autoritari di un
simile assetto processuale; ma la struttura tendenzialmente inquisitoria è
destinata a sopravvivere immutata finché il contraddittorio continua ad
essere escluso dai principali atti di acquisizione probatoria compiuti dal
magistrato nell’istruzione e i verbali che li documentano sono utilizzabili
nel giudizio, risultando il più delle volte decisivi per il suo esito.

5. Caratteri comuni del diritto processuale penale moderno - Negli


ultimi decenni, tuttavia, la distanza tra i due modelli contrapposti si è in
parte ridotta, almeno per quanto concerne gli aspetti più evidenti. Ciò
è dovuto soprattutto alla necessità di dare attuazione alle garanzie del
giusto processo prescritte dalle carte costituzionali o dalle convenzioni
internazionali sui diritti dell’uomo. Si può osservare come nelle fonti di
questo livello ad essere affermati siano i tradizionali diritti della persona
di origine illuministica: la coesistenza di tali direttive con un sistema
inquisitorio nel senso tradizionale del termine sarebbe inconcepibile,
mentre al contrario risultano valorizzati alcuni degli aspetti caratteristici
del sistema accusatorio. Resta però il fatto che non è riconoscibile un’op-
zione precisa a favore dell’uno o dell’altro sistema, dato che le norme in
questione appaiono il più delle volte formulate in maniera volutamente
generica, aperta ad un’interpretazione adeguatrice, proprio per consentire
la loro applicazione a prescindere dal contesto ordinamentale nel quale
sono destinate ad operare.
Si può dunque affermare che taluni principi fondamentali, come
la pubblicità delle udienze, l’esposizione delle ragioni in contraddittorio,
l’inviolabilità della difesa, l’imparzialità del giudice, la presunzione d’inno-
cenza dell’accusato, debbano darsi per acquisiti, se non altro come criteri
direttivi tendenziali, nelle società democratiche, in ogni tipo di proces-
so, anche se ciò non implica necessariamente l’adesione ad un modello
ideale accusatorio. Interessante, sotto questo profilo, l’esperienza della
Corte penale internazionale15 - che vuole fungere da esempio universale
di giustizia amministrata nel pieno rispetto dei diritti della persona - nel

15
K. Ambos, International criminal procedure: “adversarial”, “inquisitorial” or mi-
xed?, in Int’l. Crim. L. Rev., 2003, p. 1 s.

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cui ordinamento si tende a conciliare l’oralità e il contraddittorio dibatti-


mentale fra le parti con i poteri discrezionali del giudice nella provvista
del materiale probatorio da utilizzare16.
Come criterio globale di comprensione della realtà, dunque, l’alter-
nativa di cui ci occupiamo non sembra più di per sé sola sufficiente. Altre
chiavi di lettura possono essere impiegate quando l’analisi del processo
riguarda particolarmente il grado di attuazione delle garanzie fondamentali.
Ciò nondimeno, non si può affermare che il modello processuale prescelto
sia indifferente rispetto all’obiettivo di tutelare i diritti dell’accusato. Di
fatto esso determina gli strumenti utilizzabili, e perciò il livello di effet-
tività della tutela. Così, per fare qualche esempio, appartiene alla logica
inquisitoria riconoscere il diritto di difesa come controllo a posteriori,
mediante il regime delle nullità e il favore per le impugnazioni, a quella
accusatoria permettere al difensore il massimo di partecipazione agli atti
del processo, con la possibilità di controllarne immediatamente la corret-
tezza; alla prima, perseguire una decisione imparziale assegnando anche
alla pubblica accusa una funzione quasi-giudiziale, alla seconda, assicurare
l’imparzialità accentuando la separazione di ruoli tra il giudice e le parti.

6. Il processo accusatorio in Italia. - La delega al governo per la


riforma del codice di procedura penale italiano (l. 16 febbraio 1987, n.
81), risultato di una più che ventennale elaborazione, segna il passaggio
radicale dal sistema misto di stampo inquisitorio al sistema accusatorio:
tale scelta è esplicitamente enunciata nella premessa all’art. 2, il quale è
dedicato ai principi e criteri direttivi. Da questi si desume che carattere
essenziale del sistema è considerato il principio secondo cui la prova va
formata davanti al giudice del giudizio nel contraddittorio delle parti. Ne
segue la distinzione tra la fase delle indagini e quella del dibattimento,
poiché le informazioni raccolte nelle indagini preliminari non sono ido-
nee ad essere utilizzate per la decisione finale: essa può legittimamente
fondarsi soltanto sulle prove formate nella pubblica udienza rispettando
il principio di oralità-immediatezza.

16
Per ulteriori approfondimenti v. M. Caianiello, Disclosure before the ICC. The
emergence of a new form of policies implementation system in international cri-
minal justice?, in Int’l Crim. L. Rev., 2010, p. 23 s.

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Secondo questa prospettiva, le indagini preliminari sono attribuite


al pubblico ministero, con l’ausilio della polizia giudiziaria, ma solo per
decidere sull’esercizio dell’azione penale e la preparazione dell’accusa per
il giudizio: i verbali delle dichiarazioni acquisite a questi fini non sono di
regola leggibili nel dibattimento, se non per contestare la credibilità del
dichiarante nel corso dell’esame. Una delle innovazioni più significative
è il cosiddetto “doppio fascicolo”, mirante ad evitare che le risultanze
documentate delle indagini possano condizionare il convincimento del
giudice. Al giudice vengono trasmessi, con il “fascicolo per il dibatti-
mento”, soltanto quei pochi atti che gli è consentito conoscere, vale a
dire principalmente gli atti irripetibili, le prove non rinviabili acquisite
anticipatamente in contraddittorio, i documenti utili per il giudizio sulla
personalità dell’imputato, oltre agli atti riguardanti la corretta insaturazione
del giudizio. Gli altri atti di indagine restano nel “fascicolo del pubblico
ministero”, che è conosciuto solo dalle parti, e possono essere trasferiti
nel fascicolo per il dibattimento e utilizzati per la decisione solo in casi
eccezionali, ad esempio se il testimone è stato minacciato o subornato, o
se l’esame sia divenuto impossibile, o se c’è l’accordo delle parti17.
In sintesi, si può affermare che il processo accusatorio elaborato
dal codice di procedura penale si basa sulla separazione delle funzioni e
sulla separazione delle fasi. La funzione del giudice che deve decidere il
merito deve essere separata da quella degli organi di investigazione, dal
momento che il compito di ricercare e introdurre le prove non può essere
attribuito allo stesso soggetto destinato a valutarle, che rischia altrimenti
di perdere la necessaria equidistanza dalle parti. La separazione della
fase delle indagini da quella del giudizio serve ad assicurare l’effettiva
attuazione del contraddittorio, privilegiando inoltre il contatto diretto del
giudice con la prova rispetto all’utilizzazione dei verbali di atti compiuti
fuori dal dibattimento. Lo strumento prescelto per la formazione della
prova in ottemperanza ai suddetti criteri è l’esame diretto ed incrociato
dei testimoni che sono presentati dalle parti, con attribuzione al giudice di
poteri solo residuali di interloquire nell’esame, ovvero, in caso di assoluta
necessità, di supplire all’inerzia delle parti ammettendo prove d’ufficio.

17
Per un’esposizione più dettagliata degli aspetti specifici e delle vicende succes-
sive della riforma del processo penale si rinvia a G. Illuminati, op. cit., p. 148 s.

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7. Processo accusatorio e processo adversary. - Il processo penale


adversary di stampo anglo-americano è stato da sempre considerato il
paradigma tipico del sistema accusatorio, ed effettivamente ha rappre-
sentato il modello al quale sotto molti profili anche il legislatore italiano
si è ispirato. Esso presenta tuttavia numerose peculiarità, che spesso non
sono suscettibili di essere trapiantate in un ordinamento diverso, o che
non risulterebbero compatibili con i suoi principi generali informatori o
con le norme costituzionali.
L’aspetto più caratteristico è il potere delle parti di disporre non
solo delle prove da presentare in giudizio, ma anche dell’oggetto stesso
del procedimento.
La passività del giudice, come corrispettivo dell’iniziativa riser-
vata alle parti, è considerata essenziale (anche se in teoria alcuni poteri
d’ufficio gli sarebbero riconosciuti). Il giudice ha solo il ruolo di garantire
il rispetto delle regole ed è perciò considerato un semplice arbitro della
contesa: anche perché non è gravato della funzione di accertare i fatti,
spettante esclusivamente alla giuria. Il processo penale è infatti concepito
come strumento di composizione dei conflitti, concezione estranea agli
ordinamenti dell’Europa continentale, che attribuiscono alla giustizia
penale la funzione di realizzare le scelte di politica criminale dello Stato18.
Stando alla definizione che ne abbiamo dato in precedenza, co-
munque, questi aspetti specifici non sembrano essenziali per l’integrazione
del modello accusatorio. Non si può cioè affermare una coincidenza fra
sistema accusatorio e adversary system.
Il processo accusatorio italiano, in particolare, si discosta sensi-
bilmente da quello tipico dei paesi di lingua inglese.
Una differenza significativa è rappresentata dall’assenza della
giuria popolare. Il giudizio si svolge per lo più davanti a giudici profes-
sionali: e anche quando – per i reati più gravi - è prevista la partecipa-
zione di giudici popolari, è istituito un collegio misto, la corte d’assise,
composto da due giudici togati e sei laici, che decidono insieme, a
maggioranza, tutte le questioni di fatto e di diritto. Anche le regole di
ammissione e di esclusione della prova cambiano di conseguenza: non

18
In argomento cfr. M.R. Damaška, Evidence Law Adrift, New Haven-London,
1997, trad. it., Il diritto delle prove alla deriva, Bologna, 2003, p. 113 s.

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esiste la prevalenza assoluta della prova orale su quella documentale,


e non occorre tutelare preventivamente una giuria inesperta di diritto
dalla suggestione delle prove invalide o di quelle la cui inaffidabilità può
superarne il valore probatorio. Inoltre la motivazione, doverosa per la
sentenza del tribunale o della corte d’assise e assente nel verdetto della
giuria, consente di verificare l’osservanza da parte del giudice dei divieti
di utilizzazione e dunque non impone di escludere materialmente la
prova inutilizzabile.
A livello costituzionale, poi, assume un rilievo determinante l’ob-
bligatorietà dell’azione penale (art. 112 Cost.), che richiede un costante
controllo del giudice sull’iniziativa del pubblico ministero. La respon-
sabilità dell’attuazione del principio di legalità, con l’applicazione della
sanzione penale, risulta pertanto condivisa tra il pubblico ministero e
il giudice, che non è vincolato dalle richieste dell’accusa: il giudice può
condannare anche se il pubblico ministero chiede l’assoluzione, può
applicare una pena superiore a quella richiesta, può modificare il titolo
del reato indicato nell’imputazione. Viceversa, nel processo adversary,
il prosecutor ha il controllo esclusivo sull’azione penale e può astenersi
dall’esercitarla, esercitarla per un reato minore o diverso da quello ri-
sultante dalle indagini, e anche lasciarla cadere nel corso del processo.
Questa dinamica si riflette anche sui procedimenti speciali basati
sull’accordo delle parti, destinati ad evitare il dibattimento. Nell’ordina-
mento italiano, che pure ha introdotto l’applicazione della pena su richiesta
delle parti (insieme ad altre forme consensuali di semplificazione come
il giudizio abbreviato), l’obbligatorietà dell’azione penale impedisce una
vera e propria transazione sull’accusa: ciò comporta in ogni caso una
valutazione di merito da parte del giudice ed un controllo sui contenuti
dell’accordo tra le parti, in relazione al principio di legalità. Occorre
sottolineare che nemmeno questo modo alternativo di procedere, con
rinuncia al giudizio in contraddittorio, va considerato un aspetto essenziale
per caratterizzare il sistema in senso accusatorio, sebbene sia impiegato
con la massima larghezza negli ordinamenti inglese e americano. Si può
anzi affermare che si tratta di una soluzione di tipo inquisitorio19, anche
se legittimata dal consenso dell’imputato.

19
A. Nappi, Guida al codice di procedura penale, 10a ed., Milano, 2007, p. 13 s.

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8. L’eccessiva durata del processo penale italiano: crisi del modello


accusatorio. - Com’è noto, il processo accusatorio è molto dispendioso in
termini di tempo e risorse necessarie per il suo corretto svolgimento. Se
tutte le prove vanno acquisite oralmente davanti al giudice con la tecnica
dell’esame diretto e incrociato ad opera delle parti, e - corrispondente-
mente - le dichiarazioni raccolte dal pubblico ministero e dalla polizia nel
corso delle indagini (non importa quanto lunghe e complesse) debbono
essere tutte ripetute in dibattimento, perché di regola non se ne può tener
conto, è evidente che risulta possibile celebrare e concludere definitiva-
mente soltanto un numero limitato di processi, con la conseguenza che il
carico degli uffici giudiziari inevitabilmente tende ad aumentare, restando
in buona parte impossibile da smaltire in tempi brevi. Ciò comporta, in
Italia, un’eccessiva durata del giudizio dibattimentale, che deve perciò
necessariamente svolgersi nell’arco di numerose udienze, il più delle
volte molto distanziate fra loro.
La sproporzione tra il numero di processi in attesa di essere ce-
lebrati e le capacità che il sistema ha di gestirli impone ritardi non solo
nell’effettiva durata dei dibattimenti, ma anche nel tempo necessario per
la loro instaurazione, ad indagini ormai concluse, quando è il momento
di iscriverli nel ruolo di udienza del tribunale. Se a questo si aggiungono
i tempi dei due gradi di impugnazione, l’accesso ai quali è consentito
praticamente senza limiti, e che soffrono dei medesimi problemi di so-
vraccarico, non c’è da stupirsi se per arrivare ad una sentenza definitiva
bisogna attendere un termine tutt’altro che ragionevole, a dispetto del
principio solennemente enunciato dall’art 111 della Costituzione italiana,
oltre che dalle Carte internazionali dei diritti umani.
Al riguardo, non si può fare a meno di considerare che nel sis-
tema inglese e in quello degli Stati Uniti il numero di casi che vengono
effettivamente trattati davanti alla giuria, seguendo le regole ordinarie
del processo adversary, non supera il dieci per cento del totale, dato che
tutti gli altri si concludono per lo più con un’ammissione di colpevolezza
dell’imputato, spesso negoziata con l’accusa. Solo così è possibile assicu-
rare l’efficienza complessiva della giustizia penale.
Nelle giurisdizioni degli Stati Uniti la celerità del processo risulta
formalmente garantita - in caso di violazione del diritto costituzionale
allo speedy trial (VI emendamento) - dal drastico rimedio del dismissal,

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equivalente all’archiviazione dell’accusa ma preclusivo della possibilità di


una successiva riapertura del procedimento. Senza entrare nei dettagli, si
può ricordare che nella giurisdizione federale e in quelle statali la durata
media di un processo, fino alla sentenza di primo grado, si aggira sui sei-
-sette mesi20, e non è considerata ragionevole, salvo motivi particolari,
una durata superiore ad un anno. Occorre aggiungere che la sentenza non
è appellabile nel merito, essendo proponibili solo questioni di diritto, e
che l’accesso ad un ulteriore grado di impugnazione non è garantito in
ogni caso, perché il ricorso è soggetto ad una valutazione preliminare
della corte adita, che può decidere di non ammetterlo se non ritiene
opportuno occuparsene. Ciò riduce sensibilmente i tempi complessivi e
disincentiva impugnazioni meramente dilatorie.
Si deve tenere presente che è la struttura stessa del processo
accusatorio, in quanto basato sul principio di oralità e immediatezza
nell’assunzione delle prove, a suggerire la celebrazione del processo
in tempi stretti, così da garantire la reperibilità dei testimoni e soprat-
tutto l’affidabilità del loro ricordo, dando al tempo stesso alle parti la
possibilità di verificare tramite l’esame incrociato la correttezza della
percezione dei fatti e della loro rappresentazione. Una testimonianza
resa a molta distanza dall’evento difficilmente potrà descriverne gli
elementi rilevanti in maniera puntuale e oggettiva, e si limiterà a rie-
vocare la ricostruzione mentale che si è venuta a fissare nella memoria
del testimone col passare del tempo.
Il processo con giuria, poi, impone in maniera ancor più evidente
la massima concentrazione del giudizio, mal conciliandosi con lunghi
rinvii delle udienze, posto che la decisione si basa su quanto visto e udi-
to direttamente dai giurati e dunque su quello che ricordano dell’intero
dibattimento. La concentrazione è perciò anche interesse delle parti, che
devono riuscire a sintetizzare al massimo la presentazione delle prove,
in modo da colpire efficacemente l’attenzione della giuria.
Va però anche considerato che il modello adversary si basa essen-
zialmente sul confronto fra le parti contrapposte, inteso come metodo più

20
V. Fanchiotti, The right to a speedy trial nell’esperienza nordamericana, in AA.
VV., La ragionevole durata del processo. Garanzie ed efficienza della giustizia
penale, a cura di R.E. Kostoris, Torino, 2005, p. 13 s.

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efficace per accertare i fatti e non lasciare aspetti inesplorati. Ne deriva


un accentuato livello di conflittualità tra accusa e difesa, che inevitabil-
mente favorisce gli imputati più forti e meglio assistiti. La discriminazione
tra abbienti e non abbienti si può riscontrare in tutti gli ordinamenti
processuali ed è in buona misura ineliminabile: nei sistemi di cui stiamo
parlando, tuttavia, diventa un ulteriore potente strumento di semplifica-
zione e di accelerazione. Dal momento che solo pochi imputati possono
permettersi di sostenere gli elevatissimi costi di un processo con giuria,
assumendosi inoltre il rischio di una condanna molto più pesante, il ri-
corso al plea bargaining, con la conseguente ammissione di colpevolezza
che esclude il giudizio, è frequentissimo, e ciò anche a prescindere dalla
effettiva fondatezza dell’accusa.
Anche il sistema di assistenza giudiziaria ai non abbienti porta
per forza di cose a privilegiare la celerità, poiché le risorse sono natu-
ralmente limitate e i difensori hanno interesse ad una semplice e rapi-
da conclusione dei processi. Si tratta infatti di pubblici funzionari che
devono massimizzare le risorse disponibili, come negli Stati Uniti dove
esiste la figura del public defender, ovvero di avvocati privati pagati dallo
Stato, come in Inghilterra, che hanno la necessità di portare avanti molte
difese in breve tempo per guadagnare a sufficienza21. In ogni caso, poi,
rimane fuori dall’assistenza un’ampia fascia della popolazione, titolare
di un reddito che non consente l’accesso alla difesa fornita dallo Stato,
ma che tuttavia non ha i mezzi per pagare le spese e gli onorari di un
avvocato per il giudizio.
Sotto il profilo dell’equità, la pratica del plea bargaining è da tempo,
per evidenti motivi, criticata dagli studiosi22. Occorre domandarsi se si
tratti di una contropartita adeguata rispetto alla necessità di assicurare
l’efficienza complessiva del sistema giudiziario, e se sia socialmente
accettabile una così marcata discriminazione.

21
D. Nelken, La durata del processo penale in prospettiva empirica: riforme giuri-
diche e contesti sociali, in AA.VV., La ragionevole durata, cit., p. 28.
22
V. ad esempio J. H. Langbein, Torture and plea bargaining, in 46 Univ. Chicago
L. Rev., 1978-79, p. 3 s. Per un’analisi critica in chiave comparatistica, v. R.
Van Cleave, An offer you can’t refuse? Punishment without trial in Italy and the
United States: the search for truth and an efficient criminal justice system, in 11
Emory Int’l L. Rev., 1997, p. 419 s.

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Non si può nascondere, comunque, che le disuguaglianze de-


terminate dalle condizioni economiche hanno conseguenze altrettanto
pesanti nei sistemi in cui la giustizia è lenta e inefficiente e il numero dei
processi da celebrare è eccessivamente alto. L’imputato ricco o potente,
tecnicamente ben attrezzato, ha la possibilità di sfruttare numerose
opportunità per ostacolare lo svolgimento del processo e rallentarlo,
traendo il massimo vantaggio dal malfunzionamento delle strutture e dai
ritardi fisiologici o patologici, fino ad arrivare non di rado ad assicurarsi
una sostanziale impunità a causa dell’estinzione del reato.

9. Alternative al processo penale per un recupero dell’efficienza


del sistema. - Come si è già detto, il principio di legalità, espresso nella
Costituzione italiana come obbligo per il pubblico ministero di esercitare
l’azione penale, differenzia in maniera netta il nostro processo accusatorio
da quello adversary dei paesi di common law, che si caratterizza per la
discrezionalità del prosecutor, il quale può non formulare l’accusa, ritrat-
tarla e anche deciderne autonomamente la qualificazione giuridica. Ciò
naturalmente comporta la possibilità di selezionare i casi da sottoporre
a processo e di commisurare il carico di lavoro alle effettive possibilità
dell’ufficio, anche in ragione delle scelte di politica criminale.
Non si può nemmeno affermare, però, che l’azione penale dis-
crezionale sia un carattere essenziale del modello accusatorio, anche se
indubbiamente è in grado di assicurare una maggiore efficienza, considerati
anche i già segnalati costi di questo tipo di processo in termini di tempo
e di risorse necessarie. L’obbligatorietà dell’azione penale ha, almeno
in linea di principio, la funzione di evitare disparità di trattamento fra i
cittadini, e al tempo stesso tutela l’indipendenza del pubblico ministero
da interferenze del potere esecutivo o di altri poteri. La sua centralità
come strumento per l’attuazione della legalità nel campo penale è stata
espressamente proclamata dalla Corte costituzionale italiana23. D’altra
parte un organo dell’accusa al quale sia affidato il compito di decidere
discrezionalmente quali reati perseguire e quali trascurare dovrebbe
necessariamente risponderne politicamente: o direttamente ai cittadini
quale ufficio elettivo, secondo il sistema statunitense, ovvero, come

23
Corte cost. 15 febbraio 1991, n. 88.

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avviene in molti altri paesi, al governo, a sua volta responsabile verso gli
elettori. Verrebbe meno perciò l’indipendenza del pubblico ministero
che caratterizza l’ordinamento italiano.
In un sistema ad azione penale obbligatoria risalta in maniera
particolarmente evidente la sproporzione tra le risorse disponibili e quelle
che sarebbero necessarie. Il problema non è peculiarmente italiano, ma in
Italia è aggravato dalla qualità e dalla quantità molto bassa degli investi-
menti in materia di giustizia. Senza entrare nei dettagli, non sembra però
verosimile prevedere un’inversione di tendenza, soprattutto in tempi di
crisi economica: occorre pertanto verificare come sia possibile, agendo
sul momento introduttivo del processo, razionalizzarne il funzionamento,
in osservanza del principio della durata ragionevole.
Anche a prescindere dalle ragioni che suggeriscono di salva-
guardare il principio di obbligatorietà, non è però detto che la discrezio-
nalità dell’azione penale sia di per sé la soluzione. Il ricorso a criteri di
opportunità non produce necessariamente un aumento di efficienza del
sistema, perché in pratica, quali che siano le scelte operate, non si può
pensare che ciò comporterebbe un’automatica riduzione della domanda
di giustizia, destinata a restare in larga parte inevasa. Un sistema basato
esclusivamente sulla produttività, in termini di rapporto costi-benefici
– per quanto questo dato sia importante - conduce anche ad esiti con-
sapevolmente iniqui.
Si deve allora cercare di riequilibrare la proporzione tra i casi in
cui si rende necessario ricorrere al processo penale e la capacità di risposta
del sistema. Soluzioni miracolose o di breve periodo non ne esistono: è
la giustizia penale nel suo insieme che va ripensata.
Da tempo la dottrina più attenta evidenziava la necessità di pro-
cedere ad un’ampia depenalizzazione e all’aumento del numero dei reati
perseguibili a querela di parte; nonché, contemporaneamente, alla dimi-
nuzione delle ipotesi di sanzione privativa della libertà personale, per
la cui applicazione la tutela giurisdizionale è imprescindibile. L’osserva-
zione può sembrare scontata, ma ci sono sempre stati ostacoli ideologici
o pratici ad affrontare il problema in maniera radicale. E’ noto a tutti
che nel diritto italiano c’è un eccesso di penalizzazione, e che spesso
la sanzione penale viene introdotta, a prescindere dalla sua concreta
effettività, quando si vuole mandare un segnale all’opinione pubblica,

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anche per ragioni di propaganda politica. Esiste un numero smisurato di


fattispecie incriminatrici che dovrebbero essere del tutto cancellate, o
quanto meno affrontate con sanzioni non penali o con semplici obblighi
di risarcimento o riparazione, evitando il ricorso ad una macchina così
pesante e complessa - proprio perché destinata a garantire i diritti fon-
damentali - qual è il processo penale. Altrimenti si attiva una procedura
ad alto tasso di garanzia anche per questioni di rilevanza minima, per
le quali, il più delle volte, non si arriva nemmeno all’esecuzione di una
condanna, col risultato che assai spesso il processo penale ha esclusiva-
mente un’efficacia stigmatizzante.
In questa direzione ha di recente cominciato ad avviarsi il legis-
latore, con i decreti legislativi n. 7 e 8 del 15 gennaio 201624, che hanno
depenalizzato numerose fattispecie ormai obsolete o inutili e alcune ca-
tegorie di illeciti minori. I reati depenalizzati prevedono ora solo sanzioni
amministrative, oppure una riparazione pecuniaria in sede civile, che si
aggiunge al risarcimento dei danni. Da ultimo, poi, con il d.lgs. 10 aprile
2018, n. 3625, sono stati aumentati i casi di procedibilità a querela di parte,
consentendo fra l’altro di applicare, quando la querela sia proposta, la
nuova causa di estinzione del reato per condotte riparatorie, operante
senza il consenso della persona offesa, di cui all’art. 162-ter c.p., inserito
dalla stessa legge n. 103 del 2017.
Sarebbe inoltre indispensabile introdurre nell’esercizio dell’azione
penale criteri di discrezionalità controllata, che come tali, secondo l’opi-
nione più diffusa, non entrano necessariamente in conflitto col principio
di obbligatorietà26, se ragionevoli e adeguatamente tipizzati. Non c’è
dubbio che dietro l’obbligatorietà dell’azione penale si celi attualmente
una discrezionalità di fatto, dato che gli uffici del pubblico ministero sono

24
In attuazione della delega contenuta nella l. 28 aprile 2014, n. 67.
25
In attuazione della delega contenuta nella l. 23 giugno 2017, n.103.
26
In questo senso v. già M. Chiavario, Ancora sull’azione penale obbligatoria: il
principio e la realtà, in Id., L’azione penale tra diritto e politica, Padova, 1995, p.
131. Più di recente v., anche per ulteriori indicazioni, A. Ciavola, Il contributo
della giustizia consensuale e riparativa all’efficienza dei modelli di giurisdizione,
Torino, 2010, p. 95 s. La stessa Corte costituzionale, nella citata sentenza n.
88 del 1991, aveva escluso che l’obbligatorietà dell’azione penale significhi
consequenzialità automatica tra notizia di reato e processo.

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comunque tenuti ad operare delle scelte di priorità nella trattazione delle


notizie di reato, non essendo materialmente possibile gestirle tutte allo
stesso modo. Quello che si dovrebbe pretendere è che queste scelte siano
trasparenti e prevedibili.
Il modo migliore per assicurarlo sarebbe la predeterminazione
legale dei presupposti in presenza dei quali, anche quando esistono ele-
menti idonei a sostenere l’accusa, il pubblico ministero possa astenersi
dall’agire, previa supervisione del giudice destinata a verificarne la corretta
applicazione nel caso concreto27. Si dovrebbe cioè trovare un contem-
peramento fra opportunità e doverosità dell’azione: e la risposta penale
può anche essere diversificata, senza violare le garanzie fondamentali, a
seconda che si tratti di piccola o di grande criminalità28.
In una simile prospettiva, persegue l’obiettivo di alleggerire il
carico giudiziario la nuova disciplina del proscioglimento per «particolare
tenuità del fatto»29, anche se da taluno criticata in rapporto ai principi
tradizionali del diritto penale sostanziale30. L’art. 131-bis c.p. prevede

27
D. Vicoli, Scelte del pubblico ministero nella trattazione delle notizie di reato e
art. 112 Cost.: un tentativo di razionalizzazione, in Riv. it. dir. proc. pen., 2003,
p. 251 s.
28
A. Ciavola, op. cit., p. 101 s.
29
Artt. 1-5 d.lgs. 16 marzo 2015, n. 28, approvato in attuazione della direttiva
di legge delega contenuta nella già citata legge n. 67 del 2014. Il Governo era
invitato a «escludere la punibilità di condotte sanzionate con la sola pena pecu-
niaria o con pene detentive non superiori nel massimo a cinque anni, quando
risulti la particolare tenuità dell’offesa e la non abitualità del comportamento,
senza pregiudizio per l’esercizio dell’azione civile per il risarcimento del danno
e adeguando la relativa normativa processuale penale» (art. 1 comma 1 lett. m).
30
Le premesse concettuali della novella risultano tuttavia largamente condivise.
Il proscioglimento – che presuppone la sussistenza di un fatto tipico di reato,
di modesta portata lesiva ma non totalmente inoffensivo (C.F. Grosso, La non
punibilità per particolare tenuità del fatto, in Dir. pen. proc., 2015, p. 517) – ris-
ponde a due fondamentali esigenze di rango costituzionale: il principio di pro-
porzionalità dell’intervento repressivo penale, che vieta, in ossequio al canone
dell’ultima ratio, di sanzionare penalmente condotte che appaiano immeritevo-
li di pena nel caso specifico, ed anzi rende la declaratoria di tenuità del fatto una
vera e propria «necessità di giustizia» in considerazione della «ormai acquisita
consapevolezza dogmatica dei limiti della tipicità penale» (così F. Palazzo, Nel
dedalo delle riforme prossime e venture, in Riv. it. dir. e proc. pen., 2014, p. 1706
s.); nonché l’esigenza di alleggerire il carico giudiziario e di restituire effettività
al principio di obbligatorietà dell’azione penale (C.F. Grosso, op. loc. cit.).

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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.164 | 553

che se il reato è punito con pena detentiva non superiore nel massimo a
cinque anni l’offesa può, a determinate condizioni, essere ritenuta non
punibile. La non punibilità può essere dichiarata anche in sede di archi-
viazione della notizia di reato, su richiesta del pubblico ministero (art.
411 c.p.p.), o con una sentenza di proscioglimento predibattimentale (art.
469 comma 1-bis c.p.p.). In ogni caso i provvedimenti che dichiarano la
non punibilità vengono iscritti nel casellario giudiziale e, se si tratta di
sentenza pronunciata nel dibattimento, essa fa stato - quanto all’accerta-
mento del fatto, della sua illiceità e della responsabilità dell’imputato - nel
processo civile o amministrativo di danno promosso contro il prosciolto.

10. Conclusioni. - La scelta accusatoria del codice del 1988, da


molti inizialmente osteggiata, è ormai da considerare irreversibile, anche
se non ha portato ai risultati sperati quanto alla funzionalità del processo,
non riuscendo ad assicurarne la ragionevole durata. Ciò si ripercuote,
come appare evidente, sulla effettiva realizzazione del modello, che per
attuare l’oralità-immediatezza esige la concentrazione del dibattimento.
I lunghi rinvii delle udienze tradiscono lo spirito del sistema accusatorio,
dal momento che il giudice finisce col dover valutare non tanto le prove
percepite direttamente, quanto piuttosto il verbale dibattimentale che le
documenta. Tuttavia un ritorno al vecchio sistema è impensabile, poiché
non porterebbe alcun giovamento e rappresenterebbe solo un regresso
in termini di garanzie.
Un altro dato ormai acquisito, e si può dire universalmente rico-
nosciuto, è la necessità che siano contemplati percorsi differenziati, non
solo all’interno del processo, mediante la deviazione sui riti alternativi,
ma anche verso l’esterno, con una vera e propria “deprocessualizzazione”
che consenta epiloghi di altro genere.
I procedimenti speciali come l’applicazione della pena su richiesta
delle parti e il giudizio abbreviato, fortemente incentivati dopo la riforma
del codice, contribuiscono ad alleggerire il carico dei dibattimenti penali,
ma in misura non comparabile a quanto avviene nei sistemi inglese e degli
Stati Uniti, dal momento che statisticamente non superano il trenta per
cento del totale.
Fra gli interventi destinati ad evitare la celebrazione del di-
battimento va ora annoverato anche l’istituto della sospensione del

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554 | Illuminati, Giulio.

procedimento con messa alla prova31, già sperimentato nel processo


minorile ed introdotto in quello ordinario dalla sopra citata legge n. 67
del 2014. Per i reati puniti con pena detentiva non superiore nel massimo
a quattro anni, è applicabile, su richiesta dell’imputato, un programma
di trattamento a fini di risocializzazione, il cui esito positivo estingue
il reato (artt. 168-bis-168-quater c.p.). La sua attivazione già nella fase
delle indagini preliminari consente una notevole economia processuale,
evitando di regola l’esercizio dell’azione penale e la celebrazione del
giudizio. La sem­plificazione si risolve pertanto in una procedura di tipo
prevalentemente burocratico-am­ministrativo, sebbene formalmente giu-
risdizionale. La fuga dal processo per i reati meno gravi - che comunque
statisticamente sono la maggioranza - si giustifica in nome dell’efficienza
complessiva del sistema: ma non è detto che la sospensione con messa
alla prova sia necessariamente appetibile dall’imputato, dal momento che
per la medesima fascia di reati esistono soluzioni alternative che possono
in concreto rivelarsi anche più vantaggiose.
Occorre pertanto spingersi oltre nella razionalizzazione del sistema,
agendo sui presupposti e sulle modalità di esercizio dell’azione penale. La
razionalizzazione è solo un passo avanti verso l’efficienza, ma non è certa-
mente il passo risolutivo. Tuttavia se a ciò si accompagnano altri interventi,
di carattere strutturale, e soprattutto la massimizzazione delle risorse
disponibili – non tanto e non solo l’aumento, pure necessario, quanto una
loro migliore allocazione – le ricadute positive, almeno nel medio periodo,
potrebbero manifestarsi anche nei giudizi più complessi e per i reati più
gravi, recuperando l’impostazione originaria del processo accusatorio.

B ibliografia
K. AMBOS, International criminal procedure: “adversarial”, “inquisitorial” or mixed?,
in Int’l. Crim. L. Rev., 2003, p. 1 s. https://doi.org/10.1163/156753603767877084

31
In argomento, e sui dubbi di illegittimità costituzionale per contrasto con la pre-
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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de coautoria e especificação das contribuições (declaration


of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requi-
sitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; o autor se
responsabiliza integralmente por este trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


este artigo é uma versão revisada e ampliada do trabalho publicado
em: G. Illuminati, El sistema acusatorio en Italia, in AA.VV., Proceso
penal y sistemas acusatorios, a cura di L. Bachmaier Winter, Madrid,
2008, p. 135 s.; o autor assegura que não há plágio de terceiros.

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Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 24/04/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Retorno rodada de correções: 26/05/2018 ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
▪▪ Autor convidado ▪▪ Editoras-associadas: 2
http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/ (LBW e BC)
RBDPP/about/editorialPolicies - custom-1

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


ILLUMINATI, Giulio. Modello processuale accusatorio e sovraccarico
del sistema giudiziario. Revista Brasileira de Direito Processual Penal,
Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 533-557, mai./ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.164

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 533-557, mai.-ago. 2018.
Equality of arms, impartiality of the judiciary
and the role of the parties in the pre-trial inquiry:
the perspective of Italian criminal justice

Paridade de armas, imparcialidade do Judiciário e o papel das partes


na investigação preliminar: a perspectiva da justiça criminal italiana

Stefano Ruggeri1
Università degli Studi di Messina/Itália
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-2684-3340

Abstract: The analysis of the prosecutorial inquiry in Italian criminal


proceedings displays a complex scenario. In spite of the progressive
enhancement of participatory rights of private parties, the overwhel-
ming role of the investigative authorities does not set the necessary
conditions for effective equality of arms, while largely frustrating the
tasks of the judiciary. To a great extent, the maintenance of several
decision-making and coercive powers of the public prosecutor still
largely reflect the old conception of an independent body of justice.
Even though the individuals involved in the prosecutorial inquiry are
ensured participation in a number of police and prosecutorial investiga-
tions, legal assistance often lacks effectiveness, and the possibilities of
defence lawyers conducting autonomous investigations are scant and
only achieve a formal level of par condicio. Certainly, this set-up cannot
be justified in a human rights-oriented model of criminal justice. De
lege ferenda, the enhancement of the tasks of competent judge for the
pre-trial inquiry, who under Italian law is not an investigative magistrate
but is called upon to ensure the proper fulfilment of procedural safe-
guards, appears to constitute today the best alternative to one-sided
investigations and the dominant role of the investigative authorities.

1
Professor associado de direito processual penal italiano e justiça penal europeia
na Universidade de Messina/Itália. Doutor em Direito pela Scuola Superiore
Sant’Anna de Pisa/Itália.

559
560 | Ruggeri, Stefano.

Key-words: Equality of arms; judicial impartiality; pre-trial inquiry;


Italian criminal justice.

Resumo: A análise da investigação pelo Ministério Público no processo penal


italiano apresenta um cenário complexo. Apesar do aumento progressivo
dos direitos de participação das partes, o papel imenso das autoridades
investigativas não determina as condições para a efetividade da paridade
de armas, e também prejudica amplamente as tarefas do julgador. Em
grande medida, a conservação de vários poderes decisórios e coercitivos do
Ministério Público ainda refletem a antiga concepção de um independente
membro de Justiça. Ainda que os indivíduos envolvidos na investigação
ministerial possam participar em alguns atos policiais e do Ministério Público,
a defesa técnica em muitas vezes carece de efetividade, e as possibilidades de
investigações autônomas por advogados de defesa são limitadas e somente
determinam uma igualdade em nível formal. Certamente, esse cenário não
pode ser justificado em um modelo de justiça criminal orientado por direitos
humanos. De lege ferenda, o aumento das tarefas do juiz competente para
a investigação preliminar, que sistema italiano de justiça penal não é um juiz
instrutor, mas um juiz de garantias, mostra-se atualmente como a melhor
alternativa em relação a investigações unilaterais e o papel dominante de
autoridades investigativas.
Palavras-chave: Paridade de armas; imparcialidade judicial; investigação
preliminar; justiça criminal italiana.

1. I ntroduction

Italian criminal justice has long been characterised by the strong


tendency to bring forward the ascertainment of facts prior to the trial
phase. Under the 1930 code of criminal procedure (the so-called ‘Rocco
code’), fact-finding was largely based on the information gathered by the
competent bodies for the pre-trial stages. In particular, the intermediate
stage (istruzione), headed either by an investigating magistrate or the
public prosecutor,2 primarily aimed at the collection of evidence for the

2
Investigative judges headed a formal inquiry (istruzione formale), whereas
prosecutors an interim one (istruzione sommaria).

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purposes of the trial decisions.3 This set-up had considerable repercus-


sions on a number of fundamental rights of the individuals involved in
criminal proceedings. Not only had private parties very limited room in
the prosecutorial inquiries and the evidence-gathering activities con-
ducted by the investigative magistrate, but furthermore the accused was
normally remanded into custody after the institution of istruzione, being
therefore deprived of the right to take part in criminal proceedings as a
free person.4 The inevitable imbalance between the defendant and the
competent authority for evidence gathering at the pre-trial stages was
further aggravated in the trial, on two main grounds. Firstly, the trial
judges could make full use of the information collected by investigative
bodies and law enforcement authorities. Secondly, the defence could
only give indirect contribution to the taking of oral evidence in open
court, since depending on the types of the proceedings, witnesses were
examined by either the president of the trial court or by a district court
judge (pretore).5
Since the beginning of the 1960s, legal scholarship strongly criti-
cised this criminal justice system, particularly the prosecutorial inquiry,
which, though initially conceived as an exception to the ordinary judicial
inquiry, soon gained ground in practice. There was little doubt that this
set-up turned out to frustrate both the possibility of impartial fact-finding
and the accused’s right to be heard by an independent body.6 Constitutional
case-law also played an important role in the enhancement of defence
rights in the pre-trial phases. However, this model was long tolerated on
several grounds, mainly because the public prosecutor, forming part of
the judiciary, is under Italian law an independent body of justice (organo

3
Siracusano. Istruzione del processo penale, pp. 166 ff.
4
The inclusion of the rules on both arrest and remand detention into the sys-
tematic structure of the 1930 code at the beginning of the Book concerned
with the intermediate phase was clearly in line with the typically inquisitorial
appreciation of pre-trial custody as the most appropriate means of forcefully
achieving the collaboration (if not the confession) of the defendant, who was
also viewed as an instrument for the success of the criminal inquiries rather
than a right holder. Cf. Marzaduri. Misure cautelari personali, p. 61.
5
Art. 440 of the 1930 code.
6
For strong criticisms see, in particular, Cordero. Ideologie del processo penale,
pp. 3 ff.

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562 | Ruggeri, Stefano.

di giustizia).7 Yet it was difficult to understand how fact-finding could be


deemed truly independent, if the same authority that charged defendants
with a criminal offence and remanded them into custody was also empo-
wered to collect incriminating evidence against them. Similar concerns
could be raised in relation to the istruzione headed by the investigative
magistrate, who not only had considerable coercive powers, but could
also autonomously initiate a criminal prosecution in cases of rejection of
the prosecutor’s request for discontinuance of the proceedings.
It took more than two more decades, however, before Italian
lawmakers reformed this legislative set-up. The strong adversarial ins-
piration of the 1988 codification8 (the so-called ‘Vassalli code’) led the
Italian legislature to depart from the previous model of pre-trial inquiries.
The public prosecutorial office was deprived of some coercive powers, as
pre-trial detention and further restrictions on freedom could only ordered
by a judge. Moreover, both the police and the prosecutor could no longer
gather evidence with a view to a guilty verdict. Thus, pursuant to a new
general exclusionary rule, the trial judges were precluded access to the
information collected in the pre-trial stages, which was not to be included
into the trial file but into the prosecutorial file that was not at the disposal
of the decision-makers.9 Along with the reduction of the law enforcement
and evidence-gathering powers of the prosecutorial authority, the 1988
code abolished the old investigative magistrate, replaced through a new
judicial body, namely a competent judge for the pre-trial inquiry (giudice
per le indagini preliminari). Unlike the investigative magistrate, this judge
was intended to be an independent authority with the main task of en-
suring respect for procedural safeguards in the pre-trial stages, without
any power to indict the accused and to gather evidence on his own.10

7
See Art. 73 of Royal Decree 12/1941 (statute on the organisation of the ju-
diciary). Critical remarks on this concept were formulated by Chiavario. Il
pubblico ministero organo di giustizia?, pp. 714 ff.
8
Article 2(1) of the Delegation Law for the new code of criminal procedure
(Law 81/1987) contained an explicit reference to the requirement that the
drafters of the new codification fulfil the principles of an adversarial model
of criminal justice.
9
See Arts. 431 and 433 CCP.
10
On this new judge see the comprehensive analysis of Ruggieri. La giurisdizio-
ne di garanzia nelle indagini preliminari.

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A look at the developments that have taken place over almost


three decades, however, reveals the enormous difficulties that both Italian
courts and the lawmakers encountered to avoid a dangerous return to the
mixed system of inquisitorial tradition, while fulfilling the new challenges
posed by the case-law of the Strasbourg Court of human rights,11 as well as
by EU law. This study examines the milestones in the evolution of Italian
criminal justice over recent years. While highlighting the steps forward
made by the current codification, I shall also analyse the shortcomings
of the original model of a prosecutorial inquiry headed by an impartial
body of justice, as well as the subsequent developments that occurred in
both legislation and case-law, which have deeply altered the trade-offs
of the prosecutorial investigation. To this end, I shall firstly examine a
preliminary issue, namely whether and to what extent the par condicio
principle and the right to be tried before an independent tribunal apply
to pre-trial phases in criminal proceedings.

2. The guarantee of an impartial judge , the principle of


contradictoire and the equality of arms in the pre - trial
inquiry under the E uropean C onvention and in the
constitutional model of a fair trial

Whereas international human rights law and the constitutional


law of several European countries generally acknowledge the right to be
tried before an independent and impartial court in criminal matters, the
principle of equality of arms is not widely recognised with specific regard
to criminal proceedings. The Pact of San José is quite unique among other
international human rights charters, in that it expressly grants the person
charged with a criminal offence a set of minimum due process safeguards
“with full equality”.12 The European Convention on Human Rights, instead,

11
The aforementioned Article 2(1) of Law 81/1987 also required the drafters
of the new code to comply with the provisions set forth by the international
conventions ratified by Italy, regarding the rights of the individuals involved
in criminal proceedings, a requirement that explicitly aimed at orienting the
current codification towards the standards of protection acknowledged by
the European Convention and further developed by Strasbourg case-law.
12
Art. 8(2) ACHR.

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564 | Ruggeri, Stefano.

does not explicitly enshrine the principle of par condicio in criminal


matters. There is little doubt, however, that the fundamental guarantee
of equal treatment is of the utmost relevance in the model of a fair trial
under the Rome Convention. The case-law of the Strasbourg Court has
confirmed this assumption on various occasions by recognising that “the
right to an adversarial process, as required by Article 6 of the Convention,
means that both the prosecution and to the defense must be given the
opportunity to have knowledge of and comment on the observations filed
and the evidence adduced by the other party”.13 On close examination,
this conclusion does not contradict the spirit of the Convention, which,
although not enabling prosecutors to claim state-related interests before
the Strasbourg institutions,14 does not ensure defendants the right to be
heard fairly but to an overall fair hearing. In more recent times, European
case-law has further developed a wide-ranging understanding of criminal
proceedings. By departing from the accused-centred view of criminal
trials, the Strasbourg judges have increasingly called for complex balan-
ces among conflicting interests, which are not only concerned with the
public prosecutor and the private parties, but also with other individuals
involved in criminal proceedings without being party to them, such as
vulnerable witnesses, undercover agents, and so on.
The link between the principle of equality of arms and the right
to be adjudicated by an impartial court, however, cannot be interpreted
in such terms that this fundamental guarantee should only be fulfilled
in the court proceedings. A relevant question, therefore, is whether
and to what extent international human rights law also requires com-
pliance with par condicio in the pre-trial inquiry. The examination of
the delicate field of the right to confrontation with the accuser displays
a significant difference in the approaches followed by the Strasbourg
Court and domestic law. Without a doubt, the enshrinement of the ge-
neral right to a public hearing by the European Convention entails that
the trial provides the best conditions for the parties contributing to the

13
ECtHR, Fodale v. Italy, judgment of 1 June 2006, Appl. No. 70148/01, § 42. In
this sense see already ECtHR, Laukkanen and Manninen v. Finland, judgment
of 3 February 2004, Appl. No. 50230/99, § 34.
14
In this sense cf. Trechsel. Human rights in criminal proceedings, p. 90.

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gathering of incriminating evidence.15 Strasbourg case-law, however,


has never emphasised this approach to the extent that it deemed the
trial confrontation to be the only solution compatible with the Conven-
tion. As was stressed in Asch v. Austria,16 confrontation in open court
can be an undesirable result. For instance, in cases of serious organised
crime, the prompt out-of-court collection of evidence by prosecutorial
witnesses or co-defendants is usually of the utmost importance both
for a clear reconstruction of complex situations and in order to avoid
undue risks for the person examined. The Strasbourg judges have not
explicitly clarified whether the Convention acknowledges the right to
confrontation in the pre-trial phase. Yet the positive answer was implicit
in Imbrioscia v. Switzerland, in which they ruled out a violation of the
right to confrontation because neither the lawyer nor the defendant had
asked to be present at the police questioning of a witness.17 Moreover, the
Court’s usual focus on the requirement that defendants be given a proper
opportunity of confrontation at a later stage of the proceedings reveals
a flexible approach, which does not make confrontation in a public trial
a mandatory solution, provided, however, that the accused was granted
an effective opportunity of confrontation.18
The Italian Constitution of 1947 did not provide an explicit ack-
nowledgment of par condicio in court proceedings in general. Yet, along
with the general principle of equal treatment of Article 3 of the Consti-
tution, there was little doubt that the need for a fair balance of the rights
and powers of the parties – particularly in the sensitive field of criminal
proceedings, characterised in Italy by the prevailing role of the public
prosecution office – was a necessary condition for the proper fulfilment
of a number of constitutional safeguards, starting with the fundamental
right to a defence and the presumption of innocence. Constitutional
Amendment Law 2/1999, while enacting into the Constitution a set of

15
Ibid., pp. 305 f.
16
ECtHR, Asch v. Austria, judgment of 26 April 1991, Appl. No. 12398/86.  
17
ECtHR, Imbrioscia v. Switzerland, judgment of 24 November 1993, Appl. No.
13972/88. In the sense underlined in the text cf. Trechsel, Human rights in
criminal proceedings, p. 309.
18
ECtHR, Barberá, Messegué and Jabardo v. Spain, judgment of 6 December
1988, Appl. No. 10590/83. 

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 559-603, mai.-ago. 2018.
566 | Ruggeri, Stefano.

fair trial rights acknowledged by the European Convention, enshrined


three basic features of all court proceedings, namely the right to be
involved in judicial proceedings, the right to an impartial judge and the
principle of equality of arms. A systematic examination of Article 111(2)
of the Constitution surely excludes the possibility of interpreting these
fundamental safeguards as unconnected from each other. It is hard to
understand how the parties could be fairly heard in criminal proceedings
without an independent and impartial judicial oversight that ensured full
equality of arms. The need for systematic interpretation also deemphasized
the need for a structuralist approach to the principle of contradictoire,19
which is strictly linked with the other constitutional rules regarding the
fair trial rights of the accused.20 The effective exercise of the right to
participate in criminal proceedings, in particular, requires defendants
to be given proper information on the charges filed against them and to
have enough time to prepare their defence.21 Furthermore, the accused’s
right to be confronted with incriminating witnesses22 lies at the core of
the requirement of the parties’ involvement in evidence-gathering and
the principles of a fair fact-finding, to the point that defendants cannot
be convicted on the basis of the statements given by individuals who
voluntarily avoided any confrontation with the accused.23
As far as the right to confrontation is concerned, moreover, it is
worth observing that Italian constitutional law departs from Strasbourg
case-law by recognising the right to examine or have examined incrimi-
nating witnesses ‘before a judge’. This provision, however, cannot be read
in the sense that only confrontation in open court would be lawful for the
purposes of decision-making, as Italian law provides a number of cases

19
Marzaduri. Commento all’art. 1 legge costituzionale 2/1999, p. 767.
20
The term ‘accused’ (accusato) is traditionally extraneous to Italian criminal
procedural law, which usually relates to the person formally charged with a
criminal offence as ‘defendant’ (imputato). Over recent years, however, the
rising influence of international human rights law and EU law has led to the
gradual spread of this new concept in Italian law. This poses unprecedented
problems of compatibility with the national terminology, which in turn entails
substantial implications on the scope of application of fundamental guarantees.
21
Art. 111(3) Const.
22
Ibid.
23
Art. 111(4) Const.

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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.161 | 567

in which the trial decision can (also) be based on evidence taken out of
court. Thus, along with specific exceptions that can be justified in light
of constitutional-law derogations from the principle of contradictoire,24
the Vassalli code allows the reading out of statements rendered by the
accused in the pre-trial stages to the public prosecutor or the police acting
upon delegation, statements that, even if inconsistent with the evidence
given at trial, can be used against the defendant.25 On close examination,
it is more than doubtful that such solutions are fully in line with the
constitutional model of a fair trial. At any rate, the possibility of using
evidence gathered by the investigative authorities out of court poses the
delicate question of which safeguards are due to the person examined in
light of the principle of equality of arms in the pre-trial stages, a ques-
tion that does not only concern the questioning of suspects but also the
prosecutorial or police hearing of other individuals, such as the victim,
co-accused, vulnerable witnesses, and so on.
Certainly, the complex structure of criminal proceedings makes it
by definition impossible for the public prosecution office and the private
parties to be placed on an equal footing. Great differences exist between
the public prosecutor and the defence. Even though prosecutors hold a
number of rights in the manner of private parties, they can never have
a private interest in fact-finding. Moreover, that the public prosecutor is
called upon to carry out exhaustive investigations, collecting evidence
both against and in favour of the suspect,26 still justifies the maintenance
of coercive and decision-making powers which lie with the judiciary.
This in turn poses the need to re-balance the relationship with private
parties, particularly in the pre-trial inquiry.
It was surely not the intention of the drafters of the 1999 cons-
titutional reform to disrupt this set-up by imposing a perfect equality
of arms. Yet the enactment of the par condicio principle and the right to
contradictoire in the same general provision on the essential requirements
of all fair trials calls for a stronger relationship between these two funda-
mental guarantees than in the past. The achievement of a real equality of

24
Art. 111(5) Const.
25
Art. 503(5) CCP.
26
Arts. 326 and 358 CCP.

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arms does not only enable effective contradictoire among the parties, but
should also require the enhancement of an independent oversight and
the role of the judiciary in the pre-trial stages.27 This confirms that under
Italian constitutional law too, the scope of the par condicio principle and
the right to contradictoire cannot be circumscribed to court proceedings.
One might argue that the principle of equality of arms should be recog-
nized in an indirect manner in the preliminary phase, in that denial of
defence rights would negatively affect the effective exercise of the right to
contradictoire on an equal position at a later stage of the proceedings.28 Yet
this explication would leave the defence unprotected in the prosecutorial
and police inquiry, in which the imbalance between the law enforcement
authorities and private parties reaches its highest tension.
The examination of the developments that have occurred over al-
most twenty years since the 1999 constitutional fair trial reform highlights
the difficulties that the Italian criminal justice had to face to fulfil the
constitutional principle of equality of arms and the right to an indepen-
dent and impartial judge. In the following paragraphs, I shall examine
the fragmentary evolution of Italian law, which not only reveals the
inability of Italian legislation to depart from a somewhat paternalistic
understanding of defence rights in the pre-trial inquiry, but also the
inconsistencies that still characterise the role of the competent judge for
procedural safeguards in this delicate phase.

3. The initiation of the pre - trial inquiry, information


rights and the need for independent oversight of the
prosecutorial investigations

The initiation of the pre-trial inquiry poses a number of difficult


challenges from the viewpoint of a balanced distribution of powers.
Notwithstanding that Italian procedural law, differently from that of
other countries (e.g., Brazil), structures the preliminary investigations
as a prosecutorial inquiry, the preliminary investigation has never lain

27
Marzaduri. Commento all’art. 1 legge costituzionale 2/1999, pp. 768 f.
28
Ibid., p. 769.

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with the responsibility of the sole public prosecutor. To be sure, the 1988
code conceived of a centralised model of pre-trial inquiry, which started
with the registration of notitia criminis by the competent prosecutor and
allowed the police to investigate only by delegation, after prosecutors took
over the leadership of the case.29 Nevertheless, under the original rules,
the police could already gather notitiae criminis at their own initiative,30
and both the prosecutor and the police were empowered to conduct all
the necessary investigations to enable the former to decide whether or
not to indict defendants before the competent court.31 This centralised
model of pre-trial inquiry, however, soon imploded on itself. A few years
after the code’s enactment, the 1992 antimafia legislative reform allowed
the police to carry out autonomous investigations,32 which significantly
altered the overall features of the pre-trial phase, enabling the police to
conduct parallel inquiries to those headed by the competent prosecutor.
Despite these radical changes, the responsibility for the institu-
tion of the pre-trial inquiry is still generally in the hands of the public
prosecutorial office,33 which raises several problems particularly in light
of the European Convention and EU law. A first problem concerns the
absence of a clear statutory deadline for the registration of notitia criminis,
as Italian law only requires the public prosecutor to note the case ‘imme-
diately’. Although there is no independent oversight, eventual delays can,
however, not jeopardise the person under investigation who, despite not
having assumed the formal status of a ‘suspect’, cannot be questioned
without the safeguards due to suspects.34 Yet the prosecutorial initiative
of noting the alleged offence entails a number of relevant implications,
starting with the information rights of the individuals concerned. To be
sure, the annotation of the case does not in itself constitute a ‘charge’ in

29
Art. 348(1) CCP (1988 version).
30
Art. 330.
31
Art. 326 CCP.
32
Law Decree 306/1992, converted into Law 356/1992.
33
A significant exception is foreseen in the proceedings with fall within the
competence of the justices of the peace, in which the pre-trial inquiry, as a
general rule, lies with the responsibility of the police. See Arts 11 et seqq. of
Legislative Decree 274/2000.
34
Art. 63(2) CCP.

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570 | Ruggeri, Stefano.

the terms of the European Convention, which requires the defendant to


be informed (and to be kept informed) of the ‘accusation’.35 Since the
obligation to register the alleged offence fulfils the need to establish the
time of formal initiation of criminal proceedings, the prosecutorial duty
of annotation arises even if evidence against one or more individuals has
not yet been collected.36 Moreover, it is apparent that, if the institution
of a criminal inquiry entailed the duty of the competent authorities to
immediately inform the individuals that might be involved in the criminal
law action, this would frustrate the goals of the ongoing investigations.
Therefore, the rules of Article 335 CCP, which do not require prosecu-
tors starting a criminal investigation to provide information at their own
initiative, are exempt from criticism. The need for information, however,
arises when enough evidence is collected against one or more individuals,
who must therefore be charged with a criminal offence37 by taking on
the formal status of ‘suspects’.38
The 1988 code provided for a radical solution in this regard, ex-
cluding any information until the defendant was brought to court.39 It is
more than doubtful whether this harsh solution could be deemed in line
with the constitutional-law right to an effective defence.40 It took several
years, however, before Law 332/1995 acknowledged the right of both
suspects and victims to receive information on the prosecutorial charge
and its eventual modifications. Yet this legislative reform had conside-
rable shortcomings, which raised several human rights concerns about
the consistency of the new regulation with both constitutional law and
the European Convention. Thus, the system introduced in 1995, which
is largely still in force, does not require prosecutors to grant information
ex officio, but only enables the individuals concerned to request infor-
mation to the competent prosecutorial office.41 Furthermore, the public

35
Art. 6(3)(a) ECHR.
36
Art. 335(1) CCP.
37
Marzaduri. Commento all’art. 1 legge costituzionale 2/1999, p. 782.
38
Art. 335(2) CCP.
39
Art. 335(3) CCP (1988 version).
40
Art. 24 Const.
41
Art. 335(3) CCP.

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prosecutor could also deny information if this might jeopardise the on-
going inquiry for a period no longer than three months.42 This is a very
questionable solution, not only because the competent prosecutor can
withhold the sought information on the ground of vague investigative
needs, but also because the prosecutorial decision cannot be challenged
before an independent authority.
The most difficult problem, however, is the choice of the legal
classification of the offence, which also lies solely with the prosecutor
noting the case. Without a doubt, the establishment of nomen juris is
not a formal decision, but entails a number of delicate human rights
implications. In particular, the 1995 legislative reform permitted the
exclusion of information in cases of certain serious offences listed in
Article 407(2)(a) CCP (kidnapping with the purpose of extortion, ma-
fia-typed organised crime, terrorism, etc.).43 This solution, which is
still in force despite the recent legislative implementation of Directive
2012/13/EU on information rights in criminal proceedings,44 provides
a highly problematic presumptio juris et de jure. Thus, it is debatable that
the abstract seriousness of the offence always entails risks for the ongoing
investigation.45 Furthermore, it is clear that restrictions on the right to
information cannot be justified in relation to the victim and the suspect
in the same terms, as granting information to the victim does not entail
similar risks to the ongoing inquiry.46
Moreover, the choice of nomen juris can have relevant consequen-
ces on the use of several investigative measures that seriously interfere
with fundamental rights. Under Italian law, for example, wiretaps can only
be ordered in relation to specific offences (Katalogtaten),47 as classified
by the competent prosecutor while noting the case. Further implications,
moreover, derive from the prosecutor’s initial decision in the remand

42
Art. 335(3-bis) CCP.
43
Art. 335(3) CCP.
44
Legislative Decree 101/2014.
45
Marzaduri. Commento all’art. 1 legge costituzionale 2/1999, p. 779 fn. 110.
46
A recent legislative reform, however, ensured to the victim the right to re-
quest information on the ongoing inquiry the latest six months after lodging
a complaint. See Art. 335(3-ter) CCP, enacted by Law 103/2017.
47
Art. 266 CCP.

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proceedings and the procedures regarding other restrictions on free-


dom of the individuals charged with some serious offences (especially
mafia-type crimes). Thus, the Vassalli code, departing from the general
understanding of pre-trial detention as extrema ratio, allows defendants
to be remanded in custody solely on the basis of a suspicion of guilt.48
This set-up in turn exonerates both the prosecutor to demonstrate and
the competent judge to ascertain the existence of specific risks for the
ongoing procedure (risk of absconding, or tampering with evidence,
or committing new serious crimes). In other words, this solution not

48
This controversial regulation was introduced by the aforementioned 1992 an-
timafia reform with regard to mafia-related crimes (mafia-type association,
crimes committed using the typical conditions of mafia-type association and
crimes of mafia abetting). Over more than two decades, the original rules
have been amended several times. In 2009, a legislative reform carried out
by Law-Decree 11/2009, converted into Law 38/2009, extended the scope of
Article 275(3) CCP to the area of sexual offences and other serious crimes.
This reform was largely countered by the Constitutional Court, which fur-
ther narrowed the application of this exceptional mechanism. Ultimately, fol-
lowing the approach of constitutional case-law, Law 47/2015 distinguished
the special rules on remand detention according to two groups of serious
crimes. In case of the offences under Articles 270, 270-bis and 416-bis of the
penal code (subversive association, criminal association aimed at national
and international terrorism and at subverting democratic order, and mafia-
-related criminal association), pre-trial detention is to be applied if suspicion
of guilt arises, unless it is proven that no risk exists to the ongoing inquiry.
In relation to other serious crimes (murder, sexual crimes, etc.), the same
mechanism applies, with the difference, however, that alternatives to custody
can also be applied in case of attenuated risks to the proceedings.

At first glance, it appears that Italian law provides for proper balance among
conflicting interests, allowing for the application of remand detention on the
basis of a rebuttable presumption of dangerousness of defendants charged
with these crimes. However, the code exonerates the judicial authority from
assessing the real existence of any concrete risk to the ongoing inquiry. Thus,
as a rule, the defendant must produce evidence in rebuttal. Furthermore, the
possibility of overturning the presumption of dangerousness depends on
very exigent proof on the part of the defence. That the assessment of sus-
picion of guilt provides the sole justification of remand detention raises se-
rious human rights concerns especially in the cases of mafia-related criminal
association and of sexual crimes, in which one can observe the widespread
tendency of proving fumus delicti on the basis of dangerous inferences and
presumptions. On the fact-finding in the field of mafia-typed crimes see the
comprehensive analysis of Maggio. Prova e valutazione giudiziale dei com-
portamenti mafiosi, pp. 491 ff.

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only facilitates the onus probandi of the competent prosecutor, but also
weakens the requirements of fact-finding, with evident repercussions
on the right to freedom.
In sum, the prosecutor’s unchallengeable choice of the legal
classification of the alleged offence, without any independent oversight,
can have a considerable influence on the decision-making powers of the
competent judge. It is true that in the field of pre-trial coercive measures,
Italian courts widely accept the possibility of the competent court for
judicial review (riesame) changing the nomen juris chosen by the public
prosecutor.49 Yet judicial review presupposes the appeal of the interested
party, and the application of restrictions on freedom is purely accidental.
De lege ferenda, the competent judge for the pre-trial inquiry should be
able to scrutinise the appropriateness of the legal classification of the
offence by the competent prosecutor; a good solution might be to require
a judicial review of nomen juris at certain intervals. Of course, even such
solutions would remain rather useless, if the competent judge were still
precluded access to the prosecutorial file. The logic of non-inquiry, or
limited inquiry, does not seem to be compatible with the need to ensure
full protection of procedural safeguards in the investigative phase. There
is no valid justification for withholding relevant information from the
judicial authority, which should instead be given full knowledge of the
evidence collected by the investigative authorities, regardless of whether
or not access to the materials of the case if allowed to the defence.

4. Interference with fundamental rights, prosecutorial powers


and the role of the judiciary in the pre-trial stages

4.1. Premise

A highly problematic topic from the viewpoint of the present


discussion concerns the use of coercive measures for the purposes of
evidence-gathering in the pre-trial stages. The dynamics of the ordering
of intrusive investigations, in particular, constitute a clear example of the

49
Negri. Fumus commissi delicti, p. 61.

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persistent inability of Italian legislation to provide a model of pre-trial


inquiry that can fully satisfy the constitutional-law requirement of equality
of arms throughout criminal proceedings. For the sake of clarity, I shall
focus on three main issues, namely a) the increasing decision-making
powers of the prosecutorial authority in ordering intrusive investigations,
b) the role of the judiciary in the collection of usable evidence in open
court, and finally c) participatory safeguards and the impartiality of the
competent judge in the field of pre-trial detention and further restric-
tions on freedom.

4.2. The increasing decision-making powers of the public prosecutorial


office in ordering coercive measures

Concerning the first issue, we have observed that the 1988 co-
dification not only abolished the investigative magistrate but also dras-
tically reduced the evidence-gathering tasks of public prosecutors, in
that the information gathered by the investigative bodies, as a rule, could
no longer be used in open court. The in-depth reforms carried out by
the Vassalli code, however, did not suffice to eradicate all the coercive
powers of prosecutorial authority, which under Italian law, as noted, still
forms part of the judiciary. To a certain extent, it might be argued that
the new criminal justice system, despite its strong adversarial approach,
strengthened the pre-trial inquiry in comparison to the fascist codifica-
tion, while maintaining some important decision-making powers on the
part of the public prosecutorial office. There was a number of relevant
examples. As a ‘judicial authority’, the public prosecutorial office was
empowered to order physical inspections50 and home searches51 in the
preliminary phase, and also in the exceptional cases in which the police
could conduct searches without previous judicial authorisation, confir-
mation ought to be requested to the prosecutor.52 The competences of
the prosecutorial authority were extended even to the area of free and
secret (tele)communication, notwithstanding that Italian constitutional

50
Art. 244(2) CCP.
51
Art. 247(2-3) CCP.
52
Art. 352(4) CCP.

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law only allows restrictions on this fundamental right after judicial au-
thorisation.53 Thus the 1988 code, while generally conditioning wiretaps
on judicial authorisation,54 had already enabled the public prosecutor to
order the interception of telecommunications in urgent cases, provided,
however, that the competent judge validate the prosecutorial order.55
The years ahead not only led to the strengthening of the law
enforcement and investigative powers of the police during the pre-trial
inquiry, but also of the decision-making powers of the prosecutorial au-
thority. The developments that have taken place in recent years confirm
how deep the traditional understanding of the public prosecutorial office
as an independent body of justice is still embedded in Italian criminal
procedural law. A clear example was provided by Law 85/2009, through
which Italy adhered to the 2005 Prüm Convention aimed at strengthening
cross-border cooperation particularly in combating terrorism, cross-border
crime and illegal migration. This legislation introduced new provisions
with a view to establishing the conditions of taking specific forms of expert
evidence requiring delicate medical checks, such as the sampling of hair
or mucosa from the oral cavity for the purposes of DNA examination.56
The same legislative reform, moreover, laid down further rules aimed at
governing the compulsory taking of biological samples in the pre-trial
inquiry. Here also, as a general principle, judicial authorisation by the
competent judge for the pre-trial inquiry is necessary in the absence
of the consent of the interested person.57 Nevertheless, in urgent cases
the competent prosecutor can order such medical surveys, which are,
however, subject to subsequent judicial validation within short time-li-
mits.58 The most worrisome case, furthermore, is where the police need
such intrusive investigations during their autonomous inquiries for the
purposes of the identity check of the suspect or other individuals who
do not consent to the coercive sampling. In this case, the police cannot

53
Art. 15(2) Const.
54
Art. 267(1) CCP-Italy.
55
Art. 267(2) CCP-Italy
56
Art. 224-bis CCP.
57
Art. 359-bis(1) CCP.
58
Art. 359-bis(2) CCP.

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proceed without the authorisation of the public prosecutorial office,59


which here is therefore the competent body for ordering investigations
that can severely affect the fundamental rights of the person subject to
the expert examination.
More recently, we have witnessed a further enhancement of
the prosecutorial decision-making powers in the field of interception of
telecommunications. It has been noted that the 1988 code had already
empowered the competent prosecutor to order wiretaps in urgent cases,
provided that the competent judge for the pre-trial inquiry could vali-
date the prosecutorial decree within short time-limits. Remarkably, the
requirement of judicial validation is a necessary condition not only for
continuing the ongoing interception but also for the admissibility of the
information gathered.60 At the end of 2017, moreover, a wide-ranging
legislative reform on interception of telecommunication61 enacted into
the rules on wiretaps unprecedented provisions aimed at governing the
use of modern eavesdropping devices, such as Trojan horses, to intercept
private conversations among present people.62 It is noteworthy that in
the proceedings for a number of serious crimes (criminal organisation,
drug trafficking, etc.), prosecutors are also competent for ordering such
intrusive forms of interception of communication in urgent cases, on
condition that surveillance is validated by the judicial authority.63

4.3. I n camera procedures, right to confrontation and the role of the


competent judge for the pre-trial inquiry in the gathering of evidence
for the purposes of the trial decisions

Further imbalances can be observed in the field of the collection


of evidence for the purposes of the trial decisions. In this regard also, the
1988 code, while dropping both the prosecutorial evidence-gathering and

59
Art. 349(2-bis) CCP.
60
Ibid.
61
Legislative Decree 2016/2017. For in-depth analysis of this reform see among
others Giostra; Orlandi (coord.). Nuove norme in tema di intercettazioni.
62
Art. 267(1) CCP-Italy.
63
Art. 267(2-bis) CCP-Italy.

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the inquiry of an investigating judge, introduced a new judicial procedure


in camera, aimed at taking evidence in the pre-trial phase with a view to
the decision on the merits of the case. This procedure, called ‘incidente
probatorio’, was mainly concerned with urgent evidence, that is, evidence
that could not possibly be collected in open court.64 Furthermore, incidente
probatorio did not necessarily pursue the aim of ensuring prosecutorial
evidence, but also helped compensate suspects for the prevailing role of
the public prosecutor at the pre-trial stage by granting them a powerful
tool with a view to ensuring in advance useful information, which was
to be inserted into the trial file.65 This aim was of the utmost importance
at that time, mostly because of the lack of specific rules governing the
carrying out of defence’s investigations. The existence of multiple goals
pursued by this mechanism was confirmed by the fact that the Vassalli
code enabled both the prosecutor and the suspect (either personally or
by means of his lawyer) to request judicial intervention.
At first glance, this procedure constituted a virtuous example of
equal treatment of the parties in the new prosecutorial inquiry on several
grounds. The code not only ensured the taking of evidence before an
independent body – i.e., the competent judge for the pre-trial inquiry
– but also required the application in incidente probatorio of the same
rules governing the trial evidence-gathering.66 This in turn enhanced the
suspect’s right to confrontation, since, as a matter of principle, the taking
of evidence could not be extended to issues concerned with individuals
whose lawyers were not present67 and at trial, the information obtained,
as a rule, could not be used against individuals not represented in court.68
These expectations, however, were largely frustrated. The res-
tauration of rather inquisitorial practices by the 1992 antimafia legisla-
tion, while jeopardising the distinction between the prosecutorial and

64
It should be acknowledged, however, that the 1988 rules already provided for
an important case of evidence-gathering unconnected from urgent reasons.
Pursuant to Article 392(2) CCP, complex expert evidence should, as a rule,
be taken in the pre-trial stage to avoid excessive congestion of the trial phase.
65
Art. 431(1)(e) CCP.
66
Art. 401(5) CCP.
67
Art. 401(6) CCP.
68
Art. 403 CCP.

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the trial file, strengthened the evidence-gathering powers of the public


prosecutorial office in the pre-trial phase, which drastically reduced
the prosecutor’s interest in activating the court procedure of incidente
probatorio. Moreover, though the 1999 constitutional fair trial reform
paved the way for the establishment of par condicio also in the preli-
minary investigation, the lawmakers, by way of implementing the new
constitutional-law principles, did not enhance this judicial procedure,
but preferred to compensate for the overwhelming role of the public
prosecutor by introducing a new set of investigative measures that the
lawyers of private parties can carry out autonomously.69
On close examination, this procedure in camera has always ensured
the impartiality of the judiciary and the fundamental right to confronta-
tion to a somewhat formalistic extent. The first difficulties arise for the
competent judge for the preliminary inquiry, since in the current criminal
justice system, as noted, the taking of evidence at the pre-trial stages for
the purposes of the trial decisions no longer falls within the ordinary
tasks of the judicial authority. It is true that here the competent judge
is not called upon to take evidence at his own initiative, but the judicial
oversight of the gathering of evidence requested by the parties also cons-
titutes a demanding challenge for the giudice per le indagini preliminari,
who is normally kept in dark of the investigative strategy of the police
and the prosecutorial authority. Indeed, though the code proclaims that
incidente probatorio is governed by the same rules applicable to the trial
evidence-gathering, it is difficult to imagine how a judge unaware of the
prosecutorial strategy can truly check the exhaustiveness of questioning
of witnesses or co-accused, and therefore, the need for additional ques-
tions, as allowed in all trial hearings.70
Moreover, it is questionable whether this procedure allows for
private parties to have a fair opportunity to be involved in the gathering
of incriminating evidence. Again, notwithstanding the formal extension of
the rules applicable to the trial evidence-gathering, there are considerable
differences from the way evidence is collected in open court. The main
point of difference concerns the lack of information on the results of the

69
Art. 391-bis et seqq. CCP.
70
Art. 506 CCP.

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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.161 | 579

prosecutorial and police investigations. Whereas at trial the parties are


granted previous information on the oral evidence to be gathered, in the
prosecutorial inquiry the defence normally has no access to the information
obtained by the investigative bodies. The 1988 code did nothing to ensure
information to the suspects involved in incidente probatorio. The problem
arose a few years later, as the Constitutional Court pointed out the need for
the public prosecutor to disclose previous statements given by the persons
to be examined either at either the police or the prosecutor’s office no later
than the day of the court hearing.71 It was clearly a compromise solution,
which left almost no time to prepare effective defence. Italian legislature,
however, intervened only in 1996,72 requiring disclosure from the prosecu-
tors at the latest two days before the oral hearing.73 Although this solution
marked an important step forward, its scope of application was restricted
solely to the case in which oral evidence was to be taken and even in this
case, the defence could only access the previous statements of the person
to be examined, which was a rather accidental situation.
It is worth observing that these developments occurred in the
aforementioned period of return to inquisitorial practices following the
1992 legislation, which dropped some of the main innovations brought
about by the 1988 code to avoid the unconditional use of out-of-court
evidence. To compensate for the strengthening of hearsay evidence, both
constitutional case-law and the legislature introduced some important
innovations, which contributed to the enhancement of incidente proba-
torio. In 1994, the Constitutional Court extended the scope of incidente
probatorio to the intermediate phase,74 which in turn altered the general
dynamics of evidence-gathering in the pre-trial stages: thus, in the inter-
mediate phase, unlike in the pre-trial inquiry, the accused has full access
to the prosecutorial file. Three years later, Italian legislature uncoupled
an important case of incidente probatorio from reasons of urgency,75
namely the hearing of co-defendants, no matter whether prosecuted in

71
Constitutional Court, judgment 74/1991.
72
Law 267/1997.
73
Art. 398(3) CCP.
74
Constitutional Court, 77/1994.
75
Art. 392(1)(c-d) CCP, as reformed by the Law 267/1997.

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580 | Ruggeri, Stefano.

the same or other proceedings, provided, however, that they were to be


questioned on issues concerned with other persons. This reform clearly
attempted to contrast the increasing use of prosecutorial evidence at trial
by strengthening the taking of information by means of a court procedure
in camera during the pre-trial inquiry. This result was of the utmost im-
portance in the field of serious organised crimes, in which co-defendants
can make a highly useful contribution to the ongoing investigation. Yet
these developments confirmed the traditional tendency of Italian criminal
justice to bring forward the fact-finding to the pre-trial phases. Since the
1997 reform, the examination of co-defendants can ordinarily take place
out of court, at request of prosecutors, regardless of whether concrete
grounds exist that justify the collection of evidence at the pre-trial stage.
Furthermore, the legislation issued in the midst of the 1990s did
not only serve prosecutorial goals, but also marked a first important step
in a process of in-depth changes in the structure of incidente probatorio,
which ceased to be a tool (mainly) aimed at ensuring urgent evidence,
becoming a mechanism of protection of the individuals involved in eviden-
ce-gathering. Remarkably, Law 66/1996 already enacted a new ground for
incidente probatorio for the purposes of the examination of minors under
16 years old in proceedings for sexual offences. This important reform
strengthened the voice of vulnerable individuals, regardless of whether
they were injured by the offence under investigation or had witnessed
it,76 so much so that the competent judge for the preliminary inquiry was
enabled to take particular measures to gather the testimony of minors,
requiring them to be heard outside the courtroom (e.g. in their place of
living). The most relevant changes, however, took place after the 1999
fair trial constitutional reform, as the lawmakers amended most of the
rules on the admission of out-of-court evidence by re-orienting them to
the principle of contradictoire. Constitutional case-law strongly contribu-
ted to this evolution by declaring the regulation on incidente probatorio
unconstitutional in that it did not account for cases involving vulnerable
individuals, such as the victims of corruption77 and the mentally ill.78

76
Di Chiara. Incidente probatorio, p. 553.
77
Constitutional Court, judgment 262/1998.
78
Constitutional Court, judgment 63/2005.

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Another factor that has brought about functional changes in this


special procedure was the increasing influence of international law, and
particularly of international human rights case-law. It is noteworthy that
in the same years in which the first developments occurred in the Italian
law on the collection of pre-trial evidence, the Strasbourg Court made
important steps toward the acknowledgment of a statute of victims and
vulnerable witnesses.79 Over recent years, further legislative reforms, by
way of domesticating important international and EU law instruments,
have strengthened the ability of incidente probatorio to obtain evidence by
vulnerable individuals. In 2013, the scope of this procedure was broade-
ned by Law 119/2013, which implemented the 2011 Council of Europe
Convention of Istanbul on preventing and combating violence against
women and domestic violence, launching a reform aimed at enhancing
the criminal law protection of women also by means of procedural tools.
the legislative reform on gender-based violence. The following year, Law
24/2014, implementing the EU Directive on preventing and combating
trafficking in human beings and protecting its victims,80 extended the rules
on pre-trial hearings to the judicial hearing of various vulnerable adults.81
A further enhancement of this procedure in camera was achieved by Le-
gislative Decree 212/2015 implementing Directive 2012/29/EU on the
victim’s rights in criminal proceedings, which not only enabled the judicial
hearing of vulnerable victims but also extended to incidente probatorio
some protective forms of hearing laid down for their trial examination.82
To a great extent, these were positive results, which, enabling the
examination of the aggrieved parties and vulnerable witnesses beyond ur-
gent cases and through protective means, protected them against the risks
deriving from police and prosecutorial questionings while strengthening
the suspect’s right to confrontation. However, these developments were
not preceded by an in-depth reform of the general dynamics of incidente
probatorio, which remained largely unchanged. As a consequence, the

79
ECtHR, Doorson v. The Netherlands, judgment of 26 March 1996, Appl. No.
20524/92.
80
Directive 2011/36/EU.
81
Art. 398(5-ter) CCP.
82
Art. 398(5-quater) CCP.

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judicial hearing of victims and vulnerable witnesses is still subject to the


request of either the public prosecutor or the defendant, since the victim
is not yet entitled to apply for judicial intervention but can only ask the
prosecutor to do so.83 Moreover, in spite of the legislative implementation
of Directive 2012/13/EU, the defendant’s information rights are still
weak in the pre-trial stage, with the result that, as a general rule, suspects
are called upon to take part in the gathering of incriminating evidence
through incidente probatorio without a proper knowledge of the results of
the prosecutorial inquiries. It is true that in all the specific cases in which
incidente probatorio aims at hearing vulnerable victims or witnesses, the
prosecutorial office is required to disclose all the information gathered
by the investigative authorities. However, the indiscriminate disclosure
of prosecutorial evidence, while enhancing defence rights and the tasks
of the judiciary, can also entail human rights problems. It is apparent
that, if public prosecutors were required to disclose the information also
in the case in which evidence is collected at the accused’s request,84 this
might give rise to abuses and could largely frustrate the prosecutor’s
investigative strategy. Moreover, that in these particular cases the com-
petent prosecutor must enable defendants to access the entire file of the
pre-trial inquiry – and therefore also the evidence gathered in relation
to other individuals – is certainly an excessive result, which can seve-
rely jeopardise the accused who is not affected by the sought evidence.
Ultimately, it is questionable whether this solution, which was enacted
by Law 66/1996 in relation to the examination of minors under 16 years
old in proceedings for sexual offences, fits all the situations and the types
of crimes listed in Article 392(1-bis) CCP.

4.4. Pre-trial restrictions on freedom, participatory safeguards and the


impartiality of the competent judge

Doubtless, the level of knowledge of the information gathered


by the investigative authorities and the effectiveness of participatory
safeguards constitute essential conditions of the proper fulfilment of the

83
Art. 394 CCP.
84
On this problem see Bargis. Commento all’art. 13 legge 66/1996, p. 504.

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constitutional-law requirements of contradictoire and equality of arms


before an impartial judge where interference with fundamental rights
is at stake. In the field of pre-trial measures (misure cautelari), the pro-
ceedings regarding restrictions on freedom, in particular, provide clear
examples of a rather formalistic view of a fair trial, which entails severe
implications on both judicial fact-finding and defence rights of the indi-
viduals concerned. This result is mainly due to the overall structure of
the proceedings aimed at the application of remand and further coercive
measures, which, albeit with certain exceptions,85 still follow the tradi-
tional doctrine of inaudito reo decisions. As a consequence, individuals
restricted in their most precious rights during the pre-trial inquiry (right
to liberty, right to free movement, etc.) can only be heard after the judicial
coercive order has been issued and, even worse, after the measure has
been enforced. This judicial hearing aims at satisfying the fundamental
right of the detained person to be brought before a judge, acknowledged
by the European Convention86 and other international human rights char-
ters, such as the International Covenant on Civil and Political Rights.87
The dynamics of these proceedings are similar to those of penal order
procedures, with the difference, however, that a short-distance judicial
hearing of the accused must always take place after the execution of the
coercive measure on pain of loss of its validity.88
This mechanism raises two relevant questions from a human
rights perspective, namely a) how the competent judge can impartially
scrutinise the need for pre-trial coercion on the basis solely of the
prosecutorial request and without hearing the defendant, and b) whe-
ther a subsequent judicial questioning suffices to ensure the accused
a fair opportunity to be heard, while enabling the judicial authority to
re-assess the justification of the measure applied in a fair and reliable

85
In particular, the accused must be previously examined when a coercive mea-
sure is to be applied in the hearing aimed at validating arrest and when a new
period of detention is needed after a previous pre-trial detention has expired
because of the failure to bring the accused to the judicial authority. Cf. res-
pectively Arts. 294(1) and 302 CCP.
86
Art. 5(3) ECHR.
87
Art. 9(3) ICCPR.
88
Art. 294(4) CCP.

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way. To be sure, unlike other European Constitutions,89 the 1947 Italian


Constitution did not require the judicial authority to hear the individuals
subject to pre-trial detention, not only prior to the judicial order but
also afterwards. It might be argued that this significant lacuna impinged
on the further developments that occurred in Italian criminal justice.
The drafters of the 1988 code of criminal procedure, while introducing
a new set of comprehensive rules on pre-trial measures, left to public
prosecutors a wide margin of discretion in selecting the information
supporting their requests, which therefore impinged on the level of
knowledge of both the defendant and the competent judge. Moreover,
the possibility of the prosecutor withholding relevant evidence also
frustrated the goals of judicial hearing, while preventing the suspect
from setting up a proper defence strategy. Worse still, under the original
prosecutors could conduct the first questioning of defendants reman-
ded into custody or subject to further restrictions on freedom, and
the lawyer’s presence even at the judicial hearing was not mandatory,
with the result that suspects had to face alone the same authority that
requested the coercive measure.
This approach became inadequate already in the first years after
the enactment of the new code. It took several years, however, before the
legislature brought about some changes. The first important reform was
carried out by Law 332/1995, which introduced two important innova-
tions with a view to enhancing participatory rights and the impartiality
of the judiciary: a) it imposed on prosecutors the duty to attach to their
request all the information collected in favour of the suspect and eventual
defensive statements already lodged;90 and b) it banned prosecutorial ques-
tioning before the individuals concerned had been heard by the judicial

89
For instance, the German Basic Law grants the individuals concerned the
right to be informed of the grounds for arrest, a fundamental right that,
moreover, entails the duty of the competent authority to hear them and
allow them to raise objections and complaints against the arrest order. Cf.
Art. 104(3) Basic Law. Remarkably, these guarantees also apply when the
judicial authority orders pre-trial detention. This highlights that Germany
enshrined at the constitutional level the right of detained individuals to ob-
tain an independent assessment of the lawfulness of detention on the basis
of their allegations and claims.
90
Art. 291(1) CCP.

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authority.91 Notwithstanding such positive achievements, this set-up was


still largely unsatisfactory, mostly because of the weak defence safeguards
both prior to decision-making and in the subsequent judicial hearing. Even
after the 1995 reform, the decision on pre-trial measures was still issued
inaudito reo. Moreover, it is clear that the notion of evidence ‘in favour of
the defendant’ is by definition referential, which left to the prosecutorial
authority much room for discretion in deciding what pieces of evidence
must be attached to the request for a coercive measure.92 Depending on
the decision made by the competent prosecutor, therefore, a considerable
part of the prosecutorial and police investigations could be kept secret
from the potential addressee of the sought measure. Most worryingly, the
solution adopted enabled prosecutors to withhold relevant information also
from the competent judge, who was not in a position to assess whether the
prosecutorial decision to withhold information was justified by the need to
avoid risks the ongoing inquiry and what implications it could have on the
right to defence. In light of this, there was no independent oversight of the
prosecutorial strategy and the protection of the right to information was
entirely left to the unchallengeable decision of the competent prosecutor.
The negative repercussions of this set-up were magnified in the
phase following the enforcement of coercive measures, mainly on two
grounds. First, even after the 1995 reform, defendants were not to be given
legal assistance in the subsequent judicial hearing. Second, withholding
information from the defendant frustrated the possibility of challenging
the lawfulness of coercive measures. In this regard, it should be noted that
the Vassalli code provided for a special remedy against pre-trial detention
and other restrictions on liberty, namely a judicial review (riesame) by a
specialised court.93 The earlier case-law of the Supreme Court had ruled that
this court could not annul the judicial order on the basis of evidence other
than that attached by the prosecutor to the initial request or the information

91
Art. 294(6) CCP. It should be taken into account, however, that prosecuto-
rial questionings were still allowed after provisional arrest and even in the
hearing after the enforcement of remand detention, and the accused was not
always assisted by a lawyer. See Constitutional Court, judgment 384/1996.
92
Supreme Court, 2nd Section, decision of 18 March 2008, Capri, in CED
239739. See Marzaduri. Commento all’art. 275, p. 179.
93
Art. 309 CCP.

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produced in the judicial review proceedings.94 To be sure, the 1995 reform


required prosecutors to disclose subsequent information in favour of de-
fendants, yet this requirement also had the same shortcomings of the new
provision of Article 291(1) CCP. On close examination, the limitation of
exculpatory evidence reflects an incorrect understanding of the right to
a defence, which can be properly fulfilled if the defendant is ensured full
knowledge of, and the possibility of contesting, incriminating evidence.
Subsequent legislation attempted to amend these deficiencies.
The 2001 implementation of the constitutional fair trial reform enhan-
ced the right to a defence by requiring the assistance of a lawyer in the
judicial hearing,95 thus making the questioning conducted without a
counsel void. In recent years, moreover, Italian lawmakers carried out a
number of important reforms in the field of pre-trial measures. A first
opportunity was provided by the 2014 legislative implementation of
the aforementioned EU Directive 2012/13. The following year, Italian
legislature brought about significant changes in the rules on pre-trial
coercive measures.96 It is worth observing, however, that despite these
important innovations some of the shortcomings highlighted hitherto
have unfortunately remained unchanged, and to a certain extent have
been aggravated. Notwithstanding the enhancement of information
rights to comply with the requirements set forth by EU law, the rather
paternalistic logic introduced by the 1995 reform is still in force, and
the recent reform on interception of telecommunication has worsened
this legislative set-up. Thus, while public prosecutors, as a general rule,
must attach to their request for coercive measures the records of ea-
vesdropping, a new provision enables them, “whenever necessary”, to
attach solely the “essential extracts” of the intercepted conversations.97
The obligation of disclosure only concerns exculpatory evidence, with
all the limits deriving from the solution of 1995. Consequently, there is
still a high risk that the ascertainment of the justification of the sought
measure reflects the one-sided perspective of the prosecutorial authority.

94
Supreme Court, 1st Section, decision of 9 June 1995, Sanna, in CED 202460.
95
Art. 294(4) CCP.
96
Law 47/2015.
97
Art. 291(1-ter) CCP.

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Further human rights concerns arise in relation to subsequent


judicial hearing. Notwithstanding the enhancement of legal assistance
by the 2001 reform, it can be doubted that this guarantee can still en-
sure full compensation for the failure to involve the defendant prior to
the application of pre-trial measures, and can therefore properly fulfil
the requirements set by the European Convention. To start with, it is
apparent that the effectiveness of legal assistance in the judicial hearing
largely depends on the possibility of defendants communicating with
their lawyer. During the pre-trial inquiry, however, prosecutors can
request the competent judge to postpone the interview between the
detained suspects and their lawyer.98 It is true that the prosecutorial
request must be justified by specific and exceptional grounds, but these
rather vague statutory indications can give rise to abuses. From this it
follows that defendants may happen to meet with (or even be intro-
duced to) their lawyer only at the judicial hearing, which makes legal
assistance, despite its mandatory nature, a purely formal guarantee. This
situation is highly detrimental especially for defendants remanded into
custody, who can remain up to five days without communication with
their lawyer. Since this is the same time limit for the judicial authority
to question them,99 defendants will inevitably loose any possibility
of setting up a defensive strategy before the judicial hearing.100 The
conditions for effective defence are further reduced when taking into
account the fact that prosecutors can also request the moving forward
of the remand hearing to within forty-eight hours from the enforcement
of the coercive measure.101 If this result offers the advantage of moving
forward the judicial guarantee, the postponement of the communications
between the accused and his lawyer can have serious repercussions on
the participatory rights and the right to freedom.

98
Art. 104(3) CCP. It is noteworthy, however, that Law 103/2017 restricted the
scope of this provision to a list of serious offences, laid down in Art. 51(3-bis
& 3-quarter) CCP.
99
Art. 294(1) CCP.
100
The negative effects of the postponement are reduced in case of house arrest,
further coercive means and control measures, since the hearing must here
take place within ten days.
101
Art. 294(1-ter) CCP.

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Doubtless, this set-up reveals the scant attention paid by Italian


law to the defence’s contribution to the assessment of the lawfulness of
coercive measures. A fair lawfulness test should require the fulfilment of
specific qualitative conditions to enable the defendant to produce exculpa-
tory evidence and to contest the prosecutorial information that supported
the judicial order. Yet Italian law still has considerable backwardness in
this regard, and notwithstanding some recent steps forward, it is debatable
whether the current legislative solutions properly fulfil the requirements
set by EU law. Thus, Directive 2013/48/EU expressly grants defendants
legal assistance “before they are questioned by the police or by another
law enforcement or judicial authority”,102 while ensuring them the right to
meet in private and communicate with the lawyer prior to questioning.103
Beyond the negative repercussions on the effectiveness of the
right to a defence, it is clear that the degree of impartiality of the judicial
authority also affects the fairness of the subsequent hearing. It is true
that Italian courts rule out that the hearing conducted by a different
judge is void.104 Nevertheless, the Vassalli code does not provide for
any mechanism to prevent the defendant from being heard by the same
judge who remanded him into custody or ordered another restriction on
freedom against him on the basis of prosecutorial and police evidence.
This makes it extremely difficult for the defence to obtain an impartial
re-examination of the justification of the measure applied.

5. The right to a defence and the principle of equality of


arms in the pre - trial inquiry

5.1. The constitutional-law framework

A last problematic issue, from the viewpoint of the principle of


equality of arms in the pre-trial phase, concerns the way in which the
individuals involved in criminal proceedings (particularly, the suspect)

102
Art. 3(2)(a) of Directive 2013/48/EU.
103
Art. 3(3)(a) of Directive 2013/48/EU.
104
Supreme Court, 3rd Section, decision of 4 December 2002, Caruso, in CED
223737.

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can exercise their right to a defence during the prosecutorial inquiry.


Certainly, the new constitutional framework resulting from the 1999 fair
trial reform provided the basis for a further enhancement of the defence’s
role and judicial oversight in evidence-gathering, beyond the possibility of
taking part in the police and prosecutorial inquiries. The acknowledgment
of the right of the accused to consent to the use of evidence taken out
of court105 constitutes a clear example of this approach. Furthermore, it
has been observed that the fundamental right to examine or have exa-
mined incriminating witnesses, recognised by the international human
rights charters, was constitutionalised in a version that strengthens the
need for confrontation “before the judge”.106 Of course, this expression
cannot be interpreted in such rigid terms that confrontation could only
take place before the trial judges, since this would inevitably entail the
unlawfulness of any decision based on evidence gathered out of court.
Two aspects, however, distinguish the approach of Italian constitutional
law from that followed by the European Convention and further developed
by Strasbourg case-law. First, the Italian Constitution does not deem any
confrontation sufficient to fulfil the defendants’ right to contradictoire,
instead requiring confrontation to take place, as a rule, in a court hearing
with the direct involvement of the defence. Second, the constitutional-
-law arrangements exclude, as a matter of principle, confrontation being
indirectly satisfied by means of questioning of incriminating witnesses
by a judicial authority.107 Thus, the possibility of an investigative magis-
trate examining the accuser in favour of the defence does not seem to

105
Art. 111(5) Const. On the relevance of consent of the parties in fact-finding
see among others Di Bitonto. Profili dispositivi dell’accertamento penale.
106
Art. 111(3) Const.
107
At first glance, the wording of Article 6(3)(d) ECHR reflects the alternative
between self-defence and legal assistance, allowing for the examination of
incriminating witnesses by the defence lawyer in the countries that do not
enable defendants to cross-examine prosecutorial witnesses. On close exa-
mination, the drafters of the European Convention aimed at striking a com-
promise between two main forms of confrontation existent in the European
countries, which broadly correspond to a form of cross-examination, typical
of common-law countries, conducted by the parties and the continental tra-
dition of witness’s examination conducted by a third body (presiding judge
of the tribunal, investigating magistrate, etc.). Cf. Trechsel. Human rights in
criminal proceedings, p. 90.

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590 | Ruggeri, Stefano.

be in line with the Italian Constitution, since judges cannot clearly hear
people before themselves.
Against this background, I shall focus on two main problems,
which relate to a) legal assistance and the right to take part in the police
and prosecutorial investigative activities, and b) the possibility of private
parties charging their lawyers with the task of carrying out autonomous
investigations in the interests of their clients in parallel with the prose-
cutor’s inquiry.

5.2. Legal assistance and the right to be involved in the police and
prosecutorial inquiries

Concerning the first issue, we saw that, in spite of its adversarial


inspiration, the drafters of the 1988 codification maintained some im-
portant decision-making and coercive powers on the part of prosecutors
as representatives of the judiciary, and to a certain extent enhanced the
pre-trial inquiry in comparison to the Rocco code. To compensate for this
approach, the Vassalli code, inheriting some of the solutions elaborated
by constitutional case-law that had softened the strongly inquisitorial
characteristics of the old istruzione, provided for various forms of in-
volvement of suspects (and to a certain extent of the victim as well) in
police and prosecutorial inquiries. Legal scholarship used to define them
in terms of ‘imperfect contradictoire’,108 which can in turn have different
features depending on the degree of participation. Yet, despite the clear
attempt to enhance participatory rights in the pre-trial inquiry, it can be
doubted whether this approach truly grants the individuals concerned
a fair opportunity to be involved in the police and prosecutorial inves-
tigations. It is apparent that the absence of an impartial body and the
dominant role of the investigative authorities cannot satisfy the cons-
titutional requirements of fair evidence-gathering, based the principle
of equality of arms. As long as prosecutors lead their investigations, the
involvement of the defence will inevitably be secondary.
This is apparent in case of questioning by the investigative au-
thorities. Clearly, the effectiveness of legal assistance largely depends on

108
Cordero. Procedura penale, p. 891.

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whether and to what extent lawyers can actively participate in the hearing.
In the case of police questionings, the lawyer can only be present.109 In
the interrogation by the prosecutor or by the police upon delegation,
the defence lawyer can instead make specific requests and observations
to the competent authority.110 Notwithstanding this more active role,
however, there is no formal means to avoid inadequate questioning for
the suspect. To a certain extent, moreover, the assistance of a lawyer can
rebound like a boomerang, since the statements rendered by suspects to
the public prosecutor or the police upon delegation, if inconsistent with
the evidence rendered in open court, can be read out at trial and used as
incriminating evidence against them.111 Worse still, out-court-statements
of defendants can be admitted at trial if they either do not consent to the
trial examination or are not present in court.112 Yet, there are considerable
differences between these two situations. Whereas the former reflects
a clear defensive choice, the latter is a neutral situation, which neither
expresses the accused’s decision to waive his right to take part in crimi-
nal proceedings nor can per se make the out-of-court statements more
reliable. In 2014, an important legislative reform – issued for the main
purposes of aligning Italian legislation with the requirements set by EU
law and particularly by Strasbourg case-law – abolished the old default
proceedings (processo in contumacia), while allowing for the institution
of proceedings in absentia under new conditions. Since these conditions
do not still necessarily presuppose the accused’s knowledge of the court
proceedings, the possibility of using against absent defendants the state-
ments given to the investigative authorities in the pre-trial phase raises
serious human rights concerns, as it largely frustrates the general free-
dom of the accused to decide whether or not to be questioned at trial.113
The most elaborate form of involvement of private parties in
prosecutorial inquiries in the pre-trial phase concerns the surveys con-
ducted by technical advisors appointed by the prosecutor. In urgent cases,

109
Art. 350(3) CCP.
110
Art. 364(7) CCP.
111
Art. 503(5) CCP.
112
Art. 513(1) CCP.
113
Art. 503(1) CCP.

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prosecutors must follow a special procedure, which allows for the suspect
not only to involve his lawyer but also to appoint a technical advisor of
his own choosing.114 Even though technical and legal assistance allows for
the individuals concerned to actively participate in the appointment of
the technical investigation, the conducting of this survey, however, still
remains in the hands of the public prosecutor without any intervention of
an independent authority. Here also, moreover, the (potential) involve-
ment of private parties can backfire, as the results of the technical survey
conducted by the prosecutor’s advisor will be included into the trial file
as ‘non-repeatable evidence’, regardless of whether or not private parties
had a fair opportunity to contribute to the prosecutorial investigation.115
In specific cases, Italian law recognises to individuals other than
the suspect some participatory safeguards in the police and prosecutorial
investigations. The rules on non-repeatable technical surveys conducted
by prosecutor’s advisors, for example, extend to the victim the same gua-
rantees acknowledged to the suspect.116 A number of legislative reforms
issued over more than twenty-five years has strengthened defence rights
of some types of informants in particular cases of police or prosecutorial
questioning in the pre-trial inquiry. Yet these reforms reflected a one-si-
ded view of questioning, which does not take into due account the need
for complex balance among conflicting interests in light of an overall
understanding of criminal proceedings.
A clear example is provided by questioning of co-defendants.
The 1992 antimafia legislation also empowered the police to question
co-defendants at their own initiative, co-defendants who, unlike other
informants, had to be assisted by a lawyer.117 It was an investigative power
of no little importance, taking into account the relevance, especially for the
purposes of proceedings regarding mafia-type crimes, of the information
given by persons available for collaboration with the authorities. Almost
ten years later, Law 63/2001 introduced an unprecedented form of witness
testimony for co-defendants assisted by a lawyer (testimonianza assistita),

114
Art. 360 CCP.
115
See Article 360(5) in conjunction with Article 431 CCP.
116
Art. 360(1) CCP.
117
Art. 351(1-bis) CCP.

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reserved to the individuals prosecuted in same or in other proceedings


who consent to give evidence against other persons.118 Remarkably, this
testimony also was not limited to the trial inquiry, as the same legislation
enabled both the police and prosecutors to question co-defendants pur-
suant to the new rules.119 This co-defendant’s witness testimony enables a
change of procedural status, which entails relevant consequences for the
person examined. In particular, if the co-accused is ensured a full right to
silence in normal cases, the scope of this right is generally restricted to the
privilege against self-incrimination if he is available to give evidence on
issues concerned with other people. Moreover, legal assistance can turn
out to be a purely formal guarantee, since co-defendants are called upon
to decide whether to give evidence on issues not exclusively concerned
with their position without receiving clear information on the addressee
of their statements. Worse still, the co-accused does not know in advance
which questions the investigative authorities will put them. De lege ferenda,
co-defendants should be properly informed before deciding whether to
take on the role of special witnesses under Article 197-bis CCP. In other
words, the different procedural status should be the consequence of the
informed decision to answer questions directly concerned with other indi-
viduals, and to properly ensure this result, co-defendants, a good solution
would be to allow for waiver of the right to silence only before a judge.120
More recently, Italian legislature strengthened participatory rights
of other individuals in case of police and prosecutorial questioning – in
particular, minors, either as victims or witnesses of certain serious crimes,
as well as vulnerable witnesses. In 2012, a legislative reform, implemen-
ting the Lanzarote Convention on Protection of Children against Sexual
Exploitation and Sexual Abuse, required prosecutors, while questioning
minors (regardless of whether witnesses or victims) in case of particular
serious crimes, to provide the assistance of an expert of child psycholo-
gy or psychiatry.121 The aforementioned 2013 reform on gender-based

118
Art. 197-bis CCP. On this topic see among others Conti. L’imputato nel proce-
dimento connesso.
119
See respectively Arts. 351(1) and 362(1) CCP.
120
In this sense cf. Tonini. Riforma del sistema probatorio, p. 272.
121
Art. 362(1-bis) CCP, introduced by the Law 172/2012.

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violence later extended this requirement to the police questioning of


minors.122 Finally, the 2015 legislative implementation of the EU Directive
on victim’s rights in criminal proceedings recognised the same safeguards
to the victims (even adults) in case of particular vulnerability.
Notwithstanding these positive results, it is questionable whe-
ther Italian law properly meets the standards of protection set forth
by international and particularly EU law, which requires Member
States to provide vulnerable victims not only with specialist support
but also with legal assistance.123 Unlike co-defendants, the aggrieved
party has still no right to legal assistance if questioned by the police
or the prosecutor, nor is legal assistance ensured to the minors ques-
tioned in cases of sexual crimes and other serious offences. A further
shortcoming of this regulation, which can also be observed in relation
to co-defendants, is the failure of Italian lawmakers to take into due
account the accused’s right to confrontation. Thus, all these reforms,
despite enhancing participatory rights of the person examined, largely
overlooked the problem of fulfilling the right of the addressee of in-
criminating evidence to be confronted with the accuser. Even in case
of questioning of the co-accused examined as witnesses pursuant to
Article 197-bis CCP, neither the police nor the prosecutor need sum-
mon the addressees of the co-accused’s statements or their counsel.124
The need to avoid contacts with the suspect was expressly required
in relation to the hearing of vulnerable witnesses.125 Yet, this solution
cannot always be justified in all the types of police or prosecutorial
questioning. Taking into consideration that the evidence rendered
by minors or vulnerable witnesses can later be read out at trial, and
under certain conditions can also be used against the accused, a better
solution could be to require the investigative authority to set specific
technological arrangements with a view to balancing the suspect’s
right to confrontation with the need to avoid negative consequences
on the person examined.

122
Art. 351(1-ter) CCP.
123
Recital no. 38 of Directive 2012/29/EU.
124
Tonini. Riforma del sistema probatorio, p. 272.
125
Art. 351(1-ter) CCP.

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5.3. The right to carry out autonomous defence investigations

Notwithstanding the relevance attached to the principle of con-


tradictoire, the 1988 code did not provide specific rules on the possibility
of the lawyers of private parties carrying out autonomous investigations
in parallel with the prosecutorial inquiry. Yet defence investigations have
always existed. On close examination, this legislative set-up was no coinci-
dence, but reflected the aforementioned choice of lawmakers to maintain
the dominant role in the preliminary phase of the prosecutorial office, as an
independent body of justice. Consequently, not only was the new competent
judge for the pre-trial inquiry called upon to intervene only for specific
procedural purposes and with a limited knowledge of the prosecutorial
strategy, but furthermore defence lawyers could either conduct inquiries
without a formal procedural status or request the public prosecutor to carry
out specific investigations in the interests of their clients. Both alternatives
were clearly unsatisfactory and negatively affected the equality of arms in
the pre-trial stages. Thus, while the informal character of defence investi-
gations impinged on the admissibility at trial of the evidence collected by
counsels, the possibility of the investigative authorities conducting inquiries
at the request of lawyers was subject to the prosecutor’s discretion.
It was only Law 335/1995 that for the first time dealt with the
problem of introducing a statute on defence investigations, but the inno-
vations brought about by this reform were rather minimal. It took other
five years before Italian legislature intervened again. Yet, the expectations
of a proper fulfilment of the constitutional fair trial reform were largely
frustrated. Whereas the admissibility of out-of-court evidence was consi-
derably reduced, we have observed that several decision-making powers
of the public prosecutor were maintained, and the role of the competent
judge for procedural safeguards remained weak in the pre-trial inquiry.
Italian lawmakers, therefore, walked a different road. It is noteworthy that
one year before the implementation of the 1999 constitutional reform by
the aforementioned Law 63/2001, another important reform – namely,
Law 397/2000 – introduced an unprecedented regulation on the defence’s
investigations with a view to implementing the par condicio principle.126

126
On defence investigations see Siracusano. Investigazioni difensive, pp. 496
ff. On close examination, although the heading of Law 63/2001 explicitly

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This legislative reform brought about a number of important


innovations. In particular, it enabled the lawyers of private parties – i.e.,
not only of the suspect, but also of the victim or the damaged party –
to conduct specific formal investigations, such as the questioning of
informants. By way of giving counsels formal investigative powers, Law
397/2000 also dealt with the problem of admissibility and use of the
information taken during private investigators and defence lawyers. To
achieve this result, the reform introduced two relevant provisions: a) it
allowed defence lawyers to have an official file set up at the office of the
competent judge for the pre-trial inquiry,127 and b) it extended to the
results of the lawyer’s investigations the rules governing the reading out
and use at trial of the evidence gathered out of court by the police and the
prosecutor,128 rules that Law 63/2001, as noted, later amended pursuant
to the requirements set by the 1999 constitutional reform.
This legislation, which is largely still in force, made several steps
forward in the road towards the enhancement of defence’s investigations.
Even so, however, it is more than doubtful that this set-up achieves an
effective equality of arms in the prosecutorial inquiry. It would be mis-
leading to think that the recognition of formal investigative powers and
the extension of the conditions of use of prosecutorial evidence to the
information gathered by counsels could be enough to counterbalance
the overwhelming role of the investigative authorities in the pre-trial
phase. To a great extent, the imbalance between public prosecutors and
the individuals involved in their preliminary inquiries is due to social and
economic differences among the parties. Furthermore, the investigative
authorities hold coercive powers, which defence lawyers of course can-
not use. For instance, not only potential witnesses but also defendants
and co-accused can coercively be brought to the police station or the
prosecutor’s office for the purpose of questioning. Defence lawyers lack
similar powers, and if informants summoned to be examined refuse to

related to the implementation of the 1999 constitutional reform, this re-


sult was therefore due to both these legislative instruments. For in-depth
analysis of these two reforms cf. Nobili. Giusto processo e indagini difen-
sive, pp. 5 ff.
127
Art. 391-octies CCP.
128
Art. 391-decies CCP

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appear or to answer specific questions, the only possibility is to request


either questioning by the competent prosecutor or a judicial hearing by
means of incidente probatorio.129 Therefore, giving a formal status to the
investigations of defence lawyers could only reach a formal degree of par
condicio. It might also be argued that the legislative attempt to compensate
for the imbalance between the defence and the investigative authorities
turned out to frustrate the principle of contradictoire, enhancing the
possibility for both the prosecutor and private parties to gather evidence
prior to the trial autonomously.
Doubtless, another factor that considerably alters the trade-offs
in the pre-trial inquiry is the different level of knowledge of the investi-
gations carried out by other parties. It is true that the defence’s investi-
gations do not necessarily follow the course of the prosecutorial inquiry
as Law 397/2000 recognised the possibility of private parties charging
their lawyers with the task of carrying out preventive investigations,
i.e., with a view to the possible initiation of criminal proceedings.130
Nevertheless, it is apparent that this possibility presupposes the suspect
being aware of the initiation of the prosecutorial inquiry. In this regard,
the 2014 legislative implementation of the EU Directive 2012/13 stren-
gthened the information rights in the pre-trial inquiry by enacting a new
provision into the rules on a tool already existing, i.e., the notice of the
investigation (informazione di garanzia), which aims at informing both
suspects and victims of the ongoing prosecutorial inquiry. Pursuant to this
new provision, prosecutors must inform both suspects and victims that
they can obtain information about the annotation of notitia criminis.131
However, since the rules on information on the charge have remained
unchanged, it is doubtful that this innovation brought about positive
results. Thus, information can still be denied in cases of serious offences
and that prosecutors can withhold information on the charge without
any judicial oversight. Furthermore, the 2014 Directive did not modify
the general features of the notice of the investigation, which is only due
where the investigative authorities decide to carry out investigations at

129
Art. 391-bis(10-11) CCP.
130
Art. 391-nonies CCP.
131
Art. 369(1-bis) CCP.

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which the lawyer can be present.132 Therefore, the information safeguards


of the individuals concerned – and as a consequence, the possibility
of initiating defence investigations – largely depend on the strategy of
prosecutors and the police.
To a certain extent, the different levels of information in the preli-
minary inquiry can also lead to unjustified imbalances in favour of private
parties in the trial phase. This result is mostly due to the acknowledgment
of the right to have an official file, which enables private parties to put
exculpatory evidence at the disposal of the judicial authority without the
need to forward it to the competent prosecutor or to request the investi-
gative bodies to carry out inquiries in their favour. The main difference
with the prosecutor’s file is, however, that lawyers are not required to
insert all the information available in their official file. This set-up can not
only alter the trade-offs in the distribution of powers among the parties
but also frustrate the tasks of trial judges, making it impossible for both
the fact-finders to verify the information available to the defence at a
certain stage of the proceedings. This issue is of the utmost importance
for the purposes of the admission of out-of-court evidence that become
unavailable at trial because of unpredictable circumstances.133
An in-depth reflection on the potentials of the link among the
equality of arms, the principle of contradictoire and the guarantee of judicial
oversight should lead the Italian legislature to examine the advantages of
alternative solutions. A proper solution might be to enhance jus postulandi
of private parties, particularly in case of interference with fundamental
rights. Thus, except in the case of access to private places or areas not
open to the public that can be requested by a lawyer,134 Law 397/2000
failed to amend the rules on other intrusive investigative measures,
such as wiretaps, which can still be ordered solely upon request of the
competent prosecutor. The main concern that prevented the legislature
from reforming this set-up was the fear that acknowledging to private
parties the right to request a judicial order authorising the use of coercive
measures could lead to worse results than those of the old prosecutorial

132
Art. 369(1) CCP.
133
Art. 512 CCP.
134
Art. 391-septies CCP.

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inquiry, while entailing the risk of misuse.135 Yet, this concern was pro-
bably excessive, taking into account that in Italian criminal justice, the
judicial authority is always required to give reasons when interference
with fundamental rights is necessary.

Concluding remarks

The analysis of the rules governing the prosecutorial inquiry dis-


plays a complex scenario, in which, despite the progressive enhancement
of participatory safeguards of private parties, the overwhelming role of
the investigative authorities does not set the necessary conditions for
effective equality of arms among the parties, while largely frustrating
the tasks of the judiciary. To a great extent, the maintenance of several
decision-making and coercive powers of the public prosecutor still
largely reflects the old conception of an independent body of justice,
which is currently justified in light of the broad notion of judiciary
under Italian law. Notwithstanding that the individuals involved in the
prosecutorial inquiry – in particular, the suspect, as well as in specific
contexts, the victim – are ensured participation in a number of police
and prosecutorial investigations, legal assistance often lacks effecti-
veness. Furthermore, the possibility of defence lawyers conducting
autonomous investigations, which has been acknowledged since 2000,
has satisfied the fundamental requirement of par condicio only to a
somewhat minimal extent. A number of relevant factors distinguish
the defence investigations from the prosecutorial inquiry, which go
far beyond the sphere of legal differences. In spite of the attempt to
compensate for the dominant role of public prosecutors, the principle
of contradictoire – the cornerstone of the Italian constitutional-law
model of a fair trial – is therefore fulfilled in the pre-trial inquiry by
means of separate investigations and evidence-gathering activities of
the police and the prosecutor, on one side, and the private parties, on
the other. Yet the absence of coercive powers of defence lawyers and
especially the scant possibilities of requesting judicial intervention to

135
Marzaduri. Commento all’art. 1 legge costituzionale 2/1999, p. 770.

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have investigative measures ordered in the favour of the individuals


concerned accentuate the difference with the investigative bodies.
The imbalances among the parties, moreover, do not only ne-
gatively affect the principles of contradictoire and equality of arms, but
in light of an overall view of the constitutional-law fair trial guarantees,
also inevitably impinge on the effectiveness of the role of the judiciary.
There can be little doubt that the weak defence rights in the police and
prosecutorial inquiries, as well as the difficulties of lawyers in carrying
out effective defence investigations, do not set the best conditions for
a fair evidence-gathering with a view to the decisions that can be made
during the prosecutorial phase. Although the use of intrusive investigations
and coercive measures, in particular, calls for independent oversight, the
judge’s assessment is often based only on the information collected by the
investigative authorities, as suspects may not even know the existence of
an ongoing prosecutorial investigation. The maintenance of a number of
interim procedures aimed at a decision inaudito reo (remand proceedings,
procedure on the use of eavesdropping devices, etc.) radically excludes the
defence’s intervention prior to decision-making. Worse still, Italian law
acknowledges to public prosecutors wide possibilities of hiding relevant
information not only to the individuals concerned and their lawyers, but
also to the competent judge, who is often therefore not in a position to
rule in a truly impartial way. Certainly, this solution cannot be justified
in a human rights-oriented model of criminal justice, and de lege ferenda,
the enhancement of the tasks of competent judge for the pre-trial inquiry,
who under Italian law is not an investigative magistrate but is called
upon to ensure the proper fulfilment of procedural safeguards, appears
to constitute today the best alternative to one-sided investigations and
the dominant role of the investigative authorities.

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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): I am very grateful to Prof.


Dr. Lorena Bachmaier Winter for giving me the opportunity
of dealing with the problematic issue of participatory rights in
the pre-trial inquiry of Italian criminal proceedings from the
viewpoint of the equality of arms and the impartiality of the
judiciary. A special thank you also goes to my colleague Prof. Dr.
Serena Quattrocolo for all her advices and relevant suggestions.
As always, of course I bear entire responsibility for any mistake
or inconsistency that the reader might have found in the text.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 04/05/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
05/05/2018 ▪▪ Editoras-associadas: 2
▪▪ Avaliação 1: 21/05/2018 (LBW e BC)
▪▪ Avaliação 2: 23/05/2018 ▪▪ Revisores: 2
▪▪ Decisão editorial preliminar: 23/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções: 28/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 29/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


RUGGERI, Stefano. Equality of arms, impartiality of the judiciary and the
role of the parties in the pre-trial inquiry: the perspective of Italian criminal
justice. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2,
p. 559-603, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.161

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative


Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 559-603, mai.-ago. 2018.
Imparcialidad judicial y actividad
probatoria en la Corte Penal Internacional

Judicial Impartiality and Evidence


at the International Criminal Court

Imparcialidade judicial e atividade


probatória no Tribunal Penal Internacional

Ana Beltrán Montoliu1


Universidad Jaime I de Castellón - Espanha
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https://orcid.org/0000-0002-0238-5392

Resumen: La imparcialidad judicial es uno de los pilares fundamentales


del proceso penal porque afecta directamente al derecho a un juicio
justo y en el ámbito de la justicia penal internacional, el papel que
desempeñan los jueces en relación con la actividad probatoria plantea
interesantes cuestiones legales. El presente estudio pretende abordar
una aproximación a la función judicial de los magistrados en el proceso

1
Profesora Contratada Doctora en Derecho Procesal de la Universidad Jaume
I de Castellón en España donde ha estado vinculada desde 2001. Doctora en
Derecho y Licenciada en Traducción e Interpretación defendió su tesis doctoral
sobre El derecho de defensa ante la Corte Penal Internacional que publicada
posteriormente en la editorial Tirant lo Blanch bajo el título La Defensa en el
plano internacional de los grandes criminales, obteniendo asimismo el premio
extraordinario de doctorado de Derecho y Jurisprudencia curso 2008/2009.
Ha disfrutado de diversas becas pudiendo destacar las concedidas por la Agen-
cia Española de Cooperación Internacional (AECID), Deutscher Akademischer
Austausch Dienst/Servicio Alemán de Intercambio Académico (DAAD) y la
Konrad Adenauer Stiftung. Ha sido profesora visitante en la Corte Penal In-
ternacional, en el Max Planck Institute for Foreign and International Criminal
Law de Friburgo, en Alemania, en el Dipartamento di Scienze Giuridiche de la
Universidad de Bolonia y en la facultad de Derecho de la Universidad de For-
dham en Nueva York entre otras.

605
606 | Beltrán Montoliu, Ana.

penal ante la Corte Penal Internacional e identificar las principales


dificultades probatorias que se presentan en la práctica, con especial
atención a aquellos supuestos en los que los derechos y garantías
procesales de las partes están implicados.
Palabras-clave: imparcialidad judicial; independencia; prueba; Corte
Penal Internacional; víctima.

Abstract: Judicial impartiality is one of the fundamental pillars of the


criminal process because it directly affects the right to a fair trial and in the
area of international criminal justice, the role played by judges in relation
to evidentiary activity raises interesting legal questions. The present study
intends to approach an overview to the judicial function of magistrates in the
criminal process before the International Criminal Court and identify the main
evidentiary difficulties that arise in practice, with special attention to those
cases in which procedural rights and guarantees of the parties are involved.
Keywords: judicial impartiality; independence; evidence; International
Criminal Court; victim.

Resumo: A imparcialidade judicial é um dos pilares fundamentais do processo


penal porque afeta diretamente o direito a um juízo justo e, no âmbito
da justiça penal internacional, o papel que desempenham os juízes em
relação com a atividade probatória apresenta interessantes questões legais.
O presente estudo pretende realizar uma análise à função judicial dos
magistrados no processo penal diante do Tribunal Penal Internacional e
identificar as principais dificuldades probatórias que se expõem na prática,
com especial atenção àqueles casos em que os direitos e garantias processuais
das partes estão em tensão.
Palavras-chave: imparcialidade judicial; independência; prova; Tribunal
Penal Internacional; vítima.

Sumario: Introducción. 1. Estatuto jurídico de los magistrados:


Aspectos generales. 2. Función judicial y actividad probatoria. 2. 1
Discovery, procedimiento de descubrimiento o intercomunicación de
informaciones y pruebas. 2.2 Admisibilidad de la prueba. 2.3 Regla
68 RPPCPI Testimonio grabado anteriormente. 2.4 Nuevas tecnolo-
gías y pruebas. 2.5 El papel de las víctimas. A modo de conclusión.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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Introducción

El modelo de enjuiciamiento criminal2 configurado en la Corte


Penal Internacional (en adelante CPI)3, primer tribunal penal interna-
cional de carácter permanente en la Historia, ha sido fruto del consenso

2
Sobre el procedimiento en general existe abundante bibliografía, vid. entre
otros, BEHRENS, H.J., The Trial Proceedings. In: LEE, R.S., The Internatio-
nal Criminal Court, The Making of the Rome Statute, Issues, Negotiations, Re-
sults, The Hague: Kluwer Law International, 1999; BELTRÁN MONTOLIU,
A., Capítulo XIX, El proceso ante la Corte Penal Internacional. In: GIL GIL,
A./ MACULAN, E., (ed), Derecho Penal Internacional, Madrid: Dikynson,
2016; DEFRANCIA, C., Due process in International Criminal Courts: Why
Procedure Matters, Virginia Law Review, November, p. 1381-1437, 2001,
,; FRIMAN, H., Investigation and Prosecution. In: LEE, R., The Internatio-
nal Criminal Court, Elements of Crimes and Rules of Procedure and Evidence,
Ardsley: Transnational Publishers, 2001, p. 493-539; GUERRERO, O.J., Al-
gunos aspectos del procedimiento penal en el Estatuto de Roma de la CPI.
In: AMBOS, K., La nueva justicia penal supranacional, desarrollos post-Roma,
Valencia: Tirant lo Blanch, 2002; LEWIS, P., Trial Procedure. In: LEE, R.,
The International Criminal Court, Elements of Crimes and Rules of Procedure
and Evidence, cit, p. 539-553; GÓMEZ COLOMER, J.L., El Tribunal Penal In-
ternacional: Investigación y acusación (Un estudio comparado sobre la influen-
cia de modelos y realidades en el tratamiento del principio acusatorio en las fases
previas al juicio del proceso penal ante el Tribunal Penal Internacional), Valen-
cia; Tirant lo Blanch, 2003; TERRIER, F., The Procedure before the Trial
Chamber. In: CASSESE, A.; GAETA, P.; JONES, J.R.W.D., The Rome Statute of
the International Criminal Court: A Commentary, v.. II, Oxford: Oxford Uni-
versity Press, 2002, p. 1277-1318; McDONALD, G.K., Trial Procedures and
Practices. In: Mc DONALD, G.K.; SWAAK-GOLDMAN, O., Substantive and
Procedural Aspects of International Criminal Law, Dordrecht: Kluwer Law
International, 2000, p. 547-622; GÖRAN SLUITER et al (eds), International
Criminal Procedure: Principles and Rules, Oxford: Oxford University Press,
2013; GARCÍA-MATAMOROS, L.V.; ÁVILA.MEDINA, D., Procedimiento, li-
tigio y representación ante tribunales internacionales, Bogotá: Editorial Uni-
versidad del Rosario, 2017, especialmente p. 267-429; CASAS SIERRA, B.,
La Corte Penal Internacional, ¿un modelo válido en el siglo XXI?, Instituto
Español de Estudios Estratégicos, Documento Marco, p. 1021-1023, 2017
3
El texto fundamental que sirve como punto de partida es el Estatuto de Roma,
que se aprobó el 17 de julio de 1998, por la Conferencia Diplomática de Pleni-
potenciarios de las Naciones Unidas sobre el establecimiento de un Tribunal
Penal Internacional (A/CONF. 183/9), entrada en vigor el 1 de julio 2002.
Es especialmente interesante por su contenido didáctico, ICC, Understanding
the International Criminal Court, Disponible en <https://www.icc-cpi.int/ic-
cdocs/PIDS/publications/UICCEng.pdf>, visitada 2 de febrero 2018.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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entre diferentes sistemas jurídicos (continental y common law principal-


mente)4, con características propias que le diferencian de cualquier otro
previsto a nivel nacional o internacional5 y que evoluciona a velocidad
de vértigo6. Es imprescindible poner de relieve esta particularidad7 para
entender que estamos ante un proceso sui generis que no se corresponde
plenamente con ningún modelo vigente en el mundo8. Teniendo en cuenta
esta peculiaridad, como características esenciales del proceso hay que
destacar que el Fiscal ostenta el monopolio de la acción penal9, de modo
que la acusación será siempre ejercida por el mismo, con independencia
de cuál haya sido el mecanismo de activación que haya propiciado su

4
AMBOS, K. International Criminal Procedure: “Adversarial” “Inquisitorial”
or “Mixed”?, International Criminal Law Review, v. 3, n. 1, p. 2-5, 2011
5
Téngase en cuenta que el compendio normativo es considerable, puesto que
para un coherente análisis, se pueden consultar las siguientes disposiciones
legislativas: Reglas de Procedimiento y Prueba (ICC-ASP/1/3), 2 de noviem-
bre 2000; Los Elementos de los Crímenes (ICC-ASP/1/3 y Corr. 1, parte
II.B); Reglamento de la Corte (ICC-BD/01-01-04), 26 de mayo 2004; Regla-
mento de la Fiscalía (ICC-BD/05-01-09, 23 de abril 2009); Reglamento de la
Secretaría (ICC-BD/03-01-06-Rev.1), 6 de marzo de 2006; Code of Judicial
Ethics ICC-BD/02-01-05, 9 de marzo 2005; Chambers´ Practice Manual, Mayo
2017, etc . Disponibles en: <https://www.icc-cpi.int/resource-library#legal-
-texts>. Visitada 21 de diciembre 2017.
6
La actualización sobre aspectos generales sobre la Corte Penal Internacional
se puede consultar en ICC, The Court Today. Disponible en <https://www.
icc-cpi.int/iccdocs/PIDS/publications/TheCourtTodayEng.pdf>
7
No siempre es fácil equilibrar los ordenamientos nacionales con el De-
recho Internacional, sobre las dificultades constitucionales que pueden
aparecer, vid. PACHECO, M. O Tribunal Penal Internacional. Review of
Business and Legal Sciences. Revista De Ciências Empresariais E Jurídicas, v.
10, 2007, p. 234-241.
8
En ese sentido, la implementación de derechos humanos, exige en numerosas
ocasiones una jurisprudencia creativa, así lo indica: CARVALHO, L. G. G. C.;
PONTES, Jean R. Reflexoes acerca dos desafíos de legitimação do Tribunal
Penal Internacional: a gestão da prova nos julgamentos dos crimes contra a
humanidade. Revista Jurídica – CCJ, v. 21, n. 45, p. 141, mai./ago. 2017.
9
En este sentido no se contempla ninguna otra clase de acusación. Es decir,
no es posible ejercer una acusación particular (art. 24 CE), privada (prevista
únicamente en los delitos de injurias y calumnias del art. 215.1 CP) o popular
(art. 125 CE, arts. 101 y 270 LECrim) como sí que sucede por ejemplo en el
ordenamiento jurídico español.

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actuación (Estado Parte, Consejo de Seguridad o Fiscal, art 13 EstCPI)10.


Asimismo, no aparece la figura de un juez instructor a quien se le enco-
miende la tarea de investigar en la fase preliminar, siendo el Fiscal quien
desempeñará esta función.
Ahora bien, el juicio se celebrará ante la Sala de Primera Instancia
(en adelante SPI), ante jueces profesionales ya que no se contempla la
posibilidad de ser enjuiciado por un jurado popular. Debemos destacar
igualmente la configuración de la Sala de Cuestiones Preliminares (en
adelante SCP) que aparece como una novedad respecto al proceso penal
ante los tribunales penales ad hoc para la Ex Yugoslavia y Ruanda, donde
existía un juez de garantías (pre-trial judge), para velar entre otras fun-
ciones, por los derechos de las personas que están siendo investigadas.
Es importante advertir estas características propias del modelo judicial
supranacional que representa la CPI para poder comprender el alcance y
significado en relación con la función judicial que ejercen los magistrados
en este ámbito en general y respecto de la prueba en particular.
Este estudio pretende analizar, por un lado, la función judicial
contemplada ante esta instancia internacional11, y por otro, abordar el
análisis del papel que desempeña el juez en materia probatoria. Se advierte
sin embargo, que no se realizará un análisis exhaustivo y en profundidad
de toda la materia probatoria, lo cual excedería de las pretensiones de
este estudio, sino que más bien, nos centraremos en mostrar aquellas
cuestiones procesales relativas a la prueba, que a la luz de la experiencia
forense ante la CPI, han suscitado mayor polémica, por su complejidad y
por haber planteado dificultades prácticas siempre desde la perspectiva de
la imparcialidad judicial, con el objeto de identificar posibles propuestas
de mejora en este sentido.

10
Sobre la mecánica procesal, mediante el mecanismo de activación vid. LE-
WANDOWSKI, E. R. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de im-
punidade para uma cultura de responsabilidade, Estudos Avançados, v. 16, n.
45, maio/agosto, p. 194, 2002.
11
Tal y como indica GROSSMAN, “El espacio de “interpretación creadora” por
parte de este y otros Tribunales tiene como contrapartida su responsabilidad
en el ejercicio adecuado de sus funciones, según los Estados, la profesión legal,
el público en general. La práctica y proyección internacional del Tribunal lleva
a identificar numerosos desafíos”, GROSSMAN, C. El tribunal penal interna-
cional: Consideraciones generales. Derecho y Humanidades, n. 18, p. 27, 2011.

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1. Estatuto jurídico de los magistrados : A spectos generales

Entre los órganos que componen la CPI se encuentran las salas


judiciales12 (arts. 34-41 EstCPI) que se concretan en secciones de Ape-
laciones, Primera Instancia y Cuestiones Preliminares, sin olvidar la Pre-
sidencia y que se integran por 18 magistrados que serán elegidos por la
Asamblea de Estados Partes13 entre personas “de alta consideración moral,
imparcialidad e integridad que reúnan las condiciones requeridas para el
ejercicio de las más altas funciones judiciales en sus respectivos países”.
Como condición de admisibilidad previa se establece la necesidad de que
los candidatos tengan reconocida competencia, bien en derecho y proce-
dimiento penales y experiencia en calidad de magistrado, fiscal, abogado
o función similar (lista A), bien en derecho internacional, concretamente
en derecho internacional humanitario y normas de derechos humanos,
así como experiencia acreditada en este ámbito (lista B). Asimismo, se
exige el conocimiento y dominio de al menos uno de los idiomas de
trabajo (inglés y francés) de la Corte. Como nota significativa merece la
pena destacar que en la selección de los magistrados los Estados Partes
tendrán en cuenta la necesidad de que haya una distribución equitativa
de los principales sistemas jurídicos del mundo, geográficamente así
como una representación equilibrada por motivos de género (mujeres y
hombres). Además, se tendrá en cuenta la necesidad de que haya juristas
especializados en materias como la violencia contra las mujeres o los niños.
Respecto al estatuto jurídico de los magistrados de cualquier
sistema judicial14 se debe indicar como elementos indispensables que se

12
Para conocer la composición actual de magistrados vid. ICC, Judicial Divi-
sions, Disponible en <https://www.icc-cpi.int/about/judicial-divisions/Pa-
ges/default.aspx> visitado 11 de enero 2018.
13
En detalle art. Artículo 36 Condiciones que han de reunir los magistrados,
candidaturas y elección de los magistrados EstCPI.
14
Así por ejemplo puede resultar interesante consultar en el ordenamien-
to jurídico español, los Principios de Ética Judicial (Documento aproba-
do por el Pleno del CGPJ en su sesión del día 20 de diciembre de 2016
conforme al texto acordado en la sesión celebrada el día 16 de diciembre
de 2016 por el grupo de trabajo sobre ética judicial), que consta de dos
partes, Parte I, Los principios (independencia, imparcialidad, integridad,
cortesía, diligencia, transparencia), Parte II Comisión de Ética Judicial
(funciones, composición, elección, mandato, funcionamiento, efectos y

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desprenden de su función la imparcialidad, la independencia y respon-


sabilidad15 como principios más significativos16. El Code of Judicial Ethics
(ICC-BD/02-01-05), contempla en sus once artículos, además de los ya
mencionados, la integridad17, confidencialidad, la diligencia, conducta
durante los procedimientos, libertad de expresión18 y asociación, aspectos

publicidad). Además aparecen en el enlace que a continuación indicamos,


archivos relacionados con cuestiones éticas judiciales a nivel mundial y
europeo. Disponible en <http://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Temas/
Transparencia/Buen-Gobierno-y-Codigo-etico/Codigo-Etico/ visitada el
4 de abril 2018>, visitada el 13 de abril 2018.
15
Un estudio de derecho comparado con un anexo documental muy completo
a nivel mundial y regional se puede consultar en ROOS, S.R.;WOISCHNIK, J.,
Códigos de ética judicial un estudio de derecho comparado con recomendaciones
para los países latinoamericanos, Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, ; ŠI-
MONIS, M., The Role of Judicial Ethics in Court Administration: from Setting
the Objectives to Practical Implementation, Baltic Journal of Law & Politics, A
Journal of Vytautas Magnus University, v. 10, n. 1 , p. 90-123, 2017.
16
MONTERO AROCA, J.; GÓMER COLOMER, J.L.; BARONA VILAR, S., El per-
sonal jurisdiccional Derecho Jurisdiccional I, Introducción al Derecho Procesal,
25ª ed, Valencia: Tirant lo Blanch, 2017, p. 96-112.
17
Obviamente la aceptación de ciertas gratificaciones económicas o regalos,
incluso después de terminar el juicio, no hace deducir la integridad que
se presume de las autoridades judiciales. En este caso, no se admitió la re-
cusación al entender, que la corrupción aludida no se refería al caso que
se estaba enjuiciando. ECC, Case of NUON Chea et al., 0002/19-09-2007-
ECCC/TC, IENG Sary’s Application to Disqualify Judge Nil Nonn due to His
Purported Admission that He Has Accepted Bribes & Request for a Public
Hearing or in the Alternative for Leave to Reply to Any Submissions Pre-
sented by Judge Nil Nonn in Response to this Application, 14 January 2011,
para. 10; Case of NUON Chea et al., 002/19-09-2007-ECCC/TC, Decision
on IENG Sary’s Application to Disqualify Judge Nil Nonn and Related Re-
quests, 28 January 2011, para. 17.
18
Lo que se ha denominado por KARNAVA como el síndrome Harhoff, se re-
fiere al caso Šešelj del TPIY, donde este juez vertió unas declaraciones en una
carta que mandó a 56 contactos, donde de algún modo se reflejaba cierta pre-
disposición condenatoria particularmente hacia los acusados serbios y croa-
tas: “By referring to a “set practice” of convicting accused persons without
reference to an evaluation of the evidence in each individual case, the Ma-
jority, Judge Liu dissenting, considers that there are grounds for concluding
that a reasonable observer, properly informed, would reasonably apprehend
bias on the part of Judge Harhoff in favour of conviction. This includes for
the purposes of the present case. This appearance of bias is further compou-
nded by Judge Harhoff s statement that he is confronted by a professional
and moral dilemma, which in the view of the Majority, is a clear reference

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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relacionados con la actividad extrajudicial que puedan desempeñar y por


último el necesario cumplimiento con este código19.
En cuanto a la imparcialidad20, debemos resaltar, aunque resulte
obvio, que los jueces no son parte en el proceso y por consiguiente deben
actuar con desinterés subjetivo. La imparcialidad implica necesariamente
como indica Montero Aroca “la ausencia de designio o de prevención en
el juez de poner su función jurisdiccional al servicio del interés particular
de una de las partes. La función jurisdiccional consiste en la tutela de los
derechos e intereses legítimos de las personas por medio de la aplicación
del Derecho en el caso concreto, y la imparcialidad se quiebra cuando el
juez tiene el designio o la prevención de no cumplir realmente con esa
función, sino que, incumpliendo con ella, puede perseguir en un caso
concreto servir a una de las partes”21. Ahora bien, la no influencia de cir-

to his difficulty in applying the current jurisprudence of the Tribunal” ICTY,


Prosecutor v. Šešelj, IT-03-67-T, Disqualification of Judge Frederik Harhoff
and Report to the Vice-President, 28 August 2013, pár. 13.
19
Una excelente recopilación sobre este tipo de cuestiones en todos los tribuna-
les penales internacionales, donde se abordan casos que citamos en este estu-
dio se puede consultar en KARNAVA, M.G., Judicial Ethics in the International
Tribunals, Lecture at the ADC-ICTY’s 12th Defence Symposium, disponible
en <http://michaelgkarnavas.net/files/JudicialEthicsLecture_24Jan14.pdf>,
visitada el 13 de abril 2018.
20
Sin ánimo de exhaustividad, se sugieren, respecto a la imparcialidad entre
otros: AA.VV. La imparcialidad judicial, Estudios de Derecho judicial, n. 151,
2008, passim; ESQUIVIAS JARAMILLO, J.I., Derecho fundamental al juez
imparcial, CEFLegal: Revista práctica de derecho. Comentarios y casos prácti-
cos, n. 195, 2017; FERNÁNDEZ-VIAGAS BARTOMOLÉ, P., El juez imparcial:
¿han tomado los bárbaros el Poder Judicial?, Granada: Comares, 2015; GALÁN
GONZÁLEZ, C., Protección de la imparcialidad judicial abstención y recusación,
Valencia: Tirant lo Blanch, 2005; JIMÉNEZ ASENSIO, R., Imparcialidad ju-
dicial y el derecho al juez imparcial, Pamplona: Thomson Reuters-Aranzadi,
2002; PICÓ i JUNOY, J., La imparcialidad judicial y sus garantías la abstención
y recusación, Barcelona: Bosch, 1998; PICADO VARGA, C.A., El derecho a
ser juzgado por un juez imparcial, Revista de JUDEX, n.. 2, p. 31-62, 2014; TA-
RUFFO, M., La cultura de la imparcialidad judicial en los países del “comon
law” y el derecho continental, Estudios de Derecho judicial: La imparcialidad
judicial, n.151, p. 95-119, 2008.: BACHMAIER WINTER, L. Imparcialidad ju-
dicial y libertad de expresión de jueces y magistrados, las recusaciones de magis-
trados del Tribunal Constitucional, Pamplona: Aranzadi 2008
21
MONTERO AROCA, J.,Derecho a la imparcialidad judicial. Comentario al
artículo II-107 del Tratado por el que se establece una Constitución para

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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cunstancias ajenas debe objetivarse de modo que se establezca una relación


de situaciones constatables objetivamente, que conllevan la sospecha de
parcialidad. Estamos además ante una característica concreta, no abstracta
y que no es exclusiva de los jueces22. Con este objetivo la solución que se
proporciona es la de establecer unas causas de recusación y abstención,
o dispensa en la terminología de la CPI. En este sentido, se comprenden
como causas posibles de dispensa y recusación de los magistrados (arts.
41-41 EstCPI, regla 34.1 RPPCPI), fundamentalmente las siguientes:

“a) Un magistrado no participará en ninguna causa en que,


por cualquier motivo, pueda razonablemente ponerse en duda su
imparcialidad… si hubiese intervenido anteriormente, en cualquier
calidad, en una causa de la que la Corte estuviere conociendo o en
una causa penal conexa sustanciada a nivel nacional y que guardare
relación con la persona objeto de investigación o enjuiciamiento;
b) Tener un interés personal en el caso, entendiéndose
por tal una relación conyugal, parental o de otro parentesco cer-
cano, personal23 o profesional o una relación de subordinación
con cualquiera de las partes;
c) Haber participado, a título personal y antes de asumir
el cargo, en cualquier procedimiento judicial iniciado antes de su
participación en la causa o iniciado por él posteriormente en que
la persona objeto de investigación o enjuiciamiento haya sido o
sea una de las contrapartes;

Europa y al artículo 6.1 del Convenio Europeo de Derechos Humanos, Revista


Europea de Derechos Fundamentales, n. 7, 1er semestre 2006, p. 91.
22
De hecho en las disposiciones de los textos normativos de la CPI, se alude a
los jueces y fiscales. Son importantes a tales efectos los siguientes preceptos:
EstCPI: Arts. 40-41 EstCPI; Reglas de Procedimiento y Prueba: Sección IV.
Situaciones que puedan afectar al funcionamiento de la Corte, reglas 23-39:
Reglamento de la Corte: Capítulo 8 De la separación del cargo y las medidas
disciplinarias, normas 119-126.
23
La defensa solicitó la recusación del Juez Vaz por mantener una relación
sentimental con Ms Dior Fall, fiscal durante el caso. Karemera et al, ICTR-
-98-44-AR15bis, Reasons for Decision on Interlocutory Appeals Regarding
the Continuation of the Proceedings with a Substitute Judge and on Nzirore-
ra’s Motion for Leave to Consider New Material, 22 October 2004 para. 2.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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d) Haber desempeñado funciones24, antes de asumir el


cargo, en el ejercicio de las cuales cabría prever que se formó una
opinión sobre la causa de que se trate, sobre las partes o sobre sus
representantes que, objetivamente, podrían redundar en desmedro
de la imparcialidad requerida;
e) Haber expresado opiniones, por conducto de los medios
de comunicación, por escrito25 o en actos públicos que, objetivamen-
te, podrían redundar en desmedro de la imparcialidad requerida26.”

24
Así por ejemplo, haber realizado un informe para UNICEF sobre el recluta-
miento de niños soldado, no fue sufiente causa para recusar al juez Winter,
SCSL, Prosecutor v. Norman, et al, SCSL-2004-14PT, Motion to Recuse Judge
Winter from Deliberating in the Preliminary Motion of the Recruitment
of Child Soldiers, 24 March 2004; SCLS, Prosecutor v. Norman, et al, SCSL-
-2004-14PT, Decision on the Motion to Recuse Judge Winter from the De-
liberation in the Preliminary Motion on the Recruitment of Child Soldiers,
28 May 2004.
25
Recusación formulada contra el Juez Robertson por sus manifestaciones en
el libro Crimes Against Humanity – The Struggle for Global Justice, publicado
en 2002. La Defensa sostuvo que: “Justice Robertson’s opinions, comments
and statements are expressed in terms that demonstrate the clearest and
most grave bias, or in the alternative, the same objectively give rise to the
appearance of bias”. SCSL, Prosecutor v. Sesay et al., SCSL-04-15-T, Decision
on Defence Motion Seeking the Disqualification of Judge Robertson from the
Appeals Chamber, 28 January 2008, para. 2.
26
En el Tribunal Especial para Sierra Leona (SCSL en inglés), se produjeron por
parte del juez Malik Saw unas declaraciones desafortunadas que cuestionaban
la credibilidad del tribunal, lo que supuso que se tomaran medidas al respecto,
poniendo de relieve el tribunal que: “The only moment where a Judge can
express his opinion is during the deliberations or in the courtroom, and, pur-
suant to the Rules, when there are no serious deliberations, the only place left
for me is the courtroom. I won’t get — because I think we have been sitting
for too long but for me I have my dissenting opinion and I disagree with the
findings and conclusions of the other Judges, because for me under any mode
of liability, under any accepted standard of proof, the guilt of the accused from
the evidence provided in this trial is not proved beyond reasonable doubt by
the Prosecution. And my only worry is that the whole system is not consistent
with all the principles we know and love, and the system is not consistent with
all the values of international criminal justice, and I’m afraid the whole system
is under grave danger of just losing all credibility, and I’m afraid this whole
thing is headed for failure.” SCSL, Prosecutor v. Taylor, SCSL-03-01-A, Charles
Ghankay Taylor’s Motion for Partial Voluntary “Withdrawal or Disqualifica-
tion of Appeals Chamber Judges, 19 July 2012, para. 9.

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Es posible que la Presidencia, dispense al magistrado que así lo


solicite del ejercicio de sus funciones (petición que formulará por escrito
indicando los motivos, de carácter confidencial, regla 33 RPPCPI) por
concurrir alguna de estas causas. Es más, incluso se prevé la obligatorie-
dad de solicitar la dispensa en el supuesto de que se produzca alguna de
las circunstancias que acabamos de mencionar (regla 35 RPPCPI). En el
supuesto de que se utilice el incidente de la recusación, se resolverá por
mayoría de los magistrados, no pudiendo tomar la decisión el juez afectado
pero sí que tendrá derecho a hacer observaciones sobre la cuestión. En
relación con el procedimiento previsto, se indica que se procederá a la
petición de recusación por escrito tan pronto como se tenga conocimiento
de las razones en que se base, deberá ser motivada, y se adjuntarán las
pruebas pertinentes, dándose traslado al afectado, para que, como hemos
indicado, se pronuncie al respecto.
Estamos sin duda, ante una cuestión de naturaleza compleja27,
y cuya finalidad es garantizar la adecuada administración de la justicia.
En este contexto, la CPI ha adoptado, la dinámica ya consolidada a ni-
vel internacional, especialmente por el Tribunal Europeo de Derechos
Humanos, donde se proponen dos perspectivas diferentes. Por un lado,
una aproximación subjetiva, donde se trata de apreciar la convicción
personal del juez, lo que pensaba internamente en dicha ocasión, a fin
de excluir a aquel que internamente haya tomado partido previamente
o vaya a basar su decisión en prejuicios indebidamente adquiridos. Se
atiende por consiguiente a la relación de los jueces o magistrados con las
partes o su interés personal directo/indirecto en el resultado del plei-
to28. Por otro, la objetiva consiste en determinar, si con independencia

27
Existe un corpus iuris internacional sobre la materia (art. 11.1 Declaración
Universal de los Derechos Humanos; art. 14 Pacto Internacional de Derechos
Civiles y Políticos, art. 6 Convenio Europeo de Derechos Humanos de 1950 y
el art. 8 Convenio Internacional de Derechos Humanos, de 1969 y su doctri-
na así lo evidencia.
28
Cuestión que no es siempre fácil de dilucidar. Así por ejemplo lo pone mag-
níficamente de manifiesto BACHMAIER al realizar un comentario sobre mo-
tivos tales como qué significa “amistad íntima” o “enemistad manifiesta” vid.
BACHMAIER, L., Derecho a un juez imparcial y su articulación legal (TC
2ª S 162/1999, de 27 septiembre), Tribunales de justicia: Revista española de
derecho procesal, n. 7, , p. 917-918, 2000.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
616 | Beltrán Montoliu, Ana.

del comportamiento personal del juez, existen hechos verificables que


permitan cuestionar su imparcialidad. Aquí lo significativo es la relación
que el juzgador haya podido tener con el objeto del propio procedimien-
to. En definitiva se proporcionan unos parámetros que son ilustrativos
y que sirven para orientar en aquellos supuestos en los que se cuestiona
la imparcialidad judicial29.
En este panorama de justicia penal internacional existe ya doc-
trina consolidada y se reconoce como especialmente ilustrativo el caso
Furundžija30 que estableció los criterios o parámetros a tener en cuenta

29
Vid. Informe del Magistrado Joaquín Jiménez García sobre la recusación en la
causa especial Nº 3/20048/2009, pág. 10, donde se sintetiza la doctrina del
TEDH concretamente en: “a.- La imparcialidad del Tribunal, entendida como
ausencia de idea preconcebida de culpabilidad en la persona a la que se le va
a someter a enjuiciamiento, puede contemplarse tanto desde una perspecti-
va subjetiva como objetiva. b.-La óptica de la imparcialidad subjetiva trata
de indagar lo que en su fuero interno piensa el Juez del caso concernido, se
trataría de un prejuicio subjetivo. En este aspecto la imparcialidad personal/
subjetiva del Magistrado se presume, mientras no se demuestre lo contrario.
c.- La óptica de la imparcialidad objetiva trata de verificar si hay garantías su-
ficientes para excluir toda duda legítima sobre la imparcialidad del Tribunal
desde las alegaciones efectuadas por el denunciante. d.- Teniendo en cuenta
la presunción de imparcialidad subjetiva del juez, y las dificultades de prueba,
la exigencia de imparcialidad objetiva proporciona una importante garantía
adicional. e.-Las apariencias tienen su importancia, por la confianza que los
Tribunales deben inspirar al justificárselo a la Sociedad en general. f.- Lo de-
terminante es verificar si a la vista del caso concernido, los recelos o sospe-
chas del denunciante están justificados objetivamente, es decir, desde una
perspectiva externa. g.-Para la respuesta concreta hay que estar al examen
individualizado de cada supuesto.”
30
En concreto en este caso se planteó la recusación de la juez Florence Mumba
por haber estado relacionada anteriormente a su desempeño como juez en el
TPIY con la United Nations Commission on the Status of Women (UNCSW).
La Sala de Apelaciones entendió que su especialización en materia de de-
rechos humanos en el contexto de género, formaba parte de la experiencia
profesional que se requiere en estos tribunales: “A Judge should be not only
subjectively free from bias but also there should be nothing in the surroun-
ding circumstances which objectively gives rise to an appearance of bias...
A. A Judge is notimpartial if it is shown that actual bias exists. B. There is an
unacceptable appearance of bias if: i) a Judge is a party to the case, or has a
financial or proprietary interest in the outcome of a case, or if the Judge’s
decision will lead to the promotion of a cause in which he or she is involved,
together with one of the parties. Under these circumstances, a Judge’s dis-
qualification is automatic; or ii) the circumstances would lead a reasonable

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.159 | 617

para determinar la recusación desde una perspectiva amplia coincidente


con las decisiones del TEDH y de derecho comparado.
Por su parte, la CPI también se ha pronunciado respecto a varias de
las cuestiones apuntadas, entre otros, podemos indicar el caso Prosecutor
v. Banda Abakaer Nourain & Jerbo Jamus, donde se consideró por parte de
la defensa que el magistrado Eboe-Osuji no podía ser justo e imparcial
debido a que su nacionalidad nigeriana coincidía con la de las víctimas31.
El informe que presentó el juez en el incidente de recusación32, sobre
todo aportando jurisprudencia canadiense propició que no prosperara
la recusación planteada.

La independencia es otro de los pilares fundamentales, exigiéndose


que los magistrados sean independientes en el desempeño de sus fun-
ciones. Para ello se prevé que no realicen actividad alguna que pueda ser

observer, properly informed, to reasonably apprehend bias.” “A reasonable


person must be an informed person, with knowledge of all the relevant cir-
cumstances, including the traditions of integrity and impartiality that form a
part of the background and apprised also of the fact that impartiality is one of
the duties that Judges swear to uphold”, ICTY, Prosecutor v. Furundžija, IT-95-
17/1, Appeal Judgment, 21 July 2000, par. 189-190. Sobre la interpretación
de la “imparcialidad” par. 179-188.
31
“The defence submitted that a reasonable observer might reasonably doubt
the impartiality of the respondent in the case on three grounds: (1) his na-
tionality; (2) the endorsement of his candidacy as a judge by a regional body
and by his state of nationality; and (3) the comments made in a blog written
by him prior to his election as a judge, ICC, Prosecutor v. Banda Abakaer Nou-
rain & Jerbo Jamus, ICC-02/05-03/09, Defence Request for the Disqualifica-
tion of a Judge, 2 April 2012, pár. 2-3.
32
En el informe que presentó el juez se puso de manifiesto que: “The presump-
tion of impartiality is a legal presumption. They need to show ‘cogent evi-
dence’ that displaces it. A proper understanding of the jurisprudence would
require them to produce evidence tending to show that a fairminded obser-
ver fully informed of the facts and taking a whole view of the matter would
reasonably fear that bias exists; and that there is an objective reason to belie-
ve that the judge is unable to respect his oath of office. Counsel in this case,
in their complaint and submissions, have not produced any such evidence.
Fanciful arguments and suppositions are insufficient to achieve recusal”, par.
133. ICC, Prosecutor v. Banda Abakaer Nourain & Jerbo Jamus, ICC-02/05-
03/09, Judge Eboe-Osuji’s Memorandum concerning ‘Defence Motion for
Disqualification of a judge,’ Annex 2, 16 April 2012, Vid. Asimismo pár. 33-
63 los fundamentos sobre la cuestión de la nacionalidad.

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618 | Beltrán Montoliu, Ana.

incompatible con el ejercicio de sus competencias judiciales o menoscabar


la confianza en su independencia y además su régimen de dedicación será
exclusivo en la sede de la Corte no pudiendo tener ninguna otra ocupación
de carácter profesional (Art. 40 EstCPI, Art. 3 Code of Judicial Ethics). La
independencia del juez es la libertad de enjuiciamiento teniendo como único
referente el sometimiento a la ley y al resto del ordenamiento jurídico33.
Para que esta independencia sea absoluta, debe quedar garantizada frente a
todos, es decir, respeto total a la función jurisdiccional de los magistrados,
respecto a sus superiores y de otros poderes y presiones sociales.
Finalmente, se exige que los magistrados de la Corte sean respon-
sables, de modo que actúen bajo sometimiento pleno a la ley y se estab-
lece un régimen disciplinario34 que diferencia entre falta grave (regla 24
RRPCPI) y falta menos grave (regla 25 RPPCPI), con un procedimiento
(reglas 26-27 y 29, normas 119-123, 125 RegCPI) a tales efectos, así
como la suspensión del cargo (regla 28 RPPCPI, norma 124 RegCPI), y
la adopción de medidas disciplinarias (reglas 30-32 RPPCPI) en su caso.

2. F unción judicial y actividad probatoria

Una vez analizada la función judicial desde el punto de vista de


su estatuto jurídico, mostraremos a continuación el panorama general
respecto al papel que desempeñan los magistrados ante la actividad pro-
batoria35 que se desarrolla en el proceso de la CPI. Téngase en cuenta que

33
La proclamación de la independencia como un principio esencial del esta-
tuto de jueces y magistrados la encontramos en el ordenamiento jurídico
español en la CE (arts. 117.1, 124.1 y 127.2), LOPJ (1, 12, 13 y 14), así como
a nivel internacional (art. 10 DUDH, 14.1 PIDCYP y 6.1 CEDH) ya mencio-
nados previamente.
34
Vid. Sección IV Situaciones que pueden afectar al funcionamiento de la Corte
(reglas 23-32) RPPCPI; Capítulo 8 Separación del cargo y medidas disciplina-
rias del Reglamento de la Corte (normas 119-125).
35
Recordemos que se combinan elementos del sistema continental y del com-
mon law en lo relativo a la prueba también, Así lo constata SADAT, S., The
International Criminal Court and the Transformation of International Law,
Ardsley: Transnational Publishers, 2002, p. 238; GORDON, G.S, Toward an
International Criminal Procedure: Due Process Aspitations and Limitations,
The Berkeley Electronic Press, n. 62, 2006, KRESS, C. The Procedural Law of

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.159 | 619

la prueba constituye el centro de las investigaciones y del enjuiciamiento


en el proceso penal36. En este contexto existe una amplia flexibilidad37
por parte de las Salas en cuestiones probatorias. En efecto, no existe
limitación a priori en cuanto los medios de prueba permitidos. El mar-
co normativo se completa por el art. 69 EstCPI38 y la regla 63 RPPCPI
que conforman básicamente (art. 21,3, art. 64, 8 y 9 y arts. 66, 67 y 68
EstCPI) las disposiciones generales relativas a la prueba39. La dinámica

the International Criminal Court in Outline: Anatomy of a Unique Compro-


mise, International Journal of Criminal Justice, v- 1, n. 3, p. 602, 604-605, 2003.
36
IBA, Evidence Matters in ICC Trials, International Criminal Law Perspectives,
August 2016, p. 5. <https://www.ibanet.org/ICC_ICL_Programme/Reports.
aspx#2017> visitada 23 de marzo 2018.
37
Tal y como ha recalcado la Sala de Primera Instancia I: “the drafters of the
Statute framework have clearly and deliberately avoided proscribing certain
categories or types of evidence, a step which would have limited – at the
outset – the ability of the Chamber to assess evidence “freely”. Instead, the
Chamber is authorized by statute to request any evidence that is necessary
to determine the truth, subject always to such decisions on relevance and ad-
missibility as are necessary, bearing in mind the dictates of fairness. In ruling
on admissibility the Chamber will frequently need to weigh the competing
prejudicial and probative potential of the evidence in question. It is of parti-
cular note that Rule 63(5) mandates the Chamber not to “apply national laws
governing evidence”. For these reasons, the Chamber has concluded that it
enjoys a significant degree of discretion in considering all types of evidence.
This is particularly necessary given the nature of the cases that will come be-
fore the ICC: there will be infinitely variable circumstances in which the court
will be asked to consider evidence, which will not infrequently have come
into existence, or have been compiled or retrieved, in difficult circumstances,
such as during particularly egregious instances of armed conflict, when those
involved will have been killed or wounded, and the survivors or those affected
may be untraceable or unwilling – for credible reasons – to give evidence’.
ICC, Prosecutor v Thomas Lubanga Dyilo, ICC-01/04-01/061399, Decision on
the admissibility of four documents, 13 June 2008, par. 24.
38
Vid. un detallado comentario sobre este artículo en BEHRENS, H. / PIRAGOFF,
D., Article 69. In: TRIFFTERER, O. (ed.), Commentary on the Rome Statute
of the International Criminal Court-Observers´ Notes, Article by Article, Baden
Baden: Nomos, 1999, pp. 889- 916. Asimismo se puede consultar la versión
actualizada en TRIFFTERER, O/ AMBOS, K., Rome Statute of the International
Criminal Court, A Commentary, 3rd edition, Baden Baden: Nomos, 2016.
39
Un análisis comparativo de todas las Reglas de Procedimiento y Prueba de
Tribunales Penales Internacionales ad hoc puede verse en MAY, R.; WIERDA,
M., Trends in International Criminal Evidence: Nuremberg, Tokyo, The Ha-
gue, and Arusha, Columbia Journal of Transnational Law, vol. 37, ,, p. 725-765,

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620 | Beltrán Montoliu, Ana.

probatoria de la CPI se encuentra influida sin duda por sus predecesores


en el ámbito de la justicia penal internacional. Asimismo se constata por
la jurisprudencia, que las Salas de Primera Instancia no se encuentran
vinculadas a las decisiones que hayan sido adoptadas por otras salas
respecto a cuestiones probatorias40.
Siendo conscientes los magistrados de la repercusión de sus deci-
siones en lo atinente al ámbito probatorio, si bien se respeta el principio
que se acaba de mencionar, las Salas han manifestado la importancia de
que exista cierta coherencia o congruencia en la jurisprudencia existen-
te41. Para lograr este objetivo, adquiere un valor adicional y esencial el
Chambers´ Practice Manual (mayo 2017), que sirve para proporcionar
orientación en este sentido. Como se ha puesto de manifiesto es un docu-
mento explicativo que contiene recomendaciones y directrices generales
sobre las mejores prácticas en la Corte, basadas en la experiencia de los

1999; Sobre Núremberg vid. MURPHY, J.F., Norms of Criminal Procedure


at the International Military Tribunal. In: GINSBURGS, G.; KUDRIAVTSEV,
V.N. (ed.), The Nuremberg Trial and International Law, Dordrecht: Martinus
Nijhoff Publishers, 1990, p. 61-75.
40
KLAMBERG, M., Evidence in International Criminal Trials: Confronting Legal
Gaps and the Reconstruction of Disputed Events, Dordrecht: Martinus Nijhoff
Publishers, 2013, p. 340-342.
41
En este sentido, vid, por ejemplo, , ICC, Prosecutor v Laurent Gbagbo and
Charles Blé Goudé, ICC-02/11-01/15-405, Decision on the submission and
admission of evidence, 29 January 2015, and see ICC, Prosecutor v Laurent
Gbagbo and Charles Blé Goudé, ICC-02/11-01/15-405-Anx, Dissenting Opi-
nion of Judge Henderson, 1 February 2016, par 12–13: ‘I also consider that,
in relation to procedural matters in international criminal cases of great sco-
pe and size, a Chamber should have due regard for the lessons learned from
the ample experience and jurisprudence of the Court, as well as the ad hoc
tribunals. With the exception of the Bemba et al case (a case of limited scope
and anticipated duration), issuing admissibility decisions before the closure
of evidence has been the settled and uncontroversial practice in international
criminal proceedings, both at the Court and the ad hoc tribunals. This inclu-
des both those international and hybrid courts founded on the common law
tradition, as well as those applying a primarily inquisitorial system. Nowhere
in the Majority Decision is there any assessment as to why the Gbagbo and
Blé Goudé case is unique from the dozens of other international cases where
admissibility decisions have been issued before the closure of evidence. Nor
is there any discussion as to how such practice is misguided, let alone an
assessment of the impact on the respective parties’ ability to efficiently and
adequately prepare (issues specifically raised in the parties’ submissions).’

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jueces de las Salas de Cuestiones Preliminares, pero no es un instrumento


vinculante diseñado para tener la misma fuerza y efecto
​​ que el Estatuto,
las Reglas de Procedimiento y Prueba o el Reglamento42. Se trata de un
documento que va evolucionando y se va transformando adaptándose a
las nuevas necesidades que van apareciendo43.
Teniendo presente esta premisa inicial, no podemos perder de
vista que el acusado tiene derecho a una audiencia justa, imparcial y
pública44, de modo que es imprescindible el respeto en todo momento
de los intereses de las partes enfrentadas. En este escenario penal inter-
nacional conviene no olvidar que si bien el modelo previsto ante la CPI
es el modelo acusatorio45, existen algunas excepciones que provocan
que aparezcan ciertas discordancias46 que afectan principalmente a la

42
ICC, Prosecutor v Laurent Gbagbo and Charles Blé Goudé, ICC-02/11-01/15-
369, Judgment on the appeal of Laurent Gbagbo against the decision of Trial
Chamber I entitled ‘Decision giving notice pursuant to Regulation 55(2) of
the Regulations of the Court’, 18 December 2015 (‘Gbagbo and Blé Goudé
Appeals Judgment on Regulation 55(2)’), par. 54.
43
Así en la versión de mayo de 2017 en el anexo se adjunta un protocolo que
puede ser determinante para la práctica. Vid. Annex: Protocol on the han-
dling of confidential information during investigations and contact between
a party or participant and witnesses of the opposing party or of a participant.
44
Sobre el derecho a un juicio justo en la Corte vid. entre otros, DEFRANCIA,
C., Due process in International Criminal Courts: Why Procedure Matters,
Virginia Law Review, November, p. 1381- 1437, 2001; FINDLAY, M., Synthe-
sis in trial procedures? The experience of International Criminal Tribunals,
International and Comparative Law Quarterly,, v.. 50, p. 26-53, 2001; STAPLE-
TON, S., Ensuring a Fair Trial in the International Criminal Court: Statutory
Interpretation and the Impermissibility of Derogation, International Law and
Politics, v.. 31, p. 535-609, 1999; SWEENEY, D., International Standards of
Fairnes, Criminal Procedure and the International Criminal Court, Révue In-
ternationale de Droit Penal, , v.. 68, p. 233-289, 1997-1 y 2; WARBRICK, C.,
International Criminal Courts and Fair Trial, Journal of Armed Conflict Law, ,
v.. 3, n.. 1, p. 45-64, 1998.
45
Sobre el origen y evolución de los modelos procesales vid. BARONA VILAR,
S., Proceso penal desde la Historia. Desde su origen hasta la sociedad global del
miedo, Valencia: Tirant lo Blanch, 2017, passim.
46
Como Damaska explica el principal interés en un modelo procesal es si el
resultado que se obtendrá es predecible, lógico y coherente con sus valores
fundamentales y sus fuentes ya que la justicia en si misma es casi imposible
de definir, DAMASKA, M., Problematic Features of International Criminal

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
622 | Beltrán Montoliu, Ana.

defensa47 y por ende en el principio de igualdad de partes48, siendo éste


un principio fundamental del modelo acusatorio, entendido y concebido
en el marco de una disputa entre dos partes enfrentadas.
A continuación, partiendo de este planteamiento general, abor-
daremos una selección de aquellas cuestiones probatorias que suscitan
mayor interés respecto a las reflexiones comentadas supra. Por un lado,
entendemos que la etapa del Discovery o procedimiento de descubrimiento
o intercomunicación de informaciones y pruebas, merece nuestra aten-
ción, a los efectos de determinar cuál el alcance de la discrecionalidad
judicial. Por otro, nos detendremos en la admisibilidad de la prueba y
pondremos de relieve las dificultades que genera la obtención ilícita de
la prueba. Asimismo comentaremos la regla 68 relativa al testimonio
grabado anteriormente haciendo especial hincapié en las propuestas de
mejora para garantizar todos los derechos procesales de las partes en el
proceso y dedicaremos un breve apunte al tratamiento de las pruebas
digitales y tecnológicas que están revolucionando el derecho probatorio
clásico, por decirlo de algún modo, ya que puede implicar problemas
prácticos que es necesario analizar. Para finalizar describiremos el pa-
pel de las víctimas en este panorama para recalcar aquellas cuestiones
probatorias que les afectan.

2.1. Discovery, procedimiento de descubrimiento o intercomunicación de


informaciones y pruebas

La etapa del denominado Discovery es típica del sistema acusa-


torio puro y afecta tanto al Fiscal como a la defensa, entendiéndose por
tal el procedimiento por medio del cual ambas partes están obligadas,

Procedure. In: CASSESE, A., (ed) The Oxford Companion to International Cri-
minal Justice, Oxford: Oxford University Press,, p. 175-86, 2009
47
En ese sentido, la etapa del discovery o la admisibilidad de la prueba son ana-
lizados para poder aportar soluciones que impliquen mejoras en el procedi-
miento probatorio. CAIANIELLO, M., Law of Evidence at the International
Criminal Court: Blending Accusatorial and Inquisitorial Models, North Ca-
rolina Journal of International Law and Commercial Regulation, v.. 36, n. 2, ,
p. 288, 2011
48
Idídem, p. 293.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.159 | 623

el Fiscal en todo caso, a comunicarse recíprocamente las informaciones


y pruebas (reglas 76-84 RPPCPI) que piensan utilizar en el juicio49. La
cuestión clave en esta etapa es el alcance de las obligaciones50 sobre el
descubrimiento de las pruebas que afectan tanto a la Fiscalía51 como
a la defensa52. De todos los aspectos que presentan dificultades, nos
interesa tener en consideración que la prueba divulgada inter partes, tal
y como prevé la Regla 121.10 RPPCPI, deberá ser comunicada a la Sala
de Cuestiones Preliminares53, conformándose así un expediente por el

49
En general sobre el discovery ante los TTPPII ad hoc, vid. entre otros, PRUITT,
R., Discovery: Mutual Disclosure, Unilateral Disclosure and Non-Disclosure
under the Rules of Procedure and Evidence. In: MAY, R. (ed.), Essays on
ICTY Procedure and Evidence in Honour of Gabrielle Kirk McDonald, Kluwer
Law International, The Hague-London-Boston: Kluwer Law International,
, p. 305-314, 2001; ZAGARIS, B., Disclosure. In KLIP, A.;GÖRAN, S. (ed.),
Annotated Leading Cases of International Criminal Tribunals, vol. III: The In-
ternational Criminal Tribunal for the former Yugoslavia 1997-1999, , Antwerp-
-Oxford-New York: Intersentia, p. 237-240. 2001.
50
ICC, Prosecutor v. Thomas Luganda Dyilo, Prosecution´s Final Observations on
Disclosure,(ICC-01/04-01/06-91), 2 May 2006; ICC, Prosecutor v. Thomas Lu-
ganda Dyilo, Observations of the Defence relating to the System of Disclosure
in View of the Confirmation Hearing, (ICC-01/04-01/06-92), 2 May 2006.
51
En el TESL se ha previsto que en el supuesto de que el acusado aun no dis-
pusiese de abogado defensor, el Fiscal deberá depositar la información perti-
nente ante la Sección de Organización del Tribunal a espera de poder entre-
gársela al mismo. Vid. SCSL, Practice Direction on Disclosure by the Prosecutor
Pursuant to Rule 66 of the Rules of Procedure and Evidence of the Special Court
for Sierra Leone, 24 February 2004.
52
Sobre las principales cuestiones más problemáticas de divulgación de la prue-
ba vid. MARTÍNEZ ALCAÑIZ, A., El proceso de confirmación de cargos ante
la Corte Penal Internacional, Revista General de Derecho Procesal, n. 43, , p.
20-26, septiembre 2017.
53
“According to their teleological interpretation, rules 121 (2) and 122 (1) of
the Rules serve several purposes. These include enabling the PreTrial Cham-
ber to properly organise and conduct the confirmation hearing; ensuring that
the parties will have access to the evidence to be presented at the confir-
mation hearing before it commences, regardless of problems arising during
the disclosure process; and enabling the victims to properly exercise their
procedural rights during that hearing. In the view of the single judge, these
goals will be achieved if, following the literal and contextual interpretation of
rules 121 (2) and 122 (1) of the Rules referred to above, only the evidence on
which the parties intend to rely at confirmation hearing is communicated to
the Pre-Trial Chamber by filing it in the record of the case, ICC, Prosecutor v.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
624 | Beltrán Montoliu, Ana.

Secretario, al cual tendrán acceso las partes54. Sin embargo, no se trata


de una cuestión pacífica, puesto que la SCP ha empleado dos modelos
diferentes de divulgación de pruebas55. En primer lugar, en el caso Luban-
ga56 se afirmó que se debían comunicar a la SCP exclusivamente aquellas
pruebas exculpatorias que se hubieran divulgado inter partes y que se
pretendiesen utilizar en la audiencia de confirmación de cargos. Por otra
parte, en el caso Katanga y Chui y otros la SCP se refirió a la bulke rule57,
que le permite al Fiscal reservarse ciertas pruebas. Este enfoque se cam-
bió en caso Bemba, quedando clarificado que es relevante que la Sala de
Cuestiones Preliminares tenga conocimiento de esa comunicación por
ambas partes de forma completa. Siendo la primera aproximación más
conservadora y la segunda más intervencionista58.

Thomas Luganda Dyilo, PTC I, Decision on the final system of disclosure and
the establishment of a timetable, (ICC-01/04-01/06),15/05/2006, pár. 57.
54
ICC, Prosecutor v. Bemba, ICC-01/05-01/08-55, PTC Decision on the Evi-
dence Disclosure System and Setting a Timetable for Disclosure between the
Parties, 31/7/2008, pár. 34.
55
Modelos citados por MARTÍNEZ ALCAÑIZ, A., El proceso de confirmación
de cargos ante la Corte Penal Internacional, cit., p. 25.
56
Un tema muy interesante que también apareció en el caso Lubanga fue la uti-
lización de la prueba procedente de intermediarios y la dificultad que implica
su valoración. Sobre este tema vid. CHIRINO SÁNCHEZ, A., Evaluación de
prueba y uso de intermediarios en el caso Lubanga. In: AMBOS, K; MALA-
RINO, E.; STEINER, C., (ed), Análisis de la primera sentencia de la Corte Penal
Internacional: el caso Lubanga, Konrad Adenauer Stiftung, p. 23-62, 2014.
57
“The Prosecution’s arguments concerning the impact of this issue on the
fairness and expeditiousness of the proceedings are based on the incorrect
assumption that the bulk rule permits the Prosecution to leave to one side a
portion of the evidence within its control during the confirmation phase and
not analyse it, seek protective measures in connection with it, or ultimately
disclose it. To the contrary, the bulk rule clearly requires the Prosecution
to review all materials within its control with a view to determining what
should be disclosed, and what information may need to be withheld as a re-
sult of protective measures”, ICC, Prosecutor v. William Samoei Ruto, Henry
Kiprono Kosgey and Joshua Arap Sang, Response on behalf of Henry Kiprono
Kosgey to the Prosecution’s Application for leave to Appeal the “Decision
setting the regime for evidence disclosure and other related matters” (ICC-
01/09-01/11-44), 15/4/2011, par. 12
58
MARTÍNEZ ALCAÑIZ, A., El proceso de confirmación de cargos ante la Cor-
te Penal Internacional, cit., p. 25-26.

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2.2. Admisibilidad de la prueba

Las Salas para decidir sobre la admisibilidad tendrán en conside-


ración: a) La pertinencia y el valor probatorio y, b) Cualquier perjuicio
que pueda suponer para un juicio justo o para la justa evaluación del
testimonio de un testigo (art. 69.4 EstCPI). Se considera que tiene valor
probatorio aquella prueba que pretende demostrar una cuestión59. Por otra
parte, cuando se habla de pertinencia se debe matizar la existencia de una
conexión específica con aquellas pruebas que “pretenden demostrar una
cuestión” y por lo tanto deben tener cierto grado de fiabilidad60 y cuando
no existan indicios de fiabilidad61 deberá inadmitirla, correspondiendo
a las partes demostrar la pertinencia y el valor probatorio de la misma62.
Una cuestión procesal muy interesante es el momento procesal
oportuno en el que la sala debe determinar la admisión o no de la prueba
(art. 69.4 EstCPI). Se trata de un aspecto controvertido, que ya ha tenido
repercusión en los Tribunales Penales ad hoc, en el sentido de posponer
la decisión sobre la admisión a las deliberaciones finales63. En la CPI de
nuevo se ha vuelto a plantear, de modo que se ha reiterado la posibilidad de
permitir a la sala un amplio margen de discrecionalidad en este ámbito64.

59
ICTY, Prosecutor v. Tadic, (IT-94-1-T), Decision on Defence Motion on Hear-
say, 5 August 1996, pár. 8.
60
Ibídem, pár. 9.
61
ICTR, Prosecutor v. Ntahobali et al (ICTR-97-21-T)(ICTR-98-42-T), Decision
on Ntahobali’s Motion to Admit Kanyabashi’s Custodial Statements, 15 Sep-
tember 2006, pár. 19.
62
ICTY, Musema (Appellant) v. Prosecutor (Respondent), (ICTR-96-13-A) Jud-
gement, 16 November 2001, pár. 45.
63
 “Leaving the issue of whether facts could be relied upon as a potential basis for
liability unresolved until the end of the trial … creates uncertainty which can
be a source of potential prejudice to the Defence’, Judgement, Nyiramasuhuko
et al. (ICTR-98-42-A), Appeals Chamber, 14 December 2015, pár.1280.
64
“Art. 69(4) gives a trial chamber the discretion to consider the relevance,
probative value and potential prejudice of each item of evidence ‘at some
point in the proceedings — when evidence is submitted, during the trial or at
the end of the trial’, ICC, Judgment on the appeals of Mr Jean-Pierre Bemba
Gombo and the Prosecutor against the decision of Trial Chamber III entit-
led ‘Decision on the admission into evidence of materials contained in the
prosecution’s list of evidence’,  Bemba  (ICC-01/05-01/08-1386), Appeals
Chamber, 3 May 2011, par. 43.

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626 | Beltrán Montoliu, Ana.

Sin embargo, se ha matizado estableciendo que: “En ese caso, un elemento


será admitido como prueba sólo si la Sala decide que es pertinente y/o
admisible con arreglo al párrafo 4 del artículo 69, teniendo en cuenta,
“entre otras cosas, su valor probatorio y cualquier perjuicio que pueda
suponer para un juicio justo o para la justa evaluación del testimonio de
un testigo”. Alternativamente, la Sala podrá aplazar su consideración de
esos criterios hasta el final del procedimiento, haciéndola entonces como
parte de la evaluación de las pruebas que haga cuando esté evaluando la
culpabilidad o la inocencia de la persona acusada”65.
En esta evaluación para determinar si se admite o no la prueba,
la sala también tendrá en cuenta cualquier perjuicio que pueda suponer
para un juicio justo66. En referencia al último factor, relativo a cualquier
perjuicio que pueda suponer para la justa evaluación del testimonio de
un testigo67, podemos indicar que no se permitirá la práctica denominada
“preparación de un testigo” (witness proofing) antes de su declaración.
Sí que es posible admitir la “familiarización del testigo” (witness familia-
rization). La diferencia entre estas dos prácticas ha sido explicada por la
jurisprudencia entendiendo qué constituye “preparación de un testigo”:
“(i) permitir al testigo que lea su declaración; (ii) refrescar la memoria del

65
“De todos modos, con arreglo al párrafo 2 del artículo 64 del Estatuto, la Sala
debe siempre velar por que el juicio “sea justo y expedito y se sustancie con
pleno respeto de los derechos del acusado y teniendo debidamente en cuen-
ta la protección de las víctimas y de los testigos”. En particular, si una parte
plantea una cuestión atinente a la pertinencia o la admisibilidad de pruebas,
la Sala de Primera Instancia debe sopesar su discrecionalidad para aplazar la
consideración de esa cuestión en comparación con las obligaciones con que
le impone la disposición mencionada. Además, debe subrayarse que, indepen-
dientemente del enfoque por el que opte la Sala de Primera Instancia, tendrá
que considerar la pertinencia, el valor probatorio y el posible perjuicio de cada
elemento de prueba en algún momento del procedimiento – cuando se pre-
sentan las pruebas, durante el juicio, o al final del juicio,” Ibídem, pár. 37.
66
ICTR, Prosecutor v. Ntagerura, Bagambiki, Imanishimwe (ICTR-99-46-T), De-
cision on Defence Motion to exclude Evidence, 25 March 2002, pár. 11.
67
Así pues cuando la defensa entienda que la Fiscalía ha presentado testigos
para relatar hechos que no se encuentran comprendidos en el escrito de acu-
sación, podrá solicitar la exclusión de los mismos. Vid en este sentido: ICTR,
Prosecutor v. Bizimungu, Mugenzi, Bicamumpaka, Mugiranezan (ICTR-99-50-
AR73.2), Decision on Prosecution’s Interlocutory Appeals against Decisions
of the Trial Chamber on Exclusion of Evidence, , 25 June 2004, pár. 17-19.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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testigo respecto a aquellas declaraciones que va prestar en la audiencia de


confirmación de cargos, y (iii) proporcionarle al testigo exactamente las
mismas preguntas en el mismo orden que se le van a preguntar cuando
preste declaración”68. Por su parte, la familiarización consiste en “una
serie de reuniones para que el testigo conozca el sistema de la Corte,
cuáles son los trámites procedimentales que van a tener lugar cuando
preste declaración y las diferentes responsabilidades de los distintos
participantes en la audiencia69”. De la existencia de estos parámetros se
deduce una amplia discrecionalidad por parte de los magistrados en el
momento de admitir la prueba propuesta. Debe regir sin duda el principio
la libre valoración de la prueba en todo caso, aunque curiosamente no se
explicite en el art. 74 EstCPI. Sólo se afirma, en lugar y de manera incor-
recta, que la Sala tendrá facultades discrecionales para valorar todas las
pruebas presentadas a fin de determinar su pertinencia y admisibilidad
(regla 63.2 RegPPCPI, en relación con el art. 69.4 EstCPI).
La Sala también se pronunciará sobre las cuestiones relaciona-
das con la obtención ilícita de la prueba70, pero hay que destacar que si
bien se prohíbe la utilización de pruebas cuando se vulnere el EstCPI
o las normas internacionales de derechos humanos (art. 69.7 EstCPI y
regla 63.2 RPPCPI)71, esta prohibición se limita a los casos72 en los que:
a) suscite serias dudas sobre la fiabilidad de las pruebas, o; b) cuando
su admisión atente contra la integridad del juicio o redunde en grave
desmedro de él. La norma por consiguiente no establece una exclusión
automática de aquellas pruebas que se hayan obtenido ilegalmente, sino
que sólo se excluirá en los supuestos mencionados. Cuando la defensa

68
ICC, Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo P.T. Ch., Decision on the Practices
of Witness Familiarization and Witness Proofing, (ICC-01/04-01/06), 8 No-
vember 2006, pár. 16, 17 y 40.
69
Ibídem, pár. 15.
70
En el ordenamiento jurídico español, el art. 11.1 LOPJ dispone que “no surti-
rán efecto las pruebas obtenidas, directa o indirectamente violentando dere-
chos o libertades fundamentales”.
71
Prácticamente idéntica a la regla 95 TPIY, TPIR, TESL.
72
Si bien esta disposición ha sido criticada por la doctrina, como indica PIRA-
GOFF estamos de nuevo ante una disposición que fue resultado del consenso,
PIRAGOFF, D.K., Article 69, Evidence, en TRIFFTERER, O., Commentary…,
cit., p. 915.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
628 | Beltrán Montoliu, Ana.

alegue la exclusión de una prueba por estos motivos73, deberá fundar su


petición74, tal y como ya ha tenido ocasión de demostrar la práctica de
la CPI. Se trata de una cuestión especialmente polémica ya que la opción
adoptada por la CPI, como hemos anticipado, no es una regla de exclusión
automática, de modo que, como se está ya analizando, se estudiará caso
por caso, atendiendo al contexto concreto de la situación. Obsérvese que
en la mayoría de los supuestos, las violaciones de derechos y libertades
fundamentales se producen en la fase de investigación, de modo que se
trata de un aspecto especialmente delicado, ya que serán las autoridades
nacionales de los países afectados las que en su caso, habrían cometido la
ilegalidad, cuestión que no es nada pacífica75. Entendemos perfectamente
que en los casos que se conocerán ante la CPI, una regulación muy estricta
de la prueba prohibida podría hacer inútiles muchas investigaciones, sin
embargo pensamos que este precepto va a tener que ser interpretado con
mucha precisión al considerar que no es posible investigar la verdad a
cualquier precio76.

73
Sobre la realización de una entrada y registro presuntamente ilegal vid. ICC,
Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo (ICC-01//04-01/06), Public Document
Public Redacted Version of Request to exclude evidence obtained in violation
of article 69(7) of the Statute, 7 November 2006, párs. 24-37; La discusión
en torno a esta cuestión se puede consultar en ICC, Prosecutor v. Thomas
Lubanga Dyilo (ICC-01/04-01/06), Version publique expurgée de la requête de
la Défense en autorisation d’interjeter appel de la Décision de la Chambre Préli-
minaire I du 29 janvier 2007 sur la confirmation des charges en conformité avec
les décisions de la Chambre Préliminaire du 7 et 16 février 2007,22 février 2007,
Annex, párs. 34-39.
74
ICC, Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo (ICC-01/04-01/06), Transcription
No. ICC-01/04-01/06-T-47 EN, 28 November 2006, pág. 63.
75
Siendo conscientes de que se apunta exclusivamente lo esencial de un tema
tan complejo, se remite a la consulta de VIEBIG, P., Illicitly Obtained Evidence
at the International Criminal Court, International Criminal Justice Series, The
Hague: Asser Press & Springer 2016, passim.
76
Tal y como puso de manifiesto el Tribunal constitucional alemán (Bundes-
gerightshof) en su sentencia de 14 de junio 1960. Vid. GÓMEZ COLOMER,
J.L., El proceso penal alemán. Introducción y normas básicas, Barcelona: Bosch,
1985, p. 134. BEHRENS, H.J., Investigación, juicio y apelación. El proceso penal
en el Estatuto de la Corte Penal Internacional (partes V, VI y VII). In: AMBOS,
K.; GUERRERO, O.J., El Estatuto de Roma de la Corte Penal Internacional…,
cit., p. 327.

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2.3. Regla 68 RPPPCPI Testimonio grabado anteriormente

Especial atención merece, la regla 68 RPPCPI porque implica una


excepción a la práctica general de la prueba testifical durante el juicio
oral. Teniendo en cuenta las peculiaridades propias de las situaciones y
casos que se enjuician ante la CPI, es lógico que se pensara en esta op-
ción. Ahora bien, es verdad que esta posibilidad debe estar en constante
evolución77 y con el fin de garantizar en todo momento las garantías
procesales previstas.
Es posible, que se preste declaración por parte del testigo de
forma distinta a la prevista con carácter general: Testimonio prestado en

77
A nuestro parecer las siguientes recomendaciones ayudarían a mejorar esta
opción: “1. The IBA recommends the continued development of guidelines
and templates to ensure the standardisation of witness statements, declara-
tions and attestations in accordance with the requirements of the provisions
of ICC RPE Rule 68. Guidelines and templates should be developed with input
from all parties, periodically reviewed and updated to reflect developments
in jurisprudence and made publicly available. 2. The OTP should develop
further tools to improve and standardise the quality of witness statements.
In this regard, the IBA encourages the use of video recording, or at a mini-
mum, audio recording witness statements during the investigative stage. 3.
The IBA recommends that the OTP establishes a database of prior recorded
testimony and statements to ensure that prior statements are available for fu-
ture cases, following ICTY practice. 4. The IBA strongly recommends that the
Court apply ICC RPE Rules 68(2)(c) to admit the prior recorded testimony of
unavailable witnesses and 68(2)(d) to admit the prior recorded testimony of
interfered-with witnesses, on an exceptional basis and only as a last resort. In
making determinations that witnesses are unavailable under Rule 68(2) (c),
the IBA recommends that the Court maintain a high level of due diligence
regarding efforts to locate and produce witnesses, and that the Court does
not interpret unavailability in an overly broad manner, also making use of
protective measures and, if necessary, other avenues for introducing state-
ments, such as Article 56 of the Rome Statute and ICC RPE Rule 68(2)(b).
The IBA further emphasises the importance of objective criteria in assessing
whether witnesses have been materially influenced by improper interference
under Rule 68(2)(d).5. The IBA urges the Court to continue to strengthen its
witness protection practices in line with the IBA’s 2013 Recommendations,
and to vigilantly monitor the use of Rule 68 to ensure that it is not used as a
‘back door’ substitution for victim and witness protection mechanisms that
already exist at the ICC.” IBA, Evidence Matters in ICC Trials, International
Criminal Law Perspectives, p. 49-50.

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630 | Beltrán Montoliu, Ana.

persona por medio de audio o de vídeo (regla 67 RegPPCPI); y testimonio


grabado anteriormente (regla 68 RegPPCPI).

a) Testimonio prestado en persona por medio de audio o de vídeo:


La Sala podrá permitir que un testigo preste testimonio oralmente por
medio de audio o de vídeo, siempre que "... esos medios permitan que el
testigo sea interrogado por el Fiscal, por la defensa y por la propia Sala,
en el momento del testimonio". El lugar donde se producirá el testimonio
debe ser propicio para que el testimonio sea "veraz y abierto", así como
también para "la seguridad, el bienestar físico y psicológico, la dignidad
y la privacidad del testigo".

b) Testimonio grabado: Si la Sala de Cuestiones Preliminares


no adopta medidas en el supuesto de que se presente una oportunidad
única de proceder a una investigación (art 56 EstCPI y regla 114 RPPCPI)
a condición de que esto no redunde en detrimento de los derechos del
acusado ni sea incompatible con ellos, y de que se cumplan uno o varios
requisitos que a continuación procederemos a explicar.
La dificultad estriba en determinar en qué supuestos se admitirá
tal testimonio grabado anteriormente, ya que se proporciona una serie
exhaustiva de requisitos cuando el testigo que prestó declaración grabada
anteriormente no se encuentra presente.
La premisa principal parte en el reconocimiento y la garantía
del derecho de defensa, de modo que se exige que tanto el Fiscal como
la defensa, hayan podido interrogarla durante la grabación.
Asimismo se admitirá el testimonio grabado anteriormente si
se refiere a una circunstancia diferente de los actos y el comportamiento
del acusado78. Con el objeto de reforzar las garantías procesales en estos

78
Por un lado, la Sala tendrá en cuenta el cumplimiento de las siguientes con-
diciones: 1) Se refiera a cuestiones que no están materialmente en litigio; 2)
Sea de índole acumulativa o corroborativa, en el sentido de que otros testigos
prestarán o prestaron testimonio oral respecto de hechos similares; 3) Tenga
relación con la información de contexto; 4) En el supuesto de presentarse,
servirá para favorecer los intereses de la justicia; y , por último, se entiende
que se le puede otorgar credibilidad. Por otro, será necesario que el conteni-
do de ese testimonio que lo acompaña sea veraz y exacto y para esto utilizará

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supuestos, se hace alusión expresa a la necesidad de que este testimonio


en concreto vaya acompañado de una declaración testifical y se establece
de forma exhaustiva los criterios a considerar79.
Otra circunstancia que se puede producir, es la que se refiere al
testimonio grabado de una persona que posteriormente fallece, o que presun-
tamente ha fallecido, o que no está en condiciones de declarar oralmente. Será
imprescindible, para proceder a la admisión, que la sala esté convencida
en primer lugar, de la concurrencia de tales circunstancias; asimismo
la sala deberá cerciorarse de que no se pudo prever la aplicación de las
medidas contempladas para la práctica anticipada de la prueba (art. 56
EstCPI) y, por último, que el testimonio grabado supera los indicios de
credibilidad80. Por otra parte, hay que poner de relieve el hecho de que si
ese testimonio se refiere a ciertos actos o comportamiento del acusado,
podría producirse su inadmisión total o parcialmente.

los parámetros de su “leal saber y entender”. Se precisa asimismo que no se


debe aportar nueva información y se detalla la exigencia de la proximidad
temporal de la declaración, es decir que no haya transcurrido un lapso de
tiempo demasiado alejado.
79
Se prevén unos parámetros cuyo objetivo es dotar a esa declaración de
acompañamiento de formalidad. Así se prescribe que éstas se deberán pres-
tar ante un testigo que haya sido autorizado por la Sala a tales efectos, o que
así se permita conforme a las leyes de los ordenamientos internos. Para ello,
se deberá conformar por escrito la fecha y el lugar donde se efectuó la mis-
ma. Además respecto de la persona que efectúa la declaración, habrá que:
1) Identificarla en el testimonio grabado anteriormente; 2) Asegurar que la
declaración es voluntaria y libre de presiones indebidas; 3) Confirma, que
se trata de una grabación veraz y exacta y, 4) Se le advierte de que podrá
ser enjuiciada por falso testimonio, si se confirma que el testimonio grabado
anteriormente no es veraz.
80
“While a Trial Chamber should indeed assess the credibility of a witness in
part by assessing whether the content of his or her testimony is confirmed
by other evidence, the Trial Chamber is not required to find a witness to be
credible simply because other evidence appears to confirm the content of
aspects of his or her testimony. In particular, if there are other reasons for
doubting the witness’s credibility it is not per se unreasonable for a Trial
Chamber to reject potentially corroborative evidence when making its cre-
dibility assessments.”, Judgment on the Prosecutor’s appeal against the de-
cision of Trial Chamber II entitled ‘Judgment pursuant to article 74 of the
Statute’,  Ngudjolo Chui  (ICC-01/04-02/12-271-Corr), Appeals Chamber, 7
April 2015, par. 170.

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632 | Beltrán Montoliu, Ana.

Por último, hay que tener en consideración la situación que pue-


de darse cuando el testimonio grabado anteriormente procede de una
persona que ha sido sometida a presiones81. Una presión indebida puede
ser aquella que afecta, entre otras cosas, “a los intereses de la persona de
orden físico, psicológico, económico o de otro tipo”. Se trata de un aspecto
que ya ha tenido repercusión en la práctica ante la CPI teniendo especial
interés en el caso Ruto and Sang82 donde se entendió que no se exige que
la influencia o presión ejercida sea atribuible al acusado o a su defensa83 y
también se consideró84 que la no existencia de un vínculo que relacione a
la presión indebida con el acusado, no afecta en la determinación de que
la admisión del testimonio grabado anteriormente pueda a los intereses
de la justicia puesto que la admisión no perjudica a los acusados85.
Realmente estamos ante una posibilidad que puede dar lugar a
múltiples alternativas y supuestos86, de modo que con la reforma de esta

81
En estos casos el testimonio únicamente se podrá presentar si se logra ob-
tener el convencimiento de la sala respecto a las siguientes condiciones: 1)
Falta de comparecencia para declarar, o aun compareciendo, no haya podi-
do presentar pruebas en relación con aspectos materiales previstos en su
testimonio anterior; 2) Esta incomparecencia o imposibilidad de presentar
pruebas se produce por la existencia de presiones indebidas, tales como ame-
nazas, intimidación o la coerción; 3) Se procura asegurar la comparecencia
del testigo, o se intenta si comparece, que preste declaración sobre todos los
hechos concretos de que tenga conocimiento; 4) La presentación del testi-
monio grabado anteriormente favorece los intereses de la justicia; 5) Existen
indicios de credibilidad (Regla 68. 2 d RPPCPI).
82
La Regla 68 fue enmendada por la Asamblea de Estados Parte en noviembre
de 2013 en parte para facilitar la admisión de prueba grabada anteriorment
en los supuestos en los que que esa persona sea sometida algun tipo de pre-
sión, haya sido sobornada o desaparecido. Vid. GAYNOR, F; KAPPOS, K.I.;
HAYDEN, P., Current Developments at the International Criminal Court,
Journal of International Criminal Justice, v.14, p. 696-697, 2016.
83
Decision on Prosecution Request for Admission of Prior Recorded Testi-
mony, Ruto and Sang (ICC-01/09-01/1 l-1938-Corr-Red2), Trial Chamber V
(a), 19 August 2015, § 44.
84
Sobre los requisitos Regla 68 82) d), íbidem §45-67.
85
Ibídem, §60.
86
Téngase en cuenta que en el ordenamiento jurídico español, se procedió a la
reforma de los arts. 433, 448 y 730, entre otros preceptos, de la Ley de Enjui-
ciamiento Criminal para adaptarlo a la Ley 4/2015, del Estatuto de la víctima,
de 27 de abril. Estas disposiciones hacen referencia a la necesidad de grabar

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regla se ha pretendido acomodar a la norma los problemas que han ido


surgiendo en la práctica ya que no es inusual que los testigos que inicial-
mente prestaron declaración, posteriormente se sientan intimidados o
incluso teman por su seguridad87.

2.4. Nuevas tecnologías y pruebas

En obvio que la tecnología avanza a una velocidad vertiginosa e


incide particularmente en el proceso penal88 y en el modo de concebir
los medios de prueba clásicos, como podría ser la prueba testifical. En
este sentido queremos llamar la atención sobre los posibles retos en este
panorama de la justicia penal internacional ya que hay factores como el
volumen, el formato, la complejidad digital de las pruebas, la autenticidad
de las fuentes obtenidas, suponen no pocas dificultades técnicas debido a
que los órganos judiciales no están todavía preparados para enfrentarse a
este tipo de cuestiones prácticas que pueden redundar considerablemente

las declaraciones sumariales de menores de edad o personas con la capacidad


judicialmente modificada, a la adopción de medidas para practicar la prueba
anticipadamente, y a la posibilidad como indica el art 730: “de leerse o repro-
ducirse a instancia de cualquiera de las partes las diligencias practicadas en el
sumario, que, por causas independientes de la voluntad de aquéllas, no pue-
dan ser reproducidas en el juicio oral, y las declaraciones recibidas de con-
formidad con lo dispuesto en el artículo 448 durante la fase de investigación
a las víctimas menores de edad y a las víctimas con discapacidad necesitadas
de especial protección.”Principio del formulario

Final del formulario
87
Vid. En este sentido en detalle IBA, Evidence Matters in ICC Trials, Interna-
tional Criminal Law Perspectives, pp. 34-48. Especialmente ilustrativo fue
el caso Ruto and Sang en la situación de Kenia. ICC, Prosecutor v William
Samoei Ruto and Joshua Arap Sang, (ICC-01/09-01/11-1866-Red), Public re-
dacted version of ‘Prosecution’s request for the admission of prior recorded
testimony of [REDACTED] witnesses’, 21 May 2015, par. 3: “The central is-
sue for determination in this request is the admissibility of records of prior
interviews of missing and recanting witnesses who succumbed to improper
influences. To establish the truth, the Chamber should admit these records
into evidence as substantive proof of their contents. Not to do so would deny
to the Chamber the ability to assess the whole of the evidence. It would also
reward an attempt to obstruct justice.”
88
FERRER, I.; GUTIÉRREZ, O., ¿Sirve un vídeo colgado en la Red para juzgar
un crimen de guerra?, ELPAIS, 22 de septiembre de 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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en los derechos de las partes en el proceso. Aparecen una serie de cues-


tionamientos que en el momento de la creación de la CPI ni siquiera se
podían imaginar y por lo tanto deberán establecerse mecanismos legales
adecuados para dar respuesta a todos estos interrogantes tecnológicos.

2.5. El papel de las víctimas

No podíamos terminar este análisis sin comentar, aunque sea


sucintamente, la novedad89 que representa el sistema de participación
procesal de la víctima en el proceso90 ante la CPI. Por primera vez se les
reconoce la posibilidad de “participar” en las actuaciones91. El concepto
de víctima se encuentra recogido la regla 85 RPP entendiendo por tales
“las personas naturales que hayan sufrido un daño como consecuencia de
la comisión de algún crimen de la competencia de la Corte”. Asimismo se
incluye en el concepto de víctimas a “las organizaciones o instituciones
que hayan sufrido daños directos a alguno de sus bienes que esté dedicado

89
Entre otros, ZILLI, M; MONTECONRADO, F.G.; MOURA, M.T.R.A., A par-
ticipação das vítimas perante o tribunal penal internacional. Uma análise à
luz do caso Lubanga Dyilo. In: In: AMBOS, K; MALARINO, E.; STEINER, C.,
(ed), Análisis de la primera sentencia de la Corte Penal Internacional: el caso
Lubanga, Konrad Adenauer Stiftung, p. 107-152, 2014.; OLÁSOLO ALON-
SO, H; KISS, A., El estatuto de Roma y la jurisprudencia de la Corte Penal
Internacional en materia de participación de víctimas, Revista electrónica de
ciencia penal y criminología, n. 12, 2010. <http://criminet.ugr.es/recpc/12/
recpc12-13.pdf>
90
Es incuestionable el especial protagonismo que la víctima está cobrando en
la actualidad, vid, DONNA, A.(dir), La víctima del delito, Aspectos procesa-
les penales I, Revista de Derecho Procesal Penal, Santa Fe:Rubinzal, 2017-1;
GÓMEZ COLOMER, J.L., Estatuto Jurídico de la Víctima del Delito, La posición
jurídica de la víctima del delito ante la Justicia Penal. Un análisis basado en el
Derecho Comparado y en la Ley 4/2015, de 27 de abril, del Estatuto de la Víctima
del Delito en España. 2ª ed. Navarra: Aranzadi, 2015.
91
Esta participación se materializa en la posible presentación y consideración
de sus opiniones y observaciones, Vid. Sobre una aproximación a esta cues-
tión, BELTRÁN MONTOLIU, A., La víctima ante la Corte Penal Internacio-
nal. In: FUENTES SORIANO, O., (dir), El proceso penal: Cuestiones funda-
mentales, Valencia: Tirant lo Blanch 2017, p. 254. En relación con la defensa
letrada de las víctimas vid. KILLEAN, R.; MOFFETT, L. Victim Legal Repre-
sentation before the ICC and ECC, Journal of International Criminal Justice, v.
15, p.713-740, 2017.

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a la religión, la instrucción, las artes, las ciencias o la beneficencia y a sus


monumentos históricos, hospitales y otros lugares y objetos que tengan
fines humanitarios.”
Es importante señalar que los textos legales de la CPI han pres-
tado especial atención a los grupos más vulnerables, en concreto a los
niños92, ancianos y víctimas de violencia sexual concediéndoles una
mayor protección velando la Oficina Pública de Defensa de las Víctimas
por sus intereses93.
El art. 68.3 del EstCPI constituye la piedra angular sobre la que
se mantiene todo el sistema de participación procesal de las víctimas
ante la CPI. En este sentido tal precepto dispone que la Corte confiere a
las víctimas la posibilidad de participar en las actuaciones procesales de
forma genérica con expresa referencia a las fases del juicio que considere
conveniente (regla 83 RPP). Esa forma de participación se materializa en
la posible presentación y consideración de sus opiniones y observaciones.
De manera que esta intervención será posible y está condicionada a que
las víctimas vean sus intereses personales afectados, y, siempre que no
suponga un detrimento de los derechos del acusado o de un juicio justo
e imparcial ni sea incompatible con estos.
Es cierto que su forma de participación es muy variada, pero a
continuación comentamos aquellas manifestaciones que están relacio-
nadas con aspectos probatorios:
En cuanto a la proposición de pruebas. Si bien es cierto que no
existe precepto legal que faculte a los representantes legales de las víctimas
a proponer pruebas en el juicio oral, se ha interpretado por la Corte que
en determinadas circunstancias y de conformidad a unos parámetros en
concreto, la cláusula general de participación prevista en el art. 68.3 ER
permite esta posibilidad. Se han proporcionado unos requisitos formales

92
Así por ejemplo en en el Caso Lubanga, 106 de las 129 víctimas pidieron
permanecer en el anonimato, acogiendo la Sala su solicitud, pero limitando
su participación. Vid. AMBOS, K., El primer fallo de la Corte Penal Interna-
cional (Prosecutor v Lubanga): un análisis integral de las cuestiones jurídicas,
Indret: Revista para el Análisis del Derecho, v. 47, n. 3, p.8-9, 2012.
93
Oficina Pública de Defensa de las Víctimas, Representación de víctimas ante
la Corte Penal Internacional, Manual para los Representantes legales, 2013
(ICC-OPCV-MLR-001/13_Spa).

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636 | Beltrán Montoliu, Ana.

y de fondo para que se pueda admitir la proposición de la prueba por


parte de los representantes de las víctimas.
Por un lado, los requisitos formales exigidos son: (i) Que se soli-
cite por escrito; (ii) que se informe de dicha solicitud a las demás partes;
(iii) que se cumpla con las obligaciones de revelación de la prueba a las
partes respecto a las órdenes de protección de víctimas y testigos que
pudieran haberse citado, y (iv) que la víctima-testigo no sea anónima
estando determinada su identidad94.
Los requisitos de fondo hacen alusión a las siguientes particula-
ridades: (i) Que el interés personal de la víctima se vea afectado por la
prueba que proponen; (ii) que la petición de las víctimas no exceda el
ámbito de la potestad que el ER confiere a la Sala de Enjuiciamiento en
su art. 69.3; (iii) que la prueba que se propone sea pertinente, apropiada
o útil a los fines que pretende; (iv) que dicha proposición de la prueba
no afecte a un juicio justo sin dilaciones para el acusado, de modo que
pueda tener tiempo y posibilidades suficientes para preparar la defensa
en relación con la nueva prueba.
Por otra parte, también pueden proceder a la impugnación de
las pruebas propuestas por las partes. Es un aspecto controvertido al no
ostentar la condición de parte. No obstante, la jurisprudencia establece
que la Sala podrá considerar las peticiones de las víctimas en la admisión
o inadmisión de las pruebas propuestas por las partes95.
Asimismo pueden exponer sus observaciones en persona. Las
víctimas podrán participar como testigos sobre los hechos en concreto,
pero también será posible que intervengan para aportar sus observa-
ciones siempre que se haya solicitado por escrito96, que el derecho del

94
ICC, Prosecutor v. Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, “Directions
for the conduct of the proceedings and testimony in accordance with rule
140”, (ICC-01/04-01/07-1665), 20.11.2009, párr. 22 c).
95
ICC, Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo, “Judgment on the appeals of The Pro-
secutor and The Defence against Trial Chamber I’s Decision on Victims’ Parti-
cipation of 18 January 2008” (ICC-01/04-01/06-1432), 11.7.2008, pár. 101.
96
Sobre el contenido exacto que debe contener el escrito: Prosecutor v. Jean-
-Pierre Bemba Gombo, “Order regarding applications by victims to present
their vievsrs and concerns or to present evidence” (ICC-01/05-01/08-1935),
TC III, 21.11.2011.

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acusado a un juicio justo ante un tribunal imparcial no se vea afectado y


que no suponga una vulneración del derecho del acusado a un proceso
sin dilaciones indebidas.
Y finalmente, se les permite interrogar a testigos, peritos y acu-
sados. En este ámbito se han establecido asimismo unos requisitos para
poder permitirlo. Estos requisitos97 serán: (i) Que las preguntas no sean
repetitivas en relación con las planteadas por las partes; (ii) que se limiten
a las cuestiones controvertidas, salvo que sean directamente relevantes
para el interés de la víctima; (iii) si se trata de preguntas relacionadas
con la “credibilidad” de un testigo, el abogado de las víctimas deberá
justificar que el testimonio afecta directamente al interés de sus clientes;
(iv) se podrán realizar preguntas relacionadas con la reparación si la Sala
lo autoriza de conformidad con la norma 56 RegCPI.

A modo de conclusión

La Corte Penal Internacional, máximo representante de la justicia


penal internacional, está compuesta por dieciocho magistrados (distribui-
dos en las secciones de Cuestiones Preliminares, Salas de Primera Instancia
y de Apelaciones) que actúan de conformidad con los principios de im-
parcialidad, independencia y responsabilidad Con el objeto de garantizar
el estatuto jurídico de los magistrados que integran este órgano jurisdic-
cional, el Código de Ética Judicial viene a complementar el desempeño
de sus funciones. En cuanto a la imparcialidad judicial entendida como
ausencia de interés subjetivo y objetivo, ésta aparece consolidada por la
jurisprudencia internacional estableciéndose los mecanismos clásicos de
la recusación y dispensa. Respecto a la independencia, se pretende que los
jueces desempeñen sus funciones con pleno respeto a la administración
de la justicia arbitrando un sistema de incompatibilidades laborales y
exclusividad laboral hacia la Corte. Asimismo deben ser responsables y
con un fiel sometimiento a la ley (entendido en el sentido de Estatuto,
Reglas de Procedimiento y Prueba, Reglamento de la Corte, etc.) de modo

97
ICC, Prosecutor v. Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, “Directions
for the conduct of the proceedings and testimony in accordance with rule
140” (ICC 01/04-01/07-1665), TC II, 20.11.2009. pár. 90.

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638 | Beltrán Montoliu, Ana.

que en caso de incumplimiento serán sometidos al correspondiente pro-


cedimiento y la posible imposición de sanciones en su caso.
En relación con la función judicial y la actividad probatoria se
debe destacar en primer lugar la extensa flexibilidad de que disponen
las salas en la adopción de decisiones relativas a cuestiones probatorias,
sin existir una vinculación respecto a decisiones que se hayan dictado
previamente, no obstante se observa una tendencia hacia un enfoque
que proporcione coherencia y credibilidad del sistema. Como aspectos
más controvertidos en materia probatoria, la etapa del Discovery plantea
verdaderos interrogantes en relación a al alcance del descubrimiento de
pruebas ante la SCP, habiéndose establecido dos modelos diferentes, uno
más conservador y otro más intervencionista. En la fase de admisión de
la prueba, se tendrán en cuenta como elementos indispensables, el valor
probatorio, la pertinencia y la obtención lícita de la prueba (sin establecerse
una regla de exclusión automática para los supuestos en los que se hayan
vulnerado derechos y libertades fundamentales). Es preciso destacar el
margen previsto en el art. 69.4 EstCPI, de modo que la Sala de Primera
Instancia debe sopesar su discrecionalidad para aplazar los elementos
acabados de mencionar (cuando se presentan las pruebas, durante el
juicio o al final del juicio) con el derecho a un juicio justo. Por otra parte,
la regla 68 RPPCPI relativa al testimonio grabado anteriormente al juicio
merece una especial atención por sus implicaciones en la práctica forense.
Es significativa la enmienda que se propició con el objeto de adaptarse a
las dificultades que surgen en estos juicios, teniendo en cuenta que, no es
de extrañar, que los testigos vayan a ser objeto de presión por la trascen-
dencia internacional que estos juicios representan. Ahora bien, se deben
delimitar de forma exhaustiva los criterios o condiciones exigidos, con el
fin de garantizar por un lado los derechos del acusado, y al mismo tiempo,
ser conscientes de las dificultades que entraña la prueba testifical ante
estas instancias98 y las necesidades específicas que las víctimas-testigos
especialmente vulnerables requieren.

98
Téngase en cuenta, a titulo de ejemplo, que en el ordenamiento jurídico español
se ha procedido a dotar a la víctima de una protección particularitzada en el pro-
ceso penal, así como prestarle una atención a las víctimas con necesidades es-
peciales o con especial vulnerabilidad . En este sentido vid los arts. 23 (Evalua-
ción individual de las víctimas a fin de determinar sus necesidades especiales

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En este panorama judicial, las nuevas tecnologías y la obtención


de pruebas digitales es otro de los aspectos a tener en cuenta sobre todo
desde la perspectiva de la acreditación de la veracidad de estas pruebas
obtenidas a través de los medios tecnológicos, ya que supone un gran
reto a nivel de especialización profesional y va a tener una enorme tras-
cendencia en relación con la obtención lícita de las fuentes de prueba.
Por último, no hay que olvidar el papel de participación de las
víctimas en estos procesos ante la CPI ya que desde el punto de vista
probatorio plantea numerosos interrogantes, especialmente ya se está
tratando el alcance de sus intervenciones como testigos, y desde nuestro
punto de vista en el ámbito de proposición de pruebas, debería adoptarse
un enfoque inclusivo, que permita la máxima amplitud de posibilidades.
Es decir que si se cumplen los requisitos jurisprudenciales apuntados su-
pra, se trate de una efectiva participación y que represente un verdadero
derecho a la tutela judicial efectiva.

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discapacidad necesitadas de especial protección) Ley 4/2015, de 27 de abril,
del Estatuto de la víctima del delito. En esta misma línea, se ha adaptado la Ley
de Enjuiciamiento Criminal española a las distintas posibilidades para prestar
declaración o tener en cuenta las pruebas testificales. Vid a tales efectos, art.
433, 448 y 730 LECRIM. En definitiva en el proceso penal ante la CPI debe
garantizarse una especial protección a las víctimas afectadas, pues en la mayoría
de los supuestos son mujeres y menores de crímenes internacionales y por con-
siguiente, es necesaria una atención y evaluación singularizada en estos casos.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): Estudio redactado en el marco


los siguientes proyectos de investigación: “La tutela procesal de
las víctimas de violencia de género: El Estatuto de la víctima del
delito”, Programa estatal de Fomento de la Investigación Científica
y Técnica de Excelencia, Subprograma Estatal de Generación del
Conocimiento, en el marco del Plan Estatal de Investigación Cien-
tífica y Técnica y de Innovación, MINECO (DER2015-64506-C2-
2-R); “Víctimas de la justicia: Recursos docentes para mejorar su
situación en el proceso”, Programa Proyecto de Mejora Educativa,
Unidad de Soporte Educativo UJI (3516), 2017-2018.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


a autora confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): a autora assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
644 | Beltrán Montoliu, Ana.

Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 07/04/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
07/04/2018 ▪▪ Editora-associada: 1
▪▪ Avaliação 1: 19/04/2018 (LBW)
▪▪ Avaliação 2: 23/04/2018 ▪▪ Editor-assistente: 1
▪▪ Avaliação 3: 23/04/2018 (MJV)
▪▪ Avaliação 4: 24/04/2018 ▪▪ Revisores: 4
▪▪ Decisão editorial preliminar: 02/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 15/05/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar 2: 20/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 2: 21/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 21/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


BELTRÁN MONTOLIU, Ana. Imparcialidad judicial y actividad
probatoria en la Corte Penal Internacional. Revista Brasileira de Direito
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai./ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.159

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative


Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 605-644, mai.-ago. 2018.
Ânimo persecutório do magistrado:
a quebra do dever de imparcialidade e sucessivas
decisões contrárias ao direito à prova defensiva

Persecutory of the judge: breach of the duty of impartiality and


successive decisions contrary to the right to defensive evidence

Fábio Agne Fayet1


Faculdade da Serra Gaúcha – Caxias do Sul/RS
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/1361242497259188
http://orcid.org/0000-0002-3673-4538

Roberta Eggert Poll2


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/5678667511758396
http://orcid.org/0000-0002-0667-2962

Resumo: O tema do presente artigo é o ânimo persecutório do magistrado


em desfavor do acusado. O objeto de análise do trabalho é a verifica-
ção da quebra do dever de imparcialidade do magistrado quando da
análise dos autos, mediante a aplicação de sucessivos entendimentos

1
Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS (2017). Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2001). Especialista em
Direito Penal Econômico e Europeu pelo Instituto de Direito Penal Econômico e
Europeu Coimbra/Portugal (2004). Graduado pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – UNISINOS (1998). Professor de Direito Penal e Processo Penal da
Faculdade da Serra Gaúcha. Advogado Criminalista.
2
Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
de do Sul – PUCRS (2018). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade
Estácio de Sá. (2013). Bacharelada em Direito pela Universidade Estácio de Sá.
(2010). Advogada Criminalista.

645
646 | Fayet; Poll.

contrários aos interesses do acusado. O objetivo de pesquisa é a


verificação da existência ou não de um dever de imparcialidade do
magistrado diante de decisões motivadas, proferidas no exercício
independente da atividade jurisdicional e impugnáveis por recurso
ou ação autônoma, com nítido caráter persecutório. O método de
abordagem será o dedutivo, adotando-se como procedimento o
bibliográfico. Destarte, em primeiro, propõe, o presente artigo, uma
leitura sobre a imparcialidade e o protagonismo do magistrado de
modo a indicar como a literatura contemporânea vem enxergando
a postura do juiz frente ao acusado, para, depois, analisar-se a
questão da quebra do dever de imparcialidade diante de sucessivas
decisões que se traduzem em uma atuação persecutória do juiz.
Palavras-Chave: Imparcialidade; Julgador; Ânimo persecutório;
Motivação; Direito à prova.

Abstract: The theme of this article is the persecutory mood of the magistrate
in disfavor of the accused. The object of analysis of the work is the verification
of the breach of the duty of impartiality of the magistrate when analyzing
the records, through the application of successive understandings contrary
to the interests of the accused. The research hypothesis is the verification
of the existence or not of a duty of impartiality of the magistrate before
motivated decisions, given in the independent exercise of the jurisdictional
activity and can be challenged by autonomous action or action, with clear
persecutory character. The method of approach will be deductive, adopting
as a bibliographical procedure. Firstly, this article proposes a reading on
the impartiality and protagonism of the magistrate in order to indicate how
contemporary literature has been seeing the judge’s position vis-à-vis the
accused, and then to analyze the issue of breach of the duty of impartiality
before successive decisions that translate into a persecutory performance
of the judge.
Keywords: Impartiality; Judge; Persecutory mood; Motivation; Right to proof.

Sumário: Introdução; 1. Imparcialidade e protagonismo do magistra-


do: quando o dever de fundamentação assume ares persecutórios;
2. Crise identitária do magistrado: quando o ânimo persecutório
atinge o dever de imparcialidade; Considerações Finais; Referências.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
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Introdução

Calamandrei já nos norteava: “Imparcial deve ser o juiz, que está


acima dos contendores; mas os advogados são feitos para serem parciais,
não apenas porque a verdade é mais facilmente alcançada se escalada de
dois lados, mas porque a parcialidade de um é o impulso que gera o con-
tra-impulso do adversário, o estímulo que suscita a reação do contraditor
e que, através de uma série de oscilações quase pendulares de um extre-
mo a outro, permite ao juiz apreender, no ponto de equilíbrio, o justo”.3
Juiz justo é juiz imparcial.4 Afinal de contas, a falibilidade é algo
intrínseco à natureza humana e para que estas arestas sejam aparadas é
preciso respeito irrestrito às garantias constitucionais que estabelecem
os verdadeiros remédios contra as mazelas humanas dos magistrados.
A imparcialidade também se relaciona com a ideia de jurisdição,
desenvolvida no século XVIII por meio da teoria da separação dos poderes
de Montesquieu.5 Para o jurista francês não seria possível conceber uma
atuação imparcial se o magistrado agisse fora da lei. Por isso, a doutrina
vem enfatizando que “a jurisdição não existe se não for imparcial”.6
Neste contexto urge a imperiosa necessidade de se analisar a
existência de uma das violações mais graves ao sistema acusatório e às
garantias constitucionais do acusado, qual seja o ânimo persecutório do
magistrado em desfavor do réu.7

3
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 126.
4
Conforme Aury Lopes Jr., a imparcialidade subjetiva diz respeito à “con-
vicção pessoal do juiz concreto, que conhece de um determinado assunto
e, desse modo, a sua falta de pré-juízos”; enquanto a imparcialidade objeti-
va considera “se tal juiz encontra-se em uma situação dotada de garantias
bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca da sua imparciali-
dade” (LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 522).
5
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução
de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 19-26.
6
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Poder Judiciário: Crises acertos e desacertos. Tra-
dução: Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 86.
7
Denota-se que a garantia da imparcialidade vem sendo considerada pela dou-
trina contemporânea como a base e o elemento diferenciador da atividade
judicante em relação ao demais poderes. Nesse sentido ver: POZZEBON,

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648 | Fayet; Poll.

Por certo, o problema de pesquisa visa a responder a questão


relativa à quebra do dever de imparcialidade por razões não declaradas
pelo magistrado e supostamente diversas das subjacentes à real motivação
de suas decisões, na medida em que o juiz que adota uma postura perse-
cutória acaba por violar a garantia constitucional do julgamento isento e
imparcial e, por razões lógicas, o sistema acusatório.
Efetivamente, o objetivo sobre o qual se trabalha é relativo à veri-
ficação da existência ou não de um dever de imparcialidade do magistrado
diante de decisões motivadas, proferidas no exercício independente da
atividade jurisdicional e impugnáveis por recurso ou ação autônoma, com
nítido caráter persecutório. Assim, pretende-se verificar se: as decisões
judiciais, em que se justifique a escolha de uma interpretação possível,
são aptas, por si só, a gerar a suspeição do seu prolator e revisão pelas
instâncias superiores quando o magistrado atuar de forma direcionada
a prejudicar o acusado?
Isto porque, a jurisprudência tem apontado que não se pode
considerar suspeito um magistrado por continuamente decidir de acordo
com a tese desenvolvida pela acusação pública, pois se estaria atingindo,
desta forma, o pleno exercício da atividade jurisdicional. Outrossim, a
quebra do dever de imparcialidade não se confundiria com sucessivas
decisões contrárias aos interesses do réu.8
Não obstante, analisando-se a fundo a questão relativa à garantia
constitucional do julgamento isento e imparcial (CF, art. 5º, inciso LIII)
verifica-se que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido do
reconhecimento da suspeição do magistrado quando esse estiver vinculado
à matéria objeto da denúncia e à atividade investigatória.9 Desta forma, igual
pensamento poderia ser adotado quando o magistrado atuasse em evidente
ânimo persecutório, ultrapassando os limites da atividade jurisdicional,
adotando uma postura de acusador público, gerenciando o processo de
modo a decidir sempre tendo em vista a condenação do acusado.

Fabrício Dreyer de Ávila. A imparcialidade do juiz criminal enquanto ausência


de causas de impedimento ou de suspeição. Direito e Justiça, Porto Alegre, ano
39, n.1, p. 116-220, jan./jun. 2013, p. 116.
8
Nesse sentido, veja o seguinte julgado paradigma: STF, RHC nº 127.256/SP,
relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 10-03-2016.
9
STF, HC nº 95.009/SP, relator Ministro Eros Grau, DJe de 19-12-2008.

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Para a análise do objeto de pesquisa aqui delimitado será utilizada


a técnica de pesquisa bibliográfica e documental consistente em explicar
o problema por meio das teorias publicadas em obras de um mesmo
gênero, partindo do geral para o particular, permitindo a construção
das conclusões. O método empregado será o dedutivo, consistente em
utilizar o raciocínio lógico que faz uso da dedução para obter a conclusão.
Por estas razões, o presente artigo está estruturado de forma a
permitir, em primeiro, uma leitura sobre a imparcialidade e o protagonis-
mo do magistrado de modo a indicar como a literatura contemporânea
vem enxergando a postura do juiz frente aos requerimentos do acusado,
para, posteriormente, analisar-se a questão da quebra do dever de impar-
cialidade diante de sucessivas decisões que se traduzem em uma atuação
persecutória do magistrado.

1. I mparcialidade e protagonismo do magistrado : quando o


dever de fundamentação assume “ ares persecutórios ”

Montesquieu, há tempos já nos recordava que “o juiz é a boca


que pronuncia as palavras da lei... um ser inanimado”. Pretendia o jurista
francês isolar o magistrado das mazelas mundanas como se o julgador
fosse uma espécie de médium, uma máquina que fala por meio de leis, que
diz o que deve ser dito conforme está escrito. Seu contexto sociocultural,
sua vivência, histórias e experiências passadas não deveriam influenciar
no julgamento, ou seja, o magistrado tornava-se mero intérprete do que
o legislador real expressava. A lei era tomada na sua literalidade, desta
forma, o juiz não deveria ter nenhum protagonismo.10
Invariavelmente, esse modelo de justiça acabou por ingressar
em profunda crise, pois o magistrado apesar de ignorar os fatos, não
é neutro, na medida em que possui conotações políticas, ideológicas,
religiosas, econômicas, e etc., que o fazem ser um juiz-no-mundo.11 Não

10
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução
de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 151.
11
GIACOMOLLI, Nereu José; DUARTE, Liza Bastos. O mito da neutralidade na
motivação das decisões judiciais: aspectos epistemológicos. Revista da Ajuris,
Porto Alegre, ano 33, n. 102, p. 288-307, jun. 2006, p. 290.

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existe juiz neutro. Existe sim, juiz imparcial.12 A imparcialidade é um


princípio supremo do processo, como ensina Goldschmdit, fundante da
própria dialética processual.13 Para que um processo se desenvolva de
maneira devida e justa é imperioso que se tenha um julgador imparcial.
Em verdade, a imparcialidade deve ser compreendida, consoante
os ensinamentos de Fazzalari, como uma restrição aos poderes instrutó-
rios do magistrado, mantendo-se este afastado da prática de atividades
de investigação ou instrução processual, na medida em que tal tarefa
incumbe somente as partes (acusador público e acusado), sob pena de
configurar-se um processo penal inquisitório.14
Sem imparcialidade não há jurisdição.15 Por isso bastaria que a
Constituição trouxesse no rol do artigo 5º um inciso que dispusesse acerca
da imparcialidade. Contudo, optou o legislador constitucional em assegurar
outras condições de independência, a fim de vedar quaisquer práticas
forenses que pudessem colocar em risco a imparcialidade do julgador (CF,
art. 95, caput).16 Tratam-se de garantias inerentes à autonomia da carreira

12
Á título de exemplificação veja-se que, a imparcialidade encontra, desde,
1950, o status de direito protegido pela Convenção Europeia de Direitos Hu-
manos, à medida que o artigo 6º trata do direito do acusado de ter um julga-
mento justo. Compare em: POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A impar-
cialidade do juiz no processo penal brasileiro. Revista da Ajuris, Porto Alegre,
ano 34, n. 108, p-116-120, dez. 2007, p. 171.
13
GOLDSCHMIDT, Werner. La imparcialidad como principio básico del proceso:
la partialidad y la parcialidade. Madrid: Gráfica Clemares, 1950. p. 19-21.
14
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Tradução de Eliane Nas-
sif. 8. ed. Campinas: Imprenta, 2006, p. 119 e 135.
15
A importância da ideia de jurisdição, em substituição à tutela privada é jus-
tamente o pressuposto de que o estado-juiz é terceiro imparcial, a quem fora
atribuída a incumbência de pacificar os conflitos sociais. O monopólio do es-
tado-juiz sobre a jurisdição e a vedação à autotutela impõe que o magistrado
atue de forma absolutamente imparcial. Sobre isso, ver: CABRAL, Antônio.
Imparcialidade e impartialidade. Por uma teoria sobre repartição e incompa-
tibilidade de funções nos processos civil e penal. Revista de Processo, São
Paulo, ano 32, n. 149, p. 339-364, jul. 2007, p. 345-346.
16
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito a um julgamento por juiz im-
parcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que
não há a função do juiz de garantias. In: BONATO, Gilson (Org.). Processo
Penal, Constituição e Críticas – Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacionto
Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 343.

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judiciária (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio),


consideradas por Leone como indispensáveis ao exercício independente
do juiz em suas funções, afastando a possibilidade de qualquer pressão
externa, seja particular, seja por outro órgão do Estado.17
Pois bem, imparcialidade também não se confunde com prota-
gonismo. Dizer o Direito não corresponde a “dizer o que se quer porque
se pode”.18 Os magistrados têm proeminência na interpretação das leis,
mas isso não é o resultado de sua própria vontade e muito menos de suas
ideologias.19 O Direito que serve como base para que o juiz tome decisões
é, por sua própria natureza, indeterminado. Como Larenz explica, a relação
do texto legal com a atividade do intérprete é “duplamente variável”.20
Isto porque a norma abstrata não pode prever todos os casos, mas um
conjunto deles; e o intérprete ao selecionar um padrão para resolver um
caso específico deverá inseri-lo dentro de seu próprio sistema de cren-
ças, mas também dentro do Direito, a partir de efetiva fundamentação.21
A fundamentação das decisões judiciais destina-se, portan-
to, a reduzir a imprevisibilidade do magistrado e seu protagonismo,
controlando o caos processual.22 A prática legal tem que desconstituir

17
LEONE, Giovanni. Come si svolge un processo penale. Torino: ERI, 1967. p. 116.
18
ARAMBURO RESTREPO, José Luís. El papel del juez: una aproximación teóri-
ca. Pensamiento Jurídico, Bogotá, ano 16, n. 27, p. 85-106, jan./abr. 2010, p.
88 (tradução livre).
19
Diversas pesquisas de opinião têm apontado a tendência político-criminal
conservadora da Magistratura nacional, sobretudo quando se fala em juízos
de primeira instância. A opção ideológica por correntes punitivistas demons-
tra que a influência do populismo punitivo não se restringe apenas à esfera
Legislativa, exercendo grande ingerência sobre os operadores do direito. So-
bre isso, ver: CARVALHO, Salo de. O papel dos atores no sistema penal na era
do punitivismo. O exemplo privilegiado da aplicação da pena. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 104.
20
LARENZ, Karl. Metodología de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1994,
p. 308-316 (tradução livre).
21
ARAMBURO RESTREPO, José Luís. El papel del juez: una aproximación teórica.
Pensamiento Jurídico, Bogotá, ano 16, n. 27, p. 85-106, jan./abr. 2010, p. 88.
22
Essa forma de pensar é geralmente atribuída a Dworkin, mas antes dele, os
estudiosos da metodologia da lei, como o próprio Savigny, enfrentaram essa
tarefa. Compare em: LARENZ, Karl. Metodología de la Ciencia del Derecho.
Barcelona: Ariel, 1994, p. 308-316.

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o dualismo tradicional entre conhecimento e criação de forma se-


melhante à prática artística: com efeito, tanto entre juristas como
entre artistas a criação é uma atividade livre e autônoma, individual
feita de pura inspiração e arbitrariedade, mas é também uma prática
regulamentada e considerada válida, apenas por consenso, aceitação
social e correlata fundamentação.23
Essa perspectiva corresponde a um conceito legal de motivação,
como resumem Grinover, Fernandes e Gomes Filho: “A motivação surge
como instrumento por meio do qual as partes e o meio social tomam
conhecimento da atividade jurisdicional; as partes para, se for o caso,
impugnarem os fundamentos da sentença, buscando seja reformada;
a sociedade a fim de que possa formar opinião positiva ou negativa a
respeito da qualidade dos serviços prestados pela justiça. (...) qualquer
resolução contida no provimento jurisdicional exige suficientemente
motivação do juiz, quer incida sobre questões de fato ou de direito, quer
se refira a questões relacionadas com o direito de ação, com a validade
do processo ou com o mérito da causa”.24
Como se sabe, todas as questões suscitadas e discutidas no pro-
cesso, sejam preliminares ou de mérito, devem ser enfocadas na funda-
mentação do julgador, sob pena de insanável nulidade. O artigo 381, inciso
III, do CPP assegura que a sentença conterá a indicação dos motivos de
fato e de direito em que se fundar a decisão, preconizando que os ma-
gistrados têm o dever se explicitar o caminho trilhado para chegar à sua
conclusão. Igualmente, a garantia de motivação dos atos judiciais também
está consagrada no art. 93, inciso IX, da CRFB. Isto porque, a efetiva
participação e controle das decisões judiciais através da fundamentação
é requisito revelador do princípio do Estado Democrático de Direito.
Segundo Barbosa Moreira, “o controle ‘extraprocessual’ deve ser exer-
citável, antes de mais nada, pelos jurisdicionados ‘in genere’, como tais. A
sua viabilidade é condição essencial para que, no seio da comunidade, se

23
ARAMBURO RESTREPO, José Luís. El papel del juez: una aproximación teórica.
Pensamiento Jurídico, Bogotá, ano 16, n. 27, p. 85-106, jan./abr. 2010, p. 89.
24
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FI-
LHO, Antônio Magalhães. As Nulidades do Processo Penal. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 169.

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fortaleça a confiança na tutela jurisdicional – fator inestimável, no Estado


de Direito, da coesão social e da solidez das instituições”.25
Tamanha é a preocupação com essa questão que diversos diplomas
internacionais mencionam a necessidade de preservação da cognição do
magistrado no processo, para que nenhuma parte seja beneficiada em
detrimento da outra, senão vejamos: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (art. 10), a Declaração Americana dos Direitos Humanos (art.
26.2), a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8.1), o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.14.1) e a Convenção
Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Funda-
mentais (art. 6.1).26
A sentença penal, mais do que qualquer outra decisão no sistema
jurídico, deve guardar pertinência concreta com o caso sub judice. Exige-se,
portanto, que a decisão apresente fundamentação adequada, qualidade
esta que somente se fará presente caso a linha de raciocínio utilizada
pelo julgador seja objetiva e vinculada ao fato em exame.27 Em outras
palavras, a dogmática processual penal relaciona o dever de motivação
das decisões com o controle democrático da atividade jurisdicional e,
consequentemente, com o controle da parcialidade dos juízes.28
Não por outro motivo que o protagonismo judicial deve começar
com a determinação do quadro fático, dentro do qual a decisão deve ser
tomada. Para Duncan Kennedy, referenciado por Aramburo Restrepo,
em sua decisão “o juiz deverá se opor a uma resistência discursiva à

25
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A motivação das decisões judiciais como ga-
rantia inerente ao Estado de Direito. In: Temas de Direito Processual. São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 90.
26
Todos os diplomas foram referenciados por: RITER, Ruiz. Imparcialidade no
processo penal: reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva. 2016. 196f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Faculdade de Direito, Pontifí-
cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016, p. 56-57.
27
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a
Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. Cases da Corte In-
teramericana, do Tribunal Europeu e do STF. Porto Alegre: Atlas. 2.ed., 2015,
p. 212-216.
28
BATISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Reflexões sobre o dever de fundamentação
das decisões judiciais e a imparcialidade judicial: “o que falar quer dizer” e o
que dizer não quer falar? Amazon´s Research and Environmental Law, Ari-
quemes, ano 3, n. 3, p. 107-130, set. 2015, p. 112.

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sentença que ele deseja ditar, em nome dos obstáculos objetivos do


direito”.29 Contudo, nem sempre os magistrados percorrem o caminho
correto, utilizando-se por vezes de um “método inverso”: já decidem a
demanda com o oferecimento da denúncia. O processo, assim, passa a
ter ares inquisitoriais; o magistrado, por sua vez, passa a “perseguir a
colheita da prova” de forma que toda decisão é tomada tendo em vista
a condenação do acusado, o que acaba por violar, consequentemente, a
garantia da imparcialidade e do julgamento justo.30
Quando esses acontecimentos aparecem, o magistrado assume um
juízo positivo sobre a participação do acusado nos eventos criminosos,
produzindo em seu âmago “pré-juízos sobre a culpabilidade que lhe impe-
dirão de decidir, posteriormente, com total isenção e imparcialidade”.31 A
bem da verdade, o “juiz sabe que ele julga como quer”, como já assegurava
Nalini, no que corrobora que: “É fácil encontrar argumentos contra ou a
favor de qualquer das teses. Fundamental se torna a sua profunda hones-
tidade intelectual, fomentada pela humildade intelectual, para que, no ato
de julgar não prevaleçam as idiossincrasias, os preconceitos, o comodismo
ou qualquer outro subjetivismo, sobre a missão de fazer justiça”.32
A ausência de consenso oficial sobre o conteúdo e as formas
de interpretação da lei assegura aos juízes, ou melhor, deles exige que
preencham esses espaços vazios como querem. Veja-se que “fazer o que

29
KENNEDY, Duncan. Libertad y restricción en la decisión judicial. Bogotá: Uni-
versidad de Los Andes, 1998 apud ARAMBURO RESTREPO, José Luís. El
papel del juez: una aproximación teórica. Pensamiento Jurídico, Bogotá, ano
16, n. 27, p. 85-106, jan./abr. 2010, p. 98.
30
Sobre a metodologia do sistema inquisitório recomenda-se a leitura de: EY-
MERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum: Manual dos Inquisidores: Escri-
to por Nicolau Eymerich em 1376, revisto e ampliado por Francisco de La
Peña em 1578. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, Brasília: Fundação Universi-
dade de Brasília, 1993.
31
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito a um julgamento por juiz im-
parcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que
não há a função do juiz de garantias. In: BONATO, Gilson (Org.). Processo
Penal, Constituição e Críticas – Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacionto
Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 345.
32
NALINI, José Renator. Humildade do juiz. Disponível em: <http://portal.tjro.
jus.br/documents/18/24335/A+HUMILDADE+DO+JUIZ.pdf>. Acesso em:
06 fev. 2018.

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se quer”, como lembra Lupetti Batista: “não significa necessariamente


uma estigmatização ou hostilização”, mas sim “decidir segundo uma
convicção pessoal sobre o que parece ser o mais justo diante de deter-
minada situação”.33 O problema surge quando o julgamento passa a ser
realizado de forma interessada ou comprometida com alguma das partes
do processo, especialmente a acusação pública.34
Veja-se que, não é tarefa simples demonstrar diante do caso
concreto a parcialidade do magistrado, na medida em que este tem ao seu
lado a “íntima convicção motivada”, podendo fundamentar suas decisões
de acordo com os interesses do acusador público ou do acusado. Não
obstante, é possível perceber “alguns sintomas” sempre que há violação
da cláusula do dever de imparcialidade. Passamos a análise dessas parti-
cularidades no tópico seguinte.

2. C rise identitária do magistrado : quando o ânimo


persecutório atinge o dever de imparcialidade

A viabilização da cláusula de imparcialidade liga-se à ideia de


separação de funções, ou seja, o papel de acusar e julgar não pode recair
sobre a mesma pessoa em vista da adoção de um sistema acusatório.35 Tal
concepção também é seguida por Cordón Moreno, que considera garantia

33
BATISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Reflexões sobre o dever de fundamenta-
ção das decisões judiciais e a imparcialidade judicial: “o que falar quer dizer”
e o que dizer não quer falar? Amazon´s Research and Environmental Law, Ari-
quemes, ano 3, n. 3, p. 107-130, set. 2015, p. 114.
34
Afinal, como assegura Badaró: “Não há como se conceber a existência de um
processo com a decisão nas mãos de um terceiro interessado em prejudicar
ou beneficiar uma das partes. É ínsito ao processo um juiz imparcial sem o
que deixará de haver processo.” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Direito processual penal. Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 6).
35
À título de caracterização apresenta-se o sistema acusatório sempre que hou-
ver: (a) separação das funções de acusar e julgar; b) acusação realizada por
qualquer do povo (em alusão ao modelo clássico, hoje de titularidade do MP);
c) impossibilidade de acusação de ofício; d) livre produção probatória; e)
possibilidade de ampla defesa; f) debates (instrução) públicos e orais; g) juiz
titular exclusivo do poder de decidir; e h) prevalência do interesse particular
sobre o interesse social. Compare em: LOPES JR., Aury. Fundamentos do pro-
cesso penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 155-157.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
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básica da imparcialidade o desmembramento das funções acusatória e


julgadora, pois somente o Ministério Público pode ser considerado “parte
na relação jurídico-processual”, ficando responsável pela persecução pe-
nal.36 Ao juiz, em vista da garantia da imparcialidade, resta tão somente a
condição de “terceiro desinteressado em relação as partes”, um estranho
alheio aos interesses processuais37 – no exato sentido da terzietá proposta
pela literatura especializada italiana.38
O problema surge quando o magistrado adentra a função acusado-
ra, ou seja, quando o juiz adota uma postura persecutória em desfavor do
réu, utilizando-se da cláusula da íntima convicção como escudo protetor
de suas decisões persecutórias.
Primeiramente, há que se ressaltar que “a dúvida acerca da parcia-
lidade do julgador há de ser fundada em circunstâncias fáticas objetivas e
em um determinado caso concreto”.39 Dito de outra forma, à parte caberá
demonstrar que a disposição psicológica e a conduta exteriorizada do
julgador são sintomas de falta de imparcialidade. Isto porque meras su-
posições não são suficientes à instauração de uma exceção de suspeição.40
Por conseguinte, na perspectiva do que apresenta o sistema
acusatório, partindo-se da concepção de um princípio dispositivo (que
coloca a gestão da prova nas mãos das partes – acusador público e acusa-
do), descabe falar em produção probatória pelo magistrado.41 No ponto,

36
CORDÓN MORENO, Faustino. Las garantias constitucionales del proceso pe-
nal. 2. ed. Navarra: Arazandi, SA, 2002, p. 129.
37
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito processual penal. Tomo I.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 6.
38
Sobre a contribuição da doutrina italiana veja: FAZZALARI, Elio. Institui-
ções de Direito Processual. Tradução de Eliane Nassif. 8. ed. Campinas: Im-
prenta, 2006.
39
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. Abordagem conforme a
Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. Cases da Corte Intera-
mericana, do Tribunal Europeu e do STF. 2.ed. Porto Alegre: Atlas, 2015, p. 235.
40
RITER, Ruiz. Imparcialidade no processo penal: reflexões a partir da teoria da
dissonância cognitiva. 2016. 196f. Dissertação (Mestrado em Ciências Crimi-
nais) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2016, p. 62-63.
41
A doutrina especializada assegura que ao se falar em sistemas processuais
(inquisitivo, acusatório, misto) deve-se essencialmente verificar seu núcleo
(gestão da prova) e princípio informador. Se a gestão da prova estiver nas

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percebe-se esta como o primeiro indício de um ânimo persecutório, na


medida em que ao juiz cabe julgar e não produzir provas. Não há meio-
-termo, nem espaço para a conciliação de uma prática forense que vai de
encontro com a própria essência do sistema acusatório.42
Inúmeras críticas já foram dirigidas aos poderes instrutórios
do magistrado.43 Não obstante, não é essa a perspectiva adotada pela
maioria esmagadora da doutrina processualista brasileira,44 à vista do que
estabelecem diversos dispositivos de nossa legislação.45 Mas, para além
dessa questão, o que se quer mesmo acentuar é que conceber poderes
instrutórios ao magistrado, retira o foco de análise do que realmente
importa para qualquer atividade jurisdicional: a estrita observância ao
princípio da imparcialidade, princípio basilar da função jurisdicional. Se o
magistrado pode produzir a prova, pode também fundamentar e justificar
suas decisões como bem pretender, já que teria a gestão do processo e a
gestão da prova em suas mãos.46

mãos do julgador teremos um princípio inquisitivo se, por outro lado, estiver
nas mãos das partes teremos um princípio dispositivo. Compare em: LOPES
JR., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. São Paulo: Sarai-
va, 2015. p. 158-159.
42
GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução
principiológica à teoria do ato processual irregular. 2 ed. Salvador: JusPodi-
vm, 2015, p. 211.
43
Nesse sentido ver dentre outros: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades
no processo penal: introdução principiológica à teoria do ato processual irre-
gular. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 217-218; LOPES JR., Aury. Direito
processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 64-65; PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.
4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 140.
44
Por todos: GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000. p. 79-80.
45
São exemplos os artigos 127, 156, incisos I e II, 196, 209, 242, 310, inciso II,
383 e 385, todos do Código de Processo Penal, que tratam, respectivamente,
do sequestro de bens, das diligências na fase pré-processual, do reinterroga-
tório, das testemunhas do juízo, da busca e apreensão, da conversão da prisão
em flagrante em preventiva, da emendatio libelli e do reconhecimento de
agravantes na sentença.
46
RITER, Ruiz. Imparcialidade no processo penal: reflexões a partir da teoria da
dissonância cognitiva. 2016. 196f. Dissertação (Mestrado em Ciências Crimi-
nais) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2016, p. 173.

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658 | Fayet; Poll.

Sem adentrar no mérito da legalidade e legitimidade da produ-


ção probatória pelo magistrado é preocupante a tolerância da sociedade
para com o arbítrio estatal, a partir da desvinculação do processo à tutela
do acusado (parte hipossuficiente da relação jurídico-processual). É
igualmente inquietante a possibilidade de o magistrado ir “em busca da
verdade” como justificativa para seu ânimo persecutório.47
A atividade jurisdicional deve estar estritamente vinculada à
garantia da imparcialidade e sempre que o magistrado indefere sucessi-
vamente os pedidos de produção de provas do acusado nega a produção
de outro viés de interpretação sobre o fato, impossibilitando a busca da
verdade;48 impedindo o cotejo das provas produzidas pela acusação e
pela defesa a verificação das possíveis versões dos fatos, necessárias à
segurança do juízo, em verdadeira mácula à garantia da imparcialidade.49
Negar os pedidos da defesa de produção probatória, em vista de
duvidosa fundamentação, ou seja, aquela decorrente do pré-julgamen-
to, fruto da atividade “persecutória”, transparece em odioso pré-juízo
sobre os fatos, e demonstra o inegável cerceamento do direito de ampla
defesa, corolário do devido processo legal, que sustenta toda a evolu-
ção processual-penal que nos separa dos julgamentos medievos. No
entender de Machado: “O direito da ampla defesa corresponde a uma
garantia constitucional conferida ao réu para que este possa se valer, sem

47
GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução
principiológica à teoria do ato processual irregular. 2. ed. Salvador: JusPodi-
vm, 2015. p. 220-221.
48
Ressalte-se que o termo “verdade” é extremamente complexo e controverso.
Ao julgador não incumbe apresentar a verdade real sobre o fato discutido no
processo, mas apenas demonstrar, com base no esteio probatório, a sua con-
vicção sobre a ocorrência ou não dos fatos, que acaso não seja segura deverá
conduzir necessariamente à absolvição do acusado por força do princípio do
in dubio pro reo. Sobre isso, ver: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 61
49
Nesse sentido colaciona Machado: “O art. 5º, LV, da Constituição de 1988
consagra expressamente essa garantia, assegurando, portanto, aos acusados
o direito de contrariar a acusação, apresentar livremente quaisquer tipos de
teses e argumentos, assim como produzir todas as espécies de provas não
proibidas em Lei, visando demonstrar suas pretensões no processo”. Sobre
isso, ver: MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2012, p. 64.

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qualquer espécie de embaraço, de todos aqueles mecanismos processuais


indispensáveis à salvaguarda de seus direitos. Isto é, a possibilidade de
produzir todo tipo de prova, de fazer quaisquer alegações que sejam, de
interpor todos os recursos cabíveis, enfim, de demonstrar a pertinência
de suas pretensões no processo”.50 Quando o magistrado colhe a prova,
colocando-se à frente na busca pela verdade real, todo indeferimento (a
qualquer pleito defensivo) se torna persecutório.
No ponto, há que se considerar suspeito o magistrado que persegue
o acusado, impedindo que esse produza os elementos de prova que entenda
necessários à comprovação de sua inocência. Os prejuízos decorrentes
desse atuar (ilegítimo) persecutório não poderiam ser maiores: legitima-
-se uma pseudo prática judicial, alheia a uma jurisdição válida e legítima,
regida por uma total parcialidade do magistrado. Em outras palavras, o
julgador transforma-se em um segundo acusador público (no sentido de
outro acusador público – e não de acusador público subsidiário, pois tal
postura lhe dá protagonismo), quando deveria manter-se afastado das
partes e submetido ao filtro da garantia da imparcialidade. Daí se dizer
que “decidir” não é apenas fazer uma escolha entre este ou aquele enten-
dimento, mas, muito mais do que isso, é assumir o compromisso de ter
assumido uma posição, de forma fundamentada, consoante ao conjunto
probatório, do qual se tornará responsável para sempre.51
Contudo, para além da justificativa da escolha de uma interpre-
tação possível sobre os fatos deve o magistrado demonstrar que opor-
tunizou o contraditório da forma mais ampla possível. Nos dizeres de
Nucci, deve o magistrado prover a oportunidade “a uma das partes para
contestar, impugnar, contrariar ou fornecer uma versão própria acerca de
alguma alegação ou atividade contrária ao seu interesse”.52 Por certo, não
há processo bilateral, com igualdade de oportunidades, sem a necessária

50
MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2012, p. 63-64.
51
RITER, Ruiz. Imparcialidade no processo penal: reflexões a partir da teoria da
dissonância cognitiva. 2016. 196f. Dissertação (Mestrado em Ciências Crimi-
nais) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2016, p. 173-175.
52
NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais
Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 286.

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660 | Fayet; Poll.

obediência ao contraditório, na medida em que este confere a isenção


estatal na condução do feito, constituindo limite natural da dialética.
Magistrado que justifica uma interpretação, obstando o contraditório,
dá ao processo “ares persecutórios”.53
Carnelutti há tempos enfatizou que a dialética do processo exige
a configuração de um magistrado – terceiro, desinteressado e imparcial
– que não seja parte na relação jurídica-processual, pois tendendo o
acusado a negar a sua culpa e sustentar sua inocência, sem a presença do
órgão acusador, restaria ao magistrado o papel de confrontar o acusado
no processo, o que acabaria por fulminar sua imparcialidade.54
Destarte, tudo aponta, invariavelmente, para a garantia da impar-
cialidade, conforme relembra Calamandrei: “A imparcialidade, virtude
suprema do juiz, é a resultante psicológica de duas parcialidades que se
combatem. Não devem os defensores melindrar-se se o juiz – ainda o mais
consciencioso – não parece escutar com grande atenção seus discursos
em audiência. Está assim porque, antes de pronunciar sua sentença, deve
durante longo tempo escutar a discussão tremenda de dois contraditores,
que se agitam no fundo da sua consciência”.55
Diante disso, é possível afirmar que quando o magistrado adentra
a função acusadora, negando os pedidos de produção probatória da defesa,
acaba por atuar de maneira persecutória, viola-se o princípio acusatório.
Tais decisões, ainda que fundamentadas, podem, sim, ser consideradas
nulas por atingirem a cláusula da imparcialidade. Magistrado não pode
ter “ânimo persecutório”. O julgador deve se manter imparcial, afastado
das partes, colhendo os elementos de prova que são trazidas de forma
espontânea a ele.56

53
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 109.
54
CARNELUTTI, Francesco. Derecho procesal civil y penal: principios del pro-
ceso penal. Tradução de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones
Juridicas Europa-America, 1971, p. 38-39.
55
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 49.
56
Nesse sentido ver dentre outros: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades
no processo penal: introdução principiológica à teoria do ato processual irre-
gular. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 217-218; LOPES JR., Aury. Direito
processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 64-65; PRADO, Geraldo.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
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Certo é que os atores judiciários devem aprender a respeitar as


garantias constitucionais, previstas justamente para evitar os excessos e
os prejuízos que a subjetividade individual pode trazer ao processo. Nos
dizeres de Maya: “devem os julgadores adotar uma postura efetivamente
distante (alheia) em relação aos interesses das partes envolvidas na con-
trovérsia judicial, sem se deixar contaminar por eles”.57
Nenhuma parte deve ser beneficiada em detrimento da outra,
mesmo que de forma involuntária. A imparcialidade vincula o sistema
acusatório!58 E se optamos por esse modelo de estruturação do processo
devemos aprender a adotá-lo por inteiro e não somente as partes que nos
convém. Juiz deve julgar, não produzir prova de ofício; juiz deve julgar,
não perseguir o acusado por ideologias e demais convicções.

Considerações finais

O magistrado adquiriu, nas visões atuais do Direito, o papel que


a tradição liberal negou. Isso não corresponde a uma única concepção
ou escola jurídica, mas envolve o pensamento jurídico contemporâneo
como um todo. Ou na forma de reação ao formalismo legal, como no
caso de escolas realistas, ou em um processo de análise, como é o caso do
positivismo, ou como consciência de sua própria validade da perspectiva
do participante e seu esforço para obter respostas legais válidas entre a
indeterminação normativa, ou, ainda, no reconhecimento da complexi-
dade resultante da diversidade da vida social e da renúncia ao facilitador
metafísico das soluções meramente dualistas, características das teorias
jurídicas críticas e dos exames genealogicos e gramaticais. Por trás disso,
está a proposta de democratizar a vida prática da lei.

Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.


4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 140.
57
MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da
competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 99.
58
RITER, Ruiz. Imparcialidade no processo penal: reflexões a partir da teoria da
dissonância cognitiva. 2016. 196f. Dissertação (Mestrado em Ciências Crimi-
nais) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2016, p. 56-57.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
662 | Fayet; Poll.

Enfim, se o projeto é de fato pela efetivação de um processo penal


constitucional, mostra-se como um excelente ponto de partida a consagração
da garantia da imparcialidade como essência da atividade jurisdicional e do
devido processo legal, a fim de se ter preservada a cognição do julgador
no processo, para que não acabe ruída (como já se vê) a confiança da so-
ciedade no Poder Judiciário. Nessa senda, deve-se salientar, uma vez mais,
que a correta compreensão de tal garantia, para além da superada ideia de
neutralidade e juiz boca da lei, é a de uma construção jurídica, fruto de uma
leitura constitucional do processo penal, que delimita o agir dos magistrados
(impondo limites aos prejuízos que sua subjetividade pode causar nos julga-
mentos), que somente atuarão de forma imparcial se conduzirem o processo
como terceiros desinteressados em relação às partes, comprometendo-se,
contudo, em apreciar na totalidade ambas as versões apresentadas sobre os
fatos postos em exame, proporcionando sempre igualdade de tratamento e
oportunidades aos envolvidos (princípio do contraditório).
Nessa seara, e em consonância com o objetivo do presente artigo,
que foi a verificação da existência de um ânimo persecutório do magistrado,
que sucessivamente adota uma postura decisionista contrária ao direito à
prova defensiva, foi possível concluir pela existência da quebra do dever
de imparcialidade do julgador. Isto porque, tem-se que o processo penal
acusatório (cujo núcleo é a gestão da prova, e o princípio informador o
dispositivo) deve constituir-se por sujeitos parciais (acusador público e
acusado) e um sujeito imparcial (juiz), restando ao julgador tão somente
a condição de terceiro desinteressado em relação às partes, alheio aos
interesses processuais, sob pena de se ter fulminada sua imparcialidade,
e consequentemente, ver-se invalidada a jurisdição que lhe compete.
Por conseguinte, o magistrado, para além da justificativa da es-
colha de uma interpretação aceitável sobre os fatos deve demonstrar que
oportunizou o contraditório da forma mais ampla possível. Negar todos os
pedidos da defesa, em vista de controversa fundamentação, transparece
em odioso prejulgamento, e demonstra o inegável cerceamento do direito
de ampla defesa. Assim, há que se considerar suspeito o magistrado que
persegue o acusado, impedindo que esse produza os elementos de prova
necessários à sua absolvição. Dito de outra forma, o julgador acaba por
transformar-se em um segundo acusador público, quando deveria manter-se
afastado das partes e submetido ao filtro da garantia da imparcialidade.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.143 | 663

A questão é simples: a busca da verdade não pode servir como


recurso discursivo, que permita aos magistrados desprezar e desmerecer
a função do acusado e do acusador público no processo penal, fazendo
valer sua figura de protagonista no processo. Juiz somente julga. A nar-
rativa acusatória deverá ficar a cargo do acusador público, na medida
em que ao tomar postura persecutória o magistrado acaba por violar
o contraditório e a ampla defesa, já que inviabiliza a Defesa técnica e
a autodefesa de contraditar a interpretação das provas que permitiria
eventual condenação.
Magistrado que persegue o acusado viola a imparcialidade e
a própria concepção de jurisdição. Isto porque a imparcialidade está
umbilicalmente relacionada com a ideia de jurisdição. O monopólio do
estado-juiz sobre a jurisdição e a vedação à autotutela impõe que o ma-
gistrado atue de forma absolutamente imparcial. Não há como conciliar
o ânimo persecutório do magistrado com a garantia da imparcialidade e
o sistema acusatório.

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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declara-


tion): os autores confirmam que não há conflitos de interesse
na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

▪▪ Fábio Agne Fayet: levantamento bibliográfico, revisão bi-


bliográfica, revisão crítica com contribuições substanciais,
aprovação da versão final.

▪▪ Roberta Eggert Poll: projeto e esboço inicial, levantamento


bibliográfico, revisão bibliográfica, redação, revisão crítica
com contribuições substanciais, aprovação da versão final.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atestam que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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▪▪ Recebido em: 07/04/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
08/04/2018 ▪▪ Editora-associada: 1
▪▪ Avaliação 1: 12/04/2018 (LBW)
▪▪ Avaliação 2: 22/04/2018 ▪▪ Editor-assistente: 1
▪▪ Avaliação 3: 23/04/2018 (TACJ)
▪▪ Decisão editorial preliminar: 02/05/2018 ▪▪ Revisores: 3
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 10/10/2018
▪▪ Decisão editorial final: 20/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


FAYET, Fábio Agne; POLL, Roberta Eggert. Ânimo persecutório do magistrado:
a quebra do dever de imparcialidade e sucessivas decisões contrárias ao direito
à prova defensiva. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 3,
n. 2, p. 645-667, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.143

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 645-667, mai.-ago. 2018.
A centralidade do juízo oral no Sistema Acusatório:
uma visão estratégica acerca do caso penal

The oral trial centrality in the Accusatory System:


a strategic view of criminal case

Raphael Jorge de Castilho Barilli1


Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/0897287459205783
http://orcid.org/0000-0002-9987-5119

Resumo: O presente artigo visa a debater a questão da oralidade como


centro metodológico do sistema acusatório, indicando um formato de
administração da justiça pautado no litígio. Para isso, buscou-se apon-
tar que a forma processual escrita, que por muito tempo se colocou
como o formato ideal de processo, apresenta-se insuficiente diante da
notável influência de elementos diversos, insusceptíveis de apropria-
ção formal, que influenciam no resultado do caso. Neste contexto de
litigância oral, é necessário questionar: Há estratégia na apresentação
dos elementos no debate oral? Como a noção de estratégia no litígio
penal é vista pela comunidade jurídica? Em que momentos do processo
essa atuação estratégica deve se implementar? Essas e outras ques-
tões serão enfrentadas neste trabalho, que tem como metodologia a
investigação teórica de literatura referente a este novo marco teórico,
concluindo que a noção de estratégia é uma decorrência natural do novo
paradigma processual. Ademais, esta nova forma de pensar o processo
é vista como tendência no contexto de reforma processual penal da
América Latina ocorrido nas últimas décadas, que busca superar as
matrizes inquisitivas do processo, afirmando um sistema acusatório
de tendência adversarial verdadeiramente democrático.

1
Mestrando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Pós-gra-
duado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Delegado
de Polícia do Estado do Rio de Janeiro.

669
670 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Palavras-Chave: Direito Processual; Sistema acusatório adversarial;


Litigância oral; Estratégia processual.

Abstract: This paper aims to discuss the orality as the methodological


center of the accusatory system, indicating an administration of justice
format based on the case. To this end, we seek to point out that the written
process form, which for a long time has been placed as the ideal process
format, is insufficient due to the notable influence of diverse elements,
which cannot be formally appropriated, influencing the outcome of the
case. In this context of oral litigation, it is necessary to ask: Is there a
strategy for presenting the elements in the oral debate? How is the notion
of strategy in criminal litigation seen by the law community? At what
moments in the process should this strategic action be implemented?
These and other issues will be addressed in this exhibition, which has
as methodology the theoretical investigation of literature regarding
this new framework, concluding that the notion of strategy is a natural
consequence of the new procedural paradigm. In addition, this modern
thinking process is seen as a trend in the context of criminal procedural
reform in Latin America in the last decades, which seeks to overcome
the inquisitive nuances of the process, affirming an accusatory system
of a truly democratic adversarial tendency.
Keywords: Procedural law; adversarial accusatory system; Oral litigation;
Procedural strategy.

Sumário: Introdução; 1. O paradigma processual da gestão do con-


flito jurídico-penal, 2. Gestão de conflito e o tema da verdade no
processo, 3. A centralidade do juízo oral no sistema acusatório, 4. A
incorporação da visão estratégica no processo penal; Considerações
finais; Referências bibliográficas.

Introdução

“O que não está nos autos não está no mundo” é um conhecido


brocado do Direito que representa uma busca incessante pela superio-
ridade da razão, refletindo a postura científica positivista dominante no
início do século passado, preocupada com a sistematização e regulação

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dos fenômenos sociais de forma objetiva tal como as ciências da natureza.2


É neste contexto que todo aparato de resolução de conflitos do Estado se
organiza, tendo a burocratização e a escrituração do processo como forma
de assegurar que a resolução das causas fosse pautada acima de tudo pela
razão, excluindo dos autos, que seria o mundo do processo, qualquer coisa
que não fosse objetivamente considerada.3
Todavia, não é difícil compreender a impossibilidade que um
conjunto de papéis terá em expressar todas as particularidades que envol-
vem um conflito, especialmente um litígio penal. Desse modo, as partes
envolvidas no processo frequentemente se utilizam de elementos que não
são escritos para desenvolver suas argumentações e conclusões, como por
exemplo a postura do réu em audiência, se demonstra ou não emoção, ou
o estereótipo de um jurado na formação do conselho de sentença, e isto
reflete na decisão do juiz, que, por mais dedicado que seja, jamais conseguirá
expressar todo o seu convencimento em uma sentença, permanecendo
sempre uma parcela no que se convencionou chamar de convicção íntima.4
É neste sentido que a oralidade ganha extrema relevância no
sistema acusatório, não como mera característica do processo, mas sim
como verdadeiro centro metodológico que ordena e condiciona a atuação
processual. Ou seja, uma vez que a resolução do conflito será pautada pelo
diálogo entre as partes, sendo certo que essa interação traz elementos
que são insusceptíveis de plena escrituração nos autos, é necessária a
afirmação de um espaço eficaz que proporcione, além da compreensão
da causa, o debate acerca dos fatos e provas produzidas.5
Apesar da importância do juízo oral, quando observada na prática
a forma com que o processo é desenvolvido nos tribunais, constata-se
uma séria resistência nesse sentido,6 o que produz um déficit de oralidade,

2
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo, Campinas: Uni-
camp, 1993. p. 109.
3
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das
Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 157.
4
HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal. Barcelona: Bosh,
1984. p. 145.
5
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 155.
6
CHOUKR, Fauzi H. Iniciação ao processo penal. Florianópolis: Empório do
Direito, 2017. p. 348.

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resquício da mentalidade inquisitiva que prima pela busca da verdade


através da escrituração.7 Nesta esteira, cada vez mais as audiências se
comprimem em pautas superlotadas e que se realizam de forma açodada;
dividem-se as audiências em conjuntos de atos, perdendo-se a unidade e
imediação com o julgador da causa; sustenta-se cada vez mais a desneces-
sidade da presença física do réu em virtude dos custos e riscos inerentes
ao transporte de presos; limita-se o contato da defesa técnica com o
acusado a alguns poucos minutos entre outras mazelas que evidenciam
que o nosso sistema de justiça criminal está muito longe da essência
acusatória pretendida.
É neste sentido que buscamos afirmar a oralidade como verdadei-
ro centro metodológico do processo, desafiando a estrutura atualmente
concebida. Para isso, será necessário tratar do paradigma processual
da gestão de conflitos que ressalta a resolução do conflito de interesses
como fim principal do processo, de modo que todos os seus institutos
acabam por se conformar a essa nova realidade. O tratamento da verdade
ganha contornos especiais sob essa ótica, passando de uma concepção
filosófica de verdade material para uma acepção formal, que assume a
sua relatividade.
Ademais, a atuação em um processo pautado por um juízo oral
demanda um comportamento diferenciado das partes que necessaria-
mente passa pela compreensão e definição de uma estratégia de como
apresentar os fatos, as evidências e demais elementos de convicção. Desta
maneira, surgem alguns questionamentos que precisam ser enfrenta-
dos: Como é vista a atuação estratégica nos litígios penais? Promover a
estratégia é diminuir o compromisso com a verdade? Somente no juízo
oral é que se desenvolve a atuação estratégica ou também em outros
momentos processuais?
Não se pretende esgotar o tema da importância do juízo oral
e a consequente atuação estratégica no processo, visto que se trata de
um objeto muito rico e instigante. Todavia, urge a necessidade de se

7
BINDER, Alberto. Fundamentos para a reforma da justiça penal. In: GOS-
TINSK, Aline; GONZÁLEZ POSTIGO, Leonel; PRADO, Geraldo (org.). Co-
leção Reflexões sobre a reforma da justiça penal. Florianópolis: Empório do
Direito, 2017., p. 33.

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debater as bases do processo penal e, em especial do sistema acusatório,


para além da velha temática dos conceitos e características, buscando,
assim, reforçar o princípio acusatório e, acima de tudo, contribuir com
o fortalecimento do pensamento reformista no processo penal que vem
se operando paulatinamente na América Latina.

1. O paradigma processual da gestão do conflito jurídico-penal

O processo penal há muito tempo é visto como um meio para a


imposição de uma sanção, se colocando como o caminho necessário que
condiciona o poder punitivo à observância de uma série de regras que
compõem o devido processo penal. Desta forma, a instituição do proces-
so como garantia visa a concebê-lo como o único meio legítimo para a
satisfação da pretensão acusatória e a imposição de pena, conformando
todo o tratamento do processo a este fim.8
Contudo, o erro não está em tratar o processo como marco para
imposição de pena, mas em considerá-lo como a única finalidade, ou
simplesmente a mais importante.9 Na realidade, a utilização do processo
centrada no estrito cumprimento da lei acaba por esquecer que neste se
encerra, além do conflito em relação à sociedade, objeto de considera-
ção pública, um outro conflito de natureza particular entre a vítima e o
autor do fato.10
Dessa maneira, o processo possui como finalidade também a
resolução do conflito, pressupondo que o delito, como qualquer proble-
ma jurídico, gera um conflito de interesses entre as partes envolvidas.
De um lado observa-se a vítima com interesse de que se imponha uma
sanção correspondente ao fato e, especialmente, que se reparem os da-
nos e prejuízos sofridos, e do outro lado estará o suposto autor do fato,
que terá interesse em ser declarado inocente ou mesmo receber uma
punição atenuada.11

8
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014. p.35.
9
BINDER, Alberto. Ob. cit., p.13.
10
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. La aplicación de la teoría del caso y la teoría
del delito en el proceso penal acusatorio. Barcelona: Bosh, 2011. p. 32.
11
Ibidem.

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É neste sentido que se propõe uma mudança de mentalidade


processual, pautada pelo paradigma processual da gestão de conflitos,
que implica ver o delito como um conflito de interesses, convocando,
desta forma, as partes a atuarem no processo, ficando o juiz encarregado
do controle e julgamento final.12
Em verdade, sob a perspectiva punitivista, réu e vítima sem-
pre tiveram uma posição diminuída diante do litígio jurídico-penal,
funcionando basicamente como fonte de prova, uma vez que esta
concepção, formada majoritariamente sob bases inquisitivas e auto-
ritárias, tinha seu compromisso firmado com a produção da verdade
histórica, o que levava à ênfase das instituições e dos meios probatórios,
transformando o processo basicamente em um instrumento público
de verificação da verdade.13 Desta forma, o processo se desenvolvia
longe das partes do conflito, com iniciativas oficiosas, correndo atra-
vés de procedimentos sigilosos e escriturais, onde qualquer debate ou
diálogo era meramente acidental, e na maioria das vezes evitado, já
que poderia representar uma distração desnecessária, tornando sem
sentido o conceito de parte.14
E o principal argumento para instauração desse modelo foi
justamente a insuficiência da atividade das partes, que levava a uma
suposta impunidade.15 Em razão disso, pretendeu-se o desenvolvimento
do processo sob a perspectiva epistemológica inquisitiva a pretexto de
ser mais eficiente em relação à produção da verdade, pois pautava-se
em uma suposta superioridade moral do juiz,16 que seria o sujeito desin-
teressado e mais capaz de, gerindo a iniciativa probatória, desvendar os
fatos chegando o mais próximo possível da verdade real.

12
BINDER, Alberto. Prólogo. In: MORENO HOLMAN, Leonardo. Teoría del
caso. Buenos Aires: Didot, 2012. p.15.
13
LANGER, Máximo. La dictomía acusatorio-inquisitivo y la importación de
mecanismos procesales de la tradición jurídica anglosajona, In: MAIER, Julio
B. J. (org.). El procedimento abreviado. Buenos Aires: Del Puerto, 2005. p. 117
14
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Novo Juiz no Processo
Penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Crítica à Teoria Ge-
ral do Processo Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 23.
15
LOPES JR., Aury. Ob. Cit., p. 97.
16
BINDER, Alberto. Ob. cit,, p.14.

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Todavia, essa formulação se pautava em considerações filosóficas


e teóricas equivocadas, levando à inconsistência desse modelo processual
sob sua forma pura. Dentre elas, destaca-se, portanto, o conceito de verdade
histórica absoluta como algo possível e a noção de superioridade moral
do juiz. Não se pretende esgotar o tema nessa breve exposição, mas tão
somente enunciar os seus principais aspectos, reforçando as conclusões
que serão propostas.
Em primeiro lugar, o conceito de verdade tratado pela episte-
mologia inquisitiva pautava-se em uma verdade substancial ou material,
ensejando a noção de verdade absoluta que fosse igualmente compreendida
em relação aos sujeitos envolvidos. Desta forma, por ser um procedimento
técnico e objetivo, entendia-se que a missão do processo seria encontrar
esta verdade histórica ocorrida no passado, e para isto, dispensava-se a
aplicação de regras e limites processuais.17
Contudo, esta noção unívoca de verdade absoluta, certa ou objetiva
não é possível, representando, de fato, um ideal inalcançável. Nem mes-
mo as teorias científicas de outras áreas mais objetivas do conhecimento
humano possibilitam concluir que o resultado da atividade é verdadeiro
de modo a garantir a inexistência de proposições falsas, visto que uma
tendência inafastável da evolução científica é a superação por teorias ou
hipóteses contraditórias que problematizarão as conclusões anteriores
de modo a torná-las ultrapassadas.18
É como ensina Taruffo:

De fato, a ideia de uma verdade absoluta pode ser uma hipótese


abstrata em um contexto filosófico amplo; entretanto, não se pode
sustentar racionalmente que uma verdade absoluta possa ou deva
ser estabelecida em qualquer domínio do conhecimento humano,
tampouco no contexto judicial. Mesmo ciências rígidas como as
físicas e as matemáticas não pretendem ser capazes de alcançar
verdades absolutas; de fato, a ideia de uma verdade absoluta parece
pertencer somente aos domínios da religião e da metafísica. Em
verdade, em todo contexto do conhecimento científico e empírico,

17
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 37.
18
FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 42.

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incluído o dos processos judiciais, a verdade é relativa. Na melhor


das hipóteses, a ideia geral da verdade pode ser concebida como
uma espécie de «ideal regulador», ou seja, como um ponto de
referência teórico que se deve seguir a fim de orientar a empresa
do conhecimento na experiência real do mundo.19

Deste modo, diante da impossibilidade da noção de verdade como


algo absoluto, ocorre uma notável degeneração das proposições em juízos
de valor, amplamente arbitrários, gerando um decisionismo não cognitivo,
mas sim potestativo por parte do juiz. Ou seja, a decisão, ao invés de se
pautar em uma verdade empírica, baseada em fatos e provas, controlável
intersubjetivamente pelas partes por meio de standards objetivos,20 passa a
ser pautada no convencimento íntimo e subjetivo do juiz, frequentemente
fazendo alusão a elementos abstratos como a qualidade pessoal do réu e
sua periculosidade social.21
Aliado a isto, diversas violações a direitos eram observadas em
nome dessa busca da verdade, tendo em vista que a presença de regras
e controles rígidos representava obstáculo ao fim processual.22 Nesse
sentido, o processo transformava-se em verdadeira inquisição, sendo a
prova penal gerida basicamente por decisionismos, levando à diversas
arbitrariedades em nome do resultado do processo, o que levou o sistema
inquisitivo a ser conhecido pela sua expressiva faceta de violação a direitos.
Em segundo lugar, uma outra concepção dominante era o fato de
que se creditava ao juiz uma nítida superioridade moral, considerando-o
o sujeito mais capacitado para alcançar a verdade histórica.23 E isto se
dava basicamente pela crença de que o juiz, por ser um representante do
Estado, seria um sujeito desinteressado em relação ao conflito, livre de
qualquer relação subjetiva com o caso, devendo, portanto, gerir as provas
longe do contraditório para alcançar a verdade.

19
TARUFFO, Michele. A prova. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 25-26.
20
KNIJNIK, Danilo. Prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2007. p. 16.
21
FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 37.
22
KHALED, Salah H. A busca da verdade no processo penal para além da ambição
inquisitorial. Minas Gerais: Letramento: Casa do Direito, 2016. p. 73.
23
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Ob. cit., p. 23

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Todavia, esta imagem do juiz como investigador imparcial é absolu-


tamente ingênua, pois, como em qualquer investigação empírica, a atuação do
juiz será sempre seletiva, orientada por pontos de vista e interesses morais,
políticos e éticos do próprio investigador, levando-o a analisar determinadas
hipóteses em detrimento de outras.24 Basta que pensemos no historiador
que analisa os fatos segundo os seus interesses historiográficos e, por mais
que utilize um determinado critério objetivo de seleção, certamente acabará
por privilegiar determinadas fontes históricas em detrimento de outras,
chegando até mesmo a ignorar algumas, e somente a sua honestidade cien-
tífica é que será capaz de formalizar essa parcialidade.25
Dessa forma, é impossível conceber o juiz como um investigador
imparcial dos fatos, pois a gestão das provas será sempre precedida de
considerações psicológicas que conformarão a sua atuação e, consequen-
temente, implicarão no resultado do seu trabalho.26
Torna-se ainda mais perigosa a visão de imparcialidade na in-
vestigação dos fatos no processo judicial, visto que, diferentemente da
história e outras ciências que são vocacionadas à superação das conclusões
por trabalhos futuros, o trabalho do juiz é direcionado à imutabilidade, o
que o torna um investigador exclusivo, diminuindo a sua capacidade de
correção. Neste sentido, ensina Luigi Ferrajoli ao afirmar que “em decor-
rência disso, o erro judiciário, diversamente do erro historiográfico ou
científico, jamais é fecundo, pois suas consequências são em grande parte
irreparáveis, especialmente se são produzidas em prejuízo do acusado.”27
Sendo assim, o principal elemento que induzia a uma suposta
superioridade moral do juiz para a investigação da verdade no processo
cai por terra na medida em que se reconhece a inexistência de neutrali-
dade na investigação empírica.
Nem mesmo sob a perspectiva institucional a ideia de superio-
ridade do juiz seria viável. Isto porque a concepção do Direito pautado
pela teoria interpretativa de Dworkin, que rompia com o positivismo,

24
FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 47.
25
HABERMAS, Junger. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
p. 216.
26
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 137.
27
FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 48.

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depositando no juiz seu centro metodológico,28 vem paulatinamente


cedendo espaço a uma visão institucional que problematiza e questiona
essa supremacia.
A visão interpretativa buscou agregar uma dimensão justificado-
ra ao Direito, rompendo com a tradição descritiva do positivismo, para
quem o Direito equivaleria à norma. Na visão de Dworkin, o Direito
nasce de um processo de construção e justificação, propondo uma teoria
mais completa, onde o juiz deixa de ser um mero aplicador para ser uma
ferramenta de construção do Direito.29
Todavia, essa concepção se utiliza de uma visão romanceada do
juiz, que Dworkin cunhou como juiz Hércules, como sendo o ideal de
juiz a ser perseguido. Na verdade, essa visão interpretativa não assume
uma dimensão prática consequencialista, que busque analisar questões
institucionais relevantes para o processo decisório, como as capacidades
institucionais dos agentes envolvidos, a realidade das instituições na
prática entre outros, limitando-se a formar uma teoria do Direito ideal.30
É por isso que surgem, especialmente no Direito estadunidense,
teorias institucionais que partem de uma perspectiva consequencialista do
Direito,31 propondo que em determinadas questões o Judiciário apresente
certa deferência em relação a outros agentes institucionais quando estes
apresentarem melhores condições de decidir, independentemente do que
seria o melhor na teoria, como, por exemplo, agências reguladoras diante
de questões técnicas. Não se está aqui buscando uma visão eminentemen-
te pragmática, mas sim reforçando a ideia de que visões idealizadas das
instituições do ponto de vista normativo não têm espaço na construção
de um processo penal como um saber prático.32

28
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 109.
29
SENS, Sheila C. da S. A teoria interpretativa de Dworkin: Um modelo cons-
trutivo. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 16, n. 31, p.119-147,
2013. p. 4.
30
VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: An institucional theory of le-
gal interpretation. London: Harvard University Press, 2006. p. 16.
31
Ibidem., p. 63.
32
É neste sentido que alerta Binder: “O processo penal não pode ser visto so-
mente como um conjunto de normas que regulam os atos processuais ou as
faculdades das partes. (...) Nesse sentido, a justiça penal é um ‘universo de

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Portanto, com essa breve exposição pretendeu-se demonstrar


que o paradigma processual punitivo, concebido sob uma perspectiva
inquisitiva, era pautado, dentre vários, em dois argumentos filosóficos
que não se sustentam, quais sejam a concepção de verdade substancial
absoluta e a superioridade moral do juiz. Entretanto, diante de todas
essas críticas deve surgir o seguinte questionamento: Devemos pensar
em deslegitimar a função do Estado de aplicação da pena? A resposta ne-
cessariamente deve ser não, visto que o processo representa importante
limitação tanto ao Estado, quanto aos particulares, inibindo a imposição
de pena de forma arbitrária.
Todavia o que se deve pensar é na utilização mais racional para
o processo e sua função sancionadora, que passa justamente pelo perigo
latente de se considerar como a única ou a mais importante finalidade
do processo. Como visto, essa visão punitivista tende a uma apologia do
sistema inquisitivo, levando, entre outras coisas, a uma visão deturpada
do conceito de verdade e à centralidade da figura do juiz. E isto sem
mencionar que essa racionalidade punitiva tende a justificar qualquer
tipo de processo onde a falta de respeito às garantias e aos direitos é a
tônica dos sistemas de justiça penal dos Estados autoritários.33
Diante disso, exsurge o paradigma da gestão de conflitos pautado
na segunda finalidade do processo, que é justamente resolução do conflito
jurídico entre as partes. O delito, como qualquer problema jurídico, gera
interesses entre as partes envolvidas, que devem assumir um papel de
destaque no desenvolvimento do feito, de modo que qualquer utilização
minimamente racional do processo deve passar pela afirmação do debate
entre as partes, que são os maiores interessados na resolução da causa.34

práticas’, orientado por sistemas normativos complexos. Essas práticas cons-


tituem os atos dos distintos sujeitos que participam do processo penal. (...)
Não se trata de renunciar ao comprometimento central de construir um saber
sobre o sentido das normas, mas sim de ter em conta de um modo amplo
sua capacidade de gerar ou modificar práticas. Do que se trata é construir
um saber prático com capacidade de influir sobre o mundo real da justiça
penal (...).” (BINDER, Alberto. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Ad-Hoc,
2013, p. 38-40) (tradução livre).
33
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ob. Cit., p. 30.
34
Ibidem.

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Enquanto a concepção punitivista ignorava o debate,35 centrando


na figura do juiz todas as suas expectativas e anseios, a concepção da ges-
tão de conflitos, ao contrário, convoca as partes para atuarem de forma
dialética no processo, com respeito aos direitos e garantias fundamentais,
contribuindo para a solução da causa.36
Note-se que a concepção da gestão de conflitos não ignora que
o processo é destinado à aplicação de uma pena prevista em lei, nem
busca excluir a atuação do Ministério Público como titular principal da
persecução penal, entregando às partes a condução exclusiva do processo
como uma espécie de retorno à sanção como vingança privada.37 O que
se pretende, pois, é afirmar o conflito como elemento central do delito
e, por sua vez, do processo, o que enseja uma maior participação das
partes envolvidas, que ostentarão um papel principal devendo construir,
argumentar e fundamentar seus interesses, expectativas e pretensões,
agregando elementos essenciais para que o juiz consiga julgar o caso.38
Essa noção acabará por impor uma maior coordenação entre
Ministério Público39 e vítima, já que seus interesses deverão ser consi-

35
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Prefácio. In: MALAN, Digo R. Direito ao
confronto no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. xiii.
36
CAVISE, Leonard L. The transition from the inquisitorial to the accusatorial
system of trial procedure: Why some Latin American lawyers hesitate. Dispo-
nível em: <http://biblioteca.cejamericas.org/bitstream/handle/2015/3622/
cavise.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 jan. 2018. p. 45.
37
A noção de processo penal como categoria autônoma pautado por critérios de
justiça passa a interessar fortemente quando do fortalecimento do Estado na im-
posição da pena pública, desligando a vítima paulatinamente do manejo desta,
transferindo essa atividade a um juiz imparcial. Como ensina Aury Lopes Jr., “a
titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no momento em que
se suprime a vingança privada e se implantam os critérios de justiça. (...) À medi-
da em que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a autodefesa,
assumirá o monopólio da justiça, produzindo-se não só a revisão da natureza
contratual do processo, senão também a proibição expressa para os indivíduos
de tomar a justiça por suas próprias mãos.” (LOPES JR., Aury. Ob. Cit., p. 38).
38
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ob. Cit.,p. 33.
39
Para este modelo, é essencial que o Ministério Público abandone a posição
chamada de tradicional, forjada sob critérios inquisitivos, com uma supos-
ta posição imparcial de controle da lei e da legalidade, agregada a funções
consultivas, atuando de maneira uniforme em todos os casos, para ado-
tar efetivamente uma posição de parte. Neste sentido, será fundamental a

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derados na tomada de decisões acerca da persecução e sua participação


valorizada ao longo de todo o processo. Ademais, levará, ao lado da pre-
tensão de sanção, a uma maior aplicação do princípio da oportunidade
e de saídas alternativas como a conciliação e acordos reparatórios que
possuem assento tanto em relação à pretensão de reparação, quanto em
princípios de política criminal relacionados à seleção de casos,40 justiça
restaurativa e solução consensual do conflito.41
Esta mudança de paradigma permite a consagração de um siste-
ma verdadeiramente acusatório, tão mitigado quando pensado à luz da
concepção punitivista, já que o objetivo era punir, sem importar como.
Neste sentido, a acusatoriedade, centrada na separação das funções de
acusar e julgar,42 representava verdadeiro empecilho à função punitiva.
Neste novo modelo acusatório, marcado pela tendência adversarial, o juiz
identifica as expectativas das partes, que terão o papel de argumentar
e fundamentar seus interesses e pretensões, devendo o juiz controlar o
debate, vindo a emitir ao final uma decisão fundada no Direito.43

reconsideração das funções da persecução penal, promovendo uma maior


integração com a polícia investigativa, decidindo de forma estratégica os ca-
sos que em serão concentrados os esforços, além de investir no mister de
litigância processual. Sobre isso: DUCE, Mauricio; RIEGO, Cristián. Desafios
del Ministério Público fiscal en América Latina. Santiago de Chile: Centro de
Estudios de Justicia de las Américas CEJA, 2005, p. 62-63.
40
“A razão central para esta mudança foi o reconhecimento de que os recursos
materiais, humanos e financeiros (sempre limitados) não permitem proces-
sar e julgar com eficiência todos os casos. Diante disso, sob a ficção do princí-
pio da legalidade processual, produziu-se uma seletividade natural das agên-
cias policiais, que faziam um filtro, mas sem critérios nem controle, pegando
as obras mais toscas e de simples resolução como uma lógica de sobrevivência
burocrática. É por isso que um processo acusatório se constrói sobre esta
realidade e sugere a necessidade de dar um tratamento particular e distinto
aos casos que permitam algum grau de acordo entre as partes. E, consequen-
temente, alocar os recursos do sistema aos casos cuja solução é obtida através
da existência de juízo oral e público.” (RUA, Gonzalo; GONZALEZ, Leonel.
As saídas alternativas ao processo penal na América Latina. Uma visão de sua
regulamentação e propostas de mudança. Revista Sistemas Judiciales, Santiago
de Chile, a. 16, n. 20. 2017, p. 99-124, p. 101-102) (tradução livre).
41
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ob. Cit. p. 33.
42
BADARÓ, Gustavo H. Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,
p. 98.
43
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ibidem.

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682 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Neste momento surge um questionamento importante para fins


de adequação desta nova concepção: A estrutura adversarial permite que
as partes afirmem qualquer tipo de versão, ainda que desligada dos fatos e
provas? Ou seja, qual o critério epistêmico para conhecimento do conjunto
probatório por parte do juiz? É isto que será enfrentado na sequência.

2. G estão de conflito e o tema da verdade no processo

O modelo processual centrado sob a perspectiva do conflito tem


no debate entre as partes o principal elemento para a solução da causa. Ou
seja, caberá às partes promover os seus interesses e expectativas ao longo
do processo, apresentando as provas e argumentações correspondentes,
dando condições para que o juiz emita uma decisão ao final.
Entretanto, isso não representa uma permissão para que se promo-
va considerações absurdas a respeito dos fatos, ou mesmo que se legitime
a atuação desleal de tentar ludibriar o juiz com argumentos incompatíveis.
Há, pois, uma vinculação do juiz ao substrato fático, estando impedido
de julgar de forma dissociada da verdade, devendo, portanto, identificar
as expectativas normativas das partes e, diante do diálogo, decidir com
base no Direito.44
E isto se dá em razão da utilização da categoria de resolução de
conflito pautada no objetivismo crítico45 que postula uma noção cognos-
citivista da prova. Para este modelo epistemológico, a prova é concebida
como um instrumento de conhecimento, direcionada à verificação da
verdade sobre os fatos controvertidos, e uma fonte de conhecimento,
que, por ser indutivo e estar institucionalizado, sofre sérias limitações,
permitindo um conhecimento meramente provável.46

44
Ibidem.
45
GONZÁLEZ LAGIER, Daniel. Quaestio facti: Ensayos sobre prueba, causali-
dad y acción. Disponível em: <http://www.academia.edu/24429680/Quaes-
tio_facti_Ensayos_sobre_prueba_causalidad_y_acci%C3%B3n>. Acessado
em: 20 jan. 2018. p, 10.
46
GASCÓN ABELLÁN, Marina. La motivación de la prueba. In: BETEGÓN, Jeróni-
mo, DE PÁRAMO, Juan Ramón, LAPORTA, Francisco J., SANCHÍS, Luis Prieto
(org). Constituición y derechos fundamentales. Madrid: Secretaría General Técni-
ca. Centro de estudios políticos y constitucionales. 2004, p. 773-794. p. 780.

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Ou seja, o status de relatividade que se obtém através de inves-


tigações empíricas conduz à conclusão de que o processo só permite
realizar um juízo aproximado do valor de verdade em relação ao resultado
produzido, em termos de probabilidade. Todavia, isto não quer dizer que
as conclusões assumidas pelo juiz não possuem um valor nesse sentido,
já que as provas, segundo este modelo cognicitivista, permitem o conhe-
cimento da verdade, embora limitado.47
Sendo assim, reputa-se como objetivo do processo alcançar a
verdade através do conhecimento, ainda que limitado, dos fatos, utili-
zando-se, para tanto, dos meios de prova disponíveis. Desta forma, se
coloca como condição de justiça da decisão o fato de estar pautada em
um juízo acerca da verdade dos fatos, embora se reconheça a limitação
deste conjunto de elementos empíricos.48
Em contraposição a esse modelo há a epistemologia construti-
vista, que entende que a objetividade do conhecimento está relacionada
a esquemas de pensamentos e juízos de valor, ou seja, a verdade, além
de inacessível, estará sempre relacionada a contextos. Desta maneira,
qualquer pretensão de averiguação da verdade sucumbe diante da função
de resolução de conflito, não sendo necessário que a prova se oriente
a averiguar a verdade, devendo ser utilizada como fonte de persuasão,
orientando o julgador de modo a obter uma decisão favorável.49
Essa teoria indicada se vincula primariamente ao sistema do
adversarial system, cuja principal finalidade do processo é justamente
a resolução do conflito, entendendo-se a prova não como instrumento
de verificação da verdade, mas sim como meio de persuasão. Ou seja,
tende-se a pensar que em um processo de partes, a prova é entendida
como meio de persuadir, compreendendo-se em termos práticos como
instrumento tendente a obter uma decisão favorável.50

47
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. La construcción de los interrogatorios desde
la teoría del caso. Barcelona: Bosh Editor, 2015. p. 22.
48
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. La aplicación de la teoría del caso y la teoría
del delito en el proceso penal acusatorio. Barcelona: Bosh Editor, 2011. p. 32.,
p. 23.
49
TARUFFO, Michele. Modelli di prova e di procedimento probatorio. Rivista di
Diritto Processuale, Padova, v.2, XLV, p. 420-448, 1990. p. 421.
50
Ibidem.

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684 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Nesse sentido, estabelece-se uma relação intuitiva entre verdade


e sistema inquisitivo de um lado, e resolução de conflitos e sistema ad-
versarial de outro.51 Assim, no primeiro haveria o compromisso com a
verdade, porém com vistas à imposição de uma pena, desenvolvendo-se
de forma autoritária, enquanto que no segundo haveria a busca na reso-
lução do conflito de forma dialética, todavia pautada na persuasão, com
a possibilidade de decisões desligadas da verdade.
Entretanto, a relação que se quis estabelecer é equivocada quando
colocada em termos absolutos, dando a entender que em um processo pautado
na resolução de conflitos seria impassível de adoção de critérios de verdade
formal, quando de fato não há qualquer empecilho neste sentido. É como
ensina Benavente Chorres ao apontar que “a suposta tensão indissolúvel
entre averiguar a verdade e resolver o conflito está mal colocada (...). Neste
sentido, é perfeitamente plausível falar da provisão de resoluções baseadas
em determinações tendencialmente verdadeiras em torno dos fatos”.52
A noção de verdade não deve ser transformada em algo pejorativo
pelo simples fato de se associar primariamente à concepção inquisitiva,
justamente porque esta correlação não é peremptória. Muito pelo contrário,
a ideia de verdade, ainda que limitada, subjaz uma questão de justiça da
decisão, devendo estar presente no processo sob a perspectiva do conflito.
Como ensina Taruffo, “uma justiça não arbitrária deve basear-se em alguma
medida na verdade, isto é, em juízos sujeitos à verificação empírica; (...)
uma justiça sem verdade equivale a um sistema de arbitrariedade em que
não existem garantias substanciais nem processuais.”53
Sendo assim, o paradigma da gestão do conflito promove uma visão
acusatória com tendência adversarial, pois enxerga o processo diante da
função de resolução do conflito, convocando as partes para que defendam
em juízo os seus interesses, permanecendo o juiz com uma função de árbitro
do debate e julgador final. Todavia, a versão que as partes apresentarão
no diálogo não poderá ser completamente dissociada de credibilidade
segundo os fatos e provas, visto que o modelo de conhecimento da prova

51
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Madrid: Editorial Trota, 2002. p. 42.
52
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. La construcción de los interrogatorios desde
la teoría del caso. Barcelona: Bosh Editor, 2015, p. 23 (tradução livre).
53
TARUFFO, Michele. Ob. Cit., p. 69 (tradução livre).

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não se pauta pela simples persuasão, mas sim pelo conhecimento obje-
tivista crítico que busca tratar a prova como fonte de conhecimento de
uma verdade provável. Desta maneira, é condição de justiça da decisão
que esta esteja pautada em uma verdade formal faticamente verificável.
Estabelecidas tais premissas, cumpre-nos tratar agora da forma
com que o debate deverá ser desenvolvido ao longo do processo. Uma vez
que a resolução do conflito passa pelo diálogo, é necessário que o proces-
so ofereça um ambiente favorável, que garanta a interlocução de forma
efetiva, e somente o juízo oral será suficiente para permitir esta interação.

3. A centralidade do juízo oral no sistema acusatório

Por muito tempo a doutrina concebia como sistema acusatório


todo sistema processual que enxergasse o juiz como um sujeito passivo
rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário,
iniciado pela acusação, que teria o ônus da prova, desenvolvida com a
defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz,
com base em sua livre convicção.54 Dessa forma, a grande preocupação
desse sistema processual seria em resguardar a imparcialidade do juiz,
afastando-o de qualquer atividade das partes, em especial da gestão da
prova, mantendo-se uma equidistância como condição de julgamento.55
Entretanto, conforme deixou-se transparecer na introdução deste
trabalho, a oralidade não se apresenta como simples característica do
sistema acusatório, que recomendaria o predomínio de atos processuais
na forma oral, mas sim representa o verdadeiro centro metodológico
do processo que condiciona toda a atuação processual, desde a fase de
investigação até o julgamento recursal. É neste sentido que se afirma
que o princípio acusatório não sobrevive em modelos de justiça criminal
pautados pela escrituração,56 justamente porque a oralidade não é uma
opção, mas sim a própria base da estrutura processual.57

54
FERRAJOLI, Luigi. Ob. Cit., p. 450.
55
LOPES JR., Aury. Ob. Cit., p. 96.
56
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 153.
57
“(...) Todos os modelos acusatórios comparados insistem em instalar o juízo
oral como etapa central do procedimento penal, negando valor probatório

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686 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Ora, se a resolução do conflito é pautada no diálogo entre as partes,


somente em um debate oral é que se observará a sua máxima potencia-
lidade e isso não é muito difícil de se compreender se transportarmos
para a nossa vida particular. Quantas vezes já recebemos um email ou
mensagem de texto onde não compreendemos muito bem o tom utilizado
pelo remetente? A linguagem não verbal é extremamente importante para
entendermos o contexto da mensagem enviada. Desta forma, a questão
é que um diálogo só pode ser considerado verdadeiramente pleno se
realizado de forma oral e na presença das partes.
É neste sentido que a oralidade pressupõe a criação de um am-
biente propício ao debate, que se traduz na formação de um juízo oral
que deve observar, dentre várias, algumas características.
Em primeiro lugar, haverá a predominância da palavra falada,
pois como dito, os atos de escrituração não são suficientes para externar
todos os nuances do diálogo. Sendo assim, ultrapassada uma primeira fase
postulatória, onde invariavelmente haverá a necessidade de juntada de
petições e documentos tendentes a preparar o processo para o debate,
as etapas que se seguem deverão ser todas travadas em audiências orais,
divididas quanto à matéria.58
Primeiramente uma audiência de conciliação, onde as partes
tentarão firmar algum acordo processual para evitar o litígio, nos casos

aos antecedentes recolhidos pelo fiscal durante a investigação e resguardando


a audiência principal com um conjunto de garantias. Em um modelo acusa-
tório, o processo penal é o juízo oral.” (DUCE, Mauricio; BAYTELMAN, An-
drés. Litigación penal y juicio oral. Quito: Fondo Justicia e Sociedad. Fundación
Esquel – USAID, 2004, p. 16) (tradução livre).
58
Em um sistema de audiências orais, é essencial limitar o contato do juiz
com os documentos e informações produzidas na fase da investigação,
buscando preservar a sua dimensão intelectual imparcial diante do con-
flito. É por isso que diversos países que adotaram o sistema acusatório de
tendência adversarial investiram na figura do juiz de garantias, responsável
pela atuação judicante na fase pré-processual. Sobre isso: MAYA, André
Machado. O juiz de garantias no Brasil e nos países latino-americanos: Se-
melhanças e diferenças determinantes à estruturação democrática do siste-
ma de justiça criminal. In: GOZÁLEZ POSTIGO, Leonel (org). Desafiando
a inquisição: Ideias e propostas para a reforma processual penal no Brasil.
Santiago de Chile: Centro de Estudios de Justicia de las Américas – CEJA,
2017, p. 277-291, p. 280.

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permitidos pela lei; logo após uma audiência de controle de acusação,59


onde as partes irão debater exclusivamente quanto aos elementos e
condições para o recebimento da acusação; após, uma audiência prepa-
ratória onde serão resolvidos pontos específicos relacionados à questões
incidentais, como a definição dos meios de prova, eventual corpo de
jurados entre outros; e por fim uma audiência de instrução e julgamento,
que permitirá essencialmente o debate central com a apresentação das
versões formuladas pelas partes.
Note-se que, independentemente do formato procedimental
que será adotado em cada ordenamento, a grande questão é garantir que
todo o substrato empírico de fatos e provas seja produzido em audiências
orais, ainda que relativo à questões incidentais, de modo que as etapas
escriturais sejam unicamente preparatórias, cumpridoras de formalidades.
Sendo assim, do que adianta afirmar a oralidade como característica do
processo se o recurso de apelação contra a decisão nos tribunais não per-
mite o acesso efetivo das partes? A oralização do julgamento dos recursos
com debates em segunda instância para além da leitura dos relatórios e
tempos escassos de sustentação é uma necessidade premente para vencer
as chamadas falsas oralidades.60
É nesse sentido que Binder ensina:

Atualmente, a adoção sem ambiguidades do julgamento oral e


público, a utilização em massa da oralidade e publicidade em
audiências preliminares (iniciais, incidentais, conciliatórias,
de controle geral, de controle de acusação e etc.), bem como a

59
O sistema acusatório de tradição democrática demanda a afirmação de uma
estrutura trifásica, possuindo como etapa intermediária entre a investigação
criminal e a instrução processual, uma etapa de controle de admissibilidade
da acusação, realizada em juízo oral. Sobre isso: PEÑARANDA LÓPEZ, Anto-
nio. El proceso penal en España, Francia, Inglaterra y Estados Unidos: descrip-
ción y terminologia. Granada: Comares, 2011, p. 37-42.
60
Conceito introduzido por Binder para se reportar às diversas roupagens as-
sumidas pelos sistemas inquisitivos, que adotavam mecanismos processuais
de essência acusatória de forma distorcida. BINDER, Alberto. Fundamentos
para a reforma da justiça penal. In: GOSTINSK, Aline, GONZÁLEZ POSTI-
GO, Leonel, PRADO, Geraldo (org.). Coleção Reflexões sobre a reforma da
justiça penal. Trad. Augusto Jobim do Amaral. Florianópolis: Empório do Di-
reito, 2017. p. 32.

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688 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

oralização e incorporação do litígio no processamento recursal (e


não o sacramental ‘relatório viva voz’) aparecem como as novas
práticas com maior capacidade de abrir as brechas na fechada
tradição inquisitorial.61

Desta forma, é necessário que a oralidade se perpetue para além


da instrução, encontrando abrigo em todas as etapas do processo, pois,
como visto, oralidade não é simplesmente oratória, mas sim construção
do caso de forma oral.62 Sendo assim, é necessário que as audiências se
multipliquem em detrimento da escrituração, que terá um lugar reservado
exclusivamente para o cumprimento de formalidades como a qualificação
das partes, apresentação inicial da acusação entre outros.
Em segundo lugar, deverá haver a imediação da relação do juiz
com as partes e meios de prova, somado à identidade física do julgador,
garantindo-se que o debate seja travado na frente do juiz que irá julgar o
caso e na presença constante das partes. Essas características evidenciam
a necessidade de o julgador estar presente no momento das audiências,
utilizando sua capacidade perceptiva em relação ao diálogo das partes,
tendo, desta forma, condições de decidir ao final do processo.63
Não é exagero dizer que olhar nos olhos de uma pessoa pode nos
dar uma percepção completamente diferente do que enxergá-la através
de um relato escrito. Desta forma, a presença do juiz e das partes durante
a produção de todas as provas em audiência oferece uma gama de per-
cepções que são impassíveis de obtenção de outra forma. É por isso que
a presença do réu não pode ser excepcionada por argumentos vagos e
imprecisos, assim como a realização de atos por videoconferência não pode
ser banalizada. Essas e outras realidades podem alterar profundamente a
percepção que se quer fomentar na construção do caso.64

61
BINDER, Alberto. Ob. Cit., p. 34.
62
CHOUKR, Fauzi. Hassan. Ob. Cit.,.p. 668.
63
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 154.
64
Sobre o interrogatório por videoconferência, expõe André Nicolitt: “Não se
pode perder de vista a humanidade. Nenhuma máquina substituirá o conhe-
cimento que se extrai do contato humano. Nenhuma relação através da má-
quina pode superar ou substituir a relação humana. Quando todos os setores
da sociedade buscam a desumanização e o maior implemento da mecanização
e maximização de resultados, a justiça, que é a maior das virtudes segundo

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E por fim, a efetividade do diálogo depende da concentração


dos atos no tempo, impedindo-se que haja a cisão da audiência em uma
infinidade de eventos, dispersando-se a atenção das partes e, especial-
mente, do juiz, em relação aos pontos travados no debate.65 Atualmente
é possível enxergarmos uma tendência na divisão das audiências em uma
multiplicidade de atos, muitas vezes separados por meses, o que leva a
uma invariável degeneração do substrato do diálogo. Seria impossível
exigir das partes e do juiz que mantivessem vívidas em suas mentes as
impressões produzidas em audiência ocorrida meses atrás.
Dessa forma, a concentração dos atos permite que a prova man-
tenha de forma mais efetiva a sua virtualidade probatória, já que estará
sendo produzida, confrontada e valorada na mesma oportunidade. Ade-
mais, a reunião dos atos permite também um controle mais eficiente pelas
partes, pois, se a um testemunho é dada uma valoração desproporcional
pelo juiz, a indignação da parte será mais bem observada se realizada de
forma imediata do que se feita dias depois.66
Sendo assim, após a enunciação das características do juízo oral,
é possível observar que o modelo inquisitivo pautado na escrituração
considerava desnecessário o contato do juiz com as partes e meios de
prova, pois partia do pressuposto de que todo o conhecimento necessário
estaria documentado nos autos, de forma técnica e objetiva. Sendo assim,
como sustenta Geraldo Prado, “incensada pelo culto à razão, faz supor
que este contato é desnecessário: afinal, o que a visão direta da audiência
pode ministrar que já não esteja nos autos?”67
Essa era uma visão completamente distorcida do litígio penal e
sua forma de decisão sob o ponto de vista democrático, pois, como dito,
diante de um debate oral e pessoal, diversos são os elementos que inter-
ferem no convencimento do juiz e que são insusceptíveis de escrituração.

Aristóteles, deve dar o exemplo e chamar o homem à sua essência para mos-
trar que não podemos perder a nossa humanidade ou dela abrir mão.” (NI-
COLITT, André. Manual de processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016. p. 686).
65
BINDER, Alberto. Introdução ao direito processual penal. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2003. p. 66.
66
Ibidem.
67
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 157.

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A simples comoção de um réu no interrogatório pode representar o ponto


divisor entre a absolvição e a condenação para um jurado no âmbito do
júri, sem que isto apareça minimamente mencionado na decisão.
Nesta esteira, valemo-nos novamente de Geraldo Prado, que
afirma:

A ênfase na oralidade como componente democrática do processo


penal e elemento constitutivo do sistema acusatório tem a ver
com o reconhecimento de que os métodos de aplicação do direito,
ou melhor, de interpretação das regras jurídicas e de sua efetiva
aplicação aos casos concretos, não abrangem toda a atividade in-
telectual do juiz quando sentencia. Os que conhecem a atividade
de decidir têm clara a idéia de que a valoração dos fatos não se
expressa de forma completa na sentença.68

Ademais, o juízo oral como base do sistema acusatório condiciona


toda a atuação desenvolvida no processo, desde a investigação criminal
até a fase recursal, ainda que não venha a de fato ocorrer uma audiência
oral. E isto se dá porque, tendo em vista se tratar do espaço adequado
para o desenvolvimento do debate, é o juízo oral que propicia as maiores
chances de convencimento do juiz, representando verdadeiro direito das
partes. Sendo assim, a mera eventualidade do juízo oral já condiciona
como as partes deverão se portar antes, durante e depois deste, buscando
elaborar suas estratégias de acordo.69
Neste sentido, ensinam Andrés Baytelman e Mauricio Duce:

Atual ou latente, o juízo oral é o coração de um sistema acusatório


e, tanto nas causas que terminam através dele, como naquelas em
paira como mera eventualidade, determina o que em todas elas
ocorre. Isso acontece porque o julgamento oral é sempre um direito
do acusado e, consequentemente, este sempre poderá rejeitar qual-
quer outra fórmula, através da qual o sistema pretenda restringir
seus direitos constitucionais. Então, todos os atores, em todas as

68
PRADO, Geraldo. Ob. cit., p. 155.
69
MONTES CALDERÓN, Ana. JIMÉNEZ MONTES, Fernando. Técnicas del Pro-
ceso Oral en el Sistema Penal Acusatorio Colombiano. Manual general para ope-
radores jurídicos. Bogotá: USAID / Programa de Fortalecimiento y Acceso a
la Justicia, 2005, p. 98.

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etapas, deverão ter em mente que a eventualidade do julgamento


é uma possibilidade sobre a qual ninguém além do acusado tem
o controle final e, consequentemente, deverão organizar seu de-
sempenho dentro do procedimento, como se cada causa pudesse
eventualmente ir a juízo.70

Portanto, toda a atuação no processo tem como base o juízo oral.


Os órgãos de persecução na fase da investigação e acusação formularão
proposições fáticas e coletarão elementos de prova que sejam sustentáveis
em um juízo oral futuro, ainda que este não venha a ocorrer.71 Da mesma
forma, a defesa em sua interação na fase de investigação ou mesmo na
fase postulatória buscará construir uma versão que seja sustentável em
um debate oral, visto que do que adianta qualificar uma testemunha na
investigação que não poderá depor em audiência no processo em razão
de um dever funcional de sigilo?
Ademais, essa perspectiva é importantíssima para fins de con-
trole dos atos processuais, pois a iminência de um juízo oral onde um
investigador poderá ser chamado a depor acerca de determinada irregu-
laridade na investigação já é suficiente para coibir ou ao menos diminuir
a incidência de tais práticas.72 É por isso que a perspectiva do juízo oral
funciona como verdadeiro direito fundamental das partes, sendo o único
meio constitucionalmente possível de desenvolvimento do litígio penal
que assegure com eficácia o direito das partes.73
A par da centralidade do juízo oral no sistema acusatório, torna-se
necessário agora analisar o modo de agir estratégico que exsurge dessa
nova realidade. Uma vez que o debate será travado de forma oral em au-
diência, é inevitável que a atuação das partes passe primeiramente por um

70
BAYTELMAN, Andrés; DUCE, Mauricio. Ob. cit., p. 16 (tradução livre).
71
“O desenho e elaboração da estratégia para abordar um caso penal se faz
tendo em conta a ocorrência de um juízo oral, que em muitos casos jamais
chegará a realizar-se. Isto porque são precisamente seus padrões de admissi-
bilidade, produção e valoração das provas e de fundamentação da sentença
os que determinarão o agir dos litigantes, tanto na etapa de investigação do
caso, como no próprio juízo em si.” (MORENO HOLMAN, Leonardo. Ob. cit.,
p. 31) (tradução livre).
72
MONTES CALDERÓN, Ana; JIMÉNEZ MONTES, Fernando. Ob. cit., p. 18.
73
BINDER, Alberto. Ob. cit., p. 68.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
692 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

estudo para que sejam potencializados os pontos positivos e minimizados


os negativos. É isto que será tratado no tópico seguinte.

4. A incorporação da visão estratégica no processo penal

Para tratar da noção de estratégia como elemento essencial para


o desenvolvimento do litígio penal é conveniente apresentar uma imagem
muito comum na prática forense. Um advogado, público ou particular,
realiza a entrevista privada com um cliente minutos antes de uma audiência
preparatória após tomar conhecimento da acusação, informando a ele que
naquele momento irá se limitar a negar as acusações de forma genérica.
Iniciada a audiência, o juiz responsável passa a palavra à acusação que
pergunta diretamente ao réu se seria culpado das imputações e o mesmo,
contrariando as expectativas do advogado, lhe responde que sim.
Note-se que há na figura ilustrativa tratada acima, mais comum
na prática do que se gostaria de admitir, mais do que uma falta de pre-
paro do defensor, conclusão quase que intuitiva, mas sim uma falta de
pensamento estratégico em relação ao processo. Ou seja, em nenhum
momento o defensor buscou definir uma linha de desenvolvimento
estratégico, ainda que parcial ou temporária, se limitando a pensar de
forma imediata e formalista. Ainda mais grave, deixou de questionar e
incorporar a visão do réu, maior interessado na causa, tornando a derrota
processual iminente.
Sendo assim, quando se pensa em um processo que será desen-
volvido a partir do diálogo entre as partes, sobretudo em audiências orais,
a noção de estratégia decorre como uma conclusão imediata.74
O fato é que a noção de estratégia sempre incomodou a nossa
cultura jurídica tradicional, pautada em uma noção inquisitiva de que o
processo serviria como instrumento de apuração da verdade. Para essa
concepção, como o juízo poderia ser uma questão estratégica? Ou o autor
cometeu o fato ou não cometeu. A ideia de estratégia processual soava
como algo pejorativo, sendo visto como uma forma de tentar ludibriar

74
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 31.

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o juiz em sua missão de averiguação dos fatos.75 O advogado estrategista


era tido como um profissional antiético, que buscava mascarar a verdade
induzindo testemunhas ou omitindo provas,76 da mesma forma o inves-
tigador com noções de estratégia era logo associado a um profissional
violador de direitos.
A grande questão é que, como visto, a verdade é relativa e reside
no passado. Ainda que se trate de um caso simples, sempre existirão de-
terminadas zonas de verdade que não se permitirão conhecer, tornando,
desta forma, o juízo penal um conjunto de versões fragmentadas, parciais
e distintas que apresentam, a seu modo, apenas uma faceta da verdade.
Desta forma, a apresentação dessas versões demanda um emprego estra-
tégico garantindo à parte que, com aquela visão da verdade, seja possível
obter o êxito processual.77
Para a concepção inquisitiva, as provas eram tidas como elementos
neutros que falavam por si próprias, cabendo ao juiz desvendar a verdade
por de trás. Todavia, sob a perspectiva adversarial do conflito, as provas
não falam absolutamente nada se dissociadas de uma versão ou de um
contexto proposto.78 Sendo assim, um revólver não passa de um revólver,
de modo que essa informação não é suficiente para vinculá-lo a qualquer
pretensão. Porém, ao contrário, se a apresentação desse elemento de prova

75
BINDER, Alberto. La fuerza de la oralidad. 2012. Publicado por INECIP -
Instituto de Estudios Comparados en Ciencias Penales y Sociales. Disponível
em: <http://inecip.org/wp-content/uploads/INECIP-Binder-La-fuerza-de-
-la oralidad.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2018, p. 4
76
Na concepção inquisitiva é comum conceber o advogado defensivo atuante
como um obstáculo, frequentemente rechaçado por juízes, promotores e de-
legados, quando muito criminalizados. Sobre o tema, há importante reflexão
de Geraldo Prado: “A incriminação da defesa criminal é ilegal. É também,
fundamentalmente, uma violação ao estado de direito. Flerta com o autorita-
rismo e namora firme o moralismo salvacionista. É de se esperar que a justiça
não lhe dê ouvidos… por outro lado não se deve negligenciar a pressão da
comunicação social e os propósitos políticos ocultos que sempre estiveram a
lhe inspirar.” (PRADO, Geraldo. Obstrução da injustiça: a irrenunciável comba-
tividade da defesa criminal. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.
com.br/2017/10/25/obstrucao-de-injustica-irrenunciavel-combatividade-
-da-defesa-criminal/.> Acesso em: 09 nov. 2017).
77
BAYTELMAN, Andrés. DUCE, Mauricio. Ob. cit., p. 30.
78
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 24.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
694 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

é associado a um relato de que o revólver estaria na posse de determinada


pessoa, somando-se outras provas que venham a suprir o standard exigi-
do,79 é possível dotá-la de carga probatória para, por exemplo, imputar
um crime de porte ilegal de arma de fogo a determinada pessoa.
Neste sentido, quando se aponta que a forma de litigar em juízo
passa por uma noção de estratégia, não se está defendendo uma receita
para enganar o juízo a partir de versões cativantes, mas sim se defende
que o tribunal tenha alguma chance de decidir o litígio com base nas
informações sobre o que de fato aconteceu. Assim sendo, demanda-se
das partes que apresentem versões suficientemente claras, coerentes e
comprometidas com os fatos e provas, capazes de transmitir ao julgador
a convicção de que se trata da versão mais fidedigna e que, desta forma,
merece ser acolhida.80
É desta forma que a noção de estratégica exsurge como uma rea-
lidade diante da perspectiva do conflito. É como ensina Moreno Holman,
“as técnicas de litigância são o melhor instrumento mediante o qual o
litigante pode transmitir uma mensagem ao julgador de uma maneira
eficiente e eficaz a fim de lograr na formação de sua convicção.”81
Assim sendo, pode-se dizer que a noção de estratégia processual
não é exclusiva do sistema adversarial a ponto de ser incompatível com
sistemas mistos, sendo uma realidade presente em qualquer sistema de
justiça que congregue um mínimo de debate processual entre as partes.
Estar minimamente preparado para o diálogo, antevendo perguntas ou
preparando respostas, já representa uma dimensão básica de preparação
metodológica para o caso, especialmente em um contexto de relações
sociais e práticas criminais cada vez mais rebuscadas e complexas que
tornam o emprego retórico dos elementos de prova quase que inevitável.
É importante ressaltar desde já que a noção de atuação adversa-
rial, notadamente de forma estratégica, exige a afirmação de um equilí-
brio entre as partes, de modo que a acusação e defesa deverão estar em

79
NICOLITT, André; BARILLI, Raphael Jorge de Castilho. Standards de prova
no Direito – debate sobre a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janei-
ro. Boletim do IBCcrim, São Paulo, a. 26, n. 302, 2018, p. 6-9. p. 6.
80
MONTES CALDERÓN, Ana; JIMÉNEZ MONTES, Fernando. Ob. Cit., p. 99.
81
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 27. Tradução livre.

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igualdade de condições para apresentarem suas versões. Nesse sentido,


será imprescindível que o ordenamento processual disponha de regras
voltadas à paridade de armas, evocada como premissa fundamental de
um julgamento justo.82
Basicamente se pode dividir essas regras em duas grandes cate-
gorias jurídicas. De um lado estariam aquelas voltadas ao controle dos
comportamentos processuais das partes e do juiz, ligadas às noções de
ética e boa-fé, e de outro lado estariam as normas voltadas à legalidade
das provas, chamadas no direito anglo-saxão de exclusionary rules.83
O chamado Discovery seria justamente a confluência dessas duas
grandes categorias, buscando assegurar o equilíbrio entre as partes e a
produção de um conhecimento válido do ponto de vista da verificabili-
dade com os fatos. Nesse sentido, as medidas de descoberta das fontes
da prova buscam providenciar de forma eficaz que uma das partes tome
conhecimento das provas que a outra pretende produzir e de como as
obteve, podendo controlar sua legalidade, utilizando-as de forma adequada
ao seu próprio relato.84
O funcionamento das regras de Discovery depende da estrutura-
ção do procedimento penal, devendo viabilizar o controle dialético pelas
partes acerca da atividade probatória do adversário, além do destacado
papel do juiz na fiscalização da regularidade procedimental, sem se arvorar
na atividade probatória em si, de modo que a jurisdição seja concebida
como tutela do ordenamento jurídico. A concepção de litigância estra-
tégica depende, pois, da afirmação de um espaço digno onde as partes
possam atuar de forma equilibrada e eticamente aceitável, contribuindo
para a produção do conhecimento, sem que possa, portanto, ser asso-
ciada a qualquer meio de atuação indevida que busque enganar o juiz ou
afastá-lo da verdade.
Quanto ao momento de atuação estratégica, torna-se relativamente
fácil enxergar a necessidade de desenvolvimento estratégico quando pensado

82
PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da
cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial
Pons, 2014, p. 49.
83
Ibidem, p. 52.
84
Ibidem, idem.

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696 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

o juízo oral. A forma como uma testemunha será inquirida ou se determinada


mídia eletrônica será ou não reproduzida diante do julgador demonstra a
importância de se ter um pensamento estratégico durante a audiência, pois,
por ser o centro do julgamento, um descuido sequer como o mencionado no
exemplo inicial pode representar a derrota processual. Sendo assim, o mo-
mento da exposição oral é sem dúvida o epicentro de todo o planejamento.85
Entretanto, isso não quer dizer que não haja planejamento em
outros momentos do processo. De fato, desde o primeiro contato com os
autos, as partes devem estruturar a sua atuação por meio de considerações
estratégicas, tendentes a determinado objetivo. Isto garantirá um melhor
aproveitamento de cada etapa processual, elaborando-se as versões de
forma cuidadosa, priorizando-se os pontos fortes e eliminando-se os pontos
fracos, garantindo que a parte chegue mais bem preparada ao juízo oral.86
Ademais, essa necessidade torna-se ainda mais evidente em relação
aos órgãos encarregados da persecução penal, posto que desde o primeiro
momento da investigação criminal, iniciada seja por meio de uma prisão
em flagrante, seja pela comunicação da vítima, o titular da investigação
criminal deverá conduzir os atos de modo a viabilizar determinada versão
sobre os fatos que será apresentada em um juízo oral futuro. Dessa for-
ma, é possível que durante o inquérito haja diversas histórias possíveis,
todavia, a medida em que a investigação venha a progredir, estas versões
serão submetidas a testes de verificação e consistência, até que se chegue
a uma hipótese mais provável.87
Sendo assim, a noção de estratégia é que irá conferir ao investigador,
ou mesmo ao defensor em sua investigação privada, a compreensão de que
se deve atuar desde o primeiro momento do litígio de maneira planejada,
formulando-se as proposições fáticas de acordo com a história que se deseja
contar, coletando-se os elementos de prova que corroborem a sua visão acerca
do litígio. Sendo assim, a dinâmica do processo penal exige das partes que
se passe por cada etapa processual com uma estratégia, desenho ou plane-
jamento metodológico, aumentando-se, desta forma, as chances de êxito.88

85
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ob. Cit., p. 81.
86
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 29.
87
Ibidem, p. 30.
88
BENAVENTE CHORRES, Hesbert. Ob. Cit., p. 393.

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Como deixou-se transparecer, a versão do caso que será afirmada


no processo não nasce pronta e acabada, carecendo de um desenvolvimen-
to por meio de testes de verificação e consistência à medida em que os
elementos de prova são coletados. Desta forma, se as investigações de um
crime de homicídio apontam para determinado suspeito que durante a fase
preliminar apresenta um álibi consistente que o retira da cena do crime,
será necessário que o relato se modifique para, por exemplo, conceber
uma possível autoria mediata, permitindo, desta forma, a sobrevivência
do conjunto até então produzido.
É por isso que uma das principais características do pensamento
estratégico no processo penal é a sua adaptabilidade, permitindo que se
construa com base em elementos modificáveis segundo a evolução do
caso, o que garantirá sua longevidade.89 Ademais, é possível, inclusive,
conceber-se mais de uma versão sobre o caso, revelando-se uma ou outra
a depender do momento processual.
Neste sentido, ensina Kimberly A. Thomas:

Em outras palavras, a teoria do caso é fluida e contextual. Deve


ser entendida como relevante no somente para o julgamento,
mas também durante as negociações, fase preliminar e ainda no
trabalho de transação. Ademais, uma determinada situação legal
pode apresentar mais de uma “teoria do caso”. Acordos de barga-
nha processual podem envolver uma teoria do caso baseada em
temas acerca da culpabilidade e remorso, enquanto argumentações
futuras em audiência podem desenvolver um tema de excesso po-
licial, e após no julgamento pode-se focar em uma teoria do caso
diferente que vise diminuir a culpabilidade do acusado. Advogados
cuidadosos irão desenvolver cada teoria do caso com um olho nas
demais que serão apresentadas durante o caso para evitar contra-
dições que minem a credibilidade da teoria do caso. No entanto,
dentro desta limitação, o advogado e seu cliente devem crer que
cada estágio do processo tem um objetivo distinto e uma teoria
do caso específica, e algumas vezes distinta deve ser desenvolvida
para atingir cada objetivo. .90

89
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 36.
90
THOMAS, Kimberly A. Sentencing: Where Case Theory and the Client Meet.
Michagan, Clinical L. Rev., v. 15, n. 1, 2008, p. 187-210. p. 190 (tradução livre).

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698 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Particularmente em relação à defesa, duas recomendações são


necessárias. Em primeiro lugar, a adaptabilidade nos parece ainda mais
relevante quando pensamos na defesa, visto que muitas vezes busca-se
adotar uma postura reativa, ou seja, priorizando reagir às investidas da
acusação. Desta forma, é muito comum haver situações que possam sur-
preender o advogado defensivo, devendo estar sempre preparado para
modificar o seu relato a medida em que tais situações ocorrem.91
Além disso, é fundamental que se incorpore à estratégia de defesa
a visão do réu. Pois, apesar de parecer óbvio, muitas vezes os advogados
de defesa simplesmente impõem a ideia que acham mais relevante acerca
do caso sob o ponto de vista técnico sem ao menos considerar as expec-
tativas do seu cliente, dando margem a situações como a cena retratada
linhas atrás. Sendo assim, o diálogo franco entre advogado de defesa e
cliente irá resultar em uma versão sobre o caso que reflita as pretensões
técnicas do advogado, mas também as expectativas emocionais do cliente,
ganhando em solidez e credibilidade.92
Por fim, cumpre ressaltar a necessidade de um desenvolvimento
metodológico e estruturado no tratamento estratégico do processo. Por
mais que muitas vezes apostemos no faro ou intuição, muito comum para
advogados e investigadores experientes, nada substitui a organização
quando o assunto é ação de resultado. Não só ajuda a minimizar os erros
e ações desnecessárias, como também auxilia a aumentar o rendimento.
É por isso que a atuação estratégica não pode ser deixada ao improviso,
exigindo um desenvolvimento ordenado, com estrutura, constantemente
avaliando riscos e resultados.
É como ensinam Andrés Baytelman e Mauricio Duce:

O juízo oral é vertiginoso e não reserva nenhuma piedade para


os advogados que não saibam exatamente o que devem fazer no
momento oportuno. Confiar e abandonar-se à intuição e ao talen-
to é um erro, que em geral acaba em uma sentença desfavorável
para o advogado que confiou que poderia improvisar sobre o
procedimento. Grande parte da “arte” do litígio, em um juízo oral,
consiste em técnicas que podem ser aprendidas do mesmo que se

91
MORENO HOLMAN, Ob. Cit., p. 37.
92
THOMAS, Kimberly A. Ob. Cit., p. 193.

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aprende qualquer outra disciplina. É certo que seus resultados nem


sempre gozam da mesma precisão, entretanto isso não desmente
o fato de que a arte de ser um bom litigante possa ser adquirida e
transmitida. Conhecer e utilizar essas técnicas nos proporcionará
uma base sólida para formular as decisões intuitivas que o juízo
oral, de todo modo, demandará de nós.93

Considerações F inais

Diante de tudo que foi exposto, pretendeu-se com essa breve


exposição apontar inicialmente para o descompasso que a concepção
punitivista, pautada por uma epistemologia inquisitiva e autoritária,
produz em relação ao diálogo entre as partes. Para este modelo, o debate
oral é algo desnecessário, pois não há nada que possa ser trazido através
deste que já não esteja nos autos, e que deve ser evitado, pautando-se o
processo por meio de procedimentos escritos, tomando a formalidade e
a burocratização como verdadeiras garantias de racionalidade processual.
Apesar de ser essa a realidade da maioria dos países da América
Latina, há hoje uma forte tendência em superar essa conjuntura, que passa
necessariamente pela afirmação da oralidade como centro metodológico
do sistema acusatório.94 Disso resulta a tendência adversarial de ser um
processo pautado pelo litígio entre as partes.
A noção de estratégia processual deixa de ser algo pejorativo,
associado à práticas de encobrimento da verdade para ser uma realidade
processual de preparação metodológica. Como visto, em sendo a verdade
insusceptível de plena retratação, eis que reside no passado, o juízo penal
acaba por se tornar um conjunto de versões em conflito, que deverão
ser elaboradas de forma ordenada pelas partes, devendo apresentar uma
relação de verificabilidade com os fatos para que possam ser sustentadas
e assumidas como razão de decidir pelo juiz.

93
BAYTELMAN, Andrés; DUCE, Mauricio. Ob. cit., p. 32 (tradução livre).
94
BINDER, Alberto. La fuerza de la oralidad. 2012. Publicado por INECIP - Ins-
tituto de Estudios Comparados en Ciencias Penales y Sociales. Disponível
em: <http://inecip.org/wp-content/uploads/INECIP-Binder-La-fuerza-de-
-la oralidad.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2018, p. 6.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
700 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Nesse contexto, a preparação estratégica é essencial para a for-


mação de tais versões, não representando qualquer meio de ludibriar
ou enganar o julgador. Uma vez que possui como premissas o equilíbrio
entre as partes e a atuação ética, devidamente assegurados por regras de
comportamento processual e controle dos meios de prova, a ser realizado
tanto pelo juiz, quanto pelas partes, a atuação estratégica não representa
qualquer falta de compromisso com a verdade. O desenvolvimento estraté-
gico, que deve ser observado desde o primeiro contato com os autos e não
só nas audiências, representa uma ferramenta essencial em um contexto
de litigância processual moderno, sobretudo realizado de forma oral.
Para a afirmação de tal modelo, alguns apontamentos são
importantes:

▪▪ Em primeiro lugar, a oralidade não representa oratória, alu-


dindo-se à suposta habilidade que as partes acreditam ter
mais ou menos que outras. O que se pretende é a afirmação
de um novo sistema de administração da justiça, que passa da
simples gerência de petições escriturais a uma administração
pautada no litígio.
▪▪ A construção do caso passa a se dar de forma essencialmente
oral, ou seja, a produção dos elementos empíricos (fatos e
provas) obrigatoriamente se dá em audiência.
▪▪ Essa nova realidade demandará necessariamente a multi-
plicação de audiências em nível normativo, divididas em
razão da matéria e do momento processual (p.ex., audiência
inicial referente ao recebimento da denúncia; audiência de
conciliação; audiência de instrução entre outras), sem esque-
cer dos princípios da concentração, imediação e identidade
física do juiz.
▪▪ A noção de litigância estratégia deve ser entendida como
planejamento metodológico e não como mera intuição ou
habilidade. Sendo assim, exige-se uma atuação estruturada
ao longo de todo o processo, tendo como objetivo final a
apresentação de uma versão acerca dos fatos no processo.
▪▪ Por fim, é impensável assumir essas novas características
sem um aprofundamento na formação dos profissionais que

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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.150 | 701

atuam no processo.95 Desta forma, será necessário fomentar


a elaboração de manuais de estratégia processual, além de
laboratórios de argumentação e persuasão nas universidades,
dando condição para que esta finalidade de resolução de
litígios se torne algo concreto e efetivo.

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Acesso em: 16 jan. 2018.

95
Sobre o desenvolvimento de estudos no campo da litigância oral, há interes-
sante experiência na Escuela de Derecho da Universidad Diego Portales no
Chile, onde os alunos recebem treinamento e instrução acerca do conjunto
de técnicas que devem ser exploradas no desenvolvimento do juízo oral, tais
como: abertura do juízo oral e apresentação do caso, preparação das testemu-
nhas, exame e contra-exame das testemunhas e peritos, alegações finais entre
outros. O referido programa se consolidou como um marco da diplomação
que a escola oferece, “Reforma Procesal Penal, Juicio Oral y Litigación.” Re-
latado em: BAYTELMAN, Andrés; DUCE, Mauricio. Litigación penal en juicios
orales. Santiago de Chile: Universidad Diego Portales. RiL editores, 2000. p. 14.

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
704 | Barilli, Raphael Jorge de Castilho.

Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): Agradeço ao estimado profes-


sor Flávio Mirza Maduro e a todo o Programa de Pós-Graduação
em Direito Processual da UERJ, pela contribuição com os debates
onde foram tratados vários dos temas desenvolvidos neste traba-
lho; e ao estimado professor Geraldo Prado pela revisão crítica
do manuscrito, além das inúmeras orientações que possibilitaram
a conclusão do trabalho.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
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Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 27/03/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
▪▪ Avaliação 1: 17/04/2018 ▪▪ Editora-associada: 1
▪▪ Avaliação 2: 22/04/2018 (LBW)
▪▪ Avaliação 3: 30/04/2018 ▪▪ Editor-assistente: 1
(ADR)
▪▪ Decisão editorial preliminar: 01/05/2018
▪▪ Revisores: 3
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 15/05/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar 2: 20/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 2: 21/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 22/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


BARILLI, Raphael Jorge de Castilho. A centralidade do juízo oral no Sistema
Acusatório: uma visão estratégica acerca do caso penal. Revista Brasileira
de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai./ago.
2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.150

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 669-705, mai.-ago. 2018.
Fundamentos de
Direito Processual Penal

Fundamentals of
Criminal Procedure
A flexibilização da legalidade no Supremo Tribunal
Federal: o caso da execução da condenação sujeita a
apelos extremos

Flexibility of legality in the Supreme Court’s case-law: enforcing


criminal sentences pending judgement before high courts

Heloisa Estellita1
Fundação Getúlio Vargas (FGV/DIREITO) – São Paulo/SP
[email protected]
lattes.cnpq.br/6516595843549222
orcid.org/0000-0002-5054-4116

Resumo: O instrumentalismo e a flexibilização das normas jurídicas que


reinam, hoje, em nossa cultura jurídica, especialmente em seu com-
ponente jurisprudencial, criam desigualdade e insegurança. O caso da
execução da condenação sujeita a apelos extremos retrata os métodos
para isso utilizados e comprova que seu produto é a denegação de
igualdade e segurança aos jurisdicionados. O artigo analisa, essencial-
mente, os argumentos utilizados no julgamento do HC 126.292/STF
para evidenciar esse quadro.
Palavras-Chave: Execução penal; presunção de inocência; legalidade.

Abstract: The instrumentalism and flexibility of the legal norms that prevail
today in our legal culture, especially in its jurisprudential component, create
inequality and insecurity. The case of the enforcement of a criminal sentence

1
Agraciada com a Humboldt Research Fellowship para realização de Pós-douto-
rado na Alemanha, na Ludwig-Maximilians-Universität de Munique e na Uni-
versidade de Augsburg (2015-2017), em cooperação com a CAPES. Doutora em
Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2004). Mestre em Direito (UNESP,
2001). Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de
Coimbra, 2001). Professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e
coordenadora do Grupo de Ensino e Pesquisa em Direito Penal Econômico na
mesma instituição. 

709
710 | Estellita, Heloisa.

pending judgement before high courts depicts the methods for this sake
and proves that its outcome is the denial of equality and security. This essay
deals with the arguments developed on the adjudication of HC 126.292 by
the Brazilian Supreme Court in order to corroborate its findings.
Keywords: service of the sentence; presumption of innocence; legality.

Sumário: Introdução; 1. Os argumentos vencedores no julgamento do


HC 126.292; 2. Crítica; 3. O papel da sorte na vida dos condenados
precariamente: insegurança e desigualdade; Conclusão; Referências.

Introdução

Já se denunciou entre nós o instrumentalismo e a flexibilização


das normas jurídicas que reinam, hoje, em nossa cultura jurídica, espe-
cialmente em seu componente jurisprudencial, e, dentro dele, a contri-
buição dada pelo Supremo Tribunal Federal para esse estado de coisas.
Enquanto Streck, por exemplo, denunciava que o slogan, segundo o qual
não deveríamos mais alimentar um “apego à letra fria da lei”, levou a
um movimento de “decido de acordo com a minha consciência”,2 Reis
criticava a falta de clareza quanto aos critérios utilizados para “superar
regras”, que resulta em redução da capacidade dogmática e jurisprudencial
de orientar condutas e reduzir incertezas,3 redundando, como pretendo
demonstrar, em uma aplicação desigual das normas jurídicas.
Os métodos comumente empregados para essa flexibilização das
regras jurídicas são (a) a cisão entre regras e princípios e a invocação
ilimitada destes, permitindo-se, assim, uma abertura de sentido a ser
“preenchida e/ou produzida pelo intérprete”,4 que culmina em uma in-

2
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme a minha consciência? 4.
ed. ele. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 38.
3
REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo ju-
rídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contemporâneo,
v. 11, p. 213–238, 2017, p. 217, embora se refira ao direito civil, o fenômeno
repete-se no direito penal.
4
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme a minha consciência? 4.
ed. ele. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 58.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.141 | 711

controlável ponderação de interesses e apelo a “razões substanciais” em


oposição às “meramente formais”, que chegam a ser objeto de desdém;
(b) a criação judicial de cláusulas gerais; (c) a confusão entre o ser e o
dever-ser atribuindo-se a argumentos de fato o caráter derrogatório de
normas jurídicas; e (d) o estabelecimento de distinguishings não con-
templados na lei.
O emprego desses métodos resulta em uma “carta branca” aos
magistrados, utilizada para esconder o fato de que, com frequência,
decidem de acordo com suas convicções pessoais ligadas estritamente
ao caso concreto,5 o que redunda em uma concepção arriscada do ponto
de vista institucional e “incontrolável do ponto de vista dogmático, pois
produz todo tipo de incerteza quanto ao direito vigente”.6
Far-se-á hoje o papel que Leite fez relativamente à invocação da
teoria do domínio do fato no julgamento da AP 470, porque se crê, com
ele, que “o papel de crítica às decisões judiciais” é uma tarefa primordial
da ciência jurídica.7 Para isso, será utilizado o caso da admissibilidade do
cumprimento da pena sem condenação definitiva tal qual apreciado no

5
Cf. REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialis-
mo jurídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contem-
porâneo, v. 11, p. 213–238, 2017, p. 230; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto
- decido conforme a minha consciência? 4. ed. ele. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 89-90: “Por isso, merecem especial cuidado as decisões
que lançam mão especialmente da ‘razoabilidade’ (com ou sem ‘ponderação
de valores’), argumentação que se transformou em autêntica ‘pedra filosofal
da hermenêutica’ a partir desse caráter performativo. Excetuando os casos
em que, teleologicamente, decisões calcadas na ponderação de valores po-
dem ser consideradas corretas ou adequadas à Constituição (o que por si só
já em um problema, porque a interpretação não pode depender dessa ‘loteria’
de caráter finalístico), a maior parte das sentenças e acórdãos acaba utilizan-
do tais argumentos como um instrumento para o exercício da mais ampla
discricionariedade (para dizer o menos) e o livre cometimento de ativismos”.
6
REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo ju-
rídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contemporâneo,
v. 11, p. 213–238, 2017, p. 230.
7
LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade
penal por fatos de terceiros. Os conceitos de autor e partícipe na AP 470 do
Supremo Tribunal Federal. In: GRECO, Luís [et al.]. Autoria como domínio
do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal
brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 123–168, p. 124.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
712 | Estellita, Heloisa.

julgamento do HC 126.292 pelo Supremo Tribunal Federal (adiante, STF),8


utilizando-se as técnicas da pesquisa bibliográfica, documental e de análise
de conteúdo, procedendo-se da seguinte forma: serão apresentados os
principais argumentos vencedores empregados no julgamento do habeas
pelo (STF) para proceder a um giro de cento e oitenta graus relativamente
ao entendimento anterior da corte na mesma matéria (abaixo 1), os quais
serão, então, submetidos, um a um, a críticas sob os pontos de vista do
instrumentalismo e da flexibilização das normas jurídicas (abaixo 2), o
que permitirá comprovar que resultam em denegação de segurança e de
igualdade aos jurisdicionados (abaixo 3), a evidenciar o papel que a dog-
mática pode desempenhar para o alcance desse desiderato (conclusão).

1. Os argumentos vencedores no julgamento do HC 126.292

Até 2016, o acórdão-paradigma era o proferido no julgamento


do HC 84.078, de 2009, no qual o plenário do STF decidiu ser incons-
titucional a “execução antecipada da pena” por violação ao disposto
nos arts. 5o, LVII, e 1o, III, CF.9 Em 17 de fevereiro de 2016, porém,
o mesmo órgão decidiu, por maioria, que a “execução provisória de
acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que
sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o prin-
cípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo
5º, inciso LVII da Constituição Federal”10. Segundo este dispositivo

8
Até 3 de março de 2018, data de submissão deste texto à RBDPP, este ha-
beas representava o precedente fundamental na matéria e por essa razão são
analisados os argumentos utilizados pela Corte naquela ocasião. Devolvido o
texto para revisão e complementação, sobreveio o julgamento, pelo Plenário,
do HC 152.752, realizado em 22 de março de 2018, no qual a Corte mante-
ve o mesmo entendimento, apesar da mudança de posição do Min. Gilmar
Mendes. O acórdão deste último habeas encontra-se pendente de publicação
na data desta revisão (18/04/2018), razão pela qual não foi contemplado
no texto. Não obstante, a tomar pela notícia divulgada no sítio eletrônico da
Corte (http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu-
do=374437, acesso em 18/04/2018), o novo entendimento do Min. Gilmar
Mendes segue a linha já contemplada neste artigo, no item 3, infra.
9
Julgado em 05/02/2009, publicado no DJe 28/02/2010.
10
STF, HC 126.292, Plenário, DJe 17/05/2016. Vencidos os Mins. Rosa Weber,
Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

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constitucional “ninguém será considerado culpado até o trânsito em


julgado de sentença penal condenatória”.11
Como se extrai do voto condutor e daqueles que seguiram seu en-
tendimento, os argumentos utilizados demonstram justamente o emprego
dos métodos acima apontados para contornar a legalidade democrática
em matéria penal. Sintetizo-os:
a) a questão seria a de determinar o alcance de um princípio e,
então, proceder à ponderação entre o princípio da presunção de inocência
e o da efetividade da função jurisdicional penal,12 ou da duração razoável
do processo,13 tendo em conta que os direitos e garantias individuais não
são absolutos, nem ilimitados, devendo-se distinguir princípios de regras,
prestigiando-se a credibilidade da justiça;14
b) o princípio da presunção de inocência se reduziria a uma regra
sobre a distribuição do ônus da prova, válido somente ali onde ainda haja
meio recursal que permita reexame de fatos e provas;15 ou seja, a partir
da segunda instância haveria uma “justificável relativização e até mesmo
a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de
inocência até então observado”; 16
c) a autorização legislativa para que a sentença condenatória
sujeita a apelos extremos surta efeitos extrapenais justificaria o mesmo
tratamento quanto aos efeitos penais, embora a Lei da Ficha Limpa (LC
135/2001), art. 1o, I, “consagra como causa de inelegibilidade a existência
de sentença condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas
por órgão colegiado. É dizer, a presunção de inocência não impede que,

11
Sobre seu desenvolvimento no âmbito da proteção de direitos humanos, cf.:
SUXBERGER, Antonio H.; AMARAL, Marianne G. A execução provisória da
pena e sua compatibilidade com a presunção de inocência como decorrência
do sistema acusatório. Revista de Direito Brasileira, v. 16, n. 7, p. 186–210,
2017, p. 191 ss.; também, AMARAL, Augusto J.; CALEFFI, Paulo S. Pré-o-
cupação de inocência e execução provisória da pena: uma análise crítica da
modificação jurisprudencial do STF. Revista Brasileira de Direito Processual
Penal, v. 3, n. 3, p. 1073–1114, 2017. p. 1097 ss.
12
STF, HC 126.292, p. 4.
13
Idem, p. 22, 35 ss. e 47 ss.
14
Idem, p. 37 ss.
15
Idem, p. 8-9.
16
Idem, p. 10.

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714 | Estellita, Heloisa.

mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza


efeitos contra o acusado”;17
d) o apego à escolha da linguagem constitucional, que decidiu
empregar termo com definição técnica estabilizada (“trânsito em julgado
da sentença condenatória”), seria um “apego à literalidade”, 18 fruto de
“leitura apressada da literalidade”19, expressão de um “formalismo estéril”;20
e) uma série de argumentos de fato ou ligados às mazelas do
sistema recursal infraconstitucional ou da regulação igualmente infra-
constitucional da prescrição, como a de que a “presunção de inocência”
“tem permitido e incentivado, em boa medida, a indevida e sucessiva
interposição de recursos das mais variadas espécies, com indisfarçados
propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da prescrição
da pretensão punitiva ou executória”;21 ou que os apelos extremos não
interrompem a prescrição (art. 117, IV, do CP);22 ou o de que o enten-
dimento de 2009 teria servido para “agravar o descrédito do sistema de
justiça penal junto à sociedade”, pois conduz à “massiva prescrição”, o
que causa “deletéria sensação de impunidade”.23 Esses argumentos de fato
implicariam uma “mutação constitucional”, segundo a qual a realidade
muda a Constituição, sendo que argumentos pragmáticos permitem ao
magistrado uma atuação criativa;24 ou mesmo que decida o que seria o
“sentimento constitucional”.25

17
Idem, p. 68.
18
Idem, p. 21, 25.
19
Idem, p. 35.
20
Idem, p. 46.
21
Idem, p. 17, 65.
22
Idem, p. 18, 46 ss., 59.
23
Idem, p. 34.
24
Idem, p. 35 ss., 49 ss.
25
Idem, p. 60. Há outros argumentos: esse princípio (da presunção de ino-
cência) favorece um indevido “agigantamento os afazeres” do STF (p. 21);
a jurisprudência de 2009 incentivou a interposição de recursos, o número
de Recursos Extraordinários providos a favor de réus é irrisório (1,5%) e as
decisões absolutórias não chegam a 0,1% do total (p. 32-33); só os réus abas-
tados têm condições de recorrer em liberdade e abusar dos meios recursais
(p. 33-34); “os mecanismos legais destinados a repelir recursos meramente
protelatórios são ainda muito incipientes” (p. 24, 49 ss.).

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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Esses os argumentos que me parecem centrais.26 Há outros que


merecem ao menos um registro. Fez-se um apelo à empatia dos demais
magistrados, pois a vedação da execução provisória após o julgamento
de segundo grau indicaria uma “presunção absoluta de desconfiança às
decisões provenientes das instâncias ordinárias”.27 Houve confusão entre
prisão processual e cumprimento de pena (no sistema penitenciário)28.
Ventilou-se um projeto de intervenção político-criminal, pois a “execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação
pode contribuir para um maior equilíbrio e funcionalidade do sistema
de justiça criminal”29. Há argumentos conflitantes com a conclusão: “Em
suma, a presunção de não culpabilidade é um direito fundamental que
impõe o ônus da prova à acusação e impede o tratamento do réu como
culpado até o trânsito em julgado da sentença”30. Propôs-se a relativiza-
ção do instituto da coisa julgada, já que recursos extremos não teriam
vocação para fazer justiça no caso concreto, daí sua excepcionalidade;31
por isso é que haveria uma “coisa julgada singular” derivada do fato de
que nos apelos excepcionais não se discutiria mais prova, havendo, assim,

26
Alguns desses argumentos encontram eco, por exemplo, em: SUXBERGER,
Antonio H.; AMARAL, Marianne G. A execução provisória da pena e sua
compatibilidade com a presunção de inocência como decorrência do sistema
acusatório. Revista de Direito Brasileira, v. 16, n. 7, p. 186–210, 2017, passim.
27
STF, HC 126.292, p. 25: “Se afirmamos que a presunção de inocência não
cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um
acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores
de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à
qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos
a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança
às decisões provenientes das instâncias ordinárias”.
28
Idem, p. 37. Novamente na p. 39: “Não há dúvida de que a presunção de
inocência ou de não-culpabilidade é um princípio, e não uma regra. Tanto
é assim que se admite a prisão cautelar (CPP, art. 312) e outras formas de
prisão antes do trânsito em julgado. Enquanto princípio, tal presunção pode
ser restringida por outras normas de estatura constitucional (desde que não
se atinja o seu núcleo essencial), sendo necessário ponderá-la com os outros
objetivos e interesses em jogo”. Também p. 67.
29
Idem, p. 51.
30
Idem, p. 71.
31
Idem, p. 23.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
716 | Estellita, Heloisa.

uma parcial “imutabilidade” própria do trânsito em julgado32. Por fim,


referiu-se que outros sistemas jurídicos não suspendem a execução da
pena após o esgotamento do duplo grau de jurisdição.33
A crítica aos argumentos centrais do novo entendimento evi-
denciará por qual razão é este um “caso” paradigmático das referidas
flexibilização e instrumentalização das normas jurídicas.

2. C rítica

A leitura do acórdão frustra aquele que ali busca a esperada dis-


cussão acerca do sentido literal possível da expressão “trânsito em julgado
da sentença condenatória”, escolhida por nada menos que o Constituinte.
As referências feitas a esse ato processual, ao contrário do que seria de se
esperar, não buscam discutir seu possível sentido jurídico, mas propor sua
relativização com base em juízos de ponderação com outros princípios
constitucionais, tachando de “formalismo estéril” o respeito ao sentido
possível de expressão que pertence à linguagem técnica do Direito, estável
em nossa tradição jurídica e que foi selecionada pelo poder de maior hie-
rarquia democrática, a Assembleia Constituinte.34 Parafraseando Ávila, o

32
Idem, p. 59, o qual tem o mérito de, ao menos, de registrar conhecimento acerca
do sentido técnico da expressão trânsito em julgado da sentença condenatória.
33
Idem, p. 12, 69. O enfrentamento desse argumento em AMARAL, Augusto J.;
CALEFFI, Paulo S. Pré-ocupação de inocência e execução provisória da pena:
uma análise crítica da modificação jurisprudencial do STF. Revista Brasileira de
Direito Processual Penal, v. 3, n. 3, p. 1073–1114, 2017, p. 1085 ss.; chama atenção
a divergência entre o que consta do voto e a disciplina portuguesa (cf. p. 1086).
34
Trata-se aqui de uma condição de comunicação entre constituinte e aplicador
da lei, cuja traição pode criar um “descompasso entre a previsão constitu-
cional e o direito constitucional concretizado” (ÁVILA, Humberto. Teoria
dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 33-34). Assim, “Compreender ‘provisória’ como
permanente, ‘trinta dias’ como mais de trinta dias, ‘todos os recursos’ como
alguns recursos, ‘ampla defesa’ como restrita defesa, ‘manifestação concreta
de capacidade econômica’ como manifestação provável de capacidade econô-
mica, não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo,
menosprezar seu sentido mínimo” (idem, p. 34). Sobre o limite semântico e
seu papel fundamental na democracia, cf. STRECK, Lenio Luiz. Os limites
semânticos e sua importância na e para a democracia. Revista da AJURIS, v.
41, n. 135, p. 173–187, 2014, passim.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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STF não pode compreender o “até o trânsito em julgado de sentença penal


condenatória” como até o julgamento da apelação, ou, como pretendem al-
guns magistrados (cf. infra), até o julgamento do recurso especial. É verdade
que o Constituinte usou a expressão, mas não a conceituou. Também é
verdade que essa conceituação está hoje lançada em instrumento legislativo
infraconstitucional35. Considere-se, porém, que se trata de expressão que
tem sentido técnico anterior à Constituição,36 o que permitiria pensar que
o constituinte a empregou precisamente nesse sentido, o qual, ademais,
permanece inalterado até o presente momento.37
Por outro lado, parece que o enunciado do art. 5o, LVII, CF, contém
uma regra. Como afirmou o Min. Sepúlveda Pertence, ele parece veicular
uma “regra constitucional de que ninguém será considerado culpado antes
que transite em julgado a condenação”,38 e não (apenas) um mandado de
promoção gradual;39 ao menos não no que diz respeito ao termo inicial

35
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (antiga LICC), art. 6º, § 3º.
Cf. SUXBERGER, Antonio H.; AMARAL, Marianne G. A execução provisória
da pena e sua compatibilidade com a presunção de inocência como decorrên-
cia do sistema acusatório. Revista de Direito Brasileira, v. 16, n. 7, p. 186–210,
2017, p. 195; também BADARÓ, Gustavo Henrique; LOPES JÚNIOR, Aury.
Presunção de inocência: do conceito de trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. 2016. Disponível em: <emporiododireito.com.br/wp-content/
uploads/2016/06/Parecer_Presuncao_de_Inocencia_Do_concei.pdf> Aces-
so em: 20 fev. 2018, p. 17-18.
36
O dado pela LICC, que é de 1942, e foi mantido mesmo com a reforma que
passou a denomina-la Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que
é de 1942.
37
A alteração da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro pela Lei
12.376/2010 manteve intacta a definição.
38
STF, HC 69964, DJ 01/07/1993, fl. 275.
39
“As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como pres-
crevem o comportamento. As regras são normas imediatamente descritivas,
na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições median-
te a descrição da conduta a ser cumprida. Os princípios são normas imedia-
tamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas cuja promoção
gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamentos a ela
necessários. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a
determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao posso que
característica dianteira das regras é a previsão do comportamento” (ÁVILA,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurí-
dicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 167-168).

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de incidência das consequências penais da norma incriminadora, ou


seja, a execução da pena.40 Regras “expressam deveres definitivos e são
aplicadas por meio de subsunção”, não dependem de sopesamento entre
princípios colidentes para serem aplicadas, uma característica justamente
dos princípios.41 No caso da regra constitucional que examinamos, trata-se
de saber se, no caso concreto, há, ou não, uma sentença condenatória
transitada em julgado, que é o marco a partir do qual uma pessoa pode ser
considerada culpada e com isso ser recipiente de todas as consequências
daí advindas, sendo a mais grave dentre elas a direta restrição à liberdade
de locomoção e/ou ao patrimônio. A norma não determina ao legislador
e ao juiz que, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, tratem
o cidadão, na maior medida possível,42 como “não-culpado”43; ela veicula
o dever definitivo de não tratamento como culpado de quem não foi
condenado “com trânsito em julgado”, exige, pois, um juízo de subsunção,
e não de sopesamento entre princípios colidentes”.44
Não se deve perder de vista, porém, a advertência de Silva, no
sentido de que a prática jurídica brasileira consagrou o emprego de ex-
pressões como “princípio da legalidade” ou “princípio da presunção de

40
Esta afirmação não se incompatibiliza com o entendimento que saca desse
mesmo dispositivo (art. 5º, LVII, CF) uma norma-princípio (da presunção de
inocência, cf., por todos, MORAES, Maurício Zanóide de. Presunção de ino-
cência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para
a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, especialmente p. 270-274), pois a partir de um mesmo dispositivo po-
dem ser construídas diversas normas, sejam regras, sejam princípios (cf. ÁVI-
LA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 30).
41
SILVA, O proporcional e o razoável, p. 25; ALEXY, Robert. Teoria de los dere-
chos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2001, p. 86-90.
42
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais,
v. 798, p. 23–50, 2002, p. 25.
43
Uso a expressão para deliberadamente evitar a discussão acerca de se esta
norma teria veiculado um “princípio” de inocência ou de “não culpabilidade”,
o que, no contexto deste artigo, é secundário.
44
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais,
v. 798, p. 23–50, 2002, p. 25; também: ALEXY, Robert. Teoria de los dere-
chos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2001, p. 87.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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inocência”, atribuindo-lhes forte carga semântica, sendo ingênuo crer


que se possa, a esta altura, uniformizar a terminologia.45 O que é preciso
ter claro é que quando se fala em “princípios” nestes casos, não se está
a utilizar a expressão no sentido da teoria de Alexy, ou seja, como con-
trapostos a regras, mas, aparentemente, no sentido de que os princípios
teriam uma maior importância frente às regras,46 com o que nada se diz
sobre suas estrutura e forma de aplicação.47 Mas mesmo que se tratasse
de um princípio, não caberia ao tribunal fazer juízo de ponderação com
prevalência do “interesse público” quando, para parafrasear novamente
o Min. Sepúlveda Pertence, “foi a Constituição mesma que ponderou
os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário da eficácia
da persecução criminal –”48 pela liberdade enquanto não houver juízo
definitivo sobre todos os pressupostos de aplicação da pena criminal.
Se juízo de ponderação houve, ele foi feito em momento anterior, pelo
Constituinte, quem decidiu não deixar, nem ao legislador, tampouco ao
aplicador da lei, margem para outras ponderações.
Por outro lado, certos argumentos utilizados no julgamento pre-
tendem derivar consequências normativas constitucionais de fatos his-
tóricos contingenciais,49 com o que confundem a dimensão do ser e do

45
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais,
v. 798, p. 23–50, 2002, p. 26.
46
Critério esse não utilizado por Alexy (cf. ALEXY, Robert. Teoria de los dere-
chos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2001, p. 84).
47
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v.
798, p. 23–50, 2002, p. 25. Exemplifica ele com o emprego da expressão “prin-
cípio da proporcionalidade” (idem, p. 25-26), cujas máximas parciais (adequa-
ção, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) são catalogadas como
regras por Alexy (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Ma-
drid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 112, nota. 84).
48
STF, HC 79512, DJ 16/05/2003.
49
REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo
jurídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contemporâ-
neo, v. 11, p. 213–238, 2017, p. 220. Um desses argumentos de fato é reto-
mado em recente artigo, no qual se conecta a vedação da execução provisória
da pena à “continuidade dos esquemas de corrupção”, um argumento que
adquire um tom quase apelativo em tempos de Lava-Jato. No mesmo texto,
sugere-se que é a demora na conclusão de processos (em virtude da vedação
de execução provisória) que gera a indesejada “impunidade”, o que leva à

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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dever-ser,50 transformam uma “proibição categórica” em uma “recomen-


dação contingente”,51 além de propor uma interpretação da Constituição
a partir de uma parte selecionada legislação infraconstitucional, com o
que não só subverte a hierarquia das fontes normativas, como deixa de
fundamentar por qual razão apenas uma parte dessa legislação foi sele-
cionada para irradiar seus efeitos sobre a interpretação e outra não. O
mesmo argumento poderia ser usado contra o próprio proceder, pois o
instituto do trânsito em julgado da sentença é regulado justamente por
lei infraconstitucional.52

conclusão de que somente com o abandono da determinação constitucional


poderemos alcançar a efetividade punitiva e, pois, reduzir os patamares de
corrupção (BARROSO, Luís Roberto; SCHIETTI, Rogério. Execução penal,
opinião e fatos. Folha de São Paulo, 02/02/2018. Disponível em: <https://
www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/02/luis-roberto-barroso-e-rogerio-
-schietti-execucao-penal-opiniao-e-fatos.shtml>. Acesso em: 20 fev. 2018).
Deixando de lado o argumento empírico, o argumento de conveniência pos-
sibilitaria a admissibilidade da tortura para a obtenção de provas eficazes em
casos de crimes graves (cf., por todos, GRECO, Luís. Conveniência e respeito.
Sobre o hipotético e o categórico na fundamentação do Direito Penal. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, v. 95, p. 43-83, 2012, p. 51-54; cf. adiante
item 4), e, por que não, a limitação do uso do habeas corpus sem a necessidade
da decretação de estado de sítio ou estado de defesa (cf. AMARAL, Thiago
Bottino do. Habeas corpus nos Tribunais Superiores: uma análise e proposta
de reflexão. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação
Getúlio Vargas, 2016, p. 100-101).
50
Cf. NEUMANN, Ulfrid. Bedingungen der Validität des naturalistischen Fehls-
chlusses. In: Festschrift für Matthias Mahlmann. Baden-Baden: Nomos, 2011,
p. 62–70.
51
Cf. GRECO, Luís. Conveniência e respeito. Sobre o hipotético e o categórico
na fundamentação do Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
95, p. 43-83, 2012, passim.
52
Refiro-me ao conjunto de normas federais que cuidam da execução penal,
como já tinham notado CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre.
Crítica à execução antecipada da pena: a revisão da Súmula 367 pelo STJ. In:
Crítica à execução penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 447–462,
p. 451; e, AMARAL, Augusto J.; CALEFFI, Paulo S. Pré-ocupação de inocên-
cia e execução provisória da pena: uma análise crítica da modificação juris-
prudencial do STF. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 3, n. 3, p.
1073–1114, 2017, p. 1094; SUXBERGER, Antonio H.; AMARAL, Marianne
G. A execução provisória da pena e sua compatibilidade com a presunção de
inocência como decorrência do sistema acusatório. Revista de Direito Brasilei-
ra, v. 16, n. 7, p. 186–210, 2017, p. 187.

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O entendimento evidencia, ainda, um intento de transferir aos


magistrados atribuições exclusivas do legislador, pois ao pretender resol-
ver, com a negativa de vigência de uma norma constitucional, problemas
legislativos localizados em nível infraconstitucional (prescrição e sistema
recursal penal), usurpa competência constitucionalmente atribuída ao
Congresso Nacional (art. 22, I, CF). Tampouco os problemas pertinentes à
administração dos órgãos encarregados da persecução e execução penais
(duração razoável do processo e impunidade)53 podem ser resolvidos no
caso concreto, às custas do corpo de um cidadão, mas devem ser resolvi-
dos em esferas próprias seja da administração do Poder Judiciário, seja
do Poder Executivo.54
Por fim, a posição assumida parece ignorar que o pressuposto
sine qua non da aplicação da pena é a afirmação da culpa (em sentido
lato) de um sujeito concreto acusado por um crime concreto. A afirma-
ção dessa culpa só pode se dar por meio das regras do devido processo
legal. Com outras palavras, a afirmação da culpa (em sentido lato) é
uma conclusão acerca da tipicidade, ilicitude e de culpabilidade daquele
concreto acusado, alcançada por meio de um devido processo legal, no
âmbito do qual se tenha obtido a comprovação empírica de todos os
pressupostos da pena. Disso deriva que a discussão sobre qualquer um
desses pressupostos impede uma afirmação definitiva de culpa daquele
acusado por aquele fato concreto. Daí que a exigência constitucional de
definitividade do juízo de culpa para a aplicação da pena só possa se dar
quando não estejam sendo mais discutidos esses pressupostos, o que

53
Em sentido similar: AMARAL, Augusto J.; CALEFFI, Paulo S. Pré-ocupação
de inocência e execução provisória da pena: uma análise crítica da modifica-
ção jurisprudencial do STF. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v.
3, n. 3, p. 1073–1114, 2017, p. 1090; e BADARÓ, Gustavo Henrique; LOPES
JÚNIOR, Aury. Presunção de inocência: do conceito de trânsito em julgado da
sentença penal condenatória. 2016. Disponível em: <emporiododireito.com.
br/wp-content/uploads/2016/06/Parecer_Presuncao_de_Inocencia_Do_
concei.pdf> Acesso em: 20 fev. 2018, p. 36 ss.
54
Cf. os contra-argumentos empíricos alinhavados por QUEIROZ, Rafael M.
R. A presunção de inocência libertada. Jota, 2018. Disponível em: <https://
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/presuncao-de-inocencia-liberta-
da-28022018>. Acesso em 28 mar. 2018.

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independe de o recurso admitir ou não a discussão de fatos ou provas,55


e de ter ou não efeito suspensivo.56

3. O papel da sorte na vida dos condenados precariamente :


insegurança e desigualdade

Muito tempo não foi necessário para que começassem a ser con-
cedidas medidas liminares em sentido contrário ao entendimento fixado
por maioria no Plenário. Ministros vencidos naquele julgamento passaram
a conceder liminares (cf., por exemplo, HCs 144.712-MC; 145.380-MC;
146.006-MC; 146.185-MC; 148.891-MC). As causas para um tal fenômeno
são diversas, mas não seria de todo inapropriado cogitar que essa forma
de proceder também seja uma consequência dos defeitos argumentativos
do entendimento majoritário acima denunciados.
Levantamento feito no sítio do tribunal no começo de dezembro
de 2017, levando em conta também decisões monocráticas, demonstrou
que havia 5 Ministros que não admitiam a execução provisória e 6 que
a admitiam.57 Sendo que, pela composição da Corte, é possível que, no
âmbito da Segunda Turma, seja formada maioria no sentido da inadmissão

55
Cf. STF, HC 126.292, p. 45-46. Por isso, discorda-se parcialmente do enten-
dimento de: SUXBERGER, Antonio H.; AMARAL, Marianne G. A execução
provisória da pena e sua compatibilidade com a presunção de inocência como
decorrência do sistema acusatório. Revista de Direito Brasileira, v. 16, n. 7, p.
186–210, 2017, p. 196. Convergente e agregando outros argumentos, BADA-
RÓ, Gustavo Henrique; LOPES JÚNIOR, Aury. Presunção de inocência: do con-
ceito de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2016. Disponível
em: <emporiododireito.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Parecer_Pre-
suncao_de_Inocencia_Do_concei.pdf> Acesso em: 20 fev. 2018, p. 20 ss.
56
Cf., ilustrativamente, LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 1305-1310; BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo pe-
nal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 891; e, juntos, em: BADA-
RÓ, Gustavo Henrique; LOPES JÚNIOR, Aury. Presunção de inocência: do con-
ceito de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2016. Disponível
em: <emporiododireito.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Parecer_Pre-
suncao_de_Inocencia_Do_concei.pdf> Acesso em: 20 fev. 2018, p. 28 ss.
57
Admitem execução provisória: Fachin (2a T); Tóffoli (2a T); Barroso (1a T);
Fux (1a T); Moraes (1a T); Cármen Lúcia (Pres.). Não a admitem Mendes (2a
T.); Lewandowski (2a T.); Celso de Mello (2a T.); Rosa Weber (1a T.) e Marco
Aurélio (1a T.).

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da execução provisória, pois três de seus membros estão entre os que


têm concedido liminares.
Trocando em miúdos: a prisão para cumprir pena mesmo com
condenação ainda precária depende, atualmente, do sistema de distribuição
automática do STF, ou seja, de um algoritmo, com o que o STF nega aos
jurisdicionados tanto a igualdade como a segurança jurídicas.
Mesmo no caso da revisão de entendimento por um dos ma-
gistrados, não se anuncia melhoria nesse estado de coisas, porque os
fundamentos da mudança de entendimento assentam-se, novamente, na
utilização de mecanismos que criam uma possível esfera de reserva para
a justiça do caso concreto.
Isto porque o magistrado que reviu parcialmente sua posição
anterior,58 passou a entender, juntamente com outro magistrado da Cor-
te,59 que a execução provisória da pena somente é admissível (a) quando
pendente única e exclusivamente o julgamento de recurso extraordinário,
porque dificultado o acesso a essa via recursal em razão da exigência de
repercussão geral; (b) não obstante, mesmo neste caso, seria admissível
a execução, mesmo na pendência de julgamento de recurso especial,
se o crime for “grave”, já que, neste caso, é a “própria credibilidade das
instituições em geral, e da justiça em particular, [que] fica abalada se o
condenado por crime grave não é chamado a cumprir sua pena em tempo
razoável”, do que decorre que “a garantia da ordem pública autoriza a
prisão, em casos graves, após o esgotamento das vias ordinárias”.60

58
Trata-se do Min. Gilmar Mendes e a primeira manifestação nesse sentido,
embora sem efeitos práticos no caso concreto, parece ter sido feita no julga-
mento do HC 142.173, DJe 06/06/2017.
59
O Min. Dias Tóffoli: “No julgamento do HC 126.292/SP, o Ministro Dias Tóf-
foli votou no sentido de que a execução da pena deveria ficar suspensa com
a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário
ao STF. Para fundamentar sua posição, sustentou que a instituição do requi-
sito de repercussão geral dificultou a admissão do recurso extraordinário
em matéria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e não
de natureza geral – ao contrário do recurso especial, que abrange situações
mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais” (HC 142.173, DJe
06/06/2017, voto do relator Min. Gilmar Mendes, p. 5).
60
HC 149.366, Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática denegando a or-
dem, DJe 24/11/2017: “Entretanto, tenho que o entendimento não deve ser
aplicado indistintamente, sobretudo quando tratar-se de condenação por

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
724 | Estellita, Heloisa.

No primeiro caso, invoca-se (novamente) um argumento mera-


mente contingencial para estabelecer a distinção de tratamento: o fato
de um dos recursos ser mais dificultoso em sua admissibilidade. A uma,
a exigência constitucional é de trânsito em julgado da sentença conde-
natória, a qual não está subordinada à maior ou menor dificuldade na
admissão de um recurso. A duas, não é impossível imaginar um STF mais
generoso na admissão de repercussão geral em matéria penal, tampouco
a possibilidade de aprovação de uma PEC que oponha mais obstáculos à
admissão do recurso especial.61
No segundo caso, há criação judicial de uma cláusula geral segun-
do a qual “em crimes graves, pode-se executar a sentença precária ainda
na pendência de julgamento de recurso especial”, sendo que a norma
constitucional que veda o tratamento como culpado antes do trânsito em

crimes graves. Isso porque, consoante asseverei no julgamento do citado HC


126.292/SP, em que pese a presunção de não culpabilidade ser direito funda-
mental que impõe o ônus da prova à acusação e impede o tratamento do réu
como culpado até o trânsito em julgado da sentença, ainda assim, não impõe
que o réu seja tratado da mesma forma durante todo o processo. Conforme
se avança e a culpa vai ficando demonstrada, a lei poderá impor tratamen-
to de algo diferenciado. A presunção de inocência deve ser vista como um
princípio relevantíssimo para a ordem jurídica ou constitucional, mas prin-
cípio suscetível de ser devidamente conformado, tendo em vista, inclusive,
as circunstâncias de aplicação no caso do Direito Penal e Processual Penal.
Por isso, eu entendo que, nesse contexto, não é de se considerar que a pri-
são, após a decisão do tribunal de apelação, haja de ser considerada violadora
desse princípio. A própria credibilidade das instituições em geral, e da justiça
em particular, fica abalada se o condenado por crime grave não é chamado a
cumprir sua pena em tempo razoável. Em suma, a garantia da ordem pública
autoriza a prisão, em casos graves, após o esgotamento das vias ordinárias.
Consoante relatado, o paciente foi condenado à pena de 12 anos de reclusão,
em regime inicial fechado, pela prática do delito descrito no artigo 121, § 2º,
inciso IV, do Código Penal, fato ocorrido em 4.9.2010, ou seja, há mais de 7
anos. A condenação restou mantida em sede de julgamento de apelação pelo
Tribunal de origem, tendo rejeitado os embargos declaratórios opostos”.
61
Cf. PEC 10/2017. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/ativi-
dade/materias/-/materia/128403>. Acesso em: 07 abr. 2018 (No âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, dispõe que no recurso especial, o recorrente
deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitu-
cional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine
a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois
terços dos membros do órgão competente para o julgamento).

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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julgado nunca distinguiu entre suspeitos de crimes graves e suspeitos de


crimes leves. Ademais, não havendo em nosso ordenamento um conceito
legal do que sejam crimes graves (como há para crimes hediondos ou
de menor potencial ofensivo), o juízo acerca do cabimento da execução
provisória cairá no subjetivismo e no casuísmo, já que dependerá da
convicção pessoal de cada magistrado acerca da gravidade da infração
penal subjacente62. Novamente, insegurança e desigualdade.
Os dois argumentos acima vão ao encontro das considerações de
“conveniência e respeito”, desenvolvidas por Greco. Para usar um de seus
exemplos, se proibirmos o uso da tortura com base em argumentos de
conveniência – “se a tortura for permitida ainda que num único caso, ela
acabará sendo usada também em outros, sendo impossível controlá-la” --,
poderemos flexibilizar a proibição também por questões de conveniência:
em “circunstâncias extremas” ou “graves” (atentados terroristas) ou de
extrema necessidade (descoberta do cativeiro de criança sequestrada), ou
quando pudermos controlar seus efeitos de contaminação (slippery slope).63
E, com isso, a “proibição forte” do art. 5º, III, CF, “se perde”, ignorando-se
que a “causa da humanidade é independente de considerações de utilidade
e necessidade” e que “o mal da tortura não está em que ela não descubra a
verdade ou que ela seja incontrolável, e sim na negação do torturado como
ser dotado de vontade”.64 No que nos diz respeito, nada impedirá tratar o
não condenado como condenado (aplicando-lhe a pena sem juízo definitivo
sobre sua culpa) sempre que houver um recurso “com acesso dificultado” ou
quando se tratar de “crime grave”, e com isso, parafraseando Greco, tornar a
proibição forte do art. 5º, LVII, CF, e uma proibição fraca, ou contingencial.

62
Contra a criação judicial de tais cláusulas, já dizia o Min. Sepúlveda Pertence
que “o regime de estrita legalidade que rege o Direito Penal não admite que, à
categoria legal dos crimes hediondos, o juiz acrescente outros, segundo a sua
validação subjetiva de modo a negar ao condenado o que lhe assegura a lei”
(STF, RHC 80970, DJ 10/08/2001).
63
Os argumentos de conveniência estão sujeitos “aos problemas da contingên-
cia, da ponderabilidade e do ponto cego” (GRECO, Luís. Conveniência e res-
peito. Sobre o hipotético e o categórico na fundamentação do Direito Penal.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 95, p. 43-83, 2012, p. 66).
64
GRECO, Luís. Conveniência e respeito. Sobre o hipotético e o categórico na
fundamentação do Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
95, p. 43-83, 2012, p. 70.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
726 | Estellita, Heloisa.

Por fim, parece que estamos diante de um jogo de linguagem que


conduz a uma burla de “etiquetas”:65 diante da inconstitucionalidade da
execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória,
em lugar de assim a declarar, altera-se a categorização dessa restrição da
liberdade denominando-a de prisão preventiva para a garantia da ordem
pública. Assim, por meio de um erro de categorização se declara admissível
o que seria inadmissível sob uma outra categorização (a correta), daí a burla.
Seguindo com rigor a proposta judicial, sempre que houver sentença con-
denatória em crime grave na pendência de julgamento de recurso especial
haverá fundamento para tal prisão preventiva, a qual, assim, de cautelar
passa a ser automática, o que contraria, agora, a exigência constitucional de
fundamentação cautelar para a restrição da liberdade (art. 5o, LXI, CF).66
Concorde-se ou não com a escolha constitucional acerca do
momento a partir do qual pode ser executada a pena, o respeito à lega-
lidade democrática é pressuposto essencial da divisão de poderes que
caracteriza o Estado de Direito. Se há necessidade de revisão das normas
constitucionais ou infraconstitucionais isso é tarefa que cumpre ao órgão
constitucionalmente competente, o Congresso Nacional.67

Conclusão

Um dos caminhos para combater o instrumentalismo e a flexibi-


lização das normas jurídicas evidenciados no “caso da execução da con-
denação sujeita a apelos extremos” é o de levar a sério a dogmática, cujo
papel é justamente o de “definir as condições de possibilidade do direito

65
Sobre o significado dessa expressão e seu “modus operandi”, cf.: GRECO,
Luís. Lo vivo y lo muerto en la teoria de la pena de Feuerbach. Madrid: Marcial
Pons, 2015, p. 207-208.
66
CF, art. 5o, LXI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos
de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
67
A abolição de direitos e garantias individuais está vedada (art. 60, § 4º, IV),
mas não a revisão de outras normas, como as que disciplinam recursos. Daí a
via escolhida pela PEC n. 15, de 2011, também conhecida como “PEC Peluso”,
e que, em sua redação original, transformava os recursos extraordinário e
especial em ações rescisórias.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.141 | 727

vigente e de orientar seu processo decisório”.68 Sua função mais básica


e importante é, pois, produzir segurança jurídica e igualdade na aplicação
da lei, o que faz por meio do “estabelecimento de critérios para a relação
entre norma e fato”, com o que reduz a incerteza, estabiliza o sistema jurí-
dico, produz coerência, controlabilidade e “reaproveitamento de soluções
concretas em casos futuros”.69 No desempenho dessa função, cumpre a
ela oferecer as bases para que o “direito não seja aquilo que o intérprete
quer que ele seja”,70 nem um conjunto de “recomendações hipotéticas a
serem seguidas por um príncipe prudente”,71 pena de rompimento radical
com a legalidade democrática, especialmente em matéria penal, onde
a reserva legal também se traduz em um mandado de determinação e
taxatividade (art. 5o, XXXIX, CF). Cumprir a lei é, portanto, reverenciar
o Estado Democrático de Direito. 72

R eferências
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2001.
AMARAL, Thiago Bottino do. Habeas corpus nos Tribunais Superiores: uma análise
e proposta de reflexão. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getúlio Vargas, 2016.

68
REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo ju-
rídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contemporâneo,
v. 11, p. 213–238, 2017, p. 215.
69
REIS, Thiago. Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo ju-
rídico do direito civil - constitucional. Revista de Direito Civil Contemporâneo,
v. 11, p. 213–238, 2017, p. 214-216.
70
Parafraseando: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido conforme a minha
consciência? 4. ed. ele. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 47.
71
GRECO, Luís. Conveniência e respeito. Sobre o hipotético e o categórico na
fundamentação do Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
95, p. 43-83, 2012, p. 71.
72
Um avanço considerável, segundo: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - decido
conforme a minha consciência? 4. ed. ele. Porto Alegre: Livraria do Advoga-
do, 2013, p. 171; e, ainda, em: STRECK, Lenio Luiz. Os limites semânticos e
sua importância na e para a democracia. Revista da AJURIS, v. 41, n. 135, p.
173–187, 2014, p. 184.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
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org/10.5585/rdb.v16i7.500

Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)
Agradecimentos (acknowledgement): Meus agradecimentos a meus
exigentes revisores Luís Greco, Adriano Teixeira, Alaor Leite,
Frederico Horta, Mariana Tosi e Ronan Rocha.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


a autora confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
730 | Estellita, Heloisa.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


a autora assegura que o texto aqui publicado não foi publicado an-
teriormente em outro meio e que futura republicação somente se
realizará com a indicação expressa da referência desta publicação
original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.
Trata-se de versão ampliada de fala apresentada no IV Colóquio sobre o
Supremo Tribunal Federal, em 4 de dezembro de 2017, promovido pelo
Instituto Victor Nunes Leal e pela AASP. Naquela ocasião, pretendi
homenagear o Min. Sepúlveda Pertence, ali presente, o que explica
as referências preferenciais a precedentes de sua lavra e, ainda, a
linguagem direta e tendencialmente informal empregada no texto.

Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 02/03/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
02/03/2018
▪▪ Editor-assistente: 1
▪▪ Avaliação 1: 07/03/2018 (TACJ)
▪▪ Avaliação 2: 20/03/2018
▪▪ Revisores: 4
▪▪ Avaliação 3: 20/03/2018
▪▪ Avaliação 4: 27/03/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar: 06/04/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 18/04/2018
▪▪ Decisão editorial final: 23/04/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


ESTELLITA, Heloisa. A flexibilização da legalidade no Supremo Tribunal
Federal: o caso da execução da condenação sujeita a apelos extremos.
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2,
p. 709-730, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.141

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Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 709-730, mai.-ago. 2018.
Fundamento central do direito à não autoincriminação

Central foundation of the right against self-incrimination

Heloisa Rodrigues Lino de Carvalho1


Universidad de Morón - Argentina
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/8240862426355988
https://orcid.org/0000-0001-5983-8156

Resumo: A não autoincriminação, imanente sobretudo à área do Direito


Processual Penal Constitucional, é um direito individual humano e
fundamental, de observância obrigatória na persecução penal, previs-
to em importantes documentos internacionais de direitos humanos,
bem como na maioria das Constituições democráticas. Utilizando-se
uma metodologia científica por meio de pesquisa bibliográfica e mé-
todo teórico dedutivo, objetiva-se analisar seu fundamento central.
O princípio motriz da razão de sua existência é a dignidade humana,
cujo aspecto particular mais sólido apontado é a integridade mental
e moral. Esta é violada ao ser o indivíduo colocado frente a possíveis
disjuntivas desagradáveis, constituídas da possibilidade de dar origem
a consequências negativas, seja por optar manter-se em silêncio ou
declarar e, neste caso, por se autoincriminar (admitindo a imputação,
sendo verdadeira ou não) ou por mentir. Isso transgride a natureza
humana, que tem dificuldade de admitir as próprias falhas e assumir as
consequências daí advindas. A vedação de se obrigar o acusado a emitir
uma declaração e de se atribuir qualquer consequência negativa ao seu
silêncio é uma decorrência incontestável desse direito. No entanto, sua
aplicabilidade nos diferentes casos concretos enseja muitas controvér-

1
Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidad de Morón (Arg). Bacharela em
Direito pelo Instituto Vianna Junior (2001) e pós-graduada Especialista em Direito
Público com ênfase em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (RN/
Br) (2007). Atualmente é oficiala de justiça avaliadora federal na Justiça Federal -
Seção Judiciária do Espírito Santo e Professora de Introdução ao Estudo do Direito
nos Cursos de Formação de Soldados da Polícia Militar do Espírito Santo.

731
732 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

sias. A delimitação de seu real fundamento objetiva contribuir com


subsídios para coerentes soluções.
Palavras-chave: Autoincriminação; Nemo tenetur se detegere; Si-
lêncio; Direito de não declarar contra si mesmo; Direito de não se
confessar culpado.

Abstract: Non-self-incrimination, immanent especially in Constitutional


Criminal Procedural Law, is an individual and fundamental human right. Its
observance is mandatory in criminal prosecution, provided for in important
international human rights documents, as well as in most of the democratic
Constitutions. Employing a scientific methodology by means of bibliographical
research and theoretical deductive method, the objective is to analyze its
central foundation, to be able to outline its scope more accurately. The main
driver for its existence is human dignity, whose most solid aspect is a person’s
mental and moral integrity. This is violated when the individual faces possible
unpleasant disjunctives, marked by the possibility of giving rise to negative
consequences. The person ends up either opting to remain silent or testify
and, in this case, they may self-incriminate (admitting imputation, whether
true or not) or by lie. This transgresses human nature, since we have difficulty
admitting our own faults and bearing with the consequences thereof. The
prohibition of compelling the accused to issue a statement and attributing
any negative consequences to their silence is an undeniable consequence
of that right. However, its applicability in different concrete cases incites
many controversies. The outline of its real foundation aims at contributing
with subsidies for coherent solutions.
Keywords: Self-incrimination; Nemo tenetur se detegere; Silence; Right not
to testify against yourself; Right not to plea guilty.

Sumário: Introdução; 1. O tratamento do direito à não autoincrimi-


nação em alguns ordenamentos jurídicos; 2. Fundamentos do direito
à não autoincriminação; 3. Análise dos argumentos apresentados;
Conclusão; Referências.

Introdução

Este trabalho situa-se na área do Direito Processual Penal Cons-


titucional. Tem-se o objetivo de analisar o fundamento central do direito

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 733

à não autoincriminação. Para isso se utiliza uma metodologia científica


por meio de pesquisa bibliográfica e do método teórico dedutivo. Es-
truturalmente, divide-se em introdução, desenvolvimento, conclusão
e referências. O desenvolvimento está dividido em três partes, onde
expõem-se no item 1 o tratamento do direito à não autoincriminação
em alguns ordenamentos jurídicos, no item 2 os fundamentos do direito
à não autoincriminação encontrados na bibliografia jurídica, e no item 3
a análise dos argumentos apresentados.
Justifica-se na relevância do direito à não autoincriminação, que é
um direito individual, humano e fundamental, de observância obrigatória
na persecução penal, previsto em importantes documentos internacio-
nais de direitos humanos, como no Pacto Internacional de Direitos Civis
e Políticos (PIDCP) e na Convenção Americana de Direitos Humanos
(CADH), bem como na maioria das Constituições democráticas. Assim,
é imprescindível determinar a razão de sua existência, a fim de que se
possa delimitar com maior precisão sua abrangência.
O direito à não autoincriminação tem grande influência na licitude
das provas. Não existe um consenso se essa garantia, além do direito de
permanecer em silêncio, de não se confessar e de não sofrer consequências
negativas ao exercício do silêncio, abarca também o direito de mentir e,
principalmente, o direito de não colaborar com a produção probatória na
forma ativa e/ou passiva, como coleta de sangue, de amostra de parte do
corpo para exame de DNA, fornecimento de material para perícia grafo-
técnica, submissão ao etilômetro, participação em reconstituição do crime
etc. Entretanto, apesar de instigante, não se aprofundará nessas questões,
a fim de não extrapolar o objetivo aqui proposto, que é uma análise em
abstrato desse direito, com o propósito de delimitar seu fundamento
central. Ressalta-se que essa delimitação contribui com subsídios para
coerentes soluções dos casos concretos.
O problema gira em torno de determinar qual é o fundamento
central do direito à não autoincriminação. Para essa análise, fazem-
-se alguns questionamentos. Como esse direito é tratado nos diversos
ordenamentos jurídicos, especialmente na América Latina? Quais os
principais fundamentos apontados pelos juristas? Qual a consistência
dos fundamentos apontados? Qual o fundamento que mais bem justifica
a existência desse direito? Qual é sua principal decorrência?

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
734 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

A compreensão do direito à não autoincriminação varia nos diver-


sos ordenamentos jurídicos, em especial nos Estados Unidos e Europa em
relação aos países latino-americanos. Assim, apresenta-se seu tratamento
jurídico em alguns países, especialmente, na América Latina, apenas de
forma genérica, somente com o intuito de contextualizar a sua aplicação,
já que o foco é a análise do seu fundamento central.
Os fundamentos apontados na literatura jurídica são vários, como a
dificuldade humana em confessar seus próprios erros, a coibição de tortura
para se obter uma confissão, a presunção de inocência, a tutela de direitos
inerentes à dignidade humana, dentre eles a integridade física, mental e
moral, a liberdade de autodeterminação e de consciência e a autopreser-
vação. Há também o argumento de que a razão de existência desse direito
é a elisão da imoralidade de se pôr alguém frente a possíveis disjuntivas
desagradáveis, denominadas de “trilema”, consistente na possibilidade de
dar origem a consequências negativas, seja por optar por manter-se em
silêncio ou por declarar, e, neste caso, por se autoincriminar (admitindo
os fatos imputados, sejam eles verdadeiros ou não) ou por mentir.
Como hipótese a se comprovar, estabelece-se que o princípio
motriz da razão de existência do direito à não autoincriminação é a digni-
dade humana, cujo aspecto particular que se visa proteger é a integridade
mental, moral e até física, violada pelo denominado “trilema”. Essa violação
transgride a natureza humana, que tem dificuldade de admitir as próprias
falhas e assumir as consequências daí advindas. A principal decorrência
desse direito é a vedação de se obrigar o acusado a emitir uma declaração
e de se atribuir qualquer consequência negativa ao seu silêncio.
Apesar de existirem correntes filosóficas que negam a existência
de uma natureza humana, adota-se aqui a teoria de que os seres humanos,
assim como qualquer outro ser do universo, possuem uma natureza pró-
pria. É complexo, no entanto, determinar precisamente o que vem a ser a
natureza humana, o que só será alcançado com estudos interdisciplinares
em vários campos da ciência que analisam a espécie humana e procuram
entender sua natureza, dentre eles a genética do comportamento, a antro-
pologia, a biologia evolutiva, a primatologia, a psicologia e a neurociência.2

2
FERNANDEZ, Atahualpa. O problema da natureza humana (parte 1 e 2). Em-
pório do Direito, Florianópolis/SC, jul. 2015.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 735

Considera-se natureza humana a essência, a índole, do ser hu-


mano, constituindo-se em sua maneira peculiar de ser, de se comportar,
sendo invariável, permanente e identificador do homem3. Um traço
característico do ser humano é possuir uma natureza essencial e in-
tensamente social, ou seja, necessita viver em comunidade, e é dotado
geneticamente de competência linguística e preparado para aprender e
transmitir o conhecimento4.
Expõem-se os fundamentos apontados sobre o direito à não
autoincriminação, as maneiras que possibilitam sua efetivação, bem
como as consequências dele decorrentes, analisando os argumentos
apresentados e verificando sua consistência. Enfim, apresentam-se as
conclusões alcançadas.

1. O tratamento do direito à não autoincriminação em


alguns ordenamentos jurídicos

O direito à não autoincriminação é também conhecido pelas ex-


pressões latinas, dentre outras, nemo tenetur se detegere e nemo tenetur
se ipsum accusare, significando que ninguém é obrigado a se descobrir,
se revelar, se autoincriminar5. Foi ignorado pelas civilizações clássicas e
durante a Idade Média. Seu gradativo fortalecimento começou com o Ilumi-
nismo6. Porém, existem referências antigas, como aponta Luigi Ferrajoli7,
citando Hobbes em sua obra “O Leviatã”: “Se um homem é interrogado
pelo soberano ou por um oficial seu relativamente a um delito por ele
cometido, ele não é obrigado a confessar sem asseguração de perdão,
pois ninguém pode ser obrigado por um pacto a acusar-se a si mesmo”.

3
BEUCHOT, Mauricio; JAVIER, Saldaña. Derechos humanos y naturaleza huma-
na. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2000, p. 61.
4
FERNANDEZ, Atahualpa. O problema da natureza humana (parte 1 e 2). Em-
pório do Direito, Florianópolis/SC, jul. 2015.
5
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 28.
6
Ibidem, p. 30-34.
7
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana
Paula Zomer Sica et al., 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 625.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
736 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

Tal direito é consentâneo com o princípio norteador de todos os


direitos humanos: dignidade da pessoa humana. Atualmente, encontra-se
estabelecido tanto em normas de Direito Internacional Público quanto
na maioria das Constituições dos Estados democráticos de direito, que
geralmente repetem o texto daqueles documentos supranacionais.
Em âmbito internacional, é previsto explicitamente no PIDCP
de 19668 (art. 14, item 3, letra ‘g’), na CADH de 19699 (art. 8º, item 2,
letra ‘g’, e item 3), no Protocolo Adicional I de 1977 às Convenções de
Genebra de 194910 (art. 75, item 4, letra ‘f’) e no Estatuto de Roma de
199811 que instituiu o Tribunal Penal Internacional ou Corte Penal In-
ternacional (art. 55).
O direito ao silêncio, pelo qual ninguém é obrigado a depor, a
declarar, a manifestar-se oralmente contra si mesmo é, incontroversa-
mente, a principal decorrência do direito à não autoincriminação. No
entanto, de acordo com uma ampla posição doutrinária12, essa garantia
abrange também o direito a não colaborar, ao menos de forma ativa, na
produção de provas contra si mesmo.
O tratamento desse direito varia nos diversos ordenamentos
jurídicos, em especial nos Estados Unidos e Europa em relação aos países

8
Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_6.htm>.
Acesso em: 02 mai. 2018.
9
Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.conven-
cao_americana.htm>. Acesso em: 27 abr. 2018.
10
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11
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm>.
Acesso em: 27 abr. 2018.
12
Paulo Mário Canabarro Trois Neto informa que diversos autores sustentam
que, apesar da origem histórica, atualmente o direito à não autoincriminação
abrangeria muito além do mero aspecto verbal da liberdade de declarar, al-
cançando uma ampla liberdade na colaboração da produção probatória, mes-
mo que não afete a integridade física ou mental do acusado. Sobre isso, ver:
TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. O direito fundamental à não-autoincri-
minação e a influência do silêncio do acusado no convencimento do juiz penal.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009, p. 94.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 737

latino-americanos. Contudo, é unânime o reconhecimento do direito de


permanecer calado diante de interrogatórios como decorrência do direito
à não autoincriminação.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em 2001,
no caso J.B. contra Suíça, reafirmou que o direito de guardar silêncio e
de não contribuir com a própria incriminação são normas internacionais
geralmente reconhecidas. Apesar de não estarem expressas na Convenção
Europeia de Direitos Humanos (CEDH), fazem parte do núcleo do art.
6º, pois se coadunam a evitar erros judiciários e a garantir a consecução
de um processo justo. O direito à não autoincriminação impõe às autori-
dades o respeito à vontade do indivíduo, não podendo recorrer a provas
obtidas por meio de coações ou pressões.13
No entanto, o TEDH entende que o direito de permanecer em
silêncio, como parte do direito a um processo equitativo, não é absoluto
e só existe na modalidade de não responder, não declarar. No caso John
Murray contra Reino Unido, em 1996, compreendeu que a valoração
negativa do silêncio do réu não viola o artigo 6º, itens 1 e 2, da CEDH.
Reputou, ainda, que poderia haver advertência de que o silêncio poderia
ser usado para extrair inferências, as quais não seriam as únicas a em-
basarem a culpabilidade, bem como, por se tratar de terrorismo, essas
inferências não eram contrárias à Convenção. Entretanto, considerou
que o fato de o réu não ter tido advogado a tempo violou o conceito de
equidade do julgamento.14
Nos Estados Unidos, tem-se o denominado “privilege against
self-incrimination” advindo da Quinta Emenda à Constituição daquele
país15. Esse direito permite que um indivíduo permaneça em silêncio

13
ECHAGÜE, Juan Manuel Álvarez. Reflexiones sobre el alcance del estado de
inocencia y del principio de no autoincriminación en el derecho penal tribu-
tario. Revista de Tributación de la Asociación Argentina de Estudios Fiscales,
Buenos Aires, n. 6, 2007, p. 7.
14
CHARNIAK, Krystina. LegaVox.fr: The right to remain silent in UK and in
USA, 1 set. 2012, [s/p].
15
[…] nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against him-
self […] (Disponível em: <https://www.usconstitution.net/xconst_Am5.
html>. Acesso em: 27 abr. 2018).

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
738 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

diante de um interrogatório tanto judicial quanto policial, não sendo


obrigado a testemunhar contra si próprio16.
Lá o acusado não é obrigado a se manifestar, embora, se optar
por declarar, fica obrigado a dizer a verdade, tendo que prestar jura-
mento, estando sujeito à pena de perjúrio, caso minta17. No entanto,
o silêncio do réu em sede policial pode, em certas circunstâncias, ser
considerado indício ou prova do fato criminoso.18 A análise gira em
torno de ter o interrogatório policial ocorrido antes da custódia ou
sob ela e se o arguido foi informado de seus direitos ou se ele expres-
samente os invocou.
No caso Miranda v. Arizona (1966), a Suprema Corte nor-
te-americana considerou que o interrogatório sob custódia contém
em si coações que potencialmente afetam a liberdade do arguido de
exercer o privilégio. Assim, decidiu que toda pessoa que estiver sob
custódia deverá, antes de se submeter a interrogatório, ser advertida,
dentre outras coisas, de seu direito de permanecer em silêncio, de
que tudo que disser poderá ser usado contra ela e de que tem direito
a um advogado. São as chamadas “advertências de Miranda”. Estando
o arguido sob custódia, ele não é obrigado a invocar expressamente o
seu direito ao silêncio.19
A custódia consiste numa prisão formal ou numa restrição da
liberdade de locomoção em grau semelhante ao da prisão formal. No
caso Miranda, a Corte não proibiu os interrogatórios sob custódia, mas
obrigou os interrogadores a informar os suspeitos de seus direitos.

16
HAPNER, Andrew M. You have the right to remain silent, but anything you
don’t say may be used against you: the admissibility of silence as evidence
after Salinas v. Texas. Florida Law Review, Gainesville (Florida/U.S.), v. 66, n.
4, Article 8, fev. 2015, p. 1776-1777.
17
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 208.
18
HAPNER, Andrew M. You have the right to remain silent, but anything you
don’t say may be used against you: the admissibility of silence as evidence
after Salinas v. Texas. Florida Law Review, Gainesville (Florida/U.S.), v. 66, n.
4, Article 8, fev. 2015, p. 1776-1777.
19
Ibidem, p. 1766-1767.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 739

Na ausência dessas garantias, presume-se que a confissão foi obtida


de forma coativa.20
A Corte Suprema norte-americana, no caso Doyle v. Ohio (1976),
dispôs que qualquer silêncio ocorrido após as advertências de Miranda
não serve nem como indício nem como prova. Contudo, o tema não foi
abordado sob o enfoque do direito à não autoincriminação, mas sim do
princípio do devido processo constante da Décima Quarta Emenda à
Constituição do país. No caso Jenkins v. Anderson (1980), a Corte consi-
derou que o silêncio pré-custódia e pré-Miranda pode ser indicado como
indício, não violando o devido processo, já que os acusados renunciaram
a algumas proteções constitucionais optando voluntariamente em decla-
rar.21 No caso Salinas v. Texas (2013), a Corte Suprema norte-americana
sustentou que o silêncio pré-custódia e pré-Miranda é admissível como
prova material, a não ser que o acusado tenha invocado expressamente
o privilégio contra a autoincriminação.22
Na América Latina, o tratamento ao direito à não autoincriminação
é geralmente similar, porém bem mais protetivo do indivíduo do que nos
Estados Unidos e no âmbito do TEDH. Normalmente abrange mais do
que o simples direito de silenciar-se, admitindo-se inclusive a mentira,
proscrevendo-se o juramento e proibindo-se obrigar o acusado a produzir
prova contra si mesmo, ao menos na forma ativa, vedando-se o emprego
de qualquer forma violenta ou coercitiva para se obter uma declaração.
No Peru, segundo o exposto por Miguel Ángel C. Bustos23, o
direito à não autoincriminação protege, além do direito do imputado de
guardar silêncio, o direito de declarar, elegendo o conteúdo da declara-
ção, podendo declarar falsamente. Proíbe-se a utilização de tortura ou
qualquer método violento ou coercitivo para se obter uma declaração.

20
KITAI-SANGERO, Rinat. Respecting the privilege against self-incrimination:
a call for providing Miranda warnings in non-custodial interrogations. New
Mexico Law Review, Albuquerque (U.S.), v. 42, 9 Dez. 2012, p. 204-207.
21
Ibidem, p. 1767-1768.
22
Ibidem, p. 1770-1771.
23
BUSTOS, Miguel Ángel Caccha. El derecho a no autoincriminar-se en los pro-
cesos penales en el Distrito Judicial de Lima Sur, Tese para obter o título pro-
fissional de advogado – Facultad de Humanidades - Escuela Profesional de
Derecho, Universidad Autónoma del Perú, Lima, 2016, p. 77-78.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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Norma Valeria T. Escobar24 esclarece que a Constituição Política


Peruana não alberga nenhuma disposição expressa do direito à não au-
toincriminação. No entanto, a Corte Suprema entende que essa garantia
constitui um conteúdo do direito ao devido processo, além de estar
reconhecida expressamente em instrumentos internacionais de direitos
humanos, dos quais o país é signatário. Esta garantia consiste no direito
a não declarar culpado nem a ser obrigado a declarar contra si mesmo.
Na Argentina, sua Constituição25 estipula no art. 18 que: “Nadie
puede ser obligado declarar contra sí mismo”. Além disso, o direito de
não ser obrigado a declarar contra si mesmo, estipulado no art. 8º, ‘g’,
da CADH, ostenta hierarquia constitucional, por força do art. 75, inciso
22, de sua Constituição.
A Corte Suprema da Argentina (CSJN), no caso “Agüero Corva-
lán” (32:2146)26, reafirmou entendimento anterior de que as declarações
tomadas sob juramento do processado são contrárias ao direito consti-
tucional de defesa em juízo e de que o juramento implica uma coação
moral que invalida a declaração do imputado, pois trata-se de uma forma
de obrigá-lo, eventualmente, a declarar contra si mesmo. No entanto,
entendeu que a simples exortação legal de declarar conforme a verdade
não significa o mesmo que declarar sob juramento ou promessa de dizer
a verdade e por isso não infringe o disposto no art. 18 da Constituição.
Só violaria esse direito constitucional se se tentasse ir além da referida
exortação, coagindo ou ameaçando concretamente o imputado a declarar.
Conforme relata José Milton Peralta27, a Corte Suprema Argentina
entende que o direito à não autoincriminação só protege as comunicações
do imputado que deveriam provir de sua livre vontade, sendo proibidos

24
ESCOBAR, Norma Valeria Torres. El principio de no autoincriminación en el
derecho procesal penal. Tese para obtenção do título de advogada – Carrera de
Derecho – Facultad de Jurisprudencia, Universidad Regional Autónoma de
los Andes – UNIANDES, Ibarra (Equador), 2014, p. 39-40.
25
Disponível em: <https://bibliotecadigital.csjn.gov.ar/Constitucion-de-la-Na-
cion-Argentina-Publicacion-del-Bicent.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018.
26
Disponível em: <https://sj.csjn.gov.ar/sj/tomosFallos.do?method=iniciar>.
Acesso em: 27 abr. 2018.
27
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 423.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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métodos violentos para obtenção de provas. Não abrange, porém, outras


colaborações probatórias que possam prejudicá-lo.
José Luis Eloy M. Brand28 expõe que no México o direito à não
autoincriminação engloba o direito a declarar e a manter-se em silêncio.
O acusado tem o direito de ser informado desses direitos e de que tem
direito de ser assistido por advogado. Não há exigência de juramento,
podendo faltar com a verdade. É proibido qualquer método violento para
obtenção de declaração. O exercício do direito de não declarar não pode
ensejar presunção de culpabilidade, não pode gerar nenhum prejuízo ao
acusado e não pode operar confissão ficta.
Juan David Riveros-Barragán29 descreve que na Colômbia o direito
à não autoincriminação está previsto no artigo 33 da sua Constituição
Política. Abarca o direito do acusado a declarar, podendo dar a sua versão
dos fatos, o direito de não declarar, permanecendo calado, o direito de
ser informado de que pode guardar silêncio e de que não é obrigado a
declarar contra si mesmo. Não há dever de prestar juramento, a não ser
que o imputado se ofereça a declarar. Neste caso, a Corte considera que
se trata de mera formalidade legal prévia à declaração, mas da qual não
se pode derivar consequências jurídicas penais adversas ao depoente
quando sua declaração versar sobre sua própria conduta.
Javier W. Von Bernath30 informa que o direito à não autoincri-
minação está previsto na Constituição Política do Chile, no artigo 19,
número 7, letra f. Afirma que naquele país, essa garantia compreende o
direito de não ser obrigado a declarar e, se quiser declarar, não há obri-
gação de dizer a verdade, sendo vedado o juramento sobre fato próprio.
Assevera que a lei consagra uma exortação de dizer a verdade. Porém o

28
BRAND, José Luis Eloy Morales. ¿Defensa o autoincriminación? Sobre la de-
claración del imputado en el sistema penal acusatorio. Redhes – Revista de
Derechos Humanos y Estudios Sociales, San Luis Potosí (México), ano VI, n.
12, p. 123-144, jul.-dez. 2014, p. 133-138.
29
RIVEROS-BARRAGÁN, Juan David. El derecho a guardar silencio: visión
comparada y caso colombiano. Revista Colombiana Derecho Internacional, Bo-
gotá (Colômbia), n. 12, Ed. Especial, 2008, p. 381-384.
30
BERNATH, Javier Wilenmann Von. El tratamiento del autofavorecimiento
del imputado. Sobre las consecuencias substantivas del principio de no au-
toincriminación. Revista de Derecho – Universidad Católica del Norte, Coquim-
bo (Chile), v. 23, n. 1, p. 111-139, jun. 2016, p. 112-113 e 120-121.

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742 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

sistema tende a eliminar as consequências decorrentes das obrigações


de sinceridade. A mentira não induz crime de falso testemunho nem de
obstrução da investigação.
De acordo com Angélica Marlene Y. Quinatoa31, o direito à não
autoincriminação encontra amparo no art. 77, numeral 7, literal C, da
Constituição Política do Equador. Lá essa garantia inclui o direito de não
ser obrigado a declarar, podendo guardar silêncio; de declarar, inclusive
falsamente, não se lhe exigindo o juramento; de ter assistência de advo-
gado; de ser informado de seus direitos; de não sofrer coação ou tortura
para se confessar; de não colaborar com a própria condenação e de não
se confessar culpado.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 esta-
beleceu no inciso LXIII do art. 5º que: “o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado”32. Tal dispositivo enseja interpretação
extensiva, conforme entendimento da Suprema Corte brasileira (STF).
O STF compreende que o “privilégio” contra a autoincrimina-
ção pode ser invocado por qualquer pessoa, seja na condição de tes-
temunha, de suspeito, indiciado, denunciado ou réu que deva prestar
depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo
ou do Poder Judiciário. O exercício do direito ao silêncio não pode
implicar qualquer restrição à esfera jurídica daquele que regularmen-
te o invocou. Ninguém pode ser tratado como culpado antes de uma
decisão condenatória definitiva. É o que se verifica no julgamento do
Habeas Corpus 79.812/SP33.
No Habeas Corpus 99.289/RS34, o STF consignou que o exercício
do direito ao silêncio não implica confissão e não pode causar nenhum

31
QUINATOA, Angélica Marlene Yugcha. El garantismo constitucional frente al
principio de legalidad y el derecho a la no incriminación en el procedimiento abre-
viado en la legislación penal ecuatoriana. Tese para obtenção do título de advo-
gada - Escuela de Derecho - Facultad de Jurisprudencia, Ciencias Políticas y
Sociales, Universidad Central del Ecuador, Quito, jun. 2014, p. 3 e 71-74.
32
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicaocompilado.htm>. Acesso em: 27 abr. 2018.
33
STF, HC 79.812/SP, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 08/11/2000.
34
STF, HC 99.289/RS, Relator Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 23/06/2009.

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prejuízo ao acusado. No julgamento do HC 94.601/CE35, a Corte Suprema


dispôs que o interrogatório do réu é um meio de defesa, que compõe o
devido processo legal.
Segundo o entendimento do STF esposado no julgamento da
Medida Cautelar no Habeas Corpus 96.219/SP36, a participação do acu-
sado na colaboração para a apuração de crimes contra si é facultativa.
A “prerrogativa” de permanecer em silêncio vai além do direito de não
colaborar, oralmente, com a investigação criminal. Abrange também o
direito de o indivíduo não produzir prova contra si mesmo; o direito a se
recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probató-
rios que lhe possam afetar a esfera jurídica, como reprodução simulada
dos fatos delituosos investigados. Também não lhe é obrigado fornecer
padrões gráficos para fins de perícia criminal.
Registra-se que essa interpretação extensiva dada pelo STF se
limita aos fatos criminosos imputados ao indivíduo, não abrangendo
a sua qualificação, conforme disposto no julgamento do Recurso Ex-
traordinário RE 640.139/DF37 de reconhecida repercussão geral. Assim,
o acusado não tem o direito de silenciar ou mentir quanto aos dados
pessoais que o qualifiquem, como nome, sexo, estado civil, filiação,
idade e outros.
Apesar desse entendimento tão ampliativo quanto ao direito à não
autoincriminação, a Corte Suprema brasileira se afasta do entendimento
da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no âmbito
da CADH com relação à teoria das nulidades. Enquanto esta considera
decorrer prejuízo do simples desrespeito ao direito ao silêncio, aquela
restringe esse direito, exigindo demonstração de prejuízo pelo réu quando
o direito foi desrespeitado, deixando ao livre arbítrio do julgador o que
considera ser ou não prejuízo.38

35
STF, HC 94.601/CE, Relator Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 04/0/2009.
36
STF, HC 96.219 MC/SP, Decisão Monocrática Min. Celso de Mello, j. 09/10/2008.
37
STF, RE 640.139 RG/DF, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 22/09/2011.
38
GUEDES, Gabriel Pinto. O direito a não produzir prova contra si mesmo: aproxi-
mações entre os cases da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supre-
mo Tribunal Federal. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação
em Ciências Criminas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2014, p. 16.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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2. F undamentos do direito à não autoincriminação


Como visto, o direito à não autoincriminação é um direito humano
e fundamental, pois previsto em Tratados e Convenções Internacionais
de Direitos Humanos e na Constituição do país. É, assim, relevante a
ponderação de José Milton Peralta39 de que o fato desse direito ocupar
essa posição normativa privilegiada constitui seu fundamento legal, mas
não o seu fundamento primordial. A norma não pode justificar-se em si
mesma. A razão por que esse direito toma esse lugar privilegiado, ou seja,
o motivo por que ele existe é que constitui o seu fundamento central.
Verifica-se que não há na literatura jurídica ampla discussão sobre
o fundamento central do direito à não autoincriminação. A bibliografia
sobre o tema apresenta conceitos, objetivos, origens históricas e conse-
quências. No entanto, raramente se encontra análise profunda sobre o
fundamento principal.
Na bibliografia pesquisada, encontraram-se várias razões aponta-
das como justificadoras do direito à não autoincriminação, dentre elas, a
dificuldade humana em confessar seus próprios erros, o sistema acusatório,
a presunção de inocência, o direito de defesa e a coibição de tortura para
se obter uma confissão. A tutela da dignidade humana foi o fundamento
mais assinalado. Quanto a este aspecto, encontrou-se a indicação da inte-
gridade física e mental, da intimidade, da liberdade de autodeterminação
e de consciência, da autopreservação e da liberdade moral.
Marcelo S. Albuquerque40 defende que o direito à não autoincri-
minação tem três fundamentos: histórico, natureza humana e processual.
O fundamento histórico seria o desestímulo à obtenção forçada de con-
fissão, pois esse direito surgiu em resposta às barbáries cometidas contra
os acusados, que eram frequentemente submetidos à tortura, a fim de
lhes extrair uma confissão, considerada àquela época a rainha das provas.
Diz o autor que a natureza humana revela que o homem tem di-
ficuldades em espontaneamente confessar suas próprias falhas e assumir

39
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 400.
40
ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: ex-
tensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 69.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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as consequências que delas possam advir. Aqui o fundamento na natu-


reza humana seria a garantia da integridade mental do indivíduo, de sua
liberdade de autodeterminação e de consciência. Afirma, ainda, que este
direito consiste em um meio de efetivar o direito de ampla defesa. Assim,
tem também fundamento processual.41
O autor assevera que a tentativa de extrair à força palavras de
alguém que não queira falar é atentatório à sua dignidade, mesmo que
não se trate de força física, como uma norma cogente que atribui algu-
ma consequência negativa ao silêncio. É natural no homem a proteção
de sua liberdade de consciência e o seu instinto de autopreservação.
Por isso a garantia de não autoincriminação proscreve o juramento e
certos métodos de interrogatórios, dentre eles o soro da verdade e o
detector de mentiras.42
Como consequência desses fundamentos apontados, Marcelo S.
Albuquerque43 defende que só cabe a aplicação do direito à não autoin-
criminação quando houver necessidade de se atender às suas finalidades:
desestimular a obtenção forçada de confissão, garantir a ampla defesa,
proteger direitos fundamentais que compõem a dignidade da pessoa
humana, como a integridade física e mental, a liberdade de autodeter-
minação e de consciência. Não é um direito absoluto. Exige-se sempre a
observância da proporcionalidade. Ampara-se somente o direito a não
declarar verbalmente contra si mesmo, bem como a não participar de
acareação nem de reconstituição simulada dos fatos, já que violam a dig-
nidade humana. Não confere ao indivíduo uma liberdade ampla de não
colaborar na produção probatória contra si nem lhe concede o direito de
mentir, embora não seja crime a mentira.
Guilherme G. Walcher44 segue a mesma linha que Marcelo S.
Albuquerque. Sustenta que o fundamento do princípio da não autoincri-
minação é a tutela da integridade física e mental do indivíduo. Funda-se

41
Ibidem, p. 69.
42
Ibidem, p. 72-73.
43
Ibidem, p. 52-53 e 91-93.
44
WALCHER, Guilherme Gehlen. A garantia contra a autoincriminação no Di-
reito brasileiro: breve análise da conformação do princípio nemo tenetur se
detegere à luz da jurisprudência nacional e estrangeira. Revista de Doutrina da
4ª Região, Porto Alegre, n. 57, 18 dez. 2013, [s/p].

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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também no reconhecimento da dificuldade, inerente à natureza humana,


de confessar erros, desvios de conduta e principalmente delitos. Além
disso, veio como uma retaliação às atrocidades cometidas na Idade Média,
em que se utilizava tortura para obtenção de uma confissão.
Como consequência dessa fundamentação, o acusado é protegido
de ser obrigado, por meio de fraude ou coação, física ou moral, a produzir
prova contra si mesmo, porém não de forma ampla. Tem apenas o direito
a não colaborar com as investigações de forma ativa na modalidade oral,
ou seja, não declarar e não se confessar. Contudo, o dever das partes de
colaborar com a Justiça na apuração dos fatos em tese delituosos, como
as exigências de apresentação de documentos e de submissão a inter-
venções corporais que não ensejam risco de morte ou à saúde, somente
a Constituição e a lei podem determinar.45
Para Guilherme G. Walcher46, o direito à não autoincriminação
não concede ao indivíduo um direito à mentira. Diz que esta tem um grau
de reprovabilidade muito maior do que o silêncio. Ela apenas é tolerada
pelo ordenamento jurídico quando imprescindível para viabilizar o di-
reito de autodefesa, com o intuito de elidir a responsabilização criminal,
exigindo-se, no entanto, a razoabilidade e a proporcionalidade.
Carlos Henrique B. Haddad47 não discute o fundamento central
do princípio contra a autoincriminação. No entanto, indica sua extensão.
Afirma que esse direito abrange a vedação de obrigar a se confessar, a
proibição do juramento e o direito de permanecer calado. Garante a li-
berdade de declaração do acusado, abarcando todas as ações que possam
contribuir para a autoincriminação, orais ou físicas, e não se pode dele
exigir a colaboração na produção de provas incriminadoras. A inércia do
acusado não implica assunção de culpa. Somente os atos que dependem
da vontade do indivíduo estão protegidos. Portanto, não se aplica aos atos
que constituem mera tolerância do acusado, nem às condutas comissivas
destinadas a evitar a produção, por terceiros, de prova desfavorável.

45
Ibidem, [s/p].
46
Ibidem, [s/p].
47
HADDAD, Carlos Henrique Borlido: Conteúdo e contornos do princípio contra
a auto-incriminação. Tese de Doutorado – Faculdade de Direito da Universi-
dade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003, p. 299-230.

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O fundamento central do direito à não autoincriminação também


não é indicado por Miguel Ángel C. Bustos48. Todavia afirma que se trata
de uma manifestação do direito de defesa, do devido processo legal e
do princípio da presunção de inocência. Destaca que essa garantia não
está adstrita somente ao âmbito do direito penal, mas se estende a todo
procedimento que implique uma sanção. Acresce que em um Estado
Constitucional de Direito, todos os envolvidos na persecução penal devem
entender claramente que o fato de o imputado silenciar ou se contradizer
em suas declarações não gera indício de culpabilidade, significando tão-
-somente que ele está exercendo seu direito a não se autoincriminar. Esse
direito não protege somente o direito de guardar silêncio, mas alcança a
escolha do conteúdo da declaração, não estando vinculada à verdade. Por
isso, é vedado o juramento, bem como a prática de qualquer violência
para se obter uma declaração.
Víctor Moreno Catena49, apesar de não examinar de modo espe-
cífico o fundamento principal do direito à não autoincriminação, deixa
a entender que seria o princípio da presunção de inocência, o qual veda
uma condenação em que não haja convicção de culpabilidade. O acusado
deve ser tratado como inocente enquanto não for condenado num pro-
cesso devidamente legal. Dessa forma, o indivíduo não pode ser obrigado
a declarar ou a colaborar com a investigação.
Sustenta o autor que o direito à não autoincriminação é um direito
incondicional, ou seja, seu uso não pode acarretar qualquer consequência
jurídica prejudicial ao acusado. Suas declarações têm natureza de ato de
defesa. Assim, o acusado tem que ser previamente informado sobre os seus
direitos: de ser assistido por um advogado; de saber sobre os fatos que lhe são
imputados; de não declarar contra si mesmo e de não se confessar culpado;
de optar por não declarar ou por declarar, ainda que seja parcialmente; e
de saber sobre as consequências que poderão advir de suas declarações.50

48
BUSTOS, Miguel Ángel Caccha. El derecho a no autoincriminar-se en los pro-
cesos penales en el Distrito Judicial de Lima Sur, Tese para obter o título pro-
fissional de advogado – Facultad de Humanidades - Escuela Profesional de
Derecho, Universidad Autónoma del Perú, Lima, 2016, p. 77-78.
49
CATENA, Víctor Moreno. Sobre o princípio da presunção de inocência. Revis-
ta CEJ, Brasília, ano XIX, n. 67, p. 101-111, set.-dez. 2015, p. 108-109.
50
Ibidem, p. 109-110.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
748 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

Caroline Araújo51 igualmente não aponta o fundamento central do


direito à não autoincriminação. Assegura que é um direito fundamental
previsto na Constituição, inerente ao sistema acusatório, além de ser
uma garantia processual. Como consequência desse direito tem-se, além
do direito ao silêncio, o direito de não colaborar na produção de provas
contra si. Alega que tem influência nos princípios da dignidade da pessoa
humana, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Norma Valeria T. Escobar52 assevera que o fundamento do direito à
não autoincriminação é a dignidade da pessoa humana ao ser reconhecido o
acusado como sujeito e não como mero objeto de prova. Coagir o acusado,
exigindo-lhe uma declaração que exteriorize um conteúdo de admissão
de culpabilidade ou de confissão, viola sua liberdade moral e, portanto,
sua dignidade. Desse fundamento resulta que do exercício desse direito
não podem derivar consequências negativas para seu titular. O silêncio
do acusado não pode ser considerado sequer um indício de culpabilidade.
A autora diz que o direito à não autoincriminação se revela no
direito de autodefesa e na presunção de inocência. Atribui-se exclusiva-
mente ao Estado-acusador a carga probatória e se proíbe a utilização no
processo de provas irregularmente obtidas53. Infere-se, pois, que o direito
de autodefesa, a presunção de inocência e a inadmissibilidade de provas
ilícitas são decorrências do direito à não autoincriminação.
Maria Elizabeth Queijo54 compreende que o direito fundamental
à não autoincriminação se traduz numa esfera de liberdade do indi-
víduo frente ao Estado, que não se reduz ao direito ao silêncio. Visa
proteger o indivíduo contra os abusos utilizados na persecução penal,

51
ARAÚJO, Caroline. O princípio do nemo tenetur se detegere no crime de em-
briaguez ao volante: pièce de résistance no vale tudo probatório. Dissertação
(Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais), Pontifícia
Universidade Católica o Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015, [s/p].
52
ESCOBAR, Norma Valeria Torres. El principio de no autoincriminación en el
derecho procesal penal. Tese para obtenção do título de advogada – Carrera de
Derecho – Facultad de Jurisprudencia, Universidad Regional Autónoma de
los Andes – UNIANDES, Ibarra (Equador), 2014, p. 30-36.
53
Ibidem, p. 30-36.
54
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 77.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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abrangendo a proteção “contra violências físicas e morais, empregadas


para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de
delitos, bem como contra métodos proibidos de interrogatório, suges-
tões e dissimulações”.
Para a autora, a dignidade é da essência da natureza humana e
é ela o fundamento do direito à não autoincriminação, exigindo preser-
vação da integridade física e moral do acusado. Consequentemente, o
investigado não pode ser obrigado a dizer a verdade nem a colaborar na
produção da prova, nem poderá ser submetido a tortura ou a tratamento
desumano ou degradante ou a qualquer outra medida que seja prejudicial
à sua integridade física e moral.55
Marcia C. D. Yokoyama56 igualmente entende que o direito à não
autoincriminação encontra fundamento na dignidade da pessoa huma-
na. Trata-se de “manifestação do direito à intimidade, de preservação,
de escolha entre falar ou calar, de não se expor, do livre exercício da
consciência”. Acrescenta que silenciar para não se prejudicar advém da
natureza humana.
A autora aduz que a dignidade humana é um supraprincípio que
dá fundamento a todos os direitos fundamentais. O direito à não autoin-
criminação daí decorrente se traduz num direito de defesa do indivíduo
perante o Estado, o qual deverá adotar um comportamento negativo,
uma postura de abstenção, devendo respeitar a autodeterminação da
pessoa de abster-se de falar em interrogatórios ou em fase anterior.
Logo, o silêncio do acusado não pode lhe gerar qualquer desvantagem
na persecução penal.57
Para a autora, a presunção de inocência, o devido processo legal,
a ampla defesa e o contraditório, a informação prévia acerca do direito
e a proibição de provas ilícitas são meios que possibilitam a efetivação
da garantia de não autoincriminação. Pela presunção de inocência o
acusado não precisa falar para demonstrar sua inocência. Pelo devido

55
Ibidem, p. 97, 102 e 113.
56
YOKOYAMA, Marcia Caceres Dias. O direito ao silêncio no interrogatório. Dis-
sertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2007, p. 106 e 144.
57
Ibidem, p. 46-50.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
750 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

processo legal, garante-se o contraditório e a ampla defesa, assegurando


ao acusado a informação acerca da imputação, das suas consequências
e da oportunidade de defesa. Pelo silêncio ou a apresentação da sua
versão dos fatos, o acusado exerce a opção pela atitude que lhe seja mais
conveniente em sua defesa.58
Rochester O. Araújo59 não analisa especificamente o fundamento
do direito à não autoincriminação. Entretanto, pode-se extrair de sua
explanação que a razão seria o instinto de autopreservação do sujeito e
a sua capacidade de autodeterminação, já que ela alega que esses são os
dois bens jurídicos objeto de proteção daquele direito.
A autora acrescenta que tal direito configura essencialmente
em uma regra quanto às provas no processo penal e, por isso, seu
respeito exige critérios pré-fixados, incluindo o direito de informação
prévia do acusado, o respeito à sua voluntariedade na participação da
prova e o acompanhamento por defensor técnico60. Deduz-se, então,
que essas são formas de se possibilitar a efetivação do direito à não
autoincriminação.
José Milton Peralta61 sustenta que há dois fundamentos para o
direito à não autoincriminação. Um deles é a inaceitável imoralidade de
se colocar o imputado frente a disjuntivas indesejáveis: “calar e receber
uma consequência negativa por calar ou falar e, neste caso, ter uma
consequência negativa ou por dar falso testemunho ou por se autoincri-
minar”. Chamam-se essas disjuntivas de “trilema”. O cerne da questão é
evitar que se exija do imputado que colabore em um processo contra si,
pois isto é imoral. O outro fundamento, complementar ao primeiro, está
ligado à necessidade de assegurar ao imputado o exercício do direito de
defesa sem temores, inclusive facultando-lhe a mentira.

58
Ibidem, p. 53-75 e 144-145.
59
ARAÚJO, Rochester Oliveira. O direito fundamental contra a autoincriminação:
a análise a partir de uma teoria do Processo Penal Constitucional. Dissertação
(Mestrado em Constituição e Garantias de Direitos), Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2013, p. 178-194.
60
Ibidem, p. 13-18.
61
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 407-416. (livre tradução)

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Ainda que o método utilizado para obter declarações não seja em


si incorreto ou reprovável, é moralmente inaceitável colocar o imputado
frente a essas disjuntivas desagradáveis62. Por exemplo, a utilização do
soro da verdade, de detector de mentiras ou da hipnose, a exigência de
juramento de dizer a verdade, previsão e aplicação de sanção legal para
o silêncio, etc.
Quanto à mentira, José Milton Peralta63 não se mostra suficien-
temente claro. Ora afirma que a faculdade de mentir é um fundamento
do direito à não autoincriminação, ligado à necessidade de assegurar ao
imputado o exercício do direito de defesa sem temores. Ora diz que não
seria um fundamento, pois a opção pelo silêncio já libera o imputado de
qualquer dilema moral ou prudencial.
A principal decorrência do fundamento central do direito à não
autoincriminação apresentada por José Milton Peralta64 é que ocorre
violação desse direito em duas situações: quando o imputado é coagido a
declarar e também quando se infere qualquer conclusão incriminatória em
razão do seu silêncio. Seja através de presunção de culpabilidade absoluta
ou relativa, seja quando se considera o silêncio como um mero indício,
o indivíduo se sente frente a disjuntivas desagradáveis, que formam o
chamado “trilema”.
Embora seja incontroverso o direito ao silêncio em seu sentido
estrito de não declarar e não se confessar culpado, Maria Elizabeth Queijo65
constata que ainda há uma relutância de muitos magistrados em conferir
efetividade ao exercício desse direito. Nas sentenças condenatórias fazem
inferência negativa ao silêncio, justificando-se que há no processo outras
provas que por si só comprovam o delito. Argumentam que esta postura
só interessaria a um culpado; se inocente, teria ele todo o interesse em
responder ao interrogatório, já que normalmente sua conduta seria de
protestar reiteradamente por sua inocência.

62
Ibidem, p. 409.
63
Ibidem, p. 410 e 416.
64
Ibidem, p. 409-410.
65
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 155-156.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
752 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

No entanto, esses argumentos dos magistrados são infundados,


inconsistentes. Como explica Marcelo Sancinetti66, aquele “trilema” que
justifica o direito de não declarar contra si mesmo está pensado justamen-
te para as hipóteses em que o interrogado é culpado, já que se pretende
evitar que ele seja colocado ante aquelas disjuntivas desagradáveis, pois
é justamente aí que é imoral obrigá-lo a declarar.
De fato, se o interrogado for inocente, a imposição de uma decla-
ração em nada afetaria sua integridade, pois não haveria falhas, erros ou
desvios para assumir. No entanto, se for culpado e obrigado a declarar, das
duas uma: ou mentirá ou irá se autoincriminar. Aí é que sua integridade
mental e moral estará violada, já que vai contra sua dignidade, sua natureza
humana. Entretanto, admitir que há grande probabilidade de culpa do
acusado que silencia não permite lhe atribuir consequências negativas,
já que o exercício de um direito não autoriza prejudicar o seu titular.

3. A nálise dos argumentos apresentados

Pela análise das exposições acima, constata-se que são vários os


fundamentos indicados para o direito à não autoincriminação. De igual
forma, são diversas as consequências apontadas como sua decorrência.
Percebe-se que há uma confusão entre o fundamento do direito com
aquilo que decorre dele ou que seja um dos meios de possibilitar sua
efetivação. Deve-se considerar, entretanto, que fundamento central é o
motivo ensejador da existência do direito.
Afirmar que algo é o fundamento central do direito à não autoin-
criminação significa dizer que este nasceu por causa daquilo. O sistema
acusatório, a presunção de inocência, a ampla defesa e a coibição da tortura
são fundamentos apontados, todavia, carentes de argumentos sólidos.
A estrutura do sistema acusatório e a presunção de inocência
como fundamento do princípio da não autoincriminação é justificada no

66
SANCINETTI, Marcelo. El delito de enriquecimiento ilícito de funcionario pú-
blico - art. 268, 2, C.P. 2. ed. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 44 e ss. apud
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 408-409.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 753

fato de que no sistema acusatório, o acusado tem presumida sua inocência


e, por isso, o ônus probatório fica totalmente a cargo do Estado.
José Milton Peralta67 afirma ser insatisfatório esse argumento,
alegando que, se fosse válido, o Estado-acusador, que tem o ônus proba-
tório, não poderia exigir a colaboração de terceiros, como testemunhas,
que são obrigadas a declarar o que sabem a respeito do ocorrido e a dizer
a verdade. Da mesma forma, a confissão voluntária do acusado retiraria
sua presunção de inocência e, então, o Estado-acusador não mais neces-
sitaria provar a acusação, o que não acontece.
O sistema acusatório constitui-se num conjunto de princípios e re-
gras que disciplinam a persecução penal. De acordo com Luigi Ferrajoli68, o
modelo acusatório se caracteriza, principalmente, por uma separação rígida
entre juiz e acusação, paridade entre acusação e defesa, publicidade e orali-
dade do julgamento. O juiz é um sujeito passivo e rigorosamente separado
das partes. A acusação inicia o debate paritário e detém o ônus probatório.
O processo se desenvolve mediante um contraditório público e oral.
A promoção da segurança pública, investigando os delitos e
punindo os culpados, mas ao mesmo tempo garantindo aos indivíduos
a preservação de todos os seus direitos humanos, inclusive o direito de
não se autoincriminar, é o objetivo do sistema acusatório. O direito à
não autoincriminação não nasceu em razão deste sistema, sendo apenas
um dos direitos que o compõem. Portanto, o sistema acusatório não é o
fundamento ensejador da existência do direito à não autoincriminação.
A presunção de inocência é uma garantia do indivíduo de não ser
considerado culpado enquanto não houver uma condenação definitiva após
o trâmite de um devido processo legal. É também uma das garantias que
compõem o sistema acusatório. A presunção de inocência corresponde
mais apropriadamente a um dos meios que possibilitam a efetivação do
direito à não autoincriminação do que a razão de sua existência. Como
não se pode presumir culpado o indivíduo que se silencia ou que mente,

67
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 406.
68
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana
Paula Zomer Sica et al., 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 518-520.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
754 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

então ele se sente mais livre para decidir se declara ou não. Contudo,
ainda que o réu confessasse espontânea e conscientemente, renunciando
ao direito à não autoincriminação, a presunção de inocência perduraria
até a condenação definitiva.
A coibição da tortura e de outros meios violentos para obtenção
de uma declaração autoincriminante também é apresentada como funda-
mento do direito à não autoincriminação. Certamente, o reconhecimento
dessa garantia tem grande relevância na coibição da utilização de tortura
para a obtenção de uma confissão, tão aplicada na Idade Média e repelida
pelo sistema acusatório. Contudo esse direito existe independentemente
de sua utilização.
A tortura constitui um mal em si mesma, sendo rechaçada qual-
quer que seja o emprego que se faça dela, sendo prevista como crime
no ordenamento jurídico (Lei n. 9.455/199769). Trata-se de um meio
aviltante da dignidade humana, pela imposição de sofrimento físico ou
psíquico para se alcançar um fim. Contudo, como aponta Maria E. Quei-
jo70, o indivíduo não é obrigado a se autoincriminar independentemente
do meio empregado, seja a tortura, seja meio astucioso ou enganador,
seja método em que haja subjugação da vontade, como hipnose, soro da
verdade e polígrafo.
Como bem argumenta José Milton Peralta71, a tortura é censurada
não só quando utilizada para obter declarações autoincriminantes, mas em
qualquer caso, seja para declarações autoincriminantes ou descriminantes,
seja para declarações feitas por suspeitos ou não, ou ainda para declara-
ções que buscam incriminar outras pessoas. Complementa dizendo que,
se a razão do princípio da autoincriminação fosse elidir a tortura como
meio de obtenção de prova, bastaria uma lei que simplesmente proibisse
métodos violentos de obtenção de provas em geral.

69
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9455.htm>.
Acesso em 27 abr. 2018.
70
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 271-273.
71
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 404-405.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 755

A dignidade humana é a mais indicada como fundamento do


direito à não autoincriminação. De fato, é ela que, em última análise,
embasa todos os direitos fundamentais. No entanto, cada direito funda-
mental visa proteger um ou alguns aspectos em particular da dignidade
humana, como a integridade física, a integridade mental, a liberdade
de autodeterminação, a liberdade moral, a liberdade de consciência, a
autopreservação, a intimidade, dentre outros.
Dizer genericamente que a dignidade humana é o fundamento
do direito à não autoincriminação não está incorreto, porém não delimita
suficientemente qual é o aspecto particularizado que se visa proteger.
Quanto ao elemento particular da dignidade humana que fun-
damenta o direito à não autoincriminação, Marcelo S. Albuquerque72
aponta a liberdade de consciência e de autodeterminação, o instinto de
autopreservação e a integridade física e mental do indivíduo. Marcia C.
D. Yokoyama73 assinala a liberdade de consciência, a autopreservação e
a intimidade. Rochester O. Araújo74 indica o instinto de autopreservação
e a capacidade de autodeterminação do indivíduo. Norma Valeria T.
Escobar75 aponta a liberdade moral.
José Milton Peralta76 também afirma que o que se quer proteger
com o direito à não autoincriminação é a dignidade humana, delimitada
na integridade mental e moral do indivíduo. O autor vai um pouco mais
além, pois determina exatamente o que viola a integridade mental e moral

72
ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: ex-
tensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 52-53 e 72-73.
73
YOKOYAMA, Marcia Caceres Dias. O direito ao silêncio no interrogatório. Dis-
sertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2007, p. 144.
74
ARAÚJO, Rochester Oliveira. O direito fundamental contra a autoincriminação:
a análise a partir de uma teoria do Processo Penal Constitucional. Dissertação
(Mestrado em Constituição e Garantias de Direitos), Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2013, p. 178-194.
75
ESCOBAR, Norma Valeria Torres. El principio de no autoincriminación en el
derecho procesal penal. Tese para obtenção do título de advogada – Carrera de
Derecho – Facultad de Jurisprudencia, Universidad Regional Autónoma de
los Andes – UNIANDES, Ibarra (Equador), 2014, p. 30-36.
76
PERALTA, José Milton. La no obligación de declarar contra uno mismo. In:
RIVERA, Julio C. (h) et al. Tratado de los derechos constitucionales. Buenos
Aires: Abeledo Perrot, 2014. v. 3. Cap. 4, p. 407-416 e 438.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
756 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

do indivíduo: ser colocado frente a possíveis disjuntivas desagradáveis,


que compõem o chamado “trilema”, que se constitui na possibilidade
de dar origem a consequências negativas, seja por optar por manter-se
em silêncio ou por declarar, e, neste caso, por se autoincriminar ou por
mentir, mesmo que o método utilizado para obter declarações não seja
em si incorreto.
Parece também plausível a indicação de Marcelo S. Albuquerque77
e de Guilherme G. Walcher78 da integridade mental e moral do indivíduo,
como um aspecto particular da dignidade humana, delimitada na dificul-
dade, inerente à natureza humana, de espontaneamente confessar suas
próprias falhas, erros, desvios de conduta e assumir as consequências
que possam advir dessas condutas.
Maria E. Queijo79 igualmente defende que a dignidade, que é da
essência da natureza humana, é o fundamento do direito à não autoincri-
minação, exigindo preservação da integridade física e moral do acusado.
Marcia C. D. Yokoyama80 entende que, como é da natureza humana
silenciar-se para não se prejudicar, o direito à não autoincriminação
encontra fundamento na dignidade da pessoa humana, como proteção
da intimidade, da preservação, da escolha entre falar ou calar, de não se
expor, do livre exercício da consciência.
É exatamente essa natureza humana que torna desagradáveis
aquelas disjuntivas do chamado “trilema”. Pois obrigar alguém a se
autoincriminar, a admitir uma má conduta, uma falha, um desvio, é
constrangê-lo. Sendo obrigado a declarar ou a dizer a verdade, terá
que agir contrariamente à sua natureza. Isso atenta contra a sua

77
ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: ex-
tensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 69.
78
WALCHER, Guilherme Gehlen. A garantia contra a autoincriminação no Di-
reito brasileiro: breve análise da conformação do princípio nemo tenetur se
detegere à luz da jurisprudência nacional e estrangeira. Revista de Doutrina da
4ª Região, Porto Alegre, n. 57, 18 dez. 2013, [s/p].
79
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o
princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 97 e 102.
80
YOKOYAMA, Marcia Caceres Dias. O direito ao silêncio no interrogatório. Dis-
sertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2007, p. 106 e 144.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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integridade mental e moral, que compõem a dignidade humana. Se o


modo para se obrigar a declarar for violento, atenta também contra
a integridade física.
Lembra-se que todos os direitos humanos são imanentes à natureza
humana. São inerentes ao homem enquanto homem, que tem uma natureza,
ou seja, uma essência como tal. Todo e cada homem possui uma natureza
que é comum a todo ser humano. Por isso, tais direitos se revestem de
caráter fundamental.81 Ademais, falar em dignidade humana, o princípio
motriz de todos os direitos humanos, é admitir que ela é inerente ao ser
humano, à sua essência, à sua natureza82. Os direitos humanos são direitos
pré-existentes ao homem, que pertencem a este por sua natureza, já que
do contrário seria admitir que seriam bens a que se aspiram e, assim, a
serem conquistados por ainda não os possuir83.
Constitui, pois, fundamento central do direito à não autoincri-
minação a natureza humana, que tem dificuldade em espontaneamente
confessar suas próprias falhas, erros, desvios de conduta e assumir as
consequências que possam advir dessas condutas. Forçar o ser humano a
agir contra essa natureza viola sua integridade mental e moral ou até física,
se o meio for violento. Transgride aquela natureza humana e, portanto,
a dignidade da pessoa humana colocar alguém frente a disjuntivas desa-
gradáveis, constituídas da possibilidade de dar origem a consequências
negativas, seja por optar por manter-se em silêncio ou por declarar, e,
neste caso, por se autoincriminar ou por mentir.
Portanto, o fundamento do direito à não autoincriminação é mais
bem delimitado conjugando estes três fatores interligados: o “trilema”, a
natureza humana e a integridade mental e moral do indivíduo. Levando-se
em conta a natureza humana, tem-se violada a sua integridade mental e
moral quando colocado frente àquelas disjuntivas desagradáveis. Essa é
a razão de existência do direito à não autoincriminação.

81
BIDART CAMPOS, Germán J. Teoría general de los derechos humanos. Edición
al cuidado de Miguel López Ruiz. Ciudad de México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 1989, p. 14-15.
82
Ibidem, p. 86.
83
BEUCHOT, Mauricio; JAVIER, Saldaña. Derechos humanos y naturaleza huma-
na. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2000, p. 63.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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O fundamento do direito à não autoincriminação reflete em sua


enorme relevância como garantia processual penal. Encontra-se severa-
mente imbricado com outros princípios, tornando-os interdependentes.
Dentre esses princípios, destaca-se o da presunção de inocência, que
por sua vez impõe ao Estado o ônus probatório, reforçando o direito de
não contribuir com a acusação na atividade probatória e evitando que a
confissão seja supervalorada e buscada a todo custo. Também se encontra
intimamente relacionado ao princípio da ampla defesa, já que declarar
ou não declarar corresponde a um meio de defesa.
Segundo Luigi Ferrajoli84, o nemo tenetur se detegere é uma máxima
do garantismo processual acusatório, que é informado pela presunção de
inocência. Dessa máxima decorrem os corolários: a proibição de juramento;
a proibição de métodos violentos ou que utilizem a manipulação da psique
para obtenção de confissão; a negação do papel decisivo da confissão; o
direito de ficar calado e a faculdade de mentir; o direito à assistência e
presença de advogado defensor no interrogatório.
Entender a real razão de existência do direito à não autoincri-
minação é fundamental para resolver os problemas relativos à prova
que dependa de colaboração do acusado. São exemplos os casos de
intervenções corporais não consentidas, como extração de sangue e
a coleta de material genético prevista pela Lei 12.654/201285, tanto
para apuração de crime quanto para compor um banco de dados para
apuração futura.
André L. Nicolitt e Carlos R. Wehrs86 asseveram que não existe
norma constitucional que autorize a restrição do direito à inviolabilidade
e à integridade corporal nem da garantia contra a autoincriminação, que
são direitos fundamentais. Estes são limites ao poder político. Acres-
centam que a dignidade humana faz da pessoa um fim em si mesma e

84
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de
Ana Paula Zomer Sica et al., 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,
p 559-560.
85
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/
2012/lei/l12654.htm>. Acesso em: 27 abr. 2018.
86
NICOLITT, André Luiz; WEHRS, Carlos Ribeiro. Intervenções corporais no
processo penal e a nova identificação criminal: (lei 12.654/2012). 2. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 143 e 154.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134 | 759

impede sua coisificação ou utilização como objeto. Assim, a violação


da integridade física transgride a dignidade do acusado, sendo que a
sua utilização como meio de obtenção de prova, o transforma em um
objeto, em uma coisa.
Os autores87, refutando entendimento contrário, defendem que
o direito fundamental de não autoincriminação veda a obrigatoriedade
de colaboração do réu para a investigação ou instrução processual. Não
há diferença se a colaboração forçada é ativa ou passiva, ou seja, um
suportar passivamente alguma forma de intervenção, pois o acusado
é utilizado como meio de prova, um objeto do processo, tanto em um
quanto em outro caso.

Conclusão

O direito à não autoincriminação encontra-se previsto em vários


documentos internacionais de direitos humanos, bem como na maioria
das Constituições dos países democráticos. Portanto, é um direito humano
e fundamental. No entanto, o fato deste direito se achar nesta posição de
superioridade normativa não é o seu fundamento central. Pelo contrário,
a importância advinda de seu real fundamento é que o faz ocupar essa
posição de destaque.
São vários os fundamentos indicados para o direito à não au-
toincriminação. Demonstrou-se que o sistema acusatório, a presunção
de inocência, a ampla defesa, o devido processo legal, a coibição da tor-
tura ou de outros meios violentos para se obter uma declaração não se
coadunam como fundamento central do direito à não autoincriminação.
Evidenciam-se mais propriamente como decorrências ou um dos meios
de possibilitar sua efetivação.
Verificou-se que a dignidade humana é a mais indicada como
fundamento do direito à não autoincriminação. Aquela é o princípio
motriz de todos os outros direitos individuais fundamentais. O direito
de não autoincriminação tem, portanto, em última instância, fundamento
naquele superprincípio.

87
Ibidem, p. 156-159.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
760 | Carvalho, Heloisa Rodrigues Lino de.

A dignidade humana é inerente ao ser humano, à sua essência,


à sua natureza, e envolve vários elementos. Assim, faz-se necessária a
delimitação suficiente do aspecto particular da dignidade humana que o
direito à não autoincriminação visa proteger. Foram vários os aspectos
particulares apresentados, como a integridade física e mental, a liberdade
de autodeterminação e de consciência, a autopreservação, a liberdade
moral e a intimidade.
Deduziu-se que o aspecto particular mais sólido da dignidade
humana que enseja a existência do direito à não autoincriminação é a
integridade mental e moral, que é violada ao ser o indivíduo colocado
frente a possíveis disjuntivas desagradáveis, que formam o chamado
“trilema”, constituídas da possibilidade de dar origem a consequências
negativas, seja por optar manter-se em silêncio ou declarar e, neste
caso, por se autoincriminar ou por mentir. Isso transgride a natureza
humana, que tem dificuldade de admitir as próprias falhas e assumir as
consequências daí advindas.
Concluiu-se que o fundamento do direito à não autoincriminação é
mais bem delimitado conjugando estes três fatores interligados: o “trilema”,
a natureza humana e a integridade mental e moral do indivíduo. Levando-se
em conta a natureza humana, tem-se violada a integridade mental e moral
do indivíduo quando colocado frente àquelas disjuntivas desagradáveis.
Essa é a razão de existência do direito à não autoincriminação.
Concluiu-se, por fim, que o fundamento do direito à não au-
toincriminação reflete sua enorme relevância como garantia processual
penal. Suas principais decorrências ou meios de possibilitar sua efetivação
são: a proscrição do juramento; a proibição de tortura ou de qualquer
meio violento ou ardiloso para obtenção de uma declaração; a não atri-
buição de qualquer consequência negativa ao silêncio ou à mentira do
acusado, como o indício de culpabilidade, ainda que haja outras provas
incriminatórias; o respeito à voluntariedade na participação da prova;
a inadmissibilidade de provas obtidas com violação desse direito e de
todas as derivadas dessa violação; o direito à informação prévia acerca da
imputação que recai sobre si e de que tem direito ao silêncio e à defesa
técnica; a observância do devido processo legal; o direito à ampla defesa,
pela qual o acusado pode silenciar-se ou apresentar a versão dos fatos
que lhe for mais favorável.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): Gratidão ao Prof. Dr. Ezequiel


Abásolo por sua dedicada e enriquecedora orientação.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


a autora confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): a autora assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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Dados do processo editorial


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▪▪ Recebido em: 27/12/2017 Equipe editorial envolvida


▪▪ Deslocamento ao V4N2 comunicado aos au- ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
tores: 14/01/2018 ▪▪ Editor-assistente: 1
▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: (RDG)
24/02/2018 ▪▪ Revisores: 3
▪▪ Avaliação 1: 11/03/2018
▪▪ Avaliação 2: 15/03/2018
▪▪ Avaliação 3: 21/03/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar: 07/04/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 28/04/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar 2: 02/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 2: 04/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 05/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


CARVALHO, Heloisa Rodrigues Lino de. Fundamento central do
direito à não autoincriminação. Revista Brasileira de Direito Processual
Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai./ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.134

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 731-765, mai.-ago. 2018.
O que vem depois dos “legal transplants”?
Uma análise do processo penal brasileiro
atual à luz de direito comparado

What comes after the “legal transplants” An analysis of the current


Brazilian criminal procedure in light of comparative law

Renato Stanziola Vieira1


Universidade de São Paulo – São Paulo/SP
[email protected]
lattes.cnpq.br/0404579976824382
orcid.org/0000-0001-6910-958X

Resumo: O presente estudo pretende tratar do processo penal com-


parado à luz da conhecida expressão de “transplante jurídico”. Nesse
sentido aqui se diz, num primeiro momento, do atual estágio da
ciência do direito comparado. Depois se trata de possíveis aspectos
críticos que podem ser lembrados em países latino-americanos, in-
cluindo o Brasil. Por fim, com olhos ao processo penal e autores que
se debruçaram no tema do processo penal comparado, assume-se
posição crítica quanto ao cenário de algumas reformas do processo
penal brasileiro atual.
Palavras-chave: direito comparado; processo penal; transplantes jurí-
dicos; América Latina; reforma processual penal.

Abstract: The present study aims to focus the comparative criminal procedure in
the light of the well known expression of “legal transplants”. In this meaning here
is said, at a first moment, about the actual stage of the science of comparative
law. After that follow the possible critical aspects which can be remembered in
countries of Latin America, including Brazil. At the end, with eyes at criminal
procedure and authors who had shared attention to the theme of comparative

1
Doutorando e mestre em Direito Processual Penal pela USP, Mestre em Direito
Constitucional pela PUCSP, membro do IBCCRIM e do IBDP, advogado.

767
768 | Vieira, Renato Stanziola.

criminal procedure, it is assumed a critical position related to the scenario


of some legal reforms in the ongoing Brazilian criminal procedure.
Keywords: comparative law; criminal procedure; legal transplants; Latin
America; criminal procedure reform.

Sumário: Introdução e proposta de abordagem. 1. Transplantes,


transferências, irritantes, traduções. 2. As metáforas: o ‘antes’ e o
‘depois’. 3. Depois dos transplantes: o falso problema do cabimento
na análise do sucesso. 4. Processo penal brasileiro atual à luz do
direito comparado: um pastiche legal. Conclusões. Bibliografia.

... disseram que eu voltei americanizada...


(Luiz Peixoto e Vicente Paiva)

Introdução e proposta de abordagem

Pensar em direito comparado esgota-se na visão do outro, do


diferente, para o encontro com si mesmo?
Em outras palavras, basta o cotejamento de assim chamados ‘sis-
temas’ (admitida classificação que leva em conta o tipo ideal weberiano
como método de estudo de sistemas jurídicos comparados2) com pretensão
discursiva que não vai além da observação e descrição de cada um deles?
Ou, mais que isso, o direito comparado é ferramenta que não se desatrela
de certa carga valorativa com potência maior do que a de permitir a ob-
servação de algo, de forma a incidir no objeto analisado para ali causar

2
Um exemplo acabado desse método se pode observar em: DAMAŠKA, Mir-
jan. The faces of justice and State authority: a comparative approach to the legal
process. New Haven & London: Yale University Press, 1986. Assim também:
LANGER, Maximo. In the beginning was Fortescue: on the Intelectual Ori-
gins of the Adversarial and Inquisitorial Systems and Common and Civil Law
in Comparative Criminal Procedure. In: ACKERMAN, Bruce; AMBOS, Kai;
SIKIRIĆ, Hrvoje (eds.). Visions of Justice. Liber Amicorum Mirjam Damaška.
Cunker & Humblot: Berlim, 2016. p. 276-80.

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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.133 | 769

transformação ou dali adquirir motivação de sua própria transformação?


O direito comparado é, além de descritivo, potencialmente normativo?
O estudo de sistemas, de comportamentos dos atores, e das
permanências/modificações jurídicas e sociais, como características que
podem, aqui ou ali, se constituírem como ferramental característico do
chamado direito comparado, não é uma mera aventura de observação.
Não é nem uma “aventura”, porque supõe cabedal metodológico suficiente
e, portanto, necessidade de verificação de seu uso; e nem muito menos
algo que se encerra na observação.
Além de ser em si um método de estudo científico – e, no campo
das ciências humanas, com toda a carga de verificabilidade empírica a
validar ou contestar premissas e conclusões – pressupõe o manejo de ins-
trumentais próprios para que se desenvolva como válido. As ferramentas
do assim chamado “direito comparado” acarretam que seus diagnósticos (a
partir das premissas das quais cada comparatista parta) alterem ou solidi-
fiquem estruturas, além de jurídicas, sociais, em cada sociedade analisada.
Tão proliferados são os estudos atuais de direito comparado que a
primeira dificuldade seria já situar este texto dentro de algum específico
ramo do direito: constitucional, processual penal ou mesmo teoria do
direito ou sociologia do direito.
Outro obstáculo a um percurso que se propõe aqui a ter um início
um meio e um fim é a escolha do recorte dentro da área propriamente
dita: é de comportamento judicial comparado que se cuida (v.g., o papel
dos tribunais), ou é de mecânica legislativa (pacotes legislativos de um
a outro país), isto é, das consequências da introjeção – ou não – em um
determinado país da modificação do papel dos tribunais ou, diversamente,
da alteração legislativa?
Nenhuma das abordagens é inválida, e nem menos ou mais im-
portante, pois em certa medida podem ser complementares. Afinal, o
funcionamento de cada estrutura (sua engrenagem) funciona melhor
ou pior com o comprometimento não só do aparato legislativo (com
introjeção de novas leis) como com a resposta dos seus atores a partir
da observação para o que está fora de cada país3.

3
Elisabetta Grande: “às vezes transplantes ocorrem no nível legislativo,
às vezes no nível das cortes, e em outros momentos eles majoritária ou

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 767-806, mai.-ago. 2018.
770 | Vieira, Renato Stanziola.

O que se pretende fazer aqui é elaborar um estudo sobre a me-


cânica do direito comparado especificamente voltada ao processo penal
brasileiro atual. Não se tratará neste texto de comportamento judicial, mas
da proliferação de características mais ligadas a determinados sistemas
jurídicos, que vagarosamente penetram no direito positivo brasileiro.
Essa análise não prescindirá da abordagem feita por autores aten-
tos ao contexto mais amplo da América Latina, e que inclusive dialogam
não só com o processo penal, mas com outras áreas em que os chamados
“transplantes”4 jurídicos se dão, como por exemplo, direito constitucional.
Primeiro se cuidará da potencialidade (ao menos discursiva) do
uso de metáforas tão difundidas quanto qualitativamente exploradas por
autores variados como piores ou melhores do ponto de vista de método
de estudo em direito comparado. A apropriação de um ou outro termo
por autores diversos não é algo asséptico ou neutro, como não é o próprio
desenvolvimento das comparações entre sistemas jurídicos com vistas
às acomodações num ou noutro sentido.
Depois se tratará de uma sutileza que é percebida mais no campo
da sociologia jurídica e não tanto na abordagem exclusivamente de direito
positivo, que são as consequências da introjeção em cada sistema jurídico
de determinadas normas externas. Nesse ponto, o que se imagina diag-
nosticar é um segundo passo, de aceitação, refutação, transformação ou
continuísmo de normas a partir do advento de mudanças legislativas com
arrimo no direito comparado. A ciência, aqui, vale tanto para a aceitação
quanto para a resistência à importação dos modelos.
Ao final, a conclusão específica sobre o direito processual penal
brasileiro não terá pretensões maiores do que abordar o direito compa-
rado como método de estudo e desenvolvimento do direito positivo, ao
mesmo tempo em que se pretenderá oferecer subsídio crítico e que vá
além do meramente observatório para a concordância ou a discordância
da adoção de novos modelos.

exclusivamente operam no nível da doutrina.” (GRANDE, Elisabetta. Legal


Transplants and the inoculation effect. How American criminal procedure
has affected continental Europe. The American Journal of Comparative Law, v.
64, p. 583-618, 2016. p. 585).
4
Abaixo se descerá às minúcias do uso (e desuso) desse termo.

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1. Transplantes, transferências, irritantes , traduções

No desenvolvimento do direito comparado, ao menos desde os


estudos de Alan Watson, o termo “transplantes jurídicos”5 se consagrou
como uma expressão icônica. Atualmente há quem tome a terminologia
difundida por Watson como um “paradigma central em direito compa-
rado”6 ou como um topos clássico em direito comparado7.
Tal expressão, contudo, tem sido objeto de enorme exploração
conceitual à vista do lado didático que potencializa quando se imagina a
utilização de modelos jurídicos estrangeiros por países os mais diversos.
Também é alvo de críticas (internas) que partem da exploração propria-
mente conceitual e de assimilação de aspectos biológicos ‘transpostos’ a
modelos jurídicos. Mais radical ainda, há a crítica (externa) que chega a
apontar sua impossibilidade8.
Nesse estudo se tratará das chamadas críticas internas, que não
destroem a ideia de fundo sobre a qual se erigiu o conceito, mas cingem-
-se a meditar sobre outras metáforas para as estratégias de utilização de
regras jurídicas que são transpostas de um país a outro.
O lado externo da crítica não é aqui abordado mesmo porque não
parece ter sustentação a negativa cabal da influência de um sistema em
outro, do ponto de vista de cada conformação legislativa; e não haveria

5
Sobre isso: WATSON, Alan. Legal transplants. An approach to comparative law.
2. ed. Athens and London: The University of Georgia Press, 1993.
6
GRAZIADEI. Michele. Comparative Law as the Study of Transplants and
Receptions. In: REINMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Reinhard (eds.).
The Oxford Handbook of Comparative Law. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 443. John W. Cairns traça desenvolvimento histórico da expressão
“transplante jurídico”, nomeando mais de um autor que precedeu a Watson
em sua utilização. Depois da consagração aborda vertente crítica, principal-
mente, a de Pierre Legrand, sobre seu uso. Esse autor toma a obra de Watson
como “seminal” em direito comparado (CAIRNS, John W. Watson, Walton,
and the History of Legal Transplants. Georgia Journal of International and
Comparative Law, v. 41, n. 3, p. 637-696, 2014. p. 358-64)
7
GRANDE, Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation effect. How
American criminal procedure has affected continental Europe. The American
Journal of Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 585.
8
LEGRAND, Pierre. The Impossibility of legal transplants. Maastricht Journal
of European and Comparative Law, v. 4, n. 2, p. 111-124, jun. 1997. p. 111-124.

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espaço aqui para descer a minúcias sobre os detalhamentos críticos,


sobretudo, da obra de Pierre Legrand.
O diálogo que se estabelece com os transplantes jurídicos não
desmerece a ideia de fundo, que é o estabelecimento do método didá-
tico de estudo do que o próprio Alan Watson viu como o “movimento
de uma regra ou de um sistema jurídico de um país a outro, ou de um
povo a outro”.9
A ideia não é a de negar a constatação empírica de adoção, por
um determinado país, das regras jurídicas que existem em outro, incor-
porando-as, mesmo porque chame-se como se quiser o fenômeno de tal
transposição, haverá sempre uma relação de autoridade científica ou de
hierarquia (seja velada ou expressa), de influência, de um país em outro
como catapulta para a adoção de um ou outro sistema, uma vez que a
mirada seja a do direito comparado.
As críticas partem de pretensões de melhoramento do concei-
to ligado a essa circulação de modelos jurídicos para propor, em cada
contribuição autoral, terminologias mais adequadas a depender das
premissas do ‘como’ e do ‘por quê’ se adotar essa ou aquela alteração
de sistemas jurídicos.
Aqui se pode lembrar de Otto Kahn-Freund, que, valendo-se
ainda da expressão “transplante jurídico”, preocupava-se com o direito
comparado como um instrumento de reforma jurídica, e se perguntava
sobre os usos e desusos de modelos jurídicos no processo legislativo de
quais condições deveriam ser preenchidas para se fazer desejável ou
possível tal alteração10. Já então se disse – em crítica que depois virá a
ecoar em vários autores – que “transferir parte de um organismo vivo e
transferir parte de um mecanismo são comparáveis em propósito, mas
em nada mais.”11
Otto Kahn-Freund tomou o “transplante” como sinônimo de
“transferência” em matéria de modificações legislativas a partir do direito

9
WATSON, Alan. Legal transplants. An Approach to Comparative Law. 2. ed.
London: University of Georgia Press, 1993. p. 21.
10
KAHN-FREUND, Otto. On uses and misuses of comparative law. The Modern
Law Review, v. 37, n. 1, p. 1-27, jan. 1974. p.1-2
11
Ibidem, p. 5.

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comparado12. Acredita-se que tenha sido o primeiro a utilizar não a me-


táfora “transplante” como adequada, mas a de “transferência”13.
Gunther Teubner, a partir de claro diálogo com Alan Watson,
preferiu se valer da expressão “legal irritant” em detrimento de “legal
transplant” por entender primeiro que a ideia de transplante, por não ser
mecânica como é a transferência de normas jurídicas (em oposição à bio-
logia e sua necessidade de “implantação e cultivação no meio ambiente”),
não funciona. Também porque, segundo ele, a ideia de transplante traz
implícita a assunção de que, uma vez feito o procedimento, o material
transplantado funcionaria identicamente, e tão bem, como funcionava
no antigo organismo, no novo14. E por ser dessa forma, não haveria como
se sair da seguinte constatação: ou haveria a repulsa total ou a aceitação
total do transplante.
Para Teubner não acontece um transplante, mas uma ‘irritação’,
que propicia novos e inesperados eventos (irritação cultural e irritação,
principalmente, de arranjos institucionais). Para ele, o que existe “é um
barulho externo que cria perturbações selvagens no jogo de discursos
dentro desses arranjos e os força a reconstruir internamente não só suas
próprias regras mas a reconstrui-las a partir do arranhão do próprio
elemento externo.”15
Maximo Langer publicou influentes artigos de direito processual
penal comparado nos quais trata de duas vertentes que são pertinentes
ao direito comparado e a este estudo.
Na primeira vertente ele defende a ideia de “traduções” (não,
portanto, transferências ou empréstimos ou irritantes ou transplantes

12
Ibidem, p. 6.
13
Não parece ter sido o principal foco do texto do professor da London School
of Economics, mas não passa despercebida a lembrança que ele faz de Mon-
tesquieu e de que sempre esteve no âmago do estudo do direito comparado
a relação entre os atualmente chamados “países desenvolvidos” e “países em
desenvolvimento” (KAHN-FREUND, Otto. On uses and misuses of compara-
tive law. The Modern Law Review, v. 37, n. 1, p. 1-27, jan. 1974. p. 8).
14
TEUBNER, Gunther. Legal Irritants: good Faith in British Law or How Uni-
fying Law Ends up in New Divergences. The Modern Law Review, vol. 61, n. 1,
p. 11-32, jan. 1998. p. 12.
15
Ibidem, p. 12.

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como signos do aproveitamento de regras jurídicas de um país por outro).


Na segunda vertente assume a perspectiva não de neocolonialismo ou
imperialismo16 inerente à tal “tradução”, mas, no cenário do processo
penal latino americano, de difusão de ideias da chamada “periferia” como
as que justificam as mudanças ocorridas em vários sistemas processuais
penais pelo menos a partir da década de 80 do século XX.
Na primeira perspectiva, o ponto de partida de Langer é que a
difusão do termo “transplantes” é errada porque o próprio termo significa
um mero “recorta e cola”17 entre os sistemas jurídicos em comparação.
A “tradução”, na longa e profunda abordagem do autor, ao invés do
transplante, significaria um método mais heurístico para a abordagem da
“circulação de ideias, regras, práticas e instituições jurídicas”18.
Segundo Maximo Langer, “a metáfora da tradução retém a di-
mensão comparativa que fez com que a metáfora do transplante fosse
tão poderosa e que falta na metáfora do ‘legal irritant’. Com relação aos
sistemas jurídicos, a metáfora da tradução distingue a fonte linguística
ou sistema jurídico – de onde vem a ideia ou a instituição – do sistema
de destino – na qual a ideia jurídica ou instituição é traduzida. A metá-
fora da tradução também permite a distinção a ser feita entre o ‘texto’

16
LANGER, Maximo. Revolution in Latin American Criminal Procedure: Diffu-
sion of Legal Ideas from the Periphery. The American Journal of Comparative
Law, v. 55, n. 4, p. 617-676, 2007. p. 621.
17
Um autêntico “cut and paste” (LANGER, Maximo. From Legal Transplants to
Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Americani-
zation Thesis in Criminal Procedure. Harvard International Law Journal, v. 45,
n. 1, p. 1-64, 2004. p. 5).
18
LANGER, Maximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Glo-
balization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal
Procedure. Harvard International Law Journal, v. 45, n. 1, p. 1-64, 2004. p.
32. Langer também critica a expressão de Teubner, vista acima, basicamen-
te porque o “irritante” não vem necessariamente de fora, ou seja: do ponto
de vista do direito comparado, a metáfora nem serve. Lena Fojanty tam-
bém trata das várias metáforas do que aqui se estuda em direito comparado
(transplante, irritante, tradução, circulação, transferência, migração, circu-
lação, amálgama, hibridização, creolização, viagem, adaptação) e desenvol-
ve seu texto pela preferência da metáfora da tradução (FOLJANTY, Lena.
Legal Transfers as Processes of Cultural Translation: On the Consequences
of a Metaphor., p. 1-18).

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original – a ideia ou instituição tal qual desenvolvida no sistema jurídico


de fonte – e o texto traduzido.”19
Noutra perspectiva, mas não menos importante do ponto de vista
da assimilação de mudanças legislativas com arrimo em direito comparado,
Langer volta a se debruçar sobre a assimilação pelos países da América
Latina de certa “americanização” dos vários sistemas processuais penais.
Ali, conquanto a premissa sociológica seja o tratamento dos Estados ora
como “central” e os países latino-americanos como “periféricos” (distinção
fértil trazida por outros autores, como por exemplo, Jorge L. Esquirol e
Daniel Bonilla Maldonado, dos quais se tratará abaixo, não se valendo da
expressão de centro e periferia, mas de “norte” e “sul”), foi proposta a
irradiação de modificações legislativas não a partir de emulação por parte
dos periféricos, das normas advindas do país central (EUA)20.
O texto se espalha por intrincadas redes imaginadas pelo autor,
em que as difusões de ideias jurídicas não são sempre verticalizadas (no
modelo impositivo, “de cima para baixo”) e nem horizontalizadas (em
situações de plena igualdade de condições para o transporte de ideias
jurídicas de um a outro país), mas chegam ao ponto de ser triangulares21.
A exposição passa por abordagem de grupos de ativistas latino-
-americanos22 que se fizeram responsáveis seja pela recepção, seja pela
crítica, aos ideais norte-americanos conformadores do processo penal (e
consequentemente, das pretendidas e difundidas alterações nos países
da América Latina).
Langer não trabalha com a ideia consagrada de ‘transplante’ e
nem concorda com a crítica difundida por autores como Jorge L. Esquirol,

19
LANGER, Maximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globa-
lization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal Pro-
cedure. Harvard International Law Journal, v. 45, n. 1, p. 1-64, 2004. p. 33.
20
Ibidem, p. 62.
21
LANGER, Maximo. Revolution in Latin American Criminal Procedure: Diffu-
sion of Legal Ideas from the Periphery. The American Journal of Comparative
Law, v. 55, n. 4, p. 617-676, 2007. p. 624-625.
22
Só para citar dois processualistas penais vivos, Julio Maier e Alberto Binder
(LANGER, Maximo. Revolution in Latin American Criminal Procedure: Dif-
fusion of Legal Ideas from the Periphery. The American Journal of Comparati-
ve Law, v. 55, n. 4, p. 617-676, 2007. p. 645).

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Ugo Mattei e Daniel Maldonado, de que – observadas as distinções pe-


culiares do desenvolvimento de cada contribuição autoral - o que se deu
no contexto latino-americano seria reduzido a uma “americanização”
dos sistemas processuais penais, a partir dos anos 80 do século passado.
Nos seus textos não se nota grande importância às coincidências
entre o fortalecimento de Estados Democráticos de Direito na América
Latina e maciços investimentos de entidades multinacionais públicas ou
privadas como ONU, OEA, BIRD, Banco Mundial e USAID.
A análise de Langer caminha por outros rumos, seja privilegian-
do a noção de ‘tradução’ ao invés da de ‘transplante’, seja - sem fechar
os olhos às influências ocorridas sob várias formas do país chamado de
central (EUA) aos periféricos da América Latina – por privilegiar a rede
de cientistas e ativistas que dialogaram, com aceitação ou resistência, na
metáfora de rede triangular que ele explora.
David Nelken trata das metáforas sob viés que, além de reforçar a
sua utilidade didática, possibilita a continuidade da abordagem, chegando
mais perto do que aqui se propõe a fazer, que é responder à pergunta: e
depois dos transplantes?
O autor inicialmente aproxima conceitualmente os ‘transplantes’
jurídicos das ‘transferências’ jurídicas (“legal transfers”)23, depois separa
os conceitos para preferir a última expressão24 e então se pergunta sobre
os critérios válidos para se aferir se determinada transferência jurídica
(ou transplante) é ou não exitosa(o), se teve ou não sucesso no país de
destino. Afinal, o “sucesso de um ponto de vista não necessariamente
implica o sucesso de outro. O que nós testemunhamos, quando mudança
legal não leva a uma mudança social, é um conjunto radiante de eventos
intencionais e não intencionais”25
É a partir do enfoque de David Nelken que se pode chegar ao
passo seguinte, qual seja, pensar no que acontece depois dos transplantes

23
NELKEN, David. The Meaning of Success in Transnational Legal Transfers.
19 Windsor Yearbook of Access to Justice, p. 349-66, 2001. p. 349.
24
NELKEN, David. Comparatists and transferability. In: LEGRAND, Pierre;
MUNDAY, Rodrick (Eds.) Comparative Legal Studies: Traditions and Transi-
tions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 463-464.
25
NELKEN, David. The Meaning of Success in Transnational Legal Transfers.
19 Windsor Yearbook of Access to Justice, p. 349-66, 2001. p. 351.

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jurídicos ou transferências. Afinal, como é particularmente pertinente


em se tratando de transferências jurídicas, “a lei não só tem um social
contexto, mas ela também faz um contexto”26.
E como lembra Elisabetta Grande, o arranjo jurídico preexisten-
te no país de destino da alteração legislativa pode ser de fato anulado,
modificado, distorcido, remodelado, ou mesmo fazer brotar algo novo a
partir do modelo original que, por sua vez, pode receber uma influência
devolutiva, no contexto de sua produção original. Por isso é que se chega
a trabalhar até mesmo com a ideia de “contaminação” entre os sistemas
jurídicos, e não só com “transplante”, transferência.27
Nesse particular é que Nelken repete as preocupações que devem
ser parte integrante do diagnóstico do ‘sucesso’ das transferências jurí-
dicas. Dentro de tantas questões que imbricam com o resultado exitoso
ou não dessas transferências, devem contar, “da mesma maneira que
mudanças sociais por intermédio de leis em contextos nacionais depen-
dem do que está sendo transferido, por qual fonte, o caminho pelo qual
a transferência é introduzida, o número de grupos sociais envolvidos, e
um número potencialmente ilimitado de amplos fatores de retaguarda e
experiências históricas prévias.”28.
O fato é que o transplante, ou a tradução, não se faz só com
porretes ou tanques, mas também com sedutores discursos e incentivos
financeiros, seja do ponto de vista explícito, seja do ponto de vista da

26
NELKEN, David. Comparatists and transferability. In: LEGRAND, Pierre;
MUNDAY, Rodrick (Eds.) Comparative Legal Studies: Traditions and Transi-
tions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 452.
27
GRANDE, Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation effect. How
American criminal procedure has affected continental Europe. The American
Journal of Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 586.
28
NELKEN, David. Comparatists and transferability. In: LEGRAND, Pierre;
MUNDAY, Rodrick (Eds.). Comparative Legal Studies: Traditions and Tran-
sitions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 454. Há inúmeras
perguntas que tornam essa valoração do sucesso e da falha no transplante
(ou na transferência) particularmente complexa. Assim: “o que nós enten-
demos por ‘sucesso’? quais são as condições que fazem as transferências ju-
rídicas menos ou mais exitosas? Outros problemas conceituais têm relação
com quem tem (e quem deve ter) o poder de definir sucesso. Colocado de
maneira diferente, de quem são os interesses que contam? Aqueles dos países
que ‘exportam’ lei ou dos países que a ‘recebem’? (Ibidem, p. 453-4).

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própria formação intelectual – e curricular – da elite jurídica de cada país.


As nuances de uma ou outra constatação, as asas críticas de cada autor na
abordagem disso, fazem com que as influências possam ser vistas como
mais ou menos determinantes.
Por isso, não importam só as metáforas, mas em que elas se em-
basam (por que afinal, há transplantes jurídicos, ou ao menos, nos tempos
que importam para um estudo de alteração no processo penal brasileiro,
transplantes jurídicos recentes?), e a que elas se prestam (o que se faz
depois dos transplantes, nos países que têm seus sistemas ou suas regras
jurídicas alteradas a partir do modelo estrangeiro?).29

2. A s metáforas : o ‘ antes’ e o ‘ depois’

Segundo Michele Graziadei, o estudo de transplantes e recep-


ções deve focar primordialmente em três fatores: imposição de lei por
meio de violência; mudança produzida pelo desejo de seguir modelos de
maior prestígio; e finalmente, reformas com vistas à melhora de situação
econômica30.
O primeiro dos fatores é de fácil exemplificação e, na visão do au-
tor, pode ser bem percebido com conquistas e expansões militares antigas
ou recentes, como a Anschluss de 1938, em que a Alemanha estendeu as
fronteiras até a Áustria, ou mesmo as mimetizações de países formalmente
colonizados na América (Latina, majoritariamente), África ou Ásia.31 O
segundo e o terceiro, por serem mais atuais e por chegarem mais perto
do contexto inclusive geográfico da América Latina, e que desaguam no
direito processual penal, merecem estudo mais agudo.

29
Elisabetta Grande lembra ainda de outras metáforas utilizadas, como “flu-
xo”, “circulação”, “importação/exportação jurídica”, “migração”. (GRANDE,
Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation effect. How American cri-
minal procedure has affected continental Europe. The American Journal of
Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 585)
30
GRAZIADEI. Michele. Comparative Law as the Study of Transplants and
Receptions. In: REINMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Reinhard (eds.).
The Oxford Handbook of Comparative Law. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 456.
31
Ibidem, p. 456.

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O fator prestígio (“prestige”) se associa à retórica do desejo (“de-


sire”) para, sem violência, seduzir os países destinatários para imitarem as
regras jurídicas dos países que as ‘transferem’. Diz Graziadei, a propósito:
“Portanto, prestígio motiva imitação.”.32 Prestígio, de um lado, e desejo,
de outro, são palavras utilizadas por Michele Graziadei que, talvez sem
que o próprio autor tenha percebido, possam se complementar.
O “prestígio” pode ser utilizado atualmente como parte do dis-
curso que polariza a respeitabilidade (tácita) dos estudos (ergo, das regras
jurídicas) que vêm do chamado “Norte”. A esse “prestígio” se associa a
antípoda (“desprestígio”) dos estudos e das regras jurídicas do “Sul”.
Nessa equação, há, a partir do prestígio (vale frisar que o olhar
“de onde vem” o prestígio é um olhar do Sul voltado para o Norte, exem-
plificativamente da América Latina voltada para a Europa ou para os
Estados Unidos; da USP, das PUCs, das FGVs voltados para Yale, Columbia,
Humboldt, Sorbonne, Complutense, La Sapienza etc) uma tácita distinção
que patrocina a separação entre o que é aprioristicamente melhor do
aprioristicamente pior.
O que vem do Norte global é quase uma grife, na lembrança
trazida por Daniel Bonilla Maldonado: “Como um vinho da Borgonha é
considerado um bom vinho, um artigo escrito em inglês por um professor
americano e publicado em um jornal jurídico em uma universidade da
América do Norte é considerado como de boa qualidade, mesmo antes de
ser lido. O conhecimento jurídico gerado no Sul só é legitimado quando
acadêmicos do Norte tenham dado a ele a sua aprovação. Os produtos
jurídicos do Sul são marcados (negativamente) por sua origem”33

32
Ibidem, p. 458. Ver também: MATTEI, Ugo. A theory of imperial law: a study
on U.S. hegemony and the latin resistance. Indiana Journal of Global Legal
Studies, vol. 10, n. 1, p. 382-448, 2003. p. 385. Com ampla bibliografia especí-
fica: GRANDE, Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation effect. How
American criminal procedure has affected continental Europe. The American
Journal of Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 586, rodapé 13.
33
MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitucionalism of the Global South. The Ac-
tivist Tribunals of India, South Africa, and Colombia. Cambridge: Cambridge
University Press, 2013. p. 12. Wolfgang Weigand desenvolve arguta análise
sobre a difusão de modelos de ensino jurídico e de alterações jurídicas vindas
dos Estados Unidos, não para América Latina, mas propriamente para paí-
ses europeus (WEIGAND, Wolfgang. Americanization of Law: Reception or

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Abaixo se tratará da retórica do “prestígio” e da exportação quase


que intuitiva (afinal, o que é do Norte é melhor do que o que é do Sul)
do modelo de rule of law. Por enquanto, para complementar a equação
“prestígio” e “desejo”, se o diagnóstico já está feito34, a melhor forma de
se trazer o que “há de melhor” para o país de destino costuma ser iden-
tificada com a ideia de transplante. A crítica ao resultado do conteúdo
obtido fora do país, além de abertamente propiciar debates que extravasam
esse texto, não desnatura esse diagnóstico.
Claro que o prestígio possui, portanto, a força catalisadora de
ser um produto de exportação (e importação) das ideias jurídicas. E, no
trânsito de pessoas e ideias, é desejável (alguém até dirá ser inclusive juri-
dicamente legítimo) que as melhores ideias sejam trazidas para os países
(em desenvolvimento) que delas necessitam. Afinal, discursivamente, o
conhecimento é para ser difundido, e a vanguarda científica não pode
ser privilégio de poucos35.
Por isso, sim, prestígio é fonte de desejo, e nessa equação há a
exportação de ideias jurídicas. No contexto latinoamericano, esse discurso

Convergence? In: FRIEDMAN, Lawrence M.; SCHEIBER, Harry N. (eds.) Le-


gal Culture and the Legal Profession, Bouldere: Westview Press, 1996. p. 137-
152). Bernd Schüneman trata criticamente do que ele nomeia como “marcha
triunfal do modelo processual norte-americano sobre o mundo” (SCHÜNE-
MAN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual penal norte-America-
no- In: SCHÜNEMAN, Bernd; GRECO, Luís (coord.). Estudos de direito penal,
direito processual penal e filosofia do direito. Marcial Pons: Madri, Barcelona,
Buenos Aires. São Paulo. 2013, p. 240-261).
34
Onde estão as melhores universidades? Onde estão os melhores professores?
As melhores bibliotecas? Qual estudante latinoamericano, enfim, que quei-
ra se destacar como cientista não pretende se vincular às mais prestigiadas
universidades? Não é essa, em boa medida, a ideia de “bolsas-sanduíche”, ao
menos no Brasil?
35
O problema dessa afirmação com vocação universal é que, como lembra aci-
damente Esquirol, “as opiniões provenientes dos centros de poder podem
induzir uma espécie de internalização de ideias que logo se convertem em
verdades por essa mesma razão. Os estudados podem acabar se vendo através
dos olhos de seus observadores.” Páginas adiante, “esta apreensão se expres-
sa na preocupação de que os latinoamericanos tenham que se converter em
‘latinoamericanistas’ se querem ser ouvidos no Norte.” (ESQUIROL, Jorge L.
El nuevo latinoamericanismo jurídico. In: BONILLA MALDONADO, Daniel
(org.). Geopolítica del conocimiento jurídico. Bogotá: Siglo del Hombre Edito-
res, 2015. p. 306 e 326).

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globalizante que separa o “Norte” do “Sul” em termos de merecimento de


influência (hierarquiza as fontes do conhecimento) ainda ganhou novo
combustível com o diagnóstico de que, genericamente se olha para o
sistema jurídico latinoamericano como “falido”36.
Do ponto de vista geopolítico e de expansão e consolidação das
ideias aprioristicamente mais bem formuladas (do Norte), nem seria ne-
cessário o recurso retórico ao “failed law” que se difundiu como epíteto
de todo o regime jurídico latinoamericano, tão vigorosamente denunciado
por Jorge L. Esquirol.
De toda forma, ainda assim, as metáforas de “failed law” (corrup-
ção endêmica, sociedade não responsiva às leis - baixa correspondência
entre law in action e law in the books-, insegurança jurídica e social, inope-
rância, ineficiência, elitismo jurídico) se constituíram como importante
discurso facilitador de projetos de reformas jurídicas37.
A abordagem de Esquirol é profunda e extensa. Uma das pers-
pectivas que ela possibilita atingir é que, se a imagem de “direito falido38”,
como diz ele, “fornece uma lógica convincente para reconfigurar arranjos
existentes”39, a hiperbólica fragilidade descrita das instituições jurídicas
latinoamericanas como um todo realmente as denigrem ao ponto de,
assemelhando-as às “repúblicas-de-bananas”, tornarem no limite inevi-
tável que os transplantes jurídicos aconteçam. O diagnóstico construído
é o de terra arrasada40.

36
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 75-124. Também: Las
ficciones del derecho latinoamericano. Bogotá: Siglo del hombre editores. Uni-
versidad de los Andes, 2014.
37
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 76.
38
Tradução livre para “failed law”.
39
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 78.
40
Esse diagnóstico não é tão central ao que se propõe a fazer neste trabalho, mas
a “terra arrasada” como entendemos se associa à ideia de “república-de-bana-
nas” como algo que, na origem (failed law) clama por reformas. Acontece que
essas próprias reformas, ao mudarem completamente os sistemas jurídicos a
partir da premissa de que nada presta, acaba por deixar as repúblicas ainda
mais fragilizadas, sem qualquer autoestima suficiente para que elas mesmas
atinjam as soluções e evoluam no sentido de ‘alcançarem’ o Estado de Direito

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Outra perspectiva, que dialoga com o dístico ‘prestígio-dese-


jo’ é obviamente esta: no diagnóstico do “direito falido”, o que há é o
desprestígio, a baixa-estima, a incredulidade genericamente (e por isso,
artificial, diz Esquirol41) construída do sistema jurídico da América Latina.
Isso também catapulta o desejo de troca das estruturas jurídicas42, senão
como um todo, ao menos em grande parte. O campo, pois, é fértil para
a recepção dos transplantes jurídicos.
Nas palavras de Esquirol: “Significativamente, os transplantes
jurídicos não são novos na América Latina. Eles são entendidos como
parte de uma conexão histórica entre América Latina e Europa, e
atualmente os Estados Unidos, e refletem a suposta qualidade e pres-
tígio desses sistemas doadores. É, portanto, bem aceito que o direito
positivo da região mergulha em várias fontes da Europa Ocidental e
da América do Norte.”.43
O terceiro fator motivador recente de transplantes jurídi-
cos se reduz ao movimento do law and development. Nas palavras de
Graziadei, isso se resume à “relação entre performance econômica e
instituições jurídicas.”.44

que vem com as ideias de fora. Por isso, para Esquirol, e em resumidíssima
síntese: os Estados latinoamericanos ficam ainda mais fracos juridicamen-
te, mais dependentes das reformas, a partir delas mesmas. Para uma postura
menos radical, mas crítica quanto ao discurso de se implementar o Estado
de Direito em países latino-americanos por meio de transplantes jurídicos
vindos de regras do processo penal norte-americano (sobretudo em matéria
de negociação de pena), ver: ANITUA, Gabriel Ignacio. La Importación de
Mecanismos Consensuales del Proceso Estadounidense, en las Reformas Pro-
cesales latinoamericanas. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto
Alegre, vol. 1, n. 1, p. 43-65.
41
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 84 e ss.
42
“As regras do jogo na América Latina incluíram o próprio jogo na questão.”
(ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 79)
43
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 96.
44
GRAZIADEI. Michele. Comparative Law as the Study of Transplants and
Receptions. In: REINMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Reinhard (eds.).
The Oxford Handbook of Comparative Law. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 459.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 767-806, mai.-ago. 2018.
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A imbricação entre direito e economia, originariamente já comple-


xa do ponto de vista político a partir do surgimento da teoria do law and
economics na Guerra Fria, quando a prosperidade econômica era atrelada à
estabilidade jurídica e, por isso, justificava o transplante jurídico inclusive
para se debelar o risco de ‘contágio’ de ideias comunistas45, ganhou ainda
maior destaque nos idos dos anos 80 e 90 do século passado.
Isso porque, enraizada na exploração política e jurídica da ex-
portação de modelo capitalista que “vendia” prosperidade econômica
como sinônimo de tranquilidade jurídica e rule of law (por isso, Esquirol
rotulava o resultado da law and economics para América Latina como
consolidação de uma ‘U.S.sphere’46), naqueles últimos anos não só países
como instituições financeiras internacionais promoveram, nas palavras
de Graziadei, “um dos mais ambiciosos programas de reforma jurídica
nas últimas décadas”47.
O que se pode dizer, então, desse último fator, é que, inicialmente,
a transposição de sistemas jurídicos foi ostensiva, de país para país, mas
desde os anos 80 o transplante sequer passou a ser feito ostensivamente
a partir de ideias consagradas em países isolados, mas sim de ideário con-
sagrado multilateralmente e de forma não mais diretamente atrelada a um

45
Esse “risco” se imaginava debelado com a exportação de prosperidade eco-
nômica, ou seja: redução da pobreza. The failed law..., cit., p. 90. Em texto
recentemente traduzido, Eric Hobsbawn diagnosticou que “os imperialistas
menos ideológicos estavam, em teoria (de acordo com a “doutrina Mann” da
era Lyndon B. Johnson), contentes com qualquer pessoa que promovesse o
crescimento econômico, protegesse os investimentos privados e se opusesse
ao comunismo, independentemente da atitude em relação às reformas so-
ciais. (...) O novo pragmatismo confortava-se cm a crença de que a estabili-
dade econômica e o crescimento resolveriam automaticamente os problemas
sociais, enquanto um militar pago, treinado e inspirado pelos Estados Unidos
deveria ser, em algum sentido metafísico, “constitucionalista”, se não real-
mente democrático.” (HOBSBAWN, Eric. Viva la Revolución. A era das uto-
pias na américa latina. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das
Letras, 2017. p. 348)
46
ESQUIROL, Jorge L. The Failed Law of Latin America. The American Journal
of Comparative Law, v. 56. n. 1, p. 75-124, 2008. p. 89.
47
GRAZIADEI. Michele. Comparative Law as the Study of Transplants and
Receptions. In: REINMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Reinhard (eds.).
The Oxford Handbook of Comparative Law. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 459.

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784 | Vieira, Renato Stanziola.

determinado país, seja em organizações multilaterais como a Organização


dos Estados Americanos, seja em agências de fomento. E as últimas pode-
riam, ou não, estar ligadas a um determinado Estado, como foi o caso da
USAID48, mas não foi o caso de Banco Mundial e Banco Interamericano
de Desenvolvimento, nem do Fundo Monetário Internacional49.
Do ponto de vista do desenvolvimento da ciência do direito
comparado, nem essa desterritorialização (ou desnacionalização) passa
despercebida. Como ressalta Ugo Mattei, “o direito comparado tradicional
é prisioneiro de um paradigma territorial nacional de indagação que está
moribundo como uma ferramenta de se entender a globalização jurídica.
Portanto, par que o comparativista se torne um advogado global efetivo,
é necessário repensar a ideia moderna de fronteiras. As ferramentas
devem ser inventadas para comparar sistemas jurídicos não-territoriais
entre eles mesmos assim como com os territoriais.”50
O que se pode antecipar como conclusão aqui é que as metáforas
utilizadas, sejam quais forem, são tão operativas, isto é, tão instrumentais,
quanto o próprio fenômeno que elas pretendem descrever (transplante,
transferência etc.). A engrenagem jurídica, em si mesma, não existe à toa,
e não existe despida de interesses que a movem num ou noutro sentido.

48
United States Agency for International Development. Maximo Langer con-
textualiza a criação dessa agência: o ano é 1961, o presidente é John F. Kenne-
dy, o contexto é a guerra fria e o objetivo é espalhar desenvolvimento econô-
mico para diminuir o risco de grupos comunistas ou de esquerda assumirem
o poder em países em desenvolvimento. Esse foi o pontapé inicial do USAID
e a política reformista norteamericana endereçada aos países latinoamerica-
nos. Houve hiato entre as décadas de 70 e 80 do século passado e, de 1985 em
diante, o USAID voltou a promover cursos voltados à reforma processual lati-
noamericana e se mostrar influente em diversos países. (LANGER, Maximo.
Revolution in Latin American Criminal Procedure: Diffusion of Legal Ideas
from the Periphery. The American Journal of Comparative Law, v. 55, n. 4, p.
617-676, 2007. p. 646-650).
49
Ver: MALDONADO, Daniel Bonilla. Introducción. Teoria del Derecho y
Transplantes Juídicos: la estrutura del debate. In Teoria del Derecho y trans-
plantes jurídicos. Daniel Bonilla Maldonado. Editor académico. Siglo del Hom-
bre Editores. Universidade de los Andes. Pontifícia Universidad Javeriana.
2009, p.12-3.
50
MATTEI, Ugo. A theory of imperial law: a study on U.S. hegemony and the
Latin resistance. Indiana Journal of Global Legal Studies, vol. 10, n. 1, p. 382-
448, 2003. p. 413.

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Atualmente, em que a discussão geopolítica específica da América


Latina chama a atenção – mesmo para autores que se desviam por esco-
lha metodológica desse pedaço do problema, como é o caso de Máximo
Langer – pode-se ser mais radical, como Esquirol, Bonilla Maldonado e
Ugo Mattei, ou menos, como David Nelken.
De qualquer forma, como menos importa a carga autoral do que
a verificação da pretensão normativa dos transplantes, não há como se
fechar os olhos seja para a desterritorialização da “origem” das normas
jurídicas, seja (o mais importante) para a pretensão uniformizadora,
vinda dos Estados Unidos, em direção aos países da América Latina,
inclusive o Brasil.
Se isso significa uma “americanização” do direito processual penal
ou, na linguagem de Elisabetta Grande (em outra metáfora de biologia),
uma “inoculação”51 contra a expansão do modelo norteamericano de
processo penal, além de motivar outra discussão, para este texto cabe
bem na medida em que se está outra vez questionando o que vem depois
dos transplantes jurídicos.
Como frisa Nelken, com base nas constatações vistas neste tex-
to, “o que está realmente sendo exportado no presente momento dos
transplantes jurídicos, junto a qualquer dada instituição ou procedimento
jurídico, é uma ideologia cultural específica.”52

51
No texto aqui já referido a professora italiana nada contra a corrente dos estu-
diosos que veem na propalada difusão das ideias de processo penal norteameri-
cano (via transplantes jurídicos) a americanização do processo penal. Para ela,
a própria ideia de transplantes, no caso, gera a ideia de inoculação, e a metáfora
da biologia (mais uma...) é esta: “Inoculação é a injeção de uma porção pequena
de um organismo em um corpo, estimulando a produção de anticorpos que
– pela imunização do corpo contra o organismo injetado – previne da maior
difusão daquele mesmo organismo no futuro. Pelo mesmo símbolo, eu irei ar-
gumentar, a injeção de dose pequena de características jurídicas adversariais
nos sistemas processuais da Europa Continental fortaleceu a estrutura não-ad-
versarial, e por isso parece ter produzido “anticorpos” capazes de fazê-los re-
sistentes contra qualquer difusão futura de um processo adversarial nos seus
corpos jurídicos.” (GRANDE, Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation
effect. How American criminal procedure has affected continental Europe. The
American Journal of Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 584)
52
NELKEN, David. Comparatists and transferability. In: LEGRAND, Pierre;
MUNDAY, Rodrick (Eds.). Comparative Legal Studies: Traditions and Transi-
tions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 458. Também assim:

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 767-806, mai.-ago. 2018.
786 | Vieira, Renato Stanziola.

Diagnosticado o “antes”, isto é, o motivo ideológico dos trans-


plantes, vamos ao “depois”. A principal pergunta que se faz aqui é se o
“modelo” ou a regra importada “cabe” nos sistemas de destino, isto é,
se ela é talhada para o sistema ou, em termos mais próximos do direito
comparado, se deve ser exigida alguma semelhança entre os sistemas
para que o transplante seja exitoso.

3. D epois dos transplantes: o falso problema do cabimento


na análise do sucesso

As noções de sucesso e falha são inerentes à polarização discur-


siva que permeia em boa medida a abordagem dos transplantes jurídicos.
Pergunta-se se o transplante foi exitoso ou se fracassou. Normalmente tal
questionamento se prende aos tradicionalismos do país de destino, à história,
ao “modelo” consagrado, à reação social ao transplante. Enfim, na conti-
nuidade da metáfora: se o novo órgão inserido no corpo velho é “aceito”.
Acima já se falou da abordagem de Nelken, segundo quem e em
linguagem aqui resumida, o que é exitoso para uns pode ser um fracasso
para outros (na verdade, essa própria ponderação é uma das por ele utili-
zadas para rechaçar a metáfora de transplante). Como também se lembrou
de Elisabetta Grande, segundo quem o próprio efeito do transplante pode
não atingir só o Estado que recebe determinadas normas jurídicas, mas
também o Estado de onde elas têm sua origem (e por isso ela lembrou
da metáfora de circulação de modelos).
O ‘efeito’ ou ‘sucesso’ dos transplantes pode ser apreciado sob
outra perspectiva, para além daquela puramente atrelada às consequências
das modificações jurídicas nos países que ‘recebem’ determinadas normas
jurídicas. A adoção de modelos jurídicos diversos – os transplantes jurí-
dicos – pode ser criticada sob o prisma do seu cabimento. Singelamente,
afinal, o determinado transplante “cabe” num determinado sistema? E,
nesse particular, essa é uma pergunta relevante do ponto de vista do
direito comparado?

GRANDE, Elisabetta. Legal Transplants and the inoculation effect. How


American criminal procedure has affected continental Europe. The American
Journal of Comparative Law, v. 64, p. 583-618, 2016. p. 586.

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Há, segundo Nelken, duas perspectivas sob as quais o cabimento


pode ser visto, e ambas arrancam a raiz na falibilidade da aderência social
das leis. Por um lado, a mera constatação de que a sociedade nem sempre
se adequa ao que prega a lei faz com que o cabimento do transplante não
passe de um falso problema. Por outro lado, o cabimento da alteração vinda
via transplante é sim relevante para se pensar no depois do transplante, na
medida em que – justamente por haver dessintonia com frequência entre
lei e sociedade – o novo modelo jurídico pode significar uma desejada
alteração social, política ou econômica. Pode significar, enfim, um plano
de transformação da própria sociedade.53
O ‘sucesso’ ou a ‘falha’ dos transplantes jurídicos não estão pura
e simplesmente no “cabimento” do modelo exportado em determinado
modelo de destino. Não há uma relação necessária entre causa (cabimento)
e efeito (sucesso ou não) no que aqui se estuda. É importante reconhecer
isso: “ao invés objetivar a reprodução de condições passadas ou presentes
ou ideais, a lei objetiva superá-las.”54
A lei e sua relação com o país de destino, portanto, não deve ne-
cessariamente ser de cabimento; ela não tem que caber em determinado
sistema de destino. O equacionamento do sucesso ou não de determina-
do transplante jurídico a partir da análise de seu cabimento no sistema
de destino, diz Michele Graziadei, distorce a realidade, é pautado por
generalizações que (por serem generalizações) deixam de analisar o
próprio transplante efetuado e, inclusive, desconsideram os atores (e,
assim, também os próprios interesses) que participam do procedimento
de transplante55.
A ideia mesma do transplante é a alteração do próprio sistema, e
é disso que se cuidou acima, com tons mais ou menos críticos a depender
da abordagem de cada autor. Nesse sentido, “a apropriação de elementos

53
NELKEN, David. Comparatists and transferability. In: LEGRAND, Pierre;
MUNDAY, Rodrick (Eds.). Comparative Legal Studies: Traditions and Transi-
tions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 451.
54
Ibidem, p. 457.
55
GRAZIADEI. Michele. Comparative Law as the Study of Transplants and
Receptions. In: REINMANN, Mathias; ZIMMERMANN, Reinhard (eds.).
The Oxford Handbook of Comparative Law. Oxford: Oxford University Press,
2006. p. 472-3.

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estrangeiros pode ser disfarçada por vesti-los em roupas familiares.”56


No ponto em que se chega ao processo penal, vem a elegante passagem
de Mirjan Damaška: “a música da lei muda, assim dizendo, quando os
instrumentos musicais e os músicos não são mais os mesmos.”57
O ponto, portanto, para se verificar o sucesso ou não do trans-
plante, não é se ele cabe ou não no sistema de destino. Novamente com
Nelken, “o que faz uma boa tradução é sua fidelidade aos mundos dife-
rentes ao invés de seus efeitos ou consequências.”58 Se o modelo cabe ou
não, portanto, não é um problema de direito comparado, que por si só
seria impeditivo de se realizar o transplante jurídico.
Se isso pode ser tomado cientificamente como plausível, onde
estaria o problema?
Com isso, chega-se ao processo penal brasileiro, a partir do diag-
nóstico do pastiche e da falta de racionalidade – tanto em termos do que
se escolhe como modelo, seja em termos de sua extensão, quanto princi-
palmente em termos da total despreocupação com seu funcionamento no
país de origem e cálculo consequencialista - que tem guiado o mimetismo
de institutos para serem transplantados para cá.
Do que se cuidará abaixo, depois dos transplantes jurídicos, não
é de acomodação sistemática, mas sim do seu retalhamento, que aqui se
pode dizer assistemático. O problema com o qual o direito processual penal
brasileiro se defronta atualmente é o da irracionalidade dos critérios que
tem seguido para se valer dos transplantes jurídicos.

4. P rocesso penal brasileiro atual à luz do direito


comparado : um pastiche legal

A expressão crítica que resume o diagnóstico que parece ser apli-


cável ao cenário atual brasileiro é cunhada por Mirjan Damaška. O “legal

56
Ibidem, p. 462.
57
DAMAŠKA, Mirjan. The uncertain fate of evidentiary transplants: Anglo-A-
merican and Continental Experiments. The American Journal of Comparative
Law, v. 45, n. 4, p. 839-852, 1997. p. 840.
58
NELKEN, David. The Meaning of Success in Transnational Legal Transfers.
19 Windsor Yearbook of Access to Justice, p. 349-66, 2001. p. 361.

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pastiche”, segundo o ponto de vista com o qual aqui se concorda é o produto


do seguinte procedimento: “na busca pela inspiração por mudança, é talvez
natural para advogados navegar numa boutique de lei estrangeira. Mas é
uma ilusão pensar que essa é uma boutique na qual alguém é sempre livre
par adquirir alguns itens e rejeitar outros. Um arranjo decorrente de uma
aquisição parcial – um pastiche legal – pode produzir um resultado de
investigação bem menos satisfatório na prática do que sob ou arranjos pro-
batórios continentais ou Anglo Americanos em sua forma não adulterada.”59
Damaška trata de transplantes jurídicos específicos na sistemática
das provas no processo penal. E o direito probatório, a partir do pano de
fundo da dicotomia entre processo penal adversarial e processo penal
de matriz inquisitória é campo fértil para a abordagem dos transplantes
jurídicos, como se notou inclusive nos textos dos demais autores de
processo penal comparado aqui pesquisados.
Como se viu até aqui, também essas escolhas metodológicas, de
se cuidar da comparação em ponto-a-ponto (por exemplo, em matéria
de disciplina na colheita da prova, cross examination na colheita da prova
oral, comportamento do juiz e das partes, acordo de penas e culpa, ou em
matéria de oralidade em audiências, sistemática de provas lícitas e ilícitas
e assim sucessivamente), ou de usar determinados exemplos para situá-
-los dentro do pano de fundo objeto de estudo (matriz inquisitória ou
adversarial do processo penal, como faz com destaque Maximo Langer),
são válidas. Mais do que isso, como demonstram os textos de Langer e
Elisabetta Grande, são complementares.
Neste texto se delimita a abordagem crítica no pastiche lembrado
por Damaška. O ponto não é escolher “um” ou “mais de um” tema e de-
senvolver o estudo comparado a seu propósito, com o que a comparação
esgotar-se-ia no tema particular em si. A escolha de um ou outro exemplo
tem o caráter meramente indicativo do transplante jurídico.
O exercício da utilização do direito comparado no campo proces-
sual penal, ainda que não para importar (transplantar) ideias estrangeiras,
não é surpresa no Brasil.

59
DAMAŠKA, Mirjan. The uncertain fate of evidentiary transplants: Anglo-A-
merican and Continental Experiments. The American Journal of Comparative
Law, v. 45, n. 4, p. 839-852, 1997. p. 852.

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Mesmo antes das lições de Alan Watson – segundo quem, grosso


modo, além de comuns, os transplantes jurídicos são em grande medida
a principal fonte de desenvolvimento dos sistemas jurídicos de cada
país60 - havia a análise modelar de sistemas distintos para a reflexão sobre
reformas no Brasil.
Prova disso é a Exposição de Motivos ao vigente Código de Pro-
cesso Penal brasileiro (Decreto-Lei 3.689, de 03. 10.1941), do ex-Ministro
da Justiça Francisco Campos, no qual se viu a transposição de regras que
conformaram a redação do Codice di Procedura Penale italiano de 1930,
do ex-Ministro da Justiça Alfredo Rocco.
Francisco Campos disse na Exposição de Motivos que “quando da
última reforma do processo penal na Itália, o Ministro Rocco, referindo-
-se a algumas dessas medidas e outras análogas, introduzidas no projeto
preliminar, advertia que elas certamente iriam provocar o desagrado
daqueles que estavam acostumados a aproveitar e mesmo abusar das
inveteradas deficiências e fraquezas da processualística penal até então
vigente. A mesma previsão é de ser feita em relação ao presente projeto,
mas são também de repetir-se as palavras de Rocco: ‘já se foi o tempo em
que a alvoroçada coligação de alguns poucos interessados podia frustrar
as mais acertadas e urgentes reformas legislativas.’”61
O Código de 1941 foi gestado sob a égide da ideologia inspirada
no Codice italiano de 1930, e as cargas dessa transposição de ideias podem

60
WATSON, Alan. Legal transplants. An Approach to Comparative Law. 2. ed.
London: University of Georgia Press, 1993. p. 95. Destaca-se, entre os au-
tores que se debruçaram sobre a construção teórica de Francisco Campos,
as influências que ele recebeu fora do processo penal projetado na época e
as que ele exerceu dentro do diploma legislativo de então, o seguinte artigo:
MALAN, Diogo Rudge. Ideologia Política de Francisco Campos: influência
na legislação processual penal brasileira (1937-1941). In: PRADO, Geraldo;
MALAN, Diogo (Orgs.). Autoritarismo e processo penal brasileiro. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2015. Na p. 46 o autor afirma: “malgrado Francisco Cam-
pos nunca tenha se declarado fascista, ou assumido abertamente a influência
do regime de Benito Mussolini na ordenação jurídica do Estado Novo, é sin-
tomática a referência feita pela Exposição de Motivos do Estatuto de 1941
ao Ministro da Justiça italiano Alfredo Rocco, grande artífice do Codice di
Procedura Penale de 1930.”
61
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal Brasileiro, item II, segun-
do parágrafo.

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ser vistas em matérias como gestão da prova pelo juiz e o tratamento de


nulidades. Não irá aqui se descer às minúcias do que era a disciplina ori-
ginária em 1941, mas apenas se trata da coerência, que guiou a exposição
de motivos em mais de uma passagem, e foi transposta para o Código
antes das sucessivas que reformas que sofreu até os dias atuais.
Ou seja: mesmo que um dos ideários do Código de 1941 fosse
a uniformização da sistemática processual penal anterior62, a harmonia
a partir de uma ideia central, de um fio condutor, de um modelo a ser
transplantado, enfim, foi característica do Código gestado pelo conhecido
ideólogo do Estado Novo.
Sobre gestão da prova se previa, na Exposição de Motivos (item
VII, segundo parágrafo), que “o juiz deixará de ser um espectador inerte
na produção de provas. Sua intervenção na atividade processual é per-
mitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar, a final,
mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis
ao esclarecimento da verdade.” A ideia originária se espalha pelo capítulo
probatório a partir da redação originária do art. 156, revogado em 200863.
A coerência com a possiblidade de o juiz atuar como interessado podendo
para tanto agir de ofício em busca “da verdade” aparece em outras pas-
sagens originais do Código de 1941, como por exemplo em matéria de
verificação de falsidade (art. 147), determinação de diligências para dirimir
dúvidas sobre ponto relevante (art. 156), busca e apreensão (art. 242).
Em matéria de nulidades processuais, a Exposição de Motivos cui-
dou, no item XVII, de blindar o Código de Processo Penal ao que chamou

62
A Constituição de 1891 previa que à União competia legislar sobre “direito
civil, commercial e criminal da Republica e processual da justiça federal” (art.
34, § 23). Por essa distinção final, a competência para legislar sobre processo
penal que não fosse da justiça Federal seria dos Estados. A propósito dessa in-
terpretação, João Barbalho Cavalcanti, Constituição Federal Brasileira (1891):
comentada. Brasília: Senado Federal. 2002. Edição fac-similar, p. 128. Com a
Constituição de 1934 se passou a prever a competência legislativa exclusiva
da União para legislar em matéria de direito processual (art. 5º, XIX, “a”) e, no
art. 11, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias se cuidou da co-
missão de especialistas para elaborar um projeto de Código de Processo Penal.
63
Redação original: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, mas o juiz
poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de
ofício, diligências, para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.

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de “excessivo rigorismo formal, que dá ensejo, atualmente, à infindável


série das nulidades processuais.” E prosseguiu abertamente e outra vez
com advertência de doutrina italiana (agora sem citar nominalmente o
autor), para se fidelizar com a matriz do Codice di Procedura Penale de
1930: “segundo a justa advertência de ilustre processualista italiano, ‘um
bom direito processual penal deve limitar as sanções de nulidade àquele
estrito mínimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves
interesses do Estado e dos cidadãos.’”
Prosseguiu ainda, a Exposição de Motivos: “O projeto não deixa
respiradouro par o frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar nuli-
dades. É consagrado o princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se
não há prejuízo para a acusação ou a defesa. Não será declarada a nulidade
de nenhum ato processual, quando este não haja influído concretamente
na decisão da causa ou na apuração da verdade substancial. Somente m
casos excepcionais é declarada insanável a nulidade.” As previsões do
pórtico do Código, nesse particular, encontram-se espelhadas, desde
1941 até hoje, nos artigos 563 a 574.
A matriz autoritária do Código de Processo Penal de 1941 se
refletia, entre outras matérias, nessas acima resenhadas. De lá para cá, o
sistema processual penal brasileiro tem experimentado modificações as
mais diversas, sejam no próprio Código, sejam por leis especiais.
No corpo do Código de Processo Penal, houve onda reformista
que culminou em leis de 1996 (Lei 9.271, alterou a sistemática de citação
por edital e tratou de suspensão do curso processual se o acusado não
constituir advogado), 2003 (Lei 10.792/2003, reformulou a sistemática
do interrogatório), 2008 (Leis 11.689, 11.690, 11.719, que alteraram as
sistemáticas do procedimento do júri, das provas e dos procedimentos)
e 2011 (Lei 12.403, que reformulou a sistemática das medidas cautelares
pessoais no processo penal).
Outras alterações legislativas inovaram no funcionamento do
sistema processual penal brasileiro, como foi o caso da Lei 9.099/95
(instituiu os juizados especiais criminais e trouxe ao debate nacional o
instituto da justiça negociada com os institutos da transação penal, da
composição civil de danos e da suspensão condicional do processo) e,
recentemente, a Lei 12.850/13, que nomeia alguns chamados “meios de
obtenção de prova”, particularmente a colaboração premiada (art. 4º).

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Além da onda reformista presenciada nos últimos 20 anos, viven-


cia-se pretensão de alterações também em matéria de provas e nulidades
processuais, como se iniciou a partir do chamado “Pacote anticorrupção”
encabeçado e divulgado por parcela do Ministério Público da União (me-
dida nomeada de “ajustes das nulidades”64), que redundou em propositura
de alteração legislativa em curso no Congresso Nacional65.
Distintamente do que se percebeu originariamente, a partir da
Exposição de Motivos e das consagrações no Código de Processo Penal
até os idos dos anos 90 do século passado, a onda de reformas pontuais
dos últimos anos, e por último até a promessa de edição de novo Código
de Processo Penal66, padecem da falta de um fio condutor em termos de
transplantes jurídicos.
Com isso se volta a uma das abordagens escolhidas neste texto, que
é a análise crítica do “antes” e do “depois” dos transplantes. Em processo
penal, o que motiva o recorte inicial do texto, e até aqui desenvolvido,
é o cuidado com a transposição mesma dos modelos jurídicos de um a
outro lugar. Não se diagnosticou a prevalência de uma ideia advinda de
determinado país a ser transposta para o Brasil. Olha-se para fora daqui
sem se ter – ou ao menos se justificar – qualquer critério para se ‘pegar’
ou ‘catar’ esse ou aquele modelo e trazê-lo para cá.
Assim, por exemplo, as alterações pontuais sobre a garantia do
exercício ao silêncio e a nova previsão de citação por edital não têm sua
raiz de ser exclusivamente a partir da consagração de determinado modelo
de justiça criminal. Amparam-se em lições antitéticas à raiz do Código
de Processo Penal de 1941 e à sua Exposição de Motivos, por força do
advento da Constituição Federal de 1988.

64
Medida 7, nomeada de ‘ajustes nas nulidades penais contra a impunidade e a
corrupção’. Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresenta-
cao/conheca-as-medidas/docs/medida_7_versao-2015-06-25.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2017.
65
PL 99/2016, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues.
66
PL 8045/2010. O autor deste artigo coordenou estudo no âmbito do Insti-
tuto Brasileiro de Ciências Criminais que, pontualmente, apreciou os dis-
positivos do aludido projeto de lei. Disponível em: <https://www.ibccrim.
org.br/docs/2017/20170601_ReformaCPPIBCCRIM.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2017.

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Pode até se sinalizar por encaminhamento da elaboração de


normas processuais penais em obediência a ditames convencionais,
como se vê por exemplo, da crescente relevância que se dá no Brasil aos
precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos ou mesmo
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Ainda assim, não se pode
falar de autêntico transplante jurídico.
Já as alterações elaboradas em matéria da chamada justiça
consensual, que tiveram início com a Lei 9.099/95 e culminaram com
a Lei 12.850/1367 significam virada processual penal ao chamado sis-
tema de common law, notadamente com retórica de modelo processual
penal adversarial.
A propósito dessa decorrência, conquanto a doutrina processual
penal mais recente tenha alguma preocupação, o ponto específico do
transplante jurídico operado, e a lupa do direito comparado mais arguta
é a de Marcos Zilli, segundo quem “o fenômeno e o seu estudo foram
muito bem captados por Langer. Ainda que adaptada à realidade cultural
do organismo receptor, a incorporação de fórmulas processuais fiéis a
outro modelo traz o risco da imprevisibilidade. É que na operação diária,
a cargo de sujeitos imersos em outra cultura processual, potencializam-
-se as probabilidades para as distorções. Assim, a invasão pode levar o
sistema receptor a um ponto mais próximo daquele que o inspirou. Em
situações mais graves, as distorções podem produzir um novo modelo
que não é captado pelas tradicionais classificações. São as armadilhas
dadas pelo presente grego.”68

67
A escalada legislativa é sintomática do ponto de vista das condutas que po-
dem ser objeto de negociação: inicialmente aquelas de ‘menor potencial ofen-
sivo’, nos termos do art. 61 e ss, da Lei 9099/95; e já agora, com a colaboração
processual que é modelo distinto de acordo entre acusação e defesa, chega-se
às raias dos chamados crimes praticados por ‘organizações criminosas’, que
tem sensível patamar de pena abstrata (reclusão de 3 a 8 anos).
68
No acordo de colaboração entre gregos e troianos o cavalo é o prêmio, p. 3.
Em texto distinto, e apegado ao procedimento abreviado argentino e a difu-
são dos “acordos de pena” no processo penal, Maximo Langer explora a ideia
de “cavalo de Tróia” como metáfora que significa a mudança de paradigma
de sistema processual penal baseado em investigação oficial de um lado, e na
disputa entre os envolvidos, de outro lado (LANGER, Maximo. La dicotomia
acusatorio-inquisitivo y la importación de mecanismos procesales de la tra-
dición jurídica anglosajona. Algunas reflexiones a partir del procedimento

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E, por fim, o tratamento que se pretende dar à sistemática das


provas no processo penal – aí incluída a gestão da prova e os papéis que se
espera sejam desenvolvidos pelos atores processuais penais: juiz e partes,
bem como das provas ilícitas a partir da inauguração constitucional de
198869 - é tributário, da mesma forma, de certa (ou ao menos imaginada)
aproximação ao modelo de common law.
Isso, seja do que se vê consagrado por força da Lei 11.690/08
que alterou a redação dos artigos 155 e seguintes do Código de Processo
Penal brasileiro e deu inédito tratamento infraconstitucional à matéria das
provas ilícitas, suas consequências e as purgações de vícios; seja também
do que se percebe dos projetos de lei em curso no Congresso Nacional
na já aludida questão de provas ilícitas e nulidades70.

abreviado. In: MAIER, Julio B. J.; BOVINO, Alberto (comps.). El Procedimento


Abreviado. Editores del Puerto: Buenos Aires, 2001, p. 124. Sobre os acordos,
também chamados de barganhas, no processo penal brasileiro, ver: VASCON-
CELLOS, Vinicius G. Barganha no processo penal e o autoritarismo “consen-
sual” nos sistemas processuais: a justiça negocial entre a patologização do
acusatório e o contragolpe inquisitivo. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
953, p. 261-279, mar. 2015.
69
Art. 5º, LVI: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos.”
70
No PL 99/2016, que pretende disciplinar as matérias sobre provas ilícitas e
nulidades no processo penal, a matéria é tratada com reducionismo teórico
que custa crer seja digno de justificativa, tamanha a desproporção entre a
complexidade do assunto junto à tão sensível a alteração proposta ao longo
de diversos dispositivos processuais penais e a superficialidade com que se
tratou de ambos. Cogita-se, nas justificativas, de abordar a inadmissibilida-
de de provas ilícitas como se não passassem de “regras não escritas na lei”, a
partir de abordagem míope porque abertamente tributária exclusivamente
do apego ao disseminado entendimento de que as exclusionary rules teriam
somente um efeito dissuasório (proteção contra más práticas policiais que
violem a 4ª e 5ª Emendas), descuidando-se do arcabouço teórico que trata
de métodos proibidos de prova e efeitos distintos do meramente dissuasó-
rio. Não se trata numa linha sequer nem mesmo das distintas possibilidades
de consequências processuais penais advindas do reconhecimento de vícios
em matéria probatória. As justificativas utilizadas na proposta, todas elas,
decorrem do apego irrestrito a concepção do processo penal norte ameri-
cano, inclusive o rol que se pretende inserir de outras fórmulas que esva-
ziariam a previsão de contaminação de ilicitudes probatórias. Em matéria
de nulidades, o citado PL revivesce a exposição de motivos de 1941, com
o esforço de evitar ao máximo o desfazimento de atos processuais. Nesse
tema, não há transplante algum do sistema norte-americano, mas pura e

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O direito processual penal brasileiro atual convive, de um lado,


com o ideal ainda vigente em larga medida de regras inquisitórias do
Código de Processo Penal de 1941, e, de outro, com alterações que ora
privilegiam a introjeção de valores diretamente constitucionais, e ora
decorrem de abertos transplantes jurídicos. Essa é a aporia que se pode
diagnosticar, no encaminhamento conclusivo das abordagens deste texto.
Foi visto e defendido aqui que o transplante jurídico, mesmo
que com alterações radicais do ponto de vista sistemático, não seria em
si problemático. A crítica sempre pode acontecer diante de alguma radi-
calidade pela adoção tout court de um modelo em detrimento de outro,
mas há justificativa (deve haver) para tanto, se o espírito do transplante
é, mesmo, modificar determinado sistema jurídico. No limite, portanto,
a resposta às críticas nesse pormenor seriam que as alterações seriam
mesmo propositais.
Acontece que, justamente por se tratar de alteração sistemática,
o cuidado mínimo que se deve ter é com a alteração como um todo, e não
em pontos cirúrgicos, deixando as indeléveis marcas de sistema jurídico
incompatível vigente com as alterações propostas.
Em ainda nova metáfora: uma coisa é o transplante, outra é a
introjeção de órgão estranho, incompatível, algo que se aproxima de um
irresponsável enxerto, num pedaço do corpo, que passará a não funcionar
bem como o enxerto não pensado para todo o organismo. O transplante
pode ter razões para funcionar ou não, a depender de como se reage às
modificações legislativas; mas com o corpo estranho não se tem método
algum na introjeção das novas normas e nem o mínimo cálculo do que
pode advir da operação.

simplesmente o discurso salvacionista de aproveitamento de possíveis atos


processuais nulos em desconsideração até mesmo aos entendimentos dos
próprios autores dos Estados Unidos que chegam a propor caminhos in-
termediários à aplicação tout court de regras de exclusão. No mesmo Pro-
jeto de Lei, portanto, caminha-se ora num sentido (transplante jurídico de
precedentes dos EUA), ora noutro, que com ele não tem qualquer relação
(tratamento de nulidades, na esteira da Exposição de Motivos de 1941).
Sobre alguns dos exemplos vistos já acima, mas particularmente cuidando
da sistemática das provas, vale ver: MOREIRA, José Carlos Barbosa. O pro-
cesso penal norte-americano e sua influência. Revista Brasileira de Direito
Comparado, n. 19. p. 227-245, jul./dez. 2000.

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Assim, por exemplo, em matéria da lenta e propalada adversaria-


lização que se pode dizer ser uma das tônicas do processo penal brasileiro
atual71, não há como, por exemplo, conviverem no mesmo organismo
jurídico, previsões como a do art. 257, do Código de Processo Penal (o
Ministério Público pode ser tanto parte em ações penais públicas, como
“fiscal da lei”), e aquelas que se ligam à justiça negociada, que são a tônica
de algumas das mais recentes alterações legislativas.
Ainda nessa tônica, a consideração tão consagrada quanto irrefle-
tida da assunção do Ministério Público como “fiscal da lei” se divorcia da
ideia de processo penal de partes – que é o que justifica empiricamente a
justiça consensual – em matéria recursal, com o oferecimento de pareceres
em ações penais de iniciativa pública, como sobreposição aos arrazoados já
constantes do mesmo órgão, quando atuante a título de parte no processo.
O curioso é se perceber que, sabendo-se ou não de raiz de as
coisas serem distintas como são num e noutro país, a transposição dos
modelos de atuação das partes em matéria de justiça negociada desconsi-
dera absolutamente que o berço de onde a modificação vem (os Estados
Unidos da América) têm no Ministério Público órgão cujos representantes
são eleitos e prestam contas à sociedade de forma diversa do que há aqui,

71
VIEIRA, Renato Stanziola. Traços adversariais no Projeto de Código de Proces-
so Penal. Uma proposta par o estudo da paridade de armas. In: MALAN, Dio-
go; MIRZA, Flávio (Coords.). 70 Anos do Código de Processo Penal Brasileiro.
Balanço e perspectivas de Reforma. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011. p. 361-
402. O tema específico do processo adversarial e inclusive os enfoques que
podem justificar ser o sistema adversarial do sistema acusatório é muito mais
complexo do que aqui se poderia resumir. Para aprofundamento, sugere-se a
consulta às seguintes obras: TARUFFO, Michelle. El proceso civil adversarial
en la experiencia americana: el modelo americano del proceso de conotación dis-
positiva. Trad. Beatriz Quintero. Bogotá: Temis, 2008. LANDSMAN, Stephan.
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a partir da Constituição Federal de 1988. É decididamente impensável,


como se vê por esses exemplos, olhar para a modificação processual
penal propalada sem se modificar a estrutura sob a qual se constrói o
ainda vigente modelo brasileiro. Não há como se vestir a mesma roupa
se o corpo muda.
Da mesma forma, como se tem percebido aproximação também
em questão de comportamento judicial com o sistema adversarial de
processo penal, em que o juiz tem mais o papel de árbitro do que de
investigador em busca da dita verdade real, a previsão ainda de poderes
instrutórios ex officio ao lado de previsões de livre disponibilidade das
partes em matérias probatórias é outro complicador e sinalizador de que
não se sabe o que se transplanta no Brasil.
Outro exemplo da pequena reflexão técnica sobre os transplantes
jurídicos no Brasil se nota na pretensão de, com o advento de futuro Có-
digo de Processo Penal, instituir-se aqui a chamada investigação defensiva,
que também tem como raiz o sistema norteamericano de processo penal
e foi acolhida na Itália com reforma legislativa de 2000.
De um lado se imagina aproximação ao modelo de disponibilidade
dos envolvidos de irem à cata de elementos de informação autonomamen-
te mas, aqui, isso não seria acompanhado de alteração no vetusto artigo
14, do CPP, que prevê ser atribuição exclusiva do Delegado de Polícia o
deferimento ou não de diligências a serem tomadas pela defesa, isso sem
falar na própria limitação da própria atividade em si, quando comparada
com a imaginada nos modelos paramétricos do transplante72.
Há outros exemplos que poderiam ser lembrados inclusive ape-
gados à má prática dos próprios atores do sistema jurídico em lidar com
normas já advindas de reforma como por exemplo se vê com a ordem de
perguntas a serem feitas às testemunhas prevista no art. 212 do Código
de Processo Penal, desconsiderada amiúde pelos próprios Magistrados.

72
VIEIRA, Renato Stanziola. Investigação defensiva: diagnóstico e possibili-
dades no processo penal brasileiro. In: AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel;
VASCONCELOS, Eneas Romero de (Coords.). Polícia e investigação no Brasil.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 337-72; MALAN, Diogo Rudge. Investiga-
ção defensiva no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a.
20, v. 96, 2012

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O que aqui se pretende é apenas ilustrar que o transplante jurí-


dico não é, em si mesmo, o ponto da crítica. O problema reside na não
convivência harmônica das normas que não são alteradas com o advento
das reformas. E essa crítica mina a eficiência pretendida de qualquer
reforma, e também fulmina – sob qualquer prisma – a possibilidade de
êxito e funcionalidade do transplante jurídico (ao menos se se parte da
premissa de que se pretende efetivamente atingir alguma mudança com
a nova legislação).
Outro detalhe é que as próprias mudanças não são, por vezes,
precedidas de diagnósticos precisos sobre a funcionalidade do sistema
no próprio país de origem. Vale lembrar da crítica feita pela própria
doutrina processual penal norte americana sobre os vícios inerentes às
práticas de justiça consensual (que vão da ‘overcharging’ à extorsão de
confissão pura e simples às considerações sobre como o modelo mina
o aspecto do contraditório inerente à noção mesma de processo)73, não
refletidas majoritariamente no Brasil74, que tem se tornado receptáculo
fértil dessas mesmas ideias.

Conclusões

Carmen Miranda, que imortalizou a canção cujo trecho serviu


de epígrafe a este trabalho, cantou sobre o repto que sofreu por ter fi-
cado “muito rica” e não suportar mais “o breque do pandeiro”, mas se
defendeu cantando que “diz mesmo eu te amo e nunca “I love you””,
e que “enquanto houver Brasil na hora da comida eu sou do camarão
ensopadinho com chuchu.”
A típica mistura do que é nosso e do que é de fora é o que acontece
com o processo penal brasileiro, desbaratado ante reformas que propalam

73
STUNTZ, William J. The collapse of American criminal justice. Cambridge,
London: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011.
74
Dentre as vozes que excepcionam esse silêncio está a de PRADO, Geraldo.
Elementos para uma análise crítica da transação penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. Também como marco crítico, o trabalho de VASCONCELLOS,
Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial. Análise das tendên-
cias de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São
Paulo: IBCCRIM, 2015.

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seguir modelos de tendência retórica adversarial, mas que não esconde o


viés autoritário e inquisitório ainda reinante aqui consagrado no Código
vigente, e nem mesmo se questiona sobre as virtudes e defeitos no fun-
cionamento do modelo transplantado no país de origem.
Esforçou-se no texto para, na seção própria em que se pretendeu
tratar da abordagem teórica dos transplantes jurídicos do ponto de vista
do direito comparado, contextualizar tanto a inevitabilidade do método
e de seus efeitos práticos, quanto do juízo crítico que deve permear a
admiração de um ou outro modelo. Essa pretensão veio acompanhada de
uma contextualização das reformas processuais penais da América Latina
nos últimos 30 anos, que coincidiu com a onda reformista do processo
penal dos países latinoamericanos.
Pode parecer uma separação metodológica criticável a abordagem
entre, de um lado, transplantes jurídicos e explorações conceituais corre-
latas e, de outro, o posicionamento sobre as motivações que redundaram
na apropriação de determinados países (latinoamericanos) de regras
jurídicas vindas de outros (o discurso “sul-norte”). Mas pareceu ser útil
a junção dessas duas abordagens porque a conexão entre o sul e o norte
se dá justamente (e inclusive) pelos transplantes jurídicos.
Esclarecido isso, as escolhas de conformações legislativas do
processo penal brasileiro em tempos recentes são uma mistura de falta de
cuidado de diagnóstico (com o que existe e se quer transplantar) e falta
de responsabilidade no prognóstico (pois não há como se acomodarem
modelos tão estranhos dentro do mesmo sistema jurídico enquanto a
mimetização não passar de um aproveitamento tópico, sem qualquer
justificativa e nem muito menos com compromisso com a estrutura na
qual determinada norma estrangeira passará a incidir).
Por isso mesmo é que a preocupação é (ou deveria ser) com o
que vem depois dos transplantes jurídicos. Mais de uma vez se afirmou
no texto: o problema não é, em si mesmo, a ideia de transplante jurídico
(a crítica que pode ser feita a isso é a de neocolonialismo, emulação por
espírito de subserviência cultural, dependência econômica etc.), e sim,
de “qual” transplante se trata, de “qual extensão” de determinado sistema
se propõe alterar.
Miscelânea de ideias pode ser algo intuitivamente positivo na
busca de melhores soluções para possível conformação legislativa. Mas

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não é de miscelânea que se cuida, e sim de pólos que podem ser, nos
exemplos discutidos na parte final deste texto, mutuamente repelentes.
Por tudo isso, repete-se o que se disse na introdução: não se quer
avançar com a propositura de soluções ou de forma arrogante propor “o
melhor” transplante ou coisa parecida.
O caminho que se trilha em termos de utilização de direito pro-
cessual penal comparado no Brasil é errático, de ininteligível motivação,
e deve ser repensado. Não se discute se, por determinada opção políti-
co-criminal, um sistema processual e suas características deva ser visto
como melhor ou pior do que outro.
No Brasil a importação acrítica de pedaços de sistemas jurídicos
– seja pelo não compromisso sistemático, seja pela falta de justificativa
inclusive da escolha do modelo a se seguir sem se questionar sequer
sua funcionalidade na origem - destrói a racionalidade do nosso próprio
sistema processual penal.
Desconfigura-se o que existe – o que por si só impede de formular
crítica responsável para a própria reformulação – e não há fidelidade ao
modelo inicial que é aqui transplantado. Não se constrói sistema algum.

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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of origina-


lity): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atesta que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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806 | Vieira, Renato Stanziola.

Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 26/12/2017 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
26/12/2017 ▪▪ Revisores: 3
▪▪ Comunicação ao autor do deslocamento ao
V4N2: 26/12/2017
▪▪ Avaliação 1: 26/02/2018
▪▪ Avaliação 2: 04/03/2018
▪▪ Avaliação 3: 14/03/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar: 14/03/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 22/03/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar 2: 31/03/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 2: 04/04/2018
▪▪ Decisão editorial final: 07/04/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


VIEIRA, Renato Stanziola. O que vem depois dos “legal transplants”? Uma
análise do processo penal brasileiro atual à luz de direito comparado. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 767-806,
mai./set. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.133

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 767-806, mai.-ago. 2018.
Teoria da Prova Penal

Criminal Evidence Theory


Investigação criminal genética – banco de perfis
genéticos, fornecimento compulsório de amostra
biológica e prazo de armazenamento de dados

DNA criminal investigation – DNA database, mandatory


DNA collection and time limit for data retention

Antonio Henrique Graciano Suxberger 1


Centro Universitário de Brasília – Brasília/DF
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/9136957784681802
http://orcid.org/0000-0003-1644-7301

Valtan Timbó Martins Mendes Furtado2


Centro Universitário de Brasília – Brasília/DF
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/9867878238887034
https://orcid.org/0000-0001-5165-5830

Resumo: O artigo aborda o uso de informações genéticas no direito


processual penal brasileiro e seu regime legal a partir das inovações
introduzidas pela Lei 12.654/2012, que inaugurou no Brasil a pos-
sibilidade de que investigados e sentenciados sejam compelidos a
fornecer material biológico próprio para a alimentação de um banco
de perfis genéticos cujos dados poderão ser confrontados no inte-
resse de investigações criminais. Por meio de revisão da literatura

1
Pós-Doutor em Direito e Democracia pelo IGC da Universidade de Coimbra,
Doutor em Direito pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), Mes-
tre em Direito pela Universidade de Brasília. Professor do Programa de Mestrado
e Doutorado do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Professor da Fun-
dação Escola Superior do MPDFT. Promotor de Justiça no Distrito Federal.
2
Doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Mestre
em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Procurador da República
no Distrito Federal.

809
810 | Suxberger; Furtado.

nacional e estrangeira sobre o tema, alguns assuntos fundamentais


são abordados, como conceitos técnicos sobre bancos de perfis
genéticos, o embate entre os direitos fundamentais atinentes à
questão (especialmente intimidade e segurança pública) e modelos,
estrangeiros e nacional, de banco de perfis genéticos. O artigo busca
problematizar se a lei brasileira ofende a garantia constitucional
da não autoincriminação. Além disso, propõe interpretação da lei
especificamente dirigida à limitação temporal da manutenção dos
perfis genéticos de indivíduos no banco de dados. O artigo pro-
blematiza o potencial da legislação brasileira sobre essa matéria
para, sem ofensa a direitos fundamentais e uma vez implantados
e adequadamente alimentados e gerenciados os bancos de dados,
contribuir para aprimorar a efetividade da investigação criminal e
da produção probatória no Brasil.
Palavras-chave: Banco de dados de perfis genéticos; Investigação
criminal; Direitos fundamentais; Não autoincriminação.

Abstract: This paper examines the legal framing of DNA database and DNA
investigations in Brazil. According to Law n. 12.654/2012, DNA may be
extracted from both convicted criminals and people under investigation
to create a profile to be placed in a national database in the hopes that it
will enhance criminal investigations. From literature review and legislation
analysis, this study provides basic information on DNA profiling and database,
identifies conflicts between certain fundamental rights (specially privacy
and public safety) and shows how DNA database for forensic purposes
are framed in Brazil and abroad. The most important part of the paper (a)
reaches the conclusion that Brazilian law respects the constitutional right
to non self-incrimination and (b) proposes and interpretation of the law
regarding the time limit for data retention. This essay aims to contribute
to the necessary debate previous to Brazilian Supreme Court’s decision
on the constitutionality of Law n. 12.654/2012 and its limits. The paper
reaches the conclusion that Brazilian law is potentially an efficient tool to
improve the effectiveness of criminal investigation and evidence in Brazil.
Keywords: DNA database; Criminal investigation; Fundamental rights;
Non self-incrimination.

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Introdução

Em Estados onde os bancos de dados de perfis genéticos já foram


implementados em larga escala, como o Reino Unido e os Estados Unidos,
os resultados no enfrentamento da criminalidade se fazem perceber.
Dados de 2005 dão conta de que em um mês típico eram encontradas
convergências ligando suspeitos a 30 homicídios, 45 estupros e 3.200
crimes envolvendo veículos, propriedades e drogas no Reino Unido, em
virtude do uso da UK National Criminal Intelligence DNA Database, ou
NDNAD, a base de dados de perfis genéticos daquele Estado (KADER;
LING; LI, 2011, p. 49).
A segurança pública encontra-se em grave crise no Brasil. Para
além da temática das falhas estruturais do sistema prisional, impressiona
que o Estado brasileiro tenha apresentado, no ano de 2015, aproximada-
mente 60.000 homicídios (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2017). No entanto,
os homicídios representam pouco mais de 11% do total de pessoas presas
no Brasil (BRASIL, 2017, p. 43). É dizer: um dos crimes mais graves de
nossa legislação, com números alarmantes, não tem recebido a devida
abordagem do sistema de justiça criminal. E essa percepção em grande
parte deriva da crise do modelo de investigação ainda presente no país.
A implementação efetiva do banco nacional de perfis genéti-
cos, isoladamente, não será suficiente para aplacar essa crise, mas pode
constituir um fator coadjuvante no aprimoramento da investigação de
crimes graves, por meio da utilização de solução tecnológica compatível
com o arcabouço jurídico que orienta a persecução penal como um todo.
A corrente contrária ao uso mais amplo dessa ferramenta tec-
nológica no enfrentamento do crime (que implica a obrigatoriedade de
o investigado ou sentenciado tolerar a retirada de seu material biológico
– cooperação passiva do imputado) levanta preocupações legítimas sobre
os riscos de mau uso dos dados armazenados, que poderiam redundar em
violações da intimidade, em especial a intimidade genética, e na estigmati-
zação ainda maior da população carcerária e dos investigados mais pobres.
Adotadas as devidas cautelas no gerenciamento do Banco Na-
cional de Perfis Genéticos, da Rede Integrada de Perfis Genéticos e
dos bancos da União, dos Estados e do Distrito Federal, assim como
tomados os devidos cuidados técnicos na coleta, preservação e cadeia

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai.-ago. 2018.
812 | Suxberger; Furtado.

de custódia das amostras, serão minimizados os riscos de mau uso e


erro, ganhando os órgãos de persecução criminal um instrumento pode-
roso para elucidação dos fatos submetidos à investigação criminal, não
somente para se obterem condenações, mas também para se evitarem
condenações injustas. Denise Hammerschmidt sugere, para minimiza-
ção dos riscos de mau uso e erro, a criação de uma agência reguladora
dos laboratórios e congêneres destinados à identificação genética, bem
como a criação de um tipo penal coibidor das distorções na utilização
de dados genéticos (2012, p. 159)
A resposta à questão fundamental que procura divisar se a utili-
zação do perfil genético como instrumento de identificação acarreta uma
intervenção na intimidade genética passa por diferenciar os tipos de DNA
que possam estar envolvidos, uma vez que apenas o DNA codificante
compreende informações hereditárias do indivíduo (HAMMERSCH-
MIDT, 2017, p. 376).
Quanto à compatibilidade da coleta corporal compulsória de DNA
com a garantia da não autoincriminação, é certo que bons argumentos
existem em ambos os sentidos, mas é necessário enriquecer essa refle-
xão levando-se em conta a experiência estrangeira, a palavra das cortes
internacionais de direitos humanos, a tendência de funcionalização do
Direito Internacional e os reclamos de efetividade do processo penal.
O prazo de manutenção das informações e amostras genéticas
de investigados e sentenciados no banco de dados também precisa ser
definido, pois não se mostra proporcional ou legítimo sob o prisma da
dignidade humana a permanência de registro ad eternum, pendendo
sobre a cabeça do indivíduo a possibilidade de um falso positivo ou de
um uso equivocado de seus dados como uma espada de Dâmocles, nem
atenderia aos objetivos do banco de dados a exclusão precoce das infor-
mações nele constantes.
Ao Supremo Tribunal Federal (STF) cumprirá decidir sobre a
constitucionalidade da lei instituidora do banco de perfis genéticos (Lei
12.654/2012) no recurso extraordinário (RE) 973.837/MG, questão na
qual o Plenário do Pretório Excelso divisou a existência de repercussão
geral. Certamente, aquela corte levará em consideração pontos de vista
diversos, de caráter multidisciplinar, tendo para tanto realizado audiência
pública em maio de 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai.-ago. 2018.
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Este trabalho visa a contribuir com o debate, apresentando uma


compilação de informações, opiniões e ideias de diversas fontes, sem
sonegar o nosso entendimento sobre o que seja mais adequado para
que o processo penal, neste particular aspecto, cumpra sua função com
eficiência e respeito aos direitos fundamentais.
A preocupação que orienta o recorte temático do artigo diri-
ge-se à exteriorização da ação estatal atinente aos bancos de dados de
perfil genético. É dizer, para além da relevante discussão que se situa
no plano dogmático, que ora critica ora enaltece o uso dessa ferramen-
ta tecnológica como instrumento de investigação criminal, o artigo
ocupa-se do arranjo institucional atinente a esses bancos. Assim, do
ponto de vista teórico, conquanto situado no campo próprio do Direito
Processual Penal, a vertente de investigação amolda-se ao que Diogo
Coutinho chama de perspectiva funcional, isto é, dirigida a estudar e
questionar as funções desempenhadas pelo direito nas políticas públicas
e, se possível, aperfeiçoá-las desde uma perspectiva jurídica (2013, p.
182). Por isso, em vez de revisitar a discussão estritamente jurídica que
confronta a intimidade genética com o uso de ferramentas tecnológi-
cas mais sofisticadas para a efetividade da persecução penal, o artigo
dirige-se à conformação da prática desses bancos de dados de perfil
genético. Nessa perspectiva, se fará incursão na experiência estrangeira,
em cotejo com o modo pelo qual se tem institucionalizado os bancos
de dados de perfil genético no Brasil.

1. O que é e para que serve um banco de perfis genéticos


Um banco de perfis genéticos constitui um repositório de im-
pressões digitais do DNA (DNA fingerprints) ou “fotografias genéticas” de
indivíduos e serve para identificá-los ou individualizá-los. Possui enorme
valor forense, pois, a partir das sequências de DNA armazenadas, é possível
afirmar com probabilidade extremamente alta que uma amostra biológica
(sangue, raiz capilar, sêmen, osso, dente, saliva, suor, pele, urina etc.)
se originou de determinada pessoa (KADER; LING; LI, 2011, p. 36-38).
A descoberta do uso do DNA para análise forense se deve ao
Dr. Alec Jeffreys, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, que
usou pela primeira vez o termo DNA fingerprinting (coleta de impressão

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814 | Suxberger; Furtado.

digital do DNA) em uma pesquisa realizada em 1984. Referido método


científico – também conhecido como DNA profiling (coleta de perfis de
DNA) – consiste em isolar o material genético de alguém e transformar
esse material em imagens discerníveis (KADER; LING; LI, 2011, p. 35-37).
Taysa Schiocchet informa que o perfil genético constitui-se de
uma parte das informações contidas na amostra de DNA, extraídas de
regiões denominadas não codificantes do DNA, o que implica, em princí-
pio, que o perfil genético não revela características físicas ou de saúde do
indivíduo, sendo sua única aplicação a individualização. Todavia, adverte
que para muitos biólogos referida distinção entre a parte codificante e
não codificante do DNA é falaciosa, pois esta segunda pode apresentar
informações específicas sobre o sujeito analisado (2013, p. 521-522).
Emílio de Oliveira e Silva adota um conceito amplo de banco de
dados genéticos, que engloba não só o “banco de dados de perfil gené-
tico” (em sentido estrito), ou seja, constituído apenas de informações
codificadas virtualmente, mas também os bancos de dados que contêm
material biológico, também chamados “biobancos”, de que são exemplos
os bancos de sangue, sêmen, medula óssea, tecidos e órgãos (2014, p.
138). Um terceiro tipo de banco de dados é composto por arquivos de
DNA, vale dizer, amostras de DNA, normalmente congeladas e com
DNA já excluído do núcleo celular e pronto para análise em suas regiões
codificantes e não codificantes (SCHIOCCET, 2013, p. 524).
Schiocchet entende, diversamente de Emílio Silva, que, tendo
os biobancos finalidade terapêutica ou de pesquisa e os bancos de perfis
genéticos finalidade de “(...) identificar, mais eficazmente, os autores de
delitos, de modo a prevenir, inclusive, a reincidência”, não é adequado
abarcar no conceito de biobanco também os bancos de perfis genéticos
para fins de identificação criminal (SCHIOCCHET et alli, 2012, p. 33).
Emílio Silva, que sustenta ter a Lei 12.654/2012 tornado obri-
gatória a criação de um biobanco simultaneamente à do banco de perfis
genéticos, como forma de assegurar ao imputado a realização de um
novo exame, no exercício dos princípios do contraditório e da ampla
argumentação (2014, p. 140), classifica os bancos de dados de DNA,
segundo sua finalidade, em:
a) bancos de dados gerais: situação ora hipotética, embora haja
iniciativas na Islândia e na Estônia, para finalidades médicas e com o

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consentimento dos doadores, envolve o acesso às informações genéticas


de toda a população, com finalidades genéricas, como “(...) obter informa-
ções genéticas populacionais, inclusive de grupos específicos de pessoas
sujeitas ao padecimento de enfermidades hereditárias”;
b) bancos de dados profissionais: compostos por arquivos bioló-
gicos coletados de pessoas cuja área de atuação profissional represente
riscos à saúde, mediante consentimento do trabalhador e para uso em
caso de necessidade (exemplo: arquivo biológico das Forças Armadas
dos Estados Unidos);
c) bancos de dados judiciais ou forenses: têm finalidades cíveis
ou criminais, sendo as primeiras relativas “(...) à identificação de pessoas
desaparecidas, por meio da comparação entre o DNA de pessoas não
identificadas (normalmente restos cadavéricos) com os seus supostos
familiares” e as criminais atinentes à “(...) investigação criminal, propi-
ciando a identificação de pessoas por meio do cruzamento de informa-
ções genéticas recolhidas em locais de crimes e de amostras biológicas
em pessoas investigadas ou condenadas.” (SILVA, 2014, p. 141-142).
Schiocchet (2013, p. 519), por sua vez, indica as seguintes áreas
de utilização e finalidades das informações genéticas: (a) no âmbito da
pesquisa; (b) no âmbito da medicina (fins diagnósticos); (c) na busca por
desaparecidos (caso clássico argentino); (d) no âmbito da identificação
civil, especialmente com o intuito de confirmar vínculos parentais; (e)
no âmbito da política nacional de imigração; (f) no âmbito criminal, para
fins de persecução penal.
Para os fins deste artigo, interessam especificamente os ban-
cos de dados forenses com finalidade criminal, hipótese prevista na
lei brasileira.
Devido ao avanço da tecnologia de coleta de perfis de DNA, al-
gumas poucas células são suficientes para se criar um perfil genético, as
quais podem derivar da saliva (que pode conter células bucais), do suor
(que pode conter células da pele) ou do sêmen colhidos, por exemplo,
de um envelope, uma garrafa, um chapéu, um par de óculos ou um lençol
(KADER; LING; LI, 2011, p. 38).
A validação científica da prova, todavia, depende do respeito a
procedimentos aptos à correta colheita e preservação da amostra:

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai.-ago. 2018.
816 | Suxberger; Furtado.

Não raras vezes, as amostras são encontradas em superfícies


não estéreis, podendo sofrer danos após o contato com a luz
solar, micro-organismos e solventes. Isso pode levar a equívocos
na interpretação.

[...]

Também não se pode desconsiderar a possibilidade de manipula-


ção desta prova, não apenas no sentido mais simples, de falhas na
cadeia de custódia da prova, laudos falsos, enxerto de provas etc.,
mas também a possibilidade de fraudar o próprio DNA (LOPES
JR., 2016, p. 456).

A prova genética no processo penal é geralmente decisiva, em-


bora se reconheça que ela deve ser sempre cotejada com outras provas
e analisada criticamente. O DNA coletado na cena do crime pode refutar
alegação do investigado de que não se encontrava no local, mas não se
pode descartar a hipótese de ele ter estado ali em momento diverso
daquele em que cometida a infração, ou mesmo a de estar contaminada
a amostra. No estupro, a amostra biológica obtida a partir da coleta de
fluido vaginal provavelmente será suficiente para a condenação, ficando
pendente considerar se a conjunção carnal foi consensual ou não (KA-
DER; LING; LI, 2011, p. 47).
Aury Lopes Jr. adverte que “a prova técnica, por mais sedutor
que possa parecer o discurso da ‘verdade científica’, não é prova plena
nem tem maior prestígio que as demais. Deve ser analisada no contexto
probatório e pode ser perfeitamente refutada no ato decisório.” (2016,
p. 458). Na mesma linha, Thiago Ruiz defende que, para que ocorra a
condenação, a prova genética deve vir acompanhada de outros elementos,
harmônicos em relação à prova pericial, que indiquem a culpabilidade
do réu (2016, p. 85).
A prova genética pode ser fundamental também para a absolvi-
ção, evitando-se a condenação do inocente. Segundo dados divulgados
pelo consagrado Innocence Project, 356 pessoas tiveram suas sentenças
condenatórias revertidas a partir de provas de DNA nos Estados Unidos,
20 das quais aguardavam execução no “corredor da morte” (INNOCENCE
PROJECT, sem data).

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2. D ireitos individuais e os desafios da segurança pública

Com o avanço em escala global da criminalidade organizada e do


terrorismo, o respeito aos direitos individuais na persecução criminal é
desafiado constantemente pelo discurso da necessidade de se garantir a
segurança da população.
No Brasil, a intensificação da violência observada nos últimos
anos promete novos capítulos nesse embate. O país registrou 59.080
homicídios em 2015 (28,9 por 100 mil habitantes), segundo o Atlas da
Violência 2017, publicado pelo Ipea e pelo FBSP (CERQUEIRA et. alli,
2017, p. 7). Das 50 cidades mais violentas do mundo, 19 se encontram
no Brasil (ZOGBI, 2017). Entre 2011 e 2015, somando-se homicídios
dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decor-
rentes de intervenção policial, houve 278.839 mortes violentas no país,
contra 256.124 mortes violentas na Síria, país em guerra civil no mesmo
período (BOCCHINI, 2016).
Diante desse quadro, o uso de informações e bancos de dados
genéticos pode ser um importante agente de mudança no panorama de
impunidade em se tratando de crimes violentos no Brasil, onde o per-
centual de elucidação de homicídios varia entre 5% e 8%, contra 90% dos
Estados Unidos e do Reino Unido e 80% da França (CNMP, 2012, p. 22).
A eficácia do sistema de banco de perfis genéticos no Brasil
dependerá, basicamente, da sua alimentação com o maior número de
perfis de DNA possível (respeitando-se os protocolos de segurança e
sigilo) e do seu uso adequado pelos agentes públicos, tudo dependendo
do aval do Supremo Tribunal Federal, que julgará a constitucionalidade
da lei instituidora do banco de perfis genéticos (Lei 12.654/2012) no RE
973.837/MG, em que já foi reconhecida a existência de repercussão geral.
Preocupações legítimas surgem no campo da intimidade, já que
o DNA pode revelar, mais do que a simples identidade de alguém, inú-
meras características físicas, propensão para doenças e comportamentos.
Schiocchet observa, a propósito, que a parte não codificante do DNA,
tida por parte dos estudiosos como insuscetível de revelar características
físicas do indivíduo, pode no futuro próximo aportar outros tipos de in-
formação, como a cor dos olhos, dado o avanço das pesquisas científicas
(2013, p. 522).

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O risco de discriminação a partir dos dados coletados, outrossim,


não é desprezível. Ifeoma Ajunwa avalia, por exemplo, que o Genetic
Information Non-Discrimination Act – GINA –, de 2009, lei norte-ameri-
cana contra a discriminação genética, não tem sido eficaz em prevenir a
discriminação pelos empregadores, que dispõem de acesso fácil a testes
genéticos e, portanto, a uma série de informações aptas a gerar insidio-
samente uma subclasse à qual é negada participação na economia liberal
(2016, p. 113-114).
Se, por um lado, o uso da prova genética pode colocar em xeque
direitos individuais – sobretudo os direitos à intimidade, à liberdade e à
integridade física e a não produzir prova contra si mesmo –, por outro
não se pode esquecer que a segurança pública também é um direito fun-
damental, de titularidade da sociedade, indispensável para a legitimação
e o funcionamento do próprio Estado.
Tal direito fundamental exsurge da referência ao direito à segu-
rança no caput dos arts. 5º e 6º e no preâmbulo do texto constitucional e
já foi reconhecido pelo STF, por exemplo, no Agravo Regimental (AgR)
no RE 639.337/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello. “A natureza
de direito fundamental da segurança pública”, leciona Thiago André
Pierobom de Ávila, “é reforçada pelo reconhecimento de que se trata de
um pré-requisito essencial para o exercício dos demais direitos funda-
mentais assegurados constitucionalmente” (2014, p. 162). Assim, direitos
básicos como a vida, a liberdade, a incolumidade física e a propriedade
não podem ser exercidos se for constante a ameaça gerada pela falta de
segurança pública.
O embate entre os direitos fundamentais em questão (do indivíduo
investigado e da sociedade) há de ser resolvido utilizando-se a máxima
da proporcionalidade, tanto na análise da própria constitucionalidade
em abstrato da lei quanto nos casos concretos em que o Estado-juiz for
chamado a decidir sobre a coleta, o armazenamento e o uso de dados
genéticos de pessoas investigadas ou condenadas criminalmente.
Necessário, porém, considerar nessa ponderação de interesses
que o banco de dados jamais cumprirá sua função social se sua alimen-
tação depender da voluntariedade da entrega de material genético por
parte dos imputados ou de buscas e apreensões para a coleta de amos-
tras biológicas dos investigados em locais que tenham frequentado ou

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de objetos que tenham usado, pois a complexidade desse procedimento


reduziria significativamente o número de perfis genéticos disponíveis
para confronto, comprometendo a eficácia do sistema.

3. M odelos estrangeiros de bancos de dados genéticos para


fins penais

O Reino Unido possui um sistema, criado em 1995, pelo qual se


coletam cerca de 30 mil amostras de DNA todos os meses de locais ou
suspeitos de crimes. No final de 2011, a base de dados, denominada UK
National Criminal Intelligence DNA Database, ou NDNAD, já continha
cerca de 5 milhões de perfis genéticos (SCHIOCCHET, 2012, p. 37).
Dados de 2005 dão conta de que em um mês típico eram en-
contradas convergências ligando suspeitos a 30 homicídios, 45 estupros
e 3.200 crimes envolvendo veículos, propriedades e drogas. “Quando a
informação de uma nova cena de crime era adicionada à base de dados,
havia 40% de chance de uma imediata coincidência entre a amostra na
cena do crime e a de um indivíduo determinado.” (KADER; LING; LI,
2011, p. 49).
Após sua condenação no caso S. and Marper v. the United King-
dom, julgado em 2008 pela Corte Europeia de Direitos Humanos, o Reino
Unido readequou algumas regras sobre a retenção de perfis genéticos,
por meio do Protection of Freedoms Act, de 2012 (cf. o item 7, abaixo).
Mesmo assim, o NDNAD segue sendo alvo de críticas, pois é
alimentado a partir da coleta de amostras biológicas, pela polícia, de
qualquer pessoa detida por delito incluído em um rol bastante amplo.
Cristiane Chaves Lemos aduz que

As amostras são colhidas pela própria polícia, independente da


sua relevância para a investigação policial, e ficam armazenadas no
sistema da própria polícia, a nível nacional e integram o registro
criminal daquelas pessoas ad eternum. A seletividade é evidente
já que três em cada quatro jovens negros possuem registro nos
bancos de dados e, junto a outras minorias étnicas, perfazem a
quase totalidade dos perfis armazenados nos bancos de dados
genéticos. (2014, p. 23-24).

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Nos Estados Unidos, a base de dados nacional, autorizada pelo


DNA Identification Act de 1994, chama-se NDIS - National DNA Index
System. Seu acesso e pesquisa ocorrem por meio do Combined DNA Index
System (CODIS), software que conecta as bases de dados de todos os 50
estados a uma rede de computadores nacional. O CODIS é um software
que procura automaticamente nos arquivos do NDIS perfis coinciden-
tes de DNA. Assim como ocorre com o AFIS (Automated Fingerprint
Identification System), base de dados de impressões digitais, o CODIS
compara os perfis de DNA encontrados na cena do crime com aqueles
que constam do sistema, de indivíduos condenados por certos tipos de
crime, como estupro, homicídio e abuso infantil, ou de outras cenas de
crime (KADER; LING; LI, 2011, p. 49-50).
A mais significativa restrição à obtenção das amostras de sus-
peitos está na Quarta Emenda, que impõe de maneira geral que buscas e
apreensões sejam justificadas por uma causa provável e autorizadas por
um mandado judicial. A polícia geralmente obtém as amostras de DNA
com o consentimento do suspeito ou mediante uma ordem judicial. A
propósito, ainda no início da década de 2000, Crouse e Kaye (2001) no-
ticiam que duas Cortes Estaduais norte-americanas (Vermont Supreme
Court, no caso “In re Non-Testimonial Identification Order Directed to
R.H., 2000”, e a Maryland Court of Special Appeals, no caso “Wilson v.
Maryland, 2000”) refutaram ataques, amparados na Quarta Emenda, à
prática de compelir, por ordem judicial, uma pessoa suspeita de um cri-
me a se submeter a teste de DNA. Nesses casos, foi sublinhado que, se
a amostra foi adquirida de maneira regular, a partir do estabelecimento
pelo Estado de ao menos uma suspeita razoável, restaria afastado o pleito
de exclusão do dado colhido e ainda se permitiria o cotejo com outras
investigações em andamento. Ademais, em geral, os casos noticiados des-
tacam que, adquirida legitimamente pelo Estado uma informação para um
uso, ela pode ser utilizada para outros propósitos sem que isso constitua
uma adicional invasão de privacidade (CROUSE; KAYE, 2001, p. 12-13).
A Suprema Corte norte-americana, vale dizer, possui visão bas-
tante ampliativa sobre as hipóteses de coleta e retenção da identificação
por meio de perfil genético. No caso Maryland v. King (2013), discu-
tiu-se a constitucionalidade de uma lei estadual que autorizava a coleta
do dado para identificação do perfil genético do investigado. Havendo

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coincidência desse dado colhido com qualquer investigação frustrada por


não elucidação da autoria (o chamado cold case, isto é, uma “caso frio”
no qual a investigação resta inconclusa pela falta de elucidação do fato
criminoso, especialmente pela não identificação da autoria), obtém-se
seguidamente uma ordem judicial para uma segunda coleta de material
genético do investigado, que então servirá de prova especificamente
nesse caso então em aberto.
A orientação norte-americana, convém destacar, encontra ponto
de divergência a respeito do decidido pela Corte Europeia de Direitos
Humanos no precedente Saunders vs. Reino Unido (1996). No caso em
que o Reino Unido foi levado à Corte Europeia, esta decidiu que a ga-
rantia do nemo tenetur não poderia ser invocado em face de materiais de
titularidade do investigado que tenham sido obtidos compulsoriamente
por meio de mandados, exames de sangue, urina, ar alveolar e tecidos
corporais (inclusive para eventual exame de DNA).
Esse nível de discussão, que permitiria a reabertura de investiga-
ções já arquivadas (para o que se exige, nos termos do art. 18 do Código de
Processo Penal, notícia de nova prova), ainda não foi alcançado no Brasil.
Os vestígios materiais de investigação arquivada, em regra, não passam
por identificação genética de modo automático. Por isso, a inexistência
de base para cotejo. No entanto, trata-se de tema que, se superada a dis-
cussão sobre a constitucionalidade do banco de dados de perfil genético
em si e caso avance e se popularize o uso dos bancos de dados genéticos,
certamente alcançará esse nível de debate num futuro próximo.
Em Portugal, os bancos de dados de informação genética pessoal
e médica surgiram em 2005 e, em 2008, foi criado um banco de perfis
de DNA para fins de identificação cível e criminal. Pela Lei 5/2008, é
proibido utilizar informação obtida a partir da análise das amostras para
finalidades diversas de identificação civil e investigação criminal. A in-
clusão dos perfis de DNA na base de dados é voluntária ou decorrente de
ordem judicial, no caso de condenação superior a três anos de reclusão
(SCHIOCCHET, 2012, p. 39).
Na Espanha, a Lei Orgânica 10/2007 regula o uso do DNA para
fins criminais, indicando no preâmbulo e no artigo 4º que, para evitar
qualquer vulneração do direito à intimidade, somente poderão ser inscritos
perfis de DNA reveladores da identidade e do sexo, excluindo-se os de

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natureza codificante. O artigo 3º, por sua vez, informa que as amostras
biológicas de suspeitos, detidos ou réus somente serão colhidas quando
se tratar de delitos graves, que afetem a vida, a liberdade, a incolumidade
ou a liberdade sexual, a integridade das pessoas, assim como nos casos
de criminalidade organizada. Finalmente, de acordo com a disposição
adicional terceira, a coleta de mostras que requeiram inspeções, reco-
nhecimentos ou intervenções corporais, sem intervenção do afetado,
demandará autorização judicial motivada.

4. O modelo brasileiro

A Lei 12.654, de 28 de maio de 2012, instituiu entre nós a coleta


de perfil genético como forma de identificação criminal, e o fez alterando
a Lei 12.037/2009, que dispõe sobre a identificação criminal do civil-
mente identificado, e a Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal (LEP).
A primeira – a Lei da Identificação Criminal – foi acrescida dos
seguintes dispositivos:

a) a identificação criminal, desde que seja essencial às investigações


policiais, poderá incluir a coleta de material biológico para a
obtenção do perfil genético, por decisão judicial;

b) os dados genéticos serão armazenados em banco de dados


de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de pe-
rícia criminal;

c) as informações genéticas não poderão revelar traços somá-


ticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação
genética de gênero;

d) os dados constantes dos bancos de dados terão caráter sigiloso;

e) a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no


término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito;

f) a identificação do perfil genético será armazenada em banco


de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo
Poder Executivo.

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Já a LEP recebeu um novo artigo (9º-A), pelo qual:

a) os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência


de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes
previstos na Lei dos Crimes Hediondos, serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA, por técnica adequada e indolor;

b) a autoridade policial poderá requerer ao juiz competente, no


caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético.

Percebe-se que duas situações distintas decorrem da Lei


12.654/2012: (a) a coleta de material genético, na fase de investigação
criminal, como meio de identificação do investigado, ou seja, para se ter
certeza sobre os reais dados qualificativos do provável autor de um crime,
ou como meio de investigação, para se descobrir quem é a pessoa que
cometeu infração; (b) a coleta de material genético de pessoas condenadas
por crimes graves, para que figurem em banco de dados a ser utilizado
eventualmente em persecuções criminais indeterminadas, de crimes que
já foram3 ou que vierem a ser cometidos.
Na primeira situação (item a), será necessário, para a identificação
criminal, ocorrer a hipótese prevista no art. 3º, IV, da Lei 12.037/2009,
que consiste na essencialidade da identificação criminal para a investigação,
“segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de
ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério
Público ou da defesa”. Não há dúvida de que, em tal hipótese, está-se diante
de um meio de investigação no interesse de persecução criminal em curso.
Na segunda hipótese (item b), o sentenciado deve fornecer,
como consequência da sentença penal condenatória (a lei não esclarece
se transitada em julgado ou não – cf. o item 5, abaixo), amostra biológica
de maneira compulsória, a qual originará um perfil genético que, uma
vez confrontado com outros já armazenados, inclusive extraídos de cenas

3
Embora geralmente se diga que esses dados genéticos de condenados, cons-
tantes do banco de dados, serão confrontados com dados relacionados a amos-
tras colhidas no interesse de investigações de crimes futuros, pode também
acontecer de haver coincidência entre o perfil genético do condenado e o re-
lativo a um caso passado, arquivado por falta de pistas da autoria (cold case).

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de crimes não elucidados, pode torná-lo suspeito de outro crime que,


do contrário, provavelmente jamais seria esclarecido. Também pode
acontecer de o sentenciado cometer novo crime e deixar na vítima, em
um objeto ou em um local material do qual possa ser extraído seu perfil
genético, gerando assim prova importante de autoria.
Sobre a coleta do material genético decorrente de sentença penal
condenatória, Vinicius Gomes de Vasconcellos enfatiza a distinção fun-
damental em face da coleta que ocorre durante a investigação criminal,
pois esta se dirige a caso concreto e específico, e aquela almeja a utilização
do banco de dados para exames comparativos em relação a fatos futuros,
“de forma aberta e indeterminada” (2014, p. 345). Também como cri-
tério distintivo, Vasconcellos menciona que, para a coleta realizada em
investigação, exige-se a decisão judicial autorizativa da identificação; já
a coleta do condenado, que é obrigatória e prescinde de decisão judicial
específica, só tem relação com eventual decisão judicial quando se pretende
acesso ao banco de dados em que armazenada a identificação (loc. cit.).
A lei prevê que a técnica de extração, no caso dos sentenciados,
será adequada e indolor, não se vislumbrando motivo para que os investi-
gados deixem de gozar de idêntica garantia, já que não poderiam receber
tratamento menos digno do que o dos já condenados. Discutir-se-á se a
extração de sangue constitui método indolor, pois se trata de uma forma
de cooperação passiva do investigado que, segundo parte da doutrina (cf.
o item 5, abaixo), não viola o princípio nemo tenetur se detegere.
Por outro lado, a lei é lacônica ao tratar do prazo para a exclusão
do perfil genético do banco de dados. Fala a Lei de Identificação Criminal,
em seu art. 7ª-A, no término do prazo prescricional estabelecido em lei
(ou seja, o prazo prescricional em abstrato, regulado pela pena máxima).
Contudo, se o inquérito for arquivado, o réu for absolvido ou for decla-
rada extinta a punibilidade, restará motivo para a manutenção do perfil
genético do imputado no banco de dados? A lei deixa ao intérprete a
tarefa de responder a essa pergunta.
Sem dúvida, a Lei 12.654/2012 é alvo de críticas severas. Contudo,
ainda que a lei deixe a desejar em termos técnicos, no essencial tem seus
méritos e pode trazer benefícios à sociedade no enfrentamento da crimi-
nalidade por meio do aprimoramento do aparato investigatório. Como se
verá a seguir, à luz dos parâmetros estabelecidos no plano internacional,

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a opção da Lei brasileira é por uma conformação “minimalista” do tema


(COSTA, et al., 2016, sem paginação).
Cumpre analisar as principais críticas de cunho jurídico à lei,
que dizem respeito à vulneração de direitos fundamentais individuais
do investigado ou sentenciado: a possível violação do direito de não ser
obrigado a produzir prova contra si mesmo (princípio nemo tenetur se
detegere) e a indefinição do prazo de manutenção dos dados genéticos
dos indivíduos à disposição do Poder Público, gerando desproporcional
risco à intimidade do imputado.

5. A coleta compulsória de material genético e a não


autoincriminação

A garantia da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere


– “nada a temer por se deter”) protege o indivíduo contra a imposição
estatal de que produza prova contra si mesmo.
Envolve, além do direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII,
da CF), o direito de ser informado disso quando de seu interrogatório,
o direito de não ser constrangido a confessar, a inexigibilidade de dizer
a verdade, o direito de não praticar qualquer comportamento ativo que
possa incriminá-lo e o direito de não produzir prova incriminadora in-
vasiva sem consentimento (NOVELINO, 2016, p. 407-409).
Karl Heinz Gössel ressalta que a proibição de autoincriminação
no processo penal – decorrente do direito da personalidade – “(...) exclui
toda obrigação do imputado de ter uma ativa participação em seu próprio
procedimento, de sorte que o imputado não pode ser obrigado à realização
de testes, reconstituições de fato ou provas caligráficas” (2007, p. 314).
De acordo com Wagner Marteleto Filho, a não autoincriminação
atua no plano da regra – insculpida na Constituição em seu art. 5º, LXIII
– e no plano do princípio. O primeiro plano, o da regra – insuscetível de
intervenções, sob pena de vulneração da garantia –, identifica-se com o
direito ao silêncio, “(...) especialmente com a liberdade de (não) produção
de manifestação de conteúdo testemunhal nos interrogatórios formais”,
bem como com o direito de não realizar uma conduta ativa (exemplos:
fornecimento de padrão gráfico para exame grafotécnico, participação

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em reconstituição do crime, alteração da expressão facial e produção de


sopro em etilômetro) que aporte informação ao processo em seu prejuízo
(MARTELETO FILHO, 2012, p. 64-65)
No plano do princípio, “(...) retoma-se a ideia de um âmbito de
proteção amplo, consistente no direito de não cooperar com a produção
de provas incriminatórias, e passível de restrições, porquanto não há
espaço para absolutização de princípios” (MARTELETO FILHO, 2012,
p. 65). Neste plano, admite restrições, em virtude da colisão com outros
princípios, no que se refere às chamadas cooperação passiva e cooperação
inconsciente, desde que tais restrições sejam legitimadas pela aplicação
correta do princípio da proporcionalidade, não violem a dignidade pessoal
do acusado, não impliquem riscos à sua vida ou saúde e estejam justificadas
no caso concreto (MARTELETO FILHO, 2012, p. 90).
Cristiane Chaves Lemos critica em diversos aspectos a Lei
12.654/2012, inclusive considerando uma violência estatal atentatória
da dignidade humana a intervenção corporal compulsória para retirada
da amostra biológica. Afirma que, ausente a voluntariedade, a extração
da amostra nunca será realizada de forma “adequada e indolor”, como
quer a lei, pois será necessário o uso da força (2014, p. 18-19).
Quanto à modificação na LEP procedida pela Lei 12.654/2012,
sustenta que a finalidade da alteração legislativa não é a identificação cri-
minal, mas elucidar a autoria em um delito, em persecução penal futura,
em violação ao nemo tenetur. Conclui argumentando que

O fato de o Estado custodiar um banco de dados com provas pas-


síveis de serem utilizadas em um crime que ainda não ocorreu
é um total retrocesso e desrespeito aos princípios e garantias
constitucionais e processuais penais. Em oposição direta ao Di-
reito Penal do Fato, permitir que informações orgânicas de uma
pessoa estejam à disposição do Estado é retomar os postulados
do Positivismo Penal e restringir a criminalidade, basicamente a
fatores patológicos. (LEMOS, 2014, p. 20).

Na mesma linha, Aury Lopes Jr. sustenta que, com a obrigação


do sujeito passivo (investigado – Lei 12.037/2009 – ou apenado – LEP)
de se submeter a intervenção corporal para fornecimento de material

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genético, “(...) fulminou-se a tradição brasileira de respeitar o direito


de defesa pessoal negativo – nemo tenetur se detegere.” (2016, p. 450).
É importante enfatizar, contudo, que o princípio em questão,
segundo abalizada doutrina nacional e estrangeira, não impede interven-
ções físicas que independam da colaboração ativa do investigado ou réu.
Conforme leciona Wagner Marteleto Filho,

(...) a doutrina e jurisprudência alienígenas, tais como a alemã, a


estadunidense, a portuguesa, a italiana e a espanhola, vêm susten-
tando, com fundamento nas respectivas legislações, a admissibi-
lidade de se compelir o acusado a cooperar, passivamente, coma
coleta de prova, sem que haja qualquer ofensa à garantia contra
a autoincriminação.

Acerca do tema, anota Roxin que o acusado não tem por que
auxiliar as autoridades na persecução penal de forma ativa, po-
rém tolerar “intervenções físicas, as quais podem perfeitamente
subministrar uma contribuição decisiva na prova de sua culpabi-
lidade”. (2012, p. 87).

Karl Heinz Gössel confirma, falando do direito alemão, que,

(...) na obtenção coativa de amostra de sangue, tal como ocorre


na de fotografias e impressões digitais, a consecução do material
celular necessário para as investigações genéticas não depende da
colaboração ativa do imputado (como ocorre nas provas linguís-
ticas, caligráficas e psicológicas do mesmo), de tal forma que da
execução daquelas há de se derivar uma incidência sobre os direitos
da personalidade. (2007, p. 314, tradução livre).

Além disso, pode-se apontar que a maioria dos países integran-


tes do Conselho da Europa já admite a coleta compulsória de material
biológico para inclusão no banco de dados de perfil genético, sendo que
esses bancos estão previstos na Áustria, Bélgica, República Checa, Dina-
marca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda,
Itália, Letônia, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Polônia, Espanha,
Suécia e Suíça. O armazenamento dos perfis genéticos dos sentenciados
é permitido, como regra geral, por tempo limitado após a condenação
(SUXBERGER, 2015, p. 654).

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828 | Suxberger; Furtado.

É certo que a lei brasileira, ao afirmar que a coleta de material


genético durante a investigação criminal, prevista na Lei 12.037/09,
tem finalidade apenas de identificação, está sendo apenas parcialmente
exata, pois será rara a situação em que os demais métodos de identifi-
cação – civil e criminal tradicional, por impressões digitais – deixarão
brecha para a necessidade de identificação do indiciado por meio do
DNA, que deve constituir a última opção, utilizável somente em caso de
comprovada necessidade, dados os riscos envolvidos no que concerne
ao direito à intimidade.
Na realidade, a lei brasileira, ao dizer que poderá ser provocada
a autoridade judicial a deferir a identificação criminal genética por seu
caráter essencial para a investigação, permite concluir que a coleta do
DNA do investigado é um meio de obtenção de prova de sua participação
no crime, seja pelo confronto do seu perfil genético com o obtido no local
do crime, no corpo da vítima ou em um objeto ligado ao fato, seja pelo
seu confronto com perfis genéticos armazenados no banco de dados que
possa gerar uma convergência apta a induzir a determinadas conclusões.
Essa coleta, para fins de investigação criminal, não viola a ga-
rantia da não autoincriminação, pois, como visto acima, o investigado
não está obrigado a adotar postura ativa no sentido de fornecer a prova,
nem mesmo pode ser compelido a abrir a boca para a coleta de células da
bochecha (swab bucal) se não quiser cooperar; neste caso, estará optando
pela adoção de outro método pelo profissional que estiver cumprindo a
decisão judicial, que dependa apenas de sua cooperação passiva, como a
coleta de um pedaço de unha ou de uma amostra de sangue, ambos meios
adequados e indolores.4
Finalmente, cumpre esclarecer que a Corte Europeia de Direitos
Humanos, caso S. Marper v. the United Kingdom, como será visto no item
6, não considerou violadora do nemo tenetur a conduta de coletar e reter
dados extraídos do DNA de pessoas não condenadas para fins investiga-
tórios, mas sim desproporcional que essa retenção ocorresse por tempo

4
A coleta de sangue pode ser considerada como método indolor, apesar de
depender de uma breve picada no dedo do fornecedor do material genético,
pois se necessita de quantidade irrisória de sangue para obtenção do DNA,
que pode ser extraída por meio de dispositivo semelhante ao usado para con-
trole da glicemia (tipo caneta).

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indeterminado, pois isso representava violação da presunção de inocência,


bem como que a retenção tivesse lugar independente da gravidade do
crime e da idade do agente. De acordo com a Corte, “os princípios básicos
da proteção de dados requerem que a retenção de dados seja proporcional
em relação ao propósito da coleta e insistem em períodos limitados de
estocagem” (CEDH, 2008, p. 31, tradução livre).
Assim, a Lei de Identificação Criminal brasileira atende aos stan-
dards do caso S. Marper v. the United Kingdom, pois nela há previsão
expressa de prazo, proporcional à gravidade do crime (o prazo pres-
cricional), para a exclusão dos perfis genéticos do banco de dados (art.
7º-A), e a coleta de material biológico depende da demonstração em
decisão fundamentada de que a identificação por esse meio é essencial
às investigações (o que aponta para um juízo de proporcionalidade).
No que tange aos dispositivos da LEP que impõem a extração de
material genético de condenados por crimes graves para a finalidade de
alimentação do banco de dados, trata-se de situação menos questionável
do que a da identificação criminal do investigado, pois já não pesa contra
a coleta do material genético a presunção de inocência: embora a lei não
o diga, é interpretação razoável e consentânea com a presunção de não
culpabilidade a de que somente com o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória deve ser realizada a coleta do DNA do sentenciado
– posição esta defendia por Suxberger (2015, p. 659) e Aury Lopes Jr.
(2016, p. 454).
O armazenamento provisório de informação genética deve ser
reservado para a situação prevista na Lei 12.037/09 – investigação criminal
–, desde que a medida excepcional passe pelo teste de proporcionalida-
de e seja devidamente fundamentada em decisão judicial. No caso dos
condenados por crimes de natureza hedionda ou cometidos com grave
violência, o armazenamento se dá em caráter automático e definitivo (até
o limite do prazo prescricional do crime), o que não se compatibiliza com
a situação do condenado provisório.
Outro fator justificante da identificação por perfil genético, no
caso previsto no art. 9º-A da LEP, é a constatação de que, diante dos altos
índices de reincidência observados no Brasil e da gravidade dos crimes
que justificam a medida de identificação, é do interesse público manter
por certo período os dados genéticos do sentenciado, como forma de

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830 | Suxberger; Furtado.

proteção social, tanto pela inibição de novas condutas criminosas quanto


pela facilitação da sua persecução criminal.
Sustenta-se que não há ofensa à garantia do nemo tenetur no caso
do mencionado art. 9ª-A da LEP, pois se trata de mero procedimento de
classificação do condenado para dar início ao cumprimento da pena, não
vinculado a alguma persecução criminal em curso. Anota que nenhum
país do mundo confere à intimidade caráter absoluto para afirmar que o
material para definição do perfil genético é inatingível e lembra que a LEP
satisfaz com sobras os standards fixados pela Corte Europeia de Direitos
Humanos para o registro em bancos de dados de perfis genéticos, pois o
armazenamento se dá após o trânsito em julgado de condenações pelos
mais graves crimes previstos na legislação e por tempo determinado
(SUXBERGER, 2015, p. 659 e 662-663).
O mesmo autor argumenta, em favor da tese da possibilidade de
coleta de material biológico para documentação do perfil genético para
fins de identificação criminal, que a funcionalização e a humanização do
Direito Internacional impõem soluções minimamente homogêneas entre
os diversos Estados, devido ao estreitamento dos limites entre o direito
nacional e o internacional (fenômeno da internacionalização do direito):

Defende-se, pois, uma interpretação constitucionalmente adequada


de preceitos da ordem jurídica interna que, se resultantes da repro-
dução ou de aproximação de enunciados igualmente presentes na
ordem internacional, observe o sentido e o alcance estabelecidos
pelas instâncias formalizadas do Direito das Gentes sobre esses
mesmos preceitos. Afinal, se a característica de universalização
dos direitos e garantias passa por sua humanização, não se mostra
adequada a maior ou menor garantia de implementação a depender
dos influxos dessa ou daquela ordem interna que positiva, em seus
textos normativos, preceitos de forma assemelhada ou idêntica a
que fazem as Convenções e Tratados firmados pelos Estados. Nisso
reside a relevância da funcionalização do Direito Internacional, a
permitir o socorro interpretativo a respeito do sentido e do alcance
de normas e garantias internas ainda que cotejadas com diplomas
igualmente internos (SUXBERGER, 2015, p. 652-653).

O STF possui julgados assentando a inadmissibilidade de que se


exijam condutas ativas do imputado, como a participação compulsória

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em reconstituição (RHC 64.354/SP), o fornecimento de material gráfico


para exame grafotécnico (HC 77.135/SP) e a submissão forçada ao teste
etilométrico (HC 93.916/PA), mas não se debruçou ainda sobre a exigên-
cia de conduta passiva, como o fornecimento de material genético para
a realização de perícia criminal. Isso deve ocorrer no já mencionado RE
973.837/MG, no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral
A única decisão semelhante foi proferida na RCL 2.040/DF (“Caso Gloria
Trevi”), em que foi autorizada a coleta, logo após o parto, de material
genético da placenta da suposta vítima de estupro, que teria sofrido a vio-
lência sexual por parte de policiais federais na sede da Superintendência
Regional do órgão em Brasília. Este caso, contudo, não é um precedente
perfeito sobre a questão, devido às suas peculiaridades, especialmente
o fato de não ter havido intervenção corporal em sentido estrito, pois
o material genético foi extraído da placenta já expelida (MARTELETO
FILHO, 2012, p. 226), e a existência, na avaliação da proporcionalidade,
do interesse público no esclarecimento dos fatos, inclusive para a pre-
servação da honra dos servidores públicos suspeitos.

6. Prazo de manutenção do perfil genético no banco de dados

No julgamento do caso S. and Marper v. the United Kingdom, a


Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que o Reino Unido
violou o artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que
trata do direito ao respeito pela vida privada e familiar, uma vez que
aquele Estado praticava a retenção por tempo indeterminado de perfis
de DNA, amostras celulares e impressões digitais de qualquer pessoa,
de qualquer idade, suspeita de qualquer “recordable offence”, ou seja,
de qualquer ilícito penal do qual a polícia deva guardar registro (de
maneira geral, ilícitos passíveis de prisão, mas no conceito também
estão incluídos alguns delitos que não implicam prisão, como mendi-
cância e taxi touting5).

5
Taxi touting é uma infração penal consistente em assediar pessoas na rua,
em hubs de transporte (como aeroportos, estações de trem e paradas de ôni-
bus) ou em locais de entretenimento, para que elas contratem um serviço de
transporte automotor.

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No histórico julgamento, foi reputada desproporcional a retenção,


por tempo indeterminado, dos perfis de DNA, das amostras celulares e das
impressões digitais de pessoas suspeitas de crimes, mas não condenadas,
por não se vislumbrar um equilíbrio justo entre os interesses público e
privado, sendo considerada a retenção uma interferência no direito dos
requerentes de respeito pela sua vida privada injustificada pelo interesse
público e incompatível com uma sociedade democrática.
Após a condenação, o Reino Unido readequou algumas regras
sobre a retenção de perfis genéticos, por meio do Protection of Freedoms
Act, de 2012, que manteve a retenção obrigatória por tempo indetermina-
do do material e do perfil genético apenas dos condenados pelos crimes
mais graves e daquelas pessoas que, embora não acusadas ou condena-
das, ostentam prévia condenação por determinados tipos de infração
penal. Os condenados por crimes menos graves, com idade abaixo dos
18 anos, passaram a ter seu material e perfil genético retidos por cinco
anos mais o eventual tempo de prisão, quando se tratar de sua primeira
condenação. Ainda, entre os não condenados, foram estabelecidos prazos
determinados para a retenção (exceto, como visto acima, se previamente
condenados por determinados tipos de delito). Assim, não mais vigora
no Reino Unido a retenção por tempo indeterminado de perfis genéticos
e amostras de DNA, sem discriminação de acordo com a gravidade do
crime e a situação do agente.
É corolário da dignidade da pessoa humana que não se prolongue
ad eternum a retenção pelo Estado da identificação genética do indivíduo,
seja para que este não esteja sujeito a investigação e estigmatização per-
manentes, seja para que não corra o risco de invasão de privacidade em
função do possível mau uso ou da quebra indevida do sigilo da informação.
André Nicolitt e Carlos Ribeiro Wehrs sustentam que a manuten-
ção por tempo indeterminado de informações genéticas de condenados
não é compatível com o art. 5º, XLVII, b, da Constituição, que veda penas
de caráter perpétuo, uma vez que se trata de efeito da condenação (por-
tanto, passível de ser visto como parte da imposição da pena). Aduzem,
outrossim, que a obrigação de extração de DNA de condenados que não
tenha utilidade além da própria fiscalização posterior e perpétua dos
sentenciados traduz-se em violação, por analogia, do art. 4º, n. 3, da
Convenção Americana de Direitos Humanos (2016, p. 204-205).

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No caso da lei brasileira, embora esteja claro que é limitada no


tempo a permanência do perfil genético no banco de dados, não é isento
de dúvidas que prazo é esse em todas as hipóteses: a LEP não indica
por quanto tempo o perfil genético do condenado deverá permanecer
no banco de dados e a Lei de Identificação Criminal não distingue as
situações de continuidade da persecução criminal, arquivamento do
inquérito e rejeição de denúncia – com e sem coisa julgada material -,
extinção da punibilidade e absolvição, que aparentemente mereceriam
tratamento individualizado.
A Lei 12.037/2009 diz apenas em seu art. 7º-A que “a exclusão
dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo
estabelecido em lei para a prescrição do delito”, ensejando a interpreta-
ção de que, ainda que seja arquivado o inquérito, rejeitada a denúncia ou
absolvido o réu por qualquer fundamento, o perfil genético incluído no
banco de dados a título de identificação criminal por necessidade da inves-
tigação ali será mantido, até que se esgote o prazo prescricional do delito.
Claro que essa solução não é compatível com o devido processo
legal em seu aspecto material (substantive due process), que se impõe
contra a atuação estatal desprovida do mínimo de razoabilidade, ou seja,
contra atos arbitrários do Estado.
A regra do art. 7º-A somente deve prevalecer enquanto a per-
secução criminal tiver seguimento e nos casos em que, embora inter-
rompida, ela possa ser retomada, como no arquivamento por falta de
determinação de autoria (em que, surgindo novas provas, é possível a
reabertura da investigação).
Não havendo, contudo, possibilidade de persecução criminal
contra o investigado ou réu, por exemplo, pelo arquivamento por atipi-
cidade ou pela absolvição, tem ele o direito de ver retirado do banco de
dados seu perfil genético e eventual amostra biológica, imediatamente,
pois o motivo que determinou sua coleta (aquela persecução criminal
específica) não subsiste. Não se tratando de pessoa condenada defini-
tivamente, não se justifica que figurem suas informações em banco de
dados no interesse de persecuções criminais futuras.
O texto legal, reconheça-se, não é claro. No entanto, parece
evidente que a presença dos dados de perfil genético do investigado, se
incluído em banco de dados de perfil genético, deve ser seguidamente dali

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retirado em caso de arquivamento da investigação. O texto legal autoriza


intelecção no sentido de que o perfil genético oriundo da identificação
criminal determinada judicialmente não deve integrar ou compor o
banco. No entanto, não haveria sentido jurídico em impedir o cotejo
dessa identificação com casos eventualmente abertos pela mesma ra-
zão jurídica que se autoriza esse tipo de apuração também em face de
outros meios de identificação que não o pelo perfil genético (biometria,
impressões datiloscópicas, etc.). Esse cotejo, vale dizer, independe da
inclusão ou não em banco. O fundamental, como regra de garantia daquele
que se submeteu a identificação criminal por decisão judicial, centra-se
em respeitar a dicção do art. 7.º-A, que, independentemente da razão
autorizativa da inclusão da identificação por perfil genético no banco
de dados, o perfil deverá ser excluído após o prazo estabelecido em lei
para a prescrição do delito então apurado na investigação que ensejou
a determinação judicial de identificação por perfil genético ou após a
apuração encontrar solução definitiva em juízo.
Imagine-se um indivíduo indiciado e processado por estupro,
cuja identificação criminal por meio da coleta de material biológico
tenha sido determinada judicialmente. Uma vez absolvido, seu status
jurídico continua sendo o de primário e de bons antecedentes, em nada
podendo ser diferenciado do indivíduo que jamais foi sequer investigado
(presunção de inocência). Portanto, nada justificaria a permanência do
seu perfil genético por longos 16 anos – prazo prescricional do crime do
art. 213, caput, do CP – no banco de dados.
Nesse sentido, Aury Lopes Jr. apresenta solução coerente quan-
do propõe a aplicação, por analogia, do art. 7º da Lei de Identificação
Criminal ao caso do indivíduo sujeito à identificação genética, ou seja,
interrompida a persecução criminal definitivamente, por rejeição da
denúncia ou absolvição – acrescentamos o arquivamento que produza
coisa julgada material –, tem ele o direito de requerer a retirada do
seu material genético e dos respectivos registros do banco de dados
(2016, p. 453-454).
No caso dos definitivamente condenados, ante a lacuna legisla-
tiva, o retrocitado autor sustenta a aplicação, por analogia, do instituto
da reabilitação (art. 93 e seguintes do CP), permitindo-se a retirada dos
registros após dois anos da extinção da pena (LOPES JR., 2016, p. 455).

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Neste último caso, pensa-se ser mais correta posição divergente,


entendendo que a melhor solução é recorrer analogicamente ao art. 7º-A
da Lei 12.037/2009, ou seja, somente excluir o perfil genético e descartar
eventual material armazenado após transcorrido o prazo estabelecido
em lei para a prescrição do delito, não pela pena em concreto, mas pela
pena em abstrato, porque, como visto acima, a inclusão do perfil genético
dos condenados definitivamente por crimes graves revela interesse so-
bretudo para o futuro (inibição e investigação de possíveis reincidências
penais), não atendendo ao interesse público primário – proteção ao direito
fundamental à segurança – e, portanto, à mens legis, a exclusão dessas
informações após período demasiado breve. A solução alvitrada responde
às preocupações de “estigmatização perpétua” (TAVARES; GARRIDO;
SANTORO, 2016), pois o caráter de temporalidade do banco fica assente
e consoante com os padrões hauridos da ordem internacional.
O texto legal é plurissignificativo, mas tal intelecção busca guardar
um mínimo de coerência em face daquelas situações em que a inclusão
se dê por força de identificação compulsória e, por isso, a exclusão nem
sempre aguardará a solução definitiva de imputação deduzida em juízo.

Conclusões

Embora a Lei de Identificação Criminal e a Lei de Execução Penal,


com as alterações introduzidas pela Lei 12.654/2012, tratem a inclusão
de perfis genéticos de investigados e sentenciados em banco de dados
como uma forma de simples identificação criminal, trata-se também e
sobretudo de um instrumento de investigação criminal potencialmente
ensejador de mais eficiência na persecução criminal brasileira, que apre-
senta estatísticas pobres, como a que aponta um índice de elucidação de
homicídios entre 5% e 8% (INSTITUTO SOU DA PAZ, 2017).
Considerando a necessidade de assegurar à população o direi-
to fundamental à segurança pública em um momento de grave crise
nessa área, abrir mão de um meio investigativo que tem se mostrado
eficaz em outros países somente se justificaria se a lesão ou ameaça a
outros direitos fundamentais fosse desproporcionalmente significativa,
o que não se verifica na situação vertente, pois, adotadas as cautelas e

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procedimentos técnicos devidos e instituídos mecanismos de respeito


ao sigilo dos dados armazenados, a intervenção corporal e o risco à
privacidade são diminutos.
A ponderação dos interesses envolvidos não pode desprezar,
mercê da funcionalização do Direito Internacional, o fato de que a maio-
ria dos países europeus e os Estados Unidos mantêm bancos de dados
alimentados com informações genéticas a partir da coleta compulsória,
quando necessário, de material biológico dos investigados ou condena-
dos e o de que o modelo brasileiro satisfaz os standards delineados pela
Corte Europeia de Direitos Humanos, já que se trata (a) da obtenção de
informações genéticas de pessoas investigadas, após decisão judicial cuja
fundamentação indique que a medida passa no teste da proporcionalidade
(adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu), por tempo
determinado, ou (b) da obtenção de informações genéticas de pessoas
condenadas pelos crimes mais graves previstos na legislação brasileira,
também por tempo limitado.
A garantia da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere)
não é ofendida quando do imputado não se exige colaboração ativa para
a coleta da amostra biológica. Assim, não ocorre violação da referida
garantia quando o Estado obriga o investigado ou condenado a colaborar
passivamente, simplesmente não resistindo ao ato legal de retirada da
sua amostra biológica de maneira adequada e indolor (como no caso da
coleta de unha ou sangue).
Uma vez obtido legitimamente pelo Estado o perfil genético de
alguém, tal informação poderá ser utilizada para finalidades de perse-
cução criminal não inicialmente previstas, como por exemplo reavivar
investigação arquivada por indefinição quanto à autoria delitiva, em caso
de convergência entre aquele perfil genético e o constante do banco
de dados, vinculado a amostra biológica colhida no local do crime cuja
investigação havia sido interrompida.
A retenção da informação genética pelo Estado em nenhuma
hipótese deve ser ilimitada no tempo. Se tiver como base a Lei de Identi-
ficação Criminal (art. 5º, parágrafo único), os dados deverão ser excluídos
imediatamente quando ocorrer o arquivamento ou a rejeição da peça de
acusação, desde que com formação de coisa julgada material, e a absol-
vição. No caso de prosseguimento efetivo da persecução criminal ou de

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sua interrupção sem coisa julgada material (e.g., arquivamento por falta
de provas), a exclusão deve ocorrer imediatamente após transcorrido o
prazo prescricional do crime investigado.
Se a retenção da informação genética tiver como supedâneo a
LEP (art. 9º-A), o perfil genético do sentenciado deverá permanecer no
banco de dados pelo prazo prescricional do crime pelo qual condenado
(aplicação analógica do art. 7º-A da Lei de Identificação Criminal). Como
forma de atender ao interesse público de proteção da coletividade contra
a reincidência, em vez de se utilizar a pena em concreto como parâmetro
para a fixação desse prazo, como é da tradição brasileira após o trânsito
em julgado da sentença para a acusação, mais adequado se mostra usar o
prazo prescricional pela pena em abstrato, como literalmente se dessume
do referido art. 7º-A da Lei 12.037/2009.
A Lei 12.654/2012 instituiu de maneira bastante concisa e
lacunosa o sistema de identificação criminal mediante a retenção de
perfis genéticos no Brasil, deixando para a jurisprudência a tarefa de
completar os espaços vazios; da definição do STF sobre a constitu-
cionalidade dos seus dispositivos e sobre os limites de utilização do
banco de dados genéticos dependerão os resultados úteis desse meio
de investigação no país.

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em: 18 set. 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.122 | 841

Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): Os autores agradecem aos


revisores e editores do artigo, pelo profícuo debate e pelas con-
siderações que ensejarão melhor reflexão sobre o tema.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declara-


tion): os autores confirmam que não há conflitos de interesse
na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

▪▪ Antonio Henrique Graciano Suxberger: projeto e esboço inicial,


revisão crítica com contribuições substanciais, aprovação
da versão final.

▪▪ Valtan Timbó Martins Mendes Furtado: projeto e esboço ini-


cial, coleta e análise de dados, levantamento bibliográfico,
revisão bibliográfica, redação, revisão crítica com contribui-
ções substanciais, aprovação da versão final.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atestam que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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842 | Suxberger; Furtado.

Dados do processo editorial


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▪▪ Recebido em: 10/12/2017 Equipe editorial envolvida


▪▪ Deslocamento ao V4N2 comunicado aos au- ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
tores: 19/12/2017 ▪▪ Editor-assistente: 1 (MJV)
▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Revisores: 4
24/02/2018
▪▪ Avaliação 1: 25/02/2018
▪▪ Avaliação 2: 03/03/2018
▪▪ Avaliação 3: 12/03/2018
▪▪ Avaliação 4: 15/03/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar: 31/03/2018
▪▪ Retorno rodada de correções: 02/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 04/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


SUXBERGER, Antonio H. G.; FURTADO, Valtan T. M. M. Investigação criminal
genética – banco de perfis genéticos, fornecimento compulsório de amostra
biológica e prazo de armazenamento de dados. Revista Brasileira de Direito
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai./ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.122

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 809-842, mai.-ago. 2018.
Processo Penal
Internacional e
Cooperação Jurídica

International Criminal
Procedure and
International Cooperation
A (possibilidade de) não execução do
mandado de detenção europeu fundamentada
no tratamento ou pena cruel ou degradante

The (possibility of) not execution of European arrest


warrant based on cruel or degrading treatment or penalty

Vinícius Wildner Zambiasi1


Universidade de Coimbra – Coimbra/Portugal
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/0141807914494309
https://orcid.org/0000-0003-0019-0476

Paloma Marita Cavol Klee2


Universidade de Coimbra – Coimbra/Portugal
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/1292076329416040
https://orcid.org/0000-0001-5437-1286

Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar o instituto do


Mandado de Detenção Europeu, que surge como substituto ime-
diato do mecanismo de extradição para as relações de captura e
entrega de pessoas dentro do território da União Europeia. A partir
da metodologia dedutiva, buscou-se embasamento doutrinário, le-
gal e jurisprudencial para se alcançar as conclusões presentes. Para
tanto, deve-se analisar o seu contexto de surgimento, suas principais

1
Possui graduação em Direito pela Universidade de Passo Fundo (2014), especia-
lização em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público
(2016) e é mestrando em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (2018).
2
Possui graduação em Direito pela Universidade de Passo Fundo (2014), especia-
lização em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público
(2016) e é mestranda em Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra (2018).

845
846 | Zambiasi; Klee.

diretrizes de funcionamento e seu alicerce fundamental, qual seja


o princípio do reconhecimento mútuo. Por fim, com a análise
jurisprudencial de dois casos expoentes da matéria, busca-se
responder a problemática basilar: a possibilidade do sujeito-alvo
sofrer tratamento cruel ou degradante no sistema prisional do
Estado-Membro executor pode ser tratada como hipótese de
não execução da entrega?
Palavras-Chave: Direitos Humanos; Direito Penal Europeu; Mandado
de Detenção Europeu; Pena ou tratamento cruel ou degradante.

Abstract: The purpose of this article is to study the institute of the


European Arrest Warrant, which appears as an immediate replacement
of the extradition mechanism for the relations of capture and delivery of
persons within the territory of the European Union. Based on the deductive
methodology, we searched for doctrinal, legal and jurisprudential grounds
to reach the present conclusions. Therefore, it’s necessary to analyze the
context of emergence, your main operating guidelines and the principle of
mutual recognition. Lastly, with the jurisprudential analysis of two relevant
cases, it is sought to answer the basic: the possibility of the subject suffering
cruel or degrading treatment in the prison system of the executing Member
State can be treated as a hypothesis of not delivery?

Keywords: Human rights; European Criminal Law; European Arrest Warrant;


Cruel or degrading punishment or treatment.

S umário : Introdução. 1 A cooperação em matéria penal na


União Europeia. 1.1 Evolução histórica: breves detalhes sobre
a cooperação. 1.2 O princípio do reconhecimento mútuo. 2 O
Mandado de Detenção Europeu. 2.1 Generalidades do instru-
mento. 2.2 A proteção de direitos fundamentais e o caráter
securitário do espaço penal europeu. 2.2.1 A salvaguarda aos
direitos fundamentais na Decisão-Quadro. 2.2.2 Direitos e
garantias fundamentais na UE: Tratados e leis de transposição.
2.2.3 Autoridades judiciárias de emissão e execução: como
agir? 3 Análise jurisprudencial. 3.1 O caso Soering. 3.2 O caso
Aranyosi e Căldăraru. Conclusão. Referências.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.139 | 847

Introdução

O Mandado de Detenção Europeu (MDE) foi criado pela Decisão-


-Quadro 2002/584/JAI para ser um instrumento de entrega de pessoas
dentro do espaço europeu, mais célere e menos burocrático que a extradi-
ção, embasado na livre circulação de decisões judiciais em matéria penal
e no princípio do reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros, a
fim de assegurar o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (ELSJ)3.
Diante da tendência securitária adotada pela União Europeia
(UE) e da implementação do MDE sem que houvesse um grau suficien-
te de harmonização entre as legislações penais nacionais, a aplicação
deste instrumento implica no surgimento de alguns questionamentos,
especialmente no campo da proteção aos direitos e garantias funda-
mentais4. Desta forma, tenciona-se elucidar o contexto político-social
vivido quando da criação do instrumento, observando até onde se pode
expandir o “caráter securitário” do espaço penal sem que haja violação
de direitos fundamentais.
Ademais, o presente estudo apresenta como problemática basilar
uma questão de interpretação e contrassenso de aplicabilidade entre o
MDE e o nível de proteção já consagrado pela comunidade europeia,
buscando responder se nos casos em que a entrega do sujeito confi-
gurar concreta probabilidade de violação dos direitos fundamentais
do sujeito, através da sua submissão a tratamento ou pena de caráter
cruel ou degradante, tal circunstância poderá ser utilizada como hi-
pótese de não execução, em que pese o legislador europeu não tenha

3
DIAS, Jorge de Figueiredo; CAEIRO, Pedro. Comentário. In: Jurisprudên-
cia Cunha Rodrigues - Comentários, Associação Acadêmica da Faculdade de
Direito de Lisboa, Lisboa, 2013, p. 29. Disponível em <https://www.fd.uc.
pt/~pcaeiro/2013%20Dias%20-%20Caeiro,%20Coment%C3%A1rio%20Ad-
vocaten%20voor%20de%20Wereld.pdf>. Acesso em 03 mai. 2018. Motivos
pelos quais os autores destacam que o MDE se tornou “num poderoso instru-
mento de cooperação judiciária”.
4
Para maiores aprofundamentos sobre a questão, veja-se: WEYEMBERGH,
Anne. European Added Value Assessment: The EU Arrest Warrant: Critical
assessment of the existing European arrest warrant framework decision: An-
nex I. Brussels: European Parlament, 2014. Disponível em: <http://www.eu-
roparl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2013/510979/IPOL-JOIN_
ET(2013)510979(ANN01)_EN.pdf>. Acesso em 03 mai. 2018.

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destacado tal cenário expressamente na DQ.?Outrossim, a partir do uso


da metodologia dedutiva, não obstante o aproveitamento de legislação
e doutrina, busca-se a partir de análise jurisprudencial encontrar um
ponto de equilíbrio entre o binômio segurança-liberdade5, evitando
o esvaziamento da função desempenhada pelo MDE (e a eventual
impunidade decorrente), mas sem desconsiderar que o sujeito pro-
curado ostenta a condição de cidadão, e que independente do crime
pelo qual está sendo procurado ou foi condenado, faz jus a todos os
direitos, garantias e proteções que historicamente os Estados-Membros
se comprometeram a respeitar.

1. A cooperação em matéria penal na U nião Europeia

1.1. Evolução histórica: breves detalhes sobre a cooperação

Os Tratados de Maastricht (1993) e Amsterdam (1999) foram


um importante avanço na matéria penal em âmbito europeu, pois previ-
ram, respectivamente, a cooperação da justiça e assuntos internos (JAI)
entre os Estados-Membros, e a criação do espaço de liberdade, segurança
e justiça, ou seja, um espaço sem fronteiras internas, onde se assegura a
livre circulação de pessoas, serviços, capitais e mercadorias, visando o
interesse do cidadão.
Se esses marcos demonstraram o interesse da UE em não se li-
mitar somente ao “mercado comum”6, e sim na construção de um espaço
penal europeu, tal perspectiva ficou ainda mais clara a partir do Conselho
Europeu de Tampere (1999), com a indicação de ações e prazos para a
promoção de objetivos como o acesso à justiça, a adoção de medidas
repressivas ou preventivas no combate à criminalidade, a criação da Eu-
rojust (2002) e o reforço da Europol7. De modo que a partir do “grau de

5
Traduzido neste trabalho entre o paradoxo da “interpretação literal da Deci-
são-Quadro e primazia da entrega” e a “salvaguarda aos direitos fundamentais
dos sujeitos”.
6
RODRIGUES, Anabela; MOTA, José Luís Lopes da. Para uma Política Criminal
Europeia. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 36.
7
Idem, p. 90-91 e 93.

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integração econômica e de solidariedade política”, elevou-se a confiança


entre os Estados-Membros ao “domínio judiciário”8.
Por fim, além da criação da Procuradoria Europeia – espécie de
Ministério Público com atuação na União Europeia, a celebração do Tra-
tado de Lisboa (2009) representa novos contornos para o ELSJ (Espaço
de Liberdade, Segurança e Justiça), pois “deixa de ser apenas o lugar
onde a União procura facultar aos cidadãos um elevado nível de proteção
e torna-se consubstancial à própria União, na sua representação de si
própria”9. Contudo, a previsão de que a intervenção da UE em matéria
penal se dará através de medidas de prevenção contra a criminalidade,
recorrendo a providências de coordenação e cooperação das autoridades
policiais e judiciárias, reconhecimento mútuo de decisões judiciais e
aproximação das legislações penais internas10, é cristalino que este espaço
penal europeu é mais “securitário” do que preocupado com garantias,
liberdades e proteção dos indivíduos1112.

8
KERCHOVE, Gilles apud RODRIGUES, Anabela... Para uma Política..., p. 93.
9
CAEIRO, Pedro. Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do esta-
do: O caso português, Tese (Doutorado em 2008) – Universidade de Coim-
bra, Coimbra, 2010, p. 559.
10
UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE). Artigo 67.º, n.º 3 e artigo 86.º, n. 1º. Disponível em: <http://eur-
-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12012E/TXT&-
from=pt>. Acesso em 22 dez. 2016. .
11
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente. Coimbra: Coimbra
Editora, 2008, p. 120-121 e 125-126. Ao passo que emerge um direito pe-
nal europeu (no âmbito da União Europeia) a partir da harmonização dos
ordenamentos jurídico-penais internos, aponta-se que tal política criminal
segue uma diretriz eminentemente securitária, não somente pela crescente
demanda de segurança, como também na exasperação da intervenção penal
no adiantamento das barreiras punitivas e previsão de definições demasiada-
mente amplas, bem como na majoração da moldura penal aplicada a deter-
minados delitos, assumindo a pena privativa de liberdade como regra geral e
desconsiderando soluções alternativas à segregação prisional.

Como exemplo prático, pode-se citar a evolução do quadro legislativo de com-
bate ao terrorismo na União Europeia, especialmente com o advento das De-
cisões-Quadro 2002/475/JAI e 2008/919/JAI e da nova Diretiva 2017/541,
onde tais tendências securitárias se apresentam de forma bastante acentuadas.
12
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu. Almedina, Coimbra,
2006, p. 32.

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850 | Zambiasi; Klee.

É possível explicar essa opção de política criminal no fato de


que a globalização, os avanços tecnológicos e a expansão da liberdade de
circulação no território europeu surtiram efeitos nas formas e modali-
dades de condutas criminosas1314, facilitando o cometimento de delitos,
especialmente de caráter organizado, econômico e transnacional, bem
como de atentados terroristas1516. Exigiu-se, portanto, que o direito penal
fosse adaptado aos novos anseios, necessidades e realidades sociais.
Desse modo, afirma-se que o espaço penal comum é conse-
quência da nova fase da legislação criminal da UE, que inicialmente
visa “comunitarizar”17 em busca da harmonização e pluralização den-
tro do seu território, sem olvidar os valores e princípios previamente
partilhados pela comunidade europeia18. Contudo, essas disposições
são colocadas em voga especialmente após o atentado terrorista de 11
de setembro de 200119.
No supracitado contexto do ELSJ, a DQ20 2002/584/JAI de 13
de Junho de 2002 estabelece a livre circulação de decisões judiciais e
entrega de sujeitos no território da UE21, a partir da confiança recíproca

13
CAEIRO, Pedro. Fundamento, conteúdo e limites..., p. 424.
14
JUNIOR, Mário Elias Soltoski. O controlo da dupla incriminação e o mandado
de detenção europeu. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v. 16,
n. 3, p. 476, jul./set. 2006.
15
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 14 e 23-24.
16
RODRIGUES, Anabela; MOTA, José Luís Lopes da. Para uma Política...p. 15.
17
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 38.
18
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 27.
19
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 188.
20
A Decisões-Quadro, criada no Tratado de Amsterdam e substituída pela
Diretiva com o advento do Tratado de Lisboa (tratam-se de instrumentos
bastante semelhantes, apresentando diferenças no quórum necessário para
aprovação), representa o exercício das competências da UE através de um ato
legislativo e vinculativo que visa harmonizar o direito comunitário do ELSJ,
por meio da transposição do seu conteúdo ao ordenamento jurídico interno
dos Estados-Membros.

Conforme prevê o artigo 288 do TFUE (que trata das Diretivas), o Estado-
-Membro fica vinculado somente ao resultado a ser alcançado, enquanto os
meios e formas são de livre escolha pelas instâncias nacionais.
21
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI: Decisão-quadro do
Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu

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nos sistemas de administração de justiça dos Estados-Membros. Criava-se


assim o MDE, primeiro instrumento de cooperação judiciária em maté-
ria penal próprio da União Europeia, em substituição ao procedimento
ordinário de extradição22..
Deste modo, o MDE inaugura uma nova era em matéria penal no
da União Europeia, pois ao substituir o antigo e moroso procedimento de
extradição23, aponta sua finalidade precípua: o aprimoramento do nível
de cooperação entre os Estados-Membros da UE24 por meio de um instru-
mento mais simplificado e célere na entrega de sujeitos2526, norteado pelo
“modelo vertical de cooperação” (ao contrário do horizontal, peculiar ao
mecanismo de extradição27).

1.2. O princípio do reconhecimento mútuo

Diante da inexistência, ao menos por ora, de um direito supra-


nacional e de aplicação direta e imediata pelos Estados-Membros28, o

e aos processos de entrega entre os Estados-Membros. Considerando n.º


6. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HT-
ML/?uri=CELEX:32002F0584&from=PT>. Acesso em 12 dez. 2016..
22
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 14.
23
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Considerando n.º 5
e n.º 11.
24
CAEIRO, Pedro; FIDALGO, Sónia. O mandado de detenção europeu na ex-
periência portuguesa: tópicos da primeira década. In: Temas de Extradição e
Entrega, Almedina Editora, Coimbra, 2015, p. 164.
25
SOUZA, Eduardo Emanoel Dall’Agnol de; OLIVEIRA, Rafael Serra. Sobre a
detenção e as medidas de coacção nos processos de extradição e de entrega
(em execução do mandado de detenção europeu). In: Temas de Extradição e
Entrega, Almedina Editora, Coimbra, 2015, p. 132.
26
SMITH, Emily. Running before We can walk? Mutual recognition at the ex-
pense of Fair Trials in Europe’s Area of Freedom, Justice and Security. New
Journal of European Criminal Law, Bruxelas, v. 4, n. 1-2, p. 84, mar. 2013.
https://doi.org/10.1177/203228441300400106.
27
CAEIRO, Pedro; O procedimento de entrega previsto no Estatuto de Roma
e sua incorporação no Direito Português. O Tribunal Penal Internacional e a
Ordem Jurídica Portuguesa. Coimbra Editora. Coimbra. 2004, p. 75.
28
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 35.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
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princípio do reconhecimento mútuo29 passa a ser a “pedra angular” da


cooperação judiciária no âmbito da UE30, de modo que o MDE simboliza
sua primeira consagração a nível jurídico-penal europeu31.
Embasado na confiança recíproca32 entre os Estados-Membros,
este princípio preconiza que decisões emanadas de acordo com a legislação
interna e por autoridades judiciárias competentes de determinado Estado
devem ter efeito pleno e direto sobre todo o território da União33. Deste

29
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de. O princípio do reconhecimento mútuo
e o mandado de detenção europeu. Revista Portuguesa de Ciência Criminal,
Coimbra, v. 14, n. 3, p. 330, jul./set. 2004. Concebeu-se a aplicação do re-
conhecimento mútuo na seara criminal no Conselho Europeu de Cardiff
(1998). Até então, sua utilização se dava somente no Primeiro Pilar, como
forma de afirmação e promoção de direitos individuais.
30
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI......Considerando n.º 6.
31
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 191.
32
SMITH, Emily. Running before We can walk?..., p. 83-84. A autora indica
que a confiança recíproca é a base do reconhecimento mútuo, podendo-se
concluir que reconhecimento mútuo e confiança recíproca não representam
meros sinônimos. O princípio do reconhecimento mútuo pressupõe níveis
mínimos de confiança recíproca entre os Estados-Membros envolvidos na
relação (por mínimo, entende-se ao menos uma “confiança desconfiada”),
especialmente no que diz respeito aos seus sistemas de administração de jus-
tiça penal e salvaguarda de direitos fundamentais.

Entretanto, a autora ainda reforça que o princípio do reconhecimento mútuo
foi baseado em “suposições equivocadas sobre a proteção de direitos bási-
cos” (tradução nossa), seja porque determinados Estados-Membros ainda
não oferecem proteções suficientes para suspeitos e réus, seja pelo uso ex-
tensivo/abusivo da prisão preventiva em diversas partes da União Europeia,
fatores estes que causam sérios abalos na relação de confiança entre os entes
estatais envolvidos.
33
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 192. Neste sen-
tido, a nova concepção de auxílio judiciário mútuo entre os Estados-Membros
é verificada já na alteração da terminologia adotada pelos instrumentos le-
gais, pois os termos “Estado-requerente” e “Estado-requerido” foram substi-
tuídos por Estado “interceptor” ou “de emissão” e Estado “notificado” ou “de
execução”, respectivamente. Além disso, a expressão “recusa” de execução,
que daria a ideia de juízo discricionário sobre a decisão de agir ou não, dá
lugar aos “motivos de não execução”, rompendo com o antigo conceito de
“exequatur”. Como última nota, destaca-se também que o reconhecimento
mútuo extingue a diferenciação entre cooperação judiciária primária (quan-
do determinado Estado, por si só, executa a decisão emanada por autorida-
de estrangeira) e secundária (quando o Estado emite uma decisão acerca de

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
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modo, as autoridades judiciárias dos demais Estados-Membros devem


contribuir para a execução dessas decisões dentro das suas fronteiras,
como se elas próprias a tivessem proferido34.
Embora não se desconsidere a impossibilidade de se harmoni-
zar todo o ordenamento jurídico-penal3536 e que a harmonização deve
ser pressuposto do reconhecimento mútuo (e não o contrário)37, esta
é “primordial para dar aos cidadãos um sentimento comum de justiça”
no espaço comum de liberdade”38. Neste diapasão, mesmo que não seja
a finalidade principal do princípio em questão, sua consagração no
cenário europeu representa gradativo aumento da harmonização das
legislações nacionais3940.

pedido emanado por autoridade estrangeira), já que tal princípio opera como
como alternativa ao auxílio penal secundário.
34
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de. O princípio do reconhecimento mú-
tuo...p. 327-328.
35
RODRIGUES, Anabela apud JUNIOR, Mário Elias Soltoski. O controlo da du-
pla incriminação..., p. 482.
36
LIMA, José Antônio Farah Lopes de. Direito Penal Europeu. JH Mizuno,
Leme/SP, 2007, p. 73-76. Não obstante se registrem a existência de projetos
doutrinários como o Corpus Iuris, encabeçado por Delmas-Marty, que busca-
va “responder à contradição de manter aberta as fronteiras aos infratores e
fechada aos órgãos encarregados da repressão”, unificando os processos pe-
nais na proteção dos interesses financeiros no âmbito da União Europeia.
37
DÌEZ, Carlos Gómez-Jara apud BULNES, Mar Jimeno. La adopción de me-
didas cautelares de carácter personal con motivo de la ejecución de una
orden europea de detención y entrega. Revista Penal, Valencia, n. 16, p.
108, jul. 2005.
38
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 204-205.
39
VIEGAS, Vera Lúcia. Teoria da harmonização jurídica: alguns esclarecimen-
tos. Novos estudos jurídicos, Itajaí, v. 9, n. 3, p. 629, set./dez. 2004. A autora
vislumbra graus mínimos e máximos de harmonização jurídica. Enquanto o
mínimo representa meras disposições jurídicas sendo tornadas comuns entre
diferentes ordenamentos nacionais, o máximo simboliza a plena unificação
legislativa entre os sistemas em questão.
40
PEREIRA, Luís Silva. Alguns aspectos da implementação do regime relativo
ao mandado de detenção europeu: lei n. 65/2003 de 23 de agosto. Revista
do Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v. 24, n. 96, out./dez. 2003, p. 43.
Exemplifica ser inconcebível aceitar que um sujeito seja “entregue a qualquer
outro país para enfrentar um tipo de reação criminal em que nunca poderia
ser condenado em Portugal”.

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854 | Zambiasi; Klee.

Ainda, não obstante o legislador europeu ter optado pela cons-


trução de um espaço único europeu incutido pelas ideias de eficácia,
celeridade processual, realização da justiça e descoberta da verdade41,
privilegiando medidas de caráter securitário sobre as garantias, liberda-
des e direitos dos cidadãos (sobretudo processuais), fato é que a política
criminal de livre circulação de decisões judiciais na União Europeia surge
diante das dificuldades práticas no âmbito da persecução penal, pois a
diminuição do controle de circulação de pessoas possibilitou que agentes
com finalidades lícitas e ilícitas tivessem livre movimentação no território
europeu. Ou seja, os criminosos podiam se locomover livremente em
zonas onde as decisões judiciais ainda encontravam barreiras42.
Assim, pode-se concluir que a adoção do reconhecimento mútuo
na seara penal é consequência indispensável da fluidez da sociedade atual,
especialmente dentro de um espaço comunitário e com as características
do europeu. Contudo, ao passo que sua aplicabilidade fica condicionada
a relação de confiança recíproca entre os Estados-Membros, é imprescin-
dível que os sistemas de justiça criminal dos países envolvidos, “tanto na
pertinência das disposições legais”, quanto na “correta aplicação dessas
disposições”, compartilhem dos mesmos valores fundamentais do mundo
ocidental, em especial os princípios basilares de liberdade, democracia
e de direitos humanos, e por óbvio, aliados à existência de mecanismos
internos suficientes para sua proteção4344.
Motivo pelo qual se torna imperioso reforçar que a cooperação
judiciária em matéria penal é indissociável de certo grau de harmonização
entre as legislações dos Estados-Membros (especialmente nas garantias

41
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 56, 59, 64 e 287.
42
JUNIOR, Mário Elias Soltoski. O controlo da dupla incriminação..., p. 477.
43
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de. O princípio do reconhecimento mútuo...,
p. 328.
44
PEREIRA, Luís Silva. Alguns aspectos..., p. 64. Neste sentido, o autor afirma
que “[r]econhecimento mútuo significa possuir absoluta confiança num sis-
tema legal de um país estrangeiro, que se encontra muito próximo do nosso,
porque construído sobre os mesmos alicerces e interligado por um padrão
mínimo comum”, de modo que o reconhecimento e execução de decisões
emanadas por autoridades judiciárias estrangeiras significa a renúncia de par-
te da soberania penal de determinado Estado, a fim de construir o espaço
único europeu.

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e proteções), sob pena da “posição jurídica da pessoa se transformar em


objeto de instrumentalização do direito penal – incidência de uma política
securitária por meio de uma aparente política criminal”45.
Isto significa que se o reconhecimento mútuo ocupa a posição
de princípio basilar na construção do ESLJ, a harmonização é a via que
possibilita que este espaço seja edificado de forma congruente com a
tradição penal da União Europeia4647, sendo imprescindível que haja o
chamado “travejamento de uma política penal europeia”48.
Tudo isso a fim de evitar o surgimento de medidas isoladas e
que não se enquadram em nenhum modelo de justiça penal previamente
estruturado, sem olvidar a tendência securitária e repressiva adotada
pelo legislador no espaço penal europeu49, em detrimento aos direitos
e garantias fundamentais, que tão arduamente foram conquistados ao
longo da história50.

45
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 295.
46
Idem, p. 81.
47
BULNES, Mar Jimeno. Orden europea de detención y entrega: garantías esen-
ciales. Revista Aranzadi de derecho y proceso penal, Navarra, n. 19, p. 24. 2008.
Problema prático da adoção do reconhecimento mútuo sem que haja um nível
mínimo de harmonização do direito penal europeu: inexiste no ordenamento
jurídico espanhol o delito chamado de “corrupção” (termo que integra a lista
dos 32 crimes que prescindem o controle da dupla incriminação na execução
do MDE), ao passo que a única disposição neste sentido é a “corrupção de
menores”, prevista no art. 189 do CP. Ademais, o legislador espanhol optou
por criminalizar as condutas de suborno, fraude e arrecadação ilegal de tribu-
tos somente no âmbito da Administração Pública, inexistindo qualquer regu-
lamentação neste sentido para as atividades de caráter privado. Neste mesmo
sentido, a indefinição de conceitos como “arma” ou “sabotagem”, também
constantes no supracitado rol, podem gerar interpretações divergentes entre
os Estados-Membros da União.
48
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 229-230. Neste
mesmo sentido a autora aponta que “[a]s dúvidas levantadas à construção do
espaço penal europeu estão ligadas, por vezes, à ausência de um sistema que
garanta, de forma adequada e suficiente, o controlo do respeito das liberdades
fundamentais”, de modo que para a abolição da dupla incriminação no MDE,
não importa mais “que crime é”, bastando somente que “seja crime”.
49
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 295. O próprio
MDE, por exemplo, prescinde o controle da dupla incriminação ao invés de
buscar a aproximação das legislações penais.
50
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 199.

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856 | Zambiasi; Klee.

2. O M andado de D etenção Europeu

2.1. Generalidades do instrumento

Conforme já adiantado, o MDE foi consagrado a nível europeu atra-


vés da DQ 2002/584/JAI de 13 de Junho de 200251, tendo sido transposto
para o ordenamento jurídico interno português pela Lei n.º 65/2003 de 23
de agosto52, sem desconsiderar as pertinentes alterações desencadeadas
na CRP, das quais se destaca a Lei Constitucional n.º 1/2001 de 12 de
dezembro53, responsável por introduzir algumas exceções à proibição de
entrega de cidadãos portugueses, harmonizando o direito interno com
a DQ em questão5455.
Ao instrumentalizar o princípio do reconhecimento mútuo em
âmbito criminal, o MDE é a forma de requisição e entrega de pessoas
dentro do espaço único europeu, a partir de uma decisão emanada pela

51
PATRICIO, Helena. The European arrest warrant in the case law of the Court
of Justice. UNIO Eu Law Journal, Braga, v. 0, n. 0, p. 63, jul. 2014. Disponí-
vel em <http://www.unio.cedu.direito.uminho.pt/Uploads/UNIO%200%20
-%20Helena%20Patricio_pt.pdf>. Acesso em 03 mai. 2018. Destacam-se as
revisões efetuadas através das seguintes Decisões-Quadro: 2006/783/JAI,
2008/909/JAI, 2008/947/JAI e 2009/299/JAI.
52
PORTUGAL. Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto. Mandado de Detenção Euro-
peu. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.
php?nid=298&tabela=leis>. Acesso em 26 dez. 2016.
53
PORTUGAL. Lei n.º 1/2001, de 12 de dezembro. Quinta revisão constitucio-
nal. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.
php?nid=12&tabela=leis>. Acesso em 26 dez 2016. Para maiores informa-
ções, consultar o artigo 33 da Constituição da República Portuguesa.
54
CAEIRO, Pedro; FIDALGO, Sónia. O mandado...Temas de Extradição e Entre-
ga..., p. 160 e 161.
55
MERCOSUL. Decisão N° 48/10 do Conselho do Mercado Comum (CMC).
Acordo sobre o Mandado Mercosul de Captura e Procedimentos de Entrega
entre Estados-partes do Mercosul e Estados Associados. Foz do Iguaçu, 16
de dezembro de 2010. A título de curiosidade, destaque-se que o Mercosul
apresenta um instrumento semelhante: o Mandado Mercosul de Captura.

Para maiores informações, veja-se: VENANCI, Daiana Seabra. O Mandado de
Detenção Europeu vs. O Mandado de Captura do Mercosul: Uma análise com-
parativa. Revista do Programa de Direito da União Europeia: revista do módulo
europeu do Programa Jean Monnet da FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, n. 2,
p. 27-54, p. 27-54.

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autoridade judiciária “de emissão”, direcionada à autoridade judiciária


“de execução”, para que esta promova a localização, detenção e entre-
ga do sujeito, a fim de submetê-lo a procedimento criminal com pena
máxima não inferior a doze meses, ou cumprimento de pena ou medida
de segurança privativas de liberdade, com pena máxima não inferior
a quatro meses56.
A decisão é emitida nos termos do direito interno do Estado-
-Membro de emissão, e deverá ser reconhecida pela autoridade judiciária
de execução de maneira plena e direta, independentemente da existência
de diferenças entre os ordenamentos jurídicos em causa57, o que significa
que mesmo que não possa tratar a questão de modo idêntico, a autori-
dade judiciária de execução deve acolher aquela decisão como se fosse
emanada dentro da sua própria jurisdição58.
Ainda, destaca-se que ao efetuar a “abertura de fronteiras” das
decisões judiciais59, o MDE resulta na substituição do obsoleto procedi-
mento de extradição na relação entre os Estados-Membros do espaço
único europeu60, já que se trata de um mecanismo mais célere e menos
burocratizado. Contudo, observe-se que a extradição não é excluída

56
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigos 1.º, 2.º e
6.º. Está expresso na DQ que a pena ou medida de segurança devem obri-
gatoriamente ser de natureza privativa de liberdade, além de ser quan-
tificada a duração mínima das segregações, sendo possível concluir que
delitos de menor potencial lesivo e/ou punidos com pena pecuniária, ou
infrações administrativas jamais serão objeto de um MDE. Justifica-se
esta opção do legislador diante de todo o aparato judicial acionado para
a entrega de uma pessoa, sem desconsiderar o grande impacto que isso
causa na sua vida social.
57
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de. Mandado de detenção europeu. Revis-
ta do Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v. 27, n. 106, abr./jun. 2006, p.
164-165.
58
GRAÇA, António da. O Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu.
Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 15. O autor cita a decisão proferida no
Acórdão do STJ, de 27.04.2011, nos autos do processo n.º 26/11.9YRGMR.
S1 – 3ª secção.
59
DESCAMPS, Marie-Hélène apud JUNIOR, Mário Elias Soltoski. O controlo da
dupla..., p. 481.
60
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Considerando núme-
ros 7 e 11.

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858 | Zambiasi; Klee.

do ordenamento jurídico dos Estados-Membros, sendo preservada nas


relações destes com Estados terceiros61.
A execução do MDE desencadeia a detenção do sujeito ainda
dentro do território do Estado-Membro em que se encontrar, sendo que
esta privação de liberdade é de natureza “cautelar, precária, temporária
e provisória”, e tem por objetivo a sua entrega para a autoridade judi-
cial de emissão, onde será processado criminalmente ou submetido ao
cumprimento de pena ou medida de segurança privativas de liberdade62.
Contudo, observe-se que a manutenção da detenção é facultativa,
de modo que a autoridade judiciária de execução pode optar por conce-
der a qualquer momento a liberdade provisória ao sujeito, nos termos
do seu direito nacional interno, desde que adote as devidas e necessárias
providências para evitar eventual fuga63.
De acordo com o explanado anteriormente, o reconhecimento
mútuo foi adotado como princípio basilar do MDE, pois permite a simpli-
ficação e celeridade do procedimento64, já que é, em tese, implementado
dentro do espaço único europeu, o qual envolve Estados-Membros que são
norteados pelos mesmos princípios e garantias fundamentais, celebrados
na própria adesão à União Europeia65.
Como consequências práticas da adoção do reconhecimento mú-
tuo, verificam-se determinadas hipóteses em que há dispensa do controle

61
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 194.
62
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 123-124.
63
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 12.º.
64
E-JUSTICE. European Arrest Warrant. Disponível em <https://e-justice.eu-
ropa.eu/content_european_arrest_warrant-90-pt.do?clang=en>. Acesso em
02 mai. 2018. No que tange à desburocratização, suas principais diferenças
em relação ao procedimento ordinário de extradição é a disposição de pra-
zos estritos para o seu cumprimento, a desnecessidade do princípio da dupla
incriminação para 32 categorias de crimes, a ausência de influência política
na decisão e a possibilidade de entrega de nacionais. O resultado disso é que
um processo de entrega a partir do MDE dura em média 14 a 16 dias se hou-
ver consentimento de entrega pelo sujeito. Caso não haja o consentimento,
o tempo-médio sobe para cerca de dois meses, o que ainda representam nú-
meros bastante significativos em comparação aos intermináveis processos de
extradição, que podem demorar anos até serem cumpridos.
65
GRAÇA, António da. O Regime Jurídico..., p. 18.

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da dupla incriminação66, concendo caráter de quase automaticidade da


execução do mandado diante dos excepcionais motivos obrigatórios e
facultativos de não execução67, e a dispensa do comando político na de-
cisão de entrega, mantendo-se somente o controle judiciário68.
Realizados os pertinentes apontamentos sobre o contexto em que
surge e os preceitos básicos deste mecanismo, passemos agora a analisar o
grau de proteção aos direitos humanos corporificado na DQ e nos demais
Tratados adotados pela União Europeia, verificando se estas disposições
possuem efeito vinculante à atuação das autoridades judiciárias.

2.2. A proteção de direitos fundamentais e o caráter securitário do espaço


penal europeu

A entrega da pessoa desencadeada pelo MDE, não obstante seja


imprescindível para a realização do julgamento ou do cumprimento da
pena ou medida de segurança privativas de liberdade em outro Esta-
do-Membro, sob a perspectiva dos direitos fundamentais, representa o
modo mais gravoso de cooperação69, pois implica na detenção e posterior
entrega do sujeito para autoridade judiciária estrangeira através de um
mecanismo que aboliu os controles político e de dupla incriminação
(este parcialmente) sobre a decisão70, além de implicar nas conhecidas
consequências de ordem pessoal, social e familiar oriundas da submissão
ao processo penal e ao sistema carcerário.
Tal panorama proporciona que o MDE, da forma como é estrutu-
rado e no contexto de política criminal europeia em que surge, apresente
algumas dicotomias na seara da proteção aos direitos e garantias funda-
mentais dos sujeitos, sendo extremamente pertinente que façamos uma
análise mais aprofundada sobre as disposições incorporadas (ou não) no
âmago do instrumento legal, que versam sobre a salvaguarda de direitos.

66
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 2.º n. º 2.
67
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigos 3.º e 4.º.
68
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 92.
69
CAEIRO, Pedro; O procedimento de entrega..., p. 72.
70
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 165 e 167.

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2.2.1. A salvaguarda aos direitos fundamentais na Decisão-Quadro

Pelo até então exposto, pode-se concluir que diante dos princípios
que ditam o funcionamento do espaço único europeu em matéria penal e
do teor da DQ que institui o MDE, a execução do pedido de entrega é tida
como a regra geral, o que concede caráter de quase automaticidade no
cumprimento deste instrumento de cooperação entre os Estados-Membros.
Todavia, diante do modelo processual penal europeu vigente, é
consequência lógica que não se pode admitir que um mecanismo desta
natureza seja admitido sob quaisquer circunstâncias. Portanto, os motivos de
não execução, mesmo que aplicados de maneira excepcional, representam
importante salvaguarda de direitos e garantias fundamentais no MDE, já que
freiam eventuais avanços de um processo penal punitivista e repressivo.
Deste modo, ao se deparar com pedido de entrega via MDE, além
de verificar as formalidades gerais do pedido71, a autoridade judicial de exe-
cução deve atentar à inexistência de motivos de não execução obrigatória72,
que são considerados pela doutrina como a “balança na perigosa promul-
gação da eficácia e da segurança em prejuízo da liberdade individual”73.
Além disso, deve atentar também aos motivos de não execução
facultativa74, que conferem à autoridade judiciária de execução um “potestas
decidendi livre e de refúgio face à quase automática vinculação de execu-
ção do MDE”75, de modo que esta margem de discricionariedade permite
um juízo de ponderação entre os interesses protegidos no caso em tela76,
servindo tanto para equilibrar o binômio liberdade-segurança, como para
evitar decisões desproporcionais e que violem dos direitos do sujeito77.

71
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 8.º.
72
Idem. Artigo 3.º. Os motivos de não execução obrigatória elencados na DQ
são a anistia, o princípio do ne bis in idem e a idade do agente.
73
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 182.
74
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 4.º. Por sua vez,
despontam como motivos de não execução facultativa do MDE a prescrição,
o princípio do ne bis in idem, a territorialidade do delito, a nacionalidade ou
local de residência do agente, dentre outros.
75
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 191.
76
Idem, Ibidem.
77
Idem, p. 187.

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Por fim, também existem condições especiais de execução do


MDE , que podem ser exigidas pela autoridade judiciária de execução
78

ao Estado-Membro de emissão, a fim de minimizar eventuais divergên-


cias existentes nas legislações penais dos Estados envolvidos, bem como
proteger os direitos e garantias fundamentais do agente.
Ocorre que nenhum dos três dispositivos legais supracitados79
indicam expressamente que a violação de direitos e garantias fundamen-
tais, em especial a submissão a pena ou tratamento cruel ou degradante80,
são considerados motivos suficientes para desencadear a não execução
do MDE, tendo esta lacuna sido mantida na transposição da DQ para o
ordenamento jurídico interno de alguns países, como é o caso de Portugal
(através da Lei n.º 65/2003)8182.

78
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 5.º. São casos
excepcionais que permitem que a autoridade judicial de execução busque ga-
rantias da autoridade de emissão antes de executar o MDE.
79
Ou seja, os artigos 3º, 4º e 5º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI.
80
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Caso Irlanda contra
Reino Unido. Demanda n.º 5310/71, de 18 de janeiro de 1978. Disponível
em: <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-181585 https://www.unodc.org/
tldb/pdf/CASE_OF_IRELAND_v._THE_UNITED_KINGDOM.doc>. Acesso
em 15 jan. 2017.. A decisão refere em três tipos distintos de maus tratos:
Tratamento desumano é o que “se não causar lesões físicas, ao menos leva a
um intenso sofrimento físico e mental (...), podendo ocasionar em distúrbios
psiquiátricos durante o interrogatório”. Tratamento degradante, por sua vez,
“causa na vítima sentimentos de medo, angústia e inferioridade, capaz de hu-
milhar e rebaixar, possivelmente quebrando sua resistência física ou moral”.
Tortura, por fim, é o emprego de tratamentos desumanos ou degradantes vi-
sando “extrair confissões, nomes ou informações”.
81
UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE)...Artigo 228,º. . Atentar à possibilidade dos países, ao transpor essa
DQ, acrescentar tais violações no rol de não-execução, pois não obstante
existam vozes que defendam a aplicação direta destes instrumentos, o artigo
em questão é categórico ao apontar que “[a] diretiva vincula o Estado-Mem-
bro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às ins-
tâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”. Atente-se ainda
que Diretivas e Decisões-Quadro possuem semelhante finalidade e estrutura,
diferenciando-se somente no quórum de aprovação, o que não é relevante
para a perspectiva aqui tratada.
82
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA. Processo n.º 71/14.2YRCBR. Relatora
Alice Santos, Coimbra, 14 de maio de 2014. Disponível em: < http://www.dgsi.pt/
jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5918957b67be7f6480257cde

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
862 | Zambiasi; Klee.

Deste modo, não obstante a omissão do legislador, questiona-se a


possibilidade prática de não execução do MDE quando houver probabili-
dade/possibilidade de que o sujeito entregue seja submetido a tratamento
ou penal cruel e degradante no âmbito carcerário do Estado de emissão83.
Para buscar uma solução ao problema posto, imprescindível analisar o
conteúdo da DQ que institui o MDE em conjunto com os demais Tratados
vigentes na UE.O Considerando n.º 10 da DQ alude que embora o MDE
seja baseado “num elevado grau de confiança”, caso o Estado-Membro de
emissão cometa alguma “violação grave e persistente”84 dos princípios
elencados no artigo 6.º, n.º 1, do TFUE85, a autoridade de execução está
autorizada a suspender a entrega da pessoa.
O artigo supracitado do TFUE aponta às garantias enunciadas
na CDFUE86, que dentre outras disposições, prescreve que “[n]inguém
pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou de-
gradantes”, e que “[n]inguém pode ser afastado, expulso ou extraditado
para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a
tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes”87.

003647bd?OpenDocument&Highlight=0,Processo,71%2F14.2YRCBR>. Aces-
so em 02 mai. 2018. Destaca-se que a legislação portuguesa utiliza o requisito
de entrega facultativo apontado no artigo 5.º, n. 3º da Decisão-Quadro. Assim,
Portugal exige que nacional entregue para ser submetido a procedimento cri-
minal em país estrangeiro, seja posteriormente devolvido ao país luso, caso
condenado, para que cumpra aqui a pena ou medida de segurança privativas
de liberdade impostas.
83
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 328. Tendo em
vista a vasta gama de situações que podem configurar “pena ou tratamento
cruel ou degradante”, o autor aponta alguns exemplos de situações que colo-
cam em risco a integridade do sujeito, como as péssimas condições carcerá-
rias, a natureza do delito cometido, ou as características pessoais do agente,
como orientação sexual ou religião, que dependendo do contexto social do
Estado de emissão, podem configurar risco pessoal para o agente, especial-
mente dentro do âmbito carcerário.
84
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Considerando n.º 10.
Tal suspensão somente poderá se dar quando o Conselho verificar tais viola-
ções por meio do procedimento previsto no artigo 7.º, n.º 1, do TFUE.
85
Sigla de “Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
86
Sigla de “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
87
UNIÃO EUROPEIA. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
(CDFUE). Artigos 4.º e 19.º, n. 2. Disponível em: <http://eur-lex.europa.

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Ademais, além de consagrar o respeito aos direitos fundamentais


pela DQ, o Considerando n.º 12 expressa a observância dos princípios
reconhecidos no artigo 6.º do TUE88 e da CDFUE. Ainda, exprime que o
MDE não será executado quando verificado que o processamento ou a
punição da pessoa se dá em razão do seu sexo, raça, religião, ascendência
étnica, nacionalidade, língua, opinião política ou orientação sexual89.
Outrossim, ao passo que o Considerando n.º 13 declara a proibição
de afastamento, expulsão ou extradição de uma pessoa para Estado “onde
corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos
ou penas desumanos ou degradantes”90, o artigo 1.º, n.º 3, apresenta uma
limitação geral à aplicação deste instrumento91, já que refere que a DQ
não altera a obrigação de respeito dos direitos e princípios fundamentais
constantes no artigo 6.º do TUE92, tratado anteriormente.
Finalmente, o artigo 23.º, n.º 4 expressa a chamada “suspensão
de entrega por motivos humanitários”, que consiste na possibilidade de
suspensão temporária da execução do MDE quando forem verificados
motivos válidos para se acreditar que a entrega da pessoa poderá colocar
sua vida ou saúde em risco. Todavia, por se tratar de mera suspensão, é
imperioso destacar que a entrega deverá ser efetuada tão logo cessem os
motivos que a ensejaram93.
Diante do exposto, mesmo que o legislador da UE tenha optado
por não consagrar expressamente tal hipótese dentro dos róis de não
execução (obrigatórias ou facultativas), ou de condições especiais para
execução do MDE, a DQ não é completamente omissa sobre a questão,
pois conforme o teor dos dispositivos supracitados, impede-se que haja

eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12016P/TXT&from=PT>.
Acesso em 29 dez. 2016.
88
Sigla de “Tratado da União Europeia”.
89
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Considerando n.º 12.
90
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Considerando n.º 13.
91
BERTONE, Nicola apud VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Euro-
peu..., p. 297.
92
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 1º, n.º 3.
93
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigo 23º, n.º 4.

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interpretação do mecanismo de entrega de forma contrária e violadora


dos princípios, direitos e garantias consagrados na CEDH94.
Com isso, tendo em vista que a salvaguarda de direitos e garantias
fundamentais é alicerce da própria relação de confiança mútua entre os
Estados-Membros, somente a partir dela é que se pode tencionar a cons-
trução de um “espaço penal europeu comum humanizante”95. Portanto,
existem fundamentos interpretativos e jurídicos no corpo da própria
DQ que desterram a possibilidade de entrega do sujeito, quando houver
probabilidade de submissão a pena ou tratamento cruel ou degradante.

2.2.2. Direitos e garantias fundamentais na UE: Tratados e leis de transposição

Seguindo na linha apresentada no ponto anterior, insta salientar


que os argumentos favoráveis à não execução do MDE em caso de pro-
babilidade/possibilidade de submissão do sujeito a pena ou tratamento
cruel ou degradante no sistema carcerário do Estado-Membro executor
não se restringem somente ao campo da DQ.
Inicialmente, destaca-se que a legitimidade da inclusão pelos
Estados-Membros nas leis de transposição a hipótese expressa de não
execução do MDE quando verificada violação de direitos humanos já foi
alvo de debate político, tendo o Conselho se manifestado no sentido de
que a proteção aos direitos fundamentais já é inerente à própria função
jurisdicional, sendo desnecessária e redundante qualquer inclusão expressa
neste aspecto. Nessa mesma linha, entendeu também que a incorporação
dessa nova possibilidade no rol de hipóteses de não execução condicionaria
a autoridade de execução a verificar situações dessa natureza em todos
os pedidos de entrega recebidos, o que poderia gerar abalo na relação de
confiança mútua entre os Estados-Membros envolvidos9697.

94
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 201.
95
Idem, p. 325.
96
ZARZA, María Ángeles Gutiérrez. La evaluación de los Estados miembros en
el Tercer Pilar de la Unión Europea: el caso particular de la Orden de Deten-
ción Europea (I). Revista Aranzadi de derecho y proceso penal, Navarra, n. 16,
p. 167-168, 2006.
97
WEYEMBERGH, Anne. European Added Value Assessment...p, 32. Não
obstante países como Polônia e Romênia sejam conhecidos pela (quase)

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Tal fato reforça a incoerência na suposição de que a violação


de princípios e garantias fundamentais, nomeadamente a submissão a
pena ou tratamento cruel ou degradante em âmbito penitenciário, possa
encontrar respaldo em eventuais fundamentos de proteção elevada dos
cidadãos ou de suporte ao espaço de liberdade, segurança e justiça, pois
“[a] liberdade da pessoa e os direitos fundamentais pessoais afetados pelo
MDE [...] não podem ser maniatados e manuseados como meros instru-
mentos de potestas”98. Portanto, é substancial que as regras específicas ao
MDE sejam interpretadas e aplicadas em conformidade com as normas
de proteção da CEDH e da própria UE.
Destarte, caberá às autoridades judiciárias envolvidas, tanto de
emissão quanto de execução (especialmente esta, pois é quem possui
o efetivo poder de decisão sobre a entrega) interpretarem a DQ nos
termos supramencionados. Devem, portanto, pautar sua atuação não a
partir davisão estritamente formal e pragmática de detenção do sujeito
e cumprimento do mandado, mas sim pela aplicação do mecanismo em
consonância com as disposições legais que promovem o respeito aos
direitos e garantias fundamentais99.
A despeito da supracitada posição do Conselho, outro argumento
que deve ser destacado é a questão da legislação interna dos Estados-Mem-
bros. Caso haja omissão do legislador nacional ao transpor o teor da DQ,
não elencando a hipótese de não execução do MDE diante a possibilidade
de violações de direitos e garantias fundamentais100, resta como possibi-

banalização do instrumento, não respeitando graus mínimos de proporciona-


lidade na emissão de mandados, ao passo que possuem sistemas carcerários
bastante deficitários.
98
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 198-199.
99
Idem, Ibidem.
100
ITÁLIA, Legge 22 aprile 2005. Artigo 18.º, alíneas “a” a “h”. Disponível em:
<http://www.camera.it/parlam/leggi/05069l.htm>. Acesso em 30 dez.
2016. Tendo em vista que a DQ é um instrumento que vincula o Estado so-
mente em relação a finalidade a ser atingida, possibilitando certa liberdade
sobre os meios utilizados, ao contrário de Portugal e Espanha, a Itália trans-
pôs a DQ ao ordenamento interno, promovendo o alargamento para dezeno-
ve hipóteses de não execução do MDE, incluindo a “cláusula humanitária de
não-discriminação” e o “perigo de morte, tortura ou tratamento desumano ou
degradante”. Disponível em: <http://www.camera.it/parlam/leggi/05069l.
htm>. Acesso em 06 jan. 2017.

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866 | Zambiasi; Klee.

lidade recorrer às salvaguardas constitucionais, uma vez que o texto da


Constitucição prevalece perante o direito infra-constitucional101.
No específico caso português, o texto constitucional é categórico
ao destacar que “[n]ão é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer
título [...] por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado
requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível na
integridade física”, bem como “[n]inguém pode ser submetido a tortura,
nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”102.
O artigo 204.º da CRP reforça essa posição ao dispor expressa-
mente que o juiz é investido no dever constitucional de fiscalizar e deixar
de aplicar determinada norma quando verificar que ela se encontra em
desacordo com as normas e princípios salvaguardados pela Constituição.
Salienta-se ainda a existência de outros instrumentos legais que
versam neste sentido, como a Lei da Cooperação Judiciária em Matéria Penal
(Lei n.º 144/99, de 31 de agosto) e a Convenção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (adotada pela
Resolução 39/46 da ONU em 1984 e vigorando em Portugal desde 1989).
A primeira possibilita a recusa no pedido de cooperação quando
o fato delituoso for punido com pena de morte, ou se a sanção puder
resultar em lesão irreversível à integridade da pessoa103. A segunda, por
sua vez, representa importante ferramenta no combate a violações desta
natureza, já que além de dispor expressamente a proibição da expulsão,
devolução ou extradição quando houver fundados motivos que deste
fato poderá decorrer torturas ou maus tratos, prevê ainda o comprome-
timento dos Estados signatários a proibirem estas violações dentro dos
seus territórios de jurisdição104.

101
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 196.
102
PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa (CRP). Artigos 33, n.º 6
e 25.º, n. 2. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/crp.
html>. Acesso em 29 dez. 2016..
103
PORTUGAL. Lei n.º 144/1999, de 31 de agosto. Lei de Cooperação Judiciá-
ria Internacional em Matéria Penal. Artigo 6.º, alínea “e”. Disponível em:
<http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=295&tabe-
la=leis>. Acesso em 29 dez. 2016.
104
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 39/46, de 10 de de-
zembro de 1984. Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
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Por fim, cita-se também a DUDH (1948), o PIDCP (1966, mas


vigorando em território português a partir de 1978) e a CEDH (1950,
entrando em vigor em 1953), que nos artigos 5.º105. 7.º106 e 3.º107, res-
pectivamente, declaram expressamente a vedação à tortura, penas ou
tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.
Diante do exposto, compreendemos que mesmo que se busque
fomentar a livre circulação de decisões judiciárias em matéria penal no
espaço único europeu, é incompatível com os fundamentos basilares que
originam a UE e o próprio Estado de Direito democrático a ideia de que
eventuais violações de direitos e garantias fundamentais estariam “jus-
tificadas” sob o manto da confiança mútua. Nesta esteira, afirma-se que
“[o] princípio do primado dos direitos, liberdades e garantias sobrepõe-
-se a qualquer tentativa de atropelamento dos mesmos”108, podendo-se
encontrar argumentos de sustentação dessa posição na DQ, na CRP, na
legislação ordinária portuguesa e ainda em Tratados e Convenções.

2.2.3. Autoridades judiciárias de emissão e execução: como agir?

A proibição de penas ou tratamentos cruéis ou degradantes repre-


senta o primeiro corolário de manifestação do princípio da humanidade

cruéis, desumanos ou degradantes. Art. 3.º, n.º 1 e Art. 16.º n.º 1. Disponí-
vel em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/tortura/lex221.htm>.
Acesso em 05 jan. 2017.
105
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), de 10 de dezembro de 1948. Artigo 5.º. Disponível em:
<http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf http://www.gddc.pt/di-
reitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh.html>.
Acesso em 05 jan. 2017.
106
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (PIDCP), de 23 de março de 1976. Artigo 7.º. Disponível
em: <http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_po-
liticos.pdf>. Acesso em 05 jan. 2017.
107
UNIÃO EUROPEIA. Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH),
adotada em 4 de novembro de 1950 e vigorando na ordem internacional a par-
tir de 1953. Artigo 3.º “[n]inguém pode ser submetido a torturas, nem a penas
ou tratamentos desumanos ou degradantes”. Disponível em: <https://www.
echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf>. Acesso em 15 jan. 2017.
108
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 208.

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868 | Zambiasi; Klee.

no Direito Penal109, verificando-se sua violação tanto na aplicação de


penas de morte ou de prisão demasiadamente longas, como também na
forma que o sujeito é tratado dentro do sistema carcerário, o qual deve
proporcionar um ambiente salubre, espaçoso e suficientemente adequado
à ressocialização do agente110.
Por todo o exposto, tal questão é bastante delicada e coloca em
voga a importância da atuação das autoridades judiciárias de emissão e
execução no MDE, as quais deverão sempre pender ao equilíbrio na ba-
lança da justiça, evitando a impunidade, mas não a qualquer custo – isto
é, sem atropelo de direitos e garantias fundamentais.
Conforme exaustivamente tratado, é inegável que a execução do
MDE se mantém como regra geral, de modo que não basta qualquer ale-
gação para obstar o seu cumprimento, sob pena de haver o esvaziamento
da aplicabilidade do mecanismo, a impunidade de delitos e a criação de
territórios de refúgio para os criminosos, especialmente porque se tem
conhecimento de que ao menos quarenta e sete Estados-Membros do
Conselho da Europa enfrentam problemas no âmbito penitenciário111.
Dessa forma, o sujeito-alvo do MDE que acreditar estar na imi-
nência de ser submetido a tratamento ou pena cruel ou degradante em
âmbito carcerário do Estado-Membro de execução deverá trazer funda-
mentos concretos que possam sustentar seu ponto e embasar a decisão
de não-entrega pela autoridade de execução. A título de exemplo, a
existência de registros recentes de violações similares no Estado de
emissão pode servir como indício, inclusive cominando na suspensão
do procedimento de entrega.
Por sua vez, sugere-se que ambas as autoridades judiciárias so-
mente emitam e executem o MDE após realizarem um juízo reflexivo de

109
ARZAMENDI, José Luis de la Cuesta. El principio de humanidad en derecho
penal. Eguzkilore: Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología, San Sebastian,
n. 23, p. 212. 2009.
110
Idem, p. 220.
111
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Conclusões do Advogado-Ge-
ral Yves Bot. Demanda n.º C-404/15 e c-659/15 PPU, de 3 de março de 2016.
Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?tex-
t=portugal&docid=174758&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&oc-
c=first&part=1&cid=1066462#ctx1>. Acesso em 16 jan. 2017.

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adequação, necessidade e proporcionalidade112 sobre a situação fática,


considerando a natureza do delito (especialmente o grau de lesividade
e se cometido ou não mediante violência) e a sanção penal que poderá
ser aplicada ou será executada, evitando a banalização do instrumento113.
Deste modo, no específico caso da autoridade de execução que se
deparar com pedido de não-execução dessa natureza por parte do sujei-
to-alvo, isto é, colacionado por fundamentos concretos de possibilidade
submissão a tratamento ou penal cruel ou degradante no sistema carcerário
do Estado-Membro de emissão, compreendemos que o julgador deverá
verificar cautelosamente tais elementos, sendo prudente que requisite ao
Estado-Membro de emissão todas as informações que entender necessárias
para elucidar eventuais dúvidas e embasar sua decisão.
Por sua vez, caso seja comprovado que o sistema prisional do
Estado-Membro de emissão apresenta substanciais deficiências que
possam efetivamente violar os direitos fundamentais do sujeito-alvo, a
autoridade judiciária de execução deverá decretar a suspensão do pedido
de execução enquanto o problema não for solucionado, inclusive sendo
facultativa a revogação da detenção do sujeito, desde que adotadas me-
didas para evitar eventual fuga114115.

112
TRIBUNAL DE ESTUGARDA. Decisão de 25 de fevereiro de 2010. Disponível
em: <http://www.fd.unl.pt/Anexos/10757_4.pdf>. Acesso em 17 jan. 2017.
Neste sentido decidiu o Oberlandesgericht Stuttgart, afirmando que a emis-
são de Mandado de Detenção Europeu deve ser pautada sob o princípio da
proporcionalidade, tendo em vista o crime praticado e a sanção a ser aplicada.
113
Para aprofundar a questão do princípio da proporcionalidade no âmbito do
MDE, recomenda-se a leitura de: JANUÁRIO, Túlio Felippe Xavier. Do prin-
cípio da proporcionalidade e sua aplicação no mandado de detenção europeu.
Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, p. 435-
472, jan./abr. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.114.
114
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. 2002/584/JAI.... Artigos 12.º e 23.º n.º 4.
115
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES. Processo n.º 11/10.8YRG-
MR. Relator Cruz Bucho, Guimarães, 21 de dezembro de 2010. Dispo-
nível em: <http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579e-
c004d3832/1597a455ec8820de802578310054b727?OpenDocument>.
Acesso em 17 jan. 2017. A título de curiosidade, aponta-se que o Tribunal
da Relação de Guimarães decidiu através do presente julgado que motivos
humanitários constituem fundamento para a suspensão da entrega do sujeito,
embora não possam ensejar na não execução.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
870 | Zambiasi; Klee.

Contudo, atente-se que a simples assunção de compromissos


pelo Estado-Membro de emissão não deve ser vista como fundamento
suficiente para embasar a execução do MDE em causa, sendo impres-
cindível que as garantias prestadas estejam efetivamente previstas no
ordenamento penal e processual penal interno, vinculando a atuação das
autoridades judiciarias116.
Por outro lado, se mesmo com as garantias e compromissos
prestados a autoridade judiciária de execução entender que persistem
os riscos de submissão a pena ou tratamento cruel ou degradante no
âmbito carcerário do Estado-Membro de emissão, somente então poderá
decidir pela não execução do MDE, sem que tal recusa viole o princípio
do reconhecimento mútuo.
Nesta senda, insta salientar que o juízo de proporcionalidade feito
pela autoridade judicial de execução117 eventualmente poderá apresentar
possibilidades alternativas de resolução do caso, como o processamento
do sujeito-alvo no próprio Estado-Membro de execução (caso este tenha
competência para tanto), ou especialmente que possa cumprir lá a pena
ou medida de segurança restritiva de liberdade eventualmente impostas
(quando se tratar de nacional ou residente118).
Ademais, se após todo o este percurso ainda restarem dúvidas
sobre a possibilidade ou não de violação de direitos e garantias com a
execução do MDE, é sensato que a autoridade judicial de execução submeta
a questão à apreciação do TJUE, por meio do instrumento denominado
reenvio prejudicial119, a fim de garantir a aplicação uniforme do direito
no espaço europeu.
Acreditamos que a adoção das precauções descritas acima é ex-
tremamente necessária para que não haja desequilíbrio na utilização do
MDE, por um lado evitando a banalização do seu uso, mediante atropelo
e violação de direitos e garantias fundamentais, e por outro, impedindo

116
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 320.
117
Idem, p. 334.
118
Possibilidade prevista no artigo 4.º, n.º 6 da DQ, e no artigo 12.º, n.º 1, “g” da
Lei n.º 65/2003.
119
Para maiores informações sobre este procedimento: <http://eur-lex.europa.eu/
legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV%3Al14552>. Acesso em 16 jan. 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
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o esvaziamento da sua aplicabilidade e consequente impunidade que


daí poderia advir.
Pelo exposto, concluímos ser cristalino que a autoridade judicial de
execução não ocupa simples “posição servil”120 no MDE, pois se o sujeito
procurado comprovar o real e concreto risco de violação dos seus direitos
fundamentais, deve-se suspender imediatamente a execução do pedido de
entrega, bem como possibilitar que o Estado-Membro de emissão corrija
os problemas. Ideia essa baseada principalmente no fato de que dentre
todos os Tratados e Convenções já citados, verifica-se a posição de des-
taque ocupada pela garantia de proteção contra tratamentos desumanos
ou degradantes, inclusive, tendo essa salvaguarda sido elevada ao status
de direito absoluto e sem possibilidade de derrogação pela CEDH121.
Como derradeira nota, os fundamentos legais dentro do quadro
da DQ para embasar a decisão de não-execução do MDE pelos motivos
expostos acima seriam: (i) – pelo artigo 1.º. número 3.º da DQ 2002/584/
JAI; e/ou (ii) – pelas demais disposições consagradas na CEDH e demais
Tratados, sob o argumento de que além da DQ que institui o MDE não estar
em desacordo com suas disposições, a entrega de sujeito nas condições
aqui narradas, como será visto na sequência, pode inclusive acarretar a
responsabilização “por ricochete” do Estado-Membro de execução122.

3. A nálise jurisprudencial europeia

3.1. O caso Soering123

O primeiro julgado que merece destaque é o “Caso Soering con-


tra Reino Unido”, de 7 de julho de 1989, em que o alemão Jens Soering,

120
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 125.
121
UNIÃO EUROPEIA. Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)...
Artigo 15.º, n. 2 . “[a] disposição precedente não autoriza nenhuma derroga-
ção ao artigo 2°, salvo quanto ao caso de morte resultante de actos lícitos de
guerra, nem aos artigos 3°, 4° (parágrafo 1) e 7°”..
122
RODRIGUES, Anabela. O direito penal europeu emergente..., p. 208.
123
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Soering contra Reino
Unido. Demanda n.º 14038/88, de 7 de julho de 1989. Disponível: <http://
hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-164736>. Acesso em 15 jan. 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
872 | Zambiasi; Klee.

detido na Inglaterra e aguardando sua extradição para os EUA, diante da


acusação de ter assassinado os pais da namorada em março de 1985, no
Estado da Virgínia. Após o crime, o jovem fugiu com sua companheira
até serem encontrados pela polícia inglesa em abril de 1986.
Diante do pedido de extradição, as autoridades britânicas pe-
ticionaram aos EUA, requerendo garantias de que o Soering não seria
condenado à pena de morte. Todavia, o único compromisso prestado
pelo Procurador da Virgínia e pelo Governo Federal norte-americano
(que sequer possuía competência legal para falar em nome do Estado da
Virgínia) é que durante o julgamento, seria referido que o Reino Unido
pugnava para que o jovem não fosse condenado à pena capital.
Ainda, em 11 de março de 1987, a Alemanha pleiteou a extradição
de Soering, alegando a competência do tribunal alemão para realização
o julgamento, diante da nacionalidade do arguido. Embora o acusado
tenha concordado com a sua entrega ao país natal, as autoridades inglesas
preteriram este pedido em relação ao estadunidense.
Deste modo, embora o Secretário de Estado inglês tenha determi-
nado em 3 de agosto de 1988 a entrega de Soering às autoridades norte-a-
mericanas, esta não chegou a ser concretizada, pois o caso foi submetido
ao julgamento do TEDH, de modo que o Presidente da Comissão órgão
julgador comunicou o governo britânico em 11 de agosto de 1988, para
que aguardasse a decisão antes de efetuar a extradição.
O TEDH decidiu que caso o Reino Unido extraditasse Soering
para os EUA, estaria violando a proibição de tratamento desumano ou
degradante disposta no artigo 3.º da CEDH124, não pela eventual aplicação
de pena de morte, que à época não era vedada pelo artigo 2.º (situação
modificada com o Protocolo n.º 6), e sim pelo fenômeno denominado
“síndrome do corredor da morte” (death row phenomenon).
Conforme o entendimento do TEDH, esta síndrome envolve
dois aspectos distintos: o primeiro é o elemento temporal, que consi-
dera o longo tempo de espera entre a condenação e a execução da pena

124
UNIÃO EUROPEIA. Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)....
Art. 3º. “[n]inguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamen-
tos desumanos ou degradantes”.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.139 | 873

capital125, diante do grande número de recursos disponíveis (justificáveis


pela gravidade da pena a ser imposta), e que ocasiona diversos efeitos
psicológicos no sujeito, como nervosismo e ansiedade126.
O segundo elemento diz respeito às condições carcerárias que
o sujeito estará submetido durante este longo período. No caso em tela,
a prisão de Mecklenburg127 segrega os condenados à pena de morte dos
demais detentos e submete-os a níveis mais rígidos de segurança, redu-
zindo ainda mais a sua liberdade.
Desta forma, a convergência do aspecto temporal e das condi-
ções carcerárias, o fato de que Soering tinha somente dezoito anos de
idade à época do crime, e a existência de laudos psiquiátricos apontando
quadro clínico de perturbação mental, o TEDH realizou um juízo de
proporcionalidade e decidiu que eventual extradição para os Estados
Unidos implicaria em extrapolação dos limites estabelecidos no já citado
artigo 3.º da CEDH.
Soma-se a isso que a possibilidade de extradição do jovem para a
Alemanha, além de impedir a pena de morte (não adotada no ordenamento
jurídico alemão) e a eventual submissão a tratamento cruel ou degradante,
evitaria a impunidade do agente, “alcançando um justo equilíbrio entre
os interesses em jogo”128.
Assim, o Caso Soering é de grande importância, pois além de
apontar um direito implícito à não extradição, foi o primeiro caso inter-
nacionalmente reconhecido pelo TEDH que indicou a possibilidade de
responsabilizar Estado signatário da CEDH que extradite determinada
pessoa, mesmo que para outro Estado não signatário, quando houver
sério risco de que a entrega acarrete pena ou tratamentos ou cruéis ou
degradante.

125
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Soering contra Reino
Unido... §56.. Destaca-se que o tempo médio entre o julgamento e a execução
no Estado da Virgínia varia entre seis e oito anos.
126
CARDOSO, Raquel Preciosa Tomás. Os Direitos Fundamentais nos procedi-
mentos de entrega de pessoas procuradas. Dissertação (Mestrado em 2013) –
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013, p. 25.
127
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Soering contra Reino
Unido.... §135 e seguintes.
128
VALENTE, Manuel. Do Mandado de Detenção Europeu..., p. 332-333.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
874 | Zambiasi; Klee.

A especial relevância do caso em tela reside no longínquo en-


tendimento do TEDH de que havendo conflito entre a expectativa de
extradição para cumprimento de sanção penal, ainda que por crime
grave, e a garantia da manutenção da sua dignidade humana, tende-se a
priorizar este em detrimento daquele. Reforça-se isso, inclusive, com a
possibilidade de responsabilização “colateral” em relação ao Estado que
ignorando tais circunstâncias, extraditar o sujeito.
Desta forma, compreendemos que tal entendimento pode perfei-
tamente ser transposto à realidade discutida no presente estudo. Ainda
que se substitua o pedido de extradição (relação vertical) pelo mandado
de entrega (relação horizontal), conforme apontado, diversos países da
União Europeia apresentam significativas insuficiências nos seus sistemas
prisionais. Portanto, ainda que baseado no reconhecimento mútuo e na
confiança recíproca, não há motivos razoáveis para que uma ordem de
entrega prevaleça sobre a dignidade humana129.

3.2. O caso Aranyosi e Căldăraru130131

O derradeiro caso a ser analisado no presente estudo diz respeito


aos processos C-404/15 e C-659/15 PPU, destacando-se as conclusões

129
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. M.M.S. contra Bélgica
e Grécia. Demanda n.º 30696/09, de 21 de janeiro de 2011. § 353 Disponí-
vel em: <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-103050>. Acesso em 03 mai.
2018. Quanto a isso, no julgamento do caso em tela o TEDH afirmou que o
mero fato de adesão a tratados internacionais e existência de leis internas que
garantam a salvaguarda de direitos fundamentais não são, por si só, suficien-
tes para assegurar proteção adequada contra o risco de submissão do sujeito
maus-tratos, quando no caso em tela houverem fontes confiáveis de que as
autoridades tolerem práticas contrárias aos princípios da CEDH.
130
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Acórdão. Demanda n.º
C-404/15 e c-659/15 PPU, de 5 de abril de 2016. Disponível em: <http://
curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=175547&pa-
geIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=380998>.
Acesso em 16 jan. 2017.
131
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Conclusões do Advogado-Ge-
ral Yves Bot. Demanda n.º C-404/15 e c-659/15 PPU, de 3 de março de 2016.
Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?tex-
t=portugal&docid=174758&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&oc-
c=first&part=1&cid=1066462#ctx1>. Acesso em 16 jan. 2017.

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.139 | 875

do Advogado-Geral Yves Bot (3 de março de 2016) e a decisão emanada


pelo TJUE (5 de abril de 2016).
A autoridade judicial alemã, ora de execução, ingressou com um
reenvio prejudicial perante o TJUE, a fim de verificar a (i)licitude da
entrega de Pál Aranyosi e Robert Căldăraru, por meio de MDE, às autori-
dades judiciárias da Hungria e Roménia, respectivos Estados de emissão.
Pál Aranyosi foi acusado de cometer crimes furto e dano na
Hungria, e o MDE objetivava sua entrega para submissão a procedimento
penal. Por seu turno, Robert Căldăraru já havia sido condenado por dirigir
veículo sem carta de condução, sendo que o MDE visava a sua entrega
para cumprimento de pena privativa de liberdade de um ano e oito meses
em estabelecimento prisional romeno.
A autoridade de execução questionou a (i)licitude das entregas,
pois além das autoridades de emissão não informarem quais seriam os
estabelecimentos prisionais em que os sujeitos seriam detidos, é notório
que ambos os países apresentam gravíssimos problemas estruturais no
sistema carcerário, como elevados índices de superlotação, conforme já
fora destacado em prévios julgamentos que envolveram as duas nações132133.
Outrossim, além de não cumprir com as condições carcerárias mínimas
exigidas pela UE, as autoridades judiciárias de emissão não prestaram
garantias de que iriam direcionar esforços para garantir a não submissão
dos sujeitos a pena ou tratamento cruel ou degradante.
Ademais, o Advogado-Geral Yves Bot afirma que além do legislador
europeu ter optado por não incluir expressamente a violação de direitos

132
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Iacov Stanciu contra
Roménia. Demanda n.º 35972/05, de 24 de julho de 2012. Disponível em:
<http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-112420>. Acesso em 16 jan. 2017. O
sistema carcerário romeno é caótico a ponto de confinar detentos em espaço
inferior a 2m², de modo que as celas são demasiadamente pequenas, superlo-
tadas, sujas, sem aquecimento ou água quente para banho, existindo inúme-
ros recursos pendentes no TEDH sobre a temática.
133
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Varga e Outros con-
tra Hungria. Demandas n.º 14097/12, 45135/12, 73712/12, 34001/13,
44055/13 e 64586/13, de 10 de março de 2015. Disponível em: <http://
hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-152784>. Acesso em 16 jan. 2017. Por outro
lado, o TJUE cita que o TEDH já se pronunciou mais de 450 vezes sobre casos
de violação ao artigo 3.º da CEDH na Hungria, todos por conta das más con-
dições carcerárias apresentadas pelo país.

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876 | Zambiasi; Klee.

e garantias fundamentais como hipótese de não execução obrigatória ou


facultativa, o MDE é um mecanismo exclusivamente judiciário, utilizado na
repressão da criminalidade e garantia da ordem pública, de modo que a não
execução da entrega colocaria em perigo os direitos, a liberdade e a seguran-
ça dos demais cidadãos da UE, diante do risco de impunidade ocasionado.
Posição a qual, conforme já explicitado no presente trabalho, discordamos.
A solução apontada por Yves Bot é no sentido de aplicação do
princípio da proporcionalidade na emissão do MDE, diante das graves
consequências que são geradas na vida do sujeito com sua entrega para
outro Estado-Membro. Deste modo, entende que eventuais dúvidas devem
ser submetidas à apreciação do TJUE.
Nesta linha, pertinente destacar a manifesta ausência de pro-
porcionalidade na emissão do MDE contra Pál Aranyosi, pois a própria
autoridade judiciária húngara informou posteriormente que a pena pri-
vativa de liberdade não seria imprescindível, havendo outras medidas
sancionatórias menos gravosas e que poderiam ser aplicadas.
Por outro lado, a decisão do TJUE foi no sentido de que a autori-
dade judicial de execução deve verificar se há incompatibilidade das con-
dições carcerárias com os direitos e garantias fundamentais consagrados
pela UE, pois a proibição de penas ou tratos desumanos ou degradantes é
revestida de caráter absoluto, independente do crime pelo qual o sujeito
está sendo acusado ou foi condenado.
Assim, caso a autoridade de execução disponha de elementos
concretos que comprovem o risco de submissão a tratamento ou pena
cruel ou degradante, deve considera-los para embasar sua decisão, desde
que tais informações sobre a condição carcerária do respectivo Esta-
do-Membro de emissão sejam objetivas, atualizadas e críveis, podendo
fundamentar sua decisão a partir de acórdãos do TEDH, relatórios ou
demais documentos oriundos do Conselho da Europa.
Contudo, os julgadores destacam que o artigo 1.º, n.º 3º da DQ
não deve ser interpretado em um primeiro momento como motivo de não
execução, e sim como causa de suspensão do MDE, pois a mera existência
de risco real de tratamento ou pena cruel ou degradante não configura
motivo suficiente para ensejar não execução do instrumento, de modo que
a autoridade de execução deve observar a iminência e concretude deste
risco frente ao caso em tela. Ou seja, não basta a existência de elementos

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que comprovem o déficit carcerário no Estado-membro de emissão, sendo


necessários fatos concretos que comprovem que naquele caso específico,
a entrega do sujeito desencadeará em violações.
Ademais, somente após a troca de informações entre as autori-
dades judiciais, compromissos prestados e não cumpridos e o decurso de
prazo razoável, é que então poderá não executar o MDE, que até então
se encontrava meramente suspenso.
Por fim, vislumbra-se em ambos os casos aqui tratados o perigo
que circunda a falta proporcionalidade na emissão do MDE, pois se não
fosse a decisão do TJUE, ambos os sujeitos poderiam ter sido submetidos
a violações extremamente graves (considerando as condições carcerárias
dos países), e desarrazoadas, tendo em vista o baixo grau de lesividade
dos delitos que cometeram.
Surge, portanto, exemplo prático de como o MDE não pode ser
emitido e executado de maneira automática, devendo abarcar juízos de
proporcionalidade de acordo com o caso concreto, por ambas as auto-
ridades judiciárias envolvidas, sob pena de se instaurar um verdadeiro
retrocesso na matéria de direitos e garantias fundamentais.

Considerações F inais
A cooperação internacional em matéria penal foi a solução en-
contrada pelo legislador europeu para lidar com a metamorfose desen-
cadeada na criminalidade a partir da globalização e pela diminuição de
fronteiras em determinados espaços. Desta forma, o MDE surge para
acelerar o procedimento de entrega de pessoas dentro do âmbito europeu,
substituindo o moroso mecanismo de extradição.
Contudo, além da ideologia securitária, este instrumento surge
quando as legislações internas dos Estados-Membros, especialmente em
material penal processual e material, ainda não se encontram suficien-
temente harmonizadas. Como consequência a isso, começam a surgir
questionamentos e ponderações, especificamente no campo da proteção
efetiva de direitos humanos134, tendo-se concluído com o presente estudo

134
KLIP, André. European Criminal Law. Intersentia, 2009, p. 376 e 380. Nes-
te sentido, ao referir que “international co-operation is increasingly used in

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que é inviável pensar na construção de um espaço penal europeu comum,


sem que este salvaguarde os direitos e garantias fundamentais que tão
arduamente foram alcançados ao longo da evolução da sociedade.
Assim, verificado eventual conflito entre a cooperação judicial e
o resguardo aos direitos fundamentais, não existem dúvidas de que este
deverá prevalecer sobre aquele – amparando-se aqui no entendimento
firmado pelo TEDH desde o “caso Soering”, e recentemente explicitado
pelo TJUE no caso Aranyosi e Căldăraru, não sendo plausível colocar
a celeridade ou a eficácia de um mecanismo de entrega em patamar
de maior importância do que direitos como a vida, a liberdade ou a
integridade física.
É inviável aquiescer que pessoas tenham sua dignidade violada
em nome da “realização da justiça” ou da “manutenção da segurança”, por
mais que o legislador europeu tenha conferido um caráter securitário ao
espaço único europeu através da DQ aqui estudada. Entende-se, portan-
to, que o respeito aos princípios e garantias fundamentais segue como
o elemento basilar de toda a estrutura da UE em matéria penal, sendo
inclusive aspecto basilar de sustentação da relação de confiança recíproca
e do reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros135, embora seja
importante cuidar para que não haja o esvaziamento da aplicabilidade do
MDE, de modo que a postura de recusa de execução somente deverá ser
adotada prontamente em casos extremados, devendo-se optar primei-
ramente pelo diálogo com a autoridade judicial de emissão, e a eventual
suspensão do mecanismo de entrega.
De qualquer modo, o argumento de que a relação de confian-
ça mútua entre os Estados-Membros pressupõe que todos respeitam e
preservam os mesmos valores e direitos fundamentais consagrados pela
comunidade europeia cai por terra se observarmos que esta salvaguarda
se restringe ao campo formal, sendo que a realidade prática demonstra
reiteradas violações aos direitos dos sujeitos, especialmente os que se
encontram reclusos no sistema penitenciário.

criminal trials makes the direct application of human rights norms more diffi-
cult”, o autor destaca que “[c]o-operation can, therefore, bring abaout respon-
sibility for the acts of others”, justamente como foi decidido no Caso Soering.
135
RODRIGUES, Anabela; MOTA, José Luís Lopes da. Para uma Política..., p. 50.

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Portanto, é possível concluir que o princípio do reconhecimento


mútuo encontra uma limitação intrínseca na obrigação que os Estados-
-Membros têm de zelar pelos direitos e garantias fundamentais, devendo
a probabilidade de tratamento ou pena cruel ou degradante do sujeito ser
considerado motivo suficiente para não execução do MDE, não obstante
a omissão expressa do legislador, sob pena de haver um desnivelamento
do binômio segurança-liberdade na comunidade europeia.
Pelo exposto neste estudo, sugere-se a aplicação de um juí-
zo de proporcionalidade pelas autoridades judiciárias de emissão e
execução, especialmente quando os fatos versarem sobre delitos de
menor potencial ofensivo ou forem cometidos sem violência, a fim
de evitar situações absurdas como a de Căldăraru, que foi condenado
pelo crime de condução de automóvel sem habilitação, e teve contra si
emitido um MDE para cumprir pena privativa de liberdade inferior a
dois anos em um sistema prisional decadente, que proporciona menos
de 2m² por pessoa.
Finaliza-se esta pesquisa com um pensamento de Beccaria, que
ainda no longínquo século XVIII alertava que “o rigor das penas deve
ser relativo ao estado atual da nação”, sendo necessárias “impressões
fortes e sensíveis para impressionar o espírito grosseiro de um povo que
sai do estado selvagem”, ao passo que quando “as almas se abrandam no
estado de sociedade” e “o homem se tornar mais sensível”, tais penas
deverão ser menos rigorosas136.
Este ensinamento secular ainda é extremamente pertinente,
devendo permear não somente discussões sobre a duração das penas,
mas também quanto a sua natureza e forma de execução, tencionan-
do a ressocialização mediante o respeito aos direitos humanos, e
evitando ao máximo tratamentos de caráter desumano ou cruel em
âmbito carcerário, conforme a (infeliz) realidade frequentemente
nos demonstra.

136
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hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-103050>. Acesso em 03 mai. 2018.

TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Soering contra Reino Unido.


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TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM. Varga e Outros contra


Hungria. Demandas n.º 14097/12, 45135/12, 73712/12, 34001/13, 44055/13 e
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https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.139 | 885

Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declara-


tion): os autores confirmam que não há conflitos de interesse
na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

▪▪ Vinicius Wildner Zambiasi: projeto e esboço inicial, coleta e


análise de dados, levantamento bibliográfico e jurispruden-
cial, redação, aprovação da versão final.

▪▪ Paloma Marita Cavol Klee: projeto e esboço inicial, levanta-


mento bibliográfico e jurisprudencial, revisão bibliográfica,
revisão crítica com contribuições substanciais e aprovação
da versão final.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divul-
gado anteriormente em outro meio e que futura republicação
somente se realizará com a indicação expressa da referência
desta publicação original; também atestam que não há plágio de
terceiros ou autoplágio.

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Dados do processo editorial


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 23/02/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
06/03/2018 ▪▪ Editor-associado: 1 (CRG)
▪▪ Avaliação 1: 19/03/2018 ▪▪ Revisores: 3
▪▪ Avaliação 2: 21/03/2018
▪▪ Avaliação 3: 22/04/2018
▪▪ Decisão editorial preliminar: 01/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções 1: 03/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 15/05/2018

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


ZAMBIASI, Vinícius W.; KLEE, Paloma M. C. A (possibilidade de) não execução do
mandado de detenção europeu fundamentada no tratamento ou pena cruel ou
degradante. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2,
p. 845-886, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.139

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Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 845-886, mai.-ago. 2018.
Crítica Científica

Scientific critic (reader’s letter)


Crítica científica de “Investigação criminal genética –
banco de perfis genéticos, fornecimento compulsório
de amostra biológica e prazo de armazenamento de
dados” - Apontamentos sobre a inconstitucionalidade
da Lei 12.654/2012

Scientific criticism of “DNA criminal investigation –


DNA database, mandatory DNA collection and time limit for data
retention” - Notes on the unconstitutionality of Law 12.654/2012

Rodrigo Grazinoli Garrido1


Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro/RJ
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/4027138006793482
https://orcid.org/0000-0002-6666-4008

Resumo: Esta crítica científica partiu do que foi proposto pelo ar-
tigo “Investigação criminal genética – banco de perfis genéticos,
fornecimento compulsório de amostra biológica e prazo de arma-
zenamento de dados”, na busca de oferecer evidências doutrinárias
e empíricas que permitissem ampliar o diálogo acadêmico sobre a
implantação do Banco Nacional de Perfis Genético (BNPG). Para
tanto, realizou-se pesquisa exploratória e qualitativa, desenvolvida a
partir de documentação da doutrina, trabalhos empíricos, julgados e
normas relacionadas ao banco brasileiro e congêneres estrangeiros.
É possível reconhecer a possibilidade do uso de referenciais diver-
sos do apresentado pelo artigo em comento e, assim, o alcance de
conclusões contrárias no que se refere, especialmente à ofensa ao
princípio nemo tenetur se detegere na aplicação da Lei 12.654/2012.
Além disso, limitações importantes quando à relação entre a redução

1
Pós-Doutor em Genética pela UFRJ; Mestre e Doutor em Ciências pela UFRJ e
UFRRJ, respectivamente; Jovem Cientista do Nosso Estado - FAPERJ; Professor
Adjunto FND-UFRJ e do PPGD-UCP; Perito Criminal IPPGF-PCERJ.

889
890 | Garrido, Rodrigo Grazinoli.

de taxas de crime e o incremento dos bancos de perfis genéticos


precisam ser enfatizadas.
Palavras-Chave: Lei 12.654/2012; DNA forense; constitucionalidade.

Abstract: This scientific criticism was based on what was proposed by


the article “DNA criminal investigation – DNA database, mandatory DNA
collection and time limit for data retention” - Notes on the unconstitutionality
of Law 12.654/2012”, in the search to offer doctrinal and empirical evidences
that allowed to expand the academic dialogue on the implantation of the
National Database of Genetic Profiles (BNPG). For that, we conducted
exploratory and qualitative research, developed from documentation of
doctrine, empirical work, judgments and rules related to the Brazilian
and foreign databases. It is possible to recognize the possibility of using
different references from the one presented by the article in question and,
thus, the scope of contrary conclusions, particularly regarding the offense
to the principle nemo tenetur is detegere in the application of Law 12,654
/ 2012. Furthermore, important limitations in relation to the reduction of
crime rates and the increase in DNA databases need to be emphasized.
Keywords: Law 12.654/2012; forensic DNA; constitutionality.

Introdução

O artigo “Investigação criminal genética – banco de perfis ge-


néticos, fornecimento compulsório de amostra biológica e prazo de
armazenamento de dados”, buscou lançar luz sobre tema atualíssimo no
contexto da persecução penal brasileira: a implantação do Banco Nacional
de Perfis Genéticos (BNPG).
O tema é tão importante que questionamentos sobre constitucio-
nalidade da doação obrigatória de DNA para a composição do BNPG pelos
condenados por crimes praticados, dolosamente, com violência de natureza
grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes hediondos, na forma do
art. 9º-A da Lei 12.654/2012, já alcançou o STF. Por meio do Recurso Ex-
traordinário nº 973.837, o assunto teve reconhecida sua repercussão geral.
Também a pesquisa científica sobre o tema deve buscar, neces-
sariamente, ir além da persecução penal, alcançando os limites de nossa

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Constituição na luta por resguardar direitos individuais e coletivos. Nesse


ponto, o artigo analisado apresentou significativo incremento após a ro-
dada de avaliação, sobretudo alargando a revisão da literatura nacional e
internacional em busca de apresentar as diferentes visões sobre o tema.
Isto deve ser pontuado, pois demonstra o papel do processo de revisão,
como momento indispensável não só para apontar problemas e, even-
tualmente, rejeitar o trabalho, mas para incrementar o diálogo acadêmico
e atuar ativamente no estabelecimento de uma obra que irá contribuir
com o desenvolvimento da área.
Contudo, o cerne da questão, a possível ofensa ao princípio
nemo tenetur se detegere, ao se aplicar a Lei 12.654/2012, em especial
seu art. 9º-A, ainda pode ser mais explorado. Além disso, faz-se neces-
sário enfatizar as limitações da relação entre bancos de perfis genéticos
e resolução de crimes e, por fim, apresentar normatizações do BNPG
que passaram despercebidas pelo artigo. Assim, por meio de pesquisa
exploratória e qualitativa, desenvolvida a partir de documentação indi-
reta de fontes secundárias, como livros e artigos, e primárias, oriundas
de leis, decretos e resoluções, buscou-se ampliar o diálogo acadêmico,
na proposta de revelar algumas opiniões que buscam complementar a
análise realizada pelo artigo.

1. P ossíveis reflexos do BNPG na S egurança P ública

Talvez uma das características que melhor representa os nossos


dias seja o medo do crime. Em uma complexa relação de causa e efeito, essa
realidade tem influenciado o que nos é apresentado pela mídia; o nosso
estilo de vida; a demanda por elaboração e aplicação de leis; e, de forma
geral, nossa saúde. A segurança pública e privada passou a ser pano de
fundo, virtualmente, de toda discussão (LEMES e GARRIDO, 2017, p. 218).
Dessa forma, não é de se estranhar que um dos pontos esco-
lhidos pelo artigo para justificar o estabelecimento do BNPG sejam as
estatísticas criminais e, mais especificamente, os índices de elucidação
de crimes de homicídios.
Não há dúvida de que os bancos de perfis genético estabelecem
uma nova forma de investigação, contribuindo para a resolução de crimes,

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892 | Garrido, Rodrigo Grazinoli.

sobretudo homicídios e estupros (GARRIDO e RODRIGUES, 2015, p. 96).


O artigo reconhece que a constituição e utilização dos bancos de perfis
genéticos para esse campo é coadjuvante. No entanto, estabelece que:

[...] o uso de informações e bancos de dados genéticos pode ser um


importante agente de mudança no panorama de impunidade em se
tratando de crimes violentos no Brasil [...]. A eficácia do sistema
de banco de perfis genéticos no Brasil dependerá, basicamente, da
sua alimentação com o maior número de perfis de DNA possível.
(SUXBERGER e FURTADO, 2018, p. 817)

Esta relação direta entre a constituição do banco e a redução da


criminalidade foi encontrada também na opinião de estudantes de Ensino
Médio e Superior que responderam a inquérito realizado por Garrido e
Winter (2017, p. 124). Contudo, tal percepção se perde, quando a mesma
pergunta é feita para profissionais, especialmente para aqueles da área do
Direito. Estes últimos parecem já ter percebido que a redução dos índices
de criminalidade depende de ações muito mais complexas, não podendo
se vincular exclusivamente aos resultados desses bancos. Na verdade, este
tipo de argumento serve muito bem à mídia e à demanda por leis ainda
mais gravosas (GARRIDO e WINTER, 2017, p. 124).
A forma de relacionar o BNPG com os níveis de criminalidade
utilizada pelo artigo segue o mesmo tratamento que a mídia de massa dá
ao tema, como observado por Garrido, Garrido e Winter (2018, p. 74).
Além de enfatizar a relação direta entre a constituição dos bancos de
perfis genéticos e a redução da criminalidade, a mídia enfatiza propostas
de antecipação do risco e de aumento da punibilidade. Em continuação, a
mídia ainda aproveita para transmitir uma representação fantasiosa, com
certas abordagens cinematográficas, do trabalho do perito e da utilização
do BNPG. Por fim, ao enfatizar tal agenda, a mídia a faz em detrimento de
outra função importante do BNPG, seu uso na localização de paradeiro.
O tamanho do banco parece também não se relacionar direta-
mente à taxa de resolução de crimes. É claro que uma análise matemática
simples permitiria reconhecer que em países como o Brasil, em que o
banco de perfis genéticos com fins criminais ainda está sendo cons-
tituído, haverá um incremento inicial, pois qualquer resultado obtido
desta relação será inédito. Contudo, naqueles países em que os bancos

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já estão bem estabelecidos, como UK, o desempenho do banco não está


necessariamente relacionado ao seu tamanho (WALLACE, 2008, p. S29;
SANTOS, MACHADO e SILVA, 2013, p. 7).
O perigo é que a ênfase nesta relação fortalece uma visão an-
tecipatória de risco, e, por isso, necessariamente discriminatória, e o
clamor, cada vez mais evidente, pelo rápido incrementado dos bancos.
Para tanto, é comum a flexibilização das normas que determinam os gru-
pos de doadores compulsórios ou daquelas que dizem respeito ao tempo
de manutenção dos perfis no banco, ofendendo direitos fundamentais.
Diga-se de passagem, a lei brasileira não estabelece esse período
de manutenção do perfil obtido compulsoriamente através dos dispositivos
alterados da LEP pela Lei 12.654/2012. Além disso, vale ressaltar que o
depósito e cruzamento de dados genéticos de condenados, mantidos no
banco depois do cumprimento das penas, gerou, em 2008, a condenação
do Reino Unido pela Corte Europeia de Direitos Humanos no caso S. and
Marper vs. The United Kingdom (UK, 2008).

2. A F alácia sobre a C oleta I ndolor e a C ooperação P assiva


do I nvestigado

No que se refere à coleta do material biológico, do ponto de vista


técnico, há que se deixar claro que a obtenção de sangue, seja venoso, com
uso de seringa e agulha, ou capilar, por meio de lanceta ou caneta usada
na determinação de glicemia, está praticamente abolido dos laboratórios
de DNA forense. Também não é rotineiro a obtenção de fragmento de
unha para referência de vivos colhida por laboratórios forenses, como
suscitado pelo artigo. Os fragmentos de unha até são utilizados como
evidências questionadas nos casos de suspeita de o doador ter arranhado
uma vítima. Atualmente, o uso do suabe oral, que busca células da mucosa
da boca é o mais utilizado.
Por lógico, é possível acompanhar o artigo quando considera ser
o suabe oral um método fisicamente indolor. Todavia, não é possível o
mesmo reconhecimento para a punção venosa ou a lancetação dactilar,
p.ex. Todavia, o mais complexo não é a determinação do nível de dor,
mas o papel do doador nessas coletas e, assim, o nível da intervenção
em seus corpos.

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894 | Garrido, Rodrigo Grazinoli.

Não parece possível assumir sem crítica a posição do artigo quanto


à passividade do doador. Na verdade, nenhum método de obtenção de
amostra biológica, dependente apenas da “cooperação passiva do doador”.
Exemplo desta posição foi dado por Nicolitt e Wehrs (2015, p. 144).
Estes autores consideram mesmo a coleta de suabe oral uma intervenção
corporal, pois há ingerência sobre o corpo vivo da pessoa humana e a
afetação de direitos fundamentais. Para estes autores as intervenções
podem ser: 1) consentidas e não consentidas; 2) invasivas e não invasivas.
Na verdade, se analisado de forma ampla, torna-se difícil fazer
valer a demanda de uso de método indolor do art. 9º-A da lei 12.652/2012.
Algumas perspectivas foram dadas pela Resolução nº 3 do Comitê Ges-
tor do Banco Nacional de Perfis Genéticos, quando se estabeleceu que
na recusa da doação o procedimento não deve ser realizado. Todavia, o
artigo em crítica desconhece as resoluções do comitê gestor e estabelece
que “se não quiser cooperar; neste caso, estará optando pela adoção de
outro método pelo profissional que estiver cumprindo a decisão judicial”
(SUXBERGER e FURTADO, 2018, p. 828).
Ademais, o artigo não faz menção ao Decreto nº 7.950/2013,
que institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de
Bancos de Perfis Genéticos e, assim, o Comitê Gestor da Rede Integrada de
Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), o qual publica estas Resoluções.
Na verdade, a posição contrária ao artigo, de que deve haver
restrições à coleta obrigatória, sem consentimento, mesmo que por
meio de suabe oral, advém de dados empíricos. Em Garrido e Garrido
(2013, p. 302), é possível observar que alguns doadores, recusavam-se
a abrir a boca para a realização do procedimento de coleta da mucosa,
preferindo doar sangue. Assim, não é tão simples reconhecer o que “dói”
em uma pessoa, principalmente quando se relaciona a algumas partes
do corpo que podem significar mais do que objetivamente podemos
notar externamente.
Esse é o caso da boca. Alves (2012, p. 84) nos diz que a palavra
boca está rotineiramente relacionada a situações ou expressões que se
relacionam a mistério, desejo, sentimento, intenção, segredo. Esse autor
continua, considerando que a boca é o lugar de satisfação não só das
necessidades alimentares, mas sexuais, como entendido por Freud. As-
sim, para alguns, abrir a boca e permitir que se passe um suabe pode ser

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 889-900, mai.-ago. 2018.
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equiparada ao ato de apresentar a genitália. Além disso, há a vergonha


em apresentar uma boca doente, o que certamente não seria incomum
para uma população em que o acesso ao atendimento odontológico tem
se restringido a situações de emergência e com serviços mutiladores
(SPEZZIA, CARVALHEIRO e TRINDADE, 2015, p. 109).
Vale destacar também que mesmo que se estabeleça um processo
de consentimento por parte do doador, este deve ser considerado com
muita cautela, pois a situação policial parece infantilizar os doadores
que, na maioria das vezes, são pessoas já fragilizadas tanto pela vida,
quanto pela situação em que estão envolvidos. Também de forma
empírica, constatou-se que muitos doadores de material biológico no
Instituto de Pesquisa e Perícias em Genética Forense da Polícia Civil
do Estado do Rio de Janeiro, sequer liam os termos e pouco compreen-
diam do mesmo. Consentiam, pois não viam outra saída (GARRIDO
e GARRIDO, 2013, p. 303). Assim, quando são capazes de expressar
autônoma e completamente sua decisão em doar, o ato de dispor do
seu corpo nunca é passivo.
Assim, justificar que não há agressão ao princípio de nemo tenetur
se detegere, “[...] quando o Estado obriga o investigado ou condenado
a colaborar passivamente, simplesmente não resistindo ao ato legal de
retirada da sua amostra biológica de maneira adequada e indolor (como
no caso da coleta de unha ou sangue)” (SUXBERGER e FURTADO, 2018,
p. 836), não parece ter sustentação tão simples.

3. I dentificação ou P rodução de P rova: o uso do BNPG

Também, não parece viável sustentar que o BNPG “se trata de


mero procedimento de classificação do condenado para dar início ao
cumprimento da pena” (SUXBERGER e FURTADO, 2018, p. 830), de
modo que o uso do banco teria função meramente identificadora e não de
produção de prova, não ofendendo o princípio da não autoincriminação.
O próprio artigo, em crítica, mostra o interesse probatório dos
perfis genéticos, quando menciona em suas conclusões que:

Se a retenção da informação genética tiver como supedâneo a LEP


(art. 9º-A), o perfil genético do sentenciado deverá permanecer

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 889-900, mai.-ago. 2018.
896 | Garrido, Rodrigo Grazinoli.

no banco de dados pelo prazo prescricional do crime pelo qual


condenado (aplicação analógica do art. 7º-A da Lei de Identificação
Criminal). Como forma de atender ao interesse público de proteção
da coletividade contra a reincidência, em vez de se utilizar a pena
em concreto como parâmetro para a fixação desse prazo, como é
da tradição brasileira após o trânsito em julgado da sentença para a
acusação, mais adequado se mostra usar o prazo prescricional pela
pena em abstrato, como literalmente se dessume do referido art.
7º-A da Lei 12.037/2009. (SUXBERGER e FURTADO, 2018, p. 837)

De imediato, vale destacar as palavras de André Nicolitt e Carlos


Wehrs, quando reconhecem que a nova lei introduziria “aparato cientí-
fico probante, a nosso ver travestido de forma de identificação” (2014,
p. 135). A mesma percepção tem Maria Elizabeth Queijo, reconhecendo
que a utilização do banco de perfis genéticos tem a pretensão de com-
provar autoria/participação em delito, sendo a finalidade “inegavelmente
probatória” (2013, p. 14).
Tecnicamente, a lei 12.654/2012 coloca em pé de igualdade o
método de identificação por DNA e métodos clássicos de identificação
criminal, como fotografia e papiloscopia. Contudo, “[...] a prova genética,
alcançou posição de destaque nas varas criminais e de família, tornando-se
um recurso ‘irresistível e imperioso’ e deixando de ser meio complementar
de prova para fundamentar as decisões dos magistrados” (GARRIDO e
RODRIGUES, 2015, p. 101).
Além disso, o poder de ferir a intimidade, a privacidade e de
intervir no corpo do doador é, virtualmente, ilimitada, quando se fala em
Biologia Molecular (CUNHA e SCHIOCCHET, 2018, p. 134). A perda da
privacidade, por sua vez, parece estar entre as maiores preocupações de
parcela da população portuguesa e brasileira, quando se fala em uso de
seu material genético mantido em bancos de dados como fins criminais
(MACHADO e SILVA, 2013, p. 134; GARRIDO e WINTER, 2017, p. 122).
Não há espaço para aprofundar aqui o assunto, mas é preciso
ficar claro que na ausência de um banco universalizado para identifi-
cação civil, não é possível o uso de amostras colhidas de um brasileiro
para se confirmar sua identidade, senão por comparação com amostras
familiares. No que se refere ao “familial searching”, não regulamentado
no Brasil, haveria ainda implicações nitidamente inconstitucionais, pois

Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, p. 889-900, mai.-ago. 2018.
https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.163 | 897

o perfil coletado dos condenados poderia ser utilizado para identificar


familiares e vice-versa, ultrapassando a pessoalidade da pena.
É claro que toda a discussão entre uso do DNA para a identificação
ou para a produção de prova, isto é, para a comparação com como evi-
dências de crime, acaba por retornar à problemática de o banco de perfis
genéticos agredir às garantias do Pacto de São José da Costa Rica, no que
se refere à não autoincriminação. Por outro lado, se houver o consenti-
mento do doador, de forma livre de vícios e esclarecido, expressão real
de sua autonomia, não há o que se falar em lesão à direitos fundamentais
(GARRIDO e GARRIDO, 2013, p. 300). Essa deveria ser a forma de coleta
no contexto da identificação criminal, na hipótese do inciso IV do art. 3º
da Lei 12.037/2009, podendo inclusive ser de interesse da defesa.

Considerações F inais
Dentro dos limites de uma crítica científica e considerando as
questões observadas, relacionadas à coleta obrigatória do material biológi-
co, a determinação do perfil genético e seu armazenamento em banco de
dados que servirá necessariamente para a produção de prova, é forçoso
concluir diversamente do artigo analisado.
Tal tecnologia aplicada à persecução penal fere direitos fundamen-
tais, mormente o de não autoincriminação e de privacidade, consagrados
internacionalmente e em nossa Constituição Federal de 1988. Ademais,
afeta a presunção de inocência, e, em virtude da carência de termo certo
para a exclusão do perfil coletado de forma compulsória, “assemelhando-se
a uma espécie de pena privativa de direitos de caráter perpétuo que não
respeita o princípio da individualização da pena” (TAVARES, GARRIDO
e SANTORO, 2016 p. 216-217).
Reconhece-se de toda forma, o papel da pesquisa para o desenvol-
vimento do tema e como forma de estimular outros ensaios inéditos sobre
o assunto, seria interessante aproveitar a oportunidade para deixar uma
série de questões que merecem aprofundamento, tais como: as limitações
econômicas para a implantação BNPG; as relações entre as instituições de
perícia oficial, administração penitenciária e justiça no que tange a gestão do
BNPG; análises empíricas sobre os sujeitos doadores de material genético;
possibilidade de uso do banco para pesquisa familiar; contradições existentes

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entre os atores que gerenciam o comitê gestor e a Rede Integrada de Bancos


de Perfis Genéticos; os interesses de grandes corporações fornecedoras
de reagentes e equipamentos para as análises genéticas e seus papeis nas
decisões sobre o BNPG; controle de qualidade dos laboratórios vinculados
ao Banco Nacional de Perfis Genéticos e a cadeia de custódia da prova.

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Informações adicionais e declarações dos autores


(integridade científica)

Agradecimentos (acknowledgement): À FAPERJ, pela bolsa JCNE e


ao Prof. Dr. Antonio Eduardo Ramires Santoro, pelas discussões
valorosas sobre o tema.

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration):


o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização
das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

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Declaração de autoria e especificação das contribuições (declara-


tion of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os
requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores;
todos os coautores se responsabilizam integralmente por este
trabalho em sua totalidade.

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality):


o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divulgado an-
teriormente em outro meio e que futura republicação somente se
realizará com a indicação expressa da referência desta publicação
original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

Dados do processo editorial – crítica científica


(http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/about/editorialPolicies)

▪▪ Recebido em: 06/05/2018 Equipe editorial envolvida


▪▪ Controle preliminar e verificação de plágio: ▪▪ Editor-chefe: 1 (VGV)
09/05/2018
▪▪ Retorno rodada de correções: 10/05/2018
▪▪ Decisão editorial final: 20/05/2018

COMO CITAR ESTA CRÍTICA CIENTÍFICA:


GARRIDO, Rodrigo Grazinoli. Crítica científica de “Investigação criminal genética –
banco de perfis genéticos, fornecimento compulsório de amostra biológica e prazo
de armazenamento de dados” - Apontamentos sobre a inconstitucionalidade da Lei
12.654/2012. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 2,
p. 889-900, mai./ago. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i2.163

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