Lisboa 2022

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RICA – v. 6, n.

10, 2022
Revista Interdisciplinar de Ciência Aplicada
ISSN: 2525-3824

Relação entre incidência de casos de arboviroses e a pandemia da Covid-19


Thiago Rodrigues Lisboa ([email protected])
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Isak Batista Medeiros Serafim ([email protected])


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Jessica Caroline Medeiros Serafim ([email protected])


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Ayla Campanha Ramos ([email protected])


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Renan Monteiro do Nascimento ([email protected])


Universidade de Brasília (UnB)

Márcia Nunes Bandeira Roner ([email protected])


Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

DOI: 10.18226/25253824.v6.n10.04

Submetido em: 22/10/2021 Revisado em: 27/01/2022 Aceito em: 22/02/2022


Resumo: O objetivo do presente estudo foi analisar de forma descritiva o comportamento dos dados epidemiológicos da dengue, zika e chikungunya no Brasil
no período entre 2018 e 2020, visando a entender como a pandemia da Covid-19 pode ter influenciado nas notificações dessas arboviroses. Trata-se de um estudo
quantitativo, de natureza aplicada, com o objetivo de descrever o comportamento epidemiológico dessas arboviroses no Brasil. Foram analisados os dados dos
Boletins Epidemiológicos publicados semanalmente pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. No ano de 2018 foi notificado o total de 265.458
casos prováveis de dengue, 118.777 casos prováveis de chikungunya e 19.548 casos prováveis de zika. No ano de 2019 foi notificado o total de 1.554.113 casos
prováveis de dengue, 178.147 casos prováveis de chikungunya e 30.500 casos prováveis de zika. Já no ano de 2020 foram 987.173 casos prováveis de dengue, 82.419
casos prováveis de chikungunya e 7.387 casos prováveis de zika. Com esses resultados obtidos e dos cortes por semana epidemiológica, foi observado que houve
uma redução nas notificações dos casos de arboviroses. A mobilização para identificação dos casos de Covid-19 corroborou com a hipótese de subnotificações das
arboviroses a partir do ano de 2020.

Palavras-Chave: Arboviroses; SARS-CoV-2; Covid-19; Notificação.

Abstract: The objective of the present study was to descriptively analyze the behavior of the epidemiological data of dengue, zika, and chikungunya in Brazil in the
period from 2018 to 2020, aiming to understand how the COVID-19 pandemic may have influenced the notifications of these arboviruses. This is a quantitative study,
of applied nature, with the objective of describing the epidemiological behavior of these arboviruses in Brazil. Data from the Epidemiological Bulletins published
weekly by the Secretariat of Health Surveillance of the Ministry of Health were analyzed. In the year 2018 a total of 265,458 probable cases of dengue, 118,777
probable cases of chikungunya and 19,548 probable cases of zika were notified. In the year 2019, a total of 1,554,113 probable cases of dengue, 178,147 probable
cases of chikungunya and 30,500 probable cases of zika were reported. In 2020, 987,173 probable cases of dengue, 82,419 probable cases of chikungunya, and 7,387
probable cases of zika were reported. With these results and the cuts per epidemiological week, it was observed that there was a reduction in the notifications of cases
of arboviruses. The mobilization to identify the cases of COVID-19 corroborated the hypothesis of underreporting of arboviruses starting in 2020.

Keywords: Arboviruses; SARS-CoV-2; Covid-19; Notification.

1. Introdução outros animais de sangue quente através da picada de artrópodes


hematófagos. Esses arbovírus pertencem a cinco famílias
Sendo um país de clima predominantemente tropical e
virais: Bunyaviridae, Togaviridae, Flaviviridae, Reoviridae e
possuindo uma vasta extensão territorial, o Brasil apresenta cerca
Rhabdoviridae [1].
de 8.500.00 km2, distribuídos em regiões como amazônica, litoral,
leste e sudeste, com ricos espaços florestais. A precariedade das
Dengue, zika e chikungunya são arboviroses transmitidas
condições sanitárias de algumas regiões, a migração populacional
pela picada do vetor, o mosquito Aedes aegypti, que representa
desordenada e o crescente desmatamento favorecem um ambiente
um dos principais problemas de saúde pública no Brasil devido ao
propício para o desenvolvimento e proliferação dos vetores de
seu eminente grau de morbidade e mortalidade. Como resultado
doenças no país, dessa forma, acarretando uma maior incidência
do aumento dos casos, temos como causadores relevantes as
de arboviroses [1].
mudanças climáticas, urbanização desordenada, precariedade
de saneamento básico, principalmente o abastecimento de água
Arbovírus são vírus transmitidos por artrópodes (Arthropod-
e a coleta de lixo [2].
borne vírus), assim designados não somente pela sua veiculação,
mas principalmente pelo fato de parte do seu ciclo replicativo
ocorrer nos insetos. São transmitidos aos seres humanos e

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As manifestações clínicas de dengue, zika e chikungunya importância do combate, prevenção e também quanto ao número
são semelhantes, podendo o indivíduo apresentar sinais e sintomas de casos [10].
como febre, cefaleia, náuseas, vômitos, diarreia e mialgias. Outros
indivíduos apresentam também fadiga, mal-estar e exantemas [3]. Diante desse contexto, a pesquisa teve o objetivo de analisar
de forma descritiva o comportamento dos dados epidemiológicos
A incidência notificada e as complicações causadas pelos de dengue, zika e chikungunya no Brasil no período entre 2018
vírus vêm sucessivamente aumentando no Brasil, se concentrando e 2020, visando a entender como a pandemia da Covid-19 pode
em várias regiões do país de forma endêmica [4], devido aos ter influenciado nas notificações dessas arboviroses.
períodos de chuvas constantes e ações insuficientes de combate
ao vetor nos primeiros meses do ano, o que acarreta o maior 2. Metodologia
índice de casos entre os meses de março e junho, com propensão
Trata-se de estudo quantitativo, de natureza aplicada, com
de aumentar a cada ano [5].
objetivo de descrever os fenômenos observados a partir dos dados
coletados. Foi realizado estudo documental do comportamento
É importante ressaltar que as zoonoses emergentes ou
epidemiológico de dengue, zika e chikungunya no Brasil, no
reemergentes são, respectivamente, doenças novas (exóticas),
período entre 2018 e 2020.
e aquelas que reaparecem após período de declínio relevante
ou com risco de aumento no futuro próximo, promovendo
Analisaram-se os dados das arboviroses, utilizando-se
considerável impacto sobre o ser humano, devido à sua gravidade
os Boletins Epidemiológicos publicados semanalmente pela
e à potencialidade de deixar sequelas e morte [6].
Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (https://
www.gov.br/saude/pt-br/) e também os dados disponibilizados
Concomitantemente, tem-se os vírus que não são arbovírus,
pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)
mas que se enquadram como vírus zoonóticos, como, por exemplo,
(https://portalsinan.saude.gov.br/).
o SARS-CoV-2, causador da doença Covid-19, adequando-se ao
conceito de uma zoonose emergente [7].
Referente ao número absoluto de casos confirmados da
Covid-19, foi utilizada a plataforma governamental “Coronavírus
O vírus tornou-se mais conhecido em dezembro de 2019,
Brasil” (https://covid.saude.gov.br/) do Ministério da Saúde.
quando vários casos de infecção respiratória vinham ocorrendo
na cidade de Wuhan, na China. Após investigações, descobriram
Inicialmente, foi realizada uma análise dos casos notificados
ser causado por um vírus da família Coronaviridae, nomeado de
de arboviroses precedente a 2020, a fim de identificar padrões
Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-
na curva, casos-tempo até o ano de 2018 e, posteriormente,
CoV-2). Assim, a doença causada pelo Coronavírus 2019
comparada com a evolução das notificações das arboviroses
(Covid-19) se espalhou por toda a China, seguindo para outros
em 2020. Após tabulação dos dados temporais das arboviroses
continentes, sendo classificada como pandemia em 11 de março
analisadas, foi sobreposta a análise dos casos confirmados de
de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) [8].
infecção pelo SARS-CoV-2.
O número de casos confirmados da doença no mundo era
Em seguida, realizou-se uma discussão com as referências
de 81.540.567 e 1.800.300 mortes, até o dia 31 de dezembro de
teóricas para compreensão dos fenômenos apresentados pelas
2020. No Brasil, o registro era de 7.563.551 casos confirmados
informações, realizando uma revisão narrativa da literatura e
e 192.681 mortes até a mesma data [9].
análise bibliográfica não sistemática. A revisão da literatura na
modalidade narrativa é também conhecida como tradicional,
Com esses dados, observa-se que, além de dengue, zika e
costuma apresentar uma temática aberta e uma questão de
chikungunya, o Brasil vem enfrentando a pandemia da Covid-19,
pesquisa não sistematizada, o que não exige o empenho de um
com alta demanda de recursos públicos, principalmente humanos,
protocolo rígido para sua confecção, de modo que a busca das
para notificação dos casos e atenção ao enfrentamento, devido
fontes não é obrigatoriamente predeterminada e específica [11].
à rápida taxa de contágio e alta letalidade da doença. Em
contrapartida, os casos de arboviroses também requerem atenção
A revisão não sistemática da literatura se baseia em
e notificação junto aos órgãos públicos, devido à importância das
publicações amplas. É apropriada para descrever e discutir
informações na construção de políticas públicas eficazes para a
o desenvolvimento de um dado assunto sob uma perspectiva
diminuição dos casos.
teórica ou contextual, utilizando-se de fontes de informações
bibliográficas ou eletrônicas com o intuito de fundamentar
Outrossim, as informações compatíveis com a realidade dos
teoricamente um determinado objetivo. Nela, faz-se uma análise
casos dos indivíduos infectados pela dengue, zika e chikungunya
da literatura a partir da interpretação e apreciação crítica dos
permite que as autoridades de saúde possam implementar
autores [12].
estratégias eficazes para a sensibilização da população quanto à

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As informações levantadas foram sistematizadas em no qual geralmente ocorre aumento nos números de notificações
um banco de dados, organizadas em gráficos pelo programa dos casos de arboviroses. Após a SE 11, há uma rápida queda nas
Excel. Através dessas informações norteadoras, os dados foram notificações. E nas semanas seguintes a incidência fica oscilando
analisados e discutidos. com picos menores (Figura 3), demonstrando comportamento
insólito em relação aos anos anteriores. Se avaliarmos como
3. Resultados parâmetro as notificações dos anos anteriores, veremos que há
um crescimento contínuo com pouca variação, demonstrando um
A análise cronológica dos dados permitiu inferir que foram
comportamento cíclico das arboviroses transmitidas por Aedes
notificados no ano de 2018 o total de 265.458 casos prováveis
aegypti.
de dengue, 118.777 casos prováveis de chikungunya e 19.548
casos prováveis de zika [13]. No ano de 2019 foram notificados
o total de 1.554.113 casos prováveis de dengue, 178.147 casos
prováveis de chikungunya e 30.500 casos prováveis de zika [14].
Já no ano de 2020, foram 987.173 casos prováveis de dengue,
82.419 casos prováveis de chikungunya e 7.387 casos prováveis
de zika [15,16].

Examinando de forma cumulativa, nos anos de 2018, 2019


e 2020, até a Semana Epidemiológica (SE) 11, houve redução dos
casos de chikungunya de 32.008 em 2018 para 11.453 em 2020;
de igual modo ocorreu com os casos de zika, que reduziram de
5.587 para 1.395 casos prováveis. Já nos casos de dengue, no
mesmo período, houve aumento considerável, no qual foram
notificados 65.098, 295.769 e 390.684 casos, respectivamente,
entre os mesmos anos [9,16].

No ano de 2019, observa-se um significativo número de


casos de arboviroses em relação a 2018. Em contrapartida, em
2020 houve significativo decréscimo nas notificações no decorrer
Figura 1. Casos de arboviroses notificados, anos de 2018, 2019, 2020.
do ano. Consequentemente, ao final das semanas epidemiológicas, Fonte: Adaptado de Brasil [4,13-16].
2019 teve o total de 1.762.760 casos notificados, enquanto que
2020 apresentou 1.069.592 casos, uma redução de 39% no número
de notificações. Essa redução se apresenta expressiva nos dados
relacionados à dengue, conforme o comportamento no gráfico
(Figura 1).

Entretanto, se for feito um corte no primeiro trimestre de


2020, percebe-se que nas primeiras semanas do ano, até a SE 11, a
quantidade de casos de arboviroses acumulada superou a dos anos
anteriores no mesmo período, apontando aumento substancial de
291% relacionado ao ano de 2018 e 16% relacionado ao ano de
2019 (Figura 2).

Do mesmo modo, a distribuição dos casos de arboviroses


por semanas epidemiológicas mostrou que a curva epidêmica
de 2020 ultrapassou a média 2018-2019 na SE 5, explicitando
a tendência de crescimento durante o decorrer do ano (Figura
Figura 2. Incidência de arboviroses e Covid-19, nos anos de 2018,
2). Mas, logo em seguida, a partir da SE 11, inicia o declínio da 2019 e 2020.
curva epidemiológica na média do número de novos casos de Fonte: Adaptado de Brasil [4,9,13-16].
arboviroses notificados (Figura 3). Essa redução coincide com a
SE em que a OMS declara a pandemia da Covid-19, com registro
de 102 casos notificados no Brasil nesse mesmo período [8,9,16]. 4. Discussão
A Covid-19 provém de uma nova cepa viral da família
Essa queda abrupta da incidência dos casos de arboviroses
Coronaviridae (SARS-CoV-2), que ocasionava infecções
fica mais evidente quando se avalia entre a SE 11 e a SE 19, período
inicialmente em animais e tornou-se relevante por passar a causar

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infecções em humanos [19]. Os primeiros casos dessa nova respiratórias ou aerossóis contendo vírus. Quanto aos sintomas, há
doença ocorreram na cidade de Wuhan, na República Popular uma gama de variações gradativas entre quadros assintomáticos
da China, e foram reportados no dia 31 de dezembro de 2019 à até críticos, o que torna difícil a identificação dos casos com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), que foi notificada acerca finalidade de evitar a propagação da transmissão comunitária
de vários casos incomuns de uma pneumonia. No dia 7 de janeiro sustentada da doença [22].
de 2020, foi identificado que os casos reportados se deviam a
uma nova variante de um agente patológico viral que faz parte Já a dengue é uma doença febril considerada grave causada
da família de vírus evidenciada em 1965, os Coronavírus (CoV), por um arbovírus. Não existe faixa etária suscetível, porém os
cuja denominação se deve ao fato de sua imagem microscópica idosos têm uma maior probabilidade de gerar sintomas graves e
se assemelhar a uma coroa. O novo vírus foi reconhecido como complicações que podem levar à morte, tendo um aumento da
SARS-CoV-2 e passou a ser popularmente conhecido como “novo gravidade quando possuem alguma doença crônica, como diabetes
coronavírus” [20,21]. e hipertensão, mesmo quando tratada. A doença causada pelo
vírus Zika apresenta risco mais alto que outras arboviroses, pois
podem ocorrer “...complicações neurológicas, como encefalites,
síndrome de Guillain-Barré, microcefalia e outras doenças
neurológicas...” [23]. Tendo como sintomas manchas no corpo,
olhos vermelhos, podendo causar febre baixa, dores pelo corpo e
nas articulações, também de pequena intensidade. A infecção por
chikungunya se inicia com febre, dor de cabeça, mal-estar, dores
pelo corpo, em geral, e quadro álgico elevado nas articulações.
Pode durar 15 dias e curar espontaneamente, ou pode desenvolver
o quadro crônico [23].

No Brasil, devido à mobilização nacional para o


enfrentamento à já anunciada pandemia, as equipes de vigilância
epidemiológica estaduais tiveram que concentrar os seus esforços
na identificação dos casos de Covid-19, corroborando com a
hipótese de subnotificações das arboviroses a partir desse período
pandêmico.

Algumas das medidas tomadas pelo Ministério da Saúde


Figura 3. Casos de arboviroses notificados até SE 12 dos anos de 2018, com o intuito de diminuir a transmissão do novo Coronavírus na
2019 e 2020. população brasileira podem ter interferido na subnotificação das
Fonte: Adaptado de Brasil [4,13-16]. arboviroses. Pode-se citar a recomendação para que os Agentes
de Combate a Endemias (ACE), responsáveis pelas ações de
O novo coronavírus espalhou-se internacionalmente vigilância e controle de zoonoses, tomassem medidas de cuidados,
de maneira rápida. Tanto em virtude da cidade de Wuhan ser evitando adentrar em algumas residências para inspeção, como
um grande centro industrial chinês e estar conectada a outras era rotina. Além da suspensão por tempo predeterminado da
várias cidades por trens expressos, estradas, e por possuir um fiscalização realizada pelos agentes para eliminação dos criadouros
aeroporto internacional, quanto em virtude do contexto atual de do vetor das arboviroses de alguns domicílios, o afastamento das
globalização. Assim, o vírus que se disseminou rapidamente pela atividades dos ACE com pessoas com sintomas gripais são fatores
China logo atingiu outros países do continente asiático, chegando que poderiam ter dificultado as ações efetivas ao combate do
rapidamente ao continente europeu. No continente americano, o Aedes aegypti [17].
primeiro caso ocorreu no dia 21 de janeiro de 2020, nos Estados
Unidos, e a América Latina teve seu primeiro caso confirmado As visitas domiciliares realizadas pelos ACE às residências
no Brasil, no dia 26 de fevereiro de 2020. No dia 11 de março de visa também a orientar a população para a prevenção das
2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o planeta arboviroses. O grande diferencial dessa ação é a interação com a
estava enfrentando uma pandemia, ou seja, uma situação que população com intuito de promover uma construção coletiva do
caracteriza uma emergência de saúde pública de importância conhecimento e da solução da problemática advinda da doença
internacional [20]. [24]. No entanto, o princípio da pandemia e a interrupção das
visitas podem ter acarretado a falta de orientação e até mesmo
Sabe-se que o principal meio de transmissão da Covid-19 o esquecimento quanto às medidas adotadas para prevenção e
atualmente se dá de pessoa a pessoa. A transmissão pode se dar controle das arboviroses. Conforme os autores, a participação da
pelo contato direto ou indireto com alguém infectado pelo novo população é fundamental na vigilância e controle do vetor, não
coronavírus, seja sintomático ou assintomático, por gotículas

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somente para evitar o adoecimento, mas pela participação efetiva precisos para a construção de políticas públicas e atividades
e responsável nas ações de prevenção. efetivas de importância para da saúde pública.

De igual modo, o fato de as pessoas permanecerem em Por isso, é necessário que os casos retornem a ser notificados
casa para manterem o distanciamento social pode ter aumentado de forma adequada para que os órgãos competentes possam utilizar
a exposição ao vetor e, consequentemente, a transmissão das esses marcadores epidemiológicos de doenças/agravos/eventos
arboviroses, já que seus ovos são depositados em recipientes de maneira mais precisa e, a partir disso, sejam implementadas
com água, como vasos, vasilhames, caixas, reservatórios sem medidas de promoção, proteção e controle em saúde mais
coberturas e/ou tampas, embalagens e outros recipientes que eficientes, a fim de fortalecer a ação multiprofissional, na qual
possam acumular água [5]. No entanto, podemos acrescentar que atuam médicos, enfermeiros, biomédicos e outros profissionais
a orientação de limpeza nesses ambientes realizada pelos ACE de saúde da atenção primária.
poderia levar a uma diminuição da transmissão através do vetor.
Por fim, é importante ressaltar a importância do
A produção e o descarte irregular de lixo são outros fatores desenvolvimento de outros trabalhos que se aprofundem na
que colaboram com a proliferação do mosquito Aedes aegypti e dinâmica epidemiológica que envolve as arboviroses e suas
são considerados os principais criadouros dos mosquitos [18]. relações com outras doenças infecciosas, em especial a relação
Sabe-se que ocorreu aumento considerável de descarte, após as entre a dengue e a Covid-19, reforçando pontos que não foram
medidas restritivas por conta da Covid-19, tanto de luvas de látex abordados neste trabalho e que seriam fundamentais para a análise
e vinil, quanto de máscaras descartáveis e frascos para álcool em da gravidade desses eventos de interesse de saúde pública.
gel a 70%, devido ao aumento da permanência dos moradores
nas suas residências. Com o avanço da pandemia, o descarte 5. Conclusão
inadequado de materiais contaminados e a falta de coleta têm
Mediante os dados apresentados neste trabalho, conclui-
como resultado mais lixo produzido, intensificando os locais para
se que a dinâmica natural das arboviroses não condiz com os
criadouros dos vetores de doenças [5,18].
números e com as notificações apresentadas. A análise desse
estudo em conjunto com outros trabalhos contribui com a hipótese
Outro estudo também identificou a subnotificação da
da ocorrência de subnotificação nos casos de arboviroses no Brasil
dengue [5], verificando uma mudança de comportamento dos
no ano de 2020.
dados epidemiológicos da doença para o ano de 2020, apontando
a hipótese de subnotificação dos casos de arboviroses, ao
6. Referências
relatarem uma queda substancial de notificações entre SE 01 e
SE 34. No estado do Piauí, outro estudo [10] detectou a hipótese [1] Lopes, N., Nozawa, C., & Linhares, R. E. C. (2014).
de subnotificação nos casos de dengue, observando apenas os Características gerais e epidemiologia dos arbovírus
coeficientes de incidência. emergentes no Brasil. Revista Pan-Amazônica de Saúde. 5 (3),
55-64.
Diante do contexto, evidencia-se a importância de analisar
as alterações insólitas das notificações de arboviroses em 2020 [2] Oliveira, F. L., Dias, M. A. S. (2016). Situação
relacionadas à pandemia do vírus SARS-CoV-2. Com isso, esse epidemiológica da dengue, chikungunya e zika no estado do
trabalho corrobora a hipótese de que as subnotificações ocorrem RN: uma abordagem necessária. Revista Humano Ser. 1 (1),
devido à maior demanda de recursos, principalmente humanos, 64-85.
exigida pela pandemia da Covid-19.
[3] Campos, J. M., Oliveira, D. M., & Freitas, E. J. A., Campos
Vale ressaltar que a subnotificação de doenças importantes, Neto. A. (2018). Arboviroses de importância epidemiológica
como as arboviroses, se apresenta como uma distorção da no Brasil. Revista de Ciências da Saúde Básica e Aplicada, 1,
realidade de casos no país, podendo assim causar uma diminuição 36-48.
equivocada da percepção da gravidade, ou seja, os dados
apresentados estão mais distantes dos casos reais do país. [4] Brasil. Ministério da Saúde (2020). Secretaria de Vigilância
em Saúde. Monitoramento dos casos de arboviroses urbanas
A condição de subnotificação apresentada neste artigo transmitidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e zika),
ressalta a importância das notificações frente à construção de semanas epidemiológicas 1 a 46, 2020. Brasília: Ministério da
ações de políticas públicas para o combate às arboviroses e Saúde; Boletim Epidemiológico; 2020; 51(48). [acesso em: 10
outras doenças. É uma condição indispensável à abordagem de jan. 2021]. Retirado de: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/
dados próximos da realidade para o desenvolvimento de ações pdf/2020/dezembro/11/boletim_epidemiologico_svs_48.pdf.
efetivas na diminuição de moléstias na sociedade. Só diante dessas
condições poderemos utilizar marcadores epidemiológicos mais [5] Leandro, C.S., Barros, F.B., Cândido, E. L., Azevedo, F.
R. (2020) Reduction of dengue incidence in Brazil in 2020:

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control or sub notification of cases due to Covid-19? Research, [15] Brasil. Ministério da Saúde (2020). Secretaria de
Society and Development, 9 (11). Retirado de: http://dx.doi. Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de arboviroses
org/10.33448/rsd-v9i11.10442 urbanas causados por vírus transmitidos por Aedes (dengue,
chikungunya e zika), Semanas Epidemiológicas 1 a 53, 2020;
[6] Brasil. Ministério da Saúde (2016). Secretaria de 2021. Boletim Epidemiológico 52 (3). Brasília: Ministério da
Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Saúde; 2020. [acesso em: 16 fev. 2021]. Retirado de: https://
Transmissíveis. Manual de vigilância, prevenção e controle de www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/fevereiro/01/boletim_
zoonoses: normas técnicas e operacionais. Brasília: Ministério epidemiologico_svs_3.pdf.
da Saúde; 2016. [acesso em: 10 jan. 2021]. Retirado de: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_ [16] Brasil. Ministério da Saúde (2021). Banco de dados do
prevencao_controle_zoonoses.pdf. Sistema Único de Saúde (DATASUS); 2021. [acesso em:
16 fev. 2021]. Retirado de: http://www2.datasus.gov.br/
[7] Freitas, K., Silveira, R., Barbosa, A.(2020) Saúde Única DATASUS/index.php?area=0203&id=29878153.
e Covid-19: Revisão sobre o potencial dos animais como
reservatórios do vírus. Veterinária e Zootecnia; 27 (1), 1-7. [17] Brasil. Ministério da Saúde (2020). Secretaria de Vigilância
ISSN Eletrônico 2178-3764. em Saúde. Nota Informativa nº 8/2020. Recomendações aos
Agentes de Combate a Endemias (ACE) para adequação das
[8] Pan American Health Organization / World Health ações de vigilância e controle de zoonoses frente à atual situação
Organization. Folha Informativa Covid-19. Fev 2021 [acesso em: epidemiológica referente ao Coronavírus (Covid-19). Brasília:
05 fev. 2021]. Retirado de: https://www.paho.org/pt/covid19. Ministério da Saúde; 2020. [acesso em: 16 fev. 2021]. Retirado
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covid.saude.gov.br. [18] Brasil. Ministério da Saúde (2014). Lixo é o principal
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[10] Mascarenhas, M. D. M., Batista, F. M. A., Rodrigues, Oeste e Sul. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Retirado
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