Camaiurás 2
Camaiurás 2
Camaiurás 2
Nasceu
com os primeiros registros visuais do território, da natureza e dos povos nativos
brasileiros, realizados por exploradores e viajantes europeus cerca de cinquenta
anos após o Descobrimento. Os índígenas já praticavam há muito tempo algumas formas
de pintura no corpo, em paredes de grutas e em objetos, mas sua arte não
influenciou a evolução posterior da pintura brasileira, que passou a ser dependente
de padrões trazidos pelos conquistadores e missionários portugueses.
O primeiro núcleo cultural brasileiro que se assemelhou a uma corte europeia foi
fundado em Recife em 1637 pelo administrador holandês conde Maurício de Nassau.
Herdeiro do espírito do Renascimento, como descreveu Gouvêa, Nassau implementou uma
série de melhorias administrativas e infraestruturais no chamado "Brasil holandês".
Além disso, trouxe em sua comitiva uma plêiade de cientistas, humanistas e
artistas, que produziram uma brilhante cultura profana no local, e embora não tenha
conseguido alcançar todos os seus altos objetivos, sua presença resultou na
elaboração de um trabalho cultural muito superior ao que vinha sendo realizado
pelos portugueses nas outras partes do território. Dois pintores se destacaram em
seu círculo, Frans Post e Albert Eckhout, realizando obras que aliavam minucioso
caráter documental a uma superlativa qualidade estética, e até hoje são uma das
fontes primárias para o estudo da paisagem, da natureza e da vida dos índios e
escravos daquela região. Esta produção, ainda que tenha em grande parte retornado à
Europa na retirada do conde em 1644, representou, na pintura, o último eco da
estética renascentista em terras brasileiras.[7]
O florescimento do Barroco
O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências europeias e
locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É
preciso lembrar que o contexto em que o Barroco se desenvolveu na colônia era
completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Na colônia o ambiente
era de pobreza e escassez, com tudo ainda por fazer,[10] e, ao contrário da Europa,
não havia corte, a administração local era confusa, pouco eficiente e morosa,
abrindo um vasto espaço de atuação para a Igreja e seus batalhões missionários, que
administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os
registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do
território, servindo como evangelizadores e pacificadores dos povos indígenas,
fundavam novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e
dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos,
hospitais e asilos. Construindo grandes templos e conventos decorados com luxo e
dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, a Igreja praticamente
monopolizou a pintura colonial brasileira, com rara expressão profana notável.[11]
[12] Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de
culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de
transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas
vezes turbulenta vida da colônia.[11] Logo enraizando, confundindo-se com, e dando
forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais, o Barroco foi
chamado por Affonso Romano de Sant'Anna de a alma do Brasil.[13]
Antônio Simões Ribeiro, que por volta de 1735 chegou a Salvador e trabalhou em
diversas igrejas locais, foi o introdutor na Bahia da técnica de pintura de ilusão
arquitetônica nos tetos de igrejas, um recurso sistematizado pelo italiano Andrea
Pozzo em seu tratado Perspectiva Pictorum atque Architectorum. Tal decoração
produzia um efeito cenográfico típico do Barroco, pois oferecia ilusões de
arquiteturas abertas ao espaço, ao encontro de céus onde pairavam santos, anjos e
outras figuras gloriosas da Igreja. Ribeiro deixou larga posteridade artística.
Entre seus alunos mais destacados está Domingos da Costa Filgueira.[16][20]
Um outro grupo trabalhou em torno de José Joaquim da Rocha, que aparece registrado
em 1764 como ajudante do pintor Leandro Ferreira de Souza, mas seu nome se perde
até 1769, período em que pode ter estudado em Lisboa. Pintou o forro da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição da Praia, uma de suas melhores realizações, que lhe
valeu a fama em seu tempo de melhor pintor da Bahia, suplantando seu rival
Filgueira, que nunca mais realizou qualquer obra de vulto. Nos anos seguintes Rocha
pintou diversos outros tetos em perspectiva, permanecendo em atividade até o início
do século XIX. Dos seus discípulos se destacaram Antonio Pinto e Antônio Dias,
autores da pintura do forro da nave da Matriz do Passo, em Salvador, e Antônio
Joaquim Franco Velasco, mas sobretudo José Teófilo de Jesus. Teófilo estudou em
Lisboa e entrou em contato com Pedro Alexandrino de Carvalho, tornando-se a partir
de 1816 o pintor mais notável da Bahia até sua morte em 1847, se bem que sua
predileção fosse a pintura de cavalete. Deixou obra volumosa e qualificada,
excepcional também por abordar muitos temas profanos, trabalhando até idade
avançada, mas formou somente um aluno. Outros alunos de José Joaquim foram Manoel
José de Souza Coutinho, Mateus Lopes, José da Costa Andrade, João Nunes da Mata.
[16] Francisco da Silva Romão também deixou obras de qualidade.
Manuel de Jesus Pinto: A Fundação da Igreja. Concatedral de São Pedro dos Clérigos,
Recife.
Anônimo: Flagelação de Cristo, Museu de Arte Sacra de Pernambuco.
Frei Ricardo do Pilar: Senhor dos Martírios. Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro.
Pernambuco
Um outro núcleo importante surgiu na região de Minas Gerais em função dos ciclos do
ouro e dos diamantes, onde aconteceu um rico florescimento urbano com muitas novas
igrejas que precisavam de ornamentação interna. Até 1755 a pintura mineira imitou
as tendências que se desenvolviam nas regiões litorâneas, sem, contudo, alcançar
uma verdadeira integração à arquitetura, e com um estilo arcaizante e pesado.
Exemplo típico dessa primeira fase é o forro da nave da Matriz do Pilar, em Ouro
Preto.[16]
Bem distinto foi o núcleo de Ouro Preto, marcado pelo colorido rico e as formas
leves, tipicamente rococós, muitas vezes exibindo a influência de estilos
orientais. Este centro tem na obra de Mestre Ataíde seu apogeu; o teto que pintou
na Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, representando a Assunção de
Nossa Senhora entre anjos músicos e santos e ilustrando a abertura deste artigo, é
tido como o ponto culminante de toda a pintura colonial brasileira. Ataíde também
deixou diversas pinturas de cavalete, como a série representando cenas da vida de
Abraão, na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, e a renomada Ceia do Senhor, do
Colégio do Caraça, uma de suas últimas obras e a única que assinou e datou. Ataíde
também colaborou com o célebre Aleijadinho pintando as estátuas da Via Sacra no
Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.[16] Também são dignos de nota
José Soares de Araújo, João Batista de Figueiredo, João Nepomuceno Correia e
Castro, Joaquim José da Natividade, Antônio da Costa Nascimento, Antônio Martins da
Silveira, Manuel Ribeiro, Joaquim Gonçalves da Rocha e Silvestre de Almeida Lopes.
A Capitania das Minas Gerais teve o diferencial de, por determinação régia, ver-se
impedida de sediar ordens religiosas conventuais e missionárias, que foram as
maiores mecenas de arte pelo resto de Brasil colonial, uma vez que a prioridade
administrativa era a exploração do ouro e diamantes e não a evangelização do
gentio. Com isso a religiosidade e a arte sacra na região dependeram muito da
organização de irmandades leigas, instituições de origem medieval que
providenciavam o assistencialismo para seus membros e também financiaram a
construção e decoração de inúmeros templos e capelas. Várias dessas irmandades
foram formadas por negros e mulatos, o que explica a aparição de representações
étnicas correspondentes na arte a que deram origem, mesmo quando figuravam santos,
papas e Doutores da Igreja sabidamente brancos, o que, nas palavras de Carla
Oliveira, de certa forma subvertia o discurso visual europeu e fazia uma afirmação
de classe e etnia "numa sociedade colonial que em tudo negava as qualidades de
mestiços e negros".[21]
São Paulo
Frei Jesuíno do Monte Carmelo: detalhe do teto da Capela da Ordem Terceira do
Carmo, em São Paulo.
A Província de São Paulo, que nos tempos da colônia incluía São Paulo e Paraná,
nunca chegou a desenvolver uma escola de pintura comparável aos centros antes
citados, contando com poucos artistas e uma economia bem menos dinâmica. Não
obstante uma modesta escola regional se formou especialmente a partir da atuação de
José Patrício da Silva Manso, em meados do século XVIII, embora exemplos esparsos
já tivessem aparecido antes, incluindo obras em gêneros muito raros no Brasil, como
um retrato equestre de Francisco Nunes de Siqueira feito por João Moura, na
capital, e decorações em estilo similar ao grottesco do Maneirismo italiano, na
capela da Fazenda Santo Antônio, em São Roque. A obra-prima de Manso foi
possivelmente o forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, em
Itu, que trai influência da pintura de ilusão arquitetural praticada em Minas.[16]
Foi aluno de Manso o frei Jesuíno do Monte Carmelo, considerado por Mário de
Andrade o principal pintor paulista colonial, destacando-se em sua produção as
obras nas Igrejas de Nossa Senhora do Carmo de Itu e de São Paulo, marcadas pela
veia ingênua do pintor popular. Manoel do Sacramento e Antônio dos Santos, a quem
são atribuídas as pinturas da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em Mogi das Cruzes,
de grande qualidade, se aproximam em estilo da pintura mineira, e podem ter sido
eles mesmos mineiros. O último pintor importante em São Paulo foi Miguel Arcanjo
Benício da Assunção Dutra, conhecido como Miguelzinho Dutra, que embora fosse ativo
já no Império continuou a tradição anterior. Trabalhou na Igreja de Nossa Senhora
da Boa Morte em Piracicaba, mas se destacou sobretudo com suas ingênuas aquarelas,
nas quais fixou aspectos da cidade e tipos populares, uma produção de valor
documental só comparável ao trabalho de Hercule Florence, integrante da Expedição
Langsdorff. No Paraná só merecem uma lembrança Joaquim José de Miranda e João
Pedro, o Mulato, autores de guaches e aquarelas que fixam tipos populares e cenas
históricas, num perfil ingênuo.[16]
Outros centros
Mato Grosso, Goiás e o Rio Grande do Sul também tiveram alguma produção em pintura,
mas ainda em menor escala do que São Paulo. Francisco Xavier de Oliveira, ativo em
Mato Grosso principalmente como cartógrafo, pode ter sido autor de alguns retratos
para a Câmara de Cuiabá; o padre José Manuel de Siqueira atuou como ilustrador, e
João Marcos Ferreira trabalhou no retábulo da Matriz do Senhor Bom Jesus de Cuiabá;
Reginaldo Fragoso de Albuquerque e Antônio da Costa Nascimento trabalharam em
Pirenópolis; Bento José de Souza, de Vila Boa de Goiás, realizou diversos retábulos
para igrejas locais, e André Antônio da Conceição foi autor do forro da Igreja de
São Francisco de Paula na mesma vila. No Rio Grande do Sul há registro de atividade
pictórica no âmbito das reduções jesuíticas, mas toda a produção se perdeu.[16]
Academismo
Ver artigo principal: Missão Artística Francesa, Academismo, Academia Imperial de
Belas Artes
Jean-Baptiste Debret: Dom João VI em trajes de sua aclamação. Museu Nacional de
Belas Artes.
Após muitos impasses e funcionamento precário, a Escola, ora nomeada como Academia
Imperial de Belas Artes,[31] iniciou suas atividades regulares somente em 5 de
novembro de 1826, por força da intervenção do Conde de Valença e do Visconde de São
Leopoldo.[32] Sua primeira exposição pública de obras de arte, a primeira no gênero
ocorrida em todo o Brasil, foi aberta em 2 de dezembro de 1829, contando com mais
de 150 trabalhos em várias técnicas, de alunos e professores. Na pintura expuseram
Debret, com dez quadros, entre os quais A Sagração de D. Pedro I, O Desembarque da
Imperatriz Leopoldina e o Retrato de D. João VI; Félix-Émilie Taunay, com quatro
paisagens do Rio de Janeiro; Simplício de Sá, com alguns retratos; José de Cristo
Moreira, com figuras histórias, marinhas e paisagens; Francisco de Sousa Lobo, com
retratos e figuras históricas; José dos Reis Carvalho, com marinhas, quadros
decorativos, flores e frutas; José da Silva Arruda, com vários estudos, e Afonso
Falcoz, com estudos de cabeça, retratos, esboços e desenhos.[33]
Após a morte de Henrique José da Silva em 1834 a direção da escola passou para
Félix-Émile Taunay, que retomou a orientação primitiva francesa desvirtuada por seu
antecessor e implementou diversos melhoramentos. Na mesma época Simplício Rodrigues
de Sá assumiu a cátedra de Desenho e depois a de Pintura Histórica.[33] Em seguida
Debret voltou para a Europa, e iniciou-se um outro período improdutivo e
conflituoso, fazendo com que uma terceira exposição só acontecesse em 1840. Neste
ano um impulso novo veio através da instituição dos prêmios e condecorações, e das
exposições regulares, e em 1845 foram instituídos os prêmios de viagem ao exterior
para aperfeiçoamento.[34]
Mas já na exposição de 1849 Manoel de Araújo Porto-alegre teceu fortes críticas aos
resultados apresentados, acusando escasso preparo dos artistas. Ele teria chance de
introduzir melhorias no ensino ao assumir a direção da Academia entre 1854 e 1857,
ampliando o prédio e introduzindo novas cátedras, além de criar a pinacoteca da
Academia, que foi sendo enriquecida com a produção de mestres e alunos destacados,
como Agostinho José da Motta, que obteve o Prêmio de Viagem à Europa, de onde
voltou para lecionar na escola que o formara, sendo excelente pintor de paisagens e
naturezas-mortas; José Correia de Lima, bom retratista e futuro professor de Vítor
Meirelles, e Augusto Müller, paisagista e retratista de talento superior e digno
seguidor da escola francesa, posteriormente titular de Pintura de Paisagem.[34]
Apogeu da Academia
Ver artigo principal: Pintura do Romantismo brasileiro
Víctor Meirelles: A primeira Missa no Brasil, criando os ícones de uma brasilidade
nascente. 1861, Museu Nacional de Belas Artes.
Pedro Américo: Independência ou Morte!, também conhecido como O Grito do Ipiranga,
1888, Museu Paulista.
Ao mesmo tempo, durante este período, não tendo o Brasil uma história oficial
antiga e nobre como a européia, a temática indígena adquire relevo como símbolo de
uma brasilidade arquetípica, autêntica e pura. Mesmo que tais personagens tenham
sido muito glamourizados, sua passagem para um plano destacado na grande arte
acadêmica foi um dado importante no resgate das raízes nacionais.[36] O negro,
entretanto, com raríssimas exceções, só vai deixar de figurar como elemento anônimo
e mera parte da paisagem para assumir o primeiro plano quando o movimento
abolicionista já estava ganhando uma força irrefreável, para depois da República
tornar-se mais comum e aceitável.[37] A obra das figuras maiores desta geração
demonstra bem os interesses da ordem vigente. Pedro Américo, um dos maiores
pintores brasileiros do século XIX, privilegiou cenas históricas com temas
nacionais, num estilo grandioso que tanto glorificava as façanhas do povo e de seus
protagonistas como a augusta benevolência e firmeza da Coroa. Suas obras mais
importantes, O grito do Ipiranga e A batalha do Avaí são peças capitais do
academismo nacional, e são panegíricos do nacionalismo e da ordem estabelecida, sem
que isso lhes tire vigorosas qualidades estéticas. Também pintou inúmeras cenas
religiosas e alegóricas, e muitos retratos.[38]
José de Medeiros: Estudo de nu, 1878, Museu Dom João VI. O desenho era considerado
a base de toda a pintura acadêmica.
Outro mestre desta fase é Vítor Meirelles, que também pertence à mesma estirpe de
grandes criadores, servis aos seus mecenas, mas possuidores de um talento que
transcende a política e a ideologia heróica, antes delas fazem uso para expressarem
a força de seu próprio gênio. Também foi autor de quadros que permanecem vivos até
hoje no imaginário nacional: A primeira Missa no Brasil, de feição tranqüila e
composição impecável, Moema, peça-chave do nacionalismo indigenista, tipicamente
romantizado, a Batalha naval do Riachuelo, a Batalha dos Guararapes e a Passagem de
Humaitá, três obras sobre momentos da história nacional tratados com grande fôlego
e maestria. Suas outras composições, sobre temas sacros ou mitológicos, são menos
impressionantes, mais formais, mas sempre corretas.[39][40]
Agostinho José da Mota: Mamão e melancia, 1860, Museu Nacional de Belas Artes.
Agostinho José da Mota: Mamão e melancia, 1860, Museu Nacional de Belas Artes.
João Zeferino da Costa: São João Batista, 1873, Museu Nacional de Belas Artes.
João Zeferino da Costa: São João Batista, 1873, Museu Nacional de Belas Artes.
Delfim da Câmara: D. Pedro II, 1875, Acervo Artístico do Ministério das
Relações Exteriores - Palácio Itamaraty.
Delfim da Câmara: D. Pedro II, 1875, Acervo Artístico do Ministério das
Relações Exteriores - Palácio Itamaraty.
Almeida Júnior: Descanso do modelo, 1882, Museu Nacional de Belas Artes.
Almeida Júnior: Descanso do modelo, 1882, Museu Nacional de Belas Artes.
Outros estrangeiros
Bastante ativo no circuito oficial foi François-René Moreaux, que entre 1840 e 1859
participou de muitas das exposições da Academia, viajou extensamente pelo Brasil e
foi um dos fundadores do Liceu de Artes e Ofícios, além de realizar uma quantidade
de retratos de personalidades ilustres da época, inclusive a cena da Sagração de
Dom Pedro II, pela qual recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Seu irmão Louis-
Auguste também expôs na Academia e em 1841 obteve Medalha de Ouro pela tela Rancho
de Mineiros, e recebeu a Ordem da Rosa por Jesus Cristo e o Anjo. Outro premiado
foi Raymond Monvoisin, que chegou ao Rio em idade já avançada mas cuja obra causou
excelente impressão. Abraham-Louis Buvelot, com uma obra paisagística muito
sensível, foi elogiado por Porto-alegre. Também merecem atenção Nicola Antonio
Facchinetti, grande paisagista, Eduardo de Martino, marinista de primeira linha, e
já perto do final do século são notáveis os portugueses José Maria de Medeiros e
Augusto Rodrigues Duarte, que em suas obras históricas de refinada execução
traduzem perfeitamente o Romantismo ainda em vigor.[47]
Acima de todos Georg Grimm deixou sua marca no cenário nacional. Em sua aparição de
1882 nos salões da Academia expôs nada menos de 105 paisagens do natural, obtendo
imenso sucesso. No mesmo ano foi indicado como Interino da cátedra de Paisagens,
Flores e Animais, popularizando a prática do ensino ao ar livre que havia sido
introduzida possivelmente por Agostinho da Motta muitos anos antes,[47] valendo-se
das novidades técnicas representadas pelo surgimento das tintas em tubos e telas
pré-preparadas.[48] Sua permanência na Instituição durou apenas dois anos,
inadaptado ao formalismo reinante. Com sua saída um grupo de discípulos o
acompanhou, criando-se uma escola que revelou alguns dos melhores paisagistas
brasileiros: Castagneto, Parreiras e García y Vásquez, e uns poucos mais. Sua
influência perduraria até perto da década de 20 do século vindouro.[47]
Thomas Ender: Vista do Rio, 1817, Academie der Bildenden Künste, Viena
Thomas Ender: Vista do Rio, 1817, Academie der Bildenden Künste, Viena
Augustus Earle: Capoeira, 1824, Biblioteca Nacional de Canberra
Augustus Earle: Capoeira, 1824, Biblioteca Nacional de Canberra
Augusto Rodrigues Duarte: As exéquias de Atalá, 1878, Museu Nacional de Belas
Artes
Augusto Rodrigues Duarte: As exéquias de Atalá, 1878, Museu Nacional de Belas
Artes
Eduardo de Martino: Fragata Constituição, 1872, Museu Histórico Nacional
Eduardo de Martino: Fragata Constituição, 1872, Museu Histórico Nacional
A crise da Primeira República
Desde anos antes da Proclamação da República a Academia vinha sendo atacada pelos
críticos da geração mais nova, liderados por Gonzaga Duque, que viam seu sistema de
valores como utópico, anêmico, elitista, defasado, servil ao Estado e por demais
dependente da Europa, desconectado dos tempos modernos e sem maior relevo para a
cultura nacional.[49][50] Contudo, os estudiosos contemporâneos tendem a considerar
essas opiniões parciais, datadas historicamente e hoje ultrapassadas, e reafirmam a
importância do projeto acadêmico imperial como um todo, mesmo que ele possa ser
criticado em alguns aspectos. O que faltou a Duque e seu círculo parece ter sido em
essência a falta de uma perspectiva histórica adequada, não levando em conta os
determinantes pregressos que conduziram o desenvolvimento artístico brasileiro no
século XIX, nem parecem ter estimado corretamente as possibilidades reais de
renovação cultural em larga escala de um país que mal estava se consolidando como
entidade independente e tinha uma longa e arraigada herança barroca que mesmo nos
anos finais do século XIX ainda sobrevivia em várias regiões e em várias expressões
da arte e da cultura populares, e que eram pouco afetadas pelo que acontecia na
capital da nação.[30][36][51]
Henrique Bernardelli: A Proclamação da República, c. 1900.
A crise institucional e estética gerada não obstante deu lugar a uma reavaliação de
conceitos e objetivos, já que nascida na monarquia há cem anos a instituição não
poderia permanecer idêntica no novo regime republicano e em meio a uma atmosfera
social todo diversa, aburguesada, multifacetada e borbulhante com as cidades em
crescimento acelerado e sob o impacto das recentes inovações tecnológicas. O
próprio novo Estado republicano se valeu imediatamente da pintura para ilustrar
seus novos valores e heróis, reinterpretando para seus próprios propósitos a
formalização iconográfica anterior e ao mesmo tempo tentando afastar-se dela pela
introdução de personagens e estéticas mais atualizadas, que não tinham uma
vinculação significante com o passado monárquico e tinham em vez uma ligação com
perspectivas de modernidade, democracia e progresso. Para isso encontrou
intérpretes exímios nos próprios acadêmicos, como Pedro Américo em suas obras
tardias como o Tiradentes esquartejado, e em Manuel Lopes Rodrigues, autor de uma
Alegoria da República que é um ícone impactante na nova ordem, além de cooptar
outros mestres já consagrados ou em ascensão como Rodolfo Amoedo, Henrique
Bernardelli, Eliseu Visconti e Antônio Parreiras.[53][54][55] No início da década
de 1930 a Escola Nacional foi incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro,
encerrando sua história como instituição autônoma.[56]
Mesmo nesse período conturbado, alguns nomes ressaltam por seu mérito inegável. De
fato para a pintura as coisas não estavam ruins, e o vigor e variedade da produção
destes artistas emergentes, muitos dos quais mulheres, o demonstra: Pedro
Alexandrino Borges, Arthur Timótheo da Costa, Helios Seelinger, Carlos Chambelland,
Rodolfo Chambelland, Georgina de Albuquerque, Antônio Garcia Bento, Belmiro de
Almeida, Leopoldo Gotuzzo e principalmente Eliseu Visconti, todos e cada um
refletiram em seus trabalhos a diversidade de tendências da época, como o Realismo,
o Impressionismo, o Simbolismo, o Ecletismo e a Art nouveau, abrindo uma quantidade
enorme de novos campos formais na pintura e acelerando as transformações em direção
a uma nova ordem de valores que seria patenteada na polêmica modernista.[54][57]
Modernismo
A Semana de Arte Moderna e a primeira geração de modernistas
Ver artigo principal: Semana de Arte Moderna
Anita Malfatti: A estudante (1915-1916).Museu de Arte de São Paulo.
Nas primeiras décadas do século XX São Paulo já se afirmava como uma das grandes
cidades brasileiras, impulsionada pela riqueza oriunda do cultivo do café e pela
industrialização, e com uma classe burguesa abastada. Distante da influência direta
da Academia, o ambiente artístico pôde evoluir de forma um pouco mais livre, dentro
de um espírito mais cosmopolita, onde havia maior afluxo de artistas estrangeiros,
trazendo ideias progressistas da Europa, ainda que os primeiros avanços
significativos tenham se dado visivelmente na área da arquitetura, da literatura e
das artes gráficas. O ambiente se dividia entre uma tendência retrógrada fiel ao
academismo, e outro setor cuja insatisfação e irritação contra o estado estagnante
de coisas se expressava em termos contundentes.[58] Nas palavras do pintor Di
Cavalcanti:
"O academismo idiota das críticas literárias e artísticas dos grandes jornais,
a empáfia dos subliteratos, ocos, palavrosos, instalados no mundanismo e na
política, e a presença morta de medalhões nacionais e estrangeiros, empestando o
ambiente intelectual de uma pauliceia que se apresentava comercial e
industrialmente para sua grande aventura progressista, isso desesperava nosso
pequeno clã de criaturas abertas a novas especulações artísticas, curiosas de novas
formas literárias, já impregnadas de novas doutrinas filosóficas" [59]
O clã a que ele se referia era um grupo de intelectuais, muitos educados na Europa,
atualizados com as correntes da vanguarda europeia da época, como o Expressionismo,
o Fauvismo, o Futurismo e o Cubismo. Segundo Contier, dentre todas as correntes o
Futurismo teve o maior papel no lançamento do Modernismo brasileiro, tanto que nos
primeiros anos os participantes do movimento eram conhecidos como futuristas.[60]
Do grupo faziam parte os escritores/poetas Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida,
e Mário de Andrade, e Victor Brecheret na escultura, além de alguns outros. O
estopim para a realização da Semana de Arte Moderna, o marco inaugural do
Modernismo no Brasil, foi a celeuma surgida em torno da exposição de Anita Malfatti
em 1917. Atacada por Monteiro Lobato no artigo "Paranoia ou Mistificação?" o grupo
modernista de imediato se reuniu em defesa de Anita, e a polêmica estava declarada.
Outros eventos de vanguarda se sucederam nos anos imediatamente seguintes, e por
fim foi organizada uma série de recitais, palestras e exposições em 13, 15 e 17 de
fevereiro de 1922, o que constituiu a Semana de Arte Moderna.[61]
Neste momento Di Cavalcanti começava a abordar o tema das mulatas, uma escolha
deliberada que se inseria no processo modernista de resgate das raízes miscigenadas
do país, contribuindo para redefinir o sentido de brasilidade na arte e para a
criação de um novo ícone de beleza e autenticidade nacional, dando origem a uma
iconografia que se tornou vastamente popular tomada como representação de todo um
estilo de vida,[64] e surgia Tarsila do Amaral com uma obra originalíssima, que já
metabolizara a influência direta do estrangeiro, dizendo mais diretamente a
caracteres brasileiros. Outros movimentos se sucederam, como a Antropofagia,
nascido por intermédio de Oswald de Andrade a partir da tela Abaporu (1928), também
de Tarsila, uma obra que, como nenhuma outra, exerceu profunda repercussão no mundo
artístico daquele momento,[65] considerada hoje o representante por excelência do
Modernismo brasileiro.[66] Contudo, paulatinamente se patenteou que o cerne de toda
a discussão não eram estilos ou correntes em si, nem o Brasil ou a Europa, mas sim
a liberdade de pesquisa e expressão individual, que se refletia não apenas na
temática e forma, mas também no instrumental técnico e material. Daí em diante
pouca unidade real poderia ser esperada em termos de estilo ou de proposta estética
de um universo formado por artistas de matrizes tão diversas.[60]
Difusão do modernismo
O eixo Rio-São Paulo
Ismael Nery: Resignação Diante do Irreparável, guache.
A esta altura começou a emergir uma legião de artistas, que faria do Modernismo
brasileiro das décadas de 30 e 40 um prisma multicor, onde a influência do espanhol
Pablo Picasso veio a ganhar um enorme destaque.[67] Mesmo no Rio, principal reduto
do Academismo tradicional, já se viam em atividade, desde meados dos anos 20,
personalidades independentes como Ismael Nery, com um trabalho derivado do Cubismo,
do Expressionismo e do Surrealismo, embora sua obra não tivesse grande circulação
em seu tempo. Em 1930 o então ministro Gustavo Capanema nomeou Lúcio Costa como
diretor da Escola Nacional de Belas Artes, cuja administração, embora curta,
introduziu o Modernismo no âmbito acadêmico oficial e passou a aceitar obras
modernistas nos Salões da Escola, o primeiro deles chamado, sintomaticamente, de
Salão Revolucionário. Este Salão, segundo Franco de Andrade, teve um impacto e uma
importância ainda maiores do que a Semana de 22 na consolidação do Modernismo no
Brasil.[68]
Em 1931 Ado Malagoli, Bustamante Sá, José Pancetti e Edson Motta, com alguns
outros, fundaram o Núcleo Bernardelli, como uma alternativa ao ensino oficial. Suas
personalidades artísticas eram muito diferenciadas, mas o Núcleo durou até 1940,
com as importantes adesões de Quirino Campofiorito e Milton Dacosta. Faziam uma
abordagem moderada do Modernismo, e com grande preocupação por uma pintura de
artesania cuidadosa.[68][69]
Em São Paulo o movimento moderno seguia cada vez mais forte. Muitos dos egressos da
Semana de 22, mais outros novos integrantes como Lasar Segall e Antonio Gomide,
fundaram em 1932 a Sociedade Pró-Arte Moderna, que teve sede própria onde, além de
trabalhos seus, também foram mostradas pela primeira vez no Brasil pinturas de
Picasso, Léger, Gris e De Chirico. Outro grupo notável foi o Clube dos Artistas
Modernos, importante especialmente pela presença do fundador Flávio de Carvalho e
por uma orientação bem mais irreverente e menos elitista do que a do outro grupo.
[70][71]
Um pouco mais adiante reuniu-se o Grupo Santa Helena, formado basicamente por
amadores, todos proletários que se dedicavam à pintura de cavalete nas horas vagas.
Deste grupo humilde saíram alguns dos nomes mais notáveis da arte brasileira da
época: Rebolo, Bonadei, Mário Zanini, Clóvis Graciano e Alfredo Volpi.[68][72] Tais
agremiações expressam acima de tudo a importância do associativismo como estratégia
de ação bem sucedida ao longo da década de 1930. Vários integrantes desses grupos
se reuniram em 1937 na chamada Família Artística Paulista, dirigida por Rossi Osir
e Waldemar da Costa, através da qual ganharam enfim notoriedade.[73] Segundo
Lorenzo Mammi,
A descoberta da terra, 1941. Pintura mural de Portinari no edifício da Biblioteca
do Congresso, Washington, DC.
Em 1934, Portinari, recém de volta da Europa, inicia com a tela Café uma brilhante
carreira que o levaria a uma condição quase de pintor nacional, recebendo uma série
de encomendas oficiais e retomando uma tradição de composições históricas
grandiosas que não se viam desde o século anterior, embora evidentemente num estilo
moderno, muito devedor a Picasso. Mas não se limitou à história: deixou uma grande
quantidade de obras em que retratava de maneira pungente, expressionista, a dura -
e tantas outras vezes poética - realidade da população rural, notadamente dos
retirantes do Nordeste.[68]
Na Bahia até a década de 40 não havia nenhum museu organizado, nem críticos
influentes, nem salões regulares. Além disso, ali o movimento moderno foi mais ou
menos retardado pela influência da figura tutelar do acadêmico Prisciliano Silva.
Introduzido primeiro pela literatura, o Modernismo teve seu marco inicial na
pintura com a primeira exposição de José Guimarães, aluno de Prisciliano, em 1932.
Incompreendido, amargou um ostracismo que o levou a se transferir para o Rio, onde
não teve sorte melhor. Só uma década depois outro evento semelhante aconteceria,
com uma mostra de modernos de São Paulo organizada por Jorge Amado, com a mesma
repercussão negativa. A situação só começou a mudar em favor dos modernos no fim
dos anos 40, quando foi convidado para participar do governo estadual o educador
Anísio Teixeira, ganhando então o respaldo oficial e espaços próprios. Na mesma
época se fixaram em Salvador Pancetti, Jenner Augusto e Carybé, seguidos de outros.
[76]
Os primeiros ares modernistas em Minas se registram no início dos anos 40, com a
construção da Igreja de São Francisco da Pampulha, em Belo Horizonte, e com a
fundação da Escola de Belas-Artes, dirigida por Guignard e formando muitos alunos.
Em 1944 Juscelino Kubitschek, então governador do estado, promoveu o primeiro salão
de arte moderna em Belo Horizonte, uma das maiores coletivas da década. Alvo de
muitos protestos e até mesmo de depredação, o salão foi de fundamental importância
para a renovação do circuito de arte mineiro, surgindo nomes como por exemplo Mário
Silésio e Maria Helena Andrés.[68][74] Independentemente trabalhava em Barbacena
Emeric Marcier, grande paisagista e pintor de temas sacros.
Os grandes museus, as bienais e o abstracionismo
Ver artigo principal: Bienal Internacional de Arte de São Paulo
Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro
Hermelindo Fiaminghi: Elevação vertical com movimento horizontal, 1955, exemplo
típico de pintura concreta.
Outro impulso foi dado pela criação da Bienal de São Paulo, onde pela primeira vez
obras abstratas e artistas de vanguarda estrangeiros receberam ampla divulgação,
tendo um impacto sobre a futura evolução da pintura no Brasil. Com essa rede de
instituições em atividade a atualização do Brasil quanto à arte internacional se
tornou mais fácil, acessível a um grande número de pessoas, que já não precisavam
sair do país para buscar informação. Ao mesmo tempo nascia uma nova geração de
críticos, articulada em torno de Mário Pedrosa, fazendo o debate direcionar-se para
uma decidida especialização, libertando-se do domínio da literatura.[81]
Por vezes recebendo influência das artes gráficas, ou ainda incorporando objetos e
colagens em suas obras, mas sempre com uma organização geometrizante de rigor
variável, foram representantes típicos do movimento Aluísio Carvão, Hércules
Barsotti, Willys de Castro, Mira Schendel, Abelardo Zaluar, Arcangelo Ianelli,
Raymundo Collares, Loio-Pérsio e Pedro Escosteguy. Por outro lado, o Abstracionismo
florescia também em uma linha informal, privilegiando formas ou linhas fluidas com
ênfase na sensibilidade do gesto espontâneo e das sutis gradações de cor. Aqui
podemos encontrar artistas como Manabu Mabe, um lírico, ou como Iberê Camargo, com
seu dramatismo explosivo. O Abstracionismo derivou também na escola Op, que
trabalhava efeitos puramente visuais e ilusionismos ópticos de diversas espécies.
Maurício Nogueira Lima e Luís Sacilotto são bons representantes, embora esta
corrente no Brasil tenha conseguido poucos adeptos.[86]
Mário Pedrosa levantou-se em 1966 em defesa das vanguardas com o texto Crise do
condicionamento artístico, salientando a contínua transformação das vanguardas
históricas em direção à condição de vanguarda experimental. Apontava ainda para o
papel determinante nas transformações das vanguardas recentes o desempenhado pelo
mercado de consumo e pela publicidade, o que fazia com que a linguagem das artes
visuais fosse rapidamente transformada e substituída por outra, devido a interesses
da lógica mercantil da novidade e pela própria autonomia do objeto artístico na era
moderna. A produção brasileira dos anos 60, segundo Pedrosa, merece o nome de
pioneira em todo o mundo, por oferecer, a partir de suas raízes imediatas concretas
e neoconcretas, e seu engajamento social, uma nova resposta visual para um mundo
novo. Por outro lado, críticos também destacados como Frederico Morais e Aracy
Amaral ofereciam leituras bem diferentes do momento estético dos anos 60, o
primeiro traçando um painel baseado num conceito de identidade tipicamente
brasileira, derivada principalmente do Barroco, da Antropofagia e do Concretismo, e
a outra negando de todo a existência de uma verdadeira vanguarda nacional.[93]
Outra vertente da movimentação dos anos 60 foi o que se chamou de Arte Conceitual,
minimizando a importância do objeto físico e privilegiando as ideias e propostas
subjacentes. A indagação principal recaia sobre o significado do ato criativo, o
que se desdobrava por todo o âmbito da arte e da cultura.[94] Sintomáticos da
necessidade de encontrar válvulas de escape para a repressão política foram o uso
de suportes alternativos ou incomuns para pintura, incluindo o corpo humano, e o
caráter propositalmente efêmero de certas produções, e generalizou-se o
experimentalismo e a contestação em todas as frentes.[95] Neste contexto, os
limites entre as tradicionais categorias de expressão - pintura, teatro, poesia,
música, etc - deixam de ter relevância e observa-se um entrecruzamento de materiais
e técnicas, tornando difícil a classificação de cada peça. Os célebres Parangolés
de Hélio Oiticica são exemplos típicos dessa integração entre domínios artísticos
diferentes, procurando a construção de uma "arte total".[90][94][96] Neste processo
de ampla quebra de paradigmas chegou-se a declarar que a pintura, como um gênero
específico, estava morta.[97]
Britto Velho: Pintura nº 2, 1977
Marcello Nitsche: Auto-retrato, 1975. Quadro de vídeo mostrando o artista com
pintura corporal.
Com a posse do general Emílio Médici como presidente, o regime militar entrou em
sua fase mais brutal. Como disse Napolitano, as prioridades eram ganhar o apoio da
classe média através de uma política de incentivo ao consumo, e destruir a
oposição, se necessário se valendo do assassinato e da tortura. Seu governo foi
marcado pela intensa propaganda política, pelo crescimento econômico e pela
combinação de repressão policial e censura. A conquista pelo Brasil da Copa do
Mundo de 1970 de futebol foi um pretexto perfeito para a propaganda do governo, com
maciça divulgação de slogans como Pra frente Brasil!, Brasil, ame-o ou deixe-o,
numa fase em que se iniciava o chamado Milagre Brasileiro. Com o fortalecimento da
economia, abriu-se um grande novo mercado de trabalho, o consumo explodiu e a
cultura de massa atingiu níveis de abrangência sem precedentes, com forte
penetração norteamericana.[99]
Não obstante a pressão política, para Tadeu Chiarelli os anos 70 foram extremamente
significativos porque certos artistas começaram a se dar conta que os espaços de
atuação do artista numa esfera mais ampla da sociedade haviam sido drasticamente
limitados, e como estratégia buscaram produzir obras ainda contundentes, embora não
mais explicitamente contrárias ao status quo, através do uso da alegoria.
Juntamente nasceu um autoquestionamento que punha em dúvida todos os pressupostos
que, até então, dirigiam a atuação dos artistas mais participativos, e se iniciaram
reflexões profundas sobre suas identidades como artistas, e sobre o lugar que
poderiam ou deveriam ocupar no contexto da história da nação e da história da arte.
Completando o quadro, vivia-se também no Brasil uma crescente inundação de imagens
veiculadas pelos meios de comunicação de massa, "cujo poder avassalador era, já
naquele momento, capaz de destruir, por completo, todos os pressupostos conceituais
e eruditos do que seria arte, artista, e o papel de ambos nessa sociedade em
profunda transformação". Dentro desse contexto, a obra que inaugurou uma nova
situação para a pintura brasileira foi a série de auto-retratos de 1975, de
Marcello Nitsche, onde o artista, associando pintura e vídeo, representou-se em
cada quadro dentro de um determinado estilo da história da arte moderna -
Impressionismo, Expressionismo, Concretismo, etc - como se pudesse encontrar algum
refúgio e um mínimo de identidade na própria história da arte.[100]
"Onde está você, geração 80?"
Leonilson: A viagem secreta, acrílico sobre lona, 1987, acervo do MARGS.
Milton Kurtz: Quasi contacto, 1989, acrílico sobre tela, acervo do MARGS.
Mário Röhnelt: Sem título, 1991, acrílico sobre tela, acervo do MARGS
"Herdeiros do silêncio, essa geração sonhava com muito som, muito sol e
rock and roll. Nas artes, perpassava um sentimento de liberdade, um desejo de ser
feliz, de pintar a vida com cores fortes e vibrantes, valorizando o gesto, a ação.
Ao esgotamento do modernismo e ao excessivo suporte teórico que confinava a arte em
uma espécie de castelo acadêmico somente penetrado por mentes e espíritos elevados,
contrapunha-se um desejo de fazer da arte o local das emoções, um caldeirão
borbulhante de odores, prazeres e sensações. Esse compromisso hedonista, essa ânsia
de ser feliz vai encontrar suas raízes no desejo coletivo de "participar", de
integrar a coletividade democrática que se sonhava".[104]
Na sequência da explosão dos anos 80, a década posterior revelou primeiro um certo
esvaziamento, um cansaço. A releitura torna-se um lugar comum e de certa forma
perde o sentido vital que tinha pouco antes, sente-se a necessidade de direcionar
os esforços em busca de um novo sentido para a prática da pintura, e os artistas
voltam a se encontrar em uma encruzilhada. A saída encontrada por alguns - ou o
reflexo de uma desorientação - foi a deformação e a ênfase em aspectos de
perversidade, com o corpo humano e as relações interpessoais como objeto central.
[95]
Outros ainda, por sua vez, metabolizaram mais positivamente a enxurrada de novos
conceitos e a abertura de novos campos de pesquisa, e têm se valido desta riqueza
para criar linguagens pessoais plasticamente atraentes e com uma pluralidade de
leituras e associações possíveis, muitas vezes fazendo uso da palavra como elemento
plástico que abre para a obra novas dimensões de narrativa, significado e
visualidade. Outros artistas dão prosseguimento a um trabalho sobre questões
típicas da Pós-Modernidade, relativizando, problematizando e atualizando aspectos
de autoria, anacronismo e originalidade. A pintura brasileira contemporânea mais
recente, embora tenha perdido espaço relativo no mundo da arte, competido com
outras mídias como a fotografia, o vídeo, a performance e a instalação, continua
muito presente, estando plenamente atualizada com todas as correntes significativas
em voga no momento. A diversidade e a busca por uma re-significação de termos são
aspectos centrais da produção, ainda tendo tendo como base forte as práticas e
elementos visuais das vanguardas históricas e do Conceitualismo, como a
transgressão aos suportes e técnicas tradicionais e a associação com mídias
alternativas, espelhando a sociedade globalizada e multi-referencial de que o
Brasil hoje faz parte.[108][109]
Por outro lado, essas novas maneiras de fazer e entender a pintura têm repercutido
de forma interessante no mundo do ensino artístico, e as próprias escolas oficias
contemporâneas, herdeiras da antiga Academia, se viram na contingência de adaptar e
relativizar amplamente práticas e conceitos, a fim de acompanhar o fluxo dos
acontecimentos. Não deixa de ser paradoxal que, apesar da maciça e facilmente
acessível divulgação da arte contemporânea nos meios de comunicação de massa,
muitos jovens artistas entrem nas faculdades ainda com uma visão romantizada de seu
ofício, e demonstrem tanto uma desinformação sobre o contexto recente como uma
dificuldade de assimilá-lo de pronto.[110] A mesma situação se apresenta para o
grande público, muitas vezes incapaz de decifrar os complexos códigos da linguagem
da pintura atual,[111] tornando a presença de mediadores de exposição e textos
explicativos uma necessidade inescapável.[112]
Pintura marginal
À margem do grande circuito oficial ou semi-oficial das artes, que sempre teve um
caráter marcadamente intelectualizado, no Brasil existe ainda um rico acervo de
pintura que não se enquadra em qualquer categoria erudita. São os artistas
populares ou Naïfs, o caso especial da arte dos alienados mentais, e a recente
produção de graffitis nas grandes cidades.
Anônimo pernambucano: Paisagem.
Arte naïf
O gênero pode ser rastreado desde o barroco brasileiro, onde muitas obras
nitidamente nasceram fora dos círculos ilustrados, e sendo em geral peças de
devoção religiosa destinadas ao adorno de locais de culto, acabaram misturadas ao
contexto geral.[115] Mas somente no início do século XX o gênero recebeu atenção da
crítica especializada, a partir da produção de José Bernardo Cardoso Júnior, o
Cardosinho. Alheios à evolução erudita e sem preparo acadêmico, muitos deles
anônimos, preservam uma atmosfera muitas vezes atemporal e ingênua em sua produção,
sem que isso comprometa suas qualidades estéticas, que primam pela originalidade de
soluções plásticas. Nomes maiores desta seara são Heitor dos Prazeres, Djanira (um
caso na verdade híbrido), Chico da Silva, José Antônio da Silva, José Rodrigues de
Miranda, Agostinho Batista de Freitas, Antônio Poteiro, Ivonaldo Veloso de Melo,
Rosina Becker do Valle, Constância Nery, Rodolpho Tamanini Netto, Sônia Furtado,
Tercília dos Santos, Dalvan da Silva Filho, e legião de outros.[116]
Arte dos alienados
Nas Bienais de São Paulo de 1983 e 1985 o gênero recebeu grande atenção da mídia, e
recentemente grande número de artistas tem se dedicado a esta modalidade
expressiva, de marcadas características gráficas, que através deles vem saindo do
anonimato, perdendo sua aura subversiva, adquirindo foros de arte legítima e
encontrado apoio oficial através de cursos, eventos especiais e mostras em museus.
Alex Vallauri, Hudinilson Júnior, Carlos Matuk, Waldemar Zaidler e Arthur Lara são
alguns dos muitos nomes a serem destacados no Brasil.[118]
Ver também
Academismo no Brasil
Barroco no Brasil
Cultura do Brasil
História em quadrinhos no Brasil
História da pintura
Lista de pintores do Brasil
Museus de arte do Brasil
Pintura
Ligações externas
Manifesto Antropófago
Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil
Museu de Imagens do Inconsciente
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História da Pintura
Categoria:
Pintura do Brasil