Revista 10 Art1
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Revista 10 Art1
Abstract :This text is a work of research in the freudian text in germany of the word trace.
It coulf be verified that there are three diferent words (Zeichen, Spur e Zug) thar can only
be translated for one word to the latin and english languages. With this, important
conceptual diferences are lost. This finding made possible the construction of a new
teoretical approach to the clinic of perversions taking into consideretion the trace of
perversion.
Key-words: Phantasy, Unconscious, Trace, Perveversion
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
A clínica
Quando João me procurou pela primeira vez, deixou bem claro porque o fazia:
«Quero dar um jeito para evitar que minha mulher me deixe». Logo em seguida ele
esclareceu do que se tratava: «Minha ejaculação precoce e minha compulsão para
me masturbar em situações estranhas estão me prejudicando».
João tinha, à época desta primeira entrevista, mais de quarenta anos de idade, uma
posição sócio-econômica boa e uma família. No entanto, mais uma vez, tudo isto
estava sendo ameaçado pelo seu comportamento "incontrolável".
À medida que as entrevistas foram se sucedendo e a história de João foi
sendo construída, alguns pontos puderam ser destacados: nascido de família
pobre, foi filho caçula de uma prole não muito numerosa. Desde cedo sofreu muito
com as brutalidades de seu pai, nos raros momentos em que este estava presente
em casa. Isto fez com que se "achegasse" muito à mãe, com quem sempre manteve
uma relação muito próxima. Talvez por isso tinha muita raiva quando percebia as
"saídas" de sua mãe para encontros amorosos.
Data desta época o relato feito por sua mãe, nos raros momentos em que
demonstrava alguma ternura por seu pai: «Quando o conheci ele estava lindo, todo
vestido de branco, parado, olhando fixamente para uma imagem de Nossa
Senhora» (talvez seja importante assinalar aqui que João tem uma profissão que lhe
exige andar vestido de branco todo o tempo).
A vida sexual de João começou muito cedo e de forma intensa. De suas
lembranças, a que mais o incomoda, e que custou um bom tempo até que pudesse
ser relatada, dizia respeito aos momentos em que aguardava sua mãe trocar de
roupa para observá-la, através de uma brecha na cortina que separava os cômodos
da casa. Observando-a, João se masturbava.
Desde então João aderiu à prática sistemática da masturbação, sempre
procurando uma brecha (ele denominou esta prática de "brechar") para olhar
alguma mulher e, no espaço de tempo entre ela ir e vir, passando pelo seu campo
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
de visão, ele "tinha" que atingir o orgasmo. Isto, conforme sua própria
interpretação, era a razão de sua ejaculação precoce.
Com o passar do tempo, esta prática foi se acentuando até começar a
acontecer em lugares públicos (ônibus, praia, local de trabalho) sempre sob a égide
de um impulso incontrolável. Diga-se de passagem que, apesar de João dizer que
«sempre tomava cuidado para não ser visto», foi expulso de seu trabalho por duas
vezes, por ter sido «apanhado em flagrante». Inclusive, recentemente, sua mulher o
havia "visto" se exibindo para a empregada doméstica e por isso estava com receio
de perdê-la.
Apesar destes fatos da clínica de João, aqui descritos, não serem suficientes
para que possamos definir um diagnóstico, posso dizer-lhes que se trata de um
sujeito histérico com traços de perversão bem definidos e que se sustentam no par
"olhar - ser olhado".
O objetivo agora será tratarmos, pontualmente, destes "impulsos" que
escapam ao "controle" e que demonstram uma incapacidade do sujeito de se
interpor, enquanto efeito, a esta vontade de gozo. Em outras palavras,
incapacidade de fazer existir um tempo para compreender entre o instante de olhar
e o momento de concluir.
Mas, o que se passa com esta estrutura que vai possibilitar esta "brecha"?
Traço de perversão
1
FREUD S., "Carta 52", Obras Completas, Edição Standard Brasileira, vol. I, Rio de Janeiro, Imago, 1969, p. 254; Aus
den Anfängen der Psychoanalysis, London, Imago Publishing - CO, LTD, 1950, p. 185; Standard Edition of the Complete
Psychological Works, vol. I, London, The Hogarth Press, 1973, p. 233.
2
FREUD S., ibid.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
3
FREUD S., "Uma criança é espancada", Obras Completas, op. cit. vol. XVII, p. 228; Studienausgaben, vol. VII,
Frankfurt, Fischer Taschenbuch Verlag, 1982, p. 233; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol.
XVII, p. 181.
4
FREUD S., "Psicologia das massas e análise do eu", Obras Completas, op. cit. vol. XVII, p. 135; Studienausgaben, op.
cit. vol. IX, pág. 100; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol. XVII, p. 107.
5
Vide nota 1
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
do segundo registro (UB - Unbewusst): «[...] traços do Inconsciente (UB Spuren) são
algo equivalentes a lembranças conceituais (Begriffserinnerungen)[...]»6.
Posso lembrar-lhes, neste ponto, que estes UB Spuren são o que Freud vai
chamar, mais tarde, de Vorstellungsreprasentanz que é, como nos diz Lacan «o
significante que é recalcado, pois não há outro sentido a dar nesses textos a esta
palavra»7.
No entanto, é no texto "Notas sobre o bloco mágico" que Freud vai trabalhar
exaustivamente o conceito de Spur que estará sempre ligado ao conceito de
memória (Erinnerung) e permanência (Dauer).
A partir do que lhes trouxe até aqui, uma hipótese surge: mais do que
simples diferenças de traduções ou de grafia, cada uma destas palavras utilizadas
por Freud apontam um recorte conceitual preciso e nos ajudam a pensar, não só os
vários "tempos" do sujeito, como também questões clínicas como "traços de
perversão".
Na "Carta 52", nosso ponto de partida, Freud nos fornece o seguinte
esquema:
6
Vide nota 1.
7
LACAN J., "Sur la théorie du symbolisme d'Ernest Jones", Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 714.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
Esquema R10
8
Vide nota 1.
9
LACAN J., "D'une question preliminaire à tout traitement possible de la psychose", op. cit. p. 553.
10
Lacan,,J. Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psicose, in Escrito.
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11
Scilicet, n° 2/3, Paris, Seuil, 1970, p. 124.
12
Intervenção de A. Didier-Weil no seminário de Lacan, em 05/05/79.
13
LACAN J., "Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freudien", op. cit. p. 809.
14
LACAN J., "D'une question preliminaire à tout traitement possible de la psychose", op. cit. p. 554.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
15
LACAN J., "A identificação", seminário inédito, aula de 13/12/61.
16
FREUD S., "O prolema econômico do masoquismo", Obras Completas, op. cit. vol. XIX, p. 203; Studienausgaben, op.
cit. vol. III, p. 346; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol. XIX, p. 162.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
chama, clinicamente, recalque [...]. Dentro de uma mesma fase psíquica e entre os
registros da mesma espécie, forma-se uma defesa normal devida à produção de
desprazer. Já a defesa patológica somente ocorre contra um traço de memória
(Erinnerungsspur) de uma fase anterior que não foi traduzido»17.
Partindo daí, penso poder dizer que um traço negativo é exatamente um
traço que, tendo chegado a se constituir em mais um na cadeia, "regride" ao que
passa a ser um traço (Zug) que, assim, adquire a função da qual não sofreu
tradução, ou seja, passa a não se submeter à ação ordenadora do significante falo,
exigindo, portanto, a ação de mecanismos de defesa patológicos. «Uma fantasia
deste tipo (perversa), proveniente talvez de causas acidentais na infância e mantida
para o propósito de satisfação auto-erótica pode, à luz de nosso conhecimento
presente, somente ser vista como um traço primário (primären Zug) de pervers-
ão»18.
Coloco-lhes então minha proposta: localizar a ação da Verleugnung, este
mecanismo de defesa patológico que tenta dar conta do que não sofreu tradução
entre as camadas WZ e UB no esquema modificado da "Carta 52" ou, no esquema
lacaniano, entre o I e o P (esquema R). Agindo neste ponto, a Verleugnung
(desmentido) negativa a ação legislativa do significante falo, deixando sobreviver,
sem tradução um traço primário (primären Zug) que se faz o único, neste momento,
a ditar as leis: é a vontade de gozo que surge na brecha aberta da tela protetora da
fantasia fundamental. É a marca estrutural que diferencia um traço de perversão
de um acting-out, que se caracteriza por ser um signo cênico transitório em seu
endereçamento a um outro que não está. Se diferencia também dos traços da
fantasia, estes significantes, que surgem no percurso de uma análise, a partir dos
quais pode-se, eventualmente, construir-se a fantasia fundamental.
Conclusão
17
FREUD S., "Carta 52", Obras Completas, op. cit. vol. I, p. 256; Aus den Anfangen der Psychoanalysis, op. cit. p. 187;
Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol. I, p. 235.
18
Vide nota 3.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
Todo este percurso teórico, motivado pela clínica de João, assim como os
resultados apresentados ao longo de um trabalho de mais ou menos três anos,
possibilita a seguinte conclusão:
O relato que a mãe de João lhe fez do momento em que conheceu seu pai,
assim como a "brecha" na cortina, propiciando a visão do corpo nu, favoreceram à
fixação de uma imagem que, no a posteriori, desencadeou uma prática
masturbatória que se sustentou como "satisfação auto-erótica", uma pulsão que se
antecipou à maturação e desmentiu a ação fálica. A falta de um pai real foi, talvez,
o fator preponderante desta fixação.
Durante todo o tratamento analítico, objetivou-se a construção de um significante
que pudesse fazer as vezes do que não pôde ser traduzido e que permaneceu como
traço. Desta forma a brecha que se instalou na tela protetora da fantasia pode ser,
de alguma maneira reparada e, hoje, João pôde colocar um tempo para compre-
ender, um tempo de espera, um intervalo entre o instante de olhar e o momento de
concluir.
Referências Bibliográficas
FREUD S., "Carta 52", Obras Completas, Edição Standard Brasileira, vol. I, Rio de Janeiro, Imago, 1969, p.
254; Aus den Anfängen der Psychoanalysis, London, Imago Publishing - CO, LTD, 1950, p. 185; Standard
Edition of the Complete Psychological Works, vol. I, London, The Hogarth Press, 1973, p. 233.
FREUD S., "Carta 52", Obras Completas, op. cit. vol. I, p. 256; Aus den Anfangen der Psychoanalysis, op.
cit. p. 187; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol. I, p. 235.
FREUD S., "O prolema econômico do masoquismo", Obras Completas, op. cit. vol. XIX, p. 203;
Studienausgaben, op. cit. vol. III, p. 346; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit. vol.
XIX, p. 162.
FREUD S., "Psicologia das massas e análise do eu", Obras Completas, op. cit. vol. XVII, p. 135;
Studienausgaben, op. cit. vol. IX, pág. 100; Standard Edition of the Complete Psychological Works, op. cit.
vol. XVII, p. 107.
CliniCAPS, Vol 4, nº 10 (2010) – Artigos
FREUD S., "Uma criança é espancada", Obras Completas, op. cit. vol. XVII, p. 228; Studienausgaben,
vol. VII, Frankfurt, Fischer Taschenbuch Verlag, 1982, p. 233; Standard Edition of the Complete
Psychological Works, op. cit. vol. XVII, p. 181.
LACAN J., "A identificação", seminário inédito, aula de 13/12/61.
LACAN J., "D'une question preliminaire à tout traitement possible de la psychose", op. cit. p. 553.
LACAN J., "D'une question preliminaire à tout traitement possible de la psychose", op. cit. p. 554.
LACAN J., "Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freudien", op. cit. p. 809.
LACAN J., "Sur la théorie du symbolisme d'Ernest Jones", Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 714.