Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Da Saúde Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública
Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Da Saúde Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública
Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Da Saúde Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública
FERNANDO HELLMANN
Florianópolis
2009
FERNANDO HELLMANN
Florianópolis
2009
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
Inclui bibliografia
CDU 614
À Ivone Hellmann, amiga, confidente e Mãe.
AGRADECIMENTOS
Cada vez mais a vida tem me ensinado que eu nada seria se estivesse
sozinho. Tem me ensinado que a árvore, para dar frutos, precisa de tempo para
crescer e depende da terra, da luz, da água. Por isso, quero agradecer cada pessoa
que, nesses últimos dois anos, de uma forma ou de outra, contribuiu para que esta
dissertação amadurecesse junto comigo.
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Amirto Hellmann (em
memória) e Ivone Hellmann, pois sempre me apoiaram e incentivaram a estudar.
Agradeço ainda aos meus irmãos, Silvana e Gilson, também aos meus sobrinhos
Bruno, Ana, Artur, Felipe e Vitor, por compartilharem com afeto, e mesmo com
alguns desafetos, nosso amor de família.
Agradeço imensamente à minha orientadora Profª. Marta Verdi, mãe do
Lorenzo, que me acolheu e acreditou no meu trabalho, propiciando crescimento
pessoal e acadêmico. Marta, és para mim não apenas um exemplo de professora
mas também de Pessoa!
Aos professores que participaram da banca de defesa desta dissertação:
Prof. Volnei Garrafa e ao Prof. Marco da Ros; ao Prof. Charles Tesser à Profª. Elma
Zoboli, pela excelente contribuição na qualificação deste trabalho. A vocês, muito
obrigado!
À Profª. Sandra Caponi compete um agradecimento em especial, pois
além de participar da qualificação e da defesa deste estudo, me recebeu com
carinho em suas aulas e foi sempre prestativa nos auxílios que pedi a ela.
Agradeço aos professores do mestrado; aos amigos feitos nessa que é a
melhor turma que o Programa de Saúde Pública já teve, em especial à Juliane
Brenner, companheira em todos os trabalhos acadêmicos.
À Profª. Rozane Goulart, que nunca mediu esforços para me auxiliar na
vida acadêmica: desde a primeira apresentação que fiz em um congresso, em 2002,
quando cursava a terceira fase de Naturologia na UNISUL, passando pelo
Congresso de Bioética, em 2008, na Croácia, até a realização do mestrado, muiiiiito
obrigado!
Ao Programa Linha Verde da UNISUL: em especial à Teresa Gaio e à
Fátima Farias, amigas e professoras, que me inseriram no SUS e na fitoterapia; à
Nathália Martins e à Maria Alice. Vocês são exemplos para mim!
Ao Naturólogo Daniel Rodrigues, eterno amigo que merece
agradecimento especial, pois não mediu esforços para ministrar minhas aulas
quando tive que me ausentar em função do mestrado; muito obrigado de coração.
Aos professores que me iniciaram na vida acadêmica: Helge e Marina
Pantzier, Rita de Cássia dos Santos e Joel Lohn, pois fizeram a diferença na minha
formação. À Profª. itajaiense Nazaré Nazário, exemplo de didática, que colaborou na
metodologia desta pesquisa. À Dra. Marilene Dellagiustina pelas valiosas
contribuições para o segundo artigo. À Luana Wedekin, minha professora, amiga e
até terapeuta! À Dra. Elaine de Azevedo, que me mostrou que Naturologia não
existe se não buscarmos além da saúde individual e coletiva, ambiental e social.
À Amiga Vilca Merízio, não apenas pela revisão ortográfica, mas também
pela amizade genuína que me faz viver e me sentir vivo e amado. Obrigado!
Aos novos amigos: Paulo Francisco, pela tradução; Pedro Bortolon, pelas
artes gráficas; João Ricardo Machado, pelos momentos especiais vividos em 2008.
Agradeço a todos que tornaram esta pesquisa possível: ao coordenador
do curso de Naturologia da Universidade Anhembi Morumbi, Prof. André Ribeiro e,
novamente, à Profª. Rozane Goulart, Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada da UNISUL, e a Ana Paula Farias por seu carinho e atenção sempre
recebido. Agradeço especialmente a todos os professores entrevistados pela
atenção a mim dirigida.
À grande família de Naturólogos e de acadêmicos do Curso de
Naturologia, em especial àqueles que ministrei ou ministrarei aulas!
Por fim, sou sempre grato aos meus eternos amigos (em ordem
alfabética): Cleusa Probst, Jeferson de Melo, Marcelo Franzoi, Rafael Reis, Ramon
Frasetto, Rodrigo Hellmann e Thyago Martins, simplesmente por existirem.
Agradecido!
HELLMANN, F. Reflexões sobre os referenciais de análise em bioética no
ensino da naturologia no Brasil à luz da bioética social. 2009, 177f. Dissertação
(Mestrado em Saúde Pública) – Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública.
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
RESUMO
ABSTRACT
The possible relations between Bioethics and Naturology are evident in the desire of
these disciplines to care for the well-being of humans and the planet, as well as in
facing the challenges of overcoming the usual perspectives of the individual, and to
move towards the common well being. Considering that there are different visions of
Bioethics, Social Bioethics appears as a possible theoretical landmark to propose
reflexions about the current challenges facing the Naturologia attention of the
collective health. Therefore, the purpose of this study is to discuss the light of Social
Bioethics, the themes and references to the analysis in Bioethics present in the
Naturology teaching in Brazil and in its implications for the formation of the
naturologist. This is a documented descriptive and qualitative study, conducted as a
field investigation carried out in two Brazilian Universities that offer Naturology
studies. The subjects of this research were twenty professors. The information was
obtained in two steps. In the first, the documental data was collected, which included
more than thirty-six teaching plans containing themes regarding Bioethics. In the
second step, twenty professors were interviewed for to know how the process of
teaching and learning distinct themes was carried out. The data were treated through
the analyses of content. The results are presented in two articles. The first one
answers the central question of the study, exposing the bioethics themes and
references studied through the courses, in five categories: (1) The therapeutic
relationship to ecology: bioethical issues in the teaching of Naturologia; (2) The
therapeutic relationship in Naturologia: the focus of care in bioethics; (3)
Epistemology of Naturologia: the naturalistic approach to the naturalization of social
problems, (4 ) From the virtues to Deontological ethics: multiple approaches in the
teaching of Naturologia; (5) Vocation, presence and social challenges of bioethics in
the course of Naturologia.The second article discusses how the ethics study is done,
of deontology and bioethics in the course, in four categories: (1) General
characteristics of subjects involving the study of ethics, bioethics, and deontology, (2)
Bioethics as a discipline in the course of Naturologia: themes and references for
analysis, (3) theoretical approaches in the study of ethics in Naturology: under the
light of Social Bioethics, (4) The study of deontology in the teaching of Naturologia. It
is considered that currently, Naturology tends to graduate the naturologist concerned
more with individual health, and not with attention to the collective health. Moreover,
only to inform the students that there are social problems still doesn't graduate
socially-aware professionals. It is necessary to make more abundant the social-politic
content in teaching, and create more references to social Bioethics.
RESUMEN
RÉSUMÉ
Les possibles rapports entre Bioéthique et Naturologie sont présents dans l’objectif
que ces domaines de la connaissance poursuivent, aussi bien pour ce qui est d’agir
en vue du bien-être de l’homme et de la planète, que de relever le défi de dépasser
des perspectives de la pratique d’ordre individuel et de se diriger vers le bien
commun collectif. Sachant qu’il y a différentes approches en bioéthique, la bioéthique
sociale apparaît comme étant une possible référence théorique afin de proposer des
réflexions face aux bouleversements actuels de la naturologie de l’attention donnée à
la santé collective. Ainsi, cette étude a pour objectif de discuter, à la lumière de la
bioéthique sociale, les thèmes et les références d’analyse en bioéthique, présents
dans l’enseignement de la naturologie, au Brésil, et ses implications dans la
formation du naturologue. Il s’agit d’une étude qualitative et descriptive, réalisée à
travers une recherche documentale et sur le terrain, développée dans deux
universités brésiliennes qui offrent le cours de naturologie. Elle a compté sur la
participation de vingt professeurs en tant que sujets de l’étude. Les informations ont
été obtenues à deux moments : dans un premier moment, on a réalisé la collecte des
données documentales, dans laquelle trente six plans de cours qui contenaient des
thèmes de l’intérêt de la bioéthique ont été sélectionnés. Dans un second moment,
vingt professeurs ont été interviewés pour savoir comment était réalisé le processus
d’enseignement-apprentissage face aux thèmes rencontrés. Les données ont été
traitées par l’analyse de contenu. Les résultats en sont présentés dans deux articles.
Le premier, répond à la question centrale de l’étude, en exposant les thèmes et les
référentiels bioéthiques étudiés transversalement pendant le cours, dans cinq
catégories: (1) De la relation thérapeutique à l'écologie: les questions de bioéthique
dans l'enseignement de Naturologie; (2) La relation thérapeutique en Naturologia: les
orientation de soins en bioéthique; (3) Épistémologie de la Naturologie: de l'approche
naturaliste à la naturalisation des problèmes sociaux, (4) De les vertus a lês
déonthologie: de multiples approches dans l'enseignement de Naturologia; (5) La
vocation, la présence et les défis de La bioéthique sociale dans l´enseignement de la
Naturologie. Le deuxième article parle de comment se fait l’étude de l’éthique, de la
déonthologie et de la bioéthique en tant que matières du cours, dans quatre
catégories: (1) Les caractéristiques générales des disciplines concernant l'étude de
l'éthique, la bioéthique et La déonthologie, (2) La bioéthique en tant que matières do
cours de Naturologie: thèmes et des références d'analyse, (3) Approches théoriques
de l'éthique dans l´étude de Naturologie: un regard a la bioéthique sociale, (4)
L'étude de La déonthologie dans l'enseignement de la Naturologie. On considère
que, actuellement, l’enseignement de la naturologie tend à la formation du
naturologue aux soins envers la santé individuelle et non pas envers l’attention à la
santé collective et informer le monde académique qu’il y a des problèmes sociaux,
mais ne permet pas la formation d’un professionnel socialement engagé. Donc, il
devient nécessaire d’élargir, dans l’enseignement, le contenu de caractère socio-
politique et adapter les référentiels à l’optique bioéthique sociale.
Lista de quadros........................................................................................................13
Lista de siglas............................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................15
1.1 Objetivo Geral....................................................................................................23
1.2 Objetivos Específicos .......................................................................................23
1.3 Justificativa........................................................................................................24
2 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................26
2.1 Bioética ..............................................................................................................26
2.1.1 As Dimensões da Bioética .........................................................................30
2.1.1.1 A Diversidade de Referenciais Teóricos em Bioética .........................33
2.1.2 O Enfoque Principialista ............................................................................37
2.1.3 O Enfoque das Virtudes.............................................................................42
2.1.4 O Enfoque do Cuidado ..............................................................................49
2.1.5 O Enfoque Naturalista ...............................................................................53
2.1.6 O Enfoque da Ética Profissional ................................................................58
2.1.7 O Enfoque Social.......................................................................................60
2.1.7.1 Bioética Cotidiana ...............................................................................66
2.1.7.2 Bioética de Intervenção ......................................................................68
2.1.7.3 Bioética de Proteção...........................................................................71
2.1.7.4 Bioética e Teologia da Libertação.......................................................73
2.1.7.5 Bioética Antissexista, Antirracista e Libertária ....................................74
2.2 Naturologia ........................................................................................................76
2.2.1 O ensino de Naturologia no Brasil: currículo dos cursos ...........................82
2.2.2 Campos de atuação do Bacharel em Naturologia .....................................86
2.2.3 Práticas Integrativas e Complementares, Naturologia e Saúde Pública no
Brasil...................................................................................................................86
5 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 104
APÊNDICES ..........................................................................................................166
Apêndice I (A) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida - UNISUL166
Apêndice I (B) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida -UAM ... 167
Apêndice I (C) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida - UFSC 168
Apêndice II (A) – Termo de Consentimento para Coleta de Dados - UNISUL ........ 169
Apêndice II (B) – Termo de Consentimento para Coleta de Dados - UAM ............. 171
Apêndice III – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 173
Apêndice IV – Declaração de Ciência da Resolução CNS 196/96.......................... 175
Apêndice V – Roteiro para coleta de dados - Entrevista semi-estruturada ............. 176
13
Lista de siglas
14
1 INTRODUÇÃO
15
Tier und Pflanze1 (ENGEL, 2004), muito embora, não tenha sido esse o autor que
impulsionou o nascimento da Bioética em termos acadêmicos.
Para Garrafa (2005c), foi através de Potter que o neologismo Bioética
ficou mundialmente conhecido. Mas, independente de quem tenha cunhado o termo,
houve diferenças no significado da palavra quando esses autores as criaram: para
Hellegers, a Bioética designava “ética da vida”, e seu campo de estudo restringia-se
a princípios morais focados principalmente nas consequências da aplicação das
biotecnologias das ciências médicas ao homem e à relação entre médico e paciente.
Para Potter, o sentido da Bioética era "ciência da sobrevivência", a ponte entre
ciência e filosofia em termos mais abrangentes, ligado ao bem-estar dos seres
humanos, dos animais não-humanos e do meio ambiente (POTTER, 1971; DINIZ e
GUILHEM, 2002). Por sua vez, Engel (2004) defende que Fritz Jahr apresentava a
Bioética, assim como Potter, como a emergência de obrigações éticas não apenas
em relação ao homem, mas a todos os seres vivos.
Já no início da discussão acadêmica sobre Bioética, verifica-se a grande
circunscrição de temas: desde as implicações éticas dos avanços científicos que
envolvem a vida em seu aspecto macro – a ecologia, por exemplo - até as relações
micro, como a relação entre terapeuta e pessoa assistida e entre as instituições e as
pesquisas biomédicas (PESSINI, 2005). Os temas bioéticos estão pautados
especialmente nas implicações tecno-científicas e nos dilemas éticos relacionados
aos processos do viver humano, como o nascer e o morrer, o trabalho, as relações
com o corpo, entre outros e as relações do homem com a natureza e sociedade. A
ampla abrangência temática deve-se ao fato de a Bioética ser um campo de estudo
interdisciplinar.
Ainda que haja grande abrangência temática na Bioética, os temas
mudam conforme a posição e o entendimento de diversos autores que tratam desse
assunto, muito especialmente quando cultura, economia, região geográfica e sócio-
política diferem. A grande maioria das discussões Bioéticas permanece no que
Berlinguer (1995) denomina situações limites, ou seja, aquelas centradas nos
avanços científicos, sobretudo da medicina e da biologia, tais como transplantes,
fecundação artificial, células tronco, DNA recombinante, sobrevivência prolongada e
hibridação inter-espécies. O mesmo autor refere que esse rumo da Bioética
1
Bioética: um olhar sobre a ética das relações entre o homem com as plantas e os animais (Tradução
do Autor).
16
negligenciou problemas que, cotidianamente, afetam milhares de pessoas,
sobretudo as mais necessitadas. Dessa forma, Berlinguer aponta a necessidade de
se pensar os dilemas éticos persistentes na sociedade, entre eles, a desigualdade
social, as cacotanásias2, a fome e o restrito acesso de assistência à saúde
(BERLINGUER, 1995; 2004).
Para Neves (1996), quando se confrontam diferentes autores que tratam
da Bioética, há uma diferença substancial entre distintas correntes de pensamento
existentes quanto ao equacionamento frente a um mesmo dilema ético, ou seja,
existem diferentes formas de olhar para um mesmo dilema.
A diversidade de enfoques3 em Bioética pode ser observada já na
definição proposta por Reich (1995, p. XXI): a Bioética compreende o
2
O termo “cacotanásias” refere-se à mortes sofridas, sobretudo as que poderiam ser evitadas.
3
Por opção do Autor, será utilizado o termo enfoque em Bioética como sinônimo para referenciais de
análise em Bioética.
17
o hermenêutico, enraizado na filosofia européia contemporânea, prevalecendo a
tendência de uma ética universal (NEVES, 1996).
Um dos exemplos de autores que prezam uma ética universalista é o
médico e sanitarista italiano Giovanni Berlinguer, que pensa a Bioética a partir da
equidade e da promoção de saúde, posicionando-se contra os enfoques bioéticos
que buscam justificar o duplo standard, ou seja, critérios éticos para países ricos
diferentes dos critérios para países pobres. O autor ainda prefere tratar dos
problemas éticos cotidianos negligenciados, na maioria das vezes, nos debates
bioéticos: a exclusão social, o preconceito e as mortes evitáveis (BERLINGUER,
1995; 2004).
De forma semelhante, bioeticistas brasileiros como Volnei Garrafa, Fermin
Roland Schramm, Fátima Oliveira e Márcio Fabri dos Anjos, entre outros, pensam a
Bioética a partir do enfoque latino-americano, discutindo problemas éticos
persistentes nos países da América Latina, dentro de uma perspectiva mais ampla
que considera o pluralismo moral existente nas sociedades, contextualiza os
problemas onde o mesmo acontece, preza pela universalidade e justiça social
(GARRAFA et al, 2006; ANJOS, 2003; OLIVEIRA, 1995; SCHRAMM, 2006).
Berlinguer, Garrafa, Schramm, Oliveira e Anjos, são alguns dos
bioeticistas que defendem a necessidade de se pensar referenciais de análise em
Bioética socialmente comprometida, uma Bioética social. A Bioética social, para ser
efetiva, entre outros fatores, necessita de disposição, persistência e preparo
acadêmico, com a finalidade de se alcançar uma sociedade mais justa e equânime
(GARRAFA, 2005a).
Cortina (1998) assinala que, para mudar a sociedade da situação atual
para algo melhor, exige-se repensar o âmbito público a partir das atividades
econômicas, da opinião pública, das associações civis e também das atividades
profissionais. As atividades profissionais pertencem à sociedade civil; portanto,
inserem-se no âmbito público, pois, de alguma forma, prestam atendimentos
específicos à sociedade. Esse marco referenda, conforme a autora menciona, a
revitalização da ética das profissões, empenhada na tarefa de fazer excelente a vida
cotidiana.
Por eso importa revitalizar las profesiones, recordando cuáles son sus fines
legítimos y qué hábitos es preciso desarrollar para alcanzarlos. A esos
hábitos, que llamamos ‘virtudes’, ponían los griegos por nombres ‘aretai’,
‘excelencias’. ‘Excelente’ era para el mundo griego el que destacaba por
respeto a sus compañeros en el buen ejercicio de una actividad. ‘Excelente’
18
sería aquí el que compite consigo mismo para ofrecer un buen producto
profesional, el que no se conforma con la mediocridad de quien únicamente
aspira a eludir acusaciones legales de negligencia. (CORTINA, 1998, p.2).
19
especial a medicina, em trocar os velhos modelos burocráticos, disciplinares e
fragmentados, de quase cinquenta anos atrás, por novas iniciativas.
Rego (2003), referindo-se ao ensino médico, aponta para o crescente
número de novas faculdades, especialmente as privadas, criadas, algumas vezes,
por ideais mercantilistas, que contratam professores desatualizados, face às novas
necessidades éticas da sociedade atual e, muitas vezes, não são preparados para o
ensino da ética.
Além do crescimento de faculdades, novas demandas motivam a criação
de novos cursos. Tesser e Barros (2008, p. 915) apontam que “há um interesse
crescente em múltiplos setores sociais no ocidente dirigido às chamadas medicinas
alternativas e complementares”. Esses interesses são fomentados pela insatisfação
e pelos limites tidos com a biomedicina, bem como problemas de acesso e custo, e
também por mérito próprio, sendo que diversas dessas práticas e técnicas são
reconhecidas internacionalmente na saúde pública e, especialmente no Brasil, é
impulsionada pela atual Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(TESSER e BARROS, 2008). Um exemplo é o caso do curso de graduação em
Naturologia, o qual preenche uma lacuna existente no universo acadêmico brasileiro:
cria espaço necessário para a produção de novas teorias e práticas na área de
saúde, pois se propõe resgatar, pesquisar e aplicar terapias naturais, sob ótica ética
e ecológica, embasada no aproveitamento sustentável dos recursos naturais do país
(SILVA, 2004).
Existem, até o presente momento, três cursos de Naturologia no Brasil,
sendo que apenas dois são reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC). O fato da terceira universidade não ter seu curso reconhecido deve-se ao
mesmo não ter ainda formado nenhuma turma de bacharéis em Naturologia. A
universidade pioneira do Brasil a criar o curso foi a Universidade do Sul de Santa
Catarina – UNISUL, em 1998. Posteriormente, em 2002, a Universidade Anhembi
Morumbi – UAM criou o segundo curso de Naturologia do país, sendo a pioneira no
Estado de São Paulo. Recentemente, em 2009, a Universidade Potiguar - UnP,
localizada no Rio Grande do Norte, criou o terceiro curso no país (UNISUL, 2008a;
UAM, 2008a; UNP, 2009).
Os três cursos de Naturologia possuem uma base epistemológica
semelhante: estudam e aplicam as práticas naturais balizadas através de dois
20
fundamentos filosóficos milenares: Medicina Tradicional Chinesa e a Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas de várias escolas de filosofia e de psicologia
ocidentais contemporâneas, como a Medicina Antroposófica, em sua maioria,
voltadas à visão ecológica (HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Dentre as práticas naturais integrativas e complementares4 estudadas
nesse curso encontram-se a: fitoterapia, aromaterapia, hidroterapia, arteterapia,
geoterapia, cromoterapia, massoterapia, reflexologia, musicoterapia, Florais,
iridologia, técnicas corporais, entre outras.
A Naturopatia também faz uso das práticas naturais acima descritas. Os
princípios filosóficos da Naturopatia remotam a Hipócrates, pai da biomedicina, que
predizia ser o corpo que se curava por si próprio, cabendo ao médico fortalecer o
potencial de cura inerente ao homem. Por outro lado, o que diferencia a
Naturopatia da Naturologia é que a primeira foca-se na doença e a segunda na
saúde (FIALHO, 1999). A saúde, para a Naturologia, é uma visão que procura não
fragmentar o ser humano, concebendo-o em sua integralidade. Assim, a Naturologia:
Não trata só a saúde física, mas também a saúde mental; não se dirige
apenas para o indivíduo, mas a toda a comunidade; não se limita ao
homem, mas questiona e incorpora o seu habitat. Nesse sentido, o de
saúde total, é que se pode perceber a diferença entre a prática naturológica
e a naturopática. O naturólogo vai além do naturopata, não se restringe ao
indivíduo, ou ao físico desse indivíduo, mas busca o holos, o todo em que
esse indivíduo está inserido. (FIALHO, 1999, p. 3 - 4).
4
Diz-se práticas complementares àquelas usadas juntas com práticas da biomedicina; integrativas:
quando são usadas conjuntamente baseadas em avaliações científicas de segurança e eficácia
(TESSER e BARROS, 2008).
21
da assistência médico-sanitário e à necessidade de novos valores éticos (DINIZ e
GUILHEM, 2002), a Naturologia nasceu de forma semelhante, impulsionada pela
necessidade atual “[...] de alguns outros conceitos no processo saúde-doença, como
a intuição, a energia vital, o holismo entre outros, impondo-se a necessidade de
repensar a prática dentro de um ‘novo’ espaço ético” (TESSER e BARROS, 2008, p.
917).
A Naturologia, então, surgiu como um campo na área da saúde que se
tem estruturado especialmente nos últimos dez anos. Bourdieu (2001) apresenta a
noção de campo como objetos e espaços que configuram jogos de disputas e poder.
Em relação ao campo científico, Bourdieu (1983) apresenta a luta que ocorre nesses
espaços pela disputa da capacidade técnica (autoridade) e a legitimação social
(autorização) frente às diferentes formas do conhecimento humano:
22
fortalecedor da ética, torna-se uma abordagem imprescindível no processo de
ensino-aprendizagem no âmbito da Naturologia.
Faz-se mister que o ensino da Bioética nos cursos de graduação do
Brasil, aqui, em especial, o curso de Naturologia, sejam pautados por referenciais
bioéticos, pensados a partir das necessidades cotidianas da saúde coletiva. Nesse
sentido, surge a preocupação relacionada à formação do naturólogo no que diz
respeito ao equacionamento dos temas éticos presentes no cotidiano dos seres
humanos, em especial dos brasileiros, uma vez que o curso insere-se no contexto
da saúde coletiva e vem ganhando espaço na saúde pública nacional.
Assim sendo, define-se a questão central da presente pesquisa: conhecer
quais são os referenciais bioéticos presentes no ensino da graduação de Naturologia
no Brasil e discutir sobre suas implicações para a formação profissional do bacharel
em Naturologia socialmente comprometido.
23
1.3 Justificativa
24
gerais e comuns de adoecimento; em um modelo de saúde que incentiva a
autonomia do paciente e que tem como categoria central a saúde e não a doença.
Ainda que “o uso de algumas práticas não convencionais pode contribuir
no sentido de sensibilizar para uma forma mais humanizadora no processo de cuidar
(WALDOW, 2001, p. 84)”, o modismo atual presente na sociedade, o qual tem
levado ao “consumo de técnicas e tratamentos complementares dentro da lógica do
mercado, da medicalização e da higiomania5 [...]” (TESSER; BARROS, 2008, p.
919), pode desvirtuar os valores éticos presentes nessas práticas.
O debate acerca dos referenciais bioéticos presentes no curso de
Naturologia contribui para refletir sobre a forma como tem sido utilizado o
conhecimento das práticas naturais frente aos temas éticos presentes na sociedade
atual. Ressalta-se que o naturólogo não atua apenas em esfera privada, pois a
Naturologia já é realidade em unidades básicas de saúde e em outras instâncias
públicas de saúde de diversas cidades brasileiras.
Tesser e Barros (2008) defendem a oferta das medicinas alternativas,
complementares e integrativas no SUS como “[...] cultivo de democracia e ecologia
epistemológicas´ sustentáveis e estratégia de manejo da medicalização na
construção da universalidade, equidade e integralidade [...]” (p. 920).
Para que o processo de ensino-aprendizagem possa ser consolidado no
curso de Naturologia, também nos cursos da área da saúde em geral, como meio de
desenvolver consciência ética nos profissionais e de promover o respeito
incondicional ao próximo e quiçá ao cosmos, consideram-se de suma importância
estudos que aprofundem a temática do ensino e da aprendizagem da Bioética em
seus vários aspectos.
Esse trabalho, portanto, apresenta relevância do ponto de vista científico,
já que se constitui em acervo bibliográfico sobre temáticas ainda pouco discutidas:
Naturologia, Bioética Social e ensino da Bioética na área da saúde, subsidiando
outras pesquisas como fonte de informação; do ponto de vista social, por contribuir
com a reflexão ética a partir de um referencial teórico de cunho social; e do ponto de
vista político, por favorecer a discussão sobre a ética na formação de profissionais
que futuramente poderão tornar-se pessoas comprometidas com o exercício da
cidadania.
5
Higiomania trata-se da preocupação excessiva que a pessoa tem com a sua própria saúde.
Fundamenta-se na responsabilização do indivíduo perante sua saúde (NOGUEIRA, 2003).
25
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Bioética
26
a vida humana face às inovações técnico-científicas nas áreas das ciências da vida
(ANJOS, 2001).
Dessa forma, o nascimento da Bioética pode ser considerado um
movimento renovador, fortalecedor da ética. Esse campo de estudo tende a traduzir
a filosofia moral6 para uma linguagem mais ao alcance daqueles que atuam
especialmente nas áreas da saúde e da vida, facilitando aplicá-la. No período inicial
do surgimento da Bioética Diniz e Guilhem (2002) assinalam alguns fatos, tais como:
o Código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque e as denúncias frequentes de
abusos cometidos por pesquisas biomédicas, enquanto marcos históricos os quais
contribuíram para a consolidação desse ramo acadêmico.
O Código de Nuremberg, datado de 1947, por exemplo, é um marco
histórico por ser o primeiro documento internacional de regulamentação das
pesquisas envolvendo seres humanos. Esse documento resultou do processo de
nazistas da II Guerra Mundial. Ao final dessa guerra, em 1945, instaurou-se o
Tribunal Militar Internacional e, em 1946, iniciou-se o julgamento de vinte e três
acusados pelos crimes cometidos durante a guerra contra ciganos, judeus,
poloneses e russos. Dos vinte e três acusados, vinte eram médicos que haviam
realizado experimentos biomédicos com prisioneiros nos campos de concentração.
Tal código resultou em documento com dez itens que resumem normas para
experimentos médicos com participantes humanos (DINIZ e GUILHEM, 2002).
A Declaração de Helsinki, por sua vez, foi elaborada pela Associação
Médica Mundial que reconheceu falhas no Código de Nuremberg e propôs
mudanças em tal código. Essa declaração foi adotada na 18ª Assembléia Médica
Mundial, ocorrida em Helsinki, Finlândia, em junho 1964. Após essa data, o mesmo
código foi revisto mais cinco vezes (Japão: 1975; Itália: 1983; Hong Kong: 1989,
África do Sul: 1996, Escócia: 2000). A última revisão, realizada em 2000, foi feita
após críticas direcionadas a estudos que testaram medicamentos como o AZT para
o vírus HIV, conduzidos na África, e que foram controlados por placebo e já haviam
sido estabelecidos protocolos médicos profiláticos comprovados (DINIZ e GUILHEM,
2002). Após o ano de 2000, foram acrescentadas duas notas esclarecedoras, uma
em 2002 e outra em 2004 (RAMOS, 2008). Recentemente, em março de 2008
reuniu-se, novamente em Helsinki, um grupo de trabalho responsável por consolidar
6
A filosofia moral distingue ética de moral e discute, problematiza e interpreta o significado dos
diferentes valores morais (CHAUÍ, 2000).
27
sugestões para a revisão da referida declaração, composto por representantes de
diversas nacionalidades, incluindo o Brasil. Entre os principais pontos discutidos,
referente a pesquisas clínicas envolvendo seres humanos, encontram-se a utilização
de placebo e a questão que dizer respeito ao acesso do medicamento ao final do
estudo pelos participantes desse. A nova versão do texto foi submetida à aprovação
na Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em outubro de 2008 em Seul,
Coréia do Sul (JAMB, 2008a).
O resultado da revisão ocorrida em Seul, 2008, no item 33 da Declaração,
informa que após conclusão dos estudos os pacientes nele incluídos terão acesso a
intervenções identificadas no estudo como benéficas ou a outros cuidados
adequados ou benefícios. No entanto, a utilização de placebo em pesquisas
envolvendo seres humanos, quando justificado metodologicamente e sem expor o
paciente a riscos, poderia ser utilizado. Para a Associação Médica Brasileira, o
resultado dessa revisão foi “[...] um documento bastante sólido, atualizado e
disponível para o balizamento ético” (JAMB, 2008b, p. 31). No entanto, a utilização
de placebos foi permitida (mesmo que com ressalvas) o que possibilita a propensão
à novos abusos da indústria farmacêutica em pesquisas, configurando-se em um
ponto de vista favorável às indústrias farmacêuticas e não à população vulnerável
dos países do hemisfério sul.
Entre as denúncias de abusos em pesquisas e procedimentos biomédicos
que desempenharam papel importante na consolidação da Bioética, Albert Jonsen
(1993), pontua três acontecimentos. O primeiro, foi a publicação do artigo na revista
Life, em 1962, intitulado “Eles decidem quem vive, quem morre”, da jornalista Shana
Alexander. Esse artigo relatava a criação de um comitê de ética hospitalar, o Comitê
de Seattle, o qual definia as prioridades para a alocação de recursos em saúde. O
comitê havia elaborado critérios de seleção de pacientes que necessitavam de
hemodiálise para um pequeno grupo de pessoas leigas. Esse fato assinalou a
ruptura entre a Bioética e a tradicional ética médica, até então de domínio exclusivo
do profissional de saúde, principalmente médicos.
O segundo acontecimento foi a divulgação do artigo, de Henry Beecher,
intitulado “Ética e pesquisa clínica”, publicado em 1966 no The New England
Journal of Medicine. O estudo de Beecher partiu da compilação original de 50
artigos, nos quais encontrou 22 relatos de pesquisas realizadas por instituições
28
governamentais e companhias de medicamentos em que os alvos eram os
chamados “cidadãos de segunda classe”. A pesquisa demonstrou que apenas dois
dos 50 artigos compilados possuíam termo de consentimento informado e constatou
abusos, como maus tratos e violações éticas, demonstrando que a imoralidade em
pesquisa biomédica não era exclusiva dos médicos nazistas, tal como os novos
cientistas acreditavam.
O terceiro evento que Jonsen (1993) apontou como significativo foi a
manifestação pública contra o transplante realizado pelo cirurgião cardíaco Christian
Barnard, da África do Sul, em 1967. Bernard transferiu o coração de uma pessoa
“quase morta” para um paciente com doença cardíaca terminal. A ocorrência gerou
discussão sobre como Barnard poderia garantir que o doador estava realmente
morto no momento do transplante. Tal fato levou a Escola Médica da Universidade
de Harvard, em 1968, a definir critérios para a morte cerebral, na tentativa de
controlar casos semelhantes.
A consolidação acadêmica da Bioética iniciou-se principalmente nos EUA.
Além do neologismo criado pelos americanos Potter e/ou Hellegers, outro fator
importante na consolidação da Bioética, como assim assinalam Diniz e Guilhem
(2002) foi a instituição, pelo Governo e o Congresso estadunidense, de um comitê
nacional com o objetivo de criar diretrizes éticas para pesquisas. Esse comitê
nasceu das necessidades das denúncias dos abusos realizados com pesquisa,
especialmente do caso Tuskegee.
O caso Tuskegee consistiu na denúncia, em 1972, dos abusos de uma
pesquisa realizada no sudoeste dos Estados Unidos, ocorrida durante o período de
1932 a 1972, com o objetivo de conhecer a história natural da sífilis. Cerca de 400
homens negros e pobres, que possuíam sífilis latente, foram acompanhados no
decorrer dos anos, sem o devido tratamento. Mesmo após a descoberta da
penicilina, o estudo não foi encerrado, e os homens foram acompanhados até a
morte ou até a interrupção da pesquisa, devido a denunciados abusos. Em
consequência desse caso, em 1974, criou-se a Comissão Nacional para Proteção de
Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. Em 1978, tal
comissão proporcionou o relatório de princípios éticos, o qual ficou conhecido como:
Relatório Belmont: Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas.
29
Nesse relatório, foram eleitos três princípios básicos éticos, pertencentes
à história das tradições morais do ocidente: (1) o respeito pelas pessoas, (2) a
beneficência e (3) a justiça. A divulgação desse relatório representou o
estabelecimento definitivo da Bioética. “A partir desse momento, teve início a
formalização definitiva da Bioética como um novo campo disciplinar” (DINIZ e
GUILHEM, 2002, p.23). Após o Relatório Belmont, Tom Beauchamp e James
Childress propuseram a teoria “principialista” como um modelo de estudo na área da
Bioética. Também, Albert Jonsen e Stephen Toulmin, que participaram da
elaboração do Relatório, apresentaram o modelo de estudo da “casuística”.
De acordo com Garrafa (2005c), o desenvolvimento histórico da Bioética
ocorre com base em quatro “etapas”. Primeiro, a etapa de fundação, nos anos 70,
quando se construíram as bases teóricas estruturais para a prática da Bioética (em
especial decorrente do Relatório Belmont). A segunda etapa caracteriza-se pela
expansão e consolidação, na década de 80, pois a Bioética se expandiu pelo mundo
através de eventos, livros e revistas científicas especializadas, destacando, nesse
momento, o estabelecimento da teoria principialista, a mais conhecida na Bioética. O
terceiro momento foi a revisão crítica, período posterior aos anos 90 até 2005,
especialmente pelo surgimento de críticas ao “principialismo” e pela crescente
necessidade de novas perspectivas para se pensar, de modo ético, outros aspectos
que demandam atenção e que ultrapassam a abordagem por princípios. A quarta e
última etapa seria o momento atual, o período da ampliação conceitual, que se
caracteriza após a homologação, em 19 de outubro de 2005, em Paris, da
Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), ampliando a atuação da
Bioética para além da temática biomédica-tecnológica, atingindo os campos social e
ambiental, retornando ao sentido original da Bioética, tal como propôs Potter.
30
humanos, dos animais não-humanos e do meio ambiente. Nesse sentido, alguns
autores assumem a definição de macrobioética para designar a preocupação dessa
disciplina com as questões que envolvem a sobrevivência do planeta – ecologia,
grandes debates políticos, culturais e sociais, dessa forma, pertencentes ao legado
de Potter; e microbioética, ou Bioética clínica, voltada aos problemas éticos
referentes ao relacionamento entre os profissionais de saúde e os pacientes e entre
as instituições e as pesquisas biomédicas de forma geral, conforme o legado de
Hellengers (PESSINI, 2005).
Berlinguer (1991) assinala que os estudiosos da área de Bioética, em sua
grande maioria, elegeram como temas centrais de debates os que emergem,
especialmente a partir do desenvolvimento da biomedicina e da evolução técnico-
científica em geral (eutanásia, transplantes, reprodução assistida, células tronco,
engenharia genética). O autor então denuncia que os problemas os quais persistem
a tal evolução, esses se tornam cotidianos, tais como a fome, a pobreza, o acesso
precário à saúde, entre outros, e têm sido marginalizados por alguns enfoques feitos
na Bioética.
A Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília sistematiza a
compreensão da área de estudo e abrangência da Bioética, a partir de duas grandes
áreas de atuação, conforme sua historicidade: a Bioética das situações emergentes
e a Bioética das situações persistentes (GARRAFA, 2005c).
Na Bioética das situações emergentes, são relacionados os temas
surgidos nos últimos 50 anos, derivados da evolução biotecnicocientífica. Dentre
esses temas, mencionam-se todos os relacionados às pesquisas científicas
envolvendo seres humanos; os temas derivados das implicações relacionadas à
engenharia genética, na qual se inclui a medicina preditiva e a terapia gênica; as
doações e transplantes de órgãos e tecidos humanos; a saúde reprodutiva,
especialmente acerca da fecundação assistida, mas também assuntos como a
seleção e descarte de embriões, a eugenia (escolha de sexo e determinadas
características físicas do futuro bebê), as “mães de aluguel” e a clonagem; questões
pautadas na biossegurança; entre outras.
A Bioética das situações persistentes, por sua vez, trata e analisa os
temas cotidianos que se referem à vida das milhares de pessoas e que persistem na
atualidade desse os tempos remotos. Aqui, entram todos os temas relacionados à
31
exclusão social; às discriminações de gênero e etnia, entre outras; aos temas da
equidade, da universalidade do acesso à saúde e da alocação de recursos
escassos; aos direitos humanos, à cidadania e à democracia; às cacotanásias; ao
aborto e à eutanásia. Essas duas últimas são tratadas por alguns autores como
situações emergentes; no entanto, para a Cátedra UNESCO de Bioética da UnB,
são classificadas como persistentes, pois se tratam de problemas os quais persistem
no debate ético desde os tempos remotos.
A ampliação do campo de atuação da Bioética denota que essa
[...] vai além de temas éticos na medicina para incluir assuntos da saúde
pública, preocupações sobre populações, genética, meio ambiente sanitário,
práticas e tecnologias reprodutivas, saúde e bem-estar animal e
semelhantes. (ANJOS, 2001, p.21).
32
Sendo assim, as crescentes mudanças ocorridas no sistema de saúde
pública brasileira, “[...] por representar um processo de mudança na prática da
atenção à saúde que exige dos profissionais, gestores e usuários transformações
atitudinais e culturais, requer uma reviravolta ética” (ZOBOLI, 2004, p.1691).
Kligermann (2002) menciona que os conflitos éticos, envolvidos na saúde
pública, buscam ser resolvidos por diversas correntes filosóficas. Nesse sentido,
com o intuito de promover o debate dos diferentes referenciais de análise da
Bioética na interface com a saúde pública, Zoboli (2003b) apresenta quatro enfoques
centrais da Bioética – do principialismo, da casuística, das virtudes e do cuidado – e
aponta crítica a esses referenciais no que dedilha as questões de saúde pública.
Para Zoboli (2003b), tais referenciais são produzidos para países centrais
desenvolvidos e boa parte desses é baseada em uma linguagem para tomada de
decisões no âmbito individual.
Haja vista que coexistem vários referenciais de análises em Bioética, têm-
se, portanto, várias formas de balizar as ações frente a um mesmo dilema ético. É
importante que para fortalecer a saúde coletiva, há necessidade de voltar o foco da
Bioética para o contexto de desigualdades sociais, o qual marca a saúde na América
Latina. É “[...] necessário aproximar-se desses referenciais com vistas a habilitá-los
como instrumentais de transformação desta realidade e não como meio de justificá-
la” (ZOBOLI, 2003b, p.34).
33
não se pode fugir ao fato de que a ética da vida se alimenta de concepções que nos
remetem à interpretação e à compreensão filosófica do ser humano e de sua vida”.
Assim como existem variadas correntes filosóficas, existem múltiplos
enfoques de análise em Bioética, tal como mostra Neves (1996), Anjos (2001),
Schramm (2002), Kligermann (2002) e Zoboli (2003b).
Neves (1996) sistematiza duas perspectivas principais de análise
Bioética. Uma seria o ponto de vista anglo-americano, mais voltado à esfera do
privado, pelo fato da ênfase na autonomia da pessoa singular, em que aparecem
com mais frequência os microproblemas formados por questões cuja resolução
demanda de ação imediata e decisiva para um indivíduo. A outra, a perspectiva
Européia (especialmente da Europa latina), em que os interesses da esfera pública
são mais visíveis; portanto, essa perspectiva concentra mais fortemente a sua
atenção nos macroproblemas. Assim, a autora indica os modelos teóricos de
reflexão e análise mais aplicados em Bioética no panorama mundial. Entre as
perspectivas de análises, inclinadas ao pensamento ético anglo-americano,
encontram-se os modelos: principialista, libertário, virtudes, casuístico, do cuidado, o
modelo contemporâneo do direito natural e o modelo contratualista. No modelo
europeu destaca-se a perspectiva personalista.
Partindo especialmente das considerações de Neves (1996), o que ela
designou “modelos explicativos” em Bioética, Anjos (2001, p. 26-29) descreve sobre
a abrangência e o dinamismo da Bioética. O último autor traz a denominação
“tendências de análise” em Bioética para apontar as dez escolas principais que
concretizam as percepções e ênfases dadas na atualidade nesse campo de estudo.
O autor considera os modelos apontados por Neves (1996), substitui o modelo do
cuidado pelo feminista, e acrescenta a perspectiva hermenêutica.
Schramm (2002) assinala que durante as décadas de 70 e 80 surgiram
várias concepções concorrentes na Bioética. O autor menciona algumas das
supracitadas correntes (principialismo; casuística; ética das virtudes; ética do
cuidado; libertarianismo; comunitarismo; personalismo; hermenêutica) e aponta
outras, como a ética narrativa, a ética discursiva e a ética prática. Essa última, de
inspiração utilitarista, é desenvolvida, sobretudo, por Peter Singer (1998).
34
Kligermann (2002) ensina que os conflitos éticos buscam ser resolvidos
por diversas correntes filosóficas, tais como as do utilitarismo, do liberalismo e
também do comunitarismo.
Nesse mesmo sentido, Zoboli (2003b), descreve os diferentes enfoques
bioéticos como sendo “referenciais de análise em Bioética”. Com a finalidade de
introduzir o debate dos diferentes referenciais de análise da Bioética na interface
com a saúde pública, a autora apresenta quatro enfoques bioéticos centrais – do
principialismo, da casuística, das virtudes e do cuidado.
Nota-se que a discussão no panorama mundial pauta-se de diferentes
perspectivas. Por sua vez, a Bioética no Brasil traz também características
peculiares. A Bioética brasileira percebeu a necessidade de ir além do principialismo
e “[...] buscou outros conceitos e referenciais que correspondessem à realidade mais
complexa vivenciada no Brasil e no próprio contexto mundial” (ANJOS, 2007, p.24).
Siqueira, Porto e Fortes (2007) informam que o reducionismo geral da
Bioética, em especial a tendência principialista, não atingiu os bioeticistas
brasileiros, que passaram a formular reflexões e propostas bioéticas para melhor
atender às necessidades da comunidade brasileira, considerando especialmente a
extrema desigualdade social no país. A Bioética no Brasil tem sua história recente,
está em constante expansão, vem ganhando espaço e sendo reconhecida por seus
serviços à sociedade. Na verdade, a Bioética, no Brasil, busca se afimar no
contexto das necessidades da saúde coletiva.
Em relação ao processo de criação, reflexão e consolidação da Bioética
brasileira,
[...] é fundamental enfatizar a importância da Reforma Sanitária que já
apontava os rumos para a reflexão crítica que marca a Bioética brasileira,
mostrando que os problemas enfrentados pela área da saúde não poderiam
ser resolvidos apenas na clínica, uma vez que tinham origem na pobreza e
na desigualdade social, na qual vivia a imensa maioria dos brasileiros.
(SIQUEIRA, PORTO e FORTES 2007, p.163).
35
“Por ser um campo de reflexão, discussão e articulação com diferentes
campos do saber, a Bioética não rejeita a reflexão ética acumulada por milênios [...]”
(FIGUEIREDO; GARRAFA; PORTILLO, 2008, p. 53). Assim sendo, além dos já
descritos referenciais de análise em Bioética, existem outras reflexões éticas
específicas como a teoria do dever de Immanuel Kant (2005), a ética hedonista de
Epicuro (1973), e as contribuições de John S. Mill (1976), Nietzche (2002). Ainda
que exista uma multiplicidade de referenciais teóricos em ética e Bioética, é comum
que os profissionais confundam a ética com a deontologia. Assim, autores têm
apontado que nos currículos dos cursos da área da saúde, o modelo pautado nos
“códigos de ética profissional” (códigos deontológicos) é presente não apenas nos
currículos das graduações, como também no pensamento dos profissionais
(ZOBOLI, 2003a; SEGRE, 2002).
Para efeito deste trabalho, adotou-se o nome “referenciais de análises em
Bioética” ou ainda “enfoques bioéticos” para designar as diferentes correntes de
pensamentos existentes frente ao equacionamento de um mesmo tema. Apesar do
fato de os diversos referenciais de análise serem apresentados por distintos autores
de maneira semelhante, como vistos nas descrições de Neves (1996), Anjos (2001),
Schramm (2002), Kligermann (2002) e Zoboli (2003b), há algumas pequenas
divergências entre os autores na apresentação dessas correntes. Esse fato é viável,
pois não há como se classificar claramente os estilos de pensamentos em caixas
específicas, pois sempre haverá diferenças entre os autores e pelo fato de poder
existir diferentes correntes filosóficas fundamentando um mesmo referencial de
análise bioético.
Como exemplo, cita-se a abordagem da Ética Prática, de Peter Singer
(1998), e a Bioética da Intervenção, de Volnei Garrafa. Embora ambos possam ser
considerados utilitaristas, ambos apresentam divergências entre si, até porque foram
criados em diferentes contextos econômicos e sócio-culturais. Esse exemplo serve
para justificar a apresentação dos referenciais teóricos de análise em Bioética que
dão suporte a este estudo7.
7
Algumas vezes, referenciais foram agrupados a critério do Autor deste trabalho, conforme a
literatura estudada. Como exemplo, para discutir o referencial Bioética Social, reuniram-se vários
referenciais de cunho social, como a Bioética da Intervenção, da Proteção, Cotidiana, Bioética e
Teologia da Libertação e Bioética Antissexista, Antirracista e Libertária.
36
Visto que vários são os enfoques presentes na Bioética, foram escolhidos
seis referenciais para a elaboração deste estudo. Apresenta-se, a seguir, os
referenciais: (1) do principialismo, (2) das virtudes, (3) do cuidado, (4) naturalista, (5)
da ética profissional e (6) Bioética social.
As escolhas desses referenciais partiram primeiramente da hipótese de
que alguns desses pudessem estar presentes no ensino da Naturologia no Brasil,
sendo já descritos no projeto inicial desta pesquisa. O enfoque da ética profissional
foi descrito após a necessidade percebida perante a realização da mesma.
Igualmente, outros referenciais, como o da casuística, não apareceram ou foram
insignificantes no ensino da Naturologia no Brasil, e esses foram os fatores que
levaram a não ser dada a devida atenção às explicações e às fundamentações
dessas no corpo desse trabalho.
Vale ressaltar que a Deontologia não é um referencial de análise em
Bioética. No entanto, ainda é grande o número de profissionais que confundem a
ética com os códigos de ética profissional.
A seguir, apresentam-se os seis enfoques centrais que serviram de
referência teórica para esta pesquisa.
37
beneficência, (3) não-maleficência e (4) justiça, todos importantes de uma mesma
forma. Afirmam que todo princípio deve ser preciso, plausível, completo e
independente. Consideram que os princípios são prima facie, ou seja, devem ser
cumpridos prioritariamente. Ainda assim, os autores reconhecem que os princípios
podem conflitar entre si em determinadas situações, uma vez que entre eles não há
uma hierarquia, tendo então espaço para a mediação. Esses princípios propostos
pelos autores não se constituem em uma teoria moral geral, porém proporcionam
um arcabouço para reconhecer e refletir acerca dos dilemas éticos (BEAUCHAMP e
CHILDRESS, 2002).
A fundamentação do enfoque principialista tomada para o presente
estudo é baseada, especialmente, nos quatro princípios descritos por Beauchamp e
Childress em seu livro Principles of Biomedical Ethics8.
Para começar a discussão dos quatro princípios, inicia-se estudando o do
respeito à autonomia. Autonomia, termo derivado do grego auto (próprio) e nomos
(lei, regra, norma), refere-se à capacidade de o ser humano decidir o que é bom ou
o que é seu bem-estar. Portanto, significa autogoverno, determinação de cada
pessoa em tomar decisões que dizem respeito à sua própria vida.
Entender a autonomia como auto-determinação de um individuo é apenas
uma das formas de leitura possível desse sintagma nominal. Assim, na discussão
Bioética principialista a inclusão do outro na questão da autonomia trouxe nova
perspectiva de entender tal princípio que alia a ação individual com o componente
social. Nesse sentido, é que surge a responsabilidade pelo respeito à pessoa.
Assim, o princípio do respeito à autonomia significa respeitar a vontade particular do
sujeito. Significa, ainda, o respeito à autonomia individual, bem como ao direito à
informação, à privacidade, à confidencialidade das informações e ao consentimento
livre e esclarecido, bem como a recusa informada.
Respeitar a autonomia alheia é valorizar as opiniões e escolhas do outro,
evitando a repressão de suas ações (a menos que essas sejam prejudiciais para
terceiros). Da mesma forma, demonstrar falta de respeito para com um indivíduo
autônomo é negar-lhe a liberdade de agir conforme suas próprias apreciações.
8
Publicado em 1978 nos Estados Unidos; em 2001, já estava na sua 5ª edição. A edição utilizada na
apresentação deste referencial teórico foi traduzida para o português a partir da sua 5ª edição e
publicada pelas Edições Loyola, em 2002, com o título de Princípios de Ética Biomédica.
38
Para os autores, as diferentes noções e descrições de autonomia
concordam em dois pontos específicos. O primeiro diz respeito à liberdade,
percebida como independência de forças controladoras, e o segundo trata da
competência, entendida como a capacidade para a ação a qual se tem um propósito.
Assim, a autonomia não é exclusivamente individualista, pois a sua presença ou
ausência é analisada em função do que condiciona os atos dos atores imbricados no
dilema. A percepção da autonomia está implicada em um contínuo espaço que vai
desde a presença plena da autonomia à sua ausência total.
As decisões para serem autônomas precisam refletir um grau substancial
de compreensão e de liberdade, além do agente estar livre de constrangimento. A
autonomia é ainda individual, porém há a perspectiva relacional, apontada em
especial pelas visões femininas, as quais defendem que todos os sujeitos são
socialmente inseridos e sua identidade é construída no contexto relacional.
Beauchamp e Childress assinalam que a interpretação do que significa
respeito à autonomia compreende o reconhecimento da obrigação moral de
assegurar o direito de escolha, de aceitar ou não, mediante as informações que
esses recebem, por exemplo, dos profissionais de saúde. Assim, tem-se que os
profissionais devem sempre informar e perguntar aos seus pacientes acerca de seus
desígnios e de suas decisões. Dessa forma, respeito à autonomia torna-se
obrigação do profissional da saúde e não apenas um ideal; e a escolha autônoma,
por sua vez, constitui-se em um direito do paciente, não em um dever.
Compreender o outro como ser autônomo implica em aceitar que o outro
possa ter diferentes opiniões, que tem direito de fazer suas escolhas e de agir
conforme seus valores. Além do mais, os profissionais têm o dever de facilitar as
ações autônomas de terceiros, cooperando para a sua realização. Tal noção traz
obrigações aos profissionais, como o de dizer a verdade, de obter o consentimento
antes das intervenções, de respeitar a privacidade, de proteger informações
confidenciais e, caso solicitado, auxiliar as pessoas a tomarem decisões.
Sendo os quatro princípios prima facie, o respeito à autonomia pode, em
determinadas circunstâncias, ser abafado por outra obrigação moral concorrente,
como em casos de escolhas individuais autônomas que ameaçam a saúde coletiva,
causando danos a terceiros. Outro exemplo é quando a pessoa não pode ser
declarada como autônoma para tomar decisões. O respeito à autonomia reside, de
39
forma geral, no reconhecimento das opiniões e desejos do outro e na ação desse
em expressar seu consentimento.
O princípio da beneficência, por sua vez, baseia-se em ações
humanitárias, caracterizadas como dever. Assim, difere-se da benevolência,
considerada um traço do caráter da pessoa; portanto, de uma virtude. Tal princípio
propõe certo ideal moral de ajudar aos outros a promover seus próprios interesses e
resgatar pessoas em perigo.
Esse princípio passa também por uma divisão em outros dois: o da
beneficência positiva e o da utilidade. O primeiro exige que os agentes propiciem
benefícios aos sujeitos assistidos; o segundo, da utilidade, requer dos agentes uma
análise dos benefícios e desvantagens, visando sempre lançar mão do melhor
resultado possível. Ressalta-se, ainda, que a utilidade vista nesse enfoque difere,
segundo os autores, da perspectiva utilitarista.
As normas da beneficência inserem-se no ideal moral e não na
obrigatoriedade. Assim, a fronteira entre a obrigação e o ideal moral pouco nítida no
caso desse princípio. Há ainda o atrelamento das normas da beneficência com o
princípio da utilidade, como, por exemplo, a obrigação de produzir um maior
benefício frente a um dano menor, ou ainda, mesmo que provocando menores
danos para um grupo pequeno. Assim, a beneficência é, dependendo da situação,
uma obrigação satisfatoriamente mais intensa do que a não-maleficência.
No princípio da beneficência destaca-se o dever de: proteger e defender
os direitos de outrem; prevenir de que se aconteça danos ao outro; minimizar e
extinguir condições que possam acarretar prejuízo aos outros; ajudar as pessoas
incapazes; amparar indivíduos em perigo; ser recíproco na medida de dar e receber
(pois os profissionais da saúde têm por obrigação a beneficência para com o
paciente e toda a sociedade).
Um dos problemas centrais do enfoque dos princípios reside na disputa
do respeito à autonomia do paciente e da beneficência que norteia a atuação
profissional. Assim, a não-maleficência e a justiça tornam-se peças chaves para
estabelecer os limites morais frente aos dilemas postos na possível pendência.
O princípio da não-maleficência, por sua vez, obriga o agente a não
causar dano intencional. Esse princípio está intimamente relacionado com a máxima
Hipocrática primum non nocere: em primeiro lugar, não causar danos. Entre os
40
deveres constituintes desse princípio, destacam-se os de: prevenir o dano e o mal
(aquele que é doente); não infringir dano ou mal; evitar ou diminuir o dano ou o mal.
A não-maleficência aponta para obrigações, para normas que assinalam
para o imperativo de não causar mal ou dano, tendo em suas regras a proibição, ao
passo que a beneficência exige por ações que se promova o bem ou prevenindo ou
eliminando o dano.
Beauchamp e Childress exemplificam e especificam o princípio da não-
maleficência em especial nas ações que resultem em morte, pressupondo que se
deve agir de forma a proteger as pessoas contra tipos e graus de danos. Vale
ressaltar que se trata de um princípio em que se faz necessário considerar o
contexto de coexistência das obrigações da beneficência frente ao respeito pela
autonomia alheia, além de ser analisada ainda no contexto da justiça.
O princípio da justiça é algo a ser ponderado. Para Beauchamp e
Childress, existem diferentes teorias de justiça as quais parecem apontar para a
impossibilidade de se construir uma teoria abrangente e unificada da justiça. A
justiça distributiva é um exemplo: abrange a distribuição justa, equitativa,
determinada por regras justificadoras e apropriada no interior da sociedade; no
entanto, em situações de escassez e de competição, há problemas na justiça
distributiva e as escolhas são tomadas como trágicas e acabam por infringir e lesar
alguns outros princípios de justiça.
O princípio da justiça situa-se no respeito à legalidade e à igualdade entre
indivíduos. Termos como equidade, merecimento e prerrogativa (aquilo que alguém
tem direito - tanto os direitos juridicamente estabelecidos quanto os moralmente
exigidos), foram palavras empregadas na tentativa de explicar o que é justiça. Por
haver diferentes concepções desse termo, os autores apontam que se torna
importante aceitar vários princípios de justiça os quais devem ser especificados e
ponderados da forma em que o contexto particular da análise de um determinado
dilema ético aparece. Assim, Beauchamp e Childress destacam que, entre esses
princípios, um é o formal e os outros são materiais.
O princípio formal de justiça é tido como tal porque não estabelece
condições específicas nas quais os iguais devem ser tratados de forma igual e não
fornece critérios para identificar se dois indivíduos são de fato iguais.
41
Entre os princípios materiais da justiça distributiva encontram-se, na visão
dos autores: a cada pessoa uma parte igual; a cada pessoa de acordo com a
necessidade; a cada pessoa de acordo com o esforço; a cada pessoa de acordo
com a contribuição; a cada pessoa de acordo com o mérito; a cada pessoa de
acordo com os intercâmbios do livre mercado. Os autores advertem que tais
princípios são tidos como obrigação prima facie, não devendo, portanto, serem
levados em consideração sem ponderar o contexto em que esses emergem.
As teorias da justiça distributivas mais influentes, na opinião dos autores,
são as pautadas na visão utilitarista, comunitária, igualitária e liberal. Os autores
mencionam que as várias teorias da justiça têm em comum a busca por obter
balanço entre objetivos rivais; cada teoria, surgida em contextos diferentes, pode
funcionar bem em determinadas situações e serem desastrosas em outras.
Para a análise da justiça vislumbrada nos sistemas de saúde, Beauchamp
e Childress defendem a teoria da justiça (da regra justa de oportunidades) de John
Rawls. Assim, defendem que ninguém seja destinado a padecer devido aos fatores
da loteria social ou biológica da vida, requerendo que a cada um sejam
oportunizados benefícios que minimizem os efeitos dessa loteria, promovendo,
assim, a igualdade de oportunidades. Ainda, os autores defendem que em cada
sociedade seja designado e reforçado o direito mínimo de um cuidado descente à
saúde, incorporando paradigmas igualitários e também utilitaristas para defender tal
direito.
42
Homero incluía a força física como uma virtude, o que hoje em dia não
seria considerado. Para Homero, o paradigma da excelência humana era o guerreiro
e, diferentemente, para Aristóteles era o cavalheiro Ateniense. Segundo Aristóteles,
algumas virtudes só eram disponíveis para os muito ricos e para os de alta posição
social (MCINTYRE, 2001).
Em Aristóteles, a virtude seria uma disposição de espírito, germinada a
partir da força do hábito. Tal autor defendia a existência de duas espécies de
virtudes: a intelectual e a moral. Ambas não estariam dadas a priori. A primeira,
virtude intelectual, teria no ensino o seu lugar de formação. No tocante à virtude
moral, a aptidão para tal decorreria da prática, da força do hábito, portanto, da ação
social (BOTO, 2001, p.126).
Fé, esperança, amor e humildade são virtudes mencionadas no Novo
testamento. Para Aristóteles, que não as mencionou, a humildade parecia mais
figurar como um vício. Por sua vez, as versões mais atuais das virtudes, as de Jane
Austen apresentadas em seus romances e as que Benjamin Franklin elaborou para
ele próprio, apresentam semelhanças, porém muito mais divergências entre si em
comparação com as virtudes listadas em Homero, Aristóteles e no Novo
Testamento (MCINTYRE, 2001).
Na versão de Jane Austen, destacam-se duas virtudes: constância e
amabilidade. Essa última era defendida pela autora como algo possível e
necessário; o possuidor de virtudes deveria sentir afeição real pelas pessoas. Por
sua vez, na lista de Benjamin Franklin, apareciam inúmeras virtudes, tais como a
limpeza, o silêncio e a diligência, concepções novas na análise histórica
(MCINTYRE, 2001).
Nos poemas homéricos, virtude é uma qualidade cuja manifestação
possibilita o indivíduo exercer o que requer o papel social, já bem-definido na
sociedade. Na teoria aristotélica, as virtudes não se vinculam aos homens que
exercem papel social, mas sim ao homem como tal, ainda que algumas virtudes não
estivessem disponíveis a todos. A explicação das virtudes no Novo Testamento,
mesmo divergindo da concepção aristotélica, “[...] é tal como para Aristóteles, uma
43
qualidade cujo exercício leva a conquista do telos9 humano” (MCINTYRE, 2001, p.
311).
Têm-se assim, para o autor, pelo menos, três conceitos diferentes de
virtudes:
virtude é a qualidade que capacita o indivíduo para seu papel social
(Homero); virtude é a qualidade que capacita o indivíduo a dirigir-se à
conquista do telos especificamente humano, seja esse natural ou
sobrenatural (Aristóteles, Novo Testamento e Tomás de Aquino); virtude é
a qualidade que tem utilidade para se alcançar o êxito secular e celestial
(Franklin)” (MCINTYRE, 2001 p. 312).
9
Telos seria a finalidade última a ser consquistada através dos atos. Parte da noção que as coisas e
os atos servem a um propósito.
44
A explicação das virtudes por MacIntyre se dá mediante três estágios: o
primeiro estágio diz respeito às virtudes como qualidades necessárias para realizar
os bens internos àquilo que o autor convencionou chamar de práticas; o segundo, se
caracteriza pela unidade narrativa como portadora de qualidades cooperadoras para
o bem de toda uma vida, e o terceiro estágio diz respeito ao que o autor constitui
como contínua tradição social, a qual a perseguição de um bem para os seres
humanos só pode ser dada mediante uma tradição. Assim, torna-se fundamental
revisitar os conceitos apresentados pelo autor de “prática”, e também a concepção
de “unidade narrativa da vida” e de “telos da vida humana” para poder então ser
compreendida a natureza das virtudes.
O significado dado à “prática” por MacIntyre (2001, p. 316) é o de:
[...] qualquer forma coerente e complexa de atividade humana cooperativa,
socialmente estabelecida, por meio do qual os bens internos a essa forma
de atividade são realizadas durante a tentativa de alcançar os padrões de
excelência apropriados para tal atividade, e parcialmente dela definidores,
tendo como consequência a ampliação sistemática dos poderes humanos
para alcançar tal excelência, e dos conceitos humanos dos fins e dos bens
envolvidos.
45
realização de certo tipo de habilidade analítica, imaginação estratégica e intensidade
competitiva, um novo conjunto de razões se configure e, agora, não jogue para
vencer em qualquer ocasião, mas para tentar destacar-se de todos os modos
exigidos pelo xadrez. Nesse novo conjunto de razões, caso a criança trapacear, não
estaria enganando mais a quem está lhe ensinando o jogo, mas a si mesma.
O autor mostra, através desse exemplo, que existem dois tipos de bens
que é possível conquistar em uma prática; nesse caso exemplificado pelo jogo de
xadrez: os externos e os internos. Os bens externos e contingenciais ao jogo e às
outras práticas ocasionais derivam das circunstâncias sociais e podem ser
vinculados ao prestígio, status e dinheiro. Nota-se que, para a consecução desses
tributos, existem meios alternativos para alcançá-los, não dependendo
exclusivamente do engajamento em algum tipo particular de prática. Por outro lado,
há os bens internos às práticas, como no xadrez, os quais não podem ser obtidos de
outro jeito que não jogando xadrez. São chamados bens internos por dois motivos:
porque só é possível especificá-los através de exemplos de práticas e, em segundo,
porque só podem ser identificados e reconhecidos pela experiência de participar da
prática em questão. Aqueles a quem falta a devida experiência são incompetentes
como juízes dos bens internos.
Os bens internos e externos a uma prática parecem distinguir-se de
maneira importante. Enquanto os bens externos obedecem a alguma espécie de
propriedade individual que denotam que quanto mais alguém os possui, menos
sobra para outras pessoas, tal como a fama, pois haverá sempre que existir
derrotados e ganhadores; os bens internos decorrem de competição diferente, em
que a pessoa compete consigo mesma, para exceder-se no rumo à excelência,
tornando a sua realização um bem para toda a comunidade participante de uma
mesma prática.
Assim, partindo de tais considerações, MacIntyre apresenta uma primeira
e parcial definição de virtude como sendo, “[...] uma qualidade humana adquirida,
cuja posse e exercício costuma nos capacitar a alcançar aqueles bens internos às
práticas e cuja ausência nos impede, para todos os efeitos, de alcançar tais bens”
(2001, p. 321).
Esse conhecimento aponta o lugar das virtudes na vida humana. O autor
mostra que existe uma série de virtudes fundamentais e que, sem elas, os bens
internos às práticas são impossíveis de serem conseguidos. Assim, inerente ao
46
conceito de prática apresentado por MacIntyre, é preciso aceitar como componentes
necessários de qualquer prática, como bens e padrões internos de excelência, as
virtudes da justiça, da coragem e da honestidade (sinceridade), pois se não aceitá-
las, estar-se-ia disposto a trapacear, tal como a criança do exemplo nos primeiros
dias de jogo. É também inerente ao conceito de prática descrito, o fato de seus
bens, sejam internos ou externos, só se podem ser realizados mediante a própria
dependência do relacionamento com outros participantes da prática, o que requer a
virtude da honestidade.
Para MacIntyre, a justiça exige que se tratem os outros com relação ao
mérito ou demérito desses, de maneira uniforme e impessoal; afastar-se dos
padrões de justiça em algumas situações denota relacionamento especial ou distinto
entre as pessoas.
A coragem, por sua vez, apresenta-se de maneira diferente. O autor
acredita que se trata de uma virtude porque o cuidado e a preocupação com os
indivíduos, comunidades e causas, tão decisivos em muitas práticas, requerem a
existência de tal virtude. Caso alguém diga que cuida de uma pessoa, comunidade
ou causa, mas não está disposto a correr riscos por essas, põe em questão a
sinceridade de seu cuidado ou interesse. “Coragem, a capacidade de correr riscos,
tem seu papel na vida humana, devido essa ligação com o cuidado e o interesse”
(MCINTYRE, 2001, p. 323). O autor deixa claro que não significa que não se possa
legitimamente cuidar e ao mesmo tempo ser covarde; no entanto, esclarece que
alguém disposto a cuidar e não ter a capacidade de se arriscar tem de se definir,
para si e para os outros, como um covarde.
MacIntyre aponta que a sinceridade, a justiça e a coragem, são
excelências genuínas, são virtudes imprescindíveis para caracterizar qualquer
pessoa, seja qual for a perspectiva moral ou o código específico de uma
determinada sociedade.
O autor aponta que a diversidade de códigos morais não
necessariamente impede o nascer das práticas, porém a não valorização das
virtudes na sociedade impediria. Para MacIntyre, ingressar em uma prática é
ingressar numa relação não só com os praticantes, mas também, de certa forma,
com as instituições. A relação de práticas e instituições, segundo o autor, é muito
47
íntima. Nenhuma prática seria capaz de sobreviver sem o apoio de uma instituição.
No entanto, faz-se necessário não confundir práticas com instituições: o xadrez, a
física, a medicina, são práticas; os clubes de xadrez, os laboratórios, as
universidades, os hospitais, são instituições. As instituições ocupam-se de
características de que MacIntyre chama de bens externos.
Para MacIntyre (2001), sem a justiça, coragem e honestidade, as práticas
não resistiriam ao poder de corromper das instituições. Tal fato aponta para a
necessidade do lugar específico das virtudes na sociedade:
O exercício das virtudes é, em si, capaz de exigir uma postura muito bem-
definida com relação a questões sociais e políticas; e é sempre dentro de
determinada comunidade, com suas próprias formas institucionais
específicas, que aprendemos ou deixamos de aprender a exercitar as
virtudes. (MACINTYRE, 2001, p. 327).
48
como uma unidade narrativa da vida, fará com que seja impossível especificar
adequadamente o contexto de certas virtudes.
As virtudes portanto, devem ser compreendidas como as disposições que,
além de nos sustentar e capacitar para alcançar bens internos às práticas,
também nos sustentam no devido tipo de busca pelo bem, capacitando-nos
a superar os males, os riscos, as tentações e as tensões com que nos
deparamos, e que nos fornecerão um autoconhecimento cada vez maior,
bem como o conhecimento do bem cada vez maior. (MACINTYRE, 2001 p.
368).
49
da justiça, expressão acentuadamente masculina (NEVES, 1996). Questiona as
concepções éticas vigentes “(...) com vistas a valorizar não apenas os atos, as
motivações e o caráter dos envolvidos, mas se as relações positivas são ou não
favorecidas” (ZOBOLI, 2003a, p. 88). O enfoque do cuidado é personalizado, o que
realça a importância desse referencial teórico para a superação da perspectiva
exclusivamente técnica (NEVES, 2006). Valores como o reconhecimento da
importância do vínculo mútuo e fortalecimento dessas relações de vínculo, da
felicidade de todos, da busca da solução não violenta dos conflitos por meio da
comunicação são elementos que compõem esse modelo (ZOBOLI, 2003a).
A visão da ética da responsabilidade (ética do cuidado), apontada
especialmente por Carol Gilligan, opõe-se de forma teórica às posturas
estabelecidas por Platão e Kant, uma vez que esses últimos apontavam que
inclinações, emoções, sentimentos e paixões eram obstáculos para o julgamento
moral, pois tais ações (o amor, a solidariedade, a paixão), segundo os filósofos, não
eram “moralmente boas”, mesmo que pudessem ser consideradas boas (SEGRE,
2002).
Para explorar tal referencial, tem-se utilizado com frequência nos estudos
bioéticos, embora se conheça outras perspectivas do cuidado, os estudos da
psicologia evolutiva, apresentada por Carol Gilligan, publicada originalmente sob o
título In a different voice Psycological theory and woman´s development, em
1982 (NEVES, 1996; DINIZ e GUILHEM, 2002; ZOBOLI, 2003a). É, então, a
tradução dessa obra para o português traduzida como Teoria Psicológica e
Desenvolvimento da Mulher e publicada em 1997 pela Fundação Calouste
Gulbenkian, que se dará o domínio da ética dos cuidados adotado neste estudo.
Carol Gilligan escreve seu livro na década de 70, em uma época a qual
ela mesma assinala como marcada pelo surgimento do movimento das mulheres e
também por um fato relevante na sociedade americana na época: a decisão da
Suprema Corte de tornar o aborto legalmente possível no país. A autora inicia suas
pesquisas e, ao longo dos dez que precederam a publicação do seu livro, começou
a perceber que havia duas formas distintas de falas sobre problemas morais, duas
maneiras de descrever as relações entre o “eu” e o”outro”.
Gilligan passa então a pesquisar a disparidade existente nas percepções
morais entre os homens e as mulheres e inicia seu empreendimento questionando
50
os valores impostos na literatura psicológica, as quais apontam que o
desenvolvimento psicológico, também moral, feminino é comparado ao masculino,
resultando em uma avaliação incompleta, que considera o desenvolvimento
psicológico das mulheres como sendo problemático. Essa forma de conceber é
característica do viés masculino: segundo a autora, os teóricos da psicologia estão
acostumados a entender a vida apenas através dos olhos dos homens, implicando
essa visão como norma, tendo a mulher a necessidade de moldar-se à tal norma,
sob penalidade de ser tida como desviante, assim se calando as vozes femininas.
É aí que Gilligan aponta para a necessidade de se perceber a diferença
do desenvolvimento psicológico de mulheres e homens e de ouvir a diferente voz, a
voz feminina que clama por novas formas de encarar a vida e perceber as situações
morais, que clama pelo cuidado, pelas relações. Quanto à voz, a autora assinala que
depende da escuta, constituindo-se em um ato relacional, de trocas mútuas entre
pessoas portadoras de pontos de vistas diferentes, de culturas, de diversidade e
pluralidade. Ouvir a voz do outro é, portanto, chave para a compreensão de outra
ordem social, cultural e psicológica.
No que tange às diferenças das vozes masculinas e femininas, a autora
aponta que a primeira tende a inclinar-se para abraçar a ética dos direitos legalistas,
de forma imparcial, enquanto a segunda aponta para um rumo das relações, das
responsabilidades e das necessidades de cuidados. A voz feminina é a voz do
“coração” e a voz masculina zela pelo direito, o dever e a justiça.
Gilligan aponta que as relações e situações de dependências são
sentidas de forma diferentes quando comparados os homens às mulheres: enquanto
homens tendem a ter dificuldades nos relacionamentos, as mulheres apresentam
mais dificuldades nos problemas relacionados à individualização. A autora assinala
que se faz importante reconhecer as diferenças entre ambos os sexos, entre as
diferentes vozes, enquanto marcas da própria condição humana e não enquanto
problema a ser solucionado. Denuncia, ainda, que é comum na sociedade atual,
preocupada com a normalidade, as diferentes vozes serem encaradas como
desviantes.
Partindo das entrevistas que impulsionaram a pesquisa de Gilligan sobre
o desenvolvimento psicológico da mulher e sua interface com a moralidade, a autora
mostra que a voz feminina surge convencionalmente como valorada pela
51
capacidade de cuidar e proteger os outros. Os julgamentos morais apresentam-se,
mesmo que não nitidamente, na preocupação com os sentimentos dos outros.
“Nesse ponto do desenvolvimento moral, o conflito nasce, especificamente, quanto
ao problema de fazer sofrer” (GILLIGAN, 1997, p. 129). Somente quando não há
possibilidades de decisões que satisfaçam os interesses de todos é que a voz
feminina, então, busca, em forma de sacrifício, a tarefa aparentemente impossível
de escolher a vítima.
O relacionamento requer vinculações e é dependente das capacidades de
ouvir o outro, de estabelecer empatia, com vistas a aprender a linguagem do outro,
requerendo uma maneira de solucionar dilemas de forma a pensar no contextual e
narrativo no lugar do formal e abstrato. Para Gilligan, as relações de cuidado fazem
o mundo social mais seguro. Essa perspectiva aponta que o ideal de interesse pelos
outros é uma atividade relacional, de sentir e de responder às necessidades dos
outros, tomando conta das situações, de forma a sustentar a teia de conexões para
que ninguém fique abandonado. Ao traçar uma ética dos cuidados que busque
solucionar a dicotomia existente na sociedade, o foco da objetividade e
distanciamento cede espaço para a perspectiva das relações e suas necessidades
de responsabilidade e cuidado. A ética do cuidado (da responsabilidade) apoia-se no
conceito de equidade, o qual reconhece as diferenças de necessidades, que dá
origem à compaixão e ao altruísmo.
Nas tomadas de decisões, as mulheres tendem a separar a voz de seu eu
das vozes dos outros e pergunta a si mesma se é possível ser responsável perante
si e perante os outros e reconciliar, assim, as disparidades entre magoar alguém e
preocupar-se com ele. “O exercício de uma tal responsabilidade exige uma nova
espécie de julgamento moral cujo o primeiro requisito é a honestidade” (GILLIGAN,
1997, p. 133). Para ser responsável por si próprio, faz-se necessário, portanto,
saber o que se está fazendo. O critério para o julgamento passa, então, da bondade
para a verdade. A verdade, por sua vez, admitida na perspectiva feminina do
conceito de desenvolvimento moral, é reconhecer, para ambos os sexos, a
importância que têm ao longo da vida as relações e a necessidade de compaixão e
carinho, nos qual refletem a questão central desse enfoque: a interdependência do
eu e do outro.
52
A consciência da dinâmica das relações humanas é fundamental para
compreensão moral da perspectiva do cuidado, “[...] ligando o coração e os olhos em
uma ética que une a atividade do pensamento à atividade de preocupação com os
outros” (GILLIGAN, 1997, p. 233). Gilligan considera que, em tal perspectiva
feminina, é considerado como moral a preocupação não só com os outros como
também consigo próprio: ter capacidade de cuidar do outro, faz-se importante ser
capaz de cuidar responsavelmente de si próprio.
Gilligan apresenta três perspectivas interrelacionadas, reveladas em seus
estudos, as quais apontam uma sequência no desenvolvimento da ética da
preocupação com os outros - ética dos cuidados -, com complexidade crescente no
entendimento do relacionamento entre o eu e o outro. Na sequência, a incidência
inicial da preocupação com o eu tem como foco assegurar a sobrevivência,
seguindo-se uma fase de transição na qual tal julgamento é criticado como sendo
egoísta. Dessa forma, o criticismo assinala nova compreensão da conexão do eu
com o outro, articulada pelo conceito de responsabilidade. A terceira perspectiva
põe ênfase na dinâmica das relações, desfazendo a tensão entre egoísmo e
responsabilidade através de nova compreensão da interconexão do eu e do outro,
que cresce em uma dinâmica da interação social. “Esta ética, que reflete um
conhecimento acumulado das relações humanas, desenvolveu-se à volta de uma
compreensão central de que o eu e o outro são interdependentes” (GILLIGAN, 1997,
p. 121).
53
futuro. Portanto, contrariamente ao utilitarismo, o modelo naturalista
sustenta que os cientistas não podem produzir tudo o que lhes seja
possível; não podem alterar o processo natural.
54
O conhecimento difere de crença, pois existem crenças verdadeiras e
crenças falsas. O conhecimento, por sua vez, é o conhecimento da verdade, é uma
forma de atividade humana de tentar descobrir, de entender e julgar as coisas
corretamente. Finnis (2007, p.69) apresenta a diferenciação da palavra “bom” em
duas formas distintas. Na primeira explicação, refere-se a um objeto particular que a
pessoa considera como desejável; “bom”, na segunda descrição, é tida como “[...]
uma forma geral de bem da qual se pode participar ou a qual se pode realizar
infinitas maneiras em número indefinido de ocasiões”. O autor reserva a palavra
“valor”, para os propósitos do livro, como sendo a segunda descrição de “bom”.
As afirmações: “o conhecimento é algo que é bom ter”; “é bom ser bem
informado e lúcido”; “a confusão e a ignorância devem ser evitadas”, são
formulações do princípio básico do conhecimento. O conhecimento é evidente por si
mesmo e torna-se bom tê-lo. Isso não significa que todos reconhecem o valor do
conhecimento, ou que não há pré-condições para o reconhecimento desse valor.
Assim, o princípio de que o conhecimento, ou seja, a verdade, é digna de ser
buscada, não é de forma alguma inato. O conhecimento deve ser buscado e vai
além dos desejos e das inclinações.
Para Finnis (2007, p.79), o ceticismo acerca do conhecimento como valor
básico é indefensável. “Assim, os argumentos gerais costumeiros dos céticos na
ética não dão respaldo à negação, por parte dos céticos, da objetividade do valor do
conhecimento”. O conhecimento torna-se, portanto, uma forma intrínseca e básica
do bem e deve ser buscado.
Finnis aponta, ainda, a existência de outros valores básicos os quais são
universais. Um desses valores é a vida. Para o autor, todas as sociedades
demonstram uma preocupação com o valor da vida humana e encaram a procriação
da vida como algo a ser buscado. O termo vida significa cada aspecto da vitalidade,
o que inclui a saúde corporal e a necessidade de se estar livre da dor. A propagação
pela vida através da procriação é inclusa nessa categoria.
O terceiro valor básico incluído no aspecto do bem-estar humano é o
jogo. O jogo torna-se valor básico e irredutível elemento da cultura humana. O
desempenho nesta atividade pode ser voluntária ou social, intelectual ou física,
altamente complexa e estruturada ou relativamente informal; qualquer atividade
humana pode contar um aspecto de jogo. Algumas instituições, empreendimentos e
atividades são inteiramente ou primeiramente puro jogo.
55
A experiência estética é o quarto valor básico. Muitas formas de jogos,
como a dança, a música, são a matriz ou a ocasião da experiência estética. Além
disso, a forma bela pode ser encontrada e desfrutada na natureza. Diferente do jogo,
a experiência estética não precisa envolver a ação humana; o que é buscado e
valorizado por si próprio pode ser a forma bela “exterior” à pessoa, e a experiência
“interior” da apreciação de sua beleza.
A sociabilidade (amizade) é outro valor. Tem uma forma fraca que é
realizada pelo mínimo de paz e harmonia entre os homens e vai ao encontro da sua
forma mais forte, quando há o florescimento da amizade plena. A amizade parte da
colaboração entre duas pessoas e envolve o agir no interesse dos propósitos do
amigo, do bem-estar do amigo.
A razoabilidade prática é apresentada pelo autor como sendo o sexto
valor básico. Trata-se de utilizar a inteligência com eficiência no raciocínio prático
que resulta em ações, tal como nos problemas relativos às escolhas das ações, ao
estilo de vida e de dar forma ao caráter. Por esse enunciado, pode-se haver
implicações negativas, tal que a pessoa tem certo grau de liberdade efetiva, como
positiva, pois implicaria que ela tenta impor uma ordem inteligível e razoável a suas
ações, hábitos e práticas. Essa ordem, por sua vez, apresenta um aspecto interno e
outro externo: no primeiro caso é como quando uma pessoa tenta fazer com que
suas emoções e disposições tenham harmonia de uma paz de espírito interna a qual
é livre de produtos de drogas ou doutrinações, não tendo meramente uma
orientação passiva; no aspecto externo, é quando o indivíduo tenta tornar suas
ações genuínas relações de sua própria avaliação, preferências e autodeterminação
livremente ordenadas. É, portanto, um valor complexo que envolve a liberdade e a
razão, integridade e autenticidade.
Em sétimo lugar, e não menos importante na lista de valores básicos, há
o que se chama de “religião”. O autor aponta que a lista de valores descritos, como a
vida, o conhecimento, o jogo, a experiência estética, colocadas em uma ordem
impostas às relações humanas, por meio da colaboração da amizade, da
comunidade. A ordem imposta pela integridade interna e autenticidade externa,
finalmente, abre dúvidas para saber, por exemplo, se todos esses valores que se
56
iniciam com a vida humana se extinguem com a morte. A religião é, dessa forma, a
responsável por dar respostas às dúvidas e está presente, de alguma forma, em
todas diferentes culturas e sociedades. A religião é, portanto, experiência
transcendente que encontra espaço em todas as culturas humanas.
Finnis aponta que há inúmeros objetivos e formas de bens (valores
básicos) para além dos descritos, pois são inúmeros os aspectos da
autodeterminação e da autorrealização humana além dos listados. Existem ainda
outros aspectos, tais como a coragem, a generosidade, a moderação, a gentileza,
entre outros, que não são em si valores básicos, mas modos (não meios) de buscar
os valores básicos que habilitam uma pessoa a buscá-los. No entanto, o autor
mostra que os sete valores descritos, todos igualmente fundamentais, parecem ser a
totalidade para a compreensão dos propósitos básicos da ação humana.
O foco que Finnis aponta como lei Natural e Direitos Naturais é atentar ao
fato de que as coisas existem ou acontecem por uma lei natural e que permite aos
homens direitos naturais, os quais pertencem a uma espécie de valores universais e
junto às quais as ações humanas se organizam e se corporificam. Os setes valores
básicos apontados pelo autor são bons (e bens) para todas as pessoas e cada um
desses “bens” são considerados um “bem comum”. O bem comum é definido por
Finnis como uma junção de qualidades capacitadoras dos integrantes de uma
comunidade que cooperaram reciprocamente em sociedade. Assim, a amizade é
uma forma de comunidade, pois na verdadeira amizade se age em função do bem
do amigo e não do seu próprio interesse pessoal.
O cerne das discussões de Finnis, tal como o é nas obras de Tomás de
Aquino, está fundado na razoabilidade prática, do que é o bem e de que todas as
coisas desejam. Trata-se da exigência do dever dos indivíduos de ocasionarem o
bem no mundo, para si e para o próximo, mediante ações que sejam eficientes para
alcançar os próprios propósitos, desde que esses sejam razoáveis. Não é razoável,
segundo essa concepção, que uma pessoa acredite que não há sentido na vida, em
razão de um fracasso. Assim, o suicídio é contrário à razão prática, é injusto, uma
vez que a pessoa que assim age desconsidera seus amigos, seu grupo, tornando-se
culpável de injustiça contra sua comunidade.
57
2.1.6 O Enfoque da Ética Profissional
58
trabalhar (COHEN e SEGRE, 2002). Segre (2002) adverte que deontologia e
diciologia são divisões carregadas de cunho moralista, codificadas de forma tal que
os profissionais tenham pouco a ver com a ética; ou seja, com o espaço das
reflexões que resulta no desenvolvimento da personalidade ética. Assim, direitos e
obrigações não são sentidos como tal, já que os próprios termos, direitos,
obrigações são de cunho moralista, que ajustam, de forma externa, o sujeito às
necessidades de convívio, impedindo que esse perceba tais necessidades
autonomamente.
Desta forma, a deontologia “[...] corresponde a uma certa diluição da
noção de valor ético: isso em nada diminui sua importância, apenas destaca o seu
perfil e a coerência entre seus objetivos e o contexto histórico de falência do
universalismo ético” (SILVA; SEGRE; SELLI, 2007, p. 60).
A deontologia aparece na sociedade atual como opção natural, uma vez
que a vinculação de regras de condutas éticas se dá em termos aparentemente
objetivos, e essa direção está ligada à modernidade e de alguma forma na
contemporaneidade especialmente por dois motivos. O primeiro, deve-se à
objetividade derivada do positivismo reinante nas ciências, logo nas profissões. Em
segundo lugar, pelo fato da especialização, com tendência a setorizar pesquisas e
procedimentos técnicos, emergindo regras dotadas de especificidade. Assim,
observa-se, por esses dois motivos, o fenômeno da profissionalização da ética e a
ploriferação de códigos de ética profissional (SILVA; SEGRE; SELLI, 2007, p. 60).
De forma geral, como distingue Cohen e Segre (2002, p. 25-26), os
códigos de ética profissional das diferentes profissões da saúde “[...] fincam-se,
todos eles, nas mesmas bases conceituais. Condições como a de respeito à
privacidade, à livre escolha do profissional por parte do paciente, do consentimento
informado, permeiam todos esses estatutos legais”.
Zoboli (2003a, p. 117), ao descrever o enfoque da ética profissional como
um dos referenciais aos quais os profissionais de saúde da atenção básica têm
recorrido para solucionar os dilemas éticos do cotidiano assegura que: “Os códigos
deontológicos podem configurar um instrumental útil, enquanto uma diretriz da
prática profissional e também do processo de tomada de decisão frente a situações
que configuram problemas éticos”. A autora complementa que tais códigos “[...]
podem conformar um aporte para o equacionamento ético dos profissionais de
59
saúde que, por vezes, recorrem aos códigos e às comissões de ética institucionais
como fontes de recursos para orientação e solução dos problemas éticos
enfrentados”.
Ressalta-se a importância de tais códigos ajustarem-se aos novos
problemas apresentados pela sociedade e pela evolução técnico-científica. Pois,
considerando que os princípios são mutáveis, tem-se que os códigos de éticas estão
facilmente fadados a serem retrógrados (COHEN e SEGRE, 2002).
60
persistência e preparo acadêmico, exige uma espécie de militância programática e
coerência histórica por parte do pesquisador” (GARRAFA, 2005a, p. 25).
Garrafa (2005c) assinala, em outro artigo, que:
61
algumas das bases epistemológicas presentes nesse ponto de vista, conforme são
apresentadas no livro Bases conceituais da Bioética enfoque latino-americano,
organizado por Garrafa, Kottow e Saada (2006).
Conforme tal publicação, os referenciais epistemológicos dessa Bioética
socialmente comprometida seriam: respeito ao pluralismo moral, a partir das visões
morais distintas sobre os mesmos temas, constatadas nas sociedades secularizadas
e pós-modernas; contextualização dos problemas específicos sob a ótica das
referencias culturais onde esses eventos acontecem, prezando por uma análise de
situações não universais em diferentes contextos; abordagem de maneira multi-inter-
transdisciplinar dos dilemas éticos; análise dos fatos a partir do pensamento
complexo e/ou da totalidade concreta; estruturação do discurso bioético tendo como
base o diálogo (para se manifestar), a argumentação (devendo ser homogenia e
lógica), a coerência (para expor as idéias) e a tolerância (frente às diversas visões
morais).
O enfoque social da Bioética tem sua característica histórica construída
especialmente a partir da década de 90. Essa época ficou marcada pela revisão
crítica da Bioética, em especial ao modelo principialista e à universalidade dos seus
princípios, fomentada pela necessidade de se considerar as diferentes realidades
sociais e culturais e as diversas formas de interpretação moral imbricado nos
conflitos éticos (GARRAFA, 2005a). Essa revisão culminou na ampliação do campo
de estudo e atuação da Bioética a partir do 4º Congresso Mundial de Bioética,
realizado em Tóquio, no Japão, em 1998. A Bioética então retorna a sua proposta
inicial, incluindo em sua pauta temas de relevância à qualidade de vida humana, tais
como: prioridades de alocação de recursos, justiça social e cidadania, finitude dos
recursos naturais, discriminação, entre outros temas (GARRAFA; KOTOW; SAADA,
2006).
Mesmo que Potter, já na década de 1960, tinha grande preocupação com
a emergência de obrigações éticas frente ao progresso preconizado na saúde
humana e de todo o planeta, a Bioética foi se circunscrevendo aos problemas
biotecnológicos, enfatizando problemas limites e emergentes (GARRAFA, 2006). O
encaminhamento histórico dado à Bioética, o qual a reduzia às questões específicas
relacionadas aos campos biotecnológico e biomédico mudou recentemente com a
aprovação da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, em 19 de
62
outubro de 2005, em Paris, durante a 33ª Conferência Geral da Unesco (GARRAFA,
2006). Esse fato resgatou o sentido original da Bioética dado Potter, contemplando
temas de grande interesse aos países pobres e em desenvolvimento, tais como as
questões ambientais e sociais.
Cabe informar a breve história dos Direitos Humanos. Esses têm origem
no século XVIII, com as revoluções francesa e americana, que ofereceram garantias
mínimas para o exercício da cidadania. Expandiu-se no início do século XX, através
da revolução mexicana e da constituição alemã, as quais estenderam a discussão
do ponto de vista individual para o coletivo (GOLDIM, 2008).
Embora Garrafa (2006) assinale que a Bioética retornou ao seu sentido
original apenas em 2005, com a referida aprovação da Declaração Universal de
Bioética e Direitos Humanos, vale ressaltar que já havia teóricos no final da década
de 70 e na década de 80 que escreviam sobre a Bioética baseada nos Direitos
Humanos. Como exemplo, cita-se o livro Bioethics and human rights, escrito por
Elsie Bandman e Bertram Bandman, em 1978, no mesmo ano em que foi lançado o
livro de Beauchamp e Childress, do modelo principialista (GOLDIM, 2008). Seis anos
mais tarde, em 1984, Elsie Bandman lançava Bioethics and Human Rights: A
Reader for Health Professionals.
Encontra-se publicado no Brasil, na Revista de Saúde Pública, de 1989,
a resenha do livro Bioethics and human rights, escrito por Elsie L. Bandman and
Bertram Bandman, na versão publicada em 1986 pela Lanham, University Press of
America. Nesse, observa-se que a abordagem dos direitos humanos é utilizada no
âmbito individual, voltada à atenção clínica de pessoas vulneráveis. O resumo foi
feito por Valéria Simões Lira da Fonseca e encontra-se disponível online através do
endereço <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v23n1/12.pdf>.
Compete ressaltar que esses livros não tiveram muita repercussão no
contexto da Bioética da década de 80 e 90 (GOLDIM, 2008). Por isso, aponta-se que
apenas em 2005, tal como assinala Garrafa (2006), é que a Bioética amplia seu
campo de estudo e retorna ao seu sentido original.
A Bioética baseada nos Direitos Humanos analisa os dilemas éticos a
partir do ponto de vista dos direitos e não dos deveres, como é o caso do modelo
principialista. Os Direitos Humanos são caracterizados em três grandes grupos: (1)
os Direitos Humanos Individuais ou de 1ª Geração, com destaque ao direito à vida,
63
à liberdade, à privacidade e à não-discriminação, (2) os Direitos Humanos
Coletivos, ou de 2ª Geração, que incluem as questões referentes à: saúde,
educação e assistência social como bem comum a todos os seres humanos e (3) os
Direitos Humanos Transpessoais, ou de 3ª Geração, que transcendem a noção de
Estado e dizem respeito ao conjunto das ações imprescindíveis à sobrevivência,
caracterizados pelos direitos ambientais e pela solidariedade (GOLDIM, 2008).
A Bioética social tende a enfocar a defesa dos direitos humanos. Esse
enfoque critica os enfoques centrais da Bioética, especialmente por serem criados a
partir das necessidades dos países centrais desenvolvidos, voltados para
necessidades individuais. A perspectiva social da Bioética situa-se num contexto que
considera a desigualdade social como produtora de vulneração dos indivíduos que
são tolhidos de exercer sua autonomia. Assim, Schramm, Anjos e Zoboli (2007, p.
31) apontam que:
A principal crítica feita se refere ao destaque ao princípio da
autonomia e ao modelo do contrato social, pois tais ferramentas
poderiam aplicar-se, talvez corretamente, em situações nas quais os
indivíduos e as populações têm capacidades e condições
sensivelmente semelhantes, mas não onde prevalecem a
marginalização, a pobreza, o desamparo social e a omissão do
Estado [...].
64
Garrafa, Diniz e Guilhem (1999) no artigo intitulado Bioethical Language
and its dialects and idiolects, utilizam-se da metáfora do idioma e de suas variantes
lingüísticas como instrumentos para apresentar os diferentes saberes presentes na
Bioética. Assinalam então, que o idioma bioético pode ser entendido como um
conjunto linguístico que constitui a “nação Bioética”, a qual exerce papel sobre-
regulador em tal disciplina. Por sua vez, os dialetos compreendem os diferentes
estilos de pensamento existentes na Bioética os quais realizam a ponte entre a
teoria e a prática. Por sua vez, os idioletos seriam as variações individuais de um
dialeto os quais se configuram como tentativas críticas de adaptação específicas a
contextos diferenciados daqueles em que os dialetos surgiram.
De forma análoga, mas não idêntica, pode-se pautar na metáfora
apresentada como meio para pensar o “dialeto” Social da Bioética. Nesse caso, a
Bioética da Intervenção, a Bioética da Proteção, a Bioética e Teologia da Libertação,
a Bioética Antissexista - Antirracista e libertária e a Bioética Cotidiana seriam os
idioletos pertencentes ao dialeto social bioético.
Atenta-se para o fato de que os “idioletos” que compõe o “dialeto Bioética
Social” não se enquadrariam na metáfora proposta no artigo acima mencionado,
pois tais “idioletos” não configuram como tentativas críticas de adaptação aos
contextos diferenciados dos que os dialetos surgiram. Antes, esses surgem de
características semelhantes, talvez sejam esses que somados, fazem acontecer o
dialeto social da Bioética.
Partindo dessa metáfora, pode-se dizer que a da Bioética Social, como
aqui é entendida, constitui-se de um conjunto de referenciais teóricos em Bioética os
quais partem das experiências, em especial, dos países em desenvolvimento. Os
referenciais bioéticos com enfoque social têm por características principais a justiça
social e cidadania, a discussão da equidade, o reconhecimento da finitude dos
recursos naturais. Buscam situar a Bioética numa análise estrutural da sociedade
como produtora de vida e condições de saúde. Caracterizam-se por uma mística da
necessidade de solidariedade pelo outro, a qual precisa atitudes fundamentais de
pesquisa e de distribuição de recursos, de maneira especial no que se refere às
políticas públicas. Anjos (2001) aponta que a produção Bioética no Brasil se inclui,
em especial, nesse enfoque.
65
Os diferentes referenciais teóricos em Bioéticas que compõem a Bioética
social são as que mais se aproximam da realidade brasileira. Para enriquecer tal
enfoque, apresentam-se, a seguir, os referenciais: Bioética Cotidiana, Bioética da
Intervenção, Bioética da Proteção, Bioética e Teologia da Libertação e Bioética
Antissexista - Antirracista e Libertária.
66
como o nascer hoje. Nessa temática, aborda questões emergentes, conhecidas
como problemas de situações “limites” ou de “fronteiras”, tais como a reprodução
assistida, e também as questões persistentes em saúde pública, as quais chamam
de problemas de situação persistente, tal como o aborto. Quanto à grande temática
do morrer, o autor discute temas como a eutanásia, um problema de situação limite,
mas dá ênfase às cacotanásias, tema de situação persistente na sociedade. Além
dos problemas de início de do fim da vida (do nascer e do morrer), são ainda
grandes temáticas da Bioética, abordadas pelo autor, os conflitos éticos relativos: às
novas tecnologias em saúde, à saúde no trabalho, ao corpo humano, às relações
interpessoais - em especial profissional-paciente -, aos direitos e deveres dos
profissionais, aos direitos e deveres das pessoas assistidas, aos grupos sociais
vulneráveis, à situação da saúde mundial, à saúde ambiental, à saúde e bem-estar
animal.
Berlinguer pauta sua perspectiva em Bioética utilizando-se de argumentos
profundos, apresentados de modo lógico e compreensível, estabelecendo uma
ponte coerente entre a ética e as questões sanitárias do dia-a-dia nesse início de
século XXI. A Bioética Cotidiana está estreitamente relacionada com as ciências
biológicas e da saúde, com as ciências humanas, políticas e sociais; enfim, com a
ética da qualidade da vida. Para Berlinguer (1995, p. 15):
67
casais e o papel da mulher no mercado como fatores que interferem nas escolhas
relacionadas à procriação, e a prevenção do aborto também são elementos
discutidos por esta Bioética.
O autor apresenta forte crítica ao processo de a valorização e
mercantilização do corpo humano, a qual denomina de “mercado humano" e que
inclui apresenta os argumentos da inferioridade de gêneros e minorias, as formas
atuais de escravidão e os novos "objetos" do biomercado. Trata das relações de
trabalhos na sociedade atual, a qual tem subvertido os valores e criado novas
formas de escravidão. Apresenta reflexão sobre as novas formas de nascer, viver e
morrer das pessoas e comunidades, em um mundo tecnicamente avançado e
globalizado, face às contradições sociais, revelando que a maioria da população não
tem acesso aos benefícios decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos.
Berlinguer (2004, p. 211-212) escreve, acerca da saúde global:
68
situações persistentes. Sua base epistemológica abrange a dimensão social,
considerada como âmbito da produção do adoecimento. A apresentação da Bioética
da Intervenção, neste estudo, baseia-se nas seguintes publicações: Garrafa (2005a;
2005b; 2005c); Garrafa e Porto (2002) e Porto e Garrafa (2005).
A partir da leitura desses artigos assinalados, percebe-se que a Bioética
da intervenção é marcada pelo reconhecimento de que doença é socialmente
determinada, derivando das circunstâncias históricas e culturais que condicionam a
vida social, as relações de produção e as relações ambientais. Reconhece ainda a
influência da economia de mercado na sociedade atual, o qual tem contribuído na
produção de situações iníquas. Assim, tal perspectiva reforça a necessidade de
desenvolver e consolidar um enfoque bioético capaz de responder à realidade dos
países periféricos no contexto mundial.
Os autores apontam que o imperativo econômico consumista, que
objetiva maximizar o lucro das grandes corporações, acaba por corromper as forças
de defesa pública e avilta a população. Nessa ótica, a defesa das tecnologias
acabam por negligenciar os riscos ambientais e sociais, acreditando que as novas
descobertas tecnológicas podem surgir como minimizadoras de tais problemas.
Assim acreditando no progresso como “desenvolvimento”, ofusca-se a imagem do
futuro a qual se revela com os danos sociais e ambientais acumulados e que tendem
a acumularem-se em uma espiral irreversível.
Assim, essa nova proposta teórica busca uma aliança concreta com o lado
historicamente mais frágil da sociedade, incluindo a re-análise de diferentes
dilemas, entre os quais: autonomia versus justiça/eqüidade; benefícios
individuais versus benefícios coletivos; individualismo versus solidariedade;
omissão versus participação; mudanças superficiais e temporárias versus
transformações concretas e permanentes (GARRAFA; PORTO, 2002, p. 7).
69
relações sociais e nas relações com o ambiente” (PORTO; GARRAFA, 2005, p. 9).
Assim, tem-se o prazer e a dor como indicadores da necessidade dessa intervenção.
No tocante à área de atuação da Bioética da intervenção, a principal
diferença entre essa e outras perspectivas é a de que
70
2.1.7.3 Bioética de Proteção
71
da condição da vida humana vivida e sofrida a qual é dever do Estado protegê-la.
Somente com a proteção dos vulnerados e de uma discussão que reconheça as
implicações sociais daquilo que se possa considerar como “vida”, é que se pode
pensar a vida em termos da qualidade.
Refletir sobre a qualidade de vida humana em termos de proteção dos
vulneráveis, especialmente por parte do âmbito público, é cogitar a respeito da
justiça social. Schramm (2005b) aponta que os desajustes sociais da atualidade
habitam no fato de as relações sociais terem se transformado em relações
monetárias e burocráticas, transformando a vulnerabilidade, inerente à vida, em
vulneração, decorrente dos processos sociais que excluem, discriminam e
estigmatizam os seres humanos. Partindo disto, propõe a equidade como forma de
justiça.
A proposta dessa escola é de desenvolver uma visão capaz de amparar
as pessoas vulneradas, as quais devem ser protegidas contra as situações que as
coloquem em risco e promovam doenças. Assim, trata-se de uma visão que evita o
reducionismo do olhar biomédico e a concepção generalizada do olhar biocêntrico.
Dessa forma, entende a Bioética como ética aplicada, permeada por duas
dimensões: uma descritiva e outra normativa. A dimensão descritiva apresenta a
pretensão de inteligibilidade do mundo real vivido o qual deve ser acompanhada da
dimensão normativa, a proposta de se intervir sobre o real para então alcançar outra
realidade possível e moralmente mais aceitável (SCHRAMM, 2005b).
Kottow (2005, p. 32) aponta quatro bases fundamentais que alicerçam a
Bioética de Proteção:
[...] 1) Compromisso político de todo o estado; 2) o fundamento ético da
convivência; 3) as limitações de um pensamento principialista; 4) a
necessidade de uma ética própria da América latina, que faça eco à
realidade socioeconômica de países precariamente desenvolvidos.
72
2.1.7.4 Bioética e Teologia da Libertação
Essa corrente de pensamento tem o Padre Márcio Fabri dos Anjos como
o principal propulsor que apresenta à a Bioética brasileira as contribuições da
Teologia da Libertação. Para entender melhor tal perspectiva, foram consultado as
referências: ANJOS (1997; 2000; 2001; 2003)
Anjos assinala as dificuldades existentes no diálogo interdisciplinar da
Bioética com a Teologia, por conta de alguns preconceitos tanto por parte das visões
religiosas, muitas vezes fundamentalistas, como por parte de cientistas, os quais já
descartam de antemão as considerações religiosas. Frente a isso, o autor sugere a
necessidade da teologia e das ciências de se libertarem de alguns preconceitos
para, assim, estabelecer o diálogo interdisciplinar necessário à construção da
Bioética (ANJOS, 2003).
A Bioética e Teologia da Libertação tem como ponto de partida a reflexão
à luz da fé cristã acerca da situação de pobreza e exclusão social, apontando as
falhas na política e na economia como os grandes “pecados” existente na estrutura
da sociedade os quais legitimam as desigualdades sociais (ANJOS, 2000).
73
divididos em três dimensões inter-relacionadas: microssocial, midissocial e
macrossocial. A dimensão microssocial, entram as questões e temas derivados das
microrelações interpessoais, como as familiares, as que envolvem a relação
terapeuta e pessoa assistida, também as microrrelações de meio ambiente; outra
dimensão seria a midissocial, entendida como as iniciativas institucionais ou grupais;
diz respeito aos grupos sociais vulneráveis, por grupos e instituições hospitalares,
campos específicos de pesquisa, relações de grupo e o meio ambiente; a terceira
dimensão é a macrossocial, as quais entrariam as grandes questões sócio-
estruturais da produção de saúde e vida, tais como questões da socialização de
recursos para a saúde.
O ponto de vista da Teologia da Libertação em Bioética afirma, de
maneira peculiar, a necessidade do debate acerca das desigualdades sociais e da
pobreza, as quais diminuem a autonomia humana e conduzem os homens à
condições de vulnerabilidade no viver em sociedade. É, portanto, visível o
engajamento sóciopolítico nessa teoria, especialmente desenvolvida a partir da
realidade letino-americana, e a preferência por uma teologia libertária, a qual se
afasta do fundamentalismo religioso para assim pensar a construção de uma
sociedade mais justa e solidária.
74
especialmente pautada no contexto das idéias e aspirações de ‘melhoramento’ da
espécie humana.
Como na ciência, a qual não apresenta a devida neutralidade, Oliveira
(2006, p. 111) aponta que na Bioética prevalece duas correntes de pensamento
mias organizadas:
[...] a biofundamentalista e a bioliberal. A primeira defende a opinião de que
a natureza é intocável, é contra qualquer modificação. Os mais ‘radicais’
desta corrente falam também de uma natureza imutável e desconsideram a
Teoria da Evolução. A segunda defende que tudo o que se sabe fazer deve
ser feito e que a ciência e os cientistas podem tudo e têm o ‘sagrado’ direito
de saciar sempre sua curiosidade e não devem satisfações nem aos seus
parceiros.
75
A fome e a pobreza são apontadas como problemas políticos a serem
combatidos. Tais fatos evidenciam a opulência e a riqueza de poucos os quais,
historicamente, agregam a perversidade da concentração de renda e da exploração
humana. A pobreza – a qual se transforma em desigualdade - é condição para
diferentes tipos de vulnerabilidades (social, cultural, étnica, política, educacional,
econômica e de saúde); ela impede o exercício do direito de desenvolver em
plenitude as potencialidades humanas, o que torna tal tema assunto básico da
Bioética (OLIVEIRA, 2003).
A autora alerta que a sociedade deve estar atenta e assumir a
responsabilidade de determinar o que é adequado e melhor para si, pois se observa,
na atualidade, uma lacuna entre as necessidades da ciência e as sociais. “Urge que
coletivamente possamos encontrar meios que demonstrem que as nossas
necessidades, em geral, não são as mesmas que movem a "curiosidade"
inesgotável de cientistas (OLIVEIRA, 1995, p. 90).
2.2 NATUROLOGIA
10
O terceiro curso iniciou suas atividades em 2009. para receber reconhecimento do MEC a
avaliação do curso só pode ser realizada após a formatura da primeira turma.
11
Reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura - Decreto Presidencial Nº 5.572/02 de
27/08/2002.
12
Reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura - Portaria Nº 161 de 06/02/2007.
76
Medicina Ayurveda, Antroposofia, além de outras perspectivas de várias escolas
filosóficas contemporâneas. Trata-se de uma graduação que propõe o cuidado ao
ser humano através das práticas naturais e da educação para a saúde, com a
intenção de promover, manter e recuperar a saúde, a qualidade de vida e a
integração do ser humano ao ambiente em que vive (HELLMANN e WEDEKIN,
2008; ROHDE, 2008; UAM, 2008; UNISUL, 2008).
Para Fialho (1999, p. 6)
77
Assim, a Naturologia tem como proposta fundamental o desenvolvimento
de um olhar diferenciado para os seres e, conseqüentemente para o mundo:
Diferenciado no sentido de não classificar o ser humano em certas
categorias de doenças, diminuindo-o a elas. [...] A proposta do olhar
naturológico consiste em enxergar o ser humano como um ser holístico,
criador de valores, que vive experiências em conexão com o mundo que o
cerca, com as pessoas, com a pluralidade dos eventos cotidianos e,
sobretudo, observá-lo como um ser em condição única de estar, reagir,
enxergar, caminhar e se relacionar com o mundo através das suas próprias
escolhas (BELL, 2008, p. 62-63).
78
Seis princípios são básicos para a compreensão da Naturopatia: (i) Vis
Medicatrix Naturae (O Poder de Cura da Natureza). (ii) A pessoa é um todo
que envolve uma interação complexa entre o físico, o mental, o emocional,
o genético, o espiritual, o meio ambiente, o tecido social, e outros fatores.
(iii) Primum No Nocere (Em primeiro lugar não faça nada que possa causar
o mal ao seu paciente). (iv) Tolle Causam (Identifique e trate as causas, e
não os efeitos). (v) Prevenção é a melhor cura. (vi) Docere (o terapeuta é
um professor). (FIALHO, 1999, p. 2).
79
previne doenças. Assim, o naturólogo deve pensar antes na promoção da saúde,
sem é claro esquecer-se da prevenção e precaução para que a saúde seja
promovida (HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Sobre a relação Promoção de Saúde e Naturologia, em um estudo de
caso de Naturologia, Ruas (2008) objetivou mostrar de que forma a intervenção
naturológica poderia atuar dentro da perspectiva de promoção de saúde
especialmente no quesito referente ao fortalecimento da autonomia e capacitação do
interagente. Conclui que a promoção da saúde, no que tange ao atendimento em
Naturologia a nível individual, só se dá a partir do momento em que existe uma
relação de interagência onde a autonomia do indivíduo seja preservada e
incentivada. A autora ressalta ainda importância das relações políticas e sociais, as
quais devem proporcionar condições dignas de vida, o que influencia na saúde
coletiva, pois só assim a saúde será promovida (RUAS, 2008).
Por outro lado, Cidral Filho (2008) diz que o Naturólogo se ocupa da “[...]
promoção da saúde através do estímulo à auto-regulação orgânica por meio das
práticas naturais, associado ao aconselhamento de fatores relativos ao estilo de vida
do interagente [...]” (p 133). Nota-se então, que nesta descrição, diferente da
primeira, o enfoque da promoção da saúde é calcado na intervenção terapêutica de
forma a prescrever hábitos de vida saudáveis. Nesse sentido, Verdi e Caponi (2005)
apontam as necessidades de refletir sobre as formulações conceituais de promoção
da saúde, pois há uma tendência a serem constituídas de maneira reducionistas,
como a de transformar os problemas sanitários complexos em desvios de conduta
individual.
Sobre (iv) docere, o que se segue é que se pode entender o terapeuta
Naturólogo como professor desde que esse assuma um papel de facilitador do
processo de interagência e não de autoridade máxima sobre o assunto saúde.
Saber o que é certo ou errado, em termos de saúde, é fato marcante nas
profissões que tratam dessa, em que os profissionais tentam transmitir o correto
para aqueles considerados ignorantes do assunto. A educação para a saúde é
objeto de estudo do naturólogo (RODRIGUES, 2007), porém, não se espera que
seja a educação pautada na simples transmissão do conhecimento tido como
verdadeiro, ou seja, configurada em um que sabe (o que tem a luz) e o outro que
não sabe (a-luno: o sem luz), mas sim em uma educação dialógica e participativa.
80
Educação em saúde na Naturologia objetiva, principalmente, tornar as
pessoas cada vez mais capazes de pensar através de um processo reflexivo, de
uma consciência crítica, capaz de gerar novos valores, de ser agente transformador
de si, encontrando formas criativas de resolver seus problemas, entre eles o
processo de viver e adoecer (BELL, 2008; HELLMANN e MARTINS, 2008).
Outro aspecto para entender o que é Naturologia, é pensar a partir das
Racionalidades Médicas. Ressalta-se que a Naturologia não se constitui em uma
racionalidade médica específica, mas que se pauta de algumas racionalidades
tradicionais orientais.
O termo Racionalidades Médicas, designa o título de um determinado
Grupo de Pesquisas do CNPq, desenvolvidos no Instituto de Medicina Social da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Desde 1992, tal grupo enfoca o campo da
saúde coletiva no Brasil, levando em conta a multiplicidade de saberes e práticas
presentes na sociedade e nas instituições de saúde, em sua diversidade política,
cultural e epistemológica” (TESSER e LUZ, 2008).
O vocábulo Racionalidades Médicas, sustenta a tese de que existe mais
de uma rationale médica atuante na cultura atual, todas as quais distintas entre si.
Nesse sentido, tal termo refere-se a um sistema estruturado de determinado tipo de
medicina, que abrange cinco dimensões específicas principais, todas interligadas e
interdependentes entre si: doutrina médica, dinâmica vital (ou fisiologia), morfologia
(ou anatomia), sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica, além de
uma sexta dimensão que seria a cosmologia, a qual uma determinada racionalidade
estaria submetida, ainda que implicitamente (LUZ, 1995).
Um dos principais pontos enfatizados nos trabalhos sobre as
“racionalidades médicas”, “(...) é o fato de a medicina se definir a partir de
paradigmas e de “racionalidades” (e, portanto de “racionalidades médicas”), no
plural, e não a partir de uma razão universal, acultural e ahistórica” (MARTINS,
1999).
Assim, Luz (1995) distingue, em especial, quatro Racionalidades Médicas:
Medicina Ocidental Contemporânea; Medicina Tradicional Chinesa; Homeopatia e
Medicina Ayurveda e aponta que estas racionalidades estão associadas a
paradigmas distintos, portanto à “cosmologias” distintas.
81
A cosmologia “(...) é a expressão de concepções metafísicas (religiosas ou
não)” (LUZ, 1995, p. 113). Nesse sentido, destaca-se um paradigma bioenergético,
“(...) comum às medicinas homeopática, tradicional chinesa e ayurvédica, por
oposição a outro, de natureza biomecânica, característico da medicina ocidental
científica”, correspondente à física clássica mecanicista, a única cosmologia
estritamente racional (LUZ, 1995, p.113).
Considerando o termo racionalidade médica como sistema médico
estruturado a partir de seis dimensões específicas, conforme proposto por Luz
(1995), a Naturologia não poderia ser considerada uma racionalidade específica. Ela
não se pauta de um sistema interligado de dinâmica vital, morfologia e das outras
dimensões. No curso, estuda-se a anatomia e fisiologia, tal como na biomedicina
(medicina ocidental contemporânea), mas também estuda outras formas como a
dinâmica vital e a morfologia da Medicina Tradicional Chinesa e da Ayurveda.
Assim, a Naturologia não é uma racionalidade médica propriamente dita,
porém pauta-se do estudo dessas – em especial as que se inserem em um
paradigma bioenergético -, além do estudo de outras práticas naturais. Observa-se,
então que a Naturologi,a como área da saúde, diferencia-se dos cursos da saúde
tradicionais por se pautar do paradigma bioenergético (tal como são as Medicinas:
Chinesa, Indiana, Homeopatia e Antroposófica).
O esquema analítico e classificatório das medicinas alternativas e
complementares proposto por Luz (1995) por meio da categoria de racionalidade
médica, “[...] permite distinguir entre sistemas médicos complexos como a
biomedicina ou a medicina ayurvédica de terapias ou métodos diagnósticos como os
florais de Bach, a iridologia, o reiki entre outros” (TESSER; BARROS, 2008, p. 917).
Além do estudo das racionalidades médicas Chinesa e Indiana, a Naturologia tem
em sua grade curricular distintos métodos de terapia e diagnóstico.
82
Entre as disciplinas tradicionais dos cursos da saúde em geral os quais
estão presentes nos cursos de Naturologia no Brasil, destacam-se disciplinas da
área biológicas e da saúde (as quais envolvem: anatomia, processos funcionais e
patológicos, físico-química dos sistemas biológicos, farmacologia). Há ainda
disciplinas humanísticas que compreendem os fundamentos de psicologia aplicados
à Naturologia, antropologia, filosofia, sociologia.
Há as disciplinas em comum aos cursos de Naturologia as quais são os
fundamentos das medicinas tradicionais: Chinesa e Ayurvédica, fundamentos da
Antroposofia, e a bioconsciência – a qual trata das questões de sustentabilidade e
ecologia. No curso se estudam as práticas naturais, não as técnicas das
racionalidades médicas orientais propriamente ditas (como a acupuntura). No
entanto, a introdução ao estudo dessas racionalidades permite o acadêmico de
Naturologia conhecer outras realidades terapêuticas podendo, por opção,
especializar-se em alguma dessas.
Entre as disciplinas específicas que compõe à formação do naturólogo
que envolvem as terapias interventivas e métodos diagnósticos estão: arteterapia
(ou arte-integrativa), aromaterapia, hidroterapia, cromoterapia, massoterapia,
fitoterapia, reflexologia, iridologia, florais, trofoterapia, técnicas corporais. Abaixo,
segue breve explicação sobre tais técnicas descritas.
Arteterapia utiliza recursos artísticos com finalidades avaliativas e
terapêuticas, favorecendo o processo terapêutico a partir da expressão não verbal e
também verbal dos sentimentos e conflitos vividos, resgatando o potencial criativo
do homem, buscando a psique saudável e estimulando a transformação interna para
o re-equilíbrio emocional do ser (CARVALHO 2004). Nesta prática, destaca-se um
aspecto fundamental do se uso: o não julgamento estético.
A arteterapia usa a arte como meio de expressão pessoal para comunicar
sentimentos em vez de ter como objetivo produtos finais esteticamente
agradáveis a serem julgados segundo padrões externos. Esse meio de
expressão é acessível a todos, não apenas aos que tem talento artístico
(LIEBMAN 2000, p. 18).
83
Aromaterapia é o uso terapêutico dos óleos essenciais proveniente de
plantas aromáticas (BERWICK 1998). A aromaterapia compreende o estudo dos
óleos essenciais, especialmente sobre suas propriedades terapêuticas e a
segurança no emprego dos óleos essenciais nos sistemas do organismo e nas
emoções (CORAZZA, 2002).
A hidroterapia consiste no uso da água como recurso terapêutico em
diferentes temperaturas, podendo ser termais (termalismo) e minerais (crenoterapia).
As modalidades de aplicação podem ser realizadas externamente na forma de
banhos, pachos e compressas. O uso da água como recurso terapêutico é antigos,
sendo que Hipócrates, considerado o “pai da medicina”, a utilizava para recuperação
e manutenção da saúde. A primeira publicação acerca da hidroterapia foi descrita
por Herótodo em 450 a.C.. Atualmente, pesquisadores de várias partes do mundo
pesquisam e publicam os efeitos terapêuticos gerados pelas propriedades da água
em diferentes temperaturas (BONTEMPO, 2004; DALLA VIA, 2001).
A cromoterapia é a utilização das cores de forma terapêutica e abrange
diversas modalidades como a cromopuntura e a visualização criativa (AMBER,
1995). Dentre essas modalidades, a cromopuntura é a que tem ganhado maior
destaque no meio cientifico, existindo publicações sobre o assunto em revistas
científicas indexada, destacando-se os estudos de Calvo (2002), Croke (2002) e
Croke e Bourne (1999). Segundo Pagnamenta (2003), a cromopuntura é a aplicação
pontual da luz colorida sobre pequenas zonas predeterminadas da pele. Esta
técnica foi criada na Alemanha pelo Dr. Peter Mandel na década de 70, unindo a
acupuntura e a cromoterapia, sendo embasada nas teorias dos Biofótons, do
biofísico Fritz Albert Popp (MANDEL, 2000).
A massoterapia consiste em manobras que utilizam a manipulação dos
tecidos moles do corpo para fins terapêuticos. O toque terapêutico que tem como
objetivo manter e recuperar a saúde e contribuir na promoção do bem estar e da
melhor qualidade de vida (FRITZ, 2002).
A fitoterapia é a utilização das plantas medicinais, bem como dos
princípios ativos extraídos destas plantas, sem o uso de substâncias ativas isoladas,
com aplicações internas e externas, na forma de chás, cápsulas, extratos, tinturas,
cataplasmas e emplastros (CHEVALLIER, 2005; FERRO, 2005). Ressalta-se que a
utilização das plantas medicinais faz parte do arsenal terapêutico das diferentes
84
racionalidades médicas, como a Medicina Tradicional Chinesa, Medicina Ayurveda e
a Homeopatia (LUZ, 1995). Para além dessas, outros sistemas terapêuticos, como
as várias correntes Xamânicas e até mesmo a medicina popular fazem uso de ervas
específicas para o cuidado à saúde (ARAÚJO, 2002).
A reflexologia, segundo Kunz e Kunz (2000), consiste na aplicação de
pressão precisa sobre pontos específicos das mãos e dos pés, conhecidos como
pontos reflexos. Trata-se de um conhecimento que leva em conta a teoria dos
microcosmos, ou seja, do modelo holográfico, baseado na idéia de que uma parte
contém o todo; assim, os pés e as mãos, bem como as íris e as orelhas apresentam
todos os órgãos nelas refletidos (DOUGANS e ELLIS, 2001).
A iridologia é um campo de estudo que faz análise do estado de saúde do
indivíduo através da observação da íris (BATELLO, 1999). A iridologia, segundo
Beringhs (1997), parte do pressuposto de que na íris está registrada toda a
constituição orgânica de uma pessoa, bem como suas tendências comportamentais.
Foi no início do século XIX, com o Dr. Ygnatz Von Peczely, na Hungria, que a
Iridologia começou a ser estudada mais profundamente e desenvolvida como
técnica para a avaliação geral de condições de saúde (BATELLO, 1999).
Os remédios florais “são um método simples e natural de cura através do
uso de certas plantas silvestres.” (BARNARD, 1993, p. 9). Dentre os sistemas de
remédios florais mais conhecidos encontram-se os Florais de Bach, feitos a partir de
flores silvestres vindas da Inglaterra, cujo método foi descoberto pelo médico e
homeopata Dr. Edward Bach. Bach, seguindo sua intuição, abandonou a medicina
ortodoxa para se dedicar ao que ele considerava um método simples e eficaz no
processo de cuidado à saúde (BACH, 1997). Segundo Dr. Bach, as essências florais
aliviam e suavizam as aflições emocionais.
As técnicas corporais estão presentes nas medicinas tradicionais, como
na Medicina Tradicional Chinesa e na Medicina Ayurvédica. A Naturologia estuda o
uso de algumas técnicas corporais com finalidades terapêuticas. Entre as técnicas,
estudam-se métodos e práticas de relaxamento, “meditação”, técnicas posturais,
motoras, respiratórias e concentrativas. Dentre os exercícios motores de condução
de energia, estudam-se técnicas tais como oTai Ji Chüen, wu dan Qi Gong.
Há técnicas estudadas exclusivamente em cada um dos dois cursos de
Naturologia. No curso da UNISUL, por exemplo, estuda-se geoterapia, no curso da
85
UAM estuda-se watso (técnica de hidroterapia) e algumas das técnicas específicas
das medicinas Chinesa e Ayurveda.
86
Sistemas Nacionais de Saúde, em conjunto com as técnicas da medicina ocidental
moderna” (AZEVEDO, 2007a, p. 12).
No Brasil, a discussão sobre terapias naturais, alternativas e
complementares cresceu a partir de 1986, com a 8ª Conferência Nacional de Saúde,
realizada em Brasília. O item 2.3.a do relatório final desta conferência inclui a:
“introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços
de saúde, possibilitando ao usuário o acesso democrático de escolher a terapêutica
preferida” (CONFERÊNCIA NACIONALDE SAÚDE, 1986 in BRASIL 2006).
Destaca-se, também, a 10ª. Conferência Nacional de Saúde, realizada em
1992, que apontou no relatório final o estímulo à pesquisa nas áreas da
MCA13 (Medicina Complementar Alternativa) e MT14 (medicinas tradicionais)
e a incorporação destas no atendimento público como forma de garantir a
universalidade de acesso e a atenção integral, princípios básicos do
Sistema Único de Saúde (SUS). (AZEVEDO, 2007a, p.12 - grifo nosso).
13
Tratar-se de um conjunto de práticas sanitárias que não fazem parte da tradição do país, ou não
estão integradas em seu sistema sanitário prevalecente (AZEVEDO, 2007a, p. 12).
14
Para a OMS, trata-se de “práticas, enfoques, conhecimentos ou crenças sanitárias diversas que
incorporam fitoterapia, técnicas manuais, técnicas espirituais e exercícios, de forma individual ou em
combinação, para manter o bem-estar, além de tratar, diagnosticar e prevenir as enfermidades”
(AZEVEDO, 2007a, p.12).
87
esforços para que se estabeleçam pesquisas na área, especialmente para contribuir
no contexto social em que se insere.
O SUS abre, cada vez mais, espaço às práticas terapêuticas naturais,
tradicionais e complementares. Nesse sentido, tem-se a Portaria Nº 971, de 3 de
maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no SUS. Tal portaria assegura o uso da medicina
tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, do termalismo social e das plantas
medicinais - fitoterapia como práticas a serem realizadas por profissionais da saúde
(segundo suas habilidades asseguradas pelos respectivos conselhos) (BRASIL,
2006). Embora haja uma política nacional que assegura a inserção de práticas
naturais no âmbito público, são poucos os profissionais da saúde formados com
especialização e conhecimento nesta área.
O curso de Naturologia auxilia a preencher esta lacuna existente no
âmbito acadêmico brasileiro. A criação desse curso de graduação pretende “(...)
contribuir no contexto social em que se insere, as práticas naturais baseadas em
conhecimentos que privilegiam a pesquisa, o ensino e a extensão nesta área”
(SILVA, 2004, p.13).
A PNPIC é uma das políticas nacionais que pode fortalecer ainda mais a
inserção de Naturólogos no SUS. Atualmente existem naturólogos trabalhando na
saúde pública e também experiências educacionais, em que estagiários do curso de
Naturologia realizam trabalhos remunerados ou voluntários em âmbito público de
saúde.
Nesse sentido, destaca-se a prefeitura de São Joaquim, em Santa
Catarina, como sendo a primeira no Brasil a contratar, através de concurso público,
naturólogos para atuar na saúde pública (ESTADO DE SANTA CATARINA, 2007). A
prefeitura da cidade de Santos, no estado de São Paulo, aprovou um projeto de
inclusão das terapias naturais no sistema de saúde municipal a ser exercida por
profissionais com especialidades na área, em especial o Naturólogo. Destaca-se
ainda, o Departamento Municipal de Saúde de Registro, em São Paulo, o qual abriu
inscrições, em maio de 2007, para o processo seletivo afim de preencher a vaga de
Naturólogo para o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE SAÚDE DE REGISTRO, 2008). Em 2008, a
prefeitura de Tijucas (SC) contratou uma naturóloga para atuar na atenção básica.
88
Além da contratação de profissionais, algumas prefeituras, como as de
Palhoça (SC), Santo Amaro da Imperatriz (SC) e Biguaçu (SC), contrataram
acadêmicos do curso de Naturologia para atendimento dos trabalhadores no serviço
municipal de saúde. No município de Palhoça - SC, alguns voluntários do Programa
Linha Verde, ligado ao Curso de Naturologia da UNISUL, atendem em algumas
Unidades Básicas de Saúde do município, os profissionais trabalhadores do SUS,
além de atenderem à população em outras instituições públicas, como no Centro de
Apoio Psicossocial (CAPS) (UNISUL, 2008c).
Existem atualmente, no estado de Santa Catarina, dois Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) que contam com serviços de Naturologia: Palhoça e
Caçador. Em Palhoça o trabalho realizado nesta instituição consiste no atendimento
semanal dos usuários do CAPS através das Praticas Naturais realizadas por
estagiários e acadêmicos de Naturologia Aplicada. Os usuários são encaminhados
pelos profissionais do CAPS para os atendimentos semanais, totalizando cerca de
10 sessões. Em Caçador, os usuários do CAPS são acompanhados por uma
Naturóloga contratada pelo município (FARIAS; at all, 2008).
89
3 PERCURSO METODOLÓGICO
90
descritivas são [...] as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais
preocupados com a atuação prática”.
Tobar e Romano (2001, p.72) relatam que a pesquisa documental é
realizada com base em documentos guardados em órgãos públicos ou privados de
qualquer natureza. Os mesmos autores afirmam que a pesquisa de campo é
realizada no lugar onde ocorre o fenômeno, e dispõem de elementos para explicá-lo,
sendo pesquisa de campo toda aquela centrada em entrevistas.
91
A Universidade Anhembi Morumbi (UAM) iniciou em 1982, com a junção
de duas instituições: a Faculdade de Comunicação Social Anhembi, criada em 1970,
na cidade de São Paulo e a Faculdade de Turismo do Morumbi, criado em 1971, o
primeiro curso superior de Turismo no Brasil a formar graduados nessa área. A UAM
possui cursos de Graduação, Graduação Tecnológica, Graduação Executiva,
Graduação Online e Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu, os quais atendem cerca
de 25 mil alunos. O curso de graduação em Naturologia dessa universidade, criado
em 2002, é pioneiro no estado de São Paulo e seu funcionamento acontece no
Campus Centro, localizado na cidade de São Paulo (UAM, 2008a).
Os sujeitos da pesquisa foram vinte docentes das Universidades
selecionadas. No que tange à escolha dos participantes, foram considerados
critérios de inclusão: (1) ser docente do curso de Naturologia há pelo menos um ano
e (2) ministrar disciplinas com temática relativa à Bioética. Os participantes do
estudo passaram a compor a amostra mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice III), em conformidade com as
exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Do total dos entrevistados, nove foram do sexo masculino e onze do sexo
feminino. Quanto à formação acadêmica dos professores, seis entrevistados (30%)
eram naturólogos. O dado referente à formação dos demais professores não serão
apresentados aqui para que os mesmos não sejam identificados; porém, ressalta-se
que esses eram formados em outras dez diferentes graduações das mais diversas
áreas do conhecimento (ciências sociais e humanas, biológicas e da saúde). Sobre
a titulação de nível superior dos entrevistados, observou-se que 50% dos
entrevistados tinham a titulação máxima de especialista; 30% eram doutores ou pós-
doutores e 20% eram mestres.
92
currículo dessa graduação, bem como os planos de ensino das disciplinas
ministradas ao longo do curso.
Segundo Vasconcellos (1995, p.143 apud BAFFI, 2002), o projeto
pedagógico:
[...] é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os
desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente,
sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma
metodologia de trabalho que possibilita resignificar a ação de todos os
agentes da instituição.
93
temática. Dessa forma, partiu-se do pressuposto que os conteúdos relativos à
Bioética contemplados nos currículos dos cursos da área da saúde, além de serem
inseridos em uma disciplina específica de Bioética, são também diluídos
transversalmente ao longo da formação acadêmica nas diversas cadeiras, pois os
temas relativas à Bioética são vastos.
Para a coleta dos dados documentais, foi feito contato com os
coordenadores dos cursos de Naturologia e apresentou-se o projeto e, mediante o
aceite em participar da pesquisa, deu-se a solicitação do acesso aos documentos
(Projeto Político Pedagógico contendo os Planos de Ensino).
Esse primeiro momento da pesquisa, especialmente através da análise
dos planos de ensino, possibilitou identificar as principais disciplinas que
trabalhavam com temas bioéticos, totalizando o número de trinta e seis planos
selecionados, sendo dezoito de cada universidade participante do estudo. A
localização dos planos de ensino possibilitou identificar os professores que iriam
compor o segundo momento da coleta de dados.
Na segunda etapa, foram realizadas as entrevistas com os professores
das disciplinas selecionadas que continham temas bioéticos, com a finalidade de
conhecer como os temas bioéticos, encontrados na análise documental, eram
compartilhados com os acadêmicos do curso de Naturologia. Nessa fase, a coleta
de dados foi realizada mediante entrevista semi-estruturada, guiada por tópicos
pensados a partir dos objetivos da pesquisa (Apêndice IV), gravadas e
posteriormente transcritas.
A entrevista semi-estruturada é uma das técnicas qualitativas para o
levantamento de dados acerca da subjetividade humana (MINAYO, 2007). Essa
técnica “valoriza a presença do investigador ao mesmo tempo, oferece todas as
perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a
espontaneidade necessária, enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS, 1987, p.146).
Cada participante foi entrevistado em encontro pré-agendado, realizado
no espaço de trabalho. Entrevistaram-se vinte professores dos dois cursos de
Naturologia selecionados. Cabe ressaltar que dos vinte professores consultados,
doze eram de uma universidade e oito de outra. Ressalta-se que os docentes de
uma instituição ministravam duas ou mais disciplinas no mesmo curso, fato que
94
provocou número desigual de entrevistados, já que se prezou pelo número igual de
planos de ensino por curso.
95
Bioéticas e as respectivas disciplinas nas quais essas questões eram estudadas.
Posteriormente, foram pré-analisados os planos de ensino selecionados, ou seja,
aqueles que continham indícios a de temas bioéticos, a fim de identificar os
principais temas de Bioética tratados no curso.
A segunda fase, exploração do material – codificação –, antecede a
análise propriamente dita e é a ocasião da administração das técnicas sobre o
corpus do trabalho. Nessa etapa, “(...) os dados brutos são transformados de forma
organizada e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das
características pertinentes do conteúdo" (HOLSTI, 1969 apud BARDIN 1977, p.103).
Nessa etapa, fez-se a codificação dos dados encontrados na análise
documental: foram determinadas a unidade de registro (temas bioéticos
encontrados) e a unidade de contexto (como esses temas aparecerem no plano de
ensino). O “quadro 1”, abaixo, apresenta o prospecto do instrumento de coleta de
dados utilizados para a coleta dos dados documentais.
NOME DA UNIVERSIDADE
96
segunda fase: a exploração do material – codificação. Essa fase antecedeu a
análise propriamente dita e possibilitou a ampliação do corpus do trabalho,
permitindo então a realização da categorização. “A categorização é uma operação
de classificação de elementos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente,
por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente
definidos” (BARDIN, 1977, p.117). Trata-se de um processo estruturalista composto
de duas etapas: o inventário (isolar elementos) e a classificação (organizar as
mensagens) para transformar os dados brutos em dados organizados.
Após realizado o agrupamento dos dados de acordo com os temas
bioéticos trabalhados no ensino da Naturologia no Brasil, encontrados nos planos de
ensino e acrescidas, na unidade de contexto, as falas dos professores entrevistados,
foi possível a definição de categorias para este estudo. Nota-se, então, que a
categorização empregada foi pelo processo de milha. Na milha, o sistema de
categoria não é fornecido previamente, sendo decorrente do resultado da
classificação, definida no final da operação (BARDIN, 1977).
Para possibilitar o tratamento dos resultados obtidos, ou seja, para
permitir a inferência dos enfoques bioéticos que percorrem o ensino da Naturologia
no Brasil, o que corresponderia ao tratamento dos resultados obtidos e a
interpretação - terceira e última fase de análise dos dados, construiu-se o campo
“elementos teóricos e comentários”, com a finalidade de destacar os elementos
teóricos que constituem cada enfoque de análise em bioética e realizar comentários.
Também o campo “Referencial de análise” foi acrescido ao instrumento de coleta de
dados, habilitando-o a ser utensílio para facilitar o tratamento dos dados e inferência
dos referenciais de análise em bioética encontrados. Os acréscimos feitos no
instrumento de coleta de dados resultaram no “esquema para tratamento dos dados
e interpretação”, conforme exemplificado no quadro 02:
97
A partir do esquema para tratamento dos dados e interpretação foi
possível, ainda no que se refere à fase da exploração do material, apresentar as
informações identificadas para o balizamento frente a cada tema de bioética
encontrado de forma detalhada e com justificativas (comentário) a fim de que
pudessem servir de indicadores para a inferência dos referenciais de análise em
Bioéticas presentes no ensino da Naturologia no Brasil.
O tratamento dos resultados obtidos e a interpretação formam a
terceira fase. Bardin (1977) coloca que nessa etapa os dados brutos são tratados de
maneira a serem significativos e válidos, permitindo a inferência das mensagens
sobre o conteúdo pesquisado. Nesse sentido, a análise de conteúdo não se
restringe à descrição dos conteúdos, mas sim na capacidade de inferir sobre a
comunicação, recorrendo aos indicadores.
A inferência parte dos elementos constitutivos da comunicação,
basicamente o emissor e o receptor, enquanto pólos de inferência propriamente
ditos, também da análise da mensagem, correspondente ao código e à significação
(BARDIN, 1977).
Partindo-se dos indicadores encontrados, apresentados como “elementos
teóricos”, foi realizada a inferência de quais enfoques bioéticos estão presentes no
ensino de Naturologia no Brasil. Posteriormente, as informações encontradas foram
discutidas à luz da Bioética Social.
Entre os seis referenciais de análise em Bioética que compuseram este
estudo (enfoques: principialista, das virtudes, do cuidado, naturalista, da ética
profissional, social), apenas o enfoque da ética profissional foi acrescentado após a
realização da pesquisa de campo, uma vez que não estava previsto no projeto inicial
e surgiu a necessidade de acrescentá-lo. Outros dois enfoques, da casuística15 e o
15
O modelo casuístico foi apresentado por Albert R. Jonsen e Stephen Toulmin em The abuse of
casuistry. Esses enfatizam a importância do estudo de casos a serem analisados caso a caso,
portanto não tendo princípios pré-estabelecidos, mas sim se pautando de um plano analógico em que
se estabelecem analogias do caso em questão com outros casos paradigmáticos já estabelecidos.
Assim, da análise de cada caso que emerge a máxima ou o princípio que deve orientar o agir para a
solução do caso específico. Jonsen e Toulmin, assim como Beauchamp e Childress (2001), fizeram
parte da Comissão Belmont. Os autores da casuística defendem que os princípios arrolados pelo
relatório Belmont são as conclusões de um processo casuístico, pois as máximas determinadas
emergiram a partir das análises de casos, não, portanto, de princípios previamente estabelecidos
(JONSEN E TOULMIN, 1988; NEVES, 1996; JUNGES, 2005; ANJOS, 2001).
98
liberalista16, previstos inicialmente no projeto, por não aparecerem nas análises dos
dados encontrados enquanto referencial de análise dos temas bioéticos, foram
abandonados na versão final do presente estudo.
Para facilitar a compreensão dos seis enfoques considerados no atual
trabalho, apresenta-se, a seguir, um quadro resumo, contendo os principais
elementos constituintes dos referidos referenciais bioéticos. Os elementos dos
referenciais teóricos em Bioética: do principialismo, das virtudes e do cuidado, são
de autoria de Zoboli (2003). Os demais são de autoria do pesquisador.
ENFOQUE PRINCIPIALISTA
16
Encontra na obra The foundations of bioethics de H. Tristam Engelhardt Jr. as idéias defendidas
por vários estudiosos da bioética de enfoque liberalista. Esse referencial de análise busca a
afirmação da autonomia do indivíduo em relação ao seu corpo e sobre as decisões que envolvem sua
própria vida e tem forte inspiração na tradição política e filosófica do liberalismo norte-americano
(ENGELHARDT JUNIOR, 1998; NEVES, 1996).
99
• prevenir danos que possam ocorrer a outros
• eliminar condições que causarão danos aos outros
• resgatar pessoas em perigo
• balanço dos benefícios, custos e danos com vistas a alcançar o maior benefício
líquido (princípio da utilidade)
• proporcional retorno (princípio da reciprocidade)
ENFOQUE DO CUIDADO
100
ENFOQUE NATURALISTA
ENFOQUE SOCIAL
101
3.5 Limitações do Método
102
9 O direito à participação voluntária, sem que ocorram coerções de nenhuma
espécie;
9 O direito dos participantes em desistir em qualquer momento do estudo;
9 A garantia da inexistência de conflitos de interesses do pesquisador e dos
sujeitos do estudo.
Os entrevistados puderam ter benefícios diretos, como o de aumentar a
auto-estima por realizar um desejo altruísta de ajudar o pesquisador. As instituições
tiveram benefícios relacionados ao conhecimento dos resultados os quais são
possíveis subsídios para se constituir material acadêmico.
Assim, este trabalho apresentou relevância político-pedagógica por
proporcionar contribuição para possíveis reformulações dos Projetos Pedagógicos
dos Cursos de Naturologia e à formulação das diretrizes curriculares para de um
curso emergente no Brasil: a graduação de Naturologia. Apresentou ainda
importância científica, social e político, conforme considerado na justificativa deste
estudo. Ressalta-se que todos os documentos e dados serão armazenados em
arquivos impressos e digitais, sob responsabilidade do Autor, por um período de
cinco (5) anos após a conclusão do estudo (a contar de agosto de 2009). Após esse
tempo, o material será descartado.
103
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
104
5 REFERÊNCIAS
AMBER, R. Cromoterapia: A cura através das cores. São Paulo: Cultrix, 1995.
ARAÚJO, M. Das ervas medicinais à fitoterapia. 1ed. São Paulo: Ateliê Editorial,
2002.
BARNARD, J. Um guia para os remédios florais do Dr. Bach. 5. ed. São Paulo:
Pensamento, 1993.
105
BATELLO, C. F. Iridologia e Irisdiagnose: o que os olhos podem revelar. São
Paulo: Ground, 1999.
BERINGHS, L. Vida Saudável pela Iridologia. São Paulo: Robe Editorial, 1997.
BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004.
BONTEMPO, M. Guia médico da saúde natural. Porto Alegre: Terra Brazil, 2004.
106
CARVALHO, M. M. M. J. A Arte Cura? Recursos artísticos e psicoterapia.
Campinas, SP: Livro Pleno, 2004.
CHEVALLIER, A. Ervas medicinais: guia natural para cuidar da saúde. São Paulo:
Publifolha, 2005.
COHEN, C., SEGRE, M. Definição de Valores, Moral, Eticidade e Ética, In: SEGRE,
M.; COHEN, C. Bioética. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
CORAZZA, Sonia. Aromacologia: uma ciência de muitos cheiros. São Paulo: Ed.
Senac, 2002.
CROKE, M.; BOURNE R.D. A review of recent research studies on the efficacy of
Esogetic Colorpuncture Therapy--A wholistic acu-light system. Am J Acupunct.
1999;27(1-2):85-94.
DALLA VIA, G. A Hidroterapia: a cura pela água. Lisboa: Rolo & Filhos, 2001.
107
ENGEL, E. M. O desafio das biotécnicas para a ética e a Antropologia. Veritas
2004;50(2):205-228
FINNIS, J. Lei Natural e Direitos Naturais. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS,
2007.
108
GARRAFA, V. Da Bioética de princípios a uma Bioética interventiva. Revista do
Conselho Federal de Medicina, CFM, v. 13, nº 01, 2005d, pág(s) 125-134.c
GARRAFA, V.; DINIZ, D.; GUILHEM, D. Bioethical Language and its dialects and
idiolects. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15 (Sup. 1): 35-42, 1999.
GARRAFA, V.; PORTO, D. Bioética, Poder e Injustiça: por uma ética de intervenção.
O Mundo da Saúde v. 26, n. 1. São Paulo, 2002.
109
<http://www.amb.org.br/jamb/mar_abr_mai08/pg35.pdf> Visitado em 8 de julho de
2008.
110
MACINTYRE, A. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Bauru, SP:
EDUSC, 2001.
OLIVEIRA, F. Feminismo, Luta Anti-Racista e Bioética. cadernos pagu (5) 1995: pp.
73-107. Disponível em:
<http://www.pagu.unicamp.br/files/cadpagu/Cad05/pagu05.04.pdf> Visualizado em
19 de julho de 2009.
111
em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/2995/2995.PDF visitado em 29 de abril
de 2008.
REICH; W.T. Introduction. IN: REICH; W.T. (ORG). Bioethics Enciclopedya. 2ª ed.
[CD ROM]. New York: Mac Millan Library; 1995.
RICHARDSON, R. J.; et al. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
112
RUAS, A. C. Promoção da Saúde: um enfoque naturológico através de um estudo
de caso. Artigo de Conclusão de curso. Naturologia – UNISUL: Palhoça, 2008.
SILVA, F. L; SEGRE, M.; SELLI, L. Da Ética Profissional para a Bioética. In: ANJOS,
M. F.; SIQUEIRA, J. E (orgs). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas.
Aparecida, SP: Idéias & Letras; São Paulo: Sociedade Brasileira de Bioética, 2007.
SINGER, Peter. Ética prática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
113
STRONG. M. I. Ética profissional e Bioética: uma sinergia necessária. In: RUIZ, C.
R.; TITTANEGRO, G. R. (org). Bioética: uma diversidade temática. 1. Ed. São
Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2007.
114
ZOBOLI, E. L. C. P. Bioética e Atenção Básica: um estudo de ética descritiva
com enfermeiros e médicos do Programa de Saúde da Família. Tese de
Doutorado. Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde
Pública da USP. São Paulo, 2003.
115
6 ARTIGOS RESULTANTES DA PESQUISA
Fernando Hellmann1
Marta Inez Machado Verdi1
RESUMO:
Correspondência:
Marta Inez Machado Verdi
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde, Campus Universitário – Trindade
Florianópolis – SC – Brasil
CEP: 88010-970
E-mail: [email protected]
1
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
116
INTRODUÇÃO
117
A consolidação acadêmica da Bioética iniciou-se principalmente nos EUA,
com a instituição, pelo Governo, da Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, visando criar diretrizes
éticas para pesquisas. Desse comitê, nascido das necessidades de apurar as
denúncias dos abusos realizados em pesquisas com seres humanos, resultou o
Relatório Belmont: Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas, no qual foram descritos três princípios éticos básicos: o
respeito pelas pessoas; a beneficência; a justiça.
Dois colaboradores do Relatório Belmont, Tom Beauchamp e James
Childress, propuseram a teoria “principialista” (princípios: respeito à autonomia;
beneficência; não-maleficência; justiça) como um modelo de estudo, o qual se
tornou a proposta mais difundida e dominante, chegando-se a confundi-la com a
própria disciplina Bioética. Também, Albert Jonsen e Stephen Toulmin participaram
da elaboração do Relatório e apresentaram o referencial de análise da “casuística”,
que não teve tamanha repercussão mundial se comparado à proposta de
Beauchamp e Childress (BEAUCHAMP e CHILDRESS, 2002; JONSEN e TOULMIN,
1988).
Durante as décadas de 70 e 80, surgiram várias concepções concorrentes
na Bioética (SCHRAMM, 2002), embora a teoria principialista mantivesse a
hegemonia. Dentre os enfoques éticos propostos à época, destacam-se os da
virtude, do cuidado, naturalista, liberalista. Dessa forma, tornam-se notórios os
múltiplos enfoques proponentes de respostas diferenciadas a um mesmo problema
ético.
No Brasil, apesar de ser considerada tardia por ganhar força,
principalmente, a partir dos anos 90 (GARRAFA e PESSINI, 2003), a Bioética tem
sido desenvolvida especialmente com ideais derivados do Movimento da Reforma
Sanitária (SIQUEIRA, PORTO e FORTES 2007; PORTO e GARRAFA, 2008).
Assim, a partir da realidade socioeconômica, cultural e política presente na
sociedade Latino Americana, marcada pela pobreza e desigualdade social,
inaugura-se a Bioética Social, com um olhar direcionado não apenas aos
macroproblemas sociais, como também para todos os outros temas sobre os quais a
Bioética se debruça, tais como a relação terapêutica, a solidariedade e a relação
com o ambiente. Justamente a partir da inclinação e do desejo de refletir e oferecer
respostas diferentes das tradicionais a esses temas descritos, é que se dá a
118
possibilidade de se pensar as aproximações, também os distanciamentos, entre a
Bioética e a Naturologia, uma vez que ambas se preocupam com o bem-estar, a
qualidade de vida e a dignidade humana, bem como com a vida no e do planeta.
A Naturologia é um curso de graduação de ensino superior, surgido pela
primeira vez, em 1998, em uma universidade no Estado de Santa Catarina, sendo
posteriormente implantado em duas outras instituições, uma em São Paulo e outra
no Rio Grande do Norte. Os três cursos de Naturologia possuem uma base
epistemológica semelhante: estudam e aplicam práticas naturais (tais como:
fitoterapia, florais, massoterapia, hidroterapia, cromoterapia), balizadas através de
fundamentos filosóficos milenares da Medicina Tradicional Chinesa e da Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas de várias escolas de filosofia e de psicologia
ocidentais contemporâneas, como a Antroposofia, em sua maioria, voltadas à visão
ecológica (HELLMANN e WEDEKIN, 2008). A graduação em Naturologia insere-se
no panorama da sociedade brasileira e, por compreender em sua base a concepção
sistêmica e complexa da vida e zelar pelo uso sustentável dos elementos da
natureza com a finalidade de alcançar o bem-estar humano em conjunto com a
saúde planetária, requer um olhar ampliado no que se refere ao uso das práticas
naturais frente à saúde coletiva.
Mas, para que nessa formação acadêmica a concepção sistêmica e
complexa da vida seja concretizada a fim de colaborar na formação de profissionais
com perfil humanístico, há que se considerar como as terapias naturais aparecem
historicamente na sociedade e na atualidade. Se, por um lado, o uso de práticas
naturais, na década de 60 do século XX, caracterizou-se como movimento
contracultural (BARROS, 2000), por outro, o modismo presente na sociedade
contemporânea tende a levar o consumo das terapias naturais dentro da lógica de
mercado, da medicalização social e da obsessão individual com a saúde (TESSER;
BARROS, 2008).
Frente a esses fatos, para a Naturologia se efetivar, pautada na realidade
complexa e sistêmica de mundo e, assim, poder contribuir para o aprimoramento do
contexto social no qual se insere, torna-se importante que o ensino nesse curso seja
conduzido por referenciais fundamentados nas necessidades cotidianas da saúde
coletiva vivida no país. Nesse sentido, surge a preocupação relacionada à formação
do naturólogo no que diz respeito ao equacionamento dos temas éticos presentes
119
não apenas na prática terapêutica, mas em toda a conjuntura que influencia o
estado de saúde e o bem-estar do indivíduo, do coletivo e do planeta, tal como é
premissa da graduação em debate. Assim sendo, este estudo objetiva discutir, à luz
da Bioética Social, os temas e os referenciais de análise em Bioética presentes no
ensino de Naturologia no Brasil e suas implicações para a formação de um
profissional socialmente comprometido.
Por Bioética Social, compreendem-se as perspectivas da Bioética: de
Intervenção; de Proteção; Cotidiana; Antisexista, Antirracista e Libertária e a Bioética
e Teologia da Libertação. Essas estão em conformidade com os pensamentos
existentes na Reforma Sanitária Brasileira, pois consideram em suas formulações a
determinação social das doenças e questionam as relações de poder existentes na
sociedade a partir da identificação das desigualdades sociais, para então defender
a coletividade, em particular, os grupos vulneráveis, tomando como ponto de partida
o reconhecimento dos direitos humanos, a justiça social e a solidariedade.
Além de contribuir no âmbito acadêmico da referida graduação, o debate
acerca dos referenciais bioéticos presentes no curso de Naturologia contribui para
pensar como tem sido utilizado o conhecimento das práticas naturais frente às
necessidades da saúde coletiva, uma vez que essas práticas têm sido incorporadas
não apenas no ensino superior, como também nas políticas públicas, em especial,
no Sistema Único de Saúde.
PERCURSO METODOLÓGICO
DISCUTINDO AS CATEGORIAS
121
“Da relação terapêutica à ecologia: temas bioéticos presentes no ensino da
Naturologia”
O ser humano faz parte do meio ambiente. Ele não pode ter uma visão de
preservar para ser preservado, uma visão antropocentrista. Temos de
preservar pensando em todos os seres que habitam o planeta [...] não só na
nossa espécie porque não tem sentido, a gente faz parte desse meio.
(ANIS).
Assim, parece que, para ser genuinamente Naturólogo, há que ser como
um verdadeiro bioeticista, tal como concebia Potter (1971) ao assinalar a
necessidade de se cultivar ações e decisões pessoais relativas ao cuidado com o
122
ambiente, incluindo o compromisso com a sustentabilidade do planeta. Também a
Bioética da Intervenção, que possui caráter social, assinala em seu marco teórico a
necessidade de preservação ambiental, pois os recursos naturais são finitos e
pertencem a todos os seres, além de estarem garantidos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (GARRAFA e PORTO, 2002).
Os temas da qualidade de vida e promoção de saúde também aparecem
transversalmente nas disciplinas. Denotam, por vezes, abordagem do sujeito
singular, conferindo-lhe responsabilidade por sua vida e saúde, como pode ser
observado nesta fala:
123
questões como pobreza, preconceito étnico, desigualdades sociais, com vistas a
resguardar a defesa da vida humana vulnerada (LEFEVRE e LEFEVRE, 2004).
Em se tratando da abordagem de assuntos referentes às políticas
públicas de saúde no curso, essa foi escassa. Os problemas sociais, políticos e
econômicos vivenciados na sociedade brasileira marcaram presença no ensino da
Naturologia. Temas como: empregabilidade, suicídio, violência, globalização,
xenofobia, desigualdades sociais e exclusão social, responsabilidade social e
cidadania, corpo, sexualidade e gênero, etnicidade, diversidade e relativismo
cultural, relação familiar, apresentam-se de maneira disciplinar, especialmente em
matérias relacionadas à sociologia, à antropologia e, em algumas vezes, em
disciplinas outras, nas quais o debate desses assuntos é incorporado no processo
de ensino-aprendizagem por iniciativa do professor, não estando indicado na
ementa.
Considera-se que abordar os temas acima descritos apenas de forma
disciplinar pode conduzir a formação profissional a uma abordagem
descontextualizada. Notou-se ainda que algumas das disciplinas que abordam tais
tópicos possuem, geralmente, carga horária reduzida se comparada àquelas
reservadas às ciências biológicas. A realidade encontrada vai ao encontro do que
relatam Carvalho e Ceccim (2006) ao discorrerem sobre a formação para educação
em saúde na graduação, pois esses afirmam aparecer desconexões temáticas em
que se focalizam conteúdos, além de serem frequentes os contrassensos em
relação à distribuição da carga horária das disciplinas, conferindo à educação uma
forma enciclopédica, além de focar a doença e a reabilitação.
Nas disciplinas que envolviam o estudo da Bioética apareceram os
dilemas tradicionais de tal campo de estudo, tais como: aborto, eutanásia, alocação
de recursos escassos à saúde, pesquisas com células-tronco e envolvendo animais.
Cabe ressaltar que essas disciplinas apresentaram carga horária reduzida, o que faz
com que se opte por poucos temas a serem abordados. Convém lembrar que os
estudiosos de Bioética, em sua grande maioria, elegem como temas centrais de
debates os que emergem, especialmente, a partir do desenvolvimento da
biomedicina e da evolução técnico-científica em geral, sendo que os problemas que
persistem a tal evolução, como: fome, pobreza, acesso precário à saúde, presentes
no cotidiano da população, têm sido postergados no debate bioético (BERLINGUER,
1996; GARRAFA E PORTO, 2002).
124
Foram ainda observadas temáticas relativas à produção alimentar animal
e vegetal, com destaque aos transgênicos, tópicos sobre o cuidado à saúde de
pessoas idosas e debate alusivo à mercantilização existente na saúde. Temas
concernentes à ética na utilização das técnicas terapêuticas em Naturologia também
se fizeram presentes e refletiam inquietações atreladas ao exercício profissional,
principalmente a características deontológicas.
Apesar do desejo de ser o naturólogo um profissional inclinado a uma
visão multidimensional do ser humano, compreendido a partir das suas relações
com ambiente e sociedade (RODRIGUES, 2007), a maneira com que os temas
aparecem na organização curricular da Naturologia é capaz de fazer compreender a
relação do homem com o ambiente, porém não comporta a relação social.
Considera-se que a formação desse profissional é voltada ao atendimento no âmbito
individual. Para alcançar a aspiração de um profissional que compreenda o homem
e sua saúde em relação à sociedade, há necessidade de serem abordados
problemas macrossociais determinantes na saúde humana, e também políticas de
Estado e de âmbito internacional, de uma forma interdisciplinar.
125
sua responsabilidade e posição, a saber, o modo pelo qual se compreende o
homem, por um lado vivente e por outro lado produtor de conhecimento” (SILVA,
2004, p.1); portanto, compreendendo-o mediante um olhar individualizado. Essa
visão foi percebida em diversas falas dos entrevistados, como na que segue:
[...] não adianta fazer uma massagenzinha, se ele (interagente) não tem o
que comer, [...] não tem emprego. Então é tudo muito lindo a teoria do
cuidado, da relação, aí pega um cara morrendo de fome que mora no
barraco [...]. E aí, vai se cuidar de que forma? Claro que existem
mecanismos sociais, mas enfim, vai muito além disso, vai da tomada de
consciência do indivíduo (naturólogo) do que é importante como um todo,
de se ter uma visão da sua sociedade [...]. (TANGERINA).
17
A história de vida do homem segue ciclo de sete anos, conhecida como setênios, os quais auxiliam
na compreensão das fases da vida.
127
do contexto no qual é agenciado. A proposta dessa escola de Bioética é de
desenvolver uma visão capaz de amparar as pessoas vulneradas, as quais devem
ser protegidas contra as situações que as colocam em risco e promovam doenças.
Assim, trata-se de uma visão que evita o reducionismo do olhar biomédico e a
concepção generalizada do olhar biocêntrico para uma visão da saúde enquanto
direito do cidadão e dever do Estado (SCHRAMM, 2003).
Não sendo o Estado algo etéreo, mas concretizado por pessoas, requer-
se que as últimas sejam éticas e cidadãs para colaborar com que a conjuntura
pública seja justa. Da mesma forma, uma relação terapêutica capaz de contribuir
para a transformação do status quo da pessoa cuidada será melhor realizada por um
profissional envolvido com dimensões sociopolíticas.
O enfoque do cuidado na Naturologia, por assumir configuração
personalizada, apresenta características de proporcionar atenção humanizada no
processo de cuidar, mas carece de uma visão libertária, necessária para reforçar a
formação do naturólogo comprometido com a emancipação dos sujeitos sociais.
128
éticos, esse olhar tende convergir para certa aproximação ao referencial de enfoque
naturalista.
O enfoque naturalista na Bioética, tal como é apontado por Pegoraro
(1998, p. 62), “sustenta que a natureza é intrinsecamente dotada de um ritmo próprio
pelo qual se auto-regula. Isto é, a natureza obedece a leis internas pelas quais
alcança seus fins próprios”. Na avaliação de conflitos morais, o modelo naturalista
aponta que os homens não são soberanos absolutos da natureza e que esses não
devem alterar o processo natural (PEGORARO, 1998). Na atualidade, o enfoque
naturalista, também conhecido como direito natural, é defendido pelo filósofo John
Finnis, o qual apresenta uma perspectiva individualista que insere o sujeito na
sociedade. O autor propõe que as ações morais são os atos que contribuem para o
desenvolvimento de valores os quais são entendidos com bens fundamentais, a
saber: o conhecimento, a vida estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a
amizade e a religiosidade (FINNIS, 2007). Algumas expressões de docentes
permitem inferir nuances do enfoque naturalista no ensino da Naturologia, tal como
pode ser observada nesta fala:
[...] esse consumismo desenfreado faz que você não seja mais você. Então
aqueles pequenos prazeres foram embora. [...] Essa falta de respeito, essa
falta de amor próprio, essa falta de valores [...], acho que a coisa mais
importante do mundo é a família, [...]. Quando a gente pensa em
Naturologia, a gente pensa no que é natural para o ser humano. [...] Acho
que é todo mundo viver bem [...]. Porque nós dois não podemos ser um
amigo do outro? Um ajudando o outro e sendo feliz. [...] Até porque ética,
se for correta, é natural” (grifo nosso). (GENGIBRE).
129
respostas às dúvidas humanas e, de algum modo, está presente em todas as
diferentes culturas e sociedades. A religião é, portanto, experiência transcendente
que encontra espaço nas culturas e, de certa forma, nas bases da Naturologia.
Cabe ressaltar que além da Ayurveda ter ligações com propósitos do
Hinduísmo, a Antroposofia de Rudolf Steiner e os pressupostos dos Florais de Bach,
afluem para inquietações alusivas às manifestações transcendentais do homem.
Essas três propostas que estão entre os fundamentos do curso de Naturologia
indicam que a pessoa deve cuidar de si como forma de desenvolvimento humano e
até mesmo espiritual. Assim, não foi raro encontrar falas impregnadas da convicção
de que as coisas não acontecem por acaso e que os indivíduos evoluem com as
situações de enfermidade, tal como nesta:
[...] É muito fácil as pessoas reclamarem (da doença). Mas essa situação
tem uma mensagem. Temos de mostrar a pessoa a ver de uma forma
diferente essa realidade, aprender com ela [...] tentar evoluir com isso.
(VÉTIVER).
O risco que se corre com essas concepções, quando elas não são
devidamente contextualizadas, habita na possibilidade de encarar como natural ou
ainda pré-determinado todos os eventos relativos ao adoecimento. Certamente, a
doença e a morte são eventos naturais para todos os seres vivos. Mas há diferenças
entre naturalizar os adoecimentos e reconhecer que existem situações que fogem a
essa regra, como são as circunstâncias iníquas vivenciadas na sociedade atual por
milhares de pessoas, as quais promovem adoecimento precoce e, além de estarem
longe de ser naturais, não devem ser naturalizadas.
Também a visão psicossomática, tal como é apresentada no curso, a qual
conduz para o entendimento de que a doença é decorrente da psique humana, caso
não for contextualizada, pode transformar-se em formulações explicativas
reducionistas, podendo conduzir à transferência dos problemas complexos de
natureza biológica e sanitários em desvios de conduta individuais, o que acarretaria
na culpabilização das vítimas (VERDI e CAPONI, 2005).
Ainda que haja nas medicinas tradicionais, integrativas e
complementares, ênfase em um modelo de cuidado humanizado, dependendo como
essas práticas forem conduzidas, podem ser desviadas dessa vocação e servir à
medicalização social, na medida em que tornam naturais os problemas sociais
130
vivenciados na atualidade. Há, portanto, que se desenvolverem tais práticas
acompanhadas de constante reflexão a fim de que se tornem práxis social.
131
outro. Na literatura referente à Naturologia, Nascimento (2003, p. 7) afirma que é
necessário o terapeuta “transformar-se e curar-se diante das exigências da
interagência, sob o risco de ser antiético e incoerente” se permanecer estagnado,
sem vontade de crescer e de aprimorar-se ao incentivar o interagente à
transformação. Além da literatura, falas de professores remetiam a esse imperativo,
tal como esta:
132
ressalta ainda que a sociedade liberalista e individualista dificulta o exercício das
virtudes como tais, pois:
O exercício das virtudes é, em si, capaz de exigir uma postura muito bem-
definida com relação a questões sociais e políticas; e é sempre dentro de
determinada comunidade, com suas próprias formas institucionais
específicas, que aprendemos ou deixamos de aprender a exercitar as
virtudes. (MACINTYRE, 2001, p. 327).
133
mesma forma. Além do principialismo ser apresentado enquanto teoria nas aulas de
Bioética, os princípios do respeito à autonomia e da beneficência apareceram nas
falas dos docentes:
Tudo que eu for fazer, tenho que ver se isso está sendo feito em benefício
do meu interagente. Se tenho dúvidas, então já não posso mais, é melhor
eu declinar dessa opção. (ROSA).
134
temas bioéticos no ensino, esses assinalavam, como recurso, o código de ética
profissional:
Falo nos códigos de ética, para que eles servem, como funcionam, como
são montados, até chegar às questões de ordem prática. [...] Nessa
profissão, embora ainda não exista um código de ética, existem algumas
normas que são universais as quais é o nosso dever segui-las. (JASMIM).
135
Ao optar pela fitoterapia, por exemplo, não se escolhe apenas um método que tenha
menos efeito colateral no organismo, opta-se também por um mundo melhor:
contribui na preservação ambiental, pois as ervas medicinais devem ser cultivadas
sem o uso de agrotóxicos; colabora socialmente, seja pelo fato de se tratar de
terapêutica com menor dependência tecnológica, pois plantas não podem ser
patenteadas, seja pelo fato de que os produtores de tais plantas são geralmente
pequenos agricultores. Para Rodrigues (2007, p.46), o Naturólogo atua
principalmente na educação em saúde, orientando o uso de recursos naturais e
incentivando a reciclagem do lixo, o uso de produtos de baixo impacto ambiental, o
consumo de alimentos orgânicos.
O consumo de alimentos orgânicos no curso surge não apenas como
recurso para o tratamento de distúrbios de saúde como também alternativa para
minimizar problemas ambientais e sociais. A alimentação orgânica surge no curso
como opção frente: aos alimentos transgênicos, dominado por monopólio de
mercado autorizado por patentes, os quais geram concentração de renda e risco
ambiental; aos alimentos fast food, em que, na sua maioria, são produzidos por
empresas que mantém os trabalhadores em situação de insalubridade; à produção
animal, em que esses são geralmente maltratados na criação intensiva (AZEVEDO,
2007a; 2007b). Como visto nesta fala, a agricultura orgânica surge:
[...] acho que ela é fundamental para dar aquela formação que vai além da
parte técnica e fornecer a visão de mundo, da sociedade, das problemáticas
que envolvem o mundo e a vida cotidiana. A disciplina possibilita o
acadêmico fazer uma interpretação mais abrangente da sociedade, se ele
assim quiser [...]. (NÉROLI).
136
pedagógico do curso, é necessário também professores capacitados e
comprometidos com a educação crítica e libertadora. Chama a atenção o perfil de
alguns entrevistados, os quais expuseram sua preocupação com a formação de um
acadêmico cidadão:
[...] Antes de pensar no bem estar estrutural, de quanto se ganhar com isso,
então, pensar quanto que se vai ganhar como ser humano, quanto se ganha
como sociedade. Porque eu sempre digo para eles: se um deles não está
bem eu não estou bem, porque nós somos interligados; [...] você já nasce
dependente da sociedade. Essa questão de individualismo é tola. [...] Por
outro lado então, o que você quer? É possível mudar a sociedade? É!
(TANGERINA).
Os alunos não têm uma disciplina específica, por exemplo, para trabalhar as
questões de gênero, bem como as questões de poder. [...]. Acho que a
bioética também fala sobre isso, sobre questões das desigualdades de
poder. Então, estamos em um campo perigosíssimo se o nosso aluno não
está bem preparado para isso. (ROSA).
137
[...] não é somente uma massa de pessoas, mas é também uma massa de
dinheiro, é um mercado que têm necessidades especiais e que não está
sendo contemplado. É uma oportunidade mercadológica muito grande que
se perde. (GERÂNIO).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
138
conjuntural, complexa e politizada, os temas que envolvem a saúde e a vida no
planeta com vistas ao bem-estar coletivo, sem se esquecer do âmbito individual.
Assim, o enfoque social da Bioética apresenta contribuições para a Naturologia e
seu ensino.
Foi possível perceber que o currículo do curso de Naturologia inclina-se à
formação acadêmica voltada para o cuidado à saúde individual, pois os temas
bioéticos recorrentes foram os atrelados à relação terapêutica. Revela-se um ensino
descomprometido com questões sociais, já que é quase nula a presença de estudo
sobre políticas públicas de saúde e considera-se como mínima a ênfase às
implicações éticas que ocorrem no cotidiano da sociedade, o que acaba por informar
o acadêmico que há problemas sociais, mas não possibilita formar um profissional
socialmente comprometido.
Para que a formação do naturólogo seja atrelada ao compromisso social,
faz-se necessário refletir acerca dos referenciais de análise em bioética presentes
no curso. O enfoque do cuidado, que aparece de maneira expressiva, possibilita a
atenção humanizada à saúde, mas não se mostrou como cuidado libertário, capaz
de levar o interagente a questionar o status quo. A corrente naturalista emergiu
como referencial de análise em bioética com tendências à naturalização dos
problemas sociais. As virtudes surgiram como traços do caráter do naturólogo para a
realização do cuidado com o outro, mas é preciso que a finalidade última seja
alcançar o bem comum coletivo. O enfoque da ética profissional e do principialismo
aparecem de maneira menos expressiva no curso, ainda assim requerem ser
contextualizados à realidade social brasileira. Contudo, mesmo ainda necessitando
de ênfase, o curso apresenta vocação ao enfoque da Bioética Social, mas enfrente o
desafio de desvencilhar-se do modismo e do mercantilismo existentes na atual
sociedade.
Embora a esta pesquisa depare com limitações, pois não foram
consideradas as relações intersubjetivas existentes no processo educativo, bem
como os modelos profissionais e as vivências acadêmicas, este estudo apresenta as
contribuições para a Naturologia e seu ensino, especialmente no que diz respeito ao
conhecimento dos temas e dos referenciais de análises em bioética presente no
processo de ensino-aprendizagem, e apresenta recomendações, como a de ampliar
o debate de temas sociopolíticos e de habilitar os referenciais à ótica da Bioética
social. Para uma formação mais próxima da realidade brasileira, o estágio final nos
139
cursos de Naturologia poderia ocorrer em Unidades Básicas de Saúde, o que
contribuiria ainda no acesso da população às práticas naturais.
Torna-se difícil a contribuição das profissões para que a vida em
sociedade seja aprimorada quando a construção da identidade profissional na
graduação não comporta a própria realidade da comunidade em que tais agentes
realizam suas práticas. É nesse sentido que surge a necessidade de ampliar o
debate sobre os conteúdos de caráter sociopolítico no ensino da Naturologia e de
habilitar os referenciais de análise em Bioética existentes no curso ao enfoque
social, para que, talvez assim, o processo de ensino-aprendizagem possa contribuir
na formação de profissionais depositários de sonhos e atos por uma sociedade
melhor.
REREFÊNCIAS
COHEN, C., SEGRE, M. Definição de Valores, Moral, Eticidade e Ética. In: SEGRE,
M.; COHEN, C. Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002.
140
DELLAGIUSTINA, M; HELLMANN, F. A cientificidade na relação terapêutica: uma
ampliação na perspectiva quântica. In: HELLMANN, F.; WEDEKIN, L. M.;
DELLAGIUSTINA, M. (ORGS). Naturologia Aplicada: Reflexões sobre Saúde
Integral. Tubarão, SC: UNISUL, 2008.
GARRAFA, V.; PORTO, D. Bioética, Poder e Injustiça: por uma ética de intervenção.
O Mundo da Saúde v. 26, n. 1. São Paulo, 2002.
141
NASCIMENTO, A. L. Estudo comparativo sobre ética & moral: implicações no
processo de formação do naturólogo. Artigo apresentado à disciplina de Ética no
Curso de Naturologia Aplicada da Unisul. Palhoça, SC: 2003. Disponível em:
<http://www.portalnaturologia.com.br/material_colaboradores/akhnaton_etica.pdf>
Visitado em: 12/10/2008
POTTER, V.R. Bioethics, bridge to the future. Englewwod Cliffs, N.J.: Prentice-
Hal, 1971.
SILVA, F. L; SEGRE, M.; SELLI, L. Da Ética Profissional para a Bioética. In: ANJOS,
M. F.; SIQUEIRA, J. E (orgs). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas.
Aparecida, SP: Idéias & Letras; São Paulo: Sociedade Brasileira de Bioética, 2007.
142
SILVA, F. M. Histórico da Naturologia. Material não publicado. Palhoça, SC:
UNISUL, 2004.
143
6.2 Artigo 2: Ética, Bioética e Deontologia no Ensino da Naturologia no Brasil:
reflexões a partir da Bioética Social
Fernando Hellmann1
Marta Inez Machado Verdi1
RESUMO:
Este estudo tem por objetivo discutir, através da Bioética Social, como se configura a
inserção das disciplinas de ética, deontologia e bioética no ensino da Naturologia no
Brasil. Sob abordagem qualitativo-descritiva e por meio de investigação documental
e de campo, realizou-se o estudo em duas universidades brasileiras. Participaram
seis docentes, através de entrevistas semi-estruturadas, e analisaram-se três planos
de ensino de cada um dos dois cursos. Os dados coletados foram submetidos à
análise de conteúdo e resultaram em quatro categorias: Características gerais das
disciplinas que envolvem o estudo da ética, bioética e deontologia; Bioética
enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referenciais de análise;
Abordagens teóricas da ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir da Bioética
Social; O estudo da deontologia no ensino da Naturologia. Considera-se a
necessidade da ampliação da carga horária das disciplinas de ética e bioética e
assinala-se a necessidade da constante reflexão sobre a prática profissional voltada
à realidade social brasileira.
Correspondência:
Marta Inez Machado Verdi
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde, Campus Universitário – Trindade
Florianópolis – SC – Brasil
CEP: 88010-970
E-mail: [email protected]
1
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
144
INTRODUÇÃO
145
coletivos (REGO, 2003; MORANO, 2003; FIGUEIREDO GARRAFA, PORTILLO,
2007; DANTAS, SOUSA, 2008).
No âmbito da educação, a bioética pode ser considerada um movimento
renovador, fortalecedor da ética, visto que esse campo de estudo tende a traduzir a
filosofia moral para uma linguagem mais ao alcance daqueles que atuam nas
diversas áreas que envolvem a vida no planeta, facilitando aplicá-la. As reflexões da
bioética têm sido o caminho percorrido para possibilitar as reflexões éticas frente aos
dilemas morais emergentes, os quais decorrem da evolução técnico-científica. Ainda
assim, como aponta Berlinguer (1991), os problemas que persistem a tal evolução e
os quais se tornam cotidianos, tais como a fome, a pobreza, o acesso precário à
saúde, têm sido negligenciados nessa área de estudo. Considera-se também o fato
de a Bioética ser um campo interdisciplinar e, por existirem diferentes valores morais
nas diversas culturas e sociedades, há distintos referenciais de análise em bioética
passível de solucionar um mesmo problema.
Frente a isto, destaca-se a necessidade de abordar no ensino das
profissões no Brasil um enfoque bioético que pondere a realidade dos países latino-
americanos. Nesses países, a desigualdade social torna as pessoas vulneradas, em
condições de vida precárias, sem terem o mínimo para viver dignamente. No campo
da bioética, está em formação uma corrente alicerçada em constitutivas sociais a
que Garrafa (2005a) denomina “Bioética Social”. Ao propor essa designação, o autor
exorta intelectuais comprometidos com a cidadania para fortalecer a bioética
pensada a partir da realidade dos países em desenvolvimento.
O enfoque da Bioética Social pauta-se em uma perspectiva que prioriza
as decisões morais de ações em saúde destinadas à coletividade face a um mundo
que privilegia valores individuais. Tal corrente tem por características principais a
justiça social, a cidadania e o reconhecimento dos direitos humanos; reconhece o
pluralismo moral existente nas sociedades e contextualiza os problemas onde os
mesmos acontecem, preza pela equidade e pela universalidade do acesso à saúde
e procura proteger a população socialmente vulnerada.
Nesse sentido, surge a preocupação relacionada à formação profissional
no que diz respeito ao equacionamento dos dilemas éticos vivenciados
cotidianamente pelos seres humanos, em especial, os brasileiros. O presente estudo
contextualiza-se na formação do naturólogo, uma vez que se trata de um curso de
146
graduação novo que há pouco mais de uma década se insere na sociedade
brasileira, conquistando espaços na arena da saúde.
A Naturologia, graduação da área da saúde, propõe o cuidado integral ao
ser humano. Utiliza práticas naturais, tais como a fitoterapia, hidroterapia,
trofoterapia, massoterapia, entre outras, com a intenção de promover, manter e
recuperar a saúde, a qualidade de vida e a integração do indivíduo ao ambiente em
que vive. O curso compreende, em seus princípios, a concepção sistêmica da vida e
os fundamentos filosóficos milenares da Medicina Tradicional Chinesa, Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas, em sua maioria voltadas à ecologia
(HELLMANN e WEDEKIN, 2008; SILVA, 2004).
As práticas não convencionais, tais como as estudadas no curso de
Naturologia, tendem a contribuir no sentido de proporcionar uma forma mais
humanizadora no processo de cuidar (WALDOW, 2001). Mas, se por um lado, as
práticas alternativas e complementares tendem a constituir-se em um saber que tem
como categoria central a saúde e não a doença; por outro, o modismo presente na
sociedade leva ao consumo de técnicas e tratamentos complementares dentro da
lógica do mercado e da medicalização da sociedade (TESSER e BARROS, 2008).
Esta pesquisa objetiva, portanto, discutir, através de um olhar da bioética
social, como se configura a inserção da ética, da bioética, e da deontologia enquanto
disciplinas autônomas ou como conteúdos ministrados em outras matérias no ensino
da Naturologia no Brasil, especialmente no que concerne aos referencias teóricos
estudados os quais dão suporte à formação acadêmica.
Esse debate insere-se em um momento no qual as terapias não
convencionais, complementares e integrativas vêm ganhando espaço na sociedade
contemporânea, tal como é na graduação em Naturologia, inclusive incorporadas
pelo Sistema Único de Saúde.
PERCURSO METODOLÓGICO
147
Os cursos participantes responderam a dois critérios de inclusão: ter
reconhecimento do Ministério da Educação e aceite do coordenador em participar da
pesquisa, permitindo o acesso à documentação necessária. Foram sujeitos da
pesquisa seis professores que ministram aulas nas referidas universidades, os quais
responderam a outros dois critérios de inclusão: ser docente do curso de Naturologia
há um ano ou mais e ministrar disciplinas de ética, bioética e/ou deontologia, ou de
disciplinas que contemplam tais conteúdos na ementa.
As informações foram coletadas em dois momentos. No primeiro,
procedeu-se a análise dos seis planos de ensino encontrados que continham
explicitamente em sua ementa o estudo da ética, da bioética e/ou da deontologia. No
segundo momento, foram realizadas as entrevistas com os seis professores
responsáveis por ministrar tais disciplinas selecionadas, sendo três de cada um dos
dois cursos de Naturologia. Foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada,
guiada por um roteiro de tópicos, os quais questionavam as características das
disciplinas, quais eram os referenciais utilizados e como era sistematizado o
processo de ensino-aprendizagem.
Os dados provenientes dos documentos e das entrevistas foram tratados
através da análise de conteúdo (BARDIN, 1977), possibilitando o encontro de quatro
categorias, as quais foram discutidas à luz da Bioética Social: (1) Características
gerais das disciplinas que envolvem o estudo da ética, bioética e deontologia; (2)
Bioética enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referenciais de
análise; (3) Abordagens teóricas da ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir
da Bioética Social; (4) O estudo da deontologia no ensino da Naturologia.
Este artigo apresenta parte das reflexões de uma dissertação de
mestrado cujo projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Catarina, registrado sob o protocolo 297/8 FR-
224129. Em respeito às normas éticas em pesquisa envolvendo seres humanos, os
participantes passaram a compor a amostra mediante compreensão e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para manter o anonimato dos
participantes, utilizaram-se nomes de frutas e ervas aromáticas como cognomes dos
entrevistados.
DISCUTINDO AS CATEGORIAS
148
O processo de análise do conteúdo proveniente dos dados deste estudo
possibilitou o conhecimento de como se configura a inserção das unidades de
ensino referentes à ética, deontologia e bioética nas disciplinas de na graduação em
Naturologia, as quais são apresentadas, a seguir, nas quatro categorias que
emergiram desta pesquisa.
149
assinalando o parco envolvimento institucional no fortalecimento e no ensino dessas
três áreas. Esse dado corrobora com as afirmações feitas por Carvalho e Ceccin
(2006) ao apontarem o contrassenso em relação à distribuição da carga horária das
disciplinas nos cursos de ensino superior em saúde, as quais se concentram na
formação técnica, tendo prejuízo à formação pautada no entendimento da
complexidade do tema da saúde. Frente a isso, um dos professores entrevistados
apresentou sua preocupação, assinalando a necessidade de, pelo menos, o dobro
de horas para a disciplina de ética e bioética, caso o curso viesse passar por uma
reformulação.
Para contribuir na formação acadêmica, não apenas a carga horária das
disciplinas se faz relevante, mas também a formação dos professores. Nesse
sentido, Figueiredo, Garrafa e Portillo (2008), em estudo acerca do ensino da
bioética na área das ciências de saúde no Brasil, aponta para a ausência de uma
abordagem referente ao perfil da formação do corpo docente. Ainda assim, Rego
(2003), referindo-se ao ensino médico, aponta para o crescente número de novas
faculdades, que contratam professores desatualizados, muitas vezes, não
preparados para o ensino da ética.
Acerca da formação acadêmica dos professores responsáveis pelas
disciplinas de ética e bioética no curso de Naturologia, essa não foi a realidade
encontrada: todos os três professores dessas disciplinas são mestres ou cursam
doutorado e são graduados nas áreas das ciências humanas, em especial, na
filosofia e ciências sociais. Os outros três professores que trabalham códigos
deontológicos em suas aulas, são graduados e possuem curso de especialização na
área da saúde. Alguns relataram que buscam aperfeiçoar-se através da participação
de congressos, sendo que um dos professores entrevistados é membro de uma
associação da área da bioética.
Os professores entrevistados foram questionados quanto às estratégias
de ensino utilizadas. Notou-se que essas, no ensino de ética e Bioética no curso de
Naturologia, são diversificadas. “A diversificação dos métodos é importante não só
porque pode ampliar as alternativas de aprendizagem, como também expandir as
possibilidades de que ela se realize, superando possíveis dificuldades dos alunos”
(RANGEL, 2007 p.8). Destacam-se, em ordem de frequência, as aulas expositivo-
dialogadas, o uso de seminários, o emprego de estudos de casos e o júri simulado.
150
A metodologia para o ensinamento de códigos de ética profissional é abordado na
quarta categoria deste estudo
Pode-se considerar a aula expositiva como método tradicional de ensino.
Os três professores entrevistados relataram que utilizam exemplos do cotidiano e
buscam incentivar a participação do acadêmico nas aulas através da indagação oral
acerca das opiniões e das vivências do aluno para que assim o processo
pedagógico torne-se dialógico e atrativo.
A utilização de seminários no processo de ensino-aprendizagem foi
apontada por dois docentes. Essa técnica ficava geralmente para os últimos dias de
aula. Em um caso o professor sugeria os temas a serem abordados e no outro eram
os acadêmicos os responsáveis pela procura de temas éticos no contexto da
Naturologia, os quais deveriam ser discutidos segundo as teorias estudadas ao
longo da disciplina.
O estudo de caso foi o terceiro método mais utilizado. Chama a atenção
para a metodologia de um dos professores entrevistados: a primeira parte da aula
era apresentado, através de aula expositivo-dialogada, um referencial teórico de
análise em ética/bioética, sobre o qual os alunos já haviam lido um texto base
anteriormente e, na segunda metade da aula, era feita uma avaliação que consistia
na aplicação de tal teoria a um caso real, caracterizando, dessa forma, um estudo de
caso o qual valeria nota para a aprovação na disciplina.
Outra metodologia de ensino presente, relatado por um dos docentes, foi
o debate entre os alunos sobre um tema em questão, configurando-se em uma
espécie de júri simulado. Nesse caso, o professor ficara responsável por escolher o
tema em debate, geralmente aborto ou eutanásia, e mediar as discussões. As
equipes eram divididas de forma que um grupo de alunos se posicionaria a favor,
por exemplo, à eutanásia, e outro grupo tomava a posição contrária, fundamentando
as posições, pautando-se nas correntes discutidas na disciplina ou em outras as
quais os acadêmicos eram encarregados de localizar.
Considera-se que, no curso de Naturologia, a diversificação das
metodologias de ensino-aprendizagem no campo da ética e bioética traz dinâmica
às aulas e amplia o ritmo e as motivações no sentido da aprendizagem. Esse fato
pode estar relacionado ao perfil dos professores, os quais são qualificados para
ministrarem tais aulas. A característica desfavorável do ensino da ética e bioética
reside na pouca destinação das horas alocadas para essas nos dois cursos
151
analisados, sendo insuficiente para a formação de um profissional que seja crítico e
que zele pelo bem comum coletivo.
152
igualitário, discussões de gênero, etnia e sua relação com a saúde. Em uma
sociedade marcada pela desigualdade social, faz-se necessária ênfase nesses
temas. Sobre isso, um dos docentes relatou:
[...] uma coisa que eu estou pensando para o semestre que vem é trazer
questões sociais para discussão. (CIDREIRA).
153
O principialismo volta-se à ética biomédica, em especial à prática clínica,
e tem Tom Beauchamp e James Childress (2002) como os expoentes desse
enfoque. Os autores apontam que na moral comum é possível encontrar princípios
básicos para a ética biomédica e propõe quatro princípios como forma de orientar as
análises dos problemas éticos: respeito à autonomia, beneficência, não-maleficência
e justiça, todos importantes de uma mesma forma, não havendo hierarquia entre
eles, tendo, então, espaço para a mediação.
A ética prática de Peter Singer (2006), embora com menor tempo de
discussão em aula se comparada ao principialismo, aparece como referencial nos
dois cursos de Naturologia analisados. Basicamente, o autor investiga a aplicação
da ética em questões práticas, sob ponto de vista utilitarista, em especial nas
questões como aborto, eutanásia, tratamento das mulheres e das minorias étnicas,
preservação do ambiente, do uso de animais em pesquisa e na fabricação de
alimentos.
Tanto as contribuições de Beauchamp e Childress quanto de Singer para
a Bioética são relevantes e não devem ser descartadas, pois a diversidade cultural e
a pluralidade moral enriquecem as discussões no campo da bioética. No entanto, ao
considerar a realidade social brasileira, torna-se possível assinalar que a reflexão
ética realizada por tais autores tende a desconsiderar as características marcantes
dos países em desenvolvimento, tais como o urgente debate das iniquidades sociais
que acabam por produzir doenças que levam milhares de pessoas a morrer
precocemente, pois tais referenciais são construídos baseados na realidade
econômica e sociocultural anglo-saxônica: na sociedade americana no primeiro caso
e, na australiana, no segundo.
O enfoque principialista analisa situações da prática clínica; contudo, em
se tratado da saúde coletiva, apresenta insuficiência no debate contextualizado dos
conflitos que exigem relativização cultural, também no balizamento dos problemas
macrossociais da sociedade Brasileira. A utilização máxima do princípio da
autonomia pode ainda conduzir a uma avaliação que desconsidera os
direcionamentos éticos frente ao bem comum coletivo (GARRAFA, 2005a; 2005b).
Um dos professores entrevistados assinalou a preocupação acerca da
discussão da autonomia na sociedade brasileira e, citando considerações do
bioeticista Volnei Garrafa, advertiu que a autonomia deveria ser relativizada, pois
154
nas condições sociais que o país apresenta, muitos tendem a agir de forma não
autônoma; e relata:
[...] o que se discute hoje é se esses princípios são suficientes ou se
deveria haver outros princípios [...].(CIDREIRA).
[...] parte da ética prática, uma perspectiva da ética que procura aplicar as
questões atuais emergentes às bases teóricas. (CIDREIRA).
156
prima pela autonomia do indivíduo, respeitando o dever enquanto obrigação moral
para o exercício da liberdade. Kant afirma que o homem deve agir por respeito ao
dever, procurando transcender às inclinações e paixões, orientando-se
especialmente por um imperativo categórico, o qual é apresentado pelo autor
enquanto uma máxima em que as ações de um indivíduo devem ser tais que se
tornem uma lei não apenas para si, mas para todos os outros indivíduos (KANT,
1997).
Kant (1997) propôs um regime que visava liberdade aos cidadãos. O
filósofo era contrário ao utilitarismo e não concordava com a máxima de que "os fins
justificam os meios”, afirmando que os sujeitos devem ser tratados como fim em si
mesmo, nunca enquanto meio. Ele propôs apenas um imperativo categórico, que é:
“age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei
universal” (KANT, 1997 p. 59). Na área da saúde, se profissionais agirem tal como
lembra Kant, provavelmente criar-se-ia um espaço de reflexão sobre as próprias
ações o que acarretaria em contribuições à práxis profissional. Porém, Schramm
(2003, p. 194), alerta para o fato de que o imperativo categórico de Kant só se pode
aplicar, a rigor, “[...] a pessoas reais que tenham uma biografia e interesses legítimos
reconhecidos socialmente [...]”. Ainda assim, a contribuição kantiana continua sendo
relevante, para a formação acadêmica.
Por conseguinte, John Stuart Mill defendia uma ética utilitarista, em que a
utilidade é o critério que deve orientar as escolhas das ações morais, com vistas à
felicidade do maior número possível de indivíduos. O autor ressalta que a busca pela
felicidade requer o cultivo de virtudes e aprimoramento do caráter. Dessa forma, o
utilitarismo de Mill implica no reconhecimento de que as normas são relativas (MILL,
1976).
Compete ressaltar que a ética utilitarista, da maneira clássica, tende a
não instituir fundamentos para os direitos individuais, os quais devem ser protegidos.
Mas cabe lembrar a contribuição dessa teoria à Bioética Social, já que Garrafa e
Porto (2002) apresentam a Bioética de Intervenção como uma proposta utilitarista. A
priorização, no campo público e coletivo, de políticas públicas que possam beneficiar
o maior número de pessoas pelo maior espaço de tempo e que resultem nas
melhores consequências, mesmo que haja prejuízos em certas situações individuais,
é base dessa perspectiva social de Bioética. Os mesmos autores alertam para o fato
da existência de situações pontuais que devem ser discutidas. Nota-se, portanto, a
157
contribuição da proposta utilitarista para a formação acadêmica cidadã, desde que
essa seja relativizada.
Por sua vez, a ética de Aristóteles foca-se no caráter dos sujeitos através
das virtudes as quais podem ser adquiridas e desenvolvidas por força do hábito. A
virtude seria o meio termo entre dois vícios, entre duas ações morais contrárias.
Aristóteles defendia que toda ação almeja um fim e cada fim seria um bem humano,
sendo o maior de todos a felicidade. A ética nesse ponto de vista tem estreita
relação com a política: almejar a felicidade pública (ARISTOTELES, 2001).
O estudo da perspectiva das virtudes possibilita as reflexões para tornar
consciente que, enquanto acadêmicos e futuros profissionais, esses podem escolher
serem bons através do hábito, optando pela coragem, justiça, honestidade, entre
outras virtudes, com vista a uma vida pública precedida de reflexão ética. Se, a partir
do que diz Aristóteles, as virtudes são alcançadas por meio do hábito, questiona-se
se o estudo da ética não deveria ser, além de disciplinar, transversal ao ensino, pois
todas as áreas, todas as técnicas, têm relação com a ética.
Nota-se que a ética de Kant, Aristóteles e Mill são éticas normativas, pois
procuram estabelecer como deve ser a ação dos indivíduos. Assim sendo, essas
concepções colaboram na formação acadêmica, também pessoal, por suscitar nos
alunos reflexões de caráter ético sobre as ações da prática profissional, igualmente
sobre os próprios atos de suas vidas. Da mesma forma, são concepções que
colaboram para reflexões de Bioética, pois, como lembra Schramm (2005), essa é
ao mesmo tempo descritiva e normativa.
Em suma, as três visões clássicas de ética normativa aqui apresentadas
fornecem teorias para nortear as reflexões sobre as práticas profissionais, também
subsídio para fomentar as discussões dos conflitos éticos atuais, emergentes e
persistentes.
158
mesma forma, não existe um código deontológico de Naturologia legalmente válido,
apenas os códigos propostos pelas universidades e associações de Naturologia
existentes.
Por não haver “código” de ética profissional do naturólogo e existir a
discussão desse assegurada no projeto pedagógico de um dos cursos analisados,
uma das universidades pesquisadas montou, através de equipe composta por cinco
professores, uma proposta de código deontológico para a Naturologia, antes de
iniciar a disciplina que discutiria tal tema. O outro curso estudado não apresenta a
discussão de código de ética no projeto pedagógico, porém esse fato não excluiu a
existência da discussão de possíveis “códigos” de ética: em disciplinas referentes ao
estudo das práticas naturais, a deontologia foi estudada através de códigos de ética
de outras categorias profissionais
De modo geral, quanto ao estudo da deontologia no ensino da
Naturologia, os professores das disciplinas de ética e bioética foram unânimes em
considerar que as questões legais da profissão deveriam ser discutidas junto ao
estágio e não em disciplinas teóricas que buscam realizar reflexões éticas. Essa
preocupação dos docentes frente à formação humanística dos acadêmicos vai ao
encontro da percepção de que a obediência aos códigos deontológicos podem não
trazer reflexões éticas.
Mas, dependendo da maneira que a discussão de “códigos” de ética
profissional for conduzida poderá sim se constituir em espaços de reflexão. Essa
observação é confirmada pela estratégia de ensino de um docente, ao relatar:
159
da prática profissional [...]” (FIGUEIREDO; GARRAFA; PORTILLO, 2008 p 53),
porém, os diferentes códigos de ética das diversas categorias profissionais de
saúde, baseiam-se todos nas mesmas bases conceituais, tais como o respeito à
privacidade e o consentimento informado do paciente para realizar as práticas,
configurando-se em obrigações e direitos, portadores de conteúdo moralista, o qual
dificulta o espaço de reflexão, uma vez que dificultam a reflexão de perceber e sentir
autonomamente os direitos e as obrigações como tais (COHEN e SEGRE, 2002).
Essa dificuldade de percepção dos direitos e deveres sentidos enquanto
tais frente às necessidades de saúde da coletividade pode, talvez, ser exemplificada
através da abordagem deontológica feita por outros dois docentes no ensino de
Naturologia. Esses abordam, em suas aulas, o estudo do “código” de ética
profissional como forma de distinguir o limite da atuação do naturólogo frente às
outras profissões da saúde:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
161
preparo acadêmico dos professores de ética e bioética do curso de Naturologia, os
quais se mostraram comprometidos com a educação, pois, além de diversificarem as
estratégias de ensino para facilitar a aprendizagem acadêmica, assinalavam suas
preocupações com a formação de um profissional capaz de refletir eticamente sobre
a atuação profissional com vistas a uma sociedade melhor.
Ainda assim, observou-se que o estudo da bioética no curso de
Naturologia é pautado por referenciais estrangeiros - principialismo e ética prática de
Peter Singer - os quais necessitam ser contextualizados à realidade brasileira.
Notou-se que os temas abordados nas aulas concentram-se em questões-limite,
sendo insuficiente o destaque dado aos conteúdos que remetem aos temas do
cotidiano, bem como aos problemas da realidade sociopolítica brasileira. O enfoque
da Bioética Social, tido aqui como um elo para as reflexões bioética, foi apresentado
no ensino da Naturologia, porém em uma única aula e em apenas um dos cursos
analisados. Faz-se necessária, na educação, ênfase no enfoque social da bioética,
pois esse colabora para a formação de um profissional cidadão, pois contribui no
processo reflexivo da construção da identidade subjetiva profissional.
As abordagens teóricas da ética estudadas na graduação em pauta são
principalmente as clássicas visões das éticas normativas, de Kant, Mill e Aristóteles,
as quais colaboram para as reflexões sobre as práticas profissionais. Por sua vez, a
deontologia é concebida no curso de naturologia, mesmo coma inexistência de
código de ética para essa profissão, e deve se atentar para o fato de que as
discussões deontológicas não sejam tomadas como discurso visando
exclusivamente o campo profissional, de forma a exercer o poder frente à sociedade,
mas enquanto instrumento para propor reflexões críticas à prática social da
profissão.
Em suma, é preciso que a formação acadêmica contemple temas
relevantes à saúde coletiva face às questões emergentes, fruto dos avanços
tecnológicos, sem deixar de lado os temas que persistem a esses avanços, tais
como são as questões de gênero, a fome e os mais diversos tipos de desigualdades
sociais presentes no cotidiano dos seres humanos para, dessa forma, superar a
formação de profissionais voltados quase que exclusivamente à especialização,
portanto, inseridos em uma visão fragmentada de mundo.
É nesse sentido, e para finalizar, que se ressaltam dois determinantes da
educação cidadã: a necessidade de uma formação voltada à cidadania planetária,
162
ainda que contextualizada, segundo as características da sociedade local, e a
importância de não dissociar e fomentar o ensino da ética/bioética em todas as
outras disciplinas da graduação, pois toda a prática deveria preceder e proceder à
reflexão, para então se tornarem práxis social.
REFERÊNCIAS
COHEN, C.; SEGRE, M. Definição de valores, moral, ética e eticidade. In: SEGRE,
M.; COHEN, C. Bioética. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
163
FIGUEIREDO, A. M.; GARRAFA, V. PORTILLO, J. A. C. Ensino da bioética na área
das ciências da saúde no Brasil: estudo de revisão sistemática. Intethesis. Vol. 05
N. 2. 2008. Disponível em
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewDownloadInterstitial/4
784/8692> Visitado em 14 de abril de 2009.
REICH; W.T. Introduction. In: REICH; W.T. (ORG). Bioethics Enciclopedya. 2ª ed.
[CD ROM]. New York: Mac Millan Library; 1995.
164
Palácios, m. (Orgs). Bioética: riscos e proteção. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/
Editora Fiocruz, 2005.
165
APÊNDICE I (A)
________________________________________
Coordenador do Curso de Naturologia Aplicada – UNISUL
166
APÊNDICE I (B)
________________________________________
Coordenador do Curso de Naturologia – Anhembi Morumbi
167
APÊNDICE I (C)
________________________________________
Coordenador do Curso de Mestrado em Saúde Pública - UFSC
168
APÊNDICE II (A)
169
bem como das pessoas que contribuirão como fonte de dados para a realização
desta pesquisa, tanto no decorrer do estudo, quanto na divulgação dos resultados.
Estando de acordo, solicito encarecidamente o envio dos documentos
citados para a realização da primeira etapa desta pesquisa, juntamente com esta
autorização assinada, também a “Declaração de ciência e parecer da Instituição
envolvida”, para o endereço registrado no envelope pré-pago em anexo.
Este estudo será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal de Santa Catarina uma vez que na segunda fase deste projeto
realizar-se-á entrevistas com professores. Somente após a aprovação do CEP da
UFSC é que se iniciará a coleta de dados da segunda fase deste estudo.
Agradecendo, desde já, sua participação, coloco-me à disposição para
contatos em caso de dúvidas, disponibilizando meus contatos: XXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins e a quem possa interessar que fui informado
(a) detalhadamente sobre os objetivos e métodos da pesquisa intitulada
“REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO
ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, conduzida
pelo mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFSC,
Fernando Hellmann, segundo os preceitos éticos proposto pela Resolução CNS
196/96. Neste sentido, na condição de Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada, em nome da Universidade do Sul de Santa Catarina, autorizo a realização
de coleta de dados nesta Instituição, que incluirá a análise de documentos
institucionais e posteriormente, caso este trabalho seja aprovado pelo CEP da
UFSC, a realização de entrevistas semi-estruturadas com os professores do referido
curso.
________________________________________
170
APÊNDICE II (B)
171
bem como das pessoas que contribuirão como fonte de dados para a realização
desta pesquisa, tanto no decorrer do estudo, quanto na divulgação dos resultados.
Estando de acordo, solicito encarecidamente o envio dos documentos
citados para a realização da primeira etapa desta pesquisa, juntamente com esta
autorização assinada, também a “Declaração de ciência e parecer da Instituição
envolvida”, para o endereço registrado no envelope pré-pago em anexo.
Este estudo será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal de Santa Catarina uma vez que na segunda fase deste projeto
realizar-se-á entrevistas com professores. Somente após a aprovação do CEP da
UFSC é que se iniciará a coleta de dados da segunda fase deste estudo.
Agradecendo, desde já, sua participação, coloco-me à disposição para
contatos em caso de dúvidas, disponibilizando meus contatos: XXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins e a quem possa interessar que fui informado
(a) detalhadamente sobre os objetivos e métodos da pesquisa intitulada
“REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO
ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, conduzida
pelo mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFSC,
Fernando Hellmann, segundo os preceitos éticos proposto pela Resolução CNS
196/96. Neste sentido, na condição de Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada, em nome da Universidade do Sul de Santa Catarina, autorizo a realização
de coleta de dados nesta Instituição, que incluirá a análise de documentos
institucionais e posteriormente, caso este trabalho seja aprovado pelo CEP da
UFSC, a realização de entrevistas semi-estruturadas com os professores do referido
curso.
________________________________________
172
APÊNDICE III
Prezado Sr
(a):________________________________________________, eu, Fernando
Hellmann, CPF XXXXXXXXXX e RG XXXXXXXXXX, mestrando em Saúde Pública
da Universidade Federal de Santa Catarina, orientado pela Professora Dra. Marta
Inez Machado Verdi, desta mesma universidade, venho respeitosamente, através
desta, solicitar sua colaboração no sentido de participar do estudo, que por mim será
desenvolvido, visando, a construção da minha dissertação no Mestrado. Minha
pesquisa denomina-se “REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM
BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA
SOCIAL” e tem como objetivo deste estudo conhecer quais são as tendências
Bioéticas que dão suporte à formação ética dos estudantes de Naturologia nos
cursos de graduação em Naturologia no Brasil.
173
ter benefícios diretos, como o de aumentar a auto-estima por realizar um desejo
altruísta de ajudar o pesquisador.
Ressalto que sua identidade e anonimato serão preservados, bem como
haverá garantia de você requerer resposta a qualquer pergunta de dúvida acerca do
assunto; da liberdade de desistir do estudo em qualquer momento, sem que isso
traga prejuízo algum; do compromisso de acesso às informações coletadas, bem
como os resultados obtidos; de que serão mantidos todos os preceitos éticos legais
durante e após o término deste estudo.
______________________________ _____________________________
Mestrando Fernando Hellmann Orientadora Prof. Dra. Marta Verdi
DECLARAÇÃO
Eu, _________________________________________________________,
professor(a) do curso de Naturologia da Universidade _______________________,
pelo presente consentimento livre e esclarecido, declaro que fui informado(a) de
forma clara e detalhada dos objetivos deste estudo e aceito participar do mesmo
sendo entrevistado pelo mestrando Fernando Hellmann.
Local e data_______________________________________________
Ass. Participante___________________________________________
174
APÊNDICE IV
________________________________________
Orientadora Prof. Dra. Marta Inez Machado Verdi
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública - UFSC
________________________________________
Mestrando Fernando Hellmann
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública – UFSC
175
APÊNDICE V
176
ANEXO I
177