Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Da Saúde Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

FERNANDO HELLMANN

REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO


ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL

Florianópolis
2009
FERNANDO HELLMANN

REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO


ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Saúde Pública da
Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito para obtenção parcial do título de Mestre
em Saúde Pública.

Área de concentração: Ciências Humanas e


Políticas Públicas em Saúde.
Linha de pesquisa: Bioética.

Orientadora: Prof ª. Dr ª. Marta Inez Machado Verdi

Florianópolis
2009
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina

H477r Hellmann, Fernando


Reflexões sobre os referenciais de análise em bioética
no ensino da naturologia no Brasil à luz da bioética
social [dissertação] / Fernando Hellmann ; orientadora,
Marta Inez Machado Verdi. - Florianópolis, SC, 2009.
177 f.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa


Catarina, Centro de Ciências da Saúde. Programa de
Pós-Graduação em Saúde Pública.

Inclui bibliografia

1. Saúde pública. 2. Bioética. 3. Naturologia.


4. Saúde coletiva. 5. Ensino. I. Verdi, Marta Machado.
II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa
de Pós-Graduação em Saúde Pública. III. Título.

CDU 614
À Ivone Hellmann, amiga, confidente e Mãe.
AGRADECIMENTOS

Cada vez mais a vida tem me ensinado que eu nada seria se estivesse
sozinho. Tem me ensinado que a árvore, para dar frutos, precisa de tempo para
crescer e depende da terra, da luz, da água. Por isso, quero agradecer cada pessoa
que, nesses últimos dois anos, de uma forma ou de outra, contribuiu para que esta
dissertação amadurecesse junto comigo.
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Amirto Hellmann (em
memória) e Ivone Hellmann, pois sempre me apoiaram e incentivaram a estudar.
Agradeço ainda aos meus irmãos, Silvana e Gilson, também aos meus sobrinhos
Bruno, Ana, Artur, Felipe e Vitor, por compartilharem com afeto, e mesmo com
alguns desafetos, nosso amor de família.
Agradeço imensamente à minha orientadora Profª. Marta Verdi, mãe do
Lorenzo, que me acolheu e acreditou no meu trabalho, propiciando crescimento
pessoal e acadêmico. Marta, és para mim não apenas um exemplo de professora
mas também de Pessoa!
Aos professores que participaram da banca de defesa desta dissertação:
Prof. Volnei Garrafa e ao Prof. Marco da Ros; ao Prof. Charles Tesser à Profª. Elma
Zoboli, pela excelente contribuição na qualificação deste trabalho. A vocês, muito
obrigado!
À Profª. Sandra Caponi compete um agradecimento em especial, pois
além de participar da qualificação e da defesa deste estudo, me recebeu com
carinho em suas aulas e foi sempre prestativa nos auxílios que pedi a ela.
Agradeço aos professores do mestrado; aos amigos feitos nessa que é a
melhor turma que o Programa de Saúde Pública já teve, em especial à Juliane
Brenner, companheira em todos os trabalhos acadêmicos.
À Profª. Rozane Goulart, que nunca mediu esforços para me auxiliar na
vida acadêmica: desde a primeira apresentação que fiz em um congresso, em 2002,
quando cursava a terceira fase de Naturologia na UNISUL, passando pelo
Congresso de Bioética, em 2008, na Croácia, até a realização do mestrado, muiiiiito
obrigado!
Ao Programa Linha Verde da UNISUL: em especial à Teresa Gaio e à
Fátima Farias, amigas e professoras, que me inseriram no SUS e na fitoterapia; à
Nathália Martins e à Maria Alice. Vocês são exemplos para mim!
Ao Naturólogo Daniel Rodrigues, eterno amigo que merece
agradecimento especial, pois não mediu esforços para ministrar minhas aulas
quando tive que me ausentar em função do mestrado; muito obrigado de coração.
Aos professores que me iniciaram na vida acadêmica: Helge e Marina
Pantzier, Rita de Cássia dos Santos e Joel Lohn, pois fizeram a diferença na minha
formação. À Profª. itajaiense Nazaré Nazário, exemplo de didática, que colaborou na
metodologia desta pesquisa. À Dra. Marilene Dellagiustina pelas valiosas
contribuições para o segundo artigo. À Luana Wedekin, minha professora, amiga e
até terapeuta! À Dra. Elaine de Azevedo, que me mostrou que Naturologia não
existe se não buscarmos além da saúde individual e coletiva, ambiental e social.
À Amiga Vilca Merízio, não apenas pela revisão ortográfica, mas também
pela amizade genuína que me faz viver e me sentir vivo e amado. Obrigado!
Aos novos amigos: Paulo Francisco, pela tradução; Pedro Bortolon, pelas
artes gráficas; João Ricardo Machado, pelos momentos especiais vividos em 2008.
Agradeço a todos que tornaram esta pesquisa possível: ao coordenador
do curso de Naturologia da Universidade Anhembi Morumbi, Prof. André Ribeiro e,
novamente, à Profª. Rozane Goulart, Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada da UNISUL, e a Ana Paula Farias por seu carinho e atenção sempre
recebido. Agradeço especialmente a todos os professores entrevistados pela
atenção a mim dirigida.
À grande família de Naturólogos e de acadêmicos do Curso de
Naturologia, em especial àqueles que ministrei ou ministrarei aulas!
Por fim, sou sempre grato aos meus eternos amigos (em ordem
alfabética): Cleusa Probst, Jeferson de Melo, Marcelo Franzoi, Rafael Reis, Ramon
Frasetto, Rodrigo Hellmann e Thyago Martins, simplesmente por existirem.

Agradecido!
HELLMANN, F. Reflexões sobre os referenciais de análise em bioética no
ensino da naturologia no Brasil à luz da bioética social. 2009, 177f. Dissertação
(Mestrado em Saúde Pública) – Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública.
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

RESUMO

As possíveis relações entre Bioética e Naturologia estão presentes no desejo dessas


áreas de conhecimento zelarem pelo bem-estar humano e do planeta, também no
enfrentamento do desafio de superar perspectivas da práxis de âmbito individual e
de caminhar na direção do bem comum coletivo. Considerando que há diferentes
enfoques em Bioética, apresenta-se a Bioética Social como possível marco teórico
para propor reflexões acerca dos desafios atuais da Naturologia frente a atenção à
saúde coletiva. Assim, este estudo tem por objetivo discutir, à luz da Bioética Social,
os temas e os referenciais de análise em Bioética presentes no ensino de
Naturologia no Brasil e suas implicações para a formação do naturólogo. Este é um
estudo qualitativo-descritivo, realizado por meio de investigação documental e de
campo, desenvolvido em duas universidades brasileiras que abrigam o curso de
Naturologia. Participaram como sujeitos da pesquisa vinte docentes. As informações
foram obtidas em dois momentos: no primeiro, procedeu-se a coleta de dados
documentais, em que foram selecionados e analisados trinta e seis planos de
ensino, que continham temas de interesse à Bioética. No segundo, foram
entrevistados vinte professores visando conhecer como era realizado o processo de
ensino-aprendizagem frente aos temas encontrados. Os dados foram tratados
através da análise de conteúdo. Os resultados são apresentados em dois artigos. O
primeiro, responde à questão central do estudo, expondo os temas e referenciais
bioéticos estudados transversalmente no curso, em cinco categorias: (1) Da relação
terapêutica à ecologia: temas bioéticos presentes no ensino da Naturologia; (2) A
relação terapêutica na Naturologia: enfoque do cuidado na Bioética; (3)
Fundamentos da Naturologia: do enfoque naturalista à naturalização dos problemas
sociais; (4) Das virtudes à deontologia: pluralidade de enfoques no ensino da
Naturologia; (5) Vocação, presença e desafios da Bioética Social no curso de
Naturologia. O segundo artigo versa sobre como se dá o estudo da ética, da
deontologia e da bioética no curso, em quatro categorias: (1) Características gerais
das disciplinas que envolvem o estudo da ética, bioética, e deontologia; (2) Bioética
enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referenciais de análise; (3)
Abordagens teóricas da ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir da Bioética
Social; (4) O estudo da deontologia no ensino da Naturologia. Considera-se que,
atualmente, o ensino de Naturologia tende a formar o naturólogo para o cuidado à
saúde individual, mas não para a atenção à saúde coletiva e informa o acadêmico
que há problemas sociais, mas não possibilita a capacitação de um profissional
socialmente comprometido. Faz-se necessário ampliar conteúdos de caráter
sóciopolítico no ensino e habilitar os referenciais à ótica da Bioética Social.

Palavras-chave: Bioética. Naturologia. Saúde Coletiva. Ensino.


HELLMANN, F. Reflections on the references of the analyses in bioethics in the
naturology teaching in Brazil under the light of social bioethics. 2009, 177f.
Dissertation (Master in Public Health) – Graduate Program in Public Health . Federal
University of Florianópolis, Santa Catarina.

ABSTRACT

The possible relations between Bioethics and Naturology are evident in the desire of
these disciplines to care for the well-being of humans and the planet, as well as in
facing the challenges of overcoming the usual perspectives of the individual, and to
move towards the common well being. Considering that there are different visions of
Bioethics, Social Bioethics appears as a possible theoretical landmark to propose
reflexions about the current challenges facing the Naturologia attention of the
collective health. Therefore, the purpose of this study is to discuss the light of Social
Bioethics, the themes and references to the analysis in Bioethics present in the
Naturology teaching in Brazil and in its implications for the formation of the
naturologist. This is a documented descriptive and qualitative study, conducted as a
field investigation carried out in two Brazilian Universities that offer Naturology
studies. The subjects of this research were twenty professors. The information was
obtained in two steps. In the first, the documental data was collected, which included
more than thirty-six teaching plans containing themes regarding Bioethics. In the
second step, twenty professors were interviewed for to know how the process of
teaching and learning distinct themes was carried out. The data were treated through
the analyses of content. The results are presented in two articles. The first one
answers the central question of the study, exposing the bioethics themes and
references studied through the courses, in five categories: (1) The therapeutic
relationship to ecology: bioethical issues in the teaching of Naturologia; (2) The
therapeutic relationship in Naturologia: the focus of care in bioethics; (3)
Epistemology of Naturologia: the naturalistic approach to the naturalization of social
problems, (4 ) From the virtues to Deontological ethics: multiple approaches in the
teaching of Naturologia; (5) Vocation, presence and social challenges of bioethics in
the course of Naturologia.The second article discusses how the ethics study is done,
of deontology and bioethics in the course, in four categories: (1) General
characteristics of subjects involving the study of ethics, bioethics, and deontology, (2)
Bioethics as a discipline in the course of Naturologia: themes and references for
analysis, (3) theoretical approaches in the study of ethics in Naturology: under the
light of Social Bioethics, (4) The study of deontology in the teaching of Naturologia. It
is considered that currently, Naturology tends to graduate the naturologist concerned
more with individual health, and not with attention to the collective health. Moreover,
only to inform the students that there are social problems still doesn't graduate
socially-aware professionals. It is necessary to make more abundant the social-politic
content in teaching, and create more references to social Bioethics.

Keywords: Bioethics. Naturology, Collective Health. Teaching.


HELLMANN, F. Reflexiones sobre los referenciales de análisis de la bioética en
la enseñanza de la naturología en Brasil a la luz de la bioética social. 2009,
177f. Disertación (Maestría en Salud Pública) – Programa de Postgrado en Salud
Pública. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

RESUMEN

Las posibles relaciones entre Bioética y Naturología se encuentran en el deseo


presente en estas dos áreas del conocimiento de asumir el desafío de dar una
contribución al bienestar humano y del planeta, así como también en el desafío de
superar una perspectivas de praxis individual para caminar en dirección al bien
común colectivo. Considerando que hay diferentes enfoques en Bioética, surge la
Bioética Social como posible marco teórico para proponer reflexiones acerca de los
desafíos actuales que enfrenta la Naturologia frente de la atención de la salud
pública. Así, este estudio tiene como objetivo discutir, a la luz de la Bioética Social,
los temas y los referenciales de análisis en Bioética presentes en la enseñanza de la
Naturologia en Brasil y sus implicaciones para la formación del naturólogo. Este es
un estudio cualitativo-descriptivo, realizado por medio de investigación documental y
de campo, fue desarrollado en dos universidades brasileras que abrigan el curso de
Naturología. Participaron como sujetos de investigación veinte docentes. Las
informaciones fueron obtenidas en dos momentos: en el primer momento se
procedió a la colecta de datos documentales, fueron seleccionados y analizados
treinta y seis programas curriculares, que contenían temas de interés para la
Bioética. En un segundo momento, fueron entrevistados veinte profesores para
saber como era realizado el proceso de enseñanza-aprendizaje frente a los temas
encontrados. Los datos fueron estudiados a través del análisis del contenido. Los
resultados son presentados en dos artículos. El primero responde a la cuestión
central del estudio, exponiendo los temas e los referenciales bioéticos estudiados
transversalmente en el curso, en cinco categorias: (1) De la relación terapéutica a la
ecología: las cuestiones de bioética en la enseñanza de Naturologia, (2) La relación
terapéutica en Naturologia: el foco del cuidado en la bioética; (3) Fundamentos de
Naturologia: de lo enfoque naturalista a la naturalización de los problemas sociales,
(4 ) De las virtudes a la deontológia: los múltiples enfoques en la enseñanza de
Naturologia; (5) La vocación, presencia y los desafíos de la bioética Social en el
curso de Naturologia. El segundo articulo se refiere al modo como se da el estudio
de la ética, de la deontológica y de la Bioética como materias del curso, en cuatro
categorias: (1) Características generales de las matérias de la ética, la bioética y la
deontológia, (2) La bioética como disciplina en el curso de Naturologia: temas y
referenciales de análisis, (3) Los enfoques teóricos de la ética en el estudio de
Naturologia: a luz de la bioética social, (4) El estudio de la deontológia en la
enseñanza de Naturologia. Considera-se que actualmente la enseñanza de la
Naturología tiende a formar al naturólogo para el cuidado a la salud individual y no
para la atención a la salud colectiva. Informa a los alumnos que existen problemas
sociales, pero no permite la capacitación de un profesional socialmente
comprometido. Resulta necesario ampliar contenidos de carácter socio-políticos en
la enseñanza y aproximar los referenciales de la naturología a la óptica de la
Bioética Social.

Palabras claves: Bioética. Naturología. Salud Colectiva. Enseñanza.


HELLMANN, F. Réflexions à propos des référentiels d’analyse en bioéthique
dans l’enseignement de la naturologie au Brésil à la lumière de la bioéthique
sociale. 2009, 177f. Thèse (Master en Santé Publique) – Programme de 2ème et 3ème
Cycles en Santé Publique. Université Fédérale de Santa Catarina, Florianópolis.

RÉSUMÉ

Les possibles rapports entre Bioéthique et Naturologie sont présents dans l’objectif
que ces domaines de la connaissance poursuivent, aussi bien pour ce qui est d’agir
en vue du bien-être de l’homme et de la planète, que de relever le défi de dépasser
des perspectives de la pratique d’ordre individuel et de se diriger vers le bien
commun collectif. Sachant qu’il y a différentes approches en bioéthique, la bioéthique
sociale apparaît comme étant une possible référence théorique afin de proposer des
réflexions face aux bouleversements actuels de la naturologie de l’attention donnée à
la santé collective. Ainsi, cette étude a pour objectif de discuter, à la lumière de la
bioéthique sociale, les thèmes et les références d’analyse en bioéthique, présents
dans l’enseignement de la naturologie, au Brésil, et ses implications dans la
formation du naturologue. Il s’agit d’une étude qualitative et descriptive, réalisée à
travers une recherche documentale et sur le terrain, développée dans deux
universités brésiliennes qui offrent le cours de naturologie. Elle a compté sur la
participation de vingt professeurs en tant que sujets de l’étude. Les informations ont
été obtenues à deux moments : dans un premier moment, on a réalisé la collecte des
données documentales, dans laquelle trente six plans de cours qui contenaient des
thèmes de l’intérêt de la bioéthique ont été sélectionnés. Dans un second moment,
vingt professeurs ont été interviewés pour savoir comment était réalisé le processus
d’enseignement-apprentissage face aux thèmes rencontrés. Les données ont été
traitées par l’analyse de contenu. Les résultats en sont présentés dans deux articles.
Le premier, répond à la question centrale de l’étude, en exposant les thèmes et les
référentiels bioéthiques étudiés transversalement pendant le cours, dans cinq
catégories: (1) De la relation thérapeutique à l'écologie: les questions de bioéthique
dans l'enseignement de Naturologie; (2) La relation thérapeutique en Naturologia: les
orientation de soins en bioéthique; (3) Épistémologie de la Naturologie: de l'approche
naturaliste à la naturalisation des problèmes sociaux, (4) De les vertus a lês
déonthologie: de multiples approches dans l'enseignement de Naturologia; (5) La
vocation, la présence et les défis de La bioéthique sociale dans l´enseignement de la
Naturologie. Le deuxième article parle de comment se fait l’étude de l’éthique, de la
déonthologie et de la bioéthique en tant que matières du cours, dans quatre
catégories: (1) Les caractéristiques générales des disciplines concernant l'étude de
l'éthique, la bioéthique et La déonthologie, (2) La bioéthique en tant que matières do
cours de Naturologie: thèmes et des références d'analyse, (3) Approches théoriques
de l'éthique dans l´étude de Naturologie: un regard a la bioéthique sociale, (4)
L'étude de La déonthologie dans l'enseignement de la Naturologie. On considère
que, actuellement, l’enseignement de la naturologie tend à la formation du
naturologue aux soins envers la santé individuelle et non pas envers l’attention à la
santé collective et informer le monde académique qu’il y a des problèmes sociaux,
mais ne permet pas la formation d’un professionnel socialement engagé. Donc, il
devient nécessaire d’élargir, dans l’enseignement, le contenu de caractère socio-
politique et adapter les référentiels à l’optique bioéthique sociale.

Mots clés: Bioéthique. Naturologie. Santé Collective. Enseignement.


O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um
jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem
jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo
pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O
que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.

Ruben Alves (2002, p. 24).


SUMÁRIO

Lista de quadros........................................................................................................13
Lista de siglas............................................................................................................14

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................15
1.1 Objetivo Geral....................................................................................................23
1.2 Objetivos Específicos .......................................................................................23
1.3 Justificativa........................................................................................................24

2 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................26
2.1 Bioética ..............................................................................................................26
2.1.1 As Dimensões da Bioética .........................................................................30
2.1.1.1 A Diversidade de Referenciais Teóricos em Bioética .........................33
2.1.2 O Enfoque Principialista ............................................................................37
2.1.3 O Enfoque das Virtudes.............................................................................42
2.1.4 O Enfoque do Cuidado ..............................................................................49
2.1.5 O Enfoque Naturalista ...............................................................................53
2.1.6 O Enfoque da Ética Profissional ................................................................58
2.1.7 O Enfoque Social.......................................................................................60
2.1.7.1 Bioética Cotidiana ...............................................................................66
2.1.7.2 Bioética de Intervenção ......................................................................68
2.1.7.3 Bioética de Proteção...........................................................................71
2.1.7.4 Bioética e Teologia da Libertação.......................................................73
2.1.7.5 Bioética Antissexista, Antirracista e Libertária ....................................74
2.2 Naturologia ........................................................................................................76
2.2.1 O ensino de Naturologia no Brasil: currículo dos cursos ...........................82
2.2.2 Campos de atuação do Bacharel em Naturologia .....................................86
2.2.3 Práticas Integrativas e Complementares, Naturologia e Saúde Pública no
Brasil...................................................................................................................86

3 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................90


3.1 Tipo de Estudo ..................................................................................................90
3.2 Cenário e Sujeitos da Pesquisa .......................................................................91
3.3 Coleta de Dados e Amostragem ......................................................................92
3.4 Análise dos Dados ............................................................................................95
3.5 Limitações do Método..................................................................................... 102
3.6 Considerações Éticas ..................................................................................... 102

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................... 103

5 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 104

6 ARTIGOS RESULTANTES DA PESQUISA: ...................................................... 116


6.1 Artigo 1: Reflexões sobre os referenciais de análise em Bioética no ensino
da Naturologia no Brasil à luz da Bioética Social ............................................. 116
6.2 Artigo 2: Ética, Biotica e Deontologia no Ensino da Naturologia no Brasil:
reflexões a partir da Bioética Social....................................................................144

APÊNDICES ..........................................................................................................166
Apêndice I (A) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida - UNISUL166
Apêndice I (B) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida -UAM ... 167
Apêndice I (C) - Declaração de ciência e parecer da Instituição envolvida - UFSC 168
Apêndice II (A) – Termo de Consentimento para Coleta de Dados - UNISUL ........ 169
Apêndice II (B) – Termo de Consentimento para Coleta de Dados - UAM ............. 171
Apêndice III – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 173
Apêndice IV – Declaração de Ciência da Resolução CNS 196/96.......................... 175
Apêndice V – Roteiro para coleta de dados - Entrevista semi-estruturada ............. 176

ANEXOS ................................................................................................................ 177


ANEXO I – Certificado de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa................. 177
Lista de quadros

Quadro 1: Instrumento de coleta de dados da fase documental ........................95


Quadro 2: Esquema para tratamento dos dados e interpretação .......................96
Quadro 3: Elementos constituintes dos diferentes enfoques em Bioética........97

13
Lista de siglas

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas


CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CSN – Conselho Nacional de Saúde
ESF – Estratégia de Saúde da Família
EUA – Estados Unidos da América
MCA – Medicina complementar alternativa
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MT – Medicinas tradicionais
NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS – Organização Mundial da Saúde
PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
PPC – Projeto Pedagógico de Curso
RJ – Rio de Janeiro
SUS – Sistema Único de Saúde
SC – Santa Catarina
SP – São Paulo
UAM – Universidade Anhembi Morumbi
UnB – Universidade de Brasília
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina
UnP – Universidade Potiguar

14
1 INTRODUÇÃO

Para ser naturólogo é necessário antes ser bioeticista. Isso porque a


Naturologia preconiza um olhar voltado para a integralidade no cuidado à saúde
humana, não apenas compreendendo o indivíduo enquanto unidade singular de
vida, mas também como resultado da interrelação com o ambiente e sociedade.
Portanto, ao se refletir sobre a interface entre Bioética e Naturologia converge-se à
possível relação entre elas, especialmente no que se refere ao processo de
construção do campo de conhecimento destas duas áreas. Ainda assim, como será
visto a seguir, considera-se que essas duas áreas de conhecimento são
polissêmicas, estão em constante evolução, sofrendo influências diversas de acordo
com os seus momentos históricos e com as realidades econômica, social, política e
cultural específicas, requerendo estudo aprofundado para se poder afirmar que
“Para ser naturólogo é necessário antes ser bioeticista”. Assim, a fim de dar exemplo
sobre o processo evolutivo, ocorrido nessas duas áreas, do qual resultam diferentes
possibilidades de concepções, apresentam-se, inicialmente, a discussão da Bioética,
como cenário conceitual deste estudo, e, depois, a Naturologia, como cenário
contextual.
O surgimento da Bioética como campo de estudo acadêmico deve-se, em
especial, ao aparecimento público dos dilemas éticos relacionados aos abusos da
ciência – em particular às pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos –, à
crescente despersonalização da assistência médico-sanitária e à mobilização social
face às necessidades de mudança dos valores das sociedades ocidentais.
Alguns historiadores apontam que tanto o neologismo Bioética quanto a
própria disciplina teve seu nascimento simbólico na obra Bioethics: Bridge to the
future, do cancerologista estadunidense Van Rensselaer Potter, publicado em 1971.
Outros contestam tal paternidade do neologismo e indicam que o médico obstetra,
fisiologista fetal e demógrafo André Hellegers, da Georgetown University, também
nos Estados Unidos da América (EUA), tenha sido o primeiro a utilizar esse termo
academicamente (POTTER, 1971; DINIZ e GUILHEM, 2002). Há ainda quem
defenda que o vocábulo Bioética teve sua primeira utilização em 1927 na obra de
Fritz Jahr: Bio=Ethik. Eine Umschau über die ethichen Beziehung des Menschen zu

15
Tier und Pflanze1 (ENGEL, 2004), muito embora, não tenha sido esse o autor que
impulsionou o nascimento da Bioética em termos acadêmicos.
Para Garrafa (2005c), foi através de Potter que o neologismo Bioética
ficou mundialmente conhecido. Mas, independente de quem tenha cunhado o termo,
houve diferenças no significado da palavra quando esses autores as criaram: para
Hellegers, a Bioética designava “ética da vida”, e seu campo de estudo restringia-se
a princípios morais focados principalmente nas consequências da aplicação das
biotecnologias das ciências médicas ao homem e à relação entre médico e paciente.
Para Potter, o sentido da Bioética era "ciência da sobrevivência", a ponte entre
ciência e filosofia em termos mais abrangentes, ligado ao bem-estar dos seres
humanos, dos animais não-humanos e do meio ambiente (POTTER, 1971; DINIZ e
GUILHEM, 2002). Por sua vez, Engel (2004) defende que Fritz Jahr apresentava a
Bioética, assim como Potter, como a emergência de obrigações éticas não apenas
em relação ao homem, mas a todos os seres vivos.
Já no início da discussão acadêmica sobre Bioética, verifica-se a grande
circunscrição de temas: desde as implicações éticas dos avanços científicos que
envolvem a vida em seu aspecto macro – a ecologia, por exemplo - até as relações
micro, como a relação entre terapeuta e pessoa assistida e entre as instituições e as
pesquisas biomédicas (PESSINI, 2005). Os temas bioéticos estão pautados
especialmente nas implicações tecno-científicas e nos dilemas éticos relacionados
aos processos do viver humano, como o nascer e o morrer, o trabalho, as relações
com o corpo, entre outros e as relações do homem com a natureza e sociedade. A
ampla abrangência temática deve-se ao fato de a Bioética ser um campo de estudo
interdisciplinar.
Ainda que haja grande abrangência temática na Bioética, os temas
mudam conforme a posição e o entendimento de diversos autores que tratam desse
assunto, muito especialmente quando cultura, economia, região geográfica e sócio-
política diferem. A grande maioria das discussões Bioéticas permanece no que
Berlinguer (1995) denomina situações limites, ou seja, aquelas centradas nos
avanços científicos, sobretudo da medicina e da biologia, tais como transplantes,
fecundação artificial, células tronco, DNA recombinante, sobrevivência prolongada e
hibridação inter-espécies. O mesmo autor refere que esse rumo da Bioética

1
Bioética: um olhar sobre a ética das relações entre o homem com as plantas e os animais (Tradução
do Autor).

16
negligenciou problemas que, cotidianamente, afetam milhares de pessoas,
sobretudo as mais necessitadas. Dessa forma, Berlinguer aponta a necessidade de
se pensar os dilemas éticos persistentes na sociedade, entre eles, a desigualdade
social, as cacotanásias2, a fome e o restrito acesso de assistência à saúde
(BERLINGUER, 1995; 2004).
Para Neves (1996), quando se confrontam diferentes autores que tratam
da Bioética, há uma diferença substancial entre distintas correntes de pensamento
existentes quanto ao equacionamento frente a um mesmo dilema ético, ou seja,
existem diferentes formas de olhar para um mesmo dilema.
A diversidade de enfoques3 em Bioética pode ser observada já na
definição proposta por Reich (1995, p. XXI): a Bioética compreende o

“[...] estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão,


a conduta e as normas das ciências da vida e da saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar”.

A partir dessa definição, é possível considerar a existência de diferentes


formas de pensar a respeito de um mesmo tema. Assim, a Bioética pode
caracterizar-se como campo aberto do saber ao englobar aspectos interdisciplinares
capazes de propor respostas às questões de ordem ética, em especial às
sobrevindas da reflexão sobre as consequências das ações, tanto individuais quanto
coletivas, provenientes da ciência, do viver em sociedade e de tudo o que implica na
sobrevivência do planeta Terra e de tudo o que nele existe.
A literatura revela diferentes referenciais de análise em Bioética, como,
por exemplo, os de inspiração liberalista, naturalista, das virtudes, entre outras. No
entanto, a teoria principialista mostra-se a mais difundida e dominante, chegando-se
a confundi-la com a própria disciplina Bioética (DINIZ e GUILHEM, 2002; NEVES,
1996).
Os referenciais bioéticos geralmente apontam para as exigências do
contexto em que se inserem. Se, de um lado, nos países anglo-americanos,
destacam-se modelos de análises teóricas voltados aos ideais liberalistas, aos
direitos individuais, sobretudo nos Estados Unidos; de outro, a sistematização da
Bioética na Europa se dá através das tendências de modelos como o personalista e

2
O termo “cacotanásias” refere-se à mortes sofridas, sobretudo as que poderiam ser evitadas.
3
Por opção do Autor, será utilizado o termo enfoque em Bioética como sinônimo para referenciais de
análise em Bioética.

17
o hermenêutico, enraizado na filosofia européia contemporânea, prevalecendo a
tendência de uma ética universal (NEVES, 1996).
Um dos exemplos de autores que prezam uma ética universalista é o
médico e sanitarista italiano Giovanni Berlinguer, que pensa a Bioética a partir da
equidade e da promoção de saúde, posicionando-se contra os enfoques bioéticos
que buscam justificar o duplo standard, ou seja, critérios éticos para países ricos
diferentes dos critérios para países pobres. O autor ainda prefere tratar dos
problemas éticos cotidianos negligenciados, na maioria das vezes, nos debates
bioéticos: a exclusão social, o preconceito e as mortes evitáveis (BERLINGUER,
1995; 2004).
De forma semelhante, bioeticistas brasileiros como Volnei Garrafa, Fermin
Roland Schramm, Fátima Oliveira e Márcio Fabri dos Anjos, entre outros, pensam a
Bioética a partir do enfoque latino-americano, discutindo problemas éticos
persistentes nos países da América Latina, dentro de uma perspectiva mais ampla
que considera o pluralismo moral existente nas sociedades, contextualiza os
problemas onde o mesmo acontece, preza pela universalidade e justiça social
(GARRAFA et al, 2006; ANJOS, 2003; OLIVEIRA, 1995; SCHRAMM, 2006).
Berlinguer, Garrafa, Schramm, Oliveira e Anjos, são alguns dos
bioeticistas que defendem a necessidade de se pensar referenciais de análise em
Bioética socialmente comprometida, uma Bioética social. A Bioética social, para ser
efetiva, entre outros fatores, necessita de disposição, persistência e preparo
acadêmico, com a finalidade de se alcançar uma sociedade mais justa e equânime
(GARRAFA, 2005a).
Cortina (1998) assinala que, para mudar a sociedade da situação atual
para algo melhor, exige-se repensar o âmbito público a partir das atividades
econômicas, da opinião pública, das associações civis e também das atividades
profissionais. As atividades profissionais pertencem à sociedade civil; portanto,
inserem-se no âmbito público, pois, de alguma forma, prestam atendimentos
específicos à sociedade. Esse marco referenda, conforme a autora menciona, a
revitalização da ética das profissões, empenhada na tarefa de fazer excelente a vida
cotidiana.
Por eso importa revitalizar las profesiones, recordando cuáles son sus fines
legítimos y qué hábitos es preciso desarrollar para alcanzarlos. A esos
hábitos, que llamamos ‘virtudes’, ponían los griegos por nombres ‘aretai’,
‘excelencias’. ‘Excelente’ era para el mundo griego el que destacaba por
respeto a sus compañeros en el buen ejercicio de una actividad. ‘Excelente’

18
sería aquí el que compite consigo mismo para ofrecer un buen producto
profesional, el que no se conforma con la mediocridad de quien únicamente
aspira a eludir acusaciones legales de negligencia. (CORTINA, 1998, p.2).

Feuerwerker (2003, p. 24) afirma que as universidades vivem um


momento em que buscam ampliar sua relevância social. Destaca que “[...] a
produção de conhecimento e a formação profissional estão marcadas pela
especialização, pela fragmentação e pelos interesses econômicos hegemônicos”, e
assinala que, no campo da saúde, “[...] é indispensável que a produção do
conhecimento, formação profissional e prestação de serviços sejam tomadas de
elementos indissociáveis de uma nova prática”.
As novas diretrizes curriculares para os cursos da área da saúde,
apoiadas pelo Ministério da Saúde, nascem como esperança de uma nova prática
terapêutica. Elas estão orientadas para a formação de “[...] profissionais críticos,
capazes de aprender a aprender, de trabalhar em equipe, de levar em conta a
realidade social para prestar atenção humana e de qualidade” (FEUERWERKER,
2003, p. 24). A proposta de mudança tem como desafio pedagógico superar
paradigmas profissionais voltados ao uso de tecnologias, aos procedimentos
funcionais e à especialização, portanto, inseridos em uma visão fragmentada de
mundo, para então desenvolver a possibilidade de colaborar com o ensino pautado
sobre reflexões éticas acerca dos conteúdos que em cada área do conhecimento
passam a existir. Assim, destaca-se o ensino da Bioética como fator indispensável
na formação profissional da saúde, pois esse campo de estudo focaliza-se nas
reflexões acerca dos problemas que persistem e que emergem com o avanço
científico, procurando apontar soluções práticas.
Garrafa e Pessini (2003) afirmam que, apesar da Bioética ser “tardia” no
Brasil, e só ganhar força, principalmente, a partir dos anos 90, muitos currículos,
especialmente dos profissionais cujo campo de atuação está vinculado às ciências
da saúde e da vida, têm procurado ir além da deontologia, passando a contemplar
conteúdos relacionados à Bioética. No entanto, Morano (2003, p. 28) aponta que o
ensino da ética na graduação, em especial médica, percorreu “[...] o mesmo
caminho do ensino médico como um todo, atendendo às exigências do modelo
biomédico implantado nas sociedades ocidentais”. corroborando com essa idéia,
Rego (2003) assinala existir resistência das faculdades de ciências da saúde, em

19
especial a medicina, em trocar os velhos modelos burocráticos, disciplinares e
fragmentados, de quase cinquenta anos atrás, por novas iniciativas.
Rego (2003), referindo-se ao ensino médico, aponta para o crescente
número de novas faculdades, especialmente as privadas, criadas, algumas vezes,
por ideais mercantilistas, que contratam professores desatualizados, face às novas
necessidades éticas da sociedade atual e, muitas vezes, não são preparados para o
ensino da ética.
Além do crescimento de faculdades, novas demandas motivam a criação
de novos cursos. Tesser e Barros (2008, p. 915) apontam que “há um interesse
crescente em múltiplos setores sociais no ocidente dirigido às chamadas medicinas
alternativas e complementares”. Esses interesses são fomentados pela insatisfação
e pelos limites tidos com a biomedicina, bem como problemas de acesso e custo, e
também por mérito próprio, sendo que diversas dessas práticas e técnicas são
reconhecidas internacionalmente na saúde pública e, especialmente no Brasil, é
impulsionada pela atual Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(TESSER e BARROS, 2008). Um exemplo é o caso do curso de graduação em
Naturologia, o qual preenche uma lacuna existente no universo acadêmico brasileiro:
cria espaço necessário para a produção de novas teorias e práticas na área de
saúde, pois se propõe resgatar, pesquisar e aplicar terapias naturais, sob ótica ética
e ecológica, embasada no aproveitamento sustentável dos recursos naturais do país
(SILVA, 2004).
Existem, até o presente momento, três cursos de Naturologia no Brasil,
sendo que apenas dois são reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC). O fato da terceira universidade não ter seu curso reconhecido deve-se ao
mesmo não ter ainda formado nenhuma turma de bacharéis em Naturologia. A
universidade pioneira do Brasil a criar o curso foi a Universidade do Sul de Santa
Catarina – UNISUL, em 1998. Posteriormente, em 2002, a Universidade Anhembi
Morumbi – UAM criou o segundo curso de Naturologia do país, sendo a pioneira no
Estado de São Paulo. Recentemente, em 2009, a Universidade Potiguar - UnP,
localizada no Rio Grande do Norte, criou o terceiro curso no país (UNISUL, 2008a;
UAM, 2008a; UNP, 2009).
Os três cursos de Naturologia possuem uma base epistemológica
semelhante: estudam e aplicam as práticas naturais balizadas através de dois

20
fundamentos filosóficos milenares: Medicina Tradicional Chinesa e a Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas de várias escolas de filosofia e de psicologia
ocidentais contemporâneas, como a Medicina Antroposófica, em sua maioria,
voltadas à visão ecológica (HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Dentre as práticas naturais integrativas e complementares4 estudadas
nesse curso encontram-se a: fitoterapia, aromaterapia, hidroterapia, arteterapia,
geoterapia, cromoterapia, massoterapia, reflexologia, musicoterapia, Florais,
iridologia, técnicas corporais, entre outras.
A Naturopatia também faz uso das práticas naturais acima descritas. Os
princípios filosóficos da Naturopatia remotam a Hipócrates, pai da biomedicina, que
predizia ser o corpo que se curava por si próprio, cabendo ao médico fortalecer o
potencial de cura inerente ao homem. Por outro lado, o que diferencia a
Naturopatia da Naturologia é que a primeira foca-se na doença e a segunda na
saúde (FIALHO, 1999). A saúde, para a Naturologia, é uma visão que procura não
fragmentar o ser humano, concebendo-o em sua integralidade. Assim, a Naturologia:

Não trata só a saúde física, mas também a saúde mental; não se dirige
apenas para o indivíduo, mas a toda a comunidade; não se limita ao
homem, mas questiona e incorpora o seu habitat. Nesse sentido, o de
saúde total, é que se pode perceber a diferença entre a prática naturológica
e a naturopática. O naturólogo vai além do naturopata, não se restringe ao
indivíduo, ou ao físico desse indivíduo, mas busca o holos, o todo em que
esse indivíduo está inserido. (FIALHO, 1999, p. 3 - 4).

A Naturologia tem em seu nascimento um olhar voltado para a


integralidade da saúde humana e não apenas enquanto unidade singular de vida,
mas também como resultado da inter-relação com a coletividade e a natureza,
apontando para a necessidade se um pensamento holístico. Nesse sentido, Fialho
(1999, p. 5) afirma que:

Procurando resgatar a leveza, a graça, o respeito pelo diferente, a


solidariedade e a colaboração na preservação do patrimônio comum,
restabelece-se uma ética cosmológica. O Naturólogo é também um
ambientalista com uma visão singular e significativa do que seja poluição e
do respeito que se deve às gerações futuras.

Tal como o surgimento da Bioética, a qual se deveu à manifestação


pública dos conflitos éticos relacionados aos abusos da ciência, à descaracterização

4
Diz-se práticas complementares àquelas usadas juntas com práticas da biomedicina; integrativas:
quando são usadas conjuntamente baseadas em avaliações científicas de segurança e eficácia
(TESSER e BARROS, 2008).

21
da assistência médico-sanitário e à necessidade de novos valores éticos (DINIZ e
GUILHEM, 2002), a Naturologia nasceu de forma semelhante, impulsionada pela
necessidade atual “[...] de alguns outros conceitos no processo saúde-doença, como
a intuição, a energia vital, o holismo entre outros, impondo-se a necessidade de
repensar a prática dentro de um ‘novo’ espaço ético” (TESSER e BARROS, 2008, p.
917).
A Naturologia, então, surgiu como um campo na área da saúde que se
tem estruturado especialmente nos últimos dez anos. Bourdieu (2001) apresenta a
noção de campo como objetos e espaços que configuram jogos de disputas e poder.
Em relação ao campo científico, Bourdieu (1983) apresenta a luta que ocorre nesses
espaços pela disputa da capacidade técnica (autoridade) e a legitimação social
(autorização) frente às diferentes formas do conhecimento humano:

O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições


adquiridas (em lutas anteriores) é o lugar, o espaço de jogo de uma luta
concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o
monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como
capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da
competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e agir
legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é
socialmente outorgada a um agente determinado." (BOURDIEU, 1983 p.
122-123).

“Como todas as sociedades estão interessadas na minimização das


enfermidades, existem disputas entre diferentes formas de cuidado que buscam
reconhecimento social, importância simbólica e recursos econômicos e técnicos”
(TESSER e BARROS, 2008). Assim sendo, objetos e espaços de disputas são
comuns nos campos, em especial nos de atuação profissional na saúde, como vem
ocorrendo na área das terapias alternativas, integrativas e complementares, a
exemplo da Naturologia. Ainda assim, “o Naturólogo não é alguém que veio tomar o
lugar do médico, mas um especialista cujo saber pode se somar a de outros
profissionais que atuam nas áreas da saúde [...]” (FIALHO, 1999, p. 5).
Para cumprir os objetivos propostos pela Naturologia, no contexto da
saúde coletiva, principalmente os pautados pelas visões ecológicas, éticas e de
promoção à saúde, é importante que os futuros profissionais sejam capacitados a
enfrentar os desafios impostos pela cultura contemporânea, em especial no contexto
social brasileiro, local onde a Naturologia se instaura. Para tanto, um dos pontos de
partida é a formação profissional ética, e a Bioética, como um movimento renovador,

22
fortalecedor da ética, torna-se uma abordagem imprescindível no processo de
ensino-aprendizagem no âmbito da Naturologia.
Faz-se mister que o ensino da Bioética nos cursos de graduação do
Brasil, aqui, em especial, o curso de Naturologia, sejam pautados por referenciais
bioéticos, pensados a partir das necessidades cotidianas da saúde coletiva. Nesse
sentido, surge a preocupação relacionada à formação do naturólogo no que diz
respeito ao equacionamento dos temas éticos presentes no cotidiano dos seres
humanos, em especial dos brasileiros, uma vez que o curso insere-se no contexto
da saúde coletiva e vem ganhando espaço na saúde pública nacional.
Assim sendo, define-se a questão central da presente pesquisa: conhecer
quais são os referenciais bioéticos presentes no ensino da graduação de Naturologia
no Brasil e discutir sobre suas implicações para a formação profissional do bacharel
em Naturologia socialmente comprometido.

1.1 Objetivo Geral:

Discutir, à luz da Bioética Social, os referenciais de análise em Bioética


presentes no ensino de graduação em Naturologia no Brasil e suas implicações para
a formação do naturólogo.

1.2 Objetivos específicos:

1.1.1 Identificar os principais temas de Bioética presentes no ensino de graduação


em Naturologia no Brasil.
1.1.2 Buscar elementos que permitam inferir quais são os referenciais de análise
em Bioética presentes no ensino de graduação em Naturologia.
1.1.3 Discutir os referenciais de análise em Bioética identificados nos cursos de
Naturologia, tendo como referência a Bioética social.

23
1.3 Justificativa

Esta pesquisa pretendeu discutir os referenciais de análise em Bioética


presentes no ensino de uma graduação da área da saúde relativamente nova: a
Naturologia. Esse debate insere-se em um momento em que as terapias ditas
alternativas, complementares e integrativas têm ganho espaço na sociedade
contemporânea, inclusive incorporadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
necessitando, portanto, de discussão séria e aprofundada.
Considerando-se os princípios do SUS, integralidade, universalidade e
equidade, a utilização das medicinas tradicionais e das terapias complementares e
integrativas podem se tornar uma aliada efetiva. No entanto, a implementação
efetiva dessas práticas na sociedade atual como forma de resgatar valores, em
especial ecológicos e sociais, ou mesmo no SUS, “[...] para fazer frente ao desafio
da sua concretização, faz-se necessário lidar com as questões de ordem ética
vivenciadas nos serviços de saúde, especialmente na atenção básica, a qual tem
sido preterida pelas reflexões Bioéticas” (ZOBOLI, 2004, p. 1691).
Dentre os temas éticos comuns da prática diária que têm sido
postergados na literatura Bioética, Zoboli (2004) aponta os verificados na relação do
profissional com o usuário e/ou com a família (tais como: a relação terapêutica
propriamente dita – destacando-se as dificuldades em estabelecer os limites da
relação profissional/usuário, os limites da interferência da equipe de saúde no estilo
de vida dos usuários, no prejulgamento dos usuários por parte dos profissionais de
saúde e outros; o projeto terapêutico – destacando-se as prescrições de
medicamentos que os usuários não poderão comprar; a informação – como informar
o usuário para conseguir sua adesão ao tratamento, omissão de informações ao
usuário, acesso dos profissionais de saúde a informações relativas à vida particular,
e outros), além dos problemas éticos vivenciados na relação da equipe e nas
relações com a organização e o sistema de saúde.
Tesser e Barros (2008) apontam que as medicinas alternativas e
complementares inovam: ao considerar o sujeito doente como centro do cuidado e
focarem na relação cuidador-paciente; na busca de terapêuticas menos invasivas,
menos dependente da tecnologia e com igual ou maior eficácia nas situações mais

24
gerais e comuns de adoecimento; em um modelo de saúde que incentiva a
autonomia do paciente e que tem como categoria central a saúde e não a doença.
Ainda que “o uso de algumas práticas não convencionais pode contribuir
no sentido de sensibilizar para uma forma mais humanizadora no processo de cuidar
(WALDOW, 2001, p. 84)”, o modismo atual presente na sociedade, o qual tem
levado ao “consumo de técnicas e tratamentos complementares dentro da lógica do
mercado, da medicalização e da higiomania5 [...]” (TESSER; BARROS, 2008, p.
919), pode desvirtuar os valores éticos presentes nessas práticas.
O debate acerca dos referenciais bioéticos presentes no curso de
Naturologia contribui para refletir sobre a forma como tem sido utilizado o
conhecimento das práticas naturais frente aos temas éticos presentes na sociedade
atual. Ressalta-se que o naturólogo não atua apenas em esfera privada, pois a
Naturologia já é realidade em unidades básicas de saúde e em outras instâncias
públicas de saúde de diversas cidades brasileiras.
Tesser e Barros (2008) defendem a oferta das medicinas alternativas,
complementares e integrativas no SUS como “[...] cultivo de democracia e ecologia
epistemológicas´ sustentáveis e estratégia de manejo da medicalização na
construção da universalidade, equidade e integralidade [...]” (p. 920).
Para que o processo de ensino-aprendizagem possa ser consolidado no
curso de Naturologia, também nos cursos da área da saúde em geral, como meio de
desenvolver consciência ética nos profissionais e de promover o respeito
incondicional ao próximo e quiçá ao cosmos, consideram-se de suma importância
estudos que aprofundem a temática do ensino e da aprendizagem da Bioética em
seus vários aspectos.
Esse trabalho, portanto, apresenta relevância do ponto de vista científico,
já que se constitui em acervo bibliográfico sobre temáticas ainda pouco discutidas:
Naturologia, Bioética Social e ensino da Bioética na área da saúde, subsidiando
outras pesquisas como fonte de informação; do ponto de vista social, por contribuir
com a reflexão ética a partir de um referencial teórico de cunho social; e do ponto de
vista político, por favorecer a discussão sobre a ética na formação de profissionais
que futuramente poderão tornar-se pessoas comprometidas com o exercício da
cidadania.

5
Higiomania trata-se da preocupação excessiva que a pessoa tem com a sua própria saúde.
Fundamenta-se na responsabilização do indivíduo perante sua saúde (NOGUEIRA, 2003).

25
2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para conhecer os referenciais de análise em Bioética presentes no ensino


de graduação em Naturologia e discuti-los sob a ótica da Bioética social, o recorte
da literatura é imprescindível como subsídio para compreensão do cenário
conceitual (Bioética) e do cenário contextual (Naturologia).
Para tanto, apresenta-se primeiramente o cenário conceitual. Inicia-se
com a conceituação da Bioética e sua evolução histórica desde a origem até a
atualidade. A contextualização histórica da Bioética é importante para se entender
os referenciais de análise que percorrem esse campo de estudo, uma vez que são
diversos e foram sendo construídos cada qual em um momento histórico e em uma
realidade cultural específica, caracterizando-se num processo de natureza teórica e
política. Apresenta-se as dimensões da Bioética através da exposição dos temas a
qual esssa área de estudo se debruça, e, a seguir, a diversidade de referenciais na
Bioética que balizam a tomada de decisão frente aos temas é apresentada, incluindo
o enfoque da Bioética Social.
Na sequência, apresenta-se o cenário contextual: a graduação de
Naturologia no Brasil. Discorre-se sobre características peculiares dessa graduação,
expõem-se algumas das disciplinas estudadas e traça-se a convergência entre a
Naturologia e a saúde pública.

2.1 Bioética

A Bioética é um espaço de reflexão e práxis que se encontra em


constante aperfeiçoamento através das contribuições de diferentes espaços
acadêmicos. A Bioética prioriza conflitos éticos referentes às ciências da vida e da
saúde (REICH, 1995). Trata-se de ética aplicada, caracterizada a partir da
sociedade, da cultura e dos valores morais da civilização contemporânea (CLOTET,
1997). Nesse sentido, a Bioética pode ser considerada nova, porque introduz
questões trazidas especialmente dos avanços tecnológicos no campo da vida, que
não estavam previstos em considerações anteriores, como necessidade de proteger

26
a vida humana face às inovações técnico-científicas nas áreas das ciências da vida
(ANJOS, 2001).
Dessa forma, o nascimento da Bioética pode ser considerado um
movimento renovador, fortalecedor da ética. Esse campo de estudo tende a traduzir
a filosofia moral6 para uma linguagem mais ao alcance daqueles que atuam
especialmente nas áreas da saúde e da vida, facilitando aplicá-la. No período inicial
do surgimento da Bioética Diniz e Guilhem (2002) assinalam alguns fatos, tais como:
o Código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque e as denúncias frequentes de
abusos cometidos por pesquisas biomédicas, enquanto marcos históricos os quais
contribuíram para a consolidação desse ramo acadêmico.
O Código de Nuremberg, datado de 1947, por exemplo, é um marco
histórico por ser o primeiro documento internacional de regulamentação das
pesquisas envolvendo seres humanos. Esse documento resultou do processo de
nazistas da II Guerra Mundial. Ao final dessa guerra, em 1945, instaurou-se o
Tribunal Militar Internacional e, em 1946, iniciou-se o julgamento de vinte e três
acusados pelos crimes cometidos durante a guerra contra ciganos, judeus,
poloneses e russos. Dos vinte e três acusados, vinte eram médicos que haviam
realizado experimentos biomédicos com prisioneiros nos campos de concentração.
Tal código resultou em documento com dez itens que resumem normas para
experimentos médicos com participantes humanos (DINIZ e GUILHEM, 2002).
A Declaração de Helsinki, por sua vez, foi elaborada pela Associação
Médica Mundial que reconheceu falhas no Código de Nuremberg e propôs
mudanças em tal código. Essa declaração foi adotada na 18ª Assembléia Médica
Mundial, ocorrida em Helsinki, Finlândia, em junho 1964. Após essa data, o mesmo
código foi revisto mais cinco vezes (Japão: 1975; Itália: 1983; Hong Kong: 1989,
África do Sul: 1996, Escócia: 2000). A última revisão, realizada em 2000, foi feita
após críticas direcionadas a estudos que testaram medicamentos como o AZT para
o vírus HIV, conduzidos na África, e que foram controlados por placebo e já haviam
sido estabelecidos protocolos médicos profiláticos comprovados (DINIZ e GUILHEM,
2002). Após o ano de 2000, foram acrescentadas duas notas esclarecedoras, uma
em 2002 e outra em 2004 (RAMOS, 2008). Recentemente, em março de 2008
reuniu-se, novamente em Helsinki, um grupo de trabalho responsável por consolidar

6
A filosofia moral distingue ética de moral e discute, problematiza e interpreta o significado dos
diferentes valores morais (CHAUÍ, 2000).

27
sugestões para a revisão da referida declaração, composto por representantes de
diversas nacionalidades, incluindo o Brasil. Entre os principais pontos discutidos,
referente a pesquisas clínicas envolvendo seres humanos, encontram-se a utilização
de placebo e a questão que dizer respeito ao acesso do medicamento ao final do
estudo pelos participantes desse. A nova versão do texto foi submetida à aprovação
na Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em outubro de 2008 em Seul,
Coréia do Sul (JAMB, 2008a).
O resultado da revisão ocorrida em Seul, 2008, no item 33 da Declaração,
informa que após conclusão dos estudos os pacientes nele incluídos terão acesso a
intervenções identificadas no estudo como benéficas ou a outros cuidados
adequados ou benefícios. No entanto, a utilização de placebo em pesquisas
envolvendo seres humanos, quando justificado metodologicamente e sem expor o
paciente a riscos, poderia ser utilizado. Para a Associação Médica Brasileira, o
resultado dessa revisão foi “[...] um documento bastante sólido, atualizado e
disponível para o balizamento ético” (JAMB, 2008b, p. 31). No entanto, a utilização
de placebos foi permitida (mesmo que com ressalvas) o que possibilita a propensão
à novos abusos da indústria farmacêutica em pesquisas, configurando-se em um
ponto de vista favorável às indústrias farmacêuticas e não à população vulnerável
dos países do hemisfério sul.
Entre as denúncias de abusos em pesquisas e procedimentos biomédicos
que desempenharam papel importante na consolidação da Bioética, Albert Jonsen
(1993), pontua três acontecimentos. O primeiro, foi a publicação do artigo na revista
Life, em 1962, intitulado “Eles decidem quem vive, quem morre”, da jornalista Shana
Alexander. Esse artigo relatava a criação de um comitê de ética hospitalar, o Comitê
de Seattle, o qual definia as prioridades para a alocação de recursos em saúde. O
comitê havia elaborado critérios de seleção de pacientes que necessitavam de
hemodiálise para um pequeno grupo de pessoas leigas. Esse fato assinalou a
ruptura entre a Bioética e a tradicional ética médica, até então de domínio exclusivo
do profissional de saúde, principalmente médicos.
O segundo acontecimento foi a divulgação do artigo, de Henry Beecher,
intitulado “Ética e pesquisa clínica”, publicado em 1966 no The New England
Journal of Medicine. O estudo de Beecher partiu da compilação original de 50
artigos, nos quais encontrou 22 relatos de pesquisas realizadas por instituições

28
governamentais e companhias de medicamentos em que os alvos eram os
chamados “cidadãos de segunda classe”. A pesquisa demonstrou que apenas dois
dos 50 artigos compilados possuíam termo de consentimento informado e constatou
abusos, como maus tratos e violações éticas, demonstrando que a imoralidade em
pesquisa biomédica não era exclusiva dos médicos nazistas, tal como os novos
cientistas acreditavam.
O terceiro evento que Jonsen (1993) apontou como significativo foi a
manifestação pública contra o transplante realizado pelo cirurgião cardíaco Christian
Barnard, da África do Sul, em 1967. Bernard transferiu o coração de uma pessoa
“quase morta” para um paciente com doença cardíaca terminal. A ocorrência gerou
discussão sobre como Barnard poderia garantir que o doador estava realmente
morto no momento do transplante. Tal fato levou a Escola Médica da Universidade
de Harvard, em 1968, a definir critérios para a morte cerebral, na tentativa de
controlar casos semelhantes.
A consolidação acadêmica da Bioética iniciou-se principalmente nos EUA.
Além do neologismo criado pelos americanos Potter e/ou Hellegers, outro fator
importante na consolidação da Bioética, como assim assinalam Diniz e Guilhem
(2002) foi a instituição, pelo Governo e o Congresso estadunidense, de um comitê
nacional com o objetivo de criar diretrizes éticas para pesquisas. Esse comitê
nasceu das necessidades das denúncias dos abusos realizados com pesquisa,
especialmente do caso Tuskegee.
O caso Tuskegee consistiu na denúncia, em 1972, dos abusos de uma
pesquisa realizada no sudoeste dos Estados Unidos, ocorrida durante o período de
1932 a 1972, com o objetivo de conhecer a história natural da sífilis. Cerca de 400
homens negros e pobres, que possuíam sífilis latente, foram acompanhados no
decorrer dos anos, sem o devido tratamento. Mesmo após a descoberta da
penicilina, o estudo não foi encerrado, e os homens foram acompanhados até a
morte ou até a interrupção da pesquisa, devido a denunciados abusos. Em
consequência desse caso, em 1974, criou-se a Comissão Nacional para Proteção de
Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. Em 1978, tal
comissão proporcionou o relatório de princípios éticos, o qual ficou conhecido como:
Relatório Belmont: Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas.

29
Nesse relatório, foram eleitos três princípios básicos éticos, pertencentes
à história das tradições morais do ocidente: (1) o respeito pelas pessoas, (2) a
beneficência e (3) a justiça. A divulgação desse relatório representou o
estabelecimento definitivo da Bioética. “A partir desse momento, teve início a
formalização definitiva da Bioética como um novo campo disciplinar” (DINIZ e
GUILHEM, 2002, p.23). Após o Relatório Belmont, Tom Beauchamp e James
Childress propuseram a teoria “principialista” como um modelo de estudo na área da
Bioética. Também, Albert Jonsen e Stephen Toulmin, que participaram da
elaboração do Relatório, apresentaram o modelo de estudo da “casuística”.
De acordo com Garrafa (2005c), o desenvolvimento histórico da Bioética
ocorre com base em quatro “etapas”. Primeiro, a etapa de fundação, nos anos 70,
quando se construíram as bases teóricas estruturais para a prática da Bioética (em
especial decorrente do Relatório Belmont). A segunda etapa caracteriza-se pela
expansão e consolidação, na década de 80, pois a Bioética se expandiu pelo mundo
através de eventos, livros e revistas científicas especializadas, destacando, nesse
momento, o estabelecimento da teoria principialista, a mais conhecida na Bioética. O
terceiro momento foi a revisão crítica, período posterior aos anos 90 até 2005,
especialmente pelo surgimento de críticas ao “principialismo” e pela crescente
necessidade de novas perspectivas para se pensar, de modo ético, outros aspectos
que demandam atenção e que ultrapassam a abordagem por princípios. A quarta e
última etapa seria o momento atual, o período da ampliação conceitual, que se
caracteriza após a homologação, em 19 de outubro de 2005, em Paris, da
Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), ampliando a atuação da
Bioética para além da temática biomédica-tecnológica, atingindo os campos social e
ambiental, retornando ao sentido original da Bioética, tal como propôs Potter.

2.1.1 As Dimensões da Bioética

Hellegers apresentou a Bioética como “ética da vida”, restrita ao estudo


dos conflitos éticos decorrentes da aplicação das biotecnologias ao homem e à
relação entre médico-paciente. Potter, por sua vez, fixou à Bioética o sentido
ecológico de "ciência da sobrevivência", preocupando-se com o bem-estar dos seres

30
humanos, dos animais não-humanos e do meio ambiente. Nesse sentido, alguns
autores assumem a definição de macrobioética para designar a preocupação dessa
disciplina com as questões que envolvem a sobrevivência do planeta – ecologia,
grandes debates políticos, culturais e sociais, dessa forma, pertencentes ao legado
de Potter; e microbioética, ou Bioética clínica, voltada aos problemas éticos
referentes ao relacionamento entre os profissionais de saúde e os pacientes e entre
as instituições e as pesquisas biomédicas de forma geral, conforme o legado de
Hellengers (PESSINI, 2005).
Berlinguer (1991) assinala que os estudiosos da área de Bioética, em sua
grande maioria, elegeram como temas centrais de debates os que emergem,
especialmente a partir do desenvolvimento da biomedicina e da evolução técnico-
científica em geral (eutanásia, transplantes, reprodução assistida, células tronco,
engenharia genética). O autor então denuncia que os problemas os quais persistem
a tal evolução, esses se tornam cotidianos, tais como a fome, a pobreza, o acesso
precário à saúde, entre outros, e têm sido marginalizados por alguns enfoques feitos
na Bioética.
A Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília sistematiza a
compreensão da área de estudo e abrangência da Bioética, a partir de duas grandes
áreas de atuação, conforme sua historicidade: a Bioética das situações emergentes
e a Bioética das situações persistentes (GARRAFA, 2005c).
Na Bioética das situações emergentes, são relacionados os temas
surgidos nos últimos 50 anos, derivados da evolução biotecnicocientífica. Dentre
esses temas, mencionam-se todos os relacionados às pesquisas científicas
envolvendo seres humanos; os temas derivados das implicações relacionadas à
engenharia genética, na qual se inclui a medicina preditiva e a terapia gênica; as
doações e transplantes de órgãos e tecidos humanos; a saúde reprodutiva,
especialmente acerca da fecundação assistida, mas também assuntos como a
seleção e descarte de embriões, a eugenia (escolha de sexo e determinadas
características físicas do futuro bebê), as “mães de aluguel” e a clonagem; questões
pautadas na biossegurança; entre outras.
A Bioética das situações persistentes, por sua vez, trata e analisa os
temas cotidianos que se referem à vida das milhares de pessoas e que persistem na
atualidade desse os tempos remotos. Aqui, entram todos os temas relacionados à

31
exclusão social; às discriminações de gênero e etnia, entre outras; aos temas da
equidade, da universalidade do acesso à saúde e da alocação de recursos
escassos; aos direitos humanos, à cidadania e à democracia; às cacotanásias; ao
aborto e à eutanásia. Essas duas últimas são tratadas por alguns autores como
situações emergentes; no entanto, para a Cátedra UNESCO de Bioética da UnB,
são classificadas como persistentes, pois se tratam de problemas os quais persistem
no debate ético desde os tempos remotos.
A ampliação do campo de atuação da Bioética denota que essa

[...] vai além de temas éticos na medicina para incluir assuntos da saúde
pública, preocupações sobre populações, genética, meio ambiente sanitário,
práticas e tecnologias reprodutivas, saúde e bem-estar animal e
semelhantes. (ANJOS, 2001, p.21).

Pessini e Barchifontaine (2005) trazem em seu livro Problemas atuais de


Bioética uma lista de temas específicos dos quais a Bioética se ocupa. Dentre a
listagem, destacam-se, entre outros temas que envolvem a vida em nível individual
ou coletivo: ecologia; pesquisas com seres humanos; políticas públicas e
populacionais; biologia, genética e engenharia genética; técnicas de reprodução
assistida; aborto; transplantes; morte, morrer e cuidados paliativos.
Schramm, Anjos e Zoboli (2007) revelam que a característica mais
marcante da Bioética brasileira é a extensa literatura no que se refere à relação
entre Bioética e saúde pública. Consequentemente, apontam para a complexidade
do tema:

De fato, a problemática Bioética em saúde pública é ampla e complexa,


tanto no Brasil como no Mundo, devido em particular ao processo de
globalização da saúde e que, longe de universalizar o acesso aos cuidados,
cria amplos bolsões de excluídos e de sujeitos vulnerados. (SCHRAMM,
ANJOS e ZOBOLI, 2007, p.34).

A Bioética pode tornar-se, dependendo da forma que essa for


direcionada, uma ferramenta para a resolução, ou pelo menos para a diminuição,
dos problemas enfrentados no campo da saúde pública. Em se tratando da saúde
pública no Brasil:

[...] torna-se imprescindível relembrar o que representa o Sistema de Saúde


- SUS, no contexto do sistema de saúde brasileiro, visto que seus princípios
fundamentais da Universalidade de cobertura, Igualdade de acesso e
Integralidade da assistência constituem princípios de alto teor bioético que
permitem estabelecer as bases de uma gestão moralmente legítima e
socialmente aceitável. (KLIGERMAN, 2002, p.305).

32
Sendo assim, as crescentes mudanças ocorridas no sistema de saúde
pública brasileira, “[...] por representar um processo de mudança na prática da
atenção à saúde que exige dos profissionais, gestores e usuários transformações
atitudinais e culturais, requer uma reviravolta ética” (ZOBOLI, 2004, p.1691).
Kligermann (2002) menciona que os conflitos éticos, envolvidos na saúde
pública, buscam ser resolvidos por diversas correntes filosóficas. Nesse sentido,
com o intuito de promover o debate dos diferentes referenciais de análise da
Bioética na interface com a saúde pública, Zoboli (2003b) apresenta quatro enfoques
centrais da Bioética – do principialismo, da casuística, das virtudes e do cuidado – e
aponta crítica a esses referenciais no que dedilha as questões de saúde pública.
Para Zoboli (2003b), tais referenciais são produzidos para países centrais
desenvolvidos e boa parte desses é baseada em uma linguagem para tomada de
decisões no âmbito individual.
Haja vista que coexistem vários referenciais de análises em Bioética, têm-
se, portanto, várias formas de balizar as ações frente a um mesmo dilema ético. É
importante que para fortalecer a saúde coletiva, há necessidade de voltar o foco da
Bioética para o contexto de desigualdades sociais, o qual marca a saúde na América
Latina. É “[...] necessário aproximar-se desses referenciais com vistas a habilitá-los
como instrumentais de transformação desta realidade e não como meio de justificá-
la” (ZOBOLI, 2003b, p.34).

2.1.1.1 A Diversidade de Referenciais Teóricos em Bioética

A Bioética, por aflorar em contexto interdisciplinar, permite a pluralização


de conteúdos bioéticos, quer sejam relativos às dimensões micro e macrossocial,
quer sejam relacionados aos problemas de situações emergentes ou persistentes.
Seja como for, para o equacionamento frente a um determinado tema ético, existe
uma variedade de metodologias, o que aponta para a existência da diversidade de
referenciais teóricos em Bioética.
Partindo de considerações de Diego Gracia, Márcio Fabri dos Anjos
(2001, p.24) assinala que, para fundamentar a Bioética, é necessário sondar
distintas correntes filosóficas de interpretação do homem, considerando que “(...)

33
não se pode fugir ao fato de que a ética da vida se alimenta de concepções que nos
remetem à interpretação e à compreensão filosófica do ser humano e de sua vida”.
Assim como existem variadas correntes filosóficas, existem múltiplos
enfoques de análise em Bioética, tal como mostra Neves (1996), Anjos (2001),
Schramm (2002), Kligermann (2002) e Zoboli (2003b).
Neves (1996) sistematiza duas perspectivas principais de análise
Bioética. Uma seria o ponto de vista anglo-americano, mais voltado à esfera do
privado, pelo fato da ênfase na autonomia da pessoa singular, em que aparecem
com mais frequência os microproblemas formados por questões cuja resolução
demanda de ação imediata e decisiva para um indivíduo. A outra, a perspectiva
Européia (especialmente da Europa latina), em que os interesses da esfera pública
são mais visíveis; portanto, essa perspectiva concentra mais fortemente a sua
atenção nos macroproblemas. Assim, a autora indica os modelos teóricos de
reflexão e análise mais aplicados em Bioética no panorama mundial. Entre as
perspectivas de análises, inclinadas ao pensamento ético anglo-americano,
encontram-se os modelos: principialista, libertário, virtudes, casuístico, do cuidado, o
modelo contemporâneo do direito natural e o modelo contratualista. No modelo
europeu destaca-se a perspectiva personalista.
Partindo especialmente das considerações de Neves (1996), o que ela
designou “modelos explicativos” em Bioética, Anjos (2001, p. 26-29) descreve sobre
a abrangência e o dinamismo da Bioética. O último autor traz a denominação
“tendências de análise” em Bioética para apontar as dez escolas principais que
concretizam as percepções e ênfases dadas na atualidade nesse campo de estudo.
O autor considera os modelos apontados por Neves (1996), substitui o modelo do
cuidado pelo feminista, e acrescenta a perspectiva hermenêutica.
Schramm (2002) assinala que durante as décadas de 70 e 80 surgiram
várias concepções concorrentes na Bioética. O autor menciona algumas das
supracitadas correntes (principialismo; casuística; ética das virtudes; ética do
cuidado; libertarianismo; comunitarismo; personalismo; hermenêutica) e aponta
outras, como a ética narrativa, a ética discursiva e a ética prática. Essa última, de
inspiração utilitarista, é desenvolvida, sobretudo, por Peter Singer (1998).

34
Kligermann (2002) ensina que os conflitos éticos buscam ser resolvidos
por diversas correntes filosóficas, tais como as do utilitarismo, do liberalismo e
também do comunitarismo.
Nesse mesmo sentido, Zoboli (2003b), descreve os diferentes enfoques
bioéticos como sendo “referenciais de análise em Bioética”. Com a finalidade de
introduzir o debate dos diferentes referenciais de análise da Bioética na interface
com a saúde pública, a autora apresenta quatro enfoques bioéticos centrais – do
principialismo, da casuística, das virtudes e do cuidado.
Nota-se que a discussão no panorama mundial pauta-se de diferentes
perspectivas. Por sua vez, a Bioética no Brasil traz também características
peculiares. A Bioética brasileira percebeu a necessidade de ir além do principialismo
e “[...] buscou outros conceitos e referenciais que correspondessem à realidade mais
complexa vivenciada no Brasil e no próprio contexto mundial” (ANJOS, 2007, p.24).
Siqueira, Porto e Fortes (2007) informam que o reducionismo geral da
Bioética, em especial a tendência principialista, não atingiu os bioeticistas
brasileiros, que passaram a formular reflexões e propostas bioéticas para melhor
atender às necessidades da comunidade brasileira, considerando especialmente a
extrema desigualdade social no país. A Bioética no Brasil tem sua história recente,
está em constante expansão, vem ganhando espaço e sendo reconhecida por seus
serviços à sociedade. Na verdade, a Bioética, no Brasil, busca se afimar no
contexto das necessidades da saúde coletiva.
Em relação ao processo de criação, reflexão e consolidação da Bioética
brasileira,
[...] é fundamental enfatizar a importância da Reforma Sanitária que já
apontava os rumos para a reflexão crítica que marca a Bioética brasileira,
mostrando que os problemas enfrentados pela área da saúde não poderiam
ser resolvidos apenas na clínica, uma vez que tinham origem na pobreza e
na desigualdade social, na qual vivia a imensa maioria dos brasileiros.
(SIQUEIRA, PORTO e FORTES 2007, p.163).

No pensamento bioético brasileiro, Siqueira, Porto e Fortes (2007) fazem


referência a seis escolas: (1) Bioética de Reflexão Autônoma, de enfoque liberalista;
(2) Bioética de Proteção e (3) Bioética de Intervenção, referenciais libertários; (4)
Bioética e Teologia da Libertação, de enfoque das virtudes; (5) Bioética Feminista,
do enfoque de mesmo nome; e (6) Bioética de Proteção Ambiental, referencial
naturalista.

35
“Por ser um campo de reflexão, discussão e articulação com diferentes
campos do saber, a Bioética não rejeita a reflexão ética acumulada por milênios [...]”
(FIGUEIREDO; GARRAFA; PORTILLO, 2008, p. 53). Assim sendo, além dos já
descritos referenciais de análise em Bioética, existem outras reflexões éticas
específicas como a teoria do dever de Immanuel Kant (2005), a ética hedonista de
Epicuro (1973), e as contribuições de John S. Mill (1976), Nietzche (2002). Ainda
que exista uma multiplicidade de referenciais teóricos em ética e Bioética, é comum
que os profissionais confundam a ética com a deontologia. Assim, autores têm
apontado que nos currículos dos cursos da área da saúde, o modelo pautado nos
“códigos de ética profissional” (códigos deontológicos) é presente não apenas nos
currículos das graduações, como também no pensamento dos profissionais
(ZOBOLI, 2003a; SEGRE, 2002).
Para efeito deste trabalho, adotou-se o nome “referenciais de análises em
Bioética” ou ainda “enfoques bioéticos” para designar as diferentes correntes de
pensamentos existentes frente ao equacionamento de um mesmo tema. Apesar do
fato de os diversos referenciais de análise serem apresentados por distintos autores
de maneira semelhante, como vistos nas descrições de Neves (1996), Anjos (2001),
Schramm (2002), Kligermann (2002) e Zoboli (2003b), há algumas pequenas
divergências entre os autores na apresentação dessas correntes. Esse fato é viável,
pois não há como se classificar claramente os estilos de pensamentos em caixas
específicas, pois sempre haverá diferenças entre os autores e pelo fato de poder
existir diferentes correntes filosóficas fundamentando um mesmo referencial de
análise bioético.
Como exemplo, cita-se a abordagem da Ética Prática, de Peter Singer
(1998), e a Bioética da Intervenção, de Volnei Garrafa. Embora ambos possam ser
considerados utilitaristas, ambos apresentam divergências entre si, até porque foram
criados em diferentes contextos econômicos e sócio-culturais. Esse exemplo serve
para justificar a apresentação dos referenciais teóricos de análise em Bioética que
dão suporte a este estudo7.

7
Algumas vezes, referenciais foram agrupados a critério do Autor deste trabalho, conforme a
literatura estudada. Como exemplo, para discutir o referencial Bioética Social, reuniram-se vários
referenciais de cunho social, como a Bioética da Intervenção, da Proteção, Cotidiana, Bioética e
Teologia da Libertação e Bioética Antissexista, Antirracista e Libertária.

36
Visto que vários são os enfoques presentes na Bioética, foram escolhidos
seis referenciais para a elaboração deste estudo. Apresenta-se, a seguir, os
referenciais: (1) do principialismo, (2) das virtudes, (3) do cuidado, (4) naturalista, (5)
da ética profissional e (6) Bioética social.
As escolhas desses referenciais partiram primeiramente da hipótese de
que alguns desses pudessem estar presentes no ensino da Naturologia no Brasil,
sendo já descritos no projeto inicial desta pesquisa. O enfoque da ética profissional
foi descrito após a necessidade percebida perante a realização da mesma.
Igualmente, outros referenciais, como o da casuística, não apareceram ou foram
insignificantes no ensino da Naturologia no Brasil, e esses foram os fatores que
levaram a não ser dada a devida atenção às explicações e às fundamentações
dessas no corpo desse trabalho.
Vale ressaltar que a Deontologia não é um referencial de análise em
Bioética. No entanto, ainda é grande o número de profissionais que confundem a
ética com os códigos de ética profissional.
A seguir, apresentam-se os seis enfoques centrais que serviram de
referência teórica para esta pesquisa.

2.1.2 O Enfoque Principialista

A teoria principialista é na Bioética um dos referenciais mais difundidos e


dominantes na área, chegando a ser confundida com a própria Bioética (DINIZ e
GUILHEM, 2002). O principialismo volta-se mais à ética biomédica, em especial à
prática clínica, sendo Tom L. Beauchamp e James F. Childress os expoentes desse
enfoque.
Beauchamp e Childress (2002) diferenciam moralidade da moral comum.
A primeira refere-se às normas da conduta humanas tidas como certas ou erradas
dentro de um consenso social, e a segunda compreende apenas as normas que
todas as pessoas moralmente idôneas aceitam, as quais transcendem costumes e
atitudes culturais locais. Os autores apontam que na moral comum é possível
encontrar princípios básicos para a ética biomédica e propõem quatro princípios
como forma de orientar as análises dos problemas éticos: (1) autonomia, (2)

37
beneficência, (3) não-maleficência e (4) justiça, todos importantes de uma mesma
forma. Afirmam que todo princípio deve ser preciso, plausível, completo e
independente. Consideram que os princípios são prima facie, ou seja, devem ser
cumpridos prioritariamente. Ainda assim, os autores reconhecem que os princípios
podem conflitar entre si em determinadas situações, uma vez que entre eles não há
uma hierarquia, tendo então espaço para a mediação. Esses princípios propostos
pelos autores não se constituem em uma teoria moral geral, porém proporcionam
um arcabouço para reconhecer e refletir acerca dos dilemas éticos (BEAUCHAMP e
CHILDRESS, 2002).
A fundamentação do enfoque principialista tomada para o presente
estudo é baseada, especialmente, nos quatro princípios descritos por Beauchamp e
Childress em seu livro Principles of Biomedical Ethics8.
Para começar a discussão dos quatro princípios, inicia-se estudando o do
respeito à autonomia. Autonomia, termo derivado do grego auto (próprio) e nomos
(lei, regra, norma), refere-se à capacidade de o ser humano decidir o que é bom ou
o que é seu bem-estar. Portanto, significa autogoverno, determinação de cada
pessoa em tomar decisões que dizem respeito à sua própria vida.
Entender a autonomia como auto-determinação de um individuo é apenas
uma das formas de leitura possível desse sintagma nominal. Assim, na discussão
Bioética principialista a inclusão do outro na questão da autonomia trouxe nova
perspectiva de entender tal princípio que alia a ação individual com o componente
social. Nesse sentido, é que surge a responsabilidade pelo respeito à pessoa.
Assim, o princípio do respeito à autonomia significa respeitar a vontade particular do
sujeito. Significa, ainda, o respeito à autonomia individual, bem como ao direito à
informação, à privacidade, à confidencialidade das informações e ao consentimento
livre e esclarecido, bem como a recusa informada.
Respeitar a autonomia alheia é valorizar as opiniões e escolhas do outro,
evitando a repressão de suas ações (a menos que essas sejam prejudiciais para
terceiros). Da mesma forma, demonstrar falta de respeito para com um indivíduo
autônomo é negar-lhe a liberdade de agir conforme suas próprias apreciações.

8
Publicado em 1978 nos Estados Unidos; em 2001, já estava na sua 5ª edição. A edição utilizada na
apresentação deste referencial teórico foi traduzida para o português a partir da sua 5ª edição e
publicada pelas Edições Loyola, em 2002, com o título de Princípios de Ética Biomédica.

38
Para os autores, as diferentes noções e descrições de autonomia
concordam em dois pontos específicos. O primeiro diz respeito à liberdade,
percebida como independência de forças controladoras, e o segundo trata da
competência, entendida como a capacidade para a ação a qual se tem um propósito.
Assim, a autonomia não é exclusivamente individualista, pois a sua presença ou
ausência é analisada em função do que condiciona os atos dos atores imbricados no
dilema. A percepção da autonomia está implicada em um contínuo espaço que vai
desde a presença plena da autonomia à sua ausência total.
As decisões para serem autônomas precisam refletir um grau substancial
de compreensão e de liberdade, além do agente estar livre de constrangimento. A
autonomia é ainda individual, porém há a perspectiva relacional, apontada em
especial pelas visões femininas, as quais defendem que todos os sujeitos são
socialmente inseridos e sua identidade é construída no contexto relacional.
Beauchamp e Childress assinalam que a interpretação do que significa
respeito à autonomia compreende o reconhecimento da obrigação moral de
assegurar o direito de escolha, de aceitar ou não, mediante as informações que
esses recebem, por exemplo, dos profissionais de saúde. Assim, tem-se que os
profissionais devem sempre informar e perguntar aos seus pacientes acerca de seus
desígnios e de suas decisões. Dessa forma, respeito à autonomia torna-se
obrigação do profissional da saúde e não apenas um ideal; e a escolha autônoma,
por sua vez, constitui-se em um direito do paciente, não em um dever.
Compreender o outro como ser autônomo implica em aceitar que o outro
possa ter diferentes opiniões, que tem direito de fazer suas escolhas e de agir
conforme seus valores. Além do mais, os profissionais têm o dever de facilitar as
ações autônomas de terceiros, cooperando para a sua realização. Tal noção traz
obrigações aos profissionais, como o de dizer a verdade, de obter o consentimento
antes das intervenções, de respeitar a privacidade, de proteger informações
confidenciais e, caso solicitado, auxiliar as pessoas a tomarem decisões.
Sendo os quatro princípios prima facie, o respeito à autonomia pode, em
determinadas circunstâncias, ser abafado por outra obrigação moral concorrente,
como em casos de escolhas individuais autônomas que ameaçam a saúde coletiva,
causando danos a terceiros. Outro exemplo é quando a pessoa não pode ser
declarada como autônoma para tomar decisões. O respeito à autonomia reside, de

39
forma geral, no reconhecimento das opiniões e desejos do outro e na ação desse
em expressar seu consentimento.
O princípio da beneficência, por sua vez, baseia-se em ações
humanitárias, caracterizadas como dever. Assim, difere-se da benevolência,
considerada um traço do caráter da pessoa; portanto, de uma virtude. Tal princípio
propõe certo ideal moral de ajudar aos outros a promover seus próprios interesses e
resgatar pessoas em perigo.
Esse princípio passa também por uma divisão em outros dois: o da
beneficência positiva e o da utilidade. O primeiro exige que os agentes propiciem
benefícios aos sujeitos assistidos; o segundo, da utilidade, requer dos agentes uma
análise dos benefícios e desvantagens, visando sempre lançar mão do melhor
resultado possível. Ressalta-se, ainda, que a utilidade vista nesse enfoque difere,
segundo os autores, da perspectiva utilitarista.
As normas da beneficência inserem-se no ideal moral e não na
obrigatoriedade. Assim, a fronteira entre a obrigação e o ideal moral pouco nítida no
caso desse princípio. Há ainda o atrelamento das normas da beneficência com o
princípio da utilidade, como, por exemplo, a obrigação de produzir um maior
benefício frente a um dano menor, ou ainda, mesmo que provocando menores
danos para um grupo pequeno. Assim, a beneficência é, dependendo da situação,
uma obrigação satisfatoriamente mais intensa do que a não-maleficência.
No princípio da beneficência destaca-se o dever de: proteger e defender
os direitos de outrem; prevenir de que se aconteça danos ao outro; minimizar e
extinguir condições que possam acarretar prejuízo aos outros; ajudar as pessoas
incapazes; amparar indivíduos em perigo; ser recíproco na medida de dar e receber
(pois os profissionais da saúde têm por obrigação a beneficência para com o
paciente e toda a sociedade).
Um dos problemas centrais do enfoque dos princípios reside na disputa
do respeito à autonomia do paciente e da beneficência que norteia a atuação
profissional. Assim, a não-maleficência e a justiça tornam-se peças chaves para
estabelecer os limites morais frente aos dilemas postos na possível pendência.
O princípio da não-maleficência, por sua vez, obriga o agente a não
causar dano intencional. Esse princípio está intimamente relacionado com a máxima
Hipocrática primum non nocere: em primeiro lugar, não causar danos. Entre os

40
deveres constituintes desse princípio, destacam-se os de: prevenir o dano e o mal
(aquele que é doente); não infringir dano ou mal; evitar ou diminuir o dano ou o mal.
A não-maleficência aponta para obrigações, para normas que assinalam
para o imperativo de não causar mal ou dano, tendo em suas regras a proibição, ao
passo que a beneficência exige por ações que se promova o bem ou prevenindo ou
eliminando o dano.
Beauchamp e Childress exemplificam e especificam o princípio da não-
maleficência em especial nas ações que resultem em morte, pressupondo que se
deve agir de forma a proteger as pessoas contra tipos e graus de danos. Vale
ressaltar que se trata de um princípio em que se faz necessário considerar o
contexto de coexistência das obrigações da beneficência frente ao respeito pela
autonomia alheia, além de ser analisada ainda no contexto da justiça.
O princípio da justiça é algo a ser ponderado. Para Beauchamp e
Childress, existem diferentes teorias de justiça as quais parecem apontar para a
impossibilidade de se construir uma teoria abrangente e unificada da justiça. A
justiça distributiva é um exemplo: abrange a distribuição justa, equitativa,
determinada por regras justificadoras e apropriada no interior da sociedade; no
entanto, em situações de escassez e de competição, há problemas na justiça
distributiva e as escolhas são tomadas como trágicas e acabam por infringir e lesar
alguns outros princípios de justiça.
O princípio da justiça situa-se no respeito à legalidade e à igualdade entre
indivíduos. Termos como equidade, merecimento e prerrogativa (aquilo que alguém
tem direito - tanto os direitos juridicamente estabelecidos quanto os moralmente
exigidos), foram palavras empregadas na tentativa de explicar o que é justiça. Por
haver diferentes concepções desse termo, os autores apontam que se torna
importante aceitar vários princípios de justiça os quais devem ser especificados e
ponderados da forma em que o contexto particular da análise de um determinado
dilema ético aparece. Assim, Beauchamp e Childress destacam que, entre esses
princípios, um é o formal e os outros são materiais.
O princípio formal de justiça é tido como tal porque não estabelece
condições específicas nas quais os iguais devem ser tratados de forma igual e não
fornece critérios para identificar se dois indivíduos são de fato iguais.

41
Entre os princípios materiais da justiça distributiva encontram-se, na visão
dos autores: a cada pessoa uma parte igual; a cada pessoa de acordo com a
necessidade; a cada pessoa de acordo com o esforço; a cada pessoa de acordo
com a contribuição; a cada pessoa de acordo com o mérito; a cada pessoa de
acordo com os intercâmbios do livre mercado. Os autores advertem que tais
princípios são tidos como obrigação prima facie, não devendo, portanto, serem
levados em consideração sem ponderar o contexto em que esses emergem.
As teorias da justiça distributivas mais influentes, na opinião dos autores,
são as pautadas na visão utilitarista, comunitária, igualitária e liberal. Os autores
mencionam que as várias teorias da justiça têm em comum a busca por obter
balanço entre objetivos rivais; cada teoria, surgida em contextos diferentes, pode
funcionar bem em determinadas situações e serem desastrosas em outras.
Para a análise da justiça vislumbrada nos sistemas de saúde, Beauchamp
e Childress defendem a teoria da justiça (da regra justa de oportunidades) de John
Rawls. Assim, defendem que ninguém seja destinado a padecer devido aos fatores
da loteria social ou biológica da vida, requerendo que a cada um sejam
oportunizados benefícios que minimizem os efeitos dessa loteria, promovendo,
assim, a igualdade de oportunidades. Ainda, os autores defendem que em cada
sociedade seja designado e reforçado o direito mínimo de um cuidado descente à
saúde, incorporando paradigmas igualitários e também utilitaristas para defender tal
direito.

2.1.3 O Enfoque das virtudes

A palavra virtude é a tradução do termo grego Arete, o que denota


qualquer manifestação de excelência (ZOBOLI, 2004). No entanto, existem
demasiadas e diferentes concepções de virtude para haver uma unidade real de
conceito ou mesmo da história. Homero, Aristóteles, o Novo Testamento,
pensadores medievais e autores ocidentais mais recentes, tal como Benjamin
Franklin e Jane Austen, oferecem diferentes conceitos e versões de virtudes, os
quais acabam sendo incompatíveis quando comparados entre si (MCINTYRE,
2001).

42
Homero incluía a força física como uma virtude, o que hoje em dia não
seria considerado. Para Homero, o paradigma da excelência humana era o guerreiro
e, diferentemente, para Aristóteles era o cavalheiro Ateniense. Segundo Aristóteles,
algumas virtudes só eram disponíveis para os muito ricos e para os de alta posição
social (MCINTYRE, 2001).
Em Aristóteles, a virtude seria uma disposição de espírito, germinada a
partir da força do hábito. Tal autor defendia a existência de duas espécies de
virtudes: a intelectual e a moral. Ambas não estariam dadas a priori. A primeira,
virtude intelectual, teria no ensino o seu lugar de formação. No tocante à virtude
moral, a aptidão para tal decorreria da prática, da força do hábito, portanto, da ação
social (BOTO, 2001, p.126).
Fé, esperança, amor e humildade são virtudes mencionadas no Novo
testamento. Para Aristóteles, que não as mencionou, a humildade parecia mais
figurar como um vício. Por sua vez, as versões mais atuais das virtudes, as de Jane
Austen apresentadas em seus romances e as que Benjamin Franklin elaborou para
ele próprio, apresentam semelhanças, porém muito mais divergências entre si em
comparação com as virtudes listadas em Homero, Aristóteles e no Novo
Testamento (MCINTYRE, 2001).
Na versão de Jane Austen, destacam-se duas virtudes: constância e
amabilidade. Essa última era defendida pela autora como algo possível e
necessário; o possuidor de virtudes deveria sentir afeição real pelas pessoas. Por
sua vez, na lista de Benjamin Franklin, apareciam inúmeras virtudes, tais como a
limpeza, o silêncio e a diligência, concepções novas na análise histórica
(MCINTYRE, 2001).
Nos poemas homéricos, virtude é uma qualidade cuja manifestação
possibilita o indivíduo exercer o que requer o papel social, já bem-definido na
sociedade. Na teoria aristotélica, as virtudes não se vinculam aos homens que
exercem papel social, mas sim ao homem como tal, ainda que algumas virtudes não
estivessem disponíveis a todos. A explicação das virtudes no Novo Testamento,
mesmo divergindo da concepção aristotélica, “[...] é tal como para Aristóteles, uma

43
qualidade cujo exercício leva a conquista do telos9 humano” (MCINTYRE, 2001, p.
311).
Têm-se assim, para o autor, pelo menos, três conceitos diferentes de
virtudes:
virtude é a qualidade que capacita o indivíduo para seu papel social
(Homero); virtude é a qualidade que capacita o indivíduo a dirigir-se à
conquista do telos especificamente humano, seja esse natural ou
sobrenatural (Aristóteles, Novo Testamento e Tomás de Aquino); virtude é
a qualidade que tem utilidade para se alcançar o êxito secular e celestial
(Franklin)” (MCINTYRE, 2001 p. 312).

Em Bioética, o enfoque das virtudes dá ênfase às atitudes éticas das


ações, enfocando no caráter do sujeito. Possui um pano de fundo pragmatista e
utilitarista, tal como é acentuado pelo papel da religião (ANJOS, 2001). Virtude é o
conjunto de qualidades essenciais que constituem uma pessoa de bem. São traços
do caráter do indivíduo valorizados socialmente. Dessa forma, o enfoque das
Virtudes dirige-se primariamente aos agentes e não aos atos em si, focando nos
hábitos e atitudes do caráter, uma vez que a virtude é uma qualidade moral
particular de cada um (ZOBOLI, 2004; ZOBOLI, 2003a).
Na perspectiva Bioética brasileira, a Bioética e Teologia da Libertação,
representada principalmente pelo teólogo Márcio Fabri dos Anjos, é apontada por
Siqueira, Porto e Fortes (2007), como escola de enfoque nas virtudes. Essa escola
tem como base a teologia da libertação (católica) como protagonista essencial para
o diálogo bioético. Ressalta-se que essa foi, na Bioética brasileira, “[...] a primeira
escola a reconhecer claramente a vulnerabilidade na dimensão social relacionando-
a à pobreza e à exclusão [...]” (SIQUEIRA, PORTO e FORTES 2007, p. 173). Por se
pautar por um enfoque que retrata a realidade social brasileira e por reconhecer as
dimensões sócio-econômicas como produtora de doenças, tal escola está incluída
neste trabalho como referencial componente da Bioética social e será apresentada à
frente.
A importância da ética das virtudes é resgatada na obra de Alasdair
MacIntyre, publicada originalmente sob o título After Virtue, em 1981. É, então, a
segunda revisão dessa obra, datada de 1984, traduzida para o português como
Depois da Virtude e publicada em 2001 pela EDUSC, o livro base para a
elaboração do referencial da virtudes, adotada para o presente estudo.

9
Telos seria a finalidade última a ser consquistada através dos atos. Parte da noção que as coisas e
os atos servem a um propósito.

44
A explicação das virtudes por MacIntyre se dá mediante três estágios: o
primeiro estágio diz respeito às virtudes como qualidades necessárias para realizar
os bens internos àquilo que o autor convencionou chamar de práticas; o segundo, se
caracteriza pela unidade narrativa como portadora de qualidades cooperadoras para
o bem de toda uma vida, e o terceiro estágio diz respeito ao que o autor constitui
como contínua tradição social, a qual a perseguição de um bem para os seres
humanos só pode ser dada mediante uma tradição. Assim, torna-se fundamental
revisitar os conceitos apresentados pelo autor de “prática”, e também a concepção
de “unidade narrativa da vida” e de “telos da vida humana” para poder então ser
compreendida a natureza das virtudes.
O significado dado à “prática” por MacIntyre (2001, p. 316) é o de:
[...] qualquer forma coerente e complexa de atividade humana cooperativa,
socialmente estabelecida, por meio do qual os bens internos a essa forma
de atividade são realizadas durante a tentativa de alcançar os padrões de
excelência apropriados para tal atividade, e parcialmente dela definidores,
tendo como consequência a ampliação sistemática dos poderes humanos
para alcançar tal excelência, e dos conceitos humanos dos fins e dos bens
envolvidos.

Assim, o autor exemplifica que o serviço de pedreiro, como sendo apenas


empilhar tijolos, não se constituiria em uma prática, no entanto, a arquitetura sim.
Plantar nabos não é prática, porém, a agricultura é.
Para MacIntyre, mais importante que a discussão acerca da prática é a
explicação dos termos-chave que vêm embutidos nela: a conquista dos bens
externos e dos bens internos às práticas. Para exemplificar tal afirmação, o autor cita
como exemplo, o de uma criança envolvida no jogo de xadrez, como resumidamente
apresentado:
Há uma criança de 7 anos de idade a quem se quer ensinar xadrez, por
ser extremamente inteligente. A criança não apresenta vontade de aprender o jogo,
porém deseja obter doces, tendo pouca chance de consegui-los. Esse alguém que
quer lhe ensinar o jogo oferece a ela guloseimas para que jogue com ele uma vez
por semana e, em caso de vitória, a mesma ganhará uma porção extra de doces. A
pessoa informa que jogará de maneira a dificultar, porém não de impossibilitar o
jogo. Assim, a criança joga motivada para ganhar. Contudo, é o fato de ganhar
doces que motiva a criança a jogar; então, não há razões para ela não trapacear, e
pelo contrário, não faltam motivos para tal. Mas, como adverte o autor, é possível a
que a criança chegue a um momento em que nos bens específicos do xadrez, na

45
realização de certo tipo de habilidade analítica, imaginação estratégica e intensidade
competitiva, um novo conjunto de razões se configure e, agora, não jogue para
vencer em qualquer ocasião, mas para tentar destacar-se de todos os modos
exigidos pelo xadrez. Nesse novo conjunto de razões, caso a criança trapacear, não
estaria enganando mais a quem está lhe ensinando o jogo, mas a si mesma.
O autor mostra, através desse exemplo, que existem dois tipos de bens
que é possível conquistar em uma prática; nesse caso exemplificado pelo jogo de
xadrez: os externos e os internos. Os bens externos e contingenciais ao jogo e às
outras práticas ocasionais derivam das circunstâncias sociais e podem ser
vinculados ao prestígio, status e dinheiro. Nota-se que, para a consecução desses
tributos, existem meios alternativos para alcançá-los, não dependendo
exclusivamente do engajamento em algum tipo particular de prática. Por outro lado,
há os bens internos às práticas, como no xadrez, os quais não podem ser obtidos de
outro jeito que não jogando xadrez. São chamados bens internos por dois motivos:
porque só é possível especificá-los através de exemplos de práticas e, em segundo,
porque só podem ser identificados e reconhecidos pela experiência de participar da
prática em questão. Aqueles a quem falta a devida experiência são incompetentes
como juízes dos bens internos.
Os bens internos e externos a uma prática parecem distinguir-se de
maneira importante. Enquanto os bens externos obedecem a alguma espécie de
propriedade individual que denotam que quanto mais alguém os possui, menos
sobra para outras pessoas, tal como a fama, pois haverá sempre que existir
derrotados e ganhadores; os bens internos decorrem de competição diferente, em
que a pessoa compete consigo mesma, para exceder-se no rumo à excelência,
tornando a sua realização um bem para toda a comunidade participante de uma
mesma prática.
Assim, partindo de tais considerações, MacIntyre apresenta uma primeira
e parcial definição de virtude como sendo, “[...] uma qualidade humana adquirida,
cuja posse e exercício costuma nos capacitar a alcançar aqueles bens internos às
práticas e cuja ausência nos impede, para todos os efeitos, de alcançar tais bens”
(2001, p. 321).
Esse conhecimento aponta o lugar das virtudes na vida humana. O autor
mostra que existe uma série de virtudes fundamentais e que, sem elas, os bens
internos às práticas são impossíveis de serem conseguidos. Assim, inerente ao

46
conceito de prática apresentado por MacIntyre, é preciso aceitar como componentes
necessários de qualquer prática, como bens e padrões internos de excelência, as
virtudes da justiça, da coragem e da honestidade (sinceridade), pois se não aceitá-
las, estar-se-ia disposto a trapacear, tal como a criança do exemplo nos primeiros
dias de jogo. É também inerente ao conceito de prática descrito, o fato de seus
bens, sejam internos ou externos, só se podem ser realizados mediante a própria
dependência do relacionamento com outros participantes da prática, o que requer a
virtude da honestidade.
Para MacIntyre, a justiça exige que se tratem os outros com relação ao
mérito ou demérito desses, de maneira uniforme e impessoal; afastar-se dos
padrões de justiça em algumas situações denota relacionamento especial ou distinto
entre as pessoas.
A coragem, por sua vez, apresenta-se de maneira diferente. O autor
acredita que se trata de uma virtude porque o cuidado e a preocupação com os
indivíduos, comunidades e causas, tão decisivos em muitas práticas, requerem a
existência de tal virtude. Caso alguém diga que cuida de uma pessoa, comunidade
ou causa, mas não está disposto a correr riscos por essas, põe em questão a
sinceridade de seu cuidado ou interesse. “Coragem, a capacidade de correr riscos,
tem seu papel na vida humana, devido essa ligação com o cuidado e o interesse”
(MCINTYRE, 2001, p. 323). O autor deixa claro que não significa que não se possa
legitimamente cuidar e ao mesmo tempo ser covarde; no entanto, esclarece que
alguém disposto a cuidar e não ter a capacidade de se arriscar tem de se definir,
para si e para os outros, como um covarde.
MacIntyre aponta que a sinceridade, a justiça e a coragem, são
excelências genuínas, são virtudes imprescindíveis para caracterizar qualquer
pessoa, seja qual for a perspectiva moral ou o código específico de uma
determinada sociedade.
O autor aponta que a diversidade de códigos morais não
necessariamente impede o nascer das práticas, porém a não valorização das
virtudes na sociedade impediria. Para MacIntyre, ingressar em uma prática é
ingressar numa relação não só com os praticantes, mas também, de certa forma,
com as instituições. A relação de práticas e instituições, segundo o autor, é muito

47
íntima. Nenhuma prática seria capaz de sobreviver sem o apoio de uma instituição.
No entanto, faz-se necessário não confundir práticas com instituições: o xadrez, a
física, a medicina, são práticas; os clubes de xadrez, os laboratórios, as
universidades, os hospitais, são instituições. As instituições ocupam-se de
características de que MacIntyre chama de bens externos.
Para MacIntyre (2001), sem a justiça, coragem e honestidade, as práticas
não resistiriam ao poder de corromper das instituições. Tal fato aponta para a
necessidade do lugar específico das virtudes na sociedade:
O exercício das virtudes é, em si, capaz de exigir uma postura muito bem-
definida com relação a questões sociais e políticas; e é sempre dentro de
determinada comunidade, com suas próprias formas institucionais
específicas, que aprendemos ou deixamos de aprender a exercitar as
virtudes. (MACINTYRE, 2001, p. 327).

No entanto, o autor aponta que a sociedade como é organizada na


atualidade, baseada na perspectiva liberalista e individualista, dificulta o exercícios
das virtudes como tais, ao afirmar que “[...] o poder da perspectiva liberal
individualista provém, em parte, do fato evidente de que o Estado Moderno é, de
fato, totalmente incapaz de funcionar como educador moral de qualquer
comunidade.” (MACINTYRE, 2001, p. 328)
Onde quer que as virtudes sejam exigidas, como necessárias para se
alcançar bens internos, pode-se também transformarem-se em vícios, pois já que os
bens internos poderiam tornar-se empecilho para realizar os bens externos, tais
como a fama, o prestígio e o dinheiro.
MacIntyre admite que possa haver práticas portadoras de domínios
“malignos”. O autor enfatiza que a coragem, às vezes, pode sustentar a injustiça, e
que a lealdade pode fortalecer a agressão de um assassino. Assim, a definição das
virtudes é dada não em termos de práticas boas e certas, mas no âmbito da vida
humana, que vai além da compreensão das virtudes que é viabilizada pelas práticas.
Dessa forma, o lugar das virtudes na vida humana torna-se empreendimento para
toda uma existência humana, manifestado nas diferentes circunstâncias da vida.
Para MacIntyre (2001), a concepção de outras virtudes continua a ser
indiferente e imperfeita enquanto não exista uma concepção abrangente de telos da
vida humana inteira. Se não houver um telos que transcenda os bens limitados das
práticas, constituindo um bem da vida humana como um todo, ou seja, concebida

48
como uma unidade narrativa da vida, fará com que seja impossível especificar
adequadamente o contexto de certas virtudes.
As virtudes portanto, devem ser compreendidas como as disposições que,
além de nos sustentar e capacitar para alcançar bens internos às práticas,
também nos sustentam no devido tipo de busca pelo bem, capacitando-nos
a superar os males, os riscos, as tentações e as tensões com que nos
deparamos, e que nos fornecerão um autoconhecimento cada vez maior,
bem como o conhecimento do bem cada vez maior. (MACINTYRE, 2001 p.
368).

A vida virtuosa de um homem é passada, portanto, na busca do bem, na


procura de uma vida boa. Tais virtudes encontram no sentido da finalidade não só
no sustento dos bens internos às práticas, e não só no sustento de dar forma de
uma vida individual, como também no sustento das tradições que proporcionam às
práticas e às vidas o seu necessário contexto histórico, uma vez que a posse de
uma identidade histórica coincide com a posse de uma identidade social.
O que MacIntyre (2001) procura mostrar é que, dentro da cultura
burocrática e individualista, a concepção das virtudes se torna periférica, e a tradição
das virtudes se torna principal somente na vida dos grupos sociais que permanecem
à margem do individualismo liberal, pois nessa percepção surgem novas
concepções de virtudes e o próprio conceito de virtude é desvirtuado.

2.1.4 O Enfoque do Cuidado

O cuidado é derivado do latim cura, classicamente conhecido num


contexto de relações de amor e amizade, sendo a atitude de cuidado a expressão de
desvelo, preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de
estimação. Há ainda concepções que apontam ser o sintagma nominal “cuidado”
derivado de cogitare-cogitatus, obtendo o mesmo sentido de cura: cogitar, pensar,
colocar atenção, mostrar interesse (BOFF, 2004 p.91).
Nesse sentido, o cuidado é inerente ao ser humano, por sempre existir
relações de coexistência. “O cuidado humano, cumpre destacar, a despeito de
algumas crenças equivocadas, não pode ser prescrito, não segue receitas. O
cuidado humano é sentido, vivido, exercitado”. (WALDOW, 2001, p. 55).
Na Bioética, o modelo do cuidado é uma abordagem de cunho feminino.
Esse enfoque tende contrapor o valor do cuidado, expressão de caráter feminino, ao

49
da justiça, expressão acentuadamente masculina (NEVES, 1996). Questiona as
concepções éticas vigentes “(...) com vistas a valorizar não apenas os atos, as
motivações e o caráter dos envolvidos, mas se as relações positivas são ou não
favorecidas” (ZOBOLI, 2003a, p. 88). O enfoque do cuidado é personalizado, o que
realça a importância desse referencial teórico para a superação da perspectiva
exclusivamente técnica (NEVES, 2006). Valores como o reconhecimento da
importância do vínculo mútuo e fortalecimento dessas relações de vínculo, da
felicidade de todos, da busca da solução não violenta dos conflitos por meio da
comunicação são elementos que compõem esse modelo (ZOBOLI, 2003a).
A visão da ética da responsabilidade (ética do cuidado), apontada
especialmente por Carol Gilligan, opõe-se de forma teórica às posturas
estabelecidas por Platão e Kant, uma vez que esses últimos apontavam que
inclinações, emoções, sentimentos e paixões eram obstáculos para o julgamento
moral, pois tais ações (o amor, a solidariedade, a paixão), segundo os filósofos, não
eram “moralmente boas”, mesmo que pudessem ser consideradas boas (SEGRE,
2002).
Para explorar tal referencial, tem-se utilizado com frequência nos estudos
bioéticos, embora se conheça outras perspectivas do cuidado, os estudos da
psicologia evolutiva, apresentada por Carol Gilligan, publicada originalmente sob o
título In a different voice Psycological theory and woman´s development, em
1982 (NEVES, 1996; DINIZ e GUILHEM, 2002; ZOBOLI, 2003a). É, então, a
tradução dessa obra para o português traduzida como Teoria Psicológica e
Desenvolvimento da Mulher e publicada em 1997 pela Fundação Calouste
Gulbenkian, que se dará o domínio da ética dos cuidados adotado neste estudo.
Carol Gilligan escreve seu livro na década de 70, em uma época a qual
ela mesma assinala como marcada pelo surgimento do movimento das mulheres e
também por um fato relevante na sociedade americana na época: a decisão da
Suprema Corte de tornar o aborto legalmente possível no país. A autora inicia suas
pesquisas e, ao longo dos dez que precederam a publicação do seu livro, começou
a perceber que havia duas formas distintas de falas sobre problemas morais, duas
maneiras de descrever as relações entre o “eu” e o”outro”.
Gilligan passa então a pesquisar a disparidade existente nas percepções
morais entre os homens e as mulheres e inicia seu empreendimento questionando

50
os valores impostos na literatura psicológica, as quais apontam que o
desenvolvimento psicológico, também moral, feminino é comparado ao masculino,
resultando em uma avaliação incompleta, que considera o desenvolvimento
psicológico das mulheres como sendo problemático. Essa forma de conceber é
característica do viés masculino: segundo a autora, os teóricos da psicologia estão
acostumados a entender a vida apenas através dos olhos dos homens, implicando
essa visão como norma, tendo a mulher a necessidade de moldar-se à tal norma,
sob penalidade de ser tida como desviante, assim se calando as vozes femininas.
É aí que Gilligan aponta para a necessidade de se perceber a diferença
do desenvolvimento psicológico de mulheres e homens e de ouvir a diferente voz, a
voz feminina que clama por novas formas de encarar a vida e perceber as situações
morais, que clama pelo cuidado, pelas relações. Quanto à voz, a autora assinala que
depende da escuta, constituindo-se em um ato relacional, de trocas mútuas entre
pessoas portadoras de pontos de vistas diferentes, de culturas, de diversidade e
pluralidade. Ouvir a voz do outro é, portanto, chave para a compreensão de outra
ordem social, cultural e psicológica.
No que tange às diferenças das vozes masculinas e femininas, a autora
aponta que a primeira tende a inclinar-se para abraçar a ética dos direitos legalistas,
de forma imparcial, enquanto a segunda aponta para um rumo das relações, das
responsabilidades e das necessidades de cuidados. A voz feminina é a voz do
“coração” e a voz masculina zela pelo direito, o dever e a justiça.
Gilligan aponta que as relações e situações de dependências são
sentidas de forma diferentes quando comparados os homens às mulheres: enquanto
homens tendem a ter dificuldades nos relacionamentos, as mulheres apresentam
mais dificuldades nos problemas relacionados à individualização. A autora assinala
que se faz importante reconhecer as diferenças entre ambos os sexos, entre as
diferentes vozes, enquanto marcas da própria condição humana e não enquanto
problema a ser solucionado. Denuncia, ainda, que é comum na sociedade atual,
preocupada com a normalidade, as diferentes vozes serem encaradas como
desviantes.
Partindo das entrevistas que impulsionaram a pesquisa de Gilligan sobre
o desenvolvimento psicológico da mulher e sua interface com a moralidade, a autora
mostra que a voz feminina surge convencionalmente como valorada pela

51
capacidade de cuidar e proteger os outros. Os julgamentos morais apresentam-se,
mesmo que não nitidamente, na preocupação com os sentimentos dos outros.
“Nesse ponto do desenvolvimento moral, o conflito nasce, especificamente, quanto
ao problema de fazer sofrer” (GILLIGAN, 1997, p. 129). Somente quando não há
possibilidades de decisões que satisfaçam os interesses de todos é que a voz
feminina, então, busca, em forma de sacrifício, a tarefa aparentemente impossível
de escolher a vítima.
O relacionamento requer vinculações e é dependente das capacidades de
ouvir o outro, de estabelecer empatia, com vistas a aprender a linguagem do outro,
requerendo uma maneira de solucionar dilemas de forma a pensar no contextual e
narrativo no lugar do formal e abstrato. Para Gilligan, as relações de cuidado fazem
o mundo social mais seguro. Essa perspectiva aponta que o ideal de interesse pelos
outros é uma atividade relacional, de sentir e de responder às necessidades dos
outros, tomando conta das situações, de forma a sustentar a teia de conexões para
que ninguém fique abandonado. Ao traçar uma ética dos cuidados que busque
solucionar a dicotomia existente na sociedade, o foco da objetividade e
distanciamento cede espaço para a perspectiva das relações e suas necessidades
de responsabilidade e cuidado. A ética do cuidado (da responsabilidade) apoia-se no
conceito de equidade, o qual reconhece as diferenças de necessidades, que dá
origem à compaixão e ao altruísmo.
Nas tomadas de decisões, as mulheres tendem a separar a voz de seu eu
das vozes dos outros e pergunta a si mesma se é possível ser responsável perante
si e perante os outros e reconciliar, assim, as disparidades entre magoar alguém e
preocupar-se com ele. “O exercício de uma tal responsabilidade exige uma nova
espécie de julgamento moral cujo o primeiro requisito é a honestidade” (GILLIGAN,
1997, p. 133). Para ser responsável por si próprio, faz-se necessário, portanto,
saber o que se está fazendo. O critério para o julgamento passa, então, da bondade
para a verdade. A verdade, por sua vez, admitida na perspectiva feminina do
conceito de desenvolvimento moral, é reconhecer, para ambos os sexos, a
importância que têm ao longo da vida as relações e a necessidade de compaixão e
carinho, nos qual refletem a questão central desse enfoque: a interdependência do
eu e do outro.

52
A consciência da dinâmica das relações humanas é fundamental para
compreensão moral da perspectiva do cuidado, “[...] ligando o coração e os olhos em
uma ética que une a atividade do pensamento à atividade de preocupação com os
outros” (GILLIGAN, 1997, p. 233). Gilligan considera que, em tal perspectiva
feminina, é considerado como moral a preocupação não só com os outros como
também consigo próprio: ter capacidade de cuidar do outro, faz-se importante ser
capaz de cuidar responsavelmente de si próprio.
Gilligan apresenta três perspectivas interrelacionadas, reveladas em seus
estudos, as quais apontam uma sequência no desenvolvimento da ética da
preocupação com os outros - ética dos cuidados -, com complexidade crescente no
entendimento do relacionamento entre o eu e o outro. Na sequência, a incidência
inicial da preocupação com o eu tem como foco assegurar a sobrevivência,
seguindo-se uma fase de transição na qual tal julgamento é criticado como sendo
egoísta. Dessa forma, o criticismo assinala nova compreensão da conexão do eu
com o outro, articulada pelo conceito de responsabilidade. A terceira perspectiva
põe ênfase na dinâmica das relações, desfazendo a tensão entre egoísmo e
responsabilidade através de nova compreensão da interconexão do eu e do outro,
que cresce em uma dinâmica da interação social. “Esta ética, que reflete um
conhecimento acumulado das relações humanas, desenvolveu-se à volta de uma
compreensão central de que o eu e o outro são interdependentes” (GILLIGAN, 1997,
p. 121).

2.1.5 O Enfoque Naturalista

O referencial naturalista recorre ao recurso da lei natural, a começar pela


própria vida, a qual se constitui de dignidade (ANJOS, 2001). No grupo de enfoques
naturalistas, as perspectivas religiosas estão inseridas (PEGORARO, 1998; ANJOS,
2001).
Para Pegoraro (1998, p. 62):

O modelo naturalista sustenta que a natureza é intrinsecamente dotada de


um ritmo próprio pelo qual se auto-regula. Isto é, a natureza obedece a leis
internas pelas quais alcança seus fins próprios. Por outro lado, o homem
não é senhor absoluto da natureza, mas seu simples administrador e
admirador, tornando-se responsável pela ameaça do meio-ambiente atual e

53
futuro. Portanto, contrariamente ao utilitarismo, o modelo naturalista
sustenta que os cientistas não podem produzir tudo o que lhes seja
possível; não podem alterar o processo natural.

Siqueira, Porto e Fortes (2007) apontam a perspectiva brasileira


conhecida como “Bioética Ambiental”, a qual tem como representante maior o José
Roque Junges, cuja linha argumentativa volta-se para a proteção do ambiente,
partindo de uma análise crítica do paradigma sociocultural da modernidade. Esse
processo promoveu enfraquecimento dos laços comunitários, privilegiando o poder
de decisão do indivíduo como “eu-isolado”, acentuando o dualismo entre homem e a
natureza (SIQUEIRA, PORTO e FORTES, 2007). Junges (2006) aponta que os
problemas ecológicos não dependem de simples solução técnica, mas reclamam de
posições éticas e assinala que a perspectiva ecológica abre caminhos para
relacionar a saúde ao meio ambiente.
Para além das questões ecológicas há ainda outras questões o enfoque
naturalista se ocupa. Conhecida também como modelo do direito natural, esse
referencial é apresentado especialmente por John Mitchell Finnis em 1980 sob título
Natural law and natural rights. A tradução dessa obra para o português, datada de
2007, sob título Lei Natural e Direitos Naturais, pela Editora Unisinos, torna-se o
livro base para a elaboração do referencial Naturalista, tomada para o presente
estudo.
Finnis (2007, p. 67) assinala que seu livro trata apenas do direito natural,
alertando que tais escritos não foram elaborados através da necessidade de se
reportar à questão da natureza, existência ou da vontade de Deus. Na obra, o autor
estabelece a existência de alguns bens fundamentais em si mesmo, e não meios,
como o conhecimento, a vida estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a
religiosidade, a amizade. Esses dizem respeito aos fundamentos avaliadores de
todos os juízes morais, ou seja, “[...] dizem respeito aos atos de entendimento
prático nos quais apreendemos os valores básicos da existência humana e, assim,
também, os princípios básicos de todo raciocínio prático”.
Finnis ilustra que valores básicos participam de qualquer das
considerações das boas razões para a conduta humana, tendo o sentido de que tais
valores tornam-se óbvios e, segundo o autor, até mesmo inquestionáveis. Para isso,
inicia discutindo um dos valores básicos: o conhecimento.

54
O conhecimento difere de crença, pois existem crenças verdadeiras e
crenças falsas. O conhecimento, por sua vez, é o conhecimento da verdade, é uma
forma de atividade humana de tentar descobrir, de entender e julgar as coisas
corretamente. Finnis (2007, p.69) apresenta a diferenciação da palavra “bom” em
duas formas distintas. Na primeira explicação, refere-se a um objeto particular que a
pessoa considera como desejável; “bom”, na segunda descrição, é tida como “[...]
uma forma geral de bem da qual se pode participar ou a qual se pode realizar
infinitas maneiras em número indefinido de ocasiões”. O autor reserva a palavra
“valor”, para os propósitos do livro, como sendo a segunda descrição de “bom”.
As afirmações: “o conhecimento é algo que é bom ter”; “é bom ser bem
informado e lúcido”; “a confusão e a ignorância devem ser evitadas”, são
formulações do princípio básico do conhecimento. O conhecimento é evidente por si
mesmo e torna-se bom tê-lo. Isso não significa que todos reconhecem o valor do
conhecimento, ou que não há pré-condições para o reconhecimento desse valor.
Assim, o princípio de que o conhecimento, ou seja, a verdade, é digna de ser
buscada, não é de forma alguma inato. O conhecimento deve ser buscado e vai
além dos desejos e das inclinações.
Para Finnis (2007, p.79), o ceticismo acerca do conhecimento como valor
básico é indefensável. “Assim, os argumentos gerais costumeiros dos céticos na
ética não dão respaldo à negação, por parte dos céticos, da objetividade do valor do
conhecimento”. O conhecimento torna-se, portanto, uma forma intrínseca e básica
do bem e deve ser buscado.
Finnis aponta, ainda, a existência de outros valores básicos os quais são
universais. Um desses valores é a vida. Para o autor, todas as sociedades
demonstram uma preocupação com o valor da vida humana e encaram a procriação
da vida como algo a ser buscado. O termo vida significa cada aspecto da vitalidade,
o que inclui a saúde corporal e a necessidade de se estar livre da dor. A propagação
pela vida através da procriação é inclusa nessa categoria.
O terceiro valor básico incluído no aspecto do bem-estar humano é o
jogo. O jogo torna-se valor básico e irredutível elemento da cultura humana. O
desempenho nesta atividade pode ser voluntária ou social, intelectual ou física,
altamente complexa e estruturada ou relativamente informal; qualquer atividade
humana pode contar um aspecto de jogo. Algumas instituições, empreendimentos e
atividades são inteiramente ou primeiramente puro jogo.

55
A experiência estética é o quarto valor básico. Muitas formas de jogos,
como a dança, a música, são a matriz ou a ocasião da experiência estética. Além
disso, a forma bela pode ser encontrada e desfrutada na natureza. Diferente do jogo,
a experiência estética não precisa envolver a ação humana; o que é buscado e
valorizado por si próprio pode ser a forma bela “exterior” à pessoa, e a experiência
“interior” da apreciação de sua beleza.
A sociabilidade (amizade) é outro valor. Tem uma forma fraca que é
realizada pelo mínimo de paz e harmonia entre os homens e vai ao encontro da sua
forma mais forte, quando há o florescimento da amizade plena. A amizade parte da
colaboração entre duas pessoas e envolve o agir no interesse dos propósitos do
amigo, do bem-estar do amigo.
A razoabilidade prática é apresentada pelo autor como sendo o sexto
valor básico. Trata-se de utilizar a inteligência com eficiência no raciocínio prático
que resulta em ações, tal como nos problemas relativos às escolhas das ações, ao
estilo de vida e de dar forma ao caráter. Por esse enunciado, pode-se haver
implicações negativas, tal que a pessoa tem certo grau de liberdade efetiva, como
positiva, pois implicaria que ela tenta impor uma ordem inteligível e razoável a suas
ações, hábitos e práticas. Essa ordem, por sua vez, apresenta um aspecto interno e
outro externo: no primeiro caso é como quando uma pessoa tenta fazer com que
suas emoções e disposições tenham harmonia de uma paz de espírito interna a qual
é livre de produtos de drogas ou doutrinações, não tendo meramente uma
orientação passiva; no aspecto externo, é quando o indivíduo tenta tornar suas
ações genuínas relações de sua própria avaliação, preferências e autodeterminação
livremente ordenadas. É, portanto, um valor complexo que envolve a liberdade e a
razão, integridade e autenticidade.
Em sétimo lugar, e não menos importante na lista de valores básicos, há
o que se chama de “religião”. O autor aponta que a lista de valores descritos, como a
vida, o conhecimento, o jogo, a experiência estética, colocadas em uma ordem
impostas às relações humanas, por meio da colaboração da amizade, da
comunidade. A ordem imposta pela integridade interna e autenticidade externa,
finalmente, abre dúvidas para saber, por exemplo, se todos esses valores que se

56
iniciam com a vida humana se extinguem com a morte. A religião é, dessa forma, a
responsável por dar respostas às dúvidas e está presente, de alguma forma, em
todas diferentes culturas e sociedades. A religião é, portanto, experiência
transcendente que encontra espaço em todas as culturas humanas.
Finnis aponta que há inúmeros objetivos e formas de bens (valores
básicos) para além dos descritos, pois são inúmeros os aspectos da
autodeterminação e da autorrealização humana além dos listados. Existem ainda
outros aspectos, tais como a coragem, a generosidade, a moderação, a gentileza,
entre outros, que não são em si valores básicos, mas modos (não meios) de buscar
os valores básicos que habilitam uma pessoa a buscá-los. No entanto, o autor
mostra que os sete valores descritos, todos igualmente fundamentais, parecem ser a
totalidade para a compreensão dos propósitos básicos da ação humana.
O foco que Finnis aponta como lei Natural e Direitos Naturais é atentar ao
fato de que as coisas existem ou acontecem por uma lei natural e que permite aos
homens direitos naturais, os quais pertencem a uma espécie de valores universais e
junto às quais as ações humanas se organizam e se corporificam. Os setes valores
básicos apontados pelo autor são bons (e bens) para todas as pessoas e cada um
desses “bens” são considerados um “bem comum”. O bem comum é definido por
Finnis como uma junção de qualidades capacitadoras dos integrantes de uma
comunidade que cooperaram reciprocamente em sociedade. Assim, a amizade é
uma forma de comunidade, pois na verdadeira amizade se age em função do bem
do amigo e não do seu próprio interesse pessoal.
O cerne das discussões de Finnis, tal como o é nas obras de Tomás de
Aquino, está fundado na razoabilidade prática, do que é o bem e de que todas as
coisas desejam. Trata-se da exigência do dever dos indivíduos de ocasionarem o
bem no mundo, para si e para o próximo, mediante ações que sejam eficientes para
alcançar os próprios propósitos, desde que esses sejam razoáveis. Não é razoável,
segundo essa concepção, que uma pessoa acredite que não há sentido na vida, em
razão de um fracasso. Assim, o suicídio é contrário à razão prática, é injusto, uma
vez que a pessoa que assim age desconsidera seus amigos, seu grupo, tornando-se
culpável de injustiça contra sua comunidade.

57
2.1.6 O Enfoque da Ética Profissional

A ética clássica defende a existência de um código único e universal de


normas que deveriam ser cumpridos pelos indivíduos sem discussão. Na religião, tal
código converte-se nas obrigações, como nos dez mandamentos do Antigo
Testamento e nos direitos canônicos. Na sociedade civil, aplicam-se regras e
direitos aos cidadãos e também às profissões, confundindo até mesmo o
desempenho profissional com as normas jurídicas ou éticas. No campo profissional,
os códigos de ética são conhecidos como códigos deontológicos (ZOBOLI, 2003a).
“Deontos, derivado do grego – significa dever – juntamente com logus –
estudo – forma o termo deontologia. É portanto, a deontologia um estudo dos
deveres [...]”(SEGRE, 2002, p. 31). Trata-se do “[...] estudo do conjunto de normas
morais consubstanciadas no Código de Ética Profissional, o qual deve ser seguido
pelos diferentes membros de uma determinada categoria profissional” (STRONG,
2007, p. 26).
Assim, tem-se a deontologia como a codificação dos deveres
profissionais. Por se tratar de noção de deveres, há também os direitos profissionais,
que se ocupa a Diciologia. Essa palavra, por sua vez, derivada do grego– dikeos-
significa direito, tratando-se, portanto, da moral dos direitos profissionais (SEGRE,
2002).
As profissões constituem-se historicamente de elementos constitutivos
especialmente dos deveres profissionais. Para Zoboli (2003a, p. 14)

[...] a deontologia indica o conjunto de deveres inerentes ao exercício de


uma profissão, isto é, conforma o conjunto codificado das obrigações
impostas aos profissionais no exercício de sua profissão. Define como
alguém deve se comportar na qualidade de membro de um corpo sócio-
profissional determinado, apontando os comportamentos oportunos ou os
que devem ser evitados a fim de que a imagem social da profissão seja
favorecida ou, ao menos, não se veja ofuscada ou prejudicada.

Pode-se afirmar que a regulamentação da profissão garante o exercício


técnico legal da profissão, e o Código de Ética, por sua vez, adverte como devem se
comportar os componentes dessa determinada categoria profissional (STRONG,
2007). Vale ressaltar que a simples criação de códigos de ética profissional não
torna as instituições e as profissões éticas, pois tais códigos apontam os valores de
uma determinada sociedade impõe para que os indivíduos possam interagir e

58
trabalhar (COHEN e SEGRE, 2002). Segre (2002) adverte que deontologia e
diciologia são divisões carregadas de cunho moralista, codificadas de forma tal que
os profissionais tenham pouco a ver com a ética; ou seja, com o espaço das
reflexões que resulta no desenvolvimento da personalidade ética. Assim, direitos e
obrigações não são sentidos como tal, já que os próprios termos, direitos,
obrigações são de cunho moralista, que ajustam, de forma externa, o sujeito às
necessidades de convívio, impedindo que esse perceba tais necessidades
autonomamente.
Desta forma, a deontologia “[...] corresponde a uma certa diluição da
noção de valor ético: isso em nada diminui sua importância, apenas destaca o seu
perfil e a coerência entre seus objetivos e o contexto histórico de falência do
universalismo ético” (SILVA; SEGRE; SELLI, 2007, p. 60).
A deontologia aparece na sociedade atual como opção natural, uma vez
que a vinculação de regras de condutas éticas se dá em termos aparentemente
objetivos, e essa direção está ligada à modernidade e de alguma forma na
contemporaneidade especialmente por dois motivos. O primeiro, deve-se à
objetividade derivada do positivismo reinante nas ciências, logo nas profissões. Em
segundo lugar, pelo fato da especialização, com tendência a setorizar pesquisas e
procedimentos técnicos, emergindo regras dotadas de especificidade. Assim,
observa-se, por esses dois motivos, o fenômeno da profissionalização da ética e a
ploriferação de códigos de ética profissional (SILVA; SEGRE; SELLI, 2007, p. 60).
De forma geral, como distingue Cohen e Segre (2002, p. 25-26), os
códigos de ética profissional das diferentes profissões da saúde “[...] fincam-se,
todos eles, nas mesmas bases conceituais. Condições como a de respeito à
privacidade, à livre escolha do profissional por parte do paciente, do consentimento
informado, permeiam todos esses estatutos legais”.
Zoboli (2003a, p. 117), ao descrever o enfoque da ética profissional como
um dos referenciais aos quais os profissionais de saúde da atenção básica têm
recorrido para solucionar os dilemas éticos do cotidiano assegura que: “Os códigos
deontológicos podem configurar um instrumental útil, enquanto uma diretriz da
prática profissional e também do processo de tomada de decisão frente a situações
que configuram problemas éticos”. A autora complementa que tais códigos “[...]
podem conformar um aporte para o equacionamento ético dos profissionais de

59
saúde que, por vezes, recorrem aos códigos e às comissões de ética institucionais
como fontes de recursos para orientação e solução dos problemas éticos
enfrentados”.
Ressalta-se a importância de tais códigos ajustarem-se aos novos
problemas apresentados pela sociedade e pela evolução técnico-científica. Pois,
considerando que os princípios são mutáveis, tem-se que os códigos de éticas estão
facilmente fadados a serem retrógrados (COHEN e SEGRE, 2002).

2.1.7 O Enfoque Social da Bioética

A Bioética é uma construção acadêmica de intervenção nos conflitos


morais em saúde. Tem história recente e preocupa-se com problemas emergentes,
provenientes da biotecnologia. Há também autores que a utilizam para discussão de
problemas remotos, persistentes na sociedade atual, tais como: fome, mortes
preveníveis e injustificáveis, exclusão social, entre outros.
Por um lado, determinados núcleos acadêmicos das nações
desenvolvidas, também de algumas nações em desenvolvimento, voltam-se a
dilemas preferencialmente da biotecnologia, resistem à utilização da Bioética no
campo sanitário e recusam a politização da pauta Bioética internacional. Por outro,
notáveis intelectuais, sobretudo de países marcado pela miséria e desigualdade
social, preocupam-se não apenas com as pautas emergentes, como também as
persistentes as quais são socialmente comprometidas, tal com a essência da saúde
coletiva. Esses últimos enquadram-se no que aqui é designado enfoque social da
Bioética (GARRAFA, 2005a; ANJOS, 2001).
Referindo-se a produção teórica na Bioética, realizada por autores que
pensam esse movimento (ou disciplina), através da inclusão de discursos com teor
social, especialmente voltados à saúde coletiva, Garrafa (2005a) cunha o termo
Bioética Social. A denominação “Bioética Social” não é muito utilizada e é pouco
encontrada na literatura. Ao propor essa designação, Garrafa (2005a) assinala a
necessidade de intelectuais comprometidos com a cidadania para assim fortalecer a
Bioética libertária: “a Bioética social, para ser efetiva, além de disposição,

60
persistência e preparo acadêmico, exige uma espécie de militância programática e
coerência histórica por parte do pesquisador” (GARRAFA, 2005a, p. 25).
Garrafa (2005c) assinala, em outro artigo, que:

Os estudiosos do assunto têm o compromisso de aproveitar a abrangência


e oportunidade que a Bioética proporciona, em se tratando de um
movimento (ou uma nova disciplina, se os leitores preferirem...) que estuda
a ética das mais diferentes situações de vida, ampliando seu campo de
influência teórica e prática do exclusivo âmbito biomédico/biotecnológico até
o campo ambiental, passando, inequivocamente, pelo campo da Bioética
social. (GARRAFA, 2005d, p. 133).

Nota-se que esse último trecho deixa transparecer o campo social da


Bioética como mais um a ser estudado, assim como existe o campo ambiental, o
sanitário e biomédico/biotecnológico. No entanto, o enfoque social da Bioética, tal
como é abordado neste trabalho, não se trata de apenas apresentar discussões de
problemas sociais propriamente ditos na Bioética, mas também de conduzir as
reflexões éticas com um olhar social, especialmente “latino-americano”, a todos os
temas da Bioética, incluindo aí as questões de ecologia e aquelas que se inserem no
campo biomédico/biotecnológico (as situações emergentes).
Assim, a Bioética Social não é caracterizada apenas por eleger temas
persistentes no debate bioético, como também por realizar reflexões e indicar
possíveis caminhos para resolver os problemas emergentes. Nesses termos, a
Bioética Social codifica as questões emergentes a partir da necessidade de pensar
as contradições presentes nos avanços tecnológicos face às fronteiras da cidadania
e dos direitos humanos, bem como do acesso igualitário a estas inovações
tecnológicas. Trata-se de um enfoque que apresenta um olhar compromissado com
a realidade dos países periféricos.
Ainda que fosse melhor designar “Enfoque Latino-americano”, tal como
propõe a Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da UNESCO –
REDBIOÉTICA, optou-se por chamar de “Enfoque Social da Bioética”. Um dos fatos
que levou a tal consideração foi o fato de que os teóricos não fossem
exclusivamente latino-americanos (pois Giovanni Berlinguer, o qual propõe a
Bioética Cotidiana e é aqui incorporado dentro do enfoque social, é Italiano) para a
construção desse marco teórico.
Assim, ressalta-se que o enfoque Social como aqui é apresentado é
também Enfoque Latino-Americano e, por esse motivo, torna-se importante apontar

61
algumas das bases epistemológicas presentes nesse ponto de vista, conforme são
apresentadas no livro Bases conceituais da Bioética enfoque latino-americano,
organizado por Garrafa, Kottow e Saada (2006).
Conforme tal publicação, os referenciais epistemológicos dessa Bioética
socialmente comprometida seriam: respeito ao pluralismo moral, a partir das visões
morais distintas sobre os mesmos temas, constatadas nas sociedades secularizadas
e pós-modernas; contextualização dos problemas específicos sob a ótica das
referencias culturais onde esses eventos acontecem, prezando por uma análise de
situações não universais em diferentes contextos; abordagem de maneira multi-inter-
transdisciplinar dos dilemas éticos; análise dos fatos a partir do pensamento
complexo e/ou da totalidade concreta; estruturação do discurso bioético tendo como
base o diálogo (para se manifestar), a argumentação (devendo ser homogenia e
lógica), a coerência (para expor as idéias) e a tolerância (frente às diversas visões
morais).
O enfoque social da Bioética tem sua característica histórica construída
especialmente a partir da década de 90. Essa época ficou marcada pela revisão
crítica da Bioética, em especial ao modelo principialista e à universalidade dos seus
princípios, fomentada pela necessidade de se considerar as diferentes realidades
sociais e culturais e as diversas formas de interpretação moral imbricado nos
conflitos éticos (GARRAFA, 2005a). Essa revisão culminou na ampliação do campo
de estudo e atuação da Bioética a partir do 4º Congresso Mundial de Bioética,
realizado em Tóquio, no Japão, em 1998. A Bioética então retorna a sua proposta
inicial, incluindo em sua pauta temas de relevância à qualidade de vida humana, tais
como: prioridades de alocação de recursos, justiça social e cidadania, finitude dos
recursos naturais, discriminação, entre outros temas (GARRAFA; KOTOW; SAADA,
2006).
Mesmo que Potter, já na década de 1960, tinha grande preocupação com
a emergência de obrigações éticas frente ao progresso preconizado na saúde
humana e de todo o planeta, a Bioética foi se circunscrevendo aos problemas
biotecnológicos, enfatizando problemas limites e emergentes (GARRAFA, 2006). O
encaminhamento histórico dado à Bioética, o qual a reduzia às questões específicas
relacionadas aos campos biotecnológico e biomédico mudou recentemente com a
aprovação da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, em 19 de

62
outubro de 2005, em Paris, durante a 33ª Conferência Geral da Unesco (GARRAFA,
2006). Esse fato resgatou o sentido original da Bioética dado Potter, contemplando
temas de grande interesse aos países pobres e em desenvolvimento, tais como as
questões ambientais e sociais.
Cabe informar a breve história dos Direitos Humanos. Esses têm origem
no século XVIII, com as revoluções francesa e americana, que ofereceram garantias
mínimas para o exercício da cidadania. Expandiu-se no início do século XX, através
da revolução mexicana e da constituição alemã, as quais estenderam a discussão
do ponto de vista individual para o coletivo (GOLDIM, 2008).
Embora Garrafa (2006) assinale que a Bioética retornou ao seu sentido
original apenas em 2005, com a referida aprovação da Declaração Universal de
Bioética e Direitos Humanos, vale ressaltar que já havia teóricos no final da década
de 70 e na década de 80 que escreviam sobre a Bioética baseada nos Direitos
Humanos. Como exemplo, cita-se o livro Bioethics and human rights, escrito por
Elsie Bandman e Bertram Bandman, em 1978, no mesmo ano em que foi lançado o
livro de Beauchamp e Childress, do modelo principialista (GOLDIM, 2008). Seis anos
mais tarde, em 1984, Elsie Bandman lançava Bioethics and Human Rights: A
Reader for Health Professionals.
Encontra-se publicado no Brasil, na Revista de Saúde Pública, de 1989,
a resenha do livro Bioethics and human rights, escrito por Elsie L. Bandman and
Bertram Bandman, na versão publicada em 1986 pela Lanham, University Press of
America. Nesse, observa-se que a abordagem dos direitos humanos é utilizada no
âmbito individual, voltada à atenção clínica de pessoas vulneráveis. O resumo foi
feito por Valéria Simões Lira da Fonseca e encontra-se disponível online através do
endereço <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v23n1/12.pdf>.
Compete ressaltar que esses livros não tiveram muita repercussão no
contexto da Bioética da década de 80 e 90 (GOLDIM, 2008). Por isso, aponta-se que
apenas em 2005, tal como assinala Garrafa (2006), é que a Bioética amplia seu
campo de estudo e retorna ao seu sentido original.
A Bioética baseada nos Direitos Humanos analisa os dilemas éticos a
partir do ponto de vista dos direitos e não dos deveres, como é o caso do modelo
principialista. Os Direitos Humanos são caracterizados em três grandes grupos: (1)
os Direitos Humanos Individuais ou de 1ª Geração, com destaque ao direito à vida,

63
à liberdade, à privacidade e à não-discriminação, (2) os Direitos Humanos
Coletivos, ou de 2ª Geração, que incluem as questões referentes à: saúde,
educação e assistência social como bem comum a todos os seres humanos e (3) os
Direitos Humanos Transpessoais, ou de 3ª Geração, que transcendem a noção de
Estado e dizem respeito ao conjunto das ações imprescindíveis à sobrevivência,
caracterizados pelos direitos ambientais e pela solidariedade (GOLDIM, 2008).
A Bioética social tende a enfocar a defesa dos direitos humanos. Esse
enfoque critica os enfoques centrais da Bioética, especialmente por serem criados a
partir das necessidades dos países centrais desenvolvidos, voltados para
necessidades individuais. A perspectiva social da Bioética situa-se num contexto que
considera a desigualdade social como produtora de vulneração dos indivíduos que
são tolhidos de exercer sua autonomia. Assim, Schramm, Anjos e Zoboli (2007, p.
31) apontam que:
A principal crítica feita se refere ao destaque ao princípio da
autonomia e ao modelo do contrato social, pois tais ferramentas
poderiam aplicar-se, talvez corretamente, em situações nas quais os
indivíduos e as populações têm capacidades e condições
sensivelmente semelhantes, mas não onde prevalecem a
marginalização, a pobreza, o desamparo social e a omissão do
Estado [...].

Os mesmo autores, ao falarem da problemática na Bioética frente à


globalização da saúde, que acaba por criar bolsões de excluídos e sujeitos
vulnerados, complementam citando: “Nesta situação, portanto, caberia a uma
Bioética, ao mesmo tempo razoável e libertária, preocupada com a “libertação”
(empowerment) da sociedade civil [...] (ibidem, p. 35). “Empowerment, traduzido
como empoderamento, é entendido como o processo de capacitação para a
aquisição de poder técnico e político por parte dos indivíduos e da comunidade”
(VERDI e CAPONI, 2005, p. 85).
Garrafa (2005d) aponta que para uma prática da Bioética socialmente
comprometida (e aqui se incluem a defesa dos mais vulneráveis, das dimensões
públicas, do equilíbrio ambiental e planetário) são necessárias categorias como
“cuidado”, “solidariedade”, “responsabilidade”, “alteridade”, “comprometimento” e
“tolerância”, são, junto com a “prevenção” (de possíveis danos e iatrogenias),
“precaução” (frente ao desconhecido), “prudência” (com relação aos avanços e
“novidades”) “e proteção” (dos excluídos sociais, dos mais frágeis e desassistidos).

64
Garrafa, Diniz e Guilhem (1999) no artigo intitulado Bioethical Language
and its dialects and idiolects, utilizam-se da metáfora do idioma e de suas variantes
lingüísticas como instrumentos para apresentar os diferentes saberes presentes na
Bioética. Assinalam então, que o idioma bioético pode ser entendido como um
conjunto linguístico que constitui a “nação Bioética”, a qual exerce papel sobre-
regulador em tal disciplina. Por sua vez, os dialetos compreendem os diferentes
estilos de pensamento existentes na Bioética os quais realizam a ponte entre a
teoria e a prática. Por sua vez, os idioletos seriam as variações individuais de um
dialeto os quais se configuram como tentativas críticas de adaptação específicas a
contextos diferenciados daqueles em que os dialetos surgiram.
De forma análoga, mas não idêntica, pode-se pautar na metáfora
apresentada como meio para pensar o “dialeto” Social da Bioética. Nesse caso, a
Bioética da Intervenção, a Bioética da Proteção, a Bioética e Teologia da Libertação,
a Bioética Antissexista - Antirracista e libertária e a Bioética Cotidiana seriam os
idioletos pertencentes ao dialeto social bioético.
Atenta-se para o fato de que os “idioletos” que compõe o “dialeto Bioética
Social” não se enquadrariam na metáfora proposta no artigo acima mencionado,
pois tais “idioletos” não configuram como tentativas críticas de adaptação aos
contextos diferenciados dos que os dialetos surgiram. Antes, esses surgem de
características semelhantes, talvez sejam esses que somados, fazem acontecer o
dialeto social da Bioética.
Partindo dessa metáfora, pode-se dizer que a da Bioética Social, como
aqui é entendida, constitui-se de um conjunto de referenciais teóricos em Bioética os
quais partem das experiências, em especial, dos países em desenvolvimento. Os
referenciais bioéticos com enfoque social têm por características principais a justiça
social e cidadania, a discussão da equidade, o reconhecimento da finitude dos
recursos naturais. Buscam situar a Bioética numa análise estrutural da sociedade
como produtora de vida e condições de saúde. Caracterizam-se por uma mística da
necessidade de solidariedade pelo outro, a qual precisa atitudes fundamentais de
pesquisa e de distribuição de recursos, de maneira especial no que se refere às
políticas públicas. Anjos (2001) aponta que a produção Bioética no Brasil se inclui,
em especial, nesse enfoque.

65
Os diferentes referenciais teóricos em Bioéticas que compõem a Bioética
social são as que mais se aproximam da realidade brasileira. Para enriquecer tal
enfoque, apresentam-se, a seguir, os referenciais: Bioética Cotidiana, Bioética da
Intervenção, Bioética da Proteção, Bioética e Teologia da Libertação e Bioética
Antissexista - Antirracista e Libertária.

2.1.7.1 Bioética Cotidiana

A Bioética Cotidiana, construída através das reflexões e atuação de Giovanni


Berlinguer, aborda temas relacionados à saúde coletiva e sua ocorrência na vida
cotidiana. Observa as divergências e congruências entre a prática e as políticas
públicas referentes à saúde e a sociedade, indo, portanto, além dos grandes temas
centrais da Bioética (eutanásia, aborto, clonagem, etc.). Nota-se que a Bioética
Cotidiana permite refletir, discutir e questionar as situações de conflitos morais e
éticos da vida cotidiana que permeiam as relações humanas, de modo persistente,
mesmo com os avanços em termos sociais, políticos e tecnológicos do último século.
Através de abordagem histórica e sob a ótica da equidade, a Bioética
Cotidiana visa avaliar a relação entre questões limites e questões do dia a dia,
discutindo o aumento dos avanços tecnológicos no mundo globalizado face ao
aumento da exclusão social e da destruição da natureza. Esse referencial teórico
leva em consideração a contextualização da autonomia dos sujeitos, o direito
individual e coletivo, ao tratar dos temas voltados às implicações éticas resultantes
das estratégias que intervém na vida cotidiana individual e coletiva (BERLINGUER
1991; 1995; 2004).
A Bioética Cotidiana permite evidenciar a persistência das desigualdades
sociais, como questão ética fundamental, à medida que se articula entre os direitos
de qualquer ser vivo frente ao progresso científico através de uma “Bioética laica”,
sensível aos dilemas diários impostos por esse mesmo progresso, pelas relações
humanas e entre os homens e outros seres vivos (BERLINGUER 1991; 1995; 2004).
Em obra que leva o nome do referencial de análise em questão, Bioética
Cotidiana, Berlinguer (2004) faz uma composição de suas principais reflexões nos
últimos anos de sua carreira. Discute as questões relativas às grandes temáticas,

66
como o nascer hoje. Nessa temática, aborda questões emergentes, conhecidas
como problemas de situações “limites” ou de “fronteiras”, tais como a reprodução
assistida, e também as questões persistentes em saúde pública, as quais chamam
de problemas de situação persistente, tal como o aborto. Quanto à grande temática
do morrer, o autor discute temas como a eutanásia, um problema de situação limite,
mas dá ênfase às cacotanásias, tema de situação persistente na sociedade. Além
dos problemas de início de do fim da vida (do nascer e do morrer), são ainda
grandes temáticas da Bioética, abordadas pelo autor, os conflitos éticos relativos: às
novas tecnologias em saúde, à saúde no trabalho, ao corpo humano, às relações
interpessoais - em especial profissional-paciente -, aos direitos e deveres dos
profissionais, aos direitos e deveres das pessoas assistidas, aos grupos sociais
vulneráveis, à situação da saúde mundial, à saúde ambiental, à saúde e bem-estar
animal.
Berlinguer pauta sua perspectiva em Bioética utilizando-se de argumentos
profundos, apresentados de modo lógico e compreensível, estabelecendo uma
ponte coerente entre a ética e as questões sanitárias do dia-a-dia nesse início de
século XXI. A Bioética Cotidiana está estreitamente relacionada com as ciências
biológicas e da saúde, com as ciências humanas, políticas e sociais; enfim, com a
ética da qualidade da vida. Para Berlinguer (1995, p. 15):

A humanidade dispõe tanto de conhecimentos como de recursos produtivos


aptos a vencer flagelos que sempre acompanharam nossa espécie, como a
fome e muitas das doenças mais letais [...]; mas não consegue eliminá-los
(e nem sequer tenta), sobretudo nas áreas mais populosas do mundo.
Como o sacrifício de valores, entre os quais a própria vida, é medido em
relação às possibilidades, podemos dizer que nossa época é a que viu na
história tanto os maiores progressos como o maior número de vítimas
evitáveis.

Em sua obra Bioética Cotidiana (BERLINGUER, 2004), o autor fala dos


temas: População, Ética e Eqüidade; abordando questões demográficas,
problemática com extraordinária evidência nos últimos anos, como o controle das
migrações, o relacionamento entre os gêneros e as gerações, as relações entre
população, ambiente e recurso, analisando as implicações morais na atualidade
frente ao uso das tecnologias reprodutivas e da possibilidade de regular
conscientemente os nascimentos, o que por conseqüência modifica o quadro
demográfico, principalmente dos países desenvolvidos, e se estendendo a todo o
planeta. A liberdade de procriar, a esterilização coagida e induzida, a autonomia dos

67
casais e o papel da mulher no mercado como fatores que interferem nas escolhas
relacionadas à procriação, e a prevenção do aborto também são elementos
discutidos por esta Bioética.
O autor apresenta forte crítica ao processo de a valorização e
mercantilização do corpo humano, a qual denomina de “mercado humano" e que
inclui apresenta os argumentos da inferioridade de gêneros e minorias, as formas
atuais de escravidão e os novos "objetos" do biomercado. Trata das relações de
trabalhos na sociedade atual, a qual tem subvertido os valores e criado novas
formas de escravidão. Apresenta reflexão sobre as novas formas de nascer, viver e
morrer das pessoas e comunidades, em um mundo tecnicamente avançado e
globalizado, face às contradições sociais, revelando que a maioria da população não
tem acesso aos benefícios decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos.
Berlinguer (2004, p. 211-212) escreve, acerca da saúde global:

Entendo por saúde global aquela de todos os sujeitos humanos, e penso


que existam motivos válidos para pôr esse conceito no centro da reflexão
Bioética sobre a relação entre saúde e doença. O motivo principal é que a
saúde, a qual é ao mesmo tempo um dos processos mais íntimos da
pessoa e um dos fenômenos mais ligados à vida coletiva, tem um caráter
duplo no plano moral: intrínseco, como presença, limitação ou ausência de
capacidades vitais (no limite, como antítese entre vida e morte), e
instrumental, como condição essencial para viver em liberdade.

Assim, considera a saúde um bem indivisível e comum a todos. O autor


aponta que é paradoxal que na atualidade tudo seja globalizado, finanças,
informação, conhecimento científico, produção, consumo, etc., no entanto, a saúde
enquanto bem essencial é negligenciada, não estando inserindo nesta lista de fatos
globalizados.
Berlinguer (2004) critica o descontrolado processo de globalização
econômica promovido pelos países ricos, que exclui crescentemente as populações
pobres do mundo das condições mínimas para viver com dignidade.

2.1.7.2 Bioética de Intervenção

A Bioética da Intervenção, também conhecida como Bioética Dura, tem


Volnei Garrafa e Dora Porto como seus maiores expoentes. Esse é um referencial
que se volta à Bioética pensada para países periféricos, especialmente voltados às

68
situações persistentes. Sua base epistemológica abrange a dimensão social,
considerada como âmbito da produção do adoecimento. A apresentação da Bioética
da Intervenção, neste estudo, baseia-se nas seguintes publicações: Garrafa (2005a;
2005b; 2005c); Garrafa e Porto (2002) e Porto e Garrafa (2005).
A partir da leitura desses artigos assinalados, percebe-se que a Bioética
da intervenção é marcada pelo reconhecimento de que doença é socialmente
determinada, derivando das circunstâncias históricas e culturais que condicionam a
vida social, as relações de produção e as relações ambientais. Reconhece ainda a
influência da economia de mercado na sociedade atual, o qual tem contribuído na
produção de situações iníquas. Assim, tal perspectiva reforça a necessidade de
desenvolver e consolidar um enfoque bioético capaz de responder à realidade dos
países periféricos no contexto mundial.
Os autores apontam que o imperativo econômico consumista, que
objetiva maximizar o lucro das grandes corporações, acaba por corromper as forças
de defesa pública e avilta a população. Nessa ótica, a defesa das tecnologias
acabam por negligenciar os riscos ambientais e sociais, acreditando que as novas
descobertas tecnológicas podem surgir como minimizadoras de tais problemas.
Assim acreditando no progresso como “desenvolvimento”, ofusca-se a imagem do
futuro a qual se revela com os danos sociais e ambientais acumulados e que tendem
a acumularem-se em uma espiral irreversível.

Assim, essa nova proposta teórica busca uma aliança concreta com o lado
historicamente mais frágil da sociedade, incluindo a re-análise de diferentes
dilemas, entre os quais: autonomia versus justiça/eqüidade; benefícios
individuais versus benefícios coletivos; individualismo versus solidariedade;
omissão versus participação; mudanças superficiais e temporárias versus
transformações concretas e permanentes (GARRAFA; PORTO, 2002, p. 7).

Essa forma de pensar em Bioética toma como referência teórica: a


finitude dos recursos naturais (que são de todos os seres), a corporalidade, o prazer
e a dor (que atinge todos os seres), os Direitos Humanos como referenciais e a
igualdade como ponto de chegada, sendo a equidade o caminho para ela.
Acerca da proposta que se refere à corporeidade como marco teórico e
conceitual, a Bioética de Intervenção defende a idéia de que “[...] o corpo é a
materialização da pessoa, a totalidade somática na qual estão articuladas as
dimensões físicas e psíquicas que se manifestam de maneira integrada nas inter-

69
relações sociais e nas relações com o ambiente” (PORTO; GARRAFA, 2005, p. 9).
Assim, tem-se o prazer e a dor como indicadores da necessidade dessa intervenção.
No tocante à área de atuação da Bioética da intervenção, a principal
diferença entre essa e outras perspectivas é a de que

[...] está no fato desta não se esgotar na possibilidade de intervenção nos


conflitos da área biomédica, nas relações entre profissionais e usuários dos
serviços e do Sistema de Saúde ou na interface entre pesquisadores e
sujeitos de pesquisa (PORTO; GARRAFA, 2005, p. 15).

Essa escola tem como pauta principal, a discussão da exclusão social e


concentração de poder; a pobreza, miséria e a marginalização; a globalização; a
falta de consolidação de políticas efetivas de defesa dos direitos humanos e
cidadania; a inacessibilidade de uns ao desenvolvimento científico tecnológico e a
desigualdade de acesso aos bens de consumo básicos (GARRAFA e PORTO,
2002).
Tal referencial aponta, no campo privado e na dimensão individual, para a
necessidade de promover o empoderamento, sustentar a libertação e garantir a
emancipação dos sujeitos sociais e, assim, concretizar a inclusão social. Busca o
conceito de empoderamento, inicialmente apresentado por Amarthya Sen, da idéia
de libertação de Paulo Freire e parte da definição legal de emancipação, que
considera pessoa emancipada aquela que é apta a exercer sua cidadania de modo
pleno (GARRAFA, 2005).
A Bioética da Intervenção critica o modo como as prioridades em saúde
são tratadas atualmente, sendo ditadas pelo mercado e não pela demanda. É
universal no sentido de ser contrária ao duplo standard (uma Bioética para países
ricos e outra para países pobres), embora preze por uma Bioética que contextualize
os problemas onde esses ocorrem. Esse é um enfoque que esmera, no campo
público e coletivo, decisões que privilegiam maior número de pessoas em maior
tempo e, no campo privado e individual, por soluções viáveis e práticas
contextualizando o conflito. Dessa forma, esse enfoque caracteriza-se por um
utilitarismo orientado à busca da equidade e um consequencialismo solidário
alicerçado na superação das desigualdades (GARRAFA e PORTO, 2002).

70
2.1.7.3 Bioética de Proteção

A Bioética de Proteção tem como maiores expoentes o brasileiro Fermin


Roland Schramm e o chileno Miguel Kottow. Tal perspectiva denuncia o parco
respeito dado à condição humana vivida e sofrido na ciência e nas políticas públicas.
A apresentação deste referencial baseia-se nas seguintes publicações: Schramm
(2003; 2005a; 2005b, 2006) Kottow (2003; 2005).
Este estilo de pensamento busca a idéia de “proteção” na origem
filológica da palavra ethos como tendo o sentido de guarida, ou seja, abrigo que
acolhe o homem contra as ameaças, seja ela natural ou causada por terceiros.
Assim, a Bioética de Proteção pretende, de acordo com Schramm (2005a), ser um
amparo contra as ameaças da “vida nua”; tem a finalidade de proteger o vulnerado
contra situações que o coloque em risco e promova adoecimento, propondo ações
para favorecer a autonomia e a qualidade de vida desses.
Essa perspectiva aponta que a vulnerabilidade é intrínseca à existência
humana e, de certa forma, é socialmente protegida. Por outro lado, existem
circunstâncias em que colocam os seres humanos em estado de vulnerabilidades
circunstanciais, o que o autor denomina de estado de vulneração, como nos casos
decorrentes da pobreza, da falta do acesso à educação e à saúde, das doenças e
da discriminação. É especialmente nessa situação de vulneração que reside o dever
do estado e da ciência de serem éticas: proteger as pessoas vulneradas,
especialmente da exploração advinda das ações biomédicas (KOTTOW, 2003).
Schramm (2003) assinala que há profundos vínculos entre a
responsabilidade individual e a social, entendendo que o Estado, responsável pelo
bem comum, tem de dar conta do contexto na qual é agenciado. Nessa idéia, o autor
relaciona a concepção de responsabilidade do Estado perante a proteção de seus
súditos e assinala que “a saúde faz parte das oportunidades devidas a cada
cidadão, da mesma forma que as liberdades fundamentais, logo os governos seriam
responsáveis pela garantia mínima de qualidade de vida para todos” (SCHRAMM,
2003, p. 82)
Schramm (2005a) apresenta, na proposta da Bioética de Proteção, a
necessidade de se discutir o conceito de vida enquanto tal, antes mesmo de discutir
sua adjetivação em termos de qualidade. Para o autor, pouco se tem falado acerca

71
da condição da vida humana vivida e sofrida a qual é dever do Estado protegê-la.
Somente com a proteção dos vulnerados e de uma discussão que reconheça as
implicações sociais daquilo que se possa considerar como “vida”, é que se pode
pensar a vida em termos da qualidade.
Refletir sobre a qualidade de vida humana em termos de proteção dos
vulneráveis, especialmente por parte do âmbito público, é cogitar a respeito da
justiça social. Schramm (2005b) aponta que os desajustes sociais da atualidade
habitam no fato de as relações sociais terem se transformado em relações
monetárias e burocráticas, transformando a vulnerabilidade, inerente à vida, em
vulneração, decorrente dos processos sociais que excluem, discriminam e
estigmatizam os seres humanos. Partindo disto, propõe a equidade como forma de
justiça.
A proposta dessa escola é de desenvolver uma visão capaz de amparar
as pessoas vulneradas, as quais devem ser protegidas contra as situações que as
coloquem em risco e promovam doenças. Assim, trata-se de uma visão que evita o
reducionismo do olhar biomédico e a concepção generalizada do olhar biocêntrico.
Dessa forma, entende a Bioética como ética aplicada, permeada por duas
dimensões: uma descritiva e outra normativa. A dimensão descritiva apresenta a
pretensão de inteligibilidade do mundo real vivido o qual deve ser acompanhada da
dimensão normativa, a proposta de se intervir sobre o real para então alcançar outra
realidade possível e moralmente mais aceitável (SCHRAMM, 2005b).
Kottow (2005, p. 32) aponta quatro bases fundamentais que alicerçam a
Bioética de Proteção:
[...] 1) Compromisso político de todo o estado; 2) o fundamento ético da
convivência; 3) as limitações de um pensamento principialista; 4) a
necessidade de uma ética própria da América latina, que faça eco à
realidade socioeconômica de países precariamente desenvolvidos.

A Bioética de Proteção é pensada, em nível coletivo, mais além das


ações epidemiológicas preventivas, englobando medidas sanitárias pautadas na
vulnerabilidade, suscetibilidade, pobreza e necessidade (KOTTOW, 2005). Essa
perspectiva aponta para a necessidade da consciência e ação para grandes
mudanças sociais, as quais devem fortalecer o agir autônomo.

72
2.1.7.4 Bioética e Teologia da Libertação

Essa corrente de pensamento tem o Padre Márcio Fabri dos Anjos como
o principal propulsor que apresenta à a Bioética brasileira as contribuições da
Teologia da Libertação. Para entender melhor tal perspectiva, foram consultado as
referências: ANJOS (1997; 2000; 2001; 2003)
Anjos assinala as dificuldades existentes no diálogo interdisciplinar da
Bioética com a Teologia, por conta de alguns preconceitos tanto por parte das visões
religiosas, muitas vezes fundamentalistas, como por parte de cientistas, os quais já
descartam de antemão as considerações religiosas. Frente a isso, o autor sugere a
necessidade da teologia e das ciências de se libertarem de alguns preconceitos
para, assim, estabelecer o diálogo interdisciplinar necessário à construção da
Bioética (ANJOS, 2003).
A Bioética e Teologia da Libertação tem como ponto de partida a reflexão
à luz da fé cristã acerca da situação de pobreza e exclusão social, apontando as
falhas na política e na economia como os grandes “pecados” existente na estrutura
da sociedade os quais legitimam as desigualdades sociais (ANJOS, 2000).

O aproveitamento de seus enfoques na bioética se dá, à primeira vista, no


vigor com que se enfatiza a dignidade dos pobres e vulneráveis; o respeito
que lhes é devido, em uma sociedade; a exigência ética de expressar tal
respeito em termos de defesa e de promoção de suas condições de vida.
[...] a teologia da libertação tem contribuído para se perceber em bioética a
estreita conexão entre os avanços do poder biotecnológico e as diferenças
formas de concentração do poder na sociedade. (ANJOS, 2003, p. 460).

Essa perspectiva assinala outra compreensão sobre Deus, o qual não


impõe sua "onipotência opressora" por sobre os homens, mas outorga a esse o
poder e a liberdade de agir em vista a solidariedade e fraternidade universal. Assim,
os pobres não são vistos como objetos de caridade e os homens se tornam co-
criadores do mundo, pessoas responsáveis por si e pelos outros, devendo
desenvolver potencialidades humanas para agir de forma solidária, fraterna,
tolerante, respeitando a dignidade e a autonomia do outro (ANJOS, 2000). Assim, tal
perspectiva é permeada pelo enfoque das virtudes.
A Bioética da Teologia da Libertação foi a primeira construção teórica da
Bioética brasileira a considerar a vulnerabilidade humana derivada da pobreza e da
exclusão social. Para Anjos (2001), a materialidade dos temas bioéticos pode ser

73
divididos em três dimensões inter-relacionadas: microssocial, midissocial e
macrossocial. A dimensão microssocial, entram as questões e temas derivados das
microrelações interpessoais, como as familiares, as que envolvem a relação
terapeuta e pessoa assistida, também as microrrelações de meio ambiente; outra
dimensão seria a midissocial, entendida como as iniciativas institucionais ou grupais;
diz respeito aos grupos sociais vulneráveis, por grupos e instituições hospitalares,
campos específicos de pesquisa, relações de grupo e o meio ambiente; a terceira
dimensão é a macrossocial, as quais entrariam as grandes questões sócio-
estruturais da produção de saúde e vida, tais como questões da socialização de
recursos para a saúde.
O ponto de vista da Teologia da Libertação em Bioética afirma, de
maneira peculiar, a necessidade do debate acerca das desigualdades sociais e da
pobreza, as quais diminuem a autonomia humana e conduzem os homens à
condições de vulnerabilidade no viver em sociedade. É, portanto, visível o
engajamento sóciopolítico nessa teoria, especialmente desenvolvida a partir da
realidade letino-americana, e a preferência por uma teologia libertária, a qual se
afasta do fundamentalismo religioso para assim pensar a construção de uma
sociedade mais justa e solidária.

2.1.7.5 Bioética Antissexista, Antirracista e Libertária

As reflexões sobre a Bioética Antisexista, Antirracista e Libertária são


propostas por Fátima de Oliveira. Esta bioeticista assinala a urgência das
perspectivas de gênero, feminista, antirracista e libertária para a construção de uma
Bioética justa, que ocorrerá quando for incorporado a justiça de gênero, justiça
antirracista e justiça de classe. Para apresentar tal enfoque social da Bioética foram
utilizadas as seguintes referências: Oliveira (1995; 2003; 2006).
A autora apresenta fatos que denotam não haver neutralidade na ciência,
em especial no campo biológico e nas áreas correlatas, mostrando que as teorias
científicas são, em alguns casos, constituídas a partir de estereótipos sexistas e
misogenistas, prestando-se à dominação de classe, gênero e raça/etnia,

74
especialmente pautada no contexto das idéias e aspirações de ‘melhoramento’ da
espécie humana.
Como na ciência, a qual não apresenta a devida neutralidade, Oliveira
(2006, p. 111) aponta que na Bioética prevalece duas correntes de pensamento
mias organizadas:
[...] a biofundamentalista e a bioliberal. A primeira defende a opinião de que
a natureza é intocável, é contra qualquer modificação. Os mais ‘radicais’
desta corrente falam também de uma natureza imutável e desconsideram a
Teoria da Evolução. A segunda defende que tudo o que se sabe fazer deve
ser feito e que a ciência e os cientistas podem tudo e têm o ‘sagrado’ direito
de saciar sempre sua curiosidade e não devem satisfações nem aos seus
parceiros.

Nesses termos, a autora aponta que é hora de dar à Bioética


características que satisfaçam as necessidades dos países pobres e não
constitutivas para consolidar os privilégios dos países ricos; mostra a necessidade
do afastamento da jurisdição religiosa, pois atualmente o papel da religião na
Bioética quer legislar sobre a vida de todos, mesmo que não partilhem de uma
mesma crença.
Assim, a autora explicita a necessidade dos movimentos antirracista e
feminista atuarem na Bioética objetivando, além de outros motivos, “[...] superar a
velha ética, originariamente racista, machista e até anti-mulher, para assim
assegurar a construção de uma ética nova: não sexista, antirracista e libertária”
(OLIVEIRA, 1995, p. 76).
Esta perspectiva na Bioética inclui as considerações dos movimentos
sociais sobre gênero e antirracista à Bioética, pautadas por um olhar voltado às
características de países latino-americanos marcados pelas desigualdades sociais.
Tal ponto de vista inclui a equidade de gênero e entre as pessoas em geral e busca,
desta forma, garantir a cidadania em espaços onde as pessoas se encontram em
vulnerabilidade, especialmente pelo racismo, opressão de gênero, pobreza e fome.
Para Oliveira (2003), a perspectiva de gênero – categoria que analisa e
trata dos significados político, social, econômico e cultural da construção da
feminilidade e masculinidade – é foco essencial no discurso bioético, pois revela a
assimetria nas relações de poder que se estabelecem na ciência. Também se torna
foco essencial para debate bioético a pobreza, pois, na sociedade atual, pobres são
catalogados como população supérflua e até mesmo descartável, uma vez que
estão a margem da sociedade de consumo.

75
A fome e a pobreza são apontadas como problemas políticos a serem
combatidos. Tais fatos evidenciam a opulência e a riqueza de poucos os quais,
historicamente, agregam a perversidade da concentração de renda e da exploração
humana. A pobreza – a qual se transforma em desigualdade - é condição para
diferentes tipos de vulnerabilidades (social, cultural, étnica, política, educacional,
econômica e de saúde); ela impede o exercício do direito de desenvolver em
plenitude as potencialidades humanas, o que torna tal tema assunto básico da
Bioética (OLIVEIRA, 2003).
A autora alerta que a sociedade deve estar atenta e assumir a
responsabilidade de determinar o que é adequado e melhor para si, pois se observa,
na atualidade, uma lacuna entre as necessidades da ciência e as sociais. “Urge que
coletivamente possamos encontrar meios que demonstrem que as nossas
necessidades, em geral, não são as mesmas que movem a "curiosidade"
inesgotável de cientistas (OLIVEIRA, 1995, p. 90).

2.2 NATUROLOGIA

A Naturologia é uma graduação da área da saúde que propõe o cuidado


integral ao ser humano. Existem três cursos de graduação em Naturologia no país,
dois dos quais já têm o reconhecmendo do MEC10. O pioneiro foi o curso de
graduação em Naturologia Aplicada11, criado na Universidade do Sul de Santa
Catarina no ano de 1998. O segundo, instituído em na Universidade Anehmbi
Morumbi, em São Paulo em 2002, denomina-se apenas Naturologia12 (HELLMANN
e WEDEKIN, 2008).
O curso compreende, em seus princípios, a concepção sistêmica e
complexa da vida, baseando-se na interrelação e interdependência de múltiplos
fenômenos (entre eles: físicos, biológicos, psicológicos, sociais, ambientais,
culturais), nos fundamentos filosóficos milenares da Medicina Tradicional Chinesa,

10
O terceiro curso iniciou suas atividades em 2009. para receber reconhecimento do MEC a
avaliação do curso só pode ser realizada após a formatura da primeira turma.
11
Reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura - Decreto Presidencial Nº 5.572/02 de
27/08/2002.
12
Reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura - Portaria Nº 161 de 06/02/2007.

76
Medicina Ayurveda, Antroposofia, além de outras perspectivas de várias escolas
filosóficas contemporâneas. Trata-se de uma graduação que propõe o cuidado ao
ser humano através das práticas naturais e da educação para a saúde, com a
intenção de promover, manter e recuperar a saúde, a qualidade de vida e a
integração do ser humano ao ambiente em que vive (HELLMANN e WEDEKIN,
2008; ROHDE, 2008; UAM, 2008; UNISUL, 2008).
Para Fialho (1999, p. 6)

A Naturologia é o resgate do saber da Tia Nastácia de Monteiro Lobato, um


saber que se perde no tempo e se repete entre as gerações. Dentro da
Academia esse saber é discutido, criticado, investigado. O que se pede ao
cientista naturólogo é uma profunda humildade, um respeito pelo saber
acumulado em diferentes culturas, em diferentes épocas.

A partir dessa afirmação nota-se que o Naturólogo e, portanto, a


Naturologia, devem respeitar os conhecimentos tradicionais e culturais, devendo
devolver tal conhecimento estudado à sociedade de forma ética. O que não deve (ou
deveria) ocorrer é a apropriação das técnicas e práticas culturais de cuidado à saúde
como uma forma de monopólio para o exercício legal da profissão, exclusivamente
pelo naturólogo, pois caso isto ocorra tratar-se-á da expropriação dos saberes
culturais da população e a transformação dessa em prática outorgada pela ciência
(pela universidade, pela sociedade).
Entre os conhecimentos técnicos das práticas naturais estudadas no
curso encontram-se: massoterapia, cromoterapia, hidroterapia, reflexoterapia,
irisdiagnose, florais, fitoterapia, aromaterapia, musicoterapia, arteterapia, entre
outras. Além disso, o profissional em Naturologia possui conhecimentos
metodológicos que lhe permite exercer um papel de pesquisador permanente (UAM,
2008; UNISUL, 2008).
Dizer o que é Naturologia parece ser difícil em um primeiro. No entanto,
faz-se mister ressaltar que, enquanto campo do conhecimento,:

(...) a “Naturo-logia” não requer como fundamental (embora não se recuse


de modo algum a sua relevância) apenas responder pela lógica do
conhecimento – no que reside sua pretensão de cientificidade, nem tão
pouco definir seu conceito de “natureza”, o que não seria suficiente para
determinar-lhe o campo de pesquisa, mas antes de tudo definir aquilo em
que se constitui a sua responsabilidade e posição, a saber, o modo pelo
qual se compreende o homem, por um lado vivente e por outro lado
produtor de conhecimento. (SILVA, 2004, p.1).

77
Assim, a Naturologia tem como proposta fundamental o desenvolvimento
de um olhar diferenciado para os seres e, conseqüentemente para o mundo:
Diferenciado no sentido de não classificar o ser humano em certas
categorias de doenças, diminuindo-o a elas. [...] A proposta do olhar
naturológico consiste em enxergar o ser humano como um ser holístico,
criador de valores, que vive experiências em conexão com o mundo que o
cerca, com as pessoas, com a pluralidade dos eventos cotidianos e,
sobretudo, observá-lo como um ser em condição única de estar, reagir,
enxergar, caminhar e se relacionar com o mundo através das suas próprias
escolhas (BELL, 2008, p. 62-63).

A proposta de tratamento em saúde da Naturologia, em diversos


aspectos, insere-se em uma perspectiva integral, na qual a pessoa cuidada é
chamada “interagente”, enfatizando o aspecto relacional da terapia e seu caráter
ativo, ao invés de “paciente” (que remete à passividade) e “cliente” (utilizado no
âmbito comercial), pois o termo interagente (“aquele que interage”) reflete o convite
que o Naturólogo faz a esse indivíduo: questionar o status quo e passar a ser Sujeito
transformador de si ao interagir ao longo do processo terapêutico (FARIAS et al,
2008; HELLMANN e WEDEKIN, 2008)
Para pensar o que é Naturologia, é importante ressaltar que não se trata
de uma Medicina Natural ou Naturopatia. De forma geral, medicina natural é a
medicina ocidental contemporânea (biomedicina) baseada no uso dos recursos
naturais como forma de intervenção terapêutica. A medicina natural, conhecida
como Naturopatia, em seu sentido estrito, volta-se para o tratamento das doenças
com recursos naturais. A Naturologia, por sua vez, pretende trabalhar a saúde,
embora se deva entender a Naturopatia como parte do universo pretendido pela
Naturologia, pois, em muitas vezes, os interagentes buscam auxílio de um
naturólogo trazendo um diagnóstico de uma doença, ou apenas manifestando
sintomas os quais pode ser compreendidos como síndromes ou desequilíbrios
dentro das visões das Medicinas Tradicionais (Chinesa e Ayurveda), passíveis de
serem tratados com os métodos naturais estudados pela Naturologia (sem descartar
o acompanhamento do profissional médico).
Os princípios filosóficos associados à Naturopatia remontam a Hipócrates,
quando esse propunha que “o corpo cura a si próprio, cabendo ao médico fortalecer
esse potencial de auto cura que é inerente a todo o ser humano” (FIALHO, 1999).
Tal como Hipócrates é tido como o pai da Medicina, é também o da Naturopatia.

78
Seis princípios são básicos para a compreensão da Naturopatia: (i) Vis
Medicatrix Naturae (O Poder de Cura da Natureza). (ii) A pessoa é um todo
que envolve uma interação complexa entre o físico, o mental, o emocional,
o genético, o espiritual, o meio ambiente, o tecido social, e outros fatores.
(iii) Primum No Nocere (Em primeiro lugar não faça nada que possa causar
o mal ao seu paciente). (iv) Tolle Causam (Identifique e trate as causas, e
não os efeitos). (v) Prevenção é a melhor cura. (vi) Docere (o terapeuta é
um professor). (FIALHO, 1999, p. 2).

Sobre os pressupostos hipocráticos que sustentam a Naturopatia,


seguem-se algumas considerações que apontam as diferenças em relação à
Naturologia:
A Naturologia acredita no (i) poder de cura da natureza, mas antes de
tudo compreende o ser humano como um ser finito. Por isso a Naturologia estuda
também a tanatologia. Na sociedade tecnológica, na biomedicina, morrer é algo que
acontece no hospital. Mesmo assim, os hospitais se tornaram instituições
despersonalizadas para o processo de morrer, pois são instituições comprometidas
com a vida, com a remissão das doenças, e a morte é uma ameaça a essa função
(KÜBLER-ROSS, 1998).
A Naturologia, tal como as medicinas tradicionais, reconhece a morte
como parte do viver humano. Assim também a cura requer ser compreendida de
forma diferente. Reconhecer o ser como finito é reconhecer os limites da
intervenção, é estudar também os cuidados paliativos. Entender a finitude da vida, é
compreender, como nos ensina Canguilhem (2002), que a cura não significa voltar a
ser o que era antes de adoecer, pois a vida humana não reconhece a
reversibilidade. Antes, curar é reconhecer o adoecer como experiência da vida, é
poder re-criar, fomentar novos rearranjos de vida, mesmo com déficits. Cabe
ressaltar que existem mortes prematuras e evitáveis, as quais devem ser
prevenidas.
O (iii) Primum no Nocere é algo que a Naturologia compartilha.
Sobre o (iv) Tolle Causam (identifique e trate as causas, e não os efeitos),
a Naturologia procura também fazer o máximo para tratar as causas e não os
efeitos, mas reconhece que é impossível tratar todas as causas, pois estas são
inúmeras (como tratar doenças genéticas através das práticas naturais?) e que
ascausas, em muitos casos, são problemas estruturais da sociedade.
A respeito da (v) prevenção ser o melhor remédio, assume-se que a forma
de pensamento pauta-se na doença, pois ninguém previne saúde, mas sim se

79
previne doenças. Assim, o naturólogo deve pensar antes na promoção da saúde,
sem é claro esquecer-se da prevenção e precaução para que a saúde seja
promovida (HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Sobre a relação Promoção de Saúde e Naturologia, em um estudo de
caso de Naturologia, Ruas (2008) objetivou mostrar de que forma a intervenção
naturológica poderia atuar dentro da perspectiva de promoção de saúde
especialmente no quesito referente ao fortalecimento da autonomia e capacitação do
interagente. Conclui que a promoção da saúde, no que tange ao atendimento em
Naturologia a nível individual, só se dá a partir do momento em que existe uma
relação de interagência onde a autonomia do indivíduo seja preservada e
incentivada. A autora ressalta ainda importância das relações políticas e sociais, as
quais devem proporcionar condições dignas de vida, o que influencia na saúde
coletiva, pois só assim a saúde será promovida (RUAS, 2008).
Por outro lado, Cidral Filho (2008) diz que o Naturólogo se ocupa da “[...]
promoção da saúde através do estímulo à auto-regulação orgânica por meio das
práticas naturais, associado ao aconselhamento de fatores relativos ao estilo de vida
do interagente [...]” (p 133). Nota-se então, que nesta descrição, diferente da
primeira, o enfoque da promoção da saúde é calcado na intervenção terapêutica de
forma a prescrever hábitos de vida saudáveis. Nesse sentido, Verdi e Caponi (2005)
apontam as necessidades de refletir sobre as formulações conceituais de promoção
da saúde, pois há uma tendência a serem constituídas de maneira reducionistas,
como a de transformar os problemas sanitários complexos em desvios de conduta
individual.
Sobre (iv) docere, o que se segue é que se pode entender o terapeuta
Naturólogo como professor desde que esse assuma um papel de facilitador do
processo de interagência e não de autoridade máxima sobre o assunto saúde.
Saber o que é certo ou errado, em termos de saúde, é fato marcante nas
profissões que tratam dessa, em que os profissionais tentam transmitir o correto
para aqueles considerados ignorantes do assunto. A educação para a saúde é
objeto de estudo do naturólogo (RODRIGUES, 2007), porém, não se espera que
seja a educação pautada na simples transmissão do conhecimento tido como
verdadeiro, ou seja, configurada em um que sabe (o que tem a luz) e o outro que
não sabe (a-luno: o sem luz), mas sim em uma educação dialógica e participativa.

80
Educação em saúde na Naturologia objetiva, principalmente, tornar as
pessoas cada vez mais capazes de pensar através de um processo reflexivo, de
uma consciência crítica, capaz de gerar novos valores, de ser agente transformador
de si, encontrando formas criativas de resolver seus problemas, entre eles o
processo de viver e adoecer (BELL, 2008; HELLMANN e MARTINS, 2008).
Outro aspecto para entender o que é Naturologia, é pensar a partir das
Racionalidades Médicas. Ressalta-se que a Naturologia não se constitui em uma
racionalidade médica específica, mas que se pauta de algumas racionalidades
tradicionais orientais.
O termo Racionalidades Médicas, designa o título de um determinado
Grupo de Pesquisas do CNPq, desenvolvidos no Instituto de Medicina Social da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Desde 1992, tal grupo enfoca o campo da
saúde coletiva no Brasil, levando em conta a multiplicidade de saberes e práticas
presentes na sociedade e nas instituições de saúde, em sua diversidade política,
cultural e epistemológica” (TESSER e LUZ, 2008).
O vocábulo Racionalidades Médicas, sustenta a tese de que existe mais
de uma rationale médica atuante na cultura atual, todas as quais distintas entre si.
Nesse sentido, tal termo refere-se a um sistema estruturado de determinado tipo de
medicina, que abrange cinco dimensões específicas principais, todas interligadas e
interdependentes entre si: doutrina médica, dinâmica vital (ou fisiologia), morfologia
(ou anatomia), sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica, além de
uma sexta dimensão que seria a cosmologia, a qual uma determinada racionalidade
estaria submetida, ainda que implicitamente (LUZ, 1995).
Um dos principais pontos enfatizados nos trabalhos sobre as
“racionalidades médicas”, “(...) é o fato de a medicina se definir a partir de
paradigmas e de “racionalidades” (e, portanto de “racionalidades médicas”), no
plural, e não a partir de uma razão universal, acultural e ahistórica” (MARTINS,
1999).
Assim, Luz (1995) distingue, em especial, quatro Racionalidades Médicas:
Medicina Ocidental Contemporânea; Medicina Tradicional Chinesa; Homeopatia e
Medicina Ayurveda e aponta que estas racionalidades estão associadas a
paradigmas distintos, portanto à “cosmologias” distintas.

81
A cosmologia “(...) é a expressão de concepções metafísicas (religiosas ou
não)” (LUZ, 1995, p. 113). Nesse sentido, destaca-se um paradigma bioenergético,
“(...) comum às medicinas homeopática, tradicional chinesa e ayurvédica, por
oposição a outro, de natureza biomecânica, característico da medicina ocidental
científica”, correspondente à física clássica mecanicista, a única cosmologia
estritamente racional (LUZ, 1995, p.113).
Considerando o termo racionalidade médica como sistema médico
estruturado a partir de seis dimensões específicas, conforme proposto por Luz
(1995), a Naturologia não poderia ser considerada uma racionalidade específica. Ela
não se pauta de um sistema interligado de dinâmica vital, morfologia e das outras
dimensões. No curso, estuda-se a anatomia e fisiologia, tal como na biomedicina
(medicina ocidental contemporânea), mas também estuda outras formas como a
dinâmica vital e a morfologia da Medicina Tradicional Chinesa e da Ayurveda.
Assim, a Naturologia não é uma racionalidade médica propriamente dita,
porém pauta-se do estudo dessas – em especial as que se inserem em um
paradigma bioenergético -, além do estudo de outras práticas naturais. Observa-se,
então que a Naturologi,a como área da saúde, diferencia-se dos cursos da saúde
tradicionais por se pautar do paradigma bioenergético (tal como são as Medicinas:
Chinesa, Indiana, Homeopatia e Antroposófica).
O esquema analítico e classificatório das medicinas alternativas e
complementares proposto por Luz (1995) por meio da categoria de racionalidade
médica, “[...] permite distinguir entre sistemas médicos complexos como a
biomedicina ou a medicina ayurvédica de terapias ou métodos diagnósticos como os
florais de Bach, a iridologia, o reiki entre outros” (TESSER; BARROS, 2008, p. 917).
Além do estudo das racionalidades médicas Chinesa e Indiana, a Naturologia tem
em sua grade curricular distintos métodos de terapia e diagnóstico.

2.2.1 O ensino de Naturologia no Brasil: currículo dos cursos

Os cursos de Naturologia existentes no Brasil não possuem uma mesma


grade de disciplinas, uma vez que ainda é inexistente a diretriz nacional para tal
curso. Ainda assim, mesmo que haja disciplinas próprias em cada universidade, a
maioria das disciplinas e temas é comum entre elas.

82
Entre as disciplinas tradicionais dos cursos da saúde em geral os quais
estão presentes nos cursos de Naturologia no Brasil, destacam-se disciplinas da
área biológicas e da saúde (as quais envolvem: anatomia, processos funcionais e
patológicos, físico-química dos sistemas biológicos, farmacologia). Há ainda
disciplinas humanísticas que compreendem os fundamentos de psicologia aplicados
à Naturologia, antropologia, filosofia, sociologia.
Há as disciplinas em comum aos cursos de Naturologia as quais são os
fundamentos das medicinas tradicionais: Chinesa e Ayurvédica, fundamentos da
Antroposofia, e a bioconsciência – a qual trata das questões de sustentabilidade e
ecologia. No curso se estudam as práticas naturais, não as técnicas das
racionalidades médicas orientais propriamente ditas (como a acupuntura). No
entanto, a introdução ao estudo dessas racionalidades permite o acadêmico de
Naturologia conhecer outras realidades terapêuticas podendo, por opção,
especializar-se em alguma dessas.
Entre as disciplinas específicas que compõe à formação do naturólogo
que envolvem as terapias interventivas e métodos diagnósticos estão: arteterapia
(ou arte-integrativa), aromaterapia, hidroterapia, cromoterapia, massoterapia,
fitoterapia, reflexologia, iridologia, florais, trofoterapia, técnicas corporais. Abaixo,
segue breve explicação sobre tais técnicas descritas.
Arteterapia utiliza recursos artísticos com finalidades avaliativas e
terapêuticas, favorecendo o processo terapêutico a partir da expressão não verbal e
também verbal dos sentimentos e conflitos vividos, resgatando o potencial criativo
do homem, buscando a psique saudável e estimulando a transformação interna para
o re-equilíbrio emocional do ser (CARVALHO 2004). Nesta prática, destaca-se um
aspecto fundamental do se uso: o não julgamento estético.
A arteterapia usa a arte como meio de expressão pessoal para comunicar
sentimentos em vez de ter como objetivo produtos finais esteticamente
agradáveis a serem julgados segundo padrões externos. Esse meio de
expressão é acessível a todos, não apenas aos que tem talento artístico
(LIEBMAN 2000, p. 18).

O uso da arte como terapia na Naturologia é reconhecida como pela “[...]


importância do processo criativo como uma forma de reconciliar conflitos
emocionais, bem como facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal”
(ARCURI, 2004, p. 19).

83
Aromaterapia é o uso terapêutico dos óleos essenciais proveniente de
plantas aromáticas (BERWICK 1998). A aromaterapia compreende o estudo dos
óleos essenciais, especialmente sobre suas propriedades terapêuticas e a
segurança no emprego dos óleos essenciais nos sistemas do organismo e nas
emoções (CORAZZA, 2002).
A hidroterapia consiste no uso da água como recurso terapêutico em
diferentes temperaturas, podendo ser termais (termalismo) e minerais (crenoterapia).
As modalidades de aplicação podem ser realizadas externamente na forma de
banhos, pachos e compressas. O uso da água como recurso terapêutico é antigos,
sendo que Hipócrates, considerado o “pai da medicina”, a utilizava para recuperação
e manutenção da saúde. A primeira publicação acerca da hidroterapia foi descrita
por Herótodo em 450 a.C.. Atualmente, pesquisadores de várias partes do mundo
pesquisam e publicam os efeitos terapêuticos gerados pelas propriedades da água
em diferentes temperaturas (BONTEMPO, 2004; DALLA VIA, 2001).
A cromoterapia é a utilização das cores de forma terapêutica e abrange
diversas modalidades como a cromopuntura e a visualização criativa (AMBER,
1995). Dentre essas modalidades, a cromopuntura é a que tem ganhado maior
destaque no meio cientifico, existindo publicações sobre o assunto em revistas
científicas indexada, destacando-se os estudos de Calvo (2002), Croke (2002) e
Croke e Bourne (1999). Segundo Pagnamenta (2003), a cromopuntura é a aplicação
pontual da luz colorida sobre pequenas zonas predeterminadas da pele. Esta
técnica foi criada na Alemanha pelo Dr. Peter Mandel na década de 70, unindo a
acupuntura e a cromoterapia, sendo embasada nas teorias dos Biofótons, do
biofísico Fritz Albert Popp (MANDEL, 2000).
A massoterapia consiste em manobras que utilizam a manipulação dos
tecidos moles do corpo para fins terapêuticos. O toque terapêutico que tem como
objetivo manter e recuperar a saúde e contribuir na promoção do bem estar e da
melhor qualidade de vida (FRITZ, 2002).
A fitoterapia é a utilização das plantas medicinais, bem como dos
princípios ativos extraídos destas plantas, sem o uso de substâncias ativas isoladas,
com aplicações internas e externas, na forma de chás, cápsulas, extratos, tinturas,
cataplasmas e emplastros (CHEVALLIER, 2005; FERRO, 2005). Ressalta-se que a
utilização das plantas medicinais faz parte do arsenal terapêutico das diferentes

84
racionalidades médicas, como a Medicina Tradicional Chinesa, Medicina Ayurveda e
a Homeopatia (LUZ, 1995). Para além dessas, outros sistemas terapêuticos, como
as várias correntes Xamânicas e até mesmo a medicina popular fazem uso de ervas
específicas para o cuidado à saúde (ARAÚJO, 2002).
A reflexologia, segundo Kunz e Kunz (2000), consiste na aplicação de
pressão precisa sobre pontos específicos das mãos e dos pés, conhecidos como
pontos reflexos. Trata-se de um conhecimento que leva em conta a teoria dos
microcosmos, ou seja, do modelo holográfico, baseado na idéia de que uma parte
contém o todo; assim, os pés e as mãos, bem como as íris e as orelhas apresentam
todos os órgãos nelas refletidos (DOUGANS e ELLIS, 2001).
A iridologia é um campo de estudo que faz análise do estado de saúde do
indivíduo através da observação da íris (BATELLO, 1999). A iridologia, segundo
Beringhs (1997), parte do pressuposto de que na íris está registrada toda a
constituição orgânica de uma pessoa, bem como suas tendências comportamentais.
Foi no início do século XIX, com o Dr. Ygnatz Von Peczely, na Hungria, que a
Iridologia começou a ser estudada mais profundamente e desenvolvida como
técnica para a avaliação geral de condições de saúde (BATELLO, 1999).
Os remédios florais “são um método simples e natural de cura através do
uso de certas plantas silvestres.” (BARNARD, 1993, p. 9). Dentre os sistemas de
remédios florais mais conhecidos encontram-se os Florais de Bach, feitos a partir de
flores silvestres vindas da Inglaterra, cujo método foi descoberto pelo médico e
homeopata Dr. Edward Bach. Bach, seguindo sua intuição, abandonou a medicina
ortodoxa para se dedicar ao que ele considerava um método simples e eficaz no
processo de cuidado à saúde (BACH, 1997). Segundo Dr. Bach, as essências florais
aliviam e suavizam as aflições emocionais.
As técnicas corporais estão presentes nas medicinas tradicionais, como
na Medicina Tradicional Chinesa e na Medicina Ayurvédica. A Naturologia estuda o
uso de algumas técnicas corporais com finalidades terapêuticas. Entre as técnicas,
estudam-se métodos e práticas de relaxamento, “meditação”, técnicas posturais,
motoras, respiratórias e concentrativas. Dentre os exercícios motores de condução
de energia, estudam-se técnicas tais como oTai Ji Chüen, wu dan Qi Gong.
Há técnicas estudadas exclusivamente em cada um dos dois cursos de
Naturologia. No curso da UNISUL, por exemplo, estuda-se geoterapia, no curso da

85
UAM estuda-se watso (técnica de hidroterapia) e algumas das técnicas específicas
das medicinas Chinesa e Ayurveda.

2.2.2 Campos de atuação do Bacharel em Naturologia

O campo de atuação para o profissional de Naturologia é amplo e inclui


ações de saúde individual e coletiva em instituições públicas e privadas, tais como:
spas, estâncias hidrominerais, clínicas de saúde, casas de repouso, instituições
hospitalares, empresas privadas, organizações não-governamentais, além do
Bacharel em Naturologia abrir seu próprio espaço de práticas naturais (consultório).
“A participação em SPA's, no lazer associado ao ecoturismo, na busca
por um viver menos dissociado da natureza, é, sem dúvida, outro campo de ação em
que muito se espera do saber naturológico (FIALHO, 1999 p.6).
Para Garcia (2008) o enfoque de trabalho da Naturologia pode vir a
beneficiar o atual sistema de saúde. As oportunidades de trabalho no SUS vêm
crescendo e já é realidade em cidades catarinenses, paulistas e carioca.

2.2.3 Práticas Integrativas e Complementares, Naturologia e Saúde Pública no Brasil

No Brasil, as medicinas alternativas ou complementares tiveram sua


ascensão a partir das décadas de 70, como práticas que poderiam contribuir para o
bem-estar da população. Começaram a ocorrer crescentes discussões, ora
criticando, ora valorizando os métodos destas práticas. Contudo, o crescimento das
terapias naturais é tão somente a redescoberta destas práticas que estão presentes
há muito tempo nas sociedades e grupos em geral (CARVALHO, 2007).
Entre as recentes discussões internacionais os quais se destacam a favor
das medicinas alternativas e complementares, têm-se a posição da Organização
Mundial da Saúde (OMS) que, em 1962, fala pela primeira vez sobre Medicina
Tradicional e Complementar utilizando o termo Medicina Alternativa. “Em 1978, a
OMS recomenda aos seus estados-membros o uso integrado destas práticas pelos

86
Sistemas Nacionais de Saúde, em conjunto com as técnicas da medicina ocidental
moderna” (AZEVEDO, 2007a, p. 12).
No Brasil, a discussão sobre terapias naturais, alternativas e
complementares cresceu a partir de 1986, com a 8ª Conferência Nacional de Saúde,
realizada em Brasília. O item 2.3.a do relatório final desta conferência inclui a:
“introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços
de saúde, possibilitando ao usuário o acesso democrático de escolher a terapêutica
preferida” (CONFERÊNCIA NACIONALDE SAÚDE, 1986 in BRASIL 2006).
Destaca-se, também, a 10ª. Conferência Nacional de Saúde, realizada em
1992, que apontou no relatório final o estímulo à pesquisa nas áreas da
MCA13 (Medicina Complementar Alternativa) e MT14 (medicinas tradicionais)
e a incorporação destas no atendimento público como forma de garantir a
universalidade de acesso e a atenção integral, princípios básicos do
Sistema Único de Saúde (SUS). (AZEVEDO, 2007a, p.12 - grifo nosso).

O recorte histórico dos resgates das medicinas tradicionais e o aumento


da procura das medicinas alternativas e complementares sempre vêm atrelados a
um momento histórico particular:
(...) no qual surgem questionamentos sobre o modelo de saúde vigente; a
necessidade da humanização das práticas médicas; o fortalecimento da
visão inter e transdisciplinar da ciência e os conceitos de eficácia,
segurança e reações adversas dos medicamentos. (AZEVEDO, 2007b 3).

Esses questionamentos estavam presentes na população em geral, bem


como na Reforma Sanitária. Rodrigues (2008) descreve que ocorre nas ciências
humanas e biológicas um movimento no sentido de valorizar parâmetros mais
amplos que o tratamento de doenças, controle de sintomas, diminuição da
mortalidade ou aumento da expectativa de vida, direcionando-as noções de
promoção de saúde e qualidade de vida, noções integradas no Sistema Único de
Saúde a qual a Naturologia pode contribuir.
Ressalta-se que a crescente busca por terapias naturais, sejam as
tradicionais ou as complementares, passa também pelo modismo e pela ótica do
mercado. Assim, além do sistema de saúde brasileiro, os sistemas de ensino,
especialmente o público, de terceiro grau e de pós-graduação, deveriam direcionar

13
Tratar-se de um conjunto de práticas sanitárias que não fazem parte da tradição do país, ou não
estão integradas em seu sistema sanitário prevalecente (AZEVEDO, 2007a, p. 12).
14
Para a OMS, trata-se de “práticas, enfoques, conhecimentos ou crenças sanitárias diversas que
incorporam fitoterapia, técnicas manuais, técnicas espirituais e exercícios, de forma individual ou em
combinação, para manter o bem-estar, além de tratar, diagnosticar e prevenir as enfermidades”
(AZEVEDO, 2007a, p.12).

87
esforços para que se estabeleçam pesquisas na área, especialmente para contribuir
no contexto social em que se insere.
O SUS abre, cada vez mais, espaço às práticas terapêuticas naturais,
tradicionais e complementares. Nesse sentido, tem-se a Portaria Nº 971, de 3 de
maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no SUS. Tal portaria assegura o uso da medicina
tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, do termalismo social e das plantas
medicinais - fitoterapia como práticas a serem realizadas por profissionais da saúde
(segundo suas habilidades asseguradas pelos respectivos conselhos) (BRASIL,
2006). Embora haja uma política nacional que assegura a inserção de práticas
naturais no âmbito público, são poucos os profissionais da saúde formados com
especialização e conhecimento nesta área.
O curso de Naturologia auxilia a preencher esta lacuna existente no
âmbito acadêmico brasileiro. A criação desse curso de graduação pretende “(...)
contribuir no contexto social em que se insere, as práticas naturais baseadas em
conhecimentos que privilegiam a pesquisa, o ensino e a extensão nesta área”
(SILVA, 2004, p.13).
A PNPIC é uma das políticas nacionais que pode fortalecer ainda mais a
inserção de Naturólogos no SUS. Atualmente existem naturólogos trabalhando na
saúde pública e também experiências educacionais, em que estagiários do curso de
Naturologia realizam trabalhos remunerados ou voluntários em âmbito público de
saúde.
Nesse sentido, destaca-se a prefeitura de São Joaquim, em Santa
Catarina, como sendo a primeira no Brasil a contratar, através de concurso público,
naturólogos para atuar na saúde pública (ESTADO DE SANTA CATARINA, 2007). A
prefeitura da cidade de Santos, no estado de São Paulo, aprovou um projeto de
inclusão das terapias naturais no sistema de saúde municipal a ser exercida por
profissionais com especialidades na área, em especial o Naturólogo. Destaca-se
ainda, o Departamento Municipal de Saúde de Registro, em São Paulo, o qual abriu
inscrições, em maio de 2007, para o processo seletivo afim de preencher a vaga de
Naturólogo para o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE SAÚDE DE REGISTRO, 2008). Em 2008, a
prefeitura de Tijucas (SC) contratou uma naturóloga para atuar na atenção básica.

88
Além da contratação de profissionais, algumas prefeituras, como as de
Palhoça (SC), Santo Amaro da Imperatriz (SC) e Biguaçu (SC), contrataram
acadêmicos do curso de Naturologia para atendimento dos trabalhadores no serviço
municipal de saúde. No município de Palhoça - SC, alguns voluntários do Programa
Linha Verde, ligado ao Curso de Naturologia da UNISUL, atendem em algumas
Unidades Básicas de Saúde do município, os profissionais trabalhadores do SUS,
além de atenderem à população em outras instituições públicas, como no Centro de
Apoio Psicossocial (CAPS) (UNISUL, 2008c).
Existem atualmente, no estado de Santa Catarina, dois Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) que contam com serviços de Naturologia: Palhoça e
Caçador. Em Palhoça o trabalho realizado nesta instituição consiste no atendimento
semanal dos usuários do CAPS através das Praticas Naturais realizadas por
estagiários e acadêmicos de Naturologia Aplicada. Os usuários são encaminhados
pelos profissionais do CAPS para os atendimentos semanais, totalizando cerca de
10 sessões. Em Caçador, os usuários do CAPS são acompanhados por uma
Naturóloga contratada pelo município (FARIAS; at all, 2008).

89
3 PERCURSO METODOLÓGICO

Em qualquer lugar que se queira chegar, faz-se necessário escolher um


caminho e percorrê-lo. Pode-se ir a pé ou através de outros meios de locomoção.
Pode-se ir só ou acompanhado. Vai-se às escuras, sem certeza de chegar, ou se vai
com um mapa para facilitar a chegada.
Apresenta-se a seguir o caminho percorrido para alcançar os objetivos
deste estudo, lugar onde se almejava chegar. Inicia-se com o tipo de estudo, meio
de locomoção utilizado, segue-se com o cenário e os sujeitos da pesquisa, as terras
caminhadas e as pessoas que forneceram informações. Na sequência, mostra-se o
mapa do percurso: coleta de dados, amostragem e a análise dos mesmos e, por fim,
as limitações do método, as quais apresentam, além dos pedágios, os caminhos
desviados.

3.1 Tipo de Estudo

Este estudo utilizou o método de investigação de abordagem qualitativa,


classificando-se a pesquisa, de acordo com Triviños (1998), em descritiva, segundo
seus fins, e pesquisa documental e de campo, segundo seus meios.
Com relação ao estudo qualitativo, Minayo (2007) enfatiza que esse trabalha
com um universo de significados, motivos, aspirações, atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações. Segundo Richardson et al. (1999, p.82), a
pesquisa qualitativa é aquela que pode “descrever a complexidade de determinado
problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança
de determinado grupo [...]". Conforme Menezes e Silva (2001, p.41), a pesquisa é
qualitativa, quando “a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados [...]
não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas”.
Segundo Triviños (1998, p.20) “o estudo descritivo é aquele que pretende
descrever, com exatidão, os fatores e fenômenos de determinada realidade”. Para
Gil (2002 p. 42), “as pesquisas desse tipo têm como objetivo primordial a descrição
das características de determinada população ou fenômeno [...]. As pesquisas

90
descritivas são [...] as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais
preocupados com a atuação prática”.
Tobar e Romano (2001, p.72) relatam que a pesquisa documental é
realizada com base em documentos guardados em órgãos públicos ou privados de
qualquer natureza. Os mesmos autores afirmam que a pesquisa de campo é
realizada no lugar onde ocorre o fenômeno, e dispõem de elementos para explicá-lo,
sendo pesquisa de campo toda aquela centrada em entrevistas.

3.2 Cenário e Sujeitos da Pesquisa

Fizeram parte desta pesquisa dois cursos de Naturologia existentes em


duas universidades brasileiras: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e
Universidade Anhembi Morumbi (UAM) – São Paulo. Essas universidades
participaram da pesquisa, pois, além de ofertarem o curso em questão, responderam
a outros dois critérios de inclusão no estudo: (1) reconhecimento do Ministério da
Educação e (2) aceitação do coordenador em participar da pesquisa, permitindo o
acesso à documentação necessária, mediante assinatura da Declaração de Ciência
e Parecer da Instituição Envolvida (Apêndice I) e do Termo de Consentimento para
Coleta de Dados (Apêndice II).
Pelo fato de serem apenas dois cursos de Naturologia, em todo o país,
reconhecidos pelo Ministério da Educação até o presente momento, os nomes das
universidades não foram mantidos em sigilo, por serem de fácil identificação.
A UNISUL foi criada em 1964, na cidade de Tubarão – Santa Catarina,
com o nome de FESSC (Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina).
Transformou-se em universidade em 1989. É uma universidade comunitária, sem
fins lucrativos. Possui cerca de 25 mil alunos, distribuídos em aproximadamente 50
cursos de graduação, pós-graduação e ensino a distância, em quatro campi
instalados nos municípios de Tubarão, Araranguá, Palhoça e Florianópolis, além de
unidades de ensino em várias cidades da área de abrangência. O curso de
Naturologia dessa universidade, criado em 1998, é o pioneiro no Brasil e seu
funcionamento acontece no campus Pedra Branca, na cidade de Palhoça, em Santa
Catarina (UNISUL, 2008a).

91
A Universidade Anhembi Morumbi (UAM) iniciou em 1982, com a junção
de duas instituições: a Faculdade de Comunicação Social Anhembi, criada em 1970,
na cidade de São Paulo e a Faculdade de Turismo do Morumbi, criado em 1971, o
primeiro curso superior de Turismo no Brasil a formar graduados nessa área. A UAM
possui cursos de Graduação, Graduação Tecnológica, Graduação Executiva,
Graduação Online e Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu, os quais atendem cerca
de 25 mil alunos. O curso de graduação em Naturologia dessa universidade, criado
em 2002, é pioneiro no estado de São Paulo e seu funcionamento acontece no
Campus Centro, localizado na cidade de São Paulo (UAM, 2008a).
Os sujeitos da pesquisa foram vinte docentes das Universidades
selecionadas. No que tange à escolha dos participantes, foram considerados
critérios de inclusão: (1) ser docente do curso de Naturologia há pelo menos um ano
e (2) ministrar disciplinas com temática relativa à Bioética. Os participantes do
estudo passaram a compor a amostra mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice III), em conformidade com as
exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Do total dos entrevistados, nove foram do sexo masculino e onze do sexo
feminino. Quanto à formação acadêmica dos professores, seis entrevistados (30%)
eram naturólogos. O dado referente à formação dos demais professores não serão
apresentados aqui para que os mesmos não sejam identificados; porém, ressalta-se
que esses eram formados em outras dez diferentes graduações das mais diversas
áreas do conhecimento (ciências sociais e humanas, biológicas e da saúde). Sobre
a titulação de nível superior dos entrevistados, observou-se que 50% dos
entrevistados tinham a titulação máxima de especialista; 30% eram doutores ou pós-
doutores e 20% eram mestres.

3.3 Coleta de Dados, Participantes da Pesquisa e Amostragem

As fontes de informação e captação dos dados para a realização deste


estudo se realizaram em dois momentos: (1) coleta dos dados documentais e (2)
coleta da entrevista dos professores dos cursos de Naturologia.
No primeiro momento, coletaram-se os dados documentais provenientes
dos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) de Naturologia, os quais contemplam o

92
currículo dessa graduação, bem como os planos de ensino das disciplinas
ministradas ao longo do curso.
Segundo Vasconcellos (1995, p.143 apud BAFFI, 2002), o projeto
pedagógico:
[...] é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os
desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente,
sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma
metodologia de trabalho que possibilita resignificar a ação de todos os
agentes da instituição.

No “Instrumento de avaliação de cursos de graduação” proposto pelo


Ministério da Educação (2006, p. 11) consta que:

Cada curso dispõe de seu projeto pedagógico tendo em vista as


especificidades da respectiva área de atuação. [...]. Esse é a referência das
ações e decisões de um determinado curso em articulação com a
especificidade da área de conhecimento no contexto da respectiva evolução
histórica e do campo de saber.

O Projeto Pedagógico contempla o currículo dos cursos de graduação


(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006). Currículo é o “Conjunto de disciplinas e
atividades de um curso a ser cumprido pelo estudante para a obtenção de um
certificado ou diploma” (INEP, 2008a). O Ministério da Educação do Brasil concebe o
currículo como “[...] um espaço de formação plural, dinâmico e cultural,
fundamentado nos referenciais socioantropológicos, psicológicos, epistemológicos e
pedagógicos [...]” (2006, p. 11).
Os planos de ensino, por sua vez, são documentos que relacionam os
propósitos, os conteúdos, os problemas, as atividades e os materiais relacionados
com um assunto de determinada disciplina (INEP, 2008b). Para a amostra
documental, analisaram-se os planos de ensino provenientes do último PPC de cada
universidade. Nesse primeiro momento da pesquisa, etapa I, procurou-se localizar e
selecionar os planos de ensino que contivessem temas de interesse para discussões
em Bioética.
Entendendo que a Bioética pode ser considerada “[...] tanto uma disciplina
acadêmica, a ser ensinada como qualquer outra, quanto uma ferramenta de um
campo inter e transdisciplinar [...]” (SCHRAMM, ANJOS E ZOBOLI, 2007, p. 51),
considera-se que, tal como afirmam Figueiredo, Garrafa e Portillo (2008), torna-se
quase impossível definir o número exato das disciplinas que são oferecidas nos
diversas cursos de graduação e nas instituições de ensino as quais tratam dessa

93
temática. Dessa forma, partiu-se do pressuposto que os conteúdos relativos à
Bioética contemplados nos currículos dos cursos da área da saúde, além de serem
inseridos em uma disciplina específica de Bioética, são também diluídos
transversalmente ao longo da formação acadêmica nas diversas cadeiras, pois os
temas relativas à Bioética são vastos.
Para a coleta dos dados documentais, foi feito contato com os
coordenadores dos cursos de Naturologia e apresentou-se o projeto e, mediante o
aceite em participar da pesquisa, deu-se a solicitação do acesso aos documentos
(Projeto Político Pedagógico contendo os Planos de Ensino).
Esse primeiro momento da pesquisa, especialmente através da análise
dos planos de ensino, possibilitou identificar as principais disciplinas que
trabalhavam com temas bioéticos, totalizando o número de trinta e seis planos
selecionados, sendo dezoito de cada universidade participante do estudo. A
localização dos planos de ensino possibilitou identificar os professores que iriam
compor o segundo momento da coleta de dados.
Na segunda etapa, foram realizadas as entrevistas com os professores
das disciplinas selecionadas que continham temas bioéticos, com a finalidade de
conhecer como os temas bioéticos, encontrados na análise documental, eram
compartilhados com os acadêmicos do curso de Naturologia. Nessa fase, a coleta
de dados foi realizada mediante entrevista semi-estruturada, guiada por tópicos
pensados a partir dos objetivos da pesquisa (Apêndice IV), gravadas e
posteriormente transcritas.
A entrevista semi-estruturada é uma das técnicas qualitativas para o
levantamento de dados acerca da subjetividade humana (MINAYO, 2007). Essa
técnica “valoriza a presença do investigador ao mesmo tempo, oferece todas as
perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a
espontaneidade necessária, enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS, 1987, p.146).
Cada participante foi entrevistado em encontro pré-agendado, realizado
no espaço de trabalho. Entrevistaram-se vinte professores dos dois cursos de
Naturologia selecionados. Cabe ressaltar que dos vinte professores consultados,
doze eram de uma universidade e oito de outra. Ressalta-se que os docentes de
uma instituição ministravam duas ou mais disciplinas no mesmo curso, fato que

94
provocou número desigual de entrevistados, já que se prezou pelo número igual de
planos de ensino por curso.

3.4 Análise dos Dados

Os dados obtidos nesta pesquisa, provenientes dos documentos e das


transcrições das falas dos entrevistados foram tomados em conjunto, não sendo
analisadas separadamente por universidades, uma vez que o objetivo desta
investigação trata das reflexões a partir do ensino da Naturologia no Brasil, ainda
que possam existir algumas diferenças entre as universidades que ofertam tal curso.
Após, as informações obtidas foram tratadas através da análise de conteúdo, meio
utilizado na pesquisa qualitativa. Bardin (1977, p. 42) a descreve como:

[...] um conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando


obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativo ou não) que
permitem a inferência de conhecimentos, relativos às condições de
produção dessas mensagens.

Dentre as abordagens existentes de análise de conteúdo, a Análise


Temática é apontada como a mais apropriada para investigações qualitativas em
saúde (MINAYO, 2007, p. 309). Esse tipo de análise parte de diferentes fases
cronológicas operacionais para o método, tal como ensina Bardin (1977), a começar
pela (1) pré-análise, seguida de (2) exploração do material - codificação - e, por fim,
(3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
A pré-análise é a fase da organização do material a ser analisado e tem
por objetivo operacionalizar e sistematizar as idéias, consistindo na escolha dos
documentos a serem analisados e na retomada dos objetivos da pesquisa. Nessa
etapa, o pesquisador tomou contato direto e intenso com o material, fez primeiro
uma leitura flutuante até tornar-se mais precisa. Essa fase “[...] corresponde a um
período de intuições, mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as
idéias iniciais de maneira a conduzir um esquema preciso do desenvolvimento das
operações sucessivas, num plano de análise (BARDIN, 1977, p. 95).
Nessa fase de análise, procurou-se identificar no PPC, em especial nas
ementas das disciplinas da grade curricular, elementos relativos às questões

95
Bioéticas e as respectivas disciplinas nas quais essas questões eram estudadas.
Posteriormente, foram pré-analisados os planos de ensino selecionados, ou seja,
aqueles que continham indícios a de temas bioéticos, a fim de identificar os
principais temas de Bioética tratados no curso.
A segunda fase, exploração do material – codificação –, antecede a
análise propriamente dita e é a ocasião da administração das técnicas sobre o
corpus do trabalho. Nessa etapa, “(...) os dados brutos são transformados de forma
organizada e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das
características pertinentes do conteúdo" (HOLSTI, 1969 apud BARDIN 1977, p.103).
Nessa etapa, fez-se a codificação dos dados encontrados na análise
documental: foram determinadas a unidade de registro (temas bioéticos
encontrados) e a unidade de contexto (como esses temas aparecerem no plano de
ensino). O “quadro 1”, abaixo, apresenta o prospecto do instrumento de coleta de
dados utilizados para a coleta dos dados documentais.

Quadro 1: Instrumento de coleta de dados da fase documental.

NOME DA UNIVERSIDADE

UNIDADE DE REGISTRO UNIDADE DE CONTEXTO PROFESSOR E DISCIPLINA

Após a realização da primeira etapa da coleta de dados foi realizado a


segunda fase da pesquisa a qual se ocupou das entrevistas dos professores. Os
professores selecionados foram entrevistados mediante a aplicação de questionário
semi-estruturado o qual continha perguntas referente ao contexto geral das
disciplinas ministradas, e aprofundava-se nos questionamentos de como os
determinados temas bioéticos identificados no plano de ensino eram compartilhados
com os acadêmicos.
Após a transcrição das entrevistas, foi realizada novamente a fase da pré-
análise, agora com os dados referentes às transcrições das entrevistas. O material
foi sistematizado de forma semelhante ao instrumento de coleta de dados da fase
documental apresentando no “Quadro 1”, o que tão logo possibilitou o emprego da

96
segunda fase: a exploração do material – codificação. Essa fase antecedeu a
análise propriamente dita e possibilitou a ampliação do corpus do trabalho,
permitindo então a realização da categorização. “A categorização é uma operação
de classificação de elementos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente,
por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente
definidos” (BARDIN, 1977, p.117). Trata-se de um processo estruturalista composto
de duas etapas: o inventário (isolar elementos) e a classificação (organizar as
mensagens) para transformar os dados brutos em dados organizados.
Após realizado o agrupamento dos dados de acordo com os temas
bioéticos trabalhados no ensino da Naturologia no Brasil, encontrados nos planos de
ensino e acrescidas, na unidade de contexto, as falas dos professores entrevistados,
foi possível a definição de categorias para este estudo. Nota-se, então, que a
categorização empregada foi pelo processo de milha. Na milha, o sistema de
categoria não é fornecido previamente, sendo decorrente do resultado da
classificação, definida no final da operação (BARDIN, 1977).
Para possibilitar o tratamento dos resultados obtidos, ou seja, para
permitir a inferência dos enfoques bioéticos que percorrem o ensino da Naturologia
no Brasil, o que corresponderia ao tratamento dos resultados obtidos e a
interpretação - terceira e última fase de análise dos dados, construiu-se o campo
“elementos teóricos e comentários”, com a finalidade de destacar os elementos
teóricos que constituem cada enfoque de análise em bioética e realizar comentários.
Também o campo “Referencial de análise” foi acrescido ao instrumento de coleta de
dados, habilitando-o a ser utensílio para facilitar o tratamento dos dados e inferência
dos referenciais de análise em bioética encontrados. Os acréscimos feitos no
instrumento de coleta de dados resultaram no “esquema para tratamento dos dados
e interpretação”, conforme exemplificado no quadro 02:

Quadro 2: Esquema para tratamento dos dados e interpretação.

ESQUEMA PARA TRATAMENTO DOS DADOS EINTERPRETAÇÃO

UNIDADE PROFESSOR ELEMENTOS


REFERENCIAL
DE UNIDADE DE CONTEXTO E TEÓRICOS E
DE ANÁLISE
REGISTRO DISCIPLINA COMENTÁRIOS

97
A partir do esquema para tratamento dos dados e interpretação foi
possível, ainda no que se refere à fase da exploração do material, apresentar as
informações identificadas para o balizamento frente a cada tema de bioética
encontrado de forma detalhada e com justificativas (comentário) a fim de que
pudessem servir de indicadores para a inferência dos referenciais de análise em
Bioéticas presentes no ensino da Naturologia no Brasil.
O tratamento dos resultados obtidos e a interpretação formam a
terceira fase. Bardin (1977) coloca que nessa etapa os dados brutos são tratados de
maneira a serem significativos e válidos, permitindo a inferência das mensagens
sobre o conteúdo pesquisado. Nesse sentido, a análise de conteúdo não se
restringe à descrição dos conteúdos, mas sim na capacidade de inferir sobre a
comunicação, recorrendo aos indicadores.
A inferência parte dos elementos constitutivos da comunicação,
basicamente o emissor e o receptor, enquanto pólos de inferência propriamente
ditos, também da análise da mensagem, correspondente ao código e à significação
(BARDIN, 1977).
Partindo-se dos indicadores encontrados, apresentados como “elementos
teóricos”, foi realizada a inferência de quais enfoques bioéticos estão presentes no
ensino de Naturologia no Brasil. Posteriormente, as informações encontradas foram
discutidas à luz da Bioética Social.
Entre os seis referenciais de análise em Bioética que compuseram este
estudo (enfoques: principialista, das virtudes, do cuidado, naturalista, da ética
profissional, social), apenas o enfoque da ética profissional foi acrescentado após a
realização da pesquisa de campo, uma vez que não estava previsto no projeto inicial
e surgiu a necessidade de acrescentá-lo. Outros dois enfoques, da casuística15 e o

15
O modelo casuístico foi apresentado por Albert R. Jonsen e Stephen Toulmin em The abuse of
casuistry. Esses enfatizam a importância do estudo de casos a serem analisados caso a caso,
portanto não tendo princípios pré-estabelecidos, mas sim se pautando de um plano analógico em que
se estabelecem analogias do caso em questão com outros casos paradigmáticos já estabelecidos.
Assim, da análise de cada caso que emerge a máxima ou o princípio que deve orientar o agir para a
solução do caso específico. Jonsen e Toulmin, assim como Beauchamp e Childress (2001), fizeram
parte da Comissão Belmont. Os autores da casuística defendem que os princípios arrolados pelo
relatório Belmont são as conclusões de um processo casuístico, pois as máximas determinadas
emergiram a partir das análises de casos, não, portanto, de princípios previamente estabelecidos
(JONSEN E TOULMIN, 1988; NEVES, 1996; JUNGES, 2005; ANJOS, 2001).

98
liberalista16, previstos inicialmente no projeto, por não aparecerem nas análises dos
dados encontrados enquanto referencial de análise dos temas bioéticos, foram
abandonados na versão final do presente estudo.
Para facilitar a compreensão dos seis enfoques considerados no atual
trabalho, apresenta-se, a seguir, um quadro resumo, contendo os principais
elementos constituintes dos referidos referenciais bioéticos. Os elementos dos
referenciais teóricos em Bioética: do principialismo, das virtudes e do cuidado, são
de autoria de Zoboli (2003). Os demais são de autoria do pesquisador.

Quadro 3: Elementos constituintes dos diferentes enfoques em Bioética.

ENFOQUE PRINCIPIALISTA

RESPEITO À AUTONOMIA = capacidade para decidir


• dizer a verdade
• respeitar a privacidade
• proteger a informação confidencial
• consentimento livre e esclarecido
• ajudar na tomada de decisão

NÃO MALEFICÊNCIA = não causar mal ou dano


• não matar
• não causar dor ou sofrimento
• não incapacitar
• não ofender
• não privar os outros dos bens da vida

BENEFICÊNCIA = fazer ou promover o bem; prevenir o mal ou dano; eliminar o


mal ou dano
• proteger e defender os direitos dos outros
• ajudar pessoas com incapacidades

16
Encontra na obra The foundations of bioethics de H. Tristam Engelhardt Jr. as idéias defendidas
por vários estudiosos da bioética de enfoque liberalista. Esse referencial de análise busca a
afirmação da autonomia do indivíduo em relação ao seu corpo e sobre as decisões que envolvem sua
própria vida e tem forte inspiração na tradição política e filosófica do liberalismo norte-americano
(ENGELHARDT JUNIOR, 1998; NEVES, 1996).

99
• prevenir danos que possam ocorrer a outros
• eliminar condições que causarão danos aos outros
• resgatar pessoas em perigo
• balanço dos benefícios, custos e danos com vistas a alcançar o maior benefício
líquido (princípio da utilidade)
• proporcional retorno (princípio da reciprocidade)

JUSTIÇA = distribuição dos bens e recursos, de maneira justa, eqüitativa,


apropriada e determinada por normas justificadas
• distribuição dos benefícios necessários a cada um para amenizar ou corrigir os
efeitos deletérios da loteria biológica e social
• acesso igual ao mínimo decente
• maior bem para maior número

ENFOQUE DAS VIRTUDES

• percepção da atenção à saúde como prática com bens internos


• honestidade na relação com outros partícipes da prática
• confiança nos demais partícipes da prática
• justiça = tratamento uniforme e impessoal de acordo com o mérito por louvor ou
castigo
• coragem = expor seus próprios interesses ao risco de danos ou perigos

ENFOQUE DO CUIDADO

• reconhecimento da importância do vínculo mútuo


• fortalecimento das relações de vínculo
• não rompimento das relações de vínculo
• felicidade de todos
• não magoar ninguém
• busca da solução não violenta dos conflitos por meio da comunicação
• empatia e escuta como elementos para o estabelecimento do vínculo
• responsabilidade por si como característica básica para cuidar do outro

100
ENFOQUE NATURALISTA

• proposta individualista com inserção da pessoa na sociedade


• natureza é dotada de um ritmo próprio pelo qual se auto-regula
• ética baseada no direito das pessoas e na existência de bens fundamentais e
finais:
• vida;
• conhecimento
• vida estética
• vida lúdica
• razão prática
• religiosidade
• amizade

ENFOQUE DA ÉTICA PROFISSIONAL

• acatamento do código deontológico como o meio para resolver problemas éticos


• temor a sanções e penalidades
• recorrer às comissões de ética e medição para resolver os problemas

ENFOQUE SOCIAL

• ênfase nas relações sociais


• desigualdades sociais como fator de produção de doenças
• saúde como direito coletivo e dever do estado
• empoderamento entendido como emancipação
• justiça = equidade; justiça de classe, gênero e etnia
• Ética da responsabilidade
• defesa da cidadania
• solidariedade
• questões Bioéticas pensadas a partir da perspectiva dos Direitos Humanos:
• (1) individuais: à vida, à liberdade, à privacidade, à não-discriminação
• (2) coletivos: à saúde; à educação, à assistência social
• (3) transpessoais: direitos ambientais e à solidariedade
• reconhecimento e respeito da pluralidade moral, propondo-se ao diálogo social

101
3.5 Limitações do Método

As limitações do método na presente investigação estão principalmente


relacionadas ao método de estudo qualitativo utilizado. Minayo (2007) distingue uma
lista de características potencialmente limitantes nesse tipo de pesquisa,
destacando-se: a implicação dos valores, emoção e visão de mundo do pesquisador
na análise dos resultados; corre-se o risco da ênfase na descrição dos fenômenos
em detrimento da análise dos fatos; disponibilidade dos entrevistados quanto ao
tempo e a vontade de falar.
Ressalta-se ainda, enquanto limitação, que esta pesquisa leva em conta os
dados oriundos do currículo formal da graduação de Naturologia no Brasil, a partir
dos documentos relacionados ao Projeto Pedagógico do Curso e seus
desdobramentos (planos de ensino) e os dos relatos dos professores de Naturologia.
Adverte-se que não foram previstas considerações sobre o currículo oculto, ou seja,
as relações intersubjetivas presentes no processo educativo, bem como os modelos
profissionais e as vivências acadêmicas (FINKLER, 2008).

3.6 Considerações Éticas

Por se tratar de uma pesquisa que envolveu seres humanos, atendendo à


Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – CNS (BRASIL, 1996)
(APÊNDICE V), o projeto desta pesquisa, após qualificado, foi submetido ao Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, para a
apreciação, sendo aprovado e registrado pelo protocolo 297/8 FR-224129 (ANEXO
III). O projeto não previa riscos à saúde geral dos participantes e somente após a
aprovação do mesmo, foi iniciada a coleta de dados referente às entrevistas.
De maneira geral esta pesquisa previu:
9 A devolução dos resultados da pesquisa aos sujeitos e à sociedade;
9 A garantia de acesso, por parte dos participantes, aos resultados da
pesquisa;
9 A garantia do anonimato na publicação dos dados da pesquisa;

102
9 O direito à participação voluntária, sem que ocorram coerções de nenhuma
espécie;
9 O direito dos participantes em desistir em qualquer momento do estudo;
9 A garantia da inexistência de conflitos de interesses do pesquisador e dos
sujeitos do estudo.
Os entrevistados puderam ter benefícios diretos, como o de aumentar a
auto-estima por realizar um desejo altruísta de ajudar o pesquisador. As instituições
tiveram benefícios relacionados ao conhecimento dos resultados os quais são
possíveis subsídios para se constituir material acadêmico.
Assim, este trabalho apresentou relevância político-pedagógica por
proporcionar contribuição para possíveis reformulações dos Projetos Pedagógicos
dos Cursos de Naturologia e à formulação das diretrizes curriculares para de um
curso emergente no Brasil: a graduação de Naturologia. Apresentou ainda
importância científica, social e político, conforme considerado na justificativa deste
estudo. Ressalta-se que todos os documentos e dados serão armazenados em
arquivos impressos e digitais, sob responsabilidade do Autor, por um período de
cinco (5) anos após a conclusão do estudo (a contar de agosto de 2009). Após esse
tempo, o material será descartado.

103
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme preconiza o Regimento do Programa de Pós-Graduação em


Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, a forma de apresentação
dos resultados das dissertações deve ser apresentada por pelo menos um artigo
original. Por essa razão, os resultados e a discussão deste estudo estarão sob a
forma de dois artigos científicos, correspondendo, conforme se apresenta no
sumário, ao item 6 (6.1 Artigo 1 e 6.2 Artigo 2), apresentado após as referências
deste projeto ampliado de pesquisa.
O primeiro artigo, tem como título “Reflexões sobre os referenciais de
análise em Bioética no ensino da Naturologia no Brasil à luz da Bioética
Social”. O segundo artigo é denominado “Bioética, Ética e Deontologia no Ensino
da Naturologia no Brasil: Reflexões a partir da Bioética Social”.
Ressalta-se que o primeiro artigo responde ao objetivo central da
pesquisa e apresenta os temas e referenciais de Bioética trabalhados no curso de
modo transdisciplinarmente. O segundo, versa sobre como se configura o estudo da
Bioética, Ética e Deontologia enquanto disciplinas autônomas ou unidades de
ensino (conteúdos) em outras matérias do curso de Naturologia. Abordam-se as
características das cadeiras em pauta quanto a questões alusivas à carga horária,
metodologias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem, também quanto aos
referenciais estudados.
Faz-se mister relatar que um dos Cursos de Naturologia das
Universidades analisadas, um semestre após a realização da pesquisa de campo
desta investigação, acrescentou 120 horas aulas de conteúdos alusivos à Saúde
Coletiva, em uma disciplina. Este fato foi possível, pois havia no Projeto Político de
Curso uma cadeira a qual facilitava a escolha de temas para atualizar a formação do
naturólogo. Atualmente, nessa disciplina, estudam-se políticas públicas de saúde e
outros temas de relevância sociopolítica.

104
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2003b.

115
6 ARTIGOS RESULTANTES DA PESQUISA

6.1 Artigo 1: Reflexões sobre os referenciais de análise em Bioética no ensino


da Naturologia no Brasil à luz da Bioética Social

Fernando Hellmann1
Marta Inez Machado Verdi1

RESUMO:

Objetiva-se discutir, à luz da Bioética Social, os temas e os referenciais de análise


em Bioética presentes no ensino de Naturologia no Brasil e suas implicações para a
formação do naturólogo. De abordagem qualitativo-descritiva, por meio de
investigação documental e de campo, realizou-se a pesquisa em duas universidades
brasileiras. Participaram vinte docentes através de entrevistas semi-estruturadas e
analisaram-se trinta e seis planos de ensino de dois cursos. Os dados coletados
foram submetidos à análise de conteúdo e resultaram em cinco categorias: Da
relação terapêutica à ecologia: temas bioéticos presentes no ensino da Naturologia;
A relação terapêutica na Naturologia: enfoque do cuidado na Bioética; Fundamentos
da Naturologia: do enfoque naturalista à naturalização dos problemas sociais; Das
virtudes à deontologia: pluralidade de enfoques no ensino da Naturologia; Vocação,
presença e desafios da Bioética Social no curso de Naturologia. Percebeu-se que, o
ensino de Naturologia tem sua ênfase no cuidado à saúde individual e trata dos
problemas sociais de modo superficial, distante de possibilitar a capacitação de um
profissional socialmente comprometido. Requer-se ampliação de temas sócio-
políticos no ensino de Naturologia e habilitar os referenciais de análise em Bioética
identificados ao enfoque social.

Palavras-chave: Bioética. Naturologia. Saúde Coletiva. Ensino.

Correspondência:
Marta Inez Machado Verdi
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde, Campus Universitário – Trindade
Florianópolis – SC – Brasil
CEP: 88010-970
E-mail: [email protected]

1
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

116
INTRODUÇÃO

Ao se refletir sobre a interface entre Bioética e Naturologia converge-se à


possível relação entre o processo de construção do campo de conhecimento da
Bioética e da Naturologia. A primeira, tal como idealizada por Van Rensselaer Potter,
nos fins da década de 60, nos Estados Unidos da América (EUA), pretendia ser a
“ciência da sobrevivência”, a ponte entre a ciência e filosofia em termos
abrangentes, inquietando-se com o bem-estar dos seres humanos, animais não-
humanos e do ambiente, frente à utilização desenfreada da natureza enquanto
recurso para o desenvolvimento econômico e tecnológico (POTTER, 1970). A
Naturologia, por sua vez, surge com o olhar voltado para a integralidade no cuidado
à saúde humana, não apenas compreendendo o indivíduo enquanto unidade
singular de vida, mas também como resultado da interrelação com o ambiente,
utilizando, para o cuidado à saúde, práticas naturais sob a ótica ética e ecológica,
embasada no aproveitamento sustentável dos elementos da natureza (FIALHO,
1999; SILVA, 2004; HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Embora se assinale semelhanças entre a idealização inicial da Bioética e
da Naturologia, consideram-se que essas duas áreas de conhecimento são campos
acadêmicos polissêmicos, em constante evolução, sofrendo influências diversas de
acordo com os seus momentos históricos e com as realidades econômica, social,
política e cultural específicas. Para dar exemplo sobre o processo evolutivo, ocorrido
nessas duas áreas, do qual resultam diferentes possibilidades de concepções,
apresentam-se, inicialmente, a discussão da Bioética, como cenário conceitual deste
estudo, e, depois, a Naturologia, como cenário contextual.
Se a criação do termo Bioética, como impresso no desejo de Potter,
compreendia a necessidade de mudança nos valores da sociedade ocidental e a
aproximação das ciências naturais e humanas como forma de garantir a vida no
planeta, historicamente, essa não foi a base teórica considerada, pelo menos nas
duas primeiras décadas do seu surgimento. O domínio da atuação na área passou a
circunscrever-se ao âmbito biomédico e biotecnológico, devido à apropriação do
termo no meio médico na sociedade norte-americana, preocupando-se quase que
exclusivamente com os conflitos existentes nas relações entre profissionais da
saúde e pessoas assistidas, pesquisadores e sujeito da pesquisa (PORTO e
GARRAFA, 2008).

117
A consolidação acadêmica da Bioética iniciou-se principalmente nos EUA,
com a instituição, pelo Governo, da Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, visando criar diretrizes
éticas para pesquisas. Desse comitê, nascido das necessidades de apurar as
denúncias dos abusos realizados em pesquisas com seres humanos, resultou o
Relatório Belmont: Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos
Humanos nas Pesquisas, no qual foram descritos três princípios éticos básicos: o
respeito pelas pessoas; a beneficência; a justiça.
Dois colaboradores do Relatório Belmont, Tom Beauchamp e James
Childress, propuseram a teoria “principialista” (princípios: respeito à autonomia;
beneficência; não-maleficência; justiça) como um modelo de estudo, o qual se
tornou a proposta mais difundida e dominante, chegando-se a confundi-la com a
própria disciplina Bioética. Também, Albert Jonsen e Stephen Toulmin participaram
da elaboração do Relatório e apresentaram o referencial de análise da “casuística”,
que não teve tamanha repercussão mundial se comparado à proposta de
Beauchamp e Childress (BEAUCHAMP e CHILDRESS, 2002; JONSEN e TOULMIN,
1988).
Durante as décadas de 70 e 80, surgiram várias concepções concorrentes
na Bioética (SCHRAMM, 2002), embora a teoria principialista mantivesse a
hegemonia. Dentre os enfoques éticos propostos à época, destacam-se os da
virtude, do cuidado, naturalista, liberalista. Dessa forma, tornam-se notórios os
múltiplos enfoques proponentes de respostas diferenciadas a um mesmo problema
ético.
No Brasil, apesar de ser considerada tardia por ganhar força,
principalmente, a partir dos anos 90 (GARRAFA e PESSINI, 2003), a Bioética tem
sido desenvolvida especialmente com ideais derivados do Movimento da Reforma
Sanitária (SIQUEIRA, PORTO e FORTES 2007; PORTO e GARRAFA, 2008).
Assim, a partir da realidade socioeconômica, cultural e política presente na
sociedade Latino Americana, marcada pela pobreza e desigualdade social,
inaugura-se a Bioética Social, com um olhar direcionado não apenas aos
macroproblemas sociais, como também para todos os outros temas sobre os quais a
Bioética se debruça, tais como a relação terapêutica, a solidariedade e a relação
com o ambiente. Justamente a partir da inclinação e do desejo de refletir e oferecer
respostas diferentes das tradicionais a esses temas descritos, é que se dá a

118
possibilidade de se pensar as aproximações, também os distanciamentos, entre a
Bioética e a Naturologia, uma vez que ambas se preocupam com o bem-estar, a
qualidade de vida e a dignidade humana, bem como com a vida no e do planeta.
A Naturologia é um curso de graduação de ensino superior, surgido pela
primeira vez, em 1998, em uma universidade no Estado de Santa Catarina, sendo
posteriormente implantado em duas outras instituições, uma em São Paulo e outra
no Rio Grande do Norte. Os três cursos de Naturologia possuem uma base
epistemológica semelhante: estudam e aplicam práticas naturais (tais como:
fitoterapia, florais, massoterapia, hidroterapia, cromoterapia), balizadas através de
fundamentos filosóficos milenares da Medicina Tradicional Chinesa e da Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas de várias escolas de filosofia e de psicologia
ocidentais contemporâneas, como a Antroposofia, em sua maioria, voltadas à visão
ecológica (HELLMANN e WEDEKIN, 2008). A graduação em Naturologia insere-se
no panorama da sociedade brasileira e, por compreender em sua base a concepção
sistêmica e complexa da vida e zelar pelo uso sustentável dos elementos da
natureza com a finalidade de alcançar o bem-estar humano em conjunto com a
saúde planetária, requer um olhar ampliado no que se refere ao uso das práticas
naturais frente à saúde coletiva.
Mas, para que nessa formação acadêmica a concepção sistêmica e
complexa da vida seja concretizada a fim de colaborar na formação de profissionais
com perfil humanístico, há que se considerar como as terapias naturais aparecem
historicamente na sociedade e na atualidade. Se, por um lado, o uso de práticas
naturais, na década de 60 do século XX, caracterizou-se como movimento
contracultural (BARROS, 2000), por outro, o modismo presente na sociedade
contemporânea tende a levar o consumo das terapias naturais dentro da lógica de
mercado, da medicalização social e da obsessão individual com a saúde (TESSER;
BARROS, 2008).
Frente a esses fatos, para a Naturologia se efetivar, pautada na realidade
complexa e sistêmica de mundo e, assim, poder contribuir para o aprimoramento do
contexto social no qual se insere, torna-se importante que o ensino nesse curso seja
conduzido por referenciais fundamentados nas necessidades cotidianas da saúde
coletiva vivida no país. Nesse sentido, surge a preocupação relacionada à formação
do naturólogo no que diz respeito ao equacionamento dos temas éticos presentes

119
não apenas na prática terapêutica, mas em toda a conjuntura que influencia o
estado de saúde e o bem-estar do indivíduo, do coletivo e do planeta, tal como é
premissa da graduação em debate. Assim sendo, este estudo objetiva discutir, à luz
da Bioética Social, os temas e os referenciais de análise em Bioética presentes no
ensino de Naturologia no Brasil e suas implicações para a formação de um
profissional socialmente comprometido.
Por Bioética Social, compreendem-se as perspectivas da Bioética: de
Intervenção; de Proteção; Cotidiana; Antisexista, Antirracista e Libertária e a Bioética
e Teologia da Libertação. Essas estão em conformidade com os pensamentos
existentes na Reforma Sanitária Brasileira, pois consideram em suas formulações a
determinação social das doenças e questionam as relações de poder existentes na
sociedade a partir da identificação das desigualdades sociais, para então defender
a coletividade, em particular, os grupos vulneráveis, tomando como ponto de partida
o reconhecimento dos direitos humanos, a justiça social e a solidariedade.
Além de contribuir no âmbito acadêmico da referida graduação, o debate
acerca dos referenciais bioéticos presentes no curso de Naturologia contribui para
pensar como tem sido utilizado o conhecimento das práticas naturais frente às
necessidades da saúde coletiva, uma vez que essas práticas têm sido incorporadas
não apenas no ensino superior, como também nas políticas públicas, em especial,
no Sistema Único de Saúde.

PERCURSO METODOLÓGICO

Este é um estudo qualitativo, de caráter descritivo segundo seus fins, e


documental e de campo, segundo seus meios. A pesquisa foi desenvolvida em duas
universidades as quais abrigam o curso de Naturologia, uma localizada em Santa
Catarina e a outra em São Paulo. Os cursos participantes responderam a dois
critérios de inclusão: ter reconhecimento do Ministério da Educação e aceitação do
coordenador em participar da pesquisa, permitindo o acesso à documentação
necessária, mediante assinatura do Termo de Consentimento para Coleta de Dados.
Foram sujeitos da pesquisa vinte professores que ministram aulas nas referidas
universidades, os quais responderam a outros dois critérios de inclusão: ser docente
do curso de Naturologia há um ano ou mais e ministrar disciplinas os quais
continham temas de Bioética.
120
As fontes de informação foram coletadas em dois momentos: coleta dos
dados documentais e entrevista com os professores. Na primeira fase, foram
selecionados 36 planos de ensino, os quais continham temas de interesse à
Bioética, sendo 18 de cada universidade. Na segunda etapa, foram entrevistados
vinte professores, sendo doze de uma universidade e oito de outra. Ressalta-se que
os docentes de uma instituição ministravam duas ou mais disciplinas, fato que
provocou número desigual de entrevistados. Foi empregada a técnica de entrevista
semi-estruturada, guiada por um roteiro de tópicos, os quais questionavam como era
organizado e sistematizado o processo de ensino-aprendizagem frente aos temas
encontrados nos planos de ensino.
Os dados provenientes dos documentos e das entrevistas foram tratados
através da análise de conteúdo (BARDIN, 1977), o que possibilitou o encontro de
cinco categorias pensadas a partir do objetivo desta pesquisa, analisadas sob ótica
da Bioética Social: (1) Da relação terapêutica à ecologia: temas bioéticos presentes
no ensino da Naturologia; (2) A relação terapêutica na Naturologia: enfoque do
cuidado na Bioética; (3) Fundamentos da Naturologia: do enfoque naturalista à
naturalização dos problemas sociais; (4) Das virtudes à deontologia: pluralidade de
enfoques no ensino da Naturologia; (5) Vocação, presença e desafios da Bioética
Social no curso de Naturologia.
Considerando a preocupação e as normas éticas em pesquisa
envolvendo seres humanos, o projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o protocolo
297/8 FR-224129. Os participantes passaram a compor a amostra mediante
compreensão e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para
manter o anonimato dos participantes, utilizaram-se como identificadores das falas
cognomes de frutas e ervas aromáticas.

DISCUTINDO AS CATEGORIAS

O processo de análise do conteúdo proveniente dos dados deste estudo


possibilitou encontrar manifestações indicativas das possíveis interconexões entre
Bioética e Naturologia, permitindo o conhecimento dos temas e dos referenciais de
análise em Bioética presentes no ensino da graduação em Naturologia, os quais são
apresentadas, a seguir, nas cinco categorias que emergiram desta pesquisa.

121
“Da relação terapêutica à ecologia: temas bioéticos presentes no ensino da
Naturologia”

A primeira categoria revela os temas específicos e gerais de Bioética


presentes no ensino da Naturologia. A categorização por temas tornou-se relevante,
pois esses apontam indícios para a inferência dos enfoques bioéticos apresentados
no ensino, além de expressarem a importância que certos temas recebem nessa
graduação. Foi possível perceber que, nos planos de ensino, alguns temas
aparecem de modo mais frequente, transversalmente às disciplinas. Destacam-se,
em ordem de frequência, os temas referentes à relação terapêutica, à ecologia, à
qualidade de vida e à promoção de saúde. Os relativos aos problemas sociais, às
políticas públicas e aos dilemas tradicionais da bioética (como aborto e eutanásia)
aparecem em menor constância e, na maioria das vezes, inseridos em disciplinas
específicas.
O tema da relação terapêutica é repetidamente abordado, possibilitando
inferir o enfoque bioético principal presente na Naturologia, assim optou-se por
analisá-lo em uma categoria específica tratada a seguir.
Em relação aos tópicos de ecologia, termos como sustentabilidade,
impacto, responsabilidade, legislação, preservação, reciclagem, foram frequentes
nos planos de ensino e nas falas dos entrevistados que se referiam às questões
ambientais, sendo tema debatido transversalmente e apresentado em disciplinas
particulares nos dois cursos, conferindo à formação do naturólogo peculiaridades
ambientalistas, tal como é assinalado na literatura relativa ao curso: “O Naturólogo é
também um ambientalista com uma visão singular e significativa do [...] respeito que
se deve às gerações futuras” (FIALHO, 1999, p. 5). Para ilustrar, mencionam-se as
palavras de um professor entrevistado:

O ser humano faz parte do meio ambiente. Ele não pode ter uma visão de
preservar para ser preservado, uma visão antropocentrista. Temos de
preservar pensando em todos os seres que habitam o planeta [...] não só na
nossa espécie porque não tem sentido, a gente faz parte desse meio.
(ANIS).

Assim, parece que, para ser genuinamente Naturólogo, há que ser como
um verdadeiro bioeticista, tal como concebia Potter (1971) ao assinalar a
necessidade de se cultivar ações e decisões pessoais relativas ao cuidado com o

122
ambiente, incluindo o compromisso com a sustentabilidade do planeta. Também a
Bioética da Intervenção, que possui caráter social, assinala em seu marco teórico a
necessidade de preservação ambiental, pois os recursos naturais são finitos e
pertencem a todos os seres, além de estarem garantidos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (GARRAFA e PORTO, 2002).
Os temas da qualidade de vida e promoção de saúde também aparecem
transversalmente nas disciplinas. Denotam, por vezes, abordagem do sujeito
singular, conferindo-lhe responsabilidade por sua vida e saúde, como pode ser
observado nesta fala:

Qualidade de vida é buscar bem estar consigo, com o ambiente e as


pessoas em sua volta. [...]. É ter um aproveitamento melhor do corpo. É
buscar o que se pode fazer por você de positivo. (HORTELÃ).

A promoção de estilos de vida pró-ativa a qual confere ao sujeito o


encargo por uma vida mais saudável, é ação que contribui para a qualidade de vida.
No entanto, no ato de atrelar ao sujeito a obrigação exclusiva por sua saúde, reside
o risco de esquecer a responsabilidade do Estado frente aos seus cidadãos. A
Bioética da Proteção assinala a existência de vínculos intensos entre a
responsabilidade social e a individual (SCHRAMM, 2003). Considerar o Estado
como agente responsável pela saúde é reconhecer que, antes de ações voltadas ao
estilo de vida individual, estão as dirigidas ao coletivo, garantidas através das
políticas públicas, que possibilitam o pleno exercício individual de atuar de maneira
ativa e autônoma frente à própria saúde (VERDI et al., 2007).
Em outras vezes, a promoção da saúde apareceu no ensino da
Naturologia em perspectiva ampla, incluindo a compreensão da necessidade de uma
abordagem interdisciplinar e intersetorial no âmbito das políticas públicas. Um dos
entrevistados indicou sua preocupação frente ao referido tema em suas aulas:

Eu introduzo a promoção de saúde como sendo um novo paradigma dentro


da saúde e, para contextualizar e não repetir o mesmo tema visto em outra
disciplina, em que os alunos vêem as cartas de Ottawa, Adelaide, eu passo
a visão do Fernando Lefevre. Ele tem um livro chamado Promoção de
Saúde, a negação da negação, que é uma visão crítica a respeito da
promoção de saúde. (CAMOMILA).

O livro citado contextualiza a promoção da saúde dentro da lógica da


saúde pública (coletiva), incluindo em seus capítulos um olhar social bioético sobre

123
questões como pobreza, preconceito étnico, desigualdades sociais, com vistas a
resguardar a defesa da vida humana vulnerada (LEFEVRE e LEFEVRE, 2004).
Em se tratando da abordagem de assuntos referentes às políticas
públicas de saúde no curso, essa foi escassa. Os problemas sociais, políticos e
econômicos vivenciados na sociedade brasileira marcaram presença no ensino da
Naturologia. Temas como: empregabilidade, suicídio, violência, globalização,
xenofobia, desigualdades sociais e exclusão social, responsabilidade social e
cidadania, corpo, sexualidade e gênero, etnicidade, diversidade e relativismo
cultural, relação familiar, apresentam-se de maneira disciplinar, especialmente em
matérias relacionadas à sociologia, à antropologia e, em algumas vezes, em
disciplinas outras, nas quais o debate desses assuntos é incorporado no processo
de ensino-aprendizagem por iniciativa do professor, não estando indicado na
ementa.
Considera-se que abordar os temas acima descritos apenas de forma
disciplinar pode conduzir a formação profissional a uma abordagem
descontextualizada. Notou-se ainda que algumas das disciplinas que abordam tais
tópicos possuem, geralmente, carga horária reduzida se comparada àquelas
reservadas às ciências biológicas. A realidade encontrada vai ao encontro do que
relatam Carvalho e Ceccim (2006) ao discorrerem sobre a formação para educação
em saúde na graduação, pois esses afirmam aparecer desconexões temáticas em
que se focalizam conteúdos, além de serem frequentes os contrassensos em
relação à distribuição da carga horária das disciplinas, conferindo à educação uma
forma enciclopédica, além de focar a doença e a reabilitação.
Nas disciplinas que envolviam o estudo da Bioética apareceram os
dilemas tradicionais de tal campo de estudo, tais como: aborto, eutanásia, alocação
de recursos escassos à saúde, pesquisas com células-tronco e envolvendo animais.
Cabe ressaltar que essas disciplinas apresentaram carga horária reduzida, o que faz
com que se opte por poucos temas a serem abordados. Convém lembrar que os
estudiosos de Bioética, em sua grande maioria, elegem como temas centrais de
debates os que emergem, especialmente, a partir do desenvolvimento da
biomedicina e da evolução técnico-científica em geral, sendo que os problemas que
persistem a tal evolução, como: fome, pobreza, acesso precário à saúde, presentes
no cotidiano da população, têm sido postergados no debate bioético (BERLINGUER,
1996; GARRAFA E PORTO, 2002).

124
Foram ainda observadas temáticas relativas à produção alimentar animal
e vegetal, com destaque aos transgênicos, tópicos sobre o cuidado à saúde de
pessoas idosas e debate alusivo à mercantilização existente na saúde. Temas
concernentes à ética na utilização das técnicas terapêuticas em Naturologia também
se fizeram presentes e refletiam inquietações atreladas ao exercício profissional,
principalmente a características deontológicas.
Apesar do desejo de ser o naturólogo um profissional inclinado a uma
visão multidimensional do ser humano, compreendido a partir das suas relações
com ambiente e sociedade (RODRIGUES, 2007), a maneira com que os temas
aparecem na organização curricular da Naturologia é capaz de fazer compreender a
relação do homem com o ambiente, porém não comporta a relação social.
Considera-se que a formação desse profissional é voltada ao atendimento no âmbito
individual. Para alcançar a aspiração de um profissional que compreenda o homem
e sua saúde em relação à sociedade, há necessidade de serem abordados
problemas macrossociais determinantes na saúde humana, e também políticas de
Estado e de âmbito internacional, de uma forma interdisciplinar.

“A relação terapêutica na Naturologia: enfoque do cuidado na Bioética”

A ocorrência de palavras, tais como, vínculo, cuidado, respeito, empatia,


relação, compreensão, escuta, acolhimento, alteridade, confiabilidade e amor
terapêutico, foram frequentes nas falas dos entrevistados e conduziram a formação
desta segunda categoria. Nesta, discute-se o tema bioético de maior
representatividade no ensino da Naturologia: a relação terapêutica. Esse marco
apontou para a necessidade de se discutir tal tópico em única categoria, pois é
nesse terreno que floresce o referencial de significativa presença no curso: o
enfoque do cuidado.
O enfoque do cuidado reside no reconhecimento e no fortalecimento da
importância do vínculo mútuo e distingue a empatia e a escuta, com vistas a
apreender a linguagem do outro, como elementos para o estabelecimento do elo,
requerendo uma configuração para solucionar problemas de forma a pensar no
contextual e narrativo no lugar do formal e abstrato (GILLIGAN, 1997).
Para entender a Naturologia, e assim reconhecer sua ligação com o
enfoque do cuidado, torna-se fundamental “[...] definir aquilo em que se constitui a

125
sua responsabilidade e posição, a saber, o modo pelo qual se compreende o
homem, por um lado vivente e por outro lado produtor de conhecimento” (SILVA,
2004, p.1); portanto, compreendendo-o mediante um olhar individualizado. Essa
visão foi percebida em diversas falas dos entrevistados, como na que segue:

[...] fundamental é olhar o indivíduo como ele é, criar vínculo afetivo,


estabelecer uma visão empática, buscar compreensão do indivíduo sem
julgamento, sem crítica, sem indução. (SÂNDALO).

Os julgamentos morais apresentam-se, mesmo que não nitidamente, na


preocupação com os sentimentos dos outros. Nessa relação, “o conflito nasce,
especificamente, quanto ao problema de fazer sofrer” (GILLIGAN, 1997, p. 129). Na
dinâmica relacional é ainda considerada como moral a preocupação não só com os
outros como também consigo próprio, tal como nestas palavras:

O profissional da saúde tem de estar trabalhando a si próprio, [...] ter um


movimento de autopercepção constante, [...] um movimento rumo à saúde,
pois não adianta pedir para o interagente tomar água se eu não tomo, não
adianta eu pedir para o interagente fazer uma atividade física se sou
sedentário [...]. (ROSA).

Gilligan (1997) destaca que, para se ter a capacidade de cuidar do outro,


faz-se importante ser capaz de cuidar responsavelmente de si próprio. É nessa
relação que se reflete a questão central deste enfoque: a interdependência do eu e
do outro. “Esta ética, que reflete um conhecimento acumulado das relações
humanas, desenvolveu-se à volta de uma compreensão central de que o eu e o
outro são interdependentes” (GILLIGAN, 1997, p. 121).
O reconhecimento da interdependência na relação terapêutica proposta
na Naturologia foi fator determinante para a inauguração do neologismo
“interagência” para designar a relação humanística que ocorre no processo
terapêutico. Na interagência, a pessoa cuidada é chamada “interagente”,
enfatizando o aspecto relacional da terapia e seu caráter ativo, ao invés de
“paciente” (que remete à passividade) e “cliente” (utilizado no âmbito comercial)
(HELLMANN e WEDEKIN, 2008).
Se por um lado, a Naturologia estabelece a relação pautada na
interagência e requer o autocuidado do terapeuta, assume-se o compromisso de ser
o profissional capaz de manter o cuidado com o outro. Para poder cuidar do outro,
não é necessário apenas a responsabilidade do terapeuta perante si, mas também a
responsabilidade da instituição em formar um profissional capacitado a realizar o
126
cuidado. Assim, cabe às instituições formadoras o papel de instruir o acadêmico no
sentido de lidar com as diferenças humanas, sejam essas relativas à cultura, à
idade, ao gênero, à etnicidade, às condições socioeconômicas, e todas àquelas que,
por vezes, individualizam o ser humano e, por outras, vulnerabilizam-no.
Essa diversidade já é assinalada no ensino de Naturologia por
professores de certas disciplinas que apontam a necessidade de relativizar o
cuidado frente à diversidade humana. Quanto à compreensão das fases da vida, a
biografia humana é abordada a partir dos setênios, tal como propõe a
Antroposofia17. Apareceram ainda tópicos referentes ao cuidado de pessoas
vulneradas, relativos às questões de gênero, etnia e classes sociais e da
necessidade de reconhecer a prática de saúde do interagente para não impor
verdades próprias do terapeuta. Mesmo assim, todas essas abordagens se
concentram quase sempre em disciplinas específicas, algumas vezes, com pouca
carga horária, prevalecendo, de modo transversal, a visão do indivíduo na figura da
pessoa adulta e autônoma.
Frente a esse fato, a Bioética de Proteção ressalta que existem
circunstâncias as quais colocam os seres humanos em estado de vulneração, como
nos casos decorrentes da pobreza, da falta do acesso à educação e à saúde, das
doenças e da discriminação (SCHRAMM, 2005). Proteger o vulnerado contra
situações que o coloquem em risco e promovam adoecimento e criar ações que
favoreçam a autonomia desses, além de ser dever do Estado, é ato possível de ser
posto em prática na atenção à saúde quando realizada por profissionais
comprometidos socialmente, tal como lembra o docente:

[...] não adianta fazer uma massagenzinha, se ele (interagente) não tem o
que comer, [...] não tem emprego. Então é tudo muito lindo a teoria do
cuidado, da relação, aí pega um cara morrendo de fome que mora no
barraco [...]. E aí, vai se cuidar de que forma? Claro que existem
mecanismos sociais, mas enfim, vai muito além disso, vai da tomada de
consciência do indivíduo (naturólogo) do que é importante como um todo,
de se ter uma visão da sua sociedade [...]. (TANGERINA).

Em uma sociedade dominada pela marginalização, pobreza, desamparo


social e omissão do Estado, a autonomia dos indivíduos é mínima. A Bioética de
Proteção assinala que há profundos vínculos entre a responsabilidade individual e a
social, entendendo que o Estado, responsável pelo bem comum, tem de dar conta

17
A história de vida do homem segue ciclo de sete anos, conhecida como setênios, os quais auxiliam
na compreensão das fases da vida.

127
do contexto no qual é agenciado. A proposta dessa escola de Bioética é de
desenvolver uma visão capaz de amparar as pessoas vulneradas, as quais devem
ser protegidas contra as situações que as colocam em risco e promovam doenças.
Assim, trata-se de uma visão que evita o reducionismo do olhar biomédico e a
concepção generalizada do olhar biocêntrico para uma visão da saúde enquanto
direito do cidadão e dever do Estado (SCHRAMM, 2003).
Não sendo o Estado algo etéreo, mas concretizado por pessoas, requer-
se que as últimas sejam éticas e cidadãs para colaborar com que a conjuntura
pública seja justa. Da mesma forma, uma relação terapêutica capaz de contribuir
para a transformação do status quo da pessoa cuidada será melhor realizada por um
profissional envolvido com dimensões sociopolíticas.
O enfoque do cuidado na Naturologia, por assumir configuração
personalizada, apresenta características de proporcionar atenção humanizada no
processo de cuidar, mas carece de uma visão libertária, necessária para reforçar a
formação do naturólogo comprometido com a emancipação dos sujeitos sociais.

“Fundamentos da Naturologia: do enfoque naturalista à naturalização dos


problemas sociais”

A terceira categoria reside na reflexão sobre algumas bases


epistemológicas da Naturologia. Fundamentos filosóficos da Medicina Tradicional
Chinesa, Ayurveda e Antroposofia, também da teoria dos Florais de Bach e
perspectivas psicossomáticas, estão presentes em ambos os cursos analisados e
requerem um olhar especial, pois além de conferirem à formação dos profissionais
Naturólogos características peculiares, indicam aproximações ao enfoque naturalista
e tendências à naturalização de problemas sociais.
A Medicina Tradicional Chinesa e a Ayurveda compartilham do
pressuposto de que o homem é em si um microcosmo do próprio universo, pois esse
é formado por energias provenientes do ar e da terra, do fogo e da água, e de outros
elementos da natureza que devem estar em constante equilíbrio. Quando a
harmonia entre homem e ambiente, a qual segue um curso natural, é rompida, a
doença ocorre (LAD, 2007; MACIOCIA, 1996). Assim, pode-se compreender que
esse estilo de pensamento parece revelar que tanto o ambiente quanto o homem
seguem leis gerais que respeitam um ritmo correspondente. Em relação a temas

128
éticos, esse olhar tende convergir para certa aproximação ao referencial de enfoque
naturalista.
O enfoque naturalista na Bioética, tal como é apontado por Pegoraro
(1998, p. 62), “sustenta que a natureza é intrinsecamente dotada de um ritmo próprio
pelo qual se auto-regula. Isto é, a natureza obedece a leis internas pelas quais
alcança seus fins próprios”. Na avaliação de conflitos morais, o modelo naturalista
aponta que os homens não são soberanos absolutos da natureza e que esses não
devem alterar o processo natural (PEGORARO, 1998). Na atualidade, o enfoque
naturalista, também conhecido como direito natural, é defendido pelo filósofo John
Finnis, o qual apresenta uma perspectiva individualista que insere o sujeito na
sociedade. O autor propõe que as ações morais são os atos que contribuem para o
desenvolvimento de valores os quais são entendidos com bens fundamentais, a
saber: o conhecimento, a vida estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a
amizade e a religiosidade (FINNIS, 2007). Algumas expressões de docentes
permitem inferir nuances do enfoque naturalista no ensino da Naturologia, tal como
pode ser observada nesta fala:

[...] esse consumismo desenfreado faz que você não seja mais você. Então
aqueles pequenos prazeres foram embora. [...] Essa falta de respeito, essa
falta de amor próprio, essa falta de valores [...], acho que a coisa mais
importante do mundo é a família, [...]. Quando a gente pensa em
Naturologia, a gente pensa no que é natural para o ser humano. [...] Acho
que é todo mundo viver bem [...]. Porque nós dois não podemos ser um
amigo do outro? Um ajudando o outro e sendo feliz. [...] Até porque ética,
se for correta, é natural” (grifo nosso). (GENGIBRE).

Na fala, observa-se a necessidade de valores básicos, como o respeito, a


família e os pequenos prazeres. Esses últimos parecem remeter ao entendimento da
explicação da experiência estética e da vida lúdica, bens distinguidos por Finnis
(2007). A fala revela ainda a necessidade da amizade, um dos bens básicos do
modelo naturalista.
O que Finnis (2007) aponta como direitos naturais reside no fato de que
as coisas existem ou acontecem por uma lei natural e que concedem aos homens
direitos naturais. Os direitos se ligam a uma espécie de valores universais, por meio
dos quais as ações humanas se organizam e se corporificam, por exemplo, na
família. A religiosidade, sétimo valor básico descrito pelo autor, versa sobre dúvidas
humanas, como a de saber se todos os outros valores assinalados, que se iniciam
com a vida humana, se extinguiriam com a morte. A religião é a responsável por dar

129
respostas às dúvidas humanas e, de algum modo, está presente em todas as
diferentes culturas e sociedades. A religião é, portanto, experiência transcendente
que encontra espaço nas culturas e, de certa forma, nas bases da Naturologia.
Cabe ressaltar que além da Ayurveda ter ligações com propósitos do
Hinduísmo, a Antroposofia de Rudolf Steiner e os pressupostos dos Florais de Bach,
afluem para inquietações alusivas às manifestações transcendentais do homem.
Essas três propostas que estão entre os fundamentos do curso de Naturologia
indicam que a pessoa deve cuidar de si como forma de desenvolvimento humano e
até mesmo espiritual. Assim, não foi raro encontrar falas impregnadas da convicção
de que as coisas não acontecem por acaso e que os indivíduos evoluem com as
situações de enfermidade, tal como nesta:

[...] É muito fácil as pessoas reclamarem (da doença). Mas essa situação
tem uma mensagem. Temos de mostrar a pessoa a ver de uma forma
diferente essa realidade, aprender com ela [...] tentar evoluir com isso.
(VÉTIVER).

O risco que se corre com essas concepções, quando elas não são
devidamente contextualizadas, habita na possibilidade de encarar como natural ou
ainda pré-determinado todos os eventos relativos ao adoecimento. Certamente, a
doença e a morte são eventos naturais para todos os seres vivos. Mas há diferenças
entre naturalizar os adoecimentos e reconhecer que existem situações que fogem a
essa regra, como são as circunstâncias iníquas vivenciadas na sociedade atual por
milhares de pessoas, as quais promovem adoecimento precoce e, além de estarem
longe de ser naturais, não devem ser naturalizadas.
Também a visão psicossomática, tal como é apresentada no curso, a qual
conduz para o entendimento de que a doença é decorrente da psique humana, caso
não for contextualizada, pode transformar-se em formulações explicativas
reducionistas, podendo conduzir à transferência dos problemas complexos de
natureza biológica e sanitários em desvios de conduta individuais, o que acarretaria
na culpabilização das vítimas (VERDI e CAPONI, 2005).
Ainda que haja nas medicinas tradicionais, integrativas e
complementares, ênfase em um modelo de cuidado humanizado, dependendo como
essas práticas forem conduzidas, podem ser desviadas dessa vocação e servir à
medicalização social, na medida em que tornam naturais os problemas sociais

130
vivenciados na atualidade. Há, portanto, que se desenvolverem tais práticas
acompanhadas de constante reflexão a fim de que se tornem práxis social.

“Das virtudes à deontologia: pluralidade de enfoques no ensino da


Naturologia”

Ainda que o enfoque do cuidado na bioética seja acentuado e a tendência


Naturalista possa parecer em evidência, há outros referenciais de análises em
bioética estudados no curso, os quais são objetos de reflexão nesta quarta
categoria. O modelo das virtudes e a proposta principialista são apresentados aos
acadêmicos no ensino da Naturologia. Também o enfoque deontológico é presente,
pois o ato de recorrer aos deveres profissionais codificados em um código de ética
surgiu nas expressões dos docentes como ação indicada à tomada de decisões e ao
cumprimento de condutas éticas.
O referencial das virtudes é apresentado no curso enquanto tema de
estudo em disciplinas que envolvem o estudo da ética e da filosofia, além de
aparecer enquanto diretriz na formação do profissional naturólogo. O termo virtude
denota a manifestação de excelência que ocorre quando se busca dar o melhor de
si. Tratam-se de qualidades essenciais que constituem uma pessoa de bem. Na
bioética, o enfoque das virtudes enfatiza as atitudes éticas das ações enfocadas no
caráter do sujeito (ZOBOLI, 2003).
Na atualidade, Alasdair MacIntyre (2001) assume a defesa da teoria da
virtude, a qual explica mediante três estágios. O primeiro diz respeito às virtudes
como qualidades necessárias para realizar os bens internos às práticas. O
significado de prática é o de qualquer atividade humana coerente e complexa,
socialmente estabelecida, em que bens internos a essas atividades são
conquistados com a busca de padrões de excelência pessoal, com ampliação
sistemática dos poderes humanos, apropriados para exercer tal atividade e alcançar
os fins envolvidos.
Se Naturologia for entendida como prática, seus praticantes devem
alcançar os bens internos, ou seja, desenvolver virtudes necessárias para atingir os
objetivos. Considerando como objetivo da Naturologia o cuidado à saúde integral do
outro (também do planeta), o naturólogo deve ser antes capaz de cuidar
responsavelmente de si e, assim, buscar a excelência necessária ao cuidado do

131
outro. Na literatura referente à Naturologia, Nascimento (2003, p. 7) afirma que é
necessário o terapeuta “transformar-se e curar-se diante das exigências da
interagência, sob o risco de ser antiético e incoerente” se permanecer estagnado,
sem vontade de crescer e de aprimorar-se ao incentivar o interagente à
transformação. Além da literatura, falas de professores remetiam a esse imperativo,
tal como esta:

[...] é necessário ter os conteúdos internos relativamente trabalhados e se


assenhorar de si mesmo, [...] de forma que se possa ser útil para aquela
pessoa. O cuidado é uma percepção [...] que envolve outras qualidades que
o naturólogo precisa aprender a desenvolver. (LAVANDA).

Embora na fala note-se a convergência ao enfoque do cuidado, observa-


se também a necessidade de desenvolver qualidades com fins inclinados ao ato de
cuidar, afluindo ao modelo das virtudes. A virtude é para MacIntyre (2001) qualidade
humana adquirida, desenvolvida a partir do hábito, além de trazer embutida em si a
utilidade, pois repousa na finalidade última de se alcançar os objetivos requeridos
pelas práticas. Para além dessa constatação, a confirmação ao enfoque das virtudes
na Naturologia pode ser dada pela explicação do segundo estágio apresentado por
MacIntyre (2001), o qual se caracteriza pela unidade narrativa pessoal como
portadora de qualidades cooperadoras para o bem de toda uma vida, e não apenas
para a realização da prática em si. Essa afirmação é visualizada no fragmento da
entrevista descrita na sequência:

Acredito que se você é um terapeuta com qualidades, você também é uma


pessoa com essas qualidades manifestadas no dia a dia. Não dá para isolar
o trabalho terapêutico da pessoa, o ser naturólogo da ética. É uma coisa só.
Deve-se ser ético, e não ter ética (grifo nosso). (LAVANDA).

Dessa forma, o lugar das virtudes na vida humana torna-se


empreendimento para toda uma existência, manifestado nas diferentes
circunstâncias da vida. Frente a isso, MacIntyre (2001) segue exemplificando o
terceiro estágio das virtudes, o qual diz respeito ao que o autor constitui como
contínua tradição social. Esse estágio reside na ligação íntima das práticas às
instituições, sendo que as primeiras não poderiam sobreviver sem as segundas.
Ainda, assim, o autor alerta que as instituições se ocupam de características
relativas aos bens externos, tal como a fama e o prestígio, o que pode corromper o
homem se esse não tiver as virtudes da justiça, coragem e honestidade. O autor

132
ressalta ainda que a sociedade liberalista e individualista dificulta o exercício das
virtudes como tais, pois:

O exercício das virtudes é, em si, capaz de exigir uma postura muito bem-
definida com relação a questões sociais e políticas; e é sempre dentro de
determinada comunidade, com suas próprias formas institucionais
específicas, que aprendemos ou deixamos de aprender a exercitar as
virtudes. (MACINTYRE, 2001, p. 327).

Tendo em vista a necessidade do desenvolvimento de qualidades


capazes de colaborar com a formação de um profissional comprometido com a
sociedade, cabe às instituições de ensino fortalecer a educação cidadã que
apresente os desafios da realidade social e associações profissionais que colaborem
na promoção da cidadania.
Entre as correntes teóricas que apresentam as virtudes sob enfoque
social, encontra-se a Bioética e Teologia da Libertação. Nesse enfoque, concentra-
se a contribuição da teologia afastada do fundamentalismo religioso, que reflete
acerca da situação de pobreza e exclusão social e aponta as falhas na política e na
economia como os grandes “pecados” existentes na estrutura da sociedade, os
quais legitimam as desigualdades sociais (ANJOS, 2000). Essa perspectiva
apresenta a compreensão sobre Deus, que não impõe sua "onipotência opressora"
aos homens, mas sim outorga a esses o poder e a liberdade de agir com vistas à
solidariedade e à fraternidade universal. Assim, as pessoas tornam-se cocriadoras
do mundo, indivíduos responsáveis por si e pelos outros, devendo desenvolver
potencialidades humanas para agir de forma tolerante, respeitando a dignidade e a
autonomia do outro, buscando engajar-se na libertação dos oprimidos, para assim
pensar a construção de uma sociedade mais justa e solidária (ANJOS, 2000).
Há outras correntes na bioética com vistas ao respeito ao próximo. Um
exemplo é o enfoque principialista, o qual é também apresentado no ensino de
Naturologia. Nas aulas de Bioética dos dois cursos analisados, esse enfoque é
apresentado junto com outros, pois, segundo os professores entrevistados, importa
que os alunos vejam diferentes perspectivas e saibam como lidar com as teorias
frente aos problemas os quais terão que lidar.
Beauchamp e Childress (2002) partem da afirmação de que na moral
comum é possível encontrar princípios básicos para a ética biomédica e propõem
quatro princípios como forma de orientar as análises dos problemas éticos: respeito
à autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, todos importantes de uma

133
mesma forma. Além do principialismo ser apresentado enquanto teoria nas aulas de
Bioética, os princípios do respeito à autonomia e da beneficência apareceram nas
falas dos docentes:

Qual é o limite da ação (dos naturólogos) em relação à autonomia do


interagente. (ALECRIM).

Tudo que eu for fazer, tenho que ver se isso está sendo feito em benefício
do meu interagente. Se tenho dúvidas, então já não posso mais, é melhor
eu declinar dessa opção. (ROSA).

É importante ressaltar que o respeito à autonomia e também a


beneficência fazem ainda parte da gama de componentes de outros referenciais
bioéticos, tal como é o do cuidado. O respeito à autonomia, embora pareça se
aplicar bem nas situações de relações terapêuticas, deve ser aplicado com cautela
para que sua utilização não caia

[...] no extremo do individualismo exacerbado, que pode sufocar qualquer


direcionamento no sentido da visão inversa, coletiva, indispensável para o
enfrentamento das tremendas injustiças sociais relacionadas com a
exclusão social e, mais do que nunca, hoje constatadas em nosso planeta.
(GARRAFA, 2005a, p.5).

O enfoque principialista, apesar de grande valia e utilidade para análise


de situações da prática clínica e de pesquisas, é ponderado por Garrafa (2005c)
pela sua insuficiência no que se refere à análise contextualizada de conflitos, que
exigem relativização cultural, e ao enfrentamento de macroproblemas bioéticos
persistentes e cotidianos, tais como a exclusão social.
Outro instrumento de grande valor para a análise de conflitos éticos da
prática profissional podem ser os códigos de ética profissional (códigos
deontológicos). Objetivando alcançar uma sociedade melhor, Cohen e Segre (2002)
ressaltam a importância de se ajustarem os códigos deontológicos aos novos
problemas apresentados pela sociedade e pela evolução tecnicocientífica, pois,
considerando que os princípios são mutáveis, tem-se que os códigos de ética estão
facilmente fadados a serem retrógrados.
Embora a deontologia não seja caracterizada como enfoque de análise
em Bioética, Zoboli (2003), descreve o modelo da ética profissional como um dos
referenciais aos quais profissionais de saúde da atenção básica têm recorrido para
solucionar os dilemas éticos do cotidiano. De forma semelhante, quando alguns
docentes foram questionados acerca de como trabalhavam com determinados

134
temas bioéticos no ensino, esses assinalavam, como recurso, o código de ética
profissional:

Falo nos códigos de ética, para que eles servem, como funcionam, como
são montados, até chegar às questões de ordem prática. [...] Nessa
profissão, embora ainda não exista um código de ética, existem algumas
normas que são universais as quais é o nosso dever segui-las. (JASMIM).

Os códigos de ética profissional podem se configurar como “[...]


instrumental útil enquanto uma diretriz da prática profissional e também do processo
de tomada de decisão frente a situações que configuram problemas éticos”
(ZOBOLI, 2003, p. 117). Podem ainda corresponder a certa diluição do valor ético na
medida em que diminui a importância da reflexão que resulta no desenvolvimento da
personalidade ética, pois direitos e obrigações não são sentidos como tal: ajustam,
de forma externa, o sujeito às necessidades de convívio, impedindo-o que perceba
tais necessidades autonomamente (SEGRE, 2002; SILVA et al, 2007). Assim,
percebe-se o risco de compreender a ética de modo equivocado, circunscrito a um
código de ética.
A pluralidade de referenciais encontrados no ensino da Naturologia,
vislumbrados no enfoque da ética profissional (deontologia), na presença do
“mantra” principista e do enfoque das virtudes, e também da tendência naturalista e
do cuidado, contribui para o processo de reflexividade do acadêmico na construção
da sua identidade subjetiva profissional, requerendo, ainda, ênfase nas abordagens
bioéticas voltadas à realidade social brasileira, no intuito de formar profissionais
capazes de realizar um bom exercício de sua atividade na esfera pública.

“Vocação, presença e desafios da Bioética Social no curso de Naturologia”

A quinta categoria é composta pela vocação e olhares presentes no curso


que convergem ao enfoque da Bioética Social, como também pelas possíveis
entraves existentes no ensino da Naturologia frente à construção de uma sociedade
solidária.
A Naturologia, por compreender a visão complexa da vida e utilizar como
métodos de intervenção no cuidado à saúde as práticas naturais em perspectiva
ecológica, possui propensão ao desenvolvimento de uma profissão de caráter social.

135
Ao optar pela fitoterapia, por exemplo, não se escolhe apenas um método que tenha
menos efeito colateral no organismo, opta-se também por um mundo melhor:
contribui na preservação ambiental, pois as ervas medicinais devem ser cultivadas
sem o uso de agrotóxicos; colabora socialmente, seja pelo fato de se tratar de
terapêutica com menor dependência tecnológica, pois plantas não podem ser
patenteadas, seja pelo fato de que os produtores de tais plantas são geralmente
pequenos agricultores. Para Rodrigues (2007, p.46), o Naturólogo atua
principalmente na educação em saúde, orientando o uso de recursos naturais e
incentivando a reciclagem do lixo, o uso de produtos de baixo impacto ambiental, o
consumo de alimentos orgânicos.
O consumo de alimentos orgânicos no curso surge não apenas como
recurso para o tratamento de distúrbios de saúde como também alternativa para
minimizar problemas ambientais e sociais. A alimentação orgânica surge no curso
como opção frente: aos alimentos transgênicos, dominado por monopólio de
mercado autorizado por patentes, os quais geram concentração de renda e risco
ambiental; aos alimentos fast food, em que, na sua maioria, são produzidos por
empresas que mantém os trabalhadores em situação de insalubridade; à produção
animal, em que esses são geralmente maltratados na criação intensiva (AZEVEDO,
2007a; 2007b). Como visto nesta fala, a agricultura orgânica surge:

[...] como alternativa de todos esses aspectos socioambientais. São


métodos naturais de produção, pois é sustentável, não tem a questão da
poluição dos solos, há rotação de culturas, [...] é feita em pequenas
propriedades, então mantêm a cultura do local e o homem no campo com
mais dignidade, [...] então trago a questão que há alternativa na alimentação
para a gente consumir alimentos que não agridam a saúde do planeta.
(ERVA-DOCE).

A preocupação sócio-política é trazida ainda em outras disciplinas do


curso, as quais abordam temas sociais. Frente a isso, o docente apresenta a
importância da disciplina que ministra:

[...] acho que ela é fundamental para dar aquela formação que vai além da
parte técnica e fornecer a visão de mundo, da sociedade, das problemáticas
que envolvem o mundo e a vida cotidiana. A disciplina possibilita o
acadêmico fazer uma interpretação mais abrangente da sociedade, se ele
assim quiser [...]. (NÉROLI).

Há nos cursos de Naturologia espaços para a discussão de temas de


relevância social. Mesmo assim, considera-se pouco se comparada à carga horária
de outras disciplinas. Além de garantir a abordagem de tais temas através do projeto

136
pedagógico do curso, é necessário também professores capacitados e
comprometidos com a educação crítica e libertadora. Chama a atenção o perfil de
alguns entrevistados, os quais expuseram sua preocupação com a formação de um
acadêmico cidadão:

[...] Antes de pensar no bem estar estrutural, de quanto se ganhar com isso,
então, pensar quanto que se vai ganhar como ser humano, quanto se ganha
como sociedade. Porque eu sempre digo para eles: se um deles não está
bem eu não estou bem, porque nós somos interligados; [...] você já nasce
dependente da sociedade. Essa questão de individualismo é tola. [...] Por
outro lado então, o que você quer? É possível mudar a sociedade? É!
(TANGERINA).

Ainda que apareçam evidências da Bioética Social, há desafios na


educação os quais devem ser superados. Um desses é a ampliação de temas
acerca da atenção à saúde de populações vulneradas e a urgência das perspectivas
de gênero e antirracista. A insuficiência do debate acerca do gênero foi preocupação
apresentada por um docente:

Os alunos não têm uma disciplina específica, por exemplo, para trabalhar as
questões de gênero, bem como as questões de poder. [...]. Acho que a
bioética também fala sobre isso, sobre questões das desigualdades de
poder. Então, estamos em um campo perigosíssimo se o nosso aluno não
está bem preparado para isso. (ROSA).

Para Oliveira (2003), a perspectiva de gênero – categoria que analisa e


trata dos significados político, social, econômico e cultural da construção da
feminilidade e masculinidade – é foco essencial no discurso bioético, pois essa
revela a assimetria nas relações de poder que se estabelecem na ciência. A autora
também assinala que a pobreza é pauta prioritária no debate bioético, pois, na
sociedade atual, pobres são catalogados como população supérflua e até mesmo
descartável, uma vez que estão à margem da sociedade de consumo.
A sociedade consumista é entrave para a formação de um profissional
compromissado socialmente. O consumismo é decodificado pela visão de mercado,
comumente presente na área da saúde, que tende a transformar o homem, o qual
Kant (2005) defende ser fim em si mesmo, em meios. A visão mercantilista é
também apresentada no curso de Naturologia:

Há a possibilidade de empreendedorismo, do próprio naturólogo como


gestor de um projeto, [...] em uma empresa. [...] O que é interessante para
uma empresa é o lucro, a taxa de crescimento sempre constante, [...] então,
isso (o trabalho do naturólogo em empresas) traz a redução do afastamento
por inúmeras doenças e melhora a insatisfação dos próprios funcionários
[...]. (LIMÃO).

137
[...] não é somente uma massa de pessoas, mas é também uma massa de
dinheiro, é um mercado que têm necessidades especiais e que não está
sendo contemplado. É uma oportunidade mercadológica muito grande que
se perde. (GERÂNIO).

O profissional naturólogo pode ser empreendedor, até porque a condição


de empregabilidade na atual sociedade brasileira é, além de um desafio a qualquer
pessoa e categoria profissional, um problema social e político. O que não deve
ocorrer é transformar pessoas em meios para alcançar as finalidades econômicas.
Além do mais, utilizar dos recursos da Naturologia para minimizar a insatisfação de
funcionários pode mascarar problemas da relação empregador-empregados e tende
a deixar em segundo plano os problemas estruturais dos quais necessitam políticas
públicas eficazes para solucioná-los. Conforme lembra Berlinguer (1996, p. 68),
“uma coisa é considerar que a saúde pode ser positivamente influenciada pelo
mercado, outra, é vê-la como sua variável dependente; isto é, afirmar que o mercado
é o único valor e a saúde será uma consequência desse reconhecimento”.
Subliminarmente, a mercantilização da saúde pode ser percebida no
curso, tendendo a conduzir o uso das práticas naturais em saúde como objetos de
consumo. Compete aos que fazem uso das práticas naturais em saúde, realizar
ações acompanhadas de reflexão com vistas ao uso ético das mesmas. Cabe,
ainda, ao ensino, a formação de um profissional que conceba a saúde, não como
uma mercadoria, mas sim como direito de cada cidadão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As expressões da Bioética e da Naturologia convergem em alguns


momentos e apresentam as interfaces existentes entre si, já que ambas almejam o
bem-estar humano e do planeta: zelam por conceber o indivíduo enquanto sujeito,
não como objeto, e sugerem respostas aos problemas ambientais impostos na
atualidade. As interfaces entre as duas áreas de conhecimento estão presentes
ainda naquele que seja, talvez, o maior desafio contemporâneo: superar
perspectivas de reflexão e de ação pautadas no âmbito individual, direcionando-se
também às preocupações da coletividade.
O desafio de responder às aflições coletivas encontra no referencial da
Bioética Social porto seguro, pois esse enfoque contextualiza, sob uma análise

138
conjuntural, complexa e politizada, os temas que envolvem a saúde e a vida no
planeta com vistas ao bem-estar coletivo, sem se esquecer do âmbito individual.
Assim, o enfoque social da Bioética apresenta contribuições para a Naturologia e
seu ensino.
Foi possível perceber que o currículo do curso de Naturologia inclina-se à
formação acadêmica voltada para o cuidado à saúde individual, pois os temas
bioéticos recorrentes foram os atrelados à relação terapêutica. Revela-se um ensino
descomprometido com questões sociais, já que é quase nula a presença de estudo
sobre políticas públicas de saúde e considera-se como mínima a ênfase às
implicações éticas que ocorrem no cotidiano da sociedade, o que acaba por informar
o acadêmico que há problemas sociais, mas não possibilita formar um profissional
socialmente comprometido.
Para que a formação do naturólogo seja atrelada ao compromisso social,
faz-se necessário refletir acerca dos referenciais de análise em bioética presentes
no curso. O enfoque do cuidado, que aparece de maneira expressiva, possibilita a
atenção humanizada à saúde, mas não se mostrou como cuidado libertário, capaz
de levar o interagente a questionar o status quo. A corrente naturalista emergiu
como referencial de análise em bioética com tendências à naturalização dos
problemas sociais. As virtudes surgiram como traços do caráter do naturólogo para a
realização do cuidado com o outro, mas é preciso que a finalidade última seja
alcançar o bem comum coletivo. O enfoque da ética profissional e do principialismo
aparecem de maneira menos expressiva no curso, ainda assim requerem ser
contextualizados à realidade social brasileira. Contudo, mesmo ainda necessitando
de ênfase, o curso apresenta vocação ao enfoque da Bioética Social, mas enfrente o
desafio de desvencilhar-se do modismo e do mercantilismo existentes na atual
sociedade.
Embora a esta pesquisa depare com limitações, pois não foram
consideradas as relações intersubjetivas existentes no processo educativo, bem
como os modelos profissionais e as vivências acadêmicas, este estudo apresenta as
contribuições para a Naturologia e seu ensino, especialmente no que diz respeito ao
conhecimento dos temas e dos referenciais de análises em bioética presente no
processo de ensino-aprendizagem, e apresenta recomendações, como a de ampliar
o debate de temas sociopolíticos e de habilitar os referenciais à ótica da Bioética
social. Para uma formação mais próxima da realidade brasileira, o estágio final nos

139
cursos de Naturologia poderia ocorrer em Unidades Básicas de Saúde, o que
contribuiria ainda no acesso da população às práticas naturais.
Torna-se difícil a contribuição das profissões para que a vida em
sociedade seja aprimorada quando a construção da identidade profissional na
graduação não comporta a própria realidade da comunidade em que tais agentes
realizam suas práticas. É nesse sentido que surge a necessidade de ampliar o
debate sobre os conteúdos de caráter sociopolítico no ensino da Naturologia e de
habilitar os referenciais de análise em Bioética existentes no curso ao enfoque
social, para que, talvez assim, o processo de ensino-aprendizagem possa contribuir
na formação de profissionais depositários de sonhos e atos por uma sociedade
melhor.

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143
6.2 Artigo 2: Ética, Bioética e Deontologia no Ensino da Naturologia no Brasil:
reflexões a partir da Bioética Social

Fernando Hellmann1
Marta Inez Machado Verdi1

RESUMO:

Este estudo tem por objetivo discutir, através da Bioética Social, como se configura a
inserção das disciplinas de ética, deontologia e bioética no ensino da Naturologia no
Brasil. Sob abordagem qualitativo-descritiva e por meio de investigação documental
e de campo, realizou-se o estudo em duas universidades brasileiras. Participaram
seis docentes, através de entrevistas semi-estruturadas, e analisaram-se três planos
de ensino de cada um dos dois cursos. Os dados coletados foram submetidos à
análise de conteúdo e resultaram em quatro categorias: Características gerais das
disciplinas que envolvem o estudo da ética, bioética e deontologia; Bioética
enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referenciais de análise;
Abordagens teóricas da ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir da Bioética
Social; O estudo da deontologia no ensino da Naturologia. Considera-se a
necessidade da ampliação da carga horária das disciplinas de ética e bioética e
assinala-se a necessidade da constante reflexão sobre a prática profissional voltada
à realidade social brasileira.

Palavras-chave: Bioética. Ética. Deontologia. Ensino. Naturologia.

Correspondência:
Marta Inez Machado Verdi
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde, Campus Universitário – Trindade
Florianópolis – SC – Brasil
CEP: 88010-970
E-mail: [email protected]

1
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Departamento de Saúde Pública,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

144
INTRODUÇÃO

Para contribuir com a construção de uma sociedade justa e equânime


torna-se significativo pensar o âmbito público a partir de diversas instâncias, nas
quais se incluem as atividades profissionais. O fortalecimento do ensino da ética na
formação profissional e a atualização das referências frente aos desafios éticos da
atualidade é tarefa necessária no intuito de formar profissionais competentes no
campo da técnica, da ética e da política.
Acredita-se que a formação moral do indivíduo tem seu auge nas
vivências familiares, sociais e escolares, na infância e juventude (MORANO, 2003).
Ressalta-se ainda que, na graduação acadêmica, talvez sejam as relações
intersubjetivas presentes durante todo o processo educativo, bem como os modelos
profissionais e as vivências acadêmicas, mais influentes na formação ética do aluno
do que a própria inserção de disciplinas autônomas de ética, deontologia e bioética.
Ainda assim, defende-se que disciplinas autônomas ou outras que ministram
conteúdos de ética, deontologia e bioética possam contribuir para a formação de um
profissional que seja capaz de refletir criticamente sobre a sua prática.
É importante a compreensão das aproximações e distanciamentos entre
os conceitos de ética, bioética e deontologia. Pode-se compreender a ética, a partir
das considerações de Vázquez (1999) e Chauí (2000), como sendo um espaço de
reflexão acerca da moralidade, através de padrões ideais do que possa vir a ser
bom para o indivíduo e para a sociedade. A bioética pode ser entendida como ética
aplicada, caracterizada pelo estudo sistemático das dimensões morais, utilizando-se
de uma variedade de preceitos e de metodologias num contexto interdisciplinar,
pensadas a partir da sociedade, da cultura e dos valores morais da civilização
contemporânea (CLOTET, 1997; REICH, 1995). Por sua vez, a deontologia é o
estudo do conjunto de normas morais codificadas no Código de Ética Profissional, o
qual os membros de uma determinada categoria profissional devem seguir (COHEN
e SEGRE, 2002).
Os estudos referentes aos aspectos éticos que envolvem o ensino nas
profissões da saúde têm apontado para o fato de que prevalecem padrões
tradicionais de educação atrelados ao modelo biomédico, ao estudo da deontologia
em detrimento da ética e ao estudo de referenciais de análise em bioética, que,
embora pautados por necessidades clínicas individuais não fortalecem os aspectos

145
coletivos (REGO, 2003; MORANO, 2003; FIGUEIREDO GARRAFA, PORTILLO,
2007; DANTAS, SOUSA, 2008).
No âmbito da educação, a bioética pode ser considerada um movimento
renovador, fortalecedor da ética, visto que esse campo de estudo tende a traduzir a
filosofia moral para uma linguagem mais ao alcance daqueles que atuam nas
diversas áreas que envolvem a vida no planeta, facilitando aplicá-la. As reflexões da
bioética têm sido o caminho percorrido para possibilitar as reflexões éticas frente aos
dilemas morais emergentes, os quais decorrem da evolução técnico-científica. Ainda
assim, como aponta Berlinguer (1991), os problemas que persistem a tal evolução e
os quais se tornam cotidianos, tais como a fome, a pobreza, o acesso precário à
saúde, têm sido negligenciados nessa área de estudo. Considera-se também o fato
de a Bioética ser um campo interdisciplinar e, por existirem diferentes valores morais
nas diversas culturas e sociedades, há distintos referenciais de análise em bioética
passível de solucionar um mesmo problema.
Frente a isto, destaca-se a necessidade de abordar no ensino das
profissões no Brasil um enfoque bioético que pondere a realidade dos países latino-
americanos. Nesses países, a desigualdade social torna as pessoas vulneradas, em
condições de vida precárias, sem terem o mínimo para viver dignamente. No campo
da bioética, está em formação uma corrente alicerçada em constitutivas sociais a
que Garrafa (2005a) denomina “Bioética Social”. Ao propor essa designação, o autor
exorta intelectuais comprometidos com a cidadania para fortalecer a bioética
pensada a partir da realidade dos países em desenvolvimento.
O enfoque da Bioética Social pauta-se em uma perspectiva que prioriza
as decisões morais de ações em saúde destinadas à coletividade face a um mundo
que privilegia valores individuais. Tal corrente tem por características principais a
justiça social, a cidadania e o reconhecimento dos direitos humanos; reconhece o
pluralismo moral existente nas sociedades e contextualiza os problemas onde os
mesmos acontecem, preza pela equidade e pela universalidade do acesso à saúde
e procura proteger a população socialmente vulnerada.
Nesse sentido, surge a preocupação relacionada à formação profissional
no que diz respeito ao equacionamento dos dilemas éticos vivenciados
cotidianamente pelos seres humanos, em especial, os brasileiros. O presente estudo
contextualiza-se na formação do naturólogo, uma vez que se trata de um curso de

146
graduação novo que há pouco mais de uma década se insere na sociedade
brasileira, conquistando espaços na arena da saúde.
A Naturologia, graduação da área da saúde, propõe o cuidado integral ao
ser humano. Utiliza práticas naturais, tais como a fitoterapia, hidroterapia,
trofoterapia, massoterapia, entre outras, com a intenção de promover, manter e
recuperar a saúde, a qualidade de vida e a integração do indivíduo ao ambiente em
que vive. O curso compreende, em seus princípios, a concepção sistêmica da vida e
os fundamentos filosóficos milenares da Medicina Tradicional Chinesa, Medicina
Ayurveda, além de outras perspectivas, em sua maioria voltadas à ecologia
(HELLMANN e WEDEKIN, 2008; SILVA, 2004).
As práticas não convencionais, tais como as estudadas no curso de
Naturologia, tendem a contribuir no sentido de proporcionar uma forma mais
humanizadora no processo de cuidar (WALDOW, 2001). Mas, se por um lado, as
práticas alternativas e complementares tendem a constituir-se em um saber que tem
como categoria central a saúde e não a doença; por outro, o modismo presente na
sociedade leva ao consumo de técnicas e tratamentos complementares dentro da
lógica do mercado e da medicalização da sociedade (TESSER e BARROS, 2008).
Esta pesquisa objetiva, portanto, discutir, através de um olhar da bioética
social, como se configura a inserção da ética, da bioética, e da deontologia enquanto
disciplinas autônomas ou como conteúdos ministrados em outras matérias no ensino
da Naturologia no Brasil, especialmente no que concerne aos referencias teóricos
estudados os quais dão suporte à formação acadêmica.
Esse debate insere-se em um momento no qual as terapias não
convencionais, complementares e integrativas vêm ganhando espaço na sociedade
contemporânea, tal como é na graduação em Naturologia, inclusive incorporadas
pelo Sistema Único de Saúde.

PERCURSO METODOLÓGICO

Este estudo, de abordagem qualitativo-descritiva, foi realizado em duas


fases: a primeira, por meio de pesquisa documental, e a segunda, por pesquisa de
campo. A pesquisa foi desenvolvida em duas universidades que abrigam o curso de
Naturologia, uma localizada em Santa Catarina e a outra em São Paulo.

147
Os cursos participantes responderam a dois critérios de inclusão: ter
reconhecimento do Ministério da Educação e aceite do coordenador em participar da
pesquisa, permitindo o acesso à documentação necessária. Foram sujeitos da
pesquisa seis professores que ministram aulas nas referidas universidades, os quais
responderam a outros dois critérios de inclusão: ser docente do curso de Naturologia
há um ano ou mais e ministrar disciplinas de ética, bioética e/ou deontologia, ou de
disciplinas que contemplam tais conteúdos na ementa.
As informações foram coletadas em dois momentos. No primeiro,
procedeu-se a análise dos seis planos de ensino encontrados que continham
explicitamente em sua ementa o estudo da ética, da bioética e/ou da deontologia. No
segundo momento, foram realizadas as entrevistas com os seis professores
responsáveis por ministrar tais disciplinas selecionadas, sendo três de cada um dos
dois cursos de Naturologia. Foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada,
guiada por um roteiro de tópicos, os quais questionavam as características das
disciplinas, quais eram os referenciais utilizados e como era sistematizado o
processo de ensino-aprendizagem.
Os dados provenientes dos documentos e das entrevistas foram tratados
através da análise de conteúdo (BARDIN, 1977), possibilitando o encontro de quatro
categorias, as quais foram discutidas à luz da Bioética Social: (1) Características
gerais das disciplinas que envolvem o estudo da ética, bioética e deontologia; (2)
Bioética enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referenciais de
análise; (3) Abordagens teóricas da ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir
da Bioética Social; (4) O estudo da deontologia no ensino da Naturologia.
Este artigo apresenta parte das reflexões de uma dissertação de
mestrado cujo projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Catarina, registrado sob o protocolo 297/8 FR-
224129. Em respeito às normas éticas em pesquisa envolvendo seres humanos, os
participantes passaram a compor a amostra mediante compreensão e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para manter o anonimato dos
participantes, utilizaram-se nomes de frutas e ervas aromáticas como cognomes dos
entrevistados.

DISCUTINDO AS CATEGORIAS

148
O processo de análise do conteúdo proveniente dos dados deste estudo
possibilitou o conhecimento de como se configura a inserção das unidades de
ensino referentes à ética, deontologia e bioética nas disciplinas de na graduação em
Naturologia, as quais são apresentadas, a seguir, nas quatro categorias que
emergiram desta pesquisa.

“Características gerais das disciplinas que envolvem o estudo da ética,


bioética e deontologia”

O estudo da ética, da bioética e da deontologia se apresentou ora os três


conteúdos arrolados sob a tutela de uma só disciplina e ora como conteúdo
programático de disciplinas diferentes, tal como é o exemplo da filosofia que traz na
sua ementa o estudo da ética. Em uma das universidades, a bioética é trabalhada
em disciplina exclusiva e a deontologia apareceu, nos dois cursos, em disciplinas
alusivas às técnicas terapêuticas.
De forma geral, os objetivos das disciplinas analisadas expressavam o
intuito de o acadêmico desenvolver a capacidade de compreender, avaliar e tomar
decisões frente aos aspectos conceituais de temas relacionados à ética e à bioética,
com vistas à formação cidadã e ao bom exercício profissional. No sentido de
analisar esses aspectos, buscou-se discutir elementos tais como: a carga horária
alocada e a posição das disciplinas na grade curricular, a formação dos professores
ministrantes das aulas e as metodologias empregadas no processo de ensino-
aprendizagem.
As disciplinas de ética e bioética apareceram nos projetos pedagógicos
nas primeiras fases do curso de Naturologia: segundo e quarto semestres. Para
Morano (2003), o período mais adequado para disciplinas dessa característica são
as fases iniciais da formação acadêmica, tal como se apresentou. Cabe ressaltar
que o ensino da ética e bioética não deveria ocorrer apenas em disciplinas no início
do curso, mas também enquanto conteúdo ministrado interdiciplinasmente ao longo
da graduação.
Quanto à carga horária das disciplinas gerais que se ocupam diretamente
do estudo da ética e bioética, essas variaram de 30 a 60 horas-aula. Dantas e Sousa
(2008) mostram que, em 2001, 74% das escolas médicas ofereciam disciplinas
dessa natureza com a carga horária de até 60 horas, sendo a maioria com 30 horas,

149
assinalando o parco envolvimento institucional no fortalecimento e no ensino dessas
três áreas. Esse dado corrobora com as afirmações feitas por Carvalho e Ceccin
(2006) ao apontarem o contrassenso em relação à distribuição da carga horária das
disciplinas nos cursos de ensino superior em saúde, as quais se concentram na
formação técnica, tendo prejuízo à formação pautada no entendimento da
complexidade do tema da saúde. Frente a isso, um dos professores entrevistados
apresentou sua preocupação, assinalando a necessidade de, pelo menos, o dobro
de horas para a disciplina de ética e bioética, caso o curso viesse passar por uma
reformulação.
Para contribuir na formação acadêmica, não apenas a carga horária das
disciplinas se faz relevante, mas também a formação dos professores. Nesse
sentido, Figueiredo, Garrafa e Portillo (2008), em estudo acerca do ensino da
bioética na área das ciências de saúde no Brasil, aponta para a ausência de uma
abordagem referente ao perfil da formação do corpo docente. Ainda assim, Rego
(2003), referindo-se ao ensino médico, aponta para o crescente número de novas
faculdades, que contratam professores desatualizados, muitas vezes, não
preparados para o ensino da ética.
Acerca da formação acadêmica dos professores responsáveis pelas
disciplinas de ética e bioética no curso de Naturologia, essa não foi a realidade
encontrada: todos os três professores dessas disciplinas são mestres ou cursam
doutorado e são graduados nas áreas das ciências humanas, em especial, na
filosofia e ciências sociais. Os outros três professores que trabalham códigos
deontológicos em suas aulas, são graduados e possuem curso de especialização na
área da saúde. Alguns relataram que buscam aperfeiçoar-se através da participação
de congressos, sendo que um dos professores entrevistados é membro de uma
associação da área da bioética.
Os professores entrevistados foram questionados quanto às estratégias
de ensino utilizadas. Notou-se que essas, no ensino de ética e Bioética no curso de
Naturologia, são diversificadas. “A diversificação dos métodos é importante não só
porque pode ampliar as alternativas de aprendizagem, como também expandir as
possibilidades de que ela se realize, superando possíveis dificuldades dos alunos”
(RANGEL, 2007 p.8). Destacam-se, em ordem de frequência, as aulas expositivo-
dialogadas, o uso de seminários, o emprego de estudos de casos e o júri simulado.

150
A metodologia para o ensinamento de códigos de ética profissional é abordado na
quarta categoria deste estudo
Pode-se considerar a aula expositiva como método tradicional de ensino.
Os três professores entrevistados relataram que utilizam exemplos do cotidiano e
buscam incentivar a participação do acadêmico nas aulas através da indagação oral
acerca das opiniões e das vivências do aluno para que assim o processo
pedagógico torne-se dialógico e atrativo.
A utilização de seminários no processo de ensino-aprendizagem foi
apontada por dois docentes. Essa técnica ficava geralmente para os últimos dias de
aula. Em um caso o professor sugeria os temas a serem abordados e no outro eram
os acadêmicos os responsáveis pela procura de temas éticos no contexto da
Naturologia, os quais deveriam ser discutidos segundo as teorias estudadas ao
longo da disciplina.
O estudo de caso foi o terceiro método mais utilizado. Chama a atenção
para a metodologia de um dos professores entrevistados: a primeira parte da aula
era apresentado, através de aula expositivo-dialogada, um referencial teórico de
análise em ética/bioética, sobre o qual os alunos já haviam lido um texto base
anteriormente e, na segunda metade da aula, era feita uma avaliação que consistia
na aplicação de tal teoria a um caso real, caracterizando, dessa forma, um estudo de
caso o qual valeria nota para a aprovação na disciplina.
Outra metodologia de ensino presente, relatado por um dos docentes, foi
o debate entre os alunos sobre um tema em questão, configurando-se em uma
espécie de júri simulado. Nesse caso, o professor ficara responsável por escolher o
tema em debate, geralmente aborto ou eutanásia, e mediar as discussões. As
equipes eram divididas de forma que um grupo de alunos se posicionaria a favor,
por exemplo, à eutanásia, e outro grupo tomava a posição contrária, fundamentando
as posições, pautando-se nas correntes discutidas na disciplina ou em outras as
quais os acadêmicos eram encarregados de localizar.
Considera-se que, no curso de Naturologia, a diversificação das
metodologias de ensino-aprendizagem no campo da ética e bioética traz dinâmica
às aulas e amplia o ritmo e as motivações no sentido da aprendizagem. Esse fato
pode estar relacionado ao perfil dos professores, os quais são qualificados para
ministrarem tais aulas. A característica desfavorável do ensino da ética e bioética
reside na pouca destinação das horas alocadas para essas nos dois cursos

151
analisados, sendo insuficiente para a formação de um profissional que seja crítico e
que zele pelo bem comum coletivo.

“Bioética enquanto disciplina no curso de Naturologia: temas e referencias de


análise”

A segunda categoria desta pesquisa traz a discussão dos temas e dos


referenciais de análise estudados na bioética enquanto disciplina autônoma ou ainda
enquanto conteúdo temático em outras matérias da graduação de Naturologia. As
análises dos temas e referenciais encontrados nos dois cursos pesquisados são
apresentadas em conjunto. Foi possível perceber que, nos planos de ensino e nas
falas dos professores, os temas que aparecem, de modo geral, são os tradicionais
do debate bioético: eutanásia, aborto, alocação de recursos escassos à saúde,
pesquisas com células-tronco e envolvendo animais. Sobre os assuntos tratados
pela bioética, Berlinguer (1993) aponta que a abordagem que mais prevalece nesse
campo de estudo são as situações limites ou de fronteiras, ou seja, aquelas
centradas nos avanços técnico-científicos, sobretudo da medicina e da biologia, e
que se voltam prioritariamente ao âmbito individual. O mesmo autor assinala que o
debate bioético, em geral, tem negligenciado problemas que persistem na
sociedade, os quais afetam milhares de indivíduos cotidianamente, sobretudo
aquelas pessoas que são mais vulneráveis.
Os temas buscados pelos alunos para o debate na disciplina de bioética,
em especial nos seminários solicitados pelos docentes, voltavam-se às questões de
sustentabilidade, de pesquisa envolvendo animais, problemas na relação
terapêutica, sobretudo acerca da autonomia do sujeito assistido. Nota-se aí que,
além dos temas tradicionais da bioética, os alunos trouxeram para o debate
características de cunho ambiental, enquanto os temas éticos trazidos para o debate
pelos professores concentravam-se em situações-limite, tais como o tema da
eutanásia, do uso de células tronco em pesquisas, embora também trouxessem
outras pautas, como as implicações éticas na relação entre homens e animais
(especificismo).
Nota-se que há pouca atenção dada às discussões de temas que
relacionam saúde e sociedade. A saúde enquanto direito humano poderia ser
discutido em temas como: atenção à saúde da população vulnerada e acesso

152
igualitário, discussões de gênero, etnia e sua relação com a saúde. Em uma
sociedade marcada pela desigualdade social, faz-se necessária ênfase nesses
temas. Sobre isso, um dos docentes relatou:

[...] uma coisa que eu estou pensando para o semestre que vem é trazer
questões sociais para discussão. (CIDREIRA).

A interface entre ética, economia e mercado apareceu enquanto questão


social discutida em uma aula em um dos cursos analisados. A condução desse
debate se fez mediante a reflexão sobre a atual mercantilização exacerbada, que
considera a economia como sendo o uso dos recursos para uma acumulação infinita
e não enquanto estudo da otimização dos recursos escassos em função da
manutenção da vida.
A discussão da mercantilização da saúde foi baseada na obra Mercado
Humano, de Berlinguer e Garrafa (1996). Ressalta-se que, embora as obras desses
autores aparecessem nos planos de ensino dos dois cursos analisados, essa visão
social da bioética foi utilizada apenas em uma das graduações. Partindo das
colocações de um professor, há hoje na sociedade um mercado no campo da saúde:

[...] a saúde também virou uma moeda de troca. A doença se transformou


em uma possibilidade de acumulação infinita. Não se trabalha na clínica
racionalista moderna a noção de cura, porque a cura significaria a cessação
dos lucros. (ALECRIM).

As palavras do docente remetem à necessidade de se conceber a saúde


de forma deslocada do mercado lucrativo e de lógica individualista, reinante na
sociedade contemporânea, para ir ao encontro das necessidades coletivas.
Considera-se que a abordagem desse tema foi conduzida pela Bioética
Social, um referencial capaz de colaborar nas reflexões dos problemas éticos
trazidos a partir da evolução da ciência e daquelas que persistem teimosamente a
essa evolução. Assim, além de eleger temas para debates em aula, é importante a
apresentação de diferentes referenciais de análise para balizar as decisões frente
aos temas, pois assim se favorece o processo de reflexividade na formação da
identidade profissional.
A apresentação da Bioética Social no curso não é unânime nas disciplinas
que envolvem o estudo de Bioética. O enfoque principialista, de Beauchamp e
Childres (2002), seguido da visão da Ética Prática, de Peter Singer (2006), são os
dois referenciais abordados para discutir bioética no curso.

153
O principialismo volta-se à ética biomédica, em especial à prática clínica,
e tem Tom Beauchamp e James Childress (2002) como os expoentes desse
enfoque. Os autores apontam que na moral comum é possível encontrar princípios
básicos para a ética biomédica e propõe quatro princípios como forma de orientar as
análises dos problemas éticos: respeito à autonomia, beneficência, não-maleficência
e justiça, todos importantes de uma mesma forma, não havendo hierarquia entre
eles, tendo, então, espaço para a mediação.
A ética prática de Peter Singer (2006), embora com menor tempo de
discussão em aula se comparada ao principialismo, aparece como referencial nos
dois cursos de Naturologia analisados. Basicamente, o autor investiga a aplicação
da ética em questões práticas, sob ponto de vista utilitarista, em especial nas
questões como aborto, eutanásia, tratamento das mulheres e das minorias étnicas,
preservação do ambiente, do uso de animais em pesquisa e na fabricação de
alimentos.
Tanto as contribuições de Beauchamp e Childress quanto de Singer para
a Bioética são relevantes e não devem ser descartadas, pois a diversidade cultural e
a pluralidade moral enriquecem as discussões no campo da bioética. No entanto, ao
considerar a realidade social brasileira, torna-se possível assinalar que a reflexão
ética realizada por tais autores tende a desconsiderar as características marcantes
dos países em desenvolvimento, tais como o urgente debate das iniquidades sociais
que acabam por produzir doenças que levam milhares de pessoas a morrer
precocemente, pois tais referenciais são construídos baseados na realidade
econômica e sociocultural anglo-saxônica: na sociedade americana no primeiro caso
e, na australiana, no segundo.
O enfoque principialista analisa situações da prática clínica; contudo, em
se tratado da saúde coletiva, apresenta insuficiência no debate contextualizado dos
conflitos que exigem relativização cultural, também no balizamento dos problemas
macrossociais da sociedade Brasileira. A utilização máxima do princípio da
autonomia pode ainda conduzir a uma avaliação que desconsidera os
direcionamentos éticos frente ao bem comum coletivo (GARRAFA, 2005a; 2005b).
Um dos professores entrevistados assinalou a preocupação acerca da
discussão da autonomia na sociedade brasileira e, citando considerações do
bioeticista Volnei Garrafa, advertiu que a autonomia deveria ser relativizada, pois

154
nas condições sociais que o país apresenta, muitos tendem a agir de forma não
autônoma; e relata:
[...] o que se discute hoje é se esses princípios são suficientes ou se
deveria haver outros princípios [...].(CIDREIRA).

O docente conclui seu pensamento afirmando que há necessidade de


outras formas de pensar a bioética, mesmo defendendo o ponto de vista de que é a
teoria principialista a principal proposição que ainda fundamenta esse campo de
estudo.
Outro professor consultado ressalta que não apresenta aos estudantes
apenas a teoria principialista:

[...] gosto muito de colocar pontos de vistas diferentes. Eles vêem os


principialistas, e vêem em contraponto, a ética prática de Peter Singer, que
é um autor que não abraça o principialismo. Minha conduta em aula é para
que eles vejam múltiplas perspectivas. Não digo para eles seguirem uma.
Minha idéia é apresentar que existem várias correntes, para que os aluno,
enquanto profissionais futuramente, saibam lidar com elas. (CAPUCHINHA).

Apresentar diferentes perspectivas em bioética é fator que enriquece a


formação acadêmica. Ainda assim, o pouco tempo alocado para essa disciplina nas
duas universidades, tal como afirmaram os docentes, dificulta a possibilidade de
serem abordados outros enfoques em bioética.
No caso dos cursos de Naturologia, a Ética Prática de Peter Singer,
Australiano, professor de filosofia nos Estados Unidos da América, tem sido o
segundo enfoque mais discutido. Cabe ressaltar que a visão utilitarista dada por
esse autor parte da realidade da sociedade americana e australiana, a segunda é
uma das, se não a única, sociedade desenvolvida economicamente do hemisfério
sul. Assim, as críticas às teorias desse autor devem ser acompanhadas de reflexões
em face da “importação” de tal visão.
Há, no discurso de Peter Singer (2006), inúmeras discussões as quais a
Naturologia contempla na graduação, tal como é a questão da alimentação e da
produção alimentar, visão para a qual o autor contribui. De qualquer forma, como em
qualquer concepção bioética que venha de culturas estrangeiras, as mesmas não
devem ser adequadas à realidade socioeconômica e cultural vivida no país.
Considera-se, de forma geral, que os temas abordados nas aulas de
Bioética fazem alusão quase que exclusivamente a questões-limite e que, embora
possam apresentar temas de ecologia, faz-se necessário acrescer temas
sociopolíticos. Da mesma forma, urge que sejam acrescentados referenciais da
155
Bioética Social para então contribuir com o processo de reflexividade na formação
profissional, capaz de contemplar temas e referenciais de cunho social para, assim,
favorecer a formação de um profissional comprometido com a sociedade.

“Abordagens teóricas da Ética estudadas na Naturologia: um olhar a partir da


Bioética Social”

Para fundamentar a bioética é necessário recorrer às abordagens éticas


filosóficas, pois esse campo do conhecimento “(...) se alimenta de concepções que
nos remetem à interpretação e a compreensão filosófica do ser humano e de sua
vida” (ANJOS, 2001 p. 24). Essa compreensão é ainda apresentada por um dos
professores entrevistados quando diz que Bioética é:

[...] parte da ética prática, uma perspectiva da ética que procura aplicar as
questões atuais emergentes às bases teóricas. (CIDREIRA).

É nesse contexto que se apresenta a terceira categoria que, contempla


as abordagens teóricas da Ética, essa sendo estudada enquanto disciplina
autônoma ou ainda como conteúdo temático em outras matérias do curso de
Naturologia. A relevância do estudo da ética na graduação em debate, a qual
provavelmente se estende para todos os outros cursos de graduação em saúde,
como nas palavras de um professor entrevistado, deve-se ao fato de que esse tipo
de discussão objetiva possibilitar ao acadêmico a compreensão do mundo em que
se insere, situando-se para que, com consciência, faça as suas escolhas. Para o
docente, o discurso da ética surge na aproximação entre filosofia e vida e é aí que:

[...] se faz o homem consciente, com capacidade de reflexão, que


transforma todas as suas atitudes em práxis, portanto uma ação
acompanhada de consciência, de reflexão. (ALECRIM).

Os resultados apontam que a ética é estudada no curso de Naturologia


sob várias perspectivas, sendo a abordagem do dever de Immanuel Kant (1724 -
1804), seguida da proposta ética utilitarista de John Stuart Mill (1806 - 1873) e da
perspectiva das virtudes de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), as três abordagens
éticas mais trabalhadas nas disciplinas que envolvem o estudo teórico da ética no
curso de Naturologia.
A ética kantiana aponta que o indivíduo deve agir de forma moral através
de uma moralidade imposta por ele mesmo a ele. Trata-se de uma perspectiva que

156
prima pela autonomia do indivíduo, respeitando o dever enquanto obrigação moral
para o exercício da liberdade. Kant afirma que o homem deve agir por respeito ao
dever, procurando transcender às inclinações e paixões, orientando-se
especialmente por um imperativo categórico, o qual é apresentado pelo autor
enquanto uma máxima em que as ações de um indivíduo devem ser tais que se
tornem uma lei não apenas para si, mas para todos os outros indivíduos (KANT,
1997).
Kant (1997) propôs um regime que visava liberdade aos cidadãos. O
filósofo era contrário ao utilitarismo e não concordava com a máxima de que "os fins
justificam os meios”, afirmando que os sujeitos devem ser tratados como fim em si
mesmo, nunca enquanto meio. Ele propôs apenas um imperativo categórico, que é:
“age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei
universal” (KANT, 1997 p. 59). Na área da saúde, se profissionais agirem tal como
lembra Kant, provavelmente criar-se-ia um espaço de reflexão sobre as próprias
ações o que acarretaria em contribuições à práxis profissional. Porém, Schramm
(2003, p. 194), alerta para o fato de que o imperativo categórico de Kant só se pode
aplicar, a rigor, “[...] a pessoas reais que tenham uma biografia e interesses legítimos
reconhecidos socialmente [...]”. Ainda assim, a contribuição kantiana continua sendo
relevante, para a formação acadêmica.
Por conseguinte, John Stuart Mill defendia uma ética utilitarista, em que a
utilidade é o critério que deve orientar as escolhas das ações morais, com vistas à
felicidade do maior número possível de indivíduos. O autor ressalta que a busca pela
felicidade requer o cultivo de virtudes e aprimoramento do caráter. Dessa forma, o
utilitarismo de Mill implica no reconhecimento de que as normas são relativas (MILL,
1976).
Compete ressaltar que a ética utilitarista, da maneira clássica, tende a
não instituir fundamentos para os direitos individuais, os quais devem ser protegidos.
Mas cabe lembrar a contribuição dessa teoria à Bioética Social, já que Garrafa e
Porto (2002) apresentam a Bioética de Intervenção como uma proposta utilitarista. A
priorização, no campo público e coletivo, de políticas públicas que possam beneficiar
o maior número de pessoas pelo maior espaço de tempo e que resultem nas
melhores consequências, mesmo que haja prejuízos em certas situações individuais,
é base dessa perspectiva social de Bioética. Os mesmos autores alertam para o fato
da existência de situações pontuais que devem ser discutidas. Nota-se, portanto, a

157
contribuição da proposta utilitarista para a formação acadêmica cidadã, desde que
essa seja relativizada.
Por sua vez, a ética de Aristóteles foca-se no caráter dos sujeitos através
das virtudes as quais podem ser adquiridas e desenvolvidas por força do hábito. A
virtude seria o meio termo entre dois vícios, entre duas ações morais contrárias.
Aristóteles defendia que toda ação almeja um fim e cada fim seria um bem humano,
sendo o maior de todos a felicidade. A ética nesse ponto de vista tem estreita
relação com a política: almejar a felicidade pública (ARISTOTELES, 2001).
O estudo da perspectiva das virtudes possibilita as reflexões para tornar
consciente que, enquanto acadêmicos e futuros profissionais, esses podem escolher
serem bons através do hábito, optando pela coragem, justiça, honestidade, entre
outras virtudes, com vista a uma vida pública precedida de reflexão ética. Se, a partir
do que diz Aristóteles, as virtudes são alcançadas por meio do hábito, questiona-se
se o estudo da ética não deveria ser, além de disciplinar, transversal ao ensino, pois
todas as áreas, todas as técnicas, têm relação com a ética.
Nota-se que a ética de Kant, Aristóteles e Mill são éticas normativas, pois
procuram estabelecer como deve ser a ação dos indivíduos. Assim sendo, essas
concepções colaboram na formação acadêmica, também pessoal, por suscitar nos
alunos reflexões de caráter ético sobre as ações da prática profissional, igualmente
sobre os próprios atos de suas vidas. Da mesma forma, são concepções que
colaboram para reflexões de Bioética, pois, como lembra Schramm (2005), essa é
ao mesmo tempo descritiva e normativa.
Em suma, as três visões clássicas de ética normativa aqui apresentadas
fornecem teorias para nortear as reflexões sobre as práticas profissionais, também
subsídio para fomentar as discussões dos conflitos éticos atuais, emergentes e
persistentes.

“O estudo da deontologia no ensino da Naturologia”

A quarta e última categoria deste estudo apresenta as reflexões acerca do


estudo da deontologia no processo de ensino-aprendizagem no curso de
Naturologia. Cabe ressaltar que, embora essa graduação seja reconhecida pelo
Ministério da Educação no Brasil, a profissão não está regulamentada até o presente
momento. Assim, não existem conselhos de Naturologia, apenas associações. Da

158
mesma forma, não existe um código deontológico de Naturologia legalmente válido,
apenas os códigos propostos pelas universidades e associações de Naturologia
existentes.
Por não haver “código” de ética profissional do naturólogo e existir a
discussão desse assegurada no projeto pedagógico de um dos cursos analisados,
uma das universidades pesquisadas montou, através de equipe composta por cinco
professores, uma proposta de código deontológico para a Naturologia, antes de
iniciar a disciplina que discutiria tal tema. O outro curso estudado não apresenta a
discussão de código de ética no projeto pedagógico, porém esse fato não excluiu a
existência da discussão de possíveis “códigos” de ética: em disciplinas referentes ao
estudo das práticas naturais, a deontologia foi estudada através de códigos de ética
de outras categorias profissionais
De modo geral, quanto ao estudo da deontologia no ensino da
Naturologia, os professores das disciplinas de ética e bioética foram unânimes em
considerar que as questões legais da profissão deveriam ser discutidas junto ao
estágio e não em disciplinas teóricas que buscam realizar reflexões éticas. Essa
preocupação dos docentes frente à formação humanística dos acadêmicos vai ao
encontro da percepção de que a obediência aos códigos deontológicos podem não
trazer reflexões éticas.
Mas, dependendo da maneira que a discussão de “códigos” de ética
profissional for conduzida poderá sim se constituir em espaços de reflexão. Essa
observação é confirmada pela estratégia de ensino de um docente, ao relatar:

[...] tenho alguns códigos de ética que existem de terapeutas, porque


do naturólogo ainda não existe. [...] Trabalhamos em aula uma coisa
que eu acho que tem sido eficaz. É assim: vemos um código de ética
e localizamos quais são as dificuldades, as falhas que existem
nesses códigos; e peço aos alunos pensarem como eles fariam esses
códigos para naturólogos. (MELISSA).

O processo de ensino aprendizagem, nesse caso apresentado, convida o


acadêmico a refletir sobre a prática profissional, mais do que simplesmente o faz
acatar normas. Outra forma em que a deontologia é apresentada aos alunos é
através da discussão de casos reais vivenciados no estágio de Naturologia a partir
da leitura do código de ética proposto para a aula.
“Sem dúvida, o enfoque da Ética Profissional é indispensável à formação
acadêmica, uma vez que ela está relacionada com as dimensões regulamentadoras

159
da prática profissional [...]” (FIGUEIREDO; GARRAFA; PORTILLO, 2008 p 53),
porém, os diferentes códigos de ética das diversas categorias profissionais de
saúde, baseiam-se todos nas mesmas bases conceituais, tais como o respeito à
privacidade e o consentimento informado do paciente para realizar as práticas,
configurando-se em obrigações e direitos, portadores de conteúdo moralista, o qual
dificulta o espaço de reflexão, uma vez que dificultam a reflexão de perceber e sentir
autonomamente os direitos e as obrigações como tais (COHEN e SEGRE, 2002).
Essa dificuldade de percepção dos direitos e deveres sentidos enquanto
tais frente às necessidades de saúde da coletividade pode, talvez, ser exemplificada
através da abordagem deontológica feita por outros dois docentes no ensino de
Naturologia. Esses abordam, em suas aulas, o estudo do “código” de ética
profissional como forma de distinguir o limite da atuação do naturólogo frente às
outras profissões da saúde:

Então a gente vê dentro do código de ética se o que eu vou fazer é uma


especialidade, se posso falar que faço essa (técnica) ou não [...].
(CAMOMILA).

O que eu posso fazer dentro do meu código de ética. [...] O conselho


regional de psicologia muitas vezes vê o naturólogo como um profissional
que entra [..] na área da psicologia [...]. O naturólogo tem de ter muito claro
aquilo que ele está fazendo para que não apareça uma imagem errada de
que está invadindo uma área. (CALÊNDULA).

A posição a qual essas falas remetem é a noção de “campo” profissional.


Boudieu (1983), ao definir a noção de campo científico, o qual se aproxima do
profissional, discute que os campos se constituem como espaços em que se
configuram as disputas pelo poder. Trata-se da arena de lutas concorrenciais por
deter o monopólio da autoridade científica, definida pela capacidade técnica
(autoridade) e a legitimação social (autorização) frente às diferentes formas do
conhecimento humano.
Nesses casos, o enfoque deontológico estudado nos cursos de
Naturologia, tem apontado para a discussão do espaço profissional na sociedade
enquanto campo profissional. Ainda que seja importante tal discussão na formação
acadêmica a fim de delimitar a ação do naturólogo, torna-se relevante discutir a
necessidade da Naturologia se constituir em legítima carreira de defesa da
cidadania.
São frequentes as lutas pelo poder das categorias profissionais na
jurisdição das mesmas na sociedade. O que talvez não seja habitual, mas
160
necessário, são as ações que buscam legitimar a função social das profissões as
quais deveriam, antes de tudo, serem profissões solidárias. Cabe ressaltar, como
lembra Morano (2003), que os profissionais de saúde utilizam um conjunto de
conhecimentos que constitui patrimônio cultural da humanidade, não devendo estes
ser agenciadores do saber acumulado, apenas concerne a eles a perícia, maior ou
menor habilidade na execução das técnicas e conhecimentos adquiridos.
Parece haver no ensino da Naturologia, o que talvez se estenda a outras
graduações, uma preocupação por resguardar o conhecimento como exclusivo de
uma categoria profissional, que tende a expropriar o conhecimento da humanidade
acumulado há milênios, como simples forma de exercício do poder. Assim, torna-se
“[...] cada vez mais essencial preparar os educandos, no sentido de que
compreendam as implicações éticas da utilização do conhecimento” (MESSIAS,
ANJOS, ROSITO; 2007, p. 97).
Faz-se necessária a constante reflexão acerca dos códigos deontológicos
das profissões com a finalidade de o exercício profissional ser capaz de contribuir
para uma sociedade justa. No âmbito do ensino da deontologia na Naturologia, essa
premissa não é diferente. Atenta-se ao fato de que não existe um “código” de ética
válido ao Naturólogo, tornando importante que esse, quando for concebido, esteja
voltado aos desafios impostos na atualidade à saúde coletiva brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da ética, da bioética e da deontologia na formação acadêmica


pode se tornar, dependendo como for direcionado, mecanismo que possibilita a
formação de profissionais comprometidos com a sociedade. No Brasil, as reflexões
sobre bioética e ética, também acerca da deontologia, exigem uma perspectiva
sociopolítica, que vá além dos direitos individuais e que esteja preocupada com o
bem comum coletivo, a fim de contribuir na formação de profissionais críticos,
capazes de considerar a realidade social para oferecer atenção humanizada e de
qualidade. Nesse sentido é que se buscou apresentar as características do ensino
da bioética, ética e deontologia enquanto disciplinas autônomas e como conteúdos
no ensino da Naturologia no Brasil.
Foi possível perceber a necessidade de se ampliar a carga horária dessas
disciplinas, em especial da bioética, por se tratar de ética aplicada. Notou-se o

161
preparo acadêmico dos professores de ética e bioética do curso de Naturologia, os
quais se mostraram comprometidos com a educação, pois, além de diversificarem as
estratégias de ensino para facilitar a aprendizagem acadêmica, assinalavam suas
preocupações com a formação de um profissional capaz de refletir eticamente sobre
a atuação profissional com vistas a uma sociedade melhor.
Ainda assim, observou-se que o estudo da bioética no curso de
Naturologia é pautado por referenciais estrangeiros - principialismo e ética prática de
Peter Singer - os quais necessitam ser contextualizados à realidade brasileira.
Notou-se que os temas abordados nas aulas concentram-se em questões-limite,
sendo insuficiente o destaque dado aos conteúdos que remetem aos temas do
cotidiano, bem como aos problemas da realidade sociopolítica brasileira. O enfoque
da Bioética Social, tido aqui como um elo para as reflexões bioética, foi apresentado
no ensino da Naturologia, porém em uma única aula e em apenas um dos cursos
analisados. Faz-se necessária, na educação, ênfase no enfoque social da bioética,
pois esse colabora para a formação de um profissional cidadão, pois contribui no
processo reflexivo da construção da identidade subjetiva profissional.
As abordagens teóricas da ética estudadas na graduação em pauta são
principalmente as clássicas visões das éticas normativas, de Kant, Mill e Aristóteles,
as quais colaboram para as reflexões sobre as práticas profissionais. Por sua vez, a
deontologia é concebida no curso de naturologia, mesmo coma inexistência de
código de ética para essa profissão, e deve se atentar para o fato de que as
discussões deontológicas não sejam tomadas como discurso visando
exclusivamente o campo profissional, de forma a exercer o poder frente à sociedade,
mas enquanto instrumento para propor reflexões críticas à prática social da
profissão.
Em suma, é preciso que a formação acadêmica contemple temas
relevantes à saúde coletiva face às questões emergentes, fruto dos avanços
tecnológicos, sem deixar de lado os temas que persistem a esses avanços, tais
como são as questões de gênero, a fome e os mais diversos tipos de desigualdades
sociais presentes no cotidiano dos seres humanos para, dessa forma, superar a
formação de profissionais voltados quase que exclusivamente à especialização,
portanto, inseridos em uma visão fragmentada de mundo.
É nesse sentido, e para finalizar, que se ressaltam dois determinantes da
educação cidadã: a necessidade de uma formação voltada à cidadania planetária,

162
ainda que contextualizada, segundo as características da sociedade local, e a
importância de não dissociar e fomentar o ensino da ética/bioética em todas as
outras disciplinas da graduação, pois toda a prática deveria preceder e proceder à
reflexão, para então se tornarem práxis social.

REFERÊNCIAS

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de Paul de; PESSINI, Leocir (Org.) Bioética: alguns desafios. São Paulo:
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<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewDownloadInterstitial/4
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WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. 3. ed. Porto Alegre:


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APÊNDICES

165
APÊNDICE I (A)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE NATUROLOGIA APLICADA

DECLARAÇÃO DE CIÊNCIA E PARECER DA INSTITUIÇÃO ENVOLVIDA

Declaro para os devidos fins e efeitos legais que, objetivando atender as


exigências para a obtenção de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos, e como representante legal da Instituição, tomei conhecimento do projeto
de pesquisa: REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM
BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA
SOCIAL, e cumprirei os termos da Resolução CNS 196/96 e suas complementares,
e como esta instituição tem condição para o desenvolvimento deste projeto, autorizo
a sua execução nos termos propostos.

Palhoça, ___ de _________de 2008.

________________________________________
Coordenador do Curso de Naturologia Aplicada – UNISUL

166
APÊNDICE I (B)

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE NATUROLOGIA

DECLARAÇÃO DE CIÊNCIA E PARECER DA INSTITUIÇÃO ENVOLVIDA

Declaro para os devidos fins e efeitos legais que, objetivando atender as


exigências para a obtenção de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos, e como representante legal da Instituição, tomei conhecimento do projeto
de pesquisa: REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM
BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA
SOCIAL, e cumprirei os termos da Resolução CNS 196/96 e suas complementares,
e como esta instituição tem condição para o desenvolvimento deste projeto, autorizo
a sua execução nos termos propostos.

São Paulo, ___ de _________de 2008.

________________________________________
Coordenador do Curso de Naturologia – Anhembi Morumbi

167
APÊNDICE I (C)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

DECLARAÇÃO DE CIÊNCIA E PARECER DA INSTITUIÇÃO ENVOLVIDA

Declaro para os devidos fins e efeitos legais que, objetivando atender as


exigências para a obtenção de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos, e como representante legal da Instituição, tomei conhecimento do projeto
de pesquisa: REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM
BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA
SOCIAL, e cumprirei os termos da Resolução CNS 196/96 e suas complementares,
e como esta instituição tem condição para o desenvolvimento deste projeto, autorizo
a sua execução nos termos propostos.

Florianópolis, ___ de _________de 2008.

________________________________________
Coordenador do Curso de Mestrado em Saúde Pública - UFSC

168
APÊNDICE II (A)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA COLETA DE DADOS

Prezado Prof. _______________________


Coordenador do Curso de Graduação em Naturologia Aplicada da UNISUL

Vimos por meio desta solicitar vossa autorização para a realização da


coleta de dados nesta Instituição de Ensino Superior, referente ao curso de
Naturologia, como parte da pesquisa de mestrado intitulado “REFLEXÕES SOBRE
OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA
NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, que objetiva estudar as tendências
bioéticas presentes no ensino dos profissionais de Naturologia.
O presente estudo é desenvolvido pelo mestrando Fernando Hellmann,
portador do CPF XXXXXXXXX e RG XXXXXXXX, mestrando em Saúde Pública da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da Professora Dra. Marta
Inez Machado Verdi, desta mesma universidade.
Esta pesquisa será realizada em duas etapas. A primeira trata-se da
análise documental e a segunda etapa da análise dos relatos de professores do
curso de Naturologia. Para a primeira etapa desta pesquisa, serão analisados o
Projeto Pedagógico do Curso e Currículo do Curso de Naturologia e plano de ensino
das disciplinas. Na segunda etapa, serão entrevistados professores do curso que
ministrem temas de maior relevância para a bioética, selecionados a partir da
primeira etapa da pesquisa.
Esta pesquisa seguirá os preceitos éticos emanados pela Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Por se tratar de uma pesquisa com caráter
educacional, não são previstos riscos no seu desenvolvimento. Ressalta-se a
garantia de total anonimato e proteção da imagem dos das instituições pesquisadas,

169
bem como das pessoas que contribuirão como fonte de dados para a realização
desta pesquisa, tanto no decorrer do estudo, quanto na divulgação dos resultados.
Estando de acordo, solicito encarecidamente o envio dos documentos
citados para a realização da primeira etapa desta pesquisa, juntamente com esta
autorização assinada, também a “Declaração de ciência e parecer da Instituição
envolvida”, para o endereço registrado no envelope pré-pago em anexo.
Este estudo será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal de Santa Catarina uma vez que na segunda fase deste projeto
realizar-se-á entrevistas com professores. Somente após a aprovação do CEP da
UFSC é que se iniciará a coleta de dados da segunda fase deste estudo.
Agradecendo, desde já, sua participação, coloco-me à disposição para
contatos em caso de dúvidas, disponibilizando meus contatos: XXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

DECLARAÇÃO

Declaro para os devidos fins e a quem possa interessar que fui informado
(a) detalhadamente sobre os objetivos e métodos da pesquisa intitulada
“REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO
ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, conduzida
pelo mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFSC,
Fernando Hellmann, segundo os preceitos éticos proposto pela Resolução CNS
196/96. Neste sentido, na condição de Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada, em nome da Universidade do Sul de Santa Catarina, autorizo a realização
de coleta de dados nesta Instituição, que incluirá a análise de documentos
institucionais e posteriormente, caso este trabalho seja aprovado pelo CEP da
UFSC, a realização de entrevistas semi-estruturadas com os professores do referido
curso.
________________________________________

Telefones: ( ) _________________ ( ) _____________________________


E-mail:____________________________________________________________

Local: ________________________________ Data: ___/____/ 2008.

170
APÊNDICE II (B)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA COLETA DE DADOS

Prezado Prof. _______________________


Coordenador do Curso de Graduação em Naturologia da Universidade
Anhembi Morumbi

Vimos por meio desta solicitar vossa autorização para a realização da


coleta de dados nesta Instituição de Ensino Superior, referente ao curso de
Naturologia, como parte da pesquisa de mestrado intitulado “REFLEXÕES SOBRE
OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA
NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, que objetiva estudar as tendências
bioéticas presentes no ensino dos profissionais de Naturologia.
O presente estudo é desenvolvido pelo mestrando Fernando Hellmann,
portador do CPF XXXXXXXXX e RG XXXXXXXX, mestrando em Saúde Pública da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da Professora Dra. Marta
Inez Machado Verdi, desta mesma universidade.
Esta pesquisa será realizada em duas etapas. A primeira trata-se da
análise documental e a segunda etapa da análise dos relatos de professores do
curso de Naturologia. Para a primeira etapa desta pesquisa, serão analisados o
Projeto Pedagógico do Curso e Currículo do Curso de Naturologia e plano de ensino
das disciplinas. Na segunda etapa, serão entrevistados professores do curso que
ministrem temas de maior relevância para a bioética, selecionados a partir da
primeira etapa da pesquisa.
Esta pesquisa seguirá os preceitos éticos emanados pela Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Por se tratar de uma pesquisa com caráter
educacional, não são previstos riscos no seu desenvolvimento. Ressalta-se a
garantia de total anonimato e proteção da imagem dos das instituições pesquisadas,

171
bem como das pessoas que contribuirão como fonte de dados para a realização
desta pesquisa, tanto no decorrer do estudo, quanto na divulgação dos resultados.
Estando de acordo, solicito encarecidamente o envio dos documentos
citados para a realização da primeira etapa desta pesquisa, juntamente com esta
autorização assinada, também a “Declaração de ciência e parecer da Instituição
envolvida”, para o endereço registrado no envelope pré-pago em anexo.
Este estudo será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal de Santa Catarina uma vez que na segunda fase deste projeto
realizar-se-á entrevistas com professores. Somente após a aprovação do CEP da
UFSC é que se iniciará a coleta de dados da segunda fase deste estudo.
Agradecendo, desde já, sua participação, coloco-me à disposição para
contatos em caso de dúvidas, disponibilizando meus contatos: XXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

DECLARAÇÃO

Declaro para os devidos fins e a quem possa interessar que fui informado
(a) detalhadamente sobre os objetivos e métodos da pesquisa intitulada
“REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO
ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL”, conduzida
pelo mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFSC,
Fernando Hellmann, segundo os preceitos éticos proposto pela Resolução CNS
196/96. Neste sentido, na condição de Coordenadora do Curso de Naturologia
Aplicada, em nome da Universidade do Sul de Santa Catarina, autorizo a realização
de coleta de dados nesta Instituição, que incluirá a análise de documentos
institucionais e posteriormente, caso este trabalho seja aprovado pelo CEP da
UFSC, a realização de entrevistas semi-estruturadas com os professores do referido
curso.
________________________________________

Telefones: ( ) _________________ ( ) _____________________________


E-mail:____________________________________________________________

Local: ________________________________ Data: ___/____/ 2008.

172
APÊNDICE III

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado Sr
(a):________________________________________________, eu, Fernando
Hellmann, CPF XXXXXXXXXX e RG XXXXXXXXXX, mestrando em Saúde Pública
da Universidade Federal de Santa Catarina, orientado pela Professora Dra. Marta
Inez Machado Verdi, desta mesma universidade, venho respeitosamente, através
desta, solicitar sua colaboração no sentido de participar do estudo, que por mim será
desenvolvido, visando, a construção da minha dissertação no Mestrado. Minha
pesquisa denomina-se “REFLEXÕES SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM
BIOÉTICA NO ENSINO DA NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA
SOCIAL” e tem como objetivo deste estudo conhecer quais são as tendências
Bioéticas que dão suporte à formação ética dos estudantes de Naturologia nos
cursos de graduação em Naturologia no Brasil.

Justifica-se, este trabalho, por apresentar relevância científica, uma vez


que constitui-se em um acervo referencial sobre a temática discutida
insuficientemente na academia e pedagógica por proporcionar contribuição à
formulação das diretrizes curriculares para de um curso emergente no Brasil: a
graduação de Naturologia.
Esta pesquisa está sendo realizada em duas etapas. A primeira tratou-se
da análise documental e a segunda etapa consistirá na análise dos relatos de
professores do curso de Naturologia.
Para esta segunda etapa conto com sua participação. As entrevistas,
aparentemente, não apresentam riscos ou desconfortos associados com a
participação, porém demandará do seu tempo disponível. Os entrevistados poderão

173
ter benefícios diretos, como o de aumentar a auto-estima por realizar um desejo
altruísta de ajudar o pesquisador.
Ressalto que sua identidade e anonimato serão preservados, bem como
haverá garantia de você requerer resposta a qualquer pergunta de dúvida acerca do
assunto; da liberdade de desistir do estudo em qualquer momento, sem que isso
traga prejuízo algum; do compromisso de acesso às informações coletadas, bem
como os resultados obtidos; de que serão mantidos todos os preceitos éticos legais
durante e após o término deste estudo.

Agradecendo, desde já, sua participação, coloco-me à disposição para


contatos em caso de dúvidas, disponibilizando meus contatos: XXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

______________________________ _____________________________
Mestrando Fernando Hellmann Orientadora Prof. Dra. Marta Verdi

DECLARAÇÃO

Eu, _________________________________________________________,
professor(a) do curso de Naturologia da Universidade _______________________,
pelo presente consentimento livre e esclarecido, declaro que fui informado(a) de
forma clara e detalhada dos objetivos deste estudo e aceito participar do mesmo
sendo entrevistado pelo mestrando Fernando Hellmann.

Ciente, concordo em participar desta pesquisa.

Local e data_______________________________________________

Ass. Participante___________________________________________

174
APÊNDICE IV

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

DECLARAÇÃO DE CIÊNCIA DA RESOLUÇÃO CNS 196/96

Declaro que no desenvolvimento do projeto de pesquisa REFLEXÕES


SOBRE OS REFERENCIAIS DE ANÁLISE EM BIOÉTICA NO ENSINO DA
NATUROLOGIA NO BRASIL À LUZ DA BIOÉTICA SOCIAL, cumprirei os termos da
Resolução CNS 196/96 e suas complementares. Comprometo-me a utilizar os
materiais e dados coletados exclusivamente para os fins previstos no protocolo e a
publicar os resultados sejam eles favoráveis ou não. Declaro, ainda, que não há
conflitos de interesses entre os pesquisadores e participantes da pesquisa. Aceito as
responsabilidades pela condução científica do projeto em questão.

Florianópolis, 25 de agosto de 2008.

________________________________________
Orientadora Prof. Dra. Marta Inez Machado Verdi
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública - UFSC

________________________________________
Mestrando Fernando Hellmann
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública – UFSC

175
APÊNDICE V

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

ROTEIRO PARA COLETA DE DADOS - ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA.

Código do roteiro: ________________ Data: _______________________________


Identificação
1.Sexo: _______ 2. Idade: _______ 3. Maior titulação:________________________
4.
Formação:___________________________________________________________
5. Disciplinas ministradas _______________________________________________
6. tempo que ministra aulas no curso: _____________________________________

1. Enquanto professor de Naturologia, você se preocupa com aspectos éticos na


sua disciplina __________? Sim – Como isso se processa? Não – Por quê?

2. Você reconhece a existência de algum tema lecionado em sua disciplina que


seja de relevância ética? Sim – Liste quais são:

3. Como você direciona o processo de ensino aprendizagem frente esses temas.


Por quê?

4. Como é compartilhado o tema ______ com os alunos em sua disciplina? Quais


conceitos estão envolvidos no equacionamento dos dilemas éticos estudados
em aula?

5. Quais são as metodologias de ensino utilizadas neste contexto?

6. Há mais alguma coisa que você gostaria de falar?

176
ANEXO I

177

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