Podo0724 T
Podo0724 T
Podo0724 T
Florianópolis
2021
Juliara Bellina Hoffmann
Florianópolis
2021
JULIARA BELLINA HOFFMANN
O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado
adequado para obtenção do título de Doutora em Odontologia.
____________________________
Profª. Drª. Elena Riet Correa Rivero
Coordenadora do Programa
____________________________
Profª. Drª. Mirelle Finkler
Orientadora
Florianópolis, 2021
Dedico esta tese aos professores e professoras que
tive a alegria de compartilhar conhecimentos,
descobertas, anseios e, especialmente, sonhos.
Jorge Drexler
AGRADECIMENTOS
À querida orientadora desta tese, Mirelle, por ter visto em mim alguém com potencial
de contribuir para a transformação do mundo, antes de mim mesma dar-me conta, por ter me
escolhido para sua orientação e por guiar-me de forma tão afetuosa e apaixonada pelos
caminhos da Ética, por seus incentivos contínuos ao meu aprimoramento e a minha autonomia,
pelas análises experientes acerca deste trabalho, por seu cuidado, carinho e, em especial, por
sua amizade;
À querida Ana Lúcia, co-orientadora desta tese, pela orientação dedicada desde a
concepção desta pesquisa, por sua generosidade em compartilhar comigo sua tranquilidade,
seus conhecimentos e seu precioso tempo, por tanta atenção, delicadeza e amizade;
À Flavia Regina Souza Ramos, a José Luís Guedes dos Santos e à Ana Lúcia Ferreira
de Melo (que logo aceitaria - para a minha alegria, ser co-orientadora deste trabalho), pelas
pertinentes contribuições no processo de qualificação da tese;
Ao Prof. Daniel Silva que me ensinou, ainda na graduação, que o afeto e o rigor
científico não são contraditórios e aos queridos colegas de trabalho e amigos do Comitê
Facilitador da Sociedade Civil Catarinense para a Rio+20, para os quais jamais cansarei de
dizer que as vivências de valores que compartilhamos me fez “bifurcar”: sou o que sou porque
vocês são, exatamente, quem são;
A minha família e aos meus amigos, pelo incentivo, pela torcida, pelo carinho e pela
compreensão das minhas ausências. E, em especial, a meus queridos pais Tania e Marcos por
me conduzirem constantemente (mesmo que inconscientemente) a um caminho de autonomia
moral. E por tanto amor.
“… a professora universitária (que há em mim) é
algo em que vou me tornando, e não uma espécie
de identidade já estruturada que levo comigo para
a aula”
(Bell Hooks, 2017, p. 177)
RESUMO
Este estudo objetivou a elaboração de uma teoria para compreender o fenômeno da dimensão
ética da educação superior em Saúde. Trata-se de pesquisa qualitativa, transversal e analítica,
com o referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory), em
sua vertente construtivista. Após aprovação ética da pesquisa, a amostragem teórica foi
composta pelos dados de 30 entrevistas e oito documentos. Os grupos amostrais foram
constituídos por professores e estudantes de uma universidade pública e uma privada, de quatro
cursos da saúde: Enfermagem, Farmácia, Medicina e Odontologia. Também foram
entrevistados gestores da educação superior em Saúde. Os dados foram coletados por meio de
entrevista aberta, em profundidade. Os documentos analisados foram os Projetos Político
Pedagógicos e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos citados. As etapas referentes à
codificação, amostragem e saturação teórica, ordenação e integração foram guiadas por análise
comparativa dos dados, sendo elaborados memorandos e diagramas para auxiliar na
composição da teoria. A teoria desenvolvida é de que a dimensão ética da educação superior
nos cursos de graduação em Saúde se realiza com a construção da personalidade moral dos
sujeitos nos diferentes âmbitos da vida universitária, forjando sua própria identidade. A
categoria central emergente corresponde ao processo de construção da identidade
fundamentada na aprendizagem ética: “Conscientizando-se sobre a importância da dimensão
ética da educação superior em Saúde na vida universitária”. Nele são identificadas cinco
categorias, cada uma relacionada a uma faceta identitária e a uma aprendizagem em especial: o
eu-pessoa se fundamenta em relações de reciprocidade e na diversidade que favorece a busca
por autonomia moral; o eu-acadêmico se constrói com o pertencimento à comunidade
acadêmica, em que a ressignificação dos papéis depende da assunção de um papel comum e
colaborativo do corpo acadêmico; o eu-profissional revelou a crucialidade do aprender a decidir
com autonomia moral, assim como as dificuldades dessa construção nos paradigmas
hegemônicos; o eu-trabalhador da saúde se embasa no aprender a cuidar, para o qual a
humanização, a integração ensino-serviço-comunidade e a educação interprofissional se
apresentam como elementos de influência positiva; o eu-cidadão se constrói com exercício da
responsabilidade social, assumindo-se o papel de agente de transformação do mundo e da
própria instituição universitária. De qualquer um destes ângulos identitários, pode-se perceber
a dimensão moral da construção dos sujeitos, que ao mesmo tempo em que configura uma
identidade moral própria, são por ela configurados. A identidade moral pode ser
propositadamente desenvolvida por meio da aprendizagem ética que promove vivência de
determinados valores e da autonomia moral dos envolvidos. A inseparabilidade da construção
moral e da vida universitária reforça a responsabilidade do corpo acadêmico em assumir o
ensino-aprendizagem ético como missão da Universidade.
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 16
2 MARCO CONCEITUAL ...................................................................................... 21
2.1 UNIVERSIDADE: QUAL O SEU SENTIDO? ...................................................... 22
2.2 AS CORRENTES TEÓRICAS DO LIBERALISMO E DO
COMUNITARISMO ............................................................................................... 28
2.3 UM MODELO DE APRENDIZAGEM ÉTICA PARA A UNIVERSIDADE ....... 35
2.4 A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE MORAL .......................................... 40
2.5 A DIMENSÃO ÉTICA DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE........... 49
2.6 O PAPEL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA DOS SEUS MEMBROS ............................................................... 55
2.7 OS ELEMENTOS SENSIBILIZANTES PARA O PERCURSO
METODOLÓGICO ................................................................................................. 65
3 MÉTODO ............................................................................................................... 68
3.1 A TEORIA FUNDAMENTADA NOS DADOS NA VERTENTE
CONSTRUTIVISTA ............................................................................................... 69
3.2 COLETANDO DADOS .......................................................................................... 71
3.3 AMOSTRAGEM TEÓRICA ................................................................................... 72
3.4 PARTICIPANTES DO ESTUDO ........................................................................... 73
3.5 A ENTREVISTA INTENSIVA .............................................................................. 75
3.6 CODIFICAÇÃO E ANÁLISE ................................................................................ 76
3.7 REDIGINDO MEMORANDOS ............................................................................. 78
3.8 CONSTRUÇÃO DA TEORIA ................................................................................ 79
3.9 DETALHAMENTO ÉTICO ................................................................................... 82
4 RESULTADOS ...................................................................................................... 84
4.1 COMPREENDENDO A RELAÇÃO DIALÓGICA PERMEADA PELAS
DIVERSIDADES COMO ELEMENTO EXPERIENCIAL NECESSÁRIO
PARA A APRENDIZAGEM ÉTICA NA VIDA UNIVERSITÁRIA .................... 87
4.1.1 Pensando os espaços existentes na universidade para aprendizagem ética...... 88
4.1.2 Entendendo os modos relacionais que contribuem para a aprendizagem
ética ......................................................................................................................... 90
4.1.3 Percebendo a importância da diversidade cultural e do pluralismo moral
na construção da identidade ................................................................................. 94
4.1.4 Reconhecendo experiências que possibilitam a educação moral na
universidade ........................................................................................................... 99
4.1.5 A construção do eu-pessoa na realização do fenômeno da dimensão ética
da educação superior em Saúde ......................................................................... 106
4.2 RESSIGNIFICANDO PAPÉIS NA VIDA UNIVERSITÁRIA PARA
ELABORAR UM PAPEL COLABORATIVO PARA A COMUNIDADE
ACADÊMICA ....................................................................................................... 108
4.2.1 Reequilibrando os distintos papéis do docente na vida universitária ............. 108
4.2.2 Assumindo a responsabilidade sobre a sua própria trajetória acadêmica
estudantil .............................................................................................................. 119
4.2.3 Fomentando pertencimento à Universidade ..................................................... 122
4.2.4 A construção do eu-acadêmico como realização do fenômeno da dimensão
ética da educação superior em Saúde ................................................................ 127
4.3 EXPRESSANDO A DIFICULDADE DE TORNAR-SE PROFISSIONAL A
PARTIR DOS PARADIGMAS E RACIONALIDADES HEGEMÔNICOS
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM SAÚDE ......................................................... 129
4.3.1 Refletindo sobre os paradigmas e objetivos da educação superior em
Saúde ..................................................................................................................... 129
4.3.2 Ponderando sobre a importância de educar para o processo decisório em
saúde...................................................................................................................... 134
4.3.3 A construção do eu-profissional como realização do fenômeno da dimensão
ética da educação superior em Saúde ................................................................ 141
4.4 SIGNIFICANDO A DIMENSÃO ÉTICA DA EDUCAÇÃO NA
CONSTRUÇÃO DO TRABALHADOR DA SAÚDE POR MEIO DO
CUIDADO HUMANIZADO, DA INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO-
COMUNIDADE E DA EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL. ......................... 142
4.4.1 Humanizando os processos de cuidado ............................................................. 143
4.4.2 Tornando-se trabalhador-cidadão por meio da integração ensino-serviço-
comunidade .......................................................................................................... 146
4.4.3 Almejando a qualificação do trabalhador da saúde por meio da educação
interprofissional ................................................................................................... 153
4.4.4 A construção do eu-trabalhador da saúde como realização do fenômeno
da dimensão ética da educação superior em Saúde .......................................... 155
4.5 RESPONSABILIZANDO-SE PELOS RUMOS DA SOCIEDADE .................... 156
4.5.1 Reflexionando sobre a missão da Universidade ................................................ 157
4.5.2 Identificando a importância da responsabilização social na educação de
profissionais de saúde .......................................................................................... 164
4.5.3 A construção do eu-cidadão como realização do fenômeno da dimensão
ética da educação superior em Saúde ................................................................ 170
4.6 CONSCIENTIZANDO-SE SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSINO-
APRENDIZAGEM ÉTICO NA VIVÊNCIA UNIVERSITÁRIA ........................ 171
4.6.1 Necessitando dialogar e compreender o significado de “ética” ....................... 171
4.6.2 Definindo valores para um ensino-aprendizagem ético ................................... 175
4.6.3 Desenvolvendo o ensino-aprendizagem ético nas disciplinas curriculares .... 180
4.6.4 Fomentando a aprendizagem ética para além das disciplinas......................... 189
4.6.5 A construção do identidade como realização do fenômeno da dimensão
ética da educação superior em Saúde ................................................................ 194
5 DISCUTINDO A DIMENSÃO ÉTICA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM
SAÚDE A PARTIR DAS CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DURANTE
A VIDA UNIVERSITÁRIA ................................................................................ 196
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 206
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 210
APÊNDICE A – Documento guia para operacionalização da análise das
DCN e PPP ............................................................................................................ 216
APÊNDICE B – Guia para condução de entrevista com professores ............. 218
APÊNDICE C - Guia para condução de entrevista com estudantes............... 219
APÊNDICE D - Guia para condução de entrevista com Gestores .................. 220
APÊNDICE E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...................... 221
ANEXO A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos sob o número 2.562.691 ...................................................................... 223
ANEXO B - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos sob o número 2.648.119 ...................................................................... 226
16
1 INTRODUÇÃO
esforço criativo presente na luta contra problemas) as soluções viáveis, necessárias e prudentes.
Este é o papel da ética na universidade: à medida que convida o estudante a refletir de forma
autônoma sobre o a cultura da sociedade em que vive, ou seja, sobre suas crenças, valores e
sistemas de ideias, exige respostas traduzidas em ações de alta qualidade moral de seus futuros
profissionais e cidadãos (ORTEGA Y GASSET, 2001; GRACIA, 2007).
A sociedade necessita de cidadãos críticos, participativos e eticamente competentes, que
possam agir de forma responsável e prudente sendo capazes de vivenciar e de promover a
realização de valores humanizadores (FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2011). Apesar desta
premissa, grande parte das instituições acadêmicas tem dedicado seus esforços muito mais ao
desenvolvimento de habilidades técnico-científicas do futuro profissional, do que de suas
competências ético-sociais, como se fossem, entre si, excludentes (FINKLER, 2009).
Estes diferentes objetivos que movem a universidade acabam por confundi-la na busca
entre o que é urgente e o que é importante. É crucial que a educação universitária repense seus
estudantes para além da adaptação à realidade profissional, econômica e social, devendo
promover também sua dimensão ética por meio de uma educação em valores não apenas para
o âmbito profissional, mas também pessoal (ESTEBAN; BUXARRAIS, 2004; FINKLER,
2009; BUXARRAIS, 2013; ESTEBAN, ROMÁN, 2016).
É sobre o sistema de ideias de uma nação e seu conjunto de valores que cada indivíduo
faz seus projetos de vida e, em função deles, toma suas grandes decisões. Apesar disto, sobre o
mundo dos valores morais, próprio da dimensão ética, pouco se estuda, pouco se discute, pouco
se reflete (GRACIA, 2007). De fato, poucos esforços têm sido travados dentro das instituições
de educação superior em Saúde na busca por compreender e desenvolver essa dimensão ética
da educação. Trata-se de um tema que permanece, assim, à margem do processo educativo
(FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2012; FINKLER; RAMOS, 2017).
Faz-se necessário que o conhecimento próprio da educação superior seja trabalhado sobre
o olhar da ética capaz de auxiliar na construção moral do estudante. A aprendizagem ética,
pensada para toda a vida do estudante, deve buscar construir sua personalidade moral – gestada
em níveis anteriores do sistema educacional, mas que deve amadurecer na educação
universitária. O exercício profissional que negligencia seus aspectos éticos pode ser desastroso
para a comunidade e penoso para quem o exerce. Deste modo, a educação que permite exercer
uma profissão deve ser acompanhada da aprendizagem ética que permite o exercício da
cidadania (ESTEBAN, 2004; ESTEBAN; BUXARRAIS, 2004, CORTINA, 1995).
Por ser universo há muito negligenciado, diferentes conceitos e concepções são
frequentemente tomados como sinônimos (como educação moral, ética profissional e dimensão
18
ética da educação superior em Saúde e construir uma teoria sobre esta dimensão educativa.
Tomam-se como pressupostos o fato de que esta dimensão da educação superior ainda é
negligenciada, realizada de forma não intencional e limitada à formação deontológica de seus
membros e que pode ser mais bem desenvolvida a fim de promover a construção de cidadãos-
profissionais eticamente competentes, capazes de promover as transformações socialmente
necessárias.
21
2 MARCO CONCEITUAL
O marco conceitual, enquanto base teórica para as diferentes etapas do estudo, é aqui
compreendido sob a perspectiva da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) pautada em
Charmaz (2009). A autora se embasa nas ideias de Blumer (1969 apud CHARMAZ, 2009)
sobre conceitos sensibilizadores: na medida em que a pesquisadora se aproxima de
determinadas teorias ou conceitos, dá forma às ideias iniciais a serem buscadas e se sensibiliza
para os questionamentos necessários ao seu objeto de pesquisa. Os conceitos escolhidos,
juntamente com os interesses orientadores e com as perspectivas disciplinares, são pontos de
partida (e não limitações) para conceber questões de entrevistas, observar os dados, ouvir os
entrevistados e pensar analiticamente sobre os dados, ao mesmo tempo em que deixam evidente
para os leitores como a pesquisadora considerou sua análise (CHARMAZ, 2009).
Os conceitos sensibilizadores escolhidos para esta pesquisa são apresentados a seguir,
sendo eles: o sentido da Universidade – apresentando sua missão e a crítica comunitarista às
influências das ideologias e paradigmas do Liberalismo nas instituições universitárias; o
modelo de aprendizagem ética – trazendo reflexões sobre os modos de promover a dimensão
ética da Universidade; a construção da personalidade moral – buscando entender a educação
moral como construção da identidade ou personalidade moral dos estudantes; a dimensão ética
da formação profissional em Saúde – que abarca os fatores que influenciam a formação ética
no contexto da educação superior em Saúde e, por fim, a construção identitária na vida
acadêmica – acerca do papel da educação superior na construção das identidades.
Para pensar o sentido da Universidade, sua missão e correntes ideológicas que a
influenciam, estes dois primeiros subcapítulos se embasam, principalmente, na obra ‘¿Quo
Vadis, Universidad?’ de Francisco Esteban Bara e Begoña Román. O livro é resultado da tese
de doutorado em Filosofia de Esteban, psicopedagogo e doutor em Pedagogia, professor do
Departamento de Teoria e História da Educação da Universidade de Barcelona. A obra foi
escrita em parceria com a professora Begoña Román, filósofa e doutora em Filosofia, docente
da Faculdade de Filosofia da mesma universidade.
O modelo de aprendizagem ética para a Universidade foi desenvolvido por Esteban
juntamente com Miquel Martínez Martín - doutor em Filosofia e Ciências da Educação e María
Rosa Buxarrais - doutora em Ciências da Educação, licenciada em Psicologia e professora
titular da Faculdade de Pedagogia da Universidade de Barcelona. Os autores são membros do
Grupo de Investigación en Educación Moral (GREM) da Universidade de Barcelona, que é
referência de excelência internacional há mais de três décadas nos estudos sobre educação
22
moral, e que recebeu a autora desta tese para estágio de doutorado no exterior, sob supervisão
do prof. Esteban.
O entendimento de educação moral como construção da personalidade está embasado
na obra de outro membro do GREM - Josep Maria Puig, professor de Teoria da Educação da
Universidad de Barcelona. Puig ministrou classes de Teoria da Educação e Educação em
Valores, sendo considerado autoridade em Educação Moral por diversos autores da Educação.
O modelo conceitual dos fatores que influenciam a formação ética de profissionais de
saúde é resultado da tese de doutorado de Mirelle Finkler, orientadora da presente tese, sob
orientação, por sua vez, dos professores Flávia Regina Souza Ramos e João Carlos Caetano, da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Já a construção identitária na vida acadêmica é resultado do estudo destas e de outras
obras dos autores já referidos e em diálogo com a literatura, principalmente com o último livro
de Diego Gracia - “Em busca da Identidade Perdida”, que é professor catedrático de História
da Medicina da Universidad Complutense de Madrid e importante bioeticista.
Reforça-se que estes conceitos foram tomados apenas como ponto de início do estudo,
permanecendo a pesquisadora aberta a todas as ideias e conceitos trazidos nas etapas da
pesquisa de campo.
devida informação e competência e sem coerção, um sentido legal e não moral. Gracia (2012)
reforça a autonomia almejada pela educação deve ser a autonomia moral, um quarto sentido,
no qual os atos só podem ser chamados de morais quando dirigidos internamente e com
responsabilidade sobre suas consequências. O objetivo da educação ética seria, então, formar
seres humanos capazes de tomar decisões autônomas e responsáveis, é fazê-lo compreender
que suas atitudes provêm de seus deveres e não por qualquer outra motivação não moral, como
conforto, comodidade ou satisfação. O objetivo da educação deve ser essa autonomia moral.
De acordo com Ortega y Gasset (2001) a missão da Universidade deve, em primeiro
lugar ser o ensino dos saberes culturais presentes, aqueles que reúnem a interpretação da vida
e que, portanto, desenvolvem a pessoa culta. O ser humano culto é aquele que sabe caminhar
pela vida, porque conhece sua topografia, seus caminhos e métodos, ou seja, tem noção do
espaço e do tempo em que vive. A partir daí seria possível desenvolver os conhecimentos
específicos das ciências e da vida profissional. Engana-se a universidade que crê que a mera
aquisição de conhecimentos específicos é capaz de transformar a realidade. A educação
universitária deve ser a educação para a vida (ORTEGA y GASSET, 2001, ESTEBAN 2019).
Neste sentido, Esteban e Román (2016) apontam que a universidade deve buscar a
educação integral das pessoas e, portanto, se ocupar com a sua humanidade e valores morais.
Um conhecimento que desenvolva o intelecto e a moral, que encare a ciência como algo aberto
e não fechado em si mesmo, colocando a cultura como uma maneira de buscar este saber. Mas
o que poderia converter a educação universitária atual em uma educação para a vida?
A compreensão e valorização da dimensão ética da educação superior pode ser o
caminho a ser trilhado para unir realidade prática e conhecimento, onde os processos da
educação, da universalidade, da gremialidade e da vida universitária, fornecem elementos
capazes de possibilitar o desenvolvimento de cidadãos éticos, que atuem de forma prudente,
responsável e comprometida com valores humanizadores e saberes culturais, sem por isso
prescindir da competência profissional (FINKLER, 2009).
Conhecer as características desenvolvidas ao longo da história auxilia na compreensão
da Universidade que temos hoje e nos dá elementos para pensar a educação que nela
desenvolvemos. A ideia de Universidade, pensada enquanto uma educação para a vida coloca
a profissão, o caráter e a reflexão crítica como objetivos a serem perseguidos na vida
universitária. A partir deste resgate da missão de uma Universidade, exploraremos no próximo
subcapítulo outras críticas ao modelo universitário contemporâneo, buscando compreender
ainda melhor o contexto do objeto desta pesquisa.
28
1
O Processo de Bolonha deve o seu nome à chamada Declaração de Bolonha, que foi assinada em 19 de Junho de
1999, na cidade homônima italiana, pelos ministros responsáveis pelo ensino superior de 29 países europeus.
Trata-se de um processo de reforma intergovernamental que buscou rever as antigas tradições universitárias e
concretizar o Espaço Europeu de Ensino Superior – pensado para integração de alunos e professores dos diversos
países membros, transformando as instituições de ensino superior em centros, não só de modelo acadêmico, mas
também de gestão, tal qual ocorria no EUA.
29
[…] no se trata solo de una voz interior que determina las normas morales, sino de
una voz imbricada con el exterior, con la voz comunitaria que proviene del exterior
de la persona (ESTEBAN; ROMÁN, 2016, p. 168).
Assim, para fugir do “eu emotivista” do Liberalismo, faz-se necessário tratar do papel
social de ser humano e dos mistérios que há em ser pessoa. Ao buscar o sentido de humanidade,
é essencial tratar das virtudes - das práticas de excelência do caráter humano evidenciadas desde
Aristóteles - e hoje entendidas como valores morais, e que permitem ao indivíduo desempenhar
um papel social. A prática das virtudes não pode se realizar em separado da comunidade, pois
acontecem em papeis sociais incorporados pelos indivíduos, ou, dito de outra maneira, dentro
das práticas sociais, ou mesmo ofícios, assumidos (ESTEBAN; ROMÁN, 2016,
MACINTYRE, 1984).
A grande quantidade de práticas existentes faz com que as pessoas possam assumir mais
de uma delas, praticando assim diferentes e diversas virtudes morais. Nos possíveis momentos
em que esses valores entram em conflito, as pessoas podem fazer julgamentos morais a partir
31
de sua experiência de vida, de sua narrativa humana. Esta então assume um marco de referência
moral (ESTEBAN, ROMÁN; 2016).
A forma como cada indivíduo decide e busca seus ideais de vida boa é diferente
conforme a pessoa e a época, isso acontece não porque as circunstancias sociais são diferentes,
mas porque os indivíduos abordam essas circunstâncias incorporando uma determinada
identidade social (MACINTYRE, 1984). O que seria um ideal de vida boa tem de passar pelo
crivo da tradição, ou seja, é necessário desenvolver formas de decidir tendo conhecimento das
diferentes formas de criticar e valorar já existentes (ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
Para os comunitaristas, os indivíduos dispõem de recursos racionais para valorar e
decidir, e cabe às instituições educacionais como a Universidade buscar essa educação que
considera os diferentes valores necessários às diversas práticas sociais existentes, entendendo
a importância de sua relação com a comunidade e a construção de uma identidade moral
autêntica.
O último postulado desenvolvido pelos comunitaristas na sua crítica ao Liberalismo
trata da neutralidade moral exigida por estes últimos. De acordo com Rawls o Estado e suas
instituições, como a Universidade, devem incorporar uma neutralidade moral em relação às
suas ações. Diferentes formas de neutralidade foram idealizadas por pensadores liberais e por
eles mesmos criticadas. O próprio Rawls ao discorrer sobre uma possível ‘neutralidade de
propósitos’ na qual o Estado deve se abster de promover atividades que possam aludir a uma
determinada concepção de bem em detrimento de outra, afirma impraticável a imparcialidade
de efeitos e influências de uma instituição pública (ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
A crítica realizada pelos comunitaristas afirma com mais abrangência essa
impossibilidade de neutralidade moral, seja pelo Estado ou por suas instituições. Segundo seus
autores mesmo que os liberalistas lutem por essa imparcialidade, sua própria defesa deve estar
embasada em algum fundamento onde “la própria neutralidade también puede ser vista como
una concepción de bien particular y concreta” (ESTEBAN; ROMÁN, 2016, p.183), o que leva
a ideia de neutralidade moral a fracassar desde sua concepção.
Os comunitaristas apostam em um espaço público que assume alguma concepção de
bem, de concepção moral, pois o Estado e suas instituições, e em destaque a Universidade,
devem facilitar o processo de ‘perfeição humana’, ou seja, de otimização moral das pessoas.
Como para esses autores, a identidade moral se forma a partir de uma comunidade de referência,
esta deve ativamente buscar orientar moralmente seus integrantes. Diversas críticas surgem a
partir dessa ideia comunitarista, pois como eleger determinados bens sobre outros? Como lidar
32
com o pluralismo moral? Estes questionamentos vêm sendo feitos e ainda não são
satisfatoriamente respondidos (ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
Sobre esta questão, destaca-se o pensamento de Michael Walzer ao afirmar que os
diferentes bens morais existem por possuírem diferentes razões de ser, sendo que muitos
problemas são criados em sociedade por que “se permutan bienes que tienen significados
diferentes” (ESTEBAN; ROMÁN, 2016, p.186). Segundo o autor em sociedades capitalistas
não é tanto a distribuição de dinheiro a maior injustiça, e sim os bens que vem associados a este
valor monetário, como saúde e educação. O acúmulo de dinheiro, e a saúde e educação são bens
que não pertencem à mesma esfera e não devem, portanto, estar associados. Neste sentido é que
se deveria fomentar o papel ativo do Estado em controlar as barreiras que separam esses
diferentes bens. Essa seria a maior neutralidade que as instituições públicas poderiam assumir
(ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
Analisando o pressuposto da não-neutralidade nas instituições públicas brasileiras é
possível perceber o cerco das perspectivas liberais às instituições de ensino. Diferentes políticas
educacionais, concebidas para proteger e instrumentalizar as instituições de ensino superior
para que tenham meios de se qualificar para a missão universitária, podem, na realidade,
produzir efeitos negativos no próprio ethos da educação superior. Programas como o PROUNI
(Programa Universidade para Todos), de incentivo à propagação do EaD (Ensino à Distância),
e o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) que tem a perspectiva de realizar o direito social
à educação, podem, em alguma medida, também contribuir para a mercantilização da educação
ao trabalhar o aumento acelerado do número de cursos na rede privada de ensino. Essa
mercantilização da educação suprime a possibilidade de se implantar uma educação pública,
gratuita, laica e socialmente referenciada. As consequências à educação vão desde a oferta de
diplomas ‘vazios’ (devido, principalmente, às exigências de curto prazo e o abaixamento dos
padrões curriculares), até a precarização do trabalho docente com condições inadequadas à
permanência em regime integral. Estas políticas são resultado de um regime maior, que tem o
setor econômico e a própria Organização Mundial do Comércio (OMC) como protagonistas
(CHAUÍ, 2003; KLEIN, 2007; LISBOA, 2013; SCHUCH, 2013). A “esfera pública é
praticamente congelada e a ampliação da oferta de vagas em instituições privadas é estimulada
(já respondem por mais de 80%)” (SCHUCH, 2013, p.62).
Não há como considerar a relação entre Estado e sociedade como uma relação de
exterioridade. Para que determinadas concepções, como os ideais democráticos, se realizem no
interior da Universidade, é preciso que também se materializem na prática estatal. Porém, a
universidade não precisa ser determinada pela estrutura da sociedade e do Estado. Por ser uma
33
instituição social diferenciada e definida por sua autonomia intelectual pode conflitar com
ambas frentes de pensamento. Estas disputas muitas vezes a fragmenta (CHAUÍ, 2003, p.6)
como no caso analisado dos modelos humanista e progressista.
Mercantilizar a educação tem levado muitas instituições a se comportarem como
organizações sociais – julgam ter uma finalidade específica, uma prática social definida pela
sua instrumentalidade, assim prestam um serviço, mas sem discutir sua própria existência, seu
lugar nas transformações sociais possíveis. Já o comportamento enquanto instituição social é
imprescindível à universidade. Seu princípio, sua referência valorativa e normativa é a
sociedade, e, portanto, se pretende a encontrar um modo universalizável de existência quando
entram em conflito divisões sociais e políticas. Uma instituição de ensino que se comporta
enquanto organização social tem referência em si mesma, só se movimenta no sentido de
competir com as outras que possuem os mesmos objetivos particulares (CHAUÍ, 2003).
Este comportamento tem se infiltrado na universidade pública brasileira. A
característica fragmentadora do capitalismo tem refletido nestas instituições por meio de
inúmeras especializações, de pesquisas que ao invés de buscarem o conhecimento de algo se
delimitam como campos de intervenção e controle, inúmeros contratos de gestão, avaliação por
índices de produtividade, e de micro organizações que ocupam seus docentes e submetem os
estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual – é a heteronomia da universidade
autônoma (CHAUÍ, 2003).
Compreendendo que ainda não exista uma teoria sobre o fenômeno da dimensão ética
da educação superior em saúde, buscaremos apresentar o que se conhece sobre a promoção
desta dimensão – mesmo que ainda pouco definida – na universidade. Este tópico se presta
então, a apresentar o segundo conceito sensibilizador deste marco: o modelo de aprendizagem
ética desenvolvido por Martínez, Buxarrais e Esteban (2002).
Sem dúvida, a questão da integração e fortalecimento da dimensão ética da educação
não é compartilhada por todas as esferas da sociedade, assim como não atinge igualmente a
comunidade universitária. Sensibilizar a academia exige transformações profundas na cultura
docente, especialmente no papel dos professores tanto em prática pedagógica como em
conteúdo ensinado. Promover a dimensão ética passa por transformações docentes e
institucionais - não somente importar-se, mas dedicar-se à educação moral dos estudantes, pois
se deseja formar bons profissionais e bons cidadãos (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN,
2002; ESTEBAN; BUXARRAIS, 2004).
Se ao longo da história a universidade tem sido tensionada pela pressão para formar
especialistas e profissionais, é mais do que tempo de também voltar a se movimentar em direção
ao desenvolvimento de excelentes cidadãos, responsáveis e comprometidos com a sociedade
que os rodeia (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN, 2002). Para que se promova a
aprendizagem ética é essencial que a comunidade acadêmica pense o modelo de cidadão que
pretende oferecer à sociedade; que planeje processos de ensino-aprendizagem capazes de,
intencionalmente, gerar a reflexão ética do estudante; e por fim, se faz necessária a atuação
ético-pedagógica de toda a comunidade acadêmica. O ensino-aprendizagem ético é aquela que,
tanto em sua dimensão teórica como prática, objetiva a formação em valores no mundo
universitário. A dedicação ao desenvolvimento ético não é questão de boa vontade e sim de
excelência na Educação (ESTEBAN; BUXARRAIS, 2004).
Para tanto Miquel Martínez Martín, María Rosa Buxarrais Estrada e Francisco Esteban
Bara (2002) desenvolveram o que chamaram de um Modelo de Aprendizagem Ética para que
instituições de ensino superior possam se reconstruir enquanto espaços de aprendizagem em
valores, que objetivem a construção de cidadania embasada em valores democráticos e fomente
uma sociedade mais equitativa. Os autores destacam cinco pontos a serem considerados, tanto
de forma teórica quando prática: o sentido e o alcance da aprendizagem ética; as dimensões de
desenvolvimento e construção da personalidade moral; conteúdos e saberes importantes para o
36
principalmente porque dependendo da relação em que se dão estas dimensões do ensino, criam-
se diferentes cenários educativos.
Estes cenários conformam o último elemento apontado como essencial para se pensar a
aprendizagem ética no ensino superior. Os autores indicam a busca por interatividade e
significado na relação docente-estudante, concedendo ao segundo, maior responsabilidade no
desenrolar do processo educativo – torna-se essencial entender o ‘como’ aprender tanto quanto
aprender conteúdos (COLL et al., 1992; MERCER, 2011 apud MARTÍNEZ, BUXARRAIS,
ESTEBAN, 2002).
Essas formas de atividades pedagógicas são adequadas e sensíveis à incorporação de
conteúdos de natureza ética e moral. Apesar do Modelo de Aprendizagem Ética propor uma
responsabilização universitária pela incorporação de valores mínimos para o desenvolvimento
ético, nem todas as formas de abordagem acadêmica são adequadas para sua incorporação.
las normas morales se definen como una obra colectiva que recibimos y adoptamos
en mayor o menor medida, y que no contribuimos a elaborar. Por lo tanto, la
responsabilidad del sujeto que se está formando queda muy limitada (PUIG, 1995,
p.104).
pautas contraditórias. Para Puig (1998), se o individuo encontrar relações sociais cooperativas
nestes diferentes meios, melhor desenvolverá sua autonomia. Já as experiências competitivas
tem maior tendência a gerarem heteronomia. Neste sentido sua formação exige condições do
meio social, além de práticas educativas reflexivas e dialógicas.
Os recursos de reflexão e ação, compostos pelo juízo moral, a compreensão e a auto-
regulação são necessários ao estímulo da consciência moral autônoma. O juízo moral é
estimulado por reflexões racionais sobre ‘o que dever ser’ a partir de ‘como as coisas são’.
Trabalhar a capacidade de juízo moral requer um período de desenvolvimento que permita
elaborar critérios de aplicação cotidiana destes julgamentos. A compreensão passa pela reflexão
sobre o que é singular, do contexto do concreto em cada situação, sendo ferramenta que auxilia
o indivíduo a não ser obstinado nas próprias ideias. Já a auto-regulação é o esforço diário de
cada ser humano em dirigir a si mesmo por meio de um diálogo interno. É o esforço de conduta
forjado entre o juízo e a ação moral capaz de formar o caráter de cada individúo (PUIG, 1998a).
Estes procedimentos morais devem estar carregados de conteúdos valorativos que
conformem a ‘identidade moral do indivíduo’. Para uma educação moral que busque a
construção de uma personalidade moral autônoma este conteúdo valorativo da identidade
deve trazer elementos universalizáveis do ethos democrático e das experiências de saber, poder
e ética, assimiladas reflexivamente, o que, sob nenhum aspecto, esgota a diversidade de
identidades morais. Assim a identidade ou a personalidade moral deve ser fruto da história do
que somos, do valor que lhe damos e do desejamos ser (PUIG, 1998a).
As inter-relações sociais auxiliam o indivíduo na busca de sua autonomia moral, um
diálogo interno e com o meio social. O espaço da educação moral no desenvolvimento das
percepções morais depende das experiências estimuladas e vividas por cada indivíduo,
experiências de sensibilidade e de diálogo: “Trata-se de ensinar a viver juntos no seio da
comunidade que há de ser viável no seu conjunto e convivencial para todos que a formam”
(PUIG, 1998a, p.150).
Os indivíduos pertencem, ao longo da vida, a varios meios diferentes (família, trabalho,
escola e em cada um deles tem experiencias morais específicas – as esperiencias com os irmãos
é diferente daquelas com os pais, que é diferente do colega de trabalho), além disso, o indivíduo
irá receber influência de muito meios do qual nem participa diretamente. Este conjunto de meios
e experiências é entendido como o ambiente ecológico-moral, sendo a construção da
personalidade moral dependente das relações entre os meios que se é capaz de perceber. Mesmo
que os meios existam objetivamente, sua influência depende da percepção que cada indivíduo
terá deles, dependendo de suas possibilidades, interesses e modo de ser. Ao longo das transições
45
da participação é um âmbito essencial do processo de educação moral, onde cada situação exige
organização e execução do que se entende por necessário para realizar a tarefa moral proposta.
O tutor auxilia o aprendiz nas formas de fazer, que é, propriamente, veículo de conteúdo moral,
mas também conteúdo em si mesmo. Além da estruturação da participação os processos
comunicativos entre turores e aprendizes e de educandos entre si, são essenciais para ampliação
de conhecimentos e capacidades morais. Criam-se zonas de desenvolvimento próximo que
permitem a troca de saberes, desenvolvimento de raciocínios e condutas impossíveis de serem
realizados isoladamente. O tutor introduz o aprendiz nas formas de fazer de sua cultura, e os
aprendizes, na medida em que participam constróem pontes entre os diferentes níveis de
compreensão do coletivo que participa do processo (PUIG, 1998a).
Este jogo combinado de apoio e desafio pode desencadear processos de trocas de
saberes, formação de capacidades morais e aquisição de guias de valor essenciais à construção
da personalidade moral. A personalidade moral se constrói nesse fazer articulado, na ação
comprometida, exigindo da educação um tutor que possa cooperar (no sentido de co-operar)
com o estudante, desempenhando um papel de guia na busca pelo caminhar autônomo (PUIG,
1998a).
Neste capítulo foram apresentados os diferentes paradigmas de educação moral que
ajudaram a fortalecer o conceito de educação moral como construção da personalidade moral:
sozialização, clarificação de valores, desenvolvimento cognitivo e hábitos virtuosos. Com estes
paradigmas apresentados, conceituou-se a educação moral como construção da
personalidade moral, entendida como um processo de construção de si, em que educando e
tutor co-operam na construção de uma consciência moral autônoma. Para tanto, faz-se
necessário que a educação moral reconheça a personalidade moral como componente de
elementos substantivos e de recursos de reflexão e ação, sendo que ambos sofrem influências
dos guias de valores culturais e dos procedimentos da consciência moral autônoma. Neste
sentido, o tutor pode lançar mão de diferentes recursos pedagógicos, como a presença do
diálogo e do protagonismo estudantil, desencadeados por meio da experienciação de
problemas morais concretos.
Qualificar os elementos que compõem o ambiente ecológico-moral de um indivíduo e
que são passíveis de serem trabalhado na universidade, auxilia-nos a melhor compreender como
a dimensão ética da educação superior pode promover a consciência moral autônoma de seus
estudantes.
49
2
Adotaremos neste trabalho o conceito de “formação ética” trazido pela autora como sendo um processo de
educação moral: uma educação em valores voltada para a construção da personalidade moral do estudante.
50
categorias do currículo oculto e formal é meramente didática segundo a autora, já que sua
atuação na formação ética ocorre de forma simultânea e recíproca (FINKLER, 2009, p.65).
Identificados os fatores curriculares presentes no processo de socialização profissional,
passaremos para o nível específico da formação ética dentro do modelo. Compreende-se que a
formação deontológica do estudante enquanto futuro profissional e do professor enquanto
docente também são formas de aproximação à dimensão ética da formação profissional. No
entanto é pouco provavel o alcance dessa ‘formação em deveres’ se com ela não se desenvolve
a autonomia em relação à construção de uma matriz de valores própria. Neste sentido, o cerne
a ser explorado neste nível é a melhora da dimensão ética do processo educativo, quanto à
reflexão crítica e autônoma sobre questões morais (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN,
2002).
Para que seja possível realizar a dimensão ética na vida universitária é importante
assumir um marco normativo e o estabelecimento de condições que, na medida em que
possibilitem a aprendizagem intelectual também impulsionem a aprendizagem ética. A
realização destes ideais está condicionada a objetivos éticos explícitos em cada graduação. Para
aprofundar esses pressupostos, Finkler (2009) também se apoia no Modelo de Aprendizagem
Ética na Universidade que destaca como anteriormente mencionado, a tarefa pedagógica, o
papel de docentes e estudantes, os conteúdos, e os cenários de ensino aprendizagem. Seus
autores consideram que o que realmente importa é a incorporação, em todos os planos de
ensino, de conteúdo e objetivos de natureza ética, além de mudanças específicas sobre os
procedimentos e atitudes dos sujeitos pedagógicos, principalmente dos docentes. Este olhar
menos curricular (no seu sentido formal) e mais relacional é especificamente o nível da
formação ética no Modelo Conceitual dos Fatores que Influenciam a Formação Ética
(FINKLER, 2009; FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2012).
O último nível - o da educação moral - é o cerne da formação ética. Para fundamentar
seu constructo, Finkler (2009) lança mão de diferentes trabalhos dos espanhóis Diego Gracia e
Adela Cortina. Estes autores defendem ser, a educação moral, uma educação em valores. Para
eles, mais do que modelos morais – limitados à determinada época e lugar, a educação moral
necessita de ideias universalizáveis, as quais são encontradas ao se trabalhar com valores
morais.
Neste sentido, a educação moral deve buscar a reflexão e imaginação de diferentes
alternativas viáveis para os problemas reais (no contexto local e no contexto da humanidade),
e sobre cada decisão tomada, se faz essencial o estímulo à percepção das responsabilidades a
serem assumidas, com base no contexto vivido. Por fim, a educação moral passa por exercitar
54
moral, capacitando-os para refletir eticamente sobre os fatos, valores e deveres presentes nas
interações sociais.
Este construir-se em valores faz parte da conformação da identidade de cada indivíduo.
Construir identidades dignas de serem valorizadas é papel da educação superior que visa
também ser protagonista na melhoraria da realidade social, seja por meio das interações
construídas entre Universidade e sociedade, seja indiretamente, por meio do fomento da
excelência moral de seus egressos (ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
O conceito de identidade foi abordado neste trabalho a partir da crítica comunitarista ao
modelo liberal de Universidade. Para os teóricos desta corrente faz parte da missão da
Universidade pensar a constituição da identidade dos estudantes. A identidade é, então,
compreendida como dependente das relações comunitárias, fazendo parte da dimensão moral
do ser humano. Os indivíduos se vinculam menos ou mais com os valores experenciados em
sociedade, identificando-os e significando-os na construção de sua identidade moral
(ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
Para Puig (1998) a autonomia moral dos indivíduos, sua consciência crítica e criativa,
são necessárias para a reflexão sobre os elementos pessoais, sociais e culturais que influenciam
sua personalidade moral. O autor concebe o processo de construção da personalidade moral
como de construção da biografia individual, estabelecida por meio de uma cristalização
dinâmica de valores. Desenvolver a consciência moral autônoma, a capacidade de reflexão e
ação, e a aquisição de elementos substantivos da identidade moral de cada um constroem a
personalidade moral.
As identidades morais são diversas pois são construídas pela vivência de valores
compartilhados em cada sociedade associados as formas de vida de cada pessoa. Neste sentido,
reforça-se a importância de experiências democráticas, de valores universalizáveis e da reflexão
crítica pois “a identidade é fruto da história do que somos, do valor que lhe damos e do que
desejamos ser’ (PUIG, 1998a, p.133). Para Martínez e Esteban (2018) a identidade é o conjunto
de características própria de um indivíduo ou de um coletivo que os identificam frente aos
demais. Em outras palavras, a identidade reúne elementos pessoais e elementos próprios da
comunidade a qual a pessoa pertence.
Como visto os conceitos de identidade moral e de personalidade moral são apresentados
pelos autores deste marco como dimensões do indivíduo que podem ser construídas
moralmente, sendo elementos a serem considerados na educação moral. Compreende-se que a
personalidade moral faz parte da identidade dos indivíduos, de sua construção biografia. Neste
57
3
Neste trabalho adotaremos o conceito de identidade e de personalidade moral como similares, compreendendo
que a construção moral do indivíduo influi e fundamenta sua personalidade moral, definindo, por fim, sua
própria identidade.
58
Todo acto humano añade valores o quita valores a las cosas. Velázquez creó valor
estético al pintar sus cuadros, y las guerras no hay duda de que destruyen valor. Los
valores se crean y se destryen a través de nuestros actos; es decir, se objetivan, tanto
positiva como negativamente (GRACIA, 2020, p.13).
Os valores que são objetivados pelos atos – e os próprios atos em si, fazem parte do que
chamamos cultura. A cultura seria este ‘depósito de valores’ de uma sociedade, construído
historicamente por cada geração anterior que vai objetivando valores com seus atos. Assim,
cada indivíduo ao nascer assimila este depósito de valores da sociedade a qual pertence. Mais
adiante, a pessoa pode refletir sobre quais valores deseja acrescentar neste depósito. O ser
humano vai introjetando valores de sua sociedade e como são estes mesmos valores que
constroem a identidade, resulta que a identidade é cobrada dos indivíduos por meio dessa
assimilação de valores. Esta reflexão concorda com a visão de Ciampa sobre a identidade ser
cobrada pelos demais (FARIA; SOUZA, 2011).
Como os depósitos de valores são diversos (familiares, profissionais, religiosos, locais,
nacionais entre outros), constroem-se também diferentes identidades individuais na medida em
que cada pessoa vai fazendo parte de coletivos distintos. A problemática maior ocorre quando
se segue o fluxo acriticamente, assumindo o depósito de valores heteronomamente: “Nuestra
identidad se limita a repetir la identidad común, la que proclaman y exigen los usos y
constumbres de nuestro medio” (GRACIA, 2020, p.17).
Em cada cultura há um valor que sobressai e quando absolutizado, produz fanatismos,
ou dito de outra forma, quando se assume apenas uma das identidades sobre as outras podem
se produzir incompatibilidades da vida em sociedade. A identidade se produz do refluxo do
meio sobre cada um, mas este não é necessariamente o modo como deve ser construída. A
60
identidade se constrói a partir dos depósitos de valores, mas cabe ao indivíduo, a partir de sua
autonomia moral, não absolutizar essas identidades de modo que não negue as demais. É
responsabilidade do indivíduo moralmente autônomo e eticamente competente, articular suas
identidades de forma razoável e prudente, pois ele se movimenta e existe em todas as suas
identidades (GRACIA, 2020).
A também filósofa Adela Cortina (1995) concorda com a importância da autonomia
moral na construção da identidade, destacando a importância do sentimento de pertencimento
as distintas comunidades que perpassam a vida de cada indivíduo. Sentir-se acolhido, apreciado
e valioso no seio de uma comunidade auxilia a construir uma ‘identidade psiquicamente
estável’. Portanto, participar de projetos comuns e envolver-se politicamente auxiliaria na
construção identitária (CORTINA, 1995).
A identidade tem que ser elaborada ativamente por cada uma partir dos depósitos de
valores. Por isso, investir na autonomia moral é essencial e a reflexão ética, que nos auxilia a
compreender o que devemos fazer, constrói-se precisamente por esta autonomia: “La ética, o
es autónoma, o no es ética” (GRACIA,2020, p.17). Assim, a ética é pessoal, mas possui uma
dimensão social: os depósitos de valores que desabam sobre os indivíduos, exigindo de cada
um gestioná-los e integrá-los em sua vida. A reflexão ética deve objetivar realizar todos os
valores, ou lesioná-los o mínimo possível, buscando posturas intermediárias. Gracia (2020)
afirma que a reflexão ética autônoma é a única que pode dotar os indivíduos de identidade -
uma identidade construída a partir das identidades ofertadas pelos depósitos de valores
objetivos, mas sem se confundir com eles. Desta forma, para o autor, a identidade pessoal não
é a mesma – ou, precisamente, não deve ser o mesmo, que identidades culturais.
Os autores aqui discutidos concordam que a identidade tem componentes sociais e que
a mesma é construída ao logo da vida biográfica dos indivíduos. Bauman e Hall (FARIA;
SOUZA, 2011) chamam atenção para a ‘crise de identidade’ do mundo moderno, uma
sociedade que produziu tantas identidades que a tornou extremamente dinâmica. A ampliação
dos conflitos identitários neste mundo sucedeu pelo aparecimento do chamado ‘pluralismo’:
em uma mesma matriz social coexistem sistemas de valores muito distintos que pedem e
exigem respeito, gerando conflitos morais. Não significa dizer que estes valores não estavam
presentes nas gerações anteriores. Os valores eram realizados e formavam identidades. Mas,
eram identidades bastantes marcadas, definidas, tanto que não se tomava tanta consciência das
mesmas. Os grupos sociais eram muito mais homogêneos, dotados de identidade própria, de
modo que os conflitos de identidade se davam, não internamente, mas com os demais grupos
sociais (GRACIA, 2020).
61
Las identidades las daban los credos religiosos, los sistemas culturales, los usos y
costumbres comunitarias, todos ellos de algún modo previos a los proprios individuos,
ya que estos se encontraban con ellos al nacer, de tal modo que constituían una
conditio sine qua non de su propria existencia (GRACIA, 2020, p. 20).
A crise identitária atual é então um momento oportuno para enfrentar e discutir esse
tema da identidade, já que, identidade não se pode viver. É essencial compreender que a
identidade não deve ser assumida acriticamente a partir da introjeção de valores do meio, mas
sim da reflexão autônoma do que cada um faz com esse legado (GRACIA, 2020).
Assumir identidades heteronomamente é o que acontece na maioria dos casos: “La
potência obediencial del ser humano es casi infinita” (GRACIA, 2020, p.23). a questão
premente é aprender a ser moralmente autônomo. Construir a identidade refletindo eticamente
é mais trabalhoso, porque o indivíduo vai conceber sua identidade em diálogo com o depósito
de valores da sociedade e indo além dele. Forjar a identidade de forma crítica consiste em dar
saltos, mesmo que pequenos, sobre a matriz recebida, sobre o que é heterônomo e herdado
(GRACIA, 2020).
A autonomia moral é o princípio e fundamento da vida moral. Buscá-la é uma forma de
construir uma identidade própria. Portanto, há de se aprender a refletir eticamente, uma
aprendizagem ética que encontra na vivência universitária um momento oportuno para ser
fomentada e realizada. Neste sentido, há que se questionar por que conhecemos tão pouco sobre
a dimensão ética da educação.
No contexto da Educação Superior, Hanson (2014) pensa a identidade como uma
coleção de memórias na qual a Universidade se torna parte desta história, influenciando
profundamente em quem são e em como agem os graduandos. Assim, durante o processo de
educação superior os alunos experenciam e constroem um senso de identidade, havendo a
chance de ressignificar ser si mesmo. Apesar da importância na vida de cada membro do corpo
acadêmico, a identidade não tem sido peça central nos esforços de compreender como a
educação superior lhes afeta.
Para o referido autor, existe uma série de razões que afastaram as Universidades de
buscarem o desenvolvimento da identidade de seus alunos, colocando o desenvolvimento
cognitivo como único resultado a ser avaliado na aprendizagem. Um dos motivos que dificulta
que estudiosos e pesquisadores façam uma avaliação mais ampla da experiência no ensino
superior é que a identidade não é um assunto possível de ser estudado/pesquisado com a ciência
positivista hegemônica. O advento da transformação das universidades ‘de ensino’ para
62
Esta realidade leva à terceira razão da exclusão da identidade como foco da construção
do conhecimento dentro da Universidade: a missão universitária entendida como formação
profissional, no sentido de desenvolvimento de "capital humano". A educação é pensada como
um preparo para a carreira profissional, um treinamento para a força de trabalho, fazendo com
que os graduados sejam visualizados como produtos a serem comercializados com os
empregadores (FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2011, ESTEBAN; ROMÁN, 2016). O
resultado disso é que as produções científicas se desinteressaram por questões mais amplas
sobre o caráter dos universitários. O terreno intelectual se restringe a perguntas voltadas para o
que os estudantes sabem ou como realizam as tarefas prescritas, perdendo de vista que a
Universidade permite que as pessoas forjem um novo eu (HANSON, 2014).
Se a Universidade deseja fazer algo pela sociedade (incluindo o mercado), seu foco deve
ser em preparar pessoas éticas, de “coração aberto” e intelectualmente curiosas. A experiência
educativa tem potencial de servir como marco de mudança de vida capaz de construir uma
identidade pessoal, cívica e profissional. Para Gracia (2007) faz parte da missão universitária
formar as mentes e personalidades dos estudantes, sendo de sua responsabilidade o tipo de
pessoas que os graduados serão e, portanto, também o tipo de sociedade que será construída.
Reitera-se a necessidade de converter a educação universitária em educação para a vida, na qual
a Universidade busque ocupar-se também da construção moral de seu corpo acadêmico
(ESTEBAN; ROMÁN, 2016).
Contribuir para a construção da identidade dos estudantes exige que o processo
educativo não contemple somente os fatos, mas também valores. O ato educativo deve ser um
ato implicado, vinculativo. Para tanto, a tarefa ético-pedagógica do professor deve ser a de
buscar no interior de cada estudante o que ele carrega de melhor, o que não pode ser feito de
forma impositiva ou meramente informativa, mas sim dialogando, raciocinando e deliberando
(GRACIA, 2007).
Esteban e Martínez (2018) reiteram que a Universidade é per se uma instituição
implicada com a formação pessoal. A realidade da instituição universitária no séc. XXI deve
ser a de garantir não somente a excelência profissional, mas também a competência ética e
cidadã de seus graduados e pós-graduados. Acontece que a vida universitária de hoje parece
adquirir uma forma reduzida do que poderia ser. Já não contempla entre seus principais
objetivos o cultivo da vida boa. Ao invés disto, está pensada para atender a coisas mais
necessárias e urgentes: é assim uma Universidade concebida como mínimo (ESTEBAN, 2019).
Para realizar a completude da missão universitária, deve-se centrar interesse na
perspectiva da construção identitária, uma identidade que possui uma dupla dimensão – pessoal
64
Os anos passados no campus universitário são uma oportunidade para moldar uma
maneira de ser, para dar forma a uma identidade, chamada de universitária. Esta identidade
universitária é conformada por muitas identidades possíveis, tendo muitas delas características
que não são consideradas de uma identidade universitária saudável e benéfica: “la formación
universitaria no es cualquier cosa y que, por lo tanto, no admite cualquier modo de estar”
(ESTEBAN, 2019).
Neste sentido, é essencial assumir que os estudantes não entram na Universidade com
os modos de ser e fazer imutáveis (ESTEBAN, 2019; GRACIA, 2020; FINKLER; CAETANO;
65
Ao final deste capítulo é possível perceber que os estudos de Esteban e Román, (2016),
Martínez, Buxarrais e Esteban (2002), Puig (1998), Finkler, Caetano e Ramos (2012), Esteban
(2019) e Gracia (2020) convergem em pontos centrais, passíveis de auxiliar a reflexão da
pesquisadora sobre o que já se conhece da relação entre a construção identitária de um indivíduo
e o papel da educação universitária. Estes elementos em comum podem ser observados na figura
a seguir (Figura 4):
Fonte: As autoras
66
3 MÉTODO
e densa, capaz de unir teoria e realidade” (TORRES et al., 2014, p.490). Este é um potencial
das teorias fundamentadas: por serem baseadas em dados, tendem a oferecer maior
discernimento, aumentando o espectro de compreensão, podendo tornar-se um guia importante
para a ação (TAROZZI, 2011).
Os dados empíricos são agrupados e classificados por meio de um processo qualitativo
de codificação. Os códigos interpretados indicarão as áreas a serem investigadas nas coletas
subsequentes. Ao realizarem-se numerosas comparações, a compreensão dos dados começa a
ganhar forma (CHARMAZ, 2009). Trata-se, portanto de um método indutivo (indo do
específico para o amplo, do dado para a visão geral) e dedutivo (indo do mais amplo para o
específico, gerando hipóteses a partir da análise dos dados) (CRESWELL, 2014).
Característica Descrição
A partir da linguagem e dos significados busca-se uma regularidade conceitual entre
Explorar processos os fenômenos a serem analisados. Explora processos sociais e psicológicos para
descobrir os fenômenos.
A amostra não se forma a priori, mas no decorrer da pesquisa. As amostras se
Amostragem teórica formam a partir das lacunas emergentes, na busca por saturar as categorias
analisadas.
Simultaneidade entre A reflexão analítica é acompanhada por retornos ao campo onde o processo de
coleta e análise dos recolhimento dos dados é guiado pela reflexão analítica sobre as categorias
dados emergentes.
Uso do método da Confrontação constantemente dos dados entre si. Busca apresentar sempre perguntas
constante aos dados, nos vários níveis de análise. Essas perguntas buscam nexos entre dados e
comparação em todos conceitos, favorecendo o progresso da compreensão conceitual dos fenômenos
os níveis de análise estudados.
Codificação por meio A codificação gradual e progressiva é necessária para manter a evidência e os traços
dos dados do percurso que irá gerar os conceitos que irão fundamentar a teoria.
Elaboração de
Busca a elaboração conceitual e não a descrição.
conceitos
Produção de Anotações sobre o processo de pesquisa e diagramas, como mapas
memorandos e conceituais, auxiliam a elaboração da teoria, ajudando a acompanhar a constante
diagramas comparação entre as categorias e as macro categorias já bastante abstratas.
Fonte: Adaptado de Tarozzi (2011, p. 21-28).
A opção pela corrente metodológica de Charmaz (2009) se deu por esta se apoiar no
paradigma epistemológico do construtivismo, permitindo uma condução da investigação e
desenvolvimento da teoria a partir da co-construção (entre pesquisadores e participantes) e da
assunção da subjetividade do próprio investigador. Na abordagem construtivista são
formulados pressupostos contextuais e adotadas perspectivas disciplinares, culminando no que
a autora denomina de conceitos sensibilizantes: interesses pessoais e disciplinares que
sensibilizam pesquisadores e fomentam as ideias iniciais da pesquisa (CHARMAZ, 2009).
Neste sentido, destacam-se as perspectivas apresentadas nos marcos deste estudo: a
crítica comunitarista às instituições universitárias (ESTEBAN; ROMAN, 2016), como os
pressupostos contextuais desta pesquisa; o modelo de fatores que influenciam a dimensão ética
da formação profissional (FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2012) como conceito
sensibilizante capaz de estruturar as ideias iniciais a serem buscadas; e, como perspectiva
71
A pesquisadora foi a campo, então, ciente destas perspectivas privilegiadas (da crítica
comunitarista às instituições universitárias, do modelo de fatores que influenciam a dimensão
ética da formação profissional, da construção da personalidade moral e do modelo de
aprendizagem ética na universidade), estando vigilante em relação às mesmas para que a teoria
possa ser desenvolvida a partir dos processos emergentes em seus dados. O processo
metodológico da TFD levou à coleta de dados e à descrição e análise concomitante desses
dados. As fontes de dados e os períodos de coleta e análise são apresentadas no quadro a seguir
(quadro 2).
Quadro 2 - Fontes de pesquisa e período de coleta e análise dos dados.
Fontes Período de coleta e análise
PPP da Farmácia; Odontologia;
Novembro de 2018 a
Enfermagem e
Janeiro de 2019
Medicina
Fontes
Documentais DCN da Medicina; Odontologia;
Janeiro de 2019 a Abril de
Enfermagem
2019
e Farmácia
Participantes Fevereiro de 2019 a Agosto
Professores
de Pesquisa de 2019
72
disponíveis ao público no seu sítio eletrônico. A instituição privada, apesar de ter o estudo
aprovado por sua comissão de ética em pesquisa, não autorizou a análise de seus PPPs. Logo,
o primeiro grupo amostral totalizou 8 documentos analisados (GA1).
A partir destes dados o próximo grupo de interesse investigado foi composto por
professores dos cursos referidos. A opção por seguir primeiramente com o grupo amostral de
docentes vem de seu papel nevrálgico no processo de educação moral indicado no marco
conceitual do estudo e nos documentos analisados.
A seleção destes professores foi intencional, de modo a contemplar professores que
foram reconhecidos pelos pares como possíveis informantes-chave sobre “ética e educação em
saúde”. As indicações dos informantes-chave incluíram professores e coordenadores (GA2).
A partir dos dados coletados com o primeiro grupo, definiu-se que o próximo grupo de
interesse seria de estudantes (GA3). A opção de seguir com o grupo de estudantes se deu pela
hipótese de que a dimensão ética da educação superior em Saúde ocorre também na vivência
do currículo oculto, no qual os professores nem sempre estão presentes.
Os primeiros estudantes entrevistados foram indicados por professores do primeiro
grupo de interesse e a partir destes, os estudantes indicavam seus colegas. Estas indicações
também buscavam identificar estudantes que poderiam ter proximidade com a temática “ética
e educação em saúde” (uma proximidade que poderia ser da prática e não, necessariamente, da
teoria).
A amostragem teórica se completou com o último grupo entrevistado, caracterizado por
gestores da educação a nível nacional (GA4), elencados pelas pesquisadoras. Esta escolha se
deu pela hipótese de que a participação de macro gestores na formulação de políticas públicas
influencia diretamente o fazer universitário, repercutindo na educação moral do corpo
acadêmico.
Para compor o segundo e terceiro grupo amostral, optou-se por entrevistar docentes e
discentes de graduação de uma instituição de ensino superior (IES) de natureza pública e uma
de natureza privada, dos quatro cursos anteriormente mencionados: Medicina, Enfermagem,
Odontologia e Farmácia (Quadro 2). Cabe ressaltar que a IES privada não possuía o curso de
Farmácia. Como critério de inclusão, optou-se por professores com um período de experiência
na IES igual ou superior a dois anos e discentes que houvessem cursado ao menos o primeiro
semestre da graduação. Não houve critérios de exclusão.
74
IES
2 2 4 2 3 2 2 2 19
Pública
IES
2 0 1 0 2 2 0 0 7
Privada
Total 6 7 9 4 26
GA2P9 GA3E9
GA2P10 GA3E10
GA2P11
GA2P12
GA2P13
GA2P14
GA2P15
GA2P16
mas sim criados a partir da análise minuciosa dos dados. Estes códigos auxiliaram na
evidenciação da ação e do processo relatado, dando sustentação à análise do fenômeno. Esta
foi a estrutura sobre a qual se ergueu a teoria: definiu-se o que ocorre nos dados e iniciou-se o
debate para obtenção do seu significado (CHARMAZ, 2009).
Para facilitar este processo de codificação dos dados utilizou-se o recurso tecnológico
do software de análise qualitativa ATLAS.ti®. O software auxilia na organização dos dados e
seu armazenamento cabendo à pesquisadora desenvolver a análise.
Essa codificação constitui-se em duas etapas: a codificação inicial e a codificação
focalizada. Na codificação inicial, os dados foram sistematicamente estudados e denominados
de acordo com as ideias iniciais da pesquisadora. Esta codificação foi realizada linha a linha
(GLASER, 1978) e auxiliou a pesquisadora a ver o que já conhecia sob uma nova perspectiva.
Ao comparar dados com dados, a pesquisadora pode começar a compreender o que os
participantes buscaram expressar. Perguntas básicas eram levantadas nesta análise: “O que os
dados sugerem? Do ponto de vista de quem? Qual categoria teórica este dado específico
indica?”.
Na busca por aprofundar ao máximo a capacidade analítica da pesquisadora durante a
codificação, algumas orientações metodológicas foram seguidas, conforme recomendado por
Charmaz (2009): Criou-se códigos que remetessem a uma ação; codificou-se cada linha dos
dados escritos, de forma aberta, sem código pré-concebidos; tomou-se palavras e expressões
dos participantes como ponto de partida para a criação dos códigos.
Os códigos criados sempre remeteram a uma ação como uma forma de evitar “saltos
conceituais” – a construção de teorias antes da análise minuciosa do processo (CHARMAZ,
2009, p.74). Essa codificação com a utilização de gerúndios além de auxiliar na detecção do
processo, manteve a análise ainda próxima aos dados – a abstração venho nas etapas
subsequentes (GLASER, 1978).
Os códigos iniciais foram comparativos e provisórios, a partir deles a pesquisadora
identificou lacunas ou furos, podendo localizar novas fontes de dados e coletá-los. Foi possível
então, corrigir percursos e reformular códigos já nas primeiras etapas da pesquisa, melhorando
a capacidade de os códigos condensarem os significados e as ações.
A codificação inicial gerou 228 códigos, a partir destes iniciou-se a etapa de codificação
focalizada, na qual realizou-se a organização dos dados com base nos códigos mais
significativos e/ou frequentes, a partir da identificação de propriedades e dimensões do
fenômeno da aprendizagem ética na educação superior (SANTOS et al., 2016). Neste momento
78
Para teorizar foi necessário ir além da descrição das categorias evidenciadas nos
memorandos, buscando por aprofundar os significados e processos implícitos, reunindo-os e
interpretando-os. Mais do que descobrir uma ordem dentro dos dados, buscou-se uma
explicação, uma organização e apresentação dos mesmos.
Buscou definir e conceituar as relações existentes entre as experiências e o fenômeno
da dimensão ética da educação superior em Saúde, identificando como as categorias se
relacionavam com a construção da personalidade moral ou da identidade dos sujeitos na vida
universitária.
Neste processo de teorização identificou-se os conceitos que emergiram e deram
significado aos dados e geraram uma estrutura interpretativa e compreensões abstratas das
relações existentes no fenômeno da dimensão ética da educação superior em Saúde. Estes
conceitos que emergem da teorização são as facetas identitárias: eu-pessoa; eu-acadêmico; eu-
profissional; eu trabalhador da saúde e o eu-cidadão (figura 6).
A pesquisa não previu riscos à saúde dos participantes, contudo, poderiam ocorrer ao
longo da coleta de dados possíveis desconfortos morais dos participantes decorrente da
presença da pesquisadora em campo e da apresentação pública das informações coletadas e seus
resultados. Neste sentido as pesquisadoras se comprometeram com: a confidencialidade das
informações obtidas e com a proteção da identidade, inclusive do uso de imagem e voz dos
participantes; com a garantia da não utilização das informações obtidas em pesquisa em
prejuízo dos seus participantes; e com o consentimento dos participantes das pesquisas,
esclarecidos sobre seu sentido e implicações (BRASIL, 2016).
O processo de consentimento, sigilo e anonimato dos participantes seguiu o descrito no
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice E) que foi assinado pelos mesmos.
Além disso, os participantes do estudo foram orientados verbalmente quanto aos objetivos e
procedimentos do estudo, forma de participação, importância do estudo, garantia de respeito e
sigilo das informações, da disponibilidade dos dados e informações pessoais, assim como, da
liberdade de participação e desistência ao longo de qualquer fase do processo sem haver
prejuízo para si. A participação seguiu caráter voluntário, sem qualquer forma de remuneração.
Além do consentimento dos participantes da pesquisa, as IES foram contatadas quanto
ao interesse do estudo. Como já citado os processos normativos referentes ao consentimento de
cada uma das instituições foram respeitados.
As pesquisadoras julgaram este estudo como sendo socialmente relevante e asseguraram
a inexistência de conflitos de interesse entre pesquisadoras e participantes da pesquisa. Além
disso, também foi assegurado por parte das mesmas o compromisso em divulgar e publicar
quaisquer que fossem os resultados encontrados neste estudo, resguardando, no entanto, os
interesses dos sujeitos envolvidos.
84
4 RESULTADOS
Subcategorias Categorias
Os espaços das aulas práticas são, então, apontados como os momentos mais propícios
para o ensino-aprendizagem ético, havendo o reconhecimento da ética enquanto uma reflexão
sobre a prática. Ao mesmo tempo que se tem dificuldade de compreender o que é a dimensão
ética da Educação, esta acaba sendo relacionada à ação diária, com exemplos e atitudes. As
atividades práticas na construção profissional têm sua potência de ensino-aprendizagem ético a
partir das atitudes do professor e em como ele lida com a aplicação dos seus conhecimentos e
o poder relacionado a profissão de saúde. Essas práticas pedagógicas, ao mesmo tempo em que
visualizadas como essenciais para o ensino-aprendizagem ético também são apontadas como
subutilizadas para esse propósito.
[...] o aluno vai desde cedo para os campos de prática, o tempo inteiro ele está nos
campos de prática e quando e quê problemas e questões éticas são discutidas? nem ali
isso acontece! (GA2P8)
[...] e a gente sabe que alguns só recebem supervisão desse jeito mesmo: - ‘é qual o
medicamento, o medicamento tá correto, o documento que tem que preencher ou que
tem que colocar no sistema’... absolutamente operacional, e eu estou com o paciente
real na minha frente [...] situação real, e não significa grande coisa. (GA2P3)
Outros espaços identificados como potenciais para a aprendizagem ética são os espaços
da prática do ser cidadão – relacionada ao participar de extensões comunitárias, atividades
culturais e movimentos estudantis e são visualizados como importantes, majoritariamente, por
estudantes. Alguns espaços institucionais para além da especificidade de cada curso (como
políticas de ações afirmativas e de inclusão de diversidades) são citados como possibilidades
de dar força a aprendizagem ética, mas não são suficientes por si só. A vivência de estudantes
e professores nestes outros espaços que não somente os de relação pedagógica formalizada,
como espaços de gestão, por exemplo, auxilia a conhecer outros contextos e realidades.
Apesar do ensino-aprendizagem ético ser apontado como uma ideia muito mais presente
no discurso do que na realidade cotidiana, os dados apontam que o espaço onde ‘a ética
acontece’ (interpretado como espaços potenciais para a aprendizagem ética) é percebido
principalmente no eixo da extensão universitária e nas vivências fundamentadas no arcabouço
teórico-prático da Saúde Coletiva – destacadas as experiencias comunitárias, pois é onde se
90
Eu acho que não tem um momento especifico onde eles tentam mudar a sua cabeça.
Eu acho que talvez [...] na parte que tem os ensaios de SUS que a gente faz aqui
mesmo, mas simula o SUS e são pacientes um pouco mais precários. [...] Eu acho que
essas são as mais voltadas para a humanização, porque os outros não tem isso.
(GA3E10)
Neste sentido, parece que os momentos de ensino-aprendizagem das aulas teóricas não
são percebidos como significativos para a aprendizagem ética, assim como as práticas
pedagógicas intramuros.
Pensar os espaços existentes do currículo oculto concomitantemente com os espaços da
estrutura formal se faz necessário para que a dimensão ética da educação universitária possa ser
compreendida, tanto na inevitabilidade da aprendizagem moral como na necessidade do ensino-
aprendizagem ético, de forma mais consciente.
Do currículo oculto, do currículo informal, que cultura que o aluno tá vivendo, no que
ele está inserido, que valores são esses, que possibilidade de crítica ele tá tendo no
cotidiano pedagógico, em todos os momentos também [...] porque se as vezes nem o
professor percebe isso, que são nas relações, que são compartilhados os valores, essas
ideias, que vai se consolidando uma ideia do que é essa profissão, de que requisitos
ele precisa ter, que atuação... se as vezes nem pro professor isso está claro, ou ele acha
que não é preciso ler e estudar sobre isso... aí fica mais complicado: “95% do tempo
passando conteúdo e poucas vezes – e muito pouco do que eu acho que deveria ser,
tu ficas falando sobre humanidades. (GA2P10)
[...] o meu desenvolvimento moral, aquilo que eu penso, como eu ajo no meu íntimo
vai repercutir na bolha em que eu estou inserido. Muitas vezes eu não consigo, porque
eu não posso em determinados lugares falar o que eu penso. (GA2P2)
91
Que ele não seja só uma questão presente no discurso, mas que seja efetivamente
colocado na relação professor-aluno, no respeito mútuo, numa relação horizontal
dialógica. Porque a gente ouve muito dos estudantes ainda, a falta dessa relação.
(GA2P16)
Em sala de aula, esta relação hierárquica aparece de forma acentuada, seja pela presença
de um coletivo que pode inibir o professor de ‘dar abertura’ ou o estudante de ‘se expor a falar’,
seja pelas características individuais dos envolvidos.
Eu acho que vai muito do perfil do professor [...] tem professores que são bem
abertos... [...] o que também vai variar se o representante é ativo ou não [...] se o
acadêmico é ativo ou não é, se é mais acanhado ou não é. Tem acadêmicos que
levantam a mão e colocam que não concordam com algo da aula, e tem acadêmicos
que não, que tudo que o professor fala é ‘amém’. E não dá para ser assim, né? Tem
professores que gostam justamente desses alunos. (GA3E4)
É tentar fazer com que as relações sejam poliárquicas e não hierárquicas. Porque um
professor que já começa a sua ambientação em sala de aula como aquele que tá numa
posição socialmente definida como superior ao aluno, você quebra possibilidades de
relação de confiança e isso consequentemente vai desfazer um vínculo que pode ser
um vínculo educativo. (GA2P12)
o jeito que ele fala que gera medo, a falta de humildade, o desprezo pela dúvida simples”
(GA3E10). Estes relacionamentos pouco vinculativos são visualizados como experiências que
não motivam o participar, apenas são suportadas, fomentando o desejo de que acabe logo a
disciplina, o curso de graduação. São momentos de reprodução e obediência, ou mesmo de
sofrimento. Neste sentido, as oportunidades de aproximação, de construção de afetos, de
momentos de maior horizontalidade com os professores, mesmo que menos presentes, são
motivadores de aprendizagem e potencializadores da identidade por meio da vivência de
valores como respeito, diálogo e autonomia.
Porque as pessoas acham que se você se portar de determinada forma com o paciente
você tá mostrando que você sabe alguma coisa[...] e daí começa aquela coisa de botar
barreiras que você se perde ali dentro [...]. E daí o paciente sente esse gelo, essa ‘placa
de vidro’ na frente, acaba sendo grosso com o aluno e daí o aluno diz ‘ah, o meu
paciente é difícil’, cara, não! Olha pro teu paciente! [...] um amigo meu chegou pra
mim e perguntou: ‘porque o meu paciente deu certo contigo?’, e eu falei: - ‘é, você
sabe que o nome da mãe dele é esse e que ela tá passando por esse momento tal, e por
isso que ele vem com tanto esforço e chega sempre atrasado?’, então já começa a
saber porque ele era tão ríspido contigo [...] então é isso sabe? É muito disso assim,
aí falta [...] falta amor sabe?”. (GA3E1)
93
Estas interações, nas quais alguém detém todo o conhecimento e o saber do outro não é
considerado, resultam em um sentimento de desumanização. A postura do professor,
apresentando-se com mais transparência, valorizando as dúvidas, anseios e reconhecendo suas
limitações, favorece uma convivência afetuosa, com construção de vínculos e a realização de
valores humanizadores, tanto no processo pedagógico quanto na assistência à saúde.
[...] eu tenho feito essa aposta, por exemplo, falar da minha orientação sexual, dos
meus sofrimentos é algo que eu entendo que talvez seja um caminho para construir
horizontalidade com os alunos. (GA2P2)
A gente tá numa arena em que todo mundo se julga o tempo inteiro, e se eu sou
julgado, a minha defesa é julgar pior e mais severamente o outro e aí isso envenena o
diálogo. Eu sinto que a gente está vivendo relações dentro da Universidade neste
sentido assim, envenenadas para o diálogo. Porque elas já estão sempre partindo de
uma atitude de defensiva, de fechamento para o outro, de intolerância e não
humildade. E um alimenta o outro, porque o que acontece, parece que a pessoa está
para uma disposição para o diálogo, querendo assumir: - ‘tá bom, eu não sei tudo’, aí
vem uma resposta do outro e a pessoa: - ‘ah, se é assim então você vai levar na mesma
moeda’. Então a gente está assim (GA2P8)
Porque cada espaço que a pessoa vai passando, elas vão carregando um pouco daquilo
para si ou discordando e trazendo essa discordância para outros espaços também.
(GA3E3)
Onde cada um acredita que pode chegar, o seu sucesso pessoal, tem a ver com a
realidade em que vive. Viajar, a experiência religiosa, a experiência comunitária. Tem
várias distâncias entre essas pessoas, por isso que eu insisto na coisa experiencial, eu
vou ver o meu mundo a partir das experiências que eu tenho [...]. (GA2P2)
A maneira de fazer atendimento, as pessoas que não vão aceitar aquilo ou como você
deve aceitar aquilo também né? Por que eu acho que é uma coisa importante no
atendimento de saúde onde vai aparecer milhares de pessoas diferentes. (GA3E7)
Isso é uma baita de uma mudança pra nós, porque senão o cenário era só hospital, e
aí o hospital reproduz o modelo [...] agora não, agora temos bastante gente que vai
para medicina de família, e os bons alunos, sabe? Na minha ótica, na minha ética, as
duas coisas que mudaram a Universidade para uma maneira positiva - menos
tecnicista, mais comprometida, mais engajada: foram as cotas, pela mudança do perfil
de quem vai prestar o serviço, e a medicina de família. (GA2P10)
Neste sentido, a Saúde Coletiva volta a ser evocada como a área disciplinar que
possibilita trabalhar as questões das diversidades, já que promove a interface entre saberes e
práticas biologicistas e sociais, entre Universidade e o sistema público de saúde, cenários e
situações de ensino-aprendizado que oportunizam distintas vivências morais. Há a necessidade
então que essas vivências sejam oportunidades de problematização e reflexão ética para que o
discurso e a prática acadêmica combatam a exclusão social, fundamentados nos princípios de
democracia e igualdade social.
Porque eu comecei a mostrar o olhar da Saúde Coletiva, que seria olhar aquele
indivíduo como um todo e de que a desigualdade vivenciada por ele se reflete na
utilização do serviço e o quanto ele precisa ser respeitado na dimensão do que ele
vive, e que não é simplesmente indicar uma escova dental muito cara achando que ele
vai comprar porque a saúde bucal é importante [...] entende? Então eu já passava por
esses desafios éticos eu diria, principalmente de valores durante a instituição da minha
disciplina, e não foi só com os alunos, foi também com os professores [...] esses
desafios de formação perpassam a gente que vive a Saúde Coletiva, porque a gente
quer mostrar muito além, né? (GA2P13)
[...] eu acho que uma pessoa muito encerrada num grupo social único, talvez ele tenha
menos possibilidades de experimentar outros tipos de relações né, e talvez isso limite
[...] agora, eu pertenço a vários coletivos, com linguagens absolutamente diferente,
com papos totalmente distintos, muda a linguagem, muda a abordagem discursiva, é
completamente diferente [...]. (GA2P12)
Está sendo bem legal, tanto que, até conversando no CA, a gente se admira em
perceber que todos os presidentes dos centros acadêmicos, todos são LGBTs e como
isso foi importante para desenvolver debates ali dentro que a gente nunca imaginava
que teria ter [...] a gente falar sobre PEC, sobre SUS, usar camisa do SUS sabe, vestir
a camisa mesmo e falar que a nossa política é pública, é gratuita e nós estamos dando
qualidade a ela. (GA3E1)
Hoje eu brinco que eu tenho o Brasil na minha frente, eu tenho de um tudo, e o mudou
o espirito porque quando era só ‘filhinho de papai’, ‘riquinho’, tinha uma coisa de
elite [...] do carro, do ipad, iphone [...] e hoje tu não vê mais isso no curso... até deve
ter entre eles mas não é uma coisa ostensiva, então mudou muito [...] e ao contrário
do que se imaginava, o nível do curso não baixou, não foi isso que se observou. E o
‘pessoal da cota’ entra e ele dá conta, com exceções [...] foi uma mudança radical de
perfil do curso [...] e positiva eu acho”. (GA2P10)
Um dos grandes desafios da Universidade, de dez anos pra cá, foi a gente trabalhar
com a ideia de pessoas diferentes, né? Que foi através das ações afirmativas, isso eu
acho que foi um grande desafio e que tá só no início [...] E que propiciou construir
novos valores, aproximou, e provavelmente, a partir do choque de realidade mesmo
que fez as pessoas, minimamente, pensarem sobre aquilo, começar a pensar sobre
aquilo, refletir. (GA2P9)
97
São mudanças em todos os sentidos, de colocar junto pessoas de idade jovem, tem
índios, tem negros, quilombolas, mas que trazem essa diversidade para dentro [...]
com todas as dificuldades que eles vivem inclusive no atendimento, porque a própria
população que é muito conservadora, ela não está esperando que vai ser atendido [...]
antes nem pensava que podia ser atendido por mulher né? Agora pode ser negra! Então
esse papel na discussão de conflitos é interessantíssimo, é só enriquecedor. (GA4G2)
80% de mulheres dentro e ele ainda é um curso machista, que professor assedia aluna
e professoras o defendem [...] gente! E aí entra as ‘sapatão’, as feministas, as negras
e aí falam assim: - ‘não, meu amor, aqui não funciona assim, aqui vai ter denuncia e
no meu box, se você vacilar eu vou espalhar um monte de cartaz do 180 lá, pra lembrar
todas que passarem por aqui, que isso aqui é crime’. Então de um curso que era um
silencio, a gente tá fazendo um pouco de barulho aqui dentro. Então está sendo bem
legal, tanto que, até conversando no CA, a gente se admira em perceber que todos os
presidentes dos centros acadêmicos, todos são LGBTs e como isso foi importante para
desenvolver debates ali dentro que a gente nunca imaginava que teria ter [...] a gente
falar sobre PEC, sobre SUS! (GA3E1)
[...] fez as pessoas, minimamente, pensarem sobre aquilo [...] refletir. Mas só isso não
basta, né? A gente precisa também alimentar com diálogos mais fortificados, com
novas teorias, com novos conhecimentos, com novas experiencias né. (GA2P9)
[...] tem várias coisas hoje que a sociedade foi segregada, que o aluno que chega aqui
é aluno de condomínio... meu deus eu ouvi de uma aluna, ‘mas onde está essa pobreza
que a senhora fala e que eu não vejo?’. Mas onde que ela ia ver também, eu perguntei
qual trajeto que ela fazia e ela morava na beira mar e vinha pra UFSC de carro.
(GA2P4)
Eu acho que o modelo ele serve pra que a gente lide com as inseguranças que a gente
tem. Você se apoia no modelo porque você não consegue, por você, se desenvolver.
Então acho que é justamente por não lidar com o feio, com aquilo que dá errado, com
o falho, com as necessidades que é o que a sociedade ensina, né: Você tem que ser
estável [...] as pessoas se pegam nesses modelos. (GA2P2)
O que mais impacta os estudantes de modo geral de terem essa epifania da importância
de circular, de transitar, de buscar novos conhecimentos é um dos entraves
99
institucionais que eu falei, porque a gente tem uma carga horaria muito extensa.
(GA3E2)
Eu nunca tinha pensando nisso, mas talvez a questão do desenvolvimento moral tenha
a ver com isso né, com a capacidade de você incluir diversidades nas tuas formas de
relação [...] e aí se eu tenho um modelo único não tem como. (GA2P2)
[...] o estudante tem o direito de reclamar, mas tem que aprender a reclamar direito,
que é uma aprendizagem também. Então essa coisa de criar o espaço, e qualificar o
espaço [...] eu acho que pode ser por aí. (GA2P4)
[...] é difícil você questionar o conhecimento dele e a autoridade dele dentro da sala
de aula, né? Mas isso para mim só vem a ressaltar ainda mais a importância de você
estar participando desses espaços do currículo oculto, porque é nesses espaços que, às
vezes, você se empodera de conhecimento e de confiança para estar questionando o
professor. (GA3E6)
Eu sofro porque em alguns momentos ali tu tens que decidir sozinha e em um segundo,
não tem nem tempo de refletir o que o outro pensa, então eu sofro nesse caso. Porque
eu tenho muito prazer e muita paciência de construir uma solução [...] eu acredito na
solução construída, pactuada e que depois ela pode ser revista, mas naquele momento
[...] era aquilo. (GA2P4)
101
[...] é um aspecto bastante importante quando nós pensamos nas questões éticas, a
questão do diálogo, da equidade, do respeito às posições, as colocações do outro, a
perspectiva de uma atuação que seja justa, que considere os aspectos todos que estão
envolvidos nas questões. (GA2P16)
[...] criar cenários pra que seja efetivamente, ou cada vez mais efetivamente, processos
colaborativos e, portanto, éticos. Porque no colaborativo é que vão aparecer os limites
né, vão aparecer as fragilidades... porque pensando no termo colaborativo, pra mim
vai ser onde eu preciso de ajuda, não onde eu tenho tanta competência como você, ou
eu tenho mais competência e tudo fica centralizado em mim, mas é onde eu consigo
ter tantas falhas que você e a gente juntos, juntas, chegue em algum lugar. (GA2P2)
A experiência que se torna estéril para a aprendizagem ética pode ser potente para a
manutenção de poderes, para a imposição de ‘verdades’. Para a cooperação necessita-se saber
onde se quer chegar, devendo este caminho ser orientado para um resultado coletivamente
benéfico e não a interesses particulares. Quando cada área da saúde trabalha sozinha, quando a
própria concepção da saúde não possibilita essas trocas nem entre as áreas de uma mesma
profissão as experiências cooperativas se tornam limitadas na realidade do corpo acadêmico.
Pouco mudou do perfil do que se almeja, mas em termos de como fazer, mudou
bastante, então nós vamos precisar nos integrar mais, porque vai ser uma formação
por agravos, não por doença, por técnica, por ciclos de vidas [...] só aí então a gente
vai ter grandes discussões. (GA2P4)
Tem algumas questões que nós optamos sempre por trabalhar com comissões para
discutir e encaminhar dificuldades ou mesmo as coisas cotidianas. A gente tem muitas
dúvidas, por exemplo, em relação as questões de equidade, de justiça na distribuição
das bolsas, de como se faz. Então estamos sempre discutindo critérios e tentando
aperfeiçoar o processo, envolvemos os estudantes, pra poder contribuir, trazer o seu
olhar. (GA2P16)
A condição que a gente tem, mais possível, eu acho que é do professor ainda [...]
porque o professor tem bastante autonomia. Então assim, pode ter uma normativa e
tal, pode ser [...] mas o professor vai fazer, na prática, o método de ensino que ele bote
em prática a sua postura [...] é que realmente aparece. (GA2P3)
103
O objetivo de uma formação para o futuro não deve estar fundamentado na aquisição
de determinadas habilidades, mas sim na capacidade de adaptação a situações não
prognosticáveis. (GA1D2)
A ideia que me parece que está subjacente é que o professor será o exemplo moral de
condutas adequadas, né? E de certa forma, mesmo que não se queira, você tem que
ter condutas éticas, né? Para colocar uma disciplina [...] com regras iniciais que você
tem que cumprir, tem compromissos assumidos. (GA2P7)
[...] se eu não levo em consideração a história pessoal daquela pessoa, o pudor que ele
tem, as percepções que ele tem daquilo que está acontecendo... isso ensina mais ética
do que todos os semestres tendo aula de ética. Então eu digo que é o modelo de sala
de aula, é o modelo da prática cotidiana que acaba trabalhando questões éticas com o
paciente, é a pratica é o fazer cotidiano em sala de aula. (GA2P12)
104
[...] tinha acabado de chegar da clínica uma resina vencida [...] eu disse ‘chama o
paciente e refaz!’[...] é o vivenciado, porque a vida é assim, né? Você aprende muito
mais pelo que o teu mentor faz do que pelo que ele fala (GA2P5).
[...] eu bato de frente até com professores. Eu acompanho as redes sociais e vejo
professores colocando cirurgias ao vivo, expondo de uma maneira sabe [...] que me
assusta! Porque se o professor que é aquele que tá formado para ensinar o aluno [...]
a formação de um profissional com toda a dimensão ética, como é que esse professor
[...] ele não está sendo um exemplo! Então como eu vou exigir do aluno? (GA2P13)
E o adolescente que chega hoje na Universidade viveu muito pouco [...] então sabe,
eu acho que tem muitas coisas que quando tu vais se cercando, protegendo a sociedade
dos desafios a gente acaba dando com a cabeça. (GA2P4)
Com esses grupos muito grandes, eles não querem se arriscar [...] é bem isso, eles são
fechados [...] eles nem falam... entende... por que? Porque eles só querem se expor, se
estiver certo e isso é muito sofrido. (GA2P14)
Eu estou trabalhando com eles da mesma forma que eu trabalhava com os alunos. Não
é diferente, é problematizando, não dando a resposta, aí eu vejo a necessidade de o
professor ter suporte pedagógico. (GA2P4)
[...] na minha graduação eu tinha uma turma de 70, a gente teve que negociar tudo
dentro dessa Universidade, eu fui líder de turma, eu fazia as negociações para a turma,
eu fui do centro acadêmico, eu que conversava com o chefe de departamento, eu fui
sempre isso, eu aprendi eu acho dessa memorias [...]. Então eu acho que a diferença
ela vai ajudar, eu acho que essas lutas a gente tem que bancar. (GA2P4)
Então assim, lidar com essa postura que o estudante já trazia, para mim sempre foi um
desafio, então qual é o argumento, ou quais são os argumentos que eu posso colocar
em aula, em que eu posso entender porque ele coloca a homeopatia num nível de que
se acredita ou não se acredita né, como uma crença, então respeitando esse ponto de
vista, mas quais são os mecanismos, os instrumentos, as ferramentas que eu vou ter
que utilizar durante o semestre para... eu não sei se é convencer mas, minimamente,
mostrar o que é a homeopatia e ai ele faz o que ele quiser com isso que eu estou
trazendo. (GA2P15)
A forma de encarar estes desafios faz diferença nas possibilidades de trilhar um caminho
de ensino-aprendizado ético. Encará-los baseando-se apenas em normativas pode ser uma
experiencia limitada, pois a normativa nem sempre inclui toda a realidade e não dispensa o
pensamento próprio.
Até pode dar uma abertura, mas eu acredito que a riqueza está no momento que a
gente se coloca e escuta, até o próprio desafio que é o diálogo num contexto de pessoas
que você nunca conversou [...] então a ideia do desafio também é importante, porque
como você encara esse desafio né: você pode encarar achando que você sabe tudo,
você encara com humildade de escutar primeiro para depois compreender [...] Já
começa com o fato de que se você encara o desafio achando que você sabe tudo daí
já não tem desafio nenhum, daí não tem aprendizado, né?. (GA2P12)
Enxergar os desafios como uma oportunidade de trabalhar com o espaço do que ‘não
está bem’ pode ser uma maneira de fomentar a aprendizagem ética na resolução dos problemas
cotidianos, ao mesmo tempo em que se pode aumentar a resolubilidade desses problemas.
106
[...] o espaço do que não está bem também pode ser produtivo [...] os espaços
problemáticos talvez sejam até mais frutíferos, mais abundantes, mais produtivos para
isso. Só que tem que ter o mínimo de condição, que é as pessoas se colocarem no
lugar de refletir, e refletir não é só eu dizer minha verdade, é partilhar, se solidarizar...
então eu acho que tudo acontece nas relações e eu acho que as relações não vão bem.
(GA2P8)
O papel do professor universitário envolve as várias facetas do ser docente. Quais são
essas facetas e como elas se relacionam com a dimensão ética da educação é o tema a ser tratado
nessa subcategoria.
A dimensão ética da educação superior em Saúde não tem sido visibilizada e trabalhada
de forma intencional. Não há uma sistematização da educação moral na instituição, fazendo
com que sua relação com os diferentes papéis docente não seja consensual. Esta dimensão da
109
educação fica atomizada, sendo dependente de dois aspectos principais: a sensibilidade de cada
professor às questões éticas e a sua percepção do que é o processo de educar.
A sensibilização do saber-fazer docente à dimensão ética da educação superior em
Saúde depende de como se deu a construção da sua personalidade moral previamente a sua
inserção como professor universitário, mas também de suas experiências ao longo da docência.
A percepção do processo de ensinar está relacionado às formas como o professor concebe a sua
atuação como educador. Existe uma dificuldade de enxergar a amplitude do seu papel no
processo educativo, principalmente porque a dimensão ética do fazer pedagógico é pouco
considerada, não somente, enquanto interveniente na construção da identidade dos estudantes,
mas também nas construções entre pares.
Dialogando com estes dois aspectos da vida docente, o papel de transmissor de
conhecimento aparece como central, no qual a concepção teórica e metodológica do professor
influencia no processo de ensino-aprendizado de seus estudantes.
Educação é baseada muito em professor né [...] por mais que a gente tenha uma grade,
uma ementa que a gente tem que cumprir... na ementa vai tá lá: lei de genérico, é
obrigatório [...] né, ok [...] como que você dá aula de lei de genérico? Daí o professor
faz da sua experiência e da sua concepção sobre ela. Então se a concepção é técnica,
a abordagem é técnica e ponto. E aí a formação é técnica e o raciocínio é técnico. E aí
a capacidade de questionar aquilo [...] porque se a gente não questiona a gente não vai
mudar, não tem capacidade de evoluir se não questiona, né? (GA2P3)
Focado em uma das dimensões do ensino, o papel de transmissor acaba por reduzir o
processo educativo. O foco na dimensão técnica converte o papel docente em um papel de
detentor de todo o saber, um papel de ‘dono da verdade’ no qual a relação pedagógica deixa de
admitir erros, questionamentos, o construir junto. Não ter a resposta para tudo, ser humilde,
podem ser vistos como fraqueza. Estes elementos reforçam a existência das relações
hierárquicas já discutidas na categoria anterior.
[...] relação educativa começa com respeito, e esse respeito não é enviesado como na
ótica de muitos professores em que o respeito começa com: - ‘tem que me respeitar
porque eu sou professor Fulano, eu sou doutor Fulano’, é o contrário, o respeito vai
de que somos iguais. Existe uma pequena diferença entre a gente e a diferença é de
que o nosso papel aqui tá um pouco melhor definido que é o de que: - ‘eu tenho um
pouco mais de experiencia que você, eu tenho um conhecimento que conseguiu ser
sistematizado e reformulado a partir da ótica da ciência mais do que o seu, mas você
também tem conhecimento. E o teu conhecimento tem valor para mim’. (GA2P12)
postura de ‘juiz da verdade’, associação que parece gerar uma sensação de segurança para o
docente.
É claro que depende do aluno, mas o professor tem que oportunizar isso, se você vai
lá na sua disciplina e vai tratar no sentido de ‘ser assim porque é’, ‘a técnica é essa,
tem que fazer assim’, o ‘método é esse’ e pá e pá... qual é a oportunidade desse
estudante que tem experiência real, de trazer a sua percepção da realidade para a sala
de aula, ele não tem oportunidade. Então, no final, mesmo com os alunos ou sem os
alunos, quem propicia ou não, também é o professor. (GA2P3)
[...] a gente está tão preocupado com conteúdo, a gente tem mais medo dos alunos do
que os alunos da gente, porque tu tem medo de errar, de falar errado, de não saber
responder, tu não enxerga aqueles alunos [...] então se ele vai ser justo, se ele vai ouvir
bem [...] eu acredito que não seja isso a primeira preocupação. (GA2P4)
Há uma relação entre deter conhecimento e deter poder que pode ser visualizada como
uma forma de obter ‘respeito’ nas relações universitárias. Esta postura resulta em relações de
obediência por temor não condizentes com o papel de educador que constrói cooperativamente,
a partir de um conhecimento prévio, mas também valorizando o educando na construção do seu
próprio saber.
Se eu tenho um colega que tem uma visão mais colaborativa e consegue colocar o
outro na sua vida, e que não precisa impor a sua vontade para existir no mundo, é
maravilhoso, porque é isso [...] me parece insegurança [...] a docência ela tem que se
desprender disso, ela admite o erro, ela admite um equívoco, ela admite um foco em
outro aspecto naquele momento que não aquele que o professor está exigindo naquele
instante. (GA2P4)
Porque se é pra ser professor pra exigir que escreva a resposta com a mesma virgula
que eu coloquei no slide, isso pra mim é o fim, é antítese do que a gente está
conversando. Isso existe? Existe! Mas não é o que nos identifica, não penso assim [...]
(GA2P4)
Tem que ter uma dose de generosidade e compreensão, sem ser rotulada de mãezona
[...] que isso que é o problema maior, num curso que tem maioria de mulheres e de
professoras, mas se tu tens uma conduta dessa, tu ganha um rótulo, ela é mãezona,
111
com ela tudo pode, com ela tudo [...] não, com ela tem um espaço, não é que tudo
pode, quantos nãos, muitos, mas sabendo porque o não, e não porque eu não deixo, e
não porque eu não quero. (GA2P4)
[...] conteúdo eles têm, como eles dão esse conteúdo pra gente, de certa forma é o que
pra mim faz um bom ou um mal professor, sabe? [...] e daí ela sentou, conversou com
o paciente e tal e quando ela virou pra gente, ela se tornou a professora novamente e
usou o vocabulário com a gente que a gente entende né, e deu muito de ver a diferença
e eu pensei: ‘que demais!’, poxa sabe [...] deu uma coisa boa assim, e você vê que tem
gente que não é assim, chega lá e tipo ‘ah tira mais ali do lado e depois eu volto’ [...]
e daí tá né, esse teu conhecimento não me serviu de nada! Eu acho que é mais ou
menos isso [...]. (GA3E1)
[...] já vi um colega dizendo isso [para um aluno]: - ‘vem aqui, já, quero você em 30
segundos na minha sala’. Eu acho que foi uma das minhas piores experiencias de
asfixia de formação ética, e que daí, como eu sou muito de realmente ter uma visão
mais transformadora [...] eu digo que é a pedagogia da indignação, onde o aluno
aprende de tão indignado que ele ficou com a postura daquele professor. (GA2P4)
O papel de referência moral é visto como fundamental, mas criticado quando fica na
responsabilidade individual, sem uma reflexão coletiva, mesmo porque esse isolamento pode
fortalecer referências morais que não sejam as mais desejadas, ou mesmo atuações morais
irrefletidas que se tornam modelos acríticos para os estudantes.
112
Na verdade, eu fico pensando que tem que pôr a mão na massa, concretizar mais, não
pode ficar só na ideia, tem que fazer essas construções se tornarem mais frequentes
né, mais consequentes [...] nosso comportamento, o nosso exemplo de sermos justos,
tentar fazer o bem, são logicas principialistas né? Que fazem com que os jovens
tenham um mínimo de modelagem, de referência. (GA2P7)
Eu sempre tive essa sensação que o aluno deve ter um amigo, entre aspas né [...] que
cada aluno deveria ter um professor que fosse uma espécie de guia, um professor mais
próximo, e aí é claro, entrar numa lógica de nos dividir [...] porque essa discussão
mais subjetiva, dos dramas que esse aluno deve ter ao longo do curso [...] ele não tem
para quem discutir [...] (GA2P7)
[...] a gente tá sempre lutando para alcançar o critério que a CAPES preconiza para nossa
área [...] o fator de impacto para a nossas revistas é mais alto que a maioria das áreas da
saúde. Então a gente tá sempre com a corda no pescoço [...] eles foram formados em
programas de doutorado que cobraram isso deles, não cobraram outras coisas. Eles
aprenderam a ser professor assim: fazer uma boa linha de pesquisa produtiva, o seu foco, a
sua energia, o seu tempo é pra isso, qualquer outra coisa [...] as coisas desse tipo [relacionadas
à ética] são vistas como desviar a atenção, roubar tempo de coisas como estar no laboratório
(GA2P3).
[...] para se manter no doutorado é número de publicação né, e que a gente sabe que isso é
uma máfia da publicação, que é nome de pessoas sendo colocado sem terem contribuído
nada... mas é isso que dá credito para você se manter ali, não é o aspecto da ética em pesquisa
com seres humanos, da ética do teu nome estar porque você realmente participou. Isso fica
de lado [...] essa questão ética. (GA2P6)
[...] não são professores na essência da palavra porque nós não fizemos o curso de pedagogia,
nós estamos professores por uma quantidade de conhecimento que nós temos, e enfrentamos
um concurso e somos chamados pra fazer então à docência. Então por nós não termos em
nenhum momento da nossa vida nos dedicado a essa formação de ser professor, nós não
sabemos o que é dimensão ética, nós não sabemos, infelizmente. (GA2P11)
[...] eu me preparei um ano [...] ali sim você aprende a técnica, a pedagogia, os
aspectos éticos do ensinar..., mas não é assim que acontece, hoje o ensino está como
um bico. Você é dentista então você vai lá, para ter um emprego fixo, e aí você vai
ser professor também [...] muita gente querendo dar aula por status, né? E não
pensando no curso... na pós-graduação eu apresento o plano de ensino e pergunto:
‘quanto tempo você levou para se formar médico? E quantos anos de formação para
114
ser professor?’ e muita gente, no último dia de aula, repete isso, porque isso marca
tanto pra eles [...] Então como é que um indivíduo vai ensinar aspectos éticos, aspectos
morais, aspectos da cidadania, se ele vem aqui porque ele foi convidado porque ele
era um bom técnico?. (GA2P6)
Eu acho que a formação seria uma chance, mas que está sendo desperdiçada
infelizmente. A formação de professores, eu acho que a gente está perdendo uma
chance importante. Por conta disso, não é mais o viés técnico, da técnica pela técnica,
é viés da profissão. (GA2P4)
O pobre aluno que já tinha o viés da formação técnica, aí ele tem que ser um bom
professor de endodontia, ele tem que saber um monte de endodontia e um monte de
pedagogia, mas o que está sendo cobrado dele é a endodontia e a produção. (GA2P4)
Não somente a formação docente, mas também a seleção dos professores universitários
reforça o predomínio do papel de trabalhador da saúde e de pesquisador sobre os papéis de
referência moral e de educador. Essa primazia do papel de trabalhador da saúde sobre as outras
facetas do ser professor, pode reforçar características atitudinais do docente no seu cotidiano,
características de um profissional que pode não estar habituado a trabalhar em equipe, de
construir no coletivo soluções compartilhadas.
Principalmente na nossa área da saúde, você não é convidado a ser professor aqui
porque você é só ética, você foi convidado porque é um bom profissional [...] e aí
mistura [...] a pessoa muitas vezes, não corresponde ao que poderia ser em outras
dimensões que não foram devidamente avaliadas quando ele foi escolhido. (GA2P7)
O que eu digo são as pegadas, que caminho faz [...] ah ele acorda cedo, entra num
centro cirúrgico, opera, opera, opera, depois ele vai para o consultório e vê os retornos,
e vem duas vezes por semana dar aula aqui. Aí vou discutir SUS? Claro, ele trabalha
em hospital público e nunca fez uma reflexão! Agora esse cara que vai de casa pro
centro cirúrgico, do centro cirúrgico para casa, encurta a amplitude dele para os
problemas universitários, não tá na cesta dele o problema universitário, ele traz para
cá as tomadas de decisões que ele pratica na pegada dele [...] não é assim, isso aqui é
uma universidade pública, mas esse cara ele decide tudo sozinho na vida dele! [...]
buscou a profissão para ser autônomo, liberal, para decidir a sua vida [...] e é isso que
o sujeito traz, só que daí você tem que dizer: você tem dupla face, aqui você é
115
funcionário público e aqui funciona assim e assim... só que daí ele não manda, não
acerta o plano, não tá nem aí [...] ele cria suas próprias regras [...] (GA2P4)
Eu tenho essa coisa do vínculo com a instituição, eu tenho noção do que é ser
professora daqui e quanto que isso me engrandece [...] e o quanto que isso me traz de
responsabilidades. E eu digo sempre, tu és agora professor da Universidade, e temos
que nos interessar pela memória, pela história [...] eu argumento que tem
determinados professores que fizeram muita diferença aqui, e as pessoas contra
argumentam com o lattes dele [...] nem tudo é lattes! Como que você se relaciona com
a professora decana? Algumas coisas naturalmente a gente não consegue mais
acompanhar com pessoas mais velhas, aí você desqualifica e manda embora ou
aprende o que essa pessoa tem de bom? Um ensina o outro? Não é pra competir com
essa pessoa, que isso é uma tolice (GA2P4)
Eu acho que eu tenho uma maneira de trato direto com os alunos, então eu tenho uma
relação muito boa com os alunos [...] agora que eu me dou muito bem com todos os
meus colegas professores também, mas quando eu vim pra cá eu vinha de uma outra
formação ideológica e eu briguei muito com os meus colegas, com os professores da
época, com o passar dos anos eu melhorei, então deixei de ser tão arrogante ou
impositivo, comecei a perceber as questões históricas e culturais do lugar e daí vai
mudando o perfil. (GA2P10)
A gente tá com professor que vem cada um de um canto né, eles têm umas memórias
[...] Não viu que aqui é diferente e já toma uma atitude preventiva. Daí a pessoa fica
fazendo coisas que você não entende [...] mas é porque ela foi tão massacrada que ela
está com medo. Já tive pessoas que não vinham conversar comigo quando tinham
opinião diferente porque tinham experiencias ruins com seus antigos chefes. Por isso
que eu digo que a gente tem que dar voz ao professor. (GA2P4)
Agora é o salve-se quem puder, cada um de seu jeito [...] o que há é o controle, você
tem que produzir, produzir, produzir, agora como você faz [...] que se vire! E há uma
certa descrença, até os professores, eu não sei até que ponto eles estão acreditando
nessas estratégias coletivas: vamos reunir, olha o currículo, eles já vêm assim: - ‘olha,
vou lá para defender o meu, o meu pedaço, a minha disciplina’. Coisas que antes eu
via um envolvimento [...] aquilo era, que momento importante, era o mais importante,
agora não, aquilo é mais uma coisa a encher a minha agenda, vou fazer para ficar livre,
mas vou chegar mais tarde, sair cedo e ficar, de preferência, levando alguma coisa
para fazer no meio, no celular e tal. (GA2P8)
No meu curso nós temos um gravíssimo problema que nenhum dos professores
trabalha no regime de dedicação exclusiva, da área básica sim, mas quem é só da
medicina é muito pouco a dedicação exclusiva. Então aí, já fica tudo muito difícil,
sabe? O professor vem, dá sua aula, supervisiona [...] e ele não troca com os outros
colegas, porque isso tem que ser um trabalho coletivo, não pode ser uma ação
esporádica de um professor, teria que ter planejamento... na medicina qualquer coisa
que tu queira falar, e não é só humanidades, a dificuldades da medicina é espaço para
discutir e criar um pensamento coletivo. (GA2P10)
A sensibilização ética dos professores também pode acontecer ao largo da sua trajetória
acadêmica, nos espaços que transita, dependendo da diversidade de suas relações, da
participação nos espaços de gestão, de discussões e reflexões que podem oportunizar momentos
de aprendizagem ética.
[...] ter grandes discussões [...] eu acho que é a competência técnica, ética e a política.
Aí quando você vai fazer um seminário integrador essas dimensões vão aparecer mais
fortemente, e um professor vai aprender com o outro, porque a formação tem uma
grande força, e uma grande responsabilidade, eu não acho que seja tudo, mas tem.
(GA2P4)
Porque os poucos que tiveram discutindo ética ali, naquela mesa linda, aquilo
capilariza... aquela pessoa ganha força [...] se empoderaram ali [...] então é um espaço
precioso. Então eu fico pensando, a saída de uma pessoa que pensa assim vai significar
o fim? (GA2P4)
Eu acho que deveria ter mais discussão sobre ética e dando mais importância a isso
junto aos professores. Eu acho que a forma que a gente tem para mudar isso seria
através dos professore. (GA2P1)
O problema está em quem são os atores que levam o currículo adiante? Que levam a
proposta pedagógica adiante... se esse corpo docente, esse grupo de pessoas não tem
clareza da dimensão ética estar presente em todas as situações, em todos os espaços,
se perde rapidamente. (GA2P9)
trabalho aliada à falta de suporte institucional pode tornar o processo de trabalho extenuante,
levando à desumanização da relação pedagógica.
Meu Deus do céu! O professor [...] eu sempre olho por um olhar mais compreensivo
pro professor de uma maneira geral... não sei, o professor está num processo de
trabalho tão cruel também, digamos que eu percebo que algumas situações são
complexas para ele mesmo [...] eu e a outra professora que acompanhou este caso de
depressão ficávamos estarrecidas, ela disse que teve final de semana que ficou
trocando musiquinha, vídeo não sei o que com a estudante porque no fundo ela queria
saber se a menina estava viva! Qual o professor que está preparado para isso?
Entendeu? (GA2P4)
Se tu for parar e filosofar, a UFSC exige esse olhar, mas na prática acho que é
totalmente dependente do professor [...] da formação ou do temperamento. (GA2P10)
Porque aquilo que ele aprendeu ele tem que praticar, então se ele aprendeu tudo aquilo
e encontra uma gestão que ele não tem espaço [...] Acho que agora os próximos passos
são fazer a discussão da filosofia pedagógica e discutir novamente o perfil do egresso
[...] o que significa para cada um, e daí sim, qual é a minha responsabilidade como
professor, qual é a minha contribuição aqui. E daí pode aparecer mais concretamente
[...] para além da técnica”. (GA2P4)
Trabalhar a educação com consciência da influência da sua dimensão ética pode auxiliar
no equilíbrio dos diferentes papéis da vida docente na medida em que pode fortalecer a
passagem de ensino profissionalizante para uma educação superior, onde os papéis de educador,
de referência moral e de tutor podem ser melhor assumidos. Os papéis de pesquisador e de
profissional da saúde são hegemônicos e, juntamente, com os papéis de gestor e trabalhador
universitário, necessitam maior associação com seu sentido coletivo na vida Universitária.
Equilibrar as facetas do ser docente exige suporte coletivo e institucional para que a resistência
a trabalhar a dimensão ética do ensino-aprendizagem não se fortaleça pela simples resistência
à mudança, visualizada como uma maior sobrecarga de trabalho para o docente.
119
O papel assumido pelo estudante na vida universitária tem relação direta com o que é
esperado da sua trajetória acadêmica. Há uma hegemonia de sua educação ainda no sentido de
formação profissional, na qual pesam os critérios de avaliação acadêmica, baseada
predominantemente em conhecimento e habilidades, do que em atitudes. O estudante enxerga
possibilidades de ampliar a vida universitária a partir do momento em que deixa de se limitar
ao que lhe é exigido e começa a buscar mais autonomia em sua trajetória.
[...] consegue, mas com prejuízo das atividades de vida dele, de sono, de lazer, de
alimentação saudável, porque assim, de algum lugar você vai ter que abrir mão assim
[...] é sempre uma escolha. Eu acho que o currículo tem esse direcionamento mais [...]
não gosto muito dessa palavra ‘cientificista’ porque parece que ciência é só biologia,
e não é, eu acho que é uma parada realmente técnica, acho que é essa palavra mesmo
[...] e que é muito importante, é fundamental, mas ela não pode ser desprovida de
crítica, a gente não critica nem a própria técnica, a gente só aceita o argumento de
autoridade do professor. (GA3E2)
O que mais impacta os estudantes de modo geral de terem essa epifania da importância
de circular, de transitar, de buscar novos conhecimentos é um dos entraves
institucionais que eu falei porque a gente tem uma carga horária muito extensa, a gente
tem que ter 75% de presença, depois no internato isso sobre para 95%, então a galera
de modo geral acha que faltar é errado, e também não estou dizendo que não é, não se
trata de uma questão de certo ou errado. Eu abri mão dos meus 25% de presença esse
ano para ir buscar outras coisas e hoje eu posso dizer que eu, finalmente, acredito que
isso não prejudicou a minha formação... de abrir mão de manhã de ir para aula para
ficar dormindo, ou para ir para reunião de centro acadêmico, ou participar de um
projeto ou não sei o que. Então eu abri mão de parte dessa carga horária que é extensa,
é extenuante, que adoece as pessoas e vivi em conflito, mas fui. (GA3E2)
Na medida em que o estudante busca uma maior autonomia na sua trajetória, passa a
viver sua vida universitária em conflito com o que lhe é exigido pela instituição. Neste sentido,
faz-se necessário que as relações institucionais não sejam somente de controle sobre índices de
aproveitamento acadêmico do estudante, mas que também estimulem e possibilitem outras
aprendizagens a serem assumidas na vida universitária. De todo modo, enfrentar os mecanismos
instituídos que estimulam um determinado papel esperado do estudante pode ser uma tarefa
mais ou menos árdua a depender das posturas docentes na interface dessa relação estudante-
universidade.
120
[...] eu tenho vários colegas que até hoje não conseguem faltar, não conseguem sair,
porque há uma relação de poder né. E tem professores, e aí entra o papel do professor,
que eles aplicam terrorismo em cima de: -‘ah se você não vier nessa aula você vai
matar o paciente, se você não souber fazer isso você vai matar o paciente’. (GA3E2)
Então pode ver, tem um fator do estudante, de querer buscar e de saber que não dá de
fazer tudo na vida, tem o papel do professor, de fazer ou não esse terrorismo, de ser
mais flexível nas faltas, ou de ser extremamente rígido como a gente tem professor
que se você não chegas as sete e meia, você perde a chamada. E tem o papel da
instituição né, que mantem essa carga horaria altíssima e que, enfim nos pune né, se
a gente tentar buscar outras coisas. (GA3E2)
A relação com o professor tem bastante significado nessa busca do estudante por
construir sua identidade acadêmica pois o professor, além de ser uma referência moral, também
é uma projeção da profissão ao qual o estudante se prepara para encarar. A depender de como
se portam os professores, a construção do significado de ser estudante da saúde pode ser
limitada.
Quando o professor busca despir-se do seu poder institucionalmente inerente, e
aproxima o estudante das decisões acadêmicas há uma motivação maior do estudante em se
descobrir no seu processo educativo, a buscar o que deseja da sua trajetória. Os momentos de
aproximação dos professores à realidade de dúvidas e dificuldades dos estudantes são
percebidos como “espaços de humanidade dentro do curso” (GA3E1).
Não acho que é só a temática da ética nesse caso, eu acho que isso é muito mais amplo
que um aspecto, mas com toda certeza se eu permito que o aluno me enxergue
enquanto ser humano, e me enxergar como ser humano é me enxergar nas minhas
falhas, eu acredito que ele também vá passar a ser mais humanizado, e provavelmente
também vai mostrar isso nas suas relações a posteriori. (GA2P2)
Nas relações mais dialógicas entre professores e estudantes, o perfil de estudante que
contesta, que participa, é estimulado. Quando o professor não abre a relação para o diálogo ou
a construção de novas possibilidades de conhecimento e ações, interage com estes estudantes
participativos, há uma maior disputa de poderes. O estudante é visualizado como ‘rebelde’,
‘não obediente’ e o professor um ‘carrasco’, ‘sem humildade’. Nesta relação professor-
estudante o estímulo a autonomia moral do estudante é essencial a construção do eu-acadêmico,
uma identidade que não se constrói com relações de exclusão e de obediência acrítica.
E a gente sabe que tem situações em que há, entre aspas, uma perseguição né, são
humanos, ficam chateados, ficam com o ego ferido, também. : -‘Como que esse aluno,
tá ali oh, na quinta fase, começou a ler artigo ontem, vai querer contestar a mim, que
tenho pós-doutorado?!’ Pois sim! Irei. E você, com o seu pós-doutorado ou vai me
fazer entender a sua visão, e vamos juntas compreender [...] porque não pode ser:
121
‘nossa saiu o artigo novo, que interessante! Nossa, nem vi, me manda! Oh pessoal,
vou colocar no Moodle esse artigo, leiam e vamos discutir!’ Seria ótimo! Mas a gente
sabe que não é assim. (GA3E4)
Não se sentir sozinho na vida acadêmica, ter diferentes espaços de relação, também
influenciam na construção do estudante, na forma como ele passa a encarar o seu papel dentro
da Universidade. A maturidade, as experiências anteriores são componentes que também
influenciam suas escolhas na construção do seu percurso acadêmico.
Tem aluno que nega essa dimensão ética e não tem jeito, não se interessa, talvez nem
perceba, não é só não querer, talvez não perceba que isso é uma coisa que afeta o
desempenho dele ou que vá balizar as condutas profissionais no futuro [...] alguns não
tem essa percepção. Mas tem gente que tem, e muita. Então tu tens alunos que você
percebe que vão ser médicos em todas as dimensões possíveis né, bons profissionais,
boas habilidades, e a dimensão comportamental mais bem definida, postura
amadurecida, equilibrada [...] é isso que eu acho. Mas é como eu te falei, a minha
visão é de crianças, entendesse? São muito jovens, eu agora dei aula na disciplina da
quarta fase, as pessoas estão terminando o segundo ano da medicina e tem gente que
não tem 20 anos ainda. (GA2P7)
Como a pessoa se construiu até chegar nessa linha de pensamento, nessa estrutura de
pensamento, nesse julgamento moral que ela tem agora, por exemplo, a enfermagem
tem esse panorama de ser mais política, porque ela nasceu assim né, ela nasceu com
uma mulher no tempo de guerra confrontando uma estrutura biomédica, então ela
nasceu de um confronto digamos assim, e isso é uma coisa que traz bastante da própria
enfermagem, inclusive professores que a gente tem hoje, como nosso coordenador de
curso, eles eram do centro acadêmico, e ai ele foi veterano da coordenadora de curso
que também foi do CA. (GA3E3)
Ah, não sei [...] é que antes assim, eu ficava focada em: - ‘eu tenho que estudar, eu
tenho que passar nas matérias e é isso’. Eu não via assim, o a mais [...] e que na
verdade eu preciso e eu não tinha nem noção de movimento estudantil e de como as
coisas funcionam de verdade e que você nem enxerga. (GA3E7)
Ninguém vai abrir a cabeça do indivíduo e forçar ele a entender aquilo, mas eu acho
que os espaços têm que estar presentes sim, e a Universidade deve garantir isso. Ela
deve garantir espaços, ela deve garantir facilitadores, não para mudar a opinião, mas
proporcionar discussões com relação a isso. (GA3E4)
[...] o grande desafio é isso, é você ser ético na tempestade, porque quando as coisas
estão boas, estão boas... a linha está bonitinha estabelecida e vai longe, mas quando
essa linha não está definida, e quando a própria instituição tende a fechar o olho [...]
‘tá, como é que eu vou cobrar se a própria instituição não está cumprindo’. (GA2P5)
A Universidade precisa ter valores e princípios que ela considere relevantes e deve
proporcionar condições para que esses princípios sejam valorizados, por exemplo,
desde as questões mais simples como a participação do aluno no processo de avaliação
da própria Universidade para que o aluno possa ser protagonista do seu processo de
ensino-aprendizagem, para que o aluno possa ser protagonista na sua própria vida.
(GA4G1)
Não tem como acontecer isso lá na frente se aqui não tem uma estrutura bem formada,
bem feita... então eu penso que a instituição tem uma grande responsabilidade, mais
do que o professor sabe, mais do que o aluno. Eu acho que aqui, tem que estudar o
PDI e pensar em como colocar em prática, e precisamos formar, formar professores
sob diversos aspectos. (GA2P6)
[...] desde que eu entrei na Universidade e comecei a participar das aulas e fui
conhecer outros colegas, me associar a centros acadêmicos e grupos, eu percebo que
a instituição tem sim uma responsabilidade muito grande, muito no sentido de que
tudo aquilo que a gente estuda, e mesmo o que a gente deixa de estudar, é uma decisão
política, os nossos currículos são ditos neutros, são anti-ideologia mas na verdade eles
seguem uma ideologia que é a ideologia que foi escolhida por um colegiado né,
estudantes, professores. (GA3E2)
Essa Universidade enorme que tem tudo para dar o amparo, mas se eu não sei como
chegar, eu não sei se existe, não me foi apresentado [...] o que não deixa de ser uma
oportunidade dos Centros Acadêmicos, que são um espaço não da Universidade, mas
vinculados a ela, que proporcionam todos esses links, então eu creio que sim, que não
125
deixa de ser o papel da Universidade também. Porque tem o CA ali para fazer, mas
alguns nem sabem que existe. (GA3E4)
[...] uma sensação que eu acho que é fundamental da gente perceber aqui dentro da
Universidade pública é isso de que ‘o que é público não é de ninguém’, o brasileiro tem essa
ideia, não é: ‘público é de todo mundo, vamos cuidar’ [...] então é tratado como se não fosse
de ninguém. A universidade também é tratada assim eu acho, como se não fosse de ninguém,
o espaço público é como se a gente não tivesse responsabilidade sobre isso: - ‘o governo que
administra’[...] o governo é só uma ideia, o Estado é só uma ideia, a gente que faz parte da
composição dele [...] ou tem gente que tenta se convencer de que não faz parte, né? (GA3E5)
Pensar a Universidade deve ser mais do que visualizar uma articulação entre diferentes
- ‘eu’ e a Universidade - mas sentir-se pertencente a ela, constituindo-a. Compreender-se como
parte de um bem público, um bem da sociedade, é uma percepção necessária para reconhecer
as possibilidades de atuação dentro da Universidade conectadas com o processo de construção
de cidadania, de um pertencimento a uma comunidade acadêmica. Fomentar o eu-acadêmico,
que participa ativamente, é também desenvolver-se na sua dimensão política, atuando nas
relações que constroem a sociedade, conhecendo-as para poder também modificá-las,
transformações que ocorrem dentro da Universidade e que podem estimular o olhar da
comunidade acadêmica sobre si mesmo e sobre a sociedade, uma atuação contextualizada.
A atual conjuntura política do país limita muito essas questões, então quando você
priva, quando você tem a ideia de que você merece mais por causa da sua cor, por
causa da sua família, do seu sobrenome, porque estudou nos melhores colégios: - ‘ok
[...] massa! Ótimo que os seus pais conseguiram dar isso para você’ [...]. Eu não quero
tirar isso deles, mas eu quero que as minhas filhas tenham o mesmo direito. Então é
mais ou menos por aí, eu acho que esse contexto político, em que pessoas
despolitizadas - o sentido partidário mesmo, no sentido de não conhecer a história
partidária do pais, dos movimentos sociais [...] de serem contra os movimentos
sociais... começam a ter essa visão de barrar, de acharem que a Universidade é para
uma elite intelectual. (GA3E4)
Relacionar-se com a Universidade situando-a como um local que por ‘sua própria
natureza, congrega a elite de profissionais” (GA1D2), uma elite altamente especializada e, por
vezes, apartada de um senso de comunidade, dificulta a construção de relações cujo objetivo
não é ser o melhor profissional frente aos outros, mas a busca da excelência frente a si mesmo,
uma excelência profissional, cidadã e ética. As relações da comunidade acadêmica com a
126
Assim, se tu perguntares no curso o que tem de preocupação com o meio ambiente, por
exemplo, não existe! Só não é zero porque os caras são inteligentes e tão tendo algum senso
crítico, mas tu podes pensar na nossa sociedade hoje em dia, ela se preocupa com o meio
ambiente? Então eu acho que deveria ter uma questão ideológica, filosófica nas questões
sociais e nas questões ambientais... são outras dimensões, e a Universidade tem que ter todas
[...] teria que ter esses espaços e preocupação, mas fica muito focado em transmissão de
conhecimento e saber técnico. (GA2P10)
Focar o ensino somente na dimensão técnica limita o que se espera e o que se oferece
dentro do espaço institucional, diminuindo as possibilidades de interação com a Universidade,
de se sentir pertencente. O sentimento de pertencimento ocorre não somente em um curso, mas
em toda a instituição que permite ser transformada e que também pode transformar, seja a
comunidade acadêmica ou a própria sociedade a qual se insere.
Estes protagonismos políticos e a autonomia sobre a construção do seu percurso
educativo, estimulando o eu-acadêmico, auxiliam a deixar de observar a Universidade como
uma finalidade instrumental, como uma ponte de projeção pessoal somente, mas como um
espaço capaz de ampliar suas possibilidades de perceber e agir no mundo.
[...] no sentido de que ele passe a ver a Universidade mais como uma ferramenta para
a sociedade, do que como uma ferramenta para ele, entende? Porque quando eu penso
nesse ensino técnico e tudo mais, eu penso que talvez a pessoa tenha percebido a
Universidade como uma ferramenta para adquirir conhecimento técnico para exercer
uma profissão. (GA3E6)
A construção deste pertencer à Universidade, o olhar que se tem sobre ela, da sua
capacidade de construir cidadania também se evidencia no quanto a comunidade acadêmica se
sente chamada a defender a Universidade frente às ameaças a sua funcionalidade e missão.
[...] eu espero pelo menos, que a partir de todas essas mobilizações tenha uma
mudança drástica em como o estudante enxerga uma Universidade e como a sociedade
enxerga a Universidade também. Porque ao longo das últimas semanas, uma coisa
que... eu não sei bem se eu percebi ou se eu fui levado a perceber isso, mas parece que
127
a sociedade, talvez, não enxerga a importância da Universidade e o que ela faz. Parte
disso também recai sobre os estudantes que compõem essa Universidade e que não se
sentem fazendo alguma coisa e que, de fato, às vezes, não fazem, né? Eu acho que
esse momento que a gente tá vivendo agora vai ser crucial para mudar essa visão,
tanto da sociedade quanto do aluno. (GA3E6)
[...] a gente acabou ouvindo que vários cursos estão discutindo sobre qual é a
Universidade que eu quero, qual é a aula que eu quero, qual é a formação que eu quero
ter mais pra frente e todos eles seguindo em direção de ter um discernimento crítico
das coisas que acontecem e qual é o papel da pessoa formada numa Universidade
pública de qualidade dentro da sociedade. (GA3E6)
Neste sentido, cabe a necessidade também de que se produza análises sobre o tipo de
indivíduo que está ajudando a construir, mas não somente na vida profissional, também na sua
atuação cidadã: “A universidade deveria compreender como estão os seus egressos, para o
professor saber que tipo de profissional de fato ele tá ajudando a formar” (GA2P11).
Relacionar-se com a Universidade para além de um processo de obtenção de diploma
profissional requer que o estudante – e também o docente, conheçam a instituição, seus direitos
e deveres, a história dessa instituição, seus mecanismos, os interesses existentes, a missão da
Universidade, construindo uma vida acadêmica de forma autônoma, uma autonomia que
necessita de relações para além da exigida na grade curricular. A relação com a universidade
passa por esses conhecimentos, capazes de estimular a busca por espaços participativos dentro
da Universidade, um participar que gera um sentimento de ‘fazer parte’, de pertencer a uma
comunidade capaz de produzir transformações. Essas transformações são visualizadas como
uma atribuição da dimensão ética da educação superior em Saúde quando buscam a excelência
ética da comunidade acadêmica, uma comunidade que experencia ações de responsabilidades
e deveres uns com os outros e com a sociedade que desejam construir.
Os distintos papéis assumidos pelo professor universitário estão mais conformados para
as obrigatoriedades acadêmico-produtivistas do que aos interesses comuns da vida acadêmica.
Os modos de operar da instituição universitária e a formação docente tem grande influência
128
sobre o equilíbrio entre as facetas do ser professor universitário. Os sentidos de ser e de atuar
do corpo estudantil parecem influenciar pouco nos papéis docentes.
Por sua vez, o papel do estudante na vida Universitária é limitado ao que se espera do
seu perfil profissionalizante, fomentado a partir do currículo. O estudante que busca expandir
esse papel, incluir outras dimensões da educação superior na sua trajetória acadêmica, esbarra
nas dificuldades de responder ao perfil profissional esperado. O estudante internaliza o olhar
do professor para definir seu papel na vida acadêmica, os modos como os professores encaram
este perfil estudantil podem auxiliar ou limitar ainda mais essa busca por autonomia moral do
estudante.
A construção de papéis na vida universitária necessita de novos significados do ser
docente e do ser estudante, mas principalmente da construção de um papel que seja coletivo e
colaborativo à comunidade acadêmica. A vida universitária é reduzida a demandas cotidianas
ao mesmo tempo em que essa redução traz sobrecargas e afastam estudantes, professores e
gestores. Os papéis assumidos a partir do que é exigido pela instituição universitária atomizam
a vida acadêmica, dificultando que as dimensões ética – da escuta, reflexão e transformação;
estética - de invenção de percursos; e política - de relações de poder e democratização
institucional, da educação superior em Saúde sejam trabalhadas com maior profundidade e
intencionalidade pois são dimensões que exigem diálogo, reflexão e construção cooperativa.
As facetas do ser docente, de transmissão do conhecimento, de referência moral, de
tutoria, de pesquisador, de trabalhador da saúde, de trabalhador universitário e de gestor e a
busca por autonomia moral estudantil para assumir maior responsabilidade pela sua trajetória
acadêmica, compõem a construção do eu-acadêmico. Essa identidade é realizada na medida em
que a condução destes papéis da vida acadêmica também é uma vivência da dimensão ética da
educação superior em Saúde. Para construir essa identidade - individual, mas que se constrói
coletivamente, do ser universitário faz-se necessário estimular o sentimento de pertencimento
à uma comunidade acadêmica. Um pertencimento que fundamenta um papel compartilhado por
toda a comunidade acadêmica, um papel de buscadores de conhecimento e de excelência
humana que possa contemplar os papéis de cada agente institucional, conectando-os à própria
missão da Universidade.
129
[...] essa coisa técnica da profissão, todas as profissões [...] isso nos atrapalha [...] essa
formação com a preocupação mais forte com o mercado, com o trabalho técnico, daí
ela é o que é, muito forte. (GA2P4)
130
Essa realidade percebida nos dados choca-se com a visão de ensino colocada pelas DCN
e nos PPP dos cursos de graduação:
Eu acho que eles se tornam muito mais técnicos, no sentido inclusive de performance
social e de relações. Então nesse sentido pra mim é emblemático: falar só de
odontologia e não mais de ser humano entendeu [...] por isso é muito difícil enxergar
qualquer outra coisa que não seja boca e dente porque você foi domesticado. (GA2P2)
Porque eu posso explicar bem a matéria, mas se ele não entender que ele, que ele pode
mudar aquilo ali de diversas formas, que ele tem essa autonomia para fazer, ele vai se
frustrar porque ele vai achar que não domina essa técnica. Mas ele resolve o problema
do paciente e ele resolve bem, ele não é especialista, ele é generalista. E aí tem muito
especialista que faz pior que o generalista. (GA2P11)
Eu não dou aula conceitual somente [...] vou trazendo a situação, descrevendo a
criança, a mãe, o local de onde vem e vou perguntando o que eles acham que pode
ser, e aí eu já vou valorizando esse conhecimento que o aluno traz. E o diálogo
começa a partir de uma situação real, a aprendizagem vai ter que ser significativa [...]
o que nós estamos discutindo tem que fazer sentido para o aluno. Segundo, o aluno
tem conhecimento sobre isso, é um conhecimento menos elaborado que o meu, mas é
um conhecimento, para tornar esse conhecimento mais elaborado nós temos um
processo, um diálogo [...] então eu começo com o diálogo para trazer o conhecimento
que é dele para a gente introduzir um novo conhecimento, uma nova percepção do
fenômeno que está acontecendo, mas daí já é uma nova percepção, não é só biológica,
é humana, é biográfica, é social [...]. (GA2P12)
E o aluno quer estar pronto quando ele se formar, ele não tem a concepção de que ele
é generalista. Eles vêm apavorados perguntando como vão conseguir fazer prótese
fixa, e eu digo pra eles que não é esse o foco[...] eu não boto a culpa nos alunos porque
eles são frutos do modelo de deformação entende? Que é o da memorização, avaliação
através de prova, de teste, e o professor no teste ele aperta, ele pega sempre as
entrelinhas para dificultar mais ainda. (GA2P11)
[...] eu acho realmente tem gente abusando desse papel, desse discurso, de que o
discurso de formar cidadão sirva para formar um pessoal técnico muito ruim [...] eu
não consegui ainda ver boas experiências no sentido de equilibrar essas duas coisas
entendeu? (GA2P2)
Vincular a aprendizagem ética ao ensino tem sido uma forma de ampliar a educação
superior em Saúde. Porém a própria dimensão ética da educação superior em Saúde tem sido
reduzida a uma aplicação teórica em disciplinas, ou mesmo pensada em momentos pontuais,
sem continuidade, do processo formativo, assim, “de vez em quando eles convidam para falar
de ética nessas disciplinas” (GA2P1). Além da necessidade de compreender a
indissociabilidade da construção moral e do processo de ensino-aprendizagem, há uma
necessidade de transformações paradigmáticas que incluam o contexto das relações sociais e
humanas nas suas concepções, e com elas os valores e interesses, que lhes são inerentes, para
serem trabalhados conscientemente. É a realização desta dimensão ética da educação superior
em Saúde que permite a construção da faceta identitária do eu-profissional.
Mesmo no ensino técnico há possibilidades de aprendizagem ética sempre que caibam
questionamentos e reflexões, mas essa percepção depende dos sujeitos, para que essa processo
não seja absolutamente operacional.
A professora falou que pegou a lei, a última versão da lei, e foi discutir tecnicamente
o que é bioequivalência, como que faz [...] Então eu coloquei que seria bom lembrar
do porquê que se chegou nessa lei, porque ela é assim, porque a gente tem essa lei?
Porque temos genéricos adotados porque a gente tem genérico no Brasil, porque antes
não tinha? Quem ganhou com isso? Existe alguma outra forma de fazer
bioequivalência? Algum outro país adotou? Existe evidência de que esse é melhor?
Por que esse e não outro? [...] Mesmo na técnica propriamente dita, tem sempre uma
133
dimensão que cabe questionar, que é diferente do aprendizado técnico [...] Veja, isso
é técnico pra mim, no meu entendimento isso é conhecimento técnico, e isso um
técnico tem que saber. Um profissional de saúde tem que ter uma compreensão um
pouco mais crítica sobre aquilo, até para poder desenvolver a capacidade de mudar
aquela técnica, repensar, melhorar, simplificar, ampliar a capacidade de alcance,
sabe? Melhorar o impacto daquilo tudo na sociedade. (GA2P3)
[...] se a gente continuar com um modelo tecnicista, que tem outros valores e que vai
menosprezar a dimensão ética, ou melhor dizendo, vai construir a dimensão ética de uma
outra forma, que não a que a gente valoriza, vai criar outros valores que não aqueles que a
gente imagina que sejam os de melhores profissionais para a realidade que a gente vive. Então
essa é uma questão, que é do ponto de vista da concepção de mundo mesmo. (GA2P9)
O ensino de valores sem reflexão sobre os mesmos é uma aprendizagem moral sem
reflexão ética, uma aprendizagem que não objetiva transformações de realidade ou a busca por
uma autonomia moral dos estudantes. A especialização/tecnificação ao longo do curso reduz a
ética aos sistemas de regras profissionais e legais, uma ética deontológica, muitas vezes
utilizada para assustar ou para punir o estudante e não para fazê-lo refletir. Trabalhar o ensino-
aprendizagem ético nos mesmos moldes do ensino técnico, na reprodução demonstra não
funcionar, os paradigmas educacionais hegemônicos dificultam trabalhar para além da
dimensão técnica, biológica da saúde.
Me parece ás vezes que a ética ela vai ser evocada na discussão quando tem algum
problema ético muito aparente ou quando se quer punir o aluno e aí se evoca esse
conteúdo ético como uma forma de justificativa muitas vezes de questões técnicas [...]
vão dizer: - ‘olha não é ético que se trate o aluno ou o paciente dessa e dessa forma’,
mas no fim não é a ética, eles tão avaliando o preparo cavitário, a técnica. (GA2P2)
[...] mas eu acho que quando a gente tem meta a gente procura só fazer aquilo ali [...] e a
gente acaba esquecendo do paciente, como um todo [...] se não tivesse meta, com certeza,
fluiria mais. Eu tiro uma base pela clínica de saúde bucal coletiva. É muito leve, a gente que
se auto avalia, claro o professor avalia ali também, e a gente não tem aquela meta de tantas
restaurações [...] E vai fluindo, tu não ficas uma clínica parada! E já as outras clínicas tudo
tem meta, sabe? Professor muito arrogante [...] eles botam como se eles fossem os
‘bambambã’ e eles avaliam a gente como se já tivéssemos que saber tudo, eu não entendo
por que eles não avaliam a gente como um aluno. (GA3E9)
As áreas da saúde que se realizam a dimensão ética da educação superior em Saúde são
aquelas que também pensam a educação para a cidadania. As áreas voltadas para o paradigma
da saúde coletiva são citadas como o campo que traz o olhar sobre o cuidado, empatia, cidadania
e sociedade. O interesse por essas áreas também depende da compreensão que se tem de
Universidade e dos objetivos da educação profissional.
Eu acho muito que muito do ensino aqui é técnico. Muito. Até acho que essa coisa da
formação mais ampliada existe, mas ela é até vista de uma forma meio ‘boring’ sabe,
pelas pessoas aqui, meio como ‘ai, que saco’. (GA3E8)
dilemático, no qual a especialidade como protagonista do ato tecnificado dita o caminho a ser
seguido como o verdadeiro, o correto. Este apreender embasado em reproduzir respostas
prontas, protocolares, pode desconsiderar as dimensões sociais e morais dos sujeitos, não
estimulando a reflexão crítica e compartilhada com o paciente/família/comunidade e, portanto,
não fomentando uma atuação ética, problematizadora e inclusiva.
A separação entre ciências e humanidades, permitiu considerar que é possível tomar
decisões ótimas sem a reflexão ética, a área da saúde tem passado a substituir a decisão humana
por programas de computadores que tomam decisões baseadas em critérios também
desvinculados de valores morais. A tecnificação potencializada pela automação tende a
complexificar ainda mais a situação:
[...] eu fico bem feliz, por exemplo, quando existe professor que dá abertura pra gente
falar, discutir, colocar algumas questões [...] enfim, problematizar algumas coisas.
(GA3E5)
Este aprender a decidir deve considerar que podem não existir respostas certas,
universais, nas relações em saúde, e que importa conhecer as subjetividades e contextos de cada
paciente para trilhar um caminho que seja compartilhado com o mesmo e com a equipe de
cuidadores. Aprender a decidir também ensina a considerar a decisão do outro nas relações.
[...] ele pegava o capítulo do livro, resumia aquele capítulo e jogava na tela [quadro],
e nunca nos fez uma pergunta, nunca nos questionou. Nós íamos para a prática e a
gente fazia exatamente o que estava descrito ali, mas como modelo! E não pode ser
um modelo, cada paciente tem uma particularidade, não pode aplicar da mesma forma,
e por isso, muitas vezes o insucesso na própria técnica. (GA2P11)
136
O estudante precisa perceber que ele, sozinho, não precisa deter todas as respostas
prontas e o professor precisa entender que essa aprendizagem passa também por suas atitudes
nas relações pedagógicas. Quando o professor se apresenta como o detentor de todo o
conhecimento o estudante tem dificuldades de compreender que o construir soluções em saúde
passa pelo compartilhamento de saberes.
A gente tenta entrar, a gente tem discutido muito sobre o processo de tomada de
decisão medica [...] não é uma questão de consentimento, é uma questão da decisão
ser tomada pelo interessado e você auxiliar ele, de fato, a você tomar a melhor
decisão para o indivíduo, para ele [...] isso é um processo com procedimentos bem
definidos para que você assegure que o sujeito, efetivamente, foi bem esclarecido e
que ele vai tomar a melhor decisão, claro que é sempre difícil, né? (GA4G1)
Estar sempre problematizando, estar sempre muito presente, ter muito presente que o
processo é um processo de idas e vindas, se ele é de compartilhamento, eu também estou
aprendendo né.[...] o meu aprendizado disso, ele foi muito mais um aprendizado psíquico-
emocional [...] não que não tenha havido um aprendizado de conteúdo também, mas eu acho
que foi muito mais afetivo, emocional. (GA2P15)
considerar as dimensões humanas, sociais e éticas na tomada de decisão, além das políticas e
programas de saúde vigentes:
[...] a qualidade na atenção à saúde, pautando seu pensamento crítico, que conduz o
seu fazer, nas melhores evidências científicas, na escuta ativa e singular de cada
pessoa, família, grupos e comunidades e nas políticas públicas, programas, ações
estratégicas e diretrizes vigentes. (GA1D4)
Neste sentido, a evidência científica para a tomada de decisão não deve estar limitada
às produções positivistas da ciência. A compreensão sobre o processo de adoecer, o respeito às
necessidades e desejos do paciente, a compreensão sobre o cuidado, e a identificação dos
objetivos e responsabilidades comuns entre profissionais de saúde e usuários são elementos
essenciais a serem considerados, assim como os elementos culturais e de diversidade moral de
cada sujeito, em cada contexto.
[...] como você vai tratar um caso, por exemplo, vai atender uma pessoa trans, pessoas
religiosas [...] tipo maneira de fazer atendimento a pessoas que não vão aceitar aquilo ou
como você deve aceitar aquilo também né? Que eu acho que é uma coisa importante no
atendimento de saúde onde vai aparecer milhares de pessoas diferentes. (GA3E7)
Pra ele saber tomar decisões ele vai ter que recorrer aos seus valores, aos seus
princípios, quais princípios? Os que ele aprendeu ali também, entendeu? (GA2P4)
[...] é claro que ele tem que ter uma boa habilidade clínica, porque ele vai fazer muita
clinica mesmo, mas ele tem que ter discernimento das propostas que ele vai fazer para
o paciente que necessita daquele tipo de tratamento, então, muitas vezes, há um
desvirtuamento porque você pode introduzir a necessidade de uma técnica mais
refinada e que vai te trazer mais ganho, do que uma outra técnica, então eu acho que
esses espaços são importante. (GA2P11)
professor, o futuro profissional corre sempre o risco de decidir pelo outro, de tomar decisões
paternalistas que não sejam as melhores para o paciente, e esse processo pode ser inconsciente.
[...] não é que eles não sejam éticos, é que eles acabam ficando com o olhar muito
especializado [...] a visão um pouco restrita dessa questão do olhar integrado para a
pessoa e aí essas questões como o aspecto de autonomia, ou corresponsabilização, ou
que promove e permeia a ética são deixados de lado. (GA2P14)
A reflexão sobre os valores e crenças do paciente - sua moral e cultura - devem dialogar
com os conhecimentos do profissional. Estes conhecimentos, que nem sempre vão muito além
de questões procedimentais, deveriam possibilitar uma tomada de decisão conjunta, com
responsabilidades, portanto, compartilhadas. Neste sentido, nem o profissional e nem o paciente
tem sempre ‘a razão’. A saúde não deve ser racionalizada como uma mercadoria a ser vendida
a todo custo.
[...] os professores deixaram bem claro para o aluno que o que a paciente pede, hoje
ela pede, mas amanhã ela se arrepende. Então nós, que temos o conhecimento da
ciência, a gente tem que se posicionar e, às vezes, a posição significa perder o
paciente. (GA2P5)
[...] isso que eu acho que é a dimensão ética, é você se dar conta disso [...] de não
descolar a dimensão ética da dimensão política, da nossa formação como pessoas. Nós
139
Aqui a questão da produção técnica também entra como uma problemática visível: ‘O
aluno tem que fazer um retratamento, é meta dele fazer um retratamento, mas se o
paciente não quiser fazer diante das circunstâncias que a gente coloca a vontade do
paciente tem que ser respeitada. (GA2P5)
Essa busca por autonomia para tomada de decisão depende da superação do ambiente
acadêmico hierarquizado, no qual o estudante aprende a considerar mais as decisões do
professor do que fazer a crítica, questionar.
[...] os professores entenderem que eles não estão ali para dar a resposta certa, porque
os alunos vivem perguntando qual é a resposta certa e tem muitos professores de
Bioética que tem as respostas, ele tem resposta para tudo, e isso, seguramente, não
promove a competência do indivíduo pensar a questão moral para tomar uma decisão
autônoma sobre esse problema. (GA4G1)
Sem autonomia moral o indivíduo vai buscar algo que dite o que deve ser feito no
momento de dúvida. O pensamento dilemático, com base no certo e no errado e que não
consegue ampliar o olhar para as várias dimensões da saúde e do cuidado, e a falta de autonomia
moral para construir soluções coletivamente, podem limitar decisões a bases normativas como
são as legislações e os códigos deontológicos.
A construção da tomada de decisão ao longo de toda vida acadêmica deve ser pensada
para buscar a reflexão crítica e autônoma, incluindo os envolvidos na tomada de decisão e com
sensibilidade às diversas dimensões da saúde e das relações humanas. Acontece que, em grande
parte das vezes, o estudante aprende a decidir de forma heterônoma, embasado em
conhecimento técnico e especializado, em alguma pessoa - geralmente o professor, que seja
referência moral ou em bases normativas e legais. Uma decisão embasada em elementos
externos e acrítica, uma forma também de sentir-se menos responsável com os resultados da
decisão.
Isso é difícil, mas as vezes o próprio colega tá com tanta pressa que ele não quer
pensar sobre aquilo, ele quer que alguém diga o que fazer para que ele possa dizer: -
‘fiz porque ela fez’. E eu sou muito difícil pra esse colega, porque eu não sou essa
pessoa, tu vais fazer o que tu decidisses, e o que tu entendesses que deveria ser feito
dentro dessa lei. E eu digo, olha tem esse caminho, tem esse e esse [...] e a tua situação
é complicada aqui e ali [...] eu acho que deves considerar esses aspectos, dá pra
140
encaminhar, dá pra fazer? Dá sim, a vida não é assim, tem mil caminhos, mil soluções.
(GA2P4)
[...] é confortável existir um código de leis e que basta você seguir sem pensar muito,
acho que existe um certo conforto em preencher esse espaço com uma coisa
determinista assim, sem precisar entrar no conflito. (GA3E2)
[...] eles tem até uma alegoria que é o ‘homem da capa preta’, teoricamente, pelo que
eu entendo, é uma metáfora do medo da judicialização né, do processo [...] mas que
isso não acontece né, tem vários estudos sobre isso também, se existe uma criação de
um vínculo, se existe a nossa ética ao explicar o que está acontecendo ou o que vai
acontecer ou porque isso está acontecendo, porque que tá fazendo exame, como é que
o exame vai acontecer né, o que que é para acontecer num exame ginecológico por
exemplo. Isso não é falado, isso é passado como ‘ah isso vocês já sabem, né? (GA3E5)
[...] claro que você tem que praticar, tem que ter prática clínica, a chamada produção,
mas se ele não faz nenhuma porque ele não fez? Se isso não interessa, se a resposta é:
- ‘tem que fazer e ponto!’. Aí já complica. (GA2P4)
As decisões em saúde quando não pensadas a partir de uma perspectiva ética, quando
não refletidas nas relações morais envolvidas acabam dando abertura à uma ‘tecnificação das
relações’ em que pese homogeneizá-las. Esse modelo educativo dificulta autonomia e a
possibilidade de construção da personalidade moral. Se tudo é igual não há confronto; se tudo
é limitado a protocolo e obediência, não há questionamento. O questionamento, o diálogo, são
apontados como ferramentas essenciais para a ética, pois ética é questionar a prática, refleti-la
e transformá-la. Ética é divergência permitida e não reprodução acrítica de ações.
Quando as decisões em saúde estão condicionadas pelo pensamento dilemático só é
possível enxergar opções de ações limitadas às práticas clínicas, embasadas nos paradigmas
educacionais ensinados como únicos, os melhores, sob a influência da técnica única, das
especialidades e do pensamento produtivista. O pensamento dilemático dificulta a compreensão
de que as respostas em saúde não devem ser únicas, universais, necessitam da inclusão do
contexto, da diversidade moral e da compreensão ampliada do significado da saúde, de sua
dependência das relações humanas. Ampliar a reflexão para além da dimensão técnica,
vivenciar as dimensões ética e política da educação em Saúde possibilita experiencias de
autonomia moral fomentando a construção da identidade.
dessa construção, na qual o cuidado com o paciente não é um fim das práticas de ensino, mas
um meio para a reprodução de um protocolo, uma técnica, um saber especializado apreendido
como o melhor.
Educar profissionais de saúde capazes de problematizar suas decisões e ações,
incluindo os envolvidos no cuidado, com consciência dos valores e interesses presentes nas
relações sociais e humanas e sensibilidade aos problemas morais pode ser uma forma de
também melhorar a qualidade dos serviços de saúde, auxiliando uma corresponsabilização dos
mesmos. A construção do eu-profissional, portanto, deve incluir o ensino-aprendizagem ético
e a reflexão crítica possibilitando o desenvolvimento de sua autonomia moral e fomentando o
sentimento de dever e responsabilidade moral por suas decisões e atitudes. Pensar a construção
da personalidade moral a partir da identidade profissional passa por repensar o sentido da
Universidade e seu potencial de preparar cidadãos capazes de influir e transformar a realidade
sanitária do país.
Eu acho que se a Universidade estimulasse mais eu acho que tiraria isso, tanto de você
se impactar negativamente, de se assustar com o que vê [...] geraria uma empatia. [...]
eu acho que falta uma compreensão de ‘poxa, mas ela não pode trazer os filhos
juntos?’, ‘vamos tentar ver isso’, mas é tipo: ‘ah a paciente faltou porque não tem
dinheiro para passagem, que saco!’, poxa, então não sei [...] será que não tem como
conseguir uma carona, ou vamos tentar pensar em algo [...] eu acho que se a pessoa
se colocasse no lugar, sabe? (GA3E10)
[...] deveria ser parte inerente do exercício profissional [...] que é a capacidade de se
comunicar, a capacidade de compreender o outro, de empatia. O que as pessoas tem
hoje, de uma maneira geral [...] é a total objetificação dos teus pacientes [...] sobre os
quais ele deve fazer alguns procedimentos etc. e tal [...] e sem valorizar, sem
compreender a experiencia do humano, ou seja, tem que dar uma solução técnica para
o problema e eu acho que isso leva a um exercício ruim, eu não compreender que nem
144
[...] eu acho que a primeira coisa tu tens que se sensibilizar para aquilo, aquilo tem
que fazer parte da tua atuação profissional. Porque senão eu chego lá, passo uma sonda
vesical perfeitamente, o paciente não contamina, ele vai responder bem clinicamente,
mas posso mal e mal olhar para a cara da pessoa [...] é problemático, são atitudes que
tu tens que desenvolver. (GA2P1)
Este processo pode ser reforçado pela visão de ‘sucesso profissional’ fomentada no
Ensino Superior e reforçada pelo corpo acadêmico, uma visão de futuro profissional que se
constrói no imaginário do estudante. Há contradições que entram em evidência ao pensar no
perfil profissional almejado pela Universidade. Os perfis profissionais são colocados como
modelos e existe uma hegemonia de qual modelo deve sobressair-se:
[...] tem uma clareza da maioria dos professores de que o objetivo aqui é formar o
farmacêutico pesquisador, e que o farmacêutico que sai daqui para trabalhar na
farmácia, que é a realidade, é fracasso. (GA2P3).
Eu sempre brinco que aqui não deveria se chamar Centro de Ciências da Saúde,
deveria se chamar centro de ciências de doença, porque aqui ninguém ensina saúde,
você ensina a doença na verdade, não é nem prevenção [...] tu não ensina nada de
humanidades, tu não ensina como tratar com as pessoas e tu dá um caminhão de
doenças para as pessoas decorarem, tu entendes, essa é a tônica. (GA2P10)
Uma educação que almeja a autonomia do indivíduo a ser cuidado, acaba também
conduzindo a relações com a equipe profissional, com a família e comunidade. A
transversalidade da humanização que deve operar nos coletivos, com fluxos materiais e
imateriais da rede de assistência à saúde também se fortalece ao ser pensada nos processos
pedagógicos e cotidianos da Universidade.
Como que você discute que você é profissional da saúde, formado, cheio de
conhecimentos e tal [...] tem que ouvir o que o teu paciente semianalfabeto espera,
expectativa dele, e que a opinião dele também é importante para definir o processo de
145
atenção à saúde dele. Não adianta você dizer isso para o seu aluno se o seu aluno tem
como base de valor de que ele vale mais do que o outro. A maioria das coisas são
muito difíceis de trabalhar. (GA2P3)
[...] porque se tu for olhar o nosso curso, nós temos disciplina que é desenvolvida
numa sala, que eles sentam no chão, ela é toda colorida, e lá eles colocam os
problemas deles, os professores dão subsídios e dão apoio os problemas deles que eles
vivenciam no dia a dia, que eles enfrentam na formação. Nós temos disciplina de
saúde, sociedade e violência, sexualidade, a gente tem várias disciplinas que elas [...]
por isso que a maioria dos professores tem essa visão humanizada essa visão da
importância da subjetividade. (GA2P1)
[...] é o tipo de professor que diz que: - ‘se o aluno está com problema não pode fazer
nada, porque isso aqui não é clínica, não é terapêutica [...] aqui eu preciso de pessoas
que estejam bem, se não tiver bem não venha’! Eu ouvi tudo isso, eu presenciei
atitudes impensáveis, mas elas foram tão pontuais e quando eu fui conversar, essa
pessoa tinha filho com problema [...] ela estava num processo assim ‘com o meu filho
eu tenho que me virar, então o aluno que se vire’ [...] mas assim, é o que eu consigo
ver. (GA2P4)
Você percebe que talvez essa relação social seja mais evidente dentro de algumas
especialidades técnicas, deixando algumas especialidades mais conservadoras que
outras [...] eu acho que entra extrato econômico e entra esse fazer, o que a pessoa faz,
o quanto ela lida com esses elementos do ser humano vai interferir moralmente [...]
o estudante, a estudante está se desenvolvendo moralmente independente do
professor. (GA2P2)
146
De uma maneira geral há uma negligência no aspecto da formação mais [...] mais
humana do indivíduo. [...] já vi professor falando maravilhado que na recepção dos
pacientes de determinado hospital, que, agora, se tem tudo automatizado, ‘livre do
viés humano’! Eu acho que ‘é fria’. (GA4G1)
Por exemplo, eu posso estar falando em desigualdade social o quanto for, que é
diferente deles fazerem aquela atividade que eu peço na primeira fase deles irem
entrevistar pessoas de margens sociais, e aí eu acho que é chave: o contato com o
humano é algo que humaniza. (GA2P2)
Então eu sinto falta, mas com essas disciplinas da Saúde Coletiva eu sinto que existe
esse olhar mais sobre a comunidade, sobre o olhar sobre o outro, o cuidado, a empatia
e os projetos de extensão, mas tem que partir de ti assim, de se envolver nisso para
que você tenha essa olhar. (GA3E8)
A dimensão ética da educação superior em Saúde passa então pela aprendizagem que se
tem a partir da dimensão social da Educação e que ganha fundamentação e vivência nas
Ciências da Saúde Coletiva. Quando o corpo acadêmico reflete sobre sua construção moral e
ética os constructos da Saúde Coletiva são visualizados como capazes de articular a relação
entre saúde, comunidade e a dimensão moral da sociedade.
[...] um professor da Saúde Coletiva, a gente já tem essa valoração porque a gente foi
formado assim, a gente estuda demais para entender o indivíduo muito além da boca,
da carie dentaria, é saber porque ele chegou ali, entender o que determinou a vida
dele, o que ele dá de valoração, é um outro olhar. (GA2P13)
[...] não tem como, se você não tem valor, se você não sabe compreender as relações
em sociedade e você não entender o que é isso, acho muito complicado você ser um
bom profissional, você vai ser técnico. (GA2P13)
É que a gente tem que perceber que o capitalismo não é o modo de produção mais
ético que a gente conhece né, para essa produção desenfreada, para essa lógica de
lucros, de ter que ganhar a qualquer custo, ser o melhor [...] toda essa lógica que deriva
né, dessa condição [...] na verdade tu produz uma sociedade com, o que eu chamo de,
flexibilidade ética [...] funciona para mim, mas não funciona para ti, e tu gera uma
lógica totalmente capenga para ti justificar quando tem coisas injustificáveis.
(GA2P7)
A exigência do mercado mudou, e hoje a gente não precisa, não quer só, o indivíduo
puramente técnico até no mercado né [...] porque a inovação, as mudanças são tão
grandes, que você precisa ter alguém que saiba pensar.... porque passar por dentro da
Universidade e não aprender a pensar é um caos, mas isso acontece. Então você
precisa aprender a ser crítico, reflexivo e ético para se deparar com essas situações de
inovação, de mudanças que são acontecimentos constantes na nossa sociedade.
(GA2P6)
[...] eles têm muito financiamento da indústria farmacêutica local, eles formam para
um perfil de farmacêutico industrial e pesquisador. Falar que o farmacêutico vai
trabalhar no SUS – um pouco de farmácia hospitalar eles ainda respeitam, mas assim,
no SUS, atenção básica ou trabalhar em farmácia comercial [...] eles não formam para
isso. (GA2P3)
Hoje a gente tem uma quantidade grande de bons alunos que vão fazer medicina da
família, o perfil está mudando [...] antigamente quem ia fazer essa área de saúde
pública, ou era ideologicamente comprometido – pessoas de ‘esquerda’ ou eram os
alunos que não tinham passado na residência [...] a medicina tinha, então, um
preconceito com quem trabalhava na prefeitura, tipo assim, era o pior emprego de
todos... e era um preconceito dos dois lados: porque ou era o pessoal da esquerda ou
era o pessoal que não estudava [...] tu entendes? (GA2P10)
[...] ele falou assim: - ‘Não, professor, eu vou discordar do senhor. Eu tenho que
ensinar para eles o que existe de melhor, qual é a ponta do conhecimento, isso que eu
estou ensinando-os a prescrever. Se vai estar disponível no SUS, se eles vão poder
comprar, se eles vão roubar para conseguir, isso não é problema meu. O meu problema
é prescrever o que existe de mais avançado’. E aí, mais uma vez, eu falo que essa é
uma triste compreensão da atuação como médico, e pior, passa para os seus alunos.
Porque o ato profissional se esgota simplesmente no prescrever alguma coisa.
(GA4G1)
Por outro lado, a gente tem que pensar também, que a construção desses modelos, no
âmbito da saúde, ela se dá em outras esferas, não só o mercado. O mercado dita,
porém, as corporações também têm suas regras, e as corporações nessa
retroalimentação com o mercado é que acaba definindo os modelos. Mesmo com toda
a intervenção do Estado, digamos, sobre as profissões, ainda assim a gente não
consegue, por exemplo, ter hoje um modelo de formação profissional para o SUS,
primeiro porque a gente ainda está num modelo não só biomédico, mas é um modelo
médico-centrado, ainda a profissão médica com as suas especificidades dá as normas
de como se estrutura todo o sistema de saúde, mesmo no SUS. (GA2P9)
[...] acha que vai deixar de comprar comida para comprar uma escova de dente! Isso
é a realidade hoje em dia, mas não é, na realidade deles, algo que seja possível. É
muito fora do nosso alcance. Então eu acho que se tivesse mais inclusão nossa, nesses
aspectos, de choque de realidade, de chegar e tu ver que tem esgoto a céu aberto, de
gente que tem buracos de bala nas janelas, eu acho que isso dá aquele choque, sabe?
De ver o que acontece fora daqui. (GA2P9)
deu uma dimensão a mais para o paciente, que é a dimensão social dele. (GA2P12)
Porque eu acho que ainda se consegue fazer aqui uma conscientização social pelo
menos, não de todo mundo, obvio que não [...] mas existe enquanto estudante pelo
menos, um compromisso social...[...] tu parte do princípio que essa é uma sociedade
injusta, onde tem gente que morre de fome [...] e isso deveria ser inconcebível, como
é que tu aceita? Eu estou numa área que a minha profissão é salvar a vida dos outros,
mas eu aceito que as pessoas passem fome, então é uma contradição, deveria ter uma
consciência social. (GA2P10)
[...] acho que faltam professores que tenham essa consciência de que a gente é
responsável por esse serviço e por atender pessoas que não têm e não vão ter esse
acesso, e mesmo que a gente não atenda exclusivamente essas pessoas, mas que a
gente vá ter um dia [...] e de responsabilidade social, porque é isso, falta essa
integração. (GA3E5)
Quando a gente pensa, tudo está acontecendo e a educação ética está acontecendo, a
formação... então, até que ponto ela é crítica, tá sendo embasada, fundamentada,
discutida como um desejo coletivo, com alguns princípios né, uma formação para
cidadania, para a civilidade? Não, mas porque eu acho que retrata a sociedade.
(GA2P8)
Quando você dá a dimensão social para o paciente você também tá dando uma
perspectiva epistemológica de concepção de saúde-doença modificada. Então muda
tudo: concepção de doença, de homem e de sociedade e de mundo, então muda isso
tudo no estudante. Porque muda minha concepção de saúde-doença quando eu
começo a mudar a minha concepção de mundo. (GA2P12)
[...] eles se abstêm, se dão ao luxo de se abster das questões sociais. Acham que a
filosofia, a antropologia, a sociologia não são da nossa alçada. A gente tem que tratar
de órgãos e é isso... o que, para mim, é a resposta para a nossa falha enquanto
profissionais de saúde com tudo: com indicadores, crescimento exponencial de
doenças crônicas, enfim [...] acho que é isso. É não fazer essa associação com o estilo
de vida ou como escolhemos nos organizar em sociedade e o que isso impacta na
saúde. Quais são os determinantes para a saúde da pessoa que a gente está atendendo.
Não existe essa noção. (GA3E5)
Eu acho que a noção de cidadania, de direitos – que todo mundo têm direitos, a
equidade... acho muito difícil trabalhar a equidade, por exemplo, na sociedade atual
[...] porque contradiz a meritocracia que tá muito forte [...] e esses valores são
basilares assim, se você acredita que tudo é meritocracia na vida, como você discute
direito à saúde? (GA2P3)
A nossa escola é o SUS né, a gente aprende como é o serviço de saúde com o SUS
[...] claro, não é que ele não possa ter um consultório particular, ele pode ter, tem
direito de ter, mas não existe essa preocupação de se perceber parte da formação desse
sistema público e da convivência. (GA3E5)
Que nem agora assim, será que agora vamos perder a Universidade pública? Com
tudo tão pronto [...] a gente vê colegas defendendo a privatização da gestão! Quem
que vai defender essa Universidade Pública? Mas de repente começa uma
movimentação aqui e ali e a gente resiste! Eu não sei te dizer como que faz o
desenvolvimento moral, mas eu acredito na mudança da sociedade. (GA2P4)
[...] a resistência é muito importante, faz parte do nosso mandato porque nós somos
funcionários públicos, não é do governo, nós somos funcionários do Estado e na
Medicina e na Odonto, principalmente, ela tá ligada umbilicalmente ao Sistema de
Saúde que também está sendo destruído. Então tudo isso daí é parte, acho que é
obrigação e claro que nós vamos de forma resiliente e com resistência manter dessa
maneira. (GA4G2)
153
Porque eu sinto que a Universidade ainda é muito departamentalizada [...] se você vai
para qualquer hospital, para qualquer UBS, você vai atender qualquer pessoa, você
vai ter um milhão de profissões diferentes e todas elas tentando prestar um serviço
parecido, ou semelhante, e você não sabe como conversar com os outros profissionais,
não sabe o que eles aprenderam [...] eu acho que é a coisa que talvez mais falte em
qualquer Universidade, é essa interdisciplinaridade. (GA3E6)
Então continuamos ainda formando pessoas que só enxergam aquilo que entendem
como seu núcleo de trabalho e a gente esquece que a saúde é um grande campo de
conhecimentos, de práticas e que esse trânsito deveria ser muito mais fluido entre as
profissões e isso me parece que a ferramenta da educação interprofissional poderia
ajudar. (GA2P9)
Olha, pensando no Centro de Ciências da Saúde eu acho que assim [...] uma disciplina
interdisciplinar sobre ética, saúde e cidadania. Teria que ter, obrigatoriamente, uma
turma com os cinco cursos e tendo a mesma aula todos eles juntos, não precisaria ser
uma turma grande, mas teria que ter os cinco cursos pra discutir justamente isso sabe?
Qual é o papel do Agente de Saúde na sociedade, o que a sociedade espera da gente,
ou o que a gente pode realmente, o que não pode fazer, as questões éticas e morais
que implicam nisso, discutir também o SUS e como ele se arranja. (GA2P9)
A ética e os valores envolvidos nas relações e nas tomadas de decisão compõem uma
das competências colaborativas essenciais almejadas pela educação interprofissional,
juntamente com as demais: papéis e responsabilidades; comunicação interprofissional; e
155
A humanização evidenciada como uma forma de educação moral dos indivíduos pode
auxiliar nos modos de ser e fazer em grupo estimulando atitudes que corroborem para
transformações institucionais, políticas, sociais e morais, e que, para tanto, não pode estar
alijada da reflexão ética intencional do corpo acadêmico. Pensar o cuidado humanizado não
pode prescindir da humanização também das relações pedagógicas e cotidianas na
Universidade, pois a academia tem o potencial de preparar o trabalhador da saúde para operar
nos coletivos e nos fluxos da rede de assistência em saúde, criando e transformando-a.
Os significados da profissão e as possibilidades de incorporar o papel de agente
transformador dependem das concepções de saúde trabalhadas no percurso acadêmico. As
separações entre pessoas e meio, doente e doença, técnicas e valores, ciências e política têm
levado à dessensibilização do eu-trabalhador da saúde limitando sua capacidade de considerar
as dimensões ética, estética e política na promoção da saúde.
A vivência e consciência da dimensão ética da educação superior em Saúde auxilia o
fomento de um profissional-cidadão, na qual a compreensão da saúde como um direito e a
responsabilização social ganham força nos tensionamentos com a finalidade da educação
voltada para o mercado profissional. O SUS e os paradigmas da Saúde Coletiva que
156
[...] tu falar de humanidades para as pessoas que tem uma atitude mais humanística
não é difícil, mas a maioria não tem essa atitude entende? Passa a ser muito difícil
você trabalhar, a menos que fosse uma filosofia do curso, um curso voltado a formar
pessoas. (GA2P10)
A representação social sobre o êxito pessoal alcançado por meio da Educação Superior,
influi na forma de compreendê-la: “a ética não parece ser um valor muito considerado para o
sucesso de uma pessoa” (GA2P7). Os estudantes reconhecem sua relação com a Universidade
a partir de uma representação social, construída antes de tornarem-se acadêmicos, uma imagem
da Universidade que reflete uma promessa de profissionalização.
[...] eu não sei se a Universidade deve ser responsabilizada por esse percurso enquanto
ser humano, enquanto indivíduo, separado da formação. Porque a gente entra na
Universidade para formação profissional, eu não sei se o aluno tem essa visão de que
aqui ele vai se transformar também enquanto indivíduo. (GA2P13)
[...] porque o aluno não presta o vestibular, e a sociedade não quer, ou pelo menos não
mostra, que ele quer esse tipo de pessoa sendo formada... ela quer um bom técnico. E
o aluno vai pra Universidade pra ter emprego, pra ter sucesso, pra ter dinheiro, ele
nem pensa que ele vai ver algo do ser humano. (GA2P2)
[...] eu conheço estudantes que tem ainda esse perfil e não são eles participando dos
espaços e definindo a Universidade. Eu acho que esse tipo de ensino técnico te
158
distancia um pouco mais da Universidade, faz ver ela apenas como uma ferramenta,
como algo a ser utilizado e não como uma parte de você. Porque os estudantes que eu
encontrei nos espaços participativos, a grande maioria deles, são estudantes que eu sei
que se envolvem em projetos de extensão, ou que participaram, que tão dentro de uma
pesquisa interessante, são pessoas que foram cativadas e sensibilizadas, as vezes, a
sentirem a Universidade como parte do desenvolvimento cívico, de cidadãos deles e
entender também a importância da Universidade dentro da sociedade. (GA3E6)
Neste sentido, aponta-se um avanço das DCN e PPP quando os mesmos saem de um
currículo mínimo para buscar uma educação ampliada, que pense não somente a dimensão do
conhecimento especializado, ou da qualidade técnica aplicada à cada área, mas também a
construção de um indivíduo com competências gerais, que se construa enquanto ser humano,
que trabalhe sua dimensão ética, política, cultural e social.
É justamente esse pensamento mais amplo sobre a formação, porque daí surgiram
competências gerais, competências especificas [...] na época (de construção das
diretrizes curriculares) o pessoal viu que precisava e lutou por diretrizes mais
amplas... então formar um cidadão crítico-reflexivo, capaz de desenvolver promoção-
prevenção e tal, e com ética, e essa responsabilidade social que é o que tá lá nas
diretrizes, então esse é um avanço. (GA2P4)
Buscar uma educação que desenvolva o ser humano em todas as suas dimensões e influir
nos rumos da sociedade são objetivos do papel da Universidade que ainda não estão
completamente assumidos pela comunidade acadêmica.
159
Buscar, por meio da Universidade, a construção não somente profissional, mas também
ética, exige a compreensão do papel político da missão universitária. Fomentar a cidadania é
contribuir no desenvolvimento de pessoas que reflitam criticamente e assumam seu papel de
agentes de transformação social. As forças e interesses dos campos tecnicista e especializado a
serviço do mercado parece estar alijando a construção cidadã, ética e, portanto, com ensejos
também políticos da educação universitária.
As DCN e PPP refletem as contradições existentes na educação superior em Saúde,
mostrando avanços com colocações contraditórias. Há uma mistura de percepção de educação
construtivista com a formação de profissionais para o mercado, retratando as disputas de
concepções, interesses e paradigmas. Essas dificuldades de consenso na realidade e nos
próprios documentos analisados são produzidas e também são resultados da falta de uma
compreensão pactuada sobre o papel da Universidade: “eu até hoje não sei se nós formamos
para o mercado ou o mercado é que exige a nossa formação, eu não tenho essa clareza”
(GA2P11).
As disputas sobre o papel da Universidade, e dentro dela, da Educação Superior em
Saúde perpassam os três pilares do ensino superior. O eixo da educação ainda repercute o
histórico tecnicista da profissão, focado na doença e nos interesses de mercado; o eixo da
pesquisa tem um viés ainda forte da pesquisa positivista; e o eixo da extensão acaba sendo o
menos valorizado, onde as relações e transformações da sociedade tem espaço reduzido nas
ações do corpo acadêmico.
Uma outra concorrência também, foi a própria pós-graduação, que pra gente poder
estar entre os tops da produção cientifica internacional houve uma política muito forte
para que o professor fizesse esse percurso, e isso também tirou algumas pessoas da
cena reflexiva na questão pedagógica docente. (GA2P4)
dimensão ética do ensino superior traz dificuldades que vão desde a implementação de
disciplinas relacionadas à Ética até as discussões filosóficas sobre educação superior.
Quando se pensa uma educação universitária que não se limite pela formação técnica,
foca-se a atenção às atitudes dos estudantes, embora essa preocupação não seja trazida ao se
pensar o corpo docente e gestores. Apesar da universidade fazer a mediação entre o estudante
e o diploma no final, ela tem a obrigação de trazer um mínimo de modelagem, de referência
sobre a conduta de todo o corpo acadêmico, que não é só com atitudes do âmbito profissional,
mas cidadão também.
Eu não vejo só uma potência, eu acho que é uma responsabilidade. Por ela ter essa
potência, ela deveria ser muito responsável em fazer isso. Não podia ser feito isso de
qualquer jeito, sem reflexão, sem articulação dessas diferentes experiencias. (GA2P8)
Eu acho fundamental. Por que qual é o outro caminho? [...] se eu não tiver ideais, se
eu não tiver um horizonte para me mobilizar, principalmente para fazer a função
questionadora – que eu acho que exercer a função questionadora talvez seja o mais
importante destes ideais, seja um ideal médico, seja moral, eu naturalizo e sou só
pragmático: ‘ah então vamos ser só técnico”. (GA2P2)
A dificuldade de visualizar que a Universidade tem um papel ético e que cada membro
deve reconhecer suas implicações e deveres perante este compromisso torna este trabalho ainda
inicial e descontínuo: “Se a pessoa não está afim de sair da sua zona de conforto, qual é o meu
direito de querer que ela saia? É muito delicado.” (GA2P2). A construção da faceta identitária
161
Eu não consegui ainda ver boas experiências no sentido de equilibrar essas duas coisas
entendeu? Eu não digo nem em termos de carga horária, mas que muitas vezes me
parece que a formação técnica não fala com a formação cidadã, mas a formação cidadã
também nega a técnica. (GA2P2)
Eu acho que de uma maneira geral as Universidades estão cada vez mais preocupadas
em habilitar ou capacitar os indivíduos do ponto de vista técnico, dar uma formação
técnica para eles. De uma maneira geral há uma negligencia no aspecto da formação
mais humana do indivíduo. (GA4G1)
[...] na formação profissional porque mesmo que tenhamos, e ai a gente pode trazer a
ética para esse âmbito, a gente tem uma normativa, mas nós não mudamos valores,
então ficou no papel, é uma norma que não conseguimos seguir porque não mudamos,
nós pessoas, não mudamos os valores, permanecemos com os valores antigos e
alimentando, de uma certa forma, o modelo hegemônico. (GA2P9)
A Universidade vai ter que repensar o perfil do professor, e aquela história de fazer
concurso para trazer um cara que entende muito, que tem muito currículo, não é isso...
qual a afinidade que ele tem com o ensino aprendizagem, qual a disponibilidade que
ele tem de abertura, de vamos aprender juntos? [...] o acesso à informação está a dois
cliques, agora o acesso a valores [...] se tem uma coisa que o facebook não ensina é
valor [...] pelo contrário, eu estou bastante chocado como que eu tenho visto. Esse
país aqui está indo para uma situação que não é de valor. (GA2P12)
O papel da Universidade passa, então, por educar cidadãos que tenham também uma
qualificação profissional para garantir a sustentação e condução da sociedade. A construção do
eu-cidadão comporta então a reflexividade, a conduta eticamente responsável. Estes espaços de
construção cidadã apresentam-se permitidos (embora não estimulados), principalmente no
currículo oculto. A busca por trazer a missão da Universidade para todos os seus espaços passa
pela conscientização de seus membros e também por políticas institucionais, políticas que não
sejam somente de controle, mas que possam também avaliar o desempenho da Universidade
em todos os âmbitos do seu papel.
A missão e os valores que são dados, no sentido amplo da palavra, eles são exercidos
nas pontas, como quase tudo na vida né? O Ministério da Saúde não atua em nada,
quem atua é o município e é semelhante ao que acontece na Universidade, então essa
história do controle, como é que essa missão chega na ponta? (GA4G2)
A comunidade acadêmica enxerga que o papel da Universidade tem relação com o perfil
do egresso desejado, com o perfil de professor/pesquisador que é estimulado, com as
normativas empregadas. É como se o papel da Universidade estivesse sendo definida por esses
164
micros papéis, mas eles somados como peças desarticuladas não contemplam a missão da
Universidade, de um pertencimento a uma comunidade de buscadores de conhecimento que
podem (em conjunto) produzir novos rumos para a sociedade.
Identificar quais percepções o corpo acadêmico tem sobre a missão da Universidade
auxilia a compreender como essa comunidade desenvolve suas relações dentro da instituição.
As formas de pertencer a Universidade e suas interlocuções com responsabilidade ética da
educação superior em Saúde, serão tratadas na categoria a seguir.
[...] eu penso que talvez a pessoa tenha percebido a Universidade como uma
ferramenta para adquirir conhecimento técnico para exercer uma profissão quando na
verdade a Universidade, é em parte isso, uma pequena parte dela é isso, mas ela é
muito mais uma ferramenta de desenvolvimento para a sociedade na qual ela se
encontra. (GA3E6)
De acordo com as DCN e PPP nos cursos da Saúde o eixo didático-pedagógico foi
reformulado para ser sociologicamente orientado, já que o cuidado em saúde deve ser pautado
no indivíduo, na família e na comunidade e em consonância com a realidade epidemiológica,
socioeconômica, cultural e profissional. O desenvolvimento científico e social produzido na
Universidade, deve estar fundamentado na ‘compreensão da realidade social brasileira, cultural
e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício
da sociedade’ (GA1D1), onde “a formação generalista é aquela que está atenta às
transformações da sociedade e da produção do conhecimento” (GA1D3). Apesar de haver uma
165
[...] acho que não é só uma dimensão, acho que tem que ter mais dimensões em um
professor quando ele se propõe a trabalhar a formação com profissionais que vão atuar
na sociedade. Acho que a gente tem um compromisso com a sociedade, acho que isso
é importante. (GA2P1)
[...] quando a gente fala de cultura e extensão eu acho importante porque essa
dimensão tem uma abrangência e uma compreensão que vai muito além do que a
gente, às vezes, na saúde contabiliza ou enxerga como cultura e extensão. Porque a
gente fala muito em cursos e prestação de serviços da saúde como atividades de
cultura e extensão. Cultura e extensão é a face da Universidade voltada para a
sociedade, tudo aquilo que tem relevância social e que é contribuição da Universidade
– que transforma esse conhecimento em um conhecimento que gera impacto social, é
a face da cultura e extensão e isso também que articula ela com as outras dimensões
que é a da pesquisa e do ensino. (GA3G4)
Essa relação restrita a retribuição financeira pode não ser capaz de sustentar atitudes
cotidianas, eticamente justificadas. Para que o compromisso com a sociedade possa ser
incorporado como um dos sentidos da educação superior em Saúde, é preciso atuar também no
ensino-aprendizagem ético do corpo acadêmico, auxiliando a refletir sobre que racionalidade
se atribui aos projetos, aos conteúdos, às ações que serão aplicadas. Isso para que, por exemplo,
as ações de Extensão Acadêmica auxiliem o estudante e a comunidade a compreender a relação
da Universidade com a sociedade, no sentido de ampliar as possibilidade de construção de si e
de concepção do mundo: “É muito nítido... assim, a pessoa que participa de um projeto de
extensão, que gosta dele, ela nunca mais vai ser a mesma pessoa, nunca mais!” (GA3E6).
A extensão universitária deve estar articulada com o ensino profissional, a produção do
conhecimento científico, para que a Universidade trabalhe suas influências na comunidade em
função do que seja socialmente melhor para todos. A necessidade de maior reflexão ética sobre
a concepção da missão da Universidade - restrita ao atendimento das demandas da sociedade,
especialmente às demandas de mercado, é central para que a inserção social da Universidade
seja também de construções identitárias e de transformações eticamente orientadas.
A relação da Universidade com a sociedade não deve se restringir a um meio para atingir
a construção do estudante, mas um compromisso assumido de todo o corpo acadêmico na
construção de atitudes que evidenciem ações socialmente responsáveis.
[...] particularmente, acho que a Universidade não tá muito preocupada com isso. Não
só a Universidade assim, eu acho que a sensação geral das pessoas não é de se
perceberem enquanto agente políticos, sociais, cidadãos responsáveis pelo espaço
comum ou pela convivência, o que implica, naturalmente, que a gente seja muito
antiético, em geral. (GA3E5)
167
Eu acho que sim, porque a vida real não é só técnica. Então eu não vejo porque o
nosso ensino aqui dentro deva ser só técnico e eu acho que a cultura, a arte, a política
como um todo está tudo interligado na vida real, e aqui dentro parece que está tudo
descolado, a gente vive dentro de uma bolha onde a gente só pensa em chegar lá e
conseguir o diploma, e parece que não existe um momento de discutir, de colocar
ideias e de criticar a maneira como as coisas estão colocadas. A gente vive numa bolha
aqui dentro, a gente aprende super cirurgias plásticas e sei lá o que e daí chega lá
fora... a gente teve mais aula de cirurgia de cabeça e pescoço que é uma parada super
rara do que de depressão. (GA3E2)
[...] sempre tem aquelas pessoas que falam: - ‘ah, tu tais te envolvendo muito nesse
âmbito social’ ou - ‘cuidado que você tem que se formar’, ‘não pode pensar nisso’,
como se isso não fizesse parte da formação e não vai te acrescentar em nada. Mas eu
acho que não é uma competição entre os dois, mas as pessoas de fora enxergam assim
[...] tipo a minha mãe é assim, enxerga que a formação é técnica. (GA3E7)
A Universidade tem sido atacada e ultimamente [...] são os militares né, são os
conservadores e os religiosos que estão ali [...] a Universidade é demonificada como
um lugar que subverte esses meninos e meninas [...] e aí eu fico pensando: alunos que
são extremamente conservadores, não são conservadores per si, são conservadores por
causa da estrutura social que nos circunda, a estrutura familiar, histórico de vida,
trajetória né? E a Universidade... quando você olha, você fala: - ‘cara, mas a gente faz
tão pouco!’, mas esse pouco é promovido aí né, e é promovido porque existem essas
discussões. (GA2P2)
[...] os projetos de extensão e de pesquisa estão tendo uma visibilidade muito maior
dentro da Universidade, tá tendo um esforço muito grande de você mostrar a
importância e mostrar a necessidade da extensão e da pesquisa, e isso tá atingindo não
só a população fora da Universidade mas a população dentro da Universidade
também, que as vezes se mantinha alheia a isso justamente por estar tão focada dentro
da sua própria formação [...] formação no sentido de ‘eu quero o meu diploma’.
(GA3E1)
Pessoas que são dos movimentos sociais e que estão fazendo serviço social e falam
assim: ‘essa burguesada que me dá aula, mesmo marxista, continua sendo um bando
169
Trazer sentido e significado dessas relações da Universidade com a sociedade faz parte
da dimensão ética da educação superior, passando por compreender em qual contexto social e
moral a Universidade se encontra em cada momento. Por mais que as DCN e PPP prezem uma
determinada responsabilidade social, as atitudes ‘na ponta’ dependem dessa moralidade,
atitudes que influenciam as tomadas de decisão e que constroem identidade.
[...] quando a gente pensa, tudo está acontecendo e a educação ética está acontecendo,
a formação... até que ponto ela é crítica, tá sendo embasada, fundamentada, discutida
como um desejo coletivo, como alguns princípios né, uma formação para cidadania,
para a civilidade... não, mas porque eu acho que retrata a sociedade. Nós estamos em
uma sociedade que as cisões parecem assim, tudo passa a ser [...] como eu vou te
dizer, até coisas básicas que a gente achava que as pessoas não iam duvidar, de
respeito pelo outro, de respeito à diferença, até isso passa a ser aceitável [...] eu recuar,
retroceder, posso falar tudo, não importa [...] quer dizer, até a regra mínima de
educação e civilidade é posta em cheque, eu acho que é claro que nessa sociedade,
não poderia ficar de fora a Universidade. Isso também está acontecendo dentro da
Universidade. (GA2P8)
Como é que você usa o processo político, educacional e de saúde para reequilibrar as
forças na sociedade para corrigir as inequidades que estão presentes e que são injustas
[...] e como é que você busca a justiça social em tudo isso que a gente está construindo
e fazendo. (GA3G4)
Porque eu acho isso assim, a gente acaba colocando essa missão para os políticos, por
exemplo, ou para os administradores públicos em geral, sejam institucionais ou a nível
de Estado assim. Eu acho que essa percepção nossa falta muito, e isso só acontece se
a gente falar sobre isso né, se isso é trazido o tempo inteiro, se a gente é lembrado o
tempo inteiro de que a gente é parte responsável também disso tudo. (GA2P10)
170
[...] quem tem que buscar é a gente, a gente que tem consciência, inclusive eu acho
que isso é um compromisso ético, isso para mim é um compromisso ético. Se eu sei,
se eu tenho consciência que a pessoa não tem acesso, ela não tem como reivindicar
esse acesso, tá numa situação de vulnerabilidade[...] a gente é obrigado a lutar por
isso, a gente é obrigado eticamente a lutar por isso, e as pessoas não se vem nesse
lugar, quem que ele acha que vai dar, por exemplo, a rede de saúde mental? O governo
em algum momento vai dar de presente pra gente? (GA3E5)
Uma educação que assuma o desenvolvimento humano, fomentando também sua faceta
identitária de eu-cidadão, se faz necessário para uma Universidade que se proponha a pensar os
rumos da sociedade. Para tanto, importa fortalecer o estímulo à capacidade crítica no cotidiano
do corpo acadêmico, onde se reflitam o contexto social, político e cultural do país (e do mundo).
A criticidade associada a reflexão ética possibilita a conscientização sobre os valores e
deveres que fomentam as decisões e práticas da Saúde e da Educação tornando possível
incorporar a construção de cidadania na educação superior em Saúde. É a aprendizagem ética
171
que torna viável incorporar a responsabilidade social como compromisso do corpo acadêmico,
ampliando o papel de construção e transformação social a ser assumido pela Universidade.
A ausência de reflexão crítica e coletiva sobre a missão da Universidade tem levado a
concepções individuais e individualistas do percurso acadêmico, geralmente atreladas a uma
finalidade reduzida ao possível sucesso financeiro do título profissional.
Os tensionamentos entre os campos de conhecimento, especializado e generalista,
profissional e cidadão, mantém a Universidade dinâmica, respondendo a sociedade e também
orientando-a. A ausência de reflexão ética sobre estes tensionamentos e o resultante
desequilíbrio entre os mesmos tem alijado a construção do eu-cidadão nos cursos da Saúde.
A missão da Universidade, incorporada em toda sua amplitude, objetivando a educação
de cidadãos e profissionais com compromisso ético, estimula a participação cidadã do corpo
acadêmico, fomentado pela vivência de mundo e construção de si. Sentir-se parte de uma
comunidade acadêmica, capazes de assumir sua responsabilidade social, constrói afetos que
movem politicamente, produzindo cada um, e em conjunto, novos rumos para a sociedade e
para a própria Universidade.
As DCN e PPP dos cursos analisados não definem os conceitos de ética e bioética,
apenas citam a necessidade de estarem presentes nas atividades desenvolvidas pelos cursos. Os
entrevistados trazem distintas visualizações do que compreendem pelo termo “ética”,
interpretações embasadas em distintos aspectos teóricos e práticos associados ao conceito. As
correlações principais atribuídas ao ensino-aprendizagem ético na Educação Superior em Saúde
172
Eu acho que é complicado fechar num termo e eu acho que existe um ‘politicamente
correto’ no uso do termo ético. Não que eu ache que todo mundo faça isso, mas
geralmente eu vejo uma mobilização muito religiosa do termo. Eu acho que se tornou
uma palavra complicada de usar porque parece que quando você usa você está
atrelando o teu discurso à alguns setores muito conservadores às vezes. Eu acho que
a ideia da ética, como ela tem sido utilizada tá muito atrelado a ideia de bons costumes.
(GA2P2)
[...] você tem que ter condutas éticas né, para colocar uma disciplina [...] com regras
iniciais que você tem que cumprir, tem compromissos assumidos né, tacitamente ou
de até mais formalmente [...] mas você tem certas logicas de relacionamento, de
responsabilização dos alunos com relação à resultados etc. [...] Por exemplo, se você
pede um determinado trabalho e o aluno copia o trabalho descaradamente, sem definir
autoria etc., você é obrigado a ter uma posição de identificar, de punir o aluno entre
aspas, pelo menos desvalorizar aquela atitude e se obrigar a uma conversa com o aluno
sobre o que significa isso né? (GA2P7)
[...] a decisão deles foi forçá-los a assistir uma palestra de uma hora sobre ética [...] é
brincadeira, né?! Sim, isso chama atenção para a pouca compreensão que se tem de
ética e a gente não consegue trabalhar uma educação moral efetiva [...] sobram as
soluções purpurinas. (GA4G1)
Eu acho assim, que no discurso a maioria esmagadora dos colegas e das colegas vai
falar que é importante e se você provoca a pergunta o raciocínio vem carregado de
uma moralidade que faz com que essas pessoas respondam que é importante. (GA2P2)
[...] então eu acho que existem universos éticos, que cada um é individual, mas a gente
conflui para uma mesma [...] digamos assim, a gente não é solto né [...] então todo
mundo conflui para uma mesma corda ética em que os fiapos são as individualidades,
acho que eu entendo mais ou menos assim. (GA3E1)
[...] é a coisa mais difícil de tu transmitir [...] mesmo porque a gente trabalha pouco,
conhece pouco [...] vamos dizer que tu és só a segunda pessoa que conversa comigo
[...] uma vez só os alunos me chamaram para conversar uma coisa parecida [...] mas
a gente não conversa, a gente não fala esses assuntos [...] então é bem isso, contigo eu
estou fazendo um livre exercício de botar as coisas para fora, mas não é de uma
maneira organizada, sistematizada porque a gente nunca fala sobre isso. (GA2P10)
compreensão mas se negam a incorporar essa dimensão na formação [...] também por
um posicionamento político, né? (GA3G4)
A separação das ciências humanas dos demais campos científicos e sua desvalorização
em função do paradigma científico vigente fragilizam as possibilidades de que a educação
moral nos cursos da saúde seja discutida e assumida como responsabilidade institucional: “Eu
acho que pela tradição cientifica da área [...] e discutir ética nunca foi considerado ciência, não
é?” (GA2P14). Se compreende muito de Biologia e quase nada de ética, sendo que as duas são
dimensões essenciais ao cuidado, onde os estudantes se surpreendem ao compreender a ética
na sua prática clínica e o quanto isso impacta no cuidado em saúde.
Sendo assim, consolidam-se dificuldades em se trabalhar as questões morais presentes
no trabalho em saúde e do próprio cotidiano educacional. O discurso sobre a necessidade de
“dialogar sem julgar” (GA3E4, GA3E10, GA2P10, GA2P14) evidencia a dificuldade de
compreender a própria moralidade, pormenorizando o diálogo sobre pensamentos e ideias que
deveriam ser discutidas e melhor compreendidas. O silenciamento pelo ‘não-compreendido’ –
que se apresenta como uma vivência comum da Educação Superior em Saúde atrapalhando o
processo de aprender a decidir, também tira o potencial da reflexão ética em auxiliar a
compreender o mundo.
[...] acaba que a maioria tem essa visão, mas as vezes não trabalham muito essa
questão ética, não do sentido da humanização, de atender bem... isso tudo bem, se
trabalha bem [...] a maioria dos professores tem essa visão humanizada essa visão da
importância da subjetividade. Então para mim o que falta seria assim uma discussão,
uma organização, uma instrumentalização, até ética, em alguns determinados temas,
pra que isso fosse realmente trabalhado até o final, o desenvolvimento da competência
ética. (GA2P1)
[...] é um indicador claro de uma fragilidade que o ensino superior tem porque quando
você não sabe como avaliar é porque você não sabe, exatamente, o que você está
buscando. (GA4G3)
Então, você não nasce ético, você precisa desenvolver as virtudes para tornar-se um
sujeito ético, então eu acho que a gente tem que estimular o desenvolvimento dessas
virtudes, de valores para que lá no final as pessoas possam agir dessa forma. (GA2P1)
[...] ele tem que saber tomar decisões. Pra ele saber tomar decisões ele vai ter que
recorrer aos seus valores, aos seus princípios [...] Quais princípios? Os que ele
aprendeu ali também, entendeu? (GA2P4)
Os valores necessários ao processo educativo ético são aqueles que auxiliam a busca
por uma maior autonomia moral do indivíduo, podendo gerar responsabilidade e compromisso
com a sua educação e a do coletivo.
[...] acho que existe uma coisa muito importante em qualquer pessoa, em qualquer
profissional de todas as áreas, que é humildade, é você entender que, okay, ele tem
um conhecimento muito bom, ele fez um doutorado extremamente bom, agora,
entender que nós somos estudantes, que a gente não chegou até lá ainda, que a gente
tá aqui penando para chegar lá em algum momento e que está tudo bem se a gente
tiver alguma dúvida. (GA3E10)
Tu tens que ter essa humildade, essa generosidade. Mas ao mesmo tempo na ação com
o estudante o professor não abre mão, é muito difícil pra mim, porque eu sinto que eu
preciso, em alguns momentos, exercer uma autoridade, o aluno está precisando
daquilo, e eu tenho dificuldades. (GA2P4)
do valor da obediência – que leva à reprodução, por vezes, de ações de opressão, seja com os
pares, seja com os sujeitos da assistência à saúde.
Neste sentido, os valores que mobilizam afetos na aprendizagem aparentam qualificar
este processo, como um elemento potencializador nas possibilidades de ensino-aprendizagem
ético.
[...] a outra professora não entendeu essa dimensão, porque ela vivenciou outra coisa,
mas aquela turma, na hora que apresentou e todo mundo conversou, foi muito bom,
porque eu acho que atingiu mais, e me emocionou demais [...] foi a primeira vez que
eu tive essa reação, eu não consegui segurar a emoção de ver uma fala que foi muito
além de ir ali tampar o buraquinho da ART, foi incrível. Essa mudança, esse desafio,
foi muito bom até com o ser professor. (GA2P13)
[...] tem a questão de valores pessoais, por exemplo, nós temos um professor de
ginecologia que dá aula sobre aborto e ele fala contra o aborto em sala de aula, duvido
que seja uma atitude correta sabe... ele deveria mostrar os dois lados pelo menos [...]
mas é difícil essas pessoas se despirem dos seus valores pessoais. (GA2P10)
[...] a instituição é responsável pela formação ética das pessoas também. Qual é o tipo
de virtude das pessoas que se formam aqui? [...] eu posso te dizer que não são virtudes
que eu considere boas para a convivência, são virtudes muito excludentes,
individualistas, egoístas, ambiciosas, competitivas e extremamente biologicistas e
burras [...] na minha visão são burras, porque são ineficientes. (GA3E5)
178
[...] aqui dentro você deve entender que você deve respeitar os seus colegas negros,
você tem que respeitar, você vai respeitar! Isso não é uma opção, aqui dentro da
comunidade Universitária, o respeito vai ser frisado e vai ser cobrado. Porque,
teoricamente, dentro de uma Universidade você deve proporcionar igualdade a todos,
e o respeito, oportunidades. (GA3E4)
[...] acho muito difícil trabalhar a equidade, por exemplo, na sociedade atual porque
contradiz a meritocracia que tá muito forte... e esses valores são basilares assim, se
você acredita que tudo é meritocracia na vida, como você discute direito à saúde?
(GA2P3)
[...] a gente trabalha com a premissa de cidadania [...] de colocar o sujeito como autor
do processo dele de saúde-doença, a gente trabalha com o respeito às sabedorias
populares [...] a gente trabalha com a questão da sustentabilidade, do meio ambiente,
com o uso adequado dos recursos naturais. (GA2P14)
uma Universidade privada então muita gente nasceu em berço de ouro, não passou
por dificuldade e não entende a dificuldade do próximo. (GA3E10)
[...] tem muito a acesso à pessoa, ao corpo da pessoa. Acaba tendo acesso até a
intimidade da pessoa, então assim tem muitos valores envolvidos, a questão da
privacidade, da individualidade, de não expor a pessoa, então é um campo riquíssimo
em valores que a própria relação com o outro [...] por isso que eu digo que, às vezes,
transversalmente, você tem que trabalhar a ética por causa disso. (GA2P1)
Este cuidar do outro, pensar o bem coletivo como inerente ao processo de cuidado em
saúde, parece ter valores em comum ao construir a dimensão cidadã da vida, do sentir-se parte
e atuar em prol da coletividade. São relações vistas como necessárias à contemporaneidade.
[...] o que a gente tem vivido nos últimos anos e principalmente agora [...] porque eu
acho que é perseguição mesmo, é não aceitar a diversidade, a igualdade, porque isso
está muito mais presente, e que não era anos atrás [...] e acho que a gente pode falar
de liberdades, eu acho que hoje nós temos menos [...] houve momentos em que
minimamente você conseguia estabelecer ao menos um contexto de argumentar e
contra argumentar e hoje em dia você não tem mais espaço para isso. (GA2P15)
[...] o que eu tenho dito, o que eu tenho, escrito, que eu tenho defendido é que,
primeiro, a Universidade precisa ter valores e princípios que ela considere relevantes
e deve proporcionar condições para que esses princípios sejam valorizados. (GA4G1)
[...] eu entendo que é importante que existam espaços específicos de discussão sobre
o tema, mas para mim, do ponto de vista estratégico é tão importante, ou mais, que
essa discussão entre nos espaços já estabelecidos. (GA4G3)
Para trabalhar com ética você precisa ter algumas ferramentas, alguns subsídios, se
não fica aquela coisa só do valor do professor. Então muitas vezes o valor do professor
entra em choque com o valor do aluno e aí fica por isso mesmo. (GA2P1)
[...] que preparo o professor tem pra isso, que sensibilidade, até formação mesmo,
porque eles acham que para dar ética não precisa de formação [...] aquela coisa que
ética vem do berço e eu sou professor, portanto eu sei falar da ética no campo da
minha profissão [...] e não é assim, é como se não requeresse estudos e tudo mais.
(GA2P8)
da construção da sociedade então a dimensão ética está sendo afetada diretamente, ela está
sendo espoliada” (GA2P9). A educação moral não é percebida como um papel do professor
universitário, ficando dependente da intencionalidade e sensibilidade do docente de cada
disciplina às questões morais.
Porque ficou muito no desejo e nas condições de cada grupo de professor, em cada
fase, em cada semestre entenderem essa importância e realmente inserir e articular as
temáticas da ética e da bioética com seu campo. (GA2P8)
Não vou dizer que eles não trabalham, muitos professores trabalham, tem muita
discussão ética, mas eu tenho um pouco de receio que não esteja sendo trabalhada de
uma forma efetiva. (GA2P1)
[...] algo que a gente pudesse começar a oferecer... e estimular... porque eu acho que
as vezes as pessoas precisam de um direcionamento [...] no sentido de ter uma visão,
estimular uma visão, uma valorização daquilo... porque é isso que precisa, porque no
dia a dia a gente não enxerga e não trabalha [...] Podia ser até uma disciplina para área
da saúde toda, não precisa ser só um curso, eu já pensei nisso. (GA2P1)
Nós fomos obrigados a pegar cada disciplina e transformar nesse novo modelo que
(as DCN) querem ter [...] tu desconstruir o conteúdo da disciplina e colocar na lógica
do conhecimento, das atitudes [...] cognitivo, procedimental e ético. E é interessante
porque tu começas a perceber que tem um montão de coisa que está na lógica ética e
que desaparece do conteúdo, entendesse? Mas se você for forçado... tem uma
dimensão ética na legislação, na prática, na anamnese, no exame físico. Eu acho que
a gente deveria exercitar mais essa desconstrução do conteúdo para chegar a uma
expressão mais formal daquele conteúdo que nós temos que abordar, se não for muito
estruturado, mas pelo menos é um conteúdo que você não vai deixar desaparecer né...
pela pressão da técnica ou da habilidade da técnica que você vai ter que exercer [...].
Seria expressar isso num plano de ensino, de uma forma concreta, quais seriam as
estratégias para fazer esse conteúdo que agora ele descobriu que está lá no campo da
ética, que estratégia você vai utilizar né, pedagógica. (GA2P7)
[...] a gente não tem uma discussão que diga que nós vamos seguir tal linha
pedagógica, não existe. A nossa linha pedagógica é a tradicional, é a expositiva, é a
memorização [...] e isso dificulta a cola da dimensão ética na formação, porque se não
tem reflexão não tem problema, não tem dúvida! (GA2P4)
[...] e da maneira como foi aprimorada a disciplina – porque daí teve que fazer uma
mudança metodológica, porque sem isso também como que tu vais ensinar um
conteúdo com aulas expositivas e prova... então ela é uma disciplina muito
desafiadora, tem que ter um preparo, as professoras mesmo pra ministrar essa
disciplina. (GA2P4)
[...] até tu fazer uma prova sobre isso é muito mais difícil [...] por exemplo, eu dou
uma aula de icterícia e uma de vínculo afetivo: tu fazer a prova sobre icterícia é
facílimo, tu tem um milhão de perguntas e o que tu quiser, agora falar sobre vínculo
183
e fazer uma boa questão sobre vínculo afetivo é muito difícil [...] fazer múltipla
escolha pra vínculo afetivo não combina tu entendes? Ah tem que fazer discursiva [...]
eu faço [...] mas é muito trabalho! Eu sou um dos únicos que fazem discursiva tu
entendes? (GA2P10)
[...] tu consegues quando tu da aula prática num pequeno grupo você consegue
transmitir isso [...] eu defendo a tese que a gente não pode deixar mais do que 4 alunos
[...] pelo menos não na pratica. Porque tu vais ensinar essas questões de atitude com
ele vendo você fazer, e não só ele olhando, mas tu tentando se dar conta se ele
conseguiu ver e perceber. (GA2P10)
[...] eu vejo a dimensão ética muito, na verdade, focada – pelo menos em questão de
ementa e distribuição do curso, muito focada no sentido de estudar o código de ética,
ou então difusas na lógica de que o exemplo do professor que vai gerar um
comportamento mais ético [...] então a ideia do curso aqui não é muito clara, ou seja,
no fundo você não assume muito a dimensão ética numa logica materializada durante
o curso. Essa é a grande verdade. A minha avaliação é de que nós simplificamos a
ética no sentido mais profundo e transformamos em deontologia, numa lógica mais
cientifica, entendes? (GA2P7)
Pra mim é bem crítico isso [...] grupos que utilizam metodologias ativas, a
metodologia parte do docente, ela não é uma opção dos estudantes, das estudantes [...]
então assim o que é a tal da metodologia ativa [...] e isso pensando que metodologia
ativa ainda é um dos caminhos mais horizontais que a gente tem hoje há disposição,
então não acho [...] em termos de desenvolvimento moral é complicado pensar nisso”.
(GA2P2)
Neste sentido, reforça-se a importância de assumir quais valores serão escolhidos como
essenciais ao ensino-aprendizagem ético, pois estes também fundamentam as escolhas
184
Eu acho que todas as disciplinas, todas, eu não vejo uma disciplina que não pudesse
incluir na sua programação, no seu programa, a discussão da dimensão ética dentro
daquela questão específica. Tem que ser um pensamento cotidiano, tem que ser uma
prática cotidiana, a prática do questionamento, de perguntar por que é assim, a quem
serve, porque impacta, qual é a nossa responsabilidade nisso... pra qualquer coisa. Eu
acho que é um raciocínio que cabe, que seria meio que desenvolver uma lógica
constante, uma prática cotidiana de questionar, de discutir o porquê é assim, pra que
é assim, né? (GA2P3)
[...] a transversalidade seria o grande contribuidor, por exemplo, você vai dar uma
aula de gestão, você tem inúmeras formas de escolher como você vai fazer isso, então
é óbvio que eu vou escolher trabalhar com gestão participativa, cogestão, gestão
humanizada, então isso já é uma escolha a partir desse olhar, e não foi o modelo
teórico que me fez fazer essa escolha, foi uma grande contribuição de juntar a
dimensão teórica que eu venho trabalhando, que eu venho me construindo com a
dimensão ética que também venho me construindo, e eu fazer a escolha daí nesse
sentido. Então eu tenho clareza de que para algumas pessoas, alguns professores, vão
entender isso como uma distorção do currículo, do meu ponto de vista é uma forma
de você garantir que a dimensão política esteja presente, a dimensão ética esteja
presente e a dimensão teórica também esteja presente, né [...] de você fazer escolhas
deliberadamente e não só porque tem um rol de conteúdo a ser dado eu simplesmente
olhá-los sem fazer a crítica, não, eu tenho que olhá-los, fazer a crítica e ver que há
diferentes possibilidades de construir aquele mesmo conteúdo. Então é sair do comum
né? (GA2P9)
[...] a discussão é intensa e no nosso campo ela é fértil até para atrair gente porque os
dilemas éticos dos profissionais da saúde são muito intensos e você pode usar aquilo
como mote né, você tem um caso gravíssimo, que é complicadíssimo e você pode usa
aquilo para dizer: - ‘e o bom senso lá como que fica?. [...] não importa o caso, mas
chamam muito mais atenção, evidentemente, aqueles que são mais... como aborto,
transfusão de sangue, final de vida, qualquer que seja esse tema, ele pode nos trazer a
chance de expandir dentro dele [...] e acho que esse pode ser um caminho que a gente
deve seguir para que a discussão não seja apenas estanque em um curso como o nosso,
para que não seja pontual. (GA4G2)
[...] pelo menos nas turmas das nossas orientações e as orientações com os professores,
a gente tenta resgatar bastante das experiências que eles vão passando durante a
semana – a gente discute uma vez por semana, trazendo muito essa dimensão
humanizada do serviço. A responsabilidade que a gente tem sobre isso, sobre as
pessoas, né... a questão das necessidades delas [...] que eu acho que é uma dimensão
ética do trabalho. (GA2P3)
[...] um estímulo aos alunos para que eles tivessem desenvolvido essa sensibilidade
para identificar que aquele é um problema e que esse problema é ético, e que esse
problema ético pode interferir sim nesse desenvolvimento, essa evolução clínica do
paciente. (GA2P1)
186
[...] a gente que se ancora em alguns grupos dentro da sala de aula que viabilizam que
a gente trabalhe essas coisas um pouco, se não [...] se a gente, também, não
conseguisse ancorar nada na sala de aula fica muito frágil a situação do professor. É
uma fala inócua né, não reverbera, não tem jeito. (GA2P3)
A aprendizagem ética depende então de qual sentido o estudante dá para seu percurso
educativo, para que se interesse por compartilhar percepções, refletir e modificar atitudes, mas
especialmente do professor entender como sua essa tarefa ético-pedagógica. Assumir a
aprendizagem ética como parte da missão universitária é fundamental para que o docente
oportunize e se interesse por essa abertura com o estudante, por compreender que não necessita
e nem deve deter todas as respostas. Neste sentido o papel de educador, as posturas que o
docente assume também influi nas possibilidades de aprendizagem ética.
[...] eu fico bem feliz, por exemplo, quando existe professor que dá abertura pra gente
falar, discutir, colocar algumas questões [...] enfim, problematizar algumas coisas.
Isso eu acho que é uma mudança bem importante e é algo que não precisa de nada,
não precisa mudar o professor, não precisa mudar a hora/aula, não precisa mudar as
regras do jogo, não precisa mudar nada, a gente vai estar fazendo as mesmas coisas
que a gente fez só que com uma visão diferente. (GA3E5)
[...] conversamos com as professoras da disciplina [...] e elas cederam uma manhã pra
gente. Então nessa manhã a gente convidou cinco coletivos para virem, para cada um
ir lá e trazer a sua experiencia, trazendo um espaço institucional, então era uma aula,
eles iam lá, tinha presença, eles iam num horário e tudo mais, toda a estrutura de aula,
dentro da disciplina, só que o grande mote era que as próprias pessoas que passam por
isso fossem lá tratar desses assuntos com os calouros. Como eu falei, é como se fosse
‘ah um tema transversal’ tem que tratar a ética, a diversidade e tudo mais, então foi
uma sensibilização, um espaço lá no início, mas que a gente espera que já traga
algum... ampliar um pouco o debate futuro né? E é uma grande mesa redonda né, a
187
gente vai, senta todo mundo e vamos conversar quais são as dificuldades, quais as
possibilidades. (GA3E3)
[...] os professores estavam se queixando dos alunos terem que fazer a disciplina
obrigatória de Bioética e o coordenador falava assim: ‘você já conversou com os seus
alunos, antes e depois da disciplina? invariavelmente eles saem de lá adorando a
disciplina’, porque é um lugar onde eles têm uma discussão que eles não têm, em
geral, em outros lugares e é isso que eles precisam ter, também, em outros lugares.
(GA4G)
[...] porque é justamente esse discernimento crítico que eles estão tendo que levou a
essa discussão, e a pessoa quando tem [...] quando ela começa a perceber isso é difícil
ela querer menos, ela sempre vai querer mais! Depois que você enxerga o que tem
além sabe, não tem mais volta, você vai querer sempre ir pra frente, discutir mais e
entender mais e querer participar mais. (GA3E6)
[...] nós até tentamos, acho que fizemos duas ou três edições de cine debate no fim da
tarde, mas também o público era bastante reduzido e acabamos não tendo mais
estimulo de continuar... eu acho que teria que ser mesmo como uma disciplina que
fosse obrigatória, para começar pelo menos, para que as pessoas pudessem perceber
o que está ali. (GA2P16)
É fundamental que o ensino de ética não seja colocado à margem do currículo, mas que
seja incorporado como disciplina curricular, o que não diminui a necessidade de que a
aprendizagem ética esteja implicada em todo o processo educativo. Um comprometimento com
a própria indissociabilidade da dimensão ética da Educação e do ensino-aprendizagem. É
importante que os professores e estudantes também percebam que a construção moral acontece
ao longo de toda a vida, reconheçam os elementos que interferem nas suas decisões e atitudes,
sua própria moralidade.
Neste sentido, desenvolver a aprendizagem ética na Educação Superior também
encontra dificuldade por ser considerada, por vezes, um momento tardio para a construção
moral dos indivíduos.
[...] então acho que se pode aprender, mas eu acho que é um pouco tarde, no ensino
superior [...] tem algumas coisas que ele já deveria estar proficiente né. Mas como a
gente vive no Brasil, a educação em si também tem suas dificuldades, então chega à
pessoa no ensino superior que nunca teve oportunidade de uma discussão, talvez
nunca tenha participado de uma representação discente no colégio [...]. (GA2P4)
188
Ter mais claro o que a gente espera efetivamente como comportamento atitudinal do
estudante na área da saúde. Então eu elencaria essas três: (1) a necessidade de
comunicação para dentro e para fora da área de conhecimento -que envolve, além do
diálogo, um pouco mais de clareza, por exemplo, do que é então o corpo teórico
necessário para a formação desse estudante; (2) a necessidade de estabelecimento de
um corpo teórico que seja referência para todos; e (3) a necessidade de estabelecer
estratégias de avaliação que pudessem, efetivamente, dar indicativos de que essa
formação teria ocorrido ou não [...]. E a gente vê com muita fragilidade no caso da
formação em saúde a avaliação da dimensão ética do trabalho, ela fica, muitas vezes
não só as questões éticas, mas todas as questões atitudinais do estudante, ficam meio
que subjetivas ou de forma subliminar. (GA4G3)
Então a gente decidiu que seria transversal, mas com todos os cuidados. O nosso
instrumento de avaliação garante [...] garante é uma palavra forte, mas ele prevê que
cada preceptor cada tutor, cada residente enxergue essa dimensão ética em cada um
dos critérios que a gente avalia: pontualidade, assiduidade [...] foi impossível para
aquele grupo pensar algo do tipo ‘essa pessoa respeita os princípios éticos: marco aqui
sim ou não’, como que tu vai fazer isso? Então a gente tinha esse compromisso que o
residente que sai dali era um cidadão com princípios éticos. (GA2P4)
[...] que encontre um jeito de isso ser controlado no senso mais amplo possível, até
por via perguntas no final de cada curso que o aluno possa responder, perguntas não
é nada agressivo ao docente, mas perguntas sobre ética, que atividades ele teve, como
ele estruturou, teve alguma resposta, teve algum caso polêmico, algum dilema que foi
decidido? Com isso você pode ter ideia de como as coisas estão. (GA4G2)
[...] então eu fico mais em paz quando eu vejo que tem muita gente fazendo o seu
pedaço, que tem iniciativas de integração, mas eu acho que a gente ainda está muito
disperso. (GA2P8)
O aluno tem que entender, no começo do curso, o que o professor vai discutir com ele
lá na frente, a Universidade precisa construir conhecimento, então tem que ter essa
construção bem solidificada. Solidificar a ciência da ética e daí ela ser praticada,
vivenciar, não dá pra deixá-la esquecida na discussão de um vídeo, numa disciplina
isolada. E o professor precisa aprender a importância da formação desse ser
profissional com valor. (GA2P13)
[...] não precisa ser mudança drástica nenhuma, acho que a gente pode mudar é o
pensamento das pessoas, e que, claro, é radical né, mas não é uma coisa do tipo: -
‘precisamos construir mais prédios, precisamos mudar as nossas leis, as nossas
regras’, não é isso, é mudar o que é prioridade. (GA3E5)
190
Sem dúvida, a formação ética é estruturante né? ela que dá a cara, o tom do resto,
inclusive quando você faz tudo, quando você faz ensino, quando você faz pesquisa e
quando você faz cultura e extensão né [...] eu acredito que a formação ética que está
por trás, explicita ou implicitamente, ela vai ser determinante nas escolhas [...] que
os docentes fazem, como eles ensinam e como eles fazem pesquisa e em como eles
constroem as atividades de cultura e extensão. (GA3G4)
Então para mim o que falta seria assim uma discussão, uma organização, uma
instrumentalização, até ética, em alguns determinados temas, pra que isso fosse
realmente trabalhado até o final, o desenvolvimento da competência ética. (GA2P1)
Pensar criticamente sobre as questões morais deve estar incorporado nas práticas diárias
da vida acadêmica para que as falas transcendam a incorporação de uma determinada percepção
de moralidade comum (um ‘politicamente correto’) e passem a condizer com as atitudes, para
tanto, se faz necessário vivenciar a dimensão ética da educação superior em Saúde
cotidianamente, experiências que possam também ser refletidas eticamente.
Eu acho que a gente tem que discutir, mas a minha dúvida é se esse indivíduo
vivenciando uma discussão ética, moral, ele vai reproduzir isso fora daqui e de que
forma ele vai conseguir mudar [...] eu tenho essa preocupação, porque eu vejo o aluno
muito diferente [...] o aluno que eu converso em sala de aula é um aluno diferente de
quando ele tá no barzinho, entende? É como se ele tivesse ali mantendo uma aparência
191
do que ele precisa ser em sala e de repente fora dali ele mostra quem é [...] e aí eu
tenho muito essa dúvida de que se o que foi dito realmente foi compreendido, se ele
passa a ter atitudes diferentes. (GA2P13)
Eu acho que a primeira coisa é valorizar aquilo como uma situação que exige a tua
intervenção né [...] nem que seja só para falar alguma coisa. Mas assim, que ele tenha
a capacidade de identificar aquilo ali, porque as vezes o que acontece: - ‘aquilo ali pra
mim pode ser um problema muito sério e tu pode achar que pra ti não é porque não
tens essa sensibilidade’, que é o que acontece. (GA2P1)
Para tanto, indica-se a necessidade de espaços coletivos onde o corpo acadêmico possa
refletir eticamente sobre os conteúdos técnico-biológico-sociais, mas também sobre questões
morais cotidianas: “eu acho que a gente precisa melhorar muito os espaços de discussão, a ética
é muito maior que uma formação técnica-prática” (GA2P13).
[...] nós precisamos ainda ter espaços de formação ética tanto de professores como de
estudantes, onde se possa debater, discutir, dar voz a ambas as posições, questionado,
problematizando as experiencias [...] porque eu percebo que, muitas vezes, o professor
não se percebe como sendo antiético ou sendo violento, tendo uma relação radical-
autoritária. (GA2P16)
É como eu te falo, que pela contingência do nosso trabalho, e a relação com o outro
acaba tu tendo que transversalmente trabalhar ética, mas, às vezes, não é uma
prioridade do professor incluir aquela discussão. Mas a situação está ali. (GA2P1)
Você pode passar pelo curso sem ter essa oportunidade né, as coisas foram
acontecendo e não emergiu o problema como um tema que pode ser trabalhado, onde
obrigatoriamente você vai ter que encarar. (GA2P7)
Porque como que eu vou chegar para um colega de trabalho e dizer que o outro falou
dele? Não dá [...] agora, eu também não posso dizer que essa pessoa é fofoqueira, é
dedo-duro [...] não, ela estava num sofrimento profundo que eu acolhi. E essa é a
complexidade. (GA2P4)
Este trabalhar a dimensão moral das relações também passa por aprender a mediar, a
ponderar decisões, um processo que inclui o coletivo, um aprender a tomar decisões que auxilia
no ensino-aprendizagem ético.
[...] um caminho pra ele se desafiar a discutir e a ponderar [...] então aprender a
ponderar, aprender a ouvir o outro, aprender a vida universitária [...] a diferença, a
verdade que tá sempre suspensa, que vem outra e derruba. Então essa coisa do dia-a-
dia, da ciência da saúde, das relações [...] é importante ter um espaço de que a pessoa
possa aprender a fazer essas ponderações. (GA2P4)
[...] eu acho que é as pessoas se mostrarem mais humanas [...] Tipo assim, eu posso
errar, eu posso consertar meu erro, voltar atrás, conversar com as pessoas e pedir
desculpa, eu posso ter dias ruins, posso ser fraco... sabe? E quando as pessoas
começam a trabalhar isso consigo, o outro já começa a ser visto diferente, porque se
eu posso, ele também pode. (GA3E1)
Eu acho que uma das coisas é lidar com experiências que desestabilizem algumas
certezas sociais que esses estudantes, essas estudantes, tem [...] que por exemplo, eles
perceberem que pobreza não tá atrelada à empregada doméstica da casa dele, que o
mundo dos homens heterossexuais não é o mundo das mulheres heterossexuais e
quem dirá das pessoas LGBT, e aí você tem que mostrar o feio, experenciar o feio,
experenciar o desvio, experenciar o efeito negativo de algumas moralidades muito
arraigadas na religião principalmente, é algo que eu acredito [...] mas tem que ser na
experiencia eu acho que não é algo teórico. (GA2P2)
193
As forças estão aí, puxando para os dois lados, que opção eu faço? Pelo que eu luto?
Que mundo eu mostro para eles tem a ver com o meu papel nesse latifúndio e o que
eu quero ajudar a construir? (GA3G4)
Tem que conseguir trazer de uma forma mais clara. Uma ideia que a gente teve foi
realmente trabalhar a questão política, não explicar como tu deve fazer política mas o
grande foco é ter debates, onde tu vai levar temas e as pessoas vão debater aqueles
temas sem, necessariamente, ter um fim, sem que elas tenham que concluir algo com
aquilo, ou que todas tenham que ter a mesma conclusão quanto aquilo, mas que elas
se estimulem a pensar diferente um do outro e ver que o outro tem uma visão diferente
da minha e como que eu vou – se o meu argumento tem uma validade realmente, e do
outro também, então como que eu vou fazer, o que está se chocando aqui? Então, as
pessoas começarem a construir através não de um fim sabe – todo mundo concluindo
a mesma coisa, mas algo que estimule esse debate, eu acho que gerar debate dentro
do espaço institucional mesmo é uma coisa que é necessária. (GA3E3)
[...] na verdade a ideia é que você tenha espaços em que as pessoas apresentem seus
pontos de vista e se acostumem a defender seus pontos de vista com argumentos não
por maioria, não por imposição ao outro, mas que você reserve e garanta espaços
dentro da sala de aula para que essas discussões possam acontecer fomentando um
ambiente mais apropriado. (GA4G1)
Chegou no final, o meu amigo direitassa chegou pra mim e falou: - ‘cara, sabe porque
que eu te amo? porque tu me respeita’, mesmo a gente tendo opiniões políticas
completamente diferentes eu me sinto confortável de virar para você e falar: ‘eu sou
um homem de direita’, e cara eu ganhei meu dia! Mas é isso que a vida tem que ser,
sabe? Só que as pessoas não são assim porque elas não conversam sobre [...] e sabe
aquelas coisas assim que uma vai puxando a outra? Não converso sobre, aí por isso
eu não me formo, não me informo, daí vai puxando tudo pro negativo, que é o que a
gente vive hoje, a lei de quem grita mais alto. (GA3E1)
Porque ter essa noção de coletividade, essa noção de refletir sobre ética e filosofia em
geral, da vida, é algo que demanda tempo, demanda vivencia, experiencia de vida,
então é aos poucos mesmo. (GA3E5)
As possibilidades de espaços de reflexão ética são sentidas como essenciais, seja sobre
a reflexão das experiências curriculares, seja no cotidiano acadêmico. Estimular a reflexão ética
configura uma responsabilidade da instituição com o perfil de sociedade desejada. A
consciência desse perfil é necessária pois o ensino-aprendizagem ético não acontece dissociado
do contexto social. Assim, o contexto tensiona a construção da personalidade moral e trazer
essa aprendizagem de forma intencional e com horizonte de valores é o que pode conduzir o
ensino-aprendizagem ético na Universidade: “Embora a gente sabe que o valor vem de casa, a
gente vai tentar o nosso papel, porque faz parte do nosso papel” (GA2P13). Esse papel da
Universidade torna-se ainda mais crucial quando os valores hegemônicos parecem contrários a
realização do ensino-aprendizagem ético.
[...] a nossa sociedade cada vez mais tende a negar inclusive, essa responsabilidade
coletiva, essa responsabilidade pelo outro. Tá muito claro isso, as pessoas, cada vez
mais, pela lógica da meritocracia e do valor individual, da disputa e tudo mais, isso tá
cada vez mais claro, essa é a lógica da sociedade. Então, o sistema educacional não
está fora da sociedade, ele reflete isso. Que é a dimensão de ética que eu entendo, que
é essa [...] e ela é cada vez mais difícil por isso, porque a própria sociedade tem levado
à essa construção dos indivíduos. E é esses indivíduos que estão aqui, como
professores e como alunos. Se você não tiver nenhum estimulo específico para isso,
eu vejo cada vez mais difícil assim, sabe? (GA2P3)
Eu não vejo só uma potência, eu acho que é uma responsabilidade. Por ela ter essa
potência, ela deveria ser muito responsável em fazer isso. Não podia ser feito isso de
qualquer jeito, sem reflexão, sem articulação dessas diferentes experiencias. (GA2P8)
Neste sentido, trabalhar a dimensão ética da educação superior em Saúde passa por
experiencias vividas diariamente capazes de construir uma cultura de reflexão e aprendizagem
ética, um desafio que exige repensar o papel da educação superior em Saúde e seu próprio
sentido de produtivismo, finalidade e imediatismo.
A teoria defendida nesta tese é de que a dimensão ética da educação superior em Saúde
se realiza na construção da identidade do estudante durante sua vida universitária. Esse processo
pode ser melhor compreendido a partir de suas complementares facetas: eu-pessoa, eu-
acadêmico, eu-profissional, eu-trabalhador da saúde e eu-cidadão. De qualquer um destes
ângulos identitários, pode-se perceber a dimensão moral da construção identitária, que ao
mesmo tempo em que configura uma identidade moral própria, é por ela configurada. Ademais,
defende-se que a identidade moral pode ser propositadamente desenvolvida por meio da
aprendizagem ética que promove a vivência de determinados valores e a autonomia moral dos
envolvidos, e que este é um dever da educação superior em Saúde.
Os pressupostos iniciais de que a dimensão ética da educação superior em Saúde é
negligenciada, realizada de forma não intencional e pontual, se confirmam, podendo ser
analisados sobre duas perspectivas. Primeiro, em se tratando da formação curricular percebe-
se que existem iniciativas e interesses, mesmo que pontuais, por parte do corpo docente para
que o ensino-aprendizagem ético se estabeleça de forma transversal ao currículo. A
importância da transversalidade deste ensino – e também sua aplicação junto ao campo da
bioética – têm sido amplamente reportadas na (WARMLING et al., 2016; AMORIM;
ARAÚJO, 2013; RAMOS et al., 2013; GERBER; ZAGONEL, 2013; FINKLER; CAETANO;
RAMOS, 2011; REGO; GOMES; SIQUEIRA-BATISTA, 2008; FERREIRA; RAMOS, 2006)
reforçando o fato de que o ensino-aprendizagem ético deve ser vivenciado ao longo da vida
acadêmica. Estas experiências contínuas produzem efeitos mais significativos na construção da
identidade dos sujeitos (ESTEBAN; MARTÍNEZ, 2018; RAMOS; DO Ó, 2009; PUIG, 1998b),
principalmente ao incluir os campos social, político e humanístico nesses processos. Corrobora-
se com a literatura, sobre a importância de uma educação pautada em valores, a qual permita
identificá-los, conhecê-los, e refletir sobre eles (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN,
2002; PUIG, 1998; FINKLER, 2009). Este fortalecimento e qualificação da aprendizagem ética
ao longo de distintas disciplinas teóricas e práticas e em projetos de extensão é evidenciado
como significativo para que a construção identitária se expanda para outras facetas, além da
profissional.
Apesar deste entendimento, o compromisso ético-pedagógico docente ainda é
dependente das compreensões e interesses dos professores sobre suas práticas universitárias.
197
MOTA; LÓPEZ, 2019; FARIA; SILVA, 2016; CUBAS et al., 2015; CARVALHO, 2013;
SANTOS, 2011; RENOVATO et al., 2009; SISSON, 2009) nos quais é predominantemente
compreendida e trabalhada no âmbito da socialização profissional (DUBAR, 2005). A questão
da identidade docente também é tratada, principalmente a partir de suas práticas na vida
acadêmica (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019; COSTA, 2007; LOGUERCIO; DEL PINO,
2003). Embora estes estudos tratem da construção identitária durante a vida acadêmica, não
discorrem sobre sua relação com a realização da dimensão ética da educação superior, estando
a mesma às margens ou ausente.
Apesar do foco deste trabalho não ter sido a identidade docente especificamente, os
dados revelam que a dimensão ética da educação Superior não implica somente a perspectiva
da construção da identidade moral dos estudantes. Parece incoerente e até mesmo irreal pensar
um ensino-aprendizagem ético sem incluir a construção identitária dos docentes. A qualificação
da educação moral de professores é essencial, tanto em termos de conteúdo e metodologia,
quanto de vivências em valores, haja vista que a identidade do educador também influencia a
personalidade moral de seus educandos (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN, 2002;
ESTEBAN; BUXARRAIS, 2004, PUIG, 1998a).
A questão da construção identitária dos futuros profissionais da saúde também é
abordada na literatura a partir das influências das questões de diversidade de gênero e
sexualidade (COSTA; COELHO, 2013; SIQUEIRA et al., 2012), corroborando com os
resultados desta pesquisa de que a diversidade cultural e pluralidade moral presentes na
academia podem potencializar a construção identitária de seus membros.
Os achados desta tese em relação a influência da interdisciplinaridade, da
interprofissionalidade e Saúde Coletiva na construção da identidade dos estudantes é discutido
na literatura. A construção da identidade profissional é especificamente tratada na perspectiva
da Educação Interprofissional em Saúde, a partir das competências colaborativas que precisam
ser desenvolvidas na educação superior (ROSSIT et al., 2018; NUTO, et al., 2017; SOUTO;
BATISTA, BATISTA, 2014). As práticas colaborativas interprofissionais aparecem como
aspectos relevantes na construção e reforço da identidade, embora a questão da autonomia
moral não seja explicitamente abordada.
Estes estudos atestam que identidade é algo a ser constantemente construído na
Universidade, resultante da interação do percurso biográfico do indivíduo com a sociedade,
concordando com os achados desta tese e com os autores citados no marco conceitual
(GRACIA, 2020; HANSON, 2014; FARIA; SOUZA, 2011; DUBAR, 2005), especialmente
199
com Dubar (2005) para quem a construção da identidade no trabalho define o papel das
instituições.
Ramos e Do Ó (2009) discutem a importância da bioética como discurso que penetra e
produz reflexividade, participando da relação do trabalhador da saúde com seu trabalho e
consigo mesmo. A bioética é considerada um sistema abstrato que ordena a experiência e o
projeto de identidade subjetiva do trabalhador da saúde. Já a formação ética é identificada como
elemento essencial de dispositivos pedagógicos que auxiliam a construção do ser trabalhador
da saúde. Assim como apontam os autores, a teoria defendida nesta tese reforça a importância
da compreensão e responsabilização do corpo acadêmico com a dimensão ética da educação
superior em Saúde.
Afirma-se então que o desenvolvimento da dimensão ética da educação superior faz
parte da missão universitária (HANSON, 2014; ESTEBAN; MARTÍNEZ, 2018; ESTEBAN,
2019; FINKLER; RAMOS, 2017; GRACIA, 2007b). A construção das facetas identitárias de
estudantes de graduação em Saúde, como constatado, reforça a importância de se qualificar e
valorizar a educação moral na Universidade, fazendo com que o ensino-aprendizagem ético
seja objetivo do corpo docente e que as experiências morais sejam discutidas pelo corpo
acadêmico (MARTÍNEZ; BUXARRAIS; ESTEBAN, 2002; FINKLER, 2009). Estas
apresentam-se como condições para que a construção identitária não se dê pela simples
reprodução de identidades ou papéis socialmente aceitos (GRACIA, 2020; SIQUEIRA et al.,
2012).
Evidenciou-se que a construção do eu-profissional se dá de forma distante ou mesmo
alijada do que Esteban e Martínez (2018) compreendem como papel de orientação ético-
humanística da Universidade, parecendo limitar-se a reproduzir uma ‘identidade comumente
aceita’ (GRACIA, 2020). Este sobrevalorizar uma faceta identitária sobre as demais limita os
esforços do corpo acadêmico na busca por desenvolver diferentes aspectos morais e práticas
atitudinais responsáveis com a sociedade que deseja construir (HOOKS, 2017; ESTEBAN;
ROMÁN, 2016; CORTINA, 1995).
A construção do eu-pessoa evidencia a importância de que a vida universitária não deve
ser uma busca solitária pelo conhecimento, pois a construção identitária é um processo de
socialização (DUBAR, 2005). Para Puig (1998a) essa adaptação à sociedade é um componente
da construção da personalidade moral, porém, não deve ser seu único horizonte. A sociedade
fornece sistemas de valores e regras vigentes, mas cabe ao indivíduo também colaborar na
construção das mesmas. Neste sentido, a educação que pretende construir a identidade moral
dos sujeitos deve ser necessariamente dialógica (PUIG, 1995; PUIG, 1998a). Reforça-se então
200
um dos achados desta tese: de que as relações de reciprocidade são essenciais à aprendizagem
ética. A construção da identidade se dá no âmbito das relações, não podendo, por tanto, abdicar
de valores e da reflexão sobre deveres (GRACIA, 2020; ESTEBAN; ROMÁN, 2016). Neste
sentido, as relações nas quais o indivíduo pode expor suas ideias e construir-se a partir do
diálogo com o outro potencializam a construção de uma identidade moralmente autônoma
(PUIG, 1998).
Constatou-se que diversidade cultural e o pluralismo moral vivenciados por meio de
relações embasadas no respeito e na reflexão conjunta são caminho potencial de construção da
identidade moral. Para tanto, faz-se necessário que professores se apropriem de estratégias para
lidar com os antagonismos e conflitos de valores existentes, para que as discordâncias morais
sejam ensejo para a reflexão ética e não a razão de um recuo coletivo, motivado pela impotência
(HOOKS, 2017; RENNÓ; RAMOS; BRITO, 2016).
Não se trata de estabelecer uma educação moral doutrinária, mas assumir o
compromisso ético-pedagógico com o processo de conhecer o outro e a si mesmo. A
constituição da identidade não se dá por fatos, mas por valores. Aprender a conhecer, vivenciar
e dialogar sobre valores - valores que deixam de ser subjetivos e se objetivam nas atitudes
humanas, é imprescindível para criar uma atmosfera pedagógica e cultural em que preconceitos
possam ser questionados e modificados (GRACIA, 2020; HOOKS, 2017). O docente deve ser
fonte de atitudes éticas capaz de conduzir a reflexão sobre os conflitos morais cotidianos -
condução que não é beligerante ou neutra (PUIG, 1998a), mas mediadora, uma forma também
de resistir ao sofrimento – muitas vezes sofrimento moral, na vida acadêmica (RENNÓ;
RAMOS; BRITO, 2016; OLIVEIRA, 2016), um sofrimento que pode ser causa e consequência
das dificuldades de construção da personalidade moral.
A construção do eu-acadêmico se dá a partir de uma comunidade de referência. As
concepções de bem e mal vinculadas pelos indivíduos nestes espaços morais comunitários não
são definidas isoladamente, mas a partir da identificação com valores e sistemas morais
experenciados (GRACIA, 2007). Assim, é responsabilidade das instituições educacionais
buscar essa educação que considera os valores existentes nas práticas sociais, evidenciando sua
importância na construção da identidade moral. Trata-se de criar condições para a vivência de
valores mínimos para a convivência social (PUIG, 1998ª; MARTÍNEZ; BUXARRAIS;
ESTEBAN, 2002; ESTEBAN; ROMÁN, 2016; GRACIA, 2001). É construir um fazer
acadêmico ampliado dentro dos muros da Universidade que também afeta os modos de ser fora
dela. Unir a vontade de saber com a de vir a ser (GRACIA, 2020).
201
Estas experiências políticas devem ser buscadas pelos sujeitos - vivências que não são
exigidas ou esperadas na rota curricular, estando associada à maior liberdade do educando sobre
o próprio percurso universitário. As tentativas de manter as práticas pedagógicas universitárias
focadas em ensinar conteúdos e desenvolver habilidades técnicas e dissociá-las do âmbito
político e moral (HANSON, 2014) reforçam a dominação sobre a vida acadêmica, uma vida de
tensão, em que o questionamento e a crítica capazes de resistir à obediência têm pouco espaço.
Neste sentido teoria e prática seguem separadas e o ensino é considerado um aspecto mais
enfadonho e menos valorizado da vida acadêmica (HOOKS, 2017).
A construção do eu-profissional indica a premência de que o ensino-aprendizagem
esteja embasado na busca pelo conhecimento científico e pelo desenvolvimento de atitudes
eticamente justificáveis. Superar a formação eminentemente técnica, incorporando aspectos
políticos, sociais e éticos é necessário à educação superior em Saúde (BURGATTI;
BRACIALLI; OLIVEIRA, 2013; FINKLER, 2009; RENOVATO et al., 2009) para que a
mesma não se limite a mera formação profissional. Os estudantes devem ser participantes de
sua construção e não consumidores passivos (HANSON, 2014). Viver a Universidade com
consciência e responsabilidade sobre a dimensão ética da vida universitária é uma forma de
enfrentar a apatia e a tensão da vida acadêmica. Construir comunidades abertas de
aprendizagem configura fazeres pedagógicos criativos resistindo às práticas tradicionais e
conservadoras (HOOKS, 2017).
A seriedade da busca pelo conhecimento não é ameaçada pela aprendizagem que
estimula a descoberta de si, uma aprendizagem que considera os contextos e diversidades de
cada grupo e se reinventa. Pelo contrário, o aprender movido pelo entusiasmo, pela descoberta
gera responsabilidade pelo seu processo e resultado (HOOKS, 2017). Demonstrou-se que a vida
acadêmica individualista, competitiva e tecnificada desumaniza as relações universitárias.
Aprender a conhecer fundamentando-se na educação integral das pessoas e, portanto, da sua
humanidade (ESTEBÁN; ROMÁN, 2016) exige novas atitudes via aprendizagens emocionais
na vida acadêmica (HOOKS, 2017). A humanização do ensino busca o desenvolvimento de
habilidades pessoais, como a comunicação interpessoal, o autocontrole emocional, a habilidade
de escuta, de empatia e o aprimoramento de atitudes e traços de caráter (GRACIA, 2004;
RENNÓ; RAMOS; BRITO, 2016), aspectos sempre contemplados aos se promover a dimensão
ética da educação superior em Saúde.
Os paradigmas biologicista e positivista, hegemônicos da educação superior em Saúde,
precisam ser repensados para que se reverta a fragmentação do ensino e sua
descontextualização. A corresponsabilização com o indivíduo, a família e a comunidade exigem
203
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda sobre os participantes deste estudo, cabe considerar que os dados coletados
possivelmente teriam sido muito diferentes se os docentes participantes não tivessem sido
selecionados por possuírem alguma proximidade com a temática de ética e educação.
Como sugestão para novos estudos, recomenda-se a aplicação da teoria aqui formulada
em outras realidades, com vista a ampliar sua adaptabilidade e capacidade de generalização
teórica. De igual forma, é importante que sejam realizados estudos que correlacionem a
diversidade cultural e o pluralismo moral existentes e suas influencias na construção identitária
durante a vida acadêmica, haja vista que os poucos estudos da área da saúde sobre esta temática
se concentram especificamente na diversidade de gênero e sexualidade.
Também se recomendam estudos futuros que busquem analisar as influências
psicológicas provenientes da presença constante de novas tecnologias da informação e
telecomunicação na vida dos estudantes, que modificam sua autonomia, liberdade e privacidade
(NICOLACI-DA-COSTA, 2004). A fluidez de subjetividades promovidas pela Internet pode
ser impactante também na construção identitária, dada sua característica moderna de
inconstância. Apesar de reconhecermos a importância do pertencimento à grupos para a
construção da identidade, questionamo-nos sobre o potencial de diferentes redes sociais em
desenvolver algoritmos que limitam a percepção dos pluralismos morais existentes na
sociedade, podendo construir identidades pouco reflexivas ou mesmo absolutistas.
Para finalizar este trabalho, vale deixar emergir de suas entrelinhas a veracidade e
esperança que esta teoria traz para a vida da autora. Uma estudante de Odontologia que sentiu
- durante grande parte de sua graduação, uma incompletude de sentido na futuridade de sua
vida e carreia. Foi de seu encontro com a aprendizagem ética em vivências extracurriculares,
com professoras e professores encantadores e comprometidos com a missão universitária, que
a futura profissional da saúde pôde construir outras facetas de sua identidade. Uma identidade
que hoje é completamente comprometida com a esperança, embasada no desejo e na ação de
uma educação que possa contemplar sua função plenamente: a de transformar vidas por meio
da descoberta do mundo e de si mesmo.
Espera-se que esta tese contribua para a qualificação da educação superior em Saúde
evidenciando sua crucialidade na construção e nos rumos da sociedade. Na realidade atual,
nacional e internacional, em que a Universidade perpassa um momento de grande crise com
relação a sua missão - resultado de décadas de constante ataque de iniciativas e projetos
neoliberais, e aprofundada pela realidade da pandemia - que acometeu as nações forçando as
instituições educacionais a fecharem seus campi e adotarem o ensino remoto, percebe-se uma
fragilização ainda maior da dimensão ética da educação superior. Uma fragilidade em um
209
REFERÊNCIAS
HANSON, C. Changing how we think about the goals of higher education. In: Search of
self: Exploring student identity development. San Francisco: Jossey-Bass, 2014. p.6–13.
HELLMANN, F.; VERDI, M.I.M. Ética, bioética e deontologia no ensino da naturologia no
Brasil. Rev. Bioét., Brasília, v. 22, n. 3, p. 529-539, 2014.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo,
WMF Martins Fontes, 2017.
KLEIN, N. A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 2008.
LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A.M.C; CAVALCANTI, C.C.T.J. A educação democrática e sua
aplicação ao campo da saúde. Saude soc., v. 24, supl.1, 2015.
LISBOA, C. A modificação negativa no ethos acadêmico. Revista Andes Especial: Dossiê
Nacional. Brasília: 2013.
LOGUERCIO, R.Q.; DEL PINO, J.C. Os discursos produtores da identidade docente.
Ciência & Educação, v. 9, n. 1, p. 17-26, 2003.
MACINTYRE, A. Tras la virtud. 5. ed. Espanha. Editorial Crítica, 2019.
MARQUES, L. M. N. S. R. As metodologias ativas como estratégias para desenvolver a
educação em valores na graduação em enfermagem. Rev Enferm Esc Anna Nery, Rio de
Janeiro, n. 22, v. 3, 2018.
MARTÍNEZ, M.; BUXARRAIS, M.R.; ESTEBAN, F. La universidad como espacio de
aprendizaje ético. En Revista Iberoamericana de educación, n. 29, p. 17-42, 2002.
MARTÍNEZ, M.M.; ESTEBAN, F.B.; BUXARRAIS, M.R.E. Escuela, profesorado y valores.
Revista de Educación, n. extraordinário, p. 95-113, 2011.
MASCARENHAS, N.B.; SANTA, R.D.O. Ensino da bioética na formação do enfermeiro:
interface com abibliografia adotada. Acta Paul Enferm, São Paulo, v. 23 n. 3, 2010.
MATOS, M.S.; TENÓRIO, R. Percepção de alunos, professores e usuários acerca da
dimensão ética na formação de graduandos de odontologia. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v. 15, n. 2, p.3 255-3264, 2010.
NEVES, J. et al. Eighty years of undergraduate education in nutrition in Brazil: an analysis of
the 2009-2018 period. Rev. Nutr., n. 32, 2019.
NEVES JÚNIOR, W.A.; ARAUJO, L.Z.S.; REGO, S. Ensino de bioética nas faculdades de
medicina no Brasil. Rev. Bioét., Brasília, v. 24, n. 1, p. 98-107, 2016.
NICOLACI-DA-COSTA, A.M. Impactos Psicológicos do Uso de Celulares: Uma Pesquisa
Exploratória com Jovens Brasileiros. Psicologia: Teoria e Pesquisa, n. 2, v. 20, p. 165-174,
2004.
NUTO, S.A.S. et al. Disponibilidade para aprendizagem interprofissional de estudantes de
ciências da saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, n. 41, v. 1, p. 50-
57, 2017.
ORTEGA Y GASSET, J. Misión de la universidad. Buenos Aires, 2001.
214
21. Qual a relação dada entre ensino e aprendizagem? O que se espera da relação
instituição-professor-estudante?
22. Percebe-se algum modelo profissional explícito?
23. Percebe-se um estimulo ao docente além da apropriação de saberes? (Cuidados com
a dimensão afetiva e de sentimentos?).
24. Qual o papel atribuído ao estudante? É percebido no estudante um papel ativo na sua
aprendizagem?
25. Como a ética está inserida no currículo formal?
26. Como as aulas estão estruturadas?
Tem estímulo ao trabalho prático? (reflexão/ação).
Qual o método avaliativo preconizado?
27. Há uma preocupação com a gremialidade na construção do conhecimento em sala?
28. Existe estímulo a práticas reflexivas e dialógicas?
E ao desenvolvimento de habilidades éticas?
Trabalha-se problemas morais, de forma dialógica? Em que momento (sala de aula
somente?)
29. Os conteúdos trabalhados em sala buscam excelência humana ou utilidade prática?
Existe uma preocupação com os saberes culturais? (noção de tempo e espaço em que
se vive?)
Existe uma preocupação com a competência ética do estudante? E do professor?
Há incorporação de conteúdos de natureza ética? (que estimulem decisões mais
criteriosas e responsáveis com a vida individual e da comunidade?)
Valores como o rigor da dúvida, da crítica e da autocrítica e superação pessoal estão
presentes?
Existe uma preocupação com guias de valor?
Existe estímulo à experiencias morais (reais ou simuladas)? Quais?
30. Problemas morais são aplicados e trabalhados de forma concreta? Existe estímulo à
consciência crítica? Na universidade, em alguma disciplina? (ou é um simples
processo de adaptação aos valores sociais?)
31. A deliberação aparece como método de manejo dos problemas éticos, de
desenvolvimento moral e promoção de cidadania?
Como se desenvolve o julgamento moral?
218
1. Conta pra mim como tu achas que a Universidade faz para formar profissionais
que sejam também bons cidadãos e boas pessoas?
2. Tem intencionalidade de alguma parte – instituição, professores – nesse
processo?
3. Quais saberes devem ser trabalhados para que esta formação ocorra?
4. Como você compreende o papel dos docentes nesse processo?
Cargo:
Idade:
Gênero:
Algum trabalho mais vinculado a ética ou bioética (ensino, pesquisa ou ensino)? Qual:
4. Tendo como foco a promoção da dimensão ética, quais ações seriam mais
relevantes para se qualificar a formação do profissional da saúde?
5. Dos programas e políticas para educação superior nos cursos da saúde, algum
contribui mais diretamente para a promoção da dimensão ética na formação
profissional em saúde? Porque?
6. Quais obstáculos podem ter hoje em dia o professor que deseja formar
eticamente os seus estudantes?
7. Tem alguma questão que eu não perguntei e que você percebe como relevante
ou complementar para se pensar este tema da dimensão ética da educação
superior em saúde?
221