Dissertação
Dissertação
Dissertação
Florianópolis, 2015.
Juliara Bellina Hoffmann
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-graduação em
Odontologia, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em
Odontologia – Área de Concentração:
Odontologia em Saúde Coletiva,
Universidade Federal de Santa
Catarina.
Florianópolis, 2015.
Dedico essa Dissertação àqueles que, munidos de
críticas construtivas e do amor incondicional,
alimentam a esperança de um mundo melhor.
AGRADECIMENTOS
This study has addressed the ethical problems within the social
participation in the Brazilian system of public health, the Unified Health
System (SUS). Its goal was to comprehend how the ethical problems
experienced by the municipal health counsellors may interfere in the
Social Control of SUS. The identification, classification and analysis of
these problems have helped better understanding the factors that
contribute to their existence and also to think over the role of Bioethics
when facing these difficulties. Thus, the methodological theoretical
framework included the concepts of co-management, Moral Deliberation,
Social Bioethics and the model of Paradigmatic Emptiness. This research
was carried though a single case study, analyzed qualitatively. The first
stage was the documentary analysis of eleven meeting minutes of a
Municipal Health Council (CMS) from a medium city in the south of
Brazil. The second stage included non-participating observations of the
CMS meetings, with notes in the Field Journal. The third stage took place
in interviews with municipal health counsellors, with the aid of an
Interview Guide. The results of this data triangulation were transcribed to
the software Atlas.ti® 7.1.8, which supported the organization and
codification of the content. The data analysis was made through its
classification in three categories which were stemmed from the
conceptual framework: The Emptiness of Legal Responsibility, the
Emptiness of Continuing Education and the Emptiness of Consciousness
of Citizenship. Each “emptiness” represents a challenge understood as a
gap between a theoretical ideal and reality. The more the challenges are
faced, the more this gap decreases. The results showed the reality of
ethical problems and conflicts experienced by the municipal health
counselors, confirming the initial hypothesis that the ethical problems can
interfere in the Social Control of SUS, making it difficult to consolidate
these spaces for democratic participation. The dialogue between the
collected data, the arguments from authors of the conceptual framework
and the researcher’s perceptions pointed out a number of challenges that
need to be assumed by the counselors, by the State and by society itself
in the pursuit for excellence of Social Control and its ethically
compromised decisions. The proposed strategies are based on the values
that underlie the collective construction, the moral deliberation and
ethical education. In this sense, encouraging a culture of citizenship
becomes imperative to better develop (qualify) spaces for social
participation, considering the Bioethics thoughts and considerations in
order to increase the critical acumen, establishing a social and political
tool for democracy.
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................23
2 OBJETIVOS ................................................................................ 31
2.1 Objetivo Geral .....................................................................................31
2.2 Objetivos Específicos ............................................................................31
1 INTRODUÇÃO
2 OBJETIVOS
3 MARCO CONTEXTUAL
4 MARCO CONCEITUAL
1
Não aceitando a descriminação social e de gênero presente na época, mas
focando na concepção da responsabilidade daqueles que eram considerados
cidadãos.
43
Deliberação moral
Pois nem sempre o que se deve fazer é o que se consegue fazer. Disto se
trata grande parte dos problemas morais. Essa visualização simplificada
dos passos ajuda-nos a entender a importância do rigor metodológico para
uma deliberação moral que nos aproxima da decisão mais prudente em
cada caso estudado, pois a ausência ou descaso com cada um dos passos
acaba impossibilitando o nível seguinte, impedindo assim de se chegar ao
melhor resultado (GRACIA, 2014).
A deliberação moral se baliza no dever ético de realizar valores,
“nesse sentido, o conflito se coloca quando há uma situação em que
realizar um determinado valor pode implicar abrir mão de outro valor, o
que não seria desejável” (GRACIA, 2009 apud OLIVEIRA, AYRES,
ZOBOLI, 2011, p.365). A deliberação moral pretende facilitar a
resolução de conflitos éticos, posto que não há respostas certas ou erradas.
Deste modo, deliberar auxilia a ponderar e equilibrar, tentando chegar a
decisões razoáveis e prudentes, buscando encontrar a “justa medida” para
promover o máximo de valores envolvidos no conflito (ZOBOLI, 2003).
Por vezes os problemas da saúde implicam em conflitos morais
devendo ser refletidos nas reuniões dos Conselhos de Saúde, seja por
meio da representação dos usuários legitimando sua cidadania, seja por
meio da dialógica entre os diferentes valores exprimidos pelas três esferas
representativas do Conselho, ou numa menor escala, pelo próprio
indivíduo na sua singularidade. Como não existem respostas prontas a
priori para a resolução desses problemas, a obrigação moral dos
conselheiros é a de tomar decisões prudentes onde, de acordo com Gracia
(2014), a responsabilidade ética é a de aprender ferramentas para a
tomada de decisão. A deliberação moral é um método bioético para este
processo, pois possibilita estabelecer passos que visem à análise crítica
das situações, permitindo compreender e considerar os fatos, os valores e
os deveres envolvidos (GRACIA, 2014), auxiliando na resolução dos
problemas bioéticos, e a decisão entre seus vários percursos de ação
possíveis.
É a partir deste enfoque da Deliberação Moral que se realizou a
busca pelos possíveis problemas éticos dentro do CMS, que é, na ordem
legal, um conselho deliberativo, ou seja, suas decisões tem poder legal o
que não significa que esse processo decisório seja moralmente
deliberativo. A visualização dos problemas encontrados se deu no âmbito
das deliberações serem mais ou menos pautadas em reflexões éticas.
Bioética social
54
Vazios paradigmáticos
vazio cultural onde entende-se a cultura como tudo que é criado e recriado
pelo homem, e que portanto acontece nas relações entre eles, obviamente
com componentes de todos os níveis interferindo e se entrelaçando, mas
enquanto vazio grávido, olharemos as possibilidades de mudanças destas
produções e signos humanos que teriam potencial de auxiliar
positivamente as relações e ações deste CMS, tanto dentro como ‘fora’
deste. A divisão tem o potencial de auxiliar também em futuras
intervenções que poderiam preencher esses vazios.
Fernandes Neto (2010) propôs uma metodologia de governança
participativa como uma resposta mediata para suprir essas lacunas
pedagógicas, políticas e culturais. Como os Conselhos de Saúde já se
apropriaram de um modelo democrático participativo, fez-se uma
avaliação a partir dos “Vazios” de Silva (2006) como forma de
identificação e categorização dos problemas que persistem neste modo de
gestão participativa. Para tanto, adaptou-se o modelo, onde as super-
categorias analíticas dos três vazios originais foram renomeados
empiricamente como: Vazio da Responsabilidade Legal, Vazio da
Educação Permanente e Vazio da Consciência de Cidadania.
O Vazio da Responsabilidade Legal: “abraçou” todos os
problemas éticos vivenciados pelos conselheiros de saúde que
envolveram desafios de caráter normativo-institucional dado pelo
conjunto de leis e normas regulatórias do CMS em questão, e que
acompanham ou não os valores da sociedade a qual se dirigem. Além dos
problemas de caráter institucional, também se observaram aqui os
problemas éticos ‘instituídos’ nas relações existentes entre os
conselheiros, e que pela força da centralização do poder capturam os
processos de subjetivação singulares e bloqueiam possíveis
transformações. Os problemas categorizados neste Vazio foram aqueles
marcados pela “atual prática de poder das culturas políticas, impregnada
pelo espírito competitivo, pela exclusão de conhecimentos e pela
imobilização dos contraditórios”, diversos (SILVA, 2006, p. 7). Depois
de categorizados no Vazio de Responsabilidade Legal, qualquer
estratégia que venha a ser sugerida, a posteriori, para dar aporte a este
vazio se encontrará na dimensão política.
O Vazio da Educação Permanente: nesta supercategoria
concentraram-se os problemas éticos vivenciados pelos gestores que
dizem respeito às dificuldades de comunicação e entendimento. Estas
dificuldades provêm principalmente do mundo do subjetivo, dado pelas
diversas culturas, saberes e interesses dos participantes que precisam
aprender a dialogar no mesmo nível linguístico. As soluções que venham
57
5 ASPECTOS METODOLÓGICOS
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
“[...] olha isso, como é que eu sou conselheiro de saúde e não sei o que
esses caras tão dizendo?!” (G3).
capacitação que ocorreram com os CLS geraram alguns frutos, dentre eles
a maior proximidade e participação destes conselhos junto ao CMS.
[...] percebemos que os conselhos locais não
tinham espaço e aí abrimos espaço. A partir daí nós
começamos a nos reestruturar dentro do conselho,
não foi uma coisa assim, planejada, pensada,
articulada, foi uma coisa que foi acontecendo na
medida em que o processo de formação estava
sendo realizado (U2).
O aprendizado que descobre ‘sem planejar’ e transforma a sua
realidade é por si libertador e se alimenta do próprio interesse dos
envolvidos. Neste sentido, os resultados ainda incipientes dessas
capacitações se devem, em boa parte, a uma baixa ou ausência total dos
conselheiros nesses momentos pedagógicos.
O conselheiro concorda que enquanto conselheiro
tem a necessidade de uma capacitação [...] e pede
para que quando houver capacitação para que todos
os conselheiros compareçam (Ata05; T02).
Olha, vai haver uma eleição em abril do ano que
vem, pela minha experiência eu vou dizer o que vai
acontecer, entra um grupo de conselheiros e eles
vão pedir capacitação, não sei o que [...]. Primeira
coisa que eles reclamam é capacitação, mas faz
uma capacitação agora. Nós estamos todo esse ano
fazendo capacitações para os CLS, aberta aos
conselheiros para eles aproveitarem e também
serem capacitados. Parece que a frequência maior
foi seis numa capacitação, as outras vão dois ou três
(U5).
Embora exista essa constante chamada por capacitações o que se
percebe é a baixa assiduidade dos conselheiros nesses encontros. Dentre
os motivos mais citados pelos conselheiros para justificar sua baixa
assiduidade poucos se encontram no mundo da praxis - da própria
reflexão sobre a sua condição para poder transformá-la, mas estão
reduzidos aos obstáculos objetivos a sua transformação - como a falta de
tempo ou o não acesso a divulgação das capacitações.
Neste sentido a educação continuada não pode ser emancipatória
se não houver um movimento interno de conscientização dos próprios
conselheiros sobre a sua dificuldade de atuação, ou seja, o
reconhecimento da contradição em que se acham e a consequente luta por
89
pensar dialógico que “não pode dar-se se não entre sujeitos” (FREIRE,
1987).
[...] se tá sendo apresentado no conselho, e se o
conselho tá ali pra olhar, pra ter noção que aquilo
tá de fato de acordo, em algum momento esse
conhecimento eu tinha que ter, teria que estar ali.
[...] Eu acho que os informes que são dados, as
apresentações que são feitas, se tivesse mais
conhecimento de todos, não só de um ou outro, eu
tenho a impressão que a gente teria um nível de
diálogo maior né, uma contribuição maior (G1).
A necessidade do aprofundamento nas discussões da plenária vai
ao encontro da teoria da deliberação moral, onde o diálogo intenso na
primeira etapa do processo deliberativo é que proporcionará um maior
conhecimento a todos (GRACIA, 2014). Isto significa que os
conselheiros precisam estar 100% implicados, envolvidos e abertos ao
diálogo, mas não que haverá um conhecimento homogêneo ou simétrico
entre todos. Na realidade essa homogeneização do conhecimento nem é o
desejado, pois com ela se correria o risco do CMS perder o imenso
potencial da diversidade de seus olhares, e da possibilidade de
estranhamento dessas percepções, que levam à riqueza da troca, e ao
aprendizado em grupo. Neste sentido, um conhecimento básico dos
fatores envolvidos em cada tema seria o mínimo desejado para o CMS,
mas que poderia ser alcançado com um diálogo aberto aos
questionamentos. De qualquer forma, quando essa informação fica
condicionada somente ao indivíduo, a própria desigualdade da sociedade
se reflete na disparidade de acesso à informação, gerando mais um
problema ético a ser discutido pelo CMS – condicionar a aprendizagem
de um grupo altamente diverso unicamente à capacidade individual de
cada sujeito.
De acordo com Garrafa (2003), é natural que o indivíduo saudável,
escolarizado e treinado tenha maior chance de se aperfeiçoar na busca de
se tornar físico e mentalmente apto ao próprio exercício da cidadania do
que o indivíduo doente, e/ou com pouca ou nenhuma escolaridade. Essas
desigualdades de acesso na sociedade podem (e devem) ser refletidas em
espaços de participação social, onde se tem representantes de usuários da
saúde ao lado de profissionais e gestores. Essa diversidade que é rica para
a gestão participativa, novamente exige a responsabilidade ética do
Estado, e dos seus próprios sujeitos em tentar diminuir as desigualdades
principalmente do acesso à informação:
92
“[...] tem espaço para o diálogo, isso não significa que todo mundo
utilize esse espaço... mas espaço para o diálogo tem” (U4).
geram resultados de fato, pois muitas das discussões não saem do nível
do discurso, além de serem, muitas vezes, direcionadas por aqueles que
conduzem as reuniões e concentram em si muito do poder decisório.
Neste sentido o espaço para diálogo demonstra necessitar de uma
metodologia que aumente a horizontalidade das decisões, trabalhe com
mais tempo e legitime todos nessa relação dialógica e, assim que possível,
dialética.
...outra coisa que eu já disse várias vezes e digo de
novo, o CMS deveria ter umas aulinhas de como se
reunir, pessoal não sabe falar, pessoal começa a
falar, falar, falar e diverge muito, não é objetivo nas
suas perguntas nem nas suas respostas, não sabe
nem pedir as coisas. Essas coisas a gente questiona
muito (U5).
O que começou a mudar, alguns conselheiros
começaram acordar pro fato de que existe muita
coisa técnica sim, mas muita coisa pode ser
resolvida sem questões meramente técnicas. As
questões técnicas vão ser tratadas por técnicos,
conselheiros que tenham o conhecimento técnico
pra isso. Caso contrário tem que ter sim a posição
de cada um, a posição de sua comunidade (U2)
Essas percepções de que o CMS precisa trabalhar com
metodologias que melhorem qualitativamente o diálogo, e que existem
opiniões para além do saber técnico e que devem ser estimuladas
recomendam os referenciais da cogestão (CAMPOS, 2000) e da
deliberação moral (GRACIA, 2014) para preencher o vazio de educação
permanente. Tanto a cogestão como a deliberação moral têm um potencial
cognitivo nos seus processos, alimentado o aprendizado a partir de suas
próprias experiências (SILVA, 1998). Assim quanto mais se dialoga
dentro do CMS, mais se evolui e se aumentam as possibilidades de
discussões mais aprofundadas. Essa possibilidade de melhorar a dialógica
dentro dos CMS aproxima os conselheiros da condição de deliberarem
moralmente, levando a conhecerem-se mais e a respeitarem-se mais
(GRACIA, 2014). Segundo Gracia (2014) este é um dos grandes papéis
da Bioética - ajudar a transpor a barreira da imposição de pontos de vista
e da dogmatização de opiniões ensinadas desde a educação primária,
promovendo a deliberação não só no âmbito sanitário, mas em toda a
sociedade.
114
“[...] alguns acreditam que se não votarem do jeito do secretário ele pode
não colocar um serviço na minha comunidade. Gente não é assim... não dá para
continuar assim, pensando desse jeito” (U6).
dos CMS por meio das CT sem diminuir a deliberação nas plenárias, e a
responsabilidade da transparência com o Controle Social.
Para finalizar a análise desta categoria, observou-se a importância
da atualização dos regimentos para que estes espaços públicos não tenham
tanta ‘liberdade’ em fazer o que bem desejar – a atualização moral das
leis. Como via de mão dupla, também cabe a reflexão constante sobre os
atos em sociedade, para que também não se distanciem do “progresso
moral já verificado na legislação” (GARRAFA, 2003, p. 58).
Isso eu acho que a gente tem a vantagem de ter
dentro do nosso CMS, ter um regimento que em
cada eleição a gente consulta esse documento e se
for necessário põe adendos. Isso foi uma discussão
ampla que a gente teve na última eleição, que tinha
algumas partes do regimento que realmente já
estava equivocada né, passam os anos [...]. Mas no
caso específico quando o presidente questiona se
existe um regimento e ele não existe, então se não
há registro eu faço o que eu quero né (risos), então
a partir desse momento ele tem liberdade de
decisão. Dá mais autonomia ainda quando você não
tem algo que te coloque na linha né. (G3)
A autonomia ‘no e do’ grupo para permanentes revisões dos
regimentos é essencial no acompanhamento das constantes
transformações da sociedade, principalmente ao que se refere às
transformações morais. Esse “ter mais autonomia quando não tem algo
que te coloca na linha” exemplifica o fato da necessidade da existência de
leis escritas para espaços públicos onde a moral não se encontra
consolidada o suficiente, não para diminuir a autonomia, mas para
conseguir por si mesma regrar as ações dos indivíduos.
“aí fica aquela questão: “ah e se não for o secretario ele vai estar
presente nas reuniões?” Porque é o que obriga ele a estar em todas as reuniões
do CMS, pra que lado tu corres?” (T1).
“eu acho até as reuniões muito mornas assim, acho que evita-se algumas
coisas já, então algumas coisas talvez não cheguem pra esses conselheiros...
sempre acha que está faltando alguma informação” (G3).
com foco na criação coletiva, mas sim como tentativa de facilitar algumas
ações, como “aprovar sem ressalvas” – é como se consolidassem usuários
‘estratégicos’ para medir a aceitação das propostas, para não dar
confusão. O que não significa que a melhoria foi ineficiente, apenas que
ela é insuficiente. De qualquer forma esse método encontrado pela
secretaria de consulta a alguns representantes do CMS perpetua o modelo
hierárquico de gestão, onde alguns ‘privilegiados’ terão sua opinião
levada em consideração, outros não.
Estruturas hierárquicas - e autoritárias - de poder não são capazes
de produzir coparticipação. Esse é o primeiro problema ético identificado
aqui – como democratizar as instituições de saúde se estas ainda operam
na tradição gerencial da hierarquia?
...às vezes o Controle Social pode tá acontecendo e
ser direcionado mesmo assim. Então depende da
forma que o condutor, tenha o seu colegiado eleito,
ele vai conduzir da forma democrática ou não, ele
pode estar conduzindo aquilo pros interesses do
gestor, um segmento que é menor mas que tem
apoio da grande maioria entendeu? (T1).
Já houve confronto de tirar conselheiro, exemplo:
a representante da odontologia era uma moça muito
proativa e entrou em vários atritos com o secretário
e de repente ela deixou de ser representante e
entrou outro no lugar dela. A gente sabe que é por
causa dos conflitos [...]. Ela nunca quis sair ela foi
retirada [...] (U2).
Esses mecanismos de estímulo à competição e ao individualismo
não são capazes de gerar autonomia ou liberdade do grupo, no máximo
perpetuam o controle e a dominação. Produzir liberdade passa por colocar
em pauta os desejos e interesses dos partícipes.
...essa questão da UPA é um exemplo, claro e
nítido. O gestor toma a decisão de trocar o projeto
sem discutir no CMS, sem discutir lá com a
comunidade, isso não pode, isso é um conflito. Se
o gestor tivesse trazido à pauta quem sabe ele
estaria sendo apoiado, [...] mas o jeito que a coisa
foi, o diálogo que se estabeleceu, ou seja, nenhum,
culminou com aquela situação de briga que a gente
viu ali né [...] (U4).
138
“[...] às vezes o gestor não percebe que nós somos seus aliados e não
seus inimigos, e aí não ceder por não ceder... Não tem nenhum motivo
específico a não ser a minha autoridade” (G3).
142
valores coletivos como foco de suas ações, e que enxerga, acima de tudo,
as interações entre os diferentes setores sobre o imaginário e a qualidade
de vida da população. Existe sempre uma tendência a aceitar os reflexos
da “nova ordem mundial” como sendo naturais e inevitáveis (FREIRE,
2011). Um dos grandes ganhos da participação social seria esse contra
fluxo estabelecendo as responsabilidades morais, ao menos, no mesmo
nível das responsabilidades legais.
Se tu vais pro CMS por mais que você tenha um
segmento você tem que fazer a discussão de forma
ampla, ela tem que ser coletiva, ela não pode ser
primeiro eu, depois o nós. Eu acho que você tem
que vir pro CMS com outra visão, e não é a visão
de muitos conselheiros hoje, sabe vai mais porque
acha que depois lá na frente pode pedir alguma
coisa, já que eu conheço o secretário. Não vem com
aquela discussão coletiva que é o fundamental, o
objetivo de você estar no conselho, é pras políticas
coletivas e não pras políticas individuais. [...] a
função do conselheiro ela é de relevância pública,
mas você tem que saber porque, sabe você tem que
fazer as coisas por amor, porque tu gosta, porque tu
valoriza a participação (U6).
que são – não se tem ações locais efetivas para o SUS se não se pensar no
conjunto da sociedade, assim como de nada adianta valores coletivos se
estes não passam para o mundo dos fatos.
De fato os deveres estão sempre fundamentados em valores.
Cortina (2005b) ressalta que quando consideramos algo justo
pretendemos que o mesmo seja igualmente considerado por qualquer ser
racional em condições de imparcialidade, que não se guie por interesses
individuais ou de grupo, mas por interesses universalizáveis. Nos
interessamos por valores como liberdade, justiça, solidariedade,
disponibilidade para diálogo dentre outros, estando dispostos a defender
que qualquer pessoa deveria tentar realizá-los como forma de não perder
sua humanidade. Assim universalizamos tais valores.
Se não se consolidam esses valores universalizáveis como a
própria cooperação e solidariedade como moral do CMS, pouco os
cidadãos poderão avançar na questão da saúde pública brasileira. Essa
dificuldade de consolidar o papel do Controle Social para além dos
objetivos burocráticos, incorporando valores universalizáveis e que
objetivem o bem comum para a saúde pública é o problema ético
enfrentado pelo CMS na definição do seu papel enquanto Controle Social.
De acordo com Freire (2011) não há pensar certo à margem de
princípios éticos, a mudança é sempre uma possibilidade e um direito,
mas cabe a quem muda assumir as mudanças operadas, porque no fim
todo pensar certo é extremamente coerente. Essa discussão, embora sutil,
existe no CMS: a de que é preciso, para enfrentar os obstáculos na
construção do SUS, acima de tudo, acreditar nele:
Agora, graças a deus, eu tenho plano de saúde. Mas
anteriormente eu tinha um dependente aqui na
minha casa. Meu sogro, por exemplo, ele era
atendido pelo SUS, direto, porque ele não tinha
plano de saúde, não tinha nada. Então, graças a
deus isso eu pude constatar, que a equipe de saúde
vinha mesmo sem o agente de saúde [...] havia a
unidade de saúde, e qualquer coisa que eu
precisasse eles estavam lá (U1).
O conselheiro, apoiado pelo Presidente parabeniza
o atendimento do SUS, equiparando-o com centros
de saúde privados (Ata08; U1).
[...] eu falo pra todos os conselheiros, eu sempre
usei a rede de saúde, desde a época que tinha que ir
de madrugada, então eu chegava com algum
problema e eu fazia esse tipo de pergunta “porque
160
“[...] por que você tem que fazer controle social de graça?” (U4).
Democratização do poder.
Hierarquia
Inoculação do Controle Social pelo próprio
Estado que o exige.
Relação entre os Relação de disputa entre os segmentos
Segmentos governamental e não governamental.
Falta de articulação do segmento dos
usuários - o pensar/agir isoladamente dentro
do CMS.
Deslegitimação do Controle Social pelo
Articulação
distanciamento entre os conselheiros e suas
bases representativas.
Ausência de mecanismos de inclusão dos
novos conselheiros
Dificuldade de consolidar o papel do
Controle Social para além dos objetivos
Papel do Controle burocráticos.
Social Incoerência em ocupar uma posição de
defesa e proteção de algo em que não se
acredita.
“Se metade do CMS fosse ativo, como eu como mais uns dois ou três
que são, ah daí nós íamos ter uma força violenta né...” (U5).
“às vezes as propostas são muito direcionadas [...] como se fosse “pra
mim” e não é, a discussão tem que ser voltada para um todo” (T1).
uma vida digna, mas sob o olhar da assistência generosa e gratuita do que
é público – não para todos, mas para aqueles que não podem pagar por
qualquer outra coisa ‘melhor’. Neste sentido a Bioética tem um papel
fundamental nessas questões persistentes advindas da desigualdade,
principalmente em defender os vulnerados, politizando sobretudo esses
problemas morais (GARRAFA, 2011).
Há outro resquício de colonialidade sobre a cultura da saúde
pública no Brasil – a dificuldade de descolar a visão tecnocrática como
condição ímpar na busca de um SUS de qualidade. A tecnologia pode ser
positiva e tem sido requerida sob vários aspectos dentro do sistema
público, o problema se concentra em colocá-la como condição única na
busca pela saúde, fazendo persistir um olhar biomédico, principalmente
como medida de valoração do SUS.
[...] eu vejo muito isso... o orçamento foi
atendimento, os indicadores...quantos ultrassons
quantos raios-x, é tudo com relação a consultas...
(T2)
[...] às vezes eu penso que quando se discute saúde
eles estão discutindo só o atendimento nos centros
de saúde. Pra mim saúde é muito mais que isso.
Não vi o CMS ter uma relação com a questão da
saúde preventiva [...] Como que é a qualidade de
água e saneamento? Como que é qualidade da
habitação dessas pessoas que são atendidas aqui?
[...] E depois isso é discutido coletivamente? Quem
é que faz isso? O administrador daqui do CMS,
quando medico traz relatos de condições precárias
numa família, isso depois é debatido no coletivo do
executivo pra tentar resolver o problema
conjuntamente? Eu não vi isso, senão, não vai dar
certo, discutir só o atendimento a saúde, a
distribuição de medicamentos, que é importante,
com certeza que é, mas eu acho que saúde é mais
que isso [...] eu não consigo ver esse debate
isoladamente (U3).
A dificuldade de se consolidar nas vias práticas, o que já foi
articulado na lei, se concentra na própria barreira de mudar o imaginário
colonizado da população sobre a saúde, sobre o que é um serviço de saúde
que pode para além de tratar doenças, produzir saúde.
Alguns países vêm buscando consolidar a qualidade de vida da sua
população sobre patamares menos condicionados pelo olhar tecnocrático,
191
Estado e nem pelos seus mecanismos de participação, logo não sente que
o Estado lhe protege como cidadão e, portanto, não se reconhece
pertencente aos assuntos deste. De acordo com Cortina (2005b) esse
pertencimento é que seria capaz de gerar a consciência de
responsabilização e lealdade para com a comunidade, sem ela
dificilmente os cidadãos se sentirão motivados a interferir no curso da sua
vida em coletivo.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
8 REFERÊNCIAS
APÊNDICES
Apêndice A - Roteiro de Entrevista
ROTEIRO DE ENTREVISTA3
Pergunta disparadora:
Você já vivenciou algum problema ético nas reuniões do conselho?
Poderia me contar qual(is) foi(foram) e como foi(foram)?
Caso Hipotético:
O presidente do CMS dá boas vindas e diz que é uma honra ter sido
indicado pelo prefeito para novamente estar à frente do conselho. Diz que
está satisfeito com sua equipe, pois são todos funcionários de longa data
da casa, e por isso, altamente qualificados.
A reunião se inicia com a colocação de um conselheiro sobre a
falta de paridade entre usuários, trabalhadores da saúde e gestores em uma
das comissões formadas pelos conselheiros, pois sente que a paridade é
importante para que o resultado contemple da melhor forma a sociedade.
O Presidente então questiona se em algum regimento consta que deva
haver paridade nesta comissão. Diante da resposta negativa ele considera
que se não está escrito, então não há ilegalidade.
Um conselheiro então pede que os informes da Mesa Diretora
sejam substituídos pela apresentação da Proposta da Lei Orçamentária
Anual do Fundo Municipal de Saúde do Município, tendo em vista que
3
Este Roteiro guiará as Entrevistas Semi-dirigidas. A pós a
questão disparadora, a pesquisadora narrará um suposto caso de
um conflito ético que poderia estar presente nas reuniões do
Conselho de Saúde. Logo após continuará a entrevista em forma
de diálogo que deverá ser capaz de responder as questões acima
colocadas.
215
tal apresentação tem prazo legal para envio à Câmara de Vereadores, além
de ser de suma importância e mais relevante que os demais itens da pauta.
Colocada em votação, a plenária aprovou a alteração.
Ao final da apresentação, uma conselheira relatou desapontamento
com os dados apresentados, comentando também a impressão errônea que
os gráficos sugerem e colocando em evidência os gastos do Conselho, que
se concentram em infraestrutura, não havendo gastos com ações políticas.
O presidente interrompe dizendo que o Conselho leva suas propostas para
fora do município, que é exemplar e que a conselheira nunca se dá por
satisfeita.
Outra conselheira pede a palavra dizendo que a apresentação é
realmente técnica e só pode ser discutida com pessoas que contenham
conhecimento a respeito. Diz que o assunto tratado é muito importante e
que os leigos são insensíveis a este tipo de assunto, quem não sabe disso
é porque está alienado.
Outro conselheiro demonstra descontentamento afirmando que o
Conselho realiza poucas reflexões sobre possíveis transformações, e o que
geralmente se tem é uma pauta de encaminhamentos, fiscalização e
relatórios, além de demandas emergenciais como àquela, trazendo-se o
discurso que só pode ser apresentada no mesmo dia e devendo ser voltado
imediatamente. E questiona: se não se consegue nem analisar os dados,
como votar diante de tal complexidade?
A mesa diretora pede questão de ordem, diz que o orçamento pode
ser aprovado com ressalvas, e que depois enviará a apresentação para os
conselheiros apreciarem melhor. O presidente coloca o item em votação,
o qual acaba sendo aprovado.
No suposto caso, você enxerga algum problema ético? Qual/quais?
Você acha que situações desse caráter ocorrem no CMS em que
atua? Poderia me contar alguma situação que você tenha presenciado?
Demais perguntas: (lembrar que devem ser investigados os
conflitos éticos de variadas ordens, e que não precisam emergir somente
do espaço das reuniões – pode ser nas inúmeras relações enquanto
conselheiro).
1. Em que medida as reuniões propiciam um ambiente adequado para o
diálogo de questões públicas?
Eu.....................................................................................................
.................................................., fui informado(a) dos objetivos,
procedimentos, riscos e benefícios desta pesquisa, conforme descritos
acima. Declaro estar ciente de que solicitaram a minha participação neste
estudo e que autorizarei a gravação da minha entrevista em aparelho digital.
Estou ciente de que participações em pesquisa não podem ser
remuneradas e que minha participação no estudo pode ser interrompida a
qualquer momento se assim eu o desejar, sem nenhum tipo de prejuízo.
Compreendendo tudo o que foi esclarecido sobre o estudo e concordo
com a participação no mesmo. Por fim, declaro que estou recebendo uma
cópia deste termo de consentimento assinado.
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219
Assinatura do participante
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Assinatura da pesquisadora principal
ANEXOS
Anexo 1 – Autorização Prefeitura Municipal do Município
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(próximas páginas)
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