Anais 2020

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ANAIS ELETRÔNICOS

2020

LUCIANA NOVAIS MACIEL


Organização

Anais disponíveis em:


www.piodecimo.edu.br/faculdade

Curso de Letras Português e Espanhol

ANAIS DA IX SEMANA DE LETRAS DA FACULDADE PIO DÉCIMO/2020 ISSN: 2359-1250


Disponível em: https://faculdade.piodecimo.com.br/curso/1120/44529/anais-semana-de-letras
LUCIANA NOVAIS MACIEL
Organização

“PROFISSIONAIS DE LETRAS EM TEMPOS


PANDÊMICOS”

ANAIS ELETRÔNICOS
IX SEMANA DE LETRAS DA FACULDADE PIO DÉCIMO

Anais disponíveis em:


www.piodecimo.edu.br/faculdade

Curso de Letras Português e Espanhol

ANAIS DA IX SEMANA DE LETRAS DA FACULDADE PIO DÉCIMO/2020 ISSN: 2359-1250


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27 A 29 DE OUTUBRO DE 2020 ISSN: 2359-1250

COMISSÃO ORGANIZADORA E CIENTÍFICA

Prof.ª Me. Luciana Novais Maciel (Presidente)

Prof. Dr. Anselmo Guimarães


Prof. Me. Andrés Alberto Soto Tello
Profª. Me. Ana Sabrina Domingues Leme
Prof.ª Me. Cláudia Laís Costa da Silva
Prof. Me. Fabian Jorge Pineyro
Prof. Me. Francisco Diemerson
Prof. Me. Franklin Lima
Profª. Me. Grace Cristina MiIlet da Paixão Castro
Prof. Me. Jackson Francisco Santana
Prof.ª Me. Tatiana Cíntia da Silva

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COPYRIGHT 2020© LUCIANA NOVAIS MACIEL (ORG). É proibida a


reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa dos
autores e organizadores. Por se tratar de uma publicação do tipo
ANAIS, a comissão organizadora da IX SLFPD, isenta-se de qualquer
responsabilidade autoral de conteúdo, ficando a cargo do autor de
cada artigo completo/resumo tal responsabilidade.
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Ficha Catalográfica

Catalogação na publicação (CIP) Ficha Catalográfica produzida pela editora


executivo MACIEL, Luciana Novais, et.all. PROFISSIONAIS DE LETRAS EM
TEMPOS PANDÊMICOS. Anais eletrônicos da IX Semana de Letras da
Faculdade Pio Décimo / Luciana Novais Maciel. [org.]. – Faculdade Pio Décimo,
2020. 48 p.: 6ª ed. ISSN 2359-1250
1. Ensino. 2. Língua. 3. Espanhol. 4. Literatura. 5.
Anais.

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FACULDADE PIO DÉCIMO

Antônio Thiers Almeida Vieira Santos

DIRETOR GERAL

José Sebastião dos Santos Filho

VICE DIRETOR

Prof.ª Me. Lenalda Dias dos Santos

VICE DIRETORA
DIRETORA ACADÊMICA

Prof.ª Me. Luciana Novais Maciel

COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS e ESPANHOL e


COORDENADORA DO INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO (ISE)

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APRESENTAÇÃO 7

Na IX edição da Semana de Letras iremos discutir sobre as condições


enfrentadas pelos profissionais de Letras neste momento de pandemia em que
estamos inseridos há quase oito meses. É um momento para refletirmos
metodologias de ensino, mercado de trabalho e muita reinvenção de si enquanto
professor de Línguas. A pandemia provocada pelo vírus Covid-19 lançou-nos em
um campo, que para algumas pessoas era desconhecido, para outras já havia
proximidade, mas na verdade todos nós tivemos que buscar meios para exercer
as atividades de letrados em meio a todo o transtorno para vestir uma nova
“roupa”. Diante das circunstâncias apresentadas promovemos a Semana de
Letras, um espaço para reflexão e construção de novos conhecimentos.

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SUMÁRIO 8

ABERTURA OFICIAL .................................................................................................................................................... 2


PROFª DRª. FERNANDA COELHO LIERALI (PUC-SP) .............................................................................................................. 9
PROF. DR. FERNANDO DE MENDONÇA (UFS) ......................................................................................................................10

MESA REDONDA......................................................................................................................................................11

O PROSELITISMO E O MISTICISMO DO ANTÔNIO CONSELHEIRO...........................................................11


JANE KELLY DE SANTANA SILVA

A RELAÇÃO SOCIAL, FÍSICA E AMOROSA DESENCADEADA PELA SECA EM A BAGACEIRA ......................23


PEDRO VINÍCIUS LOPES REZENDE

RESUMOS.................................................................................................................................................40

OS MULTILETRAMENTOS NAS PRÁTICAS ESCOLARES .............................................................................40


JACKSON FRANCISCO DE SANTANA

A REPRESENTAÇÃO DE HEROÍNAS NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A INFLUÊNCIA NO GÊNERO POR


VIA DO DISCURSO..................................................................................................................................... 42
ANDREZA SANTANA FONSECA

O DISCURSO PRECONCEITUOSAMENTE ESTRUTURADO: análise da propaganda da esponja de aço


"KRESPINHA"..............................................................................................................................................44
PRICILA HORRANA GONÇALVES LIMA

O CINISMO NA CULTURA CONTEMPORÂNEA: SUPER HERÓIS...............................................................45


ERLISSON DENILSON GOMES DA SILVA

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ABERTURA OFICIAL

27 de Outubro de 2020

Profª Drª Fernanda Coelho Liberali (PUC-SP)

Tema: Os profissionais das Letra nos tempos da pandemia


A professora é formadora de formadores, pesquisadora e professora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, no Departamento de Ciências da Linguagem e

Filosofia, no PEPG em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e no PEPG em

Educação: Formação de Formadores. Possui graduação em Letras pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e Estudos

da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-doutorado pela

Universidade de Helsinki, pela Freie Universität Berlin e pela Rutger University. É

bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq; líder do GP/CNPq/PUC-SP Linguagem

em Atividade no Contexto Escolar e do Grupo de Estudos em Educação Bi/multilíngue

(GEEB); parecerista do CNPq, da CAPES e da FAPESP; representante brasileira do

comitê internacional do Simpósio Internacional de Bilinguismo e Educação Bilíngue na

América Latina (BILINGLATAM); membro do Eastside Institute Associates e do

Global Network da University of Leeds, coordenadora geral do projetos nacionais de

extensão e pesquisa Programa Digitmed e Projeto Brincadas e co-fundadora da Global

Play Brigade.

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28 de Outubro de 2020

Prof. Dr. Fernando de Mendonça (UFS)


Tema: Convergências Poéticas na Obra Romanesca de Clarice

Lispector e Conceição Evaristo

Professor Adjunto de Teoria Literária e Literatura na Universidade Federal de

Sergipe, onde atua no Departamento Letras LIBRAS (DELI) e no Programa de Pós-

Graduação em Letras (PPGL). Doutor em Teoria da Literatura pela Universidade

Federal de Pernambuco (2014); onde também se formou Mestre em Letras (2009) e

Bacharel em Biblioteconomia (2007) - curso pelo qual recebeu a Láurea Universitária.

Licenciado em Letras - Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá (2014).

Escritor, em 2012, publicou seu primeiro romance ("Um Detalhe em H" - Ed. Grupo

Paés) e sua pesquisa vencedora do Prêmio Melhor Dissertação do Ano - PGLetras/UFPE

("A Modernidade em Diálogo: o fluir das artes em Água Viva" - Ed. Universitária); em

2014, publicou mais uma obra de ficção ("23 de Novembro" - Ed. Grupo Paés).

Pesquisador especializado na obra de Clarice Lispector, também se concentra no

diálogo entre a literatura e outras artes, especialmente na relação com a linguagem

cinematográfica. Concentra suas áreas de interesse em Intersemiose e Literatura

Comparada, acumulando experiência na área de Ciência da Informação e atuando

também nos seguintes temas: LIBRAS, Literatura em Língua de Sinais, Teopoética,

Criação Literária.

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MESA REDONDA

O PROSELITISMO E O MISTICISMO DO ANTÔNIO CONSELHEIRO


Jane Kelly de Santana Silva (PIC / NELL / FPD) 1
Tatiana Cíntia da Silva (PIC / NELL / FPD/ UFS) 2
RESUMO

O presente trabalho tem como meta analisar o personagem Antônio Conselheiro por meio de traços
psicológicos presentes na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. Destacaremos como Conselheiro é
descrito em quase toda obra como figura emblemática, doutrinadora e cheia de misticismo diante de uma
população esquecida e à margem de tudo. Ademais será enfatizada a motivação daquela comunidade no
interior da Bahia para seguir o profeta, mediante a investigação sobre o que acontecera no Brasil naquela
época que desencadeou toda uma pesquisa em volta de Antônio Conselheiro. O aporte teórico utilizado
para a elaboração deste artigo consiste basicamente nas teorias de Germano Machado (2014), Oleone
Coelho Fontes (2011) e José Calasans Brandão da Silva (2015).

Palavras-chave: Antônio Conselheiro. Misticismo. População esquecida.

EL PROSELITISMO Y EL MISTICISMO DE ANTÔNIO CONSELHEIRO

1
Graduanda do Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Pio Décimo (FPD), aluna pesquisadora do Projeto
de Iniciação Científica (PIC) através do Núcleo de Estudos em Literatura do curso de Letras (NELL), Linha de
Pesquisa: Literatura, Regionalismo, Memória e Ensino, orientado pela professora Mestra Tatiana Silva.
E-mail: [email protected]
2
Especialista em Letras, Linguística e Literatura; Mestra em Literatura e Cultura; e, doutoranda pela mesma área.
Além de cátedra em Literatura na Faculdade Pio Décimo (FPD), tem como linhas de pesquisa a prosa machadiana e
a poética intertextual entre o medievo e o sertão em Elomar Figueira Mello pelas trilhas da memória e das metáforas
da saudade. Outrossim, faz parte do Projeto de Iniciação Científica (PIC) através do Núcleo de Estudos em Literatura
do curso de Letras (NELL), Linha de Pesquisa: Literatura, Regionalismo, Memória e Ensino.
E-mail: [email protected]

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RESUMEN
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Este trabajo tiene como objetivo analizar el personaje Antônio Conselheiro, a través de rasgos psicológicos
presentes en la obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. Destacaremos cómo la Consejera es descrita en casi
todas las obras como una figura emblemática y adoctrinante frente a una población olvidada y al margen
de todo. Además, se enfatizará la motivación de esa comunidad del interior de Bahía para seguir al profeta,
a través del análisis de lo sucedido en Brasil en ese momento que desencadenó toda una peregrinación en
torno a Antônio Conselheiro. El aporte teórico utilizado para la elaboración de este artículo consiste
básicamente en las teorías de Germano Machado (2014), Oleone Coelho Fontes (2011) y José Calasans
Brandão da Silva (2015).

Palabras llave: Profeta. Figura emblemática. Peregrinaje.

1. INTRODUÇÃO

Após importantes mudanças sociopolíticas e econômicas do século XIX, como a abolição


da escravatura e a proclamação da república, sucedeu-se um extremo contraste pelo interior do
país entre a população do Nordeste e o restante dos habitantes brasileiros. Surgiram situações
divergentes agravadas pela seca típica da região e das diferenças sociais significantes entre a classe
alta e a classe baixa ou miserável. Circunstâncias plurais de extrema pobreza e abandono, tanto
pela sociedade como pelo novo sistema Republicano recém implantado. O sofrimento de dezenas
de pessoas aumentou junto à fome, à miséria e ao esquecimento de uma sociedade marginalizada
pelas mudanças, e, assim, uma população reúne-se em uma comunidade que buscou subsistência,
proteção e igualdade. Nasceu uma sociedade com suas próprias leis, denominada Canudos.
Comunidade esta que, por “desliga-se” do restante do país, incomodou os poderosos e foi a
resistência de uma grande guerra sertanista.

Desta maneira, surgiu a obra Pré-modernista, Os Sertões, no ano de 1902, escrita por
Euclides da Cunha, testemunha ocular do conflito, um jornalista enviado como correspondente ao
sertão da Bahia, pelo jornal O estado de São Paulo, para cobrir a guerra no município de Canudos.
O registro tornou-se uma epopeia da vida sertaneja de extrema importância para o cenário
brasileiro que narrou os acontecimentos de um dos maiores conflitos que já se sucedeu no interior
da Bahia, um dos combates mais sangrentos da história brasileira.
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O relato feito em prosa cientifica a vida dos sertanejos, as situações de miséria que aquela
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comunidade viveu e a opressão que as elites brasileiras fizeram à sociedade por eles marginalizada.
Um crime sem preceitos que mediou as piores crueldades para com uma população indefesa e um
retrogrado assassinato a uma comunidade acabou por ficar em ênfase no enredo, e, segundo Cunha,
(2005, p.19) “aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral
da palavra, um crime. Denunciemo-lo. (2005, p.19)

Pelos relatos de Euclides da Cunha e as colocações daqueles acontecimentos brutais, insanos


e desumanos, encontramos a principal personagem da nossa análise, o emblemático Antônio
Vicente Mendes Maciel, vulgo Antônio Conselheiro, um homem que queria acabar com as
desigualdades sociais, que iniciou uma campanha missionária e formou um exército de fieis com
intuito de criar a sua própria religião, provando que os sertanejos poderiam viver sobre suas regras
e sem pagar nenhum imposto à República recém proclamada. Conselheiro era um homem imerso
em mistérios, não acreditava no novo regime político e era um líder daquela população que
cumpriu ao chamado missionário em Canudos, consolidando-se como homem de fé, um Messias
enviado para profetizar dias favoráveis para encaminhar aquelas pessoas por lugares melhores até
a salvação sem a necessidade de uma república criada por homens que não seguiam os preceitos
igualitários e eram regidos por interesses egoístas, conforme nos aprofundaremos porteriormente.

Tendo em vista as características intrigantes da figura de Antônio Vicente Mendes Maciel,


o Antônio Conselheiro, este será o foco da nossa análise assim como a guerra que marcou a história
brasileira. Outrossim, destacaremos o perfil daquele amontoado de fieis que seguiram Antônio
Conselheiro, o que aconteceu para que um número tão grande de pessoas seguisse um homem que
dizia ser profeta e quais eram as principais motivações. Além disso, ponderaremos sobre o caráter
religioso de Conselheiro, quem era aquele homem, quais os seus principais intuitos e como ele se
tornou o “Conselheiro”, o líder e influenciador de todas as lutas daquelas pessoas.

2. UMA POPULAÇÃO MARGINALIZADA

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Não seria apropriado falar sobre um acontecimento, sobre um “novo Messias” e seus
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discípulos sem inicialmente entender o que desencadeou a motivação de uma comunidade inteira
e sem conhecer os anseios, os medos e as dores dessa população que se abrigou em Canudos.

Outrossim, temos a história de várias pessoas descriminadas que foram vistas como
antagonistas, como selvagens, desordeiras e inimigas do novo regime político quando, na verdade,
foram vítimas de um massacre cruel da nova república a um povo esquecido pelo governo vigente,
assim como podemos constatar, segundo Machado (2014.p.72) “Esquecidos o tabaréu, o
candongo, o sertanejo, tornando párias de um país imenso, o encontro entre os dois Brasis é feito
através de um militarismo a soldo de um presidencialismo político de fachada, a viverem parasitas
à beira-mar.” A Nova República trouxe consigo a consolidação da divisão do país, um Brasil que
se tornou dois, separado entre ricos e pobres. A segunda classe, formada pela comunidade sertaneja
excluída do convívio social, como uma casta baixa, impura e à margem daquele presidencialismo
que governava apenas para os interesses da classe alta.

Adentrando pela história para considerarmos os acontecimentos e entendermos como se deu


cada fator de abandono social daquela população, iniciamos nossa argumentação pelo final do
século XIX e início do século XX, que foram determinados por várias mudanças que
impulsionaram o progresso. Invenções importantes foram criadas, novas tecnologias modificavam
o cotidiano de pessoas comuns, a Revolução Industrial era denominada um marco histórico que
chegava para modificar, melhorar e facilitar a vida de todos. Nesta época ocorreram mudanças
significativas que traziam para os países “periféricos” como o Brasil, a evolução que era esperada
por muitos anos, pois era necessário caminhar rumo ao progresso pela concepção de um tempo
moderno e inovador.

Assim, no Brasil, aconteciam mudanças significativas dentro da política, como a Abolição


da Escravatura em 1888 desencadeada por um processo lento de lutas populares que foram
impulsionadas por uma grande parcela da sociedade Brasileira que não concordava mais com o
pensamento retrógrado movido pela elite. Acontecia também no ano subsequente a proclamação
da república, em 15 de novembro de 1889, que instaurou a forma republicana presidencialista de
governo, finalizando a monarquia e, por consequência, destituindo o Império.

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Com a Abolição da Escravatura, a sociedade também passou a ser constituída por ex-
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escravos e seus descendentes que foram largados à própria sorte, pois a abolição aconteceu, mas
não libertou, pelo contrário, levou aquela população a mais terrível miséria. Muitos negros foram
expulsos das fazendas onde viviam, ficaram sem ter casa para morar sem meios de sobreviver,
aliás, a maioria da elite brasileira não queria ver os postos de trabalhos sendo ocupados por negros
e ex-escravos ou por sua prole, como é destacado por Calasans:

Negros libertos que esperaram inutilmente, como se anunciara na zona canavieira


de Santo Amaro da Purificação, que chegasse a “alforria da terra” para completar
a alforria do homem. O drama do ex-escravo, do “treze de maio”, desajustado,
incapaz muitas vezes de viver sua nova vida. (SILVA. 2014.p. 177)

Os negros esperavam que com a abolição sua comunidade encontrasse oportunidades de


viver sua vida de maneira autônoma, porém, eles conseguiram a liberdade, não a independência.
Aquelas pessoas tornaram-se abandonadas pelo sistema que devido ao preconceito evidenciado na
aristocracia não integrou os negros economicamente à sociedade. Dessa forma, eles passaram de
ex-escravos à órfãos de pátria, abandonados à própria sorte.

Por outro lado, com a chegada da Nova República foram desencadeados vários problemas,
nada mudou em relação às formas de controle social para a pirâmide econômica e para a divisão
de classes, que ainda continuavam com as mesmas estruturas. Não aconteceu mudança alguma em
relação à classe pobre, ela ainda permanecia no mesmo lugar de subsistência, apenas vivendo para
adquirir o sustento familiar, mesmo assim, de forma precária. Com o início da política, o poder
ainda perdurava nas mãos dos mais poderosos e a parcela pobre da população continuava a ser
esquecida, assim, o número de “abandonados” por um sistema, agora governamental, recém
implantado, aumentava.

Dessa maneira, após a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, o cenário


socioeconômico brasileiro também foi obrigado a seguir as mudanças. Essas transformações
segregaram grande parte da população, principalmente a parcela negra, aborígene e sertaneja.
Pessoas que viram suas raízes sendo “insuficientes” para um novo país que surgia à frente dos seus

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olhos, uma pátria criada pela exclusão social e que, portanto, passou a seguir Antônio Conselheiro,
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por medo do futuro e pela necessidade de acreditar em algo.

Mediante esses momentos de profundas transformações, acontece a aglomeração de


pessoas em uma aldeia da Bahia denominada de Belo Monte, fundada em 1893. O maior
movimento de resistência à opressão dos grandes proprietários rurais que exploravam uma grande
parcela da população que vivia na extrema miséria. À margem da sociedade, os rejeitados por seu
próprio país, os antagonistas, acolhidos pelo Conselheiro travaram uma luta sem equiparação de
danos, protegendo uma vila que se tornou a casa e o ponto de refúgio para todos. Assim, surgiu a
população de Monte Santo, chamada popularmente de Canudos.

Ex-escravos somaram-se à comunidade sertaneja pobre e outras parcelas da sociedade,


formando os indesejados dos novos tempos, os desordeiros daquela atual república levados a
migração forçada pela miséria, o subdesenvolvimento de uma raça em fome (MACHADO, 2014).
Portanto, a motivação daqueles que se abrigaram em Canudos pode ser nomeada como
subsistência, como a única maneira de sobreviver diante de um país que abandonou seu próprio
povo. O que motivava aqueles sertanejos era a necessidade e o sofrimento que passara durante sua
vida. Em Canudos, essa população encontrou abrigo, e apoio, elaborou suas próprias leis,
encontrou um meio de sobreviver diante da incompreensão da elite brasileira, uma religiosidade
para o conforto e um líder a seguir.

A população que se abrigou na cidade de Canudos era um povo carente, imerso pela
opressão e que emergia pelas difíceis condições socioeconômicas em que viviam, uma sociedade
mestiça que surgiu da prole da escravidão, segundo Cunha (2005, p.103) “teoricamente ele seria o
pardo, para que se convergem os cruzamentos sucessivos do mulato, do curiboca e do cafuz” e
assim se fez aquela população que, através de Antônio Conselheiro, erguera uma cidade que
abrigou todo o extrato dos grupos marginalizados por um país de elites que não tinha lugar para
aquela população de abandonados e ex-escravos.

3. A DOUTRINACÃO DE ANTÔNIO CONSELHEIRO

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A obra de Euclides da Cunha apresenta Antônio Vicente Mendes Maciel, nascido em 13
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de março de 1830, em Nova Vila de Campo Maior. Conselheiro renunciou a sua vida após a morte
de seu pai para cuidar da sua família, mais precisamente, de suas irmãs solteiras. Somente após o
casamento delas, procurou se casar. O que em sua vida foi um desalento, pois logo se separou
devido a uma suposta traição da sua esposa. Mediante tal acontecimento, Antônio Vicente afasta-
se da realidade em que vivia e passa a procurar lugares desconhecidos onde ninguém sabia o que
acontecera em seu casamento.

Após 10 anos, surgiu o peregrino Antônio Conselheiro que trazia esperança, conselhos e
fé por onde passava, segundo Fontes (2011.p.125) “sendo casado e não tendo condições de viver
em harmonia com a esposa, optara por seguir vida de martírio, cujo único fim era aconselhar o
povo”. Assim, ele tornou-se um líder religioso que foi base fundamental para que a cidade de
Canudos se erguesse. Cheio de mistério, fonte de curiosidade e sinônimo de doutrinação; tornou-
se uma figura emblemática que surgiu no sertão da Bahia com o intuito de “colher” fieis para os
seus propósitos religiosos de criar um lugar descrito como terra prometida.

Dessa forma, em meio a um sertão desumano, ele se tornou líder em todos os lugares onde
passou, movendo multidões e seguidores, construindo um emblema, sendo fonte de esperança e
de sabedoria, ficando cada vez mais conhecido e procurado pela grande parcela pobre da população
da Bahia, segundo Silva (2015, p.74) “O santo Antônio dos mares fanatizara a gente interiorana
disposta a defendê-lo de qualquer maneira, acompanhando-o em “tropel e número fabuloso para
qualquer lugar”. Assim Antônio Vicente torna-se o Antônio Conselheiro, descrito por Cunha
como:

[...] E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até aos ombros,
barba inculta e longa; face escaveira; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um
hábito azul de brim americano; abordoada ao clássico bastão em que se apóia o
passo tardo dos peregrinos... conclui que Antônio Maciel, ainda moço, já
impressionava vivamente a imaginação dos sertanejos. Aparecia por aqueles
lugares sem destino fixo, errante. Nada referia sobre o passado. Praticava em
frases breves e raros monossílabos. Andava sem rumo certo, de um pouso para
outro, indiferente à vida e aos perigos, alimentando-se mal e ocasionalmente,
dormindo ao relento à beira dos caminhos, numa penitência demorada e rude...
(CUNHA 2015, p.194 -195)

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Conselheiro transforma-se em um líder religioso e, ao mesmo tempo, em uma figura 18


misteriosa que se estabelece no arraiá de Monte Santo, que mais tarde seria chamado de Canudos,
com centenas de fiéis que seguiram seus ensinamentos e sua doutrina. O peregrino portava um
caráter de liderança, um poder de convencimento inigualável, além disso, conquistou o respeito
absoluto dos sertanejos. Mais que tudo isso, ele possuía a autoridade nas decisões daquela
população, segundo Cunha (2005, p.195) “tornou-se logo alguma coisa de fantástico ou mal-
assombrado para aquela gente simples” que o via como uma imagem sacra.
O semelhante de Deus na terra, que havia vindo para salvar os oprimidos e sofredores e
que possuía em seu cajado um grande poder como nas histórias bíblicas. Conselheiro criou um
legado devido a sua aparência que transparecia a imagem de um sacerdote e um símil de Jesus na
terra com seus cabelos longos, barba crescida, olhar misterioso e palavras breves; logo, foi visto
como a representação divina vindo a terra à mando de Deus.
Essa aparência de Antônio Conselheiro foi impressionando aquela população sertaneja que
necessitava de uma resolução para os seus problemas que só pioraram com o abandono da
República. Então, aqueles peregrinos de Conselheiro buscaram o apoio necessário para sobreviver
à negligência da sua pátria para com eles, encontraram em seu líder um possível Messias que os
levaria para um caminho de salvação celeste, assim como podemos destacar no seguinte
fragmento:

A admiração intensa e o respeito absoluto que o tomaram em pouco tempo


arbitro incondicional de todas as divergências ou brigas, conselheiro predileto em
todas as decisões. A multidão poupara-lhe o indagar torturante acerca do próprio
estado emotivo, o esforço dessas interrogativas angustiosas e dessa intuspecção
delirante, entre os quais evolve a loucura nos cérebros abalados. Remodelava-o à
sua imagem. Criava-o. Ampliava-lhe, desmesuradamente, a vida, lançando-lhe
dentro os erros de dois mil anos, precisava de alguém que lhe traduzisse a
idealização indefinida, e a guiasse nas trilhas misteriosas para os céus... CUNHA
(2005, p.195-196)

Conselheiro transfigurou-se em o líder preferido nas decisões daquela comunidade que


trazia o reflexo de uma divindade sobre aqueles sertanejos que estavam a se questionar sobre suas
emoções, sobre suas angústias, sobre todos os seus sofrimentos e histórico de abandono. A miséria
fez com que aquela população se agarrasse aos costumes religiosos tradicionais, e assim à fé e ao

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misticismo de Antônio Conselheiro, que era o mais próximo da semelhança divina e da concepção
19
da credulidade sertaneja, segundo Cunha (2005, p.183) “A multidão aclamava-o representante
natural das suas aspirações mais altas”. Para aquela comunidade, apenas o fato da sobrevivência
já era um milagre. Conselheiro tornou-se uma figura messiânica que tinha como sua missão
principal construir várias igrejas sobre o sertão e para e para isso ele conquistou todos os meios
que possuía ao seu alcance, influenciando a população carente do sertão e conseguindo recursos
materiais para as suas obras, ou seja, ele se tornou influente para a comunidade de Canudos e, ao
mesmo tempo, era sinônimo de alento, trazia a crença no sobrenatural e a expectativa em dias
melhores.

4. O MISTICISMO DO CONSELHEIRO

Mediante a vida passada que escondia e, diante de como sua personalidade foi se formando
no seio daquela comunidade, Conselheiro passou a ter um ar místico. Tornou-se uma pessoa
singular com mistérios plurais e chamava a atenção por diversos acontecimentos em sua trajetória.
Antônio Conselheiro reunia as superstições que formavam e baseavam as crenças daqueles
sertanejos na figura complexa que levava uma vida de renúncias e vivia do lhe ofereciam.
Seja pela influência que tinha sobre aquele povo ou por todas as coisas que os sertanejos
espalhavam sobre ele, Conselheiro era uma personalidade que despertava crenças para aqueles
peregrinos desacreditados em tudo o que viveram até então. Ele havia transformando-se em um
santo milagroso que exercia o seu poder para ajudar aquelas pessoas necessitadas de Canudos e,
segundo Silva, (2005, p.76) “a presença do Conselheiro transformou a vida sertaneja em uma
perene missão”, afinal, aquelas pessoas sempre seguiam o Conselheiro e enxergavam nele a
salvação por meio de milagres.
A fama do Conselheiro foi se espalhando devido a suas caminhadas pelo interior da Bahia
e ao se estabelecer em Monte Santo, muitos peregrinos o procuravam em busca da salvação e do
caminho celestial. Apesar de o profeta não se declarar provido de tais habilidades, ele era uma
figura santa para as pessoas que o seguiam mas, como já dissemos, não se declarava como um.
Aliás, segundo Silva, (2015.p. 48) ele apenas “era santo para o mundão dos seus fanáticos
acompanhantes” e histórias sobre seus atos “santos” povoavam o sertão enquanto conselheiro
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continuou a tomar o lugar de líder religioso e muitos o viam como apóstolo até mesmo por suas
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vestes, enquanto Antônio Conselheiro declarava-se apenas como um peregrino, como podemos
observar em:

Declarava-se, sim, um peregrino. Um homem humilde, metido num surrado


camisolão azul, apoiado em seu bastão, que saiu pelos sertões apanhando pedras
para levantar capelas e muros de cemitérios, dando conselhos, pregando e
praticando o bem. A todos chamando meu irmão. A todos saudando com o
“louvado seja N.S. Jesus Cristo”. Aquele cristão errante, que declarou, certa feita,
ir à procura dos maus- aventurados. (SILVA 2015, p.48)

Ele ficava cada vez mais conhecido por muitos episódios intrigantes e lendas que se
formavam a seu redor. Talvez por ter vivido em um ambiente onde predominasse o catolicismo, a
existência de mitos seria mais um enígma. O intermédio de milagres e grandes feitos pelo famoso
profeta era algo imaginável, pois com o surgimento de um homem classificado como Santo,
também surgiram histórias misteriosas e intrigantes. De acordo com Cunha (2005, p.208) “O
conselheiro continuou sem tropeços na missão pervertedora avultando na imaginação popular”.
Havia uma diversidade de histórias sobre o profeta desde curas a enfermos que estavam à beira da
morte até mandos incomuns e inacreditáveis que o mesmo fazia em Monte Santo, todas as lendas
contadas sempre se assemelhando a figuras Santas ou a mitos que se espalhavam pela superstição
popular, conforme podemos observar:

Apareciam as primeiras lendas.


Não as arquivaremos todas.
Fundou o arraial do Bom Jesus; e contam as gentes assombradas que em certa
ocasião, quando se construía a belíssima igreja que lá está, esforçando-me
debalde dez operários por erguerem pesado baldrame, o predestinado trepou
sobre o madeiro e ordenou, em seguida, que dois homens apenas o levantem; e o
que não haviam conseguido tantos, realizaram os dois, rapidamente, sem esforço
algum [...] (CUNHA 2005, p.208).

Em um ambiente onde predominava o catolicismo, a recuperação da saúde de um enfermo


por intermédio de milagres era algo imaginável e isso provocou a existência de histórias místicas
ao redor do Conselheiro, o que reforçava a fé daquela população sertaneja que seguia a sua
peregrinação, afinal, ele era o seu Messias e os levaria à salvação eterna, como podemos destacar
no aporte que segue ( CUNHA, 2005, p.183) “Os sertões alvorotado tinha na atitude, na palavra e
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no gesto, a tranquilidade, a altitude e a resignação soberana de um apóstolo antigo”. Outrossim,
21
aquela comunidade enxergou em Conselheiro a similitude de Jesus Cristo, segundo Lucas (Cap.
3, vers. 23, p.116) “Jesus tinha cerca de trinta anos de idade quando começou seu ministério. Ele
era, como se pensava, filho de José, filho de Heli”, assim, como nas descrições de Euclides da
Cunha “ aquele velho singular, de pouco mais de trinta anos” (2005, p.195). Por intermédio das
analogias, salientamos que Conselheiro retoma a esperança daquela multidão assim como ela era
depositada em Jesus de Nazaré e, além disso, ambos ganharam adeptos que os seguiriam até a
morte.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante a pesquisa realizada, podemos concluir que a busca pela liberdade


socioeconômica de uma população culminou em um desastre sem precedentes no cenário histórico
brasileiro e em um fanatismo até hoje envolto de mistério.
Além disso, constatamos que Canudos foi um espaço de massacre a céu aberto e a doutrina
de Conselheiro foi a única saída para aquela comunidade sertaneja sofrida e esquecida pelo país e,
para essa população, impor-se e lutar pela sobrevivência era a única escolha a ser feita. Logo,
Conselheiro era a potência superior que ia contra uma sociedade culta e um governo que não
governava para todos, era o substrato de uma comunidade que o tinha como reflexo do abandono
do Brasil.
Portanto, Conselheiro ficou conhecido por seu misticismo e por toda as especulações que
surgiam a partir das curiosidades sobre ele. Visto como um homem santo, um Messias que viria a
terra para profetiza dias melhores, para reinar e trazer a salvação para pessoas que estivessem
sofrendo pelo sertão. O seu misticismo era abastecido pelas lendas populares que se faziam
presentes mediante a uma sociedade que necessitava de alguma esperança para continuar seguindo
ou de alguém que os concedessem alguma expectativa da chegada de bons tempos. Dito de outra
forma, Antônio Conselheiro era o reflexo de uma sociedade abandonada que clamava por
mudanças, uma sociedade que tinha perdido tudo e a única coisa que ainda restava era a sua fé,
mesmo que ela os levasse à morte, que foi exatamente como aconteceu. Os seguidores do

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Conselheiro o seguiram até a morte, não o abandonaram ou o traíram, talvez por doutrinação ou
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apenas por ser a única perspectiva que sobrou àquela comunidade.
Assim, nossa analise buscou evidenciar a influência de Antônio Vicente Mendes Maciel
para aquele povo sertanejo e o que ele significava para aquela comunidade. A sua liderança
respondia às indagações dos sertanejos, à fé e à esperança deles; portanto, esses foram os laços
que transformaram Conselheiro em figura santa.
Louco ou beato, ficou para nós ainda mais evidente que ele ainda continua a ser um mistério
que atrai a atenção de muitos que tentam pelas linhas de Os Sertões compreender o que aquele
homem era, queria e em que ele havia se tornado.

REFERÊNCIAS

CUNHA, Euclides. Os Sertões. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.


MACHADO, Germano. Os Dois Brasis: Um olhar filosófico sobre Os Sertões. Salvador:
Editoração CEPA, 2014.
FONTES, Oleone Coelho- No rastro das alpercatas do Conselheiro ( Coletânea de textos
conselheiristas e euclidianos). Salvador: Ponto e Vírgula Publicações, 2011.
BÍBLIA, Sagrada: nova versão internacional/ Sociedade Bíblica Internacional. –Santo André:
Geografia, 2007.
SILVA, José Calasans Brandão da. Cartografia de Canudos. 2. Ed. Salvador: Assembleia
Legislativa, 2015.

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A RELAÇÃO SOCIAL, FÍSICA E AMOROSA DESENCADEADA PELA SECA EM A
BAGACEIRA

Pedro Vinicius Lopes Rezende (PIC / NELL / FPD)3


Tatiana Cíntia da Silva (PIC / NELL / FPD / UFS)4

RESUMO

O presente trabalho tem como proposta a análise crítica do romance A Bagaceira, escrito por José Américo
de Almeida. A referida obra trata de mazelas, problemáticas sociais verídicas e expostas em suas linhas
prosaicas, devido a isso, iremos adentrar na verossimilhança do enredo. Como um romance regionalista
sertanejo modernista, a obra terá como foco a paisagem das regiões sertanejas e os locais extremamente
desolados pelos fatores geográficos, ocasionando em uma terra quente e seca, consequentemente, fatores
dos grandes períodos de estiagens, pobreza e um alto sofrimento populacional, focos também desta
pesquisa. Ademais, no meio de toda a contextualização crítica e realista, destacar-se-á um conflito amoroso
marcado por desejos, senso de superioridade e violência, a salientar nas personagens Dagoberto, Lúcio,
Pirunga e Soledade. Logo, para uma melhor ênfase na proposta trabalhada, além do romance em análise,
teremos o olhar crítico dos teóricos Araújo (2008), Bosi (1970) e Coutinho (2014) como as principais
referências para solidificar a pesquisa.

Palavras-chave: Modernista. Realista. Regionalista. Seca. Sertanejo.

RESUMEN

El presente trabajo tiene como propuesta um examen crítico literário de la novela A Bagaceira, escrito por
José Américo de Almeida. La dicha obra trata de moretones sociales veraces y expuestas em sus líneas
prosaicas, debido a eso, iremos adentrar en la verosimilitud de la trama. Como una novela regionalista
sertanejo modernista, la pieza tiene como foco paisajista las regiones sertanejas y los locales
extremadamente afligidos por los factores geográficos, ocasionando em una tierra quiente e sequía, por
conseguiente, factores de los grandes períodos de sequias, pobreza y un alto sufrimiento poblacional,
enfoque también de esta investigacíon. Además, en lo médio de toda la contextualización crítica y realista,
destaca un conflito amoroso marcado por deseos, sentido de superioridade y violência, la subrayar en las
personajes Dagoberto, Lúcio, Pirunga y Soledade. Luego, para una mejor énfasis en la propuesta trabajada,

3
Graduando do Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Pio Décimo (FDP), aluno pesquisador do Projeto
de Iniciação Científica (PIC) através do Núcleo de Estudos em Literatura do curso de Letras (NELL), Linha de
Pesquisa: Literatura, Regionalismo, Memória e Ensino, orientado pela professora Mestra Tatiana Silva.
E-mail: [email protected]
4
Especialista em Letras, Linguística e Literatura; Mestra em Literatura e Cultura; e, doutoranda pela mesma área.
Além de cátedra em Literatura na Faculdade Pio Décimo (FPD), tem como linhas de pesquisa a prosa machadiana e
a poética intertextual entre o medievo e o sertão em Elomar Figueira Mello pelas trilhas da memória e das metáforas
da saudade. Outrossim, faz parte do Projeto de Iniciação Científica (PIC) através do Núcleo de Estudos em Literatura
do curso de Letras (NELL), Linha de Pesquisa: Literatura, Regionalismo, Memória e Ensino.
E-mail: [email protected]
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además de la novela en análisis, tenemos el mirar crítico de los teóricos Araújo (2008), Bosi (1970) y
Coutinho (2014) como las principales referencias para solidificar la investigación. 24

Palabras-llave: Modernista. Realista. Regionalista. Sequía. Sertanejo.

1. INTRODUÇÃO

Por meio da análise do livro A Bagaceira, do autor José Américo de Almeida, tem-se como
intuito descrever as temáticas desenvolvidas no romance. Não obstante, necessitará não só de um
entendimento contextual e interpretativo, mas da compreensão às atenuantes literárias que levam
o romance a ter uma determinada construção.
Ademais, em conformidade ao Modernismo regionalista, tem-se como foco descrever os
problemas existentes no sertão nordestino brasileiro – advindos da seca – e detectar como a mesma
afeta o sertanejo, levando em consideração o elo social, e, por fim, a partir desse emaranhado
social, serão apresentadas as questões amorosas existentes na obra, pois a mesma ocorre e se
desenvolve em um ambiente caótico, pobre, autoritário e, principalmente, em uma realidade social
antagônica entre as personagens marcadas pelo senso de superioridade, obsessão e violência.
No mais, na fala de Coutinho (2014, p. 20), uma obra literária deve conter “[...] a experiência
humana que ela transmite, [...] o sentimento, [...] a visão da realidade, tudo aquilo de que a
literatura não é mais do que a transfiguração, mercê de artifícios artísticos”, ou seja, o romance em
questão, a partir do que foi dito por Coutinho, justifica o presente trabalho, pois, em outra
colocação, os recortes posteriormente analisados possuem descrições e características da realidade,
uma vez que a obra destaca as problemáticas existentes nas regiões do Nordeste.
É pertinente mencionar que todo trabalho necessita de uma metodologia que caracterize a
forma como a pesquisa será desenvolvida e, por se tratar de uma análise literária, este trabalho terá
como base uma revisão bibliográfica e, consequentemente, livros e/ou artigos que complementem
e solidifiquem os argumentos utilizados. Por conseguinte, como dito anteriormente por Coutinho,
trabalhos que forneçam respostas a partir das questões sociais desenvolvidas no romance de José
Américo: o povo sertanejo, a região sertaneja, a relação amorosa e as problemáticas envoltas a
essas premissas.
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À vista disso, o presente trabalho tem como proposta compreender certas características da
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realidade nordestina desenvolvidas no romance de José Américo de Almeida à luz da união entre
literatura e regionalismo, com o interno conceber alguns elementos do enredo, a citar: a terra, o
povo e o caos romântico operado por obsessões e desejos masculinos.

2. O REGIONALISMO EM TERRITÓRIO MODERNISTA

Os romancistas necessitam, antes de escrever suas obras, de temas e características que


corroborem com o que se intenta escrever, em outras palavras, o que deseja ser transmitido e, de
certo modo, a conjuntura histórica também irá fazer parte desse processo.
A literatura, no decorrer dos séculos, mudou-se e se adaptou a partir do contexto social em
que a mesma foi criada. Segundo Coutinho, as mudanças literárias dependem exclusivamente de
“[...] critérios políticos e históricos [...], com subdivisões por séculos ou decênios, ou por escolas
literárias” (2014, p. 28). Isso significa dizer que a literatura não é estática, ou seja, em um
determinado período ela apresentou certas características, e, em outro período, outras formas de
representação ganharam espaço.
As chamadas escolas literárias ou, em outro termo, as fases literárias, trataram do regional.
O Quinhentismo, por exemplo, trouxe as primeiras centelhas do que seria o regionalismo,
destacando as características da terra e do povo que dela sobrevive – as tribos indígenas. O
Arcadismo ou Neoclassicismo, por sua vez, com sua simplicidade e com a filosofia do fugere
urbem trouxe, mesmo que ideologicamente, movimentações urbanas para a zona rural pelo
bucolismo. No Romantismo, tivemos o nacionalista regionalista e exaltador dos sentimentos
humanos. Já no Realismo e no Naturalismo, atingimos o olhar crítico dos problemas e das
diferenças sociais. O Pré-Modernismo, de fato, não poderia ser considerado uma escola literária,
mas, em questões regionalistas e inovadoras, foi o momento de transição para o Modernismo
engajado e atento às mazelas regionais.
Este período, de maior importância para o presente estudo, vem como uma desconstrução de
tudo que veio antes; porém, utilizando-se de certos preceitos e os misturando à ideologia crítica,
social e regional dantes não pormenorizada. É valido frisar, no entanto, que cada fase teve sua

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importância para a construção da literatura brasileira regionalista e para que o Modernismo
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chegasse mais maduro, assim como o escritor José Américo Almeida.
É importante salientar que José Américo, ao escrever o romance A Bagaceira (publicado
originalmente no ano de 1928), utilizou-se de temas característicos da escola literária Modernista
e, com isso, tem-se um romance pelas linhas do regionalismo engajado, ou melhor, como afirma
Bosi (1970, p. 415), notabiliza-se “[...] uma visão crítica das relações sociais” e torna-se a obra
introdutora dessa diretriz.
É valido lembrar que o Modernismo é dividido em três fases. A primeira é o momento de
ruptura com as construções clássicas literárias, sendo assim, apesar da sua importância, houve uma
imaturidade por parte dos representantes desse movimento, ou, como é dito por Bosi (1970, p.
409), ao descrevê-los: “[...] fogachos [...] adolescente”. Nas gerações posteriores, por outro lado,
“[...] vincou fundo a nossa literatura lançando-a a um estado adulto e moderno [...]” (BOSI, 1970,
p. 409), logo, nasceram características tanto modernas, quanto críticas e sociais, ou seja, uniram-
se essas propostas e nasceram os romances regionais modernistas da geração de 30 – Segunda
Geração modernista. Há, ainda, a Terceira Geração modernista que, embora não seja importante
para esta pesquisa, tem influxos regionais ora pela questão psicológica ora pelo fantástico.
As obras da Segunda Geração surgiram, conforme Araújo (2008, p. 126), “[...] transfiguradas
pelo realismo social, atingindo o nível das obras significativas – fenômeno até então inédito [...]”.
Logo, tanto Bosi (1970) como Araújo (2008) compreenderam que o Modernismo evoluiu a partir
da relação com o regionalismo, desenvolvendo e gerando uma literatura inovadora, pois seu
criticismo e sua denúncia social demonstram uma evolução da literatura brasileira, não tendo a
irrealidade exótica – característica do Romantismo – como foco, mas todas as minúcias e
especificidades da região analisada.
Quando o foco é o regionalismo, sabe-se que estão sendo discutidas questões existentes em
uma determinada região e, nesse caso, é o território nordestino. “No Nordeste, a tradição literária
da ficção regionalista revela e destaca a região valorizando a descrição da paisagem local com os
seus elementos, seu povo, seus dramas sociais e seus conflitos psicológicos” (HAIDUKE, 2008,
p. 30), em outras palavras, a obra tratará das problemáticas existentes.
Contudo, o regionalismo foi – antes de ser difundido no Modernismo – exaltado no
Romantismo um século antes e, apesar de ambos absorverem as regionalidades do Brasil em seus
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escritos, possuem focos literários divergentes. Na literatura romântica da Primeira Geração, por
27
exemplo, o amor sempre prevalece, apesar de todos os problemas existentes. A obra de José
Américo, por outro lado, não possui como foco primordial o amor. Existe, de fato, um exagero
romanesco e a predominância do egocentrismo à Segunda Geração romântica, contudo, sendo uma
obra modernista, tem a realidade como basilar. Nas palavras de Gonzaga:

[...] há uma separação nítida entre o “regionalismo romântico” [...] que


constrói a formação de uma paisagem nacional baseada em estereótipos,
em oposição ao “regionalismo crítico” (romances de trinta), de caráter
realista, que através dos aspectos locais pretende denunciar a realidade
social da população. (1996, p. 211).

Dessarte, uma literatura que desenvolve a realidade local do povo ocasionada pelo lugar e
não uma ficção romântica que se preocupa, principalmente, com banalidades e chavões
romanescos. Devemos evidenciar que, nos escritos de José Américo, há a proposta de criticar e
descontruir as estereotipias românticas, uma vez que a precária existência do povo nordestino pode
mudar o curso do amor, ou melhor, diante de todas as mazelas, até mesmo os afetos podem ficar
áridos ou se extinguirem completamente.
Isso posto, a obra estudada tem como foco os fatores predominantes da seca e como a
mesma interfere e prejudica o povo sertanejo; logo, caracteriza-se como literatura regionalista por
discorrer sobre as particularidades paisagistas e sociais da população que ali reside. Não obstante,
a obra também evidencia os conflitos psicológicos entre as personagens a partir da desenvoltura
de uma relação avessa ao romantismo em um ambiente caótico e cruel. O fato de ser exposto “[...]
uma direção formal (realista) e um veio temático: a vida nos engenhos, a seca, o retirante, o
jagunço” (BOSI, 1970, p. 422), compreendemos que há exemplos de características regionalistas
na obra, pois são demonstrações da realidade sertaneja.
Retomando o regionalismo romântico em um panorama comparativo com o regionalismo
modernista, em questões paisagistas, também divergem em suas colocações. Na fala de Araújo
(2008, p. 122), “a tarefa romântica incluía, nos temas considerados nacionais, a celebração da
natureza e o interesse por costumes e regiões [...]”, ademais:

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Em tal dialética, o gosto pela expressão local e pelo sentimento do exótico
pode ser visto como elemento impulsionador do surgimento de uma 28
tendência – o regionalismo – que se manifesta em vários momentos da
história do sistema literário nacional, agregando ao seu conceito noções
como “localismo”, “pitoresco” e “bairrismo” [...] (ARAÚJO, 2008, p.
119).

A paisagem regional romântica era apenas uma extensão de suas propostas literárias, que
seriam a angústia, o desespero e o sofrimento, como acentua Bosi (1970) em sua crítica. Sendo
assim, o regionalismo Romântico não possui fidelidade com as características do local utilizado
no desenvolvimento dos seus escritos, os escritores apenas faziam uso das paisagens na iniciação
de seus exageros amorosos. Os modernistas de 30, no entanto, mudaram totalmente essas
concepções e a paisagem era descrita como extensão dos problemas sociais apresentados no
Nordeste, como bem nos lembra Bosi:

A Bagaceira, escrito nos fins da década de 20, momento em que o


modernismo começava a tomar no Nordeste uma coloração original,
oferecia elementos que iriam ficar no melhor romance da década seguinte:
um tratamento mais coerente da linguagem coloquial, traços
impressionistas na técnica da descrição e, no nível dos significados, uma
atitude reivindicatória que o clima de decadência da região propiciava.
(1970, p. 422).

O olhar de Bosi é justificado por todo o enredo de José Américo, pois o livro possui uma
narrativa fiel, tanto da geografia quanto da representação humana do povo sertanejo. Há, a todo
momento, falas extremamente coloquiais e com um dialeto incompreensível para aqueles que não
conhecem a cultura e o povo sertanejo, como demonstrado no seguinte trecho:

- Deixe de luxo! [...]


- Tome assento de gente [...]
- Eu não danço banga! [...]
- Velha caninguenta! [...]
- Como ele está fiota!.... Todo perequete [...]
- Olha esse remelexo, cabelo de aratanha! [...] (ALMEIDA, 2017, p. 131)

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Ou seja, temos palavras e representações incompatíveis à norma culta da língua portuguesa,
29
mas, cultural; e coloquialmente, é uma demonstração do modus operandi do povo nordestino,
apesar das diversas represálias acarretadas pela seca.
Tem-se, mais uma vez, outra diferença do regionalismo romântico do moderno, pois os
romances de 30 foram desenvolvidos com “[...] ‘consciência social’ dos escritores [...], pois surgiu
como um problema a ser enfrentado no terreno da elaboração literária: ‘organização estética’,
‘elaboração formal’ constituíam um paradigma que, para os escritores, não poderia atrapalhar o
impacto humano da obra” (ARAÚJO, 2008, p. 126).
Outrossim, os modernistas são fieis até no dialeto do povo, enquanto os românticos – apesar
de utilizarem personagens característicos do Nordeste em sua prosa – apresentavam falas
denotativas, formais e o narrador, por vezes, não tinha o dialeto do povo simples do lugar.
Portanto, o Modernismo, com seu viés crítico, dialoga com o regionalismo – na sua segunda
fase literária –, aperfeiçoando e amadurecendo o que se difundiu, inicialmente, pelos românticos,
na criação de um enredo em que sejam expostas as realidades, as injustiças, as culturas, as
localidades e as representações regionais, foco do romance A Bagaceira.

3. A RELAÇÃO SOCIAL ENTRE A SECA E O RETIRANTE NORDESTINO

A seca é um problema que, no decorrer dos séculos, ocasionou e ocasiona diversos


pormenores no território nordestino, pois o espaço é uma região territorial agredida e maltratada
por fatores geográficos. Aliás, em seus estudos, Campos e Studart fazem uma análise sobre os
fatores predominantes que caracterizam as estiagens no nordeste do Brasil e afirmam que:

O conceito de seca está intimamente relacionado ao ponto de vista do


observador. Embora a causa primária das secas resida na insuficiência ou
na irregularidade das precipitações pluviais, existe uma sequência de
causas e efeitos na qual o efeito mais próximo de uma seca torna-se a causa
de um outro efeito e esse efeito passa a ser denominado também de seca.
Assim, para citar as mais comuns, pode-se definir a seca climatológica
(causa primária ou elemento que desencadeia o processo), a seca edáfica
(efeito da seca climatológica), a seca social (efeito da seca edáfica) [...]
(2001, p. 03).

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Logo, na busca da compreensão científica do que é a seca, tem-se diversas definições,
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levando em consideração as mazelas existentes no sertão nordestino. Sendo assim, é tido uma
denominação para representar uma ou mais características, tanto da terra, como dos indivíduos que
fazem parte dessa região territorial. Não obstante, como a proposta do trabalho é uma análise a
partir do enredo em A Bagaceira, percebeu-se que a narrativa apresenta todas as premissas do
estudo de Campos e Studart (2001).
Outrossim, os mesmos teóricos ratificam que “a seca climatológica refere-se à ocorrência,
em um dado espaço e tempo, de uma deficiência no total de chuvas em relação aos padrões normais
que determinaram as necessidades [...]”; A seca edáfica, vale ressaltar, é a mais descrita na
narrativa. Caracteriza-se por referenciar efeitos sociais voltados pelas “[...] severas perdas
econômicas e grandes transtornos sociais como fome, migração e desagregação familiar. É a seca
social” (CAMPOS; STUDART, 2001, p. 03).
A seca climatológica condiz como o tempo desenvolve-se na região, especificamente, um
território quente e com poucas chuvas. A partir desses fatores geográficos, ocorre a chamada seca
social, que trata do indivíduo e de como o mesmo é atingido por meio desses fatores climáticos. A
Bagaceira apresenta constantemente as situações acima descritas em sua narrativa, possuindo
como foco todas as questões sociais e panorâmicas do Nordeste, descrevendo os fatores que afetam
tanto a terra como o povo: a seca, a pobreza, a fome, as humilhações e os maus tratos, algumas
denominações que demonstram a realidade do povo sertanejo em um ambiente pobre. De outro
modo:

Os raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um


painel infernal. Um incêndio estranho que ardia de cima para baixo.
Nuvens vermelhas como chamas que voassem. Uma ironia de ouro sobre
azul. (ALMEIDA, 2017, p. 109).

Com brilhantíssima construção metafórica, o autor descreve como é a seca nordestina e


descreve o território bastante quente, comparando-o ao inferno. Outrossim, o excerto mencionado
condiz com o conceito de seca climatológica, ou seja, um território extremamente quente e seco,
possuindo um período de estiagens consideravelmente alto e sem chuva.

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Almeida (2017, p. 109) prossegue dizendo que “o sol, que é para dar o beijo de fecundidade,
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dava um beijo de morte longa, cáustico, como um cautério monstruoso” e por ser um ambiente
praticamente deserto e sem vida, “a poeira levantava e parecia ouro em pó” (ALMEIDA, 2017, p.
109). Esses dois últimos trechos exemplificam os conceitos de seca climatológica e da seca social,
pois salientam não só os problemas das localidades sertanejas, mas como eles afetam o povo que
reside nesta terra, ou seja, terra e povo são amalgamados.
Em uma região desolada, agredida e maltratada, o sol – que deveria dar vida e prosperidade
àquela terra – queima o solo, seca-o e destrói sua vitalidade, sobrando a poeira espalhada pelo
vento. Em contrapartida, mesmo sendo uma região em que há predominância do clima quente,
existem períodos de altas chuvas, outro ponto também evidenciado no romance, como é possível
perceber no seguinte fragmento: “Certa noite, vibrava um trovão nervoso, qual o clamor das trevas
friorentas. Acudiu toda a população rural ao pátio da casa-grande, debaixo do aguaceiro,
convocada pelo búzio imperativo” (ALMEIDA, 2017, p. 188).
De certo modo, tal descrição seria uma ironia paradoxal, pois a chuva é desejada pela
população, podendo trazer ora vitalidade ao espaço maltratado, ora outro infortúnio, afinal a chuva
em excesso causou, em uns momentos do enredo, estarrecedora quantidade de água no açude da
fazenda, que ficou “[...] a pique de arrombar” (ALMEIDA, 2017, p. 188).
Mesmo havendo a necessidade das chuvas, a falta de preparo e organização nas localidades
sertanejas, acarreta a perduração dos problemas, como podemos perceber no seguinte trecho: “os
dias lôbregos emendavam com as noites [...] A água, tão boa para purificar, lameirava o sítio. Tudo
se fundia em lama [...]. A enxurrada revolucionária transpunha as represas, inchando, espumando,
blaterando...” (ALMEIDA, 2017, p. 185). Mesmo desejando e suplicando por chuva, o povo
possuía “[...] saudade da quentura das estiagens fatais, dos dias mormacentos do sertão soalheiro”
(ALMEIDA, 2017, p. 186).
No mais, em um maior aprofundamento sobre a vida dos retirantes, é perceptível uma
convergência social com concepções primitivas, pois eles peregrinavam em busca de comida,
conforto e proteção. “Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham
pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo,
iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados” (ALMEIDA, 2017, p. 86) em busca
por algo melhor e em árdua caminhada. O primitivismo mantém-se no sertão temperado com as
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características de um clima regional quente, seco e pobre. Tem-se, então, uma relação social entre
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a terra e o homem arraigada a sofrimento, pobreza, fome e locomoção vitalícia.
Na narrativa de José Américo, a casa do senhor de engenho – Dagoberto – é o local tido
como solução de todos os problemas explicitados. Como senhor de engenho, detinha o poder nas
terras sertanejas, sendo dominante nas questões sociais, por conseguinte, era ríspido e
preconceituoso com os retirantes. “[...] Dagoberto escarmentava a convergência molesta.
Desafogava a fazenda da superpopulação imprestável, à caridade pública” (ALMEIDA, 2017, p.
88). Em sua concepção, os retirantes eram criaturas inúteis. É perceptível o seu preconceito, pois
os visualizava e concluía que eram inferiores por pedirem e buscarem ajuda.
“De quando em quando, um magote vingava o socalco. Chegavam mastigando em seco, para
enganar a fome, nas mais grotescas atitudes da miséria. Dobravam-se os joelhos, não como
pedinchões. Genuflectiam moídos de fadiga” (ALMEIDA, 2017, p. 88). Os retirantes não estavam
ali porque queriam, mas tal situação se apresentava como única chance de sobrevivência, já que
poderiam fugir da seca e terminar a longa peregrinação pelas terras áridas.
Os retirantes são descritos pelo narrador (2017, p. 86) como indivíduos que “não tinham
sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais”, ou seja, seres biológicos
que “insistiram em continuarem vivos”, apesar das diversas dificuldades enfrentadas. No mais, os
mesmos perderam os seus desejos humanos e apenas são sobreviventes em meio aos infortúnios
da seca, como é possível observar no seguinte aporte:

Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. Adelgaçados


na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços
afinados desciam-lhes aos joelhos; de mãos abanando. Vinham Escoteiros.
Menos os hidrópicos – doentes da alimentação tóxica – com os fardos das
barrigas alarmantes. (ALMEIDA, 2017, p. 86).

As longas caminhadas faziam com que os retirantes sofressem inúmeras humilhações, pois
“ninguém pergunta ao retirante donde vem nem para onde vai. É um homem que foge do seu
destino. Corre do fogo para a lama” (ALMEIDA, 2017, p. 107), além disso, o “[...] sertanejo não
sabe chorar. É o que tocar à sorte [...]” (ALMEIDA, 2017, p. 108), sendo assim, tendo como um
aparente sinônimo de firmeza agreste, o homem não poderia se lastimar de fome, penúria, êxodo

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ou de qualquer outra mazela, ou seja, não importa o destino do retirante, sempre encontrará
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infelicidade em sua peregrinação submissa e silenciosa.
Ademais, o nomadismo os obriga a uma dura peregrinação vitalícia, e, consequentemente,
tem-se uma transformação comportamental no indivíduo, acarretando na perda de sentimentos e
dos desejos humanos, gerando um comportamento seco, como a terra que os cerca. O seguinte
trecho corrobora e expõe o questionamento, já que “[...] acabo disso, essa é que foi a seca grande:
de primeiro, de rebentão era por fora; esse aí fui eu, porque a gente também seca por dentro. Seca,
fica tudo mirrado – p esp’rito, a coragem...” (ALMEIDA, 2017, p. 108).
Valentim, uma das personagens do romance, seria um exemplo de como o retirante se
configura. “– a gente sai por este mundão sem saber pra onde vai. Quanto mais anda, menos quer
chegar [...]” (ALMEIDA, 2017, p. 113). Ele relata a sua vida de retirante, demonstrando que viveu
locomovendo-se e não sabia nem sequer onde queria chegar, pela necessidade de sobrevivência,
aceitava as oportunidades que surgiram, sendo assim, não existia necessariamente um local
desejado, mas um que o aceitasse sem mais uma vez pô-lo na estrada.
Embora Valentim não soubesse para onde deveria ir, compreendia a necessidade da
mudança, “porque, se fica, está de muda e tem pena de ficar. E, enquanto anda, pensa que vai
voltar” (ALMEIDA, 2017, p. 113). Ele se utilizou disso para se manter forte e continuar vivendo,
já que “[...] O sertão é pra nós como homem malvado pra mulher: quanto mais maltrata, mais se
quer bem [...]” (ALMEIDA, 2017, p. 113), em outras palavras, apesar de todo o sofrimento, o
retirante é resistente, e, mesmo sofrendo, ama o sertão como sua terra pátria.
Portanto, através da narrativa de José Américo, há as descrições minuciosas e
comprobatórias das mazelas existentes nas terras sertanejas e, através da análise do presente
trabalho, houve a proposta em relacionar como a terra regional e o indivíduo desse mesmo solo
caminham juntos socialmente, inclusive, justapõem-se em um constante hibridismo entre espaço
e indivíduo, secura do lugar e sequidão humana.

4. AS OBSESSÕES AMOROSAS NO ENREDO

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O aparente romantismo desenvolvido na obra analisada terá como protagonistas,
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inicialmente, três personagens: Lúcio (filho do senhor de engenho); Soledade (retirante que,
fugindo da seca, vai em busca de uma melhor vida, chegando no engenho do pai de Lúcio); e
Pirunga, também retirante. Logo, tem-se um triângulo amoroso e todos os conflitos entre as três
são sempre simultâneos às mazelas descritas no capítulo anterior deste trabalho.
Lúcio, completamente apaixonado por Soledade, seduzido pelos seus encantos, não resistia
em ir atrás dela; porém, em todos os encontros, mantinha-se sério, tímido e acanhado, pois não
sabia como falar ou agir perto de Soledade. “Ele aparou-a num abraço e, arrependido desse
movimento involuntário, recuou até o terreiro” (ALMEIDA, 2017, p. 139). Ademais, apesar de
toda timidez, não resistia em ir à procura de Soledade, criando uma obsessão pela jovem, pensando
nela e desejando ficar ao lado da moça a todo instante.

Não se passava um dia que Lúcio não encontrasse Soledade; mas, pensando
nela, forcejava, debalde, reconstituir-lhe o tipo ou, pelo menos, as feições
mais bizarras. Acontece isso. A saudade é um pouco dessa incerteza da
separação. (ALMEIDA, 2017, p. 139).

A retirante Soledade, pelo contrário, é uma personagem mais ousada que Lúcio. “Era uma
cigarrinha maliciosa, dessas chamadas do verão, que os convocava para o idílio” (ALMEIDA,
2017, p. 158), ademais, “[...] embevecia a beleza espontânea da paisagem, participava de seu toque
de humanidade, de sua representação sentimental. Fruía o alvoroço de um quadro imprevisto nas
perspectivas vulgares, de uma brasilidade imutável [...]” (ALMEIDA, 2017, p. 158), por isso
Almeida a pormenoriza com os encantos que todos vislumbram.
Por último tem-se Pirunga, retirante obsessivo e ciumento que, incomodado com a
aproximação entre Lúcio e Soledade, sorrateiramente, atentava-se aos encontros dos dois, buscava
saber o que eles faziam e os vigiava por ordem do pai da moça. Pirunga foi criado por Valentim,
pai de Soledade, que o adotou e cuidou como se fosse seu próprio filho. Com isso, sempre houve
uma aproximação entre Soledade e Pirunga, despertando desejos amorosos pela moça.
Contudo, Pirunga nunca ousou, direta ou descaradamente, algo com Soledade, pois conhecia
Valentim e sabia as consequências para quem ousasse algo com a sua preciosa filha, no entanto,
sabendo da possessividade do pai, utilizou-se dessa característica para controlar as ações em torno

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da moça e relatava ao pai quando alguém se aproximava de Soledade para, no final, exterminar de
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vez qualquer relação amorosa da jovem com outro homem. De um certo modo, seria outra forma
de obsessão pela moça, pois não permitia que alguém ficasse tão íntimo dela já que, em sua
concepção, não podendo tê-la, nenhuma outra pessoa poderia.
São vários os momentos na narrativa em que Lúcio e Soledade são surpreendidos pela
vigilância de Pirunga, ao ponto de se encontrarem escondidos, evitando que o mesmo tivesse
conhecimento do que ambos faziam quando estavam juntos. No entanto, em um determinado
momento da narrativa, “Pirunga esteve em confirmar a evasiva embusteira, porque ganharia com
essa transigência, num lance tal, o amor disputado a tanto custo” (ALMEIDA, 2017, p. 193),
descobrindo o que ocorria entre Lúcio e Soledade, denunciaria o caso a Valentim, ganharia a
confiança do pai e, ilusoriamente, teria a moça a seu lado.
A paixão que Pirunga sentia por Soledade aflorou também em Lúcio assim que ele a
conheceu; porém, não era apenas algo físico, mas psicológico, pois Soledade possuía feições
semelhantes às de sua mãe, como o mesmo constatou a partir de um retrato. Isso o deixou curioso
e o impulsionou a querer ficar perto de Soledade a ponto de se enamorar dela. Ocorreram diversos
encontros, e, a cada instante, começaram a surgir comentários e, na sequência, emergiram opiniões
maldosas referentes a ela por se encontrar com alguém que tinha poderes aquisitivos econômicos
maiores que os seus.

– Ainda estou por ver uma moça mais foguete!... Solta de corda e canga e o branco
sem respeito na batida dela...
– Mais hoje, mais amanhã, esse negócio acaba em choro de menino...
– Minha negra, não é por falar, mas já caiu na boca do mundo. Não vale mais um
dez-réis-de-mel-coado...
– Eu estou é aquela bichota pensar que aquilo não passa de paleio, que moço
branco é pro bico dela... (ALMEIDA, 2017, p. 162).

Quem via de perto a relação, comentava que a jovem Soledade apenas interessava-se pelo
dinheiro e pela boa vida que teria, caso pudesse ter uma relação matrimonial com Lúcio, por
conseguinte, viam-na como aproveitadora, pois se esgueirava até Lúcio não por amor, mas por
oportunismo financeiro e com o intuito de melhorar de vida.
O pai de Lúcio, senhor de engenho, não aprovava a relação do filho com a moça, afirmava
que ela era apenas uma retirante e não alguém da mesma estirpe, entretanto, Lúcio não desistia.
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Louco de amor, insistia em uma relação matrimonial com Soledade. Na discussão, Lúcio
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perguntou ao seu pai, logo após ele ter dito que Soledade é só uma retirante: “– Por ser retirante,
não. O senhor não casou com minha mãe?” (ALMEIDA, 2017, p. 219).
Neste momento, José Américo descreve brilhantemente todo esse caos aparentemente
romântico, revelando que o triângulo não era entre Lúcio, Soledade e Pirunga, mas entre os dois
primeiros e Dagoberto – este, senhor de engenho e pai de Lúcio. Então é explicado o verdadeiro
motivo da recusa de Dagoberto. “[...] não, meu filho, ela não pode ser tua esposa porque... Eu
profanei a memória de tua mãe, mas foi tua mãe que amei nela...” (ALMEIDA, 2017, p. 220).
Foi dito que a mãe de Lúcio possuía semelhanças com Soledade e se explica tal similitude
por ambas pertencerem à mesma família; portanto, é revelado que os dois jovens são primos. Da
mesma forma que Lúcio se aproximou por essas mesmas semelhanças, Dagoberto, ao vê-la,
também se sentiu atraído, gerando internamente uma obsessão pela moça.
Desse modo, pai e filho são obcecados pela mesma mulher, mas o primeiro era detentor do
poder e dono da fazenda onde agora Soledade vivia; por isso, ela acabou sendo submetida aos
assédios e aos autoritarismos de Dagoberto, inclusive ao aceitar ter relações sexuais com ele. Mais
que isso, compulsões e tiranias se sobrepuseram à saudade pela esposa morta e se tornaram
centelhas para que ele deixasse os retirantes em suas terras, mas os constrangesse moral e
psicologicamente com tratamentos desumanos e despóticos.
Soledade, inferiorizada enquanto retirante e mulher, teria que ser submissa aos desejos de
Dagoberto. Confissão que ele mesmo revelou ao filho, embora justifique tudo pela ótica das
lembranças com a finada resgatadas pela aparência entre ela e a jovem retirante. Ao ouvir as
confissões do pai, totalmente desnorteado, Lúcio não mais quis Soledade e diz: “– Eu matei,
nascendo, minha mãe. Foi por minha causa que o senhor perdeu sua mulher; agora, não seja
também por mim que perca sua amante. Não diga mais que nem bonita é... É bonita e é sua”
(ALMEIDA, 2017, p. 221) e, depois disso, foi embora de casa, com laços cortados com o seu pai.
Vale ressaltar que essa desavença foi apenas o estopim para algo ainda maior.
Logo após a discussão, todos descobriram a relação de Dagoberto e Soledade, inclusive
Pirunga. Ademais, no desenlace da narrativa, há alguns recortes que merecem relevo. A priori, era
apenas referenciado como o rapaz que amava Soledade e vivia sempre perseguindo-a, movido pela
obsessão. A posteriori, tem-se uma personagem extremamente humilhada e cercada de ódio, já
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que sua amada teve relações sexuais com outro homem, seu patrão. O funcionário tinha que
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obedecer às ordens de Dagoberto e ocultar todo seu rancor e sua vontade de vingança, servindo-o
sempre, mas, internamente, desejava matá-lo. Dagoberto teve um final cruel, mas não pelas mãos
de Pirunga ou de seu filho. Ele foi morto enquanto estava em sua montaria cuidando do gado e
“quando trouxeram o morto, bifurcado na sela, com as pernas atadas por baixo, os braços
pendentes quase com as mãos por terra, bamboleando, a cabeça espedaçada lambendo as crinas
assanhadas [...]” (ALMEIDA, 2017, p. 236), infere-se que o cavalo perdeu o controle, ocasionando
uma dolorosa morte ao senhor de engenho.
Soledade, logo após a morte de Dagoberto, fez uma visita noturna a Pirunga e ele pensou
que a bela moça surgira para entregar-se, contudo, ela foi questioná-lo sobre a morte de Dagoberto,
sacando uma arma para matá-lo. Pirunga reagiu rapidamente, conseguiu desarmá-la e “[...]
aplicou-lhe os dedos férreos numa hercúlea constrição” (ALMEIDA, 2017, p. 239), enforcou-a
com as próprias mãos, continuou asfixiando-a e “[...] arremessou-a contra a parede” (ALMEIDA,
2017, p. 240), depois de vê-la ao chão, imóvel, ficou sem reação e desatou a correr, ou seja, da
alusão ao grande Hércules – herói da mitologia grega que estrangulou, ainda bebê, serpentes
enviadas pela deusa Hera – sobrou apenas os dedos fortes transpostos de um heroísmo mitológico
à rudeza de um caboclo seco e descontrolado que há instantes usou a força para silenciar uma
mulher e, em seu próximo ato de covardia, o que lhe restou foi debandar-se do local.
Aliás, a morte de Dagoberto foi um imprevisto nos planos da jovem e bela Soledade, que
achava que ele seria a melhor forma para ela sair da miséria. Sabia que Dagoberto possuía desejos
carnais por ela e se utilizava dessa obsessão sexual dele para conseguir uma vida de regalias, pois
tinha como objetivo trilhar sua vida longe do nomadismo, por isso desejava seduzi-lo e ter posse
das riquezas dele. Logo, conhecendo Pirunga e sua obsessão, concluiu que o mesmo orquestrou a
morte do senhor de engenho, atrapalhando a concretização de seus intentos.
Em uma nova fase do enredo e da fazenda, Lúcio volta à propriedade como Doutor e herdeiro
legítimo de Dagoberto. Retorna casado, feliz e comprometido a assumir as obrigações no engenho,
todavia, tendo uma filosofia oposta ao do pai com os retirantes. Em suas palavras: “[...] eu vos dei
uma consciência e um braço forte para que pudésseis ser livres” (ALMEIDA, 2017, p. 254). Apesar
de o novo fazendeiro pregar uma aparente “alforria” aos trabalhadores, Pirunga, como antigo
vassalo de seu pai, também lá se encontrava. No meio de um grupo que acabara de chegar, vinham
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Soledade e uma criança, fruto de sua relação com Dagoberto. Lá também continuou Pirunga, que
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se assustou ao ver a antiga paixão, pois acreditava que havia a matado.
Como um áspero ciclo determinista e reiterado, o filho do “sinhô” se torna o novo fazendeiro
e a parte mais fraca da pirâmide permanecerá em seu antigo posto, mas agora com a face e a alma
mais ressequidas pela vida difícil. O tempo, por exemplo, ocorreu em total disparidade entre Lúcio
e Soledade, uma vez que enquanto ele volta rejuvenescido aos olhos do povo pelo diploma
universitário e do casório, ela se tornara a mulher solitária já sugerido pelo significado de seu
nome. A diferença é tanta, que Lúcio não a reconhece de imediato, pois “Soledade representava
todos os gravames da seca. Não conservara, sequer, aquele acento de beleza murcha da primeira
aparição romântica” (ALMEIDA, 2017, p. 253).
Consequentemente, não possuía a beleza estonteante que encantava a todos que a viam. Foi
dominada pela força devastadora que é a seca. Nas palavras do narrador (2017, p. 252), “[...]
reproduzia os quadros lastimosos da seca”, por conseguinte, “[...] olheiras funéreas alastravam-se
como a máscara violácea de todo o rosto. Encrespava-se a pele enegrecida nas longas ossaturas. E
trazia as faces tão encovadas que parecia ter três bocas” (ALMEIDA, 2017, p. 253). Apesar de
tudo, o novo fazendeiro compadeceu-se de Soledade, pois, em sua ideologia humanitária, defendia
a necessidade de ajudar os retirantes pelo alto sofrimento que possuíam e, além disso, ela era mãe
de seu irmão.
Portanto, todas as personagens descritas nesse “caos amoroso” possuem obsessões, e essa
característica extermina o conceito de amor e suas performances, pois, no fundo, utilizam o
romantismo para mascarar suas verdadeiras intenções, contribuindo na adição de mais uma
disforia social nas terras sertanejas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todas as discussões apuradas e analisadas do romance A Bagaceira – tendo como foco
de pesquisa as mazelas geográficas, o modo como elas prejudicam o povo que reside no sertão e
o amor caótico envolto às questões sociais – tem-se como conclusão a conjuntura agreste
amalgamada à vida difícil dos sertanejos, como se revelou pelo enredo verossímil.

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Foi preciso compreender que a obra é modernista e regionalista, por conseguinte, tem como
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foco uma narrativa crítica, explicitando todas as problemáticas existentes em uma determinada
região geográfica brasileira, além disso, José Américo utiliza as teorias do fulcro modernista para
destruir certos preceitos romantizados e mostrar que a realidade dura e cruel destrói as formas de
felicidade humana, no caso específico: a relação familiar.
Portanto, A Bagaceira, de um certo modo, em uma visão temática-literária, critica e
evidencia a realidade existente no Nordeste brasileiro; logo, suas terras sem vida e seu povo sem
expectativa. Há apenas o retrato de indivíduos que passam fome, sofrem e se humilham na
incessante e ilusória quimera de um dia deixar de sofrer.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Américo. A Bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio. 2017.

ARAÚJO, Humberto Hermenegildo. A tradição do regionalismo na literatura brasileira.


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RESUMOS

OS MULTILETRAMENTOS NAS PRÁTICAS ESCOLARES


06/06/2019 – Quinta-feira
Prof. Me. Jackson Francisco de Santana (FPD)5
Renata de Santana Santos (FPD)²
RESUMOS

RESUMO

Em decorrência do processo de globalização, o mundo sofreu mudanças significativas no que diz


respeito aos meios de comunicação e à RESUMOS
circulação da informação. Essas mudanças reduziram as
distâncias espaciais e temporais, o que não só colaborou com o surgimento de novos letramentos,
mas também com o advento de novas práticas sociais de leitura, escrita e de uso da língua.
Baseando-se nesse pressuposto, esta pesquisa objetiva fazer uma análise das práticas de letramento
de que os estudantes de uma escola da rede municipal de ensino desta capital participam em suas
atividades cotidianas. Para isso,06/06/2019
aplicaram-se, aos alunos dos oitavos anos, questionários que
– Quinta-feira
estavam divididos em dois blocos de perguntas: o primeiro bloco trazia questões sobre os eventos
de letramento, que envolvem práticas de leitura e escrita, de que os discentes participam
RESUMOS
individualmente, e o segundo bloco, dividido em quatro seções, aborda práticas e eventos de
letramento dos alunos e de seus familiares. Além da aplicação de questionários, foram realizadas
oficinas de leitura e produção de textos e uma roda de conversa com escritores sergipanos. Busca-
se, nesse sentido, a implementação de uma proposta de ensino e aprendizagem, orientada numa
perspectiva interacional e discursiva da língua, cujo domínio dessa língua, e com base na
heterogeneidade das práticas de leitura e de escrita e, sobretudo, no reconhecimento dos múltiplos
letramentos, contribua para a formação de cidadãos críticos, capazes de atuar de forma efetiva na
sociedade por meio das mais variadas práticas letradas. A contribuição teórica utilizada para a
elaboração deste artigo consiste basicamente nas teorias de Magda Soares (2016), Roxane Rojo

Professor do Curso de Letras Português e Espanhol da Faculdade Pio Décimo (FPD).


5

²Graduanda do Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Pio Décimo (FPD).

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(2009), Brian Street (2014), Rildo Cosson (2014) e Izabel Magalhães (2012). Como resultados
41
nota-se que os discentes avaliados não estão tendo um desenvolvimento satisfatório das
habilidades tanto textuais quanto comunicativas, correlacionando assim as práticas letradas ao
contexto social.

Palavras-chave: Contexto social. Língua Portuguesa. Multiletramentos. Práticas.

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A REPRESENTAÇÃO DE HEROÍNAS NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A
INFLUÊNCIA NO GÊNERO POR VIA DO DISCURSO

ANDREZA SANTANA DA FONSECA

Um dos objetivos da presente pesquisa é abordar o protagonismo feminino nas revistas em


quadrinhos e a influência no gênero por via do discurso. Inicialmente, faz-se necessário
compreender o surgimento das histórias em quadrinhos e o contexto social à época; conhecer as
fases mais importantes da história desse gênero, até chegar ao momento em que o poder feminino
foi ganhou espaço dentro desse segmento escrito.
Entende-se que desde os primórdios os desenhos cumprem um papel importante, que é a
representação de uma linguagem não-verbal e visual. Uma das primeiras manifestações criativas
do homem foi através dos desenhos; das figuras pintadas nas cavernas, pinturas essas que serviam
como um modo de arte sequencial e, assim, acontecia a comunicação entre os povos.
A primeira história impressa com caricaturas foi criada pelo Suíço Rudolph Töpffer, e esse fato o
tornou um dos precursores das histórias em quadrinhos. Töpffer era professor e tinha a intenção
de criar um novo tipo de comunicação, acreditava que a relação entre imagens e palavras
influenciava em uma melhor compreensão.
[...] ensinam de forma mais eficiente – a interligação do texto com a imagem existente nas histórias
em quadrinhos amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos,
isoladamente, teria dificuldades para atingir. Na medida em que essa interligação texto/imagem
ocorre nos quadrinhos com uma dinâmica própria e complementar, representa muito mais que o
simples acréscimo de uma linguagem a outra. (VERGUEIRO, 2004, p. 19)

Ao longo tempo, vários cartunistas lançaram suas histórias, mas a que ganhou destaque como a
primeira revista em quadrinhos moderna, foi “The Yelow Kid” que ganhou destaque por conter
textos dentro dos quadrinhos.
No traçar da sua existência os quadrinhos ganharam cada vez mais espaço, sendo o gênero de
super-heróis criado por Shuster e Jerry Siegel na década de 30, com a publicação do Superman.
A história chamava a atenção dos leitores por falar de um Kryptoniano que tinha superpoderes e
lutava contra o mal. Os jovens daquela época se identificaram com o super-herói e a história foi
fazendo cada vez mais sucesso. No ano de 1941 o psicólogo e professor William Marston, que era
um grande defensor dos direitos das mulheres, resolveu criar uma personagem para que
representasse as mulheres em um universo que, apesar de novo, já era dominado pelo gênero
masculino, e deu vida à Mulher Maravilha. No seu ideário, ele pensava em uma personagem que
não ficasse às costas de um super-herói diante das lutas, mas que lutasse de maneira igualmente,
ou, até mesmo, que tivesse poderes suficientes para lutar sozinha, como bem aponta Andrade
(2012) ao dizer que:.

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A Mulher-Maravilha surgiu em 1941, num contexto conhecido como Era de Ouro dos Quadrinhos
43
americanos. [...] em um mundo em que super-heróis salvavam donzelas indefesas ou enfrentavam
ardilosas femme fatales, surge uma super heroína, pronta para protagonizar suas próprias histórias
e salvar o mundo. Seu criador, o psicólogo William Moulton Marston (sob o pseudônimo de
Charles Moulton), era um homem que acreditava nos ideais feministas e de acordo com ele, citado
em (GREENBERGER, 2006), a Mulher-Maravilha representava a propaganda psicológica sobre
o novo tipo de mulher que ele acreditava que deveria dominar o mundo, uma mulher inteligente,
capaz, forte, independente e livre que tivesse um lugar igual ao homem na sociedade, com os
mesmos direitos civis e políticos. ( ANDRADE, 2012. p. 36)

No caminho da sua existência ficcional a Mulher Maravilha tornou-se um ícone e símbolo do poder
feminino, pois sempre teve o poder de fazer os homens se renderem aos seus atributos de super-
herói. Passado o tempo, a história foi muito criticada pois o pensamento de Marston, seu criador,
era muito à frente da época em que vivia, ou seja, a mulher não poderia ter mais poderes que o
homem.
As críticas fizeram com que a personagem saísse de cena por um tempo, e teve como pressuposto
ao seu retorno a obrigatoriedade de voltasse às revistas sem os superpoderes. Esse fator deixa clara
a forma como até mesmo em uma história ficcional a voz e as ações da mulher, desde há muito
tempo, são relegadas a um segundo plano ou à sombra do gênero oposto, em tentativas de calar
vozes e atos.
Quando se falava em uma mulher forte, que lutava contra gigantes, imaginavam, de imediato, uma
mulher masculinizada, distante do biótipo e comportamento feminino, e, assim, se seguiu com
vários estereótipos diante de cada aparição dessa personagem.
Nesse breve relato, em fomento ao cenário de lutas e conquistas ainda distantes do intencionado,
posto que o feminino ainda é posto a segundo plano em segmentos sociais de toda monta, a
valorização e o trato desmedido são, na maioria dos casos, objeto de contendas e discussões, a
personagem Mulher Maravilha surge e é considerada como símbolo do feminismo, pois muitas
mulheres, desde o surgimento dessa heroína, conseguem se identificar e espelhar-se na sua garra,
força e coragem diante das situações cotidianas.

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O DISCURSO PRECONCEITUOSAMENTE ESTRUTURADO: ANÁLISE DA
PROPAGANDA DA ESPONJA DE AÇO ‘KRESPINHA’

Pricila Horrana Gonçalves Lima6


Ana Sabrina de O. Leme Domingues7

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a propaganda da esponja de aço criada pela
empresa Bombril, nomeada ‘Krespinha’, como dispositivo determinado e assujeitado pela
ideologia racista. Nesse sentido, trataremos como o Corpus estabelece posturas que
discriminam pela raça e cor, bem como o sentido é determinado pelas formações discursivas
que se representam por formações ideológicas preconceituosas e discriminatórias, em que
reforçam padrões já rotulados pela supremacia branca como superiores afirmando uma relação
de forças. Contudo, a análise é fundamentada de acordo com a análise do discurso francesa, a
partir dos pressupostos teóricos de Michel Pêcheux (1995) e Eni Puccinelli Orlandi (2001), e na
comunicação de acordo com Pierry Levy (2012) e Guy Debord (2011), além de outros teóricos
que discutem as conjunturas de racismo e identidade. Com isso, pode-se perceber que há um
racismo estrutural enraizado com relação ao cabelo crespo, e que ainda permanece em nosso
meio social contemporâneo.

Palavras-chave: Discurso. Racismo. Ideologia.

6
Graduanda do Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Pio Décimo (FPD).

7Mestra em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Professora do curso de Letras da
Faculdade Pio Décimo (FPD).
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O CINISMO NA CULTURA CONTEMPORÂNEA: SUPER HERÓIS
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ERLISSON DENILSSON GOMES

RESUMO

O presente trabalho possui como objetivo uma breve apresentação a respeito do Ponto de Vista
Cínico nos personagens cinematográficos do Gênero Super-herói. Fazendo considerações sobre a
origem da corrente filosófica Cinismo, explorando de maneira sinóptica suas características e,
também, realizando sucinto exemplo e análise do cinismo na literatura brasileira no conto de O
Desempenho de Rubem Fonseca.

Traços do cinismo grego

O cinismo nasce num contexto de crise: a decadência da polis devido aos ataques de
Alexandre. Diante da sensação de final dos tempos, da perda da glória da Grécia clássica, os
cínicos exerceram uma ação crítica radical contra tudo. Como desconfiavam dos discursos, sua
prédica era a ação. Rejeitavam qualquer tipo de instituição: religiosa, educativa, social; faziam
críticas ácidas aos integrantes de seu próprio campo: os filósofos; desconfiavam da glória, odiavam
a riqueza, riam do prestígio. Colocavam-se à margem dessa sociedade em decadência - que já não
propendia para a felicidade geral -, renunciavam às motivações correntes da maioria dos cidadãos,
viviam na rua, em piores condições que as dos escravos, e ali tinham sexo e faziam suas
necessidades. Essa marginalidade voluntária, esse desprezo pela ordem, fazia com que fossem
vilipendiados pelos cidadãos hierarquicamente baixos, médios e altos, pelos comerciantes, pelos
intelectuais, por todos aqueles que se sentiam satisfeitos ou conformados com sua posição na
sociedade. Eram uma pedra no sapato do sistema. Pelo seu modo de vida, seus detratores
começaram a chamá-los ‘cínicos’, que, em grego, significa ‘cachorro’.
Seus alvos eram, claro, os alicerces da sociedade: os bons costumes, a religião, as práticas
da política. Eram céticos, mas não apenas na sua postura crítica, mas como base para um modo de
viver. Estilo de vida que levava necessariamente à renúncia plena a todo engajamento: família,
participação na política, ensino; pois viam toda instituição como um obstáculo para a liberdade

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individual. A vida livre e feliz, para os cínicos, -assim como para vários personagens de Rubem
46
Fonseca-, ficava reduzida a comer bem e dar vazão ao gozo sexual.

O desempenho e o cinismo

Outro tanto vemos, de maneira condensada e avant la lettre, em 1967, no conto O


Desempenho (...). Vimos dizendo que um recurso muito utilizado pelas posturas cínicas e levar o
leitor, no enlevo da fé poética, a justificar ações ou fenômenos sociais que até o momento
condenara. Nesse sentido, podemos dizer que interpela o lado obscuro do bom burguês, que tem
trabalho, casa limpa, um amor, alguns vícios e não comete delitos, talvez infrações e que, ao
mesmo tempo, coloca todos os dias seu grão de areia, de maneira acrítica, para manter funcionando
um sistema que o animaliza.
No conto O Desempenho, enfrentam-se dois personagens, narrador e antagonista, numa
luta de Vale Tudo, o objetivo desde o início é um esmagar o outro usando todos os recursos do
corpo, menos, morder, chutar o corpo no chão ou punçar com os dedos os olhos do rival. O público
vai ao delírio na medida em que um dos lutadores é destruído física e espiritualmente. O objetivo
por trás desse espetáculo é ganhar dinheiro: os personagens secundários, treinador e ajudantes,
sugerem profissionalismo; o público sugere empresários.
Desde o início do conto, do ponto de vista do narrador, vemos como se sente um homem
que está sendo massacrado, perante uma multidão entusiasmada pelo gozo que lhe provoca sua
destruição. O personagem, enquanto apanha, evoca com ironia o futuro promissor que muitos lhe
auguravam por seu rosto bonito, sendo agora esmagado. De repente, vira a posição, vira a luta,
libera toda sua sede de vingança, faz justiça: bate até que “a cara de Rubão é uma pasta vermelha”.
Há requintes de crueldade, na virada: “Rubão me oferece o braço para acabar com o sofrimento,
para ele poder bater no chão desistindo, desistir na chave é digno, desistir debaixo de pau é
vergonhoso (...) deve estar rezando para desmaiar e acabar tudo, já viu que eu não vou lhe dar a
chave da misericórdia.” Merece misericórdia Rubão, que umas linhas acima era uma besta
desumana, um sanguinário insaciável? Além disso, agora, o narrador, “boa pinta, daqueles por
quem o público sempre torce”, subitamente, se torna ídolo da plateia, desse público que gosta do
sangue e do triunfo independente de qual for o lado. E o conto está chegando no fim e o leitor,

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como dissemos acima, levado pela ‘suspensão da incredulidade’ está pronto para ver na atitude do
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narrador, agora vencedor, uma ação justiceira. Quem, depois de apanhar brutalmente, -ao contrário
da prescrição cristã- não revidaria de ter a oportunidade?
O Vale-Tudo é aqui uma metáfora clara do sistema capitalista, que Bosi e Cândido viam como
selvagem ou predatório. Ganhar por em cima de todas as coisas, não importa como nem em que
medida esse triunfo beneficia ao conjunto da sociedade. O que é negócio é bom de antemão porque
a economia cresce, o mundo é competitivo, repleto de desafios... Toda essa série de lugares comuns
bastante difundidos, justifica nesse conto o desprezo profundo, a violência extrema, a ausência de
misericórdia. É como se o escritor dissesse para o provável leitor que justifique brutalidade da ação
cuidado que o sistema está convertendo você em um psicopata.

“Heróis cinzas”

Desde cedo nos é apresentado que há somente dois lados em uma história: o bem e o mal,
o vilão e o herói, caos e ordem, o malfeitor e o mocinho, entre outros termos. Sempre dois
extremos, no qual, eticamente, somos guiados a apoiar o lado que se encaixa melhor, segundos
preceitos já construídos e intrínsecos em nós e cultivados em nossa sociedade, como sendo do
bem. Entretanto, após análise das ações desses considerados com benfeitores nas obras
cinematográficas, nota-se que de maneira discreta e quase imperceptível eles são ato expostos ao
Ponto de vista Cínico de uma maneira que seus atos divergentes dos fundamentos éticos morais
preservados pela sociedade sejam passados de forma imperceptível. De forma silenciosa, fora do
alcance do superego, a atiçar o lado selvagem humano como uma forma de gozo inconsciente de
seus desejos obscuros.

Exemplificando, a história Robert Bruce Banner, mais conhecido como Hulk, fala sobre
um super herói, criado a partir de um acidente nuclear com o supracitado cientista, que faz com
que ele se torne uma criatura de força inigualável e poder de destruição sem precedentes. Bruce
divide sua consciência entre si e o alter ego verde que despertara na mínima situação de estresse,
cheio de fúria, destruindo tudo ao seu redor, sem medir consequências ou se importar com os
demais, consequentemente, ceifando centenas de vidas a cada frequente surto. Claramente um ser
que seria impossível de se conviver em sociedade, porém, todo o medo, repulsa e raiva que surgiria

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no leitor ou telespectador à primeira vista é instantaneamente inibido, pela apresentação da
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imagem da fera como um ser não compreendido que está a busca seu lugar no mundo. Apelando
para o lado empático e anseio por poder caótico humano, o autor nos faz justificar
inconscientemente as barbáries feita pelo personagem, mesmo que tais vão de contra a ideais
morais da convivência em sociedade ou ensinamento religiosos. Temos, também, Antony Edward
“Tony” Stark, mais conhecido como Tony Stark, um cientista, bilionário, empresário e afins, que
é expert no desenvolvimento de tecnologia armamentista. Produzindo diversas armas, Tony,
modernas com alto nível de periculosidade e vendendo para empresas privadas e a Agências de
segurança nacional secreta.
Não se importando em nenhum momento para qual viés elas seriam utilizadas, pensando
somente no lucro, Stark acabou auxiliando de forma fundamental um ciclo de guerras civis e
atrocidades humanitárias em outras nações executadas pelo Estados Unidos da América, que
ironicamente, ele resolveria. Inclusive, Tony foi responsável pela criação de um robô ultra
moderno que ameaçou diversas vezes a existência da vida na terra. Esse personagem excêntrico é
adorado mundialmente e considerado um genuíno herói por todos os fãs das produções da Marvel.
Desse modo, é logico questionar: Os personagens taxados como heróis são 100% bons? O que os
tornam tão atrativos para o público são seus atos heroicos ou sua grande concentração de poder?
E por último temos o vingativo e bilionário, filantropo, magnata de negócios, Bruce Wayne,
mundialmente conhecido como Batman.
A história de Wayne se inicia de uma maneira trágica, com a morte de seus pais, após esse
evento trágico em sua vida o personagem fictício passa os restos de seus anos focado na construção
de um persona inspirado em um morcego, um vigilante que tem como missão punir todos os
bandidos de sua cidade, Gotham City. Movido por um sentimento de vingança, Batman, moderado
por leve um senso acolhedor de justiça, contra aqueles que lhe arrancaram sua infância. Seguindo
a resolver crimes com suas próprias mãos, ressaltando a ideia que a justiça é falha e injusta,
criando, desse modo, um ciclo de renovação de crimes em sua cidade movido por uma ânsia de
vingança insaciável. Esse personagem é a própria personificação da sede por “justiça” ou anseio
por realizar está justiça com suas próprias mãos que os indivíduos morais de nossa sociedade tão
se enforcam para enterrar (Se esforçam?).

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