1 Territorialidades No Turismo em São João Dos Mellosr

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TERRITORIALIDADES NO TURISMO EM SÃO JOÃO DOS MELLOS–RS:

ENTRE O TURISMO RURAL COLONIAL E O TURISMO PAN-ÉTNICO

Jordão Benetti.1

Técnico em Administração do Instituto Federal Farroupilha.


[email protected]

Priscyla Christine Hammerl.2

Docente do Eixo de Hospitalidade e Lazer do Instituto Federal Farroupilha.


[email protected]

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Jordão Benetti y Priscyla Christine Hammerl (2016): “Territorialidades no turismo em São João dos Mellos–RS: entre o
turismo rural colonial e o turismo pan-étnico”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 20 (junio 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/turydes/20/pan-etnico.html

RESUMO:

O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada na comunidade


rural de São João dos Mellos, no Rio Grande do Sul. As características do turismo
desenvolvido no local apresentam duas territorialidades bastantes distintas que, em
conjunto, possibilitam o destaque do destino em relação a outros da região turística.
Utilizando como metodologia a pesquisa qualitativa e a realização de entrevistas com
atores locais, os resultados das nossas análises revelam como o turismo rural colonial
se relaciona com o turismo pan-étnico.

PALAVRAS-CHAVE: Territorialidades. Turismo rural. Turismo pan-étnico. São João


dos Mellos.

RESUMEN:

Este artículo presenta los resultados de una encuesta realizada en la comunidad rural
de San Juan de Mellos, en Rio Grande do Sul, Brasil. Las características turísticas
desarrolladas en el sitio tienen dos territorialidad muy distinta, que en conjunto
permiten el punto culminante del destino en relación a otra región turística. Utilizando
la metodología de la investigación cualitativa y entrevistas con los actores locales, los

1
Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Linha de Pesquisa: Território,
Planejamento e Sustentabilidade). Graduado em Gestão Pública pelo Centro Universitário Internacional

2
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Linha de Pesquisa: Território,
Planejamento e Sustentabilidade). Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi
resultados de nuestros análisis revelan cómo el turismo rural colonial se refiere al
turismo panétnica.

PALABRAS CLAVE: Territorialidad. Turismo rural. turismo panétnica. São João dos
Mellos.

ABSTRACT:

This article presents results of a research in the rural community of São João dos
Mellos, Rio Grande do Sul. The local tourism have two quite distinct territoriality. These
territorialities together, enable the highlight of the destination relative to other tourist
destinations. Using as methodology qualitative research and conducting interviews with
local stakeholders, the results of our analyzes reveal how the colonial rural relates to
the pan-ethnic tourism.

KEYWORDS: Territorialities. Rural Tourism. Pan-ethnic tourism. São João dos Mellos.

1.INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo apresentar e analisar as diferentes


territorialidades presentes na atividade turística desenvolvida no espaço rural da
comunidade de São João dos Mellos, localizada na mesorregião centro ocidental Rio-
grandense. O destino, caracterizado por seus fortes aspectos identitários rurais, é
reconhecido por oferecer um modelo de turismo rural tradicional de colonização
europeia, em razão da forte presença de descendentes de imigrantes italianos na
comunidade.

Nesse modelo, observa-se a valorização da história e memória dos imigrantes


europeus, sendo destacadas questões como o processo de colonização e formação
da comunidade rural, que ainda preserva traços tradicionais da cultura italiana colonial
como música, culinária, religiosidade e dialetos. De caraterísticas bem marcantes, a
cultura colonial-italiana, que formata a base do produto turístico local, divide cenário
com um atrativo turístico de grande relevância, cuja essência temática se apresenta
nas linhas do turismo pan-ético. Este atrativo se trata do Jardim das Esculturas,
espaço de exposição de obras artísticas de um escultor local. A temática que compõe
o acervo vincula-se, sobretudo, ao orientalismo, destacando-se a prática da yoga e do
veganismo, que prega o não-consumo de qualquer produto de origem animal.

Atraindo turistas que buscam não apenas o turismo rural colonial, mas também
outras formas de turismo alternativo, com práticas religiosas, culturais e alimentares
diferenciadas, o destino turístico de São João dos Mellos apresenta diferentes
territorialidades, que formatam por meio de sua pluralidade e sobreposição, uma
característica identitária territorial que se destaca em relação a outros destinos da
região.

2. METODOLOGIA

Os resultados aqui expostos foram coletados a partir das técnicas de pesquisa


qualitativa proposta por Minayo (2012), sendo utilizado como instrumento para coleta
dos dados de pesquisa entrevistas focalizadas com os atores envolvidos. Com o
objetivo de compreender o histórico e organização do turismo na comunidade,
buscaram-se dados a partir das informações obtidas junto a turistas, planejadores de
turismo (no âmbito público e privado) e, sobretudo, residentes da comunidade
envolvidos direta e indiretamente no ordenamento do turismo rural.

Contudo, destacamos que, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a ideia de


amostragem não se enquadra na presente pesquisa. Segundo Minayo (2012, p.48),
nesse gênero de investigação ao invés de definir a “amostra de sujeitos” utiliza-se
mais frequentemente o termo “sujeitos incluídos na pesquisa”. Isto porque no universo
em questão, o que se prioriza não são os sujeitos em si, mas sim as suas
“representações, conhecimentos, práticas, comportamentos e atitudes”.

Em função das características do objeto de estudo, a eleição dos atores


entrevistados se deu por meio de uma busca por interlocutores que se constituem
como “o público a que o estudo diz diretamente respeito” (QUIVY, 1989). Dessa
maneira, as entrevistas que deram origem aos resultados aqui expostos foram
realizadas com os seguintes grupos: proprietários das agências de turismo que
trabalham com a comunidade e seus guias de turismo atuantes na localidade; um
grupo de turistas de diferentes origens e faixas etárias que visitaram a comunidade; o
escultor que configurou o principal atrativo da comunidade e a responsável pela
gestão do mesmo; o grupo de representantes que configura a Associação de Turismo
comunitária de São João dos Mellos; membros da comunidade envolvidos direta e
indiretamente com o turismo, e, por fim, agentes públicos municipais envolvidos com a
prática turística local.

Os dados obtidos nas entrevistas foram acrescidos e justapostos a


documentações relacionadas aos atores investigados, tais como atas, documentos
oficiais, registros em cartórios, relatórios de gestão, jornais, legislação, panfletos, sites,
e dados obtidos em redes-sociais. Esse conjunto de informações permitiu compor os
resultados aqui apresentados.

3. TERRITORIALIDADES, IDENTIDADE TERRITORIAL E TURISMO

O turismo é uma atividade em que o “consumo do espaço” é a principal via


delimitadora. Sendo assim, a dinâmica induzida pela atividade sempre está
engendrada por relações sociais, seja sob a égide dos planejadores da atividade, seja
por meio dos indivíduos que participam enquanto consumidores e receptores. Isto se
dá em razão das características da atividade, cuja lógica de funcionamento se
apresenta com uma área emissora, uma área de deslocamento e uma área receptora.
É nesta tríplice que se reproduz o espaço turístico, proporcionando assim, diferentes
interações espaciais.

Rodrigues (2006, p.305) afirma que o turismo, pelo grande dinamismo ao qual
está subordinado, é uma prática social marcada pelo “hibridismo territorial”, pois “é no
espaço de origem da demanda que se originam os fluxos turísticos, mas é no espaço
de destino que se concretiza, produzindo novas territorialidades”. Para se
compreender essa lógica, contudo, é necessário levar em consideração que o território
é formado não apenas pelos sistemas naturais, mas sim pelo espaço usado,
reorganizado, configurado, normatizado, racionalizado. Santos (2002, p.7), afirma:
Território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas
as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as
fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se
realiza a partir das manifestações da sua existência.

Dessa forma, compreendemos que a territorialidade é a imbricação de poderes


em um dado território. Para Raffestin (1993, p.143), “ao se apropriar de um espaço,
concreta ou abstratamente o ator territorializa o espaço”. É nesse sentido que
compreendemos que a formação de territórios turísticos apresentam diferentes
territorialidades. Temos relações de poder observadas nas interações entre turistas e
residentes, turistas e produtores de turismo, e até mesmo, entre os próprios turistas e
seus diferentes interesses quanto ao território.

Esse campo relacional de poderes relativos à prática do turismo são


extremamente imbricados, simultâneos e, em razão disso, é difícil investigar todas as
territorialidades presentes neste fenômeno (RODRIGUES, 2006) No presente artigo,
nos concentraremos sobre as territorialidades engendradas pelos residentes da
comunidade estudada no processo de formação do destino turístico e seus principais
atrativos e serviços. Compreendemos que nesse processo há uma busca pela
formação e afirmação da identidade territorial local com vistas a promoção do produto
turístico.

Por identidade territorial compreendemos que se trata de um processo


contemporâneo, em que os indivíduos buscam, por meio de diferentes práticas, se
sentirem pertencentes “a um lugar, a um grupo ou cultura, retomando e resignificando
o local antes condenado ao desaparecimento” (VENDRÚSCULO, 2009, p.25).

A questão da identidade territorial como fator preponderante na construção de


produtos turísticos tem sido cada vez mais observada em tempos recentes. A partir da
lógica da “condição pós-moderna” (HARVEY, 2012), em que o espaço se torna global
e todos os acontecimentos são comandados direta e indiretamente por forças
mundiais (SANTOS, 1996), observa-se uma valorização da identidade territorial como
elemento diferenciador do discurso pragmático dos setores hegemônicos.

Para Keller (2005, p.3-4), “o processo irreversível de globalização está


mudando nosso mundo. O Turismo tem sido um fator importante na aceleração desse
processo”. O desenvolvimento da atividade turística é influenciado pela globalização,
pois “apesar de uma demanda internacionalizada ao extremo, a oferta é, acima de
tudo, influenciada pelas condições estruturais de uma região”, ou seja, o processo de
globalização está causando um processo de reestruturação dos destinos turísticos.

É nesse contexto que surgem formas alternativas de turismo, em que as


características da região ou localidade na qual se pretende explorar a atividade, bem
como os aspectos da cultura local, se fundem para atender a uma lógica econômica
moderna. Um dos modelos de turismo que se desenvolve sob esta acepção é o
turismo rural. Em razão do advento da globalização, nos últimos anos, as áreas rurais
têm sofrido transformações, levando a alterações profundas nas suas características e
funções.

Muitos espaços rurais perderam o seu caráter predominantemente agrícola,


fruto do processo de expansão capitalista e do novo regime de acumulação flexível. O
desenvolvimento capitalista trouxe um viés notável em favor da cidade e prejuízo do
campo. A ordem hegemônica e os avanços técnicos que com ela se instalam levaram
a migração da mão-de-obra e, consequentemente, ao “esvaziamento demográfico do
campo, criando assim as condições para um desenvolvimento igualmente
revolucionário das forças produtivas na agricultura” (SINGER 1976, p.112). Nesse
contexto, verifica-se que “o campo modernizado se tornou praticamente mais aberto à
expansão das formas atuais do capitalismo que as cidades [...] as áreas agrícolas se
transformam agora no lugar da vulnerabilidade” (SANTOS, 2012, p.92).

Diante das dificuldades do setor agropecuário, muitas comunidades rurais


resolveram diversificar suas atividades. Segundo Lunardi (2012, p.16), novas
trajetórias surgiram “em um campo que não é mais somente agrícola, mas também
cenário para o desenvolvimento de novas atividades e de multifuncionalidades”. A
pluriatividade rural é explicada por pesquisadores (CARNEIRO, 1999 e GRAZIANO
DA SILVA, 1999) a partir de dois movimentos: um se refere à resistência dos
agricultores e o desejo de permanecer no campo. O outro se refere ao movimento de
aproximação dos citadinos ao meio rural, o que pode ser constatado tanto pela busca
de consumo de produtos locais quanto pela busca por atividades relacionadas ao
lazer.

É neste contexto que surge o turismo como forma do agricultor diversificar suas
formas produtivas. O “turismo rural” compreende as atividades realizadas no espaço
rural, mas que não necessariamente exigem a vivência da prática agrícola pelo turista.
Trata-se de um tipo de turismo em que o turista tem a vivência da cultura rural, entra
em contato direto com o agricultor. Trata-se de um turismo de essência familiar. Nesse
enquadramento, observa-se a presença da mão de obra-familiar e a presença de uma
arquitetura de características rurais, geralmente alocada na própria residência dos
“empresários”. Outra característica relevante é que neste tipo de turismo o agricultor
não abandona sua atividade principal. A atividade não-agrícola é agregada aos
serviços agrícolas.

Por turismo rural, portanto, compreende-se o “conjunto das atividades turísticas


desenvolvidas no meio rural, comprometidas com a produção agropecuária,
agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural
e natural da comunidade” (MTur, sem data, p, 49). A comunidade estudada se
enquadra nesta prática turística. A ideia de desenvolver o turismo no distrito de São
João dos Mellos partiu de seus próprios moradores como alternativa de
desenvolvimento social e econômico para um território que estava perdendo sua
população em razão do alto movimento migratório de jovens e adultos em busca de
emprego em grandes centros. É a partir desse movimento, caracterizado como uma
forma de resistência ao processo de esvaziamento da comunidade, que se conformam
as diferentes territorialidades do turismo em São João dos Mellos e a construção de
uma identidade territorial.

4. A GÊNESE DO TURISMO EM SÃO JOÃO DOS MELLOS E O PROCESSO DE


RETERRITORIALIZAÇÃO

Para melhor compreender as diferentes territorialidades presentes na atividade


turística do objeto de estudo é necessário, primeiramente, compreender o contexto em
que se materializou esta nova prática econômica na comunidade. De matrizes rurais, a
comunidade faz parte do núcleo migratório que deu origem à quarta região de
colonização italiana no Rio Grande do Sul. O núcleo de São João dos Mellos trata-se
de uma comunidade remanescente das colônias de Pinhal Grande e Nova Palma.
Sendo assim, as famílias que residem neste território apresentam hábitos culturais tais
como gastronomia, vocabulário, arquitetura, religiosidade e manejo rural com fortes
influências tradicionais de imigração italiana.

A principal característica econômica da região está na produção agrícola.


Inicialmente, na primeira metade do século XX, se tratava de uma agricultura de
subsistência. A partir da década de 1950, com o crescimento da industrialização
nacional, a Quarta Colônia passa por um processo de mecanização agrícola com
vistas a majorar a produção a fim de abastecer os grandes centros urbanos (BIANCHI,
2007). O processo de tecnificação, por vez, traz como efeito a queda da renda no
setor rural. O alto preço dos insumos e o baixo preço dado aos produtos agrícolas
traduzem a crise sentida pelos trabalhadores do campo.

Como efeito dessa diminuição de renda, o movimento migratório dos


moradores do campo para o meio urbano é cada vez mais crescente. Em São João
dos Mellos não é diferente. Nos últimos anos a comunidade está diminuindo. Os
jovens buscam melhores oportunidades profissionais nos grandes centros do entorno,
como Santa Maria e Julio de Castilhos. A população, que já é pequena (formada por
aproximadamente 60 famílias), tem presenciado o seu esvaziamento, dado não
apenas pelo êxodo de jovens, mas também pelo envelhecimento daqueles que
permanecem no território. É com base nessa situação e no temor de
“desaparecimento” da comunidade que os habitantes se organizaram para explorar o
turismo como alternativa de renda.

A escolha pelo desenvolvimento do turismo, contudo, não foi aleatória. As


linhas que direcionam para a prática da atividade na comunidade de deu por duas
vias. A primeira, em razão do turismo já ser uma atividade econômica desenvolvida na
região em que se enquadra São João dos Mellos. A rota turístico-gastronômica da
Quarta Colônia se trata de um conjunto de destinos que formam uma região turística
com características identitárias muito próximas. Com um perfil histórico, cultural,
religioso e gastronômico interligado à imigração italiana, esse conjunto de destinos
explora o modelo de turismo rural colonial.

Este é modelo que, segundo Rodrigues (2003), é caracterizado pelo


desenvolvimento de atividades em propriedades cuja origem está relacionada à
história da imigração europeia no Brasil, neste modelo, se recebe os turistas nas
dependências das casas dos agricultores, compartilha-se a moradia e os produtos
vendidos são artesanais. É, assim, um turismo de essência colonial, de pequeno porte
e de estrutura essencialmente familiar.

Dessa maneira, São João dos Mellos está localizada em uma região que, por
essência, já desenvolve o turismo rural desde a década de 1990. Mas cabe destacar
que apesar da proximidade geográfica e das similaridades identitária, São João dos
Mellos não faz parte da rota oficial do turismo na Quarta Colônia, que é composta
pelos municípios de Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma,
Pinhal Grande, Restinga Sêca, São João do Polêsine e Silveira Martins. Isto porque, a
comunidade é administrativamente vinculada ao Distrito de Júlio de Castilhos e, como
tal, pertence a outra região.

Contudo, cabe destacar que na prática, os turistas e visitantes que procuram


São João dos Mellos acabam por conhecer a comunidade por sua proximidade com a
rota da Quarta Colônia, já que o destino turístico se localiza a apenas 7 km de Nova
Palma, contra os 30 km de distancia de Julio de Castilhos, fator que certamente
dificulta o acesso a quem busca a comunidade por meio dessa via. Além da
proximidade com uma região que já apresenta com um fluxo turístico consolidado, São
João dos Mellos conta também com um atrativo cultural ímpar.

Um dos moradores da comunidade é escultor autodidata. Desde 2005 este


morador, também descendente de imigrantes italianos, vem esculpindo em pedras e
madeiras obras de arte que são expostas no jardim de sua casa. Pela grandiosidade
das peças e também por ser um atrativo diferenciado em relação às características
culturais da região, o jardim do escultor tornou-se um chamariz para aqueles que
visitavam as proximidades. Tendo observado o crescente número de visitantes, o
escultor e sua esposa resolveram explorar turisticamente o Jardim e convidaram a
comunidade a se unir para que, em conjunto, pudessem formatar um destino turístico.
Dessa união surgiu a Associação Pró-Turismo de São João dos Mellos, iniciativa
comunitária que busca, ainda hoje, organizar o turismo interno de forma que todos da
comunidade possam se beneficiar da atividade de forma igualitária.

Essa iniciativa, de raízes endógenas, configurou um destino turístico que


apresenta duas territorialidades marcantes na sua produção: uma vincula-se ao
turismo rural colonial e a outra ao turismo pan-étnico. A primeira se dá pelo viés da
comunidade em geral e suas características culturais e históricas que são igualmente
encontradas na região. A segunda vincula-se ao eixo-temático do principal atrativo
local. O Jardim das Esculturas, apesar de produzido por um autóctone, apresenta
referências externas, profundamente embasado no orientalismo. Por turismo pan-
étnico, consideramos como a atividade turística em que os símbolos e práticas
disponíveis para consumo são baseados em imagens estereotipadas, em que os
objetos claramente não fazem referência a uma tradição étnica local (MARIUZZO,
2013).

Apesar de serem territorialidades profundamente diferentes, marcada por


relações e práticas sociais bastante distintas, o que gera fluxos de turistas com
objetivos bastante difusos, a conjugação dessas territorialidades permitiu o
desenvolvimento de uma identidade territorial que destaca São João dos Mellos se
comparada com outros destinos da Quarta Colônia. Consideramos esse processo
como um movimento de “reterritorialização”, ou seja, o a redescoberta da identidade e
sua relação com o território, ou em outras palavras “o território com identidade cultural”
(FLORES, 2006, p.03).

5. O TURISMO RURAL COLONIAL EM SÃO JOÃO DOS MELLOS

Assim como na região da Quarta Colônia, São João dos Mellos apresenta uma
identidade cultural de colonização italiana. Suas origens rurais estão imbricadas com
os usos desse território desde o século XIX. Neste período, as glebas que hoje fazem
parte dos limites da referida comunidade eram ponto de paragem àqueles que
transportavam gado para comércio em São Paulo. Segundo informações obtidas junto
aos residentes, entre fins do século XIX e início do século XX, os primeiros moradores
se instalaram naquelas terras e comercializavam itens de apoio aos viajantes.

O aumento no número de famílias residentes neste território iniciou-se em


decorrência do processo de colonização italiana na região. No caso do Rio Grande do
Sul, o foco de imigração se deu priorizando os imigrantes camponeses. A imigração
agrícola deu origem a diversas colônias, e também aglomerados populacionais de
pequeno porte (comunidades) com as mesmas características (BONI, COSTA, 1991).

Em São João dos Mellos pode-se identificar facilmente esse foco de imigração
por meio dos registros cartoriais. Os residentes apresentam maciçamente sobrenomes
de origem italiana e, muitos, ainda preservam documentos de seus parentes
imigrantes. Além dos vínculos genealógicos, uma série de saberes e práticas relativos
a identidade colonial de imigração ainda permanecem arraigados na comunidade. O
primeiro ponto a ser destacado nesse processo é arquitetura. A maioria das casas dos
moradores de São João dos Mellos ainda preserva os traços da construção colonial.
Janelas grandes, portas de madeira maciça, fechaduras feitas de ferro, banheiros
separado da residência, fogão a lenha e cozinhas de grande porte são apenas alguns
exemplos dessa estrutura.

Em aditivo a arquitetura, muitos utensílios antigos ainda são utilizados pelos


moradores como panelas e tachos de ferro, prensa de torresmo em madeira,
debulhador de grãos a manivela, rebolo para afiar lâminas feito em madeira e pedra,
engenho de farinha de milho, dentre outros objetos como móveis, pratarias, malas e
vitrolas que ainda estão presentes na decoração das residências. Naturalmente
utilizados no cotidiano, a riqueza histórica deste e outros elementos chamam a
atenção dos turistas que frequentam a comunidade. Isto porque os serviços turísticos
locais são alocados nas casas dos moradores. A hospedagem é familiar e, sendo
assim, o hóspede é recebido na casa da família rural. O cliente conta com os mesmos
aposentos comuns aos donos da residência e, de certa forma, acabam por participar
do cotidiano da família.

No que diz respeito a hábitos alimentares, se destaca a forte presença da


gastronomia colonial italiana. A maior parte dos alimentos é de origem local. Leite,
ovos, farinha de milho, feijão, açúcar mascavo, massas, pães, geleias, destilados,
vinhos, temperos, frutas, verduras, carnes, queijos e embutidos são produzidos para
subsistência e formam a base alimentar de seus moradores. Risoto de frango, polenta,
ovo frito, salame e queijo colonial, sopa de agnoline, fortaia e menestra estão dentre
os principais pratos presentes no cotidiano e também festividades dos moradores.
Produtos frescos e produzidos artesanalmente, os mesmos chamam a atenção de
turistas que passam os finais de semana e feriados na comunidade ou que frequentam
os eventos promovidos pela Associação Pró-Turismo.

A fim de organizar o turismo de forma igualitária, a comunidade se divide no


processo de recepção e atendimento ao turista. As famílias com residência com maior
quantidade de cômodos oferecem hospedagem. As refeições ficam concentradas em
um restaurante local, alocado na casa de uma das moradoras cuja residência é
remanescente de um comércio do inicio do século XX e que apresenta uma boa
infraestrutura de serviço de restauração (mesas e cadeiras, balcão, fogão a lenha para
manter os alimentos expostos). Os insumos e produtos que são servidos no
restaurante são provenientes de produções de outras famílias. De acordo com as
habilidades e estrutura produtiva rural, as famílias se dividem ofertando açúcar,
embutidos, pães, geleias, carne, afim de que todos na comunidade possam obter
ganhos com as refeições ofertadas aos viajantes.

Em aditivo, algumas famílias se dividem produzindo itens para venda em uma


loja de souveniers comunitária. Alguns produzem geleias, outros pães, outros
biscoitos, artesanatos com barbante, palha de milho e lã. A produção é realizada de
acordo com o saber-fazer de cada habitante da comunidade. Os ganhos são
distribuídos de acordo com o percentual de vendas de cada produto.

Além desses serviços permanentes (hospedagem, alimentação e souveniers),


a comunidade também se organiza de forma a promover e fomentar o turismo local,
organizando festas típicas e caminhadas ecológicas. Dentre os eventos mais
conhecidos organizados pela comunidade estão os jantares italianos e cafés coloniais.
Com objetivo de promover a cultura local e também gerar renda para as famílias
envolvidas, frequentemente a comunidade organiza jantares dançantes com
gastronomia típica e músicos locais.

As caminhadas ecológicas ocorrem em parceria com um dos moradores que


tem a formação de “guia especializado”. Conta com trilhas em meio a propriedades
rurais e visita a alguns produtores. Como apoio e também atração turística, os
visitantes podem contar com um trator que tem um reboque adaptado para transporte
de passageiros. Todos estes elementos formatam a oferta de turismo rural na
comunidade. Claramente, esse produto turístico é muito similar a outras ofertas na
região, uma vez que as matrizes de imigração são as mesmas. Segundo Wasserman
(2002, p.94):

A identidade conforma-se a partir de experiências reais e significativas. Ela,


identidade, enquanto sentimento de pertencimento, é simbólica e abstrata, mas é
originária de vivências, experiências e afetos concretos. Essas experiências cotidianas
vão compondo um mosaico de imagens que se vinculam sempre a significados
ampliados da identidade a ser construída.

Dessa maneira, entendemos que no campo da identidade, assim como na


região da Quarta Colônia, São João dos Mellos através de seus moradores,
experiências cotidianas e memórias coletivas, conformaram um produto turístico em
que os elementos e significados presentes nos equipamentos e serviços estão
amplamente vinculados à “italianidade” e ao “ruralismo colonial”. A memória da
imigração está presente na arquitetura, na decoração, na comida, na música, no
manejo rural. Tratam-se de elementos de significados fortes, com vínculos bastante
arraigados pelos moradores que ainda carregam dialetos, lembranças de infância e
hábitos (alimentares, musicais, religiosos, de trabalho) extremamente ligados a este
imaginário que também faz parte de uma identidade regional (VENDRUSCOLO,
2009).

6. O JARDIM DAS ESCULTURAS

Além da forte presença da cultura italiana e dos aspectos rurais na comunidade


de São João dos Mellos, o produto turístico é também formado por uma segunda
territorialidade proveniente de seu principal atrativo. Compreendemos que se trata de
outra territorialidade por trazer elementos simbólicos e práticas cotidianas que
traduzem uma identidade bastante diferente dos saberes e práticas vinculados à
ruralidade colonial e aos ideais de italianidade.

O escultor Rogério Bertoldo é auto-didata. Sua trajetória, assim como os


demais membros da comunidade, vincula-se à imigração italiana. Filho de agricultores,
Rogério plantava tabaco durante sua juventude. Ao concluir o ensino básico, Rogério
despertou interesse por artes marciais, filosofia oriental e yoga. Sem nenhum curso ou
profissionalização na área, o escultor iniciou seus primeiros entalhes em pedras que
ele mesmo coletava no entorno da residência de seus pais. Os primeiros trabalhos
foram esculturas de Buda.

Em razão de seu interesse pelo orientalismo e também do gosto do escultor


por práticas de meditação, os trabalhos que seguiram foram vinculados em sua
maioria a esta temática. Inicialmente, o escultor utilizava apenas machado, talhadeiras
e facas. O material de base (pedra e madeira) era retirado dos arredores, caraterizado
por paisagens naturais e relevo montanhoso. Vendendo suas próprias obras e fazendo
esculturas comerciais (bustos e estátuas) o escultor foi melhorando os seus recursos
materiais adquirindo novas ferramentas para entalhe e também matéria-base para
esculpir, como a pedrão-sabão. A partir do “auto-financimento”, o escultor começou a
ampliar o número de obras no entorno de sua residência. A temática das obras,
sempre vinculada ao orientalismo e à devoção a natureza.

O escultor além de praticante de yoga é vegetariano. Dessa maneira, seus


gostos e crenças permearam todas as obras. Dentre os principais elementos, está a
figura de um “gigante” meditando bem ao centro do jardim de sua casa, obra datada
de 2005. Com aproximadamente 7 metros de altura, a imagem do “Sereno”, como o
autor denomina a obra, se destaca em meio ao cenário rural. A diferenciação da obra
chamou a atenção dos habitantes do entorno. Aos poucos, um fluxo de visitantes se
iniciou com o objetivo de conhecer as obras tão chamativas.

Foto 1- Vista do Sereno - principal obra do escultor. A grandiosidade da escultura e a temática orientalizada da obra
desencadeou o fluxo de visitantes (Acervo dos autores, 2012).

Percebendo o aumento no número de visitantes, em 2008, o escultor e sua


esposa decidiram organizar turisticamente o Jardim. Iniciaram assim um processo de
profissionalização no que diz respeito à recepção dos visitantes. Realizaram o
cercamento do jardim, cobrança de uma taxa de visitação, abertura de um restaurante,
bem como um projeto de divulgação e organização de excursões para atrair e melhor
atender estes visitantes.

Hoje o acervo que conta com mais de 290 obras expostas a céu aberto e no
interior de sua residência, apresentam basicamente três temáticas: posições de yoga e
deuses orientais; animais; rostos alinhados com pergaminhos com mensagens de
filosofia de fundamentação budista. Segundo o escultor, o objetivo é despertar nos
visitantes uma “posição de consciência”, de “introspecção ao mundo interior” e de
“respeito aos irmãos animais”.

Foi também com esse objetivo que o casal abriu um restaurante vegano em
sua propriedade. Dada a temática das obras, um fluxo de turistas interessados em
práticas orientalizadas começou a frequentar o Jardim, a fim de praticar yoga, fazer
meditação, danças energéticas, assim como terapias alternativas como o reiki. Dentre
estes, muito dos visitantes mantêm a postura de não comer carne e, outros, de não
comer nada de origem animal, se fazendo necessário um serviço de restauração que
atuasse de acordo com essas diretrizes. Além desse público, o jardim conta com a
presença de ecoturistas, apreciadores de arte e outros visitantes que têm como
principal motivação a busca por atrativos naturais, artísticos e culturais.

7. ENTRE O TURISMO RURAL COLONIAL E O TURISMO PAN-ÉTNICO

Claramente, as territorialidades e identidades presentes no produto turístico de


São João dos Mellos são bastante distintas. Apesar do escultor ser autóctone, a
temática de suas obras enquadram-se em referências diferenciadas do que se
reconhece como a identidade territorial “convencional” do local. Inicialmente essas
territorialidades distintas causaram estranheza entre os membros da comunidade,
sobretudo para os habitantes mais velhos, cuja vivência colonial ainda aporta
significados identitários de italianidade mais latente. Para um colono é difícil
compreender, por exemplo, como alguém pode viver sem consumir nenhum produto
de origem animal. O encontro com esse turista, de bagagem cultural tão diferenciada,
leva a um processo de estranheza e também de encantamento com os novos hábitos
que se apresentam.

Em entrevistas com os moradores, pôde-se traçar os principais caminhos


percorridos pela comunidade para alcançar o equilíbrio entre estas territorialidades
distintas. A parceria comunidade x jardim foi construída vagarosamente. O jardim não
foi inicialmente premeditado como um plano de atração turística. O fluxo se iniciou
paulatinamente e a potencialidade foi observada com o passar do tempo. A
necessidade de uma organização mais efetiva dos habitantes ocorreu apenas em
2010, quando o fluxo de visitantes ganhou maior fôlego.

Com um forte espírito comunitário, os habitantes de São João dos Mellos


sempre agiram de forma associativa, característica observada em muitas
comunidades coloniais rurais. Na questão do turismo não foi diferente. O escultor
Rogério Bertoldo é, antes do artista, um morador da comunidade e como tal, mantêm
vínculos familiares, sociais e afetivos com os demais membros desse núcleo rural.
Segundo uma das moradoras, quem propôs a organização do destino turístico foi o
próprio Rogério, em uma das reuniões de moradores da comunidade. Segundo a
entrevistada, o escultor é um morador muito respeitado na comunidade em razão de
seu bom relacionamento com todos. Em razão disso, apesar das suas crenças e
práticas serem tão diferentes, a comunidade não hesitou em realizar a parceria para o
desenvolvimento do turismo.

Mas cabe destacar aqui, que o discurso do escultor para a organização do


turismo se pautava em uma única premissa: não deixar a comunidade “desaparecer”.
O imaginário coletivo de “esvaziamento” fomentou a união das diferentes
territorialidades e os reflexos dessa conjuntura revelaram o poder do local, levando a
uma construção de uma nova identidade para o território que se materializa tanto nos
aspectos espaciais quanto simbólicos. Os comentários dos residentes são
representativos desse processo. Eles afirmam que o turismo foi uma grande
oportunidade de melhoria na qualidade de vida na comunidade, pois, houve
desenvolvimento a partir do retorno financeiro e organização do espaço, tendo a
“paisagem” da comunidade passado por um processo de “embelezamento” que
orgulha seus moradores.

Antes, a comunidade estava “abandonada” como afirmam os próprios atores. O


estímulo de “cuidar da frente das residências” com o objetivo de “atrair os olhares dos
turistas” provocou também um sentimento de “reavivamento” da comunidade e, nesse
sentido, o fortalecimento de sentimento de pertença também foi fortificado. Um das
moradoras afirma: “Nossa comunidade nunca esteve tão bonita quanto agora. Pode
ver que todos cuidam das roseiras em frente às casas. Não tem mais aquela cara de
cidade-fantasma de antes. É muito bom ouvir os elogios dos turistas”.

Outro ponto levantado é que o contato com os turistas permite um


“aprendizado” cultural relevante e que mostrar “a cultura italiana” aos que vem de
foram tem sido uma experiência gratificante àqueles que vivem na comunidade.
Segundo os moradores, é instigante receber àqueles que vêm de fora. Para eles,
trata-se de uma possibilidade de “descobrir o mundo”, como exemplifica uma das falas
de um dos residentes. “Eu nunca sai daqui. Conheço apenas as cidadezinhas aqui da
volta. Aprendo muito com os turistas. Como estamos aposentados, a oportunidade de
conhecer gente de fora é maravilhosa! Ocupa meu tempo. Converso com gente de
tudo quanto é lugar. Observo a moda e aprendo sobre comidas diferentes...certa vez
veio uma menina vegetariana aqui. Achei estranho...como pode alguém viver sem
carne e ovos? Achei que isso não existia. Mas agora já aprendi o que servir quando
vem os vegetarianos. Eles adoram polenta!”

A mesma impressão é observada por parte de visitantes e turistas. A troca


cultural é apontada pelos mesmos como a experiência mais relevante na viagem. Isto
porque os atrativos (paisagísticos, gastronômicos e artísticos) ganham força com a
possibilidade de conhecer habitantes cuja história de vida e hábitos cotidianos são
extremamente diferenciados em relação às culturas de origem dos turistas. Podemos
citar como exemplo, a “surpresa” dos turistas ao observar o processo de fabricação de
farinha de milho realizado em moinho de pedra, hábito tradicional da comunidade. A
possibilidade de degustar pratos tradicionais, como a polenta (prato típico a base de
farinha de milho, preparado no fogão a lenha e em panela de ferro) também é um dos
pontos convergentes nesse sentido. Segundo um dos turistas “A comida, a paisagem
e a hospitalidade da comunidade é fantástica. Eles fazem tudo para te agradar. É
diferente de ir a um hotel-fazenda. Aqui estamos sendo recebidos como na casa de
um familiar. Quando servem a mesa, a comida é a mesma que eles consomem no dia-
a-dia. É isso que torna o lugar interessante”.

Estes exemplos nos ajudam a ilustrar o processo de hibridização territorial de


São João dos Mellos. Embora conflitos e tensões sejam existentes, como em qualquer
prática turísticas, pode-se afirmar que, em certa medida, o emponderamento da
comunidade para organização e desenvolvimento do turismo trouxe reflexos positivos,
sobretudo no que tange aos encontros culturais proporcionados. Apesar das
diferentes territorialidades presentes nesse movimento, pode-se observar que a
comunidade tem um discurso uníssono quanto ao turismo. A imagem que se constrói
de São João dos Mellos se dá por duas vias: de um lado, tem-se a preservação da
cultura italiana e a chance de mostra-la aos turistas. De outro, tem-se um atrativo pan-
étnico que atrai turistas com perfil bastante diferenciado, o que tem proporcionado
novas construções simbólicas para aqueles que vivem no lugar.

É da convergência desses dois elementos territoriais e identitários que temos a


construção da nova identidade territorial de São João dos Mellos: colônia de imigração
italiana e comunidade do Jardim das Esculturas. Atualmente, a comunidade não se vê
de forma separada do jardim. Os benefícios advindos com a prática turística, que não
apenas financeiros, mas, sobretudo sociais, fortalecem o saber-fazer-local e é
justamente esse o diferencial da comunidade de São João dos Mellos. De acordo com
uma agente de turismo “O diferencial de São João dos Mellos é justamente pela ideia
de turismo ter partido da própria comunidade. É muito difícil ter iniciativas de turismo
endógeno como ocorre aqui. A comunidade está se organizando e o atrativo de São
João dos Mellos é totalmente diferente dos demais. Eu, enquanto agente, tento ajudar.
Sempre que possível incluo a comunidade nas rotas, roteiros e caminhos que
comercializo. Já temos alguns produtos em que a comunidade é principal ponto de
hospedagem e alimentação dos trilheiros que nos acompanham. Eles conseguem se
organizar para receber e, em contrapartida, conseguimos gerar capital para estas
famílias”.

Dessa maneira, por meio desse movimento horizontal, a comunidade de São


João dos Mellos tem buscado sua afirmação por meio do turismo, caracterizando a
“contramobilidade emergindo como expressão do direito de ‘não migrar’, ou de
permanecer no espaço de origem; é a luta em defesa do ‘livre-arbítrio’ quanto ao
espaço a ocupar, a cultura a preservar. É o singular tentando manter seu espaço no
espaço econômico global” (CASTRO et al., 2006, p.322).

8. CONSIDERAÇÕES

Apesar de se tratar de resultados ainda insipientes de uma pesquisa, o estudo


preliminar da atividade turística em São João dos Mellos nos revela como a identidade
territorial se trata de uma “celebração móvel”. Conforme nos aponta Hall (1999), a
identidade é formada e transformada continuamente, uma vez que somos parte e
reflexo dos sistemas culturais que nos rodeiam. Essa premissa explica muito bem as
duas relações identitárias presentes no território de São João dos Mellos que se
configuram em duas tipologias bastante diferentes, mas também complementares de
turismo: o turismo rural colonial e o turismo pan-étnico.

A primeira é definida por um histórico de colonização, a segunda, por


influências orientais cada vez mais presentes em um mundo globalizado.
Independentemente de sua matriz, o importante é compreender que a identidade
territorial é definida historicamente. De acordo com Hall (1999, s.p), “o sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas
ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocada”. É dessa maneira que em São João dos Mellos, por
meio da prática do turismo, temos um movimento de encontros e desencontros de
identidades, marcadas e remarcadas pelas territorialidades geradas entre turistas e
moradores. Compreendemos assim, que a identidade é difusa, incompleta e
incoerente. É, assim, um movimento, um processo.
Mas por outro lado, é também esse movimento que proporciona o diferencial, a
identidade territorial de São João dos Mellos, pois se trata de uma iniciativa “de baixo
para cima” em que a cultura local se apropria do espaço, e as ações nele realizadas o
caracterizam como um território que se integra com outros formando uma rede de
fluxos, de políticas, trânsito de pessoas e bagagens culturais que podem possibilitar o
desenvolvimento.

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