Turismo, Psicologia e Lazer PDF

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TURISMO: ENTRE CONSUMO, RESGATE PSÍQUICO E CHOQUES CULTURAIS,

UM OBJETO DE ESTUDO EM CONSTRUÇÃO.

1
JOSÉ CLERTON DE OLIVEIRA MARTINS

RESUMO

O turismo, como atividade do lazer, pressupõe uma ruptura espaço-temporal em


relação ao mundo do trabalho, apresentando-se como uma forma cultural alternativa,
diferencial e complementar, que contribui para a restauração psíquica. É comum a
afirmação de que o turismo é um fenômeno recente e que sua existência é reflexo do
tempo livre conseguido pela classe trabalhadora, da excessiva concentração urbana,
do progresso tecnológico e do aumento do poder aquisitivo. Estes seriam os factores
desencadeadores do turismo que estaria ligado à atividade de saída do contexto
quotidiano em busca de lugares ligados às ideias de vida e descanso. O Turismo
surge ainda como possibilidade de reencontro, de fantasia, repouso e felicidade num
tempo sem tempo de ser. Desta forma o homem sai em busca de expressar-se, no
encontro com outra cultura, outros valores, sabores, tempos, diversão, festa, longe de
tudo que pode significar controle. Este estudo aponta para a necessidade de
aprofundamento nos estudos do turismo, retirando-o do contexto que o limita e o torna
banal, quando relacionado apenas às atividades de consumo que geram renda e
emprego.

Palavras-chave: turismo, antropologia do turismo, resgate psíquico, tempo.

Introdução

O turismo, como atividade do lazer, pressupõe uma ruptura espaço-temporal


em relação ao mundo do trabalho, apresentando-se como uma forma cultural
alternativa, diferencial e complementar, que contribui para a restauração psíquica.
(BAZTAN 1993).

1
Doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona/Espanha, professor titular do mestrado em
Psicologia, graduação em psicologia e turismo da Universidade de Fortaleza.
Tratando-se de um tema que, por si, sugere um olhar multidisciplinar, o objetivo
deste estudo é: demonstrar a amplitude do campo de estudo do turismo e a
importância de sua reflexão enquanto fenômeno complexo, próprio do momento
contemporâneo elaborado pelo homo faber ocidental. Para tal, utilizamo-nos da
revisão de alguns direcionamentos teóricos, tomando como base os estudos
empreendidos por Aguirre Baztan da Universidade de Barcelona, Espanha, a partir do
enfoque da psicologia cultural e antropologia.
Ao analisarmos a produção teórica sobre o turismo, a primeira percepção que
nos é oferecida é a da superficialidade. Em afirmações como: o turismo é visto como
uma área frívola da cultura (lazer) a ser evitada por estudiosos sérios (Nash, 1981 in
Burns 2002: 94), ou, ainda, na mesma referência, um fenômeno moderno/pós-
moderno que não é digno da atenção antropológica, ambas encontradas em
referências de pesquisadores há de se perguntar sobre o que, na realidade, significa
fazer ciência e quais seriam os objetivos de se fazer ciência.
Considerações que partem do princípio de que algumas áreas são prioritárias
em detrimento de outras, levam-nos a um pensamento de limitação de direção, ou
seja, o que não sugere aplicação utilitária imediata não merece seriedade. No caso do
turismo, perguntaríamos: como não pensar os fenômenos sociais, econômicos e
culturais, que são reflexos da ação do turismo como algo que não seja sério e
merecedor de estudos científicos? Ou ainda, como não pensar seriamente em algo
que pode devastar áreas do planeta, mudar os costumes, alterar valores, gerar
riquezas, produzir bens, aproximar/afastar povos, promover o conhecimento de
culturas, proporcionar mudanças em todas as áreas, como algo que, em sua ação, é
tão afeto à antropologia, geografia, psicologia, direito, administração, política,
educação etc.? Parece que precisamos olhar com mais atenção o mundo que nos
cerca antes de proferir palavras ao vento do alto de nosso etnocentrismo acadêmico
ou corporativismo profissional, utilizando-nos de alguma ilusão de poder. Afinal
observar a realidade e sua lógica é um princípio básico para se pensar ciência.
Alguns elementos teóricos que norteiam o estudo do turismo podem observar a
partir antropologia clássica:

 Mauss formulou teorias sobre as obrigações e reciprocidades envolvendo o


presentear e a troca, abrindo caminho para o reconhecimento do conflito entre
o turismo capitalista e a reciprocidade tradicional;
 Malinowisk, por meio de seu estudo do Kula King (ilhas Trobriand), deu
significado profundo aos aspectos ritualísticos e de coesão social das viagens;
 Van Gennep estudou e codificou rituais e ritos de passagem, colaborando com
a idéia de turismo como um tipo de ritual.
 Simmel desenvolveu a sociologia do “estranho”, criando assim uma fundação
teórica para a noção de rituais de hospitalidade e deu nova dimensão à idéia
de “lazer” como algo de profunda importância social (Burns, 2002: 95).

Turismo: muitas compreensões e um conceito em construção

É comum a afirmação de que o turismo é um fenômeno recente e que sua


existência é reflexo do tempo livre conseguido pela classe trabalhadora, da excessiva
concentração urbana, do progresso tecnológico e do aumento do poder aquisitivo.
Estes seriam os fatores desencadeadores do turismo que estaria ligado a atividade de
saída do contexto cotidiano, (...) significando deslocamento e estada em busca de
lazer, negócios, dentre outros. (KRIPPENDORF 1989, p.25)
Ao pensarmos o turismo nos surge o conceito de lazer, habituados que
somos a relacionar esta atividade com um tempo disponível e alguma reserva
econômica a ser investida. Assim, lazer seria compreendido como as ações realizadas
num tempo livre de obrigações, com referência ao período de férias anuais laborais ou
escolares. Neste sentido, a visão predominante, nesta concepção de turismo e lazer, é
a de consumo, pois a lógica é produzir, acumular e, no tempo que deveria ser
destinado ao desenvolver-se, descansar ou divertir-se, tudo isso acontece mas a partir
do consumir coisas, pacotes, serviços etc.
Os conceitos de lazer e ócio são muito confundidos em nossa cultura e
muitos especialistas voltam-se a esclarecê-los. Domenico De Masi ( 1997) apresenta o
ócio como promotor, entre outras propriedades, do descanso e também como parcela
do tempo livre que pode ser usada para o desenvolvimento da criatividade. Já para
J.Dumazedier, ócio quer dizer:

“[...] o conjunto de atividades, às quais o indivíduo pode


dedicar-se por inteiro, quer seja para descansar, para divertir-
se, para desenvolver sua informação ou formação
desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre
capacidade criadora, uma vez que se há livrado de suas
obrigações profissionais, familiares ou sociais.” (em
MONTEJANO 1996, p.49).
Sabe-se que muito temos que aprofundar sobre a compreensão de ócio
para entendermos sua relação com o turismo e isso se expressa quando em
psicologia nos deparamos com o ócio associado ao “self”, ou seja, o ócio enquanto
propiciador e reflexo da ação subjetiva.
Quando buscamos a literatura especializada o turismo nos é apresentado
por diversos conceitos. Vejamos alguns, para que tenhamos uma idéia dos âmbitos e
campos do fenômeno em pauta.
Segundo Wahab (1991, p.23), a primeira definição de Turismo foi
possivelmente encontrada pelo economista austríaco Herman Von Schullard, em
1910. Ele definiu o turismo como sendo “ a soma das operações, principalmente de
natureza econômica, que estão diretamente relacionadas com a entrada, permanência
e deslocamento de estrangeiros para dentro e para fora de um país, cidade ou
região.”.
Ignarra (1998) oferece em sua produção várias visões sobre turismo, das
quais extraímos as seguintes:

Para Bormann (in IGNARRA, 1998, p.23), turismo è

“o conjunto de viagens que tem por objetivo o prazer ou motivos


comerciais, profissionais ou outros análogos, durante os quais é
temporária sua ausência da residência habitual. As viagens realizadas
para locomover-se ao local de trabalho não se constituem em turismo.”

Hunziker e Krapf conceituaram turismo como:

“o conjunto das inter-relações e dos fenômenos que se


produzem como consequência das viagens e das estadas de
forasteiros, sempre que delas não resulte um assentamento
permanente nem que eles se vinculem a alguma atividade
produtiva” (in IGNARRA 1998, p.23),

Robert Mcintosh (in IGNARRA1998, p.24) diz que “Turismo pode ser
definido como a ciência, a arte e a atividade de atrair e transportar visitantes, alojá-los
cortesmente, satisfazer suas necessidades e desejos.”
Em Jafer Jafari, (IGNARRA 1998, p.24), turismo “é o estudo do homem
longe do seu local de residência, e da indústria, que satisfaz suas necessidades, e dos
impactos que ambos, ele e a indústria, geram sobre os ambientes físico, econômico e
sóciocultural da área receptora.”
Mais adiante, Fuster, (op.cit, p.24), definiu que ”turismo é, de um lado,
conjunto de turistas; de outro, os fenômenos e as relações que essa massa produz em
conseqüência de suas viagens.”
Oscar de La Torre definiu da seguinte forma:

“O turismo é um fenômeno social que consiste no


deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos
de pessoas que, fundamentalmente por motivo de recreação,
descanso, cultura ou saúde, saem de seu local de residência
habitual para outro, no qual não exercem nenhuma atividade
lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter-relações de
importância social, econômica e cultural” (IGNARRA,1998,
p.24).

Já Andrade (op.cit, p.24) propôs a seguinte definição: “turismo é o conjunto


de serviços que tem por objetivo o planejamento, a promoção e a execução de
viagens, e os serviços de recepção, hospedagem e atendimento aos indivíduos e aos
grupos, fora de suas residências habituais”.

Além das viagens, serviços e estruturas: uma necessidade

Por outro lado, o turismo constitui fenômeno que se observa intensificar-se


após a Revolução Industrial, pois, a partir de então, novas formas de produção,
levaram a um condicionamento do tempo, tornando-o artificial e exterior. Isso
proporcionou ao homem um tempo que foi denominado por Munnè de
heterocondicionado, ou seja, um tempo definido por fatores externos ao sujeito que o
vivencia. Significa dizer que quando o homem passou a ter seu tempo controlado pelo
relógio e este, por sua vez, passou a significar, sobretudo no meio urbano, o tempo
principal da vida humana, surge a necessidade da busca de um tempo natural, do
tempo cíclico, do tempo de ser sujeito de seu tempo (MUNNÈ, 1980).

O turismo adquire, como tempo disponível às atividades eleitas pelos sujeitos,


um significado de tempo para o reencontro consigo mesmo e busca do que se perdeu
no tempo destinado à atividade industrial, o contato com a natureza, a integração com
pessoas, as festas, a falta de compromisso, assim, em dados períodos, em geral nas
férias, as populações das cidades saem em busca dos chamados paraísos utópicos,
sonhando com o exotismo e com o encontro com as vivências perdidas e, enfim, com
a possibilidade de ser dono de seu tempo, criando um tempo autocondicionado, na
terminologia de Munnè (1980).

O Turismo surge como essa possibilidade de reencontro, de fantasia, sair em


busca de expressar-se, no encontro com outra cultura, outros valores, sabores,
tempos, diversão, festa, longe de tudo que pode significar controle.

Segundo Baztan (1993), os estudos do turismo ainda revelam uma produção


recente, escassa e pouco significativa para a demarcação precisa de um objeto de
uma disciplina científica. Apesar disso, o fenômeno turístico, intensificado nas
aspirações elitistas no começo do século XX, consolida-se como cultura de massas na
Europa a partir dos anos setenta do mesmo século. No entanto considerações
recentes dos estudos sobre Antropologia colocam como destaque alguns
direcionamentos para uma “Antropologia do Turismo”:

 O estudo antropológico do turismo a partir da perspectiva dos processos de


aculturação por parte dos convidados (referindo-se aos turistas ocidentais ricos)
sobre os anfitriões (os receptores do dito terceiro mundo). Trata-se de uma
organização denominada Hots and Guests (1977) elaborada por Valene Smith.
Esta seria segundo Baztán (1993), a primeira publicação cujo tema é abordado
sob tal ótica. Os trabalhos organizados por Smith reuniram estudos a partir dos
impactos culturais, sociais, econômicos do turismo sobre os países em
desenvolvimento;
 O estudo proposto por Jafar Jafari denominado Modelos de Turismo (in Baztan
1993) no qual se analisou o fluxo turístico a partir dos ritos da viagem aos lugares
turísticos, observando-se o espaço (destino), o tempo (estadia) e a cultura (choque
cultural);
 O estudo de Graburg em The Anthology of Tourism (1988) centrado no estudo da
variabilidade do turismo a partir dos fatores predominantes da sociedade de
origem. Segundo o autor, cada sociedade gera um tipo de turismo. A região
receptora oferece seu diferencial, através de suas particularidades: relevo, clima,
patrimônio etc. A sociedade emissora, a hóspede, busca o que necessita, como
qualidade no serviço, preço justo, paisagem, gastronomia, folclore, festa etc.
Nesta visão, analisam-se linhas fundamentais do turismo a partir da oferta e da
procura;
 Outro estudo El turismo como restauración psíquica (Baztan,1998) oferece uma
visão de turismo na perspectiva da saúde mental, a qual propõe que o turismo de
massas, no âmbito do trabalho, advém da necessidade de se reparar a fadiga
psíquica através de momentos vitais de ruptura (BAZTAN, 1993: 641-642)

Turismo um tempo de vivência para alívio das pressões

As afirmações de Aguirre (1993,1998) e Munnè (1980) contidas aqui, quando


nos referimos à questão do uso do tempo do turismo, sugerem um sofrimento humano
originado na forma atual de o homem direcionar sua existência. Sabemos que nossa
sociedade elegeu como tempo principal de viver o tempo voltado para o trabalho, esta
ação sugere uma posterior necessidade de recarregar o corpo e a mente para mais
uma vez se voltar ao trabalho.
A história revela a luta dos trabalhadores em busca de mais tempo fora do
trabalho, frente ao cansaço e aos desgastes sociais provenientes de um contexto em
que famílias inteiras estariam inseridas em fábricas produzindo as riquezas do capital,
muitas vezes por tempo superior a 14 horas.
Atualmente o trabalho, em geral, toma oito horas das vinte e quatro que o dia
dispõe; outras oito se voltam para as obrigações sociais e cuidados com o corpo e
mais oito se destinam ao resgate proporcionado pelo sono. Se pensarmos bem, ao
homem comum resta-lhe pouco tempo e condições para vivenciar um tempo de
elaboração sua.
As classes mais privilegiadas criam novas necessidades, direcionando a
ciência a produzir novas tecnologias para satisfazê-las. A globalização, o consumo
proporcionam estilos de vida, novos hábitos, num tempo de significados impressos
pela aparência e consumo, novas formas de turismo surgem, demonstrando novos
sintomas sociais do sofrimento humano.
Nesse contexto, são muitas as mazelas causadas por este
heterocondicionamento do tempo; basta verificar as pesquisas que demonstram as
patologias laborais como stress, burnout, Dort, Ler e outras mais.
Pelo exposto, o homem enquanto se esforça no trabalho na busca da
sobrevivência, sonha com um tempo de encontro consigo, com um paraíso tranqüilo,
sem pressa, sem tempo de acordar ou dormir. Com festas, com exotismo, beleza, arte,
poesia.
Johan Huizinga em seu Homo Ludens já falava da necessidade de ludicidade e
sobretudo de vivê-la enquanto dimensão humana. O tempo que o turismo promete,
promove, na sociedade que se organizou em torno do tempo de trabalho voltado para
o consumo, os encontros que lhe são negados, a busca do que lhe falta, a restauração
da fadiga psíquica, um tempo para se vivenciar o caos e motivar-se para a ordem do
cotidiano, um tempo de extravasar o contido pelas pressões que o dia-a-dia no
contexto contemporâneo inibe e castra.
Novos tipos de turismo surgem no terceiro mundo como atrativos para o
primeiro mundo. Por exemplo, o chamado turismo de saúde, a partir das viagens
motivadas por tratamentos odontológicos e cirurgias plásticas, eficazes e baratas,
segundo a ótica dos turistas do primeiro mundo.
Patologias se expressam nos comportamentos dos seres humanos através do
consumo generalizado. Tal sintoma está expresso na lotação das clínicas de cirurgia
plástica do Brasil onde turistas do exterior buscam no paíis da pobreza e
marginalidade o alento para seu ego por meio de cirurgias plásticas para dar sentido a
algo que resultará numa melhor auto-estima.
Num paradoxo, o país que gerou essa tecnologia de ponta que satisfaz a
vaidade de visitantes forasteiros, não consegue alentar a necessidade da população
interna que mingua nas filas dos hospitais por falta de leitos, de aparelhagem de
médicos, parece isto ser um dado importante para estudos!
Enfim, turistas, clientes ou pacientes, plenos de coisas, buscam em suas
viagens preencher os vazios de si, de seu lugar, de seu corpo e de sua alma.
Pelo que refletimos estamos convencidos da necessidade e da importância do
estudo do turismo, justificado não apenas pela visão do consumo, das divisas que
promovem emprego e renda, do desenvolvimento que gera macro e microestruturas,
dos choques culturais que os encontros entre comunidades emissoras (hospedes) e
receptoras (anfitriãs) promovem, mas, principalmente como um estudo para
compreensão do homem em sua forma de viver sem tempo de ser.

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Artigo Disponível em:


http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/CONF_SIMP/textos/joseclertonmartins-
turismo.htm

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