273-Texto Do Artigo-841-1-10-20191107

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE

MISERABILIDADE NA LOAS: UMA ANÁLISE À LUZ DA TESE


DEFINIDA NO IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000/RS JULGADO
PELO TRF DA 4ª REGIÃO

CONSIDERATIONS ABOUT THE ABSOLUTE PRESUMPTION OF MISERY IN LOAS: AN ANALYSIS


IN LIGHT OF THE THESIS DEFINED IN IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000 / RS JUDGED BY THE
TRF4TH REGION

Sabrina Nunes Vieira


Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva
Defensora Pública Federal DPU/MG

[email protected]

Carolina Godoy Leite Villaça


Especialista em Direito Público e Direito Previdenciário pela Universidade de Caxias
do Sul – UCS
Defensora Pública Federal, DPU/MG

[email protected]

RESUMO

O artigo apresenta estudo do benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e de-


ficiente no que concerne ao critério de renda legalmente estabelecido para sua concessão.
Inicia-se por um breve escorço histórico do instituto, com destaque para as principais al-
terações jurisprudenciais sobre a matéria, em especial no que concerne à interpretação do
§3º do art. 20 da lei 8742/1993 e oscilação referente à classificação como presunção juris et
de juri ou juris tantum. Passa-se, então, à análise do IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000/
RS, julgado pelo TRF da 4ª Região, que fixa a tese da presunção absoluta de miserabili-
dade nas hipóteses de enquadramento da renda per capita ao critério estabelecido na Lei
Orgânica de Assistência Social.

Palavras-chave: Benefício Assistencial. Miserabilidade. Renda per capita. Presunção juris


et de jure.

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 275


ABSTRACT

This article presents a study of the legal income criteria used for granting the welfare
benefit payed to welders and disabled people. It starts with a short historical analysis of
the benefit, highlighting the main changes in jurisprudence regarding, especially, the in-
terpretation of the law nº 8742/1993, article 20, §3rd, and the variations on its definition
as legal presumption juris et de jure or juris tantum. Then, the article studies the judgment
given by the Federal Appeal’s Court in the 4th Region (TRF4) in the IRDR 5013036-
79.2017.4.04.0000/RS, stablishing absolute presumption of misery when the family in-
come per capita fits the legal criteria determined by the law.

Keywords: Welfare benefit. Misery. Income per capita. Presuption juris et de jure.

Data de submissão: 23/03/2018 Data de aceitação: 11/06/2018

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. 1. CONCEITOS GERAIS SOBRE A ASSISTÊNCIA SOCIAL E


O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. 2. ANÁLISE DO CRITÉRIO DE RENDA PER
CAPITA. 3. CRITÉRIO LEGAL COMO PRESUNÇÃO RELATIVA DE MISERABI-
LIDADE. 4. ANÁLISE DA TESE FIXADA NO IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000/
RS. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

INTRODUÇÃO

Completando 25 anos de existência em dezembro de 2018, o principal marco regulatório


da assistência social do Brasil, Lei nº 8.742/93, continua sendo objeto de estudos, deba-
tes, críticas, alterações legais e mudanças jurisprudenciais.

Conforme destacado pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento da reclamação 4.374


Pernambuco, a assistência social integra as “promessas de democracia substantiva” trazidas
pela Constituição de 1988. O texto constitucional claramente busca o combate às desi-
gualdades sociais, instituindo instrumentos e direitos para a construção de uma sociedade
mais justa e solidária.

No caso dos deficientes e idosos pobres, a busca por esta utópica igualdade se materializou
em um plano de ação concreto para o Estado, com a concessão do benefício no valor de
um salário mínimo.

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O Estado, aturdido com a extensa promessa de deveres prestacionais que lhe foi imposta,
tenta de forma recorrente limitar sua atuação, defendendo a restrição de acesso aos bene-
fícios e redução de seu valor ou do período de manutenção.

Recentemente, muito se debateu sobre o impacto orçamentário que o benefício de pres-


tação continuada da assistência social produz sobre erário, com a famigerada PEC da
Reforma da Previdência.

Neste mesmo contexto, viu-se o crescimento das divergências doutrinárias e jurispruden-


ciais quanto ao alcance da presunção legal de miserabilidade para pessoas que integrem
núcleos familiares com renda per capita inferior à ¼ do salário mínimo.
A tese cunhada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em combate ao alarga-
mento dos critérios de concessão do amparo começou a repercutir nos Tribunais. No-
vamente, impôs-se o desafio de reanalisar a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
resgatando os seus fundamentos constitucionais.

Deste modo, o presente estudo objetiva analisar o conceito de miserabilidade para fins
de concessão do Benefício da Prestação Continuada (BPC/LOAS) e de atualizá-lo com
as recentes interpretações firmadas pelos Tribunais pátrios, em especial considerando a
decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas IRDR 5013036-
79.2017.4.04.0000/RS pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

1. CONCEITOS GERAIS SOBRE A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O BENEFÍCIO AS-


SISTENCIAL

A assistência social sofreu grandes transformações durante o século XX. Inicialmente vista
como um ato de caridade, ela não constituía um direito individual do cidadão em face
do Estado. Nesta fase inicial, concebida como um ato de benevolência privada ou estatal,
objetivava apenas mitigar uma situação de indigência.

Nestas primeiras décadas do século XX, a visão do Estado Liberal definia a pobreza como
uma falha pessoal, que era, muitas vezes, tratada com repressão pelo Estado.

Com as crises econômico-sociais decorrentes da quebra da bolsa de valores de Nova Ior-


que em 1929 e, em seguida, com a Segunda Guerra Mundial, o Estado foi forçado a
intervir para assegurar o resgate da população da miséria. Construía-se, assim, o conceito
de Estado de Bem-Estar Social.

A partir de então, as políticas assistenciais do Estado evoluíram deixando de limitar-se


apenas a ações pontuais para estruturar-se em um sistema permanente de amparo à popu-
lação necessitada, com objetivo de promover a dignidade da pessoa humana e assegurar o
mínimo existencial.

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 277


Citando Mozart Victor Russomano, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Bastista La-
zzari ressaltam que:

o mundo contemporâneo abandonou, há muito, os antigos concei-


tos da Justiça Comutativa, pois as novas realidades sociais e econô-
micas, ao longo da História, mostraram que não basta dar a cada
um o que é seu para que a sociedade seja justa. Na verdade, algumas
vezes, é dando a cada um o que não é seu que se engrandece a condi-
ção humana e que se redime a injustiça dos grandes abismos sociais.1

No Brasil, um dos principais marcos de consolidação do direito à assistência social pelos


necessitados foi a Lei nº 6.179 de 1974, que instituiu a renda mensal vitalícia. Cunhada
como benefício previdenciário, a RMV assegurava aos maiores de 70 anos ou incapazes,
que não pudessem prover o próprio sustento ou tê-lo provido pelos membros da sua famí-
lia, um benefício mensal “igual à metade do maior salário-mínimo vigente no País”.2

Com a Constituição Brasileira de 1988, a assistência social se fortaleceu e adquiriu novo


corpo, fixando-se como elemento estrutural da seguridade social e como direito funda-
mental da população necessitada.

Dentre os objetivos desta assistência social, a magna-carta fixou “a garantia de um salário


mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.”3

A partir da constitucionalização deste benefício, ele passa a compor o arcabouço funda-


mental de direitos e garantias que integram o superprincípio da Dignidade da Pessoa Hu-
mana. Constitui-se, portanto, como instrumento indispensável para que o Estado Demo-
crático de Direito, instituído pela Carta de 1988, alcance o seu fim maior de promoção
do pleno desenvolvimento da personalidade do homem.4

Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pelos artigos 20 e 21 da Lei Orgânica


1
RUSSOMANO, M. V. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2. Ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 18. In: CASTRO, Carlos Alberto Pereira de Castro. LAZZARI, João
Batista. Manual de Direito Previdenciário, 18ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 5.
2
Art 2º As pessoas que se enquadrem em qualquer das situações previstas nos itens I e III, do artigo
1º, terão direito a: I - Renda mensal vitalícia, a cargo do INPS ou do FUNRURAL, conforme o caso, devida
a partir da data da apresentação do requerimento e igual à metade do maior salário-mínimo vigente no País,
arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por
cento) do valor do salário-mínimo do local de pagamento. (BRASIL. Lei 6.179, DE 11 de Dezembro de
1974.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L6179.htm>.Acesso em 20 mar.2018).
3
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contri-
buição à seguridade social, e tem por objetivos (...)V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.
htm>. Acesso em: 30 jan. 2018).
4
PEDRON, D. M. A (in)constitucionalidade do critério da miserabilidade na concessão do bene-
fício assistencial a portadores de deficiência. Revista CEJ, 2006, p. 54-61.

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da Assistência Social (Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993), que fixou os critérios
objetivos para a concessão do benefício de prestação continuada.

O primeiro requisito trazido pela norma constitucional e pela Lei estabelece que somente
serão beneficiários pessoas portadoras de deficiência ou idosos com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais.

Com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência em 2015, definiu-se que serão
considerados portadores de deficiência as pessoas que apresentarem impedimento de lon-
go prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que possa obstruir sua par-
ticipação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Quanto ao requisito socioeconômico, convencionou-se que seriam considerados incapa-


zes de prover a manutenção ou de tê-la provida por sua família o deficiente ou idoso cuja
renda mensal per capita familiar fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

Considerando a relevância constitucional deste amparo assistencial, após a publicação da


Lei, surgiram várias críticas e debates doutrinários e jurisprudenciais quanto à (in)suficiência
deste critério objetivo de renda familiar, conforme será abordado no tópico seguinte.

2. ANÁLISE DO CRITÉRIO DE RENDA PER CAPITA

Conforme destacado no boletim BPC-2015 do Ministério do Desenvolvimento Social, o


benefício de prestação continuada regulamentado pela LOAS

assegura renda básica de cidadania e favorece o acesso às políticas


sociais e a outras aquisições, bem como a superação das desvanta-
gens sociais enfrentadas e a conquista de autonomia. Na perspectiva
da Política Nacional da Assistência Social (PNAS), o BPC constitui
parte integrante da Proteção Social Básica.5

A jurista Potyara Pereira, diferenciando os conceitos de mínimo e de básico, destaca que


as necessidades básicas superam o patamar ínfimo de simples proteção social. A proteção
básica exige que, além do mínimo para a sobrevivência humana, sejam asseguradas as
condições necessárias ao exercício da cidadania no seu conceito mais amplo.6

Deste modo, como parte integrante da proteção social básica, exige-se que o critério de
definição de pobreza para fins de concessão do benefício seja condizente com a realidade
nacional e com seus padrões de qualidade de vida média da sociedade.

5
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social. Boletim BPC 2015 - Benefício de Prestação
Continuada da Assistência Social. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assisten-
cia_social/boletim_BPC_2015.pdf>. Acesso em: 19 de març. 2018.
6
PEREIRA, P. Necessidades Humanas - Subsídios à Crítica dos Mínimos Sociais, 2006, p. 26-27.

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Desde a publicação da Lei, a limitação de renda familiar à ¼ do salário mínimo foi alvo de
grandes críticas, pois limitava a proteção constitucional a apenas uma parcela da popula-
ção que não conseguia prover o próprio sustento. Em resumo, esse patamar foi visto pela
parcela majoritária da doutrina brasileira, desde 1993, como insuficiente para promover
o resgate de cidadania a que o benefício assistencial se propunha.

A aplicação única deste limite permitia que pessoas em nítida situação de pobreza e isola-
mento social assim permanecessem, em razão de a renda familiar extrapolar minimamen-
te o critério legal. O uso irrestrito desta regra gerou, portanto, desigualdades nas parcelas
mais vulneráveis da população.
A incompatibilidade deste critério restritivo com o quadro constitucional foi questionada
no Supremo Tribunal Federal por meio da ADIN 1232-1/DF, proposta pelo Procurador-
Geral da República. Em 27/08/1998, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a
ação direta7.

No entanto, apesar de a decisão ter sido proferida em sede de controle concentrado de


constitucionalidade, à época não possuía o efeito vinculante instituído pela Lei 9.868/99.
Assim, mesmo diante da declaração de constitucionalidade da regra legal, os Tribunais
continuaram divergindo sobre a adequação deste critério aos objetivos constitucionais.

O entendimento pela inconstitucionalidade da norma já tinha ganhado força com a pu-


blicação da Lei 9.533/1997, que estabeleceu o Programa Federal da Garantia da Renda
Mínima. Com base nesta Lei, os Municípios, com o apoio financeiro da União, poderiam
instituir benefícios assistenciais a famílias pobres, cuja renda familiar per capita fosse in-
ferior a meio salário mínimo.

Com a entrada em vigor da Lei 10.836/2004, que criou o Programa Bolsa Família, surgiu
novo fôlego no combate ao achatamento socioeconômico trazido pela LOAS. De fato, a
referida Lei considerava em situação de pobreza famílias com renda familiar mensal per
capita de até R$ 120,00 (cento e vinte reais), que à época correspondia à meio salário
mínimo.

A partir de então, os Tribunais passaram a flexibilizar o critério previsto na LOAS, de


forma a reconhecer a presunção absoluta de miserabilidade dos deficientes ou idosos cuja
renda familiar fosse inferior à ¼ do salário mínimo e, ao mesmo tempo, de conceder o
benefício aos requerentes que integrasse núcleos familiares com renda superior ao limite
supracitado.

A jurisprudência se firmou, assim, no sentido de que, apesar de o critério ser constitucio-


nal, ele não seria o único apto a aferir a miserabilidade das famílias brasileiras.

Diante das frequentes decisões que afastavam o critério, aplicado de forma absoluta e

7
Ementa: Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o
benefício do inciso V do art. 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face do próprio dispositivo constitu-
cional que reporta à Lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora
de deficiência física e ao idoso. Esta Lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação julgada
improcedente. (Plenário. Relator Min. Ilmar Galvão, Redator para o acórdão Ministro Nelson Jobim)

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exclusiva pelo INSS, a autarquia previdenciária interpôs no Supremo Tribunal Federal a
Reclamação 4.374/PE. O Tribunal, então, reconheceu que teria ocorrido um processo de
inconstitucionalização da regra estabelecida no art. 20, § 3º, da LOAS, em razão das mu-
danças políticas, econômicas, sociais e jurídicas ocorridas no Brasil nos 20 anos seguintes
à publicação da Lei.8

Em leitura do voto do Ministro Relator Gilmar Mendes, observa-se que esse reconheci-
mento de inconstitucionalidade superveniente da norma decorreu da compreensão de
que o critério legal de ¼ do salário mínimo seria insuficiente para identificar os casos de

8
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constitui-
ção. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da
República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos por-
tadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da
norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que considera-
se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade
social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionali-
dade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re) interpretação da decisão proferida
em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude
do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, co-
nheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e ma-
terial de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente,
de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da
própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das
leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato
de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no
juízo hermenêutico típico da reclamação no balançar de olhos entre objeto e parâmetro da reclamação que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade.
Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o
conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente
a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não
se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios
objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em
concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real esta-
do de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis
que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso
a Alimentacao; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a
conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados
a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo
de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas
(sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade par-
cial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada
improcedente (STF - Rcl: 4374 PE, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 18/04/2013,
Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC
04-09-2013).

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 281


miserabilidade que a Constituição se propunha a combater.

Deste modo, não se afastou no referido julgado a constatação de insuficiência de recursos


nas famílias com renda inferior à ¼ do salário mínimo, apenas declarou-se que havia
inúmeras famílias em situação de pobreza extrema, cuja renda per capita era superior ao
aludido parâmetro.

No entanto, apesar da nítida ratio protetiva desta decisão, a inconstitucionalidade do


critério legal passou, então, a ser defendida de forma distorcida pela autarquia previden-
ciária com o objetivo de negar o direito ao benefício, conforme se analisará nos capítulos
subsequentes.

3. CRITÉRIO LEGAL COMO PRESUNÇÃO RELATIVA DE MISERABILIDADE

A medida que se mostrava claro que a constitucionalidade do critério de renda per capita
inferior a ¼ do salário mínimo beirava a ruina, a autarquia previdenciária passou a defen-
der, de forma cada vez mais robusta, a relativização de tal critério, tendência que se conso-
lidou uma vez estabelecida a diretriz jurisprudencial no sentido da inconstitucionalidade
do parâmetro legal, conforme acima assentado.

O mesmo INSS que chegou a argumentar juridicamente a objetividade e caráter absoluto


do critério de renda per capita, no período no qual se discutia a constitucionalidade do
§3º do art. 20 da lei 8742 na AD 1232-1/DF, passa a defender a necessidade de análise
do contexto socioeconômico do requerente, mesmo nas hipóteses nas quais exista perfeito
enquadramento legal da renda per capita familiar.

Dados até então meramente acidentais constantes dos laudos socioeconômicos juntados
às demandas, passaram a ser apontados como fundamento principal para indeferimento
de benefícios. A renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo deixaria de ser indicador
seguro da miserabilidade para se tornar, segundo as conjecturas do INSS, mero dado a ser
considerado em cotejo com outras informações sobre a realidade socioeconômica familiar.

Logo, a autarquia previdenciária passou a apontar elementos dos mais variados como o
estado de conservação da residência, a existência de eletrodomésticos, o fato de se tratar
de imóvel de grandes dimensões, ainda que em péssimo estado de conservação, além de
muitos outros, como indicadores da mais alta relevância para fins de avaliação da situação
socioeconômica familiar, mesmo para aqueles cuja renda per capita era inferior a 1/4 do
salário mínimo.

Contudo, durante bom tempo, a orientação jurisprudencial de nossos tribunais manteve-


se no sentido de que, uma vez comprovada a adequação da renda ao parâmetro legalmente
estabelecido, estaria configurada presunção absoluta de miserabilidade, presente, portan-
to, o direito ao benefício assistencial, desde que preenchido o critério acessório da idade
ou deficiência.

282 ESCOLA NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO


A conclusão no sentido da presunção absoluta de miserabilidade calcava-se no entendi-
mento do STJ, firmado no REsp 1.112.557/MG, julgado sob a sistemática dos recursos
repetitivos, tema 185 da corte, que expressamente reconhecia a renda per capita inferior a
¼ do salário mínimo como critério objetivo e definidor de presunção juris et de jure, a ser
seguido tanto pela administração quanto pelo judiciário. Vale destacar a tese:

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser consi-
derada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros
meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a neces-
sidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando
comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.9

Na linha de referido entendimento, vedada estava a negativa ao benefício tendo como


fundamento a inadequação socioeconômica, desde que caracterizada a renda per capita
dentro do parâmetro legal.

Nesse período a análise de outros fatores socioeconômicos continuava não só permitida,


como estimulada, mas tão somente nas hipóteses nas quais a renda per capita familiar
ultrapassasse o limite legalmente estabelecido, na linha de toda a jurisprudência constitu-
cional sobre a matéria.

Vale destacar que, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a Turma Nacional de Uni-
formização (TNU) mantinha-se afinada com o entendimento definido pelo STJ sob a
sistemática dos recursos repetitivos, sendo o posicionamento no sentido da presunção
absoluta reafirmado em sede de incidente de uniformização.

Aos poucos a argumentação do INSS passou a encontrar acolhida nos tribunais, ficando
claro, a partir de 2015, o surgimento de tendência jurisprudencial em sentido exatamente
oposto ao até então existente, ou seja, o critério legalmente definido para fins de cons-
tatação da miserabilidade passava a ser relativizado, com o escrutínio das mais diversas
circunstâncias familiares para fins de indeferimento de benefícios assistenciais, mesmo nas
situações nas quais a renda per capita familiar estivesse perfeitamente adequada à hipótese
legal.

No âmbito da TNU o julgamento do PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002/ PR, em


2016, marca a virada do entendimento jurisprudencial, sendo firmada a tese no sentido
de que “O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode,

9
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.112.557 – MG. Relator: MAIA FI-
LHO, Napoleão Nunes. DJe 20 nov. 2009. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repe-
titivos/pesquisa.jsp?&l=10&i=1&tt=T > . Acesso em: 16 mar. 2018.

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portanto, ser afastada por outros elementos de prova.”10. Trata-se do tema representativo
de controvérsia 122 da TNU.

Não bastasse a admissão da análise de outros critérios além da renda per capita para fins
de avaliação da miserabilidade, transformando uma presunção juris et de jure em juris
tantum, há que se tratar ainda dos itens e valores utilizados para fins de afastar o direito
ao benefício com fundamento na renda. Os indicadores de inadequação à situação de
miserabilidade apontados nos julgados são os mais iníquos possíveis, como o estado de
conservação, higiene e organização do imóvel utilizado como residência familiar ou mes-
mo a qualidade dos bens móveis que guarnecem o domicílio.

Referidos dados diuturnamente utilizados para fins de negativa do benefício a deficientes


ou idosos com renda inferior a 1/4 do salário mínimo, são perversos e favorecem a cons-
trução de uma lógica nefasta, no sentido de que a sujeira e o desleixo são inerentes à reali-
dade da parcela da população que depende do benefício assistencial para a sobrevivência.

A dialética seguida representa afronta inconteste aos mais basilares direitos fundamentais
constitucionalmente estabelecidos. Vale destacar que o critério de renda inferior a 1/4
do salário mínimo foi fixado tendo como meta dar efetividade ao princípio maior da
dignidade da pessoa humana, expressamente previsto como fundamento da República
Federativa do Brasil no art. 1º, III da Constituição de 1988, tratando-se de princípio que,
não raro, é visto como responsável pela uniformidade da sistemática constitucional dos
direitos fundamentais, valendo sobre o tema os esclarecimentos de Guilherme Braga Peña
de Moraes:

O princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no


art. 1º,III da Carta Magna, constitui o fundamento da unidade alu-
dida, sendo conceituado como uma das proposições diretoras que
deverão em qualquer momento, ser levada em consideração pela
atuação estatal, orientada pela identidade da pessoa humana, pelos
direitos fundamentais por ela titularizados, pela sua dimensão e pela
função social exercida pela mesma. Corresponde à base e à finalidade
da sociedade e do Estado e, através do qual, o Direito Constitucional
brasileiro reconhece que a pessoa humana possui dignidade própria
e equivale a um valor em si mesma, insuscetível de sacrifício por um
interesse coletivo.11

Umbilicalmente atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana, eis que dela de-
corrente, e de fundamental importância para a definição e compreensão do critério de
miserabilidade legalmente estabelecido, é o princípio do mínimo existencial. Na definição
de Ingo Wolfgang Sarlet o mínimo existencial pode ser compreendido “como todo o

10
BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei
Federal 5000493-92.2014.4.04.7002/ PR. Relator: ROCHA, Daniel Machado da. DJe: 15 abr.2016. Dispo-
nível em: < https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/uploads/JwGl7Z4K.pdf >. Acesso em 16 mar.2018
11
MORAES, G. B. P de. Dos Direitos Fundamentais: contribuição para uma teoria, 1997, p.89

284 ESCOLA NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO


conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida
condigna (portanto saudável)”12. Ainda segundo o autor a garantia em questão tem sido
identificada por muitos “como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais
sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da
sociedade”.

O entendimento jurisprudencial acima firmado parece seguir a lógica de garantia do mí-


nimo vital, que não se confunde com o mínimo existencial, podendo a diferenciação ser
identificada ainda nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet quando expõe a impossibilidade
de confusão dos dois conceitos, esclarecendo que o mínimo vital, também chamado míni-
mo de sobrevivência, “diz com a garantia da vida humana, sem necessariamente abranger
as condições para uma sobrevivência física em condições de dignidade, portanto, de uma
vida com certa qualidade.”13 No mesmo trecho, o autor, a fim de aclarar a diferença entre
os conceitos, segue com a explanação destacando que “Não deixar alguém sucumbir à
fome certamente é o primeiro passo em termos de garantia de um mínimo existencial,
mas não é – e muitas vezes não o é sequer de longe- o suficiente.”

A renda per capita familiar média dos domicílios brasileiros em 2017, segundo dados do
IBGE, foi de R$ 1.268,00. No mesmo período o idoso ou deficiente que comprovassem
renda per capita familiar inferior a R$ 234,25, teria direito, nos termos da lei, ao benefício
assistencial, ou seja, referida parcela da população possui uma renda per capita inferior
em mais de 5 vezes à média nacional. Não bastasse tal fato, é composta por pessoas que
por natureza possuem gastos mais elevados para sobrevivência, já que estamos falando de
idosos e deficientes, verdadeiros sobreviventes em um pais no qual o sistema de saúde,
outro componente da seguridade social, encontra-se em precário estado.

A despeito da perniciosa orientação, a questão continuou a ser apresentada aos tribunais


e, recentemente, foi objeto de análise pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que
veio a sufragar o retorno à orientação no sentido do caráter absoluto da presunção de mi-
serabilidade prevista no §3ºdo art.20 da lei 8742/93, conforme passaremos a demonstrar
no próximo tópico.

4. ANÁLISE DA TESE FIXADA NO IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000/RS- TRF4

O novel instrumento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), pre-


visto nos art. 976 a 987 da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), foi a
via utilizada para levar a apreciação da matéria atinente à presunção de miserabilidade ao
TRF4.

12
SARLET, I. W. Direitos fundamentais sociais, “mínimo existencial” e direito privado: breves notas
sobre alguns aspectos da possível eficácia dos direitos sociais nas relações entre particulares. In: GALDINO,
Flávio; SARMENTO, Daniel (Org.). Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricar-
do Lobo Torres, 2006, p.572
13
SARLET, I. W. Opus citatum, p.567

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 285


O incidente é cabível, conforme expressamente disposto no art. 976, incisos I e II do
NCPC, nas hipóteses nas quais verificada a efetiva repetição de processos que contenham
controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e, simultaneamente, a existên-
cia de risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

O IRDR 5013036-79.2017.4.04.0000/RS14 foi admitido em processo que tramitava pe-


rante o Juizado Especial Federal, tendo contado com a manifestação de diversos órgãos
e entidades atuantes no seguimento, na qualidade de amicus curiae, dentre os quais a
Defensoria Pública da União, que apresentou exposição no sentido da fixação de tese de
presunção absoluta do critério legal.

Do julgamento do incidente, ocorrido em 21/02/2018, foi fixada a seguinte tese jurídica:

O limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 (‘consi-


dera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência
ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário-mínimo’) gera, para a concessão do benefício
assistencial,uma presunção absoluta de miserabilidade.

Os fundamentos utilizados para a fixação de tese frontalmente contrária à orientação fir-


mada pela Turma Nacional de Uniformização merecem ser sistematizados e analisados, a
fim de propalar e solidificar diretriz jurisprudencial que contribui enormemente para uma
interpretação do §3º do art. 20 da lei 8742/93 em consonância com alguns dos mais caros
princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a garantia do mínimo
existencial, acima destacados.

Da análise do IRDR pode-se divisar diferenciação ignorada de forma sistemática pela


TNU em seus julgados, que se consubstancia no constante enquadramento de cenários
diversos sob o manto da suposta presunção relativa de miserabilidade.

14
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM
TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E
NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABI-
LIDADE.
1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos
Juizados Especiais Federais.
2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF
a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs.
3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 (‘considera-se incapaz de pro-
ver a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário-mínimo’) gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção ab-
soluta de miserabilidade. (Tribunal Regional Federal da 4ª região. Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas 5013036-79.2017.4.04.0000/RS. Relator: VAZ, Paulo Afonso Brum. DJe. 22 fev. 2018. Dis-
ponível em: < https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&do-
c=41519316579114041103755743360&evento=41519316579114041103763884660&key=c77582b-
3750c0fb34a2dc9e91da249c339a651e3f38dfa230cfef7531f2e20f8 >. Acesso em 18 mar.2018)

286 ESCOLA NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO


Investigando o conjunto probatório abrangido pelo evento concreto levado à apreciação
da TNU em diversos julgados, é possível observar que, na realidade, estava-se diante de
hipóteses de ocultação de renda ou situações nas quais o requerente tinha suas despesas
satisfatoriamente supridas pelo aparato familiar.

Na primeira hipótese, a ocultação de receita permite concluir que a renda per capita de
fato, era superior à declarada, razão pela qual o indeferimento deveria ter se dado com
fundamento na inadequação da renda familiar ao critério legal, posto ser superior ao parâ-
metro estabelecido pelo legislador.

Já na segunda hipótese, o requerente que possui suas despesas satisfatoriamente supridas


por sua família deverá ter o benefício indeferido por não se falar em subsunção do caso ao
disposto no art. 20 caput, da lei 8742/93 que reproduz, parcialmente, o teor do inciso V
do art. 203 da CRFB, ao prever como requisito a impossibilidade de socorro ao aparato
familiar para sustento. Ou seja, o indeferimento não se dará com fundamento no §3º do
art.20 da lei 8742/93, mas sim, com base no caput do mesmo dispositivo.

Expurgadas referidas subsunções errôneas à hipótese de relativização do critério, tem-se


que inúmeros julgados que se fundamentaram na tese da relativização do parâmetro legal,
buscando alicerces acessórios para afastar a condição de miserabilidade, não lidavam com
verdadeira circunstância de relativização do critério.

Seguindo o exame das razões para fixação da tese sufragada no IRDR objeto de aprecia-
ção, pode-se observar como fundamento a literalidade do dispositivo legal, que, segundo
a técnica legislativa adotada, visa permitir à autarquia a concessão administrativa de bene-
fícios de forma objetiva, sendo imposta a análise do critério de renda, porém, dissociado
de qualquer outro elemento socioeconômico, o que dispensa a avaliação de peculiaridades
de cada requerente. Até mesmo porque, conforme conclui o relator, uma vez demandado
um estudo detalhado, inviabilizada estaria a atuação administrativa, que viria a dispender
maiores valores com os procedimentos para diagnóstico da situação socioeconômica dos
requerentes, do que com a concessão de benefícios indevidos. Em tal ponto, compara a
presunção contida no §3º do art. 20 da lei 8742/93 àquela contida no art.16, I da lei
8213/91, que fixa presunção absoluta de dependência entre o segurado e os dependentes
de primeira classe.

Ainda no mesmo tópico fundamenta a presunção absoluta com supedâneo na isonomia


entre os requerentes em sede administrativa e aqueles que se valem da via judicial para
alcançar seu pleito, vez que, não caberia ao judiciário realizar investigações que não inte-
ressam à própria administração.

O princípio da vedação à proteção insuficiente, na forma como traduzido no julgamento


do STF que conclui pela inconstitucionalidade do parâmetro de 1/4 do salário mínimo,
também é apontado como diretriz para fins de fixação do caráter absoluto do critério
legal. No tema, merecem destaque algumas considerações sobre referida vertente do prin-
cípio da proporcionalidade nas palavras de Juliana Venturella Nahas Gavião:

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 287


Na medida em que a proibição de proteção deficiente traduz instrumento
que permite ao intérprete determinar se um ato (ou omissão) do Estado vul-
nera direito fundamental, percebe-se, claramente, que o princípio em exame
possui relação direta com a função de imperativos de tutela dos direitos fun-
damentais, notadamente no que demandam, para seu integral desenvolvi-
mento, uma atuação positiva do Estado para sua proteção. Operam, portan-
to, como ferramenta teórica que subjaz ao princípio da proporcionalidade
e que, nessa condição, assume a função de controle de constitucionalidade
sobre certos atos do legislador, exatamente quando tais medidas retiram a
proteção normativa necessária ao adequado desfrute do direito fundamental
da forma como previsto pela Constituição.15

Na esteira de referido princípio, pode-se destacar a incongruência da interpretação levada


à cabo nos diversos julgados que construíram a ponte para o entendimento exarado em
forma de tese pela TNU, no sentido da relativização do critério legal, eis que a proibição
de proteção insuficiente somente pode conduzir à conclusão de que o parâmetro de um
1/4 deve ser entendido como limite objetivo mínimo, que uma vez atendido, impõe a
concessão do benefício, sob o aspecto da miserabilidade.

O entendimento consubstanciado Reclamação 4.374/ PE ou mesmo no REsp 1.112.557/


MG, no sentido da viabilidade de análise de outros parâmetros, além da renda, para fins
de constatação da miserabilidade, somente pode ser interpretado, em consonância com o
princípio da vedação à proteção insuficiente, como caráter acessório, constatada a supe-
ração do limite legal. A exegese lançada para fins de relativização do conceito, não só vai
de encontro à literalidade da tese firmada no tema 185 do STJ, como infringe a própria
orientação adotada pelo STF ao decidir sobre a inconstitucionalidade do dispositivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e deficiente consubstancia im-


portante instrumento para efetivação de direitos constitucionalmente assegurados sob o
prisma da seguridade social.

A garantia de um salário mínimo àqueles que, devido aos mais diversos fatores, não pos-
suem cobertura previdenciária de eventos como a velhice e a deficiência e não apresen-
tam condições de sobrevivência digna, em razão da insuficiência de renda familiar ou
ausência de aparato primário de suporte, viabiliza a concretização de caros princípios de
estirpe constitucional, como a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial, que
funcionam, ou deveriam funcionar, como diretrizes da atuação estatal, seja na elaboração
de legislação, na definição de políticas públicas ou no viés interpretativo das disposições
legais levado à efeito não somente, mas em grande parte, pelo poder judiciário pátrio.

15
GAVIÃO, J. V. N. A proibição de proteção deficiente. Revista do Ministério Público do RS,
2008, p. 102.

288 ESCOLA NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO


Diante de tal contexto, a orientação jurisprudencial que encontrou guarida perante a
Turma Nacional de Uniformização, no sentido de relativização do parâmetro de renda
legalmente estabelecido para fins de concessão do benefício assistencial, apresenta total
descompasso com o cenário constitucional fixador de vasto rol de direitos e garantias fun-
damentais, privilegiando interpretação que favorece uma lógica de proteção deficiente, já
rechaçada de forma expressa por nossos tribunais superiores.

Precisamente em razão de tal quadro, o recente julgamento do IRDR 5013036-


79.2017.4.04.0000/RS, pelo TRF da 4ª Região, com fixação de tese que privilegia uma
interpretação constitucionalmente adequada do §3º do art.20 da lei 8742/93, oferece
comemorado alento aos milhares de idosos e deficientes que vem sofrendo com a rela-
tivização do conceito e a consequente adoção de critérios imbuídos de extrema subjeti-
vidade, favorecendo a marginalização, ainda maior, de parcela da população que, pela
peculiaridade da idade ou deficiência, deveria receber plena proteção da rede assistencial
constitucionalmente idealizada.

Na linha do julgado, a inadequação da interpretação que entende o critério de renda per


capita inferior a 1/4 do salário mínimo como presunção juris tantum, devendo ser conju-
gada a outros fatores socioeconômicos, mesmo quando ocorra o perfeito enquadramento
legal do requerente, pode ser demonstrada sob vários aspectos, como extensão indevida
da orientação emanada dos tribunais superiores, que foram expressos ao permitir a com-
provação da miserabilidade familiar por outros meios, mas tão somente para hipóteses nas
quais a renda superasse o preceito legal ou ainda sob o enfoque do caráter anti-isonômico
da diretriz, ao submeter o requerente a escrutínio que sequer é realizado na seara adminis-
trativa, não sendo estes os únicos fundamentos para afastar a relativização da presunção,
conforme acima demonstrado.

Independentemente do fundamento adotado para fins de amparo da tese da presunção


absoluta de miserabilidade do critério previsto no §3º do art. 20 da lei 8742/93, incon-
teste é a relevância da proposição estabelecida em tal julgado, alimentando a esperança
de que referida cognição sirva, doravante, como norte no julgamento de casos similares.

R. Defensoria Públ. União Brasília, DF n.12 p. 1-480 jan/dez. 2019 289


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