TCC Completo
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Curso de Direito
Rio de Janeiro
2018.2
VANESSA TEIXEIRA DE SOUZA
Rio de Janeiro
Campus São João de Meriti
2018.2
A FUNÇÃO SOCIAL DO AUXÍLIO-RECLUSÃO
O presente trabalho acadêmico tem como proposta uma abordagem crítica sobre o
benefício previdenciário auxílio-reclusão e a análise quanto à sua função social para o
segurado apenado e seus familiares.
O trabalho visa elucidar o que é de fato e ao que se presta o auxílio-reclusão.
Analisando os principais aspectos e requisitos do benefício em questão. Sendo uma das
principais questões do trabalho a busca da razão para o posicionamento da sociedade,
que em sua maioria é tendente a ser contrária a prestação do benefício.
Ao longo do trabalho serão analisadas questões relativas ao princípio da dignidade
da pessoa humana, mínimo existencial, princípios da razoabilidade e principalmente do
exercício da cidadania e solidariedade.
Por fim, este trabalho tem como objetivo geral, explorar a finalidade do benefício,
entendendo sua representatividade para inúmeras famílias desamparadas, diante da
reclusão de seus mantenedores. Indagando se a função social do benefício atende
somente à família beneficiária ou estende-se para toda a sociedade.
Para o êxito do presente artigo científico, serão adotadas como metodologia basilar
as pesquisas exploratórias — consulta à Constituição da República Federativa do Brasil,
Códigos, a Lei nº 8.213/91, principais bibliografias que envolvem o assunto em questão e
material de internet—, bem como as metodologias descritiva e explicativa.
2 DESENVOLVIMENTO
Esse benefício tem por escopo, amparar a família do aprisionado, a fim de garantir
a sobrevivência digna destes, diante da ausência do provedor(a) da renda familiar. Dessa
forma, o benefício ampara os dependentes do trabalhador, que estava vinculado ao
1
Regime Geral da Previdência Social, até o momento de sua prisão.
Insta salientar que, entende-se por direitos sociais, os relativos ao pleno exercício
dos direitos fundamentais, de forma igualitária, para uma existência digna, com proteção
do Estado. 3
Pode-se concluir que a previdência social é um dos direitos sociais, que tem por
objetivo garantir renda aos trabalhadores e seus familiares, diante de riscos sociais, tais
como: doença, acidente, morte, prisão, maternidade e outros.
Assim, o Art. 2014 da Carta Magna, informa os eventos que serão cobertos pela
previdência social. Neste artigo encontra-se elencado, entre outros, o auxílio-reclusão,
que atenderá ao evento prisão.
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2.1 NATUREZA JURÍDICA DO AUXÍLIO-RECLUSÃO
6 Alves, Hélio Gustavo. Auxílio-reclusão: direito dos presos e de seus familiares: com análise das
inconstitucionalidades da baixa renda. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 41 e 42.
7 Decreto nº. 22.782/33. Art. 63, parágrafo único.
8 Decreto n. 24.615/34. Art.67.
9 Lei Orgânica n. 3.807. Art. 43.
3
Posteriormente, tivemos a Emenda Constitucional n. 20/98, que alterou o caput do
artigo 201 e acresceu que os benefícios salário-família e auxílio-reclusão, seriam devidos
somente aos beneficiários de baixa renda. Quanto à questão da inclusão do termo “baixa
renda”, que alterou significativamente a prestação do benefício, trataremos mais adiante.
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• Cônjuge e companheiro: desde que comprovem casamento ou união estável
anterior a data em que o segurado foi preso;
• Filhos e equiparados: que possuam menos de 21 anos de idade, exceto se
forem inválidos ou pessoa com deficiência;
• Pais: que comprovem dependência econômica;
• Irmãos: que comprovem dependência econômica e idade inferior a 21 anos,
exceto se forem inválidos ou pessoa com deficiência. 12
A dependência financeira do cônjuge/companheiro e do filho menor de 21 anos,
não emancipado ou inválido, é presumida, já a dependência financeira dos demais terá de
ser comprovada. 13
No ato de requerimento do benefício faz-se necessário a apresentação de certidão
de efetivo recolhimento do segurado à prisão, esta é expedida pela autoridade carcerária,
informando a data da prisão e o regime carcerário do segurado recluso, conforme previsto
na Lei n. 8.213/9114.
O último requisito surgiu por força da Emenda Constitucional 20/98,que determinou
que o benefício seria devido somente aos dependentes dos segurados de baixa renda.
Atualmente (2018), considera-se de baixa renda o segurado com salário que não
exceda o valor de R$ 1.319,18. Caso o último salário do segurado for superior a este
valor, não haverá direito ao benefício por parte de seus dependentes.
Após deferida a concessão do benefício, faz-se necessário a apresentação da
declaração de efetivo recolhimento do preso a cada 3 meses, comprovando a condição de
presidiário do segurado.
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• Sendo o dependente cônjuge ou companheiro e caso o casamento/
união estável tenha se iniciado em menos de dois anos antes do
recolhimento do segurado à prisão.
15 Lei 8.213/91. Art.80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos
dependentes do segurado recolhido à prisão (…)
16 Lei 8.213/91. Art.77. II.
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No caso do segurado ser posto em liberdade condicional, progressão para o
regime aberto ou cumprimento total da pena, sendo posto em liberdade, o benefício será
cessado.
Já no caso de fuga, haverá a suspensão do benefício. No caso do segurado voltar
a preencher os requisitos, exemplo: fugir e ser recapturado, deverá ser solicitado novo
benefício. 17
No caso de morte do segurado detido ou recluso, conforme preceitua o Decreto n.
3.048/9918, o auxílio-reclusão será convertido em pensão por morte.
Vivemos em uma democracia, assim, somos livres para formamos nossas opiniões
de forma liberal. Contudo, para se ter uma opinião real sobre determinado fato, faz-se
necessário que o indivíduo se aprofunde no objeto de discussão, de modo que, não lhe
reste dúvidas sobre o tema, podendo assim, formar sua opinião de forma pura, seja ela
favorável ou desfavorável ao assunto.
Atualmente, grande parte da população brasileira nutre uma espécie de
“preconceito” quanto ao benefício em estudo.
Pode-se atribuir parte dessa hostilidade ao raso conhecimento quanto ao objetivo
do benefício, seus critérios e requisitos.
Soma-se a isso, a repercussão de informações inverídicas, disseminadoras de
ódio, principalmente motivadas por disparidades políticas.
Dentre as várias inverdades que circulam diariamente, seja através das relações
pessoais ou virtuais, a principal informação insustentável é a de que o valor do benefício é
remetido diretamente ao preso.
Porém, conforme já esclarecido, a destinação legal se faz exclusivamente aos
dependentes do segurado. Não sendo possível que o Estado determine ou fiscalize o que
é feito com esse valor, pois além de impossível, não seria razoável, vez que o valor pode
ser empregado da forma que o dependente entender ser a melhor.
Muitos vídeos e notícias com depoimentos de detentos são compartilhados.
Nestes, os supostos detentos dizem que eles próprios recebem o benefício e que estes
são pagos em valores altos, contudo, tratam-se de notícias falsas, que só servem para
aumentar o óbice que a sociedade tem quanto ao auxílio-reclusão.
17 Decreto n. 3.048/99 .Art. 117 § 2º .
18 Decreto n. 3.048/99 – Art. 118.
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Outro ponto crucial, é que a população, em suma maioria, não tem ciência que o
benefício auxílio-reclusão trata-se de um benefício previdenciário e não um benefício
assistencial, logo, para fazer jus ao benefício é necessário que o segurado tenha
contribuído anteriormente. 19
Essa informação desmistifica a ideia de que a população é quem banca ou custeia
esse benefício diretamente, quando na verdade, o segurado recluso já contribuiu
previamente a previdência social, tendo essa contribuição, como sabido, caráter solidário.
Por ter caráter solidário, deve se levar em consideração que, enquanto não estava
recluso, o segurado colaborou para que outros contribuintes tivessem acesso a
determinado benefício, seja ele pensão por morte, auxílio-acidente, auxílio-doença,
aposentadoria, entre outros.
Conforme ensina Wladimir Novaes Martinez:
Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em
certos casos, da totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a
sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado
momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação
da coletividade. Nesta ideia simples, cada um também se apropria de seu
aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado por
outros.20
Assim, não será qualquer preso que fará jus ao benefício, mas tão somente aquele
que na posição de segurado contribuiu e que preencha os demais requisitos para fazer
jus a este.
Em pesquisa recente21, verificou-se que os crimes mais cometidos no nosso País
são: tráfico de drogas, roubos e furtos. Sendo o primeiro crime responsável por no mínimo
de 28% de toda a população carcerária. A partir dessa informação, é possível concluir
que, a maior parte da população carcerária não fará jus ao benefício, vez que em regra,
os indivíduos envolvidos com o tráfico de drogas, são iniciados precocemente na vida
criminosa, não tendo tempo, nem intenção de contribuir de forma autônoma ou ter um
trabalho honesto.
Quando falamos dos segurados que preenchem os requisitos para a concessão de
tal benefício, estamos nos referindo quase que generalizadamente a pessoas que tiveram
uma vida decente, mas que por algum motivo, cometeram ou estão sendo acusados de
cometer algum crime.
Além disso, cerca de 40% população carcerária, são presos provisórios, ou seja,
que ainda não possuem condenação judicial, são aqueles que ainda aguardam
julgamento. Segundo dados do CNJ22, a média de tempo para que ocorra julgamento no
nosso País é de 1 ano e 7 meses.
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Assim, é possível que ocorram muitas absolvições. Torna-se necessário, analisar a
situação a qual será submetida os dependentes do segurado até que haja uma sentença
proferida pelo Estado.
Ademais, muitos defendem que o benefício é um incentivo a criminalidade, no
sentido de que o apenado comete o crime com o fulcro de se beneficiar, mas também
com a ideia de que se não obtiver êxito em seu intento e vir a ser preso, estará amparado
pelo benefício, vez que é contribuinte. Por essa concepção, o benefício já recebeu a
alcunha de “bolsa bandido”.
Analisa-se ser essa ideia muito vaga, sendo mais viável apontar como fatos
incentivadores à criminalidade: a falta de emprego, a educação mitigada, a desigualdade
social, a desestruturação familiar, entre outros.
Conforme ensina, Márcia Cardoso Zapater e Maria Rosa Franca Roque :
A solução para a redução da criminalidade definitivamente, não está atrelada à luta
pela extinção dos (já escassos) benefícios aos quais os presos, ao menos
formalmente, fazem jus. Muitos mitos precisam ser derrubados, e os que se referem
ao auxílio-reclusão são apenas uma parte do enorme rol de lendas que são
construídas e atreladas à imagem o“inimigo preso”, aquele que é visto como um
“consumidor e contribuinte falho.23
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O dependente em questão, pode ser uma mulher, que se dedicou aos cuidados dos
filhos e do lar, pode ser pai/mãe idoso(a), um irmão desprotegido ou inválido, ou/e mais
grave um menor que não pode manter sozinho seus cuidados.
Muitas vezes esses dependentes nem sequer tinham conhecimento ou consentiam
com a prática criminosa cometida. E que agora na falta deste(a), se vê diante de uma
situação de vulnerabilidade imediata.
Diante de tamanha violência que nos assola atualmente, é compreensível que a
população queira que seja feita justiça, mas não se pode esquecer de dois princípios
basilares que regem nossas relações que são: o princípio da solidariedade e o princípio
da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal(1988) em seu Art. 3º preceitua que:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
25 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007 , p. 394.
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4 ANÁLISE DO CUNHO SOCIAL DO BENEFÍCIO AUXÍLIO-RECLUSÃO
A Constituição Federal prevê que proteger a sociedade dos riscos sociais é um dos
objetivos dos benefícios previdenciários, assim torna-se imprescindível analisar se tal
benefício atende ao que é previsto pela Constituição.
Sabemos que a família é a base da sociedade, por isso, esta não pode ser deixada
ao desamparo, nem dissipada diante de um momento de crise. Dessa forma, o instituto
auxílio-reclusão foi criado para que estes tenham o mínimo de condições de se manter e
se reerguer diante da ausência de um de seus membros.
Quando o contribuinte é preso o Estado garante a sua subsistência e a sua
proteção, porém sua família fica desprovida de qualquer meio de mantença, visto que o
evento prisão afeta diretamente a situação econômica da família, colocando-a em risco
social.
É imprescindível oferecer o mínimo de dignidade para a família do preso, tanto nos
aspectos econômicos, como nos aspectos de respeito e dignidade, conforme ensina
Menezes:
Essa população invisível, que é o preso e a sua família, seres destituídos identidade
social positiva, vivem às margens das grandes certezas, são vistos como refugo; no
momento que são percebidos, mesmo invisíveis no contexto social, vivem diante
da fronteira da casualidade, da razão e do tempo, sujeitos de uma história sem
final definido, em que o direito de volta à convivência social soa como
uma ode ao mal.26
26 MENEZES, Simone Barros Corrêa de. Identidades em construção. Disponível em: . Acesso em: 10 set.
2007.
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4.1 A IMPORTÂNCIA DO BENEFÍCIO ALÉM DA PROTEÇÃO AOS DEPENDENTES DO
SEGURADO
27 FRAGOSO, Heleno. Catão, Helena. Direito dos presos. São Paulo: Editora Forense, 1980, p. 87.
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Diante de todos os fatos expostos, é incontestável que o benefício atende a uma
função social, que seja tanto de proteção ao risco social a que a família é exposta, como
também de um benefício à sociedade, relacionado a redução da marginalização, que se
prolifera por faltas de condições de subsistência, falta de educação, entre outros.
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Há uma questão política. O fim desse auxílio significa um retrocesso dos
direitos previdenciários e trabalhistas, por que a pessoa contribuiu. O fim do
benefício não auxilia em nada para que o preso retorne a sociedade de uma
forma minimamente viável para se integrar a ela. Se ele tem uma família
destruída, sem recursos, como trazê-lo de volta à cidadania? A família é
essencial no processo de recuperação. O fim desse auxílio não trás qualquer
benefício, tanto para sociedade quanto para as pessoas presas. 30
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do presente estudo, foi possível compreender que as famílias que são
assistidas por tal benefício são realmente carentes de amparo financeiro.
Tornou-se possível compreender que a família não deve ser penalizada
financeiramente, vez que já sofre psicologicamente e essa falta de amparo que afeta
primeiramente as finanças, se estendem para saúde, educação, marginalização, pobreza
e desigualdade social. Em suma, essas famílias têm o benefício, como a única fonte de
sustento por determinado período.
O presente artigo científico tem como finalidade disseminar a ideia de que a família
necessita do amparo financeiro, para sobreviver ao momento de crise a que é exposta.
Importante ressaltar que, por seu caráter contributivo, não se trata de um favor do Estado,
mas sim uma forma de apoio diante de riscos sociais.
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Além do apoio financeiro é necessário também que estas pessoas sejam tratadas
de forma digna pela sociedade, já que estas não cometeram nenhum crime.
Diante todo o exposto, observa-se que o benefício afeta diretamente a vida de toda
a coletividade. A família que o recebe não fica desamparada e tem condições de manter
sua subsistência, mesmo que com o mínimo. Por outro lado, evita-se que outras pessoas
envolvam-se com a criminalidade, a fim de manter suas necessidades mais básicas.
Dessa forma, a violência e a criminalidade são diminuídas, trazendo benefícios para
todos.
Assim, torna se primordial, que sejam promovidas campanhas de conscientização
da importância do benefício para a coletividade, observando as vantagens de forma geral
e não analisando somente casos isolados em que o benefício foi utilizado da forma
incorreta.
Destarte, é preciso fomentar uma postura mais solidária diante das pessoas em
situações de vulnerabilidade, propagando a caridade e a empatia.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRAGOSO, Heleno. Catão, Helena. Direito dos presos. São Paulo: Editora
Forense, 1980.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 24. ed. São Paulo: Atlas,
2007.
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