O Barroco textos crticos 1

MANEIRISMO E BARROCO
O barroco profundamente sensorial e naturalista, apela gozosamente para as
sensaes frudas na variedade incessante do mundo fsico, ao passo que o
maneirismo, sob o domnio do disegno interiore, da Idea, se distancia da realidade fsica
e do mundo sensrio, preocupado com problemas filosfico-morais e com
complexidades e subtilezas estilsticas; o barroco uma arte acentuadamente realista e
popular, animada de um poderoso mpeto vital, comprazendo-se na stira desbocada e
gal!ofeira, dissolvendo deliberadamente a tradi"o potica petrarquista, ao passo que o
maneirismo uma arte de elites, avessa ao sentimento #democrtico$ que anima o
barroco, anti-realista, impregnada de um importante substrato preciosista e cort%s,
representado sobretudo pelo fil"o petrarquista; o barroco caracteriza-se pela
ostenta"o, pelo esplendor e pela prolifera"o dos elementos decorativos, pelo senso
da magnific%ncia que se revela em todas as suas manifestaes, tanto nas festas de
corte como nas cerimnias f&nebres, contrariamente ao maneirismo, mais sbrio e mais
frio, introspectivo e cerebral, dilacerado por contradies insol&veis; o barroco tende
frequentemente para o ludismo e o divertimento, enquanto o maneirismo aparece
conturbado por um pathos e uma melancolia de razes bem fundas'
(tor )guiar e *ilva, Maneirismo e Barroco na Poesia Portuguesa
O que mais depressa fere a aten"o na poesia barroca portuguesa o contraste entre a
sua %nfase ou tortura de estilo e as nin!arias que servem de pretexto + maior parte
dela' ,uitas dessas composies nasceram em concursos e outros passatempos das
academias, em outeiros ou torneios poticos realizados -unto de conventos femininos, e
consequentes amores #freirticos$, que alis constituem um dos predilectos ob-ectos
de stira desbocada' . numerosa verse-a"o em torno de simples incidentes, como o
desmaio de uma sen!ora provocado por uma sangria, o caso de um pintassilgo comido
por um gato, e a disenteria originada por um bolo podre' ,etrificaram-se tambm muitos
temas especiosos, de lison-a +s damas ou +s personagens gradas da /orte' 0ntre as
diversas !abilidades versificatrias, abundam os acrsticos, as poesias constitudas por
#consoantes foradas$, isto , rimas impostas, ou a partir de fragmentos dados, ou com
uso obrigatrio de certas palavras, ou sobre trocadil!os, motes arrevesados, etc' .
poesias multilingues, poesias que pretendem fazer sentido se bipartidas verticalmente,
ou se lidas em diversos sentidos, poesias que omitem palavras ou letras muito
correntes, poesias que figuram ob-ectos pela sua disposi"o grfica, poesias que
versam determinados temas recorrendo apenas a determinado tipo de metforas
1nomenclatura musical ou gramatical, ou termos de -ogos de mesa, arte blica,
pastelaria, por exemplo2, etc' )s colect3neas editadas eliminam, contudo, alguns destes
tipos de extravag3ncia'
4or outro lado, notam-se defeitos como o exagero descabelado da superlativa"o
encomistica, ou simplesmente encarecedora de sentimentos; antteses foradas; a
pedantaria e a monotonia de estilo resultantes do uso estafado dos mesmos !iprbatos,
dos mesmos ritmos sintcticos de aposi"o e predica"o, do mesmo metaforismo, do
mesmo processo de disseminar dois, tr%s ou quatro temas ou palavras-c!ave dentro do
soneto, para os alin!ar todos -untos no desfec!o, etc'
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O Barroco textos crticos 2
5o entanto, considerada nos seus espcimes, mais significativos, esta poesia tem
incontestavelmente sentido, pois assinala a degeneresc%ncia de certa forma social de
cultura' 6m dos seus mais evidentes estigmas um sentimentalismo amaneirado e
verboso, um enlanguescimento efeminado, que ora alastra em longos poemas
narrativos (Saudades de Ldia e Armido, Sentimentos de D. Pedro e D. Ins de Castro,
por exemplo2, ora se entretm com as bagatelas das 7lis, /lris, )mris, 8sis, 5ises,
9isbes, :elises; que se derrete em desmaios, em suspiros, gemidos, lgrimas, mgoas,
rigores! e a que os mitos sensuais de ;&piter, 5arciso e )dnis d"o pretexto para as
expanses mais inconfessveis, e assunto de !iperbolizaes ou, pelo contrrio, de
pardias'
)ntnio ;os *araiva e <scar 8opes, "ist#ria da Literatura Portuguesa, 4orto 0ditora
Barroco
5a 8iteratura 4ortuguesa, a designa"o e #barroco$ para classificar determinada
poca e determinado estilo tornou-se quase ambgua, em virtude das muitas e
desvairadas acepes que + palavra foram atribudas' =e #barroco$ sinnimo de
bizarro, de #barroco$ esquema escolstico de silogismo falso, de #barroco$ termo
corrente na crtica de artes plsticas, sinal de mau gosto e coisa absurda, passou-se a
#barroco$, etiqueta !istrica e esttica, que se dava como equivalente ou palavra
substituta de #*eiscentismo$'
1'''2
O barroco fruto duma atitude espiritual complexa, carregada de elementos
renascentistas, evoludos ou alterados, atitude que leva o .omem a exprimir-se, na
pintura, na arquitectura, na poesia, na oratria e na vida, segundo um modo >sui
generis>' 0ste modo concretiza-se na literatura por uma rebusca da perfei"o formal,
uma aventura de arte pela arte' 5a prosa de *eiscentos, os perodos articulam-se em
paralelismos e simetrias, em fraces sabiamente bimembres ou trimembres, em
antteses 1'''2'
Os limites cronolgicos do barroco portugu%s podem fixar-se, sem rigidez, entre os
anos de ?@AB e ?CAB' 1'''2 ) prosa atinge nesta poca a sua maioridade' 0ntramos num
mundo novo de ritmo e estrutura"o da frase, num novo sistema de articula"o das
palavras na frase e das frases no discurso' ) prosa #barroca$ uma prosa artstica;
possui a maturidade que n"o alcanara a prosa de Duin!entos' 1'''2
*"o barrocas obras como 1'''2 os sermes de (ieira - no seu conceptismo e na
valoriza"o da palavra como verbo - #logos$ e m&sica 1'''2
,as o gongorismo n"o contagiou muitos prosadores seiscentistas, nem o conceptismo
obscureceu o significado dos seus pargrafos' 7oi na poesia que a sombra de EFngora
se agigantou; o gongorismo levou muitos poetas ou pseudo-poetas de *eiscentos a
exageros que se generalizaram' 5os primeiros anos do sculo G(HH ainda a voga da
poesia camoniana grande , e tal voga acusa-se visvel no cancioneiro barroco que
a 7I5HG J05)*/H=) 1v'2, onde encontramos muitas glosas de poesias de /ames'
5"o se esquea, no entanto, que o grande teorizador do barroco, :altazar Eracin, cita
/ames a ttulo documentativo, no seu 9J)9)=O =0 )E6=0K) L )J90 =0
H5E05HO' 9alvez n"o fosse descabido procurar, pois, a gnese do barroco portugu%s
em agudezas camonianas, se que n"o podemos vislumbrar - tal gnese no
/)5/HO50HJO E0J)8 de Earcia de Jesende'
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O Barroco textos crticos 3
,as EFngora o grande mentor dos poetas maiores e menores de *eiscentos, que
n"o se cansam de o imitar' 1'''2 )luses mitolgicas, requintadas e bril!antes
metforas, nugas transformadas, pela capacidade dialctica do verbo, em filigranas de
beleza pura, cu-o suporte mais corrente o ritmo do verso e a eufonia das palavras -
eis os ingredientes mais comuns da potica barroca' ) poesia culta reluzia, bril!ava,
recamada de lante-oulas; eram de prata os rios, prolas as lgrimas, e !avia ouro e
diamantes em quase todos os versos do 4arnaso'
1:elc!ior, ,aria de 8urdes, =H/HO5MJHO =0 8H90J)96J)2
Gnese do Estilo Barroco
A saturao dos valores estticos do Renascimento e a sua transformao
4arece poder concluir-se que nas razes do estilo barroco est uma transforma"o dos
valores formais do Jenascimento atravs do ,aneirismo' 1'''2
)s coisas mais perfeitas, na verdade, desde que n"o variem, acabam, mais tarde ou
mais cedo, por aborrecer' 1'''2
4or causa disto, os autores de qualquer escola, atingida a satura"o, comeam a sentir
uma certa ang&stia psicolgica e tratam de pesquisar novidades, na 3nsia de serem
originais e de darem ao p&blico criaes de interesse'
I assim que, mesmo inconscientemente, v"o fazendo evolucionar os estilos'
Eeralmente, esta evolu"o n"o destri o essencial; o essencial permanece, mas t"o
coberto de excessivos adornos que mal pode respirar e mal se enxerga' 1'''2
4arece que a propor"o, a ordem e o equilbrio dos mel!ores expoentes da arte
acabam, em qualquer idade, por cansar toda a gente'
0m pleno sculo G(H, muitos literatos, sem romperem de todo com as normas do
/lassicismo, enveredaram - por um camin!o esttico mais din3mico, menos submisso
a regras, com maior liberdade de imagina"o' ) este modo de tratar as letras deu-se o
nome de ,aneirismo, como vimos'
Os escritores maneiristas mostram predilec"o especial por temas que acentuam as
naturais limitaes do !omem na terra, a dor e desengano da vida, a fugacidade do
tempo' 0 no seu estilo sobressai o gosto pelas metforas ousadas, pelas antteses,
pelas agudezas verbais'
5o sculo G(HH, meados, esta transforma"o da esttica renascentista prosseguiu e
avolumou-se, a ponto de pouco ou nada conservar do /lassicismo'
Os escritores de ent"o, embora continuassem a admirar a cultura greco-latina,
procuraram, numa 3nsia incontida da originalidade, retorcer e exagerar as formas e
apresentar aos leitores os assuntos mais inesperados pelos processos mais
imprevistos' =a o aparecimento da rebuscada artificiosidade do cultismo e do
labirntico discorrer do conceptismo'
1:arreiros, )ntnio ;os, .H*9<JH) =) 8H90J)96J) 4OJ96E60*) - H2
Cultismo
9end%ncia, tpica da literatura barroca, para usar e abusar de metforas cintilantes,
requintadas, de !iprboles e de -ogos de palavras' /orresponde + sobrecarga
ornamental da arte plstica da mesma poca 1 lembrar as sumptuosas obras de tal!a
das igre-as barrocas2 e liga-se estreitamente ao conceptismo no amor da agudeza e do
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c!iste, no dese-o de surpreender e maravil!ar o leitor' O grande modelo seguido pelos
nossos poetas cultos ou cultistas EFngora' O cultismo dirige-se em parte +
imagina"o sensorial, em parte + intelig%nciaN .ern3ni /idade distingue entre -ogos de
palavras, -ogos de imagens e -ogos de construes 1in ) 4O0*H) 8OJH/) /689H*9) 0
/O5/049H*9), 8isboa, ?PQA2' Duer na poesia quer na prosa se encontram estes
processos at meados do sc' G(HHH' 1'''2 O prprio (ieira, apesar de, no *0J,RO =)
*0G)EI*H,), verberar os artifcios gongricos de certos pregadores, n"o est
completamente isento de -ogos de palavras, e utiliza a cada passo construes
paralelas, simtricas, desdobrando com virtuosismo os elementos dum contraste'
1/oel!o, ;acinto do 4rado, =H/HO5MJHO =0 8H90J)96J)2
O /689H*,O, caracterizado por uma linguagem rebuscada, culta, extravagante,
descritiva, serve-se sobretudo de tr%s artifcios 1-ogo de palavras 1ludismo verbal2, -ogo
de imagens e -ogo de construes2 para esconder, sob um burilado excessivo da forma,
uma temtica estril e banal' 9rocadil!os, aliteraes, !omonmia, sinonmia, perfrases
e extravag3ncia de vocbulos s"o alguns dos artifcios de que se serve' I tambm
designado por gongorismo devido ao escritor espan!ol 8us de EFngora, que serviu de
modelo aos nossos poetas'
Conceptismo
9end%ncia, caracterstica da literatura barroca, para os -ogos de conceitos, prova de
engen!o subtil, n"o menos estimada em poesia do que em prosa' ; se encontra
conceptismo no /)5/HO50HJO E0J)8 e nos poetas petrarquizantes de Duin!entos,
como 8us de /ames, mas no sc' G(HH a tend%ncia intensifica-se e toma aspectos
novos, sob a influ%ncia dominante de EFngora e de Duevedo' 0mbora cultismo e
conceptismo este-am intimamente unidos, frutos como s"o da mentalidade barroca, !
autores predominantemente conceptistas e de clara express"o - clssica, em certo
sentidoN o caso do 4'e )ntnio (ieira' 9odavia, o pensar por simetrias e contrastes
determina , no plano formal, paralelismos e antteses; e (ieira medularmente barroco
pela vigorosa exuber3ncia e pelo dinamismo interior que leva a criar artificialmente
dificuldades lgicas para depois, com surpreendente agudeza, as resolver'
1/oel!o, ;acinto do 4rado, =H/HO5MJHO =0 8H90J)96J)2
Crtica ! "otica Cultista e Conceptista
Duando ve-o um poeta destes, que se serve de expresses que nada significam, ou
que compem de sorte que o n"o entendem, assento que n"o quis ser entendido, e,
em tal caso, procuro fazer-l!e a vontade, e n"o o leio' /om esta sorte de !omens fao
o mesmo que com os labirintos e enigmas, etc', os quais nunca me cansei de decifrar'
0les que o fazem, que se divirtam com isso' *e todos assentassem neste princpio,
veria (' 4' como se mudava a poesia nestes pases; porque seriam obrigados os
poetas a lerem somente as suas obras; e, assim, ou se desenganariam eles mesmos
com o tempo, ou n"o enganariam os outros; e poder-se-iam ac!ar poetas de algum
merecimento; principalmente se c!egassem a con!ecer quais s"o os requisitos
necessrios para a poesia' ) raz"o destes inconvenientes porque se persuadem
comummente que, para ser poeta, basta saber a medida de quatro versos e saber
engen!ar conceitos esquisitos' Duem se funda nisto n"o pode saber nadaN s"o
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necessrias muitas outras notcias' I necessrio doutrina e entender bem as matrias
que se tratam; necessria a 7ilosofia, e saber con!ecer bem as aces dos !omens,
as suas paixes, o seu carcter, para as saber imitar, excitar e adormecer'' )qui entra
novamente a Jetrica, que supe todas aquelas coisas; entra uma pouca de !istria,
para n"o dizer parvoces; entra a !istria da fbula, etc' 9udo isto se mostra
manifestamente nos mel!ores poemas que temos da )ntiguidade' 1'''2 Onde, quem n"o
tem estes fundamentos verse-ador, mas n"o poeta; e necessariamente !-de dizer
muita parvoce'
18us )ntnio (erneS 1?T?Q-?TP?2, (0J=)=0HJO ,I9O=O =0 0*96=)J, /arta (HH2
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