Capitulo 01

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História do Cristianismo

e da Teologia Antiga e
Medieval
O Cristianismo Nascente até
o ano 30 d.C.
Sumário
Desenvolvimento do material O Cristianismo Nascente até o ano 30 d.C.
Jansen Racco Botelho de Melo
Para Início de Conversa... ................................................................................ 3
Objetivos .......................................................................................................... 3
1ª Edição 1. O Cristianismo Nascente até o ano 30 d.C. .......................................... 4
Copyright © 2022, Unigranrio
2. O Contexto histórico e religioso da época de Jesus .......................... 4
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida,
transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, 3. O Mundo Greco-Romano ............................................................................. 8
mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia
autorização, por escrito, da Unigranrio. Referências .......................................................................................................... 17
Para Início de Conversa... Objetivos
Neste capítulo estudaremos as primeiras décadas do cristianismo, mais ▪ Analisar o processo de formação do pensamento cristão nascente;
especificamente até o ano 30 da nossa era. ▪ Perceber como o cristianismo recebeu influências externas em sua
formação.
O cristianismo nasceu na bacia do Mediterrâneo dentro de um mundo
dominado pela cultura greco-romana. A partir de agora estudaremos
como esse contexto histórico e social contribuiu para os primeiros
passos da comunidade cristã e qual a sua relação com a religiosidade
judaica, predominante em seu lugar de nascimento.

Ao longo de nossos estudos veremos o contexto do nascimento do


seguimento de Jesus e os seus primeiros passos dentro de um mundo
onde se fazia presente a política romana, o pensamento grego e a
religiosidade judaica. Cada um desses povos influenciou esse período de
uma maneira específica.

O cristianismo nasce neste contexto e se desenvolve de acordo com o


seu mundo e o seu tempo, começando como um pequeno movimento
de pessoas simples que sinceramente reconheciam em Jesus o Messias
prometido por Deus.

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1. O Cristianismo Nascente até o ano 30 d.C. cristianismo e, ambas, juntamente com o Judaísmo, compõem as três
religiões monoteístas do mundo.
O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Gálatas, chamou o período em Não devemos nos esquecer que a concepção monoteísta de religião é
que Jesus nasceu de plenitude dos tempos. a mais recente. Num primeiro momento o ser humano praticava uma
“Vindo, porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu filho, nascido fé animista, uma religiosidade ligada ao modo tribal de vida dos seres
de mulher, nascido sob a Lei” Gl 4.4 humanos que cria que todas as formas de vida possuíam almas e que os
humanos deveriam buscar a unidade com essas almas. Com a civilização,
Paulo considerou que no momento da manifestação física de Jesus o o ser humano passou a crer na concepção politeísta, passando a atribuir
mundo passava por intensas transformações que fizeram daquele a seres divinos as causas do mundo terreno. Apenas séculos depois
contexto um momento ideal para o seu nascimento. Estudar este período surgiu o Monoteísmo, expressão que acredita na existência de um único
chamado pelo apóstolo de plenitude dos tempos é importante pois Deus criador e mantenedor de todas as coisas. A primeira expressão
compreenderemos melhor o desenvolvimento do cristianismo nascente. monoteísta foi o judaísmo, do qual o Cristianismo é herdeiro.
Para os primeiros cristãos o tempo e o lugar do nascimento de Jesus
não foram por acaso, mas, em todos os eventos Deus estava operando
e preparando todas as coisas para a vinda de Seu Filho Unigênito 2. O Contexto histórico e religioso da época de
(GONZALEZ, a, 1995, pg. 15). Três eram os povos que exerciam influência Jesus
naquele contexto: os judeus (mais especificamente na Palestina), os
gregos e os romanos. Cada um desses povos deixou sua marca para O cristianismo nasceu na bacia do Mediterrâneo; aliás, uma característica
o período e, neste capítulo analisaremos com mais detalhes cada um muito forte da civilização antiga era de se edificar ao redor de rios, mares
deles. e lagos, ou seja, próximo à água. Mais especificamente, o cristianismo
nasceu na Palestina, um território pequeno e pobre, porém, de posição
O cristianismo ainda é considerado uma religião relativamente estratégica, pois era a ligação natural entre o Norte da África, a Europa e
jovem. Das grandes religiões, apenas o Islamismo é mais jovem que o o Oriente Próximo (LATOURETTE, 2006, pg. 5). Por causa de sua posição

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estratégica, a Palestina sempre foi palco de conflitos entre grandes profanação da religião judaica que enfureceu os judeus e culminou com
potências da antiguidade. Primeiro foi dominada pelo Egito, depois a revolta dos macabeus e o período de cem anos de independência sob
pela Assíria, que levou o Reino do Norte para o cativeiro, depois pela os asmoneus.
Babilônia, que levou o Reino Sul em cativeiro, destruiu Jerusalém e levou
Após cem anos de liberdade sob os asmoneus, o Império Romano
consigo boa parte da população (GONZALEZ, b, 2002, pg. 30).
conquistou a Palestina e seria o maior império de todos os tempos. A
Sob o domínio dos persas, Império que superou a Babilônia, houve a dominação romana na Palestina se deu no ano 37 a.C. (GONZALEZ, b,
ordem de reconstruir a cidade e o templo de Jerusalém, logo após 2002, pg. 30). Podemos perceber que quando Jesus nasceu a Palestina
a Pérsia foi superada pelo Império Grego de Alexandre, o Grande, um estava dominada pelo Império Romano e o contexto de seu nascimento
dos maiores impérios que o mundo já conheceu. foi marcado pela religiosidade romana sob o domínio político de Roma
Consequentemente, na dominação de com a influência do pensamento grego.
Alexandre, a Palestina ficou sob sua
O Judaísmo
influência. Alexandre foi responsável
pelo processo de helenização do Antes de qualquer coisa, devemos ter em mente que Jesus viveu, pensou,
mundo antigo em todas as áreas agiu e morreu como um judeu de seu tempo. O judaísmo era o resultado
conquistadas a cultura grega deveria da antiga religião de Israel desenvolvida ao longo dos séculos. O templo
ser estabelecida. e a religião são purificados depois do cativeiro babilônico, ou seja, depois
deste período o judaísmo está de fato formado e já era uma religião
Com a morte de Alexandre, seu
monoteísta.
vasto império foi disputado entre
seus generais. A Palestina se tornou O judaísmo imediatamente anterior ao cristianismo era estritamente
uma província da Síria, controlada monoteísta e dava muita ênfase à Lei e aos Profetas (LATOURETTE, 2006,
pelos descendentes de Seleuco. O pg. 12). Para os judeus, Deus escolheu aquele povo para lhe pertencer. A
terceiro da dinastia dos selêucidas, Lei era uma regulamentação moral e ética que deveria conduzir o povo,
Antíoco Epifanes, foi o responsável pela

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e os profetas representavam o cumprimento desta Lei e a mediação o cativeiro babilônico. Na ausência do templo e posteriormente com
divina com os judeus. Na verdade, foi com os profetas que o judaísmo a helenização dos judeus que viviam fora da Palestina, as sinagogas
foi efetivamente formado; eles eram honrados como porta-vozes de passaram a ocupar um papel de destaque na prática religiosa daquele
Yahweh e denunciavam a opressão que os pobres, as viúvas, os órfãos e povo. Em várias partes do mundo antigo foram edificadas sinagogas.
os estrangeiros sofriam pelos ricos. No Novo Testamento temos várias alusões a elas, Jesus e os discípulos
usaram as sinagogas por diversas vezes para curar e ensinar sua
Naturalmente os judeus produziram várias literaturas religiosas: a Lei, mensagem.
a coletânea poética, dentre outras. Nesse tema uma das características
marcantes do judaísmo foi a Literatura Apocalíptica (SESBOUE, pg. 30). Além de todas essas influências, o judaísmo deu ao cristianismo nascente
O estilo apocalíptico surge da crença judaica de que Deus controla toda as Escrituras Sagradas, ou seja, o Antigo Testamento. A coletânea de livros
a história e, a partir do momento em que o povo presencia perseguição sagrados dos judeus foi a base escriturística dos primeiros cristãos, uma
e opressão, quando os ímpios dominam sobre os justos, a presença vez que o cânon do Novo Testamento só foi concluído em meados do
de doenças e outras mazelas mais, a literatura apocalíptica tentava século IV. Naturalmente que Jesus e os discípulos citaram várias vezes
conciliar a realidade com a soberania de Deus, e procurava incentivar a textos do Antigo Testamento nos quais embasaram suas palavras e seus
ensinamentos.
fé do povo e confiar que Deus faria justiça.
Os principais grupos do judaísmo
Outra característica do judaísmo era a esperança messiânica. Diante
de uma realidade preocupante e desalentadora, os judeus nutriam a Na época de Jesus havia muitos judeus espalhados pela bacia do
esperança na vinda do Messias da parte de Deus que definitivamente, Mediterrâneo. Os que moravam fora da Palestina receberam com
venceria os inimigos de Seu povo e os faria justiça dando-lhes a salvação. maior intensidade a helenização a qual foram submetidos. O principal
Esta esperança se fortalece principalmente depois do cativeiro e esteve representante desta linha foi Filon de Alexandria (25 a.C. - 50 d.C.),
muito presente na crença dos primeiros cristãos (MELO, 2013, pg. 13). influenciado pelo platonismo, conhecia melhor o grego que o próprio
hebraico, além de usar o método alegórico de interpretação das
O judaísmo também contribui para a plenitude dos tempos com as
Escrituras, uma prática que se tornou muito comum na igreja da
sinagogas. Estes lugares de culto e de aprendizagem surgiram logo após antiguidade.

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O chamado judaísmo helênico, do qual Filon era um expoente, produziu em relação ao helenismo. Considerados
a famosa tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego. Neste conservadores, sustentavam a Lei
momento, o idioma hebraico já estava em declínio e o grego era uma judaica escrita e repudiavam a
língua praticamente universal. Esta tradução ganhou a nomenclatura de lei oral, praticada pelos fariseus.
septuaginta (LXX) (LATOURETTE, 2006, pg. 17). Os saduceus não acreditavam na
vida após a morte, no juízo ou
Além do judaísmo helênico, representado principalmente pelos judeus
recompensa após esta vida, nem em
que viviam fora da Palestina, na localidade existiam, por exemplo: os
anjos ou demônios. Curiosamente, os
samaritanos - estes foram considerados estrangeiros pelos outros
saduceus se centravam no templo e
judeus, porque eram mestiços entre os remanescentes do Reino do Norte
em seus ritos e não na sinagoga, por isso,
e de estrangeiros que invadiram a terra. Estes samaritanos rejeitaram a
desapareceram logo após a destruição do
Lei e Jerusalém como centro de adoração.
templo no ano 70 d.C..
Os fariseus eram o grupo mais numeroso da Palestina e os mais
Havia também um grupo minoritário chamado essênios. Tudo indica
conservadores também. Defendiam uma fé livre da contaminação
que estes viviam em comunidades tendo tudo em comum. A maioria das
estrangeira, lutavam pela observância estrita da Lei, nutriam uma religião
comunidades dos essênios era de celibatários. Não tinham escravos, não
pessoal e nacional. Dentre suas principais crenças, algumas inclusive
participavam de guerras, trabalhavam arduamente e praticavam uma
influenciaram o cristianismo nascente. Por exemplo, acreditavam no
forma de ascetismo. Tinham em alta conta a honestidade, nunca faziam
pecado, na necessidade do arrependimento, na graça de Deus e no
juramentos e davam generosas ofertas para os mais pobres. A estas
seu perdão. Os fariseus criam em uma vida futura com recompensas e
comunidades são atribuídas os Rolos do Mar Morto.
punições, enfatizavam a tradição oral e eram os mais influentes naquele
contexto; acabaram por praticar o legalismo (GONZALEZ, b, 2002, pg. 34). Os essênios se afastaram das grandes cidades e dos centros da vida
econômica e política da Palestina, pois acreditavam que lá havia grande
Os saduceus eram aristocratas e entraram para a vida política e por
número de pessoas e costumes imundos, por isso se estabeleceram
algum tempo controlaram o templo de Jerusalém. Eram mais amenos
em comunidades como as de Qunram (GONZALEZ, b, 2002, pg. 35). Os

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essênios se afastaram do templo de Jerusalém, pois julgaram ter caído O pensamento grego antigo era bastante racista e exclusivista.
nas mãos de sacerdotes indignos. Entre esses grupos um dualismo Esta tendência só começou a mudar com o crescente comércio e
apocalíptico entre o bem e o mal era muito valorizado. intercomunicação entre vários grupos, que fez com que o pensamento
grego se tornasse menos exclusivista. Alexandre tinha o ideal de unir a
Na época de Jesus não existiam judeus apenas na Palestina. Em outras
humanidade em um único império e cultura e, por isso, a tendência ao
regiões do Mediterrâneo havia comunidades judaicas relevantes como
exclusivismo dos gregos tinha que ser abolida.
no Egito, na Síria, na Ásia Menor e em Roma. Os judeus em outras regiões
não foram absorvidos pela cultura dos países em que se encontravam. Dentre os pensadores gregos antigos foi Platão quem teve a maior
Pelo contrário, criaram comunidades separadas que gozavam de certa influência no desenvolvimento do pensamento cristão primitivo.
autonomia no governo civil (GONZALEZ, b, 2002, pg. 39). Os judeus Um ensino platônico que logo ganhou a adesão no cristianismo foi a
que viviam fora da Palestina eram unidos pela Lei e pelo Templo, e doutrina dos dois mundos. Essa doutrina ensinava que existem duas
todo homem com mais de vinte anos enviava uma oferta anual para a realidades antagônicas e excludentes, uma seria representada pelo
manutenção do templo de Jerusalém. Mundo das Ideias, de natureza imaterial, considerado bom, ideal. A outra
realidade era representada pelo Mundo das Coisas, de natureza material,
considerado mal, corrompido.
3. O Mundo Greco-Romano Rapidamente esse conceito de dualismo gerou a ideia de que as
O pano de fundo religioso judaico e a estrutura do mundo greco- realidades ligadas ao espiritual são sempre melhores que as realidades
romano fizeram um ambiente propício para o surgimento e crescimento materiais, ou seja, o dualismo entre céu x terra, espiritual x material.
do cristianismo. Durante o primeiro século a bacia do Mediterrâneo Quando o cristianismo se percebe influenciado pelo dualismo platônico
usufruia de uma unidade política e cultural sem precedentes. Esta desenvolve um forte ascetismo e a carne é entendida como uma prisão
unidade foi garantida pela disseminação do pensamento grego por meio da qual o homem deve se libertar (dificuldade com o sexo, por exemplo).
das conquistas de Alexandre, o Grande e da subsequente consolidação O gnosticismo, que abraçou o dualismo, foi o principal desafio para o
romana (GONZALEZ, b, 2002, pg. 47). cristianismo primitivo.

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Outro ensinamento platônico de influência no cristianismo primitivo Dentre as correntes do pensamento filosófico grego, o estoicismo
foi a imortalidade da alma. Essa doutrina foi procurada pelos cristãos teve grande influência no cristianismo primitivo, especialmente por
como apoio na filosofia à esperança escatológica. Platão ensinou que causa de seu rigor moral, sua doutrina sobre o Logos e a ideia da Lei
a alma era imortal, enquanto que o corpo físico era mortal, portanto, natural. A Lei natural está presente no interior dos seres humanos e
após a morte terrena, a alma permaneceria para sempre viva e o corpo veio a partir da razão universal de modo que para sermos virtuosos
encontraria a corrupção definitiva. A ideia platônica não entendia a precisamos apenas obedecer a esta lei. O estoicismo atraiu muitos das
vida eterna como presente de Deus e afirmava que apenas o espiritual classes mais altas e era uma corrente panteísta, que acreditava que
prosseguiria em detrimento sempre, do material. No Deus permeava todas as coisas, mas não de modo independente delas
pensamento platônico, essa vida terrena era um erro (LATOURETTE, 2006, pg. 34).
e o filósofo precisava se libertar para alcançar
A única corrente filosófica de pensamento grego que surgiu depois
a verdade. Esse desprezo pela vida física é
do cristianismo foi o neoplatonismo. Como o nome sugere, foi uma
dualista e não era um pensamento cristão.
releitura do platonismo e reunia aspectos de diversas outras correntes
Uma terceira característica do filosóficas anteriores a ela, como o platonismo, o aristotelismo, o
pensamento platônico que influenciou estoicismo e o neopitagoreanismo. O neoplatonismo tinha uma forte
o cristianismo foi a ideia da tendência ascética e mística, por isso, atraiu tanto a atenção dos
reminiscência, ou recordação de uma cristãos primitivos. Por meio do ascetismo praticavam um rigor moral,
verdade observada pela alma e quando elevado e acreditavam que desta forma o homem purificaria a sua
retomada pela consciência pode ser a alma, podendo se unir novamente com Deus através da contemplação
base de todo conhecimento humano. (LATOURETTE, 2006, pg. 35).
Inevitavelmente a crença na reminiscência
A grande influência deixada pelos gregos para o período do nascimento
implica na crença da imortalidade da alma,
de Jesus e do cristianismo foi de cunho intelectual. O cristianismo teve
muito presente, por exemplo, no pensamento
de dialogar com a filosofia grega predominante no mundo antigo e
de Santo Agostinho.
acabou sofrendo de sua influência. Na verdade, o pensamento grego não

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apenas influenciou o cristianismo nascente como formou todo o modo
de pensar do mundo ocidental.
Sem dúvidas, a influência romana deixada para o cristianismo foi de
Outra grande influência do pensamento grego foi o idioma, presente cunho político e estrutural.
em todo o mundo mediterrâneo, e acabou sendo a língua do Novo
Testamento e do cristianismo nascente.
Todos nós sabemos das modificações estruturais produzidas pelos
romanos, como as estradas, o exército de abrangência universal, a
moeda única, a chamada pax romana, etc. Tudo isso foi marcante no
A maior contribuição dos gregos para a plenitude dos tempos foi,
certamente, de caráter intelectual. início do cristianismo, mas, os romanos também tiveram sua relevância
No mundo antigo, embora fosse politicamente dominado pelos romanos, religiosa.
ainda era filosoficamente influenciado pelos gregos. Não é em vão que o
Quando pensamos numa religiosidade romana anterior ao cristianismo,
pensamento grego formou o pensamento do mundo ocidental e grande
devemos lembrar das religiões de mistério. Estas religiões se originam
parte do pensamento cristão ocidental. O cristianismo nascente precisou
do referencial filosófico grego para dialogar com o mundo de sua época. de antigos ritos de fertilidade. O milagre da fertilidade era celebrado
em várias culturas antigas. Por exemplo, o culto a Dionísio/Baco é
considerado um culto à fertilidade e liturgias orgíacas eram praticadas
Os Romanos em sua homenagem.

O mundo mediterrâneo na época do nascimento de Jesus era Desde o antigo Egito se celebrava a morte e a ressurreição da divindade,
comandado politicamente pelo Império Romano que sobrepujou os pois se acreditava que o deus morria e retornava na primavera trazendo
gregos. A estrutura política e legal que vigorava no mundo do primeiro fertilidade. Ao fazer parte dessa celebração, o indivíduo se tornava
cristianismo era romano e a Palestina, berço de Jesus - uma província participante da renovação da vida da divindade. A participação nessas
deste grande Império. religiões só era possível para os que eram iniciados. Esses ritos de

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iniciação representavam a união dos neófitos com os deuses e, desta
maneira, tornava-se participante do poder e da imortalidade divina
(GONZALEZ, b, 2002, pg. 54).

Os cultos de mistérios causavam fascinação e por isso, se expandiram.


Em Roma o culto a Atis e a Cibele, que originalmente era um culto frígio,
foi muito praticado. Nesses cultos de mistério havia refeições cerimoniais
nas quais o fiel ingeria o deus e se tornava participante da divindade.

No mundo romano o culto a Mitra foi o mais popular. Este culto chegou a
ser um adversário do cristianismo nascente em sua expansão missionária.
Alguns estudiosos apontam que as religiões de mistério influenciaram o
cristianismo no conceito de paixão, morte e ressurreição de seu deus,
no rito de iniciação: o batismo, na refeição cerimonial, a eucaristia, etc.
Outros estudiosos dizem que foi o contrário, ou seja, o cristianismo dos
séculos II e III que influenciou as religiões de mistérios, já que não havia
uma teologia de mistério que fosse comum à essas crenças (GONZALEZ,
b, 2002, pg. 56).

De uma forma ou de outra, as religiões de mistérios exerceram alguma


influência sobre o cristianismo. Por exemplo, a data 25 de dezembro
onde se celebra o nascimento de Jesus, era uma antiga data de pagã
relacionada com o culto a Mitra. Esta data só foi observada como o
nascimento de Cristo a partir de Constantino no século IV.

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Um ponto em comum nas religiões de mistérios é que quase todas povos do mar, além de ser uma ligação entre a Europa, o norte da África
apelavam para um dualismo que considerava a matéria como má e o e o Oriente. A Galiléia, assim como a Judeia, pertenciam à província
espírito como bom. Nessas religiões, os fiéis eram estimulados a procurar romana da Síria. Roma não ocupava os territórios submetidos, mas,
a emancipação da carne, praticando o ascetismo, a abstinência sexual e preferia governá-los por meio de soberanos, de preferência locais.
uma moralidade rigorosa (LATOURETTE, 2006, pg. 32). Uma forma dessas
religiões que muito ameaçou o cristianismo nascente foi o Gnosticismo. Nos anos próximos ao nascimento de Jesus, a região da Palestina era
governada por Herodes, o Grande. Este foi o homem obcecado pelo
Outro aspecto dessa religiosidade romana antiga era o culto aos poder, conhecido por sua crueldade e ganância, tanto que mandou
imperadores, considerado a maior divindade do panteão romano. Esse
executar vários familiares, inclusive filhos, por medo de conspirações.
tipo de culto não surgiu em Roma, o Egito adorava aos faraós, os persas
se curvavam ante seus soberanos, os gregos adoravam seus heróis, etc. Os Herodes destacou-se como um grande construtor; é dele edificações
cultos aos imperadores geraram pontos de conflitos com o cristianismo como o palácio em Massada, a Cesareia Marítima e o templo de
nascente, que passou a interpretar que Jesus era o único Kyrios. Outra Jerusalém. Herodes levava a sério a tarefa de educar o povo a adorar
característica que marca essa religiosidade era o sincretismo.Tais o imperador, na época de seu governo o imperador já era chamado de
religiões competiam para ser mais ampla que as outras, ou seja, para Augusto, que significa O Sublime, título dado apenas aos deuses até então
englobar maior número de divindades e doutrinas possíveis.
(PAGOLA, 2012, pg. 35).
Roma subjugou a Palestina na invasão do general Pompeu na
Quando Herodes morreu, em 4 a.C., seu território foi dividido entre seus
primavera de 63 a.C. Nessa época, a população do Império Romano
filhos. Herodes Arquelau ficou com a Iduméia, Judéia e Samaria; Herodes
vivia, majoritariamente, nas grandes cidades, construídas quase sempre
Antipas ficou com a Galileia e a Peréia e, Herodes Filipe governou
nas costas do Mediterrâneo, à margem dos grandes rios ou em lugares
protegidos das planícies mais férteis (PAGOLA, 2012, pg. 31). Gaulanítide, Traconítide e Auranítide. O período da vida de Jesus coincidiu
com o domínio de Antipas sobre a Galileia, este a governou do ano 4 a.C.
A Galileia era uma região importante para as rotas comerciais do Oriente até sua deposição em 39 d.C.
Próximo, pois permitia a comunicação entre os povos do deserto e os

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A Galileia era uma região agrária. A maioria de seus habitantes vivia do É neste período que começou a circulação de moedas na Galileia
campo e outros da pescaria em virtude do Mar da Galileia. Neste período cunhadas por Antipas. As de prata serviam para o tributo imperial por
o povo mais pobre, embora vivesse da terra, não era o dono das mesmas. pessoa e diversos impostos. Já as moedas de bronze eram normalmente
Havia desigualdade e muita exploração tributária. Roma cobrava dois usadas pelos camponeses. Jesus conviveu com um contexto em que
impostos, um correspondente a terras cultivadas e outro cobrado dos o nível de endividamento e perda de terras para as populações mais
carentes aumentou muito. Jesus condenou este tipo de exploração em
homens adultos de cada família. Antipas tinha seus próprios impostos que
passagens como a do rico e de Lázaro (Lc 16.19-31), do proprietário de
giravam entre 12% e 13% das colheitas dos camponeses e ainda havia
terras insensato que só pensa em construir armazéns para acumular
os impostos religiosos, os dízimos e as primícias. A maioria da população riquezas (Lc 12.16-21), na crítica que faz aos que entesouram sem pensar
da Palestina nos dias de Jesus era agrária e com muita dificuldade para nos mais necessitados (Mt 6.24).
pagar os impostos e sobreviver. A situação dos camponeses ficou ainda
mais difícil quando Antipas reconstruiu a cidade de Séforis e edificou A cidade da Galileia era uma ilha rodeada de cidades helenísticas
como Samaria, Sebaste, Ptolemaida, Tiro e Sidom e principalmente a
a nova capital Tiberíades. Séforis havia sido o centro administrativo da
confederação de cidades chamada Decápole, centro helênico na região
Galileia nos dias de Herodes e nos dias dos asmoneus, a cidade era o
(PAGOLA, 2012, pg. 53).
centro de recolhimento de impostos (PAGOLA, 2012, pg. 45).
É curioso citarmos que na época de Jesus se falava o aramaico e o
A vida nas cidades e nas aldeias era muito diferente. Nos povoados rurais grego possuía grande influência. Mesmo com o domínio romano, o latim
da Galileia, as pessoas viviam em casas muito simples de barro ou de não conseguiu se estabelecer na Palestina, a não ser pelos próprios
pedras, as ruas eram de chão batido e sem pavimentação. Já em Séforis, funcionários e militares romanos.
por exemplo, existiam edifícios bem construídos, ruas pavimentadas e
A vida de Jesus neste contexto
até uma avenida de 13 metros de largura. Para sustentar as cidades de
Séforis e Tiberíades, cidades que não cultivavam a terra, os camponeses Jesus viveu na Palestina dominada pelo Império Romano, ou seja, Jesus
foram ainda mais oprimidos a pagarem impostos e taxas aos governantes viveu num contexto de influência religiosa judaica, em um mundo de
herodianos (PAGOLA, 2012, pg. 48). estrutura greco-romana.

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Não é exagero dizer que Jesus nasceu na periferia (Galiléia), da periferia Antipas, um dos filhos de Herodes, o
(Palestina), da periferia (Região da Síria) do Império Romano. Sua vida Grande. Era uma sociedade agrária
foi marcada pela simplicidade, ele nasceu numa manjedoura (local onde onde a população basicamente
os animais se alimentam) e morreu pregado nu a uma cruz como um vivia do campo e da pesca, em
malfeitor. Seu nome era Yeshua, que embora significasse Yaweh Salva, virtude do Lago de Genesaré (Mar
não era um nome único e muito menos nobre. Yeshua foi o nome dado da Galiléia).
pelo seu pai no dia da circuncisão. Era um nome muito comum naquela
Jesus dedicou sua vida na defesa
época, por isso, para identificá-lo dentre os demais era chamado de
dos oprimidos e da população
Yeshua bar Yosef, (Jesus filho de José) (PAGOLA, 2012, pg. 29).
mais simples em detrimento dos
Jesus era da Galiléia, nem mesmo era de Jerusalém, cidade onde ficava poderosos que exploravam o povo
o templo. Seu pai era um simples carpinteiro, não possuía nenhuma galileu. Não é raro encontrarmos parábolas
profissão de destaque como um publicano ou mesmo um sacerdote. nas quais Jesus faz esse tipo de condenação, por
Não devemos esquecer que nesta época na Galiléia só quem vivia com exemplo: na parábola do mendigo Lázaro e do rico que vive insensível à
conforto eram sacerdotes e funcionários ligados ao Império, todo o fome das pessoas que estão ao seu redor, é curioso notar que Jesus inverte
restante da população se via em grandes apuros para pagar os muitos a ordem que se aplicava naquela cultura onde geralmente dava-se nome
impostos e tentar sobreviver com o que sobrava. as pessoas importantes. Na ocasião, Jesus chama pelo nome apenas o
mendigo (Cf. Lc 16.19-31). Outra parábola interessante é a denúncia
A população do imenso Império Romano na época de Jesus chegava
que Jesus faz de um homem preocupado apenas em construir armazéns
a quase 50 milhões de pessoas, a maioria vivia nas grandes cidades
para concentrar cada vez mais riquezas (Cf. Lc 12.16-21). A célebre frase
construídas nas costas do Mediterrâneo. Na Galiléia a população era de
de Jesus no sermão da montanha onde ele classifica os pobres como
150 mil pessoas e, Jesus era só mais um dentre tanta gente (PAGOLA,
felizes (bem aventurados) (Cf. Mt 5.3). Nos relatos do Evangelho não
2012, pg. 30). A Galiléia da época de Jesus era governada por Herodes
encontramos apenas parábolas e discursos de Jesus quanto à exploração,

História do Cristianismo e da Teologia Antiga e Medieval 14


mas, vemos ações práticas no combate à corrupção e à perversão da foi seguido por muitas pessoas, inclusive mulheres, parte fundamental
religiosidade, bem como ações em defesa dos menos favorecidos ( ex. de seu ministério.
Mt 12.12, Mt 23, Lc 9.10-17, Jo 5, etc).
Hoje já é praticamente inquestionável a historicidade de Jesus. Além
A maior (não a única) fonte de informações que temos a respeito da vida dos textos dos Evangelhos canônicos, existem várias outras fontes que
de Jesus são os Evangelhos. Os textos considerados canônicos relatam comprovam sua existência, bem como dos primeiros discípulos e das
poucos episódios de sua infância e menos ainda de sua adolescência e primeiras comunidades ligadas a Ele. Além dos quatro Evangelhos que
juventude. É certo deduzirmos que nestes períodos da vida, Jesus viveu conhecemos, foram produzidos vários outros considerados apócrifos,
como qualquer pessoa da idade, possivelmente aprendeu a ler a Torá em que ainda que não contenham valor dogmático, constituem em fontes
família, os preceitos religiosos e também a profissão do pai no dia a dia. históricas importantes. Existem ainda os relatos de pessoas que nem
sequer discípulos de Jesus eram. Por exemplo, o historiador romano Tácito
O período de sua vida que mais importa para os relatos evangélicos é
faz uma ligação entre o nome e a origem dos cristãos a um Christus, que
do seu ministério, de sua vida adulta, inaugurado com o batismo no Rio
no reinado de Tibério sofreu a pena de morte por crucificação (CAIRNS,
Jordão por João, o Batista. Três são os anos mais relatados de sua vida,
1995, pg. 37). Plínio, autoridade da Ásia Menor, escreveu uma carta para
considerados os anos de seu ministério. Neste período Jesus passou
o imperador Trajano pedindo conselhos de como lidar com os cristãos
mais tempo na Galiléia (2 anos), depois na Judéia (8 meses) e também na
de seu território. Suetônio faz citações em relação a Cristo em suas obras
Peréia (cerca de 4 meses). Estes anos podem ser resumidos como o ano
e Luciano satiriza os primeiros cristãos e sua fé em suas obras. Flávio
da discrição, ano da popularidade e o último como o ano da oposição e
Josefo também fala de um homem com seguidores que foi sentenciado à
perseguição (MELO, 2013, pg. 19).
morte por Pôncio Pilatos (MELO, 2013, pg. 17).
Jesus chamou para ser seus discípulos doze homens comuns, gente do
Jesus foi considerado Mestre e Salvador vindo da parte de Deus por seus
povo e com suas imperfeições, o que fica muito exposto na convivência
seguidores. Talvez, o texto que melhor expressa esta certeza seja o do
do colégio apostólico. Homens de personalidades diferentes e histórias
Evangelho de Mateus:
diferentes. Os doze não foram os únicos seguidores que Jesus teve, ele

História do Cristianismo e da Teologia Antiga e Medieval 15


algumas práticas, os grupos judaicos que formavam a religião e sua
‘‘ dizendo:
“E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Felipe, interrogou os seus discípulos
Quem diz os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: uns João relação com o povo. Também estudamos o mundo greco-romano, ou
Batista, outros Elias e, outros, Jeremias ou um dos profetas. Disse-lhes ele: e vós? seja, o contexto histórico no qual Jesus estava inserido, o pensamento
Quem dizeis que sou? E Simão Pedro, respondendo disse: Tu és o Cristo, o filho do grego e a estrutura política estabelecida pelos romanos.
Deus vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: bem-aventurado és tu Simão Barjonas,
porque não foi carne ou sangue quem o revelou, mas meu Pai que está nos céus”. Mt No fim do capítulo também estudamos um pouco da vida de Jesus e
16.13-17.
’’ suas relações com o mundo e as pessoas que estavam em seu contexto.
Esperamos que esta primeira lição de História do Cristianismo e da
A certeza de que Jesus era o Salvador (Messias) foi entendida pelos
Teologia tenha sido esclarecedora e enriquecedora para os seus estudos.
primeiros discípulos como uma revelação do Pai. Aqueles homens e
mulheres entregaram suas vidas e abriram os seus corações à proposta
de amor e misericórdia feita por Jesus, o Cristo, a imagem visível do Deus
invisível.

Mais do que um Mestre, Jesus foi recebido pelas primeiras comunidades


como Salvador e revelação do Pai. Jesus é a perfeita e plena revelação de
Deus à humanidade, e em torno desta revelação se forma a comunidade
cristã.

Neste capítulo estudamos os fundamentos do cristianismo nascente.


Vimos o contexto político e social da época do nascimento do
seguimento de Jesus.

Tivemos a oportunidade de compreendermos melhor como era o


contexto religioso da época e do contexto de Jesus, um ambiente de
predominância judaica, bem como tivemos a oportunidade de conhecer

História do Cristianismo e da Teologia Antiga e Medieval 16


Referências
CAIRNS, Earle. O cristianismo através dos séculos. São Paulo-SP: Vida
Nova, 1995.

GONZALEZ, Justo. Uma história do pensamento cristão, vol 1. São Paulo-


SP: Cultura cristã, 2002.

GONZALEZ, Justo. Uma história ilustrada do cristianismo, vol. 1. São


Paulo-SP: Vida Nova, 1995.

LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo, vol. 1. São


Paulo-SP: Vida Nova, 2006.

MELO, Jansen Racco Botelho de. Entusiasmo e poder - uma história do


cristianismo. Petrópolis-RJ: Independente, 2013.

PAGOLA, José Antonio. Jesus - aproximações históricas. Petrópolis-RJ:


Vozes, 2012.

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