TCC Arlei Correa Ribeiro - VI

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Presunção de inocência

Introdução

Este trabalho de conclusão ao curso de Direito da Faculdade São Francisco de Assis – UNIFIN
pretende conduzir o leitor a uma leitura contextualizada e sucinta sobre a Presunção de Inocência.

A metodologia utilizada baseia-se no método dedutivo, por meio de uma abordagem qualitativa,
exploratória e descritiva, com análise jurisprudencial e de textos relacionados à temática, caracterizando-
se como pesquisa bibliográfica.

Iniciaremos nossa abordagem do assunto por uma breve análise acerca da influência de outras
normas constitucionais à positivação da presunção de inocência na Constituição brasileira,
apresentaremos fatos históricos não limitados apenas ao Brasil, mas que contribuíram para os conjuntos
de garantias que se apresentam hoje em nossa Constituição.

Após o posicionamento histórico do assunto, passaremos a analisar a presunção de inocência


enquanto garantia fundamental no contexto da hermenêutica constitucional brasileira, onde
estabeleceremos uma relação entre o assunto da presunção de inocência enquanto direito posicionado
dentro de uma gama maior de garantias, denominados direitos fundamentais, para isto faremos a análise
de como são positivadas estas referidas garantias em nossa Constituição e como ela estabelece
parâmetros para as demais leis.

Com o objetivo de focar na aplicação prática deste direito fundamental em nossas necessidades
sociais passamos então a trabalhar o assunto da garantia da presunção de inocência como fundamento
de existência do processo penal contemporâneo, desta forma relacionando a presunção de inocência com
as teorias do garantismo, pela visão de doutrinadores, resumidamente apresentados abaixo:

Luigi Ferrajoli, que nos presenteia com dez axiomas onde identifica as garantias do cidadão em
proteção ao poder de punição do estado, Geraldo Prado, que traz uma análise pouco ortodoxa nesse
comparativo onde equivale a dinâmica à posição de árbitro em uma partida de futebol “árbitro que
fiscalize com rigor o respeito às regras do jogo pelos dois sujeitos”, Silva Franco, que se embasa nos
axiomas de Ferrajoli e estabelece seis princípios para sustentação do sistema garantista no processo
penal, Jimenéz Campo, que apresenta as garantias fundamentais como fator fundamental na limitação
dos atos legislativos dentro da necessidade punitiva do estado.

Para podermos visualizar em casos reais como Tribunais Superiores têm expressado seu
posicionamento sobre a presunção de inocência, faremos uma breve análise do período compreendido
entre 2019 e 2022, mais detidamente em Acórdãos que envolvem situações onde a presunção de
inocência foi fator fundamental para a decisão.

Dentro do contexto contemporâneo do assunto entregaremos também uma análise de casos


onde a opinião pública apresenta influência sobre o preceito da Presunção de inocência, o objetivo de
trabalharmos sobre estes fatos é entender como fatores externos ao judiciário podem corroborar para
uma diferenciação entre o conjunto de objetivos estabelecidos constitucionalmente e as reais aplicações
dele, após passando então as nossas conclusões neste sentido.
Breve análise acerca da influência de outras normas constitucionais à
positivação da presunção de inocência na Constituição brasileira

Uma das principais influências recebidas nas constituições Latino Americanas acerca da
presunção de inocência tem origem nas manifestações europeias sobre o tema. Na França por
exemplo não há uma expressa previsão sobre o tema na Constituição da Quinta República,
também não constam referências a outros direitos individuais, entretanto, fica claro no
preâmbulo que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 tem vigor
constitucional: “O povo francês proclama solenemente o seu apego aos direitos humanos e aos
princípios da soberania nacional como foram definidos pela Declaração de 1789, confirmada e
complementada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946”. 1
Em outra influência temos a Itália onde a presunção de inocência é prevista
constitucionalmente em sua carta magna, no art. 27: “O acusado não é considerado culpado até
a condenação definitiva”.2
O período de debates acerca do assunto foi extremamente ativo e existiam duas
principais vertentes de discussões, uma, entendia a inclusão explícita da presunção de inocência
no texto constitucional, a outra, desejava destacar sua contradição com a condição presente do
acusado no processo penal, adotou-se na constituição italiana a fórmula que “pretendeu
expressar um meio termo sobre as duas correntes de opinião”3
A Constituição Espanhola de 1978, em seu art. 24, I contém uma previsão bastante
intrincada em seu parágrafo segundo:
“Assim mesmo, todos têm direito a um juiz predeterminado por lei, a defesa e a assistência de
advogado, a ser informados da acusação formulada contra si, a um processo público, sem
dilações indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes para sua
defesa, a não testemunhar contra si mesmo, a não se confessar culpado e à presunção de
inocência.4

Portugal, da mesma forma, cria influência sobre nossa Carta Magna. Consta na
Constituição da República portuguesa de 1976, que aglutinou vários ângulos protetivos em um
mesmo texto, assim conta no art. 32, 2: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em

1
No original””Le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits de l’homme et aux
principes de la souveraineté nationale tells qu’ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée et
complétée par le préambule de la Constitution de 1946”.
2
“La responsabilitá penale è personale. L’imputado non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva”.
3
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 25.
4
No Original: “Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la
asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones
indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para sua defensa, a no declarar
contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia.”
julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa.”5
Apesar de não encontrar um registro inequívoco a respeito de qual Carta Magna e de que
país mais influenciou a nossa Constituição de 1998 (art. 5º, LVII), percebe-se que a Constituição
Italiana de 1947 é a que mais se assemelha em termos da redação adotada.

Presunção de inocência enquanto garantia fundamental no contexto da


hermenêutica constitucional brasileira

Em face da evolução dos modelos de estado e com isto a necessidade de positivar ideias
antes empíricas dentro da sociedade, as constituições tomam papel essencial organizando estes
ideais de uma sociedade para nortear o comportamento e alinhamento social necessário.
Dentro deste contexto toda norma positivada demanda sua derroga interpretação,
momento em que se faz iminente o estudo deste modelo para uma hierarquização sobre a norma
e sobre o resultado de suas interpretações, assim aplicando-se o processo hermenêutico, Peter
Häberle apresenta uma proposta hermenêutica em face desta necessidade.
Segundo Sarmento a teoria de Konrad Hesse intitulada “força normativa da Constituição”
alicerçada no conceito do mundo-do-ser-e-do-dever-ser, é o momento em que a Constituição
eflui como norma positivada e aplicável aludindo Hesse que nomeou isto de “ingrediente
essencial para a força normativa” por esta denominada “vontade de Constituição”,
essencialmente concretizar os positivados constitucionais, agregando o compromisso da
sociedade nesta realização.6
Observa Sarmento que,
Essa nova concepção da Constituição, que envolve a expansão das suas tarefas, o
reconhecimento da sua força normativa, o fortalecimento do papel da jurisdição constitucional e
a penetração dos seus princípios e valores por todos os ramos do ordenamento, tem sido
chamada por alguns juristas de neoconstitucionalismo. Se o constitucionalismo representava
basicamente uma doutrina de contenção do poder estatal, o neoconstitucionalismo, que vem se
desenvolvendo na Europa a partir do segundo pós-guerra, e no Brasil sob a égide da
Constituição de 88, é muito mais ambicioso, no seu afã de fecundar o direito positivo com os
ideais humanitários presentes nas constituições contemporâneas.7

Em nossa contemporaneidade vários atores agregam-se ao processo como co-interpretes


constitucionais, fato que limita o alcance do que o método clássico pode abarcar (Método

5
GOMES FILHO, Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, Obra citada, p.28.
6
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008,p. 54-5.
7
Ibidem, p.56-7.
clássico baseado no subjuntivo8 e seus elementos tradicionais da hermenêutica – gramatical,
histórico, sistemático e teleológico”9).
Diante deste desafio exigem-se novas formas para interpretar a constituição de forma
eficiente e atual onde ultrapassamos a atuação antes somente sob a esfera jurídica. Neste
sentido Häberle defende a ideia de “relativização da interpretação jurídica” 10 baseada em um
tríplice composição:
1.O juiz constitucional já não interpreta, no processo constitucional de forma isolada: muitos são
os participantes do processo; as formas de participação ampliam-se acentuadamente; 2. Na
posição que antecede a interpretação constitucional “jurídica” dos juízes (Im Vorfeld juristischer
Verfassungsinterpretation der Richter), são muitos os intérpretes, ou, melhor dizendo, todas as
forças pluralistas públicas são, potencialmente, intérpretes da Constituição. O conceito de
„participante do processo constitucional‟ (am Verfassungsprozess Beteiligte) relativiza-se na
medida que se amplia o círculo daqueles que, efetivamente, tomam parte na interpretação
constitucional. [...]; 3. Muitos problemas e diversas questões referentes à Constituição material
não chegam à Corte Constitucional, [...]. Assim, a Constituição material „subsiste "sem
interpretação constitucional por parte do juiz. [...] Os participantes do processo de interpretação
constitucional em sentido amplo e os intérpretes da Constituição desenvolvem, autonomamente,
direito constitucional material. Vê- se, pois, que o processo constitucional formal não é a única
via de acesso ao processo de interpretação constitucional.11

Não obstante a perspectiva entregue por Häberle o mais aceito é a ideia de que “a
interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta” 12.
Afirmando-se a perspectiva que toda a sociedade é norte da interpretação constitucional
enquanto “quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelos menos co-interpretá-la”
traduzindo-se em “democratização da interpretação constitucional”13
O direito brasileiro até meados do século passado aceitava como predominante a
doutrina composta por Ruy Barbosa, enraizada no modelo norte-americano. Este conceito cria
uma interpretação onde temos normas autoaplicáveis e normais não autoaplicáveis. 14 Sarlet faz

8
O método subsuntivo de interpretação consiste “em um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma: a lei
é a premissa maior, os fatos são a premissa menor e sentença é a conclusão. O papel do juiz consiste em revelar a
vontade da norma, desempenhando uma atividade de mero conhecimento, sem envolver qualquer parcela de
criação do Direito para o caso concreto”. BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.
331.
9
BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações
privadas. 2 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 331.
10
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição –contribuição
para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Fabris, 1997. p.14.
11
Ibidem, loc. Cit.
12
Ibidem, p.13.
13
Ibidem, p.14.
14
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 252.
uma clara explanação distinguindo normas autoaplicáveis como aquelas que independem do
legislador para sua eficiência e entrega de seus efeitos e as não autoaplicáveis as que carecem
de atuação legislativa para sua aplicabilidade no mundo real. Em complemento a esta explanação
Sarlet utiliza-se de forma direta as ideias de Ruy Barbosa.

[...] pode-se dizer que uma disposição constitucional é autoexecutável (self-executing), quando
nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou
executar o dever imposto, e que não é autoaplicável, quando meramente indica princípios, sem
estabelecer normas, por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei15

Respeitando-se a real qualidade da teoria de Ruy Barbosa, criticada em relação ao


positivado na Constituição de 1934, prevaleceu entender-se para as normas não autoaplicáveis,
“mesmo tendo caráter eminentemente programático e contendo princípios de natureza geral,
no mínimo, estabelece alguns parâmetros para o legislador, no exercício de sua competência
concretizadora”16. Dessa forma, se vislumbra que as normas constitucionais, respeitando-se sua
especificidade individual contém uma detectável eficácia e aplicabilidade em alinhamento a sua
normatividade. Sarlet cita “todas as normas constitucionais são sempre eficazes e, na medida de
sua eficácia (variável de acordo com cada norma), imediatamente aplicáveis”.17
Diferentemente as normas que tratam dos direitos e garantias fundamentais não
compartilham do mesmo plexo organizacional carecendo desta forma de uma ligação clara entre
a forma positivada e sua eficiência no âmbito jurídico quando tratam-se de direitos
fundamentais, pois o resultado será variado quando tratarmos de direito fundamental definido
por norma programática, ou situação que autorize imediatamente reconhecer um direito
subjetivo para um detentor de direito fundamental, em clara razão da sua correspondência
direta.
Os direitos fundamentais têm efeito de duplo engajamento. Em um sentido, atuam na
defesa erga homines em relação ao poder positivo de Estado e, por outra face, preconizam a
atuação do Estado por dar condição aos requisitos necessários para o gozo do direito
fundamental definido, revelando-se, dessa forma, que para cada direito fundamental há uma
norma de direito fundamental.
Alexy é adepto de que “a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras
do edifício da teoria dos direitos fundamentais”18. De forma muito simplificada seria afirmar que

15
BARBOSA, Ruy apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. E ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 253
16
Ibidem, p.255.
17
Ibidem, p.256.
18
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 85.
sem a devida distinção não há nenhuma teoria possível de atingir a magnitude de importância
dos direitos fundamentais no arcabouço jurídico. Alexy cita:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam
que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são
caracterizados por poder em ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida
devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e
regras colidentes.”19

Ainda, em seus estudos, Alexy nos proporciona um entendimento mais adequado à visão
constitucional e aplicável aos direitos fundamentais criando uma forma analítica quanto a sua
vinculação, significando uma forma de interpretar diretamente um direito e sua adequação a um
preceito constitucional. Isto não significa passividade na interpretação ou que não haverá
sobreposição ou mesmo conflitos, mas isto indica um caminho possível para a ligação direta entre
eles.
Como saída para a solução dos conflitos Alexy propõe:

(i) com a introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras, ou, caso não seja essa
possível,

(ii) com a declaração de invalidade de, pelo menos, uma delas. Na hipótese de haver escolha
de qual regra deve ser eliminada deverão ser utilizadas regras de solução de conflitos, mediante
critérios a saber: lex superior derogat legi inferiori, lex posteriro derogat legi priori e lex especialis
derogat legi generali.20

Na construção constitucional podemos identificar uma série de preceitos para a garantia


de provimento pelo estado das necessidades básicas ao indivíduo, uma série de determinações Commented [AR1]: Refeito
que englobam, citando algumas, saúde, segurança e educação, e também é possível verificar a
existência dos preceitos do que deve ser seguido em termos de regras gerais nesta sociedade,
identificados pelos deveres de convivência social, citando alguns, separação entre os poderes,
impostos, meios de acesso a justiça, estes dois preceitos, um no sentido e provimento e outro no
sentido de obrigações é que formam o fundamento para a tipificação de condutas no texto
constitucional.
Essencial dizer que os fundamentos previstos na constituição são o único limitador ao
poder legislativo, uma vez que a criação de leis deve obedecer aos preceitos constitucionais
previstos, não cabendo extrapolar a atuação do estado senão dentro destes limites. Commented [ÁR2]: Revisado

Nesta limitação Feldens apresenta três condições nesta relação legislador e constituição:

19
Ibidem, p.90.
20
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 94
1) Se da Constituição decorrem, ou não, proibições de penalização (a Constituição como limite
material ao Direito Penal); 2) Se apenas os bens constitucionalmente relevantes são suscetíveis
de tutela penal (a Constituição como fonte exclusiva do Direito Penal); 3) Se a Constituição
estabelece, ou não, obrigações de tutela penal (a Constituição como fundamento normativo do
direito penal incriminador).21

Feldens é impositivo quando diz que “resultam proibições de criminalização”. Esta


interpretação mesmo que conforme disposto no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal
careça de intervenção do legislativo a normalização no âmbito penal, este não significa uma
cláusula aberta indefinidamente, no Estado Social Democrático de Direito, atualmente nosso
regime, ela está limitada ao arcabouço da constituição que estabelece as diretrizes para o
desempenho inclusive da atividade legislativa.
Seguindo esta linha de pensamento é possível inferir que sempre existirá uma ligação dos
bens protegidos constitucionalmente e o âmbito punitivo a ser tratado pela legislação penal, esta
ligação cria referências fortes ao bem tutelado na constituição, de forma que não há possibilidade
de criar um outro arcabouço paralelo ao constitucional pois ela se torna a única origem para Commented [AR3]: Retirada a duplicidade de arcabouço
recepção dos bens jurídicos passível de proteção jurídico-penal. De fato, a possibilidade de
existência de bens extra constituição é bastante reduzida pois de forma mesmo que análoga a
constituição cobre toda a necessidade conhecida até o momento.

A garantia da presunção de inocência como fundamento de existência


do processo penal contemporâneo

O foco do garantismo está em limitar o poder estatal de forma a não acontecerem


arbitrariedades em face das liberdades e garantias do cidadão. Para fazer isto, as teorias do garantismo
buscam na fonte da constituição a interpretação adequada para estas garantias e as esclarece, para que
sejam palatáveis e diretamente aplicáveis do âmbito penal, assim, entregando a máxima eficiência em
proteger os direitos fundamentais, mesmo que a garantia destes conflite com o bem comum. Commented [AR4]: Pontuação revista

A teoria do garantismo tem como seu idealizador o jurista italiano Luigi Ferrajoli, utilizaremos sua
obra Diritto e Ragione: Teoria del Garantismo Penale como base para o desenvolvimento do assunto
destinado a este subtítulo. Commented [AR5]: Revisto o parágrafo.

Em sua obra Ferrajoli busca evidenciar que os direitos fundamentais são armas utilizadas pelo
cidadão contra a arbitrariedade estatal, a limitando e evidenciando sua violência em relação aos direitos
de liberdade fundamental do cidadão, sua interpretação entrega novas possibilidades de análise dos
direitos aceca da vigência, da validade e da eficácia da norma.

21
ROXIN, Clauss apud FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no
controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 39.
A composição da teoria geral formulada por Ferrajoli decompõe o vocábulo garantismo por três
ângulos diferentes de interpretação, sendo eles:22

Modelo normativo de direito, este modelo está ligado à ideia da estrita legalidade, e tem
o objetivo de aumentar a liberdade do cidadão vomo meio para a redução da criminalidade, criando para
este objetivo mais limitações ao jus puniendi do estado. Commented [AR6]: Parágrafo revisto

Observação do “ser” e do “dever ser”, este ângulo de análise busca analisar como a lei
está escrita e como ela é realmente aplicada nos tribunais, desta forma conseguindo identificar a
diferença entre o idealizado , “ser”, e o que é aplicado “dever ser”, aperfeiçoando desta forma o seu ideal
conceitual (campo teórico), Ferrajoli busca com isto uma observação que ampare positivação jurídica da
lei e sua aplicabilidade no âmbito jurídico. Commented [AR7]: Parágrafo revisto

Por fim, a interpretação do garantismo no contexto político filosófico, que analisa a


separação entre o direito e moral contemporâneos. Commented [AR8]: Parágrafo revisto

A concepção de Ferrajoli versa que o garantismo penal se pauta na afirmação de um Direito Penal
de mínima intervenção, onde os direitos do indivíduo devem se sobrepor ao poder estatal, com o máximo
objetivo de proteger o indivíduo quanto a quaisquer formas de lesão de seus direitos e garantias
fundamentais, neste sentido a pedra fundamental do garantismo se pauta no princípio da legalidade23,
que estabelece uma previsão mínima de regramentos condicionantes e limitantes ao poder estatal quanto
ao seu gozo dos direitos fundamentais pelo cidadão.

Para trazer um claro entendimento da aplicabilidade do modelo garantista, Ferrajoli nos entrega
dez axiomas onde identifica as garantias do cidadão em proteção ao poder de punição do estado.
nulla poena sine crimine; nullum crimen sine lege; nulla lex (poenalis) sine necessitate; nulla
necessitas sine iniuria; nulla iniuria sine actione; nulla actio sine culpa, nulla culpa sine iuducio;
nullum indicium sine acusatione; nulla accusatio sine probatione e nulla probatio sine
defensione.24

Aplicando em nosso contexto linguístico e jurídico seriam:


1)princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito;
2)princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou
da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5)
princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da
responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionalidade, também no sentido lato ou no
sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do
ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da
falseabilidade.25

22
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução CHOUKR, Fauzi Hassan et. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 684.
23
Para o autor italiano, o garantismo, abalizado no princípio da legalidade pode ser entendido sob três enfoques:
epistemológico, político e jurídico. No aspecto epistemológico trabalha com a idéia de poder mínimo, no político,
como estratégia para minimizar a violência e propiciar a liberdade do indivíduo e, no jurídico, vinculando a função
punitiva estatal em garantia dos direitos do cidadão. Ibidem, loc. cit.
24
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. trad. CHOUKR, Fauzi Hassan et.al. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 74-5.
25
Ibidem, loc. cit.
Estes axiomas organizados em forma de uma hierarquização de fundamentos protetivos forma
uma verdadeira hermenêutica a ser observada quanto à aplicabilidade mínima da força do Estado sobre
o cidadão, essência do Direito Penal mínimo que ao seu cabo e ao seu fim representam presença do
princípio da presunção de inocência.

A presunção de inocência é garantia positivada na constituição onde nenhum cidadão pode sofrer
o poder punitivo com base na dúvida ou incerteza.

Ferrajoli versa que neste modelo há a preservação sobre a imposição de pena sem a real
realização do delito, sem deixar de observar os aspectos da previsão legal, a explícita proibição de punição
previstas, a lesividade aplicada aos terceiros, a materialidade, culpabilidade e a imputabilidade do sujeito.
Todos estes aspectos sem exceções apresentados pelo aparato acusatório do estado para um juiz
imparcial, observando-se o devido processo legal que deve ocorrer de forma imparcial e transparente, de
forma pública com total observação em todos os momentos ao contraditório e a ampla defesa.26

Se observado este regramento o juiz realmente irá posiciona-se como um garantidor de direitos
do sujeito, dentro do processo penal, amparado sobre cartas produzidas também por um ambiente
legislativo que está sustentado na constituição, que por fundamento busca o direito de liberdade do
cidadão. Assim em um estado contemporâneo o juiz legitima a constituição, mas com uma visão protetiva
das ameaças aos direitos fundamentais.

Ferrajoli é direto quando afirma que


[...] la sujeción del juez a la ley ya no es, como en el viejo paradigma positivista, sujeción a la
letra de la ley, cualquiera que fuere su significado, sino sujeción a la ley en cuanto válida, es
decir, coherente com la Constitución. […] el modelo penal garantista equivale a un sistema de
minimización del poder y de maximización del saber judicial, encuanto condiciona la validez de
las decisiones a la verdad, empírica y lógicamente controlable, de sus motivaciones.27

Outros autores como Geraldo Prado compartilham de certos aspectos da abordagem como a da
postura do juiz imparcial do processo penal, falando-se do âmbito do processo penal brasileiro. Geraldo
Prazo utiliza uma abordagem pouco ortodoxa nesse comparativo onde equivale a dinâmica à posição de
árbitro em uma partida de futebol “árbitro que fiscalize com rigor o respeito às regras do jogo pelos dois
sujeitos”.28

Esta abordagem posiciona o juiz em uma posição única no processo que é de garantir que não
ocorram violações ou ameaças aos direitos fundamentais constituídos, isto retira o juiz da pauta de
atender ao clamor da maioria, e o coloca em uma posição analítica do processo, das garantias e da
observação estrita e sem vieses ou influências na condução acusatória, realmente buscando intervir sobre
a sede punitiva do estado acusador.

26
Ibidem, p. 83.
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. trad. CHOUKR, Fauzi Hassan et.al. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 83
28
PRADO, Geraldo Apud BONATO, Gilson (Org.). Direito penal e processual penal. Uma visão garantista. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 106.
Fica evidente por esta análise que o garantismo penal é ferramenta efetiva na proteção dos
direitos e garantias positivados na Constituição, sem contrastados o que mais encaixa-se a estrutura
jurídico-político-filosófica do Estado Democrático de Direito.

O doutrinador Silva Franco vai além nos axiomas de Ferrajoli e estabelece seis princípios para
sustentação do sistema garantista no processo penal: 29(i) jurisdicionalidade – nulla poena, nulla culpa
sine iudicio – se reveste em uma garantia inerente a atividade judicante; (ii) inderrogabilidade – a
jurisdição não pode ser declinada ou substituída; (iii) separação das atividades de julgar e acusar – nullum
iudicium sine accusatione – garantia de imparcialidade do juiz diante da atribuição exclusiva do agente
ministerial para promover a acusação; (iv) presunção da inocência – garantia de inocência até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória; (v) contradição – nulla probatio sine defensione – disciplina
o enfrentamento entre as partes; (vi) fundamentação das decisões judiciais – garantia de motivação das
decisões judiciais. Esses princípios se traduzem em direitos humanos fundamentais.

Não se deve limitar a atuação do garantismo, ele não está limitado aos preceitos da constituição.
É imperativo que seja observada toda a sua abrangência, também dentro da legislação específica e
correlata, de forma que torne claro e inequívoco o que é a definição da limitação, das penalidades e do
devido processo legal, tudo em relação aos fatores ofensivos a garantia dos direitos fundamentais deve
estar em alinhamento com o mesmo entendimento, preceituado pelos axiomas descritos. Commented [AR9]: Pontuação revista

Neste sentido é inequívoco afirmar, que o legislador é um protagonista quanto a garantia dos
direitos fundamentais, a ele compete a integração, esta responsabilidade é sempre uma posição
desafiadora em relação a qualquer contexto, pois ela deve ter o entendimento limitante de cada uma das
faces, de forma a orquestrar o mais seguramente possível que os objetivos preceituados sejam realmente
traduzidos na entrega da instrumentação necessária a sua aplicação direta, isto se torna uma desafio pelo
aspecto duplo dos direitos fundamentais, uma ora preservando o sujeito de direitos do possível abuso aos
seus direitos, pelo estado acusador, ora propondo instrumentos de tutela para entrega de condições
sociais aceitáveis ao mesmo direito, de forma que se possa exercer a liberdade de forma plena e evolutiva. Commented [AR10]: Pontuação revista

Neste sentido assevera Jimenéz Campo,


[...] al poder público no le exige la Constituición solo respeto (no transgresión) del derecho
fundamental; la Constituición dice que los derechos vinculan, y en esta expresión entran, sin
duda, deberes positivos de diverso signo, fundamentados en una visión de los derechos
fundamentales no limitada a su imagen primordial de derechos subjetivos, sino abarcante
también de su condición ordenadora, en un sentido objetivo, de toda la convivencia jurídica. Así
que sobre el legislador pesa um deber de realizar los derechos fundamentales em la íntegra vida
comunitária, deber que exigirá, en unos casos, una acción pública de promoción de condiciones
y médios para el efectivo disfrute del derecho y, em otras ocasiones, su protección legal frente
a agresiones que provengan de quines no son poderes públicos.30

Mas neste contexto individual como se comporta o modelo garantista dentro de uma perspectiva
social? Segundo a visão de Souza existe a necessidade da implementação pelo legislador em sua atividade
de integração a observar a ética da alteridade31 . Neste sentido deve-se observar a aplicação dos axiomas

29
SILVA FRANCO apud LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p. 15-6.
30
JIMENEZ CAMPO, Javier. Derechos fundamentales. Concepto y garantias.Madrid: Trotta, 1999, p. 30.
31
SOUZA, Ricardo Timm de. Em torno à diferença – aventuras da alteridade na complexidad e da cultura
contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 152.
com observância aos direitos fundamentais não de forma a atender um indivíduo isoladamente, mas toda
a contextualização dos direitos fundamentais enquanto este indivíduo vinculado à comunidade.

Esta visão nos entrega a necessidade de alguns instrumentos limitadores, neste caso,
restritores de liberdades, podemos criar uma relação desta dinâmica com o entendimento do contrato
social, o indivíduo enquanto uma unicidade precisa em favor da convivência comunitária ser objeto de
algumas restrições, a responsabilidade pelo justo balanço destes limitadores recai diretamente sobre o
trabalho legislativo. Commented [AR11]: Pontuação revista.

O que há disponível hoje em termos de processo penal vigente, busca a sintonia


observando o processo de democratização, que em uma perspectiva comparativa nos é recente e está
alinhado ao modelo de Estado democrático de direito, incorporando gradualmente valores individuais,
restrições em prol do comunitário e na sua individualidade, fortalecendo o direito individual, no momento
que outorga ao indivíduo o status constitucional de inocente, preservando-se este até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória. Commented [AR12]: Pontuação revista

A medição do atendimento do processo penal a estes princípios constitui a face mensurável do


desenvolvimento cultural de uma nação em uma análise histórico-político-cultural.

Como os Tribunais Superiores têm expressado seu posicionamento sobre


a presunção de inocência? Breve análise do período compreendido entre
2019 e 2022.

Se construirmos rapidamente um paralelo entre os termos de execução de pena no âmbito civil


o âmbito penal fica clara a pretensão constitucional, no âmbito civil a execução já permitida no âmbito do
primeiro ou segundo grau é na maioria das vezes caucionada pela valor depositado em face judicial da
parte, esta é uma segurança para que a execução seja possível mas caso se entenda adiante por diferente
posição, neste caso o bem ou valor tornariam possível restituir em termos de valor o que foi envolvido na
prestação jurisdicional, o mesmo é impossível quando falamos de vidas humanas, privar alguém de sua
liberdade é transacionar um bem jurídico não transacionável.

E isto porque, a norma constitucional é clara e não comporta interpretação, sob pena de,
intentando conciliar a presunção de inocência com a execução provisória de pena, extrapolarmos os
limites da hermenêutica de interpretação e reescrevermos a norma jurídica, dando-lhe sentido diverso
do que o estabelecido pelo constituinte originário.32

Julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade nº 43, 44 e 54 pelo Supremo Tribunal


Federal em 23/10/2019, 24/10/2019 e 07/11/2019.
PENA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA NÃO
CULPABILIDADE. Surge constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, a condicionar
o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória,

32
Website: https://www.migalhas.com.br/depeso/280768/o-stf-e-a-presuncao-de-inocencia--principio-em-
extincao, consultado em 10/08/2022 – 16:42.
considerado o alcance da garantia versada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, no
que direciona a apurar para, selada a culpa em virtude de título precluso na via da recorribilidade,
prender, em execução da sanção, a qual não admite forma provisória.33

O julgamento das ADC 43, 44 e 54 buscou a aplicação do previsto no Artigo 319 do Decreto Lei nº
3.689 de 03 de Outubro de 1941 para o caso, seja, a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão
enquanto não exauridas as possibilidades recursais, desta forma preservando de em acordo com a
Constituição a premissa da presunção de inocência, o julgamento da presente ocorreu sob a presidência
do Ministro Dias Toffoli, em sessão extraordinária do plenário em 23/10/2019, após os votos dos Ministros
Alexandre Moraes e Roberto Barroso (votos com sentido ao atendimento parcial da procedência), O voto
do Ministro Jaccin, (pela improcedência da ação), neste primeiro momento o julgamento foi suspenso
mas retomado em 07/11/2019 por maioria de votos a ação restou julgada procedente por maioria de
votos em entendimento de dissonância entre o Artigo 283 do Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de
1941 e o previsto no Art. 5º, LVII, da Constituição Federal, vencendo por 6 x 5 a favor do entendimento
Constitucional e restando o presente limitado aos preceitos do Art. 319 como medida correta de garantia.

Julgamento apelação criminal nº 50000517720138210108 pela Quinta Câmara Criminal do


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 07/10/2022.
Ementa: APELAÇÃO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART. 157, § 2º,
INC. I E V, C/C ART. 14, INC. II. ROUBO MAJORADO TENTADO. EXISTÊNCIA DO FATO E
AUTORIA. ABSOLVIÇÃO NA ORIGEM. Não há qualquer dúvida de que a vítima foi agredida,
pois os hematomas em seu rosto confirmam. Contudo, não ficou claro em quais circunstâncias
essa agressão ocorreu e quem foi o autor dessas lesões. Sabe-se que a palavra da vítima tem
importante valor, pois, muitas vezes, os delitos são cometidos sem a presença de testemunhas.
No caso concreto, a acusação não produziu provas aptas para eventual condenação. Então, a
autoria restou duvidosa, tendo o conjunto probatório se mostrado insuficiente para demonstrá-la
com a certeza necessária para embasar um juízo condenatório. Assim, era mesmo caso de
absolvição, visto que o princípio constitucional da presunção de inocência exige que a prova
seja suficientemente certa para ensejar uma condenação. Absolvição mantida. APELO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Criminal, Nº
50000517720138210108, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan
Leomar Bruxel, Julgado em: 07-10-2022)

O julgamento da apelação criminal nº 50000517720138210108 relatado pelo Desembargador


Ivan Leomar Bruxel, neste processo tipificado como Roubo (artigo 157, §2°, incisos I e V, c/c. 14, inciso II,
do Código Penal) trata de fatos ocorridos em Lavras do Sul, com denúncia recebida em 07/08/2014. Na
fundamentação do voto é explorada a questão da consistência das provas e da materialidade dos fatos,
neste caso quase que estritamente embasado sobre testemunho das vítimas, neste ponto há um fato
controverso pois no voto, “A única certeza é que houve um desentendimento entre os envolvidos, os
quais, segundo suas próprias declarações, estavam mergulhados em uma realidade de prostituição,
álcool e drogas, de modo que não se pode retirar completamente a credibilidade de nenhuma das
narrativas apresentadas, tampouco se pode emprestar confiança total, não sendo possível, em verdade,
precisar uma versão dos acontecimentos.”. Analisando este parágrafo isoladamente, mas ainda no
contexto da situação pode-se verificar que a credibilidade das vítimas é questionada em acordo com o
ambiente em que estão inseridas, feita esta observação, seguimos.

33
(STF - ADC: 43 DF XXXXX-80.2016.1.00.0000, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 07/11/2019,
Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/11/2020)
Sobre a necessidade da observação de presunção de inocência o voto segue:

Ademais, os demais elementos probatórios constantes no caderno


processual são meramente indiciatórios, e não possuem a higidez necessária para ensejar édito
condenatório. Lembrando-se que ao acusado no processo penal não compete comprovar sua
inocência, que é sempre presumida, mas, sim, incumbe à acusação a demonstração da
correspondência fático-probatória com a denúncia.

De acordo com os ensinamentos de Nucci “o ônus da prova liga-se ao


encargo atribuído às partes para demonstrar a veracidade do que alegam, buscando convencer
o julgador. Cabe a elas procurar e introduzir no processo as provas encontradas.”34

Sobre o tema, interessante lembrar a lição de LIMA:

“Do princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade)


derivam duas regras fundamentais: a regra probatória (também conhecida como regra de juízo)
e a regra de tratamento.

[...] por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de


demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar
a sua inocência. Em outras palavras, recai exclusivamente sobre a acusação o ônus da prova,
incumbindo-lhe demonstrar que o acusado praticou o fato delituoso que lhe foi imputado na peça
acusatória. Funcionam como consectários da regra probatória: a) a incumbência do acusador
de demonstrar a culpabilidade do acusado (pertence-lhe com exclusividade o ônus dessa
prova); b) a necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não de demonstrar a
inconsistência das desculpas do acusado; c) tal comprovação deve ser feita legalmente
(conforme o devido processo legal; d) impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na
apuração dos fatos (daí o seu direito ao silêncio). Essa regra deve ser utilizada sempre que
houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo.” 35

Nesta apelação em questão o réu foi inocentado e o apelo do Ministério Público improvido.

Julgamento apelação criminal nº 50194933420208210027 pela Quinta Câmara Criminal do


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 07/10/2022.
Ementa: APELAÇÃO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART.
157, § 3º, INC. II. ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE. LATROCÍNIO.
EXISTÊNCIA DO FATO E AUTORIA. ABSOLVIÇÃO NA ORIGEM. Comprovada a existência
do delito de roubo com resultado morte, no sentido de que a vítima foi encontrada morta em
sua residência, de onde foram subtraídos diversos bens, dentre eles a quantia de R$ 2 mil. A
autoria, contudo, restou duvidosa, tendo o conjunto probatório se mostrado insuficiente para
demonstrá-la com a certeza necessária para embasar um juízo condenatório. Não há qualquer
prova produzida durante a fase judicial que seja capaz de demonstrar com certeza a autoria do
fato. Houve confissão na fase policial por parte de JOSIANE, o que não se confirmou em juízo.
Não bastasse, vieram aos autos informações de que a ré estaria sofrendo ameaças da "real
autora do fato". E a investigação policial se baseou majoritariamente na confissão, trazendo
poucos os indicativos da autoria além disso. As roupas da vítima, apreendidas na residência
de BRUNA, poderiam sugerir crime de receptação, tanto é que foi lavrado auto de prisão em
flagrante nesse sentido. Por sua vez, as imagens das câmeras de segurança citadas pelas
autoridades não são suficientemente nítidas para identificar os acusados BRUNA e
GILBERTO. Os laudos periciais retornaram negativos na busca por impressões digitais ou
DNA dos agressores da vítima. E, finalmente, tanto GILBERTO como BRUNA apresentaram
alguma forma de álibi em juízo, o que não foi capaz de derrubar a prova produzida pela
acusação. Assim, era mesmo caso de absolvição, visto que o princípio constitucional da

34
Nucci, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Editora
Revista dos Tribunais, 2011. Pag. 363.
35
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: JusPodvim, 2016, p. 467.
presunção de inocência exige que a prova seja suficientemente certa para ensejar uma
condenação. Absolvição mantida. APELOS, DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE
DE ACUSAÇÃO, IMPROVIDOS. UNÂNIME.(Apelação Criminal, Nº 50194933420208210027,
Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em:
07-10-2022).

O julgamento da apelação criminal nº 5019493-34.2020.8.21.0027/RS relatado pelo


Desembargador Ivan Leomar Bruxel, neste processo tipificado como latrocínio (artigo 157, § 3º, inciso II,
do Código Penal.) trata de fatos ocorridos em Santa Maria, com denúncia recebida em 02/09/2020. Na
fundamentação do voto é evidenciada a materialidade dos fatos, entretanto a autoria resta duvidosa uma
vez que houve a confissão por parte de um dos réus da fase de investigação, mas esta não se confirma
durante a fase de juízo em face de ser levantada uma possível coação externa ao confesso, desta forma o
desembargador embasando sua decisão pela observação da presunção de inocência dos trechos abaixo.
Destarte, as alegações de Josiane, além de evidentemente controversas, não foram posteriormente
corroboradas em Juízo, não sendo produzidas, portanto, sob a égide das garantias fundamentais do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Sendo assim, sinala-se que não há como fundamentar uma condenação criminal tão somente em
relatos colhidos em sede administrativa, visto que iria, plenamente, de encontro ao disposto no art. 155, caput,
do Código de Processo Penal, o qual apresento in verbis:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Nesse sentido colaciono entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

“Ementa: APELAÇÃO-CRIME. LATROCÍNIO. 1. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA.


PARCIALIDADE DO JUÍZO. NÃO RECONHECIMENTO. Ausência de mácula a ensejar a nulidade da sentença. Há
que se diferenciar a atividade acusatória, privativa do Ministério Público (art. 129, I do CP), da atividade
probatória, conferida às partes e ao magistrado, a este último ao fim de complementar a produzida por aquelas.
Hipótese na qual a decisora singular, ao fundamentar sua decisão, utilizou-se da prova produzida para absolver
o acusado por insuficiência de provas da autoria delitiva. Argumentação que, longe de transparecer parcialidade
na condução do feito, representou apenas interpretação da prova. Decisão devidamente fundamentada, não
havendo qualquer evidência de parcialidade da juíza singular. Inexistência de afronta ao sistema acusatório.
Preliminar de nulidade rejeitada. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
Cabe ao magistrado, destinatário da prova produzida no processo, no exercício de seu poder discricionário e com
vistas à busca da verdade, dispor, fundamentadamente, sobre a produção de provas, podendo indeferir as
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (art. 400, § 1º do CPP) e, quando julgar necessário,
ouvir testemunhas, além das indicadas pelas partes (art. 209 do CPP). Apesar de as partes poderem requerer
diligências ao final da instrução (art. 402 do CPP), o juiz singular é que, ao analisar a relevância, pertinência e a
existência de propósito protelatório da diligência, deferirá, ou não, sua realização, não se tratando, pois, de um
direito absoluto. No caso, a defesa, ao final da instrução, não requereu nenhuma diligência quando intimada
para tal. Posteriormente, após o oferecimento dos memoriais pelo Ministério Público, postulou a reabertura da
instrução processual para reinquirição das testemunhas arroladas pela defesa, para perquirir acerca do álibi
apresentado pela acusada em seu interrogatório. Ausente demonstração de que a matéria não poderia ter sido
levantada desde o início da instrução, quando, após contato com a acusada, a defesa arrolou as referidas
testemunhas. Outrossim, caberia à defesa demonstrar a imprescindibilidade da produção da prova, no que não
logrou êxito. Precedentes do E. STJ e desta Corte. Alegado cerceamento de defesa inocorrente. Princípios
constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal preservados. Preliminar rejeitada. 2. APELO
DEFENSIVO. RÉ ODETE. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. […] 3. APELO MINISTERIAL. RÉU ADRIANO.
ÉDITO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. IN DUBIO PRO REO. Incumbe à acusação a demonstração da existência
do fato típico, incluindo-se aí o elemento subjetivo (dolo ou culpa), bem como de sua autoria, porque, quanto ao
réu, milita em seu favor a presunção da inocência, o que faz com que o "onus probandi" seja de responsabilidade
do Ministério Público. No caso, em que pese a verossimilhança da tese acusatória, o conjunto probatório não foi
suficiente à formação do juízo de certeza necessário ao édito condenatório. […] Ausente qualquer outro elemento
concreto de prova a vincular o acusado à ação ilícita de que a vítima foi alvo. O art. 155 do CPP preceitua que
somente a prova judicializada tem, por si só, força probante para fundar a condenação, que não pode vir
baseada, exclusivamente, em elementos informativos colhidos na fase inquisitorial. Apesar de os indícios de
autoria terem sido suficientes à deflagração da persecutio criminis, não sendo confirmados na fase judicial, não
são capazes de autorizar a emissão de veredicto condenatório. In dubio pro reo. Impositiva a manutenção da
sentença absolutória. Art. 386, VII do CPP. 4. APELO DEFENSIVO. MAJORANTE DO CONCURSO DE AGENTES.
AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE. Embora o delito tenha, de fato, sido praticado em concurso de agentes, uma
vez que a acusada Odete agiu em comparsaria com um segundo assecla ignoto, é pacífico o entendimento na
doutrina e na jurisprudência que as circunstâncias majorantes do §2º do art. 157 do CP têm aplicação exclusiva
aos crimes de roubo próprio (caput) e impróprio (§1º), não se estendendo às hipóteses tratadas no §3º do
referido artigo, seja por uma questão topográfica, seja por não representar a vontade do legislador na repressão
ao delito de latrocínio, que já teve suas penas cominadas bastante elevadas em razão de sua particular
gravidade. Precedentes. Tendo a basilar sido fixada em 21 anos de reclusão, afastada a causa de aumento, vai
a pena assim definitivada, na ausência de outras causas modificadoras. 5. CUSTAS. SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO. Tendo a ré Odete sido assistida pela Defensoria Pública, durante o curso do
processo, afigura-se possível a suspensão imediata da exigibilidade do pagamento das custas, porquanto
presumível a falta de recursos financeiros para arcar com tal ônus. Pedido defensivo de AJG deferido. 6. STATUS
LIBERTATIS. Manutenção da prisão preventiva da acusada devidamente fundamentada na gravidade concreta
do delito pelo qual restou condenada, reforçada pela condenação à pena significativa a cumprir, em regime
fechado. Descabimento de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Garantia da ordem pública.
Prisão mantida. Inteligência do art. 312 c/c art. 387, § 1º, ambos do CPP. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO
MINISTERIAL IMPROVIDO. APELO DA DEFESA DA RÉ ODETE PARCIALMENTE PROVIDO. MAJORANTE DO
CONCURSO DE AGENTES AFASTADA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE IMPOSTA À RÉ REDIMENSIONADA PARA
21 ANOS DE RECLUSÃO. BENEFÍCIO DA AJG DEFERIDO. SUSPENSA A EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS CUSTAS
PROCESSUAIS. DEMAIS DISPOSIÇÕES SENTENCIAIS MANTIDAS.(Apelação Criminal, Nº 70083655704, Oitava
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 29-01-2021)”. (grifei)

De mais a mais, sinala-se que o fato das jaquetas da vítima terem sido encontradas com Bruna não
constitui elemento firme de que ela está envolvida no delito em epígrafe, na medida em que não se apurou a
origem desses objetos durante as investigações. Observe-se que da mesma maneira que pode se inferir que tal
apreensão pode gerar uma presunção de culpa na acusada, também pode indicar que ela tenha receptado ou
tenha pegado emprestado com os supostos autores do crime ou de alguém que tenha receptado deles ou
ainda tenha pegado da própria vítima em outra oportunidade. Não há comprovação da origem.

Nesta apelação em questão os réus foram inocentados e o apelo do Ministério Público


improvido.

Análise de casos com onde a opinião pública apresenta influência sobre


o preceito da Presunção de inocência

Caso Boate Kiss

Este caso contém no mínimo fatos que serão certamente classificados como escabrosos ao longo
da história, em qualquer circunstância iremos nos ater aqui a analisar uma questão da qual encontrei
poucos escritos criando a relação, vamos inicialmente a análise de alguns fatos. Commented [ÁR13]: corrigido

TRAGÉDIA NA BOATE KISS: INFORMAÇÕES SOBRE A DENÚNCIA CRIMINAL E OUTRAS


PROVIDÊNCIAS CIRCUNSTÂNCIAS DO EVENTO CONSIDERADAS NA DENÚNCIA
Show pirotécnico em lugar fechado. Utilização de fogo de artifício não indicado para ambientes
fechados (chuva de prata) –utilização de luva.
Acionamento no palco, onde havia cortinas e madeira.
Acionamento próximo ao teto revestido de espuma.
Espuma altamente inflamável e sem tratamento antichama.
Boate superlotada. A soma das vítimas fatais e dos feridos que buscaram atendimento chega a
877 pessoas.
Iluminação de emergência inadequada.
Espaço insuficiente para saída.
Saída obstruída por um guarda-corpo.
Funcionários e seguranças sem treinamento para situações de emergência – cumpriram a
ordem de não deixar sair.
DENUNCIADOS POR HOMICÍDIOS E TENTATIVAS DE HOMICÍDIO, PRATICADOS COM
DOLO EVENTUAL, QUALIFICADO POR FOGO, ASFIXIA E TORPEZA
Elissandro Calegaro Sphor – conhecido como “Kiko”, proprietário da boate, responsável pelas
reformas estruturais da Kiss, instalação da espuma, superlotação da boate e pela contratação
do show pirotécnico sem condições de segurança (recolhido à Penitenciária Estadual de Santa
Maria, preso preventivamente).
Mauro Londero Hoffmann – proprietário da boate, responsável pelas reformas estruturais da
Kiss, instalação da espuma, superlotação da boate e pela contratação do show pirotécnico sem
condições de segurança (recolhido à Penitenciária Estadual de Santa Maria, preso
preventivamente).
Marcelo de Jesus dos Santos – vocalista da banda Gurizada Fandangueira. Juntamente com
Luciano Augusto Bonilha Leão, acionou o fogo de artifício, destinado ao uso em ambientes
externos, no palco da boate, onde havia cortinas e madeira, direcionando-o para a espuma, que
estava a poucos centímetros das fagulhas (recolhido à Penitenciária Estadual de Santa Maria,
preso preventivamente).
Luciano Augusto Bonilha Leão – produtor e auxiliar de palco da banda Gurizada Fandangueira
que, juntamente com Marcelo de Jesus dos Santos, acionou o fogo de artifício, destinado ao uso
em ambientes externos, no palco da boate, onde havia cortinas e madeira, direcionando-o para
a espuma, que estava a poucos centímetros das fagulhas (recolhido à Penitenciária Estadual de
Santa Maria, preso preventivamente).
O QUE LEVOU À CONCLUSÃO PELO DOLO EVENTUAL
Segundo o Código Penal, há dolo eventual quando o agente não quer o resultado, mas assume
o risco de produzi-lo. Segundo o Supremo Tribunal Federal, a ocorrência de dolo “deve ser
verificada a partir do exame das circunstâncias, pois não se pode penetrar na mente das
pessoas”. No caso da Kiss, diante das condições da boate, que não dispunha de saídas
adequadas, estava superlotada e era revestida de material altamente inflamável, a utilização de
fogo gerou altíssimo risco, sendo que os acusados, mesmo conhecendo o risco elevado,
realizaram o show pirotécnico. O Código Penal trata o crime culposo como exceção, ou seja, o
dolo é a regra.
DENUNCIADOS POR FRAUDE PROCESSUAL E FALSO TESTEMUNHO
Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze – bombeiros, praticaram crime de fraude
processual ao encaminhar à Polícia Civil documentos que não constavam originalmente no PPCI
da Kiss e foram obtidos e autenticados após a tragédia.
Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e Volmir Astor Panzer, funcionário de Eliseo Jorge
Spohr, praticaram falso testemunho, pois, em seus depoimentos à Polícia Civil, disseram que
Eliseo não era sócio da boate. Ele é pai de Elissandro Spohr, havendo indicativos de que seja
sócio da Kiss, embora não apareça no contrato social, figurando apenas como testemunha. Elton
e Volmir mentiram à polícia para eximir Eliseo de qualquer responsabilidade, tanto criminal (por
condutas relacionadas à sua possível condição de sócio oculto) como indenizatória. O MP
aguarda investigação da polícia em relação a Eliseo Jorge Spohr.
DEVOLVIDOS À POLÍCIA CIVIL DE SANTA MARIA PARA NOVAS INVESTIGAÇÕES
Ângela Aurélia Callegaro e Marlene Terezinha Callegaro – sócias da boate Kiss. É necessário,
para fim de responsabilidade criminal, esclarecer se tiveram efetiva contribuição na implantação
do cenário que resultou no fogo e nas mortes, ou seja, se tinham poder de mando e de veto nas
decisões relativas à contratação do show pirotécnico, reformas da boate, instalação da espuma
e lotação da casa.
Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Controle e Mobilidade Urbana, e Belloyannes
Orengo de Pietro Júnior, superintendente de fiscalização da Secretaria Municipal de Controle e
Mobilidade Urbana – é necessário esclarecer se foi solicitada pelo Corpo de Bombeiros, após o
término da validade do alvará de prevenção de incêndios, a suspensão das atividades da boate,
conforme previsto em lei municipal.
Seguranças, da própria boate e “terceirizados” – embora não indiciados, é necessário esclarecer
circunstâncias da atuação deles no sentido de impedir a saída das pessoas após o início do
fogo.
ENCAMINHADOS PARA JUSTIÇA MILITAR
Vágner Guimarães Coelho e Gilson Martins Días - bombeiros, foram indiciados no inquérito
policial por homicídio doloso eventual porque, em vistoria que fizeram na boate, não teriam
exigido duas saídas de emergência e ignorado o guarda-corpos já instalado – que dificultou a
evacuação da boate. Também, de acordo com o inquérito, não exigiram o certificado de
treinamento dos funcionários da boate para situações de incêndio. Entende o MP que não houve
unanimidade entre o CREA e o IGP quanto à necessidade de duas saídas; também que o
guardacorpos, aquele que foi determinante para obstrução da passagem, não estava instalado
quando da última vistoria dos bombeiros; e que o certificado de treinamento não era item a ser
conferido em vistoria, e sim na documentação apresentada na sede do Corpo de Bombeiros
para obtenção do alvará de prevenção contra incêndios.
Sendo eventuais crimes residuais não dolosos contra a vida, a lei determina o encaminhamento
à Justiça Militar, que deverá examinar as respectivas condutas.
ARQUIVAMENTOS
Ricardo de Castro Pasche, gerente da boate Kiss. Entendeu o Ministério Público que Ricardo
atuava meramente como gerente, não tendo poder de decisão com relação ao cenário que
resultou no fogo e nas mortes. Não há, no inquérito policial, elementos que demonstrem ter o
gerente poder de mando ou veto nas decisões relativas à contratação do show pirotécnico,
reformas da boate, instalação da espuma e lotação da casa.
Luiz Alberto Carvalho Jr., secretário municipal do Meio Ambiente. O Ministério Público
considerou inconsistente o indiciamento feito pela polícia, pois a licença de operação estava
vigente quando ocorreu a tragédia, a irregularidade administrativa anterior apontada (período
em que a licença esteve com prazo vencido) não teve nenhuma contribuição para o evento e o
objeto da licença não tem qualquer relação com prevenção contra incêndios.
Marcus Vinícius Bittencourt Biermann, chefe do setor de cadastro da Secretaria Municipal de
Finanças. Foi indiciado pela polícia porque havia expedido o alvará de localização, mesmo com
alvará sanitário vencido e, ainda, por não ter atentado para correções indicadas em análise de
projeto arquitetônico. Entendeu o Ministério Público que a irregularidade administrativa apontada
pela polícia, ainda que tivesse ocorrido, não teria dado nenhuma contribuição para os fatos, pois
as condições sanitárias da boate não tiveram nenhuma relação com as mortes; quanto ao projeto
arquitetônico, não tomou conhecimento dos apontamentos, feitos em outro setor da estrutura
administrativa municipal.36

[...]

A grande diferença neste caso e o que nos move a analisar mais detalhadamente o papel da
imprensa, é a diferença entre o previsto pela legislação e o que efetivamente compunha a denúncia, que
de fato foi o que mudou totalmente o rumo do processo jurídico aplicado. A principal denúncia aplicada
foi de homicídio simples com dolo eventual, desta forma, imprimindo um entendimento de que os réus
previram claramente a possibilidade de incêndio (de que sabiam claramente o roteiro dos
acontecimentos), mas não se importaram com os resultados, por outra tese, que é a mais aceita por
grande parte dos profissionais do ramo jurídico, a tese da culpa consciente, de acordo com esta linha de
pensamento (tese), os réus conheciam o risco, entretanto devido ao fato de executarem de forma
constante a mesma atividade por anos, e sem nenhum acontecimento deste tipo, ou que indicasse
claramente a previsão do resultado, presseguiram. Isto se aplica tanto aos proprietários da boate, quanto
aos integrantes da banda, que também tinham o mesmo comportamento. Commented [AR14]: Pontuação revista

Mas qual seria a diferença nestas duas linhas de denúncia?

A diferença seria o processo penal aplicável e a competência, no caso do homicídio com dolo
eventual o rito é extraordinário e o julgamento decorre pelo tribunal do júri, no caso da culpa consciente
o julgamento acontece pelo juiz exclusivamente, há grande diferença nestes processos pois o livre
convencimento do juiz requer toda a base jurídica para acontecer, o detalhamento e tratamento técnico
do fato impõe obediência ao arcabouço jurídico a observância clara da constituição e das leis que tem
definida a presunção de inocência, desta forma os fatos tecnicamente analisados não serão contaminados
por nenhuma pressão ou desejo de vingança de qualquer das partes.

Um fator claro neste caso específico, é o clamor popular, este fator sempre moveu as estruturas
do estado para uma resposta imediata, e de forma não isolada em alinhamento com o que este “clamor
popular” espera. Não foi diferente neste caso, esta manifestação acabou por criar um entendimento
próprio para a denúncia, subvertendo o processo normal e a celeridade do processo, de fato, o

36
Website: Assessoria de Imprensa do MP/RS
https://www.mprs.mp.br/media/areas/criminal/arquivos/informacoessobreaboatekiss.pdf consultado em
16/10/2022 – 10:15.
comportamento vampiresco característico da imprensa, criou um ambiente propício aos acontecimentos
que seguiram o fato.

O “clamor popular”, um elemento indefinido tecnicamente, para ele não temos definição de
parâmetros e medidas, para definir mesmo se ele ocorre ou não, a base utilizada para esta definição
mudou ao longo dos séculos, a imprensa e mesmo mais recentemente as mídias sociais como sendo a
forma representativa deste manifesto. Commented [AR15]: Revisada a pontaução separando as
idéias.

É razoável destruir a vida dos quatro réus, de quatro famílias, para diminuir um pouco
a dor daqueles que perderam entes queridos? A dor de quem perdeu alguém na tragédia nunca
vai desaparecer. O efeito dessa condenação para os familiares das vítimas é efêmero e sutil,
para os réus é permanente e lancinante. Essa dor é uma chama ardente e que consome tudo o
que for lançado nela.

Ontem lançamos mais quatro réus para serem sacrificados em prol de um pouco de
alento, um alento passageiro. Mas isso não vai ser suficiente para aplacar tamanha dor. Nada é
suficiente. Se condenássemos todos os envolvidos direta ou indiretamente no fato, ainda assim
não seria suficiente. Se torturássemos todos e aplicássemos a pena de morte depois, ainda
assim não seria suficiente.

Então nem mesmo sob o enfoque de um utilitarismo voltado a satisfazer o anseio


vingativo (e compreensivelmente humano, mas irracional) de quem perdeu um familiar seria
possível concordar com uma condenação como esta.37

O fato é, em mais de dois mil anos este aspecto do Estado não evoluiu, não se encontrou
solução para determinar o que é de fato o clamor, e ter uma resposta clara para ele, a vontade
popular e isenção do Estado no resultado livrou Barrabás, e ainda nos dias de hoje promove os
mais sofisticados procedimentos de resultado similar. É fato que uma imprensa cobrindo o
sofrimento e desejo de vingança, fazendo a divulgação de análises técnicas, e comportamentais
do fato, e dos indivíduos envolvidos no caso, feitas publicamente, sem mesmo o mínimo acesso
necessário as perícias e evidências, empurrou qualquer que fosse a composição deste júri popular
a um resultado totalmente previsto. O resultado sempre seria o mais grave possível, em qualquer
possibilidade permitida pela lei, se houvesse previsão legal para a pena de morte, por este fato,
este seria o resultado. Commented [AR16]: Pontuação revista.

Neste ponto que se analisa o quanto o comportamento da imprensa não só


influencia, mas determina de fato o rumo seguido, expressando nossa opinião, a imprensa
é neste caso o clamor popular, pois não havendo certa a determinação do que ele é, como
se manifesta, e qual o seu real poder de discernimento sobre os fatos, se cria um
ambiente onde qualquer elemento que tenha penetração massiva no dia-a-dia da
sociedade poderá levá-la a qualquer direção que lhe convenha ou que lhe mantenha a
posição de domínio.
Um príncipe não deve, portanto, importar-se por ser considerado cruel se
isso for necessário para manter os seus súditos unidos e com fé. Com raras
exceções, um príncipe tido como cruel é mais piedoso do que os que por muita
clemência deixam acontecer desordens que podem resultar em assassinatos e

37
Website: https://canalcienciascriminais.com.br/o-caso-da-boate-kiss-foi-um-terrivel-erro-judiciario/, Dr.
Ezequiel Fernandes, consultado em 16/10/2022 11:06.
rapinagem, porque essas consequências prejudicam todo um povo, ao passo que
as execuções que provêm desse príncipe ofendem apenas alguns indivíduos 38

Não foi diferente aqui, o comportamento da imprensa executou dia a dia um linchamento público
dos réus, uma venda de análises técnicas sobre o fato, com “especialistas" que sequer compunham o
corpo engajado na análise oficial e manteve cativo por meses toda uma sociedade que consome sua
divulgação de notícias diariamente. Não é absurdo dizer que as telecomunicações compunham o quarto
poder em um regime democrático de direito.

Com esta decomposição do comportamento dos elementos sobre este caso encerro a análise do
papel da imprensa do caso da boate Kiss para passar a outro caso também de comoção nacional.

Caso menino Bernardo

Este caso teve seus acontecimentos em abril de 2014 com grande repercussão nacional, trata do
assassinato de Bernardo Boldrini que aconteceu em Três Passos, cidade calma e pacífica do interior do
Estado. Após dias de busca, contradições em depoimentos dos envolvidos, e pôr fim a localização do corpo
do menino, foram acusados o pai, a madrasta e mais duas pessoas por homicídio e ocultação do cadáver.
O Caso: Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, desapareceu em 4/4/14, em Três
Passos. Seu corpo foi encontrado dez dias depois, dentro de um saco, enterrado às margens do
rio Mico, em Frederico Westphalen.

Edelvânia Wirganovicz, amiga da madrasta Graciele Ugulini, admitiu o crime e apontou


o local onde a criança foi enterrada. Para o Ministério Público, Leandro Boldrini foi o mentor
intelectual do crime. Ele e a companheira não queriam dividir com Bernardo a herança (motivo
torpe) deixada pela mãe dele, Odilaine, falecida em 2010, e o consideravam um estorvo para o
novo núcleo familiar (motivo fútil). O casal ofereceu dinheiro para Edelvânia ajudar a executar o
crime (motivo torpe).

Bernardo, não sabendo do plano, aceitou ir até Frederico Westphalen com a madrasta
para ser submetido a uma benzedeira (dissimulação). O menino acabou morto por uma
superdosagem de Midazolam, potente sedativo de uso restrito (emprego de veneno). Seu corpo
foi enterrado em uma cova vertical, aberta por Evandro Wirganovicz.

Depois de ajudar a matar e enterrar o filho (ocultação de cadáver), para que ninguém
descobrisse o crime, Leandro Boldrini fez um falso registro policial do desparecimento de
Bernardo (falsidade ideológica).

Julgamento: Os quatro foram julgados pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri,


de 11 a 15 de março de 2019, sendo o julgamento mais longo da história do Judiciário gaúcho.
O júri foi presidido pela Juíza de Direito Sucilene Engler.

Leandro Boldrini, pai da criança, foi condenado a 33 anos e 8 meses de prisão (30
anos e 8 meses por homicídio quadruplamente qualificado, 2 anos por ocultação de cadáver e 1
ano por falsidade ideológica). Graciele Ugulini foi condenada a 34 anos e 7 meses de reclusão
(32 anos e 8 meses por homicídio quadruplamente qualificado e 1 ano e 11 meses por ocultação
de cadáver). Edelvânia Wirganovicz foi condenada a 22 anos e 10 meses (21 anos e 4 meses
por homicídio triplamente qualificado e 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver). Evandro
Wirganovicz foi condenado a 9 anos e 6 meses (8 anos por homicídio simples e 1 ano e 6 meses

38
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.Tradução de Maria Lucia Cumo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996.
por ocultação de cadáver) e ganhou liberdade condicional em 25/3/19. Os demais condenados
não poderão apelar em liberdade.

Em 10/12/21, o 1º Grupo Criminal do TJRS determinou a anulação do júri e a realização


de um novo julgamento para Leandro Boldrini. Cabe recurso da decisão.39

O caso do menino Bernardo como já referido teve ampla cobertura da imprensa e da mesma
forma que outros casos de repercussão nacional, foram executados em linha todos os procedimentos
típicos da imprensa quanto a análise paralela dos fatos, análise psicológica dos envolvidos e mesmo a
teorização jurídica sobre a condução e resultados do processo.

Durante a sessão do júri que foi transmitida ao vivo pela TV Justiça, e com cobertura paralela da
maioria das redes de tv e rádio dos estados do sul, houve a infração do preceito constitucional descrito
no art. 5º, Inciso LXIII, que trata dos direitos e garantias individuais, neste fica estabelecido que o acusado
será informado de seus direitos, dentre eles o de permanecer em silêncio, tal artigo tem complementação
no código de processo penal, em seu Art. 186, neste fica observado o direito do réu a ser informado sobre
a opção de permanecer calado, não responder perguntas que lhe forem dirigidas, tudo com garantia que
este comportamento não configurará confissão, e tampouco poderá ser interpretado em prejuízo de sua
defesa. Commented [AR17]: Pontuação revista.

Exatamente todos estes preceitos previstos na constituição e no código de processo penal foram
ignorados durante a sessão do tribunal do júri. Deve-se analisar neste sentido se os egos inflamados por
uma cobertura massiva da imprensa, e o vislumbrar individual sobre a oportunidade de se destacar nestes
holofotes como o algoz mor da situação, talvez este ambiente criado sobre o fato pode ter gerado os
acontecimentos detalhados a seguir.

Durante o julgamento o réu Leandro Boldrini respondeu às perguntas da juíza e de seus


defensores, entretanto foi instruído pela sua defesa para usar seu direito ao silêncio quando as perguntas
da acusação tomaram um tom agressivo, deveria a juíza do caso indicar ao réu, antes do início das
perguntas que ele poderia exercer seu direito ao silêncio, neste momento houveram dois fatos
prejudiciais ao direito constitucional.

O primeiro fato é que a juíza permitiu que as perguntas da acusação continuassem e no tom e
amplitude que extrapolavam o que seria um simples questionamento, neste momento impedindo o
contraditório da defesa.

O segundo fato é a indicação da juíza que advertiu o réu que seu silêncio poderia ser interpretado
de outra forma pelos jurados.

Desde Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, autor da obra DEI DELITTI E DELLE PENE, já é
condenável a tortura, seja ela expressada por qualquer forma, ora, cercear o direito constitucional e
permitir uma sessão excruciante de acusações, engendradas dentro de perguntas sem possibilidade de
atuação da sua defesa, vai muito além do permitido dentro do processo legal. Commented [AR18]: Revisto, retirado tortura do final.

O Código de Processo Penal Brasileiro, com as alterações previstas no art. 186, CPP, feitos pela
Lei nº 10.792/2003, estabelece que o exercício do direito ao silêncio, não importa em confissão, e não
poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

39
Website: https://www.tjrs.jus.br/novo/caso-bernardo/, consultado em 17/10/2022 – 21:50
Mais recentemente a Lei nº 13.869/2019, art. 15, § único, inciso I, tornou crime o fato de
constranger o depoente que decidir utilizar o seu direito ao silêncio.

Com estes acontecimentos durante o julgamento, a defesa do réu Leandro Boldrini


interpôs recurso de embargos infringentes ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, surgiram
diferentes interpretações entre os desembargadores, mas por fim formou-se maioria para a anulação do
julgamento, o único pedido aceito, vencidos os demais.

O que levou a este entendimento pelos desembargadores foi principalmente o


transcorrer do interrogatório ao réu, entenderam que foi ferido o princípio dos direitos e garantias
previstos na Constituição Federal, art. 5º, Incido LXIII, que encontram concomitância com o Código
Processual Penal, em seu art. 186, que na sua nova roupagem entregue pelas alterações constantes na
Lei nº 10.192/2003, conjuntamente ambos indicam que o silêncio não será interpretado de nenhuma
forma como confissão e não poderá ser interpretado também em prejuízo de sua defesa.40

Nosso entendimento do transcorrer deste caso é de que há muita influência aos egos
inflamados e senso distorcido de justiça, atribuíveis ao papel da imprensa. Não existia uma pureza possível
ao pensamento dos jurados neste cenário, extrapolando ainda mais, para um completo contexto,
imagine-se uma situação onde estes jurados formassem maioria pela inocência do réu, suas vidas seriam
expostas publicamente, dissecadas, tudo pelo comportamento infame da imprensa, não havia outro
desfecho possível, com o alcance e metodologia aplicadas pela imprensa aplicados sobre o caso. Commented [AR19]: Retirado o duplo contexto e revisada
a pontuação.

40
Website: https://www.espacovital.com.br/publicacao-39569-por-que-foi-anulado-o-juri-do-medico-no-caso-
bernardo, consultado em 23/10/2022 – 11:23.
Conclusão

Ao desenvolver deste trabalho pudemos formar um melhor entendimento sobre a presunção de


inocência, desde os pensamentos iniciais sobre os direitos fundamentais, e como ao longo da história eles
se manifestaram, inclusive em outros países. É claro em nosso entendimento que realmente estes
pensamentos influenciaram e contribuíram para o conjunto de garantias, constantes na nossa
Constituição, Código Penal e em nosso Código de Processo Penal.

A oportunidade de estudar os preceitos de Ferrajoli na construção da tese do garantismo,


associada com outras visões como a de Geraldo Prado, que associa a missão de controle das garantias
com a função de árbitro de futebol, a forma de expandir a aplicabilidade do garantismo, contruída por
Silva Franco, que estabelece princípios para a sustentação do sistema garantista, e por fim, Jimenéz
Campo, que contextualiza a tese no trabalho legislativo, tudo isto nos fez concluir que, a construção
constitucional Brasileira, em seus atributos juridico-político-sociais, está engendrada nos preceitos
garantistas de forma bastante completa, mas ainda que de forma complexa, para atingir-se um “dever
ser” mais acessível carecemos de ainda mais revisão legislativa.

Nossa revisão sobre o posicionamento dos Tribunais Superiores quanto presunção de inocência,
nos revelou, dentro da amostra analisada, um entendimento bastante claro na aplicação da presunção de
inocência, especialmente fora dos casos tratados pelo tribunal do juri,

Quando passamos a análise de dois casos de expressão nacional, que envolvem diretamente a
aplicação dos preceitos fundamentais da presunção de inocência, e que envolveram o tribunal do júri,
então temos uma situação totalmente diferente. Neste caso encontramos novos fatores influenciadores
do processo, são eles, a imprensa, e a “opinião pública”, estes novos fatores acabam se confundindo
dentro dos processo, acabem de fator por se fundir, e todo o risco deste entendimento é a questão de
formar cultura diante do reiterar da prática, torna-se quase um pré-requisito, ao entender da convocação
para um júri de que o resultado estará alinhado com este entendimento de “opinião pública”, que
anteriormente questionamos, uma vez que ele não tem características de identificação propriamente
definidos, e também não tem métricas para sua verificação, hoje ele está atrelado ao comportamento do
grupo de jornalistas, e do corpo editorial responsável pela cobertura de determinado caso.

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