A Menina Que Conversava Com o Verão
A Menina Que Conversava Com o Verão
A Menina Que Conversava Com o Verão
Sally Nicholls
EU SOU MOLLY. MOLLY ALICE BROOKE NO REGISTRO DA
ESCOLA. SE VOCÊ É UMA AMIGA, OU ALGUÉM DA MINHA
FAMÍLIA, ENTÃO SOU MOLL TAMBÉM. SE VOCÊ É UM ADULTO
NA MINHA FAMÍLIA, O QUE, NO MOMENTO, É MUITO
COMPLICADO, ENTÃO SOU XODÓ, MOLLY-MÔ, CACHINHOS OU
DOCINHO. NA MINHA ESCOLA ANTIGA, EU ERA MOLLY-MOP. NO
NATAL, FUI UM ANJO E O DONO DE UM ALBERGUE.
*
Não movo um músculo. Fico de olhos fechados. Ainda sinto o cheiro
dos cavalos e dos caçadores, mas os barulhos se foram. Tudo o que escuto
é meu coração e a cadência rápida e chorosa de minha respiração, ar
entrando-e-saindo-entrando-e-saindo. E a chuva. Eles ainda devem estar
aqui, devem, devem estar...
Ouço um ruído. Um ruído minúsculo, alguma coisa se mexendo, uma
pedrinha rolando. Abro os olhos. A estrada está vazia. Os cavalos, o
homem, os cães –, todos foram embora. Mas alguma coisa ainda está aqui,
se arrastando na estrada.
Os arbustos de espinheiro não foram feitos para se segurar. Têm muitos
espinhos e não têm galhos suficientes. Eu me mexo e rolo de novo para a
estrada, enlameando as pernas e as costas. Ao tentar me equilibrar, acabo
caindo para a frente sobre alguma coisa. Algo – alguém morno.
Grito. Grito e grito e mãos se aproximam e seguram meus ombros,
mãos mornas, vivas.
– Sssh. Sssh. Ssssh.
A voz é forte e baixa em meio à chuva. Arrasto-me para trás,
aterrorizada, e as mãos me soltam.
– Ninguém vai machucar você. Ssssh.
Não é o caçador. É o outro. O homem caçado.
De repente, começo a chorar, um choro engasgado, com soluços que
me sacodem inteira. O homem caçado se senta e me olha. Posso ver
através da escuridão que ele é jovem, que seu rosto está molhado com suor
e chuva, que ele tem cabelos com cachos.
– Pronto – diz ele com sua voz baixa. – Ninguém se machucou, ninguém
vai machucá-la.
– Você está machucado – eu digo.
E ele está. Suas pernas foram mordidas pelos cães-lobos. O sangue
escuro escorre e ensopa o tecido rústico de suas calças, chuva, tecido e
sangue. Os soluços começam a me sacudir de novo e eu olho para longe.
– Ninguém está machucado – diz ele de novo. Ele olha para mim. –
Você está longe de casa? – respondo que não com a cabeça. – Então vá
para casa. Não deveria estar longe de casa de noite. Sua mãe não lhe disse
isso?
– Minha mãe morreu – eu digo, e começo a chorar de novo.
Ouço um barulho na estrada, arbustos se partindo. Fico tensa, apertando
a barriga para segurar as lágrimas. O homem agarra meu braço e funga o
ar como um animal pressentindo perigo.
Um farfalhar nos arbustos, e um pássaro levanta voo; um corvo, eu
penso, as asas batendo avidamente e desaparece. O homem solta aos
poucos meu braço e eu começo a soluçar, pressentindo como devo parecer
boba, lágrimas e ranho escorrendo pelo rosto coberto de lama.
O homem caçado se inclina para mim.
– Vá para casa – diz ele de novo, só que agora com mais urgência. –
Você quer que o caçador selvagem lhe encontre?
Estou tão assustada que não respondo. Ele segura meu braço.
– Vá para casa. Vá segura. Mas vá agora.
Só nós dois ali no escuro, apenas nós dois no mundo inteiro. Não quero
deixá-lo, mas também não quero ficar ali. Levanto-me de qualquer jeito e
desço a estrada para casa.
2
O homem de lugar nenhum
Não ando muito, quando vejo a luz de uma lanterna e ouço uma voz
chamando.
– Molly! Molly!
– Vó!
Corro até ela.
– Molly!
Ela me abraça, depois me empurra e me sacode; não com força, mas o
suficiente para me deixar chocada.
– Por que você fugiu desse jeito? Será que já não temos o suficiente
com que nos preocupar?
– Mas eu não...
Começo a dizer e começo a chorar, tudo ao mesmo tempo. E a Vó me
abraça.
– Pronto, pronto. Shhh. Não chore. A vovó encontrou você.
Mas eu me lembro.
– Vovó! Tem um homem.
Ela me olha de frente.
– Um homem?
– Ele está machucado. Olhe.
Sei exatamente onde ele está, perto do arbusto de espinheiro.
A Vó põe a luz da lanterna na direção que estou apontando. Só vemos a
estrada vazia.
– Você não está inventando histórias de novo, Molly?
– Não! Olhe! Venha que vou lhe mostrar!
Eu puxo ela para perto.
– Molly, se acalme. Devagar. Onde está ele?
– Aqui!
Agarro a mão dela e direciono a luz da lanterna. Ali está o arbusto de
espinheiro e as marcas na lama quando caí do barranco, mas nenhum
homem. Corro tentando ver para onde ele foi.
– Ei! – eu chamo. – Cadê você?
– Moll – diz minha vó. – Molly! Volte aqui. Volte e conte o que está
acontecendo.
Corro de volta para perto dela.
– Tinha um homem, um homem estranho, sem sapatos e sem camisa,
correndo pela estrada e então apareceu uma caçada do nada, uma caçada
de verdade, com cães – lobos na verdade – e um homem com chifres que
cresciam dos lados de sua cabeça. E os lobos atacaram ele e eles teriam
me atacado também, só que fiquei escondida. Mas então eles
desapareceram, os caçadores e todo mundo, a não ser ele, e ele conversou
comigo e me disse para ir bem e ir segura e ir agora, então eu fui e então...
– E então ele desapareceu – diz a Vó – ou virou um bule de chá?
– Sim – eu digo. – Quero dizer, não. Ele apenas desapareceu. Mas
estava aqui! Olhe!
Arranco a lanterna das mãos dela e ilumino o canto da estrada onde ele
estava.
– O que estou olhando? – diz a Vó, irritada.
– Aqui! Não, aqui. Não, espere, foi aqui em algum lugar, eu sei – puxo
ela para mais perto. – Ali! Olhe, é sangue! Foi aqui que ele estava!
Fica difícil, na escuridão, dizer onde acaba a chuva e a lama e
começam as manchas de sangue. A Vó olha para baixo com seus olhos
míopes.
– Pode ser – diz ela, finalmente. – Pode ter sido uma raposa por aí
matando coelhos. Vamos para casa agora, Moll. Não tenho mais idade para
fica ensopada assim.
– Mas o homem – eu digo. – Ele está machucado!
– Se ele não está mais aqui – diz a Vó –, então não pode estar tão
machucado assim. E se tiver juízo, já deve ter ido para casa também. De
qualquer forma, vamos para casa e contar ao Vô e para a Hannah que já
encontrei você.
Então a Hannah acabou voltando. Devia ter sabido que ela não teria
fugido. Sinto-me traída, de repente, da minha aventura e do meu momento
de ser aquela com bom senso. Agora sou a menorzinha, fazendo a coisa
errada de novo.
Vovó me dá a mão.
– Você acha que estou inventando, não acha? – pergunto a ela. Eu
costumava inventar histórias, quando era pequena, mas não faço mais isso.
– Eu? Tenho coisas muito mais importantes para me preocupar.
O que não quer dizer que ela realmente acredite em mim.
3
Pensamentos noturnos
Nunca soube que havia escolas tão pequenas como esta. E esta então é
muito mais confusa do que a minha escola antiga. Estudamos muito mais
Arte do que Matemática. Além disso, fazemos um monte de excursões.
Hoje, vamos à igreja.
No pórtico, Miss Shelley entrega a todo mundo uma prancheta e pede
que façamos um desenho.
– Achem algo que fale a vocês e façam alguma coisa com isso. Os
meninos abrem a boca para discutir, mas ela não deixa. – Se não
descobrirem nada excitante, então podem fazer esquetes de cobre. Todo
mundo precisa de mais lápides roxas. Agora vão! Vão! Os lápis de cera
estão na caixa.
Miss Shelley é bem jovem. Tem cabelos loiros e usa saias longas e
pretas que farfalham quando caminha. Ela parece uma bruxa. Uma bruxa
boa, que faz poções para o bem, usando flores e árvores. Ela é linda.
Ela gosta de coisas que falam a você. Eu não me importo. Gosto da
igreja. É escura e fechada e tem o cheiro de poeira pisada e pedra antiga.
Fico imaginando se papai e tia Meg estiveram aqui com sua escola e
desenharam alguma coisa que “falou” a eles.
Os meninos caminham pelo corredor do meio.
– Olha! Homem morto!
– É uma estátua!
É Josh e Matthew. Hannah olha zangada para eles pelas costas.
– Bobo – diz ela, mas é ignorada. Ela não procura algo para desenhar.
Fica parada na frente de outra estátua, observando os meninos.
Sigo atrás deles no corredor do meio, passando meus dedos na madeira
dos bancos. Eles têm pequenas portas talhadas com folhas de hera na
madeira escura.
No meio da igreja encontram-se duas colunas de pedra. No topo de cada
uma tem um rosto esculpido em pedra. Um homem. Ele tem olhos grandes
e um rosto longo e largo. Tem folhas que saem de seu rosto e cabelos.
Parece inteligente e selvagem, como um deus antigo ou um duende de
conto de fadas. Não parece do tipo que se possa achar numa igreja.
É o homem caçado.
Paro e fico olhando. O homem da noite passada não tinha folhas, mas
tinha os mesmos olhos, o mesmo nariz; a mesma curvatura arredondada
sobre as faces. É definitivamente ele.
– Este é o meu homem!
Estou tão surpresa que digo isso em voz alta. Os meninos param de
deslizar nas estátuas de pedra e olham para mim. Olho para Miss Shelley.
– Aquele homem! Foi ele que eu vi ontem à noite, sendo caçado.
– Ele estava no meio de uma coluna? – pergunta Josh. Matthew dá uma
risadinha de desprezo.
– Ele tinha folhas saindo do nariz?
– Claro que não!
Emily se aproxima agora e me observa com seus olhos calmos.
– Ele estava fugindo, ontem à noite!
– Você não pode tê-lo visto ontem à noite – diz Josh. – Este cara já está
ali faz muitos anos. Ele deve ter, vamos ver, pelo menos mil anos. Seria
um fantasma.
Quero dar um murro nele.
– Quem é você para saber, Josh Haltwhistle? Você estava lá? Como
pode saber quem ele é?
– Ele é o Homem Verde – diz Miss Shelley.
Ela está parada no corredor, a saia preta balançando e mesclando-se à
sua sombra; então, não se sabe onde uma começa e a outra termina. Os
meninos ficam quietos. Até Hannah fica curiosa.
– Ele é da Bíblia? – pergunta Alexander, meio em dúvida.
Miss Shelley ri. A magia se quebra.
– Não exatamente – responde ela. – Homem Verde é o nome para um
rosto assim – feito de folhas ou com folhas ao redor. Ele aparece em
igrejas antigas e em lápides. Ninguém sabe por quê.
– Lápides? – pergunto.
– Sim – diz ela. – O Homem Verde está ligado ao ciclo de morte e
renascimento. Ele é colocado em túmulos como símbolo de esperança.
– Mas as pessoas não renascem, miss – diz Alexander.
– Não freqüentemente – diz Miss Shelley. Ela parece tão linda ali, que
eu fico toda encantada. – Vejam, o Homem Verde é um deus antigo – de
um tempo antes que a maioria das pessoas pudesse ler e escrever. Por isso,
não sabemos nada sobre ele. As pessoas acham, porém, que ele deve ter
sido o deus do verão – ou da primavera. Compreenderam?
– Entendi – eu digo. Atrás dela. Emily pende a cabeça para um lado,
atenta.
– Então – continua Miss Shelley –, imaginem que ele seja como um ano.
Nasce na primavera, cresce com todos os seus poderes no verão, fica fraco
no outono e morre no inverno. Por isso, você tem o período do ano em que
nada cresce. A terra está morta. Mas uma coisa maravilhosa acontece. A
primavera vem de novo e o mundo renasce.
Ela fala como se isso fosse uma coisa maravilhosa. Um homem sendo
destruído pelos lobos, maravilhoso! Não consigo imaginar algo mais
horrível. E para isso acontecer ano após ano, enquanto o mundo girar. Meu
pobre homem caçado.
– Isso é horrível! – eu digo. – Por que ninguém faz nada para parar isso?
Ninguém pode parar isso? E ele nasce de novo como a mesma pessoa?
Hannah diz:
– É uma lenda, Molly.
Atrás dela, Josh dá risada cobrindo a boca com a mão. Miss Shelley
sacode a cabeça.
– Nunca se deve rir de coisas que não se compreende – diz ela. – Se não
tiver cuidado, elas podem acabar rindo de você.
Ele não está morto. Está encostado na parede, com as pernas abertas.
Não parecem estar sangrando, mas é difícil dizer porque ele está deitado
na parte sombreada, a parte ainda coberta pelo telhado. Estou na parte com
o sol, que tem apenas um buraco entre as vigas, com as nuvens e o céu.
Seu rosto está escondido nas sombras. O que posso ver claramente é a sola
de um pé descalço, que está esticado na minha direção; branco e duro,
coberto de lama.
De repente, me faltam as palavras.
– Você chegou em casa bem? Eles não encontraram você?
Confirmo com a cabeça.
– Então, está tudo bem – diz ele, e inclina a cabeça para um lado,
fazendo careta, como se aquele movimento doesse.
Aproximo-me.
– Você não tem sapatos?
– Não.
E também não tem uma capa. Agora que estou mais perto, posso ver
que ele está nu da cintura para cima. Posso ver os músculos de seu peito,
salientes sob a sua pele morena.
Os músculos do meu pai não são tão salientes quanto os dele.
– Você precisa de alguma coisa? – pergunto. – Comida? Ajuda?
Ele encosta a cabeça na parede e sorri. É um sorriso bonito. Meio
cansado, mas satisfeito.
– Não – ele responde.
Isso me lembra o jeito que mamãe costumava me olhar, meio
adormecida, quando eu subia na sua cama nas manhãs de domingo, quando
era pequena. Cheguei mais perto dele. Não tinha certeza se acreditava no
que ele dizia. No caminho, fiquei quase convencida de que ele era o deus
que a Miss Shelley falou, mas agora, que estou aqui, tenho minhas
dúvidas. E se ele for apenas um homem, que esteja sofrendo como mamãe
sofreu?
Se ninguém o ajudar, será que ele morre também?
– Você é real? – pergunto, de repente.
Ele estira a mão.
– Toque.
Pego a sua mão. A pele é dura e morna. As unhas estão quebradas e
seus dedos cobertos de lama seca e outras coisas.
– Real – diz ele.
Seu rosto é exatamente como o rosto na igreja – faltam apenas as
folhas. Ele é moreno, cabelos cacheados, com mechas vermelhas e
alaranjadas que reluzem quando o sol as iluminam. Está usando uma calça
feita de material grosso que faz pregas como se fossem rugas, como a pele
do rinoceronte no livro Just so stories, do Rudyard Kipling. Chegam ao
meio das pernas. Estão rasgadas e com furos feitos pelos caninos dos
lobos, cobertas de lama e sangue fedorento, mas se eu piscar e olhar para
longe, quase posso esquecê-las.
– Seu rosto está na igreja – eu digo.
Ele não parece surpreso.
– Está? – diz ele e olha para mim com o mesmo olhar bondoso. Depois
fecha os olhos, e dorme.
Fico ali por um tempo, observando, mas ele não se move. Levanto,
bem devagar, sem fazer barulho, volto para a porta. Quando me viro para
olhar, ele não está mais lá.
9
Realmente real
1. Ele é real, mas é uma pessoa comum, sem mágica. Eu deveria (provavelmente)
ligar para o número de emergência, chamar uma ambulância, como nos ensinaram na
escola, para que venham salvá-lo. Vou ficar famosa em todos os jornais – Menina
salva um homem ferido. Pode ser até que ganhe uma medalha.
HANNAH BROOKE
HANNAH DIANA BROOKE
HANNAH DIANA WATSON-BROOKE
HD BROOKE
HDB.
HANNAH
– Hannah. Hannaaah.
Ela se vira um pouco, embora esteja de costas para mim. Ela fez de
todos os pontos finais e dos pingos de seus cis’ pequenos corações.
– Hannaah.
Pego no seu braço.
– Eu o encontrei. O homem da igreja – o deus que a Miss Shelley
mencionou na igreja. Aquele que tem de morrer para fazer o inverno. Sei
onde ele está. Podemos ir até lá e salvá-lo!
Hannah puxa o braço de volta.
– Me deixe em paz – diz ela. – Estou ocupada. Não tenho tempo para
essas brincadeiras.
– Hannah, não estou brincando. É sério, é sério mesmo. Encontrei o
homem. Ele está ferido. Podemos ajudá-lo!
Hannah olha para mim com uma faísca de interesse.
– Eu prometo, prometo de verdade. Honestamente. Juro... juro pela vida
de papai.
– Sabe que não é para jurar – diz Hannah, mas põe a caneta na mesa. –
Primeiro me mostre. Depois, se ele for de verdade, contamos ao Vô.
Eu vou na frente e Hannah vem atrás. Sei que deveria ficar preocupada
a respeito do homem, mas, na verdade, estou muito empolgada com a idéia
da missão de resgate. Fico pensando se não deveríamos ter trazido algo
para fazer curativos ou, pelo menos, aspirina.
– Precisamos pular um portão – digo a Hannah. – Ele está no celeiro.
Ali!
– Você não disse nada sobre lama! – exclama Hannah. Ela não pula na
lama, como eu (meus sapatos da escola não poderiam ficar mais
enlameados). Ela vai pelas pontas, se equilibrando nas pedras. – Ui!
Chego primeiro ao celeiro. Ele está lá; dormindo no mesmo canto. O
sol se moveu e agora tem um raio de luz que vem do buraco no telhado
iluminando seu rosto. Ele parece um Jesus de cabelos cacheados.
– Olá – eu sussurro. Ele pisca para mim.
– Ai! – o piso dentro do celeiro é mais baixo do que o batente da porta e
Hannah tropeça e pisa em uma tábua. Escorrega e se segura em mim. –
Que lugar é esse?
– É aqui que ele está – e aponto. – Olhe.
– Onde? – pergunta Hannah. – O que é que você está mostrando?
Eu olho. Ele desapareceu.
10
Mamãe
Quero mamãe esta noite. Quero contar a ela sobre o homem no celeiro.
Quero levá-la até lá e dizer: “Um homem estava aqui e depois não estava.
Ele é real?”
“O mundo é um lugar estranho e maravilhoso, Molly-mô.” É isso que
ela diria.
– O mundo é um lugar estranho e maravilhoso – murmuro, mas isso só
me faz sentir ainda mais sozinha.
Da minha cama, posso ver a luz no corredor. Escuto as vozes rindo na
televisão. Eu poderia ir até lá e conversar com a Vó e o Vô, poderia contar
para eles, dizer que caçadores passaram pelo vilarejo ontem à noite, e
depois desapareceram. Poderia dizer que há um homem no celeiro e minha
professora disse que ele vai morrer. E que eu vou salvá-lo, mas eu não me
movo.
O nome de mamãe era Diana Eleanor Brooke. Ela morreu no dia oito de
agosto. Tinha trinta e nove anos, o que soa muito velha, mas não é. Não
quando se compara com a Vó, que tem sessenta e nove e o Vô, que tem
setenta e quatro.
Minha mãe era a pessoa mais linda do mundo inteiro, provavelmente.
Mais linda até que a Miss Shelley. Tinha cabelos longos e claros e olhos
verdes de bruxa e um nariz arrebitado com sardas, que é uma coisa que
nenhum adulto tem. Nem Hannah, nem eu nos parecemos com ela. Quando
eu era pequena, costumava desejar que meus cabelos negros e cacheados
se transformassem em loiros e lisos, para que, assim, quando crescesse,
me parecesse com ela; mas nunca aconteceu. A única coisa que temos em
comum são as sardas. Ela era a única pessoa adulta que eu conheci com
sardas. Mas ela não era de jeito nenhum como uma pessoa adulta. Era
adulta com coisas, como o horário de ir para cama e escovar os dentes,
mas era como uma criança com outras coisas, como árvore de Natal e
fogos e fadas. Ela acreditava em fadas. Achava que uma vez chegou a ver
uma, quando era menor que eu. Só que foi por um momento, da janela de
um carro; assim, ela nunca teve certeza. Eu quase acredito em fadas,
também. E gosto de árvores de Natal, sorvete de banana e de pular as
ondas na praia, como ela gostava.
Mamãe é a pessoa que quero comigo agora. Ela é a pessoa para quem
quero contar sobre o meu homem. Ela jamais pensaria que eu estava
fazendo brincadeiras, ou que estava inventando, como a Vó e a Hannah
pensam. Ela saberia o que fazer. Ela... Não sei o que ela faria, mas sei que
acreditaria em mim.
11
A flor e a árvore
Assim, estou sozinha. Mas tudo bem. Quando volto para casa, da escola,
vou direto para a cozinha. A lojinha é um lugar melhor para ir, mas a Vó
está lá e, de qualquer maneira, ela notaria se alguma coisa estivesse
faltando. A cozinha é o lugar do Vô e ele é muito menos observador. Pego
uma sacola da gaveta e encho com coisas. Maçãs. Pão. Suco de laranja.
Um pacote de presunto. Uma lata de feijão cozido, uma latinha de pêssego,
uma lata de sopa de tomate com arroz. Um garfo. Fósforos.
Se ninguém quer saber de ajudá-lo, isso não quer dizer que eu não
possa.
Tem amoras crescendo nas cercas vivas da estrada. Tem mais árvores se
transformando nas cores de outono – tons de amarelo e laranja. Parece que
alguém pegou um pincel e pintou o mundo com uma mistura de tintas.
Os barrancos estão cobertos com os galhos secos de cerefólios do
campo. O ar ficou mais fresco e mais frio. Tem o cheiro de folhas, grama,
terra molhada.
Quando entro no celeiro, ele está lá. Está acordado. E se moveu. Da
última vez, estava encostado na parede, mas agora está encolhido em um
canto, longe do vento.
– Olá – eu digo.
Ele levanta a cabeça quando entro.
– Molly, não é? – ele diz. – Fiquei pensando se você voltaria. – Ele
estende a mão e eu venho e me sento ao lado dele.
Na luz da tarde, posso ver suas pernas com clareza. Seu estado é
terrível. Posso ver as manchas e as mordidas, até os pés. Tem um cheiro
forte, como se alguma coisa estivesse apodrecendo, e as moscas sobem
pela sua calça estranha. Olho para longe.
– Está doendo? – pergunto.
Ele boceja e sacode a cabeça de novo.
– Devo chamar uma ambulância? Alguém que possa ajudar?
– Uma ambulância não me encontraria – diz ele.
Sentamos ali, quietos, olhando a poeira dançar na luz do sol que penetra
pela porta.
– Eu trouxe umas coisas. Achei que você... quero dizer, se você quiser...
Não precisa aceitar, se não quiser.
Coloco a sacola na frente dele. Ele olha para ela, inquisitivo, e tira uma
latinha de pêssegos. Vira a lata para cima e para baixo, cheira. Sua boca
faz um movimento engraçado para o desenho e ele põe a lata no chão.
– É bonita – diz ele. – Obrigado.
– É uma latinha de pêssegos! – eu digo. —Você não sabe o que um
enlatado?
Ele me olha, expectante. Arranco a tampa e abro a latinha para ele.
– Olhe. São pêssegos.
Ele enfia um dedo sujo dentro do xarope e toca o dedo na língua,
cauteloso. Eu fico olhando. Um olhar de surpresa passa pelo seu rosto e ele
ri alto.
– É doce!
– Você pode comer. Trouxe um garfo – olhe.
Mas ele não quer o garfo. Enfia os dedos no xarope e come as fatias de
pêssego sem mastigar, o líquido escorrendo pelo queixo. Não sei o que a
Vó diria sobre comer com as mãos sujas como as dele, mas ele parece
contente.
Ele sacode a cabeça quando mostro o resto da comida na sacola.
– Está bom. Já é suficiente. Obrigado.
– Não está com fome? – pergunto, e ele diz que não com a cabeça.
Fico matutando sobre isso, quando percebo outra coisa. Tem alguma
coisa crescendo no chão ao lado dele. Uma árvore. Uma árvore bebê. Uma
mudinha.
Ela é quase tão alta quanto ele. E tenho quase certeza de que não estava
lá da última vez.
– De onde veio a árvore?
Ele olha para cima; levanta a mão e toca nos galhos acima de sua
cabeça. Ela cresce – juro – se esticando como se quisesse se enrolar nos
seus dedos. Ele desce a mão e o galho novo a acompanha.
E percebo outras coisas. Vejo a grama crescendo ao redor de seus pés,
onde não havia grama antes. E a hera subindo pelas paredes – muito mais
densa atrás dele. Será que sempre foi assim? Ou...
Ele vê que eu estou olhando e ri. Mostra suas mãos. Estão vazias. Ele
sopra nelas e alguma coisa começa a crescer, do nada. Uma semente. Uma
mudinha verde. Folhas. Uma flor. Uma campânula azul.
– Para você – diz ele, e me dá a flor.
Seguro a campânula azul com muito cuidado na palma da mão. Tenho
medo que ela possa desaparecer se eu me mexer.
Ele fica olhando para mim. Parece contente. E se encosta na parede.
– Não – diz ele – não preciso da sua comida.
12
Jack
Ele mexe com a minha cabeça, esse homem. Quando vou vê-lo, acabo
me esquecendo de tudo que quero perguntar – como Quem é você? – e fico
distraída pelos seus pés descalços e pelas folhas de hera.
Nem sei como se chama. Se eu fosse um dos Famous Five, já teria
resolvido o mistério.
É claro que, se eu fosse um dos Famous Five, então ele seria um
contrabandista, um cigano ou um detetive disfarçado, mas tudo bem.
No sábado, no café da manhã, faço uma lista com todas as perguntas
que quero fazer, começando com Qual é o seu nome? e assim por diante,
como Você é realmente um deus pagão? até chegar a O que mais você sabe
fazer além de fazer árvores crescerem? E será que você pode me ensinar
para que eu possa fazer isso também?
– Posso sair? – pergunto ao Vô, mas ele diz que não.
– Hoje não, meu bem.
O que tem hoje? Mais um dia com a tia Meg, ou com uma das amigas
de mamãe? Ou será que vamos “brincar” com meus primos, que são
meninos e estão no colégio e gostam de computadores e futebol e de olhar
para a gente como se o gato tivesse engolido a língua deles?
– Seu pai vem hoje, meu bem. Lembra?
Ah. Papai.
– Molly Alice – diz a Vó, colocando a faca no prato. – Não faça essa
cara. Você quer ver seu pai, não quer?
– Quero – respondo. Arranho a mesa de plástico com a unha. – Claro
que quero.
– Mas eu não – diz Hannah. E espeta o garfo no meio do ovo cozido,
olhando brava para o Vô.
Ele olha para longe.
Toda vez que papai vem, eu fico ansiosa para vê-lo e toda vez é
horrível.
Estamos parados no estacionamento. Hannah está emburrada em um
canto do carro, com seu fone de ouvido e a música no volume máximo.
– Ah, meu bem – diz papai. – Vamos comer alguma coisa.
– Me deixe em paz.
Papai está abaixado ao lado da porta do carro. Dá para ver que ele não
sabe o que fazer. Mamãe, geralmente, é quem conversava e brigava na
família.
Estou parada ao lado de papai, olhando para dentro do carro. Para mim,
parece que estamos aqui há horas. Queria que ele dissesse para Hannah o
quanto ela está sendo infantil. Alguém (não eu) teria de dizer.
– Não podemos deixar ela no carro, papai? Estou com fome.
– Ah, vê se cresce – rosna Hannah, como um tigre diria, eu imagino – e
não se meta nos negócios dos outros.
Papai se afasta. Abre a boca, mas logo fecha de novo. Ergue-se e
caminha para o outro lado, sem olhar para nenhuma de nós.
Eu corro atrás dele. Hannah se comporta como um monstro toda vez
que saímos com papai. Da última vez, ele nos levou para ver o castelo de
Harry Potter em Alnwick e ela cantou Eu sei uma música que vai deixar
você louco durante todo o passeio. E da vez anterior, quando fomos à
praia, ela jogou areia no banco dele e em todos os sanduíches só porque
ele disse que não podíamos comer peixe com batata frita.
E hoje, nem sair do carro ela quer.
Depois que papai foi embora, desci e fiquei parada na porta da lojinha.
Chovia de novo. Não uma enxurrada, mas uma chuvinha fina, fria, com
gotas prateadas no meio; tão fina que você quase duvidava que estava
chovendo. Era aquela chuva que escorrega do telhado e desliza na manga
da minha camisa quando ponho o braço para fora.
– Um chuvisco – eu falo alto.
– Uma garoa – diz o Vô. – A garoa é mais fina. Garoando. A garoa
garoando.
As folhas nas árvores estão mudando de cor; vão de verde para amarelo
e caem do céu. Lá em casa é o mesmo, só que a gente não percebe, porque
não tem tanto assim. Tem frutos na roseira das cercas vivas e as amorinhas
vermelhas dos arbustos de espinheiro, um frio cortante no ar e as folhas
caídas na grama para a gente pisar.
Numa manhã na escola sopra um grande vento. Vamos para fora tentar
pegar as folhas que caem das árvores para o chão da rua. Pegamos as
folhas e levamos para colocar entre as páginas de dicionários e Atlas. Na
quarta-feira, tiramos as folhas para plastificá-las e fazemos móbiles com
elas para pendurar no teto. Mrs Angus – que parece saber muito sobre
árvores – nos ensina o nome em latim, coisa que nunca aprenderíamos na
nossa escola antiga. Carvalho – Quercus robur. Freixo-europeu – Fraxinus
excelsior. Espinheiro – Crataegus monogyna.
Gosto de pensar que estes são os nomes verdadeiros das árvores; o
nome amigo que usaríamos se um dia ela falasse conosco. Quercus Robur
soa engraçado e simpático. Fraxinus excelsior soa corajoso, como um
cavalheiro. Crataegus Monogyna dá um pouco de medo, uma velha e
carrancuda árvore-bruxa com dedos longos e vermelhos.
Não falamos sobre o azevinho, o que é bom, porque não quero nada
sobre o Rei Azevinho no meu caderno. No entanto, pergunto sobre ele para
a Miss Shelley.
– O Rei Azevinho? Onde ouviu falar sobre ele?
– O homem contou para mim sobre ele. Você lembra – eu lhe contei. A
estátua na igreja, que eu conheci.
Do outro lado da mesa, Josh cochicha alguma coisa para Matthew e
Matthew finge se engasgar. Miss Shelley os ignora.
– Ah, bem – diz ela. – Bom, o Rei Azevinho é um outro arquétipo
pagão. Ele é o oposto do Rei Carvalho – que é outro nome para o seu
Homem Verde. O Rei Carvalho reina na primavera e no verão e o Rei
Azevinho reina no outono e no inverno.
Então o meu homem é o bom e o Rei Azevinho é o mau.
– Eles lutam entre si? – pergunto. – É isso que oposto quer dizer – que
são inimigos?
– Algo assim – diz Miss Shelley. – Olhe, Molly, é mais complicado do
que isso. Existem muitas lendas...
O Rei Azevinho, porém, não é uma lenda! Por que será que ninguém
entende isso? Ele é uma pessoa de verdade e está caçando o meu homem.
O Homem Verde ou o Rei Carvalho ou o que for que ele se chama.
Miss Shelley me observa. E a Emily também, do outro lado da mesa.
– O Rei Azevinho o mata – eu digo. – Ele mata, não mata? O Homem
Verde morre, é isso que você quer dizer. Então o Rei Azevinho o mata, não
é?
– Em algumas versões da lenda – diz Miss Shelley. – Sim. O Rei
Azevinho e o Rei Carvalho lutam no meio do inverno e o Rei Azevinho
vence o Rei Carvalho.
Cerro os lábios, tão rígidos como as raízes do carvalho.
– Molly? – diz Miss Shelley.
Olho para ela.
– Ele vem com caçadores como numa caça? – pergunto.
– Caçadores?
– Uma caça selvagem? O Rei Azevinho tem um grupo de caça
selvagem?
– Ah, a caça selvagem – diz Miss Shelley. – Todo tipo de gente fazia
caça selvagem, Molly. Wodan e Odin, Herne, é claro – o demônio em
algumas versões. O Rei Artur em outras. Até mesmo o seu Homem Verde
também é um líder, em algumas histórias.
– Ele não lidera! Ele não!
Matthew faz um estalo de desprezo com a boca. Por trás de Miss
Shelley, Josh está fazendo giros ao lado do ouvido. Louca.
– Pare com isso – eu digo. Miss Shelley pula de susto.
– Molly!
– É o Josh! – eu digo.
Chute. Chute. Chute. Subo a estrada, chutando as folhas. Você não sabe
do que está falando, Hannah. Nem você, Josh Haltwhistle fedorento.
Chute. Nem você, papai. Poderia nos levar de volta, se quisesse. Sei que
poderia.
Faço a curva... e paro.
Ele está lá. Um homem alto, farejando a estrada. Eu me escondo na
cerca viva. Ele está de costas para mim, olhando para a trilha que leva à
cabana do meu homem. Está tão perto que posso até atirar uma pedra e
acertá-lo. É o caçador. O Rei Azevinho.
Por trás da cerca viva, observo. Na luz do dia, ele parece metade
humano, grosso e curvado, baixo, com ombros estranhamente erguidos, e
pernas que mais parecem as de um touro do que as de um homem. Está
usando uma espécie de capa, mas as pernas estão cobertas de pelos grossos
e escuros, como os de um fauno. Seu rosto, quando ele se vira para olhar
para a estrada, é bastante humano, embora mais achatado e mais largo do
que um rosto normal, e seus chifres já sumiram. Ele tem o mesmo... jeito
selvagem que o meu homem. Parece alguém que acabou de sair de uma
lenda, não o tipo que você vê na lojinha do meu avô entrando para comprar
selos.
Devagar, dou passos para trás. Ele está olhando para a trilha, para o
campo onde se encontra o meu homem. Será que ele sabe que meu homem
está lá? Por que ele não vai atrás dele? O que está esperando?
Arrasto-me como um índio pela estrada e faço a curva. Tem outro
campo ali. Subo no portão, pulo e, então, começo a correr.
O campo dele deve ficar atrás deste. Atrás ou ao lado. Passo por baixo
do arame elétrico e olho ao redor. Este campo é maior, mais longo, cheio
de buracos, com grama amarela cheia de lama e árvores finas. Não tenho
certeza se este campo vai acabar naquele em que o meu homem está. Acho
que o campo dele fica... ali.
Atravesso, com as galochas se atolando na lama. Quando chego ao
muro, paro.
É este o campo certo. As árvores se movem de um lado para o outro,
como se um furacão estivesse soprando.
Chego me atropelando no celeiro.
– Homem! Homem!
Ele não está.
– Homem!
Corro para fora do celeiro e dou a volta ao redor, caso ele esteja se
escondendo. Não está.
– Homem!
Corro de volta para o celeiro. Ele sumiu. Não está em nenhum dos
cantos nem se escondendo atrás dos sacos ou do entulho no canto. Seu
carvalho se mexe, as folhas alaranjadas caindo como pingos do focinho de
um cão. As folhas cobrem meus pés até o calcanhar.
– Homem!
Corro de novo para fora.
– Molly...
Ele está de pé contra a parede, segurando o batente da porta. Está
tremendo como a árvore lá dentro, tremendo tanto que acho que ele vai
cair.
– Ele está aqui! Na estrada! O Rei Azevin...
Pego na sua mão e ele aperta meus dedos tão forte que acho que meus
ossos vão quebrar.
– Não fale – diz ele. – Shhh.
Posso sentir como ele está tenso. Posso sentir a tensão na sua mão e
isso me assusta. Este não parece o meu deus forte de madeira.
– Ele está vindo para pegar você? – murmuro para ele. Ele me olha e
toca meu braço.
– Não – diz ele. – Ainda não.
Ainda não.
– Me ajude – ele pede. Não compreendo o que ele quer dizer de início,
mas logo põe um braço nos meus ombros e então percebo.
Ele se apoia em mim e eu o seguro. É mais pesado do que imaginei: um
peso trêmulo e quente contra o meu braço. Seu odor é pungente e eu cubro
o nariz. Juntos – passo a passo – voltamos para dentro do celeiro.
Uma vez lá dentro, ele cai sobre as folhas ao redor do carvalho, que
tremula uma vez e para. Agora o carvalho é uma árvore de verdade, com
os galhos alcançando o furo no telhado. Ele deita a cabeça no tronco e
fecha os olhos. Sei que está pálido sob sua pele bronzeada. Os cortes nas
suas pernas estão fétidos. Posso ver os machucados roxos e pretos na sua
pele e uma mistura horrível de sangue seco e pus ao redor das feridas e nas
suas calças rústicas.
Percebo que estou tremendo também.
– Por que ele não vem agora? – pergunto. – Por que ele está atrás de
você? O que você fez para ele?
Ele abre os olhos.
– Me diga! Me diga agora! Não me deixe de novo.
Ele sacode a cabeça contra o tronco da árvore.
– Fique aqui! Não vá embora! Por que ele não vem agora?
– O sol...
– O que tem o sol a ver com isso?
Quero sacudi-lo. Sua pele tem uma cor cinzenta, um azul-
esbranquiçado ao redor dos lábios.
– Não – ele diz.
– Não o quê?
– Não posso mais ficar aqui – diz ele, e começa a sumir, a desaparecer.
Eu seguro firme, mas ele some, me deixando com nada além do carvalho e
das folhas secas.
A árvore treme e fica quieta.
por isso que havia verão e inverno – inverno porque a mãe de Perséfone
ficava triste por sua filha ir embora, e, verão, porque ela ficava contente de
vê-la de novo.
Gosto dessa história. Acho que é verdade, que a tristeza em alguém faz
as coisas escuras e frias, mas a alegria deixa tudo mais claro e brilhante.
A mãe de Perséfone chama-se Deméter. Ela é a deusa do amor materno
e das plantas que crescem.
22
O rei das castanhas-da-índia
Volto para o celeiro naquela tarde. Chamo e chamo, depois vou para
fora e chamo; volto para o celeiro e chamo de novo.
Ele não responde.
Ele não vem.
Ele também sumiu.
24
Em estado de terror
que o dia já está quase escuro e o céu está cinzento, escuro e chuvoso.
10
Quando o Vô sugere para irmos pedir doces nas casas , Hannah
resmunga:
– Quantos anos você acha que eu tenho? Vovô fica decepcionado.
– Moll? – diz ele para mim.
– Eu já sou grande para fazer isso, Vô – eu digo, embora não seja, e
Hannah também não. Em casa, até mesmo o pessoal da escola pública
colocava uma máscara só para ganhar doces. Mas não quero sair sozinha
se o Rei Azevinho estiver no seu cavalo por aí.
Vovô tenta não demonstrar sua decepção.
26
De volta para casa
Sexta à noite. Papai deve vir nos buscar, mas está atrasado. Hannah e eu
estamos prontas e esperando na sala. Hannah chuta a perna do sofá com
seu salto. Dum—du-dum—du-dum—du-dum.
– Ele já chegou?
– Está chegando – diz vovó. – Para que essa pressa? Por que não liga a
televisão?
Hannah fica mudando de canal, mas não escolhe nenhum. E começa a
ligar e desligar a TV, assim os personagens na novela Neighbours
aparecem e desaparecem, agora sim, agora não, agora sim, agora...
– Chega – diz vovó. – Hannah!
Hannah se levanta e corre para a janela.
– Ele chegou?
Não chegou.
Seguro o livro na frente do rosto, tão perto que as letras se emaranham
e se separam, palavras se misturando com outras, até que nada faz sentido.
Sei que devia me sentir alegre, porque estamos voltando para papai, mas
não me sinto. Não sinto nada.
Quando ele chega, está todo constrangido. Ele inclina a cabeça para o
lado e nos olha de esguelha.
– Olá – diz ele. – Estão prontas?
Eu confirmo e Hannah diz:
– Estamos prontas faz muito tempo – e não demonstra um pingo de
alegria ao vê-lo.
Ficamos calados no carro. Por fim, Papai diz:
– Ouvi dizer que você está causando problemas – e dá uma risada
nervosa.
Hannah diz:
– Não – o que é totalmente ridículo, porque a Vó já contou a papai
exatamente o que aconteceu.
Eu digo:
– Eu não fiz nada. Hannah quebrou metade da cozinha do Vô e tivemos
que comer as lingüiças nas tigelas de cereal.
– A Vó me bateu – diz Hannah.
– Pelo jeito, você mereceu – diz papai.
– Mas ela me bateu – diz Hannah.
– Foi mais como um tapa – eu digo.
Sei exatamente o que Hannah está pensando. Conheço aquela expressão
no seu rosto. Ela está pensando: “Mamãe ficaria furiosa com isso. Mamãe
sabia ficar furiosa de uma maneira que papai não sabe.”
– O que você quer que eu faça a respeito? – diz ele. Dá sua risada
nervosa de novo. – Você mora com sua avó agora. Se vai sair quebrando
tudo que ela tem, ela tem todo direito de punir você.
– Ela não tem o direito de me bater – diz Hannah. – Além disso, ela está
me fazendo pagar por tudo. Você é nosso pai! Por que não manda ela
parar?
Papai está concentrado no trator à sua frente.
– Não – diz ele, irritado. – Não tem nada mais a ver comigo.
Hannah e eu ficamos boquiabertas. Agora sou eu que quero bater nele.
– Se não tem nada mais a ver com você – diz Hannah, por fim –, então
por que está nos levando para casa para passar o fim de semana?
Um bom tempo passa, tanto que acho que papai não vai responder.
Mas, finalmente, ele responde, sem olhar para a gente.
– Porque sua avó me pediu.
Nossa casa não parece mais nossa casa. Tem um cheiro de mofo que não
me lembro de ter sentido antes. Cheiro de meias sujas, quartos de janelas
fechadas. Tem canecas mofadas e outras coisas em cima da mesa, e, no
chão, ao lado do sofá, pratos com pontas de pizza velhas e duras, com
caldo de feijão grudado neles. Uma pilha de cartas e jornais, com outras
coisas em cima do console no corredor. A lixeira da cozinha está com
tanto lixo que não dá mais para abrir a tampa. Papai deve ter desistido de
abri-la, mas não se deu ao trabalho de esvaziá-la. Tem um saco de lixo
pendurado na porta de um dos armários cheio de lixo, também.
– O que aconteceu com esta casa? – pergunta Hannah.
Papai não responde.
Meu quarto está uma bagunça também, mas foi assim que deixei.
Alguém – a tia Rose, talvez – lavou todas as roupas sujas, mas o resto das
minhas coisas eles simplesmente puseram em cima da minha
escrivaninha. O quarto já parece que pertence a outra pessoa. Pego
Humphrey da minha mochila e ponho em cima da cama, não para me dar
conforto, apenas para ter alguma coisa que ainda sinto pertencer a mim. Só
quando vejo a estante de livros é que sinto que o lugar é meu. Meus livros!
Tracy Beaker e o meu antigo Winnie the Pooh! Quero pegar e ler todos de
novo. Quero saber quantos livros papai vai me deixar levar para a casa da
Vó.
Não acho que vamos mais nos mudar para cá.
– Molly. Molly!
Hannah está encostada na porta do quarto.
– O que foi?
– Ele nem arrumou a casa para a gente. Tem resto de comida
embolorado dentro da geladeira, entre outras coisas.
Provavelmente, deveríamos limpar a casa para ele. Provavelmente, isso
é parte daquilo que é o tomar-conta-de-seus-pais que as crianças no
programa do Blue Peter fazem. Provavelmente, precisamos limpar a casa
para o papai, se é que queremos voltar a morar com ele.
– Você quer arrumar a casa? – pergunto. Hannah faz um gesto de
desprezo.
– Quero um chá – diz ela. – Venha.
Papai está sentado na frente da televisão. Ele não se importa com a
sujeira. Está assistindo a um jogo de cricket.
– Papai. Papai. Papai!
– O que é?
– O que vamos comer?
Papai esfrega os olhos.
– Podemos comer batata frita, eu acho. Ou ovos, talvez...
Seguimos atrás quando ele vai à cozinha. De jeito nenhum meu pai teria
deixado a casa neste estado em tempos normais. De modo geral, ele é
sempre mais arrumado do que mamãe; é ele quem brigava com ela por
deixar os livros abertos, marcas de lama nos degraus ou por trazer
pedrinhas e conchas da praia, deixando o monte na mesa do corredor para
logo se esquecer delas.
– Para que precisamos de mais tranqueira nesta casa? – ele dizia,
olhando para o monte de algas marinhas.
E mamãe dizia: “Oh, as meninas vão fazer um quadro!” Ou então: “Esta
pedra achamos naquela caminhada em Dorset – você se lembra? Não pode
jogar fora!”
E papai fingia que estava com raiva e dizia: “Como é que vou me
lembrar? É exatamente igual às outras pedras! Se continuarmos assim,
vamos acabar morando em uma cabana de praia!”
E mamãe e eu dizíamos ao mesmo tempo: “Então vamos!”
Ainda tem um punhado de conchas, amonídeos e pequenos vidros
rolados do mar sobre a janela da cozinha, mas uma aranha fez uma teia
entre eles. Papai abre a porta da geladeira e olha para dentro como se
tivesse um jantar completo escondido lá dentro (não tem). O que tem são
coisas apodrecendo no fundo da gaveta de legumes e um pimentão coberto
de mofo. E o cheiro é horrível.
– Por que você não joga essas coisas fora? – Hannah quer saber.
– Desculpe?
– Olhe esse pimentão apodrecido cheio de fungos. Por que ainda está aí
dentro?
– Oh...
Papai pega o pimentão e toca na tampa da lixeira. A tampa não cede.
Ele olha para o pimentão por um momento e depois o põe de volta na
geladeira.
– Que tal uma pizza?– ele pergunta.
Eu não digo nada.
Hannah está toda animada por causa da pizza. Ela fica pulando e
dizendo que quer pão com alho e asa de frango e Coca-Cola, e será que ela
pode ligar para a pizzaria?
– E sorvete de morango – diz ela para o homem no telefone. Papai abre
a boca para discordar, mas não diz nada. Parece muito cansado para
reclamar.
– Eu pedi sorvete – diz Hannah. – Você ouviu?
– Ouvi – diz papai. – Eles disseram quanto tempo vai levar?
No livro O que Katy fez, de Susan Coolidge, Katy toma conta da casa
sozinha. Ela, pelo menos, é organizada. Eu volto para a cozinha e tiro as
crostas de pizza do prato. Tento enfiá-las no saco de lixo pendurado na
porta do armário. O saco cai e derrama restos de comida no chão.
Papai aparece na porta.
– O que está fazendo?
– Nada. O saco de lixo caiu do armário.
Papai esfrega o rosto.
– Pensei que você ia fazer comigo igual a Hannah. Venha, meu bem.
Deixe isso para lá. A pizza já deve estar chegando.
Sigo atrás dele. Aposto que Katy nunca teve este problema.
Na sala, Hannah está assistindo Os Simpsons com os pés sobre a mesa.
Eu sento no canto de uma poltrona. Se mamãe estivesse aqui, não
estaríamos esperando por pizza e assistindo televisão. Estaríamos fazendo
coisas próprias de uma família.
– Papai – eu digo.
Ele não olha.
– Papai. Podemos jogar Monopoly?
Hannah se endireita no sofá.
– Sim! – ela diz. – Podemos? Posso ser o banqueiro? Posso jogar com o
cachorrinho?
– Não – diz papai, sem deixar de olhar para a televisão. E ele nem gosta
dos Simpsons.
– Aaaah, por que não? – pergunta Hannah.
– Porque a pizza vai chegar daqui a pouco.
11
– Vamos jogar baralho, vamos jogar Mentira ? – eu peço.
– Não.
– Depois da pizza?
– Não.
Enfio o dedo no buraco da poltrona. Sei que o que vou dizer é errado,
mas como está tudo errado mesmo.
– Mamãe deixaria.
Hannah prende a respiração. Papai não se move. Continua olhando para
a TV como se não estivesse me ouvindo.
– Mamãe teria jogado Monopoly. E teria feito um jantar de verdade.
Você não comprou nada para o café da manhã! Mamãe não teria ficado
sentada aí como...
– Sua mãe está morta.
– Eu sei que ela está morta! Você acha que eu não sei disso? Mas pelo
menos ela teria sido boazinha com a gente! Ela teria pelo menos nos
olhado na cara! Não ficaria aí sentada sem fazer nada! – agora estou
chorando, um choro de verdade, com soluços e lágrimas. – Eu queria que
você estivesse morto e mamãe, viva. Mamãe não nos abandonaria.
Papai se levanta, tão de repente, que acho que ele vai bater em mim,
meu pai querido vai bater em mim.
– Isso é ridículo – diz ele.
Um soluço fica preso na minha garganta.
– Não sei o que sua avó está querendo com isso – ele diz. – Não sei o
que vocês estão querendo com isso. Fingindo que podem voltar a morar
aqui.
Hannah fica tensa.
– Não vamos? – eu digo.
– Não.
O tempo para.
– Sinto muito eu não estar morto – diz papai. – Se estivesse, esta
situação teria se resolvido de vez.
O que ele diz é tão assustador que não dá nem para chorar. Papai
também não está chorando, mas seu rosto treme por baixo da pele.
– Vou ligar para a sua avó – diz ele, e sai da sala, passando por mim do
mesmo jeito que a Hannah faz.
A campainha toca. Hannah está me olhando feio.
– Muito obrigada mesmo – ela diz – por ter estragado tudo!
Ela corre da sala e vai atrás de papai. A campainha toca de novo. É o
entregador de pizza.
– Você pediu pizza? – pergunta ele.
Não respondo. Não paro de chorar.
– Você pode chamar seu pai ou sua mãe para mim? Alguém tem de
pagar a conta.
Se você tem apenas o pai ou a mãe vivo, como Hannah e eu, porque
mamãe já morreu, então você é uma órfã. Sempre pensei que teria de ser
ambos os pais mortos, mas pode ser um ou os dois.
Ser órfã soa grandioso, como o Harry Potter ou a Mary do Jardim
Secreto. Hannah e eu deveríamos estar morando em um orfanato, como a
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Tracy Beaker , ou em uma esquina de rua, com furos nas botas e nada
para comer. Ser órfã não é nada assim.
Ser órfã soa muito dramático, mas, na verdade, não é. Você se acostuma
com tudo. Você se acostuma a morar na casa dos outros e não ter suas
coisas, a estar longe das amigas, ou de seu pai, e a estudar numa escola
minúscula e estranha em que ninguém fala com você, e Josh e Matthew
riem de você o tempo todo. Você se acostuma com as brigas constantes da
Hannah com a vovó e a ter um pai que está sempre longe e de não saber
nunca se você vai viver aqui para sempre ou se vai voltar para casa
amanhã.
Você pode até se acostumar com o vazio na sua vida onde antes havia
alguém. Um vazio onde você pensava que aquela pessoa iria viver ali para
sempre, mas um dia essa pessoa sai, sem olhar para trás, ou dizer adeus, e
some para sempre.
28
Novembro
O Vô nos leva de volta para a casa dele. Durante o caminho inteiro, fico
esperando que a Vó esteja com muita raiva da gente e penso que o Vô,
também, porque ele diz: “Não foi culpa delas, Edie” assim que entramos
em casa.
Vovó passa a mão entre os cabelos.
– Sei que não foi – diz ela, com desagrado. Olha para Hannah. – Então,
mocinha – diz ela –, pelo jeito vamos ter você aqui por mais um tempo.
Vamos ver então se pelo menos deixamos a cozinha inteira, não é?
Hannah
Fico meio que esperando que papai nos mande um cartão de Natal, mas
ele não manda, nem mesmo para o Vô e a Vó.
Vai saber o que entender com isso!
Pensei que Josh fosse ficar com raiva quando recebesse o cartão da
Hannah, mas ele deu risada.
– Agora leia o meu – diz ele.
Todo mundo se aproxima de Hannah e ela começa a ler.
A lua brilha acima dos morros, pálida e fina, com um anel de gelo ao
redor. O céu tem um tom azul profundo e escuro. Não estou com medo.
Vejo a camada fina de geada na grama e sinto uma espécie de mágica de
bruxas no ar e no céu, o que me deixa empolgada. É o tipo de noite de que
minha mãe e eu gostamos mais.
A casinha dele adquire um ar misterioso sob o céu de névoas. Como se
escondesse um segredo. Meu coração começa a bater mais rápido. Ele
pode ter retornado, por que não? Só para o Natal? Não. Não pode.
O celeiro está vazio. As raízes do carvalho se espalham pelo chão e seu
cume espeta o furo no telhado quebrado do celeiro, os galhos alcançando o
céu aberto. Vou e toco na árvore. Está fria. A madeira é seca e escura.
Será que ele morreu? Não sei.
Ponho os presentes no chão e me sento em um saco de cimento.
Descanso a cabeça nos joelhos e abraço as pernas.
– Queria tanto que você voltasse – eu digo–, de onde quer que esteja.
Nada acontece. Começo a arranhar o chão com o canto afiado de uma
pedra. Tento desenhar uma lua cheia, mas ela parece apenas um círculo.
Faço então um rosto, com chifres e olhos redondos. Fica uma coisa boba.
Faço dos chifres, folhas, que crescem da cabeça. Faço galhos se
esticando do lugar onde deveria ser o nariz, se ele tivesse um nariz.
Acima de mim, os galhos do carvalho tremulam.
Desenho uma lápide ao redor do rosto. Embaixo do túmulo, faço uma
mulher com cabelos longos. Faço os cabelos crescerem até ela ficar
enterrada sob os fios, como a Bela Adormecida.
Parece que ela foi apagada por linhas. Ou como se fosse enterrada
viva.
– Será que um morto pode voltar para uma visita? – pergunto, em voz
alta.
O carvalho treme. Os galhos se movem em um complicado movimento
de boas-vindas ou de aviso. Uma mão aparece e cobre a minha.
– Quem está morto? – ele pergunta.
31
Dois reis
Vou contar uma coisa sobre deuses. Você pode pensar que todos os
deuses são bons – sabe como é, o deus do vinho pode ficar embriagado de
vez em quando, ou o deus da matemática pode ser um tédio, mas não são
realmente maus ou coisa assim. É que, sabe como são essas coisas, se você
é o deus da matemática, então você tem de falar o tempo todo sobre
divisões, frações e multiplicações. Mas a gente precisa de todos os deuses
diferentes, mesmo os deuses das frações, ou da chuva, ou das calcinhas,
porque, se não fosse assim, não teria ninguém para pedir ajuda quando se
está lutando com um problema de matemática. Ou quando não se acha
nem ao menos uma calcinha na gaveta.
Bom. Talvez seja o que você pense, mas não é verdade. Porque existem
alguns deuses que são só maldade. Tem o Loki, por exemplo, que é um
deus dos Vikings que sai por aí fazendo coisas ruins sem uma razão
qualquer, como matar outros deuses só por diversão, e depois se recusa a
chorar, para que o tal deus morto não renasça jamais. Ele era tão mau que
os outros deuses o amarraram numa caverna subterrânea e puseram uma
serpente venenosa em cima da cabeça dele e agora a serpente pinga o
veneno sobre ele o dia inteiro e a noite inteira e a mulher dele tem de ficar
em pé com uma vasilha juntando o veneno. E quando a vasilha está cheia,
ela precisa esvaziá-la, e o veneno pinga na cabeça de Loki e ele se sacode
tanto que a Terra inteira treme, e é por isso que acontecem os terremotos.
Ou pelo menos é isso que os Vikings achavam.
E isso prova que nem todos os deuses são bonzinhos. Alguns deuses
podem matar outros deuses e fazer com que eles jamais renasçam. Só por
diversão.
33
Dormindo e acordando
Durante toda a noite, eu fiquei entre dormir e acordar. Foi aquele tipo de
noite em que você acha que não dormiu nada, mas deve ter dormido,
porque para onde teria ido à noite?
O deus da caça bate à minha porta.
– Ainda não – eu grito. – Ainda não!
Mas, “agora”, diz ele, e continua batendo na porta com força e o vento
sopra dentro do quarto, espalhando tudo pelo ar – as revistas na loja, as
latas caem das prateleiras – e eu estou escondida atrás da porta e ele está
de pé com seus pés de patas, olhando. E minha mãe está lá também,
levantando-se de seu túmulo, um esqueleto muito querido com calças
jeans e com longos fios de cabelos loiros.
E então grito e grito e, de repente, o Vô está lá, então devo ter sonhado,
e ele está dizendo:
– Pronto. Pronto. Está tudo bem. Estou aqui.
E sinto seus braços me abraçando e estou chorando e digo:
– Ele está vindo! Ele está vindo!
E o Vô me abraça e me balança, com muito carinho, muito mais
carinho que a Vó, e diz:
– Pronto, não chore. E eu fico pensando: “se eu contar sobre o Rei
Azevinho, será que ele poderá salvar o meu homem?” E imagino que se eu
sair agora, no meio da noite, posso chegar até antes que o Rei Azevinho e,
de alguma maneira, salvá-lo. Mas a noite é escura e profunda e o vento
açoita os vidros da janela, depois se acalmando por completo, só para
começar tudo de novo, e o Vô dizendo, “Pronto, pronto”, do mesmo jeito
que o homem na estrada, e os chifres crescem da sua cabeça e as folhas
crescem de suas orelhas e nariz e ele é um gigante acima de mim, tão alto
como o carvalho no celeiro, sacudindo na brisa, e meus olhos se fecham e
estou caindo no sono de novo, antes que possa fazer qualquer coisa.
34
Medo
Vikings
De Hannah Brooke
Os Vikings
Tinham prazer
Em saquear
E velejar
Vencendo os mares
De muitos lugares.
Raptavam donzelas
Todas tão belas
Não por terror,
Mas por prazer.
Bebiam cerveja
Com gritos ferozes
Como você.
Que é um poema escrito por Lord Alfred Tennyson, que mamãe me fez
decorar para o Natal do ano passado. Quando eu termino, ninguém bate
palmas, como fizeram para os outros. Todo mundo fica quieto por um bom
tempo. Volto para o meu lugar ao lado de papai e ele põe o braço sobre
meus ombros. Então, devo ter me dado bem. Mrs Angus, então, vai ao
piano e começamos a cantar as canções de Natal e de início de ano.
Cantamos Noite Feliz e Sino de Belém e uma sobre as janeiras, que é
uma tradição antiga de cantar as canções de Natal.
Miss Shelley pergunta:
– Algum pedido?
E Emily diz:
– Quero cantar A Hera e o Azevinho.
Assim cantamos esta também
Vamos todos juntos. O Vô, papai, Hannah e eu. A noite está mais
escura. A neve está caindo mais grossa e o vento começou a soprar forte.
Papai e o Vô não querem que eu venha, mas eu não quis ficar para trás.
Alguma coisa sacudiu o meu pai de sua dormência de não brigar, não falar.
Nunca o vi tão furioso.
– Você não fala com estranhos – diz ele. – Nunca. Que parte de nunca
você não entende?
– Ele não é um estranho! – eu digo. – Somos amigos.
– Não – diz papai. E bate a mão com força na mesa. – Pelo amor de
Deus, Molly! Você não entende como isso é importante?
Começo a chorar.
– Ei – diz vovô. – Toby. Ele põe a mão no braço de papai. – Vamos
esperar para ver, hein? Ver o que achamos lá.
Mas papai puxa o seu braço para longe.
– Você não tem nenhum direito de se intrometer nesta conversa – diz
ele para o Vô. – Nada! Eu ainda nem comecei a dizer o que penso de você.
Agora que comecei a chorar, não tem como eu parar.
– Ele está doente – eu digo. Não me atrevo a olhar para papai. – Ele está
doente e pode estar morrendo e tudo o que vocês fazem é brigar.
Estou rodeada pela neve açoitada pelo vento. Tem neve acima,
embaixo e ao meu redor, como neblina.
Muito alto, você não pode passar por cima.
– Homem! – eu grito. – Homem! Sou eu! É Molly!
Ouço vozes no vento e formas. Formas altas acima de mim, depois
sendo levadas para o nada. Coisas com asas e olhos.
Muito baixo, você não pode passar por baixo.
– Homem!
Muito largo, você não pode atravessar.
– Volte!
Eu sei onde ele está.
– Por favor!
Cheguei tarde demais.
Ele está morto, e é minha culpa.
Agora choro e tremo. Tem formas negras ao meu redor, dando risadas
no vento. É o deus de chifres, o Rei Azevinho, ou coisa pior. As criaturas
que Miss Shelley disse que atravessam quando as barreiras entre os
mundos enfraquecem. Fantasmas, espíritos e bestas de pernas enormes e
coisas que fazem ruídos na noite.
Outras vozes chamam.
– Molly! Molly!
Sinto o gelo nos meus pulmões. Não consigo respirar.
– Molly! Cadê você?
Aparece o facho de uma lanterna e formas na escuridão.
Tropeço, cega com a noite. Criaturas dão risadas em meio ao vento,
pegando meu casaco, arranhando minhas mãos, agarrando meus dedos. O
ar está muito fino esta noite.
As criaturas estão atravessando os mundos.
– Molly!
Eu me afasto com força das criaturas que me pegam e me puxam os
cabelos, e agora outra coisa está se enrolando nos meus dedos. São galhos.
Mãos de árvore, seus galhos se inclinam e me seguram.
– Molly! Cadê você?
Estou segura nos braços-galhos das árvores. Mãos escuras se
aproximam e tocam minha face. Eu não me movo. Quase não respiro. A
neve e o frio se foram. Aqui e agora me sinto segura. Segura e intocável.
– Aqui está ela!
Os braços de galhos somem. Eu caio com meu rosto na neve. Estou
chorando sem parar.
– Molly, meu amor, o que foi?
É papai. Grande e escuro e nervoso. Estou chorando tanto, que quase
não consigo vê-lo.
– Mamãe! – eu soluço. – Quero mamãe!
– Moll, Molly, meu bem...
– Quero mamãe!
– Molly-mop...
Tento me afastar. Grito e dou chutes.
– Não! Eu quero mamãe! Quero mamãe!
Ele me levanta nos braços e me carrega na escuridão da noite.
39
O fim do mundo
Não consigo dormir. Não consigo parar de pensar. E se ele não era o
deus da Miss Shelley? E se ele era apenas um homem comum?
Hannah e eu deveríamos ter feito alguma coisa. Alguma coisa para
salvá-lo. Se eu fosse mais velha – se eu fosse melhor –, se eu fosse
mamãe, ou papai, ou Hannah, ou o vovô...
Se eu fosse uma dessas pessoas, eu teria feito alguma coisa. Se eu
fosse qualquer outra pessoa que não eu, eu o teria salvado. Ele não tinha
ninguém. Só eu. E eu não fiz nada.
40
Dentro e fora
– Desculpe – diz Josh, baixinho, enquanto esbarra nela. Ele está com
barro na frente de sua blusa e pregado nos fios de cabelo e nos ouvidos,
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onde o sabão não alcançou. Ele parece um goblin . Hannah não diz nada,
mas abre um sorriso cheio de triunfo.
Corro no último pedaço de rua antes da minha casa. Aos meus pés vejo
brotos na beirada das cercas vivas; são narcisos que logo vão se abrir.
Acima de mim, um céu azul e frio. Quando entro na cozinha, meu pai está
lá. Ele começou a aparecer sem avisar desde o Natal. Está tomando chá e
jogando guerra de dedos com a Hannah.
– Um, dois, três, quatro. Eu declaro uma guerra de polegar. Guerra de
Polegar!
Guerra de Polegar é coisa de papai – eu e mamãe somos muito ruins no
jogo. A Hannah joga muito bem. Ela se ajoelha na cadeira, torcendo até
não poder mais o braço de papai. Não sei se ela é assim tão forte ou se
papai está deixando ela ganhar.
– Ei, ei, cuidado, meu bem – ele diz. Levanta os olhos e me vê. – Oi,
Molly! Onde estava?
– No bosque – eu digo. – Eu vi...– começo e paro
– Viu quem? – quer saber Hannah. Seu rosto está vermelho, com fios de
cabelos grudados na testa. – Josh?
– Ninguém – eu digo. Sento do outro lado do papai. – Só árvores e
coisas assim. Posso jogar?
– Vamos escolher alguma coisa que todo mundo possa jogar juntos. Que
tal baralho?
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Emily na pista de gelo
Depois que Emily vai embora, Vovó vem para a cozinha e fica parada
na porta com sua caneca de café.
– Vocês vão ter tempo suficiente para tudo isso? – pergunta ela,
referindo-se aos nossos planos.
– Claro – eu digo.
Vovó dá um estalo de língua.
– Não é que vamos fazer tudo este ano – explico. – Talvez uma parte.
Mas, por exemplo, leva muito tempo para alguém se tornar uma
patinadora com categoria para disputar uma olimpíada.
– Hummm. – Vovó me olha com um jeito estranho. – Quanto tempo já
faz que vocês duas estão aqui? Quatro meses?
Eu conto.
– Setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março.
Sete meses!
– Sete – vovó diz, surpresa. – O que os pais de vocês estão pensando,
me diga?
Respondo, me sentindo humilhada:
– Como eu vou saber?
– Humm – diz vovó. – Eu acho que está na hora de eu ter uma conversa
com seu pai novamente. Isso já foi longe demais.
Todos os músculos do meu pescoço enrijecem. Agora que já me
acostumei a ficar aqui, será que ela vai nos mandar embora de novo? Será
que ninguém, nos quer por perto?
– O que quer dizer? – pergunto. E quando ela não responde. – Vovó? O
que você vai fazer?
– Eu? – diz vovó. – Eu vou para Londres.
E ela termina de tomar seu café de um gole só.
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Kew Gardens
Dentro de casa, eu tenho certeza de que vai ser como naquele fim de
semana horrível em Newcastle, só que desta vez o Vô não vai estar perto
para nos salvar. Papai não sabe o que fazer. Ele fica parado no corredor,
seu rosto esquisito e feio todo torcido, completamente impotente.
– Vocês duas sabem o que deu neles? – pergunta ele, por fim.
– Quem se importa? – diz Hannah. – Você quer uma xícara de chá?
Ela faz o chá em um bule, do jeito que Vovô faz. Eu me sento bem
pertinho do papai. Fico pensando: se eu o amar com toda a minha força,
será que poderia convencê-lo a ficar?
– Você vai ficar aqui?
– Vou ter de ficar, não é? – diz ele. – Sorte que eu tenho tantas férias
acumuladas.
Ele me afaga os cabelos. Depois olha ao redor, provavelmente satisfeito
de estar em uma cozinha limpa.
– O chá está ótimo, Hannah.
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A volta
No outro dia de manhã, papai nos acorda. Ele está usando uma camisa
xadrez do Vô e o avental da loja da Vó.
– Acorda, acorda, acorda – diz ele, batendo com a colher numa panela.
Esfrego os olhos.
– Mas são sete e meia – resmunga Hannah do outro quarto. – Não temos
que acordar ainda.
– Não têm? – diz ele, surpreso. Em casa, nós tínhamos de acordar a
tempo de ir de carro para a escola. Aqui, é só subir a rua.
Ele preparou a mesa para o café. Comprou mais um presente para mim:
Coco Pops da lojinha. Quando eu morava com mamãe e papai, eu só
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gostava de Coco Pops, mas agora eu gosto de Frosties e Weetabix e
ovos, quando o Vô faz.
– Molly não gosta mais desse aí – diz Hannah. – E eu também não como
mais cereal. Como torradas, como a Vó.
Papai não lava os pratos, como o Vô. Ele deixa tudo na pia, junto com
as xícaras da noite passada. É óbvio que ele não se importa mais em
manter as coisas limpas e arrumadas, como eu lembro que ele fazia. E às
dez para as nove, quando Hannah diz “Você tem de mandar a gente ir para
a escola,” ele olha no relógio e diz: “Então podem ir”, sem perguntar se
pegamos nossos livros e estojos ou o modelo da ponte de transporte de
Middlesbrough em papel-maché.
No jardim da frente, paramos e nos olhamos.
– Papai voltou! – eu digo.
– Mas não para sempre – diz Hannah. – Mas também não tem nenhuma
Vó fedorenta para ficar mandando na gente! – e ela desce correndo a
ladeira, com a mochila sacudindo nas costas.
Quando voltamos para casa, ele está na lojinha, vendendo selos para o
pai de Alexander.
– Boa tarde! – diz ele. – Quer um ovo? – e joga um ovo de chocolate
Cadbury’s para cada uma de nós.
– Você está alegre – diz Hannah. E ele está. Ele faz pão caseiro do
mesmo jeito que fazia antes, que também acaba não subindo no forno da
Vó, mas tem o mesmo sabor peguento que sempre tinha em casa.
Quando chega quinta-feira, já estamos acostumadas a tê-lo só para nós.
É um choque pensar que ele logo vai voltar para casa.
Depois das aulas, antes do Vô e da Vó chegarem, eu ajudo papai na loja.
Arrumo as novas latas e outras coisas nas prateleiras. Passo o pano no
chão. Vendo picolé de frutas para Sascha e para sua irmãzinha.
– Se eu fosse a sua Vó – diz papai —, eu lhe daria um trabalho.
Ele parece tão feliz que eu arrisco perguntar de novo:
– Você não quer ficar aqui?
Papai me abraça.
– Queria muito ficar, mas não posso tomar o lugar de sua avó na loja.
Eu tenho meu próprio trabalho. Você sabe disso.
Encosto a cabeça na barriga dele.
– Então a gente não pode ficar com você.
– Não.
– E agora somos a responsabilidade da Vó.
– Bem – ele me abraça mais forte. – Talvez um pouquinho minha,
também.
Olho para cima.
– Se você tivesse outro trabalho, então poderia nos levar de volta?
Ele não responde por um longo tempo.
– Você quer voltar?
Eu digo que sim com a cabeça.
– Eu... – ele para, mas logo continua. – Eu posso não acertar as coisas,
às vezes.
– Eu também não acerto sempre as coisas – digo. – Eu erro o tempo
todo, mas você não se importa, não é?
– Oh, Moll – diz papai –, nunca. Nunca. Nunca.
– Então.
Papai fica em silêncio.
– Tem um trabalho que vai aparecer – diz ele. – De Assistente de Editor.
Trabalhando para alguém que eu conheço da Universidade. Fica do outro
lado da cidade, mas as horas são melhores. E vocês podem se virar
sozinhas por algumas horas depois da escola, não podem?
– Sim! – eu digo. – Aceite!
– É apenas um talvez – diz papai. – Pode ser que eu não consiga. Você
entende, não é, Moll? Não é nada definitivo.
– Você vai conseguir – eu digo. – Você vai, não vai?
– Não sei – diz papai, e me aperta com força, tanto que sinto minhas
costelas esmagando meus órgãos.
– Não conte para ninguém – diz ele –, mas acho que sim.
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O caçador da meia noite
O mundo fica quieto. A caça terminou. Não tem mais ninguém ao redor,
a não ser nós – eu e o Rei Carvalho com chifres no nosso cavalo, e o Rei
Azevinho prostrado na grama, uma mão ainda cobrindo a cabeça. Está
sangrando, mas vivo. Olha para nós. Não fala.
Estou chorando, as lágrimas escorrendo pelas faces. Estou chorando
porque pensei que o Rei Carvalho era bom e o Rei Azevinho era mau, mas
não é tão simples assim. Porque se queremos o verão, o inverno tem de
morrer, e se queremos o inverno, então é o verão que deve morrer.
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Perséfone precisa voltar para o mundo abaixo da terra verde, porque o
mundo precisa continuar girando, porque o Rei Azevinho e o Rei Carvalho
precisam lutar e um deve derrotar o outro.
Meu homem – e agora ele é o caçador de chifres, o líder da caça
selvagem –, meu homem senta ereto em seu cavalo alto. Não diz nada para
o Rei Azevinho e não diz nada para mim. Olha para baixo, para seu
oponente prostrado na grama. Puxa a crina e faz o cavalo se virar. Galopa
para o vilarejo, me levando de volta para casa.
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Conversando com Miss Shelley
Agradecimentos
1. Eccles: pequeno bolo redondo de massa folhada com manteiga e passas corinto coberto
com açúcar demerara.
2. Mapas da Ordnance Survey: Agência de mapeamento nacional para a Grã-Bretanha, e
um dos maiores produtores de mapas.
3. Coco Pops: Cereal da Kelloggs cujo mascote é um macaco.
4. Tesc’s: Grande rede de supermercado.
5. Premiada coleção de livros da autora Enid Blyton.
6. Girl Talk e Top of the Pops: Revistas destinadas ao publico juvenil.
7. Se eu pudesse ser realmente qualquer um, incluindo uma pessoa de mentirinha, então
eu seria a Pippi Meialonga, porque ela mora sozinha com um cavalo, um pote de ouro e
um macaco chamado Senhor Nelson. Se alguém tenta fazer com que ela faça uma coisa
que não quer, como, por exemplo, ir viver com outra pessoa, ela simplesmente pega eles e
carrega para o fim do jardim e os deixa lá. E geralmente eles acabam indo embora.
8. Blue Peter: Programa de televisão para crianças, produzido pelo canal inglês BBC.
9. Não são sensacionais. São coisas como uma pessoa ganhar a competição do banheiro
mais limpo, ou hospitais que não gastam o dinheiro em coisas que devem gastar.
10. É uma atividade infantil tipicamente norte-americana do dia das bruxas em que
crianças vão de casa em casa, pedindo por iguarias (geralmente doces), perguntando doces
ou travessuras? (trick-or-treating).
11. Mentira (em inglês Cheat ou Bullshit): é um jogo em que o participante tem que
descartar suas cartas, sem mostrá-las aos oponentes, dizendo que está jogando ou blefando
a respeito. Quando o oponente achar que é um blefe ele deve dizer “mentira”. O jogador,
então, deverá mostrar as cartas. Se forem as que ele falou, a pessoa que duvidou ficará
com todas as da mesa, se não, ele ficará. Ganha quem descartar todas primeiro.
12. Tracy Beaker: personagem de livro infantil britânico publicado originalmente em 1991,
escrito por Jacqueline Wilson e ilustrado por Nick Sharratt.
13. Chutney: condimento de paladar agridoce, picante (forte ou suave), ou ainda uma
mistura dos dois, originário da índia.
14. Natividade: Peça tipicamente apresentada em diversos países representando o
nascimento de Jesus.
15. Goblin: criaturas geralmente verdes que se assemelham a duendes.
16. Frosties: Cereal matinal da kellogg’s.
17. Weetabix: Tipo de empanado de frango.
18. Perséfone: divindade grega, filha de Zeus e de Deméter, deusa da colheita.