Judaismo e Cristianismo

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O JUDAÍSMO E O CRISTIANISMO

Por Tania Cecilia Azevedo de Menezes


Há algum tempo queria muito falar sobre sionismo e o processo de israelização da igreja
evangélica no Brasil. Isso passa por temas desde geopolíticos a religiosos.
O judaísmo, assim como o cristianismo, é diverso. Não existe judaísmo, mas sim
“judaísmos”. Dentro do judaísmo, tem-se algumas correntes predominantes, como a
conservadora e as correntes ortodoxa e reformista, que polarizam entre si. A corrente
ortodoxa é a mais antiga e tradicional, enquanto a reformista veio no século XIX para
flexibilizar o judaísmo ao mundo moderno.
As correntes conservadora e reformista são mais respeitosas em relação à figura do
Cristo. Apesar de não acreditarem no caráter divino de Jesus, o consideram um grande
profeta universal. A corrente ortodoxa segue rigidamente o Talmud, que é uma
coletânea rabínica de regras de conduta moral dos judeus, tido, além da Torá, como um
livro igualmente divino. Alguns grupos de ortodoxos têm uma interpretação mais
literalista do livro, a ponto de repudiar a figura do Cristo baseando-se em passagens que
o colocam como um personagem sem importância, e até mesmo herético.
Essa visão vai ao encontro de que, na época de Jesus, era muito comum a existência de
diversos candidatos a “Ha-Mashiach”, isto é, Messias. E Jesus foi um desses muitos que
surgiram como “Filho de Deus” em território romano. Nesse sentido, uma parte dos
ortodoxos se orienta nessa tradição histórica. Com efeito, em todos os judaísmos - à
exceção do judaísmo messiânico -, de fato, Jesus não é Filho de Deus, é tido no máximo
como um grande profeta universal.
Já os evangélicos se agarram a uma visão sionista que ganhou força após a criação do
Estado de Israel, em 1948, baseada em uma construção teológica oportunista que
associa os filhos de Sião (que é o nome de uma das colinas de Jerusalém e tem uma
simbologia relacionada à terra de Israel, que seria a casa do povo judeu e, por
consequência, a casa do próprio Deus de Israel) aos habitantes do Estado de Israel.
Essa oportuna relação errática, que associa o povo hebreu da Tribo de Judá ao povo
judeu que migrou em massa para o território palestino a partir de 1948, tem fins
político-ideológicos, e alinhou-se entre judeus, britânicos e norte-americanos ainda no
final do século XIX, ganhando força no século passado.
Para os cristãos, a ideia é justificada a partir de uma hermenêutica associada ao tema da
segunda vinda de Cristo (encontrada nos livros de S. Mateus, I Tessalonicenses,
Apocalipse, Atos, além de livros do Antigo Testamento como Daniel e Zacarias), que só
aconteceria quando o povo judeu estivesse todo reunido na Terra Santa (Jerusalém).
Para os judeus, o sionismo é um movimento político de cunho nacionalista que nasceu
entre uma elite burguesa de judeus, sobretudo na Europa Central (região que abarcava a
Prússia, o Império Austro-Húngaro, Holanda, entre outros territórios), e que teve como
grande expoente o jornalista Teodor Herzl, em uma época conhecida como Belle
Époque, que foi o apogeu do liberalismo na Europa.
Na perspectiva de Herzl e outros entusiastas do período, o sionismo se estabelece como
uma iniciativa legítima, que reivindicava um Estado para os judeus (que eram uma
nação sem Estado). Porém, para Edward Said – um grande estudioso do Orientalismo –,
essa ideia de legitimidade é falsa, pois o movimento se utiliza do lema de libertação
nacional para impor um projeto colonizador na Palestina. O sionismo nega a existência
do povo palestino. E é crucial lembrar que estamos falando de um movimento higienista
antecessor ao Holocausto de judeus imposto assombrosamente por Hitler.
Um outro ponto não menos importante a ser mencionado é que o sionismo se origina na
esteira de movimentos nacionalistas e de ideologias supremacistas, que tinham na
civilização ocidental a ideia de superioridade cultural.
Os judeus sionistas se viam (e se veem até hoje) como parte do Ocidente, pois o Oriente
era tido como espiritual e moralmente inferior aos povos ocidentais. Além disso, uma
vez cooptado por interesses imperialistas dos EUA, o sionismo avançava como um
movimento político forte movido por impulsos exploratórios de norte-americanos, e
colonizadores de israelenses.
Nesse panorama, na perspectiva cristã, o sionismo se apresenta como um movimento
fundamentalista, pois utiliza elementos místicos para sobrepor questões históricas e
políticas.
Enquanto na diplomacia internacional os Estados Unidos avançavam com a criação da
ONU (antiga Liga das Nações) e com o Estado de Israel, os protestantes, sobretudo do
sul dos Estados Unidos (que consolidavam, à época, uma aproximação político-religiosa
com os Republicanos), encarregavam-se da parte ideológica, que, através de seus
pastores, convenciam a população de que a criação de um Estado para os judeus que
sobreviveram ao Holocausto era uma causa sagrada e humanitária.
Mas, no fundo, a criação do Estado de Israel, naquele momento, atendia a um projeto de
poder da OTAN que, com o fim da Segunda Guerra e ascensão da União Soviética,
tornou-se conveniente aos Estados Unidos a construção de um bunker estratégico no
Oriente Médio para controle geopolítico e exploração econômica, sobretudo de petróleo.
Acontece que nosso modelo protestante é fortemente influenciado pelo sul dos EUA,
área conhecida como Cinturão da Bíblia (Bible Belt), devido à concentração
demográfica de protestantes. Consequentemente, a visão sionista logo chegou aqui por
lideranças evangélicas, especialmente a partir dos anos 80, com o avanço do
neopentecostalismo e do televangelismo, que ganhava cada vez mais espaço político,
midiático e popular, esgotando lotações em pregações feitas em estádios de futebol.
A Palestina e outros territórios são oriundos da dissolução do Império Otomano ao fim
da Primeira Guerra. Desde então, o povo palestino é uma nação sem Estado (assim
como os judeus antes da construção do Estado de Israel em 1948), mesmo com
inúmeras promessas da Inglaterra a partir da Declaração Balfour (Inglaterra que, junto à
França, tomou o controle do território dissolvido).
Da convenção da ONU de 1948 à primeira guerra árabe-israelense, os palestinos
perderam mais da metade de seu território para Israel, inclusive a sagrada Jerusalém,
que passou a ser dividida em duas: a parte oriental sob controle da Jordânia, e a parte
ocidental sob comando de Israel. O “al-nakba” (êxodo forçado do povo palestino,
expulso de suas próprias casas e de seu território pelos sionistas do Estado de Israel)
começa em 1949 e dura até os dias de hoje, em que a população palestina foi
encurralada em Gaza, Cisjordânia e na parte norte das Colinas de Golã, território sírio
tomado em 1967 por colonos israelenses na Guerra dos Seis Dias. Israel avança desde
então sobre terras palestinas, cria colônias e ocupa diversos territórios, passando
inclusive por cima dos acordos da ONU.
Isso tudo em nome de uma visão sionista, que é politicamente instrumentalizada pelos
Estados Unidos (tanto pelos Democratas quanto pelos Republicanos), disseminada
ideologicamente por brancos protestantes, especialmente do sul do país, e
potencializada pela extrema-direita transnacional através da teologia do domínio.
A máquina de propaganda sionista cria uma falsa guerra de informação transformando
em “antissemitismo” tudo que vai contra seu plano colonizador na Palestina. Essa
desonestidade intelectual é cooptada por essa extrema-direita transnacional, que se
aproveita politicamente da situação para chamar de “nazista” toda forma de apoio à
justa luta anticolonialista do povo palestino, inclusive respaldada por uma grande parte
da população judaica antagônica ao sionismo.
A igreja que aparece na foto desse post é o retrato de uma simbologia sionista importada
do Bible Belt norte-americano, com adição de uma forte pitada de ignorância cultural,
teológica, histórica e política, o que torna um cenário propício ao fundamentalismo
religioso.
Inclusive o termo teologicamente contraditório “judaico-cristão” não deixa de ser uma
simplificação sionista ampliada por lideranças protestantes aqui e nos EUA como forma
de legitimar uma interpretação propositalmente forçada de alguns livros bíblicos do
Antigo Testamento (como Levítico, Juízes e, principalmente, Jeremias e Ezequiel),
baseada na questão da “Terra Prometida”.
O grande problema é que esse fundamentalismo já tirou 30 mil vidas palestinas até
agora, pois alimenta mentes limítrofes que apoiam um governo de extrema-direita
assassino sem nem darem conta de que o tronco abraâmico que unia o Deus de Israel ao
seu povo foi rompido pelos cristãos com o Novo Testamento.
O processo sionista de israelização da igreja evangélica brasileira, do ponto de vista
teológico, rompe com o Novo Testamento e anula a tradição do Cristo e da ressurreição.
Isso cumpre o papel pedagógico da teologia do domínio.
Em nome de Deus,
A Terra Prometida foi engolida no dilúvio sionista.
Mas eles apoiam porque não sabem o que fazem.

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