TCC Final Certo
TCC Final Certo
TCC Final Certo
CAMPUS VIDEIRA
CURSO DE PEDAGOGIA
VIDEIRA
2021
2021
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Professor e orientador Dr. Gabriel Schmitt
IFC – Campus Videira
____________________________________
Professora Dra. Kelly Aparecida Gomes
IFC – Campus Videira
____________________________________
Professor Dr. André Ricardo Oliveira
IFC – Campus Videira
Videira, setembro de 2021
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que me deu força para prosseguir nos momentos mais
difíceis.
Aos meus pais, Lucimara Schwartz e Sebastião Martins, que sempre acreditaram
em mim, até nos momentos que nem eu mesmo acreditei, me dando todo apoio e
incentivo.
Ao meu irmão Andrei e sua esposa Thais que me apoiaram e auxiliaram nos
momentos difíceis.
Ao meu professor e orientador Gabriel Schmitt que me deu total apoio e incentivo
durante todo o processo.
Aos meus colegas e amigos que pude conhecer durante meu processo formativo, no
qual tornaram o caminho ainda mais significativo.
Por fim, a todo corpo docente e servidores do Instituto Federal Catarinense que de
alguma forma contribuíram em minha jornada formativa.
“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou
reproduza as desigualdades”.
Boaventura de Sousa
Santos
RESUMO
This work refers to a study that talks about how gender discourse is in
coursepacks of the Municipal Centers of Children Education (CEMEIS) of the
Catarinense region of Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe
(AMARP). Certified the way how the lines and the stereotypes of gender are
presented over the pages in this material. For that, were examined the illustrations
and the dynamics inserted over in the referred coursepacks. The source
methodology of this work is characterized as a qualitative character, considering that
the analytical exams refer to the object of study that is coursepack Entrelinhas –
SEFE (Family and School Educational System), a company based in Curitiba. The
adoption of this school material targets the Childish 4, that is, Pré I 4 years children.
Such coursepacks, of 1º and 2º semester, were written by Elidete Hofius and Caren
Adur de Souza.
FIGURA 4 - BONECO 42
FIGURA 9 - AUTORRETRATO 50
FIGURA 15 - A CHUVA. 63
TABELA 2 - VESTIMENTAS. 56
LISTA DE SIGLAS
1. INTRODUÇÃO 12
2. CONTEXTOS SOCIAIS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO
APOSTILADO 14
3. O DEBATE SOBRE GÊNERO, A ADOÇÃO DE APOSTILAS ESCOLARES
E OS INTERESSES SOCIOPOLÍTICOS CONSTITUÍDOS. 18
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 31
5. AS APOSTILAS EM QUESTÃO E O DEBATE SOBRE GÊNERO 34
5.1 REPRESENTAÇÕES DE MENINOS E MENINAS 34
5.2 DIFERENÇAS QUE VÃO ALÉM DO SEXO BIOLÓGICO 40
5.3 CONTOS E SUAS REPRESENTAÇÕES 45
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 69
REFERENCIAS 71
17
1. INTRODUÇÃO
A adesão ao ensino apostilado na Educação Infantil vem cada vez ganhando mais
espaço na educação brasileira, o que acaba por gerar discussões e debates no meio
acadêmico. O fato do ensino apostilado contemplar a distribuição de seus materiais,
padronizados, para cidades das mais distintas características culturais, é uma dos
primeiros dilemas apontados por estas reflexões. Outra crítica largamente manifesta é o
fato de que as organizações pedagógicas das escolas que tem as apostilas como
referência acabam limitando o planejamento didático dos seus docentes e, ao mesmo
tempo, com este tipo de material, parte-se de abordagens de realidades sociais que não
são comuns às diversidades de condições das comunidades escolares.
Percebida pela discente autora deste trabalho, e no contexto dos apontamentos acima
mencionados, constatou-se até mesmo a existência de apostilas que, em seus conteúdos,
evidenciavam estereótipos, preconceitos e discriminações que diziam respeito a questões
de gênero (masculino/feminino).
Ora, como os fatos sociais circunscrevem toda e qualquer situação que possua os
componentes coercitivos, exteriores e gerais de uma coletividade, a constituição cultural
dos gêneros acaba por ser envolvida por tal configuração (DURKHEIM, 2010). Assim, as
representações que dizem respeito aos gêneros manifestam, na sociedade, uma via de
mão dupla haja vista que os fatos sociais configuram os papeis de cada um dos gêneros e
estes, por sua vez, configuram a dinamização dos fatos sociais por meio das relações
sociais. E desde a infância, por conseguinte, a criança realiza o processo de
reprodução/contestação dos valores e normas que estão instituídos na cultura de sua
sociedade.
O fato é que, em sociedades como a brasileira, com injustiças sociais patentes e com
históricos vieses antidemocráticos, autoritários e patriarcais, há, tradicionalmente, um
estrato da população que, de forma privilegiada, dita as principais regras de
funcionamento da coletividade. E isto vale tanto para as regras econômicas, como para as
regras culturais, aí incluído o aparato institucional escolar. Então, nesta sociedade e em
suas respectivas instituições de ensino, se a criança tem que ficar sentada, fazendo
tarefas na apostila, por exemplo, ela aprende as limitações da escola brasileira, onde o
conhecimento não é construído, e sim repassado por uma pequena parcela da população
que manipula o conhecimento e os meios para chegar a ela tal aprendizado.
22
E então, para o que nos interessa de forma mais direta neste trabalho, poderíamos
nos perguntar: não estariam as apostilas escolares do ensino infantil ajustadas de uma
forma bastante apropriada a este entendimento foucaultiano de “corpos dóceis”? E dada
sua limitação didática e pedagógica, diante da complexidade que é o universo infantil, a
priorização do uso deste tipo de material não “cairia como uma luva” no contexto da
“engrenagem” social acima mencionada e que visa ao exercício da “docilização”? E, por
fim, quanto ao debate sobre gêneros... a reflexão fica ainda mais problematizada quando
pensamos no formato e na viabilidade em que tal temática pode ser trabalhada em
condições apostiladas!
O termo gênero é uma representação não apenas no sentido de que cada palavra,
cada signo, representa seu referente, seja ele um objeto, uma coisa, ou ser
animado. O termo “gênero” é, na verdade, a representação de uma relação, a
relação de pertencer a uma classe, um grupo, uma categoria. Gênero é a
representação de uma relação (LAURETIS, 1994, p. 210).
E, como segue abaixo, o “gênero” também cria outros tipos de relações, como
vínculos entre tempo presente e futuro e compromete seres humanos por meio de
expectativas que se referem a execuções de determinados papeis sociais:
Não obstante, para o que nos interessa neste trabalho, a compreensão mais
compatível com o conceito de “gênero” relacionado ao aspecto social e cultural advém do
pensamento de Margaret Mead (1901-1978), uma das antropólogas culturais de maior
reconhecimento até a atualidade.
Mead também verificou, por meio de seus estudos de campo, que, desde criança,
a padronização dos costumes, da moral e do desenvolvimento entra em consonância com
a norma cultural de cada povo. Em Growing up in New Guinea, por exemplo, Mead
destaca que as crenças religiosas, hábitos sexuais, os métodos de disciplina e os
objetivos sociais das pessoas que constituem a família da criança são constituintes da
própria cultura. E isto faz com que o indivíduo dentro dessa cultura não difere dos outros
da mesma idade ou sexo (VIEIRA, 2019).
Dos meus livros é este o menos compreendido, por isso dediquei algum cuidado
em tentar entender por quê.
(...) Em 1931, pus-me em campo para estudar um problema: o “condicionamento
das personalidades sociais dos dois sexos”.
(...) procurando reconhecidamente alguma luz sobre a questão das diferenças
sexuais, encontrei três tribos, todas convenientemente situadas dentro de uma
área de cem milhas. Numa delas, homens e mulheres agiam como esperamos que
as mulheres ajam: de um suave modo parental e sensível; na segunda, ambos
agiam como esperamos que os homens ajam: com bravia iniciativa; e na terceira
os homens agem segundo o nosso estereótipo para as mulheres, são fingidos,
usam cachos e vão às compras, enquanto as mulheres são enérgicas,
administradoras, parceiros desadornados. (...) As três culturas em apreço foram
esclarecedoras neste aspecto particular e forneceram-me rico material sobre até
onde pode uma cultura impor, a um ou a ambos os sexos, um padrão que é
adequado a apenas um segmento da raça humana (MEAD, 2000, p.9-11).
Mais adiante, nesta sua obra que é um clássico da Antropologia, Mead examina os
“inadaptados”, que são aqueles indivíduos que destoam das expectativas culturais
predominantes referentes a uma dada sociedade. E que, no caso das questões de
gênero, tais expectativas se fazem evidentes quanto aos papeis e aos comportamentos
esperados que sejam adequadamente cumpridos por homens e por mulheres. Neste
sentido, o “inadaptado” seria
comportamentos, que se esperam que sejam encarnados pelos indivíduos, acabam por
serem subjetivamente atrelados ao sexo biológico de cada indivíduo, pois, segundo a
autora, cada sociedade dramatiza a diferença entre os sexos de um modo diferente,
sendo esta diferença um fator da construção social (MEAD, 2000).
Assim como Margaret Mead, Ruth Benedict fez um estudo comparado referente à
cultura de três sociedades: os Zunhis do Novo México, os Dobuan da Melanésia e os
Kwakiutl de Vancouver. E, também como Mead, Benedict igualmente procurou identificar
os padrões de comportamentos sociais que prevaleciam entre cada um desses povos,
além de refletir acerca dos “inadaptados” nestas respectivas sociedades e da expectativa
de como eles deveriam se portar como “perfeitos adaptados” de acordo com as suas
concepções culturais (CAROLINO NETO, 2017).
30
Como são estabelecidas as relações entre adulto e criança, seja no meio familiar,
no meio educacional, na sociedade ou no processo educacional? Como as
relações entre adulto e criança estão institucionalizadas nos dias de hoje? O que a
perspectiva da antropologia e da antropologia educacional contemporânea tem a
contribuir para os estudos da criança e das relações adulto-criança?
Pensar a criança envolve aspectos que ultrapassam as visões reducionistas que
se aplicam à educação e que ocorrem em um determinado grupo social,
envolvendo além dos aspectos religiosos, míticos, musicais, organizacionais, diz
respeito à relação adulto-criança. Há de se pensar que a educação não acontece
somente com o adulto ou tão somente com a criança, mas nessa troca de
conhecimentos e valores que ultrapassam gerações e que são repassados e
recriados a cada nova geração. Haverá uma troca entre adulto e criança, ambos
aproveitarão desse intercâmbio, e muito da parte dos adultos será repensado e
redimensionado, a partir dos questionamentos das crianças e dos adolescentes.
Assim, a relação entre adulto e criança será construída entre o desejo da criança
se tornar semelhante ao adulto, mas, ao mesmo tempo, ao desejo de ser um ser
único, diferente do outro (VIEIRA, 2019, p.133).
do gênero e da sexualidade, representada por Ruth Benedict e Margaret Mead, pode ser
simbolizada como o pontapé inicial de amplos exames analíticos feministas que, direta ou
indiretamente, também repercutiram nos estudos sobre o processo educacional da
criança (HEALEY, 1996).
Importante não deixar de registrar que, enquanto ampla pauta histórica que vai
além do espaço acadêmico, os movimentos feministas possuem caráter político, filosófico
e social. Portanto, não somente circunscrito à academia, o movimento feminista critica o
lugar que a sociedade impôs para a mulher, enfrentando a dominação do seu contexto
cultural, buscando equidade de gênero e trazendo empoderamento da mulher diante da
sua própria vida (PEREIRA; COURA; ARAÚJO, 2018). Ademais, enquanto delimitação
temporal de vida e de obra de Ruth Benedict e Margaret Mead, as mesmas são
contemporâneas de um período em que importantes episódios das bandeiras feministas
se fizeram presentes internacionalmente e também no Brasil.
No caso brasileiro, em se tratando da luta pela conquista das mulheres em relação
a direitos como a educação, por exemplo,
Assim, no Brasil, as meninas tiveram o ingresso nas escolas primárias como direito
reconhecido e assegurado em lei no ano de 1827, embora a citada lei trouxesse em seu
texto diferenciações curriculares que deveriam se aplicar à educação de meninos e
meninas, estas últimas com limitações e direcionamentos aos afazeres domésticos. De
qualquer forma, como resultado deste processo, as mulheres, ao ocuparem os bancos
escolares, não somente ficaram a cargo de obter a instrução. Elas batalharam por outros
lugares sociais, como a conquista de uma profissão e a luta e movimentação por seus
direitos. E, então, o ofício de professora significou uma ascensão para além do âmbito
doméstico, embora o magistério estivesse sofrendo perda de prestígio diante do avanço
do capitalismo industrial, sendo que esse advento agregou mais valor àquelas profissões
ligadas à industrialização. Não obstante, o Estado brasileiro passa a se preocupar com a
capacitação docente em virtude dos processos de urbanização e concepções ligadas ao
progresso da sociedade. Desta maneira, a formação das crianças se transforma em
“questão política”, delegando à mulher a responsabilidade direta tanto ao meio familiar
quanto no escolar, já que os homens foram sendo absorvidos por cargos de Estado, ou
seja, de maior peso e prestígio profissional (AUAD; RAMOS, 2018)
Enquanto regramentos oficiais que instituem previsões consensuais internacionais
acerca do combate à discriminação à mulher, chama a atenção a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Documento, este,
datado de 1979, e o qual o Brasil promulgou por meio do Decreto nº 4.377, de 13 de
setembro de 2002. Tal mecanismo inclui, entre outras, importantes pautas referentes, por
exemplo, à questão da relevância educacional e à necessidade de se afrontar os
estereótipos relacionados à mulheres. Nesta direção, e para os fins a que se destina este
trabalho de curso, faz-se notável perceber certos trechos do referido documento:
Este último parágrafo acima, em especial, destaca-se ainda mais já que o mesmo
guarda estreita conexão com os elementos de estudo propostos pelo presente trabalho.
Ou seja, em tal trecho, ao se mencionar os estereótipos referentes aos papeis dos
gêneros e relacioná-los ao aspecto educacional formal, aponta-se para a possibilidade de
se refletir acerca das estratégias, ferramentas e materiais de ensino que podem ser
trabalhados pelos profissionais de educação. E assim, ao se incluir neste contexto de
oportunidades didáticas o potencial uso de apostilas, por exemplo, pode-se problematizar
tal adoção e a própria forma em que esta adoção oferece discussões acerca de temáticas
como “gênero”.
Ademais, a problematização referente aos limites que, por exemplo, as apostilas
podem oferecer ao processo de educação formal, é contextualizada por uma realidade,
vivenciada pela criança, que intensifica esta tendência de reprodução de estereótipos e
de divisão de tarefas e papeis entre os gêneros. Trocando em miúdos, instituições que
também possuem permanente contato com a criança, como é o caso da família e da
mídia, acabam com frequência se coadunando com as perspectivas escolares limitadoras
das reflexões culturais e sociais e, ao mesmo tempo, reproduzindo expectativas em
comum acerca dos comportamentos que mulheres e homens “devem manifestar” na
coletividade. Desta maneira, tais pensamentos são reforçados simultaneamente por estas
três instituições (família, escola e mídia), restringindo a diversidade de possibilidades a
respeito do que meninos e meninas podem ser e fazer. Práticas como as separações de
brinquedos, brincadeiras de meninos e de meninas, assim como cores “apropriadas” para
um dos sexos, fazendo com que seu universo criativo e exploratório seja drasticamente
34
reduzido, persistem ilustrando muito bem estas condições criadas para o universo infantil
(SOUSA; ARAÚJO; ASTIGARRAGA; 2015).
Neste sentido, são extremamente presentes na educação infantil os assuntos que,
mais ou menos intensamente, são relacionados às questões de gênero. Isto porque esta
é uma fase do desenvolvimento na qual as crianças estão começando a formar conceitos
sobre o que elas vivenciam no mundo. Trata-se de um momento em que as diferenças
chamam muita atenção entre elas, na qual muitos aspectos relacionados a gênero
aparecem e muitos/as professores/as ainda se utilizam do gênero como método
classificatório nesse espaço, como no ranqueamento das crianças, na classificação dos
espaços de brincadeiras, dos brinquedos, entre outras coisas. Não obstante, devemos
lembrar que, assim como os adultos, as crianças não são sujeitos passivos dentro da
cultura, ou seja, elas também (re)produzem essas questões nos ambientes educativos
(SILVA, 2016).
Organizando análises referentes a estas questões, e que articulam abordagens
sobre educação Infantil, brinquedos, brincadeiras, socialização, ensino apostilado e
interesses empresariais relacionados à disseminação do consumo de apostilas, Julia
Angelo (2018), em sua tese de doutorado, discorre sobre o “Sistema apostilado e
Educação Infantil: o ensino como negócio”. Além de apontar aspectos problemáticos
condizentes com a utilização de apostilas, a autora ainda enfatiza o nicho de mercado que
ficou evidenciado pela tendência de maior procura por este tipo de material nos últimos
anos:
cursinhos preparatórios para o ingresso em universidades. Não obstante tal gênese seja
constatada, Amorim evidencia um aparente paradoxo:
(...) o advento das apostilas no ensino regular se deu em pleno regime militar, o
que revela uma tendência ao caráter autoritário e desenvolvimentista por parte das
apostilas. Esta contextualização das apostilas corrobora para afirmação de que as
apostilas controlam professores e alunos por meio de um extenso e rígido (embora
fragmentário) esquema de aulas e conteúdos (AMORIM, 2008, p.45).
porque, como parte dos aspectos que integram a educação e a cultura da sociedade, o
pensar sobre as questões de gênero acabam se adequando aos métodos e materiais
escolhidos pelas instituições de ensino para a execução de suas propostas.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A partir de então foi ficando cada vez mais definida a pertinência de se examinar o
assunto delimitado por meio de uma verificação minuciosa dos textos, ilustrações e
demais dados registrados nas duas apostilas em foco. Categorizando tal forma de exame
enquanto pesquisa e análise qualitativa, as referidas apostilas de educação infantil, neste
sentido, constituíram-se como ponto de partida de demais estudos empreendidos.
Estudos, estes, que se deram especialmente por meio de artigos científicos, dissertações
de mestrado, teses de doutorado e demais fontes bibliográficas.
Neste sentido, Silva, Damaceno, Martins, Sobral e Farias (2009) nos ensinam que
a pesquisa documental é um método de investigação da realidade social. Para a
realização desse método de pesquisa, o pesquisador precisa fazer a coleta dos
documentos, que darão origem à pesquisa. Após a coleta, o pesquisador deverá analisar
o conteúdo desses documentos. A coleta dos documentos é uma parte importante da
pesquisa, pois exige do pesquisador, cuidados e formalidade, em relação ao contato com
as instituições ou fonte, para saber a disponibilidade dos materiais para pesquisa. Tais
38
cuidados também deverão abranger a escolha dos documentos, de modo que os mesmos
sejam adequados para a realização da pesquisa, e consiga esclarecer os objetivos pré-
definidos.
Pensando nisso, foi definido que a região da AMARP seria a região ideal para a
realização da pesquisa, por ser a região onde o Instituto Federal Catarinense - campus
Videira se localiza. Foi entrado em contato com a secretaria de educação dos municípios
da região e assim constatado a utilização da apostila da SEFE (Sistema Educacional
Família e Escola) em três municípios. Portanto, ficando definido a escolha das apostilas
da coleção Entrelinhas – SEFE, instituição privada com a sede em Curitiba – PR. Após a
escolha do material escolar em questão, foi verificado a disponibilidade das apostilas
para, assim, realizar a coleta e análise dos dados. Em seguida, foi entrado em contato
com uma professora que trabalhava com o material, sendo que o contato ocorreu de
forma presencial em um CEMEI no município de Fraiburgo – SC, no primeiro semestre de
2019. A mesma pôde disponibilizar duas apostilas, sendo referentes ao primeiro e
segundo semestre do Infantil 4, ou seja, Pré I, crianças de 4 anos. Os demais materiais
(apostila do professor e CD’s) não puderam ser disponibilizados, pois estavam sendo
utilizados em sala.
Para iniciar a escrita desse trabalho, foi feito um mapeamento em busca de autores
que fundamentassem a compreensão dos conceitos e das categorias que fossem
pertinentes à abordagem das apostilas em foco.
1
Pandemia, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), é a disseminação mundial de uma nova
doença. O termo indica que uma determinada enfermidade se espalhou por diferentes continentes com
transmissão entre pessoas. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/o-que-e-pandemia-
definicao-historico-e-gravidade/. Acesso em: 20 jun. 2021.
2
Covid-19 de acordo com o Ministério da Saúde, é uma infecção respiratória aguda causada pelo
coronavírus (SARS-CoV-2) potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global.
Disponível em: O que é a Covid-19? — Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 20 jun. 2021.
40
teve início. Após constatar a utilização dos materiais didáticos nos anos de 2020 e 2021, a
pesquisa pode ter continuidade.
presente nas apostilas pode passar despercebidas, já que é algo tão presente na nossa
cultura, mas que pode acarretar preconceitos futuros, e tornar a desigualdade e a divisão
de gênero algo ainda mais comum.
Esta atividade remete à percepção imediata de que existe uma separação entre
quem é “menino” e quem é “menina”. Nas ilustrações dos bonecos, é possível observar a
forma “tradicional” e padronizada de representar as figuras feminina e masculina
(mulher/menina vestida de saia e homem/menino sem vestimenta à caráter) como se
todas as mulheres/meninas estivessem enquadradas neste estilo “de saia”, por exemplo.
Se o docente não fizer uma conversa sobre as várias possibilidades de “ser menino” e
“ser menina” para estar introduzindo essa atividade para as crianças, a mesma pode
acabar contribuindo para consolidar um estereótipo que homogeniza tanto a imagem de
menino quanto de menina.
43
Para que haja um diálogo entre o professor (a) e as crianças de maneira saudável
é importante que os profissionais da educação recebam formação continuada, e materiais
que façam menção a uma educação não sexista. Pois, como o sexismo ainda está muito
presente nas culturas, fazer separação ou classificação de gênero, acaba sendo algo
naturalizado em muitas escolas e creches. Sendo assim, deve ser pensado maneiras para
trabalhar com esses professores desmistificando tais assuntos.
Desde a antiguidade até os dias atuais, os gêneros vêm sendo marcados por
estereótipos prontos, o que auxilia na reflexão acerca de tal proposta, já que a mesma
pede representações das quais pode auxiliar no desenvolvimento de preconceitos, caso
alguém não se sinta confortável ou representado na formação da atividade.
É valido relembrar que sexo biológico e gênero apesar de serem palavras bastante
confundidas ambas tem significado diferente, pois segundo Eiras (2019), o sexo biológico
é “o aspecto físico do ser humano”, seria a leitura do corpo no momento em que a criança
nasce, a partir do órgão sexual (pênis/vagina). Já o gênero “é uma construção sócio-
cultural sobre o que se entende o que é masculinidade e feminilidade”, como exemplo as
demarcações de como a mulher deve se vestir, ou como o homem deve demonstrar seus
sentimentos.
45
Scott, Lewis e Quadros (2009) escrevem que falar sobre igualdade para todos, não
quer dizer que todos tenham que ter as mesmas escolhas, mas sim que tenham as
mesmas oportunidades e direitos iguais. Onde cada pessoa tenha a oportunidade de
escolher o caminho que quer seguir em sua vida, sempre respeitando as escolhas
individuais de cada sujeito. As autoras ressaltam que pensar em igualdade não deve
46
desconsiderar que as diferenças existam e que estejam presentes na sociedade, mas que
essas diferenças não sejam motivos para que haja exclusão social.
Nas apostilas analisadas, foi possível encontrar duas atividades das quais
trabalhava sobre as diferenças indo além do sexo biológico. A primeira atividade está
relacionada com as diferenças físicas, descreve que somos todos diferentes e que
devemos aprender a respeitar todas as pessoas. Vejamos:
47
FIGURA 4 - BONECO
dizeres: “Somos todos diferentes! Cada um tem seu jeito de ser, de se vestir, de brincar,
de realizar atividades, de conversar... na escola, em casa, ou em outros lugares,
aprendemos a conviver e a respeitar todas as pessoas” (HOFIUS e SOUZA, 2019a, p.
43).
Ao se tratar destas e de outras temáticas tão desafiadoras para a educação infantil
da atualidade, permanece se fazendo necessário falar em formação docente e seus
desdobramentos no contexto escolar. Assim, Diniz e Ferraz (2015) nos trazem a seguinte
reflexão:
A segunda pintura é uma obra da artista Tarsila do Amaral de 1925, na qual expressa
uma família maior, é possível observar na pintura, homens, mulheres, crianças, e dois
animais (gato e cachorro). Após a observação das pinturas, a apostila faz dois
questionamentos: “Algumas dessas famílias se parece com a sua?” e “Será que as
famílias são todas iguais?”. Possibilitando aos docentes um diálogo a respeito de
diferentes famílias existentes dentro da sociedade e não a representação ou o diálogo
englobando apenas a família considerada tradicional.
Por tudo isso é que se faz relevante a percepção sobre o quanto é fundamental a
atenção aos contextos em que as dinâmicas de colagens, desenhos, recortes e demais
atividades escolares ocorrem. As referências que servem para que os exercícios motores
e mentais aconteçam podem muito bem ser de outra dimensão, ou, talvez, que sejam
referências de contos infantis clássicos, mas com abordagens críticas e revisadas, tendo,
por exemplo, como pano de fundo, personagens e histórias que não reproduzam
estereótipos e modelos de socialização preconceituosos, autoritários e patriarcais, como é
o caso da história da Rapunzel.
Portanto, o que talvez se apresenta como primordial não seja o fato de se adotar
uma ou outra fonte literária, artística ou lúdica, mas, sim, a forma como tais referências
serão dinamizadas no processo educativo. Não obstante, Valente e Vasconcelos (2019)
nos alertam acerca da cautela que se deve ter com a instrumentalização metodológica
dos contos, por exemplo:
FIGURA 9 - AUTORRETRATO
Artista e mulher, Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón – Frida Kahlo (1907-
1954) foi uma das personagens mais marcantes da história mexicana. Teve sua
existência marcada pela dor, pelo sofrimento e pela paixão, sentimentos refletidos
em sua obra (escrita e pictórica), por meio da qual ficou conhecida mundialmente
como sendo uma das maiores artistas do século passado. Declarada,
definitivamente, como comunista, revolucionária e patriota, a imagem dessa
artista, socialmente construída, é de uma mulher engajada com a política e à
frente do seu tempo, questões reafirmadas em seus autorretratos e em seu diário
autobiográfico (FACHIN, 2017, p.10).
Fazendo uma análise mais aprofundada nas apostilas, foi possível notar alguns
estereótipos de gênero que são bastante presentes na sociedade. De maneira
quantitativa foram construídas várias tabelas, das quais indicavam o que a figura
(representada por um menino ou uma menina) estavam fazendo, a roupa em que
estavam vestindo, suas expressões faciais e corporais, etc. Na tabela “Ações
representadas por meninas e meninos” pode ser notado que apareceu meios de
transportes e os mesmos estavam sendo conduzidos apenas por meninos. Vejamos:
MENINAS MENINOS
58
PARADAS: 3 PARADOS: 6
BRINCANDO: 2 BRINCANDO: 2
PINTANDO: 1 PINTANDO: 1
CANTANDO: 1
REPRESENTANDO PERSONAGENS DE
UMA HISTÓRIA: 1
FONTE: Tabela confeccionada pela própria autora a partir dos dados presentes em HOFIUS e
SOUZA,2019a e 2019b.
coletivo, das quais atribuem valores na formação dos sujeitos. Sendo ensinado, a maneira
correta de se comportar, de agir, do que gostar, sem pensar nas particularidades de cada
sujeito, limitando suas vivências.
Neste sentido, também, é que se pode afirmar que a escola assume um papel
essencial e fundamental na sociedade em que vivemos, pois a criança está exposta a
várias informações que contribuem para seu processo identitário na construção de seus
saberes e valores, cabendo a esta instituição assumir papel de organizar tais informações
de modo a torná-las significativas no processo de desenvolvimento da criança.
Trabalhando dessa forma, convergem assuntos ligados a questões sociais e culturais,
entre eles as questões de gênero (Sousa, Araújo e Astigarraga, 2015).
A representação de como os gêneros são simbolizados em suas agregações aos
meios de transporte, seja por meio de quem é caracterizado como o condutor, seja de
quem é alvo de piadas preconceituosas e de mau gosto sintetizadas em falas populares
como “mulher no volante, perigo constante”, delimitam relações de poder e grotescamente
caricaturam os gêneros quanto a esta forma de convívio social, que é o trânsito. Assim é
que Lauretis (1994) vai apontar que o discurso hegemônico, exaustivamente repetido, vai
produzir retratos sociais caricatos. E, assim, tais discursos se naturalizam,
institucionalizam-se, e acabam sendo os responsáveis pela formação do masculino e do
feminino. Até por isso é que a mencionada autora ainda afirma que as próprias práticas
da vida cotidiana, também desencadeadas nas escolas, igualmente são responsáveis por
esta construção dos gêneros.
Desse modo, é preciso compreendermos a escola como um espaço social, onde a
criança aprende através de experiências e do contato com o outro. Convivência que pode
influenciar seus gostos, ideias, atitudes, etc. do futuro. Sendo assim, a escola também
precisa ser um lugar de lutas por mudanças, em busca de uma vida mais justa e
igualitária para ambos. Naturalizando as diferenças de maneira não excludente ou de
superioridade. Para que todos possam respeitar um ao outro e entender que as
diferenças não os tornam menos eficazes.
consiste em uma curiosidade sobre o primeiro transporte utilizado na água. Para finalizar
a página, as autoras fazem um questionamento para as crianças, como pode ser
observado a seguir:
julgar o que é normal e natural a partir da profusão de imagens que nos rodeiam
diariamente. Imagens são, portanto, pedagogias e, nesse sentido, a crítica a elas se torna
indispensável” (PARA BASTOS, CRUZ E DANTAS,2018, P. 60). Isto porque, a criança vai
aprendendo a partir do que lhe é ensinado, a partir de suas experiências e vivências, das
quais determinam como as pessoas devem agir e o que devem fazer.
(...) imagens, concepções estéticas e obras de arte não são neutras, inocentes,
mas integram as redes de tensões inerentes às relações de poder das estruturas
sociais em que são realizadas, circulam, e articulam sentidos. Desse modo, a
eleição de certas imagens, concepções estéticas e obras de arte para integrarem
os conteúdos veiculados na educação escolar, resulta da interação de diversos
fatores, por trás dos quais prevalecem interesses os mais diversos, econômicos,
políticos, dentre outros (MARTINS, 2008, p.99).
e menos interatividade entre meninos e meninas (que, neste caso, melhor dizendo, é uma
única menina).
Além da tabela 1 (“ações representadas por meninas e meninos”), outra
organização de dados que quantificou percepções construídas ao longo deste estudo foi a
tabela 2, abaixo, ao contabilizar os tipos de vestimentas que meninos e meninas
utilizavam. Para melhor entendimento dos dados abaixo se fez importante contabilizar a
quantidade de vezes em que ambos os gêneros aparecem nas apostilas. Na apostila do
1º semestre os meninos aparecem 26 vezes e as meninas 22 vezes. Na apostila do 2º
semestre os meninos aparecem 20 vezes e as meninas 13. Vejamos:
TABELA 2 - VESTIMENTAS.
VESTIMENTAS
Um exemplo que não é comum na região da AMARP onde foi realizado esse
estudo, é em relação a meninos utilizarem vestidos. Em ambas as apostilas se tem a
representação de homens utilizando essa peça de roupa, nas apostilas do primeiro e do
segundo semestre (figuras 12 e 10 respectivamente), as figuras masculinas que utilizam
64
Apesar das atividades em que aparecem o masculino utilizando vestido não terem relação
com o assunto vestimentas, é importante que haja essa representatividade nos materiais.
Além disso, a criança também fará conexões entre a vestimenta e a época em que a
mesma foi utilizada, compreendendo, assim, que não são suas características biológicas
e anatômicas que irão determinar seus trajes/vestimentas a serem utilizados.
Roveri (2014) estudou acerca das roupas e a educação do corpo infantil, tendo
como foco de estudo os “anos dourados”. A autora pôde constatar que as roupas são
elementos culturais de cada época e que tem um papel de fabricar aparências,
contribuindo para a “compreensão da educação do corpo”. Sendo possível perceber nas
vestimentas qual sociedade que as pessoas estão inseridas e até mesmo a imagem que
uma seleção de roupas pode passar às pessoas que as observam.
65
Como citado anteriormente, Bastos, Cruz e Dantas (2018) explicam que nosso
olhar passa a julgar o que é considerado normal a partir de imagens que nos rodeiam
diariamente. Sendo assim, não se fez necessário que as autoras da apostila escrevessem
abaixo das figuras quais eram fêmeas ou quais eram machos, foi necessário que
houvessem “sinais”, para que nosso cérebro fizesse essa ligação automaticamente, a
partir das imagens que rodeiam na sociedade. Enquanto isso, na figura 14 a
representação do macho e da fêmea é realizada de maneira evidente, vejamos:
Na atividade da figura 14, por meio de uma cantiga bastante popular, o galo e a
galinha são retratados com vestimentas que nos instigam a refletir a respeito da forma
como tais animais aparecem representados. Enquanto o galo é apresentado com terno, a
galinha consta vestida de avental.
Ainda segundo as autoras acima citadas, “roupas e moda são práticas sociais e
culturais, perceptíveis desde o momento em que uma grávida conhece o sexo da criança
e começa a vesti-la por meio da preparação do enxoval” (SÍMILI e FRANQUI, 2015,
p.279). Neste mesmo sentido, Bento (2004) afirma que “[...] o gênero adquire vida através
das roupas que compõem o corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, de uma estilística
definida como ‘apropriada’ aos sexos masculino e feminino” (BENTO, 2004, p. 4). E,
também nesta direção, Crane (2006) nos traz que as roupas
são usadas para fazer uma declaração sobre classe e identidades sociais, mas
suas mensagens principais referem-se às maneiras pelas quais mulheres e
homens consideram seus papéis de gênero, ou como se espera que eles o
percebam (CRANE, 2006, p. 47).
coisas de meninas. Mesmo tendo dois exemplos de homens utilizando vestido, a criança
pode associar que na maioria das figuras femininas as mesmas aparecem utilizando
vestidos e saias, já os meninos apenas em representações do passado. Lopes (2017, pg.
20339) escreve que “Meninas e meninos, quando chegam à escola, carregam consigo
elementos externos constituintes da imagem de si e do mundo, influenciados pelos
valores de uma sociedade androcêntrica.”
Dessa forma, a escola pode estar contribuindo para a formação das desigualdades
ou problematizando tais assuntos, como, por exemplo, o fato de as roupas não definirem
o ser menina ou o ser menino, mas sim “um conjunto complexo de conceitos e detalhes
que as crianças vão construindo e adquirindo a partir da mediação com o meio social em
que vivem” (SILVA, 2016, pg.36). Pois, o processo de divisão de gênero e estereótipos
podem estar presentes nos mínimos detalhes, contribuindo de maneira silenciosa e
vagarosa, por estar presente na vida dos indivíduos desde os seus primeiros dias de vida.
Outro exemplo observado nas figuras da apostila, que pode estar contribuindo nos
estereótipos de gênero, faz-se presente em uma atividade que consiste em organizar em
ordem cronológica quatro imagens e, logo após, contar uma história utilizando tal
organização. Observe as roupas utilizadas pela personagem principal da história:
69
FIGURA 15 - A CHUVA.
Pertinente, aqui, ao debater este aspecto, é trazer Leite, Furlan e Maio (2015, pg.
6) quando citam Ferreira (2006), ao escrever que “a escola produz e reproduz conteúdos
e identidades culturais”, de modo que reforça as desigualdades de gênero, reproduzindo
marcas atreladas a uma sociedade binária. As autoras complementam que os livros
didáticos por vezes acabam contribuindo para a manutenção dos sistemas de
pensamentos e atitudes sexistas, não compreendendo assim seu papel de socializadora,
na qual deve assegurar uma prática reflexiva que impossibilite o ciclo constante e
repetitivo das atividades estereotipadas.
Minhoca, minhoca
Me dá uma beijoca
Não dou, não dou
Então eu vou roubar
Minhoco, minhoco
Você é mesmo louco
Beijou do lado errado
A boca é do outro lado
(Domínio Público)
A frase “Beijou do lado errado, a boca é do outro lado”, tem a intenção de mostrar
que as características da minhoca são iguais tanto na parte da cabeça quanto na parte
inferior do corpo, sendo difícil de distinguir olhando superficialmente. Deixar de se
trabalhar o fato de que o roubo de um beijo seja um comportamento agressivo e machista,
pode ficar subentendido que tal ato seja considerado normal. O fato é que, em uma
cultura com fortes raízes patriarcais, por anos a mulher teve um papel de submissão,
precisando ficar calada mesmo em momentos em que não concordava com o que estava
acontecendo.
Leite, Furlan e Maio (2015, pg. 4), trazem as ideias de Moreno (1999) no qual
escreve que os materiais didáticos possibilitam o ensino e a aprendizagem tanto da leitura
73
Silva e Morais (2017) escrevem que as crianças aprendem com o adulto, repetindo
e recriando experiencias que são passadas a elas por meio de orientações e ações do dia
a dia, das quais, podem ser planejadas ou não. Em relação ao gênero, a escola acaba
por sinalizar características, que são delimitadas como certo ou errado para meninas e
meninos. Na organização espacial, nas filas, na divisão na hora do brincar, nas cores, nos
materiais didáticos, entre outras várias formas de classificação e separação entre
meninos e meninas existentes dentro das instituições de ensino.
Por fim, assim como na dinâmica referente ao “beijo roubado”, outra atividade da
apostila que retrata a imagem feminina em uma situação que pode ser considerada
constrangedora é a dinâmica presente da figura 17:
74
Esta página solicita que se dinamize uma interação com as crianças por meio de
um poema. Tal poema tem como uma de suas atenções centradas no “psiu”: uma
interjeição muito comum na realidade social brasileira e que, em grande parte das vezes,
está relacionado a um comportamento de objetificação da mulher o qual se circunstancia
especialmente em condições constrangedoras, incluindo até mesmo as várias formas de
assédio.
de tudo o que esteja implícito nas falas e nas representações simbólicas, incluindo o
vocabulário utilizado no poema, contribui-se para a naturalização de práticas de
constrangimento, importunação e até mesmo assédio.
Neste sentido, Mendonça (2017), em sua dissertação de mestrado "’Meu nome não
é psiu!’: Assédio nas ruas e a luta dos feminismos por reconhecimento jurídico”, nos traz
que
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com isso devemos questionar qual o tipo de aprendizagem e qual o papel dos
materiais didáticos no cotidiano e desenvolvimento infantil da criança. Isto porque o
mesmo acaba por limitar as práticas pedagógicas, sem pensar em cada criança como um
76
REFERÊNCIAS
AMORIM, Ivair Fernandes de. Reflexões críticas sobre os sistemas apostilados de ensino. 2008. 191 f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara,
2008.
ANGELO, Julia de Souza Delibero. Sistema apostilado e Educação Infantil: o ensino como negócio. Tese
(Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo. 117 f. 2018.
AUAD, Daniela; RAMOS, Maria Rita Neves. Gênero na Educação Infantil: (Des)Caminhos de uma Política
Pública Não Consolidada. Revista de Ciências Humanas da URI-FW (online), v.19, n. 01, 2018.
BARBOSA, Fábia Cristina Mendes; ANDRADE, Helisangela. Gênero na prática: uma educação não-sexista
nas escolas. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais
Eletrônicos), Florianópolis, 2017.
BASTOS, Rodolpho Alexandre Santos Melo; NOGUEIRA, Joanna Ribeiro. Estereótipos de gênero em
contos de fada: uma abordagem histórico-pedagógica. Dimensões, v. 36, jan.-jun. 2016, p. 12-30.
BENEDICT, Ruth. Padrões de cultura. Tradução de Alberto Candeias. Lisboa: Livros do Brasil, [s.d.].
BORGES, Andreia Raquel Fernandes. Gênero – Uma Dimensão Oculta na Prática Profissional. São Paulo,
Papirus: 2009.
BRAGAGNOLO, R. I.. BARBOSA R.. Diversidade como princípio pedagógico inclusivo. In: GROSSI, Miriam
P.; GARCIA, Olga Regina Z.; MAGRINI, Pedro R. (org.). Livro 2 – Módulo II – As diferenças de gênero no
espaço escolar. Florianópolis: Instituto de Estudos de Gênero. Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
UFSC, 2015. p.71-139.
BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto n o 89.460, de 20 de março
de 1984. Brasília, DF, 13 set. 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm>. Acesso em 10 de maio de 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
CAROLINO NETO, Nelson. Cultura e Personalidade: a questão do “inadaptado” a partir de Margaret Mead e
Ruth Benedict. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Interdisciplinar em Ciências Humanas) –
Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017.
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de; COSTA, Eliana Célia Ismael da; MELO, Rosemary Alves de. Roteiros
de gênero: a pedagogia organizacional e visual gendrada no cotidiano da educação infantil. 31ª REUNIÃO
ANUAL DA ANPEd. Caxambu/MG, 2008. Disponível em: http://31reuniao.anped.org.br/1trabalho/GT23-
3953--Int.pdf
DIAS, Bruno Vinicius Kutelak; CABREIRA, Regina Helena Urias. A imagem da bruxa: da antiguidade
histórica às representações fílmicas contemporâneas. lha do Desterro v. 72, nº 1, p. 175-197, Florianópolis,
jan/abr 2019.
DINIZ, Margareth; FERRAZ, Cláudia Itaborahy. Diferença, diversidade e formação docente: contribuições da
psicanálise à discussão da inclusão. Educação (Porto Alegre, impresso), v.38, n. 2, p. 185-192, maio/ago.
2015.
EIRAS, Natália. Entenda a diferença entre sexo biológico, gênero e orientação sexual. UOL Universa, 2019.
Disponível em: < https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/06/27/entenda-a-diferenca-entre-
sexo-biologico-genero-e-orientacao-sexual.htm> Acesso em: 06 de ago. de 2021.
FACHIN, Paulo Cesar. Uma casa azul de memórias: escritas de Frida Kahlo. 2017. 177 f. Tese (Doutorado
- Programa de Pós-Graduação em Letras) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2017.
78
FAHS Ana C. Salvatti. Movimento feminista: história no Brasil. Publicado em 19 de set. de 2016. Disponível
em: <https://www.politize.com.br/movimento-feminista/?https://www.politize.com.br/
&gclid=CjwKCAjwjJmIBhA4EiwAQdCbxvHqIh9DoPpCsQAp7RI50Z6rJTpzpW5CMwQs2DvHYwGcuyfAgCjf
OBoCwcUQAvD_BwE>. Acesso em: 19 de jul. de 2021.
FELIPPE, Mariana Boujikian & OLIVEIRA-MACEDO, Shisleni de. 2018. "Margareth Mead". In: Enciclopédia
de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em:
<http://ea.fflch.usp.br/autor/margaret-mead>
FIGUEIREDO, Sandriane Proença; ROCHAL, Jefferson Marçal da. Perspectivas para o empoderamento da
mulher através da releitura de clássicos infantis para séries iniciais do ensino fundamental. Revista
Monografias Ambientais, v. 19, ed. esp., e2, Universidade Federal do Pampa, São Gabriel, 2020.
GUSMÃO, Neusa M. M. Desafios da Diversidade na Escola. Revista Mediações,Londrina, v.5, n.2, p.9-28,
jul/dez, 2000.
HEALEY, Mark. «Os desencontros da tradição em Cidade das Mulheres: raça e gênero na etnografia de
Ruth Landes*». Cadernos Pagu (6/7): 153–199, julho de 1996.
HOFIUS, Elidete. SOUZA, Caren Adur de. ENTRELINHAS. Infantil 4, 1º semestre, Ed. Sefe. 2019 (apostila).
______. ENTRELINHAS. Infantil 4, 2º semestre, Ed. Sefe. 2019 (apostila).
LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, B.H. Tendências e impasses: o feminismo como
crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LEITE, Lucimar da Luz; FURLAN, Cássia Cristina; MAIO, Eliane Rose. Compreensões de gênero nos
materiais didáticos escolares do ensino fundamental. IV SIES, Maringá, 2015.
LOPES, Franciéli Arlt. Menina pode isso, menino pode aquilo: estereótipos de gênero no cenário escolar.
EDUCERE, XIII Congresso Nacional de Educação, 2017, p. 20331-20342. Disponível em:
<https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24349_13477.pdf.> Acesso em: 04 de abr. de 2021.
LOPES, Franciéli Arlt. GESSER, Veronica. (Des)igualdade de gênero e currículo à luz dos direitos humanos
universais e das mulheres. EDUCERE, XIII Congresso Nacional de Educação, 2017, p. 206-222. Disponível
em: < 24349_13478.pdf (bruc.com.br)> Acesso em: 01 de set. de 2021.
López-Barreyro, Luz Amparo. A Imagem da Mulher nas Propagandas Televisivas: uma análise na
perspectiva de Gênero. Revista Gestão & Políticas Públicas, 7(1), 37-56. Ano 2017.
MARTINS, Alice Fátima. Conflitos e acordos de cooperação nos trânsitos das visualidades na educação
escolar. In: Raimundo Martins. (Org.). Visualidade e educação. 1ed. Goiânia: Funape, 2008, v. , p. 97-108.
MARTINS, Eliecília de Fátima; HOFFMANN, Zara. Os papeis de gênero nos livros didáticos de ciências.
Revista Ensaios, Belo Horizonte, v.9, n.01, p.132-151, jan-jun, 2007.
MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.
MENDONÇA, Yasmin Curzi. "Meu nome não é psiu!": Assédio nas ruas e a luta dos feminismos por
reconhecimento jurídico. 2017. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
MIRALES, Rosana. Algumas reflexões sobre gênero e serviço social. Fazendo Gênero 9 – Diásporas,
Diversidade, Deslocamentos, agosto de 2010.
MURRAY, Roseana. Fardo de Carinho. Belo Horizonte: Lê, 2004.
PHILLIPIS, B.S. Pesquisa social: estratégias e táticas. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1974.
PRADO, D. O que é Família. 12 ed. Coleção Primeiros Passos. Ed. Brasiliense; São Paulo, 1991.
79
PEREIRA, Diana Vanessa; COURA, Francijane Nogueira; ARAÚJO, Naddine Elkane Simão de.
Feminismos: luta pela equidade de gênero, justiça social e direitos pelos corpos. VI Seminário CETROS –
Crise e Mundo do Trabalho no Brasil – desafios para a classe trabalhadora. UECE, campus do Itaperi,
2018.
SANTANA, Katiane Cardoso; MATA, Áurea Augusta Rodriguez da. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO
INFANTIL PARA O DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO. III CONEDU, 2016.
SCOTT, Joan. Gênero: uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade. p.71-99, 1995.
SCOTT, Parry. LEWIS, Liana. QUADROS, Marions Teodósio de. Gênero, diversidade e desigualdades na
educação: interpretações e reflexões para formação docente. Ed. UFPE. Recife, 2009. Disponível em: <
https://www.ufpe.br/documents/1016303/1020379/gnero+diversidade+e+desigualdade+na+educa_o.pdf/
fdda0d28-41f4-4145-bb34-e0013193a9cb >
SILVA, Francisca Jocineide da Costa; MORAIS, Adenilda Bertoldo Alves de. “COISAS DE MENINOS E
COISAS DE MENINAS”: A PRODUÇÃO DO CURSO GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA SOBRE
EDUCAÇÃO INFANTIL. 38ª reu, Amped. MA, 2017. Disponível em:
<http://38reuniao.anped.org.br/sites/default/files/resources/programacao/
trabalho_38anped_2017_GT23_937.pdf> Acesso em: 23 de ago. de 2021.
SILVA, Jéssica Viana e. O trabalho com apostilas na educação infantil e as questões de gênero.
Monografia. Curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina, 2016.
Silva, L. R. C., Damaceno, A. D., Martins, M. C. R., Sobral, K. M., & Farias, I. M. S. (2009). Pesquisa
documental: alternativa investigativa na atuação docente. In IX Congresso Nacional de Educação -
EDUCERE, III Encontro brasileiro de psicopedagogia (pp. 4554-4566). Paraná: PUCPR. Recuperado de
http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3124_1712.pdf
SILVA, Rogério Luiz Nery da. HAHN, Paulo. TRAMONTINA, Robison. EDUCAÇÃO: Direito fundamental
universal. Revista Espaço Jurídico, v. 12, p. 211-232, 2011.
SOUSA, Maria Inês de Oliveira; ARAÚJO, João Berksonda Rocha; ASTIGARRA, Andrea Abreu.
O “sexo” dos brinquedos: Gênero na educação infantil. In: II Congresso Nacional de Educação, 2015,
Campina Grande/PB.
TELLES, Norma. Retratos de Mulher. Revista Gênero. Niterói, v. 10, n. 2, p. 19-46, 1. sem. 2010.
VALENTE, Amanda Matos; VASCONCELOS, Thaissa de Oliveira. Era uma vez: Os contos de fadas como
os primeiros tijolos da construção social do gênero. Revista Três Pontos. Ano 16, n. 1 Jan/Jun 2019.
VIEIRA, Karina Augusta Limonta. Educação como tradição: a relação adulto-criança na antropologia
culturalista de Margaret Mead e Ruth Benedict. Revista Zero-a-seis, v. 21, n. 39 p. 120-135 | jan-jun 2019.