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INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE

CAMPUS VIDEIRA

CURSO DE PEDAGOGIA

ANDRESSA VIEIRA MARTINS

O DISCURSO DE GÊNERO EM APOSTILAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA


REGIÃO CATARINENSE DA ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ALTO VALE DO
RIO DO PEIXE (AMARP)

VIDEIRA
2021

ANDRESSA VIEIRA MARTINS

O DISCURSO DE GÊNERO EM APOSTILAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA


REGIÃO CATARINENSE DA ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ALTO VALE DO
RIO DO PEIXE (AMARP)

Trabalho de Curso apresentado à disciplina de


Pesquisa e Processos Educativos VII do curso de
Licenciatura em Pedagogia, do Instituto Federal
Catarinense - Campus Videira.

Orientador: Prof. Dr. Gabriel Schmitt


VIDEIRA

2021

ANDRESSA VIEIRA MARTINS

O DISCURSO DE GÊNERO EM APOSTILAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA


REGIÃO CATARINENSE DA ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ALTO VALE
DO RIO DO PEIXE (AMARP)

Este trabalho de Curso foi julgado adequado para a obtenção do título de


Licenciatura em Pedagogia e aprovado em sua forma final pelo curso de graduação
em Pedagogia do Instituto Federal de Educação e Ciência e Tecnologia Catarinense
– Campus Videira.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________
Professor e orientador Dr. Gabriel Schmitt
IFC – Campus Videira

____________________________________
Professora Dra. Kelly Aparecida Gomes
IFC – Campus Videira

____________________________________
Professor Dr. André Ricardo Oliveira
IFC – Campus Videira
Videira, setembro de 2021
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que me deu força para prosseguir nos momentos mais
difíceis.

Aos meus pais, Lucimara Schwartz e Sebastião Martins, que sempre acreditaram
em mim, até nos momentos que nem eu mesmo acreditei, me dando todo apoio e
incentivo.

Ao meu irmão Andrei e sua esposa Thais que me apoiaram e auxiliaram nos
momentos difíceis.

Ao meu professor e orientador Gabriel Schmitt que me deu total apoio e incentivo
durante todo o processo.

Aos meus colegas e amigos que pude conhecer durante meu processo formativo, no
qual tornaram o caminho ainda mais significativo.

Por fim, a todo corpo docente e servidores do Instituto Federal Catarinense que de
alguma forma contribuíram em minha jornada formativa.
“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou
reproduza as desigualdades”.
Boaventura de Sousa
Santos

RESUMO

O presente trabalho refere-se a um estudo de como o discurso de gênero está


presente nas apostilas dos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs) da
região catarinense da Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe
(AMARP). Verificou-se a forma como as falas e os estereótipos de gênero se
apresentaram ao longo das páginas destes materiais. Para tanto, foram examinadas
as ilustrações e as dinâmicas inseridas ao longo das páginas das referidas apostilas.
A metodologia da pesquisa deste Trabalho de Curso se caracteriza como sendo de
caráter qualitativo, haja vista que os exames analíticos se referem ao objeto de
estudo que são as apostilas da coleção Entrelinhas – SEFE (Sistema Educacional
Família e Escola), empresa com sede em Curitiba. A adoção deste material escolar
tem como público alvo o Infantil 4, ou seja, Pré I crianças de 4 anos. Tais apostilas,
de 1º e 2º semestre, foram escritas pelas autoras Elidete Hofius e Caren Adur de
Souza.

Palavras-chave: Estereótipos. Apostilas. Educação. Gênero.


ABSTRACT

This work refers to a study that talks about how gender discourse is in
coursepacks of the Municipal Centers of Children Education (CEMEIS) of the
Catarinense region of Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe
(AMARP). Certified the way how the lines and the stereotypes of gender are
presented over the pages in this material. For that, were examined the illustrations
and the dynamics inserted over in the referred coursepacks. The source
methodology of this work is characterized as a qualitative character, considering that
the analytical exams refer to the object of study that is coursepack Entrelinhas –
SEFE (Family and School Educational System), a company based in Curitiba. The
adoption of this school material targets the Childish 4, that is, Pré I 4 years children.
Such coursepacks, of 1º and 2º semester, were written by Elidete Hofius and Caren
Adur de Souza.

Keywords: Stereotypes. Coursepacks. Education. Gender.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 - REPRESENTAÇÃO DE MENINOS E MENINAS. 37

FIGURA 2 - REPRESENTAÇÃO DE MENINOS E MENINAS 38

FIGURA 3 - SOMOS TODOS DIFERENTES! 41

FIGURA 4 - BONECO 42

FIGURA 5 - DIFERENTES FAMÍLIAS. 44

FIGURA 6 - HISTÓRIA DA RAPUNZEL 46

FIGURA 7 - HISTÓRIA DA RAPUNZEL 46

FIGURA 8 - O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA 49

FIGURA 9 - AUTORRETRATO 50

FIGURA 10 - MEIOS DE TRANSPORTE. 54

FIGURA 11 - BRINCADEIRA DE RODA. 55

FIGURA 12 - HOMEM PRIMITIVO. 57

FIGURA 13 - CARNEIRINHO, CARNEIRÃO. 59

FIGURA 14 - O GALO E A GALINHA. 60

FIGURA 15 - A CHUVA. 63

FIGURA 16 - A MINHOCA E O “MINHOCO”. 65

FIGURA 17 - A MENINA E A GOTINHA DE CHUVA. 68


LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - AÇÕES REPRESENTADAS POR MENINAS E MENINOS. 51

TABELA 2 - VESTIMENTAS. 56
LISTA DE SIGLAS

AMARP -Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe


BNCC -Base Nacional Comum Curricular
CD -Disco compacto
CEMEI -Centros Municipais de Educação Infantil
CTI -Centro de Tratamento e Terapia Intensiva
IBPEX -Instituto Brasileiro de POS Graduação e Extensão
ONU -Organização das Nações Unidas
Pág -Página
PR -Paraná
PUC -Pontifícia Universidade Católica
SC -Santa Catarina
SEFE -Sistema Educacional Família e Escola
UFPR -Universidade Federal do Paraná
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 12
2. CONTEXTOS SOCIAIS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO
APOSTILADO 14
3. O DEBATE SOBRE GÊNERO, A ADOÇÃO DE APOSTILAS ESCOLARES
E OS INTERESSES SOCIOPOLÍTICOS CONSTITUÍDOS. 18
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 31
5. AS APOSTILAS EM QUESTÃO E O DEBATE SOBRE GÊNERO 34
5.1 REPRESENTAÇÕES DE MENINOS E MENINAS 34
5.2 DIFERENÇAS QUE VÃO ALÉM DO SEXO BIOLÓGICO 40
5.3 CONTOS E SUAS REPRESENTAÇÕES 45
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 69
REFERENCIAS 71
17

1. INTRODUÇÃO

A adesão ao ensino apostilado na Educação Infantil vem cada vez ganhando mais
espaço na educação brasileira, o que acaba por gerar discussões e debates no meio
acadêmico. O fato do ensino apostilado contemplar a distribuição de seus materiais,
padronizados, para cidades das mais distintas características culturais, é uma dos
primeiros dilemas apontados por estas reflexões. Outra crítica largamente manifesta é o
fato de que as organizações pedagógicas das escolas que tem as apostilas como
referência acabam limitando o planejamento didático dos seus docentes e, ao mesmo
tempo, com este tipo de material, parte-se de abordagens de realidades sociais que não
são comuns às diversidades de condições das comunidades escolares.

Percebida pela discente autora deste trabalho, e no contexto dos apontamentos acima
mencionados, constatou-se até mesmo a existência de apostilas que, em seus conteúdos,
evidenciavam estereótipos, preconceitos e discriminações que diziam respeito a questões
de gênero (masculino/feminino).

Atentando-se a esta percepção, e como manifestação de curiosidade, considerou-


se pertinente interpor a seguinte indagação: “de que forma o discurso de gênero está
presente em apostilas da Educação Infantil na região catarinense da Associação dos
Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe (AMARP)?” Tal questionamento, neste sentido,
foi motivado pela intenção de se investigar como esse discurso está presente nas
apostilas que orientam o trabalho dos(a) professores(a) nas suas respectivas turmas. E,
como extensão a esta motivação, interessou-se pela compreensão de como as diretrizes
das apostilas, em relação às discussões de gênero, podem contribuir, de forma ampla,
com a educação infantil.

Contextualizando geograficamente, a região da AMARP é composta por 15 municípios


os quais, em conjunto, são também conhecidos, historicamente, como pertencentes ao
denominado Vale do Contestado, em Santa Catarina. E as apostilas analisadas nesse
trabalho são da Coleção Entrelinhas, uma produção do Sistema Educacional Família e
Escola (SEFE), editora Opet, com sede em Curitiba, PR. São materiais referente ao
Infantil 4, ou seja, Pré I, crianças de 4 anos, sendo que os mesmos foram escritos por
Elidete Zanardini Hofius e Caren Adur de Souza. Obras estas, portanto, presentes nos
18

Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEI’s) de três municípios da AMARP, sendo


eles Arroio Trinta, Fraiburgo e Salto Veloso. Os demais municípios da AMARP não fazem
uso de apostilas na Educação Infantil.

Neste sentido, examinar cuidadosamente a organização didática destas apostilas é


algo que se fez de grande relevância já que se supõe que tais materiais derivem de um
planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas que levem em conta o
pressuposto da pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das
crianças brasileiras. Também como hipótese, tais considerações, por sua vez, ocorreriam
com o intuito de favorecer o que se preconiza legalmente, já há bastante tempo, como
sendo a construção de propostas educativas que responderiam às demandas das crianças
e seus familiares nas diferentes regiões do país (BRASIL, MEC/SEF, 1998).

Confrontar expectativas oficiais, e já há bastante tempo consolidadas, com a realidade


prática referente às apostilas que aqui são objeto de estudo... eis o exercício de reflexão
que se apresenta. E, ainda que a escolha específica referente às duas apostilas tivesse
relação com a disponibilidade das mesmas para a realização da pesquisa, e não a
preferência destas apostilas em detrimento de outras, o olhar da discente autora deste
trabalho também foi se constituindo, ao longo do tempo, por meio da busca de se
compreender a relação entre as práticas adotadas por docentes de CEMEI’s e os
mencionados materiais didático-pedagógicos utilizados pelos mesmos. Neste sentido, ao
observar que certos procedimentos, aplicados por tais docentes em suas relações com
seus alunos, reproduziam estereótipos de gêneros, com suas correspondentes práticas
discriminatórias, a discente/autora foi instigada a procurar possíveis conexões entre as
atitudes adotadas e as apostilas em foco.

Considerando que o objetivo geral do presente trabalho tem como escopo o


diagnóstico de como o discurso de gênero está presente nas apostilas da Educação
Infantil em três municípios da região AMARP, as finalidades específicas deste estudo vão
ao encontro de dois propósitos: 1) a identificação dos aspectos que caracterizam os
gêneros no contexto da abordagem das apostilas, e 2) a verificação sobre se há, e como
há, a reprodução e/ou desconstrução de padrões estereotipados dos discursos de gênero
por meio da relação docentes/apostilas/discentes.
19

Desta forma, ao explicitar o presente estudo, o trabalho se organiza em seis


capítulos, os quais se dedicam às seguintes discussões: No segundo capítulo é realizado
uma pequena reflexão sobre os contextos sociais e culturais da educação infantil e do
ensino apostilado. O terceiro capítulo aborda as ideias de autores que retratam como a
cultura influencia no desenvolvimento do ser humano, e como isso pode refletir na
construção de um sujeito com ou sem preconceitos, das quais podem legitimar as
relações de poder e gerar exclusão. Também será abordado sobre a adoção do ensino
apostilado e os interesses sociopolíticos constituídos. No capítulo quatro apresenta-se os
procedimentos metodológicos e o contexto em que a pesquisa foi realizada. Na sequência,
no capítulo 5, encontram-se as análises de dados, divididos em três subcapítulos, os quais
retrataram reflexões relacionadas aso conteúdos presentes nas apostilas e que dizem
respeito às temáticas deste trabalho. Por fim, no capítulo 6, procedeu-se às
considerações finais e projeções para possível continuidade de pesquisas e exames
referentes à presente temática proposta.

2. CONTEXTOS SOCIAIS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO APOSTILADO

Inicialmente, com a finalidade de referenciar a compreensão a respeito de como os


discursos de gênero estão presentes nos materiais didáticos, incluindo as configurações
referentes a apostilas, faz-se relevante debater acerca de como as características
culturais de uma coletividade podem espelhar tanto a produção de obras editoriais
pedagógicas/escolares quanto a produção de falas docentes nos seus respectivos
espaços práticos de atuação.

Nesta direção, alicerçando nossa compreensão no sentido de identificarmos a forma


como estereótipos de gênero são “carimbados” culturalmente no contexto das mais
diferentes coletividades, Émile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia, já explicava
que os “fatos sociais”, em sua totalidade, precisam ser investigados no âmbito das
dinâmicas das sociedades e não como desdobramentos de vontades individuais
específicas/próprias de cada sujeito (DURKHEIM, 2010).
20

Ora, como os fatos sociais circunscrevem toda e qualquer situação que possua os
componentes coercitivos, exteriores e gerais de uma coletividade, a constituição cultural
dos gêneros acaba por ser envolvida por tal configuração (DURKHEIM, 2010). Assim, as
representações que dizem respeito aos gêneros manifestam, na sociedade, uma via de
mão dupla haja vista que os fatos sociais configuram os papeis de cada um dos gêneros e
estes, por sua vez, configuram a dinamização dos fatos sociais por meio das relações
sociais. E desde a infância, por conseguinte, a criança realiza o processo de
reprodução/contestação dos valores e normas que estão instituídos na cultura de sua
sociedade.

A referida reprodução/contestação que ocorre na coletividade requer


necessariamente que, para tanto, cada um dos gêneros vivencie, desde a mais tenra
idade, experiências de relações sociais e culturais as mais diversas. Assim, existem
várias infâncias das quais as crianças vivenciam. Infâncias, estas, que se desenvolvem a
partir de suas experiências enquanto sujeitos, e de suas necessidades próprias de
crescimento. Não obstante, atualmente, todas estas infâncias são consideradas como
configuradoras de sujeitos possuidores de direitos e deveres, incluindo as prerrogativas e
obrigações relacionadas às discussões que dizem respeito às questões de gêneros. E
então a criança, por meio de todo este processo de contatos pessoais e coletivos, vai
tecendo uma cadeia de relacionamentos com seu entorno histórico e cultural, interagindo
de forma permanente com as realidades dos outros seres e dos objetos (ALMEIDA,
2016).

Levando em conta as transformações globais e locais que cada sociedade vai


sendo incitada a realizar, cabe às instituições escolares decidirem pela integração ou não,
por exemplo, dos pressupostos de inclusão, democratização e respeito às diversidades,
entre as quais as de gênero. Pensando na dimensão de efetivação de tal integração,
Martins e Hoffmann (2007, pg.147) escrevem que “(...) é preciso potencializar a escola
como um espaço de educação não-sexista, voltado para a superação de preconceitos
entre os sexos.” E assim, ao idealizar a consolidação de práticas sociais e culturais que,
já na escola, deixem de imprimir relações de desigualdades, preconceitos e
discriminações entre gêneros, pensa-se em futuros adultos que possam conviver sem a
prevalência destas práticas.
21

As desigualdades entre homens e mulheres são historicamente naturalizadas,


encontrando, para tanto, suportes ideológicos para sua reprodução no cotidiano das
coletividades. E a educação sexista, no contexto das relações sociais, sempre teve
função de destaque quanto aos fatores de influência referente à permanência destas
práticas. Neste sentido, existe um fio condutor que, ao longo do tempo, possibilita a
construção de um processo de desigualdades entre os sexos, com explicações que
geralmente remetem a supostas determinações biológicas (NASCIMENTO, 2014).

As reflexões, acima, de Nascimento (2014), vão ao encontro do pensamento do


sociólogo francês Pierre Bourdieu (1979) no instante em que este último nos traz a
compreensão acerca de habitus, que são sistemas de estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes. Ou seja, habitus são princípios
geradores/organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente
adaptados a seu fim. Tal fim não necessariamente supõe a intenção consciente de seu
propósito, assim como também não se presume que exista domínio das operações
necessárias para alcançá-lo (BOURDIEU, 1979). Nesta direção, a forma como, por
exemplo, as questões de gênero abordadas na educação formal se conectam com um
arcabouço estrutural permeado por tradições culturais das famílias, das escolas e da
sociedade como um todo, reproduz uma gama de estereótipos, preconceitos e
discriminações sobre “o que é ser mulher” e “o que é ser homem”. Assim como,
igualmente, as práticas de contestação a essas realidades partem dos mesmos contextos
de sistemas de “estruturas estruturadas” e “estruturas estruturantes”. Deste modo,
reprodução e contestação das questões de gênero advêm de uma grade de leitura
estrutural a qual os indivíduos dispõem para pensar a vida social.

O fato é que, em sociedades como a brasileira, com injustiças sociais patentes e com
históricos vieses antidemocráticos, autoritários e patriarcais, há, tradicionalmente, um
estrato da população que, de forma privilegiada, dita as principais regras de
funcionamento da coletividade. E isto vale tanto para as regras econômicas, como para as
regras culturais, aí incluído o aparato institucional escolar. Então, nesta sociedade e em
suas respectivas instituições de ensino, se a criança tem que ficar sentada, fazendo
tarefas na apostila, por exemplo, ela aprende as limitações da escola brasileira, onde o
conhecimento não é construído, e sim repassado por uma pequena parcela da população
que manipula o conhecimento e os meios para chegar a ela tal aprendizado.
22

(NIESBORSKI; MARAFON, 2015). E então, em relação ao Brasil, podemos dizer que as


apostilas com as quais as crianças da educação infantil estão em contato diariamente,
possuem tudo o que determina os documentos oficiais,

porém de uma maneira generalizada, sem trabalhar seu contexto histórico e


cultural, sem contemplar um currículo voltado às experiências concretas da vida
cotidiana, tendo como principal objetivo o desenvolvimento integral da criança, por
meio de múltiplas linguagens (NIESBORSKI; MARAFON, 2015, pg. 2681).

Discorrendo um pouco mais sobre a importância de se ultrapassar métodos e


procedimentos que acabam limitando o processo de educação formal a uma mera
transmissão de um produto acabado, há que se compreender que a Pedagogia e o
currículo escolar têm o potencial de oferecer oportunidades para que as crianças possam
iniciar o desenvolvimento de uma consciência crítica. Aliada ao exercício de busca pela
autonomia do pensar já nesta fase da vida, torna-se possível sim proporcionar às crianças
uma escola que propicie a busca pela percepção dos sistemas e das diversas formas de
representação das identidades e das diferenças entre os próprios seres humanos
(BASTOS, CRUZ e DANTAS, 2018). Nestes termos, torna-se difícil concordar que a
utilização de apostilas dê conta de tamanho esforço e responsabilidade, haja vista a
complexidade que o processo educativo exige caso se queira embrenhar nesta seara.

As apostilas, assim, estariam contempladas entre os meios que se empregam na


perspectiva da conformação da comunidade escolar aos anseios de uma formação
cultural que predomina socialmente. Tal formação é, em si, reflexo de interesses
econômicos e políticos constituídos. Isto posto, nos meandros de um processo de
educação formal como este, a sociedade materializa instrumentos escolares voltados à
“adequação” de crianças e adultos aos valores que esta lógica tanto preza. Em suma,
nestas condições, não há espaço para se romper, de maneira efetiva, com a essência
tradicional de enquadramentos a formas específicas de se viver, consideradas como se
fossem as melhores possíveis. E nisto se inclui as questões de gênero. Sendo que,
assim, a criança torna-se um mero alvo de um conhecimento homogêneo, imposto, não
construído com sua colaboração e que, ademais, continua reproduzindo rótulos no
exercício de se fabricar a criança dita “normal” (XAVIER FILHA, 2014).
23

E quando se abordam, como acima se fez, as “formações”, “conformações”,


“adequações”, “enquadramentos” e “homogeneizações” podemos agregar ainda uma
ideia que, talvez, seja a mais central de todas nesta discussão: a “docilização”. Desta
forma, tendo o filósofo e teórico social Michel Foucault como principal interlocutor,
compreende-se a escola como sendo uma entre as várias instituições sociais que, em sua
engrenagem funcional, acaba criando um amálgama entre seus objetivos técnicos
especializados e a atuação para a criação de “corpos dóceis”. A escola, assim, domina e
controla os alunos no sentido de colaborar para a produção um tipo específico de
sociedade, e, para tanto, lança mão da disciplina com o objetivo de fabricar corpos
submissos (FOUCAULT, 1987).

E então, para o que nos interessa de forma mais direta neste trabalho, poderíamos
nos perguntar: não estariam as apostilas escolares do ensino infantil ajustadas de uma
forma bastante apropriada a este entendimento foucaultiano de “corpos dóceis”? E dada
sua limitação didática e pedagógica, diante da complexidade que é o universo infantil, a
priorização do uso deste tipo de material não “cairia como uma luva” no contexto da
“engrenagem” social acima mencionada e que visa ao exercício da “docilização”? E, por
fim, quanto ao debate sobre gêneros... a reflexão fica ainda mais problematizada quando
pensamos no formato e na viabilidade em que tal temática pode ser trabalhada em
condições apostiladas!

3. O DEBATE SOBRE GÊNERO, A ADOÇÃO DE APOSTILAS ESCOLARES E OS


INTERESSES SOCIOPOLÍTICOS CONSTITUÍDOS.

Atualmente, as instituições que trabalham com a educação infantil enfrentam o


desafio de compreender suas operações por meio de uma atuação que simultaneamente
diga respeito à função educativa de construção da identidade da criança e à função de
exercício de sua cidadania. Pressupõe-se que, com isso, tais instituições aumentariam os
conhecimentos sobre as realidades que as cercam. Assim, demandar-se-ia que, tanto
docentes quanto os demais profissionais de educação, organizariam seus planejamentos
a partir do meio e das condições de vida em que as crianças se inserem. E a metodologia
permanente de tal processo seria a intensificação da socialização no sentido de que os
24

educandos poderiam se expressar e desenvolver sua autonomia e seu potencial


comunicativo, sem preconceitos e exclusão (SANTANA; MATA, 2016).

Entre outros aprendizados, as crianças desenvolvem experiências no período pré-


escolar e nas brincadeiras com a participação de adultos e colegas da mesma faixa
etária, constituindo e estruturando conceitos que serão levados para o resto de suas
vidas. Ademais, ainda que as crianças complexifiquem cada vez mais suas noções do
mundo que as envolvem, suas abstrações ainda estão em formação e, por esse motivo,
torna-se muitas vezes difícil para elas compreenderem coisas das quais não conseguem
tocar, sentir ou vivenciar. Assim, reconhece-se que é a partir do concreto, da
materialidade/visibilidade do contato social, que estes conceitos/noções vão sendo
configurados de uma forma mais abrangente (SILVA, 2016).

Desta forma é que, ao pensar na relevância que as ferramentas, as metodologias e


as práticas docentes podem ter na dimensão de reflexão das crianças em seus processos
educativos formais, pairam muitos receios a respeito das apostilas enquanto instrumentos
apropriados a este fim. E tais receios se intensificam quando, também por meio de
apostilas, depara-se com a presença abordagens que, devido ao seu caráter
multifacetado, necessitariam de discussões mais amplas, como é o caso, por exemplo,
das questões de gênero. Enfim, interroga-se se as apostilas seriam meios
substancialmente adequados para se trabalhar tais questões, ao invés de que o
tratamento de tais questões se dessem sob a luz de uma construção conjunta e dialógica
entre crianças, docentes e a comunidade escolar como um todo.

Na direção de enfrentar este dilema, Regina Ingrid Bragagnolo e Raquel Barbosa


(2015), em seus estudos sobre “diversidade como princípio pedagógico inclusivo”, assim
se manifestam a respeito da importância de criar condições para a existência do diálogo
nos espaços da educação formal das crianças:

Existe uma demarcação no contexto familiar e cultural da diferenciação entre o


masculino e feminino a partir de marcadores sociais e evidentemente as crianças
reproduzem aquilo que vêem e ouvem em seu entorno, mas é nos espaços
educativos como nas creches e pré-escolas que nós professoras/es podemos
fomentar o diálogo afim de complexificar essas relações. (BRAGAGNOLO E
BARBOSA, 2015, p.130)
25

Levando em conta que as heranças culturais refletem já na infância percepções


sociais condizentes com uma gama variada de atributos coletivos, as questões de gênero
integram tal conjunto e encontram, nas crianças, veículos propensos para a reprodução
de estereótipos, preconceitos e discriminações. Assim é que, segundo Scott (1995, pg.
75), “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos”. Neste sentido, diferentemente do sexo que é determinado a
partir das características biológicas que diferenciam homens e mulheres pelas genitálias,
o gênero é a construção social que vai além do sexo biológico, e está atrelado à cultura
em que o indivíduo está inserido. Desta forma, enquanto dinâmica social de interesses
que ora se contrapõem, ora se entrecruzam, o gênero pode ser considerado uma forma
primária de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1995).

Enquanto constituinte dos aspectos culturais próprios aos seres humanos, o


“gênero” é, antes de tudo, uma relação que vincula uma “unidade” a algo maior que a
representa. Ou seja,

O termo gênero é uma representação não apenas no sentido de que cada palavra,
cada signo, representa seu referente, seja ele um objeto, uma coisa, ou ser
animado. O termo “gênero” é, na verdade, a representação de uma relação, a
relação de pertencer a uma classe, um grupo, uma categoria. Gênero é a
representação de uma relação (LAURETIS, 1994, p. 210).

E, como segue abaixo, o “gênero” também cria outros tipos de relações, como
vínculos entre tempo presente e futuro e compromete seres humanos por meio de
expectativas que se referem a execuções de determinados papeis sociais:

A distinção das pessoas, tendo em conta serem do sexo feminino ou masculino


demonstrou-se como fator de influência nas questões da divisão do trabalho e, por
consequência, na influência que as mesmas têm no estatuto social. Nascer de um
sexo ou de outro, poderia predestinar as pessoas à concretização de um conjunto
bem definido de atividades, influenciadas/criadas pela sociedade, incorporando
deste modo, formas de estar e pensar a nossa vivência na sociedade (BORGES,
2009, p. 17).
26

E, delimitando o auge de sua repercussão social, o “gênero” pressupõe pensar o alcance


da força e do caráter decisório dos poderes constituídos cultural e politicamente. Assim,

Gênero, em seu conteúdo explicativo, tornou-se fundamental teoricamente e


estratégico politicamente para fazer alavancar à consciência social sobre as
formas de desigualdades entre as pessoas de sexos diferentes. Denunciou que o
sexismo além de ser uma ideologia, também é uma forma de exercício do poder
(MIRALES, 2010, p. 2-3).

Não obstante, para o que nos interessa neste trabalho, a compreensão mais
compatível com o conceito de “gênero” relacionado ao aspecto social e cultural advém do
pensamento de Margaret Mead (1901-1978), uma das antropólogas culturais de maior
reconhecimento até a atualidade.

Mead dedicou seus estudos ao desenvolvimento de teorias sobre as relações


entre cultura e personalidade, a socialização de crianças, a sexualidade, aos
papéis diferenciais de gênero e às conexões entre cultura coletiva e personalidade
individual. Uma de suas muitas contribuições aos estudos antropológicos foi
demonstrar a influência do aprendizado sociocultural sobre o comportamento de
homens e mulheres (FELIPPE & OLIVEIRA-MACEDO, 2018, on-line).

Em um momento em que o conhecimento científico da Antropologia ainda


enfrentava forte resistência e obstáculos muitas vezes hercúleos para que seu espaço de
atuação fosse aceito no contexto das delimitações das instituições acadêmicas, Margaret
Mead empreendeu relevantes esforços teóricos e práticos para que o campo dos estudos
sobre gênero, cultura e socialização fosse identificado como sendo de valiosa importância
para a área das investigações das ciências humanas. Um de seus legados antropológicos
mais marcantes, já que relacionou fortemente os pressupostos científicos com as
evidências encontradas nas “idas a campo”, foram os levantamentos realizados com três
tribos da Nova Guiné: os Arapesh, Mundugumor e Tchambuli. Tais dados indicaram que
características associadas às diferenças sexuais entre homens e mulheres,
frequentemente entendidas como temperamentos masculinos e femininos, não eram
propriedades inatas aos sexos, mas reflexos do aprendizado cultural. Por meio dessas
formulações, que colocam em xeque a ideia do cuidado doméstico e de uma suposta
sensibilidade e fragilidade do sexo feminino como padrão universal, Mead abre caminho
27

para os estudos de relações de gênero na antropologia, conferindo à crítica aos


estereótipos e às atribuições de papéis sociais importante arcabouço analítico (FELIPPE
& OLIVEIRA-MACEDO, 2018).

Mead também verificou, por meio de seus estudos de campo, que, desde criança,
a padronização dos costumes, da moral e do desenvolvimento entra em consonância com
a norma cultural de cada povo. Em Growing up in New Guinea, por exemplo, Mead
destaca que as crenças religiosas, hábitos sexuais, os métodos de disciplina e os
objetivos sociais das pessoas que constituem a família da criança são constituintes da
própria cultura. E isto faz com que o indivíduo dentro dessa cultura não difere dos outros
da mesma idade ou sexo (VIEIRA, 2019).

Todavia, em suas pesquisas, Mead também constatou a presença de algo curioso.


Ou seja, a estudiosa percebeu diferenças entre as novas gerações de cada um dos povos
quanto à forma como as mesmas dinamizavam o aprendizado dos costumes
característicos de suas respectivas culturas. Assim, entre os Samoanos, os Arapesh, os
Mundugumor e os Tchambuli, verificou-se que as crianças aprendem, principalmente, a
partir de seus antepassados. Já entre os Manus, observou-se que os mesmos tiveram
sua cultura intensamente reconfigurada pelos jovens. De acordo com Mead, estes
estudos antropológicos permitem ampliar a ideia que se faz da criança e superar o viés
determinista e reducionista que muitas vezes impera nas pesquisas com crianças
(VIEIRA, 2019).

Margaret Mead, em seus pensamentos acima, discorre mais amplamente acerca


das contextualizações culturais gerais referentes a diversas sociedades, sendo que várias
destas a antropóloga inclusive examinou in loco. Não obstante, mais especificamente em
relação às questões de gênero, as abordagens de Mead não se fazem menos pertinentes
haja vista que ela foi uma das pioneiras, na antropologia, a estudar tal temática e a
inspirar um conjunto considerável de demais estudiosos a seguirem as suas perspectivas.

Assim, em prefácio à edição de 1950 da obra “Sexo e Temperamento”, as próprias


palavras de Mead refletem a importância dos estudos desta antropóloga no sentido de
iniciar uma discussão que até hoje é travada no campo das análises acerca das questões
de gênero:
28

Dos meus livros é este o menos compreendido, por isso dediquei algum cuidado
em tentar entender por quê.
(...) Em 1931, pus-me em campo para estudar um problema: o “condicionamento
das personalidades sociais dos dois sexos”.
(...) procurando reconhecidamente alguma luz sobre a questão das diferenças
sexuais, encontrei três tribos, todas convenientemente situadas dentro de uma
área de cem milhas. Numa delas, homens e mulheres agiam como esperamos que
as mulheres ajam: de um suave modo parental e sensível; na segunda, ambos
agiam como esperamos que os homens ajam: com bravia iniciativa; e na terceira
os homens agem segundo o nosso estereótipo para as mulheres, são fingidos,
usam cachos e vão às compras, enquanto as mulheres são enérgicas,
administradoras, parceiros desadornados. (...) As três culturas em apreço foram
esclarecedoras neste aspecto particular e forneceram-me rico material sobre até
onde pode uma cultura impor, a um ou a ambos os sexos, um padrão que é
adequado a apenas um segmento da raça humana (MEAD, 2000, p.9-11).

Mais adiante, nesta sua obra que é um clássico da Antropologia, Mead examina os
“inadaptados”, que são aqueles indivíduos que destoam das expectativas culturais
predominantes referentes a uma dada sociedade. E que, no caso das questões de
gênero, tais expectativas se fazem evidentes quanto aos papeis e aos comportamentos
esperados que sejam adequadamente cumpridos por homens e por mulheres. Neste
sentido, o “inadaptado” seria

qualquer indivíduo que, por disposições inatas ou acidente da primeira educação,


ou mediante as influências contraditórias de uma situação cultural heterógena, foi
culturalmente ‘cassado’, indivíduo para quem as ênfases mais importantes de sua
sociedade parecem absurdas, irreais, insustentáveis ou completamente erradas.
(...) Na medida em que uma cultura é integrada e definida em seus objetivos,
intransigente em suas preferências morais e espirituais, nesta mesma medida
condena alguns de seus membros – membros apenas por nascimento – a viver
alheios a ela, na melhor das hipóteses em perplexidade e no pior dos casos numa
rebelião que pode dar em loucura (MEAD, 2000, p. 277-278).

Para as finalidades objetivadas por este trabalho, é notável a relevância do


pensamento de Margaret Mead já que esta autora, a partir de uma perspectiva
antropológica, abriu as portas para a investigação científica acerca da estrutura, ou
padrão de personalidade que, desde criança, vai se configurando através de mecanismos
educacionais de atitudes e comportamentos. Tais mecanismos, ao caracterizar as
sociedades, materializam instrumentos de coação coletiva. E as mencionadas atitudes e
29

comportamentos, que se esperam que sejam encarnados pelos indivíduos, acabam por
serem subjetivamente atrelados ao sexo biológico de cada indivíduo, pois, segundo a
autora, cada sociedade dramatiza a diferença entre os sexos de um modo diferente,
sendo esta diferença um fator da construção social (MEAD, 2000).

Um ano antes da memorável obra de Margaret Mead, outra renomada antropóloga,


Ruth Benedict, já havia sido responsável por uma obra fundamental no sentido da busca
por uma nova interpretação acerca da influência da cultura na organização dos papeis
sociais de mulheres e de homens. Em seu livro de 1934, “Padrões de cultura”, Benedict
debate sobre a questão da educação e da relação adulto-criança para a adaptação aos
padrões e critérios tradicionalmente transmitidos de uma geração para outra dentro da
sociedade. Isto porque, desde o nascimento do indivíduo, os costumes da sociedade em
que ele nasce moldam suas experiências e seus comportamentos (VIEIRA, 2019).

Antes de analisar mais especificamente cada um dos gêneros, Benedict examina


os condicionamentos aos quais tanto homens quanto mulheres são provocados
coletivamente. Assim, “não há ninguém que veja o mundo com uma visão pura de
preconceitos. Vê-o, sim, como espírito condicionado por um conjunto definido de
costumes, e instituições, e modos de pensar” (BENEDICT, s.d, p. 14). Na mesma direção,
mais adiante, a autora sustenta que, “o que na realidade liga os homens é a sua cultura,
as ideias e os padrões que têm em comum” (BENEDICT, s.d.,p. 28). E, por fim, pensando
nas seleções que se vão configurando socialmente entre “privilegiados” e
“desventurados”, a antropóloga manifesta que “aqueles cujas potencialidades se ajustam
mais intimamente com o tipo de comportamento escolhido pela sua sociedade são
favorecidos e afortunados” (BENEDICT, s.d., p.280).

Assim como Margaret Mead, Ruth Benedict fez um estudo comparado referente à
cultura de três sociedades: os Zunhis do Novo México, os Dobuan da Melanésia e os
Kwakiutl de Vancouver. E, também como Mead, Benedict igualmente procurou identificar
os padrões de comportamentos sociais que prevaleciam entre cada um desses povos,
além de refletir acerca dos “inadaptados” nestas respectivas sociedades e da expectativa
de como eles deveriam se portar como “perfeitos adaptados” de acordo com as suas
concepções culturais (CAROLINO NETO, 2017).
30

Quanto às questões que se referem aos estudos de gênero, já em 1914 Ruth


Benedict esboçou um plano para analisar o sexo feminino por meio da escrita do livro “A
Nova Mulher dos Três Últimos Séculos, Mary Wollstonecraft, Margaret Fuller e Olive
Schreiner”. Seu objetivo, ainda, era escrever uma série de biografias de mulheres do
passado a partir do ponto de vista do que seria a “nova mulher”. Mais tarde, em 1919,
Benedict frequentou um curso denominado “Sexo na Etnologia”, e foi atraída pela
disciplina exatamente pela abordagem de tolerância em relação aos vários papeis
construídos para homens e mulheres em diferentes culturas, e o respeito que várias delas
demonstravam pelos “desviantes” e “desajustados” (TELLES, 2010).

Karina Augusta Vieira (2019), ao sintetizar uma análise na qual os pensamentos


de Ruth Benedict e Margaret Mead são expostos como convergentes, prioriza uma
abordagem acerca do processo educativo enquanto tradição, no sentido de debater a
relação adulto-criança na antropologia culturalista. Assim, a autora lança instigantes
perguntas para, em seguida, ensaiar uma resposta:

Como são estabelecidas as relações entre adulto e criança, seja no meio familiar,
no meio educacional, na sociedade ou no processo educacional? Como as
relações entre adulto e criança estão institucionalizadas nos dias de hoje? O que a
perspectiva da antropologia e da antropologia educacional contemporânea tem a
contribuir para os estudos da criança e das relações adulto-criança?
Pensar a criança envolve aspectos que ultrapassam as visões reducionistas que
se aplicam à educação e que ocorrem em um determinado grupo social,
envolvendo além dos aspectos religiosos, míticos, musicais, organizacionais, diz
respeito à relação adulto-criança. Há de se pensar que a educação não acontece
somente com o adulto ou tão somente com a criança, mas nessa troca de
conhecimentos e valores que ultrapassam gerações e que são repassados e
recriados a cada nova geração. Haverá uma troca entre adulto e criança, ambos
aproveitarão desse intercâmbio, e muito da parte dos adultos será repensado e
redimensionado, a partir dos questionamentos das crianças e dos adolescentes.
Assim, a relação entre adulto e criança será construída entre o desejo da criança
se tornar semelhante ao adulto, mas, ao mesmo tempo, ao desejo de ser um ser
único, diferente do outro (VIEIRA, 2019, p.133).

Os exames de Ruth Benedict e Margaret Mead também colaboraram para trazer de


forma pioneira para a ciência, a partir da Antropologia, a causa feminista, haja vista que
ambas focalizaram suas análises na questão de gênero e defenderam maiores direitos
para as mulheres em uma época em que tais abordagens, a partir de uma lógica de
estudos acadêmicos, eram praticamente inexistentes. O fato é que a antropologia cultural
31

do gênero e da sexualidade, representada por Ruth Benedict e Margaret Mead, pode ser
simbolizada como o pontapé inicial de amplos exames analíticos feministas que, direta ou
indiretamente, também repercutiram nos estudos sobre o processo educacional da
criança (HEALEY, 1996).

Importante não deixar de registrar que, enquanto ampla pauta histórica que vai
além do espaço acadêmico, os movimentos feministas possuem caráter político, filosófico
e social. Portanto, não somente circunscrito à academia, o movimento feminista critica o
lugar que a sociedade impôs para a mulher, enfrentando a dominação do seu contexto
cultural, buscando equidade de gênero e trazendo empoderamento da mulher diante da
sua própria vida (PEREIRA; COURA; ARAÚJO, 2018). Ademais, enquanto delimitação
temporal de vida e de obra de Ruth Benedict e Margaret Mead, as mesmas são
contemporâneas de um período em que importantes episódios das bandeiras feministas
se fizeram presentes internacionalmente e também no Brasil.
No caso brasileiro, em se tratando da luta pela conquista das mulheres em relação
a direitos como a educação, por exemplo,

Durante o Império (1822-1889), passou a ser reconhecido o direito à educação da


mulher, área em que seria consagrada Nísia Floriesta (Dionísia Gonçalves Pin,
1819-1885), fundadora da primeira escola para meninas no Brasil e grande ativista
pela emancipação feminina (FAHS, 2016).

E mais tarde, já no século XX, além de todas as determinações expressas no


ordenamento jurídico brasileiro, a Organização das Nações Unidas (ONU) determina que,
entre os 12 direitos fundamentais à mulher, deve estar o “Direito à informação e à
educação” (FAHS, 2016).
Neste sentido, Daniela Auad e Maria Rita Neves Ramos, ao pontuar reflexões
sobre Gênero, mulheres, crianças e Educação enquanto construções multifacetadas e
relacionais, afirmam que

O acesso à Educação é reconhecido pelas abordagens que estudam gênero como


o divisor de águas que possibilitou a participação efetiva das mulheres em
relevantes esferas da vida em sociedade, como o acesso à universidade e ao
mercado de trabalho (AUAD; RAMOS, 2018, p.80)
32

Assim, no Brasil, as meninas tiveram o ingresso nas escolas primárias como direito
reconhecido e assegurado em lei no ano de 1827, embora a citada lei trouxesse em seu
texto diferenciações curriculares que deveriam se aplicar à educação de meninos e
meninas, estas últimas com limitações e direcionamentos aos afazeres domésticos. De
qualquer forma, como resultado deste processo, as mulheres, ao ocuparem os bancos
escolares, não somente ficaram a cargo de obter a instrução. Elas batalharam por outros
lugares sociais, como a conquista de uma profissão e a luta e movimentação por seus
direitos. E, então, o ofício de professora significou uma ascensão para além do âmbito
doméstico, embora o magistério estivesse sofrendo perda de prestígio diante do avanço
do capitalismo industrial, sendo que esse advento agregou mais valor àquelas profissões
ligadas à industrialização. Não obstante, o Estado brasileiro passa a se preocupar com a
capacitação docente em virtude dos processos de urbanização e concepções ligadas ao
progresso da sociedade. Desta maneira, a formação das crianças se transforma em
“questão política”, delegando à mulher a responsabilidade direta tanto ao meio familiar
quanto no escolar, já que os homens foram sendo absorvidos por cargos de Estado, ou
seja, de maior peso e prestígio profissional (AUAD; RAMOS, 2018)
Enquanto regramentos oficiais que instituem previsões consensuais internacionais
acerca do combate à discriminação à mulher, chama a atenção a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Documento, este,
datado de 1979, e o qual o Brasil promulgou por meio do Decreto nº 4.377, de 13 de
setembro de 2002. Tal mecanismo inclui, entre outras, importantes pautas referentes, por
exemplo, à questão da relevância educacional e à necessidade de se afrontar os
estereótipos relacionados à mulheres. Nesta direção, e para os fins a que se destina este
trabalho de curso, faz-se notável perceber certos trechos do referido documento:

Os Estados-Partes tornarão todas as medidas apropriadas para:


a) Modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com
vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de
qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou
superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e
mulheres.
b) Garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da
maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum
de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de
seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração
primordial em todos os casos.
(...)
33

Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a


discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com
o homem na esfera da educação e em particular para assegurarem condições de
igualdade entre homens e mulheres:
a) As mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação
profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de
ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como urbanas; essa
igualdade deverá ser assegurada na educação pré-escolar, geral, técnica e
profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos os tipos de
capacitação profissional;
b) Acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal docente do
mesmo nível profissional, instalações e material escolar da mesma qualidade;
c) A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino
em todos os níveis e em todas as formas de ensino mediante o estímulo à
educação mista e a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este
objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e programas escolares
e adaptação dos métodos de ensino (BRASIL, 2002).

Este último parágrafo acima, em especial, destaca-se ainda mais já que o mesmo
guarda estreita conexão com os elementos de estudo propostos pelo presente trabalho.
Ou seja, em tal trecho, ao se mencionar os estereótipos referentes aos papeis dos
gêneros e relacioná-los ao aspecto educacional formal, aponta-se para a possibilidade de
se refletir acerca das estratégias, ferramentas e materiais de ensino que podem ser
trabalhados pelos profissionais de educação. E assim, ao se incluir neste contexto de
oportunidades didáticas o potencial uso de apostilas, por exemplo, pode-se problematizar
tal adoção e a própria forma em que esta adoção oferece discussões acerca de temáticas
como “gênero”.
Ademais, a problematização referente aos limites que, por exemplo, as apostilas
podem oferecer ao processo de educação formal, é contextualizada por uma realidade,
vivenciada pela criança, que intensifica esta tendência de reprodução de estereótipos e
de divisão de tarefas e papeis entre os gêneros. Trocando em miúdos, instituições que
também possuem permanente contato com a criança, como é o caso da família e da
mídia, acabam com frequência se coadunando com as perspectivas escolares limitadoras
das reflexões culturais e sociais e, ao mesmo tempo, reproduzindo expectativas em
comum acerca dos comportamentos que mulheres e homens “devem manifestar” na
coletividade. Desta maneira, tais pensamentos são reforçados simultaneamente por estas
três instituições (família, escola e mídia), restringindo a diversidade de possibilidades a
respeito do que meninos e meninas podem ser e fazer. Práticas como as separações de
brinquedos, brincadeiras de meninos e de meninas, assim como cores “apropriadas” para
um dos sexos, fazendo com que seu universo criativo e exploratório seja drasticamente
34

reduzido, persistem ilustrando muito bem estas condições criadas para o universo infantil
(SOUSA; ARAÚJO; ASTIGARRAGA; 2015).
Neste sentido, são extremamente presentes na educação infantil os assuntos que,
mais ou menos intensamente, são relacionados às questões de gênero. Isto porque esta
é uma fase do desenvolvimento na qual as crianças estão começando a formar conceitos
sobre o que elas vivenciam no mundo. Trata-se de um momento em que as diferenças
chamam muita atenção entre elas, na qual muitos aspectos relacionados a gênero
aparecem e muitos/as professores/as ainda se utilizam do gênero como método
classificatório nesse espaço, como no ranqueamento das crianças, na classificação dos
espaços de brincadeiras, dos brinquedos, entre outras coisas. Não obstante, devemos
lembrar que, assim como os adultos, as crianças não são sujeitos passivos dentro da
cultura, ou seja, elas também (re)produzem essas questões nos ambientes educativos
(SILVA, 2016).
Organizando análises referentes a estas questões, e que articulam abordagens
sobre educação Infantil, brinquedos, brincadeiras, socialização, ensino apostilado e
interesses empresariais relacionados à disseminação do consumo de apostilas, Julia
Angelo (2018), em sua tese de doutorado, discorre sobre o “Sistema apostilado e
Educação Infantil: o ensino como negócio”. Além de apontar aspectos problemáticos
condizentes com a utilização de apostilas, a autora ainda enfatiza o nicho de mercado que
ficou evidenciado pela tendência de maior procura por este tipo de material nos últimos
anos:

Neste trabalho realiza-se análise das apostilas destinadas a crianças na Educação


Infantil. Mesmo incorporada recentemente à educação básica, esta etapa ainda
tem a atribuição de socializar a criança. Nela, não é necessário nenhum tipo de
atividade sistematizadora – o brincar é que deve ser a atividade principal. É por
meio da brincadeira que a criança experimenta e elabora sobre o mundo. Cada
vez mais, porém, a educação infantil vem ganhando o papel de preparação para o
ensino fundamental, incorporando o uso de apostilas, seja na rede pública, seja na
rede privada. O material apostilado faz com que a criança deixe a atividade de
brincar para fazer a atividade de sistematização. Além disso, sua adoção ocorre
no âmbito do oligopólio de empresas que atuam nesse setor e intensificam seus
negócios, inclusive dentro da escola pública. (...) as apostilas de Educação Infantil
antecipam ou preparam para a alfabetização. Com base nos conteúdos e nas
atividades identificadas, foi possível verificar que as apostilas estão voltadas
predominantemente para a adaptação – e não para a formação e experiência –,
havendo, ainda assim, tendência grande das escolas, tanto públicas como
particulares, de aderirem ao sistema apostilado (ANGELO, 2018, p. 6)
35

Integrando em suas reflexões as relações de gênero e as questões culturais


próprias de cada espaço/região, a autora ainda enfatiza o risco de que, com o material
apostilado, diminua-se a autonomia do professor na sala de aula, haja vista que este tipo
de instrumento transforma a escola em um mercado cada vez maior, e mais padronizado,
para este ramo industrial. Ademais, as mudanças nos currículos e nas aprendizagens,
decorrentes de processos de ensino das apostilas, convergem com a mera valorização da
preparação para a avaliação, enquanto que as diferenças sociais, culturais e étnicas são
apagadas. Assim, já nos anos em que se principia a educação formal, e com o uso das
apostilas, acaba se valorizando o exercitar daquilo que nos anos escolares seguintes vai
ser ainda mais priorizado, que é o conhecimento voltado para as provas/avaliações, e que
se distancia das experiências/brincadeiras e, ao mesmo tempo, desmerece a importância
da cultura e da história locais nos processos de construção da aprendizagem (ANGELO,
2018).
Nesta direção, a progressiva adesão de espaços de educação infantil pelo uso de
apostilas no ensino de crianças pequenas tem gerado preocupações de pesquisadores e
estudiosos que afirmam que tal material acaba por balizar uma visão escolarizante nestes
contextos educacionais. As relações de interação e o brincar, objetivos fundamentais da
educação para esta fase da vida humana, vão sendo deixados à margem. E o foco
principal passa a ser a abordagem de materiais que tendem a trazer exercícios de
repetição, deslocados da realidade das crianças, e sem gerar proveitos significativos para
as mesmas (SILVA, 2016). Ademais, o que também se depreende desta reflexão é que
importantes questões, como as de gênero, que hoje se entendem como sendo relevantes
para serem pensadas e debatidas desde o momento em que a educação formal é
inaugurada na vida de uma pessoa, acabam não sendo seriamente dinamizadas como
poderiam ser.
Indo ao encontro dos estudos que, acima, relacionam as apostilas dos primeiros
anos da educação formal com a ideia da sistematização do conhecimento e do
“aquecimento” para a execução dos processos avaliativos que ocorrem em anos
escolares posteriores, Ivair Amorim (2008), em sua dissertação de mestrado, leva em
conta as “reflexões críticas sobre os sistemas apostilados de ensino”. Neste estudo, o
autor relaciona a própria origem da inserção de apostilas no Brasil ao surgimento de
36

cursinhos preparatórios para o ingresso em universidades. Não obstante tal gênese seja
constatada, Amorim evidencia um aparente paradoxo:

(...) embora sejam as apostilas iniciativas totalmente privadas foram totalmente


endossadas por iniciativas governamentais. O auxílio estatal apresentou-se tanto
na forma da omissão negligenciando a fiscalização e ausentando-se da obrigação
de legislar sobre esta área de atuação educacional, quanto na forma de incentivo
à expansão do ensino privado, buscando ausentar-se da obrigação de oferecer
educação de qualidade (...) (AMORIM, 2008, p. 45).

E em seguida, examinando o cunho utilitário das apostilas em face das finalidades


sociopolíticas então constituídas, o autor nos traz que

(...) o advento das apostilas no ensino regular se deu em pleno regime militar, o
que revela uma tendência ao caráter autoritário e desenvolvimentista por parte das
apostilas. Esta contextualização das apostilas corrobora para afirmação de que as
apostilas controlam professores e alunos por meio de um extenso e rígido (embora
fragmentário) esquema de aulas e conteúdos (AMORIM, 2008, p.45).

Assim, ao nascerem, as apostilas sintetizam a convergência de interesses político-


ditatoriais, mercadológico-editoriais e escolares-privados.
E, mais recentemente, a disposição de sistemas apostilados de ensino em escolas
municipais fez com que o cenário nacional da utilização do livro didático fosse
disseminado e dividido entre livros e apostilas. Assim, ressalta-se que as apostilas são
necessariamente produtos culturais, pois estão diretamente comprometidos com a
realização da inserção do educando no ambiente escolar e, portanto, na cultura de sua
sociedade, tendo em vista que educação e cultura são processos indissociáveis
(AMORIM, 2008). Aqui, lembremos que anteriormente, ao tratarmos destes processos
indissociáveis, Margaret Mead (2000) E Ruth Benedict (s.d.), já na primeira metade do
século XX trouxeram-nos importantes concepções empíricas e teóricas quanto ao vínculo
entre educação e cultura. E, como vimos naquele momento, estas autoras pioneiras
inclusive contribuíram com uma maior articulação analítica entre educação, cultura e os
primeiro estudos de gênero na academia.
E, no que se refere aos estudos de Amorim (2008) mencionados logo acima, ao
pontuar o caráter das apostilas quanto à sua funcionalidade de produção e reprodução
cultural, igualmente podemos relacionar esta constatação do autor ao caráter das
reflexões sobre gênero quanto à suas produções e reproduções no ambiente escolar. Isto
37

porque, como parte dos aspectos que integram a educação e a cultura da sociedade, o
pensar sobre as questões de gênero acabam se adequando aos métodos e materiais
escolhidos pelas instituições de ensino para a execução de suas propostas.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho teve início no primeiro semestre de 2019, onde se fez


necessário juntar elementos significantes para a construção do mesmo. Naquela
oportunidade foi iniciado um recorte referente à definição do tema, objetivos, sujeito de
análise e da metodologia a ser utilizada. Portanto, aquele foi um momento em que se
configurou o começo da construção do trabalho e, concomitantemente, identificou-se
interesse e relevância no assunto escolhido.

A partir de então foi ficando cada vez mais definida a pertinência de se examinar o
assunto delimitado por meio de uma verificação minuciosa dos textos, ilustrações e
demais dados registrados nas duas apostilas em foco. Categorizando tal forma de exame
enquanto pesquisa e análise qualitativa, as referidas apostilas de educação infantil, neste
sentido, constituíram-se como ponto de partida de demais estudos empreendidos.
Estudos, estes, que se deram especialmente por meio de artigos científicos, dissertações
de mestrado, teses de doutorado e demais fontes bibliográficas.

Dada a relevância dos materiais acima verificados, e concedendo aos mesmos a


importância documental que os mesmos merecem, enfatizemos a definição de Phillips
(1974, p. 187) para o qual os “documentos” são “quaisquer materiais escritos que possam
ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano".

Neste sentido, Silva, Damaceno, Martins, Sobral e Farias (2009) nos ensinam que
a pesquisa documental é um método de investigação da realidade social. Para a
realização desse método de pesquisa, o pesquisador precisa fazer a coleta dos
documentos, que darão origem à pesquisa. Após a coleta, o pesquisador deverá analisar
o conteúdo desses documentos. A coleta dos documentos é uma parte importante da
pesquisa, pois exige do pesquisador, cuidados e formalidade, em relação ao contato com
as instituições ou fonte, para saber a disponibilidade dos materiais para pesquisa. Tais
38

cuidados também deverão abranger a escolha dos documentos, de modo que os mesmos
sejam adequados para a realização da pesquisa, e consiga esclarecer os objetivos pré-
definidos.

Pensando nisso, foi definido que a região da AMARP seria a região ideal para a
realização da pesquisa, por ser a região onde o Instituto Federal Catarinense - campus
Videira se localiza. Foi entrado em contato com a secretaria de educação dos municípios
da região e assim constatado a utilização da apostila da SEFE (Sistema Educacional
Família e Escola) em três municípios. Portanto, ficando definido a escolha das apostilas
da coleção Entrelinhas – SEFE, instituição privada com a sede em Curitiba – PR. Após a
escolha do material escolar em questão, foi verificado a disponibilidade das apostilas
para, assim, realizar a coleta e análise dos dados. Em seguida, foi entrado em contato
com uma professora que trabalhava com o material, sendo que o contato ocorreu de
forma presencial em um CEMEI no município de Fraiburgo – SC, no primeiro semestre de
2019. A mesma pôde disponibilizar duas apostilas, sendo referentes ao primeiro e
segundo semestre do Infantil 4, ou seja, Pré I, crianças de 4 anos. Os demais materiais
(apostila do professor e CD’s) não puderam ser disponibilizados, pois estavam sendo
utilizados em sala.

Para iniciar a escrita desse trabalho, foi feito um mapeamento em busca de autores
que fundamentassem a compreensão dos conceitos e das categorias que fossem
pertinentes à abordagem das apostilas em foco.

Ainda que predominasse o caráter qualitativo do tratamento concedido ao tema


recortado, o método quantitativo também se fez presente haja vista a contabilização de
caracteres objetivos que também se fizeram presentes. Não obstante, como “gênero” é
delimitado enquanto construção coletiva e cultural que está configurada nas diversas
sociedades, as análises qualitativas se fizeram priorizadas em todos os instantes,
especialmente no princípio e ao final das reflexões empreendidas. Neste sentido, a
necessidade que se teve de registrar e enumerar dados, e consolidá-los por meio de
ilustrações e tabelas, por exemplo, pôde ser considerado um mecanismo importante para
tornar tangível e palpável uma realidade que, em seguida, transformou-se em reflexão e
análise.
39

Assim, enquanto trajetória dos passos executados, em um primeiro momento, no


início de 2019, a análise dos contextos de estudo ocorreu de forma colóquio entre a
discente e o orientador, para que assim houvesse uma reflexão conjunta acerca dos
mesmos, sendo então possível a realização da coleta inicial de dados primordiais para o
início da orientação e definições referentes aos recortes efetivos para as respectivas
pesquisas e abordagens a serem realizadas. No segundo semestre de 2019 ocorreu a
banca avaliadora de qualificação, onde se verificou que o projeto de Trabalho de Curso
era de relevância pedagógica e social e, desse modo, pode-se dar continuidade às
pesquisas e estudos. No início do primeiro semestre de 2020, em específico no dia 17 de
março, as aulas presenciais foram suspensas com a chegada da pandemia 1 de Covid-192
e, desse modo, o contado com professores da Instituição, assim como com o orientador,
passou a ser de forma online, a partir de reuniões via Google Meet e e-mail.

Com as dificuldades que surgiram durante esse período de isolamento e a delonga


na realização das matérias do curso, já que foi necessário que houvesse adaptações
nesse momento, o prazo para a finalização da pesquisa se estendeu, sendo que foi
necessário entrar em contato com a secretaria de educação dos municípios da AMARP,
para questionar se os CEMEI’s ainda estavam fazendo a utilização de apostila e se as
apostilas em questão continuavam sendo as da coleção SEFE. O contato com as
secretarias ocorreu via mensagem eletrônica e ligação telefônica.

A região da AMARP é composta por 15 municípios os quais, em conjunto, são


também conhecidos, historicamente, como pertencentes ao denominado Vale do
Contestado, em Santa Catarina. Foi possível constatar que nos três municípios que
faziam a utilização das obras como material didático em 2019, os mesmos continuavam
utilizando as apostilas da SEFE em 2021, sendo eles os municípios de Arroio Trinta,
Fraiburgo e Salto Veloso. Os demais municípios da AMARP não usam apostilas na
Educação Infantil em 2021 e também não utilizavam em 2019, ano em que a pesquisa

1
Pandemia, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), é a disseminação mundial de uma nova
doença. O termo indica que uma determinada enfermidade se espalhou por diferentes continentes com
transmissão entre pessoas. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/o-que-e-pandemia-
definicao-historico-e-gravidade/. Acesso em: 20 jun. 2021.
2
Covid-19 de acordo com o Ministério da Saúde, é uma infecção respiratória aguda causada pelo
coronavírus (SARS-CoV-2) potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global.
Disponível em: O que é a Covid-19? — Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 20 jun. 2021.
40

teve início. Após constatar a utilização dos materiais didáticos nos anos de 2020 e 2021, a
pesquisa pode ter continuidade.

5. AS APOSTILAS EM QUESTÃO E O DEBATE SOBRE GÊNERO

5.1 REPRESENTAÇÕES DE MENINOS E MENINAS

As duas apostilas estudadas pelo presente trabalho se referem à Coleção


Entrelinhas, uma produção do Sistema Educacional Família e Escola (SEFE), editora
Opet, com sede em Curitiba, PR. Tais materiais dizem respeito à 2ª edição da publicação
realizada pela mencionada editora. Estas apostilas, desenvolvidas pelas autoras Elidete
Zanardini Hofius e Caren Adur de Souza, são voltadas ao Infantil 4, ou seja, Pré I,
crianças de 4 anos.
Quanto à trajetória acadêmica das autoras, Elidete Hofius é formada em Pedagogia
pela PUC/PR, especialista em Alfabetização pela UFPR, especialista em Educação
Infantil e Séries Iniciais pelo IBPEX, especialista em Psicomotricidade pelo CTI e
professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental das redes pública e privada de
ensino de Curitiba, PR. Quanto à Caren Adur de Souza, a mesma é formada em
Pedagogia pela UFPR, especialista em Modalidade de Intervenção no Processo de
Aprendizagem pela PUC/PR e professora de Educação Infantil das redes pública e
privada de ensino de Curitiba, PR (HOFIUS, 2019).
Pensando no crescimento do ensino apostilado na educação infantil como material
didático, se faz de grande importância analisá-las e fazer reflexões a partir de seus
conteúdos, dentre deles a igualdade de gênero. Pois, como visto anteriormente, é
importante se pensar em uma educação não sexista, refletindo na igualdade entre os
sexos, onde todo indivíduo consiga se expressar e tenha liberdade de vivências
igualitárias adequadas para sua idade.

Analisando as duas apostilas, foi possível observar em alguns enunciados de


atividades e nas ilustrações, que de forma indireta a apostila abrange o conceito de
gênero, fazendo menção a estereótipos dos quais ainda estão marcados na sociedade.
Se não fizer uma análise aprofundada em cima do assunto, talvez o conceito de gênero
41

presente nas apostilas pode passar despercebidas, já que é algo tão presente na nossa
cultura, mas que pode acarretar preconceitos futuros, e tornar a desigualdade e a divisão
de gênero algo ainda mais comum.

Como já foi mencionado em capítulos anteriores, quando a criança nasce e os pais


descobrem qual seu órgão sexual (masculino ou feminino), a sociedade já impõe várias
questões ligadas ao seu caráter biológico. Exemplo disso é, como devemos nos portar,
como devemos nos vestir, a maneira considerada certa de falarmos, as profissões das
quais poderemos optar por seguir, as cores que podemos usar e gostar e as que não
podemos, etc. Está dentro do nosso consciente social que precisamos seguir um
determinado padrão de comportamento e de imagem para nos identificar como “mulher”
ou como “homem”.

Esses comportamentos de impor a uma pessoa maneiras consideradas corretas de


agir e quais os gostos que a pessoa precisa ter, não deveria existir no ambiente escolar,
já que somos pessoas muito singulares. Ter que seguir determinados padrões é algo que
acaba frustrando muitas pessoas, por não se sentirem “encaixados” na sociedade,
acarretando problemas de ansiedade, uma sensação de não suficiência, e assim por
diante. Mas vale ressaltar que muitas vezes esses comportamentos de impor o que é
considerado “certo” ou “errado”, é feito de maneira inconsciente já que é algo marcado
dentro da nossa cultura. Por conta disso, vem a importância de se trabalhar desde a
infância sobre essa temática e também com os docentes.

Segundo Silva (2016), as instituições devem ser voltadas para a desconstrução de


alguns conceitos, para que as crianças recebam uma formação plena, pautada no
reconhecimento e respeito às diferenças, desconfigurando assim, o caráter
homogeneizador e monocultural das práticas pedagógicas atuais. A autora escreve ser
notável a necessidade de continuar debatendo a respeito de gênero, e principalmente
formando professores(a) preparados para lidar com esses assuntos de forma natural,
desconstruindo tabus e preconceitos no relacionamento família/escola.

Se cabe ao professor (a) trabalhar de forma natural, desconstruindo alguns tabus e


preconceitos, os materiais que são disponibilizados pela escola para se trabalhar com os
discentes devem fazer menção a essa proposta. Na apostila do primeiro semestre as
autoras propuseram atividades de apresentação, para que as crianças conheçam a si
42

mesmas e aos colegas de turma. Após as atividades de apresentação, podemos


observar uma atividade que usa o sexo biológico (feminino e masculino) como forma
classificatória. A atividade se baseia em contar a quantidade de meninos e a quantidade
de meninas que se tem na sala, e o gênero que tiver o maior número deve fazer marcas
na folha. Como podemos observar na figura a seguir:

FIGURA 1 - REPRESENTAÇÃO DE MENINOS E MENINAS.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 12.

Esta atividade remete à percepção imediata de que existe uma separação entre
quem é “menino” e quem é “menina”. Nas ilustrações dos bonecos, é possível observar a
forma “tradicional” e padronizada de representar as figuras feminina e masculina
(mulher/menina vestida de saia e homem/menino sem vestimenta à caráter) como se
todas as mulheres/meninas estivessem enquadradas neste estilo “de saia”, por exemplo.
Se o docente não fizer uma conversa sobre as várias possibilidades de “ser menino” e
“ser menina” para estar introduzindo essa atividade para as crianças, a mesma pode
acabar contribuindo para consolidar um estereótipo que homogeniza tanto a imagem de
menino quanto de menina.
43

Além da diferença sexual existente entre os gêneros, é válido salientar, que as


pessoas têm diferenças físicas, emocionais, os gostos, etc. Quando trabalhado apenas a
diferença ‘menino” e “menina”, tal atividade acaba por limitar o que as crianças
identificarão como gênero, além de limitar as diferenças existentes entre os seres
humanos. Não permitindo assim, que haja um diálogo que vá além da contagem
numérica.

Silva (2016) escreve que o professor tem um papel central na intermediação da


criança com variados assuntos. No qual pode propiciar a desnaturalização dos assuntos
dos quais podem surgir, como a cor rosa ser de menina e o azul ser cor de menino, ou até
mesmo, as diferenças físicas entre os dois gêneros, os quais não devem ser sinônimos de
poder e hierarquia. A autora explica que essas diferenças não devem medir o
comportamento de cada criança, mas sim ser respeitado as diferenças.

Para que haja um diálogo entre o professor (a) e as crianças de maneira saudável
é importante que os profissionais da educação recebam formação continuada, e materiais
que façam menção a uma educação não sexista. Pois, como o sexismo ainda está muito
presente nas culturas, fazer separação ou classificação de gênero, acaba sendo algo
naturalizado em muitas escolas e creches. Sendo assim, deve ser pensado maneiras para
trabalhar com esses professores desmistificando tais assuntos.

Não obstante, na página 13, as autoras da apostila trazem a continuidade dessa


mesma atividade. Nessa segunda proposta, é solicitado que as crianças criem desenhos
para representar os meninos e desenhos para representar as meninas. Mas quais
diferenças existem entre meninos e meninas se não for o órgão sexual? Será que a ideia
das autoras estava remetendo a objetos e brincadeiras que estão marcadas dentro de
uma cultura? Vejamos:
44

FIGURA 2 - REPRESENTAÇÃO DE MENINOS E MENINAS

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 13.

Na figura acima, é possível observar que a atividade consiste em criar desenhos


representando meninos na metade da folha e na outra metade as meninas. As autoras
não deixam explícitos quais os tipos de representações devem ser realizadas, todavia,
levando em conta as imagens apresentadas na página 12, a criança já se encontra
sugestionada a idealizar figuras/representações específicas para meninos e de meninas.

Desde a antiguidade até os dias atuais, os gêneros vêm sendo marcados por
estereótipos prontos, o que auxilia na reflexão acerca de tal proposta, já que a mesma
pede representações das quais pode auxiliar no desenvolvimento de preconceitos, caso
alguém não se sinta confortável ou representado na formação da atividade.

É valido relembrar que sexo biológico e gênero apesar de serem palavras bastante
confundidas ambas tem significado diferente, pois segundo Eiras (2019), o sexo biológico
é “o aspecto físico do ser humano”, seria a leitura do corpo no momento em que a criança
nasce, a partir do órgão sexual (pênis/vagina). Já o gênero “é uma construção sócio-
cultural sobre o que se entende o que é masculinidade e feminilidade”, como exemplo as
demarcações de como a mulher deve se vestir, ou como o homem deve demonstrar seus
sentimentos.
45

A visão sexista de mundo ainda está enraizada na cultura, na educação e nos


materiais didáticos. Nota-se que esses discursos e comportamentos sexistas, dos quais
afirmam desigualdades de gênero, estão presentes em todas as fases da vida de um
indivíduo, no qual acaba por refletir diretamente na sociedade. Essas desigualdades e
preconceitos podem ocorrer de maneira passiva, sem que os indivíduos percebam tal ato.
Mas se olharmos de maneira mais crítica, ficará explícito como o sexismo está muito
presente em diversos momentos do dia a dia das pessoas, como exemplo, na
representação de “coisas de menino” e “coisas de menina” como na atividade da apostila.

As crianças carecem de um espaço seguro, onde consigam ter diversas vivências e


descobertas. Desse modo, trabalhar com uma educação não-sexista, voltado para a
superação de preconceitos entre os sexos, faz com que não haja uma limitação no
desenvolvimento infantil, no qual tende a regular o comportamento, o modo de se
expressar, gostos, etc., criando uma liberdade ilusória, onde suas ações são reguladas a
partir do seu gênero. De acordo com Brasil (2018, p.38), a criança tem o direito de:

Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma


imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas
experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na
instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário.

O Plano curricular para a Educação Infantil precisa pensar a criança como um


sujeito que está na fase de desenvolvimento, e assim, garantir que as crianças tenham
experiências variadas, para que seu desenvolvimento seja repleto de aprendizagens. Das
quais, propiciem atividades e vivências sem haver exclusão ou separação.
Proporcionando igualdade, mas de maneira que não descaracterize ninguém, mas sim
dando oportunidades igualitárias.

Scott, Lewis e Quadros (2009) escrevem que falar sobre igualdade para todos, não
quer dizer que todos tenham que ter as mesmas escolhas, mas sim que tenham as
mesmas oportunidades e direitos iguais. Onde cada pessoa tenha a oportunidade de
escolher o caminho que quer seguir em sua vida, sempre respeitando as escolhas
individuais de cada sujeito. As autoras ressaltam que pensar em igualdade não deve
46

desconsiderar que as diferenças existam e que estejam presentes na sociedade, mas que
essas diferenças não sejam motivos para que haja exclusão social.

5.2 DIFERENÇAS QUE VÃO ALÉM DO SEXO BIOLÓGICO

As crianças estão em pleno desenvolvimento, conhecendo a si mesma, os colegas


e o mundo ao seu redor. Pensando nisso, é importante que o adulto converse sobre as
diferenças existentes, apresentando a pluralidade, sem limitar os gêneros masculino e
feminino. A limitação dos gêneros acaba homogeneizando os mesmos no sentido de que,
por exemplo, entre as próprias meninas, não haveria diferenças entre elas. Trabalhar as
diferenças vai além do órgão sexual de cada indivíduo, pois somos pessoas singulares na
sociedade.

Nas apostilas analisadas, foi possível encontrar duas atividades das quais
trabalhava sobre as diferenças indo além do sexo biológico. A primeira atividade está
relacionada com as diferenças físicas, descreve que somos todos diferentes e que
devemos aprender a respeitar todas as pessoas. Vejamos:
47

FIGURA 3 - SOMOS TODOS DIFERENTES!

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 43.

Essa atividade consiste na montagem de um boneco que represente o discente, a


partir de uma colagem com partes de um corpo (braços, pernas, cabeça, peito), como
pode ser observado na figura 4. Na figura 3, abaixo do enunciado da atividade, existe um
pequeno texto no qual é mencionado que somos todos diferentes, a partir das
singularidades existentes e que aprendemos a conviver e a respeitar todas as pessoas.
48

FIGURA 4 - BONECO

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, e.4.

A figura 4 é a complementação da figura anterior, no qual a proposta lúdica destas


páginas propicia a reflexão acerca das diferenças. Ao proporcionar um momento em que
as crianças possam “se pensar” por meio de um exercício de montagem de um boneco, é
possibilitado que as mesmas observem que há mais do que uma alternativa para elas “se
construírem” material e visualmente.
Todavia, ao oferecer os formatos possíveis para se montar um boneco, observa-se
que há uma limitação para tal diversidade já que o encarte referente às partes do corpo
do boneco diz respeito a uma estrutura que já vem pronta e que não oferece mais que
duas opções alternativas. Assim, dependendo da posição em que o formato intermediário
do boneco é disposto na montagem, as imagens resultantes são de dois tipos específicos
de estrutura: as referentes às tendências que, tradicionalmente, são escolhidas ora por
meninos, ora por meninas. Assim, reproduz-se a idealização de duas imagens de pessoas
brancas, uma para cada sexo, as quais meramente preenchem as expectativas
convencionais e padronizadas que são consideradas mais adequadas às construções
sociais sobre “o que é ser menino” e “o que é ser menina”.
Não obstante, há que se considerar a relevância do pensamento que consta
exposto juntamente a esta dinâmica, haja vista que o mesmo apresenta os seguintes
49

dizeres: “Somos todos diferentes! Cada um tem seu jeito de ser, de se vestir, de brincar,
de realizar atividades, de conversar... na escola, em casa, ou em outros lugares,
aprendemos a conviver e a respeitar todas as pessoas” (HOFIUS e SOUZA, 2019a, p.
43).
Ao se tratar destas e de outras temáticas tão desafiadoras para a educação infantil
da atualidade, permanece se fazendo necessário falar em formação docente e seus
desdobramentos no contexto escolar. Assim, Diniz e Ferraz (2015) nos trazem a seguinte
reflexão:

Fica a possibilidade de refletir e questionar sobre a formação docente como a linha


tênue e frágil que precisa com urgência se constituir de maneira firme e costurar,
remendar, ressignificar a educação. Que precisa usar e potencializar cada novelo,
tecendo com seus diferentes fios, colorindo com os mais variados aspectos –
subjetivos, políticos, cognitivos, sociais, afetivos – esse tapete no qual a
diversidade anda mais escondida enquanto possibilidade de inclusão, respeito e
mais à mostra como queixa e impossibilidade. Lembrando que a diversidade
começa com o olhar atento para as diferenças daqueles (as) que são os
dispositivos para a sua consolidação, para aqueles (as) que, antes de professores
(as), são sujeitos da diferença, com suas crenças e histórias, com sua vida sexual,
com sua cor e gênero (DINIZ; FERRAZ, 2015, p. 191).

Em diversos casos a pluralidade, a diversidade e a diferença são trabalhadas em


sala de aula apenas em datas comemorativas ou em poucos momentos selecionados no
recinto escolar, não havendo um diálogo específico sobre o real motivo para se ter uma
data comemorativa para determinados grupos. O currículo escolar deve ser pensado de
maneira que trabalhe a consciência crítica das crianças em diversos momentos, de forma
que “compreendam os sistemas e as formas dominantes de representação da identidade
e da diferença” e não apenas em momentos demarcados no calendário. (BASTOS, CRUZ
e DANTAS, 2018, p. 31).

Trabalhar a pluralidade apenas em datas determinadas pelo calendário é


transformá-las em “recurso de folclorização”, o que acaba por acentuar as diferenças
existentes. “Nesse processo, rompe-se a possibilidade de comunicação e de
aprendizagem para reforçar os mecanismos discriminatórios e a desigualdade,
instaurando a impossibilidade da troca e dos processos de equidade entre sujeitos
diferentes” (GUSMÃO, 2000, pg. 19).

As instituições de ensino precisam caminhar em busca de uma educação que


propicie oportunidades de desenvolvimento autônomo e inclusivo, garantindo o direito a
50

diferença e a superação da classificação entre pessoas que acabam gerando


preconceitos em diversos momentos do dia a dia das crianças. Isto é, superar práticas
curriculares habituadas, repetitivas que são homogeneizadoras ou etnocêntricas.
Buscando uma educação norteada pela valorização da diversidade cultural, em que
contemple as diversas formas de ser, referindo se a cor, gênero, religião, deficiências e
assim por adiante (SILVA, HAHN E TRAMONTINA, 2011).

A segunda atividade no qual foi destacado as diferenças indo além da diferença de


gênero, é em relação as várias formas de famílias existentes. A apostila abrange uma
sequência didática para conhecer a família de cada discente. Entre as atividades que a
apostila contempla está a atividade da figura 5. Vejamos:

FIGURA 5 - DIFERENTES FAMÍLIAS.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 87.

A atividade consiste em observar duas pinturas famosas, ambas são


representações de uma família. A primeira pintura é uma obra do artista Fernando Botero
de 1983, composta por uma família que cumpre as expectativas sociais, um casal
heterossexual (homem/mulher) e dois filhos, uma família considerada pequena e “normal”.
51

A segunda pintura é uma obra da artista Tarsila do Amaral de 1925, na qual expressa
uma família maior, é possível observar na pintura, homens, mulheres, crianças, e dois
animais (gato e cachorro). Após a observação das pinturas, a apostila faz dois
questionamentos: “Algumas dessas famílias se parece com a sua?” e “Será que as
famílias são todas iguais?”. Possibilitando aos docentes um diálogo a respeito de
diferentes famílias existentes dentro da sociedade e não a representação ou o diálogo
englobando apenas a família considerada tradicional.

O surgimento das famílias é um fenômeno natural e também cultural, diretamente


ligada à história da civilização, havendo modificações no decorrer dos anos e de acordo
com cada sociedade. Assim como nos estudos de Ruth Benedict e Margaret Mead, no
qual foi possível constatar que em cada civilização os comportamentos das pessoas eram
decorrência dos costumes e ensinamentos passados por gerações, os diversos tipos
famílias também são resultados das relações sociais. Para Prado (1991), a família é
produto das diferentes formas de organização dos seres humanos, desse modo, dentro
de uma única sala de aula podem existir diversos tipos de famílias cada uma com suas
características e peculiaridades.

5.3 CONTOS E SUAS REPRESENTAÇÕES

O ato de ler ou ouvir uma história, estimula a imaginação e o conhecimento, nas


mais diversas etapas da vida, além de ser um grande aliado no ensino, já que é rico em
diversidade de conteúdo. Alguns contos trazem consigo uma mensagem moral ou
determinam comportamentos a partir dos personagens principais e acontecimentos
presentes na história, sendo utilizados dentro de materiais didáticos, como introdução ou
incrementação de algum determinado conteúdo, como é o caso das figuras 6 e 7, no qual
as autoras escolhem a história da Rapunzel para complementar a sequencia didática
sobre os tipos de moradias. Vejamos:
52

FIGURA 6 - HISTÓRIA DA RAPUNZEL

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 108.

FIGURA 7 - HISTÓRIA DA RAPUNZEL

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 109.

Observando as figuras 6 e 7 podemos perceber que as páginas propõem


dinâmicas que têm como pano de fundo a história de Rapunzel, um tradicional conto de
53

fadas muito difundido na cultura ocidental. Com a proposta de desenvolver a


compreensão acerca da ideia de “casa”, das pessoas que nela habitam e de uma história
que agregue importância a este conjunto valores, as autoras da apostila escolheram um
conto que tem, portanto, como personagens principais, uma bruxa, uma donzela
(Rapunzel) e um príncipe que a “salva”.
Figueiredo e Rochal (2020) nos trazem que

Os clássicos infantis, em sua maioria, mostram por traz de suas histórias de


contos de fadas, príncipes e princesas, a influência na perpetuação do machismo,
pois liga a questão que as princesas desses contos só conseguem o final feliz
quando se casam com o príncipe. É o que acontece nos contos Branca de neve
(1817), Rapunzel (1815) e Bela Adormecida (1812), três dos contos mais
difundidos na história da humanidade (FIGUEIREDO e ROCHAL, 2020, p. 4).

Há que se destacar que, nestas histórias dos mencionados contos, há sempre a


presença necessária de um príncipe encantado para salvar Rapunzel, Branca de Neve e
Bela Adormecida. Salvá-las seja de uma torre, da morte ou de um sono profundo.
Além disso, não se observa na apostila uma preocupação com a contextualização
histórica referente a contos como o de Rapunzel que, ainda que publicado em 1815, tem
como data dos primeiros elementos autorais o ano de 1698. Assim, simplesmente se
transpõe para a atualidade uma figura como a da bruxa, por exemplo, como sendo uma
personificação do mal. E um “mal” que se objetiva ser apresentado como se fosse
atemporal.
Neste sentido, sem qualquer menção ou nota de revisão crítica referente às
constatações da ciência história, a apostila, neste espaço, meramente reproduz a versão,
ultrapassada, de que estas mulheres chamadas de “bruxas” eram amaldiçoadas e
possuíam poderes mágicos e malignos. Deixa-se de fazer justiça, portanto, às várias
evidências que comprovam que as “bruxas” foram perseguidas pelos poderes político e
da igreja, sendo que muitas delas, pelo fato de não se adequarem a convenções e
expectativas sociais e culturais, foram condenadas a variadas formas de tortura e à morte
na fogueira.
Dias e Cabreira (2019), em artigo no qual tratam da imagem da bruxa desde a
antiguidade histórica até as representações fílmicas contemporâneas, nos fazem refletir
sobre um importante aspecto:
54

O rebaixamento da mulher a uma posição quase que infantilizada intelectual e


psicologicamente é um dos primeiros pontos a serem observados quanto à sua
associação com a bruxaria. Não ser capaz de discernir adequadamente entre o
bem e o mal as coloca em lugar propício para a influência negativa por parte dos
demônios, vindo a cair em suas garras por falta da inteligência que seria mais
avantajada nos homens (DIAS e CABREIRA, 2019, p. 182).

Por tudo isso é que se faz relevante a percepção sobre o quanto é fundamental a
atenção aos contextos em que as dinâmicas de colagens, desenhos, recortes e demais
atividades escolares ocorrem. As referências que servem para que os exercícios motores
e mentais aconteçam podem muito bem ser de outra dimensão, ou, talvez, que sejam
referências de contos infantis clássicos, mas com abordagens críticas e revisadas, tendo,
por exemplo, como pano de fundo, personagens e histórias que não reproduzam
estereótipos e modelos de socialização preconceituosos, autoritários e patriarcais, como é
o caso da história da Rapunzel.
Portanto, o que talvez se apresenta como primordial não seja o fato de se adotar
uma ou outra fonte literária, artística ou lúdica, mas, sim, a forma como tais referências
serão dinamizadas no processo educativo. Não obstante, Valente e Vasconcelos (2019)
nos alertam acerca da cautela que se deve ter com a instrumentalização metodológica
dos contos, por exemplo:

É interessante notar, como, de maneira despretensiosa, histórias supostamente


inocentes, constroem a mentalidade, o modo de agir, o papel social e o
comportamento esperado dos indivíduos na sociedade. O gênero, além de ser
definido pelos exemplos e perfis previamente delineados nos contos, durante
muitos anos fizeram parte do controle de um grupo conservador, tradicionalista e
ortodoxo, o qual estabelecia limites para a fuga de padrões de
comportamentos. Dessa forma, as pessoas são levadas a acreditar que os
comportamentos quando desestabilizados, isto é, quando descumpridos, admitem
como um valor negativo e
imoral para os indivíduos (VALENTE e VASCONCELOS, 2019, p. 31).

Assim nas figuras 6 e 7 referentes às páginas 108 e 109 da apostila 1, quando


foram ilustradas e dinamizadas várias representações de castelos e personagens de
contos clássicos como a donzela Rapunzel, com a presença de uma bruxa má e um
príncipe salvador, assim também na página 66 (FIGURA 8) da apostila 2 as autoras
utilizam um contexto social medieval e monárquico, por meio de um rei e de uma rainha,
como pano de fundo para uma dinâmica com as crianças.
55

FIGURA 8 - O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019b, p. 66.

Percebe-se que, comparativamente, ao longo das duas apostilas, a utilização


destes conjuntos articulados de personagens e espaços que retratam um sentido de vida
conservador e romantizado acaba ganhando um destaque maior do que as demais
contextualizações sociais coletivas expressas nestes mesmos materiais. Nesta direção,
constata-se que o parâmetro principal escolhido pelas apostilas para retratar um sentido
social de organização coletiva no que se refere à interação entre seres humanos fica mais
evidenciado por meio deste contexto de Idade Média, com teor absolutista e anacrônico,
do que por meio de demais cenários possíveis que porventura pudessem ser
representados e roteirizados dinamicamente pelas autoras dos materiais escolares.

Como consequência desta escolha de contextos, acabam sendo inevitáveis a


reprodução de estereótipos de gênero de caráter moralista e que em nada dialogam com
uma ressignificação dos papeis sociais de mulheres e de homens. Neste sentido é que
Bastos e Nogueira (2016) nos trazem que

(...) não só de aspectos positivos é formado o conhecimento produzido sobre a


utilização dos contos no processo ensino-aprendizagem. Enquanto temos, de um
lado, aqueles que encontram nos contos um diferencial para as crianças e que
entendem que as histórias ajudam em seu desenvolvimento, amadurecimento, e
na resolução dos conflitos internos, por outro lado, temos estudiosos que
entendem os contos de fadas como nocivos por servirem de instrumento de
56

veiculação e perpetuação de diferentes estereótipos e ideais, como a


subordinação feminina (BASTOS e NOGUEIRA, 2016, p.16).

Os contos e histórias infantis tradicionais afirmam comportamentos que lhe são


compatíveis não apenas com as representações dos papéis masculinos e femininos, mas
também no que tange aos valores sociais: bondade e maldade, beleza e feiura, heroísmo
e vilania, dentre outros. E talvez este seja o motivo pelo qual tais scripts suscitem
inúmeras discussões e encontrem tantos leitores. Desta forma, justifica-se a necessidade
de problematizar a utilização destes contos e histórias no cotidiano escolar, levando em
consideração a contínua construção social de narrativas. Assim, não podemos ignorar
que, no seu uso pedagógico, os contos, personagens e histórias infantis de teor medieval
clássico podem reafirmar e legitimar comportamentos baseados em um ideal do que é
certo e errado; impõe-se o que é “bom” ou “ruim”, “normal” ou “anormal”, dentro de uma
lógica binária, sem espaço para outras perspectivas, ensinando como ser uma coisa em
oposição a outra, como “ser homem” e como “ser mulher” (BASTOS e NOGUEIRA, 2016).

Em contrapartida, saindo dos personagens presentes no conto e no trava-língua,


a atividade 9 chama a atenção por elencar a imagem feminina sob outro viés. Vejamos:

FIGURA 9 - AUTORRETRATO

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 27.


57

Ao indagar as crianças acerca de qual autorretrato as mesmas consideram mais


interessante, oferecem-se as opções “Vincent Van Gogh” e “Frida Kahlo”. Ao possibilitar
que seja escolhida a opção “Frida Khalo”, propicia-se que as crianças tenham um primeiro
contato com aquela que é, por meio do universo artístico de seu tempo, uma importante
representante das reflexões acerca de gênero em um período em que tais discussões
ainda se faziam deveras restritas.
Como nos traz Fachin (2017), em sua tese de doutorado,

Artista e mulher, Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón – Frida Kahlo (1907-
1954) foi uma das personagens mais marcantes da história mexicana. Teve sua
existência marcada pela dor, pelo sofrimento e pela paixão, sentimentos refletidos
em sua obra (escrita e pictórica), por meio da qual ficou conhecida mundialmente
como sendo uma das maiores artistas do século passado. Declarada,
definitivamente, como comunista, revolucionária e patriota, a imagem dessa
artista, socialmente construída, é de uma mulher engajada com a política e à
frente do seu tempo, questões reafirmadas em seus autorretratos e em seu diário
autobiográfico (FACHIN, 2017, p.10).

E, entre os aspectos que ficam evidenciados nas obras de Kahlo, destaca-se a


consciência do feminino inerente a uma mulher que rompe com os parâmetros de uma
época e que leva a sexualidade muito além do que era permitido para aquele momento
histórico (FACHIN, 2017).

5.4 ESTEREÓTIPOS PRESENTES NAS APOSTILAS

Fazendo uma análise mais aprofundada nas apostilas, foi possível notar alguns
estereótipos de gênero que são bastante presentes na sociedade. De maneira
quantitativa foram construídas várias tabelas, das quais indicavam o que a figura
(representada por um menino ou uma menina) estavam fazendo, a roupa em que
estavam vestindo, suas expressões faciais e corporais, etc. Na tabela “Ações
representadas por meninas e meninos” pode ser notado que apareceu meios de
transportes e os mesmos estavam sendo conduzidos apenas por meninos. Vejamos:

TABELA 1 - AÇÕES REPRESENTADAS POR MENINAS E MENINOS.

AÇÕES REPRESENTADAS POR MENINAS E MENINOS:

MENINAS MENINOS
58

PARADAS: 3 PARADOS: 6

BRINCANDO: 2 BRINCANDO: 2

PINTANDO: 1 PINTANDO: 1

DANÇANDO: 1 CONDUZINDO UM MEIO DE TRANSPORTE: 3

LENDO: 1 REPRESENTANDO PERSONAGENS DE UMA


HISTÓRIA: 2

CANTANDO: 1

REPRESENTANDO PERSONAGENS DE
UMA HISTÓRIA: 1

FONTE: Tabela confeccionada pela própria autora a partir dos dados presentes em HOFIUS e
SOUZA,2019a e 2019b.

Entre as páginas 8 e 34 (APOSTILA 2): Ao longo destas páginas, a apostila trata


de dinamizar compreensões e atividades acerca dos meios de transporte. Os meios de
transportes que estão retratados na apostila são: carros, aeronaves, barcos, ônibus, van
escolar, motocicleta, bicicleta, trator e trem. De um total de 26 meios de transporte
ilustrados ao longo destas páginas, 23 deles constam sem estarem vinculados a uma
imagem humana, ou seja, a ilustração referente a estas 23 imagens retratam somente a
representação de cada um dos respectivos meios de transporte. Por conseguinte, de um
total de 26 meios de transporte que ilustram estas páginas, três são representados por
alguém que os dirige/conduz. Destes três meios de transporte que são ilustrados sendo
dirigidos/conduzidos, todos eles são representados por condutores homens. Portanto, em
nenhuma imagem que representa meios de transporte consta alguém do gênero feminino
na condução do respectivo veículo. E também não se constata, por parte da apostila,
nenhuma abordagem que instigue a(o) docente para que trate da necessidade de
equivalência de respeito aos gêneros quanto à questão da condução/direção de
quaisquer meios de transporte.

Carvalho, Costa e Melo (2008) explicam que as representações e divisões de


gênero já preexistem à experiência individual, a partir das representações de feminilidade
e masculinidade que nos é apresentado desde o nascimento. No decorrer do tempo,
essas representações se atualizam e se (re)produzem, a partir das experiências no
59

coletivo, das quais atribuem valores na formação dos sujeitos. Sendo ensinado, a maneira
correta de se comportar, de agir, do que gostar, sem pensar nas particularidades de cada
sujeito, limitando suas vivências.

Neste sentido, também, é que se pode afirmar que a escola assume um papel
essencial e fundamental na sociedade em que vivemos, pois a criança está exposta a
várias informações que contribuem para seu processo identitário na construção de seus
saberes e valores, cabendo a esta instituição assumir papel de organizar tais informações
de modo a torná-las significativas no processo de desenvolvimento da criança.
Trabalhando dessa forma, convergem assuntos ligados a questões sociais e culturais,
entre eles as questões de gênero (Sousa, Araújo e Astigarraga, 2015).
A representação de como os gêneros são simbolizados em suas agregações aos
meios de transporte, seja por meio de quem é caracterizado como o condutor, seja de
quem é alvo de piadas preconceituosas e de mau gosto sintetizadas em falas populares
como “mulher no volante, perigo constante”, delimitam relações de poder e grotescamente
caricaturam os gêneros quanto a esta forma de convívio social, que é o trânsito. Assim é
que Lauretis (1994) vai apontar que o discurso hegemônico, exaustivamente repetido, vai
produzir retratos sociais caricatos. E, assim, tais discursos se naturalizam,
institucionalizam-se, e acabam sendo os responsáveis pela formação do masculino e do
feminino. Até por isso é que a mencionada autora ainda afirma que as próprias práticas
da vida cotidiana, também desencadeadas nas escolas, igualmente são responsáveis por
esta construção dos gêneros.
Desse modo, é preciso compreendermos a escola como um espaço social, onde a
criança aprende através de experiências e do contato com o outro. Convivência que pode
influenciar seus gostos, ideias, atitudes, etc. do futuro. Sendo assim, a escola também
precisa ser um lugar de lutas por mudanças, em busca de uma vida mais justa e
igualitária para ambos. Naturalizando as diferenças de maneira não excludente ou de
superioridade. Para que todos possam respeitar um ao outro e entender que as
diferenças não os tornam menos eficazes.

Um dos exemplos contabilizados na tabela citada anteriormente, corresponde a


figura 10. A atividade consiste em observar as imagens, na qual são elas: um homem em
cima de um tronco de árvore remando, um homem remando um bote e a imagem de um
navio. A partir da observação das imagens, as autoras trazem o “Você sabia?” no qual
60

consiste em uma curiosidade sobre o primeiro transporte utilizado na água. Para finalizar
a página, as autoras fazem um questionamento para as crianças, como pode ser
observado a seguir:

FIGURA 10 - MEIOS DE TRANSPORTE.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019b, p. 18.

A atividade selecionada, foi escolhida por apresentar mais de um exemplo dos


quais foram citados sobre a representação de apenas homens ao dirigir meios de
transportes nos materiais da apostila. No material didático é importante que se tenha uma
representatividade nas figuras e exemplos que são levados para dentro da sala, na
aprendizagem das crianças. Mostrando que as pessoas são capazes de fazer várias
coisas, rompendo essas marcas que atrelam a sociedade até os dias atuais, eliminando
as desigualdades de gênero.

Bastos, Cruz e Dantas (2018) escrevem sobre as representações de gênero na


sociedade, no qual somos cópias daquilo que vemos, das várias formas de ser existentes.
Trazendo para o âmbito infantil, as crianças ao brincar repetem comportamentos das
representações que tem e tiveram no decorrer de suas vidas. “[...] O nosso olhar passa a
61

julgar o que é normal e natural a partir da profusão de imagens que nos rodeiam
diariamente. Imagens são, portanto, pedagogias e, nesse sentido, a crítica a elas se torna
indispensável” (PARA BASTOS, CRUZ E DANTAS,2018, P. 60). Isto porque, a criança vai
aprendendo a partir do que lhe é ensinado, a partir de suas experiências e vivências, das
quais determinam como as pessoas devem agir e o que devem fazer.

Isto vai ao encontro dos já mencionados estudos de Mead (1935) e Benedict


(1934), que através das observações de diversos povos puderam constatar que somos
direcionados a seguir determinados padrões dos quais podem passar de geração a
geração nas sociedades. Esses padrões são ensinamentos que aprendemos durante o
decorrer das nossas vidas, seja em casa, na escola, na roda de amigos, etc. Podendo ser
impostos de forma direta ou indiretamente, como no caso da figura 10.

Na atividade as autoras não escrevem que apenas homens podem dirigir os


diversos meios de transportes existentes, porém não trazem nenhuma representatividade
de mulheres dirigindo. Podendo surgir no decorrer das brincadeiras debates acerca de
carrinhos, barcos e aviões serem apenas brinquedos de meninos, e que brinquedos e
brincadeiras relacionados a maternidade ou a afazeres domésticos sejam de meninas.

De forma semelhante, ao analisar os dados da apostila, na figura 11 a brincadeira


que ilustra a atividade proposta aparentemente apresenta uma única menina, enquanto os
meninos somam o total de seis integrantes. Vejamos:
62

FIGURA 11 - BRINCADEIRA DE RODA.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 37.

Levando em conta que, no contexto do processo educacional/escolar, nada é


isento ou permanece imune a formas e conteúdos influenciadores, faz-se relevante refletir
acerca do que tal ilustração abarca. Neste sentido, Alice Fátima Martins, licenciada em
Educação Artística, mestre em Educação e doutora em Sociologia, ao escrever acerca
dos “conflitos e acordos de cooperação nos trânsitos das visualidades na educação
escolar”, nos instiga a refletir sobre o seguinte:

(...) imagens, concepções estéticas e obras de arte não são neutras, inocentes,
mas integram as redes de tensões inerentes às relações de poder das estruturas
sociais em que são realizadas, circulam, e articulam sentidos. Desse modo, a
eleição de certas imagens, concepções estéticas e obras de arte para integrarem
os conteúdos veiculados na educação escolar, resulta da interação de diversos
fatores, por trás dos quais prevalecem interesses os mais diversos, econômicos,
políticos, dentre outros (MARTINS, 2008, p.99).

Em relação à presente página examinada, considerando o caso da imagem em


foco, evidencia-se a questão da representatividade desproporcional entre os gêneros a
qual, por meio da brincadeira proposta, subentende-se, também, menos relações lúdicas
63

e menos interatividade entre meninos e meninas (que, neste caso, melhor dizendo, é uma
única menina).
Além da tabela 1 (“ações representadas por meninas e meninos”), outra
organização de dados que quantificou percepções construídas ao longo deste estudo foi a
tabela 2, abaixo, ao contabilizar os tipos de vestimentas que meninos e meninas
utilizavam. Para melhor entendimento dos dados abaixo se fez importante contabilizar a
quantidade de vezes em que ambos os gêneros aparecem nas apostilas. Na apostila do
1º semestre os meninos aparecem 26 vezes e as meninas 22 vezes. Na apostila do 2º
semestre os meninos aparecem 20 vezes e as meninas 13. Vejamos:

TABELA 2 - VESTIMENTAS.

VESTIMENTAS

APOSTILA 1º SEMESTRE APOSTILA 2º SEMESTRE

MENINAS MENINOS MENINAS MENINOS

Saia: 6 Calção: 12 Saia: 2 Calção: 2


Calção: 2 Calça: 5 Vestido: 4 Calça: 9
Vestido: 8 Camiseta: 21 Calção: 3 Camiseta: 11
Camiseta: 8 Vestido: 1 Camiseta: 6 Vestidos: 1
Capa de chuva: 1
FONTE: Tabela confeccionada pela própria autora a partir dos dados presentes em HOFIUS e
SOUZA,2019a e 2019b.

As vestimentas utilizadas por meninos e meninas, são marcas de uma cultura ou


época vivida. Em um único país, as roupas utilizadas são distintas a partir da região de
cada pessoa, gostos, cultura e até mesmo religião. Desse modo, cada pessoa pode ter
uma forma única de se vestir ou se vestir a partir de padrões pré-estabelecidos na
sociedade.

Um exemplo que não é comum na região da AMARP onde foi realizado esse
estudo, é em relação a meninos utilizarem vestidos. Em ambas as apostilas se tem a
representação de homens utilizando essa peça de roupa, nas apostilas do primeiro e do
segundo semestre (figuras 12 e 10 respectivamente), as figuras masculinas que utilizam
64

vestido são homens primitivos. Em relação à época as quais as autoras retratam o


homem, era comum a utilização desta vestimenta em seres humanos masculinos.

FIGURA 12 - HOMEM PRIMITIVO.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 74.

Apesar das atividades em que aparecem o masculino utilizando vestido não terem relação
com o assunto vestimentas, é importante que haja essa representatividade nos materiais.
Além disso, a criança também fará conexões entre a vestimenta e a época em que a
mesma foi utilizada, compreendendo, assim, que não são suas características biológicas
e anatômicas que irão determinar seus trajes/vestimentas a serem utilizados.

Roveri (2014) estudou acerca das roupas e a educação do corpo infantil, tendo
como foco de estudo os “anos dourados”. A autora pôde constatar que as roupas são
elementos culturais de cada época e que tem um papel de fabricar aparências,
contribuindo para a “compreensão da educação do corpo”. Sendo possível perceber nas
vestimentas qual sociedade que as pessoas estão inseridas e até mesmo a imagem que
uma seleção de roupas pode passar às pessoas que as observam.
65

As demais vestimentas observadas nas duas apostilas foram vestimentas


estereotipadas na cultura em que nos inserimos (patriarcal): as meninas aparecem na
maioria das vezes utilizando vestidos e saias, e os meninos calções e calças. Nas
imagens representadas por animais do sexo feminino, os mesmos utilizavam saias,
brincos, laços, batons e avental, ambos com cores rosas, roxas e vermelhas,
representando a feminilidade. Como podemos observar nos dois exemplos a seguir:

FIGURA 13 - CARNEIRINHO, CARNEIRÃO.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 109.

A atividade da figura 13 fala sobre uma das brincadeiras mais antigas, a


brincadeira de roda, no qual as crianças devem dar as mãos formando um círculo e ficar
rodando sucessivamente enquanto cantam uma cantiga. A letra da cantiga sugerida pelas
autoras da apostila é a música “Carneirinho, carneirão”. As figuras que representam como
se deve formar o círculo, é composto por carneiros e ovelhas, apesar da cantiga falar
apenas sobre carneiros (macho), duas figuras estão utilizando adornos e saia, com cores
que por anos foram classificadas como cores femininas, dando a entender que são
ovelhas (fêmea).
66

Como citado anteriormente, Bastos, Cruz e Dantas (2018) explicam que nosso
olhar passa a julgar o que é considerado normal a partir de imagens que nos rodeiam
diariamente. Sendo assim, não se fez necessário que as autoras da apostila escrevessem
abaixo das figuras quais eram fêmeas ou quais eram machos, foi necessário que
houvessem “sinais”, para que nosso cérebro fizesse essa ligação automaticamente, a
partir das imagens que rodeiam na sociedade. Enquanto isso, na figura 14 a
representação do macho e da fêmea é realizada de maneira evidente, vejamos:

FIGURA 14 - O GALO E A GALINHA.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019b, p. 77.

Na atividade da figura 14, por meio de uma cantiga bastante popular, o galo e a
galinha são retratados com vestimentas que nos instigam a refletir a respeito da forma
como tais animais aparecem representados. Enquanto o galo é apresentado com terno, a
galinha consta vestida de avental.

Ainda que, cientificamente, situemos galo e galinha enquanto macho e fêmea, e


não enquanto seres que constroem relações de gênero, as mencionadas aves estão
trajadas, nestas páginas, com vestimentas próprias de seres humanos. E isto nos faz
67

refletir sobre as relações e representações que a criança é levada a identificar ao ter


como base meramente a especificidade sexual, biológica e anatômica, de um ser vivo,
independentemente de ser uma pessoa ou não. É como se o diagnóstico acerca de qual
sexo cada indivíduo pertence fosse o suficiente para configurar as formas de ser e de
viver destes mesmos indivíduos. Ademais, mais uma vez, não se verificam nas apostilas
quaisquer observações ou chamadas de atenção aos docentes para que os mesmos se
atentem a tais fatos e, com isso, abordem tais percepções juntamente às crianças.
Enquanto demarcações dos papeis sociais representados por homens e mulheres,
o terno e o avental apresentam-se compatíveis com os estereótipos considerados social e
tradicionalmente adequados a cada um dos gêneros. Nas convenções de nossa cultura,
inclusive, o terno ilustra o homem enquanto o artífice público das relações sociais e das
atribuições decisórias e protagonistas da coletividade, enquanto o avental simboliza as
atribuições do mundo privado, do lar e de tudo aquilo que requer cuidado para com o
marido, os filhos e demais pessoas de que dela (da mulher) solicitem algo.
Símili e Franqui (2015) escrevem que, ao longo tempo, nos estudos sobre a criança
na educação infantil, um dos temas que sempre chamaram mais a atenção é o papel dos
brinquedos e das brincadeiras na formação da criança. Entretanto, segundo estas
autoras, pouco se escreveu sobre a função das roupas na educação infantil.

Ainda segundo as autoras acima citadas, “roupas e moda são práticas sociais e
culturais, perceptíveis desde o momento em que uma grávida conhece o sexo da criança
e começa a vesti-la por meio da preparação do enxoval” (SÍMILI e FRANQUI, 2015,
p.279). Neste mesmo sentido, Bento (2004) afirma que “[...] o gênero adquire vida através
das roupas que compõem o corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, de uma estilística
definida como ‘apropriada’ aos sexos masculino e feminino” (BENTO, 2004, p. 4). E,
também nesta direção, Crane (2006) nos traz que as roupas

são usadas para fazer uma declaração sobre classe e identidades sociais, mas
suas mensagens principais referem-se às maneiras pelas quais mulheres e
homens consideram seus papéis de gênero, ou como se espera que eles o
percebam (CRANE, 2006, p. 47).

As vestimentas, que são utilizadas nos materiais didáticos na Educação Infantil,


podem ter grande influência no que a criança vai entender como coisas de meninos e
68

coisas de meninas. Mesmo tendo dois exemplos de homens utilizando vestido, a criança
pode associar que na maioria das figuras femininas as mesmas aparecem utilizando
vestidos e saias, já os meninos apenas em representações do passado. Lopes (2017, pg.
20339) escreve que “Meninas e meninos, quando chegam à escola, carregam consigo
elementos externos constituintes da imagem de si e do mundo, influenciados pelos
valores de uma sociedade androcêntrica.”

Em uma sociedade marcada pela divisão entre os gêneros e com diversos


estereótipos, a criança tende a ter uma visão de mundo com essas marcas da sociedade,
na qual podem ser reafirmadas no âmbito escolar. Lopes e Gesser (2017, pg. 208)
trazem as ideias de Paulo Freire (2009), no qual compreende que para se ter uma
sociedade justa e igualitária, é primordial “a construção de uma teoria pedagógica
libertadora”. Pois, pensar em uma educação igualitária, é pensar no caminho para se
alcançar a igualdade de gênero, trabalhando no combate a estereótipos presentes na
sociedade dentro e fora dos materiais didáticos.

Dessa forma, a escola pode estar contribuindo para a formação das desigualdades
ou problematizando tais assuntos, como, por exemplo, o fato de as roupas não definirem
o ser menina ou o ser menino, mas sim “um conjunto complexo de conceitos e detalhes
que as crianças vão construindo e adquirindo a partir da mediação com o meio social em
que vivem” (SILVA, 2016, pg.36). Pois, o processo de divisão de gênero e estereótipos
podem estar presentes nos mínimos detalhes, contribuindo de maneira silenciosa e
vagarosa, por estar presente na vida dos indivíduos desde os seus primeiros dias de vida.

Outro exemplo observado nas figuras da apostila, que pode estar contribuindo nos
estereótipos de gênero, faz-se presente em uma atividade que consiste em organizar em
ordem cronológica quatro imagens e, logo após, contar uma história utilizando tal
organização. Observe as roupas utilizadas pela personagem principal da história:
69

FIGURA 15 - A CHUVA.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 65.

Nas páginas 65,67 e 68 da apostila 1, propõe-se uma atividade que consiste em


organizar a ordem de quatro imagens e, logo após, contar uma história utilizando da
mesma organização. Todavia, ao observar as roupas utilizadas pela personagem da
história, percebem-se detalhes relacionados especialmente à vestimenta da mesma que
chamam especial atenção quanto à temática recortada pelo presente estudo acadêmico.
A personagem utiliza uma saia vermelha, um cropeed (camiseta feminina curta)
branco e sandálias de cor rosa. Após começar a chover, a personagem coloca botas
vermelhas e um casaco vermelho e, em ambas as vestimentas, a personagem utiliza uma
bolsa de lado também vermelha. O fato de que a roupa da personagem é curta pode
ajudar a criança a compreender melhor as condições sobre o clima e temperatura, por
exemplo. Ou seja, quando a menina saiu de casa não estava chovendo e estava quente,
mas quando começou a chover ela sentiu frio, e voltou a colocar o casaco comprido. Não
obstante, a roupa curta, como a utilização do cropeed, também pode remeter a um olhar
de sensualidade para a vestimenta, o que nos sugere a presença de estereótipos de
gênero onde a imagem feminina é sensualizada.
70

Há que se registrar que, durante muito tempo, nas sociedades patriarcais


ocidentais, a imagem feminina em materiais editoriais de revistas, jornais, filmes e novelas
eram predominantemente sensualizadas com maquiagens fortes, roupas curtas e coladas
e com tons “puxados” para a cor vermelha. E a posição de subordinação aos homens nas
estruturas organizacionais das empresas que comandavam estas edições garantia e
fortalecia tais caracterizações. Assim, López-Barreyro (2017, p.53) expõe que “a
representação da mulher divulgada e reforçada pela mídia é estereotipada, e remete a
papéis tradicionais. Esses papéis foram e continuam sendo baseados em supostas
características naturais, inerentes às mulheres”. E, como a imprensa e as organizações
de mídia são importantes articuladoras de imagens e produtos culturais dos mais variados
tipos, torna-se relevante levar em conta a influência de tais instituições de comunicação
quanto às discussões das questões de gênero no contexto da sociedade.

Pertinente, aqui, ao debater este aspecto, é trazer Leite, Furlan e Maio (2015, pg.
6) quando citam Ferreira (2006), ao escrever que “a escola produz e reproduz conteúdos
e identidades culturais”, de modo que reforça as desigualdades de gênero, reproduzindo
marcas atreladas a uma sociedade binária. As autoras complementam que os livros
didáticos por vezes acabam contribuindo para a manutenção dos sistemas de
pensamentos e atitudes sexistas, não compreendendo assim seu papel de socializadora,
na qual deve assegurar uma prática reflexiva que impossibilite o ciclo constante e
repetitivo das atividades estereotipadas.

Nesta direção, Martins e Hoffmann (2007) escrevem que os materiais didáticos


tendem a mostrar visões estereotipadas de gêneros em ilustrações. E isto podemos
evidenciar, por exemplo, nas vestimentas utilizadas pela personagem delimitada pela
mencionada atividade, sendo que a mesma segue determinados padrões que reforçam
certas convenções sociais e diferenciam os tratamentos dados aos gêneros. As autoras
aludidas salientam que a vestimenta é umas das mais importantes linguagens não
verbalizadas e é por meio dela que as pessoas se comunicam, transmitindo uma imagem
considerada adequada às expectativas da coletividade. Comungando de tal
entendimento, Barbosa e Andrade (2017) citam Louro (1997), o qual escreve que a
escola, mesmo sendo um lugar que garante igualdade para todos, ainda continua sendo
um espaço sexista.
71

Como se mostra evidenciado, em vários momentos torna-se visivelmente


perceptível as representações estereotipadas de ambos os sexos nos materiais didáticos
examinados. Hierarquizações, escolhas de cores, vestimentas “mais adequadas”, formas
de se embelezar, comportamentos específicos... enfim, estes e outros caracteres
acabaram sendo percebidos de forma bastante nítida ao longo de várias dinâmicas das
apostilas em foco. Exemplo disto é a atividade que corresponde à figura 16, a qual traz
como representação uma minhoca (feminina), a utilização de maquiagem e laço
vermelho. Vejamos:

FIGURA 16 - A MINHOCA E O “MINHOCO”.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019b, p. 86.

A figura acima foi retirada da apostila do 2º semestre, na qual se tem algumas


atividades sobre os animais, sendo que, na página 86, o animal escolhido foi a minhoca.
Observando a atividade, é possível perceber que as autoras colocam uma cantiga sobre a
minhoca para que as crianças aprendam sobre ela. Além da cantiga, também se tem uma
proposta de atividade, na qual consiste em fazer uma representação da minhoca com
barbantes coloridos. Sendo que as partes que possuem maior relevância para a
discussão desse trabalho é a letra da cantiga e a ilustração da minhoca.
72

A atividade consiste em apresentar as crianças a minhoca, mas vale ressaltar que


a minhoca é um animal hermafrodita, sendo assim, não tem sexo biológico definido.
Porém na cantiga escolhida pelas autoras da apostila, a minhoca é representada pelo
masculino e feminino, sendo a minhoca e o “minhoco”. Além dessa representação
inexistente, a letra da música também é algo que precisa de uma reflexão, vejamos:

Minhoca, minhoca
Me dá uma beijoca
Não dou, não dou
Então eu vou roubar
Minhoco, minhoco
Você é mesmo louco
Beijou do lado errado
A boca é do outro lado
(Domínio Público)

Na música, após o “minhoco” solicitar um beijo a minhoca, e ela negar, o


“minhoco” acaba por roubar o beijo mesmo que não haja o consentimento por parte da
personagem feminina da atividade. A prática de “roubar” um beijo, ainda é muito comum
dento da sociedade, mesmo que seja crime perante o Código Penal, do artigo 215-A,
definido pela Lei n. 13.718/18 atendido como Importunação Sexual. A lei é configurada
pela "realização de ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual, com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

A frase “Beijou do lado errado, a boca é do outro lado”, tem a intenção de mostrar
que as características da minhoca são iguais tanto na parte da cabeça quanto na parte
inferior do corpo, sendo difícil de distinguir olhando superficialmente. Deixar de se
trabalhar o fato de que o roubo de um beijo seja um comportamento agressivo e machista,
pode ficar subentendido que tal ato seja considerado normal. O fato é que, em uma
cultura com fortes raízes patriarcais, por anos a mulher teve um papel de submissão,
precisando ficar calada mesmo em momentos em que não concordava com o que estava
acontecendo.

Leite, Furlan e Maio (2015, pg. 4), trazem as ideias de Moreno (1999) no qual
escreve que os materiais didáticos possibilitam o ensino e a aprendizagem tanto da leitura
73

quanto da escrita, mas os ensinamentos presentes nesses materiais também “são


impregnados de códigos e símbolos sociais, que consistem em uma ideologia sexista que
‘dita’ padrões na conduta de meninos e meninas”.

No seu desenvolvimento a criança é exposta a diversas informações que


contextualizam a sociedade, as quais vão se tornando algo comum em suas vivências.
Mesmo sendo imperceptível, são pequenos detalhes que constroem estereótipos de
gênero, pré-conceitos, divisões entre classes sociais, raças, etc. Desse modo, é possível
perceber a importância de analisar o que é trabalhado dentro da sala de aula e nas salas
da educação infantil, de maneira que não haja uma reprodução de uma cultura que
corrobore ações sexistas, machistas e de desigualdades de tratamentos entre gêneros.

Silva e Morais (2017) escrevem que as crianças aprendem com o adulto, repetindo
e recriando experiencias que são passadas a elas por meio de orientações e ações do dia
a dia, das quais, podem ser planejadas ou não. Em relação ao gênero, a escola acaba
por sinalizar características, que são delimitadas como certo ou errado para meninas e
meninos. Na organização espacial, nas filas, na divisão na hora do brincar, nas cores, nos
materiais didáticos, entre outras várias formas de classificação e separação entre
meninos e meninas existentes dentro das instituições de ensino.

Por fim, assim como na dinâmica referente ao “beijo roubado”, outra atividade da
apostila que retrata a imagem feminina em uma situação que pode ser considerada
constrangedora é a dinâmica presente da figura 17:
74

FIGURA 17 - A MENINA E A GOTINHA DE CHUVA.

FONTE: HOFIUS e SOUZA, 2019a, p. 69.

Esta página solicita que se dinamize uma interação com as crianças por meio de
um poema. Tal poema tem como uma de suas atenções centradas no “psiu”: uma
interjeição muito comum na realidade social brasileira e que, em grande parte das vezes,
está relacionado a um comportamento de objetificação da mulher o qual se circunstancia
especialmente em condições constrangedoras, incluindo até mesmo as várias formas de
assédio.

A estrofe específica em que se encontra o “psiu” traz os seguintes dizeres: “a


gotinha espiou pela janela e achou a menina tão bela, então chamou: - Psiu. Mas a
menina nem viu” (MURRAY, 2004). Ao se escolher tal poema, por melhores das intenções
que as autoras tivessem, não se atentou ao fato de que, em uma coletividade machista,
como é o caso da sociedade brasileira, a reprodução de tal interjeição colabora com o
exercício de consolidação de um vocabulário que vulgariza a imagem feminina e a coloca
em uma posição de inferioridade ante aos interesses de quem lhe cobiça. E observe-se a
circunstância em que o “pisu” se encontra no contexto do poema: o “psiu” é dirigido a uma
“menina” que é “bela” e distraída, já que a mesma “nem viu” quem a chamou e a estava
lhe “espiando”. Enfim, a não ser que se propicie uma postura escolar reflexiva a respeito
75

de tudo o que esteja implícito nas falas e nas representações simbólicas, incluindo o
vocabulário utilizado no poema, contribui-se para a naturalização de práticas de
constrangimento, importunação e até mesmo assédio.

Neste sentido, Mendonça (2017), em sua dissertação de mestrado "’Meu nome não
é psiu!’: Assédio nas ruas e a luta dos feminismos por reconhecimento jurídico”, nos traz
que

Diante da situação de desigualdade sexual que subalterniza o gênero feminino, o


fenômeno do assédio nas ruas pode, assim, ser caracterizado como uma
manifestação de desrespeito social. Ao analisarmos tal interação, podemos
perceber que o assédio em si é uma manifestação unilateral do desejo masculino,
na qual o sujeito da interação desconsidera a estrutura psíquica complexa da
mulher e, em última instância, a enxerga como instrumento para alcançar algo que
postula, e não como indivíduo que possui um fim em si. Nesse sentido, à mulher
não é atribuída a dignidade que deveria permear a comunidade de valores de um
Estado moderno (MENDONÇA, 2017, p. 95).

Quanto ao debate relacionado às questões de gênero, ao se frisar o trecho final da


citação acima em que se fala em “comunidade de valores de um Estado moderno”, pode-
se pensar no importante papel que a educação infantil tem ao ser um espaço potencial
para se iniciar a ação do repensar ideias e práticas que, culturalmente, ainda reproduzem
comportamentos que objetificam a dimensão do feminino.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória como discente de Pedagogia é marcada por variados conhecimentos e


experiências das quais formam sujeitos aptos para entrar em sala de aula, visando uma
prática eficiente e libertadora. Para isso é necessário que aprendamos a olhar para dentro
desses espaços de educação com um olhar questionador e reflexivo, do qual vise a
melhoria dos espaços e de um ensino de qualidade, pautado na realidade dos alunos, nos
saberes prévios, nas diferenças e na igualdade entre os gêneros.

Com isso devemos questionar qual o tipo de aprendizagem e qual o papel dos
materiais didáticos no cotidiano e desenvolvimento infantil da criança. Isto porque o
mesmo acaba por limitar as práticas pedagógicas, sem pensar em cada criança como um
76

indivíduo com vivências e conhecimentos únicos dentro de um grupo. As apostilas não


abrangem a diversidade tanto social, quanto cultural das crianças, sendo pensadas
através de enquadramentos gerais e não são deixadas margens para serem
contextualizadas através de realidades específicas.

Neste estudo observou-se que o discurso de gênero se fez implícito em


enunciados e ilustrações das apostilas utilizadas como material didático em CEMEI’s da
região AMARP. Em determinadas atividades foi necessário fazer um estudo mais
aprofundado para conseguir observar casos que faziam menções a estereótipos, em
outras atividades ficou visivelmente evidenciado.
Para chegar em tais resultados foi necessário muitos estudos e reflexões, dos
quais foram bastante desafiadores, por ter acontecido em meio a uma Pandemia Mundial,
no qual trouxe consigo medos e incertezas. Se fez necessário que houvesse adaptações
durante o período da pesquisa, com orientações apenas a distância via internet,
dificultando muitas vezes as análises em conjunto dos dados encontrados nas apostilas,
por dificuldades técnicas e com a internet.

Mesmo com as dificuldades encontradas no caminho percorrido até aqui, foi


possível concluir que a escrita desse trabalho proporcionou momentos de reflexão, tanto
do tema, quanto da própria trajetória do curso. Passando por momentos de frustrações,
medos e desânimos, mas que ajudaram no ganho de experiências e fizeram dar mais
sentido à pesquisa realizada no trajeto aqui percorrido.
Finalizando, ressalta-se a importância de dar continuidade a essa pesquisa
futuramente, já que se entende a importância de discutir a respeito dos usos das apostilas
e a questões ligados ao gênero dentro do ambiente educacional. Pois ambos os assuntos,
têm pouca discussão e trabalhos a respeito, por se tratar de um assunto pouco comum
dentro do meio acadêmico, já que por exemplo, o uso da apostila na Educação Infantil se
deu há poucos anos. Inclusive se vislumbra o interesse para que futuramente, como
desdobramento do presente estudo, sejam realizadas entrevistas com docentes e, por
meio das mesmas, examinar seus relatos de opiniões e experiências a respeito das
questões de gênero.
77

REFERÊNCIAS

AMORIM, Ivair Fernandes de. Reflexões críticas sobre os sistemas apostilados de ensino. 2008. 191 f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara,
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