Mostras Da Evolução Do Galego No Âmbito Galego-Português

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Mostras da evolução do galego no

âmbito galego-português
Francisco Dubert-García
Xulio Sousa
Instituto da Lingua Galega / Universidade de Santiago de Compostela
Projeto 4 (coordenado por Jussara Abraçado e Carlos Alexandre Gonçalves)
XX Congresso Internacional ALFAL, 22-26 Janeiro de 2024, Universidad de
Concepción, Chile
Estacomunicação apresenta-se com a ajuda do Ministerio de Cultura y Deporte do Gobierno de España
O interesse histórico do complexo galego-português

O ”galego-português” medieval, um conjunto de variedades linguísticas mais


ou menos uniformes desenvolvidas no noroeste da Península Ibérica, passou
por uma série de vicissitudes que tornam a sua história muito atraente:

1º) Surgiu no ocidente da antiga Gallaecia romana como um conjunto de


dialetos constitutivos (falado nesses territórios desde a latinização).

2º) Foi levado para o centro e o sul de Portugal, onde se estabeleceu como
um conjunto de dialetos consecutivos (falados nesses territórios após
processos de portuguesização).

3º) Foi depois levado outra vez para o Brasil, onde milhões de pessoas o
aprenderam como segunda língua; a maioria destas pessoas falavam
línguas maternas tipologicamente diferentes do português.
O território originário do antigo ”galego-português”, o antigo reino da Galícia, ficou
divido politicamente no século XII.

A norte, o condado da Galícia, ficou associado até hoje:

• primeiro, com o reino de Leão (que tinha desenvolvido o romanço leonês);

• depois, com o reino de Castela e logo de Espanha (que tinha desenvolvido o


romanço castelhano).

A sul, o condado de Portugal, tornou-se um reino independente.

As relações culturais e políticas entre Galícia e Portugal foram cada vez mais fracas.

As relações culturais e políticas entre Galícia, Leão, Castela e o resto de Espanha, pelo
contrário, foram cada vez mais fortes.
A língua da Galícia, o galego, convergiu em vários aspetos com o leonês e o
castelhano:

Por exemplo:
• Perdeu as consoantes fricaYvas coronais vozeadas: [ˈʃẽn̪tɪ] ‘xente’, [ˈkas̺ɐ]
‘casa’;
• A maioria dos dialetos desenvolveram uma consoante fricaYva dental
não-sibilante desvozeada: [faˈθeɾ] ‘facer’ (hoje a pronuncia mais
estendida e de preshgio);
• Introduziu um sufixo -o na 3Sg do Pretérito Perfeito de verbos irregulares
rizotónicos como disse > dix-o, fez > fix-o, houve > houb-o, teve > 7v-o.

Ademais, ao longo da história, foi tomando cada vez mais emprésYmos


lexicais do castelhano: galego > gallego, Deus > Dios, xonllo/xollo > rodilla.
Mudanças como estas fizeram com que muitos investigadores enfatizassem
excessivamente dois fatos contraditórios:

a) A influência do espanhol sobre o galego.


b) O caráter conservador do galego devido ao isolamento ou à falta de cultivo.

“Habiéndose desarrollado el gallego moderno en estado salvaje, enteramente


abandonado a la espontaneidad popular, como lengua no escrita, se mantuvo sin
embargo esencialmente uno, y, cualesquiera que sean las modalidades que presente
en las diversas hablas, el lingüista sabe desde siempre que es una lengua de fuerte
cohesión, muy conservadora, y, por lo tanto, a pesar de su evolución y la erosión de
la lengua oficial, claramente vinculada a la fase inicial gallego-portuguesa” (Carballo
Calero 1979: 100, énfase engadida).

“Separadas políticamente Galicia y Portugal, la evolución resultó divergente por


razones históricas, siendo decisivo el hecho del contacto con el castellano para la
constitución del gallego, y el sustrato mozárabe de las ciudades conquistadas en la
Beira y Extremadura para la constitución del portugués” (Carballo Calero 1979: 88,
énfase engadida).
A verdade é que como falares constitutivos, os dialetos galegos (como os do norte
de Portugal) tiveram tempo para acumular mudanças.

• Algumas são comuns ao leonês e autónomas do espanhol: fonon a Vigo ‘foram


a Vigo’.

• Outras são propriamente galegas, autónomas do leonês e do espanhol: cantei


> cantein, batí > batín, partí > partín.

Nem tudo foi influência do castelhano ou preservação de arcaísmos.

As inovações autónomas são o objeto desta comunicação:

a) A expressão da 2Sg do Pretérito Perfeito (Simples)


b) Os chamados de pronomes de solidariedade.
Cantaches, cantastes, cantache, cantaste

A evolução do sufixo 2Sg do Pretérito Perfeito Indicativo em galego em poucas palavras:

a) As diferentes variantes dialetais do sufixo provém da desinência latina -STĪ: FĒCĬSTĪ.


b) No noroeste ibérico o Ī átono final latino conservou-se como /i/ até o final da Idade
Média (Mariño Paz 2017: 226): figi ‘fiz’ < FĒCĪ; fezisti ‘fizeste’ < FĒCĬSTĪ.
c) Esta vogal /i/ palatalizou o /t/ de -STĪ em /tʃ/: cantasti > cantaschi.
d) Esta vogal /i/ exerceu metafonia sobre a vogal tónica média precedente: bevisti
‘bebeste’.
e) A vogal /i/ final acabou confluindo com /e/: cantaschi > cantasche.
f) O /s/ seguido de /tʃ/ desapareceu: cantaschi, cantasche > cantachi, cantache.
g) O sufixo de 2Sg recebeu um /s/ final analógico: cantache > cantaches.
Cantaches, cantastes, cantache, cantaste

Já na língua medieval, Mariño Paz (2013: 355-356) localiza sete variantes do sufixo:
-sti 9,5%
-schi 3%
-chi 0,2%
-ste 67,4% Variantes con -(s)ch:-18,6%
-sche 11,5% Variantes con -st-: 81,4%
-che 3,2%
-st’ 4,3%
-sch’ 0,7%
-stes 0,2%
Cantaches, cantastes, cantache, cantaste

Segundo Mariño Paz (2013: 356), os poucos textos galegos preservados na Era
Moderna indican que:

“De par da desaparición de -sche e de todas as variantes con -i, o predominio


case absoluto da solución máis innovadora -che, o acusado devalo de -ste e a
aínda lenta difusión da nova variante -ches, con -s analóxico, que no galego
contemporáneo se estendeu e está a estender velozmente, sobre todo a custa
de -che”.
Colliches

Mapa 1. Variação na Vogal Temática da 2Sg do Pret. Perf. Ind. verbos da C2; fonte ALGa I, mapa
53 “Colliches”. Obrigado a Marta Negro Romero por elaborar o mapa.
Colliches

Mapa 2. Variação /tʃe/ vs. /ste/ no SNP da 2Sg do Pret. Perf. Ind. verbos da C2; fonte ALGa I,
mapa 53 “Colliches”. Obrigado a Marta Negro Romero por elaborar o mapa.
Colliches

Mapa 3. Acréscimo de /s/ analógico na 2Sg do Pret. Perf. Ind. verbos da C2; fonte
ALGa I, mapa 53 “Colliches”. Obrigado a Marta Negro Romero por elaborar o mapa.
Cantaches, cantastes, cantache, cantaste
Vasconcellos (apud Dieguez Gonzalez
2009: 28; Sánchez Rei 2021: 293-295)
documentou -che em Melgaço,
concelho português fronteiriço com a
Galícia.
Fonte do mapa: Wikipédia
Colliches

Estas formas são resultado de diferentes mudanças:


• Ocorreram em momentos diferentes
• Têm extensões geográficas diversas (pois são autónomas umas das outras),

Há quatro possibilidades nos verbos da C1 e da C3 nos falares galegos atuais:

a) Falares com -[st]- sem acréscimo de -[s] analógico: canta-ste.


Forma considerada dialetal por mor da preservação de -[st]- e da falta de -[s].

b) Falares com -[st]- com acréscimo de -[s] analógico: canta-ste-s.


Forma considerada dialetal por mor da preservação de -[st]-.

c) Falares com -[tʃ]- sem acréscimo de -[s] analógico: canta-che.


Forma considerada dialetal por mor da preservação de -[st]-.

d) Falares com -[tʃ]- com acréscimo de -[s] analógico: canta-che-s.


Forma considerada estândar ou normativa.
Colliches

Nos verbos da C2 temos 8 possibilidades evolutivas:

a) bat-i-che-s
c) bat-i-che
c) bat-e-che-s
d) bat-e-che
e) bat-i-ste-s
f) bat-i-ste
g) bat-e-ste-s
h) bat-e-ste
Cantaches, cantastes, cantache, cantaste

A variante -[tʃ]- emprega-se como isoglossa que agrupa os falares


galegos frente aos portugueses e asturo-leoneses (Fernández Rei
1990: 23), ainda que alguns falares galegos do noroeste, sudoeste e
do sueste presentam -[st]-.

Cabe notar que nem a presença nem a sua ausência de -[s] analógico
constituem estereótipos em galego (si a presença de -[s] no espanhol
da Galícia: tú amastes).

Só transmitem informação dialetal muito difusa. São possivelmente


indicadores, nem sequer marcadores (no sentido de Labov)
O dativo de solidariedade: Vaiche ben frío

SISTEMA PRONOMINAL

SINGULAR PLURAL
tónicos eu, min, comigo nós, connosco
1ª PESSOA
átonos me nos
tónicos ti, vostede, contigo vós, vostedes, convosco
2ª PESSOA
átonos te / che vos
tónicos el, ela, consigo, si eles, elas, consigo, si
3ª PESSOA
átonos o, a / lle / se os, as / lles / se
O dativo de solidariedade: Vaiche ben frío

OD (AcusaYvo) OI (Dativo)

2ª PESSOA te, vos che, vos

3ª PESSOA o, a, os, as lle, lles

• A túa tía comprouche un libro

• María comproulle un libro a Manuel


Os outros dativos (dativos supérfluos, dativos non argumentais)
• Dativo ético (“de interesse”): remete para uma entidade [...] que
de alguma maneira é afetada pelo evento; mais comum na 1ª e
2ª pessoas.
Entra para o cuarto e péchame esa porta que entra moito frío.
Teu fillo estache comendo unha caixa de bombóns.

• Dativo de solidariedade: “introduce o alocutario na mensaxe


coma se participase do dito polo locutor, para implicalo máis no
que se conte e provocar nel unha actitude ou resposta proclive ás
posicións do emisor” (Álvarez & Xove 2002).
Esta música que estamos a escoitar non che me gusta nada.
Hoxe o día estache anubrado, parece que vai chover.
Dativo de solidariedade

a. Não selecionado pelo verbo (função pragmática)

b. Referência ao interlocutor; mais próprio de registos


informais

c. Expressão clítica: che (forma mais comum)


Hoxe o día estache anubrado
Hoxe o día estache anubrado *a ti
Dativo de solidariedade

d. Compatível com outros dativos


Déuchelle o regalo o regalo a María o día do
aniversario

e. Característico do galego (inexistente em espanhol


europeu, asturiano e português europeu)
§ espanhol de Galicia
Te estuve enferma toda la semana
§ espanhol de América (?) (dativo ético de P2)
¿Es cierto que te le arruinaron la vida a tu hija?
(Maldonado 1998)
Dativo de solidariedade

f. Aparecimento tardio na história da língua: século


XVIII
• Eu non che me lembro (Sarmiento)

g. Análise e origem:
• É um dativo especial (≠ dativo ético; Álvarez &
Xove 1997, Freixeiro 2000, Varela)
• É um dativo ético (de 2ª pessoa; Pita )
Estes fatos, com diversas valorações normativas, mostram

A) como a passagem do tempo pode produzir “complexificação de


arquitetura” (Dubert-García 2023);

B) umas mudanças que se poderiam interpretar como diversas formas de


“complexificação da estrutura”;

C) como o galego, coberto durante séculos polo castelhano, pôde passar por
mudanças e inovações autónomas;

D) que não é uma língua tão conservadora como se afirma;

E) em definitiva, evoluções divergentes das portuguesas que exemplificam


mais possibilidades de mudança linguística a partir duma base comum
compartida.
Obrigados!!!
Referências
ALGa 1 = Instituto da Lingua Galega (1990): Atlas Lingüístico Galego. Vol. 1. Morfoloxía verbal. A. Coruña:
Barrié de la Maza.
Álvarez Blanco, Rosario (1997): “O complemento de solidariedade: a complicidade entre os interlocutores”, en
Benigno Fernández Salgado (ed.), Actas do IV Congreso Internacional de Estudios Galegos, 37-53. Oxford:
Centre for Galician Studies.
Álvarez, Rosario; Xove, Xosé (2002): Gramática da Lingua Galega, Vigo: Galaxia.
Dieguez Gonzalez, Júlio (2009): Morfologia verbal em variedades regionais e populares do português europeu,
Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela.
Dubert-García, Francisco (2023): “Tempo e liberdade: galego e complexidade de arquitectura nos dialectos
iberorrománicos noroccidentais”, en Aroldo Andrade, Elisângela Gonçalves e Pablo Faria (eds.) A
mudança linguística em várias perspectivas. Volume I, 85-110, Campinas: Mercado de Letras.
Fernández Rei, Francisco (1990): Dialectoloxía da lingua galega, Vigo: Xerais.
Freixeiro Mato, Xosé Ramón (2000): Gramática da lingua galega. II Morfosintaxe, Vigo: A Nosa Terra.
Mariño Paz, Ramón (2013): “O sufixo número-persoal da P2 do pretérito de indicativo no galego medieval”, en
Rosario Álvarez, Ana Maria Martins, Henrique Monteagudo, Maria Ana Ramos (eds.), Ao sabor do texto.
Estudos dedicados a Ivo Castro, pp. 355-368. Santiago de Compostela: Instituto da Lingua Galega /
Universidade de Santiago de Compostela.
Mariño Paz, Ramón (2017): Fonética e fonoloxía históricas da lingua galega, Vigo: Xerais.
Pita Rubido, María Luísa (2006): “Algunhas consideracións sobre os dativos non argumentais”, Revista Galega
de Filoloxía 7, 143-165.
Sánchez rei, Xosé Manuel (2021): O portugués esquecido. O galego e os dialectos galegos setentrionais,
Santiago de Compostela: Laiovento.
Varela Barreiro, Xavier (1997): “A existencia de dúas expresión clíticas de segunda persoa singular en galego”,
in Benigno Fernández Salgado (ed.), Actas do IV Congreso Internacional de Estudios Galegos, 319-342.
Oxford: Centre for Galician Studies.

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