Epistemologia
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33º Encontro Anual da Compós, Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói - RJ. 23 a 26 de julho de 2024
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Resumo: Este artigo, de caráter ensaísco, nasce de um incômodo com uma baixa diversidade
epistemológica dos estudos radiofônicos brasileiros, especialmente no que diz
respeito às questões de raça e interseccionalidades. Nele, discutimos o que se
compreende por epistemologias plurais e como essa diversidade epistemológica
pode auxiliar a compreender o rádio sob uma perspectiva múltipla. Discutimos,
especialmente, as questões de raça, e como elas afetam a compreensão dos estudos
radiofônicos. Defendemos a tomada de posição e a quebra do pacto narcísico,
reconhecendo os impactos das perspectivas eurocêntricas e das violências cotidianas
do mundo acadêmico na consolidação de uma visão singular do fenômeno que
estudamos.
Abstract: This paper, an academic essay, is born out of a discomfort with the low epistemological
diversity of Brazilian radio studies, especially with regard to issues of race and
intersectionality. In it, we discuss what is understood by plural epistemologies and
how this epistemological diversity can help to understand radio from a multiple
perspective. In particular, we discuss issues of race and how they affect the
understanding of radio studies. We advocate taking a stand and breaking the
narcissistic pact, recognizing the impacts of eurocentric perspectives and the daily
violence of the academic world on the consolidation of a singular vision of the
phenomenon we study.
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos Radiofônicos. 33º Encontro Anual da Compós,
Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói - RJ. 23 a 26 de julho de 2024.
2
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto, Doutora em
Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA), Bolsista Produtividade em Pesquisa (Pq-2) do CNPq, e-mail
[email protected].
3
Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio da Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em
Jornalismo (UFSC), e-mail [email protected].
4
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto, Doutor em Comunicação
e Cultura Contemporâneas (UFBA), e-mail [email protected].
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1. Introdução
A análise da produção científica é um exercício recorrente entre as/os pesquisadoras/es
dos estudos radiofônicos no Brasil, o que resulta em um vasto conjunto de textos que
sistematizam e discutem o conhecimento que vem sendo produzido e divulgado em diferentes
períodos e localidades. Ao realizarmos uma breve revisão desse material, observamos que as
temáticas e as abordagens teórico-metodológicas compõem o foco da maior parte das
discussões, que são geralmente apresentadas com ênfase no recorte de marcos temporais (Del
Bianco; Zuculoto, 1997; Moreira; Del Bianco, 1999; Haussen, 2004, 2016), geográficos
(Klöckner, 2008; Prata et al, 2011), por tipo de produção (Lopez; Mustafá, 2012) e/ou vínculos
institucionais (Zuculoto; Lopez; Kischinhevsky, 2016; Prata; Avellar, 2017). Eventualmente,
o olhar é também direcionado para a comunidade acadêmica e/ou seus sujeitos, em especial,
com o exame do quadro de autoria das produções (Prata; Mustafá; Pessoa, 2014). Em conjunto,
essas análises formam um panorama abrangente, que permite a identificação de tendências,
tensões e possíveis lacunas no desenvolvimento dos estudos ao longo décadas, e ampara a
compreensão dos processos de formação, institucionalização e legitimação do campo de
estudos dentro da área da Comunicação. Logo, além de ser um indicador das dimensões
quantitativa e qualitativa da produção, o movimento de constante análise é, ao mesmo tempo,
requisito e revelador do processo de amadurecimento das pesquisas e das práticas de suas
autoras e seus autores. Neste sentido, embora decorram de uma leitura ainda exploratória do
material, as dimensões (e as referências) anteriormente destacadas favorecem a compreensão
dos caminhos percorridos, apontando não somente quais ângulos têm sido priorizados na
reflexão epistemológica do grupo, mas quais têm sido desconsiderados.
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compreensão do lugar da mulher nos estudos radiofônicos brasileiros” (Lopez et al, 2024, p.
257-258). Contudo, não tardou para que se encadeassem outros questionamentos. Afinal, a
mesma estrutura que promove a naturalização do gap de gênero incide sobre outros grupos
socialmente marginalizados, como pessoas negras, indígenas, com deficiência, oriundas de
determinadas localidades geográficas etc.
Não se trata de uma campanha pela simples diversificação de temas e/ou objetos de
estudo, ainda menos de uma aderência vazia ao discurso “da moda” ou, ao contrário, da
tentativa de “imposição” de uma agenda de pesquisa. Este artigo recorre ao estilo ensaístico
para demarcar uma tomada de posição, reflete a quebra do pacto narcísico, reconhecendo os
impactos das perspectivas eurocêntricas e das violências cotidianas do mundo acadêmico na
consolidação de uma visão singular do fenômeno que estudamos. É um chamado à reflexão
coletiva, buscando, especialmente, compreender as questões de raça, e como elas afetam a
compreensão dos estudos radiofônicos. Neste caminho, partimos do entendimento freireano a
respeito do compromisso profissional (Freire, 2018) para expressarmos um posicionamento
que busca assumir uma branquitude crítica, que não silencia diante dos fenômenos e que busca
não objetificar ou assujeitar o outro. De modo que a discussão apresentada objetiva alertar para
a necessidade de avançarmos no diálogo interdisciplinar, promovendo a incorporação de outros
saberes e modos de interpretação5. Para isso, a aproximação com outras epistemologias é
fundamental. É a partir dela, passamos ao debate sobre os desafios e as potencialidades da
ampliação da perspectiva epistemológica dos estudos radiofônicos.
5
Assim como já ponderamos que faz necessária uma revisão do relato histórico sobre o rádio para a inserção das
mulheres, e não a escrita de uma história das mulheres no rádio alijada do todo (Betti, Zuculoto, 2021).
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Termo comumente utilizado na literatura internacional para designar pessoas não brancas, podendo fazer
referência a pessoas negras, de origem indígena ou de determinadas nacionalidades, como as latino-americanas.
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O documento pode ser acessado em: https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-
acao/2023.09.20PainelolhareseperspectivasCNPq.pdf
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As palavras de Jacques d’Adesky falam das experiências cotidianas. Elas são, como
afirma Grada Kilomba (2019), parte da vida de quem pesquisa e impactam suas relações com
outros sujeitos, com instituições, com processos do dia-a-dia. d’Adesky nos lembra que o
racismo cotidiano vai além de eventos violentos da vida de um indivíduo. Trata-se de um
padrão histórico, de “memórias coletivas do trauma colonial” (2021, p. 187).
A ciência tem potencial de reiterar e reforçar essas memórias. O apagamento das vozes
dissonantes inscritas nas epistemologias plurais se constrói, muitas vezes, de maneira
naturalizada, imperceptível, constante e intensa. Sujeitos historicamente discriminados gritam
pela necessidade de existir na sociedade (Ribeiro, 2019), mas também em microgrupos sociais,
em que estabelecem suas relações cotidianas, profissionais e pessoais. Suas vozes, no entanto,
demoram a ser ouvidas e ecoam menos quando negadas pela reiteração de padrões de validação
tradicionais, ocidentais e singulares, que relegam a um segundo plano os que rompem a
perspectiva eurocêntrica de quem pode falar.
Trazemos aqui, para o debate acadêmico dos estudos radiofônicos, a noção de “privilégio
branco” e o questionamento sobre seu impacto na própria constituição do campo. O conceito
“[...] expressa uma discriminação de caráter racial que exerce seus efeitos sobre aqueles que
obtêm benefícios, portanto remete também a uma posição de dominância social considerada
indevida” (d’Adesky, 2021, p. 262). Propomos um olhar para o outro, considerando o
deslocamento de olhar dos “outros racializados” para o “branco ocidental” (Bento, 2022, p.
15). Como duas autoras e um autor brancos que defendem o rádio como um espaço de
diversidade e crítica, propomos o deslocamento, o reconhecimento da ocupação do lugar de
privilégio, das desigualdades.
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Concordamos com d’Adesky (2021, p. 176) quando ele ressalta a responsabilidade das
ciências sociais em evidenciar critérios como classe, raça, gênero, origem geográfica na
construção de uma abordagem interseccional. “A interseccionalidade visa dar
instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo
e cisheteropatriarcado [...]”. (Akotirene, 2019, p. 18).
A autora explica que a relação entre classe e raça revelam mutuamente o que uma diz da
outra. “Raça é a maneira como a classe é vivida” (Davis apud Akotirene, 2019, p. 50). O
acionamento da interseccionalidade é a fuga das comparações ou das abordagens
hierarquizantes, evitando a mera soma de identidades, que podem ser separadas, olhadas sem
uma perspectiva entrecruzada. Com a interseccionalidade,
[...] analisa-se quais condições estruturais atravessam corpos, quais posicionalidades
reorientam significados subjetivos desses corpos, por serem experiências modeladas
por e durante a interação das estruturas, repetidas vezes colonialistas, estabilizadas pela
matriz de opressão, sob a forma de identidade (Akotirene, 2019, p. 43-44).
Mas porque falar dos corpos, das suas experiências, das opressões estruturais e coloniais
se nosso objeto é o rádio? Consideramos o rádio como um fenômeno composto, acima de tudo,
por sujeitos e suas relações e entrecruzado, portanto, por identidades e experiências. Como
fenômeno – comunicacional ou de pesquisa –, é compreendido a partir do ponto de vista do
pensamento moderno ocidental. Desta forma, reitera a relação apresentada por Lélia González
(2020), que parte da atribuição de valorização e universalidade da ciência ao sujeito branco,
aquele que ao possuir privilégio social, possui também o epistêmico, que nega uma capacidade
de desenvolvimento de saberes e reforça a desumanização e o empobrecimento dos corpos do
feminismo negro latino-americano. “A consequência dessa hierarquização legitimou como
superior a explicação epistemológica eurocêntrica, conferindo ao pensamento moderno
ocidental a exclusividade do que seria um conhecimento válido, estruturando-o como
dominante e assim inviabilizando outras experiências de conhecimento” (Ribeiro, 2019, p. 24).
O conceito de feminismo afro-latino-americano de Lélia González coloca em evidência
o legado de luta, a partilha de caminhos de enfrentamento ao racismo e sexismo já percorridos
e se apresenta como um caminho para pensar epistemologias plurais para rever a história e
como entendemos o rádio e os estudos radiofônicos. Refutar uma suposta neutralidade
epistemológica e descolonizar o conhecimento ao olhar para o campo propicia outros pontos
de vista para entender o meio. Os personagens da história, por exemplo, podem ser discutidos
a partir de outros pontos de vista. Entender quem são esses sujeitos e como eles se colocavam
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As teorias eugênicas, difundidas no início do século XX, estão associadas ao racismo científico e ao darwinismo
social. Elas defendem que há raças superiores e inferiores e que é possível aplicar técnicas científicas para eliminar
apressar o processo de evolução. Articulou teorias científicas e ideologias políticas e raciais, promovendo medidas
de seleção social, racial, de gênero, de sexualidade e de identidade nacional. Entre suas propostas, estavam a
segregação racial, a esterilização compulsória e o racismo. (Souza, 2022, p. 94).
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o fenômeno não somente com a lente da raça, mas também da classe e, em alguns momentos,
do gênero, representa um meio distinto dos relatos da era de ouro, das discussões sobre
consolidação de uma estrutura profissional baseada na criação de funções ou na organização
estrutural de emissoras. Discutem-se as experiências do ponto de vista social. Para o autor,
“[...] o simples convívio com o meio radiofônico e com os artistas, tirando os indivíduos do
apagado da existência do dia-a-dia, consegue compensar de alguma maneira essa aspiração de
melhoria social, mesmo que tais compensações não sejam resultantes diretas de real ascensão
socioeconômica” (Pereira, 1967, p. 113). A perspectiva exploratória da pesquisa indica
também que o que o ouvinte negro de rádio buscava, além dos contatos com “gente
importante”, era conviver com iguais, participar de ações associativas e sentir-se notado e
valorizado (Pereira, 1967, p. 113). A escuta do outro e o desvelamento de experiências contadas
permitiram ao autor entender que o rádio se configurava como um espaço de segurança e
compartilhamento para o público negro paulistano do período. E esta percepção é acionada a
partir de um contexto social que posiciona o meio no processo de construção de identidades,
observando conexões entre as condições dos sujeitos. O rádio, então, pode ser entendido como
um fenômeno que chama por um pensamento interseccional. Para Kimberlé Crenshaw, é
preciso reconhecer que as identidades não são independentes, mas se cruzam, se afetam,
permitem ver sentidos de uma em outra a partir da interseccionalidade.
[...] o que a proposta da interseccionalidade faz? Como seu nome indica, intersecciona.
Então, o problema da interseccionalidade é que, por meio dela, primeiro se assume que
as identidades se constroem de maneira autônoma, quer dizer, que minha condição de
mulher está separada de minha condição de negra e que minha condição de negra
também está separada da minha condição de lésbica. E de classe. Esse é o primeiro
problema. E que há um momento em que, como as autopistas, isso se intersecciona
(apud Akotirene, 2019, p. 88).
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Pereira, 1967). Ela pode estar vinculada também ao pacto narcísico (Bento, 2022), em que os
coletivos silenciam ações brutais e violações de seus antepassados, negando crimes e
responsabilidades, recusando-se a rever leituras anteriores, negando o direito à ocupação de
espaços até então reservados aos detentores do privilégio.
Grada Kilomba (2019, posição 272-273) diz: “Eu sou quem descreve minha própria
história, e não quem é descrita. Escrever, portanto, emerge como um ato político”. Aos sujeitos
é reservado o direito de contar sua história a partir das suas identidades, de definir a sua própria
realidade, deixando a condição de objeto e assumindo a condição de sujeito (hooks, 2019). A
adoção de epistemologias plurais nos estudos radiofônicos prevê o reconhecimento da ausência
de sujeitos pertencentes a grupos historicamente discriminados nos fóruns de debate, como
protagonistas das pesquisas, representados em lugares mais qualificados. Mas não basta
assumirmos o papel de uma branquitude crítica (Bento, 2022) que reconhece as ausências e
busca reconsiderar o problema. É preciso reconhecer também as distintas origens do
conhecimento, os pontos de vista variados sobre os fenômenos, trabalhar pela quebra das
restrições à presença de corpos negros, femininos, originários ou com deficiências no ambiente
acadêmico. É preciso observar e criticar políticas e deslocar-se ao construir propostas de
pesquisa, lutando por uma academia que não se configura como um espaço de violências.
Porque nos falta controle sobre tais estruturas, a articulação de nossas próprias
perspectivas fora de nossos grupos torna-se extremamente difícil, se não irrealizável.
Como resultado, o trabalho de escritoras/es e intelectuais negras/os permanece, em
geral, fora do corpo acadêmico e de suas agendas, como as perguntas às/aos
estudantes mostrou. Eles e elas não estão acidentalmente naquele lugar; foram
colocadas/os na margem por regimes dominantes que regulam o que é a “verdadeira”
erudição. (Kilomba, 2019, posição 572-576)
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4. Caminhos futuros
Quando falamos em rádio brasileiro, de que rádio falamos? Quais os acontecimentos e
os sujeitos apresentados como protagonistas de um meio tão presente no cotidiano da
população? A partir de que ponto de vista entendemos representatividade e caracterizamos os
sujeitos que falam no rádio ou o que se fala sobre os sujeitos no rádio? E somamos uma
pergunta igualmente importante: quem está autorizado a falar sobre o rádio, a entender como
ele se define, a contar a sua história?
Neste artigo, defendemos uma pluralidade epistemológica para os estudos radiofônicos.
Reconhecemos nosso lugar como parte de um grupo privilegiado e autorizado a formar parte
destes espaços tendo nossas vozes mais escutadas e sofrendo menos violências institucionais.
Por isso mesmo buscamos apontar para importância de pluralizar os olhares, de quebrar
hierarquizações históricas e de reconhecer saberes diversos. “As experiências desses grupos
localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções
intelectuais, saberes e vozes sejam tratados de modo igualmente subalternizados, além das
condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente” (Ribeiro, 2019, p. 63).
Ao olhar para os estudos radiofônicos, acionamos o contexto de Edgard Roquette-Pinto,
personalidade reconhecida no campo, estudada, registrada historicamente, para demonstrar
como uma perspectiva interseccional nos permite compreender nuances e descobrir
perspectivas não consideradas sobre nosso fenômeno. Mas, ressaltamos, esse é um dos
questionamentos possíveis. Vinculamos o debate à raça, mas reconhecemos não viver a
experiência racializada. A área demanda diversidade dos sujeitos que falam, demanda escuta
de suas vozes, de seus olhares e instrumentos para fazer ciência. “Isso, de forma alguma,
significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais,
ao contrário, existem várias formas de organização políticas, culturais e intelectuais. A questão
é que essas condições sociais dificultam a visibilidade e a legitimidade dessas produções”
(Ribeiro, 2019, p. 63).
Ainda que este seja um texto com caráter ensaístico que se aproxima do debate sem
encerrá-lo, algumas descobertas saltam aos olhos. O fato de uma das primeiras produções de
caráter científico dos estudos radiofônicos brasileiros ser centrada em uma perspectiva racial
(Betti, 2013) e demonstrar a centralidade das pessoas negras neste fenômeno comunicacional
nos leva ao questionamento: por que, mais de 60 anos depois, quase não se olha o rádio por
esta lente? Em um país em que 78,8% dos jovens brancos e 55,6% dos jovens negros entre 18
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e 24 anos frequentam a universidade (IBGE, 2019), ainda olhamos para os fenômenos com um
ponto de vista predominantemente branco, heteronormativo e masculino.
O acesso ao ensino superior por pessoas não brancas no Brasil melhorou a partir dos anos
2000, com a institucionalização de ações como as políticas de cotas para acesso a vagas nos
cursos de graduação nas universidades públicas e o desenvolvimento de programas como o
REUNI, o SISU, o FIES e o PROUNI. Um relatório da Associação Nacional de Travestis e
Transexuais indica que somente 0,02% das pessoas trans cursam ensino superior no Brasil
(Iazetti, 2022). Acionando Viviane Vergueiro, a pesquisadora Brume Iazetti explica que
“Perspectivas epistemológicas tem procurado se atentar às particularidades da constituição de
identidades de gênero nesse contexto, compreendendo os modos como já no período colonial
haviam imposições violentas contra pessoas que destoavam da binaridade de gênero em certo
padrão europeu e colonial”. O debate sobre a presença de grupos historicamente discriminados
nas universidades – seja na graduação, na pós-graduação ou na vida docente – é complexo e
reverbera violências e preconceitos historicamente construídos, que ao serem observados sob
outros pontos de vista propiciam movimentos de reconstrução e de mudança de postura.
A presença de mulheres, de negros, de indígenas e de outros grupos historicamente
discriminados nestes espaços amplia as possibilidades de escuta de suas vozes. No entanto, é
importante ir além. Estar nos bancos da universidade e não ver professores negros, reitoras e
pró-reitoras mulheres, pesquisadores e pesquisadoras de povos originários reitera a violência
do não pertencimento e reforça o silenciamento. “Tal fenômeno evidencia a urgência de incidir
na relação de dominação de raça e gênero que ocorre nas organizações, cercada de silêncio”
(Bento, 2022, p. 19). Como explicita a autora, é preciso parar de atender a interesses grupais
para confrontar o que ela define como pacto narcísico da branquitude. “Enquanto posições de
autoridade e comando na academia forem negadas às pessoas negras e às People of Color (PoC)
a ideia sobre o que são ciência e erudição prevalece intacta, permanecendo “propriedade”
exclusiva e inquestionável da branquitude” (Kilomba, 2019, posição 581-584).
A definição dos homens brancos cisheteronormativos como “padrão” na academia
reiteram um silenciamento de outras vozes e de sua percepção como neutros e criteriosos, em
detrimento de outras visões dos processos científicos e sociais. A consolidação de políticas de
ação afirmativa na pós-graduação pode ajudar, institucionalmente, a ampliar a escuta das vozes
silenciadas e a abrir espaços de reconhecimento de pessoas discriminadas. No quadriênio 2017-
2020 menos de 50% das universidades brasileiras haviam instituído políticas de ações
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