Relatorio de Estagio Pediatria

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Relatório de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina

ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE NO

HOSPITAL PEDIÁTRICO DAVID BERNARDINO

- LUANDA, ANGOLA -

Nélia Neves

Orientador: Dr. António Carneiro

Co-orientador: Dr. Luís Bernardino

PORTO 2009
Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

Resumo

No âmbito do Mestrado Integrado de Medicina, este estágio decorreu no Hospital


Pediátrico David Bernardino (HPDB), em Luanda, durante o período de 6 a 30 de Abril de 2009,
com vista a proporcionar a experiência de uma diferente realidade de Saúde Infantil e o contacto
com uma grande diversidade de patologias, complementando a formação prevista na unidade de
Pediatria do 6ºano.

Durante um período total de 100 horas, distribuídas por 4 semanas. passei por várias
Unidades de Internamento do HPDB: Cuidados Intermédios 2, Infecciologia, Cuidados
Intermédios 1, Pneumologia, Centro de Recuperação Nutricional e Neonatologia. Sendo um
estágio de carácter profissionalizante, fui integrada na actividade da enfermaria em cada uma das
unidades e procurei desempenhar as mesmas funções atribuídas aos restantes alunos estagiários e
participar nas mesmas actividades hospitalares, incluindo as sessões clínicas semanais, as
reuniões de médicos diárias e o banco de urgência semanal.

O trabalho na enfermaria e no Serviço de Urgências consistia na realização dos diários


clínicos, elaboração de notas de entrada, execução de alguns procedimentos técnicos e
requisição/interpretação de exames complementares de diagnóstico. Esta actividade permitiu o
desenvolvimento de capacidades práticas e competências na identificação e resolução dos
problemas, incluindo a elaboração de planos de investigação e de terapêutica. Neste ponto, as
sessões clínicas e os momentos de discussão de casos, tiveram um importante papel.

Este estágio constituiu também uma excepcional oportunidade de aprendizagem e


aquisição de conhecimentos sobre uma grande diversidade de patologias, principalmente doenças
infecciosas, respiratórias, associadas à desnutrição e ao período neonatal.

Foi um mês intenso e enriquecedor: do ponto de vista médico, pois tive a oportunidade de
experimentar um estágio verdadeiramente profissionalizante, como se pretende que seja o 6ºano
do curso de Medicina, e intenso também a nível de formação e de vivência pessoal.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
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Agradecimentos

Ao Professor Doutor Carlos Lopes, primeiro impulsionador do intercâmbio bilateral entre


alunos do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS) e Faculdade de Medicina
da Universidade Agostinho Neto (FMUAN).

Ao Dr. António Carneiro, orientador deste estágio, amigo e conselheiro, pelo incentivo e
inspiração.

À Direcção do Hospital Pediátrico David Bernardino, nomeadamente Director Geral Dr.


Luís Bernardino, pela co-orientação deste estágio e apoio logístico cedido, Directora Clínica Dr.ª
Vitória Espírito Santo e Director Pedagógico Dr. Joaquim Van-Dúnem.

Aos Chefes de Equipa Dr. Leite Cruzeiro e Dr.ª Sílvia Silvestre, pela sabedoria e experiência
partilhadas e dinamismo contagiante.

Aos médicos especialistas, nomeadamente Dr.ª Carla Benchimol, Dr.ª Ondina Cardoso, Dr.ª
Adelina Fernandes e Dr. Elizete e aos médicos internos complementares Dr.ª Yala Almeida, Dr.
Joaquina, Dr. Manza, Dr. Tete, Dr.ª Vanda, Dr. Jorge, Dr.ª Felismina e Dr.ª Laurinda.

Aos alunos estagiários com quem trabalhei diariamente nas enfermarias e partilhei dúvidas,
angústias e pequenas vitórias.

Às empresas Bacelar e Vitalino Sousa Figueiredo, Lda. pelo material cedido para a avaliação
nutricional realizada no Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen, em Luanda.

À Direcção do GAS’África – Grupo de Acção Social em África e Portugal – da Universidade


Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, particularmente Diana Borges pelo entusiasmo e
empenho no trabalho realizado no Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen.

Ao João Correia, pela presença.

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Lista de Abreviaturas

AC Auscultação cardíaca NCHS National Center for

AP Auscultação pulmonar Health Statistics

bpm batimentos por minuto ODM’s Objectivos de Desenvolvimento do


Milénio
BK Bacilo de Koch
PC Perímetro cefálico
CACAJ Centro de Acolhimento de
PCR Proteína C reactiva
Crianças Arnaldo Janssen
PIB Produto Interno Bruto
cAMA corrected Arm Muscle Area (Área
Muscular do Braço corrigida) PL Punção lombar

CI 1 Cuidados Intermédios 1 PPE Profilaxia pós-exposição

CI 2 Cuidados Intermédios 2 RN Recém-nascido

cpm ciclos por minuto SU Serviço de Urgências

FC Frequência cardíaca TA Tensão arterial

FMUAN Faculdade de Medicina da TSF Tricipital Skinfold Thickness


Universidade Agostinho Neto
(prega cutânea tricipital)
FR Frequência respiratória
UNDAF United Nations Development
HPDB Hospital Pediátrico David Bernardino
Assistance Framework
IM Intra-muscular
UNICEF United Nations Children's Fund
IMC Índice de massa corporal
VO Via Oral
INE Instituto Nacional de Estatística
WHO World Health Organization
IPPNW International Physicians for the

Prevention of Nuclear War

IV Intra-venoso

MAC Mid upper Arm Circumference


(perímetro do braço)

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Índice Geral

1. Introdução……………………………………………………………………………………1

2. Discussão……………………………………………………………………………………...2

2.1. Contextualização………………………………………………………………………...2

2.1.1. Impacto do contexto social na saúde da criança…………………….................2

2.1.2. Realidade encontrada: o contexto de Angola………………………..................2

2.2. Estágio profissionalizante………………………………………………………………5

2.2.1. Caracterização do Hospital Pediátrico David Bernardino…………………....5

2.2.2. Componentes clínicas do estágio………………………………………………..7

2.2.2.1. Cuidados Intermédios 2/Infecciologia…………………………………..8

2.2.2.2. Cuidados Intermédios 1/Pneumologia………………………………....14

2.2.2.3. Centro de Recuperação Nutricional…………………………………...19

2.2.2.4. Neonatologia………………………………………………….................24

2.2.2.5. Serviço de Urgências…………………………………………………....27

2.2.2.6. Outras actividades hospitalares………………………………………..29

2.3. Actividades extra-hospitalares………………………………………………………..30

3. Conclusões…………………………………………………………………………………..31

4. Bibliografia……………………………………………………………………….................33

Anexos
Anexo I. Calendarização das actividades hospitalares

Anexo II. “O mundo da criança”

Anexo III. Indicadores demográficos e indicadores de nutrição, UNICEF 2009

Anexo IV. Ranking mortalidade menores de 5 anos

Anexo V. Centro de Recuperação Nutricional – Histórias Clínicas / Notas de Entrada

Anexo VI. Serviço de Urgências – Movimento e Ocorrências do dia

Anexo VII. Serviço de Urgências – Casos Clínicos

Anexo VIII. Projecto “Promoção da saúde e melhoria das condições alimentares e higio-sanitárias do
Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen”

Anexo IX. Apresentação da organização médica International Physicians for the Prevention of Nuclear
War

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1. Introdução

6 de Abril de 2009: primeiro dia de estágio no Hospital Pediátrico David Bernardino


(HPDB) em Luanda. Início da concretização de um projecto que vinha sendo entusiasticamente
planeado nos últimos meses. A motivação para este estágio..? A vontade de complementar a
minha formação com experiências em realidades médicas diferentes. O meu interesse particular
pela área da Pediatria, juntamente com as informações recolhidas sobre o bom funcionamento do
Hospital Pediátrico David Bernardino, determinaram a escolha desta instituição.

Angola era já terreno conhecido. Em anos anteriores, tinha tido a oportunidade de


participar em projectos de voluntariado, de curta duração, no Hospital Central Agostinho Neto e
em Centros de Acolhimento de Crianças no Lubango e em Luanda. Dessas viagens e
experiências, que marcaram o meu percurso académico, nasceu uma empatia pelo país, pela
cultura e pelo povo angolano e permaneceu o desejo de lá regressar num contexto diferente: o do
exercício da Medicina. Em Agosto de 2008, durante um intercâmbio médico na República
Checa, este desejo ganhou consistência e maturidade e surgiu a ideia de concretizar este estágio
no âmbito do Mestrado Integrado de Medicina.

A boa relação existente entre ICBAS e Faculdade de Medicina da Universidade


Agostinho Neto (FMUAN), nomeadamente a existência de um acordo de intenções entre as duas
instituições, foi determinante para a concretização deste estágio em Luanda.

Todo este percurso, desde a preparação do estágio até à sua conclusão, foi acompanhado e
orientado pelo Dr. António Carneiro. O planeamento das actividades hospitalares,
nomeadamente a distribuição pelas Unidades de Internamento do Hospital Pediátrico, e o
acompanhamento durante a rotação foram assegurados, respectivamente, pelo Dr. Luís
Bernardino e pelos médicos responsáveis em cada unidade.

O presente relatório pretende ser uma descrição sistemática e fundamentada de todas as


actividades desenvolvidas durante o estágio, com o devido enquadramento no contexto
específico da sociedade angolana, incluindo também as aprendizagens e os conhecimentos
adquiridos, assim como as vivências e as emoções experimentadas.

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2. Discussão

2.1. Contextualização
2.1.1. Impacto do contexto social na saúde da criança

Os contrastes entre os principais problemas de saúde das crianças de países


desenvolvidos e em desenvolvimento é o reflexo da influência profunda do meio físico, social,
cultural e económico na saúde e desenvolvimento da criança (Anexos II. “O Mundo da
Criança”). A intervenção médica tem, portanto, de ser adequada a esse complexo sistema de
factores e influências que é o mundo da criança. Assim, os seus problemas devem ser
enquadrados num contexto mais amplo que ultrapassa a própria criança: o contexto familiar e o
da sociedade em que ela vive, pois estes não só influenciam a causa da doença, como a sua
gravidade e a escolha das abordagens terapêuticas.

2.1.2. Realidade encontrada: o contexto de Angola

Angola, que emergiu em 2002 de quase três décadas de guerra civil, é hoje um país em
construção, apresentando nos últimos anos um crescimento exponencial. Com a consolidação do
processo de paz iniciou-se um processo de reconciliação e recuperação nacional, mas o conflito
que devastou o país por quase 30 anos deixou cicatrizes profundas em praticamente todos os
aspectos da vida social e económica do país, incluindo a saúde e nutrição da população,
especialmente de mulheres e crianças.

Indicadores Demográficos

Com uma taxa de crescimento populacional anual superior ao valor médio estimado para
a África subsariana, Angola tem actualmente uma população total de cerca de 17 milhões de
habitantes, dos quais mais de 50% são menores de 18 anos. A esperança média de vida é de 42
anos, uma das mais baixas do mundo, sendo inferior à média deste indicador nos países menos
desenvolvidos a nível mundial, estimada em 55 anos. A taxa de natalidade é muito elevada – 48
nascimentos por 1000 habitantes, em 2007, assim como a taxa global de fertilidade,
correspondendo a 6,5 filhos por mulher (UNICEF, 2009) (Anexo III. Indicadores
demográficos e indicadores de nutrição, UNICEF 2009).

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A proporção da população angolana que vive abaixo do limiar de pobreza é de 68%, dos
quais 28% vivem em situação de pobreza extrema (INE Angola, 2001).

No Relatório de Desenvolvimento Humano 2008/2009 do Programa das Nações Unidas


para o Desenvolvimento, Angola apresenta um baixo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), situando-se em 157º lugar num ranking de 179 países, apresentando um valor inferior ao
IDH médio do continente africano, registando, no entanto, uma subida de 5 posições desde 2005.

Indicadores de saúde e bem-estar infantil

A taxa de mortalidade infantil (menores de 1 ano) e a taxa de mortalidade de menores de


5 anos constituem os principais indicadores utilizados para avaliar a saúde e bem-estar das
crianças, reflectindo o estado de saúde infantil e o nível de desenvolvimento de uma sociedade.

Em 2001, a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos em Angola era a terceira


mais alta do mundo, estando estimada em 250 mortes por cada 1000 crianças nascidas vivas. O
nível de educação/escolaridade da mãe e a condição sócio-económica foram as características
que maior impacto tiveram no risco de mortalidade infantil e de menores de cinco anos (INE
Angola - UNICEF, 2001).

Verificou-se também que as taxas de mortalidade infantil em Angola são tão elevadas nas
áreas rurais como nas áreas urbanas, o que contrasta com outros países em desenvolvimento em
que estas taxas de mortalidade são consideravelmente mais elevadas nas áreas rurais. Este facto
pode ser explicado pela deslocação de milhões de pessoas do meio rural para as regiões urbanas
durante a guerra, o que resultou no crescimento rápido e anárquico de grandes musseques
(bairros) na periferia dos centros urbanos.

Assim, para a elevada taxa de mortalidade infantil nos centros urbanos contribuem a falta
de acesso das populações urbano-periféricas a cuidados de saúde, a baixa qualidade dos mesmos
e os riscos ambientais acrescidos nas zonas urbanas muito aglomeradas e pobres.

A mortalidade de crianças menores de 5 anos em Angola apresenta a seguinte


distribuição etária: um terço do total das mortes são de recém-nascidos, outro terço são mortes de
crianças entre um mês e um ano de vida; e o restante terço corresponde a crianças com idade
entre 1 e 4 anos (Ministério da Saúde – Angola, 2003).

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Relativamente às possíveis causas da mortalidade de crianças com menos de 5 anos,


verifica-se que 60% das mortes neste grupo etário são directamente causadas por um reduzido
número de doenças, que inclui malária, doenças diarreicas agudas, infecções respiratórias
agudas, sarampo e tétano neo-natal. A desnutrição é a principal causa associada de mortalidade,
aumentando em 50% o risco de morte devido às doenças infecciosas.

Estratégias para melhoria da saúde infantil

O panorama precário no fim da guerra revelado pelos indicadores de saúde levou ao


desenvolvimento de planos estratégicos por parte do Governo Angolano em cooperação com
outros organismos internacionais, como as Nações Unidas e UNICEF.

Neste contexto, com o propósito de contribuir para a melhoria da saúde e redução da


pobreza da população angolana particularmente dos grupos mais vulneráveis, foi elaborado em
2004 o ‘Plano Estratégico para a Redução acelerada da Mortalidade Materno-Infantil em
Angola’, cujos objectivos gerais para o período 2004-2008 incluíam: reduzir em 50% a taxa de
mortalidade de crianças menores de 5 anos; reduzir 30% a taxa de desnutrição de crianças
menores de 5 anos e reduzir 30% a taxa de mortalidade materna.

Dados mais recentes publicados pela UNICEF em The State of the World’s Children 2009
revelam que Angola se encontra, de acordo com a taxa de mortalidade de menores de 5 anos, na
décima sexta posição no ranking de 189 países, revelando uma evolução positiva, nos últimos
anos, no que diz respeito à saúde infantil (Anexo IV. Ranking mortalidade menores de 5
anos).

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2.2. Estágio profissionalizante


O estágio decorreu no Hospital Pediátrico David Bernardino durante o período de 6 a 30
de Abril de 2009, com um total de 100 horas, distribuídas por 4 semanas. O planeamento das
actividades hospitalares do estágio teve como princípio privilegiar o contacto com as patologias
pediátricas mais prevalentes em Angola e climas tropicais, de forma a complementar a formação
prevista na unidade de Pediatria do plano curricular do 6ºano. Nesta perspectiva, a escolha da
rotação pelos serviços incidiu em unidades de internamento de patologia infecciosa, respiratória
e associada à malnutrição.

2.2.1. Caracterização do Hospital Pediátrico David Bernardino


Considerado o melhor hospital estatal africano, o Hospital Pediátrico David Bernardino
(HPDB) tem 312 camas distribuídas pelo Serviço de Urgências e por dez Unidades de
Internamento:

• Cuidados Intermédios 1 (CI 1);


• Cuidados Intermédios 2 (CI 2);
• Cuidados Intermédios 3 (CI 3);
• Pediatria Geral;
• Pneumologia;
• Infecciologia;
• Nutrição;
• Neonatologia;
• Cirurgia/Ortopedia;
• e Pediatria Especial.

As restantes componentes clínicas do Hospital incluem a Consulta Externa; Hospital e


Salas de Dia; quatro Laboratórios, nomeadamente Central, Urgência e Anatomia Patológica e
quatro Unidades de Radiologia, incluindo Ecografia e TAC.

Actividade Clínica e Recursos Humanos


A actividade clínica do HPDB inclui um elevado número de consultas de Pediatria Geral
e de sessões de Fisioterapia e, em menor número, consultas de Cirurgia Pediátrica, Hematologia,
Neonatologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Ortopedia, Pneumologia, Anestesia e

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Neurocirurgia. O movimento diário do Hospital é extremamente elevado, sendo o número médio


de doentes observados na Urgência superior a 300, dos quais 90 são internados, registando-se,
em média, 10 mortes, em cada 24 horas.
Relativamente a recursos humanos, o Hospital possui 89 médicos e 320 enfermeiros num
total de 742 efectivos.

Internamentos (Dados de 2007)


Aproximadamente 85% das crianças admitidas no HPDB têm idade inferior a 5 anos,
com a seguinte distribuição etária: 12% são recém-nascidos, 26% têm menos de 12 meses e 47%
têm entre 1 e 4 anos. Entre as principais causas de internamento encontram-se anemia grave,
malária, doença respiratória aguda, malnutrição grave, doença diarreica aguda, tuberculose,
sépsis neonatal, meningite, tétano e anemia de células falciformes.
As condições clínicas mais letais são a prematuridade, o tétano e a meningite com uma
taxa de letalidade de cerca de 50%. Seguem-se outras patologias como sépsis neonatal, hipoxia
neonatal, malnutrição grave e cardiopatias entre as doenças mais letais.

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2.2.2. Componentes clínicas do estágio

Durante as primeiras 3 semanas de estágio passei pelas unidades de Cuidados


Intermédios 2, Infecciologia, Cuidados Intermédios 1, Pneumologia e Centro de Recuperação
Nutricional. A quarta, e última, semana de estágio foi opcional e a minha escolha foi o serviço de
Neonatologia, área pela qual me interesso particularmente.

Sendo um estágio de carácter profissionalizante, fui integrada na rotina da enfermaria em


cada uma das Unidades de Internamento. O início do estágio coincidiu com o começo da rotação
de pediatria dum grupo de alunos do 6ºano, o que facilitou este processo de integração. Foram
me atribuídas as mesmas responsabilidades dos restantes alunos estagiários locais e, portanto,
procurei desempenhar as funções de trabalho exigidas na enfermaria, incluindo um banco de
urgências semanal de 12 horas.

Durante o estágio tive a oportunidade de observar e aprender metodologias e técnicas


médicas; de realizar a colheita da anamnese, o exame físico e o registo diário no processo
clínico; de observar e executar procedimentos técnicos; de solicitar exames complementares de
diagnóstico e de elaborar planos terapêuticos sob orientação.

Também participei nas restantes actividades hospitalares, nomeadamente as sessões


clínicas semanais e as reuniões diárias dos médicos. A descrição completa do programa
cumprido encontra-se em anexo (Anexo I. Calendarização das actividades hospitalares).

Segue-se a exposição e discussão da actividade médica e científica realizada durante o


estágio, incluindo uma selecção de casos clínicos observados, histórias clínicas e notas de
entrada realizadas, organizados por unidades de internamento e serviço de urgências.

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CUIDADOS I NTERMÉDIOS 2 / INFECCIOLOGIA

1ª Semana:
6 a 9 Abril 2009

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2.2.2.1. Cuidados Intermédios 2/Infecciologia

A primeira semana de estágio decorreu nas unidades de Cuidados Intermédios 2 (CI 2) e


de Infecciologia, onde se encontra principalmente patologia infecciosa, estando os casos mais
graves e que exigem mais cuidados internados na enfermaria de cuidados intermédios.

Durante a permanência na enfermaria da Infecciologia, os doentes internados eram


distribuídos pelos alunos do 6º ano, que ficavam responsáveis pelos registos diários nos
processos clínicos. Assim, todas as manhãs cada aluno estagiário tinha à sua responsabilidade
cerca de 3 a 5 doentes. A realização dos diários clínicos foi uma experiência importante e nova,
pois foi a primeira oportunidade de participar, com responsabilidade profissional, nas actividades
de uma enfermaria de Pediatria. A discussão no final das manhãs com o Dr. Leite Cruzeiro sobre
os doentes avaliados proporcionou a integração de conhecimentos, promoveu o raciocínio clínico
e a decisão do plano terapêutico.

C ARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES CI2 E I NFECCIOLOGIA (Q UADRO I.) E CASOS CLÍNICOS

OBSERVADOS Tive a oportunidade de observar as seguintes patologias: encefalite por raiva,


malária (simples e grave/complicada), meningite bacteriana (meningocócica e tuberculosa) e
tétano. No contexto destas patologias, seleccionei um resumo de alguns casos clínicos que me
pareceram mais relevantes.

Quadro I. Caracterização Cuidados Intermédios 2 e Infecciologia.


N.º Camas 30
Cuidados Intermédios 2 Médicos 2
Enfermeiros 22
Nº Camas 32
Infecciologia Médicos 4
Enfermeiros 12

Patologias mais Meningite bacteriana, malária, raiva e


frequentes: tétano.

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C ASOS MAIS SIGNIFICATIVOS

Caso clínico 1

AFA, crianças de 10 anos, sexo masculino, raça negra, natural e residente em Luanda,
recorre ao SU do HPDB a 06.04.2009 por vários episódios de vómitos consecutivos, cefaleias e
alterações do comportamento, nomeadamente agitação e recusa de contacto com água, desde
há 1 dia. Pai refere história de mordedura por cão vadio não vacinado em Fevereiro do ano
decorrente no membro superior esquerdo. Na altura, recorreu a um posto médico local onde foi
tratado com fármacos intravenosos que não sabe especificar, permanecendo assintomático. Sem
antecedentes pessoais de relevo.

À admissão encontrava-se hemodinamicamente estável, corado, hidratado e apirético.


Apresentava agitação psicomotora, hidrofobia e aerofobia. Sem sinais de dificuldade
respiratória, exantemas ou petéquias. Sem sinais meníngeos. Sem alterações auscultatórias e sem
alterações no exame do abdómen. Sem edemas periféricos. Evolução intra-hospitalar: coma e
morte 24 horas após a admissão.

Hipóteses de diagnóstico: A hipótese de diagnóstico mais provável é encefalite por raiva. O


quadro clínico de vómitos, cefaleias, agitação psicomotora, hidrofobia e aerofobia, bem como os
antecedentes de mordedura por cão vadio, sem confirmação da profilaxia anti-rábica pós-
exposição, são dados a favor deste diagnóstico.

Terapêutica instituída: Apenas sintomática, incluindo Cloropromazina (25mg/1ml) 2ml 6/6h IV,
fluidoterapia e medidas gerais como repouso no leito, medição de sinais vitais 2/2h e dieta
líquida.

CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS COM ESTE CASO A raiva é uma doença quase sempre fatal e
não existe tratamento específico após manifestação da infecção. No entanto, na maioria dos
casos a doença é passível de prevenção com a profilaxia pós-exposição (PPE) apropriada durante
o período de incubação que pode ir de 1 a 3 meses. A PPE inclui cuidados locais com a ferida e
imunização activa (Vacina anti-rábica, 5 doses IM: D0, D3, D7, D14 e D28) e passiva
(Imunoglobulina anti-rábica, 20 UI/kg, até 7 dias após a 1ª dose de vacina, se possível totalmente
infundida no local da ferida). Após o início da manifestação da infecção os doentes sobrevivem
apenas alguns dias, mesmo em unidade de cuidados intensivos. O diagnóstico definitivo é
confirmado na autópsia pela observação de corpúsculos de Negri no tecido cerebral.

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Caso clínico 2

MM, 4 anos, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Cacuaco - Luanda.
Criança com antecedentes de internamento em Janeiro de 2009 por meningite tuberculosa,
tendo obtido alta sem sequelas neurológicas com a instituição de tratamento ambulatório com
anti-bacilares. Permaneceu assintomática durante cerca de 2 meses, tendo interrompido a
terapêutica no último mês. Desde há 6 dias apresenta um quadro clínico de arrepios de frio,
hipersudorese, cefaleias, vários episódios de convulsões e tosse produtiva.

Objectivamente: F.C.: 120 bpm, FR.: 60 cpm, Temp.:38ºC. Criança com 8 kg (<P5) e
malnutrição grave (Peso/altura<70%). Mucosas coradas e hidratadas, não apresentando sinais de
dificuldade respiratória. Diminuição do estado de consciência (Coma grau 2/5 na Escala de
Blantyre), com sinais de descerebração e rigidez cervical. Auscultação pulmonar: murmúrio
vesicular rude com roncos dispersos bilateralmente. Auscultação cardíaca e exame abdominal
sem alterações. Sem edemas periféricos. Analiticamente: glicose sérica-72,6 mg/dL,
hemoglobina-13,6 g/ml, Leucócitos-8,350/mm3 (Neutr:51%, Linf: 48%, Eosin: 1%); LCR:
aspecto límpido, 4 cel/µl, predomínio de linfócitos, glicose 15,4 mg/dL; exame bactereológico
directo (Gram): negativo; exame cultural: sem crescimento bacteriano. Pesquisa de plasmódio
(gota espessa) positiva: 1012 P/µL.

Hipótese de diagnóstico: Recidiva de Meningite tuberculosa. A favor: quadro clínico de febre,


cefaleias, rigidez da nuca, convulsões, coma, antecedentes de meningite com esta etiologia e
interrupção da terapêutica com tuberculostáticos. No LCR, a glicose<50% da glicose sérica, o
predomínio linfocitário e a ausência de crescimento bacteriano também abonam a favor desta
hipótese. No entanto, por vezes, os doentes com malária podem ter presença de células e
diminuição da glicose no LCR, mesmo sem meningite.

Terapêutica instituída: Pirazinamida, Estreptomicina, Rifampicina e Isoniazida durante 2 meses e


depois Rifampicina e Isoniazida até completar 1 ano; Prednisona (5 mg); Vitaminas Complexo B
(piridoxina); Diazepam e leite terapêutico F100.

CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS COM ESTE CASO O tratamento tuberculostático deve ser


iniciado empiricamente, quando o LCR mostra características sugestivas de meningite
tuberculosa. A corticoterapia reduz o risco de sequelas a longo prazo, devendo ser administrada
durante, pelo menos, um mês.

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Caso clínico 3

MG, 7 anos, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Viana – Luanda, é trazida ao SU
de HPDB dia 01.04.2009 com história de febre e cefaleias com 3 dias de evolução, que não
cederam à toma de paracetamol. Um dia após o inicio da sintomatologia ocorre perda de
consciência. Sem antecedentes pessoais e familiares de relevo.

Objectivamente: criança corada, hidratada e apirética. F.C.: 106 bpm, FR.: 28 cpm. Com
alteração do estado de consciência, letargia e rigidez da nuca. Sem outros sinais meníngeos.
Sem sinais de dificuldade respiratória. Sem exantemas ou petéquias. Sem alterações
auscultatórias nem ao exame do abdominal. Analiticamente: Hb: 11,5 g/ml, glicose sérica: 58,5
mg/dL. LCR: aspecto turvo, 5800 cel/mm3, predomínio de neutrófilos, glicose 7,1 mg/dL,
exame bactereológico: diplococos gram negativo, ex.cultural: positivo para Neisseiria
meningitidis. Pesquisa de plasmódio negativa.

Diagnóstico: Meningite meningocócica.

Terapêutica instituída: Penicilina (1M/4cc) 5,7cc 6/6h IV, Cloranfenicol (1g/cc) 2ml 6/6h IV,
Diazepam (10mg/2 cc) 1 ml IV em SOS, Paracetamol (500mg) em SOS.

CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS COM ESTE CASO O S.pneumoniae e a N.meningitidis são os


agentes etiológicos mais comuns da meningite bacteriana em crianças com mais de 5 anos. A
escolha do tratamento empírico de um caso suspeito de meningite bacteriana adquirida na
comunidade é feita em função da idade da criança. Em crianças com idade superior a 5 anos, o
tratamento empírico deve incluir uma combinação de dexametasona e uma cefalosporina de
terceira geração (eg. ceftriaxone e cefotaxima), que oferece boa cobertura contra o S.pneumoniae
sensível, estreptococos do grupo B, H.influenzae e N.meningitidis.

Nos países em que não estão disponíveis cefalosporinas de terceira geração, a combinação de
penicilina G ou ampicilina com cloranfenicol é uma alternativa aceitável, que foi a opção
terapêutica neste caso. No tratamento específico para a meningite meningocócica, a penicilina G
continua a ser o antibiótico de escolha contra as estirpes sensíveis de N.meningitidis.

Os meningococos isolados do LCR devem ter a sua sensibilidade à penicilina e ampicilina


testada. Um ciclo de antibioterapia IV de 7 dias, geralmente, é adequado para a meningite
meningocócica sem complicações.

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Caso clínico 4

MM, 3 anos, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Samba – Luanda, é trazida
ao SU do HPDB dia 13.04.2009 com história de febre, convulsões e alteração do
comportamento com 24 horas de evolução. Mãe nega diarreia, vómitos, desconforto abdominal
ou outras queixas álgicas. Criança sem antecedentes pessoais e familiares de relevo.

À admissão encontrava-se febril (38,5ºC), corada, hidratada, anictérica. F.C.: 130 bpm,
FR.: 30 cpm. Diminuição do estado de consciência (coma grau 8/15 na escala de Glasgow) e
agitação psicomotora. Sem rigidez da nuca nem outros sinais meníngeos. Sem exantemas ou
petéquias. À auscultação pulmonar: murmúrio vesicular discretamente diminuído na base
pulmonar direita e crepitações com a mesma localização. Auscultação cardíaca: S1 e S2
presentes, rítmicos. Sem sopros audíveis. Abdomen: plano, mole e depressível. Esplenomegalia
grau II (bordo esplénico palpável 4 cm abaixo do rebordo costal, liso e doloroso). Sem
hepatomegalia. Membros sem alterações.

Analiticamente: Hemoglobina: 7,58 g/ml, glicemia: 50,9 mg/dL, Leucócitos:


12,370/mm3 (neut: 45,8%, eos: 0,1%, basóf: 1%, linf: 40,3%, Monóc: 12,8%), Plaquetas:
60.000/mm3. LCR: aspecto límpido, sem presença de células, glicose 47,5 mg/dL. Pesquisa de
plasmódio em gota espessa: 40.800 P/µL.

Diagnóstico:

Um síndrome febril agudo acompanhado de gota espessa positiva para plasmódio


confirma o diagnóstico de malária. A presença de sinais e/ou sintomas de doença grave, como
alteração do estado de consciência/coma e alta parasitémia, são sugestivas de malária cerebral,
excluídas outras causas de encefalopatia.

Terapêutica instituída:

Quinino IV (600mg/2ml) 0,4 ml em soro glicosado 5% IV 8/8h, Penicilina cristalizada


(1M/4ml) 1,3ml 6/6h IV, Paracetamol (500mg), Diazepam (10mg/2ml) 0,5 ml IV em SOS, e
medidas gerais como repouso no leito e medição de sinais vitais 4/4h.

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ICBAS

C UIDADOS INTERMÉDIOS 1 / PNEUMOLOGIA

2ª Semana:
14 a 17 Abril 2009

14
Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
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2.2.2.2. Cuidados Intermédios 1/Pneumologia

A segunda semana de estágio decorreu nas unidades de Cuidados Intermédios 1 (CI 1) e


de Pneumologia. Na unidade de Cuidados Intermédios 1, o trabalho de enfermaria iniciava-se
com a visita de médicos e a distribuição dos doentes internados pelos alunos do 6º ano e médicos
internos e especialistas. Semanalmente, decorriam sessões de discussão de casos clínicos
apresentados por estagiários e internos complementares, orientadas pela Dr.ª Sílvia Silvestre,
bem como sessões de temas científicos. Durante a permanência nos CI 1, tive a oportunidade de
elaborar registos clínicos, solicitar e interpretar exames auxiliares de diagnóstico e realizar
técnicas médicas, como punção lombar.

CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES CI 1 E PNEUMOLOGIA (Q UADRO II.) E CASOS

CLÍNICOS OBSERVADOS Nesta semana, tive a oportunidade de observar uma grande diversidade
de patologias: Sarampo, Pneumotórax, Pneumonia/Broncopneumonia, Tuberculose pulmonar,
Tuberculose ganglionar, Tuberculose óssea, Empiema, Abcesso pulmonar, Bronquiolite,
Malformações congénitas broncopulmonares, como Hipoplasia pulmonar, Pericardite e
Cardiopatias congénitas, como Transposição dos grandes vasos e Comunicação inter-ventricular.

Quadro II. Caracterização Cuidados Intermédios 1 e Pneumologia.


N.º Camas 33
Cuidados Intermédios 1 Médicos 5
Enfermeiros 23
Nº Camas 31
Pneumologia Médicos 6
Enfermeiros 14
Empiema, pneumonia, broncopneumonia,
Patologias mais pneumotórax, tuberculose pulmonar e
frequentes: extra-pulmonar, abcesso pulmonar e
cardiopatias congénitas.

De salientar a elevada prevalência de empiemas, estando uma enfermaria


de 14 camas da unidade CI 1, geralmente, reservada para estes casos.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
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C ASOS MAIS SIGNIFICATIVOS

Caso clínico 5

IM, criança de 21 meses, sexo masculino, raça negra, natural e residente em Luanda, apresenta
quadro clínico de febre, não quantificada no domicílio, e tosse com inicio há uma semana.
Quatro dias após início da sintomatologia, aparecimento de lesões cutâneas peri-orais e no
períneo, tendo sido medicada com quinino, paracetamol e nistatina no Centro de Saúde. Recorre
ao Serviço de Urgências 24horas depois por agravamento do quadro clínico. Mãe refere história
de contacto com tia com tuberculose pulmonar (a fazer tratamento há 2 meses) e incumprimento
do plano de vacinação.

Ao exame objectivo: criança com peso inferior ao percentil 5 (8,200 kg) e malnutrição moderada
(Peso/altura<80%). F.C.: 120 bpm, FR.: 48 cpm, Temp.:36,8ºC. Corada e hidratada, sem sinais
de dificuldade respiratória. Presenças de lesões ulcerativas na face (região peri-oral e
mentoniana) e região perineal. À auscultação pulmonar: diminuição do murmúrio vesicular e
presença de crepitações no campo pulmonar esquerdo. Auscultação cardíaca sem alterações.
Sem alterações no exame do abdómen. Sem edemas periféricos. Analiticamente: Leucócitos
25.310/mm3 (50% Neutrófilos, 46% Linfócitos), hemoglobina 6,2 g/dl; Hematócrito 24,8%,
VCM 54 fl, HCM 13,5 pg e RDW 21,8%. A radiografia torácica revela nível hidroaéreo no terço
inferior do campo pulmonar esquerdo, apagamento do fundo de saco costo-frénico esquerdo e
infiltrado intersticial difuso no campo pulmonar esquerdo.

Durante o internamento: evolução para tosse produtiva com expectoração seromucosa espessa e
aparecimento de dispneia.

Hipóteses de diagnóstico:

Broncopneumonia à esquerda, com derrame pleural

Abcesso pulmonar

Tuberculose pulmonar

Exames complementares adicionais: Prova de Mantoux, exame microbiológico da expectoração


(exame directo e cultural), serologia HIV e Gota espessa.

Terapêutica instituída: Cloxacilina (250mg/5ml) 2 ml 6/6h VO, Metronidazol (250mg/5ml) 2,5


ml 8/8h VO, Leite terapêutico F75 130ml/Kg 3/3h.

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Figura 1. Radiografia torácica frente e perfil de IM, 21 meses de idade, no dia da admissão.

Caso clínico 6

BA, 3 anos, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Cacuaco – Luanda. Criança com
quadro clínico arrastado, desde 1 ano antes antes antes, caracterizado por episódios de febre e
rigidez cervical, tendo recorrido ao Serviço de Urgências por 3 vezes durante este período com
a referida sintomatologia, tendo recebido alta após realização de punções lombares negativas e
tendo sido medicada em ambulatório, com terapêutica que não sabe especificar. Um mês antes
nota aparecimento de tumefacção dolorosa na região cervical posterior, tendo realizado
tratamento tradicional para “Giba”, com massagens e aplicação local de ervas, sem remissão da
sintomatologia. Nega cefaleias, vómitos e queixas respiratórias. Sem história de contacto com
tuberculose.

Ao exame objectivo: F.C.: 120 bpm, FR.: 32 cpm, Temp.: 36,5ºC. Criança consciente,
apresentando mau estado geral, com gemido. Mucosas coradas, hidratadas. Sinais de ligeira
dificuldade respiratória: tiragem intercostal inferior ligeira.

Apresenta tumefacção na região cervical posterior, ligeiramente à direita da linha média das
apófises espinhosas, com aproximadamente 10 cm de diâmetro, consistência elástica, dolorosa à
palpação. Rigidez cervical e limitação dos movimentos de rotação e lateralização do pescoço.

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Sem outros sinais meníngeos. Sem exantemas ou petéquias. Sem edemas periféricos. Cicatriz de
BCG visível. Auscultação pulmonar: murmúrio vesicular presente e simétrico, sem ruídos
adventícios. Auscultação cardíaca: S1 e S2 presentes, rítmicos. Sem sopros audíveis. Sem
alterações no exame abdominal.

Analiticamente: hemoglobina 10,8 g/dl, glicemia 91,3mg/dl. Prova de Mantoux com 17 mm,
mas pesquisa de BK nas secreções brônquicas negativa (Ziel-Neelson e exame cultural
negativos). Gota espessa negativa.

Figura 2. Tumefacção cervical posterior e radiografia cervical.

Hipótese de Diagnóstico: Tuberculose óssea/Mal de Pott.

Exames complementares adicionais: Ecografia das partes moles da região cervical posterior,
serologia para HIV e teste de falciformação.

Terapêutica instituída:
Paracetamol 500 mg ½ comp. VO SOS

Rimactazida® (rifampicina+isoniazida) 225mg, 2 comp. VO 1x/dia

Pirazinamida 500mg ¾ comp. VO 1x/dia

Vitaminas Complexo B 1 comp. /dia VO

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CENTRO DE RECUPERAÇÃO N UTRICIONAL

3ª Semana:
20 a 24 Abril 2009

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2.2.2.3. Centro de Recuperação Nutricional

Durante a terceira semana de estágio fui integrada na unidade de Nutrição do HPDB,


designada por Centro de Recuperação Nutricional. Esta unidade é constituída por uma
enfermaria e uma Sala de Dia (Quadro III.), para onde são transferidos os doentes após melhoria
do quadro clínico. As funções atribuídas diariamente aos alunos de 6ºano, e em que participei,
incluíam a realização de consultas na Sala de Dia; a elaboração das notas de entrada dos doentes
admitidos e dos registos diários dos doentes internados na enfermaria; a requisição dos exames
de rotina e a educação/esclarecimento dos pais ou cuidadores das crianças.

C ARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE DE N UTRIÇÃO (Q UADRO III.) E CASOS CLÍNICOS

OBSERVADOS Nesta unidade, tive a oportunidade de contactar com malnutrição moderada e


grave, malnutrição com edemas (Kwashiorkor), bem como malnutrição com outras patologias
concomitantes, como doença diarreica aguda, doença respiratória aguda, como
Pneumonia/Broncopneumonia, Abcesso pulmonar, Tuberculose pulmonar e Tuberculose
peritoneal. As histórias clínicas e notas de entrada que realizei encontram-se em anexo (Anexo
V. Centro de Recuperação Nutricional – Histórias Clínicas / Notas de Entrada).

Quadro III. Caracterização do Centro de Recuperação Nutricional.


Enfermaria N.º Camas 14
+ Médicos 3
Sala de dia Enfermeiros 6
Critérios de Malnutrição moderada a grave com mau estado
Internamneto: geral, edemas ou patologia concomitante.
• P/A≥85% e PMB≥12cm (se comp.≥75cm)
ou IMC≥17,5;
• Sem edemas há 10 dias;
Critérios e procedimentos • Completou-se a educação dos pais ou
para alta: cuidadores;
• Plano de vacinação em ordem;
• Tomaram-se medidas para assegurar o
seguimento.

20
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Problemática da desnutrição no contexto angolano

Em Angola, a desnutrição crónica afecta 45% da população angolana com menos de 5


anos de idade, estando associada a duas em cada três mortes de crianças neste grupo etário. A
desnutrição aguda afecta cerca de 6% da população com menos de 5 anos (INE Angola -
UNICEF, 2001). Tal como nas taxas de mortalidade, a maior prevalência de desnutrição verifica-
se em crianças de famílias com pior condição socio-económica e de mães com menor nível de
escolaridade.

Os níveis mais elevados de desnutrição encontram-se nas crianças entre os 12 e 23 meses,


etapa crítica da diversificação alimentar que é inadequada na maioria da população deste grupo
etário (INE Angola - UNICEF, 2001). A introdução de alimentos sólidos administrados 4-6
vezes por dia, a partir dos 6 meses de idade, de forma a complementar o aleitamento materno é
crítica numa percentagem significativa de casos. Segundo os dados da UNICEF, em 2007, a
percentagem de crianças entre os 6 e 9 meses de idade que receberam alimentação complementar
à amamentação foi de 77%. (Anexo III. Indicadores demográficos e indicadores de nutrição,
UNICEF 2009).

As crianças até aos 6 meses de idade apresentam o menor índice de desnutrição,


constituindo um grupo “protegido” pela amamentação materna, uma vez que esta garante as
necessidades nutricionais das crianças. Apesar de 37% das crianças angolanas ainda estarem a
ser amamentadas aos 20-23 meses, apenas 11% recebem amamentação materna exclusiva até aos
6 meses, valor muito inferior à percentagem média na África subsariana de crianças
amamentadas exclusivamente com leite materno até aos 6 meses (31%). Este dado é importante
na medida em que as crianças menores de 6 meses de idade que não recebem amamentação
materna exclusiva apresentam um risco duas vezes superior de morte por diarreia ou infecção
respiratória aguda.

Assim, a introdução de água, outros líquidos ou sólidos antes dos 6 meses de idade é uma
medida desnecessária, uma vez que o aleitamento materno cobre todas as necessidades líquidas e
nutricionais das crianças menores de 6 meses, como pode ser também uma fonte de infecção,
especialmente nas famílias pobres.

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Indicadores de desnutrição

A Organização mundial de Saúde recomenda que o estado nutricional seja expresso


através de dois indicadores: Altura por idade (A/I) e Peso por altura (P/A).

• Altura por idade (A/I) – é uma medida da paragem de crescimento e, portanto, é um


índice de desnutrição crónica, resultado de alimentação inadequada e doenças infecciosas
frequentes.
• Peso por altura (P/A) - reflecte uma perda recente de peso e indica desnutrição aguda,
como resultado de falta de alimento e doença grave aguda.

No Centro de Recuperação Nutricional do HPDB, a desnutrição é classificada em


malnutrição moderada ou grave de acordo com o valor do índice P/A, determinado através das
tabelas de peso por altura para crianças a partir de 49cm a 130cm (NCHS/WHO):

• Malnutrição moderada: P/A 70-79%


• Malnutrição grave: P/A <70%
A presença de um índice P/A> 85% em crianças desnutridas geralmente está associado a
edema (Doença de Kwashiorkor).

Causas da desnutrição

A desnutrição das crianças resulta de uma complexa interacção de factores que podem
actuar a vários níveis. A um nível mais imediato, existe a sinergia negativa entre a alimentação
inadequada e as doenças infecciosas que acometem as crianças, em que a desnutrição aumenta
em 50% o risco de morte devido às doenças infecciosas, devido à supressão do sistema
imunitário (UNICEF, 2001).

A nível familiar e do círculo social próximo da criança actuam factores como a falta de
segurança alimentar; o acesso limitado ou inexistente a água potável, saneamento básico e a
cuidados primários de saúde; e o nível de escolaridade das mães. Factores relacionados com a
estrutura económica, política e cultural da sociedade afectam igualmente a prevalência de
desnutrição no país.

No Centro de Recuperação Nutricional do HPDB, encontrei entre as causas mais


frequentes da elevada prevalência de desnutrição as seguintes:

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• O baixo peso ao nascer relacionado com a má nutrição e saúde das mães durante a
gestação;
• As gravidezes sucessivas, com intervalos pequenos, que se traduzem na interrupção
precoce da amamentação materna;
• A diversificação alimentar inadequada e insuficiente para as necessidades nutricionais
das crianças;
• O baixo nível de escolaridade das mães e a falta de conhecimento relativamente à
reintrodução de outros alimentos e cuidados básicos de higiene na confecção e
armazenamento dos alimentos;
• A ausência de água potável e saneamento básico.

Importância da educação materna

A educação e esclarecimento das mães têm um papel essencial na protecção dos recém-
nascidos e crianças contra a desnutrição e doenças infecciosas. A promoção da amamentação
exclusiva e precoce, juntamente com mensagens simples sobre práticas de higiene básicas na
preparação dos alimentos, tais como manter a comida tapada para impedir o acesso de insectos
ou utilizar água fervida para consumo, podem ter resultados altamente benéficos. Igualmente
importante é o esclarecimento das mães para promover o reconhecimento dos sinais de
desnutrição, como cabelo fino e descorado, aparecimento de lesões cutâneas hipo-pigmentadas e
lesões nas mucosas oral e genital.

A Unidade de Nutrição do HPDB, tem plena consciência da importância do impacto da


educação materna na saúde das crianças, por isso investe no esclarecimento e ensino das mães
antes da alta das crianças (Quadro III.). Assim, tive a oportunidade de desempenhar esta tarefa
durante as consultas da Sala de Dia do Centro de Recuperação Nutricional.

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NEONATOLOGIA

4ª Semana:
27 e 28 Abril 2009

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2.2.2.4. Neonatologia

A última semana de estágio foi de carácter opcional. Apesar da unidade de Neonatologia


não estar incluída na rotação dos alunos estagiários do 6ºano, foi me permitido integrar-me na
dinâmica desta unidade. A actividade da enfermaria iniciava com a visita de médicos e, seguiam-
se os registos diários nos processos clínicos, actividade em que participei. Esta rotação
proporcionou uma excelente oportunidade de prática de exame físico a recém-nascidos.

A unidade de Neonatologia é constituída por duas enfermarias, a maior com 16 camas


reservada para os casos mais críticos e outra para os casos de tétano neo-natal, e duas Salas de
Dia (Quadro IV. Caracterização da Unidade de Neonatologia). Assim, os casos mais críticos
encontram-se separados dos casos menos graves que são transferidos para as salas de dia, ao
contrário do que se passava na década de 90, em que todos os casos se encontravam na mesma
enfermaria. Esta medida foi responsável pela redução da Mortalidade de 70% para 20%. Outra
medida importante foi a transformação da unidade em ‘berçário com mãe’, desde 2001.

CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE DE N EONATOLOGIA (Q UADRO IV.) E CASOS

CLÍNICOS OBSERVADOS Durante a minha permanência na Neonatologia, tive a oportunidade de


observar casos clínicos de sépsis neo-natal, hipóxia peri-natal, meningite e tétano neo-natal.

Quadro IV. Caracterização da Unidade de Neonatologia.

2 Enfermarias N.º Camas 40


(críticos e tétanos) Médicos 6
+ Enfermeiros 21
2 Salas de Dia

Patologias mais Sépsis neo-natal, hipóxia peri-natal,


frequentes: meningite e tétano neo-natal.

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Caso clínico 7

Recém-nascido de 3 dias, sexo masculino, raça negra, natural de Luanda, onde reside, trazido ao
Serviço de Urgências dia 24.04.2009 com quadro clínico caracterizado por icterícia, febre (não
quantificada), um episódio convulsivo e recusa alimentar (“recusa as mamadas”), com início
24 horas após o parto. Gravidez de termo, não vigiada e com intercorrências (malária aos 9
meses). Parto hospitalar, eutócico, peso à nascença: 3,500kg, Índice Apgar 1/5 minutos: 6/7.
Mãe, 32 anos, doméstica, G6P6A0. Pai, 37 anos, pedreiro, sem antecedentes patológicos
significativos. Nega consaguinidade. 5 Irmãos saudáveis. Residem numa habitação de blocos,
com 1 quarto, 1 sala, 1 WC, sem electricidade, água canalizada ou saneamento básico, onde
coabitam 8 pessoas (pai, mãe e 6 filhos).

Ao exame objectivo: FC: 136 bpm, FR: 52 cpm, Temp: 37,2ºC. Peso – 3,000 Kg, comprimento
não medido, PC-36 cm. Mucosas coradas e hidratadas. Sem sinais de dificuldade respiratória.
Sem exantemas ou petéquias. Fontanela anterior normotensa e pulsátil, 5cmx2,5cm. Fontanela
posterior 2cmx0,5cm. Recém-nascido sem choro, com diminuição da resposta a estímulos,
ictérico, sem reflexo de sucção. Reflexo de Moro normal. Tónus muscular normal. AP:
Murmúrio vesicular presente, simétrico, bilateral; sem ruídos adventícios. AC: S1 e S2 presentes,
rítmicos, sem sopros audíveis. Abdómen sem alterações; coto umbilical limpo, sem sinais
inflamatórios. Mancha hiperpigmentada, de coloração azulada, na região sagrada. Fimose
fisiológica. Testículos no saco escrotal.

Analiticamente: Hemograma 18,4 g/dl, glicemia 95,5 mg/dl. Pesquisa de plasmódio negativa.
Punção lombar traumática.

Hipóteses de diagnóstico: Hipóxia peri-natal, Sépsis Neo-natal e Meningite.

Malária congénita é rara e só se trata no RN quando a parasitémia é significativa.

Exames Complementares adicionais: Bilirrubinas, ionograma (sódio e calcio), hemograma, PCR,


Hemocultura, grupo sanguíneo RN e mãe e ecografia transfontanelar, por suspeita de meningite e
devido à ocorrência de convulsões.

Terapêutica instituída: Antibioterapia empírica para meningite - ampicilina (500mg/4ml) 0,6 ml


6/6h IV e cefotaxima (1g/8ml) 0,8 ml 12/12h.

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SERVIÇO DE U RGÊNCIAS

9 Abril | 16 Abril | 23 Abril 2009

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2.2.2.5. Serviço de Urgências

A experiência no Serviço de Urgências (SU) foi, sem dúvida, a mais marcante do estágio.
O grande número de doentes que recorre ao SU do HPDB (Quadro V.), muito superior à
capacidade de resposta humana e técnica, e a diversidade de patologias encontrada são as
principais razões pelas quais esta experiência foi tão proveitosa e formativa. O movimento e as
ocorrências dos dias em que estive integrada na equipa de urgência podem ser consultados em
anexo (Anexo VI. Serviço de Urgências – Movimento e Ocorrências do dia).

CARACTERIZAÇÃO DO SERVIÇO DE URGÊNCIAS DO HPDB (QUADRO V.) E

ACTIVIDADES REALIZADAS Durante a permanência no SU, tive a oportunidade de observar as


seguintes patologias: pneumonia, disenteria, hidrocefalia congénita, sépsis neonatal, malnutrição
grave com edema, malária, crise de drepanocitose, raiva, meningite, piodermite, osteomielite,
tétano, sarampo, malformações congénitas e cardiopatia congénita. Também observei e colaborei
na realização de diversas técnicas médicas, como colocação de sonda nasogástrica, algaliação,
punção lombar e reanimação cardiorrespiratória. Uma selecção dos casos clínicos mais
significativos encontra-se em anexo (Anexo VII. Serviço de Urgências – Casos clínicos).

Quadro V. Caracterização do Serviço de Urgências.


• 300 observados
Movimento diário • 90 internados
médio: • 10 óbitos

Banco 24 horas N.º Camas 41


Médicos 6-8
Enfermeiros 6-8
Atendimento Radiologia/Lab.Análise/Hemoterapia
Pesagem/ Triagem Sala de rehidratação oral
Estrutura Consulta de Urgência Pequena cirurgia
Emergência Nebulização
Reanimação Tratamento ambulatório

Principais causas de Anemia grave, Malária, Doença respiratória aguda, Malnutrição


internamento: grave, Doença diarreica aguda, Tuberculose, Sépsis neo-natal,
Meningite, Tétano e Anemia de células falciformes.

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2.2.2.6. Outras actividades hospitalares

Consulta Externa

A rotação pelas unidades de internamento foi também complementada pela passagem


pela consulta externa. Assisti à consulta específica de Anemia de Células Falciformes (ou
Drepanocitose) com o Dr.Luís Bernardino e à consulta de gastroenterologia com a Dr.ª Vitória
Espírito Santo.

CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS A consulta externa de Anemia Falciforme proporcionou uma


oportunidade única de contacto com as manifestações clínicas clássicas da doença, como por
exemplo a Síndrome mãos-pés no início da lactação, bem como com algumas das complicações
mais frequentes, tais como necrose asséptica da cabeça do fémur, mais frequente no sexo
feminino, e osteomielite. Em Angola, a taxa de portadores do traço falciforme (genótipo SA) é
de 20%, nascendo, por ano, cerca de 6 mil indivíduos com genótipo SS. O rastreio é feito através
do teste de falciformação (microscopia de esfregaço sanguíneo) e o teste de solubilidade. A
triagem neonatal para a hemoglobina SS é essencial para iniciar uma prevenção precoce, uma
vez que as infecções ocorrem no início da lactação. A administração profilática de penicilina e as
vacinas pneumocócica e anti-H.influenzae, combinadas com antibioticoterapia precoce dos
episódios infecciosos, permitiram reduzir as taxas de morbilidade e mortalidade, antigamente
altas, das crianças portadoras da doença.

Reuniões e Sessões Clínicas

A restante actividade hospitalar dos alunos estagiários incluía as reuniões diárias dos
médicos, no início da manhã, momento em que eram apresentados o movimento e as ocorrências
das últimas 24 horas de banco de urgências, bem como todos os doentes internados nas
Urgências e transferidos para as enfermarias.

As sessões clínicas semanais, às quartas-feiras, dividiam-se em duas partes: a primeira


que consistia na apresentação de um tema científico (Quadro VI. Sessões Clínicas), seguida da
discussão, muito participada, de um caso clínico. Estas sessões foram muito proveitosas,
particularmente a discussão de casos clínicos, pelo raciocínio clínico e integração de
conhecimentos que proporcionou.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

Quadro VI. Sessões Clínicas.

Data Tema Orador


08.04.2009 Intervenção defectológica em doentes com Grupo de Psicologia
lesões encefálicas
15.04.2009 Interacções Medicamentosas Grupo Urgências
- revisão bibliográfica
22.04.2009 Estatística 1º Trimestre CI 2 Dr.ª Carla Benchimol
Estatística 1ºTrimestre Serviço de Cirurgia
22.04.2009 “Patologia Molecular: Da ficção à realidade” Professor Doutor Carlos Lopes
29.04.2009 Estatística 1º Trimestre CI 1 Dr.ª Sílvia Silvestre

2.3. Actividades extra-hospitalares

Durante a minha estadia em Luanda, colaborei na execução de um Projecto de Voluntariado


na área da Saúde e Nutrição num centro de acolhimento de crianças. A apresentação do Projecto
“Promoção da saúde e melhoria das condições alimentares e higio-sanitárias do Centro de
Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen” encontra-se em anexo (Anexo VIII.).

Em conjunto com a associação de estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade


Agostinho Neto (FMUAN), organizámos uma sessão de apresentação da organização médica
International Physicians for the Prevention of Nuclear War (IPPNW) para estudantes de
medicina. A descrição desta actividade do IPPNW na FMUAN encontra-se em anexo (Anexo
IX.).

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3. Conclusões

30 de Abril de 2009: último dia de estágio no Hospital Pediátrico David Bernardino.


Dia de despedidas. Início da reflexão e maturação da experiência vivida. O que aprendi? Que
dificuldades senti? Qual o balanço final?

Numa primeira análise, os objectivos inicialmente traçados foram cumpridos, na medida


em que este estágio proporcionou o contacto com uma diferente realidade de Saúde Infantil e foi
uma excepcional oportunidade de aprendizagem e aquisição de conhecimentos sobre uma grande
diversidade de patologias, principalmente doenças infecciosas, respiratórias e doenças associadas
à desnutrição e ao período neonatal. Consistiu, portanto, num valioso complemento à minha
formação.

O trabalho na enfermaria e no serviço de Urgências constituiu uma experiência única de


prática clínica. Permitiu desenvolver capacidades práticas relacionadas com a realização dos
registos diários nos processos clínicos, elaboração das notas de entrada dos doentes admitidos,
execução de procedimentos técnicos, determinação da posologia dos fármacos e escolha e
interpretação de exames complementares de diagnóstico. Da mesma forma, a actividade de
enfermaria também contribuiu para a aquisição de competências essenciais na identificação e
resolução dos problemas, incluindo a elaboração de planos de investigação e de terapêutica.
Neste ponto, as sessões clínicas e os momentos de discussão de casos, tiveram um importante
papel. Em suma, foi um estágio verdadeiramente profissionalizante, como se pretende que seja o
6ºano do curso de Medicina.

Os profissionais de saúde com quem me cruzei, quer médicos na actividade clínica ou


docentes da Faculdade de Medicina, manifestaram sempre uma grande receptividade. A
disponibilidade, paciência e entusiasmo, apesar do excesso de trabalho e falta de tempo, com que
me explicaram, ensinaram e esclareceram sobre as patologias e casos clínicos observados, foi
algo que enriqueceu ainda mais a vivência deste estágio.

As principais dificuldades sentidas estão, essencialmente, relacionadas com o grau de


responsabilidade atribuído aos alunos estagiários, nomeadamente no Serviço de Urgências, onde
os meios técnicos e os recursos humanos são visivelmente insuficientes para responder à elevada
afluência de doentes e, por isso, o trabalho dos estagiários não só é útil, como absolutamente
necessário e, consequentemente, exigente.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

As diferenças culturais, por vezes, foram também um obstáculo à comunicação com os


doentes, exigindo alguma arte e criatividade para se alcançar uma compreensão recíproca.

Foi um mês intenso e enriquecedor, não só do ponto de vista médico, mas também a
nível humano, de crescimento e de vivência pessoal.

Durante quatro semanas conheci alunos, enfermeiros, médicos. Trabalhei, aprendi com
eles. No final, trouxe amigos que não esquecerei.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

4. Bibliografia

Bickley LS, Szilagyi PG. The Physical Examination of Infants and Children. Bates’ Guide to Physical Examination
and History Taking 2003, Eighth Edition; 621-704.

Black RE, Morris SS, Bryce J. Where and why are 10 million children dying every year? Lancet 2003;361:2226-34.

Bronfenbrenner U. Contexts of child rearing-problems and prospects. American psychologist 1979;34:844-850

Bryce J et al. WHO estimates of the cause of death in children. Lancet 2005; 365:1147-1152.

Fauci A, Braunwald E, at al. Harrison’ Principles of Internal Medicine 2008, 17th Edition.

Kengman S, Katz SL. Measles (rubeola). Infectious diseases of children 1981, Seventh Edition; 144-159.

Kengman S, Katz SL. Rabies (hydrophobia; rage, lyssa). Infectious diseases of children 1981, Seventh Edition; 252-
258.

Kliegman RM, Marcdante KJ, Jenson HB, Behrman HE. Nelson’ Essentials of Pediatrics 2007, Fifth Edition.

Lissauer T, Clayden G. Illustrated Textbook of Paediatrics 2002, 2nd Edition.

Lissauer T, Clayden G. The child in society. Illustrated Textbook of Paediatrics 2007, 3nd Edition; 1-8.

Long SS, Pickering LK, Prober CG. Rabies Virus. Principles and Practice of Pediatric Infectious Diseases 2008,
Third Edition; 1126-1130.

Manual de Bolso - Normas de Tratamento da Malária 2005, Programa Nacional de Controlo da Malária, Ministério
da Saúde, Angola.

Miall L, Rudolf M, Levene M. Paediatrics at a glance 2007, Second Edition.

Plano estratégico para a redução acelerada da Mortalidade Materno-Infantil em Angola 2004-2008, Direcção
Nacional de Saúde Pública, Ministério da Saúde, República de Angola; disponível on-line em
http://www.unicef.org/angola/pt/Plano_estrategico_MI_

22_04_04.pdf.

State of the World’s Children 2009, Unicef.

World malaria report 2008, World Health Organization; disponível on-line em


http://apps.who.int/malaria/wmr2008/malaria2008.pdf.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

A NEXOS

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
ICBAS

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Anexo II. “O Mundo da Criança”1

O mundo da criança consiste num sistema complexo de factores e influências, que inclui
quer aspectos individuais da criança, como idade, género e genética, quer questões ligadas ao
círculo social próximo, bem como à estrutura e contexto social, a nível local, nacional e
internacional (Bronfenbrenner, 1979). A importância da influência do meio na saúde da criança é
demonstrada pelas diferenças entre os principais problemas de saúde infantil nos países
desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos estes problemas
incluem, principalmente, doenças crónicas; distúrbios comportamentais, emocionais e de
desenvolvimento neurológico; acidentes; excesso de peso e obesidade; desigualdades sócio-
económicas; consumo de drogas e álcool; tabagismo e gravidez na adolescência.

A realidade da saúde infantil nos países em desenvolvimento é diferente e outros factores


integram a lista dos problemas que mais afectam a saúde das crianças, tais como elevadas taxas
de natalidade, condições habitacionais precárias, ausência de saneamento e abastecimento de
água e má higiene alimentar. Nestes países, as infecções, frequentemente combinadas com
desnutrição, constituem a principal causa de mortalidade infantil (Bryce et al, 2005). A
pneumonia, diarreia, malária e doenças peri-natais são responsáveis por 80% das mortes de
crianças com menos de 5 anos nos países em desenvolvimento, estando a desnutrição associada
em mais de 50% destes casos (Black at al, 2003).

A condição socioeconómica é um determinante importante da saúde e bem-estar das


crianças. Uma condição socioeconómica baixa está frequentemente associada a uma alimentação
inadequada, quer em quantidade quer em valor nutricional, a condições habitacionais precárias e
a acesso reduzido aos serviços de saúde e educação. A uma escala mais alargada foi estabelecida
uma correlação entre o produto interno bruto (PIB) de um país e o respectivo nível de saúde
infantil, em que se determinou que quanto menor o PIB: maior a proporção da população
constituída por crianças, maior a taxa de mortalidade infantil, maior a proporção de recém-
nascidos com baixo-peso e menores as taxas de imunização (UNICEF, 2006).

1
* Lissauer T, Clayden G. The child in society. Illustrated Textbook of Paediatrics 2007, 3nd Edition; 1-8.

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Anexos III. Indicadores demográficos e indicadores de Nutrição, UNICEF 2009

Fonte: State of the World’s Children 2009, UNICEF.

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Fonte: State of the World’s Children 2009, UNICEF.

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Relatório de Estágio – Mestrado Integrado em Medicina
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Anexo IV. Ranking mortalidade menores de 5 anos.

Fonte: State of the World’s Children 2009, UNICEF.

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Anexo V. Centro de Recuperação Nutricional – Histórias Clínicas / Notas de Entrada

H ISTÓRIA C LÍNICA 1

Dados de Identificação:

MM, 18 meses, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Luanda.

História clínica baseada nas informações cedidas pela mãe e pela consulta do processo clínico.
Criança internada via Serviço de Urgências no Centro de Recuperação Nutricional do Hospital
Pediátrico David Bernardino, Luanda. Data de Internamento: 21.04.2009.

Motivo de internamento: Edema generalizado.

História da Doença Actual:

Criança de 18 meses com história de febre e diarreia há 1 mês atrás, com a frequência de a 5 a 8
dejecções diárias abundantes de fezes de coloração escura (“pretas”), sem raios de sangue, em
muco, que evoluiu para diarreia aquosa, tendo recorrido ao Centro de Saúde da área da
residência, onde foi medicada com Bactrim® (Roche), com remissão do quadro ao fim de uma
semana. Recorre a 21.04.2009 ao Serviço de Urgências com quadro clínico de edemas
generalizado, com inicio há 2 semanas, de instalação progressiva, primeiro nos membros
inferiores e em seguida no abdómen, membros superiores e face e oligúria há uma semana. Mãe
refere ocorrência anterior de quadro de edema de localização peri-orbitária, de predomínio
matinal, há 2 meses, acompanhado de febre, com menos de uma semana de evolução, obtendo
melhoria da sintomatologia após tratamento com diuréticos que não sabe especificar. História de
contacto com tuberculose pulmonar (avô paterno).

Exame objectivo:

F.C.: 125 bpm, FR.: 30 cpm, Temp.: 37ºC. Antropometria: Peso


8,900 kg (<P5), Comprimento 75 cm (P5), Índice P/A >80%.
À admissão encontrava-se consciente, com mucosas hidratadas,
ligeiramente descoradas e escleróticas anictéricas, Sem sinais de
dificuldade respiratória. Edema generalizado: peri-orbitário, no
dorso das mãos e nos membros inferiores bilateramente, desde o
dorso dos pés até à raiz da coxa.

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Cicatriz extensa no couro cabeludo na região parieto-frontal, com alopécia, sequela de


queimadura. Auscultatoriamente: murmúrio vesicular mantido, simétrico e bilateral, sem ruídos
adventícios. Sons cardíacos presentes, normofonéticos e ritmícos; sem sopros audíveis.
Abdomen globoso, muito distendido, sinal de onda positivo.

Antecedentes familiares:

Mãe – 22 anos, doméstica. Sem antecedentes patológicos significativos.

Pai – 21 anos, pedreiro. Sem antecedentes patológicos significativos.

Irmão mais velho, 4 anos, saudável.

Nega consanguinidade e história de patologias de carácter heredo-familiar. Agregado familiar


constituído por 4 elementos (pai, mãe e 2filhos); vivem em casa de construção não definitiva,
com duas divisões, sem WC, electricidade, água canalizada ou saneamento básico.

Antecedentes pessoais:

Gravidez – II Gesta, II Para

Gravidez normal, vigiada e sem intercorrências.

Parto – de termo, eutócico, domiciliário. Peso, comprimento e perímetro cefálico à nascença


desconhecidos. Período neonatal sem intercorrências;

Mãe não apresenta o boletim de vacinas e refere incumprimento do plano vacinal. Sem cicatriz
de BCG visível.

Antecedentes patológicos: Criança sem antecedentes patológicos relevantes até há 2 meses.

Resumo:

Criança de 18 meses, trazida ao Serviço de urgências com quadro clínico caracterizado por
edema generalizado (face, membros e abdómen) com 2 semanas de evolução e oligúria há uma
semana. Duas semanas antes do episódio actual, história de febre e diarreia, várias dejecções
diárias abundantes de fezes de coloração escura, tendo sido medicada com Bactrim®. Sem
antecedentes patológicos de relevo até há 2 meses, altura em que inicia quadro de edema peri-
orbitário, acompanhado de febre, obtendo melhoria da sintomatologia após tratamento com
diuréticos no Centro de Saúde.

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Objectivamente: Criança apirética e hemodinamicamente estável; peso abaixo do P5 e


comprimento no P5; mucosas ligeiramente descoradas. Edema generalizado: periorbitário, no
dorso das mãos e em toda a extensão dos membros inferiores bilateralmente. Abdomen globoso,
muito distendido e sinal de onda positivo. Sem alterações auscultatórias.

História de contacto com tuberculose pulmonar (avô paterno), PNV não actualizado e sem
cicatriz de BCG visível.

Lista de problemas:

# Edema generalizado (periorbitário, membros, abdomen)

# Ascite

# Oligúria

# História de contacto com tuberculose pulmonar e incumprimento do plano de vacinação.

# Peso inferior ao percentil 5

Hipóteses de diagnóstico:

Malnutrição Grave com edemas

Sindrome nefrótico

Tuberculose peritoneal

Exames Complementares:

Hemograma, sumário de urina, serologia HIV, Bioquimica (glicemia, função renal), Teste de
falciformação, Prova de Mantoux, Radiografia torácica

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Ecografia abdominal: Sem alterações a nível do fígado, pâncreas, baço, vesícula e vias biliares.
Sem imagens de adenomegalias. “Presença de liquido em todos os espaços livres do abdómen,
sugerindo ascite.”

Terapêutica instituída:

Dieta nutricional Leite F75 150 ml VO 3/3h, Coartem® (Artemeter+Lumefantrina) 140 mg 1 cp


VO 12/12h, 3 dias, Amoxicilina xarope (250mg/5cc) 5 ml VO 8/8h, Ácido fólico 5mg 1 cp VO
dose única, Vitamina A (6 gotas ao 1º, 2º e 14º dia) e Mebendazol 100mg 1 cp VO 12/12h, 3
dias.

H ISTÓRIA C LÍNICA 2

Dados de Identificação:

AC, 9 meses, sexo masculino, raça negra, residente e natural em Luanda.

Nota de entrada baseada nas informações cedidas pela mãe e pela consulta da ficha clínica do
Serviço de Urgências e do Cartão de Saúde Infantil.

Criança internada via SU na Unidade de Nutrição do Hospital Pediátrico David Bernardino -


Luanda no dia 15.04.2009.

Motivo de internamento:

Diarreia, vómitos e tosse.

História da Doença Actual:

Criança trazida ao SU por apresentar um quadro clínico de diarreia e vómitos com 3 dias de
evolução. Diarreia de fezes claras, com muco, sem sangue, com a frequência de 3 dejecções
diárias. Vómitos pós-prandiais, de conteúdo alimentar. Nas últimas 24horas a mãe refere tosse
produtiva ligeira e hipersudorese, não tendo medido a temperatura. Refere emagrecimento que
não sabe quantificar, sonolência e menor interacção da criança desde o início do quadro e
rinorreia serosa 4 dias antes. Nega recusa alimentar.

Exame objectivo:

Sinais vitais: FC: 115 bpm, FR: 46 cpm, Temp: 37,2ºC, TA e Sat.O2: não medidas.

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Medidas antropométricas: Peso – 5,700 Kg Comprimento – 69 cm. Índice P/A=70%

Criança consciente (5/5 na escala de Blantyre) com deficiente estado nutricional. Mucosas
hipocoradas e diminuição do turgor da pele (sinal da prega cutânea). Apresenta sinais de
dificuldade respiratória: tiragem intercostal moderada, mas sem adejo nasal. Sem exantemas ou
petéquias. Boa perfusão periférica. Fontanela anterior normotensa e pulsátil. Sem adenomegalias
palpáveis, edemas periféricos ou dermatites cutâneas. Otoscopia: não realizada. Orofaringe: sem
alterações. AC: S1 e S2 presentes, rítmicos, sem sopros audíveis. AP: Murmúrio vesicular
presente, simétrico, bilateral; sem ruídos adventícios. Abdómen: mole e depressível, sem massas
ou organomegalias palpáveis

Evolução intra-hospitalar: Edema bilateral dos membros inferiores até à região maleolar com
inicio no 2ºdia de internamento e duração de 3 dias. À auscultação pulmonar: crepitações
inspiratórias ligeiras dispersas no hemitórax direito.

Antecedentes familiares:

Mãe – 20 anos, sem escolaridade, desempregada, nega hábitos tabágicos, consumo de drogas ou
álcool. Sem antecedentes patológicos significativos.

Pai – 24 anos, desempregado, escolaridade desconhecida, abuso de álcool e tabagismo que a mãe
da criança não sabe quantificar. Apresenta comportamento violento após consumo de álcool.
Mãe nega agressões do pai à criança, mas admite ser agredida com bastante frequência. Sem
antecedentes patológicos significativos.

Sem consanguinidade. Agregado familiar constituído por 3 elementos (pai, mãe, filho); vivem
em casa de adobe alugada, com apenas uma divisão, sem WC, electricidade, água canalizada ou
saneamento básico.

Antecedentes pessoais:

Gravidez – I Gesta, I Para, normal, vigiada e sem intercorrências. Grupo Sanguíneo da Mãe
desconhecido. Imunizada.

Parto – de termo, eutócico, domiciliário, Índice de Apgar não medido, Peso à nascença 3,300
Kg (P25), comprimento e perímetro cefálico desconhecidos. Período neonatal sem
intercorrências.

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Alimentação – Amamentação exclusiva até aos 6 meses. A partir desta idade introdução de papa
de farinha de milho 2 vezes/dia.

Plano de vacinação actualizado.

Antecedentes patológicos: irrelevantes. Sem história de contacto com tuberculose pulmonar.

Hipóteses de diagnóstico:

Gastroenterite

Broncopneumonia

Malnutrição moderada

Exames Complementares:

Hemograma, sumário de urina, serologia HIV, Bioquimica (glicemia), Teste de falciformação e


Radiografia torácica, que revelava um infiltrado intersticial peri-hilar direito.

Terapêutica instituída:

Medidas gerais – Sinais vitais 6-6h, Vitamina A (6 gotas ao 1º, 2º e 14º dia), Leite fórmula F75
(100 ml 3/3h), Ácido fólico (5mg, dose única), Coartem® (Artemeter+Lumefantrina) (140 mg,
12-12h, 3 dias) e Amoxicilina xarope (125mg/5ml) 5ml 8-8h

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H ISTÓRIA C LÍNICA 3

Dados de Identificação:

EA, 9 meses, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Luanda.

Nota de entrada baseada nas informações cedidas pela mãe e pela consulta da ficha clínica do
Serviço de Urgências. Criança internada via SU na Unidade de Nutrição do Hospital Pediátrico
David Bernardino - Luanda no dia 19.04.2009.

Motivo de internamento:

Febre e tosse.

História da Doença Actual:

Criança trazida ao SU por apresentar um quadro clínico de febre e tosse produtiva com 1 semana
de evolução. A febre foi objectivada no centro de saúde, mas a mãe não sabe quantificar.
Rinorreia serosa prévia. Criança mantém apetite, sem recusa alimentar.

Aos 7 meses:

- Quadro clínico de diarreia, caracterizado por vários episódios de dejecções diarreicas por dia
durante 4 dias, com acentuada perda de peso, que a mãe não sabe quantificar, e da qual a criança
não voltou a recuperar.

- Celulite do membro inferior esquerdo na região da coxa após trauma, com drenagem de
exsudado purulento. Curativos realizados no Centro de Saúde.

Exame objectivo: FC: 150 bpm, FR: 76 cpm, Temp: 37,8ºC, TA e Sat.O2: não medidas.

Medidas antropométricas: Peso – 5,400 Kg; Comprimento – 68 cm; PC - 42,4 cm, Índice
P/A<70%.

Criança consciente (5/5 na escala de Blantyre), apresenta mucosas hipocoradas, sinais de


desidratação: diminuição do turgor da pele (sinal da prega cutânea positivo) e olhos encovados e
sinais de dificuldade respiratória: tiragem intercostal e supraclavicular moderadas. Sem
exantemas ou petéquias.

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Fontanela anterior hipotensa, 3cm x 2,5 cm. Sem adenomegalias palpáveis. Lesões ponteadas de
coloração esbranquiçada em toda a cavidade bucal, principalmente em toda a superfície da
língua e palato. Otoscopia: não realizada.

AC: S1 e S2 presentes, rítmicos, sem sopros audíveis. AP: Murmúrio vesicular diminuído no
hemitórax direito, com crepitações inspiratórias. Abdómen: globoso, mole e depressível, sem
massas ou organomegalias palpáveis. Membros: ligeiro edema bilateral no dorso dos pés. Na
face anterior da coxa, presença de mancha hipopigmentada e de 2 locais de drenagem prévia.
Sem exsudados nem sinais inflamatórios.

Antecedentes familiares:

Mãe – 28 anos, doméstica, 4ª classe de escolaridade, nega hábitos tabágicos, consumo de drogas
ou álcool. História prévia de tuberculose pulmonar há 2 anos. Refere cumprimento terapêutico
completo do tratamento tuberculostático.

Pai – 40 anos, polícia, escolaridade e antecedentes patológicos desconhecidos. Rejeita


paternidade da criança. Sem consanguinidade.

Agregado familiar constituído por 5 elementos (mãe, avô materno e 3 crianças); vivem em casa
com 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 1 WC, sem electricidade, água canalizada ou saneamento
básico.

Antecedentes pessoais:

Gravidez – vigiada. III Gesta, III Para. Malária aos 6 meses de gestação.

Parto – de termo, eutócico e domiciliário. Sem acesso à informação do peso à nascença,


comprimento e perímetro cefálico. Período neonatal sem intercorrências.

Alimentação – Amamentação exclusiva até aos 6 meses. A partir desta idade introdução de papa
de farinha de mandioca (1vez/dia). Introdução de leite em pó e papa de cereais aos 7 meses.
Peixe e fruta esporadicamente.

Dieta actual: Peq. Almoço- pão e leite em pó; meio da manha – leite materno; 12h – papa de
cereais com leite; lanche – leite materno; 18h – papa de farinha de mandioca.

Mãe refere plano de vacinação actualizado. Cicatriz de BCG visível.

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Hipóteses de diagnóstico:

Malnutrição grave

Pneumonia à direita

Abcesso pulmonar

Exames Complementares: Hemograma, Urina tipo II, Serologia HIV, Bioquimica (glicemia),
Teste de falciformação e Radiografia torácica, que revelou um infiltrado intersticial no terço
superior e inferior do hemitórax direito, com uma hipertransparência no terço médio e, no raio X
de perfil, presença de nível hidroaéreo sugestivo de abcesso pulmonar.

Terapêutica instituída:

Medidas gerais – repouso no leito, Vitamina A (100.000 UI) 6 gotas ao 1º, 2º e 14º dia, Leite
terapêutico F75, 80 ml 3/3h, Ácido fólico (5mg, dose única), Penicilina cristalizada 1ml IV 6/6h,
Metronidazol (500 mg/100 ml) 10 ml IV 8/8h.

H ISTÓRIA C LÍNICA 4

Dados de Identificação:

AJ, 16 meses, sexo masculino, raça negra, natural e residente em Luanda.

Nota de entrada baseada nas informações cedidas pela mãe e pela consulta da ficha clínica do
Serviço de Urgências. Criança internada via SU na Unidade de Nutrição do Hospital Pediátrico
David Bernardino - Luanda no dia 21.04.2009.

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Motivo de internamento:

Febre e tosse.

História da Doença Actual:

Criança com malnutrição grave, seguida em Centro Nutricional desde os 12 meses, é trazida ao
SU por apresentar um quadro clínico de febre, não quantificada, e tosse com 3 semanas de
evolução. Mãe refere nas últimas 24 horas 5 dejecções diarreicas semi-liquidas, sem muco e sem
sangue.

Exame objectivo:

Sinais vitais: FC: 120 bpm, FR: 55 cpm, Temp: 37,4ºC, TA e Sat.O2: não medidas.

Medidas antropométricas: Peso – 6 Kg; Comprimento – 71 cm; PC – 46,4 cm. Índice P/A<70%.

Criança apresenta mucosas descoradas, sinais de desidratação: diminuição do turgor da pele


(sinal da prega cutânea positivo) e olhos encovados; cabelo enfraquecido e descorado; e sinais de
dificuldade respiratória: tiragem intercostal e adejo nasal. Sem exantemas ou petéquias.
Fontanela anterior hipotensa, 1,5cm x 1 cm. Sem adenomegalias palpáveis. Lesões ponteadas de
coloração esbranquiçada em toda a cavidade bucal, principalmente em toda a superfície da
língua e palato. Otoscopia: não realizada.

AC: S1 e S2 presentes, rítmicos, hipofonéticos. Sem sopros audíveis. AP: Murmúrio vesicular
diminuído no hemitórax direito, com crepitações inspiratórias dispersas. Abdómen: globoso,
mole e depressível, sem massas ou organomegalias palpáveis. Sem edemas periféricos.

Antecedentes familiares:

Mãe – 30 anos, doméstica, sem escolaridade, nega hábitos tabágicos, consumo de drogas ou
álcool. Sem antecedentes patológicos significativos.

Pai – 37 anos, segurança, escolaridade desconhecida. Sem antecedentes patológicos


significativos. Abuso de álcool e consumo frequente de cannabis. Mãe nega violência doméstica.
Sem consanguinidade. Irmão, 8 anos, saudável. Agregado familiar constituído por 4 elementos
(mãe, pai e 2 crianças); vivem em habitação própria com 1 quarto, 1 sala, 1 cozinha, WC
exterior, com electricidade, sem água canalizada nem saneamento básico.

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ICBAS

Antecedentes pessoais:

Gravidez – vigiada. II Gesta, II Para. Sem intercorrências.

Parto – de termo, eutócico e hospitalar. Sem acesso à informação do peso à nascença,


comprimento e perímetro cefálico. Choro espontâneo e imediato. Período neonatal sem
intercorrências.

Alimentação – Amamentação materna até aos 11 meses. Introdução de papa de farinha de milho
e mandioca aos 3 meses, 2 vezes por dia. Carne, peixe e fruta apenas esporadicamente, “quando
há dinheiro” (sic), desde os 6 meses. Desde os 11 meses, sem ingestão de nenhum tipo de leite.
Dieta actual: Papa de farinha de milho e de mandioca, 2 vezes por dia.

Antecedentes patológicos: Aos 12 meses, aparecimento de edema facial e edema dos membros
inferiores bilateralmente, passando a ser seguido no Centro de Nutrição.

Hipóteses de diagnóstico:

Malnutrição grave, sem edemas.

Broncopneumonia à direita

Exames Complementares:

Hemograma, Ionograma, Gasimetria arterial, Glicemia, Urina tipo II, Serologia HIV, Teste de
falciformação, Radiografia torácica.

Terapêutica instituída:

Medidas gerais (Sinais vitais 6/6h), Soro glicosado 5% 200 ml + Soro fisiológico 200 ml
10gotas/min., Oxigenoterapia 3L/min, Vitamina A (100.000 UI) 6 gotas ao 1º, 2º e 14º dia,
Ácido fólico (5mg, dose única), Ampicilina (500 mg/4 ml) 1,2 ml IV 6/6h e Gentamicina (40
mg/ml) 0,6ml IV, por dia.

Evolução intra-hospitalar:

Faleceu dia 22.04.2009, às 16h.

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H ISTÓRIA C LÍNICA 5

Dados de Identificação:

BM, 9 anos, sexo feminino, raça negra, residente e natural em Luanda.

Nota de entrada baseada nas informações cedidas pela mãe e pela consulta da ficha clínica do
Serviço de Urgências. Criança internada via SU na Unidade de Nutrição do Hospital Pediátrico
David Bernardino - Luanda no dia 21.04.2009.

Motivo de internamento: Tosse e dificuldade respiratória.

História da Doença Actual:

Criança com história de internamento prévio de 30 dias nos Cuidados Intermédios 2, em Março
de 2009, por Tuberculose Pulmonar e Meningite, seguida no Hospital de Dia após alta devido às
sequelas de meningite, é trazida ao Serviço de Urgências dia 21.04.2009 por tosse, dificuldade
respiratória e anorexia desde há uma semana. Nega febre, dor torácica, rinorreia, obstrução nasal
ou alterações do trânsito intestinal.

Exame objectivo:

Sinais vitais: FC: 100 bpm, FR: 12 cpm, Temp: 36,6ºC, TA e Sat.O2: não medidas. Medidas
antropométricas: Peso – 14 Kg. Criança com mau estado geral, prostrada e letárgica. Aspecto
muito emagrecido, com sinais de desidratação grave: olhos encovados e sinal da prega cutânea
presente. Mucosas coradas e escleróticas anictéricas. Apresenta ligeira tiragem intercostal. Sem
exantemas ou petéquias. Sem adenomegalias palpáveis ou edemas periféricos. Orofaringe:
Presença de lesões de coloração esbranquiçada na cavidade oral. Otoscopia: não realizada. AC:
S1 e S2 presentes, rítmicos, normofonéticos. Sem sopros audíveis. AP: Murmúrio vesicular
diminuido bilateralmente; sem ruídos adventícios. Abdómen: mole, depressível e indolor. Sem
massas ou organomegalias palpáveis. Membros: úlcera no calcâneo do pé direito com fundo de
coloração amarelado e exsudado seroso. Sem edemas periféricos.

Exame Neurológico: Perda da capacidade da fala em Março de 2009, sequela da meningite. Não
interage, não cumpre ordens. Incapacidade para a marcha, diminuição global da força muscular,
sensibilidade preservada, hipotonia cervical, hipertonia dos membros inferiores e flexão
permanente dos joelhos. Nervos cranianos não testados.

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Antecedentes familiares:

Mãe – 42 anos, 6º ano de escolaridade, vendedora, nega hábitos tabágicos, consumo de drogas
ou álcool. Sem antecedentes patológicos significativos. Pai – 48 anos, nacionalidade congolesa,
pedreiro, escolaridade desconhecida, abuso de álcool e tabagismo (1 Maço por dia). Sem
antecedentes patológicos significativos. Nega consanguinidade. 2 Irmãos (24 anos, sexo
masculino e 20 anos, sexo feminino) saudáveis. Agregado familiar constituído por 5 elementos
(pai, mãe e 3 filhos); vivem em habitação própria, com 4 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 1WC
exterior, com electricidade, sem água canalizada nem saneamento básico.

Antecedentes pessoais:

Gravidez vigiada e sem intercorrências (III Gesta, III Para). Parto de termo, eutócico e
hospitalar. Sem intercorrências no período neo-natal. Amamentação materna até aos 14 meses.
Começou a andar aos 8 meses, a falar quando completou 1 ano de idade. Estudou até 3ª classe
até Março de 2009, altura em que deixou de frequentar a escola devido às sequelas neurológicas.
Plano de vacinação actualizado.

Antecedentes patológicos:

Malária e Febre Amarela, que a mãe não sabe especificar as idades. Tuberculose pulmonar e
meningite com sequelas, aos 8 anos (Março de 2009), tendo ficado internada nos CI 2 durante 30
dias. Após alta, seguimento no Hospital de Dia, incluindo fisioterapia para os membros.

Hipóteses de diagnóstico:

Malnutrição grave, Sequelas de meningite e Tuberculose pulmonar.

Exames Complementares:

Radiografia torácica, Hemograma e Bioquimica (glicemia), Exame sumário de Urina, Serologia


HIV e Teste de falciformação.

Terapêutica instituída:

Lactato Ringer 400 ml IV, 4h, 25 gotas/min, Leite terapêutico F75, 220 ml 3/3h, Paracetamol
500 mg, ½ comp. 8/8h, Vitamina Complexo B, 1comp./dia, Rimactazide®
(Rifampicina+Isoniazida) 25 mg, 1+1/4 comp./dia, Pirazinamida 500 mg, 1 comp./dia,
Coartem® (Artemeter+lumefantrina) 140 mg, 1 comp. 12/12h.

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Anexo VI. Serviço de Urgências – Movimento e Ocorrências do dia

09.04.2009

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16.04.2009

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23.04.2009

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Anexo VII. Serviço de Urgências – Casos Clínicos

Caso clínico 1

Dados de Identificação:

G.J., 7 meses, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Luanda, Angola

História Clínica recolhida no Serviço de Urgências do Hospital Pediátrico David Bernardino –


Luanda, baseada nas informações fornecidas pela mãe e pela consulta da ficha clínica do Serviço
de Urgências e do Cartão de Saúde Infantil.

Motivo de internamento: Tosse, Febre e Exantema

História da Doença Actual: A 23.04.2009, a criança é trazida ao Serviço de Urgências com


quadro clínico de tosse, dificuldade respiratória e febre (temperatura não quantificada) com 3
dias de evolução: Associada a esta sintomatologia, conjuntivas hiperemiadas e com secreções de
início concomitante. A mãe refere também diarreia, desde há 2 dias, de coloração esverdeada,
sem muco nem sangue, com a frequência de 3-4 dejecções por dia e aparecimento, nas últimas
24 horas, de exantema generalizado, não pruriginoso, primeiro na face e pescoço, que depois
expandiu para tronco e membros. Nega vómitos, recusa alimentar ou outra sintomatologia.

Exame objectivo: Peso- 6,900 Kg; Temp.: 38ºC, FC: 160 bpm, FR: 46 cpm. Criança consciente,
mucosas coradas, estado de nutrição e de hidratação normais. Apresenta sinais de dificuldade
respiratória: tiragem intercostal, sem adejo nasal. Conjuntivas hiperemiadas, com exsudado
purulento bilateralmente. Não foi possível
confirmar a presença de Mancha de
Koplik. À auscultação pulmonar:
murmúrio vesicular rude com
prolongamento do tempo expiratório com
crepitações inspiratórias e expiratórias
bilateralmente. Sem adenomegalias
palpáveis. Sem edemas periféricos.
Exantema maculo-papuloso punctiforme
generalizado (face, pescoço, tronco e
membros); palmas e plantas livres.

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Antecedentes pessoais: Gravidez normal, vigiada e sem intercorrências. Parto hospitalar, de


termo, eutócico. Ao nascimento: Peso 4100 g (P90). Período neonatal: sem
intercorrências. Desenvolvimento psicomotor: normal. PNV actualizado (BCG – 1 dose, Polio –
3 doses, Pentavalente – 3 doses)

Sem antecedentes patológicos significativos, nem história de contacto com doentes com
Tuberculose pulmonar

Lista de problemas:

# Tosse

# Febre (38ºC)

# Dificuldade Respiratória

# Exantema máculo-papuloso

# Conjuntivite

# Crepitações bilaterais e prolongamento do tempo expiratório

# Diarreia

Hipóteses de diagnóstico: Sarampo e Broncopneumonia/Pneumonia.

Exames Complementares: O diagnóstico de Sarampo é essencialmente clínico. No entanto, pode-


se pedir VS ou PCR e Hemograma, uma vez que cursa com linfocitopenia e neutropenia. Se
presença de leucocitose, suspeitar de infecção bacteriana secundária. O Rx de tórax revelou
infiltrado intersticial bilateral, de predomínio peri-hilar.

Plano terapêutico:

Tratamento sintomático: Fluidoterapia: soro


fisiológico 30mL/h I, Oxigenoterapia 3L/min,
Paracetamol 125 mg 8/8h se temp.>38ºC.
Ampicilina (500 mg/4ml) 1,4 ml IV 6/6h, pois
considerou-se estar perante um quadro clínico
de Sarampo complicado por Pneumonia
bacteriana.

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Caso Clínico 2

EE, 1 ano, sexo masculino, raça negra, natural e residente em Luanda, trazido ao SU por febre,
dispneia e lesões cutâneas disseminadas, desde há uma semana, e tosse há 3 dias.
Objectivamente a criança encontrava-se letárgica, com mucosas descoradas, taquipnéico (FR: 68
cpm) com sinais de dificuldade respiratória, sinais de desidratação e malnutrição moderadas
(Peso:6,980kg, P/A >80%).

Numerosas lesões cutâneas despigmentadas, em


fase cicatricial com bordos bem definidos na
face anterior do tórax, pescoço e face. Lesão
cutânea no membro superior direito com centro
necrótico.

À auscultação: Murmúrio vesicular rude com


crepitações à direita. Edema bilateral no dorso
dos pés. Na radiografia do tórax observa-se
reforço para-hilar direito.

Hipóteses de diagnóstico: Broncopneumonia à direita, Piodermite bolhosa (por estafilococemia


ou estreptococemia) e Malnutrição grave com edemas (Kwashiorkor).

Terapêutica instituída:

Cloxacilina (500mg/4mL), 1,5mL IV 6/6h

Paracetamol xarope (125 mg), 4mL VO 6/6h se temp.>38ºC

Oxigénio 3L/min

Leite terapêutico F75, 125mL 3/3h

Vitamina A 6 gotas: 1º, 2º e 14ºdia

Ácido fólico 5mg, 1 comprimido VO

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Caso clínico 3

TF, 2 anos, sexo feminino, raça negra, natural e residente em Luanda. Criança com antecedentes
de Anemia de células falciformes diagnosticada aos 15 meses, seguida em consulta externa no
HPDB desde então. È trazida ao Serviço de Urgência por aumento do volume do membro
superior esquerdo com início há aproximadamente 4 dias. Medicada com ibuprofeno, sem
melhoria. Iniciou febre nas últimas 24 horas, não quantificada. Ao exame objectivo: 9,200Kg;
criança consciente, corada, hidratada, com um bom estado nutricional. Escleróticas subictéricas.

Tumefacção no terço médio do braço do membro superior


esquerdo, com hipersensibilidade intensa, dor à
movimentação do membro. Sem outros sinais
inflamatórios. Auscultação cardíaca e pulmonar sem
alterações. Abdómen sem alterações. Radiograficamente o
úmero apresenta aspecto heterogéneo, com reacção do
periósteo ao longo da diáfise.

Hipóteses de diagnóstico:

A hipótese mais provável de diagnóstico é osteomielite, podendo ser uma complicação de


Anemia Falciforme, devido à susceptibilidade aumentada às infecções, sobretudo por
microrganismos encapsulados. Na anemia falciforme, há um risco mais alto de osteomielite
estafilocócica e por salmonela.

Terapêutica instituída:

Ibuprofeno xarope, 5mL VO 8/8h

Cloxacilina (500mg/4ml), 1,8 mL IV 6/6h

Dipirona (1g/5ml), 0,7 ml IM SOS

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Caso Clínico 4

GLF, recém-nascido de 15 dias, sexo masculino, raça negra, natural e residente em Luanda, é
trazido ao Serviço de Urgências dia 08.04.2009 apresentando quadro de dificuldade respiratória
desde o 3º dia de vida.

Objectivamente: Peso – 3,750 kg; apresenta-se consciente,


com mucosas coradas e hidratadas, com tiragem intercostal
moderada. Estado nutricional normal.

Assimetria do tórax, com ausência de palpação dos arcos


costais no terço médio do hemitórax direito a partir da 4ª
costela. À auscultação pulmonar: murmúrio vesicular rude
bilateralmente. Sem ruídos adventícios. Antecedentes
pessoais: gravidez mal vigiada, mãe 24 anos, G3P3A0;
parto hospitalar, de termo, eutócico, peso à nascença 2,100
kg.

Hipótese de diagnóstico:

Malformação congénita dos arcos costais à direita.

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Anexo VIII. Projecto “Promoção da saúde e melhoria das condições alimentares e higio-
sanitárias do Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen”

Este projecto, organizado pelo grupo de voluntariado universitário da Universidade


Católica Portuguesa – o GAS’Africa, foi implementado no Centro de Acolhimento de Crianças
Arnaldo Janssen, em Luanda, durante o mês de Abril.

Esta iniciativa partiu do conhecimento da extrema falta de condições alimentares deste


centro de acolhimento e da consequente suspeita de défices nutricionais das crianças e jovens
acolhidas. Este centro recebe muitos meninos de rua, em número que ultrapassa a sua capacidade
de resposta. A escassez de apoio em géneros alimentares, as condições higio-sanitárias precárias
em que os alimentos são armazenados e confeccionados, bem como a falta de formação dos
funcionários leva a que as carências nutricionais que muitas das crianças apresentam quando
chegam ao centro sejam mantidas ou agravadas. O crescimento e desenvolvimento normal das
crianças é afectado, reflectindo-se nas dificuldades de aprendizagem e no baixo rendimento
escolar. Os objectivos deste Projecto, as actividades realizadas e os resultados obtidos com esta
intervenção são apresentados no quadro seguinte.

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FICHA DE A PRESENTAÇÃO DO P ROJECTO

Título Promoção da saúde e melhoria das condições alimentares e


higio-sanitárias do Centro de Acolhimento de Crianças
Arnaldo Janssen (CACAJ)
Entidade GAS’África – Grupo de Acção Social em África e Portugal
Responsáveis Diana Marta de Carvalho da Mota Borges (Nutricionista)
Nélia de Jesus Neves Silva (aluna do 6.º ano de Medicina)
País e região Angola, Luanda – Bairro do Palanca
ODM’s abrangidos Objectivo 1: Erradicar a pobreza extrema e a fome
Meta 2. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a proporção de
população afectada pela fome
Sector Saúde – medicina e nutrição
Grupo-alvo
Crianças, adolescentes e funcionários do CACAJ.
Objectivo da Intervenção
• Avaliação nutricional das crianças e jovens do Centro de
Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen em Luanda, Angola.
• Melhoria de procedimentos de boas práticas de higiene e
segurança alimentar do centro, nomeadamente na cozinha e
locais de armazenamento de alimentos.
• Melhoria da qualidade/quantidade da ingestão alimentar das
crianças.
Actividades realizadas 1. Avaliação do estado nutricional das crianças e adolescentes
e Resultados do CACAJ: Foram avaliadas 102 crianças/adolescentes para o
peso, altura, perímetro do braço (MAC) e prega cutânea tricipital
(TSF). Posteriormente, calculou-se o Índice de Massa Corporal
(IMC=Peso/Altura2), em kg/m2, e a Área Muscular do Braço
corrigida (cAMA = {[MAC – (∏ x TSF)]2 / 4∏} – 10).

1. Avaliação do estado Verificou-se que quase 50% das crianças e adolescentes do


nutricional das crianças e CACAJ se encontram com baixo peso para a sua altura e idade,
adolescentes sendo que 11% se encontram com IMC muito baixo (< P5).
Embora metade das crianças/adolescentes apresente um peso
normal para a sua altura e idade, mais de 95% apresenta uma área
2. Formação em Nutrição e muscular do braço muito baixa, reflexo provável de um mau
Higiene Alimentar aporte de proteínas e energia. Estando a falar de crianças e
adolescentes no pico do seu crescimento, este défice alimentar
poderá comprometer o seu correcto desenvolvimento físico e
3. Acompanhamento
intelectual.
2. Formação em Nutrição e Higiene Alimentar dirigida a todos
4. Criação de uma base de dados os funcionários do CACAJ (educadores, cozinheiras,
com registos individuais de Saúde responsáveis e direcção) e utentes adolescentes. Incluiu quatro
sessões: Conceitos básicos de Nutrição; Princípios da Segurança
Alimentar; Nutrição associada à Saúde e Gestão de Recursos
Alimentares.

3. Acompanhamento: da ingestão alimentar, através do registo


qualitativo das refeições, e da segurança dos alimentos
consumidos.
4. Criação de uma base de dados com registos individuais de
Saúde de cada um dos utentes do Centro de Acolhimento de
Crianças.

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Anexo IX. Apresentação da organização médica International Physicians for the Prevention
of Nuclear War (IPPNW)

A organização médica International Physicians for the Prevention of


Nuclear War (IPPNW), reconhecida em 1985 com o prémio Nobel da Paz,
é uma federação global de filiais em mais de 62 países, não partidária,
constituída por médicos, estudantes de medicina e outros profissionais de
saúde, que defende a eliminação das armas nucleares e promove
resoluções não violentas dos conflitos e a minimização dos seus efeitos.

A forma de actuação do IPPNW é a investigação e documentação dos efeitos da


produção, teste e uso de armas nucleares na saúde e no ambiente, passando também pela
educação do público e envolvimento da comunidade internacional na defesa e prevenção de
conflitos armados.

A filial portuguesa é constituída pelo movimento médico do IPPNW,


presidido pelo Professor Doutor Nuno Grande, e pelo movimento estudantil,
constituído por estudantes de Medicina provenientes, maioritariamente, do
ICBAS.

No continente africano, existem filiais do IPPNW em alguns países como, República


Democrática do Congo, Egipto, Nigeria, Uganda e Zambia. Com este estágio surgiu também a
ideia de divulgar esta organização médica internacional junto dos alunos de Medicina da
FMUAN numa sessão formal, aberta a todos os estudantes, na expectativa de se criar uma filial
angolana e podermos trabalhar em parceria, partilhando projectos ou mesmo desenvolvendo
acções conjuntas.

A receptividade superou as expectativas. Da primeira reunião com a direcção da


Associação de Estudantes à sessão formal de apresentação do IPPNW houve um intervalo de
apenas 3 dias, o que representou pouco tempo para divulgação, no entanto, a afluência foi
surpreendente, tendo comparecido cerca de 50 alunos.

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