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VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
parte A
Leia o poema.
5 Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
1. Caracterize o estado de alma do sujeito poético, expresso nos seis primeiros versos.
2. Justifique o recurso simultâneo à anáfora e à frase interrogativa a partir do sétimo verso do poema.
Leia o texto.
MADALENA
(falando ao bastidor)
Vai, ouves, Miranda? Vai e deixa-te lá estar até veres chegar o bergantim; e quando
desembarcarem, vem-me dizer para eu ficar descansada. (Vem para a cena.) Não há vento e
5 o dia está lindo. Ao menos não tenho sustos com a viagem. Mas a volta… quem sabe? o tempo
muda tão depressa…
jorge
madalena
10 Hoje... hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que
não acabe sem muito grande desgraça... É um dia fatal para mim: faz hoje anos que… que
casei a primeira vez; faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião; faz anos também que… vi
pela primeira vez a Manuel de Sousa.
jorge
15 Pois contais essa entre as infelicidades de vossa vida?
madalena
Conto. Este amor — que hoje está santificado e bendito no Céu, porque Manuel de Sousa
é meu marido — começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… e quando o
vi — hoje, hoje... foi em tal dia como hoje! — D. João de Portugal ainda era vivo. O pecado
20 estava‑me no coração; a boca não o disse... os olhos não sei o que fizeram; mas dentro da
alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante... já não guardava a meu marido, a meu
bom... a meu generoso marido... senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida
quase que mais deve a si do que a seu esposo. — Permitiu Deus… quem sabe se para me
tentar?... que naquela funesta batalha de Alcácer, entre tantos, ficasse também D. João…
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, edição de Maria João Brilhante,
Lisboa, Comunicação, 1982, pp. 168-169.
5. Explique em que medida a afirmação «o tempo muda tão depressa...» (linhas 5 e 6), proferida por Madalena,
pode constituir um presságio de tragédia.
Justifique os sentimentos manifestados por Madalena na sua última fala e relacione-os com a repetição
dessa palavra.
7. A figura do herói está presente em muitas obras estudadas ao longo do ensino secundário, embora a sua
construção possa depender de diversos fatores.
Escreva uma breve exposição na qual distinga o herói em Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, do herói
em Mensagem, de Fernando Pessoa.
• u
m desenvolvimento no qual explicite, para cada uma das obras, uma característica que permita distinguir
o herói em Os Lusíadas do herói em Mensagem, fundamentando as características apresentadas em,
pelo menos, um exemplo significativo de cada uma das obras;
nota
2. No segundo parágrafo, o autor estabelece uma comparação entre povos, com a intenção de
(A) distinguir experiências similares que foram vividas por populações de países europeus.
(B) comprovar que a raiz da palavra «saudade» tem origem nas ausências dos navegadores.
(D) demonstrar que as palavras são determinadas pela especificidade cultural de cada povo.
4. As expressões «Quer dizer» (linha 17) e «Dito de outro modo» (linha 21), seguidas de dois pontos,
introduzem, respetivamente, sequências textuais em que o autor
a) na linha 20;
b) na linha 24.
7. Classifique a oração sublinhada em «Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso.»
(linha 21).
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre o poder das palavras nas relações humanas.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2018/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há
que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
I
16 16 16 8 16 16 16 104
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
II
8 8 8 8 8 8 8 56
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
parte A
Leia o poema.
1. Compare a atitude do sujeito poético com a dos outros «humanos» (verso 13), tendo em conta a
oposição simbólica entre «rosas» e «magnólias», por um lado, e «pátria», «glória» e «virtude», por outro
lado (versos 1 a 3).
3. Explicite, com base no conteúdo dos versos 7 a 18, dois aspetos que evidenciem o modo como o sujeito
poético perceciona a passagem do tempo.
Outra cousa muito geral, que não tanto me desedifica, quanto me lastima em muitos de
vós, é aquela tão notável ignorância e cegueira que em todas as viagens experimentam os
que navegam para estas partes. Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de
pano cortado e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um cabo delgado até tocar na
5 água, e em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica preso e boqueando, até que, assim
suspenso no ar, ou lançado no convés, acaba de morrer. Pode haver maior ignorância e mais
rematada cegueira que esta? Enganados por um retalho de pano, perder a vida? Dir-me-eis
que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego. Dá um exército batalha contra outro exército,
metem-se os homens pelas pontas dos piques, dos chuços e das espadas, e porquê? Porque
10 houve quem os engodou e lhes fez isca com dois retalhos de pano. A vaidade entre os vícios
é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os homens. E que faz a vaidade?
Põe por isca nas pontas desses piques, desses chuços e dessas espadas dois retalhos de
pano, ou branco, que se chama Hábito de Malta, ou verde, que se chama de Avis, ou vermelho,
que chama de Cristo e de Santiago, e os homens por chegarem a passar esse retalho de pano
15 ao peito, não reparam em tragar e engolir o ferro. E depois disso que sucede? O mesmo que
a vós. O que engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasião ficou morto; e os mesmos retalhos de
pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outros.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima,
edição de Margarida Vieira Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1978, pp. 93-94.
notaS
4. Relacione o comportamento dos peixes, descrito entre as linhas 3 e 6, com as interrogações retóricas
presentes nas linhas 6 e 7.
5. Explique a crítica que é feita aos homens, incluindo os membros do clero, a partir da linha 7.
6. Transcreva:
Escreva uma breve exposição sobre a representação da cidade na poesia de Cesário Verde.
• u
m desenvolvimento no qual refira uma característica da cidade enquanto espaço físico e uma
característica da cidade enquanto espaço humano, fundamentando as ideias apresentadas em, pelo
menos, um exemplo significativo de cada uma das características;
Francesco Alberoni e Salvatore Veca, O Altruísmo e a Moral, 5.ª ed., Venda Nova, Bertrand, 2000, pp. 9-13 (adaptado).
notas
bolsa (linha 5) – bolsa de valores; instituição onde são realizados negócios relativos à compra e venda de títulos de
crédito, ações, fundos públicos, etc.
laicos (linha 10) – que não são dependentes de qualquer confissão religiosa.
sacro (linha 6) – sagrado.
2. Na opinião de muitos pensadores, o «pensamento progressista» (linha 10), entre outros aspetos,
3. No terceiro parágrafo do texto, os autores recorrem a um conjunto de exemplos para mostrar que
4. No excerto compreendido entre «Considera negativamente» (linha 22) e «de abuso» (linha 23), as formas
verbais têm, respetivamente, um valor aspetual
5. As frases «E não restam dúvidas de que, em boa medida, as suas observações têm fundamento.»
(linha 18) e «Talvez sejamos hipócritas» (linha 32) exprimem a modalidade epistémica
(A) com valor de probabilidade, no primeiro caso, e com valor de certeza, no segundo caso.
(B) com valor de probabilidade, em ambos os casos.
(C) com valor de certeza, em ambos os casos.
(D) com valor de certeza, no primeiro caso, e com valor de probabilidade, no segundo caso.
7. Indique o processo de coesão textual assegurado pelas expressões «No passado» (linha 1), «a pouco e
pouco» (linha 5), «Já» (linha 7), «Hoje, a pouco e pouco» (linha 24) e «ainda» (linha 27).
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre o impacto do progresso técnico na qualidade de vida do ser
humano, no futuro.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2018/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há
que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
I
16 16 16 16 16 8 16 104
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
II
8 8 8 8 8 8 8 56
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
A
Leia o poema XXXVI de «O Guardador de Rebanhos». Se necessário, consulte a nota.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
10 E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
15 De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.
Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith,
3.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2009, p. 72
NOTA
1. Nas três primeiras estrofes, são abordados dois processos de criação poética.
Explicite esses dois processos, tendo em conta, por um lado, as comparações presentes nos versos 3 e 5
e, por outro lado, o sentido do verso 4 e o conteúdo da terceira estrofe.
2. Interprete o verso «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa» (v. 9), atendendo à
especificidade da poesia de Alberto Caeiro.
3. Explique o modo como as sensações e a comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe do
poema. Fundamente a sua resposta com elementos textuais pertinentes.
Vejo o meu pai, no limite da minha infância, dobrar a porta do pátio, com um baú de folha
na mão. Vejo-o de lado, e sem se voltar, eu estou dentro do pátio e não há, na minha memória,
ninguém mais ao pé de mim. Devo ter o olhar espantado e ofendido por ele partir. Mas alguns
meses depois o corredor da casa de minha avó amontoa-se de gente, na despedida de minha
5 mãe e da minha irmã mais velha que partiam também. Do alto dos degraus de uma sala
contígua, descubro um mar de cabeças agitadas e aos gritos. Estou só ainda, na memória
que me ficou. Depois, não sei como, vejo-me correndo atrás da charrete que as levava. O
cavalo corria mais do que eu e a poeira que se ia erguendo tornava ainda a distância maior.
Minha mãe dizia-me adeus de dentro da charrete e cada vez de mais longe. Até que deixei de
10 correr. Dessa vez houve choro pela noite adiante — tia Quina contava, conta ainda. Mas não
conta de choro algum dos meus dois irmãos que ficavam também. Deve-me ter vibrado pela
vida fora esse choro que não lembro. É dos livros, suponho. Depois a infância recomeçou.
Três irmãos, duas tias e avó maternas, depois a vida recomeçou. Mas toda essa infância me
parece atravessar apenas um longo inverno. É um inverno soturno de chuvas e de vento, de
15 neves na montanha, de histórias de terror, contadas à luz da candeia no negrume da cozinha,
assombrada de tempestade. Até que um dia um tio de minha mãe, que era padre na aldeia,
se pôs o problema de eu não ser talvez estúpido. E imediatamente se empolgou para me
consagrar ao Altíssimo.
Compare esses dois episódios, apresentando um aspeto que os aproxime e um outro que os distinga.
5. «Mas toda essa infância me parece atravessar apenas um longo inverno.» (linhas 13-14).
Explique em que medida esta afirmação, bem como a caracterização do inverno apresentada nas linhas
14 a 16, sintetizam a perceção de Vergílio Ferreira em relação à sua infância.
Leia o texto.
O conceito de cultura científica é o mais vasto e o mais complexo. A cultura científica não
consiste apenas na capacidade de ler o mundo à nossa volta e de sabermos orientar-nos
nele, nem consiste apenas na aquisição de conhecimentos científicos, como pretende o Public
Understanding of Science.
5 A cultura científica é um capital que nos permite não apenas ler, mas usufruir do mundo,
não apenas conhecer, mas manipular as ideias produzidas pela ciência, perceber as
potencialidades e os riscos e as limitações da ciência, relacionar os conhecimentos da ciência
com outros saberes e culturas e integrá-los numa visão coerente e enriquecedora do mundo,
e encarar a ciência sem a mínima atitude de servidão ou sequer de reverência, mas apenas
10 com curiosidade, emoção e sentido de responsabilidade.
A promoção da cultura científica visa dar à ciência o mesmo estatuto que possuem saberes
como a literatura ou a música: garantir a todos a capacidade para o seu usufruto, as condições
para a sua apropriação e as ferramentas para o seu controlo.
A cultura científica exige conhecimentos sobre a ciência, mas não conhecimentos
15 disciplinares. Trata-se de conhecimentos sobre a forma como a ciência progride, nunca
linearmente, mas com correções e desvios constantes; sobre a necessidade de hipóteses,
de experiências, de confirmações e de desilusões; sobre a importância da imaginação e da
excentricidade; sobre o valor da diferença e a importância do trabalho em equipa; sobre a
importância do debate vivo e aberto; sobre as regras e os limites do método científico; sobre
20 a banalidade do erro, a frequência dos enganos, os inevitáveis enviesamentos e as humanas
fraudes, que existem tanto na ciência como em qualquer outra atividade humana; sobre a
objetividade da ciência, mas também sobre o papel da subjetividade nas suas conclusões;
sobre a intemporalidade da ciência, mas também sobre a forma como cada época gera as
suas verdades provisórias; sobre a universalidade da ciência, mas também sobre a forma
25 como o contexto molda os consensos que constituem a «verdade científica».
A promoção da cultura científica nada tem a ver com a promoção da ciência. Promover a
cultura científica é promover este olhar e estimular o diálogo, alimentar o pensamento crítico e
a capacidade de fascínio com a descoberta, afastar o receio de questionar e ensinar-nos que
é lícito ver algo diferente do que todos os outros à nossa volta veem e sempre viram.
30 Promover a cultura científica não é ensinar ciência – embora também o seja –, sendo
fundamentalmente aproximar os cidadãos da ciência e familiarizá-los com os cientistas, com a
sua atividade, e estimulá-los a questionar não só o mundo, mas a própria ciência.
António Granado e José Vítor Malheiros, Cultura Científica em Portugal: Ferramentas para Perceber o Mundo e Aprender a Mudá-lo,
Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015, p. 19 (adaptado)
2. De acordo com a perspetiva expressa pelos autores no terceiro parágrafo do texto, a aproximação à
literatura e à música realça a ideia de que a ciência deve
4. Nos dois parágrafos finais, os autores defendem, sobretudo, a ideia de que a cultura científica
5. Nas expressões «sabermos orientar-nos» (linha 2) e «que nos permite» (linha 5), os pronomes pessoais
desempenham as funções sintáticas de
7. No contexto em que ocorre, a conjunção «mas» está associada a uma ideia de adição
(A) na linha 5.
(B) na linha 9.
10. Identifique o antecedente do pronome presente em «embora também o seja» (linha 30).
«A memória age como a lente de uma câmara escura; reduz todas as coisas e, dessa forma, produz uma
imagem bem mais bela do que o original.»
Traduzido a partir de Arthur Schopenhauer, Parerga and Paralipomena, Vol. I,
Oxford, Clarendon Press, 1974, p. 447 (adaptado)
Será que a memória permite sempre construir uma imagem idealizada do passado?
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda
uma perspetiva pessoal sobre o modo como o passado é percecionado através da memória.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. a 5.
I
5 × 20 pontos 100
1. a 10.
II
10 × 5 pontos 50
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
PARTE A
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.
NOTA
1. Nas três primeiras estrofes, são abordados dois processos de criação poética.
Explicite esses dois processos, tendo em conta, por um lado, as comparações presentes nos versos
«Como um carpinteiro nas tábuas!...» e «Ter que pôr verso sobre verso, como quem construi um muro» e,
por outro lado, o sentido do verso «Que triste não saber florir!» e o conteúdo da terceira estrofe.
3. Explique o modo como as sensações e a comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe do
poema. Fundamente a sua resposta com elementos textuais pertinentes.
PARTE B
Leia o texto.
Vejo o meu pai, no limite da minha infância, dobrar a porta do pátio, com um baú de folha
na mão. Vejo-o de lado, e sem se voltar, eu estou dentro do pátio e não há, na minha memória,
ninguém mais ao pé de mim. Devo ter o olhar espantado e ofendido por ele partir. Mas alguns
meses depois o corredor da casa de minha avó amontoa-se de gente, na despedida de minha
mãe e da minha irmã mais velha que partiam também. Do alto dos degraus de uma sala
contígua, descubro um mar de cabeças agitadas e aos gritos. Estou só ainda, na memória
que me ficou. Depois, não sei como, vejo-me correndo atrás da charrete que as levava. O
cavalo corria mais do que eu e a poeira que se ia erguendo tornava ainda a distância maior.
Minha mãe dizia-me adeus de dentro da charrete e cada vez de mais longe. Até que deixei de
correr. Dessa vez houve choro pela noite adiante — tia Quina contava, conta ainda. Mas não
conta de choro algum dos meus dois irmãos que ficavam também. Deve-me ter vibrado pela
vida fora esse choro que não lembro. É dos livros, suponho. Depois a infância recomeçou.
Três irmãos, duas tias e avó maternas, depois a vida recomeçou. Mas toda essa infância me
parece atravessar apenas um longo inverno. É um inverno soturno de chuvas e de vento, de
neves na montanha, de histórias de terror, contadas à luz da candeia no negrume da cozinha,
assombrada de tempestade. Até que um dia um tio de minha mãe, que era padre na aldeia,
se pôs o problema de eu não ser talvez estúpido. E imediatamente se empolgou para me
consagrar ao Altíssimo.
Compare esses dois episódios, apresentando um aspeto que os aproxime e um outro que os distinga.
Explique em que medida esta afirmação, bem como a caracterização do inverno («É um inverno soturno»
até «assombrada de tempestade.»), sintetizam a perceção de Vergílio Ferreira em relação à sua infância.
Leia o texto.
O conceito de cultura científica é o mais vasto e o mais complexo. A cultura científica não
consiste apenas na capacidade de ler o mundo à nossa volta e de sabermos orientar-nos
nele, nem consiste apenas na aquisição de conhecimentos científicos, como pretende o Public
Understanding of Science.
A cultura científica é um capital que nos permite não apenas ler, mas usufruir do mundo,
não apenas conhecer, mas manipular as ideias produzidas pela ciência, perceber as
potencialidades e os riscos e as limitações da ciência, relacionar os conhecimentos da ciência
com outros saberes e culturas e integrá-los numa visão coerente e enriquecedora do mundo,
e encarar a ciência sem a mínima atitude de servidão ou sequer de reverência, mas apenas
com curiosidade, emoção e sentido de responsabilidade.
A promoção da cultura científica visa dar à ciência o mesmo estatuto que possuem saberes
como a literatura ou a música: garantir a todos a capacidade para o seu usufruto, as condições
para a sua apropriação e as ferramentas para o seu controlo.
A cultura científica exige conhecimentos sobre a ciência, mas não conhecimentos
disciplinares. Trata-se de conhecimentos sobre a forma como a ciência progride, nunca
linearmente, mas com correções e desvios constantes; sobre a necessidade de hipóteses,
de experiências, de confirmações e de desilusões; sobre a importância da imaginação e da
excentricidade; sobre o valor da diferença e a importância do trabalho em equipa; sobre a
importância do debate vivo e aberto; sobre as regras e os limites do método científico; sobre
a banalidade do erro, a frequência dos enganos, os inevitáveis enviesamentos e as humanas
fraudes, que existem tanto na ciência como em qualquer outra atividade humana; sobre a
objetividade da ciência, mas também sobre o papel da subjetividade nas suas conclusões;
sobre a intemporalidade da ciência, mas também sobre a forma como cada época gera as
suas verdades provisórias; sobre a universalidade da ciência, mas também sobre a forma
como o contexto molda os consensos que constituem a «verdade científica».
A promoção da cultura científica nada tem a ver com a promoção da ciência. Promover a
cultura científica é promover este olhar e estimular o diálogo, alimentar o pensamento crítico e
a capacidade de fascínio com a descoberta, afastar o receio de questionar e ensinar-nos que
é lícito ver algo diferente do que todos os outros à nossa volta veem e sempre viram.
Promover a cultura científica não é ensinar ciência – embora também o seja –, sendo
fundamentalmente aproximar os cidadãos da ciência e familiarizá-los com os cientistas, com a
sua atividade, e estimulá-los a questionar não só o mundo, mas a própria ciência.
António Granado e José Vítor Malheiros, Cultura Científica em Portugal: Ferramentas para Perceber o Mundo e Aprender a Mudá-lo
2. De acordo com a perspetiva expressa pelos autores no terceiro parágrafo do texto, a aproximação à
literatura e à música realça a ideia de que a ciência deve
4. Nos dois parágrafos finais, os autores defendem, sobretudo, a ideia de que a cultura científica
7. No contexto em que ocorre, a conjunção «mas» está associada a uma ideia de adição em
a) «A cultura científica é um capital que nos permite não apenas ler, mas usufruir do mundo».
b) «encarar a ciência sem a mínima atitude de servidão ou sequer de reverência, mas apenas com
curiosidade [...]».
c) «A cultura científica exige conhecimentos sobre a ciência, mas não conhecimentos disciplinares.».
d) «Trata-se de conhecimentos sobre a forma como a ciência progride, nunca linearmente, mas com
correções e desvios constantes».
8. Indique o tipo de deixis assegurado pelo determinante possessivo presente em «capacidade de ler o
mundo à nossa volta».
9. Classifique a oração iniciada por «que» (palavra destacada no final do quarto parágrafo).
10. Identifique o antecedente do pronome presente em «embora também o seja» (último parágrafo).
«A memória age como a lente de uma câmara escura; reduz todas as coisas e, dessa forma, produz uma
imagem bem mais bela do que o original.»
Será que a memória permite sempre construir uma imagem idealizada do passado?
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda
uma perspetiva pessoal sobre o modo como o passado é percecionado através da memória.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
GRUPO I
1. ............................................................................................................ 20 pontos
2. ............................................................................................................ 20 pontos
3. ............................................................................................................ 20 pontos
4. ............................................................................................................ 20 pontos
5. ............................................................................................................ 20 pontos
100 pontos
GRUPO II
50 pontos
GRUPO III
50 pontos
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 96 a 99 do Canto VIII de Os Lusíadas, bem como a
contextualização apresentada. Se necessário, consulte as notas.
Contextualização
Após a chegada a Calecute, os portugueses são recebidos pelo Catual; entretanto, Baco aparece em
sonhos a um sacerdote, convencendo-o de que o objetivo dos portugueses era subjugar os indianos.
O Catual prende Vasco da Gama e só o liberta a troco de mercadorias trazidas das naus. Finalmente,
Vasco da Gama regressa a bordo, onde «estar se deixa, vagaroso».
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003, p. 221
Explicite três dos valores postos em causa pelo poder do «metal luzente e louro» (verso 14). Apresente,
para cada um desses valores, uma transcrição pertinente.
B
Leia o texto.
Já que assim o experimentais com tanto dano vosso, importa que daqui por diante sejais
mais Repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de
cada um, para que não suceda que, assim como hoje vemos a muitos de vós tão diminuídos,
vos venhais a consumir de todo. Não vos bastam tantos inimigos de fora e tantos perseguidores
5 tão astutos e pertinazes, quantos são os pescadores, que nem de dia nem de noite deixam de
vos pôr em cerco e fazer guerra por tantos modos? Não vedes que contra vós se emalham e
entralham as redes; contra vós se tecem as nassas, contra vós se torcem as linhas, contra vós
se dobram e farpam os anzóis, contra vós as fisgas e os arpões? Não vedes que contra vós até
as canas são lanças e as cortiças armas ofensivas? Não vos basta, pois, que tenhais tantos
10 e tão armados inimigos de fora, senão que também vós de vossas portas adentro o haveis
de ser mais cruéis, perseguindo-vos com uma guerra mais que civil e comendo-vos uns aos
outros? Cesse, cesse já, irmãos peixes, e tenha fim algum dia esta tão perniciosa discórdia;
e pois vos chamei e sois irmãos, lembrai-vos das obrigações deste nome. Não estáveis vós
muito quietos, muito pacíficos e muito amigos todos, grandes e pequenos, quando vos pregava
15 S. António? Pois continuai assim, e sereis felizes.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima, edição de Margarida Vieira Mendes,
Lisboa, Seara Nova, 1978, pp. 91-92
NotAS
• entralham (linha 7) – prendem em malha de rede; enredam.
• nassas (linha 7) – sacos de rede em que se recolhe o peixe.
• Repúblicos (linha 2) – dedicados à causa pública.
4. Explique o conselho do orador expresso no primeiro período do texto (linhas 1 a 4) e relacione-o com o
sentido das interrogações retóricas presentes nas linhas 4 a 12.
5. Justifique a evocação da lenda de Santo António, no contexto em que ocorre (linhas 13 a 15).
Leia o texto.
Venho a Malaca, que agora se chama Melaka, pela História do meu país. No século XV, o
sultanato controlava o comércio do Oriente, o imperador chinês oferecia a filha em casamento
ao sultão. Vinte mil navios lançavam âncora no porto, 84 idiomas regateavam preços no
cais. «Quem for senhor de Malaca tem a mão na garganta de Veneza», escrevia Tomé Pires,
5 contemporâneo de Afonso de Albuquerque, aludindo à importância de Malaca no controlo da
rota das especiarias.
Portugal conquistou a cidade em 1511, perdeu-a em 1641 para a Holanda. Não tenho
ilusões sobre os vestígios da presença portuguesa: já passou demasiado tempo. O que os
Holandeses e os Ingleses não destruíram, deixámos nós que se diluísse nos séculos de
10 ausência e de desleixo. Antecipo Melaka como um cruzamento da humanidade, uma poção
única, uma receita irrepetível. Mas não é assim. Encontro uma anónima e descoordenada
cidade oriental, que podia ser qualquer outra cidade do Sudeste Asiático, um quarteirão
periférico de Sydney, de São Francisco. Um rio lamacento e abandonado atravessa o centro,
fachadas sujas e desmazeladas derretem-se sobre as margens. Do lado de cá, os Chineses;
15 e do outro lado, os Indianos. Os Malaios estão mais além. Não há confusões. Cada um trata
de si, todos se atarefam em conquistar uma vida melhor: um novo eletrodoméstico, um fim de
semana em Singapura, a universidade dos filhos, a peregrinação a Meca.
Sob a aparente indolência tropical, as tensões étnicas vão cozendo em fogo lento. De
tantos em tantos anos, explodem. Nada é inconsequente em Malaca: a língua, a fé, a cor da
20 pele, a forma de vestir ou a aptidão profissional atribuem um lugar preciso no tabuleiro social.
As pessoas carregam a afiliação étnica não apenas como uma identidade, também como um
vínculo.
Ponho-me à procura das relíquias da passagem portuguesa. Encontro a porta decrépita
de um forte demolido, o esqueleto de uma igreja, uma estátua mutilada de São Francisco
25 Xavier. Faz tudo parte do roteiro turístico de Malaca, juntamente com o passeio de riquexó,
a visita ao shopping, a quinta dos crocodilos. A réplica da caravela portuguesa que serve
de museu da cidade não é, afinal, uma homenagem ao extraordinário feito de armas dos
navegadores lusitanos – o de conquistar, com duas dezenas de navios e 1500 homens, um
poderoso sultanato de 100 000 habitantes. Depois de sete meses de navegação desde Lisboa.
30 O museu serve para glorificar as bases religiosas da nação. Dentro, tudo conduz à conclusão
de que os sucessivos invasores europeus não teriam conquistado Melaka hoje […].
Continuo a procurar Portugal em Malaca – na igreja. O catolicismo, a artéria vital da
mentalidade do meu povo, é um legado da presença portuguesa no antigo empório dos sete
mares. Entro, é a hora da missa. A igreja imita o gótico francês, o padre é chinês, os fiéis
35 são asiáticos, a missa decorre em inglês, as canções transmitem um concentrado de alegria,
ritmo e nonchalance que seria impensável em Portugal. Não é um legado evidente. Mas uma
coisinha pequena começa a agitar-se na alma: o sentimento de identificação com a realidade
que me rodeia. Um momento familiar. Uma saudade.
Gonçalo Cadilhe, Planisfério Pessoal, Lisboa, Clube do Autor, 2016, pp. 232-233
NotAS
3. As referências a Sydney e a São Francisco (linha 13) têm como objetivo pôr em destaque
5. De acordo com os três últimos parágrafos do texto, o mais significativo legado português encontrado pelo
autor foi
7. Os complexos verbais «vão cozendo» (linha 18) e «Continuo a procurar» (linha 32) têm um valor aspetual
(A) durativo.
(B) genérico.
(C) habitual.
(D) pontual.
9. Classifique a oração sublinhada na frase «Quem for senhor de Malaca tem a mão na garganta de Veneza»
(linha 4).
10. Indique a função sintática desempenhada pela oração «para glorificar as bases religiosas da nação»
(linha 30).
Se, para uns, a conquista de uma vida melhor é o principal objetivo, para outros, a luta pelo bem comum
sobrepõe-se aos interesses individuais.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. a 5.
I
5 × 20 pontos 100
1. a 10.
II
10 × 5 pontos 50
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
PARTE A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 96 a 99 do Canto VIII de Os Lusíadas, bem como a
contextualização apresentada. Se necessário, consulte as notas apresentadas a seguir ao texto.
Contextualização
Após a chegada a Calecute, os portugueses são recebidos pelo Catual; entretanto, Baco aparece em
sonhos a um sacerdote, convencendo-o de que o objetivo dos portugueses era subjugar os indianos.
O Catual prende Vasco da Gama e só o liberta a troco de mercadorias trazidas das naus. Finalmente,
Vasco da Gama regressa a bordo, onde «estar se deixa, vagaroso».
NOTAS
2. Releia os versos de «Este rende munidas fortalezas» (estância 98) até «E mil vezes tiranos torna os Reis»
(estância 99).
Explicite três dos valores postos em causa pelo poder do «metal luzente e louro». Apresente, para cada
um desses valores, uma transcrição pertinente.
3. Interprete o sentido dos últimos quatro versos da estância 99, enquanto crítica dirigida ao clero.
PARTE B
Já que assim o experimentais com tanto dano vosso, importa que daqui por diante sejais mais
Repúblicos (1) e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada
um, para que não suceda que, assim como hoje vemos a muitos de vós tão diminuídos, vos venhais
a consumir de todo. Não vos bastam tantos inimigos de fora e tantos perseguidores tão astutos
e pertinazes, quantos são os pescadores, que nem de dia nem de noite deixam de vos pôr em
cerco e fazer guerra por tantos modos? Não vedes que contra vós se emalham e entralham (2) as
redes; contra vós se tecem as nassas (3), contra vós se torcem as linhas, contra vós se dobram
e farpam os anzóis, contra vós as fisgas e os arpões? Não vedes que contra vós até as canas
são lanças e as cortiças armas ofensivas? Não vos basta, pois, que tenhais tantos e tão armados
inimigos de fora, senão que também vós de vossas portas adentro o haveis de ser mais cruéis,
perseguindo-vos com uma guerra mais que civil e comendo-vos uns aos outros? Cesse, cesse já,
irmãos peixes, e tenha fim algum dia esta tão perniciosa discórdia; e pois vos chamei e sois irmãos,
lembrai-vos das obrigações deste nome. Não estáveis vós muito quietos, muito pacíficos e muito
amigos todos, grandes e pequenos, quando vos pregava S. António? Pois continuai assim, e sereis
felizes.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima
NOTAS
Venho a Malaca, que agora se chama Melaka, pela História do meu país. No século XV, o
sultanato controlava o comércio do Oriente, o imperador chinês oferecia a filha em casamento ao
sultão. Vinte mil navios lançavam âncora no porto, 84 idiomas regateavam preços no cais. «Quem
for senhor de Malaca tem a mão na garganta de Veneza», escrevia Tomé Pires, contemporâneo
de Afonso de Albuquerque, aludindo à importância de Malaca no controlo da rota das especiarias.
Portugal conquistou a cidade em 1511, perdeu-a em 1641 para a Holanda. Não tenho ilusões
sobre os vestígios da presença portuguesa: já passou demasiado tempo. O que os Holandeses e
os Ingleses não destruíram, deixámos nós que se diluísse nos séculos de ausência e de desleixo.
Antecipo Melaka como um cruzamento da humanidade, uma poção única, uma receita irrepetível.
Mas não é assim. Encontro uma anónima e descoordenada cidade oriental, que podia ser qualquer
outra cidade do Sudeste Asiático, um quarteirão periférico de Sydney, de São Francisco. Um rio
lamacento e abandonado atravessa o centro, fachadas sujas e desmazeladas derretem-se sobre
as margens. Do lado de cá, os Chineses; e do outro lado, os Indianos. Os Malaios estão mais além.
Não há confusões. Cada um trata de si, todos se atarefam em conquistar uma vida melhor: um
novo eletrodoméstico, um fim de semana em Singapura, a universidade dos filhos, a peregrinação
a Meca.
Sob a aparente indolência tropical, as tensões étnicas vão cozendo em fogo lento. De tantos em
tantos anos, explodem. Nada é inconsequente em Malaca: a língua, a fé, a cor da pele, a forma de
vestir ou a aptidão profissional atribuem um lugar preciso no tabuleiro social. As pessoas carregam
a afiliação étnica não apenas como uma identidade, também como um vínculo.
Ponho-me à procura das relíquias da passagem portuguesa. Encontro a porta decrépita de um
forte demolido, o esqueleto de uma igreja, uma estátua mutilada de São Francisco Xavier. Faz tudo
parte do roteiro turístico de Malaca, juntamente com o passeio de riquexó (1), a visita ao shopping, a
quinta dos crocodilos. A réplica da caravela portuguesa que serve de museu da cidade não é, afinal,
uma homenagem ao extraordinário feito de armas dos navegadores lusitanos – o de conquistar, com
duas dezenas de navios e 1500 homens, um poderoso sultanato de 100 000 habitantes. Depois de
sete meses de navegação desde Lisboa.
O museu serve para glorificar as bases religiosas da nação. Dentro, tudo conduz à conclusão de
que os sucessivos invasores europeus não teriam conquistado Melaka hoje […].
NOTAS
(1) riquexó – veículo de duas rodas para uma ou duas pessoas, puxado por uma pessoa a pé ou de bicicleta, frequente
em cidades do Oriente.
(2) nonchalance – expressão em francês que significa «despreocupação», «desprendimento».
3. As referências a Sydney e a São Francisco no segundo parágrafo têm como objetivo pôr em destaque
a) o cosmopolitismo de Malaca.
b) a descaracterização do espaço.
5. De acordo com os três últimos parágrafos do texto, o mais significativo legado português encontrado pelo
autor foi
d) a vivência do catolicismo.
6. Nas expressões «vão cozendo em fogo lento» e «tabuleiro social» (terceiro parágrafo), o autor utiliza
7. Os complexos verbais «vão cozendo» (início do terceiro parágrafo) e «Continuo a procurar» (início do
sexto parágrafo) têm um valor aspetual
a) durativo.
b) genérico.
c) habitual.
d) pontual.
8. Identifique o valor da oração iniciada por «que» (palavra destacada no início do texto).
10. Indique a função sintática desempenhada pela oração «para glorificar as bases religiosas da nação»
(início do quinto parágrafo).
GRUPO III
Se, para uns, a conquista de uma vida melhor é o principal objetivo, para outros, a luta pelo bem comum
sobrepõe-se aos interesses individuais.
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda um
ponto de vista pessoal sobre a questão apresentada.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
GRUPO I
1. ........................................................................................................... 20 pontos
2. ........................................................................................................... 20 pontos
3. ........................................................................................................... 20 pontos
4. ........................................................................................................... 20 pontos
5. ........................................................................................................... 20 pontos
100 pontos
GRUPO II
50 pontos
GRUPO III
50 pontos
2016
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
A
Leia o texto.
MATILDE
Está a falar sozinha. Já Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser
o estava, possivelmente, julgados por covardes!
antes de surgir no palco.
Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num mundo em
que reina a injustiça! 5
Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia, os
leve à forca!
(Levanta-se)
Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos,
a viverem em paz com a hipocrisia do mundo? 10
(Pausa)
Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca,
ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado
por todos?
(Encaminha-se para uma cómoda velha 15
que surge, iluminada, à sua esquerda.)
Fala com rancor. Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem,
desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves,
fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena!
(Pausa) 20
Fala com determinação. Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da
Está a tentar convencer-se consciência e da bolsa do que da alma.
a si mesma.
(Abre uma gaveta da cómoda e tira dela
um uniforme velho de Gomes Freire)
Se o meu filho fosse vivo… Havia de morrer de velhice e de 25
gordura, com a consciência tranquila e o peito a abarrotar de
medalhas!
(Coloca o uniforme de Gomes Freire sobre a cadeira)
Olha para o uniforme Tudo isso o meu homem poderia ter tido…
dando a entender que (Acaricia o uniforme) 30
já não estava a falar do
filho, mas do próprio
Se tivesse sido menos homem…
Gomes Freire. (Pausa)
Podíamos estar, agora, aqui, ouvindo os pregões que soam a
cantigas, lá fora, na rua…
(Pausa) 35
Abríamos a janela ao sol da manhã e aquecíamo-nos os dois…
(Pausa)
Ele dava-me a mão, eu dava-lhe a minha, e ficávamos, para aqui,
a conversar…
Falávamos das batalhas em que ele andou… 40
Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!, 5.ª ed., Lisboa, Edições Ática, 1963, pp. 92-96
1. Explique o sentido quer das antíteses quer das interrogações retóricas presentes no início do monólogo
de Matilde (linhas de 1 a 14).
3. Interprete as seguintes palavras de Matilde, tendo em consideração o contexto em que são proferidas:
«numa terra onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos…» (linhas 54 e 55).
Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 2005, p. 129
4. Nas duas quadras, o sujeito poético reflete sobre os efeitos da passagem do tempo na sua vida.
5. Relacione o sentido do verso «qualquer grande esperança é grande engano» (v. 8) com o conteúdo dos
dois tercetos.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
A ciência tem hoje tantas e tão úteis aplicações nas nossas vidas que a associação mais
imediata que o cidadão comum faz hoje à ciência não pode deixar de ser a tecnologia. Essa
associação, embora não diga o essencial sobre a ciência – que é acima de tudo a descoberta
do mundo pelo homem –, não deixa de ser adequada. A tecnologia precedeu a ciência – isto
5 é, o fazer antecipou o saber – mas, na modernidade, toda a tecnologia passou a derivar da
ciência – o saber passou a ser a única fonte do fazer.
As aplicações da ciência não se fazem sem riscos. Aliás, nada na vida humana se faz sem
risco. Não existe risco zero: é inevitável que vivamos permanentemente sob ameaças. Há que
distinguir, na análise dos riscos, entre aquilo que são azares, eventos naturais desfavoráveis
10 (que, nas antigas apólices de seguro, se chamavam «atos de Deus»), e erros, que resultam
de falhas humanas (errare humanum est), que podem ir desde o insuficiente cuidado no
planeamento até uma ação dolosa, passando por um acidente involuntário. Se os azares não
podem ser evitados, os erros podem e devem, tanto quanto possível, ser prevenidos. É decerto
virtuosa a aprendizagem que podemos fazer a partir deles. A ocorrência de um certo erro deve
15 despoletar medidas para evitar situações do mesmo tipo. Podemos continuar a errar, mas
os novos erros serão menores e, sobretudo, diferentes. A ciência, através do seu moderno
braço armado que é a tecnologia, protege-nos dos riscos inerentes à natureza e minimiza os
riscos originados por ações humanas. Se é certo que os avanços da ciência, ao possibilitarem
novas intervenções do homem no mundo, geram riscos, não é menos verdade que a ciência,
20 a aplicação correta do método científico, ainda é o melhor instrumento de que dispomos para
errar cada vez menos.
Como medir o risco? A ciência quantifica normalmente o risco usando a noção de
probabilidade. Contudo, a noção de probabilidade não é de fácil apreensão pelo comum das
pessoas. Muitos passageiros, mesmo sabendo do baixo risco de fatalidade (0,0000185 por
25 cento), têm medo quando entram num avião. O nosso cérebro tem dificuldade em avaliar
riscos.
O risco, correta ou incorretamente percecionado, está por todo o lado nas nossas vidas,
sendo várias as interrogações que se podem colocar em face dele. A ciência traz-nos
constantemente novos riscos, assim como maneiras de os minimizar.
30 Qual é então o valor da ciência? E quais são os perigos da ciência? De facto, a ciência
como processo intelectual de descoberta do mundo é inofensiva. É melhor saber do que não
saber. Mas a atividade que o homem exerce ou pode exercer no mundo, uma vez em posse
do conhecimento científico, é sempre arriscada.
Carlos Fiolhais, «Aprendendo com os erros», XXI, Ter Opinião, Fundação Francisco Manuel dos Santos,
n.º 5, jul.-dez. 2015 (adaptado)
NOTAS
5. Nas expressões «protege-nos dos riscos» (linha 17) e «A ciência traz-nos constantemente novos riscos»
(linhas 28 e 29), os pronomes pessoais desempenham as funções sintáticas de
(A) lexical.
(B) aspeto-temporal.
(C) frásica.
(D) referencial.
(A) narrativo.
(B) expositivo.
(C) descritivo.
(D) argumentativo.
10. R
efira a função sintática desempenhada pela oração subordinada presente em «é inevitável que vivamos
permanentemente sob ameaças» (linha 8).
GRUPO III
«Ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na
sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social.»
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, 1998, p. 11
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda um
ponto de vista pessoal sobre a ideia exposta no excerto transcrito.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. a 5.
I
5 × 20 pontos 100
1. a 10.
II
10 × 5 pontos 50
2016
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas,
além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I.P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.
A
Leia o poema. Se necessário, consulte as notas.
NOTAS
áleas (verso 2) – caminhos ladeados de árvores ou arbustos.
estígio (verso 26) – relativo ao Estige, rio dos Infernos na mitologia grega.
Parcas (verso 21) – três divindades da mitologia romana que representam o destino: uma preside ao nascimento, outra
ao casamento e a terceira à morte.
Plutão (verso 28) – deus dos Infernos, na mitologia romana.
quedas (verso 5) – quietas; imóveis.
Scolhermos (verso 19) – escolhermos.
supernas (verso 18) – supremas; superiores.
3. De acordo com o conteúdo das três últimas estrofes, explique o modo como o sujeito poético perspetiva
a morte.
Leia o texto.
O verão está frio. É o vento, são as tardes que obrigam à camisola, é o céu que não ajuda.
Os verões já não são o que eram, diz-se. Os pássaros, agora, metem-se dentro das árvores
e não saem de lá. A água nasce de onde não se espera – mas é uma água que não serve
para nada, se mete para dentro da terra e apodrece, subterrânea, sem que ninguém a vá
5 buscar, nem para regas, nem para bebedouros. E quem havia de precisar dessa água? Os
campos estão ao deus-dará: os bichos não sabem para onde ir. Escondem-se dos homens; ou
então param, no meio da estrada, olham para quem passa, e esperam que façam deles o que
quiserem, que nem para bichos o mundo serve.
No entanto, o verão é sempre o verão em que as coisas acontecem. Lembro-me da
10 esplanada em que me sentei, com o calor a subir das pedras e do alcatrão, clientes banais, o
criado a trazer as encomendas de má vontade. A mulher sentada na mesa ao lado destoava do
conjunto. Tinha óculos escuros, um vestido de cerimónia, como se viesse ou fosse para uma
festa, e meias nas pernas, o que não se usa numa tarde de verão. Tinha um café em frente
dela, que devia estar ali desde que ela chegou, e esperava que ela o bebesse, mas eu sabia
15 que já não lhe iria tocar. Olhava para as outras mesas com um ar distraído, com um sorriso que
podia ser de ironia ou de desprezo, como se não esperasse nada do mundo que a rodeava.
O verão é o tempo de estar nas esplanadas, olhando para parte nenhuma, ou mais
habitualmente olhando para quem passa, e procurando encontrar nesses destinos uma
hipótese de partilha de acasos, que se poderão tornar vocações. Mas a mulher que estava
20 sentada na mesa ao lado não parecia interessada em quem subia e descia o passeio; e
também não se sabia o que poderia despertar a sua atenção, que os óculos escuros remetiam
para um fundo secreto. Apercebi-me, então, de que a fixava há demasiado tempo para que o
meu olhar pudesse passar despercebido; e dei-me conta, também, de que ela percebera que
eu a olhava, e que em vez de se aborrecer ou de ficar perturbada com isso se estava a divertir
25 com o meu interesse por ela, o que invertia a situação em que a superioridade está do lado de
quem olha, e a incomodidade aumenta em quem é vigiado.
Nuno Júdice, «Verão», A Ideia do Amor e Outros Contos, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 43-44
4. Sintetize os aspetos em que o verão, tal como é caracterizado no primeiro parágrafo, se revela diferente
do esperado.
5. Ao longo do segundo e do terceiro parágrafos, o olhar do narrador sobre a personagem feminina vai‑se
modificando.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Leia o texto.
Se alguém me perguntar o que é o tempo, declaro logo a minha ignorância: não sei. Agora
mesmo ouço o bater do relógio de pêndula, e a resposta parece estar ali. Mas não é verdade.
Quando a corda se lhe acabar, o maquinismo fica no tempo e não o mede: sofre-o. E se o
espelho me mostra que não sou já quem era há um ano, nem isso me dirá o que o tempo é.
5 Só o que o tempo faz.
Que me sejam perdoadas estas falsas profundezas. Nada em mim se dispunha a coxear
atrás do Einstein se não fosse aquela notícia de França: no rio Saône toda a fauna se extinguiu
por ação de produtos tóxicos acidentalmente derramados nele, e cinco anos serão necessários
para que essa fauna se reconstitua. O mesmo tempo que envelhece, gasta, destrói e mata
10 (boas noites, espelho), vai purificar as águas, povoá-las pouco a pouco de criaturas, até que
cinco anos passados o rio ressuscite da fossa comum dos rios mortos, para glória e triunfo da
vida. (E depois casaram, e tiveram muitos afluentes.)
Não iria longe esta crónica se não fosse a providência dos cronistas, a qual é (aqui o
confesso) a associação de ideias. Vai levando o rio Saône a sua corrente envenenada, e
15 é neste momento que uma gota de água se me desenha na memória, como uma enorme
pérola suspensa, que devagar vai engrossando e tarda tanto a cair, e não cai enquanto a olho
fascinado. Rodeia-me um fantástico amontoado de rochas. Estou no interior do mundo, cercado
de estalactites, de brancas toalhas de pedra, de formações calcárias que têm a aparência de
animais, de cabeças humanas, de secretos órgãos do corpo – mergulhado numa luz que do
20 verde ao amarelo se degrada infinitamente.
A gota de água recebe a luz de um foco lateral e é transparente como o ar, ali suspensa
sobre uma forma redonda que lembra um bolbo vegetal. Cairá não sei quando, da altura
de seis centímetros, e vai escorregar na superfície lisa, deixando uma infinitesimal película
calcária que tornará mais breve a próxima queda. E porque nós parámos a olhar a gota de
25 água, o guarda de Aracena disse: «Daqui a duzentos anos as duas pedras estarão juntas.»
É esta a paciência do tempo. Na gruta imensa, o tempo está aproximando duas pedras
insignificantes e promete a silenciosa união para daqui a duzentos anos. À hora a que escrevo,
pela noite dentro, a caverna está decerto em escuridão profunda. Ouve-se o pingar das águas
soltas sobre os lagos sem peixes – enquanto em silêncio a montanha verte a gota vagarosa
30 da promessa.
A paciência do tempo. Duzentos anos a fabricar pedra, a construir uma pequena coluna, um
mísero toco em que ninguém reparará depois. Duzentos anos de trabalho monótono e aplicado,
indiferente às maravilhas que cobrem as paredes altíssimas da gruta e fazem rebentar flores
de pedra do chão. Duzentos anos assim, só porque assim tem de ser.
35 Falo do tempo e de pedras, e, contudo, é em homens que penso. Porque são eles a
verdadeira matéria do tempo, a pedra de cima e a pedra de baixo, a gota de água que é
sangue e é também suor. Porque são eles a paciente coragem, e a longa espera, e o esforço
sem limites, a dor aceite e recusada – duzentos anos, se assim tiver de ser.
José Saramago, A Bagagem do Viajante, 8.ª ed., Alfragide, Editorial Caminho, 2010, pp. 223-225
2. Através do recurso à palavra «coxear» na expressão «coxear atrás do Einstein» (linhas 6 e 7), o autor
alude à
3. A associação de ideias estabelecida, a partir da linha 13, entre a água do rio Saône e a gota de água da
gruta evidencia
(A) genérico.
(B) pontual.
(C) iterativo.
(D) durativo.
8. Identifique a função sintática desempenhada pela expressão «o rio Saône» (linha 14).
A passagem do tempo é vivida por cada ser humano em função das circunstâncias em que se encontra.
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda um
ponto de vista pessoal sobre o modo como o ser humano vive a passagem do tempo, na atualidade.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas palavras –, há que atender
ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. a 5.
I
5 × 20 pontos 100
1. a 10.
II
10 × 5 pontos 50
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
A rapariga (1) fica de perfil, o homem está de costas, conversam em voz baixa, mas o tom dela
subiu quando disse, Não, meu pai, sinto-me bem, são portanto pai e filha, conjunção pouco
costumada em hotéis, nestas idades. O criado veio servi-los, sóbrio mas familiar de modos,
depois afastou-se, agora a sala está silenciosa, nem as crianças levantam as vozes, estranho
caso, Ricardo Reis não se lembra de as ter ouvido falar, ou são mudas, ou têm os beiços
colados, presos por agrafes invisíveis, absurda lembrança, se estão comendo. A rapariga
magra acabou a sopa, pousa a colher, a sua mão direita vai afagar, como um animalzinho
doméstico, a mão esquerda que descansa no colo. Então Ricardo Reis, surpreendido
pela sua própria descoberta, repara que desde o princípio aquela mão estivera imóvel,
recorda-se de que só a mão direita desdobrara o guardanapo, e agora agarra a esquerda e vai
pousá-la sobre a mesa, com muito cuidado, cristal fragilíssimo, e ali a deixa ficar, ao lado
do prato, assistindo à refeição, os longos dedos estendidos, pálidos, ausentes. Ricardo Reis
sente um arrepio, é ele quem o sente, ninguém por si o está sentindo, por fora e por dentro da
pele se arrepia, e olha fascinado a mão paralisada e cega que não sabe aonde há de ir se a
não levarem, aqui a apanhar sol, aqui a ouvir a conversa, aqui para que te veja aquele senhor
doutor que veio do Brasil, mãozinha duas vezes esquerda, por estar desse lado e ser canhota,
inábil, inerte, mão morta mão morta que não irás bater àquela porta. Ricardo Reis observa que
os pratos da rapariga vêm já arranjados da copa, limpo de espinhas o peixe, cortada a carne,
descascada e aberta a fruta, é patente que filha e pai são hóspedes conhecidos, costumados
na casa, talvez vivam mesmo no hotel.
Nem sempre o trabalho corre bem. Não é verdade que a mão esquerda não faça falta (2).
Se Deus pode viver sem ela, é porque é Deus, um homem precisa das duas mãos, uma
mão lava a outra, as duas lavam o rosto, quantas vezes já teve Blimunda de limpar o sujo
que ficou agarrado às costas da mão e doutro modo não sairia, são os desastres da guerra,
notas
Item obrigatório
1. Compare, com base em dois aspetos distintos, o modo como Marcenda e Baltasar reagem à impossibilidade
de usarem a mão esquerda.
Item obrigatório
2. A forma como pai e filha são tratados no hotel permite concluir que são clientes habituais.
Apresente duas evidências que comprovem esta afirmação.
3. Explique em que medida se pode afirmar que as expressões «Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu
serás Sete-Luas porque vês às escuras» e «Lua onde estás, Sol aonde vais» (parte final do excerto de
Memorial do Convento) evidenciam a relação que, no excerto, se estabelece entre Baltasar e Blimunda.
parte B
notas
Item obrigatório
4. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético reage à figura feminina
evocada no poema. Fundamente a sua resposta com transcrições pertinentes.
c) O sujeito poético arrepende-se de desejar algo cujo preço elevado o impede de saldar a dívida.
d) O poema ilustra o estilo engenhoso do poeta, nomeadamente no último terceto, quando recorre à
antítese e ao paralelismo alcançado através do jogo de palavras.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e as duas letras que correspondem às afirmações
selecionadas.
6. S
elecione a opção que completa corretamente a frase seguinte.
a) a sua entrega incondicional, a fim de ser merecedor de admirar a beleza singular dos olhos da Senhora.
b) o seu descontentamento por ter de pagar o «preço honesto» exigido a quem contempla a Senhora.
c) o contraste entre o preço a pagar para contemplar a Senhora e a bem-aventurança que alcança.
d) a ideia de que, ao dar a vida e a alma para ser merecedor da beleza da Senhora, se iguala aos outros.
Leia a cantiga de amor a seguir transcrita, tendo em vista o estabelecimento de uma comparação com o
soneto camoniano apresentado na Parte B desta prova.
notaS
(1) amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for – mostrai-ma, Deus, se vos agradar.
(2) dade-mi – dai-me.
(3) lume – luz.
(4) fazede-mi-a veer – fazei-me vê-la.
(5) mi a fezestes mais ca mim amar – fizeste com que eu a amasse mais do que a mim próprio.
(6) u – onde.
Item obrigatório
7. Escreva uma breve exposição na qual compare os poemas das partes B e C quanto às ideias expressas.
• uma introdução;
• um desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que os poemas se aproximam e um aspeto em que
os poemas se distinguem;
Leia o texto.
Olhar o céu numa noite escura, longe de cidades e regiões densamente povoadas, revela
um manto escuro densamente estrelado ao qual é difícil ficar indiferente (até um robô deve ficar
fascinado). Um espetáculo de uma simplicidade profunda, mas que cada vez menos pessoas
têm a oportunidade de ver, pelos mais variados motivos. Sobretudo em Portugal, um dos países
5 do mundo com maior poluição luminosa, que se tem vindo a acentuar cada vez mais.
Nos centros urbanos, e nos subúrbios, é hoje praticamente impossível vermos a nossa
própria casa celeste, a Via Láctea. Isso leva a algo estranho e paradoxal. O progresso por
vezes frenético da ciência e do conhecimento em geral leva-nos hoje à ideia mais nítida de
sempre sobre de onde vimos, como chegámos aqui, e do nosso lugar no Universo. No entanto,
10 nunca tantas e tantos de nós estiveram tão distantes de conseguir olhar e ver o céu na sua
plenitude. O céu, de onde vimos, para onde tudo o que nos compõe acabará por voltar, ainda
que faltem milhares de milhões de anos. Olhar o céu é apontar em direção às nossas origens
cósmicas, mas nunca tantos de nós irão viver sem ver o céu plenamente estrelado durante
tantas noites ao longo das suas vidas. Nunca tantos de nós dirigiram o olhar maioritariamente
15 para baixo. Um olhar focado em pequenos ecrãs que operamos com as nossas mãos e que
nos tornam por vezes cada vez mais isolados. Num mundo que é cada vez mais global, mas
por vezes tão conectadamente desconectado.
A nossa viagem em busca das nossas origens, olhando ou não o céu, parece ter começado
muito, muito cedo. Desde então, descobrimos que não somos nem estamos de todo no centro
20 do mundo, do Universo. O Universo é de tal forma imenso que, em comparação, somos
total e completamente insignificantes, espacial e temporalmente. Somos total e brutalmente
insignificantes.
Surpreendentemente, ainda nos socorremos de argumentos falsos mas convenientes.
Coisas que nos dizem que, afinal, somos mesmo muito importantes. Potencialmente eternos,
25 especiais. O céu, na sua beleza e grandiosidade, mas sobretudo na sua capacidade para
nos manter humildes e individualmente irrelevantes, é ainda a melhor ferramenta para nos
apercebermos do quão ligados estamos. Estamos ligados uns aos outros, ao nosso planeta,
ao sistema solar, à nossa galáxia. Paradoxalmente, olhar o céu e estudar o Universo é uma
das formas mais profundas e eficazes de nos valorizarmos humanamente no contexto da vida
30 na Terra. Um planeta único, belo, frágil. Tudo, sem inflamar demasiado o ego e sem termos a
mania de que somos demasiado bons.
a) que capta uma beleza imensa que, por definição, nem a luz artificial consegue impedir.
b) que está dependente do contexto em que se encontra aquele que observa o céu.
c) cuja plena concretização se torna impossível, qualquer que seja o local de observação.
d) acessível a todos aqueles que se dispõem a olhar o céu das cidades numa noite escura.
a) o ser humano detém um conhecimento cada vez mais aprofundado, todavia não olha o céu, no qual se
encontram respostas para a sua existência.
b) a luz produzida artificialmente é compatível com a observação da Via Láctea, galáxia a que o planeta
Terra pertence, se o ser humano a tal se dispuser.
c) o ser humano constrói um conhecimento cada vez mais amplo sobre as suas origens, o que torna
irrelevante a observação do céu em busca de respostas.
d) o uso de aparelhos tecnológicos permite aceder a um vasto conhecimento sobre o Universo, sem
necessidade de erguer os olhos para ver as estrelas.
Item obrigatório
3. De acordo com o autor do texto, os estudos levados a cabo sobre o Universo permitiram
4. A fim de pôr em destaque a intrínseca e inquebrável relação do homem com o Universo, o autor recorre a
5. O pronome pessoal «nos» desempenha a função sintática de complemento direto em todas as expressões
abaixo apresentadas, exceto em
Item obrigatório
6. Tal como em «que não somos nem estamos de todo no centro do mundo, do Universo» (linhas 19 e 20), está
presente uma oração subordinada substantiva completiva em
7. A única expressão em que estão presentes exemplos dos três tipos de dêixis (temporal, espacial e pessoal) é
a) «leva-nos hoje à ideia mais nítida de sempre sobre de onde vimos, como chegámos aqui» (linhas 8 e 9).
c) «A nossa viagem em busca das nossas origens, olhando ou não o céu, parece ter começado muito,
muito cedo» (linhas 18 e 19).
GRUPO III
«Nunca tantos de nós dirigiram o olhar maioritariamente para baixo. Um olhar focado em pequenos
ecrãs que operamos com as nossas mãos e que nos tornam por vezes cada vez mais isolados. Num
mundo que é cada vez mais global, mas por vezes tão conectadamente desconectado.»
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a posição assumida por David Sobral quanto ao impacto da
tecnologia nas relações humanas.
No seu texto:
−− explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
−− formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
−− utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2023/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
As pontuações obtidas nas respostas aos 10 itens seguintes contribuem obrigatoriamente para a classificação final da
prova.
Grupo I
Item 1. .................................................................................................................. 13 pontos
Grupo II
Item 1. .................................................................................................................. 13 pontos
Grupo III
Item único ............................................................................................................ 44 pontos
Dos restantes 5 itens, contribuem para a classificação final da prova os 3 itens cujas respostas obtenham melhor
pontuação (3 x 13 pontos).
Grupo I
Itens 5. e 6.
Grupo II
Itens 2., 4. e 7.
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
A rapariga1 fica de perfil, o homem está de costas, conversam em voz baixa, mas o tom dela
subiu quando disse, Não, meu pai, sinto-me bem, são portanto pai e filha, conjunção pouco
costumada em hotéis, nestas idades. O criado veio servi-los, sóbrio mas familiar de modos,
depois afastou-se, agora a sala está silenciosa, nem as crianças levantam as vozes, estranho
5 caso, Ricardo Reis não se lembra de as ter ouvido falar, ou são mudas, ou têm os beiços
colados, presos por agrafes invisíveis, absurda lembrança, se estão comendo. A rapariga
magra acabou a sopa, pousa a colher, a sua mão direita vai afagar, como um animalzinho
doméstico, a mão esquerda que descansa no colo. Então Ricardo Reis, surpreendido
pela sua própria descoberta, repara que desde o princípio aquela mão estivera imóvel,
10 recorda-se de que só a mão direita desdobrara o guardanapo, e agora agarra a esquerda e vai
pousá-la sobre a mesa, com muito cuidado, cristal fragilíssimo, e ali a deixa ficar, ao lado
do prato, assistindo à refeição, os longos dedos estendidos, pálidos, ausentes. Ricardo Reis
sente um arrepio, é ele quem o sente, ninguém por si o está sentindo, por fora e por dentro da
pele se arrepia, e olha fascinado a mão paralisada e cega que não sabe aonde há de ir se a
15 não levarem, aqui a apanhar sol, aqui a ouvir a conversa, aqui para que te veja aquele senhor
doutor que veio do Brasil, mãozinha duas vezes esquerda, por estar desse lado e ser canhota,
inábil, inerte, mão morta mão morta que não irás bater àquela porta. Ricardo Reis observa que
os pratos da rapariga vêm já arranjados da copa, limpo de espinhas o peixe, cortada a carne,
descascada e aberta a fruta, é patente que filha e pai são hóspedes conhecidos, costumados
20 na casa, talvez vivam mesmo no hotel.
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis,
10.ª ed., Lisboa, Editorial Caminho, 1993, pp. 26-27.
Nem sempre o trabalho corre bem. Não é verdade que a mão esquerda não faça falta2.
Se Deus pode viver sem ela, é porque é Deus, um homem precisa das duas mãos, uma
mão lava a outra, as duas lavam o rosto, quantas vezes já teve Blimunda de limpar o sujo
que ficou agarrado às costas da mão e doutro modo não sairia, são os desastres da guerra,
25 mínimos estes, porque muitos outros soldados houve que ficaram sem os dois braços, ou as
duas pernas, ou as suas partes de homem, e não têm Blimunda para ajudá-los ou por isso
mesmo a deixaram de ter. É excelente o gancho para travar uma lâmina de ferro ou torcer
um vime, é infalível o espigão para abrir olhais3 no pano de vela, mas as coisas obedecem
mal quando lhes falta a carícia da pele humana, cuidam que se sumiram os homens a quem
30 se habituaram, é o desconcerto do mundo. Por isso, Blimunda vem ajudar, e, chegando ela,
acaba-se a rebelião, Ainda bem que vieste, diz Baltasar, ou sentem-no as coisas, não se sabe
ao certo.
notas
1 a rapariga – referência a Marcenda Sampaio.
2 que
a mão esquerda não faça falta – referência ao facto de Baltasar ter regressado da Guerra da Sucessão Espanhola
sem a mão esquerda, que foi substituída por um gancho e por um espigão.
3 olhais – aberturas ou aros em que entra um espigão.
4
antes de comer o pão de todas as manhãs – referência ao facto de Blimunda possuir poderes extraordinários que lhe
permitem, quando se encontra em jejum, ver «o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra».
5 obra feita – referência à construção da passarola, uma máquina voadora idealizada pelo padre Bartolomeu Lourenço.
1. Compare, com base em dois aspetos distintos, o modo como Marcenda e Baltasar reagem à impossibilidade
de usarem a mão esquerda.
2. A forma como pai e filha são tratados no hotel permite concluir que são clientes habituais.
Apresente duas evidências que comprovem esta afirmação.
3. Explique em que medida se pode afirmar que as expressões «Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu
serás Sete-Luas porque vês às escuras» (linhas 40 e 41) e «Lua onde estás, Sol aonde vais» (linha 44)
evidenciam a relação que, no excerto, se estabelece entre Baltasar e Blimunda.
notas
1 claro e manifesto – de forma clara e incontestável.
2 gesto – rosto.
3 bem-aventurança – grande felicidade.
4. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético reage à figura feminina
evocada no poema. Fundamente a sua resposta com transcrições pertinentes.
(C) O sujeito poético arrepende-se de desejar algo cujo preço elevado o impede de saldar a dívida.
(D) O poema ilustra o estilo engenhoso do poeta, nomeadamente no último terceto, quando recorre à
antítese e ao paralelismo alcançado através do jogo de palavras.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e as duas letras que correspondem às afirmações
selecionadas.
(A) a sua entrega incondicional, a fim de ser merecedor de admirar a beleza singular dos olhos da Senhora.
(B) o seu descontentamento por ter de pagar o «preço honesto» exigido a quem contempla a Senhora.
(C) o contraste entre o preço a pagar para contemplar a Senhora e a bem-aventurança que alcança.
(D) a ideia de que, ao dar a vida e a alma para ser merecedor da beleza da Senhora, se iguala aos outros.
parte C
Leia a cantiga de amor a seguir transcrita, tendo em vista o estabelecimento de uma comparação com o
soneto camoniano apresentado na Parte B desta prova.
notaS
1 amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for – mostrai-ma, Deus, se vos agradar.
2 dade-mi – dai-me.
3 lume – luz.
4 fazede-mi-a veer – fazei-me vê-la.
5 mi a fezestes mais ca mim amar – fizeste com que eu a amasse mais do que a mim próprio.
6 u – onde.
7. Escreva uma breve exposição na qual compare os poemas das partes B e C quanto às ideias expressas.
• uma introdução;
• u
m desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que os poemas se aproximam e um aspeto em que
os poemas se distinguem;
Leia o texto.
Olhar o céu numa noite escura, longe de cidades e regiões densamente povoadas, revela
um manto escuro densamente estrelado ao qual é difícil ficar indiferente (até um robô deve ficar
fascinado). Um espetáculo de uma simplicidade profunda, mas que cada vez menos pessoas
têm a oportunidade de ver, pelos mais variados motivos. Sobretudo em Portugal, um dos países
5 do mundo com maior poluição luminosa, que se tem vindo a acentuar cada vez mais.
Nos centros urbanos, e nos subúrbios, é hoje praticamente impossível vermos a nossa
própria casa celeste, a Via Láctea. Isso leva a algo estranho e paradoxal. O progresso por
vezes frenético da ciência e do conhecimento em geral leva-nos hoje à ideia mais nítida de
sempre sobre de onde vimos, como chegámos aqui, e do nosso lugar no Universo. No entanto,
10 nunca tantas e tantos de nós estiveram tão distantes de conseguir olhar e ver o céu na sua
plenitude. O céu, de onde vimos, para onde tudo o que nos compõe acabará por voltar, ainda
que faltem milhares de milhões de anos. Olhar o céu é apontar em direção às nossas origens
cósmicas, mas nunca tantos de nós irão viver sem ver o céu plenamente estrelado durante
tantas noites ao longo das suas vidas. Nunca tantos de nós dirigiram o olhar maioritariamente
15 para baixo. Um olhar focado em pequenos ecrãs que operamos com as nossas mãos e que
nos tornam por vezes cada vez mais isolados. Num mundo que é cada vez mais global, mas
por vezes tão conectadamente desconectado.
A nossa viagem em busca das nossas origens, olhando ou não o céu, parece ter começado
muito, muito cedo. Desde então, descobrimos que não somos nem estamos de todo no centro
20 do mundo, do Universo. O Universo é de tal forma imenso que, em comparação, somos
total e completamente insignificantes, espacial e temporalmente. Somos total e brutalmente
insignificantes.
Surpreendentemente, ainda nos socorremos de argumentos falsos mas convenientes.
Coisas que nos dizem que, afinal, somos mesmo muito importantes. Potencialmente eternos,
25 especiais. O céu, na sua beleza e grandiosidade, mas sobretudo na sua capacidade para
nos manter humildes e individualmente irrelevantes, é ainda a melhor ferramenta para nos
apercebermos do quão ligados estamos. Estamos ligados uns aos outros, ao nosso planeta,
ao sistema solar, à nossa galáxia. Paradoxalmente, olhar o céu e estudar o Universo é uma
das formas mais profundas e eficazes de nos valorizarmos humanamente no contexto da vida
30 na Terra. Um planeta único, belo, frágil. Tudo, sem inflamar demasiado o ego e sem termos a
mania de que somos demasiado bons.
David Sobral, Qual É o Nosso Lugar no Universo?, Lisboa, Planeta, 2022, pp. 21-22.
(A) que capta uma beleza imensa que, por definição, nem a luz artificial consegue impedir.
(B) que está dependente do contexto em que se encontra aquele que observa o céu.
(C) cuja plena concretização se torna impossível, qualquer que seja o local de observação.
(D) acessível a todos aqueles que se dispõem a olhar o céu das cidades numa noite escura.
(A) o ser humano detém um conhecimento cada vez mais aprofundado, todavia não olha o céu, no qual
se encontram respostas para a sua existência.
(B) a luz produzida artificialmente é compatível com a observação da Via Láctea, galáxia a que o planeta
Terra pertence, se o ser humano a tal se dispuser.
(C) o ser humano constrói um conhecimento cada vez mais amplo sobre as suas origens, o que torna
irrelevante a observação do céu em busca de respostas.
(D) o uso de aparelhos tecnológicos permite aceder a um vasto conhecimento sobre o Universo, sem
necessidade de erguer os olhos para ver as estrelas.
3. De acordo com o autor do texto, os estudos levados a cabo sobre o Universo permitiram
(A) trazer a esperança de que os seres humanos possam vir a tornar-se eternos.
4. A fim de pôr em destaque a intrínseca e inquebrável relação do homem com o Universo, o autor recorre a
(D) uma hipérbole, presente em «nossa própria casa celeste» (linhas 6 e 7).
5. O pronome pessoal «nos» desempenha a função sintática de complemento direto em todas as expressões
abaixo apresentadas, exceto em
(A) «nos compõe» (linha 11). (B) «nos tornam» (linha 16).
(C) «nos manter» (linha 26). (D) «nos dizem» (linha 24).
6. Tal como em «que não somos nem estamos de todo no centro do mundo, do Universo» (linhas 19 e 20), está
presente uma oração subordinada substantiva completiva em
7. A única expressão em que estão presentes exemplos dos três tipos de dêixis (temporal, espacial e pessoal) é
(A) «leva-nos hoje à ideia mais nítida de sempre sobre de onde vimos, como chegámos aqui» (linhas 8 e 9).
(B) «Olhar o céu é apontar em direção às nossas origens cósmicas» (linhas 12 e 13).
(C) «A nossa viagem em busca das nossas origens, olhando ou não o céu, parece ter começado muito,
muito cedo» (linhas 18 e 19).
«Nunca tantos de nós dirigiram o olhar maioritariamente para baixo. Um olhar focado em pequenos
ecrãs que operamos com as nossas mãos e que nos tornam por vezes cada vez mais isolados. Num
mundo que é cada vez mais global, mas por vezes tão conectadamente desconectado.»
David Sobral, Qual É o Nosso Lugar no Universo?, Lisboa, Planeta, 2022, p. 21.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a posição assumida por David Sobral quanto ao impacto da
tecnologia nas relações humanas.
No seu texto:
−− explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
−− formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
−− utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2023/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
ABDICAÇÃO
2. Relacione o sentido dos dois últimos versos do poema com a apóstrofe à «noite», presente nos versos
1 e 2.
(A) Embora Fernando Pessoa seja um poeta modernista, em «Abdicação» são revelados traços de
egotismo, que associamos ao Romantismo.
(B) Ao longo do poema, o sujeito poético evidencia o desejo de evasão no tempo para a época medieval.
(C) No primeiro terceto, são convocadas sensações auditivas e táteis para realçar as ideias transmitidas.
(D) O sujeito lírico, ao assumir os seus atos, expõe dúvidas existenciais relativamente às suas decisões.
(E) Ainda que escrito num tempo em que se valoriza a liberdade formal, o poema apresenta a estrutura
clássica de soneto, com versos decassilábicos e com o esquema rimático abba/abba/ccd/eed.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e as duas letras que correspondem às afirmações
selecionadas.
Este excerto, extraído do Sermão de Sto. António (aos peixes), integra-se no capítulo III, no qual Vieira
elogia os peixes em geral, constituindo a parte final do elogio ao Santo Peixe de Tobias.
Abria S. António a boca contra os Hereges, e enviava-se a eles1, levado do fervor e zelo da
Fé e glória divina. E eles que faziam? Gritavam como Tobias2 e assombravam-se com aquele
homem e cuidavam que os queria comer. Ah homens, se houvesse um Anjo que revelasse
qual é o coração desse homem e esse fel que tanto vos amarga, quão proveitoso e quão
5 necessário vos é! Se vós lhe abrísseis esse peito e lhe vísseis as entranhas, como é certo
que havíeis de achar e conhecer claramente nelas que só duas cousas pretende de vós,
e convosco: uma é alumiar e curar vossas cegueiras, e outra lançar-vos os Demónios fora
de casa. Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos Demónios,
perseguis vós?! Só uma diferença havia entre S. António e aquele Peixe3: que o Peixe abriu
10 a boca contra quem se lavava, e S. António abria a sua contra os que se não queriam lavar.
Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas
entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a
vós, prego aos peixes.
Padre António Vieira, Sermão de Sto. António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima,
edição de Margarida Vieira Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1978, pp. 77-78.
notaS
1 enviava-se a eles – investia contra eles.
2 Tobias – personagem bíblica que gritou quando um peixe com poderes curativos investiu contra ele nas margens de
um rio.
3 aquele Peixe – referência ao Santo Peixe de Tobias, cujo fel curou a cegueira do pai de Tobias e cujo coração, ao ser
queimado, expulsou os demónios de sua casa.
4. Explique as relações estabelecidas, por um lado, entre Santo António e o peixe mencionado no excerto e,
por outro lado, entre os «Hereges» (linha 1) e os homens interpelados na linha 3.
5. Justifique o sentimento evidenciado pelo pregador no final do excerto, bem como o recurso à ironia (linhas
11 a 13).
Neste excerto, a estratégia argumentativa usada pelo pregador para cumprir os objetivos da eloquência
(«docere», «delectare» e «movere») desenvolve-se através de recursos variados, nomeadamente
(A) a interpelação a Tobias, a citação de obras clássicas e o uso de recursos como as interrogações
retóricas e as gradações.
(B) o jogo com o valor polissémico de algumas palavras e o uso de recursos como as interrogações
retóricas e as interjeições.
(C) a reprodução de provérbios, a interpelação a Tobias e o jogo com o valor polissémico de algumas
palavras.
7. Eça de Queirós revela nos seus romances um agudo olhar crítico sobre a sociedade do seu tempo.
Escreva uma breve exposição na qual explicite dois aspetos que são objeto de crítica social em Os Maias
ou em A Ilustre Casa de Ramires.
As bibliotecas não são, nem nunca serão, usadas por toda a gente. Na Mesopotâmia como
na Grécia, em Buenos Aires como em Toronto, os leitores e os não-leitores existiram lado a
lado, e os não-leitores sempre constituíram a maioria. Fosse nos scriptoria1 exclusivos da
Suméria e da Europa medieval, na popular Londres do século XVIII ou na Paris populista
5 do século XXI, aqueles para quem ler livros é essencial são muito poucos. O que varia é
não as proporções desses dois grupos da humanidade, mas a maneira como as diferentes
sociedades encaram o livro e a arte de ler. E aqui a distinção entre o livro entronizado2 e o livro
lido entra novamente em jogo.
Se um visitante do passado chegasse hoje às nossas cidades civilizadas, um dos aspetos
10 que surpreenderiam esse Gulliver3 antigo seria certamente os nossos hábitos de leitura.
Que veria ele? Veria enormes templos comerciais em que os livros se vendem aos milhares,
edifícios imensos em que a palavra publicada é dividida e organizada em categorias primorosas
para consumo orientado dos fiéis. Veria bibliotecas com leitores a deambular pelas estantes,
como fazem há séculos. Vê-los-ia explorar as coleções virtuais em que alguns desses livros
15 se converteram, levando agora uma existência frágil de fantasmas eletrónicos. O viajante
do tempo também encontraria uma série de leitores ao ar livre: em bancos de jardim, no
metro, nos autocarros, comboios e aviões, em apartamentos e casas, por todo o lado. Não o
censuraríamos se o nosso visitante presumisse que a nossa sociedade era letrada.
Pelo contrário. A nossa sociedade olha para o livro como um dado adquirido, mas o ato de
20 ler – outrora considerado útil e importante, assim como potencialmente perigoso e subversivo – é
agora condescendentemente aceite como passatempo, um passatempo vagaroso desprovido
de eficiência e que não contribui para o bem comum. Como o nosso visitante acabaria por
perceber, na nossa sociedade a leitura não é senão um ato acessório, e o grande repositório
da nossa memória e experiência, a biblioteca, é considerado mais um armazém inconveniente
25 do que uma entidade viva.
Durante as revoltas estudantis que abalaram o mundo no final da década de 1960, uma das
palavras de ordem gritadas aos docentes na Universidade de Heidelberg foi «Hier wird nicht
zitiert!», «Aqui não há citações!». Os alunos exigiam pensamento original; esqueciam-se de
que citar é continuar uma conversa do passado para dar contexto ao presente. Citar é fazer
30 uso da Biblioteca de Babel4; citar é refletir sobre o que já foi dito e, se não citarmos, falamos
num vácuo em que nenhuma voz humana produz som.
Alberto Manguel, A Biblioteca à Noite, Lisboa, Tinta-da-China, 2020, pp. 193-194.
notas
1 scriptoria – n
ome dado às salas onde os escribas se dedicavam à escrita, à cópia e à iluminação de manuscritos.
2 entronizado – que se coloca em posição de destaque.
3 Gulliver – protagonista do livro As Viagens de Gulliver, da autoria de Jonathan Swift, famoso pelas suas viagens
imaginárias, nomeadamente à terra das pessoas minúsculas e à terra dos gigantes.
4 Biblioteca de Babel – designação associada à idealização de uma biblioteca que contém todos os livros do mundo,
representando um repositório de todo o conhecimento.
1. No parágrafo inicial do texto, o autor apresenta uma tese que retomará no terceiro parágrafo e que consiste
em considerar que, relativamente à leitura,
(A) há, hoje, menos leitores do que houve no passado, seja este mais remoto seja mais recente.
(B) aquilo que mudou foi a função transformadora do livro e o que o leitor nele procura.
(C) as bibliotecas, em qualquer lugar e em qualquer tempo, são valorizadas como armazéns de saber.
(D) os leitores buscam, como sempre o fizeram, um deleite propiciador de um tempo de lazer.
3. No segundo parágrafo do texto, através do recurso à figura de Gulliver e ao uso da interrogação retórica,
o autor pretende
(A) retomar uma ideia anteriormente referida sobre a importância da disseminação do livro e da leitura.
(B) reforçar a ideia de que as bibliotecas e os livros aí existentes estão ao serviço de um bem comum.
(C) explicitar a ideia de que, atualmente, a disseminação do livro não torna os leitores mais proficientes.
(D) estabelecer um contraste entre o que foi a realidade do passado e o que é a realidade do presente.
4. O autor evoca as revoltas estudantis no final da década de 1960 para confirmar a sua tese de que é
importante
(A) o elogio do novo e do moderno em detrimento do antigo, para promover o espírito crítico.
(B) o diálogo entre o passado e o presente, propiciador da reflexão na qual o ser humano se revê.
(C) promover a leitura lúdica que, ainda assim, pode contribuir para conservar a memória do passado.
(D) estimular o pensamento original e único, fruto da constante evolução das ideias e do progresso.
5. No segundo parágrafo, o autor recorre predominantemente a formas verbais no modo condicional para
(C) exprimir a dúvida sobre ações que acontecerão mediante certas condições.
6. No contexto em que ocorrem, «repositório» (linha 23) e «biblioteca» (linha 24) contribuem para a coesão
lexical por substituição, tal como acontece na relação estabelecida entre as expressões
7. O único caso em que a expressão iniciada por «para» desempenha a função sintática de complemento
oblíquo é o da expressão
(A) «para o livro» (linha 19). (B) «para consumo orientado dos fiéis» (linha 13).
(C) «para quem ler livros é essencial» (linha 5). (D) «para dar contexto ao presente» (linha 29).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2023/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
ABDICAÇÃO
Item obrigatório
2. Relacione o sentido dos dois últimos versos do poema com a apóstrofe à «noite», presente em «Toma-me,
ó noite eterna, nos teus braços / E chama-me teu filho.» (versos 1 e 2).
a) Embora Fernando Pessoa seja um poeta modernista, em «Abdicação» são revelados traços de
egotismo, que associamos ao Romantismo.
b) Ao longo do poema, o sujeito poético evidencia o desejo de evasão no tempo para a época medieval.
c) No primeiro terceto, são convocadas sensações auditivas e táteis para realçar as ideias transmitidas.
d) O sujeito lírico, ao assumir os seus atos, expõe dúvidas existenciais relativamente às suas decisões.
e) Ainda que escrito num tempo em que se valoriza a liberdade formal, o poema apresenta a estrutura
clássica de soneto, com versos decassilábicos e com o esquema rimático abba/abba/ccd/eed.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e as duas letras que correspondem às afirmações
selecionadas.
Contextualização
Este excerto, extraído do Sermão de Sto. António (aos peixes), integra-se no capítulo III, no qual Vieira
elogia os peixes em geral, constituindo a parte final do elogio ao Santo Peixe de Tobias.
Abria S. António a boca contra os Hereges, e enviava-se a eles (1), levado do fervor e zelo da
Fé e glória divina. E eles que faziam? Gritavam como Tobias (2) e assombravam-se com aquele
homem e cuidavam que os queria comer. Ah homens, se houvesse um Anjo que revelasse
qual é o coração desse homem e esse fel que tanto vos amarga, quão proveitoso e quão
5 necessário vos é! Se vós lhe abrísseis esse peito e lhe vísseis as entranhas, como é certo
que havíeis de achar e conhecer claramente nelas que só duas cousas pretende de vós,
e convosco: uma é alumiar e curar vossas cegueiras, e outra lançar-vos os Demónios fora
de casa. Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos Demónios,
perseguis vós?! Só uma diferença havia entre S. António e aquele Peixe (3): que o Peixe abriu
10 a boca contra quem se lavava, e S. António abria a sua contra os que se não queriam lavar.
Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas
entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a
vós, prego aos peixes.
Padre António Vieira, Sermão de Sto. António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima.
notaS
(1) enviava-se a eles – investia contra eles.
(2) Tobias – personagem bíblica que gritou quando um peixe com poderes curativos investiu contra ele nas margens de
um rio.
(3) aquele Peixe – referência ao Santo Peixe de Tobias, cujo fel curou a cegueira do pai de Tobias e cujo coração, ao ser
queimado, expulsou os demónios de sua casa.
Item obrigatório
4. Explique as relações estabelecidas, por um lado, entre Santo António e o peixe mencionado no excerto e,
por outro lado, entre os «Hereges» (linha 1) e os homens interpelados na linha 3.
5. Justifique o sentimento evidenciado pelo pregador no final do excerto, bem como o recurso à ironia (linhas
11 a 13).
Neste excerto, a estratégia argumentativa usada pelo pregador para cumprir os objetivos da eloquência
(«docere», «delectare» e «movere») desenvolve-se através de recursos variados, nomeadamente
b) o jogo com o valor polissémico de algumas palavras e o uso de recursos como as interrogações
retóricas e as interjeições.
parte C
Item obrigatório
7. Eça de Queirós revela nos seus romances um agudo olhar crítico sobre a sociedade do seu tempo.
Escreva uma breve exposição na qual explicite dois aspetos que são objeto de crítica social em Os Maias
ou em A Ilustre Casa de Ramires.
• um desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que são objeto de crítica na obra selecionada,
fundamentando cada um desses aspetos em, pelo menos, um exemplo significativo;
As bibliotecas não são, nem nunca serão, usadas por toda a gente. Na Mesopotâmia como
na Grécia, em Buenos Aires como em Toronto, os leitores e os não-leitores existiram lado a
lado, e os não-leitores sempre constituíram a maioria. Fosse nos scriptoria (1) exclusivos da
Suméria e da Europa medieval, na popular Londres do século XVIII ou na Paris populista
5 do século XXI, aqueles para quem ler livros é essencial são muito poucos. O que varia é
não as proporções desses dois grupos da humanidade, mas a maneira como as diferentes
sociedades encaram o livro e a arte de ler. E aqui a distinção entre o livro entronizado (2) e o livro
lido entra novamente em jogo.
Se um visitante do passado chegasse hoje às nossas cidades civilizadas, um dos aspetos
10 que surpreenderiam esse Gulliver (3) antigo seria certamente os nossos hábitos de leitura.
Que veria ele? Veria enormes templos comerciais em que os livros se vendem aos milhares,
edifícios imensos em que a palavra publicada é dividida e organizada em categorias primorosas
para consumo orientado dos fiéis. Veria bibliotecas com leitores a deambular pelas estantes,
como fazem há séculos. Vê-los-ia explorar as coleções virtuais em que alguns desses livros
15 se converteram, levando agora uma existência frágil de fantasmas eletrónicos. O viajante
do tempo também encontraria uma série de leitores ao ar livre: em bancos de jardim, no
metro, nos autocarros, comboios e aviões, em apartamentos e casas, por todo o lado. Não o
censuraríamos se o nosso visitante presumisse que a nossa sociedade era letrada.
Pelo contrário. A nossa sociedade olha para o livro como um dado adquirido, mas o ato de
20 ler – outrora considerado útil e importante, assim como potencialmente perigoso e subversivo – é
agora condescendentemente aceite como passatempo, um passatempo vagaroso desprovido
de eficiência e que não contribui para o bem comum. Como o nosso visitante acabaria por
perceber, na nossa sociedade a leitura não é senão um ato acessório, e o grande repositório
da nossa memória e experiência, a biblioteca, é considerado mais um armazém inconveniente
25 do que uma entidade viva.
Durante as revoltas estudantis que abalaram o mundo no final da década de 1960, uma das
palavras de ordem gritadas aos docentes na Universidade de Heidelberg foi «Hier wird nicht
zitiert!», «Aqui não há citações!». Os alunos exigiam pensamento original; esqueciam-se de
que citar é continuar uma conversa do passado para dar contexto ao presente. Citar é fazer
30 uso da Biblioteca de Babel (4); citar é refletir sobre o que já foi dito e, se não citarmos, falamos
num vácuo em que nenhuma voz humana produz som.
(1) scriptoria – n
ome dado às salas onde os escribas se dedicavam à escrita, à cópia e à iluminação de manuscritos.
(2) entronizado – que se coloca em posição de destaque.
(3) Gulliver – protagonista do livro As Viagens de Gulliver, da autoria de Jonathan Swift, famoso pelas suas viagens
imaginárias, nomeadamente à terra das pessoas minúsculas e à terra dos gigantes.
(4) Biblioteca de Babel – designação associada à idealização de uma biblioteca que contém todos os livros do mundo,
representando um repositório de todo o conhecimento.
Item obrigatório
1. No parágrafo inicial do texto, o autor apresenta uma tese que retomará no terceiro parágrafo e que consiste
em considerar que, relativamente à leitura,
a) há, hoje, menos leitores do que houve no passado, seja este mais remoto seja mais recente.
b) aquilo que mudou foi a função transformadora do livro e o que o leitor nele procura.
c) as bibliotecas, em qualquer lugar e em qualquer tempo, são valorizadas como armazéns de saber.
2. Ao caracterizar os hábitos de leitura das «nossas cidades civilizadas» (linha 9), o autor adota
3. No segundo parágrafo do texto, através do recurso à figura de Gulliver e ao uso da interrogação retórica,
o autor pretende
a) retomar uma ideia anteriormente referida sobre a importância da disseminação do livro e da leitura.
b) reforçar a ideia de que as bibliotecas e os livros aí existentes estão ao serviço de um bem comum.
c) explicitar a ideia de que, atualmente, a disseminação do livro não torna os leitores mais proficientes.
d) estabelecer um contraste entre o que foi a realidade do passado e o que é a realidade do presente.
4. O autor evoca as revoltas estudantis no final da década de 1960 para confirmar a sua tese de que é
importante
b) o diálogo entre o passado e o presente, propiciador da reflexão na qual o ser humano se revê.
c) promover a leitura lúdica que, ainda assim, pode contribuir para conservar a memória do passado.
d) estimular o pensamento original e único, fruto da constante evolução das ideias e do progresso.
5. No segundo parágrafo, o autor recorre predominantemente a formas verbais no modo condicional para
Item obrigatório
6. No contexto em que ocorrem, «repositório» (linha 23) e «biblioteca» (linha 24) contribuem para a coesão
lexical por substituição, tal como acontece na relação estabelecida entre as expressões
Item obrigatório
7. O único caso em que a expressão iniciada por «para» desempenha a função sintática de complemento
oblíquo é o da expressão
Se para uns as versões digitais de livros substituem plenamente as versões físicas, para outros as obras
em papel continuam a ser imprescindíveis.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a problemática apresentada.
No seu texto:
−− explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
−− formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
−− utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2023/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
As pontuações obtidas nas respostas aos 10 itens seguintes contribuem obrigatoriamente para a classificação final da
prova.
Grupo I
Item 1. .................................................................................................................. 13 pontos
Grupo II
Item 1. .................................................................................................................. 13 pontos
Grupo III
Item único ............................................................................................................ 44 pontos
Dos restantes 5 itens, contribuem para a classificação final da prova os 3 itens cujas respostas obtenham melhor
pontuação (3 x 13 pontos).
Grupo I
Itens 3. e 6.
Grupo II
Itens 2., 3. e 5.
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia o poema.
D. Sebastião
Explicite o apelo feito na primeira estrofe e, com base nesse apelo, infira os sentimentos desse «eu» e
desse «vós».
2. Evidencie a presença do herói histórico e a presença do herói mítico na segunda estrofe do poema,
fundamentando a resposta com a referência a um elemento textual para cada um dos tipos de herói.
Na primeira estrofe, o uso do vocábulo «intervalo» remete para um antes e um depois, correspondendo a
um tempo
Explicite o modo como se desenvolve a estratégia argumentativa usada pelo poeta nessa estância para
incitar o rei D. Sebastião à ação gloriosa.
5. Nas estâncias 16 e 17, o poeta confere ao rei D. Sebastião uma dimensão excecional.
Comprove esta afirmação, recorrendo a dois exemplos pertinentes mencionados nessas estâncias.
A par do louvor aos feitos dos navegadores cantados n’Os Lusíadas, na estância 18, está subjacente
(C) o reconhecimento pelo rei da força guerreira dos povos que há de dominar.
(D) o elogio que o rei tece ao valor artístico dos versos escritos pelo poeta.
parte C
7. Baseando-se na sua experiência de leitura de Mensagem, de Fernando Pessoa, e de Frei Luís de Sousa,
de Almeida Garrett, escreva uma breve exposição sobre o modo como o sebastianismo emerge em cada
uma das obras.
• u
m desenvolvimento no qual compare as duas obras, referindo uma manifestação significativa do
sebastianismo em cada uma delas;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
notas
1 códices – livros manuscritos, organizados em cadernos cosidos e encadernados.
2 alvarmente – estupidamente; grosseiramente.
3 se altaneiram – se elevam orgulhosamente.
4 exegeses – análises, interpretações ou explicações detalhadas de uma obra ou de um texto.
5 veleira – ligeira.
6 vezo – vício; costume.
(C) caricaturar a inibição que o saber dos especialistas provoca no leitor entusiasta.
2. No segundo parágrafo, o recurso às expressões «Não», «Nem tampouco» e «Nem sequer» contribui para
a coesão interfrásica, exprimindo uma ideia de
(A) oposição.
(B) concessão.
(C) adição.
(D) conclusão.
(A) introduz novos eventos, como a ida à Biblioteca Nacional ou à Torre do Tombo.
(C) a segurança que advém da ideia de que «só sei que nada sei».
(A) condescendente.
(B) formal.
(C) pessimista.
(D) irónico.
(A) «É uma boa pergunta, com que me confronto repetidamente.» (linhas 32 e 33).
(D) «A personagem não pode deixar de saber que eles lá estão.» (linha 24).
GRUPO III
Para muitas pessoas, o heroísmo exige percorrer um caminho árduo, que implica renúncia e sofrimento.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a conceção de heroísmo apresentada.
No seu texto:
−− explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
−− formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
−− utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2022/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia o texto.
Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de
família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o
marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar
muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, toda a
5 gente gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, colecionar colheres
do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar
de pintura abstrata, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um
belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua
10 caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstrata.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e
constante. Pode dizer-se que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve
que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
15 A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor
é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas
a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à
santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, «qualquer
20 distração pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma distração. Todos os seus
vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de
precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como
um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por
isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.
25 Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de
capital. A comida é ótima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica
nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao
serviço da estupidez. Ou, mais exatamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros.
Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e
30 grande.
Sophia de Mello Breyner Andresen, «Retrato de Mónica», in Contos Exemplares, Porto, Porto Editora, 2013, pp. 105-106.
Com a expressão «qualquer distração pode causar a morte do artista» (linhas 19 e 20), o narrador pretende
evidenciar que a perfeição perseguida por Mónica a obriga a uma
3. «Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exatamente: a sua inteligência é feita da
estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio.» (linhas 27 a 29).
Vaidosa
notaS
1 fátuas – vaidades.
2 figurino– modelo; exemplo de moda.
3 alabastrino – de alabastro, mármore branco e translúcido.
4 martirológio – narrativa do martírio dos mártires e santos.
5 messes – searas maduras.
4. Refira dois efeitos de sentido provocados pela utilização de verbos na terceira pessoa do plural
(versos 1, 5, 9, 11, 13 e 15) na construção do retrato da figura feminina.
5. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético perspetiva a relação que
se estabelece entre si e a mulher representada no poema.
A mulher «fatal» (v. 10) descrita no poema é caracterizada como insensível e cruel, ao ser associada,
respetivamente, a expressões como
(A) «imperatriz das fátuas» (v. 9) e «modo altivo e sério» (v. 5).
parte C
7. Baseando-se na leitura dos textos apresentados nas Partes A e B desta prova, escreva uma breve
exposição na qual compare as duas figuras femininas neles retratadas.
• u
m desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que as figuras femininas se aproximam e um outro
em que se distinguem;
Leia o texto.
A experiência mostrou-nos que, regra geral, não são apenas os juízos estéticos e éticos
que diferem de uma cultura para outra mas também os juízos de verdade e, por vezes, a
própria noção de verdade. […]
Esta consciência da relatividade dos sistemas de valores e da contingência dos juízos
5 influencia hoje numerosos estudos históricos e culturais. Ela ajuda-nos a libertarmo-nos um
pouco do nosso provincialismo natural. Permite igualmente retificar a nossa visão deturpada
pelo imperialismo europeu de que somos filhos e que nos leva a crer que o ponto de vista
ocidental é o único razoável. Ajuda-nos a compreender que aquilo que é verdadeiro, belo
e justo para nós não o é forçosamente para os outros. Se a própria ciência não consegue
10 dar‑nos certezas, seríamos completamente obtusos se tomássemos por ouro puro aquilo que
somos os únicos a acreditar ser verdadeiro.
Saudável e importante, essa consciência do outro é, no entanto, por vezes, caricaturada
numa relativização completa de todos os valores: a conclusão de que todas as opiniões
são igualmente verdadeiras; que todos os juízos éticos e morais devem ser considerados
15 equivalentes; que falar de certo e de errado, ou falar de «verdade», não tem qualquer sentido.
[…] Este relativismo caricatural é a consequência de um equívoco profundo.
Levar a sério ideias diferentes das nossas não equivale a afirmar que todas as ideias são
iguais. Reconhecer que podemos estar errados não significa que as noções de certo e de
errado não façam sentido. Percebermos que um juízo não se forma senão no seio de um
20 complexo ambiente cultural, e que está ligado a muitos outros juízos implícitos, não significa,
de modo algum, que não possamos perceber que estamos errados.
Aprofundando um pouco mais, o problema principal deste relativismo cultural radical é que
ele se contradiz a si mesmo. É certo que não existem valores de verdade absolutos, a-históricos
e aculturais. Nenhum discurso está fora da sua cultura e dos seus sistemas de valores e de
25 verdade. Mas, precisamente por isso, estamos sempre dentro de um sistema cultural, e, dentro
desse sistema, não podemos prescindir de escolhas e de juízos. […]
Não poderia ser de outra forma, porque pensar é julgar. Viver é decidir, a cada momento.
Não existe noção de verdade fora do nosso universo de discurso, e é precisamente por isso
que nós não podemos senão permanecer dentro de um sistema e não podemos prescindir
30 da noção de verdade. Pensamos e falamos sempre e unicamente em termos dessa noção,
mesmo quando tentamos negá-la.
Por outro lado, isso não implica que devamos assumir que os nossos critérios estéticos,
éticos e de verdade são absolutos e universais, ou que são os melhores. E isso não implica que
devamos preferi-los às variantes que as outras culturas, ou que a própria natureza, ou que a
35 evolução interna do nosso pensamento nos propõem. Porquê? Porque é um aspeto estrutural
do nosso universo linguístico estar aberto ao encontro com outros universos linguísticos. As
diferentes culturas não são bolhas separadas, são vasos comunicantes.
Carlo Rovelli, Anaximandro de Mileto ou o Nascimento do Pensamento Científico,
tradução de Jorge Melícias, Lisboa, Edições 70, 2021, pp. 129-131.
(C) o contacto com outros quadros de referência ameaça a especificidade de cada cultura.
(D) os juízos de valor que cada indivíduo produz resultam da imersão na sua cultura.
5. Todas as expressões abaixo transcritas ilustram a coesão gramatical referencial, exceto a expressão
6. A expressão «de verdade» (linha 2) e a expressão «de “verdade”» (linha 15) desempenham a função sintática
7. Na frase «Reconhecer que podemos estar errados não significa que as noções de certo e de errado não
façam sentido.» (linhas 18 e 19), a palavra «que» introduz
(B) uma oração subordinada adjetiva relativa, no primeiro caso, e uma oração subordinada substantiva
completiva, no segundo caso.
(D) uma oração subordinada substantiva completiva, no primeiro caso, e uma oração subordinada adjetiva
relativa, no segundo caso.
Ao longo da vida, o ser humano é sistematicamente confrontado com a necessidade de tomar decisões,
exercendo o direito de as tomar livremente.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
−− explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
−− formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;
−− utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
1. P
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2022/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia o poema.
5 Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo.
1. Relacione as comparações presentes nos dois primeiros versos com o sentido do quarto verso.
Leia os dois textos e as notas. Na resposta aos itens de 4. a 6., tenha em consideração ambos os textos.
O oficial era moço, talvez não tinha trinta anos; posto que o trato das armas, o rigor das
estações, e o selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto, acentuassem já mais
fortemente, em feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a juventude.
A sua estatura era mediana, o corpo delgado, mas o peito largo e forte como precisa
5 um coração de homem para pulsar livre; seu porte gentil e decidido de homem de guerra
desenhava-se perfeitamente sob o espesso e largo sobretudo militar – espécie de great-coat1
inglês que a imitação das modas britânicas tinha tornado familiar nos nossos bivaques2. Trazia-o
desabotoado e descaído para trás, porque a noite não era fria; e via-se por baixo elegantemente
cingida ao corpo a fardeta parda dos caçadores, realçada de seus característicos alamares3
10 pretos e avivada de encarnado...
Uniforme tão militar, tão nacional, tão caro a nossas recordações – que essas gentes,
prostituidoras de quanto havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram4 do
exército... por muito português de mais talvez! deram-lhe baixa para os beleguins5 da alfândega,
reformaram-no em uniforme da bicha6!
15 Não pude resistir a esta reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela
o meu retrato.
Mas quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras, sou como aqueles
pintores da Idade Média que entrelaçavam nos seus painéis dísticos de sentenças, fitas
lavradas de moralidades e conceitos... talvez porque não sabiam dar aos gestos e atitudes
20 expressão bastante para dizer por eles o que assim escreviam, e servia a pena de suplemento
e ilustração ao pincel... Talvez: e talvez pelo mesmo motivo caio eu no mesmo defeito...
Será; mas em mim é irremediável, não sei pintar de outro modo.
Voltemos ao nosso retrato.
Os olhos pardos e não muito grandes, mas de uma luz e viveza imensa, denunciavam o
25 talento, a mobilidade do espírito – talvez a irreflexão... mas também a nobre singeleza de um
carácter franco, leal e generoso, fácil na ira, fácil no perdão, incapaz de se ofender de leve,
mas impossível de esquecer uma injúria verdadeira.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, 2.ª ed., Lisboa, Portugália, 1963, pp. 148-149.
– Meu pai! Não meta este senhor em maiores trabalhos! – disse Mariana.
– Não tem dúvida, menina – atalhou Simão; – eu é que não quero meter ninguém em
30 trabalhos. Com a minha desgraça, por maior que ela seja, hei de eu lutar sozinho.
João da Cruz, assumindo uma gravidade de que a sua figura raras vezes se enobrecia,
disse:
– Senhor Simão, Vossa Senhoria não sabe nada do mundo. Não meta sozinho a cabeça
aos trabalhos, que eles, como o outro que diz, quando pegam de ensarilhar um homem, não
35 lhe deixam tomar fôlego. Eu sou um rústico; mas, a bem dizer, estou naquela daquele que dizia
que o mal dos seus burrinhos o fizera alveitar7. Paixões, que as leve o diabo, e mais quem
com elas engorda. Por causa de uma mulher, ainda que ela seja filha do rei, não se há de
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, edição de Aníbal Pinto de Castro, Porto, Caixotim, 2006, pp. 194-195.
notaS
1 great-coat – espécie de sobretudo; casaco comprido.
2 bivaques –m odalidade de estacionamento de tropas em que estas se alojam em tendas de campanha ou abrigos
improvisados.
3 alamares – cordões metálicos que guarnecem, pela frente, uma peça de vestuário, de um lado ao outro da abotoadura.
4 proscreveram – baniram; afastaram.
5 beleguins – oficiais de justiça.
6 uniforme da bicha – uniforme de aspirante a oficial.
7 alveitar – r eferência a alguém cujo conhecimento assenta na experiência de vida; aquele que trata de doenças de animais,
4. O «oficial» e Simão apresentam características que permitem defini-los como heróis românticos.
Explique o modo como uma dessas características, comum a ambas as personagens, se manifesta em
cada uma delas.
5. O narrador, num caso, e João da Cruz, no outro, exprimem opiniões sobre o que observam no mundo em
que vivem.
parte C
7. «O que coloca Fernão Lopes fora de toda a comparação na nossa literatura e talvez em todas as
literaturas é o modo como ele dá vida às multidões alvoraçadas.»
M. Rodrigues Lapa, Lições de Literatura Portuguesa – Época Medieval,
9.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1990, p. 410.
Baseando-se na sua experiência de leitura da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, escreva uma breve
exposição sobre a emergência de uma consciência coletiva do povo português.
• u
m desenvolvimento no qual refira dois momentos em que as «multidões alvoraçadas» revelem o
desabrochar de uma consciência coletiva;
Se é verdade que os «Modernistas» portugueses são todos singulares, que não têm uma
poética comum e se movem entre uma vanguarda sem decálogo e um simbolismo requintado,
essa singularidade é sobretudo evidente em Almada Negreiros.
Se Mário de Sá-Carneiro é um autor, Fernando Pessoa, vários autores, e Santa Rita Pintor,
5 uma personagem, Almada Negreiros é um ator. Ele toma diferentes posições, corresponde a
diferentes lógicas estéticas, é cada vez mais, ao longo da sua obra, «aquele que representa»,
sem se concretizar num género ou numa arte única. Cito uma descrição de Rui Mário
Gonçalves: «Almada foi poeta, romancista, dramaturgo, cronista, pensador e polemista; foi
também desenhador, caricaturista, pintor, retratista, vitralista, muralista, azulejista, figurinista,
10 tapeceiro, gravador e geómetra.»1 E, deve acrescentar-se, bailarino e conferencista. No todo,
a arte do espetáculo, a unidade do ator.
Almada Negreiros é tão importante na história da literatura como na da pintura em Portugal,
e cada uma das artes é nele apenas um aspeto. Porque, quando diz de si que é um pintor,
a palavra quer dizer poeta, e vice-versa. Sucede isso no Orpheu 1, em que assina os seus
15 poemas em prosa como «desenhador», e depois em A Invenção do Dia Claro, que é, além de
uma conferência proferida em Lisboa em 1921, um livro de poemas e um conjunto de «ensaios
para a iniciação de portugueses na revelação da pintura». Tudo ao mesmo tempo, e sem que a
escolha seja exclusiva. Outros exemplos são a configuração da conferência como um género
teatral e do desenho como uma espécie de filosofia, como manifesta com toda a evidência
20 o painel Começar no átrio da Fundação Gulbenkian. Muda os materiais, troca de lugar as
fronteiras, redistribui os signos, deixa correr a mesma energia por entre os frescos nas Gares
Marítimas, as páginas escritas e desenhadas da Histoire du Portugal par Cœur, as ilustrações
de dezenas de livros e artigos de jornal em Portugal e em Espanha, as cenas de teatro em
espaços imaginários mas construídos com exatidão, como no caso da edição de Deseja-se
25 Mulher, as suas narrativas com uma vocação realista exemplar, e todas dedicadas ao jogo
dos efeitos de surpresa, entre as quais se conta um romance de dimensão única na ficção
portuguesa moderna: Nome de Guerra, longa viagem ao interior da cabeça de um homem que
aprende a viver. Passa ainda por tapeçarias decorativas como quem experimenta rimas, e os
seus arlequins conhecem Picasso como as próprias mãos.
30 Dizemos, com ele, que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas: «Os
versos são um modo de perpetuação de um dos modos da criação que se chama Poesia.»
(Conferência Poesia É Criação, de 1962). Assim sendo, a ilustração de um livro, a banda
desenhada num jornal, o diálogo, o conto, o artigo, a entrevista são poesia também. Tal como é
poesia, num certo sentido almadiano da palavra, a coreografia de um espetáculo ou um painel
35 em baixo-relevo.
nota
1 Verbete
sobre a obra de Almada Negreiros, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação
de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Caminho, 2008, p. 515.
(A) da diversidade.
(B) do simbolismo.
(C) da vanguarda.
(D) da perfeição.
2. Quando o autor afirma que «Almada Negreiros é um ator» (linha 5), pretende evidenciar as ideias de
(D) apresentar um comentário pessoal sobre os materiais usados nas diferentes obras de Almada.
4. De acordo com o quarto parágrafo, a conceção de Poesia defendida por Almada Negreiros
5. Todas as orações abaixo transcritas são subordinadas substantivas completivas, exceto a oração
(D) «que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas» (linha 30).
6. As expressões «por tapeçarias decorativas» (linha 28) e «de um livro» (linha 32) desempenham as funções
sintáticas de
(A) modificador do grupo verbal, no primeiro caso, e de modificador do nome restritivo, no segundo caso.
(B) complemento oblíquo, no primeiro caso, e de modificador do nome restritivo, no segundo caso.
(D) modificador do grupo verbal, no primeiro caso, e de complemento do nome, no segundo caso.
GRUPO III
Quando se pensa no futuro da humanidade, a primeira ideia que ocorre a muitas pessoas é a importância
do progresso científico e tecnológico.
Mas não será que o progresso implica também a valorização das artes, enquanto dimensão fundamental
de uma formação de base humanista?
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. P
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única
palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2021/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia o poema.
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo.
Item obrigatório
1. Relacione as comparações presentes nos dois primeiros versos com o sentido do quarto verso.
2. Selecione a alínea que corresponde à opção de resposta adequada para completar a afirmação abaixo
apresentada.
à .................... , nos versos de 8 a 11, evidencia a ideia de que é pela visão que se pode .................... .
parte B
Leia os dois textos e as notas apresentadas a seguir aos textos. Na resposta aos itens de 4. a 6., tenha
em consideração ambos os textos.
O oficial era moço, talvez não tinha trinta anos; posto que o trato das armas, o rigor das estações,
e o selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto, acentuassem já mais fortemente, em
feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a juventude.
A sua estatura era mediana, o corpo delgado, mas o peito largo e forte como precisa um
coração de homem para pulsar livre; seu porte gentil e decidido de homem de guerra desenhava-se
perfeitamente sob o espesso e largo sobretudo militar – espécie de great-coat (1) inglês que a
imitação das modas britânicas tinha tornado familiar nos nossos bivaques (2). Trazia-o desabotoado
e descaído para trás, porque a noite não era fria; e via-se por baixo elegantemente cingida ao corpo
a fardeta parda dos caçadores, realçada de seus característicos alamares (3) pretos e avivada de
encarnado...
Uniforme tão militar, tão nacional, tão caro a nossas recordações – que essas gentes, prostituidoras
de quanto havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram (4) do exército... por muito
português de mais talvez! deram-lhe baixa para os beleguins (5) da alfândega, reformaram-no em
uniforme da bicha (6)!
Não pude resistir a esta reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela o
meu retrato.
Mas quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras, sou como aqueles
pintores da Idade Média que entrelaçavam nos seus painéis dísticos de sentenças, fitas lavradas de
moralidades e conceitos... talvez porque não sabiam dar aos gestos e atitudes expressão bastante
para dizer por eles o que assim escreviam, e servia a pena de suplemento e ilustração ao pincel...
Talvez: e talvez pelo mesmo motivo caio eu no mesmo defeito...
Será; mas em mim é irremediável, não sei pintar de outro modo.
Voltemos ao nosso retrato.
Os olhos pardos e não muito grandes, mas de uma luz e viveza imensa, denunciavam o talento,
a mobilidade do espírito – talvez a irreflexão... mas também a nobre singeleza de um carácter
franco, leal e generoso, fácil na ira, fácil no perdão, incapaz de se ofender de leve, mas impossível
de esquecer uma injúria verdadeira.
notaS
Item obrigatório
4. O «oficial» e Simão apresentam características que permitem defini-los como heróis românticos.
Explique o modo como uma dessas características, comum a ambas as personagens, se manifesta em
cada uma delas.
Item obrigatório
5. O narrador, num caso, e João da Cruz, no outro, exprimem opiniões sobre o que observam no mundo em
que vivem.
6. Selecione a alínea que corresponde à opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo
apresentadas.
Por exemplo, no excerto de Viagens na Minha Terra, o narrador interrompe o retrato da personagem
para introduzir reflexões. Terminadas essas reflexões, afirma «Voltemos ao nosso retrato.», expressão
Por seu lado, no excerto de Amor de Perdição, é percetível a diferença de classe social das
Item obrigatório
7. «O que coloca Fernão Lopes fora de toda a comparação na nossa literatura e talvez em todas as
Baseando-se na sua experiência de leitura da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, escreva uma breve
exposição sobre a emergência de uma consciência coletiva do povo português.
• um desenvolvimento no qual refira dois momentos em que as «multidões alvoraçadas» revelem o
desabrochar de uma consciência coletiva;
Se é verdade que os «Modernistas» portugueses são todos singulares, que não têm uma
poética comum e se movem entre uma vanguarda sem decálogo e um simbolismo requintado,
essa singularidade é sobretudo evidente em Almada Negreiros.
Se Mário de Sá-Carneiro é um autor, Fernando Pessoa, vários autores, e Santa Rita Pintor,
5 uma personagem, Almada Negreiros é um ator. Ele toma diferentes posições, corresponde a
diferentes lógicas estéticas, é cada vez mais, ao longo da sua obra, «aquele que representa»,
sem se concretizar num género ou numa arte única. Cito uma descrição de Rui Mário
Gonçalves: «Almada foi poeta, romancista, dramaturgo, cronista, pensador e polemista; foi
também desenhador, caricaturista, pintor, retratista, vitralista, muralista, azulejista, figurinista,
10 tapeceiro, gravador e geómetra.» (1) E, deve acrescentar-se, bailarino e conferencista. No
todo, a arte do espetáculo, a unidade do ator.
Almada Negreiros é tão importante na história da literatura como na da pintura em Portugal,
e cada uma das artes é nele apenas um aspeto. Porque, quando diz de si que é um pintor,
a palavra quer dizer poeta, e vice-versa. Sucede isso no Orpheu 1, em que assina os seus
15 poemas em prosa como «desenhador», e depois em A Invenção do Dia Claro, que é, além de
uma conferência proferida em Lisboa em 1921, um livro de poemas e um conjunto de «ensaios
para a iniciação de portugueses na revelação da pintura». Tudo ao mesmo tempo, e sem que a
escolha seja exclusiva. Outros exemplos são a configuração da conferência como um género
teatral e do desenho como uma espécie de filosofia, como manifesta com toda a evidência
20 o painel Começar no átrio da Fundação Gulbenkian. Muda os materiais, troca de lugar as
fronteiras, redistribui os signos, deixa correr a mesma energia por entre os frescos nas Gares
Marítimas, as páginas escritas e desenhadas da Histoire du Portugal par Cœur, as ilustrações
de dezenas de livros e artigos de jornal em Portugal e em Espanha, as cenas de teatro em
espaços imaginários mas construídos com exatidão, como no caso da edição de Deseja-se
25 Mulher, as suas narrativas com uma vocação realista exemplar, e todas dedicadas ao jogo
dos efeitos de surpresa, entre as quais se conta um romance de dimensão única na ficção
portuguesa moderna: Nome de Guerra, longa viagem ao interior da cabeça de um homem que
aprende a viver. Passa ainda por tapeçarias decorativas como quem experimenta rimas, e os
seus arlequins conhecem Picasso como as próprias mãos.
nota
(1) Verbete sobre a obra de Almada Negreiros, Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação
de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Caminho, 2008, p. 515.
Item obrigatório
a) da diversidade.
b) do simbolismo.
c) da vanguarda.
d) da perfeição.
2. Quando o autor afirma que «Almada Negreiros é um ator» (linha 5), pretende evidenciar as ideias de
a) pluralidade e improvisação.
b) superficialidade e dispersão.
c) versatilidade e experimentação.
d) artificialidade e imitação.
Item obrigatório
d) apresentar um comentário pessoal sobre os materiais usados nas diferentes obras de Almada.
4. De acordo com o quarto parágrafo, a conceção de Poesia defendida por Almada Negreiros
5. Todas as orações abaixo transcritas são subordinadas substantivas completivas, exceto a oração
d) «que a poesia não se confunde com a história das formas poéticas» (linha 30).
Item obrigatório
6. As expressões «por tapeçarias decorativas» (linha 28) e «de um livro» (linha 32) desempenham as funções
sintáticas de
a) modificador do grupo verbal, no primeiro caso, e de modificador do nome restritivo, no segundo caso.
7. Tal como em «são» (linha 33), o valor aspetual genérico está presente em
GRUPO III
Quando se pensa no futuro da humanidade, a primeira ideia que ocorre a muitas pessoas é a importância
do progresso científico e tecnológico.
Mas não será que o progresso implica também a valorização das artes, enquanto dimensão fundamental
de uma formação de base humanista?
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única
palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2021/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
As pontuações obtidas nas respostas aos 10 itens seguintes contribuem obrigatoriamente para a classificação final da
prova.
Grupo I
Item 1.................................................................................................................... 13 pontos
Grupo II
Item 1.................................................................................................................... 13 pontos
Grupo III
Item único ............................................................................................................ 44 pontos
Dos restantes 5 itens, contribuem para a classificação final da prova os 3 itens cujas respostas obtenham melhor
pontuação (3 x 13 pontos).
Grupo I
Itens 2. e 6.
Grupo II
Itens 2., 5. e 7.
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
notaS
1 enturbaram – tornaram turvas.
2 intratável– inacessível; intransitável.
3 estio – tempo quente e seco.
4 fementidos – enganosos.
5 regimento – governo.
6 desvario – loucura; inquietação; excesso.
7 natura – natureza humana.
1. Explique o modo como a passagem do tempo é representada nas duas primeiras estrofes.
Neste soneto, além do tema da mudança, também se destaca o tema . Perante a realidade
Leia o texto.
Quando cheguei à rua do Fonseca, notei logo que as janelas do quarto andar estavam
todas fechadas – hum! A porta da rua trancada. Mau sinal. Ao sol puro e claro da manhã, a
fachada reluzia na frescura da pedra branca, dos estuques rosados e novos. O próprio prédio
parecia dormir, sereno, sorrindo ao sol, com as pálpebras das cortinas todas descidas. À
5 beira do passeio o Chevrolet do Fonseca, consideravelmente empoeirado, esperava. Mas que
silêncio nesta rua nova! A calçadinha do passeio estalava-me debaixo das solas dos sapatos.
Não havia remédio senão tocar a campainha. Mas tocariam as campainhas? Outro dia não
funcionavam. Há sempre alguma complicação nestes prédios novos: ou falta a água porque a
Câmara ainda não abriu as canalizações, ou é o trinco que não funciona, ou não há corrente,
10 ou cortaram o gás.
Enquanto esperava que de cima abrissem a porta (devia estar tudo a postos, era para
largarmos às sete, imagine-se!) fui examinar o carro: já teria o pneu cheio? Isso sim: o Chevrolet
descaía tristemente sobre um pneu vazio, à retaguarda, como um cavalo sobre uma pata
cansada. O Fonseca (tornei a olhar para as janelas: fechadas) ainda não tinha saído da toca.
15 A coisa estava bonita. Se ele já teria metido gasolina? Fui buscar um pauzinho à obra ao lado,
desatarraxei o tampão do tanque, e meti o pauzinho para medir o nível: saiu seco. E o radiador,
provavelmente, como sempre, não tem pinga de água. Mudar o pneu, meter gasolina, água…
Temos para meia hora ou mais. E aqui perto não há uma garagem.
Lá de cima continuavam a não abrir a porta. Ó senhor, passa das oito, e esta gente… Fui-me
20 à campainha e carreguei-lhe furiosamente: nada. Deviam estar mergulhados num sono de
chumbo, de morte. À ideia de morte estremeci: quem sabe se não estariam envenenados com
o gás da cozinha! Senti-me verdadeiramente inquieto. Se não fosse ali o Chevrolet, havia de
julgar que já tinham saído. E era às sete que isto… Ah, mas lá vinha um padeiro, com a toalha
branca do cabaz cheia de sol festivo. Ora bom dia! Felizmente há sempre um vizinho que se
25 levanta cedo ao domingo, e come pão fresco ao pequeno-almoço. (Também havia padeiros
ao domingo!)
Entrei atrás dele e subi ao último andar. Diante da porta detive-me um momento a escutar:
silêncio. Então, quase capaz de me ir embora, de voltar para a minha Umbelina e para
o meu domingo, e em todo o caso com uma vontade cruel de fazer violências, carreguei
30 demoradamente no botão da campainha que fazia vibrar a porta de alto a baixo. Aquilo não era
campainha, era um motor de avião. Até parecia que as paredes tremiam, e aquela gente sem
acordar! Então, danado por me terem forçado a deitar-me tarde e a sair da cama ao cantar do
galo, assentei quatro murros na porta, fenomenais. Fiquei com as mãos dormentes.
José Rodrigues Miguéis, «Uma Viagem na Nossa Terra», in Léah e Outras Histórias, 7.ª ed., Lisboa, Estampa, 1982, pp. 46-47.
Na descrição da fachada e do prédio (linhas 2 a 4), são utilizados alguns recursos expressivos,
nomeadamente, a , presente em «O próprio prédio parecia dormir, sereno, sorrindo ao sol».
Através deste recurso, o narrador transmite ideias .
6. Refira duas marcas linguísticas que comprovem o uso de um registo que se aproxima da oralidade.
Transcreva, para cada uma delas, um exemplo significativo.
parte C
7. Tal como no excerto do conto que acabou de ler o narrador repara na figura do «padeiro» que distribui
«pão fresco», também no poema «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, o olhar do sujeito
poético se detém, frequentemente, naqueles que trabalham.
Escreva uma breve exposição sobre a «Dor humana» sentida por aqueles que trabalham, no poema
«O Sentimento dum Ocidental».
• u
m desenvolvimento no qual refira de que modo duas das personagens observadas pelo sujeito poético
comprovam o sofrimento daqueles que trabalham;
Um dos filósofos mais originais e discretos do século XX, o russo Pavel Florenskij, escreveu:
«A nossa vida escapa-nos como um sonho, e é possível não chegar a tempo de fazer coisa
alguma neste breve instante que é a vida. Por isso, é necessário aprender a arte de viver, a
mais difícil e a mais importante das artes: a capacidade de conferir a cada hora um conteúdo
5 substancial, conscientes de que aquela hora não tornará jamais.» Pode, de facto, acontecer-nos
«não chegar a tempo» até porque, precisamente, o tempo é uma alta febre que nos toma e que,
não raro, nos atira borda fora da nossa própria embarcação. Desde que ganhámos consciência
de que estamos dentro do tempo, de que somos seres amassados na argila do tempo, deixámos
de ter tempo. A nossa vida, quase por completo, está destinada ao fazer e ao produzir, a essa
10 luta certamente áspera, monótona ou dilacerante, mas também apaixonada, envolvente e, à
sua maneira, vital. Na verdade, não há, à partida, nenhum problema com a vida ativa da qual
dependemos, e não só para garantir a basilar luta pela sobrevivência. O coágulo forma-se
quando a atividade se torna o fim e nós os instrumentos; quando, manhã após manhã, o espelho
testemunha como nos estamos a transformar em elementos puramente instrumentais de uma
15 vida que já não quer saber de nós. Muitas vezes, a esse lampejo de consciência, reagimos
pressionando ainda com mais força o pé contra o acelerador, deixando-nos ir, aceitando que não
nos resta outra forma de aceitar a temporalidade. E tentamo-nos consolar dizendo: «não tenho
vida, mas tenho coisas», «não tenho tempo para nada, mas adquiro poder de compra».
Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência humana e
20 sobre as reivindicações – a maior parte delas sufocada – por um estilo de vida mais equilibrado.
O dever ou o direito de fazer não tem de se construir sacrificando a toda a linha o dever ou o
direito de ser. A estimulação para o ativismo não tem de ser tão brutal que insista em queimar
– com a rapidez com que arde um fósforo – todos os recursos, exteriores e interiores, que
alguém possui para viver. A pressa não pode ignorar por completo a lentidão. A vida ativa não
25 tem necessariamente de suprimir a necessidade que cada um de nós sente de contemplação.
Vêm-me ao pensamento os versos do «Canto Noturno de Um Pastor Errante da Ásia», do
poeta Giacomo Leopardi: «Que fazes tu no céu, ó lua? Diz-me / que fazes, silenciosa lua? […] /
Diz‑me ó lua, afinal / que vale ao pastor a sua vida, / ou para que te serve a ti a tua? Diz-me para
que direção / caminha este meu breve vagar / e para onde se dirige o teu curso imortal?» Na
30 composição, o pastor errante contempla a lua. Com que necessidade? Em busca de quê? Em
busca de uma profundidade que porventura nunca conseguiremos atingir completamente, mas
na qual precisamos de nos sentir imersos. Há um horizonte mais amplo, para lá da resolução
individual da minha existência: ficarei incompleto, alguma porção essencial de mim ficará por
se desenvolver, se nunca tiver chegado verdadeiramente a confrontar o «meu breve vagar»
35 com o «curso imortal». Na língua latina, a palavra contemplação deriva da junção de dois
termos: cum e templum, que indicava na antiguidade o espaço aberto nas cúpulas para que se
interpretassem os sinais do futuro. Contemplar é não apenas introduzir uma benéfica lentidão
no nosso olhar. É também colher o tempo da vida como um tecido relacional, uma intersecção
dialógica que dilata ao infinito o sentido da nossa existência.
José Tolentino Mendonça, «Que fazes tu no céu, ó lua?», in E – A Revista do Expresso, 18 de julho de 2020, p. 90.
3. De acordo com o texto, o ser humano, por norma, coloca em primeiro lugar
5. Ao recorrer às expressões «alta febre» (linha 6) e «nos atira borda fora da nossa própria embarcação»
(linha 7), o autor utiliza
(A) a metáfora para evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no primeiro caso, e a hipérbole para
enfatizar os efeitos perniciosos do tempo, no segundo caso.
(B) a hipérbole para enfatizar os efeitos perniciosos do tempo, no primeiro caso, e a metáfora para
evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no segundo caso.
(C) metáforas para evidenciar a intensidade da pressão do tempo, no primeiro caso, e os efeitos perniciosos
do tempo, no segundo caso.
(D) hipérboles para evidenciar os efeitos perniciosos do tempo, no primeiro caso, e a intensidade da
pressão do tempo, no segundo caso.
7. A utilização da expressão «de facto» (linha 5) e do pronome «tua» (linha 28) contribui para a coesão
(B) gramatical interfrásica, no primeiro caso, e lexical por reiteração, no segundo caso.
(D) gramatical frásica, no primeiro caso, e lexical por reiteração, no segundo caso.
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
1. P
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única
palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2021/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia os dois textos e as notas. Na resposta aos itens de 1. a 3., tenha em consideração ambos os textos.
Ora uma noite, voltando de jantar em casa da velha marquesa de Louredo, a «tia Louredo»,
que morava a Santa Clara, esbarrou no Rossio com José Lúcio Castanheiro, então empregado
no Ministério da Fazenda, na repartição dos Próprios Nacionais. Mais defecado1, mais
macilento2, com uns óculos mais largos e mais tenebrosos, o Castanheiro ardia todo, como
5 em Coimbra, na chama da sua Ideia — «a ressurreição do sentimento português!» E agora,
alargando a proporções condignas da capital o plano da «Pátria», labutava devotadamente na
criação duma revista quinzenal, de setenta páginas, com capa azul, os «Anais3 de Literatura e
de História». Era uma noite de maio, macia e quente. E, passeando ambos em torno das fontes
secas do Rossio, Castanheiro, que sobraçava um rolo de papel e um gordo fólio encadernado
10 em bezerro, depois de recordar as cavaqueiras geniais da Rua da Misericórdia, de maldizer
a falta de intelectualidade de Vila Real de Santo António — voltou sofregamente à sua Ideia,
suplicou a Gonçalo Mendes Ramires que lhe cedesse para os «Anais» esse romance que ele
anunciara em Coimbra, sobre o seu avoengo4 Tructesindo Ramires, alferes-mor de Sancho I.
Gonçalo, rindo, confessou que ainda não começara essa grande obra.
15 — Ah! — murmurou o Castanheiro, estacando, com os negros óculos sobre ele, duros e
desconsolados. — Então você não persistiu?... Não permaneceu fiel à Ideia?...
Encolheu os ombros, resignadamente, já acostumado, através da sua missão, a estes
desfalecimentos do Patriotismo. Nem consentiu que Gonçalo, humilhado perante aquela Fé
que se mantivera tão pura e servidora — aludisse, como desculpa, ao inventário laborioso da
20 Casa, depois da morte do papá...
— Bem, bem! Acabou! Procrastinare lusitanum est5. Trabalha agora no verão... Para
Portugueses, menino, o verão é o tempo das belas fortunas e dos rijos feitos. No verão nasce
Nuno Álvares no Bonjardim! No verão se vence em Aljubarrota! No verão chega o Gama
à Índia!... E no verão vai o nosso Gonçalo escrever uma novelazinha sublime!... De resto
25 os «Anais» só aparecem em dezembro, caracteristicamente no Primeiro de Dezembro. E
você em três meses ressuscita um mundo. Sério, Gonçalo Mendes!... É um dever, um santo
dever, sobretudo para os novos, colaborar nos «Anais». Portugal, menino, morre por falta de
sentimento nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal de não ser Portugueses!
Eça de Queiroz, A Ilustre Casa de Ramires, edição de Helena Cidade Moura, 18.ª ed.,
Lisboa, Livros do Brasil, 2015, pp. 18-19.
Pela sombra passeavam rapazes, aos pares, devagar, com flores na lapela, a calça
30 apurada, luvas claras fortemente pespontadas de negro. Era toda uma geração nova e miúda
que Carlos não conhecia. Por vezes Ega murmurava um «olá», acenava com a bengala. E
eles iam, repassavam, com um arzinho tímido e contrafeito, como mal acostumados àquele
vasto espaço, a tanta luz, ao seu próprio chique. Carlos pasmava. Que faziam ali, às horas
de trabalho, aqueles moços tristes, de calça esguia? Não havia mulheres. Apenas num banco
35 adiante uma criatura adoentada, de lenço e xale, tomava o sol; e duas matronas, com vidrilhos
no mantelete6, donas de casa de hóspedes, arejavam um cãozinho felpudo. O que atraía pois
notaS
1 defecado – magro.
2 macilento – pálido.
3 Anais – narração de factos históricos, organizados ano a ano.
4 avoengo – antepassado.
5 Procrastinare lusitanum est – expressão latina que significa que adiar uma tarefa é uma atitude típica dos portugueses.
6 mantelete – capa curta, leve e com rendas.
1. Explique em que medida a atitude de Gonçalo Mendes Ramires se distingue da atitude de José Lúcio
Castanheiro, por um lado, e se aproxima, por outro lado, da atitude das personagens do excerto de Os Maias.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Nos excertos transcritos, é possível encontrar várias características do estilo de Eça de Queirós,
nomeadamente o uso do discurso indireto livre, presente em a) , bem como do diminutivo, que
pode exprimir vários valores, entre eles um sentido pejorativo como em b) . Além disso, o recurso
frequente à adjetivação permite extrair múltiplos sentidos, como na expressão «negros óculos sobre ele,
duros e desconsolados» (linhas 15 e 16) em que c) .
a) b) c)
Leia o poema.
4. Apesar da referência a «Meu coração» (v. 4), que remete para o campo das emoções, Ricardo Reis
assume uma atitude racional.
Tendo em conta os seis primeiros versos do poema, explicite em que consiste essa atitude racional, bem
como o motivo que leva o sujeito poético a assumi-la.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Neste poema, evidenciam-se diversas características da linguagem e do estilo de Ricardo Reis. Duas
dessas características são:
‒ a existência de um interlocutor, identificado através de um recurso expressivo, a a) , que está
presente no verso 1;
‒ a musicalidade, para a qual contribuem tanto a aliteração, por exemplo no b) , como a própria
estrutura métrica da ode, na qual se verifica c) .
a) b) c)
parte C
7. Escreva uma breve exposição sobre a importância que a crítica assume no Sermão de Santo António (aos
Peixes), de Padre António Vieira.
• u
m desenvolvimento no qual identifique dois aspetos criticados pelo pregador e explique o modo como
essa crítica é alegoricamente construída em cada um dos casos;
Em 1980, num episódio da série Cosmos, Carl Sagan referiu que existem mais estrelas
no universo do que grãos de areia em todas as praias do mundo. Essa afirmação tem sido
muito debatida, e ainda não existe um veredicto final sobre a sua veracidade, em grande parte
porque qualquer dos dois números é muito difícil de estimar. Diversas estimativas indicam que
5 cada um destes números poderá ser da ordem de dez mil triliões.
Curiosamente, dez mil triliões é também uma estimativa razoável para o número de bits de
informação que são adicionados, em cada ano, às bases de dados do mundo inteiro, gerados
pelos milhares de milhões de utilizadores da Internet, quando acedem à Web, quando fazem
uma compra, quando tiram uma fotografia, quando se deslocam de um local para outro ou
10 quando fazem uma chamada telefónica.
Lamentavelmente, estamos a afogar-nos em informação, mas à míngua de conhecimento,
para usar as palavras de John Naisbitt. Com tantos dados, seria de esperar que as
decisões políticas e económicas, tomadas pelas empresas, sociedades e estados, fossem
progressivamente mais e mais bem informadas. Porém, isso parece não estar a acontecer.
15 Num mundo que atribui cada vez mais importância aos dados, a sua utilização como
evidência para a tomada de decisão parece ser, paradoxalmente, cada vez mais rara. Embora
algumas decisões tomadas ao nível do urbanismo, dos transportes, das políticas fiscais ou
dos estímulos económicos sejam efetivamente tomadas com base em dados objetivos ou
em cenários macroeconómicos verosímeis, a verdade é que muitas outras decisões, políticas
20 e económicas, são tomadas de uma maneira pouco informada, muitas vezes com base em
emoções, ideologias, opiniões ou crenças.
Segundo Hans Rosling, não é só a ignorância que nos leva a tomar opções desinformadas e,
muitas vezes, erradas. Pelo contrário, muitas vezes somos enganados pelos nossos instintos.
Ao longo de milhões de anos, a evolução criou em nós comportamentos e respostas específicas,
25 que eram úteis no ambiente primitivo em que viviam os nossos antepassados, mas que, agora,
nos levam a decisões precipitadas, irracionais e, em muitos casos, profundamente erradas.
Em parte, isto é causado porque a informação que nos chega foi concebida não para nos
informar, mas sim para nos chocar, assustar ou impressionar. Numa sociedade em que cada
consumidor escolhe os jornais que lê, os canais que vê e as rádios que ouve, existe uma enorme
30 pressão para noticiar os factos da forma mais dramática possível. Isso cria imediatamente um
grande enviesamento a favor das notícias bombásticas, dos desastres, das catástrofes e das
guerras. As boas notícias raramente são noticiadas, porque não chamam tanto a atenção.
Uma pessoa que morre por não ter chegado ao hospital a tempo recebe mais atenção do que
os milhares de pessoas que são rotineiramente salvas em cada dia.
35 É por isso que o comportamento racional, de indivíduos e sociedades, exige a cada um de
nós uma disciplina mental, disciplina essa que, lamentavelmente, muitas vezes não temos.
Arlindo Oliveira, «Bits, estrelas e grãos de areia», in Público, 5 de agosto de 2019, p. 6. (Texto adaptado)
(A) garante que a informação crescente constitua uma mais-valia no processo de tomada de decisões.
(B) contrasta com o facto de as suas decisões continuarem a ser tomadas de forma instintiva.
(C) conduz sistematicamente à tomada de decisões baseadas apenas em dados objetivos.
(D) dificulta a tomada de decisões exclusivamente racionais e com uma base científica.
4. De acordo com o quinto parágrafo, a diversidade e a quantidade de informação de que o ser humano
dispõe, através de diferentes canais, têm promovido
5. Em «nos chega» (linha 27), o pronome encontra-se anteposto ao verbo, porque está
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Do étimo latino ARENA derivaram as palavras portuguesas arena e areia. Do mesmo étimo derivaram
também as palavras a) . Na evolução de ARENA para areia, ocorreu, entre outros processos
fonológicos, a b) . Por seu lado, na evolução de STELLA para estrela ocorreu, entre outros
processos fonológicos, a c) .
a) b) c)
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, faça a apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado, da autoria de Agim Sulaj.
Fonte: www.cartoonmouvement.com
(consultado em 07/10/2019).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
1. P
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma
única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto
produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia os dois textos e as notas apresentadas a seguir aos textos. Na resposta aos itens de 1. a 3., tenha
em consideração ambos os textos.
Ora uma noite, voltando de jantar em casa da velha marquesa de Louredo, a «tia Louredo»,
que morava a Santa Clara, esbarrou no Rossio com José Lúcio Castanheiro, então empregado
no Ministério da Fazenda, na repartição dos Próprios Nacionais. Mais defecado (1), mais
macilento (2), com uns óculos mais largos e mais tenebrosos, o Castanheiro ardia todo, como
5 em Coimbra, na chama da sua Ideia — «a ressurreição do sentimento português!» E agora,
alargando a proporções condignas da capital o plano da «Pátria», labutava devotadamente na
criação duma revista quinzenal, de setenta páginas, com capa azul, os «Anais (3) de Literatura
e de História». Era uma noite de maio, macia e quente. E, passeando ambos em torno das fontes
secas do Rossio, Castanheiro, que sobraçava um rolo de papel e um gordo fólio encadernado
10 em bezerro, depois de recordar as cavaqueiras geniais da Rua da Misericórdia, de maldizer
a falta de intelectualidade de Vila Real de Santo António — voltou sofregamente à sua Ideia,
suplicou a Gonçalo Mendes Ramires que lhe cedesse para os «Anais» esse romance que ele
anunciara em Coimbra, sobre o seu avoengo (4) Tructesindo Ramires, alferes-mor de Sancho I.
Gonçalo, rindo, confessou que ainda não começara essa grande obra.
15 — Ah! — murmurou o Castanheiro, estacando, com os negros óculos sobre ele, duros e
desconsolados. — Então você não persistiu?... Não permaneceu fiel à Ideia?...
Encolheu os ombros, resignadamente, já acostumado, através da sua missão, a estes
desfalecimentos do Patriotismo. Nem consentiu que Gonçalo, humilhado perante aquela Fé
que se mantivera tão pura e servidora — aludisse, como desculpa, ao inventário laborioso da
20 Casa, depois da morte do papá...
— Bem, bem! Acabou! Procrastinare lusitanum est (5). Trabalha agora no verão... Para
Portugueses, menino, o verão é o tempo das belas fortunas e dos rijos feitos. No verão nasce
Nuno Álvares no Bonjardim! No verão se vence em Aljubarrota! No verão chega o Gama
à Índia!... E no verão vai o nosso Gonçalo escrever uma novelazinha sublime!... De resto
25 os «Anais» só aparecem em dezembro, caracteristicamente no Primeiro de Dezembro. E
você em três meses ressuscita um mundo. Sério, Gonçalo Mendes!... É um dever, um santo
dever, sobretudo para os novos, colaborar nos «Anais». Portugal, menino, morre por falta de
sentimento nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal de não ser Portugueses!
notaS
1. Explique em que medida a atitude de Gonçalo Mendes Ramires se distingue da atitude de José Lúcio
Castanheiro, por um lado, e se aproxima, por outro lado, da atitude das personagens do excerto de Os Maias.
Nos excertos transcritos, é possível encontrar várias características do estilo de Eça de Queirós,
nomeadamente o uso do discurso indireto livre, presente em .........a)........., bem como do diminutivo,
que pode exprimir vários valores, entre eles um sentido pejorativo como em .........b).......... Além disso,
o recurso frequente à adjetivação permite extrair múltiplos sentidos, como na expressão «negros óculos
Complete a alínea a) com uma das opções da coluna I, a alínea b) com uma das opções da coluna II e a
alínea c) com uma das opções da coluna III.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Coluna I
1. «suplicou a Gonçalo Mendes Ramires que lhe cedesse para os “Anais” esse romance que ele anunciara
em Coimbra» (linhas 12 e 13)
2. «Nós estamos imundamente morrendo do mal de não ser Portugueses!» (linha 28)
Coluna II
Coluna III
Leia o poema.
4. Apesar da referência a «Meu coração» (v. 4), que remete para o campo das emoções, Ricardo Reis
assume uma atitude racional.
Tendo em conta os seis primeiros versos do poema, explicite em que consiste essa atitude racional, bem
como o motivo que leva o sujeito poético a assumi-la.
Neste poema, evidenciam-se diversas características da linguagem e do estilo de Ricardo Reis. Duas
dessas características são:
‒ a existência de um interlocutor, identificado através de um recurso expressivo, a .........a)........., que está
presente no verso 1;
‒ a musicalidade, para a qual contribuem tanto a aliteração, por exemplo no .........b)........., como a própria
Complete a alínea a) com uma das opções da coluna I, a alínea b) com uma das opções da coluna II e a
alínea c) com uma das opções da coluna III.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Coluna I
1. anástrofe
2. apóstrofe
3. comparação
Coluna II
1. verso 2
2. verso 3
3. verso 6
Coluna III
7. Escreva uma breve exposição sobre a importância que a crítica assume no Sermão de Santo António (aos
Peixes), de Padre António Vieira.
• um desenvolvimento no qual identifique dois aspetos criticados pelo pregador e explique o modo como
essa crítica é alegoricamente construída em cada um dos casos;
Leia o texto.
Em 1980, num episódio da série Cosmos, Carl Sagan referiu que existem mais estrelas no
universo do que grãos de areia em todas as praias do mundo. Essa afirmação tem sido muito
debatida, e ainda não existe um veredicto final sobre a sua veracidade, em grande parte porque
qualquer dos dois números é muito difícil de estimar. Diversas estimativas indicam que cada um
destes números poderá ser da ordem de dez mil triliões.
Curiosamente, dez mil triliões é também uma estimativa razoável para o número de bits de
informação que são adicionados, em cada ano, às bases de dados do mundo inteiro, gerados pelos
milhares de milhões de utilizadores da Internet, quando acedem à Web, quando fazem uma compra,
quando tiram uma fotografia, quando se deslocam de um local para outro ou quando fazem uma
chamada telefónica.
Lamentavelmente, estamos a afogar-nos em informação, mas à míngua de conhecimento, para
usar as palavras de John Naisbitt. Com tantos dados, seria de esperar que as decisões políticas
e económicas, tomadas pelas empresas, sociedades e estados, fossem progressivamente mais e
mais bem informadas. Porém, isso parece não estar a acontecer. Num mundo que atribui cada vez
mais importância aos dados, a sua utilização como evidência para a tomada de decisão parece ser,
paradoxalmente, cada vez mais rara. Embora algumas decisões tomadas ao nível do urbanismo,
dos transportes, das políticas fiscais ou dos estímulos económicos sejam efetivamente tomadas
com base em dados objetivos ou em cenários macroeconómicos verosímeis, a verdade é que
muitas outras decisões, políticas e económicas, são tomadas de uma maneira pouco informada,
muitas vezes com base em emoções, ideologias, opiniões ou crenças.
Segundo Hans Rosling, não é só a ignorância que nos leva a tomar opções desinformadas e,
muitas vezes, erradas. Pelo contrário, muitas vezes somos enganados pelos nossos instintos. Ao
longo de milhões de anos, a evolução criou em nós comportamentos e respostas específicas, que
eram úteis no ambiente primitivo em que viviam os nossos antepassados, mas que, agora, nos levam
a decisões precipitadas, irracionais e, em muitos casos, profundamente erradas.
Em parte, isto é causado porque a informação que nos chega foi concebida não para nos informar,
mas sim para nos chocar, assustar ou impressionar. Numa sociedade em que cada consumidor
escolhe os jornais que lê, os canais que vê e as rádios que ouve, existe uma enorme pressão
para noticiar os factos da forma mais dramática possível. Isso cria imediatamente um grande
enviesamento a favor das notícias bombásticas, dos desastres, das catástrofes e das guerras. As
boas notícias raramente são noticiadas, porque não chamam tanto a atenção. Uma pessoa que
morre por não ter chegado ao hospital a tempo recebe mais atenção do que os milhares de pessoas
que são rotineiramente salvas em cada dia.
É por isso que o comportamento racional, de indivíduos e sociedades, exige a cada um de nós
uma disciplina mental, disciplina essa que, lamentavelmente, muitas vezes não temos.
Arlindo Oliveira, «Bits, estrelas e grãos de areia», in Público, 5 de agosto de 2019. (Texto adaptado)
Item obrigatório
a) garante que a informação crescente constitua uma mais-valia no processo de tomada de decisões.
b) contrasta com o facto de as suas decisões continuarem a ser tomadas de forma instintiva.
Item obrigatório
Item obrigatório
4. De acordo com o quinto parágrafo, a diversidade e a quantidade de informação de que o ser humano
dispõe, através de diferentes canais, têm promovido
a) «que cada um destes números poderá ser da ordem de dez mil triliões» em «Diversas estimativas
indicam que cada um destes números poderá ser da ordem de dez mil triliões.» (primeiro parágrafo);
b) «pelos nossos instintos» em «Pelo contrário, muitas vezes somos enganados pelos nossos instintos.»
(quarto parágrafo).
Do étimo latino ARENA derivaram as palavras portuguesas arena e areia. Do mesmo étimo derivaram
também as palavras .........a).......... Na evolução de ARENA para areia, ocorreu, entre outros processos
fonológicos, a .........b).......... Por seu lado, na evolução de STELLA para estrela ocorreu, entre outros
Complete a alínea a) com uma das opções da coluna I, a alínea b) com uma das opções da coluna II e a
alínea c) com uma das opções da coluna III.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Coluna I
1. areinho e ária
2. ariana e arenito
3. arenoso e arear
Coluna II
1. apócope
2. síncope
3. crase
Coluna III
1. sonorização
2. metátese
3. prótese
GRUPO III
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, faça a apreciação crítica do cartoon de Agim Sulaj.
• zona mais em cima e mais à direita – pouca luz; por detrás da rede, uma mão segura um lápis;
• zona mais em baixo e mais à esquerda – claridade; a ponta do lápis desenha uma pegada; estão já
desenhadas quatro outras pegadas, umas à frente das outras; todas as pegadas estão orientadas
na direção contrária à da rede.
Fonte: www.cartoonmouvement.com
(consultado em 07/10/2019).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma
única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto
produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
As pontuações obtidas nas respostas aos 5 itens seguintes contribuem obrigatoriamente para a classificação final da
prova.
Grupo II
Item 1.................................................................................................................... 13 pontos
Grupo III
Item único ............................................................................................................ 44 pontos
Dos restantes 10 itens, contribuem para a classificação final da prova os 8 itens cujas respostas obtenham melhor
pontuação (8 x 13 pontos).
Grupo I
Itens 1., 2., 3., 4., 5., 6. e 7.
Grupo II
Itens 5., 6. e 7.
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia os dois textos e as notas. Na resposta aos itens de 1. a 3., tenha em consideração ambos os textos.
Ouviu passos no corredor, ressoaram discretamente uns nós de dedos na porta, Entre,
palavra que foi rogo, não ordem, e quando a criada abriu, mal a olhando, disse, A janela
estava aberta, não dei por que a chuva entrasse, está o chão todo molhado, e calou-se
repentinamente ao notar que formara, de enfiada, três versos de sete sílabas, redondilha
5 maior, ele, Ricardo Reis, autor de odes1 ditas sáficas ou alcaicas, afinal saiu-nos poeta
popular, por pouco não rematou a quadra, quebrando-lhe o pé por necessidade da métrica,
e a gramática, assim, Agradecia limpasse, porém o entendeu sem mais poesia a criada, que
saiu e voltou com esfregão e balde, e posta de joelhos, serpeando o corpo ao movimento dos
braços, restituiu quanto possível a secura que às madeiras enceradas convém, amanhã lhes
10 deitará uma pouca de cera, Deseja mais alguma coisa, senhor doutor, Não, muito obrigado, e
ambos se olharam de frente, a chuva batia fortíssima nas vidraças, acelerara-se o ritmo, agora
rufava como um tambor, em sobressalto os adormecidos acordavam, Como se chama, e ela
respondeu, Lídia, senhor doutor, e acrescentou, Às ordens do senhor doutor, poderia ter dito
doutra maneira, por exemplo, e bem mais alto, Eis-me aqui, a este extremo autorizada pela
15 recomendação do gerente, Olha lá, ó Lídia, dá tu atenção ao hóspede do duzentos e um, ao
doutor Reis, e ela lha estava dando, mas ele não respondeu, apenas pareceu que repetira o
nome, Lídia, num sussurro, quem sabe se para não o esquecer quando precisasse de voltar
a chamá-la, há pessoas assim, repetem as palavras que ouvem, as pessoas, em verdade,
são papagaios umas das outras, nem há outro modo de aprendizagem, acaso esta reflexão
20 veio fora de propósito porque não a fez Lídia, que é o outro interlocutor, deixemo-la sair então,
se já tem nome, levar dali o balde e o esfregão, vejamos como ficou Ricardo Reis a sorrir
ironicamente, é um jeito de lábios que não engana, quando quem inventou a ironia inventou a
ironia, teve também de inventar o sorriso que lhe declarasse a intenção, alcançamento muito
mais trabalhoso, Lídia, diz, e sorri.
25 Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou
para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão
da candeia que estava comendo a luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis2 dizer,
Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis
saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não
30 sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não
perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei de ir para Mafra,
tenho lá família, Mulher3, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de
partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se
notaS
1 Ricardo
Reis, autor de odes – referência ao heterónimo de Fernando Pessoa, autor de odes, algumas das quais
dedicadas a Lídia.
2 Sete-Sóis – Baltasar.
3 Mulher – pergunta dirigida por Blimunda a Baltasar.
1. Explicite um aspeto que evidencie o papel subalterno de Lídia em relação a Ricardo Reis e um aspeto que
comprove o poder de Blimunda sobre Baltasar.
2. Explique a reação que cada personagem masculina manifesta no final de cada um dos excertos (linhas 21
a 24 e linhas 34 a 37), relativamente às personagens femininas.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Quer o excerto de O Ano da Morte de Ricardo Reis quer o excerto de Memorial do Convento ilustram
diversas características da escrita de José Saramago: o tom oralizante do discurso do narrador, que é
acentuado, nomeadamente, a) ; a presença constante de comentários e reflexões críticas, como
se verifica em b) ; o recurso sistemático à ironia, presente, por exemplo, em c) .
a) b) c)
1. pela transgressão das 1. «porém o entendeu sem 1. «palavra que foi rogo,
regras de reprodução mais poesia a criada, que não ordem» (linha 2)
do discurso direto saiu e voltou com esfregão
e balde» (linhas 7 e 8) 2. «Ricardo Reis, autor de
2. pelo uso recorrente de odes ditas sáficas ou
construções anafóricas 2. «há pessoas assim, repetem alcaicas, afinal saiu-nos
as palavras que ouvem, as poeta popular»
3. pela adequação das falas pessoas, em verdade, são (linhas 5 e 6)
das personagens ao papagaios umas das outras»
respetivo estatuto social (linhas 18 e 19) 3. «Sei que sei, não sei como
sei» (linhas 29 e 30)
3. «e então, sendo tanta a
claridade, pôde Sete-Sóis
dizer, Por que foi que
perguntaste o meu nome»
(linhas 27 e 28)
A Lírica Galego-Portuguesa, edição de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, 2.ª ed.,
Lisboa, Comunicação, 1985, p. 262.
notaS
1 treides – vinde.
2 Vig’ – Vigo.
3 u – onde.
4 salido – agitado.
5 de grado – de vontade; com gosto.
6 levado – agitado.
7 verra i – virá aí.
4. Refira dois dos sentimentos que motivam o sujeito de enunciação desta cantiga a ir a Vigo. Apresente, para
cada um desses sentimentos, uma transcrição pertinente.
5. Explicite o papel da natureza nesta cantiga, bem como o valor simbólico que assume.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Do ponto de vista formal, esta cantiga classifica-se como paralelística. Uma evidência dessa estrutura
formal é a) .
Quanto ao desenvolvimento temático, é de assinalar, por um lado, o facto de, em todas as estrofes, o
sujeito poético se dirigir a um interlocutor; a partir da terceira estrofe, esse interlocutor passa a ser b) .
Por outro lado, constata-se que, nas duas últimas estrofes, o sentido do verso «E miraremos las ondas!»
evolui, podendo, mais claramente, ser associado c) .
a) b) c)
parte C
7. Escreva uma breve exposição sobre a representação da amada na poesia lírica de Luís de Camões.
• u
m desenvolvimento no qual explicite duas características da amada representada na lírica camoniana,
fundamentando cada uma delas com referência a poemas lidos;
Fernando Pessoa, ou Álvaro de Campos, sabia do que falava. Todas as cartas de amor
são ridículas. O poema é a mais acertada descrição do género. A epistolografia1 amorosa
quase sempre se revela embaraçosa para grandes autores, sejam eles Dostoievski ou James
Joyce, Beethoven ou Napoleão. A carta de amor estipula uma intimidade que, no papel – e as
5 grandes cartas de amor foram todas concebidas em papel ou não as teríamos hoje disponíveis
para a curiosidade ou emulação2 –, raramente traduz a beleza encriptada da poesia ou a
grandiosidade sociológica da ficção. Quer isto dizer que as melhores cartas de amor foram as
inventadas ou sugeridas nos grandes romances e nos grandes poemas de amor. [...]
Um autor, um artista, devia a si próprio e à sua biografia umas cartas de amor. As damas
10 ainda precisavam da sedução epistolar antes de sucumbirem à sedução fatal. [...]
Não estranhemos que um realista lúcido como Eça escreva uma carta de amor a Emília de
Resende, a mulher com quem se casou, ou que um intelectual como Fernando Pessoa comece
uma carta a Ofélia assim: «Meu Bebé, meu Bebezinho querido». […] Adiante, na dita carta,
Pessoa queixa-se do desinteresse de Ofélia pelas suas doenças, acha que ela se aborrece,
15 e acusa-a de, por estar bem de saúde, se estar ralando para3 o que os outros sofrem. A peça
quase se torna cómica na perseguição de uma relação consigo mesmo, a única relação séria
que Pessoa teve. O poeta despede-se: «Adeus amorzinho, faz o possível por gostares de mim
a valer, por sentires os meus sofrimentos, por desejares o meu bem-estar; faz, ao menos, por
o fingires bem». As Ofélias têm triste sorte na literatura. É, de qualquer modo, uma carta onde
20 Pessoa pôs quanto era neste mínimo que fez, como apregoava Ricardo Reis. […]
E o Eça, o nosso Queirós? Brevemente, diga-se que as cartas eram para a legítima e
traduziam um sentimento não muito diferente do realismo anterior ao casamento, quando em
Newcastle ansiava pelo contrato com uma mulher que lhe serrotasse4 numa manjedoura uma
palha honesta. A Emília, escreve: «Cada dia que passa, agora, me aproxima de si (…). Eu
25 também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos
amigos, reencontramo-nos noivos». Passava-se isto em 1885, e menos romântico não se
pode ser naquele advérbio, «ligeiramente». Eça, como Pessoa, nunca se desmentiu.
Se quisermos uma carta de amor a preceito na nossa língua, uma carta de romântico em
pleno Romantismo e espigada por um grande escritor romântico, temos de recorrer a Garrett,
30 João Baptista de Almeida Garrett, visconde. E às Cartas de Amor à Viscondessa da Luz,
de seu nome Rosa Montufar Barreiros, casada com um oficial do Exército da confiança de
D. Maria II e feito Visconde de Nossa Senhora da Luz. […] Garrett jura que não existe para ele
nenhuma outra mulher, embora tentasse, o espírito rebelava-se e o coração ficava indiferente.
E remata, romanticamente, amorosamente, galhardamente: «Eu a ninguém amei, a ninguém
35 hei de amar senão a ti». Isto, senhoras e senhores, é uma carta de amor. Não foi apenas
à viscondessa da Luz que Garrett as escreveu. Houve outras, não menos apaixonadas. O
homem era sincero em todas.
Clara Ferreira Alves, «Todas as cartas de amor são ridículas e outras nem chegam a sê-lo»,
in E – A Revista do Expresso, 19 de janeiro de 2019, pp. 22-23.
notaS
1 epistolografia – arte de escrever epístolas ou cartas.
2 emulação – imitação.
3 se estar ralando para – não se preocupar com.
4 serrotasse – cortasse com um serrote.
(A) o poema «Todas as cartas de amor são ridículas», de Álvaro de Campos, caracteriza
adequadamente o género epistolográfico.
(B) os grandes autores se sentem constrangidos quando escrevem cartas de amor, pois revelam
a sua intimidade.
(C) as cartas de amor ficcionais, pela expressão vívida e poética dos sentimentos, superam as cartas
de amor reais.
(D) a epistolografia amorosa, quando registada em papel, expressa de forma insuficiente os anseios
de alma dos enamorados.
2. De acordo com o conteúdo do terceiro parágrafo, a afirmação «Pessoa pôs quanto era neste mínimo
que fez» (linha 20) sublinha a ideia de que o poeta, nas cartas a Ofélia,
3. Contrapondo as cartas que Eça de Queirós escreveu a Emília de Resende às que Almeida Garrett
escreveu à Viscondessa da Luz, a autora destaca
4. No contexto em que ocorre, a frase «Isto, senhoras e senhores, é uma carta de amor.» (linha 35)
constitui um exemplo de ironia, porque Garrett
5. A forma verbal «estipula» (linha 4) exprime um valor aspetual genérico, tal como a forma verbal
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, faça a apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado, da autoria de Predrag Srbljanin.
Fonte: www.cartoonmouvement.com
(consultado em 07/10/2019).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
1. P
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma
única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto
produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
A classificação a atribuir a cada resposta resulta da aplicação dos critérios gerais e dos critérios específicos
apresentados para cada item e é expressa por um número inteiro.
A ausência de indicação inequívoca da versão da prova implica a classificação com zero pontos das respostas
HO
aos itens de escolha múltipla.
As respostas ilegíveis ou que não possam ser claramente identificadas são classificadas com zero pontos.
Em caso de omissão ou de engano na identificação de uma resposta, esta pode ser classificada se for
AL
possível identificar inequivocamente o item a que diz respeito.
Se for apresentada mais do que uma resposta ao mesmo item, só é classificada a resposta que surgir em
primeiro lugar.
AB
As provas em que se apresente, pelo menos, uma resposta restrita ou extensa escrita integralmente em
maiúsculas são sujeitas a uma desvalorização de cinco pontos na classificação total.
TR
Itens de seleção
As respostas aos itens de seleção são classificadas de forma dicotómica ou por níveis de desempenho, de
acordo com os critérios específicos. No primeiro caso, a cotação total é atribuída às respostas corretas, não
havendo lugar a classificações intermédias. No caso da classificação por níveis de desempenho, a cada nível
corresponde uma dada pontuação, de acordo com os critérios específicos.
DE
Nas respostas aos itens de seleção, a transcrição do texto da opção escolhida é considerada equivalente à
indicação da letra ou do número correspondente.
Nos itens de escolha múltipla, a cotação do item só é atribuída às respostas que apresentem de forma
inequívoca a opção correta. Todas as outras respostas são classificadas com zero pontos.
ÃO
Itens de construção
Resposta curta
RS
Nos itens de resposta curta, são atribuídas pontuações às respostas total ou parcialmente corretas, de acordo
com os critérios específicos.
VE
Nos itens em que se solicita o uso de terminologia linguística, são classificadas com zero pontos as respostas
que contenham abreviaturas dos termos.
Resposta restrita
A cotação dos itens de resposta restrita é distribuída pelos parâmetros seguintes: aspetos de conteúdo (C) e
aspetos de estruturação do discurso e correção linguística (F).
Os critérios de classificação relativos aos aspetos de conteúdo e aos aspetos de estruturação do discurso
apresentam-se organizados por níveis de desempenho. A cada nível de desempenho corresponde uma dada
pontuação. Se permanecerem dúvidas quanto ao nível a atribuir, deve optar-se pelo nível mais elevado de entre
HO
os dois tidos em consideração. Qualquer resposta que não atinja o nível 1 de desempenho num parâmetro é
classificada com zero pontos nesse parâmetro.
A classificação com zero pontos nos aspetos de conteúdo implica a classificação com zero pontos nos aspetos de
estruturação do discurso e correção linguística.
AL
As respostas que não apresentem exatamente os termos ou interpretações constantes nos critérios específicos
são classificadas em igualdade de circunstâncias com aquelas que os apresentem, desde que o seu conteúdo seja
cientificamente válido, adequado ao solicitado e enquadrado pelos documentos curriculares de referência.
AB
Nos casos em que a pontuação referente aos aspetos de conteúdo (C) corresponda ao nível 1 de desempenho,
a pontuação máxima a atribuir aos aspetos de estruturação do discurso e correção linguística (F) é a que consta
no Quadro 1.
TR
Quadro 1 – Pontuação máxima a atribuir ao parâmetro F em situações específicas
2 pontos 2 pontos
DE
Sobre esse valor aplicam-se apenas os eventuais descontos relativos aos fatores de desvalorização previstos
no Quadro 2.
‒ a progressão e a clareza das ideias podem ser asseguradas através de diversos mecanismos
(nomeadamente a pontuação e a repetição lexical), sem recurso obrigatório a conectores interfrásicos.
No âmbito da correção linguística, estão previstos descontos por aplicação dos fatores de desvalorização
VE
apresentados no Quadro 2. Estes descontos são efetuados até ao limite das pontuações indicadas nos
critérios específicos.
Resposta extensa
A cotação do item de resposta extensa é distribuída por parâmetros de estruturação temática e discursiva
(ETD) e de correção linguística (CL).
Neste item, estão previstos descontos por aplicação dos fatores de desvalorização apresentados no Quadro 2.
Estes descontos são efetuados até ao limite das pontuações indicadas nos critérios específicos.
Fatores de desvalorização
HO
−− Correção linguística
AL
Quadro 2 – Desvalorizações no âmbito da correção linguística
Desvalorização
AB
Tipo de ocorrências
(pontos)
•• erro de sintaxe
2
•• impropriedade lexical
DE
Em cada resposta, contabiliza-se como uma única ocorrência quer a repetição de uma palavra com o mesmo
erro ortográfico, quer a presença de mais de um erro na mesma palavra (incluindo erro de acentuação, erro
de translineação e uso indevido de letra minúscula ou de letra maiúscula).
Se da aplicação deste fator de desvalorização resultar uma classificação inferior a zero pontos, atribui-se zero
pontos à correção linguística.
ÃO
−− Limites de extensão
Sempre que não sejam respeitados os limites relativos ao número de palavras indicados na instrução do item
de resposta extensa, desconta-se um ponto por cada palavra (a mais ou a menos), até ao máximo de cinco
RS
Caso a resposta apresente uma extensão inferior a oitenta palavras, é classificada com zero pontos.
Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
VE
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma
única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
Nos casos em que da aplicação deste fator de desvalorização resultar uma classificação inferior a zero
pontos, é atribuída à resposta a classificação de zero pontos.
GRUPO I
Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas ‒ à exceção das utilizadas no interior de cada
uma das citações ‒ correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas
entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.
1. .................................................................................................................................................... 13 pontos
Relativamente a cada uma das personagens, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevante.
Lídia evidencia um papel subalterno em relação a Ricardo Reis, na medida em que:
HO
‒ é a criada que trabalha no hotel onde Ricardo Reis está hospedado e que limpa o chão, posta de
joelhos, de esfregão e balde (ao contrário do hóspede, que é poeta);
‒ mostra respeito e noção do seu estatuto social (bate discretamente à porta; trata-o por «senhor doutor»);
‒ corresponde prontamente às solicitações do hóspede (de acordo com as instruções recebidas).
AL
Blimunda evidencia o seu poder sobre Baltasar, na medida em que:
‒ dá o primeiro passo no relacionamento, tomando iniciativas que permitem a aproximação a Baltasar;
‒ se mostra uma mulher decidida, assumindo um papel dominante na relação e convidando Baltasar para
ficar em sua casa;
AB
‒ exerce um grande fascínio sobre Baltasar, a ponto de este afirmar que ela o enfeitiçou, pelo que não tem
forças para se ir embora.
1 Explicita, com pequenas imprecisões e/ou omissões, apenas um dos aspetos solicitados. 2
ÃO
1 1
progressão e o encadeamento das ideias.
1 Os descritores de desempenho definidos para este parâmetro devem ser considerados em articulação com os Critérios
Gerais de Classificação relativos à estruturação do discurso (p. 2).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
HO
4 Explica, adequadamente, a reação de cada personagem masculina. 8
Explica a reação de cada personagem masculina, adequadamente num dos casos e com
3 6
AL
pequenas imprecisões e/ou omissões no outro caso.
Explica a reação de cada personagem masculina, com pequenas imprecisões e/ou
omissões em ambos os casos.
2 4
OU
AB
Explica, adequadamente, a reação de apenas uma das personagens masculinas.
Explica, com pequenas imprecisões e/ou omissões, a reação de apenas uma das
personagens masculinas.
1 OU 2
TR
Identifica, adequadamente, a reação de cada personagem masculina, mas sem as
explicar.
3. .................................................................................................................................................... 13 pontos
a) 1; b) 2; c) 2.
VE
1 Os descritores de desempenho definidos para este parâmetro devem ser considerados em articulação com os Critérios
Gerais de Classificação relativos à estruturação do discurso (p. 2).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
Prova 639/2.ª F. | CC • Página 5/ 13
4. .................................................................................................................................................... 13 pontos
HO
Refere dois sentimentos que motivam o sujeito da enunciação a ir a Vigo. Fundamenta
3 6
apenas um dos sentimentos com uma transcrição pertinente.
Refere um sentimento que motiva o sujeito da enunciação a ir a Vigo. Fundamenta esse
sentimento com uma transcrição pertinente.
2 OU 4
AL
Refere dois sentimentos que motivam o sujeito da enunciação a ir a Vigo, sem os
fundamentar com transcrições pertinentes.
Refere um sentimento que motiva o sujeito da enunciação a ir a Vigo, sem o fundamentar
1 2
com transcrições pertinentes.
AB
• Aspetos de estruturação do discurso e correção linguística (F) .......................... 5 pontos
• Estruturação do discurso1 ............................................................. 2 pontos
TR
Níveis Descritores de desempenho Pontuação
1 Os descritores de desempenho definidos para este parâmetro devem ser considerados em articulação com os Critérios
Gerais de Classificação relativos à estruturação do discurso (p. 2).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
Explicita, adequadamente, quer o papel da natureza, quer em que medida esta adquire
4 8
um valor simbólico.
HO
Explicita quer o papel da natureza, quer em que medida esta adquire um valor simbólico,
3 adequadamente num dos casos e com pequenas imprecisões e/ou omissões no outro 6
caso.
Explicita quer o papel da natureza, quer em que medida esta adquire um valor simbólico,
AL
com pequenas imprecisões e/ou omissões em ambos os casos.
2 4
OU
Explicita, adequadamente, apenas um dos aspetos solicitados.
AB
1 Explicita, com pequenas imprecisões e/ou omissões, apenas um dos aspetos solicitados. 2
1 Os descritores de desempenho definidos para este parâmetro devem ser considerados em articulação com os Critérios
Gerais de Classificação relativos à estruturação do discurso (p. 2).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
a) 3; b) 2; c) 1.
HO
7. .................................................................................................................................................... 13 pontos
AL
‒ do ponto de vista psicológico (e moral), a amada é dotada de todas as qualidades como, por exemplo,
piedade, brandura, serenidade, honestidade, moderação;
‒ a amada é frequentemente idealizada, nomeadamente através de metáforas como «celeste fermosura».
AB
Nota ‒ Na sua resposta, o examinando não tem de citar versos. Consideram-se referências significativas aquelas que
evidenciam conhecimento da lírica camoniana.
Explicita duas características da amada, fundamentando cada uma delas com, pelo
4 8
menos, uma referência significativa.
DE
Explicita duas características da amada, mas apenas fundamenta uma delas com, pelo
3 6
menos, uma referência significativa.
Explicita uma característica da amada, fundamentando essa característica com, pelo
menos, uma referência significativa.
2 OU 4
Explicita duas características da amada, mas sem as fundamentar com referências
ÃO
significativas.
Explicita uma característica da amada, mas sem a fundamentar com referências
1 2
significativas.
RS
VE
Escreve um texto bem estruturado, constituído por três partes (introdução, desenvolvimento
3 e conclusão) devidamente proporcionadas e assegurando, adequadamente, a progressão 3
e o encadeamento das ideias.
Escreve um texto globalmente bem estruturado, constituído por três partes (introdução,
2 desenvolvimento e conclusão) com desequilíbrios de proporção e/ou apresentando falhas 2
pontuais no que diz respeito à progressão e ao encadeamento das ideias.
Escreve um texto insuficientemente estruturado, apresentando diversas falhas no que diz
1 1
respeito à progressão e ao encadeamento das ideias.
HO
• Correção linguística2 5.................................................................... 2 pontos
AL
AB
TR
DE
ÃO
RS
VE
1 Os descritores de desempenho definidos para este parâmetro devem ser considerados em articulação com os Critérios
Gerais de Classificação relativos à estruturação do discurso (p. 2).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
1. a 5. .............................................................................................................................................. 65 pontos
Chave
1. (C) (B) 13
2. (C) (D) 13
HO
3. (B) (D) 13
4. (D) (B) 13
AL
5. (B) (C) 13
AB
6. .................................................................................................................................................... 13 pontos
a) Modificador apositivo do nome/modificador do nome apositivo. b) Complemento direto.
TR
Níveis Descritores de desempenho Pontuação
7. .................................................................................................................................................... 13 pontos
(Oração) subordinada substantiva completiva.
ÃO
HO
incluindo:
• uma descrição da imagem, destacando elementos significativos da sua composição;
4 8
• um comentário crítico devidamente fundamentado;
• uma conclusão adequada aos pontos de vista desenvolvidos;
• um discurso valorativo (desenvolvendo um juízo de valor explícito ou implícito).
AL
Escreve um texto de acordo com o género/formato solicitado (texto de apreciação crítica),
incluindo um comentário crítico pouco fundamentado, mas assegurando o cumprimento
das restantes indicações previstas neste parâmetro.
3 OU 6
AB
Escreve um texto de acordo com o género/formato solicitado (texto de apreciação
crítica), incluindo um comentário crítico devidamente fundamentado, mas apresentando
falhas relativamente a uma ou duas das restantes indicações previstas neste parâmetro.
TR
Escreve um texto de acordo com o género/formato solicitado (texto de apreciação
2 crítica), incluindo um comentário crítico pouco fundamentado e apresentando falhas 4
relativamente a uma ou duas das restantes indicações previstas neste parâmetro.
Escreve um texto de acordo com o género/formato solicitado (texto de apreciação
crítica), mas apresenta falhas relativamente ao conjunto das indicações previstas neste
parâmetro.
1
DE
2
OU
Escreve um texto em que as marcas do género/formato solicitado se misturam, sem
critério nem intencionalidade, com as de outros géneros/formatos.
1 Vide Critérios Gerais (pp. 2-3) e descritores de desempenho relativos à estruturação temática e discursiva (pp. 11-12).
2 Vide Fatores de desvalorização no âmbito da correção linguística (p. 3).
Trata, sem desvios, a temática sugerida pelo cartoon e escreve um texto com eficácia
argumentativa, assegurando:
• a mobilização de aspetos diversificados e pertinentes, tanto no que diz respeito à
descrição da imagem como ao comentário crítico;
4 8
• a progressão da informação de forma coerente;
• o recurso a um repertório lexical e a um registo de língua globalmente adequados
ao desenvolvimento do tema, ainda que possam existir esporádicos afastamentos,
justificados pela intencionalidade comunicativa.
Trata, sem desvios, a temática sugerida pelo cartoon, mas escreve um texto com falhas
HO
pontuais nos aspetos relativos à eficácia argumentativa.
OU
3 6
Trata, com desvios pouco significativos, a temática sugerida pelo cartoon, mas
escreve um texto com eficácia argumentativa (tendo em conta a forma como o tema foi
desenvolvido).
AL
Trata, com desvios pouco significativos, a temática sugerida pelo cartoon e escreve um
texto com falhas pontuais nos aspetos relativos à eficácia argumentativa.
2 OU 4
AB
Trata, sem desvios, a temática sugerida pelo cartoon, mas escreve um texto com falhas
significativas nos aspetos relativos à eficácia argumentativa.
Trata, com desvios significativos, a temática sugerida pelo cartoon e escreve um texto
1 2
com pouca eficácia argumentativa, mobilizando muito pouca informação pertinente.
TR
Parâmetro C: Organização e Coesão Textuais
DE
HO
AL
AB
TR
DE
ÃO
RS
VE
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia o poema.
Apresente duas características desse espaço e exemplifique cada uma delas com uma transcrição
pertinente.
2. Explique o conteúdo dos versos 3 e 4 e relacione-o com a temática pessoana em evidência no poema.
3. Explicite dois sentidos das anáforas e das suas variantes (versos 1, 5, 9, 13, 17 e 19), tendo em conta o
desenvolvimento temático do poema.
Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam
nem domesticam. Dos animais terrestres, o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão
serviçal, o bugio1 tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se
amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco, o papagaio
5 nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de
rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento. Os peixes,
pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos2, lá se
escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande que se fie do homem, nem tão
pequeno que não fuja dele. Os Autores comummente condenam esta condição dos peixes,
10 e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião.
Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que, se não fora
natureza, era grande prudência. Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor;
trato e familiaridade com eles, Deus vos livre! Se os animais da terra e do ar querem ser
seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões3 o fazem. Cante-lhes aos
15 homens o rouxinol, mas na sua gaiola; diga-lhes ditos o papagaio, mas na sua cadeia; vá com
eles à caça o açor, mas nas suas piozes4; faça-lhes bufonerias5 o bugio, mas no seu cepo;
contente-se o cão de lhes roer um osso, mas levado onde não quer pela trela; preze-se o boi
de lhe chamarem fermoso ou fidalgo, mas com o jugo sobre a cerviz6, puxando pelo arado e
pelo carro; glorie-se o cavalo de mastigar freios dourados, mas debaixo da vara e da espora;
20 e se os tigres e os leões lhes comem a ração da carne que não caçaram nos bosques, sejam
presos e encerrados com grades de ferro. E entretanto vós, peixes, longe dos homens e fora
dessas cortesanias7, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água. De casa e das
portas adentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar, porque há
Filósofos que dizem que não tendes memória.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima,
edição de Margarida Vieira Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1978, pp. 73-74.
notaS
1bugio – espécie de macaco.
2pegos – locais onde os rios ou os mares são mais profundos.
3pensões – obrigações; encargos.
4piozes – correntes colocadas nas patas de algumas aves de caça.
5bufonerias – graçolas; caretas.
6cerviz – parte posterior do pescoço.
7cortesanias – hábitos de cortesãos.
4. «Os Autores comummente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou
demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião.» (linhas 9 e 10).
Justifique a opinião de Vieira relativamente aos peixes, tendo em conta a comparação entre o comportamento
dos peixes e o dos outros animais (linhas 1 a 12).
Comprove a pertinência dos exemplos apresentados por Vieira (linhas 14 a 21) para fundamentar este
conselho dado aos peixes.
6. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço.
Na folha de respostas, registe apenas as letras e o número que corresponde à opção selecionada em cada
um dos casos.
Um dos objetivos da oratória é delectare, ou seja, agradar ao auditório; para o alcançar, nas linhas 14 a 21,
a)____, que contribui
entre outros processos, Vieira socorre-se de uma construção na qual existe uma ______
b)____ do discurso.
para uma evidente ______
a) b)
1. estrutura paralelística ou simétrica 1. plausibilidade
2. enumeração de conselhos aos homens 2. complexidade
3. alternância entre frases simples e complexas 3. descontinuidade
4. sucessão de hipérboles 4. musicalidade
parte C
7. Do diálogo de José Saramago com o «passado» emerge, em romances como Memorial do Convento e
O Ano da Morte de Ricardo Reis, uma visão crítica sobre o tempo histórico representado e sobre a
sociedade desse tempo.
Escreva uma breve exposição na qual comprove a afirmação anterior, baseando-se na sua experiência de
leitura de um dos romances mencionados.
• u
m desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que são objeto de crítica pelo narrador, fundamentando
cada um desses aspetos em, pelo menos, um exemplo pertinente;
Leia o texto.
(A) inibe a capacidade de construir conhecimento sobre o mundo que nos rodeia.
(B) permite ao homem a construção de um mundo alternativo, no qual se refugia.
(C) cria inúmeros constrangimentos à constante evolução do ser humano.
(D) dota o homem da capacidade de antecipar dificuldades e de tomar decisões.
4. Ao recorrer às expressões «cartografias mentais» (linha 6) e «para além do horizonte» (linha 29), o autor
utiliza
(A) a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso,
e a hipérbole para enfatizar a força da imaginação enquanto geradora de frustração, no segundo caso.
(B) a hipérbole para enfatizar a força da imaginação enquanto geradora de frustração, no primeiro caso, e
a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no segundo caso.
(C) a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso,
e enquanto motor da evolução, no segundo caso.
(D) a hipérbole para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso,
e enquanto motor da evolução, no segundo caso.
(A) substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa explicativa, no segundo caso.
(B) adjetiva relativa restritiva, no primeiro caso, e substantiva completiva, no segundo caso.
(C) substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa restritiva, no segundo caso.
(D) adjetiva relativa explicativa, no primeiro caso, e substantiva completiva, no segundo caso.
7. Indique a modalidade e o valor modal expressos em «temos de ser capazes de reconhecer, imaginativamente,
os erros e as incongruências» (linhas 15 e 16).
Se algumas pessoas consideram que o acesso rápido e livre à informação é uma mais-valia na sociedade
atual, outras defendem que esta facilidade pode ter um impacto negativo, tanto em termos pessoais como
sociais.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a problemática apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. P
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2019/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há
que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
I
16 16 16 16 16 8 16 104
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
II
8 8 8 8 8 8 8 56
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Eram terríveis as rotinas, quase um rito iniciático, uma sagração. Havia o dia de esfregar a
casa, o dia de lavar a roupa, o dia de arear os metais, o dia de tomar banho. E também o dia
de pôr flores aos mortos. Havia ainda o dia do remédio para as bichas e o dia do pente fino, à
cata dos piolhos apanhados na escola.
5 Nada mais contava senão o que estava determinado para ser o dia desse dia. As mulheres
ficavam possessas de cada tarefa, como tangidas1 por uma demoníaca alucinação. Era uma
coisa obscura, essencial, que desordenava e reordenava a casa, as horas, os hábitos, os
próprios humores. Ninguém podia quebrar aquele ritmo, que girava, obsessivo, à volta da mãe.
Os homens estavam de fora, mas ao mesmo tempo dentro. Tinham de resignar-se à ordem de
10 batalha de cada dia.
O pai escapava-se, pelo menos tentava, ausentando-se para dentro de si, sentado na
cadeira, alheio aos ruídos, até mesmo às perguntas. Era o seu modo de resistir à teia tecida
pela aranha infernal da rotina. Sentado na cadeira, olhando para longe, procurava manter um
espaço inacessível à invasão dos deveres que roíam, como toupeiras, as próprias fundações
15 da casa. Não era fácil. Quando menos se esperava, as criadas começavam de repente a
levantar os tapetes, a virar as cadeiras de pernas para o ar, a arredar os móveis, a bater
furiosamente nos tapetes pendurados no quintal. O pai levantava-se, às vezes resignado, às
vezes revoltado. Então saía, batia com a porta, sumia-se. E só voltava uns dias depois.
Eu tinha medo daquelas operações de desarrumação e esfrega. Temia que o pai partisse
20 e nunca mais voltasse. Mas ele acabava sempre por regressar. Durante uns dias, o frenesim
afrouxava, havia uma espécie de trégua. Mas logo recomeçava. Eram assim os hábitos. As
casas da vila estavam sujeitas a uma ordem preestabelecida. As pratas tinham de brilhar, e os
cobres, e os talheres, os vidros das janelas, os cristais. E também o chão de madeira. Era mais
importante do que o pendor dos homens para a divagação e o silêncio.
25 De certo modo não havia lugar para o pai nem para mim. Havia lugar para a nossa presença
na ordem incessante dos ritos, a horas certas. Não para as cavalgadas solitárias que cada
um tinha necessidade de fazer sem ser interrompido pela tarefa do dia. Mesmo que fosse
o dia de receber visitas, com chá e bolos. Não tínhamos direito à nossa desordem interior,
éramos prisioneiros de um espaço constantemente invadido por obrigações cujo sentido não
30 podíamos entender. Não era por mal, era assim.
nota
1tangidas – atingidas.
2. No terceiro parágrafo, o narrador descreve comportamentos do pai que indiciam duas diferentes formas de
reação à «ordem de batalha de cada dia» (linhas 9 e 10).
3. Relacione a reflexão do narrador, presente no último parágrafo do texto, com o sentido da metáfora «teia
tecida pela aranha infernal da rotina» (linhas 12 e 13).
eia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 26 a 29 do canto VI de Os Lusíadas, bem como a
L
contextualização apresentada. Se necessário, consulte as notas.
Contextualização
Encontrando-se os Portugueses já a navegar no Oceano Índico, Baco convence Neptuno a convocar
um consílio de deuses marinhos, com a intenção de impedir a chegada daqueles à Índia.
5. Apresente dois aspetos distintos que, na estância 29, evidenciem a mitificação do herói, fundamentando
cada um deles com uma transcrição pertinente.
6. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço.
Na folha de respostas, registe apenas as letras e o número que corresponde à opção selecionada em cada
um dos casos.
Nestas estâncias, são utilizados alguns recursos expressivos frequentes em Os Lusíadas: na expressão
a)____; a apóstrofe ocorre, por exemplo, em ______
«peito oculto» (v. 3), está presente uma ______ b)____.
a) b)
1. personificação 1. «o mar irado» (v. 10)
2. anástrofe 2. «padre Oceano» (v. 13)
3. metáfora 3. «fracos e atrevidos» (v. 24)
4. comparação 4. «humanos» (v. 32)
parte C
7. Leia o excerto seguinte, retirado de uma fala de Maria em Frei Luís de Sousa (Ato I, Cena IV).
«O que eu sou... só eu o sei, minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia
ser não sou…»
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, edição de Maria João Brilhante,
Lisboa, Comunicação, 1982, p. 110.
Escreva uma breve exposição na qual comprove que Maria se afasta daquilo que a família espera dela.
• u
m desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que comprovem que Maria se afasta daquilo que a
família espera dela, fundamentando cada um deles com uma referência pertinente à obra;
Quando me sinto desinfeliz vem-me sempre à cabeça o poema de Carlos Queiroz chamado
«E no Seu Nome esperarão as gentes», que é uma citação de São Mateus. Isto dura desde os
treze ou catorze anos, quando li o livro de poemas «Desaparecido» que descobri na biblioteca
do meu pai. E no meio da desinfelicidade aparece-me logo a primeira quadra
5 No ar azul da madrugada
virias logo se eu chamasse?
Encostarias Tua face
à minha face enregelada?
Porque é que isto sempre me comoveu e ajudou tanto? Porque volto a ser logo o menino
10 que fui e que o poema torna mais forte no meio da grande solidão que todos temos às vezes:
Se Te contasse o meu desgosto
de quando a angústia me vem ver
ter de expulsá-la pra viver
afagarias o meu rosto?
15 Esta é uma pergunta minha também. O meu desejo. E aqui, sentado a esta mesa cheia
de papéis, escrevo isto comovidamente. Estes versos acompanham-me sempre no ar azul da
madrugada, quando tudo me parece irremediável, sem qualquer solução. O que farei de mim,
o que farei comigo? E depois, felizmente, voltam a paz e a esperança. Por que carga de água
tudo me toca, uma voz, um olhar, um sorriso às vezes, uma senhora de idade a afastar-se de
20 mim a remar com a bengala porque o passeio se transformou numa espécie de mar? Quando
eu era pequeno tinha a Gija, uma camponesa galega que me deu tanto amor. Ajudava-me a
despir, vestia-me o pijama, ficava ao pé de mim até eu adormecer. Desapareceu da minha vida
de repente, não sei porquê, e durante anos e anos não a vi. Quatro meses antes de embarcar
para a guerra casei-me, havia pessoas no adro da igreja a olharem, eu não via a Gija
25 (chamava-se Alice, eu não sabia dizer Alice)
não via a Gija desde os cinco anos, portanto há cerca de vinte e de súbito ela estava ali, no
meio das tais pessoas a olharem, gorda, de cabelos brancos e
(como se explica isto?)
soube logo que aquela pessoa era ela. Larguei a noiva, corri para aquela senhora e abracei-a
30 de uma maneira como nunca abracei ninguém. Tinha o mesmo cheiro, a mesma forma de me tocar
(posso estar a ser injusto mas acho que nunca ninguém me tocou como ela)
os mesmos olhos transbordantes de ternura. E ali ficámos, agarrados, comigo de novo tão
pequeno, tão feliz. Gija. Gija Gija Gija. Os convidados do casamento espantados, as pessoas
que olhavam espantadas e eu, muito maior do que ela, de repente pequeno, ao seu colo. Ao
35 seu colo. Tinha um senhor ao lado, que era o marido que eu não conhecia, mas eu queria lá
saber do marido. Éramos um do outro, Gija, e voltei a ser o menino de alguém. Voltei, com
tanta força, a ser o menino de alguém. A ternura dela era a mesma, o amor por mim era o
mesmo, só que estava cheia de lágrimas. Lembro-me tão bem de dizer-lhe
– Gija nunca deixei de ser o teu menino
40 e depois voltei para o casamento, para Tomar onde tinha sido colocado antes de ir para
Angola, para longe de ti, eu que nunca devia ter saído do teu colo, tu que me amaste sempre
incondicionalmente, com tanta pureza, tanta simplicidade, tanta, meu Deus, alegria. E eu que
continuo a amar-te de uma paixão tão linda, eu que sempre, ao acontecer-me um desses
problemas gravíssimos da infância, uma queda, a perda de um brinquedo, dizia logo
45 – Quero a Gija
e tudo se compunha outra vez.
António Lobo Antunes, «E no Seu Nome esperarão as gentes», Visão, 6/9 a 12/9/2018, p. 7.
(A) produzem nele, simbolicamente, o mesmo efeito que Gija na sua infância.
2. No contexto desta memória de Lobo Antunes, entre outros aspetos, a evocação de Gija associa-se
cumulativamente às ideias
(A) desaprovação.
(B) indecisão.
(C) negação.
(D) indignação.
4. A partir da linha 41, o autor usa a segunda pessoa, quando se refere a Gija, para
(A) reproduzir, no seu discurso, as palavras que lhe dirigiu no dia do casamento.
(B) renovar os laços de união que foram perdidos após ter sido colocado em Angola.
(C) exprimir a convivência que com ela manteve de forma regular ao longo da vida.
(D) expressar a profunda comunhão com alguém que continua vivo na sua memória.
5. Nas orações «que nunca ninguém me tocou como ela» (linha 31) e «que eu não conhecia» (linha 35), as
palavras sublinhadas são
7. Indique o valor aspetual veiculado por cada uma das expressões seguintes:
Tradicionalmente, a casa era o espaço de domínio feminino; por seu lado, o homem movia-se
predominantemente num espaço exterior, fora de casa.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada
um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. P
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo
quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra,
independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2019/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há
que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
Item
Grupo
Cotação (em pontos)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
I
16 16 16 16 16 8 16 104
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
II
8 8 8 8 8 8 8 56