Comunidades Amazonica Iratapuru1
Comunidades Amazonica Iratapuru1
Comunidades Amazonica Iratapuru1
1. RESUMO
2. ABSTRACT
The study is based on the Iratapuru community in the state of Amapá and aimed
to understand how the community perceives, organizes, and relates to living space.
Methodologically, a set of approaches was used such as structured interviews and Rapid
Participatory Diagnosis -DRP, in order to grasp and understand the most significant
1
Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada pelo autor para estudos de licenciamento ambiental do
Aproveitamento Hidrelétrico no Rio Jari no estado do Amapá, coordenado pela empresa Ecology Brasil.
O autor agradece a empresa Ecology Brasil, pelo financiamento do trabalho de campo.
2
Doutor em Ciências, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ). Professor de
Extensão Rural do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG,
Brasil (e-mail: [email protected]).
Oikos: Revista Brasileira de Economia Doméstica, Viçosa, v. 23, n.1, p. 121-146, 2012
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forms of socioeconomic and cultural organization. As a result, it was found that the
relationship built between the community, the forest and the river is essential to
maintain the way of life and that this organization of space in the environment
corresponds to a traditional pattern that moves through the way these people relate to
house, forest, river, agricultural cycle and labor relations.
Keywords: Space. Community. Amazon.
3. INTRODUÇÃO
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estão inseridos. É importante destacar que o entendimento do espaço nesta pesquisa está
relacionado com os aspectos físicos e simbólicos da utilização e da relação que essa
comunidade mantém com a floresta, o rio e os seus aspectos sócio culturais.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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O Vale do Jari é uma região que tem fusões importantes, ou seja, ao mesmo
tempo em que abriga um dos maiores parques brasileiros o Parque Nacional Montanhas
do Tumucumaque, registram-se também grandes empreendimentos de exploração de
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caulim, essências florestais, celulose dentre outros, que causam grandes impactos
socioambientais na região.
A ocupação do Vale do Jari pode ser definida por diversos momentos distintos,
inicialmente está relacionado à ocupação indígena de diversas etnias como Waiãpi,
Aparaí, Wayana, Tiriyós, katxuayana, Karanã, Kastumi entre outras, sendo que essas
duas últimas já se encontram extintas. Esses povos praticavam a caça, a pesca e a
utilização dos recursos florestais como mecanismo de sobrevivência. É importante
ressaltar que muitos desses povos foram dizimados pela ocupação branca na região.
(LINS, 2001).
Depois veio o surto da seringueira entre início e meados do século XIX, época
considerada áurea para região Amazônica, principalmente, para cidades como Belém e
Manaus. Esse período atraiu para o Vale do Jari, migrantes, sobretudo, nordestinos que
chegavam em busca de trabalho e começaram a explorar os seringais e posteriormente
castanhais.
Para Sousa (2006), esses trabalhadores buscavam fugir das sucessivas secas que
assolavam o nordeste brasileiro no século XIX. Assim, esses migrantes trabalhavam em
pequenos grupos nas colocações (local onde os trabalhadores executam suas tarefas),
dos fazendeiros da região e mantinham relações com os indígenas, no qual aprenderam
a caçar, a pescar e a práticas agrícolas desenvolvidas pelos indígenas.
Sobre a migração para região Amazônica autores como Facó (1978) apontam
que só no ano de 1878 estima-se que cerca de 120.000 pessoas se deslocaram do interior
do estado do Ceará para trabalhar na exploração dos seringais. No final do século XIX
com a crise da borracha, muitos desses seringais foram abandonados e vendidos. No
entanto, essas famílias que migraram acabaram ficando na região Amazônica.
Nesse período é possível citar a chegada ao Vale do Jari de José Júlio de
Andrade, cearense da cidade de Uruburetama que se tornaria depois coronel3 José Júlio
Andrade. Um homem que passou a adquirir as terras e a estrutura dos seringais e
adaptando-as a estrutura para a extração da castanha, que num período de 15 anos
consolida um império na Amazônia o que lhe rendeu o título de rei da castanha do Pará
e um dos maiores proprietários de terras da Amazônia brasileira, chegou a registrar em
seu nome mais de três milhões de hectares nos atuais estados do Amapá e Pará. A sua
3
Coronel era uma designação dada aos grandes fazendeiros de terras no Brasil do século XIX e início do
Século XX e que possuía grande influência política em suas regiões.
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do Jari, no Sul do estado do Amapá). Desta forma, os portugueses trouxeram uma visão
mais empresarial para o local e novos negócios foram abertos que não eram explorados
na fase anterior, como por exemplo: a exportação de madeira, principalmente, para
Portugal e Inglaterra, sendo considerado um dos maiores negócios da fase dos
portugueses, essa madeira era exportada nos portos de Jarilândia e a ilha do Cajari no
Amazonas. “A madeira era exportada em toras, toda ela de essências de várzea, como
Macacaúba (Plastymisciumulei) e a Sucupira (Bonwdchéa nitida), que eram as mais
valorizadas” (LINS, 2001, p. 107).
Além disso, por causa do crescimento da região com a exploração de minério na
região da Serra do Navio, os portugueses passaram a investir na produção agrícola,
provocando mudanças significativas nos sistemas de produção das comunidades do
Vale do Jari, ou seja, os portugueses adotaram novas técnicas de produção agrícola na
região.
No entanto, as condições de exploração do trabalhador foram às mesmas
existentes na época do coronel, ou seja, continuaram mantendo o sistema de aviamento,
“os recursos eram coletados pelos seringueiros e castanheiros no interior da floresta e
juntados nos ‘barracões’, pontos estratégicos na beira do rio, onde os ‘donos’ passavam
regularmente de barco para resgatar a produção dos extrativistas” (GREISSING, 2010,
p.47).
No final da década de 1960 (1967), os portugueses com dificuldades em
administrar a área, por causa dos conflitos com os posseiros e a entrada de outros
compradores dos produtos como a castanha, fizeram com que o grupo vendesse as terras
para o norte-americano Daniel Ludwig, por cerca de US$ 3 milhões numa extensão de
terra equivalente a uma área de 1.632.121 hectares sendo 1.174.391 ha no estado do
Pará, município de Almerim e o restante no Território Federal do Amapá (atual estado
do Amapá), no município de Mazagão. Posteriormente, foi criado o município de
Laranjal do Jari, também conhecido como Beiradão, na margem esquerda do rio Jari.
Destarte, o norte Americano Daniel Ludwig fundou a Jari Florestal e
Agropecuária que ficou conhecido com Projeto Jari. A intenção era substituir a floresta
nativa por uma plantação homogênea de uma planta denominada Gmelina arbórea para
a fabricação de celulose, matéria-prima do papel, (atualmente está sendo cultivado no
projeto eucalipto), além disso, pretendia-se explorar jazidas de caulim, pecuária,
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agricultura de arroz de várzea e outras culturas como banana, dendê, e foi construída
uma área industrial.
Ademais, outros projetos de infraestrutura foram edificados como: distrito de
Monte Dourado, estradas, portos e trapiches, campo de aviação e rede elétrica. Esses
investimentos promoveram grandes transformações socioeconômicas na região e nos
municípios vizinhos ao projeto, estendendo essa influência até as capitais Macapá e
Belém.
Segundo Lins (2001), no início da década de 1980 o empresário Ludwig
resolveu não mais investir no projeto Jari, e o governo brasileiro para evitar a
estatização da empresa, convocou um consórcio de 23 empresários brasileiros, liderados
pelo Grupo CAEMI. Assim, com financiamentos do Banco do Brasil e do BNDES, o
consórcio continuou com os trabalhos na região, essa fase ficou conhecida como
Antunes.
No ano de 2000, o grupo Orsa sobre a responsabilidade do empresário brasileiro
Sérgio Amoroso, passou a comandar os rumos do projeto Jari. Em 2010 a área da
empresa estava localizada em três municípios (Almeirim-Pará, Laranjal do Jari-Amapá
e Vitoria do Jari-Amapá) e no parque industrial de Munguba, no distrito de Monte
Dourado/Almerim-Pará.
Uma comunidade isolada nunca é típica de uma região ou uma nação. Cada
qual tem suas próprias tradições, suas histórias particular, suas variações
especiais do modo de vida regional ou nacional (WAGLEY, 1988, p.43).
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casa de apoio para moradores da região, casa de força, centro comunitário, residência
dos professores, casa de apoio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) e
galpão de extração de óleo da castanha da cooperativa.
Para procurar entender como os moradores da vila visualizavam a ocupação
desse espaço foi trabalhada a dinâmica do mapeamento, que consistiu numa conversa
com cerca de 10 moradores que foram desenhando no chão o esboço da vila, ao mesmo
tempo em que contavam a história de transformação do lugar.
Destarte, logo abaixo na figura 02, é possível apresentar o mapa final da vila na
perspectiva de seus moradores. No mapa é possível perceber que os aparatos coletivos
como: gerador de energia (09), galpão de secagem da castanha (10), sede da cooperativa
(28), casa de SEMA (30), igreja (31), ficam nas áreas centrais da vila. A exceção é a
escola (37) que foi construída depois num local mais afastado do rio. Percebe-se
também, que cerca de 20 casas ficam nas palafitas próximas ao rio e as demais casas
ficam numa área mais afastada do rio.
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pudessem tratar a água antes de utilizá-la. Porém, O destino final da água utilizada nas
casas é a céu aberto nos fundos ou nas laterais das suas casas, em alguns casos ficando
ali empossada. Sobre o banho, os moradores disseram que preferem tomar no próprio
rio Iratapuru.
O quintal é o local onde se encontram vasilhames de todos os tipos, apetrechos
para pesca e caça, além de pequenas embarcações. Ainda neste espaço, normalmente se
plantam verduras destinadas a tempero, como a cebolinha, em plataformas suspensas
para evitar que os animais como aves, porco ou outros, as comam. É também nesse
local que o lixo recebe o destino final, onde normalmente é enterrado ou queimado. É
possível também, avistar as antenas parabólicas, que vão fornecer imagens para as
televisões existentes nas casas, além de se encontrar soltos alguns animais silvestres
como macacos, papagaios e araras.
Ainda sobre as moradias é possível apontar que elas representam um papel
importante na vida social das famílias de Iratapuru. Nesse sentido, Marcelin (1999)
classifica a casa como um conjunto de relação entre ordem de natureza e ordem social,
compondo um conjunto formado por uma estrutura de micro-espaços que estariam
ligados a outros pontos, que envolveriam circuito social fundamental de uma
comunidade.
Outro espaço importante para os moradores são os rios que além de serem as
estradas principais da comunidade fornecem alimentos através da pesca. Além de
desempenharem um papel importante de interação, pois são nas águas dos rios que as
mulheres se encontram para lavar roupas, conversar e dividirem os problemas do
cotidiano, enquanto as crianças brincam, pescam, nadam e se interagem com a natureza.
A organização do trabalho segue uma lógica semelhante a muitas comunidades
rurais brasileiras, ou seja, o trabalho é organizado através do trabalho familiar. Nesses
casos o homem é o chefe da família, considerado o provedor da casa. Sua condição,
entre outras coisas, é o resultado do seu saber-fazer.
Esse saber fazer é um conjunto de conhecimentos e habilidades necessárias à
condução de todo o ciclo do trabalho com a castanha ou com as atividades agrícolas. A
importância dada ao trabalho com a floresta – importância ao mesmo tempo econômica,
social e cultural– estabelece que o detentor desse conhecimento seja o chefe da família.
Oikos: Revista Brasileira de Economia Doméstica, Viçosa, v. 23, n.1, p. 121-146, 2012
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o rio, os peixes, barcos, e casas sobre o rio simbolizando a relação entre as crianças e a
natureza. (ver foto 03 e figura 03).
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procuram construir uma relação de ajuda mútua em períodos que a demanda de trabalho
na roça é maior.
Em se tratando das principais culturas cultivadas estas são basicamente
plantadas para garantirem a alimentação direta e imediata da família. A forma de
manejo utilizada é a roça de toco. Nesse tipo de roça, o primeiro trabalho consiste em
cortar a vegetação rasteira com facão e depois com machado derrubar as árvores, depois
deixa o mato e os tocos secaram para serem queimados. Esse é um sistema agrícola
tradicional que utiliza práticas de manejo que possibilitam a manutenção da
sustentabilidade dos recursos naturais existentes desmatando somente aquilo que é
necessário para o sustento da família. Depois de alguns anos aquela área é abandonada
para que ela se recupere e descanse. Neste caso, as famílias procuram outra área para
iniciar todo o processo. Nas fotos 3 e 4 é possível observar uma típica roça de toco.
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Atividades Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Tratos culturais da
castanha
Preparar rancho e
equipamentos
Colheita, quebra dos
ouriços e transporte
da castanha
Comercialização da
castanha
Manutenção e tratos
culturais das
lavouras
Plantio das lavouras
Colheita das
lavouras*
Caça e pesca
Fonte: Pesquisa de campo, elaborado juntamente com as famílias da comunidade de Iratapuru.
*Algumas culturas são colhidas o ano todo.
Legenda:
Atividades relativas à exploração da castanha
Atividades relativas à agricultura, caça e pesca
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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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tradicional do campesinato que perpassa pelo modo que essas famílias se relacionam
com o espaço casa, floresta, rio, o ciclo agrícola e pelas relações de trabalho construídas
no seio da comunidade.
O lugar do trabalho para as famílias de Iratapuru é na floresta e neste espaço a
comunidade obedece a uma lógica de preservação e de exploração da floresta buscando
o equilíbrio com a natureza, perpassando por um conjunto de ações simbólicas, rituais,
que além de produzir alimentos, define os modos de vida dos moradores.
Outro ponto a se destacar está relacionado com o processo organizacional vivido
pelo grupo principalmente, a partir da constituição da RDS-I do rio Iratapuru e da
cooperativa, pois, a partir desse momento o grupo passou a ter condições de agregar
valor aos produtos extraídos por eles da floresta, além de serem visto como a
comunidade guardiã da reserva, trazendo a comunidade um status importante de
reconhecimento, por parte de entidades governamentais e não governamentais.
Entender esse universo como a de Iratapuru, ajuda a compreender de que forma
esses grupos se interagem e se reproduz no interior da Amazônia. A pesquisa aponta,
sobretudo, a partir da constituição da RDS-I que a comunidade passa a viver novas
situações no sentido de defender ou regulamentar ações predatórias ou
conservacionistas, refletindo, assim, novas formas da comunidade interpretar o seu
território.
9. REFERÊNCIAS
DA MATA, R. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5a Ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997.
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MAUSS, M. “Ensaio sobre a dádiva”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2003.
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