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SANTOS¹, Claudileide Pereira dos; SAMPAIO², Ivan Lívio Rocha; FRANÇA³, Rafaela
Cândido de; RODRIGUES FRANÇA4, Frederico Gustavo.
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artesanato também mostram que a comunidade possui certo conhecimento sobre esses
animais. A comunidade traz consigo mitos e superstições, entre eles a da existência de
uma “cobra que mama” e “cobra que corre atrás”, a maioria classificando as serpentes
seres perigosos. Muitas dessas crenças podem comprometer o status ecológico
de algumas espécies. Planos de educação ambiental na comunidade poderão contribuir
para reduzir os impactos sobre as populações da herpetofauna local.
Abstract: Repetitive observation of the nature can bring to the human beings
knowledge about different ecological aspects, as behaviors and different animals,
among them the snakes. Part of this knowledge can be passed on by generations,
taking rich information about medical uses and food, as well as beliefs and miths. This
work aims to to know the customs when a snakes is found, possible uses and beliefs
related to it of the beach Barra de Gramame inhabitants, in the south seaside
of Paraíba. 70 (seventy) structured as well as semi-structured questionnaires were
applied between March and November of 2012. The most usual reactions that people
have when see a serpent are letting it go away and, some times, kill it. Several benefits
were found to serpents, among them, a solution prepared with their poison (most
quoted), besides medicinal, food and handcrafts uses. Knowledge about traditional use
of the rustic medicine were mentioned, like the use of its fat to let them free from aches.
Possible uses of the snakes to feeding, as well as handcrafts show that community have
such information about these animals. People bring myths and superstitions, among
them the existence of a “snake that breast” and “the one that runs towards…”, most of
these showing the danger of the animals. Many of these myths can interfere to the
ecological status of some species. Environmental education plans to these inhabitants
could contribute to reduce some impacts over the local “herpetofauna”.
INTRODUÇÃO
sobreviver (D. Santos-Fita & E. M. Costa-Neto, 2007). No final do século XIX nos
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seus recursos faunísticos (Aves & Souto, 2010 ). Com foco nos répteis surgiu a
etnoherpetologia caracterizada por “um estudo mais específico que delimita seu
enfoque nos grupos étnicos, no que diz respeito ao seu conhecimento, utilização,
usos das serpentes está o uso para fins medicinais. A zooterapia implica no uso de
excrementos para o tratamento de doenças humanas (Costa Neto & Alves, 2010).
ecologia e até para a biologia da conservação, pois carregam uma grande quantidade
de informações zoológicas que podem contribuir para diversos temas como taxionomia,
medicina tradicional o que lhe dá um papel de grande significância (Alves, 2009). Vale a
pena ressaltar que esses répteis possuem diversas utilidades para sociedades
humanas, que vai desde o uso alimentar ao místico, também exercem grande
(Vizzoto, 2003; Alves 2009). Crenças relacionadas às serpentes são inúmeras não só
influenciar as ações humanas com as serpentes, tais crenças, que são na verdade são
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mitos, que devem ser repensadas, já que tendem a ser repassados para outras
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
A Praia Barra de Gramame está localizada no litoral sul paraibano, Fig 1, entre as
idades de 15 a 82 anos.
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Levantamento de Dados
sociais e fechadas dicotômicas (sim, não) para algumas questões sobre serpentes.
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sobre a ecologia trófica, uso e percepções sobre as serpentes, assim como também as
As entrevistas eram feitas nas residências dos entrevistados, sem escolha prévia das
no trabalho. Porém, quase todas as famílias que moram efetivamente na área foram
RESULTADOS E DISCUSSÃO
39% (n=27) por mulheres. Um total de 97% (n= 68) já visualizou serpentes na área, já
3% (n=2) nunca visualizou o que mostra que a visualização de serpentes é comum para
os moradores. A maioria dos encontros com serpentes (32%) foi dentro das suas
residências, quando estes são comumente abatidos ou ao redor, nos quintais, terraços
e calçadas, com (13%) de citações. Foram citados também como locais frequentes de
encontro, o mato com 21%; árvores com 15%, 10% no rio ou em suas proximidades,
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embora (39%), seguido por matar (37%), chamar alguém para matar (13%), tentar
uma serpente ainda é bastante utilizada. Como afirma Vizzoto (2003) “Quando uma
serpente é encontrada, dado o terror que inspira, é morta de imediato a pauladas ou por
pode atribuir percepções negativas para a sociedade. O que demostra uma relação
espécies são mortas devido ao seu valor comercial ou simplesmente por serem
Abordagem ecológica
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segundo os entrevistados. Destes, 64% afirmaram tal fato, 20% responderam não ver
diferenças entre as épocas e 16% citaram a época seca. O período diário de maior
encontro desses répteis foi o diurno, de acordo com 62% dos entrevistados. Parte
serpentes. O período noturno foi o menos citado com 14%. O fato da maior parte das
visualizações de serpentes ter sido durante o dia pode ser explicado porque à noite as
pessoas ficam por mais tempo dentro de suas residências, e até mesmo porque a luz
Sobre a ecologia alimentar 92% apontaram roedores (N:35), aves (N: 24),anfíbios
(N:16) insetos (N:16), outros répteis (N:15), peixes (N:2), ovos (N:7) e mamíferos
pequenos (N:1), como alimentos preferidos pelas serpentes. Também foi citado que as
merianae) (N:21), aves (N:35) entre elas, aves de rapina como gavião e o carcará.
Também foi citado alguns mamíferos (N:4) com gato, veado guaxinim e mangusta.
Uma parte dos entrevistados, 26% afirmaram não saber quais animais se alimentavam
de serpentes.
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Utilidades
Sobre as utilidades das serpentes, 54% afirmaram que não têm utilidade e 46% que
têm alguma utilidade. As utilidades atribuídas foram para a fabricação de soro (42%),
citaram já ter utilizado partes de serpentes com o fim medicinal são eles, uso da banha
de Crotalus durissus (cascavel) para dores musculares (N:1), reumatismo (N:1) dores
na garganta (N:1) e uso de pele de cobra para a retirada de espinhos (N:1), o uso de
incluindo pele, dentes, ossos, carnes e gordura tem valores medicinais, nutricionais e
citando o uso do couro (N:1) e dos ossos (N:1). Segundo Costa Neto & Aves (2010),
zooterapêuticos no Brasil. Em trabalho de (Alves & Pereira Filho, 2007), foi visto que
quatro espécies de serpentes entre elas a jiboia e cascavel foram atribuídas para usos
A banha (gordura) mostra-se o recurso zooterápico de maior uso (Costa Neto & Alves,
2010), como também visto nesse trabalho a banha de jibóia e de cascavel é utilizado
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como também para asma, tosse, hemorróidas, ferimentos entre outros. (Vizzoto, 2003)
afirma que o óleo da banha é aplicado no local das dores e no caso de tratamento de
dores na “garganta” um pano seria umedecido com o óleo e aplicado sobre o pescoço.
no Brasil, como a Boa constrictor (jibóia), Eunectes murinus (sucuri) e Crotalus durissus
(cascavel) (Alves et al., 2010). Foi citado por doze moradores que a Boa constrictor
(jibóia) ou Epicrates assisi (salamanta) pode servir de alimento da mesma forma que foi
restante poderá ser utilizado”. Como visto em estudo no semiárido Brasileiro por Alves
de dietas alimentares (Alves et al 2011). Apesar do uso da fauna silvestre ser uma
pratica comum no Nordeste do Brasil, estudos com esse tema ainda são escassos,
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crenças associar a estes animais percepções negativas para este uso (Alves et
al,2010).
Mitos e crenças
Vizzoto (2003). “Sendo estas crenças repassadas e arraigadas para futuras gerações,
sendo tidas como verdadeiras” (Vizzoto, 2003). A respeito dos mitos e superstições
sobre serpentes, 52% afirmaram acreditar nas crenças conhecidas, 39% não acreditam
e 10% não tem certeza se acreditam ou não nessas crenças. A crença que existe uma
“cobra que mama” foi bastante citada em um total de 41 citações. A crença de que “a
cobra estando choca corre atrás” também foi citada (n=20), crenças envolvendo
Anfisbenas (cobra de duas cabeças) foram variadas (n=10) todas de alguma forma
associando esses animais a serem perigosos. Foi relatada a crença que a coral morde
e espera a pessoa mordida morrer (n=4). Outra crença foi a de que uma pessoa
mordida por serpente e já curada têm a capacidade de curar outras pessoas. Entre os
(Vizzoto, 2003,).
A crença de existe cobra que tem perna, a de que quem é mordido por uma “jericoara”
(Oxbelis aeneus) morre da finura desta serpente, a de que a “pico de jaca” tem cheiro
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de jaca, a crença de quem é mordido por “salamanta 24 horas” só dura (vive) 24 horas
e a que o animal picado por cobra come pião para se curar, foram as menos citadas, 1
citação cada. A crença de que uma serpente vira um arco- íris foi pouco citado, por um
muitas atribuindo a serpentes seres venenosos, até mesmo espécies que não causam
Nesse trabalho também pode ser observado já que serpentes como a salamanta
conhecida por cobra chumbinho foi dita por duas pessoas ser uma serpente tão
perigosa que mata até cavalo. Mesmo não sendo uma serpentes as Anfisbenas por ter
seu corpo alongado e cilíndrico, são ditas como “cobras de duas cabeças”, cuja a
junção das duas cabeças provocaria a morte de quem estivesse por perto, e que a
espécies entre elas as serpentes pode causar a morte indiscriminada desses animais
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CONCLUSÕES
conhecimentos antigos ainda são utilizados e repassados de uma gerações para outra.
serpentes como também percepções negativas, que podem influenciar gerando atitudes
ecológicos.
AGRADECIMENTOS
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Cobra que mama “As serpentes são incapazes de proceder o ato da sucção nas
glândulas mamarias, pois elas não possuem conformação
maleável, flexível e móvel de tecidos que constituem as
bochechas, lábios entre outros que em conjunto, faz-se executar
o processo de sucção” (Vizzoto, 2003).
Cobra que corre atrás estando choca Algumas serpentes da familia dos Colubrídeos, por exemplo a
caninana (Spilotes pullatus), quando irritadas exibem atitudes
agressivas, às vezes arremessam-se ou movimentam-se em
direção ao seu inimigo para intimidá-lo, porém o ofídio se desloca
quando muito, um ou dois metros (Vizzoto, 2003).
Quem é picado por Jericoara (cobra- “Não existe registro de que o veneno de qualquer serpente
cipó) morre da finura dela. estimule perda massiva de massa muscular ou adiposa”.
(Ferreira et al. 2011.)
A pessoa que já foi picado, fica O acidente em questão pode ter sido ocasionado por serpente
curado do veneno de cobra não peçonhenta e se foi ocasionado por serpente peçonhenta a
dose injetada pode ter sido inferior a mínima mortal ao ser
humano (Vizzoto, 2003).
Existe cobra que têm perna e quem Existem lagartos, por exemplo Ophiodes striatus que possuem
vê a perna da cobra morre. um aspecto serpentiformes. “Isso também pode ser explicado
pelo fato de logo após a cópula, ser possível observar a presença
do hemipênis exteriorizado” (Vizzoto, 2003).
“Estes animais são totalmente desprovidos de veneno, embora
Se a cobra de duas cabeças encosta possam causar ferimentos traumáticos importantes, pois mordem
as duas cabeças a pessoa morre. com muita força.” (Puorto; França, 2003; Mateus et al. 2011).
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