PHD Mibmcosta

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Este trabalho foi expressamente elaborado com vista à obtenção

do grau de Doutor em Ciências da Educação, de acordo com o disposto no


n.º 1, do Artigo 17.º, do Decreto-Lei n.º 216/92, de 31 de Outubro.

i
ÍNDICE GERAL

APRESENTAÇÃO ................................................................................XXIII
1. Organização do trabalho......................................................................................... xxv
2. Escrita e genealogia............................................................................................... xxvi
3. Agradecimentos ...................................................................................................... xxx
PARTE I – O PROBLEMA E O MÉTODO .................................................. 1
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA
EDUCAÇÃO............................................................................................................................ 3
1. FLUTUAÇÃO TERMINOLÓGICA: REFLEXO DE UMA SITUAÇÃO...................... 8
2. EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO –
CONFIANÇA E OPTIMISMO ...................................................................................... 17
2.1 Antecedentes ................................................................................................................................... 17
2.2 O primado da quantificação .............................................................................................................. 21
2.3 (Explicações com base na) similitu de com as Ciências Naturais......................................................... 28
2.4 (Explicações com base em) questões políticas e sociais ..................................................................... 31
2.5 Em síntese ....................................................................................................................................... 33
3. O CONTRASTE COM A ACTUALIDADE – CEPTICISMO OU OPTIMISMO
MODERADO ................................................................................................................ 35
4. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 39
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO.......................................................................................... 41
1. CONHECER O PASSADO PARA INVESTIGAR NO PRESENTE.......................... 43
2. UMA ESTRATÉGIA: ANÁLISE DE TEXTOS NORMATIVOS ............................... 47
3. TEXTOS REFLEXIVOS E REFLECTORES ............................................................ 54
4. CONCLUSÃO DA PARTE I ..................................................................................... 70
PARTE II - PERSPECTIVAS.....................................................................73
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL ......................... 75
1. RAZÕES E TENDÊNCIAS ....................................................................................... 77
2. AS HISTÓRIAS DE DE LANDSHEERE.................................................................. 89
2.1 De Landsheere (1988) e De Landsheere (1999): sinopse de doi s textos .............................................. 91
2.2 De Landsheere (1988) versus De Landsheere (1999): permanências e transmutações ......................... 95
2.2.1 Aquilo que o autor quis manter................................................................................ 95
2.2.2 Aquilo que o autor quis modificar, adicionar ou omitir: ............................................ 96
2.2.2.1 Alterações não valorizáveis: ............................................................................ 96
2.2.2.2 Alterações valorizáveis: .................................................................................. 97
2.3 Inter-texto(s): duplos significados ............................................................................ 105

3. A HISTÓRIA DE TRAVERS (1992)........................................................................ 114


3.1 Travers (1992) em síntese .............................................................................................................. 114
3.2 Autonomia, designações e diagnóstico ............................................................................................ 115
3.3 Travers, a sua história e as suas circunstâncias ................................................................................ 118
3.4 (Escassas) abordagens .................................................................................................................... 121
3.5 Norma versus lei ............................................................................................................................ 123

iii
4. A HISTÓRIA DE LAGEMANN (2000) ................................................................... 128
4.1 Breve síntese ................................................................................................................................. 128
4.2 Dialogismos .................................................................................................................................. 133
4.3 Quatro narrativas em confronto ...................................................................................................... 135
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO ......................................... 147
1. DIFERENTES MODOS DE ENTENDER E FAZER INVESTIGAÇÃO ................ 149
2. A ESCOLHA DE UM CONCEITO ......................................................................... 155
3. EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA SEGUNDO KUHN ..................................................... 160
4. O PAPEL DAS COMUNIDADES DE CIENTISTAS.............................................. 163
5. TRÊS PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO.......................................................... 168
6. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A QUANTIFICAÇÃO................................... 171
6.1 Características e sentido da evolução .............................................................................................. 172
6.2 O pós-positivismo.......................................................................................................................... 176
6.3 O estatuto do conhecimento e o protagonismo do investigador: supremacia, poder e distanciamento . 181
7. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A INTERPRETAÇÃO .................................. 183
7.1 Designações e características .......................................................................................................... 184
7.2 Uma via alternativa e multifacetada ................................................................................................ 187
7.3 O estatuto do conhecimento e o protagonismo do investigador: supremacia, poder e proximidade .... 192
8. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A MUDANÇA .............................................. 195
8.1 Um paradigma de delimitação recente e irregular ............................................................................ 195
8.2 A investigação-acção como principal expressão metodológica do paradigma crítico ......................... 199
8.3 Evolução e tipos de investigação -acção........................................................................................... 201
8.4 O professor (também) investigador ................................................................................................. 204
8.5 A investigação-acção crítica ........................................................................................................... 208
8.6 Investigação/ acção/ formação/ transformação ................................................................................ 212
8.7 O estatuto do conhecimento (e o protagonismo) do investigador: paridade e partilha ........................ 215
9. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 218

PARTE III – TEXTOS EM ESCRUTÍNIO................................................ 221


CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE .................... 223
1. CRITÉRIOS ............................................................................................................ 225
2. TIPOLOGIA GERAL .............................................................................................. 228
3. UMA GRELHA DE ANÁLISE................................................................................ 231
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES ............................................... 235
1. NOT (1984c)............................................................................................................ 240
2. LA ORDEN (1985a) ................................................................................................ 249
3. FERNÁNDEZ DÍAZ (1985)..................................................................................... 253
4. CARR & KEMMIS (1986) ....................................................................................... 255
5. POPKEWITZ (1988) ............................................................................................... 259
6. KEEVES (1988a) .................................................................................................... 263
7. HUSÉN (1988)........................................................................................................ 269
8. WALKER & EVERS (1988) .................................................................................... 273
9. SHULMAN (1989) .................................................................................................. 276
10. BIDDLE & ANDERSON (1989) ........................................................................... 279
11. FENSTERMACHER (1989).................................................................................. 285

iv
12. BORG & GALL (1989) .......................................................................................... 287
13. BISQUERRA (1989).............................................................................................. 293
14. COHEN & MANION (1990).................................................................................. 299
15. SOLTIS (1992) ...................................................................................................... 302
16. ARNAL et al (1992)............................................................................................... 304
17. BEST & KAHN (1993) .......................................................................................... 311
18. BERGER (1993) .................................................................................................... 316
19. HITCHCOCK & HUGHES (1995) ........................................................................ 321
20. ALMEIDA & FREIRE (1997)................................................................................ 325
21. KEEVES & LAKOMSKI (1999a).......................................................................... 328
22. HUSÉN (1999) ...................................................................................................... 334
23. WALKER & EVERS (1999) .................................................................................. 339
24. MATEO ANDRÉS (2000)...................................................................................... 340
25. TUCKMAN (2002) ................................................................................................ 346
26. BELL (2004).......................................................................................................... 349
27. EM SÍNTESE........................................................................................................ 351
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX ................... 359
1. LAY (1935/1903) ..................................................................................................... 362
2. CLAPARÈDE (1927/1905) ...................................................................................... 366
3. MEUMANN (1966/1910) ........................................................................................ 373
4. VASCONCELOS (1986/1909); VASCONCELOS (1923)......................................... 379

PARTE IV – CONCLUSÕES ................................................................... 385


CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES .................................................................................. 387
1. QUESTÕES DE (IN)DEFINIÇÃO.......................................................................... 391
2. PASSADO E PRESENTE: RESTRIÇÃO E AMPLITUDE ..................................... 395
3. POSIÇÕES FACE AO PLURALISMO: UM MODELO DE ANÁLISE................... 398
4. ESTRATÉGIAS NARRATIVAS FACE ÀS MUDANÇAS ....................................... 409
5. AMBIGUIDADES: ESTRATÉGIAS DE DIZER E NÃO DIZER ............................ 415
6. AMBIGUIDADES VERSUS CLAREZA DE POSIÇÕES........................................ 419
7. A MATRIZ INICIAL OU A UTOPIA RENOVADA ................................................ 421
8. ELEMENTOS ATÍPICOS....................................................................................... 426
8.1 Vanguardismo ............................................................................................................................... 428
8.2 Subversão ...................................................................................................................................... 431
9. A LINHA DIVIDIDA: TEORIA/ PRÁTICA EM DICOTOMIA OU EM SINTONIA433
10. TESSITURAS INTERTEXTUAIS ........................................................................ 437
10.1 Intertextualidade homo-autoral: modificações e transmutações ...................................................... 438
10.2 Intertextualidade hetero-autoral: diacronia e sincronia de referências ............................................. 450
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONHECER, QUESTIONAR E INOVAR............. 460
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 467

v
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro n.º 1 – Relação de entradas em algumas enciclopédias (norte-


americanas) subordinadas ao tema geral ‘investigação educacional’,
desde a década de 40 do século XX.....................................................11
Quadro n.º 2 – “Bases alternativas para interpretar a realidade social” ....152
Quadro n.º 3 – “Predisposições dos modos de pesquisa quantitativo e
qualitativo”........................................................................................188
Quadro n.º 4 – “Síntese das características dos paradigmas de investigação”
...........................................................................................................198
Quadro n.º 5 – Grelha de análise de textos ..................................................231
Quadro n.º 6 – Corpus de textos a partir dos anos 80 do século XX. ...........237
Quadro n.º 7 – Corpus de textos do início do século XX. ..............................361
Quadro n.º 8 – Comparação entre Vasconcelos (1986/1909) e Vasconcelos
(1923).................................................................................................381
Quadro n.º 9 – Variabilidade de paradigmas /métodos ................................397
Quadro n.º 10 – Posições face ao pluralismo: um modelo de análise de textos
...........................................................................................................400
Quadro n.º 11 – Passado e presente: posições face aos paradigmas ............408
Quadro n.º 12 – Variação de elementos ambíguos .......................................419
Quadro n.º 13 – Projectos emancipatórios ....................................................426
Quadro n.º 14 – Relação teoria/prática .........................................................437
Quadro n.º 15 – Textos analisados do mesmo autor e com o mesmo objecto
...........................................................................................................439
Quadro n.º 16 – Textos com modificações e textos transmutantes ..............450
Quadro n.º 17 – Dimensões de variabilidade entre textos da época inicial e
da época recente ................................................................................460

vii
ÍNDICE DE DIAGRAMAS

Diagrama n.º 1 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação”, em: NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour
l'education? ........................................................................................243
Diagrama n.º 2 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da
educação: abordagens documentais”, em: NOT, L., dir. (1984c) - Une
science spécifique pour l'education? .................................................244
Diagrama n.º 3 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da
educação: abordagens empíricas”, em: NOT, L., dir. (1984c) - Une
science spécifique pour l'education? .................................................245
Diagrama n.º 4 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da
educação: abordagens reflexivas”, em: NOT, L., dir. (1984c) - Une
science spécifique pour l'education? .................................................246
Diagrama n.º 5 – Métodos e abordagens para uma ciência específica da
educação: visão de conjunto, em: NOT, L., dir. (1984c) - Une science
spécifique pour l'education?..............................................................247
Diagrama (Quadro) n.º 6 – Cópia do original, pag.158, em: NOT, L. (1984c) –
Une science specifique pour l’éducation? .........................................248
Diagrama n.º 7 - “Linhas de investigação pedagógica”, em: LA ORDEN, A.
(1985a) - Introducción. In La Orden, A. (1985b) - Investigación
educativa. ..........................................................................................251
Diagrama n.º 8 – “Grandes estratégias da metodologia científico empírica”,
em: LA ORDEN, A. (1985a) - Introducción. In La Orden, A. (1985b). -
Investigación educativa. ...................................................................252
Diagrama n.º 9 - (Paradigmas da investigação pedagógica) “Tipos de
investigação sobre a eficácia docente”, em: FERNÁNDEZ DÍAZ, M.
(1985) - Paradigmas de la investigación pedagógica. ......................254
Diagrama n.º 10 - “Oito tradições gerais no estudo da educação”, em: CARR,
W.; KEMMIS, S. (1986) - Becoming critical: education, knowledge
and action research...........................................................................257
Diagrama n.º 11 - “Posições gerais no que respeita à natureza e objecto da
pesquisa cientifica”, em: CARR, W.; KEMMIS, S. (1986) - Becoming
critical: education, knowledge and action research .........................258
Diagrama n.º 12 – “Paradigmas na ciência da educação”, em: POPKEWITZ,
Thomas (1988) - Paradigma e ideología en investigación educativa:
las funciones sociales del intelectual. ..............................................262

ix
Diagrama n.º 13 – “Métodos (paradigmas, abordagens) de investigação
educacional”, em: KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research,
methodology, and measurement: an international handbook ........ 265
Diagrama n.º 14 – “Métodos de investigação educacional: métodos de
investigação humanística”, em: KEEVES, J., ed. (1988a) -
Educational research, methodology, and measurement: an
international handbook.................................................................... 266
Diagrama n.º 15 – “Métodos de investigação educacional: métodos de
investigação científica”, em: KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational
research, methodology, and measurement: an international
handbook ........................................................................................... 267
Diagrama n.º 16 – “Métodos de investigação educacional: investigação de
orientações políticas”, em: KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational
research, methodology, and measurement: an international
handbook ........................................................................................... 268
Diagrama n.º 17 – “Paradigmas de investigação em educação”, em: HUSÉN,
T. (1988) - Research paradigms in education. In Keeves (1988) (E
em HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In
KEEVES & LAKOMSKI (1999a)..................................................... 271
Diagrama n.º 18 – “Tendências do paradigma humanista”, em: HUSÉN, T.
(1988) - Research paradigms in education. In Keeves (1988)......... 272
Diagrama n.º 19 – “Epistemologia naturalista coerentista”, em: WALKER,
J.; EVERS, C. (1999) – The epistemological unity of educational
research. In KEEVES (1988a). (E em: WALKER & EVERS (1999) –
Research in education: epistemological issues. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a). ........................................................................ 275
Diagrama n.º 20 – “Perspectivas de investigação”, em: SHULMAN, L. (1989)
- Paradigmas y programas de investigación en el estudio de la
enseñanza: una perspectiva contemporánea................................... 278
Diagrama n.º 21 – “Enfoques da ciência social”, em: BIDDLE, B.;
ANDERSON, D. (1989) – Teoria, métodos, conocimiento y
investigación sobre la enseñanza..................................................... 281
Diagrama n.º 22 – “Enfoques da ciência social: perspectiva de comprovação
de hipóteses”, em: BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoria,
métodos, conocimiento y investigación sobre la enseñanza............ 282
Diagrama n.º 23 – “Enfoques da ciência social: perspectiva de exploração ou
de descoberta”, em: BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoria,
métodos, conocimiento y investigación sobre la enseñanza............ 283

x
Diagrama n.º 24 – “Enfoques da ciência social: perspectiva integradora”, em:
BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoría, métodos,
conocimiento y investigación sobre la enseñanza............................284
Diagrama n.º 25 – “Métodos na investigação sobre a educação” em:
FENSTERMACHER, G. (1989) - Tres aspectos de la filosofía de la
investigación de la enseñanza. .........................................................286
Diagrama n.º 26 – “Principais tradições na metodologia de investigação
educacional”, em: BORG, W.; GALL, M. (1989) - Educational
research: an introduction..................................................................289
Diagrama n.º 27 – “Tipos de investigação educacional”, em: BORG, W.;
GALL, M. (1989) - Educational research: an introduction ..............290
Diagrama n.º 28 – “Tipos básicos de investigação educacional (especialmente
na investigação quantitativa)”, em: BORG, W.; GALL, M. (1989) -
Educational research: an introduction .............................................291
Diagrama n.º 29 – “Outros tipos de investigação”, em: BORG, W.; GALL, M.
(1989) - Educational research: an introduction . ..............................292
Diagrama n.º 30 – “Paradigmas da investigação pedagógica”, em:
BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia
práctica . .............................................................................................294
Diagrama n.º 31 – “Métodos de investigação educativa”, em: BISQUERRA,
R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica . ......295
Diagrama n.º 32 – “Métodos de investigação educativa: estudos descritivos”,
em: BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa:
guia práctica ......................................................................................296
Diagrama n.º 33 – “Metodologia qualitativa”, em: BISQUERRA, R. (1989) -
Métodos de investigación educativa: guia práctica . ........................297
Diagrama n.º 34 – “Investigação-acção”, em: BISQUERRA, R. (1989) -
Métodos de investigación educativa: guia práctica . ........................298
Diagrama n.º 35 – “Paradigmas (métodos) de estudo de comportamento”, em:
COHEN, L.; MANION, I. (1990) - Métodos de investigación
educativa . ..........................................................................................300
Diagrama n.º 36 - “Métodos de investigação educativa”, em: COHEN, L.;
MANION, I. (1990) - Métodos de investigación educativa..............301
Diagrama n.º 37 – “Paradigmas de investigação educacional”, em: SOLTIS,
J. (1992) - Inquiry paradigms. In ATKIN, M. - Encyclopedia of
educational research . 6.ª ed..............................................................303

xi
Diagrama n.º 38 – “Paradigmas de investigação educativa”, em: ARNAL, J.;
Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación educativa:
fundamentos y metodología . ............................................................ 306
Diagrama n.º 39 – “Metodologias de investigação educativa”, em: ARNAL, J.;
Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación educativa:
fundamentos y metodología. ............................................................ 307
Diagrama n.º 40 – “Metodologias de investigação educativa: perspectiva
empírico-analítica”, em: ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A.
(1992) - Investigación educativa: fundamentos y metodología ....... 308
Diagrama n.º 41 – “Metodologias de investigação educativa: de perspectiva
humanístico-interpretativa”, em: ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.;
LATORRE, A. (1992) - Investigación educativa: fundamentos y
metodología ....................................................................................... 309
Diagrama n.º 42 – “Metodologias de investigação educativa: investigação
mais orientada para a prática educativa”, em: ARNAL, J.; Del
RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación educativa:
fundamentos y metodología . ............................................................ 310
Diagrama n.º 43 – “Paradigmas de investigação educacional”, em: BEST, J.;
KAHN, J. (1993) - Research in education . ...................................... 312
Diagrama n.º 44 – “Categorias de investigação”, em: BEST, J.; KAHN, J.
(1993) - Research in education ......................................................... 313
Diagrama n.º 45 – “Finalidades da investigação”, em: BEST, J.; KAHN, J.
(1993) - Research in education ......................................................... 314
Diagrama n.º 46 – “Tipos de investigação educacional”, em: BEST, J.;
KAHN, J. (1993) - Research in education . ...................................... 315
Diagrama n.º 47 – “Modelos globais de abordagens do saber no domínio das
ciências sociais em geral, e no domínio das ciências da educação em
particular”, em: BERGER, G. (1993) - A investigação em educação:
Modelos sócio-epistemológicos e inserção institucional. ................. 318
Diagrama n.º 48 – “Problemáticas quase inevitáveis e incontornáveis pelas
quais toda a pesquisa em educação não pode deixar de passar”, em:
BERGER, G. (1993) - A investigação em educação: Modelos sócio-
epistemológicos e inserção institucional.......................................... 319
Diagrama n.º 49 – “Tendências de uma fenomenologia entendida como uma
tentativa de descrever o fenómeno educativo de uma forma mais
modesta mas o mais rica possível”, em: BERGER, G. (1993) - A
investigação em educação: Modelos sócio-epistemológicos e inserção
institucional...................................................................................... 320

xii
Diagrama n.º 50 – “Paradigmas/modelos/abordagens na investigação social e
na investigação educacional”, em: HITCHCOOK, G.; HUGHES, D.
(1995) - Research and the teacher: a qualitative introduction to
school-based research . ......................................................................322
Diagrama n.º 51 – “Técnicas de investigação qualitativa”, em: HITCHCOOK,
G.; HUGHES, D. (1995) - Research and the teacher: a qualitative
introduction to school-based research. .............................................323
Diagrama (Quadro) n.º 52 – Cópia do original, pag. 7, “Tipos de desenho de
investigação”, em: HITCHCOOK, G.; HUGHES, D. (1995) - Research
and the teacher: a qualitative introduction to school-based research.
...........................................................................................................324
Diagrama n.º 53 – “Perspectivas básicas das investigações” (em psicologia),
em: ALMEIDA, L.; FREIRE, T. (1997) - Metodologia da investigação
em psicologia e educação. .................................................................326
Diagrama n.º 54 – “Modalidades mais frequentes de investigação psico-
educativa”, em: ALMEIDA, L.; FREIRE, T. (1997) - Metodologia da
investigação em psicologia e educação. ............................................327
Diagrama n.º 55 – “Abordagem da investigação educacional”, em: KEEVES
& LAKOMSKI (1999a), (KEEVES, 1999). .......................................331
Diagrama n.º 56 – “Abordagens que são correntemente usadas na
investigação educacional”, em: KEEVES, J.; LAKOMSKI, G., ed.
(1999a) - Issues in educational research..........................................332
Diagrama n.º 57 – “Abordagem da investigação educacional”, em: KEEVES,
J. (1999) - Overview of issues in educational research. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a) (Keeves, 1999).................................................333
Diagrama n.º 58 – “Paradigmas de investigação em educação”, em: HUSÉN,
T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a). (E em HUSÉN, T. (1988) - Research
paradigms in education. In Keeves (1988).......................................336
Diagrama n.º 59 – “Paradigmas principais no planeamento da investigação”,
em: HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In
KEEVES & LAKOMSKI (1999a) .....................................................337
Diagrama n.º 60 – “Tendências do paradigma humanista”, em: HUSÉN, T.
(1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a)..........................................................................338
Diagrama n.º 61 – “Paradigmas da investigação na educação”, em: MATEO
ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000)
...........................................................................................................341

xiii
Diagrama n.º 62 – “Modalidades de investigação em educação”, em: MATEO
ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).
........................................................................................................... 342
Diagrama n.º 63 – “Modalidades da investigação em educação: metodologias
de inspiração empírico-analítica”, em: MATEO ANDRÉS, J. (2000) -
A investigação educacional. In VIDAL (2000). ................................ 343
Diagrama n.º 64 – “Modalidades da investigação em educação: metodologias
orientadas para a interpretação e a compreensão”, em: MATEO
ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).
........................................................................................................... 344
Diagrama n.º 65 – “Modalidades de investigação em educação: metodologias
orientadas para a interpretação e para a compreensão”, em:
MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL
(2000). ............................................................................................... 345
Diagrama n.º 66 – “Modalidades de investigação em educação”, em:
TUCKMAN, B. (2002) - Manual de investigação em educação. ..... 348
Diagrama nº 67 – “Abordagens (estilos) de pesquisa”, em: BELL, J. (2004) –
Como realizar um projecto de investigação: um guia para a pesquisa
em ciências sociais e da educação. ................................................... 350
Diagrama n.º 68 – “Pedagogia experimental”, em: LAY, W. (1935/1903) –
Pedagogía experimental. .................................................................. 364
Diagrama n.º 69 – “Métodos experimentais de investigação”, em: LAY, W.
(1935/1903) – Pedagogía experimental............................................ 365
Diagrama n.º 70 – “Os métodos”, em: CLAPARÈDE, E. (1927/1905) –
Psicología del niño y pedagogía experimental. ................................ 370
Diagrama n.º 71 – “Métodos de investigação”, em: CLAPARÈDE, E.
(1927/1905) – Psicología del niño y pedagogía experimental ......... 371
Diagrama n.º 72 – “Métodos gerais de investigação”, em: CLAPARÈDE, E.
(1927/1905) – Psicología del niño y pedagogía experimental ......... 372
Diagrama n.º 73 – “Métodos de investigação da infância”, em: MEUMANN,
E. (1966/1910) – Pedagogia experimental ....................................... 376
Diagrama n.º 74 – “Meios e métodos de investigação da pedagogia
experimental”, em: MEUMANN, E. (1966/1910) – Pedagogia
experimental ..................................................................................... 377
Diagrama n.º 75 – “Ciência pedagógica”, em: MEUMANN, E. (1966/1910) –
Pedagogia experimental ................................................................... 378
Diagrama n.º 76 – “Métodos da psicologia infantil”, em: VASCONCELOS
(1986/1909); VASCONCELOS (1923) – Pedagogia experimental .. 384

xiv
xv
Resumo

Este trabalho é sobre o modo como os textos normativos da


investigação educacional referem determinados aspectos do seu objecto,
visando contribuir para uma compreensão da evolução e da identidade da
investigação educacional, bem como para perspectivar orientações futuras.
O método escolhido foi a análise de textos, com a aplicação de determinados
recursos de análise textual, na perspectiva de que a produção de textos é,
também, uma parte da configuração da própria investigação educacional. O
trabalho está organizado em três partes. Na Parte I, é feita uma
apresentação e discussão do problema – que assenta na constatação das
dificuldades em conseguir articular com coerência a diversidade de
interpretações disponíveis sobre a investigação educacional – e do método
escolhido para o abordar. Na Parte II, são destacadas perspectivas
fundamentais sobre esta problemática, nomeadamente perspectivas
históricas e perspectivas epistemológicas. A Parte III corresponde ao
resultado de uma aproximação focalizada em textos de dois pólos temporais
de cerca de 20 a 25 anos: o pólo dos textos da época primeva, de 1903 a 1923,
aproximadamente; o pólo dos textos da época mais recente, a partir do início
dos anos 80 do século XX. As principais conclusões resumem-se em que os
textos normativos revelam características marcantes da época a que dizem
respeito. São apontadas determinadas regularidades e padrões que
convergem na apresentação de um modelo de análise de textos de
investigação educacional. São destacadas também certas idiossincrasias,
sendo que, o conjunto das conclusões contribui para uma caracterização do
que tem sido a investigação educacional. Este trabalho reveste-se de
especial interesse para investigadores da educação, professores e práticos
em geral, decisores políticos e decisores de instituições relacionadas com a
investigação educacional e com a formação de professores.

xvii
Abstract

“Educational research: a study of normative texts”

This work aims to contribute to an understanding of the identity and


evolution of educational research, by interpreting the way educational
research normative texts refer some features of their object.
Textual analysis is the elected method, assuming that writing, in
itself, is an intrinsic part of educational research. It is carried out an
analysis of two clusters of texts from the beginning of the twentieth century
and from the 80’s onwards.
This analysis led to the recognition of some patterns (which gave rise
to the presentation of a model of text analysis), as well as some, not easily
standardized, idiosyncrasies.

xix
Resumé

“Recherche en éducation: étude sur les textes normatifs”

Ce travail a comme but contribuer à une meilleur compréhension de


la recherche en éducation. La méthode adoptée a été le commentaire de
textes normatifs, tout en assumant que l’écriture occupe une place
intégrante dans la recherche. Ils ont été étudiés des ensembles de textes
datant, non seulement, du débout du vingtième siècle, mais aussi des
années 80 et des années suivantes.
Cette étude en question a amené, d’une part, à l’identification de
certains patrons (qui ont d’ailleurs permis la construction d’un modèle
d’analyse de textes), et d’autre part à l’identification des idiosyncrasies,
difficilement standardisables.

xxi
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO

1. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Este trabalho é sobre o modo como os textos normativos do
movimento de cientificação (genericamente designados como textos de
investigação educacional) referem determinados aspectos do seu objecto.
Não visa, portanto, analisar a diversidade de práticas de
investigação educacional que ocorrem nas mais diversas circunstâncias,
debruçando-se apenas sobre os textos normativos que, de algum modo, os
orientam.
O trabalho está organizado em três partes. Na Parte I, é feita uma
apresentação do problema – que assenta na constatação das dificuldades em
articular com coerência a diversidade de interpretações disponíveis sobre a
investigação educacional – e do método escolhido para o abordar, a análise
de textos.
Na Parte II, são destacadas perspectivas fundamentais sobre esta
problemática, nomeadamente perspectivas históricas e perspectivas
epistemológicas.
A Parte III corresponde ao resultado de uma aproximação focalizada
em determinados textos específicos daquele movimento, abrangendo dois
pólos temporais de cerca de 20 a 25 anos: o pólo dos textos da época primeva,
de 1903 a 1923, aproximadamente; o pólo dos textos da época mais recente,
a partir do início dos anos 80 do século XX.
Neste sentido, foram reconhecidas algumas características e
regularidades, algumas das quais já habitualmente referidas na maioria das
narrativas sobre a investigação educacional. Mas, para além disso, foi
possível construir um modelo de análise de textos sobre investigação
educacional, a partir de determinadas regularidades e padrões detectados,
bem como identificar algumas idiossincrasias que, no seu conjunto,

xxv
APRESENTAÇÃO

perfazem o contributo específico deste trabalho para enriquecer as


perspectivas sobre o que é investigar em educação.
A abordagem deste tema, mediante esta metodologia, pretende
configurar um contributo válido para a obtenção de um quadro plausível a
partir do qual entender o estado actual de uma área de estudos, a
investigação educacional, cujos contornos se mostram difíceis de delimitar.
Neste sentido, o presente trabalho insere-se numa das tendências
contemporâneas da investigação porque, estimulado e alimentado pela
perplexidade face ao contraste entre o ponto inicial e a actualidade de uma
área de estudos, tenta compreender a sua evolução, o seu estado actual e as
suas possibilidades, visando contribuir para uma percepção da sua
identidade e para perspectivar as orientações futuras.

2. ESCRITA E GENEALOGIA
Este trabalho é escrito na primeira pessoa do singular, apesar de
ciente de que contraria um hábito generalizado nos discursos científicos.
Não pareceu adequado a este tipo de projecto o plural majestático,
aconselhado por diversos autores. Entre eles, Humberto Eco (1988) que
justificou o uso do plural majestático porque se supõe que as afirmações de
quem faz uma tese são para ser compartilhadas pelos leitores (admitindo,
contudo, que, no máximo, se podem escolher expressões impessoais).
De certo modo, Eco fez uma ligação implícita ao que explicitamente
escreveu mais à frente, na mesma obra: a assunção de que quem escreve é
um especialista sobre a matéria e, como tal, não deve adoptar um discurso
de humildade, antes de sabedoria: “sede humildes e prudentes antes de
pronunciar palavra, porém, quando já a haveis pronunciado sede altaneiros

xxvi
APRESENTAÇÃO

e orgulhosos.” (Eco, 1998:220).1 Ora, a história da ciência mostra bem o


quanto se escreveu erradamente, pelo que parecem dispensáveis os excessos
de segurança. Por outro lado, o próprio texto de Eco citado fornece um
exemplo de humildade científica,2 o qual é suficiente para admitir que
mesmo as obras mais simples podem conter as chaves de alguns enigmas.
No caso presente, além da discordância com a argumentação de Eco,
aduzem-se outras razões para a escrita na primeira pessoa do singular. Se
os relatórios sobre os projectos devem reflectir, de algum modo, as
investigações realizadas, adoptar aqui um discurso de distanciamento seria
um tanto forçado, não mimético com o que ocorreu e constituiria, só por si,
uma “não explicação,” um indicador deturpador do que foi esta investigação.
Não encontrei razões para assumir um discurso de distanciamento ao
escrever sobre algo em que comecei por aceitar o papel duplo de sujeito
investigador e, de certa forma, de sujeito investigado e cujo papel não foi
exactamente de distanciamento – principalmente se tiver em conta a
genealogia do presente trabalho, que está muito para além daquilo que
consta nos capítulos que o compõem, pois, antes deste, efectuei outros
estudos que, de formas não aqui manifestas, é certo, pertencem também à
tese que agora se apresenta.

1 Tradução da autora do presente trabalho (formação inicial: Licenciatura em


Estudos Anglo-Americanos pela Faculdade de Letras da Universidade Lisboa).
De uma forma geral, as citações formais dos idiomas Inglês, Espanhol e Francês
são apresentadas vertidas para Língua Portuguesa. Exceptuam-se alguns
vocábulos, expressões ou pequenas frases cuja tradução lhes poderia fazer
perder algo da sua expressividade.
2 A referência de Eco (1998:174-176) à obra do abade Vallet.

xxvii
APRESENTAÇÃO

De entre aqueles estudos, destaco um estudo de formação-


investigação-acção, no âmbito de um curso de formação de professores,3 que
foi, inicialmente, o âmago deste trabalho de doutoramento. O projecto tinha
como propósito apreciar a recepção dos docentes-formandos à formação em
metodologia de investigação em educação, tendo em atenção que se tratava
de docentes profissionalizados e, a maioria, com anos de experiência
profissional.
Aquele estudo decorreu durante cerca de três anos, observando as
regras próprias deste tipo de projectos, e incluiu:

 dois semestres de formação em metodologia de investigação em


educação e respectivas avaliações;

 vários momentos de recolha de dados e respectivas análises


(diversos tipos de textos escritos dos formandos; entrevistas semi-
estruturadas aos vinte docentes-formandos);

 produção regular de textos de reflexão por parte da formadora-


investigadora, ao longo de todo o projecto;

 análise da formação e dos dados.

3 “Curso de Estudos Superiores Especializados” em “Educação de Adultos e


Desenvolvimento Comunitário”, 1996-1998, na Universidade de Trás-os-Montes-
e-Alto-Douro, Pólo de Chaves.
Quero deixar aqui o registo do meu profundo e eterno agradecimento à totalidade
dos vinte docentes integrantes da turma, que amavelmente cooperaram com
aquele primeiro projecto de doutoramento. As aprendizagens que com eles
realizei não foram em vão, pois elas acabam por estar presentes, embora não de
forma explícita, nas páginas da tese que agora apresento.

xxviii
APRESENTAÇÃO

Após a análise da formação e dos dados, e já na fase das conclusões


finais, e por razões meramente de reflexividade pessoal, o estudo foi
abandonado, abrindo passo para o trabalho que agora se apresenta.
Defendo, por isso, que a postura do pesquisador não tem que ser
necessariamente de afastamento. Pelo contrário, ele pode demonstrar,
através de sinais mais ou menos explícitos, a sua intervenção nos projectos.
Tal intervenção é real, mesmo quanto se resume às interpretações que o
investigador veicula através dos textos que apresenta, de acordo com Denzin
(1998).
Popkewitz (1988) abordou também este aspecto escrevendo que o
estilo impessoal, juntamente com o uso das matemáticas, pretendem
conferir às investigações uma aparência de neutralidade. Tal careceria de
justificação, segundo Popkewitz, devido a que a ciência social é um conjunto
de conhecimentos próprios de um grupo social determinado.
Também Usher (1996) criticou, de um modo geral, os textos
académicos, quando observou que eles se apresentam como se não
pertencessem a nenhum contexto em particular, aparentando assim ser um
veículo perfeito para a divulgação de conhecimento descontextualizado.
De modo semelhante, Richardson (1998) argumentou que forma e
conteúdo são inseparáveis, que a escrita científica também reflecte os
contextos sócio-históricos e que o uso de formas impessoais é mais uma
forma de pretender vincar a autoridade científica de quem escreve.
Este autor observou mesmo que os investigadores (referindo-se
concretamente aos trabalhos em contextos pós-modernos e aos
investigadores qualitativos) não precisam de adoptar o papel de narradores
omniscientes e detentores de conhecimentos universais e atemporais. Antes,
podem assumir o seu lugar, o seu papel e a sua subjectividade sem que o seu
trabalho perca as qualidades que o tornam merecedor do interesse das
comunidades científicas e não científicas. Richardson (1998) comentou ainda

xxix
APRESENTAÇÃO

que as mudanças nos estilos dos discursos científicos são também sinais de
mudanças de paradigma.
Em todo o caso, devo referir que, na prática, se faz sentir o peso do
hábito, donde e apesar destes considerandos, verifiquei que tendia a adoptar
as soluções de discurso impessoal, sempre que possível.

3. AGRADECIMENTOS
Quero deixar aqui a expressão dos meus profundos agradecimentos a
todas as pessoas que me ajudaram ao longo da realização deste estudo.
Refiro-me a familiares, amigos e colegas (da UTAD e de outras instituições,
e com distintas funções dentro delas) que me transmitiram o seu apoio –
cada um a seu modo – em várias fases e circunstâncias da realização dos
trabalhos.
Dispenso-me de os nomear, pois a lista que fui elaborando ao longo
destes tempos mostrou-se inadequada para dela deixar aqui registo, não
apenas por ser longa, mas, principalmente, pelos riscos de se revelar
incompleta, injustiça da qual não me perdoaria.
A segurança com que aqui escrevo estas palavras advém da certeza
que tenho de que qualquer um daqueles familiares, amigos e colegas que
leia estas linhas, nelas reconhecerá a sua quota-parte e aceitará a sentida
gratidão que, em todos os momentos, lhe testemunho.
Não posso, contudo, deixar de manifestar particulares
agradecimentos à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que
concretizo nos agradecimentos aos Magníficos Reitores, Professor Doutor
José Manuel Gaspar Torres Pereira (já falecido) e ao Professor Doutor
Armando Mascarenhas Ferreira, por todo o apoio que me tem sido
concedido. Os meus agradecimentos, também, à Direcção-geral do Ensino
Superior, pelo apoio concedido através do PRODEP II.

xxx
APRESENTAÇÃO

Os meus agradecimentos muito especiais ao Professor Doutor Telmo


Caria, por todo o apoio, sugestões e ensinamentos e, também, pelo modo
como doseou os estímulos e as críticas ao longo do tempo em que, com
paciência e sabedoria, acompanhou este trabalho.

xxxi
PARTE I – O PROBLEMA E O MÉTODO
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O
MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

4
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE


CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

“Ciência da Educação”, “Ciências da Educação”, “Investigação


Educacional”, “Pedagogia Científica”, “Investigação Educativa” são
expressões com frequência presentes no trabalho de todos aqueles que, das
mais variadas formas, se têm dedicado a pensar a educação.
São múltiplos e imemoriais os vestígios que nos permitem
conjecturar sobre o que foi a educação, como prática ou como objecto de
estudo, ao longo dos tempos e dos lugares, não sendo propósito do presente
trabalho abordar esse tema de uma forma aprofundada.
De entre as diversas formas de pensar a educação, e por volta do
século XIX e no chamado mundo ocidental, ganhou notoriedade a pretensão
de cientificar o estudo da educação, ou seja, a tendência de adicionar ao
estudo e à prática da educação uma nova qualidade, a qualidade científica.
Esta tendência manifestou-se por diversas formas, matizes, associações,
evoluções e respectivas designações.
Reúne amplos consensos, presentemente, a alegação segundo a qual,
qualquer estudo sobre questões educacionais, desde que com evidências de
reflexões fundamentadas, pode ser incluído em alguma linha dos estudos
científicos da educação.
Porém, o que é certo é que, por um lado, nem sempre este assunção
obteve tão ampla aprovação e, por outro lado, de entre a variedade de tipos
de estudos em educação, alguns houve que se distinguiram e distinguem,
entre outros aspectos, pela relevância que atribuem à qualificação de
científico, independentemente das orientações dessa qualificação.
Dito de outra forma, se ainda hoje se fala em investigação
educacional ou em, de algum modo, tornar a educação científica, é porque,
num dado momento histórico, surgiu um projecto assumidamente científico
para a educação, no sentido de que os defensores desse projecto enfatizaram

5
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

a sua faceta de cientistas, no conjunto das várias características inerentes


ao seu estatuto de pensadores da educação.
Ou seja, independentemente de se considerar, ou não, que se pode
falar de uma disciplina, o que é certo é que, a partir de determinada época,
se verificou a presença de uma nova situação no que respeita aos estudos
sobre educação: a insistência no esforço de lhes associar o método científico
(independentemente da conotação atribuída a esta expressão e da
operacionalização da mesma).
Do mesmo modo, também parece certo que esse esforço nunca mais
esteve ausente em boa parte dos trabalhos em educação, quanto mais não
fosse, integrado nas tentativas de legitimação desses mesmos trabalhos,
pois, nunca como ao longo do século XX, a legitimação de quaisquer tipos de
estudos esteve tão dependente da incorporação de adjectivações
pertencentes ao campo semântico da ciência.
Porém, verifica-se que esta tradição tem assumido facetas
contraditórias, difíceis de ordenar num todo coerente, como se constata
através da consulta a textos, de várias épocas, sobre a mesma.
De facto, e a título de exemplo, os campos semânticos àquela
tradição associados mostram-se pejados de referências, com frequência não
coincidentes, a vocábulos como “método”, “paradigma”, “metodologia”,
“qualitativo”, “quantitativo”, “interpretativo” e tantos outros.
Os textos deixam suspeitar, também, que existem problemas de
identidade e de diagnóstico, o que justifica que se coloquem interrogações
sobre, afinal, de que se fala quando se fala em investigação educacional?
Que caminhos são considerados legítimos? Que facetas tem assumido esse
modo particular de estudar a educação?
É fundamentalmente sobre aquela tradição de estudo da educação,
que surgiu e se desenvolveu à sombra do epíteto científico, que se debruça o
presente trabalho, nomeadamente, procurando um contributo para a
compreensão da sua evolução e do seu estado actual.

6
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Tratando-se de um universo tão vasto e tão complexo, o estudo


daquela tradição de investigação tem vindo a ser feito recorrendo a várias
estratégias, entre outras: análise de projectos, avaliação dos resultados dos
projectos, publicação e análise de textos de diversa tipologia, discussões em
fóruns de vária índole.
Tornou-se necessário, então, restringir o ângulo de análise,
procurando uma estratégia através da qual, e ciente de que jamais abarcaria
o todo, poderia, pelo menos, obter um quadro plausível e articulado de uma
das partes, a partir do qual fosse legítimo admitir que se conheceria um
pouco mais sobre o todo.
Assim, procurou-se alargar o conhecimento sobre a investigação
educacional, restringindo o tema e centrando a atenção apenas na análise de
textos, mais concretamente na análise de diversos textos normativos que, ao
longo de décadas, e de modos mais ou menos explícitos, tentaram
regulamentar a cientificidade dos estudos em educação.
Por ser este um trabalho sobre investigação educacional, na
abordagem aos vários sub-temas, procurei, sempre que exequível, as
perspectivas dos textos da própria investigação educacional.
Continuo ciente, contudo, de que aquilo que o tema desta
investigação tem de mais seguro é a dificuldade em o delimitar enquanto
objecto de estudo e, por consequência, a dificuldade em identificar os
consensos sobre os procedimentos adequados para o estudar.
Apesar disso, não devem estas razões ser invocadas como
justificativo para a não abordagem desta temática, pois, como é sabido, o
estudo de qualquer tema do âmbito da educação, raramente suscita
consenso e, de qualquer forma, pela sua complexidade, não poderá dispensar
a mais ampla variedade de perspectivas. Ou seja, sobre a educação
dificilmente se conseguirão perspectivas globalizantes, homogéneas e

7
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

amplamente consensuais, pelo que não se podem dispensar todos os


contributos, desde que revelem um genuíno interesse e estudo sobre o tema.4

1. FLUTUAÇÃO TERMINOLÓGICA: REFLEXO DE UMA


SITUAÇÃO
As dificuldades em delimitar o objecto de estudo começam logo por
ser evidentes quando se inicia a procura de uma designação consensual, pois
verifica-se que as designações sobre a investigação que se faz na área da
educação variam notavelmente, consoante as épocas, os países e os autores,
sendo raros – se alguns – os tempos e os lugares em que todos se referiam à
mesma coisa, da mesma forma e tendo na ideia um referente de contornos
idênticos.
Esta situação tem vindo a ser reconhecida em diversos escritos, em
diversos tempos e lugares. Assim, ainda no início dos anos 40 do século XX,
Abelson (1943:681) escreveu que “os esforços para definir a investigação
educacional estão rodeados de dificuldades”. Mais de meio século volvido, as
expressões encontradas para designar as tentativas de cientificação da
educação revelam-se labirínticas, como que espelhando algumas facetas da
área que, precisamente, querem significar.
Com referência a projectos de estudo da educação que,
explicitamente, privilegiassem a qualidade científica, face a outras
qualidades, foram encontradas várias expressões com ligações semânticas
cruzadas: “investigação sobre educação”, “investigação em educação”,
“investigação para a educação”, “investigação educativa”, “pedagogia”,

4 De resto, a situação descrita acima não é atributo exclusivo da educação, pois,


mesmo na generalidade das disciplinas já sedimentadas, das Ciências Naturais
ou das Ciências Sociais, constata-se falta de consenso, até no que diz respeito à
organização das disciplinas, havendo, por isso, diversas propostas de conjugação
de esforços para a reorganização das mesmas (Cf. Wallerstein, 1996).

8
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

“investigação pedagógica”, “ciência educacional”, “investigação educacional”,


“investigação da educação”, “pedagogia experimental”, “estudos científicos
em educação”, “ciência específica da educação”, “investigação experimental
em educação”, “estudos educacionais”, “movimento de cientificação da
educação”, “pesquisa em educação”, “ciências da educação”, “educiência”,
“investigação em ciências da educação”, “ciência da educação”, “ciência
pedagógica”, “ciências pedagógicas”, “cientificação da educação”, “pedido
sistemático de cientificidade para a educação”, “movimento científico em
educação”, “cientificidade dos discursos científicos”, entre outras.
Algumas destas designações tendem a ser mais próprias de
determinadas épocas, ou a estar mais conotadas com certas tradições
académicas, mas não é fácil circunscrevê-las rigidamente a uma
determinada época, tradição ou contexto.
Assim, a designação “pedagogia experimental” (que, como se verá,
significou, em determinada época e para alguns sectores, a pretensão de
circunscrever toda a investigação relacionada com a educação merecedora de
apelido científico), lê-se mais em textos de influência francófona, da primeira
metade do século XX, mas não deixa de se encontrar ainda em textos da
segunda metade do século, como comprovam os textos de Mialaret (1959) e
de Léon et al (1980).
A expressão “pedagogia experimental” esteve em uso na Europa,
mais ou menos até cerca da década de 40, entremeada por vezes com a
designação “ciência da educação”; nos EUA prevaleciam as expressões
“science of education” ou “scientific movement in education”. Às diferenças
de nomenclatura entre a Europa e os EUA não correspondem diferenças
relevantes nos objectos que significam, como se verá, já que, não sem alguns
matizes, ambas as designações evidenciam os mesmos compromissos
epistemológicos.
Em França, a expressão “ciências da educação” ganhou terreno a
partir dos finais dos anos 60 do século XX, segundo Not (1984b). Este autor,

9
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

depois de traçar a desqualificação do vocábulo “pedagogia”, enquanto ciência


da educação, e da sua substituição pela expressão “ciências da educação”, na
década de 60 do século XX, argumentou em favor da constituição da “ciência
específica da educação”, a “educiência”.
A designação “investigação educacional”, ou expressões muito
idênticas (“investigação em educação”, “investigação educativa”) começou
por ser mais usada em países de influência anglo-saxónica (“educational
research”, “education research”).
A rota da designação “investigação educacional” não foi linear,
mesmo nos países anglo-saxónicos, como se pode presumir seguindo o seu
percurso, numa perspectiva diacrónica de décadas, em obras de referência
(enciclopédias de educação e de investigação educacional), nos EUA, como
mostra o quadro que se segue.

10
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Quadro n.º 1 – Relação de entradas em algumas enciclopédias (norte-


americanas) subordinadas ao tema geral ‘investigação educacional’, desde a
década de 40 do século XX

Década Enciclopédia Edição Título da Autor


entrada
40 H. Rivlin & “Educational H. Abelson
“Encyclopedia of
H. research” (1943)
modern
Schueler
education”
(1943)
50 “Encyclopedia of W. Monroe “Science of B. O. Smith
educational (1956) education” (1956)
research”
60 “Encyclopedia of R. Ebel “Research in F. Kerlinger
educational (1969) education” (1969)
research”
80 “Encyclopedia of H. Mitzel Não consta ________
educational (1982) nenhum
research” título
congénere
90 “Encyclopedia of M. Atkin “History of R. Travers
educational (1992) educational (1992)
research” research”

Como se pode ver, a “Encyclopedia of educational research ” exibe


variações, feitas também de ausências e de regressos, que reflectem,
certamente, algo sobre o estado da arte da época a que se reportam.
Na década de 70 do século XX, Clifford (1973:1) deu bem conta desta
situação quando atribuiu sentidos mais profundos às mudanças de
terminologia, como indicando mudanças no movimento científico da
educação, ao registar a passagem da designação “ciência da educação” para
“ciência educacional” e, finalmente, o que classifica de mais modesto,
“investigação educacional” (“educational research”).

11
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Em Portugal, e apesar de uma certa tradição de ligação à linha


francófona, a expressão “investigação educacional” tem vindo a ganhar
terreno nas últimas décadas.
Contudo, neste país – e não obstante a expressão “investigação
educacional” (ou as similares “investigação em educação”, “investigar em
educação”) tender a ser cada vez mais usada – as expressões “ciência da
educação” e “ciências da educação” continuam a estar no cerne de intensas
reflexões (e nem sempre como sinónimos de “investigação educacional”), de
formas que não colidem com o uso da expressão “investigação educacional”,
como mostram os textos de A. Estrela (1992) ou de A. de Carvalho (1994).
O caso português, de que se fala a seguir, é ilustrativo do que se
passa noutras latitudes.
Neste país, se aparenta existir algum consenso, ainda que tácito, é
no reconhecimento das insuficiências, equívocos ou ambiguidades de
qualquer uma daquelas expressões e seus significantes, como é visível
através das expressões escolhidas por distintos autores para designar a
área, que se afigura a todos os títulos nebulosa, de estudos científicos em
educação.
Assim, A. Estrela (1992:12) referiu as “ciências que se dedicam ao
estudo dos fenómenos da Educação (impropriamente designadas por
Ciências da Educação)””, mostrando, desse modo, a sua discordância com
esta designação e abrindo caminho para outras formulações. 5
Nóvoa (1996:89) usou a expressão “investigação educacional”,
Alarcão (1996:82) a expressão “investigação em educação” e Campos

5 Estes exemplos sobre as preferências demonstradas por alguns autores não


significam que estes autores não tenham usado outras expressões análogas, nos
escritos citados, ou noutros. O que se pretende deixar claro com esta breve
enumeração é a variedade de designações encontrada, em textos recentes, em
Portugal.

12
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

(1995:9,107) utilizou as expressões “investigação em educação” e


“investigação educacional.”
Lima (2003:7), por seu turno, recorreu à expressão “pesquisa em
educação”, no editorial de revista de publicação recente cujo título –
“Investigar em educação” – parece revelar uma posição de grande
descomprometimento face à questão das designações.
Estas expressões parecem, de facto, implantadas em Portugal, como
é atestado pelo trabalho de Oliveira, Pereira & Santiago (2004) sobre as
grandes orientações, concepções e opções dos programas de metodologia de
investigação da formação inicial de professores, neste país. De acordo com
este trabalho, naqueles programas, verifica-se que os títulos das disciplinas
apresentam maioritariamente enunciados afins da expressão “investigação
educacional”.
Quanto a Correia (1998), recorreu preferencialmente às expressões
“cientificação da educação”, “cientificidade educativa”, “movimento de
cientificação da educação”, “‘démarches’ cientificizantes em educação” ou
“pedido sistemático de cientificidade para a educação”, parecendo evitar as
restantes supramencionadas, e mais comuns, expressões.
As preferências de Correia parecem espelhar um reconhecimento da
notável variedade de versões dos percursos das tentativas de cientificação da
educação, a par de uma atitude de aparente despreocupação com o estatuto
dessa mesma cientificação. De resto, as expressões preferidas por Correia
são idênticas às preferidas por Hadji & Baillé (2001:14) que organizaram
análises em torno das possibilidades da “cientificidade dos discursos sobre a
educação”.
Quanto a A. de Carvalho (1994), ora recorreu à expressão
“investigação educacional”, ora recorreu à expressão “Ciências da Educação”,
com isso tornando plausível a hipótese de ambas as expressões serem
consideradas como significantes de um mesmo significado, não fora a
ambiguidade, por quase todos reconhecida, que estes conceitos transportam.

13
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

A. de Carvalho (1994:85) observou também que, enquanto em países


como Portugal ou França se preferiu a expressão “Ciências da Educação”,
em países Anglo-saxónicos dava-se preferência “à expressão ‘educational
research’ com repercussões epistemológicas, à partida, bem mais vagas .”
De certa forma, pode dizer-se que A. Carvalho (1994) colocou em
plano idêntico as expressões “investigação educacional” e “ciências da
educação”, conceitos, a propósito dos quais, este autor abordou a confusão e o
défice de credibilidade geralmente associados aos resultados ou às
realizações que lhes são inerentes.
Para além da variedade de expressões para referir as sucessivas e
diversificadas formas assumidas pelos “pedidos sistemáticos de cientificação
da educação” (para utilizar a expressão de Correia, 1998), nem todos os
autores coincidem nas definições que lhes fazem corresponder (nos casos em
que as explicitam, pois casos há em que não se registam propriamente
definições), mesmo para os anos mais recentes, ou seja, não tendo em conta
as alterações explicadas pela passagem do tempo, pois, mesmo nos últimos
anos, encontram-se definições que chegam a ser antagónicas ou, até, que
revelam alguma singularidade.
A título de exemplo, Elliott (1994:34-38) justificou detalhadamente
as diferenças entre “investigação educativa” e “investigação sobre a
educação” estabelecendo que (e em resumo) a investigação educativa é
fundamentalmente qualitativa, enquanto que a investigação sobre a
educação é de recorte quantitativo.
Por seu lado, Berger (1993), referindo-se ao problema da identidade
da investigação em educação, observou que a distinção mais sensível é entre
“investigação sobre educação” e “investigação em educação.” Para Berger
(1993:28), “a investigação sobre educação é constituída por um conjunto
disperso de práticas investigativas e de conhecimentos”. Nela caberiam os
trabalhos de sociologia ou psicologia da educação bem como as investigações
que a medicina faz sobre, por exemplo, os tratamentos para indivíduos com

14
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

dificuldades de aprendizagem ou certos programas construídos pelos


informáticos. Quanto à

“investigação em Ciências da Educação, a investigação em educação


está ... menos dependente das disciplinas já constituídas e define o
seu objecto a partir do conjunto de práticas que dizem respeito ao
acto educativo, sejam elas práticas familiares, práticas de ensino ou
práticas institucionais.” (Berger, 1993:29)

Já Antoine Prost preferiu a expressão “investigação educacional”,


como indicando toda a investigação que se faz sobre, em e para a educação e
que engloba genericamente três categorias (A. de Carvalho, in AA. VV.,
1989:62; Sequeira, 1989:5-6):

- “Investigação sobre educação”, que implica, principalmente, o olhar


das ciências clássicas sobre a educação, por exemplo, os estudos da
sociologia da educação, da psicologia da educação, da economia da educação
ou da filosofia da educação;
- “Investigação em educação”, que tem a ver com a investigação que
se faz na sala de aula ou outros contextos educativos, focando os vários
processos (relativos, por exemplo, à planificação de aulas ou programas
educativos, execução, reflexões), os alunos ou a avaliação;
- “Investigação para a educação”, que corresponde à investigação que
tenta dar resposta a problemas pontuais, como por exemplo, a produção de
materiais para a sala de aula ou para um programa educativo na televisão.

A designação “investigação educacional”, quer ela tenha uma


abrangência tão ampla quanto o estipulado por Prost, quer não, parece,
então, ser uma das designações mais frequentemente utilizadas na
actualidade, mesmo quando os autores expõem algumas questões de fundo
acerca das suas repercussões epistemológicas.

15
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Por exemplo, Lagemann (2000) optou por esta designação –


“investigação educacional” – não sem reconhecer que permanece controverso
se existe uma ciência da educação, e identificou várias denominações afins,
como sejam “educational scholarship,” “educational study,” “education
research”.
De resto, a própria obra de Lagemann é, ela própria, um exemplo
expressivo daquela situação, pois, apesar de a autora ter afirmado, no corpo
do texto, que preferia a designação “investigação educacional”, no título
optou pelo vocábulo “science”, mas qualificado de “elusive” (elusivo, esquivo).
Ou seja, o próprio título pode ser considerado como uma manifestação de
uma dupla contradição, pois, não apenas não segue à risca a opção expressa
pela autora no corpo do texto, como atribui a uma ciência um qualificativo
espúrio, dado que o que menos se espera de uma ciência é seja elusiva.
Todavia, Lagemann (2000:x) conferiu um sentido mais profundo a
esta situação quando comentou que “aquilo que aparenta ser uma
terminologia imprecisa parece ajustar-se à situação” (do que se passa na
área da investigação educacional), o que está em consonância com o
adjectivo que escolheu para figurar no título da sua obra. Esta autora
sintetizou assim, de forma certeira, uma situação de ambiguidade que desde
há muito tempo acompanha a investigação educacional.
Deve ficar claro, por isso, que não se pode dizer que as expressões
apresentadas como mais conotadas com determinadas épocas, contextos ou
tradições académicas ou alguma vez o tivessem sido de formas exclusivas ou
claramente demarcadas, pois, de quase todas as expressões se verificam
ocorrências em distintas épocas e contextos e variando, até, dentro de
escritos do mesmo autor, como se verá mais à frente.
Em síntese, a visível flutuação terminológica nas designações e nas
definições, bem como o recurso a expressões compostas por múltiplos
vocábulos, são o espelho das dificuldades maiores quanto à obtenção de
consensos sobre a delimitação, a autonomia e a identidade do objecto de

16
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

estudo que sempre acompanharam o movimento de cientificação da


educação, sendo que, desde o seu início, em finais do século XIX, e à medida
que o século XX avançava, se tornaram mais visíveis os sinais de que
aumentou a percepção de tais dificuldades.

2. EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA


EDUCAÇÃO – CONFIANÇA E OPTIMISMO

2.1 A NTECEDENTES

Os textos do âmbito da investigação educacional que se debruçam


sobre este tema costumam situar o início do movimento de cientificação da
educação na segunda metade do século XIX, em países da Europa e nos
EUA. Por volta de 1900, a designação mais corrente para os estudos em
educação que mais explicitamente se assumiam como científicos era
“pedagogia experimental”, como é atestado por distintos autores (entre
outros, por Arnal et al, 1992:24; J. F. Gomes, 1996:192; De Landsheere,
1999; Mateo Andrés, 2000).
Assim, e de acordo com De Landsheere (1999:15), “a investigação
educacional como pesquisa disciplinada com uma base empírica foi
inicialmente conhecida como «pedagogia experimental» (…) e foi fundada à
volta de 1900.”
Não parece possível, contudo, estabelecer uma datação precisa sobre
o aparecimento da pedagogia experimental, mas podem apontar-se alguns
antecedentes bem como o contexto e certos factos concretos que lhe são,
geralmente, associados.
Antes disso, porém, não deve deixar de ser referido que, ao longo de
séculos, foram produzidos importantes trabalhos sobre educação, com
características tão “científicas” quanto as épocas o permitiam e que
influenciaram enormemente o pensamento e as práticas sobre educação. À

17
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

luz de certas perspectivas actuais, poder-se-ão considerar como científicos


alguns trabalhos como a “Didactica Magna”, de Comenius, no século XVII,
ou certos escritos de Aristóteles sobre educação, no século III a.C.
Na sua base, não há fundadas razões para distinguir o pensamento
filosófico do pensamento científico sobre educação. Contudo, a generalidade
do pensamento filosófico sobre educação não se reclama tanto da ciência
quanto da filosofia, não fazendo, de um modo geral, da afirmação pertinaz
da sua pertença ao mundo da ciência uma questão fundamental da sua
identidade.
Isto não impede, contudo, que alguns textos relativos à cientificação
da educação destaquem as perspectivas filosóficas e considerem a
abordagem filosófica como uma das abordagens da ciência específica da
educação. Vejam-se as propostas da obra colectiva Not (1984c), e, dentro
dela, especificamente, o contributo de A. de Carvalho (1984).
Os estudos estritamente filosóficos distinguem-se, portanto, da linha
de estudos em educação que são objecto do presente trabalho, isto é, a linha
de estudos que, explicitamente, reclamou a construção da sua identidade
mais com base em princípios estritamente científicos e menos com base em
princípios filosóficos (independentemente do reconhecimento de que, na base
das suas opções, sempre estariam princípios filosóficos), e não obstante as
frequentes interacções de actores e conceitos entre as duas linhas de estudo
da educação, interacções que, de resto, se intensificaram à medida que o
século XX avançava, após um período inicial em que muitos dos escritos
sobre pedagogia experimental explicitamente se desvinculavam do
pensamento filosófico. De resto, e à semelhança do que sugeriu A. de
Carvalho (1984), resquícios deste passado habitam, ainda, nas afirmações de
cientificidade da parte de alguns investigadores.
É por alturas dos séculos XVIII e XIX que, com menos polémica, se
podem detectar certos trabalhos passíveis de serem tidos como precursores
da linha de estudos que colocava o recurso às técnicas de índole científica,

18
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

então em rápido desenvolvimento noutras áreas disciplinares, como um


factor essencial na legitimação dos conhecimentos produzidos.
Bastantes anos antes de se ter chegado à designação “pedagogia
experimental,” na viragem do século XIX para o século XX, são conhecidos
trabalhos que se debruçam sobre questões educativas, preconizando ou
recorrendo fundamentalmente a inquéritos, técnicas estatísticas ou métodos
"experimentais", e que tendem a enfatizar o recurso a este tipo de métodos e
a demarcar-se do pensamento tradicional sobre a educação.
Assim, Léon (1983) evocou algumas iniciativas pioneiras sobre
educação, imbuídas do espírito científico e “experimentando” já o respectivo
método, algum tempo antes de se ter chegado ao conceito de pedagogia
experimental. Entre outras iniciativas, Léon referiu Comenius (1592-1670)
quando este autor lamentou que o trabalho escolar ou universitário não seja
objecto de estudos científicos; Bourdon de la Crosnière (1754-1807) que
preconizou a observação dos alunos pelos professores, em âmbitos de
experimentação pedagógica; Herbart (1776-1841) quando propôs anexar
uma “escola experimental” à Universidade de Koenisberg; Cournot (1801-
1877) que incluiu a pedagogia nas disciplinas experimentais e defendeu o
uso da estatística para o estudo da relação entre o nível de instrução e a
criminalidade.
O século XIX, e no chamado mundo ocidental, foi um século de
profundas alterações em diversos níveis: social, político, científico,
tecnológico, artístico. Foi o século que antecedeu e preparou as mudanças
mais profundas e mais rápidas que a humanidade viu suceder. De entre as
muitas características distintivas daquele século, algumas há que são
frequentemente invocadas para explicar o desenvolvimento e aceitação da
cientificação da educação.
O desenvolvimento do movimento da cientificação da educação
costuma ser enquadrado e justificado, nos textos que se dedicam a discorrer
sobre aquele movimento, e de um modo geral, pelos seguintes factores:

19
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

evolução das Ciências Naturais, influência de novas correntes filosóficas e


sociais, fortalecimento e modernização dos Estados-Nação, disseminação da
escolaridade universal e obrigatória.
Assim, o século XIX foi o século da institucionalização da
escolarização universal em boa parte dos países mais industrializados da
Europa e do Norte da América, num contexto de modernização das
sociedades e de fortalecimento dos Estados. No final deste século, a
Alemanha, a França, a Suiça, a Inglaterra e os EUA – a quase totalidade
dos países onde emergiu e se desenvolveu a pedagogia experimental –
tinham alfabetizada a quase totalidade da sua população infantil.6 A
expansão dos sistemas educativos, decorrente do grande incremento do
número de crianças a escolarizar, aumentou exponencialmente as
problemáticas relacionadas com a educação.
De acordo com Arnal et al (1992, citando R. Buyse), o século XIX foi
também marcado pela influência de certas correntes filosóficas (o
positivismo de Comte, o sociologismo de Durkheim, o pragmatismo de
James, o experimentalismo de Dewey) e pela rápida evolução das Ciências
Naturais, com particular relevância para trabalhos como “The origin of the
species”, de Darwin, publicado em 1859.
Em determinados sectores de quase todas as áreas de
desenvolvimento, e particularmente na Europa e nos estados do Norte da
América, aquelas ciências e correntes filosóficas tornaram-se dominantes ou,
pelo menos, bastante influentes. Todas elas contribuíram para o rápido
desenvolvimento do método científico que foi sendo adoptado, em breve

6 O movimento de institucionalização da escolaridade obrigatória desenvolveu-se


sobretudo na Europa e nos estados da América do Norte, especialmente ao longo
do século XIX, mas com inícios em época anterior. Segundo Fernandes & Pires
(1991:77), a Prússia foi uma nação pioneira ao instituir a escola primária
obrigatória desde meados do século XVIII.

20
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

trecho, por todas as áreas do saber – incluindo as humanidades – com


pretensões de verem os seus conhecimentos reconhecidos e legitimados.
Cabe aqui lembrar que, e ainda no âmbito das áreas humanísticas,
falar de método científico, no século XIX ou inícios do século XX, não é o
mesmo que falar de método científico a partir da segunda metade do século
XX, pois a versão de método científico que prevalecia então estava orientado
para aquele que veio a ser designado como paradigma positivista
(quantitativo, empírico-analítico, …).
Outras linhas de estudo que surgiram então, no âmbito dos estudos
em educação, mas que não obedeciam àquela ortodoxia, acabaram por não
ver reconhecida, naquela época, e de uma forma geral, a sua qualidade de
exemplos de estudos científicos (embora lhe pudessem ser reconhecidas
outras qualidades). Ou seja, as linhas de estudo que menos dúvidas
suscitaram quanto à autenticidade da sua marca científica foram os estudos
incluídos naquele paradigma.

2.2 O PRIMADO DA QUANTIFICAÇÃO

O mundo da educação não escapou, assim, a estas influências e


acatar os ideais do positivismo, com forte apoio na quantificação, foi visto
com frequência, e por algumas sectores, como indicador de progresso,
também em países de certa forma periféricos daqueles onde ocorriam os
maiores desenvolvimentos, como foi o caso de Portugal.
Assim, Nóvoa (1987) referiu o espírito científico que, neste país,
exerceu influência nos movimentos pedagógicos, no início do século XIX.
Em sentido idêntico, Azevedo (1998) mostrou como, em Portugal, nos
finais do século XIX, continuavam a chegar ecos do positivismo, visto não
apenas como um movimento da ciência, mas como um movimento que
atravessava de um modo geral todas as vertentes culturais.

21
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Não surpreende, assim, que a pedagogia também tivesse querido


cientificar-se, como é atestado por diversos autores. De acordo com J. F.
Gomes (1996:192),

“A Pedagogia começou a “cientificar-se”, a tornar-se “experimental”,


no momento em recorreu sistematicamente ao método experimental
e à medida para estudar os factos pedagógicos, o que se teria
verificado nos fins do século XIX, num ambiente cultural
impregnado de cientismo, de positivismo e de experimentalismo.”

Começaram a surgir, então, diversos estudos que aspiravam a


contribuir para a cientificação da pedagogia. A designação mais em voga
para tais estudos era pedagogia experimental, pelo que, se seguirmos o rasto
da pedagogia experimental, estaremos a seguir o rasto do movimento de
cientificação da educação, ou daquilo que actualmente se designa por
investigação educacional.
Para este trabalho não será fulcral, nem porventura possível,
estabelecer quem foi, definitivamente, o fundador da pedagogia
experimental, já que ela emergiu a partir de múltiplas iniciativas. Convém
apenas registar que W. Lay, em 1898, sugeriu a distinção entre “psicologia
experimental” e “educação experimental” e que, em 1900, Lay e Meumann,
aplicaram (crê-se que pela primeira vez) a expressão “Experimentelle
Pädagogik” (“pedagogia experimental”, “pédagogie expérimentale”,
“experimental pedagogy”). Contudo, e como reconheceu La Orden
(1985c:188), “a pedagogia experimental era já uma realidade antes que
aparecesse esta expressão designando uma disciplina específica.”
Sem esquecer que a expressão “pedagogia experimental” surgiu por
analogia com a expressão “psicologia experimental”, e no que respeita aos
primeiros passos da cientificação da educação, verifica-se um certo consenso
quanto aos exemplos e, especialmente, quanto às características dos
aspectos factuais que são apontados como relevantes, por vários autores do
âmbito da investigação educacional.

22
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Com base em autores deste âmbito (especialmente com base em:


Arnal et al, 1992; Mateo Andrés, 2000; De Landsheere, 1999; A. de
Carvalho, 1994; Lagemann, 2000; Travers, 1992), tentou-se, então, uma
listagem-síntese dos antecedentes e dos factos mais frequentemente tidos
como marcantes do início da pedagogia experimental, muitos deles
caracterizados pelo pendor da quantificação:

- em 1813, na Sorbonne, criação de uma cadeira de “ciência da


educação”, sob a responsabilidade de Henri Marion);7
- em 1817, Marc Antoine Jullien de Paris, tentou um questionário
comparativo, nacional e internacional, sobre todos os aspectos dos sistemas
nacionais de educação, embora não chegando a lograr resultados conhecidos
(M. A. Jullien de Paris é considerado, por isso, o fundador da educação
comparada).8
- em 1822, nos EUA, a celebração do primeiro seminário pedagógico,
orientado por J. C. Stanley. Nesse seminário, discutiram-se “temas como a
avaliação e o rendimento escolar, e a experimentação de sistemas
organizativos e de orientação”;9
- a partir da 1850, H. Barnard e H. Mann, nos EUA começaram a
recolher dados sobre educação, baseados na ideia de que toda a educação
deveria estar fundamentada em dados concretos.10
- em 1867, nos EUA, o estabelecimento da “ Office of Education”, que
se transformou numa grande empresa de recolha de dados sobre educação
(empresa que tem vindo a apresentar resultados desde então).11

7 Cf. A. de Carvalho (1994:85).


8 Cf. Arnal et al (1992:27); De Landsheere (1999:13).
9 Cf. Mateo Andrés (2000:587).
10 Cf. R. Travers (1992).

23
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

- nos anos 80 do século XIX, nos EUA, o estudo sobre ortografia que
Rice levou a cabo com milhares de alunos (publicado em 1913, em “Scientific
management of education”); por estes contributos, Rice é frequentemente
apontado, especialmente nos EUA, como “o pai” da pedagogia
experimental;12
- a partir das últimas décadas do século XIX, o desenvolvimento de
diversas técnicas de análise estatística, com aplicação nas várias ciências,
incluindo as áreas da medicina, da psicologia e da educação; nomeadamente
em 1869, Galton começou a trabalhar conceitos como estandardização,
correlação e definição operacional e a aplicá-los ao estudo do humano;
- em 1870, o estudo de Bartholomaï para tentar conhecer, através de
um questionário, o “conteúdo da mente” de 2000 crianças quando entraram
para a escola;
- em 1879, publicação da obra de Bain, “Education as a science”; em
Leipzig, Wundt, fundou o primeiro laboratório de psicologia experimental;
- entre 1880 e 1900, muitos investigadores colheram as ideias e os
métodos de Wundt em estudos avançados em universidades alemãs, o que
contribui para explicar a rápida disseminação das ideias e dos métodos de
Wundt em países como França, Rússia, Japão e Chile, incluindo a abertura
de laboratórios dedicados ao estudo de questões de psicologia; foram criados
diversos laboratórios dedicados à psicologia, geralmente em instituições
ligadas à medicina ou à física:
- em 1882, o estudo “Die Seele des Kindes”, do psicólogo alemão
Preyer, considerado o primeiro livro de texto de psicologia do
desenvolvimento;

11 Cf. R. Travers (1992:385).


12 Cf. Mateo Andrés (2000:587).

24
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

- em 1883, a edição de “The study of children”, do Americano Stanley


Hall;
- em 1885, o estudo de Ebbinghaus sobre a importância das
associações no processo de aprendizagem;
- em 1898, a edição de “ La fatigue intellectuelle”, do francês A. Binet
e de Henry, onde se criticava a educação tradicional e se defendia a
educação experimental;
- em 1891, nos EUA, a publicação da revista “Pedagogical seminary”,
de Stanley Hall.
- em 1895, nos EUA, a fundação da “National Herbart Society for the
Scientific Study of Teaching”;13
- em 1896, na universidade de Chicago, Dewey fundou uma escola
laboratório (“laboratory school”);
- em 1897, Ebbinghaus publicou um teste para medir o efeito da
fadiga no desempenho escolar;
- em 1898, W. Lay sugeriu que se distinguisse a educação
experimental da psicologia experimental; na Bélgica, publicação de um
relatório de Schuyten sobre a influência da temperatura na atenção dos
alunos nas escolas;
- em 1899, em Antuérpia, a criação, por Schuyten, de um laboratório
pedagógico para estudar métodos de ensino em grupo, entre outros
assuntos;14
- em 1900, W. Lay e E. Meumann aplicaram, supõe-se que pela
primeira vez (como já se disse), a expressão “pedagogia experimental”;

13 Denominada mais tarde “ National Society for the Scientific Study of Education ”
(cf. Landsheere, 1999:18) e, depois, “ National Society for the Study of Education ”
(NSSE), que tem vindo a ser responsável por inúmeros trabalhos no âmbito da
investigação educacional, e de que se destacam os Yearbooks.
14 Cf. De Landsheere (1999:18).

25
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

- em 1903, na Alemanha, a publicação da obra “Experimentelle


Didaktic”, por W. Lay;15 , 16
- em 1904, em Genebra, Claparède fundou um laboratório de
psicologia escolar;
- em 1904, nos EUA, Thorndike publicou “An introduction to the
theory of mental and social measurements” (cf. Thorndike, 1922/1904).
- em 1905(6?), na Alemanha, a edição da obra intitulada “Die
Experimentelle Pädagogik,” compilação de trabalhos anteriormente
publicados e revistos para aquele efeito, por W. Lay e por E. Meumann;

15 Esta obra de Lay é analisada no Capítulo sete do presente trabalho, com a


referência: Lay (1935/1903).
16 Nota sobre critérios de enunciação das datas nas referências bibliográficas:
Em algumas referências bibliográficas, pareceu oportuno registar também a data
da primeira publicação da obra. Assim, passo a referenciar esta obra por Lay
(1935/1903), pois, em alguns dos textos citados no presente trabalho, sendo
relevante lembrar ao leitor que se trata de um texto antigo, a edição consultada
é, em alguns deles, mais tardia. A data que aparece em primeiro lugar
corresponde à referência do texto que foi efectivamente consultado; a data que
aparece em segundo lugar corresponde à data da suposta primeira publicação da
obra. Nalguns casos, poderá não haver certezas sobre a exactidão da data da
primeira edição, mas supõe-se que a diferença não seja cronológica e
conceptualmente relevante. Isto pode acontecer, especialmente quando se trata
de traduções, dado que é frequente os volumes traduzidos não mencionarem a
data da referência que esteve na origem do texto traduzido. Por vezes, o máximo
que se consegue é uma aproximação à data do original a partir de indícios do
texto que permitam concluir, com alguma razoabilidade, que a tradução terá
sido feita a partir de um original situado ente os anos x e os anos y.
Por isso, nas referências completas de algumas obras que constam na lista
bibliográfica no final do presente trabalho, optei por colocar uma interrogação à
frente da data da qual não tenho certezas, mas simplesmente aproximações.
Portanto, admitindo que, perante novos indícios, tal data possa vir a ser
alterada. Por razões de ordem prática, e embora não esteja certa das alterações
havidas entre ambas as edições, retirei, nas referências abreviadas ao longo do
texto, os pontos de interrogação e a data intermédia.
P. f., para mais explicações sobre o uso de mais do que uma data, nas referências
abreviadas, ver a primeira nota de rodapé do número um do Capítulo sete.

26
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

- em 1905, em França, Binet e Simon publicaram a sua escala de


inteligência, rapidamente reconhecida como um teste de grande utilidade
em psicologia e em educação;
- em 1905, o médico Claparède publicou a obra “ Psychologie de
l’enfant et pédagogie expérimentale”, considerado como o único manual
francês sobre métodos de investigação educacional até à publicação, em
1935, do manual do belga R. Buyse, “Expérimentation en pédagogie”;17
- em 1910, Meumann publicou a obra em três volumes “Einfhrung in
die Experimentelle Pädagogik ”.

A generalidade dos textos, de qualquer época, que aborda a


trajectória do movimento de cientificação da educação destaca as técnicas de
quantificação como um critério de cientificidade essencial.
A obra de Thorndike atrás referida (Thorndike, 1922/1904) é uma
das obras daquele autor que são ditas terem influenciado boa parte dos
notáveis avanços ocorridos na investigação educacional, nos EUA, ao longo
das primeiras décadas do século XX.
De resto, as propostas de Thorndike são globalmente reconhecidas,
nos textos sobre investigação educacional, como o modelo do tipo de pesquisa
educacional que prevaleceu durante as primeiras décadas. De Landsheere
(1999:20) colocou assim a questão:

“Neste período, dedicava-se tanta atenção à medição objectiva que o


movimento de educação experimental era chamado por vezes ‘o
movimento de medida’ (Jonçich, 1962). (…) [Thorndike] foi a
primeira pessoa a conceber os métodos de ensino em termos de uma
teoria da aprendizagem explicitamente formulada e testada
experimentalmente.”

17 Cf. De Landsheere (1999:19). Este manual de Claparède (1927/1905) é analisado


no Capítulo sete do presente trabalho.

27
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Esta listagem não inclui referências a Portugal, pois este país não
costuma constar nos enunciados a propósito do tema sob escrutínio. Das
obras consultadas, apenas os manuais Claparède (1927/1905) e Bisquerra
(1989) dedicam algumas breves linhas aos desenvolvimentos da pedagogia
experimental em Portugal.
Contudo, são conhecidos episódios indicadores de que, também em
Portugal, o novo método despertou algum interesse, como é atestado pelos
trabalhos de Adolfo Coelho18 e por de Faria de Vasconcelos e duas tentativas
de experimentação em pedagogia.
Por certo, estas duas tentativas de experimentação em pedagogia,
por volta dos anos 60/80 do século XIX, constituem relatos exemplares das
características emergentes das tentativas de cientificação da educação.
Através delas, pretendeu-se aferir os Métodos Português-Castilho e o
Método João de Deus para o ensino da leitura e da escrita, em confronto com
o método tradicional.19

2.3 (E XPLICAÇÕES COM BASE NA) SIMILITUDE COM AS C IÊNCIAS NATURAIS

Na caracterização da emergência da investigação educacional, os


textos que abordam o tema apresentam dois padrões: um padrão que tende a
enfatizar a similitude com as Ciências Naturais e um padrão que tende a
enfatizar os enquadramentos político-sociais. Ambos os padrões referem o
forte apoio na medição que os trabalhos dos primeiros tempos
demonstravam.

18 Adolfo Coelho, citado por R. Fernandes (1993).


19 Estas duas tentativas de experimentação em pedagogia (que não saíram do
papel) são referenciadas em Rómulo de Carvalho (imp. 1984) e em Nóvoa (1987)
e são tratadas com mais detalhe em J. F. Gomes (1976) e em J. F. Gomes (1996).

28
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Geralmente, as referências, em textos do âmbito da investigação


educacional, aos trabalhos constantes na listagem que acima se apresentou,
costumam apontar para determinado tipo de características que fariam
deles os símiles para a psicologia e para a pedagogia dos trabalhos que se
desenvolviam nas Ciências Naturais. De modo análogo às expectativas
geradas pelo rápido desenvolvimento das Ciências Naturais, também a
psicologia experimental e a pedagogia experimental pareciam galvanizar,
em determinada altura, a possibilidade de resolução, em prazos não muito
alongados, da maior parte dos problemas relacionados com a educação. Os
métodos experimentais aplicados à educação conferiam um grau de
confiança, em determinados sectores da educação e da sociedade em geral,
que outros modos de pensar a educação não haviam logrado.
Como se disse, alguns autores tendem a explicar a ascensão da
pedagogia experimental, dando relevo às similitudes com os métodos das
Ciências Naturais. Alguns textos de autores da época sustentam, de facto,
este tipo de justificação.
Assim, na viragem do século XIX para o século XX, para W. Lay, co-
fundador da pedagogia experimental, a pedagogia experimental ocupava-se
de resolver os problemas do ensino e da educação, conforme as leis das
ciências biológicas e sociológicas.
Na obra de Lay (1935/1903:39) transparece uma ampla confiança
nas possibilidades de a pedagogia experimental constituir um sistema
definitivo para o estudo da educação:

“Dos factos isolados da experiência pedagógica, unidos com as bases


biológicas e filosóficas, formam-se as hipóteses, e, baseadas nestas,
realizam-se investigações estatísticas ou experimentais, cujos
resultados passam a comprovar-se na prática. Com os resultados
realizados, constrói-se pouco a pouco o sistema definitivo.”

De forma idêntica, E. Meumann demarcou-se explicitamente de


outros pedagogos como Rousseau, Froebel e Pestalozzi, apresentando-se

29
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

como conhecedor do método que propiciaria a solução dos problemas da


educação.
Meumann (1966/1910:16-17) mostrou também uma forte convicção
nas possibilidades da pedagogia experimental e afirmou ser possível
construir-se uma ciência da educação objectiva e neutra, baseada em factos
observáveis e medíveis:

“O fim da ciência da educação é estabelecer um sistema de fins


educativos, obter regras normativas e princípios que se tenham de
seguir para alcançar aqueles fins, e deduzir ambas as coisas do
conteúdo e essência da acção educativa, e da sua posição na
totalidade da actividade humana (…). A pedagogia experimental
oferece uma base empírica, enquanto é acessível à investigação
exacta.”

Quanto aos procedimentos da pedagogia experimental, Meumann


avançou que a “investigação empírica e experimental em pedagogia (...)
opera com os meios de uma investigação exacta: observação, experimento,
estatística, etc. ” Meumann (1966/1910:10,11,17).
São exemplos como estes excertos dos manuais de Lay e de
Meumann que explicam recentes comentários como os de Mateo Andrés
(2000:587):

“A investigação educacional, entendida como disciplina, é um âmbito


de conhecimento recente […] quando a pedagogia, à semelhança do
que antes acontecera com outras disciplinas humanísticas (como a
sociologia e a psicologia, entre outras), adoptou a metodologia
científica como instrumento fundamental para se transformar numa
ciência.”

Também Travers (1992:386) destacou o entusiasmo que a ligação


entre a ciência a educação despertou: "O início do século XX foi uma época
de grande entusiasmo pela descoberta do quanto a ciência poderia aportar à
educação. As novas ciências comportamentais eram vistas como potenciais
solucionadoras de problemas."

30
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Tanto Travers (1992), como De Landsheere (1999), Mateo Andrés


(2000) e J. F. Gomes (1996) – quando este escreveu, como já foi citado atrás,
que a pedagogia começou a cientificar-se quando recorreu sistematicamente
ao método experimental e à medida para estudar os factos pedagógicos –
explicaram a ascensão da pedagogia experimental atribuindo particular
destaque ao uso de determinadas técnicas ou métodos.

2.4 (E XPLICAÇÕES COM BASE EM) QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS

Outros autores, contudo, salientaram também os contextos políticos


e ideológicos para enquadrar a emergência das tentativas de cientificação da
educação. A cientificação da educação teria reflexos altamente positivos, não
apenas no campo estrito da educação, mas também no progresso e na
imprescindível homogeneização da sociedade.
L. M. Carvalho (2000:13) clarificou a conjuntura política e social que
propiciou o desenvolvimento da pedagogia científica, a partir de meados do
século XIX, nos seguintes termos:

“O que importa reter é que existe uma consagração da escola de


massas como projecto de melhoria das sociedades e que esse facto é
indissociável da ‘sagração’ de uma ideologia educativa construída e
disseminada também por via dos discursos e organizações de tipo
científico sobre a educação e que incorpora os princípios da
semântica da modernização instituída no século XIX. A tríade
‘pedagogia científica – Estado – escola de massas’ pode, portanto, ser
analisada enquanto caso exemplar numa história das relações entre
a formação do discurso científico e o desenvolvimento do Estado.”

Em sentido idêntico, e destacando a vertente utópica em que aquele


contexto político-social envolveu a cientificação da educação, Correia
observou que:

“o processo histórico da construção da cientificidade em educação


está intimamente ligado à produção dos modernos Estados-Nação e

31
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

ao importante papel que a escola desempenhou na “transformação


das populações em nações.”20

Correia (1998) lembrou que os percursos do pedido sistemático de


cientificidade para a educação foram “longos e tortuosos,” detectando este
autor o seu início no contexto da França pós-revolucionária (finais do século
XVIII e inícios do século XIX).
O primeiro “ momento forte do processo histórico de constituição da
cientificidade em educação” ficou marcado, de acordo com J. Correia
(1998:53), pelos esforços de separação das abordagens filosóficas e morais
que, até então, dominavam as reflexões sobre a educação, e pela sujeição da
cientificidade em educação à cientificidade da psicologia, acompanhados
pelas dificuldades em transpor para a educação o estreito modelo de
cientificidade dominante no século XIX.
De forma análoga, Matos (1999:24) destacou a função prevista das
ciências da educação na moldagem dos comportamentos e do papel dos
cidadãos assim formados na consolidação do estado republicano, em França:

“A emergência das ciências da Educação, mesmo bem antes da sua


institucionalização formal, representam um papel crucial na
legitimação e consolidação do Estado republicano, sob as figuras
emblemáticas de Durkheim e Binet que pensaram explicitamente a
Escola como um sistema de racionalização e administração dos
comportamentos dos cidadãos em construção.”

Uma das vantagens frequentemente destacadas na defesa da


cientificação da educação, na época inicial, e segundo Correia (1998) e Matos
(1999), foi a afirmação da neutralidade da ciência face a outros tipos de
discurso, como o discurso filosófico ou os discursos mais tradicionais sobre a
educação.

20 Correia (1998:539, citando Habermas, citado por Nóvoa).

32
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Esta situação também foi confirmada por A. de Carvalho (1994:85),


quando situou a emergência das Ciências da Educação nos finais do século
XIX, inserindo-a na:

“maré de cientificação que atingiu os mais variados domínios do


conhecimento humano e que teve como excrescência a convicção de
que o combate aos discursos ideológicos (identificados, de forma
indiscriminada, com os filosóficos) deveria ser feito à sombra do
estandarte do discurso neutro da ciência.”

Por seu turno, Lagemann (2000:19) situou a emergência da


cientificação da educação ao longo do século XIX e inícios do século XX, num
contexto onde destacou a disseminação da escola e o predomínio dos tipos de
investigação que privilegiassem o uso de técnicas estatísticas e de inquérito.
Lagemann notou também que estas características tiveram como reverso da
medalha a perda de importância da filosofia e de outras linhas de
investigação alternativas para o estudo da educação.

2.5 E M SÍNTESE

De acordo com diversos autores que se dedicaram a escrever sobre a


emergência da cientificação da educação, o contexto que a explica sintetiza-
se nas fortes mudanças políticas e ideológicas, nas fortes expectativas
quanto ao contributo do desenvolvimento da ciência e na emergência de
novos projectos concretos de modificação social, como a disseminação da
escola, ao longo do século XIX.
Verifica-se que a viragem do século XIX para o século XX foi uma
época de inusitada produção de estudos em educação (ou em psicologia, mas
com perspectivas de imediata aplicação na educação) que, acima de outras
qualidades, relevavam as novas técnicas que punham em prática e, por essa
via, o novo método científico, que desenvolviam.
Foi então que se tornaram mais evidentes os sinais de que se
procurava conhecer a educação através de determinados métodos de

33
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

pesquisa que deixavam de privilegiar, ou mesmo punham explicitamente de


lado, instrumentos como a filosofia ou as técnicas de interpretação. Pode
dizer-se mesmo que – não sem algumas excepções – o abandono da filosofia
foi um dos traços através dos quais a pedagogia experimental pretendeu
construir a sua identidade. Mais tarde, a evolução desta linha de estudos fê-
la de novo reencontrar a filosofia e a hermenêutica, mas tal aconteceu numa
fase em que não supunha correr tantos riscos de distorcer a sua identidade
de área científica.
É certo que, então e actualmente, estamos longe de qualquer
consenso quanto à existência de uma disciplina de estudos científicos em
educação, pois, para se atestar a existência de uma disciplina, é necessário
que estejam definidos claramente âmbitos essenciais como o objecto, a
problemática e o método, a partir dos quais mais facilmente se chega a uma
denominação consensual.
Mas também é certo que, particularmente naqueles primórdios, em
finais do século XIX e princípios do século XX, muitos dos estudos que se
efectuaram ligados à área da educação, não ocultavam a pretensão de dar
corpo a uma disciplina de estudos empíricos naquela área, pretensão que
chegou mesmo a ser uma certeza. Muitos dos proponentes dessa disciplina,
de um modo geral, os mais destacados nomes da pedagogia experimental
(incluindo autores como Claparède e Thorndike, de quem se voltará a falar
mais à frente) mostravam forte convicção nas possibilidades do método
científico aplicado à educação, tal como era entendido então, sendo que,
alguns destes nomes atribuíam também ao bom uso daquele método um
lugar-chave, nos limites da utopia, na construção de um projecto social mais
amplo.

34
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

3. O CONTRASTE COM A ACTUALIDADE – CEPTICISMO OU


OPTIMISMO MODERADO
Contudo, e não obstante os empenhos e as certezas dos proponentes
da cientificação da educação, o passar dos anos viu, por um lado,
desenvolverem-se caminhos alternativos aos inicialmente mais
argumentados para tentar cumprir aquele desiderato e, por outro lado,
parecem ter esmorecido algumas das expectativas que marcaram a fase
inicial da pedagogia experimental.
Cerca de cem anos volvidos desde os primeiros estudos enquadrados
na pedagogia experimental, a utopia dos primeiros tempos parece ter-se
desvanecido e o panorama actual reflecte notável diversidade de posições
quanto às perspectivas e às possibilidades de uma ciência da educação.
Quanto às possibilidades de uma ciência da educação, constata-se
algum cepticismo, ou pelo menos, consta-se que tais possibilidades não estão
ainda convenientemente determinadas. Também, a diversidade de
perspectivas (paradigmas, enfoques, …), a partir das quais se estuda a
educação, aparenta enormes flutuações.
Lembremos, a título de exemplo, as acima mencionadas posições de
W. Lay (1935/1903) e de E. Meumann (1966/1910), na viragem do século XIX
para o século XX, e comparemo-las com posições de autores das últimas
décadas.
Assim, ainda recentemente, J. Bruner (1999:399) exprimiu a sua
perplexidade perante o actual estado da situação da investigação em
educação, quando escreveu que “a investigação em educação como um
empreendimento empírico devia ter sido isento de problemas. […] Mas a sua
história, desde o início no final do século XIX, foi tudo menos assim.”
Por seu turno, e ao equacionar alguns dos problemas que se
colocavam à Pedagogia e às Ciências da Educação, A. Estrela (1992:159)
reconheceu que “a Pedagogia não existe, ainda, enquanto ciência e que o

35
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

«corpus» formado pelas Ciências da Educação não constitui uma resposta


válida para que a Pedagogia adquira o estatuto de Ciência .” Quando muito,
a Pedagogia, no seu estado actual, poderia ser considerada como uma etapa
pré-científica de uma pedagogia científica, ainda em formação.
A. Estrela (1992:15) ofereceu uma visão evolutiva de uma ciência,
ainda não constituída, mas previsível a partir de uma progressão histórica
em que se passou da miragem inicial de um positivismo duro, inspirado em
Augusto Comte, para uma fase intermédia ancorada em tentativas a partir
das diversas Ciências da Educação. Esta última fase corresponderia a mais
uma etapa, normal no quadro da constituição de qualquer ciência, à qual
sucederia a fase da construção da Ciência da Educação.
Também M. T. Estrela (2002:9-10) reconheceu que [as Ciências da
Educação] “nasceram sob o signo da ambiguidade”, derivada, também, dos
problemas de autonomia e de identidade que já vêm de finais do século XIX,
bem como “da natureza do seu campo onde se imbricam teoria e prática,
fenómenos e valores, intenções e práticas, racionalidade e afectividade,
positividade e ideologia, e [que] se reflecte numa fragmentação
paradigmática… ”.
Num texto anterior, M. T. Estrela (1986) havia reconhecido ainda
que se tem verificado um perpetuar de conflitos devido à estreiteza de visão
dos investigadores educacionais ou às críticas em que se enredam a
propósito dos trabalhos em paradigmas alternativos. Segundo esta autora,
os conflitos não provêm da acuidade das discussões epistemológicas sobre o
conhecimento produzido por via da investigação educacional, mas advêm
exactamente da ausência dessas discussões, ou da sua existência mas sob a
forma de polémicas pouco produtivas, sendo que a designação Ciências da
Educação apenas contribuiu para manter as indefinições da sua identidade.
M. T. Estrela (1986:124) observou que estas indefinições trazem
enormes consequências para a investigação educacional, pois,

36
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

“ou o investigador avança cegamente para um esquema metodológico


que lhe parece convir ao objecto da investigação sem se preocupar
com a sua fundamentação epistemológica ou vê-se confrontado ou
mesmo enredado numa série de problemas complexos de difícil
resolução, perante os quais é no entanto obrigado a tomar posição.”

Ao apontar as consequências da generalizada falta de discussão


sobre as ciências da educação, da parte daqueles que nelas actuam, M. T.
Estrela (1986:124) exortou implicitamente também a que eles, os
investigadores, aprofundem as questões epistemológicas, não apenas dos
estudos que levem a cabo, mas também sobre “a eventual identidade das
Ciências da Educação, decisão que ultrapassa o campo genérico da escolha
de paradigmas e de princípios metodológicos que se põe em qualquer
ciência .”
Também A. de Carvalho (1994) deu conta da confusão das tentativas
de cientificação da educação e dos variados esforços de identificar a
ortodoxia científica ajustada às complexidades da educação, esforços esses
que acabavam por mostrar mais antagonismos do que complementaridades
de projectos.
Tendo como pano de fundo a instabilidade do objecto de estudo e a
análise das possibilidades de se entender a essência do saber educacional e
da sua epistemologia interna, bem como das possibilidades de formação de
uma comunidade científica autónoma, A. de Carvalho (1994:99) destacou
algumas das questões que perpassam actualmente a investigação
educacional, entre elas: a contínua incompreensão entre o saber prático e o
saber teórico; as dúvidas quanto à viabilidade de uma epistemologia interna
da investigação educacional (dadas as dificuldades em definir um universo
científico próprio); decorrente das questões anteriores, as dúvidas quanto à
viabilidade da constituição de uma comunidade científica autónoma.
Tal como A. Estrela, M. T. Estrela e A. Carvalho, também J. Correia
(1998) abordou a construção da cientificidade educativa. Fê-lo num texto de

37
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

reflexão histórico-epistemológica sobre algumas das versões da cientificação


da educação, reconhecendo a instabilidade daquele objecto de estudo, e no
âmbito de uma reflexão mais vasta sobre as modernas crises da educação,
em particular da “crise dos modos de pensar a educação.”
Correia (1998) constatou os desacertos entre o desejo da qualificação
de cientificidade em educação e as sucessivas, e nem sempre dialogantes,
tentativas de constituição de uma ciência, identificando algumas
ambiguidades que percorreram o movimento de cientificação da educação,
desde o seu início, e que não foram superadas:

“a ambiguidade do conceito de ciência aplicada; as ambiguidades que


resultam da necessidade de articular o individual e o social na acção
a na reflexão educativa e, finalmente, as ambiguidades resultantes
das dificuldades de se proceder no campo educativo a uma definição
prévia de um objecto empírico capaz de estruturar o debate entre as
diferentes ‘démarches’ cientificizantes” em educação.” (Correia,
1998:54)

Num outro tipo de formulação, e num trabalho que persegue os


critérios de cientificidade em educação, também Hadji & Baillé (2001:11)
compararam os dois pólos, o do início e a actualidade, quando colocaram a
pergunta: “mais de um século depois progrediu-se realmente?”
Ou seja, distintos autores constatam uma dècalage entre o pólo do
início do movimento de cientificação da educação, na viragem do século XIX
para o século XX, e a actualidade, cerca de cem anos volvidos. Um dos pólos
dá mostras de confiança, certezas, optimismo; outro dos pólos exprime-se
recorrendo a conceitos como ambiguidade, indefinição, dificuldade,
complexidade.
Os recentes diagnósticos expostos até aqui, e elaborados por
conceituados investigadores da educação, parecem mostrar que não se
atingiu ainda um consenso, não só quanto à questão da autonomia da
investigação educacional, mas também quanto aos percursos da cientificação

38
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

da educação e, consequentemente, quanto às estratégias para ultrapassar


tal situação.

4. CONCLUSÃO
O movimento de cientificação da educação tem mostrado
discrepâncias nas designações que adopta, nas definições que enuncia e nas
explicações que expõe.
Por outro lado, parece ter passado de uma fase inicial de intenso
optimismo, com um papel num projecto de modificação da sociedade mais
amplo do que a própria educação – papel e projecto esses não isentos de
alguma utopia – até à fase das últimas décadas, vivendo uma situação de
leituras várias e onde chega a ser integrado na crise mais vasta dos modos
de pensar a educação.
Este movimento tem vindo a exprimir-se de formas diferenciadas (cf.
Correia, 1998). Actualmente, aquilo que frequentemente se designa como
investigação educacional é uma das linhas herdeiras desse movimento.
Contudo, a investigação educacional está longe de configurar uma linha de
pesquisa da educação homogénea, coerente ou consertada, pelo que a
definição e a delimitação da investigação educacional está longe de ser
consensual.
Textos de meta-análise das últimas décadas, elaborados por
investigadores da educação, mostram que, juntamente com a questão da
autonomia da investigação educacional, são colocadas também questões
quanto aos diagnósticos sobre os percursos do movimento de cientificação da
educação e, consequentemente, quanto às estratégias para superar os
problemas detectados.
Não deixa de ser certo, contudo, que são muitos os investigadores
que, enquadrados ou não em instituições de investigação, assumem levar a
cabo algum tipo de investigação educacional, apesar daquelas indefinições.

39
CAPÍTULO UM – O TEMA DE PARTIDA: O MOVIMENTO DE CIENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Algumas das críticas que aquele movimento tem recebido procedem


do seu próprio interior e instam, nomeadamente aqueles que se dedicam a
investigar a educação, a não o fazerem sem discutirem os fundamentos, o
alcance e as possibilidades de concretização de tal cometimento (cf. M. T.
Estrela, 1986).
Não parece, assim, adequado, actualmente, que os investigadores em
educação elejam, de entre a miríade de caminhos reconhecidos para
investigar a educação, um qualquer método/ abordagem sem antes os
conhecerem globalmente e sem terem enfrentado, de algum modo, as
discussões inerentes, apesar da certeza de que as eventuais conclusões a que
cheguem nunca serão definitivas e referir-se-ão, provavelmente, apenas a
aspectos parcelares.
Nesta perspectiva, as capacidades críticas e reflexivas dos
investigadores ou dos consumidores da investigação serão claramente
potenciadas se bem se conhecerem os percursos da área de estudos na qual
se movem, pois o conhecimento dos antecedentes clarifica as tentativas de
compreensão das distintas problemáticas em análise.
É necessário, portanto, reforçar as capacidades dos investigadores e
dos consumidores de investigação se tornarem escritores e leitores críticos e
com estratégias próprias de entendimento e relativização dos diversos
modos de pensar a educação.

40
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

42
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

O MÉTODO

1. CONHECER O PASSADO PARA INVESTIGAR NO


PRESENTE
Perante a situação de verificar que o movimento de cientificação da
educação se desenrolou em pólos tão extremos como aqueles que foram
identificados ao longo do primeiro capítulo, cabe então, eleger um método
adequado para indagar como se chegou até aqui, que percursos se
palmilharam, quando começaram a surgir as hesitações, que formas elas
assumiram, tentando, também, construir uma visão fundamentada sobre o
presente e as perspectivas de futuro.
Tentar construir uma visão dos percursos do passado, próximo ou
longínquo, afigura-se um instrumento valioso para compreender o presente
e para nele poder actuar, investigando em educação, ou seja, conseguir uma
visão do passado, para perceber e actuar no presente e poder perspectivar o
futuro.
Esta ideia tem vindo a ser proposta em vários momentos do
movimento de estudo da educação que ocupa o presente trabalho, embora
não de forma extensiva.
Na década de setenta do século XX, Clifford (1973) alertou para que
cada investigador deveria saber a história da investigação educacional em
geral – devia conhecer o passado para poder compreender o alcance do que
estivesse a estudar, pois só assim poderia interpretar as “heresias” que,
então, começavam a fragmentar a cultura científica estabelecida.
Em sentido idêntico, Popkewitz (1988:234 e 65) asseverou que
“ignorar as raízes intelectuais, sociais e históricas da ciência leva à criação
daquilo que Feyerabend denominou uma “incompetência profissionalizada ”
[e que] “a história torna-se uma parte da análise e da lógica da ciência uma
vez que o investigado, a investigação e o investigador estão

43
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

interrelacionados.” De resto, este trabalho de Popkewitz corresponde a uma


tentativa de enquadrar em contextos históricos a evolução da investigação
em educação.
Noutras áreas das Ciências Sociais, outros autores apresentaram
argumentos análogos, como Beltrán quando identificou (referindo-se à
Sociologia) o método histórico como um dos métodos de estudo nas Ciências
Sociais:

“Quando me refiro ao método histórico, não quero dizer que a


Sociologia deve incluir entre as suas técnicas de investigação as que
são próprias do historiador para reconstruir o passado e interpretá-
lo, mas que o sociólogo deve interrogar-se, e interrogar a realidade
social, acerca do curso sofrido por aquilo que estuda, sobre como
chegou a ser como é, e inclusivamente porque chegou a sê-lo.”21

Estas afirmações remetem para as vantagens de ultrapassar as


fronteiras tradicionais entre as disciplinas, justificando as incursões
híbridas, numa óptica de minimizar as perspectivas redutoras que, por
vezes, a visão estritamente disciplinar encerra.
Nesta linha vão as sugestões do Relatório da Comissão Gulbenkian
sobre a Reestruturação das Ciências Sociais:

“Aquilo que parece ser necessário levar a cabo não é tanto uma
transformação das fronteiras organizativas como um alargamento da
organização da actividade intelectual sem atender às actuais
demarcações disciplinares. Afinal, ter uma preocupação histórica
não é algo do foro exclusivo dos chamados historiadores. É, isso sim,
uma obrigação de todos os cientistas sociais. Ter uma preocupação
sociológica não é do foro exclusivo dos sociólogos…”22

21 Beltrán (1989:18). Neste texto, Beltrán identificou cinco métodos para o estudo
das Ciências Sociais: histórico; comparativo; crítico-racional; quantitativo;
qualitativo.
22 Wallerstein (1996:135). Negrito adicionado.

44
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Lagemann (2000:xv) argumentou extensivamente em favor da


importância de incluir a perspectiva histórica na actuação dos
investigadores quando assinalou que “as histórias das disciplinas permitem
reconstruir o processo pelo qual os mapas do conhecimento são construídos.”
Admitindo que olhar para a história da investigação educacional não é
confortável, que a história é ela própria uma reconstrução e que se pode
sempre escrever uma história diferente, Lagemann (2000:246) defendeu que
a história é um instrumento de reforma que “pode ajudar a fortalecer a
comunidade de investigação educativa e, através disso, ter um papel em
aumentar a capacidade de o saber fortalecer aqueles que estão envolvidos na
educação.”
Contudo, e apesar dos incitamentos referidos nos últimos parágrafos
– de Clifford (1973), de Popkewitz (1988), de Beltrán (1989), de Wallerstein
(1996) e de Lagemann (2000) – são geralmente de âmbito muito parcelar as
abordagens que a generalidade dos textos do âmbito da investigação
educacional oferece sobre o passado, pois raramente os autores oferecem
uma abordagem globalizante sobre esse tema (com excepções, algumas das
quais são abordadas no presente trabalho).
Constata-se, assim, que é frequente que os autores recorram
pontualmente a breves análises históricas sobre a investigação educacional
para justificarem as suas opções, mas apenas alguns (poucos) autores
atribuem às análises históricas um papel de efectivo relevo na compreensão
do presente e no esboço de orientações para o futuro.
De resto, esta situação não parece ser característica apenas da
pesquisa em educação ou da pesquisa em Ciências Sociais em geral, pois T.
Kuhn (1997) registou uma situação idêntica, referindo-se particularmente às
Ciências Naturais.
Por tudo isso, e apesar das dificuldades que este panorama projecta,
é defensável que cada investigador construa, pelo menos, a sua própria visão

45
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

sobre a evolução da cientificação da educação para, então, se poder


abalançar a dar o seu contributo com estudos de qualquer outro objecto.
Ninguém terá dúvidas de que a perspectiva que cada investigador
construa estará sempre baseada em fragmentos de um todo cujos contornos
talvez não seja nunca possível chegar a reconstituir. Mas, como referiu Sá-
Chaves (1996:4), num texto sobre investigação e conhecimento,

“A questão que a investigação levanta é então, a da possibilidade de


encontrar resposta para algumas das nossas questões e, nesse
sentido, facultar-nos o acesso a parcelas de informação que havemos
de, reflexivamente, transformar em conhecimento pessoal, mas
também a magnífica possibilidade de desvendar novas questões que
se posicionam como novos desafios e como factores compulsores de
crescimento e de desenvolvimento pessoal e profissional […].
Ninguém conhecerá na vez de ninguém.”

Aceitando este princípio – “ninguém conhecerá na vez de ninguém” –


para que cada investigador saiba o que fazer, porque fazer, e as possíveis
consequências, terá de, ele próprio, e só ele, construir, com as suas leituras e
com as suas experiências, o sentido de tudo aquilo que fizer na sua
actividade de pesquisa.
Este tipo de atitudes perante a ciência oferecerá, também, mais
possibilidades de relativização do etnocentrismo para o qual tende qualquer
projecto humano (cf. Lévi-Strauss, 1986). O olhar sobre o passado, próximo
ou longínquo, pode ajudar a compreender que algumas ideias e práticas que
parecem novas ou originais, por vezes não o sejam tanto, ou têm origens
insuspeitas, ou têm significados e possibilidades totalmente diferentes
daqueles antes atribuídos.
Este caminho não conduzirá, por certo, a identificar as causas das
coisas, mas poderá representar uma contribuição legítima para a construção
de um quadro verosímil que permita compreender o estado actual de uma
área de estudos cujo perfil se tem mostrado, de certa forma, fluído, mesmo
esquivo. Este caminho configura, também, uma resposta, ainda que

46
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

inevitavelmente parcelar, ao repto implicitamente lançado por M.T. Estrela


(1986) quando, justamente, criticou os investigadores em educação por não
discutirem devidamente as questões epistemológicas inerentes aos seus
trabalhos.
Por isso, o presente trabalho inscreve-se numa das tendências
actuais da investigação porque, estimulado pelas interrogações suscitadas
pelo confronto entre a época inicial e a actualidade, tenta perceber (pelo
menos, em parte) o desenvolvimento de uma área de estudos, a sua
identidade, o seu estado actual e as suas perspectivas futuras.

2. UMA ESTRATÉGIA: ANÁLISE DE TEXTOS NORMATIVOS


O estudo de textos é uma estratégia apropriada para aprofundar as
áreas a que dizem respeito; é uma estratégia adequada, portanto, para
perspectivar a evolução do movimento de cientificação da educação.
São diversificados os tipos de texto directamente relacionados com
aquele movimento, todos eles com a potencialidade de oferecerem um corpus
susceptível de análise: textos de projectos de investigação, relatórios de
investigações efectuadas, relatórios de instituições vocacionadas para a
investigação educacional, textos essencialmente filosóficos, relatórios
estatísticos sobre temas educacionais, textos de meta-análise sobre a área e
de pendor mais ou menos histórico, projectos de avaliação, relatórios de
avaliação, manuais, textos de política da educação que abordem (ou não,
sendo isso, também, significativo) a investigação, ou outros.
Cada um dos diversos tipos de texto, por sua vez, apresenta-se em
formatos variados: monografias, publicações periódicas ou versões
informatizadas.
A análise destes textos é um meio propício para compreender algo do
que foi aquele movimento, o que já tem vindo a ser feito por diversos
especialistas. A análise de publicações periódicas, por exemplo, foi objecto de

47
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

estudo em trabalhos que, de um modo ou de outro, têm contribuído para


esclarecer aquele movimento de cientificação da educação.
Assim, Mitchel & Haro,23 num texto em que reconheceram que a
história das queixas sobre a investigação em educação é tão longa quanto a
sua própria história, desenvolveram a sua argumentação recorrendo, entre
outros tópicos, à análise das entradas do “Journal of Education”, de Henry
Barnard, entre 1855 e 1865.
Em Portugal, Alferes et al (1996:7) analisaram e classificaram a
totalidade dos artigos da “Revista Portuguesa de Pedagogia ”, desde a sua
fundação, em 1960, até 1995, “por domínios de investigação, orientações
metodológicas, sexo, grau académico e filiação dos autores”.
Ainda em Portugal, L. M. Carvalho (2000:6) analisou a “Revista
Escolar” (publicada entre 1922 e 1935), explicitando que tomava as revistas
pedagógicas como veículos principais “da difusão e negociação de uma razão
pedagógica de tipo científico que é constituinte quer do processo de expansão
e estabilização à escala mundial do modelo da escola de massas, quer da
diferenciação de uma área de saber disciplinar.”
Nesta lógica, este autor admitiu as perspectivas dos autores-textos
presentes nas publicações periódicas como “parte de um processo de
organização de um campo científico disciplinar, quer dizer, seguindo Pierre
Bourdieu, de um “universo no qual estão inseridos os agentes e as
instituições que produzem, reproduzem e difundem”, neste caso, a(s)
ciência(s) da educação.”24 Ou seja, L. M. Carvalho procurou as perspectivas
dos autores-textos, também no que elas contribuem para edificar uma
norma. Trata-se, portanto, e não discordando de L. M. Carvalho, de textos
que, de algum modo, contribuem para regulamentar uma norma.

23 Mitchell & Haro (1999:42), apoiando-se em texto de Cronbach & Suppes.


24 L. M. Carvalho (2000:8). No original, “um campo” em itálico.

48
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Ora, os textos que, de algum modo, dão mostras de pretender


estabelecer a norma para a cientificidade da educação – os manuais e os
textos de meta-análise, inseridos em monografias ou em publicações
periódicas – são parte dos produtos escritos do movimento de cientificação
da educação. A sua análise constitui, portanto, uma perspectiva de estudo
legítima para compreender aquele movimento.
Por isso, no presente trabalho, a maior parte dos textos que integram
os Capítulos seis e sete são textos que se ajustam à definição de manual de
investigação ou são textos de meta-análise dos percursos ou do estado da
arte, em diversas épocas, da cientificação da educação.
O sentido corrente do termo manual é “livro pequeno e portátil que
contém as noções essenciais de uma matéria.”25 Gérard & Roegiers (1988)
explicaram que os manuais tendem a difundir o estado vigente da ciência da
área em que se inserem, sistematizando-a e tornando-a acessível, de forma
didáctica, aos públicos a quem o manual geralmente se destina (geralmente,
estudantes ou quem pretenda tomar contacto com uma determinada área de
saber).
Um manual pode ser definido, também, como uma sistematização, o
mais clara e precisa possível, de um conjunto de conteúdos referentes a uma
disciplina/ tema/ método/ técnica, de forma a torná-los inteligíveis a um
público-alvo.
Os manuais quase sempre assumem a sua vocação pedagógica, no
sentido em que são elaborados com a finalidade de ensinar a fazer algo. Os
manuais podem divergir na extensão e na profundidade como abordam as
teorias em que se sustentam, podendo até nem lhes fazem referências; no
entanto, nunca deixam de dizer como se faz algo.

25 Academia das Ciências de Lisboa (2001) - Dicionário da Língua Portuguesa


Contemporânea . Editorial Verbo.

49
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

O propósito pedagógico dos manuais foi também reconhecido por T.


Kuhn, que apoiou a génese e o desenvolvimento da sua teoria dos
paradigmas de investigação, em parte, na análise de escritos científicos, e
particularmente na análise de manuais, como ele mesmo explicou em Kuhn
(1989) e em Kuhn (1997).
Kuhn atribuiu aos manuais científicos um papel crucial, não apenas
na divulgação da ciência junto dos leigos, mas especialmente na preparação
dos estudantes de ciência e dos próprios profissionais da ciência.
Este autor reconheceu o estatuto de fonte de autoridade aos
principais manuais das respectivas ciências, juntamente com os textos de
divulgação e com os textos filosóficos moldados neles. Kuhn (1997:174)
observou que estas três categorias de textos

“referem-se a um corpo já articulado de problemas, dados e teorias e


muito frequentemente ao conjunto particular de paradigmas aceitos
pela comunidade científica na época em que esses textos foram
escritos. Os próprios manuais pretendem comunicar o vocabulário, e
a sintaxe de uma linguagem científica contemporânea.”

No quadro da teoria exposta por Kuhn (1997) sobre a evolução da


ciência em sucessivos paradigmas,26 sempre que, numa determinada área
científica, ocorrem revoluções que dão azo a um novo paradigma, são
produzidos novos manuais em concordância, os quais servem de base às
pesquisas enquadradas na nova tradição de ciência normal. Em coerência,
“quando a comunidade científica repudia um antigo paradigma, renuncia
simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando
de considerá-los como objecto adequado ao seu escrutínio científico ” (Kuhn,
1997:209).

26 No Capítulo quatro, voltar-se-á a falar da teoria de Kuhn.

50
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Em sucessivas passagens da sua mais citada obra, Kuhn esmiuçou o


papel dos textos sobre ciência, nomeadamente os manuais, na formação dos
novos cientistas. “Os manuais são onde os futuros cientistas aprendem o seu
ofício,” sendo que “os estudantes de ciência aceitam as teorias por causa da
autoridade do professor e dos textos” (Kuhn, 1997:71 e 111). Por isso, o que
vem nos textos não é tido como prova, mas faz parte da aprendizagem do
paradigma que informa a prática em vigor, prática necessária para se ser
considerado cientista. Assim,

“até aos últimos estágios da educação de um cientista, os manuais


substituem a literatura científica da qual derivam. Dada a confiança
em seus paradigmas, que torna esta prática educacional possível,
poucos cientistas gostariam de modificá-la.” (Kuhn, 1997:207)

Embora Kuhn tenha tido as ciências naturais como principal


referente para os exemplos em que se apoiou, a sua argumentação é
adaptável também às pesquisas de outras áreas, como as pesquisas em
educação.
O que importa ressaltar aqui é que os compêndios sobre investigação
educacional figuram entre os muitos factores que influenciam o mundo da
investigação em educação e a própria educação. Eles resultam de uma
perspectiva e influenciam essa perspectiva, são o produto daquilo que, em
cada época, é considerado, como o estado da arte. De resto, esta faceta de os
manuais conterem as referências básicas do estado da arte em cada época é
perceptível em Silva & Pinto (1986:11), quando referiram que os
conhecimentos produzidos pela ciência são “periodicamente compilados pelos
manuais”. A análise do conteúdo dos manuais (quer esta designação seja ou
não assumida pelos seus autores) é, então, uma via para procurar a
polissemia dos entendimentos sobre as coisas.
Além dos manuais, também os textos de meta-análise são relevantes
como factor que influencia o mundo da investigação educacional. Como
textos que são produto de uma actividade intelectual altamente reflexiva, os

51
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

textos de meta-análise veiculam, críticas, sugestões, reflexões, questões,


sínteses mais ou menos históricas, avaliações sobre o seu objecto.
Contribuem para a edificação da normatividade, por distintas vias tentada
pelo movimento de cientificação da educação, porque, ao veicularem
reflexões sobre aquele movimento, definem-lhe as condições. Constituem,
portanto, um elemento regulador da normatividade que aquele movimento
perseguiu.
Os textos do tipo manual ou os textos de meta-análise, aqui
classificados genericamente como textos normativos (pois, como se disse, os
textos de meta-análise condicionam a norma), acabam por representar um
forte contributo para a instituição das normas adequadas para que
determinados estudos sobre educação sejam tidos como “boa ciência”.
Fazem-no de distintos modos, é certo, pois se uns dizem como fazer, outros
tecem críticas ou comentam resultados de curto, médio ou longo prazo.
Alguns deles, tudo leva a crer pelas referências que suscitaram, foram tidos
na sua época (ou são tidos ainda) como textos fundamentais para quem
quisesse sustentar que o seu trabalho era um trabalho acreditado na esfera
da ciência.
Nos manuais e nos textos de meta-análise estão inscritos as normas,
os fundamentos, os conjuntos de procedimentos, as técnicas, as previsões, os
espaços por definir, itens que, no seu conjunto, também revelam aspectos
essenciais do que, em cada época, foi o movimento de cientificação da
educação.
Por textos normativos entendo aqui, assim, aqueles textos que, de
algum modo, procuraram estabelecer uma norma para orientar a
investigação de base assumidamente cientificizante que se faria em
educação, tentando sistematizar as que consideram boas práticas da
investigação educacional (com frequência obedecendo à tipologia do
manual), e, também, os textos de reflexão e de crítica a essa mesma norma.

52
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Reconheço que esta é apenas uma pequena parte do potencial corpus


susceptível de ser analisado para interpretar a diversidade de iniciativas
conectadas com a cientificação da educação. A opção por este tipo de
documentos não significa, de modo algum, um reconhecimento de eventuais
superioridades das normas perseguidas por estes textos face a outro tipo de
linhas de cientificação da educação. Esta opção deve-se apenas a ter
reconhecido que, quer isso seja do nosso agrado quer não, a tendência de
cientificação da educação começou por surgir inicialmente como um projecto
de um determinado tipo de cientificidade, situável na história, com
características identificáveis e cujos percursos vale a pena seguir de forma a
melhor se compreender o presente estado da arte, bem como as suas
perspectivas de futuro.
A análise de textos, deste ou de outro tipo, permite evidenciar as
distintas formas assumidas pelos pedidos de cientificidade para a educação,
pois a linguagem, os conceitos utilizados, os temas incluídos ou os temas
excluídos, constituem, no seu conjunto, um mostruário do que, em cada
momento e contextos, determinados autores preconizaram para atribuir ao
estudo da educação um estatuto científico.
Os textos, de qualquer índole, são quase sempre o que resta de mais
concreto do muito que se fez em áreas especialmente fluidas e movediças,
como é a investigação educacional ou a própria educação. Tal como
estabeleceu L. Not (1984a:54), no âmbito da caracterização dos factos
educativos, “o facto educativo não é um dado em si mesmo; ele é
reconstituído a partir de observáveis. Esses observáveis são de duas ordens:
as situações e os documentos.”
A análise de documentos escritos torna-se, então, um veículo
importante para a reconstituição de qualquer tendência, movimento ou área
disciplinar. O mesmo se poderá dizer para a reconstituição do que foi
qualquer movimento ligado à educação.

53
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Mas, e como lembrou L. Not (1984a:59), “todo o texto deve ser


recolocado no seu tempo e apreendido, não como uma mensagem que seria
dirigida a nós mesmos, mas como um testemunho do tempo em que teve
origem: é aquilo que o autor quis dizer dos seus contemporâneos e da sua
época que é preciso, portanto, procurar, e isso também é um princípio
hermenêutico”. De notar que Not justificou preterir as expressões
“hermenêutica” ou “exegese”, em favor da expressão “análise textual”,
fundamentalmente, pelo sentido que esta expressão acarreta de análise no
contexto actual.
Os textos normativos são um veículo, por isso, para a compreensão
de muitos aspectos do movimento de cientificação da educação, não,
evidentemente, de uma forma homogénea ou consertada, pois ele raramente
foi homogéneo ou consertado, mas porque eles revelam várias facetas,
aspirações, evoluções que o movimento foi presenciando ao longo de décadas.
Todos os textos, incluindo os textos normativos, correspondem a um
determinado esforço, feito num determinado contexto, com determinados
fins implícitos ou explícitos, com determinados resultados mais ou menos
conhecidos. Revelam o dito, mas também o não dito, ou deixado em
entrelinhas, ou dito repetida e enfaticamente, ou dito timidamente ou
apenas brevemente sugerido. E todos eles estão disponíveis para a
interpretação.

3. TEXTOS REFLEXIVOS E REFLECTORES


Contudo, os textos não podem ser tomados à letra e de forma
acrítica, pois a linguagem não é um veículo neutro ou asséptico onde as
ideias ou as coisas se espelham tal como são, como tem vindo a ser
sucessivamente demonstrado por distintos autores e em diversos âmbitos.
Os discursos científicos perceptíveis nos textos não fogem a esta
regra, tal como foi explicado por Antunes (1995:146):

54
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

“a Ciência não existe, existem sim formas diferenciadas de


cientificidade, formas diferenciadas de objectivação do mundo. E, se
entendermos que os discursos científicos são os discursos normais e
comensuráveis, isto é, discursos que se constituem com base num
consenso ou acordo dentro de uma comunidade científica, temos que
admitir que os discursos científicos não esgotam a irrupção dos
sentidos do mundo.”

Clarificando mais um pouco, Antunes (1995) acrescentou que, se a


demanda é uma compreensão integral dos diversos tipos de discurso, então,
é necessário fomentar o diálogo entre eles, para o que devem ser convocadas
epistemologia e a hermenêutica. Todo o processo se desenrola através da
linguagem, pois “os discursos científicos são sistemas linguísticos que
contam a história do mundo: o mundo é descrito em linguagem. Cada
discurso é uma descrição do mundo, é um jogo linguístico com as suas
próprias regras” (Antunes, 1995:147). Daí o papel reconhecido por Antunes à
hermenêutica enquanto dimensão que determina e interpreta os modos
como o discurso foi construído.
A linguagem é vista, assim, como expressão de uma comunidade que,
também através dela, veicula projectos, ideias, vontades.
Antunes (1995:149) alertou também para que “a verdade das teorias
científicas é garantida e auto-limitada pelo sistema, pelo paradigma
inerente à sua elaboração.” Ou seja, a verdade é-o provisoriamente, em
determinados espaços e tempos, mas pode deixar de o ser logo que abandona
o contexto onde foi produzida e acatada. Neste sentido, Antunes (1995:149)
explicou que,

“No âmbito das concepções holísticas e antifundamentalistas do


conhecimento, à semelhança de qualquer outro tópico de
investigação, o valor e a justificação das ciências da educação é
alcançado no âmbito de uma dimensão retórica, consensual e
praxeológica. A base justificadora das ciências da educação deixa de
ser entendida como uma “entidade” que está para além do homem e
da comunidade; ela radica precisamente na comunidade em si
mesma enquanto uma comunidade que decide e age, sendo por isso

55
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

responsável pelos projectos/ideias que defende e pelas decisões que


toma.”

O papel crítico das comunidades na formação dos saberes foi


destacado por Foucault (2002), quando analisou o modo como as maneiras
de falar e de ver e as práticas relativas a certas formas de saber empírico
reflectem aquilo que, em cada momento, é considerado como verdadeiro ou
como científico (bem como as formas como elas reflectem os meandros do
poder):

“O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como


estes se regem entre si para constituir um conjunto de proposições
aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de
serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos. Em
suma, problema de regime, de política do enunciado científico.”
(Foucault, 2002:4)

Ora, os textos normativos pretendem estabelecer os enunciados,


legítimos do ponto de vista científico, que devem ser aceites e seguidos por
uma determinada comunidade. São os mostruários ambulantes e
abrangentes das ideias e das vontades da comunidade que os escreveram,
envolveram e divulgaram.
Aqueles textos podem ser da responsabilidade de autores do interior
do movimento ou de autores alheios ao movimento, sendo que, no presente
trabalho, a atenção está dirigida, preferencialmente, aos autores do interior
do movimento, pois os textos que o movimento de cientificação da educação
sobre si produziu correspondem àquilo que quem nele se moveu quis
projectar para o interior da sua comunidade e, também, para o exterior.
Os textos normativos revelam o modo como se afirmou que a
educação adquiriria as bases científicas; ou revelam, também, as dúvidas
que tal possibilidade suscitou; dão pistas, portanto, sobre o modo como a
investigação educacional se construiu a si própria.

56
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

De resto, qualquer actividade investigativa envolve escrita, e a


escrita acaba por ser uma parte importante da pesquisa. Ou seja, a escrita, e
tudo o que ela envolve, é parte central e relevante da produção de textos
(normativos ou de outra índole), bem como na própria produção de textos
sobre as investigações; mais central e relevante do que pode, numa primeira
análise, parecer. Como sustentaram Brown & Jones (2001:55), “sendo a
produção de textos escritos parte intrínseca do processo do trabalho próprio
do investigador, então, este cria parte da realidade que pretende mostrar.”
Também Clandinin & Connelly (1991:259) observaram que os
escritos sobre investigação são mais do que um relatório objectivo da
pesquisa, pois “a descrição narrativa de um investigador de um evento
educacional pode constituir um recontar desse evento, e nessa medida está
num continuum com os processos de recontar que servem em cada uma das
nossas vidas educacionais.”
A análise de textos como estratégia para aumentar a compreensão
sobre a investigação foi defendida também por Atkinson & Delamont (1990),
que analisaram o modo como os textos etnográficos ingleses e americanos
descrevem os professores e o ensino. Estes autores argumentaram sobre a
necessidade de a investigação (referindo-se à investigação qualitativa) ser
auto-consciente e reflexiva sobre os modos como constrói os seus escritos,
sejam eles livros ou relatórios de investigação. Esta argumentação apoiou-se
na ideia de que as principais “diferenças metodológicas e epistemológicas
entre as tradições de investigação estão reflectidas em detalhes específicos
dos seus textos publicados.” Foi proposto, então, que fosse reconhecido que a
“interpretação sociológica não é meramente "transmitida" mas é, na
realidade, constituída pela nossa escrita” (Atkinson & Delamont, 1990:121-
122).
A análise dos discursos é, pois, actualmente, uma peça fundamental
para a necessária auto-reflexão no seio de cada área disciplinar, conforme foi
destacado em Wallerstein: “em diversas disciplinas, a linguagem passou a

57
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

constituir um foco de discussão crucial, quer como objecto de estudo, quer


como chave fundamental para a auto-reflexão epistemológica levada a cabo
pelas próprias disciplinas.”27
De forma não tão explícita quanto à perspectiva linguística, mas não
menos assertiva quanto à importância do discurso, Kuhn conferiu à análise
do discurso uma função clarificadora da evolução da ciência, quando
defendeu que a análise das citações dos relatórios das investigações deve ser
tida como “índice possível da ocorrência de revoluções” (Kuhn, 1997:14).
Torna-se pertinente uma explicitação acerca da acepção em que,
aqui, se toma o vocábulo “discurso”. Nos últimos tempos, tem vindo a
aumentar a relevância deste termo, e não apenas em domínios estritamente
linguísticos, mas em todas os outros domínios nos quais, de formas diversas,
análises do tipo semiótico tenham lugar (cf. Aguiar e Silva, 2002).
Aceitando a análise das várias acepções para aquele vocábulo
clarificadas por Aguiar e Silva (2002), parte-se, no presente trabalho, da
acepção identificada por este autor, baseada nos contributos de Charles
Morris,28 de Victoria Camps 29 e de Tzvetan Todorov,30 e que o torna
praticamente equivalente ao vocábulo “linguagem.”
Nesta acepção, discurso corresponde a “especializações da linguagem
comum [que] possibilitam a realização adequada de determinados fins
específicos” (Aguiar e Silva, 2002:569), as quais estão na origem dos

27 Wallerstein (1996:97). Esta afirmação enquadra-se nas referências à influência


dos estudos culturais nas Ciências Sociais.
28 Aguiar e Silva (2002:569), citando Morris, C. (1971) – “Writings on the general
theory of signs”.
29 Aguiar e Silva (2002:569), citando Camps, V. (1976) – “Pragmática del lenguage y
filosofía analítica ”.
30 Aguiar e Silva (2002:569), citando Todorov, T. (1978) – “Les genres du discourse”.

58
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

dezasseis “tipos de discurso” reconhecidos por C. Morris,31 idênticos aos


“géneros do discurso” propostos por T. Todorov:

“O conceito de géneros de discurso proposto por Todorov […] tem


muitas semelhanças com o conceito morrisiano de tipos de discurso.
Para Todorov, o discurso é constituído por enunciados – ou frases
enunciadas – que se articulam entre si segundo determinadas
normas e convenções de codificação das propriedades verbais, em
conformidade com certos contextos socioculturais e com a função que
os discursos devem desempenhar nesses mesmos contextos.” 32

Também, e no âmbito de uma pesquisa que, entre outros objectos,


quis confrontar a possibilidade de a legislação portuguesa recente ser
influenciada pelo discurso dos especialistas em educação, Alarcão (1995:83),
definiu discurso “como linguagem representativa de teorias, crenças e
padrões de actuação emanada de uma comunidade profissional e
incorporada em livros, artigos, comentários de jornais, seminários e
conferências.”
Assim, no presente trabalho, segue-se a acepção morrisiana descrita
por Aguiar e Silva (2002) e que não colide com a acepção de Alarcão (1995),
sendo utilizados indiscriminadamente os termos “discurso”, “linguagem”,
“texto”, “escrita” ou outras expressões afins, no sentido de que eles
consubstanciam enunciados, ou conjuntos de enunciados, pertencentes a
contextos socioculturais específicos, que cumprem determinadas funções e
que se articulam entre si, segundo determinadas normas, formalmente
reconhecidas ou tácitas, cabendo supor, por isso, que os textos, ou os

31 Segundo Aguiar e Silva (2002:569), “baseando-se na conjugação dos modos


dominantes de significar e dos usos principais dos complexos sígnicos, Charles
Morris estabelece a existência de dezasseis tipos de discurso: discurso científico,
discurso mítico, discurso político, discurso tecnológico, discurso religioso,
discurso poético, discurso legal, etc. ”
32 Aguiar e Silva (2002:569). No original, “géneros do discurso” e “tipos de discurso”,
em itálico.

59
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

conjuntos de textos, de um determinado contexto sociocultural apresentam


características próprias que os distinguem de outros textos oriundos de
outros contextos socioculturais.
Poder-se-á, assim, falar do discurso religioso, ou do discurso legal, ou
do discurso científico específicos de um determinado espaço sócio-geográfico,
de um determinado contexto académico, de um determinado âmbito ou de
uma determinada época. Quando assim é, os escritos, embora possam ser
analisados separadamente, podem ser, depois, interpretados no seu conjunto
e, eventualmente, relacionados com outros níveis de análise.
Será possível, então, desvelar algumas das características que
distinguem um determinado discurso e, através desse desvelamento,
conhecer melhor os seus lugares de origem.
Tendo em conta as posições até aqui enunciadas, torna-se pertinente
questionar, então, quem escreve, e onde e como são descritos os discursos
científicos. Como observou R. Gomes (2001:395), “o discurso tem um espaço
social e um lugar de onde é feito; não é pura expressão mental do
pensamento”, e isto, acrescente-se, aplica-se a qualquer tipo de discurso,
incluindo o discurso científico.
Este autor procurou identificar as referências metodológicas de um
modo alternativo de analisar as políticas educativas, tendo em conta
práticas e discursos. Mostrou que a linguagem participa na definição de
categorias que são essenciais às nossas interpretações das acções, tanto nos
discurso pedagógicos quanto nos discursos científicos.
R. Gomes (2001:394) abordou questões como “quais as condições de
existência de certos discursos? […] Quais os limites e as formas dos regimes
de verdade? […] Que saberes são elaborados e para o uso de que indivíduos,
grupos ou instituições? ”, assinalando que as profissões da área da educação
se distinguem entre si através das diferenças nas suas estruturas
discursivas.

60
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Assim, os especialistas de cada área apresentam tipos discursivos


que os denotam. Nos profissionais cientistas, segundo R. Gomes (2001:391),
observa-se “a lógica de acumulação de capital simbólico: o que está em causa
é a produção de conhecimento verdadeiro sobre um segmento de realidade
social a que a profissão se dedica. É o discurso científico propriamente dito
que autoriza a falar.”
O discurso científico é produzido, então, por quem – e porque faz
ciência – está autorizado a falar em nome da ciência. Sobre a ciência social,
Braudel observou que “toda a ciência social é imperialista, mesmo quando
nega sê-lo; tende a apresentar as suas conclusões como uma visão global do
homem .”33
Mas, mesmo que se trate apenas de perspectivas parcelares, como
acontece com a generalidade das disciplinas, o discurso científico usufrui de
um capital simbólico como poucos discursos têm, já que desfrutou em muitos
círculos de uma aceitação mais rápida e incondicional do que outros
discursos.34
R. Gomes (2001:407) fez notar também que, se “o discurso está na
diferença entre o que se pode dizer correctamente num período e o que
realmente é dito”, então, a dispersão dos pontos de referência (o estatuto de
quem fala, local técnico e institucional) e a dispersão das posições (rituais e
práticas que estruturam o discurso) constituem o verdadeiro princípio de
unidade a partir do qual se poderá efectuar a análise do discurso. R. Gomes

33 Braudel (1981:136). Braudel referia-se ao modo como cada profissional de cada


disciplina científica (o geógrafo, o sociólogo, o economista…) tende a apresentar
uma visão do mundo, baseada na sua perspectiva disciplinar. Como se, a partir
de fragmentos, fosse lícito concluir sobre o todo.
34 Alguns discursos, como o discurso religioso, perderam mesmo eficácia, em alguns
círculos, em proporção inversa, em termos globais e sem sairmos da chamada
civilização ocidental.

61
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

(2001:407) concluiu então que o texto, “depois de escrito separa-se do seu


autor para adquirir ele próprio singularidade absoluta, jamais apropriável”.
Ora, admitindo que este possa ser, com alguma frequência, um dos
propósitos longínquos de quem escreve – que o seu escrito adquira um valor
intrínseco, emancipado do seu autor – e por mais que seja tentado, todavia,
a análise do discurso não pode dispensar as referências sobre quem, onde e
em que circunstâncias foi produzido.
Alguns tipos de discurso denotam um particular empenho em
demonstrar que estão acima de qualquer contexto e, entre eles, destacam-se
os textos académicos. Com frequência, os textos académicos estão
desenhados para darem a ideia de que não pertencem a nenhum contexto
em particular, embora tal acabe por se mostrar falso visto que, para que o
texto seja inteligível, acaba por ser necessária uma iniciação aos
pressupostos da comunidade no seio da qual o texto foi produzido, conforme
foi defendido por Usher.
Usher (1996:33) observou que “há uma forte tendência para o texto
sobre investigação não prestar atenção a si próprio como texto”, porque se
assume que a escrita é um meio de comunicar sobre uma realidade que é
exterior ao texto, ou seja, existe uma realidade que é representada pelo
texto. No caso da investigação educacional, tacitamente negando o dualismo
“realidade” e sua “representação”, ignora-se a questão de “como é que é que
a investigação educacional como prática de escrita "constrói" a realidade”
(p.33).
De modo análogo à já referida proposta de Atkinson & Delamont
(1990), Usher, cujo trabalho também se fundamentou na análise de textos
que relatam os projectos de investigação educacional, propôs que se faça
emergir essa dimensão do texto sobre investigação, acrescentando que, “em
investigação, a escrita torna-se inevitável e a própria produção da escrita
torna inevitáveis as questões da textualidade e da reflexividade ” (Usher,
1996:34).

62
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Usher partiu da noção de que, se em tudo o que se refere à educação,


há sempre uma interligação entre teoria e prática, também as escritas sobre
educação não podem estar desligadas da prática, que se reorganiza na
escrita, como se se produzissem num mundo “descontextualizado e
atemporal” de conhecimento teórico.
Usher apoiou-se na noção de T. Kuhn segundo a qual toda a
produção de conhecimento teórico ocorre no seio de uma comunidade, mas, e
ao contrário de Kuhn, considerou que o facto de a educação não estar
firmemente apoiada numa única matriz disciplinar não é necessariamente
uma fraqueza.
Anote-se que posição idêntica tem vindo a ser defendida por outros
autores, como Shulman (1989) sobre a investigação sobre o ensino, ou por
Santos, sobre as ciências em geral. Santos (1995) destacou também o papel
da reflexividade em ciência, dizendo que o processo de imposição de um novo
paradigma é um processo de negociação entre os diferentes grupos de
cientistas.
Afirmando que a investigação é prática social e que, como tal,
funciona dentro de comunidades que dispõem de critérios para aceitar ou
excluir o conhecimento produzido – e sem afirmar que o texto sobre
investigação seja uma ficção semelhante ao texto literário – Usher não
deixou de notar que ambos são práticas textuais, pelo que ambos contêm
aspectos de ficção e, em ambos, a reflexividade tem um papel relevante.
Usher referiu os problemas que a capacidade reflexiva sempre
levantou no pensamento filosófico e a forma como ela é tida como uma fonte
da pesquisa no pensamento pós-moderno. Colocou mesmo a questão
pertinente de se, em cada texto, o investigador não estará a investigar-se a
si próprio e se a investigação não será uma forma subtil de o investigador
escrever a sua própria autobiografia. Fundamentando-se também em
Derrida, Usher (1996:43-44) concluiu que “o investigador individual não
escreve somente, ele também é "escrito" ”. E isto não retiraria "objectividade"

63
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

ao texto, nem o torna falso, ou seja, “os textos podem falar de "uma"
verdade, embora não possam falar "da" verdade.”
As questões da identidade do investigador e da sua atitude pessoal
não são, porém, os únicos focos da reflexividade. Para este autor, a
reflexividade também faz dirigir a nossa atenção para a "identidade" da
investigação. De certa forma, “ser reflexivo envolve pensar nos conceitos
prévios que informam a investigação e estar consciente de como eles mudam
à medida que o projecto avança ” (Usher, 1996:38).
Além disso, “a pesquisa é uma prática de saber que constrói uma
realidade a conhecer”, sendo necessário analisar “como nós, como
investigadores, construímos a realidade que clamamos encontrar.”35
Usher (1996:39) contrapôs a definição de investigação com a
definição de reflexividade: “a investigação é geralmente tida como um
processo de “descobrir” coisas sobre o mundo. A reflexividade, por outro lado,
é um meio de “descobrir” acerca dos significados, incluindo os significados
dados e gerados pela investigação”. Vista a reflexividade assim, ela pode ser
vista também como um "problema", porque interfere com a ideia dos
resultados como representação verdadeira da realidade. Neste sentido, “a
metodologia, ou o uso correcto e sistemático do método, é vista como a
resposta porque, supostamente, acaba com o “problema” da reflexividade.”
Supostamente, porque, na senda de Barthes, Usher admitiu que o método
seja “um espectáculo montado no texto.”36
Este autor destacou, então, a necessidade de “revelar, compreender e
analisar não só o "produto" do conhecimento, mas também a sua "produção"
e por isso, o seu "produtor"”37 e apontou algumas formas de "resolver" o

35 Usher (1996:39), apoiando-se em Steier.


36 Usher (1996:42), citando R. Barthes.
37 Usher (1996:41), apoiando-se em Aldridge.

64
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

problema da reflexividade. Uma delas é explicá-la, dizendo que, tanto o


investigador quanto o investigado estão imersos em práticas
representacionais, mas que as representações do investigador são de nível
mais elevado.
Usher sustentou que os investigadores devem estar conscientes da
textualidade de qualquer escrito e devem saber como interrogá-lo.
Argumentou também que todos os práticos da educação, mesmo que não
sejam também investigadores, necessitam cada vez mais de ler e de escrever
textos de investigação. E propôs que desenvolvam uma consciência crítica do
lugar das estratégias textuais para, desta forma, alargarem a possibilidade
de "subverter" as formas dominantes e tornarem-nos escritores e leitores
críticos com estratégias alternativas próprias.
Na esperança de oferecer recursos conceptuais críticos para
interrogar a textualidade e dar visibilidade à produção (escrita) e consumo
(leitura) de textos de investigação, Usher (1996:45-47) propôs então o
seguinte conjunto de recursos conceptuais:
Con-texto – Refere-se ao que está com o texto, à autobiografia
situada do investigador/leitor, o subjectivo sociocultural, o eu contextual.
São todo o tipo de marcas da trajectória pessoal do investigador, que podem
ser reconhecidas, mas não eliminadas.
Pré-texto – “Se a investigação é uma prática textual, então a
linguagem como um sistema de significados assume um lugar central”
(Usher, 1996:46). Refere-se àquilo que está antes do texto. A investigação é
uma prática textual, uma prática de fazer reivindicações autoritárias de
conhecimento imediato sob a forma de representações do mundo
verdadeiras. Sendo os discursos formas particulares de criar significados, o
uso de determinados instrumentos de retórica (por exemplo, o uso, nos
textos sobre investigação, de expressões como “testemunha independente”,
ou “evidência objectiva”) cria os sentidos a partir dos quais se torna legítimo
fazer reivindicações de autoridade. A linguagem usada na investigação não é

65
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

simplesmente um modo neutro de veicular representações, é uma actividade


de "linguajar". Por isso, mais do que focalizar nos métodos e nos resultados,
é preciso perceber como é que os significados são criados e apropriados.
Sub-texto – O que está debaixo do texto, subjacente ao texto, os
paradigmas. O acto investigativo é constituído por relações de poder entre o
investigador e o investigado e cujo resultado é a produção e o consumo de
textos "com poder", textos que frequentemente se tornam parte de
mecanismos reguladores no domínio da governação. Usher observou que
tendemos a considerar que a investigação, particularmente a nossa, é
inocente, talvez até útil e emancipatória. O questionamento reflexivo do sub-
texto permite-nos melhor interrogar as implicações da nossa prática dentro
de discursos de poder.
Inter-texto – O que está entre os textos, o tempo histórico, as
citações. A intertextualidade refere-se às ressonâncias de outros textos em
qualquer texto particular e funciona nos níveis consciente e inconsciente.
Com efeito, a intertextualidade aponta para o lugar da história na produção
textual, para a forma como a história está inserida no texto e certos textos
na história.
Assim, o con-texto tem como referente, fundamentalmente, a
trajectória pessoal, mais ou menos percebida através do texto; o pré-texto
tem como referente, fundamentalmente, a linguagem e o modo como,
através da linguagem, se pretendem veicular representações do mundo; o
sub-texto tem como referente, fundamentalmente, o poder reflectido ou
requerido pelos textos; o inter-texto tem como referente, fundamentalmente,
as épocas históricas e o modo como elas são reflectidas, ou omitidas, nos
textos.
Se bem que Usher não faça referência a eventuais fontes dos
conceitos que pretende sejam aplicados aos textos de investigação
educacional, o último conceito que propôs (inter-texto) tem equivalente na

66
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

teoria da literatura, pois não colide38 com a formulação inicialmente proposta


por Júlia Kristeva:

“O conceito de intertextualidade, actualmente tão difundido, deve-se


a Júlia Kristeva que, baseando-se nos estudos de Bakhtine sobre o
dialogismo textual, defende que «tout texte se construit comme
mosaïque de citations, tout texte est absortion et transformation
d’un autre texte». Esta perspectiva põe de parte a possibilidade de
um texto ser visto como uma entidade isolada, única, fechada em si
mesma e sem relação com outros.” 39

Este conceito não é pertinente, assim, apenas nos textos literários.


De acordo com Aguiar e Silva, “definindo-se intertextualidade como a
interacção semiótica de um texto com outro(s) texto(s), definir-se-á
intertexto como o texto ou o corpus de textos com os quais um determinado
texto mantém aquele tipo de interacção,”40 adiantando que “carece de
fundamento conceber a intertextualidade como marca distintiva do discurso
e dos textos literários” (Aguiar e Silva, 2002:628).
A capacidade de o texto revelar outros textos, num diálogo
inevitável, foi ainda explicitado por Aguiar e Silva: “Todo o texto verbal […]
apresenta como dimensão constitutiva múltiplas relações dialógicas com
outros textos. […] O texto é sempre, sob modalidades várias, um
intercâmbio discursivo, uma tessitura polifónica na qual confluem, se

38 Já o mesmo não se pode dizer dos restantes conceitos que Usher propôs, pois, pelo
menos em Aguiar e Silva (2002), “subtexto” e “contexto” não correspondem às
mesmas definições que em Usher.
39 Júlia Kristeva, em “ Recherches pour une sémanalyse”, cit. por Monteiro
(2001:82).
40 Aguiar e Silva (2002:625). Este autor observou também que alguns autores
designam por “subtexto” como algo equivalente a “intertexto”.

67
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

entrecruzam, se metamorfoseiam, se corroboram ou se contestam outros


textos, outras vozes e outras consciências.”41
No nível consciente, a intertextualidade funciona através das
citações, das ligações que se estabelecem com outros textos e do modo como
eles revivem ou são relidos, de acordo com Usher (1996). No nível
inconsciente, as marcas do inter-texto encontram-se entre os textos do autor
e os textos de outros autores e entre os diferentes textos do mesmo autor.
Isto é, sem os identificar com tal, Usher deitou mão de conceitos próprios da
teoria da literatura.
De facto, e como já foi sugerido atrás, a maior parte dos textos sobre
investigação (de modo semelhante, aliás, a qualquer outro tipo de textos)
integra sinais que admitem ser interpretados mediante determinados
conceitos, provenientes da teoria literária, mas que auxiliam também à
interpretação de textos não literários.
O conceito de intertextualidade, já atrás referido, apresenta-se em
duas faces. Aguiar e Silva designa-as por “intertextualidade hetero-autoral”
e “intertextualidade homo-autoral”:

“A intertextualidade é entretecida pelo diálogo de vários textos, de


várias vozes e consciências. Este dialogismo, na sua dinâmica
originária e essencial, é hetero-autoral […] Conjuntamente com a
intertextualidade hetero-autoral, todavia, pode manifestar-se uma
intertextualidade homo-autoral: textos do autor podem manter
relações intertextuais – e relações privilegiadas – com outros textos
do mesmo autor…” 42

Ora, os textos científicos, pelo menos nas partes relativas à revisão


de literatura, desenvolvem-se em tramas argumentativas com outros textos

41 Aguiar e Silva (2002:624-5). No original, “relações dialógicas” em itálico.


42 Aguiar e Silva (2002:630). No original, as expressões “hetero-autoral” e “homo-
autoral” estão em itálico.

68
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

(do mesmo e/ ou de outros autores); estabelecem, portanto, conversações com


esses textos.
Por isso, a análise de textos de índole científica é enriquecida pelo
recurso a estes conceitos oriundos da teoria da literatura, pois eles facilitam
a identificação dos diferentes e sucessivos níveis de diálogo que cada autor,
em cada texto, estabelece com os seus pares, contemporâneos ou anteriores,
bem como a identificação dos diálogos que cada autor mantém com os seus
próprios textos, coevos ou anteriores.
Retomando Usher (1996:49), ele sustentou também que,

“Uma vez que os mundos da educação estão sempre a ser criados e os


seus sentidos e significados estão sempre a ser contestados, é
impossível manter-se fora do processo construtivo e dos seus
resultados. Na investigação educacional há uma necessidade de
reconhecer o papel da escrita porque é só através da escrita que se
pode manter a capacidade para questionar e subverter a tendência
para se tornarem formações de poder-conhecimento, quer da sua
própria, quer de outras práticas sociais e discursos.”

Em síntese, o texto de Usher (1996) que tem vindo a ser citado põe
em evidência determinados aspectos: a investigação é uma prática social; a
investigação é, sempre e também, escrita, e portanto, uma prática de
produção textual mediada pela relação com outros investigadores; também,
por esta razão e por consequência, a reflexividade habita o âmago da
actividade de pesquisa.
Põe em evidência, também, que “a investigação é sempre mais do
que apenas "descobrir" acerca do "mundo" [pois] os significados, depois de
tudo, são apreendidos não através da intenção individual mas através de
transacções intersubjectivas” (Usher, 1996:50-51).

69
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

4. CONCLUSÃO DA PARTE I
Face à manifesta diversidade de perspectivas e metodologias
reconhecidas no âmbito da investigação educacional, torna-se necessário que
os investigadores conheçam os percursos possíveis, e seus fundamentos,
antes de prosseguirem na realização das suas pesquisas.
Como já foi dito neste capítulo, os textos são quase sempre o que
sobra de mais concreto da maior parte das pesquisas levadas a efeito,
especialmente nas áreas das Ciências Sociais ou das Humanidades. Por isso,
a análise de textos deve ser tomada como uma estratégia a considerar
sempre que a intenção seja dar resposta às supra mencionadas palavras de
Clifford (1973), de Popkewitz (1984) e de Lagemann (2000), quando
incitaram os investigadores a conheceram o passado da área de estudos na
qual se movem. Também é uma estratégia para o reconhecimento e resposta
activa às já citadas palavras de M. T. Estrela (1986), quando, implícita e
subtilmente, criticou os investigadores por desconhecerem a investigação
educacional.
Ou seja, a construção de um entendimento sobre o significado de
investigar no âmbito da educação, mesmo que se aceite que tal
entendimento será sempre parcelar, não dispensa uma perspectivação do
passado, próximo ou longínquo. A análise de textos normativos constitui
uma oportunidade a partir da qual esse entendimento pode ser construído,
enquadrada numa perspectiva mais ampla de a investigação educacional se
pensar a si própria.
Por estas razões, neste trabalho procurei, e aplicando recursos
conceptuais de diferentes âmbitos da análise textual, uma perspectiva da
investigação educacional baseada em textos normativos, pois estes textos
revelam sempre mais do aquilo que neles figura objectivamente explicitado.

70
CAPÍTULO DOIS – O MÉTODO

Assim, procurei, fundamentalmente, abordar as seguintes questões:


- O que revelam os textos normativos sobre a autonomia e sobre a
evolução do movimento de cientificação da educação?
- O que revelam os textos normativos sobre o momento actual da
investigação educacional?
- De que modo os textos normativos veiculam as características
básicas das distintas abordagens (paradigmas) de investigação?
- O que revelam os textos normativos sobre as possibilidades das
diferentes abordagens (paradigmas) de investigação?
- Que expectativas para o futuro manifestam os textos normativos?

Como hipótese principal, admito que os textos normativos sobre


investigação educacional revelem características marcantes, em cada época,
do movimento de cientificação da educação. Admito também que os textos
normativos revelem alguns dos paradoxos que têm atravessado aquele
movimento.

71
PARTE II - PERSPECTIVAS
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO
EDUCACIONAL
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

76
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

1. RAZÕES E TENDÊNCIAS
Compreender o passado, para investigar o presente e poder
perspectivar o futuro mediante a análise de textos normativos implica um
enquadramento mais amplo e aprofundado. O ponto de partida para esse
enquadramento foi a demarcação de algumas questões que surgem, com
mais frequência, quando o tema é a cientificação da educação, como foi feito
ao longo da Parte I.
Em coerência, mostrou-se imprescindível ler um tipo particular de
textos normativos, aqueles textos que, explicitamente, se propuseram fazer
a história da investigação educacional, de forma a tomá-los como lugar
matricial de pesquisa, uma vez que foram textos estruturalmente
construídos para narrar uma versão de uma área de estudos.
Interessava conhecer, sobretudo, as posições daqueles autores que,
de algum modo, se situavam dentro do que se convencionou chamar de
investigação educacional, observado, assim, o modo como esta se narrou a si
própria.
Contudo, os textos que respondessem àquele critério (fazer a história
da investigação educacional), além de não perfazerem uma quantidade
considerada bastante para permitir tirar conclusões satisfatórias, revelaram
interpretações nem sempre coincidentes, pelo que se tornou necessário
recorrer, ao longo deste trabalho, também a outros textos que, sem fazerem
da perspectiva histórica o fio estruturador da sua argumentação, não
deixam de fornecer pistas sobre o tema, mesmo que de forma indirecta.
Tendo em atenção argumentos como os apresentados por Usher
(1996), por Antunes (2001) e por Brown & Jones (2001), já referidos, é
preciso não esquecer que os textos de e sobre investigação são, antes de
mais, textos e, como tal, eles não são os mostruários objectivos e fiéis de uma

77
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

realidade exterior ao texto; eles também criam a realidade que pretendem


retratar ou, no caso dos textos normativos, eles também participam de
forma particularmente activa na construção de uma realidade. Por isso, é
importante que os textos que se analisem sejam textos provenientes do
interior da investigação educacional, apesar de eu estar ciente da
nebulosidade desta delimitação.
Alguns autores que escrevem sobre o tema são, na realidade,
filósofos da educação ou sociólogos, mas procurei analisar sempre textos em
que fosse mais proeminente a perspectiva da cientificação da educação. Esta
situação é explicada pelas ambiguidades que sempre acompanharam aquele
movimento.
A análise de textos sobre investigação, produzidos do interior de
alguma perspectiva do movimento de cientificação da educação, e tendo em
atenção também o seu carácter textual, será uma forma de contribuir para
aumentar as possibilidades de leitura crítica desses mesmos e de outros
textos e, portanto, do próprio movimento de cientificação da educação, pois,
de um modo geral, a pesquisa em qualquer vertente da educação envolve a
leitura e a produção de textos sobre a mesma.
A já comentada observação de Lagemann (2000) sobre aquilo que
aparenta ser uma terminologia imprecisa no campo da investigação
educacional ser reflexo, afinal, das características da situação existente, fica
explicada quando se procuram respostas para questões de fundo como sejam
a questão da delimitação/ autonomia do objecto de estudo, bem como, e em
conformidade com esta situação, o diagnóstico e as vias propostas para a
cientificação da educação.
Em concordância, parte das dificuldades para encontrar designações
consensuais (já mencionadas na Parte I do presente trabalho), deriva das
dificuldades em concluir a fase inicial, e basilar, da constituição de qualquer
ciência: a delimitação do seu objecto de estudo.

78
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Como se sabe, as concepções e as definições acopladas às ideias de


uma Ciência da Educação (ou das Ciências da Educação, ou da investigação
educacional, …) têm suscitado, por elas mesmas, reflexões de diversa índole,
em diversos países/contextos e enquadráveis em diversos pressupostos
teóricos. A reflexão sobre a qualidade e o alcance daquelas concepções tem
sido, particularmente nas últimas décadas, uma presença assídua na
generalidade dos fóruns sobre educação.
Como foi sublinhado no capítulo anterior, alguns autores
sustentaram a necessidade de os investigadores conhecerem a história da
investigação educacional ou da disciplina em cujo âmbito se desenvolve o
seu trabalho. Relembro apenas os apelos de Clifford (1973), de Popkewitz
(1988), de Beltrán (1989) e, de forma especial, de Lagemann (2000), quando
esta autora assinalou as potencialidades das análises históricas no
fortalecimento da comunidade de investigadores educacionais.
Embora não de formas tão assertivas, outros autores têm deixado
apontamentos, ao longo do tempo, que convergem na mesma ideia de fundo.
Entre eles, Planchard (1974:101), quando defendeu que as investigações
históricas, “além do seu valor cultural e da sua utilidade para melhor
compreender as situações presentes, ajudam também a melhor organizar
uma investigação sobre um problema actual; podem até sugerir problemas e
permitir comparações interessantes.”
As perspectivas mais ou menos críticas sobre o passado da
investigação educacional perfazem algum tipo de perspectiva histórica,
mesmo quando não se assumem como tal. Sempre que, num texto, são
abordados, de alguma forma, aspectos sobre o passado da área de estudos à
qual pertence, esse texto está a dizer algo sobre o fundamento, o alcance e o
valor dessa área de estudos. Reivindicando o carácter textual da obra
historiográfica, Bermejo Barrera (2000:8) propôs que se preste atenção a
quem fala, a quem se dirige, em que qualidade fala e de que fala.

79
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

De modo idêntico, Tuchman (1998), partindo da noção de que a


investigação também é uma empresa interpretativa, argumentou sobre a
relevância das perspectivas históricas nas Ciências Sociais em geral e no
quanto cada referência histórica, em qualquer texto, revela sobre o contexto
em que foi produzida.
Outro aspecto a ter em conta, quando se pretende perceber como
evoluiu qualquer área de estudos, é a diacronia e a sincronia das
referências. Assim, por vezes, é importante identificar: que textos/ autores
são mais frequentemente citados; que relevo se dá a uns ou a outros (textos/
autores); que textos/ autores são ignorados ou referidos de passagem e como
são interpretados. Pois, todos estes itens são elementos para descobrir o
passado, como ele se lê, como se perspectiva o futuro e como o futuro em
tempos augurado se cumpriu ou não.
A já referida relevância conferida por Kuhn (1997) aos manuais para
a compreensão da evolução das ciências a que dizem respeito é
acompanhada de uma visão crítica sobre a elaboração dos mesmos e sobre as
perspectivas que eles nos oferecem.
Assim, Kuhn (1997:175) assinalou que os manuais, geralmente,
abordam a história da disciplina a que pertencem, mas fazem-no sempre de
uma forma truncada e enviesada:

“os manuais começam truncando a compreensão do cientista a


respeito da história de sua própria disciplina e em seguida fornecem
um substituto daquilo que eliminaram. É característica dos manuais
científicos conterem apenas um pouco de história […]. Através
destas referências, tanto os estudantes como os profissionais sentem-
se participando de uma longa tradição histórica.”

Porém, advertiu Kuhn, essa tradição histórica veiculada pelos


manuais nunca existiu, pois eles oferecem sempre e apenas os fragmentos do
passado que podem ser enquadrados no paradigma ao qual pertence aquele
manual.

80
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

De toda esta situação, observou Kuhn (1997:209), “decorre, em


alguns casos, uma distorção drástica da percepção que o cientista possui do
passado da disciplina.”
No caso dos textos do âmbito do movimento de cientificação da
educação, e como já se escreveu anteriormente, são escassos aqueles que se
dedicam a reflectir, maioritariamente e de forma sistemática, sobre a
evolução daquele movimento, donde resulta, em termos práticos, uma
escassez de teorias concorrentes que possam ser tomadas como pontos de
partida para novos estudos.
Todavia, é frequente que os textos, de qualquer índole, que abordam
temas relacionados com o movimento de cientificação da educação, tendam a
comentar algo sobre a evolução do mesmo, geralmente com referências a
trabalhos anteriores e, por vezes, adicionando críticas a essas referências.
Ora, em cada comentário que cada texto tece sobre o passado, e
também em cada comentário sobre as perspectivas para o futuro, muito
deixa inscrito – o inter-texto, de que fala Usher (1996) – sobre as noções que
quer veicular, revelando assim muito do pensamento que sustentou aquele
movimento.
Mesmo assim, podem identificar-se algumas tendências nos modos
como o passado da cientificação da educação é abordado em textos, de várias
épocas, directamente relacionados com a investigação educacional.
Assim, nos textos dos primeiros anos, no início do século XX, são
mais frequentes as enumerações dos trabalhos integráveis naquele
movimento, geralmente em tom enaltecedor. Essas listagens surgem
geralmente desprovidas de críticas, o que se explica porque não havia ainda
matéria em quantidade suficiente nem distanciamento temporal que
criassem condições de sustentar críticas mais fundamentadas.
Desde então, e de um modo geral, naquele tipo de escritos, detectam-
se dois tipos de tendências. Por um lado, a permanência da tendência de
enaltecer os resultados da investigação; por outro lado, a tendência para

81
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

criticar os desenvolvimentos da investigação educacional, reconhecendo,


normalmente, que os resultados da cientificação da educação não têm sido
notáveis.
Dentro desta última tendência, identificam-se também duas linhas:
a linha que critica a investigação na base de questões metodológicas ou
técnicas, sem pôr em causa os fundamentos epistemológicos; e a linha que a
critica na base de questões epistemológicas ou de outra ordem.
Para destacar apenas um exemplo da atitude crítica face à
investigação educacional do primeiro tipo, nos anos 60, Kerlinger fez uma
dura crítica à investigação educacional em geral (lembremos que, até aos
anos 60, a grande maioria da investigação educacional que se realizava pode
ser incluída no paradigma positivista), quando observou que “havia uma
‘dolorosa desproporção’ entre a quantidade de investigação educacional
efectuada e o valor científico dos seus resultados.”43
Kerlinger apontou como uma das causas dessa situação a excessiva
importância que as escolas de educação davam às práticas, a falta de
tradição de investigação e a pouca importância que os professores e os
alunos lhe atribuíam.
Quanto à linha que critica a investigação educacional na base de
questões epistemológicas, foi sobretudo a partir de finais dos anos 20 do
século XX que começou a verificar-se um movimento de crítica relativamente
à investigação educacional. B. O. Smith (1956) referiu que esse movimento
se declarou sobretudo a partir de 1935, mas com vozes críticas (aduziu B. O.
Smith), já desde 1920.
Especialmente a partir daquela época, de facto, são frequentes as
apreciações à investigação educacional, abarcando também aspectos que vão
para além das simples questões metodológicas.

43 Kerlinger (1969:1140), citando Tate.

82
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

A obra editada por Whipple (1938) é uma síntese de sínteses, e, de


certa forma, um ponto da situação da investigação educacional, “trinta e
cinco a quarenta anos desde o início do que é vulgarmente chamado de
movimento científico da educação,” para utilizar as palavras do texto
introdutório, Freeman (1938b:1).
Em Whipple (1938) convivem textos de tendências críticas quase
antagónicas, sendo que, nela, não figuram apenas as apreciações dos
seguidores da linha mais tradicional, mas também se detecta o rasto das
tendências críticas identificadas, anos mais tarde, por B. O. Smith (1956).
Por um lado, porque em Whipple (1938) são divulgados textos que
são exemplo das posturas mais características da época da emergência do
movimento de cientificação da educação, e que revelam confiança e
optimismo nos rumos que aquele movimento seguia. Vejam-se, por exemplo,
os textos (constantes em Whipple, 1938): Judd (1938); Brown (1938); Horn
(1938); R. Tyler (1938); Greene (1938).
Por outro lado, porém, a mesma obra, Whipple (1938), contém outros
textos que integram críticas, algumas acutilantes, aos rumos seguidos pelo
movimento de cientificação da educação. São os casos, por exemplo, dos
textos Monroe (1938) e Wilson & Murra (1938).
Os textos mais críticos, contudo, são os textos de Cushman & Fox
(1938), Dewey (1938) e Freeman (1938a), pela perplexidade que
demonstram face ao percurso e aos resultados das investigações e pela
abertura a novos rumos para a cientificação do estudo da educação,
anunciando, já, muito do cepticismo ou do optimismo moderado que
caracterizam a época mais actual.
Whipple (1938) constitui, por isso, um repositório das tensões que
foram enunciadas no Capítulo um do presente trabalho e que, como se vê,
não se manifestam apenas na época histórica actual.
Com maioria de razão, os textos que se assumem com o objectivo
explícito e exclusivo de fazer a história de uma área de estudos, de um

83
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

movimento ou de uma disciplina constituem um bom ponto de partida para


o estudo dos assuntos a que dizem respeito, quer aqueles textos dêem conta
de boa parte do património do tema a que se referem, quer omitam aspectos
considerados importantes; de modo idêntico, quer aqueles textos sejam
obras de grande envergadura, quer sejam pequenos artigos ou entradas em
obras colectivas, pois cada um deles representa sempre uma tentativa de
compreensão do respectivo tema.
Por isso, a construção de um entendimento sobre uma área de
estudos será facilitada se forem incluídos no seu enquadramento os textos
que se assumem como fazendo a história da mesma. Ao se terem perfilado
assim, é daqueles textos que se espera que apresentem versões mais
estruturadas e globalizantes sobre o assunto e são eles que primeiro podem
ser refutados ou ver adicionados mais argumentos às suas posições.
A consideração de textos de meta-análise, específica e
exclusivamente sobre esta temática justifica-se, assim, porque eles
consubstanciam tentativas de elaboração sistemática da história da
investigação educacional.
A condição de alguns desses textos surgirem integrados em notáveis
enciclopédias ou “handbooks” transporta um significado acrescido. Além
disso, se esses textos forem assinados por autores reconhecidos na área,44 tal
estatuto também transportará algum significado, perceptível à luz do
conceito de con-texto de que fala Usher (1996).
Interessa, então, ver o que dizem os textos que se apresentam
assumidamente como fazendo a história da investigação educacional.
Consegui somente quatro textos que obedecessem a este critério de abordar

44 No caso dos autores dos textos analisados no presente capítulo, tanto R. Travers,
como G. De Landsheere, como E. Lagemann eram já autores reconhecidos,
mesmo antes de os textos aqui sob escrutínio terem sido publicados, como se
pode constatar na introdução dos números dois, três e quatro, deste capítulo.

84
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

a história da investigação educacional de forma explícita e exclusiva: De


Landsheere (1988); De Landsheere (1999); Travers (1992); e Lagemann
(2000).
Encontrei ainda mais dois textos que, sem assumirem no título a
condição de textos fundamentalmente sobre a história da disciplina, o seu
conteúdo permite constatar que as perspectivas históricas ou histórico-
epistemológicas estão na base das suas análises.
Um deles, Abelson (1943), que bem poderia ostentar um título igual
aos daqueles quatro textos, já que todo ele é dedicado a fazer uma síntese da
evolução e do estado (então) actual da investigação educacional.
O segundo texto, Correia (1998) que, declarando não pretender
construir a “genealogia da Ciências da Educação,” se debruça, “de forma
sucinta, sobre algumas das conjunturas históricas e epistemológicas que […]
melhor […] podem dar conta da conflitualidade dos regimes de verdade que
aí se tendem a instituir” (Correia, 1998:20). Aqui, também, a perspectiva
histórica como elemento coadjuvante na construção de um entendimento
mais amplo sobre um determinado tema.
Tenho referências de outro texto de De Landsheere, com o título “La
recherche en éducation dans le monde,” de 1986, o qual não consegui obter.
Porém, admito como plausível que, dada a proximidade da data de
publicação com a publicação de “History of educational research ,”45 tal obra
não traga novidades capazes de alterar substancialmente as interpretações
que a seguir apresentarei.
Também encontrei outra referência, em Bisquerra (1989), de outra
obra – Glover & Ronning, de 1987, e da qual não consegui obter as

45 Texto sucessivamente publicado, sem e com modificações, em 1985, 1988, 1991


(traduzido para Espanhol) e em 1999, em edições no presente trabalho
analisadas (excepto a de 1985).

85
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

referências completas, nem mesmo o título – para onde aquele autor remete,
junto com a já referida obra De Landsheere, de 1986, quem quiser saber
mais sobre a história da investigação educativa no mundo.
Tive notícia também de um documento policopiado, “The history of
educational science”, da autoria de H. Tenorth, citado por Escolano Benito,
com os seguintes comentários, os quais traduzem a desconfiança na
possibilidade de uma ciência da educação: “O professor Tenorth fez notar
como, incluindo hoje, a pedagogia que cultivam os académicos não conseguiu
um estatuto disciplinar que se possa considerar definitivamente assumido, o
que faz que a história da construção da “ciência da educação” seja em parte
a “história de uma quimera.”46
Esta escassez de textos assumida e exclusivamente sobre a
investigação educacional (com esta ou outra designação endossada à
cientificação da educação) não deixa de ser significativa, pois pode ser tida
como mais um indício a confirmar as indefinições quanto à identidade e à
autonomia do conceito em questão.
Em sentido inverso, a existência de textos que se assumem como
fazendo a história da investigação educacional também significa que os seus
autores, certamente não ignorando as incertezas que sempre têm
acompanhado a cientificação da educação, optaram por assumir, e apesar
disso, a coerência de um corpo disciplinar autónomo, com um objecto e uma
história. Esta assunção também se reveste, em si, de significado e convive
melhor com a delimitação de um corpo disciplinar.
Nesta categoria de textos/ autores, destaca-se Lagemann (2000:xiv),
que justificou detalhadamente a sua opção, depois de reconhecer que,

46 Escolano Benito (1999:25), citando H. E. Tenorth (1995) – “The history of


educational science”, XVII ISCHE, Papers, Opening Address, Berlin, documento
policopiado.

86
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

“apesar de a educação ser de há muito uma das mais vastas áreas de ensino
universitário, o saber educacional tem sido amplamente ignorado nos
escritos recentes sobre a universidade e sobre os seus esforços de pesquisa ”.
Ou seja, sendo certo que distintos autores colocam sérias reticências
a que se considere a existência de uma disciplina de investigação
educacional, outros autores assumem-na, logo nos títulos das suas obras, e
dela se propõem fazer a história, mesmo que o conteúdo dos respectivos
textos evidencie, de formas mais ou menos explícitas, que o percurso
daquela está longe de ser homogéneo ou pleno de consensos, ou mesmo que o
conteúdo dos textos deixe perceber, também, algumas indefinições e/ou
contradições quanto às afirmações de autonomia da ciência da educação.
Apresento a seguir, então, uma síntese e comentários sobre os
principais aspectos com relevo para o presente trabalho de quatro textos,
cujos títulos anunciam que se propõem fazer a história da investigação
educacional:
- De Landsheere (1988);
- De Landsheere (1999);
- Travers (1992);
- Lagemann (2000).

A par da respectiva visão geral sobre a investigação educacional,


procurei perceber, em cada um dos textos:

 como atribui autonomia e como define o objecto de estudo;

 as estratégias em que se apoia para desenvolver a perspectiva


histórica, nomeadamente, quais são os condicionalismos que destaca
como modeladores dos rumos da cientificação da educação;

87
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

 os períodos e/ou os eventuais paradigmas (ou equivalentes) que


identifica no movimento de cientificação da educação (considerado ou
não como disciplina) e respectivas características;

 que diagnóstico faz do estado actual da investigação educacional;

 que espécie de dialogismos, se alguns, estabelece com outros


textos;

 que expectativas manifesta quanto ao porvir da investigação


educacional.

Embora a análise a cada um destes textos procure responder às


questões acima, não é escamoteada a singularidade de cada um destes
documentos.
Como expliquei no Capítulo dois, cada um deles é um texto único,
constituído pelas particularidades do seu objecto, das suas palavras, do seu
autor, dos seus leitores, do contexto em que foi produzido e em que é
consumido. Este conjunto de especificidades relacionadas configura a
situação de texto único, que nunca se desprende da sua singularidade.
Por isso, a par da aplicação de um tronco comum de questões e de
recursos analíticos, é concedido a cada um dos textos um espaço analítico de
derivações proporcionado pela sua singularidade e que justifica que, a
propósito de cada um deles, sejam trazidos à colação assuntos distintos, mas
sempre com um ponto-chave em comum: iluminar um pouco mais as
reflexões acerca do movimento de cientificação da educação.
Assim, os textos de De Landsheere (1988; 1999) proporcionam que se
explore o tema da intertextualidade em investigação educacional; o texto de
Travers (1992) proporciona que se fale de como se pode tentar assumir uma
lei, apesar da existência de normas que a contrariem; e o texto de Lagemann
(2000) permite que se fale do conjunto dos quatro textos.

88
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

2. AS HISTÓRIAS DE DE LANDSHEERE
Os textos da autoria de Gilbert De Landsheere de 1988 e de 1999
apresentam o mesmo título: “History of educational research”.
Trata-se de um texto que foi sendo reeditado, traduzido e retomado,
ora sem, ora com alterações. A primeira indicação que tenho da sua
publicação é de 1985,47 como entrada na “International encyclopedia of
educational research”, dirigida por Husén & Posthlewaite.48
Esta enciclopédia foi traduzida para castelhano em edição de 1991 e
inclui vários volumes, sendo legítimo supor que tem tido grande impacto na
sua área (a julgar pela frequência com que são citadas entradas nela
constantes). Tem uma segunda edição, de 1994, e li referências, não
confirmadas, sobre outra possível edição, à qual não tive acesso.
Algumas das entradas desta enciclopédia (que referencio, a partir da
tradução em castelhano, como Húsen & Postlethwaite, 1991/1985) foram
retomadas, com ou sem alterações, no volume Keeves (1988a) e no volume
Keeves & Lakomsky (1999a). Estas duas obras, elaboradas a partir da
referida enciclopédia, são de menor envergadura mas, aparentemente, com
potencial de influenciar a sua área de interesse.
Assim, após a publicação naquela enciclopédia internacional, o texto
de De Landsheere em apreço voltou a ser publicado em Keeves (1988a),
“Educational research, methodology and measurement: an international
handbook” – versão analisada no presente trabalho, com a referência De
Landsheere (1988).

47 Não tenho certezas sobre se genealogia deste texto de G. De Landsheere começou


efectivamente nesta data, 1985, ou se já vinha de data anterior.
48 Não tive acesso à enciclopédia original, mas sim à sua tradução em Espanhol, de
1991.

89
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

A comparação entre a versão de 1988 e a tradução em castelhano de


1991 não evidencia alterações, pelo que se trata, efectivamente, de uma
tradução do mesmo texto, donde se conclui que citar De Landsheere (1988) é
o mesmo que citar De Landsheere (1991) ou a versão de 1985.
Texto com o mesmo título – “History of educational research ” –
voltou a ser publicado em Keeves & Lakomsky (1999), “Issues in educational
research” – versão também analisada no presente trabalho com a referência
De Landsheere (1999).49
Por isso, ao longo do presente trabalho, são referidas duas
publicações de De Landsheere, com o mesmo título:
- De Landsheere (1988), que é o mesmo que citar De Landsheere nas
versões de 1985 ou de 1991; e
- De Landsheere (1999).

49 Desconheço se algumas das versões deste texto de De Landsheere integraram


alguma outra obra. De entre os factores que geraram confusão e desgaste no
presente trabalho, saliento situações como esta: a proliferação de reedições do
mesmo texto, com o mesmo título, sem estarem acompanhadas, em cada nova
publicação, de indicações claras sobre a não originalidade do mesmo. É certo que
o “handbook” editado por Keeves (1988a), a meio do prefácio, faz uma referência
a que a maioria dos artigos provêem da “International encyclopedia of
education ” (Husén & Posthlewaite, 1991), mas tal passa facilmente despercebido
numa primeira leitura; quanto à obra Keeves & Lakomsky (1999), não explicita
que alguns dos artigos são cópias migradas daquele “handbook” para a obra de
1999, ou que outras cópias, na migração, sofreram alterações de maior ou menor
monta.
Este não é caso invulgar quanto à falta de transparência das referências no que
respeita à republicação de textos sobre temas da educação, donde cabe deixar
aqui a crítica aos editores destes temas pela pouca clareza com que, por vezes, se
actua aquando das reedições de alguns textos, sendo que bastava uma simples
nota de rodapé na primeira página com as referências completas das edições
anteriores para clarificar a genealogia dos textos.
Um bom exemplo do que deve ser feito encontra-se em A. Estrela (1992) –
“Pedagogia, ciência da educação ?” que é uma compilação de artigos já publicados
em revistas e que, logo na primeira página de cada capítulo (artigo), inclui uma
nota de rodapé com as referências completas da primeira publicação do artigo
que deu origem àquele capítulo.

90
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Importa considerar, então, não apenas a síntese dos dois textos, mas,
particularmente, as permanências e as mutações do texto dos anos 90 face
ao texto dos anos 80, relacionando-as com os conceitos atrás referidos, com a
finalidade de ampliar as perspectivas sobre o entendimento sobre a evolução
da cientificação da educação.
G. De Landsheere é um nome eminente na educação em geral, autor
de trabalhos de referência em várias áreas do campo educativo, mesmo para
além do tema da investigação educacional.50

2.1 D E LANDSHEERE (1988) E DE LANDSHEERE (1999): SINOPSE DE DOIS TEXTOS

De Landsheere apresentou uma história da investigação


educacional, em cinco períodos, com um perfil aparentemente similar em
ambas as versões, pelo menos até à fase dos anos 90: 51

- O período antes de 1900 – caracterizado pelo surgimento de cada


vez mais estudos em educação, de base quantitativa e realizados em
similitude com os estudos que então se efectuavam nas Ciências Naturais;

- O período de 1900 a 1930 – caracterizado como uma fase de apogeu


do empirismo, em que as análises estatísticas constituíam, do ponto de vista
metodológico, a pedra fundamental da maior parte dos estudos dessa época.
Também, a gestão racional das escolas passou a ser um importante objecto

50 De Landsheere é autor de obras bastante divulgadas como De Landsheere (1978),


De Landsheere (1986), De Landsheere (1992) e é co-autor de De Landsheere, V.
& De Landsheere, G. (1977).
51 O presente trabalho dedica algum espaço à síntese de alguns dos textos tratados,
prática pouco usual na generalidade das teses da área das ciências da educação.
Tal é justificado por este trabalho ter como método fundamental a análise de
textos, donde, só podem clarificar-se determinadas argumentações com a sinopse
prévia de alguns textos.

91
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

de investigação, de tal sorte que, “por algum tempo, o Taylorismo e o estudo


da eficácia tornaram-se um componente do pensamento educacional.”52

- O período dos anos 30 aos anos 50 – caracterizado


fundamentalmente pelo défice de desenvolvimentos notáveis na investigação
educacional, nos anos 30, e pelo surgimento de estudos de cariz sociológico
de análise das desvantagens sociais no âmbito escolar, nos anos 40 e 50;

- O período dos anos 60 e 70 – época em que, pela primeira vez, em


vários países, mas de forma especial nos EUA, a investigação educacional
recebeu apoios materiais significativos.
As crises culturais que eclodiram nos países ocidentais, a partir dos
anos 60, afectaram também o mundo da investigação, tendo conduzido,
então e posteriormente, a intensos debates epistemológicos.
Simultaneamente, foram alcançadas realizações científicas na área da
educação sobre temas como avaliação, eficácia do professor, desenvolvimento
curricular e outros.

- O período dos anos 80 (apenas em De Landsheere, 1988) – no qual


a investigação educacional “atingiu um nível de qualidade comparável ao de
outras disciplinas”,53 e em que os debates epistemológicos entretanto
ocorridos clarificaram as respectivas qualidades e fraquezas das abordagens
quantitativas e qualitativas, sendo que ficou demonstrado que nenhuma
delas conseguiu dar resposta a todas as questões educacionais.
A maturidade alcançada pela investigação educacional também se
reflectiu na prática educacional, oferecendo De Landsheere exemplos de

52 Cf. De Landsheere (1988:12) com De Landsheere (1999:20).


53 Cf. De Landsheere (1988:15) com De Landsheere (1999:27).

92
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

como as práticas passaram a ser mais subtis e apoiadas em teorias menos


rígidas. Os desenvolvimentos no plano das tecnologias computacionais
faziam prever também boas perspectivas para as práticas nas escolas.

- O período dos anos 80 e anos 90 (apenas em De Landsheere, 1999)


– na versão mais recente, de 1999, o autor partiu das mesmas afirmações da
versão anterior, segundo as quais a investigação educacional atingira um
nível semelhante ao de outras disciplinas e que nenhum dos quadros
paradigmáticos se mostrara suficiente para dar resposta aos problemas
educacionais.
Porém, a partir daqui, as apreciações passaram a diferir da versão
anterior, de 1988, com omissões e adições que alteram a visão final da
evolução da investigação educacional naqueles cerca de quinze anos. A título
de exemplo, De Landsheere (1999) omitiu parte das referências aos
exemplos de como as teorias provenientes da educação e da psicologia
alteraram práticas antes mais rígidas; omitiu também as alusões às
expectativas geradas pelas tecnologias de computadores.
O autor acrescentou, no entanto, referências a novas abordagens,
nomeadamente às abordagens de cariz humanista que foram buscar os seus
métodos à antropologia, sociologia, história, linguística e etnometodologia
(esta última, fez notar o autor, assente em técnicas de observação
naturalista e sem manipulação de variáveis).
Além disso, lembrou De Landsheere, no texto mais tardio, é
consensual que “nem os paradigmas de explicação nem os paradigmas de
compreensão têm bases firmemente empíricas,”54 referindo tentativas de
ultrapassar esta dificuldade baseadas no realismo transcendental (ou
criterial). Os desenvolvimentos nas ciências cognitivas foram também

54 Cf. De Landsheere (1988) com De Landsheere (1999:27).

93
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

citados como outra fonte de expectativas positivas no desenvolvimento da


investigação educacional.

- As conclusões – são idênticas em ambos os textos e partem da


premissa de que, à semelhança da medicina, a educação é uma arte, sendo
esta a razão pela qual “os avanços na investigação não produzem uma
ciência da educação, no sentido positivista do termo, mas proporcionam
fundamentos cada vez mais poderosos para a prática e para a tomada de
decisões.”55
Nas conclusões da versão de 1999, De Landsheere destacou ainda o
impacto da investigação educacional na política educacional e nas práticas.

Em ambos os textos, os pilares da estratégia de De Landsheere para


escrever sobre a história da investigação educacional foram os períodos e as
abordagens identificados, os quais surgem modelados, embora não de forma
enfática – e menos ainda na versão dos anos 90 – pelas circunstâncias
sociais e culturais das épocas em que se destacaram. O autor abordou
também outras questões, como os financiamentos à investigação
educacional, mas sem lhes conferir um papel determinante na sua evolução.
Deve ser referido aqui que nenhum destes dois documentos, em que
De Landsheere se propôs fazer a história da investigação educacional,
apresenta qualquer alusão a um paradigma de investigação que é tido em
consideração em sectores importantes dos meios educacionais, o paradigma
crítico (com esta ou outra designação).

55 Cf. De Landsheere (1988:16) com De Landsheere (1999:28).

94
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

2.2 D E LANDSHEERE (1988) VERSUS D E LANDSHEERE (1999): PERMANÊNCIAS E


TRANSMUTAÇÕES

A diferença mais óbvia entre os dois textos é que a última versão, de


1999, inclui já, e previsivelmente, referências aos desenvolvimentos ao longo
dos anos 90 do século XX. Quanto ao resto, uma primeira e mais superficial
leitura pode conduzir à ilusão de que ambos os escritos apresentam a
mesma interpretação da história da investigação educacional.
Contudo, uma leitura mais atenta permite detectar certas
alterações, algumas das quais potencialmente significativas quanto à
evolução do próprio autor face à questão de que se ocupa. O facto de De
Landsheere ser um autor de nomeada no campo geral da pesquisa em
educação confere uma importância acrescida às alterações ocorridas.
Na sua maior parte, De Landsheere (1999) é uma citação de De
Landsheere (1988). Porém, o autor quis introduzir certas modificações e são
essas modificações que se prestam, de forma especial, à análise.
Assim, passada cerca de década e meia entre um e outro texto sobre
a história da investigação educacional56 (e tal como foi justificado no início
desta secção), assume particular relevo identificar:

 aquilo que o autor quis manter;

 aquilo que o autor quis modificar (adicionando, omitindo ou


simplesmente alterando).

2.2.1 A QUILO QUE O AUTOR QUIS MANTER

O texto de 1999 mantém o mesmo título, a mesma estrutura


conceptual e a maior parte das proposições do texto de 1988. Com base na

56 Pois, lembremos, supõe-se que a versão de 1988 seja igual à de 1985.

95
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

manutenção das características gerais de quatro dos cinco períodos que o


autor destacou na investigação educacional, aparentemente, De Landsheere
fez leituras globalmente idênticas da sua evolução, em ambos os textos,
sendo que a última versão incluiu já, naturalmente, referências aos
desenvolvimentos nos anos 90.

2.2.2 A QUILO QUE O AUTOR QUIS MODIFICAR, ADICIONAR OU OMITIR:

Dentro desta categoria, e à luz dos objectivos da análise do presente


trabalho, encontrei dois tipos de alterações entre o texto de 1988 e o texto de
1999:

 alterações não valorizáveis;

 alterações valorizáveis.

2.2.2.1 Alterações não valorizáveis:

De entre este primeiro tipo de modificações, detecta-se cerca de uma


dezena de subtipos de alterações. Devido a que se assemelham mais a uma
revisão do texto do que a alterações de fundo, apenas registo aqui alguns
exemplos:
Substituição de frases curtas por outras frases, de sentido análogo,
ou com capacidades explicativas acrescentadas ou com mais capacidade de
síntese. Exemplo: substituição de “a interacção de influências de muitos
factores nos resultados educacionais” por “análise multivariada de
resultados educacionais”.57
Substituição de expressões da esfera geopolítica. Exemplo:
substituição de “Inglaterra” por “Reino Unido” ou substituição de “União
Soviética” por “a antiga União Soviética”. Estas substituições correspondem

57 Cf. De Landsheere (1988:9) com De Landsheere (1999:16).

96
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

a marcas da passagem de efectivas mudanças políticas (“a antiga União


Soviética”) ou revelam alteração nas percepções políticas, pois são marcas de
ajustamentos quanto à linguagem considerada adequada para designar
realidades que, tendo ou não sofrido alterações políticas de fundo, passam a
ser designadas de forma diferente.
Rectificação de erros tipográficos e inclusão de um novo erro
tipográfico. Como quaisquer outros, os textos de grandes autores não estão
imunes aos lapsos; em De Landsheere (1999), vem referido o “Yearbook” de
1891, da “National Society for the Study of Education ,” como integralmente
dedicado à medida de produtos educacionais. Na realidade, a publicação dos
“Yearbooks” desta sociedade teve início em 1902 e o “Yearbook” a que De
Landsheere se queria referir é de 1918. Portanto, a versão mais antiga
indica a data correcta,58 pelo que se trata, efectivamente, de um erro
tipográfico na versão mais recente.59
As alterações até aqui apontadas, e outras não registadas aqui, não
são particularmente relevantes para as questões do presente trabalho e
equivalem mais a uma revisão de um texto já antes publicado do que a
verdadeiras alterações de fundo.

2.2.2.2 Alterações valorizáveis:

Além das alterações não valorizáveis identificadas acima, outras


alterações se verificam que podem ser apontadas como valorizáveis à luz dos
objectivos da análise do presente trabalho e que são susceptíveis de
contribuírem para a clarificação da temática geral da evolução da
investigação educacional.

58 Conforme se pode confirmar na listagem no “Yearbook” de 1985 (Eisner, 1985) e


noutros “Yearbooks” da responsabilidade da “National Society for the Study of
Education”.
59 Cf. De Landsheere (1988:13) com De Landsheere (1999:21).

97
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Os aspectos mais relevantes prendem-se com as alterações


verificadas quanto ao objecto do texto, à autonomia da investigação
educacional e aos métodos em uso. Assim, sendo certo que, sobre estes
aspectos, ambos os textos, De Landsheere (1988) e De Landsheere (1999),
deixam transparecer algumas ambiguidades, elas são mais visíveis na
versão mais recente.
É certo que, por um lado, ambos os textos iniciam o seu discurso
sobre o “estudo da educação como pesquisa disciplinada com uma base
empírica,”60 o que, associado ao desfiar de momentos e exemplos que
caracterizam esse tipo de pesquisa em educação, conduz à expectativa de
que o seu objecto está circunscrito com clareza. Portanto, podem levar a crer
que ambos os textos sustentam a ideia de que existe um objecto de estudo
delimitado e autónomo e com métodos bem clarificados.
Por outro lado, contudo, ao longo dos textos, especialmente ao longo
da versão mais recente, surgem elementos que permitem duvidar da
perenidade dos limites daquele objecto e da clareza dos métodos em uso.
Assim, logo no primeiro parágrafo do texto de 1999, verificam-se
alterações, face ao texto de 1988, que suscitam perplexidade. No texto mais
antigo, de 1988, De Landsheere identificara três movimentos no estudo de
questões educacionais, de 1900 em diante: o movimento do estudo da
criança, fortemente ligado à psicologia; o movimento da Educação Nova,
estreitamente influenciado pela filosofia; o movimento de investigação
científica, de inspiração positivista.
Ora, na versão de 1999, De Landsheere acrescentou um quarto
movimento, “de investigação humanista,” a partir dos anos 60.61

60 Cf. De Landsheere (1988:9) com De Landsheere (1999:15).


61 Cf. De Landsheere (1988:9) com De Landsheere (1999:15).

98
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

A não alusão, no texto dos anos 80, a um quarto e inédito movimento


que é referido na edição de 1999 é explicável pela relevância que esse
movimento terá adquirido nos anos que mediaram os dois textos e que não
seria ainda perceptível nos anos 80.

Mas verificam-se outras diferenças que não se explicam com uma


justificação tão óbvia quanto esta e que adicionam um travo de ambiguidade
ao texto mais recente, face ao texto anterior:

- Uma das disparidades entre os dois primeiros parágrafos de ambas


as edições é que, em 1999, De Landsheere esclareceu que a orientação
positivista do movimento de investigação científica o foi apenas
“inicialmente.” A edição de 1988 não incluiu qualquer referência temporal, o
advérbio de tempo ou outra.62
Esta divergência de apenas um simples advérbio, contribui para um
aumento da ambiguidade no texto mais recente, pois se, no texto de 1988,
De Landsheere não foi claro sobre o que entende por “movimento de
investigação científica”, isto permite, pelo menos, a interpretação de que a
orientação positivista tenha sido o seu principal traço distintivo.
Na edição de 1999, com a adição do advérbio de tempo
“inicialmente,” De Landsheere está a dizer implicitamente que, a partir de
certa altura, outra orientação lhe sucedeu, mas não especificou qual, o que
significa a introdução de um elemento que carece de mais explicações. Ao
não serem oferecidas essas explicações, estamos, então, perante a introdução
de um novo elemento ambíguo.

62 Cf. De Landsheere (1988:9) com De Landsheere (1999:15).

99
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

- Outra diferença consta na não permanência das designações que


De Landsheere vai apondo às várias abordagens que perpassaram pela
investigação educacional. Assim, no primeiro texto, De Landsheere citou o
“debate positivista versus antropológico ou hermenêutico,” mas no texto
mais recente substituiu “antropológico” por “humanista.”63
Na mesma linha, logo a seguir, nova alteração nas designações.
Onde antes, no texto de 1988, estava “a abordagem científica ou ‘hard data’
é vista como complementar às abordagens antropológicas, históricas,
fenomenológicas ou ‘soft’ data ”, na edição mais recente, de 1999, De
Landsheere, referindo-se às várias abordagens, passou a omitir a expressão
“hard data” e substituiu a expressão “soft data” por “humanística.” 64
De Landsheere também substituiu “abordagem metodológica” por
“abordagem psicológica,” quando se referia ao trabalho de Thorndike no
desenvolvimento curricular.65
Estas alterações quanto às designações são passíveis de serem
interpretadas como transportando hesitações quanto ao conteúdo a que se
referem. Isto é, na década e meia que medeia entre um texto e outro, De
Landsheere alterou o debate “antropológico” ou “hermenêutico” num menos
específico debate “humanista.”
Esta alteração pode ser sinal de uma maior ambiguidade
percepcionada pelo autor face aos referentes em questão, pois De
Landsheere como que percorreu as designações relacionadas com as várias
abordagens numa espécie de ziguezague, indiciador de possíveis hesitações
nas definições quanto às características gerais das respectivas abordagens.

63 Cf. De Landsheere (1988:10) com De Landsheere (1999:16).


64 Cf. De Landsheere (1988:10) com De Landsheere (1999:16).
65 Cf. De Landsheere (1988:13) com De Landsheere (1999:23).

100
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

- Verificam-se outras diferenças que podem ser interpretadas como


sinais de aumento da ambiguidade, como por exemplo, quando De
Landsheere substituiu “Os desenvolvimentos científicos na investigação
educacional”, na edição de 1988, por “Os avanços na investigação
educacional”, na edição de 1999.66
Esta substituição pode significar que De Landsheere deixou de
considerar importante relacionar expressamente a investigação educacional
com os “desenvolvimentos científicos”. Mas pode significar também que a
junção do qualificativo “científico” à investigação educacional pode não ser a
melhor forma de a caracterizar e, daí, ter preferido evitá-la.

- Outra diferença tem a ver com a supressão de alusões a eminentes


movimentos políticos e sociais do século XX. Por exemplo a alusão aos
desenvolvimentos do fascismo, do socialismo e do progressismo em alguns
países, ocupando dois períodos do texto primevo, períodos omitidos na versão
mais recente. Ou seja, na versão de 1988, quando se referia às
consequências da crise económica dos anos 30, De Landsheere incluíra um
parágrafo no qual relacionara “o congelamento da maior parte das
actividades de investigação educacional nos países europeus”67 com as
diversas situações políticas na Europa e nos EUA (fascismo, progressismo,
socialismo).
Na versão posterior, de 1999, porém, o autor omitiu essa
contextualização, fazendo, assim, com que alguns dos “ismos” mais
destacados do século XX abandonassem o cenário explicativo da investigação
educacional.

66 Cf. De Landsheere (1988:15) com De Landsheere (1999:26).


67 Cf. De Landsheere (1988:14) com De Landsheere (1999:24).

101
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

É como se De Landsheere procurasse descomprometer-se


relativamente a algumas das interpretações que antes fizera sobre os
percursos e a envolvência da investigação educacional, nomeadamente
quanto à fundamentação das análises políticas e sociais explicativas da sua
contextualização e evolução.
Se se atender ao que escreveu Antunes (1995:147) sobre como o
mundo é descrito em linguagem e cada discurso é uma descrição do mundo,
então, estas supressões de De Landsheere empobreceram o leque de
possibilidades explicativas dos desenvolvimentos da investigação
educacional.

- Encontram-se ainda outras divergências que podem ser tomadas


como indícios de aumento de ambiguidade e de incerteza quanto ao
desempenho da investigação educacional. Assim, não deixa de ser certo que,
nas conclusões de ambos os textos de De Landsheere, se lêem afirmações de
que “os avanços na investigação não produzem uma ciência da educação, no
sentido positivista do termo, mas produzem fundamentos cada vez mais
poderosos para a prática e para a tomada de decisões.”68
Não deixa de ser certo também que, nas conclusões da versão mais
tardia, de 1999, é reforçada a indicação de que o corpo de conhecimentos
gerado a partir da investigação educacional tem tido “um nítido impacto
tanto nas políticas como nas práticas.”69
Mas, ao longo do texto mais recente, de 1999, De Landsheere omitiu
algumas frases com as quais antes, no texto de 1988, desfiara razões para se
acreditar no sucesso dos cometimentos da investigação educacional. Por
exemplo, no texto de 1999, o autor suprimiu uma das proposições (do texto

68 Cf. De Landsheere (1988:16) com De Landsheere (1999:28).


69 Cf. De Landsheere (1988:16) com De Landsheere (1999:28).

102
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

de 1988) mais explícitas acerca das expectativas positivas que a investigação


educacional merecia: “levou cerca de um século a que a investigação
educacional alcançasse o seu presente estatuto de maturidade. Pela
primeira vez na história da humanidade, a arte da educação pode basear-se
em fundamentos cada vez mais seguros e compreensivos”.70

- Na versão de 1999, De Landsheere também foi menos severo no


modo crítico como descreveu o antes e o depois dos desenvolvimentos da
investigação educacional dos anos 80 e omitiu alguns dos exemplos que, no
texto de 1988, oferecera sobre as prováveis vantagens futuras da educação
baseada nos conhecimento produzidos a partir da investigação educacional.71

- A versão de 1999 inclui, naturalmente, os desenvolvimentos dos


anos 90, onde são destacados o movimento de investigação humanista e a
etnometodologia. O realismo transcendental contemporâneo é indiciado
como potencial solução para ultrapassar as dificuldades epistemológicas
derivadas da insuficiência de qualquer um dos paradigmas de investigação
que perpassaram a investigação educacional.

- Mas a alteração que parece ser mais susceptível de gerar


perplexidade a quem tente uma leitura consertada de ambos os textos é a
eliminação do último período do primeiro parágrafo.
Assim, no texto de 1988, depois de enumerar os três movimentos do
estudo das questões educacionais, De Landsheere esclareceu que aquele

70 Cf. De Landsheere (1988:10) com De Landsheere (1999:16).


71 Cf. De Landsheere (1988:16) com De Landsheere (1999:28).

103
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

artigo se ocuparia, “essencialmente do terceiro movimento que envolve


investigação empírica ”.72
Ora, na versão mais tardia, o autor, depois de ter acrescentado um
quarto movimento de estudo das questões educacionais (já referido acima),
nada esclareceu sobre qual o movimento que privilegiava naquele artigo.
Aquele período (ou algo equivalente) está omisso no texto de 1999, ficando
por saber, assim, se De Landsheere se ocuparia de todos movimentos que
identificara atrás, ou apenas de algum em especial, como especificara no
texto de 1988.
Ou seja, é como se, entre um e outro texto, De Landsheere tivesse
duvidado das fronteiras entre os quatro movimentos do estudo das questões
educacionais que no texto primevo, de 1988, referira, donde, no texto
posterior, de 1999, o melhor seria não se situar especificamente em nenhum
deles.
Esta supressão acaba por significar, também, a introdução de um
novo elemento ambíguo e este é, talvez, um dos sinais mais fortes de que
entre um e outro texto aumentou a ambiguidade com que o autor tratou o
tema de fundo de que se ocupava.
Em coerência com esta tendência, De Landsheere acrescentou, no
texto de 1999, uma nova proposição, algo enigmática, inexistente no texto de
1988: “As fronteiras da investigação educacional estão constantemente a
mudar”,73 fazendo com que, na mutação de um texto para outro, o saldo deste
jogo de supressões e adições resulte num aumento das indefinições e da
ambiguidade.

72 Cf. De Landsheere (1988:9) com De Landsheere (1999:15).


73 Cf. De Landsheere (1988) com De Landsheere (1999:28) (frase já atrás citada).

104
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

2.3 INTER-TEXTO(S): DUPLOS SIGNIFICADOS

A interpretação da transmutação74 de um texto, em jogos subtis de


adição e supressão de expressões ou de proposições, é potenciada se vista à
luz de conceitos, já atrás referidos, e que se torna necessário, agora,
recuperar.
Retomo aqui os conceitos de intertextualidade hetero-autoral e
intertextualidade homo-autoral de V. Aguiar e Silva (2002:630), quando este
autor especificou os contornos do último, escrevendo que as relações
intertextuais com outros textos do mesmo autor se desenrolam “numa
espécie de auto-imitação marcada tanto pela circularidade narcísica como
pela alteridade (ao auto-imitar-se, ao citar-se, o autor espelha-se a si mesmo
e é, no entanto, já outro).”
Por não se tratarem, os textos em análise, de textos literários, com
todo o subjectivismo e liberdade de expressão associados – pelo contrário, se
pensarmos num continuum de texto literário/ texto não literário, em função
daquelas características, os dois textos de De Landsheere estão no pólo
oposto ao que se costuma entender por texto literário – não é relevante ir ao
ponto de apreciar ângulos como eventuais “circularidades narcísicas”.
Mas importa prestar atenção aos aspectos que De Landsheere quis
manter e aos aspectos que o autor quis alterar, não os considerando
inocentes, mas tomando-os como indícios, que efectivamente são, não apenas
das subjectividades deste autor (que, como já foi referido, estão fora do
âmbito do presente trabalho), mas da evolução do movimento de
cientificação da educação, que é o tema que interessa para o presente
estudo.

74 Para mais desenvolvimentos sobre o conceito de transmutação, p. f. ver o


Capítulo 8, número 10.

105
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Segundo Usher (1996), a investigação educacional constrói-se, não


apenas nos projectos de investigação que se levam a cabo, mas também nos
textos que, a pretexto deles, são produzidos. A investigação educacional
constrói-se, por isso, não apenas nos cenários da concretização das
pesquisas, mas também nos cenários da escrita do autor face ao papel ou
suporte informático.
Por outro lado, e de acordo com R. Gomes (2001), o discurso não é a
expressão linear do pensamento, pelo que, na análise de um texto, mesmo do
texto produzido nas esferas da ciência, não é despiciendo que se preste
atenção a quem, onde e em que circunstâncias foi produzido aquele texto. Os
dois textos de De Landsheere constituem exemplares específicos,
importantes e iniludíveis na área da investigação educacional e tal facto é
relevante para qualquer análise que se pretenda fazer sobre a matéria.
O con-texto, de que fala Usher (1996), permite-nos incluir estes
aspectos na leitura global que se faz do texto sobre investigação. O estatuto
de autor eminente que De Landsheere acumula não é irrelevante, também
se interpretado à luz do conceito de con-texto, pois quando se lê um autor,
não é indiferente, para a interpretação que o leitor faça, que se trate de um
autor desconhecido ou recém-chegado ou de um autor de créditos firmados,
mormente na área da ciência. Igualmente relevante é tomar nota do local
onde surgem os textos, neste caso, enciclopédias e monografias editadas por
autores relevantes no âmbito da investigação educacional.
Um texto rodeado destas circunstâncias tem uma ascendência que
um texto, de um autor desconhecido, numa publicação de diminuta
circulação, dificilmente teria.
Mais uma vez, a perspectiva da teoria da literatura pode iluminar o
pensamento sobre a importância do autor, aquando da apreciação de um
qualquer texto. Segundo Aguiar e Silva (2002:220), “o autor, enquanto
indivíduo empírica e historicamente existente, é sem dúvida, sob os pontos

106
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

de vista ontológico e semiótico, o primeiro agente e o primordial responsável


da enunciação literária.”
Referindo-se à “relevância do emissor no processo da comunicação
literária ”, este autor apresentou uma leitura que não apenas tem aplicação
na esfera da literatura 75 (enquanto expressão sumamente artística), mas
também tem aplicação noutras esferas. Ora, é consensual, a esfera da
investigação é, claramente, um dos mundos onde a relevância do autor é
máxima, do mesmo modo que é máxima a relevância das circunstâncias
(revistas, enciclopédias, monografias, …) da publicação dos textos.

Afinal, quantos textos escreveu De Landsheere sobre a história da


investigação educacional?
Aparentemente, trata-se de um mesmo texto, com as diferenças
indispensáveis à actualização da passagem do tempo. Efectivamente,
passados quinze anos da edição nos anos 80, De Landsheere apresentou um
documento com o mesmo título, subtítulos, formato, esquema conceptual, a
maior parte das palavras iguais, ou apenas com ajustamentos
(aparentemente) de pormenor, como aqueles que já foram descritos acima,
pelo menos até chegar à abordagem sobre os desenvolvimentos da
investigação educacional nos anos 90.
De Landsheere nem sequer mudou o título do artigo, acrescentando-
lhe um subtítulo, como soe fazer-se, quando há alterações substantivas. É
sabido que o recurso ao subtítulo é frequentemente usado por autores de
diversas áreas para denunciar que determinado texto, com o mesmo título

75 Aguiar e Silva (2002) explicou a variabilidade diacrónica da relevância do autor


em torno de pólos mínimos, como na literatura medieval, sobretudo antes do
século XII e pólos de grande relevância, como o humanismo renascentista ou o
romantismo.

107
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

de outro texto anterior, contém algo de substancialmente diferente e a


essência da diferença virá condensada no subtítulo.
Ora, De Landsheere, ao manter o mesmo título, estrutura conceptual
e a maior parte das construções frásicas – ou seja, ao manter a aparência do
mesmo discurso – quis deixar a mensagem de que a leitura que faz da
história da investigação educacional é a mesma.
Contudo, uma leitura mais detalhada de ambas as edições permite
recolher algumas modificações susceptíveis de sustentar que as alterações
nas concepções de De Landsheere acerca da história da investigação
educacional foram mais profundas do que aquilo que, explicitamente, ele
quis veicular. De certo modo, parece que há uma tensão oculta entre aquilo
que se quer transmitir e aquilo que, efectivamente, se transmite.
Esta tensão está presente na forma como se quer fazer passar que é
praticamente o mesmo texto, embora não sendo. Está presente em frases-
chave que se deixaram cair, sem explicação ou substituição, ou está presente
em acrescentos, alguns dos quais, em vez de esclarecerem o tópico, o
embaciam.
Se se considerar, como é justificável, que se trata de dois e não de um
texto, a intertextualidade homo-autoral é, aqui, relevante, não apenas por
aquilo que o autor volta a citar de um texto anterior seu, mas também por
aquilo que o autor não cita e como não cita.
A análise da intertextualidade hetero-autoral é uma prática
imanente e ancestral da maior parte das técnicas de análise da teoria da
literatura.
Por seu lado, a análise da intertextualidade homo-autoral, não sendo
uma prática panliterária, revela-se um filão de prognóstico alentador no
âmbito do estudo do texto literário, como foi demonstrado por Monteiro
(2001), a propósito do exame que fez a diversos textos de Miguel Torga.
Ora, nada impede que a análise da intertextualidade homo-autoral
seja tida em conta na reflexividade que todos os textos demandam, mesmo

108
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

os textos não literários, como forma de potenciar a análise crítica a que


todos os textos – e particularmente os textos não literários da esfera
científica – devem estar sujeitos.
Por outro lado, o facto de De Landsheere ter escrito dois textos sob a
mesma epígrafe, em que um deles cita extensamente o anterior, implica
uma forma de intertextualidade semelhante à descrita por Carlos Reis, e
com implicações idênticas, nomeadamente quando Carlos Reis afirmou que
“é possível ler num texto literário a projecção de outras práticas textuais,
sem que isso o desvalorize, como entidade que carece de originalidade.”76
Sendo certo que não estamos no âmbito da literatura, nem se
pretende tomar aqui os textos sobre ciência como se fossem mais uma das
formas assumidas pelos textos literários,77 o que é certo é que alguns
recursos conceptuais próprios da teoria literária são úteis se aplicáveis
também à potenciação da análise reflexiva de que todo o texto carece – e,
quiçá, o texto da esfera científica de forma especial, pelo escrutínio a que, de
forma enfática e constante, afirma estar sujeito.
A intertextualidade dos textos, em ciência, é um dos pilares da
afirmação de boa fundamentação e credibilidade. Boa parte das
argumentações presentes nos textos produzidos pelos cientistas baseia-se
em dialogias comprovativas de leituras, releituras e profícuos diálogos
relativos a textos anteriores. Praticamente, não há texto científico sem
citações de textos anteriores que legitimem, de formas mais ou menos
explícitas, por adesão ou por contra argumentação, as demonstrações que
veicula e defende. O dialogismo é, assim, parte constitutiva – diria mesmo,

76 Carlos Reis, em “ O conhecimento da literatura. Introdução aos estudos


literários ”, cit. por Monteiro (2001:89).
77 Como tende a acontecer em determinadas escolas de análise (cf. escritos de
Ricoeur, Gadamer ou Derrida).

109
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

obrigatória – do texto da esfera da ciência, talvez mais do que do texto de


qualquer outra esfera.
Neste sentido, e retomando a argumentação de Carlos Reis, o facto
de o texto mais recente de De Landsheere ser quase uma cópia do anterior,
mas sem ser uma cópia, não lhe retira originalidade. Tal significa que, se o
autor queria dizer exactamente a mesma coisa, não tinha porque a dizer de
forma diferente (exceptuando as pequenas correcções ou aperfeiçoamentos,
comparáveis a uma revisão simples, alguns deles já identificados acima).
Aquilo que De Landsheere quis manter significa que, no que diz respeito
àqueles aspectos concretos, o autor quis veicular as mesmas ideias. E, se o
disse da mesma forma, tal é relevante para a análise do pensamento do
autor sobre a matéria em questão e, por ilação, é relevante para qualquer
leitura que se queira fazer da evolução da própria investigação educacional.
Isto sustenta que se preste redobrada atenção aos aspectos que o
autor quis alterar, na expectativa de que daí possa advir mais luz sobre o
tema central de ambos os textos.
A atenção redobrada que se reclama é parte da anuência a que o
texto de 1999 é um texto novo, que diz muitas coisas iguais, ou praticamente
iguais, a um outro texto que precedeu, mas não diz todas as coisas iguais.
São essas mutações que é preciso pôr em destaque porque, sendo elas
oriundas de um proeminente autor de textos relevantes da área da
educação, e da pesquisa em educação em particular, elas fazem parte
integrante das certezas e das ambiguidades da investigação educacional.

Em síntese, a transmutação do texto de De Landsheere, dos anos 80


para os anos 90, tornou mais evidentes problemas de autonomia e de
diagnóstico para a investigação educacional. O texto de 1988 é já revelador
de algumas ambiguidades face a questões importantes das definições da
investigação educacional. A análise do dialogismo do texto de 1999 com o
seu antecessor deixa um saldo a favor de um aumento das indefinições

110
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

associadas à pesquisa em educação. É como se o passar dos anos, em vez de


ter contribuído para a clarificação de certos aspectos – como era previsível –
os tivesse obnubilado e permite que se lance, até, alguma suspeição quanto
aos significados de algumas das permanências do texto de 1999 face ao texto
de 1988.
O pré-texto, de que fala Usher (1996), é um conceito que nos remete
para as evidências em que a generalidade dos escritos sobre investigação
assentam. A situação de texto transmutante, proporcionada pela sucessão
De Landsheere (1988) e Landsheere (1999), não sendo muito frequente no
contexto dos escritos sobre investigação educacional, permite apreciar o
modo como o dito se transforma em não dito, ou o modo como o que se diz de
diferente, contradizendo o dito, não se anuncia como uma contradição, mas
como uma verdade que o foi sempre. Poderia ou quereria De Landsheere
admitir um aumento das indefinições da investigação educacional?
Por analogia com o que observou R. Gomes (2001) a propósito de
outros discursos da área educativa, nos textos de De Landsheere, o discurso
reside, muito provavelmente, na diferença entre aquilo que o autor podia
(queria) dizer correctamente e aquilo que, efectivamente disse, o que inclui o
que não disse.
Pode considerar-se que aquilo que De Landsheere quis manter de
um texto para outro (no fundo, o documento de 1999 realiza grandes
extensões de citações formais do documento anterior, numa manifestação de
intertextualidade homo-autoral) corresponde a um exercício de
voluntariedade explícita do autor, pois, ao não se tratar o texto de 1999 de
um texto prenhe de originalidade, ele deriva da inspecção, sem dúvida
detalhada, que o seu autor fez ao texto dos anos 80.
Por isso, aquilo que se manteve de um texto para outro não se
manteve por acaso, correspondeu certamente a uma expressão de
voluntariedade da parte do seu autor, pois ele teve oportunidade de

111
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

reformular todo o texto, ao contrário do que acontece, de um modo geral, na


maior parte dos textos que são dados à estampa.
Também pode admitir-se, é certo, que a manutenção do essencial do
texto de 88 no texto de 99, possa corresponder à recusa (e se o foi, ter-se-á
tratado de uma recusa íntima) de o autor admitir mudanças de fundo na
história que antes oferecera sobre a investigação educacional, o que torna
mais uma vez relevantes a palavras de R. Gomes (2001), quando questionou
sobre as condições de existência de certos discursos.
Esta possibilidade não é de todo despicienda e vê-se reforçada
quando concluo sobre o aumento sensível das ambiguidades no texto de
1999, quando confrontado com o texto de 1988.
Em conclusão, o texto dos anos 80 mostra expectativas mais elevadas
quanto ao futuro da investigação educacional, quando concretiza, por
exemplo, com as esperanças nas novas tecnologias, o que não acontece no
texto dos anos 90.
O texto dos anos 90, por seu lado, refere uma variedade mais ampla
de soluções metodológicas para ultrapassar a incapacidade de qualquer uma
das abordagens identificadas para resolver, por si só ou em cooperação, os
questionamentos próprios do mundo da educação. Contudo, essas soluções
metodológicas alternativas (etnometodologia e realismo transcendental),
pelo modo como são apresentadas, não parecem suscitar expectativas muito
elevadas da parte do autor do texto e permitem que se conclua que a
investigação educacional ainda não encontrou o(s) paradigma(s) ajustado(s)
para a sua natureza esquiva, bem presente na proposição patente no texto
de 1999, em que o autor referiu a constante mudança das fronteiras da
investigação educacional.
O alargamento, no texto mais recente, face ao texto anterior, do
leque de abordagens em uso pela investigação educacional, acompanhado de
um défice de clarificação de expectativas, contribui para uma maior

112
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

visibilidade das indefinições, tanto relativas à investigação educacional em


si, como relativas às metodologias em uso.

Por tudo isto, concluo que De Landsheere (1999) é um texto mais


ambíguo do que De Landsheere (1988). Se se tiver em conta que estes textos
provêm da mão de um autor reconhecido no âmbito da educação em geral, e
da investigação educacional em particular, e que o autor em causa teve
oportunidade de, na versão posterior, desfazer qualquer equívoco que tivesse
escapado na versão anterior, então, este incremento de ambiguidade é
duplamente significativo.
O incremento da ambiguidade pode significar que a investigação
educacional, em vez de dar continuidade a um percurso de delimitação de
fronteiras e de clarificação de objectivos e de métodos, como seria previsível
num continuum evolutivo de uma disciplina normal, viu esbatidos ainda
mais os seus limites e as suas possibilidades de realização metodológica
autónoma.
Concluo, também, que o autor, embora ciente desse percurso, foi de
algum modo relutante em reconhecê-lo, querendo antes deixar constância de
que as suas perspectivas e expectativas sobre a investigação educacional,
que antes veiculara, continuavam a ser as mesmas (lembre-se, por exemplo,
a manutenção do título e do esquema conceptual), embora não sendo.

113
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

3. A HISTÓRIA DE TRAVERS (1992)


A “História da investigação educacional” de R. Travers integra a 6.ª
edição da “Encyclopedia of educational research”, publicação norte-
americana de reconhecido destaque, cuja primeira edição data de 1941.
Robert Travers é um nome proeminente na área da pesquisa em
educação, autor e editor de diversos trabalhos, entre eles, uma obra de
referência e de ampla divulgação, o “Second handbook of research on
teaching” (Travers, 1973).
Pelo seu objecto, pela sua autoria, pelo local onde surge publicado,
pela sua organização interna e tipo de discurso, Travers (1992) configura-se
como um exemplar adequado a partir do qual apreciar o modo como a
cientificação da educação se perspectivou a si própria.

3.1 TRAVERS (1992) EM SÍNTESE

Depois de clarificar que o “investigador educacional pode operar com


eficácia apenas como uma parte de uma equipa mais vasta que luta pelo
aperfeiçoamento das escolas” (Travers, 1992:384), este texto desenvolve-se
em quatro subtítulos que, aparentemente, pode entender-se que
correspondem a quatro momentos da história da pesquisa em educação:

- A tecnologia da procura de factos78 – entre meados do século XIX e


o início do século XX, abordagem levada a cabo por técnicos ligados à
educação, e que consistiu na recolha intensiva de dados de índole estatística
e no desenvolvimento de testes estandardizados;

78 No original: “ The Fact-Finding Technology ”.

114
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

- As novas ciências e a investigação educacional79 – na primeira


metade do século XX, abordagem baseada nos contributos das ciências
relacionadas com a educação (sociologia, antropologia e, especialmente,
psicologia), que tem E. Thorndike como expoente.

- Desde meados do século80 – numa conjuntura de necessidade de


encontrar soluções rápidas para os problemas da educação, com substancial
aumento dos financiamentos para a investigação educacional, e onde são
destacados os contributos de Skinner e de Piaget.

- Em que ponto estão as coisas81 – onde são passadas em revista e


criticadas as duas abordagens consideradas nos dois primeiros momentos.

Os dois primeiros momentos apontados nesta síntese coincidem com


as duas abordagens identificadas por Travers na pesquisa em educação e
constituem os pilares fundamentais da estratégia escolhida pelo autor para
difundir a sua visão da história da investigação educacional.

3.2 A UTONOMIA, DESIGNAÇÕES E DIAGNÓSTICO

Este artigo veicula, com mais ou menos clareza, determinadas


posições relativamente às questões da identidade e da autonomia,
designações e diagnóstico da investigação educacional.
Começando por comentar como é que o autor definiu e atribuiu
autonomia ao seu objecto de estudo, regista-se que Travers (1992:384)
esclareceu o seguinte:

79 No original: “ The New Sciences and Educational Research ”.


80 No original: “ Since Midcentury” .
81 No original: “ Where Things Stand”.

115
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

“Apesar de qualquer forma de pesquisa educacional poder ser vista


como investigação em algum tempo ou lugar, o uso americano
corrente da expressão implica que a investigação envolva métodos
empíricos de recolha de dados e análise sistemática desses dados.
Evidentemente, a investigação envolve muito mais do que isso, se se
quer digna.”

Portanto, Travers, reconhecendo embora que a expressão


investigação educacional pode abranger um campo semântico de amplitude
praticamente indefinida, cingiu-se ao “uso americano corrente” que implica
métodos empíricos de recolha e análise sistemática de dados. Esta definição
assemelha-se, “grosso modo”, à definição que De Landsheere ofereceu na sua
“História da investigação educacional”, de 1988 (e já analisada no número
anterior).
Travers, deixou, contudo, um elemento de subtil ambiguidade,
quando matizou que a investigação envolve muito mais do que métodos
empíricos de recolha e análise de dados, porém, sem explicitar o que entende
por “muito mais”.
Quanto ao diagnóstico da investigação educacional, Travers
considerou duas grandes abordagens na disciplina:
- a abordagem estritamente quantitativa, fundamentada na procura
de factos passíveis de serem quantificados;
- a abordagem baseada nas ciências comportamentais (e apresentou
como exemplos a psicologia, a sociologia, a antropologia).
No âmbito desta última abordagem, a ciência evidenciada é apenas a
psicologia, não surgindo, ao longo do texto, mais qualquer referência às
restantes disciplinas. Segundo este autor, as duas abordagens da
investigação educacional consideradas surgiram e desenvolveram-se até
meados do século XX; a partir de então, Travers não referiu qualquer uma
das abordagens que são citadas por outros autores coevos, como a
abordagem qualitativa ou a abordagem sociocrítica (com estas ou outras
designações).

116
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Ou seja, para Travers a investigação educacional desenrolou-se entre


os pólos – de resto, não conflituosos, antes funcionando em coexistência e em
colaboração – do uso das técnicas estatísticas e do apoio nas ciências
comportamentais.
Sobre os resultados globais da investigação educacional, Travers
admitiu que nenhum dos dois modelos apontados teve sucesso, pois, após
décadas de preferência pelos métodos quantitativos e pelas ciências
comportamentais, e apesar da utilidade manifesta em alguns campos, os
resultados a aproveitar efectivamente pelas escolas não se terão mostrado
notáveis.
Travers (1992:389) atribuiu boa parte dos fracassos da investigação
educacional à deficiente preparação dos técnicos de investigação, mais
preparados em técnicas estatísticas do que em ciências comportamentais:

“A abordagem dos técnicos tem valor, apesar de ser limitada nos


problemas que pode resolver […] As possibilidades da investigação
educacional baseada nas ciências comportamentais são reduzidas
porque os programas de graduação enfatizam a formação em
estatística e medida como o principal conhecimento dos
investigadores, em detrimento de formação em ciências
comportamentais. O produto são bons técnicos bem treinados, em
vez de bons cientistas comportamentais.”

O autor usou quase sempre o termo abordagem,82 mas fê-lo de forma


pouco definida, pois o termo não surge nos subtítulos, apenas no desenrolar
do discurso.
Igualmente digna de nota é a escassa precisão nas designações
escolhidas por Travers para denominar as abordagens/ momentos da

82 No original “approach”; Travers usou também, mas mais raramente, o termo


“model” (modelo).

117
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

investigação educacional: “a tecnologia da procura de factos” e “as novas


ciências e a investigação educacional”.
Aparentemente, a sistematização de Travers destaca-se pela
singularidade, pois não encontrei símile na literatura sobre o assunto para
as expressões usadas por este autor.
Além disso, desta sistematização estão ausentes aquelas
características de definição específica, delimitada e abrangente que são
traço distintivo das taxionomias.
Por vezes, os textos científicos evidenciam algumas indefinições
relativamente às designações de certos conceitos ou teorias, especialmente
quando eles se encontram em fase inicial de descoberta, o que não é o caso
da classificação proposta por Travers.
As abordagens/ momentos identificados por Travers também não
possuem aquela característica de arrojada quebra dos consensos que poderia
ser um indicador de um possível vanguardismo na meta-análise da
investigação educacional, a qual poderia estar na base da – a ser assim –
ainda impossível falta de consensos.

3.3 TRAVERS, A SUA HISTÓRIA E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

Este défice de precisão não parece compatível com o estatuto do


autor, como já foi argumentado anteriormente. A análise de qualquer texto
não deve ignorar factores, só aparentemente menosprezáveis, como o
estatuto de autor proeminente a escrever numa enciclopédia proeminente.
Este conjunto de circunstâncias amplifica a influência potencial do
documento escrito, porque, ao figurar numa destacada enciclopédia, ele terá
sido um dos locais primeiros de pesquisa a quem procurasse informações
sobre o tema; a ser assim, e apresentando-se este artigo com uma epígrafe a
prometer abranger um amplo espectro temporal e epistemológico, deveria
ser um local seguro de pesquisa para qualquer leitor à procura de

118
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

informações completas e credíveis sobre a história da investigação


educacional, qualquer que fosse o estatuto por esse leitor atribuído às
tentativas de cientificação da educação.
Ou seja, os leitores de um artigo com este título, naquela
enciclopédia, terão procurado obter, muito provavelmente, uma visão geral,
sintética mas abrangente, da identidade, do percurso e do estado da arte (de
então) da pesquisa em educação. Para alguns dos seus leitores, o contacto
com este texto poderá ter correspondido a uma primeira aproximação ao
tema. Para outros, terá sido um local de procura de acerto de saberes.
Mais ainda, ao se apresentar esta entrada na enciclopédia assinada
por um especialista, as perspectivas nela veiculadas passaram a usufruir de
uma aceitação mais imediata e menos crítica do que se se tratasse de um
autor menos proeminente.
Como observou Bermejo Barrera (2000), atrás citado, é preciso tomar
atenção a quem fala, ao seu estatuto, aos seus destinatários e de que fala.
Um texto nunca é só um texto; ele é ele mesmo, o seu autor, as suas
circunstâncias e os seus leitores; marcas estas que acompanham o texto, com
presença mais ou menos explícita, configurando o con-texto, para que Usher
(1996) nos chamou a atenção.
Lembremos também que os textos são testemunhos do seu tempo e
desvendam aquilo que o autor “quis dizer da sua época e dos seus
contemporâneos,” como observou Not (1984a:59), já atrás referido.
Ora, este documento de Travers, por ser produzido por um cientista,
há longa data conhecedor do assunto, e por figurar numa enciclopédia
emérita, vê potenciado o seu capital simbólico, no sentido de que cada uma
das afirmações tenderá a suscitar grande aceitação por parte de quem o lê.
A lógica da acumulação do capital simbólico autoriza o cientista a falar,
como comentou R. Gomes (2001), o que faz com que os cientistas sejam
escutados com poucas reservas.

119
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Por outro lado, e em harmonia com o estatuto de autoridade que


escreve sobre um determinado tema, o autor utilizou no seu discurso os
indicadores próprios do discurso científico, assumindo, portanto, a sua
condição de conhecedor e divulgador da matéria: escolheu um título
abrangente e um esquema conceptual adequado ao objecto do texto; definiu
conceitos; apresentou a evolução histórica de um tema; expôs uma
sistematização dessa evolução; criticou desenvolvimentos e resultados.
Estes indicadores correspondem às marcas do texto que denunciam o
“linguajar” próprio da ciência e que auxiliam a que ela se apresente como
veiculando representações verdadeiras do mundo, tal como é destacado no
conceito de pré-texto (Usher, 1996).
É consensual que um texto sobre qualquer assunto, numa
enciclopédia temática, não tem um destino errante, como um poema, que é
para ser lido por qualquer um, empresário ou desempregado, engenheiro ou
poeta. Um texto numa enciclopédia temática tem um destinatário previsto,
sobre o qual se supõe que aquele texto venha a exercer uma autoridade
informativa.
Esta situação configura uma relação que, embora possa ser tida
como tal, não é rigorosamente uma relação de poder, pois isso seria o mesmo
que aceitar que o leitor é destituído de discernimento ou de sentido crítico.
Quando muito, será uma relação de poder tentada, mas não
necessariamente conseguida. Todavia, não deixa de ser, pelo menos, uma
relação – entre o autor e o leitor – em que um dos pólos tem, à partida, uma
autoridade informativa, justificada porque quem subscreve aquele texto tem
o estatuto de especialista, o que normalmente se traduz numa posição de
deferência de quem lê face ao lido, tal como foi descrito por Helmstadter
(1970). E, certamente, o especialista autor de qualquer artigo numa
enciclopédia temática, sabe disso.
Mas essa deferência não é incondicional e o autor do texto sabe que
as suas informações sempre serão submetidas a algum tipo de escrutínio, tal

120
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

como também foi descrito por Helmstadter (1970). Por isso, mesmo sabendo
que goza de uma autoridade de especialista na matéria que justificou a
escolha do seu nome para assinar aquele texto (ou talvez por causa disso), o
autor do texto tentará informar do modo mais compreensivo possível.

3.4 (E SCASSAS) ABORDAGENS

Todas estas considerações fazem parte daquele texto concreto que


figura nas páginas da edição do início dos anos 90 da “Encyclopedia of
educational research ” (Atkin, 1992), tudo isto saberia Travers. Tudo isto
poderá ter deixado perplexo mais do que um leitor mais informado sobre os
meandros da cientificação da educação, ao constatar que Travers não referia
linhas e nomes relevantes relacionados com o tema que assumira a
responsabilidade de tratar. Nomeadamente, porque não são referidos, pelo
menos, os debates sobre as diferentes técnicas, métodos, paradigmas ou
equivalentes, que orientaram inúmeros estudos e alimentaram amplos
debates.
Deve ser assinalado que a sistematização da evolução da
investigação educacional proposta por Travers não é comum na generalidade
dos textos que abordam esta matéria. Quem, tendo desejado saber algo
sobre o assunto que o título deste artigo anuncia (e o “quem” é aqui
relevante, pois um texto nunca está só, o leitor faz parte dele), e não
consultasse mais nada para além do documento em análise, terá ficado com
uma perspectiva bastante limitada sobre o assunto, pois não são referidos
tópicos importantes. Ou seja, Travers ficou muito longe de ser
suficientemente exaustivo sobre o património do movimento de cientificação
da educação, mesmo tendo em conta a definição restrita de que ele partiu, já
citada acima.
Travers considerou como investigação educacional apenas a versão
cuja característica mais destacada é a sua base fortemente quantitativa,

121
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

numa expressão daquilo que vulgarmente se designa de paradigma


positivista, não mencionando nenhuma das outras linhas de investigação. É
como se, na perspectiva deste autor, toda a investigação educacional, no
sentido que definiu, só tivesse a ver com a estatística e com a psicologia.
Ora, tanto a abordagem interpretativa quanto a abordagem
sociocrítica, com estas ou outras designações, estavam em condições de ter
sido referenciadas por Travers em texto do início anos 90 do século XX.
Nesta altura, o paradigma qualitativo já tinha tido amplos
desenvolvimentos. A título de exemplo, P. L. Smith (1980) havia já
publicado um texto em que reflectia sobre o paradigma qualitativo; a
primeira edição de “Qualitative research for education ”, de Bogdan & Biklen
ocorreu em 1982.
O paradigma crítico havia tido já, também, desenvolvimentos
assinaláveis. De resto, obras da década anterior referem já, com pormenor,
estes paradigmas. Vejam-se, por exemplo, La Orden (1985a) ou Popkewitz
(1988).83
Ou seja, à data da publicação do texto de Travers em análise, o
movimento de cientificação da educação – mesmo na acepção estreita, colada
à recolha e análise de dados empíricos e às ciências comportamentais,
explicitamente seguida por Travers – já vira surgir outros modelos de
pesquisa, para além daqueles que este autor destacou. E, entretanto, já o
debate sobre os paradigmas (com esta ou outra designação) em investigação
educacional estava muito adiantado.
A história da investigação educacional que Travers conta está,
portanto, plena de omissões importantes, o que é tanto mais surpreendente

83 De notar que o original de Popkewitz (1988) é de 1984 e que o livro corresponde a


uma compilação de vários artigos dispersos do autor, alguns publicados ainda
nos anos 70.

122
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

quanto, na mesma enciclopédia, consta uma entrada – “ Inquiry paradigms”–


a qual versa os habituais três paradigmas da investigação educacional: “Na
investigação educacional, actualmente, há três paradigmas principais, ou
três modos diferentes de investigar aspectos importantes da educação. Eles
são os paradigmas positivista, interpretativo e da teoria crítica.” (Soltis,
1992:620)
Este texto de Soltis prossegue com descrições de cada paradigma,
concluindo com referências a diferentes posições de diversos autores face às
possibilidades da coexistência dos três paradigmas.
Além desta entrada, assinada por Soltis, encontram-se outras
entradas nesta edição da mesma enciclopédia, Atkin (1992), cujos conteúdos
oferecem perspectivas compreensivas dos paradigmas correntes nas
Ciências Sociais em geral e na investigação educacional em particular, como
são os casos das entradas de Yin (1992), de Ben-Perez (1992) ou de
Lieberman & Miller (1992).
Portanto, Travers, que se supunha escreveria o texto mais
compreensivo, não o fez e não referiu mesmo aquilo que outros autores, no
mesmo local, referiram.

3.5 N ORMA VERSUS LEI

Atendendo a que, no início dos anos 90, o polémica sobre os


paradigmas (com esta ou outra designação) de investigação educacional
conhecera já amplos e difundidos desenvolvimentos, não pode ser destituído
de significado que um autor tão reputado na área possa assinar uma
entrada numa enciclopédia sem aludir a nenhuma das linhas de
investigação em educação alternativas e à diversidade de debates a que
deram origem.
Aquilo que Travers não disse, tanto quanto o que ele disse, é
pretexto para a reflexão sobre o tema central do documento em análise.

123
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Aquilo que Travers não disse, tanto quanto o que ele disse, contribui para
marcar a delimitação que o autor fez sobre o que entende por investigação
educacional. Ou seja, Travers excluiu daquele âmbito a recolha e análise
sistemática de dados empíricos de base qualitativa ou associados a outros
critérios do âmbito das teorias de mudança social.
Mas, deve ser sublinhado, a exclusão de Travers não foi explicitada e
muito menos justificada, como aconteceu e acontece em textos de outros
autores que explicitamente se referiram e explicaram aquelas abordagens,
embora para lhes negar espaço à luz de critérios que previamente
estabeleceram para caracterizar a investigação educacional, como foi o caso
de La Orden (1985a).
De facto, La Orden reconheceu legitimidade a outros paradigmas,
outras “linhas de investigação pedagógica” (a linha empírica e a linha
crítica).84 Contudo, La Orden (1985a) privilegiou a linha empírica, por
considerar ser a mais representativa do estado da investigação educacional
da época em que o texto foi escrito.
Ou seja, La Orden reconheceu que a época histórica em que o seu
texto era produzido condicionava as suas opções, sem que para tal tivesse
que negar as opções alternativas.
Ora, ao contrário de La Orden, Travers nem sequer negou a
existência de outras perspectivas de investigação, sendo que podia tê-lo
feito, com base em razões de quantidade de estudos realizados ou de défice
de cumprimento de algum tipo de critérios, como alguns autores fizeram e
fazem.85
Travers omitiu simplesmente a existência de outros paradigmas,
deixando vazio o espaço que um texto sobre a história da investigação

84 Cf. diagrama no Capítulo seis.


85 Tal como é comentado no Capítulo oito.

124
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

educacional lhes deveria obrigatoriamente reservar, silenciando-os,


portanto. Ora, o silêncio é a arma mais eficaz para negar a existência.
Como qualquer texto, também o texto sob escrutínio deve ser lido,
não apenas tendo em atenção aquilo que ele é, por quem é escrito, onde é
escrito, mas também pelos dialogismos que estabelece – ou que não
estabelece – com outros textos/ autores/ discursos.
Estando excluída a condição de Travers desconhecer os trabalhos
orientados por outros paradigmas, as suas omissões de tópicos da
cientificação da educação que, no início dos anos 90, já haviam assumido
relevo bastante, soam a manifestação de um conflito latente, porém,
silencioso, pois não há ressonâncias nem de outros paradigmas nem de
outros textos neste texto de Travers. Nele não há, praticamente, interacção
com outros textos ou tipos de discurso. A expressão geralmente mais visível
da intertextualidade em qualquer texto académico – a lista bibliográfica
final – está, de resto, quase ausente em Travers (1992), pois o autor apenas
se cita a si próprio e a mais dois autores.
Não sendo este documento um exemplo rico na expressão
intertextual, e versando uma área de estudos já com cerca de cem anos, o
seu discurso apresenta-se, portanto, isolado, quase sem apoios noutros
discursos que o precederam.
Defendeu-se atrás que qualquer texto não deve ser lido como se fosse
peça única e intemporal, desligado do conhecimento que temos sobre quem o
produziu, do seu estatuto no âmbito do tema a que se refere, do local onde
surge publicado.
Sendo Travers quem é, e mesmo que não concordasse com as linhas
da investigação educacional alternativas, não as podia ignorar num texto
com aquele título e numa enciclopédia com aquele tema, porque o estatuto
de artigo globalizante, numa obra de referência, obriga a que o seu autor
mencione todos os tópicos relevantes, mesmo aqueles com os quais tem
sérias discordâncias, e nem que seja para os rebater.

125
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Nada disto teria demasiada importância se este artigo fosse assinado


por um autor novel ou desconhecido; também não teria importância de
maior se figurasse numa pequena revista de circulação limitada ou se não se
propusesse fazer a “história de”.
Não sendo assim, antes o oposto, este texto pode ser considerado um
exemplo da situação que Kuhn (1997) descreveu, quando relatou como parte
da génese das suas descobertas sobre os paradigmas se deveu ao seu
contacto com os cientistas das Ciências Sociais, sobretudo ao modo como
grupos de cientistas operavam em modelos ignorados por outros grupos de
cientistas que operavam noutros modelos, o que, observou Kuhn, não
acontecia geralmente nas Ciências Naturais.
Contrariamente ao que seria de supor, no movimento de cientificação
da educação observaram-se, ainda nos anos 90, não só expressões de não
resolução dos debates entre os diferentes modos de investigar, mas também
situações de omissão não justificada de capítulos importantes da
investigação educacional.
Ou seja, Travers não desdenhou do seu estatuto de autor emérito da
investigação educacional, pois aceitou fazer a “história de”, numa reputada
enciclopédia, e aceitou tudo isto sem introduzir elementos que, pelo menos,
matizassem o seu estatuto de autoridade. Mas, ao mesmo tempo, não
conferiu à investigação educacional uma coerência a partir da qual o leitor
pudesse ficar razoavelmente convencido de que estava perante uma área de
estudos com uma história definida e com um futuro promissor.
No texto em análise, a postura de Travers face à história da
investigação educacional, a qual é tratada com um estatuto idêntico ao de
uma disciplina, contraria as observações de Foucault sobre as disciplinas.
Assim, Foucault (2002:189) comentou que

“na realidade, as disciplinas têm os seu discurso. Elas são criadoras


de aparelhos de saber e de múltiplos domínios de conhecimento […].
As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da

126
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra “natural”, quer


dizer, da norma; definirão um código que não será o da lei mas o da
normalização.”

Ora, Travers não captou a normatividade na sua, já, imensa


variedade e quis antes fazer a lei, à revelia daquilo que já era a norma,
ignorando aquilo que outros já então reconheciam como norma e para a qual
davam os seus contributos, contrariando assim a tendência identificada por
Foucault.
Isto é, Travers escreveu como se apenas existisse uma forma de fazer
pesquisa empírica em educação, apesar da existência amplamente
reconhecida ou discutida de outros paradigmas; apresentou uma
sistematização da investigação educacional limitada e pouco consistente;
elaborou um diagnóstico em que destacou “o que seria se tivesse sido” em
detrimento do que foi e era; mostrou pouca confiança no futuro da pesquisa
científica em educação; elaborou também um diagnóstico mais negativo do
que positivo dos resultados dos trabalhos orientados pela abordagem que
entendeu ter o monopólio da investigação educacional.
Apesar deste panorama, Travers não deixou pistas que dessem
esperanças para o futuro, desprezando uma boa oportunidade para
introduzir as restantes variedades de investigação em educação.
Travers quis, portanto, fazer a lei, mesmo que o resultado fosse um
texto que não oferecia esperanças para o futuro da investigação educacional,
tal como ele a descreveu. Travers quis, portanto, fazer uma lei que talvez
alguma vez tivesse sido, mas já não era.

127
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

4. A HISTÓRIA DE LAGEMANN (2000)


“An elusive science: the troubling history of education research ”
surge mais de um século após os primeiros trabalhos do movimento de
cientificação da educação. Dos textos analisados no presente capítulo é o
mais extenso e aquele que trata o tema de forma mais profunda e
compreensiva.
Ellen Condliffe Lagemann, autora de diversas obras relacionadas
com o tema, inclui no seu currículo a presidência da “History of Education
Society” e da “National Academy of Education ,” nos EUA.

4.1 B REVE SÍNTESE

Segundo Lagemann (2000:16), “aproximadamente entre 1890 e 1920,


a investigação educacional emergiu como uma ciência empírica e
profissional,” desenrolando-se numa espécie de “luta entre dois mundos”, um
protagonizado e simbolizado por John Dewey, outro protagonizado e
simbolizado por Edward L. Thorndike.
A tendência dominante, naquela época, para o estudo da educação de
base empírica era a emulação com as Ciências Naturais, sendo que boa
parte dos investigadores eram psicólogos, os quais tendiam a enveredar
pelos estudos em laboratórios de fisiologia (fisiologia animal, inclusive).
Contrariando esta tendência, Dewey fundou, em 1896, na
Universidade de Chicago, uma escola laboratório, simultaneamente
procurando uma teoria educacional que reconciliasse a educação, a filosofia,
a psicologia e as restantes Ciências Sociais, perspectiva que também
despertou o interesse de outros académicos.
Dewey entendia que o estudo da educação, para ser experimental,
devia decorrer no seu ambiente natural, a escola. O progresso na educação
dependia, entre outros factores, da interdisciplinaridade e de a educação se

128
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

conseguir livrar das pressões burocráticas e de constrangimentos de


pensamento e de ausência de liberdade de acção que impediam os
professores de reflectirem sobre o seu trabalho.
A partir de 1904, Dewey cessou abruptamente os seus trabalhos
experimentais em educação na escola laboratório. Este foi também o ano da
publicação de uma obra de consequências marcantes para a investigação
educacional, “An introduction to the theory of mental and social
measurement,”86 de Thorndike, nas antípodas das perspectivas de Dewey.
Thorndike fundamentava os seus métodos no valor da medida – “o
que existe, existe numa certa quantidade.”87 Valorizava a psicologia,
desprezava a filosofia e preconizava o método experimental, porém, na
acepção mais corrente que exige o isolamento e a manipulação de, pelo
menos, uma variável independente. Diz-se que Thorndike comentava com os
seus alunos que não valia a pena visitar as escolas, era melhor estudar
estatística.
De acordo com Lagemann, as ideias de Thorndike foram
amplamente divulgadas por todos os EUA através dos livros que escreveu e
através da sua posição numa das grandes universidades americanas que se
dedicavam a formar professores (o “Teachers College”, Universidade de
Columbia) devido a que as suas propostas encaixavam bem nos padrões de
organização das universidades.
Pelo contrário, Dewey falhou em Chicago porque as suas propostas
não podiam sobreviver no ambiente de isolamento das disciplinas e de
restrição hierárquica que caracterizava aquelas instituições.

86 Esta obra, Thorndike (1922/1904), é citada em muitas das obras que abordam o
tema da evolução da investigação educacional como a mais influente do
desenvolvimento na área, durante décadas.
87 Thorndike, citado por Lagemann (2000:57).

129
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Ou seja, a concepção estreita de investigação educacional do


psicólogo Thorndike, baseada na hegemonia da psicologia e dos métodos
quantitativos, na especialização e no isolamento dos investigadores, e que
trazia associada algum desdém pelos educadores, “ganhou, e a concepção
altamente contextualizada, holística, profundamente social e pragmática do
filósofo Dewey perdeu ” (Lagemann, 2000:xi).
Como consequência, na maioria dos estudos que então se realizavam,
prevaleceram os inquéritos (em todas as escalas, sobre as crianças e sobre a
gestão escolar) e as técnicas de testagem e de estatística.
Este conflito entre duas concepções de estudo empírico da educação
foi apresentado por Lagemann como um conflito formador e, durante longas
décadas, condicionador da investigação educacional. Daí resultou o
predomínio dos estudos quantitativos, até aos anos 70/80 (embora esta “luta
entre dois mundos” – na expressão de Lagemann – não seja apresentada de
forma linear ou maniqueísta).
A autora deu conta dos sucessivos focos que, no decorrer das
primeiras cerca de sete décadas, moldaram o interesse da investigação
educacional: a criança individual, o papel das Ciências Naturais, os estudos
sobre o currículo, a questão da igualdade de oportunidades, a avaliação
educativa.
Deu conta também do papel determinante da orientação técnica e
individualista que as universidades continuaram a impor à pesquisa
educacional, bem como do papel dos financiamentos federais e de
instituições filantrópicas, nomeadamente pelas adaptações que os cientistas
da educação tiveram que fazer, provavelmente por questões de
sobrevivência.
As tendências de hegemonia identificadas foram sendo
entrecortadas, pontualmente, por assomos de tendências de outras matrizes
(estudos de propósitos progressistas e de experimentalismo social, tentativas
de reforçar o papel da filosofia, tentativas de permitir que, nos estudos, os

130
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

professores fossem mais do que figurantes), mas que nunca conseguiram


liderar a “mainstream” da investigação educacional.
De acordo com Lagemann, até aos anos 70/80, fundamentalmente, os
académicos falharam em perceber que a ciência da educação formulada
longe das práticas não poderia ser poderosa, o que, por sua vez, enfraqueceu
a investigação académica: “desde os inícios dos patrocínios da universidade,
a investigação educacional tem sido rebaixada por académicos de outras
áreas, ignorada pelos práticos, e alternativamente enganada pelos políticos,
pelos fazedores da política e pelos membros do público em geral.”
(Lagemann, 2000:232)
Lagemann considerou que, só a partir dos anos 80, definitivamente,
a investigação educacional amadureceu, se abriu, se complexificou, surgindo
a partir de então novas e prometedoras orientações. No que respeita às
metodologias, os métodos qualitativos passaram a ser extensamente usados
para obter análises mais detalhadas, embora continuassem a ocorrer
projectos difusos e com problemas metodológicos.
Os investigadores da educação atreveram-se (embora mais
tardiamente do que os investigadores de outras Ciências Sociais) a sair do
domínio das ciências comportamentais, começaram a aplicar perspectivas
que emergiam da ciência cognitiva aos problemas da sala de aula, deram vez
a estudos interpretativos (que conferiram à cultura um papel mais central) e
esforçaram-se por ligar os trabalhos académicos com a prática e com a
política.
Ao mesmo tempo, os investigadores desenvolveram uma consciência
crítica muito mais elaborada e aprenderam a comunicar melhor com as suas
audiências, embora sem conseguirem organizar-se em lóbis que
pressionassem as instâncias do poder político.
Ainda de acordo com Lagemann, tiveram lugar, entretanto, novas e
estimulantes ligações entre a investigação e a prática (nomeadamente, a
partir do conceito de “professor investigador” desenvolvido por L. Stenhouse

131
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

(1975), potenciadas com a influência da teoria crítica, e diversificaram-se os


participantes activos nos projectos, os tipos de interesses, os objectivos, as
técnicas e as bases críticas.
Lagemann (2000:244) terminou a sua obra, argumentando em favor
de ligações estruturais entre o ensino, a formação de professores e a
investigação educacional:

“Se os educadores profissionais forem formados em ambientes onde


possam aprender a ler, criticar e eles próprios envolverem-se na
investigação, é mais provável que se tornem consumidores
inteligentes de investigação (ou talvez participantes nela) do que se
tivessem sido formados em escolas de educação onde não haja ou
haja pouca investigação [...]. Por isso, combinar funções de
investigação e de ensino numa faculdade de educação especializada
tem o potencial de […] ultrapassar divisões antigas entre o saber
académico e a prática.”

Em síntese, Lagemann propôs um conjunto de medidas para


reformular, não apenas a investigação educacional, mas as próprias
universidades, a formação de professores e as comunidades de professores e
de investigadores:
Reformar as universidades para que elas possam promover os
contactos entre departamentos, académicos, as profissões, e a colaboração
com os políticos e os práticos; insistir na formação de professores,
defendendo os departamentos universitários que combinassem a
investigação educacional e a preparação profissional de professores,
administradores e outros práticos; teorizar sobre as investigações sobre as
práticas; recompensar os académicos de outras disciplinas que estudem a
educação; fortificar a comunidade de profissionais; publicitar os resultados
da investigação educacional; promover a participação mais inteligente dos
professores na investigação educacional.
Lagemann (2000:246) terminou teorizando sobre o papel da história
na construção da disciplina, explicando como

132
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

“olhar para a história para ver a evolução da investigação


educacional, podendo não ser confortável, ajuda a perceber os erros,
a construir sentido sobre o passado e, sobretudo, pode ajudar a
construir o futuro; a história pode ser talvez um instrumento de
reforma (…) pode em si própria fortalecer a comunidade de
investigação educativa e, através disso, ter um papel em aumentar a
capacidade de a academia permitir o poder àqueles que estão
envolvidos na educação.”

O comentário a esta obra de Lagemann, por se tratar do mais


recente, mais extenso e o mais compreensivo do conjunto dos quatro textos
analisados neste capítulo, é potenciado se confrontado com os restantes
textos, apresenta-se como o pretexto adequado para o cotejo dos mesmos.

4.2 D IALOGISMOS

No conjunto dos quatro textos em análise, Lagemann (2000) é o mais


recente, mais extenso e mais pormenorizado, como já foi dito. Era previsível,
por isso, encontrar nele ressonâncias de textos anteriores com títulos afins,
mesmo tendo em conta que, logo nas primeiras páginas, a autora reconheceu
que, na literatura histórica, existia um vácuo relativo à história sobre a
investigação educacional e que um dos seus propósitos era, exactamente,
contribuir para a eliminação dessa lacuna. Mesmo assim, era de supor que o
vocábulo “vácuo” não teria sido usado na sua acepção absoluta.
Mas foi, pelo menos aparentemente, pois, em Lagemann (2000), não
detectei referências a textos anteriores sobre a história da investigação
educacional. R. Travers era já um autor reconhecido nos EUA, mas
Lagemann não citou, por exemplo, o texto de 1992,88 apenas aludiu a um
outro texto daquele autor e não directamente relacionada com o tema.

88 Analisado no presente trabalho, com a referência Travers (1992).

133
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Também não foi referenciado o autor europeu Gilbert De


Landsheere,89 com bibliografia reconhecida sobre o mesmo tema, nem outros
autores que abordaram o assunto nos seus escritos. Cabe aqui anotar que o
título da obra de Lagemann é, num aspecto, enganoso, por incompleto, pois,
deixando pressupor que o universo de referência é a investigação
educacional em geral, a obra aborda fundamentalmente os
desenvolvimentos nos EUA.
Como demasiadas vezes acontece (e em diversas áreas), os autores
americanos dão azo a que se pense que, para eles, a América é o mundo, o
que não aconteceria neste caso, se ao título tivesse sido acrescentada a
expressão “in the United States of América”. Por certo, também Bisquerra
reconheceu que muitos americanos tendem a não conhecer suficientemente
os contributos de outros países ou regiões.90
No caso da obra agora em análise, Lagemann (2000), a autora
discorreu como se a investigação educacional só tivesse tido praticamente
desenvolvimentos nos EUA, apesar de referências esparsas a outros países.
O conceito de con-texto (Usher, 1996) permite explicar a excessiva
focalização nos EUA, numa obra que se apresenta, de uma forma geral,
como compreensiva e profunda.
Lagemann não estabeleceu, portanto, dialogismos com outros textos
cujos títulos anunciavam a mesma matéria, de autores de referência e com
obras amplamente divulgadas (pelo que os seus textos seriam facilmente

89 Cujos textos sobre a história da investigação educacional são analisados no


presente trabalho, com as referências De Landsheere (1988; 1999).
90 Nomeadamente, a propósito dos primeiros passos da pedagogia experimental,
Bisquerra (1989:14) comentou que “Rice (1897) realizou a que se considera como
a primeira investigação de pedagogia experimental nos EUA e em 1903 fundou a
primeira Society of Educational Research. Muitos americanos consideram Rice
como o criador da pedagogia experimental, manifestando com isso o tradicional
desconhecimento do que acontece na Europa .”

134
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

encontrados). Lagemann escreveu como se, praticamente, nada tivesse sido


escrito sobre o tema, o que não é certo, pois além de alguns (poucos) escritos
exclusivamente sobre o assunto, é frequente os textos que abordam temas da
investigação educacional incluírem alguns comentários acerca do passado,
embora com as lacunas já atrás apontadas.
Porém, e sem que seja evidente uma justificação segura para tal, na
obra em análise não ressoam outros textos sobre o mesmo assunto.
Fica a hipótese de tal ter acontecido porque Lagemann rompeu com
os esquemas habituais de narração da história da investigação educacional,
pois, mais do que qualquer outro texto consultado sobre este tema, ao longo
do presente trabalho, integrou como factores explicativos perspectivas
multiangulares. Nesta óptica, admite-se que quase tudo quanto os textos
que a antecederam poderiam ter dito era praticamente irrelevante para a
estratégia narrativa de Lagemann.
Contudo, longe de ser uma obra fechada sobre si mesma, a obra
Lagemann (2000) procurou relações e ressonâncias multipolares para
explicar os trajectos da investigação educacional, de um modo que não tem
paralelo em nenhum dos outros textos analisados no presente capítulo.
A intertextualidade que ecoa é, assim, uma intertextualidade
construída, não à base de textos sobre a história da investigação
educacional, mas à base de textos fundamentais da educação, de relatórios
de vários tipos e origens, de artigos de publicações periódicas, de
dissertações, de estudos variados, de memorandos.

4.3 Q UATRO NARRATIVAS EM CONFRONTO

Sobre a definição do objecto central do texto e sua autonomia,


Lagemann (2000:ix) reconheceu que “permanece controverso se existe ou se
pode existir uma “ciência” da educação,” e alertou que muito do que trata na

135
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

obra que assina não encaixa em concepções estreitas de ciência ou de


investigação.
Ao contrário dos textos de De Landsheere e de Travers,
anteriormente tratados, onde se constatam flutuações não explicadas nas
designações, Lagemann (2000:ix) assumiu explicitamente alguma
imprecisão de terminologia – o uso alternado de expressões como
“educational scholarship”, “educational study” e “educactional research” –
que interpretou como reflectindo a situação complexa e as perspectivas
divergentes que caracterizam a área.
Isto é, nos quatro textos em estudo no presente capítulo, observam-
se dificuldades em encontrar uma terminologia claramente definida, mas
apenas um deles, Lagemann (2000:ix), reconheceu e atribuiu um sentido a
essa imprecisão, pois, “nem singular no objecto nem uniforme nos métodos
de investigação, a investigação educacional desenvolveu-se a partir de
várias combinações de filosofia, psicologia e ciências sociais, incluindo
estatística ”. Estas circunstâncias, associadas à ausência de uma comunidade
profissional forte e auto-regulada, conduziram a que “a área nunca tivesse
desenvolvido um alto grau de coerência interna.”
Portanto, em Lagemann (2000), a imprecisão de terminologia é
relacionada com a falta de uniformidade no objecto e nos métodos e com a
ausência de coerência interna, sendo que esta situação é apresentada, ela
própria, como característica da investigação educacional. Em conformidade,
logo na escolha do título – “An elusive science: the troubling history…” – a
autora quis assinalar a história atribulada e o carácter esquivo da
investigação educacional.
Por outro lado, as histórias anteriormente analisadas não
explicitavam dúvidas sobre as suas afirmações, embora possam ser
reconhecidos indícios da sua existência. Como se viu, as dúvidas estão
patentes nos textos transmutantes de De Landsheere (1988; 1999), apesar
de não explicitadas. Apenas em Lagemann (2000) é reconhecido que a

136
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

emergência e muitos dos desenvolvimentos da investigação educacional são


muito difíceis de captar, daí assumindo as dificuldades em produzir
afirmações assertivas sobre o tema.
Foi atendendo a estas circunstâncias que Lagemann (2000:x)
justificou ter escrito uma evolução da investigação educacional “de uma
forma intencionalmente mais interpretativa do que compreensiva .”

Sobre os períodos ou sobre paradigmas, Lagemann escreveu a sua


história da investigação educacional sem oferecer uma sistematização com
base na distinção de abordagens ou mesmo em períodos claramente
demarcados. Habitualmente, as sistematizações que os textos oferecem
baseiam-se em períodos temporais, aos quais são indexados conjuntos de
características que convergem num título que os sintetizam.
As três partes que compõem a obra em análise ostentam títulos nos
quais se reconhecem, ora indicadores temporais, ora indicadores de objecto,
ora indicadores de modos no desenrolar da investigação educacional.
Com alguma dificuldade, consegue identificar-se neste texto um
primeiro grande período, que vai desde o início (em finais do século XIX e
princípios do século XX) até aos anos 70/80. A partir da resolução de um
conflito formador inicial (Dewey versus Thorndike), a investigação
educacional foi guiada por uma epistemologia quantitativa, embora
passando por épocas de mais ou menos conflitos, vicissitudes, diversidade de
focos de atenção e quebras pontuais de homogeneidade.
Este período, que vai desde finais do século XIX até aos anos 70/80
do século XX, poderá corresponder, na perspectiva de Lagemann (2000),
concluo, à vigência daquele que é, frequentemente, designado de paradigma
positivista.
A partir dos anos 80, a investigação educacional abriu-se a novas
orientações: estudos interpretativos; tentativas de coordenar os trabalhos
académicos com as práticas e com as políticas; recurso também a métodos

137
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

qualitativos; influência das ciências cognitivas e da teoria crítica; atenção às


capacidades dos professores, não só enquanto membros da comunidade
docente, mas também enquanto membros integrantes, em colaboração mais
ou menos activa, da comunidade de investigadores.
Neste período, a partir dos anos 80, é como se se tivessem dispersado
os constrangimentos que povoaram as primeiras décadas do estudo da
educação de base empírica, numa perspectiva que tem algumas semelhanças
com a perspectiva de De Landsheere (1999), quando este reconheceu que as
fronteiras da investigação educacional estão sempre a mudar.
Este período poderá corresponder, na perspectiva de Lagemann
(2000), concluo, à entrada em cena dos frequentemente designados
paradigma interpretativo e paradigma crítico.
Para ordenar os percursos da investigação educacional, Lagemann
não recorreu de forma sistemática a nenhum termo equivalente a
abordagem (paradigma, modelo, perspectiva,…). Ao longo das cerca de 300
páginas do seu livro, Lagemann raramente usou o termo paradigma, usando
com alguma parcimónia os conceitos afins, apesar de afirmar, logo no
prefácio, que a investigação educacional não tem sido monolítica. E apesar
de, em vários parágrafos, descrever modos de investigar em educação que
facilmente se ajustariam aos vários paradigmas (enfoques, tradições, …) que
são frequentemente considerados noutras obras recentes sobre este tema
(como se pode constatar nos diagramas constantes no Capítulo seis).
A expressão que melhor parece coadunar-se com a definição de
paradigma,91 de T. Kuhn, é a expressão “mundos plurais”,92 que parece

91 Lembro que a teoria de Kuhn é abordada mais à frente, no Capítulo quatro.


92 Lagemann (2000:xi). No original: “plural worlds”. Esta autora usara já esta
expressão em Lagemann, Ellen (1989) - The plural worlds of educational
research. “History of Education Quarterly”, 29 (Verão 1989), p. 185-214. Não
tive acesso a este artigo.

138
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

enfatizar a ideia base de paradigma: crenças partilhadas por distintas


comunidades, admitindo até que, em alguns casos, não haja muita
comunicação entre elas. Esta expressão, porém, é pouco utilizada ao longo
do livro. Outros vocábulos usados são “abordagem” ou “perspectiva”, mas
sem serem objecto de qualquer definição e sem realce particular.
As mudanças que Lagemann identificou após os anos 80
correspondem às definições (habituais noutros textos, como se pode
constatar nos diagramas no Capítulo seis) de dois paradigmas de
investigação educacional: o interpretativo e o crítico, que Lagemann acabou
por caracterizar – mas que não usa, enquanto tais – como factores
orientadores.
Na terminologia usada para identificar os “mundos plurais”,
Lagemann praticamente não recorreu ao termo positivismo, optando por
termos como behaviorismo ou quantitativo. O termo interpretativo surge só
em páginas adiantadas do texto, sem qualquer destaque, definição ou
caracterização explícita, e a par de conceitos afins, como qualitativo. Mas
não encontrei indícios de a autora estar a recorrer a estes conceitos
integrados numa sistematização consertada.
Uma das originalidades deste texto de Lagemann, quando em
confronto com os textos de De Landsheere e de Travers, neste capítulo
analisados, é precisamente o papel de relevo que atribui aos financiamentos,
às questões do poder, às empresas, às instituições, às comunidades de
académicos, às políticas das universidades,93 no desenvolvimento da
pesquisa em educação.

93 D. Schön (1992:273), apoiando-se em Dewey, observou algo de semelhante, e


sobre tempos mais recentes, a propósito das dificuldades que os centros de
formação profissional ligados às universidades criam para a realização de
investigação apropriada para um “prácticum” reflexivo. Como principais
elementos impeditivos da efectivação de tal investigação, Schön apontou os
pressupostos sobre o conhecimento e a divisão estrutural e política do
(...)

139
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Lagemann narrou uma história da investigação educacional de


lideranças difusas. O protagonismo da liderança ora está focalizado em
personagens (Dewey e Thorndike), ora está focalizado em técnicas preferidas
(inquéritos e testes), ora está no âmbito dos estudos (currículo), ora está em
períodos temporais (entre as duas guerras), ora está nos problemas e no
potencial da investigação educacional.
Para a maior parte dos textos que, de algum modo, abordam o tema
da história da investigação educacional, é como se tais constrangimentos
não existissem, ou existissem, mas sem serem determinantes, como se a
investigação educacional pairasse num mundo não influenciável pelas
questões materiais e institucionais, sendo só remotamente influenciável por
outras disciplinas, ou pelas tecnologias, ou pelas mudanças sociais (embora,
e como se viu no Capítulo um, alguns autores a enquadrem em contextos
políticos e sociais).
As explicações que Lagemann ofereceu sobre o modo como
funcionavam as comunidades de investigadores, bem como as características
que destacou relativamente aos projectos que maioritariamente se
realizavam em cada época, ajusta-se às conceptualizações de paradigmas
que encontrei noutras obras (algumas delas examinadas no capítulo seis),
embora as referidas explicações e caracterizações não sejam catalogadas
como tal por Lagemann.
Por isso, pode dizer-se que, embora Lagemann não estruture o seu
livro à volta dos paradigmas de investigação educacional, todo o seu livro é
sobre isso. Sem o reconhecer como tal, Lagemann pôs em prática aquilo que
autores como McLaren, Giroux ou Mclauhglin teorizaram, pois procurou e
identificou ligações entre os dados empíricos e as condições de vida e de

conhecimento em departamentos, a prioridade dada ao ensino expositivo, bem


como a concepção predominante sobre investigação científica.

140
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

trabalho daqueles que lhes estiveram na origem. Ou, dito de outra forma,
Lagemann não ignorou, antes salientou, os modos como, e para utilizar as
palavras de McLaren (1995:276), “o poder opera como uma força reguladora
que centraliza e unifica discursos e subjectividades frequentemente
conflitivos e em competição.”
Outro aspecto em que a história de Lagemann difere notavelmente
das outras três histórias da investigação educacional, anteriormente
examinadas, é no destaque que é conferido às mudanças nos sucessivos
papéis dos professores na investigação educacional.
Assim, tanto em Travers (1992), como em De Landsheere (1988;
1999), as práticas (e, por consequência, os professores), são apenas uns dos
destinatários das aplicações da investigação educacional.
Pelo contrário, em Lagemann (2000), são extensas as referências às
práticas e, por consequência, aos professores. Os professores estão
presentes, não só em meticulosas referências a tentativas que, ao longo do
século XX, se verificaram, de acreditar a investigação empírica associada às
práticas, como também são parte activa das concretizações mencionadas
sobre as duas últimas décadas e de parte substancial das expectativas ou
propostas com que o livro termina.
Em Lagemann (2000) é criticada a estreiteza de visão que orientou a
investigação educacional durante cerca de sete a oito décadas, sendo
anotado, por exemplo, que a investigação processo/produto tinha falhado em
captar os ingredientes críticos da investigação educacional; e sendo
criticado, também, os modos como algumas ideias são implementadas
através do carisma, influências ou modas.
O texto de Lagemann em análise, sendo uma crítica acutilante aos
percursos da investigação educacional, baseada numa análise histórica,
pode constituir, em simultâneo – e também por causa disso – um poderoso
instrumento de renovação e esperança daquela.

141
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Confrontando este aspecto com os textos De Landsheere (1988;


1999), eles também exprimem esperança no futuro da investigação
educacional, mas sem insistir nas críticas à mesma; quanto ao texto Travers
(1992), ele apresenta críticas pouco consistentes e não deixou esperança no
futuro.

Em síntese, alguns encontros e desencontros entre estas quatro


histórias da investigação educacional, as quais veiculam as perspectivas que
três notáveis autores da área da investigação educacional quiseram
partilhar com os seus leitores, nos últimos anos do século XX, portanto, já
com um longo rol de desenvolvimentos que o antecederam:

 Todos os textos evidenciam problemas quanto à afirmação de


autonomia da investigação educacional;

 Apenas um dos textos (Lagemann, 2000) reconhece que a


emergência e muitos dos desenvolvimentos da investigação
educacional ocorreram de modos difíceis de captar, pelo que assume
as dificuldades em produzir afirmações assertivas sobre o tema; de
facto, ao contrário de Travers (1992), Lagemann, que também é uma
autoridade na matéria, reconheceu as facetas ambíguas e os matizes
da investigação educacional;

 Só os textos de De Landsheere (1988; 1999) se apoiam, embora


não de forma muito assertiva, na teoria dos paradigmas e concluem
a partir dela; um deles (Travers, 1992) ignora completamente tal
problemática; o outro texto (Lagemann, 2000) não é explícito sobre
essa teoria, embora permita seguir a evolução – e mais do que isso, o
conflito – dos paradigmas;

142
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

 Os quatro textos utilizam estratégias diferentes para explicar os


seus pontos de vista sobre a evolução da investigação educacional;

 Os períodos temporais que, de forma mais ou menos explícita,


cada texto reconhece na evolução da investigação educacional,
apenas em parte são coincidentes;

 Os factores apontados como condicionantes da evolução da


investigação educacional também apenas em parte são coincidentes;

 Apenas um dos textos (Lagemann, 2000) destaca o modo como a


investigação educacional se democratizou, se tornou mais modesta,
mais próxima dos seus actores, particularmente dos professores,
bem como de todos aqueles envolvidos nas implementações das
reformas ou das políticas;

 Um dos textos (Travers, 1992) não manifesta expectativas


positivas quanto ao futuro da investigação educacional; os restantes
textos (De Landsheere, 1988, 1999) manifestam expectativas
positivas, embora com argumentações distintas.

Em conclusão, pode dizer-se, então, que não há grande convergência


nas perspectivas que estes textos – que pretendem assumidamente fazer a
história da investigação educacional – apresentam sobre o passado da
mesma:

 se um texto apenas tem em conta um modo de investigar a


educação (Travers, 1992), os outros textos dão conta de mais do que
um modo (De Landsheere, 1988 e 1999 e Lagemann, 2000);

 se um texto mostra falta de definição quanto a alguns dos


conceitos que apresenta, não evidenciando, com isso, hesitações
(Travers), outros estão plenos de ambiguidades, embora, neles, não

143
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

reconhecidas (De Landsheere, 1988 e, mais ainda, como foi


demonstrado anteriormente, De Landsheere, 1999), e outro texto
ainda reconhece-as e atribui-lhes mesmo um papel na interpretação
mais geral da investigação educacional (Lagemann, 2000);

 se um dos textos não demonstra entusiasmo acerca do futuro da


investigação educacional (Travers, 1992), os restantes deixam
constâncias de expectativas positivas (De Landsheere, 1988 e 1999 e
Lagemann, 2000).

Supõe-se que os textos que assumem relatar a “história de”


recolham, também, as normas constituídas em cada época histórica ou
lugar. Assim, ficou registado que, algumas épocas e espaços culturais ou
institucionais estão associados a modos de investigar a educação que são
tidos como dando mais credibilidade ao projecto científico em educação.
Contudo, a norma quanto às vias legitimadoras da investigação
educacional é precisamente um dos níveis onde, de forma clara, se observam
notáveis divergências, pois não há concordância quanto aos métodos/
paradigmas/ abordagens nos textos analisados no presente capítulo.
As discrepâncias constatadas na leitura detalhada destes textos vão
de encontro às conclusões do Capítulo um, ficando patente, também nos
textos de análise histórica, notável diversidade de possibilidades de
entendimento, de realização e de interpretação quanto à investigação
educacional.
Confirmou-se, então, a questão dos paradigmas de investigação –
pois o que se diz sobre os paradigmas/ abordagens/ perspectivas de
investigação corresponde, de certo modo, a fazer a história sem falar de
história – como uma questão que era necessário tratar, independentemente
do reconhecimento final quanto à sua relevância como factor elucidativo dos
desenvolvimentos daquela.

144
CAPÍTULO TRÊS – HISTÓRIAS DA INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

145
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE
INVESTIGAÇÃO
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

148
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

1. DIFERENTES MODOS DE ENTENDER E FAZER


INVESTIGAÇÃO
As disparidades que se detectaram e registaram nos textos que se
apresentavam com o objectivo de escrever a história da investigação
educacional não são atributo apenas daquele tipo de escritos.
A análise de textos, recurso metodológico no qual assenta o presente
trabalho, mostrou que, com frequência, as fontes de pesquisa apresentam,
para temas idênticos, interpretações que, quando não antagónicas,
adquirem significações diferenciadas que se torna necessário compreender.
Por vezes, quando se consultam diversos textos sobre investigação
educacional, tornam-se evidentes interpretações distintas e que, nalguns
casos, ignoram, ou praticamente ignoram, desenvolvimentos e
interpretações relevantes que as precederam. Esta situação suscita alguma
surpresa, especialmente quando se trata de textos publicados a partir do
último quartel do século XX, com décadas de história atrás de deles, e torna
mais complexo, eventualmente, o processo de decisão dos investigadores em
educação quanto às escolhas nos diversos níveis em que têm que decidir,
como sejam as abordagens, os problemas ou os métodos.
De facto, uma passagem por um qualquer conjunto de textos que se
assumam como da investigação educacional torna evidente, não apenas
notável diversidade de sistematizações, mas também que cada abordagem é
objecto de discrepantes relevos e juízos de valor. Não estão em causa, e de
um modo geral, os dados factuais como os nomes ou as datas, mas sim, as
lacunas, as interpretações, as ilações.
Basta comparar as interpretações de distintos autores, em épocas
coevas, sobre o mesmo tema, ou as incongruências patentes em algumas
obras.

149
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Refira-se, a título de exemplo, o caso de “The international


encyclopedia of education”, de 1985 (Husén & Postlethwaite, 1991).94
Esta enciclopédia inclui uma entrada cujo título é “Evolución de la
investigación sobre la enseñanza” (Medley, 1991). Na introdução deste
artigo, é explícita a pretensão de proporcionar um entendimento geral para
aqueles leitores que não estejam familiarizados com a temática. Apresenta
uma panorâmica, em certos aspectos pormenorizada, do que teria sido a
investigação sobre o ensino, ocupando-se dos modos como decorrem as
pesquisas e a sua possível utilidade (por exemplo, as variáveis da
investigação sobre o ensino, os instrumentos, o desenho).
Não obstante, o referido texto introdutório ignora linhas de
investigação como sejam a do professor-investigador ou a da investigação-
acção, ou seja, omite duas linhas de investigação, alternativas à abordagem
tradicional que Medley teve como referência, e que já haviam sofrido visíveis
desenvolvimentos (alguns constantes na mesma enciclopédia),95 à data em
que o texto de Medley foi publicado.
Noutras obras, certos autores privilegiaram determinados modos de
pesquisar em educação que são claramente distintos dos modos privilegiados
por outros autores, como revela a comparação entre obras que podem ser
consideradas de referência: comparem-se as preferências de Elliott (1991),
Elliott (1994) ou Carr & Kemmis (1986) pela investigação-acção com as
opções de La Orden (1985a) e Tuckman (2002) pela investigação de índole
mais tradicional.

94 Para mais informações sobre esta enciclopédia, p. f. ver o início do número dois,
do Capítulo três.
95 De facto, a referida enciclopédia inclui diversas entradas que remetem para
linhas de investigação alternativas à linha privilegiada por Medley, por exemplo:
Stenhouse (1991); Taft (1991); Elliott (1991); Kemmis (1991); Hall & Kassam
(1991).

150
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Também, alguns teóricos atribuíram importância a determinados


tópicos e estudiosos da educação os quais não são sequer mencionados por
outros autores, na mesma época, ao escreverem sobre temas idênticos.
Tomando como exemplo obras de autores reputados, com interesses
semelhantes e com poucos anos a separá-las, Léon et al 96 não referiram as
abordagens de investigação qualitativa, enquanto que De Landsheere,97 em
obra de título idêntico, reservou um capítulo para o debate entre o
quantitativo e o qualitativo.
Os antagonismos verificados deixam entrever óbvias diferenças nas
formas e atributos das pesquisas, onde sobressai a existência de
discrepantes posturas no que respeita aos pressupostos, aos métodos e ao
alcance da investigação educacional. Estas diferenças revelam noções
divergentes da realidade educativa e opções distintas quanto aos modos
adequados para a estudar.
A generalidade das posturas observadas integra-se numa das
colunas do quadro que se segue.

96 Léon et al (1980/1977) - “Manual de psicopedagogia experimental”.


97 De Landsheere (1986/1982) - “A investigação experimental em pedagogia ”.

151
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Quadro n.º 2 – “Bases alternativas para interpretar a realidade social”

(Fonte: Traduzido de Cohen & Manion, 1990:34, adaptado de


Greenfield)

Concepções da realidade social


Dimensões de
Objectivista Subjectivista
comparação
Realismo: o mundo existe Idealismo: o mundo existe mas
e é cognoscível como pessoas diferentes explicam-no
Base realmente é. As de maneiras muito diferentes.
filosófica organizações são As organizações são realidades
entidades reais com vida sociais inventadas.
própria.
Descobrindo as leis Descobrindo como as pessoas
O papel da universais da sociedade e interpretam de modo diferente
ciência social da conduta humana o mundo em que vivem.
dentro dela.
Unidades A colectividade: sociedade Indivíduos actuando sós ou em
básicas da ou organizações. grupo.
realidade
social
Identificando condições ou Interpretação dos significados
relações que permitem subjectivos que os indivíduos
Métodos de que a sociedade exista. aplicam à sua acção.
entendimento Concebendo quais são Descobrindo as regras
essas condições ou subjectivas para tal acção.
relações.
Um edifício racional Conjuntos de significados que
construído por cientistas as pessoas usam para dar
Teoria
para explicar o sentido ao seu mundo e ao
comportamento humano. comportamento dentro dele.
Convalidação A busca de relações com
experimental ou quasi- sentido e o descobrimento das
Investigação
experimental da teoria. suas consequências para a
acção.
Abstracção da realidade, A representação da realidade
especialmente através de com fins de comparação.
Metodologia
modelos matemáticos e Análise da linguagem e do
análises quantitativas. significado.

152
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Concepções da realidade social


Dimensões de
Objectivista Subjectivista
comparação
Ordenada. Governada por Em conflito. Governada pelos
um conjunto uniforme de valores das pessoas com acesso
Sociedade
valores e tornada possível ao poder.
só por aqueles valores.
Orientadas para um fim. Dependentes das pessoas e dos
Independentes das seus fins. Instrumentos de
pessoas. Instrumentos de poder que algumas pessoas
Organizações
ordem na sociedade controlam e podem usar para
servindo tanto a sociedade alcançar fins que lhes parecem
como o indivíduo. bons.
Organizações Dados fins humanos diversos,
Patologias desajustadas com valores há sempre conflito entre as
organizativas sociais e necessidades pessoas que os perseguem.
individuais.
Muda a estrutura da Descobre que valores se
organização para incorporam na acção
Prescrição
satisfazer os valores organizativa e de quem são
para a
sociais e necessidades esses valores.
mudança
individuais. Se puder, modifica as pessoas
ou os seus valores.

Este quadro permite concluir, então, que são reconhecidos diferentes


modos de interpretar a realidade social – e, por conseguinte, a realidade
educativa – o que se traduz em distintas opções epistemológicas e
metodológicas.
Nas últimas décadas do século XX, nas Ciências Sociais em geral,
verificou-se mesmo uma proliferação de conceitos, teorias e linhas de
investigação, as quais, ora são olhadas como respeitáveis variações do
método científico, ora são olhadas como “guruismos”, ou mesmo,
“imposturas”.
Assim, nas últimas décadas, aqueles que estão ligados à educação, e,
concretamente os investigadores em educação, não só se confrontam com

153
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

uma notável diversidade de pontos de vista, de tipos de perguntas e de


caminhos possíveis para responder às perguntas, como também se
confrontam com uma diversidade, frequentemente em rápida mutação, de
“temas actuais,” tornando difícil discernir, por vezes, aquilo que corresponde
a legítimas perspectivas de entender a pesquisa científica, ou aquilo que
corresponde ao que Good et al (1997) designaram por “modas”.
De resto, é frequente a divulgação, em publicações do âmbito da
investigação educacional, de listas de “temas actuais”. Por vezes, elas são
objecto de críticas, como por exemplo a de Hollingsworth & Socket (1994),
quando notaram que, nas súmulas dos achados da investigação, raramente
se inclui a sabedoria prática dos professores.
A ocorrência de “modas” também foi regista por Carlos Simões,
quando, e sobre a formação de professores e a investigação, escreveu que “a
flutuação das perspectivas adoptadas no âmbito da pesquisa deverá, cada
vez mais, ser determinada pelas exigências contextuais da situação de
ensino a que se aplica e não, como frequentemente acontece, seguindo
modas.”98
Independentemente de se concordar com a ideia de que a
investigação educacional, mais do que desenvolver distintas perspectivas de
pesquisa, também é permeável a modas, torna-se necessário clarificar que
espécie de abordagens (ou perspectivas, paradigmas, ou metodologias, …)
são apontados, nos textos da área, como orientando a investigação que se faz
em educação.
De facto, os paradigmas (perspectivas,…) de investigação têm algum
tipo de reconhecimento nos textos sobre a investigação educacional, e
também para além do tipo de textos que, no presente trabalho, se incluiu na
categoria de textos normativos.

98 C. Simões (1996:151), citando Fuller & Brown.

154
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Assim, não apenas alguns trabalhos de pesquisa manifestam


explicitamente a sua pertença a um determinado paradigma de
investigação, como também existem trabalhos de investigação que inserem
outros nos respectivos paradigmas.
Veja-se o caso de Rodrigues & Esteves (2003:15), quando, no âmbito
de um “estudo que sintetiza a investigação realizada em Portugal sobre
formação inicial de professores entre 1990 e 2000 ”, apresentaram um quadro
com o “Paradigma de inserção na investigação” (p.67) de 93 teses de
doutoramento ou dissertações de mestrado (sendo que, 11 foram inseridos no
paradigma positivista, 61 no paradigma interpretativo e dois no paradigma
sócio-crítico).
Ou seja, constata-se que a análise de trabalhos de investigação
educacional exige que se passe pela reflexão do que se entende por alguns
conceitos-base relacionados com a questão dos paradigmas.
No caso específico de um trabalho, como o presente, cuja estratégia
assenta na análise de textos normativos, ela passa também pela clarificação
do modo como aqueles textos veiculam e fazem a norma, como eles a
expõem, a escamoteiam, a defendem veemente ou apenas a insinuam, sendo
que, para tal, é fundamental que se reflicta também sobre aquele tipo de
conceitos.

2. A ESCOLHA DE UM CONCEITO
Variam bastante as designações escolhidas pelos autores para
registar a existência de distintas perspectivas de investigar. Vão neste
sentido as palavras de M. Teresa Estrela (1997:11), quando registou as
dificuldades em definir critérios de organização dos paradigmas de
abordagem (da literatura relativa à profissão docente), referindo “a falta de
precisão terminológica, aliás comum a grande parte da investigação

155
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

educacional [a qual se revela] quer na caracterização dos paradigmas de


abordagem, quer nos conceitos que constituem alvo de pesquisa.”
Nos textos sobre investigação educacional, e como se pode constatar
pela leitura dos diagramas mais à frente neste trabalho, surgem designações
como “abordagens”, “modalidades”, “modelos”, “paradigmas”, “categorias”,
“tradições”, “tipos”, “perspectivas”, “métodos”, “epistemologias”, “programas
de investigação”, “enfoques”, “linhas de investigação”, “posições.” Estas
designações correspondem a conceitos afins, mas nem sempre convergentes,
sendo muito perceptíveis, por vezes, as hesitações dos próprios autores sobre
as opções que acabam por tomar.
Além disso, frequentemente aquelas expressões (abordagem,
perspectiva,...) não são definidas com clareza ou justificação suficiente, de
certo modo denunciando a ambiguidade que transportam.
Assim, Shulman (1989) defendeu que, para referir os tipos de
pesquisa que se faziam no ensino, preferia a terminologia de I. Lakatos
“programa de investigação” (“research program”) à terminologia de Kuhn,
“paradigma”, mas adiantou que quase sempre estas expressões são usadas
como sinónimos.
Quanto a Erickson (1989) discordou que o conceito de “paradigma”
de Kuhn se aplicasse à investigação sobre o ensino e preferiu as expressões
“enfoque” ou “perspectiva de investigação”.
Fenstermacher (1989), por seu turno, e depois de citar a definição de
“perspectiva de investigação”,99 optou pela expressão “métodos de
investigação” ao longo do seu texto.

99 Fenstermacher (1989:159) apoiou-se a definição de Laudan, de 1977, a qual já era


baseada em Lakatos, de 1970.

156
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Por outro lado, Hitchcock & Hughes (1985) usaram os vocábulos


“modelo”, “paradigma”, “método”, e “abordagem”, sem justificarem o uso de
nenhum destes vocábulos em particular.
Não são a maioria os textos sobre investigação educacional
analisados que optam claramente pelo uso do termo paradigma (Popkewitz,
1988, Bisquerra, 1989, Husén, 1999), sendo que alguns deles fazem-no com
certa ambiguidade. Outros autores preferem outras soluções, como se viu.
As várias posições registadas em distintos textos pertencentes ao
âmbito da investigação educacional justificam que se considerem diferentes
paradigmas de investigação, na acepção de paradigma proposta por Kuhn
(1997), pelo menos, como medida para poder interpretar os textos.
Além disso, o intenso debate que o conceito de paradigma tem
suscitado, e do qual para aqui só se invocaram alguns exemplos, sustenta a
afirmação de que tal conceito, pode ou não ser adoptado por quem se
debruça sobre temas de investigação, não pode é ser ignorado.
Esta mesma pode ser uma das inferências a retirar de uma extensa
nota em A. de Carvalho (1988:45-49) sobre a obra Kuhn (1997). Ao fazer a
síntese sobre conceitos fundamentais daquela obra, A. de Carvalho foi
explícito na relevância que atribuiu à análise da problemática dos
paradigmas e avançou que pretendia, com precaução, alargar a noção de
paradigma de Kuhn a distintos níveis de reflexão e a distintas áreas de
conhecimento.
De resto, parece que só se pode verdadeiramente falar de
paradigmas distintos, ou só começou a percepcionar-se a possibilidade de a
investigação educacional operar em enquadramentos distintos, após a teoria
de Kuhn ter começado a influenciar o pensamento sobre esta área de
estudos, de acordo com Borg & Gall (1989).
Estes autores apontaram a obra Kuhn (1997) como aquela a partir
da qual as pessoas mudaram a sua maneira de pensar acerca da natureza
da ciência e do progresso científico, pois, “a noção de paradigma preparou o

157
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

caminho para e legitimou as abordagens de investigação pós-positivista nas


Ciências Sociais” (Borg & Gall, 1989:41).
Mais do que outros conceitos afins, o conceito de paradigma satisfaz
a ideia de conjunto de crenças epistemológicas e de opções metodológicas que
guiam as investigações que se fazem em cada época ou contexto e que guiam
as interpretações da investigação educacional.
Paradigma é, portanto, um termo-chave para analisar os percursos
de qualquer área de estudos, pois introduziu um elemento modificador do
que estava, a partir do qual se colocaram com ênfase novas questões e que
motivou ampla partilha de reflexões dos investigadores.
Para além disso, o conceito de paradigma parece ser mais fecundo do
que qualquer dos outros conceitos semanticamente afins citados
anteriormente (abordagem, enfoque,...). Isto é, o conceito de paradigma,
mais do que as outras expressões análogas, está na origem de constructos
que permitem novas abordagens das realidades sociais. Por exemplo, a ideia
da construção social da racionalidade foi desenvolvida por Popkewitz
(1988:63) partindo explicitamente da noção de paradigma de Kuhn.100

100 O conceito de paradigma não é somente muito fecundo, mas, aparentemente, é


também desejado, e não apenas nas áreas mais óbvias das Ciências Sociais, mas
também noutras áreas como, por exemplo, a economia. Numa análise sobre a
economia global do conhecimento, Schartz, Kelly & Boyer (2001:140) escreveram
que, “No mundo da economia, aquilo que importa encontrar actualmente é uma
noção equivalente à mudança de paradigma científico de Thomas Kuhn (1962),
que comporta uma total mudança de visão do mundo. Se adoptarmos as ideias
de Romer e de outros teóricos do crescimento, é provável que estejamos na
"segunda fase", onde as fraquezas do pensamento convencional se tornam cada
vez mais aparentes, as anomalias tornam-se regra e as novas teorias e métodos
começam a surgir como seus substitutos.”
Cf. Cabugueira (2001) para uma discussão mais profunda sobre as ligações entre o
conhecimento, a economia, a educação e o desenvolvimento humano.

158
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Paradigma vem do latim “paradigma” e significa aquilo que serve de


exemplo, de modelo e é sinónimo de norma, padrão.101
Segundo Giddens (1996:162), o uso que Kuhn fez de “paradigma” e
algumas das dificuldades a que nos conduz, tem precedentes em noções
pertencentes a certas linhas filosóficas: “jogos de linguagem” (Wittgenstein),
“realidades múltiplas” (James, Schtz), “realidades alternativas”
(Castaneda), “estruturas de linguagem” (Whorf), “problemáticas”
(Bachelard, Althusser). Cada uma é usada para mostrar, de algum modo,
que os significados dos termos, expressões ou descrições têm de ser
apreendidos hermeneuticamente. Ou seja, em relação àquilo a que
genericamente chamamos quadros de significado.
Por outro lado, o vocábulo paradigma foi usado ainda antes, ou
contemporaneamente, a Kuhn. Assim, e a título de exemplo, para Gage
(1963b:95): “os paradigmas são modelos, padrões, ou esquemas; são mais
modos de pensar ou padrões para investigar que, quando levados a cabo,
podem levar ao desenvolvimento de teoria.”
Este vocábulo também foi usado em psicologia para referir
procedimentos ou situações experimentais frequentes (Burns, 1995:91).
Kuhn alargou-lhe o sentido ao enfatizar a ideia de que um paradigma é um
exemplo a seguir, um modelo. A teorização de Kuhn sobre os papéis desses
modelos no seio das comunidades científicas tornou praticamente inevitável
a referência aos paradigmas na maior parte dos escritos sobre ciência, ora
aceitando-a, de algum modo, ora refutando-a.

101 Academia Ciências de Lisboa (2001) – “Dicionário da Língua Portuguesa


Contemporânea”. Lisboa: Verbo Editora.

159
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

3. EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA SEGUNDO KUHN


Para melhor enquadrar o carácter de exemplo que o termo
paradigma encerra, torna-se necessário partir de uma síntese da teoria de
Kuhn, de forma a explicitar a leitura da teoria de Kuhn de que se parte
neste trabalho.102
Kuhn (1997)103 explicou como foi reflectindo nos processos de
desenvolvimento da ciência através da análise de textos e como a peça que
faltava para chegar ao conceito de paradigma foi a estadia num centro de
ciências sociais e a observação das controvérsias sobre os fundamentos entre
os cientistas, acrescentando que explicava com mais detalhes o que se
passava nas ciências naturais porque a sua formação era dessas áreas. No
entanto, assinalou, foi o contacto com os cientistas das humanidades que lhe
forneceu a “pedra do quebra-cabeças” que faltava para chegar à noção de
paradigma.

102 Como acontece muitas vezes com qualquer síntese, também esta tentativa de
resumir o entrelaçado dos conceitos expostos em Kuhn (1997) deixa a certeza de
que se peca, pelo menos, por defeito. Esta síntese não pretende substituir a
leitura da obra, antes destacar alguns aspectos úteis para o que aqui se procura
defender.
Kuhn reviu a sua teoria original, em: Kuhn, T. (1974) - Second thoughts about
paradigms. In Suppe, F., ed. - “The structure of scientific theories” . 2.ª ed.
Chicago: University of Illinois Press.
Não tive acesso a esta obra que, admito, fizesse alterar algo do que aqui escrevo
sobre a teoria original de Kuhn; não deixei de reparar, não obstante, que, mesmo
em textos dos anos 90 e já pós-2000, o texto de Kuhn, “The structure of scientific
revolutions”, continua a ser muito mais citado do que textos posteriores, como
“Second thouhgts about paradigms”, ou como “A tensão essencial” (1989).
Portanto, a obra que parece continuar a ser mais citada é Kuhn (1997).
103 A primeira edição de “ The structure of scientific revolutions” , de T. Kuhn, é de
1962; a segunda edição, revista, é de 1970; a tradução que consultei no presente
trabalho é de 1979, feita a partir da 2.ª edição.

160
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Sobre o desenvolvimento da ciência, Kuhn matizou o carácter


cumulativo da mesma, defendendo que aquele se processa mais através de
“revoluções”, as quais alteram os pressupostos, os problemas a estudar, os
enquadramentos teóricos e os métodos da ciência.
Assim, os ramos científicos emergem a partir de uma fase “pré-
paradigmática”, na qual se efectuam estudos sem ligações estruturadas
entre si e sem obedecerem a métodos consensuais. É um período de intensos
e frequentes debates sobre os problemas a estudar e sobre os modos de os
resolver.
A partir de determinada altura, as comunidades de cientistas
chegam a acordo sobre os problemas que entendem estudar e sobre os
métodos adequados para tal. Chega-se então à fase “paradigmática”, na qual
se empregam determinados tipos de “métodos”, para resolver determinados
“problemas” que contribuirão para a compreensão de uma determinada
perspectiva da “realidade”.
À ciência característica desta fase chamou Kuhn (1997) a “ciência
normal”, a qual parte de um determinado ponto de vista e constrói a
realidade adaptada a esse ponto de vista, ou melhor, “é baseada no
pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo”.
Baseados em pressupostos aceites pela comunidade onde se inserem,
os cientistas realizam o seu trabalho de modos aceites pela comunidade onde
se movem; trabalham, então, integrados num paradigma.
Observe-se que têm fundamento as observações de Shulman,104
segundo as quais Kuhn escreveu várias definições de paradigma. Porém, no
apêndice da segunda edição, Kuhn (1997:218) havia feito a síntese das
várias definições em apenas duas acepções. A primeira acepção é “toda a

104 Shulman (1989:11), citando Masterman.

161
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

constelação de crenças, valores, técnicas, etc. …, partilhadas pelos membros


de uma comunidade determinada.”
A outra acepção quer referir as “soluções concretas de quebra-
cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir
regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da
ciência normal.”
Em obra posterior, Kuhn105 confirmou esta síntese, esclarecendo que
a segunda acepção é um subconjunto da primeira.
O autor explicou como, em determinadas conjunturas, se tornam
mais notados certos aspectos da realidade que não são explicados nem
parecem explicáveis através da ciência normal. São as “anomalias”, ou seja,
algo que não se ajusta às expectativas do paradigma que orienta a ciência
normal. Quando as anomalias atingem uma determinada visibilidade, a
ciência normal entra em crise, definida por Kuhn (1997:225) como
“consciência comum de que algo saiu errado”.
A crise pode ou não ser resolvida no seio do paradigma que governa a
ciência normal. No último caso, a comunidade de cientistas começa a
duvidar das possibilidades de resolver problemas através dos métodos
habituais e, mais do que isso, começa a ver outro tipo de problemas,
decorrentes de uma outra perspectiva da realidade.
Nesses períodos, a crença no paradigma existente tende a afrouxar,
agudizam-se os debates epistemológicos e efectuam-se com mais frequência
“pesquisas extraordinárias,” ou seja, pesquisas que não observam os
pressupostos e as regras vigentes na (ainda) ciência normal.

105 Kuhn (1989:354). Lembremos que a data da primeira publicação da obra aqui
referenciada como Kuhn (1997) é de 1962.

162
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Estas práticas e debates podem conduzir ao esmorecer do velho


paradigma e ao surgimento de um novo paradigma, isto é, a uma nova
maneira de fazer ciência e de interpretar a realidade.
Sobre as “mudanças paradigmáticas”, Kuhn (1997:116) citou a
observação de um historiador – “é como tomar o reverso da medalha.” Por
isso, os paradigmas são “incomensuráveis”, visto que só podem ser avaliados
por critérios internos e não por critérios externos.
Um dos aspectos que Kuhn frisou é que as mudanças paradigmáticas
não se baseiam somente no raciocínio, na lógica, mas correspondem também
a uma “conversão” da comunidade científica ao novo paradigma. A
“revolução” daí decorrente significa um avanço na respectiva área científica,
“mas só foi possível porque algumas crenças ou procedimentos
anteriormente aceitos foram descartados e, simultaneamente, substituídos
por outros” (Kuhn (1997:93).

4. O PAPEL DAS COMUNIDADES DE CIENTISTAS


Todo o desenrolar da teoria de Kuhn colocou os cientistas num lugar
central no desenvolvimento da ciência, quer quando se apercebem das
anomalias, quer quando se aventuram em pesquisas extraordinárias, quer
quando se “convertem” a novos paradigmas.
É o carácter de exemplo, de algo já visto e que se pode e deve copiar,
sobre os modos como os cientistas aprendem a fazer ciência, imersos numa
comunidade, que interessa realçar aqui. Kuhn tornou mais visível, assim, a
importância do enquadramento social da prática da ciência e das suas
consequências.
Qualquer das duas acepções de paradigmas definidas no apêndice
em Kuhn (1997) estabelece ligações estreitas entre a noção de paradigma e a
noção de comunidade científica. Kuhn abordou essas relações repetidas
vezes ao longo da sua obra. Veja-se o modo como Kuhn finalizou o seu mais

163
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

referenciado texto – “o conhecimento científico, como a linguagem, é


intrinsecamente a propriedade comum de um grupo ou então não é nada”
(Kuhn, 1997:257) – ou os esclarecimentos que deu, noutro texto da sua
autoria, sobre como o termo “consenso” precedeu o termo paradigma (Kuhn,
1989).
É com base nessas relações que sai reforçada a ideia de que a
classificação de qualquer estudo como científico depende em boa parte de
uma determinada comunidade científica – o que também justifica a
definição da investigação educacional como uma via de estudo da educação
que se apoia fundamentalmente em métodos aceites como científicos, de
acordo com as épocas, as comunidades e os contextos em que foram
produzidos.
Jesuíno & Ávila (1995) lembraram que foi Merton quem primeiro
conferiu relevância à noção de que a comunidade científica se enquadra
numa estrutura normativa, de um “ethos” (na expressão de Merton),
reservando-lhe um lugar na sociologia da ciência, por ele fundada.
Contudo, Merton não terá desenvolvido a ideia de que a ciência era
influenciada pelos factores sociais. Foi fundamentalmente a partir da
publicação da primeira edição, em 1962, da conhecida obra de Kuhn, e do
debate por ela provocado, que tal noção passou a fazer parte do leque de
questões amplamente discutidas em ciência. Ainda de acordo com Jesuíno &
Ávila (1995), os argumentos de Kuhn são os que antes Polanyi havia
apresentado, não desmentindo, porém, que só a partir de Kuhn eles tiveram
a divulgação que é conhecida.
Comentando a teoria de Kuhn, Jesuíno (1996:173) admitiu que ela
conduza

“ao relativismo, à ideia de que um conhecimento objectivo,


independente das circunstâncias históricas, económicas, sociais e
políticas, é, em última análise, um mito. ... Possivelmente, Kuhn

164
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

nunca pretendeu ir tão longe, nem tão-pouco previu que as suas


metáforas contribuíssem para abrir uma caixa de Pandora.”

Caixa de Pandora ou não, esta conclusão pode, pelo menos, ser


relativizada, aceitando que a comunidade científica tem um papel
determinante nas definições relativas à criação e ao alcance das teorias
científicas.106
Também a partir da análise da obra de Kuhn, Magalhães (1996)
concluiu que a legitimidade das teorias se apoia em valores inerentes a um
“sistema de crenças” ou paradigma que, em determinado contexto, configura
a investigação científica. E que, não tendo os paradigmas vida própria, são
criações das comunidades científicas e só por elas interpretáveis e fecundos.
Sendo assim, rematou J. Magalhães, a comunidade científica constitui a
unidade base de uma teoria científica.
Também Popkewitz (1988) salientou o papel das comunidades de
cientistas nas definições da ciência evidenciando, por exemplo, as redes de
contacto pessoais e informais entre cientistas (para a identificação das quais
recorreu à expressão “faculdades invisíveis”, de Crane, em 1976).
Sobre os modos de funcionamento das redes de contacto entre
cientistas, Popkewitz (1988:32) observou que

“os integrantes destas redes enviam uns aos outros os seus artigos
antes de os publicar, celebram reuniões, mantém correspondência
para comunicarem as suas ideias e dispõem de laboratórios onde
trabalhar juntos. Estes pequenos círculos sociais, que
frequentemente possuem um carácter elitista, fixam as prioridades
em matéria de investigação e de recrutamento e formação de novos
estudantes, além de vigiar as modificações na estrutura da sua área
de conhecimento.”

106 As comunidades científicas têm sido objecto de análise em vários países. Para
estudos sobre este tema, em Portugal, cf. M. E. Gonçalves (1993) e Jesuíno
(1995).

165
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Popkewitz destacou em seguida uma das ironias das comunidades de


cientistas: os círculos de especialistas não se limitam a fomentar novas
linhas de investigação; por vezes opõem-se à expansão de linhas de
investigação não condizentes com os seus pressupostos.
Nas suas tentativas por alcançar o máximo de razões explicativas
dos fenómenos, os cientistas – qualquer que seja o paradigma em que se
movem – acabam frequentemente por esbarrar com questões para as quais
não têm respostas. Se desistissem em face delas, teriam que abandonar os
seus labores. Têm que trabalhar, assim, também escorados em
determinados pressupostos, sobre o valor dos quais, por vezes, não estarão
inteiramente convencidos. Trata-se, por isso, de reconhecer que, de alguns
pressupostos, os cientistas estão mais convencidos e de outros, menos, sem
que, por causa disso, deixem de prosseguir o trabalho investigativo.
Já atrás foi mencionado que a teoria que Kuhn desenvolveu sobre os
paradigmas foi marcada pela sua condição de físico-historiador já que, para
chegar a estas conclusões, Kuhn extraiu exemplos da sua interpretação da
história das Ciências Naturais – física e química, principalmente.
Não obstante, segundo ele próprio afirmou, foi o contacto com o que
se passava nas Ciências Sociais que lhe fez reparar no

“número e a extensão dos desacordos expressos existentes entre os


cientistas sociais no que diz respeito à natureza dos métodos e
problemas científicos legítimos. Tanto a História como os meus
conhecimentos fizeram-me duvidar de que os praticantes das
ciências naturais possuam respostas mais firmes ou mais
permanentes para tais questões do que seus colegas das ciências
sociais. E contudo, de algum modo, a prática da Astronomia, da
Física, da Química ou da Biologia normalmente não evocam as
controvérsias sobre fundamentos que actualmente parecem
endémicas entre, por exemplo, psicólogos ou sociólogos. A tentativa
de descobrir a fonte dessa diferença levou-me ao reconhecimento do

166
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

papel desempenhado na pesquisa científica por aquilo que, desde


então, chamo de “paradigmas”.107

No trabalho atrás citado de Jesuíno & Ávila, um estudo sobre


cientistas portugueses, os autores constataram (lembrando, no entanto, a
necessária prudência na interpretação dos resultados) que os cientistas das
Ciências Naturais “consideram existir uma maior adequação do “ethos”
mertoniano à actividade científica ” (Jesuíno & Ávila, 1995:79), em
comparação com os cientistas das Ciências Sociais. Isto é, os cientistas das
Ciências Naturais parecem apresentar maior adaptação à estrutura
normativa das ciências onde se movem.
A constatação de que as Ciências Sociais não obedecem a um
paradigma certo levara Kuhn (1997) a concluir que aquelas eram menos
desenvolvidas do que as Ciências Naturais, estabelecendo que eram pré-
paradigmáticas.
Esta ilação foi refutada por Santos (1996) e por Shulman (1989), na
base de que se deve pôr de lado, ou rever profundamente, a noção de que as
Ciências Sociais têm um carácter pré-paradigmático. Os principais
argumentos apresentados fundamentam-se na ideia de que os
desenvolvimentos das últimas décadas, nas Ciências Naturais, e as
consequentes reflexões epistemológicas, têm mostrado que muitas das
questões que pareciam pertencer somente à área das Ciências Sociais,
afinal, também podem colocar-se relativamente às Ciências Naturais.
A teoria dos paradigmas de Kuhn adequa-se também às Ciências
Sociais, com a diferença de que nestas ciências a coexistência de mais do que
um paradigma é mais notória do que nas Ciências Naturais. Isso poderá ser
explicado pelas diferenças de qualidades nos objectos de estudo entre as

107 Kuhn (1997:13). Negrito da autora.

167
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Ciências Naturais e as Ciências Sociais, nomeadamente pela complexidade e


a efemeridade dos objectos destas últimas.
Estas qualidades explicam as dificuldades em aferir os resultados de
muitos dos estudos, o que reforça as afirmações de Kuhn, segundo as quais a
opção por um paradigma é, em parte, uma questão de fé, e a mudança
paradigmática é uma questão de conversão.
De entre a ampla variedade de conceitos afins em uso nos textos de
investigação educacional, o conceito kuhniano de “paradigma”, nas duas
acepções explicitadas por Kuhn (1997), já comentadas, afigurou-se, portanto,
como aquele que oferecia condições satisfatórias de explicar a situação
observada nos textos sobre investigação educacional.
Não obstante, o recurso a vocábulos como tradição, perspectiva ou
abordagem, por vezes como praticamente sinónimo de paradigma, é uma
solução frequente nos escritos sobre a matéria e que permite que o estilo da
escrita seja um pouco mais leve e versátil. Por vezes, também, surge o termo
metodologia ou até, método, não exactamente como sinónimos das
expressões acima, mas em sistematizações que, praticamente, lhes conferem
um estatuto equivalente. Esta é a razão pela qual, no presente trabalho, se
usam outras expressões, para além do termo paradigma.

5. TRÊS PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO


Como se pode constatar através da leitura dos diagramas mostrados
no Capítulo seis, não há unanimidade quanto aos paradigmas, abordagens,
métodos em uso na investigação educacional. Contudo, o aprofundamento
dos paradigmas (perspectivas, enfoques, …) que são citados em muitos dos
textos analisados pode enquadrar uma melhor compreensão dos mesmos.
Por isso, independentemente da posição que se assuma face ao
reconhecimento dos paradigmas de investigação educacional, previamente é
necessário estabelecer um entendimento sobre as características principais

168
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

de cada um. Considero aqui três paradigmas de investigação educacional,


com as seguintes designações, ou equivalentes: o paradigma positivista, o
paradigma interpretativo e o paradigma sociocrítico.
A opção por este quadro orientador não é pacífica, pois estou ciente
de que a diversidade de tipologias, de estudos híbridos ou simplesmente
alternativos é tal, que não será difícil pôr em causa a opção por esta
“taxionomia.” Reconheço, para este caso, a controvérsia da aplicação das
regras da exaustividade, exclusão mútua e da homogeneidade, indispensável
para que possamos legitimar as taxionomias. Mas, actualmente, torna-se
difícil abordar o tema da investigação educacional sem abordar também o
tema destes três paradigmas.
As designações “positivista” e “interpretativo” (que não tanto a
designação “sociocrítico”) têm em comum a pretensão de corresponderem a
duas formas de conhecer, mas pressupõem axiomas e métodos distintos.
Em qualquer caso, as referências aos contextos dos desenvolvimentos
de cada paradigma podem ajudar a perceber as razões dos caminhos que a
investigação educacional tomou. Popkewitz (1988) avançou com algumas
explicações, afirmando que a predominância dos paradigmas não é aleatória,
mas antes historicamente situada: por exemplo, a vigência de teorias sociais
enformadas pelo paradigma empírico-analítico justificar-se-ia, também, por
situações de “derrocada” institucional e social que aconteceram nos EUA (a
depressão nos anos 30) e na Europa (I e II guerras mundiais).
Provavelmente, e na impossibilidade de chegar a conclusões de
amplos consensos, o que é preciso é que cada investigador retome a
discussão epistemológica, de forma a poder dar algum contributo, por um
lado, e, por outro lado, de forma a esclarecer os leitores sobre o seu
posicionamento no debate.
Como disse Santos (1996:57-58), “a condição epistemológica da
ciência repercute-se na condição existencial dos cientistas”, donde, a reflexão
e insegurança têm um lugar visível no desenrolar do processo de

169
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

investigação. A prudência necessária para actuar nesta nova condição


afigura-se, assim, como a insegurança assumida e controlada.
Relembrando a estratégia deste trabalho – a análise de textos sobre
investigação educacional – deve ser mencionado que todos estes
apontamentos sobre os paradigmas se mostraram necessários para poder
analisar os textos – e, por isso, os textos sobre investigação educacional são,
ao mesmo tempo, objecto e estratégia.
Entender as principais configurações dos paradigmas constitui um
instrumento não despiciendo na apreciação de como, nos textos normativos,
evoluiu a investigação educacional, como se transformou, como se
reconheceu, quando e como é que cada paradigma atingiu o seu auge, como
coexistiu com outros modos de fazer investigação, que indícios de cada novo
paradigma havia em cada época. Que pressupostos, que preferências
metodológicas, que espécie de problemas, que espécie de conclusões cada
texto privilegiou. Para ver como é cada texto reflecte as características mais
relevantes do seu tempo, ou não; para ver como é que cada texto conservou,
ou rebateu, ou ignorou ou antecipou, ou subverteu as várias tendências.
Pareceu mais aconselhável, no entanto, indicar apenas as linhas
gerais de cada paradigma, admitindo como justos o comentário de Erickson
(1989), segundo o qual os paradigmas não desaparecem, modificam-se,
condizente, aliás, com a afirmação de Popkewitz (1988:86), “os paradigmas
estão submetidos a processos de mudança e a debates contínuos”.
A caracterização dos paradigmas de investigação que se segue tem
especialmente em atenção as designações, apontamentos sobre o
enquadramento teórico, características e sentido de evolução.

170
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

6. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A QUANTIFICAÇÃO


Sem pretensão de exaustividade, verifiquei que a corrente que aqui
se destaca como valorizando a quantificação é designada (nos textos
analisados no Capítulo seis) por (abordagem, paradigma, enfoque, linha,
tradição, programa de investigação, modelo, método,...) “empírico-analítico”,
“positivista” “racionalista”, “científico”, “quantitativo”, “nomotético”,
“confirmativo”, “dominante”, “preditivo”, “de verificação de hipóteses”,
“empirismo lógico”.
Alguns autores atribuem-lhe mesmo, e no mesmo texto, mais do que
uma designação, como é o caso de Husén (1999), que designou esta
abordagem também como “funcional-estrutural”, “objectivo-racional”,
“dirigida a objectivos”, “manipulativa”, “hierárquica” e “técnica”.
A discussão da justeza de cada uma destas designações não cabe
num trabalho do teor do presente, pois aqui apenas cabem reflexões sobre o
uso destas designações em textos de investigação educacional.
Neste tipo de textos, os termos positivista, quantitativo ou empírico-
analítico surgem com frequência assinalável. Não obstante, tanto o termo
positivista quanto quantitativo não deixam de ser designações
explicitamente contestadas.
Assim, Biddle & Anderson (1989) rejeitaram, com justificações,
ambas as designações; Walker & Evers (1999) colocaram muitas reservas ao
uso indiscriminado do termo positivista; Phillips (2000b:157), por seu turno,
advertiu que o termo positivismo tem sido muito abusado, pelo que, “como
um designador literal deixou de ter qualquer função”.
Noutro texto, Phillips criticou o modo descuidado e fantasioso como o
termo positivismo era usado na literatura da investigação educacional
contemporânea e contestou que se identificasse um positivista como alguém

171
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

que “adora o método estatístico e é um opositor dos estudos qualitativos e de


observação” (Phillips, 1999:252).
Contudo, era necessário aderir, mesmo que com reservas, a uma
dada designação. Assim, no presente trabalho serão utilizados com mais
frequência os vocábulos positivista ou quantitativo; pontualmente, e por
razões de estilo de escrita ou quando alguma citação ou referência o
justificar e permitir, será adoptada a designação do autor em questão.

6.1 C ARACTERÍSTICAS E SENTIDO DA EVOLUÇÃO

Segundo Pité (1997), o positivismo é uma corrente filosófica que


admite que o conhecimento só pode ser derivado da experiência sensorial. As
suas repercussões no mundo da ciência tornaram-na na corrente mais
marcante dos séculos XIX e XX.
O positivismo começou a desenvolver-se de forma mais sensível, a
partir, sensivelmente, dos trabalhos de Copérnico, na astronomia (século
XVI), de Galileu, na astronomia e física (século XVII), de Newton, na física e
óptica (século XVII) e de tantos outros cientistas Foi com estes cientistas que
se começou a afirmar uma nova forma de estudar as realidades da natureza
e, posteriormente, já por volta do século XVIII, uma nova forma de estudar
as realidades sociais.
É certo que outras civilizações haviam produzido, em épocas
anteriores, avanços no conhecimento frequentemente tão audazes como
estes na Europa. Por exemplo, na medicina, na China; em biologia, em
África; em geologia, na Índia; na química e na matemática, no Islão. Foi,
porém, na Europa, a partir sensivelmente do século XVI, que se verificou
uma conjuntura tal que propiciou a expansão e consolidação de um espírito
de pesquisa que dispensava o sobrenatural como factor explicativo da
natureza. O conhecimento desenvolveu-se, assim, escapando
frequentemente ao controlo dos poderes religiosos ou políticos.

172
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Não cabe neste trabalho a identificação dos agentes que terão


facilitado a ocorrência desta situação. Porém, não parece descabido admitir
que factores como os contactos com outras culturas facultados pela expansão
marítima de alguns países europeus, bem como a divisão da Europa em
muitos e pequenos países, terão facilitado o desenvolvimento de uma
liberdade pensamento difícil obter noutras regiões do globo de férreas
hegemonias políticas e religiosas e/ou fechadas sobre si próprias.
A possibilidade invulgar de uma liberdade de pensamento permitiu,
então, a formação do espírito positivo, isto é, livre de constrangimentos
relacionados com o sobrenatural. A ciência, esse novo modo de conhecer,
desenvolveu-se assim num ambiente de espírito positivo, identificando-se
mesmo com ele, de tal forma que, em alguns textos sobre ciência, se apelida
de “método científico” o “método positivista”, como que admitindo
implicitamente que científico só é o que for positivista.
De acordo com A. Antunes et al (1995) e com Cohen & Manion
(1990), o termo positivismo, embora fazendo parte do pensamento ocidental
desde os gregos, passou a ocupar um lugar destacado com Comte, filósofo
francês do século XIX. O positivismo insere-se na sua teoria dos três estados,
através da qual explica a evolução da mente e da cultura humanas. Assim,
esta progrediria de um estado teológico para um estado metafísico e deste
para um estado positivo final.
No estado teológico, os comportamentos são explicados recorrendo a
entidades espirituais, sobrenaturais; no estado metafísico, tais entidades
despersonalizam-se e tornam-se princípios mais abstractos, capazes de
serem entendidos pela razão; no estado positivo, os conceitos próprios dos
estados anteriores são dispensados para efeitos de compreender os
comportamentos e são adoptados métodos científicos.
O positivismo desenvolveu-se no estudo de áreas das Ciências
Naturais, primeiro (a partir, fundamentalmente, do século XVII), e no
estudo do ser humano e da sociedade, depois (a partir fundamentalmente do

173
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

século XIX). Nesta época, com as Ciências Naturais já consolidadas e


acreditadas, os estudos das áreas sociais quiseram afirmar-se através de
discursos teóricos semelhantes e partiram do pressuposto de que a realidade
social é semelhante à realidade natural, justificando assim que adoptassem
métodos de estudo em conformidade. O positivismo ofereceu, assim, uma
nova dimensão ao estudo do social, na Europa.
Segundo Casal (1996), Comte também proporcionou os pressupostos
fundamentais (ainda que levemente modificados) para que Durkheim
estabelecesse a sua metodologia de estudo sociológico: o pressuposto da
objectividade – a exterioridade dos factos sociais; o pressuposto da
explicação causal – a causa determinante de um facto social deve ser
procurada entre factos sociais precedentes e não nos estados de consciência
individual; o pressuposto da experimentação – sendo que Durkheim era
consciente das dificuldades deste pressuposto nos estudos sociológicos,
propondo como recurso a experimentação indirecta, uma espécie de método
comparativo, segundo o qual podem ser demonstradas “variações
concomitantes” entre os factos sociais.
Especialmente ao longo dos séculos XIX e XX, a ciência positivista
adquiriu um lugar preponderante nos países geralmente identificados com o
mundo ocidental: definiu-se, caracterizou-se, desenvolveu métodos, treinou
técnicas, identificou campos de actuação e de aplicação, decidiu das áreas
onde não entraria. Enfim, ganhou a pujança que lhe permitiu entrar no
século XX com o estatuto de vencedora perante outras formas conhecer e de
resolução de problemas, ou seja, como sendo capaz de, mais tarde ou mais
cedo, ser o pilar central na evolução da humanidade.
Abbagnano & Visalberghi (s.d.:641) sintetizaram esta situação,
quando escreveram que o positivismo era “o romantismo da ciência .... Com
o positivismo, a ciência exalta-se, coloca-se como única manifestação
legítima do infinito; por isso se carrega de um significado religioso e
pretende suplantar as religiões tradicionais.” Por maiores que fossem os

174
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

problemas, pôde acreditar-se que, num prazo não muito dilatado, os métodos
da ciência positivista conseguiriam resolvê-los.
Este estilo de pensamento tem contribuído para o enorme progresso
de diversos campos da actividade da humanidade: os desenvolvimentos das
tecnologias, os avanços nas ciências, particularmente nas Ciências Naturais.
A ciência positiva ganhou credibilidade porque tem dado respostas a
múltiplas questões das mais diversas áreas: na física, na química, na
biologia, na medicina.
Retomando o Quadro n.º 2, pode dizer-se que o positivismo se situa
nas concepções objectivistas, sendo um método de procura de saber que
admite que se podem descobrir as causas das coisas e, consequentemente,
fazer predições de acontecimentos/ comportamentos futuros com base em
acontecimentos/ comportamentos actuais.
Ou seja, se a realidade social é idêntica à natureza, então pode
produzir-se acerca dela um tipo de conhecimento idêntico. Tal implica, como
explicaram Cohen & Manion,108 que os procedimentos metodológicos da
ciência natural se podem aplicar directamente às ciências sociais. Assim, o
cientista social pode observar a realidade social de modo idêntico ao que
faria se estivesse a observar a natureza.
Outra implicação de se considerar a ciência natural como o
paradigma do conhecimento humano é que o produto final das investigações
do cientista social pode formular-se em termos paralelos aos da ciência
natural, ainda de acordo com Cohen & Manion,109 daí podendo retirar-se leis,
ou generalizações como leis. A ciência positiva admite que consegue obter o
melhor conhecimento possível da realidade natural ou da esfera do humano
e social, embora reconhecendo as suas insuficiências, as quais, e em teoria,

108 Cohen & Manion (1990:36), citando Giddens.


109 Cohen & Manion (1990:36), citando Giddens.

175
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

serão cada vez menos relevantes à medida que o conhecimento científico se


vai acumulando.
Se este paradigma se sustenta numa base filosófica, segundo a qual
o mundo existe e é cognoscível tal qual é, então, papel da ciência social é
produzir leis, teorias universais que regem a conduta e as sociedades
humanas que permitam generalizações e previsões.
O positivismo tem tido vários desenvolvimentos, de que se destacam
os trabalhos do círculo de Viena, com o neopositivismo ou empiricismo
lógico, sob a influência da filosofia analítica. Segundo Husén (1999), para o
neopositivismo, a principal tarefa das Ciências Sociais era encontrar
explicações causais e predizer o futuro através do estudo dos
comportamentos presentes.

6.2 O PÓS-POSITIVISMO

Este conceito é objecto de interpretações antagónicas. Assim, para


Borg & Gall (1989), o termo pós-positivismo tem um sentido oposto ao
exposto em Phillips (2000b).110 Para Phillips, o pós-positivismo é a última
versão do positivismo – positivismo, portanto; para Borg & Gall, o pós-
positivismo refere-se àquelas metodologias da investigação que surgiram
após, e em alternativa, o positivismo, ou seja, as metodologias incluídas no
paradigma qualitativo – não positivismo, portanto.
Outro exemplo de contradição terminológica encontra-se em Best &
Kahn (1993). Para estes autores, pós-positivismo é sinónimo de investigação
qualitativa. Ou seja, também para Best & Kahn, pós-positvismo é oposto do

110 Embora Borg & Gall citem repetidas vezes vários artigos dispersos de Phillips
que foram editados posteriormente em compilação deste autor e que é citada, no
presente trabalho, sob a referência Phillips (2000b).

176
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

que é para Phillips (2000b), porque refere aqueles métodos que surgiram a
seguir ao positivismo, ou seja, os métodos qualitativos.111
No presente trabalho, emprega-se a expressão “pós-positivismo” no
sentido da acepção desenvolvida por Phillips.
Se é certo que, no início do desenvolvimento do método científico, em
amplos círculos parecia que através de abordagens positivistas seria viável
resolver grande parte dos problemas em diversas áreas, algumas das
expectativas mais optimistas foram sendo frustradas à medida que o século
XX avançava e se constatavam alguns efeitos perversos em geral (com
implicações, por exemplo, na área do ambiente, ou nos genocídios culturais
que percorreram de forma acelerada grande parte do século XX), bem como
as fraquezas de alguns resultados nas áreas das Ciências Sociais, em
particular.
Os manuais sobre investigação educacional das últimas duas
décadas tendem a reflectir estas alterações na percepção das virtualidades
dos métodos positivistas.
A este propósito, Cohen & Manion (1990:37) comentaram que o
positivismo teve um sucesso menos evidente no estudo do comportamento
humano do que nas Ciências Naturais, dado que a “imensa complexidade da
natureza humana e a qualidade fugaz e intangível dos fenómenos sociais
contrastam fortemente com a ordem e a regularidade do mundo natural.” A
perspectiva positivista da realidade social e dos consequentes métodos de
estudo apropriados para o seu estudo não monopolizou, por isso, as
interpretações de base científica sobre a realidade social.

111 De resto, esta situação em que o mesmo vocábulo tem significados


completamente opostos não é única no campo da investigação em Ciências
Sociais, como são os casos do conceito de paradigma naturalista em Phillips
(2000b) oposto ao conceito em Guba & Lincoln (1991).

177
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

O desencanto ganhou terreno, de forma mais marcante após a


segunda metade do século XX, e o termo positivismo foi sendo alvo de tantas
e tão variadas críticas que, de acordo com Carr & Kemmis, 112 acabou por
adquirir em alguns círculos conotações de opróbrio ou acabou sendo
despojado de significado preciso.
As críticas ao positivismo consubstanciam-se, geralmente, em duas
linhas. Uma delas exprime-se associada aos paradigmas interpretativo e
crítico e, com frequência, assume contornos mais radicais (especialmente no
paradigma crítico), dado que altera mesmo os pressupostos do positivismo.
A outra linha de crítica ao positivismo, o pós-positvismo, apenas
critica determinados aspectos, propondo sobretudo que se matizem certas
pretensões mais extremas do positivismo.
De entre os pós-positivistas em investigação educacional destacam-
se, entre outros, os trabalhos de Denis Phillips que abordou o tema tendo
como referência de fundo as Ciências Sociais em geral (em Phillips, 1990;
1999; e 2000b) e a investigação educacional em particular (em Phillips,
2000a; e em Phillips & Burbules, 2000).
Este autor argumentou em favor do pós-positivismo, o qual –
sustentou – surgiu depois do positivismo e substitui-o, entrando em linha de
conta com algumas das críticas que o positivismo dos primeiros anos
mereceu, mas sem abandonar os seus pressupostos essenciais.
Em alguns textos, Phillips censurou os críticos do positivismo (em
Phillips, 1985; 2000a; e 2000b). Assim, Phillips assegurou que os “vigilantes
antipositivistas”, que viam positivistas em todo o lado, não tinham nada que
recear da aplicação do método positivista ao estudo do social.
Argumentou que, se era certo que as posições dos positivistas mais
radicais, como os teóricos do positivismo lógico do Círculo de Viena – um de

112 Carr & Kemmis (1986:61), citando Giddens.

178
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

cujos lemas era “se não pode ser visto ou medido, não vale a pena falar dele ”
(Phillips, 2000b:163) – foram atenuadas pela introdução de matizes e de
maior liberdade metodológica do positivismo na sua versão pós-positivista,
também era certo que todos os relativistas em geral, como são os seguidores
da teoria crítica ou da investigação feminista, cujas apreciações sofreram o
grande impulso após a teoria de Kuhn, acabaram por mostrar mais pontos
de acordo com as posições do positivismo lógico do que gostariam de admitir.
Numa obra na qual Phillips é co-autor, Phillips & Burbules (2000),
afirma-se que as semelhanças entre o mundo social e o mundo físico são as
suficientes (pelo menos no nível macro) como para considerar que muitos dos
métodos que são próprios das Ciências Naturais também são os mais
apropriados para investigar as áreas das Ciências Sociais: “Descobrir [as]
regularidades do nível macro e os factores que as influenciam é uma faceta
importante da ciência social e da investigação educacional, e tal pode
assemelhar-se extraordinariamente à investigação nas Ciências Naturais ”
(Phillips & Burbules, 2000:86).
Não havendo motivo, “em princípio, para que a investigação
educacional de nível macro não possa ser naturalista ”, de acordo com
Phillips & Burbules (2000:86), estes autores defenderam que os
investigadores da educação tivessem uma sólida formação em temas como
estatística, designs experimentais ou modelos matemáticos.
Phillips & Burbules (2000:86) consideraram como critério
fundamental para considerar a investigação como científica que ela
responda a “padrões de verdade e de falsidade que sujeitem as hipóteses (de
qualquer tipo) ao teste e assim a potencial não confirmação e a serem
abertas à crítica.”
Estes autores afirmaram que nada há recear da ciência positivista
porque, mesmo que se chegue à conclusão que a resposta encontrada estava
errada, isso, em si, representa um avanço do conhecimento. A posição pós-
positivista seria uma orientação, não uma escola unificada de pensamento e

179
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

o seu maior desafio seria saber como é que o pós-positvismo pode acomodar a
perspectiva social.
Assim, e apesar de Phillips & Burbules (2000) terem criticado
duramente e repetidas vezes os estudos qualitativos, não deixaram de os
aceitar, especialmente numa função de aperfeiçoamento dos estudos
quantitativos.
O pós-positivismo será, então uma versão mais tardia do positivismo,
que abandonou alguma rigidez metodológica, aceitando a colaboração de
certos métodos mais em uso no paradigma qualitativo.
A ciência social positiva distingue-se, assim, por determinadas
características derivadas das suas semelhanças com as Ciências Naturais,
das quais se destacam: a atomização do objecto de estudo; isolamento e
manipulação de variáveis; explicação das relações entre variáveis através de
procedimentos estatísticos; a assunção da neutralidade da observação do
investigador; a oposição entre objectividade e subjectividade, pressupondo
objectos e objectivos de estudo imunes à consciência; a procura de leis ou
generalizações; a oferta de descrições ou explicações de base quantitativa; a
preferência pelo método experimental bem como por inquéritos a grandes ou
médios grupos; produção de um conhecimento de carácter tendencialmente
cumulativo; a separação do investigador do investigado.
Na área da educação, algumas das vantagens do paradigma
positivista podem sintetizar-se em que as análises quantitativas permitem
que se tornem evidentes certos padrões, aumentando assim o conhecimento
sobre as situações analisadas que permita prever e controlar os fenómenos
educativos e a partir do qual se poderão estabelecer estratégias de mais
sólido apoio às políticas e às práticas educativas.
Quanto às principais desvantagens deste paradigma elas resumem-
se, de acordo com Soltis (1992), a que facilmente tende a tratar o ensino, a
aprendizagem e a educação como processos mecânicos e tecnológicos,
evitando encará-los como processos criativos e artísticos.

180
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

6.3 O ESTATUTO DO CONHECIMENTO E O PROTAGONISMO DO INVESTIGADOR:


SUPREMACIA, PODER E DISTANCIAMENTO

A relação entre os investigadores e os investigados no paradigma


positivista é unidireccional, no sentido de que compete àqueles produzirem
conhecimento que possa ser utilizado por ou em benefício destes. No âmbito
educacional, é missão dos investigadores (e se se deixarem de lado as
discussões sobre a distinção entre investigação fundamental e investigação
aplicada) produzirem conhecimento que possa ser utilizado nas várias
plataformas educativas, desde a definição das políticas educacionais até às
práticas nas salas de aulas.
Neste paradigma, a produção do conhecimento científico não exige
interacções pessoais alargadas ou aprofundadas entre investigadores e
investigados, antes tende a dispensá-las, por supérfluas ou, até, distractivas.
Quanto mais distantes forem aquelas relações, mais fácil será conseguir um
distanciamento propiciador da boa aplicação da razão, ou seja, parte-se do
princípio de que o distanciamento é propiciador de que mais facilmente se
alcance a objectividade considerada imprescindível. Se o investigador se
conseguir distanciar do investigado, melhor poderá encontrar as leis e as
teorias explicativas das realidades observadas.
No paradigma positivista, e de um modo geral, cabe aos
investigadores a formulação de teorias para explicar os comportamentos dos
indivíduos e das sociedades. Munidos de teorias de análise e de
determinados instrumentos, e numa posição que a ortodoxia requer que seja
de distanciamento, os investigadores estudam os fenómenos (e os seus
intervenientes), pondo à prova as teorias existentes ou construindo novas
teorias.
Nesta óptica, o estatuto do conhecimento produzido pela ciência é
superior ao estatuto do conhecimento em uso nos contextos (práticas)
investigados; donde, o estatuto do conhecimento do cientista é, de um modo

181
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

geral, considerado superior ao estatuto do conhecimento do indivíduo ou do


grupo integrantes dos fenómenos investigados.
Toda a condução dos actos de pesquisa, em qualquer das suas fases –
definição dos problemas a estudar, tipo de fundamentação teórica a ter em
conta, opção pelo tipo de design, escolha de métodos e técnicas,
responsabilização pelas conclusões, uso (pelo menos, inicial) das conclusões –
é da responsabilidade do investigador, cabendo aos investigados (e tendo o
investigador o dever de ter em conta os fundamentos e as regras de ordem
ética descritas em diversos textos – cf., entre outros, Fox, 1981; Dooley,
1995; Almeida & Freire, 1997; Costa, 2000), apenas, a decisão sobre a
aceitação da colaboração que lhe for requerida.
Por outro lado, nos estudos inseridos no paradigma positivista, a
relação investigador/ investigado tende a ser uma relação assimétrica, no
sentido em que os ganhos do investigador são, de um modo geral, bastante
superiores aos ganhos do investigado. Este, pouco mais ganha do que a
satisfação de ter participado num projecto de investigação; o investigador,
por seu lado, tem a satisfação de realizar o projecto, publica, consegue graus
académicos e alcança, eventualmente notoriedade.
Neste sentido, neste paradigma, o investigador (ou os investigadores)
não tem porque partilhar as decisões sobre os projectos que conduz e é,
claramente, o verdadeiro protagonista dos projectos de pesquisa, a partir de
uma posição de distanciamento, num estatuto de superioridade de saber e
numa relação de controlo/ poder sobre o desenvolvimento da pesquisa.

182
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

7. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A INTERPRETAÇÃO


À medida que, com o avançar do século XX, o ideário positivista
deixava de reunir um consenso tão alargado (pelo menos aparente) no
estudo do social, ganhavam visibilidade outros modos de fazer ciência, até
então afastados da ribalta. Afastados da ribalta porque, embora deles antes
se encontrem manifestações, tal aconteceu, porém, em configurações
diversificadas, mas não sequentes e sem os apoios políticos e institucionais
generalizados obtidos pelas formulações de perspectiva positivista.
É comum enquadrar o paradigma interpretativo no padrão
metodológico da compreensão, por oposição ao paradigma positivista,
enquadrado no padrão metodológico da explicação (donde a insistência na
procura das causas) (Casal, 1996).
Esta clivagem entre padrões metodológicos de procura do saber,
embora com raízes muito anteriores, foi difundida por Dilthey, em 1882,
quando estabeleceu a distinção entre “Verstehen” (explicar) versus
“Erklären” (compreender). Segundo Paszkiewitz (1997:213),

“Foi por Dilthey amplamente difundida a distinção entre uma


epistemologia da explicação, própria das ciências da natureza que
buscam as causas, e uma epistemologia da compreensão que, ao
contrário, se apoia no aspecto individual e específico da relação entre
um sujeito e um objecto, cuja existência é interdependente e se
afirma numa mutualidade existencial, portanto única para cada
situação concreta.”

Esta perspectiva teve repercussões, não só nas Ciências Sociais em


geral, mas também na investigação educacional. De facto, aquela
conceptualização proposta por Dilthey é das mais aludidas em textos do
âmbito da investigação educacional, quando se trata de fundamentar
teoricamente as origens filosóficas do paradigma interpretativo (com esta ou
outras designações) e é frequentemente apontada como estando na origem

183
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

de diferentes teorizações e práticas do mesmo (Cf. Claparède, 1927/1905; De


Landsheere, 1999:19; Erben, 1996:162; Erickson, 1989; Husén, 1999:33,
entre outros autores).

7.1 D ESIGNAÇÕES E CARACTERÍSTICAS

Tal como se verificou aquando da caracterização do paradigma


positivista, também a designação deste paradigma não é consensual. Boa
parte dos autores consultados revelam algumas hesitações quanto à
expressão que preferem e, nem sempre, parecem muito seguras as opções
que cada autor toma, deixando a suspeita de que, em outra ocasião, outra
opção poderia ter sido escolhida.
Tesch (1990:3), por exemplo, e sobre o tipo de dados em que se apoia
este paradigma alternativo, achou que seria mais apropriado dizer que são
"dados textuais", em vez de "dados qualitativos", donde seriam mais
apropriadas as designações investigação "descritiva" ou "interpretativa/
crítica" do que a designação "qualitativa".
Contudo, Tesch (1990:3) acabou por adoptar a designação
“qualitativo”, com base na divulgação generalizada do termo e porque,
admitiu que,“uma vez que um termo se implantou numa comunidade, tentar
mudá-lo é quase tão frutífero como desensinar um papagaio.”
Para além desta justificação de Tesch, pode haver outra razão para a
adopção do termo “qualitativo”. Uma delas é que as quantificações na
recolha e na análise dos dados são posteriormente interpretadas para
revelar as suas relações intrínsecas e que são qualitativas.
Tesch (1992:58) anotou, também, que, não só é notável a variedade
de tipos de estudos qualitativos, como também é notável a variedade dos
rótulos (“labels”) que os designam. Entre outros: “investigação-acção”,
“estudo de caso”, “investigação clínica”, “investigação descritiva”, “etnografia
educacional”, “etnometodologia”, “hermenêutica”, “investigação heurística”,

184
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

“etnografia holística”, “história de vida”, “história oral”, “investigação


participativa”, “interaccionismo interpretativo”, “fenomenologia”, “avaliação
qualitativa”, “interaccionismo simbólico”, “investigação transformativa”,
“análise de conteúdo etnográfico”.
A estes rótulos podemos acrescentar as qualificações referidas por
alguns dos autores analisados em próximos capítulos: a abordagem/
paradigma “humanista”, “consensual”, “subjectivo”, “colegial”, “dialéctico”,
“neo-marxista”, de Husén (1999:36-38); a “perspectiva de exploração” ou de
“descoberta”, de Bidlle & Anderson (1989); o paradigma “construtivista” de
Mateo Andrés (2000); os “estilos” de Bell (2004).
Tesch (1990) fez também a tentativa de organizar esta diversidade
de acordo com os interesses principais da investigação qualitativa, ou seja,
consoante os estudos estão mais interessados:

 nas características da linguagem;

 na descoberta de regularidades;

 na compreensão do sentido do texto/acção;

 na reflexão.

Contudo, Tesch (1990) deixou bem vincado que a sistematização que


apresentou sobre a organização das variantes dos estudos qualitativos é tão
só uma tentativa de representar o que se faz no âmbito da investigação
qualitativa em educação, no acto “iluminando” e “distorcendo”, do mesmo
modo que, explicou Tesch, as cores da palete de um pintor iluminam e
distorcem o que pretendem significar, e sendo que tem idêntica validade
qualquer um destes dois modos de representar a panóplia de estudos
qualitativos.
Para além da quantidade de variações dos estudos qualitativos,
Tesch fez notar que, não só algumas delas se sobrepõem parcialmente ou são

185
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

sinónimos, como também os termos que as designam estão em diferentes


níveis conceptuais. Por exemplo, enquanto as expressões "observação
participante" ou "história oral" têm a ver com o tipo de dados ou com o
método usado, as expressões "clínico" ou "interpretativo" têm a ver com as
perspectivas de investigação.
Neste contexto, Tesch (1990:43) reconheceu que “a natureza da
investigação naturalista é difícil de descrever”, com isto justificando a
dificuldade em encontrar uma definição satisfatória para este paradigma.
Erickson (1989) também reconheceu a variedade e confusão que
rodeava a caracterização, e consequente vacilação nas designações, desta
perspectiva de investigação, mas tomou a decisão oposta à de Tesch, optando
pela designação “interpretativo”, indicando com três razões:

“a) é mais inclusivo que muitos dos outros (por exemplo, etnografia
ou estudo de casos);
b) evita a conotação de definir estes enfoques como essencialmente
não quantitativos (conotação que, sim, transporta o termo
qualitativo), dado que certo tipo de quantificação costuma usar-se no
trabalho; e
c) regista o aspecto clave da semelhança familiar entre os distintos
enfoques: o interesse da investigação centra-se no significado
humano, na vida social e na sua dilucidação e exposição por parte do
investigador.” (Erickson, 1989:196)

É tomando estas razões de Erickson que prefiro o termo


interpretativo a todos os outros, embora, como já tem vindo a ser repetido,
faça uso, também, dos restantes.
Retomando o Quadro n.º 2, sobre concepções da realidade social, as
concepções subjectivistas estão na origem do paradigma interpretativo,
habitualmente considerado uma alternativa ao positivista. De acordo com
aquelas perspectivas da realidade social, o papel da ciência social não é
tanto descobrir leis universais da conduta humana, é, antes, descobrir como
as pessoas interpretam, ou interpretam e agem, de modos diferentes sobre o
mundo que os rodeia. Cada situação é irrepetível, daí as dificuldades em

186
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

produzir asserções generalizáveis. Não está posta de lado a possibilidade de


produzir teoria generalizável, mas essa não é a principal finalidade dos
estudos neste paradigma.
No paradigma interpretativo reconhece-se que o mundo existe, mas o
mundo social é socialmente construído e pessoas diferentes explicam-no de
modos diferentes. O papel da ciência social é descobrir como as pessoas
interpretam de modo diferente o mundo em que vivem.

7.2 U MA VIA ALTERNATIVA E MULTIFACETADA

O paradigma interpretativo é frequentemente descrito em


comparação com e, em alternativa, ao paradigma positivista. De acordo com
Glesne & Peshkin (1992:6),

“ao contrário da pesquisa quantitativa, com os seus objectivos


previamente especificados, a pesquisa qualitativa é evolutiva, com a
definição do problema, o design, as questões de entrevista e as
interpretações a desenvolverem-se e a mudarem ao longo do
percurso.”

Estes autores apresentaram um quadro comparativo, cuja tradução


se reproduz a seguir, entre os dois modos de investigar, esclarecendo que as
divergências apontadas não são rígidas, mas indicam apenas predisposições
próprias de cada tipo de pesquisa.

187
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Quadro n.º 3 – “Predisposições dos modos de pesquisa quantitativo e


qualitativo”

(Fonte: Glesne & Peshkin, 1992:7).

Modo quantitativo Modo qualitativo


PRESSUPOSTOS
Os factos sociais têm uma realidade A realidade é construída socialmente
objectiva Primazia do conteúdo
Primazia do método As variáveis são complexas,
As variáveis podem ser identificadas interligadas e difíceis de medir
e as relações medidas Emic (ponto de vista de alguém do
Etic (ponto de vista de alguém do interior).
exterior)
FINALIDADE
Generalização Contextualização
Predição Interpretação
Explicações causais Compreensão das perspectivas dos
actores (dos investigados)
ABORDAGEM
Termina com hipóteses e com teorias
contextualizadas (“grounded
Começa com hipóteses e com teorias
theory”)
Emergência e representação
MANIPULAÇÃO E CONTROLE
Usa instrumentos formais O investigador como instrumento
Experimentação Naturalista
Dedutivo Indutivo
Análise de componentes Procura padrões
Procura o consenso, a norma Procura o pluralismo, a
Reduz os dados a índices numéricos complexidade
Linguagem abstracta Usa índices numéricos com
parcimónia
Linguagem descritiva
PAPEL DO INVESTIGADOR
Distanciamento e imparcialidade Envolvimento pessoal e parcialidade
Descrição objectiva Compreensão empática

188
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Glesne & Peshkin (1992) acrescentaram que os investigadores


qualitativos, fundamentalmente, evitam simplificar os fenómenos sociais.
Imergindo nos contextos a observar, e socorrendo-se de múltiplas técnicas de
recolha de dados, esperam captar um pouco mais da complexidade inerente
às situações. A forma criativa como os investigadores descrevem os seus
achados também é, ela própria, uma forma de tornar os fenómenos
investigados mais acessíveis.
Apesar de ser frequentemente descrito em comparação, e como
alternativa, ao paradigma positivista (quantitativo, …), o paradigma
interpretativo também é descrito como não menos rigoroso, embora mais
flexível (cf. Mason, 1996). Esta característica conduz a que o investigador
seja uma espécie de “bricoleur” pois, ao deixar de focalizar a sua atenção nas
técnicas quantitativas, estará aberto a compreender as epistemologias
alternativas e a recorrer a multiplicidade de métodos (cf. Denzin & Lincoln,
1998b; Miles & Huberman, 1994).
Porque procura, mais do que realidades existentes, os significados
atribuídos pelos actores, o paradigma interpretativo tende a privilegiar
metodologias que permitam a análise das linguagens e dos significados.
Guba e Lincoln estabeleceram os axiomas de que parte o que
denominam de paradigma naturalista:113

113 Guba & Lincoln (1991:3338) referem-se ao que chamam de paradigma


naturalista, dizendo expressamente que é erróneo apelidar de qualitativo o
paradigma naturalista, já que, o que distingue ambos os paradigmas não são os
métodos ou o formato, mas sim os axiomas em que se baseiam e as posturas que
adoptam. Contudo, em obras posteriores co-editadas por Lincoln (Denzin &
Lincoln, 1998a e Denzin & Lincoln, 1988b), os termos adoptados na
caracterização dos paradigmas de investigação em Ciências Sociais são,
claramente, qualitativo e positivista. Esta constatação, associada a que o termo
qualitativo se tem vulgarizado muito mais, e a que as características apontadas
por Guba & Lincoln (1991) são aplicáveis ao conceito de qualitativo, justificam
que se passe por cima da anterior advertência de Guba & Lincoln e se usem as
(...)

189
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

 a existência de realidades múltiplas, na sua maioria construções


da mente das pessoas;

 o reflexo nas investigações da reciprocidade de interacções entre


o investigador e o investigado;

 a influência dos contextos e sua repercussão nas possibilidades


de generalização, logo, de elaboração de leis;

 a inutilidade da procura de relações causais;

 a interferência dos valores nos processos de pesquisa.

Com base nestes axiomas, Guba & Lincoln (1991:3339) sintetizaram


os principais aspectos distintivos deste paradigma:

 preferência por métodos qualitativos;

 a teoria é mais eficaz quando surge dos dados do que quando é


estabelecida a priori;

 admite o papel do conhecimento tácito – intuições, percepções e


discernimentos;

 prefere desenhar o projecto à medida que ele avança;

características que eles indicaram para o paradigma naturalista na


caracterização do chamado paradigma qualitativo ou interpretativo.
Por outro lado, também a própria expressão “naturalistic inquiry” evoluiu nas
obras destes autores, começando por ser uma abordagem, depois um método e só
depois um paradigma, conforme é descrito em Tesch (1990:43).
O termo naturalista também se presta a confusões, pois Phillips usou-o, em alguns
dos seus textos, para designar algo de oposto.

190
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

 prefere os contextos naturais porque só neles se pode perceber o


que sucede.

Por seu turno, Bogdan & Biklen (1994) afirmaram que a


investigação qualitativa em educação engloba todo o conjunto de estratégias
qualitativas e é caracterizada por:

 a fonte directa de dados ser o ambiente natural, constituindo o


investigador o instrumento principal;

 ser descritiva;

 os investigadores se interessarem mais pelo processo do que


simplesmente pelos resultados ou produtos;

 os investigadores qualitativos tenderem a analisar os dados de


forma indutiva;

 atribuir muita importância à procura do significado, ou seja, os


investigadores qualitativos interessam-se pelo modo como diferentes
pessoas dão sentido às suas vidas.114

Bogdan & Biklen definiram e caracterizaram a investigação


qualitativa de forma idêntica em edições diferentes da mesma obra.115
Contudo, na obra mais recente, incluíram na categoria investigação
qualitativa determinados tipos de investigação que outros autores incluem,
com frequência, no paradigma crítico.
Assim, Bogdan & Biklen apontaram como exemplos dos mais
recentes desenvolvimentos da investigação qualitativa, os estudos

114 Bogdan & Biklen (1994:47-51); Bogdan & Biklen (1982:27-30).


115 Cf. Bogdan & Biklen (1994) com Bogdan & Biklen (1982).

191
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

conduzidos em perspectivas feministas e os estudos que se situam na


posição intelectual pós-moderna, incluindo os estudos que “enfatizam a
interpretação e a escrita como características centrais da investigação”
(Bogdan & Biklen, 1994:46).
Situações como esta conduzem a que se constate, não só uma notável
variação dos aspectos caracterizadores dos paradigmas derivados da
concepção subjectivista, como também notável variação quanto à
consideração da própria existência de um ou mais paradigmas (como se pode
constatar na leitura dos diagramas, no Capítulo seis).
Uma das vantagens deste paradigma de investigação, com
frequência apontada, é que o investigador, ao ganhar a confiança dos
investigados, pode, em princípio, melhor aceder às suas interpretações.
Contudo, o investigador pode ficar demasiado implicado e abandonar
os mínimos de rigor e objectividade imprescindíveis para que o seu trabalho
seja legitimado pelos contextos do mundo da ciência.
Torna-se particularmente crítica a questão da dimensão das
populações estudadas. É preciso, também, prestar atenção às dificuldades
em sintetizar os dados, derivadas não apenas da sua complexidade, mas do
tempo necessário para levar a bom termo todos os procedimentos.

7.3 O ESTATUTO DO CONHECIMENTO E O PROTAGONISMO DO INVESTIGADOR:


SUPREMACIA, PODER E PROXIMIDADE

Como foi referido atrás, nos estudos enquadrados no paradigma


interpretativo, o papel da ciência social é, menos, descobrir leis universais
da conduta humana, preferindo procurar descobrir os diversos modos como
as pessoas interpretam, ou como interpretam e agem, sobre o mundo que as
rodeia.
O investigador quer conhecer os fenómenos, não tanto pelo que eles
possam, estaticamente, ser (já que tal é considerado quase inalcançável, pois

192
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

os fenómenos sociais são imensamente complexos e não são estáticos), mas


quer conhecer as perspectivas dos sujeitos nos fenómenos implicados.
Por isso, o investigador escolhe estratégias que lhe permitam
entender o pensamento do investigado “por dentro”. Há uma tentativa de
deslocação do lugar do investigador para “dentro” do investigado. Por isso,
os métodos e as técnicas preferidos são aqueles que colocam o investigador
numa relação de proximidade com os investigados (observação participante,
entrevistas semi-directivas ou não directivas, …).
Todavia, há alguma ambiguidade quanto ao estatuto do
conhecimento no seio deste paradigma. De certa forma, pode dizer-se que,
mesmo quando o investigador utiliza todos os recursos para se colocar o
mais possível próximo e na perspectiva do investigado, ou mesmo quando o
investigador tem em conta as perspectivas dos sujeitos nas eventuais
mudanças no desenho da pesquisa (possivelmente, também, motivadas por
influência do investigado), é o investigador quem comanda as decisões sobre
essas mudanças, sobre a produção final dos resultados e sobre o que fazer
com eles.
A ser assim, o estatuto do conhecimento, embora com alguns
matizes, não é substancialmente diferente do paradigma positivista, pois o
investigador continua a ter a supremacia do conhecimento produzido, face
ao tipo de conhecimento em uso na maioria dos contextos estudados.
Aparentemente, o recurso a técnicas de observação atenta das perspectivas
dos investigados, bem como a aceitação, “ab initio”, de que o projecto se
possa ir desenhando à medida que decorre, pode fazer supor que existe
alteração substancial no estatuto do conhecimento neste paradigma.
Contudo, tal pode não passar de uma ilusão, pois é o investigador
quem decide o que fazer, como fazer e o que fazer com os resultados.
A relação entre o investigador e o investigado continua a ser
assimétrica, como no paradigma positivista, embora possa ser matizada,

193
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

eventualmente, através do recurso a determinadas estratégias, como a


observação participante ou a entrevistas semi- ou não estruturadas.
Neste sentido, o paradigma interpretativo não difere
substancialmente do paradigma positivista, pois ambos procuram,
fundamentalmente, conhecer, sendo que se supõe que o seu conhecimento
tem um cariz de supremacia face a outros tipos de conhecimento.
Apesar disso, justifica-se que se continue a falar de dois paradigmas,
e não apenas de um, porque cada um deles parte de concepções do mundo
social diferentes e tende a recorrer extensivamente a métodos diferentes
(que não totalmente, pois o paradigma interpretativo recorre também a
análises quantitativas e a postura positivista (ou pós-positivista, na já atrás
referida formulação de Phillips) aceita também o recurso a estudos ou
métodos interpretativos).
Portanto, a situação do investigador, neste paradigma, tende a ser de
proximidade, mas o estatuto do conhecimento continua a ser de supremacia
e poder.

194
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

8. UM PARADIGMA QUE VALORIZA A MUDANÇA

8.1 U M PARADIGMA DE DELIMITAÇÃO RECENTE E IRREGULAR

A consideração de que este seja um paradigma de investigação


científica está longe de ser consensual. As delimitações deste paradigma são
volúveis, pois, certas metodologias, que são frequentemente conotadas com o
paradigma crítico, também surgem, por vezes, conotadas com o paradigma
interpretativo, ou surgem em posição isolada.
Se alguns autores o reconhecem, outros não o consideram de todo e
outros ainda consideram, explícita ou implicitamente, que a abordagem
crítica faz parte da abordagem qualitativa (cf. Tesch, 1990).
É designado por paradigma (perspectiva, abordagem …) “crítico”;
“sociocrítico”, “tradição da teoria crítica”, “métodos orientadas para a
prática”, “investigação orientada para a decisão e mudança”, “teoria do
116
conflito”, “neomarxismo”,…
Segundo Arnal et al (1992), o paradigma crítico surgiu como resposta
às críticas suscitadas pelas tradições positivista e interpretativa e pretende
“superar o reducionismo da primeira e o conservadorismo da segunda,
admitindo a possibilidade de uma ciência social que não seja nem
puramente empírica nem somente interpretativa .”117
Rejeitando o pressuposto da imparcialidade do investigador, neste
paradigma aceita-se que a investigação não se deve limitar a tentar explicar
ou interpretar os fenómenos sociais, antes deve ser crítica das práticas
sociais e, também, deve participar de forma activa na sua transformação.

116 B. S. Santos (1999) referiu-se, também, a uma versão da “teoria crítica pós-
moderna”.
117 Arnal et al (1992:41), citando Foster, em 1980.

195
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

De acordo com Popkewitz (1988), os trabalhos do âmbito do


paradigma crítico pretendem ser uma forma de resolver a dicotomia teoria/
prática, encarando a realidade como “praxis”, ligando teoria, prática, acção,
conhecimento e valores e outorgando ao conhecimento a capacidade de
contribuir para a emancipação do ser humano. O objectivo da ciência crítica
não é

“apenas descrever e interpretar a dinâmica da sociedade, mas


considerar como podem modificar-se os seus processos constitutivos.
[…] Concebe-se o mundo social como algo em movimento, complexo,
contraditório e caracterizado pelo papel activo do ser humano.”
(Popkewitz, 1988:80)

As raízes deste posicionamento encontram-se nas tradições


intelectuais norte-americanas, já desde as primeiras décadas do século XX.
Porém, os sinais da afirmação deste paradigma somente se estruturaram e
fortaleceram a partir das polémicas geradas pela guerra do Vietname, da
constatação da não eliminação das desigualdades sociais e, principalmente,
a partir da década de 80 (Popkewitz, 1988), após a incorporação das
perspectivas de diversas correntes filosóficas (marxistas e críticas ou
tendências próximas do pós-estruturalismo).
Segundo McLaren & Giarelli (1995b:2),

“a teoria crítica, no seu âmago, é um esforço de associar a


investigação empírica, a interpretação e uma crítica desta realidade
[…]. Que espécie de conhecimento serve melhor a emancipação
humana? […] de modo diferente do positivismo e do
interpretativismo, as principais abordagens quantitativa e
qualitativas, a teoria crítica coloca este problema no centro da
pesquisa.”

Retomando o Quadro n.º 2, o paradigma crítico integra-se numa


concepção subjectivista da realidade social. Independentemente das
concepções do investigador sobre a realidade social – atribuindo-lhe maior
menor ou escassa semelhança com as Ciências Naturais – de alguma forma,

196
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

ele destaca a impossibilidade, ou as grandes dificuldades, em a estudar com


base unicamente no paradigma positivista.
Perante esta situação, e na área da educação, o cientista não apenas
pretende recolher dados quantitativos sobre a realidade educativa (que
submete a interpretação); nem pretende apenas descobrir de que modos as
pessoas interpretam a realidade; o investigador também apoia aqueles que
tentam investigar as suas próprias realidades com a finalidade de promover
a mudança social e acaba por ser, por vezes, um instrumento valioso na
compreensão e resolução de conflitos.
Por tudo, isto, reveste-se de alguma dificuldade a tentativa de
identificar claramente os trabalhos que pertencem ou não pertencem a este
paradigma, bem como as respectivas características distintivas.
Os autores da teoria crítica não costumam ser proclives a
apresentarem quadros comparativos dos principais paradigmas de
investigação. O manual de Arnal et al (1992) sintetiza da seguinte forma as
principais características deste, e dos restantes, paradigmas de
investigação.

197
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Quadro n.º 4 – “Síntese das características dos paradigmas de


investigação”
(Fonte Arnal et al , 1992:43).

Positivista Interpretativo
Paradigma
(racionalista, (naturalista, Sociocrítico
/dimensão
quantitativo) qualitativo)
Fenomenologia.
Positivismo lógico.
Fundamentos Teoria Teoria crítica
Empirismo
interpretativa
Objectiva, Dinâmica, Compartilhada,
estática, única, múltipla, histórica,
Natureza da
dada, holística, construída,
realidade
fragmentável, construída, dinâmica,
convergente divergente divergente
Compreender e Identificar
Explicar, predizer,
interpretar a potencial de
controlar os
realidade, os mudança,
Finalidade da fenómenos,
significados das emancipar
investigação verificar teorias.
pessoas, sujeitos.
Leis para regular
percepções, Analisar a
os fenómenos
intenções, acções realidade
Independência.
Neutralidade. Não Relação
Dependência.
Relação se afectam. influenciada pelo
Implicação do
sujeito/ Investigador compromisso. O
investigador.
objecto externo. Sujeito investigador é um
Inter-relação
como “objecto” de sujeito mais
investigação
Neutros.
Investigador não
influenciado por Explícitos. Partilhados.
Valores valores. Influenciam a Ideologia
O método é investigação. partilhada
garantia de
objectividade
Dissociadas,
constituem Indissociáveis.
Relacionadas.
Teoria/ entidades Relação dialéctica.
Retro alimentação
Prática distintas. A A prática é teoria
mútua
teoria, norma em acção
para a prática

198
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Positivista Interpretativo
Paradigma
(racionalista, (naturalista, Sociocrítico
/dimensão
quantitativo) qualitativo)
Inter
Validez, Credibilidade,
Critérios de subjectividade,
fiabilidade, confirmação,
qualidade validez
objectividade transferibilidade
consensuada
Qualitativos,
Quantitativos.
descritivos. O
Medição de testes,
Técnicas: investigador é o Estudo de casos.
questionários,
instrumentos, principal Técnicas
observação
estratégias instrumento. dialécticas118
sistemática.
Perspectivas
Experimentação
participantes
Quantitativo:
Qualitativo:
Análise de estatística Inter subjectivo.
indução analítica,
dados descritiva e Dialéctico
triangulação
inferencial

8.2 A INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO COMO PRINCIPAL EXPRESSÃO METODOLÓGICA DO


PARADIGMA CRÍTICO

Particularmente em educação, os textos tendem a citar como


estratégias que são próprias deste paradigma, o estudo de caso, as técnicas
dialécticas, a investigação-acção. Esta última é vista, frequentemente, como
a metodologia através da qual o paradigma crítico melhor se exprime.
Nomeadamente, Carr & Kemmis (1986) consideraram que a investigação-
acção é a expressão metodológica da perspectiva crítica sobre a teoria e a
prática educativas.
Desenvolvem-se aqui, por isso, algumas considerações sobre a
investigação-acção, embora seja certo que, e como observou P. Holly
(1991:139), a história da investigação-acção revela uma contínua mudança

118
Supõe-se que a investigação-acção também deveria estar explicitamente incluída
nesta categoria.

199
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

de paradigmas. Mas também é certo que este é um tipo de estudos


associado, com muita frequência, ao desenvolvimento do paradigma crítico,
nomeadamente a partir do ressurgimento da investigação-acção, por volta
das décadas de 70/80. Ou seja, falar do paradigma crítico é, muitas vezes,
falar de investigação-acção; falar de investigação-acção é, pelo menos nas
suas manifestações das últimas décadas, quase sempre abordar o paradigma
crítico.
No que diz respeito às designações e às definições da investigação-
acção, uma expressão frequentemente aplicada é diversidade, que começa
logo na multiplicidade de acepções com que é nomeada, dependendo dos
autores, das práticas, do contexto social ou do idioma. A obra de M. I. Silva
(1996:19-20) inclui uma resenha desses termos, que vão desde “sef-reflective
inquiry” até “pesquisa participativa”, “recherche coopérative”, “acção-
formação”, “investigação-formação”, “investigação participativa,” entre
outras designações. Não serão para aqui chamadas as diferenças entre as
várias designações, quase sempre subtis e pouco relevantes para o que aqui
interessa, pelo que adopto o termo genérico “investigação-acção”.
A investigação-acção é definida, por Halsey, como “uma intervenção
em pequena escala no funcionamento do mundo real e uma avaliação
próxima dos efeitos de tal intervenção.”119
Kemmis e McTaggart (1988:5), por seu turno, definiram-na como

“uma forma de investigação auto-reflexiva, conduzida por


participantes em situações sociais, de modo a melhorar a
racionalidade e a justeza das suas próprias práticas sociais ou
educativas, bem como a sua compreensão dessas práticas sociais e
das situações nas quais as práticas ocorrem.”

119 Halsey, cit. por Cohen e Manion (1990:272).

200
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Nos últimos anos, verifica-se que o recurso às metodologias de


investigação-acção, embora não isento da preocupação com a produção de
teorias educacionais e com o alargamento das possibilidades de
generalização, ocorre quando se pretende, fundamentalmente, contribuir
para facilitar certas mudanças tidas como necessárias numa determinada
situação social.

8.3 E VOLUÇÃO E TIPOS DE INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

Os projectos de investigação-acção experimentam configurações


muito diversas, como que reflectindo a imensa variedade de situações sociais
ou educativas ou, até, de formação de base dos condutores dos projectos,
como pode apreciar-se em descrições de tipologias, modelos ou projectos de
investigação-acção em Hopkins (1989), M. I. Silva (1996), Goyette &
Lèssard-Herbert (1988) ou em McKernan (1997).
McKernan (1997:31) descreveu os principais conceitos-chave, traços
e princípios da evolução da investigação-acção, tendo identificado três tipos
de investigação-acção:

 a tradição de investigação-acção do tipo 1, “a perspectiva técnico-


científica de resolução de problemas,” associada aos trabalhos de
Dewey, Corey, Lewin, Taba, entre outros;

 a tradição de investigação-acção do tipo 2, “a investigação-acção


prático-deliberativa,” associada aos trabalhos de Stenhouse, Elliott,
Adelman, Skilbeck e Ebbutt, entre outros, com fortes influências do
trabalho de D. Schön e do seu conceito de prático reflexivo;

 a tradição de investigação-acção do tipo 3, que pode ser chamada


de “a investigação-acção educacional crítico-emancipatória,”
associada aos trabalhos de Carr, Kemmis, McTaggart, Paulo Freire,
influenciada pelos filósofos da teoria crítica da Escola de Frankfurt e

201
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

que, conservando as características básicas dos tipos 1 e 2,


acrescenta à investigação-acção a finalidade de contribuir para a
emancipação daqueles que participam nos projectos.

Na maior parte dos textos que abordam a investigação educacional, o


autor que recolhe unanimidade quanto ao seu papel fundador e,
principalmente, estruturador da investigação-acção é Kurt Lewin, nos anos
após a segunda guerra, nos EUA (A. Esteves, 1986:265; Goyette & Lessard-
Hébert, 1988:17; Kemmis & McTaggart, 1988:6; M. I. Silva, 1996:21).
Para McKernan (1997:9), “o contributo de Lewin é importante
porque, embora ele não tenha sido o primeiro a usar e a escrever acerca da
investigação-acção, ele construiu uma teoria elaborada e fez com que ela
fosse uma forma de investigação “respeitável” para os cientistas sociais.”
Lewin apresentou a investigação-acção como uma espécie de
pesquisa experimental que desenvolveu em contextos diversificados, desde
grupos sociais vivendo problemas específicos, até problemáticas propostas
por instituições militares. Lewin defendia que os problemas sociais
deveriam ser o “locus” da investigação em ciências sociais e desvalorizava a
investigação que não produzisse nada mais que livros; de acordo com Arnal
et al, (1992:246) é célebre a sua frase: “não queremos acção sem
investigação, nem investigação sem acção.”
Terá sido S. Corey, na obra “Action research to improve school
practices”, quem transpôs o “modo” de fazer da investigação-acção para o
campo da educação, em 1953 (Goyette & Lessard-Hébert; 1988; Kemmis,
1988; Kincheloe, 1991). Ainda nos anos 50, salientam-se também os
trabalhos de investigação-acção em educação de H. Taba e E. Noel, em 1957,
e de Shumsky, em 1958 (Arnal et al ,1992).
Um forte indício de que, em meados do século XX, a investigação-
acção era considerada, em muitos círculos, uma metodologia relevante, é o
facto de ela figurar como subtítulo numa entrada, “Ciência da educação”,

202
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

assinada por B. O. Smith (1956), na “Encyclopedia of educational research”,


editada por W. Monroe (1956/1950).
Como se disse acima, durante esta fase da evolução da investigação-
acção, os projectos na área da educação decorriam na perspectiva técnico-
científica de resolução de problemas que caracterizava a investigação
educacional naquela época e seguindo, basicamente, o modelo desenvolvido
por Lewin.
De acordo com este modelo, o processo de investigação-acção decorre
em espiral, e nos passos seguintes: identificação de uma ideia geral ou de
um problema; recolha de dados onde basear uma planificação geral;
execução da primeira fase da acção, seguida de avaliação; implementação
das fases seguintes, sempre seguidas de avaliação; revisão do plano geral,
sempre que necessário. A partir daqui, passa a desenvolver-se a segunda
fase da acção e respectiva implementação, também seguida de avaliação,
num processo que deve ser sempre acompanhado de reflexão e discussão por
parte de todos os intervenientes.
De qualquer forma, levar a cabo projectos de investigação-acção nas
escolas implicava alargar o papel dos cooperantes nos projectos, conforme foi
observado por B. O. Smith (1956:1151): “Os professores, os alunos e
membros da comunidade devem ter um papel inteligente no planeamento e
realização de tais estudos.”
Nomeadamente, é de supor, os professores, aqueles que tendiam a
ser mais solicitados para a realização de projectos de investigação-acção,
teriam que ter uma participação qualitativamente distinta daquela que lhes
era habitualmente reservada em estudos de âmbito mais tradicional.
Após esta etapa (aproximadamente até finais dos anos 50), em que
suscitou algum entusiasmo, a investigação-acção começou a sofrer um
declínio, sendo, então, alvo de fortes críticas. Uma delas, vinda de Clifford
(1973), que justificou então o colapso da investigação-acção pela sua própria

203
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

trivialidade. Também Kerlinger criticou fortemente a investigação-acção


apelidando-a de “bizarro contra-senso e guruismo.”120
Por outro lado, outros autores, como Kincheloe (1991), explicaram
esse declínio com a amplitude da aceitação do princípio da separação entre a
ciência e a prática, com a consequente confiança no desempenho dos
“experts”, justificando a insistência em que a elaboração do currículo, bem
como a sua execução nas escolas, fossem determinados de cima para baixo.
Este princípio ganhou relevância num contexto de afirmação da
investigação de orientação positivista, a partir do qual as orientações sobre a
composição e a execução do currículo deveriam ser determinadas pelas
estruturas dirigentes da educação e pelos académicos, sendo que o papel dos
professores deveria ser, fundamentalmente, aplicar as determinações vindas
de cima. Em consonância, e como foi destacado por Holly,121 foi empolada a
importância reservada aos materiais de educação programada,
apresentando-se limitado o papel dos professores no processo educativo.

8.4 O PROFESSOR (TAMBÉM) INVESTIGADOR

Ora, as tendências de reforço da investigação positivista, ao longo


das décadas de 50, 60 e 70 não se coadunavam com a possibilidade, oferecida
pela investigação-acção, de o professor participar activamente no
desenvolvimento do currículo, nomeadamente através da activação das suas
capacidades investigativas.
Até às décadas de 60/70, os episódios de investigação-acção
ocorreram predominantemente nos EUA. Foi nesta altura que, no Reino
Unido, se começou a prestar mais atenção a esta metodologia. Assim, as

120 Kerlinger, em 1977, citado por De Landsheere (1986:34).


121 Holly (1991:137), citando Schaefer.

204
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

ideias de Schwab122 sobre o prático ou a “praxis” cativaram os descontentes


com os resultados da ciência da educação positivista.
Este pode ter sido mais um factor que terá facilitado que as
propostas de Stenhouse, nos anos 70, fossem escutadas e seguidas com
atenção. A sua obra, “An introduction to curriculum research and
development” (Stenhouse, 1975), é uma referência em muitos escritos sobre
o currículo, sobre os professores, sobre a educação, ou sobre a investigação
educacional, como sendo aquela que foi decisiva na mudança de paradigma,
sobretudo pelo chamamento a um papel mais activo dos professores no
desenvolvimento e na investigação do currículo.
Após ter feito uma crítica às várias tendências de desenvolvimento
curricular que o antecederam, Stenhouse (1975) explicou as razões pelas
quais reconhecia pouca utilidade, para as práticas educativas, aos modelos
de desenvolvimento curricular baseados na definição de objectivos
comportamentais. Propôs, em alternativa, um modelo baseado no processo,
no qual o professor teria um papel activo no desenvolvimento do currículo e
também nos processos da investigação. Toda a argumentação de Stenhouse
convergiu na edificação do constructo “professor investigador.”
No evoluir do texto de Stenhouse (1975), verifica-se que o professor
adquire um papel central nos processos de desenvolvimento do currículo e de
investigação; o professor já não é aquele que implementa as descobertas
achadas por outros, ele está no cerne de tudo o que se passa na escola. Ou
seja, quem desenvolve e que avalia o currículo já não é só alguém externo
(como tende a acontecer na perspectiva positivista), mas alguém que está
dentro e participa e investiga as práticas, incluindo as suas próprias
práticas.

122 Com a publicação, em 1969, de: “ The practical: a language for the curriculum” ,
de acordo com Kemmis (1988).

205
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

Com a obra (publicações e demais projectos) de Stenhouse foi,


portanto, todo um modo, já tradicional e fortemente implantado, de planear
e desenvolver o currículo e todo um modo de avaliar e de investigar que foi
posto em causa.
De certa forma, Stenhouse desenvolveu ideias que já se encontraram
pontualmente em obras anteriores, pois as referências ao aproveitamento
das capacidades investigativas dos professores são muito anteriores a
Stenhouse, como se pode constatar nos exemplos que se seguem:
-a publicação, em 1879, de uma obra com o título “Research for
teachers” (McKernan, 1997:8);
-a firmeza de Faria de Vasconcelos quanto às vantagens de o
professor também proceder a “experiências de pedologia ”: “Mas convirá que
o professor proceda a estas experiências? Não há dúvida.” Não só pela
homogeneidade de variáveis que propiciam, mas também porque “criam um
interesse pelo ensino vivo e animado, e permitem ao professor utilizar e
aplicar sob o ponto de vista didáctico os resultados e indicações que as
experiências lhe tiverem ministrado” (Vasconcelos, 1986/1909:390-191);
-A argumentação de Dewey em torno da fundamentação da
necessidade de os professores investigarem a educação, em “The sources of
science education”123 (embora não desenvolvendo embora em pormenor a sua
operacionalização sobre aquela ideia).
Nesta obra, na secção “O professor como investigador,” Dewey (1929)
opôs-se ao monopólio dos gestores e dos inspectores sobre a investigação
educacional e à pouca atenção que as capacidades investigativas dos
professores despertavam, comparando o papel que era, então, habitualmente

123 Dewey (1929). Lembra-se que, segundo Lagemann (2000), foi nesta obra que
Dewey mais profundamente expôs o seu pensamento sobre a ciência da
educação.

206
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

reservado aos professores na construção de uma educação científica a “uma


mina quase por explorar” (Dewey, 1929:46).
Contudo, foi só na década de 70 que Stenhouse desenvolveu e
organizou, de forma fundamentada e sistemática, o constructo de professor
investigador. Por isso, a obra de Stenhouse representa uma mudança
qualitativa, substancial e de fundo, no modo de ver o desenvolvimento do
currículo e também a investigação educacional.
Gerou-se então, no Reino Unido e, logo, noutros países, um forte
movimento à volta destas ideias, que se mostraram bastante apelativas,
tendo as suas propostas sido adoptadas e desenvolvidas por investigadores e
formadores de professores como Elliott (1994) Adelman (1989), Carr &
Kemmis (1986) ou Alarcão (2001).
De um modo geral, os desenvolvimentos ocorridos à volta do
professor investigador coadunam-se, e frequentemente convergem, com a
metodologia da investigação-acção, pois ambas as perspectivas implicam que
aos práticos/ professores seja reservado um papel essencial nos processos de
ensino, de desenvolvimento curricular e de inovação. Nesta linha escreveu
Holly (1991:142), quando defendeu a “centralidade do professor”, não só
como profissional, mas como investigador, avaliador e agente de mudança.
Não obstante, não pode deixar de ser mencionado que a abordagem
da investigação e da prática educacionais baseada no professor investigador
pode também ser vista de uma forma estática, como parte do paradigma
interpretativo, pois a sua localização no paradigma interpretativo ou no
paradigma crítico está também dependente do estatuto reconhecido ao tipo
de conhecimento produzido: estatuto emancipatório ou estatuto de
relativização da superioridade científica.
Isto é, se o produto da investigação se limitar a descrever e revelar
compreensão sobre o que os professores fazem e pensam, utilizando também
um registo de escrita formal, que cultive a distância epistemológica, e não
tanto o registo oral-prático de quem age todos os dias, isso, só por si, não é

207
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

garante de se saber utilizar, e muito menos de se saber utilizar como


estratégia de mudança, outra das condições para inclusão no paradigma
crítico.

8.5 A INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO CRÍTICA

Diferindo substancialmente da versão de K. Lewin, Carr & Kemmis


(1986) apresentaram uma versão da investigação-acção, também apoiada no
professor investigador, e muito informada pela teoria crítica de Habermas e
da Escola de Frankfurt. O destaque que foi conferido à colaboração, à
reflexão e à emancipação, originou uma versão claramente antipositivista de
investigação-acção, conforme foi observado por Hitchcock & Hughes (1995).
Estes autores criticaram que as investigações educacionais fossem
excessivamente controladas por burocratas e académicos, explicando como e
porquê se deveria superar a dicotomia entre académicos e práticos, através
da criação de comunidades críticas de investigadores e de professores, sendo
que, os participantes nos projectos, nomeadamente, os professores,
deveriam, também, converter-se em investigadores.
Argumentando que a ciência social não é neutra, e partindo da
importância da explicitação das ideologias, a investigação-acção ressurgiu
como a operacionalização de uma ciência educacional crítica que permitiria
a superação daquela dicotomia e configuraria uma via de participar
criticamente em mudanças políticas e sociais.
Um dos principais resultados esperados da associação entre a teoria
crítica e a investigação-acção prende-se com o “empowerment” 124 dos seus

124 Não encontrei em Língua Portuguesa uma tradução satisfatória para este termo,
pelo que ele não é traduzido. “Empowerment” vem de “power”, poder,
capacidade, possibilidade. “Empower” significa conceder plenos poderes. Miles &
Huberman (1994:306, citando Lincoln & Guba), definiram “empowerment” como
(...)

208
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

intervenientes, especialmente dos professores. O conhecimento “por dentro”


das regras da investigação é um dos factores que propiciaria um aumento do
poder dos professores, o qual teria consequências nas mudança das escolas e
da sociedade. De acordo com Kincheloe (1995:77),

“A investigação-acção informada pela teoria crítica tenta não apenas


compreender e descrever o mundo da prática mas mudá-lo. Os
proponentes dessa metodologia esperam que os alunos dos cursos de
educação aprendam a usar a investigação-acção de tal forma que
consigam ganhar poder para modelar as escolas de acordo com
princípios morais, éticos e políticos bem analisados.”

O uso da investigação-acção como estratégia de aquisição de poder


para aumentar a participação nas mudanças da escola ou da sociedade é
uma das características que mais a associam à teoria crítica: “Quando
fundamentada criticamente num sistema de significados emancipatórios, a
investigação-acção pode ser uma das muitas estratégias usadas para
‘empower’ os professores e para sofisticar o projecto das escolas públicas”
(Kincheloe, 1991:108).
Nesta mesma linha, Putnam & Borko (1997) defenderam que os
professores deviam ser tratados como aprendentes activos que constroem o
seu próprio conhecimento e que deviam ser “empowered” e tratados como

aumento da consciência, aumento do sentido de controlo, “actionability ”. Este


último termo quererá dizer “capacidade de acção”.
Assim, “empowerment” significa facilitar, neste caso, aos professores, o máximo de
faculdades que lhes permitam praticar uma profissionalidade global e
maximamente controlada por eles próprios, em todos os aspectos. Este termo
tem fortes conotações de crescimento profissional e pessoal.
Idêntica decisão de não traduzir este vocábulo foi tomada na edição portuguesa de
Friedman (1996), justificada pela disseminação do termo inglês e dos seus
derivados: “disempower”, “empowering”, etc. “Empowerment” é definido como
“todo o acréscimo de poder que, induzido ou conquistado, permite aos indivíduos
ou unidades familiares aumentarem a eficácia do seu exercício de cidadania ”
(Friedman, 1996:viii) .

209
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

profissionais. A capacidade de a investigação-acção ser uma estratégia para


emancipar, “empower” e, consequentemente, para participar na mudança,
foi defendida ainda por autores como Day (1997) ou Zuber-Skerritt (1996).

Verifica-se, assim, que a metodologia da investigação-acção se


metamorfoseou, demonstrando capacidade de adaptação às várias
tendências da investigação educacional. Originalmente, numa perspectiva
considerada de índole positivista, como se viu, passou por uma fase de quase
decadência, em que (de acordo com Tanner & Tanner, 1980) chegou a ser
aconselhado que se evitasse essa designação, até ganhar nova projecção, com
base na teoria crítica.
A investigação-acção tem-se adaptado a várias perspectivas de
investigação e desenvolvimento social, como é confirmado pela proposta de
Cortesão (2001), em Portugal, já no século XXI, na qual a educação
multicultural crítica é associada à investigação-acção, pois “a educação
multicultural crítica constitui uma alteração paradigmática à educação
tradicional.” Isto é, a investigação-acção como parte integrante de uma
mudança de paradigma ajustado às situações em que seja necessária “a
fecundação mútua e permanente da pesquisa pela acção e da acção pela
pesquisa ” (Cortesão, 2001:298).
Também, mesmo quando não é adoptada explicitamente como
modelo de investigação e de acção, a investigação-acção acaba por ser
detectada em diversos trabalhos no âmbito do social e da educação,
sobretudo quando se opera tendo em vista mudanças sociais profundas,
como foi o caso de Paulo Freire. Com efeito, e segundo E. Macedo et al
(2001:81), “embora não utilize o modo discursivo da Investigação-acção,
Freire desenvolve o seu trabalho de forma muito próxima a este paradigma,
que teve também a sua génese na Teoria Crítica.”
McKernan (1997:32) identificou dezasseis conceitos-chave do
processo de investigação-acção: aumento da compreensão humana;

210
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

preocupação com o aperfeiçoamento da prática e da acção humanas;


focalização nos problemas mais próximos dos práticos; colaborativa;
conduzida no local do problema; de natureza participatória; focalização no
caso ou na unidade singular; não tenta controlar as variáveis de contexto; o
problema, objectivos e método podem mudar à medida que a pesquisa
decorre; avaliação reflexiva; metodologia ecléctica e inovadora; científica;
utilidade e difusão; crítica; emancipatória.
Estes conceitos-chave, no seu conjunto, são pertinentes à fase mais
recente da evolução da investigação-acção e contribuem para a inclusão
desta metodologia no paradigma crítico.
Particularmente na sua versão integrada neste paradigma, a
investigação-acção apresenta as seguintes características:

 os investigadores e os práticos trabalham em conjunto ao longo


de todo o projecto, nomeadamente desde a identificação das
situações problemáticas e, também, na escolha dos caminhos para a
abordar (por vezes, os práticos são os principais condutores dos
projectos);

 o reconhecimento de que, mediante a investigação-acção, tanto os


investigadores, quanto os práticos estão envolvidos em processos de
aprendizagem, sendo que se supõe que os práticos aprendam dos
teóricos e vice-versa;

 maior equidade no estatuto do conhecimento;

 estudo dos problemas em contexto, e não isoladamente,


procurando soluções concretas para problemas concretos das
práticas, a partir das práticas;

211
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

 embora não desprezando a geração de conhecimentos teóricos e


generalizáveis, é dada uma relevância especial à aplicação prática
dos resultados das investigações;

 a revalorização das componentes formativas dos processos de


investigação;

 a escolha de estratégias de investigação e de formação de matriz


democrática;

 por vezes, um modo de assumidamente emancipar e “empower”


os intervenientes, particularmente, os professores;

 a participação activa e consciente em processos de mudança


social.

Embora sem deixar de reconhecer os três tipos de investigação-acção


identificados por McKernan, importa destacar o todo, tal como fez este
autor, principalmente, a característica geral de a investigação-acção ser
“uma forma de pesquisa reflexiva governada por princípios rigorosos ou
normas de actuação” (McKernan, 1997:31).

8.6 INVESTIGAÇÃO/ ACÇÃO/ FORMAÇÃO/ TRANSFORMAÇÃO

Como já foi dito, verifica-se uma notável flutuação na localização


epistemológica da investigação-acção, nos textos sobre investigação
educacional.
Se é certo que, para muitos autores, a investigação-acção é a
principal expressão metodológica do paradigma crítico (cf. Carr & Kemmis,
1986), também é certo que, quando os textos se referem à investigação-
acção, mesmo os de data mais recente, nem sempre a relacionam
explicitamente com o paradigma crítico, sendo incluída, por vezes, noutros

212
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

paradigmas (cf. Almeida & Freire, 1997, onde investigação-acção surge


incluída na investigação qualitativa).
Por um lado, alguns autores conferem à investigação-acção um papel
relevante no âmbito do desenvolvimento dos processos de investigação, de
formação ou de mudança social. Neste caso, se alguns autores lhe reservam
um lugar no paradigma crítico, outros autores não a relacionam com este
paradigma, mesmo que as características que lhe atribuem tornem possível
tal relacionamento.
Por outro lado, alguns autores colocam sérias reservas a que se
inclua a investigação-acção no campo da investigação científica em
educação, tornando-a alvo de apreciações, algumas delas sob a forma de
duras críticas, com base, especialmente, em argumentos de legitimidade
científica relacionados com questões da validade interna e externa dos
estudos.
Por vezes, os autores fazem-no de forma explícita, outras vezes, a
não inclusão da investigação-acção nas listagens de métodos de investigação
é, por si, eloquente. Numa referência em que, sem o dizer explicitamente,
acabou por chamar a atenção para análise de textos como estratégia que
permitia ver um pouco mais além do que aquilo que neles está escrito, A.
Esteves (1986:252) aludiu ao “intrigante silêncio dos manuais de
metodologia sobre a investigação-acção,” adiantando que “a compreensão do
modelo positivista, decalcado na representação das ciências naturais,
permitirá encontrar a chave desta exclusão sem contemplações.”
Um dos aspectos que tem sido alvo de muitas discussões prende-se
com a questão-chave de se saber se a investigação-acção “é uma estratégia
de investigação, uma estratégia de formação ou uma estratégia de mudança
social?” (Goyette & Lessard-Hébert, 1988:29).
Assim, De Landsheere (1986) aceitou a investigação participante nas
possibilidades que oferecia de inovação e de formação de professores,
considerando-a mais como estratégia de inovação e de activação e menos

213
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

como investigação científica, não sem dizer, contudo, que, através de


procedimentos replicáveis, a investigação participativa também podia
contribuir para o avanço da ciência.
M. T. Estrela e A. Estrela (2001), referindo-se aos conhecimentos
adquiridos mediante processos de investigação-acção, e admitindo embora
que eles pudessem ficar a meio caminho entre o conhecimento experiencial e
o conhecimento científico, escreveram que “esses conhecimentos, enquanto
saberes ligados à acção e partindo dela, parecem ter uma natureza
epistemológica própria que interessaria elucidar” (p.40). Ou seja, a
investigação-acção como projecto de formação e de investigação não pode ser
avaliada unicamente através de critérios específicos da ciência.
Outra posição, ainda, corresponde à de António Simões (1990),
quando, escrevendo sobre a investigação-acção, colocou mais a questão em
termos das dificuldades que os investigadores-actores enfrentam para
contornar as questões da validade – história, maturação, os efeitos do
observador ou as possibilidades de generalização dos resultados –
defendendo que, não havendo métodos perfeitos, para cada caso, se deve
procurar o método adequado. A. Simões argumentou também que, através
da investigação-acção, se pode realizar a simbiose de dois mundos pois, ela
representará “o fim das múltiplas rupturas que dilaceram a investigação
clássica: entre o trabalho teórico e o trabalho prático; entre a universidade e
os meios exteriores; entre o discurso sobre a realidade e o recurso à evolução
desta realidade; entre as ciências da natureza e as ciências do homem.”125
Este cenário só poderá funcionar se se recorrer à “reflexão”, ela
própria uma estratégia de pesquisa, de formação e/ou de mudança. O diálogo
entre aqueles dois mundos adquire, então, um lugar preponderante numa

125 A. Simões (1990:42), citando Bolle de Bal.

214
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

estratégia mais ampla e é visto como um “espaço”, “tempo”, “lugar” de


aprendizagem e de criação.
Num contexto de formação inicial ou permanente, a investigação
acaba também por ser formação e a formação acaba também por decorrer em
investigação, alargando o caminho para a transformação.

8.7 O ESTATUTO DO CONHECIMENTO (E O PROTAGONISMO) DO INVESTIGADOR:


PARIDADE E PARTILHA

Um dos aspectos em que o paradigma de investigação crítico,


particularmente na sua expressão metodológica de investigação-acção, se
distingue das restantes metodologias de investigação é no protagonismo de
cada um dos intervenientes nos projectos.
Já se viu acima que, nas pesquisas incluídas nos paradigmas
positivista e interpretativo, é ao investigador que cabe escolher e definir o
problema, procurar o tipo de enquadramento teórico, procurar os contextos e
as populações a investigar, escolher os métodos e técnicas, responsabilizar-
se pelas conclusões, e é o investigador que tende a usufruir (pelo menos, e
quase sempre, nas instâncias iniciais) dos benefícios de todo o projecto. O
investigador é, portanto, o responsável, o protagonista e beneficiário de todo
o processo, sendo os projectos configurados na base de uma relação
assimétrica entre os vários intervenientes.
É certo que, nas pesquisas no paradigma interpretativo, tal
assimetria tende a ser um pouco esbatida, pois o investigador procura,
explícita e minuciosamente, as perspectivas dos sujeitos investigados,
mediante o uso de técnicas como a observação participante e de escuta
atenta (e que, por isso, também é chamado de “paradigma da escuta”). Por
vezes, o investigador muda a orientação da pesquisa por influência do
estreito relacionamento com os sujeitos investigados.
Todavia, continua a pertencer ao investigador a responsabilidade por
todas as decisões dos rumos da pesquisa, fazendo com que o protagonismo do

215
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

projecto lhe pertença, como já foi demonstrado anteriormente. Continua,


portanto, a ser uma relação assimétrica, embora não tão acentuada.
Ora, uma característica distintiva da investigação-acção, e do
paradigma crítico em geral, é que esse protagonismo é dito ser partilhado
com outros intervenientes,126 embora em diferentes gradações.
O centro das decisões quanto ao que se deve e como se deve
investigar não é já apenas o investigador, mas é deslocado para a interacção
com outros sujeitos com responsabilidades nos contextos nos quais decorre o
projecto de investigação-acção.
Quando no âmbito da educação, frequentemente são os professores
que têm essas responsabilidades, através de diversas práticas derivadas das
conceptualizações sobre o professor investigador, de Stenhouse (1975), da
teorização sobre o prático reflexivo Schön (1987) e com fundamentação mais
ou menos explícita na teoria crítica.
Uma das características fundamentais de todas as versões da
investigação-acção é a centralidade dos práticos, dos professores, e espera-se
que eles desenvolvam competências de investigação, de reflexão e de crítica.
As iniciativas do que estudar, em que contexto, e como estudar são
partilhadas e, frequentemente, partem mesmo dos próprios professores. O
papel do investigador é, principalmente, contribuir com conceptualizações,
métodos e técnicas que possam ser úteis aos professores na abordagem aos
problemas que eles pretendem investigar, e nas situações que eles
pretendem ver alteradas.
O investigador, assume, também, as aprendizagens e as mudanças
que nele próprio também ocorrem, mediante aquela experiência, alargando,

126 Pelo menos nos projectos de investigação-acção dos tipos 2 e 3 (de McKernan,
1997, já referidos); sobre os projectos do tipo 1, só uma análise mais aprofundada
dos estudos efectivamente realizados poderia permitir afirmações mais
assertivas.

216
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

com isso, a sua compreensão do mundo social. Portanto, o protagonismo não


está apenas no investigador, mas está igualmente nos restantes
intervenientes.
Todavia, nem sempre o facto de se tratar de um projecto de
investigação-acção com propósitos emancipatórios é garantia de que se
trabalhe no âmbito do paradigma crítico, pois é preciso cuidar de saber em
que registo o conhecimento é efectivamente produzido para se poder falar de
uma partilha.
De facto, nos projectos de investigação-acção com propósitos
emancipatórios, as relações entre os intervenientes tendem a ser mais
informais, há mais partilha e negociação de papéis e de estatutos, mas nem
sempre os práticos têm competências para dialogarem ao mesmo nível e
para criticarem abertamente os académicos. Por vezes, também, é possível
que o propósito emancipatório-crítico dos investigadores transporte, ele
próprio, alguma arrogância intelectual.
Ou seja, dizer que há partilha de protagonismo e de estatuto de
saberes impõe (pelo menos, no caso da investigação com professores) uma
monitorização e enquadramento numa perspectiva abertamente reflexiva e
de complexa operacionalização, o que obriga à negociação e aplicação de
princípios orientadores precisos.
Nesta linha, F. Vieira (1992:23), apresentou um conjunto de
princípios orientadores da “relação entre o investigador e o professor no
contexto da investigação educacional”, assumindo a condição de que
apresentava uma abordagem exploratória
A autora descreveu a passagem da “relação assimétrica ” para uma
“relação formativa de colaboração”, enquadrada num “paradigma reflexivo
de formação profissional”, inspirado em Wallace e em Schön (p.25).
Neste contexto, acentuar-se-ia “a dimensão ‘reflexiva’ e
‘experimental’ da prática pedagógica, ou seja, a sua vertente ‘investigativa’”
(p.25). A relação investigador-professor teria, assim, um “carácter

217
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

colaborativo, formativo e reflexivo”, o que facilitaria, então, uma


aproximação mais evidente do que noutros paradigmas, a uma situação de
paridade e partilha.

9. CONCLUSÃO
A caracterização que aqui se esboçou sobre os paradigmas de
investigação, sem pretender ser exaustiva e descrever os paradigmas em
todas as suas vertentes, pretendeu fundamentar a construção de uma grelha
de análise para aplicar a um conjunto de textos normativos sobre
investigação educacional e deixar pistas para enquadrar os argumentos dos
textos normativos examinados mais à frente, nos Capítulos seis e sete.
De um modo geral, a investigação em Ciências Sociais, e em
educação em particular, por certo, gira em torno de um e/ou de dois grandes
pólos: conhecer e modificar. A ênfase, a perspectiva e a prioridade que cada
trabalho de investigação atribui a estes dois pólos facilita a associação com
uma ou outra concepções da realidade educativa.
Ou seja, todo o trabalho que se assume de investigação pretende
conhecer e pretende mudar. No entanto, alguns trabalhos dão prioridade ao
conhecimento, embora seja mais ou menos implícito que tal conhecimento
servirá para mudar; outros trabalhos, pelo contrário, enfatizam a mudança,
sendo geralmente explícito que, para mudar, é preciso conhecer e, como tal,
o trabalho propõe-se conhecer para mudar.
Para além disso, também os objectos e os modos de conhecer podem
variar de forma notável; por exemplo, pode pretender-se ou não manipular
variáveis, mais ou menos isoladas dos contextos; pode dar-se ou não
prioridade às perspectivas do sujeito investigado; ou pode entender-se que o
conhecimento é algo partilhado entre os vários intervenientes.
Do mesmo modo, as mudanças que se pretendem podem ser relativas
a indivíduos, a pequenos grupos, ou mesmo mudanças socio-políticas de

218
CAPÍTULO QUATRO – PARADIGMAS DE INVESTIGAÇÃO

âmbito mais alargado; ou podem também fazer parte explícita do próprio


projecto de investigação, ou ser apenas algo que não é referido
explicitamente, apenas subentendido.
Embora tenham sido caracterizados três paradigmas de investigação
educacional, e qualquer que seja a configuração por cada um preferida para
servir de orientação à leitura dos textos ou das práticas educativas, parece
consensual que a delimitação dos paradigmas nunca será rígida, antes
flutuante e modifica-se mesmo com o passar do tempo.
Contudo, a delimitação e caracterização geral dos paradigmas com
mais frequência reconhecidos nos textos sobre a cientificação da educação
facilita a análise de um conjunto de textos sobre o tema.
Será facilitado, assim, o reconhecimento e a interpretação da
normatividade expressa nesse conjunto de textos, se com apoio em
descrições prévias que permitam enquadrar e compreender as variações e as
divergências que os textos apresentam e, por consequência, permitam
contribuir com novos esclarecimentos sobre o modo como a investigação
educacional se perspectivou a si própria.

219
PARTE III – TEXTOS EM ESCRUTÍNIO
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E
GRELHA DE ANÁLISE
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

224
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

1. CRITÉRIOS
Como já foi dito no Capítulo dois, os textos normativos são
considerados como um dos factores presentes no condicionamento da
evolução da pesquisa em educação, pois eles condicionam a pesquisa e são
condicionados por ela. Lembremos as observações de Kuhn (1997) sobre a
importante função que atribuiu, concretamente, aos manuais científicos, na
preparação dos estudantes da ciência e dos próprios profissionais da ciência.
A análise de textos que se assumem como da investigação
educacional (ou da ciência da educação, ou de qualquer outro tipo de
formulação que nos permita concluir estarmos perante um texto pertencente
ao movimento de cientificação da educação) e que, de algum modo,
contribuem para a normalização do mesmo, afigura-se, assim, como um
lugar/ modo privilegiado de observação das distintas posturas face às
possibilidades de pesquisar a educação, pois permite apreciar de que modo
os textos que se assumem da área da investigação educacional reflectem as
tendências próprias de cada época, incluindo, se for caso disso, a sua versão
das características básicas dos paradigmas que reconhecem.
Como qualquer tipo de texto sobre qualquer assunto, os textos sobre
investigação educacional, ao debruçarem-se sobre ela, dizem sempre mais do
que aquilo que neles está objectivamente explicitado, especialmente se
postos em relação uns com os outros, como já foi demonstrado, no Capítulo
três, através do exame aos quatro textos assumidamente sobre história da
investigação educacional.
Na impossibilidade prática de deixar constância da análise de textos
sobre investigação educacional, numa linha cronológica contínua, optei por
analisar dois conjuntos de textos, correspondendo a dois pólos temporais: um
conjunto textos do início do movimento de cientificação da educação, das

225
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

primeiras décadas do século XX e outro conjunto de textos das últimas


décadas.
Os textos do pólo temporal do início do século XX (p. f., ver lista
completa no início do Capítulo sete) são, todos eles, e com apenas uma
excepção, textos de referência da época em que foram produzidos, como se
verá. São, por isso, testemunhos do seu tempo, correspondendo a
manifestações explícitas e assumidas de autores que quiseram deixar a sua
versão do modo como o estudo da educação alcançaria a condição científica.
Os textos do pólo temporal a partir do último quartel do século XX
(p. f., ver lista completa no início do Capítulo seis) destacam-se como
especialmente relevantes para os objectivos do presente trabalho, pois,
ocupando-se especialmente das linhas claramente tidas como herdeiras do
movimento de cientificação da educação, e vulgarmente classificados como
textos sobre investigação educacional, estão em condições de incluir, já,
referências às distintas vias percorridas por aquele movimento.
São excluídas deste conjunto de textos, portanto, linhas de
investigação de cariz marcadamente filosófico que, embora integrando os
estudos científicos em educação, em sentido lato, não são geralmente
integrados ou destacados nos textos sobre investigação educacional (com
algumas excepções, como se verá), até porque, geralmente, não assumem um
projecto de cientificidade para a educação.
Nas listagens de textos dos Capítulos seis e sete, são incluídos
alguns textos que não se apresentam exactamente como da “investigação
educacional”, ou como da “ciência da educação”. Alguns são sobre “pedagogia
experimental”, outros sobre “investigação pedagógica” ou sobre “investigação
sobre o ensino”. Tal justifica-se porque se verifica que estas expressões
representaram, em certas épocas, tentativas claramente organizadas em
função da cientificação da educação. Para além de que, no caso da expressão
“investigação pedagógica”, há uma certa ambiguidade devido ao sentido
amplo (isto é, como “educativo”) que pode ser atribuído ao termo pedagógico.

226
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

Os quatro textos sobre história da investigação educacional,


analisados no Capítulo três, deveriam também figurar nesta listagem.
Porém, considera-se bastante o escrutínio a que já foram sujeitos, não
estando isentos, contudo, de voltar a ser invocados aquando das conclusões,
no Capítulo oito.
Na selecção dos textos submetidos a análise, não se tratou, assim, de
procurar obter uma representatividade, de muito difícil concepção, face à
diversidade de entendimentos sobre a investigação educacional, e, portanto,
face à variabilidade e nebulosidade dos limites de um hipotético universo de
textos.
Quanto à discrepância quantitativa entre os dois corpus, a evidente
menor quantidade de textos que integram o corpus do início do século XX é
devida a que a produção de textos daquela época é muito menor do que a
produção de textos da época actual, embora não tenha havido, e pelas razões
já expostas, uma preocupação de garantia de proporcionalidade.
Procurou-se, então, analisar textos normativos, manuais ou textos de
meta-análise que, pelas suas condições específicas, oferecessem algumas
garantias de consubstanciarem textos relevantes, eventualmente bastante
consultados, da área a que dizem respeito.
No julgamento sobre a pertinência destes conjuntos de textos não é
relevante, por isso, a questão da representatividade e consequentes
possibilidades de generalização, como quando se trata de uma amostra
construída tendo em conta todos os parâmetros de validade próprios das
técnicas de amostragem geralmente em uso na investigação científica.
O critério das possibilidades de generalização não foi tido, então, em
consideração, tendo bastado o critério de haver fundadas razões para supor
que se trata de textos relevantes da área a que dizem respeito, com
bastantes probabilidades de terem sido, ou de serem ainda, textos de
referência (entre outros textos, obviamente, que aqui não estão incluídos,
alguns deles, de resto, citados ao longo do presente trabalho).

227
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

Se, como foi dito atrás, os investigadores em educação tendem a


consultar os manuais ou outras obras de referência, antes e/ ou durante a
elaboração das suas pesquisas, muitas destas obras terão sido, ou serão
ainda, objectos preferenciais de consulta.
Retomando Braudel (1981), o discurso científico é produzido por
quem está autorizado a falar em nome da ciência. Por seu turno, R. Gomes
(2001) prestou atenção às condições de existência de certos discursos no
âmbito da educação, incluindo os discursos científicos.
Ora, como foi referido no Capítulo dois, os manuais e os textos de
meta-análise correspondem a discursos que pretendem estabelecer os
enunciados legítimos de um ponto de vista científico, portanto, aqueles que,
em algum momento, com maior ou menor empenhamento, são consultados e
tidos em conta pelos membros, ou aspirantes a membros, da comunidade
científica da área a que se dizem respeito.
Os textos normativos são, por isso, lugares exemplares das ideias,
aspirações, temores, certezas, hesitações, projectos, expectativas, da
comunidade da qual são oriundos. Se se atender à já referida observação de
Not (1984a:59), segundo a qual o texto deve ser entendido como um
testemunho do seu tempo e é susceptível de algum tipo de análise textual –
“é preciso procurar, então, o que o autor quis dizer dos seus contemporâneos
e da sua época ” – então, no caso presente, tratando-se de dois conjuntos de
textos, esses conjuntos constituem, em si mesmos, testemunho de, pelo
menos, algumas tendências dos seus tempos e estão, por isso, disponíveis
para a análise, nas perspectivas do tempo em que são analisados, tal como
foi, também, proposto por Not.

2. TIPOLOGIA GERAL
Os textos aqui considerados têm em comum o facto de
corresponderem a discursos sobre a investigação educacional (ciência da

228
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

educação, pedagogia experimental, investigação pedagógica …), em formato


de manual, de texto de informação generalista (enciclopédia ou semelhante)
ou de texto de reflexão.
Os formatos enunciados no parágrafo anterior não são uniformes,
pois:

 há textos que se apresentam como manuais, e, efectivamente,


seguem os formatos clássicos do manual da maior parte das áreas de
estudo;

 há textos que se apresentam como manuais, mas não seguem


esse formato clássico;

 há textos que, integrando-se em enciclopédias, têm


características de manual;

 há textos que são, fundamentalmente, textos de reflexão sobre as


possibilidades de cientificação do estudo da educação.

Atendendo ao exposto, englobo estes quatro formatos de textos em


duas subcategorias – os manuais e os textos de meta-análise – as quais, por
sua vez, classifico, de forma genérica, como textos normativos, visto que
todos eles condicionam a norma de um projecto científico da educação, ora
mostrando “como é a investigação educacional”, ora indicando “como devia
ser a investigação educacional,” ora criticando a área, com mais ou menos
severidade.
Quanto aos textos de meta-análise, também eles se apresentam em
várias tipologias:

 textos isolados, publicados em revista da especialidade;

 textos integrados em obras de referência (enciclopédias, obras de


referência sobre o tema);

229
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

 obras de reflexão de fundo sobre o tema.

Sobre a noção de manual, parte-se aqui da definição generalista, já


avançada no capítulo dois – sistematização, o mais clara e precisa possível,
de um conjunto de conteúdos referentes a uma disciplina/ tema/ método/
técnica, de forma a torná-los inteligíveis a um público alvo.
Geralmente, os manuais clássicos, especialmente os manuais
relativos a disciplinas, tendem a apresentar:

 capítulos ou secções sobre o enquadramento histórico;

 capítulos ou secções sobre o enquadramento teórico/


epistemológico;

 capítulos ou secções com descrições pormenorizadas de métodos e


técnicas em uso;

 uma espécie de “tese,” em grau de explicitação variável, sobre as


abordagens, os métodos e as técnicas mais adequados para operar na
disciplina em questão (esta situação é mais perceptível quando o
manual é de um só autor).

A partir desta descrição de manual clássico, encontram-se algumas


variações:

 umas vezes, o manual praticamente não dedica atenção aos


enquadramentos históricos ou epistemológicos;

 outras vezes, geralmente quando não é obra de um só autor, há


grande variedade de temas tratados, e estes são organizados de uma
forma aberta, depreendendo-se uma concordância com as teses de
fundo do manual, embora nem sempre com uma articulação total.

230
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

3. UMA GRELHA DE ANÁLISE


Tendo em conta os objectivos do presente trabalho, apresenta-se em
seguida a grelha de análise que vai ser aplicada na análise dos textos de
ambos os pólos temporais.

Quadro n.º 5 – Grelha de análise de textos

1. Definições (identidade, autonomia e tipo de conhecimento)


2. Construção histórico-epistemológica justificativa
3. Reconhecimento, explícito ou implícito, de paradigmas e/ou métodos
(diagramas)
4. Articulação, explícita ou implícita, de paradigmas
4.1 Equivalência ou predominância de um ou de outros
4.2 Complementaridade, fusão, competição
5. Protagonismos

Alguns destes itens são desenvolvidos em diferentes graus, de acordo


com as especificidades de cada texto. Quer isto reafirmar que esta grelha
apenas serviu de orientação para a análise dos textos, mas em situação
alguma se enviesou o texto para o adaptar à grelha.
Também, e especialmente no caso de obras volumosas, estou
consciente da possibilidade de elas incluírem outras referências importantes
para os objectivos deste trabalho e às quais não seja dado aqui o merecido
relevo. Tal deve-se, fundamentalmente, à impossibilidade de, num trabalho
deste teor, poder ter a pretensão de ler com o merecido cuidado todas os
milhares de linhas do conjunto dos textos incluídos em ambas as listagens.
Não houve a preocupação de procurar uniformidade no que respeita
ao tamanho da análise de cada obra. Cada texto é um caso, com um valor

231
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

relativo para a pesquisa que moveu este trabalho, e procurar uniformidade


no tamanho da análise seria querer tornar equivalente aquilo que não é.
O exame a que estes textos foram submetidos tem expressões
concretas de dois tipos, para além das conclusões a que deram lugar:
- um texto específico de síntese (sobre cada um dos 31 textos
apresentados ao longo dos Capítulos seis e sete)
- uma ou mais representações gráficas sob a forma de diagramas
(num total de 76 diagramas).
O texto específico de síntese não tem a pretensão de resumir cada
obra na sua totalidade ou de a comentar em todos os aspectos
eventualmente considerados relevantes, de resto, objectivo quase impossível
num trabalho do teor do presente. Ficam de fora, portanto, em alguns
textos, aspectos caracterizadores dos mesmos, mas que não foram
considerados relevantes para os propósitos do presente trabalho.
O texto específico de síntese pretende, apenas, mostrar a leitura dos
textos, quando submetidos à grelha de análise explicitada acima, tendo
também a finalidade de facilitar o chamamento posterior de alguns tópicos
no capítulo conclusivo. Também, por vezes, para comentar um texto
específico, são chamados outros textos do mesmo ou, até, de outros autores.
No que respeita aos diagramas, eles surgem como forma de dar
resposta, particularmente, ao ponto três da atrás enunciada grelha de
análise. A configuração das representações gráficas sobre as propostas das
obras em análise quanto às perspectivas/ paradigmas/ métodos que
reconhecem revestiu-se de alguma dificuldade, pois nem todas se exprimem
e esclarecem as suas posições de forma clara e precisa.
De facto, nalguns casos, as obras são suficientemente explícitas
sobre a sistematização, ou sistematizações, em que se apoiam. Mas, noutros
casos, nem tanto, o que obriga a analista a algum exercício de interpretação
mais arrojado do que o desejado.

232
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

Além disso – e este não é um argumento de somenos importância –


as hesitações nas definições e a falta de clareza de alguns textos constituem,
em si, também, um elemento revelador da situação. De facto, alguns destes
textos exibem zonas de sombra, a par dos esclarecimentos que ofertam, nos
seus discursos sobre as abordagens e/ ou os métodos que reconhecem como
legitimadores da cientificidade do estudo da educação.
São incluídos, também, diagramas relativos, não apenas aos
paradigmas/ abordagens expostos em cada obra, mas também, em alguns
casos, relativos aos métodos considerados.
A razão para tal é que alguns dos textos analisados dão relevo ao
plano epistemológico/ paradigmático, enquanto outros textos dão relevo ao
plano metodológico e/ ou técnico (o que, em alguns casos, se justifica pelo
tipo de texto em questão, quando se trata de manuais), por vezes, sem clara
demarcação e definição das fronteiras entre ambos os planos, e alguns textos
ainda, dão relevo a ambos os planos, clarificando em grau variável o plano a
que se referem.
Nos casos em era evidente a supremacia de um ou mais paradigmas
ou métodos, tal é simbolizado, nos diagramas, através de uma caixa de linha
dupla (como no diagrama n.º 7, do Capítulo seis).
Na legenda dos diagramas, e nos próprios diagramas, tanto quanto
possível, uso expressões constantes nas respectivas obras, embora nem
sempre na sequência exacta em que se encontram nos textos originais, visto
que, nalguns casos, e pelo que já foi dito, tal se revelou tarefa de muito
difícil consecução, devido à variabilidade e pouca clareza das expressões
encontradas.
Importa, então, tentar procurar as características destes dois
conjuntos de textos, nos aspectos relevantes para o presente trabalho, de
forma a identificar, visualizar e compreender que regimes de verdade, que
argumentos, em dois pólos temporais – o início do século XX e a partir dos
anos 80 – um conjunto de autores destacou e/ ou omitiu, ou referiu apenas

233
CAPÍTULO CINCO – SELECÇÃO DE TEXTOS E GRELHA DE ANÁLISE

de forma evasiva, para sustentar (ou, por vezes, para negar) a cientificidade
de um dado projecto de pesquisa em educação.

234
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS
RECENTES
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

236
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

PERSPECTIVAS DE TEXTOS NORMATIVOS


RECENTES

Tendo em conta o exposto no Capítulo anterior, apresenta-se a seguir


a listagem de textos a partir dos anos 80 do século XX submetidos a análise.

Quadro n.º 6 – Corpus de textos a partir dos anos 80 do século XX.

1. NOT, L., dir. (1984d) - Une science specifique pour l'education?


Toulouse: Universidade de Toulouse-le Mirail.

2. LA ORDEN, A. (1985a) - Introducción. In LA ORDEN, A. -


Investigación educativa . Madrid: Anaya, p. ix-xxxvi.

3. FERNÁNDEZ DÍAZ, M. (1985) - Paradigmas de la investigación


pedagógica. In LA ORDEN, A. - Investigación educativa . Madrid:
Anaya, p. 184-187.

4. CARR, W.; KEMMIS, S. (1986) - Becoming critical: education,


knowledge and action research . Londres: The Falmer Press.

5. POPKEWITZ, Thomas (1988) - Paradigma e ideología en


investigación educativa: las funciones sociales del intelectual.
Madrid: Mondadori.

6. KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research, methodology, and


measurement: an international handbook . Oxford: Pergamon.

7. HUSÉN, T. (1988) - Research paradigms in education. In KEEVES, J.


- Educational research, methodology and measurement: an
international handbook . Oxford: Pergamon, p. 17-20.

8. WALKER, J.; EVERS, C. (1988) - The epistemological unity of


educational research. In KEEVES, J. - Educational research,
methodology and measurement: an international handbook .
Oxford: Pergamon, p. 28-36.

9. SHULMAN, Lee (1989) - Paradigmas y programas de investigación en


el estudio de la enseñanza: una perspectiva contemporánea. In

237
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

WITTROCK, M. - La investigación de la enseñanza, I: enfoques,


teorías y métodos. Madrid: Paidós, p. 9-92.

10. BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) - Teoría, métodos, conocimiento


y investigación sobre la enseñanza. In WITTROCK, M. - La
investigación de la enseñanza I: enfoques, teorías y métodos.
Barcelona: Paidós, p. 95-149.

11. FENSTERMACHER, Gary (1989) - Tres aspectos de la filosofía de la


investigación de la enseñanza. In WITTROCK, M. - La
investigación de la enseñanza, I: enfoques, teorías y métodos .
Barcelona: Ed. Paidós, p. 150-179.

12. BORG, Walter; GALL, Meredith (1989) - Educational research: an


introduction . 5.ª ed. Nova York: Longman.

13. BISQUERRA, Rafael (1989) - Métodos de investigación educativa:


guia práctica ". Barcelona: Ed. CEAC.

14. COHEN, L.; MANION, I. (1990) - Métodos de investigación educativa .


Madrid: La Muralla.

15. SOLTIS, Jonas (1992) - Inquiry paradigms. In ATKIN, M. -


Encyclopedia of educational research . 6.ª ed. revista. Nova York:
Macmillan, p. 620-622.

16. ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) -Investigación


educativa: fundamentos y metodología . Barcelona: Ed. Labor.

17. BEST, John; KAHN, James (1993) - Research in education . 7ª ed.


revista e aumentada. Boston: Allyn and Bacon.

18. BERGER, Guy (1993) - A investigação em educação: modelos sócio-


epistemológicos e inserção institucional. Revista de Psicologia e
Ciências da Educação, 3/4, p. 23-36.

19. HITCHCOCK, Graham; HUGHES, David (1995) - Research and the


teacher: a qualitative introduction to school-based research . 2ª
ed. Londres: Routledge.

20. ALMEIDA, Leandro; FREIRE, Teresa (1997) - Metodologia da


investigação em psicologia e educação. Coimbra: APPORT.

21. KEEVES, J.; LAKOMSKI, G., ed. (1999a) - Issues in educational


research . Oxford: Pergamon.

238
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

22. HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES,


J.; LAKOMSKI, G. - Issues in educational research . Oxford:
Pergamon, p. 31-39.

23. WALKER, J.; EVERS, C. (1999) - Research in education:


epistemological issues. In KEEVES, J.; LAKOMSKI, G. - Issues
in educational research . Oxford: Pergamon, p. 40-56.

24. MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL,


J.- Guia do educador: enciclopédia geral da educação .
Alcabideche: MM Liarte, p. 586-647.

25. TUCKMAN, Bruce (2002) - Manual de investigação em educação. 2.ª


ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

26. BELL, Judith (2004) - Como realizar um projecto de investigação: um


guia para a pesquisa em Ciências Sociais e em Educação. 3.ª ed.
Lisboa: Gradiva.

239
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

1. NOT (1984C)
Not (1984c)127 é uma obra de reflexão de vários autores que oferece
um conjunto de considerações de ordem filosófica/ epistemológica sobre as
possibilidades de uma ciência específica para a educação.
Na introdução, é referido que tratará das “relações entre aquilo que
actualmente se chama ciências da educação e a ciência de intervenção
educativa ” (Not, 1984c:13), sendo perceptível o argumento, ao longo da obra,
de que a simples acumulação dos conhecimento oriundos das várias
disciplinas auxiliares da educação não dá respostas satisfatórias às
problemáticas educativas.
Alguns textos de L. Not explicitam as propostas fundamentais e
estruturantes desta obra colectiva. Assim, em Not (1984b:28), é explicitado
que se parte da noção de que “uma ciência se define pelo seu objecto e pela
sua epistemologia que é, ao mesmo tempo, teoria do conhecimento científico
que ela permite alcançar, e análise crítica dos métodos a que ela recorre
para lá chegar.”
A ciência da educação teria um cariz interdisciplinar, recorrendo às
várias disciplinas auxiliares (psicologia, sociologia, linguística, biologia, …)
no sentido de iluminar o conhecimento para uma prática mais aperfeiçoada:

“A globalidade e a complexidade dos problemas que a educação


coloca requerem, não apenas uma simples adição, mas uma inter-
relação entre as informações obtidas de diversas fontes. É a força da
unidade numa disciplina. É por isso que o modelo científico
apropriado à investigação em educação não pode ser senão um
modelo interdisciplinar […] centrado sobre UMA ciência específica

127
Tal como foi explicitado no Capítulo cinco, volto a lembrar que os textos
específicos de síntese de cada um dos textos analisados nos Capítulos seis e sete
não pretendem resumir os textos em todas as suas facetas.

240
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

da educação, em relação com diversas ciências que podemos chamar


de auxiliares. (Not, 1984b:36)

Sendo certo que cada uma das ciências auxiliares tem o seu objecto
próprio, e que, por vezes, também o perspectivam na área da educação, as
questões educacionais não constituem, contudo, o seu problema. A ciência da
educação, essa sim, “tem o seu objecto próprio, e é a partir dos problemas
que ele lhe coloca que ela interroga as ciências a que se associa ” (Not,
1984b:36).
Nas conclusões, é explicado como as várias interrogações que as
disciplinas auxiliares colocam podem estar relacionadas com a educação,
sendo que, todavia, as informações advindas dos questionamentos das
ciências auxiliares só se tornam operatórios (em termos educativos) se forem
coordenadas a partir de questionamentos da educiência.
À educiência caberia, então, não apenas identificar a “problemática
comum prévia ”, que estaria presente já na fase da elaboração das
interrogações das ciências auxiliares, mas caberia, também, “colocar uma
problemática, coordenar as informações e desenvolver uma(s) investigação
original” (Not, 1984c).
O método adequado para desenvolver investigações no quadro da
educiência seria o método integrativo, que se consubstanciaria em distintas
abordagens (documentais, empíricas, reflexivas), apoiado nas distintas
ciências auxiliares. A sua originalidade residiria “na construção de uma rede
de inter-relações entre os factos recolhidos” (Not, 1984a:54).
O modo de actuação da investigação científica em educação basear-
se-ia nos dados (as situações ou documentos), submetidos à análise de algum
dos tipos de abordagem referidos, abordagem que seria integrada e
sistémica (Not, 1984a).
Embora esta obra trate diversas abordagens e métodos para uma
ciência específica da educação, não é um manual em sentido clássico, pois

241
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

não oferece as informações típicas dos manuais (descrição minuciosa de


processos relativos a métodos e técnicas, de tal sorte que possa servir de
guião para quem se proponha efectuar um projecto de pesquisa em
educação), tendendo, antes, a veicular reflexões teóricas sobre os
fundamentos e as possibilidades de uma ciência da educação.
Uma das características da educiência é que operaria num modelo
interdisciplinar. Outra das características é que “as investigações
impulsionadas por uma ciência educacional não podem jamais ser
verdadeiramente desligadas das práticas”, não porque a educiência seja
considerada uma ciência aplicada, mas porque “toda a problemática própria
do domínio educativo não pode deixar de ter em conta, mais cedo ou mais
tarde, as condições da intervenção” (Not, 1984c:267).
Nota: tal como acontece na maioria dos diagramas relativos aos
restantes textos, os diagramas que se seguem deixam de fora alguns
aspectos desta obra que, por não serem relevantes para os objectivos do
presente trabalho, não deixam ser relevantes para uma compreensão mais
aprofundada da obra. Ao contrário do que acontece com os restantes textos
analisados nos Capítulos seis e sete (cujos diagramas foram integralmente
elaborados pela autora deste trabalho com a finalidade de aqui os
apresentar), incluo aqui uma figura (diagrama seis) copiada de Not
(1984c).128

128
Este diagrama não foi propositadamente traduzido para Língua Portuguesa,
para aumentar a visibilidade de que não se trata de um diagrama da
responsabilidade da autora do presente trabalho, mas sim de uma cópia do
original.

242
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 1 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação”, em:
NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour l'education?

Métodos e abordagens para uma ciência específica da


Educação

Abordagens documentais Abordagens reflexivas Abordagens


empíricas

(Mais as ciências auxiliares)


O método integrativo como método da ciência da educação.

243
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 2 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação: abordagens documentais”, em:
NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour l'education?

Métodos e abordagens para uma


ciência específica da Educação

Abordagens Abordagens Abordagens


documentais empíricas reflexivas

(Mais as ciências auxiliares)


O método integrativo como
método da ciência da educação.

Abordagem Abordagem
histórico- comparativa
genética

244
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 3 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação: abordagens empíricas”, em:
NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour l'education?

Métodos e abordagens para uma


ciência específica da Educação

Abordagens Abordagens Abordagens


documentais empíricas reflexivas

(Mais as ciências auxiliares)


O método integrativo como
método da ciência da educação.

Estudo O método clínico Investigação-


experimental acção

Um necessário pluralismo metodológico

245
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 4 – “Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação: abordagens reflexivas”, em:
NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour l'education?

Métodos e abordagens
para uma ciência
específica da educação

Abordagens Abordagens Abordagens


documentais empíricas reflexivas

(Mais as ciências auxiliares)


O método integrativo como método da ciência da educação.

Abordagem Abordagem
filosófica dialéctica

246
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 5 – Métodos e abordagens para uma ciência específica da


educação: visão de conjunto, em:
NOT, L., dir. (1984c) - Une science spécifique pour l'education?
Um necessário pluralismo metodológico

Métodos e abordagens para uma ciência


específica da Educação

Abordagens Abordagens Abordagens


documentais empíricas reflexivas

Abordagem Abordagem Abordagem Abordagem


histórico- comparativa filosófica dialéctica
genética

Estudo O método clínico instrumento Investigação-


experimental indispensável à investigação e acção
à intervenção pedagógica

Um necessário pluralismo metodológico

(mais as ciências auxiliares)


O método integrativo como método da ciência da educação.

247
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama (Quadro) n.º 6 – Cópia do original, pag.158, em:


NOT, L. (1984c) – Une science specifique pour l’éducation?

248
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

2. LA ORDEN (1985A )
O texto em análise, La Orden (1985a) corresponde à introdução ao
tomo “Investigación educativa” (La Orden, 1985b), integrante de uma obra
mais vasta, o “Diccionário de Ciencias de la Educación”, coordenado por
Escolano Benito.
Neste texto, é reconhecida a diversidade metodológica da
investigação pedagógica:

"A diversidade metodológica na investigação pedagógica responde à


existência, no seio da mesma, de diversas linguagens e lógicas
(paradigmas) que, por sua vez, estão enraizadas nas grandes
tradições filosóficas operantes na nossa cultura contemporânea." (La
Orden, 1985a:XI)

Apoiando-se em Soltis (1992), nele são descritas três grandes linhas


de investigação pedagógica: empírica; interpretativa, compreensiva ou
qualitativa; e crítica.
A linha empírica, maioritária, é resultado da transformação da
pedagogia experimental, do início do século XX, “na perspectiva que
caracteriza o conhecimento científico da educação concebido como uma
disciplina aplicada, isto é, dirigida à resolução técnica dos problemas que a
realidade educativa coloca ” (p.XIII).
Numa entrada do mesmo tomo do dicionário, sob a epígrafe
“Pedagogia experimental”, La Orden (1985c:189) esclareceu que “a
metodologia científico-experimental é ao mesmo tempo o elemento definidor
da disciplina e um componente intrínseco ao seu conteúdo .” O campo de
saber denominado pedagogia ou ciências da educação seria, então, o
resultado do somatório da disciplina de pedagogia experimental com os
saberes que a complementam.

249
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

La Orden (1985a:XII e XIII) não ignorou os modos alternativos de


proceder à investigação pedagógica (“a investigação pedagógica
interpretativa ou «compreensiva», normalmente caracterizada como
«investigação qualitativa»” ou a “linha de investigação pedagógica crítica
representada pelos neomarxistas e teóricos como Habermas”), bem como as
polémicas epistemológicas que suscitam.
Todavia, La Orden esclareceu que “a linha empírica representa a
posição epistemológica dominante, identificando-se com aquilo que
maioritariamente se entendo por investigação científica no nosso campo .”
(p.XIII). Foi com base nesta argumentação que La Orden seleccionou e
desenvolveu os conceitos tratados no tomo do dicionário de ciências da
educação, que teve a responsabilidade de organizar.
As restantes linhas de investigação (qualitativa e crítica) não são
tratadas, praticamente, ao longo do tomo. As técnicas que lhes estão mais
associadas, como por exemplo, a observação participante, embora sendo
abordadas, não têm o mesmo destaque que as técnicas associadas ao
paradigma empírico, pois neste tomo é desenvolvida, de forma assaz
compreensiva, notável diversidade de conceitos e técnicas (ex: desenhos
experimentais, técnicas de estatística), que, embora tenham lugar em
qualquer paradigma de investigação, são geralmente mais relacionados com
o paradigma empírico.
Assim, La Orden, reconhecendo embora outras abordagens,
considerou a pedagogia experimental como disciplina fundamental no campo
do estudo científico da educação, a qual, complementada com outros saberes,
configuraria a abordagem mais adequada para operar naquele campo.
Todavia, neste texto introdutório ao referido dicionário de ciências da
educação, La Orden abordou de forma mais completa o tema dos
“paradigmas de investigação pedagógica” do que a entrada que surge no
tomo com este título, assinada por Fernández Díaz, e de que se trata a
seguir.

250
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 7 - “Linhas de investigação pedagógica”, em:


LA ORDEN, A. (1985a) - Introducción. In La Orden, A. (1985b) -
Investigación educativa.

Linhas de investigação
pedagógica

Empírica Interpretativa, Crítica


compreensiva ou
qualitativa

251
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 8 – “Grandes estratégias da metodologia científico empírica”,


em:
LA ORDEN, A. (1985a) - Introducción. In La Orden, A. (1985b). -
Investigación educativa.

Grandes estratégias da
metodologia cientifico
empírica

Estratégia Estratégia Estratégia


estritamente correlacional estritamente
descritiva experimental

252
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

3. FERNÁNDEZ DÍAZ (1985)


Este texto corresponde a uma entrada no tomo “Investigación
educativa ”, coordenado por La Orden (1985b), integrante do “Diccionário de
Ciencias de la Educación ”, coordenado por Escolano Benito.
Em Fernández Díaz (1985) é referida a problemática dos paradigmas
na ciência, em geral, sendo Kuhn (1997) invocado sobre conceitos e
desenvolvimento dos paradigmas e sobre o funcionamento das comunidades
de cientistas, e sendo explicado que se atribui à palavra paradigma um
significado de modelo.
Sendo o título “Paradigmas de la investigación pedagógica ”, não os
refere propriamente, exemplificando os paradigmas da ciência com o caso
dos paradigmas da psicologia (que considera serem também, de algum modo,
da comunidade de pedagogos), sem qualquer referência aos paradigmas de
investigação educacional, na época já identificados por alguns autores (cf. La
Orden, 1985a).
Por fim, Fernández Díaz resumiu os paradigmas de Doyle sobre a
eficácia docente: os paradigmas processo-produto, mediacional e ecológico de
aula (cf. Doyle, 1991/1985), justificando esta referência pelo facto de serem
“três tipos já clássicos na investigação educativa e mais especificamente na
investigação sobre a eficácia docente” e de serem “núcleo fundamental
dentro do campo da educação” (p. 186).

253
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 9 - (Paradigmas da investigação pedagógica) “Tipos de


investigação sobre a eficácia docente”, em:
FERNÁNDEZ DÍAZ, M. (1985) - Paradigmas de la investigación pedagógica.

(Paradigmas da investigação.
pedagógica)
Tipos de investigação sobre a
eficácia docente

Processo – produto Mediacional Ecológico de aula

254
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

4. CARR & KEMMIS (1986)


Esta obra é um clássico da teoria crítica aplicada ao estudo e ao
desenvolvimento da educação. Assume-se como um instrumento para dar
argumentos aos formadores de professores e aos investigadores para
justificarem um papel activo dos professores na investigação educacional, e
que esta não seja só uma matéria de especialistas académicos.
Assinalando os prós e os contras dos vários enfoques no estudo da
educação, os autores explicaram que o tema unificador do seu livro foi a
constatação de que: “os enfoques dominantes da investigação educativa, o
positivismo e o interpretativo, dão explicações inadequadas da relação entre
o teórico e o prático em educação” (p.215), além de que ambos os enfoques se
apoiam em princípios metodológicos idênticos, como por exemplo, ambos
supõem que podem descrever a realidade social de uma forma neutra.
A relação teoria/ prática é um dos focos condutores da argumentação
do texto em análise. Assim, Carr & Kemmis observaram que “a escolha
entre abordagens de investigação envolve uma escolha entre o carácter
presumido do ‘objecto’ de pesquisa (um ‘fenómeno’, como nas ciências físicas;
‘perspectivas’, como na ciência interpretativa; ou praxis historicamente
formada, como na ciência educacional crítica)” (p. 218), donde, cada uma das
abordagens tem uma perspectiva diferente da relação teoria/ prática.
Muita da investigação educativa é criticada porque omite “critérios
adequados que permitam distinguir as investigações genuinamente
educativas das de carácter teórico e, por consequência, não educativo”
(p.122). Posto que a experiência dos professores está na génese da maior
parte dos problemas sujeitos a investigação, a participação activa dos
docentes é imprescindível, sendo que a teoria só adquire validez educativa
quando é corrigida à luz das consequências práticas.

255
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Ou seja, as fontes da teoria e do conhecimento educacional não


residem nos conceitos, métodos, teorias e técnicas da investigação científica,
mas residem nas práticas educativas e é nas práticas que as teorias devem
ser geradas, desenvolvidas e aferidas, com o concurso dos professores, dos
investigadores, dos desenhadores do currículo, dos estudantes de todos
aqueles que participem nos contextos educativos.
Quanto às questões da natureza da investigação educacional elas
“não são questões acerca das muitas maneiras em que ela é levada à prática,
tanto quanto são questões acerca dos critérios em termos dos quais cada
uma e todas daquelas numerosas práticas podem ser julgadas” (p.107).
A finalidade da investigação educacional seria, então, “garantir que
as observações, as interpretações e os julgamentos dos práticos consigam ser
coerentes e racionais e, por conseguinte, adquiram um grau mais elevado de
objectividade científica ” (p.124).
Reconhecendo e enfatizando a associação entre a tradição curricular,
que assentava nas capacidades de pesquisa dos professores, e uma teoria
social que tem em vista a mudança, são aduzidos argumentos em favor de
uma ciência educacional crítica, cuja expressão metodológica seria a
investigação-acção. Assim, os professores, nas escolas deveriam:

“formar comunidades críticas de investigadores na acção que vão


incorporando progressivamente os estudantes e outros membros da
comunidade docente no seu esforço colaborativo da auto-reflexão. No
plano do sistema, isto significa que os conselheiros, os organizadores
e os desenhadores dos currículos têm que devolver a
responsabilidade das aprendizagens sobre os programas e sobre as
políticas associadas aos professores e aos que actuam sobre o
terreno, dando-lhes os recursos próprios. [...] A investigação social
emancipatória, como forma de ciência educacional crítica,
proporciona um meio para que seja possível a redefinição da
profissão docente e da investigação educativa com o objecto de
avançar com essa finalidade.” (p.224)

256
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 10 - “Oito tradições gerais no estudo da educação”, em:


CARR, W.; KEMMIS, S. (1986) - Becoming critical: education, knowledge
and action research.

Oito tradições gerais


no estudo da educação

Estudos A ciência Professores


filosóficos A abordagem como
aplicada, ou
sobre dos investigadores
a perspectiva
educação fundamentos
teórica e o
novo espírito
prático

A tradição
Teorização Teoria crítica
educacional O prático emergente
eminentes

257
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 11 - “Posições gerais no que respeita à natureza e objecto da


pesquisa cientifica”, em:
CARR, W.; KEMMIS, S. (1986) - Becoming critical: education, knowledge
and action research.

Posições gerais no que respeita à


natureza e objecto da pesquisa
científica

A perspectiva natural- A perspectiva Uma abordagem


científica da teoria e interpretativa da crítica à teoria e à
da prática teoria e da prática prática
educacionais educacionais (perspectiva crítica)
(perspectiva (perspectiva que conduz a uma
positivista) interpretativa) ciência educacional
crítica

Expressão
metodológica:
investigação-acção

258
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

5. POPKEWITZ (1988)
Segundo explicou o próprio autor (investigador e formador de
professores), Popkewitz (1988) começou por ser um manual para os seus
alunos. Contudo, o texto não se configura como um manual clássico, pois não
disponibiliza um conjunto de métodos e técnicas para uso no estudo da
educação, como é regra nos manuais clássicos.
Afirmando que “a investigação educativa é um tipo especial de
ciência social cujo foco é o ensino” (p.29), Popkewitz desenvolveu
considerações de ordem histórico-epistemológica sobre a investigação
educativa e sobre as funções do intelectual, com a finalidade de contribuir
para que os professores e os alunos desenvolvessem perspectivas críticas
relativamente à ciência.
Partindo da noção de paradigma de Kuhn, Popkewitz explicou que a
ciência da educação se desenvolveu em três paradigmas: empírico-analítico,
simbólico ou interpretativo e crítico (adaptados dos tipos de conhecimento
propostos por Habermas – empírico-analítico, histórico-hermêutico e crítico
– os quais não são estáticos, antes se encontram submetidos a processos de
mudança e debate contínuos).
Os desenvolvimentos dos paradigmas são contextualizados
historicamente, pois “além de constituir uma dinâmica social particular, a
ciência forma parte da história e é expressão das suas lutas e conflitos”
(p.82). Assim,

“As ciências empírico-analíticas desenvolveram-se no contexto do


crescimento da sociedade corporativa e perante a necessidade de um
enfoque científico da gestão, especialmente depois da década de
1930. As ciências simbólicas constituíram-se na área das ciências da
educação devido em parte às anomalias irresolúveis no marco das
ciências behavioristas. Ao mesmo tempo supuseram uma resposta ao
mal-estar social geral, derivado do sentimento de que os êxitos
tecnológicos alcançados não tinham servido para satisfazer as

259
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

necessidades espirituais e comunitárias dos indivíduos. Ditas


necessidades exigiam novos enfoques científicos centrados na
competência comunicativa e na coesão social.” (p.84)

Quanto às ciências críticas,

“formam parte, há muito, da herança cultural norte-americana, mas


consolidaram-se como interlocutores importantes no debate
académico dos anos sessenta, quando a guerra do Vietname e os
distúrbios urbanos, deram visibilidade à existência de desigualdades
específicas e limitações estruturais.” (p.82)

As ciências críticas receberam nova legitimidade, nos anos 80,


quando os seus antigos defensores alcançaram postos importantes nas
universidades.
Popkewitz reflectiu sobre as razões que levaram a que tardassem
tanto tempo a serem escutados os argumentos contra o pensamento
empírico-analítico: “À primeira vista resulta estranho que só agora se preste
atenção a certos métodos, quando as tradições que os sustentam são tão
antigas” (p.118).
Embora admitindo que nenhum dos paradigmas era superior ao
outro – pois “cada tradição intelectual oferece um ponto de vista privilegiado
desde onde examinar a conduta social” (p.85) – e embora reconhecendo
também que o paradigma empírico-analítico era dominante, Popkewitz
argumentou abertamente em favor de uma ciência crítica, guiada pelas
necessidades da prática e assente numa permanente reflexão.
Quanto às técnicas, admitiu que todas elas (metodologia de campo,
análises de amostras, interpretação matemática dos resultados) têm
aplicação em qualquer dos paradigmas, o que importa é o seu
enquadramento.
No que respeita ao valor da ciência social, Popkewitz defendeu que,
“contrariamente à crença dominante, o valor da ciência social não está na
utilidade dos conhecimentos que aporta, mas na sua capacidade de soltar e

260
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

libertar a consciência dos indivíduos para que estes considerem as


possibilidades da sua situação” (p.37).
Assim, “o carácter vital e criativo da ciência não está nas suas
virtudes técnicas "per se", mas numa imaginação lúdica combinada com
uma atenção minuciosa ao empírico” (p.234).
Para este autor, a investigação educacional não está desligada das
condições sociais em que acontece e os investigadores em educação agiriam
influenciados pelas condições sociais e pelo papel social em que se
encontram.
Sendo assim, Popkewitz relativizou o valor da ciência, num mundo
em que operam distintas ordens de valores, fazendo um forte chamamento à
responsabilidade dos intelectuais, lembrando que

“As ciências sociais e da educação são dialectos da linguagem.


Enquanto linguagem somente nos oferecem uma visão parcial do que
existe. A ciência resume e organiza os dados dispersos na própria
biografia, do mesmo modo que as perspectivas conceptuais brindam
ao indivíduo somente uma visão aproximada da condição humana.
Conceptualizar é efectuar uma operação transitiva com a realidade
que não reflecte nem copia a experiência, mas que permite supor que
as coisas ocorrem de acordo com certas pautas. O que parecem actos
de descobrimento são, na realidade, invenções.
Compreender que a ciência é uma invenção linguística conduz a
entender as suas limitações.” (p.228)

261
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 12 – “Paradigmas na ciência da educação”, em:


POPKEWITZ, Thomas (1988) - Paradigma e ideología en investigación
educativa: las funciones sociales del intelectual.

Paradigmas na ciência
da educação

Empírico-analítico Simbólico Crítico

262
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

6. KEEVES (1988A )
A grande maioria dos textos em Keeves (1988a) provém da
Enciclopédia dirigida por Husén & Postlethwaite (1991/1985).
O prefácio (Keeves, 1988c) e a introdução à secção um (Keeves,
1988b), contêm as referências mais relevantes quanto aos tópicos que
interessam ao presente trabalho.
As principais características da investigação educacional apontadas
foram a natureza complexa dos problemas educacionais e a sua natureza
multidisciplinar: “a investigação educacional é de natureza essencialmente
multidisciplinar” (Keeves, 1988b:5).
Com base na justeza de argumentos anteriormente avançados por
Popkewitz (1988/1984), segundo os quais os investigadores em educação
actuariam envolvidos em determinadas condições sociais e num
determinado papel social, é assumido que, “dependendo do contexto social no
qual a investigação é conduzida emergirão diferenças nas metodologias
usadas” (Keeves, 1988b:4).
Sendo assim, é declarado que se pretende oferecer “uma perspectiva
actualizada dos métodos de pesquisa que são usados na investigação de
problemas que surgem na área da educação” (Keeves, 1988c:xv).
Não obstante a notável variedade de perspectivas e de métodos
apresentados como estando em uso na pesquisa em educação, é
reiteradamente sustentado que “existe uma unidade na área que resulta
tanto das bases epistemológicas da pesquisa em problemas educacionais
[…], quanto de uma coerência que resulta de mudanças recentes na teoria
social” (Keeves, 1988c:xvii).
Em conformidade, é advertido que não era objectivo daquele manual

“argumentar sobre o uso de uma abordagem de preferência a outra,


mas antes apresentar a pluralidade de ópticas e perspectivas que

263
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

são empregues na investigação educacional. Além disso, […]


pretende destacar a unidade e a coerência que existe no campo da
investigação educacional, mais do que destacar as diferenças…”
(Keeves, 1988c:xix)

Esta posição torna-se mais evidente quando é realçado que, embora


nem todos os métodos tenham igual projecção e aceitação na área da
pesquisa em educação, eles são apresentados e considerados como
igualmente relevantes. Neste sentido, é propósito manifesto deste manual
“enfatizar a unidade e a coerência que existe na investigação educacional
mais do que enfatizar as diferenças de perspectiva e as divisões que surgem ”
(Keeves, 1988c:xix).
Para além do desenvolvimento dos métodos indicados nos diagramas
que se apresentam a seguir, são também desenvolvidos capítulos
subordinados aos temas: “A criação, difusão e utilização do conhecimento”;
“Medição em investigação educacional”; “Técnicas de investigação e análise
estatística”.

264
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 13 – “Métodos (paradigmas, abordagens) de investigação


educacional”, em:
KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research, methodology, and
measurement: an international handbook .

Métodos (paradigmas,
abordagens) de
investigação
educacional

Métodos de Métodos de Investigação de


investigação investigação orientação política
humanística científica

Unidade e coerência

265
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 14 – “Métodos de investigação educacional: métodos de


investigação humanística”, em:
KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research, methodology, and
measurement: an international handbook.

Métodos de investigação educacional

Métodos de Métodos de Investigação


investigação investigação de orientação
humanística científica política

Métodos históricos
Investigação-acção

Métodos de estudo
Teoria crítica
de caso

Métodos de
Hermenêutica
investigação
etnográficos

Metacognição História oral

Inquérito naturalista e
Professores como racionalista
investigadores

266
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 15 – “Métodos de investigação educacional: métodos de


investigação científica”, em:
KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research, methodology, and
measurement: an international handbook .

Métodos de investigação
educacional

Métodos de Métodos de Investigação de


investigação investigação orientação política
humanística científica

Estudos experimentais

Estudos de inquérito
transversais

Métodos de investigação
de inquéritos

Métodos de investigação
longitudinais
Estudos “tracer”

Simulação como técnica


de investigação
Estudos com gémeos

267
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 16 – “Métodos de investigação educacional: investigação de


orientações políticas”, em:
KEEVES, J., ed. (1988a) - Educational research, methodology, and
measurement: an international handbook .

Métodos de investigação
educacional

Métodos de Métodos de Investigação de


investigação investigação orientação política
humanística científica

Investigação
politicamente
orientada

Investigação
legitimadora

Investigação
participatória

Avaliação para
utilização

268
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

7. HUSÉN (1988)
Este texto de meta-análise foi inicialmente publicado em Husén &
Postlethwaite (1991/1985) e só depois em Keeves (1988a).129
Partindo da noção de paradigma de Kuhn, Husén reconheceu dois
paradigmas principais na investigação em educação: o paradigma
neopositivista e o paradigma humanista, oferecendo abundantes referências
sobre episódios e sobre o contexto histórico, especialmente do paradigma
neopositivista.
Quanto paradigma humanista, Husén caracterizou-o dizendo que ele
se desenvolvera em três tendências:
A primeira, influenciada por Dilthey e outros filósofos, que, ao longo
do século XIX, sustentaram que as humanidades tinham uma lógica de
pesquisa distinta da lógica das Ciências Naturais. De entre eles, o francês
H. Bergson (1859-1941), para quem a realidade só podia ser percebida
através da intuição e não pelo intelecto.
Outra tendência identificada por Husén no seio do paradigma
humanista foi a protagonizada por Husserl (1859-1938). A filosofia
fenomenológica enfatiza a hermenêutica como modo de compreensão das
questões humanas, ao tentar aprofundá-las até às origens, ao rejeitar a
fragmentação do objecto de estudo como método e preferindo a visão
holística e em contexto real.
Finalmente, a terceira tendência identificada foi a filosofia crítica de
escola de Frankfurt (de Adorno, Horkheimer e Habermas), influenciada pelo

129 Foi retomado em Keeves & Lakomsky (1999), em versão que também se analisa
no presente trabalho, com a referência Husén (1999).

269
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

neomarxismo. Aqui, a atenção foi para o estudo do indivíduo enquanto ser


humano, com motivos específicos e únicos que o diferenciam.
Husén concluiu que as práticas educacionais não são independentes
dos seus contextos, que são de evitar as posições dogmáticas quanto à
hegemonia de qualquer um dos dois paradigmas, que eles não são
exclusivos, mas complementares, e que são necessárias abordagens
pluralistas.

270
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 17 – “Paradigmas de investigação em educação”, em:


HUSÉN, T. (1988) - Research paradigms in education. In Keeves (1988)
(E em HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a).

Paradigmas de investigação em
educação

Neopositivista Humanista Pluralismo

271
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 18 – “Tendências do paradigma humanista”, em:


HUSÉN, T. (1988) - Research paradigms in education. In Keeves (1988).

Tendências do paradigma humanista

Idealismo Filosofia Filosofia crítica


continental fenomenológica (escola de
(Dilthey, (Husserl) Frankfurt)
Bergson, …)

272
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

8. WALKER & EVERS (1988)


Este texto de meta-análise (também publicado, com pequenas
alterações, em Keeves & Lakomski, 1999a; cf. Walker & Evers, 1999) rejeita
a teoria dos paradigmas em investigação educacional.
Parte da noção de que se a investigação educacional se ocupa “com a
orientação da pesquisa educacional e com o desenvolvimento e avaliação dos
seus métodos e conclusões, pressupõe um comprometimento com suposições
epistemológicas” (p.28), que se torna necessário discernir.
Assim, são sintetizadas várias posições face à existência e
coexistência dos paradigmas de investigação educacional.
Segundo estes autores, a teoria de que há paradigmas de
investigação em educação é apelidada de Teoria-P (“P-Theory”) e apresenta
duas versões.
Uma versão é a “tese da diversidade na oposição”, a qual parte da
existência de três paradigmas de investigação: o quantitativo, o qualitativo e
a teoria crítica.
Os dois primeiros correspondem a formas distintas e antagónicas de
estudar os fenómenos educativos. O debate entre eles não se restringe às
questões do uso ou não uso de procedimentos estatísticos; é também sobre
questões como a validade, objectividade, nível de confiança ou critérios de
verdade, sendo que cada paradigma põe em causa a lógica das justificações
do outro.
Quanto ao paradigma da teoria crítica, o critério de validade
destacado é a participação activa na promoção do bem-estar humano.
Outra versão da Teoria-P é a “tese da diversidade complementar,” a
qual terá progredido no ambiente de maior permissividade epistemológica
do pós-positivismo. Fundamentalmente, aquela tese admite que as diversas
tradições de investigação têm cabimento e não são necessariamente

273
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

conflituosas, ainda que sejam incomensuráveis (no sentido kuhniano do


termo, isto é, no sentido em que não se podem comparar porque não
partilham critérios de avaliação).
Porém, Walker & Evers argumentaram contra a Teoria-P,
fundamentando a incapacidade da Teoria-P para explicar, quer as práticas
actuais da investigação educacional, quer os contextos históricos e teóricos
das tradições de investigação.
Optaram antes por uma epistemologia coerentista, a “tese da
unidade epistemológica” da investigação educacional, admitindo a existência
de teorias, mas não de paradigmas e defendendo que existem conceitos,
hipóteses e regras metodológicas que não são partilhadas, o que não quer
dizer que sejam incomensuráveis.
A investigação educacional decorreria, assim, numa epistemologia
naturalista coerentista, uma espécie de “coerentismo, ou holismo
epistemológico. ... A epistemologia apoiar-se-ia numa teoria da evidência e
prova, numa relação pragmática entre “teoria” e “prática ”.130
A competição, que continuaria a verificar-se, ocorreria já não entre
paradigmas, como foi estabelecido por Kuhn, mas entre teorias, “incluindo
as terias de metodologia de investigação educacional.”131 O conhecimento
resultaria, assim, de teorias que seriam, antes de mais, instrumentos de
resolução de problemas.
O diagrama que se segue aplica-se também a Walker & Evers (1999).

130 Cf. Walker & Evers (1988:35) com Walker & Evers (1999:53-54).
131 Cf. Walker & Evers (1988:35) com Walker & Evers (1999:54).

274
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 19 – “Epistemologia naturalista coerentista”, em:


WALKER, J.; EVERS, C. (1999) – The epistemological unity of educational
research. In KEEVES (1988a).
(E em: WALKER & EVERS (1999) – Research in education: epistemological
issues. In KEEVES & LAKOMSKI (1999a).

Paradigmas

Epistemologia naturalista coerentista

275
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

9. SHULMAN (1989)
Texto que inicia o primeiro volume da obra de maior envergadura
Wittrock (1989a, b, c), em três volumes, tradução de “Handbook of Research
on Teaching”,132 patrocinada pela AERA (“American Educational Research
Association”).
Em Wittrock (1989a,b,c) afirma-se a pretensão de ser uma obra de
referência e reflectir as alterações produzidas na área, desde a publicação da
obra que a precedeu, o “Second handbook of research on teaching” (Travers,
1973). Por sua vez, este “second handbook” teria tido por missão actualizar
os conhecimentos do “Handbook of research on teaching” (Gage, 1963a).

Shulman (1989) é um texto de meta-análise focalizado numa área da


investigação educacional, a investigação sobre o ensino.133
Apesar de preferir as expressões “programas de investigação”, e
“perspectivas de investigação”, e apesar de afirmar discordar de algumas
explicações de Kuhn sobre o termo paradigma, usa, na mesma acepção,
“paradigma” e também “modo”.
Este texto defende que “todos os programas de investigação surgem
de uma determinada perspectiva, uma predisposição desde a convenção ou a
disciplina, que necessariamente ilumina uma parte do campo do ensino, ao
mesmo tempo que ignora o resto” (p.11).

132 Wittrock (1989) foi inicialmente publicado, na versão original, em 1986.


133
Como já foi dito no Capítulo cinco, a investigação sobre o ensino é considerada
um campo expressivo da investigação educacional, pelo que os textos deste
campo podem ser tomados como lugares privilegiados de observação das
tendências da investigação educacional.

276
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

De acordo com Shulman, considerando que “todo o programa de


investigação é, em princípio, insuficiente” (p.81), torna-se necessário pôr em
prática uma estratégia mais ampla de investigação que recorra a distintas
perspectivas e métodos, de preferência, de forma organizada e orientada.
Esta proposta, e ainda segundo Shulman, estaria na linha das propostas de
outros autores, entre elas, aquilo que Schwab havia designado de “grande
estratégia”, e Cronbach de “ciência social ecléctica”.
Neste sentido, Shulman considerou que a coexistência de
paradigmas e de linhas de investigação distintas é sinal de maturidade das
Ciências Sociais (declarando discordar, nesse ponto, da opinião de Kuhn),
Shulman afirmou que não há um paradigma de investigação único,
mas sim diversidade metodológica, sendo que os programas de investigação
“constituem uma escolha constante entre uma multidão de unidades de
investigação alternativas para estudar o ensino” (participantes, atributos,
conteúdos, perspectivas, …) (p.67). As perspectivas básicas de investigação
identificadas foram: a positivista/ em busca de leis; e a orientada para a
interpretação pessoal de significado.
A situação descrita fomenta a aparição de “modelos «híbridos», que
conjugam experimentação com etnografia ” (p.11), por exemplo, e que
estimulam uma “Grande Conversação”, necessária para promover um
debate activo e permanente entre todos os investigadores da educação,
quaisquer que sejam a perspectivas de trabalho. Neste contexto, estaria a
preparar-se

“uma nova geração de estudiosos que são verdadeiros metodólogos


da investigação, isto é, que são capazes de utilizar enfoques
alternativos para afrontar problemas tal como estão formulados, ao
contrário dos metodólogos de uma geração atrás.” (p.83)

277
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 20 – “Perspectivas de investigação”, em:


SHULMAN, L. (1989) - Paradigmas y programas de investigación en el
estudio de la enseñanza: una perspectiva contemporánea.

Perspectivas de
investigação

Positivista/em busca de Orientada para a


leis interpretação pessoal
de significado

Ausência de um paradigma de investigação único; diversidade


metodológica
Grandes Grande
estratégias conversação

278
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

10. BIDDLE & ANDERSON (1989)


Tal como o anterior, este texto está incluído em Wittrock (1989a). Tal
como o anterior, também este texto, que se debruça sobre uma área
específica da investigação educacional, a investigação sobre o ensino,
constitui um ponto de análise privilegiado porque desenvolve a sua
argumentação a partir dos enfoques mais gerais da ciência social.
Neste texto são reconhecidos três enfoques/ perspectivas da ciência
social: perspectiva de comprovação de hipóteses (pois são colocadas objecções
às designações quantitativo e positivismo); perspectiva de exploração ou de
descoberta; e perspectiva integradora.
Sendo reconhecido que os trabalhos que se realizam na perspectiva
da comprovação de hipóteses estão em maioria nas ciências sociais, é
reconhecido também que, apesar de muitos investigadores formados naquela
perspectiva rejeitarem muitas destas características, os projectos nesta
tradição

“centram-se em perguntas específicas a que há que responder,


requerem desenhos de investigação e provas incontestáveis, dão por
assente a existência de relações simples entre termos, conceitos e
métodos, não se centram em nenhuma teoria e pressupõem a
aplicação directa das conclusões da investigação à planificação de
políticas.” (p.97)

Quanto à perspectiva de descoberta, nela são incluídos os trabalhos


de etnometodólogos, hermeneutas, a crítica marxista, autores críticos e
outros e todos “partilham a convicção de que os conceitos e as explicações
sociais se constroem socialmente ao mesmo tempo pelos cidadãos e pelos
cientistas sociais” (p.110). A perspectiva de descoberta é tida, por Biddle &
Anderson, como útil a sugerir teorias, mas fraca a verificá-las.

279
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Os autores consideraram que estas duas perspectivas são


necessárias e têm objectivos complementares.
A perspectiva integradora, defendida no texto em análise, pretende
reunir os critérios da perspectiva de comprovação de hipóteses e da
perspectiva de exploração ou de descoberta, conferindo um papel chave à
teoria. A perspectiva integradora configura um ponto de vista alargado
sobre a investigação (qualquer que seja a área) e “acentua o papel chave da
teoria no que se refere a preencher os vácuos existentes entre as actividades
de investigação, os conhecimento presumivelmente obtidos e o
estabelecimento de políticas” (p.95).
As principais diferenças entre a perspectiva integradora e as
restantes perspectivas são que

“tem menor tendência a pressupor que os dados estabelecem


“factos”. Assume-se, por outro lado, que os dados sugerem teoria e o
propósito da investigação social é concebê-la e verificá-la […].
Comparada com a investigação para a descoberta, a perspectiva
integradora aceita em maior medida o valor dos métodos
quantitativos e a validez de confrontar hipóteses com dados.” (p.122-
123)

No texto em análise são também explicitados os vários métodos que


estão normalmente associados aos três enfoques da ciência social (por
exemplo: experiências manipulativas associadas à perspectiva de
comprovação de hipóteses; métodos etnográficos, associados à perspectiva de
exploração; investigação longitudinal, associada à perspectiva de
comprovação de hipóteses).

280
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 21 – “Enfoques da ciência social”, em:


BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoria, métodos, conocimiento y
investigación sobre la enseñanza.

Enfoques da ciência
social

Perspectiva
integradora
(integra as duas
perspectivas,
Perspectiva de Perspectiva de conferindo um
comprovação exploração ou de papel chave à
de hipóteses descoberta teoria)

281
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 22 – “Enfoques da ciência social: perspectiva de comprovação


de hipóteses”, em:
BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoria, métodos, conocimiento y
investigación sobre la enseñanza.

Enfoques da ciência social

Perspectiva de Perspectiva de Perspectiva


comprovação de exploração ou de integradora
hipóteses descoberta

Sondagens por Experiências Recensões e


amostragem manipulativas meta-análises

282
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 23 – “Enfoques da ciência social: perspectiva de exploração ou


de descoberta”, em:
BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoria, métodos, conocimiento y
investigación sobre la enseñanza.

Enfoques da ciência social

Perspectiva de Perspectiva de Perspectiva


comprovação de exploração ou de integradora
hipóteses descoberta

Métodos
Investigação na
etnográficos
acção
(estudo de caso)

Recordação
estimulada

Análise Outros métodos


semântica de descoberta
Outros
(n)

283
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 24 – “Enfoques da ciência social: perspectiva integradora”, em:


BIDDLE, B.; ANDERSON, D. (1989) – Teoría, métodos, conocimiento y
investigación sobre la enseñanza.

Enfoques da ciência social

Perspectiva de Perspectiva de Perspectiva


comprovação de exploração ou de integradora
hipóteses descoberta

Investigação Investigação Investigação Outras


comparativa sobre a longitudinal (n)
interacção
tratamento-
aptidão

284
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

11. FENSTERMACHER (1989)


Trata-se de um texto de meta-análise, incluído em Wittrock (1989a),
que, tal como os dois textos anteriormente tratados neste capítulo, tendo por
foco a investigação sobre o ensino, parte do enquadramento mais amplo da
investigação educacional.
Nele, pretende-se demonstrar “como pode trabalhar a ciência em
educação, de maneiras que consigam educar” (p.176), sendo que a ciência
acaba por ser entendida como uma espécie de filosofia humanista
Reconhecendo diferentes modos de investigar a educação – métodos
quantitativos e métodos qualitativos – defende o pluralismo metodológico.
Este pluralismo não seria resultado de uma síntese ou fusão dos métodos
quantitativos e dos métodos qualitativos, mas “trata-se antes que o
pluralismo metodológico na investigação sobre a educação se converta numa
posição factível justificada quando se estabeleça uma clara distinção entre a
produção ou geração de conhecimento e o uso ou aplicação desse
conhecimento” (p.163).
O pluralismo metodológico na investigação sobre a educação é
argumentado a partir de um determinado “ponto de vista sobre a natureza e
a utilização dos raciocínios práticos” (p.167).
Assim, é sustentado que a afirmação de que investigação sobre a
educação é benéfica para as práticas não depende de que os seus resultados
revertam directamente na melhoria das práticas, mas sim que “o critério de
benefício deveria ser o aperfeiçoamento dos raciocínios práticos nas mentes
dos professores e de outros profissionais” (p.167). Ou seja, o valor da
investigação da educação não consistiria na sua aplicação directa na prática
docente, mas na sua capacidade de ajudar “a conhecer e a compreender certa
limitada gama de fenómenos educativos” (p.175).

285
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 25 – “Métodos na investigação sobre a educação” em:


FENSTERMACHER, G. (1989) - Tres aspectos de la filosofía de la
investigación de la enseñanza.

Métodos de investigação sobre


a educação

Métodos Métodos Pluralismo


quantitativos qualitativos metodológico

286
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

12. BORG & GALL (1989)


Este extenso manual, um dos clássicos da investigação educacional,
começou a ser editado em 1963.
As suas intenções pedagógicas são assumidas logo a partir das notas
iniciais dirigidas aos docentes e aos estudantes de investigação educacional,
chamando a atenção para o facto de a edição mais recente conter bastantes
alterações relativamente às edições anteriores.
Considerando que “o objectivo da investigação educacional é
descobrir novo conhecimento sobre ensino, aprendizagem, administração e
outros fenómenos educacionais”, neste manual é reconhecido que, “nas
últimas décadas, as águas ficaram lamacentas” (p.15) quanto ao que se
entende por conhecimento, processos de obtenção de conhecimento ou
fenómenos dignos de serem estudados.
As discussões teóricas suscitadas por estas novas questões na área
da investigação educacional estão particularmente patentes em alguns
capítulos. Assim, aqueles capítulos que sofreram modificações mais
profundas são os relativos à fundamentação teórica, com a “introdução às
filosofias da ciência positivista e pós-positivista e sua aplicação à educação”
(p.xxi),134 bem como os capítulos dedicados à investigação qualitativa, sendo
um deles (“Investigação qualitativa ”), totalmente novo.
Neste texto são abordadas várias tradições, tipos, métodos e técnicas
(como se pode apreciar nos diagramas que se seguem), com amplos e
detalhados desenvolvimentos e enquadramentos histórico-epistemológicos.

134
Recorde-se que, como já foi anotado no Capítulo quatro, para Borg & Gall (1989),
pós-positivismo tem o sentido de qualitativo, diferente, portanto, do sentido nos
textos de D. Phillips, já citados.

287
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

São reconhecidas, basicamente, duas tradições nas metodologias da


investigação educacional: a investigação quantitativa e a investigação
qualitativa. É privilegiada a investigação quantitativa, sendo esclarecido,
contudo, que “tanto o paradigma quantitativo como o qualitativo são formas
legítimas de pesquisa científica ” (p.381).
Segundo Borg & Gall, a investigação educacional pode ser
enquadrada em várias tipologias classificativas, que têm em atenção
determinados aspectos: tópico; finalidade; natureza exploratória ou
confirmatória; investigação básica ou aplicada.
Como outros tipos de investigação educacional, são apontados:
investigação avaliativa; investigação educacional e desenvolvimento;
técnicas de investigação histórica, qualquer um deles tido como necessário
para o aperfeiçoamento da educação.

288
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 26 – “Principais tradições na metodologia de investigação


educacional”, em:
BORG, W.; GALL, M. (1989) - Educational research: an introduction.

Principais tradições na metodologia de


investigação educacional

Investigação quantitativa e Investigação qualitativa


análise estatística

289
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 27 – “Tipos de investigação educacional”, em:


BORG, W.; GALL, M. (1989) - Educational research: an introduction .

Tipos de investigação
educacional

Tópico Finalidade Exploração Investigação


(fenómenos (descrição, versus básica
investigados) predição, confirmação versus
controlo/ aplicada
aperfeiçoamento,
explicação

290
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 28 – “Tipos básicos de investigação educacional (especialmente


na investigação quantitativa)”, em:
BORG, W.; GALL, M. (1989) - Educational research: an introduction .

Tipos básicos de investigação


educacional (especialmente
na investigação quantitativa)

Investigação Método Desenhos


por causal- experimentais
inquérito comparativo

Investigação Método
observacional correlacional

291
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 29 – “Outros tipos de investigação”, em:


BORG, W.; GALL, M. (1989) - Educational research: an introduction .

Outros tipos de
investigação

Investigação
Investigação educacional e Técnicas de
avaliativa desenvolvimento investigação
educacional histórica

Modelos de avaliação Modelos de avaliação


quantitativamente qualitativamente
orientados orientados

292
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

13. BISQUERRA (1989)


É um manual no sentido clássico do termo que oferece um
enquadramento histórico-epistemológico das suas propostas e descreve, em
pormenor, diversos métodos e técnicas de investigação.
Reconhecendo as dificuldades em definir e delimitar o campo da
investigação educacional, bem como alguns dos seus principais
desenvolvimentos histórico-epistemológicos, parte de uma proposta de
definição daquela, nos seguintes termos:

“Tendo presente que uma definição única deixa sempre muito pobre
um conceito tão amplo como a metodologia de investigação, o qual se
compreende somente depois de ter lido muitas páginas sobre o tema,
podemos tentar expressar o conceito actual de investigação
educacional como um ‘conjunto sistemático de conhecimentos acerca
da metodologia científica aplicada à investigação qualitativa de
carácter empírico’.” (p.8)

Nele são reconhecidos quatro paradigmas de investigação


pedagógica: positivista, interpretativo, crítico e emergente, além de
diversidade de outras classificações de métodos em uso.
A designação paradigma emergente é justificada porque “está em
processo de se constituir” (p.52). Ele é considerado porque os restantes
paradigmas apresentam, por si sós, limitações. Este paradigma
corresponderá a tentativas de conseguir a síntese entre os métodos
quantitativos e qualitativos, centradas no objectivo de mudar para melhorar
o sistema. Bisquerra advertiu, contudo, que as características do que chama
paradigma emergente não estão claramente definidas.
São referidas, também, as posições de alguns autores que
consideram apenas dois paradigmas (quantitativo e qualitativo).

293
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 30 – “Paradigmas da investigação pedagógica”, em:


BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica.

Paradigmas da investigação
pedagógica

Positivista Interpretativo Crítico Emergente

294
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 31 – “Métodos de investigação educativa”, em:


BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica.

Métodos de
investigação educativa

Estudos Investigação Metodologia


descritivos “ex post- qualitativa
facto”

Meta-análise Investigação-
Investigação acção
experimental

295
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 32 – “Métodos de investigação educativa: estudos descritivos”,


em:
BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica.

Métodos de investigação

Estudos descritivos Investigação experimental

Investigação “ex post-facto” Meta-análise

Metodologia qualitativa Investigação-acção

Estudos de
desenvolvimento
Longitudinais
Estudos de sondagem

Transversais
Estudos de observação

Cohortes
Estudos de correlação

De casos
Investigação avaliativa

Investigação histórica

Etnografia

Constructos pessoais

296
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 33 – “Metodologia qualitativa”, em:


BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica.

Metodologia qualitativa

Investigação Enfoque etogenético Interaccionismo


naturalista simbólico

Investigação Etnometodologia
etnográfica

297
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 34 – “Investigação-acção”, em:


BISQUERRA, R. (1989) - Métodos de investigación educativa: guia práctica.

Investigação-acção

Investigação
orientada Investigação Investigação Professor
para decisões participativa cooperativa investigador

Investigação
Investigação operativa e desenvolvimento

298
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

14. COHEN & MANION (1990)


Aceitando que “a palavra «ciência», em si mesma, implica ambas as
perspectivas, a normativa e a interpretativa ”, Cohen & Manion
esclareceram que, quando falam de investigação educativa, têm presente a
aplicação dos princípios da ciência social “aos problemas de ensinar e
aprender dentro do marco educativo formal e à clarificação dos temas que
tenham conexão directa ou indirecta com tais conceitos” (p.74).
Partindo da distinção de dois paradigmas de estudo do
comportamento – normativo e interpretativo – esta obra desenvolve diversos
métodos de investigação educativa, numa estrutura com alguma
originalidade, face ao conjunto dos restantes textos analisados, pois dá
tratamento de relevo idêntico, por exemplo, à experimentação que, tem larga
tradição no âmbito da investigação educacional, e ao psicodrama, que não
costuma ser referido como metodologia de investigação em educação
Trata-se de um manual que desenvolve questões histórico-
epistemológicas, metodológicas e técnicas, e relacionadas com cada um dos
distintos métodos de investigação que considera, com vários exemplos e
procurando um equilíbrio entre eles, no pressuposto de que todos têm o seu
lugar na pesquisa educacional.

299
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 35 – “Paradigmas (métodos) de estudo de comportamento”, em:


COHEN, L.; MANION, I. (1990) - Métodos de investigación educativa .

Paradigmas (métodos) de estudo


do comportamento

Normativo Interpretativo

300
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 36 - “Métodos de investigação educativa”, em:


COHEN, L.; MANION, I. (1990) - Métodos de investigación educativa .

Métodos de investigação
educativa

Investigação histórica
Investigação descritiva

Sondagens

Estudo de casos

Investigação correlacional

Investigação “ex post facto”

Experiências, quasi
experiências e investigação
de caso único
Investigação-acção

Relatórios
Triangulação

Psicodrama

Entrevista

Construções pessoais

Medida multidimensional

301
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

15. SOLTIS (1992)


Este texto de meta-análise corresponde a uma entrada na 6.ª edição
da “Encyclopedia of Educational Research”. 135
Partindo do conceito kuhniano de paradigma, Soltis (1992:620)
reconheceu que,

“Na actualidade, na investigação educacional, há três paradigmas


principais, ou três modos diferentes de investigar aspectos
importantes da educação. Eles são os paradigmas positivista,
interpretativista e teóricos críticos.”

Soltis admitiu que os paradigmas que apontou coexistem, mas nem


sempre de forma pacífica:

“estes três paradigmas coexistem num estado de tolerância e luta,


cada um clamando superioridade em método e finalidade.
Obviamente, cada um deles ajuda os educadores a estudar e a
compreender aspectos importantes da educação: o tecnológico, o
interpessoal e o político.” 136

135 Atkin (1992). Trata-se, como já se disse, da mesma enciclopédia que inclui o
texto Travers (1992), analisado no Capítulo três do presente trabalho.
136 Soltis (1992:621), apoiando-se em Gage.

302
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 37 – “Paradigmas de investigação educacional”, em:


SOLTIS, J. (1992) - Inquiry paradigms. In ATKIN, M. - Encyclopedia of
educational research . 6.ª ed.

Paradigmas de investigação educacional

Investigação Investigação Teóricos


positivista interpretativa críticos

303
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

16. ARNAL ET AL (1992)


Esta obra corresponde a uma definição clássica de manual, pois
disponibiliza, não apenas enquadramentos de ordem epistemológica sobre a
investigação educacional, mas também notável diversidade de informações
sobre métodos e técnicas de investigação em educação.
Passando em revista distintas definições sobre o que é a investigação
educativa, desde as definições de autores conotados com a perspectiva
empírico-analítica até às posições mais recentes, influenciadas pelas
perspectivas interpretativa e crítica, Arnal et al definiram a disciplina de
investigação educacional como aquela que se ocupa “das questões e
problemas relativos à natureza, epistemologia, metodologia, fins e objectivos
no marco da busca progressiva de conhecimento no âmbito educativo” (p.35).
A situação (então), actual desta disciplina convergiria na “defesa de
uma concepção da investigação educativa mais aberta, flexível, participativa
e acessível aos profissionais da educação, comprometida com a resolução de
problemas colocados desde a própria realidade educativa ” (p.36).
Neste sentido, são destacadas as características fundamentais da
investigação educacional (multidisciplinar, dificuldades de generalização,
relação peculiar entre o investigador e o investigado, …), em confronto com
as características das ciências naturais.
Partindo do conceito kuhniano de paradigma, a obra desenvolve a
sua apresentação reconhecendo três paradigmas – positivista, interpretativo
e crítico – referindo também as várias posições sobre as questões da
compatibilidade dos mesmos.
Arnal et al explanaram detalhadamente três metodologias de
investigação educativa, relacionadas com cada um dos três paradigmas
considerados: “Metodologias de investigação educativa de perspectiva
empírico-analítica”; “Metodologias de investigação educativa de perspectiva

304
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

humanístico-interpretativa” e “Investigação mais orientada para a prática


educativa: decisão e mudança”, explicando os respectivos métodos e técnicas
mais associados.
Sobre a “Investigação mais orientada para a prática educativa:
decisão e mudança” são expostos os temas “Investigação avaliativa e
Investigação-acção”, no desenvolvimento dos quais não são evidentes todos
os traços caracterizadores do paradigma crítico. Esta situação pode ser
interpretada como sinal de que nem tudo está suficiente claro na
configuração deste paradigma.
Os autores consideraram que “a era pós-positivista actual […]
caracteriza-se por uma aceitação da diversidade epistemológica e a
pluralidade metodológica ” (p.38).

305
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 38 – “Paradigmas de investigação educativa”, em:


ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación
educativa: fundamentos y metodología .

Paradigmas de investigação
educativa

Positivista Interpretativo Sociocrítico

306
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 39 – “Metodologias de investigação educativa”, em:


ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación
educativa: fundamentos y metodología.

Metodologias de investigação
educativa

De perspectiva De perspectiva Investigação mais


empírico- humanístico- orientada para a
analítica interpretativa prática educativa:
decisão e mudança

307
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 40 – “Metodologias de investigação educativa: perspectiva


empírico-analítica”, em:
ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación
educativa: fundamentos y metodología .

Metodologias de investigação
educativa

De perspectiva De perspectiva Investigação mais


empírico- humanístico- orientada para a
analítica interpretativa prática educativa:
decisão e mudança

Experimental Quasi experimental Não experimental

Método Métodos Métodos


comparativo descritivos baseados na
casual correlação

308
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 41 – “Metodologias de investigação educativa: de perspectiva


humanístico-interpretativa”, em:
ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación
educativa: fundamentos y metodología .

Metodologias de investigação
educativa

De perspectiva De perspectiva Investigação mais


empírico- humanístico- orientada para a
analítica interpretativa prática educativa:
decisão e mudança

Perspectivas de Investigação Estudo de


orientação etnográfica casos
interpretativa

Fenomenologia

Etnometodologia

Interaccionismo simbólico

309
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 42 – “Metodologias de investigação educativa: investigação


mais orientada para a prática educativa”, em:
ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992) - Investigación
educativa: fundamentos y metodología .

Metodologias de investigação
educativa

De perspectiva De perspectiva Investigação mais


empírico- humanístico- orientada para a
analítica interpretativa prática educativa:
decisão e mudança

Investigação Investigação-
avaliativa acção

310
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

17. BEST & KAHN (1993)


É um manual clássico, oferecendo considerações de ordem
epistemológica bem como descrições detalhadas sobre métodos e técnicas de
investigação.
Começou a ser editado em 1959, sendo a edição consultada a 7.ª, de
1993.
Cabe aqui anotar que, aparentemente, Best & Kahn (1993)
corresponde à actualização de Best (1982/1970). A comparação de ambos os
manuais mostrou que a edição de 1982 apenas contém breves referências
aos métodos de inspiração pós-positivista (ou seja, na terminologia de Best
& Kahn, aos métodos qualitativos, como já foi referido no Capítulo quatro).
Já a edição de 1993 tem um capítulo (o Capítulo dez) exclusivamente sobre
aquele tema.
Best & Kahn (1993) oferece uma variedade inusitada de
sistematizações da investigação educacional (paradigmas, categorias, tipos).
De acordo com este manual, as metodologias de investigação podem
ser divididas em dois grandes paradigmas: o positivismo lógico e a
investigação fenomenológica, sendo que a primeira é dominante na
investigação educacional.
Embora seja abordado o tema da investigação qualitativa, Best &
Kahn esclareceram que todos os desenvolvimentos que disponibilizam são
fundamentados no positivismo lógico.
Abordaram também a investigação-acção em termos abonatórios,
contudo, de uma forma assaz lacónica.

311
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 43 – “Paradigmas de investigação educacional”, em:


BEST, J.; KAHN, J. (1993) - Research in education .

Paradigmas de investigação
educacional

Positivismo lógico Investigação


fenomenológica

312
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 44 – “Categorias de investigação”, em:


BEST, J.; KAHN, J. (1993) - Research in education .

Categorias de investigação

Investigação quantitativa Investigação qualitativa

313
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 45 – “Finalidades da investigação”, em:


BEST, J.; KAHN, J. (1993) - Research in education .

Finalidades da investigação

Investigação Investigação Investigação-


fundamental aplicada -acção
ou básica

314
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 46 – “Tipos de investigação educacional”, em:


BEST, J.; KAHN, J. (1993) - Research in education .

Tipos de investigação
educacional

Investigação Investigação Investigação


histórica experimental e qualitativa
quasi-experimental

Estudos Investigação
descritivos experimental de
sujeito único

315
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

18. BERGER (1993)


Texto de meta-análise que, partindo da abordagem da problemática
da identidade da investigação em educação, situa os desafios mais
importantes das Ciências Sociais e Humanas na apreensão da articulação
das trajectórias simultaneamente individuais e colectivas.
Berger (1993:25) considerou dois modelos de investigação nas
Ciências Sociais. O modelo

“tributário do modelo dominante nas Ciências Físicas, das Ciências


Naturais. Situamo-nos numa posição capaz de saber o que os outros
não sabem sobre a sua própria prática, produzindo um olhar exterior
sobre comportamentos considerados como cegos e desprovidos de
saber sobre eles próprios.”

E o modelo no qual, “a tarefa do investigador, a tarefa de construção


do saber, é precisamente ir buscar junto daqueles que sabem, o discurso de
que são portadores”.
A partir destes dois modelos, o discurso desenvolve-se na
apresentação de um conjunto de “problemáticas quase inevitáveis e
incontornáveis pelas quais toda a pesquisa em educação não pode deixar de
passar” (p.32), desenroladas num sistema de epistemologias antagónicas:
“epistemologia da explicação” versus “epistemologia da implicação”;
“epistemologia do olhar” versus “epistemologia da escuta”; “epistemologia da
objectividade” versus “epistemologia do sentido”.
Colocando explicitamente o problema da identidade da investigação
em educação, afirma-se que a situação nas Ciências da Educação é
caracterizada como uma situação de regresso a “tendências de uma
fenomenologia entendida como uma tentativa de descrever o fenómeno
educativo de uma forma mais modesta mas o mais rica possível” (p.35).

316
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Neste sentido, as tendências identificadas por Berger (p.35-36), nas


Ciências da Educação, foram: “Tendência para que o olhar etnográfico ocupe
uma posição central”; “tendência [de] um regresso aos procedimentos
clínicos” (“depois de uma espécie de um desvio por um objectivismo que se
queria positivo e eficaz”); “tendência para mudança de objecto de
investigação”, procurando a articulação entre o individual e o social,
operando não no macro nem no micro sistema, mas num nível intermédio,
num esforço de apreensão da complexidade.

317
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 47 – “Modelos globais de abordagens do saber no domínio das


ciências sociais em geral, e no domínio das ciências da educação em
particular”, em:
BERGER, G. (1993) - A investigação em educação: Modelos sócio-
epistemológicos e inserção institucional.

Modelos globais de abordagens do saber …

Modelo tributário do A tarefa do investigador, a


modelo dominante nas tarefa de construção do saber,
Ciências Físicas, das é precisamente ir buscar junto
Ciências Naturais daqueles que sabem, o discurso
de que são portadores

318
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 48 – “Problemáticas quase inevitáveis e incontornáveis pelas


quais toda a pesquisa em educação não pode deixar de passar”, em:
BERGER, G. (1993) - A investigação em educação: Modelos sócio-
epistemológicos e inserção institucional.

Problemáticas quase inevitáveis e


incontornáveis pelas quais toda a pesquisa em
educação não pode deixar de passar

Epistemologia da Epistemologia da
explicação implicação

Epistemologia do olhar Epistemologia da escuta

Epistemologia da Epistemologia do sentido


objectividade

319
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 49 – “Tendências de uma fenomenologia entendida como uma


tentativa de descrever o fenómeno educativo de uma forma mais modesta
mas o mais rica possível”, em:
BERGER, G. (1993) - A investigação em educação: Modelos sócio-
epistemológicos e inserção institucional.

Tendências de uma fenomenologia entendida como


uma tentativa de descrever o fenómeno educativo de
uma forma mais modesta mas o mais rica possível

Tendência Tendência do Tendência para


para que o regresso aos mudança de objecto de
olhar procedimentos investigação,
etnográfico clínicos (depois procurando a
ocupe uma de uma espécie articulação entre o
posição de desvio por individual e o social,
central um operando não no macro
objectivismo nem no micro sistema,
que se queria mas num nível
positivo e intermédio, num esforço
eficaz) de apreensão da
complexidade

Outras (n)

320
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

19. HITCHCOCK & HUGHES (1995)


Em Hitchcock & Hughes (1995) são confrontados os paradigmas/
modelos/ abordagens: científico-positivista; qualitativo; investigação-acção;
avaliação.
Reconhecendo estes quatro paradigmas na investigação social e
educacional, esta obra privilegia o paradigma qualitativo, de forma a tornar
acessível aos professores a condução de projectos de investigação nas
escolas.
Salvaguardado que não se exige que todos os professores sejam
investigadores, é defendido que “um conhecimento e compreensão da
investigação e da pesquisa críticas ajudarão os professores a avaliar de
forma mais eficaz a qualidade e significado das evidencias e das
reivindicações acerca do ensino e da aprendizagem .” (p.3)
Tendo em vista esta finalidade, e, portanto, tendo em atenção o
intrincado das relações teoria/ prática, os autores desenvolveram técnicas de
investigação qualitativa que, respondendo a critérios de rigor e de utilidade,
pudessem, simultaneamente, contribuir para as mudanças na natureza do
papel dos professores, na educação actual: técnicas etnográficas; entrevistas;
histórias de vida; uso de documentos; análise de interacções e de espaços;
estudo de caso, segundo diferentes desenhos de pesquisa.
O texto em análise dedica também atenção ao papel da escrita como
parte do processo da investigação qualitativa.

321
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 50 – “Paradigmas/modelos/abordagens na investigação social e


na investigação educacional”, em:
HITCHCOOK, G.; HUGHES, D. (1995) - Research and the teacher: a
qualitative introduction to school-based research .

Paradigmas/modelos/abordagens na
investigação social e na investigação
educacional

O modelo Abordagens Investigação (Abordagem)


(paradigma) (paradigmas) -acção Avaliação
científico- qualitativas
positivo

322
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 51 – “Técnicas de investigação qualitativa”, em:


HITCHCOOK, G.; HUGHES, D. (1995) - Research and the teacher: a
qualitative introduction to school-based research.

Técnicas de investigação
qualitativa

Interacção Estudo
Trabalho Biografias: a
em escolas e de caso
de campo entrevista na
etnográfico história de vida salas de aula

Usando Espaço e interacção em


Entrevistar;
documentos escolas e salas de aulas
colocar
questões;
conversas

323
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama (Quadro) n.º 52 – Cópia do original, pag. 7, “Tipos de desenho de


investigação”, em:
HITCHCOOK, G.; HUGHES, D. (1995) - Research and the teacher: a
qualitative introduction to school-based research.

RESEARCH DESIGN  DATA COLLECTION  DATA ANALYSIS

Experimental

Survey

Evaluation

Case study

Action research

Qualitative/ Ethnographic/ Case study

Feminist

324
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

20. ALMEIDA & FREIRE (1997)


Este livro apresenta-se como um manual, pois, “pensado para alunos
e profissionais da Psicologia e da Educação, este livro descreve as fases e
procedimentos de uma investigação” (p.13).
Sendo uma obra sobre investigação em psicologia e em educação,
reconhece duas perspectivas básicas de investigação: empírico-analítica e
humanista-interpretativa, considerando que “a investigação psicológica e
educacional ficaria […] pobre quando reduzida ” (p.28) apenas a uma das
perspectivas.
São consideradas três modalidades mais frequentes na investigação
psico-educativa: quantitativo-experimental, quantitativo-correlacional e
qualitativa (a qual integra a investigação-acção).
Este manual explora métodos e técnicas que são usados por qualquer
uma das abordagens identificadas, mas não dedica particular atenção às
técnicas específicas da abordagem humanístico-interpretativa.

325
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 53 – “Perspectivas básicas das investigações” (em psicologia),


em:
ALMEIDA, L.; FREIRE, T. (1997) - Metodologia da investigação em
psicologia e educação.

Perspectivas básicas das


investigações

Empírica-analítica Humanista-
interpretativa

326
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 54 – “Modalidades mais frequentes de investigação psico-


educativa”, em:
ALMEIDA, L.; FREIRE, T. (1997) - Metodologia da investigação em
psicologia e educação.

Modalidades de investigação psico-educativa

Quantitativo- Quantitativo- Qualitativa


experimental correlacional

Investigação-acção

Outros (n)

327
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

21. KEEVES & LAKOMSKI (1999A)


Trata-se de uma obra que se apresenta como tendo sido elaborada a
partir da enciclopédia Husén & Postlethwaite, primeira edição (Husén &
Postlethwaite, 1991/1985) e segunda edição, de 1994.
Aparentando ser herdeira também de Keeves (1988a),137 não é um
manual clássico, antes um conjunto de textos de meta-análise, o que explica
que o termo “handbook” (manual), presente no título de Keeves (1988a),
tenha sido substituído por “issues” (questões, temas).
Alguns textos desta obra são praticamente iguais aos das obras de
que deriva, outros sofreram leves alterações, outros foram substancialmente
alterados, outros, ainda, não fazem parte do elenco de textos em Keeves
(1988a). O prefácio (Keeves & Lakomski, 1999b) e a conclusão (Lakomski,
1999) permitem captar o sentido geral da obra.
Esta desenvolve-se tomando a “investigação educacional como uma
área unificada que tem sido notavelmente bem sucedida ao longo das
últimas décadas na acumulação de um corpo substancial de conhecimentos
acerca da educação” (Keeves, 1999:3) e que “possui um unidade que se
estende através de diferentes perspectivas disciplinares e respectivos
métodos de pesquisa ” (Keeves & Lakomski, 1999b:xi).
Assim, em Keeves (1999), texto de introdução à obra, é argumentado
que, mais do que diferenças, há unidade e coerência na investigação
educacional.
Não deixam de ser reconhecidas duas tradições de investigação, mas
elas estariam mais dependentes das tendências das especializações nas

137
Keeves (1988a), como já se viu, também foi elaborado a partir da enciclopédia
Husén & Postlethwaite (1991/1985).

328
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

universidades e nas escolas, do que da substância das diferenças


epistemológicas entre elas.
É manifesta a discordância, por isso, da teoria dos paradigmas de
investigação educacional, pois as bases epistemológicas do processo de
investigação educacional não diferem quando se usam métodos
quantitativos ou qualitativos. Não obstante, não deixa de ser reconhecido
que existem diferentes abordagens, mas elas devem “conduzir à adopção de
uma abordagem comum da pesquisa educacional na qual investigadores e
práticos trabalhem juntos para resolver problemas educacionais.” (Keeves,
1999:11).
Sendo assim, é defendido que a abordagem própria da investigação
educacional é uma abordagem coerente, que admite a variedade métodos de
acordo com a natureza dos problemas a estudar, sem esquecer o seu
contributo potencial para a mudança:

“Os métodos empregues na pesquisa educacional deviam, então, ser


influenciados pela natureza do problema que está a ser ponderado.
Além disso, os problemas investigados deveriam ser aqueles que
mais contribuíssem, tanto para a mudança no mundo real, quanto
para a construção de um corpo coerente de conhecimento acerca da
educação e dos processos educacionais.” (Keeves, 1999:14)

Rejeitando as dicotomias que são habituais (investigação


básica/aplicada; investigação analítica/sistémica, …) é afirmado que “a
aplicação do conhecimento sobre a educação raramente acontece através da
tecnologia ou da ciência aplicada, como acontece com a maior parte dos
achados da investigação científica, mas sim através da acção social” (Keeves,
1999:4).
Em Keeves & Lakomski (1999b:xi) do mesmo modo que é destacada
a unidade da investigação educacional, também é destacada a diversidade
de métodos, em situação de equidade, como: métodos de estudo de caso,
investigação-acção, métodos biográficos, métodos científicos e outros.

329
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Uma novidade, face a outras obras, que se detecta ao longo das


páginas de Keeves & Lakomski (1999a), não consiste tanto na actualidade
do tipo de métodos tidos em consideração, mas na introdução de uma
listagem de artigos que abordam questões (“issues”) consideradas relevantes
na investigação educacional actual. A ponderação, nas páginas de alguns
dos artigos, e aparentemente em equidade, de temas como feminismo,
medição, coerentismo, fenomenologia, pós-modernismo, positivismo,
antipositivismo, empiricismo, coneccionismo (entre outros), constitui um
assinalável espaço de abertura epistemológica cujo alcance não parece estar
ainda, de todo, definido, conforme foi assinalado em Costa (2001).
Particularmente, o texto que conclui a obra, Lakomski (1999) reserva
um espaço singular para a compreensão da mente humana nas perspectivas
de futuro da investigação educacional: “Compreender a amplitude do
espectro da actividade cognitiva, do princípio ao fim, da actividade neuronal
mais ínfima, dentro e fora dos nossos crânios, expandiu imensamente tanto
o potencial quanto as dificuldades da investigação educacional” (Lakomski,
1999:290).

330
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 55 – “Abordagem da investigação educacional”, em:


KEEVES & LAKOMSKI (1999a), (KEEVES, 1999).

Abordagem da investigação educacional

Abordagem científica Abordagem humanista

Unidade
(Abordagem coerente que admite
vários métodos)

331
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 56 – “Abordagens que são correntemente usadas na


investigação educacional”, em:
KEEVES, J.; LAKOMSKI, G., ed. (1999a) - Issues in educational research .

Abordagens que são correntemente usadas


na investigação educacional

Métodos científicos

Métodos biográficos

Métodos de estudo de
caso
Métodos de investigação
etnográfica
Métodos históricos

Investigação narrativa

Investigação
naturalista e
racionalista Investigação-acção

Análise crítica de
discurso Teoria crítica em
educação

Hermenêutica

332
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 57 – “Abordagem da investigação educacional”, em:


KEEVES, J. (1999) - Overview of issues in educational research. In
KEEVES & LAKOMSKI (1999a) (Keeves, 1999)

Abordagem da investigação educacional

Abordagem coerentista

333
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

22. HUSÉN (1999)


Este texto de meta-análise, publicado em Keeves & Lakomski
(1999a), é semelhante à versão original (Husén, 1988, também tratada no
presente capítulo), pois apresenta quatro secções em comum com o texto de
1988, sendo acrescido de uma secção.
As secções em comum são praticamente iguais, com apenas pequenas
diferenças, quase todas elas não relevantes para os objectivos do presente
trabalho.
Tal como em Husén (1988), onde são reconhecidos dois paradigmas
de investigação, também em Husén 81999) são reconhecidos dois
paradigmas. Porém, nesta edição mais recente, Husén introduziu uma nova
secção (antes da secção conclusiva), onde, no contexto da argumentação
acerca da compatibilidade entre ambos os paradigmas que reconhecia (em
formulação praticamente igual à que apresentara em 1988), recolocou a
questão de forma um pouco diferente, pois, desta vez, Husén (1999:36)
considerou que

“Podemos distinguir entre dois paradigmas principais no


planeamento da investigação educacional e com diferentes bases
epistemológicas. […]. Por um lado, há a abordagem funcional-
estrutural, objectivo-racional, dirigida-a-objectivos, manipulativa,
hierárquica, tecnocrática. Por outro lado, há a abordagem
interpretativa, humanista, consensual, subjectiva e colegial.
A primeira abordagem deriva do positivismo clássico. A segunda,
que se tem destacado nos últimos anos, deriva em parte da teoria
crítica da escola de Frankfurt, particularmente da teoria da acção
comunicativa de Habermas.”

Ou seja, em dois parágrafos, Husén introduziu mais esclarecimentos


sobre as designações e sobre as características dos dois paradigmas que
reconhecera, e conferiu um destaque, que antes (isto é, no texto de 1988, e
em parágrafos anteriores, neste mesmo texto de 1999) não havia conferido à

334
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

influência da teoria crítica na caracterização do paradigma/ abordagem


interpretativa/ humanista (por isso, no diagrama relativo a Husén, 1999, a
tendência da filosofia crítica é apresentada numa caixa de dupla linha). Ou
seja, nesta secção do texto, Husén não corroborou a formulação que, em
secção anterior do mesmo artigo apresentara, isto é, não corroborou a
formulação que não destacava a teoria crítica face às duas outras tendências
caracterizadoras do paradigma humanista (p. f. ver o Capítulo oito, para
mais interpretações sobre esta situação).
Nesta versão de 1999, são mantidas as mesmas conclusões da versão
de 1988.

335
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 58 – “Paradigmas de investigação em educação”, em:


HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a).
(E em HUSÉN, T. (1988) - Research paradigms in education. In Keeves
(1988)

Paradigmas de investigação em
educação

Neopositivista Humanista Pluralismo

336
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 59 – “Paradigmas principais no planeamento da investigação”,


em:
HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a)

Paradigmas principais no planeamento


da investigação

Uma abordagem Uma abordagem


que deriva do que deriva em
positivismo parte da teoria
clássico: crítica:
funcional- interpretativa, Pluralismo
estrutural, humanista, …
manipulativa, …

337
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 60 – “Tendências do paradigma humanista”, em:


HUSÉN, T. (1999) - Research paradigms in education. In KEEVES &
LAKOMSKI (1999a)

Tendências do paradigma humanista

Idealismo
continental Filosofia crítica
(Dilthey, (escola de
Bergson, …) Filosofia Frankfurt)
fenomenológica
(Husserl)

338
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

23. WALKER & EVERS (1999)


Este texto de meta-análise é praticamente igual a Walker & Evers
(1988), anteriormente analisado neste capítulo. As alterações são mínimas
(adição de uma conjunção e pouco mais), sendo mantida toda argumentação
conducente à teoria do coerentismo ou ausência de paradigmas de
investigação educacional, mantendo assim a tese da unidade epistemológica
da investigação educacional (por isso, o diagrama relativo ao texto de 1988
aplica-se também à versão de 1999).
A única alteração de potencial significado está no título, pois o título
da versão mais antiga, “The espistemological unity of educational research ”
(“A unidade epistemológica da investigação educacional”) transformou-se, na
versão de 1999, em “Research in education: epistemological issues”
(“Investigação em educação: questões epistemológicas”) (p. f., ver Capítulo
oito do presente trabalho para uma interpretação desta alteração no título).

339
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

24. MATEO ANDRÉS (2000)


Texto integrado na enciclopédia de educação, Vidal (2000), tem a
configuração de um manual resumido, pois oferece informações históricas,
considerações de ordem epistemológica e variadas descrições sobre métodos
e técnicas em uso na investigação educacional.
No texto são reconhecidos, além dos paradigmas positivista,
construtivista e sociocrítico, outras correntes paradigmáticas, bem como a
tese da unidade epistemológica.
Sobre algumas pretensões mais excessivas do positivismo, Mateo
Andrés (2000) comentou que o positivismo radical é insustentável pela sua
ingenuidade sendo que, actualmente, fala-se menos em positivismo e fala-se
mais em pós-positvismo, sendo que este é mais flexível, menos dogmático e
que aceita a variedade metodológica.
O autor especificou também, em detalhe, as modalidades de
investigação em educação: metodologias de orientação empírico-analítica,
metodologias orientadas para a interpretação e para a compreensão e
metodologias orientadas para a transformação e a mudança.

340
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 61 – “Paradigmas da investigação na educação”, em:


MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000)

Paradigmas da investigação
na educação

Positivista Sociocrítico
(actualmente, Outras correntes
pós- paradigmáticas
positivista)

Construtivista Outras Corrente pós-


(n) estruturalista

Unidade epistemológica

341
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 62 – “Modalidades de investigação em educação”, em:


MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).

Modalidades de investigação em
educação

Metodologias de Metodologias
orientação empírico- orientadas para a
analítica transformação e a
Metodologias mudança
orientadas para a
interpretação e para
a compreensão

342
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 63 – “Modalidades da investigação em educação: metodologias


de inspiração empírico-analítica”, em:
MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).

Modalidades da
investigação em
educação

Metodologias Metodologias Metodologias


de inspiração orientadas para orientadas
empírico- a interpretação para a
analítica e a compreensão transformação
e a mudança

Experimental
Estudos
descritivos

Quase Estudos
experimental comparativo- Inquérito
causais

Observação
Ex-post- Estudos de
facto desenvolvimento

Estudos
correlacionais
e preditivos

Outras (n)

343
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 64 – “Modalidades da investigação em educação: metodologias


orientadas para a interpretação e a compreensão”, em:
MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).

Modalidades da
investigação em
educação

Metodologias Metodologias Metodologias


de inspiração orientadas para orientadas
empírico- a interpretação para a
analítica e a compreensão transformação
e a mudança

Investigação Investigação
etnográfica fenomenológica Estudo de casos

Interaccionismo Outras (n)


simbólico

344
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 65 – “Modalidades de investigação em educação: metodologias


orientadas para a interpretação e para a compreensão”, em:
MATEO ANDRÉS, J. (2000) - A investigação educacional. In VIDAL (2000).

Modalidades de investigação em
educação

Metodologias Metodologias Metodologias


de orientação orientadas para a orientadas para a
empírico- interpretação e transformação e a
analítica para a mudança
compreensão

Investigação-
-acção

Investigação- Investigação- Investigação-


-acção -acção crítica -acção
participativa colaborativa

345
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

25. TUCKMAN (2002)


A obra em análise corresponde à tradução em Língua Portuguesa da
4.ª edição de um título que começou a ser publicado nos anos 70 (Tuckman,
1978). Trata-se de uma edição revista e muito aumentada, pelo menos face à
2.ª edição na língua original, de 1978. Tudo indica que a primeira edição
deste manual é de 1972.
Assumindo-se como um manual para uso dos estudantes que
pretendam conceber e realizar o processo de investigação em educação, e
embora se apoie em extensa bibliografia, não faz das considerações histórico-
epistemológicas um fio condutor do seu discurso.
Tuckman (2002) é um manual típico que explica com detalhe as
várias fases, processos e técnicas considerados adequados para a pesquisa
em educação, explicando com pormenor os vários passos de todos eles, tendo
como base o “conceito de variável, como unidade essencial, ou bloco
estrutural” (p. XII).
Este manual de investigação em educação desenvolve
principalmente os processos directamente relacionados com a metodologia
quantitativa, embora desenvolva também os seguintes “Métodos adicionais”:
“Como avaliar a da investigação” e “Investigação qualitativa ou o estudo de
caso.”
Uma das novidades (entre outras) desta edição recente – face a uma
das edições anteriores desta obra, dos anos 70, Tuckman (1978) – é,
precisamente, a inclusão de uma Parte sobre aqueles “métodos adicionais”,
na qual são desenvolvidos com algum detalhe as matérias de ambos os
capítulos. O tratamento daquelas matérias é justificado por Tuckman
(2002:507) nos seguintes termos:

“Até aqui centrámo-nos na medição sistemática, objectiva e


quantitativa das variáveis e das suas relações. Embora não seja

346
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

possível ser totalmente sistemático ou objectivo, os processos aqui


apresentados visaram reflectir sobre as variáveis tão objectivamente
quanto possível, representando-as por números ou quantidades.
Contudo, há situações em que os investigadores optam por utilizar a
sua própria apreciação, de preferência aos instrumentos de medida
quantitativa, para identificar e descrever com exactidão as variáveis
existentes e as suas relações. É sobre esta investigação qualitativa
que agora nos vamos virar.”

O modo contrastante como Tuckman apresentou o tipo de


investigação de que trataria naqueles capítulos admite que se presuma que
não reconhece à investigação qualitativa a mesma legitimidade científica
que reconheceu ao tipo de investigação que expôs ao longo do seu manual
(como será comentado mais à frente, no Capítulo oito).

347
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama n.º 66 – “Modalidades de investigação em educação”, em:


TUCKMAN, B. (2002) - Manual de investigação em educação.

Modalidades de investigação em
educação

Metodologia de Métodos adicionais


inspiração quantitativa
(não é formulado
exactamente assim)

Como avaliar a A investigação


investigação qualitativa ou o
estudo de caso

348
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

26. BELL (2004)


A edição analisada corresponde a uma tradução em Língua
Portuguesa, em 3.ª edição, a partir da 3.ª edição na língua original.
Bell (2004) é um manual que assume a sua vocação pedagógica de
divulgar as abordagens e técnicas fundamentais da pesquisa educacional,
mesmo junto de estudantes sem experiências prévias de investigação.
Na apresentação que fez da obra, Bell não quis privilegiar nenhuma
das tradições identificadas, pois “cada abordagem tem os seus pontos fortes
e os seus pontos fracos, sendo cada uma delas particularmente indicada
para um determinado contexto" (p.20), e, também, as tradições devem ser
escolhidas de acordo com os problemas que se desejam estudar.
O livro inclui um capítulo inicial com os princípios básicos e “as
principais características de determinados estilos de pesquisa bem
estabelecidos e definidos” (p.19), esclarecendo que as abordagens de
pesquisa apresentadas (investigação-acção, estudo de caso, experimentação,
…) não são uniformes e que, quando necessário, recorrem a técnicas
geralmente mais associadas a outras abordagens.
Bell insistiu na permeabilidade entre as várias abordagens (estilos,
tradições) que descreve, bem como na adequação dos métodos e técnicas a
qualquer uma das abordagens referidas.
Ao longo da obra, e para além de diversos aspectos de ordem prática
na realização de qualquer projecto de investigação, são descritos métodos de
recolha e de interpretação de dados (dados documentais, inquéritos,
observação, diários, questões de categorização, …) que podem ser usados ao
serviço dos estilos de pesquisa identificados.

349
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

Diagrama nº 67 – “Abordagens (estilos) de pesquisa”, em:


BELL, J. (2004) – Como realizar um projecto de investigação: um guia para
a pesquisa em ciências sociais e da educação.

Abordagens
(estilos) de pesquisa

Investigação-
acção e o Estilo Estilo
modelo do “etnográfico” experimental
professor
investigador

(método de) Inquérito Inquérito


Estudo de caso narrativo

350
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

27. EM SÍNTESE
Percorrendo, então, as representações gráficas sobre textos a partir
dos anos 80 do século XX, e respectivas anotações explicativas (apresentadas
no Capítulo seis), no que respeita fundamentalmente às perspectivas que
reconhecem sobre os modos de pesquisar a educação, revelam-se, em síntese,
diversas posições, algumas antagónicas, outras com apenas subtis
diferenças, como sejam:

1. A posição que argumenta em favor da necessidade do


desenvolvimento de uma ciência da educação que operaria num
modelo interdisciplinar, norteada pelos problemas colocados pelas
práticas pedagógicas, recorrendo a diversas abordagens
(documentais, empíricas e reflexivas) e numa base de pluralismo
metodológico (cf. Not, 1984c).

2. A posição que, reconhecendo embora mais do que uma linha de


investigação pedagógica – empírica, interpretativa ou
compreensiva e crítica – reconhece também a predominância de
um paradigma (empírico, positivista, …) e aceita esse estado de
coisas sem desenvolver especiais argumentos em favor das outras
alternativas (cf. La Orden, 1985a).

3. A posição de “ausência”, pois, anunciando que vai tratar os


paradigmas de investigação pedagógica, acaba por não tratar
exactamente o tema, reduzindo-o aos paradigmas de investigação
sobre o ensino (cf. Fernández Díaz, 1985).

4. A posição que, reconhecendo embora a existência de mais do que


um paradigma – a perspectiva natural científica, a perspectiva
interpretativa e a perspectiva crítica – e a forte presença do

351
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

paradigma positivista, argumenta em favor de perspectivas de


dotação dos intervenientes nos processos educativos,
especialmente dos professores, de capacidades e práticas de
investigação, apoiada pela teoria crítica, através da investigação-
acção (cf. Carr & Kemmis, 1986).

5. A posição que, reconhecendo embora a existência de três


paradigmas – empírico-analítico, simbólico ou interpretativo e
crítico – a forte presença do paradigma positivista, e afirmando
que todos eles são pontos de vista a ter em conta na apreciação da
conduta social, argumenta pela ciência crítica, conduzida pelas
necessidades da prática e combinadas com uma permanente
reflexão O valor da ciência social estará, sobretudo, na sua
possibilidade de libertar os indivíduos, através de uma
combinação das capacidades críticas e lúdicas com o rigor do
empírico (cf. Popkewitz, 1988).

6. A posição que, reconhecendo a pluralidade de métodos em uso da


pesquisa educacional – métodos de investigação humanista,
métodos de investigação científica (estes dois tipos de métodos, os
principais) e investigação de orientação política – não declara
supremacia de uns sobre outros, e sendo que, nas suas diferenças,
a pluralidade de métodos redunda na unidade e coerência da
investigação educacional. Os métodos deveriam ser escolhidos de
acordo com a natureza dos problemas a estudar (cf. Keeves
1988a, 1988b, 1988c e 1999).

7. A posição que rejeita a teoria dos paradigmas em investigação


educacional (Teoria-P, “P-Theory”), em qualquer das suas versões
(tese da diversidade na oposição e tese da diversidade
complementar), optando pela tese da unidade epistemológica. A

352
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

investigação educacional decorreria numa espécie de coerentismo


ou holismo epistemológico (cf. Walker & Evers, 1988; 1999).

8. A posição que, reconhecendo duas perspectivas de investigação


(sobre o ensino) – a perspectiva positivista/ em busca de leis a
perspectiva orientada para interpretação pessoal de significado –
rejeita a continuação da predominância de um paradigma,
argumentando em favor do reconhecimento e fomento da
diversidade metodológica (estrategicamente orientada), e do
debate contínuo entre todos os investigadores (cf. Shulman,
1989).

9. A posição que, reconhecendo três enfoques na ciência social –


perspectiva de comprovação de hipóteses, perspectiva de
exploração ou descoberta e perspectiva integradora (dando um
papel chave à teoria) – argumenta em favor desta última (cf.
Biddle & Anderson, 1989).

10. A posição que reconhecendo três modos de investigação sobre a


educação – métodos quantitativos, métodos qualitativos e
pluralismo metodológico – argumenta em favor deste último,
numa perspectiva filosófica que assenta no reconhecimento do
valor da investigação educacional a partir da sua capacidade de
contribuir para aperfeiçoar os raciocínios práticos das mentes dos
professores e de outros profissionais (cf. Fenstermacher, 1989).

11. A posição que reconhece distintas tipologias de pesquisa


educacional, enquadradas, basicamente, em duas tradições – a
investigação quantitativa e análise estatística e a investigação
qualitativa – desenvolvendo a maior parte dos seus tópicos

353
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

estruturantes com base na tradição quantitativa (cf. Borg & Gall,


1989).

12. A posição que enuncia quatro paradigmas de investigação


pedagógica – positivista, interpretativo, crítico e emergente –
embora reconheça também que as características do paradigma
emergente ainda não estariam claramente definidas (cf.
Bisquerra, 1989).

13. A posição que reconhece dois paradigmas de estudo do


comportamento – normativo e interpretativo – que se
desenvolvem em múltiplos métodos, não privilegiando nenhum
dos métodos (cf. Cohen & Manion, 1990).

14. A posição que reconhece que os três paradigmas – positivista,


interpretativista e teóricos críticos – representam pontos de vista
válidos para a compreensão da educação e que eles coexistem
num estado de tolerância e luta (cf. Soltis, 1992).

15. A posição que, reconhece três paradigmas – positivista,


interpretativo e crítico – cuja diversidade epistemológica e
consequente diversidade metodológica caracterizam a actualidade
da investigação educacional (cf. Arnal et al, 1992).

16. A posição que, reconhecendo embora dois grandes paradigmas –


positivismo lógico e investigação fenomenológica – parte do
pressuposto de que o primeiro é dominante na investigação
educacional, e, como manual, confere-lhe nítido destaque no
conjunto da obra, embora também trate da investigação
qualitativa (cf. Best & Kahn, 1993).

354
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

17. A posição que, partindo da problemática da identidade da


investigação em educação e da identificação de dois modelos
globais de abordagem do saber nas Ciências Sociais, que deram
origem a epistemologias antagónicas, reconhece um conjunto de
tendências que vão no sentido de uma postura mais modesta e,
simultaneamente, mais rica, apoiando-se no olhar etnográfico,
nos procedimentos clínicos e na articulação entre o individual e o
social (cf. Berger, 1993).

18. A posição que reconhece quatro paradigmas na investigação


educacional – científico-positivo, qualitativo, investigação-acção e
avaliação – desenvolvendo as técnicas de investigação qualitativa
que melhor podem contribuir para a finalidade de facilitar as
capacidades investigativas dos professores (cf. Hitchcock &
Hughes, 1993).

19. A posição que, reconhecendo duas perspectivas básicas –


empírico-analítica e humanístico-interpretativa (que inclui a
investigação-acção) – privilegia a primeira (cf. Almeida & Freire,
1997).

20. A posição que parte do reconhecimento de que se verifica uma


coerência da investigação educacional. Na base da unicidade, é
conferido idêntico destaque às distintas abordagens que são
correntemente usadas na investigação educacional, entre elas:
métodos científicos, métodos de estudo de caso, hermenêutica,
métodos biográficos e teoria crítica, sendo aberto ainda espaço
para questões e possibilidades de grande singularidade, face às
consideradas no restante conjunto de textos, relacionadas com as
novas perspectivas abertas pelo estudo da mente humana (cf.
Keeves & Lakomski, 1999a).

355
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

21. A posição que reconhece dois paradigmas principais na


investigação educacional – neopositivista e humanista –
argumentando pelo pluralismo de paradigmas. No paradigma
humanista identifica, pelo menos, três tendências: a
protagonizada pelos herdeiros de Dilthey, a tendência da
fenomenologia e da hermenêutica, herdeira de Husserl e a
tendência herdeira da teoria crítica da escola de Frankfurt (cf.
Husén, 1988).

22. A posição que, até certo ponto apresentando-se idêntica à


anterior, confere, no entanto, mais destaque à tendência da
escola de Frankfurt na caracterização do paradigma humanista
(cf. Husén, 1999).

23. A posição que reconhece os paradigmas positivista,


construtivista, sociocrítico e ainda outras correntes
paradigmáticas, bem como a tese da unidade epistemológica. Os
três paradigmas principais revelar-se-iam em três expressões
metodológicas: metodologias de orientação empírico-analítica;
metodologias orientadas para a interpretação e para a
compreensão; metodologias orientadas para a transformação e a
mudança (cf. Mateo Andrés, 2000).

24. A posição que, reconhecendo embora que está em uso mais do


que um modo de investigar a educação, de forma implícita,
apenas reconhece legitimidade científica às pesquisas incluídas
na tradição quantitativa, não reconhecendo idêntica legitimidade
às pesquisas qualitativas (cf. Tuckman, 2002).

25. A posição que reconhece seis estilos de pesquisa, sem


privilegiar nenhum deles: a investigação-acção e o modelo do

356
CAPÍTULO SEIS – TEXTOS NORMATIVOS RECENTES

professor investigador; o estudo de caso; o estilo etnográfico;


inquérito; o estilo experimental; e o inquérito narrativo,
desenvolvendo alguns métodos adequados para estes estilos de
pesquisa (cf. Bell, 1994)

357
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO
INÍCIO DO SÉCULO XX
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

360
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

PERSPECTIVAS DE TEXTOS NORMATIVOS DO


INÍCIO DO SÉCULO XX

Tendo em conta o exposto no Capítulo cinco, são os seguintes os


textos do início do século XX submetidos a análise:

Quadro n.º 7 – Corpus de textos do início do século XX.

1. LAY, W. A. (1935/1903) - Pedagogía experimental. 3.ª ed. Barcelona:


Labor.

2. CLAPARÈDE, Edouard (1927/1905) - Psicología del niño y pedagogía


experimental. Madrid: Libreria Beltrán.

3. MEUMANN, Ernest (1966/1910) - Pedagogía experimental. 5.ª ed.


Buenos Aires: Editorial Losada.

4. VASCONCELOS, A. Faria (1986/1909) - Lições de pedologia e


pedagogia experimental. In Obras completas de Faria de
Vasconcelos. Vol. I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

5. VASCONCELOS, A. Faria de (1923/1909) - Lições de pedologia e


pedagogia experimental. 2.ª ed. Lisboa: Livrarias Aillaud e
Bertrand.

361
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

1. LAY (1935/1903)
O manual Lay (1935/1903)138 costuma ser referido como uma obra
primeva, clássica e fundamental em, praticamente, todos os textos que
abordam o tema da evolução da investigação educacional (entre outros, por
La Orden, 1985c e por Arnal et al, 1992).
Como já foi dito no Capítulo um, o seu autor é um dos fundadores do
movimento de cientificação da educação. De Landsheere (1999) considerou
que Lay, juntamente com Meumann, foi um dos fundadores da pedagogia
experimental, por volta de 1903, na Alemanha.
Como já foi anotado, também no Capítulo um, “pedagogia
experimental” é uma das designações que precederam aquilo que hoje é
mais conhecido como “investigação educacional”.
Assumindo a condição de que escrevia um manual, Lay explicitou a
sua intenção de divulgar a essência e métodos da pedagogia experimental,
explicando-a e sistematizando-a.

138 Lay, W. (1935/1914?/1903) - “Pedagogía experimental” . 3.ª ed. Barcelona: Labor.


A edição que analisei é uma tradução em Espanhol de 1935, já em 3.ª edição nesse
idioma (a primeira edição da tradução em Espanhol é de 1928). Importava saber,
então, a partir de que edição na língua original – ou outra – foi feita essa
tradução, mas não encontrei quaisquer indicações. A primeira data da edição
desta obra de Lay, que vem referida em diversas obras posteriores que a citam, é
de 1903 (com o título original “Experimentelle Didaktik”). Porém, ao longo da
edição que consultei, detectei referências a 1914 (não posso excluir que haja
referências a datas posteriores que me tenha escapado). Conclui então que o
texto que li deve ter sido traduzido a partir de uma edição posterior a 1914. Mas
como não tenho indícios de que as eventuais alterações de fundo para o tema que
interessa ao presente trabalho tenham sido significativas, mantenho a
referência ao ano de 1903.
P. f., para mais explicações sobre referências com mais do que uma data, remeto
para a nota de rodapé, no Capítulo um, número 2.2.

362
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Todas as justificações histórico-epistemológicas que este manual


oferece vão no sentido de inserir e fundamentar a trajectória da pedagogia
experimental nas Ciências Naturais. Em coerência, os exemplos sobre essa
trajectória ocorrem, genericamente, em laboratórios pedagógicos destinados
a observar e realizar experiências com crianças.
Em estreita ligação com a Paidologia (o estudo da criança), Lay
(1935/1903:10) apresentou a pedagogia experimental como a via de
“solucionar os problemas do ensino e da educação conforme as leis e as
normas das ciências biológicas e sociológicas, mediante o experimento, a
estatística e a observação sistemática ”.
Com o recurso a estes métodos (experimentos, estatísticas,
observação sistemática…), e embora afirmando que “a investigação
pedagógico-experimental perseguia sempre a solução de questões práticas,
problemas do ensino e da educação” (p.11), neste manual sobressai a ideia
de que os laboratórios são os locais onde as pesquisas obtêm os melhores
resultados. Aos professores caberia o dever de se familiarizarem com a
aplicação dos resultados da pedagogia experimental.
Embora aceitando também os contributos das que chamou ciências
culturais (ética, estética, ciência religiosa…), as ciências biológicas são
apontadas como modelo para a pedagogia experimental, sendo apontado o
método experimental, transplantado das Ciências Naturais, como o método
adequado e promissor para resolver os problemas relacionados com o
desenvolvimento das crianças e da educação.
De certa forma, são deslegitimados outros modos de estudar a
educação e a criança quando Lay confiou em que “a pedagogia experimental
converter-se-á na pedagogia integral” (p.33), que ela se desenvolveu de
forma “prodigiosa”, e quando vaticinou que a pedagogia experimental
descobriria “os melhores procedimentos e medidas pedagógicas e investigará
cada vez mais positivamente a capacidade e a aptidão profissional” (p.199).

363
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 68 – “Pedagogia experimental”, em:


LAY, W. (1935/1903) – Pedagogía experimental.

Pedagogia experimental
(um dia será toda a
pedagogia)

Método experimental

364
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 69 – “Métodos experimentais de investigação”, em:


LAY, W. (1935/1903) – Pedagogía experimental.

Métodos experimentais de
investigação

Observação Estatística Experiência


pedagógica pedagógica pedagógica

365
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

2. CLAPARÈDE (1927/1905)
Na maior parte dos textos posteriores que abordam o tema,
Claparède (1927/1905)139 é considerado um clássico das primeiras décadas do
movimento de cientificação da educação. De Landsheere escreveu que “foi o
único manual de métodos de investigação em educação francês até 1935,
quando o belga Buyse publicou o seu ‘Expérimentation en Pédagogie’”.140
Mateo Andrés,141 por seu turno, destacou este título de Claparède a
propósito da pedagogia experimental e La Orden incluiu-o no estreito lote de

139 Claparède, E. (1927/1920?/1905) – “Psicología del niño y pedagogía


experimental”. Madrid: Libreria Beltrán.
Primeira edição: “Psychologie de l'enfant et pédagogie expérimentale ”, 1905.
Esta obra teve várias edições, revistas. A edição que consultei, de 1927, foi
traduzida a partir da 8.ª edição francesa, revista, com estudo preliminar, sem
data (na página 33 refere o ano de 1920). Não estou certa, por isso, do ano exacto
a que corresponde o original da tradução que consultei. Tudo indica, porém, que
a edição consultada corresponde a tradução (ou não difere substancialmente) de
edição dos primeiros 20 a 25 anos do século XX.
Pelas razões expostas em nota de rodapé, no Capítulo um, as referências
abreviadas desta obra são Claparède (1927/1905).
140 De Landsheere (1999:19), referindo-se ao compêndio de Buyse (1959/1935),
“L’éxperimentation en pédagogie ”, que é considerado dos manuais mais
influentes do seu tempo e das décadas que se lhe seguiram, na área da
investigação educacional, e nos países de influência francófona.
O foco central do referido manual de Buyse é a experimentação em pedagogia,
assente na ideia fundamental de que os factos pedagógicos só são
adequadamente estudados através da experimentação (embora reconhecendo
que os fins da educação não podem ser estudados experimentalmente). O método
experimental ofereceria grandes virtualidades na resolução de problemas
educativos: “Se não temos ainda muitos resultados que oferecer aos educadores
práticos que reclamam melhoras imediatas, temos ao menos a certeza de possuir
hoje um método susceptível de nos proporcionar soluções peremptórias aos
numerosos problemas práticos da pedagogia ” (Buyse, 1959/1935:38).
141 Mateo Andrés (2000), em capítulo sobre o tema da investigação educacional.

366
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

“obras, já clássicas, que consagraram a expressão pedagogia


experimental.”142
Claparède (1927/1905) é uma obra que apresenta todas as
características de um manual: enquadramento histórico-epistemológico,
definições de conceitos, desenvolvida explanação de diversos métodos e
técnicas. À semelhança do que acontece na generalidade dos textos sobre
pedagogia científica das primeiras décadas do século XX, este manual trata
fundamentalmente da psicologia da criança, no pressuposto de que aquela
ciência está na base da pedagogia científica. A fadiga da criança, a
inteligência da criança, os problemas mentais da criança e outros aspectos
da psicologia infantil são o fulcro dos estudos sobre a infância e sobre
educação sendo que a criança é geralmente estudada individualmente e
independentemente dos contextos.
Claparède (1927/1905:244) propôs que o método dogmático de muitos
pedagogos (Rousseau, Herbart, Spencer) fosse substituído pelo

“método experimental, que consiste em interrogar os factos. Para


obter a resposta desejada destes factos, primeiro é necessário
reconhecê-los, depois compará-los, considerá-los em diversas
circunstâncias, a fim de descobrir as suas causas e os seus efeitos.
Este último objectivo não pode com maior frequência ser alcançado,
somente indicado.”

O texto apresenta uma sinopse, bastante detalhada, dos estudos


desenvolvidos em diversos países da Europa e da América que conduziram à
ao desenvolvimento da psicologia infantil e à formulação da pedagogia
científica. Os comentários dominantes da evolução histórica em que se
fundamenta vão no sentido de salientar as vantagens da racionalidade, da

142 La Orden (1985c:188). As restantes obras apontadas por La Orden foram Lay
(1903), Meumann (1914), ambas correspondendo às obras que no presente
trabalho se analisam, e ainda outra obra daquele último autor.

367
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

experimentação, da comprovação, sendo citadas como exemplo que deve ser


aplicado à educação, entre outras, as propostas de F. W. Taylor sobre a
organização científica do trabalho industrial.
São várias as definições de conceitos relacionados com o estudo da
criança (paidologia, paidotecnia, pedagogia geral, …), contudo, “se se deseja
conhecê-la também para educá-la, temos a Pedagogia Científica ” (p.123).
A pedagogia científica é definida como “o conhecimento ou a
investigação das circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento da criança e
dos meios de a educar e de a instruir com vista a um fim determinado ”
(p.124).
A pedagogia experimental é vista como mais um método de resolver
os problemas, baseado no controle, admitindo que “em determinados casos é
difícil distinguir o limite que divide a psicopedagogia da pedagogia
experimental” (p.135).
Assim, são alistados os métodos adequados para o estudo da criança
(com aplicação implícita ou explícita na pedagogia científica): métodos de
investigação; medida dos fenómenos (curvas de tamanho, médias, …); e
métodos de interpretação (partindo da distinção entre “explicar” e
“compreender”, já atrás citada).
Por sua vez, os métodos de investigação dividem-se em: métodos
gerais; métodos especiais (testes, métodos dos grupos equivalentes, métodos
para o estudo da hereditariedade); e aparatos (ex.: cronómetros,
kimógrafos,…).
Quanto aos métodos gerais, eles são sistematizados segundo
determinados pontos de vista não excludentes: observação, experimentação,
individual e outros (conforme se pode ver nos diagramas que se seguem).
Boa parte destes métodos apoia-se na medida, a qual: “é uma arma
essencial da investigação científica [...] somente medindo os fenómenos em
circunstâncias distintas se pode estabelecer se as suas variações são

368
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

concomitantes e, como consequência, se existe entre eles uma determinada


relação” (p.303).
Alguns dos conceitos utilizados por Claparède no que respeita aos
métodos de investigação não correspondem às suas definições actuais, ou são
conceitos apresentados ainda em fase muito rudimentar do seu posterior
desenvolvimento. Assim, e para além de breves justificações terminológicas,
sobre os “métodos qualitativos (psicolexia)” é dito que são “ métodos que têm
por objecto determinar, não o tamanho de um determinado processo
psíquico, mas apenas a sua existência, a sua presença, a sua natureza, a sua
complexidade ou a sua qualidade” (p.268).

369
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 70 – “Os métodos”, em:


CLAPARÈDE, E. (1927/1905) – Psicología del niño y pedagogía
experimental.

Os métodos

Métodos de Medida dos Métodos de


investigação fenómenos interpretação

370
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 71 – “Métodos de investigação”, em:


CLAPARÈDE, E. (1927/1905) – Psicología del niño y pedagogía
experimental

Métodos de investigação

Métodos gerais Métodos Aparatos


especiais

371
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 72 – “Métodos gerais de investigação”, em:


CLAPARÈDE, E. (1927/1905) – Psicología del niño y pedagogía
experimental

Métodos gerais de
investigação

Segundo a Segundo a Segundo a


natureza dos colecta dos técnica da
fenómenos dados: investigação:
recolhidos: individual e quantitativo e
Introspecção colectivo; qualitativo;
e pessoal ou análise e
extrospecção impessoal síntese

Segundo as Segundo a
condições gerais natureza do
de investigação: sujeito:
Observação e genético,
experimentação patológico e
comparativo

372
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

3. MEUMANN (1966/1910)
O manual Meumann (1966/1910?)143 também é considerado um dos
clássicos das primeiras décadas da investigação, sendo o seu autor
considerado um dos fundadores da pedagogia experimental por De
Landsheere (1999:19), e considerado como o verdadeiro fundador por Buyse
(1959/1935:69 e ss.).
Meumann quis demarcar-se claramente de outros pedagogos144 (como
Rousseau, Froebel e Pestalozzi), citando vários exemplos de estudos
baseados na observação sistemática de crianças e na experimentação que
conduziram ao desenvolvimento da ciência da criança e da pedagogia
experimental.
Para Meumann, cada vez se tornava mais evidente

“a necessidade de uma instância objectiva que, livre de influências


acessórias, políticas, religiosas e sociais, com um espírito de pura
investigação científica, procure discernir o que é conducente, valioso

143 Meumann, Ernest (1966/1914?/1910?) – “Pedagogía experimental”. 5.ª ed.


Buenos Aires: Editorial Losada.
Título original: “Abriss der experimentelle pädagogic” (?) de 1914 (ou
“Experimentellen Pädagogic” (?), 1911?). Não posso afirmar a data exacta de
publicação da obra original. Em Buyse (1959/1935), parece dizer que é de 1911.
De Landsheere (1999) diz que é de 1910, 1913, 1914. Na edição que consultei, na
página 357, faz referência a uma obra de 1914. No prólogo (página 7) consta que
“O presente COMPÊNDIO DE PEDAGOGIA EXPERIMENTAL é uma espécie
de complemento da minha mais extensa obra: LIÇÕES DE INTRODUÇÃO À
PEDAGOGIA EXPERIMENTAL .” Refira-se que esta última obra tem três
volumes, é de 1907, e o seu título original é “Vorlessunger zur Einführung in die
exprimentelle Pädagogik und ihre psychologischen Grundlagen”.
Pelas razões expostas em nota de rodapé no do Capítulo um, as referências
abreviadas desta obra são Meumann (1966/1910).
144 Tal como fez Claparède (1927/1905), como já foi registado.

373
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

e útil, entre as "ideias modernas" sobre reforma educativa,


separando-as das inoportunas e sem valor.” (p.10)

Nesse sentido, Meumann considerou que

“O fim da ciência da educação é estabelecer um sistema de fins


educativos, obter regras normativas e princípios que se tenham de
seguir para alcançar aqueles fins, e deduzir ambas as coisas do
conteúdo e essência da acção educativa, e da sua posição na
totalidade da actividade humana […]. A pedagogia experimental
oferece uma base empírica, enquanto é acessível à investigação
exacta.” (p.16-17)

Neste manual, apela-se a que não se confundam psicologia e


pedagogia experimental, pois o “primeiro e fundamental terreno de trabalho
da pedagogia experimental há-de ser o conhecimento da idade infantil,
cultivado desde o ponto de vista da educação ” (p.16-19).
Assim, a criança é o objecto da ciência da educação, e esta pretende
conhecer bem a psicologia da criança bem como os modos de melhorar a
educação. Todo o texto se desenrola em apoio da argumentação nas
possibilidades da pedagogia experimental, a partir da qual seria possível
construir-se uma ciência da educação objectiva e neutra, baseada em factos
observáveis e medíveis.
Tal como se explicita nos diagramas que se seguem, “a investigação
empírica e experimental em pedagogia […] opera com os meios de uma
investigação exacta: observação, experimento, estatística, etc.” (Meumann,
1966/1910:10-11, 17).
Deve ter-se em atenção que estes diagramas são apenas os possíveis
face a algumas sobreposições de termos e de conceitos que se verificam na
obra em análise. Assim, outra leitura possível é a de que a ciência
pedagógica se consubstancia através da psicologia da criança, da pedagogia
experimental e da didáctica experimental.

374
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Apesar de, ao longo do texto, as referências sobre a responsabilidade


da condução dos experimentos indicarem que ela pertence aos
investigadores, a obra termina com a afirmação de que só os didácticos
podem validar os resultados da pedagogia experimental (p. f., ver o Capítulo
oito para uma interpretação sobre este parágrafo):

“em geral, os métodos experimentais em Pedagogia entram agora


gradualmente em contacto com as considerações gerais dos
didácticos somente mediante as quais os seus resultados podem
achar a verdadeira interpretação e aplicação.”145

145 Meumann (1966/1910:359). Décadas mais tarde, Mialaret (1998:173) escreveria


algo semelhante.

375
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 73 – “Métodos de investigação da infância”, em:


MEUMANN, E. (1966/1910) – Pedagogia experimental

Métodos de investigação da
infância

O método Observação
Método
mais antigo é directa da
comparativo e
o de se criança” (em
histórico do
transpor pela massa ou
desenvolvimento
fantasia ao individuais):
ser da criança questionários,
livros
diários,…)

Reunir as Coleccionar os Experimento


recordações da trabalhos das
própria infância crianças

376
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 74 – “Meios e métodos de investigação da pedagogia


experimental”, em:
MEUMANN, E. (1966/1910) – Pedagogia experimental

Meios e métodos de investigação


da pedagogia experimental

Observação Experimento Estatística Colecção e


aproveitamento
de dados

377
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 75 – “Ciência pedagógica”, em:


MEUMANN, E. (1966/1910) – Pedagogia experimental

Ciência pedagógica

Psicologia Pedagogia Didáctica


da criança experimental experimental

378
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

4. VASCONCELOS (1986/1909); VASCONCELOS (1923)


Do elenco de textos dos primeiros anos do século XX aqui analisados,
os textos de Faria de Vasconcelos (Vasconcelos, 1986/1909; Vasconcelos,
1923) são os únicos que não são considerados como textos fundamentais (no
sentido de serem amplamente citados) do movimento de cientificação da
educação, As razões talvez se prendem, também, provavelmente, com a
origem geográfico-política do autor, embora, de acordo com Cruz (2000),
Vasconcelos tenha trabalhado em diversos países da Europa e da América.
Nesta síntese considero o mesmo texto – “Lições de pedologia e
pedagogia experimental”, de Faria de Vasconcelos – porém, em duas edições,
e tendo em conta apenas as duas primeiras “Lições”: a “Lição 1” e a “Lição
2”.146

146 Vasconcelos, A. F. (imp. 1986/1909) - “Lições de pedologia e pedagogia


experimental”. In Vasconcelos, A. F. - “Obras completas de Faria de
Vasconcelos”. Vol. I. Lisboa: F. C. Gulbenkian, p. 187-224.
Vasconcelos, A. F. (1923/1909) - “Lições de pedologia e pedagogia experimental”. 2.ª
ed. Lisboa: Livrarias Aillaud e Bertrand. A segunda edição desta obra é
referenciada no presente trabalho como Vasconcelos (1923).
O texto base – “Lições de pedologia e pedagogia experimental” – tem mais de 400
páginas, mas apenas considero aqui a “Primeira lição – Introdução” e a
“Segunda lição – Os problemas e os métodos”, que tratam do tema que mais
interessa ao presente trabalho, e que, em conjunto, compreendem cerca de 33
páginas.
Considero a edição referenciada como de 1986/1909 (incluída nas “Obras completas
de Faria de Vasconcelos”) como a primeira edição, porque ela parece
corresponder efectivamente, a uma reedição da primeira edição que ocorreu em
1909. No prefácio vem mencionada a data da primeira publicação das “Lições de
pedologia e pedagogia experimental” - 1909. Esta data também está logo a
seguir ao título do início do texto. Assim, e apesar de não encontrar a menção
formal de que esta edição dos anos 80 do século XX tivesse efectivamente sido
feita com base na edição de 1909, admito como mais plausível que assim tenha
acontecido.
(...)

379
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Numa primeira leitura, as edições parecem iguais, mas na realidade


evidenciam pequenas diferenças, susceptíveis de contribuírem um pouco
para iluminar os objectivos do presente trabalho, pelo que merecem ser
registadas. Por esta razão, tive em consideração ambas as edições a que tive
acesso, comparando-as naquelas diferenças.
As alterações da 1.ª edição (1986/1909) para a 2.ª edição (1923) que
interessam para este trabalho encontram-se fundamentalmente nos
seguintes aspectos: na definição de pedologia; nas indicações sobre a
evolução histórica dos movimentos da pedagogia experimental; nas
referências aos professores. Estas diferenças são assinaladas no quadro
seguinte:147

Segundo Cruz (2000), as “Lições de pedologia e pedagogia experimental”


correspondem a uma série de conferências realizadas por Faria de Vasconcelos
na “Sociedade de Geografia ”, em 1907.
Tenho informações, não confirmadas, da existência uma 3.ª edição deste texto de
Faria de Vasconcelos, da década de 30 do século XX.
147 Em todas as citações da edição de 1923, actualizei a grafia para Língua
Portuguesa actual.

380
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Quadro n.º 8 – Comparação entre Vasconcelos (1986/1909) e Vasconcelos


(1923)

1.ª edição (1986/1909) 2.ª edição (1923)


Definição É a ciência experimental da A pedologia é a ciência da criança
de criança sob os seus (p.13)
pedologia diferentes aspectos (p. 198)
Evolução Apontamentos sobre vários Apontamentos sobre vários países.
histórica países. Quase uma página Sobre alguns deles (ex:
da sobre a ciência pedológica148 Inglaterra), oferece mais
pedagogia em Portugal. informações.
experi- Não há referências sobre a ciência
mental pedológica em Portugal.

Referênci- Nesta edição não consta a Os “quatro factos que dão à


as aos alínea d) (p. 192), que surge pedagogia nova uma base
professo- explícita apenas na científica, a única sobre que deve
res segunda edição. assentar o desenvolvimento
Mas já constam as regular da criança sob os
restantes referências sobre diferentes aspectos por que
o papel dos professores na tenhamos que encará-lo”são:
ciência pedagógica, bem “a) Estudo científico da criança;
como sobre a necessidade b) Associação eficaz do médico e
de os formar do educador;
adequadamente, que se c) Colaboração sincera da família
mantêm depois na 2.ª e da escola na obra educativa;
edição. d) Habilitação profissional do
professor” (p. 7)

Tal como era uso nesta época, quando os textos falam em métodos ou
técnicas, eles referem-se ao estudo da criança, e não ao estudo dos processos

148 Nesta obra de Vasconcelos, ciência pedológica é praticamente sinónimo de


pedagogia experimental ou de movimento pedológico.

381
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

de ensino-aprendizagem. São, portanto métodos de estudo da psicologia


infantil.
Em ambas as edições, na “Segunda lição - Os problemas e os
métodos”, Faria de Vasconcelos afirmou seguir Claparède em algumas
explicações e desenvolvimentos e considerou os seguintes métodos da
psicologia infantil: 1.º – “Natureza dos fenómenos coleccionados”; 2.º –
“Condições gerais de investigação”; 3.º – “Compilação dos factos”; 4.º –
“Natureza do sujeito”; 5.º – “Técnica da investigação”.149
Dentro destes, são incluídos métodos ou técnicas como a
introspecção, a extrospecção, a observação, a experimentação, os inquéritos,
a comparação, métodos quantitativos e qualitativos, métodos de análise e de
síntese.
Tanto a primeira como a segunda edições concluem, aconselhando
que não se recorresse a um único método e que se procedesse “com
circunspecção e senso crítico, evitando as generalizações apressadas, sempre
imprudentes.”150
A criança, nos seus aspectos psicológicos e físicos, é o centro dos
estudos propostos nestes textos. Como é comum em obras desta época, os
estudos apresentados debruçam-se sobre a inteligência da criança, a fadiga,
a acuidade visual, a atenção, a memória, o crescimento físico, etc.
Contudo, fica da leitura deste textos uma ideia de bom senso, de
abrangência de objectivos, de muitos modos de os atingir, de consideração da
vários factores para o estudo da criança, tendo especial atenção para com as
relações com o meio social em que vive.
Em ambas as edições das “Lições de pedologia e pedagogia
experimental”, as conclusões da “Lição 1” apontam para que o sucesso do

149 Cf. Vasconcelos (1986/1909:213) com Vasconcelos (1923:24).


150 Cf. Vasconcelos (1986/1909:224) com Vasconcelos (1923:31).

382
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

estudo do aluno dependa, não apenas do bom uso dos métodos


experimentais, mas também do reconhecimento do papel dos factores
contextuais. Neste sentido, é destacado o papel da colaboração da família –
colaboração sincera da família e da escola na obra educativa, bem como o
papel dos médicos. É argumentado que, para se estudar e compreender o
aluno, não basta seguir os preceitos da ciência da criança desligada de
outros factores, é preciso ter em conta factores contextuais, já que deles
depende também o êxito do estudo da criança e da educação.

383
CAPÍTULO SETE – TEXTOS NORMATIVOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Diagrama n.º 76 – “Métodos da psicologia infantil”, em:


VASCONCELOS (1986/1909); VASCONCELOS (1923) – Pedagogia
experimental

Métodos da psicologia infantil

Natureza dos
fenómenos Natureza complexa
coleccionados: das funções psíquicas
introspecção e
extrospecção

Condições gerais
de investigação. Métodos de
Observação e análise e de síntese
experimentação

Compilação dos
factos: Métodos técnicos:
experiências, quantitativos e
inquéritos qualitativos;
análise e síntese

Natureza do sujeito:
métodos normal,
comparativo, patológico
e genético

384
PARTE IV – CONCLUSÕES
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

O presente trabalho foi norteado pela pretensão de construir um


entendimento satisfatoriamente fundamentado sobre os percursos e o estado
da arte do movimento de cientificação da educação, através da análise de
textos normativos no seu seio produzidos.
Reconhecendo a impossibilidade de, na prática, abarcar de forma
sistemática a totalidade temporal do percurso daquele movimento, o
trabalho analisou, de forma metódica, somente textos da época histórica
inicial (primeiros 20 a 25 anos do século XX) e da época actual (a partir dos
anos 80 do século XX), não deixando, como se pode constatar, de percorrer e
trazer à colação textos das épocas intermédias.
Ao longo deste trabalho, foram examinados textos normativos de
vária índole: textos do tipo manual e textos de meta-análise (analisados nos
Capítulos seis e sete), além de um tipo particular de textos normativos, os
textos que assumiram como seu objecto pretender revelar a história da
investigação educacional (analisados no Capítulo três). Por esta razão, as
conclusões que se apresentam são em referência, também, a este último tipo
de textos.
Assim, quanto às dimensões orientadoras desta análise (explicitadas
na grelha de análise apresentada no Capítulo cinco) e quanto às questões
que orientaram este trabalho, elas resumem-se ao que os textos nos dizem
sobre como atribuem autonomia à investigação educacional e as definições
em que se apoiam, os caminhos que ponderam para a cientificação da
educação e as estratégias discursivas que utilizam. Procurei também
detectar algumas regularidades e alguns traços salientes que configurassem
possíveis características a merecerem destaque.
Por se tratar de um trabalho de análise de textos, as possibilidades
de recolha de indícios passíveis de alguma interpretação relevante para dar

388
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

resposta às questões enunciadas é, praticamente, ilimitada, portanto, tarefa


nunca acabada.
Por outro lado, e porque o tema central dos textos analisados é a
investigação educacional, concluí da adequação de parafrasear Lagemann
(2000), pois poucas dúvidas me restam de que, quando o tema é a pesquisa
em educação, se ajustam melhor as asserções que assumidamente
interpretam e menos as que visam explicar de forma abrangente.
Não deixa de ser possível, contudo, a identificação de determinadas
regularidades e padrões, nomeadamente no que respeita às vias ponderadas
para promover a cientificação da educação.
Por isso, e para além da identificação de padrões que determinam,
também, a proposta de um modelo de análise de textos (que se apresenta no
número três deste capítulo), optei por destacar, à guisa de conclusões,
registos (de tipos discursivos e gráficos) de aspectos relevantes que possam
constituir, no seu conjunto, um acervo de linhas caracterizadoras do
movimento de cientificação da educação.
As linhas caracterizadoras apontadas resultam, em grande parte, e
devido ao método explicitado ao longo do Capítulo dois, da análise do
discurso utilizado pelos distintos autores, e em distintos textos, para
divulgarem as suas versões das possibilidades da cientificação da educação.
É, então, a partir dos discursos identificados que, nestas conclusões,
se destacam, não apenas as regularidades e nitidez de posições, mas
também as ambiguidades, as alterações, as estratégias discursivas, as
formas mais ou menos subtis de dizer e de não dizer, que, no seu conjunto,
caracterizam aquilo que hoje frequentemente se designa por investigação
educacional.
Tendo em atenção a hipótese colocada no final da Parte I, concluo
que a hipótese avançada não é, pelo menos na presente análise, desmentida,
pois, em cada época, os textos normativos sobre investigação educacional
revelam, efectivamente, características marcantes do movimento de

389
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

cientificação da educação que, de modos mais ou menos assumidos,


pretendem regular, não contrariando, portanto, a maioria das narrativas
sobre a evolução daquele movimento.
Contudo, importa ir um pouco para além dessa constatação, pois
observam-se várias regularidades, flutuações, matizes, estratégias
discursivas que, vistos em conjunto, se transformam em factor perturbador
e, simultaneamente, enriquecedor desta conclusão.
Por isso, os registos das conclusões que aqui se deixam apontam
regularidades (particularmente nos números um, dois e três deste capítulo),
regularidades que, de uma forma geral, e entre outros aspectos, não
contradizem, antes corroboram, os escritos de tantos autores, aqui citados.
Porém, as conclusões deste trabalho acrescentam um pouco mais ao
já dito por outros, porque desvelam também certos detalhes, idiossincrasias,
ambiguidades, estratégias discursivas, matizes (particularmente nos
restantes números deste capítulo) que, de algum modo, se espera
contribuirão para enriquecer as perspectivas sobre o que é investigar em
educação.
É a partir deste conjunto de conclusões que se espera seja viável a
configuração de um quadro sobre o significado de investigar em educação,
que possa, ele próprio, por sua vez, ser interpretado distintamente, por
leitores distintos, sem perder a coerência.
Reforçando a já citada alegação de Sá-Chaves (1996:4) – “ninguém
conhecerá na vez de ninguém ” – é assumida aqui, assim, a condição de
conclusões parcelares e enviesadas a partir das quais se espera, quando
muito, que possam contribuir para que cada leitor construa o seu próprio
quadro de significados sobre a investigação educacional.
Não esquecendo que outra das limitações do presente trabalho é que,
nele, apenas se tiveram em conta textos que pretendiam normalizar, não
tendo sido apreciadas as variadíssimas concretizações de projectos de
investigação, ou os textos sobre eles directamente produzidos, que são,

390
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

efectivamente, outros lados da problemática e que merecem, também, ser


estudados noutros trabalhos.

1. QUESTÕES DE (IN)DEFINIÇÃO
Sendo certo que todos os textos analisados explicitam ter como tema
central alguma versão da cientificação da educação, verifica-se uma notável
variedade quanto às definições de autonomia e identidade encontradas.
Nos textos dos primeiros anos do movimento de cientificação da
educação, é perceptível a convicção de que a autonomia da ciência da
educação, mesmo admitindo que não havia sido ainda alcançada, viria a sê-
lo, em prazo mais ou menos alargado. A pedagogia experimental era
considerada como uma ciência, ou, pelo menos, como uma ciência em vias de
formação, cuja organização definitiva não estaria longe no tempo (como se
pode constatar através das referências citadas ao longo do Capítulo sete do
presente trabalho).
As definições de pedagogia experimental são sempre subsidiárias da
mensuração e do método experimental e as questões de autonomia são
apresentadas, ora dependentes do tempo que ainda restaria até à
constituição definitiva da ciência da educação, ora associadas às
possibilidades de serem confundidas com outra ciência, a psicologia
experimental.
Naqueles textos primevos, perpassa a ideia de que, mais tarde ou
mais cedo (previsivelmente, mais cedo do que mais tarde), a ciência da
educação seria uma ciência sem problemas de autonomia, o que confirmaria
os desígnios de Lay (1935/1903) de a pedagogia experimental vir a torna-se
um dia na pedagogia integral.
Em conformidade, o tipo de conhecimento presumivelmente
produzido por aquela via seria um conhecimento consentâneo com a
concepção objectivista da realidade social, tal como foi descrita em Cohen &

391
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Manion.151 Ou seja, um conhecimento capaz de descobrir as leis universais,


explicativas da sociedade e do comportamento humano, o qual, por
acumulação, chegaria a permitir prever e resolver os problemas do campo da
educação.
Quanto aos textos normativos da cientificação da educação da época
recente, encontra-se uma mais ampla diversidade, no que respeita às
definições em que se apoiam e à autonomia que admitem.
Assim, enquanto alguns deles não explicitam as definições em que se
apoiam, outros apenas deixam pistas sobre possíveis definições, e outros são
explícitos quanto à consideração das possibilidades de uma ciência/
disciplina de investigação educacional.
Dito de outra forma, diria que, dos textos normativos analisados, e
em termos de postura face às possibilidades da autonomia da cientificação
do estudo da educação, alguns textos reconhecem explicitamente a
autonomia e uma identidade para a investigação educacional, enquanto
outros, ao não a reconhecerem explicitamente, deixam aberto um espaço de
ambiguidade relativamente à questão.
Dentro da primeira categoria, certos textos introduzem alguma
definição própria, apoiando-se ou não nas definições de outros autores,
passando-as em revista, e apoiando-se, por vezes, também em listagens de
características do seu objecto. São representativos desta categoria, por
exemplo, os textos Not (1984c), Carr & Kemmis (1986), Bisquerra (1989),
Arnal (1992), Keeves & Lakomski (1999a) ou Lagemann (2000), pois
avançam com definições próprias e reconhecimento de algum tipo de
autonomia.
Como se escreveu acima, outros autores não avançaram com
definições claras sobre a investigação educacional, embora alguns deixando

151
Cohen & Manion (1989:34, citando Barr Greenfeld); p. f., ver Quadro n.º 2.

392
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

pistas para que se conjecture sobre os conceitos de que partem para


desenvolver os seus argumentos. Foram os casos, entre outros, de Soltis
(1992), Best & Kahn (1993) ou Mateo Andrés (2000).
Não parece fácil, portanto, enunciar uma proposição que abranja a
totalidade das situações encontradas nos textos analisados para sintetizar
as suas posições quanto à autonomia e definições da investigação
educacional. Ou seja, se alguns textos enunciam definições e conjuntos de
características, outros textos apresentam-se como se estivesse muito claro
que todos sabemos aquilo a que se referem quando escrevem sobre a
cientificação da educação, mas não o dizem explicitamente, apoiando-se,
aparentemente, num consenso implícito que decorre de uma
institucionalização de uma evolução histórica já assumida, o que não deixa
de configurar uma situação ambígua.
A título de exemplo de um dos aspectos particulares em que se
observa uma situação semelhante à descrita no parágrafo acima, refira-se a
questão do isolamento disciplinar versus interdisciplinaridade.
Assim, os modelos de relacionamento interdisciplinar nas definições
de operacionalização da investigação educacional constituem um aspecto
sobre o qual também se observam, ora posições ambíguas, ora posições
claramente explicitadas. Isto é, se, nalguns casos, fica claro que os modelos
interdisciplinares são condição necessária para a realização de projectos de
investigação educacional, noutros casos fica a dúvida sobre se as propostas
vão no sentido da viabilidade do desenvolvimento daquela, mesmo em
situação de isolamento disciplinar.
Ou seja, alguns dos textos analisados apresentam propostas que
apenas são viáveis, praticamente, se em modelos interdisciplinares, sendo
que tal é explicitamente afirmado (cf. Not, 1984c; Arnal, 1992).
Porém, outros textos, mesmo não chegando a fazer do isolamento
disciplinar uma bandeira, e em face da omissão de referências expressivas à
necessidade dos modelos interdisciplinares, deixam espaço para que se

393
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

suponha que aceitam que se pode fazer investigação educacional


consequente e coerente em situação de isolamento disciplinar (cf. Best &
Kahn, 1993; Tuckman, 2002).
Nestes casos, as omissões, quanto à explicitação sobre a pesquisa em
educação com base em modelos interdisciplinares, dão azo a que, pelo
menos, se suponha que a adopção de tais modelos não é relevante nas
concepções de pesquisa que desenvolvem. Mas, pelo facto de tal não ser, de
uma forma geral, explicitamente afirmado, pode considerar-se, então, que
estamos perante uma zona de ambiguidades.
Esta situação não é uma situação de somenos importância, pois o
desfasamento constatado quanto aos posicionamentos explícitos ou
implícitos observados configura uma antinomia, embora raramente
reconhecida. Isto é, a antinomia isolamento disciplinar/
interdisciplinaridade é um espaço, ora de ambiguidades, ora de clareza de
posições.
Em síntese, se é certo que alguns textos definem os seus objectos,
muitos deles apoiando-se em definições de outros escritos, constatam-se
algumas indefinições quanto às questões da autonomia e da identidade da
investigação educacional, mesmo em casos em que o discurso acontece como
se estivesse muito claro o seu objecto e as definições em que se baseia.
Num aspecto, no entanto, há concordância na maioria (que não na
totalidade) dos textos: quanto às dificuldades em encontrar definições
ajustadas à situação de tão ampla complexidade que representa a
investigação educacional, o que não facilita a adopção dos critérios de
cientificidade comummente aceites noutras áreas.
O tipo de conhecimento previsto nos textos da época recente
enquadra-se no espectro do Quadro n.º 2, mas com referências mais pródigas
à variabilidade, individualidade, dependência dos contextos e à construção
social do conhecimento.

394
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

São muitas as definições sobre a investigação educacional que


incluem um tipo de formulação que faz referência “ao carácter de recolha
sistemática de dados empíricos acerca da educação” como condição
necessária (e, nalguns casos, praticamente suficiente) da cientificação da
educação.
Todavia, verifica-se que, em alguns textos, os métodos ajustados
para o cumprimento daquela condição são preferencialmente de índole
quantitativa; noutros textos, pelo contrário, e partindo embora, por vezes, de
definições idênticas, admite-se grande variabilidade de perspectivas e de
métodos, o que conduz à conclusão de que, para se compreender os pontos de
vista de um determinado texto, mais do que as definições nas quais baseia a
cientificação da educação, importa identificar as vias propostas ou
reconhecidas para alcançar tal desiderato.

2. PASSADO E PRESENTE: RESTRIÇÃO E AMPLITUDE


Quanto às vias propostas ou reconhecidas para a cientificação da
educação, é nítido o contraste entre as restrições das definições e das vias
propostas pelos textos normativos da época inicial e a amplitude das
definições e das vias propostas pelos textos do período recente.
Assim, e como se viu no Capítulo sete, de um modo geral, aqueles
textos tendem a apoiar as suas propostas de cientificação da educação em
definições assentes numa base de similitude com as Ciências Naturais,
privilegiando as vias assentes na quantificação e na experimentação, sendo
perceptível, também, a expectativa – não isenta de alguma utopia – de
transformação da sociedade (cf. Lay, 1935/1903; Meumann, 1966/1910).
A análise dos textos normativos da época inicial concorda, portanto,
e na generalidade, com a caracterização que se fez no Capítulo um, a partir
de textos de autores actuais que se debruçaram sobre o tema, e não

395
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

desmente que não eram muito amplos os caminhos então considerados


legítimos para a cientificação educação.
Pelo contrário, e como se viu no Capítulo seis, os textos normativos
da cientificação da educação da época recente tendem a revelar grande
variabilidade nas definições sobre as quais constroem as suas propostas. Em
consonância, eles tendem a considerar, também, uma ampla gama de
abordagens, métodos e técnicas (cf. Arnal et al, 1992; Bell, 2004).
Assim, e no que respeita apenas aos textos do período histórico
recente, a maioria deles sustenta, de um modo geral, que a investigação
educacional é plurimetodológica e/ou pluriparadigmática. Contudo, a
sustentação desta tendência não se apresenta homogénea e isenta de
contradições, flutuações e elementos indutores de alguma perplexidade.
Importa, então, colocar em destaque a diversidade de posições
encontradas nos textos recentes sobre investigação educacional, no sentido
de melhor compreender aquilo que alguns autores, que se colocaram em
algum ponto do interior do movimento de cientificação da educação, nos
quiseram dizer sobre quais as vias de levar a efeito tal cometimento.
Verifica-se que a maioria dos textos com data a partir dos anos 80 do
século XX revela um ponto em comum: quase todos reconhecem, como já se
disse, que a investigação científica em educação se realiza sob mais do que
uma perspectiva (paradigma, tradição, método, estilo, …).
Mas as convergências quase se ficam por aí. Se for acertada a
tendência, identificada por Kuhn (1997), de que os estudantes e os cientistas
tendem a (ou começam por) aceitar as teorias da sua área de estudo por
causa da autoridade dos professores e dos manuais, então, a leitura avulsa
de alguns destes textos deixará perplexos os aprendizes de investigação
educacional.
Assim, e tendo em atenção apenas o exemplo dos textos do tipo
manual da época actual, o aprendiz de investigador em educação que leia
Carr & Kemmis (1986) ficará com uma ideia; aquele que leia Borg & Gall

396
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

(1989) ficará com outra; aqueloutro que leia Bisquerra (1989) ficará com
outra; e quem ler Bell (2004) ficará ainda com outra.
Sem esquecer que todos os modelos são versões simplificadas e
incompletas das realidades que pretendem representar, a variabilidade dos
paradigmas/ métodos observada nos dois corpus de textos, analisados nos
Capítulos seis e sete, pode ser sintetizada no quadro que se segue.

Quadro n.º 9 – Variabilidade de paradigmas /métodos

Época inicial Época actual

Restrições Amplitudes

Máxima.
Mínima. Multiparadigmá
Matriz tica
quantitativa
Multimetodológi
ca

Dada a variabilidade observada, importa, então, focalizar um pouco


mais, tentando, através de grades de leitura mais apertadas, identificar
outros traços caracterizadores destes conjuntos de textos, procurando
regularidades e padrões que possam facilitar novas leituras.

397
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

3. POSIÇÕES FACE AO PLURALISMO: UM MODELO DE


ANÁLISE
Lembremos o que foi dito no Capítulo dois, sobre os manuais,
enquanto escritos que pretendem dizer como algo deve ser feito, ou que
pretendem dizer o que está conforme a determinados critérios de
cientificidade.
Ora, a análise de textos normativos de épocas distintas permite
constatar que o vocabulário e sintaxe discursivas observados nos textos da
época inicial, e quando em comparação com os textos do período actual, não
contradizem as observações de Kuhn (1997:51), segundo as quais os
“manuais pretendem comunicar o vocabulário, e a sintaxe de uma
linguagem científica contemporânea .”
Assim, e de um modo geral, nos textos do período histórico do início
do século XX, analisados no presente trabalho, a afirmação da cientificidade
do estudo da educação passava pelo uso de métodos e técnicas o mais
possível idênticos aos das Ciências Naturais (observação, experimentação,
testagem), como já foi registado ao longo do presente trabalho.
O caminho percorrido desde aquele período primordial aliviou a
pressão da emulação com as Ciências Naturais e abriu as possibilidades de
legitimação científica através de outras vias.
Quanto aos textos da época histórica actual, analisados no presente
trabalho, constituem, de certo modo, um repositório ambulante da
diversidade de propostas e ideias gerais que os seus subscritores quiseram
divulgar, e que estão ao alcance dos estudantes e dos investigadores em
educação, em qualquer lugar, nas prateleiras das bibliotecas, das livrarias
ou das habitações.
Importa, então, apreciar alguns níveis de convergências e
divergências, e respectivas gradações, entre os vários textos, no que respeita

398
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

às suas posições face aos paradigmas/perspectivas/métodos de pesquisa.


Assim, a análise dos textos do período recente mostra que:

 há alguns pontos de convergência entre eles;

 num caso ou noutro, se trata de uma convergência ténue, sendo


mais evidentes as divergências;

 noutros casos, a convergência é maior do que à primeira vista


pode parecer;

 certos textos omitem, ou minimizam, facetas que são enfatizadas


por outros.

Como se viu, a diversidade de paradigmas/ métodos na investigação


educacional é reconhecida e, até, claramente defendida (nesta formulação ou
noutra equivalente) pela generalidade dos textos analisados (cf. Bisquerra,
1989; Cohen & Manion, 1990).
Todavia, no conjunto de textos analisados, e relacionado com a
afirmação acima (segundo a qual a generalidade dos textos tende a
reconhecer que a investigação educacional se realiza sob mais do que uma
perspectiva), observam-se flutuações, que vão desde a posição de Tuckman
(2002), que privilegiou, no seu manual, os métodos e as técnicas de raiz
quantitativa, mas que admitiu, e forneceu elementos detalhados, sobre a
investigação de raiz qualitativa, até à posição de Keeves & Lakomski
(1999b), para quem a diversidade metodológica é expressão, ela própria, da
unicidade e da coerência da investigação educacional.
Uma análise global dos textos da época recente permite descortinar,
pelo menos, três padrões básicos quanto aos paradigmas/ métodos mais
alegados ou destacados. A partir daqueles padrões, foi possível construir um
modelo de análise de textos sobre investigação educacional, que se apresenta
e comenta a seguir.

399
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Quadro n.º 10 – Posições face ao pluralismo: um modelo de análise de textos

DIVERSIDADE DE
“PARADIGMAS”/MÉTODOS
Sem
Com
supremacia Asseveraçã
PADRÃO supremacia EXEMPLOS
de um o de
de um
“paradigma”, unicidade,
“paradigma”,
em algum na
em luta ou
tipo de diversidade
não
equilíbrio
-La Orden (1985a)
-Carr & Kemmis
(1986)
-Best & Kahn
SNN Sim Não Não
(1993)
-Hitchcock &
Hughes (1995)
-Tuckman (2002)
-Cohen & Manion
(1990)
-Arnal et al (1992)
NSN Não Sim Não
-Mateo Andrés
(2000)
-Bell (2004)
-Not (1984d)
-Walker & Evers
(1988)
NNS Não Não Sim
-Keeves &
Lakomski (1999a e
b)

Este modelo dá conta das situações mais comuns identificadas, que


são aquelas em que, numa base de reconhecimento de algum tipo de
diversidade de paradigmática (lembre-se que, aqui, o radical paradigma é
usado numa acepção muito liberal, pois nem todos os textos o usam) ou
metodológica, ora é atribuída supremacia a um paradigma (Padrão SNN),

400
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

ora é reconhecido algum tipo de equilíbrio (Padrão NSN), ora se valoriza a


unicidade (holismo, coerentismo) (Padrão NNS).
O modelo tem fundamentalmente um valor heurístico, pois,
decorrendo de um trabalho comparativo e analítico, pode ser experimentado
noutros estudos, com ou sem ajustamentos. Não se trata, por isso, de um
modelo de análise acabado e fechado, visto que permite acrescentos,
supressões ou outro tipo de modificações, admitindo desenvolvimentos
quando em face de outros textos aqui não estudados.
Tendo em referência apenas os textos analisados neste estudo, torna-
se necessário, assim, tecer alguns comentários, mostrando,
simultaneamente, como, em algum que outro texto, a aplicação deste modelo
demanda algum exercício de adaptação (como, de resto, é comum na
aplicação da maior parte dos modelos).

1) Já se demonstrou, ao longo do presente trabalho, que a maioria


dos textos recentes veicula o reconhecimento de alguma versão da
diversidade paradigmática/ metodológica. De facto, em alguma das suas
linhas, quase todos os textos parecem querer sugerir que o seu padrão de
eleição seria o Padrão NSN, embora, como se viu, a análise global de alguns
deles obrigue a que sejam integrados num dos restantes padrões.

2) As argumentações sobre a diversidade e sobre a unicidade


assumem formas variadas e nem sempre facilmente identificáveis.
Algumas dessas variações apoiam-se em destaques conferidos a
determinados factores, como sejam: o destaque conferido em Biddle &
Anderson (1989) ao papel da teoria; o destaque conferido em Not (1984c) à
interdisciplinaridade e às componentes filosóficas e reflexivas.

3) Nos textos aqui analisados, são dois os paradigmas que obtêm


mais amplo reconhecimento: o paradigma positivista e o paradigma

401
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

interpretativo (com estas ou outras formulações), muitas vezes considerados


em regime de complementaridade (cf. Husén, 1988).

4) Um terceiro paradigma que obtém reconhecimento, mas não de


forma generalizada, é o paradigma sociocrítico (ora com esta designação, ora
com outras) (cf.: Popkewitz, 1988; Arnal et al, 1992).

5) O paradigma sociocrítico é, de todos, aquele que suscita posições


mais antagónicas. Ora é proposto como um paradigma de máxima
relevância para a educação (cf. Carr & Kemmis, 1986), ora é reconhecido,
mas sem sinais de adesão (cf. La Orden, 1985a), ora é, simplesmente,
ignorado (cf. Best & Kahn, 1993; Tuckman, 2002).

6) De uma forma geral, constata-se que, quanto mais um texto se


decanta pelas propostas inseridas no paradigma positivista, menos aceita ou
tem em conta as propostas do paradigma sociocrítico e vice-versa. Isto é, no
que respeita às posições, explícitas ou implícitas, face aos paradigmas, é
como se se aplicasse, também neste domínio, a “teoria dos vasos
comunicantes”: a maior realce ao paradigma positivista, menor destaque ao
paradigma interpretativo, e ainda menos (se algum) ao paradigma crítico.
De resto, ainda em meados da década de 80, Fenstermacher
(1989:162) deu conta deste tipo de flutuação quando escreveu que, “à media
que a fé do investigador nos métodos quantitativos convencionais se
deslocava do compromisso doutrinário para a confiança com restrições,
preparava-se o caminho para a introdução dos métodos qualitativos.”

7) Também, a afirmação de que todos os textos admitem diversidade


de paradigmas/ métodos – que atravessa o modelo de análise de textos
propostos acima – não se mostra particularmente adequada para
caracterizar todos os textos analisados, ou seja, algum que outro texto não

402
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

se encaixa confortavelmente em nenhum dos padrões identificados. Quer


isto dizer que o modelo que se apresenta limita-se a destacar tendências
mais relevantes, mas não cobre, eventualmente, todas as possibilidades.
Assim, o caso do texto Berger (1993) sobreleva claramente o
paradigma interpretativo, como se viu no Capítulo seis. Também um dos
textos tratados no capítulo três, Travers (1992), sobreleva claramente o
paradigma positivista, de tal sorte que é admissível a interpretação de estes
dois textos reconheceram apenas um único paradigma de investigação
educacional.
No caso do texto de Travers, porque, como se viu, é patente que
apenas é reconhecida legitimidade ao paradigma positivista, para mais,
numa época em que já eram amplamente discutidas e reconhecidas outras
vias de pesquisa. Ou seja, Travers persistiu em ignorar outros modos de
efectuar investigação educacional, cujas práticas eram já largamente
reconhecidas ou debatidas – o que acontecia independentemente da sua
vontade. Travers mostrou, assim, legitimar uma só via de fazer investigação
educacional, pois, uma coisa é a situação de mostrar preferência por uma
determinada via como mais adequada para estudar cientificamente a
educação, numa época de afirmação da hegemonia dessa mesma via (o caso
dos textos da época inicial); outra coisa é chegar a ignorar outras vias e
respectivos debates, numa outra época, em que já se discutia amplamente
tal hegemonia.
Como se verá mais à frente, num outro caso (Tuckman, 2002),
também a supremacia de um paradigma (neste caso, também o positivista) é
de tal calibre que se pode admitir que este texto, juntamente com os textos
mencionados acima – Travers (1992) e Berger (1993) – permitiria a
introdução de um novo padrão neste modelo, um padrão que não valoriza a
diversidade mas sim uma única via legítima para a cientificação da
educação.

403
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Estes textos, que no modelo que se apresenta se integram no Padrão


SNN, são textos que poderiam justificar uma modificação ao modelo
proposto, no sentido de lhe ser acrescentado um outro padrão, exterior à
coluna-mãe “Diversidade de ‘paradigmas’/ métodos”, o Padrão SNNN, em
que o S representaria “Um paradigma”.

8) A coluna-mãe deste modelo indica que há um reconhecimento


geral de diversidade de paradigmática/metodológica. Mas os textos
analisados permitem constatar que variam as interpretações acerca dos
modos como os paradigmas convivem. Assim, elas vão desde a versão que
considerou que os paradigmas coexistem num estado de tolerância e luta (cf.
Soltis, 1992), até à versão que reconhece um estado de coexistência pacífica
(cf. Best & Kahn, 1993).

9) No que respeita aos textos que se enquadram no Padrão SNN, que


veicula a supremacia de um paradigma, eles tendem a destacar algum tipo
de complementaridade entre paradigmas e, coerentemente, a não destacar a
competição. A excepção é o texto de Soltis (1992), como já foi anotado, para
quem os paradigmas coexistem em tolerância e luta. Os restantes textos
desfiam distintas ordens de razões para atribuir supremacia a um
determinado paradigma.
Porém, sempre que estamos perante um texto enquadrável no
Padrão SNN, é justo que se coloque a hipótese de se a diversidade
paradigmática/metodológica com supremacia de um paradigma que este
padrão representa poderá ser interpretada como o resultado de uma
competição, da qual (ainda que admitindo alguns desenvolvimentos
históricos) sai vencedor um determinado paradigma. Ou seja, aquilo que,
neste modelo tem a aparência de configurar uma situação de
complementaridade sem conflitos pode ser interpretado, também, como uma
situação de competição e luta.

404
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

10) A tendência para a unicidade da investigação educacional


(Padrão NNS), explicitamente defendida, por exemplo, em Keeves &
Lakomski (1999a), tem sinais noutros textos, enquadráveis no Padrão NSN,
embora com outras roupagens e com menor força argumentativa (Cf. Bell,
2004). Quer isto dizer que, por vezes, não é indiscutível se um determinado
texto se enquadra no Padrão NSN ou no Padrão NNS. O que é claro é que,
em alguns textos, há uma preocupação de apontar uma unicidade, mas nem
sempre essa é a tendência dominante.

11) Há diferenças notáveis no modo como certos temas são


considerados. A título de exemplo, a investigação-acção ora é a metodologia
mais conotada com o paradigma crítico (cf. Carr & Kemmis, 1986), ora é
uma componente da investigação qualitativa (cf. Almeida & Freire, 1997),
ora surge classificada como um método não integrado em nenhum dos
paradigmas identificados (cf. Cohen & Manion, 1990), ora é referida de
forma relativamente breve e/ou descomprometida (cf. Best & Kahn, 1993),
ora é apontada como método associado ao professor investigador (Bell,
2004).

12) Se se entender que as metodologias de investigação-acção, ou as


metodologias que reservam um papel importante ao professor como
investigador, têm algumas afinidades com o paradigma crítico, então, pode
dizer-se que, em alguns textos, o paradigma crítico, mesmo que não esteja
mencionado, é ponderado, de algum modo, embora não de forma declarada, e
com diferentes níveis de adesão (cf. Not, 1984c; Bell, 2004; Almeida &
Freire, 1997; ou até, mesmo, Best & Kahn, 1993; Tuckman, 2002), e mesmo
que se suponha que alguns dos respectivos autores não admitiriam tal
reconhecimento.

405
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

13) Algumas obras da época recente conferem certo destaque à


filosofia, na explanação dos argumentos para fundamentar as suas
propostas de cientificidade para a educação (cf. Carr & Kemmis, 1986;
Husén, 1999), mas apenas uma das obras conferiu especial destaque à
abordagem filosófica, enquadrada no âmbito mais amplo de uma abordagem
reflexiva, e enquanto método/ abordagem para uma ciência específica da
educação (cf. Not, 1984c).

14) A maioria dos textos analisados da época recente justifica as suas


propostas em fundamentos histórico-epistemológicos, com diferentes graus
de compromisso. Os enquadramentos histórico-epistemológicos têm sempre
um papel de relevo nos textos que veiculam o paradigma crítico (cf.
Popkewitz, 1988; Carr & Kemmis, 1986) (mas não apenas neles) e menos
nos textos que veiculam preferencialmente o paradigma positivista, embora
também aqui se verifiquem matizes e alterações, se nos colocarmos numa
perspectiva diacrónica (como se verá mais adiante, neste capítulo).

15) Sobre a questão da pertinência da consideração dos paradigmas


de investigação educacional, diria que a consideração dos paradigmas
contém, pelo menos, um valor instrumental, não obstante a argumentação
de Walker & Evers (1999)152 pela rejeição da teoria dos paradigmas (Teoria-
P), em favor da teoria do coerentismo, ou holismo epistemológico.
Assim, a teoria dos paradigmas apresenta a virtualidade de facilitar
as interpretações sobre a evolução da investigação educacional, por
disponibilizar um quadro orientador para uma área de estudos tão fértil em

152 Para mais detalhes sobre Walker & Evers (1999), p.f., cf. Capítulo seis, número
oito.

406
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

indeterminações, como se constatou através da análise de textos normativos


realizada ao longo do presente trabalho.
Ou seja, independentemente da opção final de cada um quanto à
eventual adopção do postulado de que a investigação educacional não opera
em paradigmas – opção, com menos dificuldades, justificável na fase actual
da investigação educacional – a interpretação da investigação educacional,
desde os primeiros tempos até à actualidade, é enriquecida e clarificada se
efectuada à luz da Teoria-P (teoria dos paradigmas de investigação).
Para além do valor instrumental da ponderação dos paradigmas de
investigação para a análise dos percursos e das propostas da pesquisa em
educação, e tendo em conta a análise efectuada aos textos normativos nos
Capítulo seis e sete, diria que existiram, e que persistem, na fase actual da
investigação em educação, contextos de pesquisa claramente entrosados
num ou noutro paradigma específico.
Esta conclusão não subscreve inteiramente, como se disse, a posição
de Walker & Evers (1999), a menos que se admita uma interpretação liberal
segundo a qual o holismo por aqueles autores defendido estaria para além
das posições manifestadas por alguns autores.
A tese da Teoria-P continua a estar presente em diversos escritos
recentes, e a conclusão de que, na fase actual da investigação em educação,
persistem contextos de pesquisa claramente entrosados num ou noutro
paradigma específico vai de encontro à atitude de abertura paradigmática
que M. T. Estrela (2002:11) declarou como um dos princípios orientadores da
revista “Investigar em Educação”,153 pois,

“o conhecimento elaborado pelos investigadores das Ciências da


Educação, inserindo-se em opções paradigmáticas diferentes, tem

153 A revista “Investigar em educação” é editada pela “ Sociedade Portuguesa de


Ciências da Educação ” e tem vindo a ser publicada desde Julho de 2002.

407
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

produzido grades diferentes de leitura do real cuja validade e


coerência só pode ser avaliada dentro do paradigma em que se
inserem, excluindo, portanto, qualquer atitude maniqueísta que leve
a ignorar ou a invalidar a priori todos os estudos que não se insiram
no paradigma aceite por cada um de nós como mais legítimo.”

Apenas se se entender que a posição de cooperação e abertura, sem


complexos – que se verifica e parece que tende a lastrar – não é incompatível
com as teses da tendência de fusão, ou da ausência de paradigmas, e da
competição, antes, entre teorias, incluindo teorias de metodologias de
investigação educacional, é que se poderá, então, considerar que a posição de
Walker & Evers (1999) abarca a totalidade das posturas face à investigação
educacional.

O quadro que se apresenta a seguir pretende sintetizar as distintas


posições dos textos analisados face aos paradigmas/ métodos de pesquisa.

Quadro n.º 11 – Passado e presente: posições face aos paradigmas

Época inicial Época actual

Multiplicidade:
Hegemonia de -com supremacia de
um paradigma um paradigma
(positivista) -em cooperação/
complementaridade
-Unicidade

408
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

O modelo de análise de textos apresentado no início deste número,


embora coleccione algumas virtualidades na análise de textos sobre
investigação educacional, não contempla muitas características relevantes
da mesma. Isto é, qualquer análise que decorra unicamente do modelo
apresentado corre sérios riscos de ignorar aspectos igualmente relevantes
para a caracterização da pesquisa educacional: idiossincrasias,
ambiguidades, estratégias discursivas, matizes, intertextualidades que, se
não captadas e submetidas a interpretação, empobrecem inevitavelmente o
resultado da análise. É sobre algumas dessas facetas, captadas ao longo do
presente trabalho, que se falará nos números que se seguem.

4. ESTRATÉGIAS NARRATIVAS FACE ÀS MUDANÇAS


Escreveu-se acima que a maioria dos textos da época recente tende a
justificar, com maior ou menor profundidade, os seus pontos de vista em
razões histórico-epistemológicas, sendo que essa tendência tem menor
visibilidade nos textos que veiculam o paradigma positivista.
Verifica-se mesmo que alguns textos da época recente são
claramente mais extensivos nas suas versões histórico-epistemológicas da
investigação educacional do que, pelo menos, um dos textos que se assume
com o propósito de contar a história da mesma. Comparem-se, por exemplo,
a amplitude e a variedade daquele tipo de referências em textos como
Popkewitz (1988), Carr & Kemmis (1986), ou Arnal et al (1992) com a
exiguidade das referências em Travers (1992) (e que vão para além do
previsível a partir da comparação do número de páginas destes textos).
Mas, se é certo que a maioria dos textos da época recente tende a
enquadrar as suas propostas, de alguma forma, em considerações de ordem
histórico-epistemológica, alguns, embora poucos, não conferem especial
importância a tal aspecto. A ausência de relevo para este aspecto pode
mesmo ser considerada como uma situação atípica, no conjunto dos textos

409
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

sobre investigação educacional da época recente e é susceptível de constituir


um novo ângulo de análise daquela.
A análise de alguns manuais que têm vindo a ser sucessivamente
editados ao longo de décadas é um bom ponto de partida. O corpus de textos
analisados no Capítulo seis do presente trabalho inclui três manuais
clássicos que correspondem a edições relativamente recentes de títulos já
com muitos anos de edição: Tuckman (2002), cuja primeira edição é de 1972;
Borg & Gall (1989), cuja primeira edição é de 1963; e Best & Kahn (1993),
cuja primeira edição é de 1959.154
Trata-se de manuais clássicos (no sentido que foi definido no
Capítulo cinco), cuja faceta pedagógica de ensinar como fazer investigação
educacional se sobrepõe, claramente, à sua faceta de meta-análise, embora
esta não deixe de estar presente, de uma forma ou de outra.
Também não restam dúvidas quanto a que, se estes compêndios têm
perdurado ao longo de tantas décadas, com as inevitáveis modificações a
cada nova edição, é porque se têm mostrado úteis aos seus leitores (e, supõe-
se, os seus leitores têm vindo a ser influenciados por eles).
Estes manuais, pela sua divulgação e continuidade de edições, têm
sido e continuam a ser, portanto, fonte de autoridade para investigadores e
estudantes, e encaixam bem nas definições (já citadas no Capítulo dois) que
Kuhn deu sobre os manuais como textos de divulgação de problemas, dados
e teorias, inscritos nos paradigmas aceites pela comunidade científica da
época em que foram escritos.
As suas páginas assistiram a profundas mudanças no âmbito da
pesquisa educacional (algumas das quais foram referidas ao longo dos

154
Se algum erro houver na indicação das datas das primeiras edições destes
manuais, a variação não será relevante para a argumentação que aqui se
pretende desenvolver.

410
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Capítulos um, dois, três e quatro do presente trabalho) e delas dão notícia,
também em grau variável.
Tendo em conta especialmente o que foi argumentado no Capítulo
dois, estes textos são, assim, lugares privilegiados para observação das
mudanças nos pedidos de cientificidade para a educação, pois permitem
apreciar como é que estes textos, que explicitamente pretendem ensinar a
investigar em educação, reflectem também o passar da história.
Importa, então, apreciar algo das estratégias discursivas por dois
destes manuais utilizadas para dar conta das mudanças ocorridas na área
que lhes diz respeito: o manual de Tuckman e o manual de Borg & Gall. 155
Quanto ao manual de Tuckman (2002), pude compará-lo com uma
edição anterior, de 1978; quanto ao manual de Borg & Gall (1989), os
próprios autores disponibilizaram informações quanto às alterações que
introduziram, e é a partir dessas informações, e após ter constatado que
algumas delas são expressivas para os objectivos do presente trabalho, que é
possível apreciar as estratégias que os autores utilizaram para informar os
seus leitores das alterações ocorridas na pesquisa em educação e, também,
para sustentar os seus pontos de vista face à mesma.
Verificada a situação inicial e a permanência de ambos os manuais
claramente na perspectiva positivista, constatei que os autores adoptaram
estratégias narrativas diferentes face às mudanças que observaram e de que
dão notícias, sendo que a principal diferença digna de nota se relaciona com
a inclusão, ou não, de desenvolvimentos histórico-epistemológicos.

155
O caso do compêndio de Best & Kahn (1993) não se presta, por agora, para
análise, uma vez que, além desta edição, e como já escrevi, apenas disponho de
uma edição de um manual (Best, 1982), em muitos aspectos semelhante, mas
que não tenho a certeza que se trate do mesmo manual, pois tem o mesmo título,
mas tem como autor apenas John W. Best.

411
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Assim, se Tuckman não viu necessidade em trazer para as páginas


do seu texto o debate epistemológico que foi ganhando corpo nas últimas
décadas do século XX, seguindo aquilo que denomino uma “estratégia de
sonegação”, já Borg & Gall afloraram esses debates e em vários pontos do
seu texto, seguindo o que denomino uma “estratégia de arrostamento”.

Vejamos o caso de Tuckman (2002),156 obra que, praticamente, não


desenvolve de forma especial as questões histórico-epistemológicas. Esta
circunstância permite que se suponha que a tradição da investigação
quantitativa, que ocupa a quase totalidade da obra, é tida de tal forma como
a essência da investigação que dispensa quaisquer alusões aos seus
fundamentos histórico-epistemológicos e debates associados
Esta situação pode ser explicada pelo facto de este título de Tuckman
ser um manual com créditos firmados, há longos anos editado, cujas edições
iniciais ocorreram ainda em período de hegemonia do paradigma
quantitativo – que tendia a não reservar muito espaço para as justificações
histórico-epistemológicas, pois elas só se tornam necessárias quando em
situações de confronto com outros paradigmas – e sem qualquer menção,
então, naturalmente, a outros modos de investigar a educação, como se pode
verificar, comparando a edição Tuckman (2002) com uma das edições
anteriores, ainda dos anos setenta (Tuckman, 1978).
Estando já assegurada, assim, uma relação prévia do texto com os
seus leitores (numerosos, como é destacado no prefácio), o autor não terá
visto necessidade de apresentar, e mesmo na versão mais recente, especiais
fundamentações de ordem histórico-epistemológica para o tipo de
investigação a que dava mais relevo no seu manual, mesmo tendo a edição

156
Aspectos relevantes desta obra são tratados em secção mais à frente, neste
capítulo.

412
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

de 2002 incluído, já, um capítulo sobre “investigação qualitativa e estudo de


caso”, o que teria sido um pretexto óptimo para desenvolver considerações
daquela ordem, confrontando os paradigmas em várias dimensões.
O conceito de “sub-texto” (Usher, 1996) ajuda a explicar um pouco
esta situação, pois a última edição do compêndio de Tuckman (2002), e por
ser um manual já com décadas de edições, ampla difusão e públicos
assegurados, tinha já estabelecido com os seus leitores uma relação que
dispensava explicações sobre os fundamentos e o alcance das suas propostas
metodológicas para estudar a educação. Tuckman pôde, por isso, seguir sem
problemas uma estratégia de sonegação dos debates que tanto haviam
ocupado a cena durante as últimas décadas, sem grandes riscos de sair, ele
próprio, debilitado.
Daqui pode inferir-se, também, que a quase ausência de referências
a debates histórico-epistemológicas em Tuckman (2002) poderá dever-se ao
carácter hegemónico, quase totalitário, implicitamente atribuído à
investigação quantitativa, pois, neste manual, a investigação quantitativa
“É” a própria investigação educacional e dispensa, por isso, mais explicações
(sendo que a investigação qualitativa, que também é desenvolvida numa
Parte do manual de Tuckman, de 2002, aparece fragilizada do ponto de vista
da legitimidade científica, como se demonstrará numa secção mais à frente,
neste capítulo).
Ao contrário de Tuckman (2002), Borg & Gall (1989), que também é
um manual que tem tido sucessivas edições (desde a década de sessenta),
apresenta referências aos debates histórico-epistemológicos, algumas delas
novidade, face a edições anteriores (conforme é confirmado numa das notas
introdutórias do manual de 1989; no capítulo inicial; na introdução de um
capítulo novo dedicado à investigação qualitativa; e na ampla renovação de
outro capítulo), num reconhecimento explícito (como já se referiu no
Capítulo seis deste trabalho) de que aquilo (isto é, a investigação

413
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

educacional) que havia parecia límpido e transparente em determinada


época histórica, passou nas últimas décadas a ficar turvo.
Ou seja, tal como Tuckman, também Borg e Gall haviam
estabelecido uma relação duradoira com os seus muitos leitores, mas
optaram por uma estratégia narrativa distinta, face às mudanças operadas
na área de que se ocupam. Assim, e apesar de o manual permanecer
basicamente no mesmo paradigma de investigação, os autores não deixaram
de dar notícias de boa parte dos desenvolvimentos ocorridos na área (embora
não de todos os desenvolvimentos, pois evitaram os resultantes da influência
da teoria crítica), enfrentado os debates e as problemáticas que lhes diziam
respeito.
Seguiram, portanto, uma estratégia de arrostamento, pois incluíram,
não apenas um capítulo que é dedicado a uma das manifestações das
mudanças (o Capítulo dez, “Investigação qualitativa ”), mas também
referiram com algum detalhe os debates histórico-epistemológicos
(principalmente no Capítulo um), e não colocaram os novos
desenvolvimentos (nomeadamente, a investigação qualitativa) na posição
debilitada que Tuckman colocou (como se verá mais à frente).

Isto é, ambos os títulos – Tuckman (2002) e Borg & Gall (1989) – dão
testemunho da história, não alterando substancialmente as suas posições
iniciais face à investigação educacional, pois permaneceram ambos no
paradigma que aqui é designado de positivista.
Contudo, adoptaram estratégias narrativas distintas face às
mudanças que viram passar – um, adoptou uma estratégia de sonegação;
outro, adoptou uma estratégia de arrostamento – estratégias essas que
constituem, por si, mais um ângulo de observação a acrescentar a outros
ângulos de interpretação da investigação educacional.

414
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

5. AMBIGUIDADES: ESTRATÉGIAS DE DIZER E NÃO DIZER


Não distante do que foi dito no número anterior, verifica-se que o
confronto do que se diz e como se diz, com o que não se diz, é susceptível de
ampliar as interpretações dos textos, como se viu na secção anterior e
noutros capítulos do presente trabalho, por exemplo, aquando da análise do
texto de Travers (1992), no Capítulo três.
De modo diferente dos textos do início do século XX, uma das
características marcantes de muitos dos textos sobre investigação
educacional da época recente consiste na dificuldade em referir claramente
certos aspectos (como já se viu no Capítulo seis e tem vindo a ser comentado
ao longo do presente trabalho). Esta característica é particularmente visível
quando o cerne do discurso pertence à esfera epistemológica.
Diz-se, mas logo se desdiz, ou diz de tal modo desigual, que talvez já
não se esteja a dizer a mesma coisa. As estratégias deste “dizer e não dizer”
variam e são susceptíveis de configurar novas categorias de análise da
investigação educacional.
Assim, certas palavras-chave para as explicações que se avançam,
ora são tergiversadas, ora são simplesmente evitadas, ora são pronunciadas
mas não firmemente assumidas. Algumas são mesmo deixadas cair, sem
explicações convincentes; outras são abandonadas de forma declarada e
explicitamente justificada.

> Fernández Díaz (1985) é um caso de “estratégia de enunciado não


assumido”, pois, apresentando-se o texto com um título que faz supor que é
muito claro o seu conteúdo, acabou por não tratar de forma compreensiva o
tema que prometera abordar.
Integrado num dicionário de ciências da educação, Fernández Díaz
disse, no título, que ia tratar dos paradigmas da investigação pedagógica,
mas, depois, restringiu o âmbito do seu propósito, tratando apenas dos

415
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

paradigmas da eficácia docente, que configuram apenas uma área restrita


de pesquisa do âmbito da investigação pedagógica.: “Dentro dos modelos na
ciência destacam fundamentalmente três tipos já clássicos na investigação
educativa e mais especificamente na investigação sobre a eficácia docente
(Doyle, 1978), núcleo fundamental dentro do campo da educação” (p. 186).
Ou seja, Fernández Díaz circunscreveu o assunto que consta na
epígrafe com que se anunciou apenas aos paradigmas de eficácia docente,
portanto, abordando temas relacionados, mas não abordando, nas suas
amplitudes possíveis e óbvias, o tema que lhe dizia concretamente respeito e
sem abordar os paradigmas de investigação educacional identificados por La
Orden, no mesmo volume La Orden (1985b).
Se relacionarmos estes texto com o texto introdutório, La Orden
(1985a), ao tomo do dicionário em que figura – La Orden (1985b) – vemos
que La Orden (1985a) disse o que Fernández Díaz (1985) era para também
dizer e não disse, pois La Orden tratou o tema dos paradigmas de
investigação educacional de uma forma abrangente, caracterizando-os, sem
escamotear aspectos essenciais (como se verá em próxima secção neste
capítulo), ao contrário de Fernández Díaz, que disse muito, mas não disse
aspectos importantes do que deveria ter dito, pois a Fernández Díaz caberia
também ter abordado os paradigmas de investigação educacional, nem que
fosse para os contestar.
Fernández Díaz (1985) é, assim, um exemplo da ambiguidade e da
indefinição que percorre muitos dos textos sobre a cientificação da educação,
do dito e logo esquecido, sem mais explicações convincentes.

> Outro acaso, agora seguindo uma “estratégia de evitamento”, é o


texto Berger (1993). Para designar as distintas perspectivas de investigação
educacional, Berger não recorreu às expressões mais em uso nos textos que
abordam a cientificação da educação, deixando de lado, portanto, as
designações que os seus pares já haviam encontrado e que, de formas mais

416
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

ou menos hesitantes, ambíguas ou assertivas, são geralmente adoptadas


(quantitativo, interpretativo, …).
Berger preferiu, antes, enunciados longos, como se pode apreciar nos
diagramas sobre Berger (1993) (no Capítulo seis do presente trabalho).
Se o texto de Berger (1993) for lido à luz das caracterizações dos
paradigmas mais frequentemente reconhecidos nos restantes textos sobre
investigação educacional até aqui analisados, parece claro que Berger
rejeitou a hegemonia do paradigma positivista e argumentou em favor do
paradigma interpretativo, contudo, sem chegar a pronunciar estas
denominações.
Berger, que desenvolveu detalhada e profundamente várias
problemáticas da investigação em educação, não fez questão em encontrar os
vocábulos identificadores das ideias e dos conceitos sobre que discorreu,
como se não se importasse de deixar que se percebesse que não existiam
ainda os termos ou as expressões que significassem, sem ambiguidades,
aquelas ideias e conceitos.
Tal como foi apontado a propósito da análise ao texto Travers (1992)
(tratado no Capítulo três), o vácuo deixado pelo não dito, também ele, diz,
por si, algo sobre a investigação em educação.
Berger descreveu e definiu, mas não identificou mediante
designações – processo que é hábito, quase dever, nas esferas científicas. Ou
seja, Berger deixou vago o lugar que, nos textos da área científica, costuma
ser dedicado à rotulagem, à classificação.
Portanto, Berger explicou, mas não rotulou, disse, mas não chamou,
pois eludiu a fixação de termos designativos dos conceitos que desenvolveu,

417
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

tendo optado por formulações multifrásicas, de evidente complexidade,


solução, ela própria, eloquente sobre o tema objecto do seu discurso.157

Temos então que, alguns textos da época actual manifestam sinais


de ambiguidade, adoptando diferentes estratégias: ora estratégias de
abandono justificado, ora de estratégias de proferir um enunciado não
assumido, ora estratégias de evitamento.
Os casos relatados até aqui, conjugados com outros também tratados
ao longo deste trabalho (os textos de Husén, de De Landsheere, …), reforçam
as afirmações de M. T. Estrela (2002) e de Correia (1998) (citadas no
Capítulo um), sobre a faceta ambígua do movimento de cientificação da
educação.
Porém – e sem deixar de ser claramente defensável que as ciências
da educação “nasceram sob ao signo da ambiguidade” (M. T. Estrela, 2002:9)
– e em face dos textos normativos analisados nos Capítulos seis e sete,
parece que os textos normativos da época inicial, embora também com
alguns sinais de ambiguidade, acabam por ser menos ambíguos do que os
textos mais actuais.
Isto é, não se trata de negar aqui que a cientificação da educação
nasceu sob o signo da ambiguidade e evidenciando notórias contradições,
como foi amplamente demonstrado por autores como Correia (1998).

157
Noutros textos que não integram os corpus dos Capítulos seis e sete detectam-se
também estratégias de adulteração dos enunciados, como por exemplo, o caso de
Erickson (1989), que adoptou uma “estratégia de abandono justificado”, pois, sob
uma epígrafe onde declarava que escrevia sobre “métodos qualitativos”, depois,
no corpo do texto, é revelada a preferência pelo termo “interpretativo”, com a
justificação de ser um vocábulo mais abrangente. Como se viu no Capítulo
quatro, número 7, sobre o paradigma interpretativo, Tesch (1990) enfrentou
problema análogo, mas encontrou distintas explicações.

418
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

O que se trata é de reconhecer que, naquela época inicial, as


afirmações de cientificidade passavam obrigatoriamente pela depuração dos
vínculos a outras disciplinas consideradas não científicas (ou, quando esses
vínculos existiam, eles apresentavam-se ténues e sem um papel definido) e
passavam por garantir, o mais rotundamente possível, que, através dos
métodos experimentais, se alcançaria a verdade sobre a educação.
Pelo contrário, os textos da época actual pertencem já ao tempo em
que os discursos se podem aventurar a, com mais leveza, desvendar as suas
próprias dúvidas e contradições. Veja-se a – sem dúvida, apenas aparente,
indiferença – com que o texto Berger (1993) (analisado neste número e no
Capítulo seis) elidiu a atribuição de rótulos taxinómicos aos conceitos que,
tão detalhadamente, comentou.
O quadro que se apresenta a seguir pretende sintetizar graficamente
esta situação.

Quadro n.º 12 – Variação de elementos ambíguos

Época inicial Época actual

Estratégia discursiva: Estratégia discursiva:


Ambiguidades AMBIGUIDADES
(diversidade de estratégias)

6. AMBIGUIDADES VERSUS CLAREZA DE POSIÇÕES


Se é certo que alguns textos demonstram certa ambiguidade
relativamente a diversos aspectos dos temas que abordam (como se tem
vindo a dizer), outros textos, pelo contrário, expõem com bastante clareza as
suas posições, como são os casos de Soltis (1992), de Arnal et al (1992) e de
Mateo Andrés (2000), entre outros. De algum modo, estes textos destacam-

419
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

se face a outros textos que contêm um grau elevado de elementos ambíguos


que não permitem que sejam incluídos nesta categoria.
Um caso particularmente expressivo de posição explicitada com
clareza, e, nisso, distinto de outros, impregnados de ambiguidade, é o caso
de La Orden (1985a). Este autor citou, não só os distintos paradigmas de
investigação em educação – a que, como se viu, chamou: investigação
pedagógica empírica; investigação pedagógica interpretativa ou
“compreensiva”; e linha de investigação pedagógica crítica – como também
explicou parte das linhas gerais da “interminável polémica acerca da
funcionalidade e da adequação de cada um dos distintos paradigmas como
marcos gerais de referência do conhecimento dos fenómenos sociais” (La
Orden, 1985a:XI).
Depois de ter enunciado os traços fundamentais daqueles três
paradigmas, La Orden (1985a) justificou explicitamente aos seus leitores, na
introdução do volume de que é responsável, a razão principal pela qual
conferia maior destaque a um deles, no caso, a “investigação pedagógica
empírica” (isto é, aquilo que frequentemente se designa por paradigma
positivista):

“A coexistência desta três linhas, e a polémica epistemológica


correspondente, caracterizam hoje a investigação científica em
educação dentro e fora do âmbito académico. Mas a linha empírica
representa a posição epistemológica dominante, identificando-se com
o que maioritariamente se entende por investigação científica no
nosso campo. Em consequência, esta introdução e o núcleo
fundamental dos conceitos e termos incluídos neste volume
inscrevem-se no marco de referência do empirismo lógico com as
suas diversas variantes.” (La orden, 1985a:XIII)

Ou seja, La Orden (1985a) não ignorou a existência de diversos


paradigmas de investigação em educação. Nomeou-os, descreveu-os e
explicou-os, sem prescindir da possibilidade de marcar as suas opções face a
cada um deles, bem como sem prescindir da sua opção final quanto àquele

420
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

paradigma que lhe parecia mais representativo do estado da investigação


educacional, na época em que o texto foi escrito.
Portanto, La Orden assumiu que a opção quanto ao paradigma que
privilegiaria no tomo do dicionário de que se apresentou como responsável
era (também) condicionada pela época histórica em que aquele texto era
escrito, mas sem que para tal tivesse sido necessário negar a vigência de
outros paradigmas.
Nesta justificação de La Orden, fundem-se o inter-texto e o sub-texto
(Usher, 1996), enquanto reconhecimento do lugar da história nas opções
quanto à investigação educacional e enquanto reconhecimento da
supremacia de determinada tradição de pesquisa.
Outro caso de clareza de posições é o texto de Lagemann (2000) que,
como se viu (no Capítulo três, número quatro), acaba por revelar clareza de
posições, mesmo quando atribui significado à imprecisão terminológica da
investigação educacional.

7. A MATRIZ INICIAL OU A UTOPIA RENOVADA


Lay (1935/1903) foi um texto matricial, a matriz que, com toda a
clareza, representou um passo importante e imprescindível para a
instituição das normas a que devia obedecer a cientificação da educação.
Apresenta um discurso quase messiânico quanto às possibilidades da
pedagogia experimental (que, como se viu no Capítulo um, é a primeira
formulação da investigação educacional) e, nesse sentido, podemos dizer, em
terminologia actual, emancipatório. Boa parte do tipo de argumentação em
que Lay se apoiou é idêntica à argumentação em Claparède (1927/1905) e
em Meumann (1966/1910).
Esta obra é um testemunho do seu tempo, do tempo inicial, como tal
evidenciando uma ampla confiança, sem hesitações ou ambiguidades
salientes, nas possibilidades de a pedagogia experimental, através do estudo

421
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

dos factos isolados e recorrendo a métodos estatísticos e experimentais,


conduzir à edificação de um sistema científico definitivo para o estudo da
educação.
O mundo da educação é descrito em Lay (1935/1903) através de uma
linguagem assertiva, onde estão praticamente ausentes, ou são apenas
superficialmente considerados, outros factores que condicionam os
fenómenos educativos.
Lay e os seus escritos não deixaram de ser criticados, ainda no seu
próprio tempo. Lay foi criticado, também, por aqueles que com ele
trabalharam e, ainda hoje, partilham o crédito de terem sido fundadores da
pedagogia experimental, pois o próprio Meumann (1960/1910) criticou Lay
pela excessiva estima nas experiências pedagógicas.
Ou seja, o manual primevo da pedagogia experimental e do
movimento de cientificação da educação, que é um exemplo claro do
paradigma quantitativo, e embora não contendo nele, de forma explícita, o
gérmen de outros paradigmas, começou logo a ser criticado e, admite-se,
estas críticas pertencem, já, à configuração de paradigmas alternativos
àquele que, então, adquiria supremacia.
De resto, a análise diacrónica das referências a Lay, particularmente
ao manual Lay (1935/1903), mostra que este autor é com frequência
escolhido, em escritos sobre investigação educacional, ao longo do século XX,
como exemplo dos excessos da pedagogia experimental. Mialaret (1959), por
exemplo, reconheceu que não se concretizara a profecia de Lay sobre a
pedagogia experimental se tornar toda a pedagogia.
Em sentido idêntico, Planchard (1974) também recorreu ao exemplo
de Lay para criticar os excessos daqueles que julgaram que a pedagogia
experimental, unicamente baseada na experimentação e na medida,
resolveria os problemas da educação.
O manual Lay (1935/1903) apresenta um discurso coerente,
homogéneo, com apenas ténues brechas. Surgiu numa época de afirmação de

422
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

um método científico para o estudo da educação e, por causa disso, era


preciso deixar claro que se cumpriam todas as normas então aceites sobre o
método científico, daí a insistência no apoio nos métodos quantitativos e a
ausência de espaço para outras argumentações.
O tempo de Lay é o tempo em que o recurso, nos textos normativos, a
palavras como “ciência”, “medição”, “experimentação” tinha uma carga
simbólica a partir da qual se afirmava uma autoridade que facilitava o
caminho para tornar credível aquele estilo específico de pesquisar a
educação (o pré-texto de que fala Usher, 1996).
Como se viu nos compêndios de Lay (1935/1903), de Meumann
(1966/1910) e de Claparède (1927/1905), analisados no Capítulo sete, o
tempo de Lay é o tempo, também, em que os autores explicitavam que
pretendiam chegar à verdade através de métodos quantitativos e libertos
dos constrangimentos simbólicos/cognitivos do que consideravam como
pensamento não científico.
Ou seja, naquela época, início do século XX, seria difícil presumir de
cientificidade sem subscrever as (mais tarde qualificadas) versões extremas
expostas por Lay, Meumann ou Claparède (embora seja certo que, em
alguns textos sobre investigação educacional, Claparède não é sempre visto
como um dos opositores das versões mais extremas) nos seus – durante
muitos anos, e não obstante – conceituadíssimos manuais, e que assumiam
uma separação clara entre os planos da pesquisa científica e os planos das
práticas pedagógicas.
De resto, são conhecidas alternativas de cientificidade para a
educação, como as que foram sendo abordadas por Dewey, em textos que
exploravam outras orientações, como o já referido texto Dewey (1929), mas
também, embora não de forma tão directa, o texto Dewey (1904). Porém, as
propostas de Dewey (e, certamente, de outros autores aqui não referidos,
mas dos quais aqui se toma Dewey como símbolo) foram afastadas em favor
de propostas na linha de Lay, como as desenvolvidas por Thorndike, outro

423
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

expoente da época inicial da cientificação da educação (cf. Lagemann, 2000;


Mitchell & Haro, 1999).
Tal como Lay preconizava, também em Thorndike (1922/1904:v),
exemplo de manual inteiramente dedicado às técnicas de medição, é
explicado que ele se destina “aos estudantes de economia, sociologia e de
educação (mais ainda que os de psicologia)” e que “a experiência tem
demonstrado que os factos da matéria humana podem ser transformados em
matéria quantitativa.”
Retomando o compêndio de Lay (1935/1903), a intertextualidade não
tem, nele, um lugar de relevo. Os diálogos com outros textos são simples,
não há muitos autores para citar, apenas exemplos de trabalhos que
confirmavam as virtualidades do método experimental.
Nesta fase, início do século XX, o movimento de cientificação da
educação precisava de se legitimar e, para tal, era imprescindível afirmar-se
da ortodoxia vigente nas Ciências Naturais. Daí o lugar para as
reivindicações de conhecimento hegemónicas, quase autoritárias, que são
frequentes nos manuais dos primeiros anos. Daí, também, as promessas de
libertação de constrangimentos de sistemas de pensamento opressivos –
numa espécie de projecto emancipatório, como diríamos hoje em dia – que os
textos do início do século XX deixam transparecer.
Neste aspecto, não pode deixar de ser assinalada uma coincidência
com outros textos da época actual, mas agora de outro paradigma, quanto às
capacidades atribuídas à pesquisa em educação: a possibilidade de, através
da investigação educacional, promover a emancipação. Atente-se ao papel
reservado por Carr & Kemmis (1986) à investigação social emancipatória (já
anotado no Capítulo seis do presente trabalho).
Atente-se, também, nos projectos emancipatórios de outros textos do
âmbito da teoria crítica e da investigação-acção, como McLaren & Giarelli
(1995a) ou como Kinckeloe (1991). Lembremos, por exemplo, as palavras de
Kinckeloe (1991:108, já citadas no Capítulo quatro): “Quando fundamentada

424
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

criticamente num sistema de significados emancipatórios, a investigação-


acção pode ser uma das muitas estratégias usadas para “empower” os
professores e para sofisticar o projecto das escolas públicas”.
De facto, e como se viu no Capítulo quatro, muitos dos textos sobre
investigação-acção e, de um modo geral, todos aqueles que se situam no
paradigma crítico, estão, em termos de postura epistemológica face à
investigação educacional, nas antípodas dos textos da época do início do
século XX (especialmente os já tratados textos de Lay, Claparède ou de
Meumann).
Não obstante, alguns textos normativos da época inicial, com
frequência convergem, num aspecto, com certos textos normativos da época
recente: no reconhecimento de um sentido, que podemos interpretar como
emancipatório, libertador, para o tipo de investigação educacional que
propõem.
A diferença está em que, os textos primevos, do início do século XX,
atribuem o poder libertador à observância de determinado tipo de
estratégias (de matriz quantitativa), através das quais se geraria um
determinado tipo de conhecimento, ele, por fim, libertador de todas as
dúvidas que sempre haviam acompanhado os conhecimentos de tipo
filosófico ou meramente experiencial que, até então, haviam orientado o
pensamento educacional. Veja-se, como exemplo, o cuidado com que
Claparède (1927/1905) e Meumann (196671910) quiseram demarcar-se de
pensadores da educação como Rousseau ou Froebel.
Pelo contrário, os textos mais actuais, de finais do século XX, tendem
a atribuir (parte de) o poder emancipatório à partilha e à troca de
conhecimentos produzidos mediante amplo leque de estratégias, e,
principalmente, de complexos processos reflexivos, em expressões
discursivas que o sub-texto (Usher, 1996) pode, também, ajudar a clarificar.
O Quadro n.º 13 pretende reflectir essa situação:

425
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Quadro n.º 13 – Projectos emancipatórios

Época inicial Época actual

-Multi-estratégicos
Sim. -Multimetodológicos
-Protagonismos
-Uni-estratégicos partilhados
-Reflexivos

8. ELEMENTOS ATÍPICOS
Os textos analisados no presente trabalho referem-se às perspectivas
e aos métodos considerados, em dois períodos históricos polares, como mais
adequados para credibilizar um projecto científico para a educação.
Como se viu, se compararmos os textos normativos do início do
século XX com os textos da época histórica recente, verificamos que, à
medida que caminhamos ao longo do tempo, o espaço antes ocupado pela
hegemonia do paradigma positivista, em versão de certa forma renitente,
tende a ser compartido com outros paradigmas (interpretativo e/ou crítico),
ou então, se se mantém o positivismo, este torna-se mais flexível, sendo
apelidado, por algumas autores, de pós-positivismo.158

158 Cf. Phillips & Burbules (2000).

426
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Sabemos que os textos normativos da pesquisa educacional


pretendem instaurar, de forma mais ou menos assumida, uma norma,
fundada em determinados pressupostos e com determinados fins. Eles
permitem desvendar, por isso, algumas das características específicas de
cada época.
Não obstante, eles contêm, por vezes, outros elementos atípicos,
quase estranhos (auto-duvidantes, distractivos, perplexivos) que, de algum
modo, contrariam os seus pressupostos, ou as normas que veiculam, ou que
não são coerentes com as ideias/ teorias que os textos explicitamente
pretendem divulgar. Ou seja, os discursos contêm elementos que os põem em
dúvida, quer de forma explícita, quer de forma apenas insinuada.
A identificação, num determinado discurso, dos elementos coerentes
com as ideias de fundo explicitadas (ou legitimamente subentendidas por
quem efectua a análise) ao longo do discurso, bem como a identificação dos
elementos anómalos, ou seja, dos elementos que, de algum modo,
contradizem a “linha oficial” daquele discurso, permite que se enriqueça ou,
até, que se (re)construa (pelo menos, parte) de um trajecto histórico das
tentativas de cientificar a educação.
No caso dos textos oriundos do movimento de cientificação da
educação, a identificação dos elementos atípicos permite compreender
melhor de que forma ele se afirmou e permite compreender melhor,
portanto, não apenas os momentos longínquos desse movimento, mas
também as suas versões actuais.
Do conjunto dos elementos atípicos detectados nas páginas dos textos
da época inicial analisados no presente trabalho, são trazidos à colação
alguns aspectos que se resumem nos subtítulos e no título que se seguem:

427
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

8.1 V ANGUARDISMO

No caso dos textos Vasconcelos (1986/1909) e Vasconcelos (1923)


(analisados no Capítulo sete), e não obstante a clareza e a intensidade das
afirmações de pertença ao pensamento – já foi demonstrado – dominante na
cientificação da educação (o mais tarde chamado paradigma positivista,
quantitativo, …), são introduzidos matizes de tal forma anómalos da
ortodoxia preconizada pelos restantes textos coevos, que suscitam novas
reflexões sobre os percursos da investigação educacional.
Numa primeira leitura, as “Lições de pedologia e pedagogia
experimental”, de Faria de Vasconcelos, poderiam ser enquadradas
claramente no paradigma positivista: a ênfase no estudo da psicologia da
criança, a argumentação acerca das vantagens da realização de
experimentações pedagógicas, o pressuposto de uma realidade estática e
fragmentável, à espera apenas de ser estudada e quantificada pelos
investigadores.
Porém, nestes dois textos de Vasconcelos, detectam-se referências de
distinta índole e intensidade, que justificam algumas hesitações em o incluir
naquele paradigma.
Como se viu nos Capítulos um e sete, nos restantes textos
normativos do período inicial do século XX, o estudo científico da criança
parece ser o foco principal, quase exclusivo, da ciência da educação. Mas, no
texto da primeira edição, Vasconcelos (1986/1909), são destacados
explicitamente, e para além do estudo científico da criança, outros “factos”
nos quais se deve fundamentar a pedagogia experimental – nomeadamente,
a colaboração da família e da escola e a associação do médico ao educador,
aparentemente sendo atribuído a estes “factos” um peso não muito inferior
ao peso atribuído ao estudo científico da criança isolada, como é mais comum
encontrar-se nos textos da época.

428
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Ou seja, no texto da primeira edição, Vasconcelos (1986/1909), é


valorizada a influência dos factores contextuais, sendo-lhes reservado um
papel activo e importante nas definições da pedagogia experimental,
valorização que não se observa com este destaque noutros textos da época,
mesmo quando aqueles factores são tidos em conta.
Para além destes “factos”, na segunda edição das “Lições de
pedologia e pedagogia experimental”, em 1923, é acrescentado um quarto
“facto”: “Habilitação profissional do professor” (a alínea d), como se pode
apreciar no Quadro n.º 8, do presente trabalho).
A introdução explícita deste “facto” é justificada ao longo do texto de
1923, mas – deve ser lembrado – tais justificações já constavam na primeira
edição deste texto, chegando Vasconcelos a defender – já em 1909 – que o
professor também pode colaborar ou realizar, ele próprio, investigações
pedagógicas: “Mas convirá que o professor proceda a estas experiências? Não
há dúvida ” (Vasconcelos, 1986/1909:218).
Ora, no texto da segunda edição das “Lições de pedologia e pedagogia
experimental”, de 1923, o autor não apenas repetiu estes elementos sobre o
papel dos professores que já haviam integrado a primeira edição, como
também os quis reforçar.
Trata-se, portanto, de um caso de intertextualidade homo-autoral,
pois, na segunda edição, de 1923, Vasconcelos, não se limitou a repetir:
modificou, para reforçar aquela ideia de que o professor também deve ser
investigador.
É como se, então, estes dois textos de Vasconcelos – que,
aparentemente, pareciam ser exemplo da ortodoxia de uma época –
contivessem já germens de rupturas posteriores, de elementos percursores
de outros paradigmas que só vieram a definir-se décadas mais tarde,
nomeadamente, pelo papel reservado aos contextos educativos e ao papel dos
professores, nas definições da pesquisa educacional.

429
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Ou seja, no âmbito da pedagogia experimental, Vasconcelos propôs a


partilha de protagonismo na realização das tarefas de pesquisa, não
obedecendo, portanto, à ortodoxia no que respeita à relação sujeito/objecto e
à relação teoria/prática, própria do paradigma então dominante (como já foi
referido no Capítulo quatro159 ) e como que abrindo portas a outras vias, a
outros paradigmas (interpretativo e crítico).
De facto, os textos normativos do início do século XX tendiam a
atribuir a totalidade das responsabilidades da condução das pesquisas aos
investigadores; por outro lado, a análise da evolução da investigação
educacional mostra que, à medida que se avança no tempo, se ampliam as
propostas de pesquisa assentes também na partilha de protagonismo, sendo
que, muitos textos da época recente, concretamente, reconhecem vantagens
em que a investigação educacional conte também com as capacidades
investigativas activas de outros intervenientes, como os professores.
As observações até aqui registadas – diversidade de referentes
necessários para definir a ciência da educação (que é característica mais
marcante do paradigma interpretativo) e referência explícita ao potencial
investigativo dos professores (característica mais associada, presentemente,
ao paradigma crítico) – configuram aquilo que chamo de “elementos
atípicos”, no conjunto dos textos analisados no presente trabalho, o que
aumenta a distância conceptual entre os textos Vasconcelos (1986/1909;
1923) e os restantes textos da época analisados no presente trabalho.
Neste sentido, Vasconcelos foi um precursor – tal como foi Dewey (e,
certamente, outros autores não referidos aqui) – e pode, por isso, falar-se de
um certo vanguardismo nas propostas destas duas edições de textos de
Vasconcelos, especialmente do texto de 1923, o que reforça as afirmações de

159 Cf., especialmente, o Quadro n.º 4, de Arnal et al (1992).

430
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Cruz (2000), segundo as quais Faria de Vasconcelos esteve à frente do seu


tempo.

8.2 SUBVERSÃO

O texto de Meumann (1966/1910) desenvolve-se na explanação da


ortodoxia quantitativo-experimental, na qual, toda a responsabilidade pela
condução e pela interpretação dos projectos de estudo científico da educação
corresponde aos investigadores (como já se viu no Capítulo quatro do
presente trabalho).
Contudo, Meumann (1966/1910:359) finalizou o seu manual com um
parágrafo que introduz um elemento surpreendente:

“em geral, os métodos experimentais em Pedagogia entram agora


gradualmente em contacto com as considerações gerais dos
didácticos somente mediante as quais os seus resultados podem
achar a verdadeira interpretação e aplicação.”

O facto de o compêndio de Meumann (1966/1910) terminar com este


parágrafo encerra um significado mais relevante do que se o parágrafo
figurasse algures, no meio do manual, pois, como sabemos, o lugar das
palavras e das ideias nos discursos não é inocente, por isso, não está imune
a interpretações.
Ou seja, se este parágrafo figurasse, isolado ou sem especiais
enquadramentos, algures, numa qualquer secção do texto, além de passar
facilmente despercebido, admitiria a interpretação de ser uma espécie de
“palavras atiradas ao ar”, o que, como bem sabe quem escreve, só não
acontece alguma vez a quem não escreve.
Porém, Meumann quis encerrar o seu manual com estas referências
específicas aos papéis dos didácticos na pedagogia experimental, atribuindo-
lhes um papel aferidor.

431
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Meumann subverteu, com isso, a orientação unidireccional da


relação teoria/prática preconizada pelo paradigma então dominante (como se
viu no Capítulo quatro do presente trabalho), pois concluiu que, apesar de
tudo o que explanara sobre a pedagogia experimental, só os didácticos a
poderiam validar.
Com este remate espúrio, Meumann deixou uma dúvida subversiva,
perturbadora do discurso metodicamente construído ao longo do seu texto. É
como se, naquele parágrafo definitivo, Meumann tivesse dito: até aqui, com
estes métodos, nós podemos chegar, mas as práticas são o lugar onde tudo se
afere.
De certa forma, Meumann não escamoteou a dúvida que mais tem
acompanhado e ensombrado a pesquisa em educação (cf., entre outros textos
e autores: Abelson, 1943; Gitlin & Teitelbaum, 1983; Huberman & Thurler,
1991; Tochon, 1993; Caride Gomez & Meira Cartea, 1995; Clark, 1996;
Kessels & Korthagen, 1996; Barbosa, 1997; Barbier, 1998; Lagemann, 1999;
Caria, 2000), e que persiste, na actualidade: até onde se pode validar a
investigação feita apenas pelos investigadores académicos – e segundo os
seus interesses – se as práticas são o lugar da maior parte dos confrontos?

Parece então que, apesar de tudo o que se escreva acerca da firmeza


das características dos textos da fase inicial da investigação educacional
(defesa intransigente dos métodos quantitativos, domínio absoluto dos
investigadores quanto ao protagonismo dos projectos de investigação, …),
alguns deles contêm, já, sinais de evoluções que, só décadas mais tarde,
vieram a adquirir formas e relevo.
Como se acaba de constatar, quando se analisam certos detalhes dos
textos de cada período, detectam-se, por vezes, aspectos que acabam por pôr
em causa as narrativas mais habituais. Isto é, por vezes, e quase
subitamente, surgem facetas atípicas, vanguardistas, ou mesmo
subversivas, anomalias que justificam, por isso, alguma revisão das diegeses

432
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

que, nos escritos sobre investigação educacional, são habitualmente


conotadas com uma determinada época histórica.

9. A LINHA DIVIDIDA: TEORIA/ PRÁTICA EM DICOTOMIA


OU EM SINTONIA
Disse-se anteriormente que, nos textos analisados no Capítulo seis,
se observaram diferentes posições quanto ao reconhecimento das distintas
perspectivas de investigação.
Todavia, e para além, ou talvez até mais do que, a consideração da
distinção entre os paradigmas/ perspectivas de pesquisa, ressalta uma outra
linha divisória: aquela que distingue os textos que escassamente referem as
práticas educativas e aqueles outros textos que, a par de métodos ou de
técnicas de investigação educacional, falam das práticas da educação, e a
elas conferem um papel de relevo nos desenhos de pesquisa que propõem.
A questão da relação entre a (produção da) teoria, por via da
investigação, e as práticas pedagógicas – que, como se viu acima, cedo foi
trazida à cena, ainda por Meumann (1966/1919), e tem vindo a ser abordada
por múltiplos autores, em todas as épocas – constitui, assim, um dos
grandes traços de cisão identificados que demarcam os textos analisados.
De um modo geral, os textos sobre a cientificação da educação que se
enquadram claramente nos paradigmas positivista e interpretativo não
contam com as práticas educativas, a não ser como produtoras de
fenómenos/ problemas para serem estudados pelos investigadores, ou, por
vezes, e com referências mais ou menos fugazes, como lugar de aferição (cf.
Meumann, 1966/1910 e Tuckman, 2002). Em regra, e para além destes dois
momentos, logo que começam a ser estudados pelos investigadores, todos os
problemas e processos de pesquisa passam a estar fora do controlo dos
práticos. Não há, portanto, partilha de protagonismo, ou apenas ténue.

433
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Nos textos que se enquadram claramente nos paradigmas positivista


e interpretativo, e de um modo geral, os métodos de investigação são a
principal fonte da investigação educacional. Escrever sobre investigação
educacional é, em grande parte, escrever sobre métodos e técnicas, e as
indicações sobre como efectuar as pesquisas tendem a pôr de lado as
práticas educativas, passada a fase inicial de identificação do problema.
Assim, a relação teoria/prática acaba por ser, ela própria, uma relação que
fomenta a dicotomia, pois a separação entre a teoria e prática, que é sempre
fomentada e facilitada para o uso adequado dos métodos e das técnicas de
investigação, acaba por mostrar um lado perverso quando se pretende
retomar a sua união. Esta situação é característica dos textos da época
inicial, mas também se encontra em textos da época recente.
Do outro lado da linha divisória estão aqueles outros textos nos quais
se argumenta que a investigação educacional não pode abandonar as
práticas, em nenhuma das suas fases, o que implica contar com a
participação activa de todos os intervenientes nas práticas educativas.
É aqui, então, que se observa uma quebra numa hipotética linha
contínua de tradições de pesquisa: a cisão entre os textos que quase não
contam com a participação dos práticos nas propostas de pesquisa que
legitimam, e, no outro lado, os textos cujas propostas de pesquisa vão no
sentido de abrir a investigação educacional também aos práticos e à crítica
reflexiva de todos os intervenientes.
Particularmente os textos da área de influência da teoria crítica, ao
não fazerem das exigências dos métodos o seu principal fio orientador, e ao
contarem com as participações dos práticos, em todas as suas dimensões,
passam a formar uma categoria diferente dos restantes textos. Neles, fica
claro que, o que quer que investigação educacional faça, só faz sentido se for
gerido e aferido pelos práticos, logo, ela não pode estar desligada dos
práticos e da prática.

434
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Por outro lado, alguns destes textos (da área de influência da teoria
crítica) que não colocam os métodos como fonte e aferição exclusiva da
investigação educacional, conferem especial destaque à influência da ciência
na mente dos indivíduos, o que é uma outra dimensão da questão.
Verifica-se que alguns textos valorizam menos o poder dos métodos e
das técnicas e mais o poder da investigação educacional para libertar os
intervenientes, mais propriamente, a mente dos intervenientes, o que parece
configurar-se como uma característica singular.
Assim, lembremos a afirmação de Popkewitz (1988:37) segundo a
qual, “contrariamente à crença dominante, o valor da ciência social não está
na utilidade dos conhecimentos que aporta, mas na sua capacidade de soltar
e libertar a consciência dos indivíduos para que estes considerem as
possibilidades da sua situação.”
Lembremos também que Fenstermacher argumentou que os
benefícios para as práticas oriundos da investigação educacional não
dependem da sua aplicação directa nas práticas. “O critério de benefício
deveria ser o aperfeiçoamento dos raciocínios práticos nas mentes dos
professores e de outros profissionais” (p.167) e o modo como a investigação
educacional contribui para ajudar os práticos “a conhecer e a compreender
certa limitada gama de fenómenos educativos” (Fenstermacher, 1989:175).
De uma forma não tão exclusiva, também Hitchcock & Hughes
(1995:3) defenderam que “um conhecimento e compreensão da investigação e
da pesquisa críticas ajudarão os professores a avaliar de forma mais eficaz a
qualidade e significado das evidências e das reivindicações acerca do ensino
e da aprendizagem ”, mesmo que para tal não seja necessário que todos os
professores se tornem investigadores.
Ou seja, para alguns textos, o principal lugar de mudança está nas
mentes de todos os intervenientes, especialmente, nas mentes dos práticos, o
que configura um situação especialmente distinta daquela outra situação em
tudo se passa nas mentes dos investigadores e em que os métodos são o

435
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

instrumento e a razão de um poder não partilhado. Na primeira destas


situações, a teoria e a prática estariam em sintonia e na outra situação, a
teoria e a prática estariam em dicotomia. O Quadro n.º 14 pretende
sintetizar esta situação:

436
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Quadro n.º 14 – Relação teoria/prática

Época inicial Época actual

Relação Relação
teoria/prática teoria/prática:
em dicotomia -em dicotomia
(com excepção) -em sintonia

-
-

10. TESSITURAS INTERTEXTUAIS


Nos Capítulos dois e três foi discutida a importância do
reconhecimento da dimensão textual da investigação educacional. Neste
sentido, foi discutida, também, a relevância do reconhecimento do papel da
intertextualidade expressa nos textos, de qualquer índole.
O intertexto como expressão da absorção e da transformação de uns
textos noutros (Júlia Kristeva) e a ratificação de que o intertexto não é uma
marca distintiva apenas do discurso e dos textos literários (Aguiar e Silva).
Ou seja, a análise do intertexto, imediatamente evidente através das
citações e das ligações com outros textos, revela o modo como os textos (ou os
temas, ou os autores) revivem, ou são relidos, ou são reescritos noutros
textos (Usher, 1996).
Importa, então, apreciar de que modo, nos textos sobre investigação
educacional, a “tessitura polifónica”, de que falou Aguiar e Silva (2002),
compõe novas modulações de sentidos sobre a cientificação da educação.

437
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

10.1 INTERTEXTUALIDADE HOMO-AUTORAL: MODIFICAÇÕES E TRANSMUTAÇÕES

Na lista de obras analisadas nos Capítulos três, seis e sete, constam


alguns textos que são versões actualizadas de textos já anteriormente
publicados, com mais de uma década de intervalo.
No quadro que se segue, discriminam-se as referências de algumas
versões mais antigas e mais actuais desses textos (destes, apenas Tuckman,
1978, não foi analisado em capítulo anterior).

438
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Quadro n.º 15 – Textos analisados do mesmo autor e com o mesmo objecto

De Landsheere (1988) -------------------- De Landsheere (1999)


Walker & Evers (1988) ------------------- Walker & Evers (1999)
Husén (1988) --------------------------------- Husén (1999)
Tuckman (1978) ----------------------------- Tuckman (2002)
Vasconcelos (1986/1909) ----------------- Vasconcelos (1923)

Esta circunstância de submeter a análise textos reeditados com dez


ou mais anos a separá-los – e tendo em atenção a argumentação sobre as
capacidades heurísticas desta estratégia, apresentada no Capítulo três,
aquando do confronto entre as duas histórias de De Landsheere – oferece
uma nova possibilidade de (tendo em mente os aspectos que interessam para
o presente trabalho) reflectir sobre o que não mudou, bem como sobre o que
mudou, e como mudou, e daí tirar ilações, pois, para mais, tratando-se de
autores notáveis e muito divulgados, todos eles tiveram oportunidade de
esclarecer, rectificar e trazer nova luz.
Manifestando ampla intertextualidade homo-autoral160 – ou seja,
trata-se de textos de um autor que mantêm relações privilegiadas com
outro(s) texto(s) do mesmo autor, pois cada um destes autores reescreveu
um texto seu, anterior – as versões mais recentes destes cinco textos
apresentam, como era previsível, modificações ao já dito.
Identifiquei, então, duas situações distintas, quanto ao alcance das
alterações detectadas, que se traduzem em dois conceitos distintos, conceitos

160 Retomo aqui o conceito de intertextualidade homo-autoral, de V. Aguiar e Silva


(2002), já explanado no Capítulo dois.

439
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

que se aplicam e que refinam as interpretações, de forma especial, dos textos


não literários, e particularmente dos textos do âmbito científico:

a) Textos com modificações – Trata-se de textos em que as


modificações identificadas (de uma forma geral, fundamentalmente, sob a
forma de acrescentos) não representam um acréscimo quantitativo relevante
ao já dito, não alteram o teor de fundo da sua perspectiva inicial sobre a
investigação educacional e não alteram o teor de ambiguidade sobre o que
dizem. Diria que, nestes casos em que, sendo o discurso muito idêntico, o
teor de fundo é o mesmo, o texto apenas sofreu modificações.

b) Textos transmutantes – Noutros casos, as modificações ocorridas,


ou têm uma expressão quantitativa notória, ou, sendo de pequena monta,
têm uma expressão qualitativa que altera o teor do que é dito. Ou seja, e não
obstante, em alguns casos, o discurso se apresentar aparentemente idêntico,
as alterações ocorridas (por vezes, alterações não claramente assumidas)
alteraram de tal forma o sentido do discurso que o transformaram num
outro discurso. Modificaram o teor de fundo do que é dito, ou seja,
transformaram uma coisa noutra.
Qualquer uma das situações descritas nesta alínea – modificações
com expressão quantitativa notória; ou modificações com expressão
qualitativa, mesmo que de pequena monta, mas que altere o teor de fundo
do que é dito – permite que se diga que aquelas alterações configuram uma
transmutação de um dado texto noutro.

> De Landsheere (1999) versus De Landsheere (1988)


Sobre os textos de De Landsheere, e tendo em conta o que já se
escreveu no Capítulo três sobre um aumento de ambiguidade do texto de
1999 face ao texto de 1988, e embora as modificações não sejam

440
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

quantitativamente muito expressivas, concluo que o texto recente (de 1999)


é um texto transmutante do texto anterior (de 1988).

> Walker & Evers (1999) versus (Walker & Evers, 1988)
Quanto a Walker & Evers (1999), o seu teor é praticamente idêntico
à versão anterior (Walker & Evers, 1988). O título foi, no entanto, alterado,
pois “A unidade epistemológica da investigação educacional”161 transformou-
se em “Investigação em educação: questões epistemológicas.”162 Ou seja, a
afirmação da “unidade epistemológica da investigação educacional” que, no
texto primevo, de 1988, era destacada em título, na versão posterior, de
1999, e apesar de continuar a ser igualmente argumentada ao longo do
texto, desapareceu do título, sendo substituída pelo mais descomprometido
vocábulo “issues” (questões).
Contudo, e porque as modificações ao longo do texto não são de
fundo, elas não têm preeminência suficiente para se poder falar de uma
transmutação, considerando-o, então, um texto apenas com modificações.

> Husén (1999) versus Husén (1988)


Sobre os textos de Husén (1988; 1999), o texto de 1999 apresenta-se
como um texto prenhe de intertextualidade homo-autoral. Importa, então,
apreciar o que o autor quis manter e o que o autor quis alterar (tendo em
atenção, também, o que sobre este tipo de circunstâncias se escreveu no
Capítulo três do presente trabalho).
As secções em comum em ambos os textos são praticamente iguais,
com pequenas diferenças, quase todas não relevantes para os objectivos do

161 Walker & Evers (1988). No original: “The epistemological unity of educational
research.”
162 Walker & Evers (1999). No original: “ Research in education: epistemological
issues.”

441
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

presente trabalho (ex.: introdução de referências bibliográficas ou pequenos


acrescentos explicativos de algum conceito).
Das pequenas diferenças nas secções em comum, apenas a uma
atribuo um significado relevante: enquanto que, em Husén (1988), uma das
secções tem por título “Os dois paradigmas principais”,163 em Husén (1999) é
introduzida uma subtil distinção, pois o título da secção correspondente é:
“Os dois paradigmas clássicos”.164
Em ambos os textos, se pode apreciar alguma hesitação quanto às
denominações dos paradigmas que são reconhecidos (o que, de resto, é
comum em textos sobre investigação educacional, como se tem vindo a
demonstrar).
Em ambas as versões (Husén 1988; e 1999), as designações dos
paradigmas não surgem de forma clara e inequívoca, mas de forma faseada,
algo incerta, pois detectam-se algumas hesitações, a saber:

 sobre o que Husén chamou de paradigma neopositivista, o autor


começou por, em ambos os textos, identificar esta designação apenas
no final da sua apresentação, sendo que, só na última secção, voltou
a identificá-lo como o “paradigma neopositivista da quantificação, da
testagem de hipóteses e das generalizações”;165

 no texto de 1999, Husén repetiu o que escrevera no texto de


1988, mas o mesmo paradigma (neopositivista) passou a ser
qualificado também com novos epítetos (funcional-estrutural,
manipulativo, …);

163 Husén (1988:17). No original: “ The two main paradigms.”


164 Husén (1999:32). No original: “ The two classical paradigms .”
165 Husén (1988:19). No original: “ neopositivist paradigm of quantification .”

442
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

 quanto às referências ao paradigma humanista, ambos os textos


evidenciam algumas hesitações, pois ambos começam por referi-lo
como “o outro paradigma,”166 depois “o outro paradigma principal em
investigação educacional”167 e só depois é nomeada a “terceira linha
no paradigma humanista”.168 Isto é, em ambas as versões, o autor
mencionou, já o texto ia adiantado, o paradigma humanista como se
já o tivesse nomeado antes, embora não o tivesse nomeado;

 também, e já na secção conclusiva, e em ambos os textos, Husén,


que sempre se referira a um, e apenas um, paradigma (humanista),
usou o plural, quando confirmou que, “no final dos anos 60 e
princípios dos anos 70, os paradigmas críticos, dialécticos,
hermenêuticos e neomarxistas tinham avançado como alternativas
ou mesmo substituições do paradigma neopositivista dominante de
quantificação, testagem de hipóteses e generalizações.”169 Ou seja, o
autor, tendo tido oportunidade de clarificar, no texto de 1999,
alguma ambiguidade presente no texto de 1988 (relativamente ao
número de paradigmas), não o fez;

 o texto mais tardio, de 1999, é acrescentado de um factor, algo


contraditório, sobre a caracterização do paradigma humanista, pois,
ora o caracteriza destacando três tendências de investigação (com
base nas filosofias de Dilthey, de Husserl e da escola de Frankfurt, e
repetindo o que constava no texto de 1988), ora o caracteriza dando

166 Cf. Husén (1988:17) com Husén (1999:32).


167 Cf. Husén (1988:17) com Husén (1999:32).
168 Cf. Husén (1988:18) com Husén (1999:33)
169 Cf. Husén (1988:19) com Husén (1999:38).

443
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

mais destaque à filosofia da escola de Frankfurt (na secção


introduzida na versão de 1999).

As análises articuladas destes dois textos, do mesmo autor, 170 com o


mesmo título e objecto, com mais de uma década a separá-los, revela que o
autor quis exprimir posições idênticas quanto aos paradigmas da
investigação educacional que reconheceu, bem como quanto às conclusões
que extraiu, mas fez sobressair, no texto mais recente, de 1999, a influência
da teoria crítica no desenvolvimento do paradigma humanista.
A importância que Husén atribuiu a essa influência não é muito
clara, mas a subtil transformação dos “paradigmas principais” (no texto de
1988) em “paradigmas clássicos” (no texto de 1999), associada ao destaque
da teoria crítica na segunda caracterização que fez do paradigma
humanista, no texto de 1999, pode ser interpretada como sinal –
descomprometido e ambíguo, é certo – de que o autor identificava novas e
fortes tendências de investigação (possivelmente, até, um paradigma
distinto), mas tal não estava ainda claramente assumido.
Tal como se viu aquando das duas histórias de De Landsheere
(analisadas no Capítulo três), tratando-se aqui, também, de um caso de
intertextualidade homo-autoral, aquilo que o autor quis alterar tem um
significado acrescido, pois corresponde a um exercício da vontade de
modificar algo que existia previamente. Tem, portanto, um valor acumulado.
Assim, a expectativa era que, nessa circunstância, o autor não
apenas incluiria os mais recentes desenvolvimentos dos paradigmas de
investigação educacional, relativos aos cerca de catorze anos que medeiam
entre ambas as versões, mas aproveitaria a oportunidade para proporcionar

170 Como já foi defendido em capítulos anteriores, não é irrelevante para este tipo de
análise que o autor seja alguém reconhecido na investigação educacional. Husén
é co-editor da enciclopédia Husén & Postlethwaite (1991/1985).

444
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

esclarecimentos sobre aspectos que não tivessem ficado convenientemente


esclarecidos no texto anterior.
O que se verifica no texto de 1999, todavia, é que, Husén, tendo nele
recorrido fortemente à intertextualidade homo-autoral, não esclareceu
certas ambiguidades presentes no texto de 1988.
Além disso, no texto de 1999, Husén deu mais ênfase a uma
tendência da investigação humanista (teoria crítica), mas sem esclarecer o
alcance dessa tendência, pois continuou a conservar, simultaneamente, no
texto de 1999, a formulação inicial do texto de 1988, que apresentava em
equilíbrio as três tendências daquele paradigma.
Em síntese, ao apresentar, no texto de 1999, duas formulações, não
totalmente coerentes, para explicar o paradigma humanista, Husén
modificou (quase nada) e adicionou, sem omitir. Husén potenciou, assim,
uma faceta ambígua que já era perceptível no texto de 1988, pois não
clarificou suficientemente o peso da teoria crítica no conjunto das restantes
tendências do paradigma humanista. Aparentemente, Husén deu mais
ênfase à teoria crítica, mas não quis ser claro acerca disso e retirar daí as
possíveis ilações.
Por isso, e embora as alterações de um texto para o outro não sejam
quantitativamente muito expressivas, diria que Husén (1999) é um texto
transmutante.

> Tuckman (2002) versus Tuckman (1978)


Quanto às duas edições analisadas do manual de Tuckman (lembra-
se que, no Capítulo seis do presente trabalho, apenas se contempla a edição
mais recente, de 2002), a versão de 1978 corresponde a uma segunda edição
(com algumas alterações identificadas no seu prefácio, relativamente à
primeira edição, de 1972).
A edição de 2002 (analisada no Capítulo seis deste trabalho)
corresponde a uma tradução em Língua Portuguesa (em segunda edição) a

445
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

partir da quarta edição em Língua Inglesa, de 1994. Trata-se, portanto, de


um manual que tem vindo a ser publicado, em sucessivas edições, desde o
início dos anos setenta, e submetido a tradução.
Para além das permanências (algumas das quais já apontadas em
secção anterior do presente trabalho), existem, naturalmente, importantes
diferenças entre estas duas edições de um mesmo título, com mais de vinte
anos a separá-las, o que situa o texto mais recente, desde logo, na categoria
de texto transmutante.
Mas, a edição mais recente apresenta um tema inédito, relevante
para os objectivos do presente trabalho, relativo à introdução de um capítulo
completamente novo (face à edição de 1978) sobre “A investigação
qualitativa e estudo de caso” (pois, na edição de 1978, não constam, ainda, e
sem surpresa, referências à investigação qualitativa), e cujo tratamento faz
com que eu reconheça que a categorização de texto transmutante que lhe
atribuo não lhe assenta com total firmeza.
Assim, vejamos. Nesta versão de 2002/1994, e no capítulo assinalado
no parágrafo acima, Tuckman ofereceu amplas informações sobre a
investigação qualitativa, citando tópicos-chave de obras-chave de autores/
textos relevantes da área (ex.: Bogdan & Biklen; Patton; Guba & Lincoln).
Porém, o texto introdutório (já citado no Capítulo seis) do capítulo
que Tuckman (2002) dedicou à investigação qualitativa e ao estudo de caso é
subtilmente eloquente sobre a posição do autor face a estes tipos de
investigação.
Assim, Tuckman utilizou uma estratégia peculiar – que designo de
“estratégia de fragilização” – para apresentar a investigação qualitativa e o
estudo de caso, e não apenas porque não deu qualquer realce aos debates
epistemológicos que acompanharam os sucessivos desenvolvimentos
daqueles tipos de investigação, como já foi destacado numa secção anterior
deste capítulo.

446
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Tuckman utilizou uma estratégia peculiar porque se valeu de um


recurso discursivo que coloca em confronto aqueles tipos de pesquisa com o
tipo de pesquisa de que se ocupara até então no seu manual.
Ou seja, Tuckman colocou frente a frente a investigação de que
tratara até aí no seu manual – aquela que representa “por números ou
quantidades” as variáveis e suas relações – e aquela “em que os
investigadores optam por utilizar a sua própria apreciação, de preferência
aos instrumentos de medida quantitativa, para identificar e descrever com
exactidão as variáveis existentes e suas relações” (Tuckman, 2002:507).
Com estas breves palavras, e de forma mais subtil do que ambígua,
Tuckman retirou à investigação qualitativa a legitimidade científica que a
inclusão, no seu reconhecido manual, de um capítulo sobre aquele tipo de
investigação poderia ter feito pressupor, pois a comparação estabelecida põe
em destaque um contraste do qual sobressai a virtude – ainda que tácita,
mas não, por isso, menos patente – de um tipo de pesquisa (aquele que se
centra “na medição sistemática, objectiva e quantitativa das variáveis e suas
relações”) face à fragilidade do outro (aquele em que “os investigadores
optam por utilizar a sua própria apreciação, de preferência aos instrumentos
de medida quantitativa… ”).
Se, como escreveu R. Gomes (2001:407) “o discurso está na diferença
entre o que se pode dizer correctamente num período e o que realmente é
dito”, e tendo também em atenção os pontos de referência enunciados por R.
Gomes (como foi referido no Capítulo dois do presente trabalho), a análise do
discurso de Tuckman suscita objecções quanto à credibilidade que o próprio
autor atribuiu à Parte do seu manual que trata da investigação qualitativa e
do estudo de caso.
Ou seja, se se tiver em conta o alvitre de Kuhn (1997), quanto à
função clarificadora da evolução da ciência, das análises das citações dos
relatórios das investigações, então, a análise dos textos estudados no
presente trabalho mostra que, em finais do século XX, havia ocorrido já uma

447
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

revolução na investigação educacional, revolução essa de que Tuckman não


quereria dar mostras de ignorar.
Isto é, como “manual de investigação em educação,” que assume ser,
e numa época (finais do século XX) em que havia já ocorrido uma ampliação
substantiva quanto às abordagens geralmente aceites como fazendo parte da
boa ciência, as novas tendências da área não poderiam ser ignoradas – e
Tuckman delas deu notícias, com a clareza e os detalhes a que tem os seus
leitores habituados.
Todavia, Tuckman não deu mostras convincentes de estar
persuadido do valor científico dessas abordagens, quando em confronto com
aquilo que considera ser a boa investigação em educação, pois utilizou aquilo
que pode ser chamado de uma “estratégia de fragilização” das suas próprias
proposições.
É este aspecto que faz com que vacile a firmeza de incluir este
compêndio na categoria de texto transmutante, pois, no que respeita à sua
posição de fundo quanto à investigação educacional, não parece que tenha
havido uma transmutação da edição de 1978 para a edição de 2002, já que
permanece no paradigma positivista e não dá mostras convincentes de ter
realmente aceite outros modos de investigar para além daquele em que se
situa. Acerca da apresentação de uma das alterações (a introdução do
capítulo sobre investigação qualitativa e estudo de caso), Tuckman foi
mesmo explícito a justificá-la, de forma que restam poucas dúvidas quanto à
permanência das suas opções de fundo.
Portanto, Tuckman não deu indícios claros de ter alterado a sua
posição inicial quanto à investigação educativa; ele apenas se adaptou –
talvez a contra gosto – às mudanças que ocorriam na área objecto do seu
manual.
Diria, portanto, que Tuckman (2002) é um texto transmutante face a
Tuckman (1978) devido, mais à expressão quantitativa das alterações que

448
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

apresenta, do que a eventuais alterações de fundo das posições do autor face


à investigação educacional.

> Vasconcelos (1923) versus Vasconcelos (1986/1909)


Quanto aos textos de Vasconcelos (1986/1909;1923), diria que (e
pelas razões expostas neste capítulo e no Capítulo sete), o texto de 1923 é
um texto com modificações, mas não é um texto transmutante, pois, além de
as modificações não serem quantitativamente expressivas, as modificações
assinaladas referem-se a ideias que se observam já na edição de 1909.

Em síntese, temos dois casos de textos com modificações (os textos de


Vasconcelos e de Walker & Evers) e três casos de textos transmutantes (os
textos de De Landsheere, de Husén e de Tuckman).
Esta classificação justifica-se porque, nos textos de forte
intertextualidade homo-autoral, os autores sempre alteraram o que antes
haviam escrito, reflectindo, de algum modo, a passagem dos anos.
Porém, nalguns casos (Vasconcelos e Walker & Evers) as alterações
constatadas nos textos de data mais recente, além de não serem
quantitativamente expressivas, não foram profundas e não reflectiram
alterações substanciais quanto às posições prévias (nos textos mais antigos)
dos autores face à investigação educacional.
Noutros casos (De Landsheere, Husén e Tuckman), e embora dois
dos autores não tenham reconhecido explicitamente que mudaram,
mudaram ainda mais profundamente, do que aquele que explicitou a sua
mudança (Tuckman), permitindo até que sejam incluídos na categoria de
textos transmutantes, e aumentando o grau de ambiguidade que, por vezes,
já transportavam nas primeiras versões.
Pode mesmo sugerir-se que, se aqueles textos (de De Landsheere, de
Husén e de Tuckman) mudaram da forma que mudaram, os textos são já

449
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

outros, pelo que talvez lhes ficasse bem, até, elegerem outros títulos, ou, pelo
menos, serem aditados de subtítulos.
O quadro que se segue, sintetiza a categorização atribuída aos textos
que se acabam de analisar, com base nos conceitos a) e b) (textos com
modificações e textos transmutantes), definidos no início deste número.

Quadro n.º 16 – Textos com modificações e textos transmutantes

Textos Com modificações Transmutantes


De Landsheere (1999) X

Walker & Evers (1999) X

Husén (1999) X

Tuckman (2002) X

Vasconcelos (1923) X

A verificação das modificações e das transmutações patentes em


textos do mesmo autor e com o mesmo objecto pode constituir, assim, uma
outra perspectiva a partir da qual é possível alargar o entendimento sobre a
investigação educacional.

10.2 INTERTEXTUALIDADE HETERO-AUTORAL: DIACRONIA E SINCRONIA DE


REFERÊNCIAS

Como é de lei em qualquer texto do âmbito da ciência, verifica-se que


a investigação educacional cita frequentemente autores do seu âmbito. A
análise sincrónica e diacrónica das citações de autores, de textos ou de
temas afigura-se como mais uma estratégia para apreciar como é que uma
determinada área de estudos se vê a si própria e como se configura.

450
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Como já foi referido no Capítulo dois, Usher (1996) propôs um


conjunto de recursos conceptuais para facilitar a interrogação e a
fundamentação da actividade reflexiva sobre a investigação educacional,
através da análise de textos.
A averiguação do que Usher designou de inter-texto pode ser
consubstanciada através da actividade de recolha e análise das citações de
um determinado autor, ou texto, ou tema. Esta actividade de recolha e
análise de citações pretende verificar e interpretar as ressonâncias de
determinados textos num dado texto, necessariamente posterior.
Perfilhando esta estratégia, permito-me acrescentar que podem
também ser captados os sucessivos níveis de desenvolvimento de conceitos,
que muitas vezes não são mais do que indícios, ou tão só premonições, rastos
de conceitos em textos de época e que só mais tarde se vêm a desenvolver e a
clarificar.
Os monólogos, às vezes diálogos, os vestígios dos tempos históricos,
os modos como os textos são retomados, as finalidades que se adivinham em
cada reatar, o que se diz e o que talvez se quisesse dizer, o que se omite e as
possíveis razões, o modo como o inter-texto serve as intenções do sub-texto,
tudo isto são entradas, pontes, para afinar os entendimentos.
E o que se aprofunda não é só a percepção do texto citado mas
também a do texto que cita; e quando, nessa tarefa, se analisam textos
encadeados no tempo, a perspectiva diacrónica adiciona uma outra
dimensão; e se, além desta, se assume também a perspectiva sincrónica e se
analisam textos de épocas próximas e, neles, os consensos, os dissensos ou
as inovações acerca do mesmo tema, texto ou autor, é uma outra dimensão
que se adita.
Esta será, todavia, uma tarefa sempre inacabada porque haverá
sempre mais um texto, mais um autor, mais um lugar, onde procurar, numa
tessitura sempre incompleta, qual partitura nunca dada como terminada.

451
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Exemplos do que acima se quis dizer são as opiniões antagónicas


compiladas quanto ao teor das citações de J. Dewey, em textos analisados no
Capítulo seis. Constatei que este autor é frequentemente citado, mas nem
sempre com alusões substantivas e, por vezes, aparentemente, com alusões
que se apresentam antitéticas.
Assim, em Best & Kahn (1993) Dewey é citado como exemplo da
rigidez da posição tradicional no âmbito da investigação. Em sentido
inverso, em Lagemann (2000), Dewey é tido como um inovador, e pouco
concordante com as linhas que predominaram na investigação educacional,
até cerca dos anos setenta do século XX.
Ora, opiniões tão antagónicas, em textos de autores proeminentes,
acerca de um dado autor – ainda para mais, um autor dos mais conhecidos e
estudados nos âmbitos da educação – tornou imprescindível a pesquisa
noutros textos, que não aqueles que integram o corpus do presente trabalho,
mas igualmente textos sobre investigação educacional.
Assim, a pesquisa de referências a Dewey quanto ao papel concedido
a este autor na investigação educacional, também noutros textos sobre
investigação educacional (mas que não integram os corpus do presente
trabalho), mostrou que:

 se, em Carr (1995), Dewey é comparável a Thorndike (de quem


se diz, por exemplo, que considerava dispensável o estudo das
práticas), em Dershimer & Iannaccone (1973) Dewey assentava a
investigação educacional, pelo menos parcialmente, nas práticas;

 se Best & Kahn (1993) citaram Dewey como exemplo da rigidez


da posição tradicional no âmbito da investigação, Hollingsworth &
Socket (1994) afirmaram ter sido nele que H. Taba se inspirou para
efectuar investigação-acção;

452
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

 se, em La Orden (1985a), Dewey é tido como um expoente do


experimentalismo, em Curoe (1943) tal classificação apresenta-se, no
mínimo, difícil de sustentar (como se justificará a seguir);

 também, no seu longevo manual, Buyse (1959/1935) citou, e


afirmou por vezes concordar, com as ideias de Dewey, mas não
adicionou mais argumentos que sustentassem convincentemente a
sua concordância;

 Clandinin & Connelly (1991), por seu turno, fizeram um


aproveitamento singular das ideias de Dewey, pois afirmaram ter
desenvolvido a sua perspectiva de investigação narrativa (“narrative
inquiry”) na pesquisa em educação a partir de "revisitações"
periódicas às concepções de Dewey sobre educação, reforma e
investigação educacional.

Ou seja, o cotejo de textos integrantes do corpus do presente trabalho


com outros textos a ele não pertencentes, ao invés de esclarecer, confirmou a
presença de referências antitéticas, pelo que fez aumentar a perplexidade
com que eu partira para a análise das referências a Dewey noutros textos
não incluídos no corpus.
Um dos aspectos em que se verificam particulares discrepâncias é
quanto ao sentido atribuído ao qualificativo “experimental”, quando apenso
às propostas de Dewey.
O trabalho de Dewey tem sido, ao longo do tempo, por vezes
associado à argumentação sobre as vantagens da experimentação em
educação, nesse contexto sendo-lhe aplicado o qualificativo de experimental.
Mas, se é certo que tal se verifica, também é certo que, ao longo do tempo,
tal tem sido, de quando em vez, também, posto em causa.
Assim, e por exemplo, Curoe (1943) constatou que o sistema de
pensamento de Dewey foi muitas vezes classificado de experimentalismo.

453
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Mas Curoe criticou estas opiniões, pois – argumentou – classificar Dewey é


difícil porque Dewey encontrara na reconstrução da experiência o conceito
unificador que une arte e ciência, teoria e prática, educação e filosofia.
É neste sentido que Curoe adiantou, já em 1943, que o conceito de
experimental, em Dewey, diferia consideravelmente do conceito de
experimental mais em voga naquela época.
De facto, e de um modo geral, o sentido original de experimental
mantém-se actualmente: estudo que segue as regras próprias do método
experimental de pesquisa – verificação dos efeitos da manipulação de, pelo
menos, uma variável sobre outra ou outras variáveis, observando todas as
regras de desenho e de controlo da validade (pelo menos interna) que
permitam chegar ao fim do estudo e poder asseverar que a variável x tem,
ou não tem, algum efeito (ou, pelo menos, tem relação) sobre a variável Y. E,
com isso, aumentar o conhecimento sobre um determinado assunto.
Ora, em Dewey, e sem abdicar de compromissos científicos,
“experimental” tem um sentido muito mais amplo. Numa das suas obras
(Dewey, 1989/1933), o autor explicou os passos do método científico, no
âmbito da sua capacidade potencial para promover o desenvolvimento do
pensamento.
Dewey comentou que, em algumas práticas escolares (tanto do
ensino superior, como do ensino primário), aos alunos, “as árvores não lhe
deixam ver o bosque” (Dewey, 1989/1933:159), e que as coisas e as suas
qualidades estão recortadas e detalhadas sem se referirem ao carácter mais
geral que representam.
É neste sentido, também, que devem ser compreendidas as
afirmações de Lagemann (2000), quando esta autora comentou que, para
Dewey, o estudo da educação, para ser experimental, deveria decorrer no
seu ambiente natural, na escola.
Na perspectiva diacrónica deste primeiro nível da análise a que
procedi, constatei que, além do padrão das citações antitéticas, outro padrão

454
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

parece surgir: ou seja, constatei que Dewey é frequentemente citado, desde o


início até à actualidade, em textos de investigação educacional; porém, se
estivermos atentos à sustentação da relevância que lhe é concedida, nos
diferentes textos e épocas, parece haver uma tendência para que essa
sustentação seja mais consistente à medida que nos aproximamos dos finais
do século XX.
A bem dizer, é mesmo nos anos mais recentes que a fecundidade e a
complexidade das posições de Dewey sobre investigação educacional tende a
ser mais evidenciada e substantivamente valorizada.
Vejamos os exemplos de Lagemann (2000), obra já amplamente
tratada aqui, e, também, de Kincheloe (1991), ou de Mitchell & Haro (1999)
que, ao longo dos seus textos, interpretaram Dewey em linha semelhante à
de Lagemann, escrevendo sobre a escola laboratório que Dewey fundara em
Chicago, na viragem do século XIX para o século XX, e sobre as relações,
nunca lineares, que Dewey estabeleceu entre a investigação e a prática
pedagógica, e entre a ciência da educação e disciplinas como a filosofia.
Também Cohen & Barnes (1999), tomando Thorndike como símbolo
da “mainstream” que orientou o desenvolvimento económico, político e social
(que prevaleceu nas primeiras décadas do século XX), colocaram as posições
de Dewey num pólo oposto às posições de Thorndike.
À semelhança de Lagemann (2000), Cohen & Barnes (1999)
observaram que Dewey escreveu sobre educação, mas não chegou a
estabelecer agenda para a investigação. Observaram também que a referida
escola laboratório de Dewey, em Chicago, não foi objecto de publicações,
excepto a de Mayhew e Edwards, em 1966. Como resultado, as ideias dos
esquerdistas não teriam influenciado as escolas e, particularmente, as ideias
de Dewey nunca foram uma parte dos programas de investigação e de
graduação da “mainstream”. Ou seja, as ideias alternativas de Dewey foram,
simplesmente, excluídas das tendências que prevaleceram na investigação
educacional, durante décadas.

455
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

De notar que aquelas interpretações mais renovadas sobre as


propostas de Dewey (de Lagemann, 2000; de Kincheloe, 1991; de Cohen &
Barnes, 1999; e de Mitchell & Haro, 1999), e que surgiram com mais
congruência, já o século XX praticamente expirava – e que podemos
classificar de "mais actualizadas", portanto – tiveram alguns precursores,
como se pode ver através de mais um nível de análise das referências a
Dewey, desta vez, a análise diacrónica das referências a Dewey, de algum
modo pioneiras da versão mais actual desenvolvida em Lagemann (2000).
Foi o caso de Curoe (1943), na menção já citada, e também de
Planchard (1974), quando ele propôs que fossem adoptados os princípios de
Dewey sobre investigação e aprendizagem como guia da acção dos
investigadores; foi também o caso de Kliebard (1985), quando ele referiu o
escasso entusiasmo manifestado por Dewey acerca do movimento de estudo
da criança que pretendia que os resultados fossem directamente aplicados
em prescrições educacionais (pretensão que, como se viu ao longo do
presente trabalho, se tornou numa das características da pesquisa
educacional das primeiras décadas do século XX).
Mas, apesar do exposto nos últimos parágrafos, sobre a direcção das
tendências de reconhecimento de um papel específico de Dewey, nas
narrativas sobre investigação educacional, em textos de finais do século XX,
não podemos dizer que, actualmente, haja unanimidade acerca das
apreciações de Dewey. Ou melhor, a análise sincrónica de algumas das
referências a Dewey, em textos da época actual, mostra que há bastantes
alusões quanto a conferir-lhe um papel nas narrativas acerca da
investigação educacional; todavia, mostra também que não há unanimidade
quanto às interpretações desse papel.
Isto porque Phillips & Burbules (2000), teóricos da investigação
educacional pós-positivista (como foi mostrado no Capítulo quatro) também
se apoiaram nas asserções de Dewey para fundamentarem as suas
perspectivas sobre a investigação educacional, mas fizeram-no para

456
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

desenvolver concepções de investigação educacional bem diferentes das


concepções desenvolvidas pelos restantes autores do final do século XX que
citei nos últimos parágrafos (Lagemann, Cohen & Barnes, Mitchell & Haro e
Kincheloe). Entre outras referências a Dewey, destaco, como exemplo, o
objectivo enunciado por Phillips & Burbules (2000:4) para o livro que
publicavam: “o objectivo do livro é mostrar que a filosofia da ciência pós-
positivista é a mais adequada para alcançar o objectivo de Dewey.”
Portanto, pode dizer-se que Dewey é usado, nas narrativas que a
investigação educacional sobre si própria constrói, para justificar as posições
mais antagónicas, tendo sido autor de referência para autores que se
colocam em todo o espectro paradigmático da investigação educacional, e
essa qualidade de Dewey tem-se mantido ao longo do tempo. Isto é, Dewey
tem servido como ponto de apoio para autores como La Orden (1985a) ou
Phillips & Burbules (2000), que desenvolvem os seus trabalhos em
perspectivas de matriz positivista, bem como para autores como Connelly &
Clandinin (1991) ou Mitchell & Haro (1999), que muito dificilmente
poderiam ser incluídos naquela categoria.
Esta circunstância também deve ter algum significado.
Provavelmente, tal é explicável tendo em conta que, por um lado, o texto
onde, segundo Lagemann (2000), aquele autor melhor exprimiu o seu
pensamento sobre investigação educacional – Dewey (1929) – é um dos
textos em que, talvez devido à sua densidade, se torna difícil interpretar o
discurso do autor.171
Por outro lado, esta circunstância talvez signifique que os postulados
e as conclusões daquele texto fundamental de Dewey sobre investigação

171 Trata-se, de facto, de um discurso de não fácil leitura. De resto, comparando a


primeira edição, na língua original (Dewey, 1929) com a sua tradução em
Espanhol (Dewey, 1944/1938/1929), verifica-se que o texto original nem sempre
é traduzido da forma mais adequada.

457
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

educacional (Dewey, 1929) não estariam em consonância com o pensamento


dominante sobre investigação educacional – então, e ao longo das décadas
seguintes à sua publicação – razão pela qual terá sido “dispensado” de ser
citado e de influenciar a investigação educacional, embora não se tivessem
dispensado as frequentes referências encomiásticas a Dewey.
Surgem, reforçadas, assim, as afirmações de Lagemann (2000:42),
segundo as quais,

“Sugerir que Dewey tem servido como uma espécie de ícone cultural,
alternadamente enaltecido e amaldiçoado por pensadores tanto da
esquerda como da direita, pode captar o seu lugar na história da
educação de forma mais fiel do que dizer que ele foi um importante
reformador.”

Ganham relevo, também, as palavras de Kuhn (1997), quando


duvidou das tradições históricas veiculadas pelos manuais, pois os manuais
tendem a destacar somente os fragmentos do passado que são pertinentes
para afirmar o paradigma no qual se integram. Estas observações de Kuhn
sobre os manuais têm aplicação, também, noutros tipos de textos
normativos, como se viu a partir da análise sincrónica e diacrónica das
referências a Dewey.
O que se escreveu até aqui evidencia também como o predomínio de
um paradigma na investigação educacional ao longo de décadas (o
predomínio do paradigma positivista, ao longo de mais de seis a sete
décadas do século XX) não esteve isento de apelos a outras alternativas.
Seria importante tentar perceber, então, como é que actuaram os
investigadores, as instituições e as comunidades que os suportaram e
suportam, para contornar as expressivas solicitações dos escritos de Dewey
em direcções opostas àquelas que tomaram a primazia, já que, como
sabemos, este autor foi sempre tudo menos ignorado no panorama da
educação no EUA e nos países de influência cultural dos EUA. Mas o caso,
aqui tratado, dos mapas das referências sincrónicas e diacrónicas a Dewey,

458
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

nos textos de investigação educacional, pode bem não ter sido um caso
isolado, antes aquele que se mostrou mais difícil ignorar, por ser Dewey uma
personagem que manteve máxima e constante importância na educação em
geral, apesar de, de certa forma, ter sido excluído da comunidade que
conduziu a investigação educacional, nas primeiras décadas. Somente
estudos complementares poderão dizer da consistência da possibilidade que
aqui se alvitra. Também, até que ponto as divergências acerca dos escritos
de Dewey sobre investigação educacional reflectem aquilo que é a
"normalidade" na exegese da obra daquele autor – em virtude da sua
extensão e complexidade, o que a torna particularmente susceptível de
enormes flutuações interpretativas – ou, por outro lado, até que ponto elas
evidenciam a manifesta falta de auto-conhecimento da investigação
educacional, é outra questão a merecer estudos posteriores.

459
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONHECER, QUESTIONAR E


INOVAR
Tendo em atenção o que até aqui se discutiu, cabe agora a
demarcação de alguns dos aspectos mais destacados num quadro-síntese de
quadros e demais conclusões anteriormente apresentadas.

Quadro n.º 17 – Dimensões de variabilidade entre textos da época inicial e


da época recente

DIMENSÃO ÉPOCA INICIAL ÉPOCA RECENTE

Variabilidade de Mínima Máxima


paradigmas/ métodos De matriz quantitativa Multiparadigmática
Multimetodológica
Relação entre Hegemonia de um Multiplicidade:
paradigmas paradigma (positivista) -com supremacia de um
paradigma
-em cooperação/
complementaridade
Unicidade
Projectos Sim, uni-estratégico Sim.
emancipatórios - Multi-estratégicos
- Multimetodológicos.
-Protagonismos
partilhados
- Reflexivos
Partilha de Não (com excepção) Mais
protagonismos
Relação Relação teoria/prática Relação teoria/prática:
teoria/prática em dicotomia (com -em dicotomia
excepção) -em sintonia
Estratégias Sim Sim (mais, diversidade de
discursivas ambíguas estratégias)
Possibilidades de Sim (menos) Sim (mais)
análises
intertextuais

460
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

Para além do sintetizado no quadro acima, e do decorrente do modelo


de análise de texto proposto no ponto três deste capítulo, cabe ainda deixar
algumas considerações/ reflexões que, pela sua natureza, não se moldam às
representações, inevitavelmente simplistas, dos modelos gráficos e melhor
se exprimem através de enunciados discursivos:

1. Os textos aqui analisados, particularmente os textos normativos


da época recente, deixam transparecer elevado grau de ambiguidade, bem
como de problemas quanto ao diagnóstico, à autonomia e às estratégias
adequadas para superar as dificuldades, em consonância com o que foi
apontado sobre os percursos do movimento de cientificação da educação, ao
longo do Capítulo um, a partir de escritos de autores como Correia, A.
Estrela, M. T. Estrela e A. de Carvalho.

2. Tendo em mente as questões colocadas no final do Capítulo dois,


concluo que, com o presente trabalho, e como já se viu, não é refutada a
hipótese de que os textos normativos da época histórica recente, e que se
assumem como da investigação educacional, enunciem grande variabilidade
nas vias que consideram legítimas para a cientificação da educação, de modo
distinto do que acontece com os textos da época histórica do início do século
XX.
De um modo geral, os textos normativos actuais analisados, ora
reconhecem a presença de dois ou três paradigmas de investigação (com
diferentes designações, é certo), apoiando mais ou menos abertamente
algum deles, ora tentam algum tipo de síntese, em formulações holísticas e
coerentistas.

3. Porém, e para além de não refutar a diversidade e a ambiguidade


já assinaladas, o presente trabalho acrescentou e refinou algo mais sobre o

461
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

carácter dessa diversidade e dessa ambiguidade e, por conseguinte, sobre o


carácter geral da investigação educacional, desde a época inicial do século
XX, até à actualidade.
Ela é feita de convergências e de divergências, de discursos de
transmutação não assumida, de subversões, de enunciados que às vezes são
pertinazmente mantidos mas logo subtilmente contrariados, de confianças e
de desconfianças, de certezas e de hesitações, e de tentativas, ora de
manutenção de perspectivas algo anacrónicas, ora de arrojados
vanguardismos. Ela é feita, também (e parafraseando R. Gomes) pela
diferença entre aquilo que se pode (ou se quer) dizer, em cada época, e aquilo
que é dito, e que importa, então, percepcionar.

4. A consciência das permanências, mas também dos antagonismos,


das convergências, dos consensos e dos dissensos, do que se pode dizer e do
que é dito, das flutuações e das hesitações na investigação educacional, por
parte dos estudantes e dos investigadores, bem como, também, por parte dos
políticos e de todos aqueles que têm papéis particularmente activos e
cruciais na educação (os práticos), poderá constituir um poderoso
instrumento de crescimento profissional, especialmente para os
investigadores, tal como foi preconizado por Lagemann (2000) (e, também,
permito-me acrescentar, para os intervenientes nas práticas educativas).
Por isso, é importante que os investigadores conheçam bem as
distintas vias admitidas pela pesquisa educacional, que conheçam a sua
história, os seus desenvolvimentos, as sucessivas críticas e esperanças, e que
nunca pensem que aqueles dois ou três manuais que têm em mãos, e que se
dispõem a consultar com o fim de conduzirem algum projecto de
investigação, apresentam ‘as melhores’, e muito menos, ‘as únicas’,
orientações reconhecidas para pesquisar a educação.
Esta conclusão vem em reforço das palavras de M. T. Estrela (1986),
quando advertiu que nenhum investigador se lançasse em projectos sem

462
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

passar pela discussão de questões epistemológicas (permito-me acrescentar,


com a profundidade a cada um acessível, e independentemente da sua
formação prévia) e sem passar pela demonstração de um conhecimento
mínimo da situação e das alternativas. A segurança proporcionada por um
conhecimento razoavelmente abrangente e profundo da área em que se
investiga contribui, provavelmente, para um incremento da autoconfiança e
do alento para inovar.
Sendo assim, previamente à realização de qualquer projecto de
pesquisa em educação, os investigadores deveriam tentar abordar os
conceitos e as diversas perspectivas da investigação educacional, e só depois
realizar outros projectos de investigação.
Não quero dizer com isto que esta via seja, só por si, suficiente e
emancipatória, mas apenas que promete ser uma via necessária e altamente
facilitadora do desenvolvimento e da criatividade da pesquisa em educação.
Na senda do que foi destacado por Usher (1996), esta será uma via para
potenciar as capacidades de questionar e subverter as formações de poder/
conhecimento que, por vezes, atravessam alguns escritos, práticas, contextos
e instituições de investigação, o que poderá fortalecer, a prazo, a
comunidade de investigadores em educação, bem como a comunidade
educativa em geral.
Se for assim, os investigadores saberão que há mais modos de
investigar que foram ensaiados, que nada é inquestionável e que tudo deve
ser sujeito ao escrutínio da dúvida.
Se os investigadores, os práticos e os decisores conhecerem com
algum detalhe a diversidade de propostas que esta área oferece, estarão
mais aptos a questionar, mais preparados a sugerir alternativas e mais
seguros a propor inovações.

5. Por outro lado, é preciso aumentar a consciência de que a


investigação educacional (como, de resto, todas as investigações, de qualquer

463
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

área) contém uma faceta discursiva, de autoconstrução também mediante a


escrita, a que é preciso estar atento através do recurso a estratégias de
relativização da escrita.
Foram identificadas no presente trabalho algumas estratégias
discursivas utilizadas pelos autores nos seus escritos sobre investigação
educacional:

 estratégia de evitamento;

 estratégia de sonegação;

 estratégia de enunciado não assumido;

 estratégia de arrostamento;

 estratégia de fragilização.

O reconhecimento e interpretação destas e de outras estratégias


discursivas (como a “estratégia de “abandono justificado” identificada no
texto de Erickson, 1989, referida em nota de rodapé anteriormente, neste
capítulo) é apenas uma das vias facilitadoras da atenção que a análise da
escrita aconselha.
Ou seja, a escrita é, tão só, a escrita, que faz parte da investigação
educacional, mas não é a investigação educacional no seu todo, embora
participe, ela própria, na construção da investigação educacional.

6. O modesto avanço que o presente trabalho representa na


caracterização da investigação educacional foi viável mediante a opção pelo
método de análise de textos, confirmando assim as capacidades heurísticas
que, em múltiplas instâncias, lhe tem vindo a ser reconhecidas, e reforçando
aqueles que consideram a análise do discurso como oportunidade a não

464
CAPÍTULO OITO – CONCLUSÕES

perder em qualquer reflexão epistemológica no seio de qualquer área de


estudo (cf. Wallerstein, 1996).

7. Outra das conclusões finais deste trabalho de análise de textos


normativos é que a amplitude das possibilidades de efectuar algum tipo de
investigação educacional reconhecidas (e, portanto, pelo menos em alguns
círculos, legitimadas) pelos textos normativos das últimas décadas, não pode
senão suscitar entusiasmo acerca das suas oportunidades de realização,
contrariando, assim, a ausência de expectativas positivas observada em
Travers (1992).

8. É, então, na abertura à variedade de perspectivas e de realizações


que reside boa parte do dinamismo da investigação educacional, e não na
hegemonia de uma linha paradigmática, tal como foi também apontado por
diversos autores, citados ao longo do presente trabalho.
É preciso, portanto, estimular o recurso às várias perspectivas de
investigar, em todas as instâncias vocacionadas para tal (académicas,
práticas ou políticas). Neste aspecto, as instâncias académicas configurarão,
porventura, o lugar privilegiado para o entrosamento das distintas
perspectivas de investigar. De resto, algumas propostas de cientificação da
educação, como aquela exposta em Not (1984c), apenas têm reais
possibilidades de realização, em termos práticos, se enquadradas em
instituições em que as diversas áreas/ disciplinas/ perspectivas operem em
espírito de franca cooperação e humildade (e não em oposição, como por
vezes acontece).

9. Por tudo isto, diria que a investigação educacional será, se se


dispuser a conhecer com abertura, questionar sem receios e inovar com
criatividade.

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