Contrato de Casamento Vol. 01 - A. C. Nunes

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CONTRATO DE CASAMENTO

AC. NUNES
Copyrigth © 2017 by A.C. NUNES.
Todos os direitos reservados.
Direitos autorais do texto original.

REVISÃO
Amanda Nunes
Revisão final: Alpha Books – [email protected]

CAPA
DRI K.K

DIAGRAMAÇÃO
Amanda Nunes

NUNES, A.C
Contrato de Casamento/ A.C. Nunes
(Contrato de Casamento; 1)
2ª Edição, Campos do Jordão, SP: Independente, Abril/2017.

Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos,
lugares ou situações é mera coincidência.
É expressamente proibida a reprodução desta obra, total ou parcial, sob
quaisquer meios, sem o consentimento prévio e expresso da autora.
Lei 9.610/98

1. Ficção brasileira. 2. Romance. I. Título. II. Série


[email protected]
DEDICATÓRIA

A todos aqueles que gastaram um pouquinho do seu tempo para ler este
livro.
Mas em especial à Carolina, pela inspiração.
ÍNDICE
PRÓLOGO
01
TRAÇANDO O DESTINO
02
A HERANÇA
03
INVESTIDAS DO ACASO
04
A PROPOSTA
05
CONTRATO DE CASAMENTO
06
VISITA INESPERADA
07
CONSTRANGIDOS
08
INTERESSES
09
A RUIVA
10
O JANTAR
11
CONFUSÃO
12
NOVA CASA
13
O DIA
14
LUA DE MEL
15
LUA DE FEL
16
NÃO É O QUE PARECE
17
UM BOM AMIGO
18
DESEJOS AFLORADOS
19
FÚRIA E CIÚMES
20
PORQUE A AMA
21
DORES DO PASSADO
22
PEDIDO DE DESCULPAS
23
RECONCILIAÇÃO
24
CHANTAGEM
25
TRIÂNGULO
26
CONSUMADO
27
PAIXÃO CONFUSA
28
PROVOCAÇÕES
29
CIÚME DESCONTROLADO
30
DECISÃO ERRADA
31
DIVÓRCIO
32
OLHO POR OLHO
33
AMOR E ÓDIO
34
IRRESISTÍVEL AMOR
35
SENHORA MÜLLER
36
ENTRE AMIGOS
37
PROMETIDA
38
AMOR ENCARNADO
39
DENTE POR DENTE
40
O ENVELOPE
41
AMOR DESCONTROLADO
42
DOR E ADEUS
43
ÚLTIMA ESPERANÇA
44
O AMOR PREVALECE
EPÍLOGO
CONTRATO DE CASAMENTO
CAPÍTULOS BÔNUS
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE I
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE II
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – FINAL
BÔNUS II
MELISSA – PARTE I
BÔNUS II
MELISSA – FINAL
PLAYLIST
CONTRATO DE CASAMENTO 2, SPIN-OFF DE HEITOR MÜLLER
PRÓLOGO
01
SEGUNDAS INTENÇÕES
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
CONTATO E REDES SOCIAIS
FAÇA SUA AVALIALÇÃO
E GANHE MARCADORES
PRÓLOGO

Sophia entrou no escritório de Daniel Müller e se deparou com uma


cena que a fez derrubar os papéis que trazia nas mãos. Instantaneamente sentiu
as lágrimas acumularem nos olhos e um aperto no peito massacrou seu
coração. Tinha sido uma tola. Jamais deveria ter aberto seu coração para o
Daniel, jamais deveria ter dito que sentia algo por ele que nunca havia
experimentado, porque agora ele estava ali, agarrado à outra, pouco se
importando com seus sentimentos, com o amor que ela poderia dar a ele, mas
que Daniel não sabia – ou não podia – retribuir.
Ela sabia que, por mais que fossem casados, Daniel não tinha qualquer
obrigação de corresponder algum sentimento. Mas custaria muito, pelo menos,
respeitar e ser mais discreto para não magoá-la?
— Eu te odeio, Daniel — gritou ainda dentro do escritório dele, fazendo
o empresário se sobressaltar e direcionar seu olhar a ela.
Daniel Müller ficou visivelmente surpreso com Sophia parada na sua
frente. Desvencilhou-se da bela morena sentada em seu colo – trajando apenas
sutiã e saia social erguida até a altura da barriga.
— Sophia… — Mas antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, a
loura já saíra em disparada, com as mãos no rosto e aos prantos.
Ele vestiu a camisa social e saiu do escritório às pressas, ainda
abotoando o traje. Alcançou-a no meio do caminho e segurou o braço dela
com força.
— Vamos conversar — pediu, e a induziu a olhar para ele.
Mas a loura nada respondeu. Soltou-se brutalmente de suas mãos e
desferiu um tapa no rosto preenchido pela barba.
— Não me procure nunca mais, Daniel Müller. Entendeu? Nunca mais!
— proferiu pausadamente.
Ela disparou novamente pelos corredores da Swiss Chocolate e Daniel
ainda tentou agarrá-la, mas em vão.
Droga! Praguejou mentalmente, frustrado e advertindo-se interiormente
por sua estupidez.
Voltou furioso consigo mesmo para sua sala, dispensou a morena que ainda
estava seminua, ajeitou seu terno e saiu apressado mais uma vez, deixando
todos que estavam presentes confusos e com olhares curiosos por causa do
que havia acabado de acontecer.
Irritado, seguiu até o estacionamento da empresa. Seu motorista viu
quando ele se aproximou a passos rápidos, e pôs-se a ir na sua direção, pronto
para atender alguma necessidade do patrão. Mas antes que o chofer pudesse
chegar até ele, Daniel levantou a mão direita, sinalizando que não precisaria
dos seus serviços. Abriu a porta com um puxão abrupto, entrou sentando-se
pesadamente no banco, como se descarregasse toda sua raiva, e bateu a porta
fortemente, descontando ali mesmo toda sua aflição. Girou a ignição e saiu
rapidamente com o carro, deixando seu funcionário totalmente surpreso.
Daniel sabia exatamente para onde seguir. Depois que Sophia o vira
quase transando com outra mulher em seu próprio escritório, não tinha
dúvidas: ela estaria na casa deles, preparando as malas para ir embora e ainda
insistiria em divorciar-se.
Não posso permitir isso. Eu a amo, porra! Como eu a amo.
De um modo distorcido, ele a amava.
Chegou em casa, mal estacionara o carro e já estava correndo para
dentro. Entrou e subiu as escadas desesperadamente. Precisava se explicar.
Abriu a porta do quarto deles e lá estava ela, como previsto, arrumando suas
coisas.
Quando percebeu a presença dele ali, Sophia enxugou as lágrimas
tentando não demonstrar estar abalada com o que vira minutos atrás.
Daniel se aproximou cauteloso, sem saber como começar a se explicar.
— Sophia… — tencionou uma frase e foi interrompido no mesmo
instante. Sua esposa de conveniência se virou bruscamente para ele, os olhos
vermelhos e a face com uma expressão de raiva e dor.
— Nem perca seu tempo, senhor Müller, — seu tom era de desdém —,
não tem que me explicar nada.
— Mas eu quero. Só me…
— Não, Daniel. Você é um homem livre. Foda com quem você quiser!
— esbravejou sentindo-se cansada de tudo que tinha acontecido até ali.
— Que porra, Sophia! — Daniel quem aumentou a voz dessa vez,
assustando-a. — Eu estava com raiva! Você pediu o divórcio e depois te vi
beijando aquele imbecil do Miguel! O que queria que eu fizesse?
Ela respirou fundo antes de responder.
— Não irei discutir com você. Só me deixe ir embora.
— Você não vai a lugar algum, é minha esposa!
— Sua esposa de mentira num casamento de mentira! — despejou
entredentes.
— E nosso sexo foi de mentira para você?
— Aquilo foi um erro. — Sophia voltou-se às malas. — Nunca deveria
ter acontecido. Quando estiver com a herança em mãos, me ligue e eu assino o
divórcio.
Daniel a segurou pelo braço novamente, girando-a para ficarem um de
frente para o outro. Ela se assustou com a atitude, mas não revidou. Seus
corpos ficaram próximos, se encaram com intensidade, as bocas estavam tão
rentes que, apesar da raiva, Sophia desejou tomar a dele para si. E ao mesmo
tempo, o hálito fresco da loura subia pelas narinas de Daniel, acalentando seus
ânimos.
— Não quero que vá, e não é para manter nenhuma aparência —
sussurrou buscando os olhos verdes esplendorosos, e completou: — É porque
eu te amo.
Sua declaração deixou Sophia levemente atônita. Por alguns segundos,
permaneceu calada, sem saber o que dizer, como reagir diante àquela frase.
— E eu sei que me ama também — finalizou ele, olhando para os lábios.
— Você não sabe de nada, Daniel — retrucou Sophia, quase inaudível.
— Não tire conclusões precipitadas.
— Não negue, Sophia. Eu vejo nos seus olhos. Eu senti nos seus beijos e
na noite em que fizemos amor. Estou sentindo agora, e se não me ama, por que
se importa se eu estava com outra ou não? Eu sei que me ama, admita.
— Está enganado — insistiu na negativa sentindo seu coração palpitar
em uma vontade imensa de tomar aqueles lábios e beijá-los loucamente.
Daniel segurou-a pelos dois braços com um aperto sensual e a jogou na
cama. Começou a desabotoar a camisa, olhando para ela, um sentimento de
amor e ódio crescendo dentro dele. Amor pela ligação que sentia ali. Queria
tê-la, amá-la, fazê-la feliz, dar-lhe prazer. Queria deixar aquele casamento de
fachada de lado e fazer dela definitivamente sua esposa. Ódio por tê-la visto
beijando outro homem, por ter sido um imbecil todo aquele tempo, por não ter
se declarado antes. Por tantas e tantas vezes ter cometidos os mesmos erros.
erros atrás de erros.
— Então prove… — declarou tirando a camisa – num movimento
sedutor. — Resista aos meus beijos, ao meu toque e carícias. Resista a mim…
e eu te deixo em paz.
— Daniel…— sibilou, mas foi calada com um beijo intenso, os dedos
longos escorregaram por entre seu queixo e, gradativamente, eles se deitaram
na cama.
Sophia sequer lutou. Agarrou-o pelos cabelos curtos e o trouxe mais
para si, aprofundando a troca de carinho. Sim, ela o amava e desejava a todo o
momento, de qualquer forma.
Daniel a amava tanto quanto ela, mas só naquele momento teve coragem
de dizer. Só depois de se deparar com a possibilidade de perdê-la resolveu
expor seus sentimentos.
Seus corpos se tocavam e eram uma confusão de sentimentos. Um
precisava do outro desesperadamente, e demonstravam com beijos intensos,
respirações ofegantes, com a afobação do desejo de um possuir o outro.
Sentiam o coração palpitar em anseio de fazer daquele momento o mais eterno
possível, queriam parar o tempo para viverem aquele instante o resto da vida.
Despiram-se e se entregaram um ao outro nesse casamento, quebrando
outra vez o contrato que haviam firmado.
01
TRAÇANDO O DESTINO

O quarto de hotel que Sophia acabara de se instalar não era luxuoso nem
simples demais, mas aconchegante e confortável o suficiente – além de limpo
– para que tomasse um banho relaxante e se espreguiçasse em uma cama
macia.
Depois de guardar as roupas e escolher o que vestir, tomou banho e teve
a sensação de levar a alma. Pensou em todas as coisas que aconteceram no
último mês. Suspirou se lembrando de todos os seus problemas.
Problemas, estes, que nem teriam começado se não fossem os vícios do
seu pai em apostas de cavalo.
Sebastian Hornet, empreiteiro famoso, dono de umas das mais
renomadas construtoras do país. Mas a ConstruHornet entrara em decadência
por causa dos gastos exacerbados, dos desvios de dinheiro, dos inúmeros
caixas-dois de Sebastian para alimentar o seu vício.
A longo prazo, a empresa foi perdendo destaque no meio da construção
civil, os clientes migraram para a concorrência, ex-funcionários exigiam
seus direitos na justiça, e, quando a família Hornet deu por si, começavam a
falir.
A solução mais fácil para o patriarca da família foi oferecer a própria
filha em casamento, como se ainda vivessem no século XVII, ao segundo nome
mais conhecido: Luiz Guimarães de Orleans.
O acordo nada mais era que, com o casamento, e com a promessa de
tirá-lo da falência, Luiz e Sebastian seriam sócios, e este obteria, nada mais
nada menos, do que a bagatela de setenta por cento de toda a empresa.
Ainda que a ConstruHornet estivesse falindo, continuava a ser uma das
melhores companhias do ramo e ainda era valorizada no mercado. Além do
mais, ponderou Luiz, com os investimentos certos, o renome dos Hornet seria
facilmente reerguido – e tão logo ele lucraria. O casamento entre Sophia e
Miguel de Orleans garantiria que tudo ficasse em família, afinal. E em caso de
divórcio, mais uma parcela das ações da ConstruHornet cairia nas mãos dos
Guimarães.
No entanto, Sophia nunca concordou com tal decisão. Seu pai não podia
simplesmente oferecê-la em casamento, mesmo ao Miguel, um homem que
conhecia desde a infância, e que até chegaram a namorar em algum momento.
Mas com persuasão, e um pouco de drama e chantagem, seu pai conseguiu
convencê-la e o casamento fora planejado para alguns meses depois.
Eis que o dia chega e Sophia sente seu coração pesado, que não é o
correto a se fazer. Diferente dela, Miguel não se opõe à união. Ao contrário.
Ele apoia tal loucura, cego de paixão por ela desde que pode se lembrar.
Decidida a não dar continuidade ao matrimônio, pensando que
encontraria outra maneira de ajudar a sua família e a decadência iminente, ela
desiste da união abandonando Miguel no altar.
E desde que tomara tal atitude, Sophia vivia de um lado para o outro,
mudando constantemente, vivendo aqui e ali em hotéis, fugindo de um ex-noivo
insistente e de um pai furioso. Semanas atrás, até quis voltar para casa, mas
soube que Sebastian persistia na união arranjada.
Sua reserva de dinheiro começava a se esgotar e ela não sabia mais o
que fazer. Não queria retornar para casa e ter que encarar Sebastian Hornet e
ser forçada a se casar com Miguel de Orleans.
Olhou para cima deixando a água molhar o rosto, procurando solução
para o seu problema. Lembrou-se de como sua atitude de abandonar o noivo
foi amplamente divulgada na mídia. Chegou a ver a própria foto do momento
em que saíra às pressas da igreja estampada em jornais. E não era para menos.
O matrimônio dela e Miguel seria o casamento do ano, a junção de duas
famílias poderosas e duas das maiores construtoras do país.
Mas Sophia estragou tudo quando quebrou o contrato e desfez o acordo.
E que culpa, afinal, ela tinha? Fora submetida a um casamento forçado,
sem amor – tudo para salvar a família da ruína, esta causada pelo próprio pai.
Seria muito injusto que pagasse por um erro alheio.
Desligou o chuveiro, enrolou-se na toalha, vestiu-se e abriu na página
dos classificados, passou os olhos rapidamente.
“Preciso de um emprego” era a única frase que ecoava em sua cabeça.
Com a família à beira da falência, Sophia não teria mais as regalias que tinha
antes de abandonar tudo. E mesmo se tivesse, depois de sua atitude,
provavelmente seria deserdada.
Ela não queria muito, apenas o suficiente para se manter. Pensava em
alugar um quarto ou uma casa pequena, quem sabe até dividir o aluguel com
alguém. Circulou duas vagas. Recepcionista e assistente administrativa: as que
mais lhe agradou, tanto pelo ofício, quanto pelo salário. Se não desse certo,
aceitaria qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. Com isso em mente
arrumou-se e saiu em busca das vagas que haviam lhe interessado.
Sophia passou pelas duas primeiras empresas, mas não obteve sucesso.
A primeira, a vaga de recepcionista, já havia sido preenchida horas antes; a
segunda, de assistente administrativa, exigia experiência profissional de dois
anos comprovado em carteira. E ela não tinha tudo isso. Na verdade, cursara
Ciências Contábeis e Administração para ajudar o pai na empresa. Mas não
teve chances, já que os negócios iam de mal a pior.
Voltou frustrada para o quarto de hotel, começava a ficar sem opções e o
desespero aflorava. Sem emprego não teria dinheiro, sem dinheiro não teria
como se manter, e se não pudesse se sustentar, seria obrigada a se sujeitar a
um casamento.
Arrancou os saltos e massageou os pés doloridos, enquanto verificava a
seção de classificados de outro jornal. Topou com uma vaga de secretária para
uma empresa chamada Swiss Chocolate. A candidatura à vaga deveria ser
feita pelo site da empresa. Prontamente pegou o notebook e fez sua pesquisa
sobre a empresa, já que tinha a vaga impressão de conhecer a marca de algum
lugar.
No próprio site da companhia, descobriu ser uma corporação de
reputação, com mais de quatrocentas lojas e franquias espalhadas por toda a
América Latina, além das fábricas no Brasil, México, Estados Unidos,
Espanha e Suíça, esta última sendo sua sede e tendo, também por lá, alguns
pontos de lojas e franquias. Segundo a nota que leu, a empresa foi fundada em
1900 na Suíça pela família Müller, chegou ao Brasil há cerca de oitenta anos,
e foi com sua sede em terras brasileiras que a marca ganhou status e se
expandiu desde a América do Sul até alcançar cidades canadenses. Sophia,
então, reconheceu a firma. Já comera algumas trufas Delicious e realmente
tinha adorado.
Pensou em desistir. Uma empresa tão grande como a Swiss Chocolate,
com filiais e franquias espalhadas pelo Brasil e mundo afora, exigiria uma
pessoa mais experiente e capacitada para o cargo. Mas ela tentaria mesmo
assim. Quem sabe a sorte não estaria ao seu lado?
Ainda no sítio eletrônico, fez um rápido cadastro, preencheu um
currículo e enviou.
Três dias depois, Sophia recebeu um e-mail informando-a que seu
currículo tinha sido selecionado para participar do processo seletivo para o
cargo que se candidatara. A etapa ocorreria no dia seguinte, às 14h, no prédio
administrativo da empresa.
Sophia compareceria com certeza. Tomando a decisão que traçaria seu
destino.

♦♦♦

Sophia chegara à empresa muito bem vestida. O tempo em que tinha


regalias propiciava compras de roupas novas sempre que precisava, ou
queria. Agora, seu terno feminino, antes usado para a empresa
ConstruHornet, caía-lhe bem para a entrevista.
A loura chegara às 13h30min no edifício endereçado no e-mail que lhe
enviaram, e aguardava ansiosamente. Quando o relógio marcou 14h, uma
jovem uniformizada veio até as candidatas, deveria ter umas 30 mulheres ali, e
explicou como funcionaria o processo de seleção. Primeiro, todas
participariam de uma dinâmica de grupo, o processo seria acompanhado pelo
supervisor geral e serviria para o profissional conhecer melhor o perfil de
cada uma. Depois, ainda naquele dia, cada uma passaria por uma breve
entrevista individual. As candidatas aprovadas seguiriam para a segunda
etapa: uma prova simples de conhecimentos gerais, envolvendo lógica,
atualidade e idioma (inglês e espanhol). Aquelas que conseguissem passar por
esta segunda etapa, então, seriam entrevistadas pelo presidente do grupo,
Daniel Müller. Este, por sua vez, selecionaria os três currículos que mais lhe
agradou, e auxiliado pelos supervisores da área, decidiria a melhor candidata
a ocupar a vaga.
A mulher ainda informou que as duas primeiras etapas seriam feitas
naquele mesmo dia.
Meu Deus, quantas etapas! Não sei se conseguirei! Questionava-se
após ouvir o falatório da mulher.
O grupo se reuniu em uma sala e fizeram o primeiro processo. O
supervisor apresentou o cargo, salário, benefícios e jornada de trabalho. Falou
da empresa e da sua história – que Sophia já lera em sua pesquisa no dia
anterior. Depois fizeram uma rápida dinâmica e foram dispensadas. O pequeno
grupo aguardou na sala de espera, enquanto as concorrentes passavam pelas
entrevistas individuais – que não demoravam mais que cinco minutos. Após
cumprir a primeira etapa, Sophia esperava ansiosamente o resultado.
O supervisor surgiu na porta com uma lista nas mãos e começou, em
ordem alfabética, a fazer a chamada.
— E por fim, Sophia Hornet. — o homem terminara a listagem. —
Todas estas que chamei, por favor, aguardem na empresa, as senhoras e
senhoritas foram selecionadas para a próxima etapa. Uma das assistentes as
acompanhará até um pequeno buffet para que se alimentem. Estejam
preparadas para a segunda parte em uma hora — dito isso se retirou, deixando
Sophia com o coração enorme de alegria.
Após o pequeno coffe break, Sophia conduziu-se para a segunda etapa.
Realizou a prova e ficou feliz que não tivesse sido muito difícil. Após
terminar, foi informada que estava liberada para ir embora e que as candidatas
que passassem para a última etapa seriam contatadas em até dois dias.
Ela saiu do escritório da Swiss Chocolate com o coração na mão. Havia
conseguido passar por uma etapa e rezava para chegar à terceira e passar por
esta também.
Os dois próximos dias demoraram a passar e ela olhava constantemente
no relógio. A manhã do segundo dia chegou e Sophia não recebera nenhum e-
mail positivo ou negativo sobre o cargo. A cada minuto, desanimava e perdia
as esperanças de ser chamada para a entrevista com Daniel Müller. Mas
Sophia ainda tinha até fim do dia para aguardar, ocupou-se, então, em ler
sobre a empresa.
Às 11h35min recebe um e-mail. Sente uma felicidade imensa quando da
notícia de que ela fora uma das candidatas a passar pela segunda etapa da
triagem. Daniel receberia as concorrentes para a entrevista a partir das 15h do
dia seguinte, e Sophia fora convocada a aparecer.

♦♦♦

Daniel Müller encerrou mais uma entrevista. No dia anterior tinha sido
informado que dez candidatas à vaga de secretária executiva foram
selecionadas para a entrevista pessoal.
De olhos claros e indefinidos – dependendo do ângulo, ou era verde ou
era azul –, já quase na casa dos trinta anos, o presidente do grupo Swiss
Chocolate era um homem sério para uma idade tão jovem. Sua postura ereta
ao andar pelos corredores do edifício, os cumprimentos rápidos para os
funcionários, seu semblante inexpressivo durante as reuniões e o fato de sorrir
tão pouco, denunciavam uma personalidade mais conservadora e discreta.
Pelo menos diante aos seus funcionários e acionistas.
Na ocasião, trajava um terno sob medida preto, camisa branca e gravata
rosa-claro. Apertou educadamente a mão da moça e a acompanhou até a porta.
Desejou boa sorte e a viu se afastando. A sala da recepção estava vazia. Olhou
no relógio. Cinco da tarde. Sua assistente, Anabelle, analisava alguns papéis
quando Daniel lhe tirou a atenção.
— Encerre os horários das entrevistas, por favor. — E já se virava para
voltar à sala quando ela o interrompeu.
— Ainda há uma última candidata, senhor Müller.
Ele virou-se, encarando-a. Mirou o relógio mais uma vez e bufou.
— E onde ela está? — Quis saber
— No toilet. Em um minuto estará em sua sala.
Daniel acenou e voltou para dentro, sentou-se em sua cadeira giratória
de couro, movimentando-a de um lado a outro, com o indicador nos lábios,
olhando fixamente para a porta, esperando que a tal candidata entre.
A porta se abriu e dela surgiu uma loura de cabelos ondulados, muito
bem vestida com uma camisa social branca, saia e paletó pretos, se
equilibrando muito bem nos saltos. A maquiagem leve apenas ressaltava sua
beleza natural sem vulgaridade. Nas mãos, trazia somente uma pasta. Anabelle
a encaminhou até Daniel, mostrando uma cadeira na frente dele. Deixou-os a
sós enquanto Sophia se sentava e tirava seu currículo da pasta que tinhas em
mãos, entregando-o ao seu entrevistador.
Daniel Müller passou os olhos pelo currículo e puxou uma segunda ficha
da gaveta, entregue a ele pelo supervisor um dia antes, que continha mais
informações de Sophia e seu desempenho nas etapas anteriores.
— Sophia Hornet — disse lendo o nome dela no papel. Pegou uma
caneta e analisou seu currículo. Ao terminar, olhou para ela, que permanecera
quieta. — Então, senhorita Hornet, seu currículo é muito bom, o supervisor me
deu uma visão bem positiva de você, mas vejo que não tem a experiência
necessária que estou exigindo para o cargo. Está há quanto tempo trabalhando
na área administrativa ou similar?
— Na verdade, eu tenho pouquíssima experiência, já que eu não tive
muitas oportunidades. Serei franca, senhor Müller, eu estudei e me preparei
para trabalhar na minha própria empresa, mas meus planos não saíram muito
bem como planejei.
Ele arqueou a sobrancelha. Baixou o olhar.
— Pretendia abrir uma empresa, senhorita Hornet? — Seguiu
inquirindo, sem desgrudar os olhos do currículo
Ele não reconhece meu sobrenome? Ela pensou.
— Meu pai. Ele é sócio majoritário de uma das mais renomadas
construtoras do país.
Daniel riu levemente pelo canto da boca. Ergueu o olhar.
— Você é filha de Sebastian Hornet, devo supor. — Ele reconheceu o
sobrenome, enfim.
Sophia confirmou com um aceno de cabeça.
— Desculpe pela intromissão, mas o que faz uma das maiores herdeiras
procurar um emprego?
Sophia precisava ser cautelosa, ninguém sabia, além dela, dos irmãos,
dos pais e de Luiz Guimarães sobre a falência da família. Apesar das
especulações dos meios de comunicação, Sebastian pagou um preço muito alto
para manter, pelo menos por um tempo, a falência da ConstruHornet longe dos
holofotes da mídia sensacionalista. Por isso, todas as notícias sobre a falência
da empresa nada mais eram do que somente suposições.
— Fui deserdada. — Mentiu. — Perdão, senhor Müller — ela logo
tratou de desviar o assunto —, mas acredito que estamos partindo mais para o
lado pessoal da minha vida do que o profissional.
Daniel não se importou com a resposta afiada de Sophia.
— A senhorita tem razão. — Tornou a olhar o currículo dela. — Já
ouviu falar da nossa empresa, senhorita Hornet?
— Claro, senhor Müller — confirmou prontamente e passou a repetir
todos as informações anteriormente pesquisadas e teria continuado não fosse a
interrupção do Daniel.
— Estou impressionado, senhorita Hornet. Como sabe tanto a respeito
da empresa?
Daniel se desencostou da cadeira, impressionado com a moça a sua
frente. Levou as mãos ao queixo e apoiou os cotovelos na mesa.
— Eu fiz uma pesquisa na internet. Existem vários artigos, inclusive
estrangeiros.
— E por que fez essa pesquisa? — perguntou e anotou alguma coisa no
currículo dela.
— Eu considerei interessante conhecer a história de uma empresa
grande e famosa, com anos de reconhecimento no mercado nacional e
internacional. Caso eu conseguisse o cargo eu pouparia o meu chefe desse
trabalho.
Daniel terminou sua anotação e ergueu os olhos para a entrevistada.
— Sobre o que mais pesquisou da empresa?
— De tudo um pouco. Índice de crescimento, produção e lucro anual,
oferta e demanda, satisfação do cliente… — Ela sorri fraco e o olha. — A
internet é uma arma poderosa. Um pouco da minha pesquisa encontrei no
próprio site da empresa.
Daniel torna a se recostar com o currículo em mãos. Analisa-o uma
última vez e faz mais anotações nos espaços em branco.
— Certo. Consta aqui que você fala inglês e espanhol fluentemente. Isso
é bom. Como adquiriu fluência?
— Sim, senhor Müller. Adquiri fluência através de cursos, ambos feitos
em escolas particulares renomadas e com professores nativos. Tenho diploma,
caso precise. Para ajudar, residi na Inglaterra e nos Estados Unidos, um ano
em cada, e na Espanha por dois anos. Também sou intermediária em italiano,
mas como não completei o semestre do curso não peguei o diploma. Morei em
Roma por 6 meses.
Daniel Müller faz mais anotações.
— Correto — ele guardou o currículo em uma gaveta e a olhou. — O
processo de entrevistas será encerrado. Analisaremos os currículos e dentro
de uma semana ligaremos para a candidata mais capacitada. — Ele esticou a
mão. — Desejo-lhe boa sorte, senhorita Hornet.
Sophia apertou sua mão, agradeceu com um sorriso e se retirou, mal
sabendo que depois dessa entrevista o seu destino estaria sendo traçado.
02
A HERANÇA

Era final do dia e Daniel estava em seu escritório analisando os


currículos e as anotações que fizera das entrevistadas ainda naquela tarde.
Realmente todas elas eram candidatas excelentes. Roçando o queixo, os olhos
estavam estáticos e concentrados em um dos vários curriculum vitae que
precisava analisar. De repente, desviou os olhos para uma gaveta na mesa e a
encarou por um segundo. Abriu-a, tirando de lá outro currículo.
Sophia Hornet.
Ele passou os olhos mais uma vez pelo papel, se lembrando da
entrevista horas atrás. De fato, Daniel se impressionou com a moça. Tanto
que guardou o currículo dela em uma gaveta separada e exclusiva. Ela era
uma concorrente forte. Mesmo não tendo um dos requisitos que o cargo exigia
– experiência – Sophia se mostrou interessada pelo cargo e empresa quando
estudou e pesquisou sobre o local de trabalho para o qual estava se
candidatando a uma vaga. Além de ser uma Hornet, a garota se mostrou
determinada. E Daniel gostava disso. Comprometimento, determinação, garra,
interesse. Quando perguntado às outras candidatas se já tinham ouvido falar
das Swiss Chocolate, apenas respondiam “sim” ou “sim, é uma grande
empresa, adoro os chocolates daqui”, como se elogiar o produto fosse
garantir uma vaga de emprego.
Mas Sophia fora diferente. Ela não disse apenas “sim”, mas deu, quase
que detalhadamente, um resumo sobre a empresa de Daniel. E isso o
agradara, de certa forma.
Desviou-se das divagações e guardou o currículo na gaveta.
Voltou sua atenção ao que examinava no momento, quando seu trabalho
fora interrompido ao baterem à porta. Ele levantou os olhos e suspirou,
olhando o relógio. Já era tarde e não deveria haver mais ninguém na empresa,
além dos seguranças e porteiros.
— Entre — permitiu, e voltou sua atenção ao papel em mãos.
Então surgiu um homem de meia-idade, vestido socialmente e
carregando uma maleta nas mãos.
— Boa noite, Daniel — a figura o saudou, ele levantou os olhos,
deixando os papéis de lado.
— Doutor Vidal! — Levantou-se e o cumprimentou com um aperto de
mão. — Sente-se, por favor — e indicou a cadeira, sentando-se em seguida
—, o que o traz aqui?
— Precisamos conversar, Daniel. Sobre sua herança.
Müller suspirou.
— Então, conseguiu encontrar alguma solução para o problema?
— Vasculhei todos os cartórios da cidade e região, não encontrei nada
que anule o testamento atual.
Daniel se recostou à sua poltrona.
— Quanto tempo eu tenho?
— Pouco mais de um ano. Então o prazo se expira e se você não
cumprir o que o testamento exige, perderá a herança. Já Heitor tem um ano a
mais do que você.
As mãos unidas, formando um triângulo, são levadas aos lábios.
— O tempo está se esgotando — murmurou afagando o queixo barbado.
— E se eu não me casar, quer dizer que perco a minha herança?
— Sim, Daniel. Está no testamento.
Daniel Müller ficou pensativo por um momento. Por que raios o pai
tinha de pôr essa condição no testamento para que ele recebesse a herança?
Simon Müller morreu aos 67 anos de idade devido a um infarto. De
valores tradicionais, ele sempre desejou que os filhos dessem continuidade ao
trabalho da família, gerando herdeiros que, futuramente, comandariam a
empresa. Mas Simon não queria uma família depravada, nem que Daniel e
Heitor tivessem filhos bastardos. Ele queria uma família de verdade, em sua
concepção de família ideal. Conhecendo os filhos, sabia que o seu sonho de
ter descendentes não se realizaria.
Daniel era um homem fechado. A vida toda fora assim. Ele não se
envolvia amorosamente com mulheres. Durante o tempo em que seu pai viveu,
Daniel jamais lhe apresentou uma namorada. Mas isso não significava que o
filho não tinha seus envolvimentos. A questão é que Daniel era discreto. Até
demais. O filho tinha, sim, suas aventuras sexuais, seus encontros casuais e
namoricos de verão, mas sempre com muita discrição. Simon soube uma vez
que ele tinha uma namorada, ou que estava tentando um relacionamento, mas o
filho nunca a levou para se conhecerem e o namoro acabou quase um ano
depois.
Daniel jamais gostou dos holofotes e de chamar a atenção. Por ser de
uma das famílias mais conhecidas, ele fazia por onde não manchar a reputação
dele e dos Müller. O que era bom para Simon, que não tinha dor de cabeça
com Daniel.
Já Heitor era totalmente o oposto do irmão. Depravado, rebelde e
mulherengo. Gostava de festas e badalação, vivia se metendo em confusão e
toda semana estampava as manchetes de jornais e revistas com notícias, na
grande maioria das vezes, escandalosas. Há quem diga que o pai morrera de
decepção ao ver que o filho mais novo não criava juízo.
Analisando a situação que sua família se encontrava, o patriarca Müller
via que facilmente sua geração não teria continuidade. Por isso, deixou como
condição no testamento que as heranças de seus filhos deveriam ser entregues
apenas quando ambos estivessem casados, Daniel num prazo máximo de três
anos após sua morte, e Heitor, quatro anos. Simon acreditava fielmente que
essa condição faria com que os filhos tivessem herdeiros.
— Você precisa avisar ao Heitor sobre as condições exigidas a ele
para receber a herança, imediatamente — avisou Vidal, com ar de seriedade.
Daniel o olhou, preocupado. No dia da leitura do testamento Heitor não
compareceu. Estava em Las Vegas se divertindo com uma dúzia de mulheres
diferentes por dia e gastando horrores com o dinheiro da família. O que
deixou Daniel Müller ainda mais preocupado é que uma das condições
impostas a Heitor não era somente o casamento, mas que ele se casasse com
uma determinada mulher: uma prometida. Quando soube da condição, Daniel
resolveu não falar nada a Heitor por medo da reação do irmão e que ele
fizesse algum tipo de besteira no calor do momento. A única desculpa
encontrada foi dizer que o pai pediu que eles recebessem a herança apenas
três anos depois de sua morte e, durante esse tempo, os irmãos deveriam
trabalhar juntos na empresa e construir a própria carreira. O que não era
totalmente mentira, já que um dos termos do testamento dizia que Heitor e
Daniel poderiam ter acesso a 2 % do lucro que correspondesse à parte que
lhes cabia, o que, para o tamanho do grupo, lhes renderia muito dinheiro;
além, claro, de serem ambos responsáveis pelo gerenciamento e presidência
da companhia.
— Falarei com ele o mais breve possível.
— Por favor, Daniel, não deixe de avisá-lo. É de suma importância que
Heitor saiba dessa condição do testamento. Caso esse termo não seja
cumprido vocês dois deixam de ser sócios majoritários e passam a ter apenas
0,5% das ações da empresa. E as ações que vocês possuem irão para o
segundo maior sócio.
— Não se preocupe, eu o deixarei a par da situação ainda essa semana.

♦♦♦

Era uma tarde de domingo, e tudo que Daniel queria era não ter que
falar ao irmão sobre as condições do testamento que o pai deixara. Ele já
estava até imaginando a reação de Heitor: primeiro, surtaria com o fato de
Daniel ter mentido, depois, surtaria ainda mais com os termos e condições do
testamento. A imagem de Heitor casado era algo que ele não conseguia
visualizar. Daniel mal via a si próprio em matrimônio, quanto mais o irmão –
a personificação da libidinagem.
Serviu-se de um bom uísque para, quem sabe, ajudá-lo a dizer ao
irmão: “Ei, cara, case-se e terá a sua herança!”. Daniel não sabia
simplesmente por onde começar.
Seus devaneios foram interrompidos quando ouviu uma música que
vinha dos fundos da casa. Música alta.
Muito alta.
Curioso, ele caminhou em direção à música, vinda da piscina, e se
deparou com uma cena que viria tipicamente de Heitor Müller.
Uma festa.
Daniel olhou em volta, ainda atordoado. Em sua piscina, haviam
algumas mulheres, umas rindo, outras nadando, e algumas poucas deitadas
sobre boias, curtindo o sol que reinava e lhes bronzeava a pele. Outras tantas
andavam de um lado para o outro com latas de cerveja na mão, desfilando
seus corpos perfeitamente em dia. Müller contou umas quinze ou vinte garotas
e cinco rapazes, junto a eles, Heitor, no meio de duas mulheres, alternando
beijos na boca entre elas.
Ele sentiu o sangue ferver. Pôs-se a andar em direção ao irmão, mas
uma loura escultural entrou em sua frente e insolentemente puxou-o pela
gravata. Daniel sentiu seu rosto sendo colado ao dela, e quando viu a boca da
mulher – com gosto de cerveja – estava na sua, num beijo frenético. Daniel
quis impedir, mas não teve muita opção a não ser retribuir.
— Olha só quem resolveu aproveitar a vida! — debochou Heitor se
aproximando com suas companheiras ao ver a cena que se desenrolava. — O
discretíssimo Daniel Müller pegando uma das minhas garotas. Acho que é o
fim dos tempos, meninas — provocou, e as garotas riram junto com ele.
Daniel para o beijo imediatamente e limpa com as costas da mão a
saliva da loura que ficou em seus lábios.
— Sabe o que será o fim dos tempos, Heitor? — inquiriu com uma
pitada de irritação após recuperar a postura. — Ver você se casar para ter
acesso a sua herança!

♦♦♦

A reação que Daniel esperava de Heitor fora pior do que ele imaginava.
A festa na beira da piscina acabou no mesmo instante e o irmão tivera um
surto, como o esperado.
“Deve haver outra maneira”, Heitor insistiu em dizer, aos berros. Mas
a verdade é que não havia outra saída a não ser o casamento. Daniel ainda
poderia escolher com quem se casar, já Heitor…
— Você mentiu para mim, Daniel! — Heitor Müller bradava no
escritório da mansão deles. — Esse tempo todo e você mentiu para mim!
— Heitor, se acalme. — Daniel gesticulou com as mãos, atrás da mesa
de cerejeira, tentando abrandar os nervosos do irmão. — Eu estava tentando
encontrar outra saída para esse problema. Acha que eu também quero me
casar?
Heitor riu forçada e cinicamente.
— Você pode escolher qualquer vagabunda interesseira, se casar, pegar
a sua parte e chutá-la depois. Mas, e eu? Uma prometida? Que porra papai
estava na cabeça para pensar numa merda dessas? — esbravejou ainda com
os nervos aflorados.
Daniel suspirou diante às palavras do irmão mais novo. De certa forma,
Heitor tinha razão. Onde é que Simon Müller estava com a cabeça quando
pensou nesses termos de testamento? Simplesmente lhes tirava à força a
oportunidade de escolher uma pessoa para se casarem. Para Daniel nem tanto,
mas para Heitor, sim. Ainda assim, onde Daniel encontraria uma mulher e se
apaixonaria a ponto de querer se casar em pouco mais de um ano?
E havia o fato de que, primeiro, Daniel não pensava em se casar.
Nunca. Relacionamentos amorosos não eram com ele. A maioria com quem se
relacionou buscava apenas dinheiro, outras eram ciumentas e possessivas
demais, houve casos de amor não correspondido, outra que o magoou e ele
não costumava conversar com ninguém sobre tal. E isso só o aborrecia e o
fazia desistir de querer se relacionar de novo.
Pensou nas últimas palavras de Heitor.
“ Você pode escolher qualquer vagabunda interesseira, se casar,
pegar a sua parte e chutá-la depois. ”
Talvez não fosse uma má ideia. Ele poderia se casar, e depois que
estivesse com a sua fatia da herança, pediria o divórcio.
— Daniel, está me ouvindo? — Heitor o trouxe de volta à realidade.
Ele pestanejou, deixando seus pensamentos de lado.
— Estou.
— Então me responde, porra!
— Desculpe, eu não entendi o que me perguntou.
Heitor bufa. Ele não me ouviu!
— O que acontece se não cumprirmos as exigências?
— Perdemos nossa herança. Nossas ações passarão a ser do segundo
maior sócio.
Heitor silenciou-se por alguns minutos. Daniel estranhou sua calma e o
observou, apreensivo. Ficou se perguntando o que estaria passando pela
cabeça do irmão.
— Você é a minha salvação, Daniel! — exaltou-se, de repente, com a
alegria de uma criança em dia de Natal.

♦♦♦

— Você perdeu o juízo, Heitor? — Daniel perguntou cético. ― Não vou


mesmo entrar nesse jogo. Esquece!
— Ah, qual é, Daniel?! Não será nenhum sacrifício da sua parte. É
simples: você se casa e pega a sua parte; eu não cumpro com os termos do
testamento, perco a herança que vai diretamente para você! A minha ideia é
genial!
— Você é louco, isso sim. Quer dizer que eu terei de me ferrar com essa
história de casamento sozinho? Aí eu pego a sua parte, te devolvo e você não
fará nada para merecê-la, enquanto eu terei suportado um casamento?
Esquece!
— Vamos, Daniel, eu faço o que você quiser!
Daniel o encarou. Heitor o fitava com a cara de uma criança que insiste
por um brinquedo. Ele pensou nos termos do testamento para Heitor e tentou
pôr-se no lugar dele: casar com uma mulher totalmente desconhecida, sem
amor. Ainda mais Heitor que apenas pensava nas festas e no divertimento. Se
aceitasse aquele acordo, Heitor teria de ajudá-lo. Precisaria ser mais
responsável com as questões da empresa e tomar a frente do grupo juntamente
com ele após, ou até mesmo antes, de receber a herança.
Desde a morte do pai, Daniel vinha carregando a empresa nas costas
sozinho, apenas com a ajuda dos sócios. Ele queria o comprometimento do
irmão também.
— Eu aceito, mas com um acordo. — E ele lhe disse todas as suas
condições.
03
INVESTIDAS DO ACASO

A segunda-feira chegou. Daniel e Heitor tinham se entendido. Daniel pôs


suas condições à mesa e o irmão aceitou. Seria um preço justo a pagar.
Mais um dia rotineiro e massacrante se iniciava na empresa, e naquela
segunda ele tinha uma reunião com o supervisor responsável para conversarem
sobre os currículos para a vaga de secretária. Juntos debateram sobre as três
candidatas que Daniel considerou as mais aptas. A presente reunião não
decidiria nada, já que a última palavra era de Daniel, mas o CEO do grupo
Swiss Chocolate gostava de ouvir outras opiniões para ajudá-lo a decidir o
que era melhor para a companhia. Depois de uma hora, havia uma decisão
unânime.
Apesar de não ser o protocolo, o próprio Daniel notificaria a escolhida. Por
isso, caminhou até sua sala rapidamente. Ao entrar, tirou o telefone do gancho
e discou o telefone da sua futura secretária.

♦♦♦

Sophia saía do banho quando ouviu seu celular tocar. Ela tinha chegado
há pouco de mais uma manhã rodando a cidade e procurando por empregos,
uma garantia, caso a resposta na Swiss fosse negativa. Ouviu o celular e correu
atender, na esperança de ser chamada para trabalhar em algum lugar no qual
tinha deixado seu currículo.
— Alô?!
— Senhorita Sophia Hornet? É Daniel Müller, da Swiss Chocolate. —
O homem na linha se anunciou. Naquele momento ela sentiu as pernas
tremerem. — Parabéns, a senhorita foi escolhida para ocupar o cargo de
secretária.
Sophia pestanejou. Eu ouvi direito? Perguntou a si mesma, ainda
atordoada com a informação. Ela simplesmente não sabia como reagir. Não
sabia se gritava de alegria, se chorava de felicidade, ou se agradecia
infinitamente o homem do outro lado pela oportunidade. Se pudesse, faria tudo
isso ao mesmo tempo.
Hornet ainda mal conseguia acreditar, sequer tinha assimilado a
realidade, quando aquela voz masculina ressoou em seus ouvidos, dando
continuidade à chamada.
— Compareça amanhã cedo aqui no edifício administrativo, munida
de documentos e carteira de trabalho. Seu primeiro dia será apenas para
conhecer a empresa e o nosso sistema, à tarde iniciará o treinamento para
ocupar o cargo de secretária executiva. Venha com roupas formais, e não se
preocupe com o almoço, nós servimos aqui. Mais uma vez, parabéns,
senhorita Hornet.
— O-obrigada — ela gaguejou um pouco antes de dizer. — Eu nem sei
como agradecer.
— Agradeça com sua competência e profissionalismo. Até amanhã,
senhorita Hornet.
Sophia sentia o mundo girar. Estava fora de si, radiante por ter
conseguido um bom emprego. Mais feliz ainda porque não precisaria recorrer
ao pai e se humilhar.

♦♦♦

Sophia chegou cedo ao prédio da Swiss Chocolate. Foi muito bem


recebida pelo próprio Daniel que lhe cumprimentou com um aperto de mão
caloroso, saudando-a mais uma vez. Por um pequeno instante ela se deu ao
luxo de reparar em seu mais novo chefe. Daniel Müller deveria ter
aproximadamente 1,80m, corpo malhado sem exagero, olhos claros que, ela
percebeu, alternavam entre o azul e o verde, dando-lhe um ar charmoso. Tinha
cabelos curtos e volumosos alourados, muito bem penteados e firmados com
gel. O maxilar exibia uma barba rala que lhe conferia um ar de virilidade.
Daniel, reparou, era um homem extremamente bonito.
— É bom revê-la, senhorita Hornet. Parabéns pelo cargo e bem-vinda
ao grupo Swiss Chocolate — saudou-a.
— O prazer é meu, senhor Müller, e obrigada pela oportunidade e
confiança,
— Não me agradeça por isso — proferiu com um sorriso amigável, e
olhou em seu Rolex. — Eu tenho uma reunião agora, estou meio atrasado, mas
Thamires fará um tour com você pela empresa, para que conheça nossas
instalações, os outros funcionários e departamentos, o modo como trabalhamos
e como a empresa funciona. Espero que se adapte e fique conosco — dito isso,
ele agarrou sua mala de couro e saiu, entrando em um dos elevadores.
Thamires pediu à Sophia que ela a acompanhasse, e a nova secretária a
seguiu para conhecer o prédio onde trabalharia. Passou pelo RH, enfermaria,
refeitório, comunicação e telemarketing, departamento pessoal, copa,
almoxarifado. Conheceu as salas de videoconferência, reuniões, setor jurídico,
logística e informática.
Já em seu andar, Thamires lhe apresentou a sala da presidência, vice-
presidência, a recepção e a sala da secretária executiva do presidente.
A sala dela.
Sophia estava maravilhada de como era grande.
— Você pode dar uns toques mais femininos depois, deixar mais a sua
cara. O senhor Müller não se importa. Ele até gosta que o ambiente de
trabalho dos funcionários seja aconchegante. Então aqui é seu lugar, pode fazer
o que quiser com ele.
Sophia sorriu, mas não teve muito tempo de se deliciar em sua sala,
Thamires já a convocava para ir à ala de treinamento, local que, durante os
dois primeiros dias, se capacitaria para ser a secretária executiva de Daniel
Müller.
♦♦♦

Sophia se adaptara logo ao mundo corrido dos negócios da Swiss


Chocolate. Após seu treinamento de dois dias, iniciou o seu ofício de
secretária executiva – e realmente gostava de trabalhar na empresa. Tinha
vários benefícios, o salário era alto, seus colegas eram simpáticos e
atenciosos, Daniel era educado e um bom chefe. Já estava na empresa há
quatro meses, portanto, passado o período de experiência era, definitivamente,
a secretária executiva de Müller.
Com o bom salário que recebia, conseguiu alugar um apartamento
confortável e não estava mais no vermelho. Já no primeiro mês comprou
roupas novas casuais, e para o trabalho utilizou do cartão exclusivo que a
empresa cedera – um dos benefícios de ser a secretária sênior. Comprou
móveis novos e confortáveis, para, de uma vez por todas, deixar a vida de
quarto de hotéis para trás. Sua geladeira e armários estavam recheados e
fartos de comida, e ela não comia tão bem como quando vivia de um lado para
o outro.
Ocasionalmente enviava e-mails de computadores públicos ou de lan
house em contas fakes para a família, às vezes, cartas sem o remetente, para
notificar aos seus familiares que estava bem e trabalhando, e que, assim que
pudesse, daria um jeito de ajudá-los financeiramente. Mas nada que pudesse
entregar sua localização. Não o faria enquanto Sebastian estivesse
determinado a dar continuidade na loucura de casá-la com Miguel de Orleans.
Sophia, simplesmente, estava feliz, principalmente por não ter mais que
depender do dinheiro do pai, nem se submeter a um casamento para poder
sobreviver, e até planejava fazer uma economia e mandar-lhes alguma quantia
de vez em quando.
Acordou cedo para mais um dia de trabalho. Arrumou-se, preparou o
café e saiu em seguida. Ao chegar na empresa, acomodou-se em sua sala.
Precisava conferir a agenda de Daniel, confirmar encontros e eventos, digitar
um relatório da última reunião, reagendar alguns compromissos desmarcados,
responder e-mails, atender as chamadas. Estava prestes a seguir até a sala do
presidente e lhe entregar a agenda do dia seguinte, quando o telefone sobre a
sua mesa tocou:
— Swiss Chocolate, Presidência, Sophia falando, em que posso ajudar?
— atendeu de pronto.
— Gostaria de falar com senhor Daniel Müller, por favor.
— A quem devo anunciar?
— Antônio Vargas — identificou-se a voz.
Sophia lhe pediu um instante e apertou o ramal do patrão.
— Senhor Müller, Antônio Vargas na linha um. Devo passar a ligação?
— Sim, senhorita Hornet, obrigado.
Ela o fez e voltou ao trabalho.
Minutos depois, Daniel bateu à porta.
— Temos um almoço de negócios importante de última hora. Cancele
meus próximos compromissos e remarque. Sairemos em uma hora.

♦♦♦

Sentado no banco de couro da sua limusine, Daniel observava a


paisagem urbana passar rapidamente. Juntamente a ele, Sophia segurava um
tablet, ainda atarefada em atualizar a agenda eletrônica do chefe. Só o que ela
sabia até ali era que Daniel marcou uma reunião de última hora com uma
construtora. Pelo que ouviu dele em uma ligação minutos atrás para confirmar
o local do encontro, a reunião era com um dos engenheiros mais bem-
sucedidos do país. O que Sophia não sabia – tampouco esperava – era que o
tal engenheiro fosse Luiz Guimarães de Orleans, pai do seu ex-noivo.
Dono da LG Construtora, Luiz fez sua empresa crescer e ser uma das
mais renomadas no ramo, famosa por ser pontual em suas entregas, obras de
qualidade com material de primeira mão. Também ficou conhecida por ser um
dos locais mais satisfatórios para trabalhar. Luiz tinha funcionários com vinte
anos de casa.
Müller precisava de uma pequena expansão da sua fábrica na filial
brasileira e queria contar com uma construtora competente para tal serviço, já
que sua própria empresa tinha renome no mercado nacional e também
internacional. E quando a Swiss Chocolate anunciou que estava à procura de
uma construtora, contratos e propostas tentadoras caíram-lhe aos pés. Mas
Daniel não se importava com o preço, e sim com a qualidade do serviço e
comprometimento da empresa em entregar as obras no prazo estabelecido em
contrato. É claro que negociaria o valor se julgasse necessário, mas o preço
realmente era a última coisa com que se preocupava.
A LG Construtora e ConstruHornet estavam entre as dez mais famosas
do país. A empresa de Müller recebera proposta das duas. Analisando os
contratos, propostas e depois de algumas reuniões realizadas meses antes,
Antônio Vargas, advogado e representante da LG Construtora, entrou em
contato naquele dia, e Daniel finalmente fecharia contrato com eles.
Daniel e Sophia chegaram ao restaurante onde se encontrariam com
Luiz, pontualmente. A hostess procurou seus nomes na lista de reserva e, após
confirmar, os encaminhou até a mesa onde Luiz estava.
Sophia desligou o tablet e o guardava na bolsa, quando levantou os
olhos e divisou Luiz sentado à mesa, rindo e bebendo, acompanhado de mais
dois homens. Ela estacou como se tivesse visto um fantasma.
Daniel ainda caminhava e ao reparar que Sophia não mais o seguia,
virou-se e a viu paralisada, como se estivesse em choque. Voltou-se para a sua
secretária, levemente preocupado.
— Sophia…? Sophia? — ele a chamou, e vagarosamente Sophia o
olhou, branca feito papel. — Você está bem? Está pálida. O que houve? — A
mudança brusca da loura deixou-o aflito e em alerta.
Sophia pestanejou e mirou a mesa de Luiz novamente, de relance.
— A reunião é com a LG Construtora? — Por fim conseguiu desfazer o
nó em sua garganta e se pronunciou.
— Sim, algum problema?
No mesmo instante, Sophia começou a se desculpar para um Daniel
pasmo, confuso e ao mesmo tempo boquiaberto.
— Me desculpe, mil perdões, senhor Müller, mas eu… eu não posso
ficar para a reunião. — E então Sophia desatou a chorar, lágrimas rolavam, e
Daniel ficou sem entender e sem reação.
Por que ela está chorando? Ele a encarava confuso e desnorteado. E de
repente a mulher correu para fora do restaurante, deixando-o ainda mais
atônito, mais confuso. Sem demora, Müller foi em seu encalço, alcançou-a no
outro lado da rua e segurou-a pelos braços. Virou-a para que se encarassem;
Sophia tinha os olhos inchados.
— Senhorita Hornet, pode me explicar que atitude foi essa? E por que
está chorando?
— Me desculpe, senhor Müller, mas eu não posso ficar nessa reunião. E
estou chorando por perder meu emprego, por perder um bom emprego e
principalmente por tê-lo decepcionado.
Do que é que essa garota está falando?
— Senhorita Hornet, você ainda é minha funcionária e não me
decepcionou. Só quero entender o porquê da sua atitude.
Sophia balançou a cabeça e mais lágrimas rolaram. O destino só poderia
estar de brincadeira com ela. Por que a Swiss Chocolate tinha que fechar
contrato logo com a LG Construtora? Por que não outra?
— É algo que eu não posso lhe dizer, senhor Müller. Eu sinto muito, mas
não posso participar dessa reunião. E entenderei quando assinar minha carta
de demissão.
Ela se preparava para sair, quando Daniel a impediu novamente.
— A senhorita não irá a lugar algum, não enquanto me explicar o que
está acontecendo. Eu já entendi que tem a ver com o Luiz, mas o quê? Você é
uma das melhores secretárias que eu já tive, isso já me provou, e não quero ter
que te demitir sem saber o motivo.
Sophia enxugou as lágrimas. Talvez fosse melhor contar sua situação
para o Daniel, quem sabe ele seria compreensivo e não a demitiria? Se ela
nada contasse perderia o emprego e voltaria à vida que estava levando antes,
quem sabe até pior.
— Eu conto, mas é uma longa história, preciso de tempo e o senhor
Guimarães o espera.
— Eu preciso da minha secretária na reunião — alegou, convicto em
não abrir mão de sua presença.
— Eu sei. — Levantou o olhar, um pouco sem jeito. — Vou participar da
reunião junto ao senhor, mas pode dizer que somos… — Fez uma pequena
pausa e mordeu o lábio inferior antes de completar sua sentença. — Pode
dizer que somos noivos?
Daniel fitou Sophia sem entender. Pestanejou seguida vezes, estranhando
tal pedido. De volta, ela aguardava uma resposta, ansiosa, mordendo
fortemente o lábio inferior, sem desviar seus grandes olhos verdes dos olhos
azuis-esverdeados, e agora atordoados, de Daniel.
Várias perguntas apareceram na sua mente, muitos porquês
insistentemente se tornaram praticamente agudos em sua cabeça. E suas
perguntas só seriam sanadas e respondidas se concordasse com a loucura que
Sophia estava propondo naquele momento.
— Tudo bem — cedeu com um suspiro, sem opções. — Mas depois vai
me contar toda essa confusão — exigiu em tom autoritário.
Sophia apenas acenou e os dois voltaram para dentro.
Ao se aproximarem da mesa, enquanto Daniel puxava a cadeira para
Sophia, ele pôde perceber a expressão de surpresa em Luiz Guimarães.
— Senhor Guimarães… — Daniel sentou-se e esticou as mãos para
cumprimentá-lo.
Müller notou que Luiz ainda estava boquiaberto com a presença de
Sophia, não tirava os olhos dela, e sem coragem de levantar os olhos, Sophia
fitava constantemente as próprias mãos. Daniel sentiu a tensão entre os dois.
Luiz voltou à Terra, ainda sem se recuperar do golpe e apertou a mão de
Daniel.
— Jovem Daniel Müller — pronunciou, alternando o olhar entre ele e
Sophia, forçando um sorriso.
Müller cumprimentou os outros dois homens que acompanhavam Luiz,
um deles era Antônio Vargas, o outro era seu secretário. Olhou rapidamente
para Luiz quando o ouviu cumprimentar Sophia.
— Boa tarde, Sophia Hornet.
Sophia sorriu fracamente e acenou:
— Boa tarde, senhor Luiz.
— Vocês se conhecem… — Daniel interveio, mais afirmando do que
perguntando.
— Sim, Daniel — confirmou o engenheiro. — Nos conhecemos, mas há
tempos não nos víamos. É bom te rever, Sophia.
Ela nada disse, estava apreensiva demais para responder.
Ele irá contar ao meu pai. Eles irão me forçar novamente a esse
maldito casamento.
— É sua secretária, Daniel? — Luiz perguntou sem tirar os olhos de
Sophia.
— Sim — respondeu e completou em seguida, cumprindo o “trato” que
firmara há minutos com Sophia —, é minha secretária e noiva.
E o no exato momento que proferiu estas palavras, Luiz voltou-se a
Daniel, e ele sentiu ser metralhado com os olhos.
04
A PROPOSTA

Luiz era um homem de cabelos grisalhos, por volta de cinquenta e


poucos anos, conservado para a idade que tinha. Trajava um paletó cinza de
tweed, apesar do calor iminente tarde, e calças jeans claras, que lhe conferiam
jovialidade.
Os olhos brilharam em confusão ao ouvir a resposta categórica de
Daniel.
E minha noiva
— Noivos? — Orleans estava realmente surpreso. — Que
impressionante! — Buscou por Sophia que ainda se negava a encará-lo. —
Tome cuidado, jovem Müller, Sophia tem o dom de abandonar o noivo no altar
— advertiu em tom irônico e mirou Daniel com um breve sorriso.
E dessa vez foi Müller quem a olhou como se ela fosse de outro mundo.
Pegou-se imaginando-a fugindo de uma igreja, dizendo “não” para o noivo.
Foi trazido de volta com Luiz alegando que o abandono no casamento tinha
sido noticiado.
— Estava fora do país na época — justificou-se. — E quem foi que
Sophia deixou no altar?
— Meu filho.
Então, um clima pesado surgiu entre eles. Sophia recusava-se a olhar
para qualquer um deles, Luiz fixava o olhar nela e Daniel não sabia como agir
diante da situação. Compreendeu um dos motivos pelo qual ela pedira para
que fingissem serem noivos, mas ainda haviam perguntas que precisavam ser
respondidas.
Daniel resolveu quebrar a tensão, tocando levemente a mão de Sophia.
— Eu não sabia disso, mas não acredito que ela fará isso comigo. E
encerremos esse assunto aqui, viemos para tratar de negócios — proferiu com
determinação.
Sophia agradeceu mentalmente por Daniel se esquivar do assunto,
deixando-a mais aliviada. Mesmo incomodada com a presença de Luiz ali, se
concentrou no trabalho e anotou tudo o que podia durante a reunião. Para
auxiliá-la, trouxe um gravador que deixou sobre a mesa, para o caso de deixar
passar alguma coisa.
O almoço não demorou a terminar, e os negócios foram fechados. Daniel
assinara o contrato; as obras na filial seriam iniciadas na próxima semana.
Daniel e Sophia entraram na limusine, emudecidos. Ele a olhou e a viu
colocando uma mecha do cabelo louro atrás da orelha enquanto ligava o tablet
para fazer algo que não sabia o que era – e talvez nem se importasse. Passou
os olhos por ela, observando-a. Era a primeira vez que reparava em Sophia
uma mulher, não somente como sua secretária.
Hornet usava uma saia preta na altura dos joelhos, um salto scarpin, os
cabelos soltos se ondulavam levemente, uma camisa social branca um pouco
apertada que delineava seus seios médios e firmes, alguns botões estavam
abertos e realçava seu decote discretamente.
Olhou para frente, tentando não ser provocado por sua beleza. Sophia
era inegavelmente bonita e atraente, e Daniel nunca a olhara com malícia. O
CEO sabia separar sua vida pessoal da profissional e – às vezes – mantinha
um código de ética ditado por ele mesmo: não se envolver com suas
funcionárias ou outras mulheres que, de alguma maneira, tinham ligação com a
Swiss Chocolate.
Fizeram todo percurso até o prédio da empresa em silêncio. Ela
manuseando o tablet, verificando a agenda de Müller outra vez, ainda que não
fosse necessário, quem sabe um modo de ter o que fazer e não precisar
explicar nada a Daniel durante o trajeto de volta. Ele ao celular, fazendo
algumas ligações, tentando esquivar da mente as informações que chegaram ao
seu cérebro há pouco.
Tome cuidado, jovem Müller, Sophia tem o dom de abandonar o noivo
no altar.
Quando chegaram, o motorista abriu a porta para os dois, e eles subiram
até a Presidência, insistindo em se manterem quietos.
— Senhorita Hornet, me acompanhe, por favor — disse Daniel, ao
saírem do elevador, antes que Sophia pudesse seguir para sua sala.
Ela emitiu um: “Sim, senhor Müller”, guardou suas coisas e seguiu até a
sala do Presidente, divisando Daniel sentado atrás da mesa de vidro, girando
de um lado a outro na cadeira. Sua fisionomia era séria, e as mãos unidas
diante os lábios completavam seu semblante austero.
Daniel convidou-a para se sentar. Ela o fez.
— Estou esperando, senhorita Hornet, e se ainda quer esse cargo, sua
justificativa deve ser bem, mas bem, convincente.

♦♦♦

Sophia respirou fundo. Ela precisava do emprego. Precisava do dinheiro


que vinha daquele cargo caso quisesse continuar levando uma vida sem fugir e
passar por apertos. Então, contaria tudo a Daniel, e rezava para que ele fosse
compreensivo.
Sophia Hornet lhe relatou tudo. Contou sobre a falência da família,
sobre o pai vir perdendo gradualmente dinheiro da empresa em jogos e
apostas em corridas de cavalo. Apostas altas. Os gastos com roupas, festas e
viagens desenfreadas da mãe e da irmã nos últimos anos também contribuiu
que, aos poucos, para que a família ficasse praticamente sem dinheiro. Mas o
ápice foi quando Sebastian, tentando recuperar o que havia perdido, fez uma
aposta em um cavalo. Ele acreditava piamente que sua sorte mudaria, que
ganharia e se recuperaria financeiramente. Mas não foi o que aconteceu.
Sebastian perdeu. E para pagar a dívida da aposta vendeu suas ações da
ConstruHornet a preços irrisórios. De 70%, agora a família possuía apenas
5% das ações, e o lucro gerado por essa mínima fração eles usavam para
pagar as dívidas e sobreviver.
O pior de tudo, completou, era que a ConstruHornet, mesmo sob nova
direção, não lucrava mais como antes. Sebastian conseguiu afundar a empresa
enquanto era Presidente. A Construtora perdeu credibilidade com os bancos,
devia muito e tinha obras atrasadas. Havia ações na justiça de antigos
funcionários por ausência de pagamentos e outros direitos trabalhistas,
gerando ainda mais gastos. A empresa vinha afundando aos poucos, e os 5%
que a família Hornet ainda possuía já não eram suficientes para se manter.
— Então, o senhor Guimarães, no intuito de transformar as duas
empresas em uma só, propôs ao meu pai que Miguel e eu nos casássemos. Luiz
compraria as ações que pertenceram ao meu pai, devolveria a ele, reergueria a
construtora usando a influência do seu nome, uniriam as duas empresas e se
tornariam sócios, Luiz, claro, seria o sócio majoritário, dando ao meu pai
apenas 30% das ações. Para o meu pai, era uma proposta irrecusável, já que a
união das duas construtoras as tornaria a maior do país no seguimento. —
Sophia contava. — Com o casamento, a empresa continuaria no nome das duas
famílias. Mas era um casamento forçado, por acordo, por contrato. Eu não
amava Miguel, até tentei ter algum afeto por ele, mas tudo o que consegui foi
só carinho de amizade. Eu não via nele mais do que um amigo. Eu sei que
deveria ter posto fim ao noivado muito antes, mas eu tinha esperança que
Miguel percebesse as coisas e ele mesmo terminasse comigo. Mas não foi
assim que aconteceu. No dia da cerimônia, eu decidi pôr fim à farsa daquela
união e o abandonei. Me arrependo, por um lado, por ter feito isso na frente de
todas as pessoas presentes; por outro, não lamento por um segundo de ter
desmanchado meu noivado, senti alívio quando o abandonei — finalizou com
um suspiro.
Daniel tinha as mãos unidas e a encarava. Talvez compadecido com a
história de Sophia ou surpreso pela ConstruHornet estar em decadência. Por
um segundo, ele ficou quieto, pensativo, e Sophia quis muito saber no que
pensava. Ela imaginou que seu chefe estava cogitando se acreditava nela ou
não, afinal, quase ninguém sabia da falência da construtora do seu pai. Não
ainda.
— Por que me pediu para que fingisse ser seu noivo? — questionou,
tirando-a de seus devaneios.
— Eu considerei que talvez meu pai não viesse atrás de mim. Ele e Luiz
são amigos e tinham um contrato. A essa altura meu pai já deve saber que sou
secretária executiva da Swiss Chocolate e noiva do presidente do grupo. Tudo
o que eu queria era que eles parassem de vir atrás de mim insistindo no meu
casamento com Miguel. — Suspirou, sentindo-se exaurida daquela vida.
— Não acha que seu pai irá querer conhecer o seu “noivo”? — Fez
aspas com os dedos. — E fará o que quando isso acontecer? Me chamar
novamente? Sem contar que se Luiz espalhar isso de sermos noivos, em dois
tempos a imprensa estará nos atacando. Percebe a empreitada em que me
colocou, senhorita Hornet?
Sophia soltou um suspiro trêmulo.
— Não precisa se prender a essa mentira. Se alguém vier perguntar,
pode dizer a verdade, ou explicar que terminamos, não sei… não precisa levar
isso adiante.
— Não acho que seja necessário desmentir — declarou, e recostou-se
na poltrona, a expressão facial se suavizando. — Até porque eu quero me
casar com você, Sophia.
Sophia Hornet arregalou os olhos, surpresa com a declaração súbita de
seu chefe.
A loura encarou Daniel com a mesma surpresa que ele a encarou
quando, horas atrás, sugeriu que se passassem por noivos.
Daniel sorriu vendo a feição de surpresa da funcionária, e o que tinha
em mente não era uma má ideia. Ele precisava de um casamento para
conseguir ter acesso à sua herança; ela, de um pretexto para não se casar com
Miguel de Orleans e reerguer a família. Sua ideia era perfeita.
O único risco que corria era receber um não, mas ponderou ser quase
impossível. Sua proposta era irrecusável. Ambos se ajudariam, seriam
beneficiados, e ela poderia, por fim, parar de se esconder do pai e do ex-
noivo.
— Calma, senhorita Hornet, eu posso explicar.
Explique-se, pensou, ainda atordoada com o pedido de casamento.
— Há mais ou menos dois anos meu pai faleceu. E com isso deixou tudo
o que pertencia a ele para mim e para o meu irmão Heitor. O caso é que há um
testamento e uma das exigências para que tenha acesso à minha parte da
herança é que eu me case.
Sophia o olhava, prestando atenção em cada palavra que saía da sua
boca. Ela acenou brevemente, como se começasse a entender a proposta de
casamento repentina por parte de Daniel.
— Você disse que sua família e a empresa dos Hornet estão em
decadência. Bom, caso se case comigo eu posso reerguer essa empresa,
comprar e devolver à sua família as ações que foram dela. Setenta por cento.
Muito mais que o velho Luiz estava lhe oferecendo. E ao mesmo tempo, se
livrará de uma vez por todas desse Miguel.
— Senhor Müller… — ela tentou intervir, mas foi interrompida.
— Deixe-me terminar de fazer a proposta — pediu, meio rígido,
acenando com a mão. — Bom, o nosso casamento será apenas de fachada.
Para todas as pessoas de fora seremos um casal perfeitamente comum, mas
somente nós dois conheceremos o acordo: não consumaremos o casamento.
Sequer vamos nos tocar. Não precisaremos cumprir com nossos papéis
conjugais. Nenhum deles. Assim que eu tiver a herança em mãos e você tiver
tirado sua família da falência, nos divorciamos e cada um segue a sua vida,
como se nada tivesse acontecido.
Sophia estava inexpressiva. Apesar de achar a proposta de Daniel
tentadora, continuava a ser um casamento.
— E por que as pessoas devem achar que esse matrimônio é real? —
Quis saber
— Primeiro, as exigências são claras. Se por acaso for confirmado um
casamento de conveniência, perco minha herança da mesma maneira. Segundo,
para não manchar o nome da família Müller. Eu zelo muito pelo meu
sobrenome, senhorita Hornet, saiba disso. Não quero nenhum tipo de manchete
estampando que me casei apenas por dinheiro. É uma questão de honrar meu
sobrenome. E é claro que eu também me preocupo em preservar o seu nome e
o da sua família. A última coisa que queremos é que todos saibam da falência
de seu pai, não é? — Sophia apenas pôde concordar com um aceno breve de
cabeça. Então Daniel continuou: — Sem contar que se esse tal de Miguel
souber que nosso casamento é uma farsa, ele ainda insistirá com você, estou
certo?
Sophia murmurou um sim, odiando ter que concordar com aquele fato.
Por alguns instantes ficou pensativa. Mesmo que a proposta fosse
assustadoramente tentadora, ainda era preciso pensar. Pensar bem antes de
tomar qualquer decisão.
— Senhor Müller, eu não sei… tenho que pensar.
— Obviamente… — Girou sua cadeira de um lado a outro,
vagarosamente. — Só preciso que me dê uma resposta definitiva neste sábado.
Tudo bem?
— Claro. Sábado terá uma resposta, senhor Müller.
Sophia se levantou e saiu da sala da Presidência ainda zonza com tal
proposta.
Uma proposta muito atraente.
05
CONTRATO DE CASAMENTO

Os dias estavam passando rápido demais. Mesmo que Sophia tivesse


dito ao Daniel que lhe daria uma resposta definitiva no sábado, ela já tinha
tomado a decisão. Aceitaria o pedido de casamento. Sendo um casamento de
fachada, ela poderia continuar normalmente com sua vida; Miguel a deixaria,
por fim, em paz, e ao mesmo tempo ajudaria a família a sair da beira da ruína.
Na quinta-feira, ao final do expediente, ela procurou e conversou com
Daniel sobre a proposta de casamento, ela aceitou e ambos ficaram satisfeitos.
Juntos repassaram todos os termos do matrimônio e acordaram com o seguinte:
após o casamento, Sophia teria acesso a 5% das ações de Daniel, um montante
suficiente para reerguer parcialmente a família Hornet e quitar algumas
dívidas, e após o divórcio ela teria direito a mais 5%; Daniel se
comprometeria a comprar as ações da ConstruHornet e devolvê-las a
Sebastian, como foi proposto anteriormente, recebendo 50% do lucro das
ações até ter todo seu investimento devolvido – sem juros ou multa; a união
seria por separação de bens; durante o matrimônio nenhum deles precisaria
cumprir seu papel conjugal, mas deveriam manter a discrição caso desejassem
ter outro parceiro; o casamento deveria durar no mínimo seis meses, prazo
este para que Daniel conseguisse acesso à herança, como constava no
testamento; e se, por acaso, o contrato fosse cancelado antes do tempo
previsto, Sophia perderia todos os direitos que beneficiariam a sua família.
— Está de acordo com todos os termos do nosso contrato? — perguntou
Daniel.
— Perfeitamente — Sophia disse.
— Ótimo, pedirei ao meu advogado para que redija, e no sábado eu levo
até sua casa para assinarmos, tudo bem?
— Sim, senhor Müller.
Ele sorriu, achando graça no tratamento de Sophia.
— Seremos casados dentro de pouco. As pessoas vão estranhar se me
chamar tão formalmente assim. Me chame apenas de Daniel.
Ela sorriu acanhada. Seria difícil se acostumar com a ideia de chamar o
chefe pelo primeiro nome. Mais estranho seria estar casada com ele.
— Pode me chamar de Sophia em vez de senhorita Hornet.
— Sim, sim. — Riu brevemente. — Bom, precisamos anunciar que
estamos “juntos”. Que tal sairmos para jantar no sábado, e depois passo em
sua casa e assinamos o contrato?
— Por mim, está perfeito.
— Te pego às sete.

♦♦♦

Daniel ajeitava a gravata, de frente ao espelho em seu quarto, ouvindo


Heitor resmungar em seu ouvido. Ele fizera a besteira de contar ao irmão que
tinha arrumado uma noiva para se casar e conseguir sua parte da herança, e
agora, Heitor não parava de fazer piadinhas sem graça e de, hora em hora,
lembrá-lo do acordo que fizeram.
Müller passou uma colônia amadeirada e penteou os cabelos, afirmando
ao irmão mais uma vez que esqueceria do que haviam combinado. Daniel era
um homem de palavra.
Conferiu o relógio, viu que já era hora de partir. Ajeitou seu Rolex no
punho, pegou as chaves do carro e saiu, deixando o irmão caçula fazendo suas
piadas de mau gosto sozinho.
Dirigiu até o apartamento de Sophia, conferiu o andar e número do
apartamento em um SMS que ela lhe mandou. Subiu as escadas e tocou a
campainha.
Não demorou muito até que ela atendesse a porta. E, assim que a viu,
como em nenhum outro momento desde que se conheceram, Daniel achou-a
terrivelmente linda e atraente. Ele diria deslumbrante.
A loura estava com os cabelos presos em um rabo de cavalo alto,
trajava um vestido preto de gola baixa que, até a altura do peito, era de renda,
depois descia delineando o corpo em forma de Sophia e abria na altura dos
joelhos, nos pés trazia uma sapatilha preta delicada. Uma maquiagem leve
realçava seus olhos verdes.
— Você está linda, senhorita Hornet — elogiou, analisando-a sem
malícia.
— Você também está muito elegante, senhor Müller.
Juntos, riram de como se trataram, lembrando que haviam combinado de
se chamarem pelo primeiro nome.
Daniel ofereceu seu braço, e Sophia se enroscou a ele, ainda que
receosa. Até aquele momento nunca tinha tido uma aproximação mais pessoal
ou íntima com Daniel.
Já dentro do carro, Sophia contou como se sentia em relação àquilo
tudo. Confidenciou que tinha anseio pelo que as pessoas falariam,
principalmente a sua família. Também confessou que estava preocupada de
como os outros funcionários da empresa reagiriam à notícia de que ela e o
patrão estavam noivos.
— Não deve se preocupar com isso agora, Sophia. Vamos dar um passo
de cada vez — disse Daniel após ouvi-la atentamente, querendo, de alguma
maneira, despreocupá-la.
Enquanto Sophia falava, Müller a ouvia com atenção, reparando em
como ela tinha uma boa postura. Correu os olhos por seu corpo, e notou que
ela se sentava ereta e tinha uma expressão corporal ótima. As mãos não
paravam de gesticular, os lábios se moviam em ótima dicção e o tom da sua
voz era sempre afável e doce.
— O que diremos quando nos perguntarem como nos conhecemos? —
questionou-o, evidenciando que, por mais que Daniel dissesse que não deveria
se afligir, estava aflita.
— Podemos dizer que nos conhecemos antes de você entrar na empresa
e mantínhamos o namoro em sigilo — sugeriu.
— Bom, aí vão dizer que você me favoreceu com o cargo de secretária
sênior — ressaltou, e Daniel não pôde deixar de concordar.
— Tem razão. Então, dizemos que nos apaixonamos no próprio ambiente
de trabalho e mantivemos a discrição exatamente por isso.
Sophia sorriu e concordou com um aceno de cabeça no exato momento
em que Daniel puxou o freio de mão após estacionar o carro.

♦♦♦

Daniel arrastou uma cadeira para Sophia, ela agradeceu e sentou-se


olhando ao redor, encantada com a beleza, requinte, e ao mesmo tempo
simplicidade, do lugar. Ele se sentou logo à frente, analisando a carta de
vinho, enquanto Sophia corria os olhos pelo menu, indecisa e concentrada a
escolher um dos pratos. Por fim, optou pela “sugestão do chefe”, Daniel pediu
o mesmo, solicitando, também, uma boa combinação de vinho para
acompanhar o pedido.
Enquanto aguardavam a chegada do prato, conversaram um pouco,
sentindo os olhares das pessoas que, talvez, reconheceram Daniel. E ele não
se incomodou, continuou a conversar com sua “noiva”, sempre exibindo um
sorriso, e hora ou outra tocando sua mão.
O garçom trouxe os pedidos. Conversaram bastante durante o jantar, e,
mesmo Daniel sendo seu chefe, Sophia se sentiu muito bem ao seu lado. Ele se
mostrou bem-humorado, arrancando gargalhadas dela. Por um momento
percebeu como realmente não o conhecia. A imagem que Sophia tinha de
Müller era a mesma que a maioria das pessoas do seu convívio profissional
tinha. Daniel Müller era um homem reservado, às vezes de poucas palavras,
sério ao extremo, autoritário, mas sem parecer tirânico. Sua postura exalava
imponência sempre que despontava no elevador do andar da Presidência, os
ternos sob medida delineavam bem seu corpo e atribuíam um charme peculiar.
Sophia já tinha se acostumado com o jeito evasivo de Daniel, se
adaptara logo a vê-lo de semblante sisudo, muitas vezes concentrado nos seus
deveres. E apesar disso tudo, ela gostava da sua postura e personalidade. Era
uma mistura de elegância e austeridade que nele caía perfeitamente.
Mas durante a conversa no decorrer do jantar, Sophia conheceu um outro
lado de Daniel. O lado que, talvez, só os mais próximos conheçam, os amigos
mais íntimos, alguns familiares. Daniel Müller era um homem encantador e, ao
contrário do que parecia, bem-humorado. Viu-o sorrir de forma contagiante
pela primeira vez em quatro meses, e reparou como seu belo par de olhos
azul-esverdeado brilhava intensamente quando riam de alguma coisa
engraçada. Enfim, Daniel naquele momento, não era nem de longe o mesmo
homem com quem trabalhara ao longo daqueles meses.
E fosse qual fosse sua personalidade, Müller era uma boa pessoa. Um
homem bom em todos os aspectos: pessoal e profissional. E era por esse
motivo que Sophia não se sentiu intimidada nem na presença do Daniel, seu
superior, nem na do Daniel, seu “noivo”. Sophia podia ser ela mesma perto
dele.
— A comida estava maravilhosa — enalteceu após o último gole no
vinho.
— Eu sei, foi por isso que te trouxe aqui. Para mim é o melhor
restaurante da cidade. — Sorriu, e também terminou seu etílico.
— Melhor que a comida, só a sua conversa. Não sabia que tinha todo
esse senso de humor.
Daniel encarou-a sorrindo, olhou no relógio, mas não respondeu.
— Está tarde. Vamos? — convidou já chamando o garçom e pedindo a
conta.
Sophia esperou que a conta fosse paga para se levantar. Do lado de fora,
sentiu um vento gelado bater na pele, abraçou seu corpo, estremecendo de frio.
Daniel se aproximava quando a viu tentando se aquecer envolvendo o
corpo com os próprios braços. Retirou seu paletó e ofereceu a ela.
— Não se incomode, Daniel. Estou bem — recusou educadamente.
Ele balançou a cabeça em negativa enquanto lhe jogava o paletó por
cima dos ombros. Sophia sentiu-se aconchegada com a atitude dele. Além de
tudo, era um perfeito cavalheiro. Ela sorriu e agradeceu, olhando em seus
olhos. Novamente, após Daniel oferecer o braço, se enroscou a ele e os dois
foram para o carro.

♦♦♦

Sophia tirou o paletó de Daniel e o pendurou a cadeira, enquanto ele


entrava em seu apartamento observando tudo. Ele apoiou um envelope pardo
que trazia – o contrato – na mesa de centro da sala.
— Vou preparar um café para nós — Sophia disse já caminhando para a
cozinha estilo americano. — Sinta-se à vontade e sente-se.
— Se não se importa eu gostaria de usar o banheiro — solicitou.
— Claro. Final do corredor à direita.
Daniel se encaminhou até o lavabo lavou o rosto e molhou o cabelo
deixando-os úmidos e bagunçados. Olhou-se no espelho e suspirou. Ainda era
difícil digerir todos os últimos acontecimentos.
Herança, casamento, noivado, Sophia…
Pensava em que ele tinha se metido para conseguir ter acesso à sua parte
da herança. Submeter-me a um casamento, balançou a cabeça, rindo da ironia
da coisa. Ele que quase nem tinha namorado e os relacionamentos que tivera
jamais avançaram para algo mais sério como noivado. Agora se via noivo de
uma total desconhecida, no sentido de ele nem sequer ter namorado Sophia,
por tê-la conhecido e firmado compromisso em circunstâncias totalmente
incomuns.
Secou o rosto, usou o banheiro, e quando lavava as mãos outra vez,
ouviu a campainha tocar. Apurou um pouco os ouvidos para saber o que se
passava na sala de Sophia. Conseguiu identificar o nome Miguel em tom de
espanto e a surpresa sendo pronunciada das cordas vocais da noiva. Andou
cautelosamente pelo corredor até alcançar a sala do apartamento. Deparou-se
com um homem alto, e deduziu ser o tal ex-noivo. O homem reparou em Daniel
ali e seu semblante mudou totalmente. Acenou, cumprimentando-o, e Müller,
educadamente, retribuiu o aceno.
— Daniel! — Sophia pronunciou se aproximando e, em seguida, beijou-
o nos lábios.
06
VISITA INESPERADA

Sophia Hornet passava o café quando alguém tocou a campainha. Secou


as mãos no pano próximo à pia e caminhou até a porta. Quando a abriu, deu de
cara com a última pessoa que gostaria de ver naquele momento.
— Miguel? — O tom saiu surpreso.
— Olá, Sophia…
— Como… me encontrou?
— Meu pai me disse que está noiva de Daniel Müller e que estava
trabalhando para ele. Só precisei puxar sua ficha na empresa, usando a
desculpa do contrato que a LG firmou com a Swiss Chocolate — explicou-se,
e exibiu um sorrisinho. Olhou para dentro do apartamento de Sophia, por cima
dos ombros dela, e disse: — Não vai me convidar para entrar?
— Não acho que seja uma boa ideia. Meu noivo está aqui — rebateu
sentindo-se um pouco alarmada com sua visita inesperada.
— Está, é? — Havia um tom de descrença. — E cadê ele?
Nesse momento, Daniel surgiu vindo do corredor. Tão logo reparou em
sua presença, ela o observou de cima a baixo. Os cabelos sedutoramente
molhados e desgrenhados, as mangas da camisa estavam dobradas até a altura
dos cotovelos.
Sophia sorriu sentindo um alívio ao vê-lo ali.
— Daniel!
Para a surpresa dela mesma e de Müller, Sophia o beijou nos lábios num
instinto de mostrar a Miguel a veracidade de seu noivado.
Num primeiro momento, Daniel se sentiu surpreso e confuso, mas não
resistiu por muito tempo até retribuir, segurando em sua nuca e intensificando
beijo.
Ele sentiu a doçura dos lábios dela. O perfume adocicado de baunilha
de Sophia subiu por suas narinas, o entorpecendo. O aroma de seus fios
alourados e perfumados também invadiu seu nariz, ajudando a intensificar seu
êxtase momentâneo pela loura. O instinto masculino falou mais alto, fazendo-o
esquecer totalmente que aquele beijo era apenas para aparentar o noivado
diante de alguém. Segurou a fina cintura dela e a trouxe mais para perto.
Ambos se envolveram no beijo e se olvidaram por um breve instante que
Miguel estava ali, parado na frente deles.
Sophia separou-se de Daniel e, ainda ofegando e desordenada, mirou o
presente, limpando os lábios que, provavelmente, estavam borrados por causa
do batom.
— Miguel, este é meu noivo Daniel. Daniel, este é meu… ex-noivo
Miguel — apresentou um ao outro, controlando a respiração.
Os dois trocaram olhares como machos alfas brigando por uma fêmea.
Sophia alternava o olhar entre eles, sem saber exatamente como agir diante da
situação.
— Creio que conheça a fama que Sophia carrega… — Miguel se
pronunciou, tentando provocar seu oponente.
— Abandonar noivos no altar — respondeu, como se adivinhasse. — A
diferença é que ela me ama, por isso não fará o mesmo comigo — rebateu
Daniel, convicto das palavras que dizia, e quase acreditou na própria mentira.
Pegou Sophia pela cintura e a trouxe mais para perto. Por um momento não
soube explicar a eletricidade de raiva que percorreu seu corpo. Talvez fosse a
provocação do outro, talvez o fato de ter criado um breve desejo por Sophia
durante o beijo inesperado, talvez fossem os dois. A certeza era que surgiu um
sentimento estranho dentro dele. Definitivamente não gostara de Miguel.
Definitivamente queria que o outro acreditasse no seu noivado com Sophia.
O homem à sua frente não soube o que responder. Simplesmente acenou
e desviou os olhos para Sophia.
— Desejo felicidades, Sophia — pronunciou, e se retirou em seguida.
Ela fechou a porta vagarosamente, sentindo um misto de alívio e tensão.
Encarou Daniel que tentava tirar o batom grudado em sua boca. Ruborizou por
um instante. Lembrou-se do beijo, não sabia o que dizer, mesmo sabendo que
Daniel entenderia sua atitude.
— Sobre o beijo… — começou — foi necessário, sabe…? Ele
apareceu aqui de repente e…
— Está tudo bem, não se preocupe — cortou-a com uma seriedade
rígida, e Sophia sentiu seu tom de voz diferente. A noite toda Daniel tinha sido
educado e bem-humorado, e agora a tonalidade de sua voz saíra um tanto
quanto ríspida.
Sophia balançou a cabeça em sinal de positivo e engoliu em seco.
— O café já está pronto.
— Vou ter que recusar, Sophia. Eu realmente preciso ir agora. — Pegou
o paletó e vestiu, sua postura mudara total e bruscamente. —Você assina o
contrato na segunda-feira em meu escritório. — Aproximou-se e beijou sua
bochecha.
Por um pequeno momento, trocaram olhares, e Daniel desviou a atenção
para os lábios de Sophia.
— Até segunda-feira, senhorita Hornet — disse firme e se retirou,
deixando Sophia totalmente confusa e desestabilizada.

♦♦♦

Daniel mal saíra do apartamento de Sophia, quando sacou seu celular do


bolso para discar o número de uma velha amiga. Desceu os degraus
rapidamente. Optou pelas escadas para espairecer os pensamentos. Nunca uma
mulher o tinha surpreendido daquela maneira. O beijo de Sophia o fez
estremecer e sentir algo diferente. Uma sensação prazerosa que não conseguia
explicar. Além disso, ele ficara excitado. Até onde conseguia se lembrar,
jamais ficou excitado apenas com um simples beijo. Ele não negaria que
Sophia é uma mulher tentadora, mas desde que se conheceram, há pouco mais
de quatro meses, Daniel não tivera outro tipo de olhar para ela a não ser o
profissional. Não teve pensamentos obscenos com sua secretária, nem se
imaginou tendo relações sexuais com ela na sua mesa de trabalho. Nada
daquilo. Daniel não se sentia atraído por Sophia, no entanto, aquele beijo tinha
sido algo tão surpreendente e diferente que ele não soube entender por que
raios tinha tido uma ereção.
E por isso seu comportamento diante dela mudara totalmente. A última
coisa que queria era que Sophia reparasse em seu membro ereto por baixo das
calças. E antes que ela percebesse, preferiu sair. Mas ainda precisava se
aliviar. Então, ligara para Melissa, uma amiga com benefícios.
Terminava de descer as escadas e saía do prédio, e nada de Melissa
atender à sua chamada.
— Atende, Melissa, que droga — murmurou sozinho, caminhando a
passos rápidos.
— Olha só que interessante — Daniel ouviu uma voz e se virou para
encarar Miguel que vinha logo atrás, andando até ele com as mãos no bolso.
— Você acabou de sair da casa da sua noiva e já está ligando para outra?
Acho que Sophia não vai gostar muito disso…
Daniel desligou o telefone e o guardou no bolso. Por mais que ele e
Sophia não tivessem nada além de um contrato que ainda nem fora assinado,
definitivamente não simpatizou com o ex de sua falsa noiva.
— Melissa é minha assistente — mentiu, pronunciando entre os dentes.
— Pior ainda — complementou sarcástico. — Envolvendo-se com outra
funcionária, isso não é muito ético. Com uma já não é, com duas, então… — e
sorriu cinicamente.
— Desculpe-me, desde quando eu devo explicação da minha vida a
você? — Irritou-se — Melissa é minha assistente, preciso que ela confira
alguns assuntos pendentes para amanhã, e desci até aqui onde o sinal é melhor.
E não me importa se você acredita ou não.
— Não precisa ser muito gênio para perceber que tudo o que me disse é
mentira — contestou prontamente. — Primeiro porque você desceu do
apartamento da sua noiva logo após eu sair. Está com uma ereção — e aponta
para as calças de Daniel, fazendo-o olhar para baixo —, e ligando para uma
mulher. É meio óbvio que você e Sophia trocaram alguns beijos que te
deixaram assim; por algum motivo, e acredito que seja eu, discutiram, e ela te
deixou nessa situação, e como você precisa se aliviar… sua saída é contatar a
“assistente”. — Fez aspas com os dedos. — E segundo: quem em sã
consciência tem assuntos pendentes para resolver no domingo?
Daniel pensou em abrir a boca para responder, quando Sophia apareceu
o chamando. Miguel se virou, tão surpreso quanto ele, por sua presença.
— Conseguiu falar com a Melissa? Se não, eu lembrei que meu tablet
está aqui em casa e posso verificar qual o horário do seu almoço de negócios
na segunda-feira. E se estiver procurando aquele contrato da transportadora,
você deixou dentro da minha gaveta de meias. — Sorriu largamente. — Não
precisa mais ficar nervoso por causa dele. — Balançou um envelope pardo
nas mãos.
Daniel Müller não se importou em como Sophia apareceu ali, salvando-
o de ter que arrumar outro pretexto. Sentiu-se aliviado ao ver a cara de
Miguel.
— Ainda não, querida. — Entrou no jogo dela. — Ela não atende ao
telefone. — Olhou para o envelope e o reconheceu: o contrato deles. Exibiu
um breve sorriso atenuado, percebendo que o havia esquecido no apartamento
da Hornet. — Eu realmente estava preocupado com esse contrato.
Sophia fitou Miguel por um breve instante.
— Então vamos subir, verificamos esses assuntos que estão em
pendência e depois… terminamos o que tínhamos começado — insinuou com
certa malícia.
Daniel caminhou até Sophia, pegou-a pela cintura e tocou seus lábios
novamente, dessa vez mais breve que o último.
— Você sempre preparada para tudo — sussurrou em seus lábios, e não
pôde deixar de, verdadeiramente, contemplar a íris esverdeada e encantadora.
— Vamos logo resolver isso para rolarmos naquela cama.
Abraçou seu tronco e saíram caminhando juntos, deixando Miguel se
queimando de ciúmes.

♦♦♦

Sophia ainda estava desestruturada com a mudança repentina de


comportamento de Daniel. Viu-o saindo às pressas e ficou ainda mais confusa,
se perguntando o que havia acontecido para ele agir daquela maneira. Talvez
tê-lo beijado não tinha sido uma boa ideia, e Daniel ficara incomodado com o
ocorrido. Quem sabe fosse aquilo. Lembrou-se de pedir desculpas na segunda-
feira.
Volto para dentro e se serviu de um pouco de café, caminhou até a sala e
ligou a TV, sentou-se no sofá e reparou no envelope pardo sobre a sua mesa de
centro. O contrato, pensou. Por um momento achou melhor deixá-lo ali, ligar
para Daniel mais tarde e avisar que estava com ela, antes que sentisse falta, e
na segunda levaria para o escritório. Mas se corresse até Daniel e devolvesse
o contrato poderia se desculpar pelo beijo e ao mesmo tempo prevenir que
aquele contrato, por acaso, se perdesse e fosse parar em mãos erradas.
Não que aquilo fosse realmente uma probabilidade grande, mas com a
sorte que vinha tendo, era mesmo capaz de o documento sumir em sua posse.
Por isso, resolveu não arriscar. Pegou o envelope e saiu do apartamento,
tomando o elevador.
Ao chegar ao térreo, viu Daniel ao telefone andando rapidamente.
Pensou em chamá-lo, quando Miguel surgiu falando alto, ela estacou,
escondendo-se atrás de uma coluna de mármore com um anjo esculpido, e
passou a ouvir a conversa dos dois.
Num momento propício para Daniel, Sophia apareceu, salvando-o de ter
que arrumar outra desculpa para livrar-se de Miguel.
Agora, novamente, ela o recebia em seu apartamento, oferecendo café.
— Vou aceitar — disse Daniel entrando e se sentando no sofá. —
Aquele Miguel é sempre irritante assim?
Sophia se dirigiu até a cozinha, pôs um pouco da bebida na caneca e
voltou entregando-o café; sentou-se no outro sofá.
— Só quando quer. Ele está com ciúmes, Daniel — pegou a caneca
deixada sobre a mesa antes de descer procurar por seu noivo —, por isso está
agindo assim. — Bebeu um gole. Fez uma careta ao sentir o café frio.
— Achei que tivesse dito que o relacionamento de vocês era sem amor.
— De princípio, era. Mas como nos conhecemos desde a adolescência,
e até chegamos a namorar em algum momento, acredito que esse sentimento
sempre existiu. Mas eu nunca correspondi qualquer coisa e Miguel sabia
disso. Eu nunca senti nada, exceto carinho enorme de amigos.
Daniel bebeu o café olhando-a.
— Entendo. Quero agradecer por ter aparecido lá, num momento tão…
exato. Como foi que…? — Fez uma pausa na sua fala, encarando-a. — Ouviu
nossa conversa, suponho.
A loura ruborizou ligeiramente e desviou o olhar.
— Sim.
— Eu não sei o quanto você ouviu da conversa, nem o que está pensando
sobre mim, mas…
— Não se preocupe se está se referindo à sua ereção. Você é homem, eu
entendo.
Daniel sentiu o rosto queimar. Ele tinha ficado ereto por uma mulher por
quem não se interessava e que mantinha um relacionamento estritamente
profissional. O que teria a dizer sobre aquilo?
— Não quero que pense que fiquei excitado por você… com o nosso
beijo… Não que você não excite um homem… eu só estou dizendo… —
Quanto mais tentava se explicar, mais confuso e nervoso ficava. Daniel sempre
fora bom com as palavras, mas aquela situação deixou-o desconcertado.
— Daniel, não precisa se explicar — Sophia reforçou aos risos. — Eu
já entendi, não se aflija com isso.
Ele se sentiu um pouco mais aliviado. Mas só um pouco. Terminou seu
café e o levou até a pia. Sophia caminhou até a janela da sala, olhando para
fora. Reconheceu o carro de Miguel e bufou.
— O que foi? — Daniel percebeu sua irritação.
— Miguel está parado aí em frente. — Ela o olhou. — Acha que ele
desconfia do nosso noivado?
Daniel cerrou os punhos. Miguel começava a ser uma inconveniência em
sua vida.
— Sinceramente, eu não sei. Ou ele está desconfiando, ou é um ex-noivo
possessivo. Em todo caso, se importa se passar a noite aqui? Pelo menos até
ele ir embora.
Sophia pestaneou, surpresa com o pedido. Onde iria acomodar o noivo-
chefe? Havia apenas um quarto, que era o dela. O sofá seria desconfortável, e
eles dormirem na mesma cama seria extremamente… estranho.
— Claro. Pode ficar com o meu quarto. Me acomodo aqui no sofá. —
Sophia já se retirava para trocar a roupa de cama quando sentiu Daniel
segurando seus braços, fazendo-a virar e olhar em seus olhos.
— De maneira nenhuma permitirei, ou aceitarei isso. Fique com o quarto
e eu com o sofá.
Sophia Hornet não pôde conter um riso de satisfação diante da educação
e zelo de Daniel.
— Vou arrumar cobertores e travesseiros para você. — Passou por ele e
foi até seu quarto.
Daniel seguiu-a com os olhos e quando se deu conta, fixava-se com certa
insistência na bunda dela. Balançou a cabeça, se repreendendo mentalmente
por sua atitude. Lembrou-se do beijo e fechou os olhos. Quase foi capaz de
sentir os lábios de Sophia nos dele, seu cheiro adocicado de baunilha
penetrando suas narinas.
— Você está bem? — Sophia o fez se sobressaltar.
A moça surgira, de repente, em sua frente. Carregava dois cobertores e
dois travesseiros. Daniel conteve uma risada ao vê-la desajeitadamente
escondida atrás daquilo tudo. Apressou-se em ajudá-la, afirmando que estava
bem, só um pouco cansado.
Ela arrumou o sofá maior, esticando as cobertas e posicionando os
travesseiros.
— Espero que esteja confortável. Acho que comprarei um sofá-cama, se
essas visitas forem constantes — brincou.
Daniel riu, mas não respondeu.
— Sinta-se em casa. — Sophia deixou o controle da TV na mesa de
centro. — Pode assistir à TV ou atacar a geladeira de madrugada, se sentir
fome — proferiu bem-humorada.
— Obrigado, Sophia — agradeceu afrouxando a gravata. — Pode ir se
deitar, eu me viro aqui.
Sophia acenou e saiu. Entrou em seu quarto e se recostou à porta
pensando na noite que tivera. Mais precisamente no beijo que deu no seu
chefe. Aquilo tinha sido burrice. Culpou-se por não ter se desculpado. Em
algumas horas haviam tido mais contato íntimo, e menos profissional, do que
em todos aqueles quatro meses trabalhando juntos.
Despiu-se jogando seu vestido sobre a poltrona, entrou no banheiro e
tomou um banho quente. Vestiu pijama e se enrolou no roupão. Voltou à sala
com o intuito de falar com Daniel sobre o beijo, saber se ele se incomodou
com o fato e pedir desculpas.
Mas ao chegar, encontrou-o deitado, os olhos fechados, descoberto e a
televisão ligada e não quis incomodá-lo. Voltou para o quarto em silêncio,
deitou-se imaginando como seria quando estivessem casados. Pegou no sono
lembrando-se, novamente, do primeiro beijo deles.

♦♦♦

Sophia acordou durante a madrugada, encharcada de suor. Antes de se


deitar, esqueceu-se de ligar o ventilador, como fazia de costume. Ultimamente
vinha fazendo tanto calor que ela dormia apenas com um vira-lençol e nada
mais. Pensou em Daniel na sala, se ele também não estaria se sentindo no
inferno com aquelas cobertas.
Levantou-se trajando o baby doll rosa de cetim, calçou os chinelos e
caminhou até a cozinha. Na sala, viu Daniel estirado no sofá, apenas de calça
social e sem camisa. Correu os olhos por seu peito até a altura do cós da
calça. A peça estava desabotoada e o cinto, solto. Talvez tenha sido o jeito que
ele encontrou para se sentir mais confortável ao dormir. Terminou seu trajeto
até a cozinha, abriu a geladeira e pegou uma jarra de água gelada, dispôs uma
quantidade generosa e bebeu, sentindo a água saciar e refrescar ao mesmo
tempo. Quando estava prestes a guardar o copo no lugar, sua mão escorregou e
o objeto caiu, espatifando-se no chão.
— Porcaria… — resmungou, curvando-se para juntar a bagunça.
Pegou os cacos maiores e jogou-os no lixo. Com auxílio de vassoura e
pá juntou o restante dos pedacinhos de vidro que sobraram esparramados pelo
chão.
Atravessou a sala desejando apenas seguir para o quarto, entrar no
banheiro e tomar uma chuveirada para refrescar o calor e tirar o cheiro de
transpiração que impregnou em sua pele. No meio do caminho, então, reparou
em Daniel dormindo. Ele estava sereno e seu sono profundo. Seus olhos
passaram pelo peito nu e, dessa vez, fixaram nos músculos masculinos. Daniel
era um homem vaidoso que não cuidava apenas da saúde, mas também da
parte estética. Seu tronco era forte e definido sem muitos exageros, os
músculos eram mais rígidos e alongados, diferentemente dos homens de porte
e músculos espessos.
Ainda observando-o, subitamente, algo chamou sua atenção. Uma
pequena elevação por baixo da calça dele.
Levou a mão até os lábios, abafando sua vontade de rir.
Ele está… excitado?
E ficou imaginando com o que ele estaria sonhando para deixá-lo ereto.
Talvez alguma coelhinha da revista Playboy…?
Balançou a cabeça, se lembrando que aquele tipo de ereção poderia ser
algo totalmente natural aos homens, e não significava, exatamente, excitação.
As poucas vezes que dormiu com Miguel pôde presenciar esse tipo de
normalidade masculina.
Ainda tentando conter seu riso, caminhou até o banheiro do quarto,
despiu-se e ligou o chuveiro. Entrou em baixo d'água, que estava quente
demais. Mudou a temperatura, esquecendo-se antes de desligar o chuveiro,
queimando-o com a mudança brusca de temperatura.
— Tá de brincadeira comigo… — bufou Sophia, sentindo a água
demasiadamente fria bater em sua pele. Enrolou-se na toalha e cautelosamente
foi para o banheiro ao fim do corredor. Colocou a temperatura da água para
“morna”, ligou o chuveiro, desenrolou a toalha e entrou, molhando os cabelos.
Deixou a água escorrendo em seu corpo. Parecia que tinha se esquecido do
mundo debaixo do chuveiro, quando a de porta do banheiro abriu e trouxe-a de
volta à realidade. Por um milésimo de segundo ela divisou Daniel, sem
camisa, de calças abertas a parecendo tão espantado quanto ela.
— Meu Deus, Daniel! — exclamou puxando a toalha e cobrindo o
corpo, no mesmo instante que Daniel virava-se de costas para ela.
07
CONSTRANGIDOS

A noite estava sendo difícil para Daniel. Trocara sua cama macia por um
sofá desconfortável. Simplesmente não conseguia dormir. Só o que pôde foram
alguns cochilos que duravam de quinze a vinte minutos, acordava e demorava
muito para conseguir pregar os olhos novamente. A mistura de calor e
desconforto deixou-o de olhos abertos praticamente a noite toda. Para se
refrescar, tirou a camisa social, que o fazia transpirar, o cheiro forte de suor
em baixo das axilas começava a incomodá-lo. Desafivelou o cinto e abriu o
botão da calça, ajeitou-se no sofá numa tentativa fracassada de tentar torná-lo
um pouco mais confortável. Bufou. Levantou-se e caminhou até a janela. O
carro do inconveniente Miguel não estava mais lá. Pensou em ir embora e ligar
para Sophia no dia seguinte e lhe explicar sua atitude. Mas ela tinha sido tão
prestativa que hesitou na sua decisão. Olhou no relógio que marcava duas da
manhã. Falta pouco, pensou consigo mesmo tentando confortar-se com a ideia
de que logo poderia ir para a casa e dormir em sua deliciosa cama.
Voltou a se deitar no sofá e fechou os olhos. Um tempo depois, pela
primeira vez na noite, o sono se apossou dele, que até já tinha se acostumado
com o desconforto. De repente um barulho o despertou com um sobressalto.
Daniel abriu os olhos, correndo-os pelo apartamento pouco iluminado. Viu
Sophia de costas e curvada, juntando algo no chão. Ela trajava apenas um
baby doll rosa de cetim, o short era curto, e ele pôde, na posição em que ela
estava, observar partes de sua bunda. Quase que instantaneamente sentiu seu
membro enrijecer.
Que porra está acontecendo comigo? Perguntou a si mesmo, sentindo
sua ereção. Daniel era um homem controlado. Para se excitar precisava mais
do que uma mulher seminua na sua frente. Caso estivesse acompanhado,
carícias, beijos quentes e palavras obscenas facilmente o deixariam
enrijecido; sozinho, era preciso alguns pensamentos eróticos e um filme pornô
para ajudá-lo. No entanto, precisou apenas a visão de Sophia naqueles trajes.
Daniel jamais negaria que Sophia é atraente e sensual, mas por que raios, pela
segunda vez, estava rígido por ela, sem mais nem menos? Sem provocações,
sem pensamentos lascivos, sem erotismo?
Fingiu dormir quando a loura se virou para jogar os cacos no lixo e
atravessou a sala na intenção de retornar aos seus aposentos. Ele sentiu
quando Sophia se aproximou e, de repente, ficou a observá-lo. Durante
aqueles segundos de olhos fechados, sendo examinado pelos olhos verdes,
algumas coisas passaram por sua cabeça, imaginou Sophia se aproximando e
tocando seu membro por cima da calça. Depois, sentava-se em seu colo,
esfregando suas partes íntimas na dele, beijando seu pescoço, mordiscando o
lóbulo da sua orelha com lascividade. Aquilo só o deixava mais excitado e ao
mesmo tempo frustrado. Müller não sabia por que estava tendo aquele tipo de
pensamento. Tentou se lembrar de quando fora a sua última relação sexual.
Uns quinze dias? Deduzia, enquanto fingia dormir. É isso! Estou necessitado
e meu corpo está respondendo à primeira mulher que vê pela frente!
Notou quando Sophia se afastou, adentrando em seu quarto. Suspirou
aliviado por Sophia ter deixado a sala tão logo. Será que ela reparou? Tocou
seu pênis que chegava a doer de tão rígido. Por alguns minutos, ficou
acariciando-o, como se aquilo fosse resolver alguma coisa. Daniel precisava
aliviar-se, ou de um banho frio. Descartou totalmente a possibilidade de se
masturbar na sala da casa de sua secretária, então preferiu o banho gelado.
Além de refrescá-lo do calor, limpá-lo do suor, o banho o faria esquecer a
excitação. Ou talvez ele optasse por um banho morno enquanto se satisfazia no
chuveiro.
Levantou determinado a tomar uma ducha gelada. Seguiu para o banheiro
ao final do corredor, o mesmo que usara antes da visita desagradável de
Miguel Guimarães de Orleans. Distraído pela excitação, ou pelo calor, não
ouviu o som do chuveiro ligado, indicando que alguém utilizava o banheiro.
Abriu a porta e ficou surpreso com a visão de Sophia nua, tomando banho. No
milésimo de segundo que tiveram, seus olhos correram pelo corpo dela. Os
cabelos molhados, os seios medianos firmes, a barriga lisa, sua intimidade
parcialmente depilada.
Daniel se virou rapidamente, sentindo a cara queimar como fogo,
enquanto ela exclamava, espantada:
— Meu Deus, Daniel!
— Me desculpe, Sophia — repetiu várias vezes, ainda de costas. De
vergonha, seu rosto ardia feito brasa. — Não sabia que você estava aqui.
Daniel se via em uma situação totalmente constrangedora. O universo
vinha conspirando contra ele naquela noite.
Voltou para a sala sem saber onde colocar a cara. Se pudesse, faria um
buraco para enfiá-la. Sentou-se no sofá com seu coração palpitante. Percebeu
que a situação vivida fez seu “amiguinho” murchar. Mais eficiente que um
banho gelado!
— Daniel — ouviu a voz suave de Sophia, e ergueu os olhos para vê-la
parada na sua frente.
Os cabelos louros ainda estavam molhados e embaraçados, usava um
roupão e segurava a parte frontal com tanta força como se temesse que o traje
abrisse e revelasse coisas que não deveria.
Ele a observou rapidamente, antes de dizer:
— Oi… olha, me desculpa… eu só queria me aliviar… — tentou se
explicar, mas se embaraçou com as próprias palavras.
Merda, o que estou dizendo? Pensou ao se dar conta das coisas que
saíram da sua boca.
— No sentindo que eu precisava urinar e… eu não sabia que você
estava usando o banheiro. — Suspirou sem saber mais o que dizer.
Sophia pôs-se ao lado de Daniel. Ele ainda estava sem camisa e com as
calças abertas. Quis rir do nervosismo dele, mas não era propício. Ela podia
imaginar como seu chefe estava se sentindo. Ela própria se sentia
envergonhada com o episódio.
— Não se desculpe. Eu que esqueci de trancar a porta. Está tudo bem.
Não, não está. Eu te vi nua!
Sorriu sem graça concordando com um aceno, ao mesmo tempo que
tentava não recordar o que vira há minutos. Daniel agradeceu mentalmente
pelo ocorrido, uma vez que deixou de alimentar sua imaginação. Entretanto,
ainda se perguntava por que estava tendo esses desejos na presença da sua
secretária.
— Que situação… — Emitiu um riso nervoso misturado à vergonha,
desviando o olhar para baixo.
Sophia sorriu e tocou levemente sua perna, puxando a mão quase que no
mesmo instante. Isso fez Daniel mirá-la.
— Como… dormiu?
— Não dormi — respondeu de pronto — O sofá… sabe? Não estou
acostumado.
— Parecia confortável há pouco — observou e sorriu fraco ao se
lembrar de Daniel estirado no sofá
Müller a encarou e pensou no momento em que sentiu ser analisado por
Sophia.
— Só cochilei um pouco — justificou —, fiquei mais acordado do que
dormindo.
Sophia segurou sua mão e o levantou, virou-o de costas e deu um leve
empurrão, como se estivesse o incentivando a andar.
— Durma no meu quarto. Você precisa descansar.
Daniel girou o corpo, ficando de frente para ela.
— Está tudo bem, eu me acostumo com o sofá.
— Não, senhor, senhor Müller. Eu já dormi várias vezes nesse sofá
vendo televisão, eu é quem estou acostumada. Insisto que vá descansar na
minha cama.
Daniel de um sorriso fraco diante da insistência de Sophia. Deixaria seu
cavalheirismo de lado e aceitaria. Suas costas estavam doloridas por causa do
desaconchego que era o sofá, e ele precisava dormir um pouco, o que não
conseguira muito naquela noite.
Agradeceu a gentiliza de Sophia e seguiu para o quarto dela. Entrou
observando a delicadeza do lugar, a simplicidade do cômodo, que ao mesmo
tempo exalava um ar aconchegante. Observou ao redor e viu uma peça de
roupa de Sophia em cima de uma poltrona: o belo vestido preto que ela usara
no jantar dos dois. Aproximou-se vagarosamente, tomando a peça nas mãos.
Encarou-a por um breve instante antes de, inconscientemente, conduzi-la até o
nariz e inspirar fundo o perfume que ficou no vestido. Partes do jantar
passaram rapidamente por sua cabeça como um filme rápido.
Dando por si, deixou a peça cair, passou a mão pelos cabelos
suspirando, tirou a calça e usando apenas a cueca boxer e foi se deitar.
Na cama, esticou o corpo. Deitou-se de bruços, e de repente o cheiro
feminino dela, impregnado nos lençóis e fronhas, subiu por suas narinas.
Daniel apertou os olhos, sentindo aquele cheiro que há tão pouco o tinha
deixado extasiado. Pegou-se pensando nela ali, a seu lado, e ele inspirando o
aroma diretamente do seu pescoço. Quando percebeu o que tomava conta de
seus pensamentos, balançou a cabeça tentando afastar tudo aquilo. Virou de
costas encarando o teto. O cheiro doce do shampoo de Sophia continuava em
sua memória olfativa.
Droga! Praguejou. Talvez fosse melhor ter ficado no sofá!

♦♦♦

Sophia viu Daniel seguir para o quarto dela, e antes de se deitar e ligar a
TV, foi até sua lavanderia e pegou outro pijama no cesto de roupas limpas.
Ainda estava sem jeito perto dele depois de tudo o que aconteceu. Parecia que
as coisas estavam sucedendo de forma a desencadear aquela situação
constrangedora: a presença de Miguel ter obrigado Müller a ficar em seu
apartamento, o ventilador desligado que a fez querer um banho, o chuveiro
queimado que a obrigou a ir para o outro, a porta que deixou destrancada. A
sequência de acontecimentos parecia estar em harmonia, conspirando contra
os dois.
Ajeitou-se no sofá, tomando cuidado para que mais nenhuma ação sua
causasse qualquer outra cena desconcertante diante de Daniel Müller. Colocou
em um filme que já havia começado. Prendeu a atenção ao que se passava na
televisão. Numa das cenas do longa-metragem, duas pessoas se beijaram, e
instantaneamente veio à sua cabeça o beijo trocado com Daniel. Lembrou-se
de como os lábios finos dele acompanharam bem o ritmo dos dela, das mãos
fortes, porém delicadas, de Daniel segurando-a pela cintura e trazendo-a para
mais perto do seu corpo. Por um instante, sentiu que ele a desejava, e se
surpreendeu o desejando. Recordou-se de como Müller tinha um perfume
amadeirado inebriante. Imagens dele foram passando por sua memória,
correndo na frente dos seus olhos: quando ele saíra do banheiro com os
cabelos desgrenhados e molhados, depois como se beijaram rapidamente no
térreo do condomínio. Não demorou para Sophia se recordar de vê-lo deitado
ali, em seu sofá, sem camisa e ereto. Riu pensando na situação que
presenciara. Ao dar por si, estava com um risinho bobo nos lábios e pensando
naqueles olhos de cor indecifrável. Pestanejou, sacudindo a cabeça em
seguida, querendo tirar os pensamentos que ela não sabia explicar. Ajeitou o
travesseiro e recostou a cabeça nele, para no mesmo momento o perfume
amadeirado de Daniel apossar de seu nariz, fazendo-a recordar os
acontecimentos daquele dia de volta à sua memória.
Suspirou e levantou-se, andou até a cozinha e tomou água. Por que
estava pensando tanto nele? Daniel era bonito e educado, sempre fora desde
que ela o conhecera, mas nunca pensara em seu chefe daquela maneira como
vinha acontecendo desde o beijo, há pouquíssimo tempo. Voltou para a sala, e
divisou a camisa social dele jogada ao chão. Pegou a peça e, sem perceber,
levou-a até o nariz, aspirando aquele mesmo cheiro amadeirado do
travesseiro, este, por sua vez, misturado ao cheiro de transpiração.
Que cheiro másculo!
Jogou a camisa longe ao notar o que havia pensado. Desligou a TV,
trocou o travesseiro por uma almofada e deitou-se, tentando, em vão, dormir.

♦♦♦

Daniel despertou aos poucos, sentindo o cheiro de café invadir o quarto.


Virou-se na cama e encarou o cômodo onde estava. A cama box tinha lençóis
brancos e macios, os travesseiros eram fofos e o edredom, aconchegante.
Alguns raios solares penetravam pela cortina fina da janela, iluminando o
quarto parcialmente e indicando o alvorecer. Lembrou-se, então, que dormira
na casa de Sophia. Bocejou, sentando-se na cama, e se levantou segundos
depois; entrou no banheiro, lavou o rosto e molhou os cabelos.
Procurou a sua camisa, mas não encontrou, recordou-se de tê-la deixado
na sala. Buscou a calça, mas também não achou. Divisou sobre a poltrona um
roupão, que não estava ali antes, vestiu-o e caminhou até a sala do
apartamento, e a cada passo o aroma de café sendo passado tomava conta da
casa. Ao chegar viu tudo em perfeita ordem: as cobertas dobradas e os
travesseiros organizados. Um cheiro de limpeza subia no ar. Sophia estava do
outro lado, de costas, arrumando a mesa farta de comida: leite, suco, pães,
bolo, manteiga, torradas, geleia e fruta.
Sophia não conseguiu dormir. Os acontecimentos com o chefe, Daniel
Müller, a deixaram um pouco atordoada e até mesmo envergonhada. Ele a
surpreendendo no banheiro foi uma situação que jamais imaginou que poderia
acontecer. Além do mais, ela vinha pensando nele com mais frequência do que
deveria. Se é que era certo pensar em seu chefe do modo como vinha fazendo.
Ela se perguntava por que ele não saía da sua cabeça. E tudo começou com o
beijo deles. Ou teria sido antes? Para ela não importava.
Tentou dormir, mas o cheiro forte do perfume amadeirado não permitiu,
e o rosto bonito de Daniel tomava conta de seus pensamentos. Quando olhou
no relógio, era quase cinco da manhã, e se assustou de como o tempo tinha
passado tão rápido e nem percebera. Então, levantou e arrumou a sala. Depois
caminhou até seu quarto onde Daniel dormia. Tomou cuidado para não
esbarrar em nada e acordá-lo. Antes de levar a calça social dele para a
máquina e lavar juntamente com as outras peças, deixou um roupão na
poltrona. Pensou que ele poderia acordar no meio da madrugada, ou logo ao
amanhecer, e querer se vestir. Preveniu para que não tivesse seu chefe andando
pela casa apenas de cueca.
Depois que lavou a roupa, Sophia levou para a lavanderia do
condomínio e colocou as peças na secadora. Voltou para o apartamento,
passou as peças e as dobrou, deixando-as sobre a bancada da área de serviço.
Feito tudo isso, olhou no relógio, que marcava sete e meia da manhã.
Foi quando decidiu preparar um desjejum para eles. Bateu a massa de
um bolo e, enquanto assava no forno, correu até a padaria e comprou pão.
Ajeitou a mesa com as coisas que tinha no armário. Certificou-se que estava
tudo arrumado, voltou para seu quarto e viu que ele ainda dormia. Dessa vez,
ele estava de bruços, os lençóis desajeitados, e ela pôde divisar suas nádegas
cobertas pela cueca boxer preta.
Observou-o por um instante e quando deu por si correu até o guarda-
roupa, pegou algumas peças, foi para o banheiro ao final do corredor,
certificou-se que a porta estava trancada e tomou um banho decente. Foi
impossível não se lembrar da cena de Daniel entrando no banheiro, deixando-
a totalmente assustada e surpresa. Talvez, enquanto fosse viva e morasse
naquele apartamento, se lembraria desse episódio constrangedor.
Assim que se trocou, retornou para a cozinha para fazer o café, e quando
terminava de pôr a mesa, ela o ouviu chegar.
— Bom dia — a voz rouca reverberou pelo apartamento, e, somente
agora, notara em como o tom era sexy.
Diferentemente da noite anterior, que usava apenas com o roupão e o
baby doll, Sophia vestia uma calça jeans desbotada e uma camisa regata
branca, delineando bem o corpo e ressaltando seus seios firmes. Os cabelos
estavam bem penteados e presos em um rabo de cavalo. Ela sorriu ao vê-lo.
— Bom dia, Daniel. Espero que esteja com fome, fiz um café da manhã
especial.
— Eu adoraria, Sophia, mas… — Olhou para o próprio corpo — as
minhas roupas, não as encontrei.
— Ah, mas que cabeça a minha, me desculpe. — Foi até a lavanderia,
próxima à cozinha, e voltou com o terno de Daniel muito bem dobrado. — Eu
pus na máquina para lavar e depois levei até a secadora na lavanderia do
condomínio. Ia colocar para você lá no quarto antes de acordar, mas tive um
imprevisto aqui na cozinha e acabei me esquecendo — explicou.
— Você lavou as minhas roupas? — inquiriu, surpreso, pegando as
peças da mão dela.
— Sim, espero que não tenha feito mal. Imaginei que gostaria de vestir
algo limpo hoje de manhã.
Daniel sorriu e agradeceu, sentindo o cheiro de amaciante vindo das
roupas.
— Vá se vestir, quando voltar estará tudo pronto. — Virou-se para a pia
e terminou de passar o café na garrafa térmica.
— Não quero ser abusado, mas posso tomar um banho? — pediu
balbuciando — À noite fez muito calor; transpirei demais.
— Claro, fique à vontade — Sophia respondeu ainda de costas. — Mas
utilize o banheiro no final do corredor, o do meu quarto queimou ontem à
noite. — Virou-se fechando a tampa da garrafa e a pondo sobre a mesa. — Foi
por isso que tive que tomar banho lá e… — Daniel não a deixou terminar sua
frase, já prevendo que ambos se lembrariam da cena embaraçosa que
vivenciaram, e interrompeu:
— Ah, tudo bem. Obrigado. — Desconcertado, bruscamente fez seu
caminho até o fim do corredor.
Era impossível para Daniel entrar naquele banheiro e não vir à mente a
imagem de Sophia nua e espantada. Tentou não pensar naquilo, porém, em vão.
A todo instante, se recordava do corpo branco e magro, dos seios firmes, os
cabelos molhados e embaraçados que, ainda assim, deixavam-na linda, e de
certa forma sensual.
Tirou o roupão e colocou o terno sobre a bancada da pia. Ligou o
chuveiro e entrou, deixando a água escorrer. Ficou imóvel, permitindo apenas
sentir a água quente bater em sua pele, fazendo-o ter uma sensação prazerosa e
relaxante. Nada como um banho quente. De cabeça baixa e olhos fechados, as
lembranças do dia anterior invadiam-no a todo o momento: o jantar, o beijo
deles, Sophia na cozinha, depois, ela nua naquele mesmo banheiro, debaixo
daquele mesmo chuveiro.
Novamente, Daniel pegou-se excitado ao pensar em Sophia, e
praguejou-se por isso. Abriu os olhos para encarar seu membro ereto e uma
vontade imensa de que a loura estivesse ali com ele, a água batendo em seus
corpos enquanto consumavam o pecado carnal.
— Que porra estou pensando? — indagou a si mesmo ao perceber o que
se passava em sua mente.
Mas a vontade estava corroendo-o. Era a terceira vez em menos de 24
horas que ficava excitado e não se satisfazia. Olhou para seu pênis enrijecido,
depois para a porta. Está trancada, encarou a entrada do banheiro por um
breve instante.
Foda-se! Deu de ombros, pouco se importando. Encostou-se à parede do
box, jogou a cabeça para trás e cerrou os olhos. Estimulou-se pensando
eroticamente em sua secretária. Imaginou Sophia com o rosto encostado na
parede, seus corpos unidos e moldados um no outro, o ato do sexo sendo
lentamente realizado com água quente batendo em suas partes, e os sons do
ambiente abafando seus gemidos prazerosos.
Aumentou a velocidade dos movimentos e deu asas á sua imaginação:
agora, Sophia estava sobre sua mesa no escritório. De repente, sentiu um jato
de esperma, grunhiu baixo sentindo o alívio misturado ao prazer. Respirou
fundo e olhou para a própria mão que ainda segurava seu membro.
Que porcaria foi essa? Indagou ao cair da realidade: se masturbara
pensado em sua secretária.
08
INTERESSES

Eles não sabiam como agir perto um do outro. O episódio do banheiro


parecia estar a todo momento entre os dois. Sophia se mostrava mais
confortável diante do chefe, mas Daniel estava inquieto, e só ele sabia o
porquê.
A verdade era que o incidente com Sophia Hornet já havia se apagado
totalmente da sua mente para dar lugar a outro momento mais ainda
atormentador: o fato de ter se masturbado com sua secretária nos pensamentos.
E mesmo que ela não soubesse desse ocorrido, era difícil, e ao mesmo tempo
vergonhoso, encará-la sem se lembrar da sua atitude vergonhosa. Por que justo
ela? Por que não qualquer outra mulher? Eram coisas que Daniel Müller não
conseguia entender.
Os dois estavam à mesa tomando o desjejum. Trocaram poucas palavras
desde que Daniel voltara do banho, falaram apenas do contrato que
precisavam assinar, de algumas reuniões do dia seguinte na empresa, e Daniel
elogiou brevemente o café que Sophia preparara. Depois disso, o silêncio se
fez presente entre eles.
— Já sabe para quando vamos marcar a data da cerimônia? — Sophia
quebrou o silêncio, e o encarava enquanto passava manteiga no pão.
Após bebericar seu café preto e limpar os lábios com um guardanapo de
pano, ele respondeu:
— O mais breve possível. — E completou: — Aliás, quero que marque
um jantar com seus pais. Esse casamento precisa ser real, e para parecer
assim, é necessário oficializar o noivado.
— Claro. Que dia é mais viável para você?
— Quarta à noite está ótimo para mim, e para você?
Ela pensou por um pequeno instante.
— Sim, para mim também está ótimo. Algum lugar em especial para
realizarmos esse jantar?
— Aqui mesmo no seu apartamento está perfeito. Amanhã assino um
cheque em branco para as despesas do jantar. — Terminou seu café, pondo a
xícara sobre o pires.
Sophia concordou com um aceno de cabeça, e acabado seu café,
levantou-se e tirou a mesa. Daniel se ofereceu para ajudá-la com a louça, mas
ela agradeceu e recusou, afirmando que limparia a bagunça sozinha sem
problema algum.
Daniel teria insistido em ajudá-la se não fosse seu celular tocando
estridentemente. Sacando-o do bolso do paletó, divisou a tela piscando um
nome conhecido.

Chamando
Melissa Telles

Daniel se afastou um pouco para atender à chamada, indo para o


corredor do apartamento.
— Oi, Melissa — atendeu sem tirar os olhos de Sophia, de costas para
ele e lavando a louça.
— Dani, querido. Me ligou ontem à noite? Estava na balada com as
amigas, estou chegando em casa agora. A noite foi maravilhosa. Então, o
que queria?
Daniel revirou os olhos, entediado. Ele não precisava saber o que raios
a ruiva estava fazendo para não ter atendido à sua chamada. Ele não se
importava nem um pouco.
— É… eu liguei, sim, mas já consegui me resolver aqui, não se
preocupe.
Não, eu ainda preciso me aliviar decentemente, mas não quero você,
eu quero S…
O quê?
Sacudiu a cabeça bem forte tentando esquecer o que estava pensando.
Nem se deu conta que Melissa continuava a tagarelar do outro lado da linha.
Só voltou à realidade quando ela lhe chamou pelo nome completo:
— Daniel Müller, ainda está aí?
— Ah, sim, desculpe, o que disse?
— Eu disse que você só me liga quando quer me ver.
— E você está certa, eu queria te ver ontem à noite.
— Não quer mais? — perguntou com malícia na voz. — Ainda estou
disponível, bebê.
Daniel mirou Sophia novamente. Lembrou-se de si mesmo no chuveiro
se masturbando e pensando nela. Ele precisava de sexo de verdade, e esteve
quase confinado com uma mulher bonita e sensual. Aquilo que estava sentindo
era normal, certo? Já tinha uns quinze dias desde sua última relação sexual e
seu corpo respondia à sua necessidade, desejando Sophia.
Se eu me aliviar, essa vontade e desejo louco pela minha secretária
vão passar! Concluiu, e se esqueceu, de novo, de Melissa na linha.
— Daniel! — ela gritou fazendo-o tomar um susto.
— Sim, eu ainda quero te ver. Estarei em sua casa dentro de uma hora.

♦♦♦

Antes de deixar o apartamento de Sophia, Daniel pegou a assinatura dela


e também assinou o contrato de casamento. Agradeceu pela estadia e pelo
café, beijou sua bochecha e saiu. Preferiu não pedir desculpa pelo incidente da
noite anterior, achou desnecessário.
Chegou na casa de Melissa no horário combinado. A ruiva o recebeu
com um beijo na boca totalmente fogoso, encaminhando-o para o seu quarto,
enquanto tirava seu paletó e desabotoava sua camisa. Daniel retribuía, mas
não na mesma intensidade. Algo dentro dele estava diferente. Ele e Melissa se
encontravam discretamente há um ano e ele sempre gostara do sexo. Mas
naquele momento, por algum motivo, não sentia tanto anseio em consumar o
ato sexual como antes.
Pensou ser, talvez, pelo fato de ter se masturbado. Mas seria realmente
aquilo? Nunca, nenhuma punheta seria comparável a uma mulher como
Melissa. Então, o que poderia ser?
Sophia!
Arregalou os olhos quando este nome lhe passou pela cabeça. Encarou
Melissa que movimentava sua boca na dele. Daniel precisava de uma vez por
todas tirar aquela loura linda e sensual da cabeça.
Girou o corpo, empurrou levemente Melissa fazendo-a cair na cama
logo atrás. Deitou por cima dela e beijou-a com volúpia. Seu corpo respondeu
ao estímulo do beijo, e ele roçou sua ereção nas partes íntimas dela.
Depositou beijos e chupões intensos pelo pescoço de sua companheira,
descendo até seu colo. Arrancou-lhe a roupa e a viu nua. Nesse momento
apagou Sophia de sua mente e dedicou-se totalmente à mulher ali à sua frente.
E nada mais.

♦♦♦

Sophia respirou fundo encarando seu telefone celular. Era a primeira vez
em quatro meses que ela entraria em contato direto com a família. Ela já
imaginava sua mãe chorando ao telefone e perguntando se estava bem, se
estaria passando fome ou morando na rua. Dona Eva Hornet era a mulher mais
exagerada que Sophia conhecia. Já seu pai, Sebastian Hornet, iria gritar,
exigindo saber onde a filha se encontrava, e então, desembestaria a falar do
contrato com os Guimarães de Orleans, ordenando seu retorno à casa para
firmar a união com Miguel. Talvez ele até já soubesse do noivado dela com
Daniel, por meio de Luiz.
Já seu irmão, Eduardo, superprotetor como era, faria as mesmas
perguntas da mãe e seria até mais dramático e exagerado que ela, ganhando,
assim, o prêmio de pessoa mais exagerada que Sophia conhecia. Isabela, a
irmã mais nova, pouco se importaria com o estado dela. O que ela gostaria
mesmo de saber é se Sophia teve alguma aventura, como caminhar quilômetros
e pedir carona a desconhecidos, acampar cada noite em um lugar, sobreviver
com comida enlatada e racionar alimento. Para Isabela, a irmã não tinha
apenas fugido de casa, mas fora viver um apocalipse zumbi.
Sophia sorriu, pensando na maluquice que era Isabela. Aos 19 anos,
vivia com a cabeça em um mundo imaginário, onde ela gostaria de sair sem
rumo e se aventurar. Mas Eva e Sebastian nunca permitiriam aquilo à filha que
tanto mimavam. E eles estavam certos. Isabela não sobreviveria um dia sequer
longe dos Hornet. Pelo menos ela pensava assim.
Tomou coragem e discou o número de sua antiga casa. Alguns toques
depois, uma voz feminina e conhecida atendeu. Era sua mãe. Sophia esperava
ouvir a voz da governanta, mas ponderou que seu pai a tivesse dispensado por
não poder mais bancar os empregados.
— Oi… mãe — ela disse, finalmente, após ouvir três “alôs” do outro
lado da linha.
Como o esperado, houve um silêncio breve. Eva Hornet processava a
informação que chegava, se perguntando se aquela era mesmo a voz da sua
filha Sophia, ou se seria uma peça de sua cabeça causada pela saudade e a
preocupação com ela, que eram grandes.
— Sophia — sua voz saiu emocionada e quase em prantos —, é você
mesmo, meu bebê?
— Sim, dona Eva, é sua filha do meio, Sophia Hornet.
Ela ouviu um “Oh, meu Deus, eu estava tão preocupada”, seguido de
lágrimas e soluços. Sophia esperou até que a mãe lhe desse o sermão para o
qual se preparara, e depois pronunciou:
— Estou bem, mãe, não se preocupe. Estou ligando por que eu… —
pensou em como dizer aquilo. Seria uma notícia e tanto para Eva Hornet —, eu
vou me casar e meu noivo quer oficializar o noivado com meus pais em um
jantar — disse de uma só vez, sem parar para tomar fôlego.
Houve outro silêncio, dessa vez um pouco mais longo que o anterior.
Sophia conseguia apenas ouvir a respiração da sua mãe, que, provavelmente,
raciocinava sobre a notícia informada.
— Casamento? Sophia, que história é essa?
E pelo jeito, Luiz Guimarães não fora correndo contar a família dela, ou
Sebastian é quem não comentou nada com sua mãe, porque era sempre assim:
Eva era sempre a última a saber de qualquer acontecimento na família. Foi
assim com as apostas nos cavalos, foi assim com a falência e foi assim com o
casamento arranjado entre ela e Miguel. Por que seria diferente naquele
momento?
Sophia contou tudo, desde quando conheceu Daniel até aquele instante.
Claro que teve de inventar uma coisa ou outra, como ter se apaixonado pelo
seu chefe e se envolvido com ele, além de omitir o fato de o casamento ser
apenas um meio para que ambos se beneficiassem.
Após ouvir a história quase verdadeira da filha, Eva ficou feliz e
confortável ao mesmo tempo. Sophia sabia que sua mãe nunca aprovara a
união forçada dela e de Miguel, e agora, sabendo que sua amada filha amava
um homem e se casaria por amor, tendo um lugar digno para morar e sem
precisar ficar pulando de um lado a outro, Eva estava mais do que aliviada.
Parabenizou-a pelo casamento e disse estar muito feliz.
— E o papai, onde está? — Sophia quis saber, depois de muito enrolar
para perguntar por ele, criando coragem.
— Ah, querida, foi ver se conseguia um dinheiro emprestado para
pagarmos o aluguel e não sermos despejados.
Sophia sentiu um aperto no coração. Ela tinha sido uma maldita egoísta.
Fugiu de casa e não se importou em saber como todos eles estavam. Tinha
ciência de que a família perdera a casa para a hipoteca e todos os bens foram
bloqueados por falta de pagamento de muitas dívidas. Mudaram-se para uma
casa locada, e a família sobrevivia com pouco, se comparado ao status que
tinham antes da falência. Ela sabia, ainda, que Eduardo e Isabela estavam
fazendo o possível para ajudar a família. O irmão mais velho trabalhava como
contador, ele nunca se interessou pela empresa dos Hornet e também nunca foi
de acordo em ser sustentado pelos pais. Eduardo sempre gostou de ser
independente, mesmo que não fosse cem por cento.
E isso os ajudava um pouco. Isabela trancou a faculdade e começou a
trabalhar como assistente administrativa, e também ajudava nas despesas
como podia.
Sebastian perdera crédito, Eva a vida toda foi mulher de ficar dentro de
casa cuidando dos filhos e recebendo todo o tipo de regalias. Então, os únicos
que, verdadeiramente, estavam se sacrificando para não deixar os Hornet
morrerem de fome eram Eduardo e Isabela.
E Sophia se sentiu culpada por isso tudo. Se ela tivesse simplesmente
sacrificado sua felicidade para ajudá-los, eles jamais estariam passando por
aquelas dificuldades.
— Me sinto tão culpada por isso — murmurou.
— Oh, querida, não sinta. Seu pai quem nos faliu, não você. E aquele
casamento com o Miguel… eu compreendo que pensou na sua felicidade
— Mas não na de vocês. — Suspirou e passou a mão pelos cabelos
presos, se sentindo culpada.
— Sophia, meu anjo, isso está sendo uma lição para todos nós.
Estamos aprendendo a dar mais valor nas coisas. Eu e Isabela,
principalmente. Gastávamos horrores sem pensar, agora que ela está
trabalhando duro, está econômica e sabe o quanto é difícil ganhar dinheiro
para sair abrindo a mão por aí.
— Eu sei mãe, mas… — teria terminado de protestar se não tivesse
ouvido uma voz masculina gritar do outro lado da linha. Era Sebastian Hornet.
“Eva, cheguei… Quem é ao telefone? Se for o corretor diga que já
consegui o dinheiro e que é para ele parar de ficar como urubu em cima da
carne podre. Amanhã já levarei o dinheiro para a imobiliária. Gente
ambiciosa. Tudo gira em torno dessas malditas notas. Papéis que chamam
de dinheiro”
Sophia estremeceu ao ouvir aquela voz forte. Sebastian Hornet era um
homem rígido. Respeito e medo andavam de mãos dadas quando o assunto era
ele.
— Não, Sebastian. É Sophia.
Quase que no mesmo instante, o telefone foi arrancado das mãos de Eva
para dar lugar a uma voz forte, marcante e autoritária:
— Sophia Hornet, você está muito, mas muito, encrencada, mesmo!

♦♦♦

Oi, pai, tudo bem com o senhor? Comigo está ótimo também, obrigada
por perguntar como fiz para sobreviver esses últimos meses sem o dinheiro
do senhor, obrigada por perguntar se estou bem ou mal, doente ou saudável.
Muito obrigada.
Sophia pensou, mal acreditando que depois de cinco meses fora, o pai a
recebera daquela forma.
— Oi, pai. Eu estou bem, obrigada — bufou, e ouviu uma advertência:
— Olha como fala com seu pai, mocinha. Onde você está? Se está
ligando é porque precisa de alguma coisa. Se arrependeu da bobagem que
fez e quer voltar atrás? Vou ligar imediatamente para o Luiz e informar
que…
— Pai, não! — Sophia quase gritou. E depois eram os outros que só
pensavam nos “papéis que chamam de dinheiro”.
Hipócrita, pensou.
— Eu não me arrependi de nada. Estou ligando para avisar que vou me
casar e quero que vocês conheçam meu noivo em um jantar — avisou sem
rodeios, esperando que ele já soubesse.
E quando Sebastian exprimiu um “como é?” em tom de confusão, ela se
perguntou por que Luiz não contou nada aos Hornet sobre seu casamento com
Daniel.
Como fizera com a mãe, Sophia explicou tudo desde o começo para o
pai, e acrescentou, para que ele concordasse e abençoasse a união deles:
— Falei com Daniel sobre a situação de vocês e ele está disposto a
ajudá-los. Não precisa mais se preocupar com a parte financeira.
Sophia esperava que pelo menos Sebastian se importasse um pouco com
os Guimarães de Orleans, mas não foi isso que aconteceu. O pai se mostrara
mais interesseiro que qualquer outra pessoa. E teve essa conclusão quando ele
proferiu as palavras:
— Quando é o jantar?
09
A RUIVA

Daniel amanheceu em uma segunda-feira com Heitor a lhe atormentar a


cabeça. O mal-educado do irmão invadiu seu quarto aos berros, rindo e
fazendo piada do fato de ele ter saído no sábado à noite e só ter retornado à
casa na madrugada de domingo para segunda.
Logo cedo Daniel teve de ouvir piadas como: “você e sua noivinha
aproveitaram bem o fim de semana”, “esse casamento não é de fachada nem
aqui e nem em lugar nenhum” e “você está se amarrando nessa garota”.
Ele imediatamente se apressou em explicar o ocorrido para o irmão,
antes que ele viesse com mais gozação. Falou do inconveniente com Miguel e
depois que esteve com Melissa o domingo todo. Daniel queria apenas algumas
horas de sexo e nada mais, porém, a garota insistiu que ele ficasse. Então, os
dois assistiram a alguns filmes juntos, almoçaram, e depois de uma rodada de
sexo à tarde, dormiram. Quando Daniel acordou, passava das sete da noite,
quis ir embora, mas Melissa tinha preparado o jantar e não quis recusar a
gentileza. Após o jantar, mais filme e alguns amassos no sofá, e quando Daniel
deu por si estava sendo arrastado para uma choperia, onde teve que aturar o
falatório das amigas dela. Ao fim da noite, deixou-a em casa, e mesmo com
ela insistindo para que ele ficasse, Daniel seguiu para sua casa.
— Você, hein, com essa sua cara de santo pega todo mundo. Já pegou
sua secretária, essa com quem vai se casar?
Daniel ouvia as bobagens do irmão. Estava frente ao espelho ajeitando a
gravata.
— Ela é minha secretária, Heitor Müller. Meu relacionamento com ela é
somente profissional.
— E daí? — O irmão deu de ombros. — Tem muito chefe que come a
secretária. Então, já ou não? Sou seu irmão, pode me contar.
— Não, Heitor — respondeu já sem paciência. — No máximo um beijo
na boca por causa do idiota do ex dela.
— Estão no caminho certo. — Soltou uma gargalhada. — Mas já pensou
em fodê-la? Como ela é? É gostosa pelo menos?
Daniel encarou-o pelo espelho. Aquela conversa foi longe demais.
— Heitor, eu preciso trabalhar — disse virando-se e pegando sua
maleta, desviando do assunto. — E você também, se quer a sua herança. Se
essa semana não começar a cumprir com nosso combinado vou deixar que
perca a sua parte.
— Isso não é justo, Daniel! — protestou.
— Isso é mais do que justo, Heitor. Ah, e antes que eu me esqueça… —
o irmão já estava na porta —, quarta-feira é o meu jantar de noivado. Esteja
presente.
Daniel não esperou por uma resposta e saiu.

♦♦♦

Sophia e Daniel se encontraram numa esquina um quarteirão antes do


edifício da Swiss e chegaram juntos na empresa. Depois de cumprirem com
alguns compromissos, reuniram os funcionários e declararam o noivado.
Müller acrescentou que não gostaria de ouvir nenhum tipo de comentário
maldoso a respeito de Sophia.
— Em breve ela será uma Müller — disse ele. — Terão de tratá-la
como tratam a mim. Não quero ouvir vocês cochichando pelos cantos da
empresa qualquer coisa maldosa sobre Sophia.
Após sua declaração, saiu junto a Sophia, segurando em sua mão.
Ele se sentiu aliviado ao perceber que já não tinha mais pensamentos
eróticos com sua secretária, e deduziu que toda a loucura que passava em sua
cabeça era nada mais que seu corpo respondendo à sua necessidade. Como
tinha se satisfeito com Melissa, tudo voltara ao normal e ele olhava para
Sophia como a profissional que ela sempre foi.
Entraram na sala da presidência e Daniel sentou-se em sua poltrona de
couro, Sophia à sua frente conferindo a agenda dele.
— Qual o próximo compromisso?
— Uma videoconferência com o representante da nossa filial no Canadá.
— A que horas será?
— Dentro de uma hora.
— Ótimo. Já conversou com sua família sobre o jantar?
— Sim, e eles virão. — Sorriu e tornou a olhar para seu tablet.
Daniel puxou a gaveta e tirou seu talão de cheques. Assinou deixando
em branco o espaço para o valor. Estendeu para ela, chamando sua atenção:
— Compre o que precisar para o jantar. Já sabe o que preparar?
— Ainda não. Mas pensei em contratar um buffet. Não sou muito boa
pilotando o fogão — brincou, e Daniel riu brevemente.
— Faça como achar melhor, senhorita Hornet. — Voltou sua atenção ao
computador. — Se não tiver mais nenhum assunto pendente, pode se retirar.
Acatando a ordem, Sophia estava prestes a sair, quando a porta se abriu
e dela surgiu uma mulher ruiva, 1,60 metros, vestida com uma minissaia e
decote extravagante, mostrando os peitos fartos. Atrás, Anabelle entrou, como
se tivesse tentando impedir a entrada da invasora.
— Daniel, querido — passou por Sophia, ignorando-a totalmente.
— Senhor Müller, eu tentei impedi-la de entrar, mas… — a assistente
tentou uma justificativa, mas foi interrompida pela ruiva descarada:
— E impedir por quê, florzinha?
Imparcial, Daniel saiu de trás da sua mesa e caminhou até Melissa.
— Tudo bem, Anabelle, pode se retirar. — Virou-se para Sophia. — Se
eu precisar, eu te chamo, senhorita Hornet.
Sophia ausentou-se da presidência sentindo um pequeno incômodo em
deixar o noivo com a ruiva atirada.
— Melissa, acho que já deixei claro que não gosto quando me procura
na empresa. Eu tenho uma imagem a zelar. — advertiu Daniel, e avaliou suas
vestimentas assim que são deixados a sós.
Sem aviso prévio, Melissa avançou sobre ele e o beijou. Ainda que
surpreso, e mesmo relutante, aos poucos correspondeu à investida da mulher,
enquanto era empurrado até sua cadeira de couro e forçado a se sentar.
Melissa caiu por cima de seu colo sem desgrudar suas bocas, e suas mãos
passearam pelos fios masculinos alourados. De repente, ela para e o olha,
inclinando levemente a cabeça.
— Não entendo, Daniel.
— Não entende o quê?
Ainda em seu colo, se virou para o computador na mesa de Daniel, abriu
o navegador e faz uma busca pelo Google. Clicou sobre um link que é
direcionado à uma página de notícias. Ao abrir o site, Daniel viu sua própria
foto com Sophia, e uma pequena matéria logo abaixo.
A ruiva se voltou a ele, abraçando sua nuca:
— Se está comprometido, por que saiu comigo? E por que me beijou
agora?
Daniel suspirou. E lhe explicou tudo. Conhecia Melissa Telles já há
algum tempo e sabia que poderia confiar nela. Porém, como não havia
consentimento de Sophia em cortar a segunda parte da história, ocultou sobre a
falência dos Hornet, mas alegou que Sophia fora deserdada e por isso também
precisava de dinheiro para sobreviver.
— Então quer dizer que tecnicamente ainda é um homem livre?
— Sim, mas, por favor, Melissa, isso deve ficar entre nós, ok?
A ruiva enrolou os dedos na gravata azul-paetê sedutoramente.
— Isso vai ser excitante. — a voz saiu maliciosa.
— Isso o quê? — Daniel a questionou, confuso.
— Teoricamente eu serei sua amante. — abriu um sorriso safado, puxou-
o pela gravata grudando seus lábios. — E eu quero foder com você aqui, com
sua noivinha por perto.

♦♦♦

Bateram à porta no exato momento em que Daniel terminava de


desamassar seu terno. Melissa retocava seu batom que fora borrado por causa
dos beijos intensos que trocaram. Ajeitou sua minissaia e o decote e prendeu
os cabelos, que também foram soltos.
Daniel permitiu a entrada de quem batia à porta, e sem demora Sophia
surgiu, discretamente avaliando o casal à sua frente. Daniel ajeitava a gravata
enquanto Melissa exibia um sorriso cínico. A ruiva pescou sua bolsa-a-
tiracolo.
— Até mais, Dani. — despediu-se e saiu do mesmo modo que entrou:
ignorando Sophia.
— O que foi, senhorita Hornet? — parecia irritado, talvez nervoso.
— Seu irmão Heitor está aí.
— Há muito tempo?
— Quinze minutos.
— Por que não me avisou antes?
— Sabia que estava ocupado. — a voz saiu firme, e a indireta fora
completamente compreendida.
Daniel a encarou, um pouco envergonhado. Ele costumava ser
reservado, e transar no próprio escritório tinha passado longe disso. Sem
contar que tinha sido uma falta de respeito sem tamanho não só com Sophia,
mas com todos os funcionários do prédio. Além de tudo, todos tinham ciência
de que ele estava noivo de sua secretária. Apresentou-a há pouco como sua
companheira e sem demora já estava se agarrando com outra mulher. Isso
renderia uma boa fofoca e matéria de paparazzi. Corrigiu-se mentalmente,
jurando não mais repetir aquele ato imprudente.
— Peça-o para entrar, por favor.
Emudecida, e talvez incomodada, Sophia acenou e saiu. Segundos
depois, Heitor entrou como um furacão, anunciando aos quatros ventos:
— Vai me dizer que esse tempo todo aqui dentro estava fodendo com
aquela ruiva gostosa?
Daniel Müller sentiu sua cara queimar. Heitor desconhecia a palavra
discrição.

♦♦♦

Como o combinado, Heitor fora até a empresa. Não que ele quisesse
realmente trabalhar, mas era melhor o trabalho do que se submeter a um
casamento ou perder a herança. Depois de gozar de Daniel sobre o irmão
transar no escritório, já que esse tipo de ato não partiria de Daniel Müller,
Heitor conheceu um pouco mais a empresa e o trabalho que realizaria ali. Ele,
o segundo Müller com mais ações, ocuparia o lugar de vice-presidente,
desocupado há dois anos por conta da sua falta de comprometimento com a
empresa. Falta essa que só fora resolvida diante um acordo e interesses
pessoais.
Após acertarem e ambos participarem da videoconferência de Daniel
com o Canadá, os irmãos Müller foram almoçar juntos. Heitor começaria na
semana seguinte, tendo tempo assim para organizar sua nova sala da vice-
presidência, contratar uma secretária e se preparar psicologicamente para
enfrentar o trabalho.
Daniel voltou para a empresa e cumpriu com o restante de seus
compromissos.
O relógio já marcava quase dezoito horas quando bateram em sua porta
e Sophia apareceu, um longo casaco preto cobria por inteiro o vestido azul
que trajava.
— Ainda precisará de mim, senhor Müller? — ainda não havia se
acostumado a chamá-lo pelo primeiro nome.
— Não, Sophia, obrigado. Já está indo embora?
Hornet apenas acenou em positivo.
— Espere um segundo, te dou uma carona.
— Não precisa se incomodar.
— Você é minha noiva, o que as pessoas vão pensar sobre isso? — ele
se levantou, vestiu o paletó e desligou o computador. — Vamos, te deixo em
casa.
Daniel segurou na mão de Sophia. Ela sentiu o calor de seus dedos
subindo por sua mão, sua pele macia tocando a sua fez uma eletricidade
diferente percorrer seu corpo. Os dedos grandes de Daniel envolveram os
pequenos e finos de Sophia. Antes de olhar para seus olhos azuis-esverdeados,
Sophia mirou suas mãos entrelaçadas e apertou a de Daniel levemente,
enquanto caminhavam até a saída da empresa.
Então, de repente, Sophia imaginou Daniel e a tal ruiva juntos, em seu
escritório. E uma vontade de gritar com ele, por ser um cretino idiota, foi
contida em seu âmago.
10
O JANTAR

Não demorou a chegar a quarta-feira, o dia marcado para reunirem os


Hornet em um jantar que anunciaria o casamento de Sophia e Daniel.
Müller dispensou Sophia do dia de trabalho para que ela organizasse o
jantar de noivado que aconteceria logo mais. Sophia preferiu contratar um
buffet para a ocasião, e enquanto os funcionários faziam o trabalho de
preparar os pratos para o jantar, saiu às ruas da cidade para comprar algo
mais apresentável, quem sabe passar no cabeleireiro e também fazer as unhas.
Pegou-se querendo não surpreender a família, mas Daniel. Queria estar bonita
para ele, para que ele corresse seus olhos nela assim como fez com a ruiva em
seu escritório. Sim, ela reparou no olhar dele à garota de cabelos acobreados,
e sentiu-se incomodada.
Pestanejou rapidamente encarando uma vitrine. O que é que eu estou
pensando?
Afastou seus pensamentos e entrou na loja para escolher um traje para
aquela noite.
Depois de comprar uma roupa para a recepção, Sophia foi até a
floricultura e encomendou algumas flores para enfeitar a sala. Seguiu para o
cabeleireiro, e enquanto as pontas de suas madeixas eram cortadas, a manicure
lhe fez as unhas.
Ao final da tarde, Sophia retornou ao seu apartamento, onde já estava
tudo organizado.
Faltavam apenas algumas horas para o jantar, quando ela resolveu ligar
para Daniel. Não sabia por que exatamente ligara para ele, mas surpreendeu-
se ao desejar ouvir sua voz forte.
— Oi, Sophia.
— Já está vindo para cá?
— Vou para minha casa tomar um banho primeiro. Seus pais já
chegaram?
— Ainda não. Não vai se atrasar, não é?
Ele sorriu um pouco do outro lado da linha.
— Não, não irei me atrasar. Até porque estou no horário. Ainda tenho
umas duas horas.
— Eu sei, mas gostaria que você estivesse aqui para recebê-los comigo.
Houve um silêncio repentino por parte de Daniel. Sua quietude
incomodou Sophia, que acreditou ter feito ou falado alguma bobagem. Ela o
chamou uma vez, mas não obtém resposta. Chamou novamente.
— Estou aqui — ele respondeu, parecendo ter voltado de um mundo
distante.
— Você me ouviu?
— Sim. Estarei aí para receber seus pais junto com você.
Ela sorriu fracamente. Ocorreu-lhe uma pequena curiosidade em saber
por que Daniel ficou mudo tão de repente pairando no ar.
— Te espero. — ela desligou, e mordeu os lábios encarando o pacote de
roupa que comprou.
Então, decidiu se arrumar.

♦♦♦

Daniel saiu da empresa mais cedo. Primeiro porque precisava ir para


casa e tomar um banho antes de ir até o apartamento de Sophia para o jantar de
noivado. Segundo, porque um noivado sem alianças, não era um noivado.
Ele não era muito bom para escolher joias, muito menos uma aliança de
casamento, por isso, passou na primeira loja que encontrou. Entrou e solicitou
à atendente que lhe mostrasse as opções que tinha.
Enquanto a funcionária da joalheria lhe explicava os modelos que
estavam postos à sua frente, o celular toca, e reconhecendo o número de
Sophia na tela, pede um minuto à prestativa funcionária para atender a
chamada, se afastando alguns metros:
— Oi, Sophia.
— Já está vindo para cá?
— Vou para minha casa tomar um banho primeiro. Seus pais já
chegaram? — respondeu, e aproveita o instante para olhar a loja ao seu redor.
— Ainda não. Não vai se atrasar, não é?
Subitamente, Daniel olhou no relógio, assustado e acreditando que já
estava atrasado. Ao ver que tinha tempo de sobra, ele riu um pouco. Sophia
provavelmente estava nervosa para o jantar.
— Não, não irei me atrasar. Até porque estou no horário. Ainda tenho
umas duas horas.
— Eu sei, mas gostaria que você estivesse aqui para recebê-los
comigo.
Nesse momento, seus olhos pararam em um determinado local da loja,
numa bela joia brilhante do outro lado do estabelecimento, reluzindo
majestosamente atrás da vitrine. Disperso, caminhou até ela para vê-la melhor.
A joia é um colar de prata, nada muito suntuoso, a peça central se molda em
uma pequena esfera que brilha intensamente por conta do metal nobre. Apesar
da simplicidade, o adorno atraiu a atenção de Müller, e ele, por alguma razão,
achou que ficaria lindo em Sophia. Cogitou comprá-lo para dar-lhe de
presente. Divagou por um momento, quando a ouviu chamar seu nome duas
vezes.
— Estou aqui.
— Você me ouviu?
— Sim. Estarei aí para receber seus pais junto com você.
— Te espero — ela respondeu e desligou.
Daniel guardou o celular e se virou para a funcionária.
— Vou querer este colar — solicitou, sem nem mesmo pensar duas
vezes.

♦♦♦

Depois que comprou as alianças e o colar, Daniel seguiu direto para sua
casa, tomou um banho e arrumou-se. Para a ocasião, vestiu uma camisa branca
e gravata azul-marinho listrada em branco. Pôs um colete preto, e por cima
jogou o paletó. Alinhou a calça do conjunto e vestiu um sapato também preto.
Arrumou os cabelos louro, passou uma colônia e ajeitou o paletó no corpo,
olhando-se no espelho. Agarrou as alianças e o colar que comprou e saiu pelo
corredor em direção ao quarto de Heitor.
Ao se aproximar da porta, ouviu gemidos. Estreitou os olhos e se
aproximou mais, quando ouviu uma voz feminina: “Oh, Heitor, eu vou gozar”.
Daniel rolou os olhos. Não se importava se o irmão estava ou não
acompanhado, iria bater à porta do mesmo jeito. E assim o fez.
— Heitor — chamou-o dando uma leve batida na porta.
— Que porra você quer, Daniel? Não vê que estou ocupado? — o irmão
gritou de dentro do quarto, entre gemidos.
— É, eu sei que está ocupado. Só quero te lembrar do seu compromisso
comigo dentro de pouco. Vou te passar o endereço de Sophia por SMS.
Compareça! — exigiu e virou-se, não esperando Heitor responder.
Daniel dirigiu até o apartamento de Sophia. Não sabia se estava ansioso,
nervoso, ou qualquer coisa do gênero. Ele iria oficializar um noivado de
mentira, e aquilo parecia ser pior do que se estivesse, de fato, se casando.
Ao chegar, tocou a campainha e esperou ser atendido. Quando Sophia
abriu a porta, ele praguejou mentalmente: ela estava deslumbrante, e seu corpo
respondeu à beleza diante de seus olhos.
Os olhos de Daniel passearam rapidamente por Sophia, e, interiormente,
sentiu-se estremecer por sua beleza. Ela estava linda. Trajava um vestido
salmão sem alças, que batia acima dos joelhos, com um charmoso cinto preso
à sua cintura, uma jaqueta de couro preta, meia-calça e sapato de salto estilo
boneca, ambos pretos. Os cabelos estavam presos pela metade, formando um
elegante topete no alto de sua cabeça; alguns fios rebeldes estavam soltos, o
que a deixava sexy. A maquiagem era leve e ressaltava seus olhos verdes.
Ao vê-lo, Sophia abriu um pequeno sorriso e se aproximou para lhe
cumprimentar com um beijo no rosto. Seu perfume adocicado de baunilha o
extasiou, e ele retribuiu o cumprimento, tentando afastar seus pensamentos
impuros da cabeça.
— Está deslumbrante, senhorita Hornet — elogiou analisando-a
rapidamente.
Sophia sorriu e também o avaliou.
— Digo o mesmo, senhor Müller. Adorei o colete. — bom humor exala
de sua voz, e os dois riram brevemente antes de, finalmente, Sophia convidá-
lo para entrar.
— A que horas seus pais chegam?
— Dentro de meia hora. Sente-se — ela indicou o sofá.
Os dois se sentaram um ao lado do outro. Daniel se sentiu incomodado
com a gravata e tentou ajeitá-la, resmungando entre sussurros. Sophia reparou
em sua dificuldade e prestou ajuda, para a surpresa de Daniel.
— Espera, eu te ajudo.
Seus dedos pequenos e delicados se movimentaram com graça, roçando
vez ou outra em seu peito, enquanto a Hornet seguia refazendo e ajeitando o nó
da miniforca, como Daniel apelidou o apetrecho. Ele permitiu que seus olhos
se fixassem na loura, observando-a com atenção, depois, os direcionou para
seus graciosos dedos ao sentir o toque macio em sua pele. Ao terminar, eles se
olharam por um momento, e sem perceberem um sorria para o outro.
Tão próximo dela, Daniel reparou como seus olhos verdes são grandes e
brilhantes, e em contraste com sua pele branca e o cabelo amarelo chamam a
atenção de qualquer um. Sua boca naturalmente rosada e seu porte pequeno,
perto de 1,63 metros, deixam-na mais atraente do que qualquer pessoa.
— Obrigado — agradeceu quebrando o momento.
— Não é nada.
Houve um pequeno momento de silêncio entre os dois. Sophia olha para
o chão e estrala os dedos, sem saber como agir ou que lhe dizer. Ela consegue
sentir o perfume masculino e forte de Daniel impregnado no ar, o que a fez
sorrir brevemente, recordando-se de outros momentos e ocasiões que ele
havia usado a mesma colônia.
Daniel retirou o celular do bolso e deslizou a tela, mesmo sem abrir
aplicativo algum, ele simplesmente vai passando a tela, ocupando sua cabeça,
também não sabendo como agir enquanto espera pela família de Sophia.
Sem esperar, Sophia o puxou pelos punhos e o encaminhou pelo
apartamento para lhe mostrar como tudo estava ajeitado para o noivado. Um
modo de ter o que fazer até seus pais chegarem. Mostrou-lhe a mesa
elegantemente posta, os arranjos de flores espalhados pela sala, o cheiro da
comida pairando no ar, as músicas que ela selecionou para a ocasião e que
tocavam ao fundo em um volume agradável.
— Está perfeito, Sophia — Daniel elogiou, voltando ao sofá.
Sentando-se a seu lado, ela concordou com um meneio de cabeça. Só
esperava que os pais achem o mesmo.
— E sua mãe? — ela perguntou de repente.
Durante aqueles quatro meses em que conhecia Müller sabia muito
pouco sobre ele, apenas que os pais já haviam falecido.
— Ela morreu quando eu tinha 15 anos. — respondeu e desviou o olhar,
como se quisesse mudar de assunto.
— Eu não sei quase nada sobre você. Quer conversar sobre isso? Seria
estranho se alguém me perguntasse algo sobre sua família e eu não soubesse
responder.
Ele acenou e concordou. Daniel contou um pouco sobre sua família e de
como eles chegaram ao Brasil.
A Swiss Chocolate havia começado nos fundos do quintal dos bisavôs
de Daniel, no final do século XIX. O chocolate bem-feito pelas mãos de seus
antepassados fizera sucesso entre a comunidade em que eles moravam, no
norte da Suíça. A empresa pouco a pouco foi se expandindo, até que em 1936,
já de renome na Suíça, o avô de Daniel conseguiu expandir os negócios além
das fronteiras de seu país de origem, fazendo a marca chegar em terras
brasileiras.
Tradicionalmente, Simon também tomou a frente dos negócios da
família, dando continuidade ao trabalho iniciado. Em 1975, após uma crise na
filial brasileira, e já à frente da empresa, Simon veio ao Brasil para resolver
pessoalmente a questão. Algumas semanas depois, visitando a fábrica, ele se
deparou com uma das funcionárias pelo corredor. De cabelos alourados e
olhos claros, Simon se apaixonou pela supervisora de produção, Laura Ortega.
Os dois se envolveram, e um ano depois se casaram.
Em 1985, em uma viagem de férias, e já grávida de Daniel, Laura entrou
em trabalho de parto e seu primogênito nasceu na Suíça.
— Então você é suíço? — questionou Sophia após ouvir um pouco da
história.
— Tenho nacionalidade dupla, na verdade. Mas vivo no Brasil desde
que tenho um ano e meio de idade. Heitor nasceu aqui, mas por causa do nosso
pai, também tem as duas nacionalidades.
— E como sua mãe morreu? — seguiu perguntando, a curiosidade sendo
maior que ela própria. E ao sentir a delicadeza do assunto, se remexeu no sofá,
incomodada e arrependida em fazer uma pergunta tão íntima e delicada.
Daniel esfregou os joelhos antes de responder.
— Ela vinha tendo muitos problemas de saúde, mas o ápice se deu
quando descobriu um câncer de mama. Já estava avançado e as sessões de
quimioterapia somente a enfraqueciam. Ela parou com os tratamentos porque
não havia mais nada a se fazer por ela. — Sua voz é meio embargada. — Dois
meses depois, ela faleceu.
— Sinto muito — Sophia disse compadecida.
— Tudo bem. São coisas da vida. — Sua voz é baixa.
Por um pequeno momento, Sophia arrependeu-se por ter feito uma
pergunta tão íntima e delicada ao chefe. Sentiu que era um assunto, mesmo de
longa data, que feria Daniel. Afinal, era a morte da mãe – que ele perdeu aos
15 anos de idade. Também lhe faltava o pai, Simon. Perguntou-se se Heitor era
sua única família.
— Então, é apenas você e seu irmão?
— Sim. Quero dizer, temos alguns primos e parentes distantes, mas meu
laço familiar mais forte é com ele. — Sorriu fraco e outra vez esfregou os
joelhos.
Sophia reparou em suas mãos constantemente alisando os joelhos e
deduziu ser sinal de nervosismo. Só não soube explicar se era pelo assunto
abordado ou por causa dos pais dela que chegariam a qualquer momento.
Quem sabe pelos dois motivos. Inconscientemente, levou suas mãos até as dele
e as tocou, o que fez Daniel olhá-la e parar no mesmo momento com seu tique
nervoso.
Eles se olharam, mas Sophia não retesou suas mãos, nem ele se esquivou
de seu toque.
— Vai ficar tudo bem. — disse baixo ainda afagando as mãos sobre os
joelhos. — Seja lá por que esteja nervoso. — Ofereceu um sorriso caloroso e
só então percebeu sua mão na dele.
Cessou o toque bruscamente e desviou os olhos. Ela não notou, mas ele
sorriu pelo canto dos lábios, e interiormente sentiu-se mais tranquilo. Daniel
pensou em algo para lhe dizer, mas a campainha tocou, salvando-o.
Sophia levantou rapidamente e se virou para ele:
— Como estou? — A loura parecia nervosa.
Daniel a avaliou novamente. Ele diria que linda era pouco, que não
encontraria adjetivos suficientes para descrevê-la, para lhe dizer como estava.
— Linda… — disse finalmente, e em retribuição recebeu um sorriso
fraco.
Daniel se levantou e se pôs a seu lado, alinhando o terno. Suas mãos
quase se tocaram enquanto caminhavam até a porta.
Sophia abriu a porta para divisar sua família do outro lado. Eva foi a
primeira a saltar em seu pescoço para abraçá-la fortemente. Daniel
acompanhou a cena um pouco atordoado e desconfortável. Enquanto Eva
matava a saudade da filha, ele desviou seus olhos para os demais no lado de
fora: Sebastian, Eduardo e Isabela, e os cumprimentou com um aceno de
cabeça breve. O pai dela passou por esposa e filha e veio em seu encontro, lhe
estendendo a mão.
— Daniel Müller, prazer em conhecê-lo. Sou Sebastian Hornet, pai de
Sophia.
Daniel retribuiu o aperto de mão caloroso e sorriu.
— Senhor Hornet, o prazer é todo meu.
— Ah, por favor, sem formalidades, me chame de Sebastian.
Daniel acenou e não soube qual o próximo passo a dar. Mas Sophia o
livrou deste peso quando ela o chamou e lhe apresentou sua mãe.
— Encantado, senhora Hornet — ele disse segurando sua mão e a
beijando com respeito. — Agora já sei por que Sophia é tão linda. Vem de
sangue — elogiou alternando o olhar entre Eva e Sebastian.
De fato, os pais de Sophia têm uma beleza de chamar a atenção.
Sebastian é um homem de quase cinquenta anos, mas conservado. Seus olhos
são de um azul intenso e profundo, que destacam mesmo vistos de longe,
cabelos curtos e negros, queixo quadrado e sem barba, alto e magro, e, de
certa forma, elegante. Já Eva, é uma mulher graciosa, de cabelos alourados e
em corte Chanel, olhos castanho-claros e o rosto triangular. Seu sorriso é
acolhedor, e mesmo aos 47 anos, conserva-se jovem, não tendo sobrepeso ou
sinais de envelhecimento. Sophia e Eva poderiam facilmente ser confundidas
como irmãs.
— Espero receber esse mesmo elogio — uma segunda voz masculina
soou atrás dele, Daniel se virou para encarar os olhos verdes-claros de
Eduardo, com um sorriso amigável e irônico nos lábios.
Antes que Daniel pudesse responder alguma coisa, Sophia correu até o
irmão para abraçá-lo.
— Senti saudades, pirralha — Eduardo pronunciou, apertando-a forte
contra seu peito, após bagunçar seus cabelos.
— Eu também, Dudu — murmurou ainda envolvida no abraço de
Eduardo. Afastando-se um pouco, ela o analisou de cima a baixo. Notou que,
em alguns meses, o irmão mudara um pouco o visual que costumava usar antes
de sair de casa. Levemente confusa, arqueou uma sobrancelha, e o interrogou:
— Está deixando o cabelo crescer?
As madeixas de Eduardo são de um tom louro escuro, e quando
compridos formam cachos. Seus fios estavam em um volume médio, e seus
caracóis já eram bem notáveis.
— Cecília gosta — ele deu de ombros e beijou-a na bochecha.
— Quem é Cecília?
— Alguém com quem estou saindo.
— Diz logo que está dormindo com ela — a voz de Isabela se fez
presente e todos arregalaram os olhos.
Assim como os irmãos, Isabela tem os cabelos amarelos, mas não
escuros como os de Eduardo, mas claros como os de Sophia. Seus olhos são
parecidos com os de Sebastian, mas numa tonalidade menos intensa.
Eduardo e Sophia a advertiram em uníssono, e segundos depois estavam
rindo, menos Daniel, que ainda estava desconfortável com a presença de
todos.
Sophia correu para abraçar a irmã caçula, esta que, prontamente,
começou a questioná-la sobre tudo e não parou de falar por um minuto.
— Isabela, calma — Sophia interferiu. — Vamos respirar e me deixe
apresentá-los. — com um pequeno sorriso, se virou para Daniel, que ficara
quieto desde que falou com Sebastian, e fez as devidas apresentações.
— Daniel, meus irmãos Eduardo e Isabela, Dudu e Isa, meu noivo
Daniel.
Seu noivo cumprimentou a irmã mais nova com um abraço e um beijo no
rosto, e não conteve um pequeno riso quando ela disse: “Soph do céu, onde
achou esse homem lindo? E além de tudo dono de uma fábrica de
chocolates! Encontrou o caminho para o Éden Celestial?”. Isabela não deu
atenção às advertências dos pais sobre seu comentário e riu.
Daniel e Eduardo trocaram aperto de mãos e “muito prazer”.
Finalmente, Sophia encarou o pai, ainda cabisbaixa. Respirou fundo e
mesmo hesitante o abraçou.
— Senti sua falta — ela ouviu a voz forte masculina soar ao pé do seu
ouvido.
E de alguma forma, Sophia acreditou em suas palavras. Havia
sinceridade nelas.
— Eu também — apenas disse e cessou o abraço.
Olhou para todos e suspirou.
— Vamos entrar. — convida, e todos entram e se acomodam no sofá.
Eva e Sebastian sentaram próximos, com Isabela logo ao lado. No outro
sofá, Eduardo e Daniel, e não sobrou espaço para Sophia, que se prontificou
em buscar uma cadeira, mas Daniel a interrompeu, levantou-se e cedeu o lugar
para ela. Sophia agradeceu e se acomodou, Daniel sentou-se no braço do sofá,
logo a seu lado. Ele curvou um pouco o corpo e jogou os braços a sua volta.
Por uns vinte minutos, os presentes conversaram, Sophia contou como
fora sua vida nos últimos meses e um pouco de como se “envolveu” com
Daniel. Após ouvir inúmeras reclamações do irmão e da mãe por ela,
praticamente, ter sumido por cinco meses e quase não ter dado notícias, o
assunto logo foi eixado de lado para abordarem outro, Daniel e Sebastian
falaram um pouco sobre negócios, mas não tocaram no assunto sobre a
falência da ConstruHornet, até aquele momento.
— Sophia me disse que estão passando por dificuldades financeiras.
Sebastian acenou brevemente e entrelaçou as mãos.
— Sim. Graças a Eduardo e Isabela não estamos passando fome —
proferiu com sinceridade e olhou para os filhos, que estavam sorrindo
fracamente. — Eu fiz o que pude para nos salvar, mas tudo em vão.
— Arranjou até um casamento para Sophia — Isabela interferiu. —
Devo dizer que nem eu, mamãe e Eduardo sabíamos que ela se casaria pelo
dinheiro — adicionou.
A tensão na sala se fez presente, e Daniel se remexeu no sofá. Ficou
imaginando o que eles pensariam se soubessem que a filha e irmã deles
continuava se casando pelo dinheiro, ainda pensando em salvar a família, mas
com a única diferença que não precisaria cumprir seu papel de esposa.
— Não queria preocupar vocês — se defendeu Sebastian, tentando
manter a voz calma.
— Só ficamos sabendo da falência quando Sophia largou Miguel no
altar. — Isabela continuou como se o assunto não incomodasse a ninguém. —
Mas não passaríamos por nada disso se não fossem as apostas…
— Já chega, Isa — Sophia pediu, e a irmã deu de ombros, calando-se
em seguida.
Sebastian pensou em rebater e justificar de algum modo que não foram
as apostas em cavalos que levaram a família à ruína. Mas pelo olhar que sua
filha do meio lhe lançou, soube no exato momento que não deveria falar sobre
nada daquilo. Afinal, era seu jantar de noivado. Resolveu calar-se por
respeito à Sophia e Daniel. Não queria estragar a noite com assuntos
desagradáveis.
Por fim, Sophia os convidou para jantar e todos se sentaram à mesa
posta fartamente. Enquanto se serviam, a conversa continuou fluindo, e, dessa
vez, Daniel trocou mais palavras com Eva Hornet e ouviu dela desejos de
felicidade para o casamento. Ele contou um pouco sobre sua família e do
falecimento dos pais quando Eduardo lhe questionou sobre eles, por não
estarem presentes.
— Sophia? — Isabela a chamou, e a irmã lhe deu total atenção — Você
está grávida? — disparou de repente.
Simultaneamente Eduardo espirrou todo o vinho da boca, Daniel se
engasgou com um pedaço de peixe, Eva deixou os talheres cair sobre a mesa, e
Sebastian encarou filha e genro com a colher no meio do caminho.
Sophia arregalou os olhos diante da pergunta indiscreta da irmã e ajudou
Daniel a se desengasgar servindo água em seu copo e batendo em suas costas
levemente. Após perguntar se ele estava bem e receber uma resposta positiva,
voltou sua atenção à irmã:
— Não, Isabela! De onde tirou essa maluquice?
— Nada, é que se conhecem há tão pouco e já vão se casar assim, do dia
para noite. Normalmente isso acontece quando a mulher está grávida. Ainda
mais que você sabe como papai é totalmente conservador e tradicional.
— Eu posso garantir que ela não está grávida… — Daniel se recuperou
e limpou os lábios molhados.
Sebastian ainda os encarava, talvez aturdido com a notícia de que a filha
esteja grávida, e por isso prestes a se casar. De fato, ele é um homem de
costumes tradicionais e conservado, Eva tinha sido sua primeira mulher, em
todos os aspectos, e ele a respeitava ao máximo. Seu único defeito era mesmo
o vício em jogos e nunca lhe agradou a imoralidade sexual, nem mesmo com
Eduardo. Claro que Sebastian sabia que nenhum de seus filhos tinham se
reservado para seus companheiros, e isso não o incomodava, desde que não
tivesse conhecimentos das aventuras sexuais deles. Porém, se, realmente,
Sophia estivesse grávida, e mesmo que Daniel assumisse, para o Hornet seria
inaceitável, e, talvez, a convivência com o genro e com a filha se tornaria
pesada.
— Seria legal se estivesse… — Isabela deu de ombros e voltou a
comer.
— Mas eu não estou — assegurou Sophia e olhou para o pai, tentando
convencê-lo de que ela não engravidou fora do casamento. — Nós nos
amamos e por isso vamos nos casar. — Acariciou a mão de Daniel,
procurando que ele confirmasse o que acabara de dizer.
— Não se preocupem, senhor e senhora Hornet. Sou um homem de
palavra e honrado, garanto que a filha de vocês não está grávida. O único
motivo pelo qual estamos nos casando é o amor.
Sebastian apenas acenou, ainda com a cara enrugada. Como que para
salvá-los da tensão do momento, a campainha soou e, ainda atordoada, Sophia
se levantou e atendeu a porta.
— Cunhada! — Heitor gritou e a abraçou, o que a deixou ainda mais
sem jeito.
Ela retribui o abraço vagarosamente enquanto vê Daniel se aproximar,
após pedir licença para se levantar da mesa.
— Está atrasado, Heitor. — advertiu o irmão.
— E você sabe muito bem por quê. — sorriu maliciosamente, e Daniel
revirou os olhos.
Sophia pigarreou e segurou no braço do cunhado levando-o até a mesa.
— Gente, esse é Heitor, irmão do Daniel. Heitor, esse são os meus pais,
Eva e Sebastian, e meus irmãos, Isabela e Eduardo — novamente fez as
apresentações, e enquanto Heitor cumprimentava a todos, ela indicou seu lugar
à mesa: na frente da sua irmã e ao lado de Daniel.
Sophia percebeu quando Heitor e Isabela trocaram olhares. Ela olhou
Daniel, que também pareceu ter percebido.
— Por favor, não se meta com ela — Daniel cochichou em seu ouvido
disfarçadamente.
Heitor não deixou de olhar, e Isabela olhava para o próprio prato.
— Você sabe muito bem como eu gosto de me meter na vida das
mulheres — sussurrou de volta ainda com seus olhos azuis cravados na caçula
dos Hornet.
Daniel suspirou e resolveu não dizer mais nada. Não por enquanto. O
lugar e a ocasião não eram propícios. Mas pararia Heitor antes mesmo que ele
começasse com seus jogos de sedução. A última coisa que gostaria era que a
irmã de Sophia se envolvesse com seu irmão, mulherengo e cretino, pois já
previa que Isabela sairia magoada com Heitor, e, sabendo dos valores
tradicionais e conservadores de Sebastian, o conflito entre eles e a família dos
Hornet seria iminente, coisa que Daniel não queria que acontecesse.
O jantar continuou e a conversa entre eles fluiu naturalmente. De
primeira, Daniel se simpatizou muito com Eva, que era graciosa, calma e
compreensiva. Isabela continuava a tagarelar bobagens que vez ou outra os
faziam rir. Eduardo era mais quieto e reservado e sua conversa era mais com
Sophia. Mas Daniel não deixou de notar seu olhar possessivo em cima de
Heitor. Com certeza, ele também notara a indiscrição de ambos. Rezava que
Sebastian não tivesse percebido.
— Vão querer sobremesa? — Sophia perguntou após o jantar, e todos
confirmaram.
Estava prestes a se levantar para buscar os doces, quando sua
campainha tocou novamente. Sem entender, buscou por Daniel, esperando que
ele dissesse que chamou outra pessoa, mas seu olhar denunciou estar tão
confuso quanto ela.
A porta é aberta para que ela possa encarar um jovem de olhos verdes,
cabelos louro escuro, quase castanho, barba rala e porte atlético. Ele está
sorrindo de lado e corre seus olhos por ela.
— Você está linda, Soph.
No mesmo instante, Sophia empurrou o recém-chegado para fora, indo
junto, e, o encostando contra a parede, sussurrou:
— O que está fazendo aqui, Miguel?
11
CONFUSÃO

Miguel sorria, e parecia não se importar com o modo como foi tratado
pela ex-noiva. A verdade é que ele gostara da maneira que foi recebido. Sentiu
as pequenas mãos femininas tocando seu peito e o empurrando contra a
parede, o cheiro de seu hálito lhe invadiu o nariz – o que era algo bom para
ele – e seu tradicional perfume adocicado de baunilha impregnado em sua pele
exalava pelo ar.
Orleans olhou diretamente para os grandes olhos verdes, um pequeno
riso cínico nos lábios, enquanto sentia o toque macio de Sophia, que parecia
não perceber suas mãos contra o peito largo masculino.
— Isso são modos de me receber? — respondeu finalmente, e levou
suas mãos até as dela, as tocando.
Ao sentir o toque de Miguel, por fim, Sophia se deu conta de que estava
pressionando-o contra a parede e que suas mãos repousavam no tórax dele.
Ela se afastou um pouco, passando a palma pelos cabelos. Respirou fundo
antes de soltar um suspiro exasperado.
— Não vou perguntar de novo. O que está fazendo aqui?
— Fiquei sabendo do seu jantar de noivado. Devo acrescentar que estou
muito chateado por não ter sido convidado?
— Como ficou sabendo? — perguntou com uma pitada de raiva,
ignorando-o.
— Seu pai foi falar com o meu e acabou comentando.
— Então, o senhor Luiz foi correndo lhe contar — deduziu com desdém.
— Meu pai não me disse nada. Eu que ouvi a conversa por trás da porta
— Miguel se explicou e abriu um sorriso malicioso. — Então, vai ou não me
convidar para entrar?
Sophia inspirou fundo outra vez. Fez um exercício mental buscando pela
paciência. Se seu apartamento não estivesse tão cheio de gente, ela o teria
expulsado. Desde que Miguel soube onde estava morando, vinha sendo
inconveniente demais. Já era a segunda vez que a procurava, e ela sentia que
se não desse um basta logo nisso, Miguel não pararia de procurá-la. E Sophia
não queria mais se esconder ou fugir. A cidade, mesmo sendo a maior da
América do Sul, não seria grande o suficiente para Miguel, e, de todas as
maneiras, ele a encontraria.
Abria a boca para lhe falar, quando ouviu um timbre familiar soar pelo
corredor e Daniel surgir em seguida.
— Sophia, por que está… — de súbito ele parou e encarou Miguel.
A expressão de Daniel se fechou no mesmo instante e seus olhos foram
de Miguel para sua noiva, que tinha o semblante tenso. Somente com o olhar,
quase exigia uma explicação para a presença desagradável de seu ex.
Novamente ex e “atual” se encararam, e é Daniel quem se pronunciou
primeiro:
— Por que está aqui? — tentou controlar sua voz, e se perguntou por que
se esforçava para não transparecer sua raiva.
Questionou-se ainda mais por que diabos estava com raiva de Miguel.
Ele não tinha motivo algum para cultivar tal sentimento, exceto que o ex-noivo
de Sophia era um total inconveniente.
— Ah, só vim desejar os parabéns ao casal de pombinhos. — e sorriu
torto.
Daniel agarrou Sophia pela cintura e a puxou para si. Ela ficou
totalmente surpresa e seu corpo deu um leve salto com o susto de ter seu dorso
colidido com o de Müller. As mãos dele envolveram sua cintura, mas a
atenção ainda continuava em Miguel.
— Agradecemos as felicitações. Agora, pode ir embora — disse com os
dentes cerrados.
Miguel não se abalou e continuou a encará-lo.
— Achei que vocês fossem mais educados com as visitas que recebem
— resmungou com um falso desapontamento.
—Tudo bem, Miguel. Entre! — Sophia cedeu abruptamente, e ele abriu
um largo sorriso de satisfação.
Em contrapartida, recebeu um olhar furioso de Daniel, que entrou
novamente pisando firme e deixando os dois sozinhos no lado de fora.
Sophia bufou e o metralhou com seus olhos verdes, virou-se
bruscamente e também entrou. Ao passar pela porta, pela terceira vez,
respirou fundo tentando controlar sua raiva. Miguel infernizaria sua vida até
quando?
Os olhos de todos se arregalaram quando divisaram Miguel entrar logo
atrás.
— Olá… — cumprimentou muito naturalmente como se sua presença
fosse esperada.
Os presentes ficaram surpresos com a visita repentina dele, e Sophia
sentiu todos aqueles pares de olhos em cima dela, quase exigindo uma
explicação de sua parte.
— Miguel está um pouco… muito atrasado. — sua voz tremia enquanto
falava. Se virou para ele e tentou por um sorriso no rosto. — Mas fico feliz
que tenha vindo e esteja superando o acontecido.
— Dizem que o tempo é o remédio para tudo, não é? — e exibiu um riso
convencido nos lábios.
Sophia se segurou para não se irritar e forçou outro sorriso, querendo
disfarçar seu desagrado em tê-lo ali. Acomodou-o na mesa, arrumando outra
cadeira.
Enquanto isso, Miguel cumprimentou os familiares dela e ignorou todas
as vezes que Daniel exasperou impaciente, e quando ele cochichou algo com
seu irmão, mais para irritar do que por educação, Miguel se apresentou a
Heitor, que pareceu também não simpatizar com ele. O que não lhe importou
muito.
— O jantar já foi servido. — Sophia o informou. — Tudo bem se comer
somente a sobremesa?
— Claro — ele assentiu enquanto Sophia se retirava para buscar a
sobremesa, juntamente com Eva que se prontificou a ajudá-la. — Aliás, me
desculpem pelo atraso, estava em um canteiro de obras que estou
acompanhando. A arquiteta solicitou uma reunião fora de hora. Tem um rosto
bonito, mas fala demais — comentou tentando se enturmar.
De volta à mesa, e após pôr travessas, taças e talheres, Sophia reparou
em Daniel com um semblante enrugado. Sua mão tentou alcançar a dele para
acalmá-lo, mas ele se esquivou bruscamente e tomou um pouco da sua água,
sem encará-la.
Culpou-se por ter permitido que Miguel ficasse. De início era para
mostrar a ele como o seu noivado ia de vento em popa, talvez fingir algumas
carícias com Daniel e fazer ciúmes, elogiando seu noivo, ou mentir dizendo
coisas que ele já fez a ela; e Miguel, não. Ponderou que, se seu ex percebesse
que era inútil continuar a procurá-la, pararia de atormentar sua vida.
Mas, pelo jeito, seu plano surtiu efeito contrário, e Daniel ficou irritado.
O porquê ela não sabia. Seria compreensível se fossem noivos de verdade,
mas não eram. Tentou pôr-se no lugar dele imaginando se também ficaria
irritada caso a tal Melissa aparecesse ali.
Enquanto divaga, todos ao redor da mesa se serviram, e Miguel interagiu
com os seus familiares. Ela só volta à realidade quando Eduardo jogou o
caroço de alguma coisa nela e emitiu um psiu.
Sophia encontrou os olhos claros aturdidos.
— O que ele está fazendo aqui? — sussurrou para a irmã mais nova
Sophia virou as palmas para cima e levantou os ombros. Viu o irmão
suspirar e balançar a cabeça negativamente.
— Como está indo a empresa, Miguel? — Sebastian puxou assunto.
— Está ótima, senhor Hornet. Inclusive acabamos de iniciar uma obra na
empresa do querido Daniel Müller — respondeu amigavelmente e encarou
Müller, que continuava com a expressão fechada.
Os dois se olharam, mas Daniel continuou sem dizer nada. Novamente
Sophia tentou se aproximar, e outra vez ele se desviou. Seguiu comendo sua
sobremesa, uma deliciosa salada de frutas, e em silêncio. Todos perceberam
que ele não estava confortável com a presença de Miguel.
— Isso é ótimo — Sebastian continou. — Acredito que em uma obra
numa empresa tão importante como a do Daniel, seja seu próprio pai o
engenheiro responsável. Se eu bem conheço aquele velho Guimarães.
— Na verdade, eu que fiquei responsável pela obra da Swiss — alegou
orgulhosamente, e no mesmo instante sentiu os olhares de Sophia e Daniel
sobre ele. Os de Daniel queimam de raiva, mesmo que ele não soubesse
explicar o porquê, e os de Sophia, de surpresa. Se Miguel era o engenheiro
responsável pelas obras da Swiss, isso significava que ele estaria mais tempo
por perto.
— É uma grande responsabilidade — Sebastian apenas disse.
— Então, para quando é que vocês marcaram a data do casamento? —
Eva desviou o assunto.
— Ainda não marcamos. Iremos ao cartório amanhã, não é, querido? —
Pela terceira vez ela tentou acariciar a mão dele, mas Daniel persistia em
recusar seu toque.
— Sim. Marcaremos para o mais breve possível — Sua voz é meio
seca.
— Já estou até imaginando como a cerimônia será magnífica — Isabela
disse, sonhando acordada, e Eduardo lhe cutucou as costelas rindo em seguida.
Eles tiveram uma breve discussão bem-humorada até Sophia se interpor.
— Será uma cerimônia simples. Nada muito extravagante.
— Aah, Soph!— ela lamentou — Achei que seria melhor que o seu
casamento com o Mi… — Isabela se calou abruptamente quando percebeu o
que ia falar.
Sophia pigarreou e olhou Miguel, que baixou os olhos, talvez lembrando
do momento em que foi abandonado no altar, na frente de metade da cidade.
— Enfim, você planejou um casamento que você queria adiar, por que
não pode planejar um que vai se casar com o homem da sua vida? — a caçula
Hornet continuou, e deu de ombros.
Uma pequena tensão cresceu na sala, e Miguel se remexeu no lugar.
Daniel esboçou um singelo sorriso nos lábios, talvez satisfeito pela tensão nos
punhos do ex dela. Ele não entendia o porquê dessa rivalidade com Miguel.
Na verdade, deveria estar sentindo pena do pobre coitado. Daniel não
consegue e nem quer imaginar como deve ser a sensação de ser abandonado no
altar. Mas por algum motivo ele se sentiu vitorioso em apenas ver o
desconforto de Miguel ante as palavras de Isabela.
— Mas eu quero uma cerimônia simples, Isa — reforçou Sophia.
Ela não queria dizer na frente de Miguel que planejara um casamento
majestoso com ele apenas para ter um pretexto para adiar a data o máximo
possível. Já seu casamento de conveniência com Müller seria simples porque
não queria gastos desnecessários com um casamento que não duraria um ano.
E também porque o casamento dos sonhos dela seria com o homem por quem
realmente estivesse apaixonada.
— Tudo bem. O casamento é seu, faça como quiser — Isabela disse
levantando as mãos em sinal de rendição.
Sophia suspirou, e o silêncio se faz presente outra vez. Subitamente ela
sentiu o calor de uma mão tocando as suas. Olhou Daniel que tinha um
pequeno sorriso nos lábios; sorriu de volta sem se esquivar de seu toque.
É então que ele quebrou o silêncio, levantando-se e retirando do bolso
interno do paletó uma caixinha.
— Senhor Hornet — proferiu olhando para Sebastian —, me concede a
mão de sua filha?
Sebastian acenou com um largo sorriso, e enquanto Daniel tirava as
alianças, todos acompanharam o momento. Ele segurou as delicadas mãos de
Sophia e colocou a aliança em seu anelar direito.
Surpreendida pelo fato de Daniel ter se importado com as alianças, ela
tomou a dele em mãos para deslizá-la pelo seu anelar. Sorriram um para o
outro e Sophia colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. Nenhum dos
dois sabia o que fazer, e mesmo que relutantes, se beijaram brevemente,
encenando o noivado.
Daniel sentiu os lábios finos dela nos seus, um calor percorreu seu
corpo. Os presentes aplaudiram, Miguel com menos animação que os demais,
e eles cessaram o beijo.
Sophia estava levemente corada, e Daniel não soube como agir.
— Vamos fazer um brinde aos noivos — Heitor disse com um sorriso
irônico, se servindo de vinho e levantando a taça.
— Heitor, tem champanhe, seu idiota — Daniel rebateu, e todos
gargalharam.
Sophia buscou as taças, e eles fizeram o brinde.
— Ao casal do ano — Miguel exprimiu levantando sua taça. — E ao
Daniel, para que ele não seja abandonado.
E diante disso, todos ficaram calados.

♦♦♦

Daniel não se importou com seus modos. Nem com a família de Sophia
presente ali. Ele estava dominado pela raiva e por isso não pensou direito.
Quando se deu conta, suas mãos já agarravam o colarinho de Miguel e iam ao
encontro da face dele. O impacto de seu punho fechado no rosto do atrevido
Miguel o fez cair sobre a mesa, e todos se assustaram. A mesa deslizou pelo
piso com o impacto do corpo atlético de Orleans, e ele desabou no chão,
batendo fortemente as costas. Daniel avançava outra vez contra seu oponente,
mas este já havia se levantado, e obstruiu o golpe que acertaria seu nariz.
Torceu o punho de Daniel e acertou um soco no seu olho, que ficou roxo quase
instantaneamente.
Sebastian segurou Miguel enquanto Heitor impediu o irmão de continuar
com as agressões. Mas Daniel estava possesso e se desvencilhou facilmente,
empurrando quem o segurava. Com os cotovelos, e cego pela fúria, Miguel
acertou Sebastian e foi ao encontro de Müller, que também vinha até ele.
Isabela, Sophia e Eva só faziam gritar, pedindo para que os dois parassem
com a briga. Mas em vão.
Segundos depois, Daniel apertava o pescoço de Miguel, este que
revidou com uma joelhada no seu estômago e deu um forte empurrão que o
jogou sobre um armário de portas de vidro com algumas bebidas. O móvel
veio ao chão, e as garrafas se espatifaram. Vidros esvoaçaram para todos os
lados, o piso foi manchado com os etílicos.
Apressadamente, Eduardo e Heitor correram para dominar Miguel, cada
um segurando em um braço, mesmo com ele a esbravejar “me soltem”.
Daniel viu seu inimigo preso e incapaz, levantou-se tomado pela ira e
somente se enxergava socando Miguel. Avançava decididamente, quando
sentiu mãos tentando segurá-lo. Sem se dar conta, desvencilhou-se com um
forte soco, dado com os cotovelos, contra quem o detinha.
O golpe acertou o pequeno queixo de Sophia, que cortou a língua quando
seus dentes colidiram. Caiu sentada no meio da confusão enquanto ainda via
Daniel ir furiosamente em direção a Miguel para agredi-lo.
Ele parecia dominado e não ouvia nem Heitor, nem Eduardo dizendo-lhe
para ter calma.
Subitamente, Daniel sentiu uma mão forte agarrar a gola de sua camisa e
empurrá-lo fortemente contra a parede. Suas costas colidiram contra o cimento
e ele teve quase certeza que seu pulmão sairia pela boca.
Encarou os olhos azuis e furiosos de Sebastian. Voltou a si quando o
ouviu gritar estridentemente:
— Você machucou minha filha, seu grande filho da puta!

♦♦♦

— Acho melhor você ir embora — Eduardo disse a Miguel enquanto sua


mãe ajudava Sophia a se levantar, perguntando se ela estava bem.
A confusão que acontecera ali em sua sala deixou-a com a cabeça
rodando. Heitor e Eduardo seguravam Miguel, que ainda tinha sua íris verde
cheia de raiva. Sebastian prensava Daniel contra a parede, e havia cacos de
vidro e bagunça jogados por todos os cantos.
— Pai, foi um acidente… — Sophia tentou amenizar a situação de
Daniel, sentindo sua língua arder pelo corte. — Ele jamais faria isso em sã
consciência.
Sebastian ouviu a filha e soltou Daniel abruptamente, o encarando com
uma expressão nada amigável. Para o Hornet não importava se foi ou não por
querer. Ele machucou sua filha e era o suficiente para ficar nervoso. Sem
esperar por um segundo, virou-se para Miguel:
— Vá embora, Miguel, já causou muita confusão! — exigiu com sua voz
dura.
Miguel olhou para a mulher que um dia foi sua noiva, e que agora tem
Daniel por perto pedindo desculpas pelo que fez. Respirou fundo, alinhou o
blazer e saiu em seguida pisando firme.
— Sophia, me desculpe. Eu não queria te machucar. Esse Miguel me
tirou do sério! — ele pediu tocando seu queixo e levantando-o para analisar.
— Está tudo bem, Daniel. Sei que foi sem querer.
— Tem certeza? Precisa de um pronto atendimento? Eu levo você.
— Não há necessidade, Daniel, já disse. Eu estou bem.
Müller acenou e suspirou, ainda sentindo a adrenalina correr por suas
veias. Todos na sala continuavam atordoados com a briga deles.
— Por favor, me desculpem pelo meu comportamento. Normalmente eu
sou calmo. Não sei o que aconteceu comigo. Eu realmente não queria causar
essa confusão. — fez uma tentativa de se redimir.
A família de Sophia apenas acenou brevemente, e Sebastian era o único
que mudou sua expressão de atordoado para furioso. Mesmo sabendo que o
que aconteceu foi um acidente, ainda estava nervoso com o ocorrido. Sentiu as
mãos de Eva a afagar seus ombros, e aos poucos foi se acalmando.
— Tem certeza de que está bem? — Sebastian perguntou à filha.
Ela confirmou novamente e disse apenas que cortou a língua. Daniel
continuava sem jeito por tê-la machucado, ainda que tivesse sido sem querer.
Praguejou-se mentalmente por isso. E tudo por culpa do imbecil do Miguel!
Já com todos os ânimos mais calmos, a imagem dele avançando sobre o
Guimarães reprisou em sua mente, e Daniel quase pôde sentir a ira se
concentrar em seus punhos. Raiva essa que não entende por que está sentindo.
Inspirou e expirou fundo para manter a calma.
— Pelo jeito, o jantar acabou — Heitor disse. — Acho que é minha
deixa para ir embora.
— É melhor nós irmos também. — Eduardo olhou para os pais, que
assentiram com um meneio de cabeça.
— Você vem, Daniel? — Heitor perguntou.
— Não. Quero ficar para limpar a bagunça que fiz.
— Não precisa se preocupar, Daniel. Pode ir, se quiser.
— Eu quero ficar — afirmou convicto.
Eles se despediram, e Daniel se desculpou mais uma dúzia de vezes
antes de os Hornet e seu irmão irem embora de vez. Daniel se voltou para
Sophia, que já estava agachada juntando os cacos da louça quebrada. Ele se
aproximou a passos cautelosos e se ajoelhou em sua frente, segurando os
pulsos delicados dela. Seus olhares se encontraram, e os olhos verdes dela
estavam marejados.
— Você está chorando… — murmurou ao notar os olhos úmidos.
Ela fungou e limpou rapidamente as lágrimas teimosas que desciam,
balançando a cabeça.
Subitamente, ela sentiu as mãos de Daniel levantá-la e encaminhá-la até
o sofá. Eles se sentaram, mas Sophia estava com o olhar cabisbaixo, negando-
se a mirar Müller.
— Me desculpe, Sophia. Eu juro que não queria ter te machucado. —
Ele tocou o queixo dela, e ela levantou o olhar.
Os olhos estavam vermelhos, e ele percebeu que Sophia está se
segurava. Abruptamente, ela despencou em prantos e se abraçou a Daniel, que,
hesitante, envolveu-a e afagou seus cabelos, tentando acalmá-la. A cena de vê-
la chorando apertou seu coração; e ele não soube que reação ter.
— A culpa não é sua — declarou em seus ombros, ainda lacrimejando.
— Eu não deveria ter permitido que Miguel ficasse. Sou uma idiota. Eu
estraguei tudo, como sempre — lamentou-se, e molhou o paletó de Daniel com
suas lágrimas.
Ele a afastou e segurou seu pequeno rosto, enxugando as suas lágrimas
com os polegares.
— Não diga isso. A culpa é dele que tem tentado de tudo para nos
provocar — sussurrou para acalmá-la.
Nem percebeu quando a trouxe novamente para seus ombros e acariciou
suas madeixas, ao passo que sentia o coração dela voltando a bater em seu
ritmo normal. A sensação que percorreu pelo corpo de ambos era quase
inexplicável. Sophia sentiu os braços grandes, fortes e calorosos de Daniel
envolvendo-a. Suas mãos acarinhando seus cabelos e seu corpo tão próximo
ao dela a fez sentir-se segura. Daniel era como um refúgio, um porto-seguro,
uma muralha que a protegeria de todo e qualquer mal.
Para Daniel, vê-la frágil daquela maneira, entre seus braços, agarrado
ao seu corpo, despertava nele um sentimento de proteção. Não queria que mais
ninguém fizesse mal a ela. Ao mesmo tempo em que ter a pele macia feminina
resvalando pela sua o deixava em êxtase e confuso. Por que se importava tanto
com o fato de Miguel provocá-los? Deveria apenas ter ignorado os
comentários fúteis dele. Mas algo dentro do seu âmago gritou alto e a vontade
de agredir o inconveniente Miguel o dominou, e ele acabou agindo sem pensar.
— Não está mesmo chateado comigo? — Sophia o despertou de seus
pensamentos. Ela continuava com a cabeça repousada em seus ombros, e suas
mãos ainda afagavam os cabelos dela.
A voz de Sophia parecia mais calma. Daniel teve quase certeza de que
ela não chorava mais.
— Claro que não. Eu não teria porquê ficar chateado contigo —
garantiu, e ela se afastou, encarando-o com um pequeno sorriso.
Daniel levou outra vez seus polegares até o rosto de Sophia e limpou as
últimas lágrimas que caiam. Definitivamente, não gostou de vê-la chorando.
— E você me perdoa por ter te machucado? — sussurrou escorregando
seus dedos até os lábios que incharam um pouco.
Os olhos de Sophia desviaram-se para o polegar de Daniel recostado na
sua boca. Não conseguiu dizer nada e apenas acenou. Inconscientemente, suas
pequenas mãos alcançaram o olho roxo dele e o tocaram levemente. Devido à
dor, ele se esquivou.
— Dói?
— Um pouco — confessou.
— Tenho kit de primeiros socorros.
— Não se preocupe com isso, não é nada.
— Desculpe, senhor Müller, mas você não tem opção. Vou tratar isso aí
— decretou e se levantou, mas foi trazida de volta quando as mãos dele a
puxaram para o sofá outra vez.
— Antes de ir buscar o kit, quero te dar algo.
Sophia o encarou sem entender. Se remexeu no sofá, desconfortável. Viu
quando Daniel tirou uma pequena caixa em formato de retângulo de dentro do
bolso interno do paletó. Os olhos dela brilharam diante da prata pura de um
colar simples, mas totalmente elegante.
— Da… Daniel — ela gaguejou e o olhou, desnorteada.
Ele tinha um sorriso divertido nos lábios quando se levantou e a puxa
pelos punhos, fazendo-a se levantar também. Virou-a de costas para ele e
afastou os cabelos louros, jogando-os para frente. Colocou a joia no pescoço
branco e delicado de Sophia, e os dois se olharam através de seus reflexos no
vidro da janela ali perto.
— É tão linda… — Daniel murmurou, contemplando-a.
Sophia desenhou um breve sorriso; levou as mãos até a singela e
majestosa joia.
— Tem razão. É linda — confirmou segurando o objeto.
Daniel sorriu pequeno e segurou-a em sua cintura. Seus olhares
continuavam a se cruzar através do vidro.
— Eu me referi a você.
12
NOVA CASA

Os olhos verdes de Sophia reluziram brilhantes no reflexo do vidro da


janela logo a sua frente. A voz de Daniel, meio sussurrada, meio rouca,
chegou até seus ouvidos, e as palavras dele se repetiram constantemente em
sua cabeça.
Eu me referi a você.
Eles continuavam a se olhar através de seus reflexos. A mão macia dele
tocava sua cintura, mas ela parecia não perceber. Sophia limpou a garganta e
desviou seus olhos dos dele.
— Vou buscar o kit de primeiros socorros — sussurrou e saiu sem olhar
para trás.
Daniel inspirou fundo e se sentou no sofá, observando a bagunça que
causara no apartamento dela. Garrafas vazias e estilhaçadas pelo chão, o
líquido dos etílicos manchando o piso e o tapete no centro do cômodo, a
estante de portas de vidros que caíra com o impacto de seu corpo contra o
móvel, a louça do jantar jogada por baixo da mesa e esparramada entre a sala
e a cozinha. Bagunça total. E tudo por uma imbecilidade sem significado
nenhum, mas que foi o suficiente para tirá-lo do sério.
Pensou outra vez em por que raios se importou tanto com a provocação
de Miguel. Não sabia ao certo se ele agira dessa forma por Sophia, já que
Guimarães estava a importunando, ou por ele mesmo, já que também estava
sendo importunado. De toda e qualquer forma, não deveria ter agido tão
violentamente, nem sequer se importado. Mas se importou, e agora o resultado
se espalhava pelo apartamento de Sophia. Sem contar seu olho roxo e o
machucado que causou nela.
Idiota, pensou.
Sophia se aproximou sem que ele percebesse, e já retirava algodão e
soro fisiológico. Embebeu o algodão no líquido.
— Posso? — perguntou com a mão no meio do caminho. Daniel
assentiu, e ela terminou o percurso dando leves batidas no ferimento. — É só
para limpar, para que não infeccione ou algo do tipo — explicou enquanto
continua a limpá-lo.
Daniel atentou-se às suas mãos, e quase sem perceber seus olhos se
desviaram para os lábios dela, que estavam um pouco inchados por conta da
cotovelada que recebeu.
— Eduardo vivia chegando em casa com o olho roxo. Minha mãe
sempre colocava um pedaço de bife para amenizar. — Ao ouvi-la, ele a olhou
com um sorriso pequeno. Definitivamente, não queria ter um pedaço de carne
na sua cara. — Não sei se funciona realmente, mas se quiser tentar…
— Não precisa, de verdade. Só quero saber o que acontecerá com isso.
— Outra vez ele levou seu polegar até o lábio inferior machucado. — Eu te
machuquei e estou tão… me sinto culpado.
Sophia abriu um pequeno sorriso. Ela sabia que Daniel não teria
coragem de agredi-la intencionalmente. De repente, a imagem dele golpeando
Miguel veio à sua mente, misturada com irritação e raiva que sentiu quando o
ex dela apareceu ali, no seu apartamento, o modo como ele ficou aborrecido,
até mesmo com ela, por ter aceitado que o seu ex-noivo entrasse e ficasse.
Queria entender o que levou Müller a brigar com Miguel por causa dela.
Talvez ele fosse cavalheiro o suficiente para defendê-la dos insultos do outro,
ou talvez Daniel estivesse irritado porque, de fato, não tinha simpatizado com
ele.
— Está tudo bem. Já disse para não preocupar — assegurou olhando
fixamente para o polegar em sua boca.
— Mas eu me preocupo… — sussurrou de volta.
Sophia engoliu em seco, o coração disparou.
— O que deu em você para brigar com Miguel daquela maneira? —
perguntou finalmente, no intuito de sanar sua dúvida.
Daniel repuxou sua mão e desviou os olhos, as lembranças voltando a
todo momento.
— Ele me irritou, apenas isso. Desde que o conheci, ele vem te
insultando. Só achei que você não deveria ouvir as bobagens que sai daquela
boca. — Explicou-se, mas a verdade era que, talvez, mesmo que fosse parte
do motivo, somente essa desculpa não seria suficiente para tirar a sua
paciência e agredir outra pessoa.
Sophia apenas acenou e levou as mãos à joia que ganhou há tão pouco
do homem a sua frente.
— Você gostou? — Daniel questionou, observando-a.
— Oh, sim. Muito. Não deveria ter se incomodado.
— Não foi incômodo nenhum.
— Obrigada, outra vez. — Suas mãos continuavam a afagar o objeto. —
Não precisava.
— Eu sei — ele disse meneando a cabeça. — Mas quando bati os olhos
nesse colar eu não comprei na intenção de que você precisava dele, mas o
colar que precisava de você. Tenho certeza que em pescoço nenhum ficaria tão
belo quanto no seu.
Sophia se engasgou com a própria saliva e se remexeu. Sentiu as mãos
suarem um pouco, a respiração ficou irregular, e o coração acelerou. Naquele
dia, Daniel estava elogiando-a mais do que o costume.
— Obrigada — sibilou um pouco. Foi a única palavra que conseguiu
encontrar.
Seus grandes olhos verdes se levantaram para encontrar os de Daniel,
azul-esverdeados. Ela se esquivou do olhar penetrante dele, e dessa vez mirou
os lábios finos e naturalmente rosados. A barba rala e dourada contornava o
rosto quadrado, o tórax largo, e a imagem dele sem camisa a atingiu como uma
bala. Então, os acontecimentos do fim de semana vieram à sua memória: o
beijo que trocaram na porta, ele dormindo sem camisa naquela mesma sala,
naquele mesmo sofá, ela sendo surpreendida no banho. Tudo passa
rapidamente diante de seus olhos, enquanto se inclinava para encontrar a boca
dele e sentir outro beijo tentador. Ambos mal perceberam que um estava indo
ao encontro do outro, e mesmo quando novamente seus olhares se cruzaram,
continuavam a se atraírem.
Suas bocas estavam a um centímetro de se tocarem, e Daniel até podia
sentir a respiração irregular de Sophia contra seu rosto.
De repente, o som estridente de um celular tocando quebrou o momento
e desviou a atenção deles. Sophia se afastou, sentindo o coração pulsar e seu
rosto enrubescer.
O celular que tocava, Daniel demorou a entender, era o dele. Retirou do
bolso, olhou para a tela.

Chamando
Melissa Telles

Bufou e revirou os olhos. Ignorou a ligação, desligando o celular. Ele


sempre gostou do sexo com Melissa, mas agora sua atenção estava em outra
pessoa.
Sophia.
— Não vai atender? Pode ser importante — enunciou com o tom de voz
baixo.
— Não é importante — afirmou, e ela só fez acenar. — Sophia — ele a
chamou, os olhos verdes se chocaram com os dele —, vem para minha casa.
Sophia arregalou os olhos, surpresa com a oferta de Daniel. Tudo bem
que provavelmente eles teriam de morar na mesma casa quando se casassem,
mas ainda eram apenas “noivos”.
— Não me julgue mal — se explicou com um sorriso simpático —, mas
não quero que durma no meio dessa bagunça, e amanhã mesmo pedirei a uma
agência que venha realizar a limpeza.
— Daniel, por favor, eu mesma posso limpar. Não se preocupe com
isso.
Daniel a fitou com um olhar sério, o que a deixou incomodada. Seu olhar
duro e ao mesmo tempo sensual fez com que se sentisse desconfortável.
Por que ele ficou chateado com a minha recusa?
— Desculpe, senhorita Hornet — sua voz saiu ríspida —, mas você não
tem opção — ele se levantou e a puxou pela mão. — Você vem comigo —
decretou, e sorriu em seguida.
E Sophia se sentiu mais aliviada.

♦♦♦

— Esse quarto está bom para você? É temporário, eu garanto. Tenho


outros maiores, mas mandarei reformar antes que se instale — Daniel disse,
enquanto Sophia entrava no quarto gigantesco.
Com certeza os dois tinham concepções diferentes sobre grande e
pequeno. O espaço que se abre à sua frente é absolutamente maior que todo o
seu apartamento. Como Daniel pode dizer que existe outros maiores?
Ela se virou para ele, seus olhos brilhando.
— É enorme! — exclamou. — Para mim está ótimo, não preciso de
outro.
— Isso é um quarto de hóspede, e você não é uma hóspede. Então,
mesmo que negue, mandarei reformar o quarto maior, e não discutimos mais
sobre isso.
Sophia exasperou uma lufada com bom humor e cruzou os braços,
imitando uma criança mimada, o que fez Daniel gargalhar. Uma risada gostosa
e irresistível que a fez se render e a obrigou a acompanhá-lo.
— Se você insiste, eu aceito o outro quarto.
Daniel assentiu e adentrou o espaço, colocando uma pequena mala, que
Sophia trouxe de casa, sobre a cama.
— Sinta-se em casa, e se precisar de qualquer coisa pode me avisar.
Meu quarto é o último à direita — informou, e Sophia o agradeceu em seguida.
Daniel a deixou sozinha, e Sophia decidiu tomar um banho. Trancou a
porta do quarto, temendo que acontecer como em seu apartamento. Corrigiu-se
mentalmente quando pensou que não seria tão mal assim. Entrou no banheiro e
quase caiu para trás ao ver como era grande. Ela sempre tivera uma vida
luxuosa e boa, mas aquilo ali ultrapassava qualquer coisa que já tinha tido na
vida.
Havia uma jacuzzi, e Sophia calculou que caberia umas três dela com
facilidade; ao lado, um grande box com uma ducha esplêndida e aquecimento a
gás. Uma pia de mármore, com a bancada também feita da mesma pedra, se
estendia por uns dois metros, acompanhando a parede; um espelho enorme
fixado à parede refletia a sua imagem embasbacada. Abriu a porta do armário
embaixo da pia: escovas de dente ainda embaladas, sabonete líquidos e em
barras, xampu, condicionador, hidratantes e loções. Abriu uma segunda, se
deparou com sais de banho e inúmeros produtos que ela não sabia para que
serviam, mas deduziu que fossem para preparar um banho na jacuzzi.
Encheu a banheira enquanto tirava a roupa e prendia os cabelos. Depois
jogou um daqueles produtos na água, que logo encheu de espuma. Entrou e
deitou-se, relaxando o corpo. Esfregou o corpo, sentiu seu lábio arder um
pouco. Momentaneamente, lembrou-se do toque de Daniel contra sua boca.
Cerrou os olhos quase podendo sentir novamente sua pele macia.
Balançou a cabeça fortemente e voltou a relaxar na água quente. Fechou
os olhos e deixou que as espumas e o cheiro doce de algum produto que ela
colocou ali penetrassem seus poros e limpassem a sua pele.
— Sophia…? — ela ouviu a voz de Daniel e abriu os olhos para divisá-
lo parado à sua frente usando apenas uma cueca box preta.
No mesmo instante, se sobressaltou com a presença inesperada dele;
olhou em direção a porta do banheiro. O que aconteceu com a porta trancada
do quarto?
Como se ele lesse seus pensamentos, Daniel rodou no indicador uma
cópia da chave, com um sorriso malicioso no canto dos lábios.
Ele é o dono da casa, claro que tem uma cópia de todas as chaves.
Ela engoliu em seco e afundou ainda mais seu corpo na água. Daniel
continuava parado a sua frente, e ela não pôde deixar de observar seu corpo
seminu. Os olhos dele estavam brilhando enquanto corriam pelo seu corpo.
Sophia estremeceu e tentou dizer alguma coisa.
— O quê… o que aconteceu? — gaguejou.
Daniel continuava a comê-la com os olhos e em silêncio.
Subitamente, Müller tirou a boxer preta e, mesmo que ela tentasse
desviar, simplesmente observou seu membro.
Sophia estava engasgada e sentiu vontade de levantar e empurrá-lo, dar
um tapa em sua cara e dizer-lhe que é um atrevido e sem-vergonha. Mas
simplesmente não consegue. O desejo de continuar observando-o é maior.
Enquanto lutava com seu interior para obrigar-se a ir embora e romper o
contrato com seu noivo de conveniência, ele entrou em sua jacuzzi e se sentou
na ponta extrema.
Que diabos ele está fazendo? Perguntou a si mesma ainda em choque
com a atitude de Daniel.
Sophia o encarava cada vez mais pasma. Os olhos dele estavam
fechados, e seu semblante era sereno. Daniel relaxou na banheira, e sequer se
importou com a presença dela. Sem esperar, ele a fitou sensualmente, e sua íris
azul-esverdeada queimava em um fogo de volúpia.
— Não se importa se eu ficar aqui, não é? — murmurou, e sua voz sai
rouca e sensual.
Boquiaberta, Sophia não soube o que responder.
— Acho que posso dar um jeito nesse seu ferimento — ele continuou
dizendo com a voz cheia de paixão.
Inclinou seu corpo nu contra o dela, e Sophia se assustou, mas não se
esquivou. O polegar dele tocou o canto de seus lábios, onde estava um pouco
inchado, os dois se encararam em uma explosão intensa, os lábios estavam
próximos um do outro, os olhos, também, e assim, tão perto dele, Sophia notou
como os olhos são completamente sedutores. Daniel exibia um sorrisinho
sedutor nos lábios finos e rosados, ainda a acariciando com o toque de seu
polegar. E, sem que ela note, foi se aproximando da boca suculenta ao passo
que ele também diminuiu o pequeno espaço que separava suas bocas.
De repente, estavam se beijando intensamente.
Os lábios machucados doíam, mas não o suficiente para que pudesse
pará-la. Ao contrário, envolveu suas pernas no quadril largo dele e afundou
seus pequenos dedos entre os fios alourados de Daniel.
Subitamente, Sophia deu um sobressalto na banheira e acordou.
Sozinha.
A água já estava fria contra a sua pele enrugada por causa do tempo
excessivo dentro d’água.
Passou a mão pelo rosto tentando entender o sonho louco que tivera.
Levantou-se e enrolou a toalha no corpo.
Não acredito que sonhei com ele! Repreendeu-se secando as pernas.
Abriu uma terceira porta no armário e encontrou um roupão, que logo foi
envolvido em seu dorso.
Suas mãos tremiam enquanto revirava a mala em busca de uma roupa
confortável para dormir. Encontrou um pijama e se vestiu, deitando em
seguida. A cama era macia, e os edredons são confortáveis e quentes.
O sonho atordoante com Daniel não saiu de sua cabeça, e Sophia não
conseguiu dormir. Seu estômago resmungando também ajudou para que não
pregasse os olhos.
Levantou-se com cautela e destrancou a porta. Quando saiu no corredor,
o silêncio dominava-o. Havia umas duas luminárias que iluminavam
fracamente toda a extensão. Ela o atravessou vagarosamente; logo à frente, viu
um lindo relógio de pêndulo no meio do caminho, marcando quase uma da
manhã.
Desceu as escadas devagar, observando os detalhes da decoração e
arquitetura. Perguntou-se onde seria a cozinha no meio daquela imensidão de
“casa”. Mesmo que estivesse um pouco envergonhada por estar zanzando
pela mansão dos Müller, e se sentisse invadindo a privacidade dele e do
irmão, sua fome falou mais alto e mesmo assim decidiu atacar a geladeira. Até
porque Daniel disse que ela poderia se sentir em casa. Então o faria.
Ponderou voltar e chamá-lo, mas àquela hora ele já deveria estar
dormindo.
Continuou seu trajeto até chegar à sala. Assim que a transpôs, logo viu
uma luz que vinha de algum cômodo próximo dali. Foi-se achegando mais até
que encontrou a cozinha. E junto com ela, Daniel só de bermuda sentado em
uma cadeira, beijando ferozmente a ruiva do outro dia.

♦♦♦

Daniel deixou Sophia acomodada em um dos quartos de hóspedes e


seguiu para o seu. Trancou-se lá dentro e recostou-se à porta, pensando no dia
turbulento que tivera. O olho roxo ainda doía um pouco, e isso o incomodava.
A única coisa que o aliviava era saber que Miguel não saíra ileso da confusão.
Afrouxou a gravata, tirou o restante do terno. Seguiu para o banheiro,
desejando apenas um banho quente. Depois, talvez fizesse um chá, lesse mais
um pouco de O Símbolo Perdido e dormiria em seguida.
A água batendo em sua pele relaxou-o, mas fez arder o ferimento no
olho.
Desgraçado! Praguejou Miguel mentalmente. Terminou seu banho e se
enrolou no roupão.
Já com o corpo seco, selecionou uma bermuda e camisa regata branca e
se vestiu. Pegou seu celular para conferir a hora, e então se lembrou que o
havia desligado por causa de Melissa. Tornou a ligá-lo, e assim que a rede da
operadora voltou, recebeu uma enxurrada de mensagens dela.
Passou os olhos por algumas, lendo rapidamente.
Por que não me atendeu?

Desligou por quê? Está com a noivinha?

Podemos nos ver?

Mas foi a última mensagem que o fez coçar a cabeça.

Irei até sua casa. Mesmo que seja tarde.

Olhou a hora que a mensagem foi enviada: 00h01.


Buscou pela hora atual: 00h32.
Revirou os olhos, deduziu que a ruiva já estaria chegando. Livrar-se-ia
dela assim que ela aparecesse.
Descia as escadas quando a campainha tocou. Do outro lado, lá estava a
mulher. Seus cabelos acobreados reluziam e agitavam conforme a brisa da
noite batia neles. Como de costume, trajava uma saia na altura da metade das
coxas e um top de comprimento até um pouco abaixo dos seios, a bota de
couro e montaria subia até seus joelhos. Para completar o look, um longo
casaco preto, que também a protegia do frio.
— Oi, Dani querido — cumprimentou-o com as mãos na cintura. — O
que foi que aconteceu aí? — Apontou para seu olho roxo.
Seus olhos correram para dentro da casa, em busca de algo. Ou alguém.
— Oi, Melissa. Não acha que está um pouco tarde pra visitas? —
respondeu, ignorando-a.
Melissa o encarou e entrou, passando por ele. Daniel sentiu os seios
fartos esbarrarem no músculo dos seus braços, ele se virou para ela, que
continuava de costas e passando os olhos pelo cômodo.
— E desde quando se importa com horários, amor? Lembro-me com
clareza que já chegou a me procurar muito mais tarde que isso. E eu nunca
questionei. — Voltou-se para ele e sorriu maliciosamente.
Daniel ergueu as sobrancelhas rapidamente diante da afirmativa. E
sequer podia contestar.
— O que você quer? — disparou tentando manter a calma.
E por que estou irritado com ela? Questionou-se, sem entender o
motivo.
Melissa ergueu uma sobrancelha.
— Não está óbvio, querido? — sussurrou e se aproximou mais, quase
colando as suas bocas.
Daniel suspirou. Ele não estava mesmo com ânimo para a ruiva exibida.
— Talvez eu possa cuidar disso aqui para você — murmurou
sedutoramente, levando suas mãos até o machucado, mas foi obstruída quando
Daniel segurou seu punho, impedindo o toque.
— Estou bem. Já cuidei disso — declarou secamente e a soltou.
Melissa suspirou; endireitou o corpo.
— Pois bem, vamos ou não subir para o seu quarto? Eu tenho outros
dotes que você conhece muito bem.
As mãos dela repousaram em seu peito em movimentos de sobe e desce.
Daniel simplesmente não sabia como recusá-la. Já esteve tantas vezes com
Melissa Telles que teve medo de parecer desinteressado caso a negue.
Suspirou e cedeu:
— Tudo bem. Eu só vou preparar um chá e já subimos, pode ser?
Ela concordou e o seguiu até a cozinha.
Daniel encheu uma caneca com água e mergulhou um sachê de mate,
levou-a até o micro-ondas e programou um minuto e meio. Estava de costas,
esperando o tempo acabar, quando sente Melissa abraçá-lo por trás, passando
as mãos macias por seu tórax.
— Melis… — girou o torso para protestar e impedi-la, mas foi calado
com um beijo fogoso por parte dela.
Antes que pudesse reagir, os dedos dela agarram a barra de sua camisa e
a puxaram, tirando o tecido que cobria seu dorso. Daniel ainda estava
desnorteado, mas retribuiu quando seu corpo respondeu ao estímulo dado pela
mulher. Melissa, então, o empurrou, puxou uma cadeira e forçou-o a se sentar,
caindo em cima de seu colo sem desgrudar sua boca da dele.
Os quadris da ruiva movimentavam-se para frente e para trás,
friccionando em Daniel, aumentando, assim, o incentivo em seu corpo.
Daniel, subitamente, parou de retribuir, e ela reparou em como seus
olhos se arregalaram. Melissa separou seus lábios e o fitou, aturdida. Daniel
olhava para um ponto fixo, e ela seguiu seu olhar.
Na entrada da cozinha, Sophia estava parada, olhando para os dois.
— Oi, flor — Melissa disse naturalmente. — Deixa eu adivinhar: você é
a noiva de mentira do Daniel?
— Melissa, por favor — Daniel sussurrou na intenção de censurá-la. —
Essa é a Sophia, Sophia essa é…
— Eu sei. Ela já esteve no seu escritório — a loura interrompeu mais
rígida do que gostaria.
A ruiva arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar que Sophia não
conseguiu decifrar. Só o que a Hornet pensava era de como a garota exibida
sabia sobre seu casamento de conveniência com Müller. Ponderou que, talvez,
Daniel tenha contado a ela, já que, pelo jeito, são íntimos.
— Hum… prazer. Então, Dani, vamos subir? — convidou-o, já
puxando-o pela mão.
— Espera. — Soltou-se da ruiva e mirou Sophia. — Precisa de alguma
coisa?
Ela balançou a cabeça em negativo e fugiu dos olhos claros.
— Só vou tomar uma água e voltar para o meu quarto — mentiu e
caminhou até a geladeira.
— Se precisar de alguma coisa… — Daniel começou, mas foi cortado
antes que pudesse terminar.
— Eu não vou interromper vocês. — Sua voz saiu alta. — Se precisar
de alguma coisa, eu me viro. — Fechou a porta da geladeira segurando a jarra
de água.
Müller acenou brevemente, olhou para Melissa, que o aguardava. Daniel
se levantou, seus olhos não deixaram de correr para Sophia encostada na pia e
pondo água no copo. Recordou-se de como ficou irritado pela presença de
Miguel, e refletiu se ela não estava sentindo o mesmo incômodo por Melissa.
Não… Por qual motivo ela ficaria incomodada com a presença da ruiva?
Pelo mesmo motivo que você ficou com Miguel! Sua consciência acusa.
— Melissa, acho melhor você ir embora.
—Como? — A ruiva estava incrédula com a repentina mudança de
decisão de Daniel.
— Indo embora! — ele bufou. — Sabe, sair da minha casa e voltar para
a sua?
— Achei que tínhamos algo programado para fazermos lá em cima! —
protestou irritada.
Daniel voltou a olhar Sophia, que agora os encarava sem compreender a
cena que via.
— Está me deixando por causa dela? — Melissa apontou o dedo, seu
tom saiu com desdém. — Por favor, Daniel!
— Ela é minha noiva! — defendeu-se.
— De mentira! — acrescentou.
— Ainda é minha noiva, e eu tenho que ter pelo menos o bom senso de
respeitá-la em sua presença!
Melissa levou as mãos até os quadris, pasma com a declaração dele.
Sophia continuava a olhá-los, desnorteada com a consideração de
Daniel. Ele não precisava agir dessa maneira por sua causa, foi combinado
que cada um seguiria com sua vida, poderiam se relacionar com outras
pessoas, desde que discretamente.
E Daniel sabia disso. Ele não deixaria de viver por conta de um
casamento de fachada, nem faria voto de castidade por seis meses até ver-se
separado de Sophia, mas ponderou que o mínimo a fazer era respeitá-la e ser
discreto. Transaria com Melissa outro dia, quando Sophia não soubesse que
estavam juntos.
Isso é discrição! Reforçou mentalmente.
— E desde quando você se importa com isso? Vamos subir e transar
loucamente para essa garota ouvir os meus gemidos e perceber que ninguém te
sacia como eu! E que ela jamais será o tipo de mulher que você gosta! —
Melissa gritou, visivelmente descontrolada por ser enxotada da mansão
Müller.
O sangue de Daniel ferveu, e isso quase o fez perder a cabeça.
Subitamente, agarrou os braços da ruiva e a forçou a andar.
— Saia da minha casa agora! — exigiu cerrando os dentes enquanto
abria a porta e a jogava para fora.
Melissa estava boquiaberta; Sophia, desnorteada.
A mulher expulsa tenta dizer alguma coisa, mas a porta foi batida em sua
cara.
— Daniel Müller! — gritou do lado de fora. — Isso não vai ficar assim!

♦♦♦

Sophia estava sem jeito diante de Daniel. Ele continuava sem camisa,
parado na sua frente pedindo desculpas pelo modo como Melissa a tratou.
— Está tudo bem. Não me importei com nada do que ela disse.
Daniel assentiu brevemente.
— Eu juro que isso não irá mais se repetir. Prometo mais discrição da
próxima vez.
Próxima vez? Ela suspirou incomodada com isso, mas preferiu manter
seu incômodo para si, e apenas concordou.
Apesar do momento desagradável, se sentiu um pouco feliz por Daniel
tê-la defendido. Não uma, mas duas vezes. Primeiro com Miguel; e agora com
Melissa.
Quando ela surgiu na cozinha, e flagrou os dois em um beijo fogoso,
quase sentiu o mesmo que Daniel quando viu Miguel na porta de seu
apartamento. Seus olhos queimaram com a imagem que se desenrolava, e
engoliu a vontade de gritar. O que ainda a deixava confusa. Como Daniel
deveria ter ignorando a presença de Guimarães e não ter dado importância às
provocações dele, ela também deveria ignorar a cena que testemunhava.
Talvez a diferença estivesse nesse ponto. Daniel estava prestes a dormir com
Melissa, já ela apenas recebia os cortejos de Miguel.
Mentalmente tentou afastar seus questionamentos e voltou à realidade
com Daniel a perguntar-lhe:
— Está com fome?
Ainda que tivesse descido para procurar alguma coisa para comer, a
cena presenciada, mais o pequeno escândalo da ruiva, tiraram-lhe a fome. Por
isso, respondeu:
— Não. Eu só desci mesmo para tomar uma água. — Levantou o copo já
vazio e o pôs dentro da pia — Vou me deitar. Boa noite, Daniel — desejou
passando por ele.
Sophia chegou ao quarto e se enfiou por baixo das cobertas macias e
quentes. A luz fraca do abajur foi apagada, ela girou o corpo tentando dormir.
A fome já não existe mais, perguntou-se por que perdera o apetite com o
episódio que presenciou.
Um resumo do seu dia louco passa por sua cabeça em uma retrospectiva
momentânea: imagens da briga entre dos dois homens, ela recebendo o colar
de Daniel e do seu polegar contra o lábio machucado; depois, a forma como
ele se irritou com sua amiga de benefícios por ter sido indiscreta e como ele a
expulsou sem sequer pensar.
Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, e Sophia adormeceu sentindo-
se feliz por Daniel tê-la defendido.
13
O DIA

Um mês depois

Daniel ajeitava a gravata, enquanto o alfaiate conferia suas medidas.


Sentiu uma alfinetada e resmungou, recebendo um pedido de desculpas por
parte do homem. Alinhou o colete no corpo e pôs o paletó. O terno cinza que
mandara fazer para seu “casamento” delineava bem seus contornos, lhe dando
uma aparência mais imponente e sexy. Ajeitou os cabelos pela milésima vez e
dispensou o alfaiate. Olhou no relógio. Em uma hora estaria casado. Em seis
meses, divorciado.
Suspirou, saiu do quarto e desceu as escadas. Lá embaixo, alguns
poucos funcionários de uma empresa corriam contra o tempo para organizar o
jardim que receberia os convidados para o almoço que seria servido.
Como combinado, o casamento seria simples: poucos convidados,
decoração singela, casamento em uma capela ali perto e nada mais. Era
desnecessário tanta gastança para nada.
Enquanto atravessava o jardim extenso em direção ao seu carro, foi
impossível não se indagar se Sophia estava tão nervosa quanto ele. Dispersou-
se de seus devaneios quando seu motorista, já com a porta do passageiro
aberta, desejou-lhe felicidades. Agradeceu pensando em beber alguma coisa
forte para acalmar os nervos, mas não podia.
Por que diabos estou nervoso? É um casamento de mentira, e na lua
de mel provavelmente ficarei assistindo a um filme no meu quarto, sozinho,
enquanto Sophia estará dormindo!
Impaciente, deixou um suspiro exasperado escapar, e olhando pela
janela, observou a paisagem durante o percurso.
Tempos depois, a limusine parou diante da capela, adornada com
simplicidade. Ele desceu e marchou para dentro, encontrando alguns
convidados, inclusive a família de Sophia. Conversou por um tempo com eles
quando viu Heitor chegar. Pediu licença e se retirou, indo ao encontro do
irmão.
— Está atrasado — ele o repreendeu.
— Eu não sou o noivo — rebateu cinicamente com um sorrisinho de
deboche.
— Mas é testemunha.
Heitor revirou os olhos.
— E onde é que está a irmã gostosinha? — sussurrou olhando em torno.
Daniel deu-lhe um murro nos ombros, e Heitor gargalhou.
— Qual é! Ela é testemunha junto comigo.
— E é bom que não passe disso. Já disse que não deve se envolver com
a irmã de Sophia.
— E por que não? Desde quando você controla com quem quero foder
ou deixar de foder?
Daniel bufou enquanto Heitor estava aos risos.
— Não se preocupe. Não sou papa-feto.
— Olha, deixa de defecar pela boca, e vá se preparar, já estão nos
chamando — decretou e lhe deu as costas, indo se posicionar no altar.
Algum tempo passou, e as portas singelas se abriram, revelando uma
Sophia vestida de noiva, envolvendo os braços de Sebastian.
Daniel reparou que, mesmo simples, ela estava linda. O vestido branco
não tinha calda e era feito de corte reto, mas, por ser justo, marcava as curvas
corporais da sua futura esposa por contrato. Os cabelos louros estavam soltos
e ondulados, presos pelo véu levantado, a maquiagem, como de costume, era
leve, mas realçava os olhos verdes fascinantes.
Enquanto ela caminhava até ele, Daniel se lembrou de como fora seu
último mês. Um quarto decente foi reformado para Sophia, e durante as
últimas semanas, ela foi se mudando aos poucos para sua mansão. Deu graças
por nem Miguel, nem Melissa terem aparecido mais para atazanar a vida
deles. Sophia passou os últimos dias planejando o casamento de mentira, mas
que deveria parecer de verdade. Ela até insistiu que somente assinassem os
papéis e nada mais. Porém, Daniel recusou, reforçando que a união deveria
parecer verdadeira.
O bom disso tudo, pensou ele, é que se tonaram grandes amigos.
Ocasionalmente, saíram mais algumas vezes, foram ao cinema e a restaurantes,
e a intimidade entre os dois foi afunilada. Em suas conversas casuais, a loura
sempre arrancava dele suas melhores gargalhadas, assim como Daniel
conseguia fazê-la rir delirantemente. Pouco a pouco, foram descobrindo gostos
em comum, como apreciar um bom vinho, séries e filmes de suspense, terror e
comédia romântica, o hábito da leitura, ainda que ele preferisse ler autores e
gêneros diferente dos dela. Até onde a conhecia, descobrira poucos pontos em
que se divergiam. Enquanto Sophia preferia músicas mais atuais, Daniel tinha
uma preferência singular para clássicos. Ela era mais aberta, sorridente,
enquanto, na maioria do tempo, Daniel era mais reservado e limitava suas
expressões a breves sorrisos.
Mas, nas raras vezes em que Müller se permitiu deixar seu lado sério e
modesto de lado, ela sabia que seu sorriso era completamente contagiante e
encantador.
Com pouco mais de cinco meses que se conheciam, Daniel cativava um
sentimento profundo de amizade por Sophia. Não gostava quando a via
aborrecida com algo, ou de vê-la triste, o que era muito raro, já que Sophia, ao
se tornarem mais próximos, sempre foi de esbanjar alegria. Mas como todo
mundo tem problema, e para ela o maior era seu pai Sebastian e a família
falida, a Hornet sofria por causa disso.
Compadecido, ele adiantou o valor correspondente a cinco por cento
das suas ações – a quantia estabelecida em contrato – para a família dela,
mesmo com uma insistente recusa de Sophia, que insistia em esperar até
estarem casados, assim cumprindo o acordo do contrato deles. Acontece que
Daniel era ainda mais teimoso, e entregou parte do dinheiro diretamente a
Sebastian, que agradeceu infinitamente. Além do investimento que fez na
ConstruHornet, devolveu as ações que anteriormente pertenciam ao patriarca
da família, fechando o acordo de receber metade de todo o lucro até ter seu
capital de giro reembolsado.
Se por um lado a relação de amizade que eles tinham era boa, por outro,
era estranha. No último mês, vez ou outra, eles tinham que trocar carícias em
público, pois eram um “casal”. E isso o deixava, de certa forma, incomodado.
Gostaria de saber se Sophia sentia-se do mesmo jeito. A verdade, talvez, era
que sentir aqueles lábios, as mãos afagando as suas, ou os carinhos que
bagunçavam suas madeixas bem arrumadas, faziam uma estranha sensação
percorrer por seu corpo, que até então não soubera explicar.
Talvez seja apenas desconforto, deduziu para si.
Mas pressentia que esse motivo não saciava a sua dúvida.
Voltou ao mundo real quando Sophia já estava mais perto dele, e
Sebastian a entregava, sorrindo largamente.
Ele segurou em sua mão fria e suada, e a encaminhou até o altar da
pequena capela. A cerimônia começou e uns quarenta minutos depois foram
declarados marido e mulher. As alianças foram trocadas; e o livro do cartório
civil, assinado.
Só então, eles se beijaram.
A mesma eletricidade inexplicável percorreu a corrente sanguínea de
ambos. A vontade que Daniel sentiu era de não parar o beijo; e Sophia
desejava o mesmo.
Mas o beijo foi interrompido pelo som dos aplausos dos convidados.
Sorriram um para o outro desconsertadamente. Ela se enroscou ao braço dele
e caminharam em direção à saída da igreja. Lá fora, uma limusine os
aguardava. Entraram no carro e se sentaram no banco de trás. Sophia não
deixou de sorrir quando viu a palavra “recém-casados” escrita com batom no
vidro traseiro do automóvel, que os guiou de volta à mansão.
Uma pequena confraternização foi realizada entre os presentes, e
algumas horas depois a nova casa de Sophia estava vazia e silenciosa,
enquanto alguns funcionários recolhiam a sujeira do quintal.
Sophia estava estirada no sofá, ainda com seu vestido, quase caindo de
sono, mesmo que ainda fosse sete da noite.
Daniel surgiu da cozinha trazendo duas taças de vinho cheias. Estava
sem o paletó, e as mangas estavam dobradas até a altura da metade de seus
largos bíceps. Ela sorriu brevemente ao vê-lo.
— Quero fazer um brinde de verdade agora — ele disse sentando-se ao
seu lado, estendendo uma taça para ela, e Sophia percebeu que Daniel já
estava um pouco alterado pelo álcool.
Sabe-se lá quanto de vinho já tomou hoje, pensou sorrindo
internamente.
Sophia juntou a sobrancelhas e tomou a taça em mãos.
— Brinde de verdade a quê? — questionou.
— Ao nosso contrato, claro. — Sorriu torto e embriagado.
— Claro — murmurou, levantou sua taça e os dois brindaram.
Daniel tomou o líquido em apenas um gole, enquanto Sophia apreciou
mais devagar a bebida. Quando levantou os olhos, viu Daniel olhando-a, e
sentiu seu rosto corar. Terminou seu vinho e deixou a taça sobre a mesa de
centro.
— Acho que vou subir e tomar um banho. Estou cansada — disse, e ele
acenou concordando.
Ela estava prestes a se levantar, mas a mão de Daniel repousou sobre
seu tórax, impedindo-a de continuar sua ação.
— Espere… — balbuciou, e cambaleante, se levantou para pegá-la no
colo.
— Daniel! — exclamou quando se sentiu segurada pelos braços fortes.
Müller riu e pôs-se a andar, mesmo que ligeiramente trôpego.
— Eu quero fazer isso, por favor, deixa! — pediu com a voz manhosa,
caminhando até as escadas.
— Daniel, você está bêbado, pode me derrubar — Sophia disse
baixinho.
— Eu não estou bêbado! — protestou, mas logo reconsiderou: — Talvez
um pouquinho — assumiu, e Sophia emitiu uma breve risada.
Inconscientemente, ela encostou sua cabeça ao peito dele, enquanto era
carregada escada acima.
A sensação que passou pelo corpo de Sophia era quase inexplicável. Os
braços de Müller eram fortes e, mesmo alcoolizado, manteve sua firmeza,
conseguindo terminar os degraus. Daniel atravessou o corredor em direção ao
quarto dela, e ao chegar, com um pouco de dificuldade, tentou abrir a porta.
Usou como auxílio os pés para dar um pequeno empurrão, após,
desajeitadamente, abaixar o trinco.
— Me deixe descer para ficar mais fácil — Sophia sugeriu e fez menção
de sair de seu colo.
Daniel a apertou contra seu tronco, a impedindo.
— Não vai a lugar algum. Sou homem o suficiente para te carregar e
abrir essa porcaria de porta — resmungou, e deu outro pontapé na porta, que
se abriu; mas com a força que bate contra a parede, voltou e se fechou outra
vez.
— Está bem, Daniel “Sou homem o suficiente para te carregar e abrir
essa porcaria de porta” Müller — zombou da tentativa fracassada e
desastrada dele. E, contagiosamente, Daniel riu.
Outro chute contra a porta e ela finalmente se abriu, o que o pegou de
surpresa. Seu corpo cambaleou para frente, enquanto os dois riam. A cama ali
próxima amenizou a queda de seus corpos caindo sobre o colchão. Sophia
sentiu o impacto do dorso largo e masculino sobre o seu, e mal reparou que
estava deitada sob Daniel, pois os dois riam feito bobos.
— Ai, ai — a loura suspirou, e sem esperar Daniel deitou sua cabeça
sobre o tórax dela.
Ela prendeu a respiração e não soube o que fazer.
— Daniel… — chamou-o
Mas ele apenas resmungou.
Bêbado demais para me escutar!
— Daniel! Eu quero tomar um banho — cochichou e tentou tirar a
cabeça dele de cima do seu peito, mas ele relutou e se acomodou ainda mais
para perto.
Bêbado e teimoso!
Outra tentativa, mas Müller só fez resmungar.
— Daniel, pelo menos se ajeite na cama — murmurou em seu ouvido e
dessa vez foi atendida.
Ainda sonolento, Daniel se endireitou na cama e, com o ajuda dos pés,
arrancou os sapatos. Sophia viu uma pequena brecha para sair de seu aperto e
se levantar, então o fez.
Entrou no banheiro e tomou um banho rápido. Vestiu uma roupa
confortável e voltou para o quarto. E lá estava Daniel: num sono profundo,
sereno e entorpecido.
Em alguns meses, era a segunda vez que o via dormir.
Procurou por edredons e jogou sobre ele. Sentou-se a seu lado e tirou da
gaveta do seu criado-mudo O Símbolo Perdido, que Daniel tanto recomendou
e gentilmente lhe emprestou.
Leu algumas páginas, e até pensou em deixá-lo ali e ir para outro quarto
descansar. Mas ele está bêbado, Sophia! Pensou ainda indecisa, se lembrando
das vezes que Eduardo bebeu além do limite e passou mal. Se isso
acontecesse a Daniel, queria estar por perto para acudi-lo.
Decidida, ela continuou sua leitura. Após três ou quatro páginas, não
percebeu, mas caiu no sono. O livro foi derrubado de seu colo quando se
ajeitou e, sem perceber, deitou sobre o tórax do seu esposo. E os dois
dormiram juntos até o amanhecer.
14
LUA DE MEL

Sono apoderava-se de Daniel, mas um cheiro extasiante e adocicado de


baunilha invadia suas narinas, fazendo-o despertar aos poucos. Ele conseguia
sentir-se suado, e os trajes que usava grudavam em seu corpo, dando-lhe uma
sensação de desconforto. Ao mesmo tempo, sentia o calor humano e uma
respiração quente batendo contra seu rosto, e inconscientemente, perguntou-se
qual seria a origem daquilo.
Abrindo os olhos vagarosamente, quando os primeiros raios de sol
bateram em seu rosto, adentrando pela janela de vidro com as cortinas abertas,
seu corpo deu um salto leve ao se deparar com um corpo feminino ao seu lado.
Sophia?
Atônito, olhou ao redor, se certificando de que não dormira em seu
quarto. Lembrou-se vagamente do dia anterior e de como tinha abusado do
álcool.
Instantaneamente, uma possibilidade aterrorizante passou pela sua
cabeça, e com um puxão repentino descobriu seus corpos. Um alívio percorreu
suas veias ao constatar que estavam vestidos, ele ainda com o terno do
casamento.
Já mais calmo, deitou-se de costas e respirou fundo, encarando o teto, se
perguntando como foi parar ali, no quarto dela, na cama dela, com Sophia
dormindo feito um anjo ao seu lado.
Sua mente era um borrão, a cabeça latejava por causa de uma ressaca.
Ainda assim, forçou-se a lembrar das coisas que aconteceram e que o levaram
à situação presente.
“Quero fazer um brinde de verdade agora”
Sua própria voz ecoou no fundo de sua mente, e a imagem de Sophia
sorrindo e bebendo uma taça de vinho vagarosamente atingiu suas lembranças.
Sem perceber, sorriu pelo canto da boca, e seus olhos se desviaram um
instante para ela, que continuava embalada no sono sereno.
“Daniel!”, agora o timbre doce e soprano de Sophia rebobinou por sua
memória auditiva; ele se lembrou de pegá-la no colo, enquanto ela lhe dizia
para deixá-la no chão, pois estava bêbado e poderia derrubá-la.
Outro sorriso se pôs em seus lábios ao recordar-se de subir as escadas
segurando-a em seus braços. A imagem de Sophia recostando-se no seu peito
passou diante de seus olhos, mas ele não sabia se era sua imaginação
fertilizada pelo álcool ou se de fato aconteceu.
Sem dar atenção a isso, continuou forçando sua memória ao momento
exato de ter chegado ali.
“Não vai a lugar algum. Sou homem o suficiente para te carregar e
abrir essa porcaria de porta”.
Vestígios dele batendo o pé contra a porta de seu quarto ainda
segurando-a nos braços retornaram à sua memória – e uma gargalhada alta
escapou ao se lembrar de Sophia caçoando dele.
Rindo sozinho com suas lembranças, Sophia se remexeu na cama, e ele
se calou instantaneamente.
Olhou-a novamente e ajeitou seu corpo para contemplá-la. Era a
primeira vez que a via dormir, e mesmo com seus cabelos louros embaraçados
e os lábios secos, Sophia continuava linda. Sorriu pelo canto da boca, a mão
dele alcançou alguns fios que caiam pelo seu rosto para afastá-los.
Observando-a enquanto dorme, quase pôde sentir seu corpo colidindo
contra o dela quando, cambaleante e ainda a carregando, caiu sobre a cama
macia. A imagem dos lábios finos e dos grandes olhos verdes de Sophia tão
próximos dele, e seu corpo comprimindo o dela, o atingiram feito um raio
quando suas lembranças se tornaram mais nítidas, e, daí para frente, ele não
precisou de esforço algum para entender como foi parar ali.
Sua memória olfativa o levou ao momento que o cheiro natural de
Sophia, junto com seu perfume tradicional de baunilha, subiu por suas narinas,
e ele sentiu um misto de êxtase e conforto. A sensação boa que percorreu seu
corpo, somada ao álcool que o dominava, o fez pousar sua cabeça sobre o
tórax de Sophia.
Mesmo bêbado no momento, agora Daniel se amaldiçoou por ter
desejado que as mãos pequenas dela bagunçassem seus cabelos, e ansiou
sentir os finos lábios pressionando contra o topo de sua cabeça. Mas Sophia
se esquivou enquanto ele se ajeitava na cama e se rendia ao sono, cansado e
bêbado.
Suspirou pesadamente e se levantou, deixando-a sozinha.

♦♦♦

Sophia acordou e se deparou com a cama vazia. Ela se lembrava


perfeitamente que Daniel dormiu ali, e ao ver o lugar vazio sentiu uma
pequena decepção por ele ter ido embora, sabe-se lá quando. Encarou o lugar
onde ele esteve na noite passada por um instante antes de se levantar
perguntando a si mesma por que raios dormiu na mesma cama que ele.
Após um banho rápido, ela desceu as escadas sentindo seu estômago
roncar. Ao chegar à sala de jantar, se deparou com um Daniel dentro de um
terno preto, sentado no topo da mesa, seus cabelos estavam úmidos, e ele
falava ao telefone celular, fazendo movimentos circulares com o indicador na
borda da sua xícara com chá.
— … não, eu quero que remarque todos os meus compromissos dessa
semana para a próxima. — Um pequeno silêncio, e sentindo a presença dela,
Daniel levantou os olhos em sua direção, oferecendo-lhe um pequeno sorriso,
enquanto Sophia se sentava à mesa posta com um café da manhã farto. — Tudo
bem, esse pode deixar para o próximo mês, entendo que o senhor Vasconcelos
é um homem ocupado. — Daniel a observou rapidamente se servindo com
suco, e quando seus olhares se cruzaram, ele se desviou e voltou a fazer
círculos na borda da xícara. — Sim, Anabelle, obrigado, e até semana que
vem. — Encerrou a ligação e a olhou com um breve sorriso. — Bom dia.
— Bom dia — respondeu após beber seu suco de maracujá. — Não vai
trabalhar essa semana? — questionou após ouvir a conversa.
Bebericou um pouco de seu chá antes de responder.
— Não vamos.
Sua declaração a deixou um pouco confusa.
— Não… vamos? — Arqueou uma sobrancelha pousando seu copo de
suco na mesa.
— Não — reforçou. — Programei uma viagem de “lua de mel” para
nós. — Sorriu fazendo aspas com os dedos.
Sophia estava desconcertada e não sabia o que dizer. Remexeu-se em
seu assento e continuou a preparar um pão integral.
— Hm… isso realmente é necessário?
— Sim — Daniel respondeu prontamente — Primeiro, que casamento
seria o nosso sem uma lua de mel? E segundo, eu preciso de uns dias de folga.
Ela gesticulou em afirmativo mastigando um pedaço da fatia de pão.
— E para onde vamos?
— Comprei passagens para um cruzeiro de Santos a Salvador.
— Ah! — foi tudo que conseguiu dizer. — Parece incrível… — Soou
com pouca animação.
— Anime-se, Sophia. — Ele a incentivou com um sorriso divertido nos
lábios. — Tenho certeza que vai adorar a viagem de quatro dias.
Sophia sorriu brevemente e relaxou. A verdade era que, por mais que já
estivesse acostumada com a farsa do noivado, e agora casamento, ainda se
sentia um pouco receosa com a presença constante de Daniel, desde o
incidente do banheiro em seu apartamento, e depois com o sonho meio erótico
que teve com ele. Ela não podia negar que Daniel é um homem extremamente
atraente. Sua pele levemente bronzeada pelo sol, a barba envolvendo seu rosto
sendo bem aparada – a cada semana variava entre cheia e rala – e sempre
muito bem-feita, as sobrancelhas grossas, e seus cabelos alourados sempre
bem penteados de lado e para trás, em alguns raros momentos, espetados,
deixando-o sexy, mas sem tirar a postura de homem sério e presidente de uma
renomada empresa. Os músculos abaixo de sua pele eram visíveis mesmo
dentro dos seus ternos elegantes e de marca. E Sophia já reparou como saltam
quando Daniel está aflito ou tenso.
O que a deixava atônita e confusa era por que tem toda essa admiração
por ele. Já viveu o suficiente para conhecer homens tão bonitos quanto Daniel.
Miguel é um exemplo vivo: de porte atlético, também tem seus músculos
espalhados pelo corpo, os olhos verdes em contraste com a pele branca e com
os cabelos quase castanhos, o rosto triangular, raramente exibe barba, mesmo
que rala, e as sobrancelhas são finas e bem-feitas.
Então, por que todo esse carisma por Daniel? Por que esse medo de
estar perto dele e sentir a corrente de energia que percorre o seu corpo? Uma
corrente que começou a eletrizá-la há pouco tempo, pois nunca se sentira
dessa maneira na presença de Daniel quando somente mantinham uma relação
profissional.
— Sophia? — A voz dele a trouxe de volta a realidade, e só então
percebeu que estava encarando seu rosto bonito.
Müller sorria de uma forma divertida.
Sophia não conseguiu formar uma palavra ou uma frase coerente para
lhe dizer.
— Admirando minha beleza? — brincou zombeteiro e gargalhou em
seguida, fazendo-a engasgar com o pedaço de pão que mastigava.
— Não… — ela conseguiu se recompor. — Só estou distraída.
— Bom, então faça o favor de retornar ao planeta Terra, pois vamos
ainda hoje para Santos. Nosso navio parte às 14h — Daniel disse com bom
humor terminando seu chá.
— Como? — exprimiu olhando no relógio.
7h30min.
— Esteja pronta às onze horas, senhora Müller — exclamou com um
sorriso e a deixou sozinha outra vez.

♦♦♦

O navio à sua frente era de um tamanho estonteante. Os pequenos


quadrados das janelas dos quartos são inúmeros, e Sophia achava impossível
contá-los. Daniel se aproximou e pôs-se a seu lado, apoiando as malas, que
trazia por baixo dos braços, no chão.
Ele olhou para Sophia que estava observando o navio atracado. Seus
olhos correram rapidamente pelo corpo dela. Sua esposa trajava uma saia
longa azul marinho, que se agitava conforme o vento a atingia, e uma camisa
branca regata, delineando bem seu tronco. Os cabelos estavam soltos, ela
tentava afastá-los do rosto por conta das rajadas de vento, e seus olhos
estavam cobertos por óculos de sol.
— Vai ficar só olhando? — murmurou ao pé de seu ouvido, e ela se
sobressaltou.
— Que susto, Daniel! — exclamou enquanto ele ria de forma
contagiante. — Como é grande esse navio — observou, e olhou para ele que
tinha seus olhos grudados ao majestoso transatlântico parado a sua frente.
Daniel estava casual com sua bermuda branca, tênis e camisa polo e
também óculos de sol.
— Sim, é grande. Vamos entrar?
Enquanto caminhavam, Sophia passou seus olhos por todo o navio e
ficou maravilhada de como cada canto do lugar era esplêndido.
— É sua primeira vez em um Cruzeiro? — Daniel a tirou de seus
devaneios, e quando ela percebeu estavam caminhando por um longo corredor
cheio de portas para todos os lados.
A loura confirmou com um balançar de cabeça. Daniel passou um cartão
magnético na porta, que se abriu segundos depois, revelando um quarto
luxuoso.
Sophia quase se engasgou com a imensidão do cômodo e sentiu sua
garganta ainda mais sufocada quando Daniel entrou e apoiou suas malas sobre
a cama box de tamanho extraordinário.
— É uma suíte presidencial. Digno para uma casal recém-casado, não
acha? — Sorriu discretamente encarando a expressão embasbacada de Sophia.
— Você está bem? — perguntou aproximando-se a passos cautelosos.
—S-sim. — Sophia deixou de divisar o ambiente para encontrar o olhar
de Daniel. — Vamos dormir no mesmo quarto? — indagou totalmente confusa,
já quase sentindo suas pernas tremerem diante da possibilidade.
— Sim, Sophia — respondeu firme, arqueando uma sobrancelha. — O
que pensariam quando eu reservasse dois quartos para um casal em lua de
mel?
Ela engoliu em seco e terminou de entrar no local.
— Eu sei, Daniel, mas não poderia, pelo menos, ter arrumado uma
desculpa para que a gente ficasse em quarto diferentes?
Ele suspirou pesadamente, parece irritado.
— Se não quer a minha presença, eu arrumo outro quarto para mim. —
A impaciência era explícita em sua voz, e ele já estava prestes a sair quando
Sophia o segurou pelos punhos.
Seus olhares se encontraram por um segundo, e as pequenas mãos dela
contornando seu punho enviaram uma energia diferente que percorreu todo seu
corpo, numa sensação prazerosa.
Ela se esquivou rapidamente.
— Desculpe, não era isso que eu queria dizer. Gosto da sua companhia,
mas é que… eu preciso de privacidade — ela se explicou com a voz baixa. —
E você também… — adicionou. — Mas tudo bem, acho que podemos ficar no
mesmo quarto. Não quero que no segundo dia de “casamento” já tenham
motivos para publicar uma matéria sobre nós em uma revista qualquer de
fofoca. — Suspirou passando por ele.
Daniel respirou fundo praguejando-se por ter sido rude. Voltou-se para
ela, caminhando com as mãos dentro do bolso.
— O sofá é grande e parece ser confortável. Pode ficar com a cama.
— Nem pensar, senhor Müller — ela o contrariou com um tom sério,
enquanto desfazia as malas e pendurava suas roupas no cabide. — Vamos nos
revezar e dividir a cama.
Daniel revirou os olhos e se sentou sobre o colchão, a observando.
— Não. Você fica com a cama, e eu, com o sofá. Ponto final — decretou
e cruzou os braços.
Sophia ergueu a sobrancelha e jogou uma das suas camisas na cara de
Daniel, que gargalhou.
— Não ouse me desafiar, Daniel Müller. — Sua voz era carregada de
sarcasmo.
— O que fará, Sophia Hornet? — inquiriu sorrindo largamente.
Subitamente, ela se aproximou e o empurrou contra a cama, montando
sobre os quadris de Daniel, que caiu de costas no colchão macio, aos risos
delirantes. Suas mãos encostaram sobre o peito forte dele enquanto riam por
um segundo. As risadas cessaram, mas os dois não perceberam que se
encaravam seriamente, atrelados demais um ao outro.
Daniel tinha sua atenção presa aos lábios de Sophia, seus olhos
desceram até sua camisa que, com o dorso encurvado, permitia que os seios
dela ficassem um pouco mais à mostra que o normal. A imagem de Sophia nua
no banheiro o atingiu, e ele quase se lembrou com nitidez de como são seus
seios despidos.
Sophia observava como o tronco de Daniel era largo, e a pele, macia.
Os olhos dele estão enigmáticos e um brilho intenso escapa de sua íris.
Inconscientemente, o indicador tocou o bíceps forte, e se manteve concentrada
em como são torneados, de como saltam mesmo sem esforço algum.
Daniel acompanhou o delicado dedo a deslizar pelo seu bicípite, e o
simples toque o deixou ereto. O pequeno corpo sobre o dele, a visão que tem
dos seios médios, somado ao perfume que exala dos cabelos louros e do
pescoço sedoso fazem com que o espaço de sua cueca seja curto demais para
acomodar seu membro pulsante.
Müller cerrou os olhos, tentando segurar sua vontade e ao mesmo tempo
rezando para que ela não sentisse o volume em sua bermuda.
De repente, Sophia recobrou a sanidade e saiu de seu colo. Ela ainda
estava sem jeito quando Daniel se sentou na cama e olhou fixamente para
baixo, em uma respiração curta. Sophia pensou em abrir a boca para dizer
alguma coisa, mas ele já se levantava e alcançava a porta, deixando-a, pela
terceira vez, sozinha.

♦♦♦

Daniel seguiu a passos rápidos até o bar mais próximo no navio. Estava
demasiadamente excitado a ponto de quase enlouquecer. Passando a mão pelos
cabelos, pediu uma tequila e virou, bateu o copo sobre a mesa e solicitou outra
dose.
Bufou, impaciente, sentindo a necessidade da carne. Ponderou que ter
decidido fazer essa viagem foi uma péssima ideia. Sophia era uma mulher
atraente, que o deixava excitado com algumas poucas atitudes, enquanto tantas
outras era preciso muito mais que um simples contato de pele.
Engoliu a bebida e tentou relaxar. Pegou alguns folhetos sobre o balcão
do bar, viu que, na primeira noite, haveria uma festa à fantasia. Decidiu ir e
esquecer Sophia e o poder que ela vinha exercendo sobre seu corpo.

♦♦♦

Daniel havia sumido, e Sophia não fazia a mínima ideia de onde ele
poderia estar. Por um breve instante, ficou preocupada, por causa do modo
atônito que Müller saiu do quarto. Não sabia explicar exatamente o porquê de
sua atitude, mas deduziu que foi pelo fato de ter montado em seus quadris,
como se fossem íntimos a esse ponto.
Idiota, culpou-se em frente ao espelho, enquanto ajeitava os cabelos.
Pensou em pedir desculpas a Daniel assim que o visse.
Estou constantemente pedindo desculpas! Suspirou pegando sua bolsa-
a-tiracolo e saindo do quarto para andar pelo navio.
O lugar era imenso, e Sophia não sabia por onde começar, então apenas
andou. Passou pelo cassino, mas jogos de azar a faziam lembrar das apostas
que levaram sua família à ruína, então, logo se desviou e continuou passeando.
Entrou em algumas lojas, em uma delas havia um cartaz na vitrine anunciando
uma festa à fantasia ainda naquela noite. Pensou em ir, mas lembrou-se que
estava sozinha. Quase. Se Daniel não estivesse com ela. Mas convidá-lo para
ir a uma festa seria estranho. Ou não? Sorrindo para si mesma, decidiu ir,
mesmo que fosse só.

♦♦♦

As luzes piscavam, e o som da batida da música eletrônica soava alto


acima de sua cabeça. Daniel caminhava entre as pessoas com um coquetel nas
mãos, sentindo-se totalmente patético. Era um homem de 29 anos, presidente
de uma grande empresa, fantasiado de bombeiro em uma festa de adolescentes.
Okay… Havia até mesmo algumas pessoas mais velhas que ele, mas pela
maturidade que exalava de Müller, ele deveria estar em uma peça teatral ou
ópera, em vez de uma festa idiota regada a álcool e corpos esfregando nele o
tempo todo.
Do outro lado da pista, uma morena fantasiada de enfermeira sorriu
maliciosamente, e ao percebê-la, Daniel tirou a aliança, guardando-a no bolso
da bermuda, sempre indo ao encontro da mulher que continuava a olhá-lo e a
morder os lábios.
Discrição, Daniel! Reforçou mentalmente. Mesmo casado, havia um
contrato de que ele poderia continuar tocando a sua vida. Então era isso que
iria fazer. Tinha ficado excitado mais cedo e ainda precisava saciar sua
necessidade sexual. Com um pouco de sorte, seria com a morena atirada.
— É o bombeiro mais gostoso que já vi — a mulher murmurou em uma
voz sensual quando, finalmente, estavam próximos. — Christina, muito
prazer…? — Esticou a mão e ergueu a sobrancelha, solicitando seu nome.
— Daniel. — Sorriu de lado e apertou a mão sedosa de Christina. — Eu
me sinto um pouco doente, acha que poderia cuidar de mim? — Ele agarrou o
corpo da morena e o pressionou contra o dele, sussurrando em seu ouvido. Sua
língua desceu rapidamente pelo pescoço dela, eriçando os pelos de Christina.
As mãos dela alcançaram o meio de suas pernas e fizeram uma leve
pressão. Ele retorceu o corpo e se praguejou por se sentir incomodado com o
gesto, em vez de excitado. Se fosse Sophia, provavelmente já estaria ereto só
de olhá-la dentro de uma fantasia de enfermeira.
Para tirá-lo de seu devaneio, Christina o beijou, e por mais que
estivesse relutante, retribuiu, tudo no intuito de tirar a “esposa” da mente. Suas
mãos seguraram a mulher pela cintura, os dois se beijaram com mais
intensidade, enquanto as luzes continuavam a piscar, e a música, a tocar alto
acima deles.
— Ei, acho que preciso apagar o seu fogo — Daniel separou suas bocas
e a encarou com um sorriso.
— Adoraria que apagasse o meu fogo com sua mangueira — ela
murmurou sedutoramente e lhe mordeu o lóbulo da orelha.
Müller sentiu dor em vez de prazer.
Que porra há comigo? Praguejou-se.
— Vamos tomar alguma coisa antes? — convidou e não esperou por uma
resposta, apenas a arrastou até um balcão e pediu duas doses de uísque.
Eles beberam trocando olhares; Daniel pensou seriamente em dispensá-
la, afinal, Christina não despertara nada nele. Nem tesão. Seus olhos correram
pela boate enquanto a voz da mulher ressoava por cima da música elevada,
falando alguma coisa que ele não estava nem um pouco interessado em saber.
Sua atual acompanhante dizia algo sobre ir ao banheiro e que voltava logo.
Desinteressado, Daniel apenas acenou com as mãos, e continuou a observar
em volta.
De repente, seus olhos pararam na entrada do local. Uma mulher
exuberante entrou. Seus cabelos louros estavam soltos, sendo segurados
apenas por dois chifres de Diabo, a maquiagem era um pouco pesada, mas não
deixava de evidenciar seus grandes olhos verdes, o body de couro e vermelho
marcava cada curva dela, o traje não tinha alças, e os seios eram sustentados
pelo bojo que apertava e fazia com que eles saltassem, aumentando
naturalmente o volume. As pernas compridas e as coxas finas eram tampadas
apenas por uma meia-calça fina, também vermelha, e ela estava mais alta por
conta de um salto escarlate.
Sophia!
Os olhos de Daniel se arregalaram diante da imagem, e ele quase se
afogou com a bebida. Sophia entrou na boate olhando para todos os lados e
chamava a atenção de quem notava sua presença. E não era para menos.
Como uma maldição, a imagem da Diaba fez seu pênis ganhar vida.
Enquanto a morena não conseguiu animá-lo com beijos e provocações, a loura
que entrava na discoteca o fez somente com sua fantasia de diabinha,
fertilizando a imaginação de Daniel – e de todos os homens presentes.
Um deles, fantasiado de Capitão Jack Sparrow, se aproximou e esperou
por Sophia no sopé da escada. Daniel observou a cena com uma sensação
estranha circulando todo seu âmago. A mesma sensação que teve quando viu
Miguel na porta do apartamento dela, um mês antes, no jantar de noivado
deles.
Müller estava ciente de que Sophia iria dispensá-lo, mas seu queixo
caiu quando ela sorriu largamente para o homem e segurou a sua mão.
Irracionalmente, Daniel se levantou e caminhou em direção a Sophia e
do Capitão Jack Sparrow a passos decididos, sentindo tanta raiva que pensou
ser capaz de deixar um buraco no chão a cada passada. Seu sangue fervia, e
seus olhos queimaram ainda mais quando o fantasiado envolveu o quadril de
Sophia e juntos foram para a pista de dança.
Quando deu por si, ele já os alcançou e estava empurrando o homem
para longe de Sophia, gritando mais alto que a música:
— Não toca na minha mulher, seu cretino!
15
LUA DE FEL

Sophia saiu da loja de fantasias animada para o baile que seria dentro
de pouco, previsto para iniciar às 20hrs. Andou mais um pouco pelo navio, e
até passou em um barzinho para tomar um drink. Logo ao seu lado, sentou-se
uma morena bronzeada, a qual, sem demora, passou a conversar. Sophia
estava sozinha e precisava de distração, por isso, não se importou muito em
dar atenção à mulher bem-humorada que não parava de falar, mas que tinha
um papo agradável.
Para seu primeiro pedido, optou apenas por uma dose de caipirinha, e
durante os próximos minutos conversando com sua nova companhia, decidiu
ingerir somente uma soda com limão. A conversa fluiu naturalmente, e
quando deu por si, estava sendo arrastada de volta à loja de fantasias e
aconselhada – ou quase obrigada – a levar a roupa de diabinha. De
primeira, Sophia sentiu-se receosa, achou que a vestimenta era extravagante
demais, que isso poderia chamar mais a atenção do que ela realmente
gostaria de receber. Mas a insistência da mulher a convenceu e ela acabou
trocando e pagando a diferença.
Quando o ponteiro do relógio marcou 19h30min, Sophia despediu-se
da mulher, combinando de se encontrarem na boate, e seguiu para seu quarto.
Chegou e não viu Daniel, suspirou querendo saber onde ele estaria.
Aproximou-se mais da cama para deixar as sacolas e encontrou um pequeno
papel autoadesivo amarelo rabiscado com a letra dele.

Irei me divertir. Faça o mesmo.


Daniel
Deixou o bilhete no mesmo lugar e correu para o banheiro, deixando a
água quente relaxar e limpar seu corpo. Olhando-se no espelho, subiu a
meia-calça vermelha e provocante e vestiu o body de couro, que ficou justo
em seu corpo, salientado as curvas. Rodou o corpo 360 graus, observando
como seus seios médios foram aumentados pelo modo como a roupa os
apertou, sustentados pelo bojo do traje sem alça. Sorriu para si mesma
enquanto secava os cabelos e fazia uma escova para ondular as pontas.
Resolveu maquiar-se um pouco mais do que o de costume, e pintou os olhos
de forma a ressaltar sua íris esverdeada.
Ajeitou o arco com os chifres nos cabelos e esborrifou um pouco de
perfume. Encarou-se um segundo no espelho e sentiu-se feliz. Realmente
estava bonita
Saiu do quarto sentindo os olhares de todos sobre ela, mas,
estranhamente, isso não a incomodou, pelo contrário: achou-se linda e
poderosa.
À medida que se aproximava da discoteca, mais o som da batida de
música era nítido. Parou à porta da boate e respirou fundo, sentindo logo
atrás os mesmos olhares de quando saiu do quarto. Suspirou pesadamente,
até pensou em voltar, tirar a fantasia ridícula, trancar-se, pegar o livro que
trouxe e ler. Então, lembrou-se do recado de Daniel:

Irei me divertir. Faça o mesmo.

Por isso, seguiria seu conselho. Estufou o peito inspirando fundo outra
vez e adentrou o local pouco iluminado. Da ponta da escada, pôde ver as
pessoas lá embaixo dentro de suas fantasias. Umas bebiam e dançavam,
outras se beijavam e riam com seus companheiros ou amigos em grupos.
Reparou em uma grande bola espelhada no teto, girando, reluzindo luzes
azuis, vermelhas e amarelas por todo o lugar de altas paredes pretas. Em um
canto qualquer, havia um DJ controlando a luz e a música, e logo a seu lado
uma segunda pessoa que, vez ou outra, acionava um dispositivo para emanar
uma camada de fumaça de forte cheiro adocicado.
Assim que despontou na entrada da boate, novamente, sentiu a atenção
de todos, mas não se importou. Pôs-se a descer os degraus com cautela, já
que seu salto escarlate era maior que o habitual. Observava tudo e todos
atentamente, buscando pela morena com quem conversara e que fora a
responsável por ela estar dentro daqueles trajes. Qual era mesmo o nome da
mulher? Christina? Sim, deveria ser isso.
Seus olhos percorriam o local quando um homem vestido de Jack
Sparrow parou ao sopé da escada com um sorriso encantador. O que a
admirou mais foi a incrível semelhança com o ator Johnny Depp: um sósia
perfeito. De longe, poderia jurar que era o próprio.
— Senhorita — ele esticou as mãos para ela quando, finalmente,
venceu o lance de degraus —, concede-me a sua doce companhia? — Até
mesmo o timbre de sua voz se assemelhava a do ator.
Abriu um sorriso largo diante da educação do homem e segurou sua
mão.
— Estou lisonjeado… — exprimiu um sorriso magnífico com a
aceitação de Sophia ao seu convite. — Se me permite… — e a abraçou pela
cintura. Sophia sentiu-se levemente relutante, mas logo deixou seu
desconforto de lado. — Meu nome é Erick, e o seu?
Está prestes a responder quando, subitamente, algo aconteceu.
Daniel surgiu sabe-se lá de onde, com sua íris azul-esverdeada
queimando de raiva. Sem esperar, violentamente empurrou Erick, que,
surpreso, se desequilibrou e caiu, enquanto ele esbraveja:
— Não toca na minha mulher, seu cretino!
Os olhos de Sophia se dilataram com a violência de Müller. Erick
continuava no chão e era ajudado por outras pessoas. A confusão causada
por Daniel fez com que a música parasse de tocar e todos olhassem para o
trio em um silêncio tenso, quebrado apenas pelos cochichos alheios.
— Daniel! — Sophia exclamou o advertindo e correu até Erick, que já
se recompôs — Você está bem? — ela perguntou, mas antes que pudesse
obter uma resposta, a mão de Müller a segurou pelo braço e a arrastou para
um canto qualquer da boate.
Vendo que a briga não teria continuidade, o som voltou a tocar, e as
pessoas, a dançar.
Sophia caminhou com dificuldade enquanto Daniel apertava seu braço,
atravessando-os pelo mar de pessoas que mexiam os corpos conforme o
ritmo da música. Os saltos não a ajudavam; ela precisou se esforçar para não
desabar feito uma pata. Irritada com tal atitude, se desvencilhou da pegada
de Daniel e parou no meio do caminho, cruzando os braços.
— Pode me dizer o que foi isso? — exigiu, e Daniel permaneceu de
costas, estacado no meio do caminho.
Por alguns segundos, Müller não teve reação alguma, até que,
bruscamente, ele se virou, seu semblante fechado, e o maxilar, apertado. Ela
quase pôde sentir faíscas escaparem dos seus olhos, os músculos estavam
tensos e eram visíveis pelo modo como saltavam da camisa regata vermelha
que ele trajava.
— Pode me dizer que vestes são essas? — rebateu com a voz firme e
autoritária, ignorando o questionamento inicial de Sophia.
Os olhos dela se arregalaram, com uma expressão incrédula.
— É uma fantasia, Daniel! — protestou com a voz alterada.
Müller só podia estar ficando maluco. Primeiro, empurrou Erick, que
nos primeiros minutos fora agradável e educado, depois ficou incomodado
com o modo como estava vestida. Ponderou se ele já não estaria bêbado,
ainda que isso não justificasse sua atitude agressiva.
— Eu sei, mas não poderia ter comprado algo menos chamativo? Uma
roupa de freira, por exemplo!?
Sophia cerrou os olhos e inspirou fundo, exercitando sua paciência.
Não deixaria que Daniel, não sendo nada dela – além de chefe –
atrapalhasse sua noite com atitudes machistas, ou dissesse como deveria se
vestir. Decidida a ignorá-lo, ela simplesmente saiu caminhando pelo lado
oposto ao dele, ouvindo-o chamar por seu nome em suas costas. Sem lhe dar
atenção, continuou passando pelas pessoas e abrindo caminho.
Sentia suas pernas tremerem de raiva. Seu corpo todo tremia de ódio.
Imbecil! Pensou ao chegar ao bar da boate. O barman logo veio
atendê-la, e ela pediu uma cerveja. Precisava de alguma coisa para ajudá-la
a manter sua paciência.
— Sophia? — ouviu uma voz feminina ao seu lado e virou o pescoço
para divisar Christina, abriu um pequeno sorriso bebendo sua cerveja direto
do gargalo. — Você está incrível, mulher! — exclamou toda animada e a
abraçou.
— É, acho que estou. — Sorriu pequeno e se ajeitou no banco alto.
— Não parece muita animada. — Christina observou e inclinou a
cabeça, enquanto Sophia dava de ombros. — Acho que você precisa de uma
companhia masculina — sugeriu com um sorriso malicioso.
Rindo, Sophia negou com o indicador, e Christina insistiu entrelaçando
os dedos, como se estivesse implorando.
— Eu estou ótima sozinha — Sophia argumentou, mas a verdade era
que queria mesmo estar com alguém. Olhou ao redor em busca de Erick. Ele
parecia ser um cara legal.
— Não está, não. Vou te arrumar uma companhia — decretou, e antes
que ela saísse, Sophia a segurou pelo braço.
— Olha, eu não preciso de cupido, está bem? — disse tentando não
parecer mal-educada, e os ombros de Christina caíram em frustração.
— Tudo bem, se você não quer, eu quero. Conheci um bombeiro
delicioso — comentou molhando os lábios com a língua.
— E onde ele está? — Sophia perguntou aos risos.
— Sumiu! — respondeu ligeiramente irritada. — Fui ao banheiro e
quando voltei ele não estava mais aqui. Mas irei procurá-lo. Daqueles olhos
claros e rosto perfeito eu não me esqueço — falou lambendo os lábios outra
vez, e Sophia gargalhou.
Elas se despediram, Sophia continuou sentada com sua cerveja,
olhando ao redor e acompanhando a música mentalmente. Os nervos já
estavam mais calmos, e ela ponderou em procurar Erick e se desculpar pela
atitude Neandertal de Daniel. Rolou os olhos só de pensar na imbecilidade
dele.
… não poderia ter comprado algo menos chamativo? Uma roupa de
freira, por exemplo!?
As palavras machistas ecoaram em sua cabeça mais alto que a música
tocando por todos os lados. Daniel não poderia ser mais estúpido. E ela que
sempre o achou cavalheiro e educado se mostrou um perfeito machista e
homem das cavernas.
Idiota!
A raiva subia novamente pela sua espinha, e Sophia precisou beber
outro gole da cerveja para não permitir que o ódio a dominasse.
De repente, Christina retornava. Ela beijava e puxava um homem pela
regata vermelha, ao mesmo tempo em que caminhava de costas, e ele a
segurava pela sua cintura, direcionando-a para que não esbarrasse em algo
ou alguém.
Seus olhos se dilataram ao reconhecê-lo.
Daniel?
O casal fogoso se aproximou do balcão; Christina estava descabelada
devido à troca intensa de beijos. Rapidamente Sophia se virou para frente e
abaixou a cabeça, pensando em sair de fininho dali, mas a mulher a
interrompeu:
— Sophia, esse aqui é o bombeiro gostoso que te falei — a amiga
falou, e ela levantou os olhos.
Quando seus olhares se chocaram, a expressão de Daniel era de
surpresa, e eles apenas se encararam.
— Daniel, essa é minha colega Sophia. Nós nos conhecemos hoje —
Christina enunciou, empolgada. — Sophia, esse é Daniel, meu bombeiro
delicioso. — Gargalhou passando a mão em torno da cintura dele.
Sophia pigarreou, e estava prestes a dizer que já conhecia a Daniel,
quando ele esticou a mão em sua direção.
Ela fitou sua mão esticada, confusa, e depois voltou a olhá-lo para
ouvi-lo dizer:
— Prazer, Sophia.

♦♦♦

Daniel olhou aquela bunda bonita passar por entre a multidão e sentiu
a raiva crescer dentro dele. Homens olhavam para Sophia enquanto ela
atravessava a aglomeração de pessoas, e isso o deixou possesso. Ele gritou
seu nome, mas Sophia não lhe deu atenção e continuou seu percurso até
sumir no meio de toda aquela gente.
Inspirou fundo emaranhando os dedos pelos fios alourados. Preciso me
acalmar! Pensou andando até o banheiro mais próximo. O fogo ainda
queimava em seu peito e continuava excitado.
Entrou no banheiro, bateu a porta atrás de si e caminhou rapidamente
até a pia, abriu a torneira e lavou o rosto com água fria. Mirou-se no
espelho. Seu rosto estava vermelho por causa da temperatura instantânea que
subiu pelo seu corpo ao ver outro homem com Sophia. Suspirou pesado
tentando entender sua possessão repentina por ela. Ele não deveria se
importar, mas não só se importou, como agiu feito um macho marcando
território.
Puxou os cabelos com força para expelir a raiva dentro dele. Agora,
ele não sabia o que era maior: raiva por vê-la tão linda e ser cobiçada por
outro, ou raiva de si mesmo por ter sido um maldito estúpido, ou ainda por
não saber entender todo o poder sobre seu corpo e mente que sua esposa de
conveniência vinha exercendo.
Preencheu os pulmões com ar, lavou o rosto outra vez e se secou com
algumas toalhas de papel. Lembrou-se de Christina, e decidiu voltar para
ela, se divertir e extravasar esse sentimento de macho alfa e troglodita que
surgira repentinamente.
Saiu do banheiro; passou por entre as pessoas. Foi caminhando no
intuito de voltar ao bar do outro lado da pista de dança, onde estava
inicialmente, ponderando que a morena continuaria a sua espera.
Subitamente, ele sentiu alguém apertando sua bunda, e se virou,
assustado, para encarar os olhos cor de âmbar de Christina.
— Finalmente achei você, bombeiro gostoso — disse maliciosamente
colando os dois corpos. — Achei que já estava pulando para outra
corporação — sussurrou em seu ouvido.
— Fui ao banheiro… — se explicou, enquanto segurava sua cintura
fina.
Daniel sentiu sua ereção ainda por causa da diaba, e um desejo imenso
de se satisfazer quase o controlou. Os dois se beijaram, o gosto de uísque
ainda na boca da morena, as mãos habilidosas seguravam sua regata, e ela o
puxava, caminhando de costas, passando desajeitadamente pela multidão.
— Vamos para o seu quarto — Daniel convidou com sua boca colada à
dela. Ele não estava excitado por Christina, mas precisava urgentemente se
aliviar.
Christina deu um largo sorriso e continuou a puxá-lo.
— Antes vou te apresentar a uma amiga. Ela está sozinha e quero que
se anime. Talvez, se vir que estou me divertindo, decida procurar um
bombeiro.
Daniel revirou os olhos, mas concordou.
A morena fogosa continuou a puxá-lo até o balcão onde estavam.
Enquanto se beijavam e atravessavam os corpos das pessoas dançando sob
as luzes psicodélicas e música alta e eletrônica, eles se aproximaram do bar,
e ele, pelo canto do olho, viu uma loura conhecida, vestida de diabinha.
Sophia?
Antes que pudesse terminar de processar a informação, Christina parou
o beijo e o arrastou até a suposta amiga, proferindo:
— Sophia, esse aqui é o bombeiro gostoso que te falei.
Sophia estava cabisbaixa, e Daniel sentiu seu coração saltar pela boca.
Merda! Grande merda! Amaldiçoou-se.
A loura levantou os olhos para fitá-lo com uma expressão que era um
misto de surpresa e raiva. Sua pulsação acelerou, e o sentimento que o
invadiu era uma confusão que ele não conseguiu descrever. Talvez medo que
ela fizesse um escândalo, ou temor que ela não olhasse nunca mais em sua
cara.
Mas por que diabos estou incomodado com isso? perguntou a si
mesmo enquanto Christina continuava a tagarelar.
— Daniel, essa é minha colega Sophia. Nós nos conhecemos hoje — a
morena falou toda empolgada. — Sophia, esse é Daniel, meu bombeiro
delicioso. — E soltou uma gargalhada, passando a mão em torno de sua
cintura e o apertando contra seu corpo moreno e sensual.
Ele encarou Sophia, prestes a abrir a boca e provavelmente confirmar
que já se conheciam, que são casados e que estão em “lua de mel ”, tudo,
quem sabe, no intuito de desmascará-lo, ou se vingar por ele ter agido como
um perfeito machista.
Então, Müller a impediu. Não podia permitir que ela fizesse isso.
Naturalmente, estendeu sua mão para ela. Sophia estava pasma quando olhou
para sua palma e depois, para ele.
— Prazer, Sophia — ele a saudou como se tivessem acabado de se
conhecerem.
E ela ficou ali, parada, sem saber o que fazer. Daniel engoliu em seco.
Ponderou que não foi uma decisão inteligente fingir não conhecê-la. Sophia
poderia surtar ali mesmo, se quisesse.
Vagarosamente, ela estendeu suas pequenas mãos e trocaram o
cumprimento.
— Prazer. Daniel! — cumprimentou-o entre dentes e com desdém.
Eles cessaram o aperto de mão, e Daniel forçou um sorriso tenso.
— Ele não é mesmo lindo, Sophia? — Christina alternou o olhar entre
eles, parecendo perceber a tensão que os rondava.
Sophia apenas confirmou com a cabeça; bebeu outro gole de sua
cerveja. Daniel limpou a garganta e desviou os olhos para outros cantos do
ambiente.
— Eu disse que era lindo! — Christina continuou matracando, e
Sophia estava com sua paciência por um fio. — Mas este é meu. Não acha
que deveria arrumar um para você? — insinuou maliciosamente, e Daniel
voltou seu olhar a Sophia, abrupto, visivelmente incomodado com tal
sugestão.
Sophia abriu um sorriso diabólico para combinar com sua fantasia.
Levantou-se determinada, passou a mão pelo corpo e ajeitou os “chifres”.
Bebeu o último gole da cerveja e bateu a garrafa no balcão.
— Tem razão! — proferiu, e sentiu os olhos claros dele queimando
sobre ela. — Pode ficar com seu bombeiro — mirou Daniel de maxilar
tensionado. — Irei procurar meu Jack Sparrow — decretou e saiu rebolando.

♦♦♦

Idiota! Cretino! Maldito! Mil vezes idiota!


Sophia praguejou contra Daniel enquanto caminhava para fora da
boate. Foi um erro ter vindo a festa. Foi um erro ter vindo ao cruzeiro. Foi
um erro ter aceitado esse casamento!
Os saltos escarlates batiam contra o piso de mármore, e ela caminhava
sozinha por um corredor, os passos ecoando pelo lugar.
Ela sentiu o sangue fervilhar dentro dela, as mãos tremiam de raiva, e
os olhos queimavam a ponto de juntarem lágrimas.
Sophia havia se enganado com Daniel. Ele era um idiota sem tamanho.
Depois de todos aqueles meses de convivência acreditou que Müller fosse
diferente, mas logo revelou um lado que ela não conhecia: arrogante,
estúpido, cafajeste e brutamonte. Julgou-o por sua postura elegante e
educada, no entanto, não passava de uma carcaça bonita.
Caminhava a passos rápidos apenas querendo chegar até seu quarto,
tirar aquela roupa estúpida e dormir. Se é que conseguiria. A imagem de
Daniel beijando outra boca e se agarrando à morena bronzeada fez seu
sangue ir para a cabeça. Quase teve vontade de pular na jugular de Christina
e arrancá-la dele. Depois, caparia Daniel e o faria engolir os próprios
testículos.
Idiota! Gritou mentalmente. Quer dizer que ela não poderia ter uma
companhia, enquanto ele podia se esfregar com qualquer uma? Era um
maldito machista, imbecil e Neandertal!
Parou para tomar fôlego. Os nós de seus dedos estavam brancos e os
pés ardiam. Sentou-se à borda de um chafariz e enfiou o rosto entre as mãos,
controlando o choro raivoso preso dentro de sua alma.
— Ei! — ela ouviu uma voz e ergueu a cabeça.
Sorriu discretamente ao ver Erick parado a sua frente, ainda vestido de
Jack Sparrow.
Ele se agachou para ficar à sua altura e tocou um joelho no chão.
Olhou dentro daqueles olhos negros penetrantes, o perfume cítrico dele
impregnou suas narinas.
— Você se sente bem? — perguntou prestativo.
— Sim… — respondeu com a voz falha.
— Tem certeza?
Ela confirmou apenas com um meneio de cabeça e deixou seu olhar
perdido. Erick se sentou a seu lado, e eles se olharam.
— É por causa daquele cara, não é?
Sophia suspirou, trêmula.
— Ele te machucou? — perguntou a Erick, se lembrando do empurrão.
— Não. Ele só me pegou de surpresa.
— Me desculpe por isso.
— Não se preocupe. Ex possessivo?
— É um pouco mais complicado do que isso. — Sophia riu
nervosamente, e ele a acompanhou baixinho. — Não quero falar sobre isso.
Daniel é um idiota.
— Claro — Erick assentiu, e ficaram um minuto em silêncio, ambos
olhando para frente.
— Você é muito parecido com o Johnny. — Sophia quebrou a quietude.
— Noventa por cento é produção — confessou, e ela lhe abriu um
pequeno sorriso. — Sou um grande admirador dele, então trabalho como
sósia imitando alguns grandes personagens que interpretou, como Willy
Wonka, Edward, Mãos de Tesoura, Chapeleiro, mas meu preferido é o Jack
Sparrow. Capitão Jack Sparrow — corrigiu-se prontamente, gesticulando
como faria o personagem.
Sophia riu brevemente, encantada.
— Você ganha a vida como sósia dele? — Sophia perguntou,
admirada, e Erick confirmou com um aceno. — É um trabalho bonito —
elogiou, e ele a agradeceu com um sorriso caloroso.
Então, a loura percebeu que ele era um bom homem. Talvez fosse um
idiota e homem das cavernas como Daniel e tantos outros, mas só pelo fato
de não tê-la cantado ou a assediado, principalmente por conta da sua roupa
chamativa, a cativou.
— Você aceitaria tomar alguma coisa comigo? — Erick proferiu,
tirando-a de seus devaneios.
Se Daniel pode se divertir, por que eu não?
— Claro. Mas não quero voltar para a boate. — Sophia não queria
encontrar Daniel com a morena, nem que ele a visse com Erick. Só desejava
se divertir e não se envolver em outra confusão.
— Certo. Antes eu poderia saber o seu nome? — solicitou e abriu
outro daquele sorriso encantador.
Sophia riu por seu descuido idiota e esticou a mão.
— Sophia Hornet.
Ele retribui o cumprimento, sentindo a maciez da pele feminina.
— Erick Gouveia.

♦♦♦

Sophia e Erick caminharam juntos até o bar do outro lado do navio.


Uma caminhada de dez minutos que pareceram dois, por conta da conversa
deles. Erick era um homem extremamente simpático, inteligente e bem-
humorado. Pelo caminho, ele foi lhe contando mais sobre seu trabalho como
sósia, e até fez imitações perfeitas do protagonista da franquia de Piratas do
Caribe. Sua atuação era impecável. Erick não era apenas parecido, mas os
gestos, o timbre de voz, as trapalhadas e os movimentos corporais eram
idênticos ao épico personagem de Johnny Depp.
Chegaram a um barzinho quase vazio e chamaram a atenção dos
poucos presentes. Capitão Jack Sparrow com uma Diaba: era cômico até
para eles.
Educadamente, Erick puxou uma cadeira para ela, sentou ao seu lado,
querendo saber o que ela gostaria de beber. Sophia optou por uma água
tônica, e Erick solicitou um Bourbon.
— Estou mesmo envergonhada pelo modo como o Daniel te tratou —
lamentou outra vez acompanhando a borda da lata com o indicador. Seus
olhos estavam baixos e negava-se a olhar para o homem a seu lado.
Erick sorveu um gole da bebida enquanto a escutava.
— Não se preocupe com isso, eu já disse. Estou mais do que
acostumado a lidar com situações assim, acredite. — Tentou acalmá-la após
limpar os lábios com o guardanapo.
Sophia ergueu seus grandes olhos verdes para ele, que tinha um
pequeno sorriso no rosto. Erick realmente parecia ser um cara legal.
— Achei que não o veria nervoso outra vez — murmurou quase
envergonhada. — Ele parecia calmo, mas quando se irrita, explode feito uma
bomba atômica.
— Ele já te agrediu alguma vez? — Erick perguntou com um tom
realmente preocupado.
— Oh, não. Acho que Daniel não é violento a esse ponto. Quero dizer,
houve uma vez que me deu uma cotovelada, mas ele estava brigando com
outro cara, e eu fui tentar impedi-lo. Daniel estava tão possesso que nem
percebeu que era eu a segurá-lo.
— Compreendo… — Erick apenas disse com seus olhos pretos presos
a ela.
Sophia tomou um gole da sua tônica antes de continuar:
— Quando ele te empurrou lá na boate, eu vi a mesma raiva saltar dos
olhos dele como quando brigou com Miguel. Não sabe como eu te agradeci
mentalmente por não ter revidado. — Sophia o olhou e sorriu sinceramente.
— Eu não gosto de confusão — Erick respondeu terminando sua
bebida. — Mas eu não pensaria duas vezes se ele partisse para cima de mim
ou te machucasse.
Sophia desviou os olhos rapidamente e sorveu o último gole da sua
bebida.
— Agradeço a sua preocupação.
— Nada que eu não faria por qualquer senhorita — proferiu, e sem
perceber ela sorriu.
— Bom, acho que vou te deixar no seu quarto e depois voltar para a
festa, ou dormir, ainda não sei — disse com bom humor, e sorriu largamente.
— Se você quiser, claro.
Sophia acenou. Estava exausta física e mentalmente depois de tudo.
Ainda era relativamente cedo, mas ela queria tirar o body de couro que
começava a incomodá-la e se enfiar por baixo das cobertas macias e dormir.
Aproveitaria mais o dia assim que amanhecesse.
Juntos, caminharam até seu quarto, não muito distante dali. Erick a
acompanhou com a mesma conversa agradável de sempre, sem olhares
indiscretos, sem cantadas baratas, sem assédio sexual.
Ele era realmente um cara legal.
— Suíte presidencial? — Erick questionou quando pararam frente à
porta.
Sophia exibiu um sorriso acanhado.
— Longa história… — apenas disse e levantou os olhos.
— Claro — ele anuiu sem insistir. — Se por acaso quiser conversar,
este é meu quarto — retirou uma caneta do seu bolso e segurou em sua
palma, anotando as coordenadas de seu aposento.
Sophia sorriu enquanto sentia a ponta da caneta roçar sua pele.
— Que diabos é isso? — a voz de Daniel forte e ríspida ressoou pelo
corredor.
Ambos se sobressaltaram, e Sophia encarou um Daniel Müller
vermelho de raiva. Seus cabelos estavam bagunçados, e sua cara, marcada
com batom.
Sophia revirou os olhos e sentiu as pernas tremerem de raiva.
— Eu já não disse para ficar longe da minha mulher, Capitão? —
gritou se aproximando como uma fera.
Erick não recuou, mas deu um passo à frente, pronto para enfrentar o
oponente. Sophia se pôs entre os dois, impedindo a briga.
— Daniel, vá embora — pediu, e ele a olhou com um olhar furioso.
— Esse é o nosso quarto! — rebateu entre dentes.
— Então entre e fique quieto lá dentro! — ela falou mais alto,
enquanto Erick acompanhava a cena.
— Não me diga o que fazer! — bradou visivelmente alterado.
— Relaxa aí, meu chapa. Mantenha a calma. Não grite com ela —
Erick interferiu sem se alterar, e em resposta recebeu um olhar intenso de
Daniel. Ele tentou avançar, mas Sophia o impediu, quase sentindo que seus
saltos cederiam logo, logo.
— Daniel, por favor! — Sophia suplicou o olhando. — Eu não quero
confusão!
Mas Müller era teimoso feito uma porta e não saiu do lugar.
Continuava a fuzilar Erick com sua íris antes clara, agora vermelha pelo fogo
da fúria.
Sophia suspirou pesadamente e se virou para Erick.
— Desculpe, mas eu não quero dor de cabeça. Pode se retirar, por
favor?
Erick emitiu um olhar preocupado e mirou Daniel, que continuava com
seu semblante fechado e mais parecia um homem das cavernas do que uma
pessoa civilizada.
— Eu ficarei bem… — Sophia assegurou, e ele se retirou, passando
por Daniel. Os dois homens trocam olhares intensos; Sophia rezou para que
um não avance no outro.
— Daniel, que diabos está dando em você? — exigiu levantando a voz
uma oitava, assim que Erick desapareceu de vez.
Müller nada respondeu. Virou-se para ela e seus olhos agora não
emitiam mais raiva. Era um olhar intenso, mas ela não conseguiu decifrá-lo.
Subitamente, Daniel a segurou pelo braço fino e a arrastou para dentro.
Ela tentou se soltar, mas sua pegada era firme.
— Daniel! — queixou-se quando já estavam dentro da suíte.
Müller bateu a porta atrás de si, respirou fundo, movendo os lábios,
proferindo alguma coisa que Sophia não entende.
— Vai me dizer que bicho te mordeu ou não? — exigiu outra vez, e os
olhos dele se ergueram em sua direção.
O mesmo brilho intenso que Sophia não sabia explicar irradia de sua
íris azul-esverdeada. E ele continuou em silêncio.
Sem esperar, o espaço entre eles foi diminuído, Daniel avançou sobre
Sophia. Suas mãos a seguraram pelos braços, empurrando-a até a parede
mais próxima. Sophia arregalou os olhos sentindo suas costas baterem contra
a divisória do quarto. Antes de poder questionar a atitude agressiva de
Daniel, ele prensou seu corpo contra o dela.
E então a beijou.
16
NÃO É O QUE PARECE

Daniel sentiu suas costas colidirem contra a madeira da porta do quarto


de Christina. A morena fogosa o beijava com intensidade, enquanto ele tentava
passar o cartão magnético para abri-la. Quando finalmente conseguiu, ele foi
empurrado para dentro, e a porta, fechada com um chute.
Guiado até uma cama box média e macia, arrumada com lençóis e
travesseiros branquíssimos, as mãos apetitosas da mulher o fizeram sentar
para que ela caísse sobre seu colo, seus lábios ainda sendo tomados um pelo o
outro. A barba machucava sua pele sensível, mas não o suficiente para que ela
desistisse de sugar-lhe todo o ar de sua boca.
Os dedos longos de Christina se emaranharam nos fios alourados,
bagunçando-os, ao mesmo tempo em que as mãos masculinas subiam por
dentro de sua camisa, alisando-a nas costas. Ela separou suas bocas e teceu
beijos pelo pescoço de seu companheiro, os dedos escorregam até a regata
vermelha que ele usava, segurou pela barra e a puxou, se livrando da peça.
Sentada no colo de Daniel, a morena observou extasiada a extensão do
peitoral másculo. Um tórax robusto e liso, uma barriga definida, os ombros
musculosos e largos, e da pele dos bíceps era visível a elevação de seus
músculos, mesmo que ele não estivesse fazendo esforço algum para saltá-los.
Cheia de tesão, ela o induziu a se deitar para traçar um caminho sensual
e molhado com a língua por todo o dorso despido. Enquanto a morena beijava
seu corpo com um fogo ardente, Müller estava tentando se concentrar no
momento e parar de pensar em certa loura de olhos verdes fantasiada de
Diaba.
Daniel não a viu mais desde que ela insinuou procurar pelo homem
fantasiado de Capitão Jack Sparrow. A ira que se concentrou em seu punho
quando tais palavras foram proferidas queimou de uma forma como ele nunca
sentiu em toda sua vida. Perguntou-se por que estava se importando tanto com
Sophia, e o pior de tudo: mais de uma vez. E ainda que soubesse que agia feito
um idiota ao proibi-la de sair com outra pessoa, enquanto ele se esfregava
com a morena ali, nada o fazia entender os motivos que o levaram a ficar
incomodado com outro homem cortejando sua esposa de mentira.
— Daniel? — Christina o tirou de seus devaneios, e então, se encontrou
com os olhos âmbar. — Você me ouviu? — questionou e depositou um beijo
perto do cós de sua bermuda.
— Desculpe, eu não entendi. — mentiu, ocultando o fato de estar
pensando em outra mulher, pois não fazia a mínima ideia do que ela possa ter
lhe dito.
— Você tem camisinha?
Daniel estava totalmente desinteressado, mesmo que estivesse com tanto
tesão que chegava a doer. Frustrado, não compreendia por que não se animava
com Christina, e tudo no que pensava era em sair dali, procurar por Sophia e
se desculpar.
Novamente, vagueou por seus pensamentos e se desatentou da mulher
sobre ele, beijando seu corpo.
— Daniel! — ela o chamou outra vez com a voz mais firme.
— Não… eu não tenho.
A morena suspirou e girou o corpo, deitando a seu lado, mas ainda
acariciando o peito nu com os dedos finos.
— Tem uma farmácia não muito longe daqui — proferiu e ficou sobre os
cotovelos, fitando o rosto bonito à sua frente. — Vou buscar um pacote e já
venho — declarou, e estava prestes a se levantar quando Daniel a impediu.
— Eu vou — se ofereceu já vestindo a regata.
Os lábios dela se curvaram em um sorriso malicioso, enquanto o
contemplava pôr a peça e escorregá-la pelo tronco definido.
Ele já alcançava a porta, mas Christina o agarrou pelas costas e o virou
para si. Antes que pudesse protestar, Daniel recebeu um beijo intenso, e
quando suas bocas se separaram, sua companheira excitante disse em um
sussurro sensual:
— Não demore…
Sem responder nada, Daniel girou os calcanhares e saiu, na intenção de
não voltar.
Andando rapidamente de volta para sua suíte, Daniel Müller sentiu a
cabeça latejar, e o corpo tremer de raiva. Raiva dele mesmo. Primeiro, por ter
agido como um brutamonte por causa de Sophia. Segundo, por ter mentindo
descaradamente para Christina. Sim, ele tinha camisinha na carteira e
escondeu o fato para que ela desistisse do sexo, e ele pudesse ir embora sem
que a morena percebesse seu desinteresse, porque seus pensamentos estavam
em encontrar Sophia, esclarecer as coisas e lhe pedir desculpas. Sua tática de
mentir não funcionou como gostaria, já que a mulher se ofereceu para buscar
um pacote de preservativos. Aproveitou, então, dessa oportunidade, e se
prontificou a ir até a farmácia, arrumando, assim, um pretexto para sair e não
retornar.
No caminho, passou por um bar e pediu uísque com gelo para acalmar-
se. Bebeu duas doses, virando-as de uma só vez, e voltou a caminhar de volta
para a suíte.
Já no corredor que levava ao seu quarto, se deparou com Sophia, ainda
fantasiada, toda sorridente junto ao homem que empurrara mais cedo. O outro
escrevia algo na palma de sua mão e só de imaginar que trocavam números de
telefones, isso fez com que o sentimento de macho alfa e troglodita surgisse
dentro de seu âmago. Sem perceber, já não controlava mais suas atitudes.
Caminhou mais rápido, dando passadas firmes e determinadas, bradando:
— Que diabos é isso? — o casal presente se sobressaltou com a
chegada inesperada dele. — Eu já não disse para ficar longe da minha mulher,
Capitão? — rugiu feito fera, e nem se deu conta da possessividade em sua
voz.
Continuou caminhando em direção a eles, quando o fantasiado deu um
passo adiante, pronto para bater de frente com Daniel. A atitude do outro agiu
como um combustível para a ira de Müller, que continuava avançando,
decidido a iniciar uma briga. Mas Sophia se pôs entre os dois, tentando evitar
a confusão iminente.
— Daniel, vá embora — exigiu, e ele lhe fuzilou com os olhos.
Não iria embora nem que o arrastassem! Jamais deixaria Sophia sozinha
com o capitão de meia-tigela.
— Esse é o nosso quarto! — urrou.
— Então entre e fique quieto lá dentro — a voz dela soou mais alto, e
isso o deixou ainda mais furioso.
Estava para nascer a mulher que mandaria nele.
— Não me diga o que fazer! — protestou já completamente dominado
pela cólera.
— Relaxa aí, meu chapa! — A voz do homem ressoou em sua cabeça. —
Mantenha a calma. Não grite com ela.
Calma era a última coisa que ele precisava no momento. Ver outro
homem defendê-la fez seu sangue fervilhar. Já estava pronto a avançar outra
vez contra o capitão, mas a loura impediu, como da primeira vez:
— Daniel, por favor! — Seu tom era uma súplica. — Eu não quero
confusão!
Então ele que vá embora! Pensou consigo mesmo, enquanto fuzilava o
adversário com seus olhos flamejantes de raiva. Müller não cederia e não
sairia dali por nada no mundo. Parecendo perceber sua teimosia, Sophia se
virou para Erick e pediu educadamente que fosse embora. A forma educada
com que ela solicita a saída do capitão o irrita ainda mais. Comigo é
estúpida! Protestou interiormente, e sua consciência o acusou no mesmo
instante. Porque você foi estúpido com ela!
Os olhares dos dois se cruzaram, e Daniel quase pôde sentir que seu
adversário era tão teimoso quanto ele e que não cederia tão fácil ao pedido de
Sophia.
— Eu ficarei bem — a loura pronunciou, e ele pareceu mais aliviado.
O homem passou por Daniel, e os dois se encararam, ambos de
semblante enrugado, e Daniel jurou a si mesmo que qualquer mínima
provocação não pensaria duas vezes em partir para cima para quebrar-lhe o
nariz. Mas Gouveia simplesmente vai embora, e, logo em seguida, ouve a voz
de Sophia:
— Daniel, que diabos está dando em você? — ela levantou a voz,
visivelmente irritada.
Seus olhos se encontraram com a íris verde sedutora, e um sentimento
totalmente estranho bateu em seu peito que nem ele próprio conseguiu explicar.
Uma mistura de raiva, ciúme, admiração e excitação. Seus olhos
esquadrinharam o corpo de Sophia. O body de couro justo, os seios médios
que saltavam por causa do bojo apertado, as pernas compridas e sedutoras
bem equilibradas no salto escarlate, os cabelos louros e soltos… o conjunto
destas coisas o deixou extasiado, assim como quando a viu entrar na boate. O
modo como Sophia o tratou não o fez sentir ira, mas tesão. A vontade que
sentia era de agarrá-la e calá-la com um beijo.
Sem respondê-la, segurou firme em seu braço e a levou para dentro da
suíte, e mesmo que Sophia relutasse em entrar, sua força era maior.
— Daniel! — protestou enquanto a porta se fechou com um tremendo
baque.
A cólera elétrica que percorria seu corpo quase o fez estremecer. A
excitação misturada a ira – que sentiu ao ver Sophia com outro homem – era
de um sabor inexplicável, e Daniel precisou respirar fundo e praguejar
baixinho para tentar controlar-se.
Preciso me acalmar, moveu os lábios em um sussurro inaudível. De
personalidade calma, Müller sempre fora pacífico e nunca havia se sentido tão
incomodado daquela maneira como era com Sophia. A influência que a Hornet
exercia sobre seu corpo e mente era algo que o assustava; o jeito como ele se
transformava completamente por causa dela quase findava sua sanidade.
Preciso me acalmar, repetiu interiormente, mas seu coração continuava
a bater irregularmente.
— Vai me dizer que bicho te mordeu ou não?
O timbre soprano e feminino chegou até seus ouvidos, e qualquer
concentração que tentasse fazer para se manter civilizado foi embora.
Levantou os olhos para encarar uma Sophia de semblante irritado, mas que a
deixava ainda mais linda e sexy a seu ver.
Numa decisão impensada, como um homem primitivo que quer segurar a
mulher pelos cabelos e arrastá-la até a caverna, Daniel avançou sobre Sophia
e segurou-a pelos braços macios. Ao tocar sua pele uma corrente de emoções
correu por seu corpo e tudo o que queria era saciar seu desejo dela, que sentia
há pouco tempo, mas o suficiente para extasiá-lo. Prensou seu corpo contra o
de Sophia à parede mais próxima, e sem avisar, Daniel a beijou.
Sophia sentiu a boca de Daniel na sua. Não é a primeira vez que se
beijam, mas neste momento era totalmente diferente. Anteriormente, havia o
consentimento de ambos, e tudo no intuito de demonstrar a veracidade do
noivado que os dois vinham sustentando. Agora, porém, o beijo é forçado, e
ela não se sente bem com a situação.
A barba bem aparada dele machuca sua pele e a deixa marcada, os
lábios de Müller, aromatizados com uísque, a fez considerar se ele não estaria
dominado pelo álcool, o que explicava um pouco a agressividade e a atitude
atrevida de beijá-la.
Levada pela raiva de seu atrevimento, Sophia o empurrou, cessando o
beijo de súbito, e ainda furiosa, instantaneamente ergueu a mão direita para
bater forte contra a face de Daniel. Um segundo depois, horrorizada com a
própria atitude, levou as mãos à boca, arrependida.
Daniel sentiu o bofetão e apalpou o lugar do tapa, que ainda ardia.
Encarou Sophia com seu sobrolho enrugado, mas não sentia raiva pela
agressão; na verdade, a dor o fez voltar à realidade, e sem demora, percebeu o
que acabara de fazer. Sua expressão se suavizou, Sophia estava parada a sua
frente, assustada, tanto pela bofetada quanto pela atitude dele de beijá-la à
força.
— Daniel… — ela começou na intenção de exigir uma explicação
plausível para tudo o que ele tem feito nas últimas horas.
— Me desculpe…— interrompeu-a prontamente, a expressão atônita,
realmente assustado com seu ato. — Eu não sei o que deu em mim —
sussurrou passando a mão pelo rosto.
Sophia inspirou e expirou seguidas vezes.
— Pois eu não acredito! — exclamou, e dessa vez era ela quem estava
com raiva. — Você pode sair se esfregando com qualquer uma e eu não posso
sequer conversar com alguém?! O que você acha que eu sou? Sua
propriedade?! — Irracionalmente, Sophia avançou e o empurrou pelo tórax.
— Você é um idiota, Daniel! — Tentou outra vez a mesma investida, mas
Müller a segurou pelos punhos, impedindo a agressão.
— Eu estava protegendo você, ok? — ele gritou, depois a soltou
abruptamente.
Uma gargalhada ressoou pela suíte.
— Me protegendo? Eu não tenho cinco anos! — a loura objetou, a voz
sempre um tom acima por causa dos nervos alvoroçados.
— Mas parece que tem! — rebateu, também alterado. — Como pode dar
confiança a um homem que nem conhece? E se ele tentasse alguma coisa contra
você? Será que não tem juízo, Sophia?!
A essa altura da discussão, os ânimos estavam à flor da pele, e um grita
mais alto que o outro:
— Eu sei me cuidar, Daniel Müller! Não preciso de você como meu
guarda-costas!
— Tudo bem, Sophia! Mas o que foi combinado? Que seríamos
discretos! Olha só para você — Daniel apontou e a avaliou de cima em baixo
—, está vestida de forma vulgar, de forma a alimentar a imaginação perversa
de muitos por aí! Eu só te protegi daquele capitão de meia-tigela!
— Discrição?! — Sophia gritou o mais alto que conseguiu e sentiu a
garganta arranhar. — Você estava se agarrando com a Christina em público!
Isso é discrição para você, Daniel? Seu hipócrita machista! — Novamente ela
investiu um empurrão, e Müller se desequilibrou um pouco. — Nunca mais
cole essa sua boca nojenta na minha, entendeu?!
Sophia deu-lhe as costas e saiu batendo fortemente a porta, que se
fechou com um barulho estrondoso.
♦♦♦

Sophia Hornet sentiu as lágrimas se acumularem em seus olhos. O corpo


tremia de raiva enquanto caminhava rapidamente. Passou na frente de um bar,
tomou o elevador e desceu dois andares. Mesmo com o calor da emoção de ter
discutido com Daniel, a brisa marítima fria lhe castigava a pele branca.
Sentia-se totalmente deslocada ao sair do elevador e caminhar por um salão
com sofás macios aconchegando algumas pessoas presentes – elas olharam
para Sophia de soslaio, o que a incomodou bastante. No fervor do momento,
sequer pensou em trocar de roupa e colocar algo mais apresentável.
Secou as lágrimas e não se importou com os olhares em sua direção.
Mirou a palma da mão rabiscada e conferiu as coordenadas, adentrou um
pequeno corredor e subiu um lance de escadas. A segunda extensão estreita a
sua frente era mais comprida, e ela procurou pelo quarto 25-A. Caminhou
olhando atentamente para o número nas portas, e quando encontrou o que
procurava, não pensou duas vezes em bater.
Segundos depois, um homem abriu a porta. Estranhamente ela não o
reconheceu e deu um passo atrás, receosa.
— Sophia? — Erick pronunciou surpreso e assustado.
Reconhecendo a voz de Gouveia, ela se aproximou com o olhar
cabisbaixo.
— Desculpe, eu não te reconheci — sussurrou enxugando as lágrimas.
Sem as pesadas maquiagens e todo o aparato da fantasia de capitão Jack
Sparrow, Sophia achou que tivesse batido na porta errada. Erick trajava uma
regata branca, deixando seus tímidos músculos à mostra, e cueca estilo samba-
canção xadrez azul. Os cabelos médios e escuros estavam um pouco
bagunçados e batiam na altura de seu pescoço.
— O que aconteceu? — inquiriu com um tom de voz realmente
preocupado.
Ele a analisou por um segundo e se perguntou por que ela ainda estava
vestida com a fantasia.
— É o Daniel. Longa história… — ela fungou e respirou fundo. —
Desculpe. Eu não deveria ter vindo… estou tão nervosa que nem sei o que deu
em mim em vir aqui. — Já estava virando para se retirar quando sentiu mãos a
segurarem delicadamente pelo pulso.
— Venha cá — ele murmurou levando-a para dentro do quarto.
Sem questionar, Sophia o acompanhou, sentindo-se completamente
acolhida.

♦♦♦

Daniel abriu o frigobar para revirá-lo à procura de algo forte que


pudesse tomar. A cólera que queimava dentro de seu peito era incomparável.
Mas, agora, a raiva não era por saber que existia outro homem interessado em
Sophia, ou por não conseguir estar com outra mulher porque não parava de
pensar na loura, em como ela estava terrivelmente mais linda e atraente na
fantasia. A raiva que sente era por tê-la beijado, por ter se comportado como
um homem primitivo e por ter dirigido tão duras palavras à Sophia. A ira era
ainda maior por não entender por que agia daquela maneira.
Olha só para você, está vestida de forma vulgar.
Sua própria voz constantemente ressoava em sua consciência, o
acusando e atormentando a ponto de fazê-lo se arrepender, pois Sophia não
estava vulgar.
Estava sexy.
Porém, no calor do momento, acabou dizendo mais do que deveria. Ele
não queria magoá-la, mas sabia que o tinha feito.
Idiota. Imbecil! Xingou-se enquanto abria uma garrafa de vodca e
colocava uma boa dose no copo. Virou, sentindo o peito inflar pela bebida
forte.
Transpôs o quarto, foi até o banheiro, despiu-se e deixou a água morna
escorrer por sua pele para limpá-la, abaixou a cabeça e permitiu que a calma
tomasse posse de seu ser. Ele nunca sentira tanta raiva e possessividade como
neste dia. Respirou fundo e molhou os cabelos. Terminou o banho quinze
minutos depois e já se sentia mais tranquilo. Desejou fortemente que, ao sair
do banheiro, Sophia já tivesse voltado. Daniel queria de todo modo se
desculpar com ela. Por tudo. Mesmo que interiormente não soubesse por que
diabos vinha tendo essas atitudes.
Secando o corpo, ponderou ser tudo culpa do álcool. Conhecia Sophia
há alguns meses e cultivava um sentimento de amizade profundo por ela. Como
Daniel protegeria uma irmã, caso tivesse uma, de qualquer coisa que a fizesse
magoar, ele agia da mesma forma com Sophia. Sóbrio ou bêbado, não gostaria
de ver alguém fazendo mal a ela. No entanto, por causa das doses exageradas
de bebida, o excesso e a agressividade extrapolaram por seus poros – e ele
agiu como um idiota machista.
Só pode ser isso, deduziu escorregando a camisa pelo corpo. Vestiu uma
calça de moletom e saiu para o quarto.
Vazio.
Olhou no relógio, e já tinha quase uma hora que Sophia saíra irritada.
Uma real preocupação o atingiu, e ele se culpou por ter feito tudo o que fez.
Tirou o pijama que acabara de colocar e vestiu outra roupa. Saiu da suíte
presidencial à procura dela, deixando para trás um bilhete colado ao frigobar:

Saí para te procurar. Caso volte, e eu não esteja, por favor, me espere.
Daniel

Müller andou por mais de uma hora e não a encontrou. Durante a


procura por Sophia, ligou inúmeras vezes em seu celular, mas após
incontáveis toques, era direcionado para a caixa postal. A cada ligação,
deixava uma mensagem de voz. Também perguntou para algumas pessoas
sobre ela, contudo ninguém tinha visto uma mulher loura e fantasiada de diaba.
Pensando se ela não teria voltado para a boate, caminhou a passos rápidos
para lá, procurou por entre a multidão e não encontrou nada. Frustrado e
preocupado, retornou para a suíte, esperançoso que ela já tivesse regressado e
com os ânimos mais calmos. Durante o caminho, na esperança de revê-la,
ensaiou um pedido de desculpas e uma explicação para seus atos, mesmo que
ele próprio duvidasse que dizer que estava preocupado com sua segurança e
integridade fosse convencê-la.
Isso não convence nem a mim mesmo!
Ensaiou, ainda, explicar que sua agressividade e todo o exagero,
machismo e brutalidade estavam relacionadas ao alto consumo de álcool.
Abriu a porta da suíte deles abruptamente, numa esperança afobada de
que Sophia já estivesse por ali. Mas Sophia não estava. Soltou um suspiro
exasperado. O bilhete que deixou antes de sair continuava no mesmo lugar.
Intocado. Descolou o papel do frigobar e o amassou no punho, descarregando
o misto de raiva e preocupação que sentia naquele momento.
Eu não tenho cinco anos!
A voz dela ecoou em sua mente, e Daniel tentou manter a calma dizendo
a si mesmo que Sophia sabia se cuidar e que não havia com que se preocupar.
Buscou pelas horas Mais de meia-noite. Sentou-se na cama e ligou a TV. Ela
irá voltar, pensava, e eu estarei acordado, esperando.
Impacientemente, foi trocando os canais e a cada segundo alternava o
olhar entre o relógio, a porta e o celular numa espera angustiante. O ponteiro
parecia não se mover, Müller sentia que ia ter um ataque se Sophia não
passasse por aquela porta ou retornasse as suas ligações.
Ajeitou-se na cama e deixou em uma programação de documentários.
Eu não tenho cinco anos! Lembrou-se outra vez de que Sophia era
adulta e podia se cuidar sozinha.
Ela sabe se cuidar, Daniel, disse a si mesmo tentando não ter uma
úlcera nervosa de preocupação.
Ela irá voltar.
O navio é seguro.
Ela está bem.
Enumerou motivos para não se preocupar e diminuir a aflição do seu
peito.
Não se preocupe, pensou e, sem perceber, adormeceu.

♦♦♦

Daniel acordou com um sobressalto e se viu sentado desajeitadamente


na cama. Suas costas doíam pela posição desconfortável que dormira. Olhou
ao redor, procurando por Sophia, mas não havia sinais dela e nem de que
voltara a noite anterior. O relógio apontava quase oito da manhã, e agora ele
estava mais do que preocupado. Conferiu seu celular, não havia ligações ou
mensagens dela. Tentou novamente; desta vez a chamada foi direto para a
caixa postal.
Levantou-se rapidamente e correu até o banheiro, jogou uma água na
cara para despertar e saiu às pressas, já pensando em ir até a cabine do
capitão e pedir que anunciassem o nome dela por todos os cantos do navio. Só
assim a encontraria.
Capitão. Seus pensamentos foram iluminados quando a simples palavra
passou por sua cabeça. Decidido, desviou seu percurso. Primeiro descobriria
a identidade do capitão Jack Sparrow, depois iria atrás dele onde fosse e lhe
perguntaria de Sophia. Talvez ele soubesse de alguma coisa, ou talvez pudesse
ajudá-lo a procurar pela esposa de conveniência.
Voltou à boate onde esteve e, com uma rápida busca, descobriu que o tal
homem atendia ao nome de Erick Gouveia. Com a informação em mãos, correu
o mais rápido que pôde até a recepção do navio. Uma mulher prestativa lhe
atendeu:
— Erick Gouveia. Quero saber qual o aposento dele — pediu Daniel, e
esperou por um minuto enquanto a funcionária digitava as informações no
computador.
— Ala da classe média. 25-A — a mulher lhe informou, e antes que
terminasse de passar as informações pedidas, Müller já estava distante,
disparando à procura de Erick.
Levou cinco minutos até chegar à ala referida. Suas panturrilhas ardiam
pela caminhada rápida. Respirou fundo frente ao quarto 25-A. Bateu à porta.
Ninguém.
O nervosismo começava a corroê-lo. Bateu outra vez, mas sua
impaciência o fez virar nos calcanhares, pronto e determinado a ir até a cabine
e pedir que anunciassem por Sophia Hornet Müller.
Subitamente a porta se abriu.
Erick o encarou com uma expressão confusa, como se não esperasse ver
Daniel parado a sua frente.
Daniel avaliou o homem a poucos metros de distância. Tinha uma toalha
presa à cintura e estava sem camisa, os cabelos negros e médios estavam
molhados, revelando que o homem saíra do banho havia pouco. Por um
segundo, duvida que aquele seja a mesma pessoa da noite passada.
Ele está sem a fantasia, idiota…
— Finalmente — Daniel disse voltando alguns passos.
— O que faz aqui? — Erick o questionou, ainda aturdido com a
presença repentina dele.
Mesmo não sendo convidado e visivelmente aflito, Daniel passou por
Erick Gouveia, adentrando seu quarto.
— É a Sophia. Ela não apareceu desde que… — subitamente, parou de
falar.
Ficou mudo de repente ao presenciar a cena que via. Um nó em sua
garganta se formou ao se deparar com Sophia deitada sobre a cama do quarto,
vestida com uma camisa masculina.
Com uma camisa de Erick!
Ela dormia serenamente, e os cabelos louros estavam bagunçados, as
pernas, dobradas, e ela envolvia o próprio dorso com os braços. Um lençol
branco desajeitadamente lhe cobria dos joelhos para baixo.
Daniel voltou seu olhar a Gouveia e o avaliou outra vez.
Ele estava seminu – e Sophia dormia em sua cama trajando apenas uma
de suas camisas. A realidade caiu sobre suas costas de forma pesada. E Erick
só confirmou suas suspeitas:
— Pode ficar despreocupado. Sophia passou a noite aqui.
17
UM BOM AMIGO

Sophia entrou vagarosamente no quarto de Erick. Era um espaço amplo,


mas ainda menor que a suíte que dividia com Daniel. Envolveu-se nos
próprios braços a fim de aquecer a pele, e rapidamente Erick caminhou até os
fundos do cômodo, cerrando a porta da varanda ao notar que o vento gelado
incomodava sua visitante. Pegou uma calça de algodão sobre a poltrona e
subiu pelas pernas. Tirou algumas peças de roupas espalhadas pela cama,
esticou o lençol.
— Sente-se aqui — ofereceu, e ela não recusou o convite.
Sentou-se sobre o colchão confortável, logo sentiu a presença de Erick
ao seu lado. Sophia manteve o olhar baixo, e vez ou outra, secou uma lágrima
aqui e ali que insistia em escorrer dos seus olhos. Ele tentou uma aproximação
tocando-lhe nas mãos. Sophia permitiu o gesto. Aliviado, Erick entrelaçou
seus dedos, acariciando a pele delicada.
Sentindo o toque brando, Sophia levantou o olhar para sorrir
timidamente.
— Desculpe ter vindo assim — lamentou tornando a olhar para baixo.
Viu suas mãos serem afagadas pelas de Erick e não evitou um pequeno
sorriso. Ele mal a conhecia, mas estava sendo gentil, cordial e amigo. Era
difícil encontrar uma pessoa com todas essas qualidades sem uma intenção por
trás.
Por um momento, pensou nas palavras de Daniel e afirmou a si mesma
que ele estava errado em relação a Erick. Ele era um homem bom, e disso
tinha certeza.
— Não precisa se desculpar. O que aconteceu lá? — questionou
inclinando um pouco sua cabeça na intenção de encontrar os olhos verdes.
Sophia respirou fundo e levantou o olhar. Erick tinha os olhos negros em
contraste com sua pele levemente morena, a barba bem-cuidada e aparada em
estilo bilbo contornava seu rosto o deixando atraente, e seu cabelo médio e
bagunçado na altura do pescoço lhe dava um ar de bad boy.
— Discutimos. Por sua causa. — sorriu fracamente e se desencontrou
dos olhos dele.
— Por minha causa? — inquiriu surpreso.
— Sim. Daniel é um idiota, acha que tenho cinco anos.
Erick apenas acenou brevemente e continuou a observá-la. Ele esperou
por uma explicação mais cristalina, já que estava confuso com toda a situação
entre isso que ela tem com Daniel.
— Eu queria entender essa coisa entre vocês dois — proferiu, e os
olhos entristecidos se encontraram com os seus. Segundo Sophia, Daniel e ela
não eram ex-namorados, além de, também, não afirmar manter ou não um
relacionamento, ao passo que Daniel, nas duas vezes que se encontraram, foi
bem claro ao dizer minha mulher. Se ele não era um ex possessivo que a
perseguia e não a deixava em paz, então o que diabos eles eram? Para até
dormirem no mesmo quarto?
Mesmo com todas essas perguntas martelando na sua cabeça e o
deixando curioso, não a pressionaria a contar qualquer coisa. Se fosse da
vontade dela, assim seria. Caso contrário, não insistiria.
Sophia abriu um singelo sorriso diante da paciência e respeito à sua
liberdade de não ter, até aquele instante, comentado nada sobre sua condição
com Müller. Erick vinha sendo uma pessoa extraordinária com ela. Foi um
cavalheiro quando conversaram, e agora a recebia em seu quarto. Ela ainda
não lhe contara sobre seu casamento de conveniência, e mesmo assim Erick
não fazia nenhuma exigência ou explicação.
— Bom — começou, decidida a esclarecer a confusão —, eu e Daniel
somos casados.
A expressão de Erick era de total surpresa, e, em vez de esclarecer, a
afirmação de Sophia o deixou mais confuso. Os olhos negros e belos se
estreitaram ligeiramente, os dedos ossudos e longos, entrelaçados aos
delicados e femininos, suavemente pararam com as carícias.
— É um casamento de conveniência, não se preocupe — explicou-se,
para acalmá-lo.
Eles continuaram a conversar, e Sophia lhe contou toda a história. Falou
sobre a falência da empresa de sua família, o casamento arranjado com Miguel
para salvá-los da ruína, sua atitude de desistir da união, de ter que fugir de
casa para não ser obrigada a se casar sem amor. Confidenciou como conheceu
Daniel, como e por que surgiu a ideia de se unirem em matrimônio
— Como havia a necessidade de o casamento parecer real, resolvemos
fazer essa viagem de “lua de mel”. — Fez aspas com os dedos. — Só o que eu
não consigo entender é por que Daniel agiu feito um idiota.
Erick a observava com um semblante neutro. Ouviu a história de Sophia
atentamente, querendo entender a situação toda e, de alguma forma, ajudá-la,
se fosse preciso.
— Ele parecia um homem enciumado — observou Erick Gouveia após
alguns segundos em silêncio.
— E por que ele teria ciúmes?
Erick movimentou os ombros.
— Não sei, talvez ele goste de você. Não justifica, claro, que ele te trate
com imbecilidade, mas explica um pouco as suas atitudes…
Por um segundo, Sophia ficou sem reação diante a dedução de seu
colega, apenas analisando as poucas palavras proferidas pelo amigo.
Lembrou-se do modo como reagiu à provocação de Miguel no dia do jantar de
noivado e à presença de Erick, na boate e na porta da suíte deles, pouco tempo
atrás:
Não toca na minha mulher, seu cretino!
Eu já não disse para ficar longe da minha mulher, capitão?
Sophia balançou a cabeça para afastar os pensamentos. Devia haver
outra explicação para as atitudes de Daniel.
— Ainda acho que é por causa do álcool — insistiu em sua teoria. —
Ele também veio com um discurso de que estava me protegendo e blábláblá…
— deixa um suspiro escapar junto com um breve sorriso, e Erick retribui com
um suspiro.
— Se você acha que é isso, então, não vou te contrariar. O que pensa
em fazer?
Sophia refletiu por um segundo, sem saber o que exatamente fazer,
soltando o ar preso em seus pulmões. A ideia, a princípio, era dar um tempo
para que os dois se acalmassem, principalmente Daniel, para só depois
retornar para a suíte. Mas pensou consigo mesma que se o fato de ter
procurado Erick não o deixaria ainda mais irritado quando voltasse e fosse
questionada sobre onde esteve.
— Na verdade, eu não sei — admitiu com um breve murmúrio. — Acho
que não é uma boa ideia voltar para lá hoje.
— Tem razão — concordou com um meneio de cabeça. — Se você
quiser, pode ficar aqui essa noite.
Sophia se remexeu na cama, surpresa com tal convite. Ela o procurou
por que queria desabafar com alguém, e como a amizade de Gouveia era a
única que tinha feito naquele imenso navio até então, e por ele ter
demonstrando ser uma boa pessoa durante o tempo que passaram juntos,
decidiu que alguns minutos de conversa com ele poderiam apaziguar e baixar a
poeira de estresse e confusão que Daniel levantou com suas atitudes
extremamente inexplicáveis e machistas.
Como planejou ao sair irritada da suíte presidencial, procuraria por
Erick para conversar e, assim que se sentisse mais calma, voltaria ao seu
quarto rezando para que Daniel não estivesse por lá, ou que já estivesse
dormindo, de preferência no sofá, pois com suas atitudes imbecis não seria
mais justo se revezar para deixá-lo confortável.
Mas a oferta de Erick a pegou de surpresa, e mesmo que Sophia
quisesse recusar, sentiu-se atraída em aceitar. Temendo que Daniel fizesse um
escândalo maior quando regressasse, ponderou concordar em ficar. Porém,
assim como ficou incomodada com o fato de ela e Daniel terem de dormir no
mesmo quarto, a ideia de ter que dormir na mesma cama com Erick não era
cogitável, por mais que fossem amigos – e apenas recentemente amigos.
Olhou ao redor rapidamente e só viu uma poltrona. Dormir nela seria
desconfortável, e jamais permitiria que Erick dormisse desajeitadamente nela.
— Obrigada, Erick — agradeceu sinceramente —, mas eu irei recusar.
Não quero te incomodar.
— E quem disse que você me incomoda? — indagou de bom humor. —
Insisto para que fique.
— Mas, e você? Onde… onde dormirá? Não pensa que dormiremos
na… mesma cama, não é? — perguntou e se sentiu patética no mesmo instante.
Desejou ter ficado calada.
Erick riu e se levantou, caminhando até um pequeno guarda-roupa
embutido.
— Não, claro que não — esclareceu ao abrir o guarda-roupa para
pescar uma camisa. — Tenho um amigo que faz parte da tripulação, ele
trabalha como segurança durante a noite. Pensei em dormir no quarto dele e
você pode ficar com esse. — ele se virou segurando a peça de roupa e voltou
até Sophia com um sorriso divertido nos lábios.
— Tem certeza que não irei incomodar?
— Se disser mais uma vez que você incomoda, me sentirei ofendido —
declarou sorrindo e jogou a peça para ela. — Tome um banho e tire a fantasia.
Pode usar minha camisa para dormir.
Sophia segurou a camisa nas mãos e exibiu um sorriso acanhado. Ela
nunca esperava encontrar alguém tão bom como Erick.

♦♦♦

Finalmente, o body que começava a incomodar Sophia foi arrancado.


Um alívio delicioso trespassou o seu corpo no momento em que se livrou da
vestimenta e a jogou num canto qualquer do banheiro do aposento de Erick
Gouveia. Ligou o chuveiro, prendeu os cabelos em um coque alto e tomou um
banho rápido. A temperatura agradável da água relaxou seu corpo e mente, e
ela já não se preocupava mais com Daniel nem com que ele pensaria, ou como
ficaria, assim que tivesse conhecimento que passara a noite no quarto do
capitão.
Vestiu a camiseta e um roupão encontrado nas gavetas. Saiu para o
quarto; Erick estava ao telefone, pedindo, pelo breve acompanhamento da
conversa, emprestado o quarto do tal amigo segurança. Ela o observou
rapidamente, reparando na mudança de suas vestimentas. Agora, trajava um
jeans skinny e camisa polo de mangas compridas. Ele encerrou a chamada e
mirou Sophia com uma pequena risada.
— Bom, vou deixar você descansar. Já falei com meu colega, e ele
concordou que eu fique em seu quarto.
Sophia segurou o roupão impedindo que se abrisse.
— Eu agradeço a sua gentileza, Erick. De verdade. Não queria dar todo
esse trabalho a você.
— Sophia, por favor, não é trabalho algum. Faço isso com todo prazer.
— Sorriu sinceramente para fazê-la se sentir mais confortável com sua oferta.
Aliviada por saber que Erick era franco, a loura anuiu com um balanço de
cabeça.
Antes de deixá-la sozinha, Erick se despediu com um beijo puro no rosto
branco e delicado. Sophia tirou o roupão e deitou na cama, puxando o lençol
para cobrir seu corpo. Olhando para cima, os olhos verdes e inquietos
mirando o forro, seus pensamentos a levaram para todos os últimos
acontecimentos desde que chegou ao navio. Divagando, ela pegou no sono
ouvindo a voz de Erick:
…talvez ele goste de você.

♦♦♦

Erick acordou às sete da manhã com o amigo fazendo um barulho


estrondoso ao bater de porta. Sobressaltado, meteu a cabeça no beliche de
cima e soltou um resmungo, enquanto o amigo ria de seu desastre.
Após vestir-se e trocar meia dúzia de palavras com o colega, caminhou
de volta para sua suíte. No percurso, preocupado com que Sophia vestiria,
pois lembrara-se que tudo o que ela tinha era apenas uma fantasia de diaba,
passou em uma loja feminina e comprou-lhe algumas peças de roupa. Ao
chegar, Sophia ainda dormia feito um anjo. Os cabelos louros estavam soltos e
bagunçados, caídos sobre sua face; sorriu para si mesmo observando a moça.
Ela realmente não merecia ser tratada da forma que Müller a tratou, sabe-se lá
por quê. Nem ela, nem mulher alguma. Cauteloso, deixou as sacolas da loja em
cima da cama e foi até o banheiro.
Num determinado momento do banho, teve sensação de ouvir batidas à
porta. Desligou o chuveiro, aguçou os ouvidos na certeza de não ser um delírio
de sua mente, e já se enrolava na toalha quando ouviu outro lance de batidas.
Ao abrir a porta, viu Daniel de costas, de partida. Este, ao notar que foi
tardiamente atendido, se virou novamente, e os dois se encararam, ambos
surpresos.
— Finalmente — Daniel pronunciou, exasperado, retornando alguns
passos.
— O que faz aqui? — Erick o questionou, ainda desnorteado pela
presença repentina. Pensou em Sophia na sua cama e previu uma confusão.
Sem esperar, Daniel passou por ele, entrando em seu quarto, totalmente aflito.
— É a Sophia. Ela não apareceu desde que… — o homem de repente
parou de falar; Erick acompanhou seu olhar.
Ele a viu. Viu Sophia dormindo em sua cama, e Erick já se preparava
para enfrentar a ira do marido de conveniência. O olhar de Daniel correu até
ele, e Erick quase pôde imaginar a besteira em que está passando por aquela
cabeça. Tentando não alimentar mais sua conclusão precipitada, declarou:
— Pode ficar despreocupado. Ela passou a noite aqui.
Pode ficar despreocupado. Ela passou a noite aqui.
Daniel pestanejou, quase não conseguindo acreditar nos próprios
ouvidos.
A ideia de que Sophia esteve com Erick a noite toda bateu nele e criou
uma sensação confusa. Ele não sabia se sentia raiva, agonia ou decepção. Pela
primeira vez, Daniel não teve reação alguma. Apenas encarou Erick com uma
expressão neutra, e alternou o olhar entre o homem à sua frente e Sophia
deitada sobre a cama.
Erick estava m silêncio, estranhando a postura de seu visitante, pois
esperava uma briga iniciada pelo próprio Daniel, mas ele simplesmente
permaneceu, por alguns breves segundos, indiferente. Súbito, como se a ficha
dele caísse, Daniel agarrou Erick pelo pescoço e o encostou contra a parede
ali próxima.
— Passou a noite com ela? — esbravejou apertando-lhe a jugular.
— Não seja idiota, Daniel! — Erick rebateu, empurrando-o e se
livrando do aperto em seu pescoço. — Eu disse que ela passou a noite aqui, e
não comigo!
Daniel pareceu confuso e olhou para Sophia outra vez. A Hornet não
dava sinais de que ouviu seus gritos segundos atrás e perdurava em seu sono
sereno. Daniel afagou o rosto, aliviado em saber que ela estava bem, e mais
tranquilo ainda por eles não terem tido nada.
E se tivessem tido? Perguntou a si mesmo, você não tem nada a ver com
isso!
O fato de se sentir incomodado em presenciar Sophia com outro homem,
ainda que fosse apenas uma dedução, estava lhe tirando a lucidez. Por que me
importo tanto?
— Olha, Daniel — Erick disse, interrompendo seu questionamento
interior —, eu sei que vocês não têm nada. Sophia me falou sobre o casamento
de mentira que estão sustentando. Mas, quer um conselho? O jeito como está a
tratando: nem se fossem casados de verdade teria esse direito. Você está
magoando-a.
Você está magoando-a.
Estas simples palavras o atingiram como um soco forte. Ele não tinha
noção de como aquilo era verdade. O modo como tinha gritado com ela, as
palavras que proferiu, suas atitudes machistas. Toda vez que pensava em se
desculpar, tinha um ataque de fúria e fazia com que Sophia se magoasse ainda
mais.
— Como ela chegou aqui? — murmurou.
— Bem abalada. Chorando. Sophia nem quis voltar para o quarto de
vocês com medo da sua reação. Então, eu ofereci que ela ficasse aqui e fui
dormir em um quarto que consegui emprestado.
Daniel suspirou pesadamente, não acreditando que fizera Sophia chorar.
Logo ele que se preocupava tanto e não queria que ninguém a ferisse, ele
mesmo a decepcionou. Sua preocupação, pelo jeito, extrapolara todos os
limites.
Pressionou as têmporas; mirou Sophia novamente, que continuava a
dormir. Como eu posso me arrepender e fazer tudo de novo?
— Quando Sophia acordar, pode pedir para que me procure? Quero
conversar com ela. Com mais calma.
Erick acenou, e Daniel passa por ele, saindo.
Erick fitou Sophia. Ficou feliz que ela continuasse dormindo e não
tivesse presenciado a conversa entre ele e Müller. A última coisa que gostaria
era de vê-la nervosa por causa de Daniel.

♦♦♦

Sophia acordou vagarosamente, um bocado enjoada. Espreguiçou, sentiu


cheiro de frutas frescas e de brisa marítima. O vento entrava pela porta da
varanda; ela se virou para ver Erick encostado ao parapeito, observando o
mar lá fora. Olhou ao redor, reparou em algumas peças de roupa sobre a
poltrona e uma bandeja de café da manhã logo ao lado da cama. Sentou-se
coçando os olhos, se lembrando que passara a noite no quarto de Erick, depois
da confusão com Daniel.
— Bom dia — ouviu a voz de Erick e levantou os olhos com um sorriso
sonolento. — Como dormiu?
— Bom dia, dormi bem. E você? — Puxou o lençol para cobrir parte do
corpo dentro da camisa social masculina emprestada.
— Bem… — apenas disse e se sentou na beirada da cama. — Daniel
esteve aqui. — pronunciou, e Sophia prendeu a respiração. O medo de que ele
tenha feito alguma bobagem quase a domina.
— O que ele queria?
— Estava procurando por você.
— E o que você disse?
— Não foi preciso. Ele te viu.
Ela pestanejou, temendo o pior.
— Que reação teve?
— Ele ficou nervoso, só para variar. Mas depois saiu daqui bem
abalado. Pediu para que você o procurasse para conversarem.
Sophia suspirou. Recentemente vinha duvidando se Daniel sabia
conversar. O que ele chamava de “conversa” eram gritos, ofensas e atitudes
machistas.
— Pois ele que espere. Não volto para lá tão cedo — declarou mesmo
não tendo a mínima ideia de como vai passar parte do dia longe de seu quarto.
Com um pequeno sorriso, Erick se levantou e pegou a bandeja de café
da manhã — farta com frutas, cereal, suco e leite — e pôs sobre a cama,
próximo a ela.
— Reponha as energias. Depois, se quiser, podemos sair um pouco.
Sophia pegou um morango e deu uma leve mordida.
— Eu não sei como irei sair desse quarto sem roupa.
— Ah, isso não é problema — Erick disse com um largo sorriso —,
passei em uma loja e comprei algumas coisas para você.
— Erick! — ela o advertiu totalmente surpresa. — Não deveria ter feito
isso.
Ele gargalhou e pegou uma uva.
— E por que não? Prefere sair por aí só vestindo uma camisa
masculina?
— Óbvio que não — terminou de comer o morango —, mas não deveria
ter se incomodado. Eu já estou começando a abusar.
Erick revirou os olhos de bom humor.
— Eu já disse que faço com todo prazer.
— Em todo caso, quero devolver o dinheiro.
— Não precisa.
— Precisa, sim, senhor. — Jogou uma uva nele e os dois gargalharam.
— Tudo bem. Dessa vez eu deixo você tomar uma decisão.
Sophia revirou os olhos, rindo, e bebericou um pouco do seu leite. Os
dois continuaram conversando, Erick lhe falou um pouco mais sobre sua vida.
Então, ela descobriu que ele vivia em São Paulo, mas os pais estavam no Rio
de Janeiro. Estava fazendo sua viagem no Cruzeiro para participar de um
evento de cosplay em Salvador, por isso aproveitou a viagem agradável para
divulgar seu trabalho entre os turistas do navio. Por conta da profissão, como
já foi constatado que gostava de se aventurar por cidades turísticas e ganhar a
vida quase como um nômade para difundir a arte que ele chamava de trabalho,
quase não tinha namorada.
— E por que elas não te acompanham? — inquiriu Sophia terminando de
fazer seu desjejum.
— Muitas têm uma vida fixa, família, estudos, trabalho. — Desenhou um
sorriso fraco. — E sustentar um namoro à distância, acredite, é difícil.
— Imagino. — Sophia suspirou e desviou o olhar, afastando a bandeja
de madeira.
— Vou sair para que possa se trocar — Erick disse de repente, e saiu no
mesmo instante.
Tomando em mãos a roupa que, zelosamente, Erick comprou, não pode
deixar de sorrir com a preocupação do amigo. Tirou a camisa social e vestiu a
camiseta vermelha que veio no pacote. Subiu pelas pernas uma legging preta e
calçou um par de tênis, que Erick também adquirira.
Amarrou os cabelos sem penteá-los e caminhou até o banheiro, fez um
bocejo com água e pasta de dente, já que estava sem escova, e lavou o rosto.
Quando saiu para o quarto, este continuava vazio, e ela chamou por
Erick, que logo surgiu segundos depois, com um sorriso amigável no rosto.
— Eu quero te agradecer por tudo que fez por mim, Erick. Eu nunca
esperava encontrar um amigo como você — Sophia agradeceu mais uma vez e
se aproximou para abraçá-lo em sinal de gratidão.
Gouveia retribui o abraço sentindo o calor do corpo dela ao seu, o
simples gesto enchendo seu coração de uma emoção boa e genuína, uma
espécie de paz interior por ter sua amizade.
— Pode contar comigo sempre e quando precisar — proferiu
encerrando o abraço.
Sophia se sentiu acolhida por Erick. Definitivamente, Daniel estava
errado em seu julgamento. Erick Gouveia era um homem bom, humilde e
amigo, que a tratou com respeito e ofereceu uma amizade pura, sem segundas
intenções; e ela o admirava por isso.
— Para onde vai agora? — questionou ele.
— Ainda não sei. Só sei que não quero ter que encarar Daniel tão já.
Erick buscou pelas horas em seu relógio de punho. Eram quase dez da
manhã.
— Poderíamos andar um pouco. O navio tem bastante atrações, e depois
poderíamos almoçar juntos, o que acha?
Animada com o convite dele, Sophia aceitou.
Os dois caminharam para fora do quarto e vaguearam pelo navio sem
destino certo. Andaram e conversaram descontraidamente, e Erick só provou
cada vez mais que era um homem direito e um ótimo amigo. Por um pequeno
momento, ela divagou o observando: reparou em como suas bochechas tinha
pequenas covinhas quando ele sorria, e de como seus olhos negros emitiam um
brilho espontâneo de felicidade; mas o que ela mais gostava em Erick era sua
interpretação do icônico Capitão Jack Sparrow. Era tudo tão sincronizado e
harmônico que Erick seria um dublê perfeito. O bom humor dele exalava de
suas veias, e quando ela percebia, estava sorrindo por qualquer gesto fútil que
ele fazia.
Após andarem por um tempo, resolveram ir até uma pequena cabine de
fotos. Alegremente, bateram vários retratos juntos, sorrindo, fazendo caretas,
gargalhando, e a preferida de ambos era Sophia como “vítima” do Capitão.
Mesmo sem os pesados aparatos, os movimentos corporais de Erick eram
inconfundíveis.
— Já estou com fome, vamos almoçar? — Erick perguntou após se
recuperar de um ataque de risos, saindo da cabine.
Sophia ainda estava sem ar e envolveu a barriga com os braços,
tentando recuperar a postura por ter rido muito.
— Vamos. Estou faminta.
Os dois seguiram, então, até o restaurante mais próximo. Enquanto
esperavam que seus pedidos cheguem, continuaram a conversar e sempre
tinham assunto a ser abordado. Falaram de filmes a livros, de suas bandas
favoritas a notícias da atualidade.
A conversa entre os dois amigos era tão agradável que mal repararam
em como as horas correram rapidamente, e que terminaram a refeição há pelo
menos vinte minutos. A taça de vinho de ambos continuava pela metade, mas
parece que nenhum dos dois se lembrava de tomar, por conta da conversa que
fluía.
Mais quinze minutos se passam, como se voltasse à realidade, Erick
pede a conta e, com a companhia agradável de Sophia, voltam para seu quarto.
— Obrigada pela manhã maravilhosa, por ter me recebido em seu quarto
e por tudo que fez por mim. Eu não tenho palavras para te agradecer, Erick —
Sophia agradeceu de frente para a suíte de Erick Gouveia.
— Eu já disse que não precisa me agradecer. Eu adorei o tempo que
passamos juntos. Você é uma mulher incrível, então, eu é quem tenho que dizer
“obrigado” — retrucou amigavelmente, e os dois riram.
Um pequeno silêncio se fez quando ambos cessaram as risadas. Erick
olhou para o corredor atrás de Sophia, e ela encarou o chão de assoalho do
navio. Em um breve momento de insensatez, quando seus olhares se cruzaram,
de repente, as lembranças da noite anterior e da manhã que tiveram juntos vem
à sua mente, e ela se sentiu agradecida por tudo que Erick fez a seu favor: a
conversa aprazível sem assédio, o jeito como a acolheu em seu quarto e abriu
mão de dormir na própria cama para que tivesse onde ficar, o almoço e o papo
que fluiu sem tensão, o modo como a defendeu de Daniel e de como estava
disposto a enfrentá-lo, de como ofereceu sua amizade sem ser calculista e seu
zelo de lhe ter comprado roupas novas.
Ela se perguntou se haveriam mais “Ericks” no mundo. E se não
houvessem, pensou que seria ótimo para a humanidade mais pessoas como ele.
Sentindo que devia um ato de agradecimento, que deveria retribuir por
toda a gentileza e cordialidade de Gouveia, Sophia se aproximou suavemente
e o beijou nos lábios.
Surpreso, Erick arregalou os olhos, e o perfume dos cabelos dela
subiram por seu nariz, o deixando extasiado. Os lábios finos de Sophia eram
macios – e ele pôde quase dizer que eram doces. Vagarosamente, separou a
boca para lhe dar mais espaço, e o beijo simples se tornou um beijo de língua.
Delicadamente, Erick a alcançou pela nuca e a trouxe para mais perto, à
medida em que Sophia também o segurava pela nuca.
Segundos depois, o beijo foi interrompido pela loura. Olhou para baixo
com um tênue sorriso; suas testas quase se encontraram.
— Isso foi… — Erick começou, mas ela o impediu de continuar.
— Por favor, não diga nada — sussurrou sem levantar o olhar. Tem um
sorriso tímido curvado nos lábios e sentiu que ele acenou com a cabeça.
— Então, a gente se vê outra hora… — Erick pronunciou não sabendo
que reação ter após o beijo inesperado.
Sophia anuiu com um meneio de cabeça e, logo após, Erick entrou em
seu quarto, fechando a porta vagarosamente.
Ela respirou fundo e levantou a cabeça, virou o corpo pronta para
caminhar pelo corredor e voltar para sua suíte. Então, estacou.
Ao final do corredor, Daniel estava parado. Ele tinha um semblante
neutro e a encarou por longos segundos. Sophia sentiu seu coração acelerar e
temeu que Daniel fizesse alguma bobagem, que começasse uma briga com
Erick.
Mas tudo que recebeu foi um sorriso fraco e entristecido, seguido de um
gesto de cabeça. Então, ele se virou e saiu, deixando-a sozinha.
E levemente atordoada.
18
DESEJOS AFLORADOS

Müller não soube como reagir quando viu Sophia beijando Erick
Gouveia. O sentimento que bateu em seu peito era totalmente estranho, um quê
de inexplicável, uma sensação insólita e indecifrável. Se havia explicação
para o sentimento inédito, ele poderia apenas dizer que era como se a
estivesse perdendo.
Lembrou-se da suíte e da mesa posta à varanda com frutos do mar, que
ele comprou no restaurante, acompanhada de um bom vinho para agradá-la,
pois sabia de sua preferência pela bebida. Achou-se um completo patético por
ter preparado uma pequena surpresa.
Horas antes, ao descobrir que Sophia dormira na cabine de Erick, e de
ter ouvido boas verdades, queria realmente se desculpar. Só não sabia como.
Regressou a seus aposentos pensando em – quem sabe – comprar um buquê de
flores ou, ainda, uma joia em sinal de arrependimento. No mesmo instante,
rejeitou a ideia. Não queria que Sophia pensasse que estava comprando seu
perdão.
Somente desejava poder sentar e conversar com ela calmamente, se
desculpar por sua atitude troglodita, por tê-la feito chorar e pela briga que
culminou em ela ter de procurar por outro lugar para ficar.
Por isso, pediu que servissem o almoço na suíte, ajeitou tudo na mesa da
varanda, frente à vista magnífica para o mar. Também comprou um buquê de
rosas vermelhas e escreveu um cartão.
Ansiosamente, aguardou seu retorno, mas não aconteceu. Deduzindo que
Erick não havia dado o recado, voltou até a cabine 25-A; no momento em que
se aproximava, a cena que viu deixou suas pernas trêmulas.
Subitamente, travou no lugar, quase não acreditando no episódio que se
desenrolava. Perguntou a si mesmo se o sentimento que pulsava em seu
interior era idêntico ao que Sophia sentira ao flagrá-lo com Melissa e,
posteriormente, com Christina.
Será que ela, pelo menos, sentiu alguma coisa?
Foi trazido de volta à realidade quando Sophia notou sua presença ao
final do corredor, assustada. Seus lindos e grandes olhos verdes arregalaram
diante dele. Diferente das outras vezes, Daniel não faria escândalo. Já havia
feito muito. Deixaria que Sophia seguisse sua vida, que se divertisse e se
envolvesse com quem quisesse.
Emudecido, sorriu fracamente, abanou a cabeça, virou os calcanhares e
caminhou, querendo apenas voltar para seu quarto e jogar toda a comida no
lixo. Cruzou o navio a passos rápidos, tentando manter sua lucidez no devido
lugar, e não permitir sucumbir a sentimentos e sensações incompreensíveis.
Subitamente, ouviu passadas ligeiras logo atrás.
— Daniel — Sophia ofegava quando o alcançou —, espere, por favor.
Ele continuou a andar, mas diminuiu a velocidade.
— Vamos conversar — pediu acompanhando o ritmo dos passos dele.
— Se quer me explicar sobre a cena que vi, não perca tempo, senhorita
Hornet. Não me deve nenhum tipo de explicação. É uma mulher livre —
declarou quase que friamente; virou em um corredor à esquerda.
Sophia já constatou diferentes tonalidades na voz de Daniel quando ele
pronuncia “Senhorita Hornet”. Nos primeiros meses em que se conheceram era
estritamente profissional, em outros dados momentos era tenuamente irônico,
mas, agora, sua tonalidade era de quem estava irritado, nervoso ou
incomodado com alguma coisa. E ela odiava ter seu sobrenome pronunciado
daquela forma – naquela tonalidade.
— Daniel, não seja dramático. — Segurou-o pelo braço e o forçou a
parar. — Podemos, pelo menos uma vez, resolvermos nossas diferenças como
dois adultos?
Müller respirou fundo e olhou para um canto qualquer do ponto onde se
encontrava, enquanto fazia um exercício mental para não agir de novo feito um
idiota. A última coisa que queria era fazê-la mal.
— Eu já disse que está tudo bem, Sophia — falou com a voz atenuada.
— Não tem que se preocupar em me dar satisfação de nada — proferiu e
passou por ela outra vez, dando continuidade ao seu trajeto.
Aborrecida, Sophia o acompanhou, irritada com a indiferença dele. Ela
ainda não aprendeu a lidar com o Daniel Müller alterado, e nem o Daniel
Müller estranhamente calmo, mas visivelmente incomodado. A atitude
repentina de seu esposo de conveniência denunciava evidentemente seu
desconforto com o beijo que ela e Erick trocaram, mas por quê? Era o que
Sophia gostaria de descobrir.
— Eu não quero dar satisfação de nada para você, Daniel. — Eles
entraram no elevador, se apertando por causa de mais três ou quatro pessoas
presentes.
Lado a lado, Daniel sentiu a pele dela tocar seu braço; a mesma corrente
inexplicável o percorreu e eriçou seus pelos. O poder que Sophia tinha sobre
seu corpo e psicológico era de tirar a sanidade, nunca sentiu isso por mulher
alguma.
Tentou não transparecer a aflição que se formou em seu íntimo ao senti-
la tão perto, mas tê-la tão longe.
— Então não se explique. Simples. — Foi tudo o que disse, olhando
para a tela próxima à porta, indicando os andares onde estavam.
Sophia suspirou. Desistiria de conversar com ele. Se Daniel estava
agindo de forma fria e indiferente, não insistiria no assunto.
As portas se abriram para que as pessoas saíssem. Ficaram sozinhos, em
silêncio, esperando o elevador levá-los um andar acima. Quando chegaram,
Daniel foi o primeiro a sair e adentrar o corredor que os conduziria até a suíte
presidencial. Sophia foi logo atrás pensando no aborrecimento que estava
sendo a viagem. Desde que chegaram quase não tiveram um momento em que
não estivessem brigando, discutindo ou um ofendendo o outro.
Isso porque nem somos marido e mulher. Isso porque estamos apenas
há um dia aqui!
Daniel abriu a porta e, sem olhar para trás, se apressou em direção à
varanda. Estranhando, Sophia espiou ao redor: havia um buquê com lindas
rosas vermelhas descansando dentro de um vaso com água; sobre a mesa,
talheres, pratos, taças, uma garrafa de vinho e uma bandeja tampada, que
Daniel recolhia rapidamente.
— O quê… o que você fez aqui? — Trepidou nas próprias palavras,
confusa.
Interiormente, esperava não ouvir uma resposta em que ele lhe diria que
esperava por uma companhia. Aquilo seria demais para ela.
Daniel se aproximou do vaso, pegou as flores e jogou em um cesto de
lixo, juntamente com a comida da bandeja, deixando-a mais confusa.
— Eu fiz para nós. Pedi para que o seu pretendente lá te avisasse que eu
queria conversar com você. Quis preparar um momento agradável para nós
dois, já que não tivemos nenhum desde que chegamos aqui. — Juntou a louça
limpa e deixou sobre uma bancada ali perto. — Pelo visto, ele não deu o
recado. — Ele se virou para ela e suspirou.
Sem esperar por uma resposta, agarrou a garrafa de vinho e guardou no
frigobar.
— Ele deu o recado — Sophia respondeu ainda atordoada. Não
esperava que Müller tivesse preparado um momento a dois para eles.
— Entendo que era mais interessante a companhia dele — declarou
sentando-se na cama e ligando a TV.
O sangue dela fervilhou. Daniel se comportava como uma criança
birrenta. Ela nunca conseguia entender suas atitudes. Uma hora gritava e a
ofendia; outra hora agia com indiferença, e quando ela achava que sua
bipolaridade não podia ser maior, ele parecia provocá-la.
— Eu não sabia que tinha preparado isso tudo — aumentou um pouco o
tom de voz e cerrou os dentes, argumentando.
— Talvez se tivesse vindo como eu pedi… — Daniel não a olhava e
mudava os canais impacientemente.
Revirando os olhos, ela arrancou o controle de suas mãos. Em protesto,
Daniel tentou segurar, mas Sophia tirou de seu alcance e deixou escapar um
pequeno sorriso sapeca dos lábios.
— Sophia, me dê esse controle — exigiu, mas foi paciente.
— Não. Estou falando com você e essa coisa está tirando sua atenção de
mim.
Daniel Müller bufou e se levantou em um salto, pondo-se na frente dela.
— Não me obrigue a tirar essa porcaria da sua mão à força.
— Converse comigo e eu te dou essa porcaria — rebateu encarando-o.
— O que você quer conversar? — bruscamente abaixou o tom de voz em
um sussurro, enquanto fitou os lábios finos.
De repente, a lembrança dele prensando-a contra a parede e
experimentando o seu beijo retornou à sua mente como um clarão. Quase pôde
sentir o gosto doce de sua boca outra vez, e todas as vezes que eles se
beijaram pareciam bombardear a sua memória.
— Sobre você. Sobre seu comportamento — disse baixinho, a voz
balbuciante, seu coração levemente acelerado.
Sophia já percebeu que Daniel encarava seus lábios. Sentiu-se um pouco
incomodada com o fato, e rezou para que ele não agisse como na noite
anterior. Se fosse prensada contra a parede para ser beijada, talvez não
resistisse e, em vez de um tapa, ela retribuiria o beijando com a mesma
intensidade.
Mentalmente, afastou seus pensamentos absurdos, enquanto ele
continuava com seus olhos grudados aos seus lábios.
— Eu sou um idiota. Deveria saber disso — pronunciou, e sua voz rouca
quase a fez perder a firmeza das pernas.
— Eu sei que é um idiota — murmurou, e agora ela também olhava para
os lábios dele. O coração continuava acelerado, e essa aproximação estava
aumentando gradativamente seus batimentos. — Quero saber por que agiu feito
um marido ciumento sendo que não somos nada.
Ciúmes? Daniel pestanejou, recobrando a consciência. Perdeu-se nos
lábios de Sophia que se moviam com graça a cada palavra dita. Sua voz tão
afável e angelical só ajudou para que ele entrasse em um torpor momentâneo.
“Quero saber por que agiu feito um marido ciumento sendo que não
somos nada. ”
Eu agi feito um marido ciumento? Perguntou a si mesmo, e se afastou
dela, dando-lhe as costas; os dedos encontraram os fios alourados bem
penteados, em sinal de total nervosismo.
Sophia continuou o encarando, esperando por uma resposta.
— Eu já disse — a frieza em sua voz retornou —, estava preocupado
com sua integridade e segurança. Só temi que esse tal de Erick te fizesse
alguma coisa. Mas já me provou que é uma boa pessoa, então… não tenho
mais porquê interferir na sua vida. — explicou-se ainda de costas.
Mesmo que ele não pudesse ver, Sophia acenou positivamente. Talvez
Daniel estivesse falando a verdade, talvez ele realmente se preocupasse com
ela e fez tudo na intenção de protegê-la. Ponderou, ainda, que o consumo de
álcool ativou o lado superprotetor e troglodita dele, justificando o motivo por
ter sido um idiota.
Mas, e o beijo?
Aos poucos, Daniel virou-se para ela, recuperando a postura.
— Agora que já conversamos, me devolva o controle — pediu esticando
a mão.
Sophia sorriu travessa e balançou o controle.
— Vai ter que vir pegar. — E se distanciou dele, caminhando até o outro
lado da cama, deixando-a entre eles.
— Sophia, eu não estou de brincadeira. Me devolve isso! — disse
firme, mas sem conter o riso no canto dos lábios.
— Já disse que tem que vir pegar, senhor Müller — declarou outra vez,
e, de súbito, Daniel subiu pela cama, atravessando-a e chegando até o outro
lado.
Assustada com a reação repentina, Sophia se desvencilhou dos longos
dedos que tocaram sua camisa e correu até os fundos da suíte, contornando a
cama e chegando onde Daniel esteve. Vendo que ele já estava em seu encalço,
pulou na cama e saiu no outro lado. Num ciclo vicioso, ficaram nisso por
alguns segundos. Daniel ria e exigia o controle de volta, enquanto Sophia se
atentava a seus movimentos, balançando o objeto no ar, provocando e dizendo
que ele teria de pegar.
Corriam por cima da cama, como duas crianças brincando de pega-pega.
Sophia cortou caminho por cima da king size outra vez, e Daniel veio logo
atrás. Percebendo que ela contornava a cama para dar início a outro ciclo de
fuga e perseguição, Daniel retornou o caminho indo ao seu encontro.
Desatenta, Sophia só percebeu a investida quando foi segurada pelo
braço e encostada contra o guarda-roupa embutido, tendo Daniel arrancando o
controle de suas mãos.
Gargalharam como nunca.
As risadas acabaram e os dois se olharam intensamente. Daniel foi
novamente tentado a mirar os lábios finos e rosados de Sophia. Mal percebeu
que ela estava encostada ao guarda-roupa, sendo pressionada pelo seu corpo
largo.
Sophia não se moveu. Os batimentos cardíacos, já acelerados pela
pequena corrida segundos antes, aumentaram de forma exponencial ao
perceber que Müller se aproximava de seus lábios e ela não tinha para onde
recuar. Teve a sensação de que suas pernas não sustentariam o peso do próprio
corpo quando Daniel estava próximo o bastante para que ela sentisse seu
perfume cítrico subir pelas narinas e irritá-las.
Poderia simplesmente se desvencilhar ou pedir que ele parasse, se
distanciasse, mas não consegue organizar as palavras que pipocavam em sua
cabeça.
Müller continuava a se aproximar, e, quando Sophia acreditava que teria
suas bocas unidas, ele se desviou do caminho e resvalou a ponta do nariz em
seu pescoço.
No mesmo instante, a loura sentiu suas bases bambas. O modo sensual
com que ele encostou a ponta do nariz em sua pele e, vagarosamente, a
acariciou com movimentos curtos de para cima e para baixo, inspirando fundo
o cheiro natural de sua pele, mexeu com seu âmago… um embrulho no
estômago, uma tremedeira por dentro, as mãos suadas e o coração
descompassado…
— Santo Deus… — Daniel sussurrou perto de seu ouvido, e Sophia
sentiu que poderia perder a firmeza das próprias pernas. — Seu cheiro, seu
toque, sua pele… tudo em você, senhorita Hornet, é inebriante.
De repente, ela sentiu os lábios dele contra a curva de seu pescoço. Um
arrepio percorreu toda sua espinha. Lentamente, Daniel traçou beijos
molhados do lóbulo da sua orelha até chegar à clavícula, de forma sensual e
tentadora, seus lábios escorregando pela sua pele e queimando-a de prazer.
— Daniel! — um gemido escapou do fundo de sua garganta ao sentir a
ereção em sua coxa.
Müller estava entorpecido demais para qualquer outra reação.
Continuou a distribuir beijos na área de pele sensível, sua mão a segurou
levemente pelos cabelos dourados, induzindo-a a dar-lhe mais acesso ao
pescoço. Delicadamente, ele continuou a deslizar carícias com a boca em sua
tez macia e sedosa. As pernas de Sophia estavam trêmulas, e seu corpo
traiçoeiro respondeu ao estímulo provocante da língua dele.
— Você gosta, senhorita Hornet? — sussurrou sedutoramente,
mordiscando a ponta de sua orelha. — Gosta do modo como beijo seu
pescoço? — sua voz máscula ressoou excitante ao pé de seu ouvido, e ela
sentiu suas bases estremecerem.
O jeito como Daniel pronunciou senhorita Hornet a deixou ainda mais
extasiada. Seus pelos se eriçaram, e a respiração ficou irregular. Nunca
alguém despertara tanta paixão nela como Daniel estava fazendo naquele
instante.
— Não me respondeu, senhorita Hornet — insistiu ele, desviando os
beijos do pescoço para o rosto, alcançando o canto de sua boca para deixar
um ligeiro estalo úmido.
Sophia apenas acenou freneticamente e cerrou os olhos, apertando-o
com força, sentindo cada músculo do seu corpo desejando por mais. Por muito
mais.
Estava excitada por Daniel Müller.
♦♦♦

A pele dela era de um toque sedoso e tentador, algo simples, mas tão…
extasiante. Daniel nunca sentiu um toque tão aveludado e suave em sua vida.
Inspirar fundo o cheiro natural de Sophia direto de seu pescoço o deixou
enrijecido na mesma hora. Ele não entendia como ela conseguia ser tentadora
e recatada ao mesmo tempo. Sophia jamais fez esforço algum para despertar
nele o fogo ardente do desejo. Bastava um riso, ou que seus olhos verdes
brilhassem mais que o comum, ou que vestisse uma roupa um pouco mais
chamativa para Müller se sentir totalmente atraído.
O pequeno corpo dela encontrava-se com sua pele, o contato direto
causou-lhe explosões de testosterona, e ele notou os mamilos femininos já
endurecidos tocando seu tórax. Traçou beijos molhados por todo seu pescoço,
mas a vontade que tinha era de enfiar seus dedos entre as madeixas amarelas e
trazê-la para um beijo voraz.
— Responda com palavras, senhorita Hornet — ofegou a milímetros de
sua boca. — Gosta do modo como eu te beijo? — Daniel a observou. Sophia
tinha os olhos fechados, e sua expressão extasiada só revelava o quão ela
também sentia prazer com o momento. Seus lábios se moveram em um
inaudível “sim”. — Seja mais firme, senhorita Hornet, eu não te ouço. — E
nesse momento, ele a agarrou pela cintura e colou mais seus corpos.
O atrito entre os dois gerou uma faísca mútua de prazer, e ambos
gemeram baixo.
— Sim, senhor Müller — ela respondeu mais alto e entre gemidos.
E sua submissão o deixou ainda mais excitado.
Fixou os olhos nos lábios entreabertos dela. Iria tomá-los para si, e,
dessa vez, sentia que seria correspondido. Os olhos verdes dela encontraram-
se com os seus, intensos, pecaminosos… ela se desencostou da parede e se
inclinou em sua direção, fitando sensualmente os lábios de Daniel, ao passo
que ele também se aproximava mais para eliminar o espaço entre suas bocas.
Seus lábios se encontraram superficialmente, ambos aspirando com
ligeira sofreguidão o ar do outro; suas respirações estavam ofegantes, e seus
corações, descompassados. Era quase tangível o desejo que se espalhava pela
atmosfera em concretizarem o beijo, de tomarem suas bocas, de
verdadeiramente experimentarem um do outro…
De repente, alguém bateu à porta, assustando-os e quebrando o momento
ardente. Daniel se afastou em um sobressalto, enquanto Sophia tentava
recompor a postura.
Uma mulher baixa de cabelos curtos e negros, com um uniforme de
camareira, carregando balde e utensílios de limpeza, adentrou o local após
Daniel permitir secamente sua entrada.
— Boa tarde, senhor. Serviço de quarto. Deseja para agora ou mais
tarde? — a mulher baixa perguntou.
Ainda sentindo seus batimentos acelerados, ele encarou a pequena
mulher à sua frente. Daniel não sabe se a amava ou se a odiava pelo fato de tê-
lo interrompido.
— Pode ser agora — respondeu.
Olhou para Sophia que estava ajeitando os cabelos. Sem dizer nada,
simplesmente saiu, deixando-a para trás.

♦♦♦

— Não precisa sair, senhora — a camareira disse selecionando alguns


itens para a limpeza.
Sophia mal a ouviu. Estava assustada demais com tudo o que aconteceu
no último minuto. Quase não conseguia acreditar na insensatez que estava
prestes a cometer.
Atravessou o cômodo e deixou que a funcionária falasse sozinha, entrou
no banheiro e se recostou à porta, deslizando até o chão. Uniu as mãos em
forma de concha e tampou o rosto, totalmente abismada. O calor do momento
ainda subia por seu corpo, suas partes continuavam excitadas, e seu pescoço
ainda tinha pelos eriçado por causa dos beijos sensuais que Daniel distribuiu.
Tentando recuperar um pouco a sanidade, levantou-se e despiu-se.
Encheu a jacuzzi e mergulhou nela, fechou os olhos e fez esforço para clarear
seus pensamentos. Inspirou e expirou diversas vezes para acalmar seu coração
acelerado.
Deus, onde estava com a cabeça?
Mesmo que quisesse esquecer, era impossível. O toque de Daniel, sua
voz rouca ao pé do ouvido, seus lábios no seu pescoço. Tudo nele era tentador
e provocante; Daniel era quente, sensual e excitante. Só agora ela entendia por
que as mulheres se fascinavam tanto por ele. Ela própria estava fascinada pelo
Müller. Mais do que isso.
Excitada.
Não aguentando a necessidade de seu corpo, Sophia mentalizou os
momentos antes de serem interrompidos. Quase pôde sentir a ereção dele nas
suas coxas. Imaginou-o ali, com ela, beijando-a, a água batendo em seus
corpos nus enquanto ele a penetrava vagarosamente e suas unhas livremente
arranhavam-no nas costas largas. Um pequeno gemido angustiante escapou de
sua garganta quando o prazer lhe atingiu, e ela se desmanchou em desejo,
enquanto um sentimento totalmente novo preenchia sua alma.

♦♦♦

Daniel virou a quarta dose de uísque, mas nada parecia murchar seu
amiguinho. De todas as vezes que se sentiu excitado por Sophia, a última era
de longe a maior delas. O modo como Sophia estava inclinada a se render e a
se entregar para ele o ensandeceu. O anseio que tinha de possuir aquele corpo
de pele branca e macia o deixava à beira da loucura. Sua sanidade chegou ao
fim no momento em que percebeu que Sophia estava tão atraída quanto ele.
Seus corpos se encaixavam perfeitamente, suas bocas imploravam uma
pela outra… a química que rolava entre eles era inexplicável para Daniel. Ele
não foi capaz de entender, muito menos de explicar. Ele só conseguiu sentir.
Pediu outra dose de uísque. A quinta. Precisava esquecer. Precisava
ainda mais se lembrar constantemente que havia um contrato dizendo que eles
não deveriam consumar o casamento. E Daniel esteve a um pequeno passo de
fazer a bobagem. Se bem que, se o sentimento que surgira era mútuo, se ambos
se desejavam, perguntou-se, que problema haveria em terem apenas uma
noite? E se experimentassem um ao outro e depois voltassem às suas vidas
normais?
Balançou a cabeça freneticamente, seguido de um pequeno murro e
puxão de cabelo.
Pare de pensar besteira, Daniel Müller!
— Olhe só! Quem é vivo sempre aparece! — uma voz feminina o tirou
de seus devaneios confusos.
Virou o pescoço para divisar Christina ao seu lado; saltou do banco,
assustado.
— Calma, bombeiro gostoso. Eu não mordo. — E exibiu um sorriso
descarado.
Christina sorria descaradamente. Sentou-se ao lado de Daniel e cruzou
as pernas despidas. Usava um vestido curto de decote extravagante, os cabelos
negros estavam presos em um rabo de cavalo, e nos lábios um forte batom
vermelho chamativo.
— Oi… Christina. — Daniel pigarreou antes de conseguir cumprimentá-
la.
Sem dizer nada, ela arrastou seu banco para mais perto do dele,
deixando seus corpos bem próximos. O sorriso escancarado continuava em seu
rosto; ela o avaliou de cima a baixo.
— Posso saber por que não voltou ontem? Não sabe como me deixou na
mão — exigiu uma explicação. Sua voz soou natural e sexy ao mesmo tempo.
— Tive um imprevisto — mentiu e virou um gole pequeno do uísque —,
me desculpe.
A morena levou uma mão até o peito de Daniel e, com a ponta do
indicador, o acariciou de forma sedutora. Desceu o toque por seu tórax,
chegando até a altura do umbigo; mordeu os lábios antes de continuar e chegar
até o cós de sua calça.
Müller acompanhou a cena completamente desconcertado. Christina era
linda e encantadora, mas ele não se sentia atraído por ela. Queria ter se
esquivado, mas não quis parecer desinteressado.
— Entendo — finalmente se pronunciou. Enganchou o dedo levemente
por dentro do cós e puxou. Sorrindo, olhou para ele e seus olhos cor de âmbar
estavam intensos. — Livre hoje à noite? — sussurrou.
Não!
— Sim. — E forçou um sorriso.
Droga.
Christina se levantou com um largo sorriso estampado no rosto de traços
marcantes. Aproximou sua boca da de Müller e depositou um beijo curto antes
de finalizar com um sussurro tentador:
— Você conhece o caminho do meu quarto. Te espero às sete. Quero
aproveitar cada segundo dessa noite.
Sem que ele pudesse protestar, a morena o deixou sozinho,
desaparecendo por entre as pessoas.

♦♦♦

Daniel passou o resto da tarde na jogatina. Foi o único modo que


encontrou para tirar da cabeça o acontecimento com Sophia. Mas, enquanto a
bolinha da roleta russa girava até parar em um número, as lembranças dela
invadiam sua mente. Mesmo que ele tentasse se concentrar no caça-níqueis e
torcesse para que desse um resultado de três imagens iguais, seus pensamentos
vagueavam, e quando se dava conta, a voz dela gemendo seu nome o atingia.
Então, se enfiou no pôquer. Precisava se concentrar. Precisava saber
blefar. Pôs toda sua concentração no jogo de cartas, e ali ficou por um bom
tempo. Perdendo e ganhando.
Ter passado um tempo no cassino também era um ato inconsciente de
ficar longe de Sophia. Ele ainda não sabia como iria encará-la depois de
terem trocado carícias.
Olhou no relógio, já passavam das cinco da tarde. Terminou sua última
partida de pôquer, perdendo uma quantia irrelevante, deixou a mesa e resolveu
voltar para a suíte. Desejou profundamente que ela não estivesse lá.
Definitivamente, não queria conversar sobre o ocorrido. E ele sabia muito
bem que Sophia exigiria uma explicação.
Chegaria, tomaria um banho e, quem sabe, se encontraria com Christina.
Ao abrir a porta da suíte se deparou com Sophia na varanda. Os cabelos
amarelos estavam presos em um coque frouxo, trajava um vestido branco de
alças finas que batia dois dedos acima de seus joelhos; a brisa marítima
sacudia a cortina da porta de acesso à varanda, dificultando-lhe um pouco a
visão do que ela estava fazendo lá.
Aproximou-se cautelosamente.
Sophia virou-se, súbito, e deu um leve salto ao vê-lo ali.
— Me assustou — murmurou ela de olhos baixos, recuperando o ar que
se escasseou dos seus pulmões.
— Desculpe. Não era a intenção. — Entrou na varanda e observou o
entorno. A pequena mesa redonda estava delicadamente posta, o vinho que ele
guardara no frigobar jazia no centro, acompanhado de duas taças.
— O que é isso? — inquiriu um pouco atônito.
— Só quis recompensar. Você foi atencioso em ter preparado alguma
coisa para o almoço, mas como eu estraguei tudo porque não apareci, resolvi
fazer isso para o jantar. Pedi frutos do mar de novo. Já deve estar chegando.
Daniel não pôde deixar de sorrir brevemente. Teve a sensação de que
ela não queria tocar no assunto do ocorrido mais cedo, e a agradeceu
mentalmente por isso. Sentiu-se aliviadíssimo.
— Deveria ter me dito. Teria trazido flores.
Ela o olhou sorrindo de forma tímida, sentindo o rosto corar levemente,
e seus olhos brilharam diante Daniel. O verde de sua íris reluzia intensamente,
e ele sentiu um misto de sensações boas: alegria, paz e felicidade. Vê-la bem,
o fazia bem.
— Irei me arrumar enquanto isso — declarou Müller se retirando em
seguida.
Buscou pelo terno e tomou banho. Dentro do banheiro, ajeitava a gravata
com a mesma dificuldade de sempre. Penteou os cabelos e os fixou com gel;
usou uma colônia, arrumou gola e punhos da camisa branca…
Ao sair para o quarto, Sophia acabava de fechar a porta e trazia em
mãos uma bandeja. Apressou-se em ajudá-la.
— Obrigada — agradeceu sorrindo e entregando a bandeja para ele.
Os dois seguiram até a varanda, Daniel terminou de pôr a mesa enquanto
Sophia selecionava Patience 1 no Ipod para conectar ao som e deixar o
ambiente mais agradável.
Educadamente, Daniel puxou uma cadeira para ela. Serviu-os com vinho
e depois com o prato principal. Ele sentou-se na outra ponta, de frente para
Sophia. Admirou sua beleza por um momento. Ponderou que era normal essa
atração repentina que vinha sentindo. De fato, Sophia era de uma beleza
exuberante.
— Espero que não tenha se importado com isso — seu pronunciamento
o fez pestanejar e voltar à realidade.
— Não. Claro que não. Foi atencioso da sua parte e eu a agradeço por
isso — ajeitou o guardanapo de pano sobre colo.
— Você foi atencioso primeiro. Sinto muito ter estragado tudo.
— Não se preocupe, Sophia. O que passou, passou. Vamos esquecer
isso, tudo bem? — disse calmo, e Sophia acenou com um sorriso curto. —
Tirando todas as desavenças, o que está achando da viagem? — quis saber
com um largo sorriso, agitando sua taça de vinho antes do primeiro gole.
Sophia sorveu rapidamente seu vinho para só então responder. Abria a
boca para falar quando alguém bateu à porta.
Outra vez? Pensou Daniel mirando a porta.
— Pode deixar, eu vejo quem é — Sophia proferiu.
Abriu a porta para encarar uma morena bronzeada usando roupas
provocantes. Arregalou os olhos ao ver Christina.
A mulher do outro lado parecia tão surpresa quanto Sophia. A morena a
avaliou de cima a baixo, e depois conferiu o número do quarto, no intuito de
saber se não tinha se enganado.
— Sophia? — arqueou uma sobrancelha.
— O-oi, Christina — gaguejou.
Que diabos ela faz aqui? Quis saber Sophia, mentalmente, ao mesmo
tempo em que a outra mulher se fazia a mesma pergunta.
— Sophia, quem é? — Daniel gritou da varanda, e sem esperar por uma
resposta, se levantou, caminhando ao seu encontro.
Parou no meio do quarto quando viu Christina na porta.
Praguejou-a infinitamente.
Como se a mulher ali percebesse a situação, alternou o olhar entre os
dois, furiosa.
— Esse foi o imprevisto que teve ontem à noite, Daniel Müller? —
bradou entre os dentes.
Puta merda!
19
FÚRIA E CIÚMES

Christina ajeitou os seios fartos dentro do decote e retirou o excesso do


batom vermelho. Olhou ao redor de seu quarto, e ficou satisfeita por tudo estar
preparado para seu encontro com Daniel: algumas velas aromatizadas e
pétalas de rosa espelhadas sobre a cama faziam contraste com o branco do
lençol, luzes baixas conferindo ao local um ar romântico e ao mesmo tempo
erótico, e, ao fundo, uma música sensual em volume prazeroso.
Buscou as horas, e já era pouco mais de seis da tarde. Sem querer
arriscar ser deixada sozinha outra vez pelo homem exuberante, resolveu sair e
buscá-lo ela mesma.
Não sabendo onde era o aposento de Müller, voltou até o bar onde o
encontrou mais cedo, e com um incentivo de cem reais convenceu o barman a
descobrir a informação que necessitava. Quinze minutos depois, já tinha o
número do quarto e seu nome completo anotado em um pedaço de papel.
Seguiu marchando até lá, já imaginando a noite maravilhosa que teriam.
Queria ficar com ele a noite toda para compensar a passada, que Daniel a
deixou plantada e esperando.
Ao chegar à porta do quarto dele, percebeu que era uma suíte
presidencial
Tem dinheiro o danado! Pensou consigo mesma, abrindo um sorriso
felino e malicioso.
Ajeitou os cabelos e conferiu a maquiagem rapidamente pela tela do
celular, arrumou os seios fartos outra vez e bateu à porta. Segundos se
passaram até que fosse atendida. Christina já se preparava para agarrar Daniel
pela nuca e beijá-lo, manchando seu rosto com o batom vermelho, mas a
pessoa a sua frente era a última que ela imaginava ver ali. Pensou ter se
enganado de quarto e deu passo para trás para conferir o número.
Está certo!
— Sophia? — indagou surpresa e, ao mesmo tempo, confusa, arqueando
uma sobrancelha.
A moça a sua frente parecia tão atônita quanto ela; Sophia gaguejou:
— O-oi, Christina.
Antes que Christina pudesse questioná-la sobre o que Sophia estava
fazendo ali, ouviu uma voz forte e conhecida.
— Sophia, quem é?
Daniel! Reconheceu prontamente.
Seu sangue ferveu quando Müller surgiu de algum lugar do quarto e
estacou no meio do caminho, notando sua presença. Christina não demorou a
entender o que estava se passando e alternou o olhar entre os dois, sempre os
avaliando. Ele bem-arrumado e de terno; ela lindamente dentro de um vestido
branco.
— Esse foi o imprevisto que teve ontem à noite, Daniel Müller? —
disse entre dentes, deduzindo que ele a deixara esperando para estar com a
Hornet.
Daniel quase se engasgou com a própria saliva. Por um breve momento
não soube o que fazer. Apenas fitou-a, ainda atordoado por sua chegada
repentina.
Abruptamente, a morena adentrou o quarto, passando por Sophia,
marchando furiosamente até Daniel, queria xingar os dois ao mesmo tempo,
acreditando que Sophia havia fisgado Müller e que foi deixada esperando para
ele estar com a loura.
— Me responda, seu cachorro! — esbravejou. — Não acredito, Daniel,
que me trocou por esta loura sem sal!
Instantaneamente, uma cólera visceral incontrolável subiu pela espinha
de Sophia. A vontade que sentiu foi de agarrar Christina pelos cabelos e
expulsá-la do quarto deles por conta de sua invasão, do seu palavreado, das
suas ofensas e pré-julgamentos. Mas a cena que se desenrolava travou suas
pernas, e ela não teve reação alguma. Poderia simplesmente enaltecer que
Daniel era seu marido, e por isso, ela não tinha direito algum sobre ele. Ainda
assim, era idiota demais para tomar qualquer atitude. Pensou também em
Daniel. Por algum motivo ele fingiu não conhecê-la na presença de Christina
na noite passada, então, a verdade deveria partir dele.
— Christina, não é o que está pensando — enunciou Daniel tentando
acalmar a fera. —Vamos ali fora e eu te explicarei tudo.
— Para fora o caralho! — ela gritou ainda mais, fazendo os presentes se
sobressaltarem.
A morena olhou mais ao redor e divisou a mesa arrumada no lado de
fora. Caminhou a passos firmes até a varanda; fitou com fixação raivosa o
jantar deles. Levantou os olhos até Hornet e Müller, furiosa.
Ah, que bonitinho! Um jantar romântico!
Sophia estava congelada no lugar, e Daniel a encarava sem entender.
— Vocês iam jantar? — inquiriu em tom irônico. Não esperou por uma
resposta: — Não vão mais! — declarou, e virou a mesa.
Pratos, garrafa, talheres e taças vieram ao chão e se partiram,
derramando vinho e comida por todo o assoalho da varanda do navio.
Cético com a atitude da morena, Daniel pôs-se a caminhar
apressadamente, querendo impedir mais alguma ação desiquilibrada dela. Mas
não foi preciso, Christina já retornava, e, antes que ele pudesse dizer alguma
coisa, foi direto para Sophia lhe apontando o dedo.
— Roubou o meu homem, sua vadia?!
Sophia nada disse. Estava paralisada demais com tudo que acontecia em
sua frente. Por mais que sua vontade fosse de revidar, ela simplesmente não
conseguia.
— Christina, já chega! — Daniel a advertiu com o tom firme,
irritadíssimo com a morena, que passara dos limites difamando Sophia. Que
destruísse todo o quarto, mas não permitiria ofensas contra sua esposa.
Mas Christina não lhe deu atenção.
— Eu te apresentei o Daniel para que arrumasse um para você! —
continuou gritando e apontando o indicador para a Hornet. — Não para que o
tirasse de mim.
Sophia procurou por Daniel, que se aproximava delas, quase
implorando por ajuda somente com os olhos. Ela não sabia o que fazer e
estava assustada com a reação da Christina.
Daniel abria a boca para falar com a mulher, e até levava uma mão para
segurá-la pelo braço e tirá-la de seu quarto, quando o inesperado aconteceu:
Christina desferiu um tapa em Sophia.
— Sua vadia! — trovejou irritada.
Sophia levou a mão até a face atingida, que ardia. Voltou seus olhos
aterrorizados para Christina, abismada com a agressão física e verbal que
partiu dela.
Por um milésimo de segundo, Daniel ficou boquiaberto e assustado.
Voltou à realidade quando Sophia devolveu o tapa. As duas se agarraram uma
ao cabelo da outra, e ele precisou ser rápido para interferir. Puxou Christina
pelos braços e a arrastou para fora do quarto, batendo a porta fortemente.
Christina proclamava inúmeras injúrias e ofensas contra Daniel,
enquanto era arrastada pelo corredor, se distanciando cada vez mais da suíte
de luxo. Mas ele estava absorto demais. Imerso em raiva e cólera.
Quando a morena agrediu Sophia, por um pequeno instante ficou atônito,
mas um milésimo de segundo depois sua ficha caiu e uma ira fervilhou em seu
sangue. Ver a loura sendo agredida e ofendida por Christina o fez sentir um
ódio mortal. Quase ficou cego de raiva e precisou realizar um exercício
mental para se lembrar constantemente que se tratava de uma mulher, e se
perdesse a razão, ele quem estaria errado. Então, segurou-a pelo braço e tirou-
a do quarto. Estava decidido a dar um basta e se livrar de Christina o mais
rápido possível.
— Me solte, seu filho da puta! — gritou estridentemente, tirando Daniel
de seu devaneio.
Ele a soltou abruptamente. No mesmo instante a morena ia virando a
mão em seu rosto, mas ele obstruiu a investida segurando firme em seu punho e
o apertando com força, descarregando ali mesmo sua fúria; o maxilar
tensionado.
— Está me machucando — protestou de dentes cerrados. — Estúpido!
Outra vez ele a soltou abruptamente.
— Vai, volta lá para sua lourinha — insultou. — Cafajeste!
— Christina… — Daniel tentou dizer, mas a morena era implacável.
— Me deixou louca de desejo por você e foi foder com aquela
magricela sem graça?! — seguiu dizendo com seu tom de voz alterado. — Não
sabe o que perdeu, meu bem — e sacudiu os seios —, sou muito mais fogosa
que aquela sem sal, nem açúcar.
— Já chega! — Daniel gritou fora de controle; sua voz ecoou pelo
corredor.
Christina se assustou e deu um salto, ficando calada no mesmo instante.
— Em primeiro lugar — advertiu-a com o indicador levantado, e sua
voz saiu estoica —, nunca mais, me ouça bem, nunca mais agrida Sophia, seja
com ofensas ou agressões. Eu não permitirei, Christina, mais nenhuma afronta
sua a ela. E da próxima vez que agredi-la fisicamente… eu não respondo pelos
meus atos.
— Está ameaçando me bater? — Ela estufou o peito e o confrontou.
— Entenda como quiser! — desdenhou. — Em segundo lugar —
continuou —, Sophia é minha esposa!
Foi então que o semblante de Christina mudou radicalmente.
Sophia é minha esposa!
Daniel resolveu abrir parte do jogo com a morena. Um modo de se ver
livre de uma vez por todas dela, e ao mesmo tempo acalmá-la. A única coisa
que não diria era sobre a farsa do seu casamento. Do contrário, sustentaria a
mentira o quanto fosse possível.
Enquanto encarava a expressão embasbaca de Christina, divagou
pensando em Sophia. Queria voltar para sua suíte e saber como ela estava e,
pela centésima vez, pedir desculpas. Só então percebeu que ainda não havia se
desculpado com ela nenhuma das vezes que pretendeu.
Imbecil!
Um arrependimento instantâneo socou seu peito. Se ele soubesse que
Christina era tão possessiva, jamais teria sequer cogitado se envolver com ela.
Enfiou a mão no bolso e tirou a aliança que carregava consigo e a
sacudiu na cara da morena.
— Vê? É uma aliança — disse e colocou-a no anelar.
Com um suspiro exasperado, Daniel mirou Christina e esperou por uma
reação, uma resposta, mas ela estava chocada com sua declaração. O que era
totalmente compreensível.
— Vocês são casados? — finalmente perguntou sentindo-se
completamente confusa.
— Sim — Daniel afirmou e cruzou os braços.
Christina pestanejou, ainda tonta com a última informação.
— E estava traindo-a na frente dela? E comigo? — inquiriu incrédula,
lembrando-se do baile à fantasia onde Daniel foi apresentado à própria
esposa.
Müller pigarreou um pouco antes de responder, enrubescendo
levemente. Esqueceu-se desse pequeno maldito detalhe: que ele havia fingido
não conhecer Sophia.
— Às vezes, eu sou um idiota — gaguejou desviando os olhos. —
Havíamos brigado por causa de um ex dela, e eu… estava de cabeça quente,
com raiva… acabei agindo sem pensar, e quando fomos apresentados um para
outro eu fiquei com medo de que ela fizesse um escândalo, que vocês
brigassem… essas coisas. Por isso fingi não conhecê-la — mentiu, e rezou
mentalmente para que Christina acreditasse.
A mulher à sua frente se manteve calada o avaliando. Ponderou que
Sophia era imbecil o suficiente para perdoar uma cachorrada como a que
Daniel havia feito; e que ele era um tremendo canalha por ter tido esse tipo de
atitude.
— Por isso não voltou aquele dia — mais afirma do que pergunta.
Daniel permitiu que outro suspiro suave escapasse, tornando a encarar a
morena nos olhos.
— Eu estava arrependido, Christina, mas não queria parecer
desinteressado. Por isso menti sobre a camisinha e fui embora — continuou
com a mentira, que era quase uma verdade.
— E ela foi idiota o bastante para te perdoar — outra afirmativa. E
outra ofensa.
Os olhos azul-esverdeados a fuzilaram.
— Desculpe — levantou as mãos —, mas outra no lugar dela não teria
feito o mesmo — comentou dando de ombros.
— Mas ela não é qualquer outra — Daniel rebateu já com imensa
vontade de dispensá-la e voltar para Sophia.
Christina suspirou em derrota. Sabia que deveria deixá-los em paz, já
que eram casados. Mesmo que estivesse muito interessada em Daniel.
— Existe alguma chance entre mim e você? — insinuou maliciosamente
não se importando com mais nada. — Nem que seja uma única vez?
Daniel rolou os olhos. Nem dizendo que estava casado essa mulher o
esqueceria?
— Não — decretou firmemente. — E, por favor, Christina, não me
procure mais — dito isso, virou nos calcanhares e se afastou, pensando
somente na loura.

♦♦♦

Quando Daniel abriu a porta da suíte deparou-se com o aposento vazio.


Voltara rapidamente ao encontro de Sophia para saber como ela estava, se
desculpar e dizer que se ela quisesse, assim que o navio atracasse no Rio de
Janeiro, retornariam para casa e acabariam com aquela lua de mel, que estava
se tornando um tormento na vida de ambos.
— Sophia? — chamou-a.
— Estou no banheiro — respondeu, e ele se sentiu mais aliviado por
saber que ela continuava no quarto deles. — Eu… eu já saio — proferiu, e
Daniel sentiu uma diferença em sua voz.
Ela está chorando? Perguntou a si mesmo quando ouviu uma fungada.
Passou a mão pelo rosto. Odiava vê-la chorando ou aborrecida. Ainda
mais quando ele mesmo causava suas decepções e lágrimas. E outra vez, por
sua culpa, Sophia se entristecia.
Idiota!
— Você está bem? — se aproximou da porta e a questionou; pôs a mão
na maçaneta e a abaixou, sem esperar a resposta.
A porta se abriu suavemente, ele divisou Sophia dentro de um roupão,
com os cabelos presos e bagunçados, de frente para o espelho com um algodão
nas mãos. Foi ao encontro dela a passos rápidos, ao notar um corte na pele
branca de seu rosto pelo reflexo do espelho.
— Ela te machucou — afirmou aflito. — Meu Deus, Sophia, deixe-me
ver isso — pediu, e a virou para si.
— Foi só um arranhão. Acho que a unha dela me cortou. Não é nada —
murmurou de cabeça baixa.
— Como não é nada? — indagou levantando o queixo delicado e
avaliando seu rosto, procurando por outro hematoma.
Deparou-se com uma marca vermelha, já quase sumindo, dos dedos de
Christina na face branca de Sophia. Horrorizou-se. Engoliu em seco por saber
que, mais uma vez, Sophia se feria por sua culpa.
Até quando irá fazer bobagens, Daniel? Acusou sua consciência.
— Por favor, me desculpe — implorou, e a trouxe para um abraço.
Envolveu-a em seus braços afagando os cabelos áureos, sentindo seu peito
comprimir quando Sophia aspirou pesadamente contra a curva de seu pescoço.
— Me perdoe, Sophia. Eu juro que isso nunca mais acontecerá — pediu
com a voz rasgada.
Era terrível vê-la no estado em que se encontrava. Habituado a
presenciar Sophia sempre sorrindo, vê-la aborrecida era uma tormenta. Só
então percebeu como ela era frágil e sensível, uma boneca de porcelana fácil
de se quebrar. Apertou-a em seu abraço querendo protegê-la de todo o mal,
mas ao mesmo tempo sabendo que parte desse mal partira dele próprio.
Sabia que se quisesse dar essa proteção que ela tanto merecia, deveria
se afastar, pedir o divórcio, arrumar outro jeito de ter sua herança e deixar que
Sophia fosse feliz e ficasse longe de aborrecimentos. No entanto, por algum
motivo, não queria estar longe dela, por mais que soubesse que uma hora ou
outra se divorciariam. Cerrou os olhos tentando afastar seus pensamentos.
Comprimiu mais seu corpo contra o dela, sentindo uma necessidade de
envolvê-la. Se havia uma decisão a ser tomada para que Sophia não chorasse
mais por suas imbecilidades não era pedir o divórcio, mas começar uma nova
fase. Ser diferente. Ser um novo Daniel; na verdade, ser o antigo, aquele
cordial e gentil, passivo e controlado que foi durante toda a vida.
E faria isso por ela, para que não presenciasse mais qualquer cena
angustiante como esta.
Cessou o abraço e a encarou nos olhos. Segurou seu rosto com as duas
mãos e secou uma lágrima que caía.
— Escute… — sussurrou — enquanto estivermos mantendo esse
casamento, mesmo que de aparência, eu não me envolverei com ninguém. Eu
pedi discrição, e eu mesmo estou burlando esta condição. Sou um idiota, mas,
por favor, eu preciso que me perdoe — pediu em tom de súplica. — Se quiser
eu posso até ajoelhar…— disse, e já fazia menção de se abaixar quando
Sophia o impediu.
Ela não pôde segurar uma pequena risada influenciada pelo seu exagero
teatral.
— Não quero que pare sua vida por minha causa. Você é um homem
livre, Daniel — declarou.
— Não — contrariou-a —, eu sou um homem casado. E com você.
Manterei minha palavra agora até o fim. Não quero mais que o aconteceu hoje
aqui se repita.
Sophia acenou brevemente. Sem esperar, Daniel já a abraçava outra vez.
O perfume dele invadiu suas narinas, uma sensação boa percorreu seu corpo.
Era bom ser acolhida pelos braços fortes de Müller, deitar a cabeça em seu
peito, sentir os dedos dele acariciando suas madeixas, o queixo apoiado sobre
o alto de sua cabeça. Era uma sensação acolhedora que nunca sentira com
ninguém. Envolvida no momento, ela também o abraçou.
Ambos ficaram um tempo atados um ao outro, em silêncio. Sophia não
admitiria jamais, mas gostara da atitude dele de fazer um voto de castidade. E
até achou justo. Por mais que Daniel fosse discreto, uma hora ou outra as suas
escapadas cairiam na boca do povo, ou da mídia. A última coisa que queria
era sair com fama de traída conformada, ou interesseira, que perdoava as
traições pensando na soma de dinheiro que ele tinha no banco. Também pensou
em Sebastian e Eduardo. Se isso chegasse aos ouvidos do pai e do irmão,
seria confusão na certa.
— Você ainda não disse se me perdoa ou não — Daniel sussurrou
fazendo-a retornar ao mundo real.
O murmuro em seu ouvido trouxe-lhe lembranças de há pouco. Os beijos
molhados que ele teceu em seu pescoço, a ereção dele em sua coxa, o modo
sensual como Daniel proferiu senhorita Hornet, e como ela ficara excitada.
Quase sentiu as pernas bambearem quando, vagarosamente, ele encostou
sua face na dela e alisou-a com a barba.
— Está tudo bem — pigarreou.
— “Está tudo bem” não é “Eu te perdoo”, senhorita Hornet —
murmurou, ainda fazendo o movimento carinhoso de seu rosto contra o dela.
Aquela mesma corrente elétrica subiu por sua espinha, o vão de suas
pernas respondeu ao estímulo das palavras de Daniel. Ele a chamara de
senhorita Hornet e isso lhe tirava a sanidade, às vezes de excitação, às vezes
de raiva. Engoliu em seco sentindo o coração descompassado. A tremedeira
interior também voltou quando as mãos firmes dele seguraram sua cintura.
— Eu te perdoo, senhor Müller — sussurrou.
Daniel se afastou somente o suficiente para olhar dentro dos olhos de
Sophia. Um segundo depois sua atenção estava naqueles lábios que há pouco
tempo vinham lhe enlouquecendo, mas que parecia fazer séculos a vontade de
sugá-los, beijá-los com intensidade e desejo. Não somente beijá-la para
aparentar alguma coisa, mas para ter o misto de sensações e sentimentos
prazerosos que o tomava, desde o primeiro beijo deles, mas que, pouco a
pouco, vinha aumentando.
Eu te perdoo, senhor Müller.
A voz macia dela em submissão fez seu amigo ganhar vida. Mais uma
vez, e agora ele já perdera as contas, se via excitado por Sophia.
Pensando apenas em tomar aquela boca na sua, Daniel inclinou a cabeça
para o lado ao passo que ia se aproximando dos lábios suculentos. Fechou os
olhos para melhor sentir o beijo que estava por vir.
A ponta de seu nariz tocou a pele sedosa dela. Isso o ensandeceu. Nunca
sentira um toque tão macio, uma pele tão delicada… era incrível como a cada
vez que suas peles entravam em contato, a mesma sensação inexplicável, o
mesmo êxtase o atingia; cada vez parecia mais intenso, mais confuso, mais
incompreensível…
— Daniel… — ela sussurrou de repente, fazendo-o parar e olhá-la.
Sophia tinha os lábios entreabertos, e os olhos fechados, a respiração
dificultosa.
— Por favor… não — pediu balbuciando.
Daniel pestanejou, encarou-a por um segundo, seu coração batendo forte
e rápido. De excitação, de frustração.
Sem dizer mais nada, passou por ela e fechou a porta.
Sophia recostou-se à parede e deslizou, com a mãos no rosto, até o chão.
Apesar de tudo, não queria ter recusado o beijo.
20
PORQUE A AMA

Sophia esperou que seus batimentos cardíacos voltassem ao normal.


Mesmo que desejasse sentir os lábios de Müller contra os seus, recusou
o beijo. Seus sentimentos estavam alvoroçados, e ela não entendia o turbilhão
de emoções que sentia quando estava na presença de Daniel. Estava ciente de
que se permitisse o beijo não conseguiria parar e eles avançariam para além
do que podiam.
Respirou fundo e se levantou encostando-se à bancada da pia, ainda
zonza com os últimos acontecimentos e com a confusão que estava sua cabeça.
Encheu a mão em forma de concha com água e jogou no rosto, tentando
recobrar a postura e baixar a temperatura do seu corpo. Ajeitou os cabelos
bagunçados e suspirou pesadamente na frente do espelho antes de tomar
coragem e sair do banheiro.
Daniel estava na varanda, agachado e juntando um pouco da bagunça
causada por Christina. Cautelosamente, ela se aproximou, continuava sem jeito
por conta do ocorrido.
— Precisa de ajuda? — ofereceu, e Daniel voltou seu olhar para ela.
— Não, não preciso. Já chamei o serviço de quarto — alegou jogando
alguns pedaços de cacos de vidro ao lixo.
Sophia quedou-se calada, apenas anuindo com um movimento de cabeça.
— Já cuidou desse arranhão? — Daniel inquiriu e chegou mais perto,
enquanto arregaçava as mangas do paletó até a altura dos cotovelos.
Levava sua mão até o hematoma na face dela, mas Sophia se esquivou
com um passo para trás. Desconcertado, ele abaixou a mão vagarosamente.
— Eu já disse que não é nada — afirmou negando-se a olhar para ele.
Daniel revirou os olhos, impaciente. Segurou-a pelos punhos e a
arrastou até a cama, fazendo-a se sentar.
— Fique aí — pronunciou e voltou até o banheiro.
Sophia ficou esperando durante alguns segundos. Daniel retornou com
um algodão umedecido e um pequeno curativo branco e se sentou ao lado dela.
Eles se olharam por um breve momento. Com cautela, Müller tocou o
ferimento; o pequeno machucado ardeu um pouco e isso fez Sophia se esquivar
com um sobressalto.
— Álcool é ótimo para esterilizar — comentou Daniel dando leves
batidinhas.
— Você é exagerado — rebateu Sophia. — É só um machucado idiota.
Daniel terminou a limpeza e mirou o pedaço de algodão com pequenos
resquícios de sangue. Tirou o adesivo do curativo e colocou sobre o hematoma
de Sophia.
— Mas é melhor prevenir a remediar — replicou terminando de
posicionar o curativo. — Pronto. Assim está bem melhor. — e deu um
pequeno sorriso.
Sophia desviou seus olhos, olhando para baixo. Não sabia como agir
diante dele, à medida que Daniel parecia indiferente as situações que
passaram há pouco. Pensou em dizer alguma coisa, mas, o quê?
Definitivamente não queria conversar sobre os dois momentos quentes que
aconteceram entre eles. Porém, receou que, se tudo não fosse esclarecido,
essas coisas continuariam acontecendo.
— Daniel… — chamou-o. Ele continuava ao seu lado e seus olhares se
cruzaram. — Aquilo, há pouco, por favor, que não se repita mais.
Daniel a fitou, um pouco atônito, sem entender exatamente ao que ela se
referia. Havia acontecido muita coisa dentro de pouco tempo, e quando ela
disse “aquilo, há pouco…” poderia ser qualquer acontecimento nos últimos
quinze minutos.
— O beijo… — Sophia sussurrou apenas, e Müller compreendeu.
Daniel anuiu concordando.
— Claro. — foi tudo o que disse antes de se levantar.
Ela acenou com um suspiro. Esperava pelo menos por uma explicação
ou um pedido de desculpas por parte dele. Daniel estava agindo como se nada
tivesse acontecido, e isso a deixava irritada consigo mesmo: enquanto se
sentia envergonhada, Müller agia naturalmente.
Qual o problema comigo? Pensou, divagando.
— Ainda está com fome? — ele perguntou de repente.
— Sim, mas não se preocupe eu…
— Se arrume. Vamos sair para jantar — Daniel pronunciou,
interrompendo-a.
— Daniel…— tentou protestar, mas ele levantou o indicador em
advertência.
— Não demore, eu odeio esperar — respondeu ríspido e se virou,
saindo do quarto.

♦♦♦

Daniel fez um exercício mental para manter o controle.


Há muito vinha perdendo as rédeas da situação quando o assunto era
Sophia. Sentir a pele macia do rosto dela contra o seu fez subir um arrepio por
sua espinha. Seu corpo clamava por um beijo dela, mas lhe foi negado quando
suas bocas estavam a centímetros uma da outra. Teve, ainda, de controlar seus
nervos e anseios para agir de forma natural, não queria que Sophia soubesse
como ele estava vulnerável, sujeito aos seus desejos inexplicáveis que, de
uma hora para outra, sem justificativa, começavam a se aflorar.
Agir indiferente foi o modo que encontrou para se proteger e fugir de
qualquer explicação que, por ventura, ela viesse a exigir, pois ele não poderia
explicar o porquê desejava tanto beijá-la. Não podia, porque nem mesmo ele
entendia. A única razão lógica que encontrava era que estava se sentindo
atraído por Sophia Hornet, como já havia se sentido com tantas outras.
E quando ela pediu que não acontecesse mais o que houve entre eles,
quase foi capaz de negar; quase disse à Sophia que sua vontade era de agarrá-
la pela nuca e beijá-la intensamente, experimentar novamente o gosto de sua
boca, sem encenações, sem a obrigação de ter de provar a veracidade de um
casamento de conveniência. Queria tomar aqueles lábios porque os desejava.
Por desejo simples, puro e enlouquecedor de beijá-la.
Mas sabia que não era necessário expressar nada, não era preciso
proferir palavra alguma, pois tinha ciência de que Sophia percebera sua
ereção em suas coxas mais cedo, antes de a camareira, surgida das
profundezas do inferno, interrompê-los.
Recostou-se à porta fechada da suíte, atônito, o coração descompassado,
passando a mão pelo rosto, aguardando que Sophia se aprontasse. Eles teriam
um maldito momento juntos e em paz nem que fosse a última coisa que Daniel
fizesse na vida!
Tempos depois, buscou pelas horas, constatando que já havia dez
minutos que esperava por Sophia. De fato, odiava esperar, mas seu
nervosismo maior naquele momento nem era tanto pela espera, mas em ficar na
presença dela, de mirar dentro daqueles olhos verdes e se sentir terrivelmente
hipnotizado, de inalar o perfume adocicado e feminino que dissipava pelo ar e
que, facilmente, o deixaria inebriado. Poderia simplesmente evitá-la, no
entanto queria provar a si mesmo que era possível se controlar, que era
possível ignorar e conter o deslumbramento repentino que vinha sentindo por
ela, e ao mesmo tempo respeitar a vontade de Hornet, provando, também para
ela, que poderia se manter por perto sem perder o controle das coisas. Porém,
Daniel tinha certa convicção que, ou não seria capaz de atender ao pedido
dela, e uma hora ou outra seria franco, contando-lhe que sentia uma atração
quase irresistível, ou perderia a sanidade.
Impaciente, bateu à porta do quarto, e sem esperar por permissão,
adentrou no recinto.
Encontrou Sophia de pijama, deitada e vendo TV.
Que diabos…?
— Sophia! — exclamou.
Ela o espiou indiferente e depois voltou sua atenção ao programa de
culinária.
— Diga — respondeu sem tirar a atenção da TV.
— Acho que fui bem claro quando disse que íamos jantar! — disse
autoritário.
— Sim, foi. Claríssimo — retorquiu ainda o ignorando.
Daniel a encarou, cético.
— Então por que diabos ainda não está pronta? — Levantou o tom de
voz.
— Porque eu não quero sair para jantar — rebateu mantendo a calma na
voz.
— Eu não disse que tinha opção.
Sophia o encarou nesse instante, enrugando o semblante, visivelmente
irritada.
— E desde quando você manda em mim? E desde quando você acha que
pode me impor alguma coisa? — indagou saltando da cama, alterando o tom
da voz.
— Que porra, Sophia! — Daniel protestou com um grito. —Eu só queria
sair para jantar, compensar toda essa porcaria que você preparou para nós e
que foi destruído pela louca da Christina. Eu só queria um momento de paz, já
que não tivemos desde que chegamos!
— O seu problema, Daniel — confrontou-o com insolência —, é que
você não convidou, você não pediu. Você praticamente mandou! E você… não
manda… em mim! — esbravejou pausadamente, batendo com o indicador no
peito dele.
Daniel nada respondeu. Estava entorpecido por ela. Vê-la irritada,
batendo aquele dedo fino contra seu peito o fez divagar e mirar seus lábios, ao
mesmo tempo que a raiva subiu por sua espinha. Raiva por ela enfrentá-lo
daquela maneira.
Que audácia.
Sophia continuou batendo o indicador em seu tórax, enquanto o xingava
com palavras que entravam pelo seu ouvido direito e saiam pelo esquerdo.
De repente, Daniel a segurou pelos punhos, impedindo que ela
continuasse, calando-a no mesmo instante, e os olhos verdes encantadores se
arregalaram.
— Cale a boca… — murmurou entre os dentes, o que fez Sophia se
sentir ainda mais irada.
— Venha me calar! — rebateu aos gritos.
De súbito, Daniel a puxou, fazendo seus tórax se baterem e suas bocas
ficarem a milímetros de se encontrarem em um beijo voraz. Por um milésimo
de segundo, os pares de olhos se encontraram numa explosão intensa e
apaixonada, os hormônios os bombardeando, os corações entalados nas
gargantas, os desejos aflorados. Simultaneamente, Daniel e Sophia se
atraíram, sendo impossível saber quem deu iniciativa. Então, loucamente, se
beijam.
E o tão desejado beijo acontece. Daniel enfiou seus dedos pelas
madeixas louras de Sophia e a trouxe mais para perto do seu corpo, enquanto
os braços dela envolveram-no pela nuca, tornando o beijo cada vez mais
ardente e enérgico. Para a surpresa de Müller, Sophia girou o corpo e o jogou
na cama, sentando-se em seu colo e, em seguida, deitando-se sobre ele. Daniel
abria a boca para dizer alguma coisa, mas foi calado com um beijo ainda mais
voraz e sôfrego.
Seu corpo respondeu prontamente.
Ensandecido pela troca de carícias, ele virou o dorso e a deixou por
baixo, descendo a língua pelo queixo de Sophia, passando para o pescoço e
logo desviando os lábios até chegar à clavícula, e a partir daí, subiu traçando
beijos quentes e úmidos até o lóbulo de sua orelha. Daniel foi distribuindo
beijo por toda a pele do pescoço de Sophia, o que a faz arquear as costas,
suspirar e arquejar de prazer. As mãos de Sophia fizeram caminho pelas
costas dele, sentindo a textura macia da pele; o ato era extremo e
completamente bom para os dois.
— Daniel… — ela gemeu, e, como da primeira vez, isso o deixou louco
— O contrato… — balbucia.
Ele continuava a prensar seu corpo contra o dela, a tecer beijos
molhados pelo seu pescoço.
— Eu rasgo aquele maldito contrato, mas, por favor, não me negue. Eu
não aguento mais — murmurou em súplica.
Em reposta, Sophia o trouxe para outro beijo. O paletó de Daniel foi
arrancado, os dedos finos abriram os botões da camisa branca. Sophia
escorregou a peça pelos braços de Müller e a arremessou para o outro lado do
quarto. Respondendo ao estímulo, Daniel também se livrou da vestimenta que
cobria o dorso da loura. Ficou extasiado ao ver os seios redondos e médios
dentro do bojo do sutiã.
Tão perfeitos, divagou ao contemplá-los, e os beijou com lascívia,
fazendo escapar um gemido das cordas vocais de Sophia.
— Daniel Müller! — uma voz firme e feminina o chamou.
E de repente, ele se viu parado à frente de Sophia, com uma expressão
nada amigável.
— Você me ouviu? — questionou-o irritada.
Pestanejou enquanto se acostumava à verdadeira realidade.
Eu sonhei acordado?
Endireita o corpo, recuperando sua postura, e pigarreia antes de
responder.
— É claro que eu ouvi. — rebateu mal-educado. — Não sou surdo.
Mas a verdade era que Daniel não se lembrava de nada depois que
Sophia o confrontou batendo o indicador em seu peito alegando não ser
mandada por ele.
Sophia cruzou os braços, mantendo seu semblante fechado, esperando
que Daniel dissesse qualquer coisa.
— Não quer jantar? Ótimo! Fique com fome — proferiu e saiu batendo a
porta.
Sophia encarou a porta fechada, totalmente atônita.
Que raios foi isso?

♦♦♦

Daniel, outra vez, caminhou a passos rápidos pelo corredor. O sangue


borbulhava em suas veias, e o coração batia em ritmo descompassado.
Precisava urgentemente de uma dose de uísque. Ou qualquer outra bebida
forte. Tinha a necessidade de acalmar os próprios nervos, e, ultimamente,
vinha encontrando esse conforto apenas no álcool. Sophia estava tirando sua
lucidez. Nunca em sua vida uma mulher o tirou tanto do controle como a loura
de grandes olhos verdes vinha fazendo.
Müller já vivera o suficiente para saber que a experiência com Sophia
Hornet era exclusiva e única. Normalmente, era um homem cordial, educado e
cavalheiro. Nunca se sentiu possessivo em relação a alguém, tendo ou não um
relacionamento sério. Mas com a Hornet tudo era diferente. Não tinham mais
do que um contrato assinado e uma convivência profissional, mas ele já não
sabia mais quantas vezes saiu fora de si e agiu feito um troglodita em tão
pouco tempo. Um troglodita que ele não era. Atitudes que nunca teve.
Sentou-se no banco giratório do bar refinado com brutalidade. O
barman, que secava alguns copos ali, se assustou com a chegada de seu novo
cliente, visivelmente alterado. Sem que precisasse perguntar nada, Daniel se
prontificou:
— Uma dose de uísque com gelo. Se tiver alguma coisa mais forte, pode
mandar também! — fez seu pedido acreditando que no álcool poderia acabar
com suas indagações confusas.
Mesmo receoso, o barman atendeu seu freguês; mal havia terminado de
servir a dose quando Daniel agarrou o copo e virou o líquido, sentindo a
bebida descer queimando. Bateu o copo na mesa, os cubos de gelo tilintaram
no vidro, e ele pediu outra dose.
Não se importou com um homem que se sentou a seu lado. Pelo canto do
olho, Daniel percebeu que o recém-chegado o observava. Não deu atenção a
este fato e continuou degustando do seu “calmante”, desta vez, mais
lentamente.
— Me deixe adivinhar… — proferiu a voz, e Müller a reconheceu de
pronto. — Você e Sophia discutiram outra vez?
Daniel revirou os olhos bebericando seu uísque. Virou o pescoço e
forçou um sorriso amigável para Erick, mas falhou miseravelmente.
— Isso não é do seu interesse. Ou é? — rebateu com uma bufada
exasperada, desviou-se de Gouveia e continuou a beber.
Erick riu pelo canto da boca, nada incomodado com a falta de educação
de Daniel. Ajeitou-se no banco e também solicitou uma bebida, mas não
alcoólica, preferindo optar por uma água tônica. Girou o banco, voltando-se
para Daniel, que aproveitou para pedir outra dose de uísque.
— Eu sei que não é do meu interesse, mas eu estimo a Sophia, e pelo
que pude ver, você sempre fica alterado quando discutem.
A impaciência de Müller era visível.
— Eu sei com o que é que você se preocupa — respondeu irônico. —
Acha que me engana, Erick? Comportou-se como um nobre para ganhar um
beijo dela, para ganhar o carisma e a confiança de Sophia. Pode enganá-la,
mas não a mim. — retrucou com arrogância, fuzilando-o com os olhos. Só de
se lembrar da cena, fez seu coração saltar descontrolado, e ele sentiu uma
imensa vontade de pular na jugular do homem à sua frente.
Novamente, Erick riu pelo canto da boca, achando graça no infeliz
comentário de Müller.
— Como sabe do beijo que trocamos? — perguntou sem se sentir
abalado.
— Isso não importa, mas aposto que gostou. E muito. — Daniel voltou a
olhar para o fundo do bar e bebeu um gole da sua nova dose.
— Não vou dizer que foi ruim — comentou Erick casualmente, abrindo
a lata de tônica que foi servida —, mas não significou nada para mim.
Ao dizer isto, Daniel se voltou a Erick, estreitando os olhos em
curiosidade.
— O que quer dizer? — inquiriu se sentindo um pouco confuso.
— Em primeiro lugar — iniciou Erick —, não deveria julgar o meu
caráter sem me conhecer. Se eu fui cordial e nobre, como diz, com Sophia é
porque isso faz parte da minha personalidade. Não sou calculista, não fui
educado com ela tendo segundas intenções. Talvez se diz isso é porque está
habituado a ter esse tipo de atitude. — Erick o provocou; isso faz Daniel se
irritar.
Müller estava prestes a rebater, a dizer que também não era calculista,
que nunca precisou fingir ser o que não era para ganhar uma mulher, porque
eram elas que sempre faziam de tudo para conquistá-lo. Seu discurso imbecil e
machista foi interrompido antes que ele pudesse ao menos abrir a boca, pois
Erick continuou dizendo:
— Em segundo lugar, o beijo dela não significou nada para mim. Sophia,
se ainda quiser, pode continuar a ter a minha amizade. Foi assim que sempre
olhei para ela: como uma amiga.
Era difícil para Daniel acreditar no discurso de Erick. Como ele podia
dizer que um beijo da loura, que é extremamente linda e sedutora, não
significou nada? Por um breve momento, acreditou que Erick fosse gay. Para
ele era a única explicação plausível.
— Você é gay? — Daniel perguntou para fazer Erick gargalhar.
— Por que é tão difícil acreditar, Daniel?
— Por que Sophia é uma mulher exuberante — respondeu.
— De fato, ela é — concordou Erick. Tomou um gole da sua tônica e
limpou os lábios antes de continuar. — Mas fomos criados em um mundo onde
se um homem não se sente atraído por uma mulher, ele é gay. Eu não concordo
com isso. O beijo de Sophia foi bom, já disse que não negarei isso, nem serei
hipócrita em dizer que se Sophia quisesse avançar um passo eu a negaria…
— Você que não se atreva! — interrompeu Daniel, e mal percebeu que
apertava o copo de uísque fortemente.
Erick riu de novo, balançando a cabeça em negação, e Daniel tentava
encontrar a graça em suas palavras.
— Ela é mulher, eu sou um homem heterossexual. Se Sophia quiser, não
há nada que nos impeça — comentou naturalmente, fazendo a ira de Daniel
crescer. — Enfim, a questão é que eu não quero que se preocupe com o beijo
que eu e Sophia trocamos. Acredite, não irei atrás dela por causa disso. —
Erick bebeu mais um gole de sua bebida olhando para Müller.
— E por que eu haveria de me preocupar com isso? — desdenhou
tentando demonstrar que o beijo dos dois não o incomodou.
— A quem você quer enganar, Daniel? Está nítido na sua cara que sente
ciúmes de Sophia.
Daniel pestanejou.
Eu? Com ciúmes de Sophia?
— Não… — balbuciou um pouco espantado. — Definitivamente, eu não
sinto ciúmes dela.
— Sim, sente. Eu vi o modo como se comportou por ela estar comigo.
— Já expliquei isso a ela, mas irei repetir para você: eu só estava me
preocupando com o bem-estar dela, com a segurança e integridade de Sophia.
Nada mais.
— Então, não tem nenhum problema em eu passar uma noite com
Sophia? — Erick provocou novamente, e segurou um riso.
Quase no mesmo instante Daniel já estava apertando o pescoço de Erick.
— Não ouse tocar nela, me entendeu?
— Viu só? — proferiu Erick, meio rindo e meio sufocado pelo aperto.
— Está com ciúmes.
Daniel soltou a jugular de Erick e voltou para seu banco, passando a
mão pelos cabelos.
— E sabe por que sente ciúmes da Sophia? — indagou Erick a Müller.
Daniel o encarou inexpressivo, sem responder nada, esperando pela
conclusão do Erick.
— Porque a ama.
E essa afirmação o deixou completamente assustado.
21
DORES DO PASSADO

Totalmente embasbacado, é o que melhor define Daniel Müller neste


momento. Encara Erick como se ele tivesse chifres de unicórnio. Atônito e
abalado com a afirmação convicta de Erick.
Daniel já havia amado uma vez. Poderia afirmar, com toda a certeza do
mundo, que o sentimento que cultivava por Sophia não era, nem de longe,
amor.
— Não! — ele negou rindo de nervoso — Não seja estúpido, Erick.
Eu… eu não a amo. Está maluco!
Bateu o copo na mesa e se levantou, pronto para sair e deixá-lo falando
suas asneiras sozinho.
Eu, apaixonado por Sophia! Ele pensou.
Como se Daniel tivesse contado uma piada, Erick soltou uma risada alta
e sonora, o que o deixou ainda mais incomodado.
— Pode negar o quanto quiser, Daniel, mas uma hora irá perceber
sozinho que a ama.
Revirando os olhos, Daniel pagou a sua conta deixando uma gorjeta para
o barman. Olhou Erick mais uma vez, que estava com um sorriso convencido
nos lábios enquanto bebia sua tônica. Encarando-o, pensou por um segundo em
suas palavras:
E sabe por que sente ciúmes dela? Porque a ama.
Negou mentalmente outra vez a afirmação. Passou por Erick e voltou a
caminhar pelo corredor, só querendo chegar à sua suíte, tomar um banho
quente e, quem sabe, degustar um bom vinho na varanda sentindo a brisa
marítima batendo em seus cabelos.
O vinho! Lembrou-se com desagrado de Christina virando a mesa em
que a garrafa repousava. Era uma boa safra! Queixou-se.
Andando lentamente com as mãos no bolso, de repente, sua mente se
tornou um vazio e três palavras martelaram em sua cabeça.
Porque a ama.
Daniel parou no meio do corredor e afagou o rosto com as duas mãos.
Lembrou-se de sua última experiência amorosa e não teve boas recordações.
Por este motivo, sempre sentiu receio em se envolver outra vez.
Escondeu parte da sua dor no sexo casual que mantinha, até que um dia
não sentiu mais nada. Então, seus encontros sem compromisso se tornaram um
modo de não se deparar mais com o amor e sofrer outra vez.
Voltou a caminhar com lentidão, vagueando em suas memórias, e as
lembranças que ele gostaria de nunca mais reviver vieram à sua mente.
Já fazia sete anos que tudo aconteceu. Daniel tinha vinte e dois anos e
estava no último ano da faculdade. Por quase seis meses manteve uma paixão
não correspondida pela bibliotecária da Universidade; uma negra de olhos cor
de âmbar espetacular, dez anos mais velha do que ele. Casada e com uma
filha.
Mas tudo mudou com a chegada de Clarisse. Daniel nunca sentira nada
parecido em sua vida. Nem mesmo pela bibliotecária. A morena tinha longos
cabelos compridos e negros, olhos pretos e um corpo escultural. Daniel pôde
quase dizer que sentiu amor à primeira vista.
Clarisse era mais nova quatro anos, e enquanto ele cursava o penúltimo
semestre do seu curso, ela estava no primeiro.
Certa vez, Clarisse estava alterada e discutindo com o dono da
papelaria dentro da Universidade, protestando contra o alto preço que ficou
sua apostila. Os ânimos estavam bem alterados e uma pequena roda já se
formava. Daniel ainda não a conhecia, e ao ver a confusão, foi se
aproximando, curioso por saber o que se desenrolava.
Abriu caminho no meio das pessoas paradas na frente da copiadora. Viu
uma jovem de costas, sacudindo alguns papéis no ar, gritando, enquanto o dono
revirava os olhos e apontava constantemente para uma tabela atrás de si, que
continha o preço das impressões e cópias.
— O que está acontecendo? — Daniel inquiriu, e os olhos negros de
Clarisse encontraram-se com o seus.
Ele se apaixonou no momento em que a viu.
— Esse senhor está abusando. Me cobrou o olho da cara por algumas
cópias — protestou — Isso é um roubo!
— Roubo? — O outro gargalhou — Você não viu o preço, garota? Está
aqui para quem quiser ver.
Daniel não tirava a atenção da morena à sua frente.
Antes que ela pudesse protestar contra o argumento do homem, Daniel a
interrompeu:
— Quanto é? — perguntou olhando intensamente para Clarisse.
— R$ 15. — respondeu o homem.
Daniel retirou a carteira do bolso e sacou a quantia.
— Problema resolvido? — Alternou o olhar para os dois.
Clarisse passou por ele, furiosa, sem nem mesmo agradecer, e sumiu
pelos corredores da Universidade.
Um dia depois, Daniel estava na biblioteca quando Clarisse surgiu. Ele
ficou observando-a e seu coração palpitou ao notar que ela caminhava em sua
direção.
— Posso falar com você?
Ele apenas anuiu.
Clarisse puxou uma cadeira e se sentou de frente para ele. Primeiro se
desculpou por ter sido mal-educada e grossa, admitiu que deveria ter
agradecido a gentileza, mas depois o advertiu. Ela tinha o dinheiro, no entanto
achou um abuso o preço das cópias. Daniel concordou, mudo, balançando a
cabeça. Estava congelado demais para dizer alguma coisa.
Depois, só então, ela o agradeceu, e retirando o dinheiro do bolso, quis
pagá-lo, mas Daniel recusou.
— Eu insisto que pegue.
— Não. Tudo bem, não precisa. Fiz com todo prazer — Daniel disse, e
ela sorriu, amolecendo seu coração.
— Sou Clarisse Corrêa — se apresentou.
— Daniel Müller. — Eles apertaram as mãos e daí para frente
mantiveram contato.
Clarisse e Daniel se encontravam todos os dias entre os intervalos das
aulas. Conversavam sobre tudo, e Clarisse se mostrava uma garota inteligente,
atraindo a atenção de Daniel cada vez mais. Pela segunda vez ele se via
cultivando um amor platônico. O primeiro foi pela funcionária da biblioteca, e
agora por Clarisse, que era muito mais forte.
Por três meses guardou seu sentimento para si, conformando-se com
conversas e ligações rápidas e os breves momentos no intervalo das aulas.
Mas ele pensava na morena de olhos negros com frequência. Pegou-se
escrevendo o nome dela dentro de um coração enquanto divagava numa aula
tediosa. Rabiscou o desenho rapidamente, temendo que caísse em mãos
erradas. Sentia-se como um garoto de dezesseis anos apaixonado pela
professora. Patético.
Num dos encontros após a segunda aula, Clarisse esqueceu uma apostila
sobre a mesa. Prestativo, Daniel levou-a até ela. No percurso até a sala do
primeiro semestre, sentiu curiosidade por saber em que matéria ela estava e
folheou o livreto. Em uma das folhas, rabiscadas à margem, deparou-se com
duas palavras dentro de um coração que o fez estremecer.
Daniel Müller.
Sorriu interiormente, quase não acreditando que Clarisse nutria algo por
ele. Sabendo disso, Daniel teria a chance de ser correspondido e não
acontecer como quando foi com a bibliotecária.
Chegou até a sala e chamou por ela.
— Esqueceu sua apostila.
— Que cabeça a minha. — Ela pegou-a das suas mãos e sorriu
acanhada. — Obrigada.
— Por nada. Tem um minuto?
Ela levantou os olhos para ele. Aqueles olhos bem redondos e pretos
brilhavam de uma forma que deixava Daniel cada vez mais apaixonado.
Clarisse acenou.
— Quer ser minha namorada? — foi direto e franco, confiante de que
ela também fosse apaixonada por ele. — Gosto de você desde o primeiro dia
em que a vi.
Clarisse no mesmo instante ficou sem palavras, surpresa com o pedido
súbito, e ainda o assimilando. Já Daniel ficou apreensivo diante da quietude
dela. Temeu que ela dissesse não, e outra vez não fosse correspondido.
— Claro — Clarisse gagueja um pouco antes de responder.
Isso fez Daniel se irradiar. Sem nem pensar, ele a segurou pelo rosto
com as duas mãos e a beijou serenamente. E suas bocas coladas só o fizeram
se sentir mais apaixonado.
Os dois namoraram por oito semanas, e Daniel já estava convicto de que
a amava, mais do que ele poderia imaginar. Mas a decepção amorosa era
iminente.
Daniel tinha faltado à faculdade para fazer uma surpresa à Clarisse.
Comprou alianças prateadas para firmarem o compromisso. Deixou tudo
combinado em um restaurante e foi buscá-la na Universidade. Não a
encontrando, perguntou por ela para alguns colegas e foi informado de que
Clarisse tinha ido à antiga cantina. Daniel marchou até lá e, quando foi se
aproximando do pátio já deserto, se deparou com a namorada beijando outra
pessoa.
Seu coração palpitou.
— Clarisse? — indagou, e ela se virou para ele, arregalando os olhos.
Logo atrás a silhueta de um jovem se revelou.
— Heitor?
Clarisse começou a tentar se explicar, mas Daniel não precisava de mais
nada. Virou e saiu pisando firme, sentindo a dor da primeira decepção
amorosa.
— Daniel, por favor, espere! — Clarisse vinha a passos rápidos.
Mesmo lutando contra a própria vontade, Daniel parou e se voltou para
ela.
— Deixe-me explicar — pediu ofegante.
Daniel não queria ouvi-la, mas precisava. Precisava saber por que
Clarisse e Heitor fizeram aquilo com ele. Por isso, apenas acenou. E ela lhe
contou tudo, desde o princípio.
Ela conhecera Heitor muito antes de Daniel. Envolveu-se com ele, mas
fora descartada assim que tiveram sua primeira relação sexual. Mas Clarisse
era perdidamente apaixonada por Heitor. Clarisse admitiu que, quando ele se
apresentou, viu em Daniel a oportunidade de uma reaproximação de Heitor,
talvez por intermédio do seu próprio irmão, e por isso se cercou de Daniel e
afunilou a amizade. Mas quando ele a pediu em namoro, pensou que poderia
ser um jeito de atrair Heitor, enciumá-lo e, quem sabe, conquistá-lo.
— Eu não entendo… — disse Daniel com a voz rasgada. — Eu vi o meu
nome dentro de um coração na sua apostila.
Clarisse suspirou e explicou que a apostila não era dela. Uma aula antes
do intervalo havia feito uma atividade em dupla, e ao juntar seu material,
trocou a apostila, pegando, na verdade, a de sua parceira, que era apaixonada
por Daniel de verdade.
— Só percebi o erro quando vi o coração com Daniel Müller, depois de
já tinha me entregado.
Daniel pestanejou, se acostumando à verdade. Ele acreditou que
Clarisse o amava, mas a verdade era que ela apenas queria fazer ciúmes em
Heitor – em seu irmão.
— Heitor não tem culpa de nada — ela continuou. — Eu o chamei para
conversarmos. Percebi que não estava fazendo efeito ficar com você. Eu disse
que você havia me traído e que estava muito mal. Ele não me quis, Daniel,
mesmo mentindo, ele se recusou a me beijar, a ficar comigo. Mas, aí, eu roubei
um beijo dele e você chegou bem na hora. Sinto muito — Clarisse explicou e
se afastou vagarosamente, deixando-o com um rasgo no peito.
— Daniel? — A voz de Sophia ecoou em sua cabeça e ele voltou à
realidade.
Enquanto divagava por lembranças dolorosas, mal percebeu que já
havia chegado à suíte, entrado, e que estava parado no meio do quarto,
olhando para o nada como um débil mental.
Fitou Sophia enrolada nos lençóis encarando-o com uma expressão
confusa. Mas ele nada respondeu, ainda atordoado com memórias de um
passado distante.
— Daniel, você está bem? — indagou preocupada e já se levantou, indo
em sua direção.
— Estou… — diz finalmente, limpando a garganta.
Sophia estacou no meio do caminho e o avaliou, estranhando sua atitude.
Daniel, de fato, tinha mudanças bruscas de comportamento que a deixavam
confusa.
Sem dizer nada, Daniel entrou no banheiro, fechou a porta e a trancou, se
recostando à madeira com o coração palpitante.
Passou a mão pelo rosto se praguejando por relembrar coisas que ele já
deveria ter apagado da mente. Daniel sabia que não sentia mais nada por
Clarisse, não a via desde que ele se formou e está mais do que ciente que seu
amor pela garota de cabelos e olhos negros já morreu há muito.
A aflição que sentia estava, na realidade, em se apaixonar outra vez.
Não queria passar pelo que passou, não queria sentir o rasgo no peito.
Daniel levou anos para levantar um muro em torno de si e impedir que
tal sentimento o invadisse outra vez. Foram necessários muitos “dane-se” e
doses de uísque para construir a muralha em volta do seu coração e não se
permitir amar mais.
Desde Clarisse, Daniel Müller nunca mais pensou em ter tal sentimento
por alguém. E estava muito bem com seus encontros sem compromisso, até
Sophia aparecer e revirar sua vida e colocá-la de pernas para o ar, e mais
ainda, quando o audacioso Erick afirmou que Daniel poderia estar apaixonado
por ela.
A loura de olhos verdes vinha mexendo com seus nervos, cada um deles,
de uma forma tão diferente que Daniel não conseguia explicar. Comparando a
sua experiência com Clarisse, ele tinha certeza que o que sentia não era amor.
Talvez uma obsessão, um desejo novo ou, quem sabe, apenas atração sexual…
Com as mãos ao rosto, deslizou até sentar-se no porcelanato frio,
totalmente atordoado. Nada parecia satisfazer seus questionamentos,
responder às suas perguntas; nenhuma possibilidade sobre o que sentia por
Sophia parecia lhe convencer; absolutamente nada sanava sua principal
dúvida: o que realmente sentia por ela?
A única resposta mais atrativa para Daniel era concordar com Erick.
Amor.
Mas ele negava para si mesmo. Não podia amar Sophia, não podia nutrir
sentimentos por ela. O que sentia não pode ser amor. Era intenso e tentador
demais; avassalador e insensato demais para ser amor. Ele já amou e nunca
sentiu um terço do que vivia com Sophia Hornet.
Uma batida leve na porta interrompeu seus devaneios e indagações.
— Daniel, o que está acontecendo? Está passando mal?
— Já disse que estou bem! — gritou de volta, e continuou sentado no
chão. — Só preciso de um tempo sozinho. — Suspirou pesadamente sempre
esfregando o rosto.
— Fale comigo, Daniel. — Sophia insistiu.
— Mas que merda, Sophia! — esbravejou. — Eu quero ficar sozinho! É
pedir muito?
Um silêncio se instaurou prontamente. Por alguns segundos a quietude
tomou conta da suíte. Daniel sabia que Sophia continuava atrás da porta, quase
podia ouvir a respiração dela. Mas não fez nada. Não queria olhar aqueles
olhos, aqueles lábios que estavam fazendo-o sonhar acordado; ou ver a pele
branca, sem poder sentir o toque macio dela; e, tampouco ouvir a voz afável
para não se sentir tentado. Só desejava ficar sozinho e longe de Sophia.
Não posso amá-la! Reforçou para si mesmo. Não é amor! Repetiu
interiormente, já pensando que ele não saberia como lidar com tal sentimento
caso estivesse, de fato, apaixonado.
Não, Daniel. É só uma paixão passageira. Como todas as outras
foram! Continuou insistindo no pensamento.
— Você é um idiota! — Sophia disse do outro lado da porta,
sobressaltando-o. — O que eu fiz a você para me tratar assim? — indaga, e
Daniel teve certeza que os olhos dela estavam cheios de lágrimas.
Levantando-se em um pulo abriu a porta. Sophia estava parada,
vincando a testa, os braços cruzados. E, como previsto, os olhos cheios de
lágrimas.
— Porque você me tira do sério! — Ele cerrou os dentes.
— Eu só perguntei se estava tudo bem! — rebateu com uma pitada de
decepção.
— E que foi que eu disse, Sophia? Que estava tudo bem e só queria ficar
sozinho!
— Desculpe, senhor Müller, se eu me preocupei com você! —
respondeu irônica alterando a voz.
— Eu não pedi para se preocupar comigo! — Cuspiu as palavras.
Sophia calou-se. Piscou freneticamente tentando conter as lágrimas e
não chorar na frente de Daniel. Inspirou e expirou fundo lentamente, virou-se
devagar e selecionou algumas peças de roupa. Entrou no banheiro batendo a
porta fortemente.
Daniel acompanhou a cena. Só então percebeu que mais uma vez falou o
que não devia. Era esse o poder descomunal que Sophia Hornet tinha sobre
ele: sempre fora controlado e passivo, mas na presença da loura perdia a
paciência facilmente e as palavras saíam da sua boca sem permissão, e logo a
magoava.
Revirou os olhos, praguejou a si mesmo por ter sido estúpido, e se
aproximou do banheiro.
— Sophia — ele chamou, mas não obteve resposta.
Estava prestes a chamá-la outra vez, mas a porta se abriu e ele deu de
cara com a loura vestindo uma regata estampada em onça, cuja alça era de
pedraria branca, e uma calça preta em couro, que abraçava perfeitamente sua
cintura. Ela passou por ele, sentou-se na cama e calçou uma sapatilha preta.
— Não me ignore — protestou trincando os dentes.
— Não queria ficar sozinho? Estou atendendo seu pedido, senhor
Müller. — Há arrogância em sua voz enquanto ela pinta os lábios com um
batom vinho.
— Olha, me desculpa, tudo bem? Eu tenho falado coisas sem pensar.
Sophia parou de passar a maquiagem nos lábios e o encarou.
— Pois é, Daniel. Você não pode sair por aí ofendendo as pessoas e
depois simplesmente pedir desculpas — rebateu irritada.
— O que quer que eu faça se você me tira do sério e me deixa louco? —
Daniel já estava de novo com a voz alterada
— Eu te deixo louco, Daniel? — O tratamento a gritos retorna. — Uma
hora você é todo carinhoso, se preocupa e pede desculpas, mas um segundo
depois está gritando, me tratando mal e sendo estúpido. E sou eu que te deixo
louco?
Daniel prendeu a respiração e a encarou, atingido por suas palavras.
Não conseguia compreender a sua recente oscilação de humor.
— Sophia…
— Não, Daniel — ela o interrompeu —, estou farta de “me desculpe”.
Assim que o navio aportar no Rio Janeiro, voltarei para casa — disse
convicta e passou por ele, que tentava dizer alguma coisa, mas Sophia
alcançou a porta e se foi.
Irado, ele agarrou um vaso e jogou na parede, trovejando:
— Porra!
♦♦♦

Sophia Hornet inspirou e expirou diversas vezes no intuito de controlar


seus nervos. Enquanto caminhava, perguntava a si mesma por que seu
relacionamento com Daniel mudou tão bruscamente desde que chegaram ao
cruzeiro, e porque, também, estava cada vez mais difícil lidar com Daniel. Ela
não entendia os motivos que o levaram a chegar à situação presente. A cada
cinco minutos, eles estavam discutindo, um gritando com o outro, e no minuto
seguinte estavam bem, no próximo voltavam a brigar.
A loura atravessou o navio andando sem rumo. Desde que chegou ainda
não conseguira aproveitar de verdade a viagem, e talvez nem o fizesse. Estava
mais que decidida em ir embora quando o navio parasse no porto do Rio de
Janeiro. Daniel que termine sua viagem sozinho! Não é o que ele quer?
Idiota! Praguejou mentalmente na frente de uma vitrine de roupas.
Resolveu, então, que aproveitaria suas últimas horas e trataria de
conhecer as outras atrações que o cruzeiro oferecia. Caminhou pelo navio, se
distanciando cada vez mais da ala da sua suíte, adentrando corredores,
descendo lances de escada e parando, hora ou outra, para observar o
movimento das pessoas: casais que andavam de mãos dadas, crianças que
corriam segurando balões de nitrogênio de vários personagens, grupos de
amigos conversando.
Continuou seu percurso até chegar a um salão, onde uma banda de jazz
tocava. Parou para ouvir o grupo harmônico e de ritmo contagiante.
Por um breve segundo se lembrou de Erick e desejou estar em sua
companhia. Erick Gouveia era um bom amigo e sempre a animava de alguma
forma. Estar ali, sozinha, era incômodo demais. O local estava cheio de
pessoas, mas ela se sentia só. Na mesma hora, se lembrou do beijo em Erick, e
se questionou como ele estaria com a situação: estaria sentindo o mesmo que
ela? Indiferença?
Aborrecida, quis voltar para a suíte. Arrumaria fones de ouvido para
ouvir suas músicas e ignoraria o imbecil do Daniel, caso ele viesse com mais
pedidos de desculpas. Realmente, Sophia estava farta. Daniel a tratava mal e
depois pedia perdão. Isso a deixava profundamente magoada.
Voltando à suíte, pensou no dia seguinte, assim que amanhecesse,
poderia aproveitar melhor. Quem sabe algumas aulas de zumba, ou algumas
horas na piscina. Planejou um café da manhã reforçado, talvez com Erick,
conversando na varanda e observando a vista marítima.
Quando chegou ao seu aposento, encontrou-o vazio, mas tudo estava em
ordem. Deparou-se então, em cima da cama de lençóis brancos, com um
ramalhete de rosas vermelhas.
Mesmo que estivesse se remoendo de ódio e mágoa, não pôde segurar
um breve sorriso no canto dos lábios. Aproximou-se a passos cautelosos e
tomou o buquê em mãos, inalando profundamente o cheiro das flores;
encontrou um cartão amarelo, abriu e leu a mensagem na conhecida caligrafia
de Daniel:

Por favor, me encontre às 23 horas no restaurante na ala norte do


navio para um pedido de desculpa formal e digno.
Daniel Müller.

Por alguns segundos ficou olhando o pequeno bilhete. Acreditou que


seria um pedido de desculpas rabiscado naquele bilhete, mas encontrou uma
mensagem totalmente inesperada.
Riu para si mesma, imaginando como Daniel era imprevisível e um
completo idiota. E se ela não voltasse para a suíte? E se passasse a noite fora
como da última vez? Revirou os olhos de bom humor, pensando na falta de
raciocínio de Müller.
A última vez! Divagou. Na última ocasião, Daniel havia preparado um
jantar para dois, também pedira que ela o procurasse e como não o fez,
estragou toda a surpresa. Pegou-se imaginando o que Daniel aprontaria desta
vez.
Vacilou na decisão. Do que adiantaria ir até ele, receber um lindo
pedido de desculpas, para então depois Daniel tornar a ter as mesmas
atitudes?
Segurando as flores, sentia-se totalmente indecisa. Olhou no relógio e já
passava das dez. Respirou fundo e decidiu ir até o referido lugar, mas deixaria
bem claro para o Daniel que não aceitaria mais seus pedidos de desculpas se
ele continuasse com aquelas atitudes de homem das cavernas.
Deixou o ramalhete em um vaso com água. Retocou apenas a maquiagem
e saiu, indo ao encontro dele.

♦♦♦

Quando chegou ao restaurante Petit Buoni, na ala norte do navio, Sophia


achou que havia se enganado, ou que tudo não passara de uma brincadeira de
muito mal gosto de Daniel. O local estava totalmente vazio, e ela teve a
impressão de que o restaurante não estava aberto. As mesas bem arrumadas
tinham pequenas velas acesas, iluminando fracamente o recinto, mas em
nenhuma delas havia clientes. Uma música suave italiana pairava no ar, e
apenas um homem vestido de terno e gravata borboleta esperava nos fundos,
parado ao balcão do caixa do restaurante.
Ao notar sua presença, o homem se pôs a caminhar.
— Senhora Müller? — indagou o homem para confirmar minha
identidade.
Por um breve momento, Sophia pensou em corrigi-lo, mas se lembrou de
que, querendo ou não, era a senhora Müller.
— Sim — respondeu com a voz trêmula e confusa.
— Queira me acompanhar, por favor — disse o maître e se virou,
adentrando ao recinto.
Sem entender nada, Sophia o seguiu, já sentindo seu coração palpitante.
O funcionário chegou até o interior do restaurante, e neste, assim como
na frente, todas as mesas estavam vazias, e apenas uma delas estava posta,
como se apenas um casal fosse jantar ali, bem centralizado no grande salão. O
maître puxou a cadeira e movimentou a mão, solicitando que ela se sentasse.
— O senhor Daniel já virá ao seu encontro — falou o homem, e antes
que ela pudesse pensar e perguntar o que estava acontecendo, ele saiu,
deixando-a sozinha.
Totalmente atônita, Sophia observou ao seu redor. Suas mãos agora
suavam frias e seu coração batia mais descompassado. Confusão e curiosidade
acompanhavam seu ritmo cardíaco.
— Sophia? — uma voz conhecida a chamou, e ela correu os olhos até a
entrada do lugar.
Avistou um Daniel bem-vestido. Terno e gravata bem alinhados, os
cabelos penteados perfeitamente, como ele costumava fazer: um topete jogado
de lado e fixado com gel; sua barba alourada mantinha-se bem aparada, o
perfume forte dele impregnou no ar, e ela sentiu seu cheiro, mesmo que
estivessem a uns quatros metros de distância.
Daniel Müller segurava outro buquê de flores e exibia um sorriso
tímido. Em contraste à luz fraca do lugar, seus olhos claros eram nítidos.
Qualquer raiva ou mágoa que Sophia pudesse sentir se esvaiu quando o
viu.
Ela estava encantada.
22
PEDIDO DE DESCULPAS

Daniel esfregou o rosto com as mãos querendo acalmar os ritmos


alterados de seu coração. Olhou para a bagunça causada num momento de
euforia e praguejou-se por, mais uma vez, ter perdido o controle da situação.
Deixando qualquer preocupação de lado, andou até o banheiro e ligou a ducha
fria. Enquanto a água gelada castigava sua pele e diminuía o calor que subia
pelo seu corpo, pensava em por que Sophia conseguia irritá-lo tão facilmente.
Mulher nenhuma teve tanto poder sobre seus nervos. Pegou-se perguntando
quantas vezes se sentiu confuso em relação à loura num curtíssimo espaço de
tempo – desde que presenciara Erick cortejando-a, tais sentimentos afloraram
– e concluiu que já até perdera as contas.
Após o banho rápido, e já novamente no quarto, se deparou com a
bagunça. A voz de Sophia, antes afável e doce, e agora aos berros, vem à sua
mente, e ele pode quase se lembrar com clareza da discussão.
O arrependimento, então, o acertou como um soco forte no peito. Pensou
em como Sophia tinha toda razão. Daniel sabia que seu humor nunca oscilou
tanto quanto nestes dias.
Vestiu-se rapidamente pensando em procurá-la e lhe pedir desculpas,
pela milésima vez. O que há de errado comigo? Questionou enquanto
colocava a calça.

Mas, de súbito, a voz dela outra vez invadiu seus pensamentos.

“Estou farta de 'me desculpe'”

Suspirando, ele pensou que não seria qualquer me perdoe que faria
Sophia mudar de ideia. Não adiantaria tentar abraçá-la e afagar seus cabelos,
ou ajoelhar-se e suplicar seu perdão. Sabia que teria que fazer por merecer,
mostrar que estava de fato arrependido e disposto a mudar.
Com uma ideia na cabeça, Daniel terminou de se trocar rapidamente,
pegou papel e caneta, rabiscou algo, enfiou no bolso e saiu da suíte,
caminhando em direção ao restaurante italiano que ele viu em um folder
qualquer. No caminho, pediu um serviço de quarto para limpar, de novo, a
bagunça; aproveitando, solicitou um buquê de rosas vermelhas com um cartão
em branco. Também enviou um SMS para o Eduardo que, para sua sorte,
respondeu logo, o que o deixou aliviado. Sem a informação que ele precisava,
seu plano não poderia ser executado com a perfeição que gostaria.

Chegando ao restaurante, Daniel conversou com o gerente e disse que


queria fechá-lo para um jantar romântico e reservado, comprometendo-se a
pagar pela quantia que eles receberiam se estivessem abertos. Com uma
gorjeta generosa, Daniel também pediu algo especial ao gerente, entregando o
papel e dando algumas instruções. O homem logo saiu para atendê-lo. Os
clientes foram notificados que o estabelecimento fecharia às vinte e duas horas
e trinta minutos, que seria dentro de trinta minutos, para a recepção de um
casal especial.

Enquanto os funcionários organizavam o lugar, Daniel voltou a passos


rápidos para o quarto, e ao chegar já o encontrou limpo e com as flores
encomendadas.

Ele tomou o cartão em mãos e escreveu a mensagem. A princípio pensou


em lhe pedir desculpas, mas ponderou que seria melhor o fazer olhando dentro
dos seus olhos verdes.

Aproveitou o cartão para deixar o recado do jantar:

Por favor, me encontre às 23 horas no restaurante na ala norte do


navio, para um pedido de desculpa formal e digno.
Daniel Müller.

Deixou cartão e flores sobre a cama e se trocou, vestindo um terno para


ocasiões especiais, ajeitou os cabelos e passou o perfume. Retornou ao
restaurante e chegou lá quinze minutos antes do combinado, os funcionários
correndo contra o tempo para organizar o salão e a frente do local.
— Conseguiu o que te pedi? — perguntou ao gerente.
— Sim, senhor Müller. Tudo estará pronto ao final do jantar —
confirmou o homem, e lhe entregou um segundo buquê, que era parte da
exigência.
— Ótimo — Daniel disse, tirou a carteira do bolso e arrancou mais
notas para entregá-las ao homem. — Receba como uma gratificação.
O gerente agradeceu e se retirou. Daniel Müller se posicionou em um
local discreto próximo ao restaurante, onde teria uma visão de quando ela
chegasse, e aguardou até a chegada de Sophia, sentindo suas mãos que
seguravam outro buquê de flores suarem. Não demorou muito, e Daniel a viu
se aproximando do local cautelosamente.
Ele admirou sua beleza. Sophia estava do mesmo jeito quando saiu da
suíte, mas de alguma forma ele a achou encantadora: a calça preta de couro até
acima do umbigo contornando perfeitamente seu tronco; a blusa de estampa de
onça e alça de pedraria branca por dentro da calça, marcando sua cintura; os
cabelos soltos e caídos sobre os braços despidos e seus seios redondos e
firmes fazendo contraste com seu corpo fino.
Perfeita. Divagou, contemplando-a.
Segundos depois, Sophia estava acompanhando o maître até o salão,
onde os dois jantariam com privacidade.
Respirou fundo e alinhou o terno; tomou coragem e caminhou ao
encontro dela. Parou na entrada do recinto, onde uma mesa bem centralizada
estava posta com um candelabro à luz de velas. Ao fundo, uma música em
italiano ressoava deixando o ambiente ainda mais agradável, enquanto Sophia
estava distraída.
— Sophia? — ele a chamou, e seus olhares se encontraram.
Daniel tinha no rosto um pequeno sorriso tímido. A beleza de Sophia o
desestruturou. Há muito tempo ele não tinha esse sentimento esquisito
martelando no peito: um misto de vergonha e nervosismo.
Mais nervosismo do que qualquer outra coisa.
Temeu por um momento, enquanto Sophia o avaliava, que ela saísse
gritando, lhe desse um tapa e dissesse que o odiava. Mas seus temores
desapareceram quando recebeu um sorriso magnífico que quase estremeceu
suas pernas.
Daniel tornou a caminhar em sua direção, sentindo o coração palpitante.
Sophia levantou-se e foi ao seu encontro sorrindo e levemente corada. Aquilo
mexeu com seu interior.
— Oi… — murmurou sentindo seu corpo tremer. — Obrigado por ter
vindo.
— Você é um idiota, Daniel — ela disparou. — E se eu não voltasse
para o quarto?
Ele abaixou os olhos e soltou uma pequena risada; tornou a olhá-la.
— Bom, então eu teria que te procurar em cada metro quadrado deste
navio.
Sophia sorriu largamente sem saber o que dizer, mas satisfeita com a
suposta dedicação dele em preparar aquele jantar. Ela olhou para as flores e
depois para Daniel, que, como se tivesse se lembrado de que segurava o
ramalhete, esticou os braços para entregá-lo.
Sophia abraçou o buquê e inspirou o cheiro das flores.
— Obrigada — agradeceu e o olhou.
Daniel ofereceu seu braço e Sophia se enroscou a ele, mesmo que um
pouco hesitante. Os dois caminharam de volta à mesa, e Sophia apoiou as
flores em uma cadeira desocupada.
Logo, o garçom apareceu trazendo o jantar, que Daniel escolheu
especialmente para a ocasião, além do vinho de ótima qualidade. Após serem
servidos, o funcionário se retirou, deixando-os a sós.
— Daniel… — Sophia começou, mas ele a interrompeu.
— Eu sei que eu sou um imbecil. Você sabe que eu quero me desculpar,
mas não começarei agora. Mostrarei que estou arrependido, e se você julgar
que mereço ser perdoado, então você me diz.
— Mas essa é a questão, Daniel. Não me importa que esteja
arrependido, se fará tudo de novo. Não adianta se arrepender e continuar
cometendo o mesmo erro — rebateu, mas a voz estava calma.
— Você tem razão. E eu confesso, Sophia, eu não sei por que estou
agindo dessa maneira. Eu nunca fui assim, e você sabe. Convive comigo na
empresa há cinco meses, sabe disso.
— Eu convivo com o Daniel Müller meu chefe, não meu marido. Eu não
te conheço, Daniel… infelizmente — comentou com um suspiro, e fixou os
olhos no prato.
— Eu prometo tentar me controlar — ele murmurou. — Só preciso de
outra chance.
— Faça por merecer — exigiu, e Daniel apenas acenou.
— Vamos comer? — inquiriu, e ela concordou.
Por alguns minutos, eles comeram em silêncio. Daniel pensando em
como sua personalidade mudava na presença de Sophia; um homem
descontrolado, troglodita e quem sabe até ciumento. Pensou nas palavras de
Erick e em suas lembranças dolorosas com Clarisse. O medo que sentia de
amar e não ser retribuído o fez dar um passo atrás com Sophia e nesse
relacionamento que estavam sustentando; Erick até podia estar certo sobre
seus sentimentos por ela, mas ele temia que Sophia não sentisse a mesma
coisa, ou que, de uma forma ou de outra, sairia machucado.
— Cadê os outros clientes? — a voz de Sophia invadiu seus
pensamentos, e ele encontrou seus olhos sedutores e brilhantes.
— Eu pedi para fechar o restaurante só para nós dois — respondeu e
corou levemente.
— Daniel, isso é loucura! — Sophia exclama totalmente surpresa pelo
que ele fez.
— Nada que você não mereça.
As bochechas de Sophia avermelharam-se prontamente. Daniel era o
único que conseguia tirá-la do sério e depois fazê-la se sentir como se fosse
especial e exclusiva. Nos momentos com Daniel, seu rosto queimava de raiva
ou de vergonha, porque era esse o poder que ele tinha sobre seus nervos. Ela
se perguntava por que Daniel oscilava tanto o temperamento.
De certo modo, ele tinha razão quando disse que ela o conhecia. Sophia
sabia que Daniel era sempre muito calmo, paciente, educado, um pouco sisudo
às vezes, e evasivo a maior parte do tempo, reservado, e, recentemente,
descobriu ser de um humor contagiante. Mas como ela mesma rebateu, esse é o
Daniel Müller chefe; como companheiro ela não sabia, pois nunca se
envolvera com ele a esse ponto.
Pegou-se perguntando se com Melissa ele tinha toda essa obsessão de
chamar de minha mulher, ou de agir feito um idiota, ser carinhoso num
instante e no outro gritar e ser estúpido. Porém, o próprio afirmou não ser
assim, e se nem ele era capaz de explicar suas próprias ações, ela seria a
última a entender por que Daniel estava tendo atitudes que não correspondiam
com sua personalidade.
— O que achou da comida? — ele perguntou, fazendo-a recobrar os
sentidos.
— Maravilhosa. O vinho é ainda melhor — elogiou desenhando um
sorriso casto.
— Você gosta de vinho, não é?
— Muito. É um costume que herdei do meu pai.
— Quando voltarmos para casa, pode ir até a adega e escolher qualquer
um que você queira. Meu pai também era apaixonado e por isso ele tem safras
antigas de todas as partes do mundo. Os melhores são os da França, sem
dúvida.
— Ah… Daniel, não precisa — Sophia recusou se sentindo um pouco
encabulada.
— Não aceito “não” como resposta. — Daniel sorriu limpando os
lábios
— Se você insiste…
Daniel e Sophia trocaram sorrisos sinceros, e Müller não conseguia
explicar a sensação boa que percorria seu corpo. Esse momento em paz que
estavam vivendo, a conversa civilizada, o sorriso de Sophia… tudo isso
mexia com seu interior e ele desejava outros encontros assim. Era muito
melhor do que brigar, gritar um com o outro e se ofender.
Assim como ele já tivera uma decepção amorosa, Daniel tinha a
curiosidade em saber se Sophia também vivera algum relacionamento que a
machucou. Só de pensar que ela poderia ter sofrido por amor, teve vontade de
quebrar a cara do desgraçado.
— Além do Miguel, já teve algum outro namorado? — questionou em
tom casual.
Sophia estava tomando vinho e limpou os lábios antes de responder.
— Sim. Alguns. Por quê?
— Gostou de algum deles?
Sophia ergueu a sobrancelha, sem entender o interrogatório repentino de
Daniel. Ainda assim, resolveu responder a pergunta sem questionar. Disse que
sim, que havia um rapaz de quem ela gostou quando tinha dezenove, ou vinte
anos.
Enquanto contava, Daniel a ouviu com atenção, olhando vez ou outra
para seus lábios que se moviam com perfeição.
Renato e Sophia se conheceram em um barzinho num dia em que ela saiu
para comemorar a formatura de alguns amigos. A atração um pelo outro foi
mútua, logo trocaram telefones e duas semanas depois estavam namorando.
Mas com o tempo, o relacionamento foi se desgastando, eles discutiam demais
e quase não se viam por conta do último semestre de Sophia, que estava
fazendo estágios, escrevendo o cansativo trabalho de conclusão de curso e se
preparando para as provas finais. Numa noite qualquer, um mês antes de sua
formatura, Renato mandou uma mensagem terminando o namoro de mais de um
ano.
— É isso? — Daniel pergunta quase sem acreditar, e Sophia gargalhou.
— É, Daniel… Minha vida não é uma novela. O que você esperava?
Que eu e ele fôssemos superapaixonados e que iríamos enfrentar Deus e o
mundo para vivermos nosso amor? — responde de bom humor.
— Na verdade, eu esperava isso sim. Mas você o amava? — indagou.
— Amar, amar, não. Eu achava que era amor, mas acabou tão rápido
como começou. E quando o amor acaba é porque nunca existiu.
Daniel a encarou depois das suas últimas palavras e ficou pensativo.
E quando o amor acaba é porque nunca existiu.
Por um rápido momento, pensou nessa afirmação. Nunca tinha visto o
amor por este ângulo. Para ele o amor durava o tempo que era preciso. Alguns
duravam meses; outros, anos; e os raros, a vida inteira. Mas Sophia o fez
repensar. Perguntou-se se de fato havia amado Clarisse, se tudo não passara
apenas de uma paixão, uma coisa de momento, mesmo que o que tenha sentido
tivesse sido maior que qualquer amor de verão que vivera.
— E você? — Ela o trouxe de volta. — Já amou, ou gostou de alguém?
— Não — negou descaradamente. Além de Heitor, ninguém mais sabia
sobre Clarisse, e isso continuaria assim. — Eu nunca fui muito de
compromisso sério.
— E por que não? — questionou curiosa.
— Eu vi muita gente sofrer por amor, não sei, talvez eu tenha receio de
acontecer o mesmo comigo — ele se explicou, e rezou para parecer
convincente.
— E não sente medo de em algum momento se apaixonar? — Sophia
sorriu sapeca e bebeu o vinho. — Você se envolve com tantas mulheres que
uma hora poderá ser surpreendido.
— A diferença é que eu sei separar as coisas, Sophia. Além do mais,
nunca passou de uma noite.
— E daí? — Ela deu de ombros. — Acha que o amor liga para essas
coisas? Já pensou um dia dormir com uma mulher e no outro acordar
apaixonado por ela? — Sophia disse e gargalhou.
Daniel se sentiu um pouco incomodado com a dedução louca de Sophia.
Isso jamais aconteceria. Se bem que, ele achava que se apaixonou por Clarisse
no momento em que olhou aqueles olhos negros. E por Sophia ele se sentia
confuso desde o dia em que eles se beijaram no apartamento dela, por causa
de Miguel, e que, estranhamente, vinha sendo reforçado desde os cortejos de
Erick.
Não era uma teoria tão louca assim, ele pensou.
— Se um dia isso acontecer — ele diz —, renuncio a este sentimento.
Eu não nasci para amar alguém.
O sorriso de Sophia murchou um pouco.
— É uma pena. Já no meu caso, queria ter com quem compartilhar a
vida, ter momentos assim, como esse — sussurrou e abaixou os olhos. —
Casar de verdade, ter filhos… Sabe, essas coisas rotineiras e cotidianas?
Coisas bobas e simples? — Ela o olhou, e Daniel a encarou de volta de
semblante levemente fechado, sentindo suas palavras o atingir.
O desejo de Sophia era tão genuíno, tão humilde, mas para ela parecia
ser a coisa mais importante do mundo.
— Sei… — murmurou e pigarreou para limpar a garganta.
— É isso… — concluiu com um sorriso fraco. — Eu não tenho medo de
amar. Eu tenho medo de não ser feliz.
— E você acha que a felicidade se resume em estar com alguém? —
Daniel indagou.
— Depende, Daniel. Se eu estiver apaixonada por alguém, talvez eu só
me sinta completa ao lado dessa pessoa, mas isso não significa que eu não
possa ser feliz sozinha. O que eu quis dizer é que eu não renunciaria a um
amor por medo de sofrer, para depois passar o resto da vida pensando em
como teria sido a minha vida se tivesse investido em um relacionamento
amoroso.
Outra vez Sophia o fez refletir. Daniel sorriu pensando em como ela era
uma mulher extremamente cativante, enquanto ele era um imbecil ordinário que
tinha a tratado mal.
— Talvez tenha razão — concordou e olhou para seu prato já vazio. —
A comida estava boa — mencionou para desviar do assunto.
— Sim, eu adorei o jantar, Daniel. Obrigada.
— Ainda quer ir embora quando aportamos no Rio? — questionou com
preocupação.
— Sim, Daniel — ela confirmou. — Essa lua de fel está me deixando
com os nervos à flor da pele — ela se justificou e bebeu mais do vinho.
Daniel apenas acenou. Se essa fosse a vontade dela, respeitaria sem
questioná-la, nem insistiria para que terminassem a viagem.
— Ok. Importa-se se voltarmos juntos?
Ela o olhou surpresa.
— E a viagem? Achei que queria alguns dias de férias.
— É… mas não fará sentindo você voltar para casa e eu ficar aqui. O
que irão pensar?
Sophia ficou muda. Sentiu-se mal com a colocação de Daniel. Tudo se
resumia à aparência naquele casamento, no que as pessoas pensariam. Ele
parecia não se importar com mais nada além de não ter sua vida e nome
expostos em jornais e revistas.
— Faça como quiser — ela falou em tom ríspido e terminou o vinho. —
Se me der licença, estou cansada e quero dormir — disse já se levantando.
Daniel também se levantou prontamente, interrompendo-a.
— Espere. Tem mais uma coisa.
— O que é? — ela cruzou os braços, impaciente.
Sem dizer nada, Daniel caminhou até o outro lado do restaurante e
conversou com o homem que a encaminhou até ali; Sophia acompanhou a
conversa deles sem entender o que estava acontecendo, e viu o homem acenar
positivamente. O garçom se afastou e Daniel voltou com um pequeno sorriso.
— O que está acontecendo? — perguntou atônita.
Ele esticou a mão para ela.
— Venha e descubra — sussurrou, e sua voz rouca estremeceu suas
bases.
Sophia segurou na mão dele e caminharam até a saída. Durante o
percurso, a música nas caixas de som em sotaque italiano mudou. A loura
reconheceu as primeiras notas e seu coração acelerou. Ela olhou para Daniel,
que sorria pelo canto dos lábios, e seus olhares se cruzaram.
— Mandei um torpedo para o Eduardo. Ele me disse que você gosta de
Don't Cry, do Guns N´Roses.
Eles pararam à entrada do salão, Sophia estava olhando para Daniel,
totalmente sem reação, mas ao mesmo tempo feliz. Flores, jantar romântico,
sua música preferida tocando para ela. Seu coração pulsava diante do zelo e a
atenção de Daniel, mesmo que ele tenha feito isso tudo na intenção de ser
perdoado. Sophia não conseguia sentir mágoa ou raiva, apenas admiração e
felicidade por ele ter proporcionado esta noite mágica para ela.
— Olhe para frente — Daniel sussurrou.
Quando ela pensou que as surpresas tivessem acabado foi surpreendida
de novo. Seus lábios estavam separados e as mãos levadas até eles, sentiu seu
corpo todo tremer diante a imagem que via.
O espaço aberto à sua frente estava todo adornado com flores e balões
de nitrogênio em forma de coração, presos por toda a parte e com a inscrição
me perdoe. Alguns balões alinhados traziam, ainda, uma rosa e um envelope.
— Daniel… — gaguejou sentindo a garganta seca.
— Se aproxime — ele sussurrou em seu ouvido.
Tremendo, enquanto a música continuava, ela deu um passo e adentrou o
local. Aproximou-se do primeiro balão e retirou o envelope branco, abriu e
pegou um pequeno papel impresso.

Sophia, eu sei que tem motivos de sobra para simplesmente ir embora


e nunca mais olhar na minha cara. Sei que posso escrever essa mensagem
sem que você tenha a chance de lê-la porque eu fui tão estúpido que nada
que eu faça poderá convencê-la a vir até aqui esta noite. Mas se estiver
lendo isto, então, olhe para trás e veja meu sorriso.

Sophia buscou por Daniel, e ele sorria encantadoramente; ela devolveu


o sorriso e voltou a ler a mensagem.

Esse sorriso, Sophia, é de alegria por saber que, apesar das minhas
idiotices, você veio até mim; ouviu-me, me fez companhia, aturou este meu
humor que tem oscilado em sua presença.

A mensagem acaba e ao rodapé, se lê:

Continua no próximo balão…

Sorrindo, ela andou até o segundo balão, tirou o envelope amarrado à


cordinha e continuou lendo a mensagem:

Também sei que não mereço seu perdão. Tenho sido o que nunca fui,
com atitudes que nunca fizeram parte da minha personalidade. Por quê?
Sinceramente, nem eu mesmo sei explicar. Só sei que você tem esse poder
sobre mim.

Ela fixou seu olhar na última frase. Nunca imaginou que teria alguma
influência sobre Daniel. Estava ciente de que ele tinha um poder sobre ela.
Constatou isso no dia em que a beijou no pescoço e a deixou excitada. Mas
nunca imaginara que, de alguma forma, Daniel se sentia do mesmo modo em
relação a ela. Pelo menos, não mais que uma atração…
Em sua presença, Sophia, eu deixo de ser eu. Talvez porque eu tenha
muito carinho por você, quero que nada, nem ninguém te cause algum mal,
ou porque realmente eu sou um idiota.
Mas, acima de qualquer coisa, saiba que eu odeio quando seus olhos
se enchem de lágrimas por minha causa, quando eu ajo feito um troglodita e
te ofendo, quando te machuco com palavras, ou quando eu te magoo com
minhas atitudes imbecis.
Continua no próximo balão…

As mãos dela tremiam, mas ela seguiu até o quarto balão, abriu o
envelope e continuou lendo a mensagem.

Sei que você está certa quando diz que eu me desculpo, mas continuo a
bater na mesma tecla. Eu tenho perdido tanto o controle que isso assusta até
a mim mesmo, porque eu nunca fui assim. Mas desde que você entrou na
minha vida, desde que nós dois nos submetemos a essas condições que
estamos vivendo, eu venho me descontrolando. Ao mesmo tempo eu quero te
proteger de tudo e de todos que possam te fazer mal. Pensei em te proteger
até de mim mesmo, acredite.
Eu fiz uma promessa mais cedo, Sophia. A de honrar este casamento,
mesmo sob essas condições malucas que firmamos. E eu irei cumpri-la.
Custe o que custar. Eu não permitirei que seu nome e sua honra sejam
manchados por conta de erros que tenho cometido, por conta da minha falta
de discrição, porque eu sei que tudo isso de alguma forma te atinge e você
fica aborrecida.
E eu odeio te ver triste.
Continua no próximo balão…

A essa altura os olhos dela já estavam lacrimejando de emoção. As


palavras de Müller pareciam ser tão sinceras, tão profundas, que Sophia não
podia conter seus sentimentos.
Fez o mesmo procedimento de antes e leu a continuação da mensagem.

Por isso mesmo, eu te peço perdão. Perdão por ser um idiota, por não
te tratar esses dias como você merece, por você presenciar coisas que não
deveria, por eu te machucar com palavras, por ser um hipócrita, por querer
te privar de ser livre. Eu te peço perdão por todas as minhas bobagens, te
peço perdão até mesmo por erros que eu cometi e não tenha percebido, mas
que te magoaram. Perdão por esta viagem estar lhe dando mais dor de
cabeça do que um momento de lazer, de alegria.
Se você não quiser, tudo bem, Sophia. Depois de tantos erros, de
tantos “me desculpe” vazios, depois de tantos xingamentos e discussões, sei
que é difícil perdoar. Você estará no seu direito e eu respeitarei isso. Mas
apenas saiba que eu estou arrependido, não só pela nossa última briga, mas
por todas as minhas atitudes descabidas.
Se me perdoar, eu prometo que farei por onde honrar seu perdão. Serei
mais atencioso, mais cuidadoso nas minhas palavras, nas minhas ações, no
meu tom de voz. Eu darei o tratamento digno que sempre mereceu da minha
parte, e que sempre teve antes dessa viagem. Porque o arrependimento,
Sophia, não está apenas em se sentir culpado em ter errado, mas também em
não persistir no erro.
E eu não quero mais que uma lágrima sequer caia dos seus olhos por
minha culpa.
Continua no próximo balão…

Sophia se encaminhou para o último balão, as mãos ainda mais trêmulas,


sentindo a maquiagem borrar. Abriu o último envelope para ler o final da
mensagem:

Sophia, essa mensagem pode significar muito, ou significar nada para


você, mas para mim, saiba que em cada palavra eu nunca fui tão sincero em
toda a minha vida. Nenhuma mulher passou por mim e me deixou tão
desestruturado a ponto de eu abrir meu coração e escrever uma mensagem
praticamente implorando por perdão.
Eu sei que errei. Sei que você merece conviver com uma pessoa
melhor, que merece um casamento de verdade, uma pessoa de verdade na sua
vida, e eu, sinceramente, espero que encontre tudo o que merece quando
tudo isso entre nós acabar. Mas por hora, Sophia, eu preciso que me perdoe.
Ou eu não dormirei, não conseguirei encará-la sabendo que está magoada
comigo. Eu simplesmente não conseguirei carregar esse peso sobre meus
ombros.
Eu estou arrependido e espero conquistar seu perdão. São essas as
mais sinceras palavras que pude escrever.
Daniel Müller.

Sophia teve a sensação que o coração fosse parar. As palavras de


Daniel não poderiam ter sidas mais tocantes para ela. Eram cheias de
simplicidade, mas conseguiram tocá-la de uma forma que não imaginava ser
possível. Respirando fundo, se virou vagarosamente para ele, não encontrando
palavras suficientes para lhe dizer qualquer coisa. De seus olhos continuaram
a descer tímidas lágrimas, borrando a maquiagem.
Levantou seus grandes olhos verdes para Daniel, que continuava parado
no mesmo lugar. Ela começou a se aproximar aos poucos, enquanto tentava
organizar uma frase coerente em sua cabeça para dizer a ele.
— Sophia, você é a mulher mais especial que surgiu na minha vida —
Daniel começou a falar de repente, e ela estacou no mesmo lugar.
Don't Cry continuava a tocar repetidamente nas caixas de som, e ela não
percebeu algumas pessoas segurando pequenas velas e se aproximando do
restaurante.
Meu Deus! ela pensou, ainda não acabou?
— Eu não queria só te pedir desculpas escrevendo uma mensagem. Isso
seria covarde demais da minha parte — ele disse com a voz trêmula andando
até ela em passos cautelosos.
Daniel também estava nervoso. Seu coração batia acelerado. Nunca
pediu desculpas a uma mulher em público; nunca escreveu uma mensagem tão
sincera pedindo por perdão; nunca sentiu essa emoção esquisita dentro do
peito.
— Eu quero que saiba que eu realmente estou arrependido por tudo. Por
estar sendo o mal que te aflige, por ser o causador de suas lágrimas desde que
chegamos aqui, por me comportar como um perfeito idiota. Não sabe como
meu coração se partiu quando vi você chorando hoje; não sabe como eu me
senti patético quando gritei com você; não sabe como o arrependimento bateu
na minha cara quando eu caí na realidade e percebi as besteiras que fiz com
você.
Ele parou um segundo para tomar fôlego. Ao longe podia ver os olhos
de Sophia ainda mais cheios de lágrimas, mas dessa vez ele tinha certeza que
ela chorava de emoção e não de tristeza.
— Por isso, eu queria te pedir perdão. Queria que me desculpasse não
só pelos meus erros, mas por ter sido essa pessoa terrível para você. —
Daniel engasgou nas suas frases, o nervosismo o consumindo. — Então,
Sophia, em sinal do meu arrependimento aceite essa singela homenagem — ele
finalmente alcançou-a e tocou seus ombros para virá-la.
Sophia arregalou os olhos diante das pessoas a sua frente. Devia haver
umas vinte e cinco ou trinta pessoas ao redor do restaurante segurando
pequenas velas acesas. Junto a elas, um trio de dois homens e uma mulher,
munidos de violão.
A música cessou nas caixinhas de som do restaurante. Um ruivo
começou a tocar o instrumento e seu companheiro logo o acompanhou. A
mulher do trio começou a cantar a mesma música que tocara segundos atrás,
numa voz extremamente afinada.

Talk to me softly
There's something in your eyes
Don't hang your head in sorrow
And, please, don't cry

Conforme a mulher continuava cantando, as pessoas ao redor


acompanharam a música, gradualmente.

[1]
I know you feel inside
I've been there before
Something is changing inside you
And don't you know

No refrão o coro dos presentes se elevou, Sophia não se conteve e caiu


em prantos de emoção.

[2]
Don't you cry tonight
I still love you, baby
Don't you cry tonight
Don't you cry tonight
There's a heaven above you, baby
And don't you cry tonight

Ela sentiu as mãos de Daniel em seus ombros enquanto assistia à


apresentação.
Com olhos cheios de lágrimas, se voltou para Daniel, que estava
sorrindo discretamente. Ela o abraçou fortemente e ele retribuiu sentindo o
calor do momento acalentar seu coração. Neste abraço, Müller soube que
estava perdoado e faria o possível para ser uma pessoa diferente com Sophia,
para ser o Daniel que ele sempre foi.
Sophia interrompeu o abraço. As pessoas ainda entoavam a música em
um ritmo harmônico e afinado. Ela não sabia como Daniel planejara tudo isso.
Nem lhe importaria saber.
Sentiu uma alegria tão imensa dentro do peito; seu coração saltava em
ritmo acelerado.
Ambos se olharam intensamente e Sophia não pôde evitar de se atentar
aos lábios de Daniel. Toda a atenção dele durante o jantar, todo o zelo e
cuidado que teve ao preparar a homenagem, suas palavras na mensagem, suas
palavras verbais… tudo veio à tona a sua mente.
Lembrando de cada segundo daquele momento desde que chegou ali,
Sophia envolveu-se no pescoço de Daniel e o beijou.
Surpreso, o coração de Daniel subiu à garganta. Mas ao sentir aqueles
lábios finos e doces de Sophia, ao notar que o beijo recíproco que ele tanto
desejou aconteceu, ao perceber que ela o beijava porque queria, e não para
aparentar alguma coisa, ele deixou se envolver no momento, agarrou a loura
pela cintura e permite que ela tomasse sua boca.
Ambos se perderam no beijo intenso que trocaram e se esqueceram das
pessoas em volta, que, ao verem a reconciliação, bateram palmas e soltaram
assovios eufóricos.
Mas Sophia e Daniel estavam entretidos demais um com o outro para
perceberem qualquer coisa.
23
RECONCILIAÇÃO

Por um instante, quando Sophia sentiu o beijo fervoroso de Daniel, ela


desejou que o tempo parasse indeterminadamente. Os lábios dele tomaram-na
com fervor e intensidade, mas ao mesmo tempo suave e com delicadeza.
Despertou em seu âmago um sentimento confuso e novo, exclusivo, que ainda
não havia experimentado. E ainda que a nova sensação fosse incompreensível,
era boa demais para desejar acabar. Por isso, quis que o tempo parasse
naquele momento para sentir mais e melhor o beijo que trocavam.
De todas as vezes que se beijaram para encenar o noivado, essa, sem
sombra de dúvidas, fora a melhor de todas, principalmente porque não se
beijaram apenas no intuito de mostrar a veracidade do casamento, mas porque
realmente queriam aquele beijo. Seus lábios dançavam perfeitamente com os
dele, enquanto o perfume forte e tradicional subia pelo seu nariz.
Logo, a mão de Daniel a segurou pela cintura e a outra a emaranhou
entre os fios louros, levando-a mais para perto dele, retribuindo o beijo em
uma intensidade que nunca sentira antes.
Um se perdeu no outro, vivenciando o momento único e mútuo que os
envolvia. Mal notaram os aplausos fortes e os assovios eufóricos das pessoas
ao redor deles, nem de alguns curiosos que pararam o que estavam fazendo
para acompanhar a cena do que acreditavam ser um casal apaixonado se
reconciliando.
Nenhum dos dois ligou para tal fato. Queriam apenas se sentir; parar o
tempo para eternizar o momento.
Daniel estava extasiado. Seu coração pulsava em ritmos alterados, e um
misto de sensações bateu em seu peito. Desejo, paixão, uma vontade imensa de
segurá-la pelos braços e levá-la para sua suíte, envolvê-la em um abraço,
afagar seus cabelos, beijar-lhe a testa, ouvir sua voz. Sentimentos confusos
pipocavam em sua mente, fazendo o coração acelerar cada vez mais,
principalmente quando, enquanto a beijava, pensou que queria fazer amor com
ela; não apenas sexo casual, não somente para satisfazer um desejo carnal, mas
para saciar a própria vontade da alma, da paixão que queimava como fogo em
seu peito.
A tentação de tê-la em seus braços e, ainda mais, o pensamento absurdo
de que estava sentindo algo por ela, que ia além de tesão, o trouxe de volta ao
mundo real, e só então as palmas e assovios dos presentes que os rodeavam
foi notada, e ele se deu conta da realidade doce que estava acontecendo.
Delicadamente, e aos protestos de seu coração e desejos, separou-se da
boca dela, encostou a testa, fechou os olhos e arquejou, permitindo que seus
batimentos cardíacos voltassem ao normal.
Sophia também caiu por si quando o beijo foi cessado. Percebeu o que
havia feito e não soube como reagir. Sua face corou ao ouvir as pessoas
comemorando por ela e pelo seu marido de mentira. Engoliu em seco e olhou
para Daniel, que tinha a respiração curta.
— Daniel…
Foi calada com o indicador dele em seus lábios. Daniel abriu os olhos e
encarou aqueles olhos verdes fascinantes.
— Shhh… — murmurou ainda com o dedo nos lábios dela. — Não diga
nada.
Sophia acenou brevemente ainda sentindo a testa dele contra a sua. O
perfume dele impregnava o ar, e ela quis sentir outro beijo de Daniel. Seu
coração batia descompassado enquanto as palmas cessavam gradualmente.
Meio corada, se virou vagarosamente para frente, sem saber como
encarar todos aqueles olhares sobre eles. Sorriu timidamente, e sem demora,
os braços de Müller estavam contornando sua cintura. Olhou para ele, que
observava as pessoas com um pequeno sorriso no canto dos lábios. Seus
olhares se chocaram, e Sophia teve a necessidade de desviar da íris azul-
esverdeada.
Um ou outro dos presentes foi até eles e os cumprimentaram com
abraços fortes e apertos de mão, desejando felicidades, contentes pela
reconciliação; outros, ainda, fizeram discursos de como a homenagem à
Sophia tinha sido linda e emocionante, de como ela era uma mulher de sorte
por ter um esposo como Daniel.
Após ambos agradecerem pelo apoio das pessoas que ajudaram a
preparar a homenagem e voltaram para a suíte. Saíram do restaurante de mãos
dadas e, mesmo após terem se afastado da vista de todos, continuaram com os
dedos entrelaçados.
Sophia caminhava olhando para baixo, vez ou outra observando a grande
mão de Daniel envolvendo a sua; seguiu olhando para os braços fortes e
elegantes dentro da manga do paletó, este que apertava de forma discreta o
músculo do bíceps. Continuou seguindo o contorno do tronco de Daniel, até
admirar a largura de seus ombros. Daniel transmitia um ar forte e viril, mas ao
mesmo tempo elegante e charmoso.
De repente, ele se virou, encontrando o seu olhar. Mas ela não se
esquivou. Continuou a observar a beleza dele: as sobrancelhas grossas, os
cabelos volumosos arrumados; os olhos claros que, certamente, chamavam a
atenção; o rosto meio triangular contornado por uma barba bem aparada e o
tórax… Ah, o tórax… Largo… Bonito…
Sem perceber, ela estava suspirando enquanto o admirava.
— Sophia? — ele a chamou.
Ela pestanejou. Só então reparou de que olhava para ele como uma
adolescente do ensino médio apaixonada pelo professor bonito. Desviou-se
rapidamente dos olhos intensos de Daniel.
Müller pensou em perguntar se estava tudo bem, mas sabia que,
provavelmente, Sophia estava envergonhada pelo beijo.
E que beijo, divagou, pensando no momento que se desenrolou há tão
pouco tempo. Questionou-se a razão da atitude da loira. A ideia de que Sophia
pudesse sentir alguma coisa por ele, assim como vinha sentindo por ela, o
encheu com uma emoção diferente. Talvez… esperança? Olhou para Sophia.
Pensou nas palavras de Erick. Lembrou-se de Clarisse, de suas paixões não
correspondidas, de seus amores de verão, da vontade que sentia em tomar
aqueles lábios para si, de emaranhar seus corpos nus em uma cama, de tê-la
mais do que por um breve momento.
Quis saber como ela se sentia em relação a ele. Se ela me beijou,
então... ponderava esperançosamente. Mentalmente negou tudo a si mesmo.
Um beijo era só um beijo, não significava nada demais; pessoas se beijavam o
tempo todo, amando ou não. Ele precisava parar de criar falsas expectativas.
Mal percebera, mas já haviam chegado à suíte e Sophia abria a porta.
Ela adentrou o recinto na frente, e ele ainda caminhava para dentro
quando os olhos grandes e verdes dela se viraram para ele.
— Eu preciso me explicar — pronunciou com um sussurro.
Ele parou no meio do caminho colocando a mão no bolso.
— Não precisa, Sophia — respondeu complacente.
Por um segundo, que pareceu a eternidade, ela ficou calada.
— Não quero que pense coisas erradas.
— E por que eu pensaria? — questionou-a tentando não perguntar seus
motivos. — Foi só um beijo.
Só um beijo, Sophia pensou. Não para ela. Tinha sido mais do que um
simples beijo. Seu coração pulou de uma forma diferente, suas emoções a
bombardearam com uma mistura de sentimentos que nunca havia
experimentado. Tinha toda a certeza que não fora só um beijo, pelo menos
para ela.
— É — concordou a contragosto — Foi só um beijo, não é? —
murmurou na esperança de que ele admitisse que seus batimentos cardíacos
aceleraram mais do que o normal, assim como os dela.
Daniel apenas acenou e tornou a caminhar.
O desejo de que Daniel a empurrasse contra uma parede e enchesse seu
pescoço de beijos molhados cresceu dentro de Sophia. Cerrou os olhos e se
segurou, enquanto ele passou por ela e foi até o banheiro.
Sentou-se na cama macia e levou as mãos ao rosto. Só queria entender o
turbilhão de emoções que estava sentindo pelo Daniel. Deitou-se encarando o
teto. Fechou os olhos respirando com tranquilidade. Fitou outra vez o forro de
madeira do quarto quando uma hipótese passou por sua mente.
Estou apaixonada!

♦♦♦

Daniel molhou as mãos e as passou pelo rosto. Precisava organizar seus


pensamentos, mas não conseguiria nada enquanto estivesse com a temperatura
do corpo elevada por causa de Sophia Hornet.
Não quero que pense coisas erradas, ela havia dito. Então, tudo o que
ele pensara a respeito do beijo estava realmente errado?
Por que estava me preocupando com isso? Balançou a cabeça e afastou
os pensamentos. Arregaçou as mangas até a altura dos cotovelos, lavou outra
vez o rosto e saiu para quarto. Encontrou Sophia já debaixo dos lençóis
trajando um pijama branco de algodão.
— Se importa se eu dormir aqui na cama essa noite? — perguntou ela.
— Claro que não — ele respondeu tirando o paletó. — Fique à
vontade. — ele sorriu desabotoando a camisa.
Sophia nada disse. Apenas ficou a observá-lo, enquanto Daniel
escorregava as mangas pelo braço para se livrar da peça. Ele pegou um dos
edredons e se ajeitou no sofá, deixando o peito nu à mostra. Por baixo da
coberta desfivelou o cinto e abriu um botão da calça, e com um pouco de
dificuldade a tirou, ficando apenas de cueca. Remexeu-se um pouco mais e se
acomodou, inspirou fundo e olhou para cima.
— Quer vir se deitar aqui? — ouviu a voz de Sophia, e desviou seu
olhar para ela, enrugando a testa. — Aí parece tão desconfortável —
sussurrou
— Aqui está ótimo. Não se preocupe — rebateu com um sorriso sincero.
— Além do mais, eu não permitiria que você ficasse aqui enquanto eu
dormiria confortável.
— Na verdade — ela o corrigiu, e antes mesmo de completar sua
sentença, sentiu as bochechas rubras —, eu estava sugerindo que dormisse
aqui… comigo.
Daniel separou os lábios, surpreso; e Sophia desviou os olhos para
baixo, levemente corada.
Ela ponderou que não haveria problema algum. Ou haveria? Já tinham
dormido uma vez na mesma cama, lembrou-se, e havia sido no dia do
casamento deles. Então, não teria problema algum, certo? Além do mais, a
cama era grande o suficiente para que dormissem sem nenhum
constrangimento.
— Dormir… com você? — indagou Daniel ainda atordoado com o
convite repentino.
Pensou não ser uma boa ideia. Recordou-se com clareza da última vez
que estiveram na mesma cama. O perfume de baunilha dos cabelos dela
invadindo seu olfato e fazendo-o desejar estar mais próximo a ela, sua atitude
embriagada de se acomodar sobre seu tórax e de se sentir estranhamente
confortável. O problema maior estava em, talvez, sentir-se ainda mais atraído
por ela, ser tentado pela beleza e pelo cheiro natural de Sophia, e a última
coisa que ele gostaria era ter de dormir com uma ereção ao seu lado.
Além de tudo, ele estava só de cueca.
— Não sei, Sophia — disse confuso. — Não quero incomodar.
Ela sorriu brevemente, achando graça em alguma coisa que Daniel não
soube dizer o que era.
De repente ela entrelaçou os dedos, como se suplicasse, e apenas o
olhou com o mesmo sorriso de antes. Daniel não conseguiu segurar uma risada
ao ver a expressão infantil que ela fizera.
Mesmo que meio receoso, levantou-se com o edredom enrolado na
cintura e caminhou até a cama, acomodando-se junto a ela. Sophia já estava
deitada de lado e os dois apenas se olharam em silêncio por alguns segundos.
— Eu seria muito má se deixasse você dormir naquele sofá depois de
tudo que fez essa noite… — Sophia quebrou o silêncio.
Daniel deu um pequeno sorriso.
— Já disse que não foi nada.
— Pode ser nada para você — responde serena —, mas foi a coisa mais
bonita que alguém fez por mim.
— Sério? — sussurrou ele. — Nem o inútil do Miguel? — questionou, e
ela gargalhou por causa do que ele disse.
Uma risada que mexeu com os batimentos de Daniel. Ele divagou nas
pequenas rugas que se formaram em torno da face dela enquanto ria, reparou
em como os dentes perfeitamente alinhados ficaram visíveis, os lábios
levemente grossos e rosados de forma natural se curvaram sedutoramente, os
grandes olhos verdes brilharam e seu nariz fino e proeminente, que lhe
transmitia um ar de delicadeza e fragilidade. Cada detalhe de Sophia parecia
tentador e apaixonante para Daniel, e isso o encantava de uma maneira que ele
próprio não conseguia entender, tampouco explicar. Apenas sentir.
— Ele fez algumas coisas — tornou a dizer após parar de rir —, mas
nada comparado ao que você fez. — Ela umedeceu os lábios e teve a
necessidade de fugir do olhar de Daniel.
Outro pequeno silêncio se instalou entre eles, e mesmo com Sophia não
o encarando de volta, Daniel não cansou de admirá-la.
— Obrigada mais uma vez. Eu realmente não esperava por tudo aquilo
— sussurrou tornando a olhá-lo.
Daniel somente gesticulou, e novamente estavam se olhando
intensamente. Sophia pensou em perguntar sobre as coisas que escreveu na
mensagem, tinha curiosidade de saber o ele sentia que não conseguia explicar.
Muitas das palavras que Müller escreveu vieram à sua lembrança e ela não
conteve um pequeno sorriso enquanto o encarava.
Só sei que você tem esse poder sobre mim.
Mesmo querendo saber, permaneceu calada. Não se sentiu no direito de
lhe fazer tal pergunta, e se Daniel quisesse falar sobre o assunto, o ouviria
com toda a atenção; caso contrário, não invadiria sua privacidade.
— Boa noite, Sophia — Daniel falou bem baixinho, e antes que ela
pudesse responder, recebeu um beijo casto e singelo na testa.
Uma sensação boa percorreu seu corpo.
— Boa noite, Daniel — sussurrou de volta, enquanto ele lhe dava as
costas.
Ambos sorriram com o gesto, mas nenhum dos dois viu o sorriso do
outro.

♦♦♦

O dia amanheceu, e Daniel sentiu-se levemente enjoado com o vai e vem


na suíte do navio. O cheiro de brisa marítima invadia todo o quarto e uma forte
claridade atingia seu rosto, incomodando seus olhos. Rolou na cama, pondo-se
de bruços, e cobriu a cabeça com o lençol.
— Daniel, levante… — Sophia disse de algum lugar, mas ele apenas
resmungou. — Vamos aproveitar a viagem, o dia está lindo — comentou, e sua
voz estava mais próxima.
Outro grunhido.
Ela revirou os olhos e o chacoalhou com delicadeza.
— Daniel…? — sussurrou.
— Estou acordado — reclamou com a voz sonolenta. — Que horas são?
— Sete da manhã.
Daniel virou o pescoço e a encarou. Sophia segurou uma risada. Ele
estava com a cara marcada, os cabelos bagunçados e aquela expressão de
quem acabou de acordar. Ainda assim, não deixava de ser lindo.
— Sete da manhã? Sophia estou de férias. Não me acorde às sete da
manhã! — protestou e virou o rosto outra vez, tentando dormir.
— Daniel, estamos em um cruzeiro maravilhoso, e o dia está radiante.
Levante-se logo — decretou. — Estou com fome, e eles só servem o café até
às nove, então se apresse — disse isso, saiu do seu lado e caminhou até a
varanda.
Rosnando alguma coisa sobre odiar acordar cedo, Daniel se levantou e
se arrastou até o banheiro, lavou o rosto com água fria para despertar o sono e
molhou os cabelos, voltou ao quarto e vestiu-se com bermuda, camisa polo
manga curta e calçou os tênis.
— Pronto — ralhou outra vez enquanto arrumava os cabelos.
Sophia surgiu da varanda e ao deparar com ela quase sentiu o queixo
cair.
Ela trajava um short de algodão que ia até as coxas finas, um cropped
vermelho e por cima uma peça rendada e frouxa que caía sobre seus braços,
expondo os ombros.
— O que foi? — indagou ao perceber os olhos dele observando-a
atentamente.
Daniel pestanejou.
— Nada. É que você está… linda.
Sophia sorriu e enrubesceu levemente.
— Obrigada — murmurou. — Vamos? Estou com fome.
Juntos, então, eles caminharam até o restaurante e fizeram o desjejum.
Durante todo o tempo, conversaram sobre vários assuntos, e Sophia sentiu que
Daniel era de novo o que sempre fora: gentil, educado e que, vez ou outra, lhe
arrancava gargalhadas.
Quando terminaram o café, o dia já estava escaldante. Sophia arrastou
Daniel até a beira da piscina para participarem das aulas e exercícios físicos
que o programa oferecia. Ele foi a contragosto e resmungando; Sophia riu de
sua cara carrancuda.
O mau humor de Daniel por ter que participar de uma aula aeróbica logo
se foi assim que Sophia revelou estar apenas de biquíni branco por baixo da
roupa. Mentalmente verificou se não estaria babando enquanto a loura tirava o
short e as peças de cima.
Suas pernas eram compridas e brancas e, de certa forma, delicadas, o
abdômen magro, os seios médios e redondos bem acomodados no sutiã.
Divagou por um momento enquanto ela prendia as longas madeixas amarelas
em um coque frouxo.
Só foi trazido de volta à realidade quando Sophia lhe segurou a mão e
puxou-o mais para perto do personal trainer que dava a aula.
Por uma hora inteira, Daniel fez os exercícios e movimentos que o
professor instruiu. De começo, achou-se totalmente patético, mas depois foi se
adaptando e até admitiu estar se divertindo, acompanhando o ritmo da batida
da música eletrônica.
O dia foi decorrendo, e os dois participaram de várias atividades.
Nadaram na piscina após a aula, depois almoçaram e andaram sem destino;
por quase meia hora ficaram encostados ao parapeito em uma parte qualquer
do navio observando o mar, as ondas, o sol que reinava no horizonte; sentiram
os ventos marítimos soprar contra suas peles, e quando Sophia estremeceu
com um pouco de frio, Daniel envolveu seu tronco em um abraço apertado.
O gesto não aqueceu somente sua pele, mas seu coração. Sentir os
braços de Müller contornando seu corpo fez com que a mesma sensação boa
que vinha percorrendo sua espinha se fizesse presente.
No avançar da tarde, foram a uma apresentação de música clássica, e
dessa vez foi a loura quem acompanhou Daniel a contragosto. Sophia não pôde
negar quando ele viu os anúncios espalhados e pediu a ela que lhe fizesse
companhia. Sophia sabia que Daniel tinha um gosto musical peculiar; já havia
o presenciado na sala com uma taça de vinho na mão ouvindo Mozart, ou, não
muito raro, músicas italianas clássicas. E ela achava isso engraçado: um
jovem de 29 anos com a postura, maturidade e gostos de um homem mais
velho (tirando, claro, as vezes que agia como um idiota e cafajeste). Uma
peculiaridade que o deixava ainda mais atraente.
Riu baixinho para si mesma enquanto se arrumava para ir ao concerto,
pensando em como seria Daniel indo a um show de rock, ou em uma balada só
com músicas eletrônicas, e mais hipoteticamente ainda, em uma festa country.
Com certeza ele se sentiria muito deslocado e excluído.
Daniel a esperava no quarto e estava elegantemente lindo de smoking.
Seus cabelos tinham mais gel do que o costume, e ela fez uma pequena careta
ao ver como ele ajeitara suas madeixas no estilo “vaca lambeu”. A careta deu
lugar à risada; Daniel revirou os olhos de bom humor.
— Você também está linda — comentou ignorando o fato de estar sendo
ridicularizado por sua própria esposa.
Sophia usava um longo vestido nude de alças, uma echarpe vinho
cobrindo os ombros, os cabelos soltos caindo em ondas; na boca, um batom
também vinho delineava os lábios, as pálpebras exibiam uma sombra em
dégradé e uma linha fina de delineador foi passada na parte interna dos olhos,
realçando o verde de sua íris; ela estava, ainda, um pouco mais alta que o
costume, devido ao sapato de salto. Mas o que motivou um sorriso largo foi
ter visto a prata do colar de noivado que deu a ela reluzir em seu pescoço.
No iniciar da noite, eles atracaram no Rio de Janeiro. Daniel
resmungava dizendo que Sophia quase dormira durante a apresentação
estupenda da orquestra; ela negou rindo, e ele não se conteve.
Desembarcaram do navio e resolveram caminhar pela areia fofa da
praia, não se importando de estarem vestidos com roupas de gala. Daniel
sentiu como era bom estar na companhia de Sophia, mesmo que caminhassem
calados – ela descalça, carregando os saltos nas mãos. Somente sua presença
enchia-lhe o peito de alegria. Viu como era bom viver em paz, ter uma
convivência harmoniosa e pacífica com sua esposa de conveniência.
Daniel resolveu pedir lagosta em um restaurante ali perto, sentaram-se
na areia e saborearam a comida. Continuaram a conversar, rir e um a satirizar
o outro. Sem perceber já haviam terminado de comer e agora estavam lado a
lado, deitados sobre a areia observando as estrelas.
— Ainda quer voltar para casa a partir daqui? — Daniel sussurrou, e,
ao se virar, ela o viu de lado, olhando-a.
— Não… — respondeu com um sussurro, e ele sorriu. — Está tudo
perfeito. Obrigada.
Daniel segurou a mão pequena e macia de Sophia e depositou um beijo.
A mesma eletricidade de sempre subiu por sua espinha.
— Quem agradece sou eu. Fiz tanta merda e você continua aqui…
No mesmo instante, Sophia encostou seu indicador nos lábios dele,
impedindo-o de continuar.
— Não vamos mais falar disso — disse ela, e Daniel apenas concordou
com um meneio de cabeça.
Minutos depois, voltaram para o navio que levantaria âncora dentro de
pouco tempo e continuaria a rota.
Chegaram ao quarto, Daniel esperou Sophia tomar banho para só então
ir se limpar e tirar a areia que se espalhou por todo seu corpo. Vestiu-se
apenas com uma calça de algodão, e quando saiu para o quarto, ela já estava
deitada. Antes que pudesse se acomodar no sofá, novamente foi convidado a
ficar na cama. Sentia-se, ainda, um pouco receoso, mas lembrou-se que a noite
passada tinha tudo corrido muito bem.
Qual o problema, então?
Aceitando o convite, deitou-se ao lado de Sophia, que logo cobriu seus
corpos com o edredom.
Daniel jogou os braços para fora e ela observou a largura de seus
bíceps.
— Boa noite, Sophia — desejou e, como na noite anterior, beijou-a na
testa, dando-lhe as costas logo em seguida.
E Sophia ficou ali, esquadrinhando cada centímetro daquela parte do
corpo dele. Percebeu que havia várias pintas marronzinhas espalhadas por
todos os lados, os ombros despidos pareciam ainda mais largos e fortes.
— Boa noite, Daniel — sussurrou, fechou os olhos e sentiu o cheiro
natural dele subir por suas narinas.
24
CHANTAGEM

— Bom dia, senhor e senhora Müller — cumprimentou Anabelle,


levantando-se assim que os viu de mãos dadas no andar da presidência.
Dez dias já haviam passado desde o casamento de Sophia e Daniel. O
restante da viagem até Salvador, e depois de volta a Santos, fora pacífico e
bem aproveitado por ambos. Daniel continuou a ser gentil e educado e não
mais agira como um brutamonte, mesmo quando, em uma das últimas noites,
Erick e Sophia saíram para jantar. Ela não queria perder contato com o colega,
por isso trocaram telefones, e-mails, endereços e dividiram as fotos que
tiraram na cabine para guardar de recordação.
Em um jantar acompanhado de Daniel, se encontraram com Christina,
que se desculpou pelo ocorrido dias antes na suíte deles. Sophia aceitou as
desculpas, e elas não se viram mais depois desta ocasião. Todas as noites
dormiam na mesma cama, e Daniel depositava um beijo na testa de Sophia
antes de se virar e cair no sono. Atitude esta que era boa para ambos.
Retornaram para casa no fim de semana, e agora, numa segunda-feira,
reiniciavam sua rotina novamente, desta vez como marido e mulher.
— Bom dia, Anabelle — responderam em uníssono
— Como foi de viagem?
— Ótimo — pronunciou Daniel.
— Perfeita — disse Sophia.
Eles se olharam e sorriram.
— Fico feliz pelos dois.
— Isso é bom, Anabelle — disse Daniel retornando a postura
profissional —, mas temos muito trabalho.
A manhã passou voando. Daniel participou de duas reuniões, depois
visitou rapidamente as obras na fábrica e deu graças por não se encontrar com
Miguel de Orleans, somente com o velho Luiz. No almoço, foi para casa,
juntamente com Sophia.
Já passava de uma da tarde quando ele chegou à empresa sozinho.
Sophia foi até o centro comercial para resolver alguns assuntos pendentes, e
ele preferiu continuar seu trajeto sozinho até a empresa.
A recepção estava vazia.
Entrou na sua sala e se deparou com alguém sentado à cadeira de couro.
Mesmo que a pessoa estivesse de costas, balançando-a vagarosamente de um
lado a outro, ele notou os fios vermelhos.
— Melissa… — suspirou em desagrado pela presença da ruiva.
Ela se virou, então, para encará-lo com um sorriso de lado.
— Daniel, meu querido… — disse se levantando e caminhando em sua
direção.
Daniel não deixou de notar a saia curta e justa, a bota de cano e salto
alto e os seios fartos que saltavam por baixo de uma regata que deixava seu
umbigo despido.
— O que faz aqui? — perguntou soltando sua maleta na poltrona ali
perto.
— Vim fazer uma visita. — Ela se aproximou e enrolou seus dedos na
gravata dele.
Daniel se esquivou e passou por ela.
— O que você quer? — Ele encostou-se à sua mesa.
— Estava com saudades — insinuou-se e foi até ele com sensualidade.
Agarrou-o pela nuca e bagunçou seus cabelos enquanto tocava seu peito
com o indicador, suas bocas próximas.
— Melissa, eu não posso.
— E por que não? Da última vez foi excitante — provocou e tentou
beijar-lhe o canto dos lábios, mas Daniel se desviou.
— Porque eu sou um homem casado — respondeu como se fosse o
óbvio.
Havia feito uma promessa e iria cumpri-la.
Ela se afastou e fitou-o, incrédula.
— É um casamento de mentira, lembra?
— Ainda assim, Melissa, as pessoas acreditam que estamos casados,
preciso manter essa aparência. A última coisa que eu quero é o meu, ou o
nome de Sophia, estampados em revista de fofocas.
A ruiva suspirou e se afastou um pouco, levando as mãos aos quadris.
— Você é o rei da discrição — disse meio irritada. — Podemos nos
encontrar às escondidas.
Daniel vincou as sobrancelhas. Ele nunca negara sexo com a ruiva, mas
desde a última vez que se viram, pouco mais de um mês, quando ela esteve em
sua casa, vinha perdendo o interesse. Ele já não tinha mais paciência para os
joguinhos de sedução de Melissa.
— Eu disse não. Agora, por favor, se retire — anunciou andando até a
porta e abrindo-a.
Mas a mulher continuou parada no mesmo lugar.
— Está transando com a Sophia? — indagou de repente, e Daniel fechou
a porta rapidamente, um pouco assustado.
— Não! Eu não estou transando com ela.
— É o que parece. Está negando sexo! — protestou.
— Não estou negando, estou honrando meu casamento — rebateu entre
dentes.
— Daniel, quando foi a última vez que transou? Você está casado há uma
semana, mas estão sustentando esse noivado há um mês, a menos que esteja se
aliviando com ela, ou com outra, não vejo explicação para não querer dormir
comigo. Eu já disse: podemos ser discretos. Você não irá traí-la, é um
casamento de fachada, por favor!
Daniel suspirou e passou a mão pelo rosto. Lembrou-se da promessa que
havia feito, mas ao mesmo tempo já até perdera a noção da última vez que
havia se deitado com uma mulher. Estava ciente que fizera quase que um voto
de castidade, porém, ponderou que se fosse discreto o bastante para que
ninguém, principalmente Sophia, soubesse das suas escapadas, poderia
“manter” sua palavra.
— Você não pode ir à minha casa — pronunciou após alguns segundos.
— Venha até o meu apartamento. — Sorriu maliciosamente e passou por
ele.
Daniel fechou a porta logo em seguida. Bufou impaciente sem saber o
que fazer.

♦♦♦

Era por volta de 22 horas quando o interfone tocou e Melissa foi


correndo atender.
— Deixei-o entrar — disse ao porteiro ao anunciar a chegada de Daniel.
Minutos depois ela abriu a porta para avistar Daniel, meio apreensivo e,
como sempre, sério.
— Você veio — disse dando espaço para ele entrar.
Daniel entrou cauteloso sentindo sua consciência levemente pesada.
Havia ligado para Sophia e dito que ficaria até mais tarde na empresa e depois
iria à casa de um amigo assistir a uma partida de jogo de futebol, já que ele
havia insistido muito que Daniel comparecesse; Sophia não pareceu
desconfiar de nada e apenas concordou.
Enquanto fazia o percurso sozinho até ali, travou uma luta com sua
consciência. Tinha feito uma promessa e caminhava na direção de quebrá-la.
Mas seu desejo carnal falara mais alto, e ele sentiu que Melissa tinha razão.
Estava há dias sem fazer sexo e se sentiu um idiota patético sendo controlado
pela vontade do seu corpo. Disse a si mesmo que seria discreto, faria o que
tinha que fazer com Melissa e depois voltaria para casa.
Nada de dar motivos para esses jornalistas urubus e colunistas de
revista de fofocas, Daniel! Reforçou para si mesmo.
— Vim, mas não ficarei. Assim que terminarmos, eu vou embora. —
Tirou o paletó e o jogou sobre o sofá.
Melissa pareceu não se importar com a frieza de seu companheiro.
Avançou sobre ele e o beijou, arrastando-o paro o quarto. Daniel a beijava
mesmo com sua consciência gritando a acusá-lo.
Porra!
A ruiva o sentou na cama e se despiu de frente para ele, mostrando o
corpo sensual. Daniel passeava os olhos pelo corpo sexy de Melissa, mas só
se sentiu excitado ao imaginar Sophia nua na sua frente.

♦♦♦

Como o prometido, depois do sexo com Melissa, Daniel voltou para a


casa, por volta de onze, ou onze e meia. Abriu a porta do quarto dela
cautelosamente e conferiu: Sophia dormia feito anjo. Foi para o seu aposento e
se deitou, rolou para todos os lados, mas sentiu falta dela deitada junto com
ele, de desejar-lhe boa noite e beijar-lhe a testa. Suspirou e demorou a pegar
no sono.
O outro dia amanheceu, e junto com Sophia, Daniel seguiu para a
empresa. No percurso, a loura lhe questionou sobre o futebol e ele alegou que
desistiu de assistir à partida, pois estava cansado e desinteressado. Ela nada
mais disse, e continuou a parecer que não desconfiava de nada.
— Temos uma reunião com o Miguel em uma hora — Sophia disse
enquanto subiam no elevador.
Daniel resmungou só de ouvir o nome de Miguel Guimarães. As portas
do elevador se abriram e eles caminharam para dentro do andar da
presidência.
— Prepare a sala para a reunião, por favor — pediu. — Preciso fazer
algumas ligações antes. Te encontro logo.
Sophia acenou e se retirou em seguida.
Ao abrir a porta de sua sala, novamente, Daniel encontrou uma pessoa
sentada na sua cadeira, de costas.
Os mesmos fios vermelhos eram visíveis no alto da cabeça de Melissa.
Anabelle e sua eficiência!
Mas ele realmente poderia culpá-la? A mulher ali era persuasiva,
saberia facilmente convencer sua assistente a deixá-la entrar e esperar por ele
em sua sala, principalmente, porque não era segredo para ninguém que os dois
eram amigos, ainda que não soubessem dos benefícios que ambos mantinham
na amizade, além de que, ele se recordou, ela tinha passe-livre na empresa.
Recordando-se de que, uma vez, disse à Anabelle não ser necessária uma
permissão especial para sua entrada, a não ser que ele estivesse ocupado.
Reforçou mentalmente que deveria tomar providências em relação a isso e lhe
cortar os privilégios do passe-livre para a sua sala.
— O que você quer dessa vez, Melissa? — reclamou fechando a porta;
andou alguns passos e parou no meio do caminho, esperando que a ruiva se
virasse.
Girando a cadeira para encontrar os olhos de Daniel Müller, Melissa
Telles tinha um sorriso de escárnio no rosto, e Daniel, pela primeira vez,
previu que a sua presença não traria coisa boa.
— Se lembra de que há pouco mais de um mês você me enxotou da sua
casa por causa da sua esposa de mentira? — disse com um ligeiro tom
malévolo.
Daniel quedou-se calado. Apenas a encarou com o semblante enrugado.
A ruiva segurou o monitor do computador sobre a mesa de vidro e virou
a tela para Daniel.
Os olhos claros se estalaram e ele deu um passo atrás ao ver um vídeo
sendo exibido em volume mudo: a imagem íntima dele e de Melissa na noite
anterior, transando.
— E eu disse que não ia ficar barato.

♦♦♦

Daniel Müller sentiu que seu coração saltaria pela boca. Não conseguia
desgrudar seus olhos da tela do computador, que passava repetidamente sua
relação íntima com a ruiva. Um misto de tensão, terror e surpresa fizeram sua
respiração ofegar. Alternou olhar entre a imagem de vídeo e Melissa,
totalmente estupefato.
Só então, segundos depois, assimilando o que via na sua frente,
percebeu que caíra numa emboscada. Hesitou várias vezes, ainda atônito em
ver o próprio rosto em uma relação sexual. Apesar de seus pensamentos
estarem embaralhados, uma coisa ficou nítida para ele: a mulher pediria
alguma coisa em troca da não divulgação do vídeo.
Melissa debruçou-se sobre a mesa fitando-o com um sorriso
escancarado e diabólico, satisfeita em ter uma arma para se vingar do destrato
que recebeu dias antes. Porém, astuta como era, usaria a prova para chantageá-
lo sempre que quisesse.
Num ato instintivo, Daniel avançou sobre o computador e arrancou o
pen drive conectado à entrada USB, jogou-o no chão e pisou com força sobre
o pequeno objeto, destruído em segundos.
Melissa Telles acompanhou a cena gargalhando. Levantou-se e
contornou a mesa, pondo-se frente a frente com Daniel:
— Acha que eu não tenho uma cópia? Duas? Talvez três? Como você é
ingênuo… — disse ela ironicamente.
Uma raiva descomunal concentrou-se nos punhos de Müller. A sorte de
Melissa era ser mulher, pois se não fosse, ele com certeza já teria achatado
aquele nariz arrebitado! Assim, precisou respirar fundo e fazer um exercício
mental para constantemente se lembrar que estava lidando com uma mulher.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, lá estava a voz dela, que agora
acreditava ser incrivelmente irritante.
— Com que legenda eu posto esse vídeo na rede? — inquiriu, e ele
arregalou os olhos.
Postar na rede?
Daniel já imaginava que Melissa usaria o vídeo contra ele; pensou que
ela mostraria à Sophia, e assim a loura saberia que havia quebrado sua
promessa; ou mandaria uma cópia para algum colunista de revista de fofoca;
ou, na pior das hipóteses, enviaria aos Hornet, e conhecendo a personalidade
tradicional de Sebastian, previa um desentendimento com a família de sua
esposa.
Mas postar na rede de internet era mais insano do que podia pensar. Até
porque Melissa também estava no vídeo. Ela seria realmente capaz de se
expor dessa maneira somente para se vingar dele?
Tudo indicava que sim.
— “Daniel Müller em relação extraconjugal”? — continuou ela. —
Ou… “Herdeiro Müller tem fetiches em gravar suas relações
extraconjugais”? — o semblante dele se fechou ainda mais.
Percebeu então como Melissa era esperta. A ruiva poderia simplesmente
alegar que ele fez as gravações. Se ela quisesse, além de destruir sua imagem
com o vídeo íntimo, ainda conseguiria difamá-lo e até mesmo levá-lo a um
processo, caso tivesse provas suficientes para acusá-lo deste crime.
Amedrontado, não duvidou de que a ruiva tivesse pensado em tudo, que já
tivesse as provas para incriminá-lo e sujar seu nome, sua honra e desmoralizá-
lo diante da sociedade. Mas, principalmente, diante de Sophia.
— Mas a minha preferida é: “Casado por conveniência, Müller tem
relações extraconjugais e adora gravá-las. ”
O coração de Daniel veio à garganta e voltou. O corpo já transpirava
por dentro do terno, e ele sentiu uma gota de suor frio escorrer pela testa. Com
tal descrição, Melissa conseguiria expor dois fatos que ele vinha mantendo em
segredo e uma terceira “verdade” totalmente falsa. Ele nunca gravara suas
relações sexuais, mas com a arma que Melissa tinha em mãos, dificilmente
conseguiria provar o contrário.
— Faça isso e eu te coloco atrás das grades! — finalmente conseguiu
dizer, entre dentes, suas primeiras palavras após ver o vídeo.
Rindo sarcasticamente, Melissa inclinou a cabeça de lado, e Daniel
sentiu que o que disse não fez efeito.
— Eu já fiz o carregamento do vídeo, querido — disse ela, e as pernas
de Müller bambearam. — E foi daqui — apontou o dedo para a máquina —,
deste computador. Com o seu endereço IP! Basta um clique em “postar” para
que ele caia na rede. E junto, a sua máscara!
— Desgraçada! — murmurou ao perceber que Melissa estava sendo
mais esperta do que ele imaginava.
A ruiva sorriu outra vez, sempre satisfeita com seu plano. Aproximou-
se mais de Müller e, como de costume, segurou sua gravata, sussurrando
melosamente enquanto enrolava os dedos nela:
— Mas eu posso ser boazinha e desistir de postá-lo na internet. Basta
fazer uma única coisinha que eu quero.
Daniel não ficou surpreso. Na verdade, já esperava por essa chantagem;
só restava saber que coisinha era essa que Melissa exigiria em troca de não
divulgar o vídeo para Deus e o mundo. Mentalmente rezou para que fosse algo
capaz de cumprir.
— Que chantagem você pretende fazer com essa porcaria? — indagou
irritado e a afastou, andando até o meio do escritório. Se antes ele achava
sensual o modo como ela enrolava os dedos em sua gravata, agora, somente
em ouvir seu nome, o deixava irritado e com vontade de vomitar.
A mulher fechou o semblante num falso desapontamento.
— Eu não chamaria de chantagem, mas de acordo.
— Diga logo o que quer!
— Ok — ela concordou jogando os cabelos acobreados para trás e
ajeitando os seios fartos. — Quero o cargo de secretária executiva… —
exibiu um largo sorriso e completou: — Do presidente.
Quero o cargo de secretária executiva… Do presidente.
As palavras dela entraram com nitidez nos ouvidos de Daniel, mas ainda
assim, ele imaginou ter escutado coisas.
Ele jamais trocaria Sophia por Melissa. Por três motivos: primeiro,
Sophia era mais capacitada, tinha um currículo invejável e já havia adquirido
experiência trabalhando na Swiss; em contrapartida, Melissa não havia nem
concluído o terceiro semestre em Secretariado e sempre vivera à custa do
dinheiro dos pais. A ruiva não sabia o que era trabalhar. Segundo, ele
simplesmente não suportaria tê-la como sua secretária, já até imaginava o
quanto seria assediado e provocado, e, pior ainda, poderia continuar a ser
chantageado com o maldito vídeo; já referente à Sophia, como ele iria lhe
explicar que ela não seria mais sua secretária? Que cargo Daniel arrumaria
para não desampará-la? E em terceiro lugar, como qualquer cargo na empresa,
Melissa precisaria passar por todas as etapas pelas quais Sophia passou, e só
então seria contratada. E Daniel não poderia burlar essa lei com favoritismo.

— O quê…? — Daniel pronunciou totalmente confuso.


— Você me entendeu, querido… — respondeu a ruiva sempre exibindo
um sorriso de satisfação nos lábios.
— Eu não posso dar esse cargo a você. Primeiro, eu já tenho uma
secretária, que é a Sophia; e, segundo, tem todo um procedimento a ser
seguido antes que você seja contratada e…
Melissa revirou os olhos diante do discurso, que julgou ser entediante, e
o interrompeu:
— Daniel, você é o dono desta empresa. Pode contratar quem quiser, na
hora que quiser! — argumentou já levantando a voz.
— Melissa, o que você acha que é isso? Uma brincadeira de casinha?
Somos uma empresa grande, de renome e importância no mercado; desculpe,
mas eu não posso contratar uma incompetente!
A mulher levou as mãos aos quadris, fechando a expressão.
— Então prefere ter o vídeo em que tem relação íntima comigo
divulgado na rede? Assim seja — pronunciou e contornou a mesa, já pronta a
sentar-se na cadeira e postar o vídeo que poderia acabar com a imagem de
Daniel, mas ela foi interrompida quando ele a segurou pelo braço fortemente.
A ruiva tentou se desvencilhar, mas a pegada dele era forte. Fazendo um
pouco mais de força, Müller a tirou de perto do computador e arrastou-a até o
sofá, jogando-a sobre ele e fazendo-a cair desajeitadamente.
— Não deveria me tratar assim, seu idiota! Eu… — gritou.
Teria continuado com as injúrias se Daniel não tivesse avançado sobre
ela e lhe tampado a boca com as mãos.
— Vamos entrar em um acordo — falou entre dentes —, mas sem
escândalos. Escutou? — a ruiva sacudiu a cabeça em sinal de positivo;
vagarosamente ele se afastou. — Escolha outro cargo. O de secretária
executiva, não! Não posso tirar a Sophia dele.
— Esses são os meus termos, Daniel. — rebateu inflexível.
Ele bufou, impaciente. Precisava contornar a situação e convencer
Melissa a aceitar outro cargo. Pensou por um segundo antes de dizer:
— Heitor é o vice-presidente e também precisará de uma secretária.
Converso com ele, e… — mas não pôde continuar porque ela o impediu mais
uma vez.
— Não, Daniel! Eu quero ser a sua secretária executiva… s-u-a!
— Mas, Melissa…
— Nem “mais”, nem menos, Daniel. Olha… quer saber, acho que você
prefere ter seu vídeo divulgado, e quem sabe também uma coluna na Tititi
falando que Sophia se casou para salvar a família da falência e você para ter
acesso a sua herança — cuspiu o que sabia.
Daniel piscou repetidas vezes se perguntando como a ruiva tivera
acesso à informação sobre a ConstruHornet.
— Como sabe disso? — indagou pausadamente.
Até onde podia se lembrar não comentara nada sobre a falência da
família de Sophia, falou apenas que ela tinha sido deserdada. Nada mais que
isso.
— A única coisa que importa é que a fonte é segura — respondeu. — Já
disse: o cargo de secretária e eu não publico esse vídeo.
Daniel pensou por um minuto. Ele estava entre a cruz e a espada e num
impasse que o deixava aflito, principalmente porque nada lhe garantia que
Melissa, mesmo sendo contratada como sua secretária, não divulgaria o tal
vídeo.
— E o que me garante que não irá me chantagear de novo? Mesmo que
eu te dê essa vaga?
A ruiva sorriu pelo canto da boca e se levantou do sofá, ajeitando, outra
vez, os seios fartos.
— Te darei todas as cópias que eu tenho. Além desta aí que já destruiu,
são mais três. Se me der a vaga agora, cancelo a postagem do vídeo.
Ele a encarou. Aquela garantia não valia de nada. Respirou fundo,
sentindo-se já derrotado. Melissa estava determinada a querer o cargo que era
de sua esposa. Esvaziando a mente por um minuto, pensou em uma segunda
opção para solucionar o problema, mas será que realmente haveria? Talvez
oferecer uma boa quantia em dinheiro a ela pelo resto da vida? Invadir sua
casa e procurar pelas cópias e destruí-las? Pagar na mesma moeda?
Mas a única solução que encontrava naquele momento era dar a ela o
cargo de secretária e confiar na sua palavra.
— E então? — a ruiva indagou, arrancando-o de seus devaneios. — O
que vai ser?
Vencido pela insistência e pela chantagem, Daniel não via outra saída.
Mas ele tinha seus próprios métodos de não deixá-la por muito tempo no
emprego. E usufruiria deles ao máximo para livrar-se da ruiva diabólica.
—Tudo bem — enfim, cedeu —, o cargo é seu!
♦♦♦

Melissa saiu do prédio da Swiss Chocolate com ares de vitória. Havia


conseguido o que queria. Como secretária de Daniel, estaria mais perto dele e,
assim, poderia fisgá-lo para si e garantir que quando se divorciasse de Sophia,
já estivessem envolvidos o suficiente a ponto de, finalmente, ser assumida.
Coisa que ela sonhara desde que começaram a sair casualmente, pouco
mais de um ano antes.
Do outro lado da rua, estava o jovem que a ajudou com a chantagem.
Indireta e inconscientemente. O belo rapaz de olhos verde-claro e cabelo
cacheado tinha sido só mais um peão no seu jogo para conseguir a informação
que precisava. Logo o descartaria, mas por hora se divertiria com ele.
Ao alcançá-lo, foi recebida com um beijo intenso e teve suas nádegas
apertadas. Sorriu entre os beijos e enrolou seus dedos nos caracóis dele.
— Oi, ruiva — disse o jovem interrompendo o beijo —, e aí, conseguiu
o emprego?
Antes de responder, ela se enroscou nos braços dele e passaram a
caminhar.
— Sim, e em um ótimo cargo — ela anunciou orgulhosa.
— Qual? — inquiriu sorrindo.
— Secretária executiva do Daniel.
No mesmo instante, ele parou de andar. Olhou para Melissa, confuso.
— Espera… Esse cargo é da Sophia. Por que ele faria isso com ela?
— Daniel disse que está pensando em promovê-la para um cargo
melhor. — mentiu. — Relaxa, Eduardo, não estou roubando o cargo da sua
irmã.
Eduardo Hornet acenou brevemente, mesmo se sentindo um pouco
atônito com a notícia. Vendo que ele continuava desconfiado, Melissa também
alegou que, como esposa de Daniel, sua irmã não precisaria mais trabalhar.
— Tem razão — concordou e sorriu. — Livre amanhã à noite? Para
comemorarmos?
— Para você, sempre, bebê — respondeu beijando-lhe os lábios.
Eduardo sorriu, mal sabendo que dentro de pouco tempo seria
descartado.

♦♦♦

Melissa chegou ao seu apartamento, mas não deixou Eduardo subir.


Justificou que estava cansada e queria se preparar para o dia seguinte, pois
começaria como secretária de Daniel. Mesmo que meio a contragosto, o rapaz
atendeu a seu pedido e foi embora.
Sentindo-se mais que vitoriosa, a ruiva se serviu de uma generosa taça
de vinho e saboreou pensando em como tiraria Eduardo da jogada.
Logo que Daniel a expulsou da mansão Müller dias antes, ela sentira seu
sangue ferver. A loura estava recebendo mais atenção dele do que realmente
merecia e Melissa estava sendo jogada de lado. Pensando em se livrar de uma
vez de Sophia, primeiramente precisava saber mais sobre Sophia Hornet e sua
suposta deserção.
O que ela fez de tão ruim que foi deserdada? Divagava.
Decidida a descobrir o que havia por trás daquele rostinho bonito e
olhos verdes, Melissa começou sua investigação. Dois dias depois sabia que
ela tinha um irmão. Eduardo Hornet. Oh… e ele era um pedaço de mau
caminho. Cabelos médios e encaracolados, olhos verdes, cavanhaque bem
aparado e traços perfeitos, além de um corpo largo e bem cuidado. Seria fácil
seduzi-lo e, de forma despercebida, tirar dele a informação que queria sobre
Sophia.
Ela conseguiu um encontro com ele, e três semanas depois já estavam se
encontrando casualmente.
No último encontro, uma semana antes de fazer o vídeo íntimo de Daniel
com ela, Eduardo e Melissa recuperavam o fôlego após uma rodada de sexo.
Ela deitou em cima do braço dele e beijou o peito dele.
— Você sempre é maravilhoso — ofegou. — Aquela Cecília foi uma
idiota por não ter lhe dado valor.
Ele sorriu e beijou-a no alto da cabeça.
— Isso eu preciso concordar — brincou, e riram juntos.
— Estou precisando trabalhar. Acha que seu pai pode me arrumar
alguma coisa na ConstruHornet? — perguntou para puxar o assunto e, quem
sabe, chegar onde queria.
Eduardo pigarreou um pouco e se ajeitou na cama, tirando a ruiva de
seus braços.
— Ah… eu acho que não, Melissa.
— E por que não? — indagou e se sentou, puxando os lençóis para
cobrir os seios.
— Já temos funcionários suficientes — mentiu balbuciando as palavras.
A ruiva o encarou por um segundo. Sabia que tinha alguma coisa ali. Por
isso, continuou o instigando.
— Você também foi deserdado?
— Como? — exclamou confuso — O que quer dizer com “você também
foi deserdado”?
— Bom, a Sophia foi deserdada, certo?
— Não — negou de pronto —, ela não foi deserdada. De onde tirou
isso?
Confusa, Melissa piscou várias vezes. Ela tinha certeza que foi isso que
Daniel disse sobre Sophia. Lembrava-se com nitidez das palavras de Müller:
de que a loura aceitou o casamento de conveniência deles porque tinha sido
deserdada e precisava de dinheiro.
— Foi o que eu ouvi falar por aí. — Ela buscou por uma desculpa
rápida.
— Quem disse isso mentiu descaradamente.
— E então? Eduardo, tem alguma coisa que eu não sei?
Ele desviou os olhos e pigarreou de novo.
— Confie em mim. Me conte o que é.
Eduardo a olhou outra vez.
— Promete manter segredo?
Melissa cruzou os dedos e os beijou, fazendo alusão à jura. Com um
suspiro Eduardo Hornet contou tudo a ela, desde o princípio, sem saber que,
assim, estaria a ajudando, futuramente, a destruir a própria irmã.
25
TRIÂNGULO

Caminhando rapidamente até a sala de reunião para prepará-la, Sophia


ouvia os próprios saltos fazendo barulho contra o piso de mármore, já se
preparando psicologicamente para encarar Miguel.
Lembrou-se da última vez que o viu: no dia de seu noivado, que, por
acaso, ele apareceu sem ser convidado e, ainda por cima, arrumou confusão
com Daniel.
Antes de chegar à sala que aconteceria o encontro com Miguel, parou na
copa e tomou um café preto, trocando meia dúzia de palavras com a
funcionária que se encontrava lá.
Tornou a fazer seu trajeto. Chegou a seu destino e, ao abrir a porta da
sala, se deparou com Miguel. Assustada com sua presença inesperada, deu um
sobressalto.
— Que susto, Miguel! — protestou recuperando o ar.
Ele sorriu de lado. Estava sentado na beirada da mesa de vidro. Trajava
jeans tingido, camisa polo e um blazer azul marinho; seu rosto, como de
costume, sem barba, e os cabelos bem penteados para trás, dando destaque aos
seus olhos verdes.
— Não sou nenhuma assombração — comentou rodando um lápis na
mesa.
— Parado aí, parece — respondeu Sophia entrando e fechando a porta.
— Nossa reunião é dentro de quarenta minutos.
— Eu sei. Mas gosto de chegar antes.
Sophia revirou os olhos e colocou as coisas que levou sobre a ponta
extrema da mesa, oposta a de Miguel.
— Não, não gosta. Lembro-me muito bem que você era sempre o último
a chegar na LG Construtora.
— Eram bons tempos… — murmurou sem deixar de rodopiar o lápis.
— Então, como foi a viagem de lua de mel? — indagou e se levantou
caminhando vagarosamente até ela.
— Não é do seu interesse — rebateu separando o material da reunião.
— Você já foi mais educada — disse, e quando ela percebeu Miguel já
estava do seu lado.
Ela o olhou e deu um passo atrás, mantendo certa distância.
— Calma, Sophia, eu não mordo.
— Mas gosta de provocar. Logo o Daniel vai chegar e eu não quero
confusão. — argumentou.
— Não irei arrumar confusão com ninguém. Prometo.
Ela apenas acenou e continuou a preparar o material para a reunião que
aconteceria dentro de pouco. Sophia sentiu que Miguel continuava ao seu lado,
observando-a, e isso a incomodou. Apenas rezava para que quando Daniel
entrasse pela porta não tivesse um ataque como fez no navio. Imaginava que
ele cumpriria sua palavra de tentaria se controlar.
— Precisa de ajuda? — ouviu a voz de Miguel, e no mesmo instante a
mão dele tocou a sua.
Rapidamente, Sophia se desviou do toque e deu um passo atrás, mas ele
a impediu, segurando-a pelos punhos e a puxando para si. Seus peitos
colidiram e Sophia estava assustada demais para ter qualquer reação.
— Miguel, me solte… — gaguejou.
— Eu ainda te amo, Sophia — sussurrou se aproximando dos lábios
dela.
— Então, por favor, me deixe em paz — suplicou inclinando a cabeça
para trás, tirando sua boca do alcance dele.
Mas Miguel estava impassível. Continuou a forçá-la para si, enquanto,
agora, ela lutava contra suas garras.
— Não é possível que tenha esquecido nossos bons momentos —
murmurou tentando beijá-la.
— Miguel, para! — Sophia conseguiu se impor e o empurrou, se
afastando.
Porém, Miguel foi mais rápido. No mesmo segundo em que Sophia lhe
deu as costas, ele a agarrou outra vez e a beijou à força.
Sophia lutou, contorcendo o corpo, usando todas as suas forças para se
soltar dele, mas os braços de Miguel eram mais fortes e ela não conseguiu se
desvencilhar.
Súbito, a porta se abriu e os dois se viraram para encarar Daniel.

♦♦♦

Daniel sentiu seu sangue borbulhar de raiva. A cabeça chegou a doer e


teve quase certeza de que seus olhos saltaram para fora da órbita, tamanha
fúria percorreu seu corpo. A vontade que sentiu foi de avançar sobre Miguel,
agarrá-lo pelo colarinho, jogá-lo sobre a mesa de vidro e encher o rosto
bonito de socos até deformá-lo e ninguém o reconhecesse.
Ele lutou contra seu eu troglodita, se concentrando em não fazer besteira
para não magoar Sophia, e assim não quebrar uma das promessas que fez.
Você já quebrou uma, sua consciência acusou, não quebre outra!
— Daniel… — Sophia pigarreou na intenção de se explicar.
— Precisamos conversar, Sophia — ele disse ríspido sem tirar os olhos
de Miguel. — Te espero no corredor. — olhou para ela e saiu em seguida.
Do outro lado, Müller fez um exercício mental para se manter calmo.
Inspirou e expirou seguidas vezes para acalmar seu coração acelerado. Ele viu
Miguel beijando Sophia e isso o enfureceu. Não só porque o canalha beijara
sua “esposa”, mas porque nitidamente era um beijo roubado. Percebeu o modo
como Sophia lutava contra os braços fortes dele.
Com certeza, em outras circunstâncias, teria dado uma lição no atrevido.
Outra daquela sensação o invadiu e seus sentimentos o confundiram
ainda mais.
Foi retirado de suas divagações quando Sophia fechou a porta e o
chamou. Ele se virou de pronto, ainda tentando controlar a cólera dentro dele.
— Daniel, não é o que está pensando.
— Eu sei. Eu vi como você relutava. Ele te roubou um beijo, não é?
Ela apenas disse sim com um meneio de cabeça.
— Esse imbecil pede para apanhar — grunhiu fechando os punhos.
Sophia se aproximou segurando em suas mãos. Sentindo o contato
brando, Daniel a olhou e depois para os dedos entrelaçados. No mesmo
instante, ele se sentiu um pouco mais calmo.
— Não faça nada, por favor — pediu serenamente.
— Não fazer nada? Se eu não fizer nada ele continuará te atormentando.
— rebateu com a voz calma
— Eu sei, Daniel, mas deixe que eu me resolvo com ele.
— Não, Sophia! Vou conversar com Miguel. Prometo não fazer
bobagem, ok? — disse ele, e ela acenou sorrindo.
— O que queria falar comigo?
Daniel se afastou um pouco, pensando em como responder. Levou as
mãos até o rosto e o afagou com um suspiro. Sophia reparou em sua tensão e
deu um passo à frente perguntando sobre o que estava acontecendo.
Ele pigarreou antes de dizer:
— Sabe a Melissa? Melissa Telles…?
— Sim. A ruiva. O que tem ela?
— Há um tempo Melissa… me fez um favor, e eu devo isto a ela,
entende? — disse, e Sophia acenou em positivo. Então, ele continuou: —
Agora, ela está me cobrando e eu preciso pagar essa minha dívida.
— Onde quer chegar, Daniel?
Ele umedeceu os lábios e desviou o olhar, ainda sem saber como dar tal
notícia.
— Ela quer a todo custo o cargo de secretária executiva… do
presidente. — terminou de falar e a olhou, tensionando o maxilar.
Sophia pestanejou várias vezes, assimilando o que acabara de ouvir.
— E eu dei a ela… — terminou para deixá-la ainda mais atônita.
— Mas, Daniel… aquele cargo é meu… — murmurou.
— Eu sei, Sophia… — falou e se aproximou segurando o rosto dela com
as duas mãos.
Daniel olhou dentro daqueles olhos verdes atordoados. Conseguiu se ver
dentro da íris esverdeada. Imagens da noite anterior dele com Melissa
invadiram sua mente e socaram seu peito com um arrependimento angustiante.
Sophia não merecia.
Sou mesmo um idiota.
— Mas se eu não fizer isso — continuou ele —, Melissa vai me
infernizar o resto da vida. Olha, eu prometo que não será por muito tempo,
tudo bem?
— Por quanto tempo? — perguntou gostando do toque dele no seu rosto.
— Três meses, no máximo. Só o tempo suficiente da experiência, depois
eu a despeço alegando que ela não supriu minhas expectativas.
Se Melissa cumprisse sua promessa de entregar as cópias de vídeo,
assim que as destruísse e tivesse certeza de que não havia mais nenhuma
cópia, então, a despediria e faria questão de deixar bem claro aos seguranças
que não permitissem sua entrada em qualquer propriedade da Swiss Chocolate
dentro ou fora do Brasil.
Mas, primeiramente, era preciso calma. No dia seguinte, Daniel
conversaria com Melissa, mesmo que previsse que, esperta como era, não
entregaria todas as cópias de uma vez. Sendo assim, caso isso acontecesse,
Daniel tomaria as próprias providências para possuir todas as cópias e
destruí-las, podendo, dessa maneira, demiti-la antes do prazo de três meses.
— Está bem, mas, e eu, como fico? Não posso parar de trabalhar,
Daniel! — protestou calmamente e olhou as grandes mãos que ainda
seguravam seu rosto.
E ela desejava que esse toque não acabasse.
— Não sei, posso falar com Heitor. O que acha?
— Acho que não, Daniel. Com certeza seu irmão irá preferir uma ameba
cheia de peito e bunda. — alegou, e ele gargalhou.
— É, provavelmente… — concordou rindo. — Que tal, então…
Assessora de imprensa? Assim pode ficar perto de mim — sugeriu, e
novamente os dois estavam se olhando.
— Eu não sou formada em Comunicação Social — argumentou com um
sussurro desviando seus olhos para os lábios dele.
— Você aprende rápido — ele murmurou também olhando para os
lábios de Sophia.
De repente ele viu Miguel surgir no fundo do corredor. Alternou o olhar
entre ele e Sophia. A imagem de ele beijando-a o invadiu e Daniel fez um
esforço tremendo para segurar suas pernas e impedi-las de irem até o
desgraçado para arroxear seu olho verde.
— Pode me dar um beijo? — sussurrou deixando suas bocas centímetros
uma da outra.
— O quê? — perguntou confusa.
— Só um beijo… — murmurou, e antes que ela desse uma resposta,
Daniel colou seus lábios delicadamente.
Levada pelo momento, e mesmo sem entender o pedido repentino por
parte de Daniel, ela separou sua boca permitindo que a língua dele invadisse
em um beijo que estremeceu suas bases.
A mão dele contornou sua cintura, como sempre, e a trouxe para mais
perto, a outra emaranhou nos fios acima de sua nuca e a acariciou ali,
deixando-a totalmente extasiada.
Enquanto a beijava, Daniel olhava para Miguel, que estava com a
expressão fechada, o maxilar cerrado e um vinco entre as sobrancelhas.
Ignorou sua presença, fechou os olhos e a beijou com mais intensidade,
mostrando ao Miguel Guimarães que, se seu plano cliché era fazê-lo pensar
bobagens, falhou.
Miguel tornou a entrar na sala de reunião, e mesmo que Daniel tivesse
percebido sua ausência, continuou a beijar Sophia.

♦♦♦

Daniel e Sophia entraram de mãos dadas na sala de reunião. Miguel se


encontrava parado frente à janela de vidro que ia do chão ao teto, olhando o
movimento de carros muitos metros abaixo dele, com as mãos postas dentro da
calça jeans justa.
Depois do beijo em Sophia, Daniel explicou para ela o motivo repentino
de ele tê-la beijado. Compreensiva, ela exibiu um sorriso pequeno, mas,
interiormente, e sem saber por que, sentiu uma pontada de decepção.
Já na sala, antes que pudessem dizer qualquer coisa, Miguel se virou
para os dois, notando suas presenças. Daniel fez esforço para não avançar
sobre ele e lhe apertar a jugular, por ter sido atrevido em roubar um beijo de
Sophia.
Ao vê-los, e como se nada tivesse acontecido minutos atrás, Miguel pôs
no rosto um sorriso amigável – mas ao mesmo tempo irônico, e nenhum deles
devolveu.
— Daniel! — saudou. — Como é bom revê-lo.
Ignorando a presença inoportuna de Miguel e seu falso cumprimento,
Daniel caminhou em silêncio até sua cadeira, na cabeceira da extensa mesa de
vidro. Sentou-se à cadeira de couro controlando seus nervos, lembrando-se de
não extrapolar e fazer besteira. Inspirou fundo enquanto Sophia o
acompanhava e sentava no seu lado direito.
— Vamos logo ao que interessa, Miguel — disse Daniel com desagrado,
apoiando os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre as mãos unidas em
triângulo.
Rapidamente, pensou na loucura que estava sendo seu dia, que mal
começara – por sinal. Primeiro, Melissa e sua maldita chantagem com o vídeo;
segundo, Miguel e sua presença insuportável.
Seria um longo dia! Divagou.
Miguel Guimarães ajeitou a gola do blazer e se sentou três cadeiras
longe de Sophia, mas constantemente olhava para ela, que continuava a mexer
em uma papelada e mantinha-se calada desde que entrou. Sorriu pelo canto da
boca observando-a, sem se importar com sua indiscrição, ou com a presença
do esposo da ex que ainda amava.
— Sophia não é o foco da nossa reunião — disse Daniel irritado,
percebendo os olhares de Miguel sobre sua esposa.
— Tem razão — concordou ele pegando sua maleta de couro marrom
sobre a mesa e abrindo. Retirou alguns papéis que possuíam cópias e entregou
uma de cada a Daniel.
A reunião foi iniciada; durante quase o tempo todo Sophia ficou calada,
anotando o que considerava importante sobre o que Daniel e Miguel
conversavam. As poucas vezes que se pronunciou fora para pautar o encontro
e direcioná-los para o novo tema a ser discutido.
Mesmo sob o aviso de Daniel aos olhares indiscretos à Sophia, ainda
assim, Miguel continuou a, vez ou outra, observava-a e sorria pelo canto da
boca, e isso estava irritando Müller de uma forma quase incontrolável. Num
dado momento, Daniel se imaginou segurando-o pelo colarinho e o jogando
sobre a mesa de vidro. Foi despertado com Sophia o chamando.
— Sobre o material de construção, a logística está um pouco atrasada
com a entrega, mas vamos dobrar o número de funcionários para compensar
esse contratempo — disse Miguel.
Daniel não via a hora de a reunião acabar, pelo simples fato que já não
conseguia controlar os próprios nervos, e sentia que de uma hora para outra
explodiria e agrediria o cretino a sua frente.
Continuaram conversando e acertando sobre prazo de entrega,
analisaram, mais uma vez a planta do projeto da construção e até uma imagem
em 3D que Miguel imprimiu de como ficaria quando a obra fosse finalizada.
Depois de uma hora reprimindo o eu troglodita que Daniel carregava
dentro de si, contendo-o para que não tivesse voz e o dominasse de vez, a
reunião por fim acabou e, mesmo sem vontade alguma, Müller se despediu de
Miguel com um aperto de mão, mas com um pouco mais de força do que o
habitual.
Já Miguel, em momento algum se importou com a irritação do outro.
Pelo contrário, estava se divertindo. Interrompeu o cumprimento e olhou para
Sophia, que quase não se pronunciou durante a reunião. Sorriu outra vez e se
aproximou dando-lhe um beijo no rosto.
— A gente se vê por aí, Soph — sussurrou ao pé do ouvido dela, virou e
saiu primeiro, deixando Daniel vermelho de raiva.

♦♦♦

— Miguel! — Müller gritou no corredor, andando a passos rápidos atrás


dele.
O outro virou-se na direção da voz o chamava e aguardou, sorrindo
ironicamente, já imaginando o que Daniel queria com ele.
Daniel dava passadas decididas e firmes, ainda tentando reprimir sua
vontade de agir com violência. Saiu da sala de reunião prometendo à Sophia
que teria uma conversa civilizada com Miguel.
Pelo menos iria tentar.
— Temos que conversar — falou ele com voz dura.
Miguel acenou brevemente. Daniel o alcançou. Abriu a primeira porta
que viu no corredor. Tinha apenas alguns estagiários de Publicidade e
Propaganda trabalhando nos computadores, pediu a eles que se retirassem e
foi atendido de pronto.
— Deixei passar alguma coisa na reunião? — indagou Guimarães,
visivelmente dando uma de desentendido.
— Só vou avisar mais uma vez, Miguel — disse Müller entre dentes —,
não quero que se aproxime da Sophia, da minha esposa. Esposa! Fui bem
claro?
Miguel permaneceu calado, estreitou os olhos para Daniel e deu uma
risada sarcástica.
— Claro… — disse por fim, mas Daniel sentiu que seu aviso não valeu
de nada. — Não irei mais atormentar a Sophia. A sua esposa.
— Estou falando sério, Miguel! — advertiu-o, mais alto, percebendo
que Miguel debochava. — Aquele beijo que você a forçou a dar, sabe que
poderíamos te denunciar por assédio, não sabe? — ameaçou. — É meu
primeiro e último aviso: fique longe da Sophia! Não pense que vai atrapalhar
nosso casamento, porque você não vai! — Daniel não soube explicar
exatamente por que dissera essa última frase com tanta convicção, mas sentiu a
necessidade de dizê-la, levemente incomodado com a ideia de uma separação
– por mais que ela fosse iminente.
— Só vou dizer uma coisa a você, Daniel — Miguel igualou sua voz à
de Daniel, dando um passo à frente. Seus rostos ficaram próximos um do outro
a ponto de sentirem o ar quente de suas respirações —, eu não vou precisar
mover um dedo para atrapalhar esse casamento. Quem irá afundá-lo será você
mesmo. E advinha que estará lá para consolar a Sophia? — E entortou o canto
da boca em um sorriso satisfeito.
Daniel engoliu em seco. A raiva continuava a queimar dentro do seu
peito, eletrizando seu corpo de ponta a ponta. Ele sequer podia imaginar
Miguel consolando Sophia.
Controlou a ira que vinha subindo pela sua garganta. Engoliu a bílis que
desceu queimando em raiva. Miguel estava errado, pois não conhecia um terço
da história, do envolvimento dele com Sophia. Pensou em como ele estava
sendo patético ao imaginar que eles estavam lutando pelo amor de Sophia.
Dentro de seis meses você pode consolá-la, imbecil. Pensou
ele.
— Espere sentado — respondeu enfim. — Sophia nunca vai precisar do
seu consolo.
Miguel deu uma risada nervosa e desviou os olhos, olhando para baixo,
para logo em seguida encarar Daniel nos olhos.
— Não só irei consolá-la, como serei eu a limpar a merda que você
fará, Daniel — disse como se previsse o futuro.
Daniel juntou a sobrancelhas, sem entender do que diabos Miguel estava
falando. — É só questão de tempo até Sophia ser minha de novo — emendou,
e sem esperar por uma resposta saiu, deixando-o sozinho.

♦♦♦

Daniel entrou em seu escritório e bateu a porta fortemente atrás de si. E


lá estava de volta, dominando todo seu corpo, o troglodita que surgira dentro
dele desde que Sophia entrou em sua vida. Pegou o primeiro objeto que viu
pela frente – um peso de papel esculpido em forma de anjo – e jogou contra a
parede, visivelmente nervoso.
Sophia abriu a porta e entrou, atônita com a reação de Müller. Viu-o de
costas, afagando a nuca enquanto andava até sua cadeira giratória de couro e
se sentava com brutalidade.
Ela ficou preocupada ao vê-lo chegar depois da conversa com Miguel, e
percebeu que estava demasiadamente fora de si, pois passou por ela e a
ignorou quando perguntado como tinha sido a conversa. Seguiu-o no intuito de
saber o que estava acontecendo.
— Daniel, se acalme… — sussurrou assustada.
— Não me peça para ter calma! — trovejou ele. — Estou tendo um dia
de merda! E isso porque são onze e meia da manhã!
A loura ficou calada. Esperou que o chefe se acalmasse, permanecendo
em sua sala. Queria saber o que o deixara tão irritado, e se a irritação estava
relacionada com Miguel.
Provavelmente, sim, pensou, sentando-se em uma das cadeiras de frente
para a mesa de Müller.
— O Miguel te irritou, não é?
Daniel bufou. Inspirou fundo fazendo a calma voltar.
— Sim.
— O que ele te disse?
— Não quero falar sobre isso.
Sophia apenas acenou, respeitando a vontade de Daniel.
— Não é apenas isso, mas tem toda essa história da Melissa — sacudiu
a mão no ar enquanto falava, já se acalmando.
— Se não a quer aqui, por que a contratou? — inquiriu Sophia.
— Eu já disse: devo um favor. Mas eu te juro que dentro de três meses
essa mulher não põe mais os pés dentro da minha empresa! — disse Daniel
com determinação e uma pitada de raiva.
Sophia estranhou tal comportamento, visto que eles pareciam se dar
muito bem. Percebeu, naquele momento, que o buraco era mais fundo e que
Daniel não devia somente um mero favor, mas que havia algo muito mais
relevante em jogo.
— Quando ela começa? — Afastou os pensamentos e continuou a
conversa.
— Amanhã mesmo. Desculpe-me, Sophia… — Suspirou derrotado. —
Se puder já ir desocupando a sua sala… — E a olhou com uma pequena ruga
entre as sobrancelhas grossas, nitidamente incomodado com tal pedido.
— Tudo bem — anuiu ela. — Tem ideia de onde eu ficarei até que isso
tudo volte ao normal?
Pela primeira vez Daniel sorriu. Sabia exatamente onde Sophia ficaria.
Olhou em volta, depois voltou para ela, os olhos brilhando.
— Aqui… comigo.
26
CONSUMADO

Dois meses depois.

Final de dezembro havia chegado. Dois meses já tinham transcorrido, e


Daniel não via a hora de demitir Melissa de uma vez por todas. Como o
previsto, ela não entregara todas as cópias do vídeo de uma só vez, alegando
que se fizesse isso saberia que seria demitida.
— …e eu não terei mais como chantageá-lo — dissera a ele no segundo
dia como secretária executiva, para seu enfurecimento.
Mas Daniel aguardou pacientemente, até porque a ruiva não fizera mais
nenhuma chantagem, nem mesmo insinuações sobre o vídeo. A primeira cópia
foi entregue um mês depois que a contratou; a segunda, no começo daquele
mês; e a terceira ela tinha prometido entregar ao fim de janeiro.
Como ele também já havia ponderado, Melissa vinha o assediando. Às
vezes, aparecia com roupas chamativas demais; saias curtas e justas que ela
fazia questão de usar e de se agachar na frente dele, se insinuando; decotes
exagerados mostrando os seios fartos e quase os esfregando em sua cara
quando estavam próximos; esbarrões de propósito para lhe tocar as partes
íntimas. E mesmo que ele lhe advertisse sobre suas vestimentas extravagantes,
a ruiva não lhe dava ouvidos, e, ocasionalmente, se vestia com roupas
chamativas.
E ele sequer poderia exigir alguma coisa, ou ameaçá-la de demissão.
Por causa do maldito vídeo e de suas malditas chantagens, Daniel estava de
mãos atadas.
Por isso, os últimos dois meses estavam sendo o inferno.
Mas também estavam sendo o céu.
Sophia, como combinado, se responsabilizou em ficar como sua
Assessora de Imprensa; com seu empenho e dedicação, ela estava se saindo
muito bem. A vida empresarial de Daniel melhorou consideravelmente desde
que Sophia assumiu o cargo, além do que, muitas vezes, ela mesma consertava
erros causados pela incompetência de Melissa.
Müller lhe arrumou um lugar em sua sala, disponibilizou uma pequena
mesa com computador, telefone e acesso à internet, permitindo, dessa maneira,
que ela ficasse próxima a ele.
Fora da empresa, eles continuavam tendo uma boa convivência. Daniel
não fizera mais nenhuma besteira (como sair com Melissa e permitir ser
gravado) que pudesse se arrepender; refez, mentalmente, a promessa de honrar
seu casamento e há dois meses a única mulher que tinha, além de Sophia, era
sua mão direita. Às vezes, a esquerda. Vez ou outra se imaginava com a loura,
nus, numa cama macia e de lençóis brancos, emaranhando seus corpos suados.
O que o deixava ainda mais confuso, sem saber explicar a razão de desejá-la
tanto assim, de uma forma como nunca se sentiu atraído por ninguém.
Também não agiu como um troglodita, controlava-se sempre o máximo
que podia quando se deparava com algum homem cortejando-a. Aprendeu a
conviver com isso, afinal, ela é uma mulher bonita. Miguel continuava a
atormentá-los, e até pensou que ele e Melissa formariam uma boa dupla de
antagonistas de novela mexicana. Porém, pelo menos na última semana, não
tiveram mais notícias de Miguel Guimarães.
Continuavam a se beijar quando tinham necessidade de encenar o
casamento, mas, mesmo sendo um beijo “forçado”, ambos se perdiam um nos
lábios do outro, e só paravam quando um deles percebia que se envolvia mais
do que deveria. Por vontade própria, durante aqueles últimos meses, não
trocaram mais carícias, mesmo que Sophia desejasse, lá no fundo de seu
íntimo, que em um dos beijos técnicos, Daniel escorregasse sua língua até seu
pescoço e o molhasse com carinhos sensuais.
A boa convivência afunilou a amizade do casal, deixando-os mais
íntimos e aumentando em ambos o carinho mútuo que sentiam um pelo outro.
Mas continuaram a dormir em quartos separados.
Até o Natal.
Daniel convidou a família de Sophia para passar a ceia e o dia de Natal
junto com eles. Todos compareceram, e após a queima de fogos e festança do
dia 24 para o dia 25, foram se deitar.
Sophia entrou receosa no quarto de Daniel. Poucas vezes esteve ali, e
sempre fora para acordá-lo, quando ele perdia a hora. Trazia nas mãos uma
muda de roupa para quando acordasse e um pijama para dormir.
Eles se trocaram e deitaram um ao lado do outro. Era pouco mais de três
da manhã, mas nenhum dos dois tinha vontade de dormir. Ambos olhavam para
cima, fitando o teto do quarto dele, sentindo seus ombros se tocarem. O
silêncio se fazia presente, mas seus corações tamborilando dentro do peito de
forma descompassada eram ouvidos a metros de distância.
Estavam nervosos.
Daniel deitou de lado, fitando a beleza tão próxima. Sorriu observando
cada traço genético e natural dela, dos cabelos aos braços finos, das pequenas
ruguinhas entre suas sobrancelhas – quando ela se voltou para ele e enrugou a
sobrancelha ao vê-lo observando-a – sentindo o cheiro natural que vinha da
curva do seu pescoço.
— Isso é estranho… — ela sussurrou.
— O quê…? — murmurou de volta, ainda correndo seus olhos pelo
tronco dela, atento aos seios redondos e sem sutiã dentro de uma regata.
— Estarmos na mesma cama.
— Não é a primeira vez — afirmou baixinho.
— Eu sei… — ela sorriu e também se deitou de lado.
Ambos permaneceram em silêncio, apenas se olhando, sem nenhum tipo
de constrangimento. E ficaram assim: quietos e se olhando até caírem no sono.
Após o Natal, Daniel resolveu viajar para o Rio de Janeiro e passar a
virada do ano-novo na casa de praia exclusiva que tinha em Angra dos Reis.
Em confraternização, convidou alguns amigos da empresa e funcionários, e
para seu desagrado, Melissa Telles, pois, ao saber da viagem até a cidade, se
autoconvidou, e Daniel nem pôde contestar, estava sendo chantageado. Mas
jurou a si mesmo que se manteria o mais longe possível da ruiva.
A casa de praia em Angra dos Reis era grande e também possuía mais
duas dependências no fundo, onde foi acomodada a meia dúzia de pessoas que
os acompanharam. Na casa principal ficaria apenas ele, Sophia e Heitor.
Na noite do dia 31, Sophia e Daniel saíram para jantar e depois assistir
à queima de fogos, enquanto Heitor e os outros convidados decidiram ir para
uma boate.
Ela trajava apenas um vestido branco de alças, que marcava
perfeitamente cada curva de seu corpo, e uma sandália. Ele, com seu habitual
terno e gravata, a calça e paletó justos ao corpo, ressaltando os músculos dos
braços.
Sentaram-se na areia da praia, no meio de outras pessoas. Sophia
recostou-se no ombro dele e assistiram à queima de fogos; depois se
abraçaram fortemente com desejos de um bom ano-novo, de prosperidade,
amor, paz e felicidade.
O ponteiro marcava duas da manhã quando decidiram voltar para a casa.
Caminharam por meia hora na areia da praia privativa. Sophia carregava as
sandálias nas mãos, sentindo a areia fofa acariciar seus pés, enquanto Daniel
contava uma piada qualquer de advogado. Eles riram, e inconscientemente
Sophia recostou-se nele, gargalhando de forma contagiante.
Pararam de caminhar e deitaram para observar o céu estrelado.
— Não pulamos sete ondinhas — disse Sophia a Daniel com seus olhos
grudados no firmamento.
— Não acredito nessas bobagens — rebateu com um sussurro.
— Vamos fazer isso — decretou já se levantando, deixando Daniel
desorientado.
Abria a boca para perguntar alguma coisa quando ela a puxou pelo
punho, forçando-o a se levantar.
— Venha, ande logo!
Rindo, ele a acompanhou e, de mãos dadas, pularam as sete ondinhas,
meio desajeitados por conta da brisa que os desequilibrava. Gargalharam da
quarta até a sétima onda.
Por fim, já exausto, Daniel a convidou para entrarem em casa.
— Quero dar um mergulho no mar antes de entrarmos — pediu Sophia.
Ele a olhou confuso.
— Sophia, é tarde. Deixe para amanhã.
— Hoje já é amanhã, querido — ela disse de bom humor. — É só um
mergulho. — antes que ele pudesse protestar, Sophia tirou o vestido, decidida
a dar o mergulho noturno, ficando apenas com suas roupas de baixo.
Daniel engoliu em seco olhando para ela, o corpo curvilíneo tirou-o do
eixo. A imagem de três meses antes, quando ele, num piscar de olhos, a viu
nua, vem à sua mente.
— Não demore. É perigoso — avisou, tentando desviar sua atenção do
pecado.
Ela revirou os olhos.
— Pare de ser chato, Daniel. Você vem? — Ela o convidou, mas ele
negou com a cabeça.
Ela então virou as costas e caminhou para dentro da água. Daniel sorriu
discretamente ao vê-la ser atingida por uma onda e do sobressalto, ao sentir a
água gelada contra sua pele.
Sophia avançou para dentro do mar e mergulhou.
Ele levantou os olhos e fitou as estrelas. Tirou o paletó e afrouxou a
gravata, descalçou os sapatos sociais querendo se sentir mais confortável – ou
ponderando entrar na água com Sophia.
Olhou outra vez para o mar, e ela apareceu do mergulho, passando a mão
para tirar os cabelos grudados no rosto. Outro sorriso.
— Vem, Daniel! A água está ótima — Sophia gritou.
— A água está gelada! — frisou aos risos.
— Pare de ser frouxo! — respondeu de volta. A água batia na altura de
seus seios. — Está com medo de uma aguinha gelada?
— Ok… — Deu-se por vencido e terminou de se despir até ficar
somente de cueca; o terno fica na areia. — Verá quem é o frouxo, senhorita
Hornet.
Caminhou a passos lentos, sentindo a areia fofa tocar seus pés; ele viu
Sophia dando outro mergulho. Chegou à beira da praia, uma onda enfraquecida
atingiu-lhe e ele sentiu a água fria. Olhou para baixo, onde as ondas estavam
quebrando na sua pele. Levantou os olhos. Não viu Sophia.
— Sophia!? — chamou por ela.
Nada.
Engoliu em seco e esperou por alguns segundos.
Ela não voltou do mergulho.
— Sophia!? — gritou de novo já sentindo sua garganta estrangulada.
De repente, ela apareceu. Sophia emergiu de seu mergulho, mas, sem
esperar, voltou a afundar, levantando as mãos, que logo foram engolidas pela
água.
— Socor… — seu pedido era desesperado.
Porra!
O desespero tomou conta dele quando percebeu que ela estava se
afogando.
Desesperado, Daniel correu para dentro do mar a passos afobados
contra a água que rebatia e espirrava em sua pele. Quando o mar já estava à
altura do seu peito, ele mergulhou e nadou em direção a ela, que continuava a
surgir e afundar seguidas vezes, sendo, gradualmente, levada pelas ondas.
Daniel bateu os braços contra a água de forma determinada, o frio
repentino castigando a pele, o desespero apertando seu peito.
A essa altura, já não se ouviam mais os gritos por socorro de Sophia, e
quando, finalmente, a alcançou, ela já estava sendo engolida pelo mar,
afundando de forma lenta e cinematográfica; inconsciente.
Ele a agarrou. Sentiu falta de ar. Frio. Exaustão.
A moça pesava. Daniel a segurou pela cintura e jogou um dos braços
delicados sobre seus ombros. Ofegante, fez um esforço tremendo para arrastá-
la até a margem. A água atrapalhou sua visão, o peso dela o cansou, mas ele
estava decidido. Sua mente em branco só funcionava com um instinto.
Salvá-la.
As pernas queimavam, os braços doíam e o coração trabalhava tão
rápido que Daniel teve medo de sofrer um infarto fulminante, permitindo,
assim, que a natureza os levasse.
Determinando, ele se concentrou na missão e, mesmo exausto, nadou até
a margem da praia.
Os segundos pareciam eternos. Ele segurou Sophia no colo e saiu do
mar correndo, sentindo nas panturrilhas em um ardor quase insuportável. O
coração palpitava ao colocá-la sobre a areia, logo depois de se desvencilhar
das ondas do mar. Sophia continuava desacordada.
— Socorro…! — Daniel gritou sentindo o peito ser massacrado, mais
por instinto do que por qualquer outra coisa. No desespero do momento,
esqueceu-se de que estavam em sua praia privativa. Por isso não houve
resposta. Somente o vento assoprando em suas peles.
Lágrimas acumularam nos olhos.
Respirando com dificuldade, ele deitou sobre a loura para iniciar uma
respiração boca a boca, e a massageou no peito contando até dez.
— Vamos, Sophia, reaja… — murmurou arquejando, e sem demora fez
outra série de respiração boca a boca.
As lágrimas escorriam dos seus olhos, mas ele não percebia.
— Sophia, vamos! — gritava ainda massageando o peito, fazendo a
contagem.
Súbito, o corpo desfalecido envergou para frente e Sophia soltou uma
esguichada de água, tossindo em seguida. Um alívio instantâneo tomou conta
de Daniel, no entanto ele continuava assustado. Desesperadamente, afagou o
rosto, o coração batendo a mil por hora, permitindo que o pranto da angústia o
acometesse.
Sophia tossiu, deixando escapar pela boca o restante de água; seus
batimentos cardíacos pulsavam desordenados. Ela olhou para os lados e viu
Daniel – molhado e com um olhar amedrontador.
Sem sequer pestanejar, se agarrou ao pescoço dele em um abraço
apertado e desesperado; apavorada, soluçou aos prantos.
Müller a apertou contra seu corpo, tentando acalmá-la.
— Está tudo bem… eu estou aqui. Você está bem… — murmurou
ofegante, afagando os cabelos emaranhados. — Eu estou aqui, Sophia, estou
aqui…
— Meu Deus… — a voz saiu trépida, angustiada, por cima do seu choro
compulsivo e aterrorizado, ainda abraçada a ele — Eu achei que fosse morrer.
Daniel, eu achei que fosse morrer!
— Eu não iria permitir. Nunca. — ele engoliu em seco e fechou os olhos
tentando acalmar o próprio coração, assustado demais com a ideia de perdê-
la. — Se eu tivesse que morrer tentando te salvar, eu morreria.
As palavras doces e suaves de Daniel entraram pelos seus ouvidos e a
acalentaram, lhe dando uma sensação de conforto, de embalo e de calmaria. O
medo em seu coração se foi quase que no mesmo instante e completamente.
Sophia interrompeu o abraço e o encarou nos olhos, seu peito subia e descia,
ainda numa respiração afobada. Seus olhos correram para o corpo a sua
frente: os cabelos desgrenhados que pingando e escorrendo gotas pelo rosto
bonito, o peito largo e definido, meio avermelhado por conta do impacto
abrupto com a água, as pernas e coxas torneadas emaranhadas com as dela, os
braços e os bíceps que contornavam seu dorso, os mesmos que a salvaram.
Vagarosamente, já recuperada do susto, ela esticou as mãos trêmulas e
tocou a pele dos bíceps de Daniel, roçando as pontas dos dedos nos músculos
aparentes, quase que em transe, contemplando o toque, os músculos…
Respondendo ao estímulo, Daniel desviou o olhar para os dedos
delicados. A mesma sensação que muitas vezes sentia quando a pele dela
estava contra a sua sobe por cada centímetro do seu corpo. Ele olhou Sophia
atentamente, esquadrinhando todo seu corpo: os cabelos bagunçados e
encharcados, da pele branca úmida, das pernas compridas e das coxas finas,
dos braços frágeis e da boca entreaberta de forma sensual e tentadora.
Sophia Hornet fechou os olhos, já com seu coração batendo
normalmente. Continuou, inconscientemente, a roçar os dedos nos bíceps de
Daniel, descendo, gradualmente, para os braços. O toque a deixou em êxtase.
Seu coração voltou a acelerar, mas desta vez, a emoção que a atingiu era
totalmente diferente, e já até experimentara algumas vezes na presença de
Daniel. Um turbilhão de sensações confusas e que se colidiam entre si; uma
corrente elétrica que a percorria de ponta a ponta.
Ela não sabia o que era isso. E tinha medo de descobrir.
Sophia levantou as pálpebras para divisar Daniel a olhando. O vento
assoprava as peles deles; o som das ondas quebrando era quase ensurdecedor.
Como dois imãs se atraindo simultaneamente, eles foram um de encontro
ao outro, colando suas bocas em um beijo desesperador e intenso. O momento
que os envolveu foi único para ambos, e seus lábios se movimentaram de
forma harmônica, encaixando-se perfeitamente um ao outro.
Sophia e Daniel não se importaram com mais nada.
Daniel jogou seu corpo sobre o de Sophia e a deitou na areia, ficando
entre suas pernas. Sophia levou as duas mãos até suas costas e as acariciou,
lembrando-se das pequenas pintinhas marrons espalhadas por ela.
As mãos femininas subiam e desciam enquanto Daniel sentia seu corpo
todo reagir, e por nenhum segundo pensou em parar, mesmo com seu
consciente gritando pelo contrato, o alertando.
Mas ele pouco se importava. Precisava disso. Precisava desse momento.
Assim, desviou sua boca da dela para enfiar-se na curva de seu pescoço; o
cheiro natural que o atingiu tirou sua sanidade, deixando-o totalmente
excitado. Seu coração palpitou em ritmo descontrolado e o corpo quase entrou
em convulsão com tamanha necessidade e emoções que acompanhavam o que
estava se desenrolando.
Ele a beijou no pescoço. Estimulada, Sophia respondeu com um gemido
e envolveu o quadril dele com suas pernas, escorregando as mãos até a nuca e
puxando carinhosamente os cabelos curtos e alourados.
— Sophia… — Daniel grunhiu de prazer sentindo-a contra sua ereção
— Não diga nada. Só continue… — ela sussurrou em seu ouvido e
mordiscou o lóbulo de sua orelha.
Daniel não precisou ouvir mais nada.
Ele a beijou na boca enquanto sua mão trabalhou para tirar a peça de
baixo – e que logo foi atirada em algum . O beijo dela, as mãos que afagavam
com ferocidade sua nuca e costas, o deixou envolvido, em transe, sem sentido
algum.
Sophia estendeu a mão para cintura dele para abaixar a boxer preta.
Afobado, Daniel a ajudou, e voltou a se deitar sobre o corpo de Sophia, pois o
seu protestou altamente, necessitando cada vez mais da boca, dos beijos, do
toque, da pele dela…
— Daniel… — suspirou de prazer, suas bocas rentes uma à outra.
Seu gemido o ensandeceu. Mesmo que ela tenha dito apenas seu nome,
ele conseguiu sentir o que realmente Sophia quis dizer.
Encaixou-se melhor e, sem nem pensar, a penetrou.
Ambos gemeram em uníssono.
Daniel pestanejou e se aninhou outra vez contra a curva do pescoço da
loura; uma nova sensação preencheu toda a sua alma. Ele ficou dentro dela,
por um instante, respirando com dificuldade e assimilando a realidade. Ele
teve medo de acordar e tudo não passasse de um sonho, como aconteceu
algumas vezes.
— Continue… — sussurrou ela ao seu ouvido.
Vagarosamente, Daniel movimentou o quadril, gemendo logo abaixo da
sua garganta. Sophia o abraçou forte e também gemeu de prazer bem perto de
seu ouvido, deixando-o cada vez mais inebriado.
Então, eles se amaram, tendo como únicas testemunhas o firmamento
estrelado e o mar. A natureza se tornou cúmplice do novo sentimento que
invadiu cada um deles. Sophia e Daniel rolaram na areia, se beijaram, se
tocaram, gemeram um para o outro, sem temor ou constrangimento; sem
arrependimento, sem contrato de casamento, sem acordos.
Seus corpos molhados – mistura de água e suor – foram uma confusão
única de sentimentos. Ele a desejava. Ela o desejava. Mais do que qualquer
outra coisa que já ansiaram um dia.
O orgasmo atingiu Sophia, que se desmanchou em um prazer nunca
sentindo em sua vida. Ela flexionou as pernas em torno dos quadris de Müller
quando da sua boca escapou um murmúrio alto e prazeroso.
Quase que no mesmo instante, ao sentir a satisfação de Sophia, Daniel
também deixou o orgasmo lhe invadir. O corpo instantaneamente relaxou
quando se satisfez; das cordas vocais um gemido de prazer foi emitido e ele a
apertou contra seu corpo.
Após o sexo, eles respiraram com dificuldade, Daniel ainda por cima
dela; ainda dentro dela. Seu rosto estava, outra vez, contra a curva do pescoço
de Sophia. Continuaram assim por horas, agarrados um ao outro, recuperando
o ar, assimilando a realidade.
Daniel girou o corpo e deitou ao lado de Sophia. Eles olharam o céu.
Não se encararam. As ondas quebravam no mar. O vento soprava frio,
castigando suas peles.
Sem dizer nada, Daniel se levantou, vestiu a cueca preta, a calça e a
camisa.
Sophia continuou deitada, encarando as estrelas acima dela. Só saiu de
seu torpor quando Daniel tocou seu braço, estendendo sua calcinha.
Muda, ela vestiu a peça, sem reação, sentou-se na areia e encarou o mar.
De repente, Daniel jogou o paletó sobre seus braços.
— Está frio… — ele sussurrou. — Vista-se e vamos entrar.
Sophia apenas acenou e escorregou os braços pelas mangas do blazer.
Estava prestes a se levantar quando Daniel a içou para seu colo em seus
braços fortes.
Então, ele caminhou para dentro com Sophia nos braços.
27
PAIXÃO CONFUSA

Daniel

O vento gélido noturno atravessando minha roupa e batendo contra


minha pele estava me ajudando a baixar a temperatura que subia por cada
centímetro do meu corpo trêmulo de nervosismo. Principalmente, enquanto
Sophia estava nos meus braços sendo carregada para dentro de casa, depois
que consumamos nosso casamento rolando na areia da praia.
E, por mais que eu já tivesse aceitado a realidade, continuava ser difícil
acreditar em tudo o que aconteceu.
Sim, foi insano consumar nosso casamento.
Uma insanidade deliciosa.
Levando-a para dentro, recostada ao meu peito, imagens dela se
afogando passaram diante dos meus olhos, fazendo meu corpo vibrar de temor.
E eu desejei nunca mais sentir essa aflição. O desespero que me consumiu ao
vê-la em perigo foi uma sensação que jamais quero ter outra vez. E eu não
sabia o que seria da minha vida se eu a tivesse perdido.
Entrei com Sophia em casa e subi as escadas, continuávamos
emudecidos, num silêncio tenso, mas ao mesmo tempo acolhedor. A última
coisa que lhe disse foi para convidá-la para entrarmos. Desde então, não nos
falamos mais.
Eu simplesmente não sabia o que lhe dizer… ou como agir. Era uma
sensação espantosa para mim. Faltavam-me palavras para me expressar, não
conseguia formar nada coerente em minha mente… Estava confuso.
Sophia, agarrada em mim, e sua pele molhada e delicada resvalando
sobre a minha, estava me propiciando um sentimento genuíno, exclusivo…
Algo que não havia sentido antes. Apesar da incompreensão de tal sentimento,
e do incômodo de não compreendê-lo, a emoção que me atingia era
demasiadamente boa. Sem nunca tirá-la dos braços, subi vagarosamente as
escadas em direção ao seu quarto, e, ao chegarmos, levei-a direto para o
banheiro, pois sabia que, provavelmente, ela iria querer um banho para tirar a
areia do corpo e cabelo, além de se aquecer do frio.
— Tome um banho — disse com um murmúrio descendo-a do meu colo
e abrindo o registro.
A água aquecida caiu e o barulho pareceu quase ensurdecedor diante ao
silêncio instaurado entre nós. Sophia apenas acenou e se encaminhou até o
box, deixando a água molhar seus cabelos e limpá-los.
Por um pequeno instante, fiquei a observá-la e lembrei de tudo que já
houve entre nós. Mas, de todos nossos momentos, o de anterior é o que não
saía da minha cabeça. Cerrei os olhos me lembrando da loucura doce que
fizemos. Precisava admitir que de todas as vezes que a desejei e a imaginei
comigo nada era comparável a como realmente foi. O pequeno corpo sob o
meu, suas mãos afagando minhas costas, o modo como Sophia suspirou meu
nome e a forma intensa com que fizemos amor… Sua boca doce e macia, a
língua me invadindo, um desejo desesperado de nunca me separar daqueles
beijos… Tudo isso me invadiu como uma onda forte no momento em que nos
tornamos apenas um.
Foi a melhor sensação que eu senti na vida.
E por mais que tenha sido o melhor sexo que já fiz com alguém, eu
estava arrependido.
— Daniel…? — sua voz me trouxe de volta à realidade. Olhei-a, Sophia
continuava de sutiã e calcinha, a água do chuveiro caindo sobre seu corpo. —
Você está bem?
Pestanejei, assimilando tudo ao meu redor.
— Sim… Eu só me distraí. — engasguei antes de dizer.
Sophia sorriu fracamente e, sem mais nada dizer, pega uma esponja,
passando pelo corpo. O corpo que me fez ter o melhor orgasmo de todos.
Engolindo em seco me virei para sair e deixá-la mais à vontade, mas
minhas pernas traiçoeiras pararam no meio do caminho, e minhas mãos, ainda
que contra a minha vontade, despiram meu corpo, deixando-me apenas com a
boxer preta molhada.
Quando percebi já estava debaixo do chuveiro com Sophia, sentindo seu
peito no meu, seus grandes olhos verdes voltados para cima, olhando direto e
intensamente para mim, enquanto a água escorria por seu rosto de traços
perfeitos e angelicais. Delicadamente, tomei a esponja de suas mãos, virei-a
de costas e esfreguei-a com cuidado.
Esquadrinhei cada centímetro das suas costas graciosas e brancas,
permanecendo em um silêncio constrangedor. Queria saber o que ela sentia em
relação ao que fizemos, queria saber o que havia significado para ela, porque,
para mim, eu ainda não sabia exatamente qual o significado da nossa
insanidade, nem o que pensar sobre essa situação.
Levei meus lábios até seu ombro esquerdo e deixei um beijo ali,
sentindo o toque macio de sua pele contra meus lábios. O cheiro natural de seu
corpo invadiu minhas narinas, me inebriou e me vi desejoso por ela… Outra
vez… Tão forte quanto a primeira… Mais forte que a primeira.
Sem esperar, Sophia jogou a cabeça para trás e se recostou no meu
peito. Sem hesitar, beijei a curva de seu pescoço, e daí para frente não
consegui mais frear minhas ações.
Minhas mãos contornaram sua cintura em um abraço, e minha boca
continuou a distribuir beijos em seu cangote molhado. De repente, as mãos
dela alcançaram as minhas e me fez repousá-las sobre seus seios. Seu pequeno
gesto me tirou do eixo, e quando dei por mim estava colocando-a contra a
parede, beijando loucamente seu pescoço e descendo pelas suas costas
enquanto delicadamente apalpava seus seios. Esfreguei minha excitação entre
suas nádegas, e cada vez que ela suspirava prazerosamente eu perdia um
pouco a lucidez.
Os dedos habilidosos de Sophia sofregamente arrancaram a calcinha, se
livrando da peça e me dando total acesso e visão às suas nádegas brancas,
lindas e perfeitas.
Ela se virou para mim. Seus olhos verdes brilhavam de uma forma como
nunca vi, e assim como fora minutos atrás na praia, não consegui pensar em
nada além de querer fazê-la minha; minha razão não funcionou corretamente e
eu não tinha poder suficiente sobre mim para parar. Mesmo se eu quisesse.
Sophia segurou minha cintura e me beijou intensamente enquanto
abaixou minha boxer.
Cristo Deus!
Ajudei-a e terminei de me despir. Uma ansiedade enorme percorreu meu
corpo, e um segundo depois virei-a de costas para mim, empinando seu
bumbum e a penetrando.
A mesma sensação me invadiu. Diria que foi até melhor. A água
escorrendo contra nossas partes, os movimentos vagarosos de vai e vem, os
gemidos prazerosos que escaparam de nossos lábios, minhas mãos envolvendo
seus seios, minha boca chupando na curva do pescoço… essa sequência
parecia estar em harmonia, cada detalhe deste momento não me passava
despercebido e minha vontade era nunca parar. Então, não muito tempo depois,
estava tendo o segundo melhor orgasmo da minha vida.
Enquanto a água caía em nossos corpos conectados e envolvidos em um
abraço forte, meu ritmo cardíaco voltou ao normal, assim como pude sentir a
respiração curta de Sophia que ela tentava, também, controlar.
Depositando outro beijo em seu ombro, me afastei e me enrolei na
toalha. Olhei para ela; Sophia está com a testa contra a parede, a água do
chuveiro continuava a descer sobre seu corpo. Com um suspiro, virei e a
deixei só.

♦♦♦

Encarei-me no espelho já com uma roupa limpa e seca. Olhei em


direção ao quarto dela que ficava de frente para o meu: a porta estava fechada;
o local, em silêncio. Respirei fundo e passei a mão pelo rosto; ainda não sabia
como, ou que dizer a ela sobre a nossa segunda dose de loucura. Nem sobre a
primeira.
Ainda assim, inspirei ar para os pulmões e tentei tomar um pouco de
coragem para caminhar até lá. Dei uma leve batida na porta e, sem muita
demora, ela permitiu minha entrada.
Sophia estava sentada na cama usando um baby doll de cetim vermelho
– os seios soltos dentro da peça de finas alças – e as pernas à mostra,
deixando bem visível sua coxa branca e pequena.
— Oi… — sussurrei entrando cautelosamente.
Ela não respondeu, apenas sorriu discretamente.
Sua falta de resposta me deixou um pouco receoso. Tive medo que ela
não quisesse mais falar comigo por conta do que aconteceu nas duas vezes.
Mas seu breve sorriso ao meu ver me dizia que Sophia não me evitaria.
Por isso continuei me aproximando até sentar-me ao seu lado. Por alguns
segundos, sequer me movi, fiquei somente olhando para minhas mãos, tentando
formar uma frase adequada para este momento e organizar minha mente para
que eu não gaguejasse enquanto tentava lhe dizer alguma coisa.
— Precisamos conversar, não acha? — Sophia se pronunciou por fim.
Desvio meu olhar para ela.
— Precisamos… — concordei, mesmo que minha vontade fosse fugir
dali.
Outra vez o silêncio se fez presente entre nós e ficamos nos olhando,
esperando, talvez, que alguém começasse.
— Podemos deixar isso para amanhã? — ela sussurrou.
Mesmo que eu não quisesse adiar mais aquilo, eu acabei cedendo,
precisando mesmo de mais tempo para assimilar e entender o que fizemos.
Acenei em positivo e estava me levantando para seguir até meu quarto
quando senti as pequenas mãos dela a me segurarem pelo punho. Olhei dentro
daqueles olhos verdes e grandes e brilhantes, e por mais que ela não tivesse
dito palavra alguma eu entendi que estava pedindo para que eu ficasse.
Receoso, me deitei ao seu lado fitando o teto do quarto. Meu coração já
começava a acelerar apenas por sentir o cheiro de baunilha dos cabelos
úmidos alourados, misturado ao cheiro do sabonete de lavanda que usara no
banho; e isso já estava me deixando insano.
Sem que eu esperasse, Sophia se apoiou em meu peito, me beijou
rapidamente no rosto e virou de costas para mim, puxando o lençol para cobrir
seu corpo. Pus um pequeno sorriso no rosto, atingido por sua singela atitude.
Fitei-a do meu lado, apaguei o abajur e me ajeitei na cama. Necessitando
daquele corpo do meu lado mais próximo de mim, virei-me em sua direção e a
abracei. O calor do corpo dela me aqueceu, e eu dormi agarrado à Sophia
desejando que esse momento nunca acabasse.

♦♦♦

O sol alto da manhã entrou pela janela acima da cama, penetrando as


finas cortinas e bateu contra meu rosto, me fazendo despertar aos poucos.
Ainda atordoado pelo sono, tentei me localizar. Ao abrir os olhos, eu a vi:
estava de frente para mim, o lençol cobrindo parte das suas pernas; os cabelos
alourados estavam bagunçados e caíam sobre seu rosto branco e delicado
como porcelana. Ela dormia serenamente, por longos segundos fiquei a
admirá-la. Eu reparei em como seus cílios eram alongados, me atentei aos
lábios levemente secos naquela manhã, de como seu peito subia e descia
calmamente enquanto dormia feito um anjo, e ronronava baixinho, quase
imperceptível. Meus olhos correram por seu corpo, e a todo instante me
lembrei da nossa deliciosa insanidade.
Quase pude sentir o corpo de Sophia junto ao meu, das suas mãos
acarinhando minhas costas como se ela conhecesse cada centímetro. Cerrei os
olhos forçando minha memória a parar de reprisar os beijos, das minhas mãos
envolvendo seus seios, da água batendo em nossas partes e tornando o sexo
ainda mais prazeroso. Abri os olhos e a encarei outra vez. Continuava
dormindo. E um desejo desesperador de tê-la outra vez quase me controlou:
quero sentir seus lábios macios contra os meus, suas mãos percorrendo todo
meu corpo em carícias que só me deixavam cada vez mais extasiado e louco
por ela; queria poder abraçá-la de novo após o sexo e adormecer sentindo o
perfume de seus cabelos subindo pelo meu nariz.
Engoli em seco ao perceber que era a primeira vez que me sentia assim.
Isso me assustava e confundia. Meus relacionamentos nunca passaram de sexo
casual, eu nunca ansiei tanto por uma mulher como estava sendo com Sophia,
porque com ela eu não desejava somente sexo, eu não a queria somente pelo
prazer, mas a vontade que martelava em meu peito era de estar junto dela, de
compartilhar momentos felizes, de estar em sua companhia, conversar, rir,
apreciar um bom vinho, abraçá-la quando dormisse, beijar seus ombros
despidos debaixo do chuveiro enquanto fizéssemos amor, ou dar um beijo de
“boa noite” em sua testa…
Eu jamais achei que pudesse ter essa emoção dentro de mim, jamais
imaginei que um dia me pegaria tão atraído assim por uma pessoa, nunca me
passou pela cabeça que sentiria algo tão arrebatador por alguém.
E então, as palavras de Sophia de meses atrás fizeram sentido neste
momento:
“Já pensou um dia dormir com uma mulher, e no outro acordar
apaixonado por ela?”
Ironicamente, ali, enquanto a observava dormir, era assim que me via:
apaixonado por Sophia.
Fiquei assustado com minha própria conclusão. Eu não podia estar
apaixonado por Sophia Hornet: minha secretária, minha esposa de
conveniência. Não podia amar outra vez!
Maldito coração, você já sabia que sairia partido, por que diabos
insistiu em se apaixonar?
“Se um dia isso acontecer, renuncio a este sentimento. Eu não nasci
para amar”.
Não podia permitir que esse sentimento tomasse conta de mim outra vez,
principalmente, se não fosse mútuo. Não sabia se Sophia sentia o mesmo, e eu
temia ouvir uma resposta. Se fosse positiva, temia não saber corresponder, ou
não ser correspondido na mesma intensidade, também tinha medo que de
alguma forma fôssemos incompatíveis, e no final, eu ficasse com o coração
partido; se fosse negativo, temia mais uma vez sofrer por um amor não
correspondido. Sendo assim, agiria como se Sophia não estremecesse minhas
bases, como se nosso sexo não passasse disso: sexo.
Levantei-me, deixei-a dormindo e fui para meu quarto. Precisava de uma
ducha fria para organizar meus pensamentos.
Eu não podia sofrer por amor de novo!

♦♦♦

— Daniel? — estava me trocando quando ouvi Heitor me chamar e bater


na porta.
— Pode entrar — disse subindo o jeans.
Ele entrou e me encarou. Eu o encarei de volta afivelando o cinto.
— O que foi? — perguntei confuso.
— É impressão minha ou vi você saindo do quarto da Sophia? —
perguntou, caminhando até a cama e se sentando, exibindo um sorriso
debochado.
Peguei minha camisa e respondi ao mesmo tempo em que fechava os
botões:
— Sim. Eu dormi lá. — suspirei e me virei para ele, que continuava
com sua expressão zombeteira.
Por um breve instante ficamos em silêncio. Esperei que Heitor dissesse
alguma coisa, mas meu irmão apenas comprimiu os lábios em um sorriso
sátiro.
Então, percebi que ele já deduziu o que houve.
— Ok. Nós transamos — disse e me virei para o espelho, ajeitando a
gola da camisa.
Um audível e eufórico “Ah, Deu Deus” escapou da boca dele; um
segundo depois Heitor já estava ao meu lado e, como de costume, fazendo suas
piadinhas de mau gosto.
— Vocês transaram? — quase gritou.
— Sim, Heitor. E você não disse alto o suficiente para que todos
escutem!
— Eu não acredito — disse todo agitado.
Esse imbecil estava se comportando como se eu tivesse perdido a
virgindade com a Jessica Alba.
— Heitor, por favor! — protestei irritado. Já estava começando a perder
a paciência com essa sua atitude descabida.
Mas de nada adiantou. Meu irmão continuou a tagarelar em minha
cabeça, rindo e zombando do fato de eu e Sophia termos consumado o
casamento. Tentei me concentrar no meu cabelo em vez de dar atenção as
idiotices que saíam da boca dele. Ainda assim, era impossível não ouvir as
bobagens que dizia, coisas como: você está se amarrando nela; a transa foi
boa pelo menos?; estou achando que vocês consumaram esse casamento há
muito tempo.
Revirei os olhos, mais impaciente a cada absurdo que ele dizia.
— Olha, Heitor, por que você não vai cuidar da sua vida? — Passei por
ele já com meus nervos à flor da pele.
Como se não bastasse eu estar arrependido de ter dormido com Sophia,
de ter ponderado estar apaixonado por ela, ainda tinha que ouvir essas
imbecilidades do meu irmão. Era muito para mim.
Deixei-o falando e rindo para as paredes e segui até a cozinha, pensando
apenas em fazer um café forte e quem sabe comer alguma coisa. E, somente
então, percebi que estava totalmente sem noção das horas. Busquei por um
relógio no meio do caminho e me assustei ao ver que já passavam das onze da
manhã.
Quando cheguei à entrada do cômodo, me deparei com Sophia. Ela
estava de costas para mim, usava um short curto, sandálias e uma camisa
branca folgada; encostada à beira da pia, de repente se virou segurando uma
jarra de suco nas mãos. Assim que me viu, sorri fracamente e caminhou até a
geladeira, guardando o que havia retirado de lá.
Engoli em seco; e outra vez não soube como me comportar em sua
presença. Forcei minha língua a dizer alguma coisa, e tudo que saiu foi apenas
um: — Bom dia. — pigarreei antes de continuar. — Feliz… Feliz Ano Novo
— desejei meio sem jeito.
— Bom dia… e Feliz Ano Novo — respondeu com um sorriso breve
pegando um sanduíche e o suco que se serviu, andou até a mesa e se sentou
para tomar seu desjejum.
Por um segundo, acreditei que ela estava evasiva ou fria comigo, e que
até tinha motivos para isso. Nós transamos duas vezes e depois deixei-a
dormindo. Tudo bem que eu só saí de seu lado há pouco, mas ela não sabia
disso, certo?
Demorei para perceber que estava parado à porta, observando-a.
— Acho que temos que conversar — disse, mesmo sem ter a mínima
ideia do que dizer a ela.
Sophia me olhou e acenou brevemente, sem falar nada. Ela estava
esperando que eu começasse? Droga! Esperava que ela começasse, já que
antes de dormirmos foi ela quem deu essa ideia de conversar.
Minha cabeça estava uma bagunça de palavras, e precisava de um
instante para organizar meus pensamentos e formar uma frase coerente. A
primeira coisa que descartei foi dizer que nossa transa foi um erro, ou que
estava arrependido. Isso só pioraria a minha situação com ela.
Até porque eu não considerava nosso sexo um erro. Ela era uma mulher
livre, eu também era livre; o que fizemos não prejudicou ninguém e nenhum de
nós dois. Então, nosso sexo não foi um erro e eu não diria como forma de me
justificar.
E por mais que eu estivesse arrependido, na melhor das intenções, se eu
dissesse isso a ela, sabia que me expressaria mal e tudo se tornaria mais
complicado e embaraçoso do que já estava.
Enquanto fazia meu caminho até a mesa para me sentar a seu lado,
procurei ensaiar algo para lhe dizer. Mas eu simplesmente não sabia por onde
começar. Seria tão mais fácil se não tivéssemos que ter essa conversa. Seria
mais fácil se simplesmente continuássemos com nossas vidas, como se nada
tivesse acontecido, sem que eu me sentisse arrependido, ou na obrigação de
ter essa maldita conversa.
Sentei-me na sua frente, Sophia continuava a me encarar, esperando que
eu dissesse qualquer coisa.
Vamos, Daniel! Abra essa boca!
— É… sobre ontem… eu queria dizer que… bem… eu… — gaguejei
sem saber exatamente o que, ou como, dizer. Minhas mãos estavam suando e
meu coração já começou a palpitar. — Você toma anticoncepcional? —
disparei de repente, e me arrependi no mesmo instante.
Eu não queria parecer insensível a essa pergunta deixava parecendo que
estava apenas preocupado em não engravidá-la. E tive a impressão de que
passei exatamente isso para Sophia.
Merda!
— Não. Até porque não tenho uma vida sexual ativa. — respondeu
indiferente e continuou comendo o sanduíche — Mas não se preocupe, vou à
farmácia e compro uma pílula.
Apenas acenei e continuei a observá-la comendo. Ela estava agindo
naturalmente, como se o fato não a incomodasse, enquanto eu estava me
corroendo por dentro. O problema era comigo, então? Inspirei fundo. Se fosse
ter essa conversa com Sophia precisava agir naturalmente também. Nada de
me sentir um adolescente perdendo a virgindade com a mãe do melhor amigo.
— Como você está com isso tudo? — inquiri, e seus olhos verdes
encontraram os meus. — Sabe, depois de ontem?
— Estou bem — respondeu baixo, e vi que suas bochechas coraram um
pouco. Imaginei que ela sentiu seu rosto queimar, por isso abaixou os olhos.
— Eu gostei — falei em um sussurro. Não sabia se era a melhor coisa a
ser dita, mas com certeza era melhor que perguntar se ela tomava
anticoncepcional.
Sophia olhou para mim, seu rosto ainda mais vermelho. Toda aquela
indiferença de segundos atrás se esvaiu, e fiquei aliviado por ela sentir alguma
coisa sobre o acontecimento. Eu não era o único incomodado com essa
situação.
— Eu também — ela sussurrou de volta, desviando, de novo, seus olhos.
— Eu não deixei você sozinha… — Eu senti necessidade de me
explicar. — Acordei cedo precisando de um banho, então…
— Está tudo bem. Não se preocupe com isso.
— Certo. — Foi tudo que consegui dizer.
E outra vez o silêncio.
Sophia terminou de comer e lavou rapidamente sua louça. Quando
acabou, se recostou a pia, olhando para mim.
— Como ficamos com o contrato? — ela me perguntou cabisbaixa.
— Do mesmo jeito.
— Mas nós consumamos o casamento… — respondeu e me olhou com
os olhos baixos.
— Eu sei, Sophia, mas as circunstâncias são outras. Não tem que pensar
nisso, tudo bem? Quando nos divorciarmos o que eu te prometi no contrato
será cumprido.
Ela anuiu com um aceno de cabeça.
— Como foi para você? — Sophia me perguntou de repente.
Pestanejei, tentando encontrar a palavra certa para lhe falar. Tinha medo
de dizer que foi como outra transa qualquer e magoá-la, porque com ela não
foi como uma outra transa qualquer; ao mesmo tempo, me senti receoso em
dizer que gostei, que queria mais, que desejava seu corpo no meu, que queria
beijá-la, abraçá-la e dormir ao seu lado, porque senti medo que isso soasse
patético, e que para ela não significasse nada.
Santo Deus, por que essa dúvida terrível?
Eu continuei em silêncio, sem nada responder, pois ainda procurava uma
reposta.
Vendo minha quietude, ela se prontificou: — Para mim foi diferente. —
Olhei-a, e Sophia parece nervosa. Sua respiração estava curta e o rosto outra
vez levemente corado.
— Diferente? — indaguei confuso. — Diferente como?
Súbito, seus olhos verdes estavam cheios de lágrimas. Assustado, me
levantei e voei na sua direção, me aproximei o quanto ela permitiu. E ela
permitiu que eu a abraçasse. Questionei a mim mesmo o que aconteceu para
Sophia estar com os olhos pranteados.
— Eu sei que não deveria me envolver… Mas eu me envolvi, Daniel. —
Sophia suspirou ainda chorando.
Engoli minha bílis. Do que ela estava falando?
— Seja mais clara, Sophia — pedi, e nosso abraço é interrompido.
Pequenas lágrimas escorriam pelo seu rosto e seus olhos verdes encaravam-
me aturdidos.
— Eu não sei… — sussurrou. — Só sei que sinto alguma coisa por você
— confessou, e se virou de costas para mim, abaixando a cabeça.
Suas palavras me atingiram de uma forma singular. Encarei suas costas
sem saber como agir. Imaginei-me virando-a para mim, colando sua boca na
minha e confessando que também sentia alguma coisa por ela, que talvez eu
estivesse apaixonado, que a amasse como nunca amei ninguém. Mesmo que
meu coração estivesse implorando por isto, por mais que meus sentimentos
explodissem dentro do peito, eu me contive, deixando que minha razão se
sobrepusesse às minhas emoções. Não devia agir levado por desejos
aflorados e incompreensíveis. Eu nem sabia se o que sentia por Sophia era
realmente amor. Quem sabe não passava apenas de caprichos do meu corpo.
— Sophia, eu… — comecei, mas quando ela se virou para mim com
seus grandes olhos brilhando eu me calei.
Sua íris esverdeada brilhava como na noite anterior na praia. Brilhava
como no chuveiro. Meu coração se acelerou. Meu corpo respondeu quando
percebi que ela me olhava com desejo, como quem me desejava.
Esforcei-me ao máximo para não avançar e beijá-la com volúpia e levá-
la para o quarto. Precisava agir racionalmente, e não por impulso.
— Eu não sei o que dizer sobre isso — disse por fim, quase
balbuciando.
Se um dia isso acontecer, renuncio a este sentimento. Eu não nasci
para amar, reforcei mentalmente.
Sophia me encarou, tive a impressão que ficou aborrecida ou
decepcionada, talvez esperasse mais de mim. Eu era um maldito idiota que
sempre estragava tudo. Por que fui lhe dizer isso? Eu tentei não me magoar e
acabei magoando-a. Imbecil!
— Você não sente o mesmo, não é? — questionou com um sussurro. —
Eu não deveria ter dito isso… — disse, e tentou passar por mim, mas a impedi
tocando seu ombro. Não queria que Sophia fosse assim, chateada comigo; não
queria que se sentisse decepcionada por eu não poder retribuir esse
sentimento.
— Espera… — Sophia ergueu o olhar, nossos olhares se encontraram
com mais intensidade. Fiquei tentado a desviar minha atenção para seus lábios
entreabertos: queria tanto tomá-los para mim, beijar-lhe com ternura e depois
com desejo; ansiava emaranhar meus dedos em seus fios e trazê-la mais para
perto. Mas para isso eu precisava abrir o jogo com ela, precisava me declarar.
Talvez eu o fizesse. Depois que sentir o gosto da sua boca na minha.
Sem pensar, puxei-a para um beijo e ela me beijou de volta segurando
em minha nuca, nossas bocas perfeitamente encaixadas num beijo sôfrego,
cheio de necessidade. Quando percebi, estava segurando sua cintura e a
impulsionando para meu colo, suas pernas me contornaram, e eu girei o corpo
para apoiá-la sobre a bancada de mármore negro da pia.
Inclinei meu corpo para ter melhor acesso sobre sua boca e seu tronco.
Uma voz feminina – e conhecida – ecoou subitamente da sala, seguida de
um bater de portas se fechando, nos interrompendo assim.
— Daniel!? — o timbre de Melissa me fez praguejá-la mentalmente. —
Heitor!? Vocês estão em casa?
Rapidamente me afastei de Sophia; ela desceu da pia, ajeitando os
cabelos e a camisa em seu corpo. Inspirei para recuperar a minha postura,
segundos antes de a ruiva surgir na cozinha e nos encarar com um semblante
espantado.
— Oi, Daniel querido. — cumprimentou, e desviou seus olhos para
Sophia. — Oi, Sophia.
— O que você quer, Melissa? — me intrometi antes que Sophia a
respondesse.
— Só avisar que vamos fazer um churrasco na praia com a galera.
Queria chamar você e o Heitor — ela disse deixando bem claro que não
convidaria minha esposa.
Elas se encararam por um segundo, Melissa desvia seus olhos para mim,
sorrindo naturalmente.
— Ok — disse apenas.
— Você vem, não é? — inquiriu meio dengosa.
Olho para Sophia que estava neutra à provocação e a conversa que se
desenrolava, parecendo não se importar com a indiferença de Melissa em
relação à sua pessoa.
— Claro… — assenti, ainda que contra a minha própria vontade, e a
ruiva sorriu largamente. — Vou me arrumar e logo estarei lá.
Para minha surpresa, Melissa andou até mim e deu um beijo no canto da
minha boca. Antes que eu pudesse me esquivar, ela já se distanciou e
atravessou a cozinha, alcançando a saída da casa.
Afaguei o rosto com as mãos e tornei a olhar para Sophia, que
permaneceu calada; seus olhos, agora, estavam mais opacos.
— Preciso ir… — foi só o que consegui dizer.
Sophia acenou brevemente e ficou cabisbaixa.
Hesitei por um segundo, mas acabei saindo dali, deixando-a para trás.
28
PROVOCAÇÕES

Sophia

Encarei Daniel enquanto ele se distanciava, me deixando sozinha aqui.


Pestanejei seguidas vezes na intenção de não deixar que as lágrimas caíssem.
Recusava-me a acreditar que ele estava fazendo isso, que estava indo e me
deixando aqui como se nada tivesse acontecido entre a gente, como se não
tivéssemos feito amor duas vezes, como se há pouco não tivéssemos nos
beijado e quase ido para cama outra vez.
E tudo para atender a um pedido daquela ruiva metida?
Inspirei fundo tentando ser forte. Já fui fraca demais me deixando levar
por esse sentimento idiota que sentia por ele. Meu Deus, nem sabia onde
estava com a cabeça quando resolvi dizer-lhe que sentia alguma coisa, que me
envolvi com ele mais do que deveria. A falsa esperança de que Daniel sentisse
o mesmo me fez tomar coragem e abrir o jogo.
Mas pelo jeito fui patética.
Patética em ponderar que nosso sexo significou alguma coisa para ele;
por ter dormido pensando em tudo que já vivemos; por me lembrar das vezes
que ele ficou alterado por conta de Miguel, ou de Erick; por ficar reprisando
na mente o que ouvi meses atrás: “… talvez ele goste de você.; por ficar me
recordando constantemente de como Daniel me salvou daquele afogamento;
por me sentir esperançosa quando ele decidiu ficar ao meu lado e ainda me
acolheu em seus braços quentes e fortes.
Ver que para ele nossa noite não significou nada, me fez sentir uma
idiota. Era o Daniel Müller, pensei, não amava, não se apaixonava e só tinha
encontros casuais. Eu era apenas mais uma em sua lista.
Subi para meu quarto querendo esquecer tudo o que aconteceu nas
últimas oito horas. Apesar do melhor sexo da minha vida, este era o pior
primeiro de janeiro que vivi. Nunca me senti assim, tão mal por conta de um
homem. Daniel vinha mexendo com meus nervos e sentimentos há muito tempo,
o que sempre me deixou confusa e insegura. Mas depois de ontem, eu tive
certeza que cultivava um sentimento intenso por ele.
O que me machucava era não ser mútuo.
Chegando em meu quarto, eu me deitei e abracei o travesseiro pensando
em como seria difícil e doloroso manter esse casamento de fachada. Ele agora
sabia que estava apaixonada, como me sentia. E eu já nem sabia como o
encararia. Deveria ter mantido isso para mim, guardado esse sentimento dentro
do meu peito em vez de ter me exposto ao ridículo daquela maneira.
Pensei que o pior de tudo nessa situação toda era que aquela
inconveniente da Melissa deixou bem claro que não estava me convidando
para esse tal churrasco, e o que foi que o Daniel fez? Ele foi até lá! Ele
poderia tê-la contrariado, dito que se fosse, eu deveria ir junto. Mas não. Ele
simplesmente me deixou para trás.
Eram dois idiotas que se mereciam. E muito.
Mas se ele achava que eu ia ficar aqui me lamentando, enquanto ele se
divertia com sua ruivinha, estava enganado.
Decidida, levantei-me e troquei de roupa. Aprontei-me e peguei alguns
itens que precisava fui para a praia. A última coisa que faria era ficar
lamentando por causa de Daniel.
— Aonde vai toda bonitinha assim? — Estava atravessando a sala
quando ouvi Heitor, que surgiu da cozinha.
— Sair um pouco. É ano-novo e o dia está lindo — respondi parando
minha caminhada. — Por que quer saber? Vai relatar ao Daniel? — questionei,
e minha voz saiu mais ríspida do que eu previa.
— Eu não fico espionando para ele — rebateu de bom humor e sorriu.
Ele se aproximou com as mãos no bolso. O cabelo escuro estava de lado
e bagunçado, os olhos azuis e intensos chamavam a atenção e davam destaque
ao seu rosto liso e quadrado.
— Não vai ao churrasco da Melissa? — perguntei com um pouco de
desdém.
Heitor se serviu do uísque que estava na prateleira ali perto, balançou o
copo em movimentos circulares, e após um gole rápido me deu uma resposta:
— Eu não. Aquela mulher é insuportável. Dá em cima de tudo o que
anda — ele disse, e eu ri.
— Ela já te assediou também?
— Não. Graças a Deus. Ela sabe que se fizer isso, além de tomar um
fora daqueles, perde o Daniel.
Suspirei e desviei os olhos para um canto qualquer. O Daniel não era
dela para que ela “o perdesse”. Mas não seria nada ruim se aquela ruiva sem
graça fizesse alguma besteira a ponto de Daniel não querer mais olhar naquela
cara nojenta e esnobe que ela tinha.
— E por que você não foi? — Heitor questionou.
— Não fui convidada. — disse simplesmente, de forma natural.
Ele me olhou com uma das sobrancelhas levemente arqueada. O copo de
uísque que levava aos lábios parado no meio do caminho. Vagarosamente, ele
abaixou o copo, ainda me encarando de semblante enrugado.
— Não foi convidada? — indagou cético
— Não.
— Mas, o Daniel…
— Ele foi sozinho. — Suspirei, e envolvi meu corpo com meus próprios
braços.
— Que tipo de imbecil meu irmão é?
Gargalhei um pouco antes de me despedir dele e continuar com meu
objetivo de sair dali e ir para a praia, enquanto Heitor falava um “se cuida” e
“feliz ano-novo” nas minhas costas.
Quando cheguei do lado de fora, vi a imensidão azul do mar, o céu anil e
límpido, o sol quente reinando acima de mim. Por um momento, fiquei apenas
observando a paisagem e o contraste entre o verde-água do mar com o do
firmamento e a areia da praia. Uma paisagem ainda mais deslumbrante
durante o dia.
Corri meus olhos por toda a extensão e parei no exato local onde
tivemos nossa primeira vez. Meu coração se apertou levemente; e decidi que
não era uma boa ideia ficar aqui. Por isso, peguei um dos carros e saí
dirigindo pela cidade.
Dirigi por pelo menos dez quilômetros, até encontrar uma praia
relativamente vazia. Não tinha muita gente e o lugar era tão agradável quanto a
praia privativa da casa de Daniel.
Estendi a toalha sobre a areia, passei meu protetor solar e me deitei,
deixando os raios bronzearem minha pele. Conectei os fones em meu Ipod e
selecionei algumas músicas, que de preferência não me fizessem lembrar dele.
E Don't Cry estava incluída nesta lista, e se antes ela era a primeira que eu
escolheria, nem cogitei essa possibilidade. Esperava que Daniel não tivesse
estragado a minha música preferida pelo resto da eternidade.
As músicas foram tocando enquanto eu observava as poucas pessoas
presentes: um casal enamorado, crianças brincando com um frisbee e com um
cachorro, este que latia e corria atrás do objeto; outras crianças fazendo
castelinhos na areia, alguns surfistas dançando nas ondas, um grupo jogando
vôlei.
— Isso é alguma brincadeira do destino? — Uma voz masculina soou e
eu encontrei os olhos negros e brilhantes de Erick. Sorri largamente e dei um
pulo para abraçá-lo.
— Oh, meu Deus, Erick! — exclamei animada, atada a ele.
Ele riu e retribui o abraço, me apertando e me tirando um pouco do
chão. O vento bateu e levou meu chapéu, mas não me importei com isso.
— É bom te rever, loura. Feliz Ano-Novo. — E recebi um beijo
bochecha.
— Feliz Ano-Novo — desejei ainda abraçada a ele. — O que está
fazendo aqui? — questionei, interrompi o abraço e Erick me segurou nas
mãos. Abri um sorriso observando-o de cima a baixo. Erick estava de
bermuda, descalço e camisa regata bem folgada, deixando parte de seu tórax
visível; os cabelos estavam presos em um coque desajeitado e levemente
úmidos.
— Eu te disse que meus pais são do Rio de Janeiro, lembra? Eles
costumam vir para Angra. Vim de São Paulo para passar as festas de fim de
ano com eles — ele se explicou. — Está sozinha?
— Sim… Quero dizer — corrigi-me —, mais ou menos. Daniel está em
um churrasco em algum lugar — disse e sorri fracamente. — E você?
— Estou com meus pais. Quer conhecê-los?
— Adoraria.
Então, ele me segurou pelas mãos, sem nem mesmo me deixar pegar
minha bolsa e as coisas que trouxe. Protestei e ele gargalhou, alegando que os
pais estavam em um quiosque a poucos metros dali e que eu não precisava me
preocupar.
— Não seja precipitado — resmunguei, me soltei rapidamente e voltei
para pegar minha bolsa. Ele esperou pacientemente, e quando voltei, segurou
minha mão, me puxando em direção ao quiosque.
No breve percurso que fizemos, ele me contou algumas novidades,
algumas muito boas, como a de participar de uma competição de cosplay, o
que daria maior visibilidade para o seu trabalho.
Chegamos ao local onde estava sua família e fui muito bem recebida,
com beijos e abraços, desejos de felicidade e ano próspero. A mãe de Erick,
uma senhora com um pouco mais de um metro e meio, rechonchuda, é uma
mulher totalmente simpática. Na casa do cinquenta e tantos anos, usava um
maiô preto, sandálias e os cabelos grisalhos e encaracolados presos, e ela se
chamava Yara. Assim que fomos apresentadas, Yara me arrastou até uma mesa,
me serviu camarão e ofereceu cerveja. Erick gargalhou e pediu para a mãe ter
calma, pois ainda precisava ser apresentada aos outros.
O pai dele era um homem muito bonito. Alto, na faixa de 1,80, cabelos
bem aparados e escuros, olhos castanhos claros e porte atlético, e acreditava
que ele fosse um ex-atleta, ou algo do gênero. Chamava-se Nelson e era tão
simpático quanto a esposa. Disse que era para eu me sentir como se fosse da
família.
Erick me apresentou à irmã, Heloísa, que devia ter uns dezessete anos, a
qual me lembrou muito a minha, Isabela, pois começou a tagarelar e perguntar
se somos namorados.
— Não, Helô. É só uma amiga. Sophia é casada — ele explicou.
Feitas as apresentações, juntei-me a eles na mesa posta com um almoço
leve. Quase… pois havia cerveja e caipirinha. A presença de toda a família
Gouveia era muito agradável. Dona Yara era extrovertida e alegre e fazia
piada de tudo e ria de qualquer coisa; Nelson era um pouco mais reservado,
ainda assim mantinha-se ativo na conversa.
Eles me contaram histórias da família, de como se conheceram, das
peraltices que Erick aprontou na infância e de como o apoiavam no trabalho
que ele escolheu.
Era uma família muito bonita e unida.
A conversa com Erick e com sua família me fez esquecer Daniel por
toda a tarde, o que me aliviou muito. Erick contou como nos conhecemos e
logo eu lhes falei um pouco sobre minha vida e família.
Mesmo receando entrar no mar, por conta da minha recente experiência,
Erick conseguiu me convencer, e me arrastou até lá, depois que descansamos
do almoço. Ele se manteve por perto o tempo todo e isso me deu uma sensação
de segurança, assim, consegui aproveitar os mergulhos.
A tarde foi avançando e todos nós jogamos vôlei de praia entre um
aperitivo e outro e goles de cerveja, ou cachaça. Erick não ingeria nada
alcoólico, tomava apenas água de coco e refrigerante, além de muita água
mineral para se manter hidratado.
A companhia desta família era tão agradável que mal percebi que já
tinha anoitecido. Nelson estava trazendo alguns pedaços de lenha para acender
uma fogueira e assar alguns peixes, mas me senti totalmente cansada.
— Já está tarde, acho que vou para casa.
— É cedo, meu anjo. Fique mais — Yara pediu.
— Eu agradeço muito, mas… — olhei para Erick — meu esposo já deve
estar me esperando.
Anuindo, Yara me abraçou forte e me fez inúmeros convites para voltar
ao Rio e ir até sua casa para tomarmos um café da tarde juntas. Agradeci
sorrindo largamente e confirmei que tiraria um tempo para isto.
— Eu levo você. — Erick se prontificou.
— Não há necessidade. Estou a quinze quilômetros daqui, Erick.
— Como se tivesse opção. Eu volto de ônibus depois. — Ele pegou
minha bolsa e as chaves do carro.
Ri e me despedi dos demais.
Outra vez ele segurou a minha mão e caminhamos até meu carro,
estacionado não muito longe dali.
— Eu sempre incomodando você, não é? — agora estava enroscada nos
braços dele, como se fôssemos um casal.
Erick me empurrou amigavelmente com os ombros.
— Você não incomoda. E você ingeriu álcool.
— Mas não estou bêbada — ressaltei.
— Eu sei. Mas bebeu o suficiente para estar acima do permitido. E se
uma blitz com bafômetro te parasse, hein? Já era, bonitinha.
Revirei os olhos de bom humor. E ele tinha razão.
Por mais que a tarde de hoje tivesse sido agradável demais na presença
de Erick e de sua família, enquanto ele dirigia me levando de volta casa, não
consegui evitar de pensar se Daniel também se divertiu. E pior: se ele se
divertiu com Melissa.
Balancei a cabeça na intenção de afastar meus pensamentos. Daniel não
merecia minha preocupação, ou minha atenção.
— Onde é? — A voz de Erick me tirou dos meus devaneios.
Percebi que ele já saiu da avenida principal. Dei as instruções de como
chegar e seguimos para lá. Fizemos o percurso quase em silêncio, exceto as
vezes que ele me questionou sobre o que eu tinha achado da família dele.
— São pessoas incríveis — disse sinceramente. — Eu adorei conhecê-
los.
Erick sorriu largamente, desviando rapidamente sua atenção da estrada.
— Tenho certeza que eles também te adoraram. Mas, e o Daniel? —
inquiriu de súbito.
Abaixei os olhos, evitando o contato visual. Consegui ouvir um suspiro
pesado vindo dele.
— Ele continua fazendo bobagem? — indagou.
— Não quero falar dele, tudo bem?
Erick assentiu com um aceno de cabeça e continuou dirigindo.
Mais uma vez, durante o percurso, tentei não pensar em Daniel, em
como, ou onde ele estava. Meu dia foi perfeito demais para ser estragado me
afligindo por sua causa. A paisagem noturna foi passando rapidamente; o
trânsito estava tranquilo. Mais alguns minutos até que eu divisei, ao longe, a
casa dos Müller com algumas luzes internas e externas acesas.
— É aquela — apontei com o indicador.
À medida que nos aproximamos, pude ouvir o som de várias vozes
conversando e música soando alta.
Erick girou o volante e logo estacionou.
— Precisa que eu te acompanhe até lá dentro?
— Não é necessário, Erick — respondi soltando o cinto de segurança.
— Tem certeza? Sabe, por conta do Daniel?
— Está tudo bem, não se preocupe, ele nem deve estar em casa.
— Parece que está. Tem música.
— Deve ser o Heitor, irmão do Daniel. É bem típico dele essas festas
— rebati e lhe dei um meio sorriso.
Erick acenou e me deu um beijo no rosto. Enquanto juntava minhas
coisas no banco de trás, ele saiu e contornou o carro, abrindo a porta para
mim; agradeci e pulei para fora.
— Ficará na cidade até quando? — ele me perguntou.
— Ainda não sei. Depende do quanto Daniel ainda irá querer ficar aqui.
— Entendo. Mantenha contato enquanto estiver na cidade. Estou até o
fim de semana.
Concordei e lhe dei um abraço, agradecendo, mais uma vez, por sua
amizade, companhia e por ter me proporcionado uma tarde maravilhosa.
Enquanto ele retribuía, reparei que um carro se aproximava com os faróis
altos. Demorei para perceber que era um dos veículos de Daniel, só dando por
mim quando o automóvel estacionou à margem da estrada.
Dele, desce Daniel do banco do motorista; e do passageiro, a ruiva sem
graça, Melissa. Ela estava de saia curtíssima e descalça, cabelos presos e a
única coisa que sustentava seus seios fartos era o bojo de um sutiã vermelho.
Daniel estava sem camisa e de bermuda, com um tênis branco nos pés;
os cabelos pareciam úmidos e ele nos encarou com uma expressão de surpresa
enquanto segurava três fardos de cerveja nas mãos, que puxou do banco
traseiro segundos antes.
— Parece que sua esposinha foi à caça — provocou Melissa olhando
para Erick dos pés à cabeça. — E fisgou um dos bons.
— Sophia? Hã… Onde esteve o dia todo? Tentei te ligar, mas deixou o
celular em casa.
Tentou me ligar? Idiota!
— Estava com o Erick — disse e me agarrei aos braços dele.
Daniel correu seus olhos até Erick Gouveia.
— Oi, Daniel — ele o cumprimentou. — Estou trazendo a Sophia de
volta para casa. Parece que sempre que ela some da sua vista está comigo.
Mas não se preocupe. Sophia está sã e salva.
Daniel estava com o semblante enrugado enquanto encarava meu amigo.
Olhei para Melissa que tinha um sorriso cínico nos lábios. Ainda arrancaria
esse rasgo que ela chama de boca do rosto dela.
— Posso saber como se encontraram? — Daniel perguntou.
— Nos encontramos por acaso — Erick respondeu por mim. —
Passamos o dia com a minha família e agora estou entregando-a.
— Ótimo… — Daniel disse. — Agradeço a preocupação, mas daqui
para frente eu cuido da minha esposa.
Agora eu era esposa dele? Ordinário!
Erick olhou para mim levantando suas sobrancelhas rapidamente. Antes
que ele abrisse a boca para se despedir, eu o interrompi: — Fique mais um
pouco, Erick. — Olhei para Daniel, para as cervejas em suas mãos e depois
para Melissa, para só então voltar-me a ele. — Pelo jeito a festa ainda não
acabou.
Sem esperar por uma resposta dele, segurei sua mão e o arrastei para
dentro.

♦♦♦

— Sophia, não acho que seja uma boa ideia — Erick me disse, enquanto
o arrastava para dentro de casa, atravessando o quintal iluminado, mas eu não
lhe dei atenção.
Quando chegamos à área de lazer, a música alta incomodou meus
ouvidos e eu mal podia ouvir o Erick. Heitor estava xavecando uma garota que
ele arrumou por aí, beijando a curva de seu pescoço, e ao notar minha
presença, me olhou com uma expressão espantada e, depois de dizer algo a sua
acompanhante, deixou sua lata de cerveja sobre a mesa e caminhou até mim.
Rapidamente observei o lugar. Alguns amigos do Daniel que vieram
conosco e que trabalhavam na empresa estavam sentados nas cadeiras de praia
na beira da piscina, trajando calções ou sungas, conversando e rindo entre si,
comendo aperitivos, ou beliscando pedaços de carne que saíam da
churrasqueira – que conta com um profissional, acredito que foi contratado,
pois ele não fazia parte da galera. Havia, também, mais umas oito pessoas que
eu não fazia a mínima ideia de quem eram, mas em sua maioria (cinco ou seis)
eram mulheres vestindo biquínis, saias ou shorts jeans muito curtos.
— Oi, Sophia — Heitor me cumprimentou de soslaio e encarou Erick,
logo voltou a olhar para mim, como se exigisse uma explicação para a
presença de um desconhecido.
— Heitor, esse é meu amigo Erick Gouveia. Erick, esse é irmão do
Daniel, Heitor. — Fiz as apresentações, e educadamente Erick esticou a mão
para apertar a de Heitor enquanto disse “prazer”.
Meu “cunhado” o ignorou, e pedindo um minuto, pegou-me pelo braço e
me afastou dois metros, cochichando: — Que porra é essa, Sophia?
Soltei-me de suas mãos e dei um passo atrás.
— É um amigo. Nós nos conhecemos no Cruzeiro que fiz com seu irmão.
Por acaso nos reencontramos aqui, em Angra. — expliquei e adicionei: — Se
você e Daniel podem trazer visitinhas e ter convidados, por que eu não? —
rebati e passei por ele, voltando até Erick.
Meu amigo continuava sem jeito, e sem me importar com mais nada,
segurei-o pelo braço outra vez e o apresentei aos presentes que conhecia.
Enquanto ele cumprimentava as pessoas, vi Daniel surgir com cara de poucos
amigos, carregando os fardos de cerveja, Melissa logo atrás, trazendo dois
sacos de carvão. Ele deixou os fardos sobre o freezer, desviou os olhos de
mim para a ruiva e disse alguma coisa para ela que não entendi, por causa da
música alta que ecoa e também por conta da distância em que nos
encontrávamos. Ela fechou a cara e acena, pegando as cervejas e pondo para
resfriar. Daniel, então, veio ao meu encontro.
— Sophia, tem certeza que isso é uma boa ideia? — Erick murmurou ao
pé do meu ouvido e me fez sobressaltar.
— Tenho. — eu me virei e olhei dentro de seus olhos negros e sorri
amplamente. — Vamos nos divertir — decretei e o segurei pelas mãos, nos
levando até a churrasqueira.
Olhei para trás. Daniel, que caminhava até mim, parou no meio do
caminho e exibiu uma careta ainda maior. Sorri satisfeita e segura de mim
mesma. Não permitiria que ele me magoasse mais, que suas atitudes idiotas me
deixassem de baixo astral. Era tempo de erguer a cabeça e mostrar a ele que,
apesar do que sentia, isso seria a última coisa que me abalaria.
Por isso decidi aproveitar a festa com Erick. Eu nos servi com carne da
churrasqueira e com arroz, vinagrete e salada, que jaziam distribuídos em uma
mesa ali perto. Sentamo-nos em uma das mesas à beira da piscina, indiferentes
às coisas ao nosso redor, e começamos a conversar, Erick, ainda nos
primeiros minutos, receoso por sua presença. Mas o tranquilizei conforme o
tempo passou, e minutos depois ele já estava mais solto. Contei para ele sobre
a minha vida nos últimos meses, menos a noite de ontem e a estupidez do
Daniel de ter me deixado sozinha para sair com Melissa. Permanecemos um
longe do outro, e realmente não sabia se alguém notava nosso distanciamento,
já que, para os de fora, éramos casados.
De vez em quando, ainda que contra minha razão, eu o procurava.
Melissa estava o tempo todo ao seu lado, e, discretamente, longe dos olhares
dos outros, ela o tocava nas mãos, ou o acarinhava nas costas, ou tocava-lhe
nas coxas. Numa dessas vezes, Daniel estava num canto, trocando o CD,
quando Melissa se aproximou furtivamente e o acariciou nas costas,
abraçando-o por trás em seguida. A ruiva lhe falou alguma coisa no ouvido e
olhou sugestivamente para dentro de casa. Daniel prontamente se esquivou,
então nossos olhares se encontraram e ele percebeu que eu presenciara a
ceninha dos dois. Deixou Melissa para trás e se afastou, mas não sei se porque
realmente se incomodou com a aproximação atrevida dela, ou porque eu havia
reparado em suas investidas.
Dali a pouco, estávamos todos reunidos em uma roda, conversando e
rindo, bebendo mais álcool e revezando entre cerveja, caipirinha, uísque,
vodca. Erick já estava bem mais enturmado, e em um dos momentos nos contou
um pouco sobre seu trabalho como sósia do Johnny Depp. Até mesmo Heitor
já havia simpatizado com meu amigo. O único que continuava a não gostar da
presença dele era Daniel. Mas eu pouco me importei com este fato. Também
não gostava daquela ruiva esnobe, e nem por isso estava de cara feia.
— Erick, por que não faz uma performance dele como capitão Jack
Sparrow? — instiguei, e todos concordam eufóricos, menos Daniel, como
sempre.
— Estou sem meus aparatos — disse encontrando uma desculpa.
— Não tem problema. Nós vamos mentalizar aqui. Vai, Erick, faz! —
implorei, e ele cedeu com uma risada.
Erick se levantou e ficou no meio da roda e começou sua apresentação.
A cada dia que passava, meu amigo estava cada vez melhor. Seus movimentos
corporais, as atrapalhadas que todos rirem, as caras e bocas, o timbre de voz
que lembravam muito a do personagem e até algumas falas retiradas de algum
filme da franquia.
Os presentes riram, aplaudiram e uns mais alterados pelas bebidas
exageradas até tentaram atuar com Erick, o que nos rendeu ainda mais
gargalhadas. A noite continua avançando, e quando demos por nós já passava
de uma da manhã. Um resto de carne queimava sobre a churrasqueira, a
música já não estava tão alta e o CD já tinha repetido inúmeras vezes. As
pessoas foram se retirando aos poucos, um ou outro cambaleando de bêbado,
as garotas carregando seus sapatos nas mãos e uma ou duas escoradas pelos
demais. Os nossos colegas de trabalho voltaram para a dependência da casa,
alegando exaustão, e Heitor se ofereceu para levar sua conquista para casa.
Então, restamos apenas Erick, Melissa, Daniel e eu. A mais embriagada
era a ruiva esnobe, que, a todo custo, tentava roubar um beijo de Daniel, já
que agora não havia mais ninguém de quem esconder suas provocações. Ele,
por sua vez, retraía o corpo sempre que a ruiva se aproximava beijando o
canto de sua boca, empurrando-a com delicadeza para longe de seus lábios.
A vontade que eu tinha era de arrancá-la de cima dele, defender o que
era meu. Mas aí me lembrava que ele não era meu. Daniel era de todo mundo.
E eu não teria porque defender alguém que não se importava com meus
sentimentos, que não podia retribuir o que sentia por ele.
Reprimi minha vontade e voltei a beber o resto da cerveja que estava na
minha mão.
— Dan, por que não vamos lá no seu quarto? — Melissa disse com a
voz mole e se sentou no colo dele.
A cólera me invadiu.
Desviei o olhar dos dois e olhei para as minhas mãos. Erick as segurava
e nossos olhares se cruzaram. Ele estava com um pequeno sorriso nos lábios
como quem quisesse transmitir paz e tranquilidade para mim. Reforcei
mentalmente que não iria me deixar abalar por conta do Daniel.
— Você está bem? — ele sussurrou, e eu apenas acenei em positivo.
Tornei a olhar em direção ao casalzinho do ano.
Melissa estava afagando os ombros largos e despidos de Daniel.
— Não, Melissa — Daniel negava e olha para mim.
Sua expressão fechada era quase indecifrável. Não sabia se ele estava
com raiva por causa de Erick sentado comigo segurando minha mão, ou por
causa dessa ruiva sem graça insistindo em seduzi-lo ou se, de alguma forma,
estava arrependido de ter me deixado para trás para ficar com outra pessoa
depois de eu ter sido sincera e ter me aberto, ter falado dos meus sentimentos.
Mas, neste momento, nada mais me importava. Ele permitiu que essa
Melissa Telles se aproximasse, a sua presença inconveniente, as suas
provocações direcionadas a mim. Ele era tão podre quanto ela!
— Mas, Dan, posso fazer aquilo que você gosta — Melissa continuava
insistindo, e agora descia o indicador pelo peito dele, embriagada e sensual.
Inclinou-se, então, e mordiscou o lóbulo de sua orelha. — Sabe que só eu sei
te dar o melhor orgasmo, não sabe? — ela sequer teve a vergonha de lhe dizer
isso em privado.
Erick puxou meu queixo me fazendo olhar para ele. Pelo jeito como me
encarava, meu amigo já devia ter percebido que essa ceninha quase
pornográfica estava mexendo comigo e me deixando abalada.
— Vamos sair daqui? — ele me convidou, mas neguei.
Seria forte diante do Daniel. Queria ver até onde isso ia chegar.
Precisava saber até que ponto ele era capaz de ir para atender e ceder aos
caprichos e pedidos da ruiva.
— Melissa, não estou a fim… — suspirou, e outra vez se esquivou das
provocações sexuais dela.
— Vamos ver se não está a fim… — ela resmungou, agarrou os cabelos
dele o trazendo para um beijo que, a princípio, não foi retribuído.
Daniel tentou afastá-la, impedir o beijo, mas um segundo depois, estava
retribuindo. O que acabou comigo. O que destruiu e partiu meu coração em
incontáveis pedaços. Engoli em seco e olhei para Erick. No mesmo instante
me recordei do beijo que trocamos no Cruzeiro em frente ao quarto em que
estava ficando.
Não pude deixar de sorrir com esta lembrança. Foi uma atitude
impensada e de momento.
— Acho que agora é bom sairmos daqui — ouvi a voz dele que me tirou
das minhas divagações.
Como meses atrás, dominada pela insensatez, olhei uma última vez para
Daniel que continuava com a boca na de Melissa, e com uma atitude infantil,
olhei para Erick e o beijei de repente, querendo, dessa maneira, provocar
alguma reação em Daniel. Quem sabe ciúmes.
Erick arregalou seus olhos e me afastou, confuso e ao mesmo tempo
assustado. Tinha ciência que ele conhecia as minhas intenções com esse beijo
e no mesmo instante me arrependi. Eu não deveria ter feito isso. Podia magoá-
lo com essa atitude de querer fazer ciúmes no Daniel e nem me dei conta
disso.
— Desculpe, eu…
—Shh…! — ele me calou tocando seu indicador em meus lábios. Estava
prestes a lhe dizer algo quando sou arrastada até sua boca em um beijo
intenso.
Antes de me envolver completamente com o beijo de Erick, olhei
rapidamente para Daniel. Ele já não beijava mais Melissa, mas ela continuava
em seu colo, deitada em seu ombro. Sua face contorcida me mostrou que ele
estava incomodado. Por isso fechei os olhos, agarrei a nuca de Erick e o beijei
ainda mais, ignorando a presença de Daniel.
De súbito, Erick parou o beijo e tinha um sorriso divertido nos lábios.
Antes de qualquer reação minha, ele se levantou e segurou meu punho dizendo:
— Vamos para o seu quarto.
Eu sequer tive tempo de protestar e meu interior gritou. Eu não queria
que chegasse a esse ponto. Procurei Daniel outra vez. Seus olhos azuis-
esverdeados estavam arregalados. Melissa, em seu colo, olhava para trás, em
nossa direção, com uma expressão assustada e surpresa.
Ainda desnorteada com a ação repentina de Erick, sou levada a me
levantar, já que ele me puxava pelo punho. Resolvi segui-lo para não
contrariá-lo na frente de Daniel, e ao mesmo tempo mostrar a ele que também
podia ter encontros com outra pessoa, mesmo que eu soubesse que nada
aconteceria, o que faria questão de deixar claro assim que chegássemos ao
meu quarto.
— Erick, olha… — disse quando ele fechou a porta do meu quarto.
— Você precisava ver a sua cara — falou rindo. — Eu me segurei muito
para não rir na frente daquele idiota.
Vacilei sem entender sobre o que ele estava falando.
— Como é? — gaguejei.
Ele veio até mim e segurou minha mão, me fazendo sentar na cama ao
lado dele.
— Eu entendi que queria fazer, ou tentar fazer, provocar ciúme naquele
imbecil, mas você não estava sendo muito convincente, então, eu só entrei no
seu joguinho — ele me explicou, e voltou a rir.
Sinto o rosto enrubescer. A verdade é que Erick foi tão convincente que
conseguiu enganar até a mim. Não me contive com sua risada e me juntei a ele.
— Você ficou assustada. Foi… muito hilário — falou ainda gargalhando.
— Queria enganar ao Daniel ou a mim? — inquiri rindo junto com
Erick.
Ele tem sido uma boa pessoa. Achei que ele estava tranquilo demais em
relação a isso tudo. Talvez outra pessoa em seu lugar se sentisse ofendido com
um beijo que seria para enciumar outro homem. Mas a realidade era que Erick
estava levando de forma natural. Por um instante, perguntei-me se ele não
estava se aproveitando da situação, ao mesmo tempo que neguei essa
possibilidade. Conhecia o Erick o suficiente para saber que ele era um cara
legal, certo?
— Eu não queria te usar daquela maneira — parei de rir e disse séria.
Por mais que ele tivesse demonstrado que não tinha se incomodado, ainda
assim preferia deixar tudo em pratos limpos. — Nem sei por que fiz aquela
loucura.
Erick me olhou com um sorriso divertido nos lábios. Novamente segurou
a minha mão, me olhando dentro dos olhos.
— Não tem porque se preocupar com isso. Na verdade, eu até gostei.
Minha cara queimou ainda mais. Precisava parar com isso. Mesmo que
eu estivesse um pouco envergonhada, se fosse sincera, também apreciei o
beijo dele.
— Você gosta dele, não é? — ele me questionou subitamente.
Pigarreei limpando a garganta e desviei o olhar, me ajeitando na cama.
Erick continuava olhando para mim e segurava a minha mão, esperando por
uma resposta que, provavelmente, ele já sabia que era sim.
Vagarosamente, balancei a cabeça em afirmativo, já sentindo minhas
lágrimas nos olhos.
— Mas não é mútuo — completei com a voz meio engasgada.
— Como sabe?
— Eu disse a ele. Disse que sentia alguma coisa, e sabe o que Daniel
fez? Me deixou sozinha para sair com aquela ruiva exibida. — Tentei evitar
minhas lágrimas, mas uma teimosa escapou dos meus olhos.
No mesmo instante senti o polegar de Erick enxugando-a antes de ela
chegar ao final do meu rosto.
— Não deixarei que você fique tristinha por conta desse idiota que não
reconhece a mulher maravilhosa que tem dentro de casa — sussurrou ele; e de
repente começou a me fazer cócegas.
Senti seus dedos nas minhas costelas e me rendi a uma convulsão de
risadas. Deitei-me na cama e ele caiu por cima, ainda me fazendo rir.
Abruptamente a porta se abriu e avistei um Daniel soltando fogo pelas
ventas entrar a passos decididos. Melissa veio logo atrás e tentou segurá-lo,
mas com um movimento brusco ele se soltou da ruiva.
Não houve tempo para a reação de Erick. Em segundos, Daniel já o
segurava pela camisa e o puxava de cima de mim, jogando-o longe e
esbravejando como um lunático:
— Saia de cima da minha mulher!
29
CIÚME DESCONTROLADO

Daniel sentiu seus olhos queimarem de raiva. Ele sequer podia imaginar
Sophia sendo tocada por outro homem. Sabia que tinha que se segurar muito
para não fazer bobagem quando a viu beijando Erick. Um alívio momentâneo o
fez suspirar assim que Erick se afastou, mas segundos depois a tomou em outro
beijo muito mais provocante.
Cego, ele nem se deu conta de Melissa em seu colo, bêbada e pousando
a cabeça sobre seu ombro despido. Tudo o que enxergava era apenas o casal à
sua frente, e remoía dentro de si a vontade de se levantar, agarrar Sophia pelo
braço e arrastá-la para longe de Erick.
Por um instante, só não o fez porque sabia, mais do que ninguém, que ela
era uma mulher livre, mesmo sendo casados, mesmo que para os de fora eles
fossem marido e mulher. E também porque Daniel não queria se exaltar, não
queria demonstrar que seu peito queimava de ciúmes, pois se fizesse isso era
preciso assumir seus sentimentos, mas o medo de se magoar de novo o
dominava. Milagrosamente, se segurou e cumpriu parte de sua promessa de
não agir com violência.
Mas deixou seu juramento de lado quando Erick levou Sophia até o
quarto dela. Por cinco minutos, mesmo com a ruiva tentando animá-lo e
seduzi-lo, nada mais lhe saía da cabeça a não ser imaginar os dois juntos. Fez
um esforço tremendo para impedir suas pernas de se levantarem e o levarem
em direção a eles. Esforço inútil. Quando deu por si, já empurrava Melissa
para longe e caminhava a passos decididos até o quarto de Sophia. Imaginou
que era preciso manter a calma caso seus olhos vissem coisas que não
desejavam. Mas sua cólera e ciúmes se sobrepunham à sua razão ou senso de
tranquilidade.
Ao abrir a porta e ver Erick sobre Sophia, cego e irracional demais, não
percebeu que não acontecia nada entre os dois. Não viu que Sophia ria de
forma contagiante e que Erick apenas fazia cócegas nela. Tudo que se passava
na frente de seus olhos eram dois corpos nus se amando.
Enfurecido e dominado pelo ciúme, agarrou Erick pelo colarinho e o
puxou com brutalidade, tirando-o de cima de Sophia com berros que
arranharam sua garganta:
— Saia de cima da minha mulher!
Erick caiu desajeitadamente no chão, batendo as costas fortemente.
Assustada, Sophia deu um salto da cama querendo impedir que Daniel
continuasse avançando sobre seu amigo, pedindo para que ele parasse. Mas
Daniel nada via, ou ouvia, era controlado pela raiva. Desvencilhou-se da
loura e empurrou Melissa, que se pôs em seu caminho. Segurou Erick outra
vez pelo colarinho e o levantou. Antes de qualquer protesto deste, Daniel
desferiu um soco em seu olho direito, levando-o novamente ao chão.
— Daniel, pare, por favor! — Sophia gritou, sua voz já embargada pela
cena que desenrolava, tentando segurar seu braço para que ele não continuasse
com as agressões ao amigo.
Mas sua atitude foi em vão. No segundo seguinte, Daniel já estava em
cima de Erick, distribuindo mais dois murros. O terceiro foi impedido pelo
próprio Erick, já sangrando pelo nariz e pela órbita do olho esquerdo.
Obstruiu o golpe que acertaria sua face e, sem demora, devolveu as agressões,
acertando Müller três vezes no nariz. Com uma dor descomunal, Daniel perdeu
os sentidos por um segundo, tempo suficiente para que seu adversário
revidasse e invertesse a situação.
Agora, era Daniel quem estava por baixo, recebendo socos que
desfigurariam seu rosto bonito. Melissa, ainda bêbada e cambaleando, montou
sobre as costas de Erick, intentando tirá-lo de cima de seu amante. Sophia
também o puxava pelo braço, as lágrimas rolando, e suplicou:
— Erick, não, por favor, não o machuque! Não o machuque!
Porém, nada do que as duas mulheres presentes fizessem, ou dissessem,
parecia ser capaz de parar qualquer um dos homens que se digladiavam.
Erick segurou Daniel pelo pescoço e o forçou a se levantar. Müller
sentiu-se estrangulado pelo aperto das mãos de Erick, e em seguida, suas
costas nuas colidiram contra a parede. A dor no nariz deu lugar às costas,
sentindo que vomitaria os pulmões caso recebesse outra colisão como aquela.
Erick estava pronto para desferir um golpe na sua boca do estômago, mas
Daniel agiu rápido e o golpeou nas costelas. Erick retraiu o corpo, sentindo a
pressão da investida. Müller aproveitou o momento, segurou-o pela nuca e o
atingiu com uma joelhada no queixo. Seu oponente caiu zonzo, sentindo a
língua cortada e a boca encher de sangue.
Melissa e Sophia continuavam gritando e ainda tentando impedir que os
homens se matassem.
Daniel cerrou os punhos na intenção de encontrar a face de Erick, mas,
mesmo atordoado pelo golpe, seu inimigo agiu mais rápido e se desviou
girando o corpo de lado. A mão fechada de Daniel acertou o assoalho do
cômodo. O golpe o desequilibrou e ele caiu, batendo o tórax contra o chão. No
mesmo instante, sentiu um chute massacrar sua costela direita.
— Erick, para. Por favor. Para! — Sophia quis outra vez impedi-lo, mas
seu colega chegara ao limite e perdera a cabeça. Investiu um segundo chute
nos ossos de Daniel, e nada o parava, nem mesmo as unhadas que a ruiva deu
em seu braço.
— Ela é sua mulher, Daniel? — gritou virando-o.
Daniel Müller tinha a cara inchada e sangrando, os olhos e bochechas
arroxeados pelos golpes. Respirava com dificuldade e parecia estar à beira da
inconsciência.
— Então, trate-a como tal. Não apenas como e quando lhe convém. —
Montou sobre seu adversário e distribuiu mais socos. Sophia o puxava pelos
ombros, tentando, a todo custo, cessar a briga.
— Erick! Você vai matá-lo!
De repente, um dos colegas da empresa, ouviu a gritaria e surgiu pela
porta.
— Lucas! — Sophia gritou aos prantos. — Faça alguma coisa, pelo
amor de Deus!
Sem demora, Lucas agarrou Erick, abraçando sua cintura e o tirou do
alcance de seu chefe.
— Para com isso, brother — disse Lucas fazendo esforço para segurar
Erick que ainda se debatia.
Melissa correu para acudir Daniel, praticamente sem sentidos. Com um
pouco de dificuldade para levantar o tronco quase desfalecido de Daniel, o
sentou e avaliou e ficou horrorizada com os seus ferimentos.
— Você quase o matou! — esbravejou já se sentindo mais sóbria.
Então Erick para de relutar contra as mãos que o seguram, dando-se
conta da realidade. Mirou Daniel nos braços de Melissa. A cor de seu rosto
era uma mistura de vermelho e roxo, os olhos inchados, o nariz pingando
sangue e a cabeça pendia, como se o pescoço não sustentasse o próprio peso.
Hesitou, percebendo que nenhuma outra vez a ira o tomou tanto como
naquele momento. Buscou por Sophia que já estava segurando um telefone e
chamando uma ambulância. Seus cabelos áureos jaziam bagunçados, o rosto
vermelho e molhado de pranto.
— Ah, meu Deus… — sussurrou caindo em si.
Andou rapidamente até ela, agora, sentindo as dores de sua luta com
Müller. Ela levantou os grandes olhos verdes em sua direção. O globo ocular
avermelhado pelas lágrimas de desespero que se acumularam. Olhou, outra
vez, para seu adversário nocauteado e voltou-se para Sophia, sem saber
exatamente como agir ou o que lhe dizer.
— Sophia, eu não quis… eu não quis machucá-lo — gaguejou.
Jamais tinha se envolvido em uma situação como aquela e nem
imaginava que possuía tanta força para fazer o estrago que fez em Daniel.
A loura não o respondeu. Apenas engoliu em seco e pestanejou querendo
segurar seu pranto. Estava cansada de chorar. Principalmente por Daniel, que
não merecia sequer uma mísera lágrima.
Aproximou-se cautelosa dele e o abraçou, chorando em seus ombros.
Sentia-se culpada. Mais uma vez.

♦♦♦
Sophia e Erick observaram a ambulância seguir para o hospital levando
Daniel. Melissa foi de acompanhante, já que eles não podiam seguir viagem,
pois precisavam esclarecer o caso à polícia, que não demorou a encostar na
porta da casa dos Müller. Após prestar os devidos esclarecimentos – e Sophia
ter dado seu testemunho – eles seguiram para a delegacia fazer um boletim de
ocorrência contra Daniel. Antes de partirem, o delegado afirmou que Erick
ainda não seria autuado, e que assim que o agredido, e Melissa, a segunda
testemunha, tivessem condições de prestar depoimento, eles o colheriam, e só
depois de ouvirem os dois lados é que as devidas providências seriam
tomadas.
No caminho para o pronto atendimento, Sophia ligou para o irmão de
Daniel falando sobre a briga que se desenrolara na casa deles, avisando sobre
as consequências do desentendimento entre Daniel e Erick.
Agora, eles aguardavam a chegada de Heitor sentados no sofá da sala de
espera. Erick batia os pés constantemente e Sophia roía as unhas. Do outro
lado, encostada a uma coluna, Melissa Telles também esperava.
Heitor entrou como um furacão no hospital. Quando viu Erick sentado ao
lado de Sophia, sequer se lembrou que precisava fazer silêncio e foi logo
gritando:
— Erick, eu vou acabar com a sua raça!
Ambos se levantaram ao mesmo tempo, a loura se pondo na frente do
amigo, que já havia recebido os primeiros socorros e estava com o rosto cheio
de curativos.
— Já chega de briga por hoje, Heitor — ela se pronunciou e olhou para
a recepcionista que vinha na direção deles logo atrás, provavelmente para dar
um sermão em Heitor sobre ele entrar gritando. Ela meneou a cabeça e a
mulher estacou no lugar avaliando rapidamente o homem de costas para ela.
Com um suspiro, desistiu, percebendo que a loura controlaria a situação, e
voltou para seu lugar. — Erick estava se defendendo. E fale baixo porque
estamos em um hospital.
Heitor encarou Erick, mantendo a ira apenas em seus punhos.
— Como ele está? — quis saber.
— Bem. Chegou inconsciente, mas já recebeu os primeiros socorros, e
vai passar a noite em observação.
— Quero entrar para vê-lo. — exigiu, e já estava passando por eles
quando foi impedido.
— Não pode. Ele está dormindo por conta dos sedativos. Deixe isso
para depois, Heitor.
Com um suspiro, ele cedeu e olhou outra vez Erick.
— Não pense que isso vai ficar assim. Vou dar parte de você na polícia.
— Não há necessidade — respondeu Erick sem se abalar. — Já
conversamos com a polícia. E eu aleguei autodefesa.
— Que eu saiba, você estava a ponto de matá-lo! — gritou novamente, e
dessa vez a recepcionista o advertiu em alto e bom som.
Heitor se desculpou e respirou fundo, acalmando o coração.
— Antes ele do que eu — retorquiu sem remorso. — Mas nenhum de
nós dois sairemos impunes. Não se preocupe.
— Posso saber por que brigaram? — Praticamente exigiu.
— Porque seu irmão é um idiota que pode ficar se esfregando com
qualquer uma, enquanto eu tenho que fazer voto de castidade! — Sophia
interviu ríspida. — Agora, já que você chegou, eu posso ir embora.
— O quê? Vai deixar meu irmão aqui sozinho? Você é esposa dele!
— Só no papel, Heitor. Só no papel. Seu irmão não merece minha
preocupação. E ele não vai estar sozinho. Melissa fará companhia, como
sempre faz, não é, querida? — rebateu e olhou a ruiva que continuava no seu
lugar, imóvel. Ela se agarrou aos braços de Erick. — Vamos para casa, Erick.
Estou cansada.
Sem dizer mais nada, e nem esperar por uma resposta dele, Sophia o
arrastou para fora do hospital. Mesmo que sua vontade fosse ficar e depois
saber como Daniel estava, resistiu a seus impulsos. Ele só encontrara o que
havia procurado. Por um momento, durante o percurso até o pronto
atendimento, se sentiu culpada por todo o ocorrido: se não tivesse insistido
para que Erick ficasse, se não tivesse tentado provocá-lo, se não tivesse
deixado que Erick insinuasse que teriam algo mais. Mas não demorou a se
advertir que nada daquilo teria acontecido se Daniel não fosse um idiota, se
Daniel cumprisse sua palavra, se Daniel fosse mais atencioso e menos
imbecil.
— Vou te deixar em casa e depois pegou um táxi e vou para a minha —
Erick disse abrindo a porta do carro de Daniel que usou para chegarem até ali.
— Tudo bem. Não queria te dar todo esse trabalho.
— Imagina, Sophia. O maior culpado sou eu. Não deveria ter dado
corda para o Daniel.
Ela suspirou e entrou no carro puxando o cinto. Vagueou em seus
pensamentos se perguntando por que e como sua vida havia chegado naquele
ponto. A maior parte do tempo nos últimos meses ela estava nervosa, triste ou
chorando por conta dos feitos de Daniel.
Mesmo que por um prazo curto, haviam vivido bem e sem discussões,
parecia que Daniel sabia agir de modo a compensar todos seus dias de paz e
transformar um único dia o mais infernal de todos.
— Tem uma coisa que eu não entendo. — Erick a tirou de seus
devaneios, e ele já dirigia de volta para casa. — Por que ainda mantém esse
casamento, mesmo que de fachada, se esse cretino só te faz mal?
Com um suspiro, ela concordou mentalmente com seu amigo. Já devia
ter dado basta à farsa dessa união, ter se demitido da empresa, e deveria estar
vivendo em paz e sozinha. Já havia trabalhado o suficiente para juntar um
dinheiro extra e poderia muito bem viver por meses sem passar necessidade.
Mas havia a maldita herança que Daniel ainda não havia recebido. No final,
Sophia sempre pensava mais nele do que em si mesma. E isso começava a
incomodá-la.
— Tem razão — respondeu observando a paisagem da madrugada. —
Preciso parar de pensar em como ele vai receber a herança caso me divorcie
dele, ou de como poderei ajudar minha família se quebrar o acordo do
contrato. — Suspirou derrotada e buscou pelos olhos de Erick. — Assim que
ele sair do hospital, vou pedir o divórcio. Já estou no meu limite.
Erick tirou a mão do volante por um segundo para segurar a dela.
Olharam-se nos olhos e ele exibia um pequeno sorriso.
— Se eu puder te ajudar em alguma coisa…
— Obrigada — agradeceu, interrompeu o toque e voltou a olhar para a
noite lá fora.
Terminaram o percurso em silêncio. Erick estacionou o carro na
garagem e desligou. Por dez segundos inteiros ficaram mudos, um sem querer
encarar o outro. Sophia pensando que já era hora de dar um basta em tudo que
vinha acontecendo. Erick tinha razão. Daniel só a fazia mal desde que aceitou
as condições desse casamento de conveniência. Os momentos de paz eram
cada vez mais raros e isso estava desgastando-a mental e fisicamente. No seu
interior ela sabia que seria uma decisão difícil se afastar de Müller, por conta
do sentimento que vinha cultivando. Mas era um sentimento que a destruía. E
que a destruiria junto dele, ou não.
Estava decidida a exigir o divórcio e acabar de uma vez por todas com
o mal que vinha afligindo-a e lhe fazendo passar por situações estressantes.
Sufocaria seu sentimento por Daniel, daria uma oportunidade a si mesma,
recomeçaria e seria feliz.
— Me desculpe outra vez — Erick sussurrou a tirando de suas
dispersões. — Jamais imaginei que aconteceria isso.
— Tudo bem. Você só estava se defendendo. Se não tivesse feito isso,
provavelmente seria você naquele hospital. E você não tem culpa de nada,
Erick. Entendo que a raiva te subiu à cabeça.
Ele nada respondeu. Somente desceu do carro, pronto para ir embora.
Sophia desceu em seguida e foi ao seu encontro lhe dando um abraço
confortável. Olhou para seu rosto. Ele levara alguns pontos na órbita esquerda,
as bochechas levemente arroxeadas, o canto da boca cortado, e ele, às vezes,
falava com um pouco de dificuldade por conta da língua cortada.
— Vai ficar tudo bem — assegurou ao notar a ligeira preocupação nos
olhos verdes. — Posse te ligar amanhã? Para saber como está?
Ela acenou em positivo. Despediram-se com um abraço forte. Erick
seguiu seu caminho e Sophia adentrou a casa.
Com cautela foi até seu quarto, onde tudo começara. Olhou ao redor e
viu os respingos de sangue que poderiam ser de qualquer um dos dois. Virou-
se. A última coisa que queria era dormir naquele quarto sabendo que as
lembranças ruins a atormentariam. Mesmo com sua consciência gritando não,
ela entrou no de Daniel. Tudo estava arrumado, como ele costumava deixar.
No criado-mudo estava o celular dele. Aproximou-se e o tomou em mãos.
Surpreendeu-se ao ver que o protetor de tela era uma foto que haviam tirado
numa cidade turística no interior, quando viajaram a negócios, algumas
semanas antes: ele jogava o braço em volta de seus ombros e estampava um
sorriso largo. Os olhos claros se destacavam em contraste ao queixo barbado.
Deslizou o bloqueio de tela e, sentando-se na cama, começou a conferir
suas coisas pessoais. As ligações recebidas e perdidas eram a maioria da
ruiva. De um jeito estranho sentiu-se feliz por não haver nenhuma ligação dele
para ela nas últimas três semanas. Pelo menos, não de seu telefone móvel.
Passou para as mensagens, as que ele enviara para a ruiva eram sempre em
resposta. Leu algumas conversas, percebendo que Daniel há muito não se
interessava por Melissa.

Saudades do nosso sexo.

Ela havia mandado. Sophia rolou a tela para ver a resposta. Para seu
alívio Daniel não respondeu.
Continuou lendo, sem ao menos se importar por invadir a privacidade de
Müller.

É isso Daniel? Não vai me responder?


Estou ocupado. Agora não, Mel. Depois te respondo.
A próxima mensagem é de dois dias depois.

Dan, meu amor, vamos sair hoje à noite?


Tenho trabalho. Outra hora.

Mais três dias até uma nova conversa.

Daniel, livre hoje à noite?


Hm… não Melissa. Estarei ocupado.

Terminou de ler as mensagens. Muitas não tinham sido respondidas, para


o enfurecimento de Melissa, que deixava claro seu desapontamento nas
mensagens.
Perguntou-se, então, por que diabos Daniel continuava a suportar a
ruiva, se já não havia mais tanto interesse nela?
Há um tempo Melissa… me fez um favor, e eu devo isto a ela, entende?
Agora, ela está me cobrando e eu preciso pagar essa minha dívida.
Desconfiou se havia mesmo uma dívida com Melissa ou se tudo não
passava de alguma chantagem. Pois era o que começava a fazer sentido.
Afastando os pensamentos, continuou a bisbilhotar as mensagens de
Daniel, se deparando, sem demora, com algumas dele para ela naquele dia,
antes de toda a confusão, mais ou menos no horário em que ela estava com
Erick. Mas como havia deixado o celular em casa, não viu nenhuma delas.

Sophia, se arrume, vou te buscar para vir para o churrasco. Pode ser?

Meia hora passou até ele lhe mandar outro texto:


Sophia, me responda. Ou pelo menos atenda o celular.
Sei que está chateada e sei que sou um imbecil. Mas atenda a porra
desse celular.
Me desculpe. Só atenda minhas ligações, por favor.
Estou indo aí te buscar.

As mensagens então acabaram e ela devolveu o aparelho ao criado-


mudo. Levantou-se e caminhou até o chuveiro, seu corpo clamava por uma
ducha morna para relaxar a tensão e limpar sua pele do dia difícil e cansativo
que tinha tido. Apesar dos acontecimentos tinha se divertido com Erick no
churrasco. Mas sempre que acreditava que tudo acabaria bem, Daniel tinha o
dom de estragar um dia inteiro de paz e felicidade em apenas cinco minutos.
Lavou o rosto e o cabelo tentando não se preocupar com a saúde dele, se
ele estaria bem ou com dores. Por mais que tentasse era inevitável. Sophia se
lembrava perfeitamente do estado de Daniel quando entrou na ambulância:
rosto vermelho de sangue e roxo pelas lesões; um dos olhos estava tão inchado
que se ele tivesse acordado não conseguiria abri-lo; a boca estava quase que
toda cortada e também grossa pelo inchaço.
Balançou a cabeça querendo afastar as imagens. E apesar do estado em
que Daniel foi levado ao pronto atendimento, Sophia não conseguia culpar, ou
sentir ódio de Erick. Tinha ciência que ele apenas se defendera, e que, no
alvoroço, extrapolou os limites. Talvez se não tivesse revidado seria ele numa
cama de hospital, levando em consideração o modo brutal que Daniel o
agrediu.
Enrolou-se na toalha e saiu para o quarto, seus olhos pesando de sono.
Mas com sua mente trabalhando a todo vapor nos últimos acontecimentos,
pensou ser impossível dormir.
Secou o corpo rapidamente, vestiu uma calça de moletom que Daniel
tinha em uma das suas gavetas e escorregou pelo corpo uma camiseta regata
branca, também dele. Deitou-se e apagou a luz. Deixou de lado qualquer
preocupação com Daniel e adormeceu. Mas, bem lá no fundo, sentia-se calma
porque Daniel, apesar dos ferimentos, estava bem. Sabia que se tivesse
acontecido algo de pior com ele não suportaria a dor.

♦♦♦

Sophia despertou assustada com a porta do quarto se fechando


abruptamente. Sentou-se na cama de pronto, ainda atordoada com seu
despertar repentino. Viu Heitor parado no meio do caminho com um olhar
espantado. Não demorou para que ele ignorasse sua presença e desse
continuidade ao seu trajeto, andando até o guarda-roupa do irmão e
selecionando algumas peças, enquanto dizia: — Não quis te acordar. Não
sabia que estava dormindo aqui.
Sophia limpou a garganta e puxou o lençol sobre o corpo antes de
responder:
— Tudo bem. Está vindo do hospital? — perguntou olhando suas costas.
Heitor virou-se segurando algumas roupas e as repousando sobre a cama.
Abriu outra porta do guarda-roupa e tirou uma mochila:
— Sim. Passei a noite lá — retorquiu e enfiou de qualquer maneira as
peças dentro da bolsa.
Sophia queria perguntar se Daniel havia acordado e qual era seu estado,
mas pensou consigo mesma que mostraria aos Müller, principalmente ao seu
“esposo”, que as atitudes de Daniel tinham chegado ao limite e ela já não se
importava mais com ele, nem que iria ficar se preocupando ou se afligindo por
sua causa.
Por isso, levantou-se e buscou pelas próprias roupas da noite anterior,
observando Heitor colocar peças íntimas do irmão dentro da mochila. Travou
sua língua para não questionar se Daniel já havia recebido alta.
— Você irá visitá-lo? — ele perguntou jogando a mochila sobre o
ombro direito.
— Não — respondeu apenas, juntando suas peças de roupa.
— Daniel já acordou — comentou. — O inchaço no rosto diminuiu
bastante por causa dos sedativos. O médico disse que ele poderá ir para casa
amanhã cedo. Ele precisa completar 24 horas em observação para terem
certeza que não haverá nenhuma sequela.
— Que bom para ele… — rebateu tentando manter-se neutra e
indiferente.
Heitor apenas acenou e saiu em silêncio, percebendo que, talvez, fosse
inútil tentar convencê-la a ir ao hospital.
Forçando-se a não se arrepender de ter negado em ir até Daniel e fazer-
lhe uma visita, caminhou para seu quarto e trocou de roupa. Em seguida, deu-
se o trabalho de limpar um pouco da bagunça espalhada pelo cômodo,
retirando os resquícios de sangue no chão.
Estava juntando os materiais de limpeza que usou, quando reparou em
alguém parado à porta. Levantou os olhos e se deparou com Erick, com um
sorriso pequeno e tristonho nos lábios. No rosto, ainda havia as marcas das
agressões que recebeu na madrugada daquele dia, mas que ainda assim não lhe
tirava sua beleza exótica e peculiar.
— Precisa de ajuda? — ele se pronunciou finalmente.
— Não, eu já terminei, obrigada. Como está se sentindo? — quis saber.
Deixou o que segurava e caminhou até Erick, querendo avaliar os cortes no
rosto.
— Parece que levei uma surra — brincou e riu em seguida.
Sophia revirou os olhos de bom humor e lhe tapeou amigavelmente no
ombro.
— Isso significa que está dolorido?
— Sim. Um pouco, mas não se preocupe — tranquilizou-a e sussurrou
em seguida com uma pontada de sarcasmo: — Vou sobreviver.
Sophia sorriu largamente, contagiada pelo humor de Erick diante das
circunstâncias e situação que presenciavam.
— Vim saber como está tudo por aqui. Já soube do Daniel? — disse
entrando de vez no quarto e se acomodando na cama. A loura suspirou e o
seguiu, sentando-se na outra ponta, ao seu lado.
— Heitor disse que ele acordou e está bem. Mas eu não fui vê-lo.
— Por que não? — inquiriu.
— Porque sei que irei me aborrecer. E estou cansada de aborrecimentos,
Erick — queixou-se e deixou escapar um suspiro agoniado.
— E vai mesmo pedir o divórcio?
— Sim — afirmou confiante. — Esse casamento já deu o que tinha que
dar e tem me tirado a sanidade aos poucos. Assim que ele voltar para casa,
iremos conversar a respeito disso.
— Mesmo que goste dele? — Erick instigou outra vez.
Sophia o encarou, sem entender. Há poucas horas quis saber por que ela
não dava um basta no matrimônio que só lhe trazia decepções e dores de
cabeça. Agora, parece ter mudado de ideia e insinuava que ela continuasse a
insistir e a investir nesse relacionamento que acabou antes mesmo de começar.
— Sim, Erick, mesmo que eu goste dele. Daniel não gosta de mim.
Manter essa fachada só vai me machucar ainda mais. Em todos os aspectos —
reforçou, lembrando-se que iria ferir seu coração ver Daniel com outras
mulheres, que magoaria seu psicológico se brigas e confusões continuassem
acontecendo cada vez que ele tivesse um surto de ciúmes. E pensou que, uma
hora ou outra, intencional ou não, seria ferida fisicamente. Como já tinha sido
uma vez.
— Como quiser… — sussurrou. — Está com fome? — emendou de
pronto. — Podemos sair e almoçar.
Almoçar? Questionou-se mentalmente. Havia perdido a total noção das
horas. Buscou pelo relógio e viu que já se passavam das treze horas.
Percebendo, então, que era tarde, como se sua fome tivesse sido
desmascarada, sentiu seu estômago no fundo, dando-se conta que precisava
comer.
— Oh, claro. Vou pôr algo mais adequado. — Fez menção de se
levantar, mas Erick segurou seu punho e em segundos já haviam saído do
quarto com ele lhe dizendo: — Está linda assim.
Rindo, ela o seguiu sem protestar.

♦♦♦

Erick e Sophia tiveram um almoço agradável, apesar de noventa por


cento do assunto abordado ter sido os socos que ele e Daniel trocaram. Ela
quis saber como os familiares de Erick reagiram ao vê-lo chegar em casa
tarde da noite e com marcas de golpes, evidenciando, assim, sua briga com
Daniel – e qual foi a explicação e motivos que ele lhes contou. Erick a
tranquilizou sobre isso, dizendo que contara parte da verdade, depois que sua
mãe lhe passou um longo sermão; seu pai não interveio em nada e apenas o
aconselhou a não se envolver mais em nada do tipo. Já Heloísa, sua irmã, o
abraçou e o beijou radiante de alegria, alegando que o irmão era herói e
corajoso, o que lhe rendeu inúmeras advertências por parte de Yara e Nelson.
Sophia não deixou de rir nessa parte. Provavelmente Isabela agiria da mesma
maneira.
Ao final, eles retornaram para a casa dos Müller. Erick estacionou o
próprio carro em frente à residência; olhou para Sophia, que se livrava do
cinto de segurança.
— Acha uma boa ideia eu ir até o hospital para vê-lo? — Erick
questionou, e no mesmo instante ela o olhou espantada.
— Pelo amor de Deus, Erick… Não! — respondeu levemente alarmada.
— Irei com bandeira branca, Sophia — tranquilizou-a após uma risada
nervosa.
— Você pode ir em missão de paz, mas Daniel pode não querer trégua.
Ele suspirou e permaneceu calado, concordando com um aceno de
cabeça.
— Quero aproveitar e me despedir — falou ele. — Ele receberá alta
amanhã cedo. Assim que ele estiver aqui, peço o divórcio, tomo um ônibus e
volto para casa — disse e abaixou seus olhos, exalando tristeza. — Mas não
quero perder contato com você. — E voltou seu olhar a Erick.
— Quando se instalar em um novo endereço, me avise e eu te faço uma
visita. — ele disse sorrindo. — E podemos nos falar por e-mail, mensagens
instantâneas… — acrescentou.
Sorrindo, ela lhe beijou a bochecha, agradecendo por sua amizade.
Despediram-se, Sophia desceu do carro e fez seu caminho, olhando para trás
algumas vezes, até não ver mais o carro de Erick.
Ao entrar em casa, deparou-se com Heitor novamente. Desta vez, ele
estava sentado no sofá, uma lata de cerveja na mão. Ao vê-la, sorriu e voltou
sua atenção à TV ligada.
— Já voltou? — questionou surpresa, se acomodando no outro sofá.
— Sim. Só fui deixar as roupas para ele. Vim descansar um pouco antes
de voltar para lá. Daniel já está um pouco melhor, não precisa mais de um
acompanhante o tempo todo.
— Entendo — falou — Aposto que Melissa até criou raízes naquela
recepção. — comentou, e Heitor gargalhou.
— A verdade, é que não. Ela foi embora ontem logo depois de você.
Não a vi desde então.
Sophia sentiu por Daniel ter tido apenas o irmão ao lado dele. Percebeu
o quanto a ruiva era uma calculista e interessada apenas em provocá-la. Sua
atitude somente demostrou o que ela nunca deixaria de ser para Daniel: uma
amante. Uma pessoa para as horas boas, porque se a vida dele dependesse de
Melissa com certeza estaria morto.
Quase que no mesmo instante, se corrigiu por lamentar. Daniel estava
colhendo os frutos que plantou. Se ele escolheu Melissa a ela, então, nada
mais justo que ser deixado de escanteio em uma situação que a ruiva poderia
ter demonstrado que estaria ao seu lado quando e como precisasse. Pois era o
que Sophia teria oferecido a ele, se Daniel pudesse corresponder os seus
sentimentos. Ou que, pelo menos, tivesse dado uma chance para ela. Para eles.
— Ele perguntou de você. — Heitor tirou-a de seus pensamentos.
— E o que você disse?
— Que você não quer vê-lo nem pintado de ouro, coberto de diamantes
e pelado. — Ele riu um pouco, mas ela permaneceu neutra, não achando graça
no que dissera.
— E o que ele disse? — indagou ligeiramente curiosa.
— Nada. Fechou a cara e ficou calado.
Sophia suspirou sem nada responder e desviou os olhos, ponderando se
deveria fazer uma visita. Seu coração ansiava muito em vê-lo, em sentar ao
seu lado, afagar seus cabelos, cuidar de seus ferimentos. Fazer coisas que
Melissa não fez. Mas sua razão gritava alto para que ela permanecesse quieta
em seu lugar, que o deixasse sozinho, que demonstrasse que não se importava,
para que Daniel sentisse a dor da indiferença. Sua razão a advertia, ainda, de
que era preciso cuidado para não magoar seu coração. E se ela chegasse lá e
Melissa estivesse com ele? E se eles começassem uma discussão por conta do
ocorrido que o levara até o pronto atendimento?
Balançou a cabeça, querendo esvoaçar os pensamentos. Já havia dito
para si milhares de vezes para não pensar ou se preocupar com Daniel, mas
parecia impossível.
— Acho mesmo que deveria ir até o hospital. Nem que seja para chamá-
lo de imbecil e mandar ele se foder. — Heitor Müller tirou-a outra vez de seus
devaneios.
Ele não riu com as próprias palavras, mas ela, sim, mesmo que
brevemente.
— Quando é o próximo horário de visitas? — rendeu-se. Parcialmente.
Iria até o hospital, saberia do estado dele, entraria no quarto, trocaria duas
palavras desejando melhoras e voltaria para casa. Nada mais que isso.
Evitaria qualquer discussão, ou conversa. Nem se sentaria ao lado dele e
cuidaria de seus hematomas.
— Às oito, mas você é a esposa dele. Pode entrar quando quiser.
Ela olhou no relógio. Quatro da tarde.
— Você vem comigo? — perguntou ao Heitor. — Prefiro ir no horário
de visitas.
— Claro — afirmou com um sorriso largo. — Só se me prometer que
dará outra surra naquele idiota.
Ela gargalhou alto. Mas no seu interior sabia que essa vontade não lhe
faltava.

♦♦♦

— Ele já foi embora, senhor Müller — a recepcionista do hospital


informou ao Heitor, ajeitando os óculos no rosto, que refletiam a tela do
computador à sua frente.
Sophia e Heitor se entreolharam, confusos.
— Tem certeza que estamos falando do mesmo paciente? — ele
questionou a funcionária, uma senhora de cabelos médios e castanhos. —
Daniel Ortega Müller? Tem certeza que ele não foi transferido de quarto?
A mulher digitou as informações outra vez no computador. Segundos que
para Sophia pareceram infinitos. Ela chegara ali na esperança de se entender
com ele, de entrarem em um acordo e se divorciarem sem ressentimentos e
amarguras, por pior que tenha sido o mal que ele lhe causou. Mas a mulher do
outro lado do balcão afirmou categoricamente que Daniel já fora embora, e ela
se perguntava por que ele não avisou a ninguém.
— Isso mesmo, senhor Heitor. — A recepcionista tornou a confirmar a
ausência de Daniel. — Há uma observação na ficha de alta dele. Parece que o
senhor Daniel assinou um termo de responsabilidade, por esse motivo foi
liberado do hospital.
Com um suspiro derrotado, Heitor agradeceu as informações e voltou
para o carro, Sophia acompanhando suas passadas longas e exasperadas o
quanto podia.
— Talvez ele já esteja em casa. Sabe que seu irmão é impaciente —
Sophia falou enquanto entravam no carro.
— Assim espero. Mas não custava nada a ele ter nos avisado —
Resmungou e está prestes a dar a partida e seguir de volta para casa quando
seu celular emitiu uma notificação de mensagem. Rapidamente pegou-o e por
um segundo fixou seus olhos na tela, exibindo uma careta confusa.
— O que foi? — a loura inquiriu curiosa.
Sem dizer nada, Heitor lhe entregou o telefone e ela leu a mensagem.

Heitor, sei que foi ao hospital para passar a noite comigo. Só estou
avisando para que não surte ou se preocupe. Estou saindo do RJ, mas ainda
sem destino. Preciso de uns dias sozinho.
Até mais.
Daniel

Sophia devolveu o celular e ajeitou-se no banco, puxando o cinto,


emudecida.
Não se preocupe, Daniel, pensou, dentro de pouco você teria todo o
tempo do mundo para ficar sozinho. Como você merecia. Pensou ela.
30
DECISÃO ERRADA

Quando Daniel despertou, ele não se lembrava do que aconteceu, sentiu-


se dolorido. Seu lado esquerdo do corpo ardia, e o mínimo movimento lhe
causava uma onda de desconforto e uma dor que nunca sentiu. Com mais
dificuldade que o habitual, abriu os olhos, a claridade súbita o cegou por um
instante. Estranhamente, reparou que seu olho direito estava um pouco
inchado, precisou forçar a memória a lembrar-se das últimas horas e entender
o que diabos se passava com ele. Estreitando os olhos, e sentindo uma terrível
dor por todo seu corpo ao fazer este simples ato, conseguiu se localizar e
compreender o que havia com ele.
Flashes vieram à sua memória, e recordou-se nitidamente de sua briga
com Erick por conta de Sophia. Socos, chutes e murros ainda continuavam
vívidos em sua mente, mas a última coisa que se lembrava era de ter errado
um golpe em Erick, e logo viu-se recebendo chutes nas costelas, estas que,
com as recordações arderam em um incômodo, e Daniel soltou um rosnado de
protesto.
“Ela é sua mulher, Daniel?”, a voz de Erick gritou dentro da sua
cabeça, “Então a trate como tal. Não apenas como e quando lhe convém!”.
Após isso, não tinha mais nenhuma lembrança, apenas uma lacuna
extensa e obscura de inconsciência e esquecimento.
Tentando não se irritar por ter se envolvido em uma briga – e mais: ter
perdido – forçou seus braços a erguerem o próprio dorso para se ajeitar na
cama e sentar. O simples movimento lhe causou um tremendo sofrimento nos
ossos doloridos, e Daniel precisou de um segundo para recuperar o ar e
esperar que a dor aliviasse.
Suspirando pesadamente, querendo ignorar o incômodo em suas
costelas, ele olhou ao redor, reconhecendo estar em um hospital. Sem nenhuma
demora, a porta se abriu e Heitor surgiu com um copo de isopor nas mãos. Ao
ver o irmão acordado, Heitor sorriu e levantou o copo:
— Chocolate quente? — E sorriu brevemente, terminando de adentrar no
recinto. — Que bom que acordou, Bela Adormecida — falou ironicamente se
sentando em uma cadeira ao lado de Daniel. — Como se sente?
— Dolorido… — apenas disse de cara fechada.
— Hm… — Heitor murmurou dando um gole rápido em sua bebida. —
Posso conseguir uns analgésicos, se você quiser.
— Que dia é hoje? — Daniel inquiriu de repente, sentindo-se levemente
deslocado da realidade, ignorando a ironia do irmão.
Heitor levantou uma das sobrancelhas, exibindo confusão em seus olhos
azuis profundos. Deu de ombros e cruzou as pernas, casualmente.
— 5 de março. — Responde calmo.
Daniel arregalou os olhos, pestanejando em seguida, totalmente
atordoado. Até onde conseguia se lembrar, a confusão com Erick ocorreu em
janeiro. Ele ainda estava assimilando a realidade, quando, um segundo depois,
Heitor começou a gargalhar, e subitamente seu sangue ferveu pela brincadeira
de mau gosto.
— Oh, meu Deus. A sua cara de susto…
— Heitor, seu imbecil! — Daniel esbravejou, e seu corpo protestou
dando-lhe uma sensação dolorosa; ele grunhiu antes de continuar. — Filho de
uma mãe, eu achei… eu achei… eu achei que tinha ficado em coma! Inútil
desgraçado!
O irmão revirou os olhos ainda rindo, levantou-se e recompôs.
— Um pouco de humor não vai te matar, Daniel — declarou com um
sorriso.
Daniel respirou fundo para dizer que não viu graça nenhuma na
brincadeira, e somente o ar preenchendo seus pulmões lhe causou outra dor
intensa. Ele resmungou e fez uma careta, enquanto ouvia seu irmão lhe
perguntar se se sentia bem. Brevemente, acenou em positivo e forçou sua
respiração a desacelerar, já que até respirar parecia enviar sinais dolorosos
ao seu corpo ferido.
— Dois de janeiro — Heitor disse de repente andando até o fim do
quarto e jogando seu copo de isopor no lixo. — Você está aqui apenas há
algumas horas. Aquele Erick fez estrago, hein?! — disse com certa malícia.
— Ele se aproveitou de uma distração minha — Daniel se defendeu.
— Sei… — disse o irmão segurando um riso e voltando a se sentar a
cadeira perto da cama. — Deixe-me adivinhar uma coisa: vocês brigaram por
causa da Sophia?
Com a testa franzida, Daniel desviou o olhar, como se, de alguma forma,
pudesse fugir da pergunta óbvia. Não lhe agradava a ideia de ter que se
explicar sobre por que se irritou por imaginar Sophia e Erick juntos. Isso
incluiria abrir seus sentimentos, dizer que talvez estivesse mais envolvido do
que deveria com a loura, que, ao que tudo indicava, seu coração teimoso havia
se apaixonado. Conhecendo Heitor, se Daniel resolvesse ser sincero e
confessasse que em seu peito queimava o ciúme de imaginar Sophia nos
braços de um homem que não fossem os dele, além de soar extremamente
patético, o irmão teria motivos para lhe zombar pelo resto de seus dias.
Fechou os olhos e respirou fundo, com certa cautela para que a maldita
dor não o incomodasse outra vez, Daniel imaginou uma resposta rápida ao
irmão, querendo, de qualquer maneira, fugir de ter que se justificar com o
motivo verdadeiro que fizera sua ira subir pela cabeça e levá-lo a brigar com
Erick.
— Eles iam transar — disse de repente com a voz carregada, e com a
intenção de não demonstrar que estava com ciúmes dessa probabilidade, mas
seu tom o entregou, fazendo-o falhar miseravelmente. Percebendo sua gafe, ele
tentou consertar. — Quero dizer… bem, Sophia é importante para mim, e
aquele Erick não parece ser um cara legal — respondeu, e Heitor ergueu uma
sobrancelha, duvidoso.
— Então você é um empata-foda, agora? — Heitor o questionou.
Daniel franziu a testa outra vez, incomodado com tal pergunta. Por que o
irmão simplesmente não esquecia o assunto e ia buscar alguns malditos
analgésicos?
— Não, eu não sou. Só me preocupo com o bem-estar da Sophia —
rebateu, mas a ruga entre suas sobrancelhas continuava visível.
— Daniel, acha que eu nasci ontem? — o irmão indagou, e seu
semblante se fechou mais. — Está na cara que você está marcando território.
— ele exibiu um sorriso sarcástico e malicioso e revirou os olhos
rapidamente. — Melhor dizendo, você já marcou o seu território no outro dia,
agora só está defendendo o que é seu.
— Para começar — Daniel disse entredentes —, Sophia não é um poste
para que eu marque território. Em segundo lugar, eu estava defendendo a
integridade dela, o que é bem diferente do que está pensando — Daniel disse
com a voz firme, e por um segundo esqueceu-se da dor nas costelas. Mas no
instante seguinte, elas voltaram com uma intensidade maior.
Daniel soltou um grunhido abafado de dor e se remexeu na cama,
tentando se acomodar em uma posição que não machucasse ainda mais suas
costelas, mas o movimento, em vez de confortá-lo, teve o efeito contrário, e
outra vez resmungou pelo incômodo.
Heitor deu um passo à frente, querendo prestar ajuda, mas o irmão
impediu com um movimento rápido de mão, abanando-a no ar. Revirando os
olhos diante do orgulho de Daniel, Heitor estacou no lugar e o observou se
acomodar sozinho.
Após alguns segundos, Heitor finalmente respondeu: — Deveria engolir
seu orgulho ferido e assumir logo que gosta da Sophia.
— Eu não tenho que assumir nada — sussurrou desviando os olhos. — E
não quero mais falar sobre isso.
Heitor estava pronto para insistir no assunto, mesmo a contragosto do
irmão, quando uma enfermeira irrompeu pela porta. De cabelos negros e
escorridos e pele morena, a mulher sorriu largamente ao ver seu paciente
acordado. Cumprimentou-o calorosamente enquanto verificou a bolsa de soro
e a ajustou em seguida. Após receber queixas de Daniel sobre suas dores pelo
corpo, a enfermeira não demorou a sair para buscar os remédios que
aliviariam seu sofrimento físico.
Sozinho outra vez com o irmão, Daniel tentou não encontrar seus olhos,
sabendo que Heitor continuaria insistindo que ele assumisse seus sentimentos
por Sophia.
Divagando por um segundo, de repente, ele se questionou se a loura
estaria do lado de fora, aflita e preocupada com seu estado de saúde; se, a
qualquer momento, ela entraria por aquela porta a passos afobados e sentaria
ao seu lado, apertando seu pescoço em um abraço, descarregando sua agonia e
dizendo-lhe que havia se preocupado demasiadamente.
— Ela está aqui? — perguntou subitamente.
Heitor deu um leve sobressalto da porta, pois também havia se distraído
em seus pensamentos, e a voz do irmão ecoando em sua cabeça e quebrando
abruptamente o silêncio assustou-o.
— Não. Ela foi embora assim que eu cheguei aqui ontem à noite.
Franzindo a testa, Daniel sentiu a decepção passear pelo seu corpo.
Fugiu dos olhos do irmão novamente e arriscou perguntar: — Ela está
aborrecida?
— Aborrecida é apelido — Heitor afirmou, e Daniel decidiu manter-se
calado, mas sem tirar o vinco entre suas sobrancelhas.
Era visível que todas as suas expectativas em relação à Sophia tinham
sido frustradas. Ela não viria vê-lo. Ela não ficou para saber como ele estava,
nem entraria pela porta e apertaria seu pescoço em um abraço sufocante,
enquanto dizia com a voz embargada que havia se afligido.
Lembrando-se do ocorrido, pensou que seria mais fácil Sophia ir até ele
para lhe dizer como era um imbecil, que o odiava, e no lugar de um abraço
confortante receberia uma bofetada.
Suspirando, tentou afastar os pensamentos e esquecer da briga com
Erick, das razões que desencadearam a confusão, dos seus sentimentos
confusos pela loura, do seu desapontamento por ela não ter se importado com
ele. Abaixou os olhos e respirou fundo, querendo apenas não fazer qualquer
movimento que o machucasse mais.
— Tem que parar de agir como um idiota. — a voz de Heitor puxou sua
atenção, e seus olhos se encontraram. — A Sophia já está no seu limite,
Daniel. — Seu tom era sem emoção, mas ao mesmo tempo quase como uma
advertência.
Daniel pensou em alguma coisa para responder, queria, de alguma
forma, justificar sua atitude violenta sem precisar dizer que havia sentido
ciúmes. Pensou que era mais uma de suas promessas quebradas. Sentiu-se
extremamente arrependido ao lembrar-se de que jurou não agir com violência,
que se controlaria e não agiria como um maldito machista. Mas não foi o que
aconteceu. Seu ciúme falou mais alto, a cólera passou por cima da razão, da
memória, da vontade de não dar atenção aos cortejos direcionados à Sophia; e
ele, outra vez, passou por cima de um juramento. Quando estava prestes a
dizer algo, a enfermeira entrou, trazendo quase meia dúzia de comprimidos e
água em um copo de plástico.
Daniel tomou todos os remédios, rezando para que fizessem efeito logo,
já que sua dor muscular começava a irritá-lo e estava se tornando quase
insuportável.
— Quando terei alta? — questionou à enfermeira antes de ela sair.
— Amanhã. Ficará em observação hoje, e ao amanhecer poderá ir
embora, se tudo estiver bem.
Daniel apenas acenou, concordando, mas resmungou interiormente.
Odiava hospitais e ficar numa cama. Porém, no mesmo instante, um pequeno
alívio percorreu seu corpo. Teria mais um tempo para organizar sua cabeça
antes de rever Sophia. Mesmo que ele não tivesse a mínima de ideia do que
falar para ela, descartaria qualquer possibilidade de abrir seus sentimentos.
Heitor permaneceu com ele mais algum tempo depois que a enfermeira
saiu, fez companhia enquanto Daniel tomava seu café da manhã. E por mais
que ele tivesse torcido o nariz para a refeição a sua frente – um copo de leite,
uma fatia de pão e um pedaço pequeno de queijo branco – Daniel se
alimentou, já que seu estômago estava apertado e gritando por comida.
E mesmo enquanto comia, as dores nos ossos de suas costelas, em uma
parte acima do seu olho direito e, só agora percebeu, o antebraço esquerdo,
continuavam a atormentá-lo a cada mastigada.
— Acho que precisará de algumas coisas para quando sair amanhã, não
é? — Heitor questionou, observando-o da cadeira onde estava sentado.
— A menos que você queira que eu saia com essa fina camisola azul,
sim, irei precisar — rebateu afastando a bandeja quase vazia de seu alcance.
Heitor não deu atenção ao seu mau humor e continuou dizendo,
casualmente: — Vou buscar algumas coisas. Preferência de roupa? —
perguntou-se levantando.
Daniel apenas abanou a cabeça em negação.
Os dois se despediram e Daniel ficou sozinho, sendo atordoado pelos
seus pensamentos, que o invadiam repentinamente. Acomodou-se melhor na
cama e agradeceu mentalmente por suas dores terem diminuído graças aos
remédios. Deitado, olhando para cima (com um pouco de dificuldade por
conta do ligeiro inchaço), era inevitável para ele não reprisar os instantes do
seu desentendimento com Erick. Recordava-se de como sua raiva dominou
cada centímetro de seu corpo, e de como, sem pensar avançou sobre o amigo
de Sophia. Angustiado, ele passou a mão pelo rosto, pensando que desta vez
nada do que fizesse, nem que ele se arrastasse até ela, nada seria suficiente
para conseguir o perdão da loura. Ele até já podia imaginar os grandes olhos
verdes brilhando por conta das lágrimas, enquanto lhe dizia com a voz
carregada que o odiava, que ele era um imbecil e que a pior coisa que poderia
ter acontecido em sua vida era o envolvimento dos dois.
Suspirando, e sem ter ideia do que faria quando tivesse de encará-la, ele
simplesmente tentou afastar qualquer pensamento e aflição sobre este
momento. Impedido de fazer qualquer coisa para se distrair, era impossível,
de qualquer maneira, não se preocupar em relação à Sophia. Se por um lado
conseguiu, por fim, afastar da cabeça a aflição de quando a revisse, por outro,
seus pensamentos eram preenchidos por lembranças recentes e amáveis,
momentos que fizeram seu coração disparar. De olhos fechados, Daniel quase
podia sentir as mãos de Sophia afagando suas costas, enquanto ele se perdia
no corpo dela; a sensação de ter seus corpos grudados, tornando-os apenas
um; lembrou-se com nitidez dos lábios macios de Sophia contra os seus, da
pele delicada. De repente, bateu forte em seu peito, a sensação de desespero
ao vê-la se afogando, de como temeu por sua vida; seu corpo que tremia em
agonia ao socorrê-la, e ele, rezando interiormente para não perdê-la. A
respiração boca a boca. A vida dela que retornara. Os finos dedos roçando seu
bíceps. Suas bocas se atraindo simultaneamente. A voz dela ressoando em seu
ouvido para que ele apenas continuasse. O prazer do orgasmo nunca vivido
antes lhe atingindo.
E foi assim: com doces recordações invadindo sua mente que Daniel
pegou no sono sem perceber.

♦♦♦

Daniel foi acordado com um movimento indelicado. Assustado, ele deu


um sobressalto, e seu corpo machucado respondeu com uma onda de dor.
— É hora do almoço. Acorde. — Uma mulher usando um jaleco, e de
cabelos grisalhos, adentrou o recinto e apoiou a bandeja sobre a mesa auxiliar.
Com cara de poucos amigos e visivelmente mal-humorada, a mulher deixou a
comida mais acessível a Daniel e saiu pisando firme, deixando-o totalmente
desnorteado.
Ainda sonolento e com um pouco de dificuldade, Daniel se ajeitou na
cama e começou a tomar uma canja aguada e sem sal. Após algumas
colheradas, ele afastou a comida. Preferia ter seu estômago protestando de
fome a ter que engolir o restante do preparo horrível e insosso. De repente, ele
pensou em Sophia, se recordou de algumas vezes que, desastrosamente, ela
tentou cozinhar: uma macarronada pastosa, um arroz papa, um feijão
queimado, uma carne salgada, um ovo grudado… Ele riu sozinho com as
lembranças, mas como para alfinetá-lo, sua felicidade momentânea fora
interrompida por sua costela dolorida.
Ignorando a dor, ele não se importou em reprisar um domingo em que
Sophia tentou cozinhar, sem muito êxito.
Ela estava linda com um vestido florido e um avental vermelho
abraçando seu corpo com perfeição. Sophia misturava os ingredientes na
panela, enquanto segurava na outra mão o livro de receita que acompanhava.
Daniel entrou na cozinha, sentindo cheiro de queimado.
— Sophia, o que está fazendo? — Daniel disse de repente, e ela se
assustou, fazendo-a queimar o dedo.
Gargalhando com seu desastre, Daniel se aproximou e verificou o
indicador avermelhado.
— Eu sou um desastre para isso. Que tipo de esposa eu sou se nem ao
menos sei cozinhar? — resmungou desligando o fogo e observando o risoto
queimado.
— Esposa não é sinônimo de cozinheira — ele afirmou sorrindo. —
Vamos pedir uma pizza — decretou puxando-a pelos punhos, e Sophia riu de
um jeito que só ela fazia e o contagiava.
A porta bateu e Daniel voltou à realidade.
Heitor entrou com uma mochila pendurada ao ombro. Esperançosamente,
Daniel olhou para trás de Heitor, esperando Sophia surgir pela porta. Mas não
aconteceu. O irmão veio sozinho, outra vez… e ele engoliu o nó que se formou
em sua garganta.
— Trouxe jeans, camiseta e cueca — Heitor disse, o que o fez procurar
por seus olhos. — Isso deve ser o suficiente para voltar para casa. — Deu de
ombros e jogou a mochila sobre a cadeira. Heitor não demorou a perceber a
testa franzida do irmão e questionou: — O que há?
Daniel se remexeu na cama e limpou a garganta, procurando um jeito de
perguntar de Sophia sem parecer que precisava da presença dela
desesperadamente.
— Sophia veio com você?
— Não, Daniel… — o irmão respondeu com um suspiro derrotado. —
Ela está bem chateada. Nem se importou quando eu disse que você acordou e
estava bem.
O vinco entre suas sobrancelhas se tornou maior, e, em silêncio, ele
baixou o olhar. Esforçando-se a não pensar em como os olhos dela deviam
estar brilhando de tristeza e frustração – por causa do que ele fez – e nem se,
outra vez, ela chorou porque ele não foi cuidadoso o suficiente para não
permitir que as lágrimas rolassem pelo seu rosto. A possibilidade de que
Sophia estivesse irritada com ele o assustou.
O arrependimento socou seu peito, mas dessa vez Daniel não pediria
perdão, pois não conseguia perdoar a si mesmo.
— Dê um tempo a ela — Heitor disse. — E pare de fazer bobagens —
reforçou e sorriu.
Daniel continuou mudo e apenas acenou, pensando que talvez Heitor
tivesse razão.
O irmão lhe fez companhia por mais alguns minutos, tagarelando sem
parar sobre a garota com quem esteve no dia anterior e como ela era
espetacular. Não lhe dando muito atenção, Daniel teve a impressão de que
Heitor o acusou de ter estragado seu encontro, já que, no meio do sexo, Sophia
ligou dizendo que ele estava no hospital inconsciente; mas Daniel estava
absorto demais para dizer com certeza se fora isso que ouviu. Pensou em
Sophia quase que o tempo todo, imaginando se ela estava com Erick, ou
sozinha, se estava triste com sua vergonhosa atitude, ou se, como Heitor havia
dito, não estava se importando.
Instantaneamente, tentou afastar qualquer absurdo dos seus pensamentos.
Por que deveria se importar tanto com a atenção (ou a falta dela) de Sophia
para com ele?
Forçando sua mente a esvoaçar suas aflições, Daniel voltou a olhar para
Heitor‚ que continuava falando sem parar:
—… sabe como foi difícil deixar aquele par de seios para trás?
Daniel pestanejou por um segundo, recompondo-se e pensando em uma
resposta rápida para dar ao irmão, mas sem que Heitor percebesse que ele
divagou e não tinha a mínima ideia de qual era o rumo daquela conversa.
— Sinto muito. — Foi tudo que conseguiu dizer.
— Tá, tudo bem. Mas tem que deixar de lado esse ofício de empata-
foda. Primeiro, a Sophia; depois, eu. Quanto mesmo está ganhando para isso?
— falou bem-humorado e gargalhou em seguida, sentindo os olhos claros de
Daniel fuzilando-o.
— Deixa de dizer besteiras, Heitor. — resmungou, o que fez seu irmão
rir ainda mais.
Impaciente, Daniel estava quase o mandando calar-se, quando a porta
abriu, e a mesma enfermeira de mais cedo entrou, alegando que, se Heitor
quisesse, poderia ir para casa descansar algumas horas, pois sua presença de
companhia a Daniel seria mais necessária durante o período noturno. Os dois
se despediram‚ e dessa vez eles se abraçaram. O ato, mesmo que amoroso,
causou uma sensação de desconforto em Daniel, menos intenso, graças aos
medicamentos, mas ainda assim um incômodo que o deixou levemente irritado.
A tarde foi se arrastando, deixando-o cada vez mais entediado e com
seus nervos à flor da pele. As horas passavam vagarosamente e os minutos
pareciam que se transformavam em horas. Durante o tempo que ficou sozinho,
Müller em nenhum segundo deixou de pensar em Sophia. Tudo o que ele
ansiava, apesar do medo aterrorizante que sentia, era encontrá-la e conversar
com ela – por mais que não tivesse a mínima ideia do que iria lhe dizer. Pedir
desculpas era um item totalmente descartado. Ele já sabia que nada do que
fizesse, ou dissesse, faria a loura perdoá-lo. Abrir seus sentimentos também
estava fora de questão, justificar sua atitude dizendo que estava bêbado
poderia magoá-la, já que Sophia admitiu estar envolvida sentimentalmente por
ele.
De repente, ao pensar sobre isso, ele se lembrou das palavras dela na
manhã após a primeira vez deles.
Só sei que sinto alguma coisa por você.
Nitidamente, Daniel se recordou de seus olhos verdes cheios de
lágrimas. E isso apertou seu peito. Mais do que ninguém, Daniel sabia como
era amar e não ser correspondido, já vivenciou isso por duas vezes, e talvez
soubesse como Sophia devia estar se sentindo com a situação de ter exposto
seus sentimentos e de ter tido como resposta apenas Daniel deixando-a para
trás para ir a um churrasco idiota com a Melissa.
Engolindo em seco, ele decidiu que era hora de ser franco com Sophia.
Estava decidido a dizer-lhe por que agiu feito um idiota e quis espancar Erick:
porque estava com ciúmes, porque cultivava um sentimento por ela, mesmo
que ainda não pudesse defini-lo como amor. Mas também iria explicar por que
renunciou a este sentimento e por que não pôde retribuí-lo: porque sentiu
medo, porque já sofreu uma vez e a última coisa que desejava era ter seu
coração partido novamente. E desejava profundamente que, após suas
palavras, Sophia segurasse seu rosto com as duas mãos e beijasse seus lábios
de forma intensa e profunda, sussurrando que ele era um tolo, que ela jamais o
magoaria como Clarisse o fez, que o amava e que estava disposta a tentar. E
ele, apaixonadamente, retribuiria seu beijo, confiaria em suas palavras e se
renderia à loura.
Divagando, Daniel sequer percebeu que as horas, que até então se
arrastavam de forma lenta e dolorosa, já avançavam e há duas horas Heitor
saiu.
Foi então que, inesperadamente, alguém adentrou seu recinto. Ao ouvir a
porta ranger, por um milésimo de segundo se encheu de esperança que fosse
Sophia. Mas a pessoa a sua frente era a última que imaginava ver.
— Veio se vangloriar da sua vitória, Erick? — cuspiu as palavras,
sentindo seu corpo convulsionar de raiva.

♦♦♦

Por mais que Sophia tenha pedido para que ele não fosse até o hospital
para falar com Daniel, Erick deu-lhe pouca atenção e, teimosamente, desviou
o percurso de sua casa para o pronto atendimento onde Daniel Müller estava.
Chegando lá, foi alertado de que estava fora do horário de visitas, por isso sua
entrada não seria permitida. Com um pouco de insistência, e alegando que
precisava apenas de cinco minutos, conseguiu a permissão para entrar no
quarto onde Daniel se encontrava.
Esqueceu-se dos bons modos e entrou sem bater. No mesmo instante,
pôde sentir os olhos de Daniel queimando de raiva, e já imaginava como ele
seria hostil com sua presença. Sua previsão foi confirmada quando ele se
pronunciou:— Veio se vangloriar da sua vitória, Erick?
Ignorando o comentário inicial, Erick entrou no recinto e encostou a
porta. Escondeu as mãos dentro do bolso e caminhou lentamente para mais
perto de Daniel.
— Não — respondeu por fim. — Até porque não me orgulho do que
aconteceu.
Daniel demorou a perceber, mas o rosto do homem à sua frente estava
preenchido por curativos e era uma mistura confusa de diferentes tons de roxo.
Por mais que a situação em que se encontrava, comparada a de Erick, fosse
pior, interiormente, e sem demostrar, sentiu-se satisfeito por seu oponente não
ter saído ileso. Afastando sua satisfação imbecil da mente, voltou sua atenção
para o homem.
— Então veio para quê? — questionou com a voz ainda ríspida.
— Conversarmos — respondeu casualmente.
— Quer fazer as pazes para não ser mal visto pela Sophia? — inquiriu
levemente irônico — Que hipocrisia mais bonitinha…
— Na verdade, eu e Sophia estamos muito bem — rebateu sorrindo. —
Aliás, acabo de vir de um almoço com ela.
Com a testa franzida, Daniel sentiu um incômodo, porém, desta vez, não
era na costela, mas no peito. Imaginar que Sophia não fora visitá-lo porque
estava na companhia de Erick, e de que provavelmente, tinha desabafado em
seus ombros toda a angústia que ele a fez passar nas últimas horas (e quem
sabe, meses), fez seu peito se comprimir, e uma onda de ciúmes, misturada à
decepção, o invadiu. Esforçou-se descomunalmente para não demonstrar isso
em seu semblante, ou em suas palavras. Já havia feito o suficiente.
Engolindo o nó em sua garganta, disse: — Então você quer conversar
sobre o quê?
Calmamente, Erick se aproximou e sentou-se na poltrona. Rapidamente
ele o observou e reparou no inchaço acima do seu olho direito e nas contusões
arroxeadas espalhadas pelo rosto.
— Sobre a Sophia — disse por fim.
— O que tem ela? — perguntou quase impaciente.
Erick suspirou e se ajeitou antes de continuar.
— Ela gosta de você, Daniel.
— Mas ia transar com você! — respondeu ríspido.
— Não, não ia. Ela só queria te fazer ciúmes. Porque, seu idiota, você
estava se esfregando com outra mulher na frente dela!
Daniel tentou dizer alguma coisa, mas não havia nada para ser dito.
Erick tinha a maldita da razão. Então, ele caiu em si. Daniel não queria ferir os
sentimentos da loura, mas temia que Melissa, bêbada como estava, abrisse a
boca e dissesse coisas que não deveria caso fosse rejeitada por ele. O maldito
vídeo estava acabando com sua maldita vida e lhe tirando a maldita paz.
Fechou os olhos e respirou fundo, mentalizando que logo ele se veria longe
das chantagens da maldita ruiva.
— E eu já percebi que gosta dela… Há muito tempo — Erick continuou,
o que o fez voltar à realidade.
Daniel continuou em silêncio, não pensou em rebater esse argumento,
pois sabia que nenhuma outra justificativa sustentaria os porquês de suas
ações.
— É por isso que eu não entendo por que age assim com ela. Se vocês
se gostam, que se assumam logo, pois eu sei que Sophia gostaria de te assumir.
E de ser assumida — finalizou enfatizando suas últimas palavras.
Daniel seguiu mudo. Não sabia o que dizer. Talvez dizer que era um
imbecil que tinha medo de se relacionar amorosamente por conta de
experiências ruins no passado.
— Eu não gosto dela — respondeu por fim, balbuciando. — Eu só
estava bêbado demais para raciocinar.
Com um suspiro derrotado e inconformado, Erick apenas acenou e se
levantou, percebendo ser impossível tentar convencer Daniel a assumir seus
sentimentos e, consequentemente, a relação dos dois. Ele chegara ali na
missão de cúpido. Era impossível não reparar na mistura de tristeza e amor em
torno dos grandes olhos verdes da loura, e ele, mais do que ninguém, gostaria
de vê-la bem e feliz. Mas com Daniel dificultando tudo, sendo orgulhoso e
cabeça-dura, não havia nada que ele pudesse fazer, a não ser incentivar Sophia
a se separar dele; somente assim poderia ver sua amiga estampando sorrisos
outra vez.
— Tudo bem, então. Só saiba que Sophia está cansada das suas atitudes.
Todas elas. E está no limite — disse andando até a porta; se virou, deixando
parte do corpo para fora, e antes de sair, completou: — E ela pedirá o
divórcio.

♦♦♦

E ela pedirá o divórcio.


As palavras de Erick ecoaram em sua mente, deixando-o levemente
aterrorizado. Por mais que soubesse que uma hora ou outra o divórcio viria,
por alguma razão desconhecida, naquele momento, ele não estava preparado
para se ver separado de Sophia. Seu coração pulou no peito ao imaginar que
não viveriam mais na mesma casa, que seria cada vez mais raro se deparar
com o seu sorriso contagiante, ou os olhos brilhantes.
Em nenhum minuto pensou em sua herança. Daniel nem estava se
importando com isso, e, na realidade, lembrou-se de que tudo o que viveram
ali – bem ou mal – seria jogado aos ventos, e ele a perderia. Talvez para
sempre.
Apertou a campainha incansavelmente. Precisava espairecer a cabeça,
organizar sua mente e acalmar seu coração, mas se continuasse preso dentro
daquelas paredes enlouqueceria. Sem nenhuma demora, uma enfermeira surgiu
levemente alarmada pela campainha irritante vinda do leito de seu paciente.
— Sente-se bem, senhor Müller? — inquiriu a passos rápidos em sua
direção.
— Sim. Preciso ir embora. — E já tirava o intravenoso de suas veias.
— O senhor ainda não recebeu alta — a mulher o advertiu tentando
impedir que ele tirasse o soro.
— Não me importa. Eu quero sair daqui!
A enfermeira fez mais algumas tentativas fracassadas de convencê-lo a
ficar, enumerou razões pelas quais ele não deveria ir antes de ser liberado por
um profissional. Mas Daniel pouco se importou. Em segundos, agarrou a
mochila que Heitor trouxera e entrou no banheiro, saindo de lá vestido e
andando a passos lentos, por causa da dor insuportável nas costelas.
— Senhor Müller… — A funcionária do hospital tentou novamente,
desta vez na companhia do médico de plantão, este que também quis
convencê-lo a ficar e esperar pelo outro dia para que pudesse ir embora.
— Não. Eu tenho que ir — teimou pela vigésima vez.
Diante da insistência do paciente, o médico cedeu e o obrigou a assinar
um termo de responsabilidade.
Já no lado de fora, Daniel sentiu a brisa gelada contra sua pele.
Caminhou com cuidado até a praia, soltando, vez ou outra, resmungos e
injúrias por conta dos ossos doloridos. Pensou que o efeito dos analgésicos
estava passando, e que precisava urgentemente conseguir outros. A caminhada
durou uma hora – cheia de paradas para respirar e recuperar a compostura.
Enquanto fazia o percurso até seu destino, Daniel pensou ainda mais em
Sophia: do momento em que a conheceu à fatídica briga por causa dela. A
confusão em seu interior o bombardeava, um impasse de falar dos seus
sentimentos para não perdê-la, para que ela, de alguma forma, desistisse de
pedir o divórcio, se Erick estivesse mesmo certo.
Uma vez na praia, ele se sentou na areia, abraçando os joelhos e
deixando que o vento soprasse seus cabelos, rezando para que a brisa levasse
todas as suas angústias e dores. Principalmente sua dor no coração.
Refletindo sobre as palavras de Erick, lembrando-se de cada bobagem
que havia cometido nos últimos tempos, recordando-se das vezes em que viu
Sophia chorando por sua causa, Daniel percebeu como falhou miseravelmente
na sua promessa. Era um maldito imbecil que não merecia nada além do
desprezo de Sophia.
As horas transcorreram, e todo tempo apenas ficou sentado na areia,
divagando por cada momento que viveu com sua esposa de conveniência – dos
bons aos ruins; ainda que os ruins tenham sido mais que os bons. Sorriu
suavemente ao se lembrar da noite deles se amando na areia da praia; ele,
sentindo um prazer inédito, ouvindo seu nome ser gemido ao pé do seu ouvido;
ela, agarrando suas costas, acarinhando sua pele e retribuindo os beijos de
forma tentadora.
“Se vocês se gostam, que se assumam logo, pois eu sei que Sophia
gostaria de te assumir. E de ser assumida”.
Com um suspiro trêmulo, Daniel refletiu seriamente sobre os conselhos
de Erick. Mas pensou que, desta vez, Sophia sequer olharia em sua cara. Sim,
ele ponderou em falar sobre seus sentimentos confusos e distorcidos, se
desculpar sobre suas atitudes descabidas, por tê-la magoado tantas e tantas
vezes, por ter quebrado promessas. Ponderou em dizer “eu quero tentar de
verdade”, mas o medo que ela o rejeitasse, que dissesse não, que batesse em
seu peito e gritasse que o odeia, controlava seus impulsos.
Afagando o rosto desesperadamente, caiu em si e percebeu que foi tolo
por todo aquele tempo. Se antes ele não queria se abrir por medo de rejeição,
agora, por mais que se declarasse, havia uma chance enorme que fosse, de
fato, rejeitado.
Enchendo os pulmões de ar, esvaziou a mente e sentiu uma pequena
esperança de que, se tudo entrasse nos eixos, se Sophia tivesse um tempo para
pensar e reconsiderar o pedido de divórcio, ele poderia ter uma chance de
sentar e conversar com calma. Porém, se ambos se encontrassem com os
ânimos fervendo, o pedido de separação seria iminente e sua esperança iria
por água abaixo.
Por isso, tomou a decisão mais precitada e impensada da sua vida:
levantou-se e tirou a areia impregnada em sua roupa. Olhou para o céu já
escuro pela noite. Sequer percebeu o anoitecer, perdido nos próprios
pensamentos. Ainda com dificuldade, caminhou até encontrar um táxi.
Chegando em casa, agradeceu mentalmente por nem Sophia, nem Heitor
estarem presentes, e ao olhar no relógio se lembrou de que provavelmente
foram ao hospital. Ela talvez não. Talvez estivesse com Erick…
Engoliu fortemente seu ciúme e fez seu caminho até o quarto. Assim que
abriu a porta, se deparou com sua cama desarrumada‚ e se aproximou com
cautela, sentando-se no local onde o lençol estava bagunçado. Tomou o
travesseiro em mãos e o abraçou contra seu rosto, inspirando fundo o cheiro
incomparável do shampoo de baunilha usado por Sophia.
Ela esteve aqui, pensou, vagueando em sua mente, tentando não pensar
se ela dormiu agarrada ao seu travesseiro imaginando-o ao seu lado. Com um
suspiro pesado, Daniel deixou seus pensamentos de lado e se levantou,
buscando por algumas peças de roupa. Tomou o celular em mãos e sorriu
pequeno ao ver a foto de proteção de tela. Ele vinha usando aquela imagem há
quinze dias. Lembrou-se de uma noite que sentiu falta de Sophia ao seu lado e
de lhe beijar a testa desejando boa noite, pegou o celular e começou a
vasculhar suas fotos e sorriu largamente ao se deparar com aquela. Haviam
tirado em uma viagem a negócios, Sophia relutou muito para tirar a foto, o que
o fez gargalhar. Jogando os braços por seus ombros e a prendendo contra seu
corpo, conseguiu, por fim, o retrato com a loura, que, timidamente, cedeu e
apenas sorriu pequeno, mas de forma encantadora.
Afastou as lembranças, mandou uma mensagem ao irmão e guardou o
celular no bolso. Agarrou sua bolsa e desceu as escadas. Olhou uma última
vez para trás, suspirando em indecisão. Reforçou mentalmente que ambos
precisavam de espaço, precisavam pensar e pôr a cabeça no lugar.
Mesmo com seu coração pulando e o arrependimento de ter que deixá-la
para trás batendo forte em seu peito, ele entrou em seu carro e partiu para
longe dali, totalmente sem destino.
31
DIVÓRCIO

Duas semanas depois.

Sophia levantou cedo e se arrastou até a cozinha, querendo apenas um


café forte para despertar o sono que vinha dominando-a há quase quinze dias.
Desde que Daniel partira.
Desde que ele resolvera que queria um tempo sozinho.
Ele havia feito duas ou três ligações dizendo que estava bem e que logo
retornaria. Mas Daniel havia falado apenas com Heitor pelo celular pessoal.
— Sophia está aqui, quer falar com ela? — Heitor perguntou em uma
das suas raras ligações.
O olhar entristecido de sua íris azul, acompanhado de um sorriso breve
no rosto que ele lhe lançou, a fez perceber que a resposta de Daniel tinha sido
não. Ele não queria falar com ela.
E por mais que dissesse a si mesma para não se afligir por causa de
Daniel, seu coração teimoso fazia tudo ao contrário. Sophia havia se
preocupado, todos os malditos dias, a cada hora, a cada minuto.
Ignorando sua aflição naquela nova manhã sem a presença de Daniel,
Sophia fez seu café na cafeteira, e assim que estava pronto, colocou uma
generosa dose na caneca. Pensando em subir para o quarto e saborear a
cafeína antes de seguir sozinha para a empresa, virou-se e se deparou com os
olhos de cores indecisas – alternadas entre o azul e o verde – que tanto
conhecia.
Daniel estava parado na entrada da cozinha. Um olhar confuso, e talvez
tímido, estampado no rosto – agora já quase cem por cento recuperado, havia
apenas uma pequena mancha amarelada no lado de uma das suas bochechas. O
cabelo estava bem arrumado, jogado de lado e formando um topete volumoso,
como ele gostava de usar. Usava uma camisa de gola azul, que destacava ainda
mais seus belos olhos claros, e jeans tingido apertando seus quadris e
delineando as pernas compridas.
Encostado ao batente da porta e de braços cruzados, assim que seus
olhares se encontraram, ele sorriu brevemente, talvez um pouco sem jeito
diante dela.
— Daniel… — Sophia murmurou surpresa e ao mesmo tempo aliviada
em vê-lo depois de tanto tempo.
Daniel pôs se a andar em sua direção, desejando abraçá-la e ter a
conversa que tanto ansiou. Havia ficado longe de Sophia Hornet o suficiente
para pôr sua cabeça no lugar e assumir que era hora de se declarar, de falar
dos seus sentimentos e implorar, mais uma vez, por perdão. De pedir por mais
uma chance, mais uma oportunidade.
Mas Sophia, numa crise de ansiedade, diminuiu o espaço entre eles e
correu até seus braços. Ela o abraçou forte, e com o seu corpo junto ao dela,
os pequenos braços rodeando sua nuca, suavizou a tensão que o dominava.
Temeu que ao chegar fosse recebido com ódio e desprezo.
Mas Sophia o abraçou forte. Correu até ele.
— Oh, meu Deus, Daniel. Eu fiquei tão aflita… — ela choramingou
ainda agarrada em seu corpo.
Retribuindo o abraço tão caloroso, Daniel lhe afagou os cabelos
amarelos.
— Eu estou aqui. Estou bem…
Subitamente, Sophia interrompeu o abraço e o encarou nos olhos. O
sorriso que Daniel tinha no rosto sumiu ao notar que a expressão aliviada de
Sophia se foi, pois seus olhos, agora, queimavam de raiva.
Então, ele sentiu um estalo forte esquentar seu rosto, e a ouviu falar com
raiva: — Nunca mais desapareça assim, seu idiota!
Daniel olhou para Sophia com a expressão surpresa. Levou a mão até o
lado do rosto atingido, ainda sentindo o ardor. Atordoado, tentou entender a
súbita mudança da loura.
Quando chegou em casa, imaginou todas as reações possíveis por parte
de Sophia: desprezo – por ele ter se ausentado por duas semanas; alegria – por
revê-lo depois de tanto tempo; indiferença – porque ainda estava aborrecida
com o acontecimento do Ano-Novo; raiva – por ele ter brigado com Erick e
ela não ter lhe dito as coisas entaladas em sua garganta.
Mas Daniel nunca imaginou uma reação bipolar. Primeiro, um abraço
reconfortante que o fez perceber que ela sentira sua falta e que, de verdade, se
preocupou. Depois, seus olhos brilharam de raiva, como se Sophia o odiasse
desde sempre, seguido de uma bofetada que temia receber desde que estava no
hospital, em Angra dos Reis.
— Eu não desapareci! — protestou, enfim. — Vocês não ficaram sem
notícias minhas. Eu só precisava de uns dias, Sophia.
Sophia respirou fundo, tentando controlar o sangue borbulhando em suas
veias. Ela ainda estava cansada que Daniel, mesmo longe, dominasse seus
pensamentos em preocupação. Sentia raiva por ter adiado sua conversa com
ele, porque ele precisou de um “tempo sozinho”. Por todos aqueles dias,
perguntou-se por que diabos Müller precisava ficar sozinho. Deveria ser ela a
pedir um tempo, exaurida em tanta confusão e briga.
Preenchendo os pulmões com ar, deu um passo atrás, afastando-se de
Daniel, antes de dizer o mais calmamente possível, mas sua voz ainda saiu
rasgada de raiva: — Precisava de uns dias para curar o estrago que Erick fez
no seu rosto? Por que estava envergonhado de que eu visse como você levou
uma surra? Foi por isso que precisou de uns dias para ficar sozinho, Daniel?
Daniel separou os lábios, atônito com a atitude de Sophia. De fato, ele
não esperava ser recebido dessa maneira. Sua esperança quando resolveu dar
um tempo era que Sophia também se acalmasse. Mas, pelo visto, sua decisão
surtiu efeito contrário, e a loura parecia mais nervosa do que nunca.
Por um segundo, concordou com ela. Müller vinha sentindo uma pontada
de medo em revê-la com o rosto preenchido por lesões e curativos. Seu senso
de macho-com-orgulho-ferido gritou dentro dele, fazendo-o sentir uma pitada
de vergonha em ter perdido uma briga; vergonha por não parecer forte o
suficiente na frente de uma mulher.
Daniel, você não é um macho alfa tentando dominar e impor-se ao seu
inimigo, mentalizou de repente, tentando voltar sua atenção à loura que
continuava em sua frente, agora, de braços cruzados e uma sobrancelha
levemente arqueada, esperando por uma resposta.
Forçou sua mente a levá-lo para o real motivo de ter se ausentado por
duas semanas e disse, franzindo o cenho:
— Não. Eu queria dar um tempo para nós dois.
— Dar um tempo para nós? — Sophia falou, a voz ainda carregada.
Respirando fundo, e decidido que era hora de ser franco, Daniel passou
por ela, indo até a cafeteira e dispondo uma dose de café na xícara. Antes de
começar a abrir seu coração, precisava de cafeína para organizar seus
pensamentos e procurar pela frase – ou palavra – correta para iniciar a tão
temida conversa. Mas como ele iria falar de seus sentimentos sem soar
patético?
Virou-se para Sophia, levando um gole à boca, pensando em como
começar a dizer: tive ciúmes. Gosto de você, por isso quis matar o Erick.
Você quer o divórcio e isso me aterroriza.
Sophia continuava a encará-lo, estranhando seu silêncio repentino, e
esperando pacientemente uma resposta.
— Erick me disse que você ia pedir o divórcio. — quebrou o silêncio,
por fim, com um sussurro inicial. Tomou outro fôlego, e continuou, tentando
soar naturalmente: — Mas eu não quero me divorciar, Sophia. Eu achei que…
se adiasse esse momento, você se acalmaria e reconsideraria esse pedido. Por
isso “sumi” — fez aspas com os dedos, desajeitadamente por ainda segurar
sua xícara com café — por esses dias. Só queria dar um tempo para nós.
Sophia piscou várias vezes, concebendo aos poucos o que lhe foi dito.
Ficou momentaneamente surpresa por Erick, teimosamente, ter procurado
Daniel. Sua curiosidade quase a forçou a desviar o assunto e perguntar sobre o
que os dois conversaram. No entanto, mantendo o foco, ela endireitou o corpo,
fitando Daniel nos olhos, convicta da razão de ele não querer o divórcio.
—Você sempre pensando na sua maldita herança, não é? Quando vai
deixar de ser egoísta, Daniel?
Daniel enrugou a sobrancelha ainda mais. De onde Sophia havia tirado
aquela conclusão precitada (e maluca) de que ele não queria a separação por
estar pensando em sua herança? Em nenhum momento considerou isso. O
motivo de não querer o divórcio era porque não via sua vida sem Sophia, não
conseguia enxergar um futuro sem Sophia nele.
— Eu não me importo com minha herança! — rebateu pousando a xícara
sobre a bancada com um pouco de brutalidade. — Se eu não quero o divórcio
é porque eu gosto de você! — falou de repente, tão alto e firme que
surpreendeu até a si mesmo.
— Engraçado isso, Daniel! — Sophia agora estava gritando, seus
grandes olhos verdes saltando em raiva. A declaração de Daniel não a abalou.
— Engraçado você me dizer isso somente agora, quando quero o divórcio e
você pode perder a sua maldita herança! Por que não me disse antes? Por que
não me disse quando eu me abri pra você? Por que só agora, Daniel? —
Sophia se cercou dele com rapidez, e quando deu por si, batia em seu peito
com o indicador, falando: — Então, senhor Müller, guarde seus falsos
sentimentos pra você. Mentiroso hipócrita! — despejou cheia de ódio.
Daniel mal teve tempo de retorquir as palavras da loura. Ainda
formulava uma resposta, quando Sophia deu-lhe as costas e saiu de sua vista,
pisando firme, a cólera exalando em seus movimentos corporais.
Por alguns segundos, Daniel ficou apenas sozinho, reorganizando sua
cabeça confusa, perguntando a si mesmo se tudo o que ouvira de Sophia de
fato ela havia dito. Definitivamente, não era isso que esperava ouvir de seus
lábios, não era essa a reação que imaginava que ela teria.
Ela duvidou de mim? Perguntava-se interiormente, ainda abobalhado.
Por mais que continuasse confuso e atordoado com a reação de Sophia,
segundos depois, pôs-se a caminhar atrás dela, seguindo-a. Viu quando ela
terminava de subir as escadas e dobrava a esquina do corredor no piso
superior. Correu até ela, pulando dois degraus de cada vez. Quando a
alcançou, Sophia entrava em seu quarto e batia a porta com força.
Ele sequer pensou. Abriu-a outra vez, também com rispidez, e entrou no
cômodo, sentindo uma necessidade imensa de esclarecer as coisas. Mas a cena
seguinte o deixou emudecido. Sophia pegava uma mochila e colocava algumas
peças de roupa dentro.
Perplexo, Daniel acompanhou a cena com o cenho franzido, assimilando
o que raios Sophia estava fazendo. Enfim, disse: — O que está fazendo?
— Arrumando uma muda de roupa — respondeu sem se alterar e sem
encará-lo. — Assim que tiver um lugar fixo, volto e busco o restante. Estava
esperando que você voltasse para que eu pudesse partir.
Daniel vacilou, cada vez mais atônito.
— Está… indo embora? — A possibilidade o aterrorizou.
Finalmente, Sophia virou-se para ele. Seus olhos verdes brilhando em
uma mistura de determinação e raiva.
— Sim. Eu disse que queria o divórcio. E ainda quero. E também estou
me demitindo da Swiss — declarou, jogou a mochila sobre os ombros e
passou por um Daniel apavorado.
Ela já descia as escadas quando Müller a alcançou.
— Você não pode ir embora. Sophia, por favor! — proclamou com a voz
alarmada.
— Não só posso, como já estou indo. Em breve meu advogado entrará
em contato com você, senhor Müller — respondeu sem voltar-se para ele,
com certo desdém, chegando até a saída da mansão.
Daniel estacou no meio do caminho, seus olhos se negando a acreditar
no que viram, seus ouvidos se negando a crer no que ouviram, seu coração
pulsando tão rápido que ele sentia que a qualquer momento poderia saltar do
peito. Num ato impensado, diante de um momento de tensão e apavorante para
ele, no intuito de, alguma forma, impedir que Sophia fosse embora, declarou
alto:
— Você está quebrando o contrato! Se sair por essa porta, senhorita
Hornet, vai perder tudo o que firmamos naquele maldito papel. E você sabe
muito bem que sua família ainda não se recuperou cem por cento
financeiramente! Seu pai ainda me deve as ações da ConstruHornet que foram
investidas com o meu dinheiro! — Sua voz saiu tão carregada que Daniel
assustou-se consigo mesmo.
Sophia, que já estava do lado de fora, parou, abaixando a cabeça para o
chão, mas ainda de costas para ele. Sentiu suas lágrimas se acumularem.
Pensou em como aquele casamento nunca deixaria de ser de interesses, em
como Daniel nunca nutriria nada por ela, pois estaria ocupado demais
pensando em como não perder sua parte da herança.
Lentamente, e secando algumas lágrimas que rolaram pelo seu rosto,
girou o corpo, seu rosto rasgado de raiva e tristeza, decepção e rancor. Já
estava farta daquela vida que tanto a afligia.
— Eu já desisti de um casamento que ajudaria minha família. O que te
faz acreditar que não desistirei desse? — enunciou convicta. — Não se
preocupe, Daniel. Eu darei meu jeito de ajudá-los, darei meu jeito de pagar o
que você investiu na construtora. Mas não irei me submeter a você, a esse
casamento que tem me tirado a paz, simplesmente para não deixá-los na
falência. Passar bem — finalizou e saiu caminhando. E por mais que Daniel
gritasse seu nome, ela não lhe deu atenção, entrou em seu carro e sumiu no
horizonte.

♦♦♦

Sophia dirigiu até um hotel bem longe da casa de Daniel. Precisava,


mais do que nunca, de distância dele. Enquanto dirigia, sentiu suas lágrimas
rolarem pelo rosto, a dor de ter que deixar tudo para trás apertando seu peito.
Engolindo em seco, e pensando que dessa forma seria melhor, fungou e limpou
as lágrimas. Talvez, agora, ela pudesse entender a frustração de Miguel de
amar e não ser correspondido.
Balançou a cabeça. O que sentia não era amor. Só um sentimento
confuso e passageiro que logo a deixaria, e então não mais sofreria por
Daniel. Puxou o freio de mão quando estacionou o carro e encostou a cabeça
no volante, fazendo seu coração bater normalmente, controlando sua
respiração curta. Por um segundo, pensou em como ajudaria sua família sem o
dinheiro do acordo firmado com Müller – a construtora ainda não havia
reconquistado completamente seu espaço, os lucros continuavam baixos, e o
pouco que faziam, metade era de Daniel e a outra mantinha a família de
Sophia. O casamento havia sido por separação de bens, então o divórcio não
lhe traria benefício nenhum que pudesse ajudá-la com a questão financeira dos
pais. Quebrar o contrato e pedir a separação era condenar ainda mais a família
Hornet. No entanto, mais uma vez havia passado por cima de sua família para
não pôr em risco a própria felicidade. Outra vez tinha sido uma maldita
egoísta.
Levantou os olhos para o hotel que se erguia à sua frente, fitando-o
neutra. Não voltaria atrás na sua decisão, não se submeteria ao Daniel e ao
casamento para ajudar seus pais e irmãos; daria um jeito, arrumaria outro
emprego, cortaria gastos, economizaria, utilizaria, até quem sabe, as
economias que vinha guardando desde que começou a trabalhar na Swiss.
Convicta, pegou a mochila e saiu do carro, jogando-a sobre os ombros.
Respirou fundo outra vez, mas agora pensando em ligar para os pais e pedir
permissão para voltar para casa.
Afastando qualquer preocupação precipitada, fez sua reserva no hotel,
pescou as chaves e subiu para o quarto querendo deitar-se e analisar a vida,
buscar por alguma solução para resolver seu problema atual. Talvez, olhasse
os classificados e naquele dia mesmo já sairia atrás de outro emprego.
Jogou-se na cama assim que entrou no recinto. O cansaço mental, não
somente naquele momento, mas uma bola de neve que vinha se formando há
muito, fez juntar lágrimas em seus olhos. Sophia repreendeu-se mentalmente.
Estava cansada de chorar. Mas as lágrimas eram inevitáveis, e contrariando
todos seus planos, soluçou até adormecer.

♦♦♦
Daniel estava paralisado. Seus olhos atônitos fixavam-se na saída da
casa, onde, há segundos, Sophia saiu, deixando-o para trás. Pela primeira vez
desde muito tempo, seus olhos lacrimejaram, e a realidade de nunca mais vê-
la o deixou em estado de choque. Seu coração veio à boca, sentiu suas pernas
tremerem, e quando deu por si, uma lágrima tímida escorreu quando ele
piscou. Ainda não conseguia entender tal reação de Sophia. Ele sonhou tanto
com o momento que ele retornaria e eles teriam uma conversa civilizada, que
agora, sozinho na imensidão de sua casa, não conseguia assimilar toda a nova
realidade.
Rebobinando sua mente, as vozes de Erick e Heitor ecoaram em sua
cabeça como um sussurro atormentador: ela já está no limite. Lembrou, então,
das inúmeras vezes que foi um imbecil e um idiota. Com um suspiro trêmulo,
aceitou que dessa vez não haveria mais volta, e que seus sentimentos, mesmo
expostos, não valeriam nada para Sophia.
Mesmo aceitando que Sophia partiu, Daniel continuou parado na entrada
da casa, com esperança que ela voltasse, desejando profundamente que Sophia
se arrependesse. Já até imaginava-a descendo do carro, correndo ao seu
encontro, o abraço que ele lhe daria e que a tiraria do chão e a giraria no ar,
um beijo intenso e apaixonante que trocariam. Mas os segundos foram
passando e os desejos não se realizaram.
De súbito, seu celular tocou, ressoando estridentemente em seus
pensamentos e fazendo-o voltar ao mundo real. Ainda atordoado, sacou o
celular do bolso, para no instante seguinte uma vã esperança de que fosse
Sophia ligando o enchesse. Suspirou de frustração ao ver que o número que
piscava na tela não era da loura.
— Oi, Rodrigo — atendeu após recuperar a postura.
— Oi, Daniel — disse a voz do outro lado. — Aquele trabalho que você
me passou há mais ou menos um mês e meio — continuou o homem, pescando
assim a atenção de Müller —, estou com um relatório detalhado e completo,
além das imagens das câmeras de vídeo. Se você quiser, te entrego ainda
hoje.
Daniel apertou a ponte do nariz, todas as suas aflições do momento
sendo substituídas por um alívio. Limpou a garganta antes de dizer:
— Não, ainda não. Melissa não me entregou a última cópia do vídeo.
Sei que não importa mais, mas quanto mais evidências e provas, melhor pra
mim.
— Você é o chefe aqui, Daniel. Assim que quiser esses documentos, eu
te entrego.
— Ok, Rodrigo, agradeço sua ajuda. Eu entro em contato para
marcarmos o local da entrega. As paredes daquela empresa têm olhos, ouvidos
e vida própria! — declarou sério, e o homem gargalhou do outro lado uma
única vez. Teria continuado se não fosse o silêncio intimidador de Daniel.
— Como você quiser, Daniel. — disse enfim, recompondo-se.
— Eu te ligo em breve — dito isso, desligou.
Daniel segurou firme o telefone, um pequeno sorriso estampado nos
lábios. As coisas boas começavam a caminhar para o lado dele, e dentro de
pouco se veria livre da ruiva diabólica.
No mesmo instante, lembrou-se de Sophia. Pensou que justo agora,
quando as malditas chantagens logo acabariam, não poderia permitir que a
Hornet se fosse. Daniel precisava de mais uma chance. Precisava se
esclarecer, dizer que não se importava com sua herança, que seus sentimentos
eram reais. Buscou em sua mente possíveis lugares onde ela poderia estar, mas
não encontrou nada. Ponderou que, talvez, Sophia tivesse ido para longe, para,
realmente, não ser encontrada.
Tentou algumas chamadas em seu celular, porém, após incansáveis
toques, foi direcionado para a caixa postal. Frustrado e sem opção, Daniel não
sabia mais o que fazer para encontrá-la. Afagou o rosto, desesperado.
Não posso perdê-la.
Então, como uma luz no fim do túnel, algo lhe veio à mente.
Minutos depois, já estava dirigindo ao encontro de Sophia.

♦♦♦
Sophia despertou aos poucos, seu corpo protestando de cansaço, tanto
físico quanto mental, mesmo após algumas horas de sono. Espreguiçou-se na
cama, sentindo o sol entrar pela janela e aquecer seu rosto. Sentou-se e coçou
os olhos, sem ideia de quanto tempo havia dormido.
De repente, deu um sobressalto na cama, assustada com a presença
repentina de uma pessoa que ela não esperava ver.
Daniel estava sentado em uma poltrona, a expressão serena, os lábios
curvados em um sorriso singelo. Passou as últimas duas horas sentado ali,
observando-a dormir, aguardando com paciência seu despertar, para que ele
pudesse se explicar, pedir que ela voltasse para casa, afirmar ser verdadeiro
seus sentimentos.
Recuperando-se do susto, Sophia endireitou o corpo.
— O que está fazendo aqui? — cuspiu.
O sorriso de Müller se esvaiu. Ela continuava irredutível.
— Quero conversar — respondeu suavemente.
— Como me encontrou? — Ignorou-o. — Por que permitiram sua
entrada aqui?
Daniel suspirou.
— Rastreei o seu carro — disse quase que em sussurro. — E aleguei ser
seu esposo, Sophia… Apresentei meus documentos…
— Vai embora — pediu levantando-se e caminhando até a porta. Abriu-
a e aguardou a saída de Daniel.
Mas ele permaneceu no mesmo lugar, o semblante ligeiramente
enrugado, sua face torcida mostrando a tristeza que sentia pelo tratamento que
recebia, pela indiferença que partia de Sophia.
— Não enquanto eu não disser o que vim para dizer. Depois disso, eu
até posso ir embora — decretou, levantou-se da poltrona e caminhou em
direção a ela.
Olharam-se nos olhos, Daniel esquadrinhando cada pedaço dos grandes
olhos verdes dela, sentindo a respiração quente de Sophia bater contra seu
rosto. Delicadamente, segurou-a pelo punho, fechou a porta e calmamente
direcionou-a até a cama, onde se sentaram frente a frente. Em nenhum momento
Sophia protestou, o que foi um alívio para Daniel.
— Daniel… — ela murmurou com um suspiro, querendo dar um basta
naquilo. Estava cansada e nada a faria mudar de ideia.
Mas foi calada com ele pressionando levemente seus lábios nos dela.
Surpresa, ela arregalou os olhos e não se moveu. Daniel se afastou depois de
dar um pequeno estalo em sua boca.
— Volte para casa… — pediu sussurrando.
— Não — rebateu se afastando, mas mantendo-se sentada na cama.
Tristemente, Daniel acenou e, sem que ela esperasse, segurou-a pelas
mãos, acariciou-as em movimentos circulares com o polegar. Sophia não se
esquivou – o gesto era demasiadamente bom.
— Em momento algum pensei na minha herança — começou. — Não
quero me separar de você porque eu… Eu sinto algo, Sophia — sussurrou e
levantou seus olhos para ela. — E quero descobrir isso com você.
— Como quer que eu acredite? — inquiriu serena. — Depois de tudo,
Daniel? Suas bobagens que só me magoaram, ter se aberto só quando soube
que eu pediria o divórcio? Ter me deixado pra ficar com aquela ruiva sem
graça? — O polegar dele contra a pele das costas da mão de Sophia
continuava.
— Estava confuso, Sophia… e com medo. É um sentimento diferente pra
mim, entende? — Novamente levantou os olhos para a loura, que continuava a
encará-lo com um semblante neutro. — Não percebe que a maioria das minhas
bobagens foi motivada por ciúmes? Ciúmes de você?
Ela agora estava com os olhos lacrimejantes. O toque em sua mão
continuava, mas Sophia se esquivava como se a tivesse queimando.
— Eu não sei, Daniel. Você… me magoou muito.
— Me desculpe… por favor, me desculpe. — Daniel tentou alcançar a
mão dela, mas Sophia se esquivou outra vez. — Juro que dessa vez será
diferente.
— Daniel, está decidido: eu quero o divórcio — falou convicta,
limpando rapidamente as lágrimas que desciam.
Ele suspirou em derrota, sem saber o que fazer. Talvez resolvesse
ajoelhar-se e implorar ainda mais. Daniel a encarou. Sophia estava com o
rosto virado para o outro lado, o rosto expressando dor. Novamente, ele
percebeu que enquanto tentava não se magoar, a magoava. Ponderou que se
tivesse admitido antes que nutria sentimentos por ela, muitas mágoas e
rancores teriam sido evitados.
— Tudo bem, Sophia. Mas quero que continue na empresa — falou
calmo.
Ele não poderia forçá-la a nada, mas também não se humilharia. Faria
pouco a pouco por merecer sua confiança de volta. E começaria dando o
espaço que ela precisava.
— Não, Daniel, não posso — negou, encontrando-se com os olhos dele.
— Por favor, Sophia. Vou tirar a Melissa do cargo de secretária
executiva e colocar você de volta, que nem mesmo deveria ter saído dele. Não
quero que quebre o contrato, sei que a sua família ainda está se recuperando e
quero poder ajudá-los… Sei os planos que vocês fizeram com o dinheiro
desse casamento de conveniência.
— Quero ajudá-los, sim, Daniel, mas quero fazer isso com o meu
dinheiro! Não com o seu. Quero devolver cada centavo que você investiu —
retorquiu ríspida, se recordando das palavras arrogantes dele horas atrás.
— Tudo bem, Sophia, como quiser, mas, por favor, me deixe reparar um
pouco das coisas que te fiz. Continue na empresa, lá poderá trabalhar para
ajudar sua família e… Eu posso até pedir para o RH descontar uma
porcentagem do seu salário, se você quiser, mesmo que não seja necessário…
— Eu já disse que quero te devolver cada centavo! — interviu com a
voz elevada. Daniel apenas concordou com um breve aceno de cabeça.
— Será nos seus termos, Sophia, só, por favor, continue na empresa…
Se você quiser, eu te coloco em um cargo longe da presidência… — Fez uma
pausa e enrugou o cenho, baixando os olhos em seguida. — Se o problema for
eu — murmurou.
Sophia desviou os olhos outra vez, as lágrimas, agora, já não estavam
presentes. Seu coração estava partido com tudo aquilo. Um impasse entre
acreditar e perdoá-lo, acreditar e não perdoá-lo, não acreditar e não perdoá-
lo. Mesmo que Daniel tivesse se declarado, ainda era difícil aceitá-lo outra
vez. E se ele fosse do tipo ciumento e as confusões nunca parassem? E se ele
fosse possessivo e agressivo? E se ele estivesse mentindo somente para
segurá-la até completarem os seis meses de casado e depois a descartasse?
Eram tantas possibilidades e inseguranças que ela não sabia o que fazer.
Fechou os olhos, deixando o silêncio envolvê-la. Uma pequena lágrima
escorreu, a dúvida martelando. Seria conveniente continuar na empresa, tendo
de vê-lo todos os dias, talvez com outras mulheres, para poder ajudar sua
família sem se submeter ao casamento? Ela suportaria a dor da convivência
com Daniel? De tê-lo tão perto, mas tão longe? Valeria a pena todo o
sofrimento por qual passaria para suprir as finanças de seus familiares?
Sophia apertou os olhos ainda mais. Meu Deus, tantas dúvidas. Mas, e
se ela pedisse um cargo na fábrica, ou nos setores longe da Presidência, como
Daniel sugeriu? Poderia facilmente tocar a sua vida sem a convivência diária
com Müller?
Daniel a fitava, pacientemente esperando uma resposta. Não a
pressionaria, deixaria que ela decidisse. Mas rezava para que aceitasse sua
proposta. Com ela por perto, mesmo que estivesse relativamente longe,
poderia reconquistar sua confiança.
Sophia estava pronta para dar uma resposta positiva ao Daniel e aceitar
sua proposta, quando o telefone dele tocando a impediu. Ela suspirou, virando
a cabeça para o lado e cruzando os braços.
Daniel sacou o celular do bolso, vendo o nome piscando na tela.

Chamando
Melissa Telles.

Revirou os olhos, impaciente. Nos últimos quinze dias perdera as contas


de quantas ligações da ruiva havia ignorado – e em um de seus telefonemas a
Heitor, pediu que a avisasse que ele estava fora e por isso não atenderia as
chamadas dela, nem de ninguém. Mas a mulher era insistente e ligou todos os
dias. Pedindo um minuto, levantou-se e foi até o corredor, encostando a porta
atrás de si:
— O que você quer, Melissa? — inquiriu olhando por cima do ombro,
certificando-se de que Sophia não ouvira o nome da mulher. Sabia que aquilo
provavelmente a deixaria mais irritada.
— Finalmente atendeu esse celular, Daniel! — protestou com a voz
alterada.
— Heitor não te avisou que não atenderia chamadas de ninguém?
— Avisou, claro. Mas mesmo assim. Sabe que eu odeio ser ignorada.
— Olha, por que não diz logo por que me ligou? — pediu apertando os
olhos e mantendo a calma.
— Apareceu um pepino na empresa. Preciso de você aqui.
— Não pode resolver isso sozinha?
— Se eu pudesse, já teria resolvido.
— E Heitor?
— Não chegou ainda. E não atende o celular.
Sentindo-se extremamente irritado, ele concordou com um rosnar,
alegando que não demoraria a chegar. Guardou o celular no bolso do paletó,
respirou fundo e voltou para o quarto, observando Sophia sentada na cama, de
pernas cruzadas.
— Precisam de mim na empresa — disse caminhando até ela da forma
mais natural que encontrou. — Pense bem na minha oferta, Sophia. Por favor.
E me espere, eu volto para conversarmos.
Ela nada disse, apenas acenou com o rosto ainda virado.
Suspirando, Daniel deu um passo para sair, mas, subitamente, suas
pernas o arrastaram de volta. Ele segurou Sophia pelo rosto com as duas mãos
e a beijou profunda e calmamente. O coração de Sophia pulou de alegria, mas
seu consciente gritou pare. Não se importando se iria se magoar ainda mais
com Daniel, ela levou suas mãos até o rosto dele e retribuiu, fechando os
olhos para melhor sentir o doce dos lábios dele.
Segundos depois ele parou, encostando suas testas.
— Me espere — sussurrou, e quando Sophia abriu os olhos, ele já tinha
ido.

♦♦♦

Daniel chegou à empresa e assim que pisou no andar da Presidência


avistou Melissa junto à Anabelle discutindo sobre alguma coisa. Rapidamente,
ele avaliou seu traje e agradeceu por ela estar decente em uma calça social e
uma camisa branca de gola com babado, mas com dois botões soltos, deixando
à mostra o decote de seus seios fartos.
Ele limpou a garganta, o que chamou atenção das duas. Melissa sorriu
largamente e caminhou em sua direção, cumprimentando-o com júbilo.
— Daniel! Que saudades. — ela o abraçou, mas ele permaneceu imóvel.
— É bom revê-lo, senhor Müller — Anabelle disse ajeitando seus
óculos e corando com a cena da ruiva agarrada a ele.
Ele lhe deu um meio-sorriso e se afastou Melissa.
— Você me disse que tem um problema. Qual é? — foi direto ao
assunto.
— Venha, irei te mostrar. — Melissa Telles segurou-o pelo punho e o
arrastou até seu escritório.
Assim que ele fechou a porta, e virou-se para saber qual era o problema
urgente que Melissa não conseguia resolver, foi atacado pela ruiva que se
atirou em seus braços e lhe roubou um beijo. Daniel se assustou com o ato e
desvencilhou-se da mulher, limpando a boca.
— O que é isso, Melissa?
— Eu disse que estava com saudades, Dan... — disse dengosa dando
passos em sua direção.
— Melissa, por favor, aqui não!
— Então onde, Daniel? Quando? — ela aumentou a voz. — Estou
cansada desse joguinho de gato e rato. No começo estava me excitando, mas
agora está me deixando farta!
Daniel afrouxou a gravata, sentindo o suor escorrer por suas costas e
testa. Lembrou-se da ligação de Rodrigo. Respirou fundo mentalizando que em
pouco tempo isso tudo acabaria.
— Qual é o problema? — perguntou novamente desviando o assunto.
— Você! — a mulher gritou apontando o dedo para ele. — Você é o
problema, Daniel. Que não responde minhas mensagens, não atende minhas
ligações e não quer mais saber do nosso sexo!
— Dá para falar baixo? — sussurrou entredentes.
Melissa o fitou de semblante enrugado, a insatisfação visível em seu
rosto. Daniel inspirou de novo, tentando manter a calma e não despejar seus
planos tão bem elaborados antes da hora.
— O que você quer que eu faça?
— Sexo comigo! — rebateu firme.
— Melissa, por enquanto, não vai ser possível. Eu não quero que as
pessoas desconfiem ou… — Ele não pôde continuar, pois Melissa o
interrompeu.
— Talvez você queira que eu poste aquele vídeo. Não se esqueça de que
ainda tenho uma cópia.
Daniel cerrou os punhos, descarregando sua raiva. Mas, felizmente, ela
chegou ao ponto onde queria. Havia sido combinado que a ruiva lhe entregaria
a última cópia no final de Janeiro, e ainda tinham mais quinze dias até tê-lo em
mãos. Mas se ele conseguisse, o teria ainda naquela noite.
— Vamos fazer assim: eu saio com você, se me der essa cópia hoje.
Melissa pensou por um segundo analisando suas opções. Com um
sorriso escancarado, e sem temer nada, respondeu: — Combinado!

♦♦♦

O dia avançou lentamente e tudo que Sophia fez foi ficar no quarto,
alternando seu olhar para o relógio, para a porta, celular e para a televisão.
Sua espera angustiante pela vinda de Daniel quase estava lhe dando uma
úlcera nervosa. Não houve um minuto daquele dia em que ela não pensara em
suas palavras, recordando-se a do momento em que ele abriu, mesmo que
pouco, seu coração.
Eu não me importo com minha herança! Se eu não quero o divórcio é
porque eu gosto de você!
Era um sentimento diferente pra mim, entende? Não percebe que a
maioria das minhas bobagens foi motivada por ciúmes? Ciúmes de você?
Seguido do beijo que Daniel lhe deu, suas palavras pareciam soar tão
sinceras que por um segundo ela pegou-se imaginando ceder a Daniel, desistir
do divórcio, continuar com seu casamento. Por mais que ele não tenha lhe
assegurado nenhum relacionamento mais profundo e íntimo, Sophia ponderou
que era isso que de fato ele estava pensando, mas por força maior, ainda não
teve a oportunidade de falar-lhe.
Balançou a cabeça, tentando afastar seus pensamentos. Conversaria com
ele sobre isso quando retornasse.
Mas era quase seis da tarde e Daniel não havia ligado, nem chegado. Ele
prometeu voltar, mas não disse o horário, sua consciência acusou,
tranquilizando-a e apavorando ao mesmo tempo. Daniel simplesmente poderia
nem ao menos aparecer.
Sophia desceu até o restaurante do hotel e jantou – um modo que
encontrou para que as horas corressem e Daniel aparecesse a qualquer
momento. Terminou sua refeição, voltou para o quarto, tomou um banho e pôs
uma roupa mais apresentável. Pegou-se frente ao espelho analisando a si
mesma, pensando se Daniel iria gostar do vestido rodado.
Repreendeu-se outra vez, pôs calça jeans e regata e ligou a TV. Olhou no
relógio. Oito da noite.
A preocupação bateu. Até aquele momento estava apenas aflita com a
demora, mas se acalmou pensando que ele estava resolvendo algum problema
da empresa, e assim que seu expediente acabasse Daniel viria a seu encontro.
Mas, sendo quase nove da noite, seu horário de trabalho havia se encerrado há
muito e ele já deveria ter aparecido.
Preocupada, e também ansiosa, pegou seu celular e discou o número de
Müller. Alguns toques; ninguém atendeu. Tentou outra vez, e no segundo toque
sua chamada foi atendida.
— Celular do Daniel. — A conhecida voz irritante de Melissa soou
através da linha.
Sophia sentiu seu corpo estremecer. Porém, lembrando-se de que a ruiva
era sua secretária, o ato de ter atendido seu telefonema era normal,
principalmente se estivessem juntos em alguma reunião, ou trabalho. Tentando
manter o controle e não deixar se levar por sua mente paranoica e ciumenta,
perguntou:
— Onde está o Daniel?
— Está no banho. Você não sabe, mas ele transpira muito durante o
sexo.
Sophia sentiu seu coração parar. O sentimento de mais uma vez ser
deixada para trás por conta da ruiva a invadiu, fazendo seus olhos
instantaneamente juntarem lágrimas. Tinha sido uma tola por acreditar em
Daniel, em suas palavras vazias, nos seus sentimentos falsos. É claro que ele
continuava pensando em sua maldita herança!
— Quer deixar recado? — Melissa a puxou de volta.
Engolindo em seco, Sophia respirou fundo e fechou os olhos, deixando,
novamente, suas lágrimas escorrerem pelo rosto. Rogou a si mesma que seria a
última vez que choraria pelo cretino do Daniel Müller.
— Sim. Diga a ele que quero o divórcio! — disse irritadamente e
desligou o telefone, apertando-o contra o peito.
Deitou-se na cama outra vez, permitindo que as lágrimas viessem.
Culpou-se por continuar sendo o fantoche de Daniel, por se deixar levar por
palavras em vez das demonstrações, por permitir que seus sentimentos a
guiassem em vez de sua razão.
Pensou na proposta dele. Negaria, com toda certeza. Jamais suportaria
trabalhar com Daniel, ainda mais sabendo que ele apenas brincou com suas
emoções, que se aproveitou dos seus sentimentos para continuarem casados e
não perder sua herança.
Como sempre um cretino egoísta! Praguejou pressionando o travesseiro
contra o corpo.
Totalmente desesperada, e com uma ideia absurda na cabeça, tomou o
celular em mãos e discou outro número de quem ela tanta fugiu. Sem demora,
foi atendida:
— Miguel… — disse em soluços. — Preciso da sua ajuda.

♦♦♦

Sophia estava com as mãos no rosto, tentando controlar seu coração


descompassado. Enquanto isso, Miguel acariciava sua face e o cabelo. Assim
que Sophia lhe telefonou, ele não pensou duas vezes e veio ao seu encontro,
aflito com a forma que recebeu a ligação. Era perceptível que Sophia estava
chorando, desesperada.
Chegou ali e se deparou com ela deitada sobre a cama, encharcando o
travesseiro. Aproximou-se com passos rápidos, tomou-a no colo e afagou seus
cabelos até vê-la se acalmar por completo.
Não perguntou nada. Apenas deixou que Sophia despejasse suas dores e
angústias. Aguardou que ela dissesse o motivo de sua tristeza e de tê-lo
chamado, mas lá no fundo, sabia que o que levou Sophia a procurá-lo e ficar
nesse estado tinha um nome: Daniel.
Agora, ela estava bem mais calma, e Miguel continuava esperando
algum tipo de explicação.
— Quer falar sobre isso agora? — sussurrou, seus dedos ainda
dedilhando a face branca e delicada dela.
— Vou me divorciar do Daniel — disse por fim, tirando as mãos do
rosto. Os olhos avermelhados encararam Miguel, este com a expressão
complacente. — Mas não vou levar nada porque nos casamos por separação
de bens, então… — suspirou. — E eu quero devolver o dinheiro que ele
emprestou ao meu pai para que se recuperassem… Queria saber se você
poderia me conseguir algum trabalho na LG Construtora, ou em qualquer outro
lugar… talvez me indicar pra alguém ou…
— Sophia… — Miguel a interrompeu sereno. — Sabe que não precisa
trabalhar. — e colocou uma mecha atrás da sua orelha, encarando-a dentro dos
olhos com um sorriso encantador. — Case-se comigo — sussurrou
aproximando-se — Eu te ajudo no que for, sabe disso — falou sem dar a
mínima para os motivos que os levaram à separação prematura.
Sophia prendeu a respiração e se afastou um pouco, percebendo que
Miguel vinha ao encontro de seus lábios. Ajeitou-se na cama e desviou os
olhos.
— Não, Miguel. Eu não amo você.
— Mas me dê uma chance, Sophia. Eu sei que não me esforcei o
suficiente quando estávamos juntos, mas desta vez…
—Pare, Miguel — ela pediu cerrando os olhos.
Mais do que ninguém, Sophia sabia que Miguel Orleans havia movido
céus e terras para despertar nela a paixão que, agora, sentia por Daniel. Mas
seus sentimentos jamais foram revelados para ele. E encontrando-se nessa
situação, perdidamente apaixonada por Müller, agora, mais do que nunca, não
se casaria com Miguel. Não era justo, não era correto.
Miguel emudeceu, acenando.
— Eu amo o Daniel. Não quero me casar com você amando outro
homem. Não é justo com seus sentimentos.
— Eu não me importo com isso — declarou. — Posso conquistar seu
amor, eu sei disso. Só preciso de uma chance e de paciência.
Com um suspiro trêmulo, Sophia enxugou mais uma vez suas lágrimas.
Pensou em como Miguel não dava valor a si mesmo: aceitar que sua
companheira amasse outro homem era no mínimo falta de amor próprio. Mas
se ele não se importava, ela, sim.
— Só preciso de uma chance. Não precisamos nos casar já. Vamos
passo a passo, Sophia, aos poucos. Vamos fazer à sua maneira. Só… me dê
essa oportunidade.
Ela virou-se para Miguel, encarando o verde de sua íris. Sorriu pequeno
lembrando-se de que se conheciam desde sempre. Foram colegas no ensino
fundamental e ele sempre a ajudava nas questões de matemática, depois, no
ensino médio, com física e química. Pensou em como ele sempre foi
inteligente, por isso a Engenharia se tornou sua paixão. Tentou encontrar em
sua mente o momento em que ele começou a nutrir sentimentos por ela, mas
não se recordou de um momento específico em que desconfiou de tal fato.
Nítido, era seu pai, não há muito tempo, anunciando que ela se casaria com
Miguel para salvar a família da falência e de como Miguel sequer protestou
contra isso.
Divagando, ela não percebeu que ele se aproximou e tocou seus lábios
com o dele. Surpresa, Sophia arregalou os olhos, mas não se moveu, não teve
reação nenhuma. Na verdade, os lábios quentes de Miguel contra o seus,
despertaram nela algo que há muito ansiava e não sentia: a sensação de ser
amada.
Pensando nisso, inclinou-se e se rendeu ao charmoso Miguel, se
aproximando e segurando em sua nuca, colando mais suas bocas e
correspondendo ao beijo sereno.
Miguel parou e olhou em direção à porta que se abriu subitamente, mas
só percebeu agora. Sophia seguiu seu olhar e viu Daniel na porta, seu
semblante enrugado, denunciando a decepção diante a cena que viu.
— Não se preocupem… — falou com a voz arrastada. — Não parem
por minha causa.
32
OLHO POR OLHO

Impacientemente, Daniel aguardou o retorno da ruiva com a última cópia


do vídeo; queria acabar logo com tudo aquilo para voltar ao hotel onde Sophia
estava e então poderiam conversar. Mas era necessário ter paciência e
resolver um contratempo de cada vez. Descartaria primeiro Melissa e suas
chantagens. Tentou não se decepcionar que ainda teria de cumprir a sua parte
no acordo – a de ter um encontro com ela. Seu corpo, só de imaginar eles dois
juntos, estremeceu em ânsia. Se antes Daniel gostava do sexo casual, dos
encontros às escuras e da intimidade que tinha com Melissa, agora já estava a
ponto de explodir somente em ouvir sua voz.
Durante a espera, pensou em inúmeras desculpas de não cumprir com
sua palavra depois que o vídeo estivesse com ele. Definitivamente, não iria
dormir com Melissa. No entanto, sabia que fugir e dar pretexto à ruiva só a
deixaria mais furiosa, e sentiu um pequeno receio do escândalo que a maléfica
mulher poderia fazer – por mais que tivesse documentos que a intimidariam
por um bom tempo. Porém, Daniel sabia que era preciso ter certa cautela com
mulheres como ela. Nunca descartou a possibilidade de Melissa Telles ser tão
louca e desvairada a ponto de não se importar com sua própria imagem.
Respirou fundo, controlando o ritmo acelerado do seu coração. Se ele ia
dispensá-la, então que fosse digno. De qualquer maneira não faria mais sexo
casual com ela, não mais. Primeiro porque seria quebrar sua palavra com
Sophia. Segundo, porque ele não sentia prazer e excitação com a ruiva.
Sorriu de lado, maquinando algo.
Foi trazido de volta assim que ela surgiu pela porta.
Agora, Melissa e Daniel estavam na sala da Presidência, por volta de
dezenove e trinta.
— Está aqui, querido — Melissa disse entregando um pen drive para o
Daniel.
Sem hesitar um segundo, ele tomou o pequeno objeto, guardando-o no
bolso interno de seu paletó.
— Você me garante que não existe mais nenhuma cópia, não é? —
inquiriu desconfiado.
Melissa revirou os olhos.
— Claro que garanto.
Daniel movimentou a cabeça em positivo, mesmo sabendo que aquela
garantia não lhe valia de nada. Mas resolveu não se preocupar, pois tinha seus
próprios métodos de garantia, que em breve lhe seriam entregues.
— Sua vez de cumprir sua parte do acordo — Melissa falou
contornando a mesa e indo até ele, e como de costume, segurando-o pela
gravata e enrolando seus dedos nela.
Daniel tentou se esquivar, mas a mulher colou mais seus corpos.
Intimidado, permaneceu imóvel, observando-a – ela que, por sua vez, deu um
passo atrás, sorrindo maliciosamente e mordendo com intensidade o lábio
inferior. Com sensualidade, a ruiva abriu vagarosamente os botões de um
longo casaco que a cobria.
— Vou te dar aquele prazer que você tanto gosta… — sussurrou
revelando os trajes que usava: uma saia de couro muito curta e justa, deixando
à mostra suas coxas brancas e grossas. Um cropped branco com bojo que
ressaltava e delineava de forma perfeita os seios fartos e livres; dos pés subia
o cano de uma bota salto agulha até os joelhos; os cabelos caíam sobre os
ombros, ondulados com algum modelador. O rosto exibia uma maquiagem
forte e marcante, trazendo nos lábios um batom roxo fortíssimo.
Daniel vacilou um pouco, atordoado. Estava prestes a dizer-lhe alguma
coisa quando ela avançou sobre ele e o beijou, empurrando-o contra a mesa.
Alguns objetos vieram ao chão com o impacto dos dois corpos. Müller
retribuiu, mas logo a afastou, ofegando:
— Vamos com calma.
— Não! Estou faminta de você! — a ruiva protestou e intentou outro
beijo, mas foi impedida por Daniel, que gentilmente a afastou.
— Não aqui.
— Não há ninguém na empresa. Podemos transar na sua mesa. Quem
sabe um joguinho de chefe autoritário e secretária submissa? — insinuou
escorregando sua mão pelo peito dele.
Daniel sorriu antes de responder:
— Acho que tenho uma ideia melhor. Ainda tem aqueles brinquedinhos
na sua casa?
Ao ouvi-lo, Melissa sorriu largamente e, instantaneamente, o corpo
tremeu e se encheu de prazer. Acenou em positivo, imaginando que teria uma
noite inesquecível de sexo. De fato, sua noite seria inesquecível…
E mal esperava pelo que lhe aguardava.

♦♦♦

Melissa insistiu que eles tivessem o encontro em seu apartamento, mas


Daniel não quis; alegou que um motel – longe o suficiente da cidade – era mais
reservado. Ainda havia toda a história de manter a aparência de seu
casamento. A contragosto, ela topou e passaram em sua casa somente para
pegar os objetos eróticos que Daniel, incrivelmente, sugeriu. De dentro do
carro, Melissa esticou suas chaves para que ele pudesse entrar em seu
apartamento e pegar o que desejava.
Enquanto aguardava, o celular dele tocou, fazendo-a sobressaltar.
Buscou o aparelho, que repousava sobre o banco do motorista. A tela piscava,
Melissa esticou o pescoço só o suficiente para ver quem ligava para ele.

Sophia
Chamando
Revirou os olhos ao reconhecer o nome, e principalmente, porque
Daniel havia uma foto de contato. Sabia que no dela não havia foto alguma.
Deixou que o celular tocasse incansavelmente. No entanto, uma segunda
tentativa foi realizada e o toque estridente reverberou pelo carro.
Melissa olhou pelo retrovisor para se certificar que Daniel não
regressava, maliciosamente pensou em algo. Sorriu satisfatoriamente e tomou
o celular, atendendo a chamada.
— Celular do Daniel.
Um rápido silêncio se fez e Melissa sabia que a outra não esperava que
ela atendesse ao telefone de seu “esposo”.
— Onde está o Daniel? — a loura disse enfim.
— No banho. Você não sabe, mas ele transpira muito durante o sexo —
provocou, pois há tempos vinha percebendo que Sophia estava apaixonada por
Daniel e por isso teria de tirá-la da jogada se quisesse fisgar o bonitão sem
concorrência.
Outro silêncio se instalou e ela sorriu, esticando o pescoço na altura do
retrovisor e conferindo a maquiagem. Passou o indicador na borda da boca,
retirando um pequeno excesso do batom. Vendo a quietude no outro lado da
linha, e deduzindo que Sophia fora atingida pela mentira, continuou:
— Quer deixar recado?
— Sim. Diga a ele que quero o divórcio!
Antes que a ruiva pudesse dizer alguma coisa, a ligação foi encerrada, e
ela pôde evitar um largo sorriso.
— Ops!
Daniel abriu a porta do carro de repente. Ela ainda segurava seu celular
nas mãos, e rapidamente devolveu para o lugar inicial. Ele pôs uma pequena
caixa na parte traseira do carro enquanto dizia:
— Deu para mexer no meu celular agora?
— Estava verificando as horas, querido — mentiu, e ele apenas acenou,
entrando e colocando o cinto.
— Então, podemos ir? — ele perguntou.
— O mais rápido possível, por favor — murmurou acariciando a coxa
dele, escorregando até a virilha. Antes que pudesse tocá-lo na sua intimidade,
Daniel tirou sua mão do alcance.
— Não seja precipitada.
Melissa se recostou ao banco, bufando feito uma criança mimada, numa
irritação teatral. Daniel revirou os olhos e girou a ignição, sorrindo
interiormente, pensando em como ele estava prestes a invocar um demônio
quando fizesse com Melissa o que planejava.

♦♦♦

— Melissa, vá com calma! — Daniel pediu virando a cabeça para todos


os lados que podia, enquanto a mulher o empurrava para dentro da suíte de
motel e avançava sobre sua boca.
Ela o empurrou, cerrando a porta atrás de si. Fitou seu companheiro –
seus olhos tão assustados que parecia uma presa encurralada. A ruiva mordeu
o lábio inferior, abrindo, novamente o casaco.
— Já disse que estou com fome de você… — sussurrou sensual,
deixando o comprido casaco cair sobre seus pés.
Daniel pigarreou, abraçando ao corpo a caixinha com objetos eróticos.
Inspirou e expirou, tentando pôr a cabeça no lugar e cumprir o que havia
prometido a si mesmo. Deixou a caixinha na cama e se levantou indo na
direção da ruiva. Próximo o bastante, agarrou-a pela cintura, trazendo seu
corpo para junto dele. Eles colidiram e Melissa sentiu a eletricidade do prazer
passear por seu corpo. Enroscou-se a ele, envolvendo os braços em sua nuca.
Moveu-se para beijá-lo, mas Daniel impediu, tocando o indicador em sua
boca.
— Você queria fazer um jogo… — murmurou com a voz um pouco rouca
— Chefe controlador e autoritário e secretária tímida e submissa. — Pousou o
polegar nos lábios dela, fitando-os. — Hm… isso me deixou excitado.
— Do que você precisa, senhor Müller? — A ruiva começou a entrar no
jogo de sedução e baixou os olhos numa timidez ensaiada.
— Foder você! — ele respondeu, girando o corpo dela e a jogando na
cama.
Melissa gargalhou e sorriu, constantemente mordendo o lábio inferior.
Observou o homem a sua frente andar até ela e sentar-se na cama, próximo à
caixinha. Ele a abriu e tirou um pênis de borracha. Sem nenhum receio,
segurou o objeto e o avaliou rapidamente. Voltou seus olhos para Melissa, e
ela olhou para ele fixamente – as mãos na intimidade, os olhos revirando de
prazer.
— Tire a roupa — ordenou.
Obedientemente, a ruiva se levantou, pôs-se de frente a Daniel e
começou a se despir, vagarosamente, quase sensual.
— Você é a putinha que gosta de ser fodida? — indagou olhando-a tirar
a roupa.
Como um combustível para o prazer, Melissa grunhiu, sentindo-se
excitada com as palavras sujas. Murmurou em positivo, balançando o corpo de
um lado para outro numa dança erótica. Virou-se de costas e curvou-se para
abaixar a saia de couro, moveu os quadris acreditando no interesse de Daniel.
Voltou-se para ele, jogando a saia em suas mãos. Ele agarrou a peça ainda no
ar e a deixou de lado, sorrindo de canto.
Melissa continuou, tirando o cropped – os seios fartos apareceram.
— Vou adorar te fazer uma espanhola e um boquete ao mesmo tempo —
ela disse juntando os seios. Mordeu os lábios e fechou os olhos, excitada cada
vez mais.
— Cale a boca — Daniel rebateu. — Sua voz me irrita. Não vai falar
nada até que eu permita.
Submissa, Melissa baixou a cabeça e terminou de se despir. Receosa,
levantou os olhos baixos para Daniel – ainda sentado e analisando-a.
Lentamente ele se levantou, aproximando-se. Seus olhos se encontram e
ela estava ansiosa pelo sexo que viria. Sensualmente, Daniel levou sua boca
até os ouvidos dela e murmurou:
— Fique de quatro para mim.
— Oh, meu Deus, Daniel… — ela gemeu de prazer e logo foi estapeada.
— Mandei você calar essa boca! Agora, fique de quatro — disse rígido.
A mulher passou por ele, atendendo ao seu pedido. Daniel segurou o
pênis de silicone avaliando-o pela segunda vez. Observou Melissa de joelhos,
andou vagarosamente até ela. Próximo o suficiente, encostou o objeto em sua
lombar, escorregando até sua entrada.
— Primeiro, vou foder você com isso — sussurrou encaixando o
brinquedo na sua vagina. — Você não será fodida de verdade enquanto não se
lambuzar com esse seu brinquedinho, entendeu? — advertiu, e a mulher apenas
acenou freneticamente, ansiosa para saciar o desejo sexual. — Me responda
com palavras, sua vadia! — esbravejou, segurando-a pelos cabelos vermelhos
e puxando-o para trás. Melissa se excitou ainda mais.
— Sim, eu entendi, senhor Müller.
Daniel sorriu e soltou-a de seu aperto, tornando a encaixar o pênis de
borracha em sua entrada. Vagarosamente introduziu o objeto e Melissa gemeu,
contorcendo e movendo os quadris de encontro à penetração. Daniel aumentou
o ritmo gradualmente, fazendo-a arquejar de prazer cada vez mais, seus gritos
desesperados de excitação sendo abafados apenas pelas paredes isoladas.
— Está vendo isso? — Daniel sussurrou em seu ouvido, apontando para
um espelho do outro lado quarto refletindo a imagem deles. — Está se vendo
sendo fodida por um pênis de mentira, hein, putinha?
As obscenidades a fizeram grunhir alto, sentindo o prazer a atingindo e
consumindo.
— Olhe pra você! — exigiu puxando-lhe os cabelos e forçando-a olhar
para o espelho. — É só mais uma puta que vou comer e depois dispensar —
sussurrou para ela. — Mas você gosta, não é? O desprezo te excita! — Desfez
seu aperto com brutalidade — Continue se olhando, Melissa, Veja como você
é uma piranha fodida.
— Oh, Daniel, assim eu vou gozar! — choramingou de prazer e outra
vez foi punida com um tapa.
O prazer estava quase a atingindo quando, bruscamente, Daniel tirou o
pênis de dentro dela. A mulher protestou em frustração com um gemido
agoniado.
— Vire-se. — A voz autoritária ecoou em sua mente e ela se virou, os
olhos baixos. — Sinta seu próprio gosto — Ordenou, e ela prontamente
atendeu, lambendo e chupando o apetrecho com prazer e sensualidade, ao
mesmo tempo em que estimulava seu ponto sensível.
Abruptamente, Daniel a empurrou e Melissa caiu deitada na cama.
Andou até a caixinha outra vez, tirando de lá um par de algemas. Balançou o
objeto no ar; a ruiva jogou a cabeça para trás, gemendo, prevendo o próximo
jogo de prazer.
— Encoste-se ali. — Daniel mandou, indicando a cabeceira da cama.
Ela se arrastou até o local, deitando-se. Daniel se aproximou e a agarrou,
passando as algemas nos seus dois punhos, e prendendo-a na cabeceira.
Guardou as chaves no bolso do paletó, e tomou o pênis de borracha outra vez.
— Abra as pernas.
Ela obedeceu.
Daniel encostou o objeto em seu umbigo e desceu, friccionando em seu
clitóris ao encontrá-lo. Melissa rosnou de prazer, jogando a cabeça para trás.
Ele continuou descendo, parando em sua entrada.
— Por favor, Daniel! — implorou.
Müller a ignorou e, ainda descendo o brinquedo, parou em seu ânus.
— Quero que você seja fodida de todas as maneiras — anunciou
suavemente rouco.
— Me foda como você quiser — disse ensandecida de prazer.
Sorrindo, Daniel a penetrou com o vibrador na vagina, murmurando: —
Vamos lubrificar isso primeiro.
Melissa contorcia o corpo, as cordas vocais já quase falhando, os
gemidos não sendo o suficiente para extrapolar todo seu prazer. Sem que
esperasse, ele retirou de sua vagina e encaixou na entrada de seu orifício,
forçando-o para dentro com cuidado. Os sons de tesão se intensificaram, e
dessa vez, ignorando qualquer ordem de quedar-se calada, a ruiva gemeu alto,
proferiu obscenidades e palavras sujas que alimentaram sua excitação.
— Céus! Estou quase lá… — gritou, e Daniel retirou de uma vez,
parando com a penetração. — Dani… — protestou arfando.
Mas Daniel deu-lhe pouca atenção. Novamente, foi até a caixinha e tirou
uma venda preta. Regressou até Melissa e a olhou, sorrindo pelo canto dos
lábios.
— Vamos deixar isso mais interessante — sussurrou e se aproximou
para vendá-la.
— Está acabando comigo, Daniel! — choramingou.
— Será compensador no final, querida — sussurrou terminando de
colocar a venda.
Outro gemido alto escapou quando Daniel tornou a penetrá-la e, dessa
vez, revezando entre ânus e vagina. As palavras sujas continuaram, o corpo já
entrando em convulsão quando o prazer a atingiu, e Melissa amoleceu com o
orgasmo.
— Quero ser fodida de verdade, senhor Müller. Eu mereço — pediu
arfando de prazer, ainda vendada, algemada e com um pênis introduzido em
seu ânus.
— Você terá, sim, o que merece, Melissa — falou baixinho juntando
com cuidado as roupas dela espalhadas pela suíte.
— O que está fazendo, Dani? — ofegante, quis saber.
— Tirando a roupa. Vou te comer agora. Quero que você cale essa boca.
Só chame meu nome quando eu ordenar, entendeu? — respondeu andando para
trás cautelosamente.
Ela sorriu e gemeu ao mesmo tempo. Ele abaixou o trinco tentando não
fazer muito barulho, e disse: — Vou te foder como nunca ninguém te fodeu
antes.
Melissa grunhiu de prazer, contorcendo o corpo, a expectativa do sexo
crescendo. Daniel cerrou a porta, já no lado de fora. Sorriu largamente,
tentando manter sua risada para si. Desceu rapidamente até a recepção. Tirou
as chaves das algemas do bolso e entregou ao funcionário: — Você vai
precisar disso logo.
O funcionário o olhou confuso, mas não teve tempo de questionar o
cliente. Daniel já havia partido.
Andando a passos rápidos até seu carro, no caminho, jogou a roupa de
Melissa numa lata de lixo. Gargalhou quando imaginou o quão constrangedor
seria para ela quando fossem ajudá-la. Estava com vendas, algemada,
totalmente nua e com um pênis de borracha no ânus…
Sorriu satisfeito, mesmo sabendo que havia brincado com o próprio
demônio.
33
AMOR E ÓDIO

Antes que Sophia pudesse processar a presença inesperada de Daniel,


ele já tinha virado as costas e saído para o corredor. Ela buscou os olhos de
Miguel, que estavam inexpressivos, e sentiu-se em um empasse. Voltou seu
olhar para a porta, e não sabia se devia ir ou não atrás de Daniel.
Instantaneamente se lembrou da voz aguda de Melissa no outro lado da linha
telefônica e seu corpo estremeceu em cólera só de imaginar que ele veio até
ela depois de ficar com a ruiva. Decidiu então, mais do que nunca, que era
hora de dar um basta em tudo – e não passaria daquela noite.
Pediu um minuto ao ex-noivo e se retirou, saindo em disparada ao
encontro de Daniel. Quando finalmente conseguiu alcançá-lo, ele já estava
dois andares abaixo.
— Daniel! — chamou-o e sua voz ecoou pelo corredor.
Ele a olhou por cima do ombro, mas não fez menção de parar. Sophia
apertou o passo, e assim que estava perto o suficiente, o tocou no ombro.
— Espere!
Müller se virou abruptamente, a expressão fechada. Quando seus olhos
se encontraram, ele sentiu necessidade de desviar, cessar o contato visual.
Estava irritado demasiadamente. Se continuasse olhando para aqueles grandes
olhos verdes sedutores poderia ceder sem que ela dissesse uma única palavra.
Respirou fundo querendo manter a calma. Não queria perder a cabeça, não
queria mais discutir, não queria mais magoá-la… Suavizou a expressão e
expirou vagarosamente.
— Não quero ouvir nenhuma explicação — disse simplesmente.
— Eu não vim para me explicar — rebateu. — Só reafirmar que quero o
divórcio.
Daniel afagou o rosto e suspirou. Depois do que havia presenciado,
depois de ver Sophia beijando Miguel, para ele nada mais importava. Tinha se
praguejado mentalmente por não ter dado atenção à sua razão, por ter escutado
seus sentimentos, por mais uma vez ter agido precipitadamente e aberto seu
coração. Porque mesmo tendo exposto o que sentia para a loura, ela preferiu
não acreditar em suas palavras. Sentiu-se patético por se declarar, pois via-se
novamente em uma situação de sentimentos não correspondidos, e o medo de
que sofresse por isso o fez dar um passo atrás. Se Sophia queria o divórcio,
então lhe daria, prevenindo que suas emoções por ela não fossem ainda mais
ampliadas.
— Eu darei. E estará livre pra ficar com o Miguel! — respondeu entre
os dentes, e virou-se para continuar seu trajeto e sair dali.
Sophia andou a seu lado, os passos dela exalando a raiva que emanava
de seu corpo. Que direito Daniel tinha de sentir ira ou ciúmes pelo beijo com
Miguel? Tinha feito coisas mais íntimas com Melissa e nem por isso ela lhe
jogou na cara. Não até então. Tocou o ombro dele e, com um pouco mais de
brutalidade, o fez virar-se em sua direção.
— Pelo menos ele não é mentiroso! Não declara falsos sentimentos.
— Os meus sentimentos por você são reais! — Daniel respondeu
prontamente com a voz um pouco mais dura, e sem perceber apontava o
indicador para Sophia. — Eu disse que viria, e só o que eu pedi foi para que
me esperasse para conversarmos com calma. Mas, claro, você preferiu chamar
o Miguel pra te consolar!
— Você não voltou, Daniel! — Sophia agora gritava com lágrimas nos
olhos, somente de se lembrar que passou o dia todo esperando por ele. —
Esperei por você o dia todo, a tarde toda! Você não apareceu, sequer fez uma
ligação!
Daniel suspirou, desviando os olhos e se lembrando da razão de não
poder voltar antes. Lembrou-se de Melissa e de como ela estava sempre o
atrapalhando, sempre se pondo entre ele e Sophia. Acalmou-se interiormente.
No dia seguinte suas dores de cabeça acabariam, mas no mesmo instante
pensou que já não mais fazia diferença. Provavelmente no dia seguinte, Sophia
já teria ido embora e somente retornaria quando os papéis do divórcio
estivessem prontos.
— Eu estive ocupado, Sophia — justificou-se enfim.
— Eu imagino — a voz dela continuava carregada —, estava ocupado
demais transando com a Melissa! — A cólera a dominou e, sem que ele
esperasse, lhe deu um soco no peito. Daniel deu um passo atrás, assustado, e
segurou os punhos dela, que estavam prontos a dar outra investida.
— O quê? — perguntou enrugando o cenho, confuso. — Eu não transei
com a Melissa! — disse em tom incrédulo.
Sophia cerrou os dentes e apertou os olhos, uma tristeza imensa no
coração. Questionou-se como ele podia ser tão mentiroso a ponto de negar que
fez sexo com a ruiva. Uma lágrima teimosa escapou, e ao perceber, abriu os
olhos e a secou rapidamente.
— Não precisa esconder isso para não me magoar. Eu liguei no seu
celular e ela atendeu. Me disse que você estava no banho porque “transpira
demais no sexo” — disse com desdém e uma pitada de raiva.
Daniel exprimiu um baixíssimo “droga” ao se lembrar do único
momento que deixou seu celular perto de Melissa, e de que a flagrou com ele
em mãos – justificando que estava conferindo as horas. Melissa, aliás, àquela
altura, estaria vermelha de raiva feito o diabo, e, com toda certeza, estaria
caçando-o pelos quatros cantos da cidade no intuito de matá-lo. Um pequeno
riso escapou de seus lábios ao se recordar do “encontro deles”.
— Não ria, Daniel! — Sophia o advertiu.
Ele voltou à realidade, e recompondo sua postura, disse:
— Eu estava com Melissa, mas não transando. Ela atendeu meu telefone
quando eu não estava e aproveitou para te provocar. Não percebe, Sophia? —
ele se explicou, e ela o encarou por um segundo. — Ela está o tempo todo nos
provocando.
Suspirando, pensou que talvez ele tivesse razão. Talvez ele estivesse
falando a verdade e a ruiva tivesse apenas provocando. Mas isso não mudava
o fato de ele tê-la feito esperar por tanto tempo. Poderia, pelo menos, ter feito
uma ligação para avisar. Mas não.
Respirou fundo, tentando se manter firme no pedido de divórcio e não se
deixando levar apenas pelas palavras de Müller. Porque suas palavras diziam
uma coisa, mas suas ações, outras.
— Não importa mais, Daniel — anunciou já mais calma. — Eu quero o
divórcio.
Daniel apenas acenou, baixando os olhos.
— Também vai se demitir? — sussurrou.
— Sim. Amanhã levo os papéis da minha demissão para você.
Daniel ergueu o olhar até ela, os olhos verdes emitindo um brilho opaco,
entristecido. Sentiu suas pupilas arderem pelo acúmulo de algumas lágrimas,
mas esforçou-se ao máximo para não permitir demonstrar sua emoção na frente
dela. Já tinha feito muito se declarando como um adolescente idiota – seria
ainda mais patético chorar diante Sophia.
Ele apenas acenou. Deu um passo à frente, hesitante. Olhou para trás,
por cima do ombro. Queria poder retornar, segurá-la pela cintura e beijar-lhe.
Resistiu aos seus impulsos. Não se submeteria aos seus sentimentos – não
outra vez. Respirou fundo e antes de sair, falou baixinho: — Adeus, senhorita
Hornet. — Então se foi.

♦♦♦

Sophia retornou para o quarto a passos lentos. Envolveu o corpo com os


próprios braços e sentiu seus olhos lacrimejados. Por algum motivo esperava
que Daniel reafirmasse seus sentimentos, que tentasse se explicar, que
insistisse em conversarem. Mas ele não o fez. Aceitou assinar o divórcio e
fora tão frio como nunca antes. Sua frieza só a fez pensar que, ou seus
sentimentos eram falsos, pois tudo que ele visava era não perder sua parte da
herança, ou o que sentia não era tão forte ao ponto de lutar e persistir por ela.
Fungou entrando no quarto. Miguel continuava a esperá-la, pacientemente.
Ela sorriu sem graça ao vê-lo e se aproximou cautelosamente, sentando-
se ao seu lado. No mesmo momento, Miguel segurou-lhe pelas mãos e
ofereceu um sorriso amigável. O toque dele em sua pele trouxe-lhe
recordações: o polegar de Daniel delicado e deliciosamente fazendo círculos
contra sua pele. Fechou os olhos, mentalizando que era preciso seguir em
frente e esquecê-lo. É só um sentimento bobo que logo, logo passará.
— Vocês conversaram? — Miguel perguntou, e ela abriu os olhos para
encarar a íris verde.
— Sim. Felizmente entramos em um acordo e ele me dará o divórcio —
respondeu cabisbaixa.
Os dedos suaves de Miguel tocaram seu queixo, levantando o olhar dela
para ele.
— Não sei o que aconteceu entre vocês pra terem decidido se divorciar
assim, tão prematuramente — ele falou com a voz baixa, descendo seus dedos
graciosos pelo rosto de Sophia, o acarinhando com delicadeza. — Eu vejo que
você o ama, Sophia, mas ele… — Miguel fez uma pequena pausa e suspirou
— ele não demonstra se sentir assim. Pedir o divórcio foi o melhor a fazer.
Sophia acenou, sentindo-se derrotada. Daniel jamais se sentiria como
ela. Ele jamais poderia corresponder seus sentimentos, porque o máximo que
se aproximou de ter desejos foram sexuais.
— Mas, eu, Sophia — Miguel continuou e a despertou do devaneio —,
eu te amo…
Sophia se remexeu na cama, e no mesmo instante se esquivou das
carícias no rosto. Pigarreou, desencontrando-se do olhar intenso dele. Ela
demorou a perceber, mas agora viu que não foi uma boa ideia chamá-lo ali.
— Miguel, já falamos sobre isso. — disse cansada.
— Só me dê uma chance, Sophia.
— Não, Miguel, por favor, não insista nisso — falou firme e se
levantou, saindo do alcance dele, e, assim como fez com Daniel, caminhou até
a porta e a abriu, pedindo que ele se retirasse.
Miguel a encarou por um segundo, um pouco desnorteado. Ela pediu
outra vez que ele saísse, dizendo que estava cansada e precisava dormir.
Assentindo e suspirando em frustração, Miguel cedeu. Levantou-se e caminhou
em sua direção. Quando estava bem perto dela, fitou-lhe os lábios e subiu até
seus olhos. Sophia sentiu-se levemente encurralada e pensou em delimitar o
espaço, empurrando-lhe delicadamente, mas ao mesmo tempo refletiu que o
espaço tinha sido quebrado minutos atrás quando eles se beijaram. Prendeu a
respiração, apenas torcendo que Miguel não a forçasse a nada.
— Se precisar de mim, pode me ligar — sussurrou ele, e Sophia pôde
sentir o cheiro de seu hálito cheirando a menta.
— Obrigada, Miguel… — agradeceu, e tirou seu corpo para fora, dando
espaço para ele passar e sair.
Assim que Miguel se foi, Sophia deitou-se na cama, agarrou seu
travesseiro e pensou no dia que teve: em cada palavra dita dos três lados –
dela, de Miguel e de Daniel. Ela queria poder acreditar nos sentimentos de
Daniel, em suas palavras que soaram tão sinceras. Mas suas atitudes,
principalmente sua frieza anterior, a fez concordar com Miguel. Com lágrimas
nos olhos e um buraco no peito, sonolenta, lembrou-se das palavras do ex-
noivo:
Eu vejo que você o ama, Sophia, mas ele… Ele não demonstra se
sentir assim.
Com um grunhido agonizado, Sophia apertou o rosto ainda mais contra o
travesseiro, querendo, de alguma maneira, amenizar o coração partido. Então
adormeceu pensando no quanto Daniel era idiota por abusar de seus
sentimentos.

♦♦♦

Daniel deu um soco no volante para descarregar a raiva. Respirou fundo


sem querer perder as rédeas da situação – estava dirigindo e a última coisa
que queria era causar um acidente. Olhou pelo retrovisor, mirando o hotel
onde deixou Sophia para trás a mercê de seu ex-noivo. Não pôde evitar o
ciúme queimando seu peito de forma intensa. Seus olhos queimavam somente
em imaginar o que eles poderiam fazer sozinhos naquele quarto de hotel.
Voltou sua atenção à estrada, desviando da cabeça qualquer pensamento
insano, qualquer preocupação sem fundamento. Sophia era uma mulher livre e
se tornaria oficialmente livre quando eles assinassem o divórcio. Por um
segundo, arrependeu-se em não ter insistido convencê-la um pouco mais, a dar
uma chance a eles para que pudessem recomeçar. Suspirou balançando a
cabeça. Ela preferiu aquele imbecil!, pensou com raiva e apertou fortemente o
volante.
Foi desviado de suas divagações quando seu celular tocou. Olhou para a
tela do celular e sorriu satisfeito. O nome de Melissa piscava, e, dessa vez ele
fez questão de atender, colocando no viva-voz.
— Oi, Melissa — disse naturalmente.
— Eu vou te matar, Daniel! — ela gritou do outro lado, totalmente sem
controle. — O que você fez hoje, seu desgraçado, não se faz com uma mulher
como eu!
Daniel apertou os lábios, segurando uma gargalhada. Era de um sabor
incomparável ver Melissa irritada, sem controle, depois do que lhe tinha feito.
— Não sei do que está falando — respondeu exibindo um sorriso largo
e sarcástico.
— Você sabe do que eu sou capaz, não sabe Daniel? Acha que isso vai
ficar assim?
— Você não deveria me ameaçar, Melissa. As suas chantagens acabaram
porque a última cópia daquele maldito vídeo está comigo, então… suas
ameaças não me assustam mais.
Houve um longo silêncio entre os dois. Daniel conseguia ouvir a
respiração arquejada de ódio de Melissa atravessando a linha de telefone.
Estava mais do que satisfeito em ter lhe dado uma lição. Pensou que depois
daquela noite, Melissa o odiaria pelo resto da eternidade. Mentalizou que
deveria dobrar a atenção, pois, como ela mesma havia dito, não deveria ter
brincado com uma mulher como ela: vingativa e paranoica. A qualquer
momento, Daniel sabia, Melissa daria o bote e o prejudicaria de alguma
forma.
— Eu posso foder com você e com a sua vidinha sem aquele vídeo,
querido. E o dia em que eu me vingar, vai se arrepender de ter nascido,
Daniel Müller! — Ele não teve tempo de responder, pois a ruiva desligou a
chamada.
Daniel encarou o celular, seu sexto sentindo gritando que ele nunca
deveria ter feito aquilo.

♦♦♦

Daniel acordou e fitou o teto de seu quarto. Olhou para a porta,


imaginando o corredor através dela, imaginando a porta do aposento de
Sophia, sabendo que ela não estava lá dormindo. Nem que ela acordaria,
desceria as escadas e se juntaria a ele no café da manhã. Também não estaria
mais na empresa, auxiliando-o na assessoria de imprensa. A única notícia boa
naquela manhã, pensou, era que finalmente demitiria Melissa.
Se é que ela apareceria, sua consciência acusou. Após a noite anterior,
sabia que provavelmente ela nem iria mais trabalhar. Temeu, por um segundo,
que quando chegasse à sua sala, tudo estivesse revirado, e Melissa estivesse
fazendo um escândalo.
Afastando os pensamentos, levantou-se e tomou um banho rápido. Já
estava descendo as escadas para seguir para o trabalho, ignorando a mesa de
café da manhã posta, onde Heitor estava sentado.
— Ei, aonde vai? — inquiriu ele ao ver que Daniel saía furtivamente.
Daniel estacou no lugar e, de forma vagarosa, voltou-se ao irmão.
— Trabalhar.
Heitor olhou no relógio. Ainda era cedo demais.
— Está um pouco adiantado, não acha?
— Preciso resolver umas coisas antes — respondeu, o que não era
totalmente mentira. Agora que estava com a última cópia do vídeo, poderia
ligar para Rodrigo para se encontrarem.
— Olha… eu fico muito feliz em saber que você passou duas semanas
fora e quando voltou sequer me procurou — Heitor falou com um falso
desapontamento ecoando na voz.
Daniel revirou os olhos, entediado. Eles tinham se reencontrado na
empresa no dia anterior, assim que ele deixou Sophia no hotel para se
encontrar com Melissa, acreditando que ela tinha algum problema real que não
conseguia lidar.
Eles passaram boa parte da tarde juntos; Daniel até lhe contou
rapidamente a decisão de Sophia em pedir o divórcio e de que ele tinha ido
procurá-la para convencê-la do contrário. Omitiu, obviamente, o fato de ter se
declarado.
Assim que o expediente acabou, Heitor foi embora e ele ficou na
empresa aguardando o retorno de Melissa com o vídeo. Os dois tiveram o
“encontro” que deixou a ruiva possessa, e assim que se viu livre, correu até o
hotel onde Sophia estava. Depois do frustrante flagra de vê-la beijando Miguel
(fato que ainda o deixava irado), voltou para casa e foi direto para o quarto,
não vendo mais o irmão.
— Não faça drama — retorquiu.
— Sophia vai voltar pra casa? — perguntou de repente.
Daniel exasperou.
— Não. Ela quer o divórcio, então… Que assim seja.
— Não acredito que vai desistir assim dela — falou casualmente
passando requeijão em um pedaço de torrada.
Daniel nada respondeu. Ele não estava desistindo, só não lutaria uma
batalha que sabia que ia perder. Sophia estava irredutível e, provavelmente,
Miguel a consolaria. Lembrou que meses atrás Miguel havia lhe dito que não
faria nada para afundar o casamento deles, que ele a consolaria quando isso
acontecesse. Enrugando a testa, perguntou-se se Miguel não tinha colaborado
para aquela decisão, se não tinha, de alguma forma, planejado que a situação
chegasse onde chegou.
Sacudiu a cabeça, esvoaçando as ideias absurdas. Era uma infeliz
coincidência.
— Quando um não quer, dois não brigam — alegou simplesmente. — Se
me der licença, tenho coisas a resolver.
Daniel não esperou por uma resposta, deu-lhe as costas e saiu.
Já no carro, entrou em contato com Rodrigo e marcaram de se encontrar
num café uns cinco quilômetros de onde estava. Girou a ignição e, antes de
partir, olhou para sua casa. Esperançosamente, quis que Sophia estivesse lá,
dormindo serena.

♦♦♦

— Está tudo aqui? — Daniel perguntou a Rodrigo verificando uma pasta


cheia de papéis.
O homem à sua frente, de quarenta e poucos anos e cabelos castanhos
claros bem penteados, bebeu um gole do chá enquanto murmurava uma
afirmativa. Engoliu o líquido quente e disse: — Como você me pediu. E aqui
— ele sacou do bolso um pen drive e arrastou em direção a Daniel —, os
vídeos dos últimos dias. Um por um. Isso é só uma cópia pra você guardar,
porque do seu computador mesmo é possível acessá-los.
Daniel assentiu, sem desgrudar os olhos dos documentos que folheava
rapidamente.
— E você me garante que isso é suficiente pra me precaver daquela
maluca? — fechou a pasta e buscou pelos olhos de seu colega.
— Dá um processo fodido nas costas dela. Vai por mim, Daniel.
Daniel Müller sorriu satisfeito e agradeceu pelos serviços de Rodrigo,
dando-lhe um aperto de mão caloroso. Assinou um cheque para pagar os
honorários do homem e seguiu para a empresa. Não via a hora de se livrar de
Melissa de uma vez por todas.
Dirigindo, verificou as horas no celular e a imagem de sua proteção de
tela o fez suspirar. Pensou em ligar para Sophia e pedir que tivessem mais uma
conversa, já que até mesmo ele estava mais calmo e arrependido em ter
concordado com o divórcio sem ter a conversa que planejou na noite anterior.
Mas refletiu, se era isso que ela queria, então que assim fosse.
Raiva percorreu seu corpo só de imaginar que depois que ela assinasse
o divórcio correria para os braços de Miguel. Suspirou, tentando esquecer.
Talvez, uma bela morena e um sexo casual selvagem ajudassem.
Cerrou os punhos e bateu contra o próprio crânio. Pare de pensar
asneiras!
Durante a manhã, Daniel manteve sua cabeça ocupada o tempo todo.
Duas semanas fora da empresa acumularam serviços que ele levaria dias para
pôr em ordem. Como o previsto, Melissa não apareceu, nem telefonou, não
deu notícias de que continuava viva – fato que fez Daniel ficar cauteloso,
temendo que, de uma hora para outra, ela aparecesse surtando, louca como era,
quebrando tudo e fazendo alguma coisa para prejudicar sua imagem.
Ele também ficou ansioso por Sophia. Ela lhe garantiu que traria os
papéis da demissão. Desviando a atenção de seu atual trabalho, pegou-se
pensando em pedir outra chance a Sophia, dialogar com calma. Estava
disposto a deixar de lado o beijo que ela trocou com Miguel, afirmando à sua
consciência que talvez ela estivesse fora de si quando o chamou, quando o
beijou. Talvez tenha sido um ato impensado, uma coisa de momento – como
ele várias vezes, por impulso, fez bobagens. Mas ainda estava com raiva,
ainda sentia por ela não ter acreditado em seus sentimentos. Sentimentos
confusos e, talvez, distorcidos, mas sinceros e reais.
Jogou a caneta na mesa, bufando. Desde o início tinha sido uma má ideia
falar do que sentia, porque sabia como aquilo acabaria. Porém, foi teimoso e
deixou ser guiado pelas emoções. E outra vez se viu na mesma situação: seus
sentimentos expostos e não correspondidos.
— Senhor Müller? — Anabelle bateu a porta levemente e o tirou de
suas divagações. — A senhorita Gianne, representante da MK, está aí fora.
— Ela tem hora marcada? — perguntou confuso. Não se recordava de
nenhuma reunião naquela manhã.
— Sim, senhor Müller. Há quase um mês que essa reunião está marcada.
Suspirou pensando como Melissa era uma incompetente. Ela não tinha o
notificado sobre essa reunião, nem colocou em sua agenda. Para sua sorte,
Anabelle era mais eficiente e sempre mantinha uma cópia.
— Mande-a entrar, por favor.
Segundos depois, uma mulher morena e alta surgiu. Ela tinha os cabelos
negros e escorridos presos em um coque. O corpo era perfeitamente magro e
bem delineado, a saia levantava até acima de seu umbigo, e sua cintura estava
marcada pela blusa branca por dentro do cós da parte de baixo. Os saltos
pretos eram altos, deixando-a ainda mais alta do que aparentava ser
naturalmente. O rosto estava maquiado – as pálpebras com uma sombra preta e
os cílios longamente curvados; nos lábios um forte batom vermelho e as maçãs
do rosto brilhavam por conta do blush.
Gianne era um espetáculo de mulher.
Daniel levantou-se, sorrindo amigavelmente, avaliando a exuberante
mulher à sua frente.
— Senhorita Gianne — ele esticou a mão quando ela estava próxima o
suficiente —, muito prazer, sou Daniel Müller.
— O prazer é meu, Daniel — a mulher disse sem formalidades. —
Vamos tratar de negócios? — Sua voz soava firme e confiante.
Daniel acenou com um sorriso, o perfume forte da mulher subindo pelas
suas narinas. Durante os primeiros minutos de conversa, ele mal conseguiu se
atentar, a voz sensual – e ao mesmo tempo natural de Gianne – o perfume forte,
o corpo divino e os seios que eram bem marcados pela blusa. Não havia
nenhum desejo sexual, mas era impossível não reparar na beleza rara e
exótica.
— Está me ouvindo, Daniel? — a mulher chamou, e só então percebeu
que lhe observava os lábios avermelhados.
Ele gaguejou, desconcertado, antes de conseguir dizer: — Ah, sim, só
me distraí um segundo.
A morena levantou a sobrancelha, duvidosa. Sorriu com malícia e levou
o indicador até a boca.
— Se distraiu com isso? — indagou sexy.
Daniel vacilou, atordoado. Afrouxou um pouco a gravata, atormentado
por uma pequena claustrofobia. Sentiu que o lugar estava ficando pequeno.
— Não… é… eu…
— Vamos lá, Daniel — disse Gianne se levantando e contornando a
mesa. Parou em sua frente, Daniel levantou os olhos para encará-la. Sem que
esperasse, ela o agarrou pela gravata e puxou, seus rostos quase se colando.
Então sussurrou: — Admita.
Ele sentiu sua respiração pesar, o cheiro forte da colônia irritando seu
nariz. De repente, se lembrou de Sophia beijando Miguel, das suas dúvidas em
relação ao que sentia, do seu pedido de divórcio, mesmo ele tendo afirmado
que o que sentia era real. Decepção e raiva passearam por seu corpo, e
apenas querendo esquecer a loura dos olhos verdes, de sua paixão idiota por
ela, segurou Gianne pela nuca e a beijou.
No mesmo instante a mulher sentou-se em seu colo, erguendo a saia até a
altura da barriga, beijando-o com ferocidade. Agarrou-o pelos cabelos durante
o beijo, Daniel desviou suas bocas para puxar a camisa dela, arrebentando os
botões que se espalharam para os lados. Observou os seios morenos, enquanto
ela se livrava da peça. Selvagem, Gianne ajudou-o a tirar o terno e em seguida
a camisa social. Avistou o peito largo e tornou a beijá-lo. Daniel retribuiu
escorregando suas mãos pelas costas da morena.
— Eu te odeio, Daniel! — ouviu um grito de repente, e ele se
sobressaltou, correndo seus olhos até a entrada do escritório. Viu Sophia com
os olhos cheios de lágrimas, alguns papéis caídos ao chão.
Não pensou duas vezes, se desvencilhou de Gianne e andou até Sophia,
balbuciando:
— Sophia… — mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a loura já
saía disparada, com as mãos no rosto e aos prantos.
Ele vestiu a camisa social e saiu do escritório às pressas, ainda
abotoando o traje. Ele a alcançou no meio do caminho e segurou seu braço
com força.
— Vamos conversar — pediu e a induziu a olhar para ele. Mas ela nada
respondeu. Soltou-se brutalmente de suas mãos e desferiu um tapa em seu
rosto.
— Não me procure nunca mais, Daniel Müller. Entendeu? Nunca mais!
— proferiu pausadamente.
Ele a viu correr pelos corredores e sumir. Sentiu seu coração
descompassado, a culpa mais uma vez martelando seu peito. Voltou
rapidamente para sua sala e sem cerimônias dispensou a morena. Pela
primeira vez, Daniel sentiu que se não fizesse alguma coisa, perderia Sophia
definitivamente. Naquele momento, enquanto andava a passos decididos até a
garagem para buscar seu carro e ir ao encontro de Sophia, pensou que seus
sentimentos não eram confusos, não eram distorcidos. Seus sentimentos eram o
mais puro e genuíno amor.
34
IRRESISTÍVEL AMOR

Sophia entrou no carro e bateu a porta fortemente, as lágrimas rolando


pelo seu rosto. Encostou a cabeça no volante por apenas dois segundos,
tentando acalmar seu coração, antes de dar a partida e tomar a decisão de
fazer as malas e ir embora da casa de Daniel definitivamente. Nem se daria ao
luxo de esperar pelos papéis do divórcio, pois sentia que se passasse mais um
segundo na presença de Daniel, seu psicológico não aguentaria e ela
desmoronaria a qualquer momento. Voltaria para a casa de seus pais, agora um
pouco mais estabilizados, e os ajudaria na parte financeira com as economias
que tinha; manteria o matrimônio com Daniel até o tempo necessário para que
ele resgatasse sua herança, para assim também não quebrar o contrato firmado
e não prejudicar a família, e então depois exigiria o divórcio. Mas por hora
precisava urgentemente se afastar dele.
Girou a ignição e seguiu a rota para a casa onde, até então, morou: o
lugar onde todas as suas decepções e angústias se iniciaram. Se antes de ir
para o hotel estava decidida a se separar dele, agora, após presenciar mais
uma de suas canalhices e falta de consideração, Sophia estava convicta que o
melhor era, sim, o divórcio – a separação.
Secou as lágrimas que deixavam sua visão embaçada, recompôs sua
postura e controlou seu ritmo cardíaco e seu corpo que tremia de nervosismo.
Não choraria mais, não sofreria mais, nem se importaria com Daniel – ele
nunca fora merecedor de uma lágrima sequer, tampouco um sorriso. A única
coisa que ele merecia era a solidão, mas duvidou se ficar sozinho o faria
repensar na vida, a se arrepender e aprender com seus erros. Talvez Daniel
nunca aprendesse, afinal.
Ao chegar, estacionou o carro de qualquer maneira e subiu os degraus
correndo. Queria somente pegar suas coisas e sair dali o mais rápido possível:
sem explicações, sem satisfações a ninguém; desejava, apenas, ir embora em
paz, somente sumir sem deixar notícias. Não queria ser encontrada.
Pegou duas malas e começou a colocar suas peças dentro, de qualquer
maneira, não se importando em ter o mínimo de cuidado para não as amassar,
ou tirar, uma ou outra, do cabide. Soltou um suspiro agoniado quando ouviu um
carro estacionando; imaginou que seria Daniel. Apressou-se em terminar,
abarrotando suas vestes. Mal tivera tempo para qualquer outra atitude. Daniel
surgiu, de repente, ofegando, como se tivesse corrido. Ela ainda estava de
costas e querendo acabar logo, virou-se e passou por ele, como se não
estivesse ali.
— Sophia… — disse a frase nervoso e foi interrompido no mesmo
instante. Sua esposa de conveniência se virou bruscamente para ele, os olhos
vermelhos e a face com uma expressão de raiva e dor.
— Nem perca seu tempo, senhor Müller — seu tom era de desdém. —
Não tem que me explicar nada.
— Mas eu quero. Só me…
— Não, Daniel. Você é um homem livre. Foda com quem você quiser!
— esbravejou sentindo-se cansada de tudo que tinha acontecido até ali.
— Que porra, Sophia! — Daniel quem aumentou a voz dessa vez,
assustando-a. — Eu estava com raiva! Você pediu o divórcio e depois te vi
beijando aquele imbecil do Miguel! O que queria que eu fizesse?
Ela respirou fundo antes de responder.
— Não vou discutir com você. Só me deixe ir embora.
— Você não vai a lugar algum, é minha esposa!
— Sua esposa de mentira, num casamento de mentira! — despejou
entredentes.
— E nosso sexo? Foi de mentira para você?
— Aquilo foi um erro. — Sophia voltou-se às malas. — Nunca deveria
ter acontecido. Quando estiver com a herança em mãos, me ligue e eu assino o
divórcio.
Daniel a segurou pelo braço novamente, girando-a e ficaram um de
frente para o outro. Ela se assustou com a atitude, mas não revidou. Seus
corpos ficaram próximos, olharam-se nos olhos com intensidade, suas bocas
estavam tão rentes que, apesar da raiva, Sophia desejou tomar a dele para si.
E, ao mesmo tempo, o hálito fresco da loura subia pelas narinas de Daniel,
acalentando seus ânimos.
— Não quero que vá, e não é para manter nenhuma aparência —
sussurrou buscando os olhos verdes esplendorosos, e completou: — É porque
eu te amo.
Sua declaração deixou Sophia levemente atônita. Por alguns segundos,
permaneceu calada, sem saber o que dizer, como reagir diante daquela frase.
Perguntou-se interiormente se não era mais uma de suas inúmeras palavras
vazias, se não era apenas mais um modo de fazê-la acreditar, a ficar, seja lá
por quais motivos ele não quisesse que ela partisse. Por um segundo quis
acreditar nele. A maneira como seus lábios se moveram para pronunciar o “eu
te amo” e a forma intensa que essas três palavras foram ditas, de uma forma
totalmente diferente de quando ele disse apenas que tinha sentimentos por ela;
de como os dedos dele contornavam seus braços sem machucá-la, enviando
sinais ao seu corpo de que Daniel não queria realmente que ela dissesse
adeus.
Outra vez, viu-se balbuciando em sua presença – e ela se odiava por
isso. Por que simplesmente não poderia ser mais firme com ele? Por que
Müller tinha que ter todo esse controle sobre seu corpo e mente? Por que ele
conseguia fazê-la oscilar em suas decisões?
— E eu sei que me ama também — finalizou ele, olhando-a nos lábios.
— Você não sabe de nada, Daniel — retrucou Sophia, quase inaudível.
— Não tire conclusões precipitadas.
— Não negue, Sophia. Eu vejo isso em seus olhos. Eu senti isso nos
seus beijos e na noite em que fizemos amor. Estou sentindo isso agora, e se
não me ama, por que se importa se eu estava com outra, ou não? Eu sei que me
ama, admita.
— Está enganado — insistiu na negativa, e sentiu seu coração palpitar
em uma vontade imensa de tomar aqueles lábios e beijá-los loucamente.
Porém, manteve-se firme. Suas palavras vazias não a atingiriam mais, estava
farta de acreditar em suas promessas, em suas palavras, para no segundo
seguinte Daniel decepcioná-la. Não lhe daria o gosto de deixá-lo saber sobre
seus sentimentos – mesmo que ela não tivesse certeza de que era amor – não
permitiria, outra vez, que Daniel soubesse que em seu peito havia algo intenso
e tentador – uma emoção diferente nunca vivida por ela – pois ele não se
importava. Declarar-se para ser magoada, no final das contas, era tudo que
ela menos desejava naquele momento.
Daniel, então, a segurou pelos dois braços com um aperto sensual e a
jogou na cama. Começou a desabotoar a camisa, olhando para ela, um
sentimento de amor e ódio crescendo dentro dele. Amor, o sentimento que
nutria. Queria tê-la, amá-la, fazê-la feliz, dar-lhe prazer. Queria deixar aquele
casamento de fachada de lado e fazer dela definitivamente sua esposa. Ódio
por tê-la visto beijando outro homem, por ter sido um imbecil todo aquele
tempo, por não ter se declarado antes. Por tantas e tantas vezes ter cometidos
erros atrás de erros.
— Então prove… — declarou tirando a camisa, num movimento
sedutor. — Resista aos meus beijos, ao meu toque e carícias. Resista a mim…
e eu te deixo em paz.
— Daniel… — sibilou, mas foi calada com um beijo intenso, os dedos
longos escorregaram por entre seu queixo e, gradativamente, eles se deitaram
na cama.
Sophia sequer lutou. Agarrou-o pelos cabelos curtos e o trouxe mais
para si, aprofundando a troca de carinho. Sim, ela o amava, o queria a todo o
momento, de qualquer forma, de todos os jeitos. Esqueceu-se de todas as
vezes que ele feriu seu coração e cedeu aos caprichos do seu corpo, da sua
alma. Rendeu-se a Daniel, ao sentimento que ele estava lhe oferecendo, e em
sua mente não passou mais nada, nem ódio, rancor, tristeza e decepções,
apenas os mais belos, sinceros e puros sentimentos. Não lhe passou mais
nada, a não ser retribuir o que estava sendo oferecido: fosse o que fosse.
Daniel a amava tanto quanto ela, mas que só naquele momento teve
coragem de dizer. Só após se deparar com a possibilidade de perdê-la
resolveu expor seus sentimentos, somente depois de tantos desencontros,
indecisões, discussões e desentendimentos; após inúmeras vezes ter negado
seus sentimentos, querendo fugir – como se fosse possível – do amor que
cultivava por Sophia; o medo de se magoar o impedindo sempre; demorou a
perceber que enquanto fugia e não assumia suas emoções, no intuito de não
sofrer, era aí que sofria. Sofreu ao vê-la chorar por suas atitudes, sofreu ao
vê-la beijando outro homem, sofreu quando ela duvidou do seu amor. Mas não
sofreria mais – nenhum dos dois – pois estava mais do que decidido a assumi-
la e assumir o amor que nasceu dentro de seu peito, que agora transbordava
pela sua boca diretamente para a dela, em um beijo que não deixaria dúvidas
de que a amava.
Amava verdadeiramente.
Seus corpos se tocavam e era uma confusão de sentimentos.
Desesperadamente um precisava do outro e demonstravam isso em seus beijos
intensos, em suas respirações ofegantes, na afobação de um possuir o outro.
Sentiam o coração palpitar em anseio de tornar aquele momento o mais eterno
possível, queriam parar o tempo para viverem aquele instante o resto da vida.
Livraram-se das roupas, os únicos obstáculos, neste momento, que
impediam a felicidade mútua. Quase não separaram suas bocas, ambos
desejando apenas matar a ansiedade, recuperar todo tempo perdido,
aproveitar cada instante – tudo ao mesmo tempo.
Suas almas foram preenchidas de uma alegria imensurável quando, por
fim, puderam sentir um ao outro. Nada era comparável ao momento, o sexo
como sendo a primeira vez – como se fosse, até mesmo, melhor que a
primeira vez, um misto de sensações e sentimentos únicos que não podiam ser
explicados.
Sophia relaxou ao perceber que era amada em ritmos vagarosos e
prazerosos. Ele grunhia de prazer na curva de seu pescoço, apertava-a contra
seu corpo e beijava seus lábios, ora com delicadeza, ora como uma fera
insaciável; mas ambas com um fogo ardente da paixão.
Daniel nunca esteve tão extasiado em toda a sua vida. O amor que ardia
dentro de seu peito, ele sabia agora, era maior do que qualquer outra coisa
que um dia sentiu. O sexo com Sophia, percebeu então, não era somente sexo,
era mais que isso: era amor, paixão, era genuíno e sincero. Seu corpo era um
turbilhão de sentimentos confusos e exclusivos, despertado pela paixão por
Sophia. Beijando seus lábios e a amando lenta e calmamente, sentiu que
somente ela era capaz de despertar tais sensações, assim como tinha certeza
que apenas ele sabia amá-la daquela forma, descobrir os segredos de seu
corpo e oferecer um prazer inigualável.
— Eu te amo — sussurrou então, uma necessidade imensa de fazê-la
sentir que era amada de verdade, que suas palavras nunca foram vazias. —
Oh, meu Deus, Sophia, eu te amo — murmurou e enfiou-se em seu pescoço,
inalando fundo o cheiro natural, misturado ao perfume adocicado dela.
Em resposta, ela agarrou seus cabelos, sentindo-se cada vez mais feliz.
Arranhou-o nas costas, trazendo mais o corpo dele para o seu, ciente que não
havia pecado entre eles, nem algum tipo de proibição ou restrição. A única
regra era se amarem, se sentirem e se descobrirem a cada momento, cada
instante novo que crescesse entre eles.
— Por favor, Sophia — Daniel murmurou em súplica, encontrando seus
olhos. A íris azul-esverdeada brilhava intensamente – o caos da paixão
explícito. — Não me deixe, não quero te perder. Eu te amo. Porra! Eu te amo
— uivou, e ela não teve tempo de dizer-lhe nada, pois sua boca estava sendo
invadida por um beijo cheio de excitação e intensidade. — Não me deixe, não
me deixe — repetiu sussurrando várias vezes.
Com lágrimas nos olhos, sentindo que era impossível controlar a
paixão, a atração um pelo outro, acariciou-o na face, cerrando os olhos e
deixando-se levar pela sensação do prazer, do amor que faziam.
— Não vou te deixar — sussurrou de volta, e sem demora foi
preenchida por beijos em toda sua face, dos olhos ao queixo, depois, os
beijos molhados marcaram seus ombros, seu pescoço, seu colo.
Os dois corpos rolaram pela cama, aproveitando cada segundo um do
outro, descobrindo novas formas de prazer e de se amarem, assumindo o amor
mútuo, transformando-os em apenas um coração, pulsando sensações e
emoções diferentes e únicas, mas igualmente inesquecíveis e inexplicáveis; a
necessidade quase eufórica de um corpo sentir o outro, de se procurarem, de
se descobrirem, de se tocarem, de um ser o outro.
Quando o prazer os atingiu, Daniel teve certeza que não se via sem
Sophia em sua vida, ele não queria outro futuro a não ser estar com ela, não
queria outra pessoa a não ser ela, não queria amar a mais ninguém que não
fosse a mulher espetacular que tinha ao seu lado.
Deitou sobre os ombros dela, ofegando. Apertou o pequeno corpo ao
dele, como se pudesse senti-lo ainda mais, como se fosse possível fazê-la
entrar em sua pele, em seus poros. Levantou os olhos, fitando a expressão
serena de sua esposa. Sorriu e beijou-lhe os lábios, o que a fez abrir os olhos
e encará-lo. Sophia sorriu de volta, levando sua palma até a face dele,
acarinhando-o delicadamente.
Olharam-se nos olhos por alguns segundos e tiveram a certeza que, de
um sentimento confuso e distorcido, nasceu um amor totalmente celestial.

♦♦♦

Daniel beijou os cabelos de Sophia quando ele rolou de cima dela e se


deitou de costas, trazendo-a para o peito. Uma felicidade imensa tomou conta
de sua alma naquele instante. Pestanejou seguidas vezes para certificar-se que
não era um sonho, que Sophia nua ao seu lado não era uma alucinação, que o
fato de terem se reconciliado e feito amor não era um distúrbio da sua mente.
Ele olhou para o lado. Os cabelos louros – agora emaranhados e misturados
ao suor de seus corpos – estavam espalhados sobre seu peito despido, e ela,
deliciosamente aninhada em seus braços. Sorriu para si mesmo, observando
cada detalhe de sua amada esposa: o rosto delicado e branco, as pálpebras
fechadas e sua respiração ainda irregular pelo sexo que tinham feito. Puxou
um lençol e cobriu-a, vendo que vagarosamente Sophia caía no sono.
Sophia ronronou e se ajeitou mais sobre o peito de Daniel, abrindo os
olhos para encontrar um azul-esverdeado brilhando intensamente.
— Você costuma ficar encarando depois do sexo? — inquiriu sorrindo,
percebendo que ele a contemplava com adoração.
Daniel sorriu e beijou-a profundamente nos lábios.
— Não. Mas você foi a primeira que despertou isso em mim. Porque
você é incomparável a qualquer mulher — sussurrou passando os dedos pelo
rosto delicado.
Sophia sorriu largamente, a frase fez bem aos seus ouvidos. Para ela
não havia mais nenhuma dúvida dos sentimentos de Daniel. Sabia que era
amor, sabia que era real, sincero. E sabia que o amava. Descobriu isso
envolvendo-se nos braços dele, ouvindo-o gemer diversas vezes que ele a
amava, com os beijos cândidos e suaves que Daniel deu em sua boca enquanto
vagarosamente faziam amor, com as declarações que não queria perdê-la.
Pela primeira vez, sentiu que Müller estava sendo verdadeiro, e assim já não
havia mais nenhuma dúvida, de nenhum lado.
Eles se amavam.
— Dani… — murmurou, e ele respondeu com um ronronar. — Diz de
novo? — pediu, e encontrou com seus olhos. Ele franziu a testa levemente, e
reparando na confusão nos olhos claros, ela esclareceu: — Que me ama…
Daniel abriu um singelo sorriso, e acariciando-a no rosto trouxe sua
boca mais para próxima da dele, beijando-a serenamente.
— Eu te amo… — sussurrou em sua boca. — Como nunca amei
ninguém, Sophia. Eu te amo.
Extasiada, Sophia se apoiou nos cotovelos e logo estava sobre Daniel,
encarando seus olhos. Deitou-se em cima de seu peito, mordiscando o queixo
barbado. Müller grunhiu de prazer, o singelo ato fazendo percorrer em seu
corpo uma eletricidade diferente. Porque com Sophia toda vez parecia a
primeira.
— Eu te amo, Daniel Müller — cochichou olhando dentro de seus
olhos.
Ele sorriu, um sorriso fraco, mas cheio de emoção. Os olhos arderam
com as lágrimas que ele não teve vergonha de esconder. Abraçou o corpo de
sua esposa e a apertou contra si, dando um beijo em sua testa.
— Dan, está chorando? — perguntou serena e compadecida.
— É de felicidade, Sophia… — sussurrou em um suspiro. — Saber que
o que eu sinto é recíproco.
Sophia ficou calada, apenas fitando o homem à sua frente. Percebeu em
sua voz e na expressão que ele, talvez, já tenha tido alguma decepção, já tenha
saído quebrado de algum relacionamento, e por isso demorou tanto a se
declarar, assumir seu amor – por isso sentiu-se tão inseguro e quis negar seus
sentimentos. Ainda quieta, beijou abaixo de seus olhos, sentindo o salgado da
lágrima dele, mas secando-a ao mesmo tempo. Passou para o outro lado e fez
a mesma coisa, descendo beijos pelo seu rosto até a boca.
Fixou o olhar nas curvas de seus lábios, de como eram finos, perfeitos e
deliciosos. Tomou-os para si, afagando o pedaço de pele áspera por conta da
barba. Sem demora, sentiu os braços que a rodeavam a apertando contra o
corpo dela e a mão subindo pelas suas costas. Ela separou seus lábios para
encontrar a pele do pescoço, beijando-o sensualmente ali, deslizando para o
peitoral, sentindo o gosto salgado do suor. Beijou a mama esquerda e olhou
para Daniel: ele estava de olhos fechados, tranquilo, seu pomo de Adão subiu
e desceu quando ele engoliu em seco. Seus olhares se cruzaram então, e ela
pôde ver o misto de desejo e amor que exalavam deles.
Em um segundo, Daniel a agarrou e rodopiou o corpo, deixando-a por
baixo, encaixando-se entre suas pernas. O beijo intenso calou o gemido que
sairia de sua garganta ao sentir a penetração. Uma nova sensação preencheu
suas almas. Um amor diferente, suas emoções em turbilhão, se chocando e
bombardeando os corações. Mas Daniel e Sophia sabiam que todos seus
sentimentos se encaixavam perfeitamente, eram harmônicos e únicos;
exclusivos. Um amor que apenas eles vivenciavam. Uma conexão inigualável,
um amor incomparável.
Tiveram certeza disso quando, em meio ao amor que faziam, aos seus
corpos suados e grudados pela intensa paixão, murmuraram um para o outro
em uníssono:
— Eu te amo.
35
SENHORA MÜLLER

— Você é um idiota, sabia? — Sophia sussurrou fazendo círculos com o


indicador no peito de Daniel, enquanto aninhada em seus braços.
Ainda estavam nus e já haviam descansado da segunda dose de sexo do
final daquela manhã.
Sem olhá-la, ele sorriu, achando graça no comentário de sua esposa.
— Por que diz isso? — murmurou beijando seus cabelos.
Sophia continuou com seus movimentos circulares contra a pele sedosa,
observando em detalhes cada centímetro de seu largo tórax.
— Há algumas horas estava se agarrando com outra mulher — disse, e
por mais que tivesse feito esforço para não demonstrar decepção, foi
inevitável.
Daniel suspirou, concordando mentalmente com Sophia. Sim, ele era um
idiota, e se praguejou por sempre agir movido por seus impulsos. Virou-se
para Sophia, segurando o queixo dela e trazendo seu olhar de encontro ao seu.
A íris verde havia perdido o brilho, ele pôde sentir a pontada de tristeza que
isso causou em Sophia. Beijou-a nos lábios com delicadeza, acariciando seu
rosto.
— Me desculpe. Estava agindo pela raiva. Eu te vi com o Miguel e isso
me deixou enciumado. Tudo isso é tão novo para mim, Sophia… Só não
estava sabendo como lidar com a situação — explicou-se suavemente.
Sophia o fitou, ainda sem expressão. Um segundo depois arqueou uma
sobrancelha, desconfiada. Afastou-se um pouco dos braços de Daniel, mesmo
com seu coração gritando e querendo arrastá-la de volta.
— Quer dizer que se por acaso brigarmos, o seu jeito de descontar a
raiva será se agarrando com uma mulher qualquer? — questionou, e sua voz
saiu mais rígida do que havia previsto.
Daniel enrugou o cenho, momentaneamente assustado com tal pergunta
que acreditou ser descabida e, principalmente, pela mudança tão brusca de
humor da loura.
Revirou os olhos e a puxou de volta para encaixá-la entre seus braços:
— Claro que não, Sophia — respondeu e buscou seu olhar. — Eu fazia isso
porque estava confuso, mas agora tenho certeza.
— Certeza de quê?
— Que você é a mulher da minha vida… — Ela sorriu com sua
declaração, pensou em avançar sobre ele e beijá-lo, mas Daniel continuou,
para sua surpresa — Que eu te amo, que não quero viver sem você, que não
existe um futuro sem você nele, que eu…
— Daniel! — exclamou rindo e o beijou em seguida, calando-o. — Eu
já entendi.
Ele sorriu largamente, segurou-a pelo rosto sentindo a delicadeza da
pele dela contra a sua – pele esta que o deixava inebriado.
Rindo, Sophia desvencilhou-se de Daniel e se enrolou no lençol,
dizendo que precisava de um banho. Daniel ofereceu companhia, lembrando-
se de como era esplêndido fazer amor debaixo do chuveiro. Sophia corou um
pouco com a recordação, pensando que na época eles ainda não tinham se
assumido. Tentou manter afastado o pensamento de que após a primeira ‒ e
segunda ‒ vez deles, Daniel a deixou para trás. Inspirou fundo, querendo
esquecer o passado e viver o presente: o ali e o agora.
Provocante, caminhou até o chuveiro e alegou que queria tomar seu
banho em paz, mas sabia que seu corpo e alma cederiam ao primeiro toque de
Daniel, caso ele aparecesse. Para sua surpresa, Sophia conseguiu banhar-se
sem que Müller fosse até ela, querendo uma terceira dose de sexo. Envolvida
em uma toalha macia, saiu para o quarto e o encontrou cochilando. Observou-
o, admirada com o homem à sua frente: nu e dormindo. Os cabelos estavam
bagunçados, a barba bem-feita ‒ com um aspecto meio oleoso, talvez por
conta do suor ‒ contornava a face bonita, dando a ele certo ar de
masculinidade, o abdômen musculoso subia e descia em uma respiração lenta
e regular, serena; as pernas eram torneadas e definidas, compridas e
preenchidas por pelos claros; os braços estavam esticados para cima, as mãos
entrelaçadas apoiando a cabeça; dos bíceps, saltavam os músculos tímidos e
longos. Sorriu e buscou pelas roupas tentando não fazer muito barulho, pois
não queria acordá-lo.
Vestiu o jeans e escorregou uma camisa confortável, prendeu os cabelos
e olhou Daniel outra vez: continuava dormindo. Engatinhou-se até ele,
mordendo delicadamente seu queixo. Daniel resmungou sonolento e abriu os
olhos, deparando-se com a íris verde intensa brilhando em sua frente.
Esboçou um sorriso preguiçoso.
— Estou com fome — Sophia sussurrou.
Daniel coçou os olhos, acenando.
— Vou tomar um banho rápido e descemos para comer alguma coisa.
— Hm… tudo bem. Mas tome seu banho sossegado, não tenho pressa.
Ele se levantou sorrindo, e após dar um beijo nela, seguiu para o
banheiro.
Quando saiu, envolto em um roupão branco, viu os lençóis esticados, e
sobre a cama jazia uma bandeja com duas taças de vinho, ravióli
acompanhando e fondue de chocolate. Sophia estava na janela, olhando para
fora, e não notou sua presença.
— Ravióli e fondue? — perguntou de repente, e ela se virou com um
sorriso encantador.
— O fondue é sobremesa, claro.
— É uma combinação meio… estranha, não acha?
— E o que importa, Daniel? O importante é comermos — declarou,
segurou-o pela mão, puxando-o para a cama. Ele a seguiu gargalhando, e se
sentaram, um ao lado do outro, de pernas cruzadas. Ele não se importou em se
vestir; continuou com o roupão, enquanto levava um pedaço de ravióli até a
boca de Sophia. Ela abocanhou a massa sorrindo e fez o mesmo com ele. Mas
quando Daniel estava prestes a morder, ela tirou de seu alcance e enfiou na
boca rapidamente, apertando os lábios e segurando a risada.
Daniel a fuzilou com os olhos e depois gargalhou. Um sorriso
contagiante que despertou em Sophia uma emoção totalmente diferente.
Inevitavelmente ela também gargalhou, ainda mais quando Daniel começou a
lhe fazer cócegas. Logo se viu deitada sob ele, debatendo-se para escapar dos
dedos longos que, sem demora, pararam, e antes que ela pudesse perceber,
estavam se beijando.
— Somos marido e mulher de verdade, agora? — sussurrou, e Daniel
buscou seus olhos.
— Marido e mulher, namorados, amantes, amigos… seremos o que você
quiser. — ele disse mordiscando seu lábio inferior.
— Então vamos comer, meu namorido amigante.
— O quê? — ele perguntou rindo, os dentes brancos e perfeitos
aparecendo.
— Namorido: namorado e marido. Amigante: amigo e amante —
Sophia explicou, e ele riu ainda mais. Saiu de cima dela e colocou-a de
costas, fazendo-a recostar-se sobre seu peito – seus braços contornaram o
pequeno dorso dela, e com as mãos pegou as taças de vinho, entregando-lhe
uma.
Os dois conversaram descontraidamente durante a refeição. Sophia
sempre encostada ao peito dele, envolvida nos braços fortes de Daniel,
apreciando o vinho, a comida saborosa, o calor do corpo do homem que
amava ao dela, o momento simples entre eles, mas maravilhoso ao mesmo
tempo. Daniel fora quem mais falou, e, para a surpresa dele mesmo, resolveu
abrir-se e contar por que tantas vezes negou seus sentimentos. Sophia o ouviu
com atenção, beijando-o nos lábios sempre que via uma oportunidade. Por
fim, acabou entendendo os motivos de ele ser tão idiota e imbecil por todo
aquele tempo. Ela, de forma alguma, poderia entendê-lo por completo, pois
nunca amou e não foi correspondida, porém, baseando-se nas vezes em que
acreditou que Daniel não a amava de volta, imaginava como era tal
sentimento.
O ravióli havia acabado, então partiram para o fondue de chocolate,
Daniel lambuzou Sophia no nariz com seu indicador, fazendo-a gargalhar e
dar início a uma brincadeira: ela o sujou nas bochechas, ele devolveu
passando chocolate em sua testa, ela revidou sujando-o abaixo dos olhos.
Rindo, ele passou o indicador nos lábios finos de Sophia, uma camada fina de
chocolate contornando-os. Daniel olhou fixamente para a dupla tentação à sua
frente e a trouxe para outro beijo, mordiscando, chupando sua boca, tirando
todo o resquício do doce.
Em resposta, e delicadamente, Sophia beijou (e chupou) todo o rosto de
Daniel, tirando o chocolate e deixando um rastro melado; a sensação o fez rir.
Sophia buscou um morango, o mergulhou no chocolate e mordeu um
pedaço, levando à boca dele a outra metade.
— Me dê isso aqui — Daniel pediu pegando o garfo das mãos dela.
Fincou outro morango e o encharcou com o chocolate. Levou-o próximo à
boca, mordeu um lado e inclinou-se em direção a Sophia, que abocanhou o
outro lado. Suas bocas se tocaram e, ainda que ela estivesse mastigando,
Daniel a beijou.
— Você não cansa de me beijar? — Sophia protestou sorrindo.
— Não… — respondeu distribuindo outros tantos, e fazendo-a sorrir
ainda mais.
O restante da manhã e o início da tarde avançaram sem que Daniel e
Sophia percebessem, de tão entretidos que estavam um no outro. Assistiram a
um filme na televisão, agarrados um ao outro, Sophia, vez ou outra, tendo de
advertir Daniel, pois ele não se atentava ao filme, se distraindo em enrolar os
dedos nos cabelos louros, ou acarinhar a pele do rosto macio, o que a fazia,
inevitavelmente, se desconcentrar e a perder cenas cruciais durante o filme.
Após o filme, trocaram beijos e carícias, conversaram e riram. Daniel
se sentindo cada vez mais maravilhado e apaixonado pela mulher ao seu lado.
Enquanto ela falava alguma coisa sobre um livro qualquer que havia lido, ele
se perdia admirando o modo como seus lábios se moviam com graça, os olhos
verdes intensos que brilhavam quando ela sorria, de como, inconscientemente,
Sophia o acarinhava no peito com a ponta do indicador, ao mesmo tempo em
que tagarelava algum assunto.
Ele tinha a mulher mais perfeita e incrível que um homem poderia ter.
Pensou em como esteve a ponto de perdê-la, e de como a ideia era
aterrorizante, ainda mais naquele momento, onde, finalmente, haviam
assumido um ao outro, e Daniel não via mais uma vida sem Sophia junto.
— Você chegou a ler esse livro? — ela indagou passando a mão pela
pele preenchida de barba.
Daniel vacilou, percebendo que entrara em um torpor momentâneo.
Acenou positivamente, mesmo não tendo a mínima ideia do que ela lhe falara.
Ela continuou falando e, dessa vez, ele se atentou as suas palavras. Falaram
de livros, viagens, culinária e música, e Daniel estava sempre a
interrompendo para beijá-la. Sophia amava cada singela demonstração de
carinho: de beijos serenos a carinhos em sua pele que a arrepiavam.
Houve um momento em que ela perguntou ao Daniel se ele não voltaria
naquele dia para trabalhar. Prontamente recebeu uma resposta negativa e
categórica. Daniel alegou que queria aproveitar cada segundo ao lado de sua
esposa para compensar o tempo. Sophia abriu um sorriso grande,
extremamente feliz pela declaração de Müller. Foi inevitável não pensar em
como aquele era um Daniel diferente. O primeiro, quando o conheceu meses
atrás na entrevista de emprego, era um chefe educado e um bom líder, um
homem profissional e dedicado ao trabalho, que sabia lidar com as mais
diversas situações e controlá-las de um jeito surpreendente. O segundo, era
um Daniel Müller ciumento e possessivo, que a deixava confusa e feria seu
coração, tirando sua paciência pouco a pouco. O terceiro, e este era o homem
que ela amava, era romântico, carinhoso, atencioso e tranquilo, de finos
lábios doces, olhos claros pacíficos e encantadores.
Ficaram em silêncio, deitados e abraçados. Minutos depois, estavam
dormindo e, mesmo inconscientemente, Daniel sentiu a sensação boa que era
ter aquele corpo perto do seu, que, pela primeira vez, era o de sua esposa de
verdade.

♦♦♦
O som alto do celular de Daniel tocando o fez saltar da cama,
acordando, também Sophia. Atordoado, procurou pelo aparelho e o encontrou
dentro do bolso da calça, ainda espalhada no chão. Sacou o telefone,
reconhecendo o número da empresa. Coçou os olhos antes de atender, ainda
sonolento:
— Oi, Anabelle.
— Senhor Müller, a senhorita Melissa Telles está aqui me dizendo que
quer falar urgentemente com o senhor.
Instantaneamente, Daniel olhou Sophia, querendo saber se ela havia
escutado sua assistente no outro lado da linha. E pelo suspiro que ela deu,
seguido da ruga entre suas sobrancelhas, o fez entender que sim: ela sabia que
era Melissa.
Pigarreou um pouco e disse:
— O que ela quer?
— Não me disse, senhor Müller, mas ela está muito irritada.
Daniel suspirou, prevendo o porquê da irritação de Melissa. Olhou para
Sophia outra vez. Ela havia se levantado e estava visivelmente incomodada.
Era como se previsse que Daniel sairia para atender a ruiva. Engoliu em seco.
Não queria ter que sair assim, depois de terem se reconciliado, e estarem,
finalmente, bem e em paz – depois de terem passado um dia agradável juntos.
Mas era preciso dar um basta em Melissa de uma vez por todas. O xeque-mate
que a tiraria da sua vida para sempre.
— Está bem, Anabelle. Diga à senhorita Melissa Telles que não demoro
a chegar — falou e encerrou a chamada. Buscou por Sophia outra vez; ela
continuava com a expressão fechada.
Em silêncio, se aproximou de Sophia, cautelosamente – ele sabia que a
ligação a deixara chateada.
— Sophia…
— Tudo bem, Daniel — interrompeu-o cruzando os braços e
exasperando. — Já estou acostumada com essa preferência.
Ele suspirou, mas sorriu em seguida, vendo o ciúme misturado à raiva
emanar de Sophia.
— Você fica ainda mais linda com raiva… — sussurrou roçando a
ponta de seu nariz no pescoço dela.
— Daniel, pare com isso! — advertiu, e o empurrou delicadamente.
— Eu só vou porque preciso demiti-la. Se não fosse por isso, eu nem
iria — explicou-se e a trouxe para um abraço, dando um beijo em seus
cabelos.
Sophia encontrou os olhos dele, um pouco confusa com sua declaração.
— Vai mandá-la embora? Por quê?
Ele deu de ombros:
— Eu disse que o cargo de secretária executiva seria seu outra vez. E
Melissa é uma incompetente — finalizou, e Sophia riu um pouco, elevando-se
nas pontas dos pés para beijá-lo. Ele retribuiu, e após cessar, disse: —
Enquanto vou à Swiss resolver isso, faça o favor de levar suas coisas pro meu
quarto — falou, e Sophia acenou brevemente. Quando Daniel passou por ela
para ir se trocar, recebeu uma palmada nas nádegas. Olhou para trás,
estupefato, mas riu no segundo seguinte, vendo-a morder os lábios e sorrir ao
mesmo tempo.
— Sua tarada! — exclamou e eles gargalharam ainda mais.
Daniel teve certeza, quando viu a alegria exalando dos grandes olhos
verdes, que sua vida agora estava completa e sua felicidade era plena. Então,
percebeu que não poderia ser tão feliz sem ela.
Sophia era, sem sombras de dúvidas, a mulher da sua vida.

♦♦♦

Melissa se levantou no momento em que Daniel surgiu na presidência.


Era por volta de quatro e meia da tarde, ela já estava demasiadamente
nervosa pela espera – somada à humilhação que sofreu na noite anterior.
Ele vinha calmamente em sua direção, no seu habitual terno de grife, um
azul marinho que destacava seus olhos, e trazia uma pasta nas mãos.
— Achei que fosse abandonar o seu trabalho, senhorita Telles —
anunciou, e percebeu a irritação que saltava dos olhos dela.
— Seu filho de uma…
— Ei! — disse mais alto levantando o indicador e olhando rapidamente
para Anabelle. — Não vamos fazer um escândalo por conta de um
desentendimento, não é? Venha até minha sala pra conversarmos. — Passou
pela ruiva, sem esperar pela resposta, abriu a porta do seu escritório e
esperou que ela entrasse.
Com cada parte do seu corpo tremendo de raiva, Melissa entrou e
Daniel a seguiu, encostando a porta.
— Eu não preciso nem dizer que você vai se foder na minha mão, não
é? — inquiriu cheia de ódio. — Você não deveria ter me feito passar por
aquela humilhação, seu desgraçado!
Calmamente, Daniel terminou de entrar em sua sala, caminhou até a
mesa e se sentou, apoiando os cotovelos sobre a pasta que acabara de
repousar sobre a mesa. Uniu as duas mãos e encarou Melissa soltando fogo
pelas ventas.
— Você começou essa guerra quando resolveu me chantagear —
respondeu tranquilamente.
— E você acha que isso vai ficar assim?
— Suas chantagens não me assustam mais.
— Como você é idiota, Daniel! Acredita mesmo que eu não tenho uma
cópia reserva do vídeo? — ela gargalhou ironicamente. — Amanhã mesmo
esse vídeo estará na rede.
Daniel a fitou, nada abalado por sua ameaça. Pacientemente tomou a
pastas em mãos e a abriu, folheando calmamente os documentos ali dentro,
enquanto dizia: — A cópia a qual se refere, é a que você tem no seu e-mail?
— perguntou e levantou os olhos para encarar uma Melissa de expressão
embasbacada. Daniel sorriu ao ver a confusão nos olhos da ruiva. — Quero
dizer… tinha. Devo acrescentar que estou chateado por ter mentido para
mim?
Melissa vacilou, ainda atônita, querendo saber como diabos Daniel
sabia da cópia que ela mesma mandou para o seu e-mail como garantia.
— Como sabe desse vídeo? E o que quis dizer com “tinha”?
Sorrindo diabolicamente, Müller explicou que há pouco mais de um
mês o computador dela fora invadido por um hacker profissional, contratado
por ele para conseguir tirar o maior número de informações possíveis. Disse
que quando Melissa abriu um e-mail sobre promoções de sapato, estava
abrindo, na verdade, um vírus que se instalou no computador dela de forma
eficaz. Toda vez que havia uma atividade, com acesso à internet ou não, de um
simples acesso em redes sociais a um jogo de Paciência, exatamente tudo que
Melissa fazia em seu computador, era captado pelo vírus e as informações
enviadas ao computador do hacker – Rodrigo, este que, antes de apagar o
vírus do computador dela, excluiu o vídeo salvo em seu e-mail.
Daniel balançou as folhas no ar, um sorriso sarcástico nos lábios:
— Aqui está tudo que você fez nos últimos 40 dias. Às vezes que você
acessou a internet, quando fez as cópias do vídeo do seu computador para o
pen drive que iria me entregar, suas conversas instantâneas, algumas delas
com amigas tão íntimas que você contou sobre o vídeo e as chantagens; seus
bate-papos pela webcam. A sua vida virtual do último mês está em minhas
mãos. — Sorriu satisfeito e completou: — Aliás, acho que o Eduardo não vai
gostar de saber que a namoradinha dele gosta, na verdade, do chefe.
Melissa ouvira tudo com uma raiva descomunal subindo pelo seu corpo.
— Isso foi invasão de privacidade! — ela falou furiosa. — Vou te
processar, Daniel, prepare-se.
— Com que provas, querida? — perguntou sem se abalar. — O vírus
foi removido na manhã de ontem… E o interessante nisso tudo é que ele é
muito discreto. Faz o serviço sem deixar rastros. Você nunca irá conseguir
provar nada — rebateu e levantou-se para prosseguir —, mas eu, sim. Eu
tenho provas suficientes, caso, de alguma forma, esse vídeo caia na rede —
Ele riu nervosamente —, eu nunca sei o que esperar de você, só por via das
dúvidas, se você tiver uma cópia daquele vídeo, acho bom pensar uma
centena de vezes antes de vazá-lo na internet. Essas provas, mais as câmeras
dessa sala, que gravaram todas as vezes que você me entregou as cópias, com
confissões em alto e bom som, tudo isso, Melissa, prova que você é a autora
do crime, e não eu. — Sorriu e encarou a ira em pessoa na sua frente.
Daniel sabia que ela jamais esperava por uma reviravolta tão repentina.
A ruiva o encarava de volta, sem palavras diante de todas as evidências
contra ela. Podia simplesmente fazer um escândalo ali, manchar a imagem que
ele tanto zelava gritando aos quatro ventos que Daniel era um infiel com a
esposa. Mas segurou seu instinto. Ela faria Daniel pagar pela humilhação que
sofreu à altura.
— Aguarde, Daniel… — declarou com a voz carregada. — Chegará o
dia em que você vai pagar por essa humilhação, e eu vou ter o prazer de te ver
na sarjeta! — despejou e virou nos calcanhares, deixando-o para trás.
Daniel estremeceu, atingido pelas palavras. Por algum motivo
desconhecido, ele temeu a ameaça da ruiva.

♦♦♦

Daniel quis ir embora. Já sentia saudades de Sophia e queria ficar com


ela debaixo dos lençóis, quem sabe fazendo amor. Mas se contentaria se
apenas estivesse deitado ao lado dela, observando-a falar, ou dormindo
abraçados, o que era extremamente aconchegante. Somente a presença de
Sophia amenizaria a saudade. Porém, ao se deparar com tanto serviço
acumulado ‒ consequência de ter ficado duas semanas fora ‒ resolveu ficar na
empresa e trabalhar um pouco para colocar o serviço em dia. Teve o cuidado
de se lembrar de ligar para Sophia e avisá-la que retornaria para casa por
volta de nove da noite. Ela insistiu em ir até a empresa e fazer-lhe companhia,
mas Daniel não permitiu, pedindo que ela ficasse em casa e descansasse e que,
de preferência, esperasse por ele, dizendo já estar sentindo sua falta.
Analisava alguns papéis, já passava das oito da noite, quando sua porta
foi aberta de repente, e ele levantou os olhos para avistar um Heitor de
expressão assustada. Daniel enrugou os olhos, estranhando a presença
repentina do irmão, e se perguntando o que ele ainda fazia na empresa àquelas
horas. Heitor não era do tipo que fazia horas extras.
— Ei… — Heitor exclamou um pouco surpreso com Daniel ali. — Não
pensei que estivesse aqui. Achei que havia esquecido a luz do escritório
acesa, e por isso vim apagar — justificou-se.
Daniel acenou brevemente, mas tinha certeza que a presença do irmão
não era somente para verificar as luzes do prédio. Estava pensando em
perguntar o motivo de ele estar na empresa naquele horário, quando uma voz
feminina ressoou, fazendo-o entender perfeitamente o porquê.
— Heitor, você vai demorar?
Daniel encarou o irmão, este que desviou os olhos e coçou a nuca, meio
desconcertado.
— Veio pra transar na sua sala? — perguntou com uma pitada de
incredulidade.
Heitor deu de ombros, dizendo:
— Qual é, Daniel? Ela tem esse fetiche.
— Essa empresa não é um motel, Heitor — ele o advertiu.
— Sem falso moralismo, por favor, irmão. Você mesmo já transou aqui
na sua sala, diversas vezes. Posso te lembrar que uma delas foi em horário de
trabalho?
— Ok. Faça o que quiser — disse prontamente juntando os papéis e se
levantando. — Mas não ficarei como plateia. — declarou ele. Heitor riu
brevemente.
Revirando os olhos, passou pelo irmão, pronto para ir embora. Foi
interrompido assim que chegou à porta, com Heitor perguntando: — É
impressão minha ou vi Sophia se mudando para o seu quarto?
Daniel sorriu, virando-se para o irmão. Ainda não tinha tido
oportunidade de contar a novidade a ele. Com as palavras de Heitor, sentiu-se
ainda mais ansioso por chegar em casa. Finalmente, ele e Sophia dormiriam no
mesmo quarto, na mesma cama, como um casal de verdade.
— A gente se entendeu… — disse apenas, e no mesmo instante viu o
irmão esboçar um sorriso zombeteiro. Revirou os olhos, já esperando pelo
deboche de Heitor.
— Eu sabia que você gostava dela — disse ele simplesmente.
— Eu não gosto dela, Heitor — rebateu de imediato. — Eu a amo.
— Espero que essa sua melação não seja contagiosa — veio o deboche
que Daniel tanto temeu, enfim. Ele bufou impaciente e irritado pela zombaria.
Jamais poderia falar com Heitor sobre seus sentimentos por Sophia sem soar
patético e sem ser satirizado por isso.
Ignorando o comentário do irmão, virou querendo somente ir para casa e
reencontrar Sophia, mas foi impedido novamente:
— Ei, Daniel… — ele voltou-se ao irmão. — De verdade, estou feliz
por vocês.
Daniel sorriu calorosamente. Sabia que Heitor estava sendo sincero.

♦♦♦

Daniel chegou em casa e subiu as escadas pulando dois degraus de cada


vez. A ansiedade de rever Sophia, de beijá-la e ter seu corpo perto do dele,
era maior do que qualquer outra coisa. Mesmo que sua consciência dissesse
que ele estava parecendo um adolescente de 16 anos apaixonado, agindo como
se eles não se vissem há anos e quisesse passar com ela todo o tempo
possível, ele deu pouca atenção para isso. Se tivesse de parecer um besta
apaixonado para demonstrar todo seu amor e aproveitar cada segundo ao lado
de Sophia, então que assim fosse. Só com o que ele se importava era declarar
todos os dias seu amor por ela, demonstrar seus sentimentos através de suas
palavras e ações ‒ nem que isso soasse patético.
Inspirou fundo, recuperando ar para os pulmões, quando parou na frente
da porta do seu quarto. Lembrou-se das palavras de Heitor, de que ele tinha a
presenciado mudando suas coisas para o seu quarto. Abaixou o trinco da
porta, e quando a abriu, divisou Sophia sentada na cama, de pernas cruzadas.
Ela trajava uma calça de algodão, regata branca que marcava seus seios firmes
sem sutiã, os cabelos estavam presos em um coque frouxo e ela olhava
fixamente para a televisão. Desviou seu olhar ao perceber a presença dele e
sorriu intensamente.
— Oi, meu amor — ele disse cerrando a porta.
Sophia abriu um sorriso ainda mais largo, e sem que ele esperasse, ela
correu até seus braços, pulando em seu colo e beijando-o apaixonadamente.
Contagiado, Daniel a segurou em suas pernas, que imediatamente o
contornaram pela cintura, e caminhou mais para dentro do quarto, extasiado
com o beijo.
— Senti sua falta — ele murmurou em sua boca e subiu o olhar para
encontrar os olhos verdes fascinantes.
As mãos de Sophia sem demora encontraram seus cabelos e começaram
a alisá-los, acariciando-os. Sophia abriu outro sorriso, um mais contagiante
que o outro.
— Senti sua falta, marido.
Daniel sentou-se na cama com ela ainda em seu colo, o olhar fixo em
cada detalhe do rosto angelical, suas mãos descendo vagarosamente pelas
costas dela, esquadrinhando delicadamente cada centímetro da pele sedosa de
Sophia.
Ela o tocou na face, afagando-a amavelmente, olhando para ele dentro
de seus olhos.
— Já trouxe tudo pra cá? — sussurrou sentindo as carícias em seu rosto.
Seu corpo no mesmo instante respondeu ao pequeno gesto, porém
extremamente bom, mas ele segurou seu impulso de beijá-la ferozmente, rasgar
sua camisa e amá-la de todas as formas que pudesse encontrar.
Sophia respondeu com um aceno de cabeça, inclinando-se para deitar-se
nos ombros largos, em deixar as carícias de lado. As mãos correram para as
costas e num segundo, Daniel sentiu a temperatura quente das palmas dela.
— Você está bem? — quis saber, preocupado com a quietude dela.
— Sim — Sophia sussurrou. — Só gosto de estar assim: bem perto de
você, sentindo o calor do seu corpo subindo pelo meu. É tão bom, Dan.
Ele sorriu com essas palavras e afagou os cabelos louros na altura da
nuca, concordando com ela, também com um sussurro. Sophia trouxe seu olhar
até ele, desencostando-se de seus ombros. Colaram suas bocas em um beijo
simples, mas as mãos dele que subiram por suas costas por dentro da blusa a
fizeram sentir um arrepio bom na coluna; separou ligeiramente os lábios,
permitindo que a língua de Daniel a invadisse mais, num beijo totalmente
fogoso.
Sophia o agarrou pelos cabelos, querendo trazer sua boca ainda mais
para perto, numa necessidade quase eufórica. Daniel se levantou, as pernas
dela envolvendo-o no mesmo instante, suas bocas ainda grudadas e a
intensidade do beijo aumentando gradativamente, fazendo os corações
saltarem de ansiedade pelo prazer do sexo. Loucamente, Daniel a encostou
contra a parede, seus beijos, agora, desciam pela pele do pescoço dela,
fazendo-a gemer baixinho de prazer, enquanto suas mãos desesperadamente
repuxavam os fios alourados, um modo, talvez, de descarregar o prazer que
eletrizava seu corpo.
Daniel imediatamente tirou a regata que ela vestia, divisando, extasiado,
os seios redondos e perfeitos. No mesmo instante, Sophia o ajudou com o
paletó, livrando-se da vestimenta. Enquanto suas bocas se devoravam, ela
abria desesperadamente os botões da camisa branca, que logo foi atirada ao
chão.
Daniel pôde sentir o tórax dela no seu, o calor de um corpo no outro,
deixando-o ainda mais vidrado na sua esposa. Pressionou-a contra a parede, a
excitação aumentando de forma exponencial.
— Daniel — Sophia grunhiu de prazer, mas ele continuou a dar beijos
molhados do pé do seu ouvido ao seu colo despido —, quero fazer amor na
banheira — pediu, e ele finalmente voltou-se para ela, um pequeno sorriso
estampado.
Sophia corou levemente com tal pedido, mas continuou a encará-lo – ele
sorria maravilhosamente.
— Seu pedido é uma ordem, senhorita Hornet — murmurou, e no
segundo seguinte ele já caminhava até o banheiro, suas bocas não se separando
nunca, como se os dois não quisessem perder um segundo sequer.
Assim que chegaram ao banheiro, Daniel a encarou levemente
espantado. A banheira jazia cheia e com espumas, um aroma inebriante de
lavanda espalhando-se por cada canto, algumas pétalas de rosas espalhadas no
chão de mármore preto e às margens da banheira, e até algumas pétalas haviam
caído na água, misturando-se à espuma; ao lado, duas taças e em um balde com
gelo repousava a garrafa de champanhe; ao fundo, de forma suave, Stay
Awake, da London Grammar, ressoava, deixando o ambiente agradável e
romântico.

♫ I am the blank page before you


I am the fine idea you crave
I live and breathe under the moon
And when you cross that bridge
I’ll come find you
Stay awake with me
You know I can’t just let you be
Stay awake with me
Take your hand and come and find me ♪

— Você preparou isso? — ele perguntou sorrindo e olhando dentro dos


olhos verdes que o encantavam tanto.
— Sim… — Sophia respondeu beijando-o no queixo e subindo para sua
boca. — Não ria, mas eu já nos imaginei em uma banheira — confessou, e
sentiu seu rosto enrubescer.
Por mais que ela tivesse pedido, Daniel soltou uma rápida risada,
lembrando-se de que ele, também, já havia tido sonhos e pensamentos dos dois
juntos fazendo amor. Mas, até onde se lembrava, não em uma banheira, mas
era inegável que ele já tivesse tido pensamentos sensuais ‒ até mesmo eróticos
‒ com Sophia, e ficou feliz que essas coisas não passaram somente pela sua
cabeça.
— Está lindo, amor — disse, e tornou a beijá-la.

♫ I don’t have a skin like you do


To keep it all in like you do
I don’t have a soul like you
The only one I have
Is the one I stole from you ♪

Segundos depois, já estavam dentro d'água, seus corpos conectados e


suas bocas unidas não se separavam nem para soltar os gemidos de prazer de
ambos. As mãos de Sophia arranhavam, acariciavam, deslizavam pelas costas
de Müller ‒ sim, ela tinha uma paixão única por esta parte dele ‒ sempre se
recordando das manchinhas marrons que ela achava um charme à parte de
Daniel. E os gestos de suas mãos despertavam nele um prazer incrível, que
para descarregá-lo, Daniel via a necessidade de penetrá-la com mais
intensidade. O casal ia de sexo calmo e lento a algo mais intenso e carnal,
mas, ainda assim, a emoção era genuína e sincera entre eles.
Ao final, estavam abraçados, recuperando o fôlego.
— Eu te amo — declarou-se encontrando o olhar extasiante dela. — Eu
te amo muito, Sophia.
Ela sorriu e beijou-o delicadamente nos lábios, subindo sua mão pela
face até chegar aos cabelos de Daniel.
— Eu te amo muito, Daniel.
Deixando um beijo nos lábios dela, se recostou na ponta oposta à
Sophia, puxando-a pela mão e a trazendo para si, deixando-a de costas para
ele. Seus braços a envolveram em um abraço reconfortante e sua boca estalou
no topo de sua cabeça, fazendo-a sorrir singelamente. O ato era tão pequeno,
mas ao mesmo tempo uma demonstração que significava muito para Sophia

♫ Stay awake with me


You know I can’t just let you be
Stay awake with me
Take your hand and come and find me
Stay awake with me
You know I can’t just let you be
Stay awake with me
Take your hand and come and find me ♪

— Para que esse champanhe?


— Para brindarmos — ela respondeu brincando com a espuma,
confortavelmente aninhada nos braços dele.
— A quê, exatamente?
— Não sei. Mas achei que seria romântico depois de fazermos amor —
explicou, e Daniel riu rapidamente, apertando-a ainda mais contra seu corpo.
— Vamos pensar em alguma coisa — alegou e a beijou no alto de sua
cabeça outra vez.
— Como foi com a Melissa? — Sophia questionou de repente.
Surpreso com tal pergunta, Daniel pigarreou e se remexeu levemente em
seu lugar, não sabendo o que ‒ ou como ‒ dizer a ela. Por um segundo
ponderou contar-lhe sobre o vídeo e as chantagens, mas teve receio que
Sophia ficasse chateada e isso os levasse a uma discussão, justo agora que,
finalmente, haviam se entendido e se rendido ao amor que sentiam um pelo
outro. Subitamente, uma cena aterrorizante passou na frente de seus olhos:
Sophia descobrindo sobre o vídeo e abandonando-o para sempre. A simples
ideia de perdê-la o apavorou, fazendo-o recuar em lhe contar a verdade.
— Ela não ficou muito feliz em ser demitida — disse apenas.
— Melissa fez escândalo? — seguiu indaganda, brincando, dessa vez,
com as mãos dele que a rodeavam.
— Não, mas… mas ela me xingou bastante — mentiu.
— Que favor foi esse que você fez para ela?
Daniel pigarreou outra vez. Continuar omitindo a verdade estava se
tornando uma tarefa cada vez mais difícil.
— Esqueça isso, Sophia — esquivou-se do assunto —, não quero mais
falar sobre a Melissa.
— E por que não? — Agora ela se desencostou dele para fitá-lo dentro
dos olhos.
— Porque não. Para que falarmos dela? Que sempre fez de tudo pra nos
atormentar?
— Às vezes eu tenho a impressão de que me esconde alguma coisa —
disse de súbito.
— Do que está falando, Sophia? — indagou com um suspiro. Não estava
acreditando que teriam uma discussão por causa de Melissa, justo naquele
momento, onde acreditava estar tudo em harmonia.
— Daniel, você deu um cargo a ela, mesmo que Melissa não fosse
competente para assumi-lo, o tempo todo você parecia um fantoche nas mãos
dela, sempre atendendo aos seus caprichos, e muitas vezes você permitiu as
provocações dela. — Suspirou. — Então, parece que você sente medo que
Melissa faça algo ou… Sei lá, Daniel, eu tenho essa impressão de que mente
para mim.
— Eu não minto pra você — disse categoricamente, por mais que por
dentro estivesse nervoso. Não poderia permitir que ela soubesse do vídeo,
mesmo que na época os dois ainda não tivessem se assumido. — Se eu fiz tudo
que fiz, Sophia, foi porque sou um idiota que estava confuso e querendo, de
qualquer jeito, fugir do que eu sinto por você.
Exasperada, Sophia se levantou, puxando uma toalha e a enrolando em
seu corpo. Daniel a acompanhou, um pouco confuso com sua atitude.
— Sophia… — chamou suspirando.
— Não, Daniel… Você e essa sua preferência pela Melissa. Me procure
quando estiver disposto a conversar sobre isso.
Ela estava prestes a sair quando Daniel se levantou e segurou seu punho,
trazendo-a para outro beijo enlouquecedor. Sophia tentou relutar, mas os
lábios dele eram demasiadamente tentadores para que conseguisse recuar,
mesmo que estivesse chateada com ele. De repente, Müller cessou o beijo e a
acariciou no rosto.
— Sophia, você é a mulher da minha vida — começou, e ele levantou o
seu olhar para ela. Sophia pôde ver, então, um brilho diferente nos olhos de
seu amado. — Eu nunca senti nada igual. Não sabe como eu contei os
segundos para que eu pudesse voltar para casa e te ver, estar junto com você,
sentir seu corpo no meu, beijar sua boca. Você não precisava ter feito nada
disso aqui, pois eu me contentaria em apenas deitar do seu lado e dormir
abraçado a você. Sophia, eu me contentaria só em ouvir a sua voz, de observar
como sorri lindamente. — Nisso ele tocou os lábios dela, o que a fez sorrir
com o jeito apaixonante dele. — A Melissa sempre foi um estorvo nas nossas
vidas. E veja, ela nem está presente e já estamos discutindo por isso. Quero
deixar essa mulher no meu passado, ela foi só mais uma, eu sei, e quero deixar
isso para trás. Porque você, Sophia, daqui para frente, será a única na minha
vida. Vai ser a minha constante, e eu não terei olhos, pensamentos e nem
desejos para mais ninguém. Serão todos para você, meu amor.
Sophia sentiu as lágrimas picarem seus olhos, a emoção com qual a
Daniel disse cada palavra a fez perceber que ele estava certo. Deveria deixar
a ruiva para trás, fosse o que fosse que havia ocorrido entre eles. Daniel
estava ali, em sua frente, se declarando mais uma vez; tinham feito amor, era
ela que ele havia escolhido; foi para ela que ele se abriu, falou dos seus
sentimentos, das suas decepções; foi com ela que ele partilhou experiências e
histórias de vida naquela manhã, e era entre eles que havia um amor forte, uma
paixão quente e um sentimento recíproco e exclusivo. Melissa jamais teria
tudo o que Sophia estava recebendo de Daniel.
— Me desculpe. — Segurou o rosto dele com as duas mãos e distribuiu
vários beijos enquanto murmurava: — Me desculpe, me desculpe, me
desculpe… Eu sou uma tola, eu… — Teria continuado se Daniel não a tivesse
beijado profundamente, ao mesmo tempo em que as mãos dele a despiam
novamente, trazendo-a de volta para a água.
Tornaram a sentar abraçados, Sophia recostada no peito dele. Daniel
tomou, então, a taça e a champanhe nas mãos, servindo-os.
— Já sei a que brindar — disse, e entregou uma taça a ela.
— A quê?
— A nós — anunciou, e Sophia voltou-se a ele —, ao nosso amor, ao
recomeço que será as nossas vidas daqui para frente. Quero esquecer todo
sofrimento, confusão e lágrimas que houve entre nós, quero recomeçar para
que, a partir de hoje, só haja alegria, sorrisos, momentos felizes e promessas
cumpridas. — Ela sorriu largamente, Daniel levantou sua taça, também
sorrindo, e eles brindaram a essas promessas. Sophia mal havia dado seu
primeiro gole e Daniel já avançava sobre ela novamente para beijá-la.
— Daniel! — protestou rindo, procurando uma superfície para deixar
sua taça, enquanto correspondia ao beijo dele.
— Você é irresistível, senhorita Hornet, não me culpe — murmurou
desviando os beijos para a clavícula dela. Sophia o estapeou no ombro
amigavelmente, o fazendo-o rir.
— Nada de senhorita Hornet. Agora sou a senhora Müller — disse ela.
Ao ouvi-la, Daniel procurou por seus olhos, um sorriso estampado no
rosto que ainda assim não era capaz de mostrar a felicidade que batia em seu
peito ao escutar aquelas palavras. Apertou-a fortemente em um abraço,
murmurando: — Sim, a minha senhora Müller. Para sempre.
36
ENTRE AMIGOS

Sophia afastou o telefone do ouvido, assustada com a gargalhada


altamente estridente de Erick no outro lado da linha. Inevitavelmente, ela
também gargalhou, contagiada pela risada do amigo. Daniel, sentado ao seu
lado e ouvindo a conversa, franziu a testa, levemente enciumado pela
intimidade entre os dois. Revirou os olhos, achando graça na estupidez
daquele momento. Há poucos dias, Sophia vinha insistindo que eles viajassem
até o Rio de Janeiro, pois ela queria muito fazer a tão prometida visita à Yara,
mãe de Erick, além de, claro, contar a novidade ao colega sobre sua relação
com Daniel.
De primeira, Daniel sentiu-se receoso devido à sua briga com Erick –
desde todo o ocorrido com Erick, eles não haviam mais se falado e Daniel não
sabia exatamente como seria o convívio dos dois. Se é que existia um convívio
entre eles. Tudo que existia eram apenas algumas rápidas conversas ‒ não tão
amigáveis ou civilizadas ‒ e um número grande de confusões e
desentendimentos. E por mais que o vínculo dos dois tivesse sido um tanto
quanto turbulento, e apesar da última vez que se viram terem trocado socos e
pontapés, Daniel não sentia aversão por Erick, mas também nenhum tipo de
simpatia. Simplesmente era neutro em relação a isso. Porém, seu receio era
que ele o odiasse.
Mas, naquele momento, com a ligação que Sophia fizera a ele, havia se
esvaído qualquer indício de ódio, mágoa ou rancor.
— Finalmente aquele idiota se declarou? — Ouviu-se a voz de Erick,
cheia de ironia, seguida da risada que sobressaltou a loura.
— Não o chame assim, Erick — Sophia o advertiu bem-humorada,
encontrando-se com os olhos de Daniel e afagando sua coxa em seguida. —
Ele, na verdade, é um imbecil. — E sorriu largamente, recebendo de seu
esposo um olhar desaprovador e inconformado. Sophia o beijou rapidamente
nos lábios, sorrindo, e sem demora Daniel sorria também, nenhum pouco
chateado com os adjetivos.
— É claro que vocês podem vir! Serão bem-vindos na minha casa! —
Erick exclamou alegremente. Por sorte, ou acaso, Erick saiu de São Paulo para
passar uns dias na casa dos pais. — Espere… — pediu, foi possível ouvi-lo
falando com alguém. — É a Sophia querendo saber se pode vir nos visitar.
Ela e o marido. — Sem demora nenhuma Sophia reconheceu a voz de Yara,
toda empolgada dizendo que ficaria feliz com a visita deles. — Acho que você
a ouviu — Erick voltou-se para Sophia —, ela já está dizendo que vai
escolher o que preparar para comermos. — E riu mais uma vez, fazendo
Sophia acompanhá-lo.
Eles, então, acertaram o encontro para o dia seguinte, e após encerrar a
ligação, Daniel percebeu a empolgação de sua esposa brilhando nos olhos
verdes. Sorriu fraco, um pouco enciumado pela intimidade que os dois amigos
tinham, principalmente por ter se lembrado das vezes que os viu se beijando.
Tentou jogar seus pensamentos para bem longe, mas a ruga entre suas grossas
sobrancelhas o denunciou – e num segundo Sophia pulou em seu colo,
afagando-o no rosto e no cabelo. Perguntou o que estava acontecendo para
Daniel estar de cara fechada, e ele admitiu seu ciúme tolo. Sorrindo, Sophia
concordou que era de fato um ciúme tolo. Beijou-o serenamente nos lábios,
escorregando suas mãos pelas costas dele, afirmando que seu ciúme não era
necessário, pois ela o amava. Erick era apenas um amigo – e sempre
continuaria assim.
A declaração o deixou esplendidamente feliz e satisfeito, e todo seu
incômodo passou. Ainda mais quando os beijos de sua querida esposa se
tornaram mais intensos, as mãos deslizaram por ele com mais ferocidade e
pequenos e quase inaudíveis grunhidos escaparam de sua boca. Não muito
tempo depois eles estavam nus, amando um ao outro de forma profunda,
descobrindo novos prazeres cada vez que suas bocas se colavam e seus
corpos os grudavam pelo suor advindo da paixão.
Ainda naquele dia, à noite, após se recuperarem do sexo, arrumaram
suas malas, e no dia seguinte, antes mesmo do astro sol surgir na linha do
horizonte, senhor e senhora Müller já estavam na estrada, rumo ao Rio de
Janeiro.
Ao chegarem, na metade da manhã, foram recebidos com fortes e
calorosos abraços de Yara, amigáveis apertos de mão de Nelson e grande
euforia e entusiasmo de Heloísa.
— E Erick? — Sophia quis saber, sentindo falta do amigo.
— Foi ao mercado logo cedo. Ele não demora a chegar. Mas, venham,
entrem — Yara disse, já os puxando para dentro de casa.
Daniel sentiu-se levemente deslocado, principalmente ao ver como
Sophia interagia facilmente com os demais membros da família Gouveia,
mesmo sabendo que essa facilidade se dava porque eles tinham se conhecido
anteriormente, por acaso, no ano-novo.
Adentrou a casa, logo atrás de Sophia, que era arrastada na frente por
Yara, que não parava de falar. Ela os direcionou para a cozinha estilo
americana, toda azulejada e de inox, bem espaçosa e aconchegante, arejada e
muito bem decorada. Heloísa surgiu logo atrás, puxando assunto, e Daniel se
sobressaltou – assustado com a chegada repentina.
— Por que você não estava com Sophia no dia em que a conhecemos?
— a garota instigou pegando uma maça na fruteira e dando uma generosa
mordida.
Daniel buscou por Sophia, que, agora, alternava o olhar entre ele e Yara,
fazendo-o compreender que ouvira a pergunta súbita da menina. Ele quase
implorou por ajuda somente com os olhos, Sophia levantou os ombros, como
se dissesse que não poderia fazer nada, pois dava atenção à Yara.
Ele pigarreou e coçou a nuca, procurando por uma resposta rápida.
— Eu exagerei na bebida no dia anterior e fiquei com uma ressaca
terrível — mentiu, e olhou Sophia outra vez. Ela sorriu e voltou-se para Yara,
que a essa altura já se atentava à conversa de Daniel e Heloísa.
— E ela te deixou sozinho? — continuou perguntando.
— Eu insisti que ela saísse — respondeu de pronto. — Ou ela faria
minha cabeça estourar com tanto sermão por eu ter bebido — explicou, e eles
riram. Daniel relaxou o corpo quando a garota não lhe fez mais perguntas.
Yara os acomodou ao redor da mesa, já posta com um farto café da
manhã ‒ bolo, pães, sucos, frutas, queijos ‒ enquanto relembrava momentos
engraçados daquele primeiro de janeiro. A mulher se juntou à mesa com
Heloísa e Sophia, não deixando de falar por um segundo, sempre tendo assunto
para tudo. Daniel até tentava interagir, mas normalmente eram assuntos onde se
sentia totalmente excluído, por isso, acabou apenas acompanhando a conversa.
Segurou nas mãos de Sophia por debaixo da mesa, acariciando-as em
movimentos circulares, e ela abriu um sorriso curto, adorando o carinho em
sua pele.
Nelson não tardou a chegar e puxou conversa com Daniel, este que se
sentiu muito mais à vontade. O pai de Erick era um homem de voz calma e
serena, conversa agradável, e Daniel se identificou com os assuntos
abordados.
Yara quis servir o café, mas Sophia insistiu para que esperassem por
Erick. Continuaram conversando, e sem se darem conta estavam todos
interagindo e rindo uns para os outros.
— Então a minha visita ilustre chegou. — Uma voz ecoou na cozinha e
todos se viraram para Erick.
Sophia rapidamente foi ao seu encontro, abraçando-o calorosamente,
enquanto ele soltava suas sacolas em algum canto. Daniel se levantou,
encarando, talvez um pouco incomodado, sua mulher abraçando outro homem.
Tentou sorrir quando, ainda abraçado a Sophia, Erick o olhou. Mais
naturalmente, Erick sorriu para Daniel, interrompendo o abraço da amiga e
avaliando-a de cima em baixo.
— Você está ótima! Feliz… radiante… — elogiou, e olhou Daniel. —
Tem feito um bom trabalho, Müller — disse sorrindo largamente, e Daniel não
deixou de esboçar um sorriso natural. Olhou para Sophia que veio até ele e o
abraçou pela cintura, beijando-o na bochecha.
— Mais do que você imagina — disse ela.
Erick se aproximou, esticando as mãos para Daniel, seus olhos
brilhando de forma humilde, parecendo esquecer-se de toda a rivalidade e
desentendimentos entre eles. Ele olhou para a mão estendida, engoliu sua bílis.
Como já dito, não havia aversão, mas também não havia simpatia. Ainda
assim, gentilmente esticou a mão para apertar a de Erick. Sem esperar, ele o
puxou para um abraço e Daniel soltou uma pequena risada, ouvindo-o dizer
somente para ele, e o estapeando amigavelmente nas costas. — Fico feliz que
tenham se entendido.
Naquele momento, Daniel soube que já não havia mais nenhum tipo de
rivalidade entre os dois ‒ talvez nunca tenha existido, afinal.
Sentaram-se outra vez em torno da mesa e tomaram o delicioso café
descontraidamente. Falaram de futebol à política, de religião à ciência,
reclamaram da economia do país, do mau governo e seus administradores,
falaram de música e Sophia quis exaltar o gosto singular de Daniel por
músicas clássicas. Ninguém ficava de fora das conversas, e todos riram, a
amizade se estreitando. De repente, Yara perguntou sobre a família de Müller
e ele lhes contou um pouco sobre a perda dos pais, a administração da
empresa e como a única família que tinha era Sophia e seu irmão Heitor.
Sentindo o pesar em suas palavras, Sophia o abraçou e beijou serenamente nos
lábios, como se quisesse, de alguma maneira, aliviá-lo de sua dor.
Rapidamente contornaram o assunto e não perceberam que já haviam se
fartado, mas continuavam em torno da mesa, conversando.
Minutos depois, levantaram-se e Sophia se prontificou a ajudar Yara
com a louça suja. Por mais que ela tenha dito que não era necessário, a loura
persistiu, e, por fim, a simpática senhora aceitou.
— Tem algo que eu possa fazer, senhora Yara? — Daniel inquiriu,
querendo, também, ajudar de alguma maneira.
— Está tudo bem, meu filho. Vá lá fora conhecer o quintal, o dia está
lindo e o Van Halen adora brincar — alegou já lavando a louça.
Daniel olhou para Erick, confuso. Pegou-se perguntando se iria
encontrar Sammy Hagar no quintal dos Gouveia. Erick o convidou, então, para
irem até o fundo da casa, um lugar bem caseiro e confortável. Havia alguns
coqueiros – e em seus troncos redes amarradas a eles – uma piscina, uma área
coberta com churrasqueira, pia, uma extensa mesa de madeira e uma pequena
televisão presa à parede. Logo à frente, o quintal se estendia com um belo e
bem cuidado gramado, adornado com pequenos enfeites de jardins. Ao fundo,
podia-se ver um canil.
— Van Halen! — Erick gritou, fazendo seu convidado sobressaltar. —
Vem, garoto.
Num segundo, um belíssimo Labrador surgiu correndo, os pelos claros,
a correntinha da coleira balançando e fazendo barulho. O cão pulou sobre
Erick, que riu e bagunçou a pelugem.
— Daniel, este é Van Halen — Erick disse descontraído, e Daniel
observou o cachorro, atordoado, perguntando-se por que diabos o cão levava
o nome de uma das maiores bandas de rock do mundo.
Daniel podia não ser um amante do gênero, mas conhecia alguns grandes
nomes e, até mesmo, apreciava uma ou outra música.
Deixando de lado tal questionamento, chamou pelo cachorro e passou a
brincar com o feliz animal, dócil e muito divertido. Daniel ficou encantado
com o amável cãozinho, até ponderou em ter um em casa. Talvez Sophia
gostasse da ideia, e eles pudessem ter um para alegrar um pouco mais seus
dias estressantes e pesados na empresa.
Para desviar-lhe a atenção, logo Yara, Sophia, Nelson e Heloísa
surgiram – a irmã de Erick correndo para brincar com seu amigo canino.
— Estamos querendo dar uma volta na praia — Sophia disse. — Vamos,
amor? — pediu, abraçando-o pela cintura e pousando a cabeça em seu peito, e
sentiu, sem demora, as mãos dele amaciando seus fios louros.
— Claro, meu bem.
— Podemos levar o Van Halen, não é, mãe? — Heloísa perguntou
agitada, e Yara acenou alegremente.
Depois de prepararem algumas coisas para levar, e de se vestirem mais
adequadamente, seguiram para a praia, apenas quinhentos metros dali. Sophia
trajando um biquíni azul, na cintura uma canga na mesma cor, os cabelos soltos
sendo segurados apenas pelo chapéu; Daniel ‒ de bermuda e regata justa
branca ‒ segurava delicadamente sua mão desde que saíram da casa, às vezes
a abraçava contornando seu dorso, o que a fazia sorrir plenamente. Yara e
Nelson caminhavam lado a lado, bem próximos, enquanto conversavam sobre
diversas coisas; Heloísa ia à frente, quase sendo arrastada por Van Halen,
rendendo inúmeras gargalhadas aos demais.
A família Gouveia, juntamente com Sophia e Daniel, logo chegou à
praia. Heloísa, que quase era arrastada por Van Halen, imediatamente correu
para brincar com o cão, jogando-lhe o frisbee no ar. O bicho correu atrás do
objeto, dando um salto espetacular para abocanhá-lo. Voltou correndo, as
orelhas balançando, e o processo foi repetido.
O pequeno grupo de amigos se acomodou num quiosque ali perto,
solicitando bebidas. Daniel quis recusar, mas Erick e Yara insistiram para que
ele pedisse, pelo menos, uma cerveja. Vencido, acabou aceitando. Juntaram-se
em volta de uma mesa; Sophia pediu uma água de coco, Erick acompanhou
Daniel na cerveja, Yara e Nelson optaram por caipirinhas. Pediram, também,
petiscos e espetinhos de carne, e continuaram a conversar, sempre rindo e
interagindo. Daniel sentia-se cada vez mais confortável na presença de todos,
principalmente com Erick. O homem era, de fato, uma boa pessoa. Ele que foi
um idiota o tempo todo.
O dia foi avançando, e abordaram sempre bons assuntos – preenchidos
de seriedade ou gargalhadas. Almoçaram por ali mesmo, Daniel arcando com
as despesas e sendo advertido incansavelmente por tal atitude; ele riu e se
prontificou a deixar a conta para o jantar, ou o almoço do dia seguinte. Após o
descanso, Heloísa desafiou o casal a uma partida de vôlei na areia.
Prontamente, Daniel negou, ele era péssimo em qualquer tipo de esporte.
Rindo, Sophia o instigou a participarem, Erick ajudando-a a convencê-lo.
Por fim, ele cedeu, e segundos depois estavam os quatros sob o sol
escaldante, numa partida desastrosamente ruim com Yara e Nelson na torcida,
Van Halen correndo pela praia, e que às vezes, passava no meio do jogo,
atrapalhando-os de alguma maneira, rendendo risos, discussões amigáveis,
perdas e vitórias. Apesar da partida nada profissional, o evento proporcionou-
lhes boas e contagiantes risadas. As primeiras partidas foram Heloísa e Erick
contra Sophia e Daniel, e estes sempre que faziam um ponto comemoravam
com abraços e beijos, Müller até tirava-a do chão e a rodopiava no ar.
Helô gritava estridentemente toda vez que sua dupla adversária não
defendia uma jogada – e todos riam da sua empolgação, principalmente
quando, em um desses momentos, ela saltou no pescoço do irmão, e, surpreso,
Erick se desequilibrou, caindo na areia, com ela por cima. As gargalhadas
ressoaram e duraram por muitos minutos.
Daniel e Sophia mais perderam do que ganharam, porém, o jogo tinha
sido divertido. Os homens, por conta do calor, tiraram suas camisas e,
acompanhados pelas garotas, mergulharam rapidamente no mar antes de
iniciarem uma nova partida.
— Que tal Erick e Sophia contra Daniel e eu, nesse set? — Heloísa
sugeriu.
— Por mim tudo bem. — Erick deu de ombros e olhou para o casal.
Daniel acenou concordando e não demonstrou nenhum tipo de oposição.
Trocaram os parceiros e iniciaram a nova partida. O novo set fora mais
equilibrado, já que Erick e Heloísa eram mais familiarizados com o esporte,
ajudando, dessa forma, seus respectivos parceiros. As comemorações entre
Erick e Sophia eram toques de mãos e abraços calorosos, mesclados a risadas.
De início, Daniel sentiu-se levemente incomodado, mas logo suavizou quando
viu que não havia maldade entre os dois – mesmo depois de eles terem se
beijado no passado.
Daniel e Heloísa comemoravam suas pontuações apenas com toque em
ambas as mãos, mas, vez ou outra, e enlouquecidamente, Heloísa o abraçava
também, e ele ria da hiperatividade e ingenuidade da moça.
Heloísa e Daniel ganharam dessa vez, e já mais acostumado com a
personalidade de sua companheira, não se importou em montá-la em suas
costas e correr alguns metros, uivando em comemoração, arrancando mais
risadas de todos os presentes.
— Vocês deveriam apostar alguma coisa — Nelson gritou do outro lado,
a cerveja nas mãos já pela metade. — Que graça tem em só ganhar? —
instigou.
— Meu pai tem razão! — concordou Erick se recuperando de um ataque
de risos. — Vamos apostar o quê? Uma rodada de cerveja?
— Quem perder paga um rodízio de churrasco hoje à noite para todos
nós! — Daniel anunciou. — Na melhor churrascaria da cidade.
— Se eu perder, meu pai é o responsável por mim — Heloísa disse, e
todos riram quando Nelson resmungou por ter sugerido a aposta.
— Eu aceito se for meninas contra meninos — Sophia interviu, e Erick e
Daniel se entreolharam, sorrindo um para o outro, satisfeitos com a proposta,
ambos acreditando que seria moleza vencer.
A nova partida foi mais acirrada, visto que havia uma aposta alta em
jogo. Houve muitas defesas incríveis, bloqueios inacreditáveis e passes
extraordinários, principalmente por se tratarem de amadores. Um jogo muito
bem jogado, dois empates e um terceiro set para decidir quem seria o
vencedor. Quando, já no último set, as duplas estavam 24 a 24 e quem fizesse
decidiria o jogo, a disputa se tornou mais implacável e emocionante. Sophia e
Heloísa recebiam todo o apoio de Yara, enquanto Nelson apoiava Daniel e
Erick – ainda que se sua filha perdesse, ele que teria que arcar com as
despesas da aposta. E mesmo que Erick e Daniel tenham se esforçado,
corrido pela areia para não deixar a bola cair no chão, terem feito defesas
esplêndidas e, literalmente, suado para vencer, Sophia e Heloísa ganharam por
um saque na rede.
— Nós deixamos vocês vencerem! — Daniel disse quando Sophia se
aproximou e o zombou.
— Dan, aceite que dói menos — rebateu rindo e o beijou nos lábios.
O restante do dia também fora muito agradável, continuaram
conversando, bebendo, beliscando uma coisa aqui ou ali, nadaram e Daniel até
carregou Sophia no colo para dentro do mar. Com as ondas na altura da
cintura, ele a beijou serenamente, afagando seu rosto molhado.
— O mar quis levar você de mim — sussurrou com suas bocas bem
próximas. — Acho que teria enlouquecido se naquele dia você…
Ela tocou-lhe com o indicador, impedindo-o de continuar.
— Pense pelo lado bom — ela murmurou e ele sorriu, beijando-a,
lembrando-se que o “lado bom” era a primeira vez deles.
Após um dia agradável na praia com os amigos, voltaram para a casa
dos Gouveia, tomaram um banho gelado e saíram para a churrascaria,
dividindo-se em dois carros.
Assim como o dia, a noite também foi muito divertida. Daniel e Erick
dividiram a conta na churrascaria. Durante todo aquele momento de
descontração, Daniel, publicamente, demonstrou todo seu afeto pela esposa,
beijando-a sempre que podia, segurando sua mão sobre a mesa, abraçando-a
vez ou outra, e mesmo que Sophia o advertisse de vez em quando, ele
respondia dizendo que não queria esconder de ninguém o quanto a amava.
Pensou, ainda, como era bom falar do que sentia por ela sem ter uma pessoa
dando de “Heitor”. Todos, na verdade, acharam lindo o amor e
companheirismo entre os dois.
Por volta de dez da noite, retornaram, mas Daniel quis passar em um
mercado antes. Comprou algumas garrafas de cerveja, vinho, algumas velas e
comida congelada. Voltou para o carro, guardou as compras no porta-malas e
partiu com Sophia para a casa de Erick. Quando chegaram, Yara e Nelson já
haviam ido se deitar, exaustos pelo dia mágico; Heloísa estava no quarto,
navegando na internet. Erick estava na sala, assistindo a uma partida de
basquete gravada.
— Comprei algumas coisas, pode me ajudar a tirar do carro? — Daniel
pediu, e Erick acenou, levantando-se para ajudá-lo.
Uma vez na garagem, Daniel abriu o porta-malas e tirou algumas poucas
sacolas; Erick o olhou, confuso. Ele pescou uma e estendeu para ele.
— Consegue entrar sem Sophia ver? Estou pensando em fazer algo —
disse, e Erick sorriu, entendendo qual era a sua real ajuda.
— Entrarei pelos fundos e deixo no armário. Quando precisar pode ficar
à vontade para pegar — Respondeu todo sorridente, e Daniel lhe entregou as
cervejas, pedindo para deixá-las na geladeira.
— Para que cerveja? — perguntou Erick.
Müller revirou os olhos.
— Eu precisava comprar alguma coisa para esconder o restante —
retorquiu como se fosse muito óbvio.
Erick riu e retirou-se em seguida para cumprir sua missão.
Daniel voltou para dentro de casa, encontrando-se com Sophia ainda na
sala, sentada no sofá com a cabeça jogada para trás. Aproximou-se e pôs-se
ao seu lado, abraçando-a.
— Está cansada, amor? — sussurrou no ouvido dela e mordiscou seu
lóbulo da orelha.
Ela grunhiu baixinho e se ajeitou nos braços de seu esposo.
— Sim, muito. Vamos dormir?
— Não antes de ele tomar uma cerveja comigo — falou Erick surgindo
da cozinha e trazendo duas garrafas de cerveja nas mãos. — Para
comemorarmos, já que agora somos amigos.
Sophia sorriu preguiçosamente e beijou rapidamente Daniel.
— Estou feliz por não haver rancor entre vocês. Tomem suas cervejas e
tenham papos de machos, mas eu irei dormir.
— Eu não demoro, amor — Daniel garantiu antes de ela ir para os
fundos, em direção ao quarto de hóspede preparado carinhosamente por Yara
um dia antes.
Daniel e Erick sentaram-se no sofá, lado a lado, tomando suas cervejas
e assistindo ao segundo quarto do jogo de basquete. Conversaram sobre a
partida e as posições dos jogadores, tabela do campeonato, estatísticas.
Daniel quase não entendia, mas o pouco que compreendia abordava o assunto
facilmente. Rapidamente, também falaram do casamento dele. Daniel contou
como foram os dias depois que eles brigaram, de como, finalmente,
compreendera que não poderia fugir do que estava sentindo, que pensara muito
sobre tudo que o próprio Erick lhe disse, nas coisas ditas, também, por seu
irmão Heitor. Erick desejou felicidades e voltou a afirmar que estava muito
feliz pelos dois, e até se desculpou pelo desentendimento que culminou na
internação de Daniel em Angra dos Reis.
— Não se preocupe mais com isso — Daniel apenas disse.
O jogo acabou, e suas cervejas também. Olhou para o relógio e viu que
era tarde e que, provavelmente, Sophia já estava dormindo. Despediu-se de
Erick e saiu, mas não para o quarto, junto com sua esposa. Era hora de fazer o
que tinha em mente.

♦♦♦
— Sophia… — ele sussurrou agachado no meio da escuridão — Amor,
acorde… — Chacoalhou-a delicadamente.
Sophia resmungou e virou na cama, sonolenta. Mas Daniel continuou
insistindo, até que ela se deu por vencida.
— O que foi, Dan?
— Vem… — disse, apenas puxando-a pelo punho.
Desnorteada, ela se levantou, perguntando o que estava acontecendo.
Daniel somente respondeu que queria lhe mostrar algo.
— Dan, estou só com uma camisa sua — protestou ainda zonza pelo
sono. Deu-se conta e buscou pelas horas. Quase duas da manhã.
— Sem problema. — Ele tirou seu paletó e jogou sobre os ombros dela.
Antes que Sophia pudesse dizer qualquer coisa, ele a içou em seus baços e
saiu de casa, no meio da noite. A lua cheia, as estrelas no céu límpido
brilhando acima deles.
Por mais que ela perguntasse o que ele estava fazendo, Daniel dizia
apenas para ela ter calma. Estavam a uns cem metros da praia quando ele
colocou-a no chão e retirou uma venda do bolso. Sophia ficou ainda mais
confusa quando seus olhos foram vendados. Seu coração palpitou, e ela
imaginou que Daniel havia preparado alguma surpresa. Sorriu largamente
tentando adivinhar o que ele tinha preparado. Soltou um pequeno grito ao ser
pega outra vez pelos braços fortes, e Daniel se pôs a caminhar. Por fim,
chegaram à areia da praia, onde estiveram na tarde anterior. Müller a sentou
na areia e pediu um minuto. O coração de Sophia batia a mil por hora enquanto
esperava por ele. Por fim, Daniel retornou e tirou a venda.
Instantaneamente, Sophia sentiu seus olhos juntarem lágrimas com a
imagem, levou à mão a boca, abafando um grunhido de emoção. Voltou-se para
Daniel, ele sorria lindamente – a luz do luar iluminava seu rosto barbado e
bonito, dando-lhe um aspecto angelical e estranhamente sensual. Ele
aproximou sua boca do pescoço dela, depositando um pequeno beijo.
— Diga alguma coisa — murmurou percebendo a quietude de Sophia.
— Daniel… É… é perfeito — disse com a voz embargada. — Meu
Deus, Daniel, você…
— Shh — sussurrou, e calou-a com um beijo apaixonado.
Sorrindo, ela voltou-se para frente, não se cansado de olhar o desenho
na areia. Um enorme coração escrito “Eu te amo, Sophia”, algumas velas
estavam espalhadas em torno do desenho e logo ao lado uma toalha balançava
com a brisa, presa apenas por taças e uma garrafa de vinho, além de dois
pratos com frutos do mar.
— Você gostou? — ele perguntou sensualmente, roçando a ponta de seu
nariz em sua pele.
— Eu… eu amei — gaguejou ainda emocionada. — Daniel, eu te amo
tanto — falou e beijou-o cheia de amor. Ele sorriu sentindo seu coração saltar
em alegria. Cada parte do seu corpo clamando por mais daquele beijo, por
mais de Sophia.
Controlando-se, ele cessou o beijo e os serviu com vinho e os frutos do
mar. Sophia sentou-se entre as pernas dele, encostando-se ao peito largo,
bebendo vagarosamente (e extremamente feliz) o seu vinho, saboreando não só
da iguaria, mas das ondas quebrando na praia, da lua cheia absoluta no céu;
das estrelas piscando no firmamento; das velas que iluminavam o desenho com
seu nome dentro em uma declaração de amor ‒simples e majestosa ao mesmo
tempo. Não poderia, nunca em sua vida, duvidar dos sentimentos de Daniel.
Ele estava sendo maravilhoso desde que se declarara, estava sendo o homem
dos sonhos de qualquer mulher, e consertando, dessa forma, todos os seus
erros do passado.
Pensou em como Daniel estava se dedicando para mostrar seu amor por
ela todos os dias, e ela ainda não havia feito muita coisa para provar que,
também, o amava. Mas decidiu que isso mudaria – Sophia faria alguma coisa
por ele.
Sentiu um estalar em seus cabelos, depois a temperatura quente dos
lábios dele descendo pelo seu pescoço, não demorou a sentir as mãos fortes
sobre seu ombro, abaixando a vestimenta para despi-la e logo sentir um beijo
molhado. Ela cerrou os olhos, mordendo os lábios, totalmente atraída e
extasiada pela boca de seu marido contra sua carne.
— Você é minha vida, Sophia — disse ele baixinho ao pé do seu ouvido.
— Fica comigo para sempre?
Ela virou a cabeça para ele, fitando-lhe a expressão serena: os lábios
entreabertos, os olhos fechados. Beijou-o delicadamente, as lágrimas ardendo
de novo em seus olhos. O pedido de Daniel, quase uma súplica, a comoveu.
Sim, ficaria com ele por toda a eternidade, não iria, jamais, se afastar daquele
homem esplêndido, lindo, romântico, que ela tanto amava e que era amada de
volta na mesma intensidade. Virou todo seu corpo, inclinou-o a se deitar e
deitou-se sobre ele, aprofundando o beijo, as lágrimas escorrendo dela para a
pele dele. O amor que sentiam era tão pleno, absoluto e verdadeiro, que mal
cabia em seus peitos, e ele se manifestava além de seus sentimentos abstratos,
ou de emoções individuais. O amor se transformava em lágrimas de emoção e
felicidade, em beijos serenos e tresloucados que eram sentidos por ambos, em
sorrisos que os deixavam ainda mais apaixonados e envolvidos um pelo outro,
em abraços que deixavam suas peles bradando por mais, em palavras e
declarações espontâneas que sempre os emocionavam.
Fizeram amor na praia outra vez. Seus corpos cada vez mais conectados,
mais cientes um do outro, mais íntimos. O firmamento, as estrelas e a lua
majestosa testemunharam o amor verdadeiro sendo consumado, emanando de
suas almas para o mundo.

♦♦♦

A brisa era fria, mas seus corpos ainda estavam aquecidos pelo amor.
Sophia deliciosamente encaixada nos braços de Daniel, observando a lua,
recuperando o fôlego. O paletó dele cobria seus braços despidos, protegendo-
a do vento gélido.
— Minha vida está tão perfeita… — ela murmurou.
Daniel sorriu e beijou o alto de sua cabeça.
— A minha também. Desde que você entrou nela.
Sophia debruçou-se, encarando-o nos olhos. Olhou, em seguida, o peito
largo e definido, traçando um caminho pelas suas mamas. Enroscou-se às
pernas dele e desceu seu indicador até o cós da cueca preta, que há pouco foi
vestida.
— Obrigada por tudo, Daniel. Está tudo tão perfeito… Eu não quero
mais nada da vida.
Ele abriu um pequeno sorriso, descendo delicadamente a mão pelo rosto
dela.
— Só falta uma coisa para completar a nossa felicidade — disse de
repente.
— O que é?
— Quero um filho com você, Sophia.
Ela prendeu o ar por um instante, momentaneamente chocada com tal
declaração. Pestanejou tentando assimilar o assunto repentino que Daniel quis
abordar.
— Claro — sorriu sem graça. — Daqui uns anos, talvez.
— Não — disse ele prontamente —, quero um filho ainda esse ano.
— Daniel… — Sophia suspirou, e ele a encarou um pouco entristecido.
Pôde sentir no tom da voz que ela não compartilhava do mesmo desejo que
ele. — Acho que não é um bom momento.
— Como não, Sophia? — rebateu serenamente. — Nós nos amamos,
somos casados. Eu quero ter uma família com você.
— Eu sei, meu amor — replicou calmamente e beijou-o na altura do
tórax. — Mas é tudo tão recente, eu quero aproveitar você um pouquinho mais,
entende? — disse dengosa e deu outro beijo em seu peito. Levantou o olhar
para Daniel encantadoramente – e ele não pôde deixar de sorrir.
— No ritmo em que estamos transando, precisamos nos cuidar — ele
alegou com a voz um pouco mais baixa.
Sophia percebeu logo o tom abatido em sua voz e praguejou-se por ter
sido tão insensível. Mas ao mesmo tempo, sentiu-se ainda mais feliz em saber
que Daniel tinha esse anseio.
— Vamos esperar mais alguns meses? Para esse ano eu não prometo
nada, mas quem sabe para o ano que vem? — disse ela, e um sorriso radiante
apareceu nos lábios dele.
Daniel segurou-a pelo rosto e beijou profundamente, sabendo que estaria
totalmente completo no dia em que fosse pai.

♦♦♦

O fim de semana com a família Gouveia fora o mais divertido de todos,


tanto para Daniel quanto para Sophia. No domingo, fizeram um churrasco na
beira da piscina, e Daniel e Erick não evitaram uma troca de olhares,
recordando-se do último, que fora um desastre. Acabaram por gargalhar com a
lembrança, despertando em Heloísa e seus pais a curiosidade, porém, para a
sorte deles, ninguém resolveu querer saber o motivo de nada.
Eles se despediram no entardecer do domingo, Yara e Nelson
convidando-os a voltar mais vezes. Erick deu um abraço apertado em Sophia e
um beijo no rosto. Voltou a dizer-lhe que estava feliz por ela e Daniel e que
gostaria de ser o padrinho, caso eles renovassem os votos. A loura riu e
prometeu que o chamaria, sim, na renovação dos votos. Daniel também
abraçou Erick, agradecendo a todos pela receptividade e por todos os
momentos divertidos e extraordinários. Heloísa tagarelou sem parar que
sentiria saudade do casal, fazendo-os, inevitavelmente, rir.
Rumaram de volta para casa e chegaram ainda naquela noite.
No dia seguinte, após uma rodada de sexo matinal, foram para a
empresa, Sophia já há algumas semanas novamente como secretária executiva
de Daniel.
Apareceram no andar da presidência, rindo das lembranças do fim de
semana, Daniel abraçando-a pela cintura e Sophia apoiando sua cabeça sobre
o peito dele, enquanto caminhavam para o andar.
— Foi simplesmente maravilhoso — Sophia disse quando viu Anabelle
se aproximando e cumprimentando-os com um “bom dia”.
— Há uma senhorita que gostaria de conversar com o senhor —
Anabelle disse de pronto se direcionando para Daniel. — Ela não tem horário
e está insistindo muito para vê-lo, senhor Müller. E também não quis se
identificar.
Daniel enrugou o cenho, estranhando a situação. Perguntou-se quem
seria e por um segundo temeu ser alguma tramoia de Melissa. Só de pensar,
seu coração se acelerou, e ele precisou de um momento para se recompor.
— Onde ela está? — quis saber.
— Na sala de reuniões — Anabelle informou.
Daniel agradeceu a informação e, juntamente com Sophia, seguiu para a
sala de reunião, imaginando todos os números possíveis de pessoas que
poderiam ser. Abriu a porta e logo se deparou com ela.
Por um segundo, pensou estar vendo coisas. Ela estava sentada na ponta
da mesa. Os cabelos pretos e levemente ondulados caíam sobre os ombros. Ao
vê-lo, a mulher sorriu largamente e se levantou, indo ao seu encontro.
— Daniel… quanto tempo. — exclamou se aproximando.
Ainda atordoado com a presença inesperada de sua visita, Daniel
conseguiu se encontrar novamente e voltar à realidade. Os olhos dela
pareciam estar ainda mais negros e brilhantes.
Recuperando-se do choque, ele piscou várias vezes quando ela o
abraçou, mas logo se afastou, encontrando seus olhos. Daniel pigarreou um
momento antes de conseguir dizer, mesmo que ainda assustado:
— Oi… Clarisse.
37
PROMETIDA

Daniel sentiu seu coração palpitar levemente. A presença inesperada de


Clarisse tirou seus pés do chão. Há muito ele não a via, mas os olhos negros
marcantes eram inconfundíveis, mesmo depois de tantos anos.
Desconcertado, ele sorriu, ainda atordoado pelo reencontro súbito com
sua ex-paixão. Engoliu em seco diante dela, o sorriso caloroso e perfeito
curvado nos lábios finos em contraste com a pele branca. A presença de
Clarisse momentaneamente o fez se esquecer de Sophia, logo ao seu lado,
agarrada a seus braços.
— Que surpresa… — anunciou ainda chocado, quase sem ar. Franziu o
cenho levemente, perguntando-se que raios ela estaria fazendo ali. Só
esperava que Clarisse não fosse a típica ex que, arrependia, retornava anos
depois disposta a reconquistar seu amor. Daniel estava numa fase muito boa de
sua vida com Sophia para que surgisse algo para atrapalhar esse
relacionamento que, finalmente, caminhava bem.
— Você está mudado — observou sorrindo amigavelmente. — Está mais
bonito, esses anos todos te fizeram bem.
Daniel abriu um sorriso acanhado, com dificuldade para digerir a
presença da morena.
Sophia pigarreou, trazendo-o de volta à realidade e fazendo-o lembrar
da sua presença. Ela acompanhara a cena, curiosa em saber por que a postura
de Daniel mudou tanto ao ver a tal Clarisse. Lembrou-se dos dias anteriores,
quando ele se abriu e contou-lhe sobre sua decepção amorosa. Seu sexto
sentido, de alguma forma, gritava dentro dela e a alertava que a morena ali
presente era a antiga paixão dele.
Assim que pigarreou, Clarisse a olhou, sorrindo naturalmente, e logo
ouviu Daniel dizer: — Ah, Clarisse, essa é Sophia, minha esposa. Sophia,
essa é Clarisse — ele fez uma pequena pausa, buscando a palavra certa —, é
uma ex-namorada da época de faculdade.
— Muito prazer, sou Clarisse Corrêa — cumprimentou-a, e esticou a
mão, sorrindo de forma simpática.
Sophia devolveu-lhe o sorriso, bem menos intenso, e olhou a mão dela.
Por algum estranho motivo, seu sexto sentido estava certo sobre a mulher à sua
frente: era ela a ex de Daniel, que o magoou no passado. Cumprimentou-a, e
estranhamente não sentiu que a presença de Clarisse fosse alguma ameaça para
o casamento com Daniel.
— Sophia Hornet — disse, e emendou em seguida… — Sophia Hornet
Müller.
— Quem diria — a morena disse descontraidamente. — Daniel Müller
casado.
Ele riu brevemente, nervoso e desconcertado. Ter atual e ex no mesmo
ambiente, uma de frente para a outra, era, no mínimo, uma saia justa.
— Sophia conseguiu me laçar — respondeu, trazendo-a para mais perto.
O momento era um tanto quanto constrangedor, mas Daniel foi logo
tratando de contornar a situação, querendo saber o que levava Clarisse ali,
principalmente depois de tantos anos.
— Anabelle disse que queria falar comigo.
— Ah, sim, se importa se for em particular? — inquiriu, e olhou para
Sophia, seu sorriso simpático ainda esboçado nos lábios naturalmente cor de
pêssego.
Daniel buscou pela esposa antes de responder, já descartando qualquer
possibilidade de ficar sozinho com Clarisse, imaginando que Sophia se
incomodaria com tal fato.
— Eu não tenho nada para esconder da Sophia, então, o que tiver de
dizer, diga na frente dela — declarou tentando não parecer estúpido.
— Bom, eu não estou pedindo para esconder nada dela. Depois que
conversarmos poderá contar tudo o que quiser à sua esposa, mas no momento,
o assunto que irei tratar com você, eu prefiro mesmo que seja em particular.
Daniel suspirou; sua boca já ia se abrindo para negar o pedido de
Clarisse quando Sophia interveio: — Tudo bem, Dani. Tenho mesmo algumas
coisas para resolver. Fiquem à vontade — falou, e beijou-o rapidamente nos
lábios.
— Te vejo depois — Daniel sussurrou e a acompanhou até a porta.
Beijou-lhe outra vez nos lábios e a viu sumir pelos corredores. Inspirou fundo
desejando acalmar o sangue que fervilhava dentro dele. Exasperou e voltou-se
vagarosamente para Clarisse.
Ele se deparou com o mesmo sorriso encantador de sete anos atrás, os
olhos negros exalavam mais maturidade e experiência, os cabelos escuros
caiam-lhe soltos de forma ondulada e sua voz continuava tão afável e serena
como no passado.
Caminhando para dentro em silêncio, chegou até a mesa de vidro extensa
e sentou-se na cadeira na extremidade. Apoiou os cotovelos na superfície e
entrelaçou as mãos enquanto a via se aproximar e puxar a primeira cadeira do
lado esquerdo dele.
— Então, o que te fez aparecer assim, depois de tantos anos?
Clarisse sorriu e inspirou fundo.
— Eu precisava desabafar e de uma ajuda ao mesmo tempo. Acredito
que você seja a pessoa ideal para isso.
Daniel franziu o cenho, pouco entendendo onde ela queria chegar. Então
Clarisse começou a lhe contar por que aparecera de forma tão súbita.

♦♦♦

Sophia caminhou de volta para a sala da Presidência, enumerando os


seus afazeres. Tentava manter sua cabeça no trabalho, nos compromissos de
Daniel que tinha de conferir, nas ligações que precisava realizar e na agenda
que tinha de organizar, e não desviar sua atenção pensando no que seu esposo
estaria conversando com uma ex-namorada, a qual, muito provavelmente, fora
a que o magoou no passado.
Afastou suas indagações e continuou o trajeto a passos rápidos e
cabisbaixa. Distraída, só voltou à realidade quando esbarrou em alguém.
Voltou-se para cima, atônita, encontrando o sorriso galanteador e a íris verde
brilhante de Miguel. Prendeu a respiração por um segundo – a última vez que
o tinha visto fora dias atrás, quando esteve em sua presença no quarto de hotel.
— Miguel — pôde dizer, por fim, ainda surpresa com sua chegada.
— Oi — ele cumprimentou-a com um sorriso caloroso. Desviou seus
olhos dela para o corredor ali atrás, esperando ver Daniel, mas não o viu.
— O que faz aqui? — Sophia inquiriu.
Miguel sacudiu algumas folhas no ar.
— Relatório mensal das obras na fábrica — explicou-se, e logo
emendou: — Vocês se entenderam?
Sophia hesitou, suspirando em seguida. Naquele momento arrependeu-se
por sua atitude precipitada de tê-lo chamado para conversarem e depois de tê-
lo beijado. Teve vontade de puxar seus cabelos como castigo.
— Sim — murmurou. — Foi uma briga idiota, e eu exagerei com o
negócio do divórcio. Desculpe-me por ter te envolvido nisso.
Miguel apenas acenou, lembrando-se de que depois daquele dia ainda
voltara para o hotel na esperança de reencontrá-la e convencê-la a ir embora
com ele. Mas quando não a encontrou, e nos dias seguintes não teve nenhuma
notícia dela, acreditou que haviam se reconciliado.
— Ele aceitou numa boa o beijo? — perguntou, e um pequeno sorriso
malicioso manifestou-se.
— Sim — gaguejou. — Miguel, olha… eu preciso trabalhar —
contornou rapidamente o assunto.
— Pois eu também. Daniel está ocupado?
— Está. Espere-o na recepção. Mas você não tem hora marcada, tem?
Miguel sacudiu ombros, o mesmo risinho malicioso e sarcástico. Sophia
revirou os olhos e, desajeitadamente, buscou pela agenda de Müller dentro da
sua bolsa. Sem que ela percebesse, Miguel se aproximou furtivamente, ficando
demasiadamente próximo. Sophia só se deu conta quando havia encontrado a
agenda e levantara os olhos, topando com o rosto bonito de Miguel quase
colado ao dela. Deu um passo atrás, assustada, mas ele a segurou pelos
punhos.
— Calma, Sophia, não vou fazer nada… a menos que queira —
sussurrou, sorrindo maliciosamente, e ela pôde sentir o ar quente da
respiração e o hálito refrescante dele contra seu rosto. No mesmo instante o
coração saltou dentro do peito, temendo que ele tentasse roubar outro beijo.
— Então, por favor, se afaste, Miguel. Por que ainda insiste nisso? —
perguntou, já cansada de tanta insistência.
Ele franziu o cenho levemente, desviando, em seguida, olhou para os
belos lábios de Sophia. Engoliu em seco e voltou a encarar a íris esverdeada.
— Eu ainda sou louco por você — murmurou. — Não percebe?
— Mas eu não te amo! Nunca te amei! — declarou, empurrando-o e se
livrando das mãos fortes. — E se me ama tanto assim como diz, deixe-me ser
feliz, não tente atrapalhar meu casamento.
Miguel deu um passo atrás, assentindo.
— Eu não estou atrapalhando seu casamento, Sophia. Mas eu sei, de
alguma forma, que quem irá afundar essa relação é o próprio Daniel. E quando
isso acontecer, eu serei seu único ombro amigo.
Sophia o encarou por um segundo. Imaginou se ele não estaria tramando
alguma coisa contra seu casamento com Daniel, mesmo sabendo que Miguel
não era do tipo que bolava planos mirabolantes para prejudicar alguém. Até
porque, ela estava ciente de que ele sabia disso, se Miguel, de alguma forma,
atrapalhasse sua relação com Daniel, ela jamais olharia em sua cara
novamente. Também pensou em suas palavras, afirmando que Daniel acabaria
com aquele casamento; pegou-se pensando que se ele cometesse mais de suas
bobagens, era, sim, uma possibilidade de acontecer. No mesmo instante se
lembrou do modo como ele quis se esquivar do assunto sobre Melissa e do
favor que fez a ela e sentiu uma pontada de desconfiança, de algum modo tinha
a impressão de que Daniel mentiu. Sem contar a presença da tal Clarisse
Corrêa e sua insistência que eles conversassem a sós. Tentou afastar da mente
qualquer preocupação em relação a isso. Daniel já havia provado seu amor
por ela.
— Ouça, Miguel — disse, enfim —, você é um homem bonito, é
romântico, carinhoso — ela viu um sorriso nele começar a aparecer. — Eu
tenho certeza que existem mulheres que fariam fila para ficar com você. Então,
por favor, me esqueça. Não queira migalhas, pois você merece, sim, algo bom
e real — decretou, e estava passando por ele quando foi impedida, a mão dele
segurou-a com delicadeza pelo braço. Seus olhares se chocaram, e ela não fez
menção de tentar se soltar do aperto.
— Só guarde bem o que eu te disse, Sophia. Cedo ou tarde, isso vai
acontecer — sussurrou, e antes que ela tivesse tempo de protestar, ele soltou-a
e saiu caminhando de volta para a recepção.

♦♦♦

Cinco anos antes daquele dia. Simon Müller ainda estava vivo e com a
ideia absurda de fazer um testamento exigindo o casamento dos filhos como
condição para que eles recebessem suas respectivas heranças. Conversava
sobre isso com seu amigo ‒ e tabelião, Everaldo Corrêa, também seu
confidente. Explicava-lhe o que gostaria que fosse incluído em seu testamento
quando Clarisse ‒ uma jovem de pele branca, olhos e cabelos negros, por
volta de 20 anos ‒surgiu na sala, adentrando o recinto com uma mochila
pendurada aos ombros. Ao ver Simon, o pai do garoto por qual cultivava uma
paixão desde que tiveram sua primeira noite juntos, abriu um largo e
encantador sorriso. Aproximou-se alegremente, beijando-o no rosto. Depois,
cumprimentou o pai e percebeu uma folha apoiada sobre suas pernas, e quis
saber o que estava acontecendo.
— Simon está fazendo o testamento dos bens — Everaldo explicou. —
A condição para esses filhos cabeças-duras é um casamento. Um tanto quanto
antiquado e arcaico, devo admitir… — disse e olhou Simon que revirou os
olhos e riu em seguida.
— Foi a única maneira que encontrei para transformar aqueles garotos
em homens de verdade — justificou-se com seu forte sotaque suíço. — Se
Laura estivesse viva, concordaria comigo.
Clarisse dispersou-se no assunto, uma ideia totalmente absurda ‒ mas
incrivelmente boa ‒ pipocando na cabeça. Ela nunca esquecera Heitor, jamais
foi capaz de apagar da sua mente os olhos azuis intensos, os cabelos castanhos
claros penteados de lado e o sorriso maroto que ele tinha nos lábios sempre
que estava tramando alguma coisa.
As vozes de seu pai e Simon ressoavam em sua cabeça de forma
longínqua, tão perdida que estava nos próprios pensamentos e na ideia que
surgiu.
De repente, desembestou a falar, dizendo que conhecia Heitor o
suficiente e sabia que ele poderia se casar apenas para conseguir a herança e
depois se divorciaria, o que levaria os planos de Simon Müller por água
abaixo. Everaldo a advertiu por se intrometer no assunto, mas Simon permitiu
que a menina continuasse falando, e ele deu-lhe toda a atenção.
— Mas se ele tiver uma prometida, uma mulher que esteja disposta a se
casar com ele e ser uma esposa exemplar, então, ele não teria para onde fugir
— divagou ela, animada.
Simon não deixou de rir da empolgação da garota:
— E onde é que eu arrumaria uma mulher assim, como você descreveu?
Clarisse se aproximou, e segurando firme as mãos envelhecidas do
senhor de olhos cinzentos, sorriu de forma angelical.
— Senhor Simon, eu amo seu filho. Há um tempo tivemos um
envolvimento e eu me apaixonei — disse baixinho. — Mas Heitor não é de se
apegar, e sequer me deu uma chance para mostrar que ele poderia me amar
como eu o amo. — Simon agora a encarava com uma expressão que era uma
mistura de seriedade, surpresa e curiosidade pela declaração súbita da moça.
Buscou pelos olhos de Everaldo e este estava tão pasmo quanto seu amigo. —
Eu posso ser a prometida de Heitor.
♦♦♦

Daniel ficou pasmo. Teve de se levantar da cadeira e andar de um lado


para o outro para assimilar a história que acabara de ouvir. Afagou o rosto,
totalmente atônito, e virou-se para Clarisse, que se mantinha no mesmo lugar.
Hesitou e olhou para ela, quase não conseguindo acreditar.
— Você é a prometida do Heitor? — indagou quase apavorado.
Com um suspiro, Clarisse saiu de seu lugar e virou-se para encontrar os
olhos aturdidos de Daniel.
— Sim, Daniel — confirmou. — Eu sei que parece loucura, mas…
— Não, não parece! — falou em voz alta. — É loucura! Até onde você
foi capaz de ir por causa do meu irmão, Clarisse?
Ela suspirou novamente, ajeitando as madeixas negras onduladas.
— Eu era uma tola apaixonada por ele, Daniel. Sabia disso, não é? Eu
agi por impulso, porque estava cega de amor pelo seu irmão!
Daniel a fitou, ainda achando difícil digerir a informação. Pensou em
como Heitor teria um surto quando soubesse que sua prometida havia
aparecido para firmarem o casamento – e mais, que sua prometida era
Clarisse, uma louca com que ele se envolveu no passado e quase que o
perseguiu por algum tempo.
Praguejou mentalmente seu falecido pai por ele ter concordado com tal
loucura ‒ assim como Everaldo Corrêa. Segundo Clarisse, prontamente eles
negaram a proposta, Simon acreditando que era um delírio de adolescente
apaixonada ‒ e de fato era ‒ mas Clarisse conseguiu convencê-lo, de alguma
forma, a entrar em seu plano delirante. Por que não foi mais firme, pai?. Ele
bufou pensando.
Afastou seus pensamentos. Definitivamente Clarisse e Heitor não se
casariam, já estava decidido há muito tempo. A herança que correspondia ao
irmão seria entregue a Daniel ‒ por conta do descumprimento do testamento ‒
e assim que estivesse com o dinheiro em mãos, devolveria. Não havia
necessidade desse casamento insano.
Olhou para cima, como se pudesse divisar seu velho pai em algum lugar
do cosmo, e perguntou por que ele tinha de fazer aquela outra surpresa. É claro
que Daniel não se surpreenderia se o testamento tivesse sido mais claro e
objetivo em relação a essa prometida em vez das simples palavras: “Heitor
terá de se casar com uma prometida, que será revelada no tempo certo”.
E pela presença de Clarisse ali em sua frente, aquele dia era “o tempo
certo”.
— Acredito que você veio para firmar esse casamento?
Clarisse exasperou, retornando até a mesa e se sentando. Daniel voltou
também, sentando-se, agora, em uma cadeira ao lado dela.
— Eu queria poder cancelar essa loucura que fiz. Daniel, eu conheci um
homem maravilhoso nesses anos e eu o amo de verdade, mas esse casamento
arranjado é um obstáculo entre mim e Leonardo.
— Então simplesmente o desfaça!
— Não é tão simples, Daniel — rebateu. — Você sabe o que acontece se
descumprirmos esse acordo?
— Sei. Heitor perde a herança, que vai direto para o sócio majoritário
com mais ações, ou seja: eu. Já conversei com ele sobre isso, Clarisse. Irei
devolver a parte dele e todo mundo sai feliz.
Clarisse sorriu, achando graça na ingenuidade de dois homens adultos
como Daniel e Heitor.
— Não é bem assim — respondeu. — Há duas partes envolvidas nisso,
Daniel. Para garantir que eu realmente me casasse com Heitor, meu pai e o seu
firmaram um contrato. Se eu descumprir, meu pai pode perder o cartório —
justificou, e suspirou em seguida.
Daniel soltou um suspiro que estava preso, incrédulo com a situação.
Tentou não pensar na reação de Heitor quando soubesse do tal casamento, mas
era quase impossível.
— Olha, eu vim te procurar porque eu não tive mesmo outra saída e eu
também não quero esse casamento, mas eu não posso deixar que meu pai perca
o que ele lutou tanto para ter. Por isso, gostaria de saber se você pode
intermediar por mim e falar com Heitor, explicar o que houve e propor um
casamento de conveniência com ele. Só o tempo de ele recuperar sua herança
e eu cumprir com o contrato entre o seu e o meu pai. Depois disso, eu assino o
divórcio.
Daniel logo se viu em uma saia justa e a encarou como se seu pedido
fosse algo muito extremo. Por que diabos ele tinha que ter essa missão ‒ quase
suicida ‒ de contar ao irmão sobre ele ter de se casar?
— Por que você mesma não diz a ele? — questionou-a. Ela quem
armara a confusão, era ela, então, quem deveria arcar com as consequências e
enfrentar Heitor.
— Daniel, você é irmão dele. Tenho certeza que ele te ouvirá melhor. Se
eu o procurar para dizer as coisas que acabei de te dizer, ele vai me dar as
costas e sumir do mapa. Estou te implorando para intervir por mim — disse
em tom de súplica.
Inspirou fundo e levantou-se, caminhando até uma pequena mesa auxiliar
com uma garrafa de café. Precisava de cafeína para pôr sua cabeça em ordem.
— Até quando vocês têm que se casar?
— Temos no máximo um ano.
Ele apertou a ponte do nariz antes de se servir de uma pequena dose da
bebida. Avaliou suas opções, e por fim voltou-se à Clarisse, virando o café
amargo de uma vez.
— Me dê um tempo. Verei o que posso fazer. Talvez eu consiga cancelar
esse casamento de alguma maneira sem que sua família saia prejudicada.
Clarisse acenou, mesmo sabendo que não havia mais nenhum tipo de
opção. A única coisa que precisava ser feita era aceitar aquela maluquice e
contar de uma vez para Heitor. Pensou que como o casamento seria apenas de
conveniência, Heitor aceitaria mais facilmente. Mas acabou concordando em
dar um tempo a Daniel.
— Quanto tempo? — quis saber.
Daniel olhou no calendário. Primeira quinzena de fevereiro.
— Até final de maio. Se eu não encontrar nenhuma solução, eu conto
para ele. Enquanto isso, não comente com ninguém, por favor.
— Está bem. — Ela também se levantou e se aproximou dele,
entregando um cartão de visitas que retirou do bolso.
— Qualquer coisa, me ligue.
Daniel segurou o pequeno cartão e encarou as informações contidas
nele.

Clarisse Corrêa
Assessoria Administrativa e Contábil.

Não pôde deixar de sorrir ao se lembrar da época de faculdade, e até


ficou feliz por saber que ela ainda havia se especializado em Contabilidade.
Ergueu os olhos para Clarisse quando a ouviu dizer sobre não deixar de
entrar em contato. Ele acenou rapidamente e, acompanhando-a até a porta, se
despediu. Clarisse sumiu de vista, lentamente ele cerrou a porta e se recostou
à madeira. As últimas informações inesperadas continuavam vivas e acesas
em sua mente.
Acalmou seu coração, reavaliando a situação. Teria de encontrar uma
solução para o casamento maluco de Heitor e Clarisse, ou o irmão teria um
surto, por mais que a moça tivesse dito que também não gostaria de se casar e
que o faria apenas para cumprir com o combinado. Não deixou de pensar na
ironia: Heitor, assim como ele, se casando somente para ter sua herança.
Pegou-se rindo brevemente imaginando se o irmão também se apaixonaria por
Clarisse.
Balançou a cabeça, sem querer desviar a atenção do seu foco principal.
Precisava resolver o problema do irmão.
38
AMOR ENCARNADO

Mês de maio. Primeiros dias. Daniel acordou lentamente e rolou na


cama, ainda sonolento, e observou extasiado a beleza de Sophia ao seu lado.
O corpo ainda estava despido do sexo da noite anterior, coberto apenas pelo
lençol. Por alguns segundos, como de costume, desde que, finalmente, se
assumiram, ficou apenas olhando-a – um sorriso pequeno nos lábios: os
cabelos louros emaranhados caíam-lhe sobre a face, mas que, ainda assim, não
lhe tirava a beleza esplêndida e natural. Retirou os fios espalhados pelo rosto
e depositou um beijo sereno em sua testa. Levantou-se com cuidado para não
despertá-la, era muito cedo. Dirigiu-se até o banheiro e lavou o corpo
rapidamente, limpando o suor impregnado em sua pele; sorriu para si mesmo
pensando que aquele suor era a prova do amor que existia entre os dois. Um
amor intenso, avassalador, sereno e real.
Enrolou uma toalha na cintura e agarrou outra, e, enquanto voltava para
o quarto, secou os cabelos. Sorriu ao ver que Sophia continuava em um sono
tranquilo e profundo. Ele adorava vê-la dormir, observar e atentar-se à
tranquilidade de seu descanso, do ronronar baixinho, às curvas perfeitas ‒ e
muitas vezes nuas ‒ sob os lençóis.
Secou o corpo e olhou-se no espelho. Vestiu-se em seu costumeiro terno
lembrando-se do fim de semana que ele e Sophia passaram com os seus pais.
Foi um domingo agradável entre as duas famílias, inclusive Heitor, que foi
com eles, trocou olhares intensos ‒ e discretos ‒ com Isabela, mas que não
fugiram aos olhos de Daniel, e este sem demora o advertiu. De nenhuma
maneira queria que Heitor se envolvesse com a irmã de Sophia.
Olhou mais uma vez para Sophia, através do espelho, e decidiu deixá-la
dormir mais um pouco. Nos últimos dias estavam trabalhando bastante, às
vezes até tarde da noite, comparecendo a jantares e reuniões; mas ele sabia
que parte desse cansaço não era devido apenas ao trabalho. O casal também
saía para se divertir, namorar, ter um momento só deles. Descendo até a
cozinha, recordou-se vividamente de uma dessas noites que ele precisou ficar
até um pouco mais tarde na empresa. Sophia insistiu que o fizesse companhia,
mas ele não quis e pediu para que ela fosse para casa e descansasse. Sophia
atendeu ao seu pedido, mas dali poucas horas retornou, trazendo,
desastrosamente, comida japonesa nas mãos. Daniel correu para ajudá-la,
enquanto sua esposa ria da sua bagunça e tirava da bolsa uma toalha de mesa e
esticava sobre o chão, dizendo que eles deveriam apreciar a vista dali de cima
e ter uma refeição gostosa. Sentaram-se de frente para a grande janela de vidro
na sala da Presidência e se deliciaram com as iguarias japonesas. Trocaram
carícias e beijos serenos sob a luz do luar, e Sophia tocou a singela joia de
prata que havia recebido na noite de seu noivado, deixando Daniel
extremamente feliz em saber que ela não a tirava do pescoço. Desse dia em
diante, sempre que Daniel precisava ficar até mais tarde na empresa, Sophia o
fazia companhia, esticavam uma toalha em frente à janela e ficavam por um
tempo juntos, dando a eles o pequeno luxo de observar o céu estrelado e a
cidade iluminada.
Uma vez na cozinha, Daniel preparou um café forte, e enquanto a
cafeteira processava a bebida, ele encarou a parede ali próxima, um
calendário marcando dia 8 de maio. Suspirou pensando que no dia 31
precisaria contar a Heitor sobre seu casamento com Clarisse. Naqueles meses,
ele havia conversado com seu advogado, lido o testamento outras vezes,
falado com Clarisse e com o advogado dela, mas não havia nenhuma solução
para resolver o impasse. Heitor teria, sim, de se casar com Clarisse. Daniel
Müller até havia sugerido uma quantia relevante que cobriria as perdas da
família Corrêa, mas a moça alegou que não havia somente o valor material em
jogo, mas também o sentimental. Seu pai primava por demasiado o seu tão
querido Cartório. Sem opção, Daniel não viu outra saída a não ser contar a
Heitor. Ligou para Clarisse e combinaram que os dois jogariam essa bomba
em cima do irmão, em um encontro no último dia do mês. Precisou esconder,
ainda, as informações de Sophia, com medo que, sem querer, ela contasse ao
Heitor sobre esse casamento. Para isso, no dia da visita inesperada de
Clarisse, Daniel apenas explicou que ela estava atrás de um emprego como
assessora administrativa. Sophia concordou, mesmo que desconfiada.
Colocou o café na caneca e bebeu uma dose generosa. Depois arrumou
uma bandeja farta e deliciosa de café da manhã com frutas, suco, leite e cereal
e voltou para o quarto, onde Sophia continuava dormindo. Deixou a bandeja
em um lugar qualquer e engatinhou-se até sua esposa, deitou ao seu lado e
tocou-a na face. Ela resmungou baixinho e se remexeu, fazendo-o sorrir.
Ajeitou-se mais perto dela, traçou beijos na linha da sua mandíbula, inalando
fundo o cheiro natural que exalava do pescoço delicado. Sophia ronronou, e
sem demora sentiu a mão macia de Daniel acariciando sua barriga e se
arrastando até o seio. Abriu um sorriso sonolento e estapeou a mão abusada;
em seguida ouviu-se um gargalhar, e Sophia levantou as pálpebras para
encarar um Daniel sorrindo de ponta a ponta, os dentes perfeitamente
alinhados e brancos sendo exibidos.
— Bom dia, dorminhoca — desejou e beijou-a nos lábios
delicadamente.
— Bom dia — respondeu jogando seus braços ao redor da nuca dele e
correspondendo o beijo. Afastou-se um pouco, avaliando-o. Enrugou o cenho,
confusa. — Já está de terno?
Ele riu, e segurou-a pelo queixo, beijando-a outra vez.
— Levantei mais cedo. Trouxe nosso café.
Os olhos de Sophia brilharam diante ao homem esplêndido. Ela nunca
esperou tanto de Daniel. Ele era carinhoso, e se fosse possível ficariam o dia
todo juntos, deitados, abraçados um ao outro, trocando carícias e beijos, rindo
de piadas e histórias de infância e adolescência que ele lhe contava.
Ela permaneceu em silêncio, apenas sorrindo encantada e feliz com a
vida que vinha tendo. Desde que ela e Daniel firmaram o casamento, os
últimos três meses têm sido os melhores. Em dias frios Daniel acendia a
lareira da sala e eles levavam uma porção de edredons e travesseiros para o
sofá, se escondiam debaixo da coberta, Daniel a envolvia em um abraço
aconchegante e caloroso, enquanto esperavam algum filme ou programa
começar, o qual eles logo perderiam o interesse. Às vezes, eles caíam em sono
profundo e dormiam no sofá, confortáveis nos braços um do outro. Segurou
uma pequena risada ao se lembrar de uma noite em que estavam namorando no
sofá, Daniel sem camisa, cinto desafivelado e zíper aberto; ela, de sutiã sob
ele, recebendo beijos quentes, e Daniel tentava abrir o zíper do short dela.
Heitor surgiu de repente, os surpreendendo. Ele ficou paralisado um segundo
enquanto Daniel tentava, com o próprio corpo, esconder a quase nudez de
Sophia, que tapava o rosto vermelho com as duas mãos. Heitor gargalhou para
enfurecer o irmão e se retirou, alegando que os deixaria em paz.
— Só tome cuidado para não manchar o sofá, Daniel — disse rindo
antes de sair de casa.
Mesmo que ainda desconcertados com o flagra, voltaram a namorar, e
minutos depois já estavam suados pelo calor da paixão consumada.
Sophia voltou à realidade quando Daniel sentou-se ao seu lado,
apoiando a bandeja com o desjejum. Divagara tanto que nem percebera que
ele se levantou. Sorriu e pescou uma uva e levou-a até a boca dele. Ele abriu
um sorriso e abocanhou a fruta, segurando Sophia pela nuca e beijando-a em
seguida, fazendo-a gargalhar.
Após o café da manhã, que fora, como sempre, muito divertido, cheio de
risadas, beijos, carinhos e conversas, seguiram para a Swiss. Trabalharam
arduamente o dia todo, mas eles sempre encontravam brechas para uma troca
de beijos ou carícias.
Ao fim do expediente, Sophia surgiu na sala da Presidência. Jogou o
longo casaco sobre o corpo coberto pelo vestido vermelho, enquanto fechava
a porta. Daniel, concentrado no computador, levantou seus olhos, encontrando
os de Sophia. Abriu um sorriso cansado. Ela se aproximou vagarosamente e
contornou a mesa. Daniel arrastou a cadeira e Sophia se sentou em seu colo,
envolvendo os braços na nuca de seu esposo.
— Vamos para casa? — falou deixando um beijo rápido em seus lábios.
As mãos dele alisaram as suas costas e um suspiro exasperado escapou
dele.
— Tenho que terminar de ler esse relatório e depois tenho um contrato
para digitar. Me desculpe, amor, mas hoje vou ficar um pouco mais —
explicou e beijou-a no queixo.
— Você precisa de ajuda? — ela se prontificou.
— Não, quero que vá para casa e me espere. Deixe o ravióli e o fondue
prontos — disse, e ela sorriu lembrando-se sempre o que faziam com o
fondue.
— Mas se eu te ajudar, você termina mais rápido — sussurrou
brincando com a gravata dele.
— Quero que esteja descansada e disposta para mim hoje — rebateu
escorrendo as mãos até o colo dela, roçando a ponta do indicador na entrada
entre seus seios. Virou seus olhos brilhantes para Sophia, que mordia o lábio
inferior.
— Como quiser, senhor Müller — concordou, e se levantou após beijar-
lhe na boca. — Mas não demore muito — advertiu andando até a porta. —
Sabe que eu morro de saudade de você.
Daniel riu, mesmo que estivesse com seu coração apertado em ter de vê-
la ir.

♦♦♦

O telefone em sua mesa tocou, e Daniel se assustou com a quebra


repentina do silêncio. Desviou os olhos do computador para o relógio de
pulso que marcava nove da noite. Coçou a nuca e suspirou, imaginando que
fosse Sophia quem ligava, pedindo para que ele voltasse para casa. Olhou o
computador: a tela brilhava esbranquiçada e exibia apenas um quarto do
contrato que ele estava digitando.
O telefone seguia tocando e Daniel apressou-se em atender. Para sua
surpresa, não era Sophia quem ligava, mas o vigia noturno que ficava na
portaria, dizendo que havia uma pessoa que gostaria de falar com ele. Daniel
enrugou o cenho, querendo saber quem diabos seria àquela hora da noite.
Mesmo contra a própria vontade, e depois de muita insistência do vigia,
Daniel seguiu até o térreo somente para ficar enfurecido. Não havia ninguém,
mas o funcionário alegava categoricamente que um homem esperava por ele e
que ficara ali até há pouco. Daniel Müller aguardou mais cinco minutos,
homem nenhum apareceu. Bufando, voltou para o trabalho.
Assim que abriu a porta de sua sala, a cena que viu fez suas pernas
bambearem. As luzes estavam apagadas e o local era iluminado apenas por
algumas velas espalhadas, perto da janela de vidro havia uma toalha de mesa
com fondue, ravióli e vinho. Mas o que o deixou de pernas bambas foi a
imagem de Sophia. Ela estava sentada em sua mesa, a perna esquerda dobrada
e a outra, esticada; trajava um espartilho de couro que faziam seus seios
saltarem de forma natural; nos pés um salto preto e vazado. O rosto estava
marcado por uma maquiagem forte e sexy, os cabelos desgrenhadamente
sedutores.
Daniel pestanejou, enfeitiçado pela cena diante dele. Vagarosamente
Sophia saiu da mesa e caminhou sensualmente até ele, e segurou-o pela
gravata.
— Ow! — ele sussurrou enfim, observando as curvas esculturais de
Sophia. — Meu Deus, Sophia, quer me matar?
Ela sorriu, virou-se ainda segurando-o pela gravata, e o encaminhou até
a mesa, encostando-o nela.
— Você está muito tenso, Dani — murmurou com a voz sexy e tocou-lhe
os ombros, escorregando o paletó. — Vou relaxá-lo — disse e o mordeu no
lábio inferior; o gesto o fez grunhir de prazer.
Sem pressa alguma, Sophia desabotoou a camisa branca quase
transparente e observou o peito largo e musculoso. Beijou-o acima do peito,
traçando um caminho em círculos com a língua. Daniel jogou a cabeça para
trás, controlando os próprios instintos e anseios. Rosnou de frustração quando
ela se afastou; ergueu os olhos, vendo-a caminhar até o fondue e trazê-lo até a
mesa. Esperou, curioso, pelo o que ela faria. Sophia esparramou um pouco de
chocolate sobre o peito e abdômen de Müller e ele gemeu só de imaginar o
próximo passo. Sophia agachou-se, olhando com luxúria e desejo para o dorso
pecaminoso de Daniel e subiu passando a língua por todo o caminho de
chocolate.
— Sophia… — gemeu de prazer, e ela sorriu.
— Você gosta, senhor Müller? — perguntou, a voz sempre sedutora.
Chegou até os lábios dele e o beijou, repuxando a parte inferior com
ferocidade.
Ele engoliu em seco, seus hormônios acelerados.
— Eu adoro, senhorita Hornet — sussurrou buscando os olhos dela.
Sophia pegou uma uva e mergulhou no chocolate, depois, esparramou
mais um pouco sobre o corpo de Daniel. Pôs a uva na boca, agachou-se outra
vez e subiu sugando o rastro do chocolate até a boca dele; Müller sugou a uva
que estava na boca de Sophia e a beijou intensamente, suas mãos correndo por
cada centímetro do corpo tentador, sentindo-se extremamente excitado.
A loura repetiu o processo mais algumas vezes, Daniel cada vez mais
extasiado. Enlouquecidamente, ele a agarrou e deitou-a sobre a mesa,
beijando-a com o amor sincero que sentia, mas também com o prazer que ardia
em cada poro de sua pele. Espalhou um pouco do chocolate por entre os seios,
e sem demora os chupou cheio de prazer. As pernas dela o contornaram e ele a
pressionou com sua excitação. Num segundo, livrou-se do espartilho e
desafivelou a calça. O mesmo prazer imensurável os atingiu com a penetração
e seus gemidos foram abafados pelas bocas coladas uma na outra.
Fizeram amor ali, sobre aquela mesa diversas vezes, cada uma melhor
que a outra, cada vez de um jeito diferente – uma experiência única e
excitante. Daniel atingiu seu ápice mais de uma vez, de uma forma que
nenhuma outra mulher foi capaz, nem a mais depravada com quem já tinha
estado.
Ao final, Sophia já estava enrolada no sobretudo que trouxera, e ele
vestia a camisa sem abotoar, os dois sentados sobre a toalha de mesa,
saboreando o vinho, o ravióli e o resto do fondue.
— Daniel — ela o chamou recostando-se ao ombro dele. As mãos de
Daniel acarinharam as madeixas louras após um beijo em sua cabeça.
— Oi, meu amor…
— Me promete que não deixará nada atrapalhar nosso casamento? —
perguntou, e buscou os olhos dele.
Daniel franziu o cenho, confuso com tal questionamento. Mal sabia ele,
mas Sophia vinha pensando (mais do que deveria) nas palavras de Miguel,
ligando-as às inúmeras bobagens que Daniel já havia feito colocando em risco
a convivência deles e à curiosidade que tinha em saber que favor havia feito à
Melissa no passado. Por mais que os últimos três meses tenham sido pacíficos
‒ Melissa havia sumido e Miguel vinha se comportando ‒ algo dentro dela
dizia que mais decepções estariam por vir. E Sophia rezava todos os dias
desejando estar errada.
— Eu prometo — disse beijando-a nos lábios.
— Você não me esconde nada, não é, Daniel?
Ele engoliu em seco, perguntando-se se ela desconfiava de alguma
coisa. Lembrou-se do vídeo comprometedor com Melissa, não havia mais
nenhuma cópia ‒ até onde ele sabia ‒ e a ruiva nunca mais aparecera, nem
mesmo para cumprir a promessa de vingança pela humilhação que sofreu.
Acalmou o coração, não queria ter que esconder nada de Sophia, não queria
ter nenhum tipo de segredo com ela, mas descartou qualquer possibilidade de
lhe falar a verdade naquele momento, não queria estragá-lo, por isso resolveu
que conversaria com ela no dia seguinte. Somente torcia para que Sophia não
ficasse irritada pelo fato de ele ter dormido com Melissa ‒ e descumprido a
promessa que fez no cruzeiro de não se envolver com ninguém ‒ pois não
suportaria seu desprezo. Depois se recordou do real motivo da aparição de
Clarisse e disse a si mesmo que também contaria tudo à esposa.
— Não, Sophia. Eu não te escondo nada. Pare com essas paranoias —
pediu, e trouxe-a para seu peito, acariciando a linha de seu braço com ternura.
Permaneceram calados por longos segundos, sentindo um ao outro,
dispersos em seus próprios pensamentos: Sophia ainda com algo lhe dizendo
que mais uma vez choraria por Daniel; Daniel reforçando mentalmente que era
preciso contar a verdade antes que ela viesse à tona e, de alguma forma,
prejudicasse sua relação com Sophia.
Minutos depois, haviam deixado seus questionamentos de lado e se
aconchegaram sobre o sofá do escritório.

♦♦♦

Sophia acordou na manhã seguinte totalmente indisposta. Não soube


dizer se era pelo cansaço da noite passada, já que ela e Daniel aproveitaram
muito bem (obrigado) cada minuto, ou se era algum mal-estar, algo que ela
comeu, ou uma virose…
— Vou ficar em casa hoje — falou baixinho, enfurnando-se mais
debaixo do edredom, enquanto via-o se arrumar para mais um dia de trabalho.
— Não me sinto muito bem.
Daniel a encarou através do espelho, preocupado.
— Quer que eu te faça companhia? — prontificou-se, e foi em sua
direção.
— Não precisa, Dan. Deve ser cansaço por causa de ontem — alegou,
os dois sorriram. Ele se curvou e beijou-a nos lábios, escorregando sua palma
pelo rosto dela.
— Vou pedir para que te tragam uma sopa no almoço e alguns remédios,
caso precise. Descanse bem, nem pense em ir à empresa me fazer companhia.
Eu ligo para saber como está. — Sophia apenas assentiu manhosamente e
fechou os olhos, querendo dormir mais um pouco.
Estava quase caindo no sono outra vez quando sentiu o estalo dos lábios
quentes de Daniel contra os seus. Esboçou um pequeno sorriso e dormiu o
resto da manhã. Acordou com seu estômago embrulhando e precisou correr
para o banheiro, deslizou os joelhos pelo piso até alcançar o vaso sanitário e
soltar toda a refeição da noite passada. Limpou os lábios com as costas da
mão, o gosto azedo na boca. Escovou os dentes ainda com o estômago
embrulhado, somando-se a um mal-estar inexplicável: uma mistura de
vertigem e sonolência. Arrastou-se de volta para o quarto e pensou em ligar
para Daniel, pedir que ele lhe viesse fazer companhia, para sentir os braços
dele envolvendo-a e confortando ao mesmo tempo.
Sentou-se na cama querendo fazer a tontura passar. Olhou em direção à
parede. O calendário ali marcava nove de maio. Franziu o cenho e procurou
por uma pequena agenda na gaveta de seu criado-mudo. Folheou rapidamente
até encontrar o que queria. Tapou a boca, vendo, desnorteada, o pequeno
calendário menstrual que tinha o costume de marcar para ter melhor controle.
Vestiu-se rapidamente, entrou no carro e foi até a farmácia mais
próxima. Comprou um teste e retornou o mais rápido que pôde – seu coração
acelerado e as lágrimas já acumuladas nos olhos. Chegou e subiu a escada
pulando dois degraus de cada vez, ignorando até mesmo Heitor que estava por
ali e a cumprimentou.
Fechou a porta do quarto e foi direto para o banheiro, abriu
freneticamente o embrulho. Seguiu as instruções na embalagem e fez o exame.
Segundos depois, com as mãos trêmulas, segurava o teste de gravidez.
Olhava fixamente para o resultado, paralisada, emocionada, atônita. Os olhos
lacrimejavam, o coração ricocheteava no peito em ritmos descompassados.
Assimilou a realidade e deixou uma lágrima escorrer.
Olhou novamente para o pequeno objeto. Uma carinha sorria para ela. E
o resultado a desestabilizou:
Positivo.
39
DENTE POR DENTE

O exame de farmácia foi guardado no fundo de uma gaveta, num lugar


que provavelmente Daniel não encontraria. Sophia sentou-se na cama, ainda
assimilando os últimos acontecimentos. Estava eufórica, nervosa e feliz.
Levou a mão até seu abdômen, e sorriu pensando que ali dentro dela crescia
um pequeno ser, um fruto do amor entre ela e Daniel.
Sorriu ainda mais largamente ao imaginar o quão enérgico e
entusiasmado Daniel ficaria ao saber da notícia. Principalmente porque há
alguns meses ele desejava esse filho. Estava demasiadamente nervosa para
contar a novidade e ver o brilho intenso dos olhos claros se intensificarem e
presenciar o sorriso contagiante assim que soubesse que seria pai.
Respirou fundo controlando a ansiedade. Iria contar, mas no momento
certo. Buscou pelo calendário na parede, e sabia que o dia propício para
contar que eles teriam um filho seria exatamente dali a uma semana. No dia
dezesseis de maio, data em que Daniel Müller completaria 30 anos. Seria o
presente perfeito. Por tanto, ela queria que fosse uma surpresa digna, e já
começava a planejar uma festa surpresa, convidando seus familiares e os
amigos mais próximos.
Correu para o banheiro e tomou um banho longo e quente, não conseguia
parar de alisar sua barriga, sempre imaginando se seu bebê seria menino ou
menina, e mentalmente já selecionava alguns nomes. Riu ao pensar que talvez
ela e Daniel não concordassem com um ou outro nome. Talvez fosse preciso
fazer um acordo: menino ele escolhe, menina ela escolhe; ou vice-versa.
Enrolou-se numa toalha, e uma vez no quarto estava mais disposta e
procurava alegremente por uma roupa que realçasse sua felicidade. Vestiu uma
regata de um amarelo alegre e um jeans desbotado. Por um longo momento
ficou observando-se no espelho, muito ansiosa pelo avanço da gestação e pelo
crescimento de seu bebê, fazendo sua barriga arredondar-se. Diferentemente
de muitas, não estava se preocupando com a parte estética. Não se importaria
se engordasse uns quilos, ou que com o passar dos meses ficasse um pouco
inchada. Seu filho agora era a maior alegria que poderia sentir, o amava mais
a cada segundo, desde que descobrira sua gravidez. Era um amor totalmente
diferente, amava a pequena vida, a qual ela ainda sequer vira o rosto, sequer
sabia o sexo, nem nome ainda tinha, mas seu amor pelo pequeno grãozinho
aumentava exponencialmente.
Estava radiante com a gravidez. Não conseguia tirar o sorriso do rosto,
ou parar de alisar sua barriga. Desceu até a cozinha, querendo se alimentar,
porque agora mais do que nunca precisava se manter saudável. Sorriu para si
mesma, satisfeita, ao perceber que seu mal-estar havia passado. Não soube
dizer se foi mascarado pela felicidade que a tomou ao se ver grávida ou se
fora por ter vomitado.
Fez um desjejum enriquecido. Daniel, às vezes, levava um café muito
calórico ou pobre em vitaminas e proteínas, o que nunca fora um problema
para ela, mas com a chegada do bebê, Sophia precisava cuidar da saúde dele
também, para que nascesse uma criança forte e saudável.
Enquanto mastigava uma fatia de pão integral, não evitou em pensar
como seria a feição do seu pequenino. Com certeza teria os olhos claros, já
que ela e Daniel tinham, e ela torcia para que tivesse o formato dos de Daniel,
ou ainda, que tivesse o nariz proeminente do pai. Mas que jamais tivesse a
personalidade de, às vezes, ser um idiota. Sophia riu ao pensar nisso.
Ao final, seguiu para uma clínica e fez o exame Beta HCG. Queria ter certeza
de que estava mesmo grávida, já que um exame de farmácia não era tão
preciso e confiável o suficiente para ela. Colocaria o resultado do Beta HCG
dentro de um envelope e entregaria ao Daniel em seu aniversário, juntamente
com a imagem da primeira ultrassonografia do bebê, que logo seria marcado.
No caminho de volta, seu celular tocou, viu o nome de Daniel brilhando
na tela. Abriu um largo sorriso ao se lembrar de que ele prometeu ligar.
Atendeu, acionando o viva-voz.
— Oi, querido.
— Espero que esteja melhor.
— Sim, estou, Daniel. Acho que foi o vinho — mente, e volta sua
atenção para a estrada.
— Então não vai beber mais, senhora Müller.
Ela riu um pouco, achando graça no exagero dele. Logicamente que não
poderia mais abusar do álcool por conta do bebê, mas caso não estivesse
grávida Daniel estaria exagerando.
— Meu Deus, que cuidado extremo — falou de bom humor. — Não se
preocupe, senhor Müller, passarei um tempo mesmo sem beber.
— Acho bom. Precisa de alguma coisa? Remédios, comida… de mim?
— E ele sorriu.
— De você, sempre.
— Quer que eu vá te fazer companhia?
— Não precisa, Dani. Sei que tem uma reunião importante ainda hoje.
Te vejo à noite.
— Tudo bem, mas se precisar de qualquer coisa pode me ligar. Ficarei
alerta com o celular.
Ela sorriu, feliz com tamanho zelo de Daniel. Concordou, dizendo que se
precisasse, ele seria o primeiro com quem entraria em contato. Encerrou a
ligação e fez seu trajeto até sua casa.
Assim que chegou, durante o restante do dia esperou ansiosamente por
Daniel. Teve medo que sua ansiedade extrapolasse os limites e ele percebesse.
Não queria que Daniel soubesse da gravidez antes do planejado. Quando o
horário que Daniel chegaria em casa foi se aproximando, Sophia tomou outro
banho, passou uma colônia no corpo e escovou os cabelos; ela costumava
esperá-lo com vinho, ravióli e fondue quando queria agradá-lo, fazer amor
devagarinho sob os lençóis, ou simplesmente ficar na sacada envolvida em
seus braços observando o céu estrelado. Poucas vezes houve motivos
especiais, mas naquele dia havia uma causa mais que especial, e ela queria
comemorar, mesmo que Daniel não fizesse ideia da razão.
Deixou o ravióli, uma taça de suco de uva para ela e uma de vinho para
ele e o fondue na mesa redonda na sacada, alinhou o lençol da cama e jogou
algumas pétalas de rosa, preparou a banheira com um banho espumoso
pensando que queria fazer amor em cada canto daquele quarto, lembrando-se
da sensação esplêndida que era o sexo com a água morna sobre seus corpos.
Ligou rádio em um volume agradável, selecionando Everything I Own,
na versão de Rod Stewart, para tocar. Sorriu, olhando tudo em volta. Abaixou
as luzes e se deitou sobre a cama, vestindo uma camisola branca.

♫You sheltered me from harm


Kept me warm, kept me warm
You gave my life to me
Set me free, set me free
The finest years I ever knew
were all the years I had with you
I would give anything I own,
Give up me life, my heart, my home.
I would give everything i own
Just to have you back again♪

Sem muita demora, a porta se abriu e Daniel surgiu. Ele franziu o cenho
e esquadrinhou o local a sua volta. Viu Sophia deitada na cama, as pernas
brancas despidas e os seios soltos dentro de uma camisola. Sorriu
singelamente, e fechou a porta devagar, já imaginando que teriam uma noite de
sexo. Não deixou de rir ao se lembrar da noite anterior. Ela com o espartilho,
o sexo sobre a mesa, no sofá, o ravióli, o vinho, o chocolate.
— Você demorou — Sophia disse, e ele olhou no relógio no mesmo
instante.
— Na verdade, cheguei quinze minutos antes do costume — disse
entrando e tirando o paletó, com um sorriso malicioso nos lábios. — Você está
bem?
— Melhor impossível — declarou com um sussurro e se levantou, indo
de encontro a ele. Perto o bastante, envolveu-o pela nuca e deu um beijo
sereno e ao mesmo tempo profundo nos lábios de Daniel. Suas mãos
escorregaram pelas costas largas, e sem demora ela sentiu as mãos grandes
segurando-a pela cintura forçando seu corpo a ir de encontro com o dele.
— Pelo jeito está melhor, mesmo — sussurrou separando suas bocas, e
olhou ao redor. Engoliu em seco. A cama jazia perfeitamente arrumada e com
algumas pétalas; na sacada, uma mesa posta com o costumeiro ravióli e
fondue. Ele sabia, mais do que ninguém, que essa pequena combinação era o
sinal de que Sophia e ele teriam uma noite intensa de sexo e amor.
Tentou desviar dos pensamentos do fato de ele querer conversar sobre o
vídeo. Parecia que cada vez que ponderava contar-lhe sobre isso, havia um
momento demasiadamente bom, e ele se via de mãos atadas, sem querer
estragar tudo com um assunto que, provavelmente, a deixaria irritada.
Mas durante todo aquele dia foi atormentado por sua consciência. Algo
o obrigava a ser franco com Sophia, a abrir-se e falar-lhe de seu deslize, do
seu vídeo comprometedor com Melissa. E ele estava decidido que assim que
chegasse em casa teriam essa conversa.
No entanto, ao se deparar com o pequeno ambiente romântico, outra vez
quis dar um passo atrás e adiar a verdade. Sua consciência o acusou
novamente, obrigando-o a não deixar nada para outra hora.
— Sim, muito melhor — Sophia sussurrou traçando a ponta do indicador
sobre o peito dele. — Eu quero tanto fazer amor com você, Daniel — e o
mordeu de leve no queixo —, não sabe como estou feliz.
Daniel exibiu um sorriso fraco, meio desconcertado. Como queria ter
que adiar aquela maldita conversa!
Não querendo fugir mais, afastou-a delicadamente. Sabia que, se
continuasse recebendo carícias, não resistiria, perderia o foco, deixaria a
verdade para trás e cederia ao desejo de tomá-la.
— Sophia, amor, precisamos conversar.
Ela o olhou confusa. Pôde sentir na voz dele um tom diferente, um pouco
nervoso e preocupado, quem sabe. Suspirou e espiou ao redor, todo o
ambiente arrumado para que eles pudessem comemorar a gravidez ‒ mesmo
que somente ela soubesse ‒ e não queria deixar que nada estragasse aquilo.
Deu um passo atrás e cruzou os braços, olhando fixamente para ele, dizendo:
— Espero que não sejam chateações.
Daniel engoliu em seco, desviando os olhos.
— Provavelmente é, sim, uma chateação. — Suspirou, não sabendo
como seria a reação de Sophia sobre o vídeo.
— Então não me diga, Daniel — pediu se aproximando outra vez e
segurando-o pela gravata. — Estou num momento tão feliz, preparei tudo isso
para nossa noite de sexo, não sabe como contei cada segundo para te ver. Não
quero que estrague me chateando com algum assunto. Deixe para amanhã, por
favor — sussurrou e olhou-o de baixo para cima, as mãos agarradas à gravata
desceram sensualmente por seu tórax.
Daniel se viu em um beco sem saída. Queria poder contar à Sophia
sobre o vídeo e não adiar mais um dia sequer, mas ao mesmo tempo queria
atender aquele pedido, e também aproveitar o que fora preparado para os dois
com tanto amor. Deixou um suspiro exasperado escapar, cedendo, por fim, aos
desejos de sua esposa. Mas reforçou a ela que teriam aquela conversa no dia
seguinte, sem falta.

♫You taught me how to love


What its of, what its of
You never said too much
But still you showed the way
And i knew from watching you
Nobody else could ever know
The part of me that can't let go♪

Manhosamente Sophia acenou em positivo e beijou-o no pescoço,


deslizando as mãos sedutoras pelo peito até encontrar o primeiro botão da
camisa. Empenhou-se em desabotoá-la sem deixar os lábios dele, beijando-o
com serenidade. Ele correspondeu ao beijo tranquilo na mesma intensidade,
enquanto suas palmas encontraram a pele da coxa dela e as acariciaram.
— Não vamos comer primeiro? — Daniel sussurrou assim que sentiu a
compressão dos lábios contra seu peito nu.
— Não. Quero fazer amor antes — Sophia respondeu suavemente, e o
girou, empurrando-o para se sentar na cama. Sentou-se no colo dele, lembrou-
se mentalmente que deveriam ir devagar, ou a penetração poderia machucar o
bebê: — Vamos fazer bem devagarzinho, tudo bem? — ela pediu, e Daniel
assentiu, os olhos fechados e a expressão serena.
Sophia despertava nele tanto amor e prazer que os gestos mais simples
quase o tiravam do eixo: ouvir sua voz sussurrando e sentir as mãos brandas
passeando pelo seu corpo era uma sensação extasiante.
Fizeram amor gostoso, lentamente, como Sophia pedira, e mesmo que o
sexo tivesse sido calmo, não os poupou do suor que conectava seus corpos
ainda mais. Agora, Sophia vestia a camisa de Daniel e estava sentada entre as
pernas dele, que tinha o peito despido e as pernas cobertas pela calça
desafivelada. O preparo na varanda foi trazido para dentro e posto sobre a
cama. Daniel franziu o cenho ao ver o suco de uva. Ela gargalhou, e disse que
estava somente atendendo ao pedido dele de não tomar mais nada alcoólico.
— Bom, eu estava brincando — alegou. — Não quero que abuse, mas
também não precisa se privar. Sei que você gosta.
— Eu prefiro dar um tempo, Dan. — Ele respeitou sua vontade,
acenando. Passou chocolate no nariz dela e eles riram. Como de costume, a
brincadeira e lambança iniciaram, e no final ‒ após o ravióli, o fondue, o
vinho e suco de uva ‒ acabaram dentro da banheira, lavaram seus corpos do
suor e do chocolate, e aproveitaram para se amarem mais uma vez, pois o
sexo, para nenhum dos dois, era cansativo.
Estavam na cama, sob os lençóis. Sophia já estava cochilando sobre os
braços de Daniel. Ele continuava acordado, observando o teto acima de si, o
coração estava calmo, mas a mente trabalhava sem parar, sua consciência
forçando-o a contar para ela sobre o vídeo e as chantagens – um
pressentimento ruim de que se ele não lhe contasse logo, uma série ruim de
acontecimentos se desencadearia.
Voltou-se para Sophia e sorriu ao vê-la dormir, afinal, lhe agradava ver
a serenidade daquele sono. Pensou em como, muito provavelmente, toda
aquela tranquilidade daria lugar à irritação. Imaginou todas as reações
possíveis que ela teria. Todas negativas. Tentou dizer a si mesmo que Sophia
seria compreensível e sequer se importaria com o fato. Afastou qualquer
preocupação e decidiu dormir. No dia seguinte falaria com ela, sem falta.
♦♦♦

— Tudo bem se eu for para a empresa um pouco mais tarde? — Sophia


perguntou ainda deitada, olhando-o se arrumar. Daniel já estava em pé, dentro
do seu terno de grife cinza metálico, justo em seu corpo, que o deixava
extremamente sexy. Ela sorriu preguiçosamente admirada com a beleza
exuberante diante dos seus olhos. — Ainda estou com sono.
Daniel terminou de ajeitar sua gravata e esboçou um pequeno sorriso,
fitando-a. Sentou-se na cama, ao lado dela, e a trouxe para seu colo,
acariciando os cabelos louros e macios.
— Claro, meu amor. Acha normal essa indisposição? — perguntou
preocupado, e beijou-lhe a cabeça, os dedos ainda se emaranhando nos fios
alourados. Daniel sabia que Sophia era agitada, levantava-se pela manhã junto
com ele, às vezes até mesmo antes. A dificuldade em acordar cedo era mérito
dele e não de sua esposa. Estranhou e se preocupou com a falta de disposição
de sua amada nos últimos dias. Temeu que ela pudesse estar doente.
Sophia se ajeitou para mais perto dele, confortável com as carícias.
Deduziu que a sonolência era algo comum durante a gravidez, mas deveria
tomar cuidado com as palavras para não preocupá-lo mais ou revelar sua
gestação antes do planejado. Sacudiu a cabeça em positivo, dizendo:
— Estou bem, Daniel. É só preguiça mesmo.
— Tudo bem — anuiu. — Mas se isso não passar, eu vou te arrastar
para o médico — decretou, e ela riu ligeiramente, levantando seus olhos para
ele.
— Como quiser, marido — falou, e se ergueu para beijar-lhe
delicadamente nos lábios.
Minutos depois, Daniel já tinha partido e ela voltou a dormir mais
algumas horas. Quando despertou, por volta de onze da manhã, sentiu seu
estômago protestar de fome. Levantou-se e envolveu o corpo em um roupão,
descendo até a cozinha para comer alguma coisa.
Entrava no local quando se deparou com uma mulher vestindo uma
camisa masculina – de costas e tentando alcançar alguma coisa no armário
alto. Enrubesceu levemente. Heitor sempre fora indiscreto, mas ela nunca
havia presenciado suas conquistas andando seminuas pela casa. Não pôde
deixar de sentir um leve ciúme ao imaginar Daniel encontrando a garota ali,
naqueles trajes.
Mas, de repente, afastou seus pensamentos e estreitou os olhos, as
curvas daquele corpo sendo, de alguma maneira, familiares para ela.
A garota, então, se virou segurando um pote de achocolatado. Sophia
arregalou os olhos ao reconhecê-la, e Isabela se assustou com a presença da
irmã.
― Isabela? — Sophia disse confusa.
A irmã estava assustada, e pestanejou seguidas vezes. Começou a
gaguejar, sem saber o que dizer ou como agir. Pretendia abrir a boca e
cumprimentar Sophia, quando ouviu a voz de Heitor, que sem demora apareceu
na cozinha.
— Isa, eu estava pensando… — mas parou subitamente assim que viu a
cunhada no cômodo.
Paralisou um segundo, atônito. Não era exatamente um segredo que ele e
Isabela vinham se encontrando há algum tempo, mas Heitor também não queria
que Sophia ‒ ou Daniel ‒ soubesse de suas escapadas com Isabela Hornet
daquela maneira.
— Sophia? — conseguiu dizer enfim, ainda aturdido. — Achei que
estivesse na empresa.
— Você está transando com a minha irmã? — ignorou-o totalmente. A
voz saiu uma oitava acima, como se ela não aprovasse aquela atitude.
Isabela interveio, pondo-se entre a irmã e Heitor.
— Sou adulta, Sophia — disse rígida. — Com quem eu saio ou deixo de
sair é problema meu.
Sophia separou os lábios, surpresa pela reação da irmã e por tamanha
agressividade e audácia em lhe dirigir a palavra daquela maneira. Inspirou
fundo, aceitando que Isabela estava certa. Apesar de a irmã ser desajuizada
em alguns aspectos, sabia que ela também era responsável e esperta o
suficiente para não se deixar magoar por nenhum homem.
Suspirou e concordou com um aceno de cabeça. Voltou-se para Heitor,
que permanecia em silêncio.
— Quebre o coração da minha irmã, e eu faço questão de fazê-lo engolir
os próprios testículos — falou e esboçou um sorriso irônico.
Heitor não se intimidou, mas riu, enquanto a via se afastar.
Sophia voltou para o quarto, atordoada em saber que Heitor e Isabela
vinham se encontrando. Até tinha se esquecido de que precisava comer alguma
coisa. Mas de nenhuma maneira voltaria para a cozinha, principalmente
sabendo que os dois estariam lá embaixo. Resolveu que passaria em uma
padaria e comeria alguma coisa enquanto fazia algumas ligações para a festa
surpresa de Daniel.
Vestiu-se rapidamente e saiu de casa, pensando, alegremente, como
Daniel ficaria feliz com sua festa surpresa – e mais: com a notícia de que seria
pai.

♦♦♦

Os dias foram passando, e Daniel ainda não havia conseguido falar com
Sophia sobre o maldito vídeo. Sempre alguma coisa o atrapalhava e ele não
tinha oportunidade para conversar calmamente com ela. Naquele dia em que
ela fora mais tarde para a empresa, ele teve uma reunião de última hora com
seu advogado e precisou voltar mais tarde para casa. Quando chegou em casa,
por volta de dez e meia, Sophia já dormia, e ele não quis incomodá-la.
No dia seguinte, estava mais do que decidido a conversar com a esposa,
que, pelo jeito, havia se esquecido de que ele queria contar-lhe alguma coisa.
Assim que saiu do banho, lá estava ela, toda arrumada para se amarem,
exuberante dentro de uma camisa de dormir extremamente curta. Engoliu em
seco, mas não estava em seus planos se deixar levar pelas curvas sensuais.
Não se importaria que Sophia fosse dormir chateada, não passaria daquela
noite. Porém, assim que ela o beijou e escorregou suas mãos macias por seu
tronco, Daniel não raciocinou mais. Envolveu-se no momento e fizeram amor.
Quando recuperaram o fôlego, sua consciência o acusou, forçando-o, mais uma
vez, a se abrir com ela e contar-lhe a verdade.
— Sophia, acho que precisamos daquela conversa, lembra? Há dias
quero falar com você sobre isso — disse, e ela se virou para encará-lo,
lembrando-se, somente naquele momento, que seu marido havia comentando
alguma coisa uns dias atrás. Concordou e se ajeitou na cama para melhor vê-
lo, e pediu para ele começar.
Daniel respirou fundo, não sabia exatamente como começar e ele ainda
estava aterrorizado com a ideia de que ela ficasse demasiadamente brava.
— Você deve saber que sou um idiota — começou, a voz levemente
tremulante —, e, às vezes, eu sou movido pelos meus impulsos. — Daniel a
olhou, e Sophia tinha o semblante enrugado. — Eu te contei uma mentira —
disse enfim, e ela se afastou de seus braços.
— Mentiu para mim, Daniel? — cuspiu as palavras. — Olha, de
verdade… espero que não seja nada sobre a Melissa e o favor que fez para ela
— advertiu, irritada. Há muito tempo Sophia desconfiava que não havia favor
nenhum, e que aquilo ia além de seu conhecimento. Logicamente, ela ponderou
diversas vezes ser uma paranoia da sua cabeça, principalmente porque a ruiva
vivia querendo atrapalhá-los e provocá-la. Por muito tempo esqueceu-se desse
fato, e desde o dia que se entenderam não quis mais tocar no assunto,
confiando em Daniel.
Mas naquele momento, assim que ele lhe disse que contara uma mentira,
alguma coisa dentro dela, inexplicavelmente, a fez supor ser sobre Melissa.
O que, obviamente, assustou a Daniel. A mentira era exatamente sobre a
ruiva. Uma centena de reações negativas passou à frente de seus olhos, e a
pior delas era Sophia se levantando e indo embora, deixando-o completamente
sozinho. Engoliu em seco, temendo contar a verdade. Deu um passo atrás em
sua decisão. O vídeo não existia mais, Melissa nunca mais aparecera, não
havia motivos para se preocupar, certo?
Balbuciando, ponderou ser melhor não contar nada para ela, afinal, não
havia perigo algum de Sophia tomar conhecimento do ocorrido e das
chantagens. Acalmou o coração e contou outra mentira ‒ disfarçada de
verdade ‒ falando sobre Clarisse, de quem ela realmente era e do motivo
verdadeiro para o seu aparecimento na empresa para procurá-lo.
— Heitor ainda não sabe, por isso, por favor, Sophia, não diga nada. Eu
e Clarisse vamos contar a ele na próxima semana.
Sophia relaxou assim que o ouviu. Beijou-o e disse que ele não
precisava se preocupar, mas que deveria ter confiado nela para lhe
confidenciar aquilo. Daniel se desculpou e prometeu não lhe esconder mais
nada. Sua consciência o acusou rigidamente, mas ele dormiu sem peso algum –
e os dias seguintes correram sem a preocupação.
Mas a sua decisão custaria caro
.
♦♦♦

Todos estavam demasiadamente quietos, submersos no escuro,


esperando que Daniel chegasse para a festa surpresa. Ali, estava toda a
família de Sophia; a família de Erik Gouveia ‒ que ela fez questão de
convidar; Heitor; o velho Luiz Guimarães, convidado por seu pai Sebastian,
acompanhando de Miguel, que foi cordial, educado e comportado o tempo
todo; além de alguns colegas mais íntimos da empresa. Sophia preparou a sala
da mansão para a recepção e segurava nervosamente o envelope contendo o
exame de gravidez positivo e a primeira ultrassonografia do bebê ‒ feita dois
dias antes.
Havia um burburinho dos presentes, e Sophia torceu para que Daniel não
resolvesse ficar na empresa até tarde, como na noite anterior. Naquela manhã,
Daniel não estava disposto a ir trabalhar, já que era seu aniversário, mas
Sophia já previra essa decisão, e por isso encarregou Heitor de distraí-lo à
tarde para que ela pudesse organizar a festividade. A primeira parte do dia
eles tinham feito amor algumas vezes, e depois foram almoçar em algum
restaurante caro na cidade. Quando a tarde chegou, Heitor arrastou Daniel ‒
mesmo a contragosto ‒ para um barzinho.
— Você tem todo o tempo do mundo para ficar com a sua esposa. Saia
com seu irmão, que você quase não conversa desde que se casou, só por
algumas horas nesse aniversário. — disse Heitor e convenceu-o.
Apesar de estar longe de Sophia, Daniel conseguiu se divertir, riu
bastante das bobagens de Heitor e bebeu algumas cervejas. Era quase seis da
tarde, quando recebeu uma ligação ‒ só não sabia que era apenas mais uma
estratégia para atrasá-lo e, consequentemente, fazê-lo chegar em casa assim
que tudo estivesse em ordem.
Despediu-se de Heitor e seguiu para a empresa, visivelmente
incomodado por não ter sossego nem no dia do seu aniversário.
Então Sophia estava apreensiva e desejava que ele logo chegasse. Não
demorou muito para todos ouvirem o motor do carro estacionando na garagem.
O burburinho acabou no mesmo instante e o silêncio reinou absoluto.
Passos se aproximaram, a porta se abriu.
— Sophia? — a voz de Daniel ecoou, e ele acendeu as luzes.
— Surpresa! — todos gritaram em uníssono e eufóricos, fazendo Daniel
se sobressaltar.
— Ah, meu Deus…— murmurou ao ver todas aquelas pessoas em sua
casa, a sala adornada com balões e letreiros de feliz aniversário, uma mesa
com um bolo, num canto qualquer os presentes dos convidados e um grande
telão com projetor que ele não tinha a mínima ideia para que servia. Ele sorriu
desconcertado e atônito quando Sophia se aproximou e o abraçou pela nuca,
beijando-lhe intensamente.
— Feliz aniversário, meu amor.
Naquele instante, Daniel soube que todo o tempo em que esteve fora de
casa teve um propósito. Não deixou de se sentir feliz, e olhou para baixo,
vendo dentro dos olhos de Sophia, a extrema alegria em saber que ela teve o
zelo de preparar aquela comemoração. Ele retribuiu o beijo com uma
felicidade inexplicável.
— Obrigado, Sophia, sabe que não precisava ter feito nada disso.
— É claro que precisava — rebateu sorrindo, e logo eles viram os
demais se aproximando.
Daniel foi cumprimentado por todos com abraços e apertos de mãos
calorosos. Daniel agradeceu efusivamente cada um e nem se importou com a
presença inoportuna de Miguel de Orleans, apesar de, num primeiro momento,
ter se incomodado com isso. Logo, afastou qualquer preocupação e resolveu
aproveitar a festa. Deduziu que Miguel não seria um problema perto de todas
aquelas pessoas.
— Seu presente está aqui — Sophia disse balançando o envelope. —
Mas só vai abrir quando cortarmos o bolo.
Daniel olhou o pequeno envelope e riu, imaginando que tipo de presente
caberia dentro dele. Aproveitou para fazer uma piada: — Deixe-me adivinhar.
É um vale sexo?
— Daniel! — Sophia o advertiu, e todos riram, inclusive ele. —
Engraçadinho… Mas não, não é um vale sexo. Você e os demais só saberão
quando cortarmos o bolo — decretou, e guardou o envelope.
Comeram os petiscos, conversaram e riram. Daniel mantinha-se quase o
tempo todo perto de Sophia, e estava aproveitando a festa. Ele conversou com
os familiares de sua esposa, Eva Hornet sempre muito graciosa, Sebastian com
conversas interessantes e seu jeito sistemático, Eduardo rindo e fazendo piada
como o jovem de vinte e sete anos que era. Por um segundo, sentiu falta de
Isabela e Heitor, lançando um olhar à Sophia. Ela saiu, e sem demora os dois
sumidos surgiram, Isabela limpando freneticamente os lábios. Daniel olhou
para o irmão, uma expressão que desaprovava sua atitude. Heitor deu de
ombros e exibiu um sorriso debochado.
Logo estavam conversando com Erick e sua família. Yara, como de
costume, muito alegre e introvertida. Heloísa estava empolgada e não parava
de falar, assim como não parava de lançar, discretamente, alguns olhares ao
irmão de Sophia: dez anos mais velho, mas de um sorriso encantador, cabelos
encaracolados charmosos e olhos verdes fascinantes.
Daniel trocou rápidas, e não tão educadas, palavras com Miguel, mas foi
mais cordial com Luiz, que era um homem de extrema simpatia e elegância.
A noite foi avançando e cantaram os parabéns, com euforia e assovios.
Cortaram o bolo e, para variar, Daniel e Sophia lambuzaram um ao outro.
Após comerem, começaram a abrir os presentes e, por fim, ele viu
Sophia segurando o envelope que continha o misterioso presente.
Sophia estava muito nervosa. As mãos tremulavam em ansiedade. Todos
cercavam o casal, também curiosos em saber o que continha dentro do
envelope.
— Mas antes… — ela disse, e todos protestaram, fazendo-a a rir. —
Quero que veja isso. — E apontou para a tela de projeção. Caminhou até lá e
ligou, inserindo um pen drive no USB. Algumas fotos deles foram passando, a
música de fundo, Don't Cry, tocando suavemente.
Daniel atentou-se às fotografias que iam passando. Eram momentos em
que eles estavam rindo, se abraçando, se beijando. Ao final, uma rápida
mensagem, singela, mas para ele muito bonita.

Quando duas pessoas se amam intensamente, o amor extrapola os


limites e se manifesta batendo em outro coração.

Feliz aniversário, Daniel.

Ele sorriu, nitidamente não havia percebido a profundidade daquela


mensagem e do que Sophia quis passar para ele: que o amor que sentiam um
pelo outro agora se manifestaria na pequenina vida que crescia dentro de seu
ventre. Ela esticou o envelope para ele, sorrindo e já com lágrimas nos olhos.
Daniel estava prestes a pegar quando fora interrompido pela porta se abrindo,
e uma voz que ressoou: — Que lindo! Uma pena eu ter que estragar esse
momento… — Melissa falou entrando na sala.
Todos a encararam confusos, e alguns cochichos espalharam-se pelo ar.
Daniel engoliu em seco, a presença da ruiva, depois de tanto tempo, deixou-o
aterrorizado e em alerta.
Sophia olhou para ele, atônita com a chegada súbita da ruiva.
— Vai embora, Melissa — Daniel falou com a voz assustada. Sabia que
a presença dela boa coisa não trazia.
— E perder o melhor da festa? Não mesmo, honey.
— Melissa, você disse que não queria vir — Eduardo falou, surgindo no
meio da multidão. — Que história é essa agora?
Daniel e Sophia voltaram, simultaneamente, seus olhares para Eduardo,
surpresos por saber que ele estava envolvido ‒ sabe-se lá de que maneira ‒
com a ruiva.
— Mudei de ideia, Eduardo. Aliás, trouxe um presente para o
aniversariante. — Sorriu descaradamente, e passou por todos caminhando até
o projetor. Tirou o pen drive de Sophia e o jogou ao ar sem cerimônia,
inserindo o dela. De início, a ideia era apenas entregar o objeto à Sophia, mas
aproveitaria o projetor ali.
Todos acompanharam a ruiva, confusos; Daniel, principalmente,
perguntando-se que diabos ela estava fazendo.
— Sophia, querida… — a ruiva disse virando-se para frente —
Sabe…? A história mais clichê do mundo é aquela em que o marido diz que
irá ficar até mais tarde na empresa, mas na verdade está transando com outra
mulher.
Sophia engoliu em seco e olhou para Daniel, seu coração já saltando
pela boca. Houve muitas noites em que ele disse estar na empresa e que ela
não pôde estar com ele, como na noite passada. Seu peito se comprimiu só de
imaginar que Daniel poderia estar enganando-a. Mas seria possível? Ele já
havia demonstrado tantas vezes seu amor por ela. Seria possível que ele a
traíra?
Daniel olhava fixamente para Melissa, os batimentos cardíacos já
acelerados, imaginando o pior. Ele estava ciente de que Melissa aprontaria
alguma coisa para prejudicá-lo e para se vingar da humilhação de alguns
meses atrás. Sentiu Sophia olhando-o e voltou-se a ela, balançando a cabeça
negativamente. Nada do que Melissa dizia ou dissesse era verdade.
— E como eu sei que muitas esposas só acreditam vendo, eu trouxe a
prova. — Selecionou o arquivo de vídeo, fazendo-o rodar instantaneamente.
Daniel levou as mãos aos cabelos e sentiu que seu coração iria saltar
pela boca quando o maldito vídeo dele com Melissa foi exibido em alto e bom
som. Neste momento ele estava aterrorizado e sua consciência gritava: “Eu te
avisei”.
As pessoas presentes ficaram todas espantadas ao ver Daniel, que
acreditavam ser um homem que amava sua esposa, em uma relação íntima com
outra mulher.
Ele engoliu em seco, totalmente desesperado, e se voltou para Sophia.
Ela estava paralisada, a mão tampando a boca, os olhos lacrimejando e a
expressão rasgada.
— Sophia, não é o que está pensando — disse ele com a voz trêmula, e
torcendo para que não fosse tarde demais para lhe contar a verdade. — Me
escuta… — Mas, de repente, ela se virou, acertando-o na face com um tapa
estalado.
Então ela começou a chorar copiosamente e avançou sobre ele,
esmurrando-o no peito, gritando, completamente fora de si, descontrolada: —
Canalha! Como pôde fazer isso comigo, Daniel?!
— Sophia, me escuta… — ele pediu, tentando segurá-la, mas a loura
estava totalmente dominada pela raiva e continuou a agredi-lo.
Apressadamente Miguel se prontificou e a segurou pela cintura, tirando-
a do alcance de Daniel, pedindo repetidamente que para ela se acalmar. Mas a
loura esperneava, gritava, chorava e falava injúrias contra ele.
Os demais ainda estavam chocados com a revelação, e observavam
atônicos o desenrolar da confusão, enquanto Melissa exibia um sorriso de
satisfação, mas logo percebeu o olhar intenso e rasgado de Eduardo ‒ com
quem ela vinha mantendo alguns encontros. Endireitou a postura e desviou os
olhos. Para sua sorte, ele simplesmente puxou o pen drive, fazendo o vídeo
parar, e saiu do seu campo de visão.
Daniel estava desesperado tentando se explicar. Os olhos não paravam
de derramar lágrimas e ele se culpava, tardiamente, por todas as suas
mentiras, por não ter contado antes sobre o vídeo, pois agora, Melissa criou
uma verdade com ele – Sophia, e todos os outros, acreditavam que ele tinha
sido infiel.
— Sophia… — gaguejou, tentando mais uma vez esclarecer as coisas.
— Cale a boca! Cale a boca! Eu te odeio, Daniel! Eu te odeio! Eu te
odeio. — Os gritos arranharam sua garganta, e ela não parava de se contorcer
nos braços que a seguravam.
— Sophia, se acalma! — Miguel disse usando toda sua força para
acalmá-la e virá-la para si. Ela se deparou com os olhos de Miguel
Guimarães, o coração estava acelerado, o peito doía e o corpo trêmulo de
tristeza. Lembrou-se do bebê que carregava em seu ventre e reforçou que ela
podia perdê-lo se não se controlasse.
— Miguel, me leve daqui, por favor… — implorou com a voz trêmula
em um suspiro. — Por favor, me tire desse inferno!
Miguel acenou freneticamente e jogou seus braços sobre os ombros dela,
direcionando-a para a saída sem demora. Eva foi de encontro à filha e também
abraçou-a. Desesperadamente, Daniel se opôs, disse seguidos “não”. Ele viu
Sophia ser levada por Miguel, e foi atrás, os passos rápidos e afobados, e o
coração apertado com o temor de perdê-la para sempre.
— Sophia, por favor, eu preciso de um minuto. Me escuta por um
minuto! — suplicou em prantos.
As lágrimas dela caíram ainda mais, Sophia se abrigou nos braços de
Miguel, aumentando as passadas pelo pátio, no trajeto que a levaria para o
carro dele. Daniel se aproximou, ele não tinha nenhum outro tipo de reação, a
não ser a súplica. Ele a tocou nos ombros, e ela se esquivou como se fosse
brasa quente. Miguel se virou abruptamente, mas a loura continuou seu
caminho, acompanhada da mãe.
— Você já fez demais, Daniel. Deixe-a em paz! — falou, e voltou a
caminhar. Ele abriu a porta do carro para Sophia e Eva.
Daniel apertou os olhos, as lágrimas do desespero o consumindo. Pôs-se
a andar de novo, não poderia permitir que o desgraçado do Miguel a levasse
embora. O carro já estava partindo, e ele resolveu correr. Batia as mãos
freneticamente contra o vidro, implorando desesperada e repetidamente para
que ela o escutasse.
O carro arrancou e Daniel correu alguns metros atrás dele, gritando por
Sophia. Parou ao sentir a exaustão e viu que era inútil tentar impedir que ela
se fosse.
Perturbado, voltou vagarosamente para dentro de casa, esquecendo-se
totalmente das outras pessoas; dos familiares de Sophia, dos amigos, do
próprio irmão. Estava muito imerso no seu desespero para pensar em alguma
coisa.
Surgiu na sala e encarou os que ali estavam, todos o encararam de volta.
Então ele viu Melissa com um sorriso diabólico. Uma raiva descomunal subiu
pela sua espinha
—Vadia… — murmurou. — Vadia! — gritou, e caminhou até ela a
passos determinados, a cólera o cegando. Estava irracional demais,
controlado pela ira, pronto a fazer uma loucura. Lembrou de tudo o que a ruiva
já fizera para prejudicá-lo, mas ela passou de todos os limites fazendo Sophia
acreditar em uma traição. — Sua vadia desgraçada, eu vou te matar.
Para evitar uma tragédia maior, Heitor segurou o irmão, prevendo a
besteira que cometeria caso não fosse impedido. Mas Daniel continuou
gritando, querendo, de qualquer maneira, apertar o pescoço da ruiva
diabólica.
— Daniel, se acalma, cara! Pelo amor de Deus, é uma mulher!
— É o demônio em forma de gente! — ele gritou, e continuou querendo
avançar sobre a ruiva, esta que se mantinha inabalável com a ira de Daniel
Müller.
A confusão estabelecida fez com que algumas pessoas fossem embora,
dentre elas a família de Erick, que ele aconselhou que o esperassem no carro.
Erick permaneceu na sala, acompanhando o desenrolar da situação. Daniel
continuava sem controle, Heitor fazendo uma força extrema para segurar o
irmão.
De repente, Eduardo surgiu de algum lugar e o acalmou com um murro
no rosto. Desnorteado, Daniel caiu no chão, e Eduardo avançou sobre ele,
golpeando-o mais.
O caos se instalou.
Gritos ecoaram por toda a casa. Eduardo esmurrava Daniel, furioso por
causa da irmã e da traição. Mas Daniel não revidava, apenas tentava se
proteger.
Sebastian puxou Eduardo, tirando-o de cima do genro, enquanto Heitor
ajudava o irmão a se levantar, este que já sangrava pelo nariz golpeado.
— Acho bom você nunca mais procurar pela Sophia na sua vida, ou eu
vou sujar minhas mãos com o seu sangue — Eduardo ameaçou, e passou por
ele, indo embora.
Sebastian abraçou Isabela, visivelmente decepcionado, convidando-a
para ir embora também. Mas não faria escândalo, não era necessário. Daniel
não valia a pena.
Passou por ele e o encarou com a expressão fechada. Daniel pensou em
alguma coisa para dizer, mas sabia que nada do que dissesse faria diferença
para Sebastian Hornet. Por isso, simplesmente abaixou os olhos, fungando.
— Faço das palavras do Eduardo as minhas — disse, e também logo se
foi.
Daniel pestanejou, o peito se comprimindo numa dor insuportável, o seu
maior pesadelo se tornando realidade. Fechou os olhos e deixou as lágrimas
escorrerem. Estava perdendo o sentido da vida.
— Ah, Heitor, Daniel também mentiu para você. — Escutou a voz de
Melissa, e ele levantou os olhos para encarar o mesmo sorriso diabólico de
sempre.
Heitor fitou o irmão, atordoado. Daniel desviou os olhos, ofegando.
Precisou admitir que a vingança da ruiva era diabolicamente boa.
— Sabe a sua prometida? — ela continuou, e Daniel murmurou um “cale
a boca” – que ela não deu atenção — Pois bem, ela apareceu para vocês
firmarem o casamento.
Daniel murmurou outra vez. Não era assim que as coisas deveriam ser.
Ele nem se importava em saber como Melissa tomou conhecimento de todas
aquelas informações.
Heitor voltou-se para Daniel, o cenho enrugado, enquanto Melissa
continuava dizendo: — E pelo jeito você não tem saída, precisa se casar. E o
mais interessante é que a sua prometida é a Clarisse; você a conhece, não é?
Logicamente, ela te atormentou por anos. E o Daniel sabia desde o princípio.
— Finalizou com uma meia mentira.
Heitor não tirava os olhos do irmão, a testa franzida. Todavia, Daniel
continuava cabisbaixo, perguntando-se a que ponto as coisas tinham chegado.
— É verdade, Daniel? — Ele quis saber, e sua voz saiu ríspida.
— Eu ia te contar, Heitor… — murmurou.
— Quando? — ele gritou — Quando estivesse me levando para o altar?
— Heitor, eu…
— Não! Guarde o que tem a dizer para você! — anunciou, e encarou o
irmão pela última vez antes de sair e deixá-lo para trás.
Daniel levou a mão ao rosto, seu coração estava rasgado. Deixou as
lágrimas o inundarem até soluçar. Nem se deu conta de que Erick e Melissa
continuavam ali. Erick foi até ele, passos lentos. Daniel ergueu os olhos,
notando a sua presença. Permaneceu mudo. A única pessoa com quem queria
conversar era a Sophia.
— Dessa vez você pisou feio na bola, Daniel — sussurrou. — Eu não
esperava isso de você. — Bateu em seu ombro amigavelmente e também se
retirou.
Daniel suspirou. Observou o local a sua volta, lembrando-se de que até
há pouco era o melhor dia de sua vida. Radicalmente, o melhor dia se
transformou em um inferno.
— Eu disse que chegaria o dia em que eu te veria na sarjeta. — disse
Melissa. Buscou seus olhos, a expressão rasgada, e ele não se importava com
mais nada. Se antes queria apertar a garganta dela e matá-la, e mesmo que não
existisse ninguém para impedi-lo, simplesmente não tinha forças para nada. —
E olha só para você: do jeitinho que eu imaginei — murmurou maleficamente.
— Sophia nunca mais vai olhar na sua cara.
— Saia daqui…— disse com um fiapo de voz que lhe restava.
A ruiva inclinou a cabeça, fazendo biquinho.
— Não quer saber como eu tinha outra cópia do vídeo? Ou de como eu
sabia sobre a Clarisse, ou como você e Sophia estavam apaixonados?
— Não… Vai embora e me deixe sozinho — disse em um sussurro
trêmulo.
Ela soltou um sorriso sonoro.
— Você já está sozinho, Daniel — falou calmamente.
Daniel ergueu os olhos, encarando-a, enquanto a ouvia.
— Olhe para você: sem esposa, sem irmão, sem amigos. So-zi-nho. É
assim que merece ficar. Adeus, Daniel Müller — sussurrou, e vagarosamente
saiu e fechou a porta atrás de si.
Daniel a acompanhou com os olhos, sendo atormentado pelas palavras
da ruiva.
Você já está sozinho, Daniel.
Olhou ao redor. Silêncio. Solidão.
Foi invadido por seu pranto compulsivo outra vez. Dor, culpa,
arrependimento. Caiu de joelhos no meio da sala chorando copiosa e
desesperadamente. O que mais temia na vida acabara de acontecer.
Ele estava sozinho.
40
O ENVELOPE

Vagarosamente, Miguel encostou a porta do antigo quarto de Sophia, e se


virou para vê-la deitada na cama, os olhos vermelhos em lágrimas. Depois da
confusão que aconteceu na casa de Daniel, ela pediu que fosse levada para a
casa dos pais. Assim que chegaram, Eva se prontificou a preparar um calmante
natural, enquanto Miguel a acomodava no quarto e tentava acalmá-la. Com as
mãos trêmulas, Sophia tomou o chá de camomila. Sua mãe continuou com ela
por mais alguns minutos, Miguel no canto extremo do quarto, os braços
cruzados, observando Sophia no colo da mãe, como uma criança que
precisava de carinho.
Durante todo o percurso, e desde que chegaram ali, Sophia não abriu a
boca para nada, permanecendo muda e catatônica. E, de uma maneira ou de
outra, aquilo o preocupava.
Aproximou-se com passos cautelosos e se sentou na cama, olhando-a
com compaixão. Miguel sabia, sabe-se lá como, talvez intuição ou sexto
sentido, que Daniel afundaria aquele casamento, e ele seria o único em quem
Sophia confiaria para se reconfortar e se consolar. E como um presságio, ali
estava Miguel, ansioso em poder pegá-la no colo, afagar seus cabelos e lhe
dizer que tudo acabaria bem. Além disso, queria poder oferecer seu amor para
ela, ser o porto seguro que Sophia precisava naquele momento. Sabia que não
era certo, mas se aproveitaria do momento delicado para oferecer seu amor,
que continuava vivo dentro do seu peito – aproveitaria a oportunidade para
dizer à Sophia que podia ajudá-la a superar Daniel, pois estava ciente de que
ela jamais perdoaria aquela terrível traição. Ainda assim, teria paciência, e
não a pressionaria, sequer a faria perceber as suas intenções.
Com um suspiro, tocou-lhe nos fios amarelos e os afagou delicadamente,
esperando qualquer reação dela.
Sophia sentiu os dedos longos de Miguel contra seus cabelos, apertou
mais os braços em torno do próprio corpo, como se fosse possível, de alguma
maneira, fechar o buraco enorme que se abriu em seu coração. Estava tão
dispersa e chocada com os últimos acontecimentos que não protestou a
aproximação de Miguel, nem mesmo quando ele a trouxe para seu colo e deu
um beijo em seus cabelos. Não o advertiu sobre suas mãos acarinhando a sua
cabeça ou deslizando pelas costas em um gesto carinhoso e de conforto.
Mas eu sei, de alguma forma, que quem irá afundar essa relação é o
próprio Daniel. E quando isso acontecer, eu serei seu único ombro amigo.
A voz de Miguel ressoava a todo instante em sua mente, enquanto ela
permanecia muda, digerindo e tentando entender tudo o que aconteceu. Ela
tinha confiado tanto em Daniel, no seu amor, nas demonstrações de carinho…
Sophia teria posto suas mãos no fogo por ele, para no final descobrir que
todas as juras de amor de Daniel Müller eram falsas e vazias. Como todas as
suas palavras sempre foram.
Apertou os olhos, deixando-se ser tomada pelas lágrimas. Daniel a tinha
envolvido somente para segurar aquele casamento de conveniência, tudo,
pensava ela, no intuito de garantir sua herança. Sua maldita herança. E tola
fora ela, que acreditou, que se entregou, que confiou…
E agora Sophia se via, outra vez, como seu instinto havia gritado,
sofrendo por conta de Daniel. Sentiu uma pressão quase insuportável em saber
que seria difícil esquecê-lo, principalmente por conta do filho deles que
carregava. Caso fosse parecido com o pai, Sophia tinha a impressão que
conviveria com a dor da decepção amorosa pelo resto dos seus dias. E mesmo
que não houvesse semelhança, saberia que o sangue Müller correria nas veias
dele, e, inevitavelmente, se recordaria do amor intenso e avassalador que
sentiu por Daniel.
Inevitavelmente, querendo ou não, Daniel estaria ligado à sua vida para
sempre, uma vez que ele e a criança tinham direito de conviver, portanto, ela o
veria constantemente após o nascimento do bebê.
Mais lágrimas vieram quando Sophia imaginou que não suportaria a dor
de vê-lo, talvez, com outras mulheres, ou com a própria Melissa. Balançou a
cabeça. Não queria manter contato, não queria vê-lo, se pudesse ir embora
para algum lugar distante, para que nunca mais ele tivesse notícias suas, e,
desse jeito, nunca soubesse da gravidez, iria sem hesitar.
Mas eu sei, de alguma forma, que quem irá afundar essa relação é o
próprio Daniel.
Outra vez a voz de Miguel a invadiu, e ela pôde ver como ele estava
coberto de razão. Daniel afundara o casamento, a relação deles, com a traição
covarde, mentiras e palavras falsas e vazias.
E quando isso acontecer, eu serei seu único ombro amigo.
Ela não pôde deixar de perceber a ironia que tinha naquelas palavras
naquele momento. Miguel era, de fato, seu único ombro amigo. Ele não estava
se importando em ter de consolar a mulher que amava chorando por outro
homem. Isso fazia dele, aos olhos de Sophia, um verdadeiro amigo. Pensou em
como Miguel deveria amá-la plenamente para aceitar tal situação. Talvez outro
homem em seu lugar, jamais teria feito o que ele fez.
— Vai ficar tudo bem, Sophia… — Miguel disse com um sussurro, e ela
acenou freneticamente, sentindo as carícias dele nos seus cabelos. — Eu estou
aqui, como te prometi. Estou aqui, Sophia.
Ela levantou os olhos avermelhados e lacrimejantes para Miguel.
Ninguém, além dela, sabia da gravidez. E não queria que ninguém soubesse
para que não contassem ao Daniel. Ele não merecia saber, não merecia ter a
felicidade da paternidade. Se é que ele realmente tinha desejado aquele filho.
Depois de tantas promessas e palavras ocas, Sophia já não tinha tanta
convicção em relação aos desejos paternais de Daniel. Talvez fosse mais uma
das suas inúmeras formas de enganá-la e envolvê-la.
Inspirou fundo. Estava mais do que decidida a não contar para ele, mas
precisava se manter afastada, longe, para que não surgissem desconfianças.
Perguntou-se se poderia contar com Miguel para encobertá-la de alguma
maneira. Sabia que os Guimarães de Orleans tinham uma casa no interior do
Estado, não muito longe dali. Seria um ótimo lugar para passar uns dias
distante de tudo e de todos, depois regressaria quando sua barriga já estivesse
um pouco mais saliente, e alegaria estar grávida de algum cara qualquer que
ela se envolveu.
Era uma ideia absurda – ela sabia. Mas era a única alternativa. Por isso,
usufruiria dessa ideia o máximo que pudesse.
— Estou grávida — disse de repente, e Miguel a encarou, espantado. —
Naquele envelope estava o exame que confirmava, e eu ia entregar a ele —
confessou e baixou os olhos, ouvindo apenas a respiração de Miguel que se
acelerou um pouco. — Não quero que ele saiba, Miguel. Em hipótese alguma,
eu não quero. Eu quero me afastar do Daniel, esquecer toda essa dor que me
causou. Mas se ele continuar na minha vida por causa do bebê, eu sei que não
conseguirei — disse, e ele apenas acenou, ainda confuso com a notícia e a
decisão repentina dela. — Você pode me ajudar?
— Como? — questionou atônito, e Sophia contou-lhe o que tinha em
mente.
Miguel concordou em ajudá-la.
Sophia voltou a deitar-se sobre o colo de Miguel, as lágrimas estavam
secas, e ela já não sentia mais vontade de chorar, apesar da tristeza e da
decepção estarem avançando cada vez mais sobre seu coração. Estava ciente
de que seu pranto havia cessado apenas momentaneamente. Não demoraria até
ela se ver chorando outra vez. Reforçou a si mesma que seria forte. Envolveu
os braços ao redor de seu abdômen, pensando em apenas continuar com sua
vida, criar seu filho, mesmo sozinha, e ele seria para ela, todos os dias, sua
maior alegria.
Sentindo as carícias de Miguel, seguidas do conforto do silêncio e do
cansaço mental, Sophia adormeceu em suas pernas dobradas e nem percebeu
que Sebastian, Eduardo e Isabela foram ao seu encontro para ampará-la.

♦♦♦

Daniel só conseguiu dormir depois de, pelo menos, uma garrafa e meia
de uísque. A dor que comprimiu seu coração na noite anterior era
incomparável. Ele bebeu por ver Sophia indo embora, bebeu por ela ter
acreditado em uma traição falsa, bebeu por não ter podido se explicar e contar
a verdade, mas bebeu por, principalmente, não ter feito o certo desde o início.
Ter falado a Sophia sobre o vídeo, ter feito uma denúncia contra Melissa, por
ter quebrado sua promessa de não se envolver mais com mulher alguma desde
Christina. Bebeu por ser um idiota que sempre fazia as coisas erradas, bebeu
por estar sozinho.
Depois de muito chorar e se culpar por tudo o que acontecera, Daniel
finalmente conseguiu adormecer, a garrafa de Jack Daniel's pela metade ainda
aninhada nos braços dele. Debruçado no sofá da sala, toda a comemoração da
noite anterior continuava espalhada pelo cômodo. O sol entrava pelas janelas
de vidro sem cortinas e o aquecia nas costas cobertas pelo paletó engomado,
mas também o incomodava.
Despertando aos poucos, Daniel já podia sentir os efeitos de ter tomado
tanto álcool: tontura e uma forte dor na nuca. Mas sua dor física não era, nem
de longe, a maior.
Finalmente acordou com o sol batendo em seu rosto. Virou-se no sofá, a
garrafa caiu no chão, mas não se quebrou. Apertou as têmporas com força,
sentindo a ressaca lhe atormentar. Sentou-se no sofá desejando que tudo não
passasse de um pesadelo ruim, pedindo a Deus que sem demora Sophia
descesse as escadas, lhe beijasse nos lábios e dissesse que o amava. Depois o
advertiria por ter bebido muito na sua comemoração de aniversário a ponto de
cair bêbado e sonolento no sofá.
Ergueu os olhos para a escada: ninguém. A realidade apertou seu
coração e fez seus olhos prantearem. Daniel olhou ao redor, cada detalhe da
decoração de seu aniversário surpresa, dedicadamente preparado por Sophia,
agora nada mais eram que lembranças dolorosas e ruins.
Aceitou a realidade e limpou suas lágrimas. Talvez ainda houvesse uma
chance de falar com Sophia, de explicar-lhe o ocorrido. Poderia, até mesmo,
mostrar o dossiê que montou contra Melissa para provar sua inocência.
Levantou-se e cambaleou um pouco, ainda zonzo pela bebedeira. Deu
alguns passos vagarosos e dificultosos, seu corpo massacrado e protestando
de exaustão.
De repente, algo lhe chamou a atenção. Ali, num canto qualquer, tímido e
caído no chão, estava o envelope que Sophia teria entregado para ele, não
fosse o furacão Melissa ter atrapalhado tudo com seu plano demoníaco. Talvez
o envelope tenha caído de suas mãos quando, incontrolavelmente, ela o
agrediu. Sorriu e curioso para saber qual era, afinal, o presente de Sophia que
cabia num simples envelope. Tomou-o nas mãos e olhou frente e verso,
tentando imaginar o que poderia ser. Caminhou até a cozinha e o deixou sobre
o balcão de mármore. Primeiro tomaria uma aspirina para aliviar dor de
cabeça, depois prepararia um café forte que o faria recobrar totalmente a
sanidade e o despertaria do sono, causado tanto pelo cansaço quanto pelo
álcool.
Tomou a aspirina e fez o café. Sentou-se no banquinho alto, sorveu uma
dose generosa da cafeína. Suspirou. Pegou o envelope e o avaliou. Por algum
motivo tinha a impressão de que aquele presente o emocionaria e o quebraria
ao mesmo tempo. Tomou outro gole do café. Repousou a caneca no mármore e
fungou.
Rasgou a lateral do envelope e estava prestes a retirar o papel que havia
lá dentro, quando Heitor surgiu na cozinha, carregando um jornal nas mãos, e
disse pouco amigável: — Bom dia, astro do pornô!
Daniel levantou os olhos para a ele e, ainda segurando o envelope,
enrugou o cenho, estranhando aquela declaração.
— O quê? — indagou confuso.
Heitor foi até a cafeteira e dispôs um pouco na xícara. Voltou-se para o
irmão bebendo o líquido quente. Andou até perto de Daniel e jogou o jornal
sobre o balcão de mármore, dizendo: — Isso…
Daniel olhou para baixo, deparando-se com uma manchete que quase o
fez cair para trás.

Vaza vídeo íntimo de Daniel Müller com amante

Ele separa os lábios, totalmente atônito. Vacila, ainda assimilando o que


seus olhos estão vendo.
— Já tem mais de cem mil visualizações numa rede social aí, e a
matéria diz que o vídeo foi parar em um site pornô de famosos. Tudo isso
em… o quê? Quinze horas? Pelo menos é uma bela jogada de marketing para a
empresa — Heitor comentou, dando de ombros, mas Daniel não ouviu uma
palavra sequer da piada sem graça e de mau gosto do irmão. Levantou-se
bruscamente, o envelope caiu no chão, e saiu pisando firme.
Sentia que cada centímetro do seu corpo tremia de cólera. Melissa havia
passado de todos os limites, e, pelo jeito, não se importou em se expor junto,
nem das provas que ele possuía para incriminá-la. Melissa seria tão sangue-
frio e indiferente a esse ponto? Pelo jeito, sim.
Importou-se apenas em calçar um sapato antes de pegar a chave do carro
e sair de casa, indo em direção ao apartamento da ruiva. Durante o percurso
teve que fazer um exercício mental para se controlar, lembrando-se
constantemente de que Melissa era, infelizmente, uma mulher, e se ele tomasse
qualquer atitude precipitada e impensada, quem sairia como acusado seria ele.
Estacionou o carro na garagem do prédio e empurrou o porteiro assim
que este pediu sua identificação para anunciá-lo à senhorita Telles. Tomou o
elevador, seus nervos todos alvoroçados. Melissa estava sendo mais do que
um estorvo em sua vida. Ela era o demônio em pessoa, e estava fazendo dos
seus dias um verdadeiro inferno. Ela conseguiu fazer Sophia acreditar que o
vídeo era de uma real traição, depois o jogou na internet para manchar a
imagem que Daniel zelou por todos aqueles anos. A ruiva sabia como Müller
honrava o seu sobrenome.
As portas do elevador se abriram e ele saiu pelo corredor a passos
rápidos e decididos, sua ira exalando em cada passada. Parou em frente à
porta do apartamento dela. Não teve modos para bater e tentou abri-la, mas
estava trancada. Daniel inspirou fundo e deu um passo atrás. Com toda a sua
raiva acumulada, descarregou tudo em um forte pontapé na porta, que foi
aberta com um baque.
Melissa, sentada no sofá com a televisão ligada, se sobressaltou. Não
teve tempo de reação, pois Daniel já havia avançado sobre ela e a erguido,
segurando-a pelos braços: — Que diabos você estava pensando quando postou
essa droga de vídeo? — bradou quase salivando.
A ruiva tentou se soltar das garras dele, mas Daniel era firme em sua
pegada, e, vez ou outra, precisava dar-lhe um chacoalho para mantê-la presa.
— Eu disse que você ia me pagar pela humilhação que me fez passar,
Daniel! — rebateu ainda se contorcendo.
— Você é louca, Melissa? Eu tenho todas as provas contra você! Posso
te confinar na cadeia por, pelo menos, um ano!
— Me processe, Daniel! — ela gritou de volta. — Eu tenho tanto a
perder quanto você tem a ganhar! Nada do que você faça vai trazê-la de volta!
— declarou, e nisso ele a soltou, sabendo que Melissa se referia à Sophia.
Daniel estava arquejando de raiva. Mas Melissa estava errada. Ele ia
provar para a Sophia que não houve traição, que tudo não passou de uma
armação demoníaca da ruiva para se vingar. Ele tinha os papéis que
comprovavam que o vídeo fora feito muito antes de eles se assumirem
definitivamente como marido e mulher. Sophia, Daniel estava convicto, o
perdoaria. Era só uma questão de tempo.
— É o que você pensa. — anunciou com a voz firme. — Eu irei te
processar por esse vídeo, você irá pagar pelo seu crime e ainda terei o prazer
de esfregar na sua cara minha felicidade com a Sophia.
Melissa gargalhou, uma risada demasiadamente sombria e assustadora,
com uma pitada de sarcasmo.
— Pode fazer o que quiser, Daniel. O que importa é que a sua imagem, a
qual você primava tanto, foi manchada e nunca mais será a mesma. Nesse
exato momento, já devem haver inúmeras cópias que serão salvas em celulares
de terceiros, e todos irão olhar para aquele vídeo e ver um homem infiel.
Por mais que odiasse, ele precisava concordar com a ruiva. Daniel não
queria nem pensar nos contratos que perderia com aquele escândalo, dos
olhares de seus funcionários sobre ele, e de como, em algum dia do futuro,
alguém abordaria esse maldito assunto. Inspirou fundo. Ele moveria céus e
terras para provar sua inocência, para ver Melissa pagar por todos os seus
pecados e, principalmente, para reconquistar a mulher da sua vida.
— Você foi tão ingênuo… — ela sussurrou, trazendo-o de volta para o
mundo real. — Acreditou que estava sendo mais esperto do que eu, e seu erro
foi vasculhar apenas meu computador. Você se preocupou tanto com as cópias
que se esqueceu do original. Que, por acaso, eu deixei na câmera que gravou o
nosso sexo.
— Isso só prova como você é uma vadia neurótica! — murmurou
entredentes, segurando a cólera em seu punho.
— Tudo teria sido tão diferente se não tivesse me desprezado por conta
daquela magricela sem graça!
A face de Daniel se contorceu, e quando deu por si já estava segurando-
a pelo braço outra vez e cuspindo as palavras: — Não fale assim dela! Você
nem deveria se comparar à Sophia. Ela nunca precisou prejudicar ninguém
para conseguir a minha atenção, o meu amor. — Soltou-a abruptamente. — Ela
me cativou, enquanto você só quis ver a minha desgraça. Eu tenho nojo de
você, Melissa Telles. — declarou com desdém, e no mesmo instante virou nos
calcanhares para ir embora.
Daniel não esperou por uma resposta, nem quis saber de que forma
Melissa tivera as demais informações sobre sua vida com Sophia e o
casamento do seu irmão, mas ponderou que parte teria vindo diretamente de
Eduardo.
Ele não daria atenção para aquilo naquele momento. Daniel tinha coisas
mais importantes para serem resolvidas. Como procurar por Sophia e se
explicar.

♦♦♦

—… o envelope da Sophia… Eu o deixei sobre o balcão. Tenho certeza


— disse Daniel para Heitor, mas o irmão não se importou e continuou com
seus olhos grudados à televisão.
Tudo que Müller queria, depois da sua visita à Melissa, era chegar em
casa, terminar de abrir o envelope e saber o que diabos havia lá dentro. No
caminho, teve de fugir de alguns fotógrafos e jornalistas que cercaram seu
carro, enquanto telefonava para seu advogado e providenciava os trâmites
para que os vídeos fossem excluídos e o processo contra Melissa fosse aberto.
Mas quando foi até a cozinha, o envelope já não estava mais lá, e ele
procurou por cada canto do cômodo, e, mesmo tendo certeza de que havia
deixado sobre o mármore, olhou na sala e em seu quarto.
Agora, perguntava para o irmão, que lhe dava pouca atenção.
— Heitor, estou falando com você! — protestou.
— Eu já disse que não sei, Daniel, de porra nenhuma de envelope —
rebateu irritado.
— Por que está me tratando assim? — indagou exasperando.
— Talvez porque você tenha mentido para mim.
— Heitor, olha… vamos conversar…
— Quer saber, Daniel — disse se levantando —, tenho outras coisas
para fazer. Boa sorte com seu envelope — falou, e saiu balançando a cabeça.
Daniel suspirou, perguntando-se quais outras pessoas virariam as costas
para ele. Sentiu, novamente, as lágrimas em seus olhos. Sua única família era
o irmão e Sophia, mas naquele momento não tinha nenhum dos dois. Afastou
suas frustrações e continuou buscando pelo envelope, mas não o encontrou.
Vencido, se jogou no sofá, esgotado. Dali a pouco, entrou sua diarista, que
deveria estar de folga.
— Dora? Achei que estava de folga.
— O senhor Heitor me telefonou para vir fazer uma limpeza — disse
meio cabisbaixa e sem jeito. Talvez ela já soubesse de todos os
acontecimentos.
Daniel apenas acenou, afagando o rosto. Súbito, algo lhe ocorreu e ele
chamou a mulher de volta, que ia em direção aos quartos.
— Você por acaso viu um envelope na cozinha?
— Oh, sim, vi.
Os olhos dele brilharam.
— E onde está? — perguntou esperançoso.
— Eu o joguei no lixo, senhor Daniel. Como estava no chão e já sujo
com marca de pés, acreditei que não era importante — a mulher gaguejou.
— Que droga! — resmungou e se levantou rapidamente, indo para a
cozinha.
A diarista veio logo atrás, dizendo: — Sinto muito, senhor Daniel, mas
eu já retirei o lixo da casa. Acabei de vir da rua, e o caminhão do lixeiro já
passou.
Daniel bufou, parando no meio do caminho. Sua intenção era revirar o
lixo até encontrá-lo. Mas ao ouvir as palavras da mulher, soube que sua busca
seria em vão. Engoliu em seco e suspirou. Talvez nunca soubesse que raios
havia naquele envelope.
41
AMOR DESCONTROLADO

Dois meses depois.

Sophia segurou o papel pardo firme em suas mãos, enquanto Miguel


puxava o cinto e girava a ignição. Por fim, estava segurando os papéis do
divórcio e se veria livre de qualquer compromisso com Daniel. Como o
planejado com Miguel, dois dias depois de toda a confusão na sala de Müller,
ela se mudou para o interior do Estado, na casa dos Guimarães, por onde
viveu aqueles últimos dois meses. Sophia ainda estava com a ideia maluca de
privar Daniel da paternidade e, de cinquenta dias para cá, já tinha uma boa
desculpa para dar a todos. O filho que esperava era do seu noivo… Miguel.
Suspirou exasperadamente, encostando a cabeça no vidro e pensando em
como ele esteve presente durante todos os dias daqueles dois meses. Miguel
havia secado suas lágrimas, afagado seus cabelos e a consolado bastante,
reforçando sempre que a amava, que jamais faria o que Daniel fizera, que
somente ele poderia lhe oferecer um amor verdadeiro. De início, Sophia não
quis aceitar, mas Miguel conseguiu convencê-la. Disse que assumiria o filho
dela , assim ela poderia dizer a todos quem era o pai do bebê sem que as
pessoas desconfiassem que o pai biológico fosse, na realidade, Daniel Müller.
Logicamente, ela teria de esconder algumas semanas, e quando a criança
nascesse diria que fora um nascimento prematuro.
No decorrer daqueles dois meses, soube por intermédio de sua família
que Daniel a havia procurado algumas vezes, na casa de seus pais, na de
Miguel, e que ele tentou ligar em seu antigo número inúmeras vezes – deixado
na casa dos pais e trocado por outro. Em vários momentos, ela quis desistir de
tudo e ir encontrá-lo, ouvir o que ele lhe tinha a dizer, saber por que insistia
em procurá-la, já que não sentia nada por ela. Mas suprimiu qualquer desejo
insano e continuou tocando sua vida, precisando reafirmar, muitas vezes, que
Miguel era o homem certo para si. Sempre fora, talvez. Ela que foi muito
imprudente ao abandoná-lo no altar pouco mais de um ano antes. Se tivesse se
casado com ele, muitas dores de cabeça teriam sido evitadas.
Miguel a tocou nas mãos, interrompendo seus devaneios e a fazendo
olhar para ele com um sorriso curto.
— Está nervosa?
— Não — ela respondeu com um sussurro. — Eu esperei muito por esse
dia desde que dei entrada na documentação do divórcio. Tudo que eu mais
quero é me ver livre dele para nos casarmos.
Miguel sorriu, apesar de ter notado a tristeza em sua voz.
Fizeram a viagem de volta para a cidade em silêncio, Sophia sempre
alisando sua barriga gestacional de treze semanas. Na sua última consulta
havia conseguido visualizar o sexo do bebê – era um lindo e forte menino.
Meu Gabriel! Pensou sorrindo. Não deixou de pensar que Gabriel, querendo
ou não, lembrava Daniel, ainda assim, era um belo nome que ela escolheu a
dedo num site de nomes para bebê. No dia, uma lágrima escorreu quando se
pegou perguntando se Müller teria aprovado o nome.
De repente, Miguel estacionou o carro em frente à casa de seus pais, e
ela mal percebera.
— Você vai entrar? — ele questionou.
— Não. Quero levar esses papéis logo para o Daniel e acabar de uma
vez com isso — falou, e Miguel apenas concordou.
— Companhia? — ofereceu-se.
— Prefiro ir sozinha — alegou.
Eles se despediram com um beijo, e Sophia seguiu, extremamente
nervosa, para a casa de Daniel. Este que ela não via há dois meses.
Quem atendeu a porta foi Heitor, que ficou visivelmente surpreso pela
presença de Sophia. Ela sorriu timidamente e o abraçou. Heitor retribuiu, um
pouco aturdido.
— Você sumiu, garota — brincou, e ela riu baixinho.
— Eu precisava de um tempo — explicou-se. — Seu irmão está? Vim
trazer o divórcio para que ele assine.
Heitor sorriu fracamente e olhou para o envelope pardo nas mãos
brancas. Ele, mais do que ninguém, sabia qual era a situação do irmão
naqueles últimos meses, apesar de ainda não estarem se falando direito por
conta de seu casamento com Clarisse e porque, principalmente, Daniel quase
não parava em casa.
— Eu realmente não sei. A última vez que o vi foi no sábado à noite. Ele
estava saindo, e eu não o vejo desde então.
Sophia refreou a vontade de perguntar se estava tudo bem. Engoliu suas
palavras e questionou: — Se importa se entrarmos para ver se ele está aí? Eu
também quero pegar alguns pertences meus.
Heitor anuiu. Ofereceu água e café e Sophia aceitou apenas a água.
Enquanto iam até a cozinha, Heitor lhe contou como estavam suas vidas desde
tudo. Falou que Daniel quase não aparecia na empresa, que amanhecia
dormindo no sofá, abraçado a uma garrafa de Jack Daniel's. Às vezes, ele
sumia por dois, três, quatro dias, e sempre que dava sinal de vida estava caído
na porta de casa, completamente bêbado. Confidenciou de já tê-lo ouvido
chorando de madrugada, e que em muitas manhãs Daniel acordou – bêbado –
abraçado às fotografias ou peças de roupas que ela deixara para trás.
— Não é porque ele é meu irmão, Sophia, Daniel também mentiu para
mim — Heitor disse entregando a água para ela —, mas é visível que ele está
mal com essa… separação. Quando eu o vejo, ele está abatido, tristonho.
Daniel nem cuida mais daquela barba asquerosa.
Sophia prendeu a respiração e sorveu sua água lentamente, pensando nas
palavras de Heitor. Ela também havia passado por dias difíceis,
principalmente quando queria chorar e precisava fazer isso com o máximo de
silêncio possível para que Miguel não percebesse. Mas os relatos de Heitor
iam além de qualquer coisa que poderia imaginar. Na verdade, sequer
imaginou que ele pudesse estar sofrendo. Fora ele quem enganou e mentiu.
Balançou a cabeça levemente e terminou sua água.
— Ele está colhendo o que plantou — disse enfim.
Heitor acenou uma vez e não opinou.
— Vamos até seu antigo quarto para você pegar as suas coisas —
convidou-a, e os dois subiram juntos e em silêncio.
Assim que dobraram a esquina, Sophia pôde comprovar por si mesma o
que Heitor há tão pouco lhe contou.
Daniel tinha acabado de sair do quarto. Sua postura e expressão eram
péssimas: usava uma camisa branca social toda amassada, a gravata estava
frouxa e desajeitada, a calça preta exibia um cinto pendurado, e as barras
arrastavam pelo chão, a barba descuidada preenchia seu rosto; os cabelos,
mais volumosos que o normal, estavam desgrenhados, os olhos, fundos com
marcas de olheiras. Ele virava uma dose de uísque direto do gargalo, quando
Sophia o viu pela primeira vez desde então.
Por um segundo seu coração se apertou ao ver a situação dele.
Ele está colhendo o que plantou, reforçou.
Sem demora, Daniel percebeu a presença dos dois, e num segundo sua
face se transformou totalmente. Por dois meses ele se perguntou onde Sophia
estava, chorou, sofreu e se culpou. O uísque era a única coisa que conseguia
amenizar, momentaneamente, sua dor.
Instantaneamente, mesmo parcialmente bêbado, ao vê-la ali na sua
frente, mais linda do que nunca, sentiu a esperança queimar seu peito.
Ele pestanejou, as lágrimas já se acumulando em seus olhos.
— Sophia… — sussurrou emocionado. — Meu amor, você voltou —
disse com a voz embargada, e deu um passo à frente.
— É… eu voltei, Daniel. Vim trazer os papeis do divórcio — declarou,
e ele parou subitamente.
— Vou deixá-los a sós — Heitor murmurou e saiu em seguida, deixando-
os sozinhos.
Sophia e Daniel se encararam por alguns segundos, ele ainda digerindo
a informação que chegou aos seus ouvidos. Engoliu em seco, sentindo seu
coração pulsar acelerado. Ela tentava se manter firme diante dele, reprimindo
sua vontade de ir ao seu encontro, abraçá-lo e beijá-lo serenamente nos lábios,
matando, assim, toda a sua saudade e sua aflição. Queria poder lhe contar
sobre Gabriel, queria que nada daquilo em suas vidas tivesse acontecido, e
que eles estivessem em paz e bem. Mas precisava reforçar constantemente
que Daniel a magoara muito, não somente uma vez, mas várias. E sua traição
tinha sido a gota d'água.
— Divórcio? — ele perguntou balbuciando.
— Sim…
— Sophia, você nem me deu a chance de te explicar sobre o vídeo…
— Porque não havia o que ser explicado — replicou.
Daniel piscou, fazendo algumas lágrimas presas escorrerem por seu
rosto.
— Sophia, aquele vídeo…
—Não importa mais, Daniel — ela o interrompeu —, estou noiva do
Miguel — informou, e Daniel sentiu como se tivessem jogado o mundo em
suas costas.
Moveu os lábios sem fazer som algum, repetindo a palavra “noiva” para
si mesmo. Seu coração nunca esteve tão apertado e teve a impressão de terem
lhe tirado o chão.
— Me esqueceu tão rápido assim? — questionou entredentes,
enciumado.
— Não sei por que se incomoda. Nunca me amou de verdade.
— Como diz isso, Sophia? — indagou com a voz trêmula, o peito em
uma dor insuportável. — Tantas vezes eu demonstrei meu amor por você. Não
foi suficiente?
— Você me enganou, Daniel! — Sophia ergueu a voz — Mentiu,
trapaceou. Traiu! Todas as suas demonstrações eram falsas. Você só queria me
envolver, me segurar até ter a sua herança. Pronto: você já a tem. Não precisa
mais fingir.
Nesse instante o sangue de Müller ferveu nas veias. Ele comprimiu os
lábios, descarregando sua raiva e segurando suas lágrimas ao mesmo tempo.
Mas a insanidade falou mais alto que a razão, e ele não se controlou. A garrafa
de uísque em suas mãos foi arremessada contra uma parede adjacente. Sophia
se sobressaltou com o vidro que se espatifou e com o líquido que espirrou
para todo o canto, juntamente com o berro de Daniel!
— Porra, Sophia! Olha para mim! Estou bêbado numa manhã de
segunda-feira, eu não tiro essa roupa desde sábado à noite e cheiro a álcool,
cigarro e suor. Meus olhos estão vermelhos e inchados de tanto chorar e de
não conseguir dormir. Eu não como direito, eu não durmo direito e às vezes eu
nem sei como volto para casa de tanto que afogo minhas mágoas. Você não
sabe como toda essa merda tem sido o inferno para mim, então não venha me
dizer que estou fingindo!
Por um segundo Sophia ficou paralisada com a reação dele, enquanto
Daniel respirava em arquejos, recuperando sua postura.
— Tem razão, você está bêbado! — falou com a voz firme e deixou o
papel pardo com o divórcio sobre um móvel ali perto. — Assine essa droga
de divórcio quando estiver sóbrio e depois me procure. Estarei na casa dos
meus pais — disse e virou-se para sair.
Irracional demais, Daniel correu até ela e a segurou pelo braço,
obrigando-a a olhar para ele. Sophia, que já havia descido um degrau, tentou
se desvencilhar, mas Müller a prendia firmemente.
— Me dê só um minuto — Daniel suplicou. — Eu preciso de um maldito
minuto para me explicar pra você. Por favor, Sophia.
— Me solta, Daniel! — pediu remexendo-se e querendo se livrar do
aperto dele. — Eu não tenho nada para escutar. Só irá mentir mais. Estou farta
de mentiras!
Daniel a apertou mais e tentou trazê-la para um beijo, seus lábios e seu
corpo implorando ansiosamente para senti-la outra vez. A loura continuava a
se rebater, a aproximação deles, agora, permitindo que ela sentisse o cheiro
forte de uísque e cigarro mentolado.
— Eu te amo — murmurou, e no segundo seguinte explodiu, gritando: —
Não acredito que irá se casar com aquele imbecil do Miguel.
— Me solta, Daniel! Por favor, só me deixe ir embora!
— Não! — gritou, alucinado. — Você é minha, entendeu? Minha!
— Me solta! — falou ela, fazendo força — Eu te odeio, Daniel! Te
odeio! — dito isso, conseguiu se livrar das mãos de Müller, mas ao custo do
desequilíbrio. Com o impulso que fizera para se soltar, impulsionou o corpo
para trás, pisou em falso num degrau e seu corpo foi jogado escada abaixo.
Milésimos de segundos antes, Daniel tentou segurá-la, mas não houve
tempo. Ele assistiu, aterrorizado, Sophia rolar escada abaixo até parar,
sangrando pelo nariz e inconsciente, no pé da escada.
— Não, não, não, não, não! — exclamou desesperado, desceu os
degraus rapidamente, as lágrimas se acumulando, o coração descompassado, e
mais uma vez a culpa. — Sophia… Sophia, por favor, Sophia! — ajoelhou-se
perto dela.
De repente, Heitor surgiu afobado pelos gritos que escutara da cozinha.
Estacou no meio do caminho. Viu Sophia desmaiada e sangrando, no final da
escada. Viu Daniel desesperado perto do seu corpo. Ele piscou atordoado, até,
finalmente, conseguir dizer:
— Que merda você fez agora, Daniel?
42
DOR E ADEUS

Heitor tentava acalmar Daniel, que andava de um lado para o outro na


recepção do hospital, enquanto aguardavam que alguém viesse lhes informar
sobre Sophia.
No alvoroço do momento, Daniel sequer se importou em trocar de
roupa, e se encontrava ainda com sua camisa branca engomada, a gravata
ainda mais frouxa e desajeitada, e a calça preta, amassada. Estava com os
nervos à flor da pele, que lhe causou, minutos antes, uma crise de culpa.
Daniel ficara extremamente nervoso e chorou feito uma criança assustada,
alegando diversas vezes que a queda de Sophia tinha sido um acidente, e sua
intenção nunca foi machucá-la. Heitor teve que ter muita paciência para
conseguir controlar o irmão.
Ainda assim, Daniel continuava apreensivo por não saber do estado de
saúde dela. Afagou o rosto, pensando em como, mais uma vez, algo de ruim
havia acontecido por sua culpa. Tudo que queria era apenas poder ter a chance
de se explicar, de contar toda a verdade sobre o vídeo, e assim, quem sabe,
fazê-la desistir do seu noivado com Miguel. Mas, para variar, as coisas saíram
do seu controle, e Sophia estava mal por sua causa.
Olhou no relógio pela milésima vez, a ansiedade quase corroendo seu
interior. Não se perdoaria se algo grave acontecesse a ela.
— Daniel, se acalma, cara.
— Não me peça para ter calma! — ergueu a voz. — Se alguma coisa
acontecer a ela, eu… Eu não sei… eu não… — Arquejou respirando com
dificuldade. Sequer conseguia pensar no pior para ela. Sentia as lágrimas e a
culpa a todo instante martelando seu coração.
Heitor se aproximou e segurou o irmão pelos braços, puxando-o para
um abraço, sussurrando para acalentá-lo.
— Vai ficar tudo bem, Daniel.
Daniel Müller suspirou e se afastou do abraço, acenando e controlando
a respiração. Heitor tinha razão. Era preciso manter a calma, pois seu
nervosismo não o levaria a lugar algum. Respirou fundo, tendo em mente que
suas maiores bobagens foram cometidas quando estava nervoso. E naquele
momento não queria causar mais dano nenhum.
Heitor apertou o ombro dele, amigavelmente, e lhe ofereceu um sorriso
sincero. Encarou os olhos tristonhos do irmão e quis esquecer qualquer mágoa
existente. Sabia que, talvez, Daniel tenha feito todas as bobagens nas melhores
das intenções. Suspirou e se arrependeu por tê-lo ignorado por todos aqueles
dias.
Pensou em abrir a boca para se desculpar, mas de repente Miguel e
Eduardo surgiram afobados. Miguel foi em sua direção a passos decididos – a
expressão pouco amigável. Eduardo veio logo atrás, a mesma determinação de
Miguel exalando de suas passadas.
― O que você fez com ela, Daniel? — acusou Miguel em tom alto.
Müller deu um passo atrás, acuado. Naquele momento, não conseguia
raciocinar, nem revidar. Com a acusação dirigida a ele, sentiu outra vez a
culpa lhe invadir, e tudo que conseguiu foi somente balbuciar nas palavras,
amedrontado, e com as lágrimas surgindo em seus olhos:
— Foi um acidente… Eu não queria machucá-la. Eu juro, Miguel, eu
juro. Eu não queria machucá-la…
Eduardo abriu caminho e, sem pestanejar, apontou o indicador para
Daniel, bradando: — Se alguma coisa acontecer com a minha irmã…
— Cale a boca, Eduardo — interferiu Heitor, defendendo Daniel. —
Meu irmão acabou de ter uma crise de culpa por causa desse acidente, então
guarde suas ameaças para você!
Houve um segundo de tensão na sala entre os quatro homens. Miguel
controlava sua vontade de arrastar Daniel para fora do hospital e exigir uma
explicação, já que ainda não sabia exatamente o que havia acontecido. Todas
as informações que tinha eram as que Heitor repassara a ele em uma ligação,
dizendo apenas que Sophia havia caído da escada da casa deles. Querendo
não preocupar Eva e Sebastian, comunicou somente ao Eduardo, e saíram
furtivos da casa dos Hornet. Queriam, primeiramente, saber do estado de
Sophia antes de alarmar qualquer coisa. Ele pensava, ainda, no bebê, torcendo
pelo melhor do pequeno Gabriel. Eduardo também se controlava, mas o que
realmente queria era poder cumprir sua ameaça anterior. Daniel, outra vez,
havia ferido sua irmã, dessa vez ainda pior, já que tinha sido fisicamente.
Heitor mantinha-se neutro e preparado para defender o irmão mais velho, este
que estava absorto demais para qualquer reação de defesa, ainda que
mecânica.
— Como ela está? — Miguel quebrou o silêncio e a tensão.
— Ainda não sabemos — Daniel choramingou, continuava catatônico.
— Ninguém nos deu notícias dela.
Miguel acenou e afastou-se alguns passos com Eduardo, passando as
mãos pelos cabelos curtos, visivelmente preocupado.
Dali alguns minutos, um médico apareceu na recepção, convocando os
familiares de Sophia. Daniel e Miguel foram os primeiros a irem de encontro
ao homem.
— Vocês são o que da senhorita Sophia? — Quis saber o médico.
— Marido.
— Noivo.
Os dois responderam em uníssono, fazendo o doutor olhar para eles com
desconfiança. Daniel e Miguel se entreolharam, Miguel soltando uma lufada
exasperada.
— Ex-marido, Daniel — lembrou-o.
— Ainda não assinei o divórcio. Continuo sendo marido dela! —
rebateu.
— Pelo amor de Deus! — protestou. — Vocês estão separados há dois
meses.
— Tudo bem, senhores, eu já compreendi — o médico interveio no
momento em que Daniel iria responder. Sendo cortado, simplesmente preferiu
contornar o assunto e perguntar do estado de Sophia.
— Ela está bem. Teve uma concussão, mas está fora de risco. Porém,
ficará em observação por vinte e quatro horas — explicou o médico, e Daniel
sentiu-se extremamente aliviado. Somente em saber que nada demais
acontecera à Sophia lhe deixou com a alma leve.
Pensava em perguntar se poderia entrar para vê-la, quando Miguel o
interrompeu, questionando: — E o bebê?
Daniel olhou para ele no mesmo instante, atônito e desnorteado com seu
questionamento.
— Que bebê? — indagou, confuso.
O médico expressou um semblante preocupado e suspirou antes de
dizer: — Infelizmente, com a queda, ela sofreu um aborto.
Daniel pestanejou, totalmente aturdido, sem saber do que é que eles
estavam falando. Miguel afagou o rosto e murmurou um “Meu Deus”, enquanto
Daniel tentava entender do que estavam falando.
— Que bebê, Miguel?! — insistiu na pergunta, completamente
apavorado.
— Ela estava grávida, Daniel! — Miguel respondeu de pronto e o
encarou, completando: — E o filho era seu.
Momentaneamente, Daniel sentiu uma grande pressão no peito e teve a
impressão de se deslocar do tempo e do espaço. Seu coração palpitou e seus
ombros caíram, sua expressão totalmente abatida e assustada com a nova
informação. A voz de Heitor soava longínqua em sua consciência, dizendo-lhe
algo. Daniel sentiu suas pernas bambas e cambaleou, precisando ser amparado
pelo irmão e pelo doutor. Ainda absorto, foi direcionado para o sofá, as vozes
ao seu redor questionando se estava tudo bem. Mas Daniel permanecia mudo,
chocado e totalmente perdido em sua culpa.
Mecanicamente balançou seu corpo para frente e para trás, então desatou
a chorar quando supôs que o envelope de meses atrás era o exame que
confirmava a gravidez dela. Chorou enquanto se recordava que havia desejado
aquele filho, e chorou, principalmente, por Sophia ter perdido o bebê por sua
culpa.
Gritou desesperado, as mãos repuxando os cabelos numa atitude
instintiva, irracional e primitiva de compensar sua dor psicológica. Heitor e o
médico correram para acalmá-lo, enquanto pediam para uma enfermeira uma
dose de calmante.
Se Daniel acreditou que seu sofrimento não poderia aumentar, ele estava
enganado. Além de ter que carregar a responsabilidade pelo fim do seu
casamento, agora havia o fardo de levar em seus ombros a morte do seu
próprio filho. Aquilo dilacerou seu coração, e tudo o que desejou – no
momento em que Heitor, Miguel e Eduardo o seguraram para que fosse
medicado – era poder voltar no tempo e fazer a coisa certa: nunca se permitir
entrar na vida de Sophia. Se pudesse mudar as suas escolhas, por amor a ela,
jamais teria surgido em sua vida.
Subitamente, sentiu seus batimentos desacelerando e suas lágrimas,
agora, se resumiam a suspiros tremulantes. O calmante, que fora injetado sem
que tivesse conhecimento, começava a fazer efeito em seu organismo.
Assim que voltou à realidade, encarou os pares de olhos sobre ele,
todos aturdidos. Ainda estava catatônico com a notícia do aborto de Sophia,
mas o calmante cortou o efeito de sua reação desesperada.
— Me desculpem, eu… — gaguejou sem saber como terminar de dizer.
— Está tudo bem, senhor Müller — falou o médico, complacente.
— Posso entrar para vê-la? — sussurrou cabisbaixo.
— O horário de visitas é dentro de duas horas. — Informou.
Ele apenas acenou. O doutor ficou na presença deles por mais alguns
segundos, explicando o quadro clínico de Sophia, alegando que por conta do
aborto e da concussão, ela ficaria de observação, até terem certeza de que
estava tudo bem.
Após afirmar que se precisassem de algo mais ele estaria à disposição,
retirou-se, deixando-os sozinhos. Eduardo e Miguel se afastaram para ligar
para Eva e Sebastian, enquanto Heitor permaneceu junto ao irmão, que ainda
estava emudecido pelo choque da notícia.
— Daniel, vá para casa, tome um banho, coma algo, descanse um pouco,
depois você volta para vê-la — Heitor murmurou, compadecido pela situação
de Daniel. Nunca imaginou ver o irmão tão desesperado como vira há
segundos. Por um momento sentiu-se um completo idiota por não ter estado ao
lado dele naquelas últimas semanas, por tê-lo ignorado em vez de apoiá-lo.
— Não… — ele negou balançando a cabeça, vagarosamente — E se ela
fizer como fiz em Angra dos Reis? — questionou temeroso, e encarou os olhos
do irmão. — E se ela for embora e eu nunca mais tiver notícias dela? Eu não
posso permitir que ela se vá sem falar com ela antes, Heitor — choramingou.
— Ficarei aqui por você, irmão — anunciou e sorriu complacente. —
Se a Sophia se levantar para ir ao banheiro, eu saberei e você será o primeiro
a ser informado — assegurou, e Daniel deu-lhe um sorriso breve e
entristecido. — Vá para casa e troque essa roupa. Se você quer vê-la, esteja,
no mínimo, apresentável.
Daniel anuiu e se levantou, afagando o próprio rosto. Saiu até a rua
vagarosamente, seu coração, agora, quebrado em incontáveis pedaços que
jamais poderiam ser remendados outra vez. Entrou em um táxi e foi para casa.
Enquanto a paisagem urbanística passava diante dos seus olhos, ele não pôde
evitar seus pensamentos que rasgariam ainda mais seu peito. Reviveu os seus
dias com Sophia, do primeiro beijo na porta do apartamento dela; no meio da
areia, na noite escura e de brisa agradável; lembrou-se dos desentendimentos,
das promessas nunca cumpridas, das novas que foram feitas ao longo dos
meses em que os dois se entenderam; do desejo de ter uma família com Sophia
e de ser pai; dos sorrisos dela. Recordou-se de como nunca foi tão feliz como
tinha sido com Sophia. Recordou-se dos erros e das mentiras que
desencadearam todas as situações que o levaram até aquele táxi numa manhã
de segunda-feira. O pedido de divórcio… o noivado dela… o bebê que ela
perdeu.
As lágrimas rolavam pelo seu rosto sem que ele percebesse. O táxi
estacionou na frente da sua casa, e o motorista precisou chamá-lo um par de
vezes até que Daniel voltasse à realidade.
Pagou a corrida e entrou em casa a passos vagarosos. Aquele lugar
nunca mais seria o mesmo. Se antes era preenchido pela alegria contagiante de
Sophia, agora nada mais era que um local triste e depressivo.
Subiu as escadas tentando não se recordar da cena de ela rolando e ele
em total desespero. Chegou ao final e olhou ao redor. O papel pardo
repousava intocável sobre o cômodo. Apertou os olhos e mais lágrimas
vieram. Se tivesse apenas assinado a droga daqueles papéis, Sophia estaria
bem, o bebê continuaria crescendo saudável dentro de seu útero.
Provavelmente continuaria sem ter conhecimento que o filho era seu. E por
mais que Daniel pensasse ser uma injustiça privá-lo da paternidade, ainda
assim, preferia passar o resto da vida sem saber que tivera um filho com a
mulher da sua vida a ter que carregar a responsabilidade pela perda desse
mesmo filho.
Inspirou fundo e tomou a decisão que deveria ter tido desde sempre.
Agarrou o envelope pardo e tirou o documento. Pegou uma caneta e assinou o
divórcio. Uma lágrima escapou de seus olhos e molhou os papéis no instante
em que sua assinatura estava completa.

♦♦♦

Daniel entrou na recepção do hospital já mais sóbrio. A mistura de


banho frio, café forte e amargo cortaram o efeito do álcool em seu organismo.
Sua aparência também era outra – e melhor. Os cabelos volumosos foram
cortados, e seu habitual penteado jogado de lado deu lugar à confusão de fios
desgrenhados que eram suas madeixas até horas atrás; a barba passou por uma
navalha bem afiada, e seu aspecto agora lhe conferia um ar mais sério e ao
mesmo tempo charmoso – como era de costume; as olheiras foram escondidas
sob o pó compacto, o dorso esguio acolhia jeans, camisa polo e blazer azul
marinho. Mas todos esses aspectos não eram suficientes para esconder a
tristeza denunciada em seus olhos – possível de ser notada a quilômetros de
distância.
Assim que pisou na entrada, todos ali presentes — Sebastian, Eva,
Eduardo, Isabela e Heitor — olharam para ele, a família de Sophia, como era
de se esperar, com os olhares de desaprovação.
Estacou na porta, ainda sem saber como lidar com todos aqueles olhos
sobre ele, acusando-o, culpando-o e julgando-o. Respirou fundo e olhou para
o envelope pardo nas mãos. Levantou a cabeça e caminhou mais para dentro,
até alcançar o irmão. As visitas ao quarto de Sophia já haviam sido liberadas
e, segundo Heitor, Miguel entrara para vê-la.
O silêncio e a tensão se fizeram gritantes enquanto aguardavam o retorno
de Miguel.
— Não foi o suficiente enganar a minha irmã com uma vagabunda ruiva
qualquer, você tinha mesmo que matar o bebê que ela estava esperando, não é,
Daniel? — Isabela irrompeu o silêncio, sua voz ríspida, grosseira e irada.
Todos olharam para ela, surpresos, e até Sebastian murmurou uma advertência.
Daniel piscou, perguntando-se se era realmente necessário lembrá-lo
que a culpa daquilo tudo era dele. Tinha ciência, mais do que ninguém, e já se
sentia culpado. A última coisa que precisava era disso. Suspirou e desviou os
olhos, sem querer dar continuidade àquilo.
— Deveria tomar cuidado com as suas palavras, Isabela — Heitor
advertiu entredentes. — Foi um acidente, e Daniel já se culpou demais para ter
você ou qualquer outra pessoa o acusando.
— Se culpe mesmo! — ela rebateu, e ignorou a segunda advertência do
pai. — Você tem que passar pelo que a Soph passou por causa da sua traição!
— A começar, Isabela — Daniel disse firme, não aguentando mais todas
aquelas acusações de traição —, não houve traição alguma. Se naquele dia
somente um de vocês tivessem me dado a chance de dizer que o vídeo foi
gravado muito antes do meu casamento com Sophia, talvez não estaríamos hoje
aqui.
— Que desculpa esfarrapada! — ela resmungou.
— Não importa mais — falou ele. — A única pessoa para quem eu devo
satisfações é para Sophia. Acreditem se quiserem na minha versão dos fatos.
Eu não preciso da aprovação de vocês.
— É o que você…
— Chega, Isabela! — Sebastian foi mais rígido, e a filha o obedeceu,
calando-se. Ela mirou Heitor e os dois se encararam por alguns segundos, um
percebendo a raiva do outro, cada um protegendo e defendendo seus
respectivos irmãos.
Outra vez o silêncio se instalou, mas segundos depois, Miguel surgiu,
vindo do quarto dela.
— Pode entrar o próximo — disse, e sem balbuciar Daniel deu um
passo à frente, pouco se importando se as outras pessoas haviam chegado
primeiro.
— Você, não, Daniel — Miguel o impediu, pondo-se em seu caminho.
— Já causou males demais a ela.
— Eu acho bom você sair do meu caminho — murmurou. — Eu vou
entrar para vê-la e ninguém nessa sala irá me impedir.
— Você não tem direito nenhu…
— Deixe-o, Miguel — Sebastian disse, e Daniel olhou por cima do
ombro, aliviado em saber que pelo menos alguém não iria se interpor. Voltou-
se para o Miguel e se encararam por alguns segundos antes de Guimarães dar
um passo ao lado.
— Quarto 10 — disse apenas, e Müller passou por ele.
Caminhando até o aposento de Sophia, ele tentou manter suas emoções
controladas, as lágrimas dentro dos olhos, e o coração, batendo em ritmo
normal. Mas foi praticamente impossível. As emoções estavam alvoraçadas
dentro dele e fizeram suas mãos suarem, seu coração parecia entalado na
garganta e suas lágrimas já começavam a acumular. Preencheu o pulmão com
ar e abriu a porta vagarosamente. Assim que seus olhos se depararam com ela,
houve um frio em sua barriga e seu coração saltou ainda mais. Sophia estava
abatida, mais branca que o comum, os lábios levemente secos e rachados, os
cabelos ‒ presos em um rabo de cavalo baixo ‒estavam um pouco
bagunçados. Ao fundo, uma pequena estação de rádio estava sintonizada,
tocando uma música qualquer em volume agradável.
Ao vê-lo, Sophia prendeu o ar, como se sua simples presença trouxesse
mais males e ele pudesse machucá-la ainda mais.
— Por favor, vai embora, Daniel… — suplicou com a voz embargada.
Ele hesitou um passo para frente e olhou a porta atrás de si, sentindo o
peso daquela súplica sobre seus ombros. Havia feito tanto mal a sua mulher a
ponto de ela não querer nem a sua presença. Pestanejou e engoliu a bílis,
tremendo por dentro.
— Eu vou… — a voz saiu trêmula — eu só preciso de cinco minutos.
Depois eu juro que saio por essa porta e você nunca mais me verá.
Sophia suspirou secando algumas lágrimas e desviou o olhar, enquanto
Daniel avançava a passos lentos e se sentava de frente para ela. Daniel a fitou
por um segundo, notando que seu rosto estava contorcido em dor. Talvez ele
pudesse imaginar como Sophia estaria se sentindo, da dor que se abria em seu
coração, do vazio que se expandia pelo seu peito.
— Por que não me contou da gravidez? — murmurou, e ela trouxe seus
olhos verdes para os dele.
Controlou seu pranto antes de responder: — Porque você não merecia
saber.
— Como não, Sophia? — indagou baixinho e sereno. — Eu desejava um
filho tanto quanto você.
Ela deixou escapar um sorriso sonoro e angustiado. Cruzou os braços.
— Quando você desejou? Enquanto transava com a Melissa?
Vagarosamente ele balançou a cabeça, sentindo que seu coração não
aguentaria mais tantas acusações.
— Eu nunca traí você, Sophia — sua voz era um misto de lamento e
serenidade. — Aquele vídeo foi feito muito antes de nos assumirmos. —
Conseguiu enfim, e tardiamente, dizer a verdade. ― Melissa apenas distorceu
os fatos…
Sophia o encarou, um pouco espantada. E ele continuou dizendo: — Eu
tentei me explicar, mas você não me deu chance.
Sophia sentiu sua respiração irregular, uma forte dor no peito. Não sabia
dizer o que era exatamente, mas era quase insuportável, e talvez fosse uma
repreensão por ela não tê-lo ouvido antes, por ter –ela percebera somente
naquele momento – acreditado justamente em Melissa, que desde que a
conheceu vinha querendo prejudicá-los de alguma maneira. Veio à sua
memória, então, o tal favor de Daniel para a ruiva, e Sophia deduziu que não
havia favor nenhum, mas sim, chantagem, mesmo que ela não entendesse como
e por que Daniel seria chantageado se o vídeo tinha sido feito antes de se
envolverem. Foi impossível não se lembrar das vezes em que Daniel quis
conversar com ela sobre um assunto sério, que, provavelmente, seria sobre o
vídeo, e de como ela foi bem específica ao dizer que não queria, caso fossem
falar sobre Melissa, e que isso, com certeza, o fez recuar em contar a verdade.
Soltou um suspiro trêmulo, analisando toda a situação por outro ângulo.
Pestanejou, e suas lágrimas escorreram pelo seu rosto. Teve ciência, somente
naquele momento, que a culpa também era dela.
— Por que ela fez isso conosco? — indagou com a voz falha, se
referindo a Melissa e ao vídeo que exibiu para todos.
Daniel cerrou os olhos por um momento, lembrando-se dos eventos que
desencadearam aquilo tudo. Permaneceu em silêncio alguns segundos, não
sabendo por onde começar. Havia tanta coisa que precisava ser dita entre
eles…
— Por favor, Daniel — Sophia suplicou, e no mesmo instante ele a
olhou —, eu quero a verdade. Olha só onde suas mentiras nos trouxeram.
Daniel acenou, concordando com ela. Sophia tinha razão. Se ele não
tivesse contado tantas mentiras, por mais que houvesse boas intenções por
trás, aquela situação não estaria acontecendo, e eles, provavelmente, estariam
em casa, curtindo juntos a gravidez.
Tomou coragem e inspirou fundo antes de contar tudo desde o começo:
de ter quebrado a promessa que fez no navio, de ter dormido com Melissa no
dia em que voltaram da lua de mel, de ter sido chantageado com o vídeo que
ela fizera da relação deles – e que por isso, deu o cargo de secretária para a
ruiva e era tão facilmente manipulado por ela ‒ de ter contratado um hacker
que juntou provas suficientes para incriminá-la caso Melissa jogasse o vídeo
na internet, e que, após ter todas as provas que queria, vingou-se de Melissa
fazendo-a passar por uma humilhação.
Terminou de contar toda a verdade, coisa que deveria ter feito desde o
começo, e baixou os olhos para o envelope pardo, sua expressão
completamente entristecida. Murmurou em seguida: — Primeiro eu fiquei com
medo que sentisse raiva de mim por ter quebrado minha promessa,
principalmente, se o seu nome fosse envolvido num escândalo. Depois, quando
já estávamos juntos, eu senti medo de te perder. Eu fiz o errado achando que
estava fazendo o certo, porque eu não queria te perder — finalizou e levantou
os olhos para ela, que ouvira a história toda com atenção.
Ficaram em silêncio por alguns segundos, Sophia ainda digerindo todas
as informações que chegaram até ela.
— Eu sinto muito — Daniel sussurrou. — Eu sinto muito, mesmo. Me
perdoe, por favor.
— Daniel, todas as vezes que você fez bobagem, todas as vezes que
você mentiu, tudo isso atingiu somente a mim. Magoou somente a mim. Mas
dessa vez, Daniel, você machucou alguém que não tinha culpa de nada. Um
serzinho totalmente inocente. A sua imprudência custou a vida do meu filho! —
ela disse em tom acusador.
Ele sentiu o peso daquela acusação cair sobre os seus ombros e não ia
contestar. Sophia estava coberta de razão. A culpa era dele, somente dele, e de
mais ninguém. Primeiro por ter escondido tantas vezes a verdade, e depois por
não tê-la deixado ir, por querer mostrar-lhe a verdade da forma mais brusca e
estúpida que encontrou, devido à uma promessa feita para si mesmo de que
esclareceria os fatos mesmo que tivesse que mover o céu e a terra. Mas,
Daniel se tornou um maldito bêbado que vivia caído na porta de casa,
afogando suas mágoas numa garrafa de uísque e lamentando suas perdas. Ele
não moveu céu, nem terra. Simplesmente quebrou outra promessa e definhou
na sua própria solidão. Então, naquela manhã, quando a viu depois de dois
meses, sentiu que sua esperança era como uma fênix renascendo das próprias
cinzas. Mas toda sua esperança foi em vão quando se deparou que ela
continuava a insistir em não lhe dar ouvidos. Ensandecido, quis forçar a
verdade, e todos os seus atos imprudentes o levaram até ali.
— Agora eu sei que devia ter dado a chance de se explicar — Sophia
continuou —, mas tente, Daniel, só tente se pôr no meu lugar. Você, com esse
seu jeito troglodita, teria me dado a oportunidade que tanto exigiu? —
indagou, e nesse exato momento She Knows Me começou a tocar na estação de
rádio.
Winds will come and winds will go
And the seasons always change

But the light that shimmers in her eyes


Stays the same ♪

Ele a encarou, refletindo sobre a pergunta. Desviou os olhos e nem quis


imaginar o tamanho da besteira que teria feito caso os papéis fossem
invertidos. A resposta era não. Provavelmente ele também não a escutaria.
Sophia nada disse, permanecendo muda. O silêncio dele era a resposta
mais positiva que poderia receber.

♫ Yeah, the sun will shine and the moon will glow
And the world will always turn
There's a constant fire inside of her
That always burns ♪

— Não se preocupe — ele disse olhando para ela. — Eu não serei mais
esse mal que te aflige. — E arrastou o envelope para ela, se levantando em
seguida. — O divórcio…Eu já assinei. É uma mulher livre agora.

♫ She knows me
Every corner of my soul
She knows me
The way I come, the way I go
She told me
There's nothin' I can show
That she don't know about me♪

Daniel baixou o olhar para encontrar os olhos verdes de Sophia,


brilhantes por causa de algumas lágrimas.
— Poderá se casar com o Miguel e ser feliz. Ter a vida que eu não pude
te dar — declarou baixinho, e ela apertou os olhos, deixando as lágrimas
escorrerem.

♫ Round and round and round we go


Neither here or neither there
All I know, without her in my life
I'd be nowhere

Well, feelings come and feelings go


But some things never change
Like the light that shimmers in her eyes
It stays the same ♪

Com um suspiro, Daniel inclinou-se e depositou um beijo na testa de


Sophia, um singelo e cortante símbolo de adeus. Afastou-se lentamente dela,
não querendo ter que se separar, querendo poder envolvê-la, beijá-la e amá-la
da forma ardente que sempre a amou – da forma como ela sempre mereceu.

♫ Oh, she knows me


When I'm wrong or when I'm right
She knows me
In the middle of the night
She holds me
And I don't say a word
Cuz words could never save me ♪

She's got a permanent hold on my heart


And I'm learning to live with the loneliness
When we're apart ♪

Já estava chegando na porta, quando ouviu a voz dela, uma pequena


frase que partiu ainda mais seu coração dilacerado: — Era um menino…
Daniel permaneceu de costas, seus olhos pranteados já não suportando
acomodar tantas lágrimas. Apertou as pálpebras para deixá-las correr.
— Que nome teria escolhido? — ela perguntou.
Ele suspirou. Por que ela ainda o torturava daquela maneira?

♫Every little way


She knows me
When there's nothin' left to say
She holds me
And time just flies away
Cuz bein' with her is so easy♫
— Não sei — respondeu sem se virar. — Talvez… Gabriel.
Sophia abafou o choro e não disse nada, apenas encarou-o nas costas.
Sem olhar para trás, Daniel se foi.

♫ Oh, she knows me


Better than I know myself ♪

♦♦♦

Sophia o viu sair, e todo o desejo que se concentrava em seu coração


era levantar-se dali e sair correndo para os braços dele. Daniel era o homem
da sua vida, que ela amava com todas as forças da alma, e também carregava
parte da culpa por aquela separação.
Apesar dos seus desejos e anseios estarem gritando dentro da alma,
Sophia reprimiu todos eles, segurando forte o documento do divórcio contra o
peito. Precisava de um tempo para pensar e pôr a cabeça no lugar. Não queria
fazer nada precipitado. Seu coração ainda estava rasgado pela perda do bebê,
e acreditou que não seria capaz de perdoar Daniel, mesmo que parte da
responsabilidade fosse dela também. Ainda assim, queria uns dias para se
recuperar totalmente e poder perdoar, primeiramente, a si mesma.
Olhou para o papel pardo e o abriu, retirando o documento. Quando o
fez, uma folha anexa, diante das outras, surgiu. Assim que bateu seus olhos na
folha, percebeu que era a caligrafia de Daniel. Aproximou-a mais e leu:

Sophia,
Aqui estou eu, pedindo, outra vez, perdão. Mas desta vez eu não tive
coragem de te olhar nos olhos e expressar essas palavras de forma verbal.
Eu sequer terei coragem de te dizer que essa carta existe e está escondida
junto com os papéis do divórcio.
Eu só preciso do seu perdão para poder dormir todas as noites sem
minha maldita culpa, sem o peso nos meus ombros de ter fracassado como
marido, de ter causado a morte do nosso filho. Eu quero o seu perdão por
ter mentido tantas vezes, tentando não te perder. A ironia está realmente
nesse ponto: eu fiz tudo o que fiz e me encontro, agora, sozinho, vivendo no
meu maior medo: sem você do meu lado.
Eu nunca fui bom o suficiente para você, sei disso agora. Eu te
magoei, todas as minhas ações te machucaram – as mesmas ações mataram
o nosso bebê, que eu amei no instante que desejei tê-lo com você, meses
atrás.
É por isso, Sophia, com muito pesar no meu coração, que eu te deixo
livre para ser realmente feliz, para não ter mais que sofrer ou chorar, para
que o Miguel possa ser para você o que eu não fui.
Se eu pudesse mudar o passado, eu não me permitiria entrar na sua
vida, para que evitássemos todas aquelas coisas fatídicas e estressantes que
aconteceram ao longo desses meses. Mas eu não posso mudar o passado.
Não posso não me permitir entrar na sua vida. Mas posso decidir agora. E
agora eu deixo-te livre. Se eu não posso mudar o passado para não entrar
na sua vida, eu decido, agora, sair dela. Talvez te deixando cheia de marcas,
decepções e dores profundas. Talvez te deixando com más lembranças e com
o arrependimento de ter se envolvido comigo. Talvez você nem considere as
coisas boas – poucas, mas boas – que vivemos juntos.
Saiba que eu saio da sua vida com meu coração em mil pedaços, com
meu peito em uma dor alucinante. Eu reneguei todos os meus sentimentos
por você por medo de sofrer por amor, ainda que, somente hoje eu percebi,
nunca tenha verdadeiramente sofrido. Ironicamente, agora estou sofrendo.
Mas será a última vez que sofro assim, pois eu sei, agora eu sei, o que é
amar realmente, com você eu conheci o verdadeiro significado do amor, e eu
não poderei amar mais ninguém com essa mesma intensidade.
Se você não puder me perdoar neste momento, tudo bem, eu entendo.
Enquanto isso, levarei minha vida com o peso do arrependimento e da culpa
sobre as minhas costas. No dia em que conseguir dormir pacificamente,
saberei que fui perdoado. Sinceramente perdoado.
Estou saindo da sua vida para que seja feliz e se prive de dolorosas
decepções.
Estou saindo da sua vida, mas você… Você não está saindo da minha,
pois será a minha marca constante, o meu amor eterno, a minha paixão
ardente.
Adeus, senhorita Hornet.
Com amor e lamento
Daniel Müller.
43
ÚLTIMA ESPERANÇA

Cinco semanas depois.

Um pouco de café foi disposto na xícara. Daniel se sentou no banquinho


giratório, abrindo o jornal daquele dia. Na manchete principal, pôde ver a
própria imagem do dia anterior, quando saía do Fórum onde ocorreu a
audiência contra Melissa. Indiciada por injúria, difamação e danos morais, a
ruiva foi condenada pelo seu crime virtual, pegando uma pena de 10 meses e
25 dias em regime fechado. Pena esta que, para Müller, ainda era pequena,
porém a justiça tinha sido feita e ela pagaria por todos os danos ‒
irreversíveis ‒ que lhe causou. Com a audiência, ele pôde esclarecer
publicamente e rebater a suposta traição que circulara na Internet. Para tanto,
precisou também revelar que por alguns meses seu casamento com Sophia
Hornet fora apenas por conveniência. Agora, lendo a matéria que relatava toda
a confusão desde o início, sentiu sua consciência um pouco mais leve – apesar
de ter toda sua vida exposta.
Suspirou e tomou um gole do café. Fechou o jornal e olhou no relógio.
Ainda era cedo para ir à empresa, onde ele passaria o dia analisando novos
currículos para o cargo de secretária executiva. Seu coração palpitou
levemente e uma tristeza profunda o rodeou, imaginando onde e como ela
estaria. Não pôde evitar em pensar que, provavelmente, Sophia estaria com
Miguel. Desde o dia em que assinara o divórcio, não teve mais notícias dela
nem de seu casamento com Miguel.
Suspirou e balançou a cabeça, desejando arejar os pensamentos.
Conseguira retomar, em partes, sua rotina. Deixou o uísque de lado, cuidava
frequentemente da sua aparência, aparando a barba e o cabelo, comparecia
todos os dias à Swiss. A única coisa a qual ele ainda não tinha se acostumado
era a solidão. As noites eram as mais difíceis. Durante o dia, pelo menos, era
capaz de ocupar a cabeça com o trabalho, mesmo que às vezes se pegasse
pensando nela, fitando o nada. Mas à noite… Rolava de um lado para o outro
sentindo falta do corpo de Sophia, do calor que o aquecia e o fazia bem, dos
beijos e carícias. Demorava muito a pegar no sono, e quando finalmente
conseguia dormir, sonhava com o sorriso perfeito e o olhar encantador. Ainda
assim, estava sendo forte. Mais do que imaginava ser possível.
Continuou tomando seu café vagarosamente, tentando não se abater pela
tristeza.
— Bom dia. — Heitor de repente surgiu na cozinha. Daniel levantou os
olhos e abriu um pequeno sorriso.
— Bom dia — respondeu com um sussurro e tornou a olhar para baixo,
contornando a caneca com as duas mãos.
Heitor também se serviu com um pouco de cafeína e se sentou ao lado
do irmão. Olhou-o por um breve instante, sentindo falta daquele Daniel de
antes do seu envolvimento com Sophia. Era sério demais, responsável, às
vezes um pouco ranzinza, discreto em seus encontros casuais, profissional em
seu trabalho. Apesar da maturidade extrema para sua idade, Daniel nunca foi
um homem abatido ou desanimado. Ele era feliz. Do jeito dele, mas era.
Depois do seu casamento com Sophia, precisamente depois que se assumiram,
Heitor percebeu que a felicidade do irmão era maior do que antes, e precisava
admitir que nunca o viu tão bem. Mas, agora, com a separação, com tudo o que
aconteceu em sua vida, sabia que o velho Daniel não existia mais, e o novo era
aquele homem de poucos sorrisos e expressão entristecida à sua frente.
— Encontrei com a Sophia ontem… — disse olhando para a caneca.
Daniel sentiu o corpo estremecer somente em ouvir o nome dela.
Praguejou mentalmente seu irmão por tocar naquele nome, por mexer na sua
ferida. Expirou lentamente, tentando não demonstrar que estava abalado com
aquilo, e disse:
— E ela está bem? — murmurou.
— Aparentemente, sim — respondeu, e houve um segundo de silêncio
enquanto Heitor retirava algo de dentro do bolso interno do seu paletó. — Ela
me entregou isso. — E arrastou para o irmão.
O coração dele se partiu ainda mais (e era possível?) ao ver o pequeno,
delicado e singelo convite. As letras, rabiscadas traziam o nome dela junto ao
do homem que seria seu esposo.

Sophia e Miguel

Olhou fixamente para o convite de casamento, e pensou que a dor no seu


peito fosse consumi-lo por inteiro. Arrastou-o de volta para Heitor e bebeu
mais café.
— Espero que ela seja feliz — disse apenas.
— É amanhã, você não vai? — Heitor inquiriu, e Daniel o olhou, quase
indagando se aquela pergunta era alguma piada. Engoliu as palavras,
mantendo-as somente para ele.
— Não irei ao casamento da mulher que ainda amo — declarou
tristemente.
Heitor acenou brevemente, virou o resto do seu café garganta abaixo e
se levantou, encarando o irmão, que não o olhava de volta.
— Não deveria desistir dela. Ainda há tempo — disse e o apertou
amigavelmente nos ombros.
Antes que Daniel pudesse responder alguma coisa, Heitor já havia se
distanciado e sumido de vista. Olhou outra vez para o convite de casamento e
para as letras do nome dela junto ao de Miguel. Engoliu em seco reprisando as
palavras do irmão. Ainda há tempo. O que ele realmente queria dizer com
aquilo? Que Daniel fosse até ela e a fizesse desistir de se casar com outro
homem? Que implorasse para que eles voltassem e se declarasse mais do que
já tinha feito? Balançou a cabeça e desviou seus olhos do convite. Lembrou-se
de ter dito na carta que sairia da vida dela, que a deixaria livre para viver sem
sofrimentos, para que Miguel fosse o marido que ele não tinha sido.
Terminou seu café e descartou qualquer possibilidade de procurar por
Sophia. Ele já tinha se explicado, Sophia sabia a verdade sobre o vídeo, e
ainda assim ela não o procurou para perdoá-lo. Então, que chance Daniel tinha
de ir até ela e tentar impedir seu casamento?
Roçou os dedos nos lábios, pensativo. Não queria causar mais nenhum
dano, nenhum sofrimento, pois já tinha feito o bastante.
Fechou os olhos e fez uma prece rápida. Iria fazer uma última tentativa.

♦♦♦

Daniel chegou junto com Heitor à casa de Miguel. Eram duas da tarde, e
o jardim da grandiosa residência dos Guimarães de Orleans estava
majestosamente adornado para o casamento e, posteriormente, para a festa. O
jardim extenso acomodava ao seu redor mesas com toalhas brancas, um palco
para a apresentação de alguma banda qualquer, taças de cristais e mesas com
docinhos – e o bolo de três andares. Além disso, os bancos para a cerimônia
religiosa estavam perfeitamente alinhados sobre o gramado do jardim, fitas de
renda branca decoravam-nos de ponta a ponta e um extenso tapete vermelho
foi aberto até o altar, rodeado por um arco de jasmim.
A casa já estava cheia para a cerimônia que aconteceria dentro de uma
hora. De primeira, Daniel avistou Erick e sua família e até cumprimentou
Gouveia com um aceno rápido. Logo, viu a família de Sophia, um pouco
espalhada: Eduardo, rindo em algum canto com Heloísa; Isabela, com a mãe; e
Sebastian, conversando com Miguel. Divisou uma bela mulher de meia idade
na presença de Luiz e deduziu ser a mãe de Miguel. Seus olhos continuaram
correndo, e as demais pessoas ali presentes ele quase não conhecia.
Não demorou a repararem em sua presença e o olhassem como se não
esperassem vê-lo ali. Ao notá-lo, Miguel disse algo ao futuro sogro e veio em
sua direção. Quando próximo o bastante dos irmãos Müller, pôs um sorriso no
rosto, cumprimentou Heitor e disse: — Daniel… Não esperava que viesse.
Ele apenas sorriu brevemente e acenou com a cabeça, não sabendo
exatamente o que dizer, pois a única coisa que sua presença significava era
falar com Sophia e fazê-la desistir do casamento.
— Bom, já que você veio, fique à vontade. — Miguel foi cordial.
— Obrigado — agradeceu, e aproveitou o momento. — Posso usar o
banheiro?
— Claro — anuiu. — Subindo as escadas, segunda porta à esquerda.
Daniel agradeceu e, pedindo licença, se retirou. Ao olhar para trás, viu
Heitor caminhando até Isabela e, num segundo depois, os dois estavam
conversando em um canto ali próximo. Deu de ombros e continuou seu trajeto,
adentrando a casa e subindo as escadas. No topo, encontrou com uma mulher
qualquer, e perguntou se ela sabia onde Sophia estava.
— Terceira porta à esquerda — a mulher informou apressadamente e
desceu as escadas a passos rápidos.
Ele respirou fundo e caminhou até a terceira porta. Parou em frente e já
podia sentir seu coração batendo aceleradamente. Levou a mão ao trinco e o
baixou, revelando uma Sophia dentro de um vestido marfim de corte reto e
justo, algumas pedrarias simples, mas de uma elegância estonteante. Os
cabelos estavam presos em um coque charmoso, deixando alguns fios da franja
soltos. A maquiagem leve apenas ressaltava ainda mais sua beleza.
Sophia estava em frente ao espelho, conferindo o vestido no corpo,
quando ouviu a porta se abrir, e pelo reflexo pode vê-lo. No mesmo instante
seu coração veio à boca. Daniel estava terrivelmente lindo. Usava um colete
preto por cima de uma camisa branca, justa ao seu corpo bem cuidado, o corte
da calça escura era perfeito e realçava as pernas longas dele, os cabelos
jaziam em um penteado comportado, a barba que contornava seu rosto fora
bem aparada e o deixava ainda mais atraente.
Pestanejou, assimilando sua presença. Quando entregou o convite a
Heitor, esperava, verdadeiramente, pela presença dele, por mais que
ponderasse que sequer aparecia, por motivos óbvios. Mas vê-lo assim, tão
próximo, a deixou levemente atônita. Ainda mais por não vê-lo há mais de um
mês. Desde que ele escrevera a carta que partiu seu coração em dois e a fez se
arrepender por não ter dado a chance que ele tanto pedira. Na primeira semana
após o ocorrido, Sophia quis procura-lo, desfazer o noivado com Miguel e
voltar para os braços do homem que realmente amava. Mas quando Miguel
pareceu eufórico com a data do casamento já marcada em cartório, ela deu um
passo atrás, não querendo quebrar o coração dele também. Já bastava o de
Daniel.
Ela sabia que se arrependeria todos os dias da sua vida por se submeter
a um casamento sem amor – o mesmo que ela fugira mais de um ano antes –
principalmente sabendo que seu coração pertencia a outro homem, e não ao
seu futuro esposo. Mas ponderou que talvez, somente talvez, a convivência
com Miguel pudesse fazê-la esquecer Daniel e amá-lo nem que fosse somente
um pouco. Para Sophia era mais fácil fugir a ter que encarar sua dor sozinha.
Não que ela não tivesse pensado em procurar por Daniel, no entanto,
sentiu medo. Medo de que ele estivesse magoado com as acusações, com a
falta de confiança, com toda a culpa e responsabilidade que lhe jogaram nas
costas pelo fim do matrimônio deles e pela perda do bebê. Ela demorou a
perceber, mas não era justo que ele carregasse aquele fardo sozinho, por isso,
também tinha em seu peito a parcela de culpa que corroía todos os dias um
pouco mais o seu coração.
— Meu Deus — ele murmurou. — Você está tão linda…
Já com lágrimas nos olhos, ela o viu fechar a porta atrás de si e
caminhar em sua direção a passos lentos.
— O que está fazendo aqui, Daniel? — inquiriu com a voz arrastada de
emoção.
Daniel aproximou-se, e se olharam através do reflexo do espelho. Ele
podia sentir o cheiro do perfume adocicado e de baunilha que emanava dos
cabelos e do pescoço dela, o deixando extremamente extasiado.
— Depende… — devolveu com um sussurro — Se você disser sim, eu
vim te pedir para, por favor, desistir desse casamento.
Instantaneamente, Sophia ficou sem reação diante ao pedido dele. Seus
olhares continuaram se cruzando, e, vagarosamente, Daniel a segurou pela
cintura, sem desgrudar seus olhos dos dela. Frente ao seu silêncio, ele
continuou:
— Eu sei que disse que te deixaria em paz, não sabe como está sendo
difícil cumprir isto. Você deveria saber que sou péssimo com promessas. —
declarou, e ela soltou uma pequena risada tristonha, baixando os olhos.
— Não posso fazer isso com ele de novo, Daniel. Não é justo. —
pronunciou após alguns segundos, a voz sempre baixa e embargada. — Me
desculpe, mas eu não posso desistir agora.
Ele apenas acenou, talvez já estivesse preparado para aquela resposta.
— Então, nesse caso, eu vim para me despedir. — suspirou, e
delicadamente a fez virar-se para ele, frente a frente. Daniel não conseguia
parar de olhar dentro daqueles olhos verdes que sempre o fascinaram, de
contemplar a beleza sublime da mulher que o fez entender o verdadeiro
sentido da vida, de amar e ser amado. — Quero que seja feliz… — sussurrou
se aproximando da boca dela. — Adeus, Sophia. — despediu-se, e segurando-
a com delicadeza pelo rosto, a beijou singelamente.
Com uma tristeza profunda, ela retribuiu, querendo poder fugir com ele e
se esquecer de todo o resto. Um impasse enlouquecedor acometeu-se dentro
dela. Se abandonasse novamente Miguel no altar, iria o ferir, sabia que sim,
sabia que o machucaria ser deixado no altar pela segunda vez; todavia, se
deixasse Daniel partir, era ele quem sairia com seu coração despedaçado.
Deixou uma lágrima rolar. Não importava que escolha fizesse, alguém sairia
machucado.
Subitamente, Daniel cessou o beijo e encostou sua testa na dela. Sem
dizer palavra alguma, afastou-se, totalmente abalado.

♦♦♦

Daniel tentou acalmar seu coração assim que fechou a porta atrás de si,
mas seus batimentos aceleraram ainda mais quando viu Miguel parado na sua
frente, completamente inexpressivo.
— Encontrou o banheiro, Daniel?
— Sim… Não! — balbuciou. — Quero dizer… eu avancei uma porta a
mais.
— É, acontece. — Miguel anuiu.
Daniel tentou sorrir e pigarreou. Pediu licença e estava prestes a passar
por ele quando Guimarães o interrompeu:
— Ela está bonita?
Müller pestanejou, aturdido.
— Como?
— A Sophia. Você entrou, por engano, no quarto onde ela está se
arrumando, suponho que a viu. Ela está bonita?
Daniel piscou várias vezes, ainda confuso com o rumo daquele diálogo.
Por algum motivo sentia que Miguel estava desconfiado.
— Sim. Sim, ela está bonita. — respondeu enfim, um pouco
desconsertado.
Miguel acenou em positivo e se virou para entrar no quarto. Daniel
suspirou levemente aliviado e foi até o banheiro. Precisava de água fria para
baixar a temperatura do seu corpo.

♦♦♦

Daniel tinha razão. Sophia estava linda. Ele diria deslumbrante.


Acercou-se dela com as mãos dentro do bolso, enquanto ela lhe dava um
sorriso curto e meio nervoso, talvez.
— Você não deveria ter me visto. — advertiu com a voz fraca, ainda
atordoada com o beijo de Daniel, e ao dar-se conta de que Miguel poderia ter
os flagrado.
— Para mim são apenas superstições bobas. — retorquiu, e a segurou
pela cintura, beijando-a com ternura. No entanto, Miguel a sentiu diferente,
como se não quisesse corresponder ao afeto. Tentou não pensar no assunto e
disse: — Você está tão linda. Alguém já te disse isso hoje?
Sophia ficou momentaneamente paralisada, a voz de Daniel ressoando
aquela mesma frase se fazia presente nos seus pensamentos, seguido dos
lábios doces e ternos encostando-se aos seus. Piscou seguidamente, querendo
afastar qualquer indício que pudesse fazê-lo suspeitar:
— Você é o primeiro — mentiu, e seu futuro esposo esboçou um breve
sorriso.
Ele a tocou na face e, emudecido, a acariciou. Sophia permaneceu
imóvel, estranhando a reação e os afetos tão repentinos partidos dele. Não
que Miguel não fosse carinhoso, mas o gesto súbito, de alguma forma, estava
diferente. Abruptamente, Miguel cessou o toque e a encarou nos olhos:
― Estarei lá em baixo te esperando — anunciou com um sussurrou e a
beijou outra vez, saindo em seguida.
Sophia o seguiu com o olhar, seus sentimentos arrasados dentro do peito.
Cerrou os olhos segurando seu pranto. Estava prestes a cometer o maior erro
de sua vida.

♦♦♦

A marcha nupcial começou a tocar. Miguel já a esperava no altar, as


mãos entrelaçadas e sua expressão estranhamente inexpressiva. Vez ou outra,
ele encarava Daniel, acomodado no último banco.
Assim que as primeiras notas começaram a ressoar, Daniel e todos os
demais se voltaram para trás e contemplaram a entrada de Sophia,
acompanhada do pai Sebastian. Instantaneamente, sentiu suas lágrimas
juntarem. Nem sabia por que havia decidido ficar para aquele estúpido
casamento que só traria danos a seu coração e a seu psicológico.
Sob o véu, os olhos verdes de Sophia estavam opacos, tristonhos –
como fora na primeira vez que tencionou se casar com Miguel. Mas agora era
diferente, sua tristeza era maior, mais profunda, mais dilacerante. Olhou para o
lado, encontrando-se com Daniel. Olharam-se intensamente dentro dos olhos
enquanto, lentamente, ela caminhava até Miguel. Quando já não podia mais
continuar vidrada no olhar de Daniel, voltou-se para frente e divisou Miguel
alternando o olhar dela para Daniel. Baixou os olhos, percebendo que, talvez,
Miguel tenha notado a troca de olhares.
Segundos depois, já estava no altar junto com Miguel. Levantou o véu.
Tentou sorrir. Miguel fez o mesmo. Viraram-se para o padre e a cerimônia
empeçou.
Depois de algumas palavras e passagens bíblicas, o sacerdote virou-se
para Miguel, dizendo:
— Miguel, aceita Sophia Hornet como sua legítima esposa, para amá-la
e respeitá-la, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, todos os dias
de sua vida, até que a morte os separe?
Miguel a segurou pelas duas mãos:
— Eu aceito.
O padre voltou-se a Sophia, pronunciando:
— Sophia, aceita Miguel Guimarães de Orleans como seu legítimo
esposo, para amá-lo e respeitá-lo, na saúde ou na doença, na riqueza ou na
pobreza, todos os dias de sua vida, até que a morte os separe?
O coração dela estava acelerado. Houve um silêncio gritante durante o
segundo que permaneceu calada. Seus olhos prantearam.
Olhou para trás. Daniel a encarava, e ela podia ver, mesmo de longe,
como os olhos claros brilhavam por conta das lágrimas que, também, se
acumularam nos olhos dele.
Começou um burburinho diante sua falta de resposta, as especulações de
um ano e pouco atrás ressoando no ar. Miguel a chamou uma vez e ela buscou
pelo seu olhar. O sacerdote refez a pergunta. Ela fitou Miguel, que tinha o seu
semblante assustado. Talvez estivesse receoso em ser abandonado outra vez.
— Sim. — disse finalmente e firme. — Eu aceito.
Lá no fundo, os ombros de Daniel caíram. Por algum motivo, diante ao
silêncio dela, teve a esperança que Sophia desistisse. Até a imaginou correndo
e pulando em seus braços.
Mas o sim dela repetiu em sua cabeça mais de uma vez, como um eco
que o atormentaria a vida toda. Levantou-se do seu lugar. Não havia mais
esperança. Saindo dali, olhou uma última vez para trás, e viu a mulher que
tanto amava beijando seu, então, esposo.
♦♦♦

Sophia cessou o beijo quando as palmas vieram. Forçou um sorriso e


olhou para todos. Buscou o lugar de Daniel, mas estava vazio. Seus olhos
correram pelo jardim e ela o viu saindo. Engoliu em seco, sua tristeza
martelando seu coração por ter proporcionado a ele mais aquele sofrimento.
— Agora, assinem o livro para oficializar a união no casamento civil.
— O padre pediu a fazendo voltar à realidade. Assim que se virou, encontrou
com os olhos de Miguel, tão enigmáticos quanto estavam há pouco, no quarto.
Desviou-se dos olhos dele e pegou a caneta que o homem lhe oferecia.
Rabiscou a letra inicial de seu nome quando sentiu uma mão segurando seu
braço.
Atordoada, Sophia levantou os olhos, e, para sua surpresa, era Miguel
quem a impedia de formalizar o matrimônio.
— Não faça isso… — pediu com a voz calma. Olhou ao redor, confusa,
todos tão espantados quanto ela. — Vá. — Miguel murmurou e ela o olhou,
totalmente atônita — Vá atrás dele…
— O quê? — gaguejou.
Com um suspiro, Miguel balançou a cabeça vagarosamente:
— Eu ouvi a sua breve conversa com ele. Sei que não me abandonou no
altar porque já fez isso uma vez e se fizesse de novo isso iria me machucar.
Estou te livrando desse peso. Sou eu quem está desistindo desse casamento.
Está livre, Sophia. Vá!
— Miguel… — a voz saiu trêmula. Sophia ainda estava zonza, aturdida
e confusa com a reviravolta do momento. Não conseguia entender o porquê
Miguel estaria abrindo mão do casamento que tanto desejou.
— Sophia, eu amo você. — declarou, e a segurou, novamente, pelas
duas mãos. — Eu daria continuidade a esse casamento, mas o Daniel… — ele
suspirou — é o único que pode te dar a felicidade plena, o único que pode
trazer de volta o brilho dos seus olhos que se perdeu desde que vocês se
separaram. Eu não sou bobo, Sophia, eu reparei em cada olhar triste, em cada
beijo que me dava forçado, eu ouvi seus choros baixinhos durante a noite. Eu
li a carta dele — engoliu em seco e baixou os olhos por um segundo. — Você
nunca irá me olhar como olha para ele, nunca irá me beijar com a mesma
paixão que beijava a ele. Talvez eu tenha percebido isso tarde demais, mas
dizem que antes tarde do que nunca. Eu quero que seja feliz, mas casada
comigo sei que não será, por mais que eu me esforce, porque você ama a ele.
E eu não vou lutar contra isso, Sophia, é uma guerra perdida. Então, vá. Vá e
seja feliz com o Daniel e saiba que eu vou estar feliz por você.
A essas alturas, os cochichos se faziam presente, dessa vez um pouco
mais alto. Sophia olhava fixamente para Miguel, completamente perdida com
aquela declaração.
— Tem certeza? — balbuciou com a voz embargada, mas de júbilo. Já
se imaginava nos braços de Müller.
Miguel apenas acenou.
— Sim, Sophia. Agora vá, antes que eu me arrependa.
O coração dela deu um salto dentro do peito. Eufórica, Sophia abraçou-
o apertadamente.
— Obrigada, Miguel. — anunciou já aos prantos de emoção.
Ele nada respondeu, apenas sacudiu a cabeça. Sophia olhou para fora e
saiu correndo, as lágrimas rolavam como cascata pelo seu rosto. Atravessou o
jardim e nem se importou com os convidados, com a família de Miguel ou com
a sua própria.
Tudo o que ela mais queria era se jogar nos braços de Daniel.
Correu feito uma desvairada, a alegria se misturava e se confundia com
suas lágrimas. Toda as suas dores e angústias tinham ido embora em um
segundo.
Assim que venceu o jardim, pôde ver Daniel abrindo a porta do carro.
— Daniel! — chamou por ele, a voz carregada de emoção e felicidade.
Ele virou-se no mesmo instante e pestanejou, acreditando estar vivendo
um sonho.
— Sophia? — murmurou, enquanto a via atravessar a rua em sua
direção. Pestanejou, mas não teve tempo de assimilar a realidade.
Quando percebeu, Sophia já estava pulando em seus braços e o beijando
intensamente.
No mesmo instante daquele beijo, ele teve uma única certeza: não era
um sonho.
44
O AMOR PREVALECE

Parecia um sonho. Mas não era. Daniel sentiu os doces lábios de Sophia
contra os seus, e um misto de sensações e emoções explodiram dentro dele.
Seu peito foi bombardeado de felicidade, alegria, desespero, confusão, amor,
paixão… Todos esses sentimentos se chocavam um no outro, fazendo-o viver
uma experiência única. Ele não sabia descrever a sensação que era aspirar
aquele beijo tentador depois de ter acreditado piamente que a perdera para
outro homem.
Por um breve segundo, Daniel não se importou em saber como a
presença de Sophia, como tê-la ali em seus braços, o beijando com todo o
sentimento de amor que existe dentro dela, era possível. Ela havia dito sim.
Sophia havia aceitado se casar com Miguel. Mas, por um curto momento, não
considerou entender isso. O que importava era que, de alguma maneira, Sophia
pertencia a ele outra vez.
Girou o corpo feminino e o encostou contra o carro, a porta do motorista
batendo para se fechar com o choque dos dois apaixonados. Os olhos de
Daniel lacrimejaram quando, pouco a pouco, ele foi assimilando a realidade e
dando por si que a mulher que tanto amava o beijava apaixonadamente.
Somente ele poderia explicar a dor que entrou rasgando seu coração ao ouvir
o sim de Sophia para Miguel. Naquele instante, para ele o mundo havia
desmoronado em suas costas, e Daniel teve a impressão de ter perdido o rumo
da vida. Mas então, subitamente, Sophia surge gritando seu nome. Müller mal
teve tempo de entender o que estava acontecendo e Sophia já saltava em seus
braços num beijo enlouquecedor. Por um momento, acreditou estar num sonho,
mas conforme os lábios dela se faziam mais presentes e o devoravam mais,
conforme a pele macia e branca o tocava de volta, eufórica e freneticamente,
conforme ele podia sentir todas aquelas sensações prazerosas, tanto abstratas
quanto palpáveis, então Daniel convenceu-se de que não era um sonho.
Era a realidade.
Uma deliciosa realidade.
Os lábios adocicados dela logo deram lugar ao salgado das lágrimas
que escorriam dos olhos de ambos.
— Me desculpe, me desculpe, Dani, por favor, me desculpe — ela
murmurou incansavelmente enquanto suas lágrimas rolavam livremente. Uma
mistura de dor, angústia e esperança a martelavam no coração. — Oh, meu
Deus, eu fui tão infantil, fui tão tola. Por favor, me perdoe. Por todas as vezes
que fui uma idiota, Dani, por favor! — Sophia não parava de implorar, seu
pranto não parava de molhar os beijos intercalados entre pedir perdão e beijá-
lo.
Daniel cerrou os olhos, retribuindo aos beijos na medida que podia.
Prensou-a ainda mais contra o carro, inalou fundo o cheiro de seu pescoço e
passeou suas mãos fortes por todo o corpo dela, esquecendo-se completamente
que estavam no meio da rua. Mas Daniel não se importava com nada. Há muito
não sentia aquele corpo no seu, por muito tempo lamentou não poder mais
beijar os lábios dela, ou sentir o toque macio das mãos brandas sobre seu
rosto escorregando para seu dorso. Somente o que aspirava naquele momento
era apenas recuperar o tempo perdido, saciar toda a sua louca vontade de ter
os lábios de Sophia contra os seus, a pele dela contra a sua. Viveu
demasiadamente tempo suficiente longe de Sophia para sentir falta dos gestos
mais simples aos mais carnais.
— Esqueça isso, meu amor… — pediu com sua voz lamuriante,
distribuindo beijos amorosos por todo o rosto dela. A felicidade em saber que
eles estariam juntos outra vez se manifestava em lágrimas que Daniel não teve
vergonha de esconder. — Nada mais importa, agora. Deus do céu, eu te amo
tanto — choramingou, e a trouxe para sua boca novamente.
Ambos estavam desesperados. Era como se estivessem vivendo os
últimos momentos juntos, mesmo que os dois soubessem que, na realidade,
estavam iniciando uma nova fase, uma nova vida. Mas a saudade que sentiram
um do outro, o anseio que tomou cada um deles, se revelavam da forma mais
eufórica e apaixonada que poderia existir.
Estavam tão apaixonadamente envolvidos um ao outro, na alegria do
instante, que nem repararam nas pessoas, do outro lado rua, saindo da casa de
Miguel e os observando. Uns espantados, outros, confusos, outros, como
Erick, com um sorriso largo estampado no rosto.
— Eu quase acabei com tudo. — Sophia continuava lamentando
enquanto suas mãos e braços o traziam mais para perto em um abraço
estrangulado, Daniel prensando seu corpo sobre o dela cada vez mais, os
lábios fervorosamente na pele do seu pescoço. — Por favor, só diz que me
perdoa. Eu preciso ouvir isso.
— Eu vou dizer que te perdoo quando estivermos na nossa cama,
fazendo amor de todas as maneiras que encontrarmos, em cada canto daquela
casa até eu não ter mais forças para parar em pé — sussurra ao ouvido dela e,
sem que Sophia espere, a empurrou para dentro do carro, pulou para o banco
do motorista e saiu em disparada, deixando os olhares curiosos ainda mais
aturdidos.
Mal entraram em casa e estavam se despindo. Daniel tirava o colete por
cima da cabeça, suas mãos nunca desgrudando do corpo dela, suas bocas se
separando apenas para que as peças fossem tiradas. Sophia, de costas, foi
direcionada por ele mais para dentro, enquanto as mãos masculinas frenéticas
procuravam pelo zíper do vestido dela. Encontrou-os, e sem demora a peça
veio ao chão, e com um chute a loura despachou a vestimenta para o outro
lado.
Tentavam subir as escadas sem desgrudar suas bocas, as mãos de Sophia
desfivelavam o cinto e desciam o zíper da calça após ter aberto e tirado a
camisa branca. Eles riram durante a troca de beijos, a graça do desespero que
um sentia do outro era mais do que nítida. Sophia virou-se de costas para
Daniel, agarrando-o pela mão e o puxando em direção ao quarto a passos
afobados. No meio do trajeto, houve uma confusão de passos e ela despencou
na escada, Daniel caiu por cima, mas espalmou e segurou o corpo para não a
machucar. Gargalharam e se beijaram ainda mais intensamente. Sophia se
livrou do sutiã ainda deitada na escada sob ele. Daniel libertou-se da calça.
Levantou-se e puxou Sophia para seu colo, as pernas dela sem demora o
rodearam e ele caminhou rapidamente para o quarto. Seus lábios cada vez
mais conectados, suas almas ainda mais unidas, o amor mútuo
esplendidamente maior a cada segundo.
As palmas de Sophia que repuxavam os cabelos curtos e alourados e
resvalava por suas costas despidas, o deixavam completamente inebriado de
amor. Sentiu tanto a falta do toque suave contra suas costas quando faziam
amor! Ele sabia que Sophia tinha uma preferência por suas costas e,
incrivelmente, ele adorava cada gesto, afeto, carinho no pedaço de pele desta
sua parte do corpo.
Somente Sophia Hornet foi capaz de despertar nele tais anseios e
aspirações, tais desejos e sensações prazerosas.
A porta foi fechada com um baque dos seus corpos contra ela. Müller
espalmava cada centímetro do corpo perfeito, enquanto sua boca intercalava
beijos entre os lábios, o pescoço, o colo, os seios. Pressionou-a contra a
parede; desesperada e desajeitadamente tirou a cueca. Sophia jogou a cabeça
para trás, a boca se abriu para emitir um gemido prazeroso. Sua peça íntima
foi arrancada, e ela não soube dizer com que destreza Daniel o fez sem tirá-la
de encontro à parede.
Seus questionamentos acabaram quando a penetração aconteceu e suas
almas foram preenchidas por um sentimento inigualável, como era sempre que
se amavam. Daniel precisou de um segundo para recuperar ar para os pulmões
– há muito não fazia amor com ela, e a sensação que percorreu seu corpo de
ponta a ponta foi como se tivesse sido a primeira vez. Enfiou-se na curva do
pescoço de Sophia e lentamente regressou a se movimentar, grunhidos
baixinhos de prazer escapavam dos lábios dela e invadiam-no pelo seu
ouvido, funcionando, para Daniel, como um combustível para acender ainda
mais a paixão.
— Me perdoe… — Sophia murmurou entre gemidos, enquanto Daniel a
penetrava vagarosamente, sem pressa, porque ele queria viver aquele
momento o tanto quanto fosse possível.
Os olhos de cor irreconhecível se encontraram com os verdes brilhantes
de Sophia. As costas dos dedos masculinos roçaram-lhe de forma suave em
seu rosto sedoso.
— Eu perdoo… — anunciou com um gemido de prazer estrangulado. —
Oh, porra! Eu nem tenho o que te perdoar, Sophia. Eu te amo tanto, eu te amo
tanto! — declarou-se com um uivo.
— Eu te amo. — murmurou de volta, e o acarinhou nas costas
delirantemente. — Eu te amo, Daniel Müller — anunciou com a voz firme e
fechou os olhos sentindo o prazer eriçar seus pelos, extasiar seu corpo e
convulsioná-lo no êxtase e no deleite do gozo. — Eu te amo! — gritou quando
seu tronco estremeceu com o orgasmo a atingindo de forma visceral,
revigorante, e logo arrefeceu-se – seu pequeno tronco sendo amparado pela
pressão de Daniel.
Apesar da satisfação sexual, eles não pararam, Daniel cumprindo a
promessa de se amarem em cada canto da casa. Fizeram amor na cama, na
banheira, contra a parede, no meio da escada, no sofá, sobre o balcão da
cozinha. Ao final, exaustos, exauridos, mas completamente satisfeitos e
saciados, adormeceram abraçados um ao outro. Um sono tranquilo apossou de
seus corpos, uma paz vitalizante cobriu toda a casa, pois eles sabiam que
qualquer mágoa, rancor, ódio ou desentendimentos tinham ficado para trás. A
única coisa que os ligavam era o amor. Simples e puramente amor

♦♦♦

Meses depois.

O sol brilhava escaldante no céu azul-anil. Majestosamente. A brisa


marítima – e forte – amenizava o calor e balançava sem parar os delicados
tecidos que adornavam o arco do altar e os bancos perfeitamente alinhados
sobre a areia da praia, além de bagunçar – ainda mais – as madeixas
sensualmente desgrenhadas de Daniel, a qual ele cuidadosamente passou horas
arrumando, mas que na primeira rajada fora desarrumado.
Müller estava nervoso.
Naturalmente por conta da alta temperatura na praia privativa em Angra
dos Reis, suas mãos já estavam suando, mas suavam muito mais pelo momento
que estava por vir, e ele nunca se sentiu tão nervoso em toda a sua vida.
Seu casamento com Sophia.
Dessa vez o único contrato que firmaram era o de se amarem pela
eternidade, suas assinaturas eram seus próprios corpos, um ansiando pelo
outro.
Durante os últimos meses, desde que Miguel desistira do casamento
para permitir a felicidade de Sophia, as coisas entraram em seus eixos. Daniel
e a família Hornet se redimiram uns para os outros. Logicamente que ele não
deixou de levar um sermão por parte de Sebastian por conta do primeiro
casamento, que todos logo souberam que tinha sido de conveniência, mas ao
final da ladainha, o pai de Sophia desejou felicidades e alegou estar feliz por
eles, e o advertiu para que não fizesse mais bobagens. Eduardo e Daniel
voltaram a se entender, e Isabela, assim como o irmão, mesmo que meio a
contragosto, se desculpou pelas palavras e os julgamentos que fizera meses
antes. No entanto, ela e Heitor se estranharam meses atrás, no dia do
casamento de Miguel com Sophia, e os dois não se entenderam mais desde
então e se afastaram definitivamente. Daniel não soube dizer exatamente por
que houve esse desentendimento entre os dois, já que eles pareciam se dar
muito bem. Talvez fosse a união iminente dele com Clarisse – dentro de
poucos dias – mesmo duvidando muito que esse fosse o motivo, e de qualquer
maneira Heitor nunca se abriu para falar do assunto.
Daniel Müller não guardava nenhum ressentimento da família de Sophia,
ciente de que todos agiram por causa dos ânimos alvoroçados e na intenção de
proteger Sophia, que sempre foi muito querida.
Daniel e ela não se desgrudaram mais desde então. Apesar de ainda não
terem formalizado – outra vez – o casamento, estavam vivendo sob o mesmo
teto. Resolveram que era preciso esperar algum tempo antes de marcarem uma
nova data, e pacientemente aguardaram esse dia, sem pressa, sem tensão, sem
ansiedade. Já tinham um ao outro e isso bastava. O amor que sentiam um pelo
outro, e que só aumentava com o passar dos dias, era maior que qualquer coisa
– e papel nenhum faria diferença para eles. Não havia necessidade de
afobação.
Planejaram o casamento com calma e, juntos, decidiram que queriam
algo simples, na praia – onde tudo havia começado. Apesar da simplicidade
do casamento, fizeram questão de convidar todos os que podiam. Do porteiro
do prédio ao familiar mais distante.
A casa de Daniel, agora, estava abarrotada de gente correndo para lá e
para cá. Uns zanzando enquanto a cerimônia não se iniciava; outros, dando os
últimos detalhes da festa. Algumas mulheres corriam para cima e para baixo, e
Daniel sabia que elas eram as responsáveis por deixar ainda mais bela a
mulher mais linda do mundo aos olhos dele.
Os bancos na praia já estavam sendo preenchidos pelos convidados e,
ao fundo, os padrinhos já ensaiavam para entrar. Erick e Isabela e Eduardo e
Heloísa, para Sophia, Heitor e Anabelle e Yara e Nelson, para Daniel.
Enquanto aguardava, viu o velho Luiz Guimarães apontar com sua
esposa e acenando para ele. Daniel acenou de volta, seu interior tremendo em
nervosismo. Esperou ver Miguel surgir logo atrás, mas logo se lembrou que há
dois meses ele passou nas obras da fábrica – quase finalizadas – e fora viajar
para a Espanha. Até soube que ele conheceu uma tal de Paloma, e estavam se
envolvendo. Inevitavelmente, Daniel ficou feliz por Miguel.
Correndo seus olhos por toda a extensão da praia e do local preparado
para a cerimônia, os olhos de Müller pescaram uma troca de olhares bem
tensa entre seu irmão e Isabela. Pareciam que se odiavam por anos. Perguntou-
se se Heitor não havia feito alguma canalhice com Isabela. No mesmo instante,
reparou em Eduardo e Heloísa gargalhando, e reparou numa intensidade nos
olhos da garota. Riu para si mesmo. Pelo jeito, tudo terminaria em família.
De repente, alguém se aproxima e cochicha em seu ouvido, e ele acena
positivamente. O nervosismo que era grande ficou ainda maior. A cerimônia
começaria em dez minutos.
Quando Sophia surgiu na ponta extrema do lado oposto de onde estava,
Daniel sentiu-se totalmente maravilhado. O vestido dela era totalmente branco
e solto, balançando conforme o vento batia contra o tecido; o decote em V
vinha até a altura de seu estômago e acomodava de forma perfeita – discreta e
sexy – os seios perfeitamente redondos; a calda, feita de um tecido superleve,
especialmente preparado para um casamento à beira-mar, se arrastava pela
areia por meio metro. Daniel Müller teve a impressão de que Sophia era um
anjo que sairia voando a qualquer instante. Ela estava linda, deslumbrante,
angelical.
Os cabelos estavam soltos e ondulados, caindo-lhe sobre os ombros; a
cabeça trazia uma coroa de flores que, pela luz tênue do sol, era uma imagem
completamente celestial.
Do outro lado, enquanto Sophia se aproximava de Daniel a passos
vagarosos, enroscada aos braços de Sebastian, ela sorriu ao ver a sublimidade
e perfeição de seu outra-vez-futuro-esposo. Confortavelmente, ele trajava
calças e camisa brancas próprias para a cerimônia na praia, os cabelos
estavam muito bagunçados, mas que o deixavam delirantemente lindo e
charmoso; o rosto era preenchido pela costumeira barba bem aparada, todavia,
neste dia estava menos cheia que o habitual.
Seu coração era um motor descontrolado. Sophia quase podia sentir que
ele saltaria pela boca a qualquer momento. Divagou, e quando voltou à
realidade já estava frente a frente com os olhos claros encantadores, brilhando
tão intensamente que Sophia se perdeu na doçura daquele olhar. O toque das
mãos dele contra a sua a puxou outra vez.
Eles se voltaram para o altar. O padre sorriu largamente e proferiu suas
palavras, iniciando a cerimônia. Sophia quase não ouvia uma palavra sequer,
tão ansiosa estava, tão nervosa, tão extasiada e perdida no cheiro dos cabelos
de Daniel que o vento fazia questão de mandar para seu olfato.
— Daniel, aceita Sophia Hornet como sua legítima esposa, para amá-la
e respeitá-la, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, todos os dias
de sua vida, até que a morte os separe? — o padre perguntou, fazendo-a
perceber que perdeu a noção do tempo.
Encantadoramente ele sorri. Segura nas duas mãos dela e as beija,
dizendo:
— Eu aceito.
— Sophia, aceita Daniel Müller como seu legítimo esposo, para amá-lo
e respeitá-lo, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, todos os dias
de sua vida, até que a morte os separe?
Ela também o segura pelas duas mãos e as beija serenamente:
— Sim, eu aceito.
— Vocês têm votos? — perguntou o padre e os dois acenam.
Desconsertadamente Daniel sorri olhando para baixo. Vagarosamente
volta seu olhar para Sophia, toma um pouco de fôlego e começa:
— Sophia, você sabe que eu sou um idiota — Daniel diz, e ela ri,
fazendo algumas pessoas rirem também. — E que eu sou péssimo com
promessas, mas se tem algo que eu venho mantendo firme há muito tempo é
meu amor por você. De todas as coisas por quais passamos, o meu amor por
você se manteve vivo. Só nós dois sabemos como foi árdua nossa caminhada
até aqui, e só o que sobrou entre nós foi o amor. E eu quero recompensar todo
o sofrimento, todo o mal, com esse amor imenso que sinto por você. Por isso,
eu prometo ravióli com fondue sempre que você quiser — Daniel declara, e
ela ri já com lágrimas nos olhos. — Prometo te amar acima de mim mesmo,
reafirmar meu amor todos os dias. Quero ser esse imbecil apaixonado por
você até eu estar usando fraldas geriátricas. — todos gargalham e Sophia ri
contagiosamente com suas lágrimas rolando pelo rosto. — Eu te amo, Sophia,
e vou te amar até mesmo além dessa vida, e nem a morte irá nos separar, pois
somos somente um, você sou eu, eu sou você — finaliza, e coloca a aliança no
dedo anelar, desposando-a.
Sophia seca o pranto de emoção e segura as mãos de Daniel:
— Dani, eu sei que você é um idiota — afirma, e todos riem outra vez,
inclusive ele —, mas é o idiota que eu amo, que surgiu na minha vida para me
dar muita dor de cabeça, eu admito — mais risadas —, mas é isso que te torna
especial para mim: porque você consegue ser idiota e fofo ao mesmo tempo.
Daniel, eu não me arrependo nenhum pouco em ter te conhecido, em ter me
apaixonado por você, nem mesmo pelas coisas que passamos, porque isso só
provou que o amor que sentimos um pelo outro é maior do que qualquer
obstáculo. E é isso que te prometo: prometo estar junto a você e enfrentarmos
nossas barreiras juntos, prometo te ouvir quando quiser falar — ela faz uma
pequena pausa lembrando-se de que por falta de não o ouvir, muitos
desentendimentos aconteceram —, prometo te ajudar a não ser uma idiota —
eles riem mais —, mas a minha promessa maior é não deixar nosso amor
morrer, pois eu quero viver para te ver usando fraldas geriátricas. — As
gargalhadas ressoam, e ela se aproxima dele para colocar a aliança e
interromper o riso de Daniel para beijá-lo.
Em uníssono eles murmuram “eu te amo” um para o outro enquanto
assovios e aplausos eufóricos emanam de todos os lugares. O “Eu vos declaro
marido e mulher” do padre é quase inaudível diante a tanta comemoração.
A festa do casamento se estende por toda a tarde e avança a noite. Aos
poucos as pessoas vão indo embora, exaustos.
É quase onze da noite e os recém-casados estão sentados na areia da
praia, Sophia entre as pernas de Daniel segurando uma taça de vinho, os
braços dele a contornam e os lábios, vez o outra, estalam em sua cabeça.
Observam atentamente o firmamento estrelado e a lua prateada brilhando, uma
caixinha de música descansa sobre a areia e ressoa as notas de Somos Assim.

♫ Não me vejo sem você na minha vida


Não consigo dominar essa paixão
Esse amor, de tão bonito, fez de nós
Dois amantes presos num só coração

No seu corpo tem segredos tão guardados


São mistérios que só eu sei descobrir
No meu corpo só você sabe onde estão
Os desejos que eu gosto de sentir

Nós somos assim ♪

— Eu nunca mais quero me separar de você. — Daniel sussurra


beijando-a no ombro.
— E nem vai. — ela responde. — Quero ser eu a trocar suas fraldas
geriátricas. — diz, e ele gargalha. O som de sua risada a contagia e não deixa
de esboçar um pequeno sorriso.
Os beijos dele roçam sua linha da mandíbula. Sophia deixa a taça em
qualquer lugar e se vira para beijá-lo nos lábios. Delicadamente, Sophia o
inclina sobre a areia ainda o beijando. As mãos masculinas repousam sobre
sua cintura, e eles se beijam suavemente. Em um segundo, Sophia está sob
Daniel recebendo calorosos e molhados beijos no pescoço enquanto suas
mãos correm macias pelas costas já, então, despidas.
♪ Como a flor e a raiz
Quando a gente está se amando
Não há nada proibido
A não ser deixar de ser muito feliz

Sem preconceito esse amor inventa


Novas formas de prazer, muito prazer
Não existe pecado entre nós
Anjo meu ♫

— Daniel, vamos devagar. Não quero machucar o bebê. — Murmura, e


ele traz seu olhar para ela, totalmente atônito. Sophia sorri largamente e afaga
o rosto barbado o olhando dentro dos olhos. — Descobri hoje de manhã. O
vestido não queria entrar. Estou grávida, Daniel.
Daniel a encara, em seu rosto está desenhado uma expressão aturdida.
Ele pestaneja e as lágrimas descem. A realidade se faz presente, e Müller ri
euforicamente.
— Oh, meu Deus! Grávida? — exclama agitado, e ela apenas abana a
cabeça em positivo, seus olhos também lacrimejando.
Sem dizer palavra alguma, Daniel a beija apaixonadamente, seu coração
pulsando em ritmos eufóricos e descompassados, mas plenamente feliz.

♫ Nossos corpos se procuram


Se descobrem se misturam
Nesse instante eu sou você
Você sou eu ♪

O firmamento, outra vez, é testemunha do amor consumado de Daniel e


Sophia. Amor este que se manifestará e baterá em um terceiro coração, a quem
eles chamarão de nosso filho.
EPÍLOGO

Confortavelmente sob os lençóis e edredons, Daniel estava de bruços,


dormindo profundamente. Nem os raios do sol do meio-dia entrando pela
janela e iluminando o quarto eram suficientes para despertá-lo. Sentia-se
exausto por conta da noite passada. Foi divertidamente cansativo, e a noite
pareceu ser curta para ele e Sophia. O jantar romântico, a discoteca logo
após, o dueto horrível no karaokê de uma choperia, o sexo lento e prazeroso
sobre a cama de lençóis macios e adornada com pétalas de rosa num motel de
luxo. Nem mesmo a barriga gestacional de quatro meses os impediram de ter
uma noite para eles. Chegaram em casa com o dia quase amanhecendo,
tombaram na cama e Daniel apagou, exaurido pela diversão da madrugada
anterior.
Deu um sobressalto e acordou assustado quando, subitamente, um
pequeno corpo pulou sobre o dele. Uma voz fina e aguda gritando em seu
ouvido:
— Acorda, papai!
Daniel tentou se situar e logo percebeu o peso sobre suas costas. Uns
fios alourados de cabelos compridos roçavam pelo seu rosto. Dali a um
segundo, a pequenina levantou-se e começou a pular em suas costas,
gargalhando e dizendo:
— Vamos, papai! Tio Heitor já chegou!
— Lavínia! — ele a advertiu arquejando, os pulmões sendo
massacrados com os pulos constantes contra suas costas. — O que eu disse
sobre pular na cama? Principalmente quando estou nela!?
— Mamãe disse que só assim para você acordar — continuou com os
pulos e a gargalhar. Um segundo depois, antes que Daniel pudesse perceber,
Lavínia deu um salto, batendo sua barriguinha contra as costas do pai, e um
riso contagiante encheu o quarto.
Mesmo que ainda sonolento, Daniel riu e virou o corpo, segurou Lavínia
e a deixou por baixo, começando uma série de cócegas pelas pequenas
costelas. A menininha de cinco anos soltava altas gargalhadas e gritava:
— Lorena! Lorena! Papai está atacando!
— Pedindo reforço? — Daniel zombou e intensificou a brincadeira,
acrescentando algumas mordidas leves ao corpinho da filha.
Um segundo depois, uma linda e loirinha criança de olhos verdes
encantadores, entrou correndo no quarto e pulou sobre as costas do pai,
abraçando Daniel pelo pescoço em um aperto sufocante, os gritos estridentes,
misturados às risadas dos três, ecoando por todos os lados.
— Solta minha irmã, papai! Solta! Solta!
Puxando Lorena de suas costas, colocou-a ao lado da irmã, e travou,
com a ajuda do seu corpo, as duas sobre a cama.
— Duas contra um é covardia — declarou, e sem nenhuma dificuldade
fez cócegas em ambas ao mesmo tempo, as delirantes risadas o fizeram rir
junto. Os dois pares de pezinhos se debatiam debaixo dele e os gritos estavam
irritantemente altos.
— Parem com essa baderna! — Sophia entrou no quarto, e
obedientemente os três se sentaram na cama, teatralizando caretas de anjinhos.
— Daniel, deveria pôr ordem nessas duas, não se juntar a elas!
Ele segurou uma risada e levantou as mãos em rendição. Sophia o
fuzilou com o olhar e levou as mãos à cintura.
— Heitor já está aí embaixo. Chegou hoje de viagem.
— E ele nem avisa? — Daniel resmungou.
— Daniel, é aniversário da Lavínia, ele não deixaria de vir, e você
deveria saber.
— Me recuso a acreditar que ele deixou sua excursão pela Europa para
vir a um aniversário de criança — rebateu se levantando da cama e
caminhando até o closet.
— É sobrinha, Daniel! Ele é tão babão quanto você. Agora, trate de se
trocar logo para ir ver seu irmão — ordenou, e Daniel a imitou
silenciosamente, enquanto ela continuava: — E vocês duas, para baixo,
deixem o papai trocar de roupa. —Obedientes, as graciosas meninas correram
aos gritos, fazendo Daniel rir.
Escolhendo uma roupa, de repente sentiu alguém o abraçando por trás, e
pelo toque macio ele soube que era Sophia. Sorrindo, virou-se para ela e sua
esposa estava maravilhosa com uma bata de gestante de um tecido finíssimo,
que marcava com graciosidade a pequena barriga, mesmo que, provavelmente,
tivesse dormido tão pouco quanto ele. Daniel a beijou serenamente e sentiu
como se a maciez daqueles lábios nunca fosse acabar. Casados pouco mais de
cinco anos, a promessa de amá-la cada dia mais e reafirmar seu amor estava
sendo cumprida rigorosamente desde que se casaram.
— Você conseguiu descansar? — perguntou acariciando-a no rosto.
— Com Lorena e Lavínia aos gritos pela casa logo de manhã e com o
bebê que não parou de mexer desde que me deitei, foi meio impossível.
Ele lhe deu um sorriso taciturno e a beijou outra vez.
— Tente descansar enquanto saio com Heitor e as meninas. — sugeriu, e
sem demora depositou um beijo no ombro de Sophia.
— Não vou poder. Tenho que terminar de organizar o salão para a festa
da Lavínia. Ainda faltam uns pequenos ajustes.
— Sophia, sabe que não pode fazer esforço — ele a repreendeu.
— E desde quando uma noite em claro é esforço, Daniel Müller?
Daniel revirou os olhos e acabou cedendo: — Tá, mas nada de carregar
peso. Nem de ficar muito perto de produtos com cheiro muito forte, e se, por
acaso, estiver muito cansada, vá descansar e deixe o resto para o bufê
resolver. E você já tomou sua dose de sulfato ferroso?
— Daniel, você não é o meu ginecologista, só para caso de ter se
esquecido.
— É a sua terceira gravidez — disse e se voltou para o closet, pegando
jeans, camisa e blazer. — Já deveria ter se acostumado com meus excessos de
cuidados.
Sophia riu e acenou com a cabeça. De fato, Daniel era muito exagerado,
às vezes chegava a ser irritante. Ela nunca perguntou, mas sabia que, talvez, os
cuidados extremos dele se deviam ao primeiro aborto, que o deixou muito
abalado. Deixando seus questionamentos de lado, plantou um rápido beijo na
nuca dele e o apalpou nas nádegas, fazendo-o rir.
— Vou te esperar lá embaixo — sussurrou, e logo em seguida saiu.
Daniel terminou de se vestir e não evitou um sorriso. Ajeitou a manga da
camisa, fechando os botões enquanto se olhava no espelho. Sua vida não
poderia estar melhor, ele não poderia estar mais feliz. Tinha três mulheres
esplêndidas, a qual ele daria a vida sem pestanejar. Lavínia era inquieta e
agitada, tagarela, não parava de falar, e às vezes era preciso mandá-la se calar
ou todos enlouqueceriam. Ela nasceu logo após seu casamento com Sophia, e
para Daniel não havia descrição suficiente para a emoção que sentiu quando a
segurou nos braços e os olhinhos azuis brilharam em sua frente.
Lorena veio um ano e três meses depois, o total oposto da irmã. Mais
quieta e calma, no entanto, fazia suas peraltices escondidas e, vez ou outra,
tinha seus dias de criança agitada. Se parecia muito com Sophia,
principalmente no brilho dos olhos verdes.
Apaixonava-se todos os dias por Sophia, e sabia que não poderia ter
feito escolha melhor. Eram três mulheres que ele amava de forma única e
diferente, sentimentos inexplicáveis. Era necessário vivenciá-los para
entendê-los.
Um novo amor entrou rasgando seu peito quando descobriram a terceira
gravidez. Daniel gostava de repousar a cabeça sobre a barriga de Sophia e
ficar conversando com o pequenino, acariciar a pele macia da barriga como
se, de algum modo, fosse possível sentir o próprio bebê.
Parou de divagar e saiu do quarto, descendo as escadas. Heitor havia
ido embora para outra casa quando se casou. Daniel insistiu para que ele e sua
esposa ficassem, mesmo que na época o casamento nada mais fosse do que um
contrato, e Heitor estivesse insuportavelmente irritado com o fato de ter se
casado. Depois que grandes turbulências sacudiram a vida do irmão, Daniel
deu graças que toda a confusão com as duas mulheres tivessem se acometido
longe de sua casa, longe de Lavínia ainda bebê e, principalmente, longe de
Sophia grávida de Lorena. Quando Heitor acertou a vida, decidiu continuar
vivendo na antiga residência.
— Achei que não fosse descer nunca! — Heitor protestou com Lavínia
no colo, e Daniel percebeu que estava no meio da escada e que divagara outra
vez. Sorriu para o irmão e revirou os olhos.
— Eu também estava com saudades — rebateu ignorando o primeiro
comentário. — Como foi de viagem? Suas férias na Europa são bem
prolongadas, não acha? — acrescentou.
— A viagem foi ótima. E eu não estou de férias, é uma segunda lua de
mel.
— Você não tem nem quatro anos de casado, Heitor.
— Não se importaria com isso se pudesse… — ele fez uma pausa e
olhou para Lavínia. Tapou os ouvidinhos dela e sussurrou — trepar numa praia
paradisíaca todos os dias.
— Heitor! — Sophia e Daniel o advertiram em uníssono, e ele caiu na
gargalhada dando de ombros.
— Falando nisso — continuou Heitor —, eu espero que dessa vez você
tenha sido capaz de fabricar uma piroquinha — disse a Daniel apontando o
dedo para a barriga de Sophia. — Chega de mulheres nessa casa!
Daniel e Sophia riram, balançando a cabeça em negativo. Heitor poderia
ter 60 anos, nunca mudaria seu jeito zombeteiro.
— É um menino, não se preocupe. — Daniel o tranquilizou e abraçou
Sophia pela cintura, pegando Lorena do colo dela. — Gabriel Arthur Hornet
Müller.
— Vocês querem traumatizar o garoto com o tamanho desse nome… —
ele resmungou.
Daniel gargalhou outra vez.
— E sua esposa — desviou o assunto —, cadê?
— Ela não pôde vir. Teve uns imprevistos na Suíça.
— Achei que estivessem em lua de mel.
— E estamos. Mas precisaram dela para uma campanha essa semana, e
você a conhece bem, sabe que ela é muito solidária.
Daniel acenou brevemente. Estava pensando em lhe dizer mais alguma
coisa, quando sua casa foi invadida pelos Hornet. Sebastian entrou primeiro,
chamando pelas netas. As pequenas desceram dos colos em que estavam e
gritaram pelo avô, indo de encontro aos braços dele.
Então houve uma confusão de euforia e cumprimentos pela casa.
Eduardo apareceu enroscado aos braços de Heloísa, sua noiva. Isabela estava
acompanhada de Erick. Eles tinham um apartamento no centro da cidade, mas
por conta dos trabalhos de Erick viviam andando de um lado a outro; não
tinham uma união formalizada, o que não era problema para nenhum dos dois –
nem para suas famílias. Sebastian, há quatro anos havia conseguido reerguer a
ConstruHornet e colocá-la novamente entre as construtoras mais renomadas do
mercado, além de ter pago – a contragosto de Daniel – os investimentos
iniciais firmados no contrato de casamento com Sophia tantos anos antes,
quando se conheceram.
A tarde correu como vento e Sophia teve de se revezar entre os últimos
ajustes do aniversário de Lavínia e dar atenção à família que chegara mais
cedo. Daniel, obviamente, em seu encalço a todo momento, lembrando-a que
ela não deveria fazer esforço.
“Não pegue essa caixa, Sophia”; “Cuidado com a barriga nessa quina
da mesa”, “Deixa que eu levanto isso”, “Isso não tem muito açúcar? ”, “O
médico disse que não pode”, “Com cuidado, amor”, “Sophia, descanse um
pouco”, “Pare de subir essa escada o tempo todo! ”.
Sebastian e Eva brincaram o tempo todo com as netas, assim como os
demais. Eram crianças adoráveis e de fácil amizade. Às 17 horas, o salão de
festas da casa deles já estava cheio. Garçons andavam de um lado a outro,
músicas infantis soavam nas caixas de som, pessoas conversavam sentadas às
mesas, crianças corriam e brincavam nos brinquedos.
Daniel estava recebendo alguns convidados quando viu Miguel apontar
na porta. Uma bela mulher carregando um bebê o acompanhava, e de pronto
ele viu as alianças douradas brilharem no dedo esquerdo deles. Sorriu e se
pôs ao seu encontro.
— Miguel! — exclamou, e esticou a mão para um cumprimento — Que
bom que conseguiu vir!
— Madri está uma loucura — disse com um sorriso amigável.
— Muito trabalho? — indagou já olhando para Paloma e se
aproximando para lhe dar um beijo no rosto.
— Você nem imagina como!
Daniel sorriu calorosamente.
— E como vai o pequeno Matheo?
— Um baita moço — Paloma disse toda orgulhosa brincando com as
mãozinhas do pequenino.
— Isso é ótimo. Sophia irá adorar reencontrá-los. Ela está lá dentro.
Fiquem à vontade.
Miguel e Paloma abanaram a cabeça e agradeceram a recepção, saindo
em seguida para reencontrar Sophia.
A festa transcorreu de forma agradável, todos conversaram bastante, os
mais distantes mataram saudade dos amigos queridos; houve muitas risadas,
brincadeiras, divertimento. A pequena Lavínia ficou encantada com os
presentes que ganhara, e Daniel precisou levar Lorena para um canto e
conversar com ela, já que a menininha chorava o tempo todo por não ter
ganhado nenhum presente. O pai conseguiu contornar o choro da filha, e
instantes depois voltaram para o salão onde, sem demora, cantaram os
parabéns.
Um lindo retrato foi tirado deles. Lavínia no meio recebendo beijos dos
pais, um de cada lado, antes de assoprar a vela.
Daniel fez uma carranca engraçada quando o primeiro pedaço de bolo
foi entregue ao Heitor.
— É o meu tio favorito — a pequena disse. — Se eu tivesse um papai
favorito, o primeiro pedaço seria seu, papai — ela se explicou para Daniel, e
ele gargalhou com tamanha ingenuidade e sinceridade.
Depois da festança, as crianças dormiram e os parentes e amigos mais
próximos estavam ao redor da piscina. Eduardo acarinhava as costas de
Heloísa; Erick afagava os cabelos de Isabela; Miguel deitado sobre as pernas
de Paloma; Heitor estava sozinho, mas mandando mensagens para a esposa; e,
Sophia estava entre as pernas de Daniel, as mãos dele repousando sobre a
barriga dela.
Eles estavam em silêncio, depois de muito falarem, rirem e beberem,
observando o céu, uma noite agradável e de lua crescente muito bonita.
— Sentiu isso? — Daniel de repente disse, e Sophia acenou com a
cabeça, olhando para baixo.
— Gabriel está agitado — anunciou graciosamente, e plantou sua mão
sobre a de Daniel.
Ele sorriu e todos estavam olhando para os dois.
— Eu acho que ele está feliz — Erick disse de repente — por saber que
estará numa família grande e cheia de amor.
Todos concordaram murmurando. Sophia se recostou ao peito de Daniel,
e sem demora sentiu os dedos longos passando carinhosamente por entre seus
fios, a sensação prazerosa percorrendo todo seu corpo.
Olhou ao seu redor e viu todas aquelas pessoas, cada um feliz à sua
maneira, do seu jeito, com seus companheiros. Fechou os olhos e deixou ser
levada pelo momento de tranquilidade.
Sentiu outro chute de Gabriel e sorriu, podendo sentir o sorriso de
Daniel em sua nuca.
O silêncio era acolhedor.
A felicidade era plena.
E o amor…
O amor era infinito.
FIM
CONTRATO DE CASAMENTO
CAPÍTULOS BÔNUS
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE I

Miguel olhou para as próprias mãos, enquanto os cochichos dos


convidados ecoavam pelo ar. Por um segundo, pensou na bobagem que
acabara de fazer: abrir mão do casamento com Sophia na frente de todos os
presentes. Levou seus dedos até as têmporas e as massageou, pensando em
como aquilo renderia comentários pelo resto da sua vida.

Os burburinhos continuavam, e as pessoas começaram a se levantar de


seus lugares e a sair. E ele continuou ali, parado, dizendo a si mesmo que era o
melhor a fazer.

De repente sentiu uma mão forte tocar seus ombros. Ergueu os olhos e se
deparou com Erick Gouveia sorrindo de forma genuína.

— Vai ficar tudo bem, Miguel — murmurou.

— Eu espero que sim — rebateu com um pequeno sorriso e também


apertou o ombro do outro, passando por ele.

Deu alguns passos e viu seus pais vindo em sua direção, o semblante de
Luiz denunciando a decepção que sentia.

— Miguel! — esbravejou — Que diabos você fez?

— Agora não, pai — sussurrou e os deixou para trás.

Atravessou o quintal a passos lentos, ele percebeu o olhar das pessoas


sobre ele, ouvia os cochichos, sentia todo aquele ar pesado e tenso em volta
dele. Ainda assim, não se importava. Ele tinha feito a coisa mais certa de sua
vida. Talvez tenha demorado a perceber. E naquele momento agradeceu por ter
seguido Daniel e tê-lo visto entrar no quarto onde sua futura ex-noiva estava a
se vestir.

Quando ouviu a conversa dos dois por trás da porta, só então caiu por si
e deu-se conta de que Sophia jamais o amaria com a mesma intensidade que o
amava, por mais que tentasse, se dedicasse, fosse um marido exemplar. O
coração dela simplesmente não lhe pertencia, e não havia nada que ele
pudesse fazer para mudar isso. Chegou até a se questionar se ele próprio a
amava tanto quanto Daniel.

Ao ouvir a breve conversa dos dois, percebeu que Sophia jamais seria
feliz ao seu lado, talvez nem ele fosse. Seu casamento estava fadado ao
fracasso muito antes de ter se concretizado. Além disso, ele se lembrou das
palavras da loura dizendo-lhe que ele merecia alguém que o amasse de
verdade, pensou no seu amor próprio. Do que adiantaria oferecer um amor
puro se receberia de volta apenas migalhas e compaixão?

Percebeu isso tardiamente. Mas Sophia tinha razão.

Miguel sabia que deveria ter desistido muito antes da cerimônia, mas,
além da sua indecisão, ele queria saber até onde a loira iria; até que ponto ela
chegaria: se desistiria outra vez ou se prosseguiria na intenção de não o
magoar. Pensou que o abandono no altar seria menos doloroso do que ter uma
mulher ao seu lado que sentia somente pena dele.

Respirou fundo, querendo afastar seus pensamentos, e entrou no carro.


Inegavelmente, Miguel ainda a amava. Ponderou que algumas doses de uísque
resolveriam esse problema.

Ligou a ignição e saiu de ré. Antes de manobrar o carro e partir para


algum bar qualquer, viu Sophia sendo empurrada para dentro do carro de
Müller, o sorriso e a felicidade estampados em seus rostos eram nítidos e
contagiantes. Ele sentiu o coração apertar, mas logo se tranquilizou. Ao menos
alguém deveria ser feliz.

Virou o volante, acelerou e seguiu pela cidade. Não quis nem tirar o
smoking do casamento que lhe caía perfeitamente. A camisa era de um tecido
fino, o colete por cima era cinza, e a gravata borboleta, assim como a calça e
o sapato de bico quadrado, eram pretos.
Rodou alguns minutos totalmente sem destino. A brisa que adentrava
pelo vidro aberto refrescava sua pele e sua mente. Estacionou o carro minutos
depois em uma choperia. Saiu e sentou-se em uma mesa no tablado. A
garçonete veio lhe atender e ele pediu uísque.

Saboreou o álcool vagarosamente. Por algumas vezes sua mente


traiçoeira acusava que Sophia e Daniel estavam em algum lugar, matando a
saudade um do outro. Quando isso acontecia, Miguel pedia outra dose e virava
com tudo goela abaixo. A queimação do álcool contra sua garganta afastava
momentaneamente seus pensamentos melancólicos.

Ao virar a quinta dose, pelo canto do olho, reparou em um par de olhos


o observando. Virou o pescoço e se deparou com dois olhos castanhos muito
claros. A moça desviou rapidamente assim que seus olhos se encontraram.

No mesmo instante Miguel a analisou. Tinha cabelos lisos e castanhos


claros, cortados em estilo Chanel, a pele era branca, e o corpo delgado; as
curvas singelas e ao mesmo tempo perfeitas; os lábios eram levemente
carnudos em tons naturais de pêssego. Trajava um conjunto de blazer e saia
rosa, uma camisa branca e de gola por baixo; nos pés, scarpins pretos que com
certeza a deixavam mais alta do que aparentava realmente ser. O conjunto de
peças era totalmente discreto e evidenciava uma seriedade por parte da
mulher.

Ele hesitou e balançou a cabeça. Voltou a tomar seu uísque para afogar
as mágoas, decepções e, principalmente, sanar sua dor.

De repente, ele viu um par de pernas brancas paradas na sua frente.


Enquanto, vagarosamente, erguia o olhar, notou o sapato preto, a saia rosa, a
blusa branca e o blazer sobre os ombros. Topou com os olhos castanhos claros
e com um sorriso casto desenhado nos lábios perfeitos da mulher.

— Se importa se te fizer companhia? — ela falou com um português


arrastado, e Miguel tentou distinguir seu idioma. Talvez castelhano.

Miguel piscou repetidas vezes e depois olhou para trás de si, querendo
ter certeza de que a mulher falava com ele.
Entendendo sua confusão, ela riu graciosamente.

— Si, eu falo com você.

Por um segundo ele ficou desconcertado. Por fim, cedeu.

— Claro. Sente-se.

A mulher puxou uma cadeira de frente, enquanto Miguel chamava a


garçonete. Voltou-se à sua nova companhia:

— Quer beber algo?

— Um chá gelado, por favor.

Miguel assentiu para a garçonete, e junto pediu outra dose do seu uísque.
Os segundos que se arrastaram até a volta da funcionária com seus pedidos
foram de um silêncio constrangedor.

— Gracias — ela agradeceu quando trouxeram seu pedido.

Miguel sorriu taciturnamente para a garçonete e tomou um gole pequeno


da bebida, olhando a misteriosa mulher por cima do seu copo.

— Mi nombre es Paloma — se apresentou. — Paloma Hernández.

— Miguel Guimarães de Orleans. — E esticou a mão para cumprimentá-


la. Paloma sorriu e apertou a mão dele.

Miguel sentiu o toque macio e brando de Paloma. Uma sensação


diferente percorreu seu corpo, mas ele ponderou ser um efeito ilusório do
álcool.

— Então, você é de onde? Já percebi pelo seu sotaque que brasileira


não é — indagou, e deu outra golada.

— Madri, na Espanha — respondeu e bebericou o chá.

Miguel assentiu com um meneio de cabeça, olhou a movimentação na rua


atrás de Paloma. Ficaram novamente em silêncio. Simplesmente não sabia o
que dizer. Até porque fora ela quem veio ao seu encontro, e Miguel também
não tinha nenhum interesse em dar continuidade àquela conversa sem
fundamento. Queria apenas beber suas doses de uísque sem ser incomodado.

Percebendo a quietude, a mulher tentou manter o diálogo:

— Você trabalha em que área?

— Sou engenheiro — respondeu, sorrindo brevemente. Ao dizer isso se


lembrou que ainda teria de enfrentar Daniel Müller por mais alguns meses até
que as obras fossem finalizadas. Com isso, soltou um suspiro engasgado.

Paloma Hernández inclinou a cabeça levemente, analisando o homem


belo à sua frente. Era alto. Quase dois metros. Usava smoking, e as mangas da
camisa branca estavam dobradas até a altura dos cotovelos; os cabelos eram
bem penteados de lado, castanhos ‒ quase se aproximando do louro; os olhos
brilhavam esverdeados, as sobrancelhas finas pareciam ter sido feitas; rosto
liso sem barba, e nariz acentuado. Por um segundo, Paloma perdeu-se na
beleza da simetria daquele rosto.

— E engenheiros usam smoking em seus proyectos? — inquiriu bebendo


o chá e o olhando por cima da borda da xícara.

Miguel olhou para o próprio corpo. Soltou uma risadinha.

— É uma longa história — sussurrou, cabisbaixo. Segurou o copo com


uísque com as duas mãos e fixou os olhos por alguns segundos no líquido.
Imerso em seus pensamentos, virou o restante da dose. Bateu o copo na mesa e
disse: — Mas, e você, o que faz da vida?

— Soy professora em Madri. Dou aulas de Literatura em uma


Universidade — informou, e baixou a xícara até o pires.

— Você tem mesmo cara de mulher inteligente — comentou, e Paloma


riu brevemente.

— Gracias.
— O que faz perdida no Brasil?

— Vacaciones — respondeu, e Miguel juntou as sobrancelhas. Ele


sempre foi péssimo em Línguas Estrangeiras. Paloma percebeu a confusão e
apressou-se em traduzir. — “Fêrias”

— Oh, sim! — ele gargalhou de sua ignorância. — Já visitou muitos


lugares? — Quis saber, sacando a carteira do bolso e retirando algumas notas
para pagar a conta.

— Não muito. Quero mesmo ir a Fernando de Noronha. Dizem que é um


lugar paradisíaco — disse, olhando discretamente para o montante de notas
que Miguel trazia consigo. Assim que percebeu que seu olhar voltou para ela,
Paloma se esquivou e forçou um sorriso.

— Sim, é. Já estive lá há uns três anos. Tem mesmo que conhecer. —


Chamou a garçonete e lhe entregou uma quantia, pagando seus uísques e o chá
de Paloma.

Paloma também pediu a sua conta.

— Eu pago. — Miguel se prontificou já retirando mais alguma quantia


da carteira.

— No, por favor, Miguel. No há necessidade de esto. — Recusou-se


tocando-lhe a mão.

— Eu já fiz um ato generoso hoje. Um a mais, um a menos, que diferença


fará? — rebateu sereno, e entregou o dinheiro à garçonete. Levantou-se e
ajeitou o colete no corpo. — Foi um prazer, Paloma Hernández, mas tenho que
ir.

— Oh, e para onde irá?

Miguel arqueou uma sobrancelha.

— Não sei. Ainda estou meio perdido. E levemente bêbado. —


confessou.
— Não pode dirigir assim — ressaltou.

— Tem razão. Vou entrar no meu carro, dormir um pouco e depois vejo o
que farei da vida.

Paloma desenhou um sorriso fraco.

— Quer que eu te leve pra su casa? Já que fez um ato generoso para mi,
posso fazer um para você também. — Ofereceu-se bondosamente.

Miguel juntou as sobrancelhas.

— Sou um total desconhecido para você — disse, mas não fora ríspido.
— O que te levou a querer me ajudar? Não tem medo que eu seja um
psicopata? — disse e saiu andando. Olhou para os dois lados da rua e
atravessou, caminhando até seu carro.

O barulho dos saltos de Paloma ecoou atrás dele.

— Miguel — ela pronunciou seu nome com a língua entre os dentes —,


você está de smoking e bebendo. Acredita mesmo que eu não sei que se pasa?

— Você não sabe nada sobre mim — retorquiu, e dessa vez salivou.

— Si, yo sei. Foi abandonado no dia do seu casamento, no?

Miguel gargalhou, e isso fez Paloma ficar desconfortável. Ele continuou


caminhando até chegar ao seu veículo. Com um pouco de dificuldade retirou a
chave do bolso e tentou inseri-la na fechadura.

— Eu disse que não sabia nada sobre mim. Eu não fui deixado no altar.
— Suspirou. — Pelo menos, não hoje. — Admitiu, e virou-se para ela. —
Está tudo bem, eu posso voltar sozinho. Agora, vá aproveitar suas vacaciones.
— Estava prestes a se jogar para dentro do carro e partir, quando as mãos
brancas de Paloma o impediram.

Eles se olharam nos olhos por longos segundos. Miguel sentiu


novamente a sensação diferente que passeou por seu corpo momentos atrás.
— Eu sei que é una boa persona. Vejo en tus ojos. Deixe-me te ajudar.

De repente a respiração de Miguel ficou entrecortada. Alguma coisa


estava começando a mudar dentro dele e ele hesitou em partir. Houve um
imenso e súbito desejo de continuar ali, com Paloma, e saber mais da sua vida
em Madri, conhecê-la mais a fundo, trocar telefones, afunilar a amizade.

Ele hesitou antes de, por fim, ceder.

— Tudo bem. Mas eu não quero ir para casa — alegou, e Paloma sorriu
satisfatoriamente.

Miguel contornou o carro e se ajeitou no banco do passageiro, enquanto


Paloma acomodava-se no banco do motorista. Puxou o cinto, girou a chave e
partiram.

— Por que não quer voltar para casa?

Miguel desviou os olhos e encostou a cabeça no vidro, suspirando. Não


queria dizer a uma estranha que se retornasse para sua casa provavelmente
ainda veria os adornos de seu casamento espalhados pelo quintal, enquanto
seus pais encontravam algum modo de acabar com todo o banquete que fora
preparado para a festa. Sem contar que não queria encarar o pai.

— Longa história — respondeu apenas.

— Bom, eu estou de férias, acho que tenho um tempinho — rebateu, e


Miguel voltou seus olhos para ela com um sorriso.

Durante o percurso, então, ele confidenciou sua vida. Não sabia


exatamente por que fez aquilo, talvez fosse o álcool, talvez a necessidade de
desabafar com alguém, mas Miguel só queria tirar aquele peso das costas, o
buraco do peito. Quando terminou, sentia-se até mesmo mais leve.

— Você teve uma atitude nobre, Miguel — disse compadecida, e tocou


as mãos dele. — Há um ditado que diz que todo o bem feito voltará para você.
Tenho certeza que encontrará alguém que te ame e que você a ame de volta. E
essa mulher será uma mulher de sorte.
Miguel não pôde conter uma pequena risada. Aquela ideia não era ruim,
mas ponderou se de fato aconteceria. Nos últimos anos toda sua dedicação
fora somente para Sophia. Nunca teve olhos para outras mulheres. Pensou que
ele seria o típico homem de filmes e livros que envelheceria amando
verdadeiramente uma única mulher.

Talvez ele se casasse, tivesse filhos, mas tinha certa impressão que nada
se igualaria ao sentimento por Sophia.

— Assim seja — sussurrou e tornou a olhar lá fora. A paisagem


vespertina passando ligeiramente diante os seus olhos.

— Se não quer voltar para casa, donde queres ir?

— Me leva para qualquer lugar que eu possa dormir.

Paloma riu intensamente. Ouvindo a contagiante risada, Miguel sentiu-se


extasiado e expressou um sorriso largo.

— Estou em um hotel aqui perto. Tudo bem para você ficar no meu
quarto?

— Eu não quero te atrapalhar — alegou, voltando seu olhar para ela.

— Bêbado dormindo não incomoda — provocou, e ele revirou os olhos


de bom humor, rindo em seguida.

— Ok, mas me acorde antes das oito para que eu possa ir pra minha
casa, e você fique tranquila no seu quarto de hotel. — Ela concordou, e eles
seguiram para o hotel onde Paloma se hospedava.

Assim que entraram, Miguel se jogou na cama macia. Sua cabeça rodava
e pesava meia tonelada; as pálpebras queriam a todo instante se fechar, talvez
de exaustão ou alcoolismo. Subitamente o colchão recebeu o peso do corpo de
Paloma deitando-se ao lado dele. E os dois ficaram ali, encarando o teto,
ambos em silêncio, até dormirem.

Miguel dormiu por muitas horas, e quando acordou a cabeça parecia que
ia explodir. Abriu os olhos e uma luz fluorescente incomodou suas córneas.
Apertou os olhos e sentou-se na cama. Pressionou a ponte do nariz e abriu os
olhos, tentando se localizar. Com a visão embaçada, viu um corpo feminino
delgado e sensual de costas para ele. A figura trajava apenas calcinha e sutiã e
parecia procurar alguma coisa no frigobar. Os cabelos estavam molhados e
soltos, secando ao natural.

Miguel continuava desnorteado, e demorou a perceber que se encontrava


no quarto de hotel e que a mulher seminua a sua frente era Paloma Hernández.

Deu-se conta deste fato apenas quando a exuberante mulher levantou e


virou-se para ele, sobressaltando-se no mesmo instante.

— Dios mio! — exclamou, e puxou uma toalha pendurada ao cabide,


cobrindo corpo.

— Desculpe, Paloma — ele pediu virando o rosto, totalmente sem jeito.


— Eu… eu… não estava te espiando, juro.

Paloma voltou para o banheiro e vestiu um roupão do hotel. Depois


retornou para o quarto onde Miguel desengomava a própria roupa.

— São dez da noite, Paloma. Eu pedi…

— Eu sei o que me pediu — interrompeu-o —, mas você estava muito


cansado e eu não quis te acordar.

Miguel suspirou.

— Ok. Obrigado pela hospedagem. Mas agora eu tenho realmente que ir.

— Não quer ficar e comer algo antes? Podemos pedir uma pizza.

Ele a encarou um segundo. Talvez estivesse considerando a oferta.


Estranhamente estava se rendendo fácil aos pedidos de Paloma. Ela parecia
ter um encanto totalmente diferente. Miguel não entendia como ela conseguia
facilmente manipulá-lo e fazê-lo oscilar em suas decisões.

Queria somente ir para casa e pensar em que rumo daria à sua vida. Mas
a ideia de permanecer na companhia da espanhola e comer alguns pedaços de
pizza era muito mais atrativa.

— Uma pizza. E eu pago — decretou.

— Miguel, pode deixar… — ela tentou protestar.

— Ou isso, ou irei embora.

Vencida, ela aceitou.

Pediram a pizza e comeram sentados de pernas cruzadas sobre a cama.


Paloma contara um pouco mais sobre sua vida na Espanha e de sua profissão
como professora na universidade. Falou da sua família, de antigos namorados,
de sonhos que ainda queria realizar. Miguel a ouvia atentamente e, vez ou
outra, desviava sua atenção para os lábios dela que se moviam com
graciosidade. Estranhamente ele gostava de ouvi-la falar com seu português
carregado de forte sotaque castelhano.

Após alguns pedaços de pizza e doses de vinho, acompanhados de muita


conversa que lhes rendeu algumas risadas, Miguel tentou se levantar, dizendo
que deveria ir para a casa. Era quase uma da manhã.

— Durma aqui, Miguel. Você continua bêbado — Paloma pediu, a


embriaguez de sua voz se misturando ao seu sotaque.

— Só tem uma cama — observou Miguel, juntando as sobrancelhas.

— Eu não vejo problema. — Paloma deu de ombros, e se jogou na cama


de braços abertos e gargalhou.

Miguel sentia tudo rodar. Ele sempre fora um fracote para bebidas. Com
um suspiro derrotado, e ainda altamente bêbado, começou a desabotoar seu
colete e a tirá-lo. Paloma apoiava a cabeça sobre as mãos e o observava com
atenção, não deixando escapar nenhum movimento que ele fazia.

Logo, livrou-se da camisa branca. O peito ficou despido e, enquanto ele


tentava arrancar os sapatos e se manter em suas pernas, a mulher passeou os
olhos pelo tronco dele. Tinha os ombros largos, a barriga era definida, mas
nada extraordinário.
Os sapatos foram arremessados para o outro lado do quarto. Miguel
começou a desfivelar seu cinto e baixar as calças, permanecendo apenas com
sua boxer preta.

Paloma corou um pouco com a visão e desviou os olhos.

— Não esperava que eu fosse dormir de smoking, não é? — disse


deitando-se ao lado dela.

Seus olhares se cruzaram e subitamente o ar ficou muito pesado. Paloma


não conseguia desgrudar dos olhos dele, era tentada a todo instante a olhar os
lábios cor de pêssego e seduzida a continuar descendo seus olhos até
encontrar o peitoral largo. Mas manteve-se firme e olhou apenas os olhos
verdes.

Com a aproximação súbita, a respiração dos dois ficou curta. Eles


arquejaram de repente.

— Eu não me importo que durma assim — respondeu, por fim, a


respiração ainda instável.

Em seu interior, Miguel tinha uma necessidade gritante de provar


daqueles lábios levemente grossos e tentadores. Sem entender o porquê, havia
um anseio que crescia gradativamente, mas que era totalmente diferente do que
já tinha sentido.

— Se eu te beijar agora, vou receber um tapa? — perguntou ele com um


sussurro. O hálito alcoolizado invadiu as narinas de Paloma e a embriagou
ainda mais.

— Não. Na verdade, eu adoraria — sussurrou de volta, e no segundo


seguinte a boca dele estava na sua.

Foi um beijo molhado e completamente desesperado, mas igualmente


maravilhoso. Os lábios de Miguel eram doces e dançavam em ritmos
harmônicos com os de Paloma. No terceiro segundo, ele já se inclinava sobre
seu corpo e seus dedos se entrelaçavam. No sétimo segundo, os beijos foram
desviados para seu pescoço e desceram até seu colo. No décimo quinto
segundo, Paloma o agarrou pelos cabelos curtos e levou sua boca para a dela
outra vez. No trigésimo segundo ela abriu o roupão, e ele beijou-a com
volúpia enquanto as mãos procuravam desesperadamente um meio de se livrar
do roupão.

Não demorou e ambos estavam nus e ainda se beijando e se amando


intensamente.

♦♦♦

A luz do sol entrou pela janela e bateu nas costas nuas de Miguel e pela
posição do sol supunha-se que era quase meio-dia. Ele sentiu o calor lhe
queimar a pele, e foi assim que despertou pouco a pouco.

Flashes da noite anterior pipocaram diante aos seus olhos fechados,


enquanto sua consciência voltava.

Ele e Paloma haviam transado.

Se ele deveria se sentir um imbecil por dormir com uma mulher que mal
conhecia, não era assim que ele estava. Ainda dormindo, sorriu para si
mesmo. Apesar da embriaguez com o vinho, eram vívidos em sua memória os
dois corpos nus e suados grudados ao outro, o calor da paixão queimando o
seu peito. Tinha sido o melhor sexo da sua vida, e ele nunca se sentira tão bem
quanto naquele momento.

De bruços, girou o corpo na intenção de encontrar o de Paloma. Não foi


o que aconteceu. Abriu os olhos e o lugar dela estava desarrumado e vazio.
Franziu o cenho e olhou ao redor. Silêncio.

Na porta do frigobar havia um pedaço de papel autoadesivo amarelo.


Cambaleando de sono, Miguel foi até o pequeno bilhete e com uma dificuldade
sonolenta leu as poucas palavras em espanhol:
Perdón, Miguel, pero tenía que hacerlo

No me odies. Fueron actos de una mujer en desespero,

Adiós

Paloma Hernández.

Miguel suspirou e amassou o bilhete nas mãos. Apesar do seu espanhol


horrível, ele entendera a mensagem. Tivera a melhor noite de todas, e a melhor
mulher com quem já esteve simplesmente foi embora sem sequer deixar um
telefone, um e-mail, qualquer tipo de contato.

Aceitando seu cruel destino, caminhou de volta para a cama e buscou as


roupas pelo chão. Vestiu a camisa, colete e a calça. Calçou os sapatos.
Procurou pelas chaves do carro e pela carteira. Somente a chave encontrava-
se no bolso de sua calça. Olhou ao redor, procurando pela carteira. Então a
viu, aberta, sobre a mesinha de cabeceira. Juntou a sobrancelha e se
aproximou para pegá-la. Quando a abriu para conferir, seu coração quase
parou. Não tinha uma nota sequer. Tudo que havia dentro era um autoadesivo
amarelo com o mesmo recado que estava fixado na porta do frigobar.

O coração de Miguel acelerou no mesmo instante.

Tinha sido enganado e roubado.


BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE II

Quase um mês havia se passado. Miguel voltava todos os dias àquela


choperia na esperança de, por sorte ou acaso, reencontrar Paloma Hernández.
Por algum estranho motivo, ele não desejava maltratá-la por seu roubo, queria
apenas entender os motivos que a levaram a cometer tal ato, tanto que ele nem
procurou uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência. E, em
horários alternados, Miguel ficava sentado em uma mesa, bebendo alguma
coisa e correndo seus olhos pela rua na intenção de achá-la.
Além disso, Miguel vinha pensando na noite de sexo que tiveram mais
do que deveria. Por muitas vezes sonhou com um reencontro onde seus corpos
desavergonhados se amavam intensa e calorosamente. Ele nunca tinha transado
com alguém como Paloma. Miguel não sabia explicar exatamente o sentimento
diferente que apossou de seu coração e do seu corpo. Tinha sido uma
experiência nova para ele. Nunca havia ido para a cama num primeiro
encontro; normalmente, ele gostava de conhecer melhor sua parceira, gostava
dos encontros, dos amassos no banco do carro, talvez alguns jantares. O sexo
vinha no terceiro ou quarto encontro.
Mas, desde que ficara noivo de Sophia, ele não tinha estado com mais
ninguém. Quando ela desistiu do casamento, se passaram alguns meses até ter
uma nova relação sexual, para apenas saciar os desejos do seu corpo, e tinha
sido com a arquiteta das obras da Swiss – ela vinha lhe jogando algum
charme, e depois de uma semana que almoçavam juntos, Miguel deleitou-se
com ela.
Quando ele e Sophia noivaram-se outra vez por conta do
desentendimento com Daniel, eles estiveram juntos apenas uma vez, e, ainda
assim, Miguel a sentira totalmente diferente. Sabia que Sophia não estava
sentindo prazer, tampouco ele.
Mas com Paloma as coisas se enveredaram por caminhos diferentes. As
novas sensações experimentadas eclodiram dentro dele como um vulcão
adormecido há muito. Desde então, Paloma Hernández não saíra de sua mente,
era como se seu corpo desejasse cada vez mais da pele de seda da espanhola,
dos lábios carnudos resvalando pelo seu corpo até chegar aos lábios dele.
O fato de não estar irritado com o roubo o deixava frustrado. Ele
deveria estar odiando-a, certo? Havia sido usado, enganado e teve seu
dinheiro levado por ela. Miguel deveria sentir repulsa de si mesmo; depois,
dela. Mas tudo que queria era encontrá-la e ouvi-la. No bilhete de despedida,
Paloma escrevera que foi preciso fazê-lo. Foram os atos de uma mulher em
desespero.
Nada do que ela estivesse passando justificaria o roubo, mas Miguel
ponderou que cada um reage de maneira distinta diante uma situação de
desespero. Tentou por muitos dias imaginar o que diabos ela teria passado
para chegar a roubar um homem com quem tinha se deitado.
— Miguel, divagando de novo? — Luiz o chamou, interrompendo seus
devaneios. — Já é a terceira vez em menos de quarenta minutos.
Miguel piscou e ergueu os olhos, lembrando-se de que estava em uma
sala de reuniões da LG Construtora na presença de seu pai, um segundo
acionista e Daniel Müller. O encontro entre as duas empresas era rotina e
acontecia a cada dois ou três meses. Os homens se reuniam para prestar contas
da obra para Daniel, mostrando-lhe o avanço da construção, os relatórios dos
materiais utilizados e de logística, tudo conforme as exigências de Müller
quando assinaram o contrato.
Miguel se recompôs e pigarreou antes de justificar a dispersão: —
Perdão. Não estou me sentindo muito bem — mentiu.
— Pois trate de melhorar, Miguel de Orleans — exigiu Luiz, autoritário.
— Estamos no meio de uma reunião e você precisa apresentar seu relatório.
— Lembrou ao seu filho.
Com um suspiro impaciente, Miguel levantou-se, juntando o material,
caminhou até a frente de um projetor no fundo da sala e começou a
apresentação. Teve de lembrar inúmeras vezes ao seu consciente para se
concentrar no trabalho em vez de querer bater asas para os confins de suas
lembranças com Paloma. Deus o livre se, em algum momento da reunião,
pronunciasse o nome dela.
Quando, por fim, a reunião acabou, todos se retiraram, e Miguel
continuou na sala, tentando, de uma maneira inútil, não pensar na mulher de
olhos castanhos claros.
Desligava o projetor, quando alguém bateu à porta.
— Tem um minuto? — perguntou Daniel encostado ao batente com as
mãos no bolso.
Miguel apenas assentiu. Daniel Müller adentrou a sala e caminhou até
ele.
— Deixei passar alguma coisa? — Miguel inquiriu, estranhando o
retorno de Daniel.
— Não. É assunto pessoal.
Miguel acenou e aguardou o pronunciamento do outro.
— Já tem um mês que você desistiu do casamento com a Sophia —
iniciou —, e desde então eu não tive a chance de te agradecer. — Ele fez uma
pequena pausa e emendou: — E saber como você está depois de tudo.
— Não precisa me agradecer — alegou, suavemente. — Eu fiz o que era
melhor para todos nós. — E esboçou um sorriso melancólico. — E não se
preocupe, eu estou bem — tranquilizou-o
— Tem certeza? — questionou, desconfiado. — Você pareceu abatido a
reunião toda. Pude jurar que era por… minha causa. Por causa de tudo o que
houve…
— Ah! — exclamou um pouco atordoado — É outra história, Daniel.
Garanto que não é nada com você ou Sophia. Na verdade, eu fico feliz que
estejam juntos.
Daniel sorriu conciso e apenas acenou.
— Bom, eu espero que, seja lá o que for, se resolva logo — desejou
sinceramente.
— Obrigado, Daniel — agradeceu com um murmúrio.
Assim que se despediram, Miguel entrou no carro e rumou para a
choperia para suas horas diárias e perdidas de tentar saber do paradeiro de
Paloma.
Ele sabia que era uma atitude totalmente vã. Era praticamente
impossível encontrá-la outra vez. Perguntou-se o que seria verdade e o que
seria mentira nas coisas que ela lhe contou. Provavelmente tudo seria mentira.
“Paloma”, nem deveria ser este o nome dela.
Suspirou e consumiu sua dose diária de uísque. Teria uma cirrose se
continuasse bebendo daquela maneira. Seguindo sua rotina habitual, ele correu
os olhos ao redor, uma esperança de que em algum momento a veria. Mas
nada. Voltou vagarosamente e se deparou com o olhar duro de um homem.
Miguel franziu o cenho e fixou os olhos por um momento na figura imponente.
Era muito alto. Miguel teve a impressão de que, mesmo com seus 1,96m, se
sentiria pequeno ao lado do homem no outro lado da rua, encostado a um SUV
preto. Trajava terno todo preto, era robusto, os bíceps enormes, os ombros
larguíssimos; os cabelos eram aparados em estilo militar e exibia alguns fios
grisalhos, no rosto trazia óculos tão negros quanto suas vestes.
Por um segundo ele sentiu-se intimidado. Encurralado. Olhou o copo
quase vazio. Era hora de parar de beber. Já estava imaginando coisas e
ficando paranoico.
Buscou outra vez o homem do outro lado da rua. Ele continuava com os
olhos duros e ameaçadores sobre Miguel.
Miguel teve outra sensação esquisita com aqueles pares de olhos o
encarando. Bebeu o resto do drinque tentando não deixar sua paranoia se opor
à razão. Estava prestes a se levantar, pagar conta e ir embora quando uma mão
forte o tocou nos ombros, forçando-o a se sentar outra vez, o movimento
brusco e pesado vinha das mãos fortes do brutamontes que o fitava segundos
antes.
Miguel ficou momentaneamente atormentado, temendo as intenções
daquela imponente figura.
— Miguel de Orleans? — perguntou o homem, e sua voz era forte e dura
feito rocha.
— Depende. O que você quer? — respondeu com o tom levemente
trépido.
Sem que ele pudesse esperar, o brutamontes segurou-o pela nuca e bateu
sua testa fortemente contra a mesa. As pessoas ao redor se atentaram ao que
acontecia e os burburinhos ressoaram.
O choque com a madeira fez Miguel perder os sentidos por um curto
instante. Então, veio uma dor angustiante na cabeça, e em seguida um sussurro
másculo ao pé do seu ouvido: — Não irei perguntar outra vez. Você é Miguel
de Orleans?
— S-sim — balbuciou sentindo o gosto de sangue na boca.
— Paloma Hernández. Conhece? — perguntou entre os dentes.
— Por que quer saber? — retorquiu com a voz grogue, sua testa ainda
em uma dor lancinante.
Como reação para sua resposta, sua fronte foi atacada contra a mesa
outra vez. Agora, até seus olhos ardiam, e do seu nariz começava a pingar
sangue.
— Responda! — exigiu, ríspido.
Miguel arquejava em dor. Não entendia o que um homem desse porte
iria querer com Paloma. Por um segundo ele pensou na situação. E se dissesse
que sim? O brutamontes já provou que não é flor que se cheira. Ele seria capaz
de fazer algo contra Hernández? Se dissesse que não, o homem acreditaria e
iria embora, deixando-o em paz, ou faria algo pior do que bater sua testa
contra a madeira da mesa?
— Não. Não conheço — disse enfim. De fato, ele não a conhecia.
Tiveram uma transa e Miguel foi roubado. Era tudo que sabia da espanhola.
Sem piedade, a figura chocou a cabeça de Miguel outra vez, deixando-o
ainda mais atordoado e dolorido. Segurou-o pelos fios de cabelo da nuca e
sacou um revólver da cintura, pressionando a arma na têmpora de Miguel.
As pessoas ali se assustaram com o homem armado, algumas se
esquivaram, outras soltaram grunhidos de desespero e tantas outras sacaram
seus celulares da bolsa.
— Vocês estavam conversando no outro dia, há mais ou menos um mês.
— A voz máscula do homem entrou pelos seus tímpanos.
— É, estávamos. Ela transou comigo, me roubou e foi embora. Não a vi
mais desde então!
— Quando a conheceu? — Forçou mais o cano da arma contra ele.
— Naquele dia, cara! — Miguel respondeu alarmado, o medo
tencionando seus músculos. — Estou te dizendo: ela me enganou para dormir
comigo e me roubar. Eu nem sei se esse é mesmo o nome dela.
Parecendo acreditar em suas palavras, o homem o soltou. Miguel
apertou a testa que ainda queimava mais que o inferno.
— O que querem com ela? — arriscou perguntar, mas já se preparando
para se esquivar caso o homem resolvesse agredi-lo de novo.
— Ela deve um dinheiro alto ao meu patrão. Ele quer o pagamento — o
homem respondeu, alisando a arma e a devolvendo à cintura. Olhou para
Miguel de cima a baixo e completou com desdém: — E pelo jeito ela tem se
empenhado em conseguir o valor.
— E quanto ela deve? — quis saber, e não temeu a audácia de sua
pergunta.
Uma sobrancelha surgiu por cima dos óculos, indicando que estava
arqueada.
— Isso não é do seu interesse, rapaz.
— E o que acontece se ela não pagar o seu patrão?
O homem conferiu as horas em seu relógio, olhou rapidamente para
Miguel e virou as costas, pronto a partir, e disse: — Então pagará com a vida.

♦♦♦

Uma pontada acertou o coração de Miguel diante a frase do homem.


Pestanejou seguidas vezes tentando assimilar o que foi que acabara de ouvir e
se perguntando com que, ou quem, Paloma teria se metido para ser até mesmo
ameaçada de morte. Se antes ele queria saber do paradeiro dela para revê-la,
transar e saber por que foi roubado, agora, mais do que nunca, queria
encontrá-la para alertá-la.
Mas ele não tinha a mínima ideia de como faria.
De repente, sentiu uma mão macia tocando seu ombro e se virou para
encarar um olhar aturdido da garçonete.
— Venha aqui — sussurrou, e Miguel, mesmo sem entender, a seguiu
para dentro do bar. Atravessaram o estabelecimento até um pequeno cômodo
com uma iluminação fraca.
— Vi aquele homem perguntando da Paloma. — a garçonete, de nome
Kaila, disse baixo, como se estivesse com medo de que alguém a escutasse.
— Você a conhece?
A mulher acenou em positivo. Isso fez uma esperança arder no peito de
Miguel.
— Com que ela se meteu? E onde Paloma está?
— Eu não sei. Ela nunca me disse nada. Por algum motivo ela nunca
quis que soubessem que nos conhecíamos, agora acho que sei o porquê —
falou baixinho e olhou para a testa avermelhada de Miguel. — Mas Paloma
deixou isso aqui para mim, disse-me que eu deveria ligar em caso de urgência.
— Tirou do bolso do avental um número de telefone rabiscado em um pedaço
de papel. — Pelo que ouvi ali fora, é urgente.
Miguel segurou o papel e olhou o número. Era estrangeiro.
— Ainda estou muito confuso com isso tudo. — confessou.
A garçonete lhe explicou rapidamente tudo o que sabia. Paloma
aparecera ali na choperia pela primeira vez dois meses antes. Quando Keila
saía do banheiro, Paloma estava no corredor e conversou com ela, sempre se
esgueirando. Contou que estava com problemas, mas tentando resolvê-los.
Sempre que Paloma precisava de alguma coisa, procurava por Keila. Eram
favores simples e rápidos, como ligações, e-mails, cartas, serviços de
correios. Tudo em nome de Keila. Discretamente, elas trocavam um sinal e
iam para o banheiro feminino ou o quartinho, onde Miguel agora se
encontrava, e conversavam a respeito de alguma coisa. Paloma sempre deixara
claro que nunca ninguém deveria saber que elas se falavam, por isso se
encontravam às escuras e fingiam não se conhecerem na frente das demais
pessoas.
— Você sabe onde ela mora?
— Também não. Acredito que nunca me informou nada exatamente por
isso. Acho que ela sabia que era seguida.
Miguel abanou a cabeça e olhou o papel outra vez. Tinha uma chance de
encontrar Paloma, e o faria.
— Obrigado. Verei o que faço. — Agradeceu, e se virou para sair
quando Keila o impediu.
— Ela te roubou mesmo?
— Sim. Mas não fiz B.O. Ela deixou um bilhete pedindo perdão,
então… — Sorriu brevemente e suspirou. — Tenho que ir — disse e saiu
rapidamente.
Do lado de fora sentiu o calor do sol escaldante sobre sua pele, mas
junto, veio a brisa refrescante soprando contra seus cabelos. Fixou o número
no papel. Memorizou-o. Picou em incontáveis pedaços e jogou ao vento.
Ele não ligaria para Paloma. Ele faria mais. Iria até onde ela estivesse.

♦♦♦

Miguel impediu que a porta fosse fechada em sua cara quando Paloma se
assustou com sua presença repentina. Ele espalmou contra a madeira da porta
enquanto ela tentava empurrá-lo para fora. Mas Miguel era muito mais forte e
conseguiu se enfiar para dentro do apartamento dela.
O coração de Paloma pulava em ritmos descompassados ao encarar
Miguel parado a sua frente.
— Como me encontrou?
Miguel enrugou o cenho.
— Que diabos houve com seu sotaque? — bradou, percebendo que o
português carregado simplesmente não existia mais.
— Miguel, isso não importa mais! O que está fazendo aqui? Como me
achou?
— Pelo telefone que você deixou com Keila. Eu o rastreei — explicou-
se. — Sei que tem gente atrás de você, Paloma. O que foi que aconteceu? Com
que tipo de gente está se metendo?
— Miguel, por favor, não se envolva nos meus assuntos. Vá embora e
esqueça que eu existo. — pediu quase aos prantos.
— Esquecer? — Ele quase salivou. — Não me peça para te esquecer
quando dormiu comigo e depois me roubou!
No mesmo instante, os olhos dela marejaram e sentiu o rosto corar.
— Miguel, eu queria poder te explicar…
— Explique-se. Eu não viajei quilômetros do Brasil até aqui, na
Espanha, somente para reclamar de alguma quantia que tirou de mim, Paloma
— disse sereno, e sem que ela percebesse Miguel já havia se aproximado e
segurava suas mãos. — Eu tive uma arma apontada para a minha cabeça por
sua causa — confessou, e os olhos dela se arregalaram, assustados. — Então,
seja lá o que está acontecendo, quero que confie em mim e me conte.
Paloma acenou freneticamente, as lágrimas picando seus olhos. Ainda
segurando nas mãos dele, o encaminhou até o sofá e sentaram-se.
— Há seis anos meu pai ficou doente — ela começou e apertou forte a
mão grande de Miguel —, os remédios dele eram muito caros e eu com meu
emprego de secretária de advocacia não ia conseguir sustentar nossa casa
sozinha. Eu entrei em desespero. O meu pai precisava de remédios, de
médicos, de cuidados, de tratamento, e eu não tinha dinheiro. Então, fiz um
empréstimo com um agiota para quitar as minhas dívidas, e assim me sobrar
mais dinheiro para suprir as necessidades do meu pai.
Ela fez uma pequena pausa para tomar fôlego. Era estranho para Miguel
não ouvir o sotaque arrastado dela e se perguntou como ela conseguiu falar
nativamente.
— Eu fiz um empréstimo alto. O dinheiro pagou minhas contas, comprou
os remédios do meu pai por um bom tempo. Eu deixei o meu emprego para
cuidar dele, já que minha mãe morreu quando eu ainda era criança. Sempre
fomos só nos dóis. Eu não tinha mais ninguém e ele não tinha nada além de
mim. Eu, às vezes, fazia um extra aqui ou ali, mas nada fixo.
Naquele momento Miguel se sensibilizou com a história de Paloma. Sem
pensar, abraço-a e murmurou baixinho: — Sinto muito. — Ela agradeceu, se
afastou e continuou sua história.
— Eu vivi com o dinheiro desse empréstimo por uns dois anos. Eu
sempre controlei meus gastos ao máximo, eu não queria gastar tudo, queria
gastar apenas o necessário. Eu ainda apliquei, aos poucos, na poupança,
render uns juros e tudo mais… Eu pagava o agiota todo mês os juros do
empréstimo, eu andava em dia com esse compromisso. — Ela suspirou.
— O que houve depois?
— Meu pai faleceu.
Miguel ficou em silêncio.
— Eu voltei a trabalhar. Trabalhava feito uma louca para juntar dinheiro
e pagar o empréstimo de uma vez. Arcar só com os juros estava me
enlouquecendo, eu não queria passar a vida dando dinheiro suado para gente
como Rômulo.
— Alguma coisa deu errado nesse tempo — deduziu
— Sim. Por quase quatro anos eu deixei de viver para trabalhar e
economizei. A quantia que eu levantei com meu suor compensaria o que gastei
do empréstimo. Eu o devolveria ao Rômulo e tiraria esse peso dos meus
ombros. Eu sabia que ele era barra pesada, sabe. Sempre soube. Mas há uns
três ou quatro meses, quando me faltava só um terço para completar o dinheiro
da dívida, o homem que eu mais confiava na minha vida me roubou — ela
disse baixinho sentindo seu coração apertar.
Miguel ficou emudecido. Não sabia que reação ter. Era uma mistura de
surpresa e compaixão. Viu que ela apertava forte sua mão. Sentou-se mais
perto, agarrou-a forte pela mão e incentivou:
— Continue…
— Éramos noivos. Tiago e eu estávamos juntos há dois anos. Ele sabia
que eu trabalhava em dois, três empregos para dar conta de tudo e guardar o
meu dinheiro. Fomos juntos ao banco para retirarmos a quantia e levarmos
para Rômulo. Chegamos em casa, eu fui tomar um banho e contar o dinheiro;
Tiago havia me convencido a tirar tudo o que tinha, a fechar a conta. Eu queria
tirar apenas o que devia ao agiota, o restante que se assomou por conta dos
juros iria deixar guardado para minha faculdade.
Outro silêncio enquanto Paloma recuperava o ar.
— Quando eu saí do banho, não havia dinheiro, não havia Tiago, não
havia mais nada. — Soluçou, e Miguel a abraçou outra vez enquanto ela
continuava contando: — Ele deixou apenas um bilhete, dizendo que iria usar o
dinheiro para passar a lua de mel com a garota que ele realmente amava.
— Que idiota! —Miguel exclamou. — E ladrão!
— Ele fez isso porque sabia que eu não poderia ir à polícia.
—Você não foi? — inquiriu, incrédulo.
— Claro que não. É dinheiro de sonegação de impostos, de tráfico! Eu
sei lá como Rômulo consegue tanta quantia assim.
— Mas o dinheiro era seu, do seu suor — observou Miguel.
— Só uma parte, querido. Só uma parte. Eu fiquei mesmo com medo de
fazer um B.O contra Tiago. Eu não teria como explicar aos policiais como uma
secretária de advogados tinha cinquenta mil no banco.
— Você fez um empréstimo de cinquenta mil? — Miguel elevou a voz,
surpreso.
Paloma suspirou e acenou, cabisbaixa.
— Ele te roubou — Miguel começou a concluir os fatos —, você ficou
sem a grana para pagar esse agiota e eles estão te cobrando. Onde eu entro
nisso? Onde ter transado comigo e ter me roubado entra nessa história?
Paloma respirou fundo e continuou:
— Eu procurei o Rômulo, expliquei minha situação, pedi que
encontrassem o Tiago e acertassem as contas com ele. Eu até mostrei o
comprovante do banco, mas esse maldito agiota foi irredutível e disse-me que
os negócios eram comigo. E desde que eu continuasse a pagar a porcentagem
do empréstimo eu não teria porquê temer. Eu devo dizer que me alterei muito,
fiquei nervosa e o desafiei. Aleguei que com muito suor eu tinha juntado o
dinheiro para pagá-lo, mas fui roubada, e ele deveria se acertar com Tiago. No
mês seguinte, não paguei os juros, e é claro, Rômulo veio atrás de mim e me
fez ameaças. Eu fiquei com medo, saí do emprego, me mudei de casa, eu vivi
um tempo trancada, não saía na rua, sabia que ele me seguiria. Eu tinha um
pouco do dinheiro que peguei da minha rescisão, me mantive por uns dias, mas
sabia que não poderia me esconder a vida toda. Pelo menos, não aqui. Eu
tenho nacionalidade dupla. Meus avós, pais da minha mãe, eram espanhóis,
por isso, eu posso viver aqui na Espanha como cidadã. Posso ter uma vida
aqui. — Ela baixou os olhos para suas mãos entrelaçadas.
— É por isso que conseguia o sotaque?
Ela deu uma meia risada.
— Eu vivi um tempo como meus avós depois da morte da minha mãe.
Meu pai entrou em depressão e não tinha condições de cuidar de mim. Eu
acabei me familiarizando com os dois idiomas, principalmente porque eu
vivia aqui e ali, nas férias de verão. — Suspirou. — Enfim, eu queria ter
dinheiro suficiente para comprar uma passagem de volta para cá, ter dinheiro
para alugar uma casa no lugar mais inóspito que eu pudesse encontrar e fugir
do Rômulo sem deixar pistas. — Ela se levantou, caminhou até uma mesa e
voltou com uma pasta em mãos. — Eu estava até tirando documentos falsos e
ia fazer uma mudança no visual amanhã. Depois tentaria um visto na França,
em alguma cidade pequena. Desde que eu te roub… Bem, desde tudo, eu tenho
organizado esses trâmites.
— Isso parece até coisa de filme de Hollywood. — Apontou Miguel
com uma risadinha. Baixou os olhos e segurou-a nas mãos outra vez, fixando
os olhos em seus dedos entrelaçados. — Desculpe, continue.
— Faltava uma grana para eu completar minha quantia e sair do Brasil.
O cerco estava se fechando, Rômulo andou fazendo perguntas e não demoraria
para ele me achar. Então eu vi você naquela choperia…
— E resolveu transar comigo para me roubar — alegou, afirmando mais
do que perguntando.
Paloma suspirou e soltou as mãos dele.
— A intenção não era transar com você. Você estava bêbado, eu ia
esperar que dormisse, então eu… Bem, faria o que fiz.
Miguel a olhou por um breve instante, querendo entender aquela história
maluca que acabara de ouvir. Apesar de ser um relato triste e preocupante, ele
queria saber até que ponto poderia acreditar em Paloma. Aliás, ainda nem
sabia se Paloma era mesmo o nome dela.
— Você mentiu para mim uma vez. Como espera que eu acredite em
você? Nem sei se Paloma Hernández é mesmo seu nome.
Com um suspiro, a mulher se levantou e caminhou até uma estante ali
perto, pegou outros papeis e retornou. Pôs nas mãos de Miguel, e ele os
analisou.
— Tem passaporte, documentos em geral, escritura da antiga casa dos
meus avós, exames do meu pai, histórico escolar. E até cópias das provisórias
dos pagamentos que fazia mensalmente ao Rômulo. Olhe, comprove por você
mesmo. Eu nunca fiz nada do gênero na minha vida, Miguel — defendeu-se
com um tom pequeno de mágoa, e os olhos brilharam por conta de algumas
lágrimas. — Eu entrei em desespero, não sabia mais o que fazer, era te roubar
ou… Ou morrer — sussurrou, e Miguel ergueu os olhos para ela.
Lembrou-se do brutamontes e das pancadas que levou na testa, da arma
apontada contra sua cabeça. De fato, eram pessoas perigosas, prontas a findar
uma vida como forma de pagamento.
— Me desculpe — murmurou, arrependida —, eu só não achei outra
saída, e eu… eu estava… desesperada — gaguejou em soluços.
Miguel a trouxe para outro abraço e deixou que ela se acalmasse no
calor dos seus braços. O perfume dos cabelos dela invadiu-o. Era o mesmo
aroma da noite em que estiveram juntos, e a lembrança do sexo avivou seu
coração. Afastou-a de seu aperto e a olhou nos olhos.
— Disse que não pretendia dormir comigo. O que te fez mudar de ideia?
Você poderia ter me roubado quando dormi na sua cama, mas não fez isso. Por
quê?
— Eu não sei — admitiu em tom baixíssimo, e Miguel quase não a
ouviu. — Eu vi você dormindo, me aproximei da sua carteira, hesitei e depois
desisti. Eu não tive coragem. Fiquei longos minutos te observando, recordando
as coisas que me contou da sua vida. Eu não sei se era medo, atração,
hesitação, compaixão. Eu só sei que queria ver você acordar, conversar mais
um pouco, ter certeza de que merecia ser roubado.
— E eu mereci ser roubado?
— Não! — respondeu alarmada. — Seu eu pudesse, eu teria ficado,
teria dado um jeito de conseguir meu dinheiro. Eu queria muito ter deixado
pelo menos um telefone porque eu… eu… — titubeou e ruborizou — Eu gostei
de você.
Ao ouvi-la, Miguel esboçou um sorriso cálido.
— De um mês para cá, eu não faço outra coisa a não ser lembrar
daquela noite — revelou.
Paloma vidrou seu olhar para ele, assustada.
— Desculpe, eu posso devolver o seu dinheiro, eu só preciso…
— Não estou falando de dinheiro — sussurrou inclinando-se sobre ela.
— Paloma, eu não paro de pensar e desejar você. Eu quero seu toque, seus
beijos, suas mãos sobre meu corpo. Você me marcou como ninguém nunca o
fez.
Paloma vacilou, aturdida. Viu Miguel se curvar em sua direção e tudo
que ela sentia era seu coração ricocheteando, a única atitude que tinha era
olhar fixamente os lábios dele e ansiar por um beijo que a deixaria sem ar. A
boca de Miguel recaiu sobre a sua, e ela nem raciocinou, segurou-o pela nuca
e correspondeu ao beijo, intensificando-o ainda mais. Desesperados, pareciam
dois amantes que não se viam há muito e precisavam saciar-se um do outro.
Estabanados, Miguel arrancou o blazer, enquanto Paloma tirava a
camisa. Dois segundos depois, ele estava sobre Paloma, o beijo cada vez mais
caloroso e desesperado, necessitado.
Amaram-se outra vez, agora, mais lúcidos um do outro. Ao final, ela
deitou-se sobre o peito largo de Miguel, enquanto recuperavam o ar.
Alguém bateu à porta, e Miguel olhou Paloma, franzindo o cenho.
— Está esperando alguém? — questiono-a, desconfiado.
— Não — ela respondeu se levantando e vestindo rapidamente sua
roupa.
As batidas na porta se intensificaram. Miguel pulou do sofá e se vestiu
também. Paloma foi até a porta e ele a acompanhou. Assim que a abriu, três
homens entraram como um furacão, empurrando-os.
Miguel se assustou, segurou Paloma pelos braços e a pôs atrás dele, seu
primeiro instinto foi defendê-la. Um segundo depois do susto, Miguel
reconheceu o brutamontes que o agrediu na choperia como sendo um dos três
homens.
— Você… — murmurou, ofegante e surpreso.
— Miguel de Orleans — disse uma segunda voz. Era um homem de
traços mulatos e cabelos escuros. Tão alto e forte quanto Miguel.
— Rômulo… — a voz de Paloma saiu trépida.
O homem sorriu satisfatoriamente.
— Em carne e osso, querida — anunciou e olhou para Miguel. — Você
não deveria mentir para um bandido. Disse ao meu homem que não conhecia
Paloma, e olha só para você: acabou de trepar com ela.
— Eu não menti. Mas o seu homem a ameaçou de morte. Eu só vim
avisá-la.
— Como a encontrou? — Rômulo indagou adentrando mais o
apartamento. Casualmente tinha as mãos dentro do bolso de sua calça cáqui.
— Tenho métodos e contatos.
O homem avaliou Miguel, o olhando de cima abaixo.
— Fizemos bem em ficar de olho em você. Assim, pudemos te seguir.
Como minhas suspeitas diziam, você nos trouxe direto para Paloma. Homens,
peguem-na — ordenou.
Miguel se prostrou diante dela, dando um passo à frente. Sabia que
podia ser facilmente rendido, já que estava em desvantagem, mas quis arriscar.
Não deixaria que ela fosse levada.
— Espera! — Os homens estacaram. — Podemos resolver isso. Se é
dinheiro que vocês querem, nós vamos dar um jeito.
Rômulo acenou para seus homens e eles recuaram.
— Quer negociar, é isso?
—Sim. Nos dê um tempo, vamos quitar essa dívida da Paloma.
— Vinte e quatro horas — decretou Rômulo.
— O quê? — Miguel entreabriu os lábios, pasmo. — Não, pelo menos
uma semana.
— Trinta e seis horas, e não se fala mais nisso. Agora que sei do seu
paradeiro, Paloma, redobrarei minha atenção em você. Se meus cinquenta mil
não estiverem na minha mão depois de amanhã, eu volto e você paga com sua
vida — ameaçou.
— Nos dê setenta e duas horas — interveio Miguel, tentando uma
barganha. — Setenta e duas horas e terá seu dinheiro.
Rômulo voltou seu olhar para Miguel.
— Ok — cedeu. — Em setenta e duas horas você deve se encontrar
comigo no centro de Madri. Fiquem avisados que estarei de olho em vocês
dois e que essa é a última chance de negociar comigo. Se não me pagarem, eu
mato Paloma e depois vou atrás da sua família, Orleans — afirmou e saiu,
seus homens o acompanhando, mas não antes de jogarem um olhar ameaçador
para Paloma e Miguel.
Quando a porta foi fechada, Paloma caiu no sofá, o desespero se tornou
palpável em suas lágrimas. Miguel a acudiu, abraçando-a confortavelmente.
— Vai ficar tudo bem, Paloma — sussurrou em seu ouvido. — Vou te
tirar dessa. Não se preocupe.
Paloma acenou, secando suas lágrimas. Ela não sabia como seria a
ajuda, mas sentiu-se segura e protegida naqueles braços.
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – FINAL

Miguel a abraçou fortemente. Paloma deitou sobre os ombros e foi


envolvida em um abraço quente e confortante. Sentiu-se segura.
— Como você vai fazer isso, Miguel? — ela o questionou minutos
depois que Rômulo se foi. Continuava encaixada entre os braços dele e
parecia ter se esquecido de se afastar. — E por que está fazendo isso por
alguém que mal conhece?
Miguel segurou-a pelos ombros e a olhou nos olhos.
— Eu quero te ajudar. E eu não preciso te conhecer bem para isso. Pelo
amor de Deus, Paloma, eles te ameaçaram de morte. Achou que eu seria tão
desumano a ponto de não fazer nada a respeito?
Paloma emudeceu. Fitou-o dentro dos olhos verdes. Avaliou o rosto
bonito, o cabelo jogado para trás e de lado. Ruborizou levemente recordando-
se do sexo e de como seu corpo inteiro entrou em espasmos de prazer nunca
sentidos.
— Eu não terei como te pagar tudo de uma vez — alegou baixinho.
— Isso é o de menos — Miguel rebateu.
— Mas, Miguel… — ela tentou questionar.
— Não, Paloma, não vamos falar disso agora.
Ela suspirou baixinho e acenou com um meneio de cabeça.
Mecanicamente ela voltou aos braços de Miguel, o conforto que os abraços
dele rendiam em seu corpo era inexplicável, e tudo que ela queria era sentir
outra vez a sensação de estar em segurança.
Miguel foi pego de surpresa com o ato e se assustou levemente. Mas
logo a estranheza daquela atitude foi posta de lado e ele se rendeu, abraçando
seu corpo outra vez.
— Você ainda não me disse como faremos isso. — Ela o lembrou. Sua
voz saiu vagamente abafada por conta do rosto contra o peito dele.
— Darei uns telefonemas. Tenho alguma coisa no banco e vou falar com
meu pai.
— Miguel, são cinquenta mil! É muito dinheiro.
— Eu sei, Paloma. Mas meu pai tem uma construtora bem reconhecida e
está há anos no mercado brasileiro. Temos essa quantia, não se preocupe.
— Esqueci que você é engenheiro. E rico.
Ele soltou uma risadinha e balançou a cabeça, sentindo-se meio
envergonhado.
— Só preciso convencer o velho Luiz a me arrumar essa quantia.
— Acha que ele pode recusar?
— Talvez. Mas vou convencê-lo — disse convicto. — Aliás, farei isso
agora. Não temos todo o tempo do mundo. — Levantou-se e sacou o telefone
do bolso para fazer a ligação.
A princípio, convencer Luiz a emprestar o dinheiro fora difícil. Miguel
precisou quase atuar como um promotor para fazer o pai ceder os seus
pedidos. Prometeu que pagaria com juros, que poderia ser descontado da sua
herança, do seu salário da LG Construtora… Luiz se opôs muito,
principalmente porque Miguel havia abandonado as obras da Swiss Chocolate
para viajar à Espanha. Quando Miguel tomou essa atitude, ele não deu
nenhuma justificativa, o que enfureceu, e muito, seu pai. Então, seu filho lhe
liga e conta uma história de ameaças de morte e uma quantia de dinheiro
elevada. Tudo por causa de uma mulher.
— Você quer ajudar uma mulher que te roubou? — Foi o que Luiz falou
para tentar mudar a ideia absurda de Miguel.
— Pai, ela estava em desespero fugindo desses caras. Eu não a julgo, e
eu… — Ele fez uma pausa e olhou para trás. Paloma estava na cozinha
americana preparando um chá para eles. — Eu gosto dela. — sussurrou. —
Desde Sophia, é a primeira mulher de quem eu realmente gosto…
Com um suspiro exasperado atravessando a linha, Luiz cedeu.
Combinaram que Luiz faria a transferência do dinheiro assim que eles
tivessem uma conta para tal. Miguel agradeceu o pai quase que infinitamente.
— Se cuide, Miguel — avisou e logo desligou.
Paloma vinha da cozinha trazendo chá e biscoitos. Apoiou a bandeja
sobre a mesa delicadamente posta. Olhou para Miguel, e seus olhos estavam
tensos. Miguel se aproximou encostando o telefone na altura do queixo, o
semblante contorcido. Isso apertou o coração dela.
— E então? — sussurrou.
Miguel fez um pequeno suspense.
O coração de Paloma já saltava pela boca.
— Eu consegui — disse abrindo um largo sorriso.
Paloma correu para seus braços e pulou em seu colo. Miguel quase se
desequilibrou e gargalhou.
— É sério?
— Sim. Precisamos de uma conta para fazer a transferência.
— Posso abrir uma, por conta da cidadania espanhola.
— Ótimo. Faremos isso ao amanhecer — falou passando suas palmas
longas pelas costas dela.
Olharam-se nos olhos e ficaram mudos. Paloma estava deslumbrada com
os olhos verdes que brilhavam à sua frente. Nem se deu conta que a força dos
braços de Miguel ainda suportava o peso de seu corpo.
Igualmente fascinado, Miguel recobrava a sua mente instantes atrás antes
da chegada de Rômulo. Seus corpos nus e eles se tocando, os beijos intensos,
molhados, profundos. Dois corpos que se moldavam um ao outro com
perfeição, o prazer de sentir a pele dela contra a sua. O suor que escorria por
suas costas indicando o calor da paixão que viviam.
Parecendo não perceber que suas pernas se moviam em direção ao
quarto, Miguel não desgrudou seu olhar do dela, como se estivesse
hipnotizado. Paloma também não se deu conta das passadas que a levavam
para o outro cômodo.
Vidrados um no outro, quase nem perceberam que vagarosamente
deitavam-se na cama, Miguel deixando seu corpo por cima do de Paloma. A
mesma eletricidade diferente percorreu o corpo dele novamente. Parecia
estranho, mas ele a desejava outra vez, ansiava sentir o toque brando das mãos
dela.
Aproximou-se vagarosamente, almejando um beijo tentador. A
respiração de Paloma já começava a fraquejar. Ele a segurou pelos punhos e
levantou-os até a altura de sua cabeça. Colaram seus lábios e iniciaram um
beijo calmo e sereno, que logo passou a uma boca devorando a outra.
A necessidade que sentiam um do outro crescia a cada segundo.
Desajeitadamente, arrancou outra vez sua roupa. A essa altura já não tinha
mais nenhum pudor ou vergonha. Tudo o que queria era saciar sua vontade
dela, tranquilizar seu corpo e mente que exigiam os prazeres da carne, mas não
com qualquer uma, apenas com Paloma. Era a pele dela que seu corpo exigia,
eram os beijos dela que seus lábios bradavam, eram as mãos dela
escorregando por suas costas que sua mente ansiava.
Era Paloma que ele queria.
Mais ninguém.
Ajudou-a com suas vestes. Suas bocas não queriam se desgrudar nem
por um segundo. Cada vez que o beijo cessava, ambos os corpos protestavam
e simultaneamente se atraíam.
Tornaram a se entregar um para o outro. Miguel sabendo com mais
convicção do que nunca de que não poderia encontrar outra sensação
prazerosa como aquela sem ser com Paloma. Enquanto o suor escorria por sua
testa no momento em que se amavam intensa e calorosamente, interiormente
ele decidia.
Queria Paloma do seu lado. De qualquer maneira.

♦♦♦

Discretamente, Miguel abriu a maleta preta e a virou na direção de


Rômulo. Eles estavam em um café no centro movimentado de Madri. O
bandido levantou os óculos escuros e olhou fixamente o dinheiro bem
distribuído dentro da maleta. Pegou um maço e o analisou para ter certeza de
que as notas não eram falsas. Conferiu tudo e disse:
— Dívida quitada. — E olhou Paloma atrás de Miguel, meio acuada.
Ela ainda temia o homem mulato e alto. O olhar duro e ameaçador que ele lhe
enviava a fazia estremecer e sentir um frio na espinha. — Você tem sorte,
senhorita Hernández, encontrou uma boa alma que te ajudou.
Rômulo tomou a maleta, fechou-a acionando o dispositivo de segurança
e passou para um de seus homens, que sem demora a enfiou por baixo dos
ombros, protegendo como se fosse um artefato raro.
— Não vai mais ameaçá-la, não é? — Miguel perguntou, cuidadoso.
— Eu tenho motivos? — Arqueou uma sobrancelha. — Nossas questões
já foram resolvidas, eu não tenho mais razão para ameaçá-la.
Miguel apenas acenou e trouxe Paloma mais para perto, ainda
protegendo-a com seu corpo. Rômulo fez uma breve despedida e saiu
acompanhado de seus seguranças.
Paloma sentiu as pernas bambas, e Miguel a amparou. Ela estava
aliviada, mal podia acreditar que se via livre das perseguições de Rômulo.
Poderia ter uma vida normal, voltar a trabalhar, não precisaria mais mudar de
nome e aparência, nem se mudar para algum lugar afastado na França, nem
viveria mais com cautela, se esgueirando pelas ruas com medo de ser pega.
— Está tudo bem agora, Paloma. Eu disse que estaria aqui para você —
Miguel sussurrou em seu ouvido. Os lábios quentes dele encostando-se
levemente em seu lóbulo da orelha.
Ela suspirou e se aninhou ainda mais nos braços dele. Se não devia mais
a Rômulo, agora devia a Miguel de Orleans. Ela não sabia como, mas pagaria
cada centavo emprestado. Se fosse preciso trabalharia em quatro, cinco
empregos pelo resto da vida. Tinha uma dívida, e a honraria. Principalmente
por conta da vergonha que se apossou de seu ser por tê-lo roubado.
— Quero pagar cada real que me emprestou — disse, enfim.
— Não precisa, Paloma.
— Precisa, Miguel. Não é justo.
Ele a tirou do alcance dos seus braços. Segurou seu rosto com as duas
mãos. Olhou dentro dos olhos castanhos. A última vez que ele se sentiu tão
atraído por uma mulher foi com Sophia. E desde que aquela mulher entrou em
sua vida, Miguel nem se importava mais com a Sophia Hornet. Paloma era
uma ladra. Não havia roubado apenas algumas notas da sua carteira. Roubara
também seu coração.
— Fica comigo. — ele pediu, e ela estalou os olhos. — Esqueça essa
maldita dívida. Me dê o privilégio de ter você ao meu lado. Sei que nos
conhecemos há pouquíssimo tempo, Paloma, mas eu… Eu sinto que não
conseguirei voltar para o Brasil e te deixar aqui. Diabos, Paloma! Eu não fui
capaz nem de esquecer a nossa primeira transa, depois desses dois dias aqui
com você, depois de ter transado loucamente em cada canto daquele
apartamento…. Acha que eu serei capaz de seguir com a minha vida
normalmente?
Ela prendeu o ar por um instante. Estava paralisada com o pedido de
Miguel. Surpresa. Não que ela não quisesse a mesma coisa. A verdade é que
Paloma acreditava que para ele não passava de sexo. Durante o decorrer
daqueles dias, rezava para que as horas se arrastassem, pois queria aproveitar
cada segundo que lhe restava antes de Miguel partir. Paloma acreditava que
ele iria voltar e simplesmente tocar sua vida, eles manteriam contato apenas
para que ela pagasse a dívida.
No entanto, diante daquele pedido inesperado, abriu um largo sorriso.
Nunca tinha se sentido tão bem na presença de um homem. Talvez fosse Miguel
que curaria a ferida em seu coração, aberta pelo maldito Tiago.
Uma felicidade resplandecente iluminou seus olhos e seu sorriso.
Agarrou Miguel e selou suas bocas em um beijo profundo e apaixonante. Sem
hesitar, ele retribuiu e soube no mesmo instante que aquele beijo significava
um delicioso e tentador “sim”.
— Ainda irei pagar o que devo — murmurou na boca dele.
Miguel riu.
— Com beijos e sexo?
— Com dinheiro, Miguel!
Ele concordou, rindo. Abraçou o pequeno tronco dela e voltaram para o
apartamento. Jogaram-se no sofá assim que chegaram. Paloma deitou-se entre
as pernas de Miguel, as mãos dele começaram a lhe afagar os cabelos,
eletrizando o corpo de ambos. Paloma gostava de sentir aquelas carícias e
Miguel gostava de dá-las.
— Quando vamos voltar ao Brasil? — ele perguntou estalando um beijo
em sua cabeça.
Paloma ficou um instante em silêncio. A verdade é que não havia planos
de volta. Queria se distanciar um pouco daquele país. O lugar só lhe trazia
más lembranças: Tiago, Rômulo, a morte de seu pai… A única coisa boa tinha
sido Miguel. Pensando nisso, entristeceu-se instantaneamente. E se ela não
fazia planos de retornar, e ele sim? Como ficariam juntos?
Suspirou e disse:
— Não pretendo voltar, Miguel. — Sua voz saiu em um sussurro. Houve
um silêncio perturbador. Um medo incontrolável se apossou dela. Parecia
sentir que Miguel ia se afastar e deixá-la. Paloma podia dizer que ele se
desculparia e depois voltaria para seu país, alegando não poder ficar.
— Então, acho que precisamos nos casar para que eu tenha cidadania
espanhola — ele respondeu de repente.
Paloma virou-se, totalmente espantada. Ele sorria encantadoramente.
— Eu não tenho visto permanente. Se quiser que eu fique, é o único
jeito.
É claro que havia outras maneiras. Talvez mais burocráticas, mas o
casamento era a solução mais viável e fácil de fazê-lo ficar.
— Está falando sério? — ela indagou. Ela se referia ao fato de ele
querer ficar, e não, necessariamente, do casamento.
— Claro que sim.
Paloma avançou sobre ele e o beijou de novo, uma felicidade explodia
dentro de seu âmago. Suas bocas se conectavam de forma tão perfeita e
harmônica que pareciam terem sido feitas uma para outra.
— Vai mesmo deixar tudo para trás só para ficar aqui comigo? —
Paloma não podia acreditar. Tudo estava correndo muito bem, e ela não estava
habituada com as coisas dando certo.
— Eu não me perdoaria se minha felicidade estivesse aqui e eu voltasse
para aquele lugar onde não tenho nada — Miguel respondeu. Tocou-a
serenamente no rosto, enfeitiçado pelos olhos castanhos claros.
Paloma sorriu e se ajeitou ainda mais no colo dele. A emoção de estar
cada vez mais próximo daquele corpo era tão inexplicável, que tudo que ela
fazia para entender sua necessidade de Miguel era senti-lo. Apenas senti-lo.
— Vamos marcar nosso casamento quando seu visto turístico vencer —
sugeriu. — Assim vamos nos conhecendo mais até termos certeza se é isso que
queremos para nós, tudo bem para você?
Miguel assentiu apenas. Eles sorriram um para o outro, e sem demora
estavam se provando em cada canto daquele apartamento.

♦♦♦

Três meses mais tarde.


A porta da casa nova foi aberta com um pontapé. Miguel usou seus pés,
porque nos braços trazia sua esposa Paloma. Eles riam enquanto adentravam a
sala decorada e mobiliada da nova residência. Por ora alugada, mas Miguel
havia conseguido um trabalho como engenheiro em uma construtora renomada
em toda Europa e‚ logo poderia comprar uma casa. No entanto, ter deixado o
apartamento antigo (e guardado o dinheiro da venda para dar a entrada em uma
casa maior, no futuro) selava a nova fase que se iniciava em suas vidas.
Ter deixado o Brasil para trás não foi uma tarefa fácil. Sua mãe não
aceitou, seu pai protestou, e ele não teve apoio nenhum. O único motivo que o
prendia ali era uma mulher de olhos castanhos que o fascinava todos os dias.
O motivo era forte o suficiente para dobrar os pais e decidir morar e fazer sua
vida na Espanha, ao lado da mulher que amava. O que o fazia feliz era que
Paloma sentia o mesmo. Era um homem de sorte por tê-la em sua vida.
Como o combinado, assim que seu visto venceu, eles se casaram.
Miguel, desde o dia que pediu para que ficassem juntos, jamais duvidou do
que realmente queria para sua vida. Paloma seria a razão da sua felicidade, e
não havia dúvidas quanto a isso.
— Está lindo, Miguel — Paloma disse olhando ao redor, ainda nos
braços dele. A sala havia sido adornada com pétalas de rosas por todo o lado,
na mesa de centro havia champanhe em um balde com gelo. O sofá era
convidativo para a consumação do casamento.
— Não tem nada demais, Paloma — alegou, beijando-a. — Está tudo
muito simples.
— Não me importo. Está lindo. — Ela o acariciou nos cabelos.
Miguel a direcionou para o sofá e a deitou, deixando seu corpo sobre o
dela, mas controlando seu peso para não machucá-la. Paloma trajava um
vestido branco de corte reto e longo, não havia calda, e o decote chamativo
não deixava Miguel enciumado, mas excitado. Ele vestia uma camisa branca,
colete preto e gravata vinho. O casamento tinha sido apenas no cartório, e
nenhum deles se importou. Os padrinhos foram alguns colegas do trabalho de
Miguel, também não houve nenhuma comemoração grandiosa. Nem haveria lua
de mel.
Tudo de que precisavam estava na frente de cada um deles.
— Eu amo você — Miguel declarou-se resvalando suas mãos pelo
corpo dela. — Como nunca amei ninguém na minha vida. — E encontrou os
olhos dela, já marejados de emoção.
— Eu amo você — ela respondeu. — E vou te amar para sempre.
Eles se beijaram. Os dedos de Miguel procuraram pelo zíper nas costas
de Paloma para despi-la. Ao mesmo tempo, as mãos de Paloma rapidamente
abriram os botões do colete. Em segundos, estavam nus, estreando a casa, o
sofá, a nova fase que faria deles um casal completo.
Enquanto Miguel a amava e era amado de volta com a mesma
intensidade, enquanto seus corpos se tocavam e se conheciam cada vez mais,
enquanto a mesma sensação que percorreu seu âmago na primeira vez que
esteve com aquela mulher o estremecia como sempre acontecia quando se
amavam, enquanto consumavam seu casamento, ele pôde ver, no fundo
daqueles olhos luxuriosos, cheio de vida e amor, cheio de paixão e
cumplicidade, que ali ele encontraria a felicidade eterna. Encontraria o amor
que tanto ansiou.
Ele a amaria enquanto vivesse. E sentia que seria amado por ela até seu
último suspiro.
Esse simples fato fazia sua alma se felicitar, suas pernas tremerem e
seus olhos marejarem. Naquele momento, Miguel tinha apenas uma certeza na
vida: se fosse para envelhecer como um típico homem de livros e filmes que
viveu sozinho amando verdadeiramente uma única mulher, Miguel não
hesitaria em sua resposta: Paloma Hernández.
BÔNUS II
MELISSA – PARTE I

Melissa segurou firme o uniforme laranja contra o peito, enquanto a


agente penitenciária a guiava para sua cela, depois de lhe ter passado todas as
instruções, rotinas e horários do presídio feminino.
Apesar de sua situação não ser a melhor de todas, ela continuou com seu
ar superior e arrogante nariz empinado. Moveu os cabelos acobreados de um
lado a outro, analisando, repulsivamente, tudo e todas ao seu redor. Por ter um
curso superior, conseguira uma cela particular, o que a aliviou muito. Em seus
pensamentos dava graças por não ter que se misturar com as demais.
Seus atos imprudentes — e vingativos — contra Daniel Müller foram
julgados e condenados a dez meses e vinte e cinco dias em regime fechado. As
provas do dossiê que Müller tinha em mãos, mais o depoimento de como foi
chantageado e ameaçado, contribuíram para a determinação da pena. Não que
seu advogado não quisesse tentar uma reversão em serviços públicos ou
regime semiaberto, por ela ser ré primária. No entanto, os pais de Melissa
Telles, furiosos com o vídeo íntimo da filha, e como forma de punição, não
concordaram em pagar os honorários necessários para o advogado. Até
porque, eles tiveram de reembolsar uma quantia para a multa, como manda a
lei. Parte da multa fora revertida para Daniel Müller como danos morais e
psicológicos, dinheiro este que ele doou a uma instituição de caridade.
A funcionária do presídio parou frente a uma cela, pegou um molho de
chaves e abriu a grade, ordenando que a nova prisioneira entrasse. Receosa, a
ruiva entrou. Olhou em seu entorno e ouviu a grande cela ser fechada e
trancada. Por todo o seu caminho até ali, não havia sentido nada. Nem medo,
angústia ou arrependimento. Mas no instante em que se viu definitivamente
presa entre aquelas paredes, quando se viu enjaulada, seu coração deu um
salto e pela primeira vez, Melissa sentiu alguma coisa. Não soube dizer
naquele momento o que era realmente, mas deveria ser uma mistura de temor e
arrependimento.
Tomando um pouco de fôlego e coragem, girou o corpo e apoiou suas
novas vestes alaranjadas no concreto que só tinha um colchão com um aspecto
muito desconfortável. Olhou ao redor. Uma pia e um vaso sanitário. Mais
nada. O vento quente entrava por uma brecha pequena e retangular. Alta o
suficiente para que ela mal visse a paisagem lá fora.
Com rapidez, ela se vestiu, enquanto ouvia algumas outras presidiárias
cochicharem, tantas outras falavam alto o bastante para que ela escutasse as
injúrias que se referiam a sua pessoa. Tentou ignorar o barulho e olhou para o
próprio corpo. O traje estava maior do que o necessário para seu porte, e ela
se sentiu um balão inflado.
Deitou-se e confirmou suas suspeitas. O colchão era desconfortável.
Suas costelas podiam sentir a dureza do concreto. Girou de um lado para outro
e tentou encontrar uma posição que não a incomodasse tanto. Quase em vão.
Por algum tempo ficou apenas fitando a brecha triangular que trazia o
vento de fora. Em sua mente o único arrependimento fora não ter fugido a
tempo. Se tivesse sido esperta, estaria num colchão supermacio, não em uma
cela mofada, escura e fechada.
Melissa não soube dizer quanto tempo se passou exatamente, mas teve a
impressão de ter dormido. Foi acordada com uma caneca de inox batendo
contra as grades e a despertando, enquanto uma voz aguda reverberava nos
seus ouvidos:
— Acordem, tomem um banho e vão para o refeitório! — a mulher
gritou por todos os corredores, batendo o utensílio contra as celas e
balançando o molho de chaves, abrindo fechadura por fechadura.
Olhou outra vez pela brecha e o céu estava negro. Não sabia dizer se
havia anoitecido ou ainda era tão cedo a ponto de o sol não ter nascido.
Com extrema dificuldade, levantou-se e se posicionou com as demais
detentas. Havia uma fila indiana logo ao lado da sua cela, onde muitas
mulheres, de todas as etnias e tamanhos, já estavam prontas para acatar as
ordens e seguir mais aquela rotina, que Melissa ainda não havia entendido o
que era.
Atrás dela, uma mulher branca de traços orientais, com algumas
tatuagens pelo braço e rosto, parecia de bom humor e falava com outras
presas. Melissa virou-se em sua direção e tentou forçar um sorriso.
— Eu sou nova aqui. — começou, e logo a mulher baixinha fechou a
cara, talvez incomodada com a intromissão da ruiva. Não se deixando
intimidar, Melissa continuou: — Onde estamos indo?
A oriental cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha.
— Para o banho e depois ao refeitório para o café da manhã —
respondeu com grosseria.
— Mas, já é de manhã? — indagou, desconfiada.
A oriental, juntamente com algumas outras, riram. A fila começara a
andar e Melissa foi empurrada para que desobstruísse o caminho das demais.
— Sim, ruiva esnobe. Agora, ande! — A oriental a empurrou outra vez e
passou por ela, enquanto gargalhava.
Melissa pestanejou e logo recuperou sua compostura e passou a seguir
as presas. Elas eram todas direcionadas para um banheiro grande e espaçoso,
cheio de duchas espalhadas, contendo divisórias de meio metro apenas nos
nichos dos vasos sanitários. Temerosa, ela retirou a roupa e procurou por um
canto afastado das demais para tomar banho. As mulheres ao redor não tinham
vergonham ou pudor. Pareciam habituadas a se verem despidas. Mas a ruiva
sentia-se extremamente desconfortável. Enquanto ensaboava o corpo com uma
esponja vegetal já gasta, ouvia os mais diversos palavreados, de todos os
tipos, dos mais triviais aos mais ofensivos.
Melissa tentou não dar muita atenção. Percebeu que seria difícil se
enturmar. A grande maioria das presas era o total oposto dela. Masculinizadas,
briguentas, arruaceiras e duronas. Já a ruiva, apesar da péssima condição em
que se encontrava, insistia em manter o nariz empinado e o ar esnobe.
Durante todo o banho, reparou nos olhares direcionados a ela enquanto
as detentas cochichavam. Os olhos maldosos percorriam seu corpo de ponta a
ponta, os lábios, principalmente da oriental, desenhados em escárnio e
perversidade. Melissa nunca se sentira tão acuada em toda a vida. Afastou os
pensamentos, terminou o banho e vestiu-se rapidamente, o mesmo efeito
“balão” da vestimenta a incomodando.
Um alarme alto e estridente ressoou acima de sua cabeça. No instante
seguinte, as mulheres passaram rapidamente por ela, esbarrando em seu
ombro; outras, empurrando-a propositalmente; um tanto mais, zombando e
proferindo insultos. A baderna acabou assim que a agente do presídio surgiu
de algum lugar, apitando e cuspindo ordens. As prisioneiras se organizaram, e
Melissa, ainda que perdida, permaneceu afastada e no fim da fila indiana que
fora formada outra vez.
O grupo foi conduzido até o refeitório, um espaço ainda muito mais
amplo, com mesas compridas de inox, mas totalmente medonho. A ventilação e
as luzes naturais eram escassas. Com pouca luminosidade, o local conferia
uma atmosfera sombria, ainda mais se somada ao cheiro forte de tabaco e suor,
dos olhares duros e mal-encarados das outras detentas.
Melissa se sentou sozinha numa mesa longa, cabisbaixa. O café da
manhã era simples. Café com leite e pão com manteiga. Somente. Torceu o
nariz por um segundo. Antes seu desjejum era farto e suculento, mas naquele
momento teria de se contentar com o que viesse. Se não quisesse morrer de
fome.
São só alguns meses, mentalizou, como que para se convencer. Logo
estarei longe desse inferno.
Ainda que enojada, estava prestes a beber o café quando uma mão
estapeou a caneca, mandando-a para o chão e espirrando o líquido para todo
lado. Consternada, Melissa virou-se na direção da agressão e topou com os
olhos puxados. Os braços tatuados estavam à mostra por conta de uma camisa
rasgada nas mangas, os cabelos negros e escorridos caíam-lhe sobre os
ombros, nos lábios, além de uma risada zombeteira, trazia uma bituca de
cigarro e duas guarda-costas, logo atrás. Uma negra alta e robusta do lado
esquerdo com os braços cruzados e a expressão pouco amigável; do outro
havia uma loura oxigenada com os cabelos malcuidados, com aspecto e textura
de palhas, sendo mais alta que a oriental e mais baixa que a negra.
Melissa vacilou por um segundo, tentando entender o porquê da
provocação. Era óbvio. Ela era novata.
Respirou fundo e se levantou, querendo apenas ignorar o ataque.
Melissa também era mais alta que a mulher de olhos puxados. No entanto, no
segundo seguinte que se pôs de pé, a mão da mulher a empurrou de volta para
o seu lugar inicial. Antes que a ruiva pudesse ter qualquer outra reação, a
japonesa já se inclinara em sua direção, agarrando-lhe um tufo de cabelos
acobreados e puxando com violência. A baixinha tirou o cigarro da boca e
soltou uma baforada de fumaça na cara de Melissa:
— Sabe, ruiva — Ayumi, a oriental, começou. Apesar da estatura baixa,
sua voz era ameaçadora e levemente rouca —, nós temos um código por aqui.
As novatas devem servir às veteranas. E adivinha? Você é a novata… E eu, a
veterana. — deu-lhe um repuxão nas madeixas, dessa vez com mais força,
como quem doma um cavalo puxando as rédeas. Melissa remexeu-se por
demasiado, querendo escapulir do aperto, mas a outra mantinha-se forte. — Se
não quiser levar umas porradas vai me servir em tudo o que eu quiser,
entendeu? — decretou, hostil.
Ayumi soltou a ruiva, voltou sua postura para o lugar, tragando o cigarro
sem deixar de encará-la.
Melissa levantou-se instantaneamente, confrontando a rival. Estava
decidida a não se sujeitar aos comandos da japonesa insolente. Riu com
cinismo e se pôs frente a frente à sua antagonista, afrontando-a, mirando-a nos
olhos com desdém por conta de sua estatura baixa.
— E é você quem vai me obrigar a isso? — indagou com descaso,
avaliando-a de cima em baixo.
Sem que Melissa esperasse, Ayumi tacou-lhe um tapa na cara, cortando a
maçã de seu rosto. Desequilibrada, a ruiva caiu desajeitadamente sobre o
banco e não teve tempo de reagir ou assimilar o que estava acontecendo.
Ayumi já avançava sobre ela, distribuindo socos e pontapés que a
desnortearam e lhe machucaram os ossos.
Zonza pelos golpes Melissa apenas agitava-se na intenção de afastar ‒
ou amenizar ‒ as pancadas que eram desferidas no rosto, nas costelas e no
estômago.
Logo uma roda se formou em torno das prisioneiras desordeiras.
Ninguém tentava apartar a briga ou questioná-la. Apenas observavam.
Algumas instigavam mais o combate; outras, mantinham-se quietas,
cochichando com as companheiras ao lado qualquer coisa incompreensível.
A ruiva seguia apanhando de Ayumi. Seus cabelos foram puxados com
violência, quase arrancando um tufo avermelhado. Com o puxão, Melissa foi
induzida a se levantar, o corpo curvado por causa da diferença de altura com
sua agressora que a segurava pelos cabelos acobreados.
Dos olhos de Ayumi saltavam raiva e cólera, e de alguma forma, ainda
tinha o cigarro entre os dentes, segurou a bituca nos dedos e pressionou-a
fortemente contra o rosto da novata. A ruiva soltou um brado de dor, sentindo a
brasa queimar a pele.
— Você vai me obedecer do jeito fácil ou difícil? — Ayumi rosnou,
mostrando que apesar da altura era, sim, destemida ali. — Porque se for do
jeito difícil, isso foi só o começo.
O agarro nos cabelos vermelhos foram soltos, fazendo Melissa perder o
equilíbrio momentaneamente. Dos olhos verdes dela eram nítidos o medo, o
terror e o desespero. A respiração estava curta e falhada, o coração acelerado
pela adrenalina. Só o que conseguiu fazer foi acenar em positivo
freneticamente.
— Ótimo! — Ayumi exclamou satisfeita, desenhando um sorrisinho
debochado nos lábios. Olhou para a bituca de cigarro apagada, caída ao chão.
Exibiu uma careta decepcionada.
— Você me fez perder o meu cigarro. Me consiga outro — ordenou.
— Mas como? — Melissa balbuciou, amedrontada.
— Isso não me importa. Você tem duas horas. — Estipulou e, seguida
das duas que a acompanhavam, se acomodou em umas das mesas cumpridas do
refeitório.
Melissa olhou para a agente penitenciária que presenciou tudo, mas não
fez nada. A postura era a mesma, mal piscou. Viu a negra alta que estivera com
Ayumi se aproximar e lhe entregar algumas notas.
A ruiva, então, entendeu por que a funcionária não fizera nada a respeito.
Soltou um suspiro pesado e angustiado, prevendo que seus dias ali
seriam mais longos do que ela imaginara.
E os mais infernais também.
BÔNUS II
MELISSA – FINAL

Melissa Telles saiu do banheiro feminino a passos pequenos. A cabeça


estava cabisbaixa, e ela tentava segurar as lágrimas. Nos dedos trazia dois
cigarros, aqueles que Ayumi exigiu que ela conseguisse.
Para tal, a ruiva teve de se submeter a uma troca injusta. E, por alguns
instantes, antes de tomar a decisão, ela não pôde deixar de ponderar se
preferia as agressões de Ayumi a se sujeitar à outra presidiária com quem
conseguiu o tabaco. No entanto, de todas as formas, nenhuma das alternativas
era agradável, e sequer existia uma menos pior.
A dúvida foi cruel, era como se estivesse entre a cruz e a espada, mas,
por fim, ela se decidiu. Pensou que se não conseguisse os malditos cigarros,
poderia apanhar todos os dias. Se conseguisse, aquele abuso aconteceria
apenas uma vez.
Estava enganada.
Logo atrás, então, surgiu a detenta para quem Melissa se submeteu para
conseguir os cigarros de Ayumi. A mulher trazia uma risada sarcástica
estampada nos lábios. Aproximou-se por trás de Melissa, o que a fez congelar
no mesmo instante.
Raquel era presidiária há vinte anos. Fora condenada por assalto à mão
armada e homicídio doloso. De estatura média, tinhas os músculos dos bíceps
definidos, a pele bronzeada e os cabelos negros e oleosos amarrados em um
rabo de cavalo baixo. Assim como Ayumi, Raquel era uma das mais
destemidas do presídio, e conseguia tudo o que queria na base da violência e
ameaça.
Com a ruiva não foi diferente. Em troca de lhe ceder dois cigarros,
Raquel exigiu algo um tanto quanto traumático e perturbador para qualquer
pessoa.
Ao chegar por trás da ruiva, pôde sentir a tensão de seu corpo. Soltou
uma interjeição de silêncio ao pé do ouvido da ruiva, cochichando alguma
coisa para ela e, em seguida, apalpou-a nas nádegas.
Melissa deu um sobressalto com o toque inesperado e imoral. As
palavras sussurradas em seu ouvido também a intimidaram e, por um segundo,
não teve reação. Simplesmente sentiu ânsia de vômito em imaginar que teria
de repetir o que fizera há pouco. Tentou contestar. Iria argumentar que o que
ocorreu no banheiro não se repetiria mais porque ela não precisaria mais de
Raquel para nenhum tipo de favor. Ou troca. Ou o que quer que fosse aquilo.
Todavia, não houve tempo. Raquel já havia se distanciado o suficiente e
Melissa não teve tempo de se defender.
Respirou fundo, enchendo de ar os pulmões agora já fracos. Tinha menos
de vinte e quatro horas naquele lugar e já começava a sentir um remorso e um
temor nunca sentidos antes. Afastando qualquer pensamento da mente, a ruiva
foi à procura de Ayumi para entregar-lhe os cigarros.
Rodou uma parte do presídio até encontrá-la no pátio a céu aberto.
Sentada num assento de concreto, junto às mesmas mulheres de antes, Ayumi
ria, conversava e tragava um cigarro de maconha observando uma partida
desonesta de basquetebol que algumas outras presidiárias disputavam na
quadra.
Melissa se aproximou a passos cautelosos, e quando Ayumi percebeu a
presença da ruiva desfez o sorriso nos lábios finos. Os braços pequenos, mas
fortes, estavam cruzados frente ao tórax e ela expressava uma carranca pouco
amigável.
— Espero que tenha conseguido o meu cigarro — cuspiu as palavras.
— S-sim... — ela balbuciou um pouco, amedrontada. — Eu consegui.
Dois, aliás.
— Bom… — Ayumi fez um muxoxo e esticou a palma das mãos — Isso
é muito bom. Você é eficiente, ruiva. —Melissa depositou os cigarros sobre a
palma de Ayumi.
— Estou livre agora? — falou, desejando que a deixassem em paz.
Ayumi arqueou uma sobrancelha ao mesmo tempo em que acendia seu
novo cigarro, entregando o de maconha para a loira logo à sua esquerda. Deu
uma longa tragada e soltou a fumaça no ar.
— Ela quer uma carta de alforria, meninas — caçoou, e as três riram em
uníssono. Melissa continuou acuada, o corpo tensionado. Nunca se sentira tão
pequena e amedrontada como diante à oriental e suas colegas. Após sua
zombaria, Ayumi voltou a ficar séria e observou Melissa. — Por hora eu não
preciso de mais nada. Mas quando eu quiser qualquer coisa, vou te chamar,
novata. Aqui as regras são assim. Não quero ficar te lembrando o tempo todo.
A ruiva engoliu em seco e não soube o que dizer. Pressentiu que as
coisas dali para frente só piorariam. E foi o que aconteceu. Naquela noite,
quando já estava dormindo, ouviu o chacoalhar de um molho de chaves.
Quando abriu os olhos, viu uma das funcionárias noturnas abrindo sua cela.
Com toda certeza, pensou, era uma subalterna corrupta, que aceitava propina
em troca de atender os pedidos das detentas. Teve essa certeza quando Raquel
entrou com um sorriso sombrio.
Enquanto a agente penitenciária tornava a trancar a cela, Melissa recuou
o corpo sobre a cama desconfortável, encarando a intrusa que entrara. Seu
coração bateu forte e alto, totalmente descontrolado, quando a voz sussurrada
de Raquel ecoou repetidas vezes em sua mente:
Hoje à noite… Se prepare que vou te procurar, ruiva.
Não era nem preciso perguntar o que Raquel queria. Melissa sabia
exatamente o quê.
— Está pronta para me satisfazer, ruiva? — a prisioneira perguntou, se
aproximando ainda mais.
Melissa engoliu o nó que se formou na garganta. Olhou Raquel de baixo
para cima, cheia de temor, sentindo que era pequena, e a outra parecia tão
grande.
Não houve tempo de resposta. Raquel a puxou abruptamente e, com um
pano pútrido, lhe tapou a boca. Melissa foi jogada de volta para a cama, o
corpo caindo desajeitadamente sobre a superfície. Soltou um grunhido de dor
com o impacto que seu corpo sofreu. Os olhos juntaram lágrimas no mesmo
instante. Não somente pelo momento agonizante que agora se desenrolava, mas
pelas imagens de mais cedo que retornaram à sua mente.
Prostrada no banheiro, as mãos apoiadas contra as bordas do vaso
sanitário e ela sentiu quando suas calças foram abaixadas. Não houve prazer
quando a penetraram com um cabo de escova de dentes, mas dor e repulsa.
Mas era aceitar aquilo ou apanhar de Ayumi. Sua única saída, ela acreditou
piamente, era aceitar o abuso, pois seria uma única vez. Conseguindo os
cigarros, tudo acabaria.
Porém, errou ao depositar suas esperanças nessa possibilidade. Os
abusos não só continuariam, como, ela podia prever, seriam mais constantes,
mais humilhantes, mais terríveis.
Enquanto Raquel, sobre Melissa, ria e se divertia com a violência
acometida, penetrando-a com diversos objetos, a ruiva chorava baixinho. Era
uma mistura de dor física, psicológica e espiritual. O pano putrefato com gosto
de óleo diesel em sua boca abafava os grunhidos, os gritos agoniantes e o
sofrimento que se tornava audível e quase palpável.
Os movimentos de Raquel eram bruscos e rígidos, as mãos grandes,
impetuosas, investiam contra Melissa impiedosamente. Palavras que, em outro
momento, a excitariam, naquele instante lhe davam náuseas e uma vontade
imensa de chorar.
Foi, então, que Melissa pensou em todos os atos que cometera. Nos
erros imperdoáveis, nas atitudes tresloucadas, nos desejos de vingança. E, em
vez de se arrepender, Melissa apenas aceitou.
Aceitou que o que lhe acontecia ali, naquele momento, era o seu castigo.
A condenação pelo crime era a reclusão, mas a lição por ter feito mal às
pessoas era a tortura que sofria ‒ e seguiria sofrendo pelos próximos meses.
Engoliu o pranto e conformou-se com o destino que ela própria traçara.
Não lamentaria, sequer iria contestar os atos violentos investidos contra ela.
Aceitaria sua pena, seu castigo, seu destino.
E foi o que fez.
Cerrou os olhos.
Acalmou o coração.
Conteve suas lágrimas.
Deixou-se ser usada e abusada. Mais tarde, depois de, incrivelmente,
Raquel ter tido um orgasmo apenas violentando-a, Melissa fora obrigada a
limpar a cela imunda de sua agressora. O vaso sanitário estava emporcalhado,
e ela quase vomitou todas as refeições que fizera no último mês.
Os meses correram e a rotina de Melissa era a mesma. Servia à Ayumi
durante o dia. Conseguia cigarros, dinheiro, roupas, drogas, celulares. A
moeda de troca, muitas vezes, era o próprio corpo. Melissa, praticamente, se
prostituíra em prol da Ayumi, para não ser espancada, torturada e humilhada.
No entanto, sempre era, de qualquer maneira.
Para atender as exigências de Ayumi, se submetia às demais presas,
ocasionalmente, às agentes da penitenciária, e, numa única ocasião, ao diretor
do presídio. Ao menos desta vez, ela pensou, sentiu um pouco de prazer.
Todavia, o nojo era maior que o tesão.
Cinco meses depois de sua sentença, Melissa estava irreconhecível. Os
cabelos, antes bem tratados e luminosos, agora estavam secos e maltratados,
pelo rosto da ruiva espalhava-se inúmeras escoriações arroxeadas, derivadas
das vezes em que ela tentou protestar os abusos e ordens de Raquel e Ayumi.
Os olhos continham olheiras profundas, pois havia noites que ela não
conseguia dormir. Tinha pesadelos terríveis, principalmente quando “servia”
Raquel. O corpo ainda era esbelto, mas também marcado por contusões de
todo tipo de violência.
No decorrer daqueles cento e cinquenta dias, Melissa foi submetida a
todo tipo de abuso e violência. Os sexuais nem sempre eram os piores. Houve
várias ocasiões em que se tornou um galo de briga. No pátio do presídio, uma
vez por semana, haviam apostas entre as veteranas mais destemidas e
influentes. Elas nunca entravam na luta corpo a corpo. Sempre incumbiam uma
de suas calouras para a rixa. Às vezes a briga era justa; noutras, nem tanto.
Melissa pouco bateu e muito apanhou. E quando perdia, fazendo, assim,
também Ayumi perder, era ainda mais molestada e humilhada.
Não era raro ela limpar as celas encardidas e pútridas das outras presas
que a subjugavam. E se, por acaso, uma delas cismasse de que não estava bem
limpa, Melissa ia para o tronco.
Frequentemente, Melissa tinha de roubar pertences das rivais de Ayumi.
Muitos desses bens eram drogas e cigarros, que os visitantes traziam, ou
conseguiam burlar a segurança, ou a subornavam. Algumas vezes fora pega. E
espancada por isso. Do lado de quem estava roubando e depois pela Ayumi ‒
ou de suas capangas ‒ por não ter conseguido o que lhe fora ordenado.
Foram cinco meses aguentando todo o tipo de afronta e humilhação, se
submetendo a todo tipo de coisa. Seu psicológico já nem estrutura tinha mais.
Se, nos primeiros dias, aceitara o seu destino, agora, após todos esses meses,
ela se perguntava se continuava sendo justo sofrer toda essa represália, se
perguntava se já não tinha pagado os pecados, se já não havia sofrido demais e
aprendido a lição.
E foi assim, cansada de ser submissa, de viver amedrontada, de ter seu
corpo exposto, que Melissa resolveu confrontar Ayumi, Raquel e todos que se
opusessem a lhe dar a liberdade.
Dessa maneira, quando acordou naquela manhã, estava decidida que não
atenderia a mais nenhum capricho das audaciosas presidiárias, nem acataria
mais suas ordens. Debaixo do seu travesseiro retirou um estilete que
conseguira num dos seus roubos e o subtraiu para si, já, naquela época,
pensando em se rebelar contra Ayumi e Raquel, escondendo-o sob a manga do
uniforme.
No refeitório, Melissa viu Ayumi lhe acenar, como fazia de costume
quando queria alguma coisa. Inspirou fundo e a ignorou, continuou seu
percurso até uma das mesas mais distantes.
— Melissa! Ruiva metida! — Ayumi esbravejou do outro lado. — Acho
que te chamei, sua inútil. Preciso de cigarros. E um punhado de maconha —
exigiu com voz de comando.
Melissa deu uma mordida no pão e sorveu um gole do café com leite
antes de responder: — Pois arrume outro capacho para fazer esse serviço,
Ayumi, ou vá você mesma. Já que é tão valentona — retrucou, atrevida.
No mesmo instante, Ayumi marchou em sua direção. Melissa não se
intimidou, e preparou o estilete, já disposta a investir caso tivesse retaliação.
Elas se encararam por segundos tensos.
— Vai me obedecer ou terei que te dar um cacete? — cuspiu as
palavras.
— Nem um, nem outro, Ayumi. Cansei de ser seu capacho. Há outras
novatas. Já estou aqui há cinco meses. Já sou veterana. Me deixe em paz.
Ayumi soltou uma risada sinistra e pôs o pé coberto pelo coturno sobre
um dos bancos da mesa. Curvou o corpo e aproximou seu rosto no de Melissa.
— Estou aqui há oito anos, honey — disse com desdém. — E tenho mais
oito pela frente. Então eu — elevou a voz — sou a veterana perto dos seus
míseros cinco meses. Agora, ou você me obedece, ou não vai gostar do
corretivo que te darei — ameaçou.
Melissa cerrou o maxilar. Seu coração bombardeava sangue e
adrenalina por todo seu corpo. Inesperadamente ela pegou o estilete e subiu a
lâmina desajeitadamente, mirando a jugular da oriental, com um grito
ensurdecedor. No entanto, a experiente mulher se esquivara a tempo, cortando
superficialmente a pele do pescoço.
Com o erro do golpe, Melissa bateu contra a mesa e antes que pudesse
entender alguma coisa, a negra grandalhona e a loira já a seguravam, mantendo
seu dorso encurvado.
Ayumi passou a mão na garganta, limpando um resquício de sangue. A
raiva subia pelo seu corpo e ela ordenou que Melissa fosse trazida para que
ficassem cara a cara. Forçando-a, as companheiras obedeceram a ordem.
— É uma rebelde… — exclamou, calma. Umedeceu os lábios e encarou
sua rival, enquanto esta se debatia nos braços de suas cúmplices. — Pena que
é tola e inocente a ponto de pensar que pode me ferir e sair impune — disse, e
nisto cerrou os punhos e lhe deu um soco tão forte que nem as mulheres que a
seguravam puderam impedir que Melissa se espatifasse no chão.
O estilete escapou de entre seus dedos e tiniu pelo solo, ficando apenas
trinta centímetros de Melissa. Ela tentou pegá-lo para revidar, mas Ayumi já a
virava para si e a esmurrava mais. Tão forte como nunca sentira antes.
O primeiro golpe apenas a derrubou, mas o segundo quebrou-lhe o nariz,
o terceiro arrebentou-lhe alguns dentes, o quarto atingiu o estômago e o quinto
acertou suas têmporas, desnorteando-a completamente.
Jogada ao chão, e sangrando pela boca e nariz, com a visão turva,
Melissa distinguiu o estilete, parado no mesmo lugar. Ayumi chutou suas
costelas e ela se retraiu de dor.
— E saiba, ruiva — a oriental pôs-se de cócoras para cochichar em seu
ouvido —, que esse castigo é só o começo. Na sua cela terá mais — dito isso,
ficou em pé e correu os olhos pelo refeitório, procurando pela agente que
acompanhara tudo sem mover um dedo. — Rose, me ajude a levar esse monte
de bosta para a cela. Ela vai aprender a não me afrontar e nem tentar me ferir
mais.
Com um aceno de cabeça, a funcionária acatou e veio ao seu encontro. O
que Ayumi, e nenhuma das outras envolvidas, percebeu, foi que, enquanto
chamava por Rose, Melissa conseguiu alcançar a lâmina e escondê-la sob o
corpo.
Enfraquecida, sangrando, e cansada de apanhar, Melissa iria tentar uma
última investida. Usaria do resto de energia que lhe sobrara para findar com
todos os abusos. Ayumi e Rose estavam alçando-a quando Melissa resolveu
agir. Ergueu o braço num movimento rápido e fincou o canivete na veia
carótida da Ayumi.
Ela cambaleou no mesmo instante e foi amparada por Rose, a agente.
Melissa ainda conseguiu tirar o estilete da pele de Ayumi, agora manchado de
sangue.
Então, tudo aconteceu rápido demais. Num ataque de fúria, Melissa se
virou para a loira e também a feriu com a lâmina. Gritando como uma louca,
avançou contra a negra, mas, por causa da diferença de estatura, pôde atingir-
lhe somente no abdômen.
No seu campo de visão, então, entrou Rose, que, agora, pedia ajuda e
paramédicos pelo rádio comunicador, enquanto tentava conter os jatos de
sangue que fluíam aos litros do pescoço de Ayumi Nakamusha.
Lembrou-se de todas as vezes que Rose a prejudicou indiretamente.
Permitia os abusos, as agressões, não fazia nada quando uma briga começava e
sempre aceitava suborno. Bradou novamente, empunhando o estilete,
determinada a lacerar mais uma daquelas que tanto a humilhara.
Percebendo a investida de Melissa, Rose foi mais rápida. Sacou sua
pistola do coldre e mirou no peito de Melissa, acertou-a com dois tiros que
lhe trespassaram o coração.
O corpo da ruiva ainda se sustentou por mais dois segundos. Tempo
suficiente para que Melissa olhasse para os furos no peito e, diante dos seus
olhos, toda sua vida passou num filme rápido. Os joelhos bateram contra o
piso. Da boca escorriam filetes de sangue. O corpo não conseguiu suster o
próprio peso e tombou de lado. De olhos abertos, a única prece que Melissa
fez foi por perdão.
As pálpebras repousaram serenas, tranquilas.
Melissa Telles estava morrendo em paz
PLAYLIST

1Patience (Capítulo 18 – Desejos Aflorados) – Guns and Roses. Álbum: GN’R


Lies, 1988, faixa 5.

2 Don’t Cry (Capítulo 22 – Pedido de Desculpas) – Guns and Roses. Álbum:


Use Your Illusion I, 1991, faixa 4.

3 Stay Awake (Capítulo 35 – Senhora Müller) – London Grammar. Álbum: If


You Wait, 2013, faixa 2.

4Everything I Own (Capítulo 39 – Dente por Dente) – Rod Stewart. Álbum:


Still the Same... Great Rock Classics of Our Time, 2006, faixa 12.

5She Knows Me (Capítulo 42 – Dor e Adeus) – Bryan Adams. Álbum: Tracks


of My Years, 2014, faixa 2.

6Somos Assim (Capítulo 44 – O Amor Prevalece) – Edson e Hudson. Álbum:


O Chão Vai Tremer, 2004, faixa 8.
CONTRATO DE CASAMENTO 2, SPIN-OFF DE
HEITOR MÜLLER
PRÓLOGO

Heitor respirou fundo pela terceira vez. Seus nervos estavam à flor da
pele, e ele tinha de se acalmar. Com a cabeça fria e com sua sanidade no lugar,
poderia encontrar uma solução para seu problema. Deveria haver uma, não?
Cingiu as duas mãos na caneca e expirou pesadamente. Levantou o olhar
e topou com um par de olhos negros à sua frente: Clarisse — sua prometida; a
mulher com quem teria de se casar se não quisesse perder sua herança.
Há algum tempo Heitor Müller tinha ciência de que, para receber sua
parte dos bens deixados pelos pais, deveria se casar. No começo, obviamente,
ele ficou irritado. Heitor sempre foi um solteiro convicto, longe de se
envolver amorosamente, casamento, e qualquer sinônimo, não existia em seu
dicionário.
Jamais. Nunca.
E se acreditou, tempos atrás, que junto ao irmão tinha solucionado seu
problema, Clarisse Correa apareceu somente para contradizê-lo: eles teriam
de se casar.
E na noite anterior, após uma fatídica confusão no aniversário surpresa
de seu irmão Daniel, Heitor descobrira por boca de terceiros que não havia
solução. E mais: sua noiva, sua prometida, era Clarisse, uma mulher que, no
passado, fora perdidamente apaixonada por ele e o perseguiu de todas as
formas possíveis.
Agora, depois de uma ligação rápida, resolveram se encontrar para
conversarem a respeito. Segundo Clarisse, ela também não queria concretizar
a união que, por ironia, ela mesma sugeriu ao pai de Heitor, muitos anos antes.
Encontraram-se numa cafeteria, e Heitor pediu um chá de camomila.
— Não adianta, Heitor. — ela se pronunciou — Daniel já conversou
com meus advogados um tempo atrás. Não há alternativa a não ser o
casamento.
Heitor cerrou os punhos fortemente por baixo da mesa. Apertou o
maxilar. Controlou sua ira e sorveu um gole do seu calmante natural.
— Nada disso estaria acontecendo se você não tivesse se metido na
minha vida e ter sugerido esse absurdo de casamento ao meu pai! — protestou
entre os dentes e apontou o indicador para ela.
Clarisse não se abalou. Tragou um pequeno gole do seu café preto.
Ajeitou as madeixas negras e voltou seu olhar a Heitor.
— Eu era uma tola apaixonada naquela época. Se eu pudesse voltar no
passado, mudaria as coisas. Mas eu não posso, Heitor. E acha que eu quero
mesmo me casar com você? Eu tenho uma vida, tenho uma pessoa quem
conheci nesses últimos anos e me ofereceu algo que você — ela também
enfatizou — nunca vai poder dar a mim. Nem a ninguém.
— Então desista dessa loucura! — Alterou a voz um pouco mais.
Maldito chá, faça efeito! — Antes de você aparecer, Daniel e eu encontramos
um modo de eu receber os meus direitos sem precisar me submeter a essa
babaquice!
— Não é tão simples. — Clarisse suspirou e desviou o olhar para a
movimentada rua. — Eu já expliquei isso ao seu irmão. Se não firmarmos esse
matrimônio, meu pai irá perder o cartório dele. Não tem ideia de como aquele
cartório é importante para meu pai. — justificou e reencontrou com o azul dos
olhos de Heitor.
Sem dizer mais nada, subitamente, Heitor se levantou. Os olhos
fumegavam, e o maxilar estava tão tensionado a ponto de partir os dentes.
Olhou dentro dos olhos pretos de Clarisse.
— Você não me engana. — enunciou com a voz firme. — Tudo o que
disse aqui não passa de conversa para boi dormir. Você ainda é apaixonada
por mim e está fazendo tudo isso para me ver preso a você.
Clarisse pensou em rebater aquelas palavras sem sentido, mas Heitor
continuou dizendo:
— Mas ouça bem, Clarisse Correa, ouça bem o que tenho a lhe dizer.
Não pense que serei como meu irmão, que irei zelar pelo sobrenome Müller e
farei de tudo para manter as aparências de um casamento de fachada. E saiba,
além disso tudo, vou fazer você se arrepender por sua estupidez. —
pronunciou, sua voz saiu determinada, dura e convicta.
Sem dar-lhe tempo de resposta, já havia se afastado e atravessado a rua
a passos firmes.
Deixando a conta para Clarisse pagar.
01
SEGUNDAS INTENÇÕES

Clarisse viu Heitor se afastar e suspirou longamente. Ao menos, havia o


convencido do casamento; teve ainda de suportar sua agressividade e má
educação, sua dedução equivocada de que ela ainda o amasse. Soltou uma
pequena risada, achando graça na convicção absurda dele.
Tolo, pensou, roçando os lábios, enquanto continuava na cafeteria, não
sabe de nada dos meus sentimentos…
Sacou o celular do bolso e discou um número. Alguns toques sucederam
até ser atendida por um homem. Sua voz forte ressoou através da linha
telefônica num “alô” rouco e sedutor. Clarisse sentiu seu âmago todo
estremecer em somente ouvi-lo, e até imaginou aqueles olhos esplêndidos e o
sorriso encantador.
Você ainda é apaixonada por mim e está fazendo tudo isso para me ver
preso a você, recordou-se outra vez das palavras de Heitor e pensou em como
ele estava mesmo errado sobre isso. Ela não o amava. Nunca o amou, na
realidade. Havia um outro eu dentro de Clarisse que Heitor não conhecia — e
nunca irá conhecer, reforçou mentalmente.
Se Clarisse Correa amava alguém, apaixonadamente, com todas as
forças de sua alma, era o homem que atendera à sua ligação. Trocou rápidas
palavras. Pediu para vir ao seu encontro. Passou-lhe o endereço e desligou.
Sem mais delongas.
Fez outro pedido à garçonete e pagou o consumo do mal-educado Heitor
Müller. Aguardou a chegada de seu amado bebericando uma dose de chá de
erva-cidreira, enquanto, em sua mente, recordava-se de determinados
acontecimentos.
Alguns anos antes, sete ou oito, Clarisse Correa era uma boba
apaixonada por Heitor. Eles haviam se conhecido numa roda de amigos em
comum, e logo ela se sentiu atraída pelo jovem de rosto quadrado, cabelos
bem-penteados e um par de olhos azuis encantadores. Houve flertes entre os
dois, Heitor igualmente interessado. Mas se Clarisse, ingênua e inexperiente
na época, esperava mais de Heitor, não foi o que aconteceu. O jovem Müller
nunca foi de se apegar a alguém. Um mulherengo convicto, um solteiro
determinado, um canalha incorrigível…
Após terem sua primeira noite juntos, Heitor a deixou. Clarisse ficara
arrasada, e quando conheceu Daniel Müller — seu irmão mais velho — viu
nele a oportunidade de se reaproximar de sua paixão juvenil. No entanto, nada
saiu como o esperado: Heitor continuava indiferente aos seus sentimentos, e
Daniel saiu magoado.
Dois anos se passaram desde o rompimento de sua breve — e casual —
relação com Heitor. Numa tarde, quando retornava da faculdade, encontrou o
velho Simon Müller em sua sala, descontraidamente conversando com seu pai.
Os dois eram velhos amigos; e Evaristo Correa, o tabelião responsável por
redigir o testamento da família oriunda da Suíça. Soube, então, naquele
instante, que Simon estava planejando um novo testamento, e uma das
condições para seus filhos receberem a herança seria um matrimônio. Simon
tinha uma fé cega de que somente esse acordo estabelecido faria seus dois
filhos terem uma família honrada e que a empresa Swiss Chocolate
continuasse nas mãos dos Müller — por pelo menos mais uma geração. Simon
conhecia seus filhos; Daniel sempre foi um jovem discreto e evasivo, ele tinha
seus namoros passageiros e casuais, mas sempre com prudência; já Heitor era
o total oposto. Se Daniel era discreto, Heitor era escandaloso e não se
importava em preservar o sobrenome da família. Sabendo disso, Simon
Müller realmente temia não ter herdeiros para estar à frente de sua empresa e
tudo acabasse nas mãos de outros acionistas sem o sobrenome de reputação;
por isso decidiu pôr tais termos em seu testamento. Evaristo se opôs por um
tempo, mas foi vencido pela insistência do anfitrião e amigo.
Clarisse, numa obsessão de garota apaixonada, sugeriu uma prometida
para Heitor, alegando conhecer sua personalidade festeira e de namoradeiro, e
assim ele poderia encontrar uma maneira de obter sua parte da herança, como
se casar por conveniência, por exemplo.
Achando graça na inocência da moça, Simon quis saber quem poderia
ser a tal prometida de seu filho. Então, ela se ofereceu. Logicamente, seu pai e
Simon opuseram-se estoicamente em relação a essa ideia absurda, porém,
acabaram vencidos pela persistência da jovem.
Os anos passaram, Clarisse tinha ciência de que deveria procurar Heitor
para firmarem o casamento somente numa determinada data estabelecida após
o falecimento de Simon — o que poderia levar muito tempo. E isso foi a
desanimando pouco a pouco. Até que, um dia, não se via mais enamorada pelo
Müller. Desistiu da loucura sugerida, se mudaria da cidade, faria sua vida,
seguiria sua carreira, namoraria outros homens… faria sua vida e deixaria
Heitor Müller em paz.
Todavia, Clarisse voltou. E por apenas um motivo. Por razões e
intenções que Heitor jamais — nunca — deveria ter conhecimento.
Procurou por Daniel para ajudá-la a dar a notícia ao irmão e a pôr,
então, seu plano em prática. Mas não houve tempo; Heitor soubera do
casamento muito antes de ela e Daniel se reunirem para lhe falar.
Como o esperado, Heitor tivera um surto — e deduzira coisas
inexistentes e fantasiosas. Clarisse não o amava, se queria o casamento era
porque havia outros interesses…
— Querida…? — Uma voz forte a tirou de suas divagações.
Virou o olhar para cima, os raios solares atravessavam-no o rosto e
davam a ele um aspecto quase angelical. Clarisse sorriu. Levantou-se para
recebê-lo com um abraço amoroso e com um beijo quase indecente.
— Senti sua falta, Leonardo… — murmurou, após separar seus lábios.
Ele sorriu castamente, sentou-se na cadeira desocupada e a encarou
dentro dos olhos negros.
— Como foi a conversa com Heitor? — indagou, segurando o menu e o
analisando rapidamente.
— Pior do que eu esperava. Ele teve a capacidade de dizer que eu o
amo e por isso quero esse casamento, acredita?
Leonardo Dantas enrugou o sobrolho e desviou por um segundo seus
olhos do cardápio.
— Esse não é o seu real motivo, não é mesmo?
— Claro que não, Leo! — Exaltou-se — Você sabe muito bem por que
quero firmar esse matrimônio… — sussurrou as últimas palavras.
Leonardo suspirou e tornou seus olhos para o menu, optando por um
suco natural de laranja.
— Eu sei, é claro, meu amor… Não acredito que seria tão paranoica a
ponto de criar toda essa sua história somente para se casar com Heitor…
Quando o mais simples a se fazer seria terminar comigo. — E abriu um breve
sorriso no canto dos lábios finos.
— Não seja ridículo, Leonardo Dantas. Nunca em minha vida te trocaria
por Heitor Müller. Você é o meu certo, enquanto ele é incerteza.
Leonardo permaneceu inexpressivo diante essas palavras. Moveu-se o
suficiente para apenas agradecer a garçonete trazendo seu pedido. Bebericou
seu suco. Limpou os lábios com o guardanapo de papel e continuou:
— Não tem medo de ele descobrir suas verdadeiras intenções? —
perguntou subitamente. Clarisse mirava o outro lado da rua, o olhar perdido,
mas virou-se abruptamente quando da pergunta de Leonardo.
— Não tem como Heitor descobrir. — rebateu, firme em sua resposta.
— Não há mínima possibilidade de ele descobrir. — repetiu, suspirando
pesadamente, convencida de suas palavras.
Dantas acenou brevemente.
— E se, por acaso, Heitor souber que você não…
— Chega, Leo! — interrompeu-o rispidamente. — Já falamos sobre isso
e já comprovamos por “a mais b” que ele – e nem ninguém – saberá do nosso
segredo.
— Eu sei, amor, mas você precisa estar preparada para tudo —
Leonardo se desencostou da cadeira e a segurou pelas mãos. — Precisa ter um
plano B caso Heitor descubra não haver cartório nenhum em jogo… Precisa
estar prevenida… Se ele souber que essa história é uma farsa, exigirá a
verdade… — Voltou-se ao encosto da cadeira, tomou outro gole de seu suco.
— E acredito que você não tem a intenção de lhe dizer os reais motivos de
querer esse casamento…
Clarisse negou com um movimento rápido de cabeça.
— Agradeço sua preocupação, querido — respondeu com a voz branda
—, mas estou segura das minhas ações. Nada irá falhar. Nada.
Antes de Leonardo ter a chance de rebater, Clarisse já havia se
aproximado, sentando em seu colo e o beijando nos lábios de forma serena e
apaixonada. Acariciou suas madeixas e desceu a palma da mão pelo rosto liso,
sem nunca deixar de beijá-lo.
— Você confia em mim? — murmurejou, os lábios molhados rentes aos
dele.
De olhos fechados, Leonardo arquejou ar para os pulmões. Ela o tirava
do sério, o deixava extasiado, apaixonado, inebriado… Nunca em sua vida
poderia resistir à mulher em seu colo.
— Sim, eu confio. Eu confio em você… — ciciou de volta, quase fora
de si.
Clarisse sorriu, satisfeita. Tomou-lhe os lábios outra vez, beijando-o
mais ardentemente.

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OUTRAS OBRAS DA AUTORA

60 HORAS (em físico, 1ª ed.; em e-book 2ª ed.):

SINOPSE: Hudson Cavalcanti é um sargento militar da pacata cidade de


Alfaburgo, no interior de São Paulo. Ele vê sua vida totalmente mudada
quando, após se deparar com a empregada morta no chão de sua cozinha,
encontra um recado deixado pelo assassino, descobrindo então, que um veneno
letal foi injetado em suas veias e sua esposa, sequestrada, corre risco de
morte. Para Hudson o tempo nunca foi um inimigo tão implacável, e ele
descobrirá isso da pior forma possível. Acusado de um crime que não cometeu
e fugindo de uma perseguição acirrada, ele tem apenas 60 horas para salvar
sua mulher e a própria vida, tendo de conseguir um valor exorbitante exigido
para o resgate, antes que o veneno em sua veia sanguínea lhe arranque o último
suspiro. Porém, durante sua corrida obstinada em resgatar a esposa, ele não
contava com tantos obstáculos e imprevistos que o atrapalhariam. O tempo
está passando. O sargento será capaz de acompanhá-lo? 60 HORAS é uma
corrida alucinante contra o tempo, contra a morte, cheia de adrenalina,
perseguições, emoção, e claro... Vingança!

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SINOPSE: Alfredo Hauser é um cretino sem coração. Galanteador, ele usa


sua beleza para atrair as mulheres por quem se interessa e depois de usá-las,
as descarta. Numa dessas surpresas da vida, conhece Lívia Diniz e decide
conquistá-la mesmo sabendo que ela é namorada do irmão mais velho. Como
sempre, após a primeira noite de amor, ele tem de abandoná-la e a induz a
descobrir a verdade. Sua atitude feriu Lívia profundamente e gerou conflitos
intensos e constantes com o irmão. Na esperança de amenizar os ânimos e
fazer com que o filho caçula se torne mais responsável, sua mãe vê como
única saída mandá-lo para fora do país, afim de que o rapaz estude para
assumir os negócios da família no futuro.
Alfredo volta, dez anos depois, e, de certo modo, totalmente mudado e
irreconhecível, porém o mesmo canalha de sempre. Na sua primeira semana
de volta ao Brasil , conhece uma mulher exuberante e sexy, com quem passa
uma noite. Mas, no dia seguinte, ele acorda sozinho, experimentando do seu
próprio veneno, sem saber o nome dela, sem número de telefone. Alfredo não
é capaz de esquecê-la, nem o sexo que tiveram. Para sua surpresa maior, os
dois se reencontram, e a misteriosa mulher é Lívia Diniz — a ex-namorada do
passado.
Se vendo perdidamente apaixonado por alguém que tanto magoou,
Alfredo quer reconquistar seu amor e confiança e provar que pode ser um
novo homem. Mas como se não bastasse a indiferença de Lívia, ele terá de
competir com o irmão mais velho, com quem ele nunca se deu muito bem, e
com quem Lívia mantém uma relação aberta.
Amor à Segunda Vista é um romance protagonizado por dois irmãos que
nunca se entenderam muito bem lutando pelo amor de uma mulher magoada o
suficiente para não se render a um cretino outra vez e nem se apaixonar pelo
príncipe encantado.
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Amor à Segunda Vista 2 (Somente em e-book)

SINOPSE: Após uma grande reviravolta em sua vida, Alfredo Hauser


decide erguer a cabeça e tocar a vida em frente, encontrando uma nova
oportunidade para recomeçar e tentar ser feliz. Ele só não esperava que o
destino lhe tirasse tudo tão bruscamente. Alfredo vai ao fundo do poço e se
torna um homem frio e amargo. E somente Lívia, aquela que causou parte de
suas feridas, poderá curá-lo por completo e aquecer seu coração outra vez,
reacendendo, também nela, seu amor por ele.
Nessa nova etapa na vida de Lívia e Alfredo o amor mútuo arderá novamente,
mas isso será suficiente para eles superarem as feridas, o ódio, o rancor e
segredos que virão à tona?
Em Amor à Segunda Vista 2, Alfredo enfrentará a maior de suas dores.
Ao seu lado, e embora isso custe seu relacionamento com Henrique, Lívia o
ajudará a superar todos os seus traumas, sofrimentos e também limitações. E
se o amor pela mesma mulher atiçou ainda mais o ódio nos irmãos Hauser, o
amor por uma mesma criança é o que os unirá, no final das contas. Um
romance não somente sobre perdas, sofrimentos e traumas, mas, sobretudo,
sobre o amor e suas várias facetas.
(Para adquirir um exemplar, acesse o link
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Kindle Unlimited).

O Natal do Cretino: Um Conto sobre Alfredo Hauser: (Conto


somente em e-book):

(Conto com o protagonista de Amor à Segunda Vista)

SINOPSE: Às vésperas do Natal, Alfredo Hauser se junta a um grupo de


amigos para comemorar a virada em uma boate parisiense. Após a noitada
regada a muito álcool, Alfredo acorda ao lado de uma mulher, numa casa a três
horas de Paris, sem carro, documentos ou dinheiro. Sem se lembrar do que
aconteceu na noite anterior, o Cretino se vê obrigado a passar o natal na casa
de uma total desconhecida, juntamente com os pais dela.

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Kindle Unlimited).
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[1]
Eu sei como você se sente por dentro; Eu também já me senti assim; Algo está mudando
dentro de você; E você não sabe.
[2]
Não chore essa noite; Eu ainda amo você, querida; Não chore essa noite; Não chore essa
noite; Há um paraíso acima de você; E não chore essa noite.

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