Contrato de Casamento Vol. 01 - A. C. Nunes
Contrato de Casamento Vol. 01 - A. C. Nunes
Contrato de Casamento Vol. 01 - A. C. Nunes
AC. NUNES
Copyrigth © 2017 by A.C. NUNES.
Todos os direitos reservados.
Direitos autorais do texto original.
REVISÃO
Amanda Nunes
Revisão final: Alpha Books – [email protected]
CAPA
DRI K.K
DIAGRAMAÇÃO
Amanda Nunes
NUNES, A.C
Contrato de Casamento/ A.C. Nunes
(Contrato de Casamento; 1)
2ª Edição, Campos do Jordão, SP: Independente, Abril/2017.
Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos,
lugares ou situações é mera coincidência.
É expressamente proibida a reprodução desta obra, total ou parcial, sob
quaisquer meios, sem o consentimento prévio e expresso da autora.
Lei 9.610/98
A todos aqueles que gastaram um pouquinho do seu tempo para ler este
livro.
Mas em especial à Carolina, pela inspiração.
ÍNDICE
PRÓLOGO
01
TRAÇANDO O DESTINO
02
A HERANÇA
03
INVESTIDAS DO ACASO
04
A PROPOSTA
05
CONTRATO DE CASAMENTO
06
VISITA INESPERADA
07
CONSTRANGIDOS
08
INTERESSES
09
A RUIVA
10
O JANTAR
11
CONFUSÃO
12
NOVA CASA
13
O DIA
14
LUA DE MEL
15
LUA DE FEL
16
NÃO É O QUE PARECE
17
UM BOM AMIGO
18
DESEJOS AFLORADOS
19
FÚRIA E CIÚMES
20
PORQUE A AMA
21
DORES DO PASSADO
22
PEDIDO DE DESCULPAS
23
RECONCILIAÇÃO
24
CHANTAGEM
25
TRIÂNGULO
26
CONSUMADO
27
PAIXÃO CONFUSA
28
PROVOCAÇÕES
29
CIÚME DESCONTROLADO
30
DECISÃO ERRADA
31
DIVÓRCIO
32
OLHO POR OLHO
33
AMOR E ÓDIO
34
IRRESISTÍVEL AMOR
35
SENHORA MÜLLER
36
ENTRE AMIGOS
37
PROMETIDA
38
AMOR ENCARNADO
39
DENTE POR DENTE
40
O ENVELOPE
41
AMOR DESCONTROLADO
42
DOR E ADEUS
43
ÚLTIMA ESPERANÇA
44
O AMOR PREVALECE
EPÍLOGO
CONTRATO DE CASAMENTO
CAPÍTULOS BÔNUS
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE I
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – PARTE II
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – FINAL
BÔNUS II
MELISSA – PARTE I
BÔNUS II
MELISSA – FINAL
PLAYLIST
CONTRATO DE CASAMENTO 2, SPIN-OFF DE HEITOR MÜLLER
PRÓLOGO
01
SEGUNDAS INTENÇÕES
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
CONTATO E REDES SOCIAIS
FAÇA SUA AVALIALÇÃO
E GANHE MARCADORES
PRÓLOGO
O quarto de hotel que Sophia acabara de se instalar não era luxuoso nem
simples demais, mas aconchegante e confortável o suficiente – além de limpo
– para que tomasse um banho relaxante e se espreguiçasse em uma cama
macia.
Depois de guardar as roupas e escolher o que vestir, tomou banho e teve
a sensação de levar a alma. Pensou em todas as coisas que aconteceram no
último mês. Suspirou se lembrando de todos os seus problemas.
Problemas, estes, que nem teriam começado se não fossem os vícios do
seu pai em apostas de cavalo.
Sebastian Hornet, empreiteiro famoso, dono de umas das mais
renomadas construtoras do país. Mas a ConstruHornet entrara em decadência
por causa dos gastos exacerbados, dos desvios de dinheiro, dos inúmeros
caixas-dois de Sebastian para alimentar o seu vício.
A longo prazo, a empresa foi perdendo destaque no meio da construção
civil, os clientes migraram para a concorrência, ex-funcionários exigiam
seus direitos na justiça, e, quando a família Hornet deu por si, começavam a
falir.
A solução mais fácil para o patriarca da família foi oferecer a própria
filha em casamento, como se ainda vivessem no século XVII, ao segundo nome
mais conhecido: Luiz Guimarães de Orleans.
O acordo nada mais era que, com o casamento, e com a promessa de
tirá-lo da falência, Luiz e Sebastian seriam sócios, e este obteria, nada mais
nada menos, do que a bagatela de setenta por cento de toda a empresa.
Ainda que a ConstruHornet estivesse falindo, continuava a ser uma das
melhores companhias do ramo e ainda era valorizada no mercado. Além do
mais, ponderou Luiz, com os investimentos certos, o renome dos Hornet seria
facilmente reerguido – e tão logo ele lucraria. O casamento entre Sophia e
Miguel de Orleans garantiria que tudo ficasse em família, afinal. E em caso de
divórcio, mais uma parcela das ações da ConstruHornet cairia nas mãos dos
Guimarães.
No entanto, Sophia nunca concordou com tal decisão. Seu pai não podia
simplesmente oferecê-la em casamento, mesmo ao Miguel, um homem que
conhecia desde a infância, e que até chegaram a namorar em algum momento.
Mas com persuasão, e um pouco de drama e chantagem, seu pai conseguiu
convencê-la e o casamento fora planejado para alguns meses depois.
Eis que o dia chega e Sophia sente seu coração pesado, que não é o
correto a se fazer. Diferente dela, Miguel não se opõe à união. Ao contrário.
Ele apoia tal loucura, cego de paixão por ela desde que pode se lembrar.
Decidida a não dar continuidade ao matrimônio, pensando que
encontraria outra maneira de ajudar a sua família e a decadência iminente, ela
desiste da união abandonando Miguel no altar.
E desde que tomara tal atitude, Sophia vivia de um lado para o outro,
mudando constantemente, vivendo aqui e ali em hotéis, fugindo de um ex-noivo
insistente e de um pai furioso. Semanas atrás, até quis voltar para casa, mas
soube que Sebastian persistia na união arranjada.
Sua reserva de dinheiro começava a se esgotar e ela não sabia mais o
que fazer. Não queria retornar para casa e ter que encarar Sebastian Hornet e
ser forçada a se casar com Miguel de Orleans.
Olhou para cima deixando a água molhar o rosto, procurando solução
para o seu problema. Lembrou-se de como sua atitude de abandonar o noivo
foi amplamente divulgada na mídia. Chegou a ver a própria foto do momento
em que saíra às pressas da igreja estampada em jornais. E não era para menos.
O matrimônio dela e Miguel seria o casamento do ano, a junção de duas
famílias poderosas e duas das maiores construtoras do país.
Mas Sophia estragou tudo quando quebrou o contrato e desfez o acordo.
E que culpa, afinal, ela tinha? Fora submetida a um casamento forçado,
sem amor – tudo para salvar a família da ruína, esta causada pelo próprio pai.
Seria muito injusto que pagasse por um erro alheio.
Desligou o chuveiro, enrolou-se na toalha, vestiu-se e abriu na página
dos classificados, passou os olhos rapidamente.
“Preciso de um emprego” era a única frase que ecoava em sua cabeça.
Com a família à beira da falência, Sophia não teria mais as regalias que tinha
antes de abandonar tudo. E mesmo se tivesse, depois de sua atitude,
provavelmente seria deserdada.
Ela não queria muito, apenas o suficiente para se manter. Pensava em
alugar um quarto ou uma casa pequena, quem sabe até dividir o aluguel com
alguém. Circulou duas vagas. Recepcionista e assistente administrativa: as que
mais lhe agradou, tanto pelo ofício, quanto pelo salário. Se não desse certo,
aceitaria qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. Com isso em mente
arrumou-se e saiu em busca das vagas que haviam lhe interessado.
Sophia passou pelas duas primeiras empresas, mas não obteve sucesso.
A primeira, a vaga de recepcionista, já havia sido preenchida horas antes; a
segunda, de assistente administrativa, exigia experiência profissional de dois
anos comprovado em carteira. E ela não tinha tudo isso. Na verdade, cursara
Ciências Contábeis e Administração para ajudar o pai na empresa. Mas não
teve chances, já que os negócios iam de mal a pior.
Voltou frustrada para o quarto de hotel, começava a ficar sem opções e o
desespero aflorava. Sem emprego não teria dinheiro, sem dinheiro não teria
como se manter, e se não pudesse se sustentar, seria obrigada a se sujeitar a
um casamento.
Arrancou os saltos e massageou os pés doloridos, enquanto verificava a
seção de classificados de outro jornal. Topou com uma vaga de secretária para
uma empresa chamada Swiss Chocolate. A candidatura à vaga deveria ser
feita pelo site da empresa. Prontamente pegou o notebook e fez sua pesquisa
sobre a empresa, já que tinha a vaga impressão de conhecer a marca de algum
lugar.
No próprio site da companhia, descobriu ser uma corporação de
reputação, com mais de quatrocentas lojas e franquias espalhadas por toda a
América Latina, além das fábricas no Brasil, México, Estados Unidos,
Espanha e Suíça, esta última sendo sua sede e tendo, também por lá, alguns
pontos de lojas e franquias. Segundo a nota que leu, a empresa foi fundada em
1900 na Suíça pela família Müller, chegou ao Brasil há cerca de oitenta anos,
e foi com sua sede em terras brasileiras que a marca ganhou status e se
expandiu desde a América do Sul até alcançar cidades canadenses. Sophia,
então, reconheceu a firma. Já comera algumas trufas Delicious e realmente
tinha adorado.
Pensou em desistir. Uma empresa tão grande como a Swiss Chocolate,
com filiais e franquias espalhadas pelo Brasil e mundo afora, exigiria uma
pessoa mais experiente e capacitada para o cargo. Mas ela tentaria mesmo
assim. Quem sabe a sorte não estaria ao seu lado?
Ainda no sítio eletrônico, fez um rápido cadastro, preencheu um
currículo e enviou.
Três dias depois, Sophia recebeu um e-mail informando-a que seu
currículo tinha sido selecionado para participar do processo seletivo para o
cargo que se candidatara. A etapa ocorreria no dia seguinte, às 14h, no prédio
administrativo da empresa.
Sophia compareceria com certeza. Tomando a decisão que traçaria seu
destino.
♦♦♦
♦♦♦
Daniel Müller encerrou mais uma entrevista. No dia anterior tinha sido
informado que dez candidatas à vaga de secretária executiva foram
selecionadas para a entrevista pessoal.
De olhos claros e indefinidos – dependendo do ângulo, ou era verde ou
era azul –, já quase na casa dos trinta anos, o presidente do grupo Swiss
Chocolate era um homem sério para uma idade tão jovem. Sua postura ereta
ao andar pelos corredores do edifício, os cumprimentos rápidos para os
funcionários, seu semblante inexpressivo durante as reuniões e o fato de sorrir
tão pouco, denunciavam uma personalidade mais conservadora e discreta.
Pelo menos diante aos seus funcionários e acionistas.
Na ocasião, trajava um terno sob medida preto, camisa branca e gravata
rosa-claro. Apertou educadamente a mão da moça e a acompanhou até a porta.
Desejou boa sorte e a viu se afastando. A sala da recepção estava vazia. Olhou
no relógio. Cinco da tarde. Sua assistente, Anabelle, analisava alguns papéis
quando Daniel lhe tirou a atenção.
— Encerre os horários das entrevistas, por favor. — E já se virava para
voltar à sala quando ela o interrompeu.
— Ainda há uma última candidata, senhor Müller.
Ele virou-se, encarando-a. Mirou o relógio mais uma vez e bufou.
— E onde ela está? — Quis saber
— No toilet. Em um minuto estará em sua sala.
Daniel acenou e voltou para dentro, sentou-se em sua cadeira giratória
de couro, movimentando-a de um lado a outro, com o indicador nos lábios,
olhando fixamente para a porta, esperando que a tal candidata entre.
A porta se abriu e dela surgiu uma loura de cabelos ondulados, muito
bem vestida com uma camisa social branca, saia e paletó pretos, se
equilibrando muito bem nos saltos. A maquiagem leve apenas ressaltava sua
beleza natural sem vulgaridade. Nas mãos, trazia somente uma pasta. Anabelle
a encaminhou até Daniel, mostrando uma cadeira na frente dele. Deixou-os a
sós enquanto Sophia se sentava e tirava seu currículo da pasta que tinhas em
mãos, entregando-o ao seu entrevistador.
Daniel Müller passou os olhos pelo currículo e puxou uma segunda ficha
da gaveta, entregue a ele pelo supervisor um dia antes, que continha mais
informações de Sophia e seu desempenho nas etapas anteriores.
— Sophia Hornet — disse lendo o nome dela no papel. Pegou uma
caneta e analisou seu currículo. Ao terminar, olhou para ela, que permanecera
quieta. — Então, senhorita Hornet, seu currículo é muito bom, o supervisor me
deu uma visão bem positiva de você, mas vejo que não tem a experiência
necessária que estou exigindo para o cargo. Está há quanto tempo trabalhando
na área administrativa ou similar?
— Na verdade, eu tenho pouquíssima experiência, já que eu não tive
muitas oportunidades. Serei franca, senhor Müller, eu estudei e me preparei
para trabalhar na minha própria empresa, mas meus planos não saíram muito
bem como planejei.
Ele arqueou a sobrancelha. Baixou o olhar.
— Pretendia abrir uma empresa, senhorita Hornet? — Seguiu
inquirindo, sem desgrudar os olhos do currículo
Ele não reconhece meu sobrenome? Ela pensou.
— Meu pai. Ele é sócio majoritário de uma das mais renomadas
construtoras do país.
Daniel riu levemente pelo canto da boca. Ergueu o olhar.
— Você é filha de Sebastian Hornet, devo supor. — Ele reconheceu o
sobrenome, enfim.
Sophia confirmou com um aceno de cabeça.
— Desculpe pela intromissão, mas o que faz uma das maiores herdeiras
procurar um emprego?
Sophia precisava ser cautelosa, ninguém sabia, além dela, dos irmãos,
dos pais e de Luiz Guimarães sobre a falência da família. Apesar das
especulações dos meios de comunicação, Sebastian pagou um preço muito alto
para manter, pelo menos por um tempo, a falência da ConstruHornet longe dos
holofotes da mídia sensacionalista. Por isso, todas as notícias sobre a falência
da empresa nada mais eram do que somente suposições.
— Fui deserdada. — Mentiu. — Perdão, senhor Müller — ela logo
tratou de desviar o assunto —, mas acredito que estamos partindo mais para o
lado pessoal da minha vida do que o profissional.
Daniel não se importou com a resposta afiada de Sophia.
— A senhorita tem razão. — Tornou a olhar o currículo dela. — Já
ouviu falar da nossa empresa, senhorita Hornet?
— Claro, senhor Müller — confirmou prontamente e passou a repetir
todos as informações anteriormente pesquisadas e teria continuado não fosse a
interrupção do Daniel.
— Estou impressionado, senhorita Hornet. Como sabe tanto a respeito
da empresa?
Daniel se desencostou da cadeira, impressionado com a moça a sua
frente. Levou as mãos ao queixo e apoiou os cotovelos na mesa.
— Eu fiz uma pesquisa na internet. Existem vários artigos, inclusive
estrangeiros.
— E por que fez essa pesquisa? — perguntou e anotou alguma coisa no
currículo dela.
— Eu considerei interessante conhecer a história de uma empresa
grande e famosa, com anos de reconhecimento no mercado nacional e
internacional. Caso eu conseguisse o cargo eu pouparia o meu chefe desse
trabalho.
Daniel terminou sua anotação e ergueu os olhos para a entrevistada.
— Sobre o que mais pesquisou da empresa?
— De tudo um pouco. Índice de crescimento, produção e lucro anual,
oferta e demanda, satisfação do cliente… — Ela sorri fraco e o olha. — A
internet é uma arma poderosa. Um pouco da minha pesquisa encontrei no
próprio site da empresa.
Daniel torna a se recostar com o currículo em mãos. Analisa-o uma
última vez e faz mais anotações nos espaços em branco.
— Certo. Consta aqui que você fala inglês e espanhol fluentemente. Isso
é bom. Como adquiriu fluência?
— Sim, senhor Müller. Adquiri fluência através de cursos, ambos feitos
em escolas particulares renomadas e com professores nativos. Tenho diploma,
caso precise. Para ajudar, residi na Inglaterra e nos Estados Unidos, um ano
em cada, e na Espanha por dois anos. Também sou intermediária em italiano,
mas como não completei o semestre do curso não peguei o diploma. Morei em
Roma por 6 meses.
Daniel Müller faz mais anotações.
— Correto — ele guardou o currículo em uma gaveta e a olhou. — O
processo de entrevistas será encerrado. Analisaremos os currículos e dentro
de uma semana ligaremos para a candidata mais capacitada. — Ele esticou a
mão. — Desejo-lhe boa sorte, senhorita Hornet.
Sophia apertou sua mão, agradeceu com um sorriso e se retirou, mal
sabendo que depois dessa entrevista o seu destino estaria sendo traçado.
02
A HERANÇA
♦♦♦
Era uma tarde de domingo, e tudo que Daniel queria era não ter que
falar ao irmão sobre as condições do testamento que o pai deixara. Ele já
estava até imaginando a reação de Heitor: primeiro, surtaria com o fato de
Daniel ter mentido, depois, surtaria ainda mais com os termos e condições do
testamento. A imagem de Heitor casado era algo que ele não conseguia
visualizar. Daniel mal via a si próprio em matrimônio, quanto mais o irmão –
a personificação da libidinagem.
Serviu-se de um bom uísque para, quem sabe, ajudá-lo a dizer ao
irmão: “Ei, cara, case-se e terá a sua herança!”. Daniel não sabia
simplesmente por onde começar.
Seus devaneios foram interrompidos quando ouviu uma música que
vinha dos fundos da casa. Música alta.
Muito alta.
Curioso, ele caminhou em direção à música, vinda da piscina, e se
deparou com uma cena que viria tipicamente de Heitor Müller.
Uma festa.
Daniel olhou em volta, ainda atordoado. Em sua piscina, haviam
algumas mulheres, umas rindo, outras nadando, e algumas poucas deitadas
sobre boias, curtindo o sol que reinava e lhes bronzeava a pele. Outras tantas
andavam de um lado para o outro com latas de cerveja na mão, desfilando
seus corpos perfeitamente em dia. Müller contou umas quinze ou vinte garotas
e cinco rapazes, junto a eles, Heitor, no meio de duas mulheres, alternando
beijos na boca entre elas.
Ele sentiu o sangue ferver. Pôs-se a andar em direção ao irmão, mas
uma loura escultural entrou em sua frente e insolentemente puxou-o pela
gravata. Daniel sentiu seu rosto sendo colado ao dela, e quando viu a boca da
mulher – com gosto de cerveja – estava na sua, num beijo frenético. Daniel
quis impedir, mas não teve muita opção a não ser retribuir.
— Olha só quem resolveu aproveitar a vida! — debochou Heitor se
aproximando com suas companheiras ao ver a cena que se desenrolava. — O
discretíssimo Daniel Müller pegando uma das minhas garotas. Acho que é o
fim dos tempos, meninas — provocou, e as garotas riram junto com ele.
Daniel para o beijo imediatamente e limpa com as costas da mão a
saliva da loura que ficou em seus lábios.
— Sabe o que será o fim dos tempos, Heitor? — inquiriu com uma
pitada de irritação após recuperar a postura. — Ver você se casar para ter
acesso a sua herança!
♦♦♦
A reação que Daniel esperava de Heitor fora pior do que ele imaginava.
A festa na beira da piscina acabou no mesmo instante e o irmão tivera um
surto, como o esperado.
“Deve haver outra maneira”, Heitor insistiu em dizer, aos berros. Mas
a verdade é que não havia outra saída a não ser o casamento. Daniel ainda
poderia escolher com quem se casar, já Heitor…
— Você mentiu para mim, Daniel! — Heitor Müller bradava no
escritório da mansão deles. — Esse tempo todo e você mentiu para mim!
— Heitor, se acalme. — Daniel gesticulou com as mãos, atrás da mesa
de cerejeira, tentando abrandar os nervosos do irmão. — Eu estava tentando
encontrar outra saída para esse problema. Acha que eu também quero me
casar?
Heitor riu forçada e cinicamente.
— Você pode escolher qualquer vagabunda interesseira, se casar, pegar
a sua parte e chutá-la depois. Mas, e eu? Uma prometida? Que porra papai
estava na cabeça para pensar numa merda dessas? — esbravejou ainda com
os nervos aflorados.
Daniel suspirou diante às palavras do irmão mais novo. De certa forma,
Heitor tinha razão. Onde é que Simon Müller estava com a cabeça quando
pensou nesses termos de testamento? Simplesmente lhes tirava à força a
oportunidade de escolher uma pessoa para se casarem. Para Daniel nem tanto,
mas para Heitor, sim. Ainda assim, onde Daniel encontraria uma mulher e se
apaixonaria a ponto de querer se casar em pouco mais de um ano?
E havia o fato de que, primeiro, Daniel não pensava em se casar.
Nunca. Relacionamentos amorosos não eram com ele. A maioria com quem se
relacionou buscava apenas dinheiro, outras eram ciumentas e possessivas
demais, houve casos de amor não correspondido, outra que o magoou e ele
não costumava conversar com ninguém sobre tal. E isso só o aborrecia e o
fazia desistir de querer se relacionar de novo.
Pensou nas últimas palavras de Heitor.
“ Você pode escolher qualquer vagabunda interesseira, se casar,
pegar a sua parte e chutá-la depois. ”
Talvez não fosse uma má ideia. Ele poderia se casar, e depois que
estivesse com a sua fatia da herança, pediria o divórcio.
— Daniel, está me ouvindo? — Heitor o trouxe de volta à realidade.
Ele pestanejou, deixando seus pensamentos de lado.
— Estou.
— Então me responde, porra!
— Desculpe, eu não entendi o que me perguntou.
Heitor bufa. Ele não me ouviu!
— O que acontece se não cumprirmos as exigências?
— Perdemos nossa herança. Nossas ações passarão a ser do segundo
maior sócio.
Heitor silenciou-se por alguns minutos. Daniel estranhou sua calma e o
observou, apreensivo. Ficou se perguntando o que estaria passando pela
cabeça do irmão.
— Você é a minha salvação, Daniel! — exaltou-se, de repente, com a
alegria de uma criança em dia de Natal.
♦♦♦
♦♦♦
Sophia saía do banho quando ouviu seu celular tocar. Ela tinha chegado
há pouco de mais uma manhã rodando a cidade e procurando por empregos,
uma garantia, caso a resposta na Swiss fosse negativa. Ouviu o celular e correu
atender, na esperança de ser chamada para trabalhar em algum lugar no qual
tinha deixado seu currículo.
— Alô?!
— Senhorita Sophia Hornet? É Daniel Müller, da Swiss Chocolate. —
O homem na linha se anunciou. Naquele momento ela sentiu as pernas
tremerem. — Parabéns, a senhorita foi escolhida para ocupar o cargo de
secretária.
Sophia pestanejou. Eu ouvi direito? Perguntou a si mesma, ainda
atordoada com a informação. Ela simplesmente não sabia como reagir. Não
sabia se gritava de alegria, se chorava de felicidade, ou se agradecia
infinitamente o homem do outro lado pela oportunidade. Se pudesse, faria tudo
isso ao mesmo tempo.
Hornet ainda mal conseguia acreditar, sequer tinha assimilado a
realidade, quando aquela voz masculina ressoou em seus ouvidos, dando
continuidade à chamada.
— Compareça amanhã cedo aqui no edifício administrativo, munida
de documentos e carteira de trabalho. Seu primeiro dia será apenas para
conhecer a empresa e o nosso sistema, à tarde iniciará o treinamento para
ocupar o cargo de secretária executiva. Venha com roupas formais, e não se
preocupe com o almoço, nós servimos aqui. Mais uma vez, parabéns,
senhorita Hornet.
— O-obrigada — ela gaguejou um pouco antes de dizer. — Eu nem sei
como agradecer.
— Agradeça com sua competência e profissionalismo. Até amanhã,
senhorita Hornet.
Sophia sentia o mundo girar. Estava fora de si, radiante por ter
conseguido um bom emprego. Mais feliz ainda porque não precisaria recorrer
ao pai e se humilhar.
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A noite estava sendo difícil para Daniel. Trocara sua cama macia por um
sofá desconfortável. Simplesmente não conseguia dormir. Só o que pôde foram
alguns cochilos que duravam de quinze a vinte minutos, acordava e demorava
muito para conseguir pregar os olhos novamente. A mistura de calor e
desconforto deixou-o de olhos abertos praticamente a noite toda. Para se
refrescar, tirou a camisa social, que o fazia transpirar, o cheiro forte de suor
em baixo das axilas começava a incomodá-lo. Desafivelou o cinto e abriu o
botão da calça, ajeitou-se no sofá numa tentativa fracassada de tentar torná-lo
um pouco mais confortável. Bufou. Levantou-se e caminhou até a janela. O
carro do inconveniente Miguel não estava mais lá. Pensou em ir embora e ligar
para Sophia no dia seguinte e lhe explicar sua atitude. Mas ela tinha sido tão
prestativa que hesitou na sua decisão. Olhou no relógio que marcava duas da
manhã. Falta pouco, pensou consigo mesmo tentando confortar-se com a ideia
de que logo poderia ir para a casa e dormir em sua deliciosa cama.
Voltou a se deitar no sofá e fechou os olhos. Um tempo depois, pela
primeira vez na noite, o sono se apossou dele, que até já tinha se acostumado
com o desconforto. De repente um barulho o despertou com um sobressalto.
Daniel abriu os olhos, correndo-os pelo apartamento pouco iluminado. Viu
Sophia de costas e curvada, juntando algo no chão. Ela trajava apenas um
baby doll rosa de cetim, o short era curto, e ele pôde, na posição em que ela
estava, observar partes de sua bunda. Quase que instantaneamente sentiu seu
membro enrijecer.
Que porra está acontecendo comigo? Perguntou a si mesmo, sentindo
sua ereção. Daniel era um homem controlado. Para se excitar precisava mais
do que uma mulher seminua na sua frente. Caso estivesse acompanhado,
carícias, beijos quentes e palavras obscenas facilmente o deixariam
enrijecido; sozinho, era preciso alguns pensamentos eróticos e um filme pornô
para ajudá-lo. No entanto, precisou apenas a visão de Sophia naqueles trajes.
Daniel jamais negaria que Sophia é atraente e sensual, mas por que raios, pela
segunda vez, estava rígido por ela, sem mais nem menos? Sem provocações,
sem pensamentos lascivos, sem erotismo?
Fingiu dormir quando a loura se virou para jogar os cacos no lixo e
atravessou a sala na intenção de retornar aos seus aposentos. Ele sentiu
quando Sophia se aproximou e, de repente, ficou a observá-lo. Durante
aqueles segundos de olhos fechados, sendo examinado pelos olhos verdes,
algumas coisas passaram por sua cabeça, imaginou Sophia se aproximando e
tocando seu membro por cima da calça. Depois, sentava-se em seu colo,
esfregando suas partes íntimas na dele, beijando seu pescoço, mordiscando o
lóbulo da sua orelha com lascividade. Aquilo só o deixava mais excitado e ao
mesmo tempo frustrado. Müller não sabia por que estava tendo aquele tipo de
pensamento. Tentou se lembrar de quando fora a sua última relação sexual.
Uns quinze dias? Deduzia, enquanto fingia dormir. É isso! Estou necessitado
e meu corpo está respondendo à primeira mulher que vê pela frente!
Notou quando Sophia se afastou, adentrando em seu quarto. Suspirou
aliviado por Sophia ter deixado a sala tão logo. Será que ela reparou? Tocou
seu pênis que chegava a doer de tão rígido. Por alguns minutos, ficou
acariciando-o, como se aquilo fosse resolver alguma coisa. Daniel precisava
aliviar-se, ou de um banho frio. Descartou totalmente a possibilidade de se
masturbar na sala da casa de sua secretária, então preferiu o banho gelado.
Além de refrescá-lo do calor, limpá-lo do suor, o banho o faria esquecer a
excitação. Ou talvez ele optasse por um banho morno enquanto se satisfazia no
chuveiro.
Levantou determinado a tomar uma ducha gelada. Seguiu para o banheiro
ao final do corredor, o mesmo que usara antes da visita desagradável de
Miguel Guimarães de Orleans. Distraído pela excitação, ou pelo calor, não
ouviu o som do chuveiro ligado, indicando que alguém utilizava o banheiro.
Abriu a porta e ficou surpreso com a visão de Sophia nua, tomando banho. No
milésimo de segundo que tiveram, seus olhos correram pelo corpo dela. Os
cabelos molhados, os seios medianos firmes, a barriga lisa, sua intimidade
parcialmente depilada.
Daniel se virou rapidamente, sentindo a cara queimar como fogo,
enquanto ela exclamava, espantada:
— Meu Deus, Daniel!
— Me desculpe, Sophia — repetiu várias vezes, ainda de costas. De
vergonha, seu rosto ardia feito brasa. — Não sabia que você estava aqui.
Daniel se via em uma situação totalmente constrangedora. O universo
vinha conspirando contra ele naquela noite.
Voltou para a sala sem saber onde colocar a cara. Se pudesse, faria um
buraco para enfiá-la. Sentou-se no sofá com seu coração palpitante. Percebeu
que a situação vivida fez seu “amiguinho” murchar. Mais eficiente que um
banho gelado!
— Daniel — ouviu a voz suave de Sophia, e ergueu os olhos para vê-la
parada na sua frente.
Os cabelos louros ainda estavam molhados e embaraçados, usava um
roupão e segurava a parte frontal com tanta força como se temesse que o traje
abrisse e revelasse coisas que não deveria.
Ele a observou rapidamente, antes de dizer:
— Oi… olha, me desculpa… eu só queria me aliviar… — tentou se
explicar, mas se embaraçou com as próprias palavras.
Merda, o que estou dizendo? Pensou ao se dar conta das coisas que
saíram da sua boca.
— No sentindo que eu precisava urinar e… eu não sabia que você
estava usando o banheiro. — Suspirou sem saber mais o que dizer.
Sophia pôs-se ao lado de Daniel. Ele ainda estava sem camisa e com as
calças abertas. Quis rir do nervosismo dele, mas não era propício. Ela podia
imaginar como seu chefe estava se sentindo. Ela própria se sentia
envergonhada com o episódio.
— Não se desculpe. Eu que esqueci de trancar a porta. Está tudo bem.
Não, não está. Eu te vi nua!
Sorriu sem graça concordando com um aceno, ao mesmo tempo que
tentava não recordar o que vira há minutos. Daniel agradeceu mentalmente
pelo ocorrido, uma vez que deixou de alimentar sua imaginação. Entretanto,
ainda se perguntava por que estava tendo esses desejos na presença da sua
secretária.
— Que situação… — Emitiu um riso nervoso misturado à vergonha,
desviando o olhar para baixo.
Sophia sorriu e tocou levemente sua perna, puxando a mão quase que no
mesmo instante. Isso fez Daniel mirá-la.
— Como… dormiu?
— Não dormi — respondeu de pronto — O sofá… sabe? Não estou
acostumado.
— Parecia confortável há pouco — observou e sorriu fraco ao se
lembrar de Daniel estirado no sofá
Müller a encarou e pensou no momento em que sentiu ser analisado por
Sophia.
— Só cochilei um pouco — justificou —, fiquei mais acordado do que
dormindo.
Sophia segurou sua mão e o levantou, virou-o de costas e deu um leve
empurrão, como se estivesse o incentivando a andar.
— Durma no meu quarto. Você precisa descansar.
Daniel girou o corpo, ficando de frente para ela.
— Está tudo bem, eu me acostumo com o sofá.
— Não, senhor, senhor Müller. Eu já dormi várias vezes nesse sofá
vendo televisão, eu é quem estou acostumada. Insisto que vá descansar na
minha cama.
Daniel de um sorriso fraco diante da insistência de Sophia. Deixaria seu
cavalheirismo de lado e aceitaria. Suas costas estavam doloridas por causa do
desaconchego que era o sofá, e ele precisava dormir um pouco, o que não
conseguira muito naquela noite.
Agradeceu a gentiliza de Sophia e seguiu para o quarto dela. Entrou
observando a delicadeza do lugar, a simplicidade do cômodo, que ao mesmo
tempo exalava um ar aconchegante. Observou ao redor e viu uma peça de
roupa de Sophia em cima de uma poltrona: o belo vestido preto que ela usara
no jantar dos dois. Aproximou-se vagarosamente, tomando a peça nas mãos.
Encarou-a por um breve instante antes de, inconscientemente, conduzi-la até o
nariz e inspirar fundo o perfume que ficou no vestido. Partes do jantar
passaram rapidamente por sua cabeça como um filme rápido.
Dando por si, deixou a peça cair, passou a mão pelos cabelos
suspirando, tirou a calça e usando apenas a cueca boxer e foi se deitar.
Na cama, esticou o corpo. Deitou-se de bruços, e de repente o cheiro
feminino dela, impregnado nos lençóis e fronhas, subiu por suas narinas.
Daniel apertou os olhos, sentindo aquele cheiro que há tão pouco o tinha
deixado extasiado. Pegou-se pensando nela ali, a seu lado, e ele inspirando o
aroma diretamente do seu pescoço. Quando percebeu o que tomava conta de
seus pensamentos, balançou a cabeça tentando afastar tudo aquilo. Virou de
costas encarando o teto. O cheiro doce do shampoo de Sophia continuava em
sua memória olfativa.
Droga! Praguejou. Talvez fosse melhor ter ficado no sofá!
♦♦♦
Sophia viu Daniel seguir para o quarto dela, e antes de se deitar e ligar a
TV, foi até sua lavanderia e pegou outro pijama no cesto de roupas limpas.
Ainda estava sem jeito perto dele depois de tudo o que aconteceu. Parecia que
as coisas estavam sucedendo de forma a desencadear aquela situação
constrangedora: a presença de Miguel ter obrigado Müller a ficar em seu
apartamento, o ventilador desligado que a fez querer um banho, o chuveiro
queimado que a obrigou a ir para o outro, a porta que deixou destrancada. A
sequência de acontecimentos parecia estar em harmonia, conspirando contra
os dois.
Ajeitou-se no sofá, tomando cuidado para que mais nenhuma ação sua
causasse qualquer outra cena desconcertante diante de Daniel Müller. Colocou
em um filme que já havia começado. Prendeu a atenção ao que se passava na
televisão. Numa das cenas do longa-metragem, duas pessoas se beijaram, e
instantaneamente veio à sua cabeça o beijo trocado com Daniel. Lembrou-se
de como os lábios finos dele acompanharam bem o ritmo dos dela, das mãos
fortes, porém delicadas, de Daniel segurando-a pela cintura e trazendo-a para
mais perto do seu corpo. Por um instante, sentiu que ele a desejava, e se
surpreendeu o desejando. Recordou-se de como Müller tinha um perfume
amadeirado inebriante. Imagens dele foram passando por sua memória,
correndo na frente dos seus olhos: quando ele saíra do banheiro com os
cabelos desgrenhados e molhados, depois como se beijaram rapidamente no
térreo do condomínio. Não demorou para Sophia se recordar de vê-lo deitado
ali, em seu sofá, sem camisa e ereto. Riu pensando na situação que
presenciara. Ao dar por si, estava com um risinho bobo nos lábios e pensando
naqueles olhos de cor indecifrável. Pestanejou, sacudindo a cabeça em
seguida, querendo tirar os pensamentos que ela não sabia explicar. Ajeitou o
travesseiro e recostou a cabeça nele, para no mesmo momento o perfume
amadeirado de Daniel apossar de seu nariz, fazendo-a recordar os
acontecimentos daquele dia de volta à sua memória.
Suspirou e levantou-se, andou até a cozinha e tomou água. Por que
estava pensando tanto nele? Daniel era bonito e educado, sempre fora desde
que ela o conhecera, mas nunca pensara em seu chefe daquela maneira como
vinha acontecendo desde o beijo, há pouquíssimo tempo. Voltou para a sala, e
divisou a camisa social dele jogada ao chão. Pegou a peça e, sem perceber,
levou-a até o nariz, aspirando aquele mesmo cheiro amadeirado do
travesseiro, este, por sua vez, misturado ao cheiro de transpiração.
Que cheiro másculo!
Jogou a camisa longe ao notar o que havia pensado. Desligou a TV,
trocou o travesseiro por uma almofada e deitou-se, tentando, em vão, dormir.
♦♦♦
Chamando
Melissa Telles
♦♦♦
♦♦♦
Sophia respirou fundo encarando seu telefone celular. Era a primeira vez
em quatro meses que ela entraria em contato direto com a família. Ela já
imaginava sua mãe chorando ao telefone e perguntando se estava bem, se
estaria passando fome ou morando na rua. Dona Eva Hornet era a mulher mais
exagerada que Sophia conhecia. Já seu pai, Sebastian Hornet, iria gritar,
exigindo saber onde a filha se encontrava, e então, desembestaria a falar do
contrato com os Guimarães de Orleans, ordenando seu retorno à casa para
firmar a união com Miguel. Talvez ele até já soubesse do noivado dela com
Daniel, por meio de Luiz.
Já seu irmão, Eduardo, superprotetor como era, faria as mesmas
perguntas da mãe e seria até mais dramático e exagerado que ela, ganhando,
assim, o prêmio de pessoa mais exagerada que Sophia conhecia. Isabela, a
irmã mais nova, pouco se importaria com o estado dela. O que ela gostaria
mesmo de saber é se Sophia teve alguma aventura, como caminhar quilômetros
e pedir carona a desconhecidos, acampar cada noite em um lugar, sobreviver
com comida enlatada e racionar alimento. Para Isabela, a irmã não tinha
apenas fugido de casa, mas fora viver um apocalipse zumbi.
Sophia sorriu, pensando na maluquice que era Isabela. Aos 19 anos,
vivia com a cabeça em um mundo imaginário, onde ela gostaria de sair sem
rumo e se aventurar. Mas Eva e Sebastian nunca permitiriam aquilo à filha que
tanto mimavam. E eles estavam certos. Isabela não sobreviveria um dia sequer
longe dos Hornet. Pelo menos ela pensava assim.
Tomou coragem e discou o número de sua antiga casa. Alguns toques
depois, uma voz feminina e conhecida atendeu. Era sua mãe. Sophia esperava
ouvir a voz da governanta, mas ponderou que seu pai a tivesse dispensado por
não poder mais bancar os empregados.
— Oi… mãe — ela disse, finalmente, após ouvir três “alôs” do outro
lado da linha.
Como o esperado, houve um silêncio breve. Eva Hornet processava a
informação que chegava, se perguntando se aquela era mesmo a voz da sua
filha Sophia, ou se seria uma peça de sua cabeça causada pela saudade e a
preocupação com ela, que eram grandes.
— Sophia — sua voz saiu emocionada e quase em prantos —, é você
mesmo, meu bebê?
— Sim, dona Eva, é sua filha do meio, Sophia Hornet.
Ela ouviu um “Oh, meu Deus, eu estava tão preocupada”, seguido de
lágrimas e soluços. Sophia esperou até que a mãe lhe desse o sermão para o
qual se preparara, e depois pronunciou:
— Estou bem, mãe, não se preocupe. Estou ligando por que eu… —
pensou em como dizer aquilo. Seria uma notícia e tanto para Eva Hornet —, eu
vou me casar e meu noivo quer oficializar o noivado com meus pais em um
jantar — disse de uma só vez, sem parar para tomar fôlego.
Houve outro silêncio, dessa vez um pouco mais longo que o anterior.
Sophia conseguia apenas ouvir a respiração da sua mãe, que, provavelmente,
raciocinava sobre a notícia informada.
— Casamento? Sophia, que história é essa?
E pelo jeito, Luiz Guimarães não fora correndo contar a família dela, ou
Sebastian é quem não comentou nada com sua mãe, porque era sempre assim:
Eva era sempre a última a saber de qualquer acontecimento na família. Foi
assim com as apostas nos cavalos, foi assim com a falência e foi assim com o
casamento arranjado entre ela e Miguel. Por que seria diferente naquele
momento?
Sophia contou tudo, desde quando conheceu Daniel até aquele instante.
Claro que teve de inventar uma coisa ou outra, como ter se apaixonado pelo
seu chefe e se envolvido com ele, além de omitir o fato de o casamento ser
apenas um meio para que ambos se beneficiassem.
Após ouvir a história quase verdadeira da filha, Eva ficou feliz e
confortável ao mesmo tempo. Sophia sabia que sua mãe nunca aprovara a
união forçada dela e de Miguel, e agora, sabendo que sua amada filha amava
um homem e se casaria por amor, tendo um lugar digno para morar e sem
precisar ficar pulando de um lado a outro, Eva estava mais do que aliviada.
Parabenizou-a pelo casamento e disse estar muito feliz.
— E o papai, onde está? — Sophia quis saber, depois de muito enrolar
para perguntar por ele, criando coragem.
— Ah, querida, foi ver se conseguia um dinheiro emprestado para
pagarmos o aluguel e não sermos despejados.
Sophia sentiu um aperto no coração. Ela tinha sido uma maldita egoísta.
Fugiu de casa e não se importou em saber como todos eles estavam. Tinha
ciência de que a família perdera a casa para a hipoteca e todos os bens foram
bloqueados por falta de pagamento de muitas dívidas. Mudaram-se para uma
casa locada, e a família sobrevivia com pouco, se comparado ao status que
tinham antes da falência. Ela sabia, ainda, que Eduardo e Isabela estavam
fazendo o possível para ajudar a família. O irmão mais velho trabalhava como
contador, ele nunca se interessou pela empresa dos Hornet e também nunca foi
de acordo em ser sustentado pelos pais. Eduardo sempre gostou de ser
independente, mesmo que não fosse cem por cento.
E isso os ajudava um pouco. Isabela trancou a faculdade e começou a
trabalhar como assistente administrativa, e também ajudava nas despesas
como podia.
Sebastian perdera crédito, Eva a vida toda foi mulher de ficar dentro de
casa cuidando dos filhos e recebendo todo o tipo de regalias. Então, os únicos
que, verdadeiramente, estavam se sacrificando para não deixar os Hornet
morrerem de fome eram Eduardo e Isabela.
E Sophia se sentiu culpada por isso tudo. Se ela tivesse simplesmente
sacrificado sua felicidade para ajudá-los, eles jamais estariam passando por
aquelas dificuldades.
— Me sinto tão culpada por isso — murmurou.
— Oh, querida, não sinta. Seu pai quem nos faliu, não você. E aquele
casamento com o Miguel… eu compreendo que pensou na sua felicidade
— Mas não na de vocês. — Suspirou e passou a mão pelos cabelos
presos, se sentindo culpada.
— Sophia, meu anjo, isso está sendo uma lição para todos nós.
Estamos aprendendo a dar mais valor nas coisas. Eu e Isabela,
principalmente. Gastávamos horrores sem pensar, agora que ela está
trabalhando duro, está econômica e sabe o quanto é difícil ganhar dinheiro
para sair abrindo a mão por aí.
— Eu sei mãe, mas… — teria terminado de protestar se não tivesse
ouvido uma voz masculina gritar do outro lado da linha. Era Sebastian Hornet.
“Eva, cheguei… Quem é ao telefone? Se for o corretor diga que já
consegui o dinheiro e que é para ele parar de ficar como urubu em cima da
carne podre. Amanhã já levarei o dinheiro para a imobiliária. Gente
ambiciosa. Tudo gira em torno dessas malditas notas. Papéis que chamam
de dinheiro”
Sophia estremeceu ao ouvir aquela voz forte. Sebastian Hornet era um
homem rígido. Respeito e medo andavam de mãos dadas quando o assunto era
ele.
— Não, Sebastian. É Sophia.
Quase que no mesmo instante, o telefone foi arrancado das mãos de Eva
para dar lugar a uma voz forte, marcante e autoritária:
— Sophia Hornet, você está muito, mas muito, encrencada, mesmo!
♦♦♦
Oi, pai, tudo bem com o senhor? Comigo está ótimo também, obrigada
por perguntar como fiz para sobreviver esses últimos meses sem o dinheiro
do senhor, obrigada por perguntar se estou bem ou mal, doente ou saudável.
Muito obrigada.
Sophia pensou, mal acreditando que depois de cinco meses fora, o pai a
recebera daquela forma.
— Oi, pai. Eu estou bem, obrigada — bufou, e ouviu uma advertência:
— Olha como fala com seu pai, mocinha. Onde você está? Se está
ligando é porque precisa de alguma coisa. Se arrependeu da bobagem que
fez e quer voltar atrás? Vou ligar imediatamente para o Luiz e informar
que…
— Pai, não! — Sophia quase gritou. E depois eram os outros que só
pensavam nos “papéis que chamam de dinheiro”.
Hipócrita, pensou.
— Eu não me arrependi de nada. Estou ligando para avisar que vou me
casar e quero que vocês conheçam meu noivo em um jantar — avisou sem
rodeios, esperando que ele já soubesse.
E quando Sebastian exprimiu um “como é?” em tom de confusão, ela se
perguntou por que Luiz não contou nada aos Hornet sobre seu casamento com
Daniel.
Como fizera com a mãe, Sophia explicou tudo desde o começo para o
pai, e acrescentou, para que ele concordasse e abençoasse a união deles:
— Falei com Daniel sobre a situação de vocês e ele está disposto a
ajudá-los. Não precisa mais se preocupar com a parte financeira.
Sophia esperava que pelo menos Sebastian se importasse um pouco com
os Guimarães de Orleans, mas não foi isso que aconteceu. O pai se mostrara
mais interesseiro que qualquer outra pessoa. E teve essa conclusão quando ele
proferiu as palavras:
— Quando é o jantar?
09
A RUIVA
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♦♦♦
♦♦♦
Como o combinado, Heitor fora até a empresa. Não que ele quisesse
realmente trabalhar, mas era melhor o trabalho do que se submeter a um
casamento ou perder a herança. Depois de gozar de Daniel sobre o irmão
transar no escritório, já que esse tipo de ato não partiria de Daniel Müller,
Heitor conheceu um pouco mais a empresa e o trabalho que realizaria ali. Ele,
o segundo Müller com mais ações, ocuparia o lugar de vice-presidente,
desocupado há dois anos por conta da sua falta de comprometimento com a
empresa. Falta essa que só fora resolvida diante um acordo e interesses
pessoais.
Após acertarem e ambos participarem da videoconferência de Daniel
com o Canadá, os irmãos Müller foram almoçar juntos. Heitor começaria na
semana seguinte, tendo tempo assim para organizar sua nova sala da vice-
presidência, contratar uma secretária e se preparar psicologicamente para
enfrentar o trabalho.
Daniel voltou para a empresa e cumpriu com o restante de seus
compromissos.
O relógio já marcava quase dezoito horas quando bateram em sua porta
e Sophia apareceu, um longo casaco preto cobria por inteiro o vestido azul
que trajava.
— Ainda precisará de mim, senhor Müller? — ainda não havia se
acostumado a chamá-lo pelo primeiro nome.
— Não, Sophia, obrigado. Já está indo embora?
Hornet apenas acenou em positivo.
— Espere um segundo, te dou uma carona.
— Não precisa se incomodar.
— Você é minha noiva, o que as pessoas vão pensar sobre isso? — ele
se levantou, vestiu o paletó e desligou o computador. — Vamos, te deixo em
casa.
Daniel segurou na mão de Sophia. Ela sentiu o calor de seus dedos
subindo por sua mão, sua pele macia tocando a sua fez uma eletricidade
diferente percorrer seu corpo. Os dedos grandes de Daniel envolveram os
pequenos e finos de Sophia. Antes de olhar para seus olhos azuis-esverdeados,
Sophia mirou suas mãos entrelaçadas e apertou a de Daniel levemente,
enquanto caminhavam até a saída da empresa.
Então, de repente, Sophia imaginou Daniel e a tal ruiva juntos, em seu
escritório. E uma vontade de gritar com ele, por ser um cretino idiota, foi
contida em seu âmago.
10
O JANTAR
♦♦♦
♦♦♦
Depois que comprou as alianças e o colar, Daniel seguiu direto para sua
casa, tomou um banho e arrumou-se. Para a ocasião, vestiu uma camisa branca
e gravata azul-marinho listrada em branco. Pôs um colete preto, e por cima
jogou o paletó. Alinhou a calça do conjunto e vestiu um sapato também preto.
Arrumou os cabelos louro, passou uma colônia e ajeitou o paletó no corpo,
olhando-se no espelho. Agarrou as alianças e o colar que comprou e saiu pelo
corredor em direção ao quarto de Heitor.
Ao se aproximar da porta, ouviu gemidos. Estreitou os olhos e se
aproximou mais, quando ouviu uma voz feminina: “Oh, Heitor, eu vou gozar”.
Daniel rolou os olhos. Não se importava se o irmão estava ou não
acompanhado, iria bater à porta do mesmo jeito. E assim o fez.
— Heitor — chamou-o dando uma leve batida na porta.
— Que porra você quer, Daniel? Não vê que estou ocupado? — o irmão
gritou de dentro do quarto, entre gemidos.
— É, eu sei que está ocupado. Só quero te lembrar do seu compromisso
comigo dentro de pouco. Vou te passar o endereço de Sophia por SMS.
Compareça! — exigiu e virou-se, não esperando Heitor responder.
Daniel dirigiu até o apartamento de Sophia. Não sabia se estava ansioso,
nervoso, ou qualquer coisa do gênero. Ele iria oficializar um noivado de
mentira, e aquilo parecia ser pior do que se estivesse, de fato, se casando.
Ao chegar, tocou a campainha e esperou ser atendido. Quando Sophia
abriu a porta, ele praguejou mentalmente: ela estava deslumbrante, e seu corpo
respondeu à beleza diante de seus olhos.
Os olhos de Daniel passearam rapidamente por Sophia, e, interiormente,
sentiu-se estremecer por sua beleza. Ela estava linda. Trajava um vestido
salmão sem alças, que batia acima dos joelhos, com um charmoso cinto preso
à sua cintura, uma jaqueta de couro preta, meia-calça e sapato de salto estilo
boneca, ambos pretos. Os cabelos estavam presos pela metade, formando um
elegante topete no alto de sua cabeça; alguns fios rebeldes estavam soltos, o
que a deixava sexy. A maquiagem era leve e ressaltava seus olhos verdes.
Ao vê-lo, Sophia abriu um pequeno sorriso e se aproximou para lhe
cumprimentar com um beijo no rosto. Seu perfume adocicado de baunilha o
extasiou, e ele retribuiu o cumprimento, tentando afastar seus pensamentos
impuros da cabeça.
— Está deslumbrante, senhorita Hornet — elogiou analisando-a
rapidamente.
Sophia sorriu e também o avaliou.
— Digo o mesmo, senhor Müller. Adorei o colete. — bom humor exala
de sua voz, e os dois riram brevemente antes de, finalmente, Sophia convidá-
lo para entrar.
— A que horas seus pais chegam?
— Dentro de meia hora. Sente-se — ela indicou o sofá.
Os dois se sentaram um ao lado do outro. Daniel se sentiu incomodado
com a gravata e tentou ajeitá-la, resmungando entre sussurros. Sophia reparou
em sua dificuldade e prestou ajuda, para a surpresa de Daniel.
— Espera, eu te ajudo.
Seus dedos pequenos e delicados se movimentaram com graça, roçando
vez ou outra em seu peito, enquanto a Hornet seguia refazendo e ajeitando o nó
da miniforca, como Daniel apelidou o apetrecho. Ele permitiu que seus olhos
se fixassem na loura, observando-a com atenção, depois, os direcionou para
seus graciosos dedos ao sentir o toque macio em sua pele. Ao terminar, eles se
olharam por um momento, e sem perceberem um sorria para o outro.
Tão próximo dela, Daniel reparou como seus olhos verdes são grandes e
brilhantes, e em contraste com sua pele branca e o cabelo amarelo chamam a
atenção de qualquer um. Sua boca naturalmente rosada e seu porte pequeno,
perto de 1,63 metros, deixam-na mais atraente do que qualquer pessoa.
— Obrigado — agradeceu quebrando o momento.
— Não é nada.
Houve um pequeno momento de silêncio entre os dois. Sophia olha para
o chão e estrala os dedos, sem saber como agir ou que lhe dizer. Ela consegue
sentir o perfume masculino e forte de Daniel impregnado no ar, o que a fez
sorrir brevemente, recordando-se de outros momentos e ocasiões que ele
havia usado a mesma colônia.
Daniel retirou o celular do bolso e deslizou a tela, mesmo sem abrir
aplicativo algum, ele simplesmente vai passando a tela, ocupando sua cabeça,
também não sabendo como agir enquanto espera pela família de Sophia.
Sem esperar, Sophia o puxou pelos punhos e o encaminhou pelo
apartamento para lhe mostrar como tudo estava ajeitado para o noivado. Um
modo de ter o que fazer até seus pais chegarem. Mostrou-lhe a mesa
elegantemente posta, os arranjos de flores espalhados pela sala, o cheiro da
comida pairando no ar, as músicas que ela selecionou para a ocasião e que
tocavam ao fundo em um volume agradável.
— Está perfeito, Sophia — Daniel elogiou, voltando ao sofá.
Sentando-se a seu lado, ela concordou com um meneio de cabeça. Só
esperava que os pais achem o mesmo.
— E sua mãe? — ela perguntou de repente.
Durante aqueles quatro meses em que conhecia Müller sabia muito
pouco sobre ele, apenas que os pais já haviam falecido.
— Ela morreu quando eu tinha 15 anos. — respondeu e desviou o olhar,
como se quisesse mudar de assunto.
— Eu não sei quase nada sobre você. Quer conversar sobre isso? Seria
estranho se alguém me perguntasse algo sobre sua família e eu não soubesse
responder.
Ele acenou e concordou. Daniel contou um pouco sobre sua família e de
como eles chegaram ao Brasil.
A Swiss Chocolate havia começado nos fundos do quintal dos bisavôs
de Daniel, no final do século XIX. O chocolate bem-feito pelas mãos de seus
antepassados fizera sucesso entre a comunidade em que eles moravam, no
norte da Suíça. A empresa pouco a pouco foi se expandindo, até que em 1936,
já de renome na Suíça, o avô de Daniel conseguiu expandir os negócios além
das fronteiras de seu país de origem, fazendo a marca chegar em terras
brasileiras.
Tradicionalmente, Simon também tomou a frente dos negócios da
família, dando continuidade ao trabalho iniciado. Em 1975, após uma crise na
filial brasileira, e já à frente da empresa, Simon veio ao Brasil para resolver
pessoalmente a questão. Algumas semanas depois, visitando a fábrica, ele se
deparou com uma das funcionárias pelo corredor. De cabelos alourados e
olhos claros, Simon se apaixonou pela supervisora de produção, Laura Ortega.
Os dois se envolveram, e um ano depois se casaram.
Em 1985, em uma viagem de férias, e já grávida de Daniel, Laura entrou
em trabalho de parto e seu primogênito nasceu na Suíça.
— Então você é suíço? — questionou Sophia após ouvir um pouco da
história.
— Tenho nacionalidade dupla, na verdade. Mas vivo no Brasil desde
que tenho um ano e meio de idade. Heitor nasceu aqui, mas por causa do nosso
pai, também tem as duas nacionalidades.
— E como sua mãe morreu? — seguiu perguntando, a curiosidade sendo
maior que ela própria. E ao sentir a delicadeza do assunto, se remexeu no sofá,
incomodada e arrependida em fazer uma pergunta tão íntima e delicada.
Daniel esfregou os joelhos antes de responder.
— Ela vinha tendo muitos problemas de saúde, mas o ápice se deu
quando descobriu um câncer de mama. Já estava avançado e as sessões de
quimioterapia somente a enfraqueciam. Ela parou com os tratamentos porque
não havia mais nada a se fazer por ela. — Sua voz é meio embargada. — Dois
meses depois, ela faleceu.
— Sinto muito — Sophia disse compadecida.
— Tudo bem. São coisas da vida. — Sua voz é baixa.
Por um pequeno momento, Sophia arrependeu-se por ter feito uma
pergunta tão íntima e delicada ao chefe. Sentiu que era um assunto, mesmo de
longa data, que feria Daniel. Afinal, era a morte da mãe – que ele perdeu aos
15 anos de idade. Também lhe faltava o pai, Simon. Perguntou-se se Heitor era
sua única família.
— Então, é apenas você e seu irmão?
— Sim. Quero dizer, temos alguns primos e parentes distantes, mas meu
laço familiar mais forte é com ele. — Sorriu fraco e outra vez esfregou os
joelhos.
Sophia reparou em suas mãos constantemente alisando os joelhos e
deduziu ser sinal de nervosismo. Só não soube explicar se era pelo assunto
abordado ou por causa dos pais dela que chegariam a qualquer momento.
Quem sabe pelos dois motivos. Inconscientemente, levou suas mãos até as dele
e as tocou, o que fez Daniel olhá-la e parar no mesmo momento com seu tique
nervoso.
Eles se olharam, mas Sophia não retesou suas mãos, nem ele se esquivou
de seu toque.
— Vai ficar tudo bem. — disse baixo ainda afagando as mãos sobre os
joelhos. — Seja lá por que esteja nervoso. — Ofereceu um sorriso caloroso e
só então percebeu sua mão na dele.
Cessou o toque bruscamente e desviou os olhos. Ela não notou, mas ele
sorriu pelo canto dos lábios, e interiormente sentiu-se mais tranquilo. Daniel
pensou em algo para lhe dizer, mas a campainha tocou, salvando-o.
Sophia levantou rapidamente e se virou para ele:
— Como estou? — A loura parecia nervosa.
Daniel a avaliou novamente. Ele diria que linda era pouco, que não
encontraria adjetivos suficientes para descrevê-la, para lhe dizer como estava.
— Linda… — disse finalmente, e em retribuição recebeu um sorriso
fraco.
Daniel se levantou e se pôs a seu lado, alinhando o terno. Suas mãos
quase se tocaram enquanto caminhavam até a porta.
Sophia abriu a porta para divisar sua família do outro lado. Eva foi a
primeira a saltar em seu pescoço para abraçá-la fortemente. Daniel
acompanhou a cena um pouco atordoado e desconfortável. Enquanto Eva
matava a saudade da filha, ele desviou seus olhos para os demais no lado de
fora: Sebastian, Eduardo e Isabela, e os cumprimentou com um aceno de
cabeça breve. O pai dela passou por esposa e filha e veio em seu encontro, lhe
estendendo a mão.
— Daniel Müller, prazer em conhecê-lo. Sou Sebastian Hornet, pai de
Sophia.
Daniel retribuiu o aperto de mão caloroso e sorriu.
— Senhor Hornet, o prazer é todo meu.
— Ah, por favor, sem formalidades, me chame de Sebastian.
Daniel acenou e não soube qual o próximo passo a dar. Mas Sophia o
livrou deste peso quando ela o chamou e lhe apresentou sua mãe.
— Encantado, senhora Hornet — ele disse segurando sua mão e a
beijando com respeito. — Agora já sei por que Sophia é tão linda. Vem de
sangue — elogiou alternando o olhar entre Eva e Sebastian.
De fato, os pais de Sophia têm uma beleza de chamar a atenção.
Sebastian é um homem de quase cinquenta anos, mas conservado. Seus olhos
são de um azul intenso e profundo, que destacam mesmo vistos de longe,
cabelos curtos e negros, queixo quadrado e sem barba, alto e magro, e, de
certa forma, elegante. Já Eva, é uma mulher graciosa, de cabelos alourados e
em corte Chanel, olhos castanho-claros e o rosto triangular. Seu sorriso é
acolhedor, e mesmo aos 47 anos, conserva-se jovem, não tendo sobrepeso ou
sinais de envelhecimento. Sophia e Eva poderiam facilmente ser confundidas
como irmãs.
— Espero receber esse mesmo elogio — uma segunda voz masculina
soou atrás dele, Daniel se virou para encarar os olhos verdes-claros de
Eduardo, com um sorriso amigável e irônico nos lábios.
Antes que Daniel pudesse responder alguma coisa, Sophia correu até o
irmão para abraçá-lo.
— Senti saudades, pirralha — Eduardo pronunciou, apertando-a forte
contra seu peito, após bagunçar seus cabelos.
— Eu também, Dudu — murmurou ainda envolvida no abraço de
Eduardo. Afastando-se um pouco, ela o analisou de cima a baixo. Notou que,
em alguns meses, o irmão mudara um pouco o visual que costumava usar antes
de sair de casa. Levemente confusa, arqueou uma sobrancelha, e o interrogou:
— Está deixando o cabelo crescer?
As madeixas de Eduardo são de um tom louro escuro, e quando
compridos formam cachos. Seus fios estavam em um volume médio, e seus
caracóis já eram bem notáveis.
— Cecília gosta — ele deu de ombros e beijou-a na bochecha.
— Quem é Cecília?
— Alguém com quem estou saindo.
— Diz logo que está dormindo com ela — a voz de Isabela se fez
presente e todos arregalaram os olhos.
Assim como os irmãos, Isabela tem os cabelos amarelos, mas não
escuros como os de Eduardo, mas claros como os de Sophia. Seus olhos são
parecidos com os de Sebastian, mas numa tonalidade menos intensa.
Eduardo e Sophia a advertiram em uníssono, e segundos depois estavam
rindo, menos Daniel, que ainda estava desconfortável com a presença de
todos.
Sophia correu para abraçar a irmã caçula, esta que, prontamente,
começou a questioná-la sobre tudo e não parou de falar por um minuto.
— Isabela, calma — Sophia interferiu. — Vamos respirar e me deixe
apresentá-los. — com um pequeno sorriso, se virou para Daniel, que ficara
quieto desde que falou com Sebastian, e fez as devidas apresentações.
— Daniel, meus irmãos Eduardo e Isabela, Dudu e Isa, meu noivo
Daniel.
Seu noivo cumprimentou a irmã mais nova com um abraço e um beijo no
rosto, e não conteve um pequeno riso quando ela disse: “Soph do céu, onde
achou esse homem lindo? E além de tudo dono de uma fábrica de
chocolates! Encontrou o caminho para o Éden Celestial?”. Isabela não deu
atenção às advertências dos pais sobre seu comentário e riu.
Daniel e Eduardo trocaram aperto de mãos e “muito prazer”.
Finalmente, Sophia encarou o pai, ainda cabisbaixa. Respirou fundo e
mesmo hesitante o abraçou.
— Senti sua falta — ela ouviu a voz forte masculina soar ao pé do seu
ouvido.
E de alguma forma, Sophia acreditou em suas palavras. Havia
sinceridade nelas.
— Eu também — apenas disse e cessou o abraço.
Olhou para todos e suspirou.
— Vamos entrar. — convida, e todos entram e se acomodam no sofá.
Eva e Sebastian sentaram próximos, com Isabela logo ao lado. No outro
sofá, Eduardo e Daniel, e não sobrou espaço para Sophia, que se prontificou
em buscar uma cadeira, mas Daniel a interrompeu, levantou-se e cedeu o lugar
para ela. Sophia agradeceu e se acomodou, Daniel sentou-se no braço do sofá,
logo a seu lado. Ele curvou um pouco o corpo e jogou os braços a sua volta.
Por uns vinte minutos, os presentes conversaram, Sophia contou como
fora sua vida nos últimos meses e um pouco de como se “envolveu” com
Daniel. Após ouvir inúmeras reclamações do irmão e da mãe por ela,
praticamente, ter sumido por cinco meses e quase não ter dado notícias, o
assunto logo foi eixado de lado para abordarem outro, Daniel e Sebastian
falaram um pouco sobre negócios, mas não tocaram no assunto sobre a
falência da ConstruHornet, até aquele momento.
— Sophia me disse que estão passando por dificuldades financeiras.
Sebastian acenou brevemente e entrelaçou as mãos.
— Sim. Graças a Eduardo e Isabela não estamos passando fome —
proferiu com sinceridade e olhou para os filhos, que estavam sorrindo
fracamente. — Eu fiz o que pude para nos salvar, mas tudo em vão.
— Arranjou até um casamento para Sophia — Isabela interferiu. —
Devo dizer que nem eu, mamãe e Eduardo sabíamos que ela se casaria pelo
dinheiro — adicionou.
A tensão na sala se fez presente, e Daniel se remexeu no sofá. Ficou
imaginando o que eles pensariam se soubessem que a filha e irmã deles
continuava se casando pelo dinheiro, ainda pensando em salvar a família, mas
com a única diferença que não precisaria cumprir seu papel de esposa.
— Não queria preocupar vocês — se defendeu Sebastian, tentando
manter a voz calma.
— Só ficamos sabendo da falência quando Sophia largou Miguel no
altar. — Isabela continuou como se o assunto não incomodasse a ninguém. —
Mas não passaríamos por nada disso se não fossem as apostas…
— Já chega, Isa — Sophia pediu, e a irmã deu de ombros, calando-se
em seguida.
Sebastian pensou em rebater e justificar de algum modo que não foram
as apostas em cavalos que levaram a família à ruína. Mas pelo olhar que sua
filha do meio lhe lançou, soube no exato momento que não deveria falar sobre
nada daquilo. Afinal, era seu jantar de noivado. Resolveu calar-se por
respeito à Sophia e Daniel. Não queria estragar a noite com assuntos
desagradáveis.
Por fim, Sophia os convidou para jantar e todos se sentaram à mesa
posta fartamente. Enquanto se serviam, a conversa continuou fluindo, e, dessa
vez, Daniel trocou mais palavras com Eva Hornet e ouviu dela desejos de
felicidade para o casamento. Ele contou um pouco sobre sua família e do
falecimento dos pais quando Eduardo lhe questionou sobre eles, por não
estarem presentes.
— Sophia? — Isabela a chamou, e a irmã lhe deu total atenção — Você
está grávida? — disparou de repente.
Simultaneamente Eduardo espirrou todo o vinho da boca, Daniel se
engasgou com um pedaço de peixe, Eva deixou os talheres cair sobre a mesa, e
Sebastian encarou filha e genro com a colher no meio do caminho.
Sophia arregalou os olhos diante da pergunta indiscreta da irmã e ajudou
Daniel a se desengasgar servindo água em seu copo e batendo em suas costas
levemente. Após perguntar se ele estava bem e receber uma resposta positiva,
voltou sua atenção à irmã:
— Não, Isabela! De onde tirou essa maluquice?
— Nada, é que se conhecem há tão pouco e já vão se casar assim, do dia
para noite. Normalmente isso acontece quando a mulher está grávida. Ainda
mais que você sabe como papai é totalmente conservador e tradicional.
— Eu posso garantir que ela não está grávida… — Daniel se recuperou
e limpou os lábios molhados.
Sebastian ainda os encarava, talvez aturdido com a notícia de que a filha
esteja grávida, e por isso prestes a se casar. De fato, ele é um homem de
costumes tradicionais e conservado, Eva tinha sido sua primeira mulher, em
todos os aspectos, e ele a respeitava ao máximo. Seu único defeito era mesmo
o vício em jogos e nunca lhe agradou a imoralidade sexual, nem mesmo com
Eduardo. Claro que Sebastian sabia que nenhum de seus filhos tinham se
reservado para seus companheiros, e isso não o incomodava, desde que não
tivesse conhecimentos das aventuras sexuais deles. Porém, se, realmente,
Sophia estivesse grávida, e mesmo que Daniel assumisse, para o Hornet seria
inaceitável, e, talvez, a convivência com o genro e com a filha se tornaria
pesada.
— Seria legal se estivesse… — Isabela deu de ombros e voltou a
comer.
— Mas eu não estou — assegurou Sophia e olhou para o pai, tentando
convencê-lo de que ela não engravidou fora do casamento. — Nós nos
amamos e por isso vamos nos casar. — Acariciou a mão de Daniel,
procurando que ele confirmasse o que acabara de dizer.
— Não se preocupem, senhor e senhora Hornet. Sou um homem de
palavra e honrado, garanto que a filha de vocês não está grávida. O único
motivo pelo qual estamos nos casando é o amor.
Sebastian apenas acenou, ainda com a cara enrugada. Como que para
salvá-los da tensão do momento, a campainha soou e, ainda atordoada, Sophia
se levantou e atendeu a porta.
— Cunhada! — Heitor gritou e a abraçou, o que a deixou ainda mais
sem jeito.
Ela retribui o abraço vagarosamente enquanto vê Daniel se aproximar,
após pedir licença para se levantar da mesa.
— Está atrasado, Heitor. — advertiu o irmão.
— E você sabe muito bem por quê. — sorriu maliciosamente, e Daniel
revirou os olhos.
Sophia pigarreou e segurou no braço do cunhado levando-o até a mesa.
— Gente, esse é Heitor, irmão do Daniel. Heitor, esse são os meus pais,
Eva e Sebastian, e meus irmãos, Isabela e Eduardo — novamente fez as
apresentações, e enquanto Heitor cumprimentava a todos, ela indicou seu lugar
à mesa: na frente da sua irmã e ao lado de Daniel.
Sophia percebeu quando Heitor e Isabela trocaram olhares. Ela olhou
Daniel, que também pareceu ter percebido.
— Por favor, não se meta com ela — Daniel cochichou em seu ouvido
disfarçadamente.
Heitor não deixou de olhar, e Isabela olhava para o próprio prato.
— Você sabe muito bem como eu gosto de me meter na vida das
mulheres — sussurrou de volta ainda com seus olhos azuis cravados na caçula
dos Hornet.
Daniel suspirou e resolveu não dizer mais nada. Não por enquanto. O
lugar e a ocasião não eram propícios. Mas pararia Heitor antes mesmo que ele
começasse com seus jogos de sedução. A última coisa que gostaria era que a
irmã de Sophia se envolvesse com seu irmão, mulherengo e cretino, pois já
previa que Isabela sairia magoada com Heitor, e, sabendo dos valores
tradicionais e conservadores de Sebastian, o conflito entre eles e a família dos
Hornet seria iminente, coisa que Daniel não queria que acontecesse.
O jantar continuou e a conversa entre eles fluiu naturalmente. De
primeira, Daniel se simpatizou muito com Eva, que era graciosa, calma e
compreensiva. Isabela continuava a tagarelar bobagens que vez ou outra os
faziam rir. Eduardo era mais quieto e reservado e sua conversa era mais com
Sophia. Mas Daniel não deixou de notar seu olhar possessivo em cima de
Heitor. Com certeza, ele também notara a indiscrição de ambos. Rezava que
Sebastian não tivesse percebido.
— Vão querer sobremesa? — Sophia perguntou após o jantar, e todos
confirmaram.
Estava prestes a se levantar para buscar os doces, quando sua
campainha tocou novamente. Sem entender, buscou por Daniel, esperando que
ele dissesse que chamou outra pessoa, mas seu olhar denunciou estar tão
confuso quanto ela.
A porta é aberta para que ela possa encarar um jovem de olhos verdes,
cabelos louro escuro, quase castanho, barba rala e porte atlético. Ele está
sorrindo de lado e corre seus olhos por ela.
— Você está linda, Soph.
No mesmo instante, Sophia empurrou o recém-chegado para fora, indo
junto, e, o encostando contra a parede, sussurrou:
— O que está fazendo aqui, Miguel?
11
CONFUSÃO
Miguel sorria, e parecia não se importar com o modo como foi tratado
pela ex-noiva. A verdade é que ele gostara da maneira que foi recebido. Sentiu
as pequenas mãos femininas tocando seu peito e o empurrando contra a
parede, o cheiro de seu hálito lhe invadiu o nariz – o que era algo bom para
ele – e seu tradicional perfume adocicado de baunilha impregnado em sua pele
exalava pelo ar.
Orleans olhou diretamente para os grandes olhos verdes, um pequeno
riso cínico nos lábios, enquanto sentia o toque macio de Sophia, que parecia
não perceber suas mãos contra o peito largo masculino.
— Isso são modos de me receber? — respondeu finalmente, e levou
suas mãos até as dela, as tocando.
Ao sentir o toque de Miguel, por fim, Sophia se deu conta de que estava
pressionando-o contra a parede e que suas mãos repousavam no tórax dele.
Ela se afastou um pouco, passando a palma pelos cabelos. Respirou fundo
antes de soltar um suspiro exasperado.
— Não vou perguntar de novo. O que está fazendo aqui?
— Fiquei sabendo do seu jantar de noivado. Devo acrescentar que estou
muito chateado por não ter sido convidado?
— Como ficou sabendo? — perguntou com uma pitada de raiva,
ignorando-o.
— Seu pai foi falar com o meu e acabou comentando.
— Então, o senhor Luiz foi correndo lhe contar — deduziu com desdém.
— Meu pai não me disse nada. Eu que ouvi a conversa por trás da porta
— Miguel se explicou e abriu um sorriso malicioso. — Então, vai ou não me
convidar para entrar?
Sophia inspirou fundo outra vez. Fez um exercício mental buscando pela
paciência. Se seu apartamento não estivesse tão cheio de gente, ela o teria
expulsado. Desde que Miguel soube onde estava morando, vinha sendo
inconveniente demais. Já era a segunda vez que a procurava, e ela sentia que
se não desse um basta logo nisso, Miguel não pararia de procurá-la. E Sophia
não queria mais se esconder ou fugir. A cidade, mesmo sendo a maior da
América do Sul, não seria grande o suficiente para Miguel, e, de todas as
maneiras, ele a encontraria.
Abria a boca para lhe falar, quando ouviu um timbre familiar soar pelo
corredor e Daniel surgir em seguida.
— Sophia, por que está… — de súbito ele parou e encarou Miguel.
A expressão de Daniel se fechou no mesmo instante e seus olhos foram
de Miguel para sua noiva, que tinha o semblante tenso. Somente com o olhar,
quase exigia uma explicação para a presença desagradável de seu ex.
Novamente ex e “atual” se encararam, e é Daniel quem se pronunciou
primeiro:
— Por que está aqui? — tentou controlar sua voz, e se perguntou por que
se esforçava para não transparecer sua raiva.
Questionou-se ainda mais por que diabos estava com raiva de Miguel.
Ele não tinha motivo algum para cultivar tal sentimento, exceto que o ex-noivo
de Sophia era um total inconveniente.
— Ah, só vim desejar os parabéns ao casal de pombinhos. — e sorriu
torto.
Daniel agarrou Sophia pela cintura e a puxou para si. Ela ficou
totalmente surpresa e seu corpo deu um leve salto com o susto de ter seu dorso
colidido com o de Müller. As mãos dele envolveram sua cintura, mas a
atenção ainda continuava em Miguel.
— Agradecemos as felicitações. Agora, pode ir embora — disse com os
dentes cerrados.
Miguel não se abalou e continuou a encará-lo.
— Achei que vocês fossem mais educados com as visitas que recebem
— resmungou com um falso desapontamento.
—Tudo bem, Miguel. Entre! — Sophia cedeu abruptamente, e ele abriu
um largo sorriso de satisfação.
Em contrapartida, recebeu um olhar furioso de Daniel, que entrou
novamente pisando firme e deixando os dois sozinhos no lado de fora.
Sophia bufou e o metralhou com seus olhos verdes, virou-se
bruscamente e também entrou. Ao passar pela porta, pela terceira vez,
respirou fundo tentando controlar sua raiva. Miguel infernizaria sua vida até
quando?
Os olhos de todos se arregalaram quando divisaram Miguel entrar logo
atrás.
— Olá… — cumprimentou muito naturalmente como se sua presença
fosse esperada.
Os presentes ficaram surpresos com a visita repentina dele, e Sophia
sentiu todos aqueles pares de olhos em cima dela, quase exigindo uma
explicação de sua parte.
— Miguel está um pouco… muito atrasado. — sua voz tremia enquanto
falava. Se virou para ele e tentou por um sorriso no rosto. — Mas fico feliz
que tenha vindo e esteja superando o acontecido.
— Dizem que o tempo é o remédio para tudo, não é? — e exibiu um riso
convencido nos lábios.
Sophia se segurou para não se irritar e forçou outro sorriso, querendo
disfarçar seu desagrado em tê-lo ali. Acomodou-o na mesa, arrumando outra
cadeira.
Enquanto isso, Miguel cumprimentou os familiares dela e ignorou todas
as vezes que Daniel exasperou impaciente, e quando ele cochichou algo com
seu irmão, mais para irritar do que por educação, Miguel se apresentou a
Heitor, que pareceu também não simpatizar com ele. O que não lhe importou
muito.
— O jantar já foi servido. — Sophia o informou. — Tudo bem se comer
somente a sobremesa?
— Claro — ele assentiu enquanto Sophia se retirava para buscar a
sobremesa, juntamente com Eva que se prontificou a ajudá-la. — Aliás, me
desculpem pelo atraso, estava em um canteiro de obras que estou
acompanhando. A arquiteta solicitou uma reunião fora de hora. Tem um rosto
bonito, mas fala demais — comentou tentando se enturmar.
De volta à mesa, e após pôr travessas, taças e talheres, Sophia reparou
em Daniel com um semblante enrugado. Sua mão tentou alcançar a dele para
acalmá-lo, mas ele se esquivou bruscamente e tomou um pouco da sua água,
sem encará-la.
Culpou-se por ter permitido que Miguel ficasse. De início era para
mostrar a ele como o seu noivado ia de vento em popa, talvez fingir algumas
carícias com Daniel e fazer ciúmes, elogiando seu noivo, ou mentir dizendo
coisas que ele já fez a ela; e Miguel, não. Ponderou que, se seu ex percebesse
que era inútil continuar a procurá-la, pararia de atormentar sua vida.
Mas, pelo jeito, seu plano surtiu efeito contrário, e Daniel ficou irritado.
O porquê ela não sabia. Seria compreensível se fossem noivos de verdade,
mas não eram. Tentou pôr-se no lugar dele imaginando se também ficaria
irritada caso a tal Melissa aparecesse ali.
Enquanto divaga, todos ao redor da mesa se serviram, e Miguel interagiu
com os seus familiares. Ela só volta à realidade quando Eduardo jogou o
caroço de alguma coisa nela e emitiu um psiu.
Sophia encontrou os olhos claros aturdidos.
— O que ele está fazendo aqui? — sussurrou para a irmã mais nova
Sophia virou as palmas para cima e levantou os ombros. Viu o irmão
suspirar e balançar a cabeça negativamente.
— Como está indo a empresa, Miguel? — Sebastian puxou assunto.
— Está ótima, senhor Hornet. Inclusive acabamos de iniciar uma obra na
empresa do querido Daniel Müller — respondeu amigavelmente e encarou
Müller, que continuava com a expressão fechada.
Os dois se olharam, mas Daniel continuou sem dizer nada. Novamente
Sophia tentou se aproximar, e outra vez ele se desviou. Seguiu comendo sua
sobremesa, uma deliciosa salada de frutas, e em silêncio. Todos perceberam
que ele não estava confortável com a presença de Miguel.
— Isso é ótimo — Sebastian continou. — Acredito que em uma obra
numa empresa tão importante como a do Daniel, seja seu próprio pai o
engenheiro responsável. Se eu bem conheço aquele velho Guimarães.
— Na verdade, eu que fiquei responsável pela obra da Swiss — alegou
orgulhosamente, e no mesmo instante sentiu os olhares de Sophia e Daniel
sobre ele. Os de Daniel queimam de raiva, mesmo que ele não soubesse
explicar o porquê, e os de Sophia, de surpresa. Se Miguel era o engenheiro
responsável pelas obras da Swiss, isso significava que ele estaria mais tempo
por perto.
— É uma grande responsabilidade — Sebastian apenas disse.
— Então, para quando é que vocês marcaram a data do casamento? —
Eva desviou o assunto.
— Ainda não marcamos. Iremos ao cartório amanhã, não é, querido? —
Pela terceira vez ela tentou acariciar a mão dele, mas Daniel persistia em
recusar seu toque.
— Sim. Marcaremos para o mais breve possível — Sua voz é meio
seca.
— Já estou até imaginando como a cerimônia será magnífica — Isabela
disse, sonhando acordada, e Eduardo lhe cutucou as costelas rindo em seguida.
Eles tiveram uma breve discussão bem-humorada até Sophia se interpor.
— Será uma cerimônia simples. Nada muito extravagante.
— Aah, Soph!— ela lamentou — Achei que seria melhor que o seu
casamento com o Mi… — Isabela se calou abruptamente quando percebeu o
que ia falar.
Sophia pigarreou e olhou Miguel, que baixou os olhos, talvez lembrando
do momento em que foi abandonado no altar, na frente de metade da cidade.
— Enfim, você planejou um casamento que você queria adiar, por que
não pode planejar um que vai se casar com o homem da sua vida? — a caçula
Hornet continuou, e deu de ombros.
Uma pequena tensão cresceu na sala, e Miguel se remexeu no lugar.
Daniel esboçou um singelo sorriso nos lábios, talvez satisfeito pela tensão nos
punhos do ex dela. Ele não entendia o porquê dessa rivalidade com Miguel.
Na verdade, deveria estar sentindo pena do pobre coitado. Daniel não
consegue e nem quer imaginar como deve ser a sensação de ser abandonado no
altar. Mas por algum motivo ele se sentiu vitorioso em apenas ver o
desconforto de Miguel ante as palavras de Isabela.
— Mas eu quero uma cerimônia simples, Isa — reforçou Sophia.
Ela não queria dizer na frente de Miguel que planejara um casamento
majestoso com ele apenas para ter um pretexto para adiar a data o máximo
possível. Já seu casamento de conveniência com Müller seria simples porque
não queria gastos desnecessários com um casamento que não duraria um ano.
E também porque o casamento dos sonhos dela seria com o homem por quem
realmente estivesse apaixonada.
— Tudo bem. O casamento é seu, faça como quiser — Isabela disse
levantando as mãos em sinal de rendição.
Sophia suspirou, e o silêncio se faz presente outra vez. Subitamente ela
sentiu o calor de uma mão tocando as suas. Olhou Daniel que tinha um
pequeno sorriso nos lábios; sorriu de volta sem se esquivar de seu toque.
É então que ele quebrou o silêncio, levantando-se e retirando do bolso
interno do paletó uma caixinha.
— Senhor Hornet — proferiu olhando para Sebastian —, me concede a
mão de sua filha?
Sebastian acenou com um largo sorriso, e enquanto Daniel tirava as
alianças, todos acompanharam o momento. Ele segurou as delicadas mãos de
Sophia e colocou a aliança em seu anelar direito.
Surpreendida pelo fato de Daniel ter se importado com as alianças, ela
tomou a dele em mãos para deslizá-la pelo seu anelar. Sorriram um para o
outro e Sophia colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. Nenhum dos
dois sabia o que fazer, e mesmo que relutantes, se beijaram brevemente,
encenando o noivado.
Daniel sentiu os lábios finos dela nos seus, um calor percorreu seu
corpo. Os presentes aplaudiram, Miguel com menos animação que os demais,
e eles cessaram o beijo.
Sophia estava levemente corada, e Daniel não soube como agir.
— Vamos fazer um brinde aos noivos — Heitor disse com um sorriso
irônico, se servindo de vinho e levantando a taça.
— Heitor, tem champanhe, seu idiota — Daniel rebateu, e todos
gargalharam.
Sophia buscou as taças, e eles fizeram o brinde.
— Ao casal do ano — Miguel exprimiu levantando sua taça. — E ao
Daniel, para que ele não seja abandonado.
E diante disso, todos ficaram calados.
♦♦♦
Daniel não se importou com seus modos. Nem com a família de Sophia
presente ali. Ele estava dominado pela raiva e por isso não pensou direito.
Quando se deu conta, suas mãos já agarravam o colarinho de Miguel e iam ao
encontro da face dele. O impacto de seu punho fechado no rosto do atrevido
Miguel o fez cair sobre a mesa, e todos se assustaram. A mesa deslizou pelo
piso com o impacto do corpo atlético de Orleans, e ele desabou no chão,
batendo fortemente as costas. Daniel avançava outra vez contra seu oponente,
mas este já havia se levantado, e obstruiu o golpe que acertaria seu nariz.
Torceu o punho de Daniel e acertou um soco no seu olho, que ficou roxo quase
instantaneamente.
Sebastian segurou Miguel enquanto Heitor impediu o irmão de continuar
com as agressões. Mas Daniel estava possesso e se desvencilhou facilmente,
empurrando quem o segurava. Com os cotovelos, e cego pela fúria, Miguel
acertou Sebastian e foi ao encontro de Müller, que também vinha até ele.
Isabela, Sophia e Eva só faziam gritar, pedindo para que os dois parassem
com a briga. Mas em vão.
Segundos depois, Daniel apertava o pescoço de Miguel, este que
revidou com uma joelhada no seu estômago e deu um forte empurrão que o
jogou sobre um armário de portas de vidro com algumas bebidas. O móvel
veio ao chão, e as garrafas se espatifaram. Vidros esvoaçaram para todos os
lados, o piso foi manchado com os etílicos.
Apressadamente, Eduardo e Heitor correram para dominar Miguel, cada
um segurando em um braço, mesmo com ele a esbravejar “me soltem”.
Daniel viu seu inimigo preso e incapaz, levantou-se tomado pela ira e
somente se enxergava socando Miguel. Avançava decididamente, quando
sentiu mãos tentando segurá-lo. Sem se dar conta, desvencilhou-se com um
forte soco, dado com os cotovelos, contra quem o detinha.
O golpe acertou o pequeno queixo de Sophia, que cortou a língua quando
seus dentes colidiram. Caiu sentada no meio da confusão enquanto ainda via
Daniel ir furiosamente em direção a Miguel para agredi-lo.
Ele parecia dominado e não ouvia nem Heitor, nem Eduardo dizendo-lhe
para ter calma.
Subitamente, Daniel sentiu uma mão forte agarrar a gola de sua camisa e
empurrá-lo fortemente contra a parede. Suas costas colidiram contra o cimento
e ele teve quase certeza que seu pulmão sairia pela boca.
Encarou os olhos azuis e furiosos de Sebastian. Voltou a si quando o
ouviu gritar estridentemente:
— Você machucou minha filha, seu grande filho da puta!
♦♦♦
Chamando
Melissa Telles
♦♦♦
♦♦♦
♦♦♦
Sophia estava sem jeito diante de Daniel. Ele continuava sem camisa,
parado na sua frente pedindo desculpas pelo modo como Melissa a tratou.
— Está tudo bem. Não me importei com nada do que ela disse.
Daniel assentiu brevemente.
— Eu juro que isso não irá mais se repetir. Prometo mais discrição da
próxima vez.
Próxima vez? Ela suspirou incomodada com isso, mas preferiu manter
seu incômodo para si, e apenas concordou.
Apesar do momento desagradável, se sentiu um pouco feliz por Daniel
tê-la defendido. Não uma, mas duas vezes. Primeiro com Miguel; e agora com
Melissa.
Quando ela surgiu na cozinha, e flagrou os dois em um beijo fogoso,
quase sentiu o mesmo que Daniel quando viu Miguel na porta de seu
apartamento. Seus olhos queimaram com a imagem que se desenrolava, e
engoliu a vontade de gritar. O que ainda a deixava confusa. Como Daniel
deveria ter ignorando a presença de Guimarães e não ter dado importância às
provocações dele, ela também deveria ignorar a cena que testemunhava.
Talvez a diferença estivesse nesse ponto. Daniel estava prestes a dormir com
Melissa, já ela apenas recebia os cortejos de Miguel.
Mentalmente tentou afastar seus questionamentos e voltou à realidade
com Daniel a perguntar-lhe:
— Está com fome?
Ainda que tivesse descido para procurar alguma coisa para comer, a
cena presenciada, mais o pequeno escândalo da ruiva, tiraram-lhe a fome. Por
isso, respondeu:
— Não. Eu só desci mesmo para tomar uma água. — Levantou o copo já
vazio e o pôs dentro da pia — Vou me deitar. Boa noite, Daniel — desejou
passando por ele.
Sophia chegou ao quarto e se enfiou por baixo das cobertas macias e
quentes. A luz fraca do abajur foi apagada, ela girou o corpo tentando dormir.
A fome já não existe mais, perguntou-se por que perdera o apetite com o
episódio que presenciou.
Um resumo do seu dia louco passa por sua cabeça em uma retrospectiva
momentânea: imagens da briga entre dos dois homens, ela recebendo o colar
de Daniel e do seu polegar contra o lábio machucado; depois, a forma como
ele se irritou com sua amiga de benefícios por ter sido indiscreta e como ele a
expulsou sem sequer pensar.
Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, e Sophia adormeceu sentindo-
se feliz por Daniel tê-la defendido.
13
O DIA
Um mês depois
♦♦♦
♦♦♦
♦♦♦
Daniel seguiu a passos rápidos até o bar mais próximo no navio. Estava
demasiadamente excitado a ponto de quase enlouquecer. Passando a mão pelos
cabelos, pediu uma tequila e virou, bateu o copo sobre a mesa e solicitou outra
dose.
Bufou, impaciente, sentindo a necessidade da carne. Ponderou que ter
decidido fazer essa viagem foi uma péssima ideia. Sophia era uma mulher
atraente, que o deixava excitado com algumas poucas atitudes, enquanto tantas
outras era preciso muito mais que um simples contato de pele.
Engoliu a bebida e tentou relaxar. Pegou alguns folhetos sobre o balcão
do bar, viu que, na primeira noite, haveria uma festa à fantasia. Decidiu ir e
esquecer Sophia e o poder que ela vinha exercendo sobre seu corpo.
♦♦♦
Daniel havia sumido, e Sophia não fazia a mínima ideia de onde ele
poderia estar. Por um breve instante, ficou preocupada, por causa do modo
atônito que Müller saiu do quarto. Não sabia explicar exatamente o porquê de
sua atitude, mas deduziu que foi pelo fato de ter montado em seus quadris,
como se fossem íntimos a esse ponto.
Idiota, culpou-se em frente ao espelho, enquanto ajeitava os cabelos.
Pensou em pedir desculpas a Daniel assim que o visse.
Estou constantemente pedindo desculpas! Suspirou pegando sua bolsa-
a-tiracolo e saindo do quarto para andar pelo navio.
O lugar era imenso, e Sophia não sabia por onde começar, então apenas
andou. Passou pelo cassino, mas jogos de azar a faziam lembrar das apostas
que levaram sua família à ruína, então, logo se desviou e continuou passeando.
Entrou em algumas lojas, em uma delas havia um cartaz na vitrine anunciando
uma festa à fantasia ainda naquela noite. Pensou em ir, mas lembrou-se que
estava sozinha. Quase. Se Daniel não estivesse com ela. Mas convidá-lo para
ir a uma festa seria estranho. Ou não? Sorrindo para si mesma, decidiu ir,
mesmo que fosse só.
♦♦♦
Sophia saiu da loja de fantasias animada para o baile que seria dentro
de pouco, previsto para iniciar às 20hrs. Andou mais um pouco pelo navio, e
até passou em um barzinho para tomar um drink. Logo ao seu lado, sentou-se
uma morena bronzeada, a qual, sem demora, passou a conversar. Sophia
estava sozinha e precisava de distração, por isso, não se importou muito em
dar atenção à mulher bem-humorada que não parava de falar, mas que tinha
um papo agradável.
Para seu primeiro pedido, optou apenas por uma dose de caipirinha, e
durante os próximos minutos conversando com sua nova companhia, decidiu
ingerir somente uma soda com limão. A conversa fluiu naturalmente, e
quando deu por si, estava sendo arrastada de volta à loja de fantasias e
aconselhada – ou quase obrigada – a levar a roupa de diabinha. De
primeira, Sophia sentiu-se receosa, achou que a vestimenta era extravagante
demais, que isso poderia chamar mais a atenção do que ela realmente
gostaria de receber. Mas a insistência da mulher a convenceu e ela acabou
trocando e pagando a diferença.
Quando o ponteiro do relógio marcou 19h30min, Sophia despediu-se
da mulher, combinando de se encontrarem na boate, e seguiu para seu quarto.
Chegou e não viu Daniel, suspirou querendo saber onde ele estaria.
Aproximou-se mais da cama para deixar as sacolas e encontrou um pequeno
papel autoadesivo amarelo rabiscado com a letra dele.
Por isso, seguiria seu conselho. Estufou o peito inspirando fundo outra
vez e adentrou o local pouco iluminado. Da ponta da escada, pôde ver as
pessoas lá embaixo dentro de suas fantasias. Umas bebiam e dançavam,
outras se beijavam e riam com seus companheiros ou amigos em grupos.
Reparou em uma grande bola espelhada no teto, girando, reluzindo luzes
azuis, vermelhas e amarelas por todo o lugar de altas paredes pretas. Em um
canto qualquer, havia um DJ controlando a luz e a música, e logo a seu lado
uma segunda pessoa que, vez ou outra, acionava um dispositivo para emanar
uma camada de fumaça de forte cheiro adocicado.
Assim que despontou na entrada da boate, novamente, sentiu a atenção
de todos, mas não se importou. Pôs-se a descer os degraus com cautela, já
que seu salto escarlate era maior que o habitual. Observava tudo e todos
atentamente, buscando pela morena com quem conversara e que fora a
responsável por ela estar dentro daqueles trajes. Qual era mesmo o nome da
mulher? Christina? Sim, deveria ser isso.
Seus olhos percorriam o local quando um homem vestido de Jack
Sparrow parou ao sopé da escada com um sorriso encantador. O que a
admirou mais foi a incrível semelhança com o ator Johnny Depp: um sósia
perfeito. De longe, poderia jurar que era o próprio.
— Senhorita — ele esticou as mãos para ela quando, finalmente,
venceu o lance de degraus —, concede-me a sua doce companhia? — Até
mesmo o timbre de sua voz se assemelhava a do ator.
Abriu um sorriso largo diante da educação do homem e segurou sua
mão.
— Estou lisonjeado… — exprimiu um sorriso magnífico com a
aceitação de Sophia ao seu convite. — Se me permite… — e a abraçou pela
cintura. Sophia sentiu-se levemente relutante, mas logo deixou seu
desconforto de lado. — Meu nome é Erick, e o seu?
Está prestes a responder quando, subitamente, algo aconteceu.
Daniel surgiu sabe-se lá de onde, com sua íris azul-esverdeada
queimando de raiva. Sem esperar, violentamente empurrou Erick, que,
surpreso, se desequilibrou e caiu, enquanto ele esbraveja:
— Não toca na minha mulher, seu cretino!
Os olhos de Sophia se dilataram com a violência de Müller. Erick
continuava no chão e era ajudado por outras pessoas. A confusão causada
por Daniel fez com que a música parasse de tocar e todos olhassem para o
trio em um silêncio tenso, quebrado apenas pelos cochichos alheios.
— Daniel! — Sophia exclamou o advertindo e correu até Erick, que já
se recompôs — Você está bem? — ela perguntou, mas antes que pudesse
obter uma resposta, a mão de Müller a segurou pelo braço e a arrastou para
um canto qualquer da boate.
Vendo que a briga não teria continuidade, o som voltou a tocar, e as
pessoas, a dançar.
Sophia caminhou com dificuldade enquanto Daniel apertava seu braço,
atravessando-os pelo mar de pessoas que mexiam os corpos conforme o
ritmo da música. Os saltos não a ajudavam; ela precisou se esforçar para não
desabar feito uma pata. Irritada com tal atitude, se desvencilhou da pegada
de Daniel e parou no meio do caminho, cruzando os braços.
— Pode me dizer o que foi isso? — exigiu, e Daniel permaneceu de
costas, estacado no meio do caminho.
Por alguns segundos, Müller não teve reação alguma, até que,
bruscamente, ele se virou, seu semblante fechado, e o maxilar, apertado. Ela
quase pôde sentir faíscas escaparem dos seus olhos, os músculos estavam
tensos e eram visíveis pelo modo como saltavam da camisa regata vermelha
que ele trajava.
— Pode me dizer que vestes são essas? — rebateu com a voz firme e
autoritária, ignorando o questionamento inicial de Sophia.
Os olhos dela se arregalaram, com uma expressão incrédula.
— É uma fantasia, Daniel! — protestou com a voz alterada.
Müller só podia estar ficando maluco. Primeiro, empurrou Erick, que
nos primeiros minutos fora agradável e educado, depois ficou incomodado
com o modo como estava vestida. Ponderou se ele já não estaria bêbado,
ainda que isso não justificasse sua atitude agressiva.
— Eu sei, mas não poderia ter comprado algo menos chamativo? Uma
roupa de freira, por exemplo!?
Sophia cerrou os olhos e inspirou fundo, exercitando sua paciência.
Não deixaria que Daniel, não sendo nada dela – além de chefe –
atrapalhasse sua noite com atitudes machistas, ou dissesse como deveria se
vestir. Decidida a ignorá-lo, ela simplesmente saiu caminhando pelo lado
oposto ao dele, ouvindo-o chamar por seu nome em suas costas. Sem lhe dar
atenção, continuou passando pelas pessoas e abrindo caminho.
Sentia suas pernas tremerem de raiva. Seu corpo todo tremia de ódio.
Imbecil! Pensou ao chegar ao bar da boate. O barman logo veio
atendê-la, e ela pediu uma cerveja. Precisava de alguma coisa para ajudá-la
a manter sua paciência.
— Sophia? — ouviu uma voz feminina ao seu lado e virou o pescoço
para divisar Christina, abriu um pequeno sorriso bebendo sua cerveja direto
do gargalo. — Você está incrível, mulher! — exclamou toda animada e a
abraçou.
— É, acho que estou. — Sorriu pequeno e se ajeitou no banco alto.
— Não parece muita animada. — Christina observou e inclinou a
cabeça, enquanto Sophia dava de ombros. — Acho que você precisa de uma
companhia masculina — sugeriu com um sorriso malicioso.
Rindo, Sophia negou com o indicador, e Christina insistiu entrelaçando
os dedos, como se estivesse implorando.
— Eu estou ótima sozinha — Sophia argumentou, mas a verdade era
que queria mesmo estar com alguém. Olhou ao redor em busca de Erick. Ele
parecia ser um cara legal.
— Não está, não. Vou te arrumar uma companhia — decretou, e antes
que ela saísse, Sophia a segurou pelo braço.
— Olha, eu não preciso de cupido, está bem? — disse tentando não
parecer mal-educada, e os ombros de Christina caíram em frustração.
— Tudo bem, se você não quer, eu quero. Conheci um bombeiro
delicioso — comentou molhando os lábios com a língua.
— E onde ele está? — Sophia perguntou aos risos.
— Sumiu! — respondeu ligeiramente irritada. — Fui ao banheiro e
quando voltei ele não estava mais aqui. Mas irei procurá-lo. Daqueles olhos
claros e rosto perfeito eu não me esqueço — falou lambendo os lábios outra
vez, e Sophia gargalhou.
Elas se despediram, Sophia continuou sentada com sua cerveja,
olhando ao redor e acompanhando a música mentalmente. Os nervos já
estavam mais calmos, e ela ponderou em procurar Erick e se desculpar pela
atitude Neandertal de Daniel. Rolou os olhos só de pensar na imbecilidade
dele.
… não poderia ter comprado algo menos chamativo? Uma roupa de
freira, por exemplo!?
As palavras machistas ecoaram em sua cabeça mais alto que a música
tocando por todos os lados. Daniel não poderia ser mais estúpido. E ela que
sempre o achou cavalheiro e educado se mostrou um perfeito machista e
homem das cavernas.
Idiota!
A raiva subia novamente pela sua espinha, e Sophia precisou beber
outro gole da cerveja para não permitir que o ódio a dominasse.
De repente, Christina retornava. Ela beijava e puxava um homem pela
regata vermelha, ao mesmo tempo em que caminhava de costas, e ele a
segurava pela sua cintura, direcionando-a para que não esbarrasse em algo
ou alguém.
Seus olhos se dilataram ao reconhecê-lo.
Daniel?
O casal fogoso se aproximou do balcão; Christina estava descabelada
devido à troca intensa de beijos. Rapidamente Sophia se virou para frente e
abaixou a cabeça, pensando em sair de fininho dali, mas a mulher a
interrompeu:
— Sophia, esse aqui é o bombeiro gostoso que te falei — a amiga
falou, e ela levantou os olhos.
Quando seus olhares se chocaram, a expressão de Daniel era de
surpresa, e eles apenas se encararam.
— Daniel, essa é minha colega Sophia. Nós nos conhecemos hoje —
Christina enunciou, empolgada. — Sophia, esse é Daniel, meu bombeiro
delicioso. — Gargalhou passando a mão em torno da cintura dele.
Sophia pigarreou, e estava prestes a dizer que já conhecia a Daniel,
quando ele esticou a mão em sua direção.
Ela fitou sua mão esticada, confusa, e depois voltou a olhá-lo para
ouvi-lo dizer:
— Prazer, Sophia.
♦♦♦
Daniel olhou aquela bunda bonita passar por entre a multidão e sentiu
a raiva crescer dentro dele. Homens olhavam para Sophia enquanto ela
atravessava a aglomeração de pessoas, e isso o deixou possesso. Ele gritou
seu nome, mas Sophia não lhe deu atenção e continuou seu percurso até
sumir no meio de toda aquela gente.
Inspirou fundo emaranhando os dedos pelos fios alourados. Preciso me
acalmar! Pensou andando até o banheiro mais próximo. O fogo ainda
queimava em seu peito e continuava excitado.
Entrou no banheiro, bateu a porta atrás de si e caminhou rapidamente
até a pia, abriu a torneira e lavou o rosto com água fria. Mirou-se no
espelho. Seu rosto estava vermelho por causa da temperatura instantânea que
subiu pelo seu corpo ao ver outro homem com Sophia. Suspirou pesado
tentando entender sua possessão repentina por ela. Ele não deveria se
importar, mas não só se importou, como agiu feito um macho marcando
território.
Puxou os cabelos com força para expelir a raiva dentro dele. Agora,
ele não sabia o que era maior: raiva por vê-la tão linda e ser cobiçada por
outro, ou raiva de si mesmo por ter sido um maldito estúpido, ou ainda por
não saber entender todo o poder sobre seu corpo e mente que sua esposa de
conveniência vinha exercendo.
Preencheu os pulmões com ar, lavou o rosto outra vez e se secou com
algumas toalhas de papel. Lembrou-se de Christina, e decidiu voltar para
ela, se divertir e extravasar esse sentimento de macho alfa e troglodita que
surgira repentinamente.
Saiu do banheiro; passou por entre as pessoas. Foi caminhando no
intuito de voltar ao bar do outro lado da pista de dança, onde estava
inicialmente, ponderando que a morena continuaria a sua espera.
Subitamente, ele sentiu alguém apertando sua bunda, e se virou,
assustado, para encarar os olhos cor de âmbar de Christina.
— Finalmente achei você, bombeiro gostoso — disse maliciosamente
colando os dois corpos. — Achei que já estava pulando para outra
corporação — sussurrou em seu ouvido.
— Fui ao banheiro… — se explicou, enquanto segurava sua cintura
fina.
Daniel sentiu sua ereção ainda por causa da diaba, e um desejo imenso
de se satisfazer quase o controlou. Os dois se beijaram, o gosto de uísque
ainda na boca da morena, as mãos habilidosas seguravam sua regata, e ela o
puxava, caminhando de costas, passando desajeitadamente pela multidão.
— Vamos para o seu quarto — Daniel convidou com sua boca colada à
dela. Ele não estava excitado por Christina, mas precisava urgentemente se
aliviar.
Christina deu um largo sorriso e continuou a puxá-lo.
— Antes vou te apresentar a uma amiga. Ela está sozinha e quero que
se anime. Talvez, se vir que estou me divertindo, decida procurar um
bombeiro.
Daniel revirou os olhos, mas concordou.
A morena fogosa continuou a puxá-lo até o balcão onde estavam.
Enquanto se beijavam e atravessavam os corpos das pessoas dançando sob
as luzes psicodélicas e música alta e eletrônica, eles se aproximaram do bar,
e ele, pelo canto do olho, viu uma loura conhecida, vestida de diabinha.
Sophia?
Antes que pudesse terminar de processar a informação, Christina parou
o beijo e o arrastou até a suposta amiga, proferindo:
— Sophia, esse aqui é o bombeiro gostoso que te falei.
Sophia estava cabisbaixa, e Daniel sentiu seu coração saltar pela boca.
Merda! Grande merda! Amaldiçoou-se.
A loura levantou os olhos para fitá-lo com uma expressão que era um
misto de surpresa e raiva. Sua pulsação acelerou, e o sentimento que o
invadiu era uma confusão que ele não conseguiu descrever. Talvez medo que
ela fizesse um escândalo, ou temor que ela não olhasse nunca mais em sua
cara.
Mas por que diabos estou incomodado com isso? perguntou a si
mesmo enquanto Christina continuava a tagarelar.
— Daniel, essa é minha colega Sophia. Nós nos conhecemos hoje — a
morena falou toda empolgada. — Sophia, esse é Daniel, meu bombeiro
delicioso. — E soltou uma gargalhada, passando a mão em torno de sua
cintura e o apertando contra seu corpo moreno e sensual.
Ele encarou Sophia, prestes a abrir a boca e provavelmente confirmar
que já se conheciam, que são casados e que estão em “lua de mel ”, tudo,
quem sabe, no intuito de desmascará-lo, ou se vingar por ele ter agido como
um perfeito machista.
Então, Müller a impediu. Não podia permitir que ela fizesse isso.
Naturalmente, estendeu sua mão para ela. Sophia estava pasma quando olhou
para sua palma e depois, para ele.
— Prazer, Sophia — ele a saudou como se tivessem acabado de se
conhecerem.
E ela ficou ali, parada, sem saber o que fazer. Daniel engoliu em seco.
Ponderou que não foi uma decisão inteligente fingir não conhecê-la. Sophia
poderia surtar ali mesmo, se quisesse.
Vagarosamente, ela estendeu suas pequenas mãos e trocaram o
cumprimento.
— Prazer. Daniel! — cumprimentou-o entre dentes e com desdém.
Eles cessaram o aperto de mão, e Daniel forçou um sorriso tenso.
— Ele não é mesmo lindo, Sophia? — Christina alternou o olhar entre
eles, parecendo perceber a tensão que os rondava.
Sophia apenas confirmou com a cabeça; bebeu outro gole de sua
cerveja. Daniel limpou a garganta e desviou os olhos para outros cantos do
ambiente.
— Eu disse que era lindo! — Christina continuou matracando, e
Sophia estava com sua paciência por um fio. — Mas este é meu. Não acha
que deveria arrumar um para você? — insinuou maliciosamente, e Daniel
voltou seu olhar a Sophia, abrupto, visivelmente incomodado com tal
sugestão.
Sophia abriu um sorriso diabólico para combinar com sua fantasia.
Levantou-se determinada, passou a mão pelo corpo e ajeitou os “chifres”.
Bebeu o último gole da cerveja e bateu a garrafa no balcão.
— Tem razão! — proferiu, e sentiu os olhos claros dele queimando
sobre ela. — Pode ficar com seu bombeiro — mirou Daniel de maxilar
tensionado. — Irei procurar meu Jack Sparrow — decretou e saiu rebolando.
♦♦♦
♦♦♦
♦♦♦
Saí para te procurar. Caso volte, e eu não esteja, por favor, me espere.
Daniel
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♦♦♦
Müller não soube como reagir quando viu Sophia beijando Erick
Gouveia. O sentimento que bateu em seu peito era totalmente estranho, um quê
de inexplicável, uma sensação insólita e indecifrável. Se havia explicação
para o sentimento inédito, ele poderia apenas dizer que era como se a
estivesse perdendo.
Lembrou-se da suíte e da mesa posta à varanda com frutos do mar, que
ele comprou no restaurante, acompanhada de um bom vinho para agradá-la,
pois sabia de sua preferência pela bebida. Achou-se um completo patético por
ter preparado uma pequena surpresa.
Horas antes, ao descobrir que Sophia dormira na cabine de Erick, e de
ter ouvido boas verdades, queria realmente se desculpar. Só não sabia como.
Regressou a seus aposentos pensando em – quem sabe – comprar um buquê de
flores ou, ainda, uma joia em sinal de arrependimento. No mesmo instante,
rejeitou a ideia. Não queria que Sophia pensasse que estava comprando seu
perdão.
Somente desejava poder sentar e conversar com ela calmamente, se
desculpar por sua atitude troglodita, por tê-la feito chorar e pela briga que
culminou em ela ter de procurar por outro lugar para ficar.
Por isso, pediu que servissem o almoço na suíte, ajeitou tudo na mesa da
varanda, frente à vista magnífica para o mar. Também comprou um buquê de
rosas vermelhas e escreveu um cartão.
Ansiosamente, aguardou seu retorno, mas não aconteceu. Deduzindo que
Erick não havia dado o recado, voltou até a cabine 25-A; no momento em que
se aproximava, a cena que viu deixou suas pernas trêmulas.
Subitamente, travou no lugar, quase não acreditando no episódio que se
desenrolava. Perguntou a si mesmo se o sentimento que pulsava em seu
interior era idêntico ao que Sophia sentira ao flagrá-lo com Melissa e,
posteriormente, com Christina.
Será que ela, pelo menos, sentiu alguma coisa?
Foi trazido de volta à realidade quando Sophia notou sua presença ao
final do corredor, assustada. Seus lindos e grandes olhos verdes arregalaram
diante dele. Diferente das outras vezes, Daniel não faria escândalo. Já havia
feito muito. Deixaria que Sophia seguisse sua vida, que se divertisse e se
envolvesse com quem quisesse.
Emudecido, sorriu fracamente, abanou a cabeça, virou os calcanhares e
caminhou, querendo apenas voltar para seu quarto e jogar toda a comida no
lixo. Cruzou o navio a passos rápidos, tentando manter sua lucidez no devido
lugar, e não permitir sucumbir a sentimentos e sensações incompreensíveis.
Subitamente, ouviu passadas ligeiras logo atrás.
— Daniel — Sophia ofegava quando o alcançou —, espere, por favor.
Ele continuou a andar, mas diminuiu a velocidade.
— Vamos conversar — pediu acompanhando o ritmo dos passos dele.
— Se quer me explicar sobre a cena que vi, não perca tempo, senhorita
Hornet. Não me deve nenhum tipo de explicação. É uma mulher livre —
declarou quase que friamente; virou em um corredor à esquerda.
Sophia já constatou diferentes tonalidades na voz de Daniel quando ele
pronuncia “Senhorita Hornet”. Nos primeiros meses em que se conheceram era
estritamente profissional, em outros dados momentos era tenuamente irônico,
mas, agora, sua tonalidade era de quem estava irritado, nervoso ou
incomodado com alguma coisa. E ela odiava ter seu sobrenome pronunciado
daquela forma – naquela tonalidade.
— Daniel, não seja dramático. — Segurou-o pelo braço e o forçou a
parar. — Podemos, pelo menos uma vez, resolvermos nossas diferenças como
dois adultos?
Müller respirou fundo e olhou para um canto qualquer do ponto onde se
encontrava, enquanto fazia um exercício mental para não agir de novo feito um
idiota. A última coisa que queria era fazê-la mal.
— Eu já disse que está tudo bem, Sophia — falou com a voz atenuada.
— Não tem que se preocupar em me dar satisfação de nada — proferiu e
passou por ela outra vez, dando continuidade ao seu trajeto.
Aborrecida, Sophia o acompanhou, irritada com a indiferença dele. Ela
ainda não aprendeu a lidar com o Daniel Müller alterado, e nem o Daniel
Müller estranhamente calmo, mas visivelmente incomodado. A atitude
repentina de seu esposo de conveniência denunciava evidentemente seu
desconforto com o beijo que ela e Erick trocaram, mas por quê? Era o que
Sophia gostaria de descobrir.
— Eu não quero dar satisfação de nada para você, Daniel. — Eles
entraram no elevador, se apertando por causa de mais três ou quatro pessoas
presentes.
Lado a lado, Daniel sentiu a pele dela tocar seu braço; a mesma corrente
inexplicável o percorreu e eriçou seus pelos. O poder que Sophia tinha sobre
seu corpo e psicológico era de tirar a sanidade, nunca sentiu isso por mulher
alguma.
Tentou não transparecer a aflição que se formou em seu íntimo ao senti-
la tão perto, mas tê-la tão longe.
— Então não se explique. Simples. — Foi tudo o que disse, olhando
para a tela próxima à porta, indicando os andares onde estavam.
Sophia suspirou. Desistiria de conversar com ele. Se Daniel estava
agindo de forma fria e indiferente, não insistiria no assunto.
As portas se abriram para que as pessoas saíssem. Ficaram sozinhos, em
silêncio, esperando o elevador levá-los um andar acima. Quando chegaram,
Daniel foi o primeiro a sair e adentrar o corredor que os conduziria até a suíte
presidencial. Sophia foi logo atrás pensando no aborrecimento que estava
sendo a viagem. Desde que chegaram quase não tiveram um momento em que
não estivessem brigando, discutindo ou um ofendendo o outro.
Isso porque nem somos marido e mulher. Isso porque estamos apenas
há um dia aqui!
Daniel abriu a porta e, sem olhar para trás, se apressou em direção à
varanda. Estranhando, Sophia espiou ao redor: havia um buquê com lindas
rosas vermelhas descansando dentro de um vaso com água; sobre a mesa,
talheres, pratos, taças, uma garrafa de vinho e uma bandeja tampada, que
Daniel recolhia rapidamente.
— O quê… o que você fez aqui? — Trepidou nas próprias palavras,
confusa.
Interiormente, esperava não ouvir uma resposta em que ele lhe diria que
esperava por uma companhia. Aquilo seria demais para ela.
Daniel se aproximou do vaso, pegou as flores e jogou em um cesto de
lixo, juntamente com a comida da bandeja, deixando-a mais confusa.
— Eu fiz para nós. Pedi para que o seu pretendente lá te avisasse que eu
queria conversar com você. Quis preparar um momento agradável para nós
dois, já que não tivemos nenhum desde que chegamos aqui. — Juntou a louça
limpa e deixou sobre uma bancada ali perto. — Pelo visto, ele não deu o
recado. — Ele se virou para ela e suspirou.
Sem esperar por uma resposta, agarrou a garrafa de vinho e guardou no
frigobar.
— Ele deu o recado — Sophia respondeu ainda atordoada. Não
esperava que Müller tivesse preparado um momento a dois para eles.
— Entendo que era mais interessante a companhia dele — declarou
sentando-se na cama e ligando a TV.
O sangue dela fervilhou. Daniel se comportava como uma criança
birrenta. Ela nunca conseguia entender suas atitudes. Uma hora gritava e a
ofendia; outra hora agia com indiferença, e quando ela achava que sua
bipolaridade não podia ser maior, ele parecia provocá-la.
— Eu não sabia que tinha preparado isso tudo — aumentou um pouco o
tom de voz e cerrou os dentes, argumentando.
— Talvez se tivesse vindo como eu pedi… — Daniel não a olhava e
mudava os canais impacientemente.
Revirando os olhos, ela arrancou o controle de suas mãos. Em protesto,
Daniel tentou segurar, mas Sophia tirou de seu alcance e deixou escapar um
pequeno sorriso sapeca dos lábios.
— Sophia, me dê esse controle — exigiu, mas foi paciente.
— Não. Estou falando com você e essa coisa está tirando sua atenção de
mim.
Daniel Müller bufou e se levantou em um salto, pondo-se na frente dela.
— Não me obrigue a tirar essa porcaria da sua mão à força.
— Converse comigo e eu te dou essa porcaria — rebateu encarando-o.
— O que você quer conversar? — bruscamente abaixou o tom de voz em
um sussurro, enquanto fitou os lábios finos.
De repente, a lembrança dele prensando-a contra a parede e
experimentando o seu beijo retornou à sua mente como um clarão. Quase pôde
sentir o gosto doce de sua boca outra vez, e todas as vezes que eles se
beijaram pareciam bombardear a sua memória.
— Sobre você. Sobre seu comportamento — disse baixinho, a voz
balbuciante, seu coração levemente acelerado.
Sophia já percebeu que Daniel encarava seus lábios. Sentiu-se um pouco
incomodada com o fato, e rezou para que ele não agisse como na noite
anterior. Se fosse prensada contra a parede para ser beijada, talvez não
resistisse e, em vez de um tapa, ela retribuiria o beijando com a mesma
intensidade.
Mentalmente, afastou seus pensamentos absurdos, enquanto ele
continuava com seus olhos grudados aos seus lábios.
— Eu sou um idiota. Deveria saber disso — pronunciou, e sua voz rouca
quase a fez perder a firmeza das pernas.
— Eu sei que é um idiota — murmurou, e agora ela também olhava para
os lábios dele. O coração continuava acelerado, e essa aproximação estava
aumentando gradativamente seus batimentos. — Quero saber por que agiu feito
um marido ciumento sendo que não somos nada.
Ciúmes? Daniel pestanejou, recobrando a consciência. Perdeu-se nos
lábios de Sophia que se moviam com graça a cada palavra dita. Sua voz tão
afável e angelical só ajudou para que ele entrasse em um torpor momentâneo.
“Quero saber por que agiu feito um marido ciumento sendo que não
somos nada. ”
Eu agi feito um marido ciumento? Perguntou a si mesmo, e se afastou
dela, dando-lhe as costas; os dedos encontraram os fios alourados bem
penteados, em sinal de total nervosismo.
Sophia continuou o encarando, esperando por uma resposta.
— Eu já disse — a frieza em sua voz retornou —, estava preocupado
com sua integridade e segurança. Só temi que esse tal de Erick te fizesse
alguma coisa. Mas já me provou que é uma boa pessoa, então… não tenho
mais porquê interferir na sua vida. — explicou-se ainda de costas.
Mesmo que ele não pudesse ver, Sophia acenou positivamente. Talvez
Daniel estivesse falando a verdade, talvez ele realmente se preocupasse com
ela e fez tudo na intenção de protegê-la. Ponderou, ainda, que o consumo de
álcool ativou o lado superprotetor e troglodita dele, justificando o motivo por
ter sido um idiota.
Mas, e o beijo?
Aos poucos, Daniel virou-se para ela, recuperando a postura.
— Agora que já conversamos, me devolva o controle — pediu esticando
a mão.
Sophia sorriu travessa e balançou o controle.
— Vai ter que vir pegar. — E se distanciou dele, caminhando até o outro
lado da cama, deixando-a entre eles.
— Sophia, eu não estou de brincadeira. Me devolve isso! — disse
firme, mas sem conter o riso no canto dos lábios.
— Já disse que tem que vir pegar, senhor Müller — declarou outra vez,
e, de súbito, Daniel subiu pela cama, atravessando-a e chegando até o outro
lado.
Assustada com a reação repentina, Sophia se desvencilhou dos longos
dedos que tocaram sua camisa e correu até os fundos da suíte, contornando a
cama e chegando onde Daniel esteve. Vendo que ele já estava em seu encalço,
pulou na cama e saiu no outro lado. Num ciclo vicioso, ficaram nisso por
alguns segundos. Daniel ria e exigia o controle de volta, enquanto Sophia se
atentava a seus movimentos, balançando o objeto no ar, provocando e dizendo
que ele teria de pegar.
Corriam por cima da cama, como duas crianças brincando de pega-pega.
Sophia cortou caminho por cima da king size outra vez, e Daniel veio logo
atrás. Percebendo que ela contornava a cama para dar início a outro ciclo de
fuga e perseguição, Daniel retornou o caminho indo ao seu encontro.
Desatenta, Sophia só percebeu a investida quando foi segurada pelo
braço e encostada contra o guarda-roupa embutido, tendo Daniel arrancando o
controle de suas mãos.
Gargalharam como nunca.
As risadas acabaram e os dois se olharam intensamente. Daniel foi
novamente tentado a mirar os lábios finos e rosados de Sophia. Mal percebeu
que ela estava encostada ao guarda-roupa, sendo pressionada pelo seu corpo
largo.
Sophia não se moveu. Os batimentos cardíacos, já acelerados pela
pequena corrida segundos antes, aumentaram de forma exponencial ao
perceber que Müller se aproximava de seus lábios e ela não tinha para onde
recuar. Teve a sensação de que suas pernas não sustentariam o peso do próprio
corpo quando Daniel estava próximo o bastante para que ela sentisse seu
perfume cítrico subir pelas narinas e irritá-las.
Poderia simplesmente se desvencilhar ou pedir que ele parasse, se
distanciasse, mas não consegue organizar as palavras que pipocavam em sua
cabeça.
Müller continuava a se aproximar, e, quando Sophia acreditava que teria
suas bocas unidas, ele se desviou do caminho e resvalou a ponta do nariz em
seu pescoço.
No mesmo instante, a loura sentiu suas bases bambas. O modo sensual
com que ele encostou a ponta do nariz em sua pele e, vagarosamente, a
acariciou com movimentos curtos de para cima e para baixo, inspirando fundo
o cheiro natural de sua pele, mexeu com seu âmago… um embrulho no
estômago, uma tremedeira por dentro, as mãos suadas e o coração
descompassado…
— Santo Deus… — Daniel sussurrou perto de seu ouvido, e Sophia
sentiu que poderia perder a firmeza das próprias pernas. — Seu cheiro, seu
toque, sua pele… tudo em você, senhorita Hornet, é inebriante.
De repente, ela sentiu os lábios dele contra a curva de seu pescoço. Um
arrepio percorreu toda sua espinha. Lentamente, Daniel traçou beijos
molhados do lóbulo da sua orelha até chegar à clavícula, de forma sensual e
tentadora, seus lábios escorregando pela sua pele e queimando-a de prazer.
— Daniel! — um gemido escapou do fundo de sua garganta ao sentir a
ereção em sua coxa.
Müller estava entorpecido demais para qualquer outra reação.
Continuou a distribuir beijos na área de pele sensível, sua mão a segurou
levemente pelos cabelos dourados, induzindo-a a dar-lhe mais acesso ao
pescoço. Delicadamente, ele continuou a deslizar carícias com a boca em sua
tez macia e sedosa. As pernas de Sophia estavam trêmulas, e seu corpo
traiçoeiro respondeu ao estímulo provocante da língua dele.
— Você gosta, senhorita Hornet? — sussurrou sedutoramente,
mordiscando a ponta de sua orelha. — Gosta do modo como beijo seu
pescoço? — sua voz máscula ressoou excitante ao pé de seu ouvido, e ela
sentiu suas bases estremecerem.
O jeito como Daniel pronunciou senhorita Hornet a deixou ainda mais
extasiada. Seus pelos se eriçaram, e a respiração ficou irregular. Nunca
alguém despertara tanta paixão nela como Daniel estava fazendo naquele
instante.
— Não me respondeu, senhorita Hornet — insistiu ele, desviando os
beijos do pescoço para o rosto, alcançando o canto de sua boca para deixar
um ligeiro estalo úmido.
Sophia apenas acenou freneticamente e cerrou os olhos, apertando-o
com força, sentindo cada músculo do seu corpo desejando por mais. Por muito
mais.
Estava excitada por Daniel Müller.
♦♦♦
A pele dela era de um toque sedoso e tentador, algo simples, mas tão…
extasiante. Daniel nunca sentiu um toque tão aveludado e suave em sua vida.
Inspirar fundo o cheiro natural de Sophia direto de seu pescoço o deixou
enrijecido na mesma hora. Ele não entendia como ela conseguia ser tentadora
e recatada ao mesmo tempo. Sophia jamais fez esforço algum para despertar
nele o fogo ardente do desejo. Bastava um riso, ou que seus olhos verdes
brilhassem mais que o comum, ou que vestisse uma roupa um pouco mais
chamativa para Müller se sentir totalmente atraído.
O pequeno corpo dela encontrava-se com sua pele, o contato direto
causou-lhe explosões de testosterona, e ele notou os mamilos femininos já
endurecidos tocando seu tórax. Traçou beijos molhados por todo seu pescoço,
mas a vontade que tinha era de enfiar seus dedos entre as madeixas amarelas e
trazê-la para um beijo voraz.
— Responda com palavras, senhorita Hornet — ofegou a milímetros de
sua boca. — Gosta do modo como eu te beijo? — Daniel a observou. Sophia
tinha os olhos fechados, e sua expressão extasiada só revelava o quão ela
também sentia prazer com o momento. Seus lábios se moveram em um
inaudível “sim”. — Seja mais firme, senhorita Hornet, eu não te ouço. — E
nesse momento, ele a agarrou pela cintura e colou mais seus corpos.
O atrito entre os dois gerou uma faísca mútua de prazer, e ambos
gemeram baixo.
— Sim, senhor Müller — ela respondeu mais alto e entre gemidos.
E sua submissão o deixou ainda mais excitado.
Fixou os olhos nos lábios entreabertos dela. Iria tomá-los para si, e,
dessa vez, sentia que seria correspondido. Os olhos verdes dela encontraram-
se com os seus, intensos, pecaminosos… ela se desencostou da parede e se
inclinou em sua direção, fitando sensualmente os lábios de Daniel, ao passo
que ele também se aproximava mais para eliminar o espaço entre suas bocas.
Seus lábios se encontraram superficialmente, ambos aspirando com
ligeira sofreguidão o ar do outro; suas respirações estavam ofegantes, e seus
corações, descompassados. Era quase tangível o desejo que se espalhava pela
atmosfera em concretizarem o beijo, de tomarem suas bocas, de
verdadeiramente experimentarem um do outro…
De repente, alguém bateu à porta, assustando-os e quebrando o momento
ardente. Daniel se afastou em um sobressalto, enquanto Sophia tentava
recompor a postura.
Uma mulher baixa de cabelos curtos e negros, com um uniforme de
camareira, carregando balde e utensílios de limpeza, adentrou o local após
Daniel permitir secamente sua entrada.
— Boa tarde, senhor. Serviço de quarto. Deseja para agora ou mais
tarde? — a mulher baixa perguntou.
Ainda sentindo seus batimentos acelerados, ele encarou a pequena
mulher à sua frente. Daniel não sabe se a amava ou se a odiava pelo fato de tê-
lo interrompido.
— Pode ser agora — respondeu.
Olhou para Sophia que estava ajeitando os cabelos. Sem dizer nada,
simplesmente saiu, deixando-a para trás.
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Daniel virou a quarta dose de uísque, mas nada parecia murchar seu
amiguinho. De todas as vezes que se sentiu excitado por Sophia, a última era
de longe a maior delas. O modo como Sophia estava inclinada a se render e a
se entregar para ele o ensandeceu. O anseio que tinha de possuir aquele corpo
de pele branca e macia o deixava à beira da loucura. Sua sanidade chegou ao
fim no momento em que percebeu que Sophia estava tão atraída quanto ele.
Seus corpos se encaixavam perfeitamente, suas bocas imploravam uma
pela outra… a química que rolava entre eles era inexplicável para Daniel. Ele
não foi capaz de entender, muito menos de explicar. Ele só conseguiu sentir.
Pediu outra dose de uísque. A quinta. Precisava esquecer. Precisava
ainda mais se lembrar constantemente que havia um contrato dizendo que eles
não deveriam consumar o casamento. E Daniel esteve a um pequeno passo de
fazer a bobagem. Se bem que, se o sentimento que surgira era mútuo, se ambos
se desejavam, perguntou-se, que problema haveria em terem apenas uma
noite? E se experimentassem um ao outro e depois voltassem às suas vidas
normais?
Balançou a cabeça freneticamente, seguido de um pequeno murro e
puxão de cabelo.
Pare de pensar besteira, Daniel Müller!
— Olhe só! Quem é vivo sempre aparece! — uma voz feminina o tirou
de seus devaneios confusos.
Virou o pescoço para divisar Christina ao seu lado; saltou do banco,
assustado.
— Calma, bombeiro gostoso. Eu não mordo. — E exibiu um sorriso
descarado.
Christina sorria descaradamente. Sentou-se ao lado de Daniel e cruzou
as pernas despidas. Usava um vestido curto de decote extravagante, os cabelos
negros estavam presos em um rabo de cavalo, e nos lábios um forte batom
vermelho chamativo.
— Oi… Christina. — Daniel pigarreou antes de conseguir cumprimentá-
la.
Sem dizer nada, ela arrastou seu banco para mais perto do dele,
deixando seus corpos bem próximos. O sorriso escancarado continuava em seu
rosto; ela o avaliou de cima a baixo.
— Posso saber por que não voltou ontem? Não sabe como me deixou na
mão — exigiu uma explicação. Sua voz soou natural e sexy ao mesmo tempo.
— Tive um imprevisto — mentiu e virou um gole pequeno do uísque —,
me desculpe.
A morena levou uma mão até o peito de Daniel e, com a ponta do
indicador, o acariciou de forma sedutora. Desceu o toque por seu tórax,
chegando até a altura do umbigo; mordeu os lábios antes de continuar e chegar
até o cós de sua calça.
Müller acompanhou a cena completamente desconcertado. Christina era
linda e encantadora, mas ele não se sentia atraído por ela. Queria ter se
esquivado, mas não quis parecer desinteressado.
— Entendo — finalmente se pronunciou. Enganchou o dedo levemente
por dentro do cós e puxou. Sorrindo, olhou para ele e seus olhos cor de âmbar
estavam intensos. — Livre hoje à noite? — sussurrou.
Não!
— Sim. — E forçou um sorriso.
Droga.
Christina se levantou com um largo sorriso estampado no rosto de traços
marcantes. Aproximou sua boca da de Müller e depositou um beijo curto antes
de finalizar com um sussurro tentador:
— Você conhece o caminho do meu quarto. Te espero às sete. Quero
aproveitar cada segundo dessa noite.
Sem que ele pudesse protestar, a morena o deixou sozinho,
desaparecendo por entre as pessoas.
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Suspirando, ele pensou que não seria qualquer me perdoe que faria
Sophia mudar de ideia. Não adiantaria tentar abraçá-la e afagar seus cabelos,
ou ajoelhar-se e suplicar seu perdão. Sabia que teria que fazer por merecer,
mostrar que estava de fato arrependido e disposto a mudar.
Com uma ideia na cabeça, Daniel terminou de se trocar rapidamente,
pegou papel e caneta, rabiscou algo, enfiou no bolso e saiu da suíte,
caminhando em direção ao restaurante italiano que ele viu em um folder
qualquer. No caminho, pediu um serviço de quarto para limpar, de novo, a
bagunça; aproveitando, solicitou um buquê de rosas vermelhas com um cartão
em branco. Também enviou um SMS para o Eduardo que, para sua sorte,
respondeu logo, o que o deixou aliviado. Sem a informação que ele precisava,
seu plano não poderia ser executado com a perfeição que gostaria.
Esse sorriso, Sophia, é de alegria por saber que, apesar das minhas
idiotices, você veio até mim; ouviu-me, me fez companhia, aturou este meu
humor que tem oscilado em sua presença.
Também sei que não mereço seu perdão. Tenho sido o que nunca fui,
com atitudes que nunca fizeram parte da minha personalidade. Por quê?
Sinceramente, nem eu mesmo sei explicar. Só sei que você tem esse poder
sobre mim.
Ela fixou seu olhar na última frase. Nunca imaginou que teria alguma
influência sobre Daniel. Estava ciente de que ele tinha um poder sobre ela.
Constatou isso no dia em que a beijou no pescoço e a deixou excitada. Mas
nunca imaginara que, de alguma forma, Daniel se sentia do mesmo modo em
relação a ela. Pelo menos, não mais que uma atração…
Em sua presença, Sophia, eu deixo de ser eu. Talvez porque eu tenha
muito carinho por você, quero que nada, nem ninguém te cause algum mal,
ou porque realmente eu sou um idiota.
Mas, acima de qualquer coisa, saiba que eu odeio quando seus olhos
se enchem de lágrimas por minha causa, quando eu ajo feito um troglodita e
te ofendo, quando te machuco com palavras, ou quando eu te magoo com
minhas atitudes imbecis.
Continua no próximo balão…
As mãos dela tremiam, mas ela seguiu até o quarto balão, abriu o
envelope e continuou lendo a mensagem.
Sei que você está certa quando diz que eu me desculpo, mas continuo a
bater na mesma tecla. Eu tenho perdido tanto o controle que isso assusta até
a mim mesmo, porque eu nunca fui assim. Mas desde que você entrou na
minha vida, desde que nós dois nos submetemos a essas condições que
estamos vivendo, eu venho me descontrolando. Ao mesmo tempo eu quero te
proteger de tudo e de todos que possam te fazer mal. Pensei em te proteger
até de mim mesmo, acredite.
Eu fiz uma promessa mais cedo, Sophia. A de honrar este casamento,
mesmo sob essas condições malucas que firmamos. E eu irei cumpri-la.
Custe o que custar. Eu não permitirei que seu nome e sua honra sejam
manchados por conta de erros que tenho cometido, por conta da minha falta
de discrição, porque eu sei que tudo isso de alguma forma te atinge e você
fica aborrecida.
E eu odeio te ver triste.
Continua no próximo balão…
Por isso mesmo, eu te peço perdão. Perdão por ser um idiota, por não
te tratar esses dias como você merece, por você presenciar coisas que não
deveria, por eu te machucar com palavras, por ser um hipócrita, por querer
te privar de ser livre. Eu te peço perdão por todas as minhas bobagens, te
peço perdão até mesmo por erros que eu cometi e não tenha percebido, mas
que te magoaram. Perdão por esta viagem estar lhe dando mais dor de
cabeça do que um momento de lazer, de alegria.
Se você não quiser, tudo bem, Sophia. Depois de tantos erros, de
tantos “me desculpe” vazios, depois de tantos xingamentos e discussões, sei
que é difícil perdoar. Você estará no seu direito e eu respeitarei isso. Mas
apenas saiba que eu estou arrependido, não só pela nossa última briga, mas
por todas as minhas atitudes descabidas.
Se me perdoar, eu prometo que farei por onde honrar seu perdão. Serei
mais atencioso, mais cuidadoso nas minhas palavras, nas minhas ações, no
meu tom de voz. Eu darei o tratamento digno que sempre mereceu da minha
parte, e que sempre teve antes dessa viagem. Porque o arrependimento,
Sophia, não está apenas em se sentir culpado em ter errado, mas também em
não persistir no erro.
E eu não quero mais que uma lágrima sequer caia dos seus olhos por
minha culpa.
Continua no próximo balão…
Talk to me softly
There's something in your eyes
Don't hang your head in sorrow
And, please, don't cry
[1]
I know you feel inside
I've been there before
Something is changing inside you
And don't you know
[2]
Don't you cry tonight
I still love you, baby
Don't you cry tonight
Don't you cry tonight
There's a heaven above you, baby
And don't you cry tonight
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Daniel Müller sentiu que seu coração saltaria pela boca. Não conseguia
desgrudar seus olhos da tela do computador, que passava repetidamente sua
relação íntima com a ruiva. Um misto de tensão, terror e surpresa fizeram sua
respiração ofegar. Alternou olhar entre a imagem de vídeo e Melissa,
totalmente estupefato.
Só então, segundos depois, assimilando o que via na sua frente,
percebeu que caíra numa emboscada. Hesitou várias vezes, ainda atônito em
ver o próprio rosto em uma relação sexual. Apesar de seus pensamentos
estarem embaralhados, uma coisa ficou nítida para ele: a mulher pediria
alguma coisa em troca da não divulgação do vídeo.
Melissa debruçou-se sobre a mesa fitando-o com um sorriso
escancarado e diabólico, satisfeita em ter uma arma para se vingar do destrato
que recebeu dias antes. Porém, astuta como era, usaria a prova para chantageá-
lo sempre que quisesse.
Num ato instintivo, Daniel avançou sobre o computador e arrancou o
pen drive conectado à entrada USB, jogou-o no chão e pisou com força sobre
o pequeno objeto, destruído em segundos.
Melissa Telles acompanhou a cena gargalhando. Levantou-se e
contornou a mesa, pondo-se frente a frente com Daniel:
— Acha que eu não tenho uma cópia? Duas? Talvez três? Como você é
ingênuo… — disse ela ironicamente.
Uma raiva descomunal concentrou-se nos punhos de Müller. A sorte de
Melissa era ser mulher, pois se não fosse, ele com certeza já teria achatado
aquele nariz arrebitado! Assim, precisou respirar fundo e fazer um exercício
mental para constantemente se lembrar que estava lidando com uma mulher.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, lá estava a voz dela, que agora
acreditava ser incrivelmente irritante.
— Com que legenda eu posto esse vídeo na rede? — inquiriu, e ele
arregalou os olhos.
Postar na rede?
Daniel já imaginava que Melissa usaria o vídeo contra ele; pensou que
ela mostraria à Sophia, e assim a loura saberia que havia quebrado sua
promessa; ou mandaria uma cópia para algum colunista de revista de fofoca;
ou, na pior das hipóteses, enviaria aos Hornet, e conhecendo a personalidade
tradicional de Sebastian, previa um desentendimento com a família de sua
esposa.
Mas postar na rede de internet era mais insano do que podia pensar. Até
porque Melissa também estava no vídeo. Ela seria realmente capaz de se
expor dessa maneira somente para se vingar dele?
Tudo indicava que sim.
— “Daniel Müller em relação extraconjugal”? — continuou ela. —
Ou… “Herdeiro Müller tem fetiches em gravar suas relações
extraconjugais”? — o semblante dele se fechou ainda mais.
Percebeu então como Melissa era esperta. A ruiva poderia simplesmente
alegar que ele fez as gravações. Se ela quisesse, além de destruir sua imagem
com o vídeo íntimo, ainda conseguiria difamá-lo e até mesmo levá-lo a um
processo, caso tivesse provas suficientes para acusá-lo deste crime.
Amedrontado, não duvidou de que a ruiva tivesse pensado em tudo, que já
tivesse as provas para incriminá-lo e sujar seu nome, sua honra e desmoralizá-
lo diante da sociedade. Mas, principalmente, diante de Sophia.
— Mas a minha preferida é: “Casado por conveniência, Müller tem
relações extraconjugais e adora gravá-las. ”
O coração de Daniel veio à garganta e voltou. O corpo já transpirava
por dentro do terno, e ele sentiu uma gota de suor frio escorrer pela testa. Com
tal descrição, Melissa conseguiria expor dois fatos que ele vinha mantendo em
segredo e uma terceira “verdade” totalmente falsa. Ele nunca gravara suas
relações sexuais, mas com a arma que Melissa tinha em mãos, dificilmente
conseguiria provar o contrário.
— Faça isso e eu te coloco atrás das grades! — finalmente conseguiu
dizer, entre dentes, suas primeiras palavras após ver o vídeo.
Rindo sarcasticamente, Melissa inclinou a cabeça de lado, e Daniel
sentiu que o que disse não fez efeito.
— Eu já fiz o carregamento do vídeo, querido — disse ela, e as pernas
de Müller bambearam. — E foi daqui — apontou o dedo para a máquina —,
deste computador. Com o seu endereço IP! Basta um clique em “postar” para
que ele caia na rede. E junto, a sua máscara!
— Desgraçada! — murmurou ao perceber que Melissa estava sendo
mais esperta do que ele imaginava.
A ruiva sorriu outra vez, sempre satisfeita com seu plano. Aproximou-
se mais de Müller e, como de costume, segurou sua gravata, sussurrando
melosamente enquanto enrolava os dedos nela:
— Mas eu posso ser boazinha e desistir de postá-lo na internet. Basta
fazer uma única coisinha que eu quero.
Daniel não ficou surpreso. Na verdade, já esperava por essa chantagem;
só restava saber que coisinha era essa que Melissa exigiria em troca de não
divulgar o vídeo para Deus e o mundo. Mentalmente rezou para que fosse algo
capaz de cumprir.
— Que chantagem você pretende fazer com essa porcaria? — indagou
irritado e a afastou, andando até o meio do escritório. Se antes ele achava
sensual o modo como ela enrolava os dedos em sua gravata, agora, somente
em ouvir seu nome, o deixava irritado e com vontade de vomitar.
A mulher fechou o semblante num falso desapontamento.
— Eu não chamaria de chantagem, mas de acordo.
— Diga logo o que quer!
— Ok — ela concordou jogando os cabelos acobreados para trás e
ajeitando os seios fartos. — Quero o cargo de secretária executiva… —
exibiu um largo sorriso e completou: — Do presidente.
Quero o cargo de secretária executiva… Do presidente.
As palavras dela entraram com nitidez nos ouvidos de Daniel, mas ainda
assim, ele imaginou ter escutado coisas.
Ele jamais trocaria Sophia por Melissa. Por três motivos: primeiro,
Sophia era mais capacitada, tinha um currículo invejável e já havia adquirido
experiência trabalhando na Swiss; em contrapartida, Melissa não havia nem
concluído o terceiro semestre em Secretariado e sempre vivera à custa do
dinheiro dos pais. A ruiva não sabia o que era trabalhar. Segundo, ele
simplesmente não suportaria tê-la como sua secretária, já até imaginava o
quanto seria assediado e provocado, e, pior ainda, poderia continuar a ser
chantageado com o maldito vídeo; já referente à Sophia, como ele iria lhe
explicar que ela não seria mais sua secretária? Que cargo Daniel arrumaria
para não desampará-la? E em terceiro lugar, como qualquer cargo na empresa,
Melissa precisaria passar por todas as etapas pelas quais Sophia passou, e só
então seria contratada. E Daniel não poderia burlar essa lei com favoritismo.
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Daniel
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Sophia
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— Sophia, não acho que seja uma boa ideia — Erick me disse, enquanto
o arrastava para dentro de casa, atravessando o quintal iluminado, mas eu não
lhe dei atenção.
Quando chegamos à área de lazer, a música alta incomodou meus
ouvidos e eu mal podia ouvir o Erick. Heitor estava xavecando uma garota que
ele arrumou por aí, beijando a curva de seu pescoço, e ao notar minha
presença, me olhou com uma expressão espantada e, depois de dizer algo a sua
acompanhante, deixou sua lata de cerveja sobre a mesa e caminhou até mim.
Rapidamente observei o lugar. Alguns amigos do Daniel que vieram
conosco e que trabalhavam na empresa estavam sentados nas cadeiras de praia
na beira da piscina, trajando calções ou sungas, conversando e rindo entre si,
comendo aperitivos, ou beliscando pedaços de carne que saíam da
churrasqueira – que conta com um profissional, acredito que foi contratado,
pois ele não fazia parte da galera. Havia, também, mais umas oito pessoas que
eu não fazia a mínima ideia de quem eram, mas em sua maioria (cinco ou seis)
eram mulheres vestindo biquínis, saias ou shorts jeans muito curtos.
— Oi, Sophia — Heitor me cumprimentou de soslaio e encarou Erick,
logo voltou a olhar para mim, como se exigisse uma explicação para a
presença de um desconhecido.
— Heitor, esse é meu amigo Erick Gouveia. Erick, esse é irmão do
Daniel, Heitor. — Fiz as apresentações, e educadamente Erick esticou a mão
para apertar a de Heitor enquanto disse “prazer”.
Meu “cunhado” o ignorou, e pedindo um minuto, pegou-me pelo braço e
me afastou dois metros, cochichando: — Que porra é essa, Sophia?
Soltei-me de suas mãos e dei um passo atrás.
— É um amigo. Nós nos conhecemos no Cruzeiro que fiz com seu irmão.
Por acaso nos reencontramos aqui, em Angra. — expliquei e adicionei: — Se
você e Daniel podem trazer visitinhas e ter convidados, por que eu não? —
rebati e passei por ele, voltando até Erick.
Meu amigo continuava sem jeito, e sem me importar com mais nada,
segurei-o pelo braço outra vez e o apresentei aos presentes que conhecia.
Enquanto ele cumprimentava as pessoas, vi Daniel surgir com cara de poucos
amigos, carregando os fardos de cerveja, Melissa logo atrás, trazendo dois
sacos de carvão. Ele deixou os fardos sobre o freezer, desviou os olhos de
mim para a ruiva e disse alguma coisa para ela que não entendi, por causa da
música alta que ecoa e também por conta da distância em que nos
encontrávamos. Ela fechou a cara e acena, pegando as cervejas e pondo para
resfriar. Daniel, então, veio ao meu encontro.
— Sophia, tem certeza que isso é uma boa ideia? — Erick murmurou ao
pé do meu ouvido e me fez sobressaltar.
— Tenho. — eu me virei e olhei dentro de seus olhos negros e sorri
amplamente. — Vamos nos divertir — decretei e o segurei pelas mãos, nos
levando até a churrasqueira.
Olhei para trás. Daniel, que caminhava até mim, parou no meio do
caminho e exibiu uma careta ainda maior. Sorri satisfeita e segura de mim
mesma. Não permitiria que ele me magoasse mais, que suas atitudes idiotas me
deixassem de baixo astral. Era tempo de erguer a cabeça e mostrar a ele que,
apesar do que sentia, isso seria a última coisa que me abalaria.
Por isso decidi aproveitar a festa com Erick. Eu nos servi com carne da
churrasqueira e com arroz, vinagrete e salada, que jaziam distribuídos em uma
mesa ali perto. Sentamo-nos em uma das mesas à beira da piscina, indiferentes
às coisas ao nosso redor, e começamos a conversar, Erick, ainda nos
primeiros minutos, receoso por sua presença. Mas o tranquilizei conforme o
tempo passou, e minutos depois ele já estava mais solto. Contei para ele sobre
a minha vida nos últimos meses, menos a noite de ontem e a estupidez do
Daniel de ter me deixado sozinha para sair com Melissa. Permanecemos um
longe do outro, e realmente não sabia se alguém notava nosso distanciamento,
já que, para os de fora, éramos casados.
De vez em quando, ainda que contra minha razão, eu o procurava.
Melissa estava o tempo todo ao seu lado, e, discretamente, longe dos olhares
dos outros, ela o tocava nas mãos, ou o acarinhava nas costas, ou tocava-lhe
nas coxas. Numa dessas vezes, Daniel estava num canto, trocando o CD,
quando Melissa se aproximou furtivamente e o acariciou nas costas,
abraçando-o por trás em seguida. A ruiva lhe falou alguma coisa no ouvido e
olhou sugestivamente para dentro de casa. Daniel prontamente se esquivou,
então nossos olhares se encontraram e ele percebeu que eu presenciara a
ceninha dos dois. Deixou Melissa para trás e se afastou, mas não sei se porque
realmente se incomodou com a aproximação atrevida dela, ou porque eu havia
reparado em suas investidas.
Dali a pouco, estávamos todos reunidos em uma roda, conversando e
rindo, bebendo mais álcool e revezando entre cerveja, caipirinha, uísque,
vodca. Erick já estava bem mais enturmado, e em um dos momentos nos contou
um pouco sobre seu trabalho como sósia do Johnny Depp. Até mesmo Heitor
já havia simpatizado com meu amigo. O único que continuava a não gostar da
presença dele era Daniel. Mas eu pouco me importei com este fato. Também
não gostava daquela ruiva esnobe, e nem por isso estava de cara feia.
— Erick, por que não faz uma performance dele como capitão Jack
Sparrow? — instiguei, e todos concordam eufóricos, menos Daniel, como
sempre.
— Estou sem meus aparatos — disse encontrando uma desculpa.
— Não tem problema. Nós vamos mentalizar aqui. Vai, Erick, faz! —
implorei, e ele cedeu com uma risada.
Erick se levantou e ficou no meio da roda e começou sua apresentação.
A cada dia que passava, meu amigo estava cada vez melhor. Seus movimentos
corporais, as atrapalhadas que todos rirem, as caras e bocas, o timbre de voz
que lembravam muito a do personagem e até algumas falas retiradas de algum
filme da franquia.
Os presentes riram, aplaudiram e uns mais alterados pelas bebidas
exageradas até tentaram atuar com Erick, o que nos rendeu ainda mais
gargalhadas. A noite continua avançando, e quando demos por nós já passava
de uma da manhã. Um resto de carne queimava sobre a churrasqueira, a
música já não estava tão alta e o CD já tinha repetido inúmeras vezes. As
pessoas foram se retirando aos poucos, um ou outro cambaleando de bêbado,
as garotas carregando seus sapatos nas mãos e uma ou duas escoradas pelos
demais. Os nossos colegas de trabalho voltaram para a dependência da casa,
alegando exaustão, e Heitor se ofereceu para levar sua conquista para casa.
Então, restamos apenas Erick, Melissa, Daniel e eu. A mais embriagada
era a ruiva esnobe, que, a todo custo, tentava roubar um beijo de Daniel, já
que agora não havia mais ninguém de quem esconder suas provocações. Ele,
por sua vez, retraía o corpo sempre que a ruiva se aproximava beijando o
canto de sua boca, empurrando-a com delicadeza para longe de seus lábios.
A vontade que eu tinha era de arrancá-la de cima dele, defender o que
era meu. Mas aí me lembrava que ele não era meu. Daniel era de todo mundo.
E eu não teria porque defender alguém que não se importava com meus
sentimentos, que não podia retribuir o que sentia por ele.
Reprimi minha vontade e voltei a beber o resto da cerveja que estava na
minha mão.
— Dan, por que não vamos lá no seu quarto? — Melissa disse com a
voz mole e se sentou no colo dele.
A cólera me invadiu.
Desviei o olhar dos dois e olhei para as minhas mãos. Erick as segurava
e nossos olhares se cruzaram. Ele estava com um pequeno sorriso nos lábios
como quem quisesse transmitir paz e tranquilidade para mim. Reforcei
mentalmente que não iria me deixar abalar por conta do Daniel.
— Você está bem? — ele sussurrou, e eu apenas acenei em positivo.
Tornei a olhar em direção ao casalzinho do ano.
Melissa estava afagando os ombros largos e despidos de Daniel.
— Não, Melissa — Daniel negava e olha para mim.
Sua expressão fechada era quase indecifrável. Não sabia se ele estava
com raiva por causa de Erick sentado comigo segurando minha mão, ou por
causa dessa ruiva sem graça insistindo em seduzi-lo ou se, de alguma forma,
estava arrependido de ter me deixado para trás para ficar com outra pessoa
depois de eu ter sido sincera e ter me aberto, ter falado dos meus sentimentos.
Mas, neste momento, nada mais me importava. Ele permitiu que essa
Melissa Telles se aproximasse, a sua presença inconveniente, as suas
provocações direcionadas a mim. Ele era tão podre quanto ela!
— Mas, Dan, posso fazer aquilo que você gosta — Melissa continuava
insistindo, e agora descia o indicador pelo peito dele, embriagada e sensual.
Inclinou-se, então, e mordiscou o lóbulo de sua orelha. — Sabe que só eu sei
te dar o melhor orgasmo, não sabe? — ela sequer teve a vergonha de lhe dizer
isso em privado.
Erick puxou meu queixo me fazendo olhar para ele. Pelo jeito como me
encarava, meu amigo já devia ter percebido que essa ceninha quase
pornográfica estava mexendo comigo e me deixando abalada.
— Vamos sair daqui? — ele me convidou, mas neguei.
Seria forte diante do Daniel. Queria ver até onde isso ia chegar.
Precisava saber até que ponto ele era capaz de ir para atender e ceder aos
caprichos e pedidos da ruiva.
— Melissa, não estou a fim… — suspirou, e outra vez se esquivou das
provocações sexuais dela.
— Vamos ver se não está a fim… — ela resmungou, agarrou os cabelos
dele o trazendo para um beijo que, a princípio, não foi retribuído.
Daniel tentou afastá-la, impedir o beijo, mas um segundo depois, estava
retribuindo. O que acabou comigo. O que destruiu e partiu meu coração em
incontáveis pedaços. Engoli em seco e olhei para Erick. No mesmo instante
me recordei do beijo que trocamos no Cruzeiro em frente ao quarto em que
estava ficando.
Não pude deixar de sorrir com esta lembrança. Foi uma atitude
impensada e de momento.
— Acho que agora é bom sairmos daqui — ouvi a voz dele que me tirou
das minhas divagações.
Como meses atrás, dominada pela insensatez, olhei uma última vez para
Daniel que continuava com a boca na de Melissa, e com uma atitude infantil,
olhei para Erick e o beijei de repente, querendo, dessa maneira, provocar
alguma reação em Daniel. Quem sabe ciúmes.
Erick arregalou seus olhos e me afastou, confuso e ao mesmo tempo
assustado. Tinha ciência que ele conhecia as minhas intenções com esse beijo
e no mesmo instante me arrependi. Eu não deveria ter feito isso. Podia magoá-
lo com essa atitude de querer fazer ciúmes no Daniel e nem me dei conta
disso.
— Desculpe, eu…
—Shh…! — ele me calou tocando seu indicador em meus lábios. Estava
prestes a lhe dizer algo quando sou arrastada até sua boca em um beijo
intenso.
Antes de me envolver completamente com o beijo de Erick, olhei
rapidamente para Daniel. Ele já não beijava mais Melissa, mas ela continuava
em seu colo, deitada em seu ombro. Sua face contorcida me mostrou que ele
estava incomodado. Por isso fechei os olhos, agarrei a nuca de Erick e o beijei
ainda mais, ignorando a presença de Daniel.
De súbito, Erick parou o beijo e tinha um sorriso divertido nos lábios.
Antes de qualquer reação minha, ele se levantou e segurou meu punho dizendo:
— Vamos para o seu quarto.
Eu sequer tive tempo de protestar e meu interior gritou. Eu não queria
que chegasse a esse ponto. Procurei Daniel outra vez. Seus olhos azuis-
esverdeados estavam arregalados. Melissa, em seu colo, olhava para trás, em
nossa direção, com uma expressão assustada e surpresa.
Ainda desnorteada com a ação repentina de Erick, sou levada a me
levantar, já que ele me puxava pelo punho. Resolvi segui-lo para não
contrariá-lo na frente de Daniel, e ao mesmo tempo mostrar a ele que também
podia ter encontros com outra pessoa, mesmo que eu soubesse que nada
aconteceria, o que faria questão de deixar claro assim que chegássemos ao
meu quarto.
— Erick, olha… — disse quando ele fechou a porta do meu quarto.
— Você precisava ver a sua cara — falou rindo. — Eu me segurei muito
para não rir na frente daquele idiota.
Vacilei sem entender sobre o que ele estava falando.
— Como é? — gaguejei.
Ele veio até mim e segurou minha mão, me fazendo sentar na cama ao
lado dele.
— Eu entendi que queria fazer, ou tentar fazer, provocar ciúme naquele
imbecil, mas você não estava sendo muito convincente, então, eu só entrei no
seu joguinho — ele me explicou, e voltou a rir.
Sinto o rosto enrubescer. A verdade é que Erick foi tão convincente que
conseguiu enganar até a mim. Não me contive com sua risada e me juntei a ele.
— Você ficou assustada. Foi… muito hilário — falou ainda gargalhando.
— Queria enganar ao Daniel ou a mim? — inquiri rindo junto com
Erick.
Ele tem sido uma boa pessoa. Achei que ele estava tranquilo demais em
relação a isso tudo. Talvez outra pessoa em seu lugar se sentisse ofendido com
um beijo que seria para enciumar outro homem. Mas a realidade era que Erick
estava levando de forma natural. Por um instante, perguntei-me se ele não
estava se aproveitando da situação, ao mesmo tempo que neguei essa
possibilidade. Conhecia o Erick o suficiente para saber que ele era um cara
legal, certo?
— Eu não queria te usar daquela maneira — parei de rir e disse séria.
Por mais que ele tivesse demonstrado que não tinha se incomodado, ainda
assim preferia deixar tudo em pratos limpos. — Nem sei por que fiz aquela
loucura.
Erick me olhou com um sorriso divertido nos lábios. Novamente segurou
a minha mão, me olhando dentro dos olhos.
— Não tem porque se preocupar com isso. Na verdade, eu até gostei.
Minha cara queimou ainda mais. Precisava parar com isso. Mesmo que
eu estivesse um pouco envergonhada, se fosse sincera, também apreciei o
beijo dele.
— Você gosta dele, não é? — ele me questionou subitamente.
Pigarreei limpando a garganta e desviei o olhar, me ajeitando na cama.
Erick continuava olhando para mim e segurava a minha mão, esperando por
uma resposta que, provavelmente, ele já sabia que era sim.
Vagarosamente, balancei a cabeça em afirmativo, já sentindo minhas
lágrimas nos olhos.
— Mas não é mútuo — completei com a voz meio engasgada.
— Como sabe?
— Eu disse a ele. Disse que sentia alguma coisa, e sabe o que Daniel
fez? Me deixou sozinha para sair com aquela ruiva exibida. — Tentei evitar
minhas lágrimas, mas uma teimosa escapou dos meus olhos.
No mesmo instante senti o polegar de Erick enxugando-a antes de ela
chegar ao final do meu rosto.
— Não deixarei que você fique tristinha por conta desse idiota que não
reconhece a mulher maravilhosa que tem dentro de casa — sussurrou ele; e de
repente começou a me fazer cócegas.
Senti seus dedos nas minhas costelas e me rendi a uma convulsão de
risadas. Deitei-me na cama e ele caiu por cima, ainda me fazendo rir.
Abruptamente a porta se abriu e avistei um Daniel soltando fogo pelas
ventas entrar a passos decididos. Melissa veio logo atrás e tentou segurá-lo,
mas com um movimento brusco ele se soltou da ruiva.
Não houve tempo para a reação de Erick. Em segundos, Daniel já o
segurava pela camisa e o puxava de cima de mim, jogando-o longe e
esbravejando como um lunático:
— Saia de cima da minha mulher!
29
CIÚME DESCONTROLADO
Daniel sentiu seus olhos queimarem de raiva. Ele sequer podia imaginar
Sophia sendo tocada por outro homem. Sabia que tinha que se segurar muito
para não fazer bobagem quando a viu beijando Erick. Um alívio momentâneo o
fez suspirar assim que Erick se afastou, mas segundos depois a tomou em outro
beijo muito mais provocante.
Cego, ele nem se deu conta de Melissa em seu colo, bêbada e pousando
a cabeça sobre seu ombro despido. Tudo o que enxergava era apenas o casal à
sua frente, e remoía dentro de si a vontade de se levantar, agarrar Sophia pelo
braço e arrastá-la para longe de Erick.
Por um instante, só não o fez porque sabia, mais do que ninguém, que ela
era uma mulher livre, mesmo sendo casados, mesmo que para os de fora eles
fossem marido e mulher. E também porque Daniel não queria se exaltar, não
queria demonstrar que seu peito queimava de ciúmes, pois se fizesse isso era
preciso assumir seus sentimentos, mas o medo de se magoar de novo o
dominava. Milagrosamente, se segurou e cumpriu parte de sua promessa de
não agir com violência.
Mas deixou seu juramento de lado quando Erick levou Sophia até o
quarto dela. Por cinco minutos, mesmo com a ruiva tentando animá-lo e
seduzi-lo, nada mais lhe saía da cabeça a não ser imaginar os dois juntos. Fez
um esforço tremendo para impedir suas pernas de se levantarem e o levarem
em direção a eles. Esforço inútil. Quando deu por si, já empurrava Melissa
para longe e caminhava a passos decididos até o quarto de Sophia. Imaginou
que era preciso manter a calma caso seus olhos vissem coisas que não
desejavam. Mas sua cólera e ciúmes se sobrepunham à sua razão ou senso de
tranquilidade.
Ao abrir a porta e ver Erick sobre Sophia, cego e irracional demais, não
percebeu que não acontecia nada entre os dois. Não viu que Sophia ria de
forma contagiante e que Erick apenas fazia cócegas nela. Tudo que se passava
na frente de seus olhos eram dois corpos nus se amando.
Enfurecido e dominado pelo ciúme, agarrou Erick pelo colarinho e o
puxou com brutalidade, tirando-o de cima de Sophia com berros que
arranharam sua garganta:
— Saia de cima da minha mulher!
Erick caiu desajeitadamente no chão, batendo as costas fortemente.
Assustada, Sophia deu um salto da cama querendo impedir que Daniel
continuasse avançando sobre seu amigo, pedindo para que ele parasse. Mas
Daniel nada via, ou ouvia, era controlado pela raiva. Desvencilhou-se da
loura e empurrou Melissa, que se pôs em seu caminho. Segurou Erick outra
vez pelo colarinho e o levantou. Antes de qualquer protesto deste, Daniel
desferiu um soco em seu olho direito, levando-o novamente ao chão.
— Daniel, pare, por favor! — Sophia gritou, sua voz já embargada pela
cena que desenrolava, tentando segurar seu braço para que ele não continuasse
com as agressões ao amigo.
Mas sua atitude foi em vão. No segundo seguinte, Daniel já estava em
cima de Erick, distribuindo mais dois murros. O terceiro foi impedido pelo
próprio Erick, já sangrando pelo nariz e pela órbita do olho esquerdo.
Obstruiu o golpe que acertaria sua face e, sem demora, devolveu as agressões,
acertando Müller três vezes no nariz. Com uma dor descomunal, Daniel perdeu
os sentidos por um segundo, tempo suficiente para que seu adversário
revidasse e invertesse a situação.
Agora, era Daniel quem estava por baixo, recebendo socos que
desfigurariam seu rosto bonito. Melissa, ainda bêbada e cambaleando, montou
sobre as costas de Erick, intentando tirá-lo de cima de seu amante. Sophia
também o puxava pelo braço, as lágrimas rolando, e suplicou:
— Erick, não, por favor, não o machuque! Não o machuque!
Porém, nada do que as duas mulheres presentes fizessem, ou dissessem,
parecia ser capaz de parar qualquer um dos homens que se digladiavam.
Erick segurou Daniel pelo pescoço e o forçou a se levantar. Müller
sentiu-se estrangulado pelo aperto das mãos de Erick, e em seguida, suas
costas nuas colidiram contra a parede. A dor no nariz deu lugar às costas,
sentindo que vomitaria os pulmões caso recebesse outra colisão como aquela.
Erick estava pronto para desferir um golpe na sua boca do estômago, mas
Daniel agiu rápido e o golpeou nas costelas. Erick retraiu o corpo, sentindo a
pressão da investida. Müller aproveitou o momento, segurou-o pela nuca e o
atingiu com uma joelhada no queixo. Seu oponente caiu zonzo, sentindo a
língua cortada e a boca encher de sangue.
Melissa e Sophia continuavam gritando e ainda tentando impedir que os
homens se matassem.
Daniel cerrou os punhos na intenção de encontrar a face de Erick, mas,
mesmo atordoado pelo golpe, seu inimigo agiu mais rápido e se desviou
girando o corpo de lado. A mão fechada de Daniel acertou o assoalho do
cômodo. O golpe o desequilibrou e ele caiu, batendo o tórax contra o chão. No
mesmo instante, sentiu um chute massacrar sua costela direita.
— Erick, para. Por favor. Para! — Sophia quis outra vez impedi-lo, mas
seu colega chegara ao limite e perdera a cabeça. Investiu um segundo chute
nos ossos de Daniel, e nada o parava, nem mesmo as unhadas que a ruiva deu
em seu braço.
— Ela é sua mulher, Daniel? — gritou virando-o.
Daniel Müller tinha a cara inchada e sangrando, os olhos e bochechas
arroxeados pelos golpes. Respirava com dificuldade e parecia estar à beira da
inconsciência.
— Então, trate-a como tal. Não apenas como e quando lhe convém. —
Montou sobre seu adversário e distribuiu mais socos. Sophia o puxava pelos
ombros, tentando, a todo custo, cessar a briga.
— Erick! Você vai matá-lo!
De repente, um dos colegas da empresa, ouviu a gritaria e surgiu pela
porta.
— Lucas! — Sophia gritou aos prantos. — Faça alguma coisa, pelo
amor de Deus!
Sem demora, Lucas agarrou Erick, abraçando sua cintura e o tirou do
alcance de seu chefe.
— Para com isso, brother — disse Lucas fazendo esforço para segurar
Erick que ainda se debatia.
Melissa correu para acudir Daniel, praticamente sem sentidos. Com um
pouco de dificuldade para levantar o tronco quase desfalecido de Daniel, o
sentou e avaliou e ficou horrorizada com os seus ferimentos.
— Você quase o matou! — esbravejou já se sentindo mais sóbria.
Então Erick para de relutar contra as mãos que o seguram, dando-se
conta da realidade. Mirou Daniel nos braços de Melissa. A cor de seu rosto
era uma mistura de vermelho e roxo, os olhos inchados, o nariz pingando
sangue e a cabeça pendia, como se o pescoço não sustentasse o próprio peso.
Hesitou, percebendo que nenhuma outra vez a ira o tomou tanto como
naquele momento. Buscou por Sophia que já estava segurando um telefone e
chamando uma ambulância. Seus cabelos áureos jaziam bagunçados, o rosto
vermelho e molhado de pranto.
— Ah, meu Deus… — sussurrou caindo em si.
Andou rapidamente até ela, agora, sentindo as dores de sua luta com
Müller. Ela levantou os grandes olhos verdes em sua direção. O globo ocular
avermelhado pelas lágrimas de desespero que se acumularam. Olhou, outra
vez, para seu adversário nocauteado e voltou-se para Sophia, sem saber
exatamente como agir ou o que lhe dizer.
— Sophia, eu não quis… eu não quis machucá-lo — gaguejou.
Jamais tinha se envolvido em uma situação como aquela e nem
imaginava que possuía tanta força para fazer o estrago que fez em Daniel.
A loura não o respondeu. Apenas engoliu em seco e pestanejou querendo
segurar seu pranto. Estava cansada de chorar. Principalmente por Daniel, que
não merecia sequer uma mísera lágrima.
Aproximou-se cautelosa dele e o abraçou, chorando em seus ombros.
Sentia-se culpada. Mais uma vez.
♦♦♦
Sophia e Erick observaram a ambulância seguir para o hospital levando
Daniel. Melissa foi de acompanhante, já que eles não podiam seguir viagem,
pois precisavam esclarecer o caso à polícia, que não demorou a encostar na
porta da casa dos Müller. Após prestar os devidos esclarecimentos – e Sophia
ter dado seu testemunho – eles seguiram para a delegacia fazer um boletim de
ocorrência contra Daniel. Antes de partirem, o delegado afirmou que Erick
ainda não seria autuado, e que assim que o agredido, e Melissa, a segunda
testemunha, tivessem condições de prestar depoimento, eles o colheriam, e só
depois de ouvirem os dois lados é que as devidas providências seriam
tomadas.
No caminho para o pronto atendimento, Sophia ligou para o irmão de
Daniel falando sobre a briga que se desenrolara na casa deles, avisando sobre
as consequências do desentendimento entre Daniel e Erick.
Agora, eles aguardavam a chegada de Heitor sentados no sofá da sala de
espera. Erick batia os pés constantemente e Sophia roía as unhas. Do outro
lado, encostada a uma coluna, Melissa Telles também esperava.
Heitor entrou como um furacão no hospital. Quando viu Erick sentado ao
lado de Sophia, sequer se lembrou que precisava fazer silêncio e foi logo
gritando:
— Erick, eu vou acabar com a sua raça!
Ambos se levantaram ao mesmo tempo, a loura se pondo na frente do
amigo, que já havia recebido os primeiros socorros e estava com o rosto cheio
de curativos.
— Já chega de briga por hoje, Heitor — ela se pronunciou e olhou para
a recepcionista que vinha na direção deles logo atrás, provavelmente para dar
um sermão em Heitor sobre ele entrar gritando. Ela meneou a cabeça e a
mulher estacou no lugar avaliando rapidamente o homem de costas para ela.
Com um suspiro, desistiu, percebendo que a loura controlaria a situação, e
voltou para seu lugar. — Erick estava se defendendo. E fale baixo porque
estamos em um hospital.
Heitor encarou Erick, mantendo a ira apenas em seus punhos.
— Como ele está? — quis saber.
— Bem. Chegou inconsciente, mas já recebeu os primeiros socorros, e
vai passar a noite em observação.
— Quero entrar para vê-lo. — exigiu, e já estava passando por eles
quando foi impedido.
— Não pode. Ele está dormindo por conta dos sedativos. Deixe isso
para depois, Heitor.
Com um suspiro, ele cedeu e olhou outra vez Erick.
— Não pense que isso vai ficar assim. Vou dar parte de você na polícia.
— Não há necessidade — respondeu Erick sem se abalar. — Já
conversamos com a polícia. E eu aleguei autodefesa.
— Que eu saiba, você estava a ponto de matá-lo! — gritou novamente, e
dessa vez a recepcionista o advertiu em alto e bom som.
Heitor se desculpou e respirou fundo, acalmando o coração.
— Antes ele do que eu — retorquiu sem remorso. — Mas nenhum de
nós dois sairemos impunes. Não se preocupe.
— Posso saber por que brigaram? — Praticamente exigiu.
— Porque seu irmão é um idiota que pode ficar se esfregando com
qualquer uma, enquanto eu tenho que fazer voto de castidade! — Sophia
interviu ríspida. — Agora, já que você chegou, eu posso ir embora.
— O quê? Vai deixar meu irmão aqui sozinho? Você é esposa dele!
— Só no papel, Heitor. Só no papel. Seu irmão não merece minha
preocupação. E ele não vai estar sozinho. Melissa fará companhia, como
sempre faz, não é, querida? — rebateu e olhou a ruiva que continuava no seu
lugar, imóvel. Ela se agarrou aos braços de Erick. — Vamos para casa, Erick.
Estou cansada.
Sem dizer mais nada, e nem esperar por uma resposta dele, Sophia o
arrastou para fora do hospital. Mesmo que sua vontade fosse ficar e depois
saber como Daniel estava, resistiu a seus impulsos. Ele só encontrara o que
havia procurado. Por um momento, durante o percurso até o pronto
atendimento, se sentiu culpada por todo o ocorrido: se não tivesse insistido
para que Erick ficasse, se não tivesse tentado provocá-lo, se não tivesse
deixado que Erick insinuasse que teriam algo mais. Mas não demorou a se
advertir que nada daquilo teria acontecido se Daniel não fosse um idiota, se
Daniel cumprisse sua palavra, se Daniel fosse mais atencioso e menos
imbecil.
— Vou te deixar em casa e depois pegou um táxi e vou para a minha —
Erick disse abrindo a porta do carro de Daniel que usou para chegarem até ali.
— Tudo bem. Não queria te dar todo esse trabalho.
— Imagina, Sophia. O maior culpado sou eu. Não deveria ter dado
corda para o Daniel.
Ela suspirou e entrou no carro puxando o cinto. Vagueou em seus
pensamentos se perguntando por que e como sua vida havia chegado naquele
ponto. A maior parte do tempo nos últimos meses ela estava nervosa, triste ou
chorando por conta dos feitos de Daniel.
Mesmo que por um prazo curto, haviam vivido bem e sem discussões,
parecia que Daniel sabia agir de modo a compensar todos seus dias de paz e
transformar um único dia o mais infernal de todos.
— Tem uma coisa que eu não entendo. — Erick a tirou de seus
devaneios, e ele já dirigia de volta para casa. — Por que ainda mantém esse
casamento, mesmo que de fachada, se esse cretino só te faz mal?
Com um suspiro, ela concordou mentalmente com seu amigo. Já devia
ter dado basta à farsa dessa união, ter se demitido da empresa, e deveria estar
vivendo em paz e sozinha. Já havia trabalhado o suficiente para juntar um
dinheiro extra e poderia muito bem viver por meses sem passar necessidade.
Mas havia a maldita herança que Daniel ainda não havia recebido. No final,
Sophia sempre pensava mais nele do que em si mesma. E isso começava a
incomodá-la.
— Tem razão — respondeu observando a paisagem da madrugada. —
Preciso parar de pensar em como ele vai receber a herança caso me divorcie
dele, ou de como poderei ajudar minha família se quebrar o acordo do
contrato. — Suspirou derrotada e buscou pelos olhos de Erick. — Assim que
ele sair do hospital, vou pedir o divórcio. Já estou no meu limite.
Erick tirou a mão do volante por um segundo para segurar a dela.
Olharam-se nos olhos e ele exibia um pequeno sorriso.
— Se eu puder te ajudar em alguma coisa…
— Obrigada — agradeceu, interrompeu o toque e voltou a olhar para a
noite lá fora.
Terminaram o percurso em silêncio. Erick estacionou o carro na
garagem e desligou. Por dez segundos inteiros ficaram mudos, um sem querer
encarar o outro. Sophia pensando que já era hora de dar um basta em tudo que
vinha acontecendo. Erick tinha razão. Daniel só a fazia mal desde que aceitou
as condições desse casamento de conveniência. Os momentos de paz eram
cada vez mais raros e isso estava desgastando-a mental e fisicamente. No seu
interior ela sabia que seria uma decisão difícil se afastar de Müller, por conta
do sentimento que vinha cultivando. Mas era um sentimento que a destruía. E
que a destruiria junto dele, ou não.
Estava decidida a exigir o divórcio e acabar de uma vez por todas com
o mal que vinha afligindo-a e lhe fazendo passar por situações estressantes.
Sufocaria seu sentimento por Daniel, daria uma oportunidade a si mesma,
recomeçaria e seria feliz.
— Me desculpe outra vez — Erick sussurrou a tirando de suas
dispersões. — Jamais imaginei que aconteceria isso.
— Tudo bem. Você só estava se defendendo. Se não tivesse feito isso,
provavelmente seria você naquele hospital. E você não tem culpa de nada,
Erick. Entendo que a raiva te subiu à cabeça.
Ele nada respondeu. Somente desceu do carro, pronto para ir embora.
Sophia desceu em seguida e foi ao seu encontro lhe dando um abraço
confortável. Olhou para seu rosto. Ele levara alguns pontos na órbita esquerda,
as bochechas levemente arroxeadas, o canto da boca cortado, e ele, às vezes,
falava com um pouco de dificuldade por conta da língua cortada.
— Vai ficar tudo bem — assegurou ao notar a ligeira preocupação nos
olhos verdes. — Posse te ligar amanhã? Para saber como está?
Ela acenou em positivo. Despediram-se com um abraço forte. Erick
seguiu seu caminho e Sophia adentrou a casa.
Com cautela foi até seu quarto, onde tudo começara. Olhou ao redor e
viu os respingos de sangue que poderiam ser de qualquer um dos dois. Virou-
se. A última coisa que queria era dormir naquele quarto sabendo que as
lembranças ruins a atormentariam. Mesmo com sua consciência gritando não,
ela entrou no de Daniel. Tudo estava arrumado, como ele costumava deixar.
No criado-mudo estava o celular dele. Aproximou-se e o tomou em mãos.
Surpreendeu-se ao ver que o protetor de tela era uma foto que haviam tirado
numa cidade turística no interior, quando viajaram a negócios, algumas
semanas antes: ele jogava o braço em volta de seus ombros e estampava um
sorriso largo. Os olhos claros se destacavam em contraste ao queixo barbado.
Deslizou o bloqueio de tela e, sentando-se na cama, começou a conferir
suas coisas pessoais. As ligações recebidas e perdidas eram a maioria da
ruiva. De um jeito estranho sentiu-se feliz por não haver nenhuma ligação dele
para ela nas últimas três semanas. Pelo menos, não de seu telefone móvel.
Passou para as mensagens, as que ele enviara para a ruiva eram sempre em
resposta. Leu algumas conversas, percebendo que Daniel há muito não se
interessava por Melissa.
Ela havia mandado. Sophia rolou a tela para ver a resposta. Para seu
alívio Daniel não respondeu.
Continuou lendo, sem ao menos se importar por invadir a privacidade de
Müller.
Sophia, se arrume, vou te buscar para vir para o churrasco. Pode ser?
♦♦♦
♦♦♦
♦♦♦
Heitor, sei que foi ao hospital para passar a noite comigo. Só estou
avisando para que não surte ou se preocupe. Estou saindo do RJ, mas ainda
sem destino. Preciso de uns dias sozinho.
Até mais.
Daniel
♦♦♦
♦♦♦
Por mais que Sophia tenha pedido para que ele não fosse até o hospital
para falar com Daniel, Erick deu-lhe pouca atenção e, teimosamente, desviou
o percurso de sua casa para o pronto atendimento onde Daniel Müller estava.
Chegando lá, foi alertado de que estava fora do horário de visitas, por isso sua
entrada não seria permitida. Com um pouco de insistência, e alegando que
precisava apenas de cinco minutos, conseguiu a permissão para entrar no
quarto onde Daniel se encontrava.
Esqueceu-se dos bons modos e entrou sem bater. No mesmo instante,
pôde sentir os olhos de Daniel queimando de raiva, e já imaginava como ele
seria hostil com sua presença. Sua previsão foi confirmada quando ele se
pronunciou:— Veio se vangloriar da sua vitória, Erick?
Ignorando o comentário inicial, Erick entrou no recinto e encostou a
porta. Escondeu as mãos dentro do bolso e caminhou lentamente para mais
perto de Daniel.
— Não — respondeu por fim. — Até porque não me orgulho do que
aconteceu.
Daniel demorou a perceber, mas o rosto do homem à sua frente estava
preenchido por curativos e era uma mistura confusa de diferentes tons de roxo.
Por mais que a situação em que se encontrava, comparada a de Erick, fosse
pior, interiormente, e sem demostrar, sentiu-se satisfeito por seu oponente não
ter saído ileso. Afastando sua satisfação imbecil da mente, voltou sua atenção
para o homem.
— Então veio para quê? — questionou com a voz ainda ríspida.
— Conversarmos — respondeu casualmente.
— Quer fazer as pazes para não ser mal visto pela Sophia? — inquiriu
levemente irônico — Que hipocrisia mais bonitinha…
— Na verdade, eu e Sophia estamos muito bem — rebateu sorrindo. —
Aliás, acabo de vir de um almoço com ela.
Com a testa franzida, Daniel sentiu um incômodo, porém, desta vez, não
era na costela, mas no peito. Imaginar que Sophia não fora visitá-lo porque
estava na companhia de Erick, e de que provavelmente, tinha desabafado em
seus ombros toda a angústia que ele a fez passar nas últimas horas (e quem
sabe, meses), fez seu peito se comprimir, e uma onda de ciúmes, misturada à
decepção, o invadiu. Esforçou-se descomunalmente para não demonstrar isso
em seu semblante, ou em suas palavras. Já havia feito o suficiente.
Engolindo o nó em sua garganta, disse: — Então você quer conversar
sobre o quê?
Calmamente, Erick se aproximou e sentou-se na poltrona. Rapidamente
ele o observou e reparou no inchaço acima do seu olho direito e nas contusões
arroxeadas espalhadas pelo rosto.
— Sobre a Sophia — disse por fim.
— O que tem ela? — perguntou quase impaciente.
Erick suspirou e se ajeitou antes de continuar.
— Ela gosta de você, Daniel.
— Mas ia transar com você! — respondeu ríspido.
— Não, não ia. Ela só queria te fazer ciúmes. Porque, seu idiota, você
estava se esfregando com outra mulher na frente dela!
Daniel tentou dizer alguma coisa, mas não havia nada para ser dito.
Erick tinha a maldita da razão. Então, ele caiu em si. Daniel não queria ferir os
sentimentos da loura, mas temia que Melissa, bêbada como estava, abrisse a
boca e dissesse coisas que não deveria caso fosse rejeitada por ele. O maldito
vídeo estava acabando com sua maldita vida e lhe tirando a maldita paz.
Fechou os olhos e respirou fundo, mentalizando que logo ele se veria longe
das chantagens da maldita ruiva.
— E eu já percebi que gosta dela… Há muito tempo — Erick continuou,
o que o fez voltar à realidade.
Daniel continuou em silêncio, não pensou em rebater esse argumento,
pois sabia que nenhuma outra justificativa sustentaria os porquês de suas
ações.
— É por isso que eu não entendo por que age assim com ela. Se vocês
se gostam, que se assumam logo, pois eu sei que Sophia gostaria de te assumir.
E de ser assumida — finalizou enfatizando suas últimas palavras.
Daniel seguiu mudo. Não sabia o que dizer. Talvez dizer que era um
imbecil que tinha medo de se relacionar amorosamente por conta de
experiências ruins no passado.
— Eu não gosto dela — respondeu por fim, balbuciando. — Eu só
estava bêbado demais para raciocinar.
Com um suspiro derrotado e inconformado, Erick apenas acenou e se
levantou, percebendo ser impossível tentar convencer Daniel a assumir seus
sentimentos e, consequentemente, a relação dos dois. Ele chegara ali na
missão de cúpido. Era impossível não reparar na mistura de tristeza e amor em
torno dos grandes olhos verdes da loura, e ele, mais do que ninguém, gostaria
de vê-la bem e feliz. Mas com Daniel dificultando tudo, sendo orgulhoso e
cabeça-dura, não havia nada que ele pudesse fazer, a não ser incentivar Sophia
a se separar dele; somente assim poderia ver sua amiga estampando sorrisos
outra vez.
— Tudo bem, então. Só saiba que Sophia está cansada das suas atitudes.
Todas elas. E está no limite — disse andando até a porta; se virou, deixando
parte do corpo para fora, e antes de sair, completou: — E ela pedirá o
divórcio.
♦♦♦
♦♦♦
♦♦♦
Daniel estava paralisado. Seus olhos atônitos fixavam-se na saída da
casa, onde, há segundos, Sophia saiu, deixando-o para trás. Pela primeira vez
desde muito tempo, seus olhos lacrimejaram, e a realidade de nunca mais vê-
la o deixou em estado de choque. Seu coração veio à boca, sentiu suas pernas
tremerem, e quando deu por si, uma lágrima tímida escorreu quando ele
piscou. Ainda não conseguia entender tal reação de Sophia. Ele sonhou tanto
com o momento que ele retornaria e eles teriam uma conversa civilizada, que
agora, sozinho na imensidão de sua casa, não conseguia assimilar toda a nova
realidade.
Rebobinando sua mente, as vozes de Erick e Heitor ecoaram em sua
cabeça como um sussurro atormentador: ela já está no limite. Lembrou, então,
das inúmeras vezes que foi um imbecil e um idiota. Com um suspiro trêmulo,
aceitou que dessa vez não haveria mais volta, e que seus sentimentos, mesmo
expostos, não valeriam nada para Sophia.
Mesmo aceitando que Sophia partiu, Daniel continuou parado na entrada
da casa, com esperança que ela voltasse, desejando profundamente que Sophia
se arrependesse. Já até imaginava-a descendo do carro, correndo ao seu
encontro, o abraço que ele lhe daria e que a tiraria do chão e a giraria no ar,
um beijo intenso e apaixonante que trocariam. Mas os segundos foram
passando e os desejos não se realizaram.
De súbito, seu celular tocou, ressoando estridentemente em seus
pensamentos e fazendo-o voltar ao mundo real. Ainda atordoado, sacou o
celular do bolso, para no instante seguinte uma vã esperança de que fosse
Sophia ligando o enchesse. Suspirou de frustração ao ver que o número que
piscava na tela não era da loura.
— Oi, Rodrigo — atendeu após recuperar a postura.
— Oi, Daniel — disse a voz do outro lado. — Aquele trabalho que você
me passou há mais ou menos um mês e meio — continuou o homem, pescando
assim a atenção de Müller —, estou com um relatório detalhado e completo,
além das imagens das câmeras de vídeo. Se você quiser, te entrego ainda
hoje.
Daniel apertou a ponte do nariz, todas as suas aflições do momento
sendo substituídas por um alívio. Limpou a garganta antes de dizer:
— Não, ainda não. Melissa não me entregou a última cópia do vídeo.
Sei que não importa mais, mas quanto mais evidências e provas, melhor pra
mim.
— Você é o chefe aqui, Daniel. Assim que quiser esses documentos, eu
te entrego.
— Ok, Rodrigo, agradeço sua ajuda. Eu entro em contato para
marcarmos o local da entrega. As paredes daquela empresa têm olhos, ouvidos
e vida própria! — declarou sério, e o homem gargalhou do outro lado uma
única vez. Teria continuado se não fosse o silêncio intimidador de Daniel.
— Como você quiser, Daniel. — disse enfim, recompondo-se.
— Eu te ligo em breve — dito isso, desligou.
Daniel segurou firme o telefone, um pequeno sorriso estampado nos
lábios. As coisas boas começavam a caminhar para o lado dele, e dentro de
pouco se veria livre da ruiva diabólica.
No mesmo instante, lembrou-se de Sophia. Pensou que justo agora,
quando as malditas chantagens logo acabariam, não poderia permitir que a
Hornet se fosse. Daniel precisava de mais uma chance. Precisava se
esclarecer, dizer que não se importava com sua herança, que seus sentimentos
eram reais. Buscou em sua mente possíveis lugares onde ela poderia estar, mas
não encontrou nada. Ponderou que, talvez, Sophia tivesse ido para longe, para,
realmente, não ser encontrada.
Tentou algumas chamadas em seu celular, porém, após incansáveis
toques, foi direcionado para a caixa postal. Frustrado e sem opção, Daniel não
sabia mais o que fazer para encontrá-la. Afagou o rosto, desesperado.
Não posso perdê-la.
Então, como uma luz no fim do túnel, algo lhe veio à mente.
Minutos depois, já estava dirigindo ao encontro de Sophia.
♦♦♦
Sophia despertou aos poucos, seu corpo protestando de cansaço, tanto
físico quanto mental, mesmo após algumas horas de sono. Espreguiçou-se na
cama, sentindo o sol entrar pela janela e aquecer seu rosto. Sentou-se e coçou
os olhos, sem ideia de quanto tempo havia dormido.
De repente, deu um sobressalto na cama, assustada com a presença
repentina de uma pessoa que ela não esperava ver.
Daniel estava sentado em uma poltrona, a expressão serena, os lábios
curvados em um sorriso singelo. Passou as últimas duas horas sentado ali,
observando-a dormir, aguardando com paciência seu despertar, para que ele
pudesse se explicar, pedir que ela voltasse para casa, afirmar ser verdadeiro
seus sentimentos.
Recuperando-se do susto, Sophia endireitou o corpo.
— O que está fazendo aqui? — cuspiu.
O sorriso de Müller se esvaiu. Ela continuava irredutível.
— Quero conversar — respondeu suavemente.
— Como me encontrou? — Ignorou-o. — Por que permitiram sua
entrada aqui?
Daniel suspirou.
— Rastreei o seu carro — disse quase que em sussurro. — E aleguei ser
seu esposo, Sophia… Apresentei meus documentos…
— Vai embora — pediu levantando-se e caminhando até a porta. Abriu-
a e aguardou a saída de Daniel.
Mas ele permaneceu no mesmo lugar, o semblante ligeiramente
enrugado, sua face torcida mostrando a tristeza que sentia pelo tratamento que
recebia, pela indiferença que partia de Sophia.
— Não enquanto eu não disser o que vim para dizer. Depois disso, eu
até posso ir embora — decretou, levantou-se da poltrona e caminhou em
direção a ela.
Olharam-se nos olhos, Daniel esquadrinhando cada pedaço dos grandes
olhos verdes dela, sentindo a respiração quente de Sophia bater contra seu
rosto. Delicadamente, segurou-a pelo punho, fechou a porta e calmamente
direcionou-a até a cama, onde se sentaram frente a frente. Em nenhum momento
Sophia protestou, o que foi um alívio para Daniel.
— Daniel… — ela murmurou com um suspiro, querendo dar um basta
naquilo. Estava cansada e nada a faria mudar de ideia.
Mas foi calada com ele pressionando levemente seus lábios nos dela.
Surpresa, ela arregalou os olhos e não se moveu. Daniel se afastou depois de
dar um pequeno estalo em sua boca.
— Volte para casa… — pediu sussurrando.
— Não — rebateu se afastando, mas mantendo-se sentada na cama.
Tristemente, Daniel acenou e, sem que ela esperasse, segurou-a pelas
mãos, acariciou-as em movimentos circulares com o polegar. Sophia não se
esquivou – o gesto era demasiadamente bom.
— Em momento algum pensei na minha herança — começou. — Não
quero me separar de você porque eu… Eu sinto algo, Sophia — sussurrou e
levantou seus olhos para ela. — E quero descobrir isso com você.
— Como quer que eu acredite? — inquiriu serena. — Depois de tudo,
Daniel? Suas bobagens que só me magoaram, ter se aberto só quando soube
que eu pediria o divórcio? Ter me deixado pra ficar com aquela ruiva sem
graça? — O polegar dele contra a pele das costas da mão de Sophia
continuava.
— Estava confuso, Sophia… e com medo. É um sentimento diferente pra
mim, entende? — Novamente levantou os olhos para a loura, que continuava a
encará-lo com um semblante neutro. — Não percebe que a maioria das minhas
bobagens foi motivada por ciúmes? Ciúmes de você?
Ela agora estava com os olhos lacrimejantes. O toque em sua mão
continuava, mas Sophia se esquivava como se a tivesse queimando.
— Eu não sei, Daniel. Você… me magoou muito.
— Me desculpe… por favor, me desculpe. — Daniel tentou alcançar a
mão dela, mas Sophia se esquivou outra vez. — Juro que dessa vez será
diferente.
— Daniel, está decidido: eu quero o divórcio — falou convicta,
limpando rapidamente as lágrimas que desciam.
Ele suspirou em derrota, sem saber o que fazer. Talvez resolvesse
ajoelhar-se e implorar ainda mais. Daniel a encarou. Sophia estava com o
rosto virado para o outro lado, o rosto expressando dor. Novamente, ele
percebeu que enquanto tentava não se magoar, a magoava. Ponderou que se
tivesse admitido antes que nutria sentimentos por ela, muitas mágoas e
rancores teriam sido evitados.
— Tudo bem, Sophia. Mas quero que continue na empresa — falou
calmo.
Ele não poderia forçá-la a nada, mas também não se humilharia. Faria
pouco a pouco por merecer sua confiança de volta. E começaria dando o
espaço que ela precisava.
— Não, Daniel, não posso — negou, encontrando-se com os olhos dele.
— Por favor, Sophia. Vou tirar a Melissa do cargo de secretária
executiva e colocar você de volta, que nem mesmo deveria ter saído dele. Não
quero que quebre o contrato, sei que a sua família ainda está se recuperando e
quero poder ajudá-los… Sei os planos que vocês fizeram com o dinheiro
desse casamento de conveniência.
— Quero ajudá-los, sim, Daniel, mas quero fazer isso com o meu
dinheiro! Não com o seu. Quero devolver cada centavo que você investiu —
retorquiu ríspida, se recordando das palavras arrogantes dele horas atrás.
— Tudo bem, Sophia, como quiser, mas, por favor, me deixe reparar um
pouco das coisas que te fiz. Continue na empresa, lá poderá trabalhar para
ajudar sua família e… Eu posso até pedir para o RH descontar uma
porcentagem do seu salário, se você quiser, mesmo que não seja necessário…
— Eu já disse que quero te devolver cada centavo! — interviu com a
voz elevada. Daniel apenas concordou com um breve aceno de cabeça.
— Será nos seus termos, Sophia, só, por favor, continue na empresa…
Se você quiser, eu te coloco em um cargo longe da presidência… — Fez uma
pausa e enrugou o cenho, baixando os olhos em seguida. — Se o problema for
eu — murmurou.
Sophia desviou os olhos outra vez, as lágrimas, agora, já não estavam
presentes. Seu coração estava partido com tudo aquilo. Um impasse entre
acreditar e perdoá-lo, acreditar e não perdoá-lo, não acreditar e não perdoá-
lo. Mesmo que Daniel tivesse se declarado, ainda era difícil aceitá-lo outra
vez. E se ele fosse do tipo ciumento e as confusões nunca parassem? E se ele
fosse possessivo e agressivo? E se ele estivesse mentindo somente para
segurá-la até completarem os seis meses de casado e depois a descartasse?
Eram tantas possibilidades e inseguranças que ela não sabia o que fazer.
Fechou os olhos, deixando o silêncio envolvê-la. Uma pequena lágrima
escorreu, a dúvida martelando. Seria conveniente continuar na empresa, tendo
de vê-lo todos os dias, talvez com outras mulheres, para poder ajudar sua
família sem se submeter ao casamento? Ela suportaria a dor da convivência
com Daniel? De tê-lo tão perto, mas tão longe? Valeria a pena todo o
sofrimento por qual passaria para suprir as finanças de seus familiares?
Sophia apertou os olhos ainda mais. Meu Deus, tantas dúvidas. Mas, e
se ela pedisse um cargo na fábrica, ou nos setores longe da Presidência, como
Daniel sugeriu? Poderia facilmente tocar a sua vida sem a convivência diária
com Müller?
Daniel a fitava, pacientemente esperando uma resposta. Não a
pressionaria, deixaria que ela decidisse. Mas rezava para que aceitasse sua
proposta. Com ela por perto, mesmo que estivesse relativamente longe,
poderia reconquistar sua confiança.
Sophia estava pronta para dar uma resposta positiva ao Daniel e aceitar
sua proposta, quando o telefone dele tocando a impediu. Ela suspirou, virando
a cabeça para o lado e cruzando os braços.
Daniel sacou o celular do bolso, vendo o nome piscando na tela.
Chamando
Melissa Telles.
♦♦♦
♦♦♦
O dia avançou lentamente e tudo que Sophia fez foi ficar no quarto,
alternando seu olhar para o relógio, para a porta, celular e para a televisão.
Sua espera angustiante pela vinda de Daniel quase estava lhe dando uma
úlcera nervosa. Não houve um minuto daquele dia em que ela não pensara em
suas palavras, recordando-se a do momento em que ele abriu, mesmo que
pouco, seu coração.
Eu não me importo com minha herança! Se eu não quero o divórcio é
porque eu gosto de você!
Era um sentimento diferente pra mim, entende? Não percebe que a
maioria das minhas bobagens foi motivada por ciúmes? Ciúmes de você?
Seguido do beijo que Daniel lhe deu, suas palavras pareciam soar tão
sinceras que por um segundo ela pegou-se imaginando ceder a Daniel, desistir
do divórcio, continuar com seu casamento. Por mais que ele não tenha lhe
assegurado nenhum relacionamento mais profundo e íntimo, Sophia ponderou
que era isso que de fato ele estava pensando, mas por força maior, ainda não
teve a oportunidade de falar-lhe.
Balançou a cabeça, tentando afastar seus pensamentos. Conversaria com
ele sobre isso quando retornasse.
Mas era quase seis da tarde e Daniel não havia ligado, nem chegado. Ele
prometeu voltar, mas não disse o horário, sua consciência acusou,
tranquilizando-a e apavorando ao mesmo tempo. Daniel simplesmente poderia
nem ao menos aparecer.
Sophia desceu até o restaurante do hotel e jantou – um modo que
encontrou para que as horas corressem e Daniel aparecesse a qualquer
momento. Terminou sua refeição, voltou para o quarto, tomou um banho e pôs
uma roupa mais apresentável. Pegou-se frente ao espelho analisando a si
mesma, pensando se Daniel iria gostar do vestido rodado.
Repreendeu-se outra vez, pôs calça jeans e regata e ligou a TV. Olhou no
relógio. Oito da noite.
A preocupação bateu. Até aquele momento estava apenas aflita com a
demora, mas se acalmou pensando que ele estava resolvendo algum problema
da empresa, e assim que seu expediente acabasse Daniel viria a seu encontro.
Mas, sendo quase nove da noite, seu horário de trabalho havia se encerrado há
muito e ele já deveria ter aparecido.
Preocupada, e também ansiosa, pegou seu celular e discou o número de
Müller. Alguns toques; ninguém atendeu. Tentou outra vez, e no segundo toque
sua chamada foi atendida.
— Celular do Daniel. — A conhecida voz irritante de Melissa soou
através da linha.
Sophia sentiu seu corpo estremecer. Porém, lembrando-se de que a ruiva
era sua secretária, o ato de ter atendido seu telefonema era normal,
principalmente se estivessem juntos em alguma reunião, ou trabalho. Tentando
manter o controle e não deixar se levar por sua mente paranoica e ciumenta,
perguntou:
— Onde está o Daniel?
— Está no banho. Você não sabe, mas ele transpira muito durante o
sexo.
Sophia sentiu seu coração parar. O sentimento de mais uma vez ser
deixada para trás por conta da ruiva a invadiu, fazendo seus olhos
instantaneamente juntarem lágrimas. Tinha sido uma tola por acreditar em
Daniel, em suas palavras vazias, nos seus sentimentos falsos. É claro que ele
continuava pensando em sua maldita herança!
— Quer deixar recado? — Melissa a puxou de volta.
Engolindo em seco, Sophia respirou fundo e fechou os olhos, deixando,
novamente, suas lágrimas escorrerem pelo rosto. Rogou a si mesma que seria a
última vez que choraria pelo cretino do Daniel Müller.
— Sim. Diga a ele que quero o divórcio! — disse irritadamente e
desligou o telefone, apertando-o contra o peito.
Deitou-se na cama outra vez, permitindo que as lágrimas viessem.
Culpou-se por continuar sendo o fantoche de Daniel, por se deixar levar por
palavras em vez das demonstrações, por permitir que seus sentimentos a
guiassem em vez de sua razão.
Pensou na proposta dele. Negaria, com toda certeza. Jamais suportaria
trabalhar com Daniel, ainda mais sabendo que ele apenas brincou com suas
emoções, que se aproveitou dos seus sentimentos para continuarem casados e
não perder sua herança.
Como sempre um cretino egoísta! Praguejou pressionando o travesseiro
contra o corpo.
Totalmente desesperada, e com uma ideia absurda na cabeça, tomou o
celular em mãos e discou outro número de quem ela tanta fugiu. Sem demora,
foi atendida:
— Miguel… — disse em soluços. — Preciso da sua ajuda.
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Sophia
Chamando
Revirou os olhos ao reconhecer o nome, e principalmente, porque
Daniel havia uma foto de contato. Sabia que no dela não havia foto alguma.
Deixou que o celular tocasse incansavelmente. No entanto, uma segunda
tentativa foi realizada e o toque estridente reverberou pelo carro.
Melissa olhou pelo retrovisor para se certificar que Daniel não
regressava, maliciosamente pensou em algo. Sorriu satisfatoriamente e tomou
o celular, atendendo a chamada.
— Celular do Daniel.
Um rápido silêncio se fez e Melissa sabia que a outra não esperava que
ela atendesse ao telefone de seu “esposo”.
— Onde está o Daniel? — a loura disse enfim.
— No banho. Você não sabe, mas ele transpira muito durante o sexo —
provocou, pois há tempos vinha percebendo que Sophia estava apaixonada por
Daniel e por isso teria de tirá-la da jogada se quisesse fisgar o bonitão sem
concorrência.
Outro silêncio se instalou e ela sorriu, esticando o pescoço na altura do
retrovisor e conferindo a maquiagem. Passou o indicador na borda da boca,
retirando um pequeno excesso do batom. Vendo a quietude no outro lado da
linha, e deduzindo que Sophia fora atingida pela mentira, continuou:
— Quer deixar recado?
— Sim. Diga a ele que quero o divórcio!
Antes que a ruiva pudesse dizer alguma coisa, a ligação foi encerrada, e
ela pôde evitar um largo sorriso.
— Ops!
Daniel abriu a porta do carro de repente. Ela ainda segurava seu celular
nas mãos, e rapidamente devolveu para o lugar inicial. Ele pôs uma pequena
caixa na parte traseira do carro enquanto dizia:
— Deu para mexer no meu celular agora?
— Estava verificando as horas, querido — mentiu, e ele apenas acenou,
entrando e colocando o cinto.
— Então, podemos ir? — ele perguntou.
— O mais rápido possível, por favor — murmurou acariciando a coxa
dele, escorregando até a virilha. Antes que pudesse tocá-lo na sua intimidade,
Daniel tirou sua mão do alcance.
— Não seja precipitada.
Melissa se recostou ao banco, bufando feito uma criança mimada, numa
irritação teatral. Daniel revirou os olhos e girou a ignição, sorrindo
interiormente, pensando em como ele estava prestes a invocar um demônio
quando fizesse com Melissa o que planejava.
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O som alto do celular de Daniel tocando o fez saltar da cama,
acordando, também Sophia. Atordoado, procurou pelo aparelho e o encontrou
dentro do bolso da calça, ainda espalhada no chão. Sacou o telefone,
reconhecendo o número da empresa. Coçou os olhos antes de atender, ainda
sonolento:
— Oi, Anabelle.
— Senhor Müller, a senhorita Melissa Telles está aqui me dizendo que
quer falar urgentemente com o senhor.
Instantaneamente, Daniel olhou Sophia, querendo saber se ela havia
escutado sua assistente no outro lado da linha. E pelo suspiro que ela deu,
seguido da ruga entre suas sobrancelhas, o fez entender que sim: ela sabia que
era Melissa.
Pigarreou um pouco e disse:
— O que ela quer?
— Não me disse, senhor Müller, mas ela está muito irritada.
Daniel suspirou, prevendo o porquê da irritação de Melissa. Olhou para
Sophia outra vez. Ela havia se levantado e estava visivelmente incomodada.
Era como se previsse que Daniel sairia para atender a ruiva. Engoliu em seco.
Não queria ter que sair assim, depois de terem se reconciliado, e estarem,
finalmente, bem e em paz – depois de terem passado um dia agradável juntos.
Mas era preciso dar um basta em Melissa de uma vez por todas. O xeque-mate
que a tiraria da sua vida para sempre.
— Está bem, Anabelle. Diga à senhorita Melissa Telles que não demoro
a chegar — falou e encerrou a chamada. Buscou por Sophia outra vez; ela
continuava com a expressão fechada.
Em silêncio, se aproximou de Sophia, cautelosamente – ele sabia que a
ligação a deixara chateada.
— Sophia…
— Tudo bem, Daniel — interrompeu-o cruzando os braços e
exasperando. — Já estou acostumada com essa preferência.
Ele suspirou, mas sorriu em seguida, vendo o ciúme misturado à raiva
emanar de Sophia.
— Você fica ainda mais linda com raiva… — sussurrou roçando a
ponta de seu nariz no pescoço dela.
— Daniel, pare com isso! — advertiu, e o empurrou delicadamente.
— Eu só vou porque preciso demiti-la. Se não fosse por isso, eu nem
iria — explicou-se e a trouxe para um abraço, dando um beijo em seus
cabelos.
Sophia encontrou os olhos dele, um pouco confusa com sua declaração.
— Vai mandá-la embora? Por quê?
Ele deu de ombros:
— Eu disse que o cargo de secretária executiva seria seu outra vez. E
Melissa é uma incompetente — finalizou, e Sophia riu um pouco, elevando-se
nas pontas dos pés para beijá-lo. Ele retribuiu, e após cessar, disse: —
Enquanto vou à Swiss resolver isso, faça o favor de levar suas coisas pro meu
quarto — falou, e Sophia acenou brevemente. Quando Daniel passou por ela
para ir se trocar, recebeu uma palmada nas nádegas. Olhou para trás,
estupefato, mas riu no segundo seguinte, vendo-a morder os lábios e sorrir ao
mesmo tempo.
— Sua tarada! — exclamou e eles gargalharam ainda mais.
Daniel teve certeza, quando viu a alegria exalando dos grandes olhos
verdes, que sua vida agora estava completa e sua felicidade era plena. Então,
percebeu que não poderia ser tão feliz sem ela.
Sophia era, sem sombras de dúvidas, a mulher da sua vida.
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— Sophia… — ele sussurrou agachado no meio da escuridão — Amor,
acorde… — Chacoalhou-a delicadamente.
Sophia resmungou e virou na cama, sonolenta. Mas Daniel continuou
insistindo, até que ela se deu por vencida.
— O que foi, Dan?
— Vem… — disse, apenas puxando-a pelo punho.
Desnorteada, ela se levantou, perguntando o que estava acontecendo.
Daniel somente respondeu que queria lhe mostrar algo.
— Dan, estou só com uma camisa sua — protestou ainda zonza pelo
sono. Deu-se conta e buscou pelas horas. Quase duas da manhã.
— Sem problema. — Ele tirou seu paletó e jogou sobre os ombros dela.
Antes que Sophia pudesse dizer qualquer coisa, ele a içou em seus baços e
saiu de casa, no meio da noite. A lua cheia, as estrelas no céu límpido
brilhando acima deles.
Por mais que ela perguntasse o que ele estava fazendo, Daniel dizia
apenas para ela ter calma. Estavam a uns cem metros da praia quando ele
colocou-a no chão e retirou uma venda do bolso. Sophia ficou ainda mais
confusa quando seus olhos foram vendados. Seu coração palpitou, e ela
imaginou que Daniel havia preparado alguma surpresa. Sorriu largamente
tentando adivinhar o que ele tinha preparado. Soltou um pequeno grito ao ser
pega outra vez pelos braços fortes, e Daniel se pôs a caminhar. Por fim,
chegaram à areia da praia, onde estiveram na tarde anterior. Müller a sentou
na areia e pediu um minuto. O coração de Sophia batia a mil por hora enquanto
esperava por ele. Por fim, Daniel retornou e tirou a venda.
Instantaneamente, Sophia sentiu seus olhos juntarem lágrimas com a
imagem, levou à mão a boca, abafando um grunhido de emoção. Voltou-se para
Daniel, ele sorria lindamente – a luz do luar iluminava seu rosto barbado e
bonito, dando-lhe um aspecto angelical e estranhamente sensual. Ele
aproximou sua boca do pescoço dela, depositando um pequeno beijo.
— Diga alguma coisa — murmurou percebendo a quietude de Sophia.
— Daniel… É… é perfeito — disse com a voz embargada. — Meu
Deus, Daniel, você…
— Shh — sussurrou, e calou-a com um beijo apaixonado.
Sorrindo, ela voltou-se para frente, não se cansado de olhar o desenho
na areia. Um enorme coração escrito “Eu te amo, Sophia”, algumas velas
estavam espalhadas em torno do desenho e logo ao lado uma toalha balançava
com a brisa, presa apenas por taças e uma garrafa de vinho, além de dois
pratos com frutos do mar.
— Você gostou? — ele perguntou sensualmente, roçando a ponta de seu
nariz em sua pele.
— Eu… eu amei — gaguejou ainda emocionada. — Daniel, eu te amo
tanto — falou e beijou-o cheia de amor. Ele sorriu sentindo seu coração saltar
em alegria. Cada parte do seu corpo clamando por mais daquele beijo, por
mais de Sophia.
Controlando-se, ele cessou o beijo e os serviu com vinho e os frutos do
mar. Sophia sentou-se entre as pernas dele, encostando-se ao peito largo,
bebendo vagarosamente (e extremamente feliz) o seu vinho, saboreando não só
da iguaria, mas das ondas quebrando na praia, da lua cheia absoluta no céu;
das estrelas piscando no firmamento; das velas que iluminavam o desenho com
seu nome dentro em uma declaração de amor ‒simples e majestosa ao mesmo
tempo. Não poderia, nunca em sua vida, duvidar dos sentimentos de Daniel.
Ele estava sendo maravilhoso desde que se declarara, estava sendo o homem
dos sonhos de qualquer mulher, e consertando, dessa forma, todos os seus
erros do passado.
Pensou em como Daniel estava se dedicando para mostrar seu amor por
ela todos os dias, e ela ainda não havia feito muita coisa para provar que,
também, o amava. Mas decidiu que isso mudaria – Sophia faria alguma coisa
por ele.
Sentiu um estalar em seus cabelos, depois a temperatura quente dos
lábios dele descendo pelo seu pescoço, não demorou a sentir as mãos fortes
sobre seu ombro, abaixando a vestimenta para despi-la e logo sentir um beijo
molhado. Ela cerrou os olhos, mordendo os lábios, totalmente atraída e
extasiada pela boca de seu marido contra sua carne.
— Você é minha vida, Sophia — disse ele baixinho ao pé do seu ouvido.
— Fica comigo para sempre?
Ela virou a cabeça para ele, fitando-lhe a expressão serena: os lábios
entreabertos, os olhos fechados. Beijou-o delicadamente, as lágrimas ardendo
de novo em seus olhos. O pedido de Daniel, quase uma súplica, a comoveu.
Sim, ficaria com ele por toda a eternidade, não iria, jamais, se afastar daquele
homem esplêndido, lindo, romântico, que ela tanto amava e que era amada de
volta na mesma intensidade. Virou todo seu corpo, inclinou-o a se deitar e
deitou-se sobre ele, aprofundando o beijo, as lágrimas escorrendo dela para a
pele dele. O amor que sentiam era tão pleno, absoluto e verdadeiro, que mal
cabia em seus peitos, e ele se manifestava além de seus sentimentos abstratos,
ou de emoções individuais. O amor se transformava em lágrimas de emoção e
felicidade, em beijos serenos e tresloucados que eram sentidos por ambos, em
sorrisos que os deixavam ainda mais apaixonados e envolvidos um pelo outro,
em abraços que deixavam suas peles bradando por mais, em palavras e
declarações espontâneas que sempre os emocionavam.
Fizeram amor na praia outra vez. Seus corpos cada vez mais conectados,
mais cientes um do outro, mais íntimos. O firmamento, as estrelas e a lua
majestosa testemunharam o amor verdadeiro sendo consumado, emanando de
suas almas para o mundo.
♦♦♦
A brisa era fria, mas seus corpos ainda estavam aquecidos pelo amor.
Sophia deliciosamente encaixada nos braços de Daniel, observando a lua,
recuperando o fôlego. O paletó dele cobria seus braços despidos, protegendo-
a do vento gélido.
— Minha vida está tão perfeita… — ela murmurou.
Daniel sorriu e beijou o alto de sua cabeça.
— A minha também. Desde que você entrou nela.
Sophia debruçou-se, encarando-o nos olhos. Olhou, em seguida, o peito
largo e definido, traçando um caminho pelas suas mamas. Enroscou-se às
pernas dele e desceu seu indicador até o cós da cueca preta, que há pouco foi
vestida.
— Obrigada por tudo, Daniel. Está tudo tão perfeito… Eu não quero
mais nada da vida.
Ele abriu um pequeno sorriso, descendo delicadamente a mão pelo rosto
dela.
— Só falta uma coisa para completar a nossa felicidade — disse de
repente.
— O que é?
— Quero um filho com você, Sophia.
Ela prendeu o ar por um instante, momentaneamente chocada com tal
declaração. Pestanejou tentando assimilar o assunto repentino que Daniel quis
abordar.
— Claro — sorriu sem graça. — Daqui uns anos, talvez.
— Não — disse ele prontamente —, quero um filho ainda esse ano.
— Daniel… — Sophia suspirou, e ele a encarou um pouco entristecido.
Pôde sentir no tom da voz que ela não compartilhava do mesmo desejo que
ele. — Acho que não é um bom momento.
— Como não, Sophia? — rebateu serenamente. — Nós nos amamos,
somos casados. Eu quero ter uma família com você.
— Eu sei, meu amor — replicou calmamente e beijou-o na altura do
tórax. — Mas é tudo tão recente, eu quero aproveitar você um pouquinho mais,
entende? — disse dengosa e deu outro beijo em seu peito. Levantou o olhar
para Daniel encantadoramente – e ele não pôde deixar de sorrir.
— No ritmo em que estamos transando, precisamos nos cuidar — ele
alegou com a voz um pouco mais baixa.
Sophia percebeu logo o tom abatido em sua voz e praguejou-se por ter
sido tão insensível. Mas ao mesmo tempo, sentiu-se ainda mais feliz em saber
que Daniel tinha esse anseio.
— Vamos esperar mais alguns meses? Para esse ano eu não prometo
nada, mas quem sabe para o ano que vem? — disse ela, e um sorriso radiante
apareceu nos lábios dele.
Daniel segurou-a pelo rosto e beijou profundamente, sabendo que estaria
totalmente completo no dia em que fosse pai.
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Cinco anos antes daquele dia. Simon Müller ainda estava vivo e com a
ideia absurda de fazer um testamento exigindo o casamento dos filhos como
condição para que eles recebessem suas respectivas heranças. Conversava
sobre isso com seu amigo ‒ e tabelião, Everaldo Corrêa, também seu
confidente. Explicava-lhe o que gostaria que fosse incluído em seu testamento
quando Clarisse ‒ uma jovem de pele branca, olhos e cabelos negros, por
volta de 20 anos ‒surgiu na sala, adentrando o recinto com uma mochila
pendurada aos ombros. Ao ver Simon, o pai do garoto por qual cultivava uma
paixão desde que tiveram sua primeira noite juntos, abriu um largo e
encantador sorriso. Aproximou-se alegremente, beijando-o no rosto. Depois,
cumprimentou o pai e percebeu uma folha apoiada sobre suas pernas, e quis
saber o que estava acontecendo.
— Simon está fazendo o testamento dos bens — Everaldo explicou. —
A condição para esses filhos cabeças-duras é um casamento. Um tanto quanto
antiquado e arcaico, devo admitir… — disse e olhou Simon que revirou os
olhos e riu em seguida.
— Foi a única maneira que encontrei para transformar aqueles garotos
em homens de verdade — justificou-se com seu forte sotaque suíço. — Se
Laura estivesse viva, concordaria comigo.
Clarisse dispersou-se no assunto, uma ideia totalmente absurda ‒ mas
incrivelmente boa ‒ pipocando na cabeça. Ela nunca esquecera Heitor, jamais
foi capaz de apagar da sua mente os olhos azuis intensos, os cabelos castanhos
claros penteados de lado e o sorriso maroto que ele tinha nos lábios sempre
que estava tramando alguma coisa.
As vozes de seu pai e Simon ressoavam em sua cabeça de forma
longínqua, tão perdida que estava nos próprios pensamentos e na ideia que
surgiu.
De repente, desembestou a falar, dizendo que conhecia Heitor o
suficiente e sabia que ele poderia se casar apenas para conseguir a herança e
depois se divorciaria, o que levaria os planos de Simon Müller por água
abaixo. Everaldo a advertiu por se intrometer no assunto, mas Simon permitiu
que a menina continuasse falando, e ele deu-lhe toda a atenção.
— Mas se ele tiver uma prometida, uma mulher que esteja disposta a se
casar com ele e ser uma esposa exemplar, então, ele não teria para onde fugir
— divagou ela, animada.
Simon não deixou de rir da empolgação da garota:
— E onde é que eu arrumaria uma mulher assim, como você descreveu?
Clarisse se aproximou, e segurando firme as mãos envelhecidas do
senhor de olhos cinzentos, sorriu de forma angelical.
— Senhor Simon, eu amo seu filho. Há um tempo tivemos um
envolvimento e eu me apaixonei — disse baixinho. — Mas Heitor não é de se
apegar, e sequer me deu uma chance para mostrar que ele poderia me amar
como eu o amo. — Simon agora a encarava com uma expressão que era uma
mistura de seriedade, surpresa e curiosidade pela declaração súbita da moça.
Buscou pelos olhos de Everaldo e este estava tão pasmo quanto seu amigo. —
Eu posso ser a prometida de Heitor.
♦♦♦
Clarisse Corrêa
Assessoria Administrativa e Contábil.
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♦♦♦
Sem muita demora, a porta se abriu e Daniel surgiu. Ele franziu o cenho
e esquadrinhou o local a sua volta. Viu Sophia deitada na cama, as pernas
brancas despidas e os seios soltos dentro de uma camisola. Sorriu
singelamente, e fechou a porta devagar, já imaginando que teriam uma noite de
sexo. Não deixou de rir ao se lembrar da noite anterior. Ela com o espartilho,
o sexo sobre a mesa, no sofá, o ravióli, o vinho, o chocolate.
— Você demorou — Sophia disse, e ele olhou no relógio no mesmo
instante.
— Na verdade, cheguei quinze minutos antes do costume — disse
entrando e tirando o paletó, com um sorriso malicioso nos lábios. — Você está
bem?
— Melhor impossível — declarou com um sussurro e se levantou, indo
de encontro a ele. Perto o bastante, envolveu-o pela nuca e deu um beijo
sereno e ao mesmo tempo profundo nos lábios de Daniel. Suas mãos
escorregaram pelas costas largas, e sem demora ela sentiu as mãos grandes
segurando-a pela cintura forçando seu corpo a ir de encontro com o dele.
— Pelo jeito está melhor, mesmo — sussurrou separando suas bocas, e
olhou ao redor. Engoliu em seco. A cama jazia perfeitamente arrumada e com
algumas pétalas; na sacada, uma mesa posta com o costumeiro ravióli e
fondue. Ele sabia, mais do que ninguém, que essa pequena combinação era o
sinal de que Sophia e ele teriam uma noite intensa de sexo e amor.
Tentou desviar dos pensamentos do fato de ele querer conversar sobre o
vídeo. Parecia que cada vez que ponderava contar-lhe sobre isso, havia um
momento demasiadamente bom, e ele se via de mãos atadas, sem querer
estragar tudo com um assunto que, provavelmente, a deixaria irritada.
Mas durante todo aquele dia foi atormentado por sua consciência. Algo
o obrigava a ser franco com Sophia, a abrir-se e falar-lhe de seu deslize, do
seu vídeo comprometedor com Melissa. E ele estava decidido que assim que
chegasse em casa teriam essa conversa.
No entanto, ao se deparar com o pequeno ambiente romântico, outra vez
quis dar um passo atrás e adiar a verdade. Sua consciência o acusou
novamente, obrigando-o a não deixar nada para outra hora.
— Sim, muito melhor — Sophia sussurrou traçando a ponta do indicador
sobre o peito dele. — Eu quero tanto fazer amor com você, Daniel — e o
mordeu de leve no queixo —, não sabe como estou feliz.
Daniel exibiu um sorriso fraco, meio desconcertado. Como queria ter
que adiar aquela maldita conversa!
Não querendo fugir mais, afastou-a delicadamente. Sabia que, se
continuasse recebendo carícias, não resistiria, perderia o foco, deixaria a
verdade para trás e cederia ao desejo de tomá-la.
— Sophia, amor, precisamos conversar.
Ela o olhou confusa. Pôde sentir na voz dele um tom diferente, um pouco
nervoso e preocupado, quem sabe. Suspirou e espiou ao redor, todo o
ambiente arrumado para que eles pudessem comemorar a gravidez ‒ mesmo
que somente ela soubesse ‒ e não queria deixar que nada estragasse aquilo.
Deu um passo atrás e cruzou os braços, olhando fixamente para ele, dizendo:
— Espero que não sejam chateações.
Daniel engoliu em seco, desviando os olhos.
— Provavelmente é, sim, uma chateação. — Suspirou, não sabendo
como seria a reação de Sophia sobre o vídeo.
— Então não me diga, Daniel — pediu se aproximando outra vez e
segurando-o pela gravata. — Estou num momento tão feliz, preparei tudo isso
para nossa noite de sexo, não sabe como contei cada segundo para te ver. Não
quero que estrague me chateando com algum assunto. Deixe para amanhã, por
favor — sussurrou e olhou-o de baixo para cima, as mãos agarradas à gravata
desceram sensualmente por seu tórax.
Daniel se viu em um beco sem saída. Queria poder contar à Sophia
sobre o vídeo e não adiar mais um dia sequer, mas ao mesmo tempo queria
atender aquele pedido, e também aproveitar o que fora preparado para os dois
com tanto amor. Deixou um suspiro exasperado escapar, cedendo, por fim, aos
desejos de sua esposa. Mas reforçou a ela que teriam aquela conversa no dia
seguinte, sem falta.
♦♦♦
Os dias foram passando, e Daniel ainda não havia conseguido falar com
Sophia sobre o maldito vídeo. Sempre alguma coisa o atrapalhava e ele não
tinha oportunidade para conversar calmamente com ela. Naquele dia em que
ela fora mais tarde para a empresa, ele teve uma reunião de última hora com
seu advogado e precisou voltar mais tarde para casa. Quando chegou em casa,
por volta de dez e meia, Sophia já dormia, e ele não quis incomodá-la.
No dia seguinte, estava mais do que decidido a conversar com a esposa,
que, pelo jeito, havia se esquecido de que ele queria contar-lhe alguma coisa.
Assim que saiu do banho, lá estava ela, toda arrumada para se amarem,
exuberante dentro de uma camisa de dormir extremamente curta. Engoliu em
seco, mas não estava em seus planos se deixar levar pelas curvas sensuais.
Não se importaria que Sophia fosse dormir chateada, não passaria daquela
noite. Porém, assim que ela o beijou e escorregou suas mãos macias por seu
tronco, Daniel não raciocinou mais. Envolveu-se no momento e fizeram amor.
Quando recuperaram o fôlego, sua consciência o acusou, forçando-o, mais uma
vez, a se abrir com ela e contar-lhe a verdade.
— Sophia, acho que precisamos daquela conversa, lembra? Há dias
quero falar com você sobre isso — disse, e ela se virou para encará-lo,
lembrando-se, somente naquele momento, que seu marido havia comentando
alguma coisa uns dias atrás. Concordou e se ajeitou na cama para melhor vê-
lo, e pediu para ele começar.
Daniel respirou fundo, não sabia exatamente como começar e ele ainda
estava aterrorizado com a ideia de que ela ficasse demasiadamente brava.
— Você deve saber que sou um idiota — começou, a voz levemente
tremulante —, e, às vezes, eu sou movido pelos meus impulsos. — Daniel a
olhou, e Sophia tinha o semblante enrugado. — Eu te contei uma mentira —
disse enfim, e ela se afastou de seus braços.
— Mentiu para mim, Daniel? — cuspiu as palavras. — Olha, de
verdade… espero que não seja nada sobre a Melissa e o favor que fez para ela
— advertiu, irritada. Há muito tempo Sophia desconfiava que não havia favor
nenhum, e que aquilo ia além de seu conhecimento. Logicamente, ela ponderou
diversas vezes ser uma paranoia da sua cabeça, principalmente porque a ruiva
vivia querendo atrapalhá-los e provocá-la. Por muito tempo esqueceu-se desse
fato, e desde o dia que se entenderam não quis mais tocar no assunto,
confiando em Daniel.
Mas naquele momento, assim que ele lhe disse que contara uma mentira,
alguma coisa dentro dela, inexplicavelmente, a fez supor ser sobre Melissa.
O que, obviamente, assustou a Daniel. A mentira era exatamente sobre a
ruiva. Uma centena de reações negativas passou à frente de seus olhos, e a
pior delas era Sophia se levantando e indo embora, deixando-o completamente
sozinho. Engoliu em seco, temendo contar a verdade. Deu um passo atrás em
sua decisão. O vídeo não existia mais, Melissa nunca mais aparecera, não
havia motivos para se preocupar, certo?
Balbuciando, ponderou ser melhor não contar nada para ela, afinal, não
havia perigo algum de Sophia tomar conhecimento do ocorrido e das
chantagens. Acalmou o coração e contou outra mentira ‒ disfarçada de
verdade ‒ falando sobre Clarisse, de quem ela realmente era e do motivo
verdadeiro para o seu aparecimento na empresa para procurá-lo.
— Heitor ainda não sabe, por isso, por favor, Sophia, não diga nada. Eu
e Clarisse vamos contar a ele na próxima semana.
Sophia relaxou assim que o ouviu. Beijou-o e disse que ele não
precisava se preocupar, mas que deveria ter confiado nela para lhe
confidenciar aquilo. Daniel se desculpou e prometeu não lhe esconder mais
nada. Sua consciência o acusou rigidamente, mas ele dormiu sem peso algum –
e os dias seguintes correram sem a preocupação.
Mas a sua decisão custaria caro
.
♦♦♦
♦♦♦
Daniel só conseguiu dormir depois de, pelo menos, uma garrafa e meia
de uísque. A dor que comprimiu seu coração na noite anterior era
incomparável. Ele bebeu por ver Sophia indo embora, bebeu por ela ter
acreditado em uma traição falsa, bebeu por não ter podido se explicar e contar
a verdade, mas bebeu por, principalmente, não ter feito o certo desde o início.
Ter falado a Sophia sobre o vídeo, ter feito uma denúncia contra Melissa, por
ter quebrado sua promessa de não se envolver mais com mulher alguma desde
Christina. Bebeu por ser um idiota que sempre fazia as coisas erradas, bebeu
por estar sozinho.
Depois de muito chorar e se culpar por tudo o que acontecera, Daniel
finalmente conseguiu adormecer, a garrafa de Jack Daniel's pela metade ainda
aninhada nos braços dele. Debruçado no sofá da sala, toda a comemoração da
noite anterior continuava espalhada pelo cômodo. O sol entrava pelas janelas
de vidro sem cortinas e o aquecia nas costas cobertas pelo paletó engomado,
mas também o incomodava.
Despertando aos poucos, Daniel já podia sentir os efeitos de ter tomado
tanto álcool: tontura e uma forte dor na nuca. Mas sua dor física não era, nem
de longe, a maior.
Finalmente acordou com o sol batendo em seu rosto. Virou-se no sofá, a
garrafa caiu no chão, mas não se quebrou. Apertou as têmporas com força,
sentindo a ressaca lhe atormentar. Sentou-se no sofá desejando que tudo não
passasse de um pesadelo ruim, pedindo a Deus que sem demora Sophia
descesse as escadas, lhe beijasse nos lábios e dissesse que o amava. Depois o
advertiria por ter bebido muito na sua comemoração de aniversário a ponto de
cair bêbado e sonolento no sofá.
Ergueu os olhos para a escada: ninguém. A realidade apertou seu
coração e fez seus olhos prantearem. Daniel olhou ao redor, cada detalhe da
decoração de seu aniversário surpresa, dedicadamente preparado por Sophia,
agora nada mais eram que lembranças dolorosas e ruins.
Aceitou a realidade e limpou suas lágrimas. Talvez ainda houvesse uma
chance de falar com Sophia, de explicar-lhe o ocorrido. Poderia, até mesmo,
mostrar o dossiê que montou contra Melissa para provar sua inocência.
Levantou-se e cambaleou um pouco, ainda zonzo pela bebedeira. Deu
alguns passos vagarosos e dificultosos, seu corpo massacrado e protestando
de exaustão.
De repente, algo lhe chamou a atenção. Ali, num canto qualquer, tímido e
caído no chão, estava o envelope que Sophia teria entregado para ele, não
fosse o furacão Melissa ter atrapalhado tudo com seu plano demoníaco. Talvez
o envelope tenha caído de suas mãos quando, incontrolavelmente, ela o
agrediu. Sorriu e curioso para saber qual era, afinal, o presente de Sophia que
cabia num simples envelope. Tomou-o nas mãos e olhou frente e verso,
tentando imaginar o que poderia ser. Caminhou até a cozinha e o deixou sobre
o balcão de mármore. Primeiro tomaria uma aspirina para aliviar dor de
cabeça, depois prepararia um café forte que o faria recobrar totalmente a
sanidade e o despertaria do sono, causado tanto pelo cansaço quanto pelo
álcool.
Tomou a aspirina e fez o café. Sentou-se no banquinho alto, sorveu uma
dose generosa da cafeína. Suspirou. Pegou o envelope e o avaliou. Por algum
motivo tinha a impressão de que aquele presente o emocionaria e o quebraria
ao mesmo tempo. Tomou outro gole do café. Repousou a caneca no mármore e
fungou.
Rasgou a lateral do envelope e estava prestes a retirar o papel que havia
lá dentro, quando Heitor surgiu na cozinha, carregando um jornal nas mãos, e
disse pouco amigável: — Bom dia, astro do pornô!
Daniel levantou os olhos para a ele e, ainda segurando o envelope,
enrugou o cenho, estranhando aquela declaração.
— O quê? — indagou confuso.
Heitor foi até a cafeteira e dispôs um pouco na xícara. Voltou-se para o
irmão bebendo o líquido quente. Andou até perto de Daniel e jogou o jornal
sobre o balcão de mármore, dizendo: — Isso…
Daniel olhou para baixo, deparando-se com uma manchete que quase o
fez cair para trás.
♦♦♦
♦♦♦
♫ Yeah, the sun will shine and the moon will glow
And the world will always turn
There's a constant fire inside of her
That always burns ♪
— Não se preocupe — ele disse olhando para ela. — Eu não serei mais
esse mal que te aflige. — E arrastou o envelope para ela, se levantando em
seguida. — O divórcio…Eu já assinei. É uma mulher livre agora.
♫ She knows me
Every corner of my soul
She knows me
The way I come, the way I go
She told me
There's nothin' I can show
That she don't know about me♪
♦♦♦
Sophia,
Aqui estou eu, pedindo, outra vez, perdão. Mas desta vez eu não tive
coragem de te olhar nos olhos e expressar essas palavras de forma verbal.
Eu sequer terei coragem de te dizer que essa carta existe e está escondida
junto com os papéis do divórcio.
Eu só preciso do seu perdão para poder dormir todas as noites sem
minha maldita culpa, sem o peso nos meus ombros de ter fracassado como
marido, de ter causado a morte do nosso filho. Eu quero o seu perdão por
ter mentido tantas vezes, tentando não te perder. A ironia está realmente
nesse ponto: eu fiz tudo o que fiz e me encontro, agora, sozinho, vivendo no
meu maior medo: sem você do meu lado.
Eu nunca fui bom o suficiente para você, sei disso agora. Eu te
magoei, todas as minhas ações te machucaram – as mesmas ações mataram
o nosso bebê, que eu amei no instante que desejei tê-lo com você, meses
atrás.
É por isso, Sophia, com muito pesar no meu coração, que eu te deixo
livre para ser realmente feliz, para não ter mais que sofrer ou chorar, para
que o Miguel possa ser para você o que eu não fui.
Se eu pudesse mudar o passado, eu não me permitiria entrar na sua
vida, para que evitássemos todas aquelas coisas fatídicas e estressantes que
aconteceram ao longo desses meses. Mas eu não posso mudar o passado.
Não posso não me permitir entrar na sua vida. Mas posso decidir agora. E
agora eu deixo-te livre. Se eu não posso mudar o passado para não entrar
na sua vida, eu decido, agora, sair dela. Talvez te deixando cheia de marcas,
decepções e dores profundas. Talvez te deixando com más lembranças e com
o arrependimento de ter se envolvido comigo. Talvez você nem considere as
coisas boas – poucas, mas boas – que vivemos juntos.
Saiba que eu saio da sua vida com meu coração em mil pedaços, com
meu peito em uma dor alucinante. Eu reneguei todos os meus sentimentos
por você por medo de sofrer por amor, ainda que, somente hoje eu percebi,
nunca tenha verdadeiramente sofrido. Ironicamente, agora estou sofrendo.
Mas será a última vez que sofro assim, pois eu sei, agora eu sei, o que é
amar realmente, com você eu conheci o verdadeiro significado do amor, e eu
não poderei amar mais ninguém com essa mesma intensidade.
Se você não puder me perdoar neste momento, tudo bem, eu entendo.
Enquanto isso, levarei minha vida com o peso do arrependimento e da culpa
sobre as minhas costas. No dia em que conseguir dormir pacificamente,
saberei que fui perdoado. Sinceramente perdoado.
Estou saindo da sua vida para que seja feliz e se prive de dolorosas
decepções.
Estou saindo da sua vida, mas você… Você não está saindo da minha,
pois será a minha marca constante, o meu amor eterno, a minha paixão
ardente.
Adeus, senhorita Hornet.
Com amor e lamento
Daniel Müller.
43
ÚLTIMA ESPERANÇA
Sophia e Miguel
♦♦♦
Daniel chegou junto com Heitor à casa de Miguel. Eram duas da tarde, e
o jardim da grandiosa residência dos Guimarães de Orleans estava
majestosamente adornado para o casamento e, posteriormente, para a festa. O
jardim extenso acomodava ao seu redor mesas com toalhas brancas, um palco
para a apresentação de alguma banda qualquer, taças de cristais e mesas com
docinhos – e o bolo de três andares. Além disso, os bancos para a cerimônia
religiosa estavam perfeitamente alinhados sobre o gramado do jardim, fitas de
renda branca decoravam-nos de ponta a ponta e um extenso tapete vermelho
foi aberto até o altar, rodeado por um arco de jasmim.
A casa já estava cheia para a cerimônia que aconteceria dentro de uma
hora. De primeira, Daniel avistou Erick e sua família e até cumprimentou
Gouveia com um aceno rápido. Logo, viu a família de Sophia, um pouco
espalhada: Eduardo, rindo em algum canto com Heloísa; Isabela, com a mãe; e
Sebastian, conversando com Miguel. Divisou uma bela mulher de meia idade
na presença de Luiz e deduziu ser a mãe de Miguel. Seus olhos continuaram
correndo, e as demais pessoas ali presentes ele quase não conhecia.
Não demorou a repararem em sua presença e o olhassem como se não
esperassem vê-lo ali. Ao notá-lo, Miguel disse algo ao futuro sogro e veio em
sua direção. Quando próximo o bastante dos irmãos Müller, pôs um sorriso no
rosto, cumprimentou Heitor e disse: — Daniel… Não esperava que viesse.
Ele apenas sorriu brevemente e acenou com a cabeça, não sabendo
exatamente o que dizer, pois a única coisa que sua presença significava era
falar com Sophia e fazê-la desistir do casamento.
— Bom, já que você veio, fique à vontade. — Miguel foi cordial.
— Obrigado — agradeceu, e aproveitou o momento. — Posso usar o
banheiro?
— Claro — anuiu. — Subindo as escadas, segunda porta à esquerda.
Daniel agradeceu e, pedindo licença, se retirou. Ao olhar para trás, viu
Heitor caminhando até Isabela e, num segundo depois, os dois estavam
conversando em um canto ali próximo. Deu de ombros e continuou seu trajeto,
adentrando a casa e subindo as escadas. No topo, encontrou com uma mulher
qualquer, e perguntou se ela sabia onde Sophia estava.
— Terceira porta à esquerda — a mulher informou apressadamente e
desceu as escadas a passos rápidos.
Ele respirou fundo e caminhou até a terceira porta. Parou em frente e já
podia sentir seu coração batendo aceleradamente. Levou a mão ao trinco e o
baixou, revelando uma Sophia dentro de um vestido marfim de corte reto e
justo, algumas pedrarias simples, mas de uma elegância estonteante. Os
cabelos estavam presos em um coque charmoso, deixando alguns fios da franja
soltos. A maquiagem leve apenas ressaltava ainda mais sua beleza.
Sophia estava em frente ao espelho, conferindo o vestido no corpo,
quando ouviu a porta se abrir, e pelo reflexo pode vê-lo. No mesmo instante
seu coração veio à boca. Daniel estava terrivelmente lindo. Usava um colete
preto por cima de uma camisa branca, justa ao seu corpo bem cuidado, o corte
da calça escura era perfeito e realçava as pernas longas dele, os cabelos
jaziam em um penteado comportado, a barba que contornava seu rosto fora
bem aparada e o deixava ainda mais atraente.
Pestanejou, assimilando sua presença. Quando entregou o convite a
Heitor, esperava, verdadeiramente, pela presença dele, por mais que
ponderasse que sequer aparecia, por motivos óbvios. Mas vê-lo assim, tão
próximo, a deixou levemente atônita. Ainda mais por não vê-lo há mais de um
mês. Desde que ele escrevera a carta que partiu seu coração em dois e a fez se
arrepender por não ter dado a chance que ele tanto pedira. Na primeira semana
após o ocorrido, Sophia quis procura-lo, desfazer o noivado com Miguel e
voltar para os braços do homem que realmente amava. Mas quando Miguel
pareceu eufórico com a data do casamento já marcada em cartório, ela deu um
passo atrás, não querendo quebrar o coração dele também. Já bastava o de
Daniel.
Ela sabia que se arrependeria todos os dias da sua vida por se submeter
a um casamento sem amor – o mesmo que ela fugira mais de um ano antes –
principalmente sabendo que seu coração pertencia a outro homem, e não ao
seu futuro esposo. Mas ponderou que talvez, somente talvez, a convivência
com Miguel pudesse fazê-la esquecer Daniel e amá-lo nem que fosse somente
um pouco. Para Sophia era mais fácil fugir a ter que encarar sua dor sozinha.
Não que ela não tivesse pensado em procurar por Daniel, no entanto,
sentiu medo. Medo de que ele estivesse magoado com as acusações, com a
falta de confiança, com toda a culpa e responsabilidade que lhe jogaram nas
costas pelo fim do matrimônio deles e pela perda do bebê. Ela demorou a
perceber, mas não era justo que ele carregasse aquele fardo sozinho, por isso,
também tinha em seu peito a parcela de culpa que corroía todos os dias um
pouco mais o seu coração.
— Meu Deus — ele murmurou. — Você está tão linda…
Já com lágrimas nos olhos, ela o viu fechar a porta atrás de si e
caminhar em sua direção a passos lentos.
— O que está fazendo aqui, Daniel? — inquiriu com a voz arrastada de
emoção.
Daniel aproximou-se, e se olharam através do reflexo do espelho. Ele
podia sentir o cheiro do perfume adocicado e de baunilha que emanava dos
cabelos e do pescoço dela, o deixando extremamente extasiado.
— Depende… — devolveu com um sussurro — Se você disser sim, eu
vim te pedir para, por favor, desistir desse casamento.
Instantaneamente, Sophia ficou sem reação diante ao pedido dele. Seus
olhares continuaram se cruzando, e, vagarosamente, Daniel a segurou pela
cintura, sem desgrudar seus olhos dos dela. Frente ao seu silêncio, ele
continuou:
— Eu sei que disse que te deixaria em paz, não sabe como está sendo
difícil cumprir isto. Você deveria saber que sou péssimo com promessas. —
declarou, e ela soltou uma pequena risada tristonha, baixando os olhos.
— Não posso fazer isso com ele de novo, Daniel. Não é justo. —
pronunciou após alguns segundos, a voz sempre baixa e embargada. — Me
desculpe, mas eu não posso desistir agora.
Ele apenas acenou, talvez já estivesse preparado para aquela resposta.
— Então, nesse caso, eu vim para me despedir. — suspirou, e
delicadamente a fez virar-se para ele, frente a frente. Daniel não conseguia
parar de olhar dentro daqueles olhos verdes que sempre o fascinaram, de
contemplar a beleza sublime da mulher que o fez entender o verdadeiro
sentido da vida, de amar e ser amado. — Quero que seja feliz… — sussurrou
se aproximando da boca dela. — Adeus, Sophia. — despediu-se, e segurando-
a com delicadeza pelo rosto, a beijou singelamente.
Com uma tristeza profunda, ela retribuiu, querendo poder fugir com ele e
se esquecer de todo o resto. Um impasse enlouquecedor acometeu-se dentro
dela. Se abandonasse novamente Miguel no altar, iria o ferir, sabia que sim,
sabia que o machucaria ser deixado no altar pela segunda vez; todavia, se
deixasse Daniel partir, era ele quem sairia com seu coração despedaçado.
Deixou uma lágrima rolar. Não importava que escolha fizesse, alguém sairia
machucado.
Subitamente, Daniel cessou o beijo e encostou sua testa na dela. Sem
dizer palavra alguma, afastou-se, totalmente abalado.
♦♦♦
Daniel tentou acalmar seu coração assim que fechou a porta atrás de si,
mas seus batimentos aceleraram ainda mais quando viu Miguel parado na sua
frente, completamente inexpressivo.
— Encontrou o banheiro, Daniel?
— Sim… Não! — balbuciou. — Quero dizer… eu avancei uma porta a
mais.
— É, acontece. — Miguel anuiu.
Daniel tentou sorrir e pigarreou. Pediu licença e estava prestes a passar
por ele quando Guimarães o interrompeu:
— Ela está bonita?
Müller pestanejou, aturdido.
— Como?
— A Sophia. Você entrou, por engano, no quarto onde ela está se
arrumando, suponho que a viu. Ela está bonita?
Daniel piscou várias vezes, ainda confuso com o rumo daquele diálogo.
Por algum motivo sentia que Miguel estava desconfiado.
— Sim. Sim, ela está bonita. — respondeu enfim, um pouco
desconsertado.
Miguel acenou em positivo e se virou para entrar no quarto. Daniel
suspirou levemente aliviado e foi até o banheiro. Precisava de água fria para
baixar a temperatura do seu corpo.
♦♦♦
♦♦♦
Parecia um sonho. Mas não era. Daniel sentiu os doces lábios de Sophia
contra os seus, e um misto de sensações e emoções explodiram dentro dele.
Seu peito foi bombardeado de felicidade, alegria, desespero, confusão, amor,
paixão… Todos esses sentimentos se chocavam um no outro, fazendo-o viver
uma experiência única. Ele não sabia descrever a sensação que era aspirar
aquele beijo tentador depois de ter acreditado piamente que a perdera para
outro homem.
Por um breve segundo, Daniel não se importou em saber como a
presença de Sophia, como tê-la ali em seus braços, o beijando com todo o
sentimento de amor que existe dentro dela, era possível. Ela havia dito sim.
Sophia havia aceitado se casar com Miguel. Mas, por um curto momento, não
considerou entender isso. O que importava era que, de alguma maneira, Sophia
pertencia a ele outra vez.
Girou o corpo feminino e o encostou contra o carro, a porta do motorista
batendo para se fechar com o choque dos dois apaixonados. Os olhos de
Daniel lacrimejaram quando, pouco a pouco, ele foi assimilando a realidade e
dando por si que a mulher que tanto amava o beijava apaixonadamente.
Somente ele poderia explicar a dor que entrou rasgando seu coração ao ouvir
o sim de Sophia para Miguel. Naquele instante, para ele o mundo havia
desmoronado em suas costas, e Daniel teve a impressão de ter perdido o rumo
da vida. Mas então, subitamente, Sophia surge gritando seu nome. Müller mal
teve tempo de entender o que estava acontecendo e Sophia já saltava em seus
braços num beijo enlouquecedor. Por um momento, acreditou estar num sonho,
mas conforme os lábios dela se faziam mais presentes e o devoravam mais,
conforme a pele macia e branca o tocava de volta, eufórica e freneticamente,
conforme ele podia sentir todas aquelas sensações prazerosas, tanto abstratas
quanto palpáveis, então Daniel convenceu-se de que não era um sonho.
Era a realidade.
Uma deliciosa realidade.
Os lábios adocicados dela logo deram lugar ao salgado das lágrimas
que escorriam dos olhos de ambos.
— Me desculpe, me desculpe, Dani, por favor, me desculpe — ela
murmurou incansavelmente enquanto suas lágrimas rolavam livremente. Uma
mistura de dor, angústia e esperança a martelavam no coração. — Oh, meu
Deus, eu fui tão infantil, fui tão tola. Por favor, me perdoe. Por todas as vezes
que fui uma idiota, Dani, por favor! — Sophia não parava de implorar, seu
pranto não parava de molhar os beijos intercalados entre pedir perdão e beijá-
lo.
Daniel cerrou os olhos, retribuindo aos beijos na medida que podia.
Prensou-a ainda mais contra o carro, inalou fundo o cheiro de seu pescoço e
passeou suas mãos fortes por todo o corpo dela, esquecendo-se completamente
que estavam no meio da rua. Mas Daniel não se importava com nada. Há muito
não sentia aquele corpo no seu, por muito tempo lamentou não poder mais
beijar os lábios dela, ou sentir o toque macio das mãos brandas sobre seu
rosto escorregando para seu dorso. Somente o que aspirava naquele momento
era apenas recuperar o tempo perdido, saciar toda a sua louca vontade de ter
os lábios de Sophia contra os seus, a pele dela contra a sua. Viveu
demasiadamente tempo suficiente longe de Sophia para sentir falta dos gestos
mais simples aos mais carnais.
— Esqueça isso, meu amor… — pediu com sua voz lamuriante,
distribuindo beijos amorosos por todo o rosto dela. A felicidade em saber que
eles estariam juntos outra vez se manifestava em lágrimas que Daniel não teve
vergonha de esconder. — Nada mais importa, agora. Deus do céu, eu te amo
tanto — choramingou, e a trouxe para sua boca novamente.
Ambos estavam desesperados. Era como se estivessem vivendo os
últimos momentos juntos, mesmo que os dois soubessem que, na realidade,
estavam iniciando uma nova fase, uma nova vida. Mas a saudade que sentiram
um do outro, o anseio que tomou cada um deles, se revelavam da forma mais
eufórica e apaixonada que poderia existir.
Estavam tão apaixonadamente envolvidos um ao outro, na alegria do
instante, que nem repararam nas pessoas, do outro lado rua, saindo da casa de
Miguel e os observando. Uns espantados, outros, confusos, outros, como
Erick, com um sorriso largo estampado no rosto.
— Eu quase acabei com tudo. — Sophia continuava lamentando
enquanto suas mãos e braços o traziam mais para perto em um abraço
estrangulado, Daniel prensando seu corpo sobre o dela cada vez mais, os
lábios fervorosamente na pele do seu pescoço. — Por favor, só diz que me
perdoa. Eu preciso ouvir isso.
— Eu vou dizer que te perdoo quando estivermos na nossa cama,
fazendo amor de todas as maneiras que encontrarmos, em cada canto daquela
casa até eu não ter mais forças para parar em pé — sussurra ao ouvido dela e,
sem que Sophia espere, a empurrou para dentro do carro, pulou para o banco
do motorista e saiu em disparada, deixando os olhares curiosos ainda mais
aturdidos.
Mal entraram em casa e estavam se despindo. Daniel tirava o colete por
cima da cabeça, suas mãos nunca desgrudando do corpo dela, suas bocas se
separando apenas para que as peças fossem tiradas. Sophia, de costas, foi
direcionada por ele mais para dentro, enquanto as mãos masculinas frenéticas
procuravam pelo zíper do vestido dela. Encontrou-os, e sem demora a peça
veio ao chão, e com um chute a loura despachou a vestimenta para o outro
lado.
Tentavam subir as escadas sem desgrudar suas bocas, as mãos de Sophia
desfivelavam o cinto e desciam o zíper da calça após ter aberto e tirado a
camisa branca. Eles riram durante a troca de beijos, a graça do desespero que
um sentia do outro era mais do que nítida. Sophia virou-se de costas para
Daniel, agarrando-o pela mão e o puxando em direção ao quarto a passos
afobados. No meio do trajeto, houve uma confusão de passos e ela despencou
na escada, Daniel caiu por cima, mas espalmou e segurou o corpo para não a
machucar. Gargalharam e se beijaram ainda mais intensamente. Sophia se
livrou do sutiã ainda deitada na escada sob ele. Daniel libertou-se da calça.
Levantou-se e puxou Sophia para seu colo, as pernas dela sem demora o
rodearam e ele caminhou rapidamente para o quarto. Seus lábios cada vez
mais conectados, suas almas ainda mais unidas, o amor mútuo
esplendidamente maior a cada segundo.
As palmas de Sophia que repuxavam os cabelos curtos e alourados e
resvalava por suas costas despidas, o deixavam completamente inebriado de
amor. Sentiu tanto a falta do toque suave contra suas costas quando faziam
amor! Ele sabia que Sophia tinha uma preferência por suas costas e,
incrivelmente, ele adorava cada gesto, afeto, carinho no pedaço de pele desta
sua parte do corpo.
Somente Sophia Hornet foi capaz de despertar nele tais anseios e
aspirações, tais desejos e sensações prazerosas.
A porta foi fechada com um baque dos seus corpos contra ela. Müller
espalmava cada centímetro do corpo perfeito, enquanto sua boca intercalava
beijos entre os lábios, o pescoço, o colo, os seios. Pressionou-a contra a
parede; desesperada e desajeitadamente tirou a cueca. Sophia jogou a cabeça
para trás, a boca se abriu para emitir um gemido prazeroso. Sua peça íntima
foi arrancada, e ela não soube dizer com que destreza Daniel o fez sem tirá-la
de encontro à parede.
Seus questionamentos acabaram quando a penetração aconteceu e suas
almas foram preenchidas por um sentimento inigualável, como era sempre que
se amavam. Daniel precisou de um segundo para recuperar ar para os pulmões
– há muito não fazia amor com ela, e a sensação que percorreu seu corpo de
ponta a ponta foi como se tivesse sido a primeira vez. Enfiou-se na curva do
pescoço de Sophia e lentamente regressou a se movimentar, grunhidos
baixinhos de prazer escapavam dos lábios dela e invadiam-no pelo seu
ouvido, funcionando, para Daniel, como um combustível para acender ainda
mais a paixão.
— Me perdoe… — Sophia murmurou entre gemidos, enquanto Daniel a
penetrava vagarosamente, sem pressa, porque ele queria viver aquele
momento o tanto quanto fosse possível.
Os olhos de cor irreconhecível se encontraram com os verdes brilhantes
de Sophia. As costas dos dedos masculinos roçaram-lhe de forma suave em
seu rosto sedoso.
— Eu perdoo… — anunciou com um gemido de prazer estrangulado. —
Oh, porra! Eu nem tenho o que te perdoar, Sophia. Eu te amo tanto, eu te amo
tanto! — declarou-se com um uivo.
— Eu te amo. — murmurou de volta, e o acarinhou nas costas
delirantemente. — Eu te amo, Daniel Müller — anunciou com a voz firme e
fechou os olhos sentindo o prazer eriçar seus pelos, extasiar seu corpo e
convulsioná-lo no êxtase e no deleite do gozo. — Eu te amo! — gritou quando
seu tronco estremeceu com o orgasmo a atingindo de forma visceral,
revigorante, e logo arrefeceu-se – seu pequeno tronco sendo amparado pela
pressão de Daniel.
Apesar da satisfação sexual, eles não pararam, Daniel cumprindo a
promessa de se amarem em cada canto da casa. Fizeram amor na cama, na
banheira, contra a parede, no meio da escada, no sofá, sobre o balcão da
cozinha. Ao final, exaustos, exauridos, mas completamente satisfeitos e
saciados, adormeceram abraçados um ao outro. Um sono tranquilo apossou de
seus corpos, uma paz vitalizante cobriu toda a casa, pois eles sabiam que
qualquer mágoa, rancor, ódio ou desentendimentos tinham ficado para trás. A
única coisa que os ligavam era o amor. Simples e puramente amor
♦♦♦
Meses depois.
De repente sentiu uma mão forte tocar seus ombros. Ergueu os olhos e se
deparou com Erick Gouveia sorrindo de forma genuína.
Deu alguns passos e viu seus pais vindo em sua direção, o semblante de
Luiz denunciando a decepção que sentia.
Quando ouviu a conversa dos dois por trás da porta, só então caiu por si
e deu-se conta de que Sophia jamais o amaria com a mesma intensidade que o
amava, por mais que tentasse, se dedicasse, fosse um marido exemplar. O
coração dela simplesmente não lhe pertencia, e não havia nada que ele
pudesse fazer para mudar isso. Chegou até a se questionar se ele próprio a
amava tanto quanto Daniel.
Ao ouvir a breve conversa dos dois, percebeu que Sophia jamais seria
feliz ao seu lado, talvez nem ele fosse. Seu casamento estava fadado ao
fracasso muito antes de ter se concretizado. Além disso, ele se lembrou das
palavras da loura dizendo-lhe que ele merecia alguém que o amasse de
verdade, pensou no seu amor próprio. Do que adiantaria oferecer um amor
puro se receberia de volta apenas migalhas e compaixão?
Miguel sabia que deveria ter desistido muito antes da cerimônia, mas,
além da sua indecisão, ele queria saber até onde a loira iria; até que ponto ela
chegaria: se desistiria outra vez ou se prosseguiria na intenção de não o
magoar. Pensou que o abandono no altar seria menos doloroso do que ter uma
mulher ao seu lado que sentia somente pena dele.
Virou o volante, acelerou e seguiu pela cidade. Não quis nem tirar o
smoking do casamento que lhe caía perfeitamente. A camisa era de um tecido
fino, o colete por cima era cinza, e a gravata borboleta, assim como a calça e
o sapato de bico quadrado, eram pretos.
Rodou alguns minutos totalmente sem destino. A brisa que adentrava
pelo vidro aberto refrescava sua pele e sua mente. Estacionou o carro minutos
depois em uma choperia. Saiu e sentou-se em uma mesa no tablado. A
garçonete veio lhe atender e ele pediu uísque.
Ele hesitou e balançou a cabeça. Voltou a tomar seu uísque para afogar
as mágoas, decepções e, principalmente, sanar sua dor.
Miguel piscou repetidas vezes e depois olhou para trás de si, querendo
ter certeza de que a mulher falava com ele.
Entendendo sua confusão, ela riu graciosamente.
— Claro. Sente-se.
Miguel assentiu para a garçonete, e junto pediu outra dose do seu uísque.
Os segundos que se arrastaram até a volta da funcionária com seus pedidos
foram de um silêncio constrangedor.
— Gracias.
— O que faz perdida no Brasil?
— Tem razão. Vou entrar no meu carro, dormir um pouco e depois vejo o
que farei da vida.
— Quer que eu te leve pra su casa? Já que fez um ato generoso para mi,
posso fazer um para você também. — Ofereceu-se bondosamente.
— Sou um total desconhecido para você — disse, mas não fora ríspido.
— O que te levou a querer me ajudar? Não tem medo que eu seja um
psicopata? — disse e saiu andando. Olhou para os dois lados da rua e
atravessou, caminhando até seu carro.
— Você não sabe nada sobre mim — retorquiu, e dessa vez salivou.
— Eu disse que não sabia nada sobre mim. Eu não fui deixado no altar.
— Suspirou. — Pelo menos, não hoje. — Admitiu, e virou-se para ela. —
Está tudo bem, eu posso voltar sozinho. Agora, vá aproveitar suas vacaciones.
— Estava prestes a se jogar para dentro do carro e partir, quando as mãos
brancas de Paloma o impediram.
— Tudo bem. Mas eu não quero ir para casa — alegou, e Paloma sorriu
satisfatoriamente.
Talvez ele se casasse, tivesse filhos, mas tinha certa impressão que nada
se igualaria ao sentimento por Sophia.
— Estou em um hotel aqui perto. Tudo bem para você ficar no meu
quarto?
— Ok, mas me acorde antes das oito para que eu possa ir pra minha
casa, e você fique tranquila no seu quarto de hotel. — Ela concordou, e eles
seguiram para o hotel onde Paloma se hospedava.
Assim que entraram, Miguel se jogou na cama macia. Sua cabeça rodava
e pesava meia tonelada; as pálpebras queriam a todo instante se fechar, talvez
de exaustão ou alcoolismo. Subitamente o colchão recebeu o peso do corpo de
Paloma deitando-se ao lado dele. E os dois ficaram ali, encarando o teto,
ambos em silêncio, até dormirem.
Miguel dormiu por muitas horas, e quando acordou a cabeça parecia que
ia explodir. Abriu os olhos e uma luz fluorescente incomodou suas córneas.
Apertou os olhos e sentou-se na cama. Pressionou a ponte do nariz e abriu os
olhos, tentando se localizar. Com a visão embaçada, viu um corpo feminino
delgado e sensual de costas para ele. A figura trajava apenas calcinha e sutiã e
parecia procurar alguma coisa no frigobar. Os cabelos estavam molhados e
soltos, secando ao natural.
Miguel suspirou.
— Ok. Obrigado pela hospedagem. Mas agora eu tenho realmente que ir.
— Não quer ficar e comer algo antes? Podemos pedir uma pizza.
Queria somente ir para casa e pensar em que rumo daria à sua vida. Mas
a ideia de permanecer na companhia da espanhola e comer alguns pedaços de
pizza era muito mais atrativa.
Miguel sentia tudo rodar. Ele sempre fora um fracote para bebidas. Com
um suspiro derrotado, e ainda altamente bêbado, começou a desabotoar seu
colete e a tirá-lo. Paloma apoiava a cabeça sobre as mãos e o observava com
atenção, não deixando escapar nenhum movimento que ele fazia.
♦♦♦
A luz do sol entrou pela janela e bateu nas costas nuas de Miguel e pela
posição do sol supunha-se que era quase meio-dia. Ele sentiu o calor lhe
queimar a pele, e foi assim que despertou pouco a pouco.
Se ele deveria se sentir um imbecil por dormir com uma mulher que mal
conhecia, não era assim que ele estava. Ainda dormindo, sorriu para si
mesmo. Apesar da embriaguez com o vinho, eram vívidos em sua memória os
dois corpos nus e suados grudados ao outro, o calor da paixão queimando o
seu peito. Tinha sido o melhor sexo da sua vida, e ele nunca se sentira tão bem
quanto naquele momento.
Adiós
Paloma Hernández.
♦♦♦
♦♦♦
Miguel impediu que a porta fosse fechada em sua cara quando Paloma se
assustou com sua presença repentina. Ele espalmou contra a madeira da porta
enquanto ela tentava empurrá-lo para fora. Mas Miguel era muito mais forte e
conseguiu se enfiar para dentro do apartamento dela.
O coração de Paloma pulava em ritmos descompassados ao encarar
Miguel parado a sua frente.
— Como me encontrou?
Miguel enrugou o cenho.
— Que diabos houve com seu sotaque? — bradou, percebendo que o
português carregado simplesmente não existia mais.
— Miguel, isso não importa mais! O que está fazendo aqui? Como me
achou?
— Pelo telefone que você deixou com Keila. Eu o rastreei — explicou-
se. — Sei que tem gente atrás de você, Paloma. O que foi que aconteceu? Com
que tipo de gente está se metendo?
— Miguel, por favor, não se envolva nos meus assuntos. Vá embora e
esqueça que eu existo. — pediu quase aos prantos.
— Esquecer? — Ele quase salivou. — Não me peça para te esquecer
quando dormiu comigo e depois me roubou!
No mesmo instante, os olhos dela marejaram e sentiu o rosto corar.
— Miguel, eu queria poder te explicar…
— Explique-se. Eu não viajei quilômetros do Brasil até aqui, na
Espanha, somente para reclamar de alguma quantia que tirou de mim, Paloma
— disse sereno, e sem que ela percebesse Miguel já havia se aproximado e
segurava suas mãos. — Eu tive uma arma apontada para a minha cabeça por
sua causa — confessou, e os olhos dela se arregalaram, assustados. — Então,
seja lá o que está acontecendo, quero que confie em mim e me conte.
Paloma acenou freneticamente, as lágrimas picando seus olhos. Ainda
segurando nas mãos dele, o encaminhou até o sofá e sentaram-se.
— Há seis anos meu pai ficou doente — ela começou e apertou forte a
mão grande de Miguel —, os remédios dele eram muito caros e eu com meu
emprego de secretária de advocacia não ia conseguir sustentar nossa casa
sozinha. Eu entrei em desespero. O meu pai precisava de remédios, de
médicos, de cuidados, de tratamento, e eu não tinha dinheiro. Então, fiz um
empréstimo com um agiota para quitar as minhas dívidas, e assim me sobrar
mais dinheiro para suprir as necessidades do meu pai.
Ela fez uma pequena pausa para tomar fôlego. Era estranho para Miguel
não ouvir o sotaque arrastado dela e se perguntou como ela conseguiu falar
nativamente.
— Eu fiz um empréstimo alto. O dinheiro pagou minhas contas, comprou
os remédios do meu pai por um bom tempo. Eu deixei o meu emprego para
cuidar dele, já que minha mãe morreu quando eu ainda era criança. Sempre
fomos só nos dóis. Eu não tinha mais ninguém e ele não tinha nada além de
mim. Eu, às vezes, fazia um extra aqui ou ali, mas nada fixo.
Naquele momento Miguel se sensibilizou com a história de Paloma. Sem
pensar, abraço-a e murmurou baixinho: — Sinto muito. — Ela agradeceu, se
afastou e continuou sua história.
— Eu vivi com o dinheiro desse empréstimo por uns dois anos. Eu
sempre controlei meus gastos ao máximo, eu não queria gastar tudo, queria
gastar apenas o necessário. Eu ainda apliquei, aos poucos, na poupança,
render uns juros e tudo mais… Eu pagava o agiota todo mês os juros do
empréstimo, eu andava em dia com esse compromisso. — Ela suspirou.
— O que houve depois?
— Meu pai faleceu.
Miguel ficou em silêncio.
— Eu voltei a trabalhar. Trabalhava feito uma louca para juntar dinheiro
e pagar o empréstimo de uma vez. Arcar só com os juros estava me
enlouquecendo, eu não queria passar a vida dando dinheiro suado para gente
como Rômulo.
— Alguma coisa deu errado nesse tempo — deduziu
— Sim. Por quase quatro anos eu deixei de viver para trabalhar e
economizei. A quantia que eu levantei com meu suor compensaria o que gastei
do empréstimo. Eu o devolveria ao Rômulo e tiraria esse peso dos meus
ombros. Eu sabia que ele era barra pesada, sabe. Sempre soube. Mas há uns
três ou quatro meses, quando me faltava só um terço para completar o dinheiro
da dívida, o homem que eu mais confiava na minha vida me roubou — ela
disse baixinho sentindo seu coração apertar.
Miguel ficou emudecido. Não sabia que reação ter. Era uma mistura de
surpresa e compaixão. Viu que ela apertava forte sua mão. Sentou-se mais
perto, agarrou-a forte pela mão e incentivou:
— Continue…
— Éramos noivos. Tiago e eu estávamos juntos há dois anos. Ele sabia
que eu trabalhava em dois, três empregos para dar conta de tudo e guardar o
meu dinheiro. Fomos juntos ao banco para retirarmos a quantia e levarmos
para Rômulo. Chegamos em casa, eu fui tomar um banho e contar o dinheiro;
Tiago havia me convencido a tirar tudo o que tinha, a fechar a conta. Eu queria
tirar apenas o que devia ao agiota, o restante que se assomou por conta dos
juros iria deixar guardado para minha faculdade.
Outro silêncio enquanto Paloma recuperava o ar.
— Quando eu saí do banho, não havia dinheiro, não havia Tiago, não
havia mais nada. — Soluçou, e Miguel a abraçou outra vez enquanto ela
continuava contando: — Ele deixou apenas um bilhete, dizendo que iria usar o
dinheiro para passar a lua de mel com a garota que ele realmente amava.
— Que idiota! —Miguel exclamou. — E ladrão!
— Ele fez isso porque sabia que eu não poderia ir à polícia.
—Você não foi? — inquiriu, incrédulo.
— Claro que não. É dinheiro de sonegação de impostos, de tráfico! Eu
sei lá como Rômulo consegue tanta quantia assim.
— Mas o dinheiro era seu, do seu suor — observou Miguel.
— Só uma parte, querido. Só uma parte. Eu fiquei mesmo com medo de
fazer um B.O contra Tiago. Eu não teria como explicar aos policiais como uma
secretária de advogados tinha cinquenta mil no banco.
— Você fez um empréstimo de cinquenta mil? — Miguel elevou a voz,
surpreso.
Paloma suspirou e acenou, cabisbaixa.
— Ele te roubou — Miguel começou a concluir os fatos —, você ficou
sem a grana para pagar esse agiota e eles estão te cobrando. Onde eu entro
nisso? Onde ter transado comigo e ter me roubado entra nessa história?
Paloma respirou fundo e continuou:
— Eu procurei o Rômulo, expliquei minha situação, pedi que
encontrassem o Tiago e acertassem as contas com ele. Eu até mostrei o
comprovante do banco, mas esse maldito agiota foi irredutível e disse-me que
os negócios eram comigo. E desde que eu continuasse a pagar a porcentagem
do empréstimo eu não teria porquê temer. Eu devo dizer que me alterei muito,
fiquei nervosa e o desafiei. Aleguei que com muito suor eu tinha juntado o
dinheiro para pagá-lo, mas fui roubada, e ele deveria se acertar com Tiago. No
mês seguinte, não paguei os juros, e é claro, Rômulo veio atrás de mim e me
fez ameaças. Eu fiquei com medo, saí do emprego, me mudei de casa, eu vivi
um tempo trancada, não saía na rua, sabia que ele me seguiria. Eu tinha um
pouco do dinheiro que peguei da minha rescisão, me mantive por uns dias, mas
sabia que não poderia me esconder a vida toda. Pelo menos, não aqui. Eu
tenho nacionalidade dupla. Meus avós, pais da minha mãe, eram espanhóis,
por isso, eu posso viver aqui na Espanha como cidadã. Posso ter uma vida
aqui. — Ela baixou os olhos para suas mãos entrelaçadas.
— É por isso que conseguia o sotaque?
Ela deu uma meia risada.
— Eu vivi um tempo como meus avós depois da morte da minha mãe.
Meu pai entrou em depressão e não tinha condições de cuidar de mim. Eu
acabei me familiarizando com os dois idiomas, principalmente porque eu
vivia aqui e ali, nas férias de verão. — Suspirou. — Enfim, eu queria ter
dinheiro suficiente para comprar uma passagem de volta para cá, ter dinheiro
para alugar uma casa no lugar mais inóspito que eu pudesse encontrar e fugir
do Rômulo sem deixar pistas. — Ela se levantou, caminhou até uma mesa e
voltou com uma pasta em mãos. — Eu estava até tirando documentos falsos e
ia fazer uma mudança no visual amanhã. Depois tentaria um visto na França,
em alguma cidade pequena. Desde que eu te roub… Bem, desde tudo, eu tenho
organizado esses trâmites.
— Isso parece até coisa de filme de Hollywood. — Apontou Miguel
com uma risadinha. Baixou os olhos e segurou-a nas mãos outra vez, fixando
os olhos em seus dedos entrelaçados. — Desculpe, continue.
— Faltava uma grana para eu completar minha quantia e sair do Brasil.
O cerco estava se fechando, Rômulo andou fazendo perguntas e não demoraria
para ele me achar. Então eu vi você naquela choperia…
— E resolveu transar comigo para me roubar — alegou, afirmando mais
do que perguntando.
Paloma suspirou e soltou as mãos dele.
— A intenção não era transar com você. Você estava bêbado, eu ia
esperar que dormisse, então eu… Bem, faria o que fiz.
Miguel a olhou por um breve instante, querendo entender aquela história
maluca que acabara de ouvir. Apesar de ser um relato triste e preocupante, ele
queria saber até que ponto poderia acreditar em Paloma. Aliás, ainda nem
sabia se Paloma era mesmo o nome dela.
— Você mentiu para mim uma vez. Como espera que eu acredite em
você? Nem sei se Paloma Hernández é mesmo seu nome.
Com um suspiro, a mulher se levantou e caminhou até uma estante ali
perto, pegou outros papeis e retornou. Pôs nas mãos de Miguel, e ele os
analisou.
— Tem passaporte, documentos em geral, escritura da antiga casa dos
meus avós, exames do meu pai, histórico escolar. E até cópias das provisórias
dos pagamentos que fazia mensalmente ao Rômulo. Olhe, comprove por você
mesmo. Eu nunca fiz nada do gênero na minha vida, Miguel — defendeu-se
com um tom pequeno de mágoa, e os olhos brilharam por conta de algumas
lágrimas. — Eu entrei em desespero, não sabia mais o que fazer, era te roubar
ou… Ou morrer — sussurrou, e Miguel ergueu os olhos para ela.
Lembrou-se do brutamontes e das pancadas que levou na testa, da arma
apontada contra sua cabeça. De fato, eram pessoas perigosas, prontas a findar
uma vida como forma de pagamento.
— Me desculpe — murmurou, arrependida —, eu só não achei outra
saída, e eu… eu estava… desesperada — gaguejou em soluços.
Miguel a trouxe para outro abraço e deixou que ela se acalmasse no
calor dos seus braços. O perfume dos cabelos dela invadiu-o. Era o mesmo
aroma da noite em que estiveram juntos, e a lembrança do sexo avivou seu
coração. Afastou-a de seu aperto e a olhou nos olhos.
— Disse que não pretendia dormir comigo. O que te fez mudar de ideia?
Você poderia ter me roubado quando dormi na sua cama, mas não fez isso. Por
quê?
— Eu não sei — admitiu em tom baixíssimo, e Miguel quase não a
ouviu. — Eu vi você dormindo, me aproximei da sua carteira, hesitei e depois
desisti. Eu não tive coragem. Fiquei longos minutos te observando, recordando
as coisas que me contou da sua vida. Eu não sei se era medo, atração,
hesitação, compaixão. Eu só sei que queria ver você acordar, conversar mais
um pouco, ter certeza de que merecia ser roubado.
— E eu mereci ser roubado?
— Não! — respondeu alarmada. — Seu eu pudesse, eu teria ficado,
teria dado um jeito de conseguir meu dinheiro. Eu queria muito ter deixado
pelo menos um telefone porque eu… eu… — titubeou e ruborizou — Eu gostei
de você.
Ao ouvi-la, Miguel esboçou um sorriso cálido.
— De um mês para cá, eu não faço outra coisa a não ser lembrar
daquela noite — revelou.
Paloma vidrou seu olhar para ele, assustada.
— Desculpe, eu posso devolver o seu dinheiro, eu só preciso…
— Não estou falando de dinheiro — sussurrou inclinando-se sobre ela.
— Paloma, eu não paro de pensar e desejar você. Eu quero seu toque, seus
beijos, suas mãos sobre meu corpo. Você me marcou como ninguém nunca o
fez.
Paloma vacilou, aturdida. Viu Miguel se curvar em sua direção e tudo
que ela sentia era seu coração ricocheteando, a única atitude que tinha era
olhar fixamente os lábios dele e ansiar por um beijo que a deixaria sem ar. A
boca de Miguel recaiu sobre a sua, e ela nem raciocinou, segurou-o pela nuca
e correspondeu ao beijo, intensificando-o ainda mais. Desesperados, pareciam
dois amantes que não se viam há muito e precisavam saciar-se um do outro.
Estabanados, Miguel arrancou o blazer, enquanto Paloma tirava a
camisa. Dois segundos depois, ele estava sobre Paloma, o beijo cada vez mais
caloroso e desesperado, necessitado.
Amaram-se outra vez, agora, mais lúcidos um do outro. Ao final, ela
deitou-se sobre o peito largo de Miguel, enquanto recuperavam o ar.
Alguém bateu à porta, e Miguel olhou Paloma, franzindo o cenho.
— Está esperando alguém? — questiono-a, desconfiado.
— Não — ela respondeu se levantando e vestindo rapidamente sua
roupa.
As batidas na porta se intensificaram. Miguel pulou do sofá e se vestiu
também. Paloma foi até a porta e ele a acompanhou. Assim que a abriu, três
homens entraram como um furacão, empurrando-os.
Miguel se assustou, segurou Paloma pelos braços e a pôs atrás dele, seu
primeiro instinto foi defendê-la. Um segundo depois do susto, Miguel
reconheceu o brutamontes que o agrediu na choperia como sendo um dos três
homens.
— Você… — murmurou, ofegante e surpreso.
— Miguel de Orleans — disse uma segunda voz. Era um homem de
traços mulatos e cabelos escuros. Tão alto e forte quanto Miguel.
— Rômulo… — a voz de Paloma saiu trépida.
O homem sorriu satisfatoriamente.
— Em carne e osso, querida — anunciou e olhou para Miguel. — Você
não deveria mentir para um bandido. Disse ao meu homem que não conhecia
Paloma, e olha só para você: acabou de trepar com ela.
— Eu não menti. Mas o seu homem a ameaçou de morte. Eu só vim
avisá-la.
— Como a encontrou? — Rômulo indagou adentrando mais o
apartamento. Casualmente tinha as mãos dentro do bolso de sua calça cáqui.
— Tenho métodos e contatos.
O homem avaliou Miguel, o olhando de cima abaixo.
— Fizemos bem em ficar de olho em você. Assim, pudemos te seguir.
Como minhas suspeitas diziam, você nos trouxe direto para Paloma. Homens,
peguem-na — ordenou.
Miguel se prostrou diante dela, dando um passo à frente. Sabia que
podia ser facilmente rendido, já que estava em desvantagem, mas quis arriscar.
Não deixaria que ela fosse levada.
— Espera! — Os homens estacaram. — Podemos resolver isso. Se é
dinheiro que vocês querem, nós vamos dar um jeito.
Rômulo acenou para seus homens e eles recuaram.
— Quer negociar, é isso?
—Sim. Nos dê um tempo, vamos quitar essa dívida da Paloma.
— Vinte e quatro horas — decretou Rômulo.
— O quê? — Miguel entreabriu os lábios, pasmo. — Não, pelo menos
uma semana.
— Trinta e seis horas, e não se fala mais nisso. Agora que sei do seu
paradeiro, Paloma, redobrarei minha atenção em você. Se meus cinquenta mil
não estiverem na minha mão depois de amanhã, eu volto e você paga com sua
vida — ameaçou.
— Nos dê setenta e duas horas — interveio Miguel, tentando uma
barganha. — Setenta e duas horas e terá seu dinheiro.
Rômulo voltou seu olhar para Miguel.
— Ok — cedeu. — Em setenta e duas horas você deve se encontrar
comigo no centro de Madri. Fiquem avisados que estarei de olho em vocês
dois e que essa é a última chance de negociar comigo. Se não me pagarem, eu
mato Paloma e depois vou atrás da sua família, Orleans — afirmou e saiu,
seus homens o acompanhando, mas não antes de jogarem um olhar ameaçador
para Paloma e Miguel.
Quando a porta foi fechada, Paloma caiu no sofá, o desespero se tornou
palpável em suas lágrimas. Miguel a acudiu, abraçando-a confortavelmente.
— Vai ficar tudo bem, Paloma — sussurrou em seu ouvido. — Vou te
tirar dessa. Não se preocupe.
Paloma acenou, secando suas lágrimas. Ela não sabia como seria a
ajuda, mas sentiu-se segura e protegida naqueles braços.
BÔNUS I
MIGUEL E PALOMA – FINAL
♦♦♦
♦♦♦
Heitor respirou fundo pela terceira vez. Seus nervos estavam à flor da
pele, e ele tinha de se acalmar. Com a cabeça fria e com sua sanidade no lugar,
poderia encontrar uma solução para seu problema. Deveria haver uma, não?
Cingiu as duas mãos na caneca e expirou pesadamente. Levantou o olhar
e topou com um par de olhos negros à sua frente: Clarisse — sua prometida; a
mulher com quem teria de se casar se não quisesse perder sua herança.
Há algum tempo Heitor Müller tinha ciência de que, para receber sua
parte dos bens deixados pelos pais, deveria se casar. No começo, obviamente,
ele ficou irritado. Heitor sempre foi um solteiro convicto, longe de se
envolver amorosamente, casamento, e qualquer sinônimo, não existia em seu
dicionário.
Jamais. Nunca.
E se acreditou, tempos atrás, que junto ao irmão tinha solucionado seu
problema, Clarisse Correa apareceu somente para contradizê-lo: eles teriam
de se casar.
E na noite anterior, após uma fatídica confusão no aniversário surpresa
de seu irmão Daniel, Heitor descobrira por boca de terceiros que não havia
solução. E mais: sua noiva, sua prometida, era Clarisse, uma mulher que, no
passado, fora perdidamente apaixonada por ele e o perseguiu de todas as
formas possíveis.
Agora, depois de uma ligação rápida, resolveram se encontrar para
conversarem a respeito. Segundo Clarisse, ela também não queria concretizar
a união que, por ironia, ela mesma sugeriu ao pai de Heitor, muitos anos antes.
Encontraram-se numa cafeteria, e Heitor pediu um chá de camomila.
— Não adianta, Heitor. — ela se pronunciou — Daniel já conversou
com meus advogados um tempo atrás. Não há alternativa a não ser o
casamento.
Heitor cerrou os punhos fortemente por baixo da mesa. Apertou o
maxilar. Controlou sua ira e sorveu um gole do seu calmante natural.
— Nada disso estaria acontecendo se você não tivesse se metido na
minha vida e ter sugerido esse absurdo de casamento ao meu pai! — protestou
entre os dentes e apontou o indicador para ela.
Clarisse não se abalou. Tragou um pequeno gole do seu café preto.
Ajeitou as madeixas negras e voltou seu olhar a Heitor.
— Eu era uma tola apaixonada naquela época. Se eu pudesse voltar no
passado, mudaria as coisas. Mas eu não posso, Heitor. E acha que eu quero
mesmo me casar com você? Eu tenho uma vida, tenho uma pessoa quem
conheci nesses últimos anos e me ofereceu algo que você — ela também
enfatizou — nunca vai poder dar a mim. Nem a ninguém.
— Então desista dessa loucura! — Alterou a voz um pouco mais.
Maldito chá, faça efeito! — Antes de você aparecer, Daniel e eu encontramos
um modo de eu receber os meus direitos sem precisar me submeter a essa
babaquice!
— Não é tão simples. — Clarisse suspirou e desviou o olhar para a
movimentada rua. — Eu já expliquei isso ao seu irmão. Se não firmarmos esse
matrimônio, meu pai irá perder o cartório dele. Não tem ideia de como aquele
cartório é importante para meu pai. — justificou e reencontrou com o azul dos
olhos de Heitor.
Sem dizer mais nada, subitamente, Heitor se levantou. Os olhos
fumegavam, e o maxilar estava tão tensionado a ponto de partir os dentes.
Olhou dentro dos olhos pretos de Clarisse.
— Você não me engana. — enunciou com a voz firme. — Tudo o que
disse aqui não passa de conversa para boi dormir. Você ainda é apaixonada
por mim e está fazendo tudo isso para me ver preso a você.
Clarisse pensou em rebater aquelas palavras sem sentido, mas Heitor
continuou dizendo:
— Mas ouça bem, Clarisse Correa, ouça bem o que tenho a lhe dizer.
Não pense que serei como meu irmão, que irei zelar pelo sobrenome Müller e
farei de tudo para manter as aparências de um casamento de fachada. E saiba,
além disso tudo, vou fazer você se arrepender por sua estupidez. —
pronunciou, sua voz saiu determinada, dura e convicta.
Sem dar-lhe tempo de resposta, já havia se afastado e atravessado a rua
a passos firmes.
Deixando a conta para Clarisse pagar.
01
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