Revista-Infancias-e-Territorios-n-2 2

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Infâncias

e territórios 2
Prefeito do Município de São Paulo Equipe Administrativa
Ricardo Nunes Anna Maria de Feo Vieira
Secretário de Educação Márcia Landi Basso
Fernando Padula Estagiária
Secretário Adjunto de Educação Bianca Carlos Cruz
Bruno Lopes Correia
Secretária Executiva Municipal Produção editorial
Malde Maria Vilas Bôas Conselho editorial
Chefe de Gabinete Ana Barbara dos Santos
Omar Cassim Neto Dolores Prades
Coordenadoria Pedagógica — COPED Elenice de Carvalho Roda
Simone Aparecida Machado Tathiana Augusta Rodrigues Lourenço Martinez
Thiago Pacheco
Coordenação editorial
Divisão de Educação Infantil — DIEI
Dolores Prades
Diretor
Fotografia Elena Pasoli
Tássio José da Silva
Ana Barbara dos Santos
Equipe Técnica
Capa Fatima Ordinola;
Ana Barbara dos Santos
Contra capa Chengliang Zhu
Ana Paula Pereira Gomes Gibim
(ilustrações vencedoras do concurso internacional
Elenice de Carvalho Roda
de ilustração da 60ª edição da BCBF)
Juliana Manso Presto
Jussara Nascimento dos Santos Revisão textual
Kátia Regina Cavalcanti Roberta Cristina Torres da Silva
Matilde Aparecida da Silva Franco Campanha Revisão técnica
Shirley da Silva Santos Equipe SME/COPED/DIEI
Talita Alves Silva
Tathiana Augusta Rodrigues Lourenço Martinez
Thiago Pacheco Qualquer parte desta publicação poderá ser compartilhada (cópia
e redistribuição do material em qualquer suporte ou formato) e
adaptada (remixe, transformação e criação a partir do material
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) para fins não comerciais), desde que seja atribuído crédito
apropriadamente, indicando quais mudanças foram feitas na obra.
Infâncias e territórios [recurso eletrônico] / Secretaria Municipal de Educação.
Direitos de imagem, de privacidade ou direitos morais podem
Coordenadoria Pedagógica. – n. 2 (dez. 2022). – São Paulo : SME /
COPED, 2022. limitar o uso do material, pois necessitam de autorizações para o
262 p. : il. color uso pretendido. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
recorre a diversos meios para localizar os detentores de direitos
Bibliografia
autorais a fim de solicitar autorização para publicação de conteúdo
1. Educação Infantil. 2. Educação – Periódicos. I. Título. intelectual de terceiros, de forma a cumprir a legislação vigente.
Caso tenha ocorrido equívoco ou inadequação na atribuição
CDD 372.21
de autoria de alguma obra citada neste documento, a SME se
Código da Memória Documental: SME113/2022 compromete a publicar as devidas alterações tão logo seja possível.
Elaborado por Patrícia Martins da Silva Rede – CRB-8/5877
DISPONÍVEL TAMBÉM EM: <EDUCACAO.SME.PREFEITURA.SP.GOV.
BR/REVISTA-INFANCIAS-E-TERRITORIOS>
CARTA
5

DO
SECRETÁRIO perspectivas, diferentes formas de atuar, diferentes formas
de estar com e pelas crianças nessa empreitada que é a
educação.
Vamos alcançando os diferentes territórios da Cidade,
do Estado e do mundo, sempre na perspectiva de que
É com muita alegria que apresentamos a segunda edição da aprendemos melhor quando narramos nosso fazer, bem
Revista Infâncias e Territórios em versão online. A primeira como quando conhecemos o fazer do outro.
edição já teve milhares de visualizações, o que significa que Celebramos a continuidade desse trabalho ampliando
esse periódico está se tornando uma referência para estudos a implementação dos princípios do Currículo da Cidade e
e práticas. Continuamos esse trabalho com o objetivo de valorizando a experiência estética como parte essencial do
alcançar todas(os) as(os) nossas(os) professoras(es) da Rede, processo de desenvolvimento e aprendizagem de bebês e
seja como espaço de autoria, ou como fonte de estudos. crianças.
Acreditamos que a Rede Municipal de Ensino de São Paulo
tem muita potência a ser compartilhada. Desejamos a todas(os) uma excelente leitura!
Nessa edição, continuamos versando sobre o tempo
como principal elemento de diferentes fazeres. São 10 textos Fernando Padula
abordando o tempo a partir de diferentes olhares, diferentes Secretário Municipal de Educação
SUMRIO
Editorial 8 [EMEI] PROJETO MOTOCA NA PRAÇA, Lívia Guimarães Arruda 136
[CEMEI] JANELAS EDUCACIONAIS, Luciana Dias Simões 154
Artigo / Tema 12
Guia de leitura,
COMO TEM ÁRVORE NESSE MUNDO! Simone de Oliveira Andrade Silva e Cássia V. Bittens 172
Rayssa Oliveira e Viviana Cukier
MEU CRESPO É DE RAINHA, bell hooks 172
Entrevista 36 BUSCAR INDÍCIOS, CONSTRUIR SENTIDOS, Graciela Montes 182
ELENA PASOLI, À CAMINHO DE BOLONHA

Aqui mundo 50 Nossas assessoras 186


A CRIANÇA, A ENFERMA E O PORTAL, Larissa Kovalski Kautzmann
[PORTUGAL] O DIREITO À BELEZA E AO TEMPO NA INFÂNCIA, Ana de Mesquita Guimarães
Nossas formadoras 220
Logo ali 76
EXIGE-SE BOA APARÊNCIA, Priscila Aparecida Santos de Oliveira
[SÃO BERNARDO] SOB DIFERENTES TEMPOS, Iasmin de Oliveira

Aqui na Rede 94 Museu/escola 242


[CEI DIRETO] O CURRÍCULO DA CIDADE COMO CONDUTOR DE MUDANÇAS, BRINCAR PARA ALÉM DA INFÂNCIA: TERRITÓRIOS DE APRENDIZAGEM,
Rosangela Martins Caproni 122 educativo MAB-FAAP

[CEI PARCEIRO] PEQUENA NARRATIVA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, Benedita


Machado de Mello e Kátia Girlene Silva Leite de Farias 116 Edital de submissão 242
EDI-
9

TO-
RIAL
A edição nº 2 da Revista Infâncias e Territórios fecha o ciclo Entrevistamos Elena Pasoli, diretora da Feira do livro
do tempo como tema. O tempo é o fio condutor dos relatos. de Bologna, durante sua passagem no Brasil para acompanhar
O tempo da infância, o tempo da vida, o tempo da escola e a exposição Ilustradores Italianos, em junho de 2022.
o tempo da experiência. O tempo sempre será um elemento Na oportunidade, conversamos sobre as tendências no
essencial em nosso olhar para as infâncias, mas vamos universo editorial, a responsabilidade de pensar o trabalho
seguindo um caminho que precisa avançar para outros com livros com/para bebês e crianças. Como pensamos
organizadores do cotidiano da Educação Infantil. critérios, seleção e o lugar das políticas públicas para além
Este número abre com o artigo das pesquisadoras Rayssa da oferta de livros.
Oliveira e Viviana Cukier contando sobre as descobertas que As sessões Aqui mundo, Logo ali e Aqui rede (CEI direto,
podem ocorrer no tempo de caminhada entre um museu e CEI parceiro, CEMEI e EMEI) trazem o cotidiano das Unidades
outro, sobre convocar sentidos, sobre o tempo e o espaço no tempo que corre devagar do lado de fora, a falta de tempo
da relação e sobre o tempo e a lentidão necessários para que gera inquietações e convoca a expandi-lo, o tempo da
caminhar e fazer o caminho. formação de professoras(es) e de toda a equipe, o tempo dos
10 bebês como tempo da experiência, o tempo para ocupar a 11
cidade com motocas e o tempo das visitas pedagógicas.
O guia de leitura está um pouco diferente da primeira
edição. Temos a indicação do livro literário Meu crespo é de
Rainha, de bell hooks, título que faz parte do acervo das
Unidades de Educação Infantil, assim como entrou para
o Minha Biblioteca 2022. E uma indicação do livro Buscar
indícios, construir sentidos, de Graciela Montes, — livro que faz
parte do acervo de formação de professoras(es) presente
nas Unidades de Educação Infantil da Cidade de São Paulo
desde 2021 — e nos provoca com questionamentos como
por que ficar perplexo é um bem de onde novas significações
podem nascer?
Nas palavras de nossas formadoras e nossas assessoras,
encontramos elemento tempo na estética dos encontros e na
estética das relações na Educação Infantil como compromisso
para uma educação antirracista, não xenofóbica e para a
equidade de gênero. O educativo do Museu de Arte Brasileira
da Fundação Armando Alvares Penteado — MAB FAAP conta
os processos formativos vivenciados com professoras(es) da
Rede e versa sobre o tempo do distanciamento.
Desejamos boa leitura e que se sintam instigadas(os) a
revisitar suas relações com tempo.
COMO TEM
ARTIGO TEMA

12 13

RVORE
NESSE

M UNDO!
1
Numa manhã de segunda-feira, a frase de Jonas rompe o
ruído pesado do trânsito. Ele está numa calçada, em frente
à sua escola, com educadoras e crianças de sua turma.
Os adultos presentes se surpreendem com a frase, uma vez
que se encontram em frente à Praça Roosevelt, no centro de
São Paulo, e estão habituados a enxergar ali aridez, cimento,
concreto e fumaça. Em meio a tantos prédios e pressas,
na cidade que gosta de pronunciar a palavra escassez,

Rayssa Oliveira e Viviana Cukier


Jonas interrompe a normalidade exclamando a poética do
inesperado.
O menino de 6 anos, quando olha ao redor, também vê
o cinza que predomina na paisagem, porém, neste dia, seu
olhar foi convidado a ver o verde e o vivo. Antes de abrir o
portão da escola, estava em uma roda de conversa com suas

1 Todos os nomes de crianças são fictícios.


14 educadoras e colegas, onde descobriram essa possibilidade 15
de filtrar o olhar e adentrar a praça de mãos dadas com a
surpresa: é possível enxergar muita vida e natureza em cada
brecha de espaço.
O grupo faz parte de uma EMEI da Rede Municipal de
Ensino de São Paulo (EMEI Patricia Galvão), e, neste dia,
crianças e adultos conversavam, acompanhados de um
livro, sobre a possibilidade de serem detetives da natureza
e aguçarem seus sentidos, para então seguirem caminho e
passarem a manhã em um local de vasta natureza: o Parque
Augusta. O lugar conta com mais de 400 árvores catalogadas,
fica a apenas um quarteirão da Unidade Educacional e, por
mais que as educadoras já soubessem e acreditassem que os
caminhos da cidade são sempre uma possibilidade de bons
atravessamentos e potências para as crianças, não esperavam
que as lentes que partilharam naquele dia fossem ser usadas
com tamanho entusiasmo desde o primeiro passo na calçada.
Nós, adultos, esperamos escutar “nossa! como tem
árvore nesse mundo!”, diante de um bosque, ao ladear uma
floresta pela estrada ou mesmo ao entrar num parque mais
arborizado. Dessa maneira, a exclamação inusitada de Jonas
em um contexto pouco fecundo nos instiga a pensar na
combinação entre percepção e paisagem, entre olhar e lugar.
16 Qual o caminho que levou a criança a observar o seu entorno o estranhamento e o encantamento. E o melhor: criando 17
de todos os dias com novas lentes? Como podemos trabalhar contextos de aprendizagem para as crianças mais focados na
nas escolas essas transformações na percepção? O que experiência e menos adulto-centrados.
realmente se vê ao olhar? A mudança no olhar — a ampliação do que se vê ou o
Existem diversas ferramentas e ações que convocam deslocamento das lentes — não está circunscrita à infância
um olhar mais apurado, atento, curioso e diverso e, como ou às crianças. Como adultos, precisamos refletir também
educadores, cabe a nós estudarmos essas possibilidades e sobre a nossa percepção dos lugares e relações, reparando em
concretizá-las em falas, gestos, espaços e materiais. como estamos atravessados pelo hábito, pela pressa ou pelas
Por vezes, estamos habituados a abrir convites aos preocupações. Com que frequência paramos para admirar ou
outros por meio de relatos, livros e narrativas. Porém, para nos deixarmos surpreender com miudezas cotidianas?
um simples objeto é capaz de convocar
os corpos a uma relação inusitada. Essa
potência de falar por meio das coisas, de
criar um meio de caminho entre a criança e
o lugar — convocar um estado, uma maneira
de estar — é algo precioso, que cada vez
mais se percebe como estudo essencial para
o fazer diário dos educadores da infância.
Lunetas de papelão, lupas, pranchetas de desenho, fitas
de medição, varais de barbante, tecidos, esteiras, colheres,
baldes, balaios… são muitos os materiais que podem ajudar
a esticar as experiências e nos conectar com o mundo ao
redor de maneira qualificada, em parceria com o entusiasmo,
18 Quando convidamos a nós mesmos a mudar consciente e
intencionalmente de estado para, por exemplo, estar mais
imerso em nossa criatividade?
Como atelieristas parceiras, atuantes na mesma
instituição, temos desenvolvido uma prática de caminhadas
e ocupações ao ar livre como pesquisa. Um dia, percorrendo
o entorno do Museu de Arte Moderna, no Parque do
Ibirapuera, encontramos sementes cujas formas pareciam
bichos. Passamos um tempo manuseando aquelas miudezas
do chão e, aos poucos, o gesto foi se estendendo para cada
nova semente curiosa que trazia alguma semelhança com a
anterior. A repetição da coleta nos fez perceber um recorte:
estávamos encontrando e filtrando apenas sementes que
eram cheias de curvas: resolvemos chamá-las de cacheadas.
Essa simples tarde de imersão acabou por abrir um novo as propostas que fazemos às crianças. É essa disponibilidade
caminho de interesse, um desvio, um desejo que se para o mundo ao redor que permite que escutemos as
transformou em pesquisa e se esticou ao longo de todo um reflexões e as surpresas que elas trazem com generosidade;
semestre junto às crianças da escola. Mais do que a vontade e que o trabalho realizado seja pensado sempre em parceria
de ver e manusear, nascia ali um aglomerado de perguntas, com a ótica das crianças. Aprender a ver o mundo é
um mapa de possibilidades que transformou uma breve aprender a olhar o outro.
caminhada em uma fértil e duradoura investigação. Para nós, essa ideia central ficou mais evidente diante de
Esse olhar, disponível para a surpresa e confiante de que duas situações vividas com crianças. Uma delas foi vivida no
“tudo que é vivo é uma escola” (CONTRAFILÉ), precisa habitar mesmo trajeto entre a EMEI e o Parque Augusta, no centro
20 da Cidade de São Paulo. Conta o coordenador pedagógico compartilhando com os educadores a importância desse 21
que as crianças (de uma turma de 4 a 6 anos) andavam pela breve episódio. O deslocamento em nosso modo de ver o
rua em direção ao parque, quando uma delas parou diante mundo mora em sutilezas como essa.
de uma imagem colada no muro e se demorou a olhar, A segunda situação que gostaríamos de compartilhar
boquiaberta. A criança é negra e a imagem é uma fotografia aconteceu no espaço de ateliê de uma escola, onde crianças
de dançarinos negros. de 5 e 6 anos investigavam as folhas encontradas no gramado
Após segundos de surpresa, o menino aponta para a com lupas e olhos atentos, percebendo a diversidade
imagem e chama efusivamente seus colegas, dizendo: “SOU existente. Comentavam sobre as variadas formas, cores e
EU! SOU EU!” e, segundos depois, “EU CONHEÇO ELES!”. Essa “jeitos” diferentes, como nomeou uma delas. Falavam sobre
arte no muro — feita por pessoas que acreditam no espaço as linhas internas, os serrilhados das bordas, a maciez de
público como suporte para a intervenção artística — permitiu algumas, a rigidez de outras. Nessa simples troca de ideias,
a essa criança uma experiência significativa, na qual se sentiu partilhando suas percepções, as crianças, aos poucos,
extremamente representada e fez questão de mostrar aos começaram a compreender que essa variação de formas
seus colegas o tamanho daquele acontecimento. O menino de ser e estar se dava também entre as pessoas. Foram,
angolano se sentiu acolhido no quarteirão de sua escola. lentamente, se aproximando do entendimento de que somos
Além disso, mais uma vez, o espaço do entre, a rua, aquele natureza, algo que parecia bastante esquisito e novo para
que costuma ser visto como passagem, como lugar de corpos algumas crianças presentes.
e olhares apressados, mostrou-se com enorme potencial de Falar sobre essas pluralidades fez Theo perceber que
vivência e aprendizado para as crianças, que — felizmente — aquele papo sobre folhas, mas também sobre pessoas, tinha
demoram-se a ver o mundo e percebem os detalhes que mais muito a ver com um ato que ele havia presenciado em um
importam. jogo de futebol, na companhia de seu pai, no final de semana
O olhar atento está na criança, mas também no anterior. Narrou a fala de um torcedor que era um explícito
coordenador, que registrou a cena e passou adiante, caso de racismo com um jogador. Parecia perceber que a
22 Em ambos os relatos, fica nítido o quanto um simples 23
material pode ser gerador de um farto mapa de possibilidades
de investigação e aprendizagem. Tanto uma ida ao parque
quanto uma coleta de folhas no quintal podem ser gestos-
pontapés para pesquisas sobre o racismo, por exemplo.
É do olhar demorado, respeitoso e curioso para o mundo que
nasce a percepção generosa do outro.
Fica muito claro também que é preciso disponibilidade
dos educadores para fazer curvas junto às crianças, sem se
ater apenas a caminhos retilíneos, planejados e predefinidos,
pois é na escuta das crianças que descobrimos onde estão
seus interesses, desejos, indagações. É
preciso lentidão.
É preciso fazer caminho ao caminhar.
Em experiências como essas, simples e complexas ao
mesmo tempo, percebemos que trabalhar as camadas do
sensível no olhar e nas ações cotidianas, por meio da arte na
educação, é também um meio de construir uma forma de
estar no mundo de uma maneira generosa, atenta e empática.
fala do agressor tinha muito a ver com sua incapacidade de É no ato de demorar-se para ver as vidas que permeiam nosso
conviver com as diferenças. Quando nos demos conta, as cotidiano que passamos a perceber todo o universo vasto e
crianças estavam em uma troca muito rica sobre as diversas variado que habita fora de nós. Nesta fricção com o cotidiano,
cores de pele, puxada por interesse deles mesmos a partir de faz-se urgente fortalecer as relações com tudo que é vivo e
um pequenino disparador: as folhas do chão da escola. cultivar internamente estados de pesquisa e invenção.
24 Nos relatos de experiências e reflexões que viemos a criança”. O que nos ensina o barro? O vento, a amora e 25
narrando até aqui, destaca-se a importância de se trabalhar a jabuticaba? Como sustentar o interesse por essas vidas
o olhar para o mundo como elemento fundante da nossa e acontecimentos? Como desdobrá-los em pesquisas e
prática pedagógica. Por outro lado, a paisagem, o lugar, a investigações férteis? Como permitir que as crianças criem
arquitetura, os materiais e as linguagens compõem o mundo intimidade com as mais variadas materialidades do mundo?
que habitamos e nos atravessam de maneira estrutural. Todos os dias, a composição dos espaços e materiais
Sendo assim, para além do olhar, desacostumar tempos, determina, em diversas escalas, como se dão as nossas
espaços e modos de fazer é também essencial para uma relações, nossos convívios. Seja na cidade, nas casas, na rua
prática pedagógica mais aberta à invenção, investigação e ou na escola, cada detalhe do mundo material revela
criação. intenções políticas, pedagógicas e sociais. É preciso, portanto,
Nesse sentido, sabemos que é no espaço vivo que o estudar esses elementos com atenção, uma vez que o fazer
extraordinário acontece: em cimentos e porcelanatos do educador passa, também, pela escolha de qual mundo se
dificilmente aparece uma poça de água ou folhas e gravetos apresentará no dia a dia para as crianças. É um mundo feito
trazidos por uma chuva mais forte. Não há minhocas, de E.V.A. ou de cestarias brasileiras? É um universo de
borboletas, tatu-bolinha ou cheiro de alecrim. Não há relevo brinquedos plásticos ou materiais naturais não estruturados?
ou sinuosidades. A
possibilidade de descobrir É uma sala que convida ao corpo sentado de frente para a
as sementes cacheadas não está somente mesa ou a gestos e fazeres variados? O que comunicam e a
no olhar, mas em estar onde elas nascem — que convidam os lugares da sua escola?
e caem. É necessário terra fértil para as boas pesquisas Para além dessa escala dos materiais diários, os parques
brotarem. É preciso tempo farto para buscar, manusear, das escolas são também elementos importantes a serem
perguntar, saber o que cada coisa no mundo tem a nos dizer. observados. Ao estudarmos os espaços criados para a
Como disseram os peruanos Julia Saló e Santiago Barbuy, educação em nossa cidade, chama a atenção o contraste
nos anos 1970, “cada material tem uma ensinança para existente entre as diversas Unidades Educacionais: alguns
26 CEIs e algumas EMEIs paulistanas têm uma vasta presença 27
de áreas verdes (como aquelas oriundas dos parques infantis
de Mário de Andrade), enquanto outras vivem um cenário de
aridez e esterilidade. Dentro desses dois contextos opostos,
há ainda duas situações: existem Unidades Educacionais com
amplas possibilidades, onde a ação cotidiana é extremamente
descolada dessa natureza potente ali presente, assim como
há educadores desejosos em praticar um cotidiano permeado
pelo vivo, porém com dificuldades por estarem em Unidades
Educacionais invadidas por concretos e pisos frios.
Como podemos alinhar nossos desejos de uma infância
viva e desemparedada em relação aos espaços escolares já
existentes que habitamos? Como criar comunidades dispostas
a enraizar cotidianos permeados por natureza e arte?
Sabemos que entre o desejo dos educadores e a
viabilidade de algumas transformações há uma série de
obstáculos, mas sempre há pequenas revoluções que podem
ser feitas. Compor pequenos contextos espaciais diários já diversidade importa e é a nossa guia. É possível imaginar, por
é um passo que gera bons deslocamentos. Cada composição exemplo, um canto que convide às pedras, outro às águas,
espacial gera um convite e o que nos importa é criar convites outro ao vento… também ao traço, ao batuque, à invenção…
coerentes com os nossos desejos e intenções. Para isso é ao vestir-se, construir, descansar, cozinhar, explorar…
preciso compreender, na prática, no ensaio, na tentativa, pergunte-se: quais verbos queremos ver as crianças
o que cada material e lugar convoca. Como sempre, a conjugarem no dia a dia?
28 Para ilustrar as possibilidades geradas por uma boa interessante de ser objeto do desenho! O interesse das 29
organização dos materiais no espaço, e como esses detalhes crianças não estava apenas em traçar os detalhes das árvores e
são capazes até de transformar a relação das crianças com elementos miúdos da natureza, mas na(o) amiga(o) que estava
a arte, gostaríamos de narrar mais uma experiência que ali ao lado!
vivemos com crianças de 4 a 6 anos, desta vez com diversas A partir dessa observação, nos reunimos entre atelieristas
turmas no gramado de uma Unidade Educacional. para pensar: como podemos organizar o espaço para
Era junho de 2022 e vínhamos de meses de uma prática evidenciar ainda mais essa possibilidade de desenhar o outro?
recorrente de desenhos de observação com os grupos. Quais materiais nos ajudam a compor um espaço de
Começamos desenhando objetos cotidianos e, aos poucos, “crianças que se desenham”? Fomos para casa com essa
fomos expandindo a ação para o espaço externo, para a pergunta e, no dia seguinte, retomamos a proposta no
observação das grandes árvores e para dar lugar a um corpo gramado com novos elementos no espaço:
que desenha mais caminhante e solto: com pranchetas na Um tampo de madeira redondo, no chão, era o convite a
mão, ao invés de sentado de frente para a mesa. As crianças, “virar estátua” em cima dele.
portanto, passaram muitas semanas desenhando cadeiras, Esteiras ao redor eram o convite a sentarem.
plantas e o mais variado repertório de objetos da escola, de Pranchetas em cada esteira, posicionadas voltadas para
modos divertidos e inesperados, para então começarem a o círculo central, com um papel sulfite A5 e uma caneta fina
ampliar o olhar desenhante diante de uma paisagem, a cenas preta, eram o convite ao desenho de observação.
em maior escala. Uma pequena roda de conversa ao chegar no gramado,
Foi nesse convite ao corpo em movimento lá fora que uma brincadeira de estátua e estava lançada a proposta.
pudemos perceber que as crianças se interessavam muito As crianças se engajaram rapidamente e passaram a criar
em desenhar as pessoas que passavam. Trabalhadores da um ritmo de alternância em ser o modelo e ser o desenhista.
escola, amigos correndo, colegas que estavam em sua frente. Criava-se naquele momento, com muita sutileza, uma prática
Ou seja, evidenciava-se ali que o próprio corpo era também muito comum entre artistas visuais: o desenho de modelo vivo.
30 A repetição dessa ação por alguns dias permitiu que as 31
crianças tivessem uma organização cada vez mais fluida entre
elas, sem necessitar qualquer fala do adulto presente. O espaço
estava comunicando bem a proposta e a repetição auxiliou nessa
aprendizagem. Conquistamos, portanto, uma bela autonomia
das crianças com o uso de alguns objetos simples: madeira, esteira
e pranchetas.
Para dar ainda mais independência às crianças e
conseguirmos sair de cena de vez, incluímos mais dois elementos
na organização do espaço: uma bandeja com papéis sulfite em
branco e uma bandeja com papéis já desenhados (ou seja começa-
se a ação pegando uma folha na primeira e devolvendo-a na
segunda).
Foi o suficiente para comunicar — no espaço e não na voz —
como as crianças poderiam começar e terminar cada desenho,
criando um ritmo mais fluido e ritmado, nos permitindo, como
educadoras, apenas observar e ouvir. Que privilégio!
Ao narrar essa experiência, percebemos que os materiais
foram fundamentais para permitir que as crianças acessassem
um estado de criação agradável e descolado de qualquer
orientação constante das educadoras presentes. O grupo todo
estava envolvido com a relação desenho-corpo-paisagem e, mesmo
dentro desse recorte, estavam sempre fazendo coisas diferentes.
32 Algumas crianças desenhavam, outras observavam o entorno mas acreditamos que todas essas variáveis são fonte de 33
com uma lupa. Havia aqueles posando para seus colegas e aqueles pesquisa e reflexão constante.
que estavam fazendo retratos. Alguns levaram as pranchetas Os imprevistos são parte presente o tempo todo em nosso
para desenhar árvores baixas pelo lado de dentro de suas copas, cotidiano e, muitas vezes, nos sinalizam outras rotas
enquanto outros observavam seus amigos de pertinho. de interesse das crianças, que não estávamos considerando.
Essa diversidade de ações só foi possível porque as crianças Cabe a nós compreender se, naquele momento, estas
aprenderam a fazer algumas delas com autonomia. Elas não surpresas são indicações de que espaço e materiais escolhidos
precisavam mais da nossa ajuda para colocar a folha na prancheta, não criaram bons contextos e relações ou são sinais que as
por exemplo, e não precisavam nos perguntar cada vez que crianças nos dão de novos e bons caminhos a seguir.
terminavam um desenho o que poderiam fazer com ele. E, Ao contar com o espaço como mais um educador,
principalmente, não precisavam da nossa mediação para seguir. investimos em autonomia para as crianças e a possibilidade
Estavam confortáveis no tempo e no espaço. de que elas se apoiem e se ajudem, construindo entre pares
Ao organizar o lugar de forma convidativa, com mais de uma uma comunidade de aprendizagem.
proposta, podemos, como professoras, eleger onde queremos estar, Ao longo desse texto, narramos alguns exemplos de
em qual agrupamento achamos que seremos mais necessárias, se experiências e nos dedicamos a pensar sobre os princípios
há crianças que precisam de mais contorno e ajuda, ou se há um que as norteiam e sobre os valores que evidenciam. É a partir
grupo em que nossa escuta renderá melhores possibilidades de desses elementos fundantes, como o olhar e o lugar, que
relançamentos futuros. conseguimos construir os pontos essenciais e inegociáveis
Nem sempre acertamos na composição do espaço. Às vezes, para uma escola da infância permeada pela arte.
a organização não é auto-explicativa o suficiente, não está Contamos histórias, partilhamos ideias e pensamentos
tão acolhedora ou as pesquisas não engajam como tínhamos com o intuito de proporcionar ainda mais reflexões,
imaginado. Também acontece de aparecer um inseto ou uma poça como um convite para as pequenas revoluções cotidianas.
de água, que desviam o foco — e, nesse caso, criam um novo! — Desejamos que possamos seguir com olhos de generosidade,
34 e não de escassez, percebendo, narrando e evidenciando as muitas Habitar a Escola” (2021) e coautora do livro “Ateliê no Cotidiano” (2020), 35
árvores nesse mundo. em parceria com Raissa Cintra.

 Palavras-chave: ateliê; educação; olhar; natureza VIVIANA CUKIER

[email protected]
Viviana Cukier é pesquisadora da infância e professora, formada em
pedagogia na Universidade de São Paulo e especialista em arte-educação
RAYSSA OLIVEIRA pelo Instituto Singularidades. Atualmente, atua como professora e
e-mail: [email protected] atelierista no Colégio Santa Cruz e participa do Coletivo Desinvenções,
Arte-educadora, formada em Arquitetura (FAU-USP), realiza ateliês um coletivo de projetos para a infância que visa desinventar as muitas
com crianças e adultos e formação de educadores em escolas públicas certezas com que os adultos vêem essa fase da vida. É co-autora do livro
e privadas. Foi educadora no Bináh Espaço de Arte, atuou como arte- “Arquiteturas Fantásticas”, uma publicação da Escola Ateliê Carambola.
educadora em instituições culturais, como Sesc e Instituto Tomie
Ohtake, foi professora de artes na Rede Pública Municipal de São Paulo,
educadora e consultora no programa Jovens Urbanos do CENPEC,
colaboradora do Território Educativo das Travessias e do Prêmio REFERÊNCIAS

Territórios. Atualmente, é mestranda na ECA-USP, está como atelierista


no Colégio Santa Cruz e realiza percursos formativos com educadores CONTRAFILÉ, Grupo. A batalha do vivo. 2016.

em seu ateliê itinerante que existe desde 2019. O ANDORINHA é um SALÓ, Julia; BARBUY, Santiago. Terra, Água, Ar, Fogo: para uma oficina-escola
inicial. 1977
carro-ateliê que percorre escolas e outros espaços com propostas
artísticas e convites ao encontro entre arte, natureza e território, SOCHA, Piotr e GRAJKOWSKI, Wojciech. Árvores. 2022.

fomentando a cultura do ateliê. É autora do livro “Espaços Afetivos:


ENTREVISTA

ELENA A CAMINHO
37

DE
BOLONHA

Entrevistadoras Ana Barbara e Elenice Roda

Ana Bárbara: É um prazer estar aqui, Elena, nunca imaginei


entrevistá-la! A Feira do Livro Infantil de Bolonha é uma
referência muito importante para nós. Publicar esta
entrevista significa conectar as professoras da Rede com
um dos mais importantes eventos culturais no âmbito
internacional, momento muito significativo do processo de
formação que a Revista Infâncias e Territórios se propõe.

PASOLI
Depois de dois anos de pandemia e de edições on-line, 2022
voltou a ser presencial, como foi preparar a Feira depois de
dois anos na telinha?
38 Elena Foi um processo bastante contraditório, por um lado encontros e abraços depois de 2 anos de contatos on-line. 39
foi um milagre, por outro, algo lógico e natural, depois dos Foi uma feira incrível. No final, estiveram presentes 1.070
últimos anos on-line. Foi um milagre, porque só em meados expositores de 90 países, incluindo o país convidado Sharjah,
de janeiro de 2022 foi decidido que a Feira se realizaria em e um programa de 18 exposições e mais de 250 eventos ao
março. Quando começamos a telefonar para os editores, eles vivo. E 21.432 visitantes — com mais de 40% de profissionais
achavam que seria impossível, que não teríamos tempo de vindos do exterior.
organizar tudo. Então, pensamos em organizar uma feira
pequena, pois continuávamos todos on-line, as restrições AB: Teve uma parte on-line também?
pela pandemia ainda estavam em vigor em muitos países, e
isso talvez impedisse muitos de comparecer. Foi complicado Elena Sim, realizamos transmissões ao vivo da Feira, aliás,
organizar os espaços, normalmente a Feira tem um espaço disponíveis na Internet; apresentamos de forma on-line o
determinado para cada país, mas era um tal de confirmar e espaço também, ajudando a quem não pode ir. Além disso,
desistir que era impossível prever. Para que vocês tenham uma coisa importante foi que a edição on-line pode ser vista
uma ideia, a Coreia, por exemplo, já tinha confirmado, por todos, sendo a Feira só para profissionais, famílias e
estava tudo certo e teve que desistir devido ao coronavírus outros interessados podem agora ter acesso.
e às determinações de quarentena. Redesenhar o espaço foi
complicado e desafiador, mas, por outro lado, foi natural,
pois, durante os dois anos on-line, realizamos muitos Elenice: Em 2018, São Paulo recebeu a exposição A ilustração
contatos e mantivemos tudo muito vivo, não paramos, e a
como porta para o mundo, com curadoria de Paola Vassali
e Dolores Prades, organizada pelo Instituto Emília com o
programação foi fácil de fazer.
apoio do Sesc São Paulo e do Instituto Italiano de Cultura
A surpresa foi a enorme participação que no final de São Paulo, em comemoração aos 50 anos da Feira do
tivemos. Foi incrível, totalmente inesperado para nós. Quem Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. Agora, em 2022, temos
pode veio e se deparou com uma Feira calorosa e ávida de a exposição A nova geração de ilustradores italianos, que
reúne trabalhos de 20 jovens artistas voltados ao universo Elenice: Concepção simplista, você quer dizer.
40 41
infantil. Você acredita que o livro ilustrado abre as portas do
universo das artes para bebês e crianças? Elena Sim, exatamente. Na Itália, existe uma feira de moda muito
importante de roupa para crianças. Eles escolheram os livros infantis
Elena Sim, muito! Květa Pacovská resume isso muito bem quando sobre os ícones da moda para vender durante o período da feira.
diz que: “Um livro ilustrado é a primeira galeria de arte que uma Os visitantes compraram os livros, livros de editoras que não
criança visita”. Vejam como é importante para a formação e para o conseguiam vender esses títulos, venderam tudo.
desenvolvimento da sensibilidade nas questões da arte. Outro exemplo foi quando o Papa Francisco esteve em Bolonha,
Na Itália, se trabalha muito a arte, mas pouco, muito pouco com o em 2017, uma série de livros lindos com temáticas sobre desigualdades,
álbum ilustrado. Pela minha experiência, o adulto não tem formação intolerância, enfim sobre questões humanas em geral foram escolhidos
sobre ilustração e álbum ilustrado, precisa ampliar esse repertório. para fazer uma exposição dentro de uma igreja. Não foi uma exposição
Na Itália, quando eu era criança e mesmo meus filhos, apesar de toda a católica, nem com conotação religiosa, foram selecionados livros
presença da história da arte, nas escolas não se fazia praticamente sobre diferentes temáticas que trabalham com temas humanistas e
nada em relação ao álbum ilustrado. de diferentes religiões. Foi incrível.
As pessoas não têm ideia, poucos sabem sobre a diversidade
AB: A proposta da revista Infâncias e territórios e a qualidade do que é produzido na literatura infantil. Mesmo
é precisamente sensibilizar para a arte também, levar para
meus amigos, advogados, médicos que têm acesso às livrarias e
os professores esta preocupação. Criar este repertório
conhecimento, não têm ideia da amplitude da literatura infantil e
e levar o álbum ilustrado para as escolas, “a primeira galeria de
arte que uma criança visita”. acreditam que qualquer livro serve. E, olha que eles poderiam me
perguntar!
Elena Uma coisa importante do álbum ilustrado é a qualidade dos
Ana Bárbara: Como você entende que esses dois anos
livros, os temas e tipos diferentes, as pessoas desconhecem. De modo
de distanciamento impactaram a produção e o processo
geral, se mantém a ideia de que os livros para crianças tem que ter
criativo do livro para infância?
gatinho, cachorrinho, estrelinha que fala…
42 Elena É possível perceber uma tendência temática Elena Exato. Uma coisa incrível que aconteceu na Europa e 43
internacional mais reflexiva no âmbito da pessoalidade, nos EUA, e imagino que por aqui também, foi o surgimento
da intimidade, da casa, da família, livros infantis sobre como de diversas formas novas de acesso aos livros e de como
a humanidade habita o mundo, uma reflexão sobre a relação se relacionar com eles. Formas novas de distribuição,
com a natureza, sobre a pandemia, a contaminação. abertura de pequenas livrarias de bairro, cafés literários,
Sobre o papel do ser humano no mundo e de como os seres todas iniciativas para se contrapor e combater essa guerra
humanos se relacionam com seus semelhantes e com a promovida pelos grandes grupos, como empresas de
natureza, uma reflexão sobre quem é esse ser humano diante comércio eletrônico . Quando o leitor entra nesses sites
de tudo o que está acontecendo, de como um vírus pode ter à procura de um título específico, ele vai e encontra, mas
atingido dessa forma o mundo inteiro. quando ele vai na livraria pequena, lá do seu bairro, o
Outra questão muito significativa, agora do ponto de vista livreiro, certamente, vai conversar sobre o livro e vai indicar
da estratégia editorial, é que as editoras se deram conta de outros. Esses encontros fomentam a formação de leitores e
que não é preciso produzir tanto, do enorme excesso que se retomam coisas que já existiam e que se perderam.
produziu nos últimos anos. E da importância de se recuperar
Elenice: Retomando a sua resposta de coisas incríveis que
o backlist, as publicações que estavam esquecidas.
aconteceram, a edição deste ano 2022 da Feira do Livro Infantil e
A necessidade de se recuperar títulos importantes e de
Juvenil de Bolonha teve uma mesa intitulada “Infâncias à margem:
mantê-los vivos. Esta estratégia é fundamental para o projetos de leitura em contextos vulneráveis”, como foi essa
mercado e a manutenção da qualidade das publicações. experiência?

AB: Isso dialoga com a questão de que o livro infantil pode falar de Elena Essa mesa surge de uma conversa com Dolores Prades
coisas diferentes, além das temáticas de bichinhos, e ampliou os temas — consultora da BCBF (Bologna Children’s Book Fair —
reflexivos, pessoais e teve uma pausa de produções excessivas.
em português Feira do Livro Infantil de Bologna) para a
América Latina — que me fez refletir sobre o fato de que a
44 pandemia evidenciou fortemente a distância e a diferença A participação do Brasil nesta mesa foi incrível, Bel 45
entre as diferentes infâncias, fruto do aprofundamento da Santos Mayer apresentou como a promoção da leitura, da
desigualdade social no mundo. A BCBF, maior evento cultural leitura literária, como direito de todas e todos, tem sido uma
em torno do livro para as infâncias, não podia ficar alheia a das vias de democratização e de conquista de visibilidade.
este problema. Milhões de crianças sem acesso ao livro, sem Mostrou como jovens conseguiram driblar a ausência de
as mínimas condições de existência e totalmente vulneráveis futuro por conquistas de afirmação em vários setores e áreas
diante dos conflitos e desigualdades. do conhecimento e profissionais. Experiências como esta
Países ricos como a Itália, por exemplo, tiveram um devem ser divulgadas!
percentual alto de crianças que tinham aulas on-line, mais
AB: Sabe-se que uma das formas de manter os professores,
ou menos nas mesmas condições. Sabe-se que não foi essa
os mediadores atualizados do que se produz é por meio
a realidade da maioria dos países, onde a desigualdade de
da imprensa, dos suplementos de cultura, etc. No nosso país,
acesso às aulas abriu um fosso ainda maior entre as infâncias. para além de alguns veículos especializados, os espaços são muito
Impossível não reconhecer os efeitos disso na formação das reduzidos. Como você vê isto?
futuras gerações de leitores.
Faço parte da comissão do IBBY (International Board Elena Essa questão é importante, pois não é só aqui que o
on Books for Young), que seleciona projetos de leitura pelo livro infantil não tem um espaço significativo nos grandes
mundo afora. Por intermédio desta instituição, conheci veículos de comunicação. Durante o período da Feira, todos
vários projetos voltados à promoção do livro e da leitura para os grandes jornais fazem suplementos especiais sobre
populações periféricas vulneráveis. A partir daí, junto com literatura infantil, menos quando as edições foram on-line, aí
Dolores, montamos um projeto, convictas de que esse tipo eles, penso, não achavam que fosse importante. Praticamente
de reflexão não apenas tem a finalidade de dar visibilidade nada foi divulgado. Outro exemplo: quando se trata de
a quem está nas margens, como é um momento para divulgar os prêmios Strega — prêmio anual de grande
multiplicar ideias e ser fonte de inspiração. prestígio na Itália — , para adultos, temos páginas e páginas
essa professora que lê seja também uma apreciadora do livro, da
46 nos jornais, mas quando se trata do mesmo prêmio para a 47
leitura. Seja, no final das contas, ela mesma uma leitora?
infância, as matérias são sempre pequenas, notas.
O mundo vive uma onda das séries, imagino que aqui Elena Voltamos sempre ao mesmo tema: o da formação
seja também essa febre, quantas são as séries que mostram do mediador. Essa é a grande questão. Se o Ministério da
crianças lendo, entrando em uma livraria, com livros nas Educação, o Estado, não dão importância e oportunidade
mãos, uma família leitora? Não é possível que só o professor, de formação dos professores, dos mediadores, fica difícil,
o bibliotecário, o mediador, fale de leitura… é um tema tão só comprar e oferecer livros. É fundamental que essa
importante que deve extrapolar esses espaços. professora seja leitora, sem isso fica difícil ela transmitir esse
amor pelos livros e pela leitura.
Elenice: Como você vê a importância da leitura para
as crianças nas escolas? AB: A SME comprou milhões de livros, esse ano tivemos a compra de
7 milhões de livros literários para as Unidades da Rede Municipal
de Ensino, sendo 5 milhões destinados ao programa Salas e Espaços
Elena A leitura para crianças pequenas é importantíssima, mas é
de Leitura, e os outros 2 milhões distribuídos por meio do programa
fundamental que haja uma continuidade para além da escola, nas Minha Biblioteca. Existem livros que vão para casa dos bebês e
famílias. Penso que o papel da família é fundamental, na pandemia crianças e outros para o acervo da escola, são milhões de livros. Existe
isso foi muito importante. É a família o primeiro lugar onde a criança uma comissão para a seleção desses livros, recebemos em média
pequena desperta para a musicalidade da linguagem, para a leitura, 5 mil livros e, para 2023, mais de 10 mil títulos que as editoras enviam
para serem analisados. E, no entanto, existe um impacto negativo
para a familiaridade com o objeto livro, que, além de um momento
quanto à compreensão do tema, cria-se um abismo, pois se o
lúdico, alimenta a curiosidade, traz conhecimento e prazer e é um
professor não tem formação fica difícil o trabalho. São muitos os
momento especial de aconchego. pontos complicados: desde as temáticas, como a “religiosa”,
até as questões de gênero, questões raciais, etc. É preciso formar o
AB: Você tem razão, mas voltando à escola e pensando nas professor, a escola e a família também.
professoras e professores, quanto é importante que
48 Elena Isso é um problema também na formação inicial desses ilustradores que se destacaram, considerar diferentes 49
professores. É necessário atualizar esses professores, conectá-los com critérios. E claro, se identificar com o livro, que deve nos
as questões atuais, diminuindo a brecha que os separa destas gerações tocar de algum modo. No caso dos pequenos leitores, os livros
mais jovens. Tem que formar esses professores como leitores. precisam se destinar a eles, falar com eles.

AB: Tem que mudar o curso de pedagogia, AB: Fica claro que o livro para as infâncias e juventudes é todo
o professor entra na sala de aula, lê para as crianças e nunca um mundo. E que BCBF é o ponto de encontro e a materialização
estudou nada sobre literatura infantil, é um curso que não estuda desse mundo. Elena, agradecemos imensamente o seu tempo e
literatura, o que deveria ser obrigatório. E quando tem é muito raso ou disponibilidade. As professoras e professores, certamente, vão
tem aquele caráter utilitário, curso para que o professor trate o livro agradecer poder conhecer mais de perto este trabalho incrível que a
como temática de uma aula e não pela literatura. Feira faz. Tomara que o nosso próximo encontro seja em Bolonha!

Elenice: Quais os elementos de um livro ilustrado que devemos


observar quando queremos compartilhar uma obra com qualidade
estética e narrativa para as crianças?

Elena Bem, é importante entender que uma ilustração


não é uma obra de arte, é uma ilustração, mas no livro a
ilustração tem que ter uma lógica, uma sintonia que dê conta
do que é narrado. Precisa haver um casamento entre texto
e imagem, na verdade são vários aspectos que devem se
articular de uma forma particular. E é nessa particularidade
que, precisamente, reside isso que se chama “qualidade” e
faz com que um livro se sobressaia. É importante construir
repertórios, estudar a história do álbum ilustrado, conhecer
O DIREITO 
AQUI MUNDO / PORTUGAL

50 51

BELEZA E AO

TEMPO
A estética da aprendizagem ou a procura da beleza, como
Vea Vecchi (2010, p. 70) descreveu, foi abraçada pela filosofia
educacional de Reggio Emilia e pode ser vista e sentida nas
suas escolas, na riqueza de todos os espaços e ambientes
das salas e nos ateliers; na apresentação dos processos de
aprendizagem das crianças por meio da documentação

Ana de Mesquita Guimarães


pedagógica, bem como no cuidado na escolha e na
apresentação dos materiais disponibilizados às crianças
diariamente.
Dissanayake (2000, p. 76) perspetiva a estética como uma
sensibilidade que define a maneira como as pessoas mostram
o que valorizam e apreciam intencionalmente. É uma forma
lúdica de estar receptivo à criação, ao que se quer mostrar e
destacar, trata-se de compreender e comunicar. Isto porque
entendemos a estética como relacional em todas as suas

DA INFNCIA
52 dimensões: relações entre pessoas, entre objetos, materiais, 53
ambientes e lugares. A estética, neste contexto pedagógico,
é também uma abordagem multissensorial, pois os tempos,
materiais e espaços projetam a identidade da escola. Por
isso, é necessário que essa abordagem seja visível, que faça
sentido e tenha coerência para ser reconhecida por todos,
para permitir criar memórias do que vivemos e clarificar o
caminho que seguimos.
Carroll (1999, p. 188) considera a “Experiência estética”
como uma forma de encontrar estímulos que envolvam:
atenção, contemplação e reflexão crítica. É, por isso,
necessário estar-se consciente e atento para vivenciar
plenamente esta experiência. Vea Vecchi (2010) descreve
frequentemente como a estética deve ter uma presença
pedagógica significativa, porque é uma parte importante da
condição do ser humano e, para as crianças, a sensibilidade e
a sua expressão estética devem ser a sua forma de aprender.
Aproximar o olhar de uma criança à linguagem
artística como forma de comunicação é o que procuram os
1
atelieristas , apelidando este processo de “dimensão estética”,

1 O conceito de atelierista surge nas escolas de Reggio Emilia


com a contratação de professores para a escola infantil com

O feijão-verde da
nossa horta
54 carregado do desejo de significado, curiosidade e admiração. investigador do mundo natural e inspirado pela sua beleza, 55
O atelierista prepara o atelier como um espaço cheio de luz, tal como as crianças que se encantam por tudo o que está
material natural, preparando para a exploração sensorial, lá fora. No nosso trabalho, os dois caminhos completam-
repleto de propostas de ampliação, projeção e outras se: apreciar a estética, mas compreender a ciência. Assim,
ferramentas de investigação. É no atelier que as crianças precisamos especialmente de imaginação na ciência. Não é só
se envolvem no processo de criar para alargar os seus matemática, nem só lógica, mas também alguma beleza e poesia,
horizontes de aprendizagem: como nos diz a astrônoma Maria Mitchell. (1896)
Tal concepção não significa afastar as crianças da
A arte significa ter mais linguagens e mais linguagens significa natureza, mas exatamente o contrário. “Encontrar beleza
mais formas de ver o mundo… devíamos ensinar as nossas em qualquer lugar” é uma premissa que nos faz abrir os
crianças a não ter olhares superficiais, queremos que tenham olhos para as possibilidades de descobrir o extraordinário
várias possibilidades de ver a mesma coisa, uma riqueza de no cotidiano. Como se pode ler na exposição permanente no
formas de ver. (RABITTI, 1992, p. 109). Museu Van Gogh, em Amsterdam, Vincent Van Gogh “via a
natureza e o artista como inseparavelmente ligados”. E tal como
Ainda na perspetiva de uma aprendizagem alargada e ele adorava pintar no exterior, o ateliê, muitas vezes, é o
enriquecedora, Albert Einstein (1931, p. 256) escreveu: exterior. Uma estética partilhada com o mundo natural, em
“A coisa mais bonita que podemos experimentar é o misterioso. É a que o interior e o exterior se fundem.
fonte de toda a verdadeira arte e ciência”. Arte e ciência são dois No exterior, o tempo corre devagar. Somos levados a
métodos entrelaçados de investigação que nos levam a uma abrandar e, tal como na arte, na natureza nada se faz com
maior compreensão do universo. Vemos o artista como um pressa. Precisamos aprender a transpor os limites dos espaços
e do tempo, precisamos entender que, para as crianças,
a aprendizagem ocorre em qualquer lugar e no seu tempo, ao
formação artística e como um “organizador, intérprete, co-organizador
seu ritmo, motivada pelo seu interesse. As noções temporais
e colaborador” (GANDINI, 2012).
56 são abstrações dos adultos, não se tocam, não se veem, não se 57
ouvem, não são reais para as crianças. Na infância, vive-se um
tempo contínuo do presente, do agora.

A consciência do tempo está ligada à consciência das


mudanças. Os ritmos biológicos, como despertar, comer e
dormir ordenam-se de modo previsível e proporcionam assim
as primeiras experiências temporais e de duração, a partir das
quais as crianças começam a desenvolver as noções temporais.
(KORINTHOS, 2013, p. 26).

Tal como na natureza, numa mesma árvore os frutos não


amadurecem ao mesmo tempo, assim deve ser uma escola
construída como um ecossistema que respeita o tempo de
maturação de cada um. As propostas precisam ter um tempo
largo, flexível, para que sejam experiências vividas, alteradas,
repensadas para que sejam efetivamente vivas.

Distrair-se, encantar-se, bisbilhotar, meditar, pensar, abstrair-


se…sem pressa; pouco a pouco, lentamente, gradualmente…
é o tempo que serve aos poetas, aos cientistas e aos filósofos
para desenvolver o próprio pensamento e transformá-lo
em versos, em inovações e em ideias… Mas ou outros também
O ato natural de
investigar está
presente em vários
momentos do
cotidiano
58 precisam dele: é o tempo que auxilia a tomada de decisões, com as possibilidades desses contextos. E das muitas ideias 59
que orienta percursos, aprendizagens, destrinchando situações previamente pensadas, surgem outras tantas aos adultos
complexas… (FRANCHESCH, 2011, p.100). e, depois, às crianças. Assim, os contextos surgem com
uma intermitência: entre a permanência, o esporádico e o
A beleza das pequenas coisas está nos detalhes e não é instantâneo, numa prática de currículo emergente que segue
um conceito associado ao valor material daquilo que criamos, os interesses das crianças. As propostas existem enquanto
mas sim à intencionalidade com que foi criado. Não se fazem sentido para os grupos de crianças.
transmite por palavras, mas sim pela experiência vivida.
A beleza triunfa em si mesma e através de si mesma (ZOJA, 2015, Mais do que um atelier de arte
2
p. 25). E para vê-la, contemplá-la, inspirá-la, precisamos de Tendo por base que o projeto Casa do Monte reforça a
tempo: Tempo para preparação, tempo para escutar, tempo para herança da terra e as tradições das gentes alentejanas, os
documentar, tempo para dialogar, tempo de reflexão e tempo de ócio espaços exteriores foram recheados de peças de trabalho
(VECCHI, 2010, p. 150). manual, de formas de fazer tradicionais, para que as crianças
Este tempo é necessário também para que a criança possam ter oportunidade de experimentar os tempos de
experimente, crie, reflita, recrie, repita, melhore, simplifique. antigamente. Foi possibilitada à comunidade educativa a
Estas construções neurológicas que se processam no cérebro participação em ateliers de carpintaria; tosquia das ovelhas;
em todos estes momentos cimentam a aprendizagem. participação nas colheitas da azeitona, marmelos, visando ao
Daí a importância do fazer, ver fazer os pares, ver o adulto
fazer, mas poder ter a liberdade de escolher a sua própria 2 A Casa do Monte situa-se no Alentejo, Portugal, na Herdade Vale
forma de fazer. de Moura-Mourinha. Com quinhentos hectares de terreno, conta

Para as crianças explorarem, os adultos precisam já com cinco gerações de famílias que sempre desenvolveram
atividades agropecuárias. Desde 2020, foi criada a Associação Casa
pesquisar e explorar aquilo que é oferecido, assim terão todas
do Monte que desenvolve atualmente atividades pedagógicas para
as condições para que possam também sentir-se encantados
maiores de três anos.
60 encontro geracional e à partilha de valores, como a cultura 61
local e os valores familiares; a sustentabilidade e a ecologia;
o sentido de pertença a uma comunidade e a um mundo
natural. As propostas que são pensadas no presente refletem
o ritmo da terra, das estações, do imenso calor ou do frio que
se sente na herdade, traduzem os ciclos de vida naturais e os
seus tempos.
O cuidado estético na apresentação dos materiais e propostas
Com tanta diversidade e beleza que nos rodeia, mantemos
um espírito inebriado de estímulos visuais que transparecem
em tudo o que fazemos. Os ateliers passam a integrar, As fontes de informação visual são cuidadosamente
selecionadas para ampliar as possibilidades estéticas
assim, as diferentes ciências e formas de olhar o mundo. Por
As propostas são enriquecidas
exemplo, ao contrário do que normalmente acontece nos por materiais de qualidade visual e
textual significativa
ateliers de expressão plástica, aqui não se trata apenas de
uma proposta de representação gráfica de flores, mas também
um autêntico atelier de botânica: de flores colhidas ali e das
flores que plantamos, e vimos crescer e florir. As mesmas
flores que observamos na primavera e no outono e que
sabemos identificar, as flores que também decoram os nossos
espaços interiores e que servem, por vezes, de elementos
que exploramos na mesa de luz ou na projeção com o
videoprojector. As flores que são fotografadas e se tornam
parte da nossa gramática visual, da nossa documentação e
do nosso conceito de belo. O mesmo acontece com a cortiça
62 torna a nossa Casa do Monte única, com uma identidade 63
singular.
O uso de um mesmo elemento nos vários contextos faz
com que as crianças entendam que uma coisa tem inúmeras
potencialidades. E este saber é transversal às artes e faz
parte de um pensar criativo. Assim, enquanto ateliêrista,
esta ideia da expansão de um mesmo material que possa ter
múltiplas utilizações tem de ser partilhado por toda a equipe.
Da mesma forma como quando adquirimos um livro para a
biblioteca, ele não chega com a função de explorar um tema,
mas sim com a infinita potencialidade de ampliar muitas
outras temáticas.
Deste modo, as crianças quando vêem as suas imagens
são capazes também de rever aprendizagens já abordadas
e de se questionar sobre tantas outras. As diferentes
bibliotecas temporárias que surgem agregadas aos contextos
de investigação são igualmente formas de permitir que as
O exterior e o retirada dos nossos sobreiros, que se torna suporte e parte crianças acedam, a seu tempo, à quantidade de informação de
interior diluem-se
nas suas propostas de contextos que permitem tantas aprendizagens, e as suas que necessitam. Os livros transitam nos espaços como reforço
pedagógicas
texturas tornam-se parte da nossa linguagem. visual, principalmente quando trabalhamos com crianças pré-
A escolha de espaços repletos por elementos naturais e leitores, e com o seu conteúdo textual como apoio informativo
uma paleta de cores que se vai redefinindo e crescendo, com para o adulto, mas eles pertencem aos espaços, estão
as contribuições daquilo que as crianças trazem nos bolsos, acessíveis, e não a um tempo determinado de exploração.
64 Na realidade, tudo precisa de tempo, e os adultos 65
correm muito. Dividem o tempo todo em parcelas pequenas
de objetivos, competição, avaliação, com a finalidade de
atingirem o sucesso. As escolas estão carregadas de currículos
rígidos, horários preenchidos, que impedem o adulto de parar,
estar presente, observar e refletir. Da mesma forma, impedem
as crianças de exercitar pensamentos profundos e estados
3
de fluxo , tornando-se a aprendizagem sempre superficial e
transitória de um dia para o outro, do saltitar constante entre
4
festividades e interesses que não são deles. O free-flow play é
algo que valorizamos muito, é muito próximo do brincar em
casa e muito distante do brincar na escola tradicional.

3 “Estado de fluxo” ou Flow é definido pelo psicólogo Mihaly


Csikszentmihalyi como o estado ideal de consciência em que
sentimos o nosso melhor e realizamos o nosso melhor. É um
estado emocional positivo que se caracteriza por um completo
envolvimento na atividade que estamos realizando, sem nos
importarmos com mais nada. Assim, quanto mais nos dedicamos a
algo que nos dá prazer, mais o iremos aperfeiçoar.

4 Free flow play é um estilo de brincadeira em que as crianças


têm a opção de se deslocarem livremente de dentro e fora do seu
ambiente de aprendizagem, introduzido por Froebel em 1932,
tema posteriormente abordado na obra de Tina Bruce.
Os adultos
encontram
tranquilidade na
experiência
do slow living,
slow teaching
66 67

O processo
A riqueza e de pensar
diversidade de criativamente é
materiais maior do que o
e partes soltas espaço do atelier
68 O tempo que roubamos à infância não é devolvido, Cabe-nos perguntar como podemos educar 69
nem recuperável. Por isso, temos nós, os adultos, de exigir esteticamente as crianças? A educação estética está
menos dos dias e aproveitar mais. Fazemos do nosso espaço intimamente ligada ao imaginário pessoal, ou seja,
um exercício de contemplação, do viver devagar, ensinar pensar com imagens. O imaginário pessoal transcende a nossa
5
devagar , de tardes cheias de “nada programado”, e damos o personalidade (BLANCO, 2019, p. 85).
exemplo quando nos orientamos para os trabalhos da quinta É tudo o que temos como referencial e disponível, por
(como cuidar e alimentar os animais), convidando as crianças isso quão maior for a qualidade estética daquilo que nos
para as tarefas do cuidar sem pressa. Construindo espaços rodeia, melhor será este nosso imaginário. A educação
de ócio, como cabanas, casas na árvore, montando tendas e estética permite-nos ampliar os nossos conhecimentos nas
cantinhos onde se possa fugir à pressa: São necessários tempos áreas de design, ilustração, arquitetura, cinema, entre outras
lentos para uma infância rica (MARCANO, 2015, p. 76). linguagens artísticas. Assim, entendendo que não existe uma
única definição de beleza, cabe-nos, enquanto educadores,
Reduzir a velocidade da mente pode resultar numa melhor possibilitar o acesso às artes, à cultura, a outras formas de ver
saúde, calma interior, melhorar a concentração e capacidade e fazer. E para isso, temos de ser conscientes da importância
de pensar de uma forma mais criativa. Podemos recordar da qualidade estética do espaço educativo e de tudo o que
Kundera que lhe chamou sabedoria da lentidão. (HONORÉ, faz parte dele.
2016, p. 35). Num ambiente exterior, a natureza providencia a
harmonia, o equilíbrio, as diversidades de cores, tonalidades
e padrões, a luminosidade e a sua ausência, as formas,
elementos de design que aprendemos a imitar nas nossas
5 Slow living e slow teaching é uma adaptação do movimento slow produções humanas. Então, esse mesmo cuidado estético
que ensina a importância de viver sem pressa para ter momentos
é trazido para o espaço interior e mantido através do olhar
de qualidade. O slow teaching é inspirado também na obra de Shari
da criança: para onde ela olha, como interage com o espaço
Tishman.
70 e os materiais, onde gosta de passar o seu tempo. O espaço 71
tem de crescer, de ser modificado ao longo do tempo, com as
crianças refletindo os seus gostos e os seus interesses.

As crianças e a forma como vivem os espaços, constroem


relações e aprendem, não são as primeiras a serem ouvidas
quando se planificam espaços infantis.
(VECCHI, 1998, p. 97).

Na minha experiência pessoal, nas aulas de expressão


plástica nas escolas tradicionais, as crianças raramente
queriam deixar as suas produções nas salas, sentiam que
aquilo que produziam não era valorizado pela “escola”, mas
apenas por mim e por elas enquanto autoras. Nos projetos
que atualmente coordeno, as crianças querem que as suas
produções façam parte das paredes, da vivência estética
e expressiva que se vive em todos os edifícios. Sentem-
se orgulhosas e trazem os familiares para ver, para que
partilhem do seu entusiasmo.
Este nosso cuidado estético transcende as paredes do
atelier, e a arte cabe em todo o lugar. E há tempo para ver,
para conversar com os amigos sobre as produções, para
partilhar com as famílias, para deixar secar produções que

Todos os
espaços podem
ser o atelier
72 demoram muito tempo, revisitar e acrescentar ou se propõem atividades que permitem expressar-se com 73
concluir obras. o corpo todo, as crianças imergem-se e perde-se a noção
Afinal, quando é que uma obra está terminada? do tempo, do princípio e do fim. Por isso, para elas todo
Quando acaba a aula (um tempo demarcado pelo adulto) o tempo é pouco. E a fruição exige repetição, quer seja a
ou quando o artista a termina? É necessário um tempo fruição estética de contemplar algo verdadeiramente belo,
diferente do dos adultos para se conectar e criar enquanto quer seja a fruição emocional de fazer algo que se considera
criança, enquanto artista. extremamente prazeroso.
Por vezes, o processo criativo é como o inverno, escuro, Se considerarmos que o direito à beleza é fundamental
onde parece não existir nada mais do que um compasso para ser cidadão do mundo, então temos que reconhecer
de espera até à primavera. E, entretanto, ela chega, como o tempo como elemento essencial para a fruição do belo.
um rasgo de inspiração em que tudo floresce. Para as Temos de entender que ele tem diferentes percepções para
crianças (e artistas), o processo de criar começa com o fazer adultos e crianças, e que se queremos humanizar a escola
qualquer coisa, como exemplo, manipular os materiais, infantil, temos de o deixar correr, dando tempo à infância
atravessando estes momentos de vazio e saltitando muitas para passar devagar.
vezes entre atividades, voltando depois à bancada de
trabalho e explorando novamente. Neste vai e vem de
movimentos criam-se as conexões e geram-se as ideias. Por  Palavras-chave: tempo; arte; atelier; infância; estética
isso, precisamos de free-flow play, de liberdade de ir e vir, da
liberdade dos movimentos (de pé, sentado, deitado). O atelier
de um artista é um puro estado de caos onde a liberdade flui,
tal como fluem os pensamentos e os movimentos.
E, se para algumas crianças é a mão a principal
ferramenta (ou a tela), para outras é o corpo inteiro. Quando
GANDINI, L.; HILL, L.; CADWELL, L.; SCHWALL, C. O papel do atelier na
74 ANA DE MESQUITA GUIMARÃES educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia. Porto Alegre: Penso, 2012. 75
[email protected] HONORÉ, C. Elogio de la lentitud: un movimiento mundial desafía el culto
Formadora desde 2010 nas áreas artística e da pedagogia. Desenvolve a la velocidad. Barcelona: RBA, 2016.
consultoria em diversas comunidades educativas em Portugal. Colabora KORINTUS, M. Mamá venderá a recogerte despúes de la siesta. El tiempo
com diferentes editoras portuguesas e participa ativamente em de la infancia, Rosa Sensat, p. 25-27, oct. 2013.

diferentes projetos ligados MARCANO, B. T. Espacios em armonía, propuestas de actuación en ambientes


para la infancia. Barcelona: Octaedro, 2015.

MITCHELL, M. Life, letters, and journal. London, United Kingdom: Forgoton


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FRANCHESCH, J. Ellogio dell’educazione lenta. Brescia: La Scuola, 2011.
LOGO ALI / SÃO BERNARDO

76 77

SOB
DIFERENTES Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o
céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar
o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um

TEMPOS
existencial. (KRENAK, 2019, p. 17).

Na oportunidade dos vários encontros e provocações que


a escola da infância possibilita, me encontrei com essas
palavras de Krenak, que ecoaram dentro e fora de mim,
ocuparam minhas reflexões, rodas de conversa, blocos

DILOGOS ENTRE de nota do celular e outras formas de registro na nuvem.


Com estes registros, não havia intenção de minha parte de

CHRONOS E AIN NA apresentar estes textos para outros, mas escrevia para mim,
para olhar e criar um diálogo com a minha prática, como

CONSTRUÇO DA EXPERINCIA uma espécie de diário de inquietações.

Iasmin de Oliveira
78 O ensaio que aqui apresento, construído a partir de dentro deste sistema precisamos acompanhá-lo. Pouco 79
leituras, ideias e encontros, representa um exercício a pouco, vamos nos afastando do que é essencial e nos
de reflexão e ressignificação da minha prática educativa. Por aproximando de um tempo, como diz Krenak (2019, p. 14),
isso, narro em primeira pessoa, exteriorizando desconfortos, especialista em criar ausências.
preocupações e anseios guardados em mim. Essa rotina das ausências chega também às Unidades
No meu percurso como arte-educadora atuando em Educacionais. Muitas vezes, parecem transbordar de nós
espaços de ensino formal, a começar pelo Programa educadora(es) e recair sobre as crianças, que acabam por ser
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID — ignoradas em suas necessidades mais puras e simples em prol
CAPES) na Prefeitura de São Paulo (2016-2018), em que atuei do cumprimento de rotinas, prazos, grade curricular e tarefas
na EMEF Celso Leite Ribeiro Filho, com turmas de 3º e 4º ano, de todos os tipos, que aparentam ser mais importantes do
e como Professora de Arte pela Prefeitura Municipal de que a própria experiência da criança.
São Bernardo do Campo (desde 2019), atuando em diversas Um dos maiores desafios com o qual me deparei ao
escolas, de pequeno, médio e grande porte, com turmas de ingressar na Prefeitura Municipal de São Bernardo do
Educação Infantil e Ensino Fundamental, pude observar que Campo (2019) e iniciar minha carreira como professora de
o cotidiano de uma escola pode ser muito acelerado, cheio Arte na Educação Infantil foi a qualificação do tempo de
de afazeres, demandas e cobranças em todos os níveis. aprendizagem. Pela primeira vez, me encontrei com duas
A preocupação de dar conta de tudo pode transformar um realidades diferentes: atuar como Professora de Arte
ambiente fértil em um espaço sem brilho e com pouca vida. de crianças de três a seis anos e em uma escola de período
Acredito que esta é uma ação que também acontece no integral. Desde então, atuei em quatro escolas, atendendo
cotidiano de forma (anti)natural conforme vamos crescendo turmas de Educação Infantil: EMEB Mariana Benvinda da
e nos ajustando às necessidades e demandas da sociedade Costa (2019-2021); EMEB Luiza Maria de Farias (2019); EMEB
contemporânea e capitalista, e passamos a acreditar que as Marcos José Ribeiro (2021-2022); EMEB Hygino Baptista
coisas são assim porque “tem de ser” e que para sobreviver de Lima (desde 2022), todas estas Unidades fazem parte
80 do Programa Educar Mais, logo, escolas de tempo integral que não se submetem ao tempo 81
que contam com aulas de Arte e Educação Física. Dentro cronológico.
desta realidade, encontrei uma configuração horária já
estabelecida: duas horas-aula semanais de Arte por turma, Dessa forma, ao realizar os encontros de arte com as
normalmente organizadas em dias e turnos diferentes. crianças, fui enxergando como a concepção de “aula de Arte”
Conforme fui compreendendo melhor a dinâmica das com tempo preestabelecido de uma hora pode apresentar
crianças nos encontros de arte e a vida que pulsa na Educação um viés controlador se pensarmos que todas as crianças
Infantil, comecei a ter alguns conflitos relacionados à gestão precisam realizar a mesma proposta durante todo o período
do tempo desses encontros em detrimento do tempo de do encontro, e até mesmo ser limitante, visto que o tempo da
experiência das crianças. experiência não se restringe ao tempo cronológico.
Neste percurso, me deparei com a definição de dimensão
Se considerarmos que a aprendizagem
estética apresentada por Vea Vecchi (2017), como uma
artística se faz no contato com atitude de cuidado e de atenção para aquilo que se faz,
como desejo de significado, maravilhamento e curiosidade.
o outro e com a arte, partilhando
Era o que buscava trazer para meus encontros com as
olhares, experimentando crianças. Compreendi que para que a experiência de fato
acontecesse e fosse algo que atravessasse as crianças, era
materialidades, gestos, sons
preciso criar espaço e tempo de conexão significativa entre
e diferentes formas de fazer, acontecimentos.

conseguimos compreender que é um É interessante pensar a estética para além da sua relação
com a arte e dos modelos de beleza clássica tão conhecidos,
processo que demanda tempo de compreender que a estética não está estritamente relacionada

experiência e conexão. Duas ações à arte, mas à vida, pois tem a ver com o olhar sensível, que
82 dá atenção aos detalhes, que extrai o extraordinário do
ordinário, que se atém às minúcias da existência, ao tempo
da experiência. É o oposto da ausência. É uma conexão
significativa.
Foi a partir desse olhar para a estética do sensível, que
se faz no encontro com o outro, que passei a questionar
como poderia qualificar o tempo dos encontros de arte:
Como garantir às crianças um tempo de aprendizagem que
busque a inteireza do ser? Quais estratégias poderiam ser
criadas para alargar este tempo de experiência, de contato
com o outro? Como garantir que as pesquisas iniciadas pelas
crianças não se limitassem ao tempo preestabelecido de Após reflexão entre teoria e prática, trocas estabelecidas
um encontro? A partir dessas inquietações, busquei refletir com colegas e reconhecimento de alguns incômodos
sobre a minha prática e pensar “fora da caixa”, pensar nas que me tocavam diretamente, compreendi que qualificar o
necessidades das crianças que se apresentavam diante de tempo de encontro não significava aumentar ou diminuir
mim e no que eu poderia fazer para supri-las, sem esquecer a duração preestabelecida, mas garantir o tempo de
que permanecia dentro de uma rotina escolar de educação experiência da criança, considerando que este tempo pode
de tempo integral, que fazia parte de uma engrenagem variar de criança para criança, afinal as experiências são
muito maior, que dependia não somente de mim para girar, pessoais. Assim sendo, o desafio consistia em como equilibrar
mas de profissionais de diferentes áreas — cozinha, apoio os diferentes tempos — de cada criança e de cada grupo —
escolar, auxiliares de educação, oficiais de escola, gestão ante a rotina escolar.
e demais professores — que também apresentavam suas Aos poucos, fui me ajustando junto às crianças,
especificidades quanto ao tempo. professoras e professores da sala referência, estabelecendo
84 diálogos e traçando estratégias para que juntos pudéssemos Os encontros com os pequenos grupos deixaram ainda 85
tirar o melhor proveito de cada encontro e oportunizar um mais em evidência a necessidade de organizar o tempo de
encontro entre criança e processo criativo que tivesse acordo com a experiência. Em alguns encontros, a depender
como eixo central a qualidade e não a quantidade de horas. da proposta a ser desenvolvida junto com as crianças, era
Afinal, se afirmamos que a experiência é um processo pessoal necessário um tempo maior que trinta minutos. Passei a
de conexão, dissociado da hora-aula, podemos repensar o compreender a grade horária apenas como uma organizadora
modo como enxergamos esse encontro, criando dentro dele da rotina, de modo a permitir que toda a engrenagem
novas configurações, de modo a respeitar o processo de continuasse girando, mas que dentro dela poderiam ser
construção de conhecimento da criança em cada etapa da criadas variações para atender as necessidades das crianças a
criação artística. cada encontro.
A princípio, optei por realizar os encontros com A partir deste momento, me reorganizei junto com as
pequenos grupos, o que consistia em levar metade da turma professoras e professores das salas referência e, de acordo
para o ateliê (ou outro espaço em que aconteceria o encontro com o que seria desenvolvido no encontro de arte e/ou na
de arte), enquanto a outra metade permanecia com a proposta da sala referência, combinamos se seria feita a
professora ou professor da turma realizando outra proposta, divisão do número de crianças em pequenos grupos ou não, e
depois os agrupamentos eram trocados, garantindo assim qual o tempo de duração do encontro (trinta minutos ou uma
que todas as crianças da turma pudessem vivenciar as duas hora). Era o tempo da experiência conseguindo seu espaço.
propostas. Era o chronos dando a mão para o aión.
Inicialmente, esta nova configuração me ofereceu uma Segundo Walter Omar Kohan (2004, p. 94):
qualidade de encontro que nunca havia experimentado.
Estar com a turma reduzida, me oportunizou olhar mais As distinções entre história e devir, chrónos e aión, macro e
individualmente para as crianças, ouvi-las e estabelecer micropolítica, podem nos ajudar a pensar a infância. Em certo
mediações mais assertivas. sentido, há duas infâncias.
86 Uma é a infância majoritária, a da continuidade cronológica, 87
da história, das etapas do desenvolvimento, das maiorias
e dos efeitos: é a infância que, pelo menos desde Platão, se
educa conforme um modelo. Essa infância segue o tempo
da progressão sequencial: seremos primeiro bebês, depois,
crianças, adolescentes, jovens, adultos, velhos. Ela ocupa uma
série de espaços molares: as políticas públicas, os estatutos,
os parâmetros da educação infantil, as escolas, os conselhos
tutelares.
Existe também uma outra infância, que
habita outra temporalidade, outras linhas,
a infância minoritária. Essa é a infância
como experiência, como acontecimento,
como ruptura da história, como revolução, como resistência e
como criação. […] É a infância como intensidade, um situar-se
intensivo no mundo; um sair sempre do “seu” lugar e se situar
em outros lugares, desconhecidos, inusitados, inesperados.

Assim, podemos compreender chronos como o tempo


cronológico, e aión como o tempo que não está subjugado
ao relógio. Estes dois modos de temporalidade estão
continuamente se cruzando na escola da infância. Aión é
como o tempo da criança. É a vida encontrando formas de
88 existir diante da sociedade das ausências, é o tempo de se 89
perder da fila para acompanhar fixamente o percurso da
formiga, de seguir a gota de tinta esparramando pelo papel e
ganhando nova forma, é o tempo de não pensar no tempo,
é a criança que mesmo diante de uma rotina rígida, do
chronos, dos acontecimentos e tarefas, arruma um jeito de
alargar seu tempo.
Dito isto, compreendo que, mesmo modificando a
estrutura dos encontros de arte no intuito de qualificar
o momento de aprendizagem, ainda não conseguimos
encontrar o modelo ideal de gestão de tempo — se é que
ele existe — de acordo com as necessidades individuais das
crianças, mas permanecemos em busca. Há ainda muito a
ser feito na construção de um modelo que respeite o tempo
da experiência de cada criança, que considere que algumas
crianças talvez não precisem voltar para a sala referência ao
término da hora-aula se seu processo de experiência ainda
está acontecendo, que considere que as crianças na Educação
Infantil estão tendo os primeiros contatos com experiências
artísticas, conhecendo materiais, estabelecendo diferentes
relações com os objetos e com os pares, estão chegando ao
mundo, observando e extraindo dele tudo aquilo que julga
necessário.
90 Conhecer demanda tempo. E a arte 91

parece nos convocar a esse tempo


expandido, que não é condicionado a
começo, meio e fim, que não demanda
resultado, mas se importa com o
processo. Afinal, se é no processo que
a criança questiona, compara, levanta
hipóteses e constrói seu conhecimento,
por que dar importância apenas ao
para esta interrupção, retomar a cada novo encontro o que
resultado final? A ideia por trás da obra aconteceu no encontro anterior, na tentativa de restituir a
experiência e retomá-la sempre que necessário, mesmo que
é mais importante que sua aparência.
não seja para a turma toda, mesmo que seja apenas para
É no processo que o conhecimento se algumas crianças dentro de um pequeno grupo.
Este processo de retomada me remete ao trabalho de
faz visível.
muitos artistas, os quais também vivem sob a regência do
Na organização que vivenciamos hoje há ainda processos chronos e criam brechas para que o aión possa adentrar, que,
que são interrompidos em detrimento de outra demanda por vezes, quando interrompidos por diferentes demandas,
estabelecida na rotina escolar, como os horários de refeição, lançam mão de ferramentas como esboços, notas, mapas
por exemplo. Diante disso, busco, como medida paliativa mentais, registros por áudio ou vídeo, dentre outras
92 estratégias, de modo que possam retomar seu processo de De mãos dadas com chronos e aión, revejo o passado, 93
criação assim que possível. Isso me faz pensar que, de alguma percebo o presente e idealizo o futuro das minhas práticas
forma, mesmo regidos pelo tempo cronológico, vamos no campo da arte na Educação Infantil. Percebo que a
criando maneiras de conciliar os tempos e atender nossas complexidade do cotidiano de uma escola da infância e o
necessidades dentro do processo criativo. desejo de investigar as relações atravessadas pela arte e
Acredito que a questão aqui não é a preferência de um pela experiência são desafios que me instigam a continuar
dos modos temporais — chronos ou aión — em detrimento do questionando, pesquisando e encontrando novas formas
outro, mas a conciliação entre ambos, uma vez que, em nosso de moldar a minha prática. Observo que a Unidade
cotidiano, nos relacionamos com os dois. É a forma como Educacional é uma grande comunidade de aprendizagem,
estabelecemos o diálogo entre todas as demandas que surgem que os objetivos, a organização dos tempos e dos espaços, o
na escola da infância e como criamos caminhos férteis para respeito às individualidades e às experiências de cada um dos
que a aprendizagem das crianças possa florescer. envolvidos nessa comunidade são de grande importância e
Ao refletir a respeito de como organizo os encontros necessitam ser acolhidos, de modo que, gentilmente, cada
de arte com as crianças hoje, ainda percebo incômodos, vez mais o chronos dê espaço ao aión, para que, como diz
penso em como posso qualificar ainda mais o tempo de Krenak, possamos suspender o céu.
experiência das crianças. Penso se seria possível a construção
de uma escola da infância mais livre, em que as crianças
pudessem escolher em qual ambiente querem estar e por  Palavras-chave: tempo; experiência; chronos; aión
quanto tempo, em que a criança ditasse a duração da sua
experiência, sem precisar ser interrompida para realizar uma
nova tarefa. Gosto de pensar na possibilidade de construir
novas formas de caminhar, mas, mais ainda, que entre o real
e o ideal, precisamos construir o possível.
94 IASMIN DE OLIVEIRA 95
[email protected]
Professora de Arte da PMSBC, é graduada em Artes Visuais pela
Faculdade Paulista de Artes (FPA) e Pedagogia pela Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP). Atualmente é Professora de Arte
na Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de São Bernardo
do Campo.

REFERÊNCIAS

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Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, abr. 2002.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
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VECCHI, Vea. Arte e criatividade em Reggio Emilia: explorando o papel e a


potência do ateliê na educação da primeira infância. São Paulo: Phorte,
2017.
AQUI NA REDE / CEI DIRETO

96 97

REPENSANDO
TEMPOS,
ESPAÇOS E
O CURRICULO MATERIAIS

DA Ressignificar (v.)
É olhar de dentro para fora. É encontrar novidade no que

CIDADE
a gente vê todo dia. É saber que as coisas mudam tanto
quanto pessoas. É recriar o que um dia foi criado. É a própria
regra. É saber lidar com o novo. É perceber que tem um
pouco da gente em tudo o que a gente faz. É um exercício de
autoconhecimento.

COMO CONDUTOR É um ato de extrema liberdade em que a gente pinta o mundo à


nossa volta do jeito que a gente vê. (DOEDERLEIN, 2017, p. 112)

DE MUDANÇAS Rosangela Martins Caproni


98 O primeiro contato dos bebês com o mundo acontece 99
a partir das relações estabelecidas com sua própria
família e, aos poucos, eles vão conhecendo mais e mais
e se apropriando de tudo que os cerca. Mas não é raro
que bebês com menos de um ano iniciem suas trajetórias
em espaços coletivos onde irão vivenciar experiências e
interações para além do seu núcleo familiar. Os documentos
Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil — DCNEI
(2010) e Currículo da Cidade: Educação Infantil apontam
três grandes funções das instituições de Educação Infantil: a
função social do acolhimento no sentido de cuidar e educar,
a função política de promover o acesso a bens culturais
e possibilidades de vivências de infâncias, e a função
pedagógica, ou seja, promover a ampliação e a diversificação
de repertórios e saberes. O Currículo da Cidade:
Educação Infantil apresenta a importância das
interações e das brincadeiras como forma
de garantir o processo de aprendizagem e
desenvolvimento integral, e é fundamental
que tais concepções estejam presentes
nos Projetos Pedagógicos das Unidades de
Educação Infantil. Embora os Documentos citados
apresentem embasamentos teóricos importantes, em muitas
100 Instituições de Educação Infantil, as práticas ainda estão 101
desconectadas das teorias e esse é com certeza um grande
desafio que precisa ser superado.
É muito comum, nos ambientes coletivos onde bebês
e crianças pequenas convivem, ouvir dos adultos que eles
estão “apenas brincando”, visto que, por vezes, a brincadeira
é entendida como um tempo de distração, algo que os
pequenos fazem para “passar o tempo”. Ao contrário,
o brincar para as crianças é muito mais que
um passatempo: é a forma de sentirem e
conhecerem tudo que as cercam, ou seja, de
aprenderem por meio de suas ações como
o mundo funciona. Para os bebês e crianças, o brincar
é uma necessidade vital! O Currículo da Cidade: Educação
Infantil (2019) ressalta que:

[…] as crianças aprendem enquanto vivem e convivem.


Aprendem e percebem o mundo por inteiro: enquanto
observam, ouvem e pensam, e quando brincam,
experimentam, descobrem, comparam, e expressam, por
meio de diferentes linguagens aquilo que vão aprendendo e
percebendo do mundo ao redor. (SÃO PAULO, 2019, p. 69).
102 Compreender que, desde o nascimento, os bebês e as É partindo do entendimento de que os bebês e as crianças 103
crianças pequenas se desenvolvem e aprendem nas interações pequenas precisam vivenciar experiências que lhes façam
e por meio de brincadeiras, isso nos impulsiona a repensar sentir, pegar, tocar, cheirar, levantar hipóteses e testá-las
quais oportunidades estão sendo oferecidas aos bebês e às na ação que iniciamos um processo de discussões, estudos,
crianças pequenas nos espaços coletivos públicos da Cidade reflexões para transformarmos nossas práticas com os bebês
de São Paulo e como estas necessidades são organizadas nos e as crianças pequenas no CEI Direto Silvia Covas, localizado
Projetos Político-Pedagógicos de cada Unidade. Contudo, no bairro do Cambuci, Zona Sul de São Paulo, a fim de
para que os bebês e as crianças possam realizar todas as qualificar nossos tempos, espaços e materialidades.
descobertas por meio de suas próprias vivências, os adultos Quando assumi o cargo de Coordenadora Pedagógica no
precisam garantir algumas condições básicas, tais como: CEI Direto Silvia Covas, em 2018, o que mais me encantou
tempo suficiente, espaços seguros, porém desafiadores, e foram os espaços… A natureza, as árvores, um
materialidades interessantes. Diante disso, todos os espaços grande “quintal” com infinitas possibilidades
precisam ser pensados, discutidos e transformados, para de experiências que aquele lugar poderia
que as crianças possam viver suas experiências em todos os proporcionar. Aos poucos, fui me apropriando da
lugares e em todos os momentos. rotina do CEI, do fazer pedagógico das professoras e o que
era trabalhar em um espaço coletivo de bebês e crianças
[…] o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, pequenas. Ao mesmo tempo em que coisas interessantes
regras de uso do espaço, luzes e cores, odores, mobílias, já aconteciam naquele espaço, como exemplo, a parceria
equipamentos e ritmos de vida. Também é importante educar com a comunidade escolar, o uso dos espaços externos
as crianças no sentido de observar, categorizar, escolher e pelas crianças maiores e a interação com a natureza, fui
propor, possibilitando-lhes interações com diversos elementos. percebendo que a rigidez dos tempos era um desafio, assim
(BARBOSA; HORN, 2001, p. 73) como em muitas Unidades de Educação Infantil. A rotina
de bebês e crianças tão pequenas estava presa a uma linha
104 do tempo. A “hora da atividade” parecia ser ainda o grande com o Currículo “o funcionamento da UE certamente exige 105
momento do dia das crianças. organização e definição de horários, mas estes não podem
Repensar a lógica de uma UE centrada nos tempos dos se sobrepor às necessidades das crianças” (SÃO PAULO, 2019,
adultos não é simples, pois, na maioria das vezes, uma rotina p. 97). Qualificar os espaços foi uma maneira de pensarmos
acelerada e inflexível imposta para bebês e crianças já está em grupo também o tempo das crianças em nossa Unidade.
naturalizada nos espaços escolares, mas é fundamental Até então, não tínhamos realmente pensado em como
defender uma infância na qual os bebês e as crianças tornar o espaço de fato acessível às crianças. Iniciamos com
pequenas possam ter a liberdade de vivenciar experiências pequenos questionamentos que surgiram principalmente na
verdadeiras, assim como diz Bondia (2002): “A experiência é Autoavaliação, que acontece anualmente com a participação
o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o de toda a comunidade escolar, chamada “Indicadores de
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se Qualidade Paulistana”. Os Indicadores de Qualidade na
passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada Educação Infantil têm como intenção fortalecer a gestão
nos acontece”. democrática a partir da avaliação de nove dimensões, como
Buscando uma forma de me aprofundar nos estudos apontado no próprio documento (2016):
sobre o desenvolvimento de bebês e crianças bem pequenas,
conheci a Abordagem da pediatra e educadora húngara Emmi Os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana
Pikler. Foi por meio dos estudos dessa abordagem no horário têm como objetivos auxiliar as equipes de profissionais das
do PEA — Projeto Especial de Ação (momento de formação Unidades Educacionais, juntamente com as famílias e pessoas
em que todos os professores participam) e uma profunda da comunidade, a desenvolver um processo de autoavaliação
reflexão coletiva a partir da leitura do Currículo da Cidade: institucional participativa que leve a um diagnóstico coletivo
Educação Infantil, implementado na Rede Municipal de sobre a qualidade da educação promovida em cada Unidade, de
Ensino de São Paulo em 2019, que iniciamos o processo de forma a obter melhorias no trabalho educativo desenvolvido
ressignificação dos tempos, espaços e materiais. De acordo com as crianças. (SÃO PAULO, 2016, p. 7)
106 A avaliação possui dois grandes momentos: o primeiro é 107
a Autoavaliação propriamente dita e, ao final deste encontro,
a Unidade traça um retrato dos avanços e principalmente
das dificuldades que precisam ser enfrentadas. Em um
segundo momento, coletivamente, busca-se estratégias para
superar os problemas apontados por meio de um Plano
de Ação. E foi a partir deste Plano de Ação, resultado dos
Indicadores, que surgiram algumas inquietações. Como
tornar o espaço e as materialidades acessíveis
às crianças? Como fazer com que as crianças
tenham acesso à água na hora que tiverem
sede? Quais materialidades utilizamos no dia a Educação Infantil. A partir dos documentos, como o Currículo
dia com as crianças? Integrador da Infância Paulistana (2015), os Indicadores de
Logo percebemos que pequenas mudanças trazem Qualidade da Educação Paulistana (2016) e o Currículo
grandes resultados. Um balcão foi colocado nas salas de da Cidade: Educação Infantil (2019), foi possível rever e
referência, e nele um filtro com copos para que as crianças reescrever o Projeto Político-Pedagógico de nossa Unidade.
pudessem pegar água na hora da sede, para terem acesso aos Durante muito tempo, nas pedagogias tradicionais,
materiais sem precisar pedir para o adulto pegar no alto de o professor foi visto como o detentor dos conteúdos e
uma prateleira, e foram instalados os “cantinhos da leitura” transmissor dos conhecimentos. Ainda hoje, é extremamente
com livros para que pudessem ler e ver as histórias sempre desafiador compreender o papel do professor de educação
que quisessem. infantil como um mediador e facilitador das aprendizagens
Para realizar mudanças, é preciso rediscutir as das crianças, tal como afirma o Currículo Integrador da
concepções de bebês e crianças, adultos e o papel da Infância Paulistana:
108 Educadoras e educadores que estão gestando espaços e tempos de planejamento que possibilitassem redimensionar 109
em que participem bebês e crianças compreendem seu práticas antes consolidadas. E se apropriar dos documentos
papel de mediador como aquele que organiza um conjunto orientadores e das teorias sobre desenvolvimento infantil
de vivências ou experiências cujo ponto de partida são os foi uma das formas de iniciarmos em nossa Unidade esse
conhecimentos, indagações, curiosidades dos bebês e crianças, processo de ressignificações das práticas coletivas, porém,
compreendendo especificidades de suas linguagens com mais do que somente estudar, era preciso ter mudanças
relação ao seu contexto sócio histórico cultural. (SÃO PAULO, concretas. Por isso, iniciamos uma reestruturação das
2015, p. 49). materialidades que utilizávamos até então. O CEI possuía
um grande número de brinquedos de plástico trazidos
Ao redimensionar o papel dos adultos, a criança que sem intencionalidades, e repensar a quantidade,
antes não era considerada na organização dos tempos e a qualidade e a estética dos materiais que
espaços na escola passou a ser a protagonista. Entretanto, tínhamos também nos levou a pensar sobre
possibilitar que os bebês e crianças pequenas construam a concepção de criança e o papel do adulto.
sua autonomia nas ações dos dia a dia não é algo simples. Desta forma, começamos a compor nosso acervo com
Descentralizar as ações dos adultos para tornar as crianças materiais de largo alcance, objetos do cotidiano, e passamos
protagonistas dentro do CEI foi um desafio encarado a estudar como organizar e pensar o ambiente por meio de
por todos nós. Em uma constante busca por mudanças, contextos de aprendizagem. Pensar na organização da sala de
passamos a perceber que não tínhamos “alunos”, mas bebês referência e também dos espaços externos passou a ser nossa
e crianças. Não precisávamos “dar aulas”, mas planejar e prioridade. A organização dos Contextos de Aprendizagem
organizar os espaços, materiais e tempo para que as crianças a partir da intencionalidade da educadora, em que ela
realizassem suas pesquisas. Esse foi um processo que foi seleciona, organiza e planeja a estética das materialidades, de
acontecendo paulatinamente, a partir dos estudos em forma a ser um convite para a exploração, também fez parte
momentos formativos, mas também na busca de estratégias de nossos estudos no ano de 2022. A partir da leitura e do
110 estudo do documento Orientação de Registros na Educação muitos espaços e dias da semana, 111
Infantil (2020), realizamos a transição de um planejamento desde que houvesse intencionalidade
no formato de semanário, no qual as “atividades” do dia eram
descritas para o registro em um Diário de Bordo. O Diário
da professora a partir da escuta e dos
de Bordo, uma forma de planejar mais flexível e ao mesmo interesses das crianças.
tempo capaz de garantir a escuta das individualidades dos
bebês e das crianças, foi um grande aliado para avançarmos Ao estudarmos a abordagem Pikler, percebemos que os
em nossas práticas diárias, pois passou a guiar nossas ações e bebês também precisavam de oportunidades e tempo!
nortear o caminho que queríamos seguir.
Para a criança, a liberdade de movimentos significa a
Nossos espaços externos, embora
possibilidade, nas condições adequadas, de descobrir, de
sejam uma grande fonte de experimentar, de aperfeiçoar e de viver a cada fase de seu
desenvolvimento, suas posturas e movimentos. Por isso, tem
pesquisa por si mesmos, poderiam e
necessidade de um espaço adaptado aos seus movimentos, de
deveriam ser potencializados com a roupa que não atrapalhe, de um chão sólido e de brinquedos

intencionalidade da educadora, que que a motivem. (TARDOS; SZANTO-FEDER, 2021, p. 53).

organizaria contextos também nesses A partir de nossos estudos nos momentos de formação,

locais. A areia não precisaria mais estar surgiram algumas ações concretas garantidas por intermédio
do Programa de Transferência de Recursos Financeiros —
presente apenas no dia do tanque de PTRF e pensadas para ampliar a oportunidade dos bebês,

areia, ela poderia estar presente em mesmo os bem pequenos, para que pudessem ter o
movimento livre garantido e ir descobrindo por eles mesmos
112 o que seus corpos poderiam fazer, sem intervenção direta 113
do adulto. Desta forma, uma estratégia que utilizamos foi
retirar os berços da sala do Berçário, possibilitando maior
espaço para os bebês se movimentarem, e trocamos o piso da
sala por outro com maior conforto térmico, mas, ao mesmo
tempo, firme. Posteriormente, também realizamos a troca
dos mobiliários, pensando em como oferecer desafios para o
desenvolvimento motor dos bebês e garantindo a segurança
naquele espaço. Outras aquisições feitas com o uso das
verbas foi uma rampa de madeira para proporcionar desafios
motores e uma cerca na intenção de separar os bebês que
não engatinhavam daqueles com maior desenvolvimento
motor. E as mudanças não pararam aí! Outros espaços
também foram transformados com a intenção de ampliar a
autonomia e proporcionar experiências interessantes para os
bebês e crianças pequenas. No fundo da Unidade, tínhamos
um espaço que não era utilizado. E se construíssemos
um deck? Parecia impossível, mas aconteceu! A ideia que
surgiu como uma sugestão das famílias em uma Reunião
de Conselho de Escola foi ganhando vida a partir do
momento em que buscamos as formas reais de concretizar,
como solicitar aprovação da obra pela engenheira da DRE,
prever os custos no planejamento anual de gastos, dialogar
114 coletivamente sobre como gostaríamos que este espaço 115
ficasse… por isso, foi necessário muito empenho coletivo
para que pudéssemos ter um deck de madeira como um novo
espaço na escola. E quanto mais investimos nas mudanças
nos espaços, mais potentes se tornam as pesquisas das
crianças! As novas materialidades e os espaços transformados
refletiram na forma como os bebês e as crianças pequenas
se relacionavam com os espaços, proporcionando novas
interações entre elas e os objetos, a natureza e o mundo. Os
bebês que antes estavam limitados a alguns espaços do CEI
passaram a utilizar o deck, as oportunidades de contato com
materialidades de diversas texturas para além do plástico se
ampliaram significativamente, e a liberdade de movimentos
proporcionaram que bebês e crianças descobrissem por eles
mesmos novas formas de interagir com o mundo. Além disso,
as professoras passaram a organizar os espaços e materiais a
partir de uma escuta sensível dos interesses dos bebês e das
crianças registrada em seu planejamento, garantindo que as
pesquisas acontecessem sem que eles tivessem que ensinar
ou intervir, ou seja, ofereciam situações interessantes,
desafiadoras mas sem determinar previamente como os
bebês e as crianças iriam interagir com aquele contexto.
Foram mudanças muito significativas!
116 Ainda são inúmeros os desafios e os tempos que precisamos 117
flexibilizar. E é preciso enfatizar que todo esse caminho percorrido REFERÊNCIAS

desde 2018 não foi simples, nem linear, mas entendemos que
este é um processo que estamos construindo juntos e que tem BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza.
Organização do espaço e do tempo na Educação Infantil. In: CRAIDY,
permitido que os bebês e as crianças pequenas vivam suas Carmem; KAERCHER, Gládis E. (org.). Educação Infantil: pra que te quero?.
infâncias plenamente no CEI SILVIA COVAS. Porto Alegre: Artmed, 2001.

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de


experiência. Rev. Bras. Educ. [online], n.19, p. 20-28, 2002.

 Palavras-chave: infância; currículo; tempos e espaços DOEDERLEIN, João. (Akapoeta). O livro dos ressignificados. São Paulo:
Paralela, 2017.

FALK, J. (org.). Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. 3. ed.


São Carlos: Pedro&João Editores, 2021.

Ministério da Educação. CNE/CEB. Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil. Brasília, 1999

SÃO PAULO, (Município). Secretaria Municipal de Educação. Currículo


ROSANGELA MARTINS CAPRONI Integrador da Infância Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.
[email protected]
SÃO PAULO (Munícipio). Secretaria Municipal de Educação. Currículo da
Instituição: CEI Direto Silvia Covas — DRE Ipiranga. Cidade: Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.
Graduada em Pedagogia pela USP; Especialista em Educação Infantil SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Indicadores de
e Arte e Educação. Estudiosa da Abordagem Pikler. Coordenadora Qualidade da Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2016.

Pedagógica na Prefeitura Municipal de São Paulo desde 2012. São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria
Pedagógica. Orientação Normativa de registros na Educação Infantil. — São
Idealizadora do perfil @infanciaeinspiracoes nas redes sociais
Paulo: SME / COPED, 2020.
Instagram e Facebook.
AQUI NA REDE / CEI PARCEIRO

118 119

Em 1996, inicia-se uma nova caminhada nesta Unidade


Educacional. Com muito cuidado, fomos tocando, sentindo
e ressignificando o espaço de educação, um sítio com muito

PEQUENA
verde, destinado às crianças pequenas. Inicia-se um trabalho
de escuta, o compromisso era lançar um fio condutor,
traçando caminhos que pretendíamos percorrer no Centro

NARRATIVA DA de Educação Infantil Shangri-lá, o nome do bairro e do CEI. De


acordo com TRIVELA (2023) Shang — uma região do Tibete,

EXPERINCIA — ri — significa “montanha”, — la — quer dizer “passagem”.


Assim, Shangri-lá significaria algo como: “passagem da

ESTTICA
montada na região de Shang. Esse lugar, creche, CEI, ao longo
desses anos, tem nos apresentado suas montanhas, relevos,
planícies. Paulatinamente, vamos descobrindo e encontrando
as belezas do entorno e da vida que pulsa por aqui e, dessa
forma, se concretizando todos os dias com novas descoberta.

DO CEI JARDIM SHANGRIL


Benedita Machado de Mello e Kátia Girlene Silva Leite de Farias
120 Neste trabalho, é necessário garantir concepções que Arte e infância… um encontro de potências que levam à 121
assegurem as metas e os objetivos da Unidade Educacional, criação. Um dia clareando se torna encantador a depender
sempre orientados pelos documentos da rede municipal de da forma que olhamos para ele. Cada uma das tarefas que
São Paulo, no que tange os direitos dos bebês e crianças, fazemos todos os dias também pode ser encantadora. Os
garantindo as diversas linguagens que se perpetuam a cada artistas nos mostram como olhar para as coisas com outros
exploração, movimento, descoberta e vivências. Dessa forma, olhos. Será que olhamos nosso mundo como poetas?
o processo formativo deve ser elaborado com base nas […] Trabalhar com arte na educação infantil ajuda cada
concepções de criança, infância, educação infantil, cuidado, criança a descobrir como é o mundo de invenções, abrir a
bem como conceitos de estética, poética e organização. porta para novos conhecimentos, e assim aprender a imaginar
Nessa trajetória, aprendemos a trabalhar com projetos de e fazer. Estar disponível e prestar atenção a tudo que ocorre
formação como: ao redor é fundamental para que veja o mundo de forma mais
ampla. Interações: onde está a arte na infância? BARBIERI
• Formação da equipe gestora; (2012, p. 17)
• Formação dos professores;
• Formação da equipe de apoio;
• Projetos para bebês e crianças pequenas. Formação da equipe gestora
1
É de extrema importância que a mantenedora da
Esses projetos conversam o tempo todo entre si a respeito unidade parceira tenha o entendimento de que a formação
de como a produção humana e a arte mantêm uma ligação continuada resulta em mudanças institucionais que
estreita com o tempo e a cultura que as engendram. fortalecem a construção coletiva e o desenvolvimento de uma
A arte marca seu tempo e o supera, deixando em seu rastro ação compartilhada entre os profissionais da Unidade.
complexidade e ruptura.
1 Instituição que administra as Unidades Parceiras.
122 123

Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Adriana


Varejão, Vick Muniz, Arthur Bispo do Rosário, que, em seus
trabalhos, dialogam com a fase de desenvolvimento que se
Para ampliar essa formação, utilizamos os documentos encontram nossos bebês e crianças. Primeiro, planejamos o
que a Secretaria Municipal de Educação de Educação de tempo para a nossa própria formação. Segundo, garantimos
São Paulo disponibiliza, além dos que temos para estudos ajuda às educadoras. Terceiro, disponibilizamos espaço para
formativos. Os encontros são periódicos, com sistematização as equipes de apoio (cozinha e limpeza). Quarto momento
do trabalho tendo como foco questões de gerenciamento, para questões e reflexões com a comunidade.
pautados nas intencionalidades do trabalho permanente Nesta rotina, a equipe lidera a construção de tempos
e no desenvolvimento de projetos específicos, que são bem equilibrados, organiza horas para reuniões, providencia
desenvolvidos nos grupos das salas. Para alimentar esse materiais necessários para a formação e para as propostas.
trabalho, buscamos inspiração em artistas contemporâneos, Manter essa formação periódica é garantir o fortalecimento
tais como: Rodrigo Bueno, Marilá Dardot, Carolina Pontes, de todo o trabalho institucional. Garantir o investimento
124 na formação do diretor, do coordenador e no segmento 125
administrativo é manter a qualidade do atendimento e pode
consolidar a permanência da formação na instituição para
todos os envolvidos.

Formação dos professores


Seguindo o projeto de formação, são mantidos os momentos
de estudo e encontros de formação e supervisão com a
coordenadora e a diretora. A formação é realizada em 4h
semanais de estudo, distribuídas 2h pela manhã, 1h à tarde
e 1h para fazer os registros e planejamentos, diários de isso, precisam estar também em formação, aprimorar os
bordo e outros. Nesse momento, garantimos temas comuns conhecimentos e conteúdos ligados à educação, por isso
a todas as turmas, uma vez que mesclamos um participante organizamos periodicamente encontros com a equipe
de cada agrupamento, mas também garantimos formações da cozinha e limpeza. Nestes encontros quinzenais,
por agrupamento e individual, a partir da observação in loco. desenvolvemos estudos com foco em um dos projetos
Esses momentos são para além dos Encontros de Formação vigentes. Elaboramos a formação permanente com diferentes
em calendário escolar. experiências interativas e focadas na mobilização para
manter propostas reflexivas, para enriquecer os trabalhos
Formação da equipe de apoio desenvolvidos nas áreas do cuidado, da alimentação, da saúde
A equipe de apoio é formada por educadores importantíssimos e da estética.
na instituição educacional, são os que dão todo suporte Na formação permanente, desenvolvemos um trabalho
e aparatos para que os professores possam se dedicar muito potente na horta, que envolve a equipe de apoio e a
plenamente ao atendimento a bebês e a crianças e, por comunidade, com plantação e cultivo de verduras diversas,
126 127

A publicação da Orientação Normativa de educação


2
principalmente os pancs , os quais são preparados e servidos alimentar e nutricional para Educação Infantil (SÃO PAULO,
na alimentação das crianças e da equipe. Nesta proposta, 2020) assegura a importância de estudarmos e buscarmos
as crianças e seus familiares fazem degustação dos alimentos conhecimento sobre essa pauta que é intrínseca à vida
colhidos na horta, por elas, em parceria com a equipe de saudável do bebê e da criança. Segundo o guia alimentar
apoio, educadores e gestão. brasileiro para crianças menores de dois anos:
Outra proposta formativa se refere à estética à mesa. O ato de se alimentar tem muitos significados. Come-se
A equipe de apoio cuida da organização do espaço com troca não somente para saciar a fome, mas também por se estar
diária das flores dos vasos, bem como apoia no cultivo de feliz, triste, ansioso, solitário, entre outros tantos motivos.
floreiras e do jardim. Garantem a exposição e apresentação Alimentar é um ato cultural que envolve relações, hábitos e
dos alimentos in natura. formas de preservar e transmitir tradições e conhecimentos.
Faz parte da alimentação adequada e saudável o consumo
de alimentos e preparações ligados à história da família,
2 Plantas Alimentícias Não Convencionais
128 conectar-se com o que acreditamos ser valioso, indispensável 129
e potente para os bebês e crianças. Ter em mente que
brincar, explorar e investigar está muito ligado
ao que entendemos e pretendemos como
cuidados com a estética, que vai além do belo,
alcança algo que encanta e desperta em cada
um o desejo de permanecer lá, de estar em
contato com esse ambiente que me permite
viver intensamente.
comunidade e/ou etnia, e da região em que se vive. Existem Quando os bebês e as crianças estão em espaços
realidades socioeconômicas e culturais muito diferenciadas educacionais, estão aprendendo a conduzir sua existência,
no país, como a dos grupos populacionais tradicionais e o seu desenvolvimento e, por isso, quanto mais organizados
específicos, das diversas zonas rurais e urbanas espalhadas estiverem os ambientes frequentados e explorados por
nas cinco regiões brasileiras. Por isso, as recomendações deste eles cotidianamente, quanto mais voltarmos nossas ações,
Guia deverão ser adaptadas às diferentes realidades regionais, ofertando proposições e materialidades de acordo com as
culturais e étnicas. (BRASIL, 2019, p.18) necessidades infantis, mais estaremos propondo um espaço
acolhedor, respeitoso e que possui estética, fazendo com que
Experiências com bebês e crianças pequenas este acolhimento lhes ajude a organizar suas vivências, seus
Quando pensamos na importância de manter um ambiente pensamentos e jeitos de construírem suas histórias. “Cabe
esteticamente organizado, que traduz a concepção de à Unidade Escolar propor novas experiências em ambientes
cuidado, de garantia de direitos, e na necessidade de oferecer organizados, a fim de provocar sua vontade de saber, sua
aos bebês e ás crianças experiências que alimentem seu curiosidade, seu interesse na exploração e na descoberta do
repertório, seu olhar sobre o que é belo, faz-se necessário mundo”(SÃO PAULO, 2019, p. 79).
130 131

Para tanto, investir na formação continuada de toda a


equipe, na busca de formar olhares e jeitos de ver e fazer
faz toda diferença, posto que desenvolver, por meio das
formações, ações em que todos os profissionais possam olhar
de vários ângulos formas de transpor para a prática o que
conseguem enxergar com a sensibilidade. Isso faz com que
a equipe mantenha o olhar sobre “o que oferecer” e “como
oferecer”, seja para o bebê, para a criança, para os familiares,
para a comunidade como um todo.
132 As reuniões conjuntas e os cursos de formação para e continuidade do trabalho. A estética na organização 133
professoras(es) de ambos os níveis podem ser contextos de de ambientes está intrinsecamente ligada aos valores e à
qualificação do trabalho com as crianças. Ver o ponto qualidade dessas interações, de modo que não conseguimos
de vista do outro colega, estabelecer princípios, discutir falar em ambientação sem falar em proposta pedagógica.
sobre as possibilidades e desejos são atos dos adultos para Manter um ambiente esteticamente organizado para os
prever e preparar crianças e famílias/responsáveis para bebês e as crianças garante que a compreensão e o modo
o novo contexto, estruturando continuidades para todos. de se relacionar com o mundo se tornem parte do seu
(SÃO PAULO, 2019, p. 164). crescimento, assim como se tornem referências potentes na
constituição do ser humano. Por isso, adotamos como método
Pensar espaços, objetos e materiais é uma questão olhar para as minúcias do dia a dia como ação formativa,
educativa, bem como um cuidado estético. Para tanto, aprender e treinar o olhar para o macro, mas também para
realizamos ações que visam resgatar a sensibilidade o micro, afinal, ele que dá os subsídios necessários para
individual, aflorando no olhar da equipe o cuidado e a continuarmos trilhando, de forma especial e valiosa, esse
atenção aos ambientes. Dessa forma, os momentos caminho que torna as vivências dos bebês e das crianças
de formação nos ajudam a olhar para os cheias de possibilidades e descobertas.
ambientes e sua composição. Algumas propostas A partir da escuta ativa para as formas de interações,
para refletir sobre o espaço são: olhar as fotos selecionadas, narrativas e ações, levantamos possibilidades que atendam
observar as minúcias do espaço, passeando por ele e à necessidade do grupo como um todo, bem como a
olhando através do furo no centro de uma folha de papel, particularidade de cada bebê e de cada criança. Isso está
desenhar os espaços do CEI, cuidar de uma plantinha, entre ligado ao que oferecemos ou não como estímulo. Por
outras. Por meio das reflexões individuais e coletivas que isso, é preciso ter consciência de ofertar as experiências
surgem nesses exercícios, enriquecemos nosso olhar e jeitos mais significativas e que, de fato, venham atender suas
de fazer, assim como o cuidado para manter a qualidade necessidades. Finalizamos com a seguinte reflexão: Elaborar
134 o processo formativo com atenção ás relações estéticas reflete KÁTIA GIRLENE SILVA LEITE DE FARIAS 135
na garantia de que as crianças tenham contato com ambientes Formação em magistério e curso superior de Pedagogia e formação
esteticamente organizados, porém, indo além do belo, pois, um continuada sobre a Abordagem Pikler, com o Instituto Avisa lá.
ambiente organizado investigação de bebês e crianças traz novas Educadora de bebês, crianças e adultos, atua na Coordenação Pedagógica
e potentes possibilidades, como num ciclo de vida ou uma estação desde 2015. Participa do CCJA — Centro Comunitário jardim Autódromo
do ano, um tempo alimenta o outro e novos enredos acontecem. desde 2004.

E-mail: [email protected]
 Palavras-chave: formação; coletivo; processo Instituição: CEI Jardim Shangrila

BENEDITA MACHADO DE MELLO (BENÊ MELLO)

Pedagoga e especialista em Educação Infantil pela UNISA, diretora do REFERÊNCIAS

CEI Jardim Shangri-lá, do Centro Comunitário Jardim Autódromo e BARBIERI, Stela. Interações: onde está a arte na infância?. São Paulo:
Blucher, 2012. (Coleção InterAções).
professora de educação infantil da rede municipal de São Paulo.
BARDANCA, Ángeles Abelleira; BARDANCA, Isabel Abelleira. O pulsar do
Participa da Formação Continuada com o Instituto Avisa lá desde 2000 e
cotidiano de uma escola da infância. 1. ed. São Paulo: Phorte, 2020.
atualmente em parceria com avisa lá – No projeto de formação do CCJA
BRASIL. Lei nº 8.069, de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e
“A natureza como essência do humano – Revisitando os ambientes dos do Adolescente, e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.
CEIs do CCJA”
BRASIL. [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]. Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996.Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília, DF, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Padrões
136 DF: MEC, 2016. básicos de qualidade da Educação Infantil Paulistana: Orientação 137
Normativa nº 01/2015.São Paulo: SME/DOT, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da qualidade na Educação
Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009. SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
Currículo da Cidade: Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores
de 2 anos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019. SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
Currículo Integrador da Infância Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.
CABANELLAS, Maria Isabel; ESLAVA, Clara; ESLAVA, Juan José; POLONIO,
Raquel. Ritmos infantis: tecidos de uma paisagem interior. 2. ed. São SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Tempos
Carlos: Pedro João Editores, 2020. e espaços para a infância e suas linguagens nos CEIs, creches e EMEIs da
Cidade de São Paulo. São Paulo: SME/DOT, 2006.
COSTA, Leila Oliveira. Educação, cuidado e desenvolvimento da criança de 0 a 3
anos. São Paulo: Editora Senac, 2020. (Série Universitária). SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
Orientação Normativa de educação alimentar e nutricional para Educação
FALK, Judit. Abodagem Pikler: educação infantil. São Paulo: Omnisciencia,
Infantil. São Paulo:SME/COPED/CODAE, 2020a.
2016. (Coleção Primeira infância).
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
KALLO, Eva; BALOG, Gyorgyi. As origens do brincar livre. São Paulo:
Orientação Normativa de registros na Educação Infantil. São Paulo:
Omnisciencia, 2017. (Coleção Primeira infância).
SME/COPED, 2020b.
REVISTA Avisa lá. São Paulo: Instituto Avisa Lá, n. 70, 2017. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde.
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Portaria Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças
nº 4.548, de 19 maio de 2017. Estabelece normas para a celebração e o brasileiras menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de
acompanhamento de termos de colaboração entre a Secretaria Municipal Atenção Primaria à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde.
de Educação e Organizações da Sociedade Civil visando à manutenção, — Brasília : Ministério da Saúde, 2019. 265 p. : Il.
em regime de mútua cooperação, de Centros de Educação Infantil — CEI TRIVELA, Murilo. O que significa Shangrilá?. Disponível em educacao.
para o atendimento de crianças na faixa etária de zero a três anos. São umcomo.com.br/artigo/o-que-significa-shangrila-30556.html
Paulo: SME, 2017. acesso em 25/03/2023
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Orientação
Normativa nº 01/13: avaliação na Educação Infantil: aprimorando os
olhares. São Paulo:SME/DOT, 2014.
AQUI NA REDE / EMEI

138 139

PROJETO

MOTOCA
Ah, a rua! Só falam de tirar as crianças da rua.
Para sempre? Eu sonho com as ruas cheias delas
É perigosa, dizem: Violência, drogas… E nós adultos
Quem nos livrará do perigo urbano?
De quem eram as ruas? Da polícia e dos bandidos?
Vejo por outro ângulo: Um dia devolver a rua às crianças

NA Ou devolver as crianças às ruas;


Ficariam, ambas, muito alegres.

PRAÇA (Paulo Freire)

ANDANÇAS O Projeto Motoca na Praça, realizado na EMEI Armando de

E AVENTURAS Arruda Pereira, localizada na Praça da República, centro


de São Paulo, e que atende, em média, 300 crianças por ano,
NA PRAÇA veio na tentativa de responder a algumas inquietações e

DA REPBLICA E perguntas que nos tocam como educadores, entre elas: onde

ARREDORES
Lívia Guimarães Arruda
140 estão as crianças na cidade? Qual é o lugar da criança na 141
cidade? Existe um lugar de criança? E, a principal delas, como
podemos tornar a cidade menos hostil e mais acolhedora
para todos e todas, incluindo as crianças bem pequenas?
Nosso projeto acontece num entorno que, inicialmente,
se apresenta hostil aos encontros e vivências. Nossa escola
fica dentro da Praça da República, que é tradicionalmente
vista como um local perigoso, sujo e violento e,
definitivamente, um espaço não acolhedor às crianças.
Considerando esta conjuntura, o projeto, ainda de maneira
despretensiosa e intuitiva, começou a tomar forma. Como
citado no Currículo da Cidade:

A educação como um processo social se efetiva a partir das


relações estabelecidas em um território, sejam elas educativas
formais ou informais. Os bebês e as crianças nascem em um a praça da República como um dos locais em que mais
território e nele produzem, reproduzem ou inventam modos acontecem roubos de celulares na cidade. Também, a
de viver. Cada território propicia uma experiência de infância praça sempre foi conhecida como local de prostituição e
para as crianças, pois as relações sociais se modificam no drogas, além de um lugar com grande número de pessoas
tempo e no espaço. (SÃO PAULO, 2019, p. 26). em situação de rua. Ainda, considerando o contexto pós-
pandemia, a praça também passou por transformações, com
Em 2019, notícias divulgadas por meios de comunicação um grande número de pessoas morando em barracas, além
críveis, como Folha de São Paulo e O Globo, colocavam da grande quantidade de dependentes químicos em nossa
142 Nossa comunidade, que atende crianças de 4 e 5 anos, 143
conta com muitas famílias migrantes, especialmente
africanos e latino-americanos. Algumas famílias residem em
ocupações ou abrigos comunitários, e a relação destas com
nossa região nem sempre é das mais amistosas. Em muitos
casos, estas famílias não têm acesso a todos o aparelhos
culturais e serviços públicos disponíveis, além de sofrerem
com preconceitos e discriminação por motivos como classe
social e raça, razões pelas quais acabam criando ou sendo
levadas a se relacionarem com estes espaços de maneira
distante ou mesmo nula, sentindo-se estranhos em sua
própria região de moradia.
Atualmente, a praça da República não é vista como um
local de criança, muito menos de brincar, apesar de toda sua
exuberância natural (árvores, avifauna, lago com peixes) e
região, elementos estes que tornaram ainda mais presentes arquitetônica (além do prédio histórico em que hoje funciona
as sensações de medo e insegurança. Como sempre foi, nossa a Secretaria da Educação, o entorno tem prédios ilustres,
praça se firmou ainda mais como um espaço de passagem, como os edifícios Esther, São Luiz, Eiffel, Itália, Copan e
rápida e de poucos olhares, com um grande fluxo de pessoas, Hilton, que formam o pedaço tal qual o conhecemos hoje).
porém de forma apreensiva e desconfiada. Tais sensações não Porém, considerando que as crianças têm a capacidade
eram exclusivas de transeuntes, mas também das crianças, de, como agentes ativos, intervir e modificar cenários
famílias e professores, que demonstravam as mesmas aflições aparentemente alheios a elas, nosso projeto se propõe a
e preconceitos com este cenário. ocupar cotidianamente a praça pelas crianças da escola, por
144 meio de passeios de motoca, subvertendo assim essa ideia de 145
praça perigosa.
Compartilhamos do sonho de Paulo Freire, manifesto
em seu poema que abre esse texto: sonhamos com o centro
da cidade e com a praça da República repleta de crianças e
buscamos, cotidianamente, torná-lo realidade.

Objetivos do projeto
O objetivo amplo do Projeto Motoca na Praça é ativar
experiências das crianças com e na cidade, utilizando as
saídas com as motocas como um disparador. A partir desse
objetivo amplo, temos seu desdobramento em alguns
objetivos específicos:
serviços, instituições e equipamentos culturais e sociais
• Destacar a cidade como espaço de aprendizagem e, da região.
sobretudo, de experiência para as crianças.
• Propiciar experiências lúdicas com as motocas para Partindo da praça da República, temos a possibilidade
além do chão da nossa escola, transformando a cidade em de conhecer e perceber as mais diversas realidades de nossa
espaço de brincar. cidade, e também de sermos vistos como participantes
• Contribuir para a visibilidade da infância na cidade, desta. Por meio de nossos passeios, nos deparamos com
especificamente na região central de São Paulo. uma enorme gama de pessoas, trabalhadores do comércio,
• Fortalecer as relações em nosso território educativo, garis, turistas, pessoas em situação de rua, mas também
estabelecendo parcerias com moradores vizinhos, nos fazemos presentes, não como observadores de uma
146 alguns pontos primordiais de atenção e direcionamentos uma 147
vez estando com as crianças na rua. Isso significa que
mais do que organizar um grande evento de saída como
um “passeio” escolar que ocorre de modo eventual,
queremos que as saídas componham as vivências cotidianas
das crianças tal como ir ao parque, tomar lanche, ir
à brinquedoteca, o que implica em sensibilidade das
educadoras e educadores envolvidos para reconhecer os
ritmos urbanos e fazer uso dele com as crianças.

O projeto na prática
A proposta teve início em minha turma, porém a Unidade
Educacional já apresentava um histórico de intervenções no
realidade distante ou alheia a nós, mas como membros desta sentido de se apropriar do entorno do prédio com pequenos
comunidade tão plural. Pois, como já mencionado, um dos passeios pela praça, colando adesivos com a frase “Criança
objetivos centrais da proposta se dá neste intuito, de tornar na área”, marcando território. Portanto, o projeto apenas deu
a presença de crianças nestes espaços algo natural e, de certa seguimento e ampliação a uma prática já experimentada,
forma, esperado. inclusive no PPP da escola consta a intencionalidade de
Para atingirmos este objetivo, as saídas possuem um exploração do entorno, em especial da praça, mas também
caráter ambivalente, pois devem ser conduzidas com certa dos equipamentos culturais do entorno.
“despreocupação”, como algo corriqueiro e sem grande Começamos explorando as motocas dentro do nosso
alarde, mas, ao mesmo tempo, exigem grande esforço da espaço, exercitando a pedalada em si. Aqui cabe destacar
equipe escolar para que o planejamento das saídas considere o fato de a nossa escola já ter disponível um grande
148 número de triciclos, garantindo a participação de todas as devemos ter com elas? São perguntas que ficam no 149
crianças de determinada turma. Após esta primeira etapa, ar, sem a necessidade de respostas fechadas, mas se fazem
começamos a nos aventurar pela praça. Para garantir a fundamentais porque não eram realizadas até então.
segurança de todas e todos, as crianças sempre saem com um Além de ir ao encontro das pessoas, também queríamos
colete de identificação, e a gestão da Unidade Educacional ser vistas(os). Para isso, convidávamos as crianças para dar
disponibiliza, no mínimo, dois ou mais funcionários para um belo “Bom dia” em uníssono a todas(os) que
acompanhar o trajeto. Além disso, as crianças possuem uma cruzavam nosso caminho, estratégia que sempre teve
autorização permanente de saídas pelo entorno assinada êxito na hora de chamarmos a atenção para nós. As respostas
pelos responsáveis. eram variadas, pois cada uma(um) que estava naquele espaço
Nas primeiras saídas, o percurso se resumia ao pode ter uma impressão sobre nós e sobre aquela atividade.
contorno da Unidade pela parte de fora, rente ao gradil. Uns cumprimentavam de volta, outros achavam graça,
Aos poucos, conforme nos sentíamos mais outros, ainda, ignoravam. E esta é a vida na cidade para
confiantes e seguras(os), sensação esta todas(os) nós. Mas, de uma forma ou de outra, marcávamos
perceptível por meio de linguagem corporal, nossa presença. Afinal, quem não se afeta por um grupo de
com as crianças demonstrando domínio dos crianças exclamando um sonoro “Bom dia”?
caminhos, tomando a frente nas saídas e solicitando De certa forma, percebemos como a simples presença de
cada vez mais sua realização, começamos a alongar nosso crianças nestes espaços reverbera processos humanizadores
trajeto, adentrando a praça. Quando começamos a entrar, no entorno. Momentos singelos, curtos, efêmeros, mas que
de fato, na praça, começamos a ver e ser vistos por todas(os) valem a pena.
que lá estavam e passavam, nos motivando a produzir Algumas saídas tinham algum foco mais específico, por
rodas de conversa com as crianças sobre nosso entorno: exemplo, procurar os garis da praça para entregar desenhos
quem são essas pessoas? O que elas estão feitos pelas crianças, ou então entregar flores ou chá para
fazendo? Quais cuidados e/ou tratamentos os transeuntes. Também realizamos várias saídas para fazer
150 desenho de observação e fotografias. Propus intervenções 151
mais direcionadas na tentativa de trabalhar o olhar sobre o
outro, sobre as pessoas que passam e/ou habitam a praça, um
contato mais concreto e não apenas à distância.

Atravessando a rua
O projeto acontece desde 2019, inicialmente com uma das
turmas de nossa Unidade Educacional, porém com uma pausa
nos momentos de ensino remoto. Em 2022, voltou mais
fortalecido, com saídas mais frequentes, em média uma vez
por semana e com participação de mais turmas da escola.
As famílias foram sempre informadas da proposta, inclusive
com participações eventuais de acordo com disponibilidade e
demanda, dependendo do trajeto a ser percorrido. de Memória do Circo. Também pedalamos até o Copan,
Em 2022, também iniciamos as andanças além da praça, visitamos a feira, o largo do Arouche, o Vale do Anhangabaú
pois começamos a atravessar a rua. Isso possibilitou novas e o viaduto do Chá.
descobertas e aventuras. Nosso entorno conta com muitos A cada saída, nós nos apropriamos,
equipamentos culturais a poucas pedaladas. Começamos uma aos poucos, do espaço urbano, tornando
busca por parcerias, por espaços que estavam dispostos a caminhos, ruas e prédios presentes em nossa
receber as nossas crianças com as suas motocas. Dessa forma, rotina e, desta forma, um pouco nossos
começamos a ir aos locais utilizando os triciclos, deixando de também. As crianças já sabiam identificar alguns pontos
circular apenas pela praça. Alguns locais que visitamos: Sesc importantes de nossas pedaladas, e não apenas edifícios,
24 de Maio, Galeria Pivô, Biblioteca Mário de Andrade, Centro mas também alguns personagens, como os moradores de
152 rua e seus cachorros, policiais, garis, etc… Se, num primeiro Praça estão cada vez mais familiares. As crianças conhecem 153
momento, determinado passeio ou caminho possa causar o coreto, a garça que está sempre no lago, a ponte com uma
certo estranhamento ou até mesmo receio, este passa a descida que as crianças mesmo deram o nome de “Ponte
se tornar corriqueiro, comum a nós, e nos sentimos mais radical”. Enfim, são inúmeros exemplos da familiaridade
prontas(os) não apenas a fazê-lo novamente, mas ir um conquistada pela relação com a praça.
pouquinho além, descobrir o que mais existe ao atravessar a Formas de representação e pensamentos espaciais
rua. E atrás daquele prédio? Será que há outras praças como também foram trabalhados, como o início de uma
esta? Desta forma, vamos criando um senso de segurança e compreensão cartográfica: entender pontos de referência e
pertencimento aos locais em que já estamos habituados a conceitos básicos de lateralidade e localização. As crianças
visitar, mas também alimentamos uma curiosidade e desejo elaboraram mapas simples da praça e desenhos com base em
de ver mais. itinerários e, a partir desses registros, foi possível observar as
Com o passar do tempo, as crianças se mostraram diversas aprendizagens das crianças.
bastante engajadas no projeto, demonstrando domínio do Ter um novo olhar para a praça e para as
território da praça, inclusive sugerindo e solicitando rotas pessoas da praça sem dúvida foi um ganho
alternativas. muito grande do projeto. Convidamos semanalmente
A partir das rodas de conversa, as crianças a olharem todas as pessoas da praça, e isso
comentários e desenhos, percebemos o possibilitou a quebra de alguns preconceitos, minimizando o
quanto as crianças começaram a entender a medo e a indiferença ao outro.
praça como “delas” também. Já sabem que a escola Nossa percepção do projeto e seus resultados é não
fica dentro da praça da República, localizada no centro de apenas de satisfação e consciência da relevância da proposta,
São Paulo. Reconhecem alguns prédios do entorno, por como da importância de sua sequência, e que este se
exemplo, o Edifício Copan e o Prédio da Secretaria Estadual estabeleça como ação permanente de nossa comunidade
de Educação. Observamos, também, que os caminhos da educacional.
154 Em 2022, o Projeto Motoca na praça recebeu dois 155
prêmios: Prêmio Paulo Freire de Educação Municipal, no qual LÍVIA GUIMARÃES ARRUDA

ficou em primeiro lugar na categoria Educação Infantil, e [email protected]


Prêmio Territórios, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake. EMEI Armando de Arruda Pereira
é Pedagoga, formada pela Universidade de São Paulo (USP), com quinze
anos de experiência em Educação Infantil. Atualmente, é professora da
 Palavras-chave: infância; cidade; apropriação; espaço urbano rede pública de São Paulo e coordenadora pedagógica da rede privada. Já
desenvolveu diversos projetos envolvendo crianças e a cidade.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 68. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020.

McCARNEY, Rosemary. A caminho da escola. São Paulo: Melhoramentos,


2016.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Currículo da


Cidade: Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Indicadores de


qualidade da Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2016.
AQUI NA REDE / CEMEI

156 157

JANELAS
“Janela: abertura ou vão na parede externa de uma edificação
ou no corpo de um veículo, que se destina a proporcionar
iluminação e ventilação ao seu interior” (Oxford Languages,
2023). Desde criança, sempre escutei a frase “os olhos são
a janela da alma”, inicio esta reflexão com algo que muito

EDUCACIONAIS
me chamou atenção na viagem para Novo Hamburgo, em
outubro 2021, com o grupo de formadores da DIEI e das
DIPEDs, as janelas. Outro ditado popular que muito escutei:
“quando se fecha uma porta, Deus abre uma janela”. A janela

TROCAS E tem dois lados, o interno e o externo, onde estamos quando


fazemos a reflexão sobre educação? Dentro ou fora? Fora ou

POSSIBILIDADES dentro? Nossas perspectivas e subjetividades dialogam com as


visitas pedagógicas…
Naquela ocasião, estava como formadora da DIEI, a
Luciana Dias Simões convite do então Diretor da Divisão de Educação Infantil
158 da SME, Cristiano Rogério Alcântara (atualmente, sou janelas” física e metaforicamente. Um recorte do cotidiano 159
Coordenadora Pedagógica no CEMEI). Durante os processos educacional observando tempos, espaços, materialidades
de trabalho, um convite e uma grande expectativa: conhecer interações e narrativas ocorrendo em diversos contextos,
as Unidades Educacionais de outro estado, e pensar nas vislumbrando a intencionalidade docente, a educação
“infâncias conectadas” (dando continuidade ao projeto acontecendo e as vivências infantis sendo propiciadas nas
que resultou nas publicações da Revista Magistério — Unidades Educacionais. Nós, como observadores,
1
Infâncias Conectadas ), uma experiência maravilhosa que tentando interferir o menos possível,
este projeto proporcionou a mim e às demais formadoras respeitando as propostas que não pararam
participantes. Pensar nos momentos de formação por meio com a nossa chegada, às vezes olhando
2
de visitas pedagógicas , estabelecendo diálogos com gestores apenas pela janela, às vezes interagindo, mas
e educadores, conhecendo um pouquinho sobre as várias com certeza aprendendo com estes espaços
formas do fazer docente, as culturas infantis, a construção e observações. A visita pedagógica é uma potente
da identidade local das Unidades Educacionais por onde proposta de acompanhamento e partilha.
passamos, esta experiência nos possibilitou ver através “das Posso dizer que, enquanto olhava pelas “janelas” das
Unidades Educacionais, no sentido inverso, minha “alma
profissional” era iluminada e ventilada através do que meus
1 Edições da Revista Magistério que contam com textos de
educadoras de São Paulo e de outra cidade — no caso, cada uma olhos vislumbravam e meus ouvidos escutavam, contribuindo
das três edições foram elaboradas em parceria com uma cidade para a transformação do meu fazer profissional através do
diferente. Conheça todas as edições em https://educacao.sme. olhar e da fala de outros educadores. Pensar junto com outros
prefeitura.sp.gov.br/educacao-infantil/publicacoes-da-educacao- educadores, ter o “olhar estrangeiro”, nos auxilia a perceber
infantil/
que, às vezes, nossas vistas estão cansadas, como já dizia Otto
2 Encontro entre profissionais, de diferentes instâncias, que
Lara Rezende (1992), não percebendo as nuances produzidas
identificam aspectos interessantes e/ou fragilidades de uma prática
onde nossos pés pisam todos os dias, desconhecendo que há
pedagógica e, conversando, procuram construir alternativas.
160 aspectos profissionais que precisamos iluminar… arejar… 161
olhar com novas lentes. Então, quando retornamos destas
visitas, as contribuições de outros educadores nos permitem
refletir sobre a nossa própria prática, agregar outros valores e
outras formas de realizar, de intencionar nosso fazer.
Desde a chegada ao aeroporto até a visita à primeira
Unidade Educacional, já construímos diálogos espontâneos,
mas também formativos. Vivenciamos aqui a importância
do planejamento, da gestão de tempo, da organização dos
espaços, das materialidades e dos recursos disponíveis…
era um grupo grande, acolhido em outro estado para uma
formação num curto espaço de tempo, as escolas a todo
vapor com os acontecimentos vivos do cotidiano que pulsa,
atendendo os bebês e as crianças em suas propostas, foi tudo
muito bem alinhado entre as Secretarias. mediação entre Secretarias. A participação das crianças
Todas as Unidades Educacionais nos acolheram, em todo este movimento mostra o cuidado das Unidades
mostraram disponibilidade dos educadores e gestores para Educacionais com aquilo que é “extraordinário”, porém faz
mostrar os espaços, explicitar seus fazeres e tirar nossas parte da vida e possibilita aprendizagens, o cuidado de si
dúvidas. Muitos mimos feitos pelas crianças nos foram e do outro, as formas de acolhimento, a demonstração de
entregues. Foi importante saber que as crianças foram pertencimento e a inclusão de quem vem de fora, mesmo
informadas sobre nossa visita, os educadores conversaram que por um breve momento, possibilitando a quem visita
com as crianças semanas antes, revelando que algo diferente e a quem recepciona (educadores, bebês e crianças), a
do cotidiano aconteceria, e principalmente o porquê desta compreensão dos processos educacionais para a vida!
162 163

A primeira parada do grupo em que eu estava foi na EMEI


Raio de Luz Dorvalina Tavares, foi um grande aprendizado!
Quem vai pela primeira vez a uma visita pedagógica se
deslumbra, temos um direcionamento, uma intencionalidade
ao realizar a visita pedagógica, temos orientações para este
fazer profissional que visa autoformação e contribuições,
é uma troca. Gosto muito do registro fotográfico, e logo
estava com o celular em mãos buscando captar tudo. Um
dos primeiros apontamentos do prof. Cristiano foi sobre
as janelas, como eram grandes, propiciando ao espaço
164 iluminação natural e, principalmente, como eram baixas, 165
possibilitando aos bebês e às crianças a observação do outro
lado, visualização da área externa.
Na sequência, visitamos uma Unidade Educacional
rural, a EMEI Lápis Mágico. Uma excelente área verde, um
espaço bem cuidado e organizado para as interações com o
meio ambiente. Horta com árvores frutíferas, um trabalho
desenvolvido com ervas onde as crianças aprendem também
sobre os chás… A convivência com galinhas e um “berçário”
destes bichinhos, demonstrando às crianças a importância de
cuidar do meio ambiente. Nesta Unidade, visitamos apenas a
área externa, não vimos as crianças.
Depois, visitamos a EMEI Pica Pau Amarelo, junto com a
assessora prof.ª Maria Carmen Barbosa. Nessa Unidade, todos
os espaços estavam organizados em contextos, de modo que
as crianças pudessem vivenciar de forma lúdica o cotidiano
do adulto, acessar a cultura do mundo pela disponibilidade
de diversos materiais e materialidades, realizando, assim,
pesquisas/descobrimentos infantis. Nesta Unidade, o que
mais me chamou atenção como formadora da DIEI — a
partir dos estudos estabelecidos ao longo daquele ano nas
formações com as DIPEDs — devido a importância do registro
reflexivo ser muito ressaltada, foi encontrar notebooks em
166 tanque de areia ao lado de uma quadra esportiva, um pátio 167
que em seu centro abriga uma árvore enorme em meio ao
concreto, possibilitando contações de histórias e resgate de
memórias, marcando nosso momento e vivências neste espaço.
Também vimos um laboratório onde funcionam experiências
com robótica, e as crianças podem vivenciar experiências
tecnológicas desde a mais tenra idade.
Para fechar o primeiro dia de visitas, estivemos na EMEI
Leonel de Moura Brizola. Percebemos que a maioria das
Unidades organizam contextos, os educadores organizam as
salas de modo que as crianças sejam acolhidas de diferentes
todas as salas, para uso dos educadores, acessando as fichas formas e com diversos materiais, propiciando brincadeiras
individuais das crianças, os processos diários de projetos e e ludicidade no dia a dia da Educação Infantil. Chegamos à
relatórios. Em conversa com uma das educadoras, ela afirma conclusão de que a formação e o acompanhamento da SME
que este sistema auxilia suas reflexões e planejamento. de Brusque, por meio das formadoras referência nas Unidades
3
Lembrei do SGP aqui em São Paulo, sendo implementado na educacionais visitadas, auxilia e muito as(os) educadoras/
Educação Infantil. educadores de modo que a educação pública seja ofertada
Na EMEF Machado de Assis, vimos a interação das dentro dos critérios e padrões de qualidade.
crianças com os adolescentes e observamos os espaços
sendo compartilhados numa perspectiva multietária. Um Finalizando as visitas: porém abrindo portas e janelas do nosso fazer!
Em conversa com as outras formadoras da equipe DIEI,
constatei que as reflexões que fizemos também nos
3 SGP: Sistema de Gestão Pedagógica que está sendo implementado
transformaram, de forma a olhar o Universo Infantil por outra
nas Unidades de Educação Infantil da Cidade de São Paulo
168 perspectiva, a intencionalidade docente e o fazer pedagógico práticas, assumindo uma relação de parceria e 169
se materializam. Quando os espaços são organizados de colaboração.
modo que a inserção no mundo letrado se dá por meio de Em nosso caso, o encontro da DIEI com formadores das
elementos do dia a dia, sem uso de alfabeto pintado ou DIPEDs e o encontro das então formadoras da SME-SP com
repetido de maneira descontextualizada, mas apresentado os formadores da SME em Novo Hamburgo permitiram que
em seu uso diário (nos logotipos dos objetos que representam olhássemos para os pontos em comum e para as diferenças,
a casa e reproduzem os espaços do lar, nas placas sinalizando refletindo sobre a nossa realidade na Cidade de São Paulo,
os espaços, nos produtos disponibilizados em “mercadinhos”, que é tão diversa. Pensar na proposta da SME para uma
cadernos de receitas, dentre tantos outros contextos cidade educadora, com suas múltiplas realidades, desde a
organizados pelos educadores), possibilita que a criança veja “selva de pedras” que encontramos na maioria das Unidades
os signos linguísticos em seus diversos manuseios. Educacionais, onde o concreto impera e o acesso a espaços
Encontramos diferenças e semelhanças em todos os verdes é baixíssimo, até Unidades Educacionais em áreas
espaços, o encantamento com o novo, com o diferente, rurais e os três CECIs localizados nas aldeias indígenas,
muitas vezes nos impede de olhar “tecnicamente”, então, buscando a preservação da cultura dos povos originários.
o fechamento das visitas pedagógicas nas Unidades de A formação nos possibilita refletir sobre as culturas infantis
Novo Hamburgo, com uma roda de conversas na SME, e formas de a educação pública de qualidade chegar a
trouxe o “olhar do outro” nos diálogos estabelecidos, nos todas e todos em nossa cidade.
possibilitando refletir sobre avanços necessários, outros
modos de fazer e de obter resultados diferentes, contribuindo Janela do tempo: revisitar as memórias, a importância do registro
para o desenvolvimento dos bebês e crianças que estão sob a
nossa responsabilidade. A formação de formadores A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para
é de suma importância, para auxiliar os compreender é essencial conhecer o lugar social de quem
educadores no chão da escola a pensar suas olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que
170 experiências têm, em que trabalha, que desejos alimenta, retornar aos documentos norteadores do nosso fazer 171
como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o profissional e, de posse de nossos registros reflexivos,
animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. conseguimos fazer uma autoavaliação. Dialogando com
BOFF (2020, p.13) os registros da Unidade Educacional, podemos tornar
vivos os Planos de Ações e ressignificar as nossas práticas.
Atualmente, desempenhando o papel de coordenadora Compreender que tudo isso está inserido numa Rede
pedagógica, com os pés no chão da escola, posso abrir uma Municipal de Ensino nos leva a ver que não é um trabalho
“janela do tempo” e vislumbrar as aprendizagens que ficaram solitário e que “viagens” para outros territórios agregam e
dos caminhos trilhados como Assistente Técnico de Educação, muito em nosso conhecimento. Como CP, esta “viagem” e
e como nos aponta Boff (2020) fazer da compreensão uma observação de janelas se dá na interlocução com os CEIs,
interpretação do contexto atual. EMEIs, CEMEIs e EMEFs do entorno, compreendendo a
Pensar nas janelas para esta escrita me faz pensar nas educação como continuidade e, portanto, a necessidade
interações! Como coordenadora, penso nas interações de diálogo com outras modalidades de
dos educadores com os ambientes, nas interações com as ensino e com os equipamentos sociais na
crianças e como a intencionalidade docente propiciará no comunidade, na busca da tecitura da Rede
cotidiano a materialização dos processos de desenvolvimento de Proteção às crianças e adolescentes que
e aprendizagem, possibilitando às crianças vivências brincam e interagem no chão da escola.
significativas que lhes auxiliem na interação com o mundo, Hoje, de onde meus pés pisam e consigo observar,
apropriando-se das diversas culturas, incorporando os diversos percebo que a principal janela de uma Unidade Educacional
saberes produzidos por este mundo. Como educadores, é o Projeto Político-Pedagógico, construindo uma identidade
aprendemos todos os dias na mesma medida que ensinamos. deste local múltiplo e com múltiplas possibilidades,
Tendo consciência de onde nossos pés pisam e quais atravessado por diversos atores que contribuem para a
janelas conseguimos observar deste lugar, nos é possível construção das subjetividades. É a janela que apresentamos
172 à comunidade, que apresentamos aos visitantes, e nela LUCIANA DIAS SIMÕES 173
podemos acrescentar as colaborações de quem vem com o e-mail:[email protected]
olhar estrangeiro, quer por remoção chegando numa Unidade Instituição: CEMEI Parque Novo Mundo
nova para trabalhar e traz consigo suas experiências, quer Graduada em Pedagogia, Letras e História. Com especialização em
na supervisão acompanhando a implementação das políticas Gestão Escolar, Docência do Ensino Superior, Direito Educacional e
públicas, quer nas formações com as equipes pedagógicas Psicopedagogia. Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de
das DREs orientando sobre os processos da Rede, de forma Educação de São Paulo. Membro do grupo de estudos GCOL.
que todos os bebês e todas as crianças da Cidade de São Paulo
tenham os mesmos direitos e a materialização dos processos
educacionais.
Estar em visita pedagógica e retornar aos meus registros REFERÊNCIAS

mostra o quanto a formação é fundamental, pois cada um BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
olha para a janela de um jeito e cada um terá contribuições
JANELA. In: Oxford Languages. Oxford University Press, 2023 Dicionário
para que a “escola” ganhe o mundo através dos nossos bebês
online. Disponível em https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/
e nossas crianças. acesso em 25/05/2023

RESENDE, Otto Lara. Vista Cansada. 1992. Disponível em https://


cronicabrasileira.org.br/cronicas/7040/vista-cansada acesso em 25/05/2023

 Palavras-chave: infância; visita pedagógica; janelas; formação


Guia
174 o nome “bell hooks” é um pseudônimo, inspirado no nome
de sua avó materna, sendo seu nome de batismo Glória
175

de leitura
Jean Watkins. Escrevemos o nome da autora com letras
minúsculas, bell acreditava que desta forma as obras estariam
em mais destaque do que a pessoa.
Em 2014, foi fundado o “bell hooks center” que tem
como objetivo ser um espaço inclusivo e de suporte às alunas
Por Simone de Oliveira Andrade Silva e Cássia V. Bittens e alunos historicamente sub-representados.
Você pode conhecer mais acessando www.berea.edu/bhc

1
e utilizando a ferramenta tradutor no browser.
MEU CRESPO É DE RAINHA
Autor: bell hooks; Ilustrador: Chris Raschka CHRIS RASCHKA
Editora Boitatá Nascido no ano de 1959 na Pensilvânia, nos Estados Unidos,
Chris Raschka já ilustrou dezenas de livros ao longo de sua
carreira. Em 2012, foi indicado ao prêmio Hans Christian
Sobre a autora e ilustrador Andersen. Meu crespo é de rainha, não foi o único título
de bell hooks ilustrado por Chris Raschka. No Brasil, temos
BELL HOOKS também publicado Minha dança tem história e A pele que eu tenho
1
Nascida no ano de 1952 em Kentucky, nos Estados Unidos, pela mesma editora.
bell hooks faleceu em dezembro de 2021. A autora é uma
referência nos estudos antirracistas e feministas. Iniciou sua
1 As fontes consultadas para a escrita das biografias foram:
trajetória como escritora ainda criança, porém as publicações
bell hooks www.britannica.com/biography/bell-hooks
iniciaram após formada no doutorado. Duas curiosidades:
Chris Raschka: en.wikipedia.org/wiki/Chris_Raschka
176 Convite ao conhecer O autocuidado perpassa pelo vínculo afetivo com o outro 177
que se cuida e cuida da criança. O tempo é apresentado
O livro exalta a relevância dos cabelos cacheados e crespos no tanto entre as gerações como no tempo de cuidar (a criança
processo de autoconhecimento na infância. É uma narrativa sentada e tendo seu cabelo penteado).
alegre, dançante e criativa, que descreve a pluralidade e Um ponto que chama a atenção são os calçados.
a diversidade do humano ao mesmo tempo que afirma as As pessoas adultas não têm os calçados coloridos, já as
individualidades e promove a cultura do cuidado. crianças sim! Parece representar a transmissão/continuidade
deste saber, é fluido e não uma imposição do adulto.
Menininha do cabelo lindo e de cheiro doce A alegria retratada pela fonte, cores e movimentos das
“Menininha do cabelo lindo e de cheiro doce”, a primeira personagens permeiam a narrativa do início ao fim, e a
frase da obra já convida a leitora e o leitor a imaginar cada virada de página reafirmam a diversidade em que a
as texturas e cheiros dos cabelos. Na ilustração, os olhos personagem principal é “o crespo de rainha”.
fechados da criança somados ao fundo em aquarela,
nos remetem a sensação de bem-estar. Convite ao brincar — Uma experiência de convite à leitura
Nas páginas duplas seguintes, percorremos, ora aqui
ora ali, penteados e estilos que se multiplicam em A escuta atenta é o início de um diálogo profícuo com as
possibilidades coloridas, rítmicas e infinitas — que dançam crianças, com desdobramentos que permitem a reflexão
com o vento e libertam. sobre o cotidiano.
A imagem da pessoa adulta é inserida na narrativa como Em uma turma da EMEI, todos os dias é realizada a “Hora
um elo temporal, afetivo e de espelhamento. da Leitura”, e a escolha do título é feita com antecedência,
“Sentadinha de manhã, esperando as mãos carinhosas porém pode haver exceções. E foi o que aconteceu com a
que escovam ou trançam para o dia começar enrolado e leitura de Meu crespo é de rainha.
animado!”
178 Certo dia, uma menina disse ter o “cabelo lindo e e passar as mãos nos próprios cabelos. Os meninos tentaram 179
cheiroso” e relatou que sua mãe havia lido o livro Meu trazer o cabelo até o nariz, mas a maioria deles tem o cabelo
crespo é de rainha, as outras crianças ficaram curiosíssimas e bem curto, então, começaram a cheirar o cabelo uns dos
solicitaram a leitura deste livro. A professora, conhecendo o outros, iniciando uma agitação e risadas.
acervo da Unidade Educacional, sabia que poderia facilmente Essa imagem (das crianças tocando e cheirando os
encontrar a obra. cabelos) merece atenção, pois a leitura literária feita pelos(as)
No momento da hora da leitura, convidou as crianças a se bebês e crianças pequenas está relacionada (também) aos
sentarem em roda, apresentou a capa do livro, perguntou o movimentos do corpo. A ilustração do cabelo das crianças
que as crianças achavam da ilustração e qual seria a história personagens fez lembrar que as crianças leitoras também
que iriam ler. Neste dia, algumas ideias surgiram: têm cabelo e, ao brincar com e cheirar os cabelos, o sentido
da história é construído, resultando na leitura literária.
• “de uma princesa” (talvez pelo título do livro e/ou pela A responsabilidade da(o) professora(or) mediadora(or) está
frequência com que o tema surge nas conversas entre as também na disponibilidade para as conversas em torno da
crianças); narrativa, com atenção às perguntas que surgem.
• “de uma criança”; No livro lido, com o virar de páginas, as crianças leitoras
• “não, do cabelo dela, olha como está voando!”. foram fisgadas pela trama, afinal o que é o “crespo de rainha”?
E, como desdobramento, foram apresentadas à diversidade e
Após essa introdução, a professora convidou para a puderam se perceber como pessoas únicas e livres.
leitura, leu primeiro o título, depois o autor e a editora,
mostrou a capa às crianças. Abriu o livro e, após ler, virava Convite ao refletir
o livro para as crianças poderem ler as imagens. Na leitura
de Meu crespo é de rainha, as crianças ficaram atentas a cada Abrir espaço para ouvir atentamente e conversar com as
ilustração e, com um gesto espontâneo, começaram a cheirar crianças é sempre enriquecedor para nós, adultos. E se
180 for com as crianças da Educação Infantil, então, é preciso 181
estar atento para largar os roteiros e se deixar levar pela
imaginação infantil.
Na seleção de livros literários, é importante ter atenção
para a bibliodiversidade e incluir no acervo livros que
pautem diversidade, respeito, cuidado, escolhas etc.
A poética de bell hooks versa sobre cabelos que são
pensamentos livres e autônomos. A liberdade de escolha do
seu próprio penteado está intimamente ligada à liberdade de
expressão, desde a infância.
“Feliz com o meu cabelo firme e forte, com cachos que
giram, e o fio feito mola se enrola, vira cambalhota!”
2
182 BUSCAR INDÍCIOS, CONSTRUIR SENTIDOS em 18 de março de 1947, em Buenos Aires. Formada em 183
Graciela Montes Letras pela Universidade de Buenos Aires, foi membro
Editoras Selo Emília & Solisluna fundadora da Alija (Associação de Literatura Infantil da
Argentina), co-fundadora da Revista Cultural La Mancha.
por Débora Olandinni Vencedora e indicada a diversos prêmios como o Prêmio
Lazarillo, que venceu em 1980, e Prêmio Internacional Hans
Christian, ao qual foi indicada Andersen Argentina nos anos
2
Um convite inicial 1996, 1998 e 2000.

Graciela Montes nos convida a pensar de maneira diferente e Um panorama geral


ampliada em relação à leitura.
Sem nos dar respostas, mas indicando caminhos de uma • Apresentação e prólogo;
maneira dialogada, faz com que busquemos indícios em nós • Elogio da Perplexidade;
mesmos para que possamos construir novos sentidos a partir • Do ditame ao enigma ou como ganhar espaço;
de suas provocações. • Do que aconteceu quando a língua emigrou da boca;
É uma leitura que nos desloca. E há o brilhante convite • As penas do ogro;
para que evitemos nos trancar entre cristais. E que, após esta • A floresta e o lobo: construindo sentidos em tempos de
leitura, possamos romper com as correntes de pensamento indústria cultural e globalização forçada;
que nos aprisionam. • A oportunidade;
• Tempo, espaço, história;
Sobre a autora • Sozinha na balsa, desenhando o rio;

Graciela Montes é uma autora e tradutora argentina, nascida


2 Fonte: www.skoob.com.br/autor/14263-graciela-montes
184 • As cidades invisíveis e seus construtores agremiados; Reflexões nos horários de estudo 185
• Recolhidos à sombra de nossas pálpebras;
• Leitura e poder; Como o caos literário pode nos encantar?
• A formação de leitores e o pranto do crocodilo; Por que ficar perplexo é um bem de onde novas
• Mover a história: leitura, sentido e sociedade; significações podem nascer?
• O lugar a leitura ou sobre as vantagens de ser desobediente; Como a leitura pode fortalecer os imaginários
• Por onde vai a leitura? Sobre os circuitos e os becos emprestados dos que brincam?
sem saída; Corpo, tempo e palavra são protagonistas das
• Espaço social da leitura. A leitora Pierre-Auguste Renoir. aprendizagens. Onde está o corpo de nossas crianças?
Quem aceita o desafio do texto escrito?
Pensando com Graciela Montes Nossas certezas de hoje são as mesmas de ontem? Onde
está a floresta e quem seremos nós amanhã?
Este livro nos traz uma coletânea de palestras de Graciela Tudo pode se transformar em oportunidade. Qual é o
Montes entre os anos de 1997 e 2006. A cada novo capítulo, papel de um bibliotecário?
Graciela inicia nos presenteando com reflexões sobre suas O que é o tempo quando lemos?
leituras de infância ou adolescência e nos conecta, a partir O que acham de se perder diante de uma nova identidade
dessas leituras, com as grandes questões que temos de
lidar atualmente em Educação, tais como globalização,
indicações literárias por faixa etária, censura, indústria Como trazer num guia de leitura o encantamento desse livro?
cultural, formação de leitores, concepção de sociedade,
contemporaneidade e outras. É impossível! Diante disso, só há uma recomendação a ser
feita: leia e se encante!
A CRIANÇA,
NOSSAS ASSESSORAS

186 187

A ENFERMA
E O PORTAL O que uma criança, uma enferma e um portal podem nos
fazer sentir e pensar sobre modos de estar e se relacionar
com o mundo?
Trago, no texto, essas imagens para pensarmos sobre
experiência estética, atitude estética e formação estética.
Meu convite é para que o leitor transite e dialogue com
disponibilidade generosa. Ou com atitude estética, como
IMAGENS veremos adiante. Para os que esperam uma discussão

PARA PENSAR teórica, antecipo que não tive a pretensão de aprofundar


conceitos, mas de apontar algumas pistas para pensarmos

SOBRE a experiência estética como possibilidade de expansão de


nossas subjetividades.
EXPERINCIA Já tem muitos anos que atuo na formação continuada

ESTTICA
de profissionais da educação infantil, em redes públicas e

Larissa Kovalski Kautzmann


188 privadas de todo o país. Por vezes, são ações de continuidade com o espaço e o tempo, nosso com o foco formativo, 189
e acompanhamento, projetos que duram meses e/ou anos, e provocar uma abertura, uma pergunta, uma suspeita,
em outras são encontros pontuais — seminários, uma vontade, uma nova ação?
palestras e oficinas de um dia, nos quais vou até as pessoas,
realizo o encontro e vou embora. Nos projetos de formação, A primeira pergunta me dá um bom ponto de partida
consigo acompanhar as repercussões, já as ações pontuais para organizar o percurso e, geralmente, vem junto ao pedido
são solitárias e é difícil saber o que reverbera. Nas duas de formação. Mas nem sempre. Por vezes é preciso fazer
formas de atuação o não-saber é companhia ética, pois me dá nascer essa pergunta junto aos que solicitam a formação,
a dimensão de que sempre é preciso uma escuta pois alguns grupos não têm clareza sobre o que querem e/
interessada dos envolvidos. É preciso cuidar das relações ou precisam. É um diálogo anterior ao encontro com o
que surgem e que nascem dos encontros. Durante esses objetivo de compreender qual é essa necessidade formativa.
anos todos, independentemente da modalidade formativa, A segunda questão, por mais que eu tenha essas informações
algumas perguntas sempre me fazem boa companhia sobre as queixas e demandas das pessoas envolvidas, nunca
a cada ação que realizo: me dá a justa dimensão da complexidade do grupo — é um
não-saber continuamente em atualização. Já a terceira me
1. qual é o foco formativo, ou seja, para onde traz um alerta: é preciso favorecer encontros que
pretendemos caminhar com esse grupo? ativem e ampliem nossos modos de estar no
2. quem são as pessoas envolvidas — onde trabalham, mundo, ou seja, constituir intencionalmente
há quanto tempo, o que buscam, quais as queixas e possibilidades de os sujeitos saírem de
demandas que têm, o que esperam da formação? seus lugares e experimentarem alguma
3. de que modos posso, verdadeiramente, favorecer os provocação, arrebatamento, atravessamento.
encontros das pessoas — meu com elas, delas comigo, Nesse texto, é sobre essa terceira questão que vou me
de cada uma consigo mesma e com suas crenças, nosso debruçar: o favorecimento de encontros com força para
190 gerar aberturas para a formação dos sujeitos. Tal questão está formas de ver e de dizer de um território existencial e que, por 191
ancorada no entendimento de que os encontros de formação isso, pode alterar suas formas de entender o que lhe acontece.
são momentos privilegiados para movimentar e colocar sob (FARINA, 2008, p. 12).
suspeita os saberes das pessoas envolvidas e promover novas
elaborações que podem repercutir, de modos diversos, nas Nesse sentido, a experiência estética não
práticas pedagógicas. Mas a verdade é que nem sempre isso está relacionada somente ao encontro do
acontece. Por vezes, a formação não se dá nessa perspectiva sujeito com obras de arte, com o belo, ou
e parece que saímos iguais — formadora e professoras(es). com manifestações artísticas, mas com todos
Nenhuma mudança em nós, nenhuma mudança no cotidiano os acontecimentos que podem afetar a forma como ele
docente. Nem sempre o que vivenciamos nos momentos percebe e elabora diversos modos de se relacionar com o
formativos possui força para nos deslocar e gerar outras mundo, ampliando sua percepção e compreensão ante as infinitas
percepções e possibilidades de atuação. possibilidades da existência (PEREIRA, 2011, p. 111):
Perscrutando minhas vivências pessoais e profissionais,
sobre possíveis deslocamentos/aberturas/mudanças nas Qualquer coisa pode ser um objeto estético se estabelecemos
formas de entender e atuar no mundo, na docência e na ante ele uma atitude estética. Podemos ter experiências
vida, trago para esse texto algumas imagens que, para estéticas ao entrar em jogo com uma música erudita, uma
mim, se colocaram/se colocam como aquilo que situo como música popular, um som da natureza, um ruído urbano ou,
experiência estética. mesmo, com o silêncio. Podemos ter experiências estéticas
A experiência estética a que me refiro é compreendida com uma pintura clássica, uma imagem sagrada, um desenho
na parede de uma caverna, uma fotografia, um filme, um
[…] como um desdobramento da experiência que afeta as desenho na areia do chão, uma paisagem, uma cena urbana
formas da percepção e da cognição de uma subjetividade. Isto ou, mesmo, com uma imagem apenas imaginada ou sonhada.
é, podemos pensá-la como uma experiência que transtoca as (PEREIRA, 2011, p. 115, grifo nosso).
192 Mas o que é uma atitude estética? Pereira caracteriza sujeito e formadora de professoras(es), pois me deslocaram/ 193
a atitude estética como uma postura de abertura, de deslocam, me interrogaram/interrogam, me fizeram e
disponibilidade para o que pode se produzir no encontro ainda me fazem pensar de jeitos diferentes do que pensava,
do sujeito com um objeto ou acontecimento, para os efeitos produzindo outras percepções acerca dos modos de existir.
que ele produz em mim, na minha percepção, no meu sentimento. São elas: a criança que escuta o chão, a enferma que quer
Tal atitude implica uma postura sem julgamentos relativos ouvir uma história numa língua desconhecida, e o portal a
a gostar ou não, a entender ou não. Não é da ordem da duas quadras da escola.
razão que busca definir, reduzir, nomear a realidade. Antes
se refere a um estado de atenção que contempla e coloca o A criança que escuta o chão
sujeito no jogo: Uma caminhada em família, num bosque perto de casa.
Íamos juntos, mas nem tanto. Pernas, passos, ritmos,
[…] um jogo de mútua interferência, de composição de curiosidades e interesses ora nos distanciavam, ora nos
possibilidades que constituem sujeito e mundo. Do encontro aproximavam. Em grupo, com tempo, era possível que
e do arranjo entre sujeito e objeto ou acontecimento resulta alguém parasse enquanto os demais continuavam. Eu ia
algo que ainda não existia, resulta um efeito novo: um fotografando o caminho e as muitas peles-cascas das árvores.
sentimento, um gosto, um estado que apenas existia enquanto Lívia (5 anos), a única criança do grupo, nesse dia, estava
possibilidade, como porvir. Ao entrar em jogo com o objeto muito atenta ao chão. É importante referir que a vegetação
ou o acontecimento, eles deixam de ser exteriores ao sujeito e e cobertura do solo variam muito por todo o trajeto da
passam a constituir o campo da experiência. E é aí que começa trilha desse bosque. Terra, grama, folhas, sementes, musgos,
a criação, a experiência estética. (PEREIRA, 2011, p. 115). pedras vão compondo, em arranjos distintos, o caminho de
pequenas subidas e descidas entre árvores de muitas espécies.
As imagens que escolho compartilhar estão situadas no A cada pouco, uma surpresa: tocas, formigueiros, cogumelos,
campo das experiências estéticas que me constituem como florezinhas, esquilos, pássaros.
194 195

Em determinado ponto do caminho, há uma grande Como quem deseja isolar aquele encontro das outras
área de solo coberta por musgos. Parecia que estávamos informações que atravessam o bosque. Está entregue ao
pisando em um tapete fofo. Lívia deita de bruços sobre a momento.
vegetação, aproxima bem o ouvido dos musgos e fala: Escuta Nenhum de nós, adultos, havia escutado o chão e acho
o chão! Permanece deitada de bruços, estica os braços, que nem teríamos ventilado que isso fosse possível, se
palmas viradas para baixo, fecha os olhos e fica escutando o não tivéssemos visto a Lívia. Poderia tentar inferir sobre
musgo. Fecha os olhos parecendo estar com atenção a experiência de Lívia. Sobre a atitude estética, o “sim”
singular ao acontecimento — o encontro dela com a escuta que ela dá para esse encontro com o chão de musgo — se
do chão. Fecha os olhos como quem quer ouvir melhor. aproximando, sentindo, escutando, tentando compreender
Fecha os olhos como quem deseja suspender o tempo. essa forma musgo e suas características — Seria o musgo
196 provido de alguma voz? Qual? Poderiam ser essas as A enferma que quer ouvir uma história numa língua desconhecida 197
perguntas de Lívia, ou não, e tantas outras. Mia Couto, escritor moçambicano, na Conferência
Mas escolho falar da minha experiência estética em Internacional de Literatura WALTIC, de Estocolmo, em
observá-la. Sobre o que esse acontecimento gerou em 2008, fez uma apresentação intitulada “Língua que não
mim. Das reflexões que fiz e faço quando me coloco nesse sabemos que sabíamos”. Na parte inicial de sua fala, Couto
encontro. Primeiro, preciso dizer o quanto ver uma criança compartilha um conto que nunca havia publicado. Ele narra
escutando o chão me comoveu e me colocou num estado de o diálogo de uma mulher enferma com o marido. Trata-se de
contemplação. Estou inteira enquanto a observo e tenho uma um pedido inusitado que, num primeiro momento, parece
vontade genuína de também me deitar no musgo e escutá-lo. não fazer sentido ao ponto de o marido se desorganizar.
Posterior a esse primeiro sentimento/vontade, passo a me Mesmo assim, o marido atende. Desde que o li, nunca mais
questionar sobre o que sei mesmo sobre as crianças, para pude esquecer. E, seguidamente e sem motivo aparente, ele
além do que está nos livros; sobre o que sei do encontro delas retorna aos meus pensamentos. É uma narrativa que faz
com o mundo; sobre os modos como investigam. E, por fim, parte do meu pequeno inventário de possíveis chaves para
sou arrebatada por um quase lamento: quanto deixei de perceber e atuar no mundo.
ver das crianças porque estava distraída ou
porque estava sem tempo e energia? O que Num conto que nunca cheguei a publicar acontece o seguinte:
acontecia enquanto eu não olhava? uma mulher, em fase terminal de doença, pede ao marido que
A minha experiência estética não foi planejada, não se lhe conte uma história para apaziguar as insuportáveis dores.
deu num museu, nem com uma manifestação artística. Mal ele inicia a narração, ela o faz parar:
Mas se deu ante um acontecimento, num encontro que — Não, assim não. Eu quero que me fale numa língua
pressupôs uma atitude estética. Foi a partir dessa desconhecida.
atitude que pude me colocar no jogo, e os efeitos desse — Desconhecida? — pergunta ele.
encontro puderam se produzir.
198 — Uma língua que não exista. Que eu preciso tanto de não esse texto me atravessa e produz efeitos. Para mim, a leitura 199
compreender nada! desse texto é uma das experiências estéticas mais potentes
O marido se interroga: como se pode saber falar uma que vivenciei nos últimos anos. Ela reverbera na pessoa, na
língua que não existe? Começa por balbuciar umas palavras professora, na formadora que sou. Entre outros afetos, me faz
estranhas e sente-se ridículo como se a si mesmo desse provas pensar sobre os tempos e os modos de vivê-los. Esse conto me
da incapacidade de ser humano. Aos poucos, porém, vai oferece a dimensão de uma existência pautada pelo tempo
ganhando mais à-vontade nesse idioma sem regra. E ele já não que finda — chronos — alguém está prestes a morrer, mas
sabe se fala, se canta, se reza. também pelo tempo da oportunidade — kayrós — e é este
Quando se detém, repara que a mulher está adormecida, e o tempo da criança, um tempo de presença e nascimento
mora em seu rosto o mais tranquilo sorriso. Mais tarde, ela da criação de outros sentidos — do marido que entra no
lhe confessa: aqueles murmúrios lhe trouxeram lembranças jogo — suspendendo o juízo em atitude estética, da mulher
de antes de ter memória. E lhe deram o conforto desse mesmo que precisa, pela condição que vive, inventar um jeito de se
sono que nos liga ao que havia antes de estarmos vivos. relacionar com o mundo. Infiro que para ambos se deu uma
Na nossa infância, todos nós experimentamos este primeiro experiência estética.
idioma, o idioma do caos, todos nós usufruímos do momento No entanto, o fato de a leitura desse conto se constituir
divino em que a nossa vida podia ser todas as vidas e o mundo como experiência estética para os personagens, como
ainda esperava por um destino. James Joyce chamava de suponho, e para mim, não faz desse texto um passaporte para
“caosmologia” a esta relação com o mundo informe e caótico. a experiência estética de outros leitores. Pois a experiência
(COUTO, 2011, p. 11). é individual e pode ou não se dar para os diferentes
sujeitos que vivenciam o encontro com o mesmo objeto
Compartilho esse conto não para dar a minha ou acontecimento. A atitude estética é imprescindível, no
interpretação, até porque a cada leitura ela vai se entanto, não é garantia para que ela, a experiência estética,
transformando e ainda me faltam palavras pra dizer o quanto aconteça.
200 O portal a duas quadras da escola Era sábado, com um Sol nascido para permanecer em nós 201
Portais são passagens, são aberturas, são possibilidades de como ânimo para a aventura. Aventura, do latim “adventure”:
ver, de conhecer, de existir de outro modo. A terceira imagem o que vem pela frente. Nesse caso, a aventura foi o convite
que trago para a reflexão é decorrente de uma caminhada feito às professoras, para uma caminhada nas quadras
fotográfica, com um grupo de professoras, pelo entorno da do entorno da Unidade, com a finalidade de realizar registros
escola em que trabalham. Trata-se de um momento vivenciado fotográficos a partir de um olhar que vê e repara. Inspirada
pelo grupo em um encontro formativo, realizado em 2022. na literatura de José Saramago, “Olhar, ver e reparar” é um
Avistamos um portão que dava acesso para um bosque. dos exercícios que costumo propor nas oficinas de fotografia
Ele ficava a duas quadras da escola, defronte à esquina que realizo:
debaixo. Uma pontezinha levava até o portão. O portão
cadeado impedia a passagem ao bosque. Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
Nem todos os portões são portais, no entanto, embora (SARAMAGO, 1998, epígrafe).
ainda não soubéssemos, esse era, como veremos adiante.
A demanda formativa da Unidade Educacional tinha Olhar, ver e reparar são maneiras distintas de usar o órgão
como objetivo qualificar os registros fotográficos, na da vista, cada qual com sua intensidade própria, até nas
perspectiva de contribuir e aprimorar os processos de degenerações, por exemplo, olhar sem ver, quando uma
documentação pedagógica. Diante desta solicitação, organizei pessoa encontra ensimesmada, situação comum nos antigos
o encontro de quatro horas de duração, prevendo um romances, ou ver e não dar por isso, se os olhos por cansaço
momento inicial de conversa, a caminhada fotográfica, ou fastio se defendem de sobrecargas incómodas. Só o reparar
o compartilhamento das imagens produzidas na caminhada, pode chegar a ser visão plena, quando num ponto determinado
e a finalização com uma breve sistematização do vivido em ou sucessivamente a atenção se concentra, o que tanto se
articulação com o foco formativo e o convite para sucederá por efeito de uma deliberação da vontade quanto por
o desdobramento de ações no cotidiano da docência. uma espécie de estado sinestésico involuntário em que o visto
202 solicita ser visto novamente, assim se passando de uma sensação o que existe, insiste —, reparar os encontros, os desvios, 203
a outra, retendo, arrastando o olhar, como se a imagem tivesse os tropeços, o que aproxima e/ou distancia os sujeitos, as
de produzir-se em dois lugares distintos do cérebro com preferências, as formas de estar, de se comunicar, os corpos,
diferença temporal de um centésimo de segundo, primeiro o os gestos, as expressões, as linguagens.
sinal simplificado, depois o desenho rigoroso, a definição nítida, O fotografar e a fotografia são, nesse caso, tanto
imperiosa de um grande puxador de latão amarelo, brilhante, estratégia potente para ajudar a olhar, ver e reparar, quanto
numa porta escura envernizada, que subitamente se torna conteúdo, material, para conversar sobre nossos modos de ser
presença absoluta. (SARAMAGO, 2011, p. 166). docente da/na educação infantil e a forma como concebemos
as escolas para as infâncias.
É esse estado de reparo que me interessava que fosse
Quem fotografa, fotografa como pode,
ativado no grupo de professoras. Reparar o que pode estar
sempre ali e ninguém mais enxerga — as plantas que como sabe, como valoriza e enxerga
crescem entre as pedras, a majestosa árvore — que ninguém
o ser/objeto/evento/paisagem
sabe o nome —, a casinha das crianças com suas janelas
penduradas pela dobradiça, aquele espaço lá atrás que parece a ser fotografado. Fotografa a partir de
um bosque encantado e ninguém mais vai, os brinquedos
uma perspectiva, do seu ponto
perdidos nos caminhos, a luz que entra pela janela. A casinha
de marimbondo, as teias de aranha, os passarinhos que vêm de vista, do que escolhe mostrar, dar a
e vão, as frestas do muro. As frestas da escola. As frestas da
ver ao outro. Uma fotografia é sempre
docência. Não para consertá-las, mas para reinventá-las: abrir,
dar nova forma, ampliar, transcender, transver. um “Olhe, Olhem! Eis aqui”
Reparar o que acontece pela primeira vez com as (BARTHES, 2002, p. 14).
crianças, as recorrências, o que se repete — lembrando:
204 Nesse dia, do portal a duas quadras da escola, o convite, 205
já referido, foi para uma caminhada no entorno da
escola com o objetivo de realizar registros
fotográficos com um olhar que repara, um
olhar que atenta, que perscruta, que seleciona,
que experimenta ângulos, distâncias,
enquadramentos, para depois clicar. Cada
professora produziria 3 fotos para compartilhar com o grupo,
posteriormente.
Situo essa proposta — de fotografar e olhar fotografias
— no campo da formação estética, compreendendo-a como
modo de favorecer e/ou provocar uma atitude estética — uma
atenção, uma disponibilidade, uma abertura para o encontro
com os objetos e acontecimentos e que podem, ou não,
culminar em uma experiência estética.
Nem todas saímos para o mesmo lado. O grupo,
aproximadamente 20 professoras, foi se remodelando em
grupos menores e cada qual ia criando seu trajeto, sua
própria deriva. Acompanhei três professoras que iam juntas.
Duas quadras de distância, uma pontezinha, o portão/portal
para o bosque estava cadeado, e sobre o arco flores e uma
girafa simpática, de borracha, quase dando boas-vindas.
Espiamos. De fora não víamos todo o espaço, mas dava pra
206 ver as miniaturas de brinquedos em torno de um helicóptero, 207
todos sobre o telhado de um viveiro. O jardim de vasos
sanitários com flores plantadas, dispostos um ao lado do
outro, formando uma linha sinuosa. O homem de plástico
translúcido caminhando na árvore. Alvoroço. Euforia.
Curiosidade que impulsionou nosso pequeno
grupo. Gente, o que tem aqui? Vamos entrar? De quem é esse
espaço? É de um senhor que mora na frente da escola, falou uma
das professoras. E lá foi ela perguntar se podíamos conhecer.
Nenhuma das professoras jamais tinha entrado no lugar. Seu
Adenilson trouxe a chave e a vontade de nos apresentar o
local. Cruzamos o portal. De repente, estávamos imersas em
um local que subvertia qualquer expectativa. Deparamo-nos
com as obras do Seu Adenilson — além das que podiam ser
vistas da rua, encontramos árvores repletas de bonecas e
bichinhos de pelúcia afixados nos troncos e galhos, fileiras de
carrinhos em ruas suspensas, mosaicos, lagos com peixes de
verdade, casinha na árvore.
Satisfeito com nosso interesse, Seu Adenilson nos contou
que tudo que existe lá é resultado de um trabalho que realiza
há quase uma década, com o auxílio de algumas poucas
pessoas. Tudo o que tem no espaço é fruto de
elaboração com materiais que coleta nas ruas
208 — descartados pelas pessoas — e ressignifica 209
em novos arranjos.
Se, no início, éramos quatro pessoas perplexas e quase
sem palavras ante tudo o que víamos, em pouco tempo,
os outros grupos de professoras também foram chegando,
reparando e fotografando aquele lugar: estávamos
visivelmente comovidas, interessadas e admiradas com tudo
o que Seu Adenilson criou.

Nosso encontro com o espaço, na


passagem pelo portal, se deu a partir
de uma atitude estética de abertura ao
desconhecido — sem entrar no mérito
do bonito ou feio, do agradável ou não,
mas na disponibilidade para o encontro
com Seu Adenilson, com as obras e
com os objetos daquele espaço, com
as repercussões que eles produziam
em cada uma.
210 A caminhada foi concluída em tempos distintos. O grupo 211
todo reunido de volta na escola quase duas horas depois
do início. Levamos uma hora além do previsto e teve início
a roda de conversa para compartilhar as experiências da
caminhada sobre modos de olhar, ver e reparar. A conversa
foi tomada sobre a grande surpresa do caminho, passar pelo
portão e se dar conta de que era portal o espaço construído
por Seu Adenilson. Entusiasmadas com a descoberta recém-
feita. Maravilhadas com o que ele construiu tão perto da
escola e que nenhuma delas conhecia, impressionadas
porque muitos dos brinquedos ressignificados já tinham
sido da escola e foram descartados por motivos diversos.
1
A perplexidade em torno das obras do Seu Adenilson

1 Indico a leitura de “Elogio da perplexidade”, palestra de


Graciela Montes, transcrita no livro Buscar indícios, construir sentidos,
publicado pelo Selo Emília e Solilusna Editora, em 2020. Nele, a
autora reivindica a perplexidade como elemento fundamental para
se relacionar com o mundo, com a leitura do mundo, com a leitura
literária. Ao associar a imagem da perplexidade ao caos, a essa
imprecisão, incerteza, que são todos os inícios, Graciela afirma:
“a perplexidade é algo louvável, bom e prenhe, embora ainda não
parido, algo como o espírito do caos. E o começo de toda leitura”
(2020, p. 24).
212 se relacionava aos modos de ele compor aquele espaço, 213
ao tempo dedicado por ele para a realização, ao extremo
cuidado e esmero com aquele lugar, ao fato de nunca terem
ido até lá. A perplexidade é esse estado fecundo
em que podem nascer todas as perguntas. As
falas transbordavam em intensidades de maravilhamento,
espanto e assombro.
O encontro formativo ocorrido nesse dia teve outras
discussões, antes da caminhada e após a conversa
da caminhada, relacionadas à captura de imagens,
problematizando os registros fotográficos para os processos
de documentação pedagógica. No entanto, como formadora,
percebo que o ponto alto do encontro formativo foi a
caminhada fotográfica pelo portal, e que foi lá que pode
ter se dado a experiência estética para a maioria das
participantes. Não há como saber o que exatamente se
produziu de efeitos em cada uma e como isso repercutiu e
repercute nos modos de perceber e atuar no mundo, nos
modos de perceber e atuar na docência. Mas ouso afirmar
que talvez as ressonâncias do portal possam estar muito mais
relacionadas às perguntas, aos deslocamentos produzidos
nos sujeitos do que a possíveis respostas. E isso, sim, precisa
ser fomentado nos encontros de formação de professoras(es),
214 trata-se da oportunidade de se colocar no jogo de questionar Nossa formação estética dá-se através da diversidade de 215
e pensar o mundo e suas relações e perceber que é possível imagens, performances e discursos que a sustentam, e que
atuar de outros modos. povoam nosso cotidiano. Dá-se através de como nos afetam e
Algumas reverberações são palpáveis, no entanto, há de como reagimos a isso. Segundo Pardo (1991), tanto a ação
outras, relativas às sensibilidades dos sujeitos, que não das imagens (sejam visuais, metafóricas, musicais…) sobre
são facilmente traduzíveis em palavras. A perspectiva da nossas maneiras de ver e viver as coisas, como nossas maneiras
formação estética abarca essas incertezas como parte do de narrá-las, configuram nossa experiência estética. De fato,
processo. a experiência estética produz-se em meio a essas imagens
Mas houve alguns desdobramentos concretos. e discursos, e de nosso exercício diário com eles. Nossa
A caminhada abriu uma conversa. E a conversa experiência estética constitui-se do conjunto de aprendizagens
abriu outros caminhos. Ainda nesse dia, a direção sensíveis e conscientes das que lançamos mão, ainda que
propôs uma parceria para levar as crianças do Centro de sem dar-nos conta, para ver e responder ao que nos acontece.
Educação Infantil para conhecer o espaço do Seu Adenilson e (FARINA, 2008, p. 100).
fez o convite para ele fazer algumas intervenções no espaço
externo da Unidade Educacional. Nesse sentido, é preciso considerar
encontros de formação em que os professores
Para provocar possam se colocar perante outras imagens,
Assumir a formação estética como uma dimensão necessária performances e discursos, criando a
na formação continuada está relacionada à compreensão possibilidade de confronto com outras
de que somos sujeitos integrais, formados também de referências. Trata-se de nutrir outras possibilidades
sensibilidades e que há muito para ser considerado quando de existir, mas também de inquietar e questionar nossas
pensamos na nossa constituição como sujeitos e como certezas, nossos modos de atuação docente, por vezes, tão
docentes. Farina afirma que intimamente relacionados com nossas histórias de vida
216 escolar, com nossa forma de entender a escola, enfim, repertórios — as coleções de exemplos sobre vida e arte —, 217
com nossas referências estéticas, e colocá-las sob suspeita, e contribuir na constituição de subjetividades mais
interrogando-as (KAUTZMANN, 2011). empáticas e gentis.
Como dito na primeira parte do texto, a experiência As imagens trazidas para esse texto: A criança que escuta
estética pode se dar na relação com diferentes objetos o chão, A enferma que quer ouvir uma história numa língua
e acontecimentos, no entanto é preciso que haja, desconhecida e o Portal a duas quadras da escola são histórias
primeiramente, uma atitude estética. Acredito que nos pessoais, narrativas que selecionei e que, talvez, possam nos
encontros formativos é uma atitude estética intencional que, dar algumas pistas sobre diferentes instâncias em que as
primeiramente, podemos favorecer, promovendo um estado experiências estéticas se dão.
de disponibilidade, de abertura. Como? Aqui é que entram Por fim, é necessário dizer que ocupar-se de uma
as estratégias formativas, o planejamento do encontro, a formação estética é assumir um compromisso ético e
organização do espaço e dos tempos, a curadoria de materiais político que problematiza e questiona nossos modos de
e elementos — imagens, textos, filmes, músicas, obras —, vida, no engendramento com o tempo, com o consumo,
o convite para a relação, a utilização e a experimentação de com os preconceitos, que ainda marcam as relações que
outras linguagens — como a fotografia, por exemplo, estabelecemos com o mundo.
a visitação de outros espaços, a caminhada — como narrado
anteriormente.
Na formação de professoras(es), a abordagem de uma  Palavras-chave: experiência estética; atitude estética;
formação estética busca favorecer a experiência estética formação docente
na relação com determinados objetos, acontecimentos e
linguagens, com o objetivo de expandir as possibilidades
perceptivas e imaginativas dos sujeitos e apresentar-lhes
outras referências culturais, na perspectiva de ampliar os
218 LARISSA KOVALSKI KAUTZMANN REFERÊNCIAS 219
[email protected]
Assessora pedagógica DIEI BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2002.
Pedagoga e Mestra em Educação (UFRGS). Trabalhou nas Secretarias
COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções: ensaios.
de Educação de Sapiranga/RS (1992-2005), Porto Alegre/RS (2005-2011)
São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
e Curitiba/PR (2012-2015). Atuou como professora, diretora de escola,
FARINA, Cynthia. Formação estética e estética da formação. In: FRITZEN,
supervisora em unidades educacionais, docência em projetos de Celdon; MOREIRA, Janine (org.). Educação e arte: as linguagens artísticas
formação continuada e escrita de materiais pedagógicos e documentos na formação humana. Campinas: Papirus, 2008. p. 95-108. v. 1.

orientadores. Foi Conselheira no Conselho Municipal de Educação de KAUTZMANN, Larissa Kovalski. Poéticas do instante: fotografia, docência
Porto Alegre. Realizou a coordenação técnica do Programa Fundo do e educação infantil. 2011. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
— Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Milênio para a Primeira Infância — Mesa Educadora, projeto da Unesco
Porto Alegre, 2011.
em parceria com a Secretaria de Educação de Porto Alegre. Foi docente
PEREIRA, Marcos Villela. Contribuições para entender a experiência
no Ensino Superior em cursos de graduação e pós-graduação. Integra o estética. Revista Lusófona de Educação, v. 18, p. 111-124, 2011.
ARTEVERSA — Grupo de estudo e pesquisa em arte e docência (UFRGS/ SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das
CNPq) e o FEIPAR — Fórum Paranaense de Educação Infantil. Realiza Letras, 1998.

assessoria e consultoria pedagógica em redes públicas e privadas. SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das
Atualmente, é assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação Letras, 2011.

de São Paulo e docente em projetos de formação continuada.


“EXIGE-SE
NOSSAS FORMADORAS

220 221

BOA
APARNCIA” Priscila Aparecida Santos de Oliveira

A AÇO ”Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de


ensinar-aprender participamos de uma experiência total,
FORMATIVA E A diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética

ESTTICA DAS e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a
decência e com a seriedade”.
RELAÇES NA Pedagogia da Autonomia — Paulo Freire, 1997.

EDUCAÇO
O Currículo da Cidade de São Paulo: Educação Infantil
INFANTIL (2019), cunhado por seus princípios de inclusão, equidade
e integralidade indica que, a partir da intencionalidade
docente, as propostas para/com os bebês e as crianças sejam
construídas por meio do compromisso ético que, dentre
outros, espera-se não reproduzir comportamentos, falas
222 ou quaisquer formas de des-humanização ou violação dos e as sobreposições de opressões e discriminações presentes 223
direitos de ser e existir destes sujeitos. O documento dá na sociedade em relação aos recortes de raça, classe, gênero
diretrizes quanto ao compromisso com a educação para a e na promoção de políticas públicas, implica ações de
equidade e as relações étnico-raciais: prevenção, combate e enfrentamento por meio de práticas
pedagógicas que rompam com comportamentos excludentes
Quando consideramos a Educação Infantil, é preciso atentar no cotidiano das Unidades Educacionais, de modo que bebês
para a formação identitária, uma vez que se trata de crianças e crianças, sujeitos de direitos, não sejam determinados por
de zero a seis anos. É no contexto das diversas formas de marcas sociais, capazes de perpetuar negativamente em
socialização que as diferenças negativas ou positivas se sua constituição como sujeito, nas aprendizagens e em suas
estabelecem e despertam os sentimentos de rejeição ou estruturas emocionais e identitárias.
empatia em relação aos pares. É preciso ter atenção, sobretudo, O maior projeto de combate à reprodução
ao racismo implícito, contido no tom de voz, no toque, no das discriminações na prática docente
olhar, na brincadeira, nas brigas e nos xingamentos. é compreender onde cada pessoa está
(SÃO PAULO, 2019, p. 44). localizada nesta luta e a forma como
nos relacionamos a partir deste lugar.
1
Apoiar-se no conceito da interseccionalidade , que ajuda Compreender que o compromisso para o
a localizar e compreender os marcadores das desigualdades enfrentamento e o combate das opressões
não se deve pautar por discursos rasos ou
1 O conceito de Interseccionalidade foi cunhado pela professora
estadunidense Kimberlé Williams Crenshaw, cientista nas áreas
de raça e gênero, para descrever a localização interseccional das feminista negra, promovendo intervenções políticas e letramentos
mulheres negras e sua marginalização estrutural, aportada à teoria jurídicos sobre quais condições estruturais o racismo, o sexismo
crítica da raça e conceito provisório de interseccionalidade. e a violências correlatas se sobrepõem, discriminam e criam
O termo demarca o paradigma teórico e metodológico da tradição encargos singulares às mulheres negras (AKOTIRENE, 2019).
224 baseados em “boas intenções” que culminem 225
em propostas que reforcem negativamente
as experiências dos bebês e das crianças,
em suas especificidades, necessidades,
diversidades e em seus componentes culturais.
Os murais, as materialidades, a maneira de organizar
o ambiente para as refeições, o corpo do adulto enquanto
tempo e espaço dos bebês, o tom de voz, o olhar, o
pertencimento, a escuta, a construção de contextos aliados
à prática social, a observação da estética do entorno das
Unidades Educacionais e a boniteza de ser afetuoso ao
enxergar o sujeito em sua inteireza compõem as ferramentas
necessárias para que os rituais pedagógicos ante o elas, rompendo com violações de direitos e exaltando de
compromisso com as aprendizagens de meninas e meninos forma positiva, emancipatória e para o empoderamento da
aconteçam. estética e da formação identitária de meninos e meninas,
A defesa é, portanto, por uma educação estética negras e negros, indígenas e migrantes, historicamente
que sirva de estratégia formativa para o estereotipados e invisibilizados.
refinamento da percepção de educadoras e Vale reforçar que, como estratégia formativa, a estética
educadores, tornando-os atentos e sensíveis não se refere, exclusivamente, às vivências e experiências
ao que acontece diariamente no ambiente das linguagens das artes. A forma estética proposta, é aquela
educacional, na intencionalidade docente e nas relações que provoca o alargamento de repertório
interpessoais, de modo a antecipar ações de combate a pedagógico e de mundo à prática docente,
opressões implícitas e a capacidade de refletir e agir sobre o que requer tensionamentos e sensibilidade. A coordenação
226 pedagógica tem papel fundamental no gerenciamento 227
do conhecimento, com vistas à implementação de uma Vozes-mulheres
educação antirracista nos momentos formativos que
ratificam o compromisso com a qualidade na educação
[...]
pública no Município de São Paulo, na condição de estrutura A voz de minha filha
social: “as expressões do racismo no cotidiano, seja nas
relações interpessoais, seja na dinâmica das instituições,
recolhe todas as nossas vozes
são manifestações de algo profundo, que se desenvolve nas recolhe em si
entranhas políticas e econômicas da sociedade.
(ALMEIDA, 2021, p. 21)
as vozes mudas caladas
Os impactos psíquicos e emocionais do racismo, da engasgadas nas gargantas.
misoginia e xenofobia desumanizam e deixam marcas
A voz de minha filha
perversas nos corpos das pessoas negras e indígenas, de
meninos e meninas. Não se trata de suprimir a história recolhe em si
da escravização, mas cabe aos espaços educativos, lugar
a fala e o ato.
privilegiado para construção de novas narrativas, ofertar,
desde a primeiríssima infância, o direito de viver a história O ontem — o hoje — o agora.
a partir de vivências afetuosas, com representatividades
Na voz de minha filha
positivas e do acolhimento das diversidades, das identidades
e estéticas que ampliem a compreensão dos diferentes modos se fará ouvir a ressonância
de ser, estar, existir e ecoar no mundo, como narra Conceição
O eco da vida-liberdade.
Evaristo, no trecho de seu poema “Vozes-Mulheres”,
(EVARISTO, 2017):
Caminho formativo
228 Mariana Cuisse Lopes Suller e Priscila Aparecida Santos 229
Morei na periferia da zona norte de São Paulo até os meus de Oliveira, compôs a formação mensal da coordenação
quinze anos. Este espaço periférico, que me fez conhecer as pedagógica em pequenos grupos. A formação nasce
diferentes facetas e consequências da ausência de políticas da observação das formadoras diante da
públicas, também me fez aprender sobre coletividade, estética, necessidade de fortalecer o compromisso com
religiosidade, movimentos sociais e culturais, sobre a relação e para uma educação antirracista, não sexista
das crianças com a rua, com as múltiplas linguagens, com e não xenofóbia e, também, fortalecer as concepções de
a inventividade, a corporeidade e me fez entender a ação infâncias à luz dos princípios do Currículo da Cidade de
educativa de mulheres fortes como rede de apoio e afetividade São Paulo: equidade, integralidade e inclusão. Para atingir
umas das outras. Estas experiências constituíram minha linha este objetivo, a cada mês, um “Giro” na formação, com
de estudos e atuação, dentro e fora do campo profissional. pautas tematizadas entre os grupos, mas que, ao final,
Trajetória pessoal, acadêmica e partilha com os pares me todos passam por todos os grupos: 1. Étnico Racial, Gênero
nutrem cotidianamente para atuar na equipe de formadoras da e Diversidades, 2. A alimentação enquanto prática social e 3. Os
educação infantil. registros e acompanhamento pela Coordenação Pedagógica.
Cada passo dado nesta caminhada torna a minha história Em comum, as três pautas aproximaram,
ainda mais especial e devo isso às mulheres que inspiraram e estrategicamente, as propostas planejadas para bebês e
sustentaram o meu chão até que eu mesma pudesse asfaltar crianças às práticas sociais, de modo que o adulto educador
2
meu caminho. lançasse um olhar para a estética das relações na educação
Formadora de DIPED
2 “Educação estética”, termo cunhado por René Pablo Estevez,
Giro Formativo — Narrativas da coordenação pedagógica leva em conta a dimensão da pessoa em suas relações com
outras, com sua própria história e com o devir. O autor aponta
O Giro Formativo, idealizado pela equipe de formadoras
a necessidade da educação estética como possibilidade de se
da Educação Infantil da DRE/JT: Fabiana Lopes Laurito,
trabalhar a percepção humana e favorecer condição para uma
230 ratificando seu compromisso ético, sem desconsiderar as relações étnico-raciais, equidade de gênero e diversidades. 231
ressignificações subjetivas, que inevitavelmente atravessam O racismo estrutural, que também estrutura
cada sujeito de forma diferente diante da função social em as relações, se revela em muitas dimensões
ambientes educacionais, lugar onde as ações e concepções e nos encontros formativos não foi diferente.
são significadas, como aponta Stuart Halls: Alegar desconhecimento ou afirmar não estar preparado
para lidar com a pauta talvez tenha sido uma das maiores
[…] a ação social é significativa tanto para aqueles que a dificuldades apresentadas pelos gestores. Na mesma medida
praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, em que há sentimento de indignação com os relatos de
mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado racismos cotidianos, há também barreiras de compreensão
que os seres humanos utilizam para definir o que significam as subjetivas que atravessam cada sujeito, interferindo,
coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em invariavelmente, nas necessidades de intervenções diante das
relação aos outros. (HALL, 1997, p. 16). ações propositivas para/na relação com os bebês, as crianças,
famílias, comunidade e na própria identidade, conforme
3
Numa perspectiva de “homologia de processos” , os relato abaixo:
encontros formativos do Giro evidenciaram concepções e
favoreceram o pensar e o repensar da atuação da coordenação “[…] passei a levar os estudos de casos, textos e vídeos da nossa
com seus grupos em relação às pautas da educação para as formação do Giro em DIPED para os encontros formativos com
o grupo de professores para pautar a educação para as relações
educação que desenvolva olhares estéticos que desautomatizem as étnico raciais e equidade de gênero. Em um dos encontros,
relações e a vida cotidiana. depois de assistirmos a um vídeo e debatermos sobre o que as
3 “Homologia de processos”: termo cunhado pelo pedagogo falas traduziram em convergência com as nossas realidades
estadunidense Donald Schön, que propõe aproximar a formação
profissionais e subjetivas sobre o racismo, uma das professoras
vivida à forma com que esta experiência refletirá em sua prática
relatou que ‘foi a partir das formações que ela acessou sua
pedagógica.
232 ancestralidade e passou a reconhecer-se negra’ … Daí eu tive a maneira contínua, rompendo com impactos já estabelecidos e 233
dimensão da importância do nosso compromisso em diminuindo a distância entre discurso e prática:
pautar raça e gênero. E como disse no vídeo em questão:
enquanto os professores não reconhecem sua própria VIII Jornada Pedagógica — Educação Infantil
identidade, como é que serão capazes de empoderar e O anúncio da VIII Jornada Pedagógica — “O olhar para as
valorizar as identidades das crianças?” relações étnico-raciais e equidade de gênero” evidenciou pontos
Relato de uma coordenadora pedagógica durante o Giro Formativo a serem considerados: por um lado, reconhecer a grandeza
que foi ter toda a Rede Municipal de Ensino articulada e
O desafio da coordenação está em fazer intervenções no mobilizada para dialogar sobre a pauta raça e gênero e, por
planejamento, no diário de bordo, nas cartas de intenção, outro, cabe uma pergunta: o que se revela na concepção de
nas produções expostas, no conflito das relações cotidianas e, profissionais da educação quando da tentativa de se desviar
mais difícil ainda, diante da necessidade de sinalizar quando deste debate, demonstrando comportamento reativo diante
uma ação é problemática mesmo que tenha havido boa da pauta da Jornada?
intenção por parte da(o) docente. No entanto, a experiência na VIII Jornada Pedagógica
Por mais difícil que pareça ser, é necessário fortaleceu os rituais pedagógicos da coordenação ao
compreender que, por ser parte da sociedade, contribuir na construção de novas narrativas, ampliação de
o ambiente escolar reproduz opressões. No repertórios formativos e novas perspectivas ante os desafios
entanto, de maneira nenhuma ele pode produzir. Daí a para superação dos impactos negativos do racismo e das
importância do acompanhamento da coordenação, partindo opressões estruturais, viabilizando, ainda, o letramento racial
de uma pauta de observação consistente, que considere os dos profissionais da educação:
recortes interseccionais, que expanda a experiência de estudos
nos encontros formativos de modo que os profissionais da O racismo presente na educação infantil aparece de forma um
Unidade Educacional se movimentem entre ver e rever-se de pouco distinta daquela encontrada no ensino fundamental.
234 brancas temem ou não gostam de dar as mãos para as 235
negras etc. O racismo aparece na educação infantil, na faixa
etária entre 0 a 3 anos, quando os bebês negros são menos
“paparicados” pelas professoras do que os bebês brancos. Ou
seja, o racismo, na pequena infância, incide diretamente sobre
o corpo, na maneira pela qual ele é construído, acariciado ou
repugnado. (OLIVEIRA; ABRAMOWICZ, 2010, p. 221).

A Unidade Educacional, equipamento público, é parte


integrante da sociedade e deve oportunizar a cultura do
respeito à diversidade, o bem-estar integral, a escuta
efetiva, a inclusão e a legitimação de todos os bebês e
crianças como sujeitos de direitos. Considerar, ainda, que o
ambiente educacional oferta cultura e conhecimento, mas
que as crianças e os bebês também os produzem. E o
investimento na formação continuada é capaz
Enquanto na escola o desempenho escolar mais baixo das de dar pistas aos educadores quanto ao
crianças negras é fator identificador do racismo no ensino perigo da história única, o perigo do “professor
fundamental. Já na educação infantil, o racismo aparece nas Ilha” — aquele único que faz defesas em relação
relações afetivas e corporais entre adultos e crianças e nas a essas pautas.
brincadeiras espontâneas destas. […] Nas brincadeiras na O resgate da memória das diferentes infâncias
educação infantil, esse racismo aparece quando as crianças contribui nos momentos formativos com o grupo docente
negras são as empregadas domésticas, quando as crianças como possibilidade de reconhecimento das identidades e
236 diversidades de cada sujeito e, assim, se perceba parte no especiais” em outubro, hoje superada. Foi possível, então, 237
processo de aprendizagens dos bebês e das crianças e não questionarmos: o que são brincadeiras especiais em uma Unidade
fora dele. Educacional das Infâncias? Retomamos o PPP (Projeto Político-
Pedagógico) para compreender as concepções de infâncias ali
“RELATO DE EXPERIÊNCIA: Durante minha passagem na registradas. E pensar se, entre nós, a partir das fotos, a experiência
coordenação pedagógica em um Centro de Educação Infantil, de infâncias se apresentou com diferentes repertórios e de forma
propus com o grupo a construção de um painel com fotos não homogênea. Como, então, o grupo poderia repensar a ideia de
dos profissionais em diferentes momentos de suas infâncias. “semana especial”, uma vez que o nosso compromisso é favorecer
As fotos revelavam histórias diversas e inspiraram o grupo a aos bebês e às crianças espaços educativos potentes que contribuam
partilhar memórias e lembranças vividas. Um outro painel na na construção de suas aprendizagens cotidianamente?
sala dos professores expunha as fotos atuais dos profissionais. Dessas reflexões surgiram os registros que tornaram visíveis as
Enquanto as fotos ficaram expostas, foi possível observar brincadeiras e momentos vividos com os meninos e meninas do
como cada pessoa reagiu ao contato com aquelas imagens que, CEI, o mapeamento de brincadeiras ainda não experimentadas,
naturalmente, fizeram emergir reflexões sobre o tempo de as materialidades que pudessem ser adquiridas e contribuir na
cada um, o modo de fotografar, as marcas do tempo e a época construção de brinquedos e brincadeiras com as crianças e bebês.
vivida. Evidentemente, estes registros suscitaram momentos Ficou, portanto, a
experiência de ver adultos
saudosos e sensibilizaram, pela experiência, os diferentes revisitando suas infâncias e ressignificando a
modos de ser criança e que constituem atualmente aqueles compreensão sobre como cada um, em contato
adultos. A ideia não foi romantizar as infâncias ou infantilizar com sua própria história e com a do outro,
os adultos e sim aproximar o grupo das infâncias enquanto atribuiu sentido e significado entre os princípios do
concepção. Currículo da Cidade de São Paulo: Educação Infantil e os contextos
Um dos desdobramentos desta proposta culminou nas vividos com as crianças e os bebês como sujeitos de direitos.”
discussões sobre “a semana da criança com atividades
238 A vivência relatada materializa o princípio de que a educação raciais e equidade de gênero, devem estar no Projeto 239
para a equidade, inclusiva e para a integralidade reconhece Político-Pedagógico, nos encontros formativos, bem como na
que, historicamente, as pessoas partem de lugares diferentes, intencionalidade e na ação docente.
geográfica e socialmente. É um compromisso de todas e todos os profissionais de
Cabem alguns questionamentos: será que esperamos um único Educação.
modo de ser pessoa, de ser bebê, criança, menino ou menina? Será
que se espera entender o belo e a estética pautados na experiência
única de ser bonito, com base no padrão eurocêntrico? Será que  Palavras-chave: educação infantil; ação Formativa; educação
estamos exigindo “uma boa aparência” a partir de um modo antirracista; educação estética; equidade
esperado de ser, mesmo com todas as diversidades que torna único
cada Ser? É preciso questionar, por exemplo, de qual humanidade
se fala ao afirmar que “somos todos humanos”. Quais igualdades
de oportunidades são consideradas quando se ratifica que “somos
todos iguais”? Não somos!!! É preciso abandonar os discursos que
mantém as ações excludentes.
Palavras como protagonismo, infâncias,
potência, desenvolvimento, escuta, acolhimento
e afeto não podem estar isoladas da prática. Se
as palavras não tiverem tempo para nos servirem
de sentido na ação, elas se tornam discursos
repetitivos e esvaziados.
O compromisso para o letramento racial, que visa garantir
os estudos da educação não xenofóbica, para as relações étnico-
240 PRISCILA APARECIDA SANTOS DE OLIVEIRA REFERÊNCIAS 241
[email protected] AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen,
2019.
Professora de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino de São
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
Paulo desde 2014.
ESTÉVEZ, Pablo René. A educação estética: experiências da escola cubana.
Esteve designada na coordenação em 2019. Atualmente, integra a equipe
São Leopoldo: Nova Harmonia, 2003.
de formadoras da Educação Infantil na DRE-JT, desde 2020. Na DIPED,
EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. Rio de
é formadora referência dos Núcleos do Comitê da Primeira Infância,
Janeiro: Malê, 2017.
de Gênero e Diversidades, e Relações Étnico-Raciais. Pedagoga, pós-
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
graduada em Psicologia Social, Educação Inclusiva, Educação em e para educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
os Direitos Humanos e compõe o grupo de pesquisa e estudos: “Infâncias OLIVEIRA, Fabiana de; ABRAMOWICZ, Anete. Infância, raça e
e africanidades” na UFABC. “paparicação”. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 209-226,
ago. 2010.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.


Coordenadoria Pedagógica. Currículo da cidade: Educação Infantil. São
Paulo: SME/COPED, 2019.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o


ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2007.

STUART, Hall. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções


culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v. 22, n. 2, p. 15-46, jul./
dez. 1997.
MUSEU/ ESCOLA (MAB-FAAP)

BRINCAR PARA
242 243

ALM DA
INFNCIA TERRITRIOS
Este artigo é um breve relato de como foi o processo de
criação e regência do curso Brincar para além da infância —
Territórios de aprendizagem, ministrado para os professores da
rede pública municipal da cidade de São Paulo, e idealizado
por meio de uma parceria entre o Educativo do Museu de
Arte Brasileira da FAAP — MAB FAAP com a Coordenadoria

DE dos Centros Educacionais Unificados — COCEU, da Secretaria


Municipal de Educação — SME, em vigor desde 2017.
APRENDIZAGEM Durante os anos de 2020 e 2021, assim como todas
as instituições culturais, o Museu de Arte Brasileira da
Fundação Armando Alvares Penteado — MAB FAAP seguiu as
medidas do governo do Estado de São Paulo e permaneceu
temporariamente fechado, visando à saúde e ao bem-estar de
Aline Olegário, Bruna Medeiros, Caroline Spagnol, Paula Yida, sua comunidade e de todos os demais com quem possamos
Rafael Conti, Tatiana Bo e Tiago da Paixão
244 impactar positivamente. Porém, a equipe do educativo MAB Para entender essas relações, achamos pertinente traçar 245
FAAP continuou trabalhando de suas casas para que as ações um breve histórico da constituição das primeiras instituições
do Museu seguissem vivas e propositivas. Dentre essas ações, museológicas, passando pelo seu aprofundamento,
a formação de professores dos dois últimos anos foi realizada desenvolvimento e consolidação em nossa sociedade
1
de forma remota , utilizando ferramentas on-line de contemporaneamente. Trabalhamos também com os
conhecimento dos professores da Rede Municipal de Ensino. professores os diferentes tipos de museus bem como as
O principal objetivo da formação Brincar para além da diferentes funções que cada tipo de instituição desenvolve
infância — Territórios de aprendizagem foi refletir sobre o museu na sociedade. Para isso, estudamos: como as coleções dos
como um espaço de diálogo no trabalho com educação, museus são estabelecidas e como isso impacta a orientação
em contraposição a uma visão recorrente como um espaço da instituição; como a arquitetura dos museus impacta
puramente contemplativo. Para tentar alcançar este objetivo, diretamente as atividades que podem ser desenvolvidas pela
começamos os encontros virtuais e apresentamos os diversos instituição e pode ajudar, ou não, no diálogo que o museu
espaços museais e suas respectivas funções, tentando traçar quer estabelecer com o seu público; como o investimento,
as possíveis relações e desafios de se pensar os museus ou não, em setores educativos nas instituições culturais diz
também como espaços de produção de conhecimento e muito respeito a que tipo de público elas preferem alcançar;
aprendizagem. e como é importante pensar as relações que um aparelho
cultural estabelece com o território no qual está inserido.

1 Devido à pandemia, o curso de formação ministrado pelo


Neste momento, foi interessante perceber as diferentes
Educativo do MAB FAAP, que antes era exclusivamente presencial, relações dos professores com esses espaços culturais, que
foi readaptado para o formato híbrido e virtual, ou seja, contava muitas vezes se entrelaçam com as memórias afetivas pelas
com aulas on-line síncronas, regidas pelos educadores e com experiências locais, e que dificilmente se equiparam, mas
participação em tempo real dos professores na plataforma Google
muitas vezes se contrapõem, às funções reais desse tipo de
Meet, e também com aulas on-line assíncronas, que deveriam ser
instituição na sociedade: a qual está focada na construção,
acompanhadas na plataforma Google Classroom.
246 preservação e divulgação de determinados ideais estéticos 247
e civilizatórios de culturas específicas, em detrimento das
que não estão contempladas nestes discursos. O ponto mais
importante deste módulo foi poder problematizar junto
2
com os professores como as instituições culturais
não são espaços neutros e isentos de
problemáticas sociais e como eles podem contribuir
positiva, ou negativamente, para o desenvolvimento de uma
sociedade mais justa e plural.
Juntamente ao conteúdo teórico, elaboramos duas
atividades práticas para dar mais dinâmica às aulas e
complementar o processo pedagógico. A primeira, chamada apontamentos discutidos em aula, articulando-os com
Imaginando um museu, propunha colocar em prática os o imaginário que os professores possuíam acerca das
instituições museológicas. Desse modo, os professores
deveriam imaginar o seu próprio museu e apresentar a
2 Quando usamos o termo instituições culturais, estamos nos
fachada deste, bem como o conteúdo da sua coleção, por
referindo a todo tipo de aparelho cultural no qual se desenvolvam
meio de desenhos ou colagens. Para a segunda atividade,
atividades dessa natureza. Para além dos museus, trabalhamos no
curso com Centros Culturais, CEUs e SESCs, procurando entender
Museu é o mundo, levamos em conta os tópicos trabalhados
a função dessas outras instituições culturais e seu impacto na sobre a arquitetura, os serviços e a acessibilidade dos
sociedade. De acordo com as demandas de sala de aula, também espaços museológicos e propusemos aos professores que
discutimos como escolas, praças, parques, festividades tradicionais, continuassem a desenvolver o seu museu imaginário, mas
circuitos gastronômicos, festas de ruas, complexos esportivos
agora produzindo a planta baixa desse espaço com todas as
etc. são importantes para o desenvolvimento cultural de um
funções que achassem pertinentes.
determinado território.
248 espaço imaginado e adequassem a forma (a arquitetura) às 249
propostas que seriam desenvolvidas. Em ambas as atividades,
propusemos que o resultado fosse entregue por meio de
linguagens plásticas, pois queríamos reforçar o pensamento
de Oiticica e também para problematizar, porque no decorrer
da educação formal somos cada vez mais incentivados a nos
expressarmos por meio de palavras em detrimento de outras
formas de expressão.
Continuamos a formação alterando o foco de investigação
para pensarmos o brincar, ou a brincadeira, como um possível
paradigma nas relações sociais de aprendizagem. Para
começar a discussão, assistimos juntos ao documentário
A inspiração para essas atividades veio da frase “o Tarja Branca (2014), do diretor Cacau Rhoden, que investiga
museu é o mundo, é a experiência cotidiana”, as memórias infantis dos adultos e reflete sobre a
do artista plástico Hélio Oiticica, o qual pensava o processo importância do brincar em diferentes fases da vida, bem
artístico e a arte como uma questão da vivência cotidiana como os impactos dessa escolha na vida social. A partir do
3
dos indivíduos, ou seja, que deveria ser experienciada em documentário, fizemos algumas provocações para entender
todos os momentos da vida e não relegada apenas a espaços
ou momentos específicos. Assim sendo, por se tratar de um 3 Utilizamos as seguintes perguntas disparadoras como motes para
museu imaginário, os professores puderam conceber um a discussão do brincar: o que pode ser definido como brincadeira

espaço de experimentação da arte de forma completamente ou brincar? Quando e onde se brinca? Para que serve a brincadeira?
Qual a importância de brincar? Adultos podem brincar? Adultos
livre, mas que, ao mesmo tempo, pressupunha que eles
brincam? Adultos gostam de brincar? Você sente falta de brincar?
refletissem sobre como deveria ser a ocupação desse
Qual foi a última vez que você brincou?
250 o que os professores haviam compreendido sobre o filme e instituições culturais, enquanto espaços de 251
para discutirmos e estabelecermos um panorama comum experimentação da arte e do lúdico, possuem
entre o grupo de professores sobre o que poderíamos definir características pedagógicas importantíssimas,
como brincadeira e qual a sua importância. Com isso, pois aproximam o público escolar de diversas
conseguimos resgatar algumas lembranças e sentimentos, manifestações culturais, ao mesmo tempo que
problematizamos o motivo pelo qual a maneira que reafirmam a importância que outras formas
brincamos se modifica nas diferentes fases da vida e de educação podem ter no desenvolvimento
pensamos quais as funções e importância das brincadeiras psicossocial dos indivíduos em nossa
no aprendizado e na estruturação das relações sociais sociedade. Aliado a essa discussão, trabalhamos também
estabelecidas entre os indivíduos. os aspectos históricos da educação pública no Brasil e como a
Por meio das discussões a respeito do brincar e suas mudança de características e funções dessa educação estava
potencialidades, conseguimos estabelecer uma ponte relacionada com outras mudanças sociais que aconteciam
entre a educação em ambiente formal (escolas) e não no país. Por exemplo, o avanço da industrialização no
formal (instituições culturais). Na escola, a brincadeira país e a necessidade de uma mão de obra minimamente
é uma ferramenta pedagógica muito utilizada para o qualificada para esse novo tipo de trabalho fez com que as
desenvolvimento de: habilidades motoras, socialização, escolas aumentassem em quantidade, em detrimento da
construção e elaboração de abstrações, incentivo ao trabalho qualidade do ensino.
em equipe, resolução de problemas, resolução de conflitos, Aqui, a inspiração para o módulo foi um jogo de
expressão e compreensão das próprias emoções, entre outras. palavras no qual propúnhamos aos professores que eles
Nos equipamentos culturais, a experimentação do lúdico e das “re-aprendessem” a brincar, trabalhando as potencialidades
brincadeiras se faz corriqueira no trabalho dos educadores e da brincadeira como ferramenta pedagógica, mas também
aproxima a arte e a cultura da realidade escolar ao utilizar-se repensando-a para outros momentos e espaços da vida
das mesmas ferramentas. Assim sendo, os museus e as cotidiana. Desse modo, a atividade O corpo no espaço, proposta
252 acostumados a ocupar, sendo que, em muitos casos, eles 253
passaram a valorizar novas perspectivas desses espaços, que
antes só eram de interesse para outros habitantes da casa
como as crianças e os animais de estimação.
Por fim, como proposta de encerramento e avaliação
do curso, pedimos aos professores que produzissem um
projeto didático que deveria ser aplicado com a sua turma
de alunos ou com os seus colegas de trabalho da Unidade
Educacional. A elaboração do projeto ocorreu durante uma
semana inteira com debates intensos antes, durante e depois
do processo de desenvolvimento, procurando ajudá-los com
a estruturação e o direcionamento dos projetos. Pensamos
para essa etapa da formação, pretendia que os professores a metodologia dessa forma para auxiliar os professores que
pensassem como o corpo deles estava inserido no espaço estivessem menos habituados com a realização de um projeto
das suas residências, e como eles poderiam experimentar pedagógico e para que eles pudessem trocar experiências
novas perspectivas de utilização desses espaços. Para a respeito dos problemas que cada um enfrentava em
isso, eles deveriam escolher novos pontos de vista e se suas respectivas Unidades. A avaliação final da atividade
colocarem fisicamente de outros modos em três lugares buscou observar se os professores conseguiram articular
que teoricamente eram conhecidos de suas casas, porém algum conteúdo trabalhado durante o curso com questões
alterando a sua percepção. Os resultados da atividade foram e problemas típicos da Unidade Educacional e do território
registrados por meio de fotografias com pequenos relatos no qual trabalhavam. Deixamos a proposta bem aberta para
de cada imagem e nos mostraram como a relação dos que fosse possível contemplar as diferentes realidades sociais
professores se modificou com o ambiente que estavam tão existentes nas Unidades Educacionais da Cidade de São Paulo,
254 o que também foi importante para proporcionar discussões 255
diversas e muito ricas no decorrer do curso. ALINE MARIA OLEGÁRIO DA SILVA

Ficamos muito satisfeitos ao final do período de Pós-graduada em História da Arte pela FAAP e bacharel em Artes Cênicas
formação, porque, apesar de todas as adversidades que pela Universidade São Judas Tadeu. Desenvolve trabalhos na área artística
enfrentamos durante esse período atípico de pandemia, desde 2006, atuando como atriz, figurinista e aderecista. Atualmente é
conseguimos terminar o curso com a participação de educadora no Museu de Arte Brasileira da FAAP — MAB FAAP.
aproximadamente 600 professores da Rede Municipal de
Ensino durante os anos de 2020 e 2021. Acreditamos que todo BRUNA MEDEIROS PASSOS

esse processo tenha sido importante para todos os envolvidos, É artista da dança e mestranda em Filosofia da Arte pelo Programa de
pois, apesar de acreditarmos fortemente na importância Pós-Graduação em Filosofia da UFSC. Formada em Gestão de Turismo
da conexão e presença física como fatores primordiais pelo IFSP, em Filosofia pela UFSC e em dança pela ETEC de Artes.
para o aprendizado, pudemos colher frutos decorrentes Trabalha com educação desde 2008. É educadora no MAB FAAP.
do encurtamento das distâncias no ambiente virtual e dos
recursos únicos que só existem nessas plataformas. Além CAROLINE BRUNCA SPAGNOL

disso, ao término do curso foi possível manter a esperança Bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universitário SENAC. Pós-
que nós temos nessa formação e esperamos ter contribuído graduada em História da Arte pela FAAP. Desde 2008, atua na área
de maneira significativa para o cotidiano de cada professor. de mediação cultural como educadora e supervisora em instituições
culturais, sendo assistente de coordenação do Educativo no Museu de
Arte Brasileira da FAAP — MAB FAAP até 2021.
 Palavras-chave: formação de professores; museu; educativo;
brincar; territórios de aprendizagem PAULA YIDA

Bacharel em Artes Plásticas pela Faculdade Santa Marcelina. Atua desde


2005 na mediação cultural. Na produção, acompanhou exposições
256 e performances. Foi assessora de formação na Spcine, articulando REFERÊNCIAS 257
parcerias entre instituições de ensino e empresas do audiovisual em FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
São Paulo.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
RAFAEL CONTI
GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de
Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de São Janeiro: LTC, 2012.
Paulo. É Educador do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando
INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Guia dos Museus Brasileiros. Brasília:
Alvares Penteado FAAP — MAB FAAP e tem experiência nas áreas de Arte Instituto Brasileiro de Museus, 2011.
Educação, Cultura e Relações de Poder, com ênfase em Crítica de Arte e LEITE, Maria Isabel. Crianças, velhos e museu: memória e descoberta.
Sistemas de Trocas Simbólicas. Cad. Cedes, Campinas, v. 26, n. 68, p.74-85, jan./abr. 2006. Disponível em:
www.cedes.unicamp.br. Acesso em:12 maio 2020.

MONTANER, Josep Maria. New museums. Nova York: Princeton, 1990.


TIAGO DA PAIXÃO NUNES

Bacharel em Educação Artística pela Universidade São Judas Tadeu. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Trad. Ivone C. Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2012.
Licenciado em Artes Visuais pela Faculdade de Educação Paulistana.
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. Tradução Tatiana Berlinky. São
Integrante do Coletivo Deriva. Educador, músico e artista visual. Tem
Paulo: Summus, 1978.
atuado na educação não formal desde 2011, em diversas instituições.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. Tradução de Ingrid
Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2001.
TATIANA BO KUN IM
VÍDEOS
Mestre em História da Arte pela UNIFESP. Pós-graduada em História da
O BRINCAR na educação infantil: descomplica professor #19. Londrina:
Arte pela FAAP. Bacharel em Artes Plásticas pela UNESP. Coordenou até o Ênfase Educacional, 2017. 1 vídeo (2 min). Disponível em: www.youtube.
fim de 2022 o Educativo do Museu de Arte Brasileira — MAB FAAP. Tem- com/watch?v=Oj26cyqZPR8. Acesso em: 12 maio 2020.
se dedicado ao estudo de Museus de Arte e Moda, e Arte-Educação. O QUE a escola deveria aprender antes de ensinar?. Viviane Mosé.
Campinas: CPFLCultura, 2013. 1 vídeo (49 min). Disponível em:
258 www.youtube.com/watch?v=EigUj_d5n80. Acesso em: 20 maio 259
2020.

TARJA branca: a revolução que faltava. Direção de Cacau Rhoden.


Produção de Juliana Borges. Roteiro: Marcelo Nigri. São Paulo:
Maria Farinha Filmes, 2014. 1 vídeo (80 min.), son., color.

TERRITÓRIOS do brincar. Direção de David Reeks e Renata


Meirelles. Produção de Juliana Borges. Roteiro: Clara Peltier e
Renata Meirelles. São Paulo: Maria Farinha Filmes, 2015. 1 vídeo
(2 min), son., color.

TOY Story 4. Direção de Josh Cooley. Eua: Walt Disney Pictures


Pixar Animation Studios, 2019. 1 vídeo (100 min.), son., color.,
legendado.
260 O EDITAL DE SUBMISSÃO professoras(es) com ou sem regência, coordenadoras(es) 261
pedagógicas(os), diretoras(es), assistentes de direção,
auxiliar técnico educacional e supervisores atuantes na
Quer publicar seu texto na revista Infâncias e Territórios? Rede Municipal de Ensino de São Paulo e/ou na rede pública
de outras cidades do Brasil e outros países. Por se tratar de
uma revista de arte e educação, prezamos por rigor teórico e

 O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A REVISTA: linguagem autoral.


Revista Infâncias e Territórios é uma publicação da Divisão de
Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de São  COMO SABER SE SEU RESUMO FOI SELECIONADO?
Paulo que se consolida como um diálogo entre Infância, Arte O conselho editorial da revista irá ler todos os resumos
e Pedagogia atrelado aos conceitos presentes nos documentos recebidos e, as(os) autoras(es) daqueles que estiverem dentro
construídos pela Rede ao longo dos últimos anos, tais como da linha editorial, receberão um e-mail para que enviem
Currículo da Cidade, Currículo Integrador da Infância o texto completo. Essas duas etapas ainda não garantem a
Paulistana, Indicadores de Qualidade, Normativa de registros, publicação. O conselho editorial fará a leitura dos textos
Normativa de alimentação e outros que podem ser acessados recebidos e os selecionados receberão um e-mail com o aviso
no link: tinyurl.com/mwah7v7v sobre como prosseguir.

 QUAL O PROCEDIMENTO PARA PUBLICAÇÃO? 


Primeiro, você precisa escrever um resumo do ensaio ou  QUER ENVIAR SEU RESUMO? 
artigo que pretende enviar. O resumo deve estar dentro Acesse a página educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/revista-
da linha editorial da revista e trazer originalidade na infancias-e-territorios/
abordagem do tema. Deve partir de um relato ou pesquisa ou o link: tinyurl.com/mrdkmnsu
de educadoras(es) – entende-se educadoras(es) por:


262

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