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PRECEDENTES JUDICIAIS E ANTECIPAÇÃO: A TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CPC

Precedentes judiciais e antecipação:


a tutela da evidência
no novo CPC
Rogéria Dotti
Advogada no Paraná
Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil
pela Universidade Federal do Paraná
Conselheira Estadual e Coordenadora-Geral da
Escola Superior de Advocacia da OAB Paraná

RESUMO
Este trabalho tem a finalidade de analisar, no novo Código
de Processo Civil, a possibilidade de antecipação da tutela, sem
urgência e com base na aplicação de precedentes judiciais. Ele
trata, portanto, da tutela da evidência: uma forma de tutela
antecipada com base apenas na probabilidade do direito e que
não exige a presença do periculum in mora. Trata-se de
importante inovação no direito brasileiro e tem o objetivo de
garantir, ao mesmo tempo, a razoável duração do processo e o
tratamento igualitário para casos iguais. Tal estudo considera
que o ônus do tempo no processo deve ser racionalmente
distribuído entre as partes, mesmo quando não houver risco.
Considera também que deve haver uma coerência e isonomia
nas decisões judiciais. Conclui-se assim que, dentro do devido
processo legal, o direito provável e reconhecido pela
jurisprudência deve ser desde logo tutelado.

Palavras-chave: Tutela antecipada. Precedentes judiciais.


Novo Código de Processo Civil. Probabilidade do direito.

ABSTRACT
This work aims to analyze the possibility of injunctive relief
in the New Civil Procedure Code, without urgency and based on
the precedent system. Therefore, it focuses on the evident
provisional measure: a kind of preliminary injunction based only
on the clear right, which does not require the presence of
periculum in mora. It is an important innovation in Brazilian
law, that has the aim to assure, at the same time, the reasonable
length of proceedings and the equal treatment for equal cases.
This study considers the need to distribute rationally the time
of proceedings among plaintiffs, even when there is no risk at
all. It also considers that there must be coherence and equality
in judicial decisions. The conclusion is that, in a due process of

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law, what has been declared a clear right by jurisprudence must


be satisfied right away.

Keywords: Injunctive relief. Precedents. New Civil Proce-


dure Code. Clear right.

Introdução
O processo civil da atualidade depara-se com dois graves
problemas: a demora na prestação jurisdicional e a instabilida-
de da jurisprudência. Ambos são igualmente nocivos. Tanto o
atraso como a existência de decisões diferentes para casos iguais
geram a sensação de injustiça e a descrença no Poder Judiciário.
Ciente dessa realidade, o legislador do novo Código de Pro-
cesso Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) procurou
encontrar alternativas. O art. 926, por exemplo, estabelece o dever
dos tribunais quanto à uniformização da jurisprudência, a fim
de mantê-la estável, íntegra e coerente. E, complementando o
dispositivo anterior, o art. 927 determina que os juízes (de pri-
meiro e segundo grau) observem as decisões do Supremo Tribu-
nal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os
enunciados de súmulas vinculantes, os acórdãos em incidente
de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas, assim como os julgamentos de recursos repetitivos,
os enunciados de súmulas do STF e STJ nas matérias que lhes são
inerentes e a orientação do plenário ou órgão especial dos tri-
bunais de segundo grau.
Por outro lado, o novo Código de Processo Civil assegura
também a possibilidade da antecipação da tutela nas hipóte-
ses em que, apesar de não concluída a instrução, a existência
do direito do autor já se mostre clara. É a chamada tutela da
evidência, disciplinada pelo art. 311 e baseada em um forte
juízo de probabilidade. O interessante é que a antecipação nesse
caso dispensa o requisito da urgência, ou seja, do periculum in
mora. A satisfação do direito do autor decorre pura e simples-
mente de uma melhor equação em relação ao tempo de espera
do processo.
A solução legal é de uma lógica inquestionável. Com efei-
to, se o direito do autor já se mostra muito mais do que prová-
vel, nada mais adequado que permitir sua imediata realização.
Embora não se trate de verdadeira novidade – uma vez que o
art. 273, inciso II do Código de Processo Civil de 1973 já autori-
zava a antecipação sem urgência –, não há como negar que o
instituto foi significativamente ampliado pela nova lei.

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O que se pretende analisar no presente artigo é justamente


essa fórmula encontrada pelo novo Código para dar solução, ao
mesmo tempo, a essas duas preocupações: demora e instabilida-
de jurisprudencial. Com efeito, através da previsão do inciso II
do art. 311, será possível a antecipação baseada em teses jurídi-
cas pacificadas pelos tribunais.
E aí surge a seguinte questão: a lei produzirá verdadeiro
avanço em termos de antecipação? A dúvida é razoável na me-
dida em que, de acordo com a tradição jurídica brasileira, só se
antecipa o que é urgente. Nesse sentido, basta lembrar que o
inciso II do art. 273 do Código de 1973 nunca teve grande apli-
cação prática.
Contudo, é possível pensar que a busca de celeridade e se-
gurança autoriza uma aplicação mais ampla da tutela da evi-
dência. Essa é a reflexão que ora se propõe.

1 O princípio da razoável duração do processo


O direito processual da atualidade é iluminado pelos valo-
res expressos nos princípios e nas garantias constitucionais. Se-
rão eles que darão o tom para a correta aplicação das regras nas
áreas do processo civil, penal e administrativo. Logo, a doutrina
não pode mais ser indiferente a esses valores e à busca de reali-
zação do direito material. Daí a noção de direito constitucional
processual.
Além disso, percebe-se que o objetivo do processo civil não
se limita a compor as partes. Hoje não se pensa mais na jurisdi-
ção apenas como a justa composição da lide, consoante a clássi-
ca lição de Carnelutti. Independentemente da solução ao con-
flito concreto, o processo busca ser também um meio de estabe-
lecimento de condutas e de realização de Justiça. Essa função
pública, bem exposta na teoria dos precedentes, faz com que a
lei, a doutrina e a jurisprudência preocupem-se com a isonomia
e a estabilidade das decisões judiciais. Afinal, serão elas que es-
tabelecerão os comportamentos e a forma de atuação dos
jurisdicionados.
Nesse contexto, Ada Pellegrini Grinover fala da “notável
transformação” decorrente da mudança de enfoque do indivi-
dual para o social. O processo passa a ser visto como “instrumen-
to ético e político de atuação da justiça e de garantia da liber-
dade” (GRINOVER, 1986, p. 19).
E, ainda que a leitura deva sempre ocorrer no sentido da
Constituição em direção ao ordenamento infraconstitucional, não
se pode desconsiderar que o Código de Processo Civil desempe-

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nha um importante papel na concretização dos direitos. Nesse


aspecto, a nova lei traz um capítulo inicial destinado às normas
fundamentais do processo civil, o qual reafirma várias das ga-
rantias constitucionais. Nele se lê, por exemplo, que as partes
têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º). Trata-se, eviden-
temente, de reflexo da garantia insculpida no art. 5º, inciso
LXXVIII da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A garantia vem também prevista no Pacto de São José da
Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. O art. 8º, inciso 1 do
texto estabelece:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas


garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz
ou Tribunal competente, independente e imparcial, es-
tabelecido anteriormente por lei, na apuração de qual-
quer acusação penal formulada contra ela, ou na deter-
minação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

A propósito, Jorge de Oliveira Vargas lembra que o direito


de obter decisões judiciais dentro de um prazo razoável é bas-
tante antigo, já estando previsto na Carta Magna de 1215. Lá, o
direito inglês, no parágrafo 40, assegurava expressamente “a
ninguém venderemos, negaremos ou retardaremos direito ou
justiça” (VARGAS, 2005, p. 343). Trata-se de uma decorrência di-
reta do princípio da efetividade e do direito à tutela jurisdicional
adequada.
Na Itália, desde 2001, há legislação específica assegurando
o direito à indenização pela violação da garantia à razoável du-
ração do processo. Trata-se da Lei nº 89, de 24 de março de 2001,
mais conhecida como “Legge Pinto”. Ela alterou o art. 375 do
Código de Processo Civil italiano, o qual passou a permitir equa
riparazione dos danos causados pela demora excessiva.
Destaque-se que o atraso na prestação jurisdicional, além
de gerar prejuízos materiais, causa malefícios a todo o sistema e
ao próprio Estado de Direito. Isso porque gera desalento e um
descrédito da população em relação ao Poder Judiciário. Vale
aqui recordar a belíssima lição de Eduardo Couture: no proces-
so, o tempo é algo mais do que ouro: é justiça.1

1
“Por outra parte es menester recordar que en el procedimiento el tiempo es
algo más que oro: es justicia” (COUTURE, 1945 apud NERY JUNIOR, 2009, p.
315).

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2 Precedentes judiciais e a busca de isonomia e segurança


jurídica
O princípio da isonomia constitui uma das garantias consti-
tucionais. Ele tem sua base normativa no caput do art. 5º da
Constituição Federal, o qual assegura que todos são iguais pe-
rante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
A leitura que se faz hoje dessa garantia é bastante ampla, de
maneira a proteger a igualdade sob o ponto de vista material, ou
seja, concreto. Justamente por isso, abandona-se a noção antiga,
herdada do movimento revolucionário francês e consistente na
igualdade meramente formal, ou seja, apenas perante a lei. Isso
porque, se a vedação à interpretação e à criação do direito pela
jurisprudência fazia algum sentido em um contexto de juízes aris-
tocratas e ligados ao ancien regime (noblesse du robe), com o
passar dos anos tal concepção de jurisdição mostrou-se totalmen-
te incapaz de lidar com as sensações de frustração e descrédito
decorrentes de julgamentos diversos para casos idênticos.
Na verdade, a vedação à interpretação judicial mostrou-se
absolutamente utópica. Os juízes, inicialmente proibidos de in-
terpretar a lei, passaram naturalmente a fazê-lo (em face das clá-
usulas gerais ou conceitos indeterminados, do controle difuso da
constitucionalidade das leis e da aplicação de valores ou princípi-
os metajurídicos). Isso gerou graves distorções e passou a permitir
decisões absolutamente diferenciadas para casos iguais. Tal insta-
bilidade, como é natural, trouxe grande insegurança jurídica. Não
é mais possível prever qual será a solução concreta dada pelos
tribunais e, consequentemente, não há uma pauta de conduta a
ser seguida. A atuação das pessoas físicas e jurídicas deixa, por-
tanto, de ter uma orientação jurídica clara e segura.
Nesse cenário, o respeito ao princípio da isonomia (em sua
conotação material) e à própria segurança jurídica passou a exi-
gir uma aproximação entre os sistemas de civil law e common
law, a fim de assegurar tratamento igual para casos iguais (treat
like cases alike).
Importante destacar que, no Brasil, o conjunto de decisões
judiciais (jurisprudência) infelizmente não apresenta coerência
ou uniformidade. Aliás, isso é facilmente demonstrável, pois,
quando a doutrina se refere a um grupo de decisões em um
mesmo sentido, ela utiliza a expressão “corrente jurisprudencial”.
A jurisprudência brasileira, portanto, não é em nada uniforme.
E isso por um motivo muito claro: muitos magistrados proferem
suas decisões a partir de suas próprias convicções pessoais e seu
modo pessoal de interpretar a lei.

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Não há no país nem mesmo um sentimento de colegialidade


dentro das Cortes. Cada assessoria ou gabinete decide de uma
forma e não há uma coerência entre as decisões. Isso faz com
que o entendimento de um mesmo órgão julgador se altere em
pequenos intervalos de tempo, de acordo com sua composição.
Por outro lado, sendo a lei o único parâmetro e, ainda assim,
apresentando por vezes uma alta carga de indeterminação, não
há como prever o conteúdo das decisões judiciais. A propósito,
Sérgio Cruz Arenhart defende a adoção dos precedentes e sali-
enta que a lei é por si só insuficiente para gerar previsibilidade
do sistema. Segundo o autor, a instabilidade é um dos proble-
mas que leva ao aumento do número de demandas: “Hoje uma
dificuldade muito grande é a imprevisibilidade da decisão judi-
cial. É um sistema totalmente imprevisível, que estimula o litígio
de maneira exagerada” (ARENHART, 2014).
Realidade completamente diversa se verifica nos países que
adotam um sistema de precedentes judiciais. A expressão latina stare
decisis et non quieta movere já traz em si a noção de estabilidade.
Tal orientação, adotada nos países de common law, pressupõe uma
relação de coerência e integridade no conjunto das decisões judi-
ciais. Ainda que exista um comando na lei ou na Constituição, a
norma realmente só surge no julgamento do caso concreto, atra-
vés de uma construção judicial baseada no contexto social e cultu-
ral. E tal norma deve ser respeitada nos casos futuros, de modo a
garantir um mesmo julgamento para todos os casos iguais. Dessa
forma, a obediência de juízes e tribunais às decisões anteriores tem
uma natureza semelhante ao respeito que eles devem ter em rela-
ção à Constituição ou aos textos legais (statutes). Há, nitidamente,
um compromisso com o passado, jamais permitindo que o juiz par-
ta de um marco zero (ex nihilo). Assim, mesmo nas hipóteses de
superação ou não aplicação do precedente por overruling ou
distinguishing, o magistrado deve considerar as decisões já proferi-
das e justificar o motivo de sua não aplicação. Isso garante isonomia
material, ou seja, igualdade de direitos no julgamento dos casos
concretos.
Nesse aspecto, o Código de Processo Civil de 2015 possui
inegavelmente o mérito de buscar uma maior uniformidade e
coerência na aplicação da lei, assegurando o respeito à segu-
rança jurídica e ao princípio da isonomia material.

3 O ônus do tempo no processo e a probabilidade do direito


No Brasil, há uma tendência em se imaginar que a não con-
cessão de tutela antecipada – por não alterar o status quo ante –

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não traria riscos e não causaria prejuízos. Tal raciocínio é um


erro. Em todas as ocasiões em que o autor tiver razão (o que só
será possível apurar ao final do processo), a mera postergação
da realização de seu direito evidentemente lhe causará prejuí-
zo. Por isso, estando presentes os requisitos legais, o magistrado
tem o dever legal de tutelar antecipadamente o direito da par-
te. Trata-se da justa distribuição do ônus do tempo no processo
ou, em outras palavras, da tutela do direito que já se mostra
evidente.
Marinoni e Mitidiero (2008, p. 270), que há muito tempo
tratam desse tema, afirmam que o processo não pode ser fonte
de prejuízo ao autor que tem razão: “Ora, como o autor tem
direito à tutela jurisdicional tempestiva, e o réu direito à defesa,
somente é processo justo aquele que está preocupado com ambas
as partes, repartindo o ônus do tempo do processo, que antes
era jogado inteiramente nas costas do autor”. Vale aqui a lem-
brança do princípio chiovendiano de que a durata del processo
non deve andare a danno dell’attore que ha ragione (MARINONI,
2006, p. 148).
Daí porque o Direito Processual Civil, ciente dos valores cons-
titucionais, deve propor a construção de um processo justo. E,
para tanto, é preciso que o magistrado assuma riscos, faça esco-
lhas, decida com base em probabilidade. Deve-se abandonar
aquele antigo ideal da busca de um juízo de certeza.
Além disso, essa nova concepção do processo procura evitar
o imobilismo e a neutralidade de algum tempo atrás, quando
ao magistrado cabia tão somente a aplicação das formalidades
legais, pouco importando a realização do direito material. “O
processo civil moderno repudia a ideia do juiz Pilatos que, em
face de uma instrução malfeita, resigna-se a fazer injustiça atri-
buindo a falha aos litigantes” (DINAMARCO, 2001, p. 223).
A inércia do Poder Judiciário realmente prejudica a parte
que tem razão e cria o chamado dano marginal, decorrente da
frustração, da não fruição do direito. Isso não decorre da atitu-
de do réu, mas da própria demora que o processo acarreta. O
Estado prejudica assim o cidadão diante da má prestação do ser-
viço tendente à tutela jurisdicional (HOFFMAN, 2006, p. 222).
O juízo de probabilidade possui relevância processual e deve
servir para assegurar, nas hipóteses legalmente previstas, a ante-
cipação da realização do direito. Qualquer pensamento em sen-
tido contrário desconsidera a ideia de isonomia no tratamento
das partes, privilegiando a manutenção do status quo e dando
valor excessivo à busca de certeza. Afinal, por que prestigiar o
possível, mas improvável, direito do réu quando o autor apre-

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senta provas suficientes de que certamente vencerá a demanda?


Diante dessa circunstância, é lógico pensar que o Poder Judiciá-
rio deve tutelar o direito que já se mostra provável, em vez de
impor uma longa e demasiada espera.
Aliás, se até pouco tempo atrás já parecia injusto fazer o
autor (que aparentemente tem razão) esperar até a decisão fi-
nal, agora, diante da demora cada vez maior da tramitação dos
processos, essa injustiça se mostra de forma ainda mais nítida.

4 A Tutela da Evidência no CPC de 2015


Em seu sentido amplo, a tutela provisória possui o grande
mérito de fazer com que o tempo necessário para o deslinde da
controvérsia não se torne um fardo injustamente pesado para as
partes (notadamente para o autor que tem razão). Ela constitui
uma das maneiras de se enfrentar o dilema da falta de estrutura
judicial e do enorme volume de processos. Nesse sentido, “o pro-
cesso, para ser justo, deve tratar de forma diferenciada os direi-
tos evidentes, não permitindo que o autor espere mais do que o
necessário para a realização do seu direito” (MARINONI, 2006,
p. 165-166).
A tutela provisória é vista, então, como uma opção do le-
gislador para implementar a garantia constitucional da razoá-
vel duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, inciso
LXXVIII) e assegurar a efetividade do direito material (tão ne-
cessária para a credibilidade e a respeitabilidade do próprio
Poder Judiciário).
O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de
março de 2015) prevê a tutela provisória como gênero, o qual
abrange a tutela de urgência (cautelar ou satisfativa) e a tutela
da evidência. Esta última se caracteriza pela possibilidade de an-
tecipação de tutela mesmo quando não exista periculum in mora.
A tutela da evidência está disciplinada no art. 311 do novo
diploma, o qual amplia consideravelmente as possibilidades até
então previstas. Com efeito, no sistema anterior (art. 273, II do
Código de Processo Civil de 1973, com as alterações introduzidas
pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994), já se mostrava
possível a antecipação da tutela, independentemente do risco
de dano. Isso ocorria sempre que se caracterizasse o abuso do
direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Mas a nova lei prevê agora outras circunstâncias nas quais se
autoriza a antecipação, consoante os incisos do art. 311 do refe-
rido diploma legal. E, o que é melhor, dispensa o requisito da
má-fé processual, exigido no sistema do Código anterior.

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Destaque-se que o simples fato de haver um aumento das


hipóteses legais de antecipação divorciada da urgência já sinali-
za uma maior preocupação do sistema legal com a posição jurí-
dica daquele autor que, aparentemente, tem razão. Para ele, o
Código de Processo Civil de 2015 aumenta as chances de ver o
direito realizado desde logo, independentemente de qualquer
situação de risco.
Trata-se assim de uma demonstração de mudança de
paradigma em relação àquele processo anterior, extremamente
conservador e comprometido apenas com a visão do réu.
O novo Código Civil de 2015 prevê a concessão da tutela
de evidência em quatro cenários distintos: a) abuso do direito
de defesa ou propósito protelatório da parte; b) prova docu-
mental das alegações de fato e existência de tese firmada em
julgamento de casos repetitivos ou súmulas vinculantes; c) pedi-
do reipersecutório fundado em prova documental adequado ao
contrato de depósito; e d) petição inicial instruída com prova
documental suficiente à demonstração do direito do autor, sem
oposição de defesa do réu com prova capaz de gerar dúvida
razoável.
Entre os cenários descritos, merece destaque a possibilidade
prevista no inciso II, ou seja, a concessão da tutela da evidência
diante de prova documental e pretensão em sintonia com tese
firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.
Tal hipótese procura unir, de um lado, a necessidade de acelerar
a satisfação do direito provável da parte e, de outro, o sistema de
respeito aos precedentes judiciais. Com isso, pretende-se não ape-
nas garantir a efetividade mas também possibilitar uma prestação
jurisdicional mais uniforme, íntegra e coerente.
Vale lembrar que o princípio da razoável duração do pro-
cesso mostra-se cada vez mais necessário para a efetividade dos
direitos. Isso porque a complexidade maior das causas, aliada ao
grande aumento da litigiosidade, passou a impor uma melhor
distribuição do ônus do tempo do processo. Se antes era possí-
vel aguardar o término do processo (a fim de se obter a satisfa-
ção do direito mediante cognição exauriente), agora a longa
espera por uma decisão final torna imprescindível criar meios
alternativos para o atendimento imediato de certos direitos,
demonstráveis de plano. E, nesse contexto, a tutela de evidên-
cia mostra-se plenamente apta a conciliar segurança jurídica com
efetividade do processo.
Com efeito, se a pretensão só puder ser realizada ao final
da demanda (quando então se concluirá com absoluta certeza
quanto à existência do direito), muitas vezes o longo trâmite

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processual causará descrédito, frustração e sensação de injustiça.


Daí a importância da aplicação da tutela provisória.
É importante ter em mente que a função jurisdicional não
depende exclusivamente da cognição exauriente. Como muito
bem lembrou Carlos Ayres Britto, não é à toa que na língua por-
tuguesa “o substantivo sentença venha do verbo sentir”.2 E, para
sentir, ou melhor, perceber quem tem razão, nem sempre é pre-
ciso chegar ao final da instrução processual.

5 Precedentes judiciais e antecipação de tutela: por que não


antecipar o direito que já se mostra mais que provável?
O que se tem verificado, em todo o mundo, é uma clara
aproximação entre os sistemas jurídicos do civil law e common
law. Isso porque não é mais possível obter isonomia apenas com
a aplicação da lei. Com efeito, diante da maior complexidade
das causas, dos conceitos jurídicos indeterminados e da própria
indeterminação da linguagem, a aplicação de uma mesma regra
jurídica pode conduzir a diferentes resultados.
Ao julgar a causa, o magistrado necessariamente faz uma
operação de interpretação e, consequentemente, produz uma
norma para o caso concreto. Daí a necessidade de se preocupar
com a igualdade perante o julgamento das causas e não mais
com aquela igualdade baseada exclusivamente na lei. O princí-
pio da isonomia exige hoje uma igualdade de julgamentos, ou
seja, decisões iguais para casos iguais.
O respeito aos precedentes judiciais é ainda tema novo no
Brasil e gera grande polêmica. Parte da magistratura entende
que a aplicação de decisões judiciais anteriores a novos casos
implicaria restrição à liberdade de convicção do julgador. Isso é
natural diante desse momento de ruptura. Cada grande mudança
é, normalmente, acompanhada de resistência.
Mas, na verdade, o estudo mais aprofundado da teoria dos
precedentes mostra que ela não viola a liberdade judicial. Mui-
to pelo contrário. Se aplicada corretamente, tal teoria valoriza
as decisões e ainda assegura uma evolução da própria jurispru-
dência. Isso porque ela gera dois grandes benefícios: permite a
liberdade do magistrado para fazer a distinção3 ou a superação
do precedente4 e ainda garante o respeito à isonomia e à segu-
2
Disponível em:<www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaSTF/anexo/
discursoAyresBritto.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2014.
3
O chamado distinguishing na terminologia do common law.
4
O overruling, que se caracteriza pela não mais aplicação do precedente pela
corte que o criou, diante da mudança de entendimento.

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rança jurídica. Ou seja, permite um sistema estável e, ao mesmo


tempo, em movimento.
Saliente-se que a estabilidade da jurisprudência –
consequência natural da adoção do sistema de precedentes –
diminui os riscos na antecipação da tutela. Isso porque, em um
ambiente de decisões estáveis, será muito mais fácil prever as
chances de acolhimento da pretensão pelo Poder Judiciário. As-
sim, teses jurídicas pacificadas permitem a antecipação da tutela
com menor risco de reversão.
Nesse ponto, a tutela da evidência tem um papel
relevantíssimo a cumprir. Ela permite a aproximação da seguran-
ça dos precedentes com a celeridade processual, visando a um
melhor resultado no que diz respeito à distribuição do ônus do
tempo no processo.
Ao tratar da tutela da evidência, o Código de Processo Civil
de 2015 dispensa a urgência e procura realizar o direito prová-
vel nas situações de defesa inconsistente. Há, aqui, uma aproxi-
mação com o sistema francês e a previsão do référé.5
A tutela da evidência se refere, portanto, a uma “pretensão
de direito material de existência quase certa”, razão pela qual a
procedência da demanda para o magistrado “salta-lhe aos olhos
simpliciter et de plano” (COSTA, 2011, p. 71).
Segundo Alcides Munhoz da Cunha, nesses casos, a anteci-
pação fática dos efeitos do provimento decorre da presunção, e
não da necessidade, já que aqui não há situação de perigo como
nas medidas de urgência (MUNHOZ DA CUNHA, 2005, p. 241).
No que tange ao abuso ou à mera defesa inconsistente do
réu, a possibilidade de antecipação da tutela é a demonstração
de que o ônus do tempo não deve ser suportado por aquela
parte que, aparentemente, tem razão. Conforme explica Luiz
Guilherme Marinoni,

a norma que permite a tutela antecipatória em caso de


abuso de direito de defesa (art. 273, II, CPC) constitui o
fundamento para a distribuição do ônus do tempo do
processo de acordo com a evidência do direito afirmado
pelo autor e a fragilidade da defesa. Sem tais normas o

5
No que diz respeito à urgência, há três formas distintas de référé atualmen-
te na França: aquele tradicional baseado no perigo da demora (art. 808 do
Nouveau Code de Procédure Civile), aquele cuja urgência pode ser simples-
mente presumida (art. 809, 1ª parte do mesmo Código) e, por fim, o référé
provision e injonction (art. 809, 2ª parte do Código), que dispensa a urgência
e baseia-se única e exclusivamente na defesa inconsistente. É o que vem
previsto expressamente na segunda parte dos arts. 809, 849, 873 e 894 do
Noveau Code de Procédure Civile.

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processo civil seria inconstitucional, por não viabilizar a


realização do direito fundamental à duração razoável
do processo e não tratar as partes de forma isonômica
(MARINONI, 2009, p. 86).

A lógica está em fazer com que o réu (que possivelmente


perderá a demanda) é que tenha de suportar o tempo necessá-
rio de tramitação até a eventual demonstração de seu (imprová-
vel) direito. Por isso, mesmo que não exista má-fé do réu, ainda
assim o autor tem o direito de ter sua pretensão desde logo aten-
dida. Segundo Daniel Mitidiero, há duas razões para isso: pri-
meira, é profundamente injusto fazer com que a parte aguarde
pela fruição de um direito que se mostra evidente; segunda,
quem deve pagar pelo tempo da instrução é a parte que ainda
tem que demonstrar ter razão em sua postulação (MITIDIERO,
2013). Em outras palavras, ainda que não haja abuso, é mais
justo assegurar o bem da vida ao autor que, aparentemente,
tem razão do que mantê-lo nas mãos do réu.
Daí por que se acredita que a jurisprudência e a doutrina
assegurem a ampla aplicação da tutela da evidência, sempre que
o direito se mostrar provável desde logo, independentemente
da má-fé, do abuso ou da protelação do réu. O que mais impor-
ta para o sistema jurídico nesse ponto não é punir o réu, mas sim
satisfazer quem aparenta ter razão. É o que se espera para o fim
de se valorizar, de fato, a celeridade e o direito à razoável dura-
ção do processo.
Observe-se, todavia, que o Código de Processo Civil de 2015
faz referência apenas aos julgamentos em casos repetitivos e às
súmulas vinculantes. Ou seja, restringe demasiadamente a possi-
bilidade de antecipação, deixando de mencionar as demais hi-
póteses de decisões que, nos termos da própria lei (art. 927),
constituem precedentes obrigatórios. Com efeito, o art. 311 es-
tabelece:

A tutela da evidência será concedida, independente-


mente da demonstração de perigo de dano ou de risco
ao resultado útil do processo, quando: [...] II - as alega-
ções de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver tese firmada em julgamento
de casos repetitivos ou em súmula vinculante.

Não há, portanto, previsão da lei quanto ao cabimento dessa


forma de tutela quando a tese jurídica invocada pelo autor es-
teja em consonância com os precedentes das Cortes Superiores.
Lembre-se que no sistema atual (Constituição Federal, art. 103-
A) as súmulas ditas vinculantes somente são editadas pelo Su-

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PRECEDENTES JUDICIAIS E ANTECIPAÇÃO: A TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CPC

premo Tribunal Federal. Contudo, a própria Lei nº 13.105/2015


prevê também serem de observância obrigatória as súmulas do
Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do pró-
prio Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional
(art. 927).
Assim, entende-se que a omissão legislativa não deve afas-
tar a possibilidade de realização imediata do direito do autor
quando houver prova documental suficiente e a pretensão esti-
ver de acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça
ou do Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, o que se percebe é que os quatro incisos do
mencionado dispositivo legal tratam da defesa frágil, ou seja,
daquela contestação já formulada (ou que virá a ser apresenta-
da) mas que não tem forças para gerar dúvida razoável sobre o
direito do autor. Nesse sentido, em relação às quatro hipóteses
do art. 311, “o denominador comum capaz de amalgamá-las é a
noção de defesa inconsistente. A tutela pode ser antecipada
porque a defesa articulada pelo réu é inconsistente ou prova-
velmente o será” (MITIDIERO, 2015, p. 322).
A interpretação sistêmica do Código permite, dessa forma,
ampliar o cabimento da tutela da evidência para abranger, jus-
tamente, as decisões que constituam precedentes obrigatórios
(MITIDIERO, 2015, p. 322).
Afinal, o próprio Código permite o julgamento liminar de
improcedência do pedido que contrariar enunciado de súmula
do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal
(art. 332, I), ou ainda enunciado de súmula de tribunal de justi-
ça sobre direito local (art. 332, IV). Ora, sendo possível nessas
hipóteses a improcedência liminar (antes mesmo da citação do
réu), não se justifica o não cabimento da tutela da evidência.
Nesse sentido, sustenta Neves (2015, p. 217) que o legislador
deveria ter sido mais incisivo na abrangência do dispositivo.

Conclusão
A entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil
fomentará discussões acadêmicas, dando assim oportunidade
para mudanças culturais e quebras de paradigmas. Essa é a fun-
ção da doutrina: gerar reflexão e orientação na aplicação da lei,
conduzindo os operadores do Direito a caminhos até então não
imaginados ou explorados.
É bem verdade que a morosidade processual, especialmen-
te nos países mais pobres, não decorre apenas de deficiência das
leis, mas também de fatores culturais, institucionais e materiais,

Revista de Direito da ADVOCEF – Ano XI – Nº 21 – Nov 15 71


ROGÉRIA DOTTI ARTIGO

como a carência de recursos humanos e de equipamentos. Ape-


sar disso, não se pode diminuir o papel das reformas legislativas
na resolução dessa problemática (KOEHLER, 2013, p. 303).
É o momento de se colocar em prática as ideias de
efetividade, celeridade e isonomia processual. E a tutela da evi-
dência é um excelente instrumento nesse sentido. Não há como
negar que o direito se torna evidente quando a tese jurídica
defendida pelo autor está em consonância com a orientação
pacificada dos tribunais superiores. Nessa hipótese, nada justifi-
ca que a parte (que provavelmente terá êxito na demanda) te-
nha que aguardar até o final do processo para só então poder
usufruir do direito material. Neves (2015, p. 218) chega inclusive
a sustentar que o rol do art. 311 do novo Código de Processo
Civil é meramente exemplificativo.
A tutela da evidência constitui, portanto, um meio para as-
segurar a própria credibilidade do Poder Judiciário e evitar a
sensação de injustiça que o decurso do tempo poderia trazer.
Isso porque, na medida em que ela assegura uma prestação rá-
pida, afasta o risco de a justiça se tornar, como alertou Piero
Calamandrei, uma “atrasada e inútil expressão verbal, uma vã
ostentação de lentos engenhos destinados, como os guardas da
ópera bufa, a chegar sempre muito tarde”.6
Destaque-se que, antes mesmo da previsão legal dessa for-
ma de tutela da evidência, a doutrina já vinha sustentando o
cabimento da antecipação de tutela perante a orientação pací-
fica nas cortes superiores. Nesse sentido, Ruy Fernando Zoch
Rodrigues, em relevante tese de doutorado apresentada na USP
em 2009, ampliou o conceito de “pedido incontroverso” do § 6º
do art. 273 para aí incluir as hipóteses de teses jurídicas já paci-
ficadas. Para ele, o direito “incontroverso” seria direito eviden-
te e justificaria a antecipação da tutela, independentemente da
urgência. 7

6
“Esta visa, portanto, como os procedimentos que o direito inglês entende
sob a denominação de Contempt of Court, a salvaguardar o imperium
judicis, ou seja, a impedir que a soberania do Estado, na sua mais alta
expressão que é aquela da justiça, se reduza a ser uma atrasada e inútil
expressão verbal, uma vã ostentação de lentos engenhos destinados, como
os guardas da ópera bufa, a chegar sempre muito tarde” (CALAMANDREI,
2000, p. 209/210).
7
“Além de assimilar a ideia de direito evidente ao contexto do direito
incontroverso expresso no § 6º, definimos a possibilidade de decisão a qual-
quer momento, inclusive liminar, e o regime da efetivação da tutela
antecipatória proposta nos mesmos termos do empregado nas tutelas ur-
gentes” (RODRIGUES, 2009, p. 13).

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PRECEDENTES JUDICIAIS E ANTECIPAÇÃO: A TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CPC

Nessa linha de raciocínio, a tutela antecipatória, “ainda que


de certa forma possa colocar em risco o direito de defesa, é fun-
damental para a efetividade do direito de ação” (MARINONI,
1993, p. 105). O que se busca, portanto, é uma nova mentalida-
de: a tutela antecipada não se limita mais às situações de urgên-
cia. Aliás, desde sua criação em 1994, ela já era viável sem o risco
da demora, ainda que estivesse limitada, naquele tempo, aos
casos de abuso do direito de defesa.
Essa orientação, se difundida adequadamente, poderá me-
lhorar a qualidade da prestação jurisdicional e assegurar um
Poder Judiciário com maior credibilidade. Impõe-se aqui uma
verdadeira mudança cultural para alterar a triste realidade da
sensação de descrédito e de injustiça gerada pelo decurso do
tempo.
E, muito embora o caminho seja árduo – diante da tendên-
cia e do hábito em só se decidir provisoriamente o que é urgen-
te –, há esperança de que a nova lei produza verdadeiro avan-
ço. Com efeito, o julgamento em prazo razoável é uma forma
de atender a justa expectativa dos jurisdicionados.
Foi o que, há alguns anos, defendeu Egas Dirceu Moniz de
Aragão, referindo-se à missão do Poder Judiciário:

Se este, e os magistrados que o consubstanciam, são


providos de prerrogativas, que asseguram sua inde-
pendência, e são tradicionalmente depositários das
esperanças de legiões de moleiros Sans Souci, que
diariamente lhes batem às portas, é essencial que
deles se exija o julgamento em prazo razoável, sem
o que o jurisdicionado ficará ao desamparo e a justi-
ça terá faltado à sua mais importante missão (MONIZ
DE ARAGÃO apud MUNHOZ DE MELLO, 2005, p. 891).

Referências

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concedida ao jornal Gazeta do Povo ção ao Estudo Sistemático dos
em 11 jul. 2014. Disponível em: Procedimentos Cautelares.
<http://wwws.gazetadopovo.com. Tradução Carla Roberta Andreasi
br/vida-publica/justica-direito/entre- Bassi. Campinas: Servanda, 2000.
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um-pais-de-common-law-eaoies COSTA, Eduardo José da Fonseca.
azpvyuaiy8hvqi4n7ta?ref=editoria- O “direito vivo” das liminares.
lista>. Acesso em: 12 jul. 2014. São Paulo: Saraiva, 2011.

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