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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL FRENTE AO PRINCÍPIO DA

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Camila Aparecida Alves De Faria (1)

Fernanda De Souza Rabe(2)

Resumo: O estudo realizado no artigo científico buscou demonstrar e discutir


sobre a inconstitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal frente aos
princípios previstos na Carta Magna, como o devido processo legal, ampla defesa,
contraditório e outros, que regem o Código Penal, o Código de Processo Penal e leis
esparsas que tratam sobre infrações. Tratou-se, também, da evolução histórica da
justiça negocial no Brasil e a inspiração no PleaBargainnorte-americano para o
acordo em questão, passando pelos institutos despenalizadores já existentes na
ordem jurídica nacional. Ademais, se demonstrou a possibilidade de cabimento do
Acordo de Não Persecução Penal e também as suas vedações e peculiaridades,
que foram trazidas pela Lei 13.964/2019, denominada de Pacote Anticrime. Por fim,
se discutiu e concluiu que a barganha realizada pelo Ministério Público e o acusado
junto ao seu defensor fere os princípios mencionados por não dar a esse acusado
direito de defesa, de um processo que garanta os seus direitos constitucionalmente
previstos, além de ir contrário ao direito de não fazer prova contra si mesmo quando
se tem a confissão como imposição.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Princípios constitucionais. Acordo de Não


Persecução Penal. Justiça Negocial.

ABSTRACT: The study carried out in the scientific article sought to demonstrate and
discuss the unconstitutionality of the Penal Non-Prosecution Agreement in view of
the principles complied with in the Magna Carta, such as due process, broad,

____________________________________________

1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una, campus Antônio Lisboa Guerra
Neto, da rede Ânima Educação. E-mail: [email protected]. Artigo apresentado como
requisito parcial para conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Una,
campus Antônio Lisboa Guerra Neto. 2021. Orientadora: Prof. Rosimaire Cássia dos Santos
Graduado em Direito. Especialista.
2 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una, campus Antônio Lisboa Guerra
Neto, da rede Ânima Educação. E-mail: [email protected]. Artigo apresentado como
requisito parcial para conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Una,
campus Antônio Lisboa Guerra Neto. 2021. Orientadora: Prof. Rosimaire Cássia dos Santos
Graduado em Direito. Especialista.
contradictory and others, which govern the Penal Code, the Code of Criminal
Procedure and sparse laws dealing with infractions. It also dealt with the historical
evolution of business justice in Brazil and the inspiration in the North American
PleaBargain for the agreement in question, passing through the decriminalizing
institutes already existing in the national legal order. In addition, the possibility of
applicability of the Penal Non-Persecution Agreement applies, as well as its
prohibitions and peculiarities, which were introduced by Law 13964/2019, called the
Anti-Crime Package. Finally, it was discussed and concluded that a bargain made by
the Public Prosecutor's Office and the accused with his defender violates the stated
principles by not giving the accused the right of defense, of a process that
guarantees their constitutionally established rights, in addition to going contrary to the
right not to prove against oneself when confession is imposed.

Keywords:Unconstitutionality; Constitutionalprinciples; NonPersecutionAgreement;


Business Justice

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo irá tratar sobre a inconstitucionalidade do Acordo de Não


Persecução Penal frente aos Princípios Constitucionais, como o devido processo
legal, ampla defesa e contraditório, obrigatoriedade da ação penal e a presunção de
inocência. Essa espécie de justiça negocial foi introduzida no ordenamento jurídico
brasileiro através da Lei 13.964/2019, também denominada de Pacote Anticrime,
que buscava em seu projeto de lei uma reforma no Poder Judiciário com o objetivo
de repreender os crimes de forma veemente, mas também aliviar esse poder que se
encontra lotado com demandas.
Nesse sentido, o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP foi inspirado em
um instituto penal aplicado nos Estados Unidos, chamado de PleaBargain, o qual
também possui como requisito a confissão formal e circunstanciada do acusado.
Outro ponto que assemelha os dois tipos de acordo é o fato de que após o
cumprimento das condições presentes na negociação levará a extinção da
punibilidade do agente antes que o processo penal tenha se iniciado . Também é
possível dizer que o ANPP tomou na ordem jurídica brasileira características
parecidas com institutos que já são existentes no Brasil, como a transação penal e a
suspensão condicional do processo, os quais se encontram firmados na Lei
9.099/95, denominada de Lei dos Juizados Especiais.
Esta pesquisa possui como principal base as doutrinas e artigos científicos,
assim, foram realizados por meio de pesquisa bibliográfica feita após um
levantamento de obras já publicadas. Isso porque o presente assunto está vinculado
a uma lei nova que tem gerado na ordem jurídica brasileira uma certa reformulação,
ocasionando a suspensão de vários artigos, logo ainda não está totalmente em vigor
além, principalmente, de gerar muita discussão quanto o Acordo, que carece de
jurisprudência definida e consistente dos Tribunais.
Ante o exposto, no presente artigo pretende-se demonstrar que o referido
Acordo fere o Princípio do Devido Processo Legal, pois para que ocorra a imposição
de uma sanção na persecução comum se faz necessário que tenha um processo, no
entanto, no iminente acordo é exigido a confissão que gera pena, ainda que não
tenha viés carcerário. Outrossim, entende que ocorre a lesão do princípio porque é
dado ao acusado o direito de ser processado e julgado por aquele que possui o
direito, além de dar a confissão uma valorização excessiva, característica de um
sistema que não foi adotado no Brasil, o chamado Tarifação das Provas, isto é, torna
a confissão do acusado como a prova absoluta para impor condições a serem
cumpridas.
Ademais, é possível ligar ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório
uma vez que não é dado ao acusado a possibilidade de se defender da infração
imputada, mas, somente, o direito de discutir com o Ministério Público as medidas
que deverão ser cumpridas. Vale ressaltar que na prática real o Acordo já é
colocado para o acusado de maneira fechada, ou seja, sem caber qualquer
discussão sobre os termos. Os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório
possuem como objetivo assegurar ao acusado o direito de saber de todas as
imputações que é feita sobre ele e as provas produzidas, podendo utilizar de todos
os meios admitidos na ordem jurídica para se defender de tais acusações.
Outro ponto que será abordado é o Princípio da Presunção de Inocência, o
qual é contrariado pelo Acordo de Não Persecução Penal, pois o princípio tem a
finalidade de garantir o direito de não se incriminar, sendo tal garantia consagrada
no direito ao silêncio. O Princípio da Presunção de Inocência dispõe que ninguém é
obrigado a produzir provas contra si mesmo, ou seja, confirma o estado de inocência
que a todos é garantido, pois se entende que é algo natural do ser humano. Na
verdade, a inocência do acusado é presumida, cabendo ao órgão acusador produzir
provas que dizem o contrário, e caso não as produza, ocorrerá a absolvição do
acusado. Nessa situação, quando se tem como requisito a confissão formal e
circunstanciada retira a garantia da não autoincriminação.
Logo, o artigo buscará explicar a Justiça Negocial, passando por uma
evolução histórica no Brasil, demonstrando o que é o Acordo de Não Persecução
Penal, os seus requisitos, vedações e peculiaridades, além de apresentar
argumentos e fundamentos de que tal instituto fere os Princípios Constitucionais do
Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e Contraditório e da Presunção de
Inocência.

2. DA JUSTIÇA NEGOCIAL CRIMINAL

A Justiça Criminal Negociante instituída no ordenamento jurídico brasileiro


passou por uma evolução histórica até alcançar o status atual. Entretanto, antes de
adentrar nessa linha cronológica se faz necessário conceituar esse instituto do
processo penal para entender as suas características e importância.
Pode considerar a Justiça Criminal Negocial como um acordo, ou seja, a
consensualidade entre o órgão acusador com o acusado a fim de que o processo
que se inicia ou que esteja em curso seja interrompido, desde que o réu cumpra os
requisitos propostos com a finalidade de gerar a extinção da punibilidade. A Justiça
Negocial para Vinicius Gomes (2015, p. 55):

É o modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes –


acusação e defesa – a um acordo de colaboração processual com o
afastamento do réu de sua posição de resistência, em regra, impondo
encerramento antecipado, abreviação, supressão integral ou de alguma
fase do processo, fundamentalmente com o objetivo de facilitar a imposição
de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que caracteriza
o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do
processo penal com todas as garantias a ele inerentes.

Essa forma de barganha no âmbito penal veio com a evolução da sociedade,


do Direito e da Justiça, pois com o passar dos anos o Poder Judiciário se tornou o
principal meio de resolução das controvérsias e se afogou no excesso dessas
demandas. Além desse fato, a justiça penal era vista como uma forma de retribuição
pela conduta criminosa praticada por aquele réu, ignorando se a resposta que o
Estado fornece para aquele caso vai de forma efetiva prevenir crimes, retribuir ou
reeducar. Outrossim, o mesmo escritor traz em seu texto que a Justiça Negocial na
área criminal busca a celeridade e economia processual, visto que ocorre a
abreviação do processo penal e, consequentemente, atende as queixas que o
Judiciário brasileiro sofre com a alta demanda de processos.

[...] pensa-se que a justiça consensual (ou negocial) é o modelo que se


pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes – acusação e defesa –
a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua
posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado,
abreviação, supressão integral ou de alguma fase do processo,
fundamentalmente com o objetivo de facilitar a imposição de uma sanção
penal com algum percentual de redução, o que caracteriza o benefício ao
imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do processo penal
com todas as garantias a ele inerentes (VASCONCELLOS, 2015, p. 55).

Diante disso, buscando aliviar a situação em que se encontram a Justiça


brasileira e o Sistema Prisional, e a tornar mais acessível para a uma solução de
conflitos de forma consensual, a negociação no âmbito criminal tem ganhado mais
espaço na ordem mundial, isso porque o seu propósito é um resultado que agrada
as partes que compõe o processo e, consequentemente, o desencarceramento em
massa.
Dentro dos países que adotam uma negociação na área criminal há uma
maior incidência naqueles que defendem com preponderância o princípio da
oportunidade da ação penal, característica do sistema common Law dando ao
membro do Ministério Público discricionariedade para intentar ou não a ação penal.
Porém, como já mencionado, pela elevada demanda processual o que impossibilita
uma resposta eficiente do Estado na pratica dos crimes, países que predomina o
princípio da obrigatoriedade buscam essa flexibilização para a resolução de seus
conflitos.
Como exposto, os expoentes desse tipo de justiça são os Estados Unidos e a
Alemanha, neste segundo país se tem a figura Absprache, que significa barganha,
ou a denominação Verständigung, define como entendimento. Nesse mecanismo
alemão se tem a renúncia ao direito de defesa pelo acusado ao confessar,
recebendo em troca a redução de sua pena, ou seja, a confissão pode ser
considerada como uma não contestação ao crime imputado pelo órgão acusador.

2.1. PLEABARGAINING
No que se refere aos Estados Unidos, a sua Justiça Negocial Criminal serviu
como inspiração para a criação do Acordo de Não Persecução Penal no Brasil por
meio da Lei 13. 964/2019. A barganha no país norte-americano é denominada
PleaBargaining que é o acordo firmado entre a acusação e acusado, no qual este
confessa a prática de um crime em troca de concessões dadas pelo Estado, que
podem ser a redução do número ou gravidade das acusações ou para reduzir a
pena a ser aplicada. Esse entendimento é confirmado de acordo com Levenson
Chemerinsky citado pela Revista Custos Legis:

A pleabargaining consiste em um processo de negociação através do qual o


réu aceita confessar culpa em troca de alguma concessão por parte do
Estado, que pode ser de dois tipos básicos: (1) redução no número ou na
gravidade das acusações feitas contra o réu; e (2) redução da pena
aplicada na sentença ou na recomendação de sentença feita pela acusação
(CHEMERINSKY, LEVENSON,aput CAMPOS 2008, p. 648).

Um ponto importante a ser mencionado sobre esse regimento é a presença


da figura do nolocontendere, instituto presente dentro do pleabargining,o acusado
não assume a culpa sobre os fatos a ele imputados, declarando somente que não
deseja discuti-la. A distinção entre os institutos apontados é o fato de que ao oposto
do que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, a vítima do crime contra ela
praticado não pode utilizar a condenação criminal como prova de culpa para garantir
a proveniencia da ação que objetiva a indenização quando arguir o nolocontendere.
Além do mais, o pleabargaining é fortemente criticado em seu país por
entenderem que é uma das principais causas de condenações erradas, apresenta
uma desigualdade de poderes entre a acusação e acusado na negociação do
acordo, permite a redução do efeito retributivo que a sanção convencional teria e
também há um tratamento desigual entre os acusados.

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA BRASILEIRA DA JUSTIÇA NEGOCIAL

A justiça negocial no Brasil surgiu com a lei 9.099 de 1995 sendo esta a
primeira vez em que a solução rápida e negociada de conflitos se aplicava na justiça
brasileira, essa lei trouxe consigo institutos como o da transação penal e da
suspensão condicional do processo.
Dada a quantidade de processos penais existentes no Brasil e a demora para
a resolução desses conflitos é necessário voltar os olhos a essa solução mais
pacífica e rápida dos conflitos penais. O livro juizados especiais criminais explica
que os juristas brasileiros já se preocupavam com o processo penal há muito tempo
dado a quantidade de processo e propunham alterações para os institutos do código
de 1940 para alcançar o que eles chamavam na época de processo de resultado, ou
seja, um processo que fosse instrumentado com as tutelas adequadas com todos os
direitos, com o objetivo de assegurar a praticidade e a utilidade das decisões, eles
falavam que a efetividade do processo e a sua instrumentalidade a partir dos direitos
naturais e dos valores sociais, levando em conta as vantagens de um procedimento
oral na sua verdadeira essência: com a concentração, a imediação e a identidade
física do juiz para conduzir a apreciação das provas da forma mais convincente ,
simplificando e desburocratizando a justiça. (ADA PELLEGRINI GRINOVER, 2005)
É de se perceber pelo explanado que a justiça negocial brasileira veio de uma
influência externa, mas também de uma visão dos juristas brasileiros que estavam
diante de um problema eminente e conseguiram pensar em uma solução para a
quantidade de processos existentes no país,esse tipo de negociação e de consenso
realismo dentro da justiça penal se fazia benéfica, porém a princípio os juristas
pensaram para que isso se enquadrasse em crimes de menor potencial ofensivo.
Diante do apresentado é possível perceber que a justiça negocial brasileira é
formada através de uma influência externa a qual os juristas nacionais a adequaram
à realidade, aos princípios e costumes da jurisdição nacional. É notório que os
referidos instituídos acima tratados dispõem apenas de crimes de menor potencial
ofensivo e também não vão ao encontro de nem um princípio basilar do direito
brasileiro.

3.1. DA LEI DO PACOTE ANTICRIME

A lei do Pacote Anticrime, apresentada pelo ex-ministro Sérgio Moro, trouxe


alteração em grande parte do Direito penal brasileiro, mudando a parte geral e
especial do Código Penal, o Código de Processo Penal e as leis esparsas. As
mudanças foram grandes, principalmente no tocante à persecução penal.
O autor MAIQUEL MATEUS BORDIN JOIA dispõe em seu artigo Pacote
anticrime: alterações promovidas no Código Penal, o que o pacote de crime buscou:
O chamado “Pacote Anticrime” do Governo Federal é um conjunto de
alterações na legislação brasileira que teve como objetivo a aumentar a
eficácia do combate aos crimes organizados, aos crimes violentos e à
corrupção, além de reduzir pontos de estrangulamento do sistema de justiça
criminal. (JOIA, 2021)

No que diz respeito à justiça negocial, ela não traz algo desconhecido a
jurisdição brasileira visto que a negociação criminal já era algo utilizado no país
como foi explicado acima, através dos juizados especiais. Assim explica a autora
Paloma Lopes da Silva.

Já se faz presente no ordenamento jurídico pátrio desde a Lei nº 9.099/95-


Lei dos Juizados Especiais- que, além de prever a figura da transação
penal- artigo 76- previu também a suspensão condicional do processo-
artigo 89, ambos mecanismos de consenso, sendo que a transação ocorre
antes do oferecimento da denúncia, isto é, em fase preliminar. Já a
suspensão condicional do processo ocorre após o oferecimento da
denúncia, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha
sido condenado por outro crime, devendo estar presentes os demais
requisitos previstos no artigo 77, do Código Penal, que autorizariam a
suspensão condicional da pena. Nessa linha, ainda há de se mencionar a
figura da colaboração premiada- Lei nº 12.850/13- que ganhou bastante
destaque nos últimos anos com a midiática “Operação Lava Jato” e seus
desdobramentos, baseados quase que exclusivamente neste mecanismo de
consenso. (SILVA, 2021)

É possível notar que a presente lei em comento trouxe inúmeras mudanças


ao direito brasileiro no que dispõe a justiça negocial, porém a todo o momento é
preciso olhar esses novos institutos inseridos, e compará-los com a lei vigente no
país.

4. O QUE É O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

A Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) trouxe em seu texto a figura do Acordo


de Não Persecução Penal – ANPP, que foi introduzido no Código de Processo
Penal, em seu art. 28-A, no qual mostra os requisitos e peculiaridades a serem
observadas quando for proposto pelo representante do Ministério Público junto ao
acusado, assistido pelo seu defensor, formalizado por escrito.
Primeiro é importante destacar que para a propositura do acordo, a
investigação não seja caso de arquivamento, pois deve ser considerado como viável
a instauração da persecução penal para que o acordo seja celebrado.
Diante disso, para a propositura do acordo também é necessário que o
investigado confesse de modo formal e circunstanciado, ou seja, pormenorizado a
prática do delito, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, levando-se em
consideração as causas de aumento e de diminuição aplicadas ao fato, desde que,o
crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça. Esse entendimento
é corroborado por Renato Brasileiro em seu Manual de Processo Penal:

Na sistemática adotada pelo art. 28-A do Código de Processo Penal,


introduzido pela Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), cuida-se de negócio
jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo
competente – pelo menos em regra, pelo juiz das garantias (CPP, art. 3º-B,
inciso XVII, incluído pela Lei n. 13.964/19) –, celebrado entre o Ministério
Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor
–, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito,
sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de
liberdade, em troca do compromisso do Parquet de não perseguir
judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, leia-se, não
oferecer denúncia, declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença
seja integralmente cumprida. (Lima, p. 274, 2020)

Em relação à confissão do acusado, o dispositivo do Código de Processo


Penal apresenta como requisito fundamental para a concessão do Acordo de Não
Persecução Penal, em que deve ser formalizada com detalhamento da prática da
infração penal. Em razão disso, Guilherme Nucci em seu Código de Processo Penal
Comentado diz que essa confissão é uma representação de admissão de culpa,
entendendo ser inconstitucional, pois caso o investigado não cumpra as condições
do acordo, o Ministério Público pode denunciar o réu com base nessa confissão,
gerando danos somente ao investigado.
Para o deferimento da barganha entre as partes é necessário definir as
condições que poderão ser aplicadas de forma alternativa ou cumulativamente. A
primeira condição que o art. 28-A do Diploma de Processo Penal ostenta é a
reparação do dano ou restituir a coisa à vítima, salvo nos casos em que é impossível
fazer. Esta condição para Renato Brasileiro vale qualquer que seja o tipo de dano
sofrido pela vítima, veja:

“Como o dispositivo em questão não faz qualquer restrição, parece-nos


possível a reparação de qualquer espécie de dano, seja ele material, moral,
estético, etc. Evidentemente, quando o delito não causar danos à vítima
(v.g., crimes contra a paz pública), esta condição não será imposta.
Também não se admite a imposição desta condição quando restar
evidenciada a impossibilidade de o investigado reparar o dano ou restituir a
coisa à vítima (v.g., vulnerabilidade financeira)” (Lima, p. 283, 2020)

Entretanto, Nucci possui uma visão ríspida sobre essa condição, pois entende
que tal circunstância pode ser tida como útil para aqueles investigados que possuem
alto poder aquisitivo:

“trata-se de um discurso pronto e preparado para constar em quase todas


as leis penais e processuais penais, especialmente as que se voltam a
conceder benefícios aos agentes criminosos. No Brasil, no entanto,
considerando a criminalidade de baixo poder aquisitivo, pode-se assegurar
que quase nunca ocorre a indenização. Poderá ser útil para a criminalidade
de alto poder aquisitivo.” (Nucci, p. 223, 2020).

A segunda condição é a renúncia voluntária de bens e direitos que serão


indicados pelo representante do Ministério Público, que foram utilizados como
instrumentos, produtos ou proveito do crime praticado. Em seguida, o dispositivo
apresenta a prestação de serviço à comunidade ou entidade pública pelo período
correspondente da pena mínima cominada a infração penal. O que torna essa
condição atrativa para o investigado é a diminuição de um a dois terços que a pena
sofre.
Para finalizar as condições, a prestação pecuniária, nos termos do art. 45 do
Código Penal, a entidade pública ou de interesse social com a função de proteger os
bens jurídicos semelhantes ou iguais aqueles que foram lesados pelo delito
praticado. A última expõe uma liberdade ao Parquet de indicar outra condição, com
a ressalva de ser proporcional e compatível com a infração imputada. Em razão
disso, Nucci possuí duras críticas sobre essa condição, pois segundo ele esse inciso
não andou bem:

“Nunca deu certo uma condição aberta para se fixar qualquer coisa. Note-se
o disposto no art. 79 do Código Penal: “a sentença poderá especificar
outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado”. O referido art. 79
refere-se à suspensão condicional da pena. Em três décadas de
magistratura, jamais vi uma condição advinda da mente do juiz que fosse
razoável e aceita pelo Tribunal. Portanto, dentro do princípio da legalidade,
esperamos que o membro do Ministério Público não cometa os mesmos
erros que os juízes já realizaram por conta do art. 79 do CP.” Nucci, p. 223,
2020).
Por fim, é importante salientar o Enunciado n. 25 do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do
Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM),
mostrando que o Acordo de Não de Persecução Penal não estabelece penas, mas
direitos e obrigações decorrentes da negociação, pois as medidas são
voluntariamente acordadas e não produz qualquer efeito a partir daí, como a
reincidência. Esse entendimento é confirmado no §12 do art. 28-A da lei processual
penal, no qual mostra que o acordo não constará na certidão de antecedentes
criminais, salvo para dizer se nos últimos 5 (cinco) anos, não foi concedido com tal
benefício ao autor da infração.
Um ponto importante sobre o art. 28-A do Código de Processo Penal são as
vedações, destacando-se como exemplos, que o ANPP não pode ser aplicado
quando no caso concreto for cabível a transação penal da Lei 9.099/95, a
reincidência do investigado ou quando houver elementos probatórios de conduta
criminal habitual, reiterada ou profissional, salvo quando as passadas infrações
penais forem consideradas como pretéritas. Além disso, o acordo não poderá ser
proposto se o investigado tiver sido beneficiado com outro meio de justiça negocial,
como a transação penal, o próprio acordo de não persecução penal e a suspensão
condicional do processo, nos 5 (cinco) anos anteriores ao praticar a infração.
Por último, Renato Brasileiro mostra que na última proibição para a aplicação
do Acordo de Não Persecução Penal de forma inicial não ressalva que a vítima da
violência doméstica ou familiar deve ser mulher, deixando de importar se o delito foi
praticado contra homem ou mulher. Já na parte final do inciso, o legislador delimita a
vítima sendo uma mulher para não concessão da barganha, não importando se a
infração penal foi cometida ou não no âmbito de violência doméstica e familiar. Nucci
diz sobre esse assunto:

“Finalmente, veda-se esse acordo no cenário da violência doméstica ou


familiar ou praticados contra a mulher, o que confirma a meta da legislação
brasileira de excepcionar a agressão de homens contra mulheres,
pretendendo estancar um dos pontos nevrálgicos da criminalidade no
Brasil.” (Nucci, p. 225, 2020)

Após o acordo ser firmado entre as partes envolvidas, ocorrerá a


homologação realizada em audiência, na qual o juiz verificará a voluntariedade com
a oitiva do investigado junto ao seu defensor, e a legalidade. Nessa audiência, o
magistrado pode considerar as condições como inadequadas, insuficientes ou
abusivas, o que levará na devolução dos autos ao Ministério Público para uma
reformulação da proposta, devendo o investigado e seu defensor concordar ou
analisar se possui a necessidade de complementar as investigações ou oferecer a
denúncia. Salienta-se que o juiz poderá recusar a homologação, caso entenda que
os requisitos não foram preenchidos. Caso tenha a homologação, a vítima será
intimida e os autos serão devolvidos ao Parquet para que a execução seja iniciada
no juízo da execução penal.
Com o regular andamento do Acordo, o seu descumprimento de qualquer que
seja a condição estipulada, o órgão acusador comunicará ao juízo para que seja
rescendida a negociação e posterior oferecimento da denúncia, podendo servir
como eventual não oferecimento da suspensão condicional do processo (sursis
processual). Porém, com o seu cumprimento será decretado à extinção da
punibilidade do investigado.
Por fim, há discussão se a proposta do Acordo de Não Persecução Penal é
uma discricionariedade do Ministério Público ou um direito subjetivo do investigado,
visto que o dispositivo que trata sobre a negociação apresenta a possibilidade de o
investigado requerer a remessa dos autos a órgão superior, ou seja, ao Procurador-
Geral, conforme art. 28 do Código de Processo Penal, caso não seja sugerido.
Diante disso, Renato Brasileiro expressa que caso entenda ser direito subjetivo do
investigado perderia a qualidade de negociação, veja:

“Partindo da premissa de que o acordo de não persecução penal deve


resultar da convergência de vontades, com necessidade de participação
ativa das partes, não nos parece correta a assertiva de que se trata de
direito subjetivo do acusado, sob pena de se admitir a possibilidade de o juiz
determinar sua realização de ofício, o que, aliás, lhe retiraria sua
característica mais essencial, qual seja o consenso.” (Lima, p. 276, 2020).

Entretanto, seguindo a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal


de n. 696, o Acordo de Não Persecução Penal, quando reunidos os seus requisitos
legais e o Ministério Público se opor a sua propositura, será remetido à avença para
o Procurador-Geral, analogicamente ao que dispõe o art. 28 do Código de Processo
Penal, visto que a analogia no caso visa beneficiar o investigado. Assim, o mesmo
autor citado acima, entende que não é uma liberdade discricionária do membro do
Ministério Público, mas sim um poder-dever, pois deve haver a análise dos requisitos
do acordo, e caso sejam preenchidos, o benefício deve ser proposto ao investigado.
Assim, poderá ser interposto recurso administrativamente ao Procurador-Geral ou a
órgão de revisão ministerial, como trouxe a nova redação do art. 28 do Código de
Processo Penal, quando não for oferecido.

4.1. ABRANGÊNCIA DO ANPP NOS CRIMES

Como já mostrado, um dos requisitos do Acordo de Não Persecução Penal é


a pena mínima da infração penal praticada, seja inferior a 4 (quatro) anos, levando-
se em consideração para esse cálculo, as causas de aumento e diminuição de pena
que são aplicadas no caso concreto. Diante disso, Nucci explica:

“... utilizam-se, porque fazem parte da tipicidade derivada, todas as causas


de aumento ou de diminuição previstas no tipo penal ou na Parte Geral.
Exemplificando, cuidando-se de uma tentativa, toma-se a pena mínima do
delito e diminui-se do mínimo para ver se encaixa nesta condição. Quando
se cuidar de causa de aumento, considera-se a pena mínima e aplica-se o
máximo da elevação para chegar ao resultado.” (Nucci, 2020, p. 224)

Assim, analisando as leis esparsas e o Código Penal é possível perceber que


o Acordo de Não Persecução Penal cabe na grande maioria desses crimes e
contravenções penais, desde que não se encaixe nas proibições trazidas nos incisos
do art. 28-A, §2º do Código de Processo Penal. Desse modo, é importante ressaltar
que para a aplicação do acordo não se considera qual bem jurídico tutelado foi
lesado na prática da infração, logo, se aplica a todas as infrações penais que se
enquadram nos requisitos e que ficam fora das vedações.
Renato Brasileiro em sua obra apresenta um ponto significativo para o
requisito da pena mínima de 4 (quatro) anos, a aplicação dos concursos material e
formal e o crime continuado no caso concreto, nos quais são aplicáveis ao Acordo
de Não Persecução Penal. Esse autor traz para corroborar seu entendimento o
Enunciado n.29 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios
Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores
de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM):

“Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o art. 28-
A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao
caso concreto, na linha do que dispõe os enunciados sumulados n. 243 e n.
723, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal”.
SÚMULA 243, STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável
em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso
formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo
somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01)
ano.
SÚMULA 723, STF: Não se admite a suspensão condicional do processo
por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave
com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.(Brasil,2005)

Diante disso, com a análise do presente enunciado e das súmulas do


Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), serão
levados em consideração para aferir a pena mínima do delito cometido, os
concursos formal e material, além do crime continuado. Logo, a concessão do
acordo ficará subordinada a cominação das penas nesses concursos que seja
inferior a 4 (quatro) anos.
Desse modo, é possível citar, por exemplo, a utilização do ANPP nos crimes
de peculato, concussão, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, fraude à
licitação, explicitando que o Acordo abrange a maioria dos crimes tidos como de
“colarinho branco”, ou seja, aqueles praticados por pessoas do alto escalão, na
maioria das vezes, contra a Administração Pública, indo contrário à ideia principal da
Lei 13.964/2019.
O Ministério Público Federal lançou em seu sítio eletrônico um gráfico sobre
Acordos de Não Persecução Penal por assuntos, no qual trouxe qual delito foi o
mais beneficiado com a negociação:
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/apresentacoes/apresentacao-sobre-
acordos-de-nao-persecucao-penal-anpp-e-30-012020_.pdf
Analisando o gráfico acima, é possível perceber que a maior incidência do
Acordo de Não Persecução Penal foi nos crimes de Contrabando ou Descaminho
(crime contra a Administração Pública), Uso de documento falso e Falsidade
Ideológica (crimes contra a Fé Pública), crimes esses que possuem com pena
mínima não superior a 3 (três) anos.

5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO


PENAL

No ordenamento jurídico brasileiro, toda e qualquer lei deve respeitar a Carta


Magna, seja ela posterior ou anterior a promulgação da Constituição. Caso uma lei
não respeite os ditames constitucionais, ela pode ser declarada inconstitucional,
podendo ser tanto formal quanto material.
Inconstitucionalidade formal, o próprio nome já diz formal, igual à forma.
Então há uma violação na forma de se fazer a lei, assim mostra o autor Canotilho
Apud Lenza.

Incidem sobre o ato normativo enquanto tal, independentemente do seu


conteúdo e tendo em conta apenas a forma da sua exteriorização; na
hipótese inconstitucionalidade formal viciado é o ato, nos seus
pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua forma final.
(LENZA, 2020)

Fica claro que o constituinte ao produzir a norma se importou tanto com o


conteúdo quanto com a forma, pois para que uma lei não contenha irregularidades, a
sua formação deve respeitar o devido processo legislativo, com a finalidade de que
essa lei seja considerada como válida no que se refere à formalidade.
Já a inconstitucionalidade material é quando o conteúdo a que diz respeito à
norma viola diretamente preceitos, normas ou princípios da carta Magna. Barroso
Apud Lenza explica da seguinte forma.

“a inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de


conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode
traduzir-se no confronto com uma regra constitucional — e.g., a fixação da
remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite
constitucional (art. 37, XI) — ou com um princípio constitucional, como no
caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em
concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5.o, caput, e 3.o, IV), em
desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de
constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas
constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas”.
(LENZA, 2020)

A inconstitucionalidade material é mais palpável, pois é mais lógico pensar


que uma lei não pode ir contra, diretamente ou indiretamente, a constituição. Aqui
não esta se falando de procedimento e processo, mas sim de matéria. A constituição
determina, em certo sentido, que não é plausível que as leis infraconstitucionais
determinem em sentido contrário.
O acordo de não persecução penal foi introduzido no ordenamento jurídico
brasileiro pela lei 13.964/19 popularmente conhecida como Pacote Anticrime. Esta
lei, no que diz respeito à forma, cumpriu todos os requisitos, não havendo nela
nenhum vício de formalidade, não permeando assim a discussão da
inconstitucionalidade perante a sua forma. Todavia, no tocante a matéria tratada na
nova lei, está por sua vez apresenta possíveis entraves perante a Constituição, pois
o acordo em questão esbarra diretamente em inúmeros princípios constitucionais
vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, diante disso, é possível perceber que se
a norma resvalar em princípios vigentes é possível a inconstitucionalidade material.

5.1. DA AFRONTA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

Para que haja uma condenação ou qualquer sanção embasada da lei é


necessário que se respeite princípios. O primeiro, para que um processo possa
resultar em algum tipo de sanção seja a restrição de bens ou da liberdade, tem que
seguir o devido processo legal. Essa determinação está disposta no artigo 5°, LIV,
da Constituição Federal de 88, dispõe que nenhum ser humano será privado de
seus bens ou de sua liberdade sem que tenha a chance de se defender e que esteja
sua condenação baseada na lei. Renato brasileiro sintetiza o processo penal da
seguinte forma:

Em um Estado Democrático de Direito, que tem como princípio básico o do


devido processo legal, o procedimento deve ser realizado em contraditório,
dentro de um prazo razoável, e cercado de todas as garantias necessárias
para que as partes possam sustentar suas razões, produzir provas,
concorrendo para a formação do convencimento do magistrado.(Lima,2020)
Isto posta, é fácil compreender que qualquer sanção dentro de um estado
democrático, depende de um procedimento que venha permeado de contraditório,
de prazo, de garantias. No acordo de não persecução penal em estudo é possível
indagar se os presentes pressupostos estão presentes, vez que, o acusado recebe
“a graça” de um não processo desde que cumpra o acordo, que pode vir permeado
de restrições de direitos. Assim sendo, o acusado recebe uma espécie de sanção, a
qual não teve em seu corpo a validação das garantias individuais e de nenhum
direito, apenas a falsa impressão da liberdade à custa de garantias e direitos
individuais.
Para autores, como Guilherme Nucci, o princípio do devido processo legal
vem atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo ele, este
princípio se desdobra em um conjunto de princípios constitucionais que formam o
sistema próprio, havendo dois aspectos importantes: a integração entre os princípios
constitucionais e os processuais penais, coordenando um sistema para que haja a
garantia dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e o devido
processo legal. Para ele nada pode ser tão isonômico e justo a não ser que passe
pela base da dignidade humana, sendo ela o alicerce de todos os direitos e
garantias fundamentais que surgiram.
Assim, o processo penal permite a aplicação mais justa da norma
sancionadora, pois é ela que regulamenta os conflitos e independente da sua
gravidade e do incômodo que possam causar a sociedade, é necessária a formação
de um cenário ideal para punição equilibrada como pressuposto de um estado
democrático de direito que valoriza a dignidade da pessoa humana. (NUCCI 2020
pg.35,36)
Ante ao explanado, fica clara a ligação direta do devido processo legal e os
direitos humanos, pois a não existência ou a violação desse princípio fere
diretamente a dignidade da pessoa humana. “Ora, se não há persecução penal – e,
por conseguinte, o devido processo legal – é injustificável exigir do investigado a
assunção prévia da responsabilidade criminal para fins de negócio jurídico
processual”. (BARBOSA, 2020).
Caso o acordo em estudo seja feito sem um processo penal e realizado por
meio de um procedimento sem as devidas garantias e direitos constitucionais
preservados, é possível vislumbrar uma colisão entre o princípio do devido processo
penal e o acordo de não persecução penal.
5.2. DA AFRONTA AO PRINCIPIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

A Ampla Defesa é o princípio constitucional que garante o direito de se


defender, está diretamente ligado também ao princípio da não autoincriminação, que
é o direito de não produzir provas contra si. É necessário fazer um paralelo com o
instituto que já estava vigente no Brasil antes do acordo de não persecução penal,
que é a transação penal que se diferencia do Acordo pela exigência de confissão,
que viola diretamente a não autoincriminação.
No tocante a transação penal e o Acordo de Não Persecução Penal, Mendes
faz a seguinte consideração:

Em uma perspectiva mais ampla, o acordo de não persecução não é em si


uma inovação total no sistema processual penal brasileiro. Mais adequado
seria categorizá-lo como uma nova roupagem à transação penal (art. 76, da
Lei 9.099/95). Entretanto, ao exigir a confissão, a lei impõe à pessoa
acusada dispor do devido processo legal, além de, dado o peso probatório
que os juízes e as juízas atribuem à autoatribuição da culpa, ter sido muitas
vezes premida a produzir prova contra si mesma. (Mendes, 2020 p. 67)

Possível perceber aqui, contradições entre o novo acordo e os princípios


vigentes, quando se fala de exigência de confissão, esbarrando diretamente no
direito a não autoincriminação. Carvalho (2018) explica que esse direito é individual,
humano, fundamental e de observância obrigatória em matéria de persecução penal,
previsto em inúmeros documentos internacionais. Ela cita o Pacto Internacional Dos
Direitos Civis E Políticos, a Convenção Americana De Direitos Humanos e a maioria
das constituições democráticas.
Esse direito gera uma grande influência perante a licitude ou não de uma
prova. Apesar de não existir um consenso de como essa garantia surgiu, sabe-se
que vai além do direito de permanecer em silêncio, é o direito de não confessar, de
não sofrer consequências negativas do exercício do silêncio, como também, o direito
de mentir, e, principalmente, o direito de não colaborar com produção de prova.
Carvalho cita Carlos Henrique Borlido Haddad, o qual afirma que o direito de
não auto incriminar abrange a vedação de obrigar a confessar, a possibilidade de
permanecer calado no julgamento e defender de todas as ações sejam orais ou
físicas. Não podem colaborar para a produção de prova contra si e a inércia não vai
implicar em culpa. (Carvalho Aput Haddad, 2018 p 746)
Carvalho, ainda cita Albuquerque para explicar a relação entre a
autoincriminação e a ampla defesa, na qual o direito da não autoincriminação está
diretamente ligado à ampla defesa e também tem fundamentos processuais. Para
ele só caberia aplicação desse direito quando houver necessidade de desestimular a
obtenção de confissão forçada, garantir a ampla defesa e proteger os direitos
fundamentais que compõem a dignidade da pessoa humana. (Carvalho Aput
Albuquerque, 2018 p.745)
No que se refere a ampla defesa, Nucci explica da seguinte forma:

Ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos


para se defender da imputação feita pela acusação. Encontra fundamento
constitucional no art. 5.º, LV. Considerado, no processo, parte
hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado é sempre mais forte,
agindo por órgãos constituídos e preparados, valendo-se de informações e
dados de todas as fontes às quais tem acesso, merece o réu um tratamento
diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe
afigura a compensação devida pela força estatal. (NUCCI, 2020 p 7)

O acordo é proposto logo depois de um inquérito policial e por ser um


procedimento administrativo sem a presença de defesa o réu fica numa condição de
hipossuficiência, situação está que pode levar a violação e perda de direitos. A
principal forma de diminuir a hipossuficiência é através de um processo que garanta
a ampla defesa e o contraditório.
Leandro Marcondes Machado explica que não há contraditório pleno, nem
ampla defesa plena no inquérito policial, isso não significa que não tenha em
nenhuma forma, existe sim o contraditório e ampla defesa em certo nível. Os
referidos direitos só são garantidos de fato com o devido processo legal, visto que,
se acontece à implementação desses direitos nessa fase, o inquérito perderia sua
função, ele explica que o contraditório dispõe sobre o direito de ter conhecimento
dos atos e elementos, bem como o direito de participação, interferência e influência
na conclusão. Se tal direito for exercido de forma plena no inquérito policial o mesmo
perderia a sua função haja vista que essa forma de intervenção poderia fazer com
que resultados não satisfatórios saíssem do inquérito. O mesmo autor trata a ampla
defesa em duas formas, a primeira seria a defesa na sua dimensão pessoal, ou seja,
autodefesa e a outra seria a defesa técnica de um advogado, elas podem estão
presentes no inquérito, porém de forma mitigada, tendo a sua forma plena somente
dentro de um processo. (Machado, 2018)
No tocante a defesa técnica, o acordante do presente instituto tem o direito de
ter um advogado e que segundo a lei os termos no acordo devem ser discutidos,
porém, na prática, o acordo é proposto pelo Ministério Público e o mesmo é
imutável. Não é possível ao advogado modificar os termos do acordo, a única coisa
que se pode fazer é aceitar ou não, logo, se aplica uma sanção e uma pena de
confissão sem dar o direito à defesa.
Franklyn Roger Alves Silva (2021, p 31) explica, para que haja o processo
penal, tanto a acusação quanto a defesa não podem deixar de participar, ambas têm
a oportunidade de cooperar na construção da decisão judicial dentre as perspectivas
de cooperação, influenciar diretamente no convencimento do juiz, sendo esta uma
contribuição das partes na relação processual. O diálogo do juiz com as partes vem
como a possibilidade de utilização de fundamentos e qualificações jurídicas para
construção de um processo democrático.
O mesmo autor salienta algo de extrema importância, que é análise da
estrutura do Ministério Público perante a polícia judiciária, ou seja, o suporte que o
MP tem da polícia judiciária, vez que, são grupos de apoio técnico especializados.
Salienta-se que este apoio, suporte e acesso não acontece em relação à defesa
(Silva 2021 p 32-33).Esse autor ainda explica que:

É importante deixar claro que só é possível admitir uma negociação justa


quando estamos diante de um “jogo de cartas abertas” no qual o
investigado conhece todos os elementos de convicção produzidos em seu
desfavor e dispõe de meios próprios para colher elementos que possam ser
apresentados como contradita ao material de que dispõe o órgão
persecutório. (Silva 2021 p 35)

O autor diz que é necessária uma atenção redobrada da defesa para


condução do Acordo De Não Persecução Penal, principalmente nos pontos que
tangem a sua efetiva vantagem, condições e aplicações da pena restritiva do direito,
para que esta não aconteça de modo indevido. Para isso acontecer é imprescindível
que se discuta a investigação criminal, diretamente pela defesa, como forma de
qualificá-la para que participe do debate com o ministério público. Salienta-se, que o
modo atual não permite tal debate e sem isso a defesa técnica e os investigados por
ocasião da fixação dos termos do acordo, não estarão em plena paridade de armas
com ministério público. (Silva 2021, p 53)
O presente acordo nos moldes e na maneira em que está sendo aplicada
pode trazer uma violação à ampla defesa, haja vista, a acessibilidade que o
ministério público tem com a polícia judiciária é diferente da acessibilidade do
advogado, assim sendo, o ministério público tem mais armas por assim dizer, desta
maneira para que haja porventura uma aplicação correta sem a violação desse
direito seria necessário essa paridade de armas do contrário haverá violação da
ampla defesa.

5.3. DA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

O princípio da presunção de inocência está disposto no ordenamento jurídico


brasileiro na constituição federal, mais precisamente no artigo 5º inciso LVII, no qual
dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma
sentença condenatória, ou seja, para que haja pena, a regra seria uma sentença
penal condenatória e está sentença já tem que ter transitado em julgado.
Aury Júnior (2020) expõe que a presunção de inocência remonta ao direito
romano, mas que desde o seu surgimento até os dias atuais sofrera inúmeros
ataques, chegando até ser aplicada de modo invertido. O autor cita o exemplo da
inquisição na idade média, onde não havia a presunção de inocência, mas sim uma
presunção de culpabilidade, e também, a noção de uma quase culpabilidade levaria
uma semicondenação, que era uma pena leve. Ele ainda explica e cita outros
autores para remontar o histórico da presunção de inocência, especificando que a
primeira vez que esse princípio se deu de forma mais presente e normatizada foi na
declaração dos direitos do homem de 1789.
O mesmo autor ainda demonstra que mesmo estando normatizado, esse
princípio ainda voltou a ser atacado pelo totalitarismo e pelo fascismo no final do
século 19 e início do século 20. Ele fala que esse ataque a presunção de inocência
veio principalmente do ataque a democracia francesa. Junior ainda expõe a sua
discordância para com a premissa de Martinez, alegando que ela chega a ser
absurda, pois segundo esta premissa, como a maior parte dos imputados,
geralmente, eram culpados, não haveria essa justificativa para a presunção de
inocência. Com base nessa doutrina, houve um código em 1930, que não consagrou
o princípio da presunção de inocência. (Junior, 2020)
A discordância de Aury para com a premissa de Martins é impecável, haja
vista que é incabível você restringir um princípio basilar com base no presente
justificativo.
O emitente autor descredibiliza a premissa de Martins, citando Gustavo
Barroco, para explicar que a presunção de inocência não é um individuali smo e um
garantismo como falava Martins, mas sim que é a primeira e mais importante forma
de se analisar esse princípio, é como uma garantia política de um cidadão, que
antes de ser um princípio penal é um princípio político. Segundo Barroco é uma
forma de organização de um sistema político e de garantia de um cidadão no estado
democrático de direito. (Junior 2020)
É possível perceber nesse período histórico o que o autor faz, que o princípio
da presunção de inocência, apesar de ser um princípio extremamente importante, já
foi violado durante a história por inúmeras vezes, mesmo estando na declaração de
direitos humanos e sendo uma das garantias de um cidadão em um estado
democrático de direito. O referido princípio também é um princípio político, mesmo
assim não foi garantido. Nos dias atuais, é possível identificá-lo na constituição
federal de 88, como também, no artigo 8º da declaração dos direitos humanos.
Nucci explica que esse princípio entrega o in dúbio pro réu, garantindo que no
caso de dúvida sempre prevaleça o estado de inocência, uma vez, que o ônus da
prova cabe a acusação e não a defesa. Haja vista que as pessoas nascem em um
estado natural de inocência, cabe ao estado acusador evidenciar a culpa para que o
estado-juiz reconheça a culpa do réu. Esse princípio, segundo o autor, tem como
finalidade servir de obstáculo a autoacusação consagrando o direito do silêncio.
Afinal o estado de inocência é algo natural e ninguém deve ser obrigado a produzir
provas contra si mesmo. (Nucci 2020)
No atual Acordo De Não Persecução Penal é exigida do acordante a
confissão dos fatos, o que não é defendido no ordenamento. O princípio da
presunção de inocência tem como finalidade a consagração do direito ao silencio,
que é violado quando a exigência da confissão, pois a Constituição Federal de 1988
é muito clara quando diz que alguém só vai poder ser considerado culpado após
uma sentença transitada em julgado, a qual deve ser formada por um estado
acusador, necessitando evidenciar a culpa para o estado juiz proferir a sentença.
Nucci ainda mostra a importância e o cuidado para com processos penais e
os princípios penais, segundo ele a intervenção deve ser mínima na vida do cidadão,
sendo assim explica o que segue:

Por derradeiro, reforça o princípio penal da intervenção mínima do


Estado na vida do cidadão, uma vez que a reprovação penal deve dar-se
apenas quando absolutamente indispensável. Criminalizar todo e qualquer
ilícito, transformando-se em infração penal, não condiz com a visão
democrática do Direito Penal. O estado de inocência somente merece ser
alterado para o de culpado quando se tratar de delitos realmente
importantes – e não singelas insignificâncias ou bagatelas. (NUCCI, 2020)

É necessário dizer que esse direito constitucional foi corroborado no Código


De Processo Penal Brasileiro, no art. 283, que mostra a não ocorrência de uma
prisão sem antes haver uma sentença condenatória, com efeitos de coisa julgada
material, salvo prisão em flagrante delito ou prisões cautelares. Diante disso, para
que o acusado seja preso ou considerado culpado deve haver primeiro a sentença
que o condenou, além disso, esta sentença deve ter seguido todos os
procedimentos constitucionais.
As autoras Martínezi e Mendes (2020. P.64-66) usam a obra de Alexandre de
Moraes, a teoria dos jogos no qual o autor explica sobre a negociação, afirmando
que essa negociação seria uma espécie de ultimato dado ao acusado, uma
proposta, como já foi explicado, ou você aceita ou não. Por isso pouco importaria a
inocência, mas se as autoridades responsáveis dariam credibilidade a algum
argumento defensivo. A partir dessa análise, as autoras mostram que as penas a
serem aplicadas no presente acordo de não persecução penal não seria de natureza
restritiva, não seria a liberdade, entretanto exigiriam a concepção, o que é
juridicamente e flagrantemente inconstitucional, visto que no cotidiano é um modo
que trará vulnerabilidade a pessoa acusada.
E tais requisitos para a realização do acordo de não persecução penal vão de
encontro direto ao princípio da presunção de inocência descrito no artigo 5°, inciso
LVII da Constituição Da República Federativa Do Brasil.

6. CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto no presente artigo, conclui-se que a Justiça


Negocial no ordenamento jurídico brasileiro passou por evoluções até alcançar o
atual patamar, desde a transação penal trazida pela lei que instituiu os Juizados
Especiais até o Acordo de Não Persecução Penal. Esta pode ser conceituada como
uma forma de desafogar o Judiciário com o excesso de ações que são distribuídas
todos os dias. Além de adotar medidas que buscam sanções diferentes da reclusão,
como a prestação de serviços à comunidade e reparação do dano, desde que sejam
atendidos os requisitos legais. Restou demonstrado que os acordos realizados com
o acusado não têm o viés de serem descriminalizadores, mas alternativas para a
prisão.
Desse modo, ficou demonstrado que o Acordo de Não Persecução Penal é
uma inspiração do Pleabargain instituído nos Estados Unidos, possuindo como
finalidade aplicação de medida alternativa para a pena de reclusão imposta à
infração praticada. Tal instituto serviu de referência para que a Lei 13.964/95 f osse
criada no Brasil, projeto que veio do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sérgio Moro. Com esta alteração legal, reformulou-se em partes o procedimento
penal utilizado no país, destacando-se que o principal fundamento de tal projeto de
lei foi o combate a corrupção e prática de crimes contra a Administração Pública.
Como exposto, no Brasil a negociação penal surgiu com a Lei 9.099/95
(Juizados Especiais), trazendo institutos como a transação penal, suspensão
condicional do processo e a composição civil dos danos. Esse tipo de negociação
também foi uma inspiração de outros países, que aplicavam em seus ordenamentos
institutos para resolução do processo penal, de forma mais célere. À época o acordo
foi visto com bons olhos, pois a justiça brasileira estava abarrotada de processos,
ocasionando uma demora excessiva na resolução das lides. O que na época foi
chamado pela doutrina como um processo de resultados com o objetivo de criar um
instrumento com tutelas adequadas respeitando os direitos do acusado e buscando
a praticidade e utilidade das decisões, sob o fundamento de que um processo lento
não efetiva direitos.
Como já mencionado, a Lei dos Juizados Especiais trouxe ao ordenamento
pátrio institutos despenalizadores. O primeiro foi a composição civil dos danos, que
objetiva reparar o dano causado a vítima por meio de pecúnia. Em segundo lugar, a
transação penal que permite impor medidas alternativas a prisão para aquelas
infrações penais com pena máxima não superior a 02 (dois) anos. Por fim, a
suspensão condicional do processo é aplicada nos casos em que a pena cominada
seja inferior a 01 (um) ano, essa suspensão ocorrerá por período de 02 a 04 anos,
desde que cumpridas as medidas impostas, como a proibição de frequentar
determinados lugares. Logo, esses institutos despenalizadores quando cumpridos
de forma integral pelo acusado gera a extinção da punibilidade e a não anotação de
antecedentes, além de não poder ser utilizados como majorante de reincidência. É
importante ressaltar que esses benefícios são aplicados as infrações de menor e
médio potencial ofensivo e não são contrários aos princípios basilares do direi to
penal e processual penal, o que não foi observado pelo Acordo de Não Persecução
Penal.
A Lei 13.964/2019 foi publicada no Brasil em dezembro de 2019, mas entrou
em vigor no dia 23 de janeiro de 2020. No entanto, sofreu suspensão da
aplicabilidade de alguns dos dispositivos que geram despesas para outros poderes
do Estado, tendo como consequência a inconstitucionalidade, pois a cada Poder do
Estado é dado o direito de legislar sobre orçamento e divisões. Além disso, embora
não tenha trago em seu texto algo diferente do ordenamento jurídico, o Acordo de
Não Persecução Penal pode ser considerado como uma ampliação do que é a
transação penal, embora aquele se aplique a delitos cuja pena mínima em abstrato
seja inferior a quatro anos e não máxima de dois anos. Salienta-se que o
ordenamento jurídico traz a necessidade de o acusado confessar a prática da
infração, violando, dessa maneira, o que já é consolidado no ordenamento nacional.
Foi possível concluir que o Acordo de Não Persecução Penal será proposto
ao acusado que confessar formal e circunstanciadamente a infração que não tenha
pena máxima não seja superior a quatro anos, como também, é necessário que não
tenha sido praticado com violência ou grave ameaça a pessoa. Outro ponto
importante, é que o referido acordo não pode ser aplicado em casos de violência
doméstica e familiar, o acusado não ter sido beneficiado com outro instituto
despenalizador nos últimos 05 anos ou não couber ao caso concreto a transação
penal, o acusado não ser reincidente, ou caso exista elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual, profissional, salvo quando insignificantes.
O rol de medidas que podem ser aplicadas para o acordo é exemplificativo,
podendo o Parquet indicar outra condição, desde que seja proporcional e compatível
com a infração praticada. O dispositivo que trata sobre o acordo traz algumas
condições que podem ser ajustadas ou cumuladas alternativamente, como a
reparação do dano ou restituir a coisa para a vítima, quando possível fazer;
renunciar de forma voluntária a bens e direitos indicados pelo membro do Ministério
Público que são instrumentos, produto ou proveitos do crime. Outra condição que
pode ser proposta é a prestação de serviço à comunidade por período equivalente a
pena mínima do delito diminuída de um a dois terços, o pagamento de prestação
pecuniária a entidade pública ou de interesse social que for indicada pelo juiz da
execução.
É necessário mencionar que haverá a homologação do acordo pelo juiz, que
verificará a voluntariedade do acusado por meio de sua oitiva, em audiência. Pode o
juiz não homologar quando achar que não foi cumprido algum requisito ou as
condições são inadequadas, o que levará o retorno dos autos ao Ministério Público
para que se reformule a proposta junto a concordância do acusado e seu defensor.
A presente lei tem sua inconstitucionalidade apontada no aspecto material,
pois a matéria que a lei trata confronta princípios assegurados na Constituição
Federal. Assim, dentre eles, o Princípio do Devido Processo Legal que é contrariado
com o Acordo no que se refere à sanção não deriva de um processo previsto na lei,
mas em um procedimento que não garante os direitos constitucionais, pois há uma
declaração de culpa sem que tenha toda uma persecução para que finalize em uma
pena. Diante disso, fica claro a contrariedade entre o devido processo legal
constitucionalmente previsto com o Acordo de Não Persecução Penal.
Outro princípio constitucional afetado foi o da Ampla Defesa e do
Contraditório, estando ligado ao Princípio da Não Autoincriminação, também
denominado como o direito ao silêncio. Esses princípios buscam que durante a ação
penal seja dado ao acusado a possibilidade de se defender das acusações
imputadas, além de utilizar de todas as possíveis defesas que se encontram
disponíveis, levando a uma paridade de armas entre o órgão acusador e a defesa.
Além disso, como o Acordo é proposto após a realização do inquérito policial não há
o que se falar em contraditório pleno, vista que por se tratar de um procedimento
administrativo não se tem esse princípio presente durante as investigações, sendo
postergado para a ação penal que não ocorre quando cabível o referido acordo. Por
fim, essas garantias previstas na Carta Magna de 1988, também são feridas quando
o principal requisito para propor o Acordo é a confissão formal e circunstanciada do
acusado, que retira a possibilidade de defesa da acusação imputada e do seu direito
ao silêncio.
Por último, a exigência de uma confissão por parte do acusado fere o estado
natural de inocência que é assegurado pela Constituição Federal, visto que o
Princípio da Presunção de Inocência, a garantia do in dúbio pro réu, ou seja, em
caso de dúvidas por parte do julgador, o réu é beneficiado. Além do mais, a
finalidade desse princípio é consagrar no ordenamento jurídico brasileiro a não auto
criminalização, o que é contrariado com a confissão do acusado quando passou a
ser requisito para a propositura da barganha.
Em síntese, conclui-se que o Acordo de Não Persecução Penal introduzido no
Brasil pela Lei 13.964/2019 vai contrário ao que já existe no ordenamento nacional,
que propõe como direito do acusado ser submetido a um processo com o respeito a
seus direitos e garantias constitucionais, além das garantias já previstas em outros
diplomas legais, como é o caso da inocência presumida e o seu direito de não auto
criminalização.
REFERÊNCIAS

ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO, ANTONIO


SCARANCE FERNANDES, LUIZ FLAVIO GOMES. JUIZADOS ESPECIAIS
Criminais Comentários It Lei 9.099, De 26.09.1995. São Paulo: Editora Revista
DOS Tribunais LTDA, 2005.

BARBOSA Ana Cássia. Acordo de não persecução penal e sua aplicação a


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