13355-Texto Do Artigo-63943-1-10-20180703
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The constitutional model of the process in the new Civil Process Code
and the possibility of trading of the procedural acts
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo principal investigar a possibilidade, bem como a legitimidade da
negociação dos atos processuais, prevista no artigo 190 da Lei 13.105/15, o que, em tese, permite que todo e
qualquer ato processual seja objeto de deliberação entre as partes, podendo ser determinado alterações no
procedimento pela vontade das mesmas. Sendo o processo constitucional uma garantia do exercício dos direitos
fundamentais, surge a seguinte questão: a possibilidade de se alterar o procedimento não estaria diminuindo ou
ao menos colocando em risco essa garantia? Para responder a essa questão a investigação se inicia pela
exposição do que é o processo constitucional, como esse paradigma se formou, qual a sua matriz teórica, sua
relação com o Estado Democrático de Direito e por fim sua legitimação expressa no Novo Código de Processo
Civil brasileiro. Percorrendo esse caminho teórico pretende-se demonstrar os riscos que se cria com a
possibilidade da negociação dos atos processuais.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Processo constitucional. Atos processuais.
Abstract
The main objective of this paper is to investigate the possibility and legitimacy of the negotiation of procedural
acts, provided for in article 190 of Law 13,105 / 15, which, in theory, allows any and all proceedings to be
deliberated between the Amendments to the procedure may be determined by their will. Since the constitutional
process is a guarantee of the exercise of fundamental rights, the following question arises: the possibility of
changing the procedure would not be diminishing or at least jeopardizing this guarantee? In order to answer this
question, the investigation begins with an exposition of the constitutional process, how this paradigm was
formed, what its theoretical matrix is, its relationship with the Democratic State of Law, and finally its
legitimacy expressed in the New Code of Civil Procedure Brazilian. Going along this theoretical path intends to
demonstrate the risks that are created with the possibility of negotiating the procedural acts.
Keywords: Fundamental rights. Constitutional process. Process acts.
Introdução
A partir de 1988, com a promulgação da atual Constituição é estabelecido no Brasil o
Estado democrático de Direito. Sob essa matriz principiológica se constrói o atual paradigma
jurídico político, em que todo o ordenamento jurídico deve estar em consonância com a
Constituição, respeitando, principalmente, os Direitos e Garantias Fundamentais, esculpidos,
preponderantemente, no Artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil.
Dessa forma, é possível afirmar que não só o direito material precisa estar em
harmonia com a Constituição, mas é imperioso que as normas de Direito Processual também
estejam, pois todo e qualquer procedimento que tenha como objetivo a discussão de direitos
precisa respeitar e efetivar os direitos fundamentais. Nesse diapasão é possível perceber que o
artigo 190 do Novo Código de Processo Civil2, ao permitir a negociação dos atos processuais,
abre a possibilidade de desrespeito e não efetivação dos direitos fundamentais. Vejamos a
grafia do referido artigo:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam auto composição, é lícito
às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e
deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das
convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de
nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se
encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
1 Processo Constitucional
Antes de se discutir a legitimidade do referido dispositivo legal é necessário dissertar
sobre o processo constitucional, ou modelo constitucional do processo, para que assim se
2
Lei 13.105/2015.
compreenda com clareza o paradigma processual que se tem como pressuposto para o
presente estudo.
Com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passa a um período
efetivamente democrático3, em que o texto constitucional traz garantias que visam o controle
e limitação da atuação estatal, objetivando impossibilitar novas ditaduras. E mais importante,
a Constituição passa a prever mecanismos para a efetivação dos direitos dos cidadãos.
Nesse contexto são crescentes os estudos no sentido de definir o processo
constitucional, não mais sendo o processo um instrumento do Estado usado para a prestação
jurisdicional, mas agora o processo passa a ser o espaço jurídico de discussão para a
construção da decisão. Em outras palavras, o cidadão deixa de ser mero destinatário da
jurisdição e se torna agora participante na construção da decisão.
Nesse sentido assevera Brêtas (2012, p.126):
Com maior amplitude no Estado Democrático de Direito, o povo pode e deve
exercer ostensiva e preponderante na resolução dos problemas e questões nacionais,
através do plebiscito, referendo, audiências públicas e princípios por meio do
Processo Constitucional, pois a Constituição, além da garantia do Devido Processo
Legal, assegura as garantias procedimentais do Mandado de Segurança Individual e
Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data, Ação Direta de
Inconstitucionalidade, Ação de Revisão de Enunciado de Súmula Vinculante, além
de Ação Popular visando a anulação de atos estatais lesivos.
Nesse sentido é preciso afirmar que o Processo Constitucional se faz pela participação
do jurisdicionado, não apenas nas ações constitucionais, mas principalmente pela observação
dos princípios constitucionais em qualquer processo, a saber: contraditório, isonomia e ampla
defesa, sendo a participação dos jurisdicionados a forma de legitimação do processo, uma vez
que essa participação se traduz em exercício da cidadania, em que os jurisdicionados exercem
seus direitos fundamentais, sobretudo a ampla defesa. Destarte, o processo deixa de ser mero
procedimento em contraditório para ser a efetiva garantia de direitos fundamentais; a
efetivação desse bloco de direitos fundamentais, garantidos aos jurisdicionados e previstos na
Constituição, denomina-se Modelo Constitucional do Processo, ou simplesmente Processo
Constitucional. Desse conceito surge também a expressão “devido processo constitucional”,
no sentido de que o “devido processo legal”, previsto na Constituição, só será legítimo se
efetivamente garantir e concretizar os princípios constitucionais no âmbito processual.
É preciso esclarecer que o Processo Constitucional não se refere aos procedimentos
previstos na Constituição, tal expressão é mais abrangente e se refere ao processo judicial em
3
Não se defende aqui que exista uma plena democracia, apenas se vislumbra no plano constitucional
as garantias essenciais para a existência e manutenção do regime democrático.
Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, jul./dez. 2017 496
Marcelo Lucas Ribeiro de Oliveira
harmonia com a Constituição; um processo que não apenas seja instrumento da jurisdição
estatal, mas que seja uma afirmação da democracia, um espaço em que o jurisdicionado
participe, fiscalize e legitime a atuação do poder público. Nesse sentido esclarece Leal (2008,
p.34):
[...] no Estado Democrático de Direito, em sua visão procedimental, não mais se
poderia afirmar jurisdição como atividade do juiz no desenvolvimento do poder do
Estado [...] mas sim como o resultado necessário da atividade discursiva dos sujeitos
do processo a partir de argumentos internos ao ordenamento.
Como vemos através da argumentação do douto jurista, o processo não serve como um
instrumento ou uma mera relação jurídica; o processo dentro do paradigma democrático se faz
uma efetiva garantia de direitos fundamentais, qual seja, o direito de se ter uma tutela
jurisdicional devidamente construída nos moldes democráticos e constitucionais, o que
também é demostrado nas palavras do mesmo autor:
Essa tutela, destarte, não pode cingir-se a interpretar e aplicar o enunciado de lei
pertinente. No moderno Estado Democrático de Direito é imperioso que isto se faça
a partir, sempre, dos valores, princípios e regras consagradas pela Constituição. A
prestação jurisdicional vai além da exegese isolada do enunciado da lei, para
realizar, diante das particularidades do caso concreto, a compreensão e aplicação do
que o cidadão pode exercer seus direitos e ainda se proteger de arbitrariedades. Esse princípio
encontra-se expresso no inciso LIV e LV da Constituição, nos quais são previstos o devido
processo legal e o direito ao contraditório e ampla defesa respectivamente.
Nesse sentido busca-se demostrar que o processo não deve apenas seguir a letra fria da
Lei; necessário se faz que todo e qualquer ato do poder público seja legitimado por um
processo, sobretudo os provimentos jurisdicionais, pois são esses a última instância para a
resolução de conflitos na sociedade regida pelos princípios democráticos, sendo o processo a
garantia fundamental da jurisdição.
Uma vez que o provimento jurisdicional e o direito de ação configuram-se como
direitos fundamentais, o processo constitucional se apresenta como a garantia fundamental de
acesso a esses direitos; sendo que apenas se atingirá tal finalidade se, e somente se, o processo
estiver regido por todos os princípios e normas Constitucionais.
Assim, Brêtas (2012, p.72-73), ao definir a jurisdição como direito fundamental e o
processo constitucional como garantia fundamental, assevera:
Efetivamente, jurisdição é direito fundamental de qualquer pessoa, por força de
declaração normativa expressa no texto da Constituição, anteriormente apontada.
Mas a fruição deste direito se dá pela garantia fundamental do processo
constitucional. Logo, considerar que jurisdição, a um só tempo, seja direito
fundamental e garantia fundamental, com o máximo de respeito aos que pensam de
forma contrária, significa misturar conceitos e olvidar o processo constitucional
como garantia fundamental das pessoas.
procedimento; sendo assim, o que se estaria permitindo negociar seriam somente os atos
procedimentais.
aos atos processuais, pois como se demonstra no presente trabalho o processo é uma garantia
fundamental, sendo assim é inalienável.
Conclusão
É importante frisar que não se está defendendo a impossibilidade de conciliação, ao
contrário, a auto composição deve ser vista como um avanço, uma conquista que deve ser
preservada, estimulada e aperfeiçoada sempre. Portanto, não se deve confundir a negociação
do direito material (auto composição) com a negociação dos atos processuais, evitando a
confusão entre os métodos alternativos de resolução de conflitos e o procedimento judicial.
No presente trabalho se pretendeu demonstrar a inviabilidade de se alterar o processo
judicial pela vontade das partes, devido sua natureza garantidora e de meio para efetivação de
direitos fundamentais. Não pode se admitir que garantias legais e, principalmente
constitucionais, seja objeto de transação entre partes litigantes, mesmo que sob supervisão de
um magistrado, pois tais garantias têm como objetivo legitimar a atuação do Estado na
prestação jurisdicional; sendo tais garantias tão importantes quanto a participação das partes
no processo, pois são essas que efetivamente asseguram a participação do cidadão no
processo, consequentemente na construção da prestação jurisdicional.
Nesse diapasão, é possível e legítima a negociação de atos procedimentais, que não
tenham nenhum eco em princípios constitucionais, tampouco visem à construção do
provimento jurisdicional, ou seja, é perfeitamente possível a negociação de prazos (desde que
para a ampliação desses, tendo a razoável duração do processo como princípio limitador), a
forma de promoção das intimações (abrindo espaço para a tão falada calendarização) e outros
atos análogos que visam apenas questões de mero expediente. Portanto, mediante a
impossibilidade da negociação dos atos processuais, que são aqueles que efetivamente se
pratica visando à construção do provimento jurisdicional, é necessário estabelecer uma
interpretação que abarque exclusivamente os atos procedimentais, lembrando que o próprio
artigo prevê exclusivamente alterações no procedimento.
Por fim, é preciso afirmar que caso os litigantes desejarem construir de maneira
consensual um procedimento próprio para resolução de seu conflito, deverão se valer da
arbitragem e não do processo judicial, pois sendo esse o exercício do poder estatal não pode
ser alvo de negociação, de alteração, pois o exercício do poder judiciário só é legitimo quando
exercido plenamente em observação da lei, e acima de tudo da Constituição.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24 mai.
2016
DEL NEGRI, André. Processo Constitucional e Decisão Interna Corporis. Belo Horizonte:
Fórum, 2011.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: Primeiros Estudos. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.