39 Clues - Unstoppable 01 - Sem Saída
39 Clues - Unstoppable 01 - Sem Saída
39 Clues - Unstoppable 01 - Sem Saída
Havia apenas uma casa na ilha. O resto era uma floresta de pinheiros, uma
visão densa e escura que sombreava a praia durante grande parte dos dias
ensolarados de verão. Ela também ocultava a maioria dos edifícios, as três
piscinas – a interna, a externa, e a de raias – as quadras de tênis, o heliporto, a
pista de pouso e a garagem de quatro vagas para qualquer veleiro de passagem.
Apenas turistas se aproximavam. Os moradores não caíam nessa.
Eles sabiam que os homens musculosos de camisetas pretas justas em
rápidos barcos infláveis cortariam sua linha de pesca ou gritariam um aviso no
megafone que poderia fazer seus tímpanos sangrar.
Eles sabiam das correntes traiçoeiras, também. Sabiam como o vento
parecia chicotear através do canal a uma velocidade e ferocidade que você não
sentiria no porto. Eles sabiam permanecer longe.
As notas de um violino atravessavam o ar. Uma menina de dezesseis anos
observava seus dedos se movimentarem sem errar, as notas deslizando e soando
como água pura. O que costumava confundi-la agora fluía. Ela sabia que se
trabalhasse em suas habilidades, teria sucesso mesmo que não tivesse talento.
Era o que o seu pai lhe dizia.
O garoto de treze anos de idade acabara de derrotar seu instrutor de tênis
profissional em sets consecutivos sem suar a camisa. Ele viu a surpresa no rosto
do instrutor. Espere só até o cara descobrir que estava demitido. O pai do menino
sempre demitia um instrutor após ele ser derrotado.
Falta a eles instinto assassino, seu pai dizia. Você quer acabar assim?
Ele atirou a bola de tênis com força, fazendo-a passar por cima da rede. O
treinador havia se abaixado para pegar sua bolsa, e a bola acertou suas costas. Ai.
Aquilo deve ter doído. Ele sabia por experiência própria.
— Nunca dê as costas a um adversário! — o garoto zombou.
Era o que seu pai lhe dizia.
Instinto assassino.
Longe ao mar, um homem nadava, movendo-se de forma tão precisa e
incansável quanto uma máquina. Mesmo que possuísse três piscinas, preferia
nadar no mar aberto. Este ano, as focas estavam nadando cada vez mais perto da
costa. Isto significava, ele sabia, que os grandes tubarões brancos estavam à
espreita, movendo-se constantemente a fim de se alimentar.
Acrescentava um... toque especial à atividade.
O homem chegou à doca com diversas braçadas poderosas. Ele se ergueu e
caminhou em direção à casa. Um homem baixo mas incrivelmente musculoso
metido numa camiseta preta atirou-lhe uma toalha, que ele usou para enxugar o
rosto e depois descartou para o chão. Ele não se preocupava com toalhas. Elas
seriam apanhadas, lavadas e dobradas novamente. Ele não tinha que ver ou
pensar nisso. Estava sempre tendo pensamentos mais profundos, como agora.
Pensamentos grandes e complexos o suficiente para abarcar o mundo.
Ele entrou na sala de estar pelas portas duplas. Quase se encolheu ao ver as
centenas de olhos vidrados encarando-o. Sua esposa organizava e reorganizava
sua coleção. De novo. Ele se apressou, correndo antes que ela tivesse uma chance
de falar com ele.
Seu escritório era fresco e silencioso. Ele vestiu um roupão e ativou os
muitos monitores transparentes. Dados surgiram neles, e ele absorveu tudo rápida
e completamente. As coisas eram tão diferentes agora. Seu pensamento
estratégico era quase tão rápido quanto os dados do computador cruzando suas
telas.
Quase ali. Tão perto que ele podia tocar.
Só havia duas pessoas vivas no planeta que podiam pará-lo.
Era hora de eliminá-los.
***
Era um dia lindo e ensolarado. Um dia que fazia você se sentir grato por
estar vivo.
Pena que Amy Cahill estivesse cercada pelos mortos.
Amy abaixou a cabeça e fechou os olhos com força. Ela tinha apenas
dezesseis anos, mas já comparecera a funerais demais. Dissera adeus vezes
demais.
Seis meses atrás, ela tinha enterrado sua prima e seu tio, e hoje, uma lápide
seria colocada para William James McIntyre, o advogado da família e amigo
profundamente amado.
Seu celular tocou em seu bolso. Ela o tirou e leu a mensagem. Era de seu
namorado, Jake Rosenbloom. Eram seis horas mais tarde em Roma, onde ele
morava. Estava quase anoitecendo lá, e ele estaria guardando seus livros e
começando a pensar no jantar.
Sei que o funeral é esta manhã. Eu queria poder estar aí com você. Você está
bem?
O dedo de Amy pairava sobre o teclado. Seu olhar vagou pela colina
gramada até onde uma lápide cinza polida brilhava ao lado de lápides antigas e
tortas, as muitas gerações da família Tolliver que tinham vivido em Attleboro
desde antes da Guerra da Independência. Estava muito longe para ela poder ler o
nome, mas não precisava vê-lo.
EVAN JOSEPH TOLLIVER
Ela guardou seu celular de volta no bolso. Lágrimas encheram seus olhos.
Ela havia colocado um vestido preto e ido ao velório de Evan seis meses atrás. A
mãe dele tinha fechado a porta na cara dela. Amy entendera. Afinal, ela se
culpava pela morte de Evan tanto quanto a mãe dele a culpava. Se não fosse por
Amy, Evan ainda estaria vivo. Ele ainda seria voluntário no abrigo local, ainda
seria presidente do clube de informática, ainda implicaria com sua irmã mais
nova, ainda estaria na fila para comprar café com creme de avelã e chantilly. Ele
estaria vivo sobre a terra, sentindo o vento, apreciando o céu, tendo todos os
sentidos alertas para este dia no início da primavera. Em vez disso, ele estava
debaixo da terra. Ele fora seu namorado e morrera por ela. E ele nunca soube que
ela planejava dispensá-lo por Jake.
Ela nunca estivera em um encontro antes de ter uma queda por Evan. Era
simplesmente Amy Cahill, a estudante de jeans e tênis que só tirava A. Nada
impressionante, nunca notada. Ela não era o tipo de garota que os meninos
percebiam. Então ela notou Evan, e ele a notou.
Ela achou que estava apaixonada. Até que conheceu o intenso e carismático
Jake Rosenbloom, e percebeu que ela não tinha ideia do que se apaixonar era
realmente.
Se ela apenas pudesse se lembrar da alegria que sentiu quando, pela
primeira vez, percebeu que Jake a amava de volta. Agora havia tanta tristeza e
culpa em seu coração que ela sentia como se estivesse cercada por neblina.
Ela se levantou de manhã, escovou os dentes, e fez seu plano de aulas. Ela e
seu irmão, Dan, agora eram educados em casa por sua antiga au pair, Nellie
Gomez, e vários outros tutores. Tinha sido um outono chuvoso e um inverno frio.
Os dias se dissolveram em cinzas. Os livros que costumavam confortá-la tinham
se desfocado diante de seus olhos. Aulas de italiano, aulas de história, problemas
de matemática, ensaios, projetos.
Nos últimos seis meses ela mal saiu de casa, apenas saindo para fazer cross
country por longos e duros quilômetros. Durante a noite ela vagava pela casa,
repensando todas as decisões que tomou durante a batalha contra a organização
criminosa Vesper. Onde errara? Ela deveria ter se recusado a deixar Evan ajudá-
los? Deveria ter mandado o Sr. McIntyre voltar para os EUA? Muitas pessoas
que ela amava morreram. Ela tinha poder para forçá-los a sair do perigo, mas não
o fez.
Por que ela não tinha usado esse poder?
Aos dezesseis anos de idade, Amy era a líder dos Cahill, a família mais
poderosa do mundo. Seu ancestral, Gideon Cahill, formulara um soro
extraordinário no início do século XVI. Desde aquela época, os cinco clãs da
família tinham lutado, espionado, mentido, roubado, traído – tudo por um único
propósito. Cada um dos clãs tinha uma parte do soro. Se o soro completo fosse
fabricado, tornaria quem o tivesse tomado a pessoa mais poderosa do mundo.
Depois de centenas de anos, Amy e Dan foram os primeiros a descobrir a
fórmula do soro. Mas eles e os outros membros mais jovens da família Cahill
tinham percebido, finalmente, que o soro era perigoso demais para sequer pensar
em produzi-lo. Agora, a fórmula – uma lista de trinta e nove ingredientes, a
calibração complicada e as quantidades precisas – estava guardada em segurança.
No cérebro brilhante de seu irmão de treze anos.
O olhar de Amy se desviou para o seu irmão de cabelo louro. Era difícil
acreditar que o garoto franzino que deslizava secretamente um verme para dentro
da bolsa da tia Beatrice poderia ser o garoto mais poderoso do mundo.
Protegê-lo – proteger todos os Cahill – era seu trabalho como líder da
família.
Acho que eu não fiz um bom trabalho com você, Mac, Amy murmurou para
a urna de mármore, seus olhos se enchendo de lágrimas. Assassinado em um
quarto de hotel em Roma.
Ela secou os olhos. Tinha esperado seis meses para enterrar as cinzas do Sr.
McIntyre. Ele era sua última amarra à segurança.
McIntyre tinha sido mais do que seu advogado; fora seu melhor e mais
confiável conselheiro, e talvez seu melhor amigo.
Agora, aqui estavam eles, as únicas pessoas de luto, exceto pela tia
Beatrice, que tinha começado a manhã reclamando que sua rinite estava atacando
e que era melhor o agente funerário “começar logo com aquilo”.
A elegante caixa de mármore repousava sobre uma pequena mesa. Ela
continha o que restava do Sr. McIntyre. Apenas cinzas. Sua bondade, sua astúcia,
a sua inteligência – tudo havia desaparecido do mundo. Agora havia apenas uma
caixa.
O agente funerário, a qual Dan ficava chamando pelas costas como “Sr.
Morte”, chegara tarde. Nervoso, ele limpou o suor da testa com um lenço.
Quando colocou a caixa de mármore sobre a mesa, ele quase a deixou cair.
— É o primeiro funeral dele? — Dan sussurrou.
O padre, alto e musculoso, parecia mais um treinador de futebol. Ele trouxe
um buquê de rosas vermelhas murchas. Nem um pouco o estilo do Sr. McIntyre.
Amy não sabia se ria ou se chorava. A coisa toda parecia surreal. Ela quase
esperava que o Sr. McIntyre saísse de uma comprida limusine preta e dissesse
“Primeiro de Abril”.
— Isso é uma desgraça. — Tia Beatrice murmurou. — Apenas três pessoas
no enterro!
— Henry Smood está no hospital com apendicite. — Amy disse, referindo-
se ao sócio do Sr. McIntyre e seu novo advogado. — Ele ficou muito chateado
por não poder vir. E o hospital não quis liberar Fiske.
Tia Beatrice fungou.
— Eu estava falando da família — ela disse. — Quando alguém que
trabalhava para a família era sepultado, os Cahill apareciam. Mesmo que nos
detestássemos, costumávamos saber quão importante eram as aparências.
— Tia Beatrice enterrou o empregado dela? — Dan sussurrou para Amy.
— Eu apenas joguei o meu no vaso sanitário e dei descarga.
Amy pisou no pé dele. Seu irmão fazia piadas quando estava nervoso ou
com medo. Ela estava acostumada com isso, mas a tia Beatrice não.
— O Sr. McIntyre era família. — Amy respondeu.
— Querida, — Tia Beatrice respondeu, — apenas família é família.
Amy sacudiu a cabeça. Tia Beatrice estava tornando o funeral de difícil em
insuportável.
— Os Cahill Templeton sempre usaram os serviços de McIntyre e Smood
— Tia Beatrice continuou. — E os Cahill Duhram. E certamente os Starling
deviam ter aparecido! Denise Starling usou McIntyre por anos até que decidiu
que ele era próximo demais de Grace e lhe enviou aquela carta escrita com tinta
venenosa. Mesmo que fosse veneno de verdade, ela deveria ter deixado o passado
no passado. E Debra usou-o para o seu acordo pré-nupcial com aquele homem
desagradável com o nome estranho. Ela nunca deveria ter se casado com ele em
primeiro lugar...
Tia Beatrice continuou, nomeando Cahill atrás de Cahill de quem Amy e
Dan nunca tinham ouvido falar.
— Eles não vieram porque eu não os convidei, tia Beatrice — Amy
interrompeu.
— Mas o Sr. McIntyre era o advogado da família! — Tia Beatrice cuspiu.
Ela estreitou os olhos redondos para Amy. — Você sequer contou a alguém o
que estava fazendo?
— Não. — Amy disse. — Eu não estou interessada na opinião deles. Eu
tomei uma decisão. — Tia Beatrice abriu a boca, mas Amy levantou a mão. — E
ponto final.
A boca de tia Beatrice fechou e abriu como a de um peixe.
— Mandou bem — Dan murmurou.
Amy deu um pequeno sorriso. Às vezes era difícil de ser a líder da família,
mas quando era com a tia Beatrice, ela não tinha problema algum.
— Prontos para começar? — o agente funerário sussurrou. Amy o viu
espiar o relógio antes de olhar para baixo respeitosamente. Ela quase podia
imaginá-lo dizendo: “Cara, vamos botar pra quebrar”.
O padre leu um versículo da Bíblia em uma voz desajeitada. Então fechou o
livro e assentiu para Amy.
— Adeus, Sr. McIntyre — Amy falou. — Você era nosso protetor e nosso
amigo. O melhor dos melhores. Descanse em paz.
— Adeus, Mac. — Dan disse. — Desculpe pela vez em que coloquei um
sapo na sua calça. Obrigado por cuidar da gente.
Tia Beatrice espirrou.
O padre apontou para a pilha de terra da cova aberta.
— Vocês gostariam de jogar um punhado de terra na sepultura? — ele
perguntou.
— Oh, pelo amor de Deus. Eu tenho jardineiros para esse tipo de coisa —
Tia Beatrice respondeu. — E tenho hora marcada com o alergista.
Amy se abaixou e jogou terra na sepultura. Dan fez o mesmo. O clérigo lhe
entregou as rosas e ela as jogou lá também. Desculpe, Mac, ela disse a ele
silenciosamente. Eu sei que você prefere tulipas. Uma memória repentina veio a
ela, do Sr. McIntyre no jardim de Grace, em uma camiseta sem mangas, num
belo dia de maio, observando um canteiro de tulipas amarelas, dizendo: Agora
sim uma flor alegre!
Lágrimas encheram seus olhos. Ela quase pediu a tia Beatrice um lenço de
papel, mas ela já tinha se afastado. Seu motorista corria para abrir a porta do
carro.
Sr. Morte tinha ido, também – ele estava quase correndo enquanto fazia o
seu caminho através das lápides até o seu carro.
Isso é estranho, Amy pensou. Por que o agente funerário foi embora tão
rápido? Ele nem se despediu.
O padre se inclinou para pegar a pá. Amy achou que não suportaria ver o
túmulo cheio.
Quando ela se virou, algo duro atingiu a parte de trás de sua cabeça. Dor a
cegou, e ela se sentiu ser empurrada para a sepultura aberta.
Capítulo 2
Amy caiu no chão de quatro, sentindo o choque fazendo seus ossos
tremerem. Ela olhou para cima. A luz era bloqueada por um objeto pesado que
vinha voando na direção dela. Ela se esquivou por instinto ao invés de por
pensamento, se encolhendo em uma bola contra a parede do túmulo.
Dan caiu com um grito. Ela ouviu o ar deixar o corpo dele com um arquejo
abafado.
— SOCORRO! — Amy gritou.
Em resposta, uma pá de terra caiu sobre seu rosto erguido. Ela cuspiu.
— Você está bem? — perguntou ao irmão.
Ele assentiu, e seu rosto ficou pálido por causa do medo e da dor. Sua
respiração estava curta, e ele enfiou a mão no bolso para pegar o inalador. Dan
tinha asma, e Amy podia ver as nuvens de terra flutuando no ar, prontas para
tapar suas vias respiratórias.
Ela gritou por ajuda novamente, mas tudo o que viu foi o brilho da pá
enquanto mais terra chovia sobre eles.
— Ele me empurrou — Dan falou, sufocando e ofegando. —
Deliberadamente...
Isso não pode estar acontecendo!
Pânico estremeceu através dela. Sua mente girava. Eles não tinham mais
nenhum inimigo. Eles uniram a família, tinham dizimado uma organização
criminosa global. Haviam voltado a ser duas crianças que viviam em uma
mansão que era grande demais para eles, assombrados por todas as coisas que
tinham feito e visto. Seus únicos inimigos eram memórias.
Então por que estava acontecendo novamente? O horror a dominou,
fazendo seu cérebro zumbir em vácuo. Ela não conseguia pensar ou respirar.
Amy foi atingida por mais terra. Quem quer que estivesse tentando enterrá-los
trabalhava rápida e metodicamente, sem sequer espreitar por sobre a borda.
Não importa quem está fazendo isso. Você tem que sair daqui.
Amy podia sentir terra em seu cabelo, embaixo de seu colarinho e em seus
ouvidos. Ela se lembrou da pilha de terra perto da cova aberta. Quanto tempo
levaria até que o túmulo estivesse completamente cheio? Quanto tempo levaria
para sufocar, até que a terra enchesse sua boca e seus ouvidos e seus olhos...
É a matemática da quinta série mais uma vez, ela pensou loucamente. Se
um homem pode encher uma pá a cada dez segundos, e a sepultura tem seis
metros de profundidade...
— Amy! — O rosto pálido de Dan de repente estava afiado enquanto o
zumbido do pânico desaparecia. Ele apertou urgentemente seu braço. — Nós
precisamos sair daqui!
Seu cérebro clareou. Instinto se juntando com experiência; tudo se acelerou
e ela se sentiu mais calma. Ela olhou ao redor, avaliando, planejando. Mediu a
sepultura com um rápido olhar. Provavelmente três metros quadrados. O lados
eram íngremes. Amy tentou subir, mas a terra se desintegrou em suas mãos. Ela
tentou enfiar o dedo do pé na terra, mas ela não conseguia se erguer. Ok,
próximo plano.
— Cuidado! — Dan se jogou contra ela, derrubando-a de lado, enquanto a
caixa de mármore era atirada dentro da cova também. Ela não atingiu o crânio de
Amy por uma fração de centímetro e caiu no pé de Dan. Ele soltou um gemido de
dor e se curvou.
Agora eram só os dois e as cinzas do Sr. McIntyre.
Amy olhou para a caixa. Não era só uma caixa. Era um degrau. Tinha uns
30 centímetros, só o que ela precisava. Era uma chance. E ela só teria uma.
— Dan — Amy sussurrou. — Suba na urna. Rápido!
Dan sabia o que ela queria que ele fizesse sem ela mesmo perguntar. Ele se
equilibrou sobre a caixa. Flexionou os joelhos, fazendo um apoio com suas mãos.
Amy olhou para cima, cronometrando seu movimento. Um, dois, três e
subiu, mãos nos ombros do irmão; em seguida, usando a parede da cova para
manter-se estável, ela se equilibrou, subindo nos ombros dele. Ela sentiu o corpo
de Dan tremer com seu peso. Ele precisava aguentar, apenas esperar por mais três
segundos. Ela estava contando com a eficiência mecânica de seu atacante, a
precisão do tempo com que ele usava a pá. Dois, um...
Ela se endireitou e saltou assim que o brilho da pá surgiu por cima da borda
do túmulo. A ponta de metal se chocou contra a sua cabeça – mais dor, muito
obrigada – mas ela agarrou-a e puxou com força, então caiu para trás na cova
enquanto Dan se pressionava contra a parede.
Ela caiu de joelhos, atordoada e sangrando – mas ela segurava a pá.
Um rosto apareceu contra o retângulo de céu azul. O homem havia
arrancado o colarinho de clérigo. Ele deu um sorriso, os dentes brancos e retos.
— Bom trabalho, mocinha. Você conseguiu seu brinquedinho. Vai se
enterrar mais fundo?
O rosto desapareceu. Eles ouviram o som de passos se afastando. Ele estaria
de volta logo.
Não havia tempo para hesitar, não havia tempo para pressionar algum
tecido contra o sangue em sua testa, só havia tempo de tirá-lo dos olhos. Ela
pulou de volta na caixa de mármore, pegou a pá pelo cabo longo, e fincou-a
contra a parede da cova o mais forte que pôde. A pá caiu, a terra solta incapaz de
segurá-la. Ela tinha que enfiar mais fundo.
— Me ajuda, Dan! — Ele ficou atrás dela, e, juntos, segurando o cabo, eles
forçaram-na contra a parede de terra. Dan segurou a pá e assentiu para ela. Seus
olhos verdes brilhavam contra a sujeira e o sangue espalhado em seu rosto.
— Eu te dou cobertura — ele disse a ela. — Vai.
Tinha que ser ela, ambos sabiam disso. Ela era uma alpinista, uma
escaladora, ela sabia como encontrar os minúsculos nichos, como plantar seu
corpo contra a parede e se erguer. Ela ergueu-se sobre o cabo da pá e enterrou os
dedos na terra, fechando os olhos enquanto fazia uma saliência para a ponta dos
dedos. Dan arrancou a pá e ela ficou pendurada ali enquanto ele enfiava a pá
trinta centímetros mais alto. Ela o ouviu ofegar com força rapidamente. Ela
testou o cabo.
— Pronto?
— VAI! — Dan grunhiu, e ela usou o cabo para subir até o topo do buraco.
Cada músculo de seu corpo tremia, mas ela sabia que podia
conseguir. Tinha que conseguir. As mãos dela tocaram o chão sobre a borda.
Seus músculos do braço tremeram quando ela rapidamente examinou o
cemitério. O homem agora estava a cerca de cinquenta metros de distância. Ele
corria em direção ao galpão de ferramentas. Atrás dele, outro homem apareceu,
segurando uma pá.
Amy reuniu cada partícula de força que tinha e ergueu-se para fora do
buraco. O rosto dela bateu no chão. Ela teve tempo para respirar – apenas uma
vez – antes de se levantar.
Algo fez seu atacante se virar, algum movimento visto pelo canto do olho, e
ele a viu. Os dois homens começaram a correr. Na direção dela.
Ela fez um cálculo rápido. Eles eram rápidos, muito mais rápidos do que ela
esperava. Não havia maneira alguma de ela ter tempo suficiente de tirar Dan lá
de dentro. Ela teria que atraí-los para longe dele.
Ela correu descendo o morro. Sentia o benefício de ter se forçado a fazer
aquelas corridas como punição. Dan tinha dito que eles estavam a salvo agora,
ela não tinha que ser assim tão... intensa, mas Amy encontrara consolo nas
corridas matinais. Agora elas iriam ajudá-la.
Ela os levou para baixo até uma colina inclinada, saltando sobre as lápides.
Durante o tempo todo ela procurara freneticamente por ajuda, seu olhar varrendo
o cemitério em busca de qualquer sinal de pessoas. Eles não iriam atacá-la se
houvesse pessoas ao redor.
Ela esperava.
Ela estava quase nas lápides dos Tolliver agora. Calculara mal. Eles
estavam quase em cima dela. Como eles podiam ser tão rápidos? Ela tinha uma
vantagem tão grande!
Amy saltou por cima de uma lápide velha caindo aos pedaços, e sentiu mais
do que ouviu o deslocamento de ar quando a pá foi erguida. Com uma guinada
repentina, ela se virou para trás e viu o olhar de surpresa do segundo homem
quando ela mudou de direção e lhe aplicou um chute giratório clássico, bem na
garganta.
Ela bateu forte.
Então por que ele não tinha caído? Ele não estava nem mesmo sem fôlego.
Ele apenas se afastou e levantou a pá, e ela abaixou no último minuto. A pá
acertou o granito polido atrás dela. O cabo de madeira quebrou, mas o aço no fim
da ferramenta quebrou a borda da pedra.
VAN JOSEPH TOLLIVER
A visão da lápide profanada de Evan rendeu-lhe tal surto de raiva que ela
pegou o pedaço de mármore fragmentado e o atirou na cabeça do homem.
Sangue jorrou de sua boca. Ele sorriu. Ela tinha uma impressão confusa de olhos
da cor das lápides, sangue escorrendo dos dentes brancos e perfeitos.
Ele levantou o lado lascado do cabo. Ela se escondeu atrás da pedra de
Evan enquanto o homem atacava.
Evan a protegeria uma última vez.
O cabo bateu na pedra e rachou, e ela estava correndo antes que ele pudesse
pegar o cabo novamente. Ele estava em seus calcanhares. Ela podia ouvir sua
respiração. Tão perto. Ela sabia que a qualquer momento ele agarraria seu cabelo,
lhe daria um soco e a derrubaria... E então ela viu o outro à sua frente, os joelhos
flexionados e pronto para mudar de direção caso ela escolhesse desviar do
caminho. Eles iriam alcançá-la, e por algum motivo que ela nunca saberia, eles a
matariam e, em seguida, voltariam para pegar Dan.
De repente, ela viu um carro entrar na estrada do cemitério, um Toyota
vermelho brilhante. Era a melhor visão do mundo. Pessoas.
Amy virou no último segundo e começou a descer a colina, saltando sobre
as lápides, agitando os braços e gritando, “EI!”
O carro parou. Uma mulher ainda jovem saiu. Amy ficou confusa quando,
em vez de ajudar, ela começou a tirar fotos de Amy com uma câmera de lente
para longas distâncias.
Outro carro parou. Agora Amy estava verdadeiramente confusa. Dois
homens saíram e começaram a tirar fotos também. O que estava acontecendo?
Seus atacantes pareciam ter simplesmente evaporado. Num momento eles
estavam em seus calcanhares, e no próximo eles estavam a caminho do carro
preto, andando rapidamente, como pessoas de luto ansiosas para ir para casa.
Amy virou-se e correu para o túmulo de McIntyre. Ela se abaixou e olhou
para o Dan.
— Eles se foram. Você está bem?
O rosto de Dan estava pálido. Ela viu a tensão em torno de sua boca e sabia
quão assustado ele estava sobre o fato de que outra pessoa poderia ter voltado.
— Claro. Eu só fui enterrado vivo. Nunca estive melhor.
— Espera aí. Eu vou pegar uma escada. — Ela se apressou e desceu o
morro até o galpão de ferramentas. Para seu alívio, havia uma escada encostada
na lateral. Ela ergueu-a e voltou rapidamente para Dan. Amy escorregou a escada
para dentro do buraco e um segundo mais tarde seu irmão havia subido.
— Eu estou com a aparência tão ruim quanto a sua? — Dan perguntou. —
Por que você parece uma zumbi. O que faz sentido, considerando que nós saímos
de uma cova...
Um jipe amarelo brilhante virou para o cemitério, vindo rápido demais.
Amy sorriu. Havia apenas uma pessoa que ela conhecia que poderia se atrasar
para um funeral e depois acelerar para dentro um cemitério. Nellie.
Capítulo 3
Dan sentiu suas pernas tremendo enquanto eles corriam em direção ao carro
de Nellie. Ele rapidamente mergulhou no banco de trás do jipe enquanto Amy
sentou na frente. Ele não queria que elas soubessem como ele esteve
aterrorizado, esperando aqueles longos minutos no fundo de uma cova.
— Pirralhos! Me desculpem! Eu perdi tudo? — Nellie torcera o tronco e
estava remexendo nas coisas do banco de trás, tentando endireitar suas tralhas de
sempre, o que Dan considerava uma tarefa impossível.
A familiaridade do gesto, o cheiro habitual do carro – o que era,
exatamente? Uma mistura de pipoca, maçãs, e aquele frasco de shampoo com
cheiro de grama molhada que Nellie tinha derramado um ano atrás? – o que quer
que fosse, o ajudou a se sentir seguro.
Quando Nellie retornara para a faculdade no período de inverno, ela tentou
por alguns dias suavizar sua aparência, mas agora seu cabelo estava novamente
no seu estilo louco de costume, preto com pontas brancas platinadas. Ela estava
sempre atrasada, mas alegava que era porque ela estava “loucamente ocupada.”
Além de ser tutora deles, possuía carga completa de aulas na Universidade de
Boston, enrolava, pelo menos, dois namorados, e cozinhava em um café em
Boston às quartas-feiras e nas noites de sábado. Dan sorriu quando viu sua
dificuldade para varrer o caos do banco de trás para o chão: em seu braço havia
uma nova tatuagem temporária. A palavra FOCO brilhou pra ele do antebraço
bronzeado dela.
Nellie já havia sido a au pair deles, o que significa que ele uma vez teve a
melhor au pair da história da civilização. Ela viajou o mundo com eles na caça às
39 pistas, cuidando deles e os protegendo. Agora, ela era como uma mistura de
irmã mais velha e melhor amiga.
Nellie tirou vários itens – uma garrafa de água, uma toalha, um livro de
receitas, um saco de maçãs – do assento enquanto falava.
— Eu tive uma manhã daquelas — ela falou, jogando um sanduíche meio
comido de volta no saco de papel. — Meu celular ficou maluquinho. Deletou
todas as minhas fotos! E então seu tio Fiske ligou, ele está bem, mas acho que
devemos visitá-lo. E então eu esqueci completamente que tinha colocado rolinhos
de canela no forno, e corri para chegar aqui a tempo, embora eu soubesse que a
tia Beatrice me mataria se eu estivesse atrasada... e aí um carro vermelho me
fechou... — A cabeça de Nellie apareceu. — Ei, eu acho que é aquele carro! —
ela exclamou, apontando para o Toyota vermelho. Então, finalmente, ela olhou
para Amy e Dan. — Por que vocês estão tão sujos? Isso é SANGUE?
— Nós estamos bem — Amy tranquilizou-a, pegando a toalha.
— Vocês definitivamente NÃO estão! O que aconteceu?
— Eu te conto enquanto dirige — Amy disse. — Tem um monte de
fotógrafos aqui, por algum motivo. Talvez alguém famoso vá ser enterrado hoje
— Amy limpou seu rosto e então jogou a toalha para o Dan.
Nellie colocou o carro em marcha e dirigiu para os portões do cemitério.
— Ok, desembucha, porque estou a ponto de enlouquecer totalmente.
Vocês caíram de uma árvore ou algo assim?
— Nós caímos em uma cova — Dan respondeu. — Por que nós fomos
empurrados. Então algum valentão tentou nos enterrar vivo.
— Dois deles me perseguiram pelo cemitério — Amy acrescentou.
Nellie quase saiu da estrada quando se virou para olhar o Dan.
— Não é engraçado.
— Eu também não acho que tenha sido — Dan disse, limpando o último
resíduo de terra do rosto.
As mãos de Nellie agarraram o volante. Ele viu seu rosto mudar. Ela, assim
como eles, era uma Madrigal, o clã da família que agora estava no comando de
todos os Cahill.
— Alguma ideia de quem eram? — ela perguntou.
— Nós não sabemos — Amy respondeu. — Esse é o problema. — Ela
olhou pela janela. — Está começando de novo Nellie. Eu sinto isso.
Nellie deu olhada rápida para ela.
— O quê?
— Alguma escuridão que a gente não consegue ver. Está vindo em nossa
direção. De novo.
— Você tem certeza que não foi só uns caras malucos aleatórios...
Dan podia ver o rosto de Amy no espelho retrovisor. Ele conhecia aquele
olhar. Ela estava analisando os detalhes, pensando em cada palavra, cada gesto.
Ela balançou a cabeça firmemente.
— Não. Isso foi planejado. Eles devem ter pagado o agente funerário. E...
— Eles sabiam quem a gente era — Dan disse. — Eu tenho certeza disso.
— Cahill ficando irritados? — Nellie sugeriu.
Amy e Dan consideraram. Mesmo que agora a família Cahill houvesse
concordado com a paz, e a rede deles houvesse conectado todos os clãs, eles não
conheciam cada Cahill pessoalmente.
— Acho que não — Amy respondeu lentamente. — Havia algo...
profissional sobre eles. Tipo capangas contratados.
— Capangas é a palavra certa — Dan concordou. — Aquilo não era um
pastor. Eu achei estranho o cara parecer uma versão ilustre do Incrível Hulk.
— Quem quer que fossem, aqueles caras eram atletas olímpicos de
primeira. — Amy disse. — Quando eu chutei o cara, foi como bater em uma
parede.
Nellie mordeu o lábio.
— Nós vamos descobrir — ela falou.
Sua voz estava confiante, mas Dan sabia que quando Nellie mordia o lábio,
ela estava seriamente apavorada. Eles ficaram em silêncio pelo resto da viagem.
Eles atravessaram as estradas de volta para Attleboro até que chegaram à
propriedade Cahill. Nellie digitou o código nos portões de ferro e dirigiu pela
estradinha sinuosa. Assim que os portões se fecharam atrás deles, Dan relaxou.
Ele percebeu que suas mãos estavam fechadas em punhos.
A elegante mansão de Grace apareceu logo à frente, através de uma
campina e atrás de um grupo de árvores. Dan deixou escapar um longo
suspiro. Lar.
Nellie estacionou em frente da porta da cozinha e desligou o motor.
— Vamos acessar a rede Cahill e ver se há algum alerta.
Pendurando suas jaquetas no átrio, eles tomaram as escadas pulando dois
degraus de cada vez. Eles não usavam muito da casa agora – apenas a cozinha, os
quartos e a biblioteca de Grace, um lugar onde muitas vezes se reuniam no final
da tarde, com um fogo na lareira, a cabeça de Amy inclinada sobre um livro. Dan
a ouvia perambular pela casa à noite. Ele sabia que não havia nada que ele
pudesse fazer para sumir com sua tristeza.
Eu sou uma das crianças mais ricas do planeta, e não posso fazer nada.
Há dois anos, após a caça às 39 pistas, Amy fizera um grande plano para
reformar a mansão da avó deles. Ela sabia que havia problema chegando, então
construiu um centro de comando, com um monte de quartos de hóspedes,
banheiros e uma cozinha separada, caso os Cahill precisassem ficar por lá.
Amy tinha até comprado um satélite em órbita para suas necessidades de
comunicação, que ela nomeou de Gideon por causa do primeiro Cahill. Ajudava
bastante ter um zilhão de dólares. Amy não era o tipo de garota que comprava
suéteres e bolsas. Ela comprava satélites. Isto praticamente fazia dela a irmã mais
legal da galáxia, ele imaginava.
Agora Dan usava o computador do centro de comando para manter pelo
menos dois jogos de xadrez ao mesmo tempo com seu melhor amigo, Atticus
Rosenbloom, que vivia em Roma, com seu irmão, Jake. Dan sabia que algo não
estava bem entre sua irmã e o Jake agora, mas ele preferia comer um prato de
geleia de salamandra do que perguntar a ela sobre isso.
Quando ele entrou na sala, viu imediatamente que ele tinha perdido. Atticus
tinha deixado uma mensagem: PERDEDOR.
Perdi para um garoto de onze anos. Bem, pelo menos o Atticus era um
gênio. Ele já tinha se graduado no ensino médio e fora aceito por Harvard, Yale e
pela Universidade de Chicago. Dan escreveu de volta: NÃO POR MUITO
TEMPO.
Ele viu sua irmã estremecer quando passou pela entrada. Ele sabia que este
quarto a lembrava de Evan.
Saladin se esfregou contra seus tornozelos e ele o pegou. Colocou o gato no
colo quando se sentava em frente ao computador principal. Ele começou a
verificar o mural dos Cahill.
— Nada fora do comum — anunciou. Ele deixou escapar um suspiro de
alívio. Pelo menos sua família estava segura.
Nellie se sentou no segundo computador, a testa franzida.
— Seu sistema de alerta pessoal está apitando que nem louco, no entanto.
Olha todos esses acessos.
Amy se inclinou sobre seu ombro.
— É um site de fofoca — ela disse, em tom surpreso.
Nellie clicou no link, e uma imagem apareceu. Amy e Dan na frente da sede
da Interpol.
CAHILL MIMADOS ROUBAM OBRAS DE ARTE POR DIVERSÃO!,
gritava o título. Embaixo, em fonte menor, estava: Alegam que os roubos foram
“apenas pegadinhas”. Teriam pago por sua liberdade?
— O quê? — Amy exclamou.
— Nós nunca falamos que os roubos foram pegadinhas! — Dan protestou.
— E não subornamos ninguém! E a Interpol entendeu totalmente que a gente
roubou aquelas coisas para resgatar os reféns!
— E eles concordaram em deixar a história em off. — Amy disse. — Então
como um site de fofoca conseguiu essa foto?
Nellie engoliu em seco.
— Eu tirei essa foto. Meu celular foi hackeado!
— Mas foi só essa manhã. — Amy apontou.
— Eu só notei essa manhã — Nellie corrigiu, sua voz sombria enquanto ela
clicava em mais links. — Pode ter acontecido semanas ou meses atrás. Eu quase
não uso a câmera.
Dan olhou para o rosto arrasado de sua irmã. Rapidamente ele tirou da
página.
— Não importa o que diz. É só lixo.
— Ele só estão tentando criar polêmica — Nellie falou. — Não há muita
coisa acontecendo com as celebridades de Hollywood, então escolheram um alvo
novo. O que não entendo é por que vocês dois. E por que o ataque de hoje.
— Você acha que eles estão conectados? — Amy perguntou.
— Os dois são ataques, não são? — Nellie disse, tirando o teclado de Dan.
Ela começou a clicar e descer a tela. — Um foi físico, e o outro em suas
reputações.
Nellie rapidamente compilou as histórias em uma planilha. Dan a viu
clicar e arrastar, em busca de um padrão.
— Vamos colocar esses sites e tabloides num site de busca e ver quais são
as empresas-mãe deles — Nellie disse. Em minutos, eles tiveram o resultado.
— Eles são todos de propriedade de um aglomerado de mídias. — Amy leu.
— Founders Media.
— Nunca ouvi falar — Dan respondeu.
— É de um cara rico chamado J. Rutherford Pierce — Nellie disse. — Eu
não sabia que ele era proprietário de sua própria companhia de mídias.
— Você já ouviu falar dele? — Amy perguntou.
— Claro. — Nellie disse. — Quero dizer, não é minha praia – se você não
está em um programa de cozinha, eu não sei quem você é, basicamente – mas ele
é tipo um grande comentarista político. Ele tem seu próprio programa de TV e
rádio, e seu Twitter tem mais de um milhão de seguidores. Nunca ouviu falar dos
“Piercers”?
Ao ver os rostos completamente confusos de Amy e Dan, ela voltou ao
teclado novamente.
— É como ele chama seus seguidores. “Piercers”. Seu programa se
chama Intelecto Perfurante. Eles tem essa veneração pelos Fundadores e blá blá
blá. Olha, não me entenda mal, os Fundadores eram caras legais, mas se você
pensar sobre isso, o que eles saberiam sobre, você sabe, as mudanças do clima, as
dívidas europeias...
— Nellie? — Dan deu um giro em sua cadeira. — Está perdendo a gente.
— Aqui, a biografia do Pierce.
Amy a olhou rapidamente.
— Nascido no Maine, foi a quarta geração a entrar em Harvard... mas
olha, seu currículo de negócios não é tão bom se você ler nas entrelinhas. Três
companhias no qual ele trabalhou faliram. E então ele concorreu para o senador
do estado e perdeu...
— Dois filhos, Galt e Cara, e olha, eles tem as nossas idades, treze e
dezesseis. E uma esposa, Debi Ann — Dan leu. Ele estudou a foto dela. —
Cabelo estilo capacete.
— Ele comprou um jornal e foi assim que ele conseguiu sua fortuna. —
Nellie continuou. — Olha, é só relatório parlamentar padrão. Não nos dá a coisa
verdadeira. Nós vamos ter que cavar fundo para isso.
— Olha as datas. — Dan disse. — Ele comprou esse jornal há dez anos.
Mas, de repente, nos últimos seis meses ele vem adquirindo coisas como revistas
e emissoras de TV e sites...
— Você está certo, Dan. — Nellie notou. — Ele construiu um império da
mídia em menos de um ano. Como se faz isso? Ele deve ser um megagênio.
— Um megagênio que não terminou Harvard — Dan observou. — Ele
terminou na Faculdade Comunitária Politécnica de Springfield. Onde seu pai
construiu o novo centro aquático moderno.
— Isso é um monte de informações — Nellie disse. — Mas não diz muita
coisa. E definitivamente não diz porque ele está atrás de vocês.
Dan girou na cadeira três vezes. Então parou, colocando uma mão na mesa.
— Nós não vamos descobrir só ficando sentados aqui — ele disse. — Nós
devíamos apenas perguntar para o cara.
— Você não simplesmente parte para cima de um cara assim — Amy
respondeu. — Você tem que passar por uns sete assistentes e por um monte de
recepcionistas, e então ele diz não.
— Então nós o emboscamos — Dan disse.
Amy assentiu.
— Nós vamos ter que seguir sua rotina... escolher um local provável... É
factível, mas precisaremos de alguma vigilância.
— Eu amo quando você começa a falar como uma espiã mirim — Dan
disse. — Ou, nós podemos simplesmente aparecer aqui.
Ele estendeu a mão por sobre o ombro de Nellie para ampliar uma das
janelas no computador.
***
***
Dan tinha mandado uma mensagem para Sammy do carro para perguntar se
ele estava trabalhando até tarde e se Dan poderia levar uma pizza. O texto
retornando foi de apenas uma palavra:
pepperoni.
***
***
Quando eles voltaram à sala de recepção, Nellie já tinha ido. A mulher de
vestido azul olhou para cima.
— Ela correu para fora — a recepcionista falou com um ar de satisfação. —
Acho que o seu carro está sendo rebocado.
Amy e Dan lançaram-se pela porta da frente. Nellie corria pela rua atrás de
um caminhão de reboque.
— Nellie! — Dan chamou.
Mas sua voz foi abafada quando um carro preto parou no meio-fio. Dois
homens saíram. Um deles mostrou um crachá.
— Agentes federais. Vocês estão sendo detidos.
Capítulo 11
Eles não tiveram muito tempo para pensar. Nellie tinha dobrado a esquina,
correndo atrás do caminhão de reboque.
Se nós formos com ele, o Sr. Smood pode nos tirar em questão de horas,
Amy pensou. Se lutarmos, seremos presos.
Mesmo enquanto pensava sobre isso, os agentes os apressavam para o
banco de trás do carro preto. Amy deslizou para dar espaço para Dan.
Os dois agentes se sentaram na parte da frente do carro. Amy olhou para a
porta. Não havia maçanetas. O carro partiu.
— Qual é a acusação? — Amy perguntou.
Não houve resposta.
Ela se inclinou para frente.
— Posso ligar para o meu advogado?
Não houve resposta.
Ela pegou seu celular. Sem sinal.
— Deve haver um dispositivo bloqueador no carro — Dan sussurrou.
Para onde eles estão indo? Amy se perguntou. A maioria dos escritórios
federais ficava no centro. Mas para sua surpresa, eles dirigiram a oeste pelo
Central Park e depois viraram para o norte em direção ao Bronx.
Ela e o Dan trocaram olhares. Algo não parecia certo.
A Avenida Amsterdam estava tranquila. Já passava da uma da manhã agora.
Algumas pessoas estavam nas ruas, andando rapidamente, ombros curvados para
se proteger do frio. Um grupo de jovens saía de um bar, rindo alto. Um
comerciante saiu e endireitou as pilhas de papéis do lado de fora de sua loja.
Parecia tão estranho ver as pessoas fazendo ações tão comuns enquanto eles
iam... onde? Amy tateou a porta com os dedos, em busca de uma trava ou de uma
maneira de abrir a janela. Não havia nada.
O carro serpenteou por ruas desconhecidas, fazendo várias voltas. Ele
cruzou ao lado de um parque cheio de mato. Amy vislumbrou uma torre à
distância. A área era deserta. O sangue de Amy gelou. Parecia incrível que eles
ainda estivessem em Manhattan, e não havia uma alma-viva ao redor.
— Sugiro que, assim que eles abrirem a porta, nós corremos — Dan
murmurou.
O carro diminuiu a velocidade e parou. O coração de Amy agora martelava
tão forte contra suas costelas que doía. Ela agarrou o assento do carro, pronta
para saltar. Os dois agentes na frente saíram.
Ambas as portas se abriram simultaneamente. Eles não tiveram chance de
correr. Foram agarrados bruscamente e tirados do carro. Os braços de Amy
estavam presos ao lado de seu corpo e seus pulsos mantidos juntos atrás das
costas.
Eles foram forçados a andar sobre uma passarela ampla para pedestres
coberta por arbustos. Passaram por uma praça de chão de tijolinhos e ela viu uma
ponte em arco imponente a sua direita. Era alta e graciosa, metade aço, metade
pedra. Havia faróis de carro sobre eles. Eles atravessavam o rio e a rodovia.
Ela foi escoltada através do parque. O aperto em seus pulsos era tão forte
que ela quase podia sentir os ossos finos se partirem. Ela conseguia ouvir a
respiração de Dan atrás dela.
Ainda não tinha visto os rostos de seus captores. Mas, quando passaram sob
um poste de luz, ela avistou o perfil do agente.
Era o homem sorridente do cemitério.
O medo a gelou. Embora ela não mexesse a cabeça, seus olhos percorriam
os arredores, à procura de uma possibilidade de fuga. O caminho estreito era
cercado por encostas íngremes emaranhadas com a moita. Ela aguçou os ouvidos,
mas tudo o que escutou foi um leve zumbido de tráfego ao longe.
Eles foram empurrados grosseiramente para uma escada íngreme. A torre se
erguia acima. Através da escuridão, ela só conseguia enxergar uma placa.
Amy sentiu o suor pingar em suas costas. De repente, ela estava ciente de
tudo – o frescor da brisa, a forma das folhas, o som pesado dos passos de seus
captores. Ela tentou pensar em uma maneira de fugir, mas o aperto em seu pulso
era impiedoso e ela não podia deixar Dan. Ele estava sendo puxado para frente
tão rápido que seus pés arrastavam no chão. Sua garganta se fechou. O homem
que a segurava a empurrou com força para a frente.
O caminho fazia uma curva, e ela viu a ponte como uma aparição estranha.
Metade aço, metade pedra, ela se erguia a centenas de metros acima do rio
Harlem e das rodovias próximas a ele. Ela sabia que era para lá que se dirigiam.
Duas enormes portas de metal negras guardavam a ponte. Elas eram uma
mistura de pichações e cadeados, uma corrente grossa enrolada como trinco. Em
uma placa lia-se ENTRADA PROIBIDA. Ela sentiu um alívio momentâneo, mas
terminou quando o capanga usou a outra mão para tirar a corrente da porta. Ela
não teve tempo de registrar o choque porque foi empurrada através e pela ponte.
Ela ouviu as portas serem trancadas atrás dela. Empurrando e puxando, os
homens os forçaram a seguir em frente.
Em outras circunstâncias, ela teria notado que a vista era de tirar o fôlego.
As luzes de Manhattan brilhavam na escuridão da noite. As estradas eram fitas de
luz.
— Vocês podem fazer uma escolha — a voz era baixa em sua orelha.
Apesar de todo o esforço, ele não ofegava. — Podem pular no rio ou na rodovia.
O rio parecerá concreto de qualquer modo.
O outro bufou uma risada. Ele era baixo e musculoso, com um corte loiro
raspado.
— Vê como somos é bonzinhos? Estamos deixando vocês escolherem.
Ela viu o queixo de Dan tremendo. Em seguida, ele cerrou os dentes.
— Um par de anjinhos — ele forçou.
Amy queria tanto chegar até ele, pegar sua mão.
— Sim, espertinho — o homem mais baixo segurando Dan falou. — E
vocês são um par de aventureiros, fazendo baderna na ponte. Eu até consigo ver a
manchete.
— Escolha, ou escolheremos por vocês — o homem segurando os pulsos de
Amy sorriu ironicamente.
Amy viu o reluzir de dentes brancos e perfeitos. Ela o viu de perto, a textura
de seus poros, a forma de suas sobrancelhas, seus ouvidos. Ele era alguém que
ela não olharia duas vezes na rua. Alguém na fila para o café, ou esperando por
um ônibus, ou levando o seu cão para um passeio. Que tipo de pessoa, ela
pensou, atiraria duas crianças de uma ponte como se tudo fosse apenas mais um
dia de trabalho?
Eles os arrastaram até o corrimão. O rio era um canal oleoso escuro. A faixa
de luzes de carros na estrada, as luzes dos prédios baixos, o som fraco de uma
buzina de carro – Amy ouviu tudo com a mesma clareza estranha. Seus dentes
batiam. Ela olhou para o céu luminoso.
— Rio — ela falou.
Eles soltaram seus pulsos. Ela agarrou a mão de Dan com firmeza. Sentiu a
textura de sua pele, seus dedos leves. A sensação deles fez lágrimas arderem em
seus olhos. Seu irmão mais novo. Ela não podia salvá-lo, não podia protegê-lo...
Ela havia passado meses e meses correndo, treinando, levantando pesos e
estudando artes marciais. E ali estavam eles, naquela ponte alta, sem ter para
onde correr. Eles não pulariam sem lutar, mas ela sabia que eles perderiam. Eles
seriam jogados se não pulassem. Ela preferia ser jogada. Ela preferia morrer
lutando.
A grade só chegava na altura da cintura. Ela sentiu a mão de Dan, apertado
a dela. Sabia que ele estava esperando que ela desse o sinal.
— Vamos, pirralhos, eu não tenho o dia todo. Escalem a grade.
A grade de metal estava molhada e fria. Amy curvou seus dedos em torno
dela. Ela colocou a mão por cima da de Dan. Aguçando os ouvidos, pensou ter
escutado o som de um carro. Mas vinha da direção da passarela de pedestres.
— Vão logo! — o homem trás dela rosnou.
Ele colocou as mãos na cintura dela e a ergueu bruscamente por cima da
grade. Amy sentiu o seu equilíbrio oscilar, enquanto se pendurava na grade.
Pânico se espalhou por ela quando começou a tombar para frente.
— Amy! — Dan gritou.
O homem tentou arrancar as mãos dela do corrimão. Ela não tinha tempo de
se virar e lutar, e estava sem equilíbrio. Amy não conseguia respirar enquanto ele
a apertava pela cintura e ela chutava, tentando empurrar a grade de metal e tirar o
equilíbrio dele. Era como tentar desequilibrar uma montanha.
O barulho do motor de carro se transformou de distante para perto, e de
repente faróis varreram a ponte. Um caminhão corria na direção deles. Um
caminhão de reboque com um jipe amarelo sendo puxado loucamente atrás dele.
Ela mal tinha registrado sua surpresa quando foi subitamente arremessada
da passarela. Amy gritava enquanto o rio se aproximava rapidamente dela. Ela
ouviu Dan gritando, o guincho de freios...
E alguém tinha agarrado seu tornozelo. O rosto de Dan, olhando para ela, a
boca aberta, os olhos arregalados com terror. Ele estava com as duas mãos
envoltas em seu tornozelo, enquanto o capanga atrás dele tinha o braço em volta
do pescoço de Dan. O rosto de Dan estava roxo.
Gritando, Amy balançava no ar.
O rio negro tão abaixo. Reflexos vermelhos em sua superfície. Sua própria
pulsação em seus ouvidos, rugindo...
O aperto de Dan se afrouxou. Ele estava perdendo ar, ele estava a perdendo,
ela estava perdendo, eles estavam perdendo...
O arco de aço da ponte, se ela apenas pudesse... de alguma forma... agarrar
aquela viga que dava sustentação à grade... O aperto de Dan se afrouxou de novo,
e ela gritou quando o rio se aproximou, mas o impulso só a fez balançar um
pouco.
Mais... uma... chance...
Ela tinha feito várias aulas de trapézio – um presente de aniversário de
Fiske – e sua memória muscular disse a ela o que fazer: usar o balanço, estender
os braços, dedos esticados, prontos para agarrar...
O barulho estridente de metal assaltou seus ouvidos, bloqueando o som de
sua respiração dificultosa e rápida, e o leve ruído de tráfego. Seus dedos
atingiram o cano assim que o Dan a soltou e ela foi capaz de segurar firme. O
peso de seu corpo caindo quase a fez soltar o cano, mas ela se segurou. Ela agora
pendia acima do rio, segurando-se com uma mão só. Seu braço parecia estar
sendo arrancado do ombro.
Terror brilhou através de seus dedos. Ela ergueu seu outro braço e pegou o
tubo de alumínio. Não desperdiçaria sua energia gritando. Ela mordeu o lábio e
ergueu o corpo para cima, os músculos do braço tremendo com o esforço.
Ela deitou-se de barriga para baixo sobre a viga em seu estômago e foi
capaz de tomar o fôlego uma vez antes de deslizar, centímetro por maldito
centímetro, mais perto da ponte. As mãos dela bateram contra a borda e ela se
permitiu um soluço de alívio quando se levantou para o topo da grade.
Enquanto se erguia, ela viu o Jeep preso no reboque atropelar os dois
homens. Eles saíram voando. Mesmo dali, ela ouviu o estalo do crânio contra o
pavimento.
As mãos de Dan estavam sob suas axilas, puxando-a para cima, e isso foi
uma coisa boa, porque agora as suas pernas não estavam funcionando. O corpo
de Dan estremeceu com soluços. Juntos, eles se deixaram cair na passarela. As
lágrimas dele misturadas com o suor de seu rosto.
— Eu soltei você! Eu achei que você tinha caído!
— Não... Eu não caí. Eu não caí — Amy sentiu gosto de sangue em sua
boca e percebeu que tinha rompido a pele em seu lábio.
Sobre o ombro de Dan, ela viu o caminhão de reboque estacionar em um
ângulo estranho. Um dos capangas lutava para se levantar, balançando a cabeça
para clareá-la. A cabeça de Nellie apareceu.
— ENTREM! — ela gritou.
Dan ajudou Amy ficar de pé, e eles correram. Nellie abriu a porta e eles
pularam dentro da cabine do caminhão. Ela acelerou.
— O que tem no fim dessa passarela? — ela gritou.
— Eu não sei! — Amy gritou. — Mas provavelmente os mesmos portões
de metal do outro lado. Eles têm uma corrente e um cadeado!
— Não, hoje eles não têm. Esse bebê foi feito como um tanque. Apertem o
cinto e se segurem!
Eles aceleravam pela passarela, a agulha do velocímetro subindo cada vez
mais. As duas portas de metal negro apareciam à frente. Amy sabia que elas
estavam trancadas firmemente, e que eram fechadas do outro lado com uma
corrente grossa de metal.
— Segurem firme!
O caminhão acertou o portão com um estrondo e Nellie continuou com o pé
no pedal. O solavanco os fez voar, esticando seus cintos de segurança ao
máximo.
O caminhão não foi suficiente. O metal amassou e só abriu o portão por
apenas centímetros. Eles estavam encravados no meio, presos entre eles. A
corrente manteve as portas juntas.
Nellie olhou para frente.
— Bem. Isso quase funcionou. — Ela olhou para trás. — E nós estamos
prestes a ter companhia.
Amy se virou e olhou para trás. Os dois homens corriam pela passarela na
direção a eles.
— Saiam pela janela e subam pelo capô. — Nellie ordenou. Nellie se
contorceu para fora de sua janela aberta, espremeu-se pela abertura entre o
caminhão e as portas de metal, e gritou: — Amanhã eu começo uma dieta! —
enquanto descia do capô. Amy e Dan a seguiram.
Eles escorregaram pelo capô e pularam, seguros na calçada e encarando o
parque escuro e montanhoso. Com um olhar rápido para trás, viram os homens
saltarem para a parte de trás do caminhão de reboque e escalarem por cima.
— Corram — Nellie ordenou um tanto desnecessariamente.
O caminho se virava para uma subida íngreme. Eles correram por um
conjunto de escadas de pedra. Sem fôlego, pararam no topo, e viram abaixo os
dois homens ainda correndo atrás deles, suas pernas tão poderosas e regulares
quanto pistões em um motor. Os três começaram a correr novamente, cruzando
trilhas. Se continuassem a subir, esperavam eventualmente chegar a uma estrada.
Amy sentiu sua respiração quente e áspera em seu peito. Seus pulmões estavam
desistindo. A luta para voltar à ponte tinha tirado a maior parte de sua força.
Finalmente, eles acabaram em uma rua escura e vazia. Amy quase chorou
de decepção. Não havia ninguém por perto. As lojas estavam fechadas, os
portões de metal trancados.
Um carro passou o sinal vermelho e dobrou na rua. Um dos homens saltou
pelo o muro de pedra. Nellie correu para o meio da rua enquanto o carro se
aproximava na direção dela. Ela não se moveu. Fechou os olhos.
Com um guincho dos freios, ele parou a poucos centímetros dela. Uma
cabeça saiu pela janela. Amy não podia ouvir o que ele dizia, mas captou o senso
geral de indignação, alarme e irritação. Ela e Dan correram em direção ao carro
enquanto Nellie deslizava sobre o capô e cruzava os braços.
— Você tá maluca, mulher? — O homem afroamericano de cabelos
brancos berrava irritado. — Estou indo para o meu trabalho! Não me deem
problemas agora!
— Eu só preciso de uma carona — Nellie disse. — Eu e meus amigos.
— Eu tenho cara de ônibus?
Os dois homens estavam na calçada agora, observando. Amy sabia que não
levaria muito tempo até eles tomarem uma decisão. Com a mesma neutralidade
assustadora, eles poderiam matar o homem do carro, também.
Ela correu, já pegando o dinheiro em seu cinto. Deu ao homem uma nota de
cem dólares.
— Aqui está seu bilhete.
Ele olhou para o dinheiro.
— Acho que comecei uma empresa. Serviço de Carros do Ernie. Entrem.
Eles saltaram no banco de trás e Ernie partiu. Levou um minuto inteiro para
os corações deles desacelerarem.
— Belo resgate. — Dan comentou. — Como você conseguiu o caminhão?
— Eles não deviam ter parado para tomar café — Nellie respondeu, e
piscou.
Capítulo 12
Ernie estava indo para seu trabalho em uma padaria no centro, e
gentilmente os deixou no Upper West Side.
Nellie havia contatado Fiske no carro e, para seu grande alívio, um carro
preto de último modelo s esperava na esquina da Broadway e a 110. Ficaram lá
por um minuto, tremendo no repentino vento frio. A chuva começou a tamborilar
pelas ruas.
— Tá legal, pirralhos — disse Nellie. — Depois dessa noite, acho que
vocês estarão mais seguros na Irlanda.
— Tem mais uma coisa — Amy falou. — Os capangas; vocês acham que
havia algo de insano no quão fortes eles eram?
— O que você quer dizer com isso? — Nellie perguntou.
— Um deles partiu a corrente do portão com uma mão — Amy lembrou. —
E o jeito como eles correram... eles nos alcançaram muito rápido.
— Eles nem sequer suaram — Dan concordou. — E você tinha acabado
atropelá-los com o carro.
— Vocês acham... — Nellie não terminou a sentença.
— Eu não sei. — Amy respondeu. — Poderia Pierce ter usado os
experimentos de Sammy para dar um reforço a eles?
— Acho que ele é capaz de tudo — Nellie apontou. — Nós vimos isso esta
noite.
— Isso significa que estamos lutando contra com um monte de caras
impulsionados pelo soro? — Dan perguntou.
Nellie sentiu a desesperança de repente engolfá-los, tão implacável quanto a
chuva varrendo Broadway.
— Nós os venceremos — Amy falou. — Nós os venceremos porque
precisamos.
Nellie sorriu. Amy resumiu tudo. Simples e claramente.
Nellie queria chorar. Queria dizer como estava orgulhosa deles. Em vez
disso, tinha que deixá-los partir sozinhos.
— O carro irá levá-los ao Aeroporto de Teterboro de Nova Jersey. — falou
a eles. — Há um jato particular lá reservado para os Swift. Quando pousarem em
Dublin, alguém os encontrará lá. — Ela os abraçou. — Boa sorte, pirralhos.
Lembrem-se – contato mínimo daqui para frente, mas sempre me deixem saber
aonde estão. Mantenham-se discretos. Assim que o Pony conseguir colocar o
sistema para funcionar, nós pensaremos em alguma coisa. Nós os venceremos.
— Porque precisamos — os três completaram.
***
Nellie correu pela deserta Broadway contra a luz. Ela não queria que Amy e
Dan soubessem para onde ela ia, porque senão teriam insistido em ir também.
Esta noite ela tinha percebido duramente que Pierce não pararia por nada para
chegar a qualquer pessoa com acesso ao soro. Ele estava disposto a jogar duas
crianças de uma ponte – as duas crianças dela.
Eles sobreviveram, mas o terror que haviam sentido esta noite os
assombraria. Nellie tocou seu ombro. A cicatriz do ferimento à bala ainda estava
vermelha. Ela tinha sido uma refém. Ela sabia sobre pesadelos.
Havia mais um alvo. Um que ela percebeu enquanto no carro de Ernie. A
única outra pessoa que sabia da fórmula do soro.
Eles nunca deveriam ter deixado o Sammy sozinho.
Sammy tinha mencionado que ficaria lá a noite toda. Com alguma sorte, ele
ainda estaria lá, são e salvo e todo nerd e adorável em seu laboratório. Nellie
tentou mandar uma mensagem para ele e correr na direção do prédio de química
ao mesmo tempo.
Eles chegaram em Dublin sob uma chuva forte. Tudo o que viram foi uma
cortina cinza. Passaram pela alfândega rapidamente e entraram na sala de estar.
Um jovem com um gorro de lã escuro puxado abaixo de suas sobrancelhas se
levantou.
— Sarah e Jack Swift? — ele perguntou em um sotaque irlandês forte. Ao
acenar de cabeça de Amy, ele acrescentou: — Acho que vocês pousaram, afinal.
Amy e Dan olharam para ele, confusos. O voo havia sido adiantado.
— O pássaro — ele explicou. — Swifts, Andorinhões, em inglês. A lenda é
que eles passam a vida toda no ar e nunca pousam. Ah, não importa. Bem-vindos
à Irlanda. Eu sou Declan. Sigam-me.
Eles o seguiram até o estacionamento, onde uma caminhonete maltratada os
esperava.
— Está chovendo bastante — Dan comentou.
— Chamamos isso de garoa por aqui — Declan subiu atrás do volante. —
Vocês podem se sentar na parte de trás, há um cobertor aí – aquecimento não é o
melhor nessa lata-velha. É uma longa viagem. Há sanduíches e uma garrafa
térmica de chá na cesta para o seu jantar. Nós não faremos paradas.
— Tudo bem — Amy concordou. — Qual é o nome da cidade?
— Meenalappa. Não se animem, não há muita coisa lá.
— Quanto tempo demora a viagem?
— O tempo que precisar, eu diria.
Declan ligou o motor e dirigiu. Logo eles estavam em uma rodovia, e Amy
e Dan perderam a noção de onde estavam indo ou por quê enquanto a monotonia
entorpecente de uma viagem rodoviária na chuva os dominava.
Amy tinha caído num sono exausto no avião, e agora estava bem acordada.
Ela queria poder cair naquele esquecimento sombrio novamente. Porque, pela
primeira vez desde que pairou sobre um túmulo aberto apenas 24 horas antes, ela
teve tempo para pensar sobre a última vez em que viu Jake.
Ela e Dan e Fiske tinham voado para Roma para o Ano Novo. De alguma
forma, longe de Attleboro, longe de todas aquelas lembranças de Evan e do que
ela havia perdido, Amy sentiu-se voltar à vida novamente. Ela ainda se lembrava
do jantar da véspera de Ano Novo que Jake preparara para todos eles. Atticus
havia colocado pequenos pisca-pisca em todo o apartamento escuro e sombrio até
que este brilhasse com alegria. Ela lembrou-se de repente da neve que
surpreendentemente havia começado a cair enquanto eles comiam a sobremesa, e
como Jake segurara a mão dela e dissera:
— Vamos caminhar.
Aquela caminhada à meia-noite através da neve havia lhe dado um
vislumbre de uma nova vida, uma nova forma de ser. Uma Amy que não era
torturada por memórias e esmagada pela culpa.
Ela olhou para a chuva fria e cinzenta, perguntando-se como uma memória
que uma vez lhe dera esperança poderia ferir tanto seu coração.
Ela tinha mandara uma mensagem para Jake enquanto esperava na pista em
Nova Jersey.
***
Quando Amy acordou, o céu estava azul do lado de fora de sua janela. Ela
espiou no quarto de Dan, mas a cama estava vazia. Olhou pela janela dos fundos.
Um gramado inclinado atrás da casa levava a uma cais com uma lancha presa a
uma estaca. A entrada serpenteava em direção à baía azul enevoada.
Dan estava no gramado, de costas para ela. Vestia roupas casuais, mas tinha
os pés descalços, o vento bagunçando seus cabelos.
Ela começou a se virar, mas parou. Havia algo tão... solitário e triste com
aquela cena. Algo sobre sua postura, a maneira como as mãos pendiam ao lado,
dizia-lhe que ele estava sofrendo.
Ela enfiou os pés dentro de seu tênis, desceu as escadas e abriu a porta da
cozinha. O cheiro do gramado fresco e do mar salgado atingiu suas narinas
enquanto ela subia a inclinação para ficar ao lado de Dan.
— Você notou que a casa está em uma cavidade? — Dan perguntou sem se
virar para ela. — É invisível da estrada. Temos três pontos de saída – a estrada, o
mar e o campo. Esta é a casa segura de Grace.
— Eu não tinha pensado dessa maneira. — E doeu ver que seu irmão mais
novo tinha pensado assim. Ele devia estar jogando beisebol, não descobrindo
rotas de fuga.
Dan encarava a enseada duramente. Seu queixo tremia.
— Eu soltei — ele falou. — Na ponte. Eu a segurava, e eu soltei.
— Você me salvou — Amy corrigiu calmamente. — Você me pegou
enquanto eu caía. E segurou enquanto um capanga o estrangulava.
— Amy... — Dan se virou para ela. Seu rosto estava angustiado. — Eu
senti você escorregando. Eu tinha você, mas não consegui segurar. Eu não
consegui segurar! Pensei que você tivesse morrido!
— Você me pegou! — Amy gritou. — Você salvou minha vida! E eu estou
aqui, Dan. Estou aqui por sua causa.
— Eu sou a razão por nós termos que fugir — ele devolveu. — Fui tão
idiota! Eu arrastei a gente para essa bagunça. Eu sou a razão de Pierce ter o soro.
Agora ele está tentando nos matar, e o FBI deve estar procurando a gente,
também. Eu baguncei tudo, de verdade. Eu nunca faço nada certo.
— Você faz o certo o tempo todo. Talvez não o tempo todo. Mas ninguém
faz. Especialmente não eu.
— Eu seguirei em frente quanto a isso — Dan disse. — Eu preciso; fui eu
que comecei. Nós vamos parar o J. Rutherford Pierce juntos. Mas depois disso,
estou fora.
— O que você quer dizer com isso? — Amy perguntou, assustada.
Dan respirou fundo.
— Não quero que pense que esta é uma das minha decisões impulsivas.
Porque não é. Eu não quero mais ser um Cahill.
— Você não pode apenas... cair fora!
— O Fiske saiu. Ele foi embora. Ele renunciou a família. Ele desapareceu,
viajou o mundo inteiro...
— O Fiske era adulto quando fez isso! Você só tem treze anos! — Amy
balançou a cabeça. — Olha, Dan. Nós dois quisemos desistir várias vezes – nós
já chegamos ao fundo do poço. E nós sempre descobrimos um jeito de continuar.
A boca de Dan estava torcida com o esforço para não chorar.
— Isso é diferente!
— É sempre diferente — Amy respondeu suavemente. — Mas então nós...
— NÃO! — Dan gritou, e a boca de Amy se fechou. — Não. — disse ele,
em voz mais baixa, e esse tom a assustava mais do que a explosão anterior. — Eu
não tinha percebido ainda. Mas já passei pelo suficiente. Eu fiz o suficiente para
saber disso: Eu não quero ser mais um Cahill. Não quero mais viver em
Attleboro. Eu não quero nada disso.
Amy sentiu essas palavras como uma facada no coração.
— Você quer... me deixar?
— Claro que não! — Dan bateu a mão na perna em frustração. —Eu
só... não consigo... viver assim. Talvez eu possa viver com a Nellie em algum
lugar... por um tempo. Talvez o Fiske vá embora de novo e eu vá com ele. Não
para sempre. Você pode ficar treinando, pode manter a rede Cahill funcionando,
e se manter alerta para o próximo vilão que aparecer. Por que
sempre haverá mais um. Mas eu não quero. Eu... não consigo! — As palavras
foram arrancadas de sua garganta. Ela viu os ombros dele tremerem. Ele segurou
a cabeça com as duas mãos. — Você não sabe como é — ele sussurrou. — Como
é ter o soro em sua cabeça.
Amy abriu a boca, mas não saiu nada. É claro que ela não sabia. Não era
possível ela saber. O que ela deveria fazer? Gritar com Dan? Argumentar com
ele? Dizer-lhe que ele a estava abandonando? Quando, obviamente, esta era
decisão mais difícil que ele já tinha tomado?
Não era isso o que ela queria para ele? Segurança? Um pouco de
normalidade? Não importasse o quanto custasse. Não importasse o quanto isso a
machucasse.
— Tudo bem — ela disse. — Nós faremos dar certo. Eu não o impedirei.
— Você ainda será minha irmã. Isso não vai mudar.
— Eu sei.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo o farfalhar da grama. Amy
se sentiu virada do avesso pela dor de Dan. Seu irmão parecia tão jovem naquele
momento, esticado na grama com os pés descalços, o cabelo bagunçado. Mas
seus olhos pareciam mais velhos. Mais velho do que os olhos de um garoto de
treze anos devia parecer.
Se ele tivesse que deixá-la para ter uma vida normal, a coisa certa, a coisa
corajosa, seria deixá-lo ir. Mas ela poderia fazer isso?
Nuvens cobriram o sol, e a enseada era agora era como ferro cinzento
fundido com manchas brancas. Amy estremeceu.
Se ela deixasse que Dan fosse, ela estaria sozinha.
***
Depois de um café da manhã apressado, eles tiraram as bicicletas da
garagem e se dirigiram para a estrada.
— Esquerda, ou direita? — Amy perguntou.
— Acho que lembro de ter visto os faróis virarem à direita na noite passada.
— E é morro abaixo — Amy disse. — Vamos tentar.
Eles pedalaram por alguns minutos em silêncio. Logo viram outro ciclista
vindo na direção deles.
— Com licença, senhor? Qual é o caminho para a vila? — Amy perguntou.
— Não muito longe — ele deu a resposta curta, e rapidamente pedalou para
longe.
Eles continuaram a pedalar. Depois de um tempo, viram uma mulher sair de
uma casa de campo à beira da estrada e parar para regar um vaso cheio de flores
vermelhas brilhantes.
— Com licença, este é o caminho para a vila? — Dan perguntou.
— Claro, se você continuar, vai parar em um lugar ou outro — a mulher
respondeu, e se virou de volta para casa rapidamente.
— Pessoal super McAmigável aqui na terra dos leprechaun — Dan
observou.
Mas, depois de cerca de dez minutos de bicicleta, a estrada fez algumas
curvas e a vila apareceu, um aglomerado de casas e lojas. Eles pularam de suas
bicicletas e as apoiaram contra a lateral de uma mercearia com uma porta azul
brilhante.
O sino tocou quando eles entraram. Uma jovem mulher estava sentada atrás
do balcão, lendo um livro. Ela não olhou para cima.
Pegando uma cesta de vime, eles a encherem com comida. Colocaram a
cesta em cima do balcão.
— É uma vila bonita. — Amy comentou. — Você vive aqui há muito
tempo?
— Tempo o suficiente — ela passou as compras deles.
— Existe um bom lugar para almoçar nas proximidades? — Dan perguntou.
— O povo diz que o Sean Garvey é bom, mas se vocês pensarão o mesmo
não é algo que eu posso prever — a garota disse.
— Podemos deixar nossas compras aqui por um momento? — Amy
perguntou.
— Acho que podem.
— Bom te conhecer, também — Dan disse.
Eles saíram. Do outro lado da rua, eles viram uma placa para o Sean Garvey
e abriram a porta. O bar estava lotado com os moradores locais, e todos eles
ficaram em silêncio quando Amy e Dan entraram. Um garçonete bonita de cabelo
e olhos castanhos avermelhados levou-os a uma mesa perto da janela e colocou
dois cardápios na frente deles.
— Estou começando a ter a sensação de que não me querem aqui. — Dan
disse.
— Acho que eles não estão acostumados com estranhos — Amy apontou.
Dan estudou o cardápio.
— Acho que vou pular as vitaminas batidas e as batatas amassadas. Sinto
como se eu já tivesse sido batido e amassado o suficiente.
Eles pediram sanduíches e observaram os moradores. Dan continuava a ter
uma sensação estranha, como se estivesse em um lugar familiar. Ele nunca
estivera nesta parte da Irlanda, ou nesta vila, mas algo sobre ela lhe era familiar.
A garçonete franziu a testa enquanto dobrava os guardanapos, e Dan sentiu
um choque.
Ela parece com a Amy.
O que era? A forma como a boca havia abaixado? A forma do seu rosto?
Ele olhou para Amy enquanto ela mordia o seu sanduíche. Agora ela não
parecia nada com a garçonete, de verdade. Ele devia estar louco.
Depois do almoço, eles compraram mochilas e peças de roupas em uma
pequena loja. Em seguida, caminharam através do cemitério nas proximidades.
Pelo menos eles não tinham que se preocupar com as pessoas olhando para eles.
Dan fez uma pausa para descansar, inclinando-se contra uma rocha maciça
riscada de musgo.
— Dan, o que você está fazendo? Pode ser uma lápide.
— Não é uma lápide, é só uma rocha. — Dan se afastou e passou as mãos
ao longo da pedra. — Vê? Não tem gravuras.
Assim que ele falou isso, seus dedos traçaram uma depressão na pedra. Ele
seguiu a linha para cima, desceu um pouco, para cima novamente, traçando uma
letra na pedra. Ele raspou no musgo com uma unha, limpando-a.
— Amy... olha isso.
Ela se inclinou.
— Eu não vejo nada.
Dan continuou a trabalhar na pedra, raspando o musgo. Em seguida, deu um
passo para trás e eles prenderam a respiração.
Era o M de Madrigal.
Capítulo 14
A menina estava na mesma posição na mercearia, ainda lendo um livro.
— Nós estávamos caminhando no adro da igreja — Amy comentou em um
tom casual. — E notamos uma rocha gigante lá.
— Um dos nossos pontos turísticos mais emocionantes aqui na vila — a
garota explicou. Ela virou uma página do livro.
— Há um M traçado na superfície da rocha — Dan disse. — E parece muito
antigo.
— É só uma rocha — a garota disse. — Duvido que haja algo traçado lá.
Dan sabia que a menina estava mentindo pela maneira como ela virou a
página de seu livro. Ela não podia ter lido a anterior tão rápido. Ele mostrou a
foto que tinha tirado em seu celular. Fotografara e e enviara para Nellie.
A menina deu uma olhada rápida.
— Não estou vendo nada. Deixe-me ajudar com suas compras. — Ela se
virou e inclinou para pegar o saco.
Dan deu uma cutucada forte em Amy. Tatuado na parte inferior das costas
da garota estava claramente um M de Madrigal.
Amy ergueu o saco.
— Se é só uma pedra — ela falou — por que o mesmo M está tatuado em
suas costas?
Pela primeira vez, eles viram emoção no rosto da menina quando sua pele
pálida ficou salpicada com rosa.
— É um símbolo da aldeia — ela respondeu, levantando o queixo e tirando
uma mecha de cabelo escuro de seus olhos. — Meenalappa.
— Então por que não explicou sobre a rocha?
— Devo ter conversas sobre rochas com cada turista eejit que vem em
minha loja? — ela perguntou desafiadoramente. — Agora voltem para o seu
ônibus de turismo e vão beijar minha Pedra Blarney.
— Nós não somos de um ônibus de turismo — Dan respondeu. — Estamos
hospedados em uma casa de campo aqui perto. Bhaile Anois.
A garota olhou para eles. Seu olhar se desviou de Dan para Amy e depois
para ele novamente. Em seguida, a tensão deixou o seu corpo, e ela sorriu.
— Esse Declan. Ele é grosso como uma prancha. É de se imaginar que o
seu próprio irmão lhe apresentaria quem ele levou para a casa na noite anterior.
Eu soube que havia um ônibus de turismo na aldeia aqui perto – eles têm uma
bela igreja lá, a trilha é turística. Às vezes o pessoal desce até aqui para almoçar
no pub. Desculpe a grosseria. Nós somos muito protetores com a nossa aldeia,
especialmente quando há pessoas que ficam no Bhaile Anois.
— Tudo bem — Dan disse. Era incrível como um sorriso mudava o rosto da
garota.
— Vocês são bem a cara dos Cahill — a garota comentou. — Eu devia ter
percebido.
— Nós somos os netos da Grace — Amy revelou.
— Dan e Amy, é claro. De qualquer modo, nós temos um ditado em minha
casa e na aldeia. Qualquer coisa pela Grace. Agora isso inclui vocês. Ah, onde
está minha educação? Eu sou Fiona Kilhane. Minha avó era zeladora da casa –
era uma boa amiga de Grace. Sinto muito por sua morte.
— Obrigada — Amy disse.
— Nos conte sobre a rocha — Dan pediu.
— É tão antiga quanto a própria aldeia. Ela vai além da memória, por volta
dos folclores, eu acho. Crianças de todas as gerações contam histórias sobre a
moradora que a rocha representa. Há centenas de anos, ela nasceu aqui. Partiu
por um longo tempo, voltou e teve uma filha, só para ir embora novamente. As
crianças a chamam de bruxa branca. Dizem que ela protegia a vila da praga, que
ela era uma selkie de Atlantis, que transformava palha e outro. Seu nome era...
— Olivia — Amy ofegou o nome.
— Exatamente — Fiona disse. — Grace deve ter te contado a lenda. Anos
depois, sua filha voltou para cá. Ela gravou um M na rocha.
— Madrigal — Dan disse.
— Ah sim, nós conhecemos esse nome. Nós a chamamos de rocha dos
Madrigal. É um símbolo da aldeia, eu acho, nosso Madrigal.
Dan sentiu a animação de Amy igualar a sua. Fiona estava falando sobre
sua antepassada, Olivia Cahill. Sua filha Madeleine havia sido a primeira
Madrigal.
Esta é a nossa aldeia ancestral, Dan pensou. Este é o lugar onde Olivia
Cahill nasceu.
***
CONTAS DA CASA
Entrega de lenha
Eletricidade
Coleta de lixo
Telefone
Conta na mercearia
Amy os folheou.
— Estas são cópias — ela falou. — Os mesmos itens estão lá embaixo, no
estúdio.
— Por que a Grace precisaria de cópias desses arquivos? — Dan se
perguntou.
— Porque eles são um disfarce — ela falou.
Amy começou a remover os arquivos, empilhando-os cuidadosamente sobre
a mesa. Em seguida, estendeu a mão para a gaveta. Com alguns puxões,
descobriu que havia um painel na parte inferior. Ela o levantou, em seguida,
retirou de lá uma caixa de metal.
— Isto era o que deveríamos achar.
Dan estudou a fechadura.
— Uma fechadura com a combinação do alfabeto. Então, nós precisamos de
uma palavra, não de números.
— Algo que só nós iriamos saber — Amy observou. Ela mordeu o lábio. —
Sempre que Grace deixa algo que espere que a gente ache, ela nos dá uma pista.
Tem que haver alguma pista por aqui.
Dan olhou em volta.
— Não tem muita coisa aqui para começar.
Eles examinaram os arquivos com cuidado, mas não acharam nada. Em
seguida, examinaram o cômodo, mas era tão vazio quanto ele parecia.
— Tem que haver algo — Amy falou.
O olhar de Amy pousou na pintura. O arbusto amarelo estava tão mal
pintado. Foi bondade da Grace pendurá-lo. Especialmente quando ela tinha feito
pinturas muito melhores que essa.
Algo que só nós iriamos saber...
Ela se voltou para caixa. Girou as letras.
G-E-O-R-G-E
A tampa se abriu.
Amy tirou um caderno, e embaixo disso, havia outra caixa, essa embrulhada
em um barbante. Dan pairou sobre seu ombro enquanto ela o desembrulhava. Ela
abriu a parte superior da caixa. Dentro estava uma brochura, pouco maior do que
um livro de bolso. Tinha capa de couro, e ela podia ver as páginas amarrotadas e
amareladas pela lateral.
— Parece antigo — ela murmurou.
— Cheira a antigo — Dan concordou.
Era verdade. Cheirava como papel velho, mofado e seco, mas também outra
coisa... algo medicinal. Amy o abriu com cuidado. Devia ter havido plantas ou
ervas prensadas nas páginas uma vez – ela podia ver os traços fantasmagóricos
que eles deixaram nas páginas amareladas. Havia belas representações à tinta de
plantas, folhas e flores. Virando cuidadosamente as páginas, viu uma receita para
um cataplasma contra a malária, o melhor método para tirar manchas de cortinas,
uma lista de preços ao lado de itens como parafusos de linho, barris de vinho,
chá...
— É um livro de contas doméstico — Amy falou. — Definitivamente
escrito por uma mulher. E um tipo de diário. Quero dizer, você pode descobrir
sua vida lendo o que ela fazia todos os dias. Parece que tem algumas partes em
latim... ou italiano? Ambos, eu acho.
— De quem era? — Dan perguntou. — E por que a Grace o escondeu?
Amy voltou para a parte interna da capa.
***
À noite, eles tiveram que desistir. O livro de Olivia era uma visão
fascinante sobre a vida na Irlanda no início do século XVI, mas eles não podiam
ver como o que ela escreveu poderia ajudá-los. E eles não conseguiam quebrar o
código.
— Tem muito latim e italiano — Dan observou, sonolento, de bruços no
chão. — E se eu tiver que ler mais uma receita de cataplasma, vou arrancar meus
próprios cabelos. — Ele se ergueu sobre os cotovelos. — Sabe quem a gente
deveria chamar? Atticus e Jake conhecem essas línguas mortas. Eles poderiam...
— Não — Amy o interrompeu.
Dan se sentou.
— Enquanto estamos aqui sentados, Pierce está ganhando força a cada dia
com o soro. Nós somos os únicos que podemos impedi-lo. Temos de usar tudo o
que pudermos, todos que pudermos. Você pode querer proteger todos — ele
continuou. — Eu entendo. Mas se o mundo todo se despedaçar, que bem vai
fazer?
Amy se levantou.
— Apenas vamos para a cama.
As palavras de Dan martelavam na cabeça de Amy enquanto ela enfiava o
livro debaixo do braço e o seguia pelas escadas de madeira desgastadas até os
seus quartos. Ela queria dizer-lhe que ele estava errado. Queria dizer, Você não
sabe como é estar no comando. Ela queria acusá-lo. É você quem quer fugir!
Você não tem mais o direito de votar! Mas ela estava cansada demais para brigar.
Ela vestiu o suéter que tinham comprado na cidade, escovou os dentes e
apagou a luz.
O sono não vinha. Ela se mexeu e remexeu por uma hora. Quando fechava
os olhos, sentia-se caindo, o rio oleoso e escuro se aproximando cada vez mais.
Ela sentia o aperto de Dan enfraquecendo. Em pânico, estendeu a mão para o
interruptor. Apoiou-se em seus travesseiros e pegou o livro de Olivia.
Enquanto lia, suas sobrancelhas franziam. Todos esses anos eles se
perguntaram sobre o fascinante Gideon Cahill, o homem que tinha tentado parar
uma praga e desenvolveu um soro poderoso. Quem saberia que sua mulher,
Olivia, era tão fascinante e brilhante quanto ele? O diário deixava claro que
Olivia era quem reunira os ingredientes do soro, Olivia que ajudara Gideon no
laboratório, Olivia que manteve a família unida. Amy leu as palavras de Olivia.
O poder que ele procurava pela cura se transformou em uma fera. Uma besta
com o poder de uma grande destruição. E por isso, ele deve ser destruído. Para
cada um existe o seu oposto. O oposto nega o outro.
Ela olhou novamente para o poema antes do final codificado do livro. Amy
o havia lido naquela noite tantas vezes, mas ainda não o tinha entendido. Ela o
leu novamente, o seu batimento cardíaco ressoando em seus ouvidos.
Quatro almas, quatro elementos. Era claro para Amy o que essa parte
queria dizer. Os quatros elementos eram as crianças: Luke, Thomas, Katherine,
Jane.
Quatros elementos: quatro partes do soro.
Dispersados: foram dadas às crianças cada parte do soro, e elas se
dispersaram, severamente divididos. Olivia não conseguira manter sua família
unida. O soro era poderoso demais. Assim como as gerações de Cahills, como
Olivia previra. Assassinatos, conspirações, mentiras, vinganças... estendendo-se
durante cinco séculos, colocando Cahill contra Cahill.
Miséria proferida, geração após geração.
No entanto, sob o meu Coração pulsante meu Segredo me trazia alegria e
esperança.
Esta era Madeleine, a criança que Olivia carregava quando fugiu da
destruição de sua casa.
Em seguida, as referências de juntar... o quê? Para fazer uma essência. Um
pouco de soro?
Não, Amy pensou. Olivia odeia o soro. Isso é óbvio.
Minha Alegria, minha Canção, o meu dever é seu.
Ela está dizendo para Madeline fazer algo...
Amy sentou-se na cama. Poderia ser? Fazia sentido. Fazia perfeito sentido.
— Sim! — ela exclamou. Era isso, essa era a resposta. Essa era a chave!
Ela atravessou o corredor até o quarto de Dan. Sacudiu-o.
Ele acordou.
— O que está acontecendo? Cadê as minhas calças?
— Dan, acorda! Fiquei lendo o livro de Olivia — Amy esperou até que o
torpor do sono deixasse os olhos de Dan. — Acho que sei no que Olivia estava
trabalhando. Ela estava criando o antídoto para o soro. Essa é a chave para
impedir o Pierce!
Capítulo 16
Attleboro, Massachusetts
A casa parecia tão grande sem Fiske, Amy e Dan. Nellie não estava
acostumada a tal silêncio. Ele parecia ecoar contra seus tímpanos. Quando
atravessou o piso de madeira polido, os passos soaram altos como os de um
gigante. Ela tirara as botas e agora andava por aí de meias.
Ansiedade a consumia. Ela correra para um enorme beco sem saída. Era
como se Sammy tivesse desaparecido no ar.
Nelly enfiou a mão no bolso e tirou o bilhete do pedágio de Nova Jersey.
Seja lá quem fosse o dono, tinha viajado o percurso inteiro. O pedágio terminava
na Delaware Memorial Bridge.
Ela reconheceu a batida de Pony – três toques rítmicos. Em seguida, as
batidas se transformaram em um esmurro. Ela correu para deixá-lo entrar, o
telefone ainda na mão. Pony entrou, deu uma olhada em seu laptop aberto e se
aproximou dele em dois passos.
— O que você está fazendo? — Nellie perguntou enquanto ele digitava
rapidamente.
— Pegando um rato — ele respondeu.
— Achei que você tivesse dito que o laptop estava seguro.
— Estava — Pony continuou digitando, suas mãos aparentemente
desajeitadas ágeis nas teclas. — Eu te peguei, ratinho — ele murmurou. — Siga
o queijo...
— Você está escrevendo para alguém?
— Código. Estou caçando-os enquanto eles me caçam.
— Mas você vai atraí-los para cá!
— Porcos! — Pony bateu as mãos na mesa, e depois voltou a digitar. —
Não você, deusa. Olha, não é com... aqui... que estou preocupado.
Eles sabem onde você está. É... Dan e Amy...
— Estão rastreando eles?
— Eles estão tentando. Você recebeu algo deles?
— Só uma foto...
Pony murmurou entre seus dentes.
— Estou reencaminhando... através de Johannesburg... para Pequim... E
então... venha ratinho, me siga...
Nellie cruzou os dedos, e então fechou os olhos.
— TE PEGUEI! — Pony fechou o laptop com força.
— Funcionou? — Nellie perguntou.
— Eles provavelmente estão procurando-os agora em Moçambique.
— Você conseguiu rastrear o computador deles?
Pony balançou a cabeça.
— Quase, mas não consegui localizá-los. Não estão nos EUA. Algum lugar
na Europa.
— Isso não reduz exatamente as coisas.
Ele coçou a orelha.
— Foi o melhor que pude fazer em trinta segundos. Mas não tenho cem por
cento de certeza que eles não tiveram uma localização geral de D e A antes de eu
conseguir desviá-los.
— É melhor eu dizer para o Dan e a Amy saírem de lá.
— Com esse celular, não — Pony estendeu a mão. — Você conectou o
celular ao laptop alguma hora?
— A foto veio por SMS, então eu a transferi para...
Ele jogou o telefone no chão e esmagou-o com seu sapato.
— Não!
— Pony, você está me assustando.
Ele olhou para ela, as mãos nos bolsos.
— Você deveria estar assustada. Nós todos deveríamos estar assustados.
Esta é uma situação completamente desastroficalítica. Nós fomos mastigados
pela imperatriz suprema.
— Pony, eu te imploro. Por favor fale inglês. É nossa língua comum.
Nellie enfiou as mãos sob as axilas. Ela odiava quando suas mãos
começavam a tremer. Pelo olhar no rosto de Pony, ela sabia que era ruim. O que
quer que Pony diria agora, ela sabia de uma coisa: era hora de passar por cima de
Amy. Eles precisavam de ajuda.
Ele suspirou enquanto examinava minuciosamente o telefone quebrado
através de seus dedos e o guardava no bolso.
— Eu descobri quem hackeou seu sistema. Quem
provavelmente ainda está tentando rastrear vocês.
— Quem? — Nellie perguntou, aturdida. Fosse que fosse, dava para ver que
assustava Pony.
Ele se inclinou e baixou a voz, como se a própria casa não fosse mais
segura. Talvez não fosse.
— Waldo — ele sussurrou.
Capítulo 17
Localização desconhecida
April May ganhou o seu primeiro celular quando tinha quatro anos. Claro
que era um antigo de sua mãe e ela não conseguia nem fazer ligações, mas era o
seu brinquedo favorito. Ela o desmontou, o que fez seus pais rirem. Mas quando,
aos dez anos, ela abriu a placa-mãe de seu pai, eles não levaram tão bem.
April sempre teve uma queda por segredos. Enquanto outras crianças
tinham melhores amigos imaginários, ela construía suas próprias identidades
múltiplas. Ela poderia ser qualquer pessoa que quisesse na Internet. Isso era
liberdade, algo que faltava em sua casa. Sua mãe queria saber tudo o que ela
estava pensando e seu pai queria saber tudo o que ela estava fazendo.
Não havia privacidade em sua casa. A única vez em que ela tentou manter
um diário, seu pai o havia lido, em seguida devolvendo-o com suas próprias
correções em caneta vermelha. Sua mãe fez cópias dele e as enviou para o
terapeuta para que ela pudesse discutir os problemas de April “no contexto de
minha própria personalidade.”
April logo aprendeu a fabricar uma fachada falsa, um lugar que seus pais
poderiam acessar, enquanto seu verdadeiro eu vagava livre em outro local: na sua
imaginação, no seus sonhos... e na Internet. Foi quando ela percebeu pela
primeira vez que lá as pessoas podiam ser o que quisessem. Elas poderiam visitar
sites, escrever e-mails, participar de comunidades que não tinham nada a ver com
seu verdadeiro eu.
Ela nunca se importou com brincadeiras no pátio da escola. Ela preferia se
esgueirar de volta para a sala de aula e invadir o celular de seu professor, em
seguida, ler todos os seus e-mails.
Segredos eram poder.
Seus pais logo aprenderam a alterar suas senhas com frequência. Não
ajudava muito. Ela ainda hackeava o e-mail de seu pai quando tinha doze anos.
Não gostou do que encontrou lá, mas usou isso a seu favor. A próxima coisa que
ela sabia, era que estava em um internato. Foi quando começou a hackear pra
valer.
Na escola, enquanto suas habilidades aumentavam, ela descobriu que havia
um mundo de sombras inteiro lá fora, cheio de pessoas como ela. As pessoas que
viam que firewalls digitais eram apenas um desafio a ser superado. April se
importava cada vez menos com estudos sociais e hóquei de campo ou música e
matemática, todas essas preocupações do ensino médio que, de repente, pareciam
idiotas se comparado com este emocionante mundo secreto. Por que se preocupar
em estudar para um teste de matemática quando se podia dizer a seu professor
que você sabia sobre as suas viagens secretas de fim de semana para um cassino
em Atlantic City – viagens que a esposa dele não tinha conhecimento? Por que se
preocupar em fazer amizade com seu colega de quarto se você sabia que ele
mandava enviando sms sobre quão estranho você é? Mais fácil viver em um
mundo de sombras.
Mas mesmo April tinha escrúpulos. Expor a hipocrisia era o seu jogo. Ela
não hackeava para destruir, apenas para revelar. Claro, ela poderia invadir a CIA,
mas queria isso? Ainda não, de qualquer forma.
Nos últimos um ou dois anos, tinha encontrado outra excitação: fazer
dinheiro. Monte deles. Para alguns clientes selecionados, o dinheiro não era
objeto. Ela era exigente com seus clientes. Só invadia as contas de pessoas ou de
organizações que ela não aprovava. Atores, políticos, celebridades bobas,
bilionários que só ficavam ricos por terem mentido, enganado e roubado.
Ela chamava a sua empresa de WALDO. Chegara a contratar alguns
hackers, mas apenas alguns. Ninguém nunca a tinha visto. Não havia fotografias
de April May na Internet, e ela tinha a intenção de continuar assim.
Ela agora tinha alguns confortáveis milhões de dólares residindo em uma
conta muito segura nas Ilhas Cayman.
Seu mais recente cliente, J. Rutherford Pierce, era possivelmente o seu
maior. Ela não gostava muito dele, mas ele tinha testado suas habilidades, e isso
era uma coisa boa. Graças a ele, ela invadira vários sites de busca e manipulado
os resultados. Ele estava de olho em uma carreira política, e April May tinha
descoberto cedo neste negócio que quase todo mundo tinha algo a esconder.
Ele estava atingindo locais, também. Através dele, ela poderia invadir a
mídia e, possivelmente, a política, e em seguida, o céu seria o limite.
E ela não gostava de dois pirralhos intitulados ricos que apesar de tudo
precisavam causar problemas onde quer que fossem, também. Se negociar
informação em troca de dinheiro significava humilhar pessoas em um punhado
de tabloides, talvez mexer seriamente com suas vidas... ei, era a vida.
Eles haviam contratado algum especialista em segurança, isso era certo.
Paredes atrás das paredes. April estava quase começando a gostar do jogo.
As crianças não estavam em Moçambique. Ela tinha certeza. O hacker
podia enviar uma corrente falsa, mas ela não ia cair nessa.
Ela clicou em outra linha de código. April inclinou-se para frente. Esta era
uma boa notícia que ela podia dar ao seu último cliente. A conta dos Cahill
estava esquentando.
Capítulo 18
Em algum lugar a oeste da Irlanda
***
***
***
***
— Ela não quis dizer aquilo — Atticus sussurrou para
Jake mais tarde. — Dava pra ver pelos seus olhos.
Jake pegou suas roupas e enfiou-as na mochila.
— Ela quis dizer cada palavra.
— Jake, se você pudesse apenas conversar com ela...
— Eu conversei com ela. Ouça, irmãozinho, paramos aqui. Esta é a última
coisa que fizemos pelos Cahill — ele falou a última
palavra com amargura.
— Ela realmente não quer que a gente vá — Atticus falou
miseravelmente. — E Dan definitivamente não quer também!
— Dan não é o chefe. Amy é. E ela foi bem clara — Jake fechou o zíper de
sua mochila. — Arrume suas coisas. Liguei para a vila e
aluguei um carro. A primeira coisa que faremos pela manhã será ir para o
aeroporto.
***
Primeira luz. Amy ouviu o baque fraco da porta se fechando. Ela correu
para a janela. As formas escuras de Jake e Atticus indo para um carro parado na
estrada. Atticus parecia esmagado pela enorme mochila que carregava nos
ombros. Jake pendurara a sua num ombro só, e caminhou rapidamente na
direção ao carro, como se não pudesse fugir rápido o suficiente.
Ela queria descer correndo as escadas, se arremessar e abrir a porta e
implorar-lhes para ficar. Em vez disso, ela desviou o olhar.
A porta do quarto se abriu. Dan apareceu no vão da porta.
— Você está acordada — ele parou na porta. — Esta foi uma coisa
realmente ruim.
Amy pressionou a testa contra o vidro frio.
— Dan, você se lembra daquela ponte? Lembra daquele terror? Como
posso pedir a eles para arriscar suas vidas por nós?
— Você não está pedindo nada de ninguém — Dan observou. — Somos
todos voluntários aqui. E eu sei de uma coisa. Você está errada. Jake e
Atticus são família. Você está se transformando na Tia Beatrice!
— Isso não é justo! — exclamou Amy. — Eu tenho que tomar as decisões.
Você é aquele de nós que quer deixar a família! Por que você
deveria ter um voto de confiança, Dan? Você optou por sair, lembra?
— Eu estou aqui agora! — Dan atirou de volta. — Vendo você ser
mesquinha!
Eles se encararam, furiosos.
Ouviram uma batida insistente na porta lá de baixo. Ela e Dan
mergulharam para as escadas.
Amy chegou à porta primeiro. A mão de Fiona estava erguida para bater
novamente, seu cabelo escuro brilhando com gotículas da névoa da manhã.
— Há um SUV preto na — ela falou. — Eles estão à sua procura. Vocês
tem que sair daqui.
A mente de Amy parou e ela mudou para o modo de sobrevivência.
— Como?
— Barco.
— Dê-nos cinco minutos.
Amy e Dan correram para o andar superior e acordaram Ian. Eles jogaram
coisas em mochilas, envolveram o livro de Olivia em um saco impermeável e em
cinco minutos tinham trancado a casa e corrido até o cais.
Fiona esperava no convés de um pequeno barco a motor.
Ela estendeu a mão para ajudar Amy e Ian subirem a bordo.
— Eu vou tirar vocês daqui, não se preocupem. Conheço cada pedra e cada
brisa nessa baía. Tenho alguns conhecidos na aldeia para ajudar – e alguns
burros. Eles vão bloquear a estrada. Declan nos encontrará na água. Você pode
jogar essa corda para mim, Danny?
Dan jogou a corda sobre o barco e saltou para dentro. Fiona dirigia
habilmente através das curvas sinuosas da entrada.
— Vou para o norte e depois seguirei para Angra Runnybeg.
Não está no mapa e nós podemos chegar lá — ela explicou. — Poucas pessoas
sabem chegar lá.
Antes de dobrarem a última curva, um barco escuro surgiu da névoa
cinzenta, cortando a entrada em linha reta na direção deles.
Capítulo 23
— Segurem-se! — Fiona gritou, e ela girou o volante para a esquerda. O
barco girou de lado e ela atravessou a entrada, deslizando entre aglomerados
de rochas. — Nós teremos que ir para o canal — ela gritou. — Não posso
reverter e voltar para Runnybeg agora.
Dan olhou para trás. O barco preto estava mais lento, sem dúvida porque
não tinha o conhecimento de Fiona sobre as rotas. As rochas poderiam fazer um
buraco no casco. O barco parecia ser uma máquina poderosa, um tubarão
escuro se movendo na água.
— Você certeza de que pode ultrapassá-los? —
Fiona olhou para trás por uma fração de segundo, e ele viu uma sombra de
dúvida passar pelo seu rosto. — Possivelmente, não — ela respondeu, erguendo
o queixo. — Mas eu posso enganá-los — quando ela disse isso, de repente deu
uma guinada e enfiou o barco em um canal estreito que Dan não tinha notado.
Enquanto fazia as inúmeras curvas, ela aumentou gradualmente a velocidade, e
então um porto abriu na frente deles.
As horas estavam passando, e a água cinzenta começava a ficar salpicada
de rosa. Os barcos de pesca já se distanciavam do outro lado do porto. Moviam-
se para águas mais profundas.
Fiona ziguezagueou entre as embarcações ancoradas, as mãos seguras e
especialistas no volante. O barco maior teve problemas em segui-la, por isso,
desviou-se para o lado mais profundo do porto.
— Eles estão tentando nos cortar! — Amy gritou por sobre o som do vento
e da água batendo contra o casco.
Fiona não respondeu. Ela apertou os lábios e seus olhos se estreitaram. Ao
deslizar através dos barcos ancorados, ela começou a fazer um ângulo em
direção à costa.
— Nós vamos ganhar algum tempo quando a baía alargar — ela berrou. —
Eles estão muito longe para pegar a gente. Pelo menos um pouco.
Um pouco não soou muito encorajador, Dan pensou, mas sentiu uma onda
de alegria quando o barco disparou em águas abertas. Fiona acelerou. O barco
cortou as ondas, molhando o rosto deles.
***
SENHA ERRADA
Tente Novamente
SENHA ERRADA
Tente Novamente
Ele virou o aparelho para o outro lado.
— Este não é o meu celular! Está todo desgastado e riscado. — Ele olhou
para cima. — Jake deve ter pego o meu por engano.
Pensamentos giraram na cabeça de Amy. Tudo fazia sentido.
— Ela colocou um rastreador em seu telefone. Foi assim que eles nos
rastrearam até aqui. Mas Jake levou o seu celular por engano esta manhã. Isso
significa que eles vão rastrear a ele agora. —
Amy rapidamente discou o número de Ian. A voz de Ian entrou na linha. — Você
ligou para mim. Deixe um recado. Não torne isto tedioso. Adeus. Ele não está
atendendo — Amy falou freneticamente.
— Se há um rastreador em seu telefone, Pierce e os seus homens sabem onde ele
está. Eles vão atrás dele e de Atticus!
Capítulo 25
Attleboro, Massachusetts
Nellie havia descoberto algo sobre Pony: Ele era mais dócil se fosse
alimentado.
Ela poderia facilmente arranjar uma refeição francesa cinco estrelas, mas
Pony preferiu o básico. Seu queijo grelhado o fez desmaiar. Especialmente
quando ela fazia batata frita caseira, utilizando azeite e sal marinho.
— Muito mais saudável para você, cara — ela disse para ele.
Ela fizera jantar e lanches para ele por dias agora. Ele não parecia muito
mais perto de dar o que ela queria: uma rede digital segura. Ainda assim, ele era
um gênio. E era difícil ficar completamente irritado com alguém que a tinha
apelido de sua “deusa”.
Pony gemeu quando deu a última mordida no spaghetti carbonara. Ele
recolheu o resto das migalhas do pão de alho com um dedo indicador
umedecido. Então se inclinou para trás, fechou os olhos, e arrotou.
Ainda com os olhos fechados, ele disse:
— Em algumas culturas, isto é um elogio. Embora eu não tenha certeza de
que seja realmente verdade.
— Se eu tivesse acesso à internet, eu poderia pesquisar — Nellie
respondeu, apontando para seu prato.
— Ui. Estou operando no máximo — ele protestou. — Esse serviço de
hacking está fora das tabelas. É de April May que estamos falando —
acrescentou, baixando a voz do jeito como sempre fazia quando falava da
hacker. — Ela – ou ele – é uma suprema fantasma das redes, imperatriz de
todos os tempos. Ela invadiu AT&T, agências federais, o governo da Bulgária...
até mesmo a Disney World! Eu não posso limpar a sua rede até ter certeza de
que ela está totalmente protegida. Entende? Tem que ser uma fortaleza
impenetrável.
Ela colocou uma tigela de sorvete caseiro de doce de manteiga, o favorito
dele, sobre a mesa, mas manteve a colher no ar.
— Eu não posso continuar correndo para cafés de Internet aleatórios, e
nem Amy e Dan. Precisamos de telefones!
— Bem, já que não posso decepcionar minha senhora,
darei-lhe um presente — Pony enfiou a mão em um de seus enormes bolsos e
tirou uma pilha de smartphones. — Sua própria fortaleza pessoal da
inexpugnabilidade Cahill. E, se tudo correr bem, conseguirei um laptop para
você hoje mais tarde. Agora que sei com quem estou lidando, serei capaz de
garantir que o acesso é seguro. E estarei monitorando o tempo todo. Agora
pode me dar a colher?
Nellie entregou a ele, então abraçou o celular.
— Onde você esteve durante toda a minha vida? —
ela sussurrou para ele.
Pony riu.
— Eu tenho brincando de gato e rato com April May. Exceto que o gato é
invisível, e o rato ambém. Ela não faz idéia que encontrei um jeito de entrar.
Estou espionando-a, também. Usei a porta dos fundos. Uma pequena brecha
que ela nunca vai descobrir, mas o suficiente para me dizer as coisas. Estou mais
do que perto de criar uma fortaleza, de fato.
Pony olhou para o pote de cobertura de chocolate quente que Nellie
deixara em cima da mesa.
— E se você passar a cobertura, revelarei uma pepita de informação que
vai agradá-la e me fazer retornar imediatamente às boas graças da deusa.
Nellie empurrou o pode para frente.
— Abra. Não a cobertura de chocolate. A boca e as informações.
— Embora eu tenha estado diligentemente trabalhando na segurança de
sua rede, tive alguns minutos de inatividade em que pude me concentrar em
seus outros pedidos.
Nellie se inclinou para frente.
— Você descobriu algo sobre Pierce.
— De fato — Pony colocou na boca uma colher cheia de sorvete. — Além
de englobar companhias de mídia à torto e à direito e ter uma variedade de
empresas de fachada, nosso Malfeitor Maléfico, Rutherford J. Pierce, adquiriu
recentemente um laboratório de pesquisas farmacêuticas próximo a
Wilmington, Delaware...
— Delaware! — exclamou Nellie.
— ... e demitiu todos os funcionários — com a colher ainda na boca, ele
colocou a mão no bolso e puxou de lá um pedaço de papel. Ele empurrou-o
sobre a mesa na direção de Nellie. — Aqui está o endereço.
— Por que ele compraria... — o medo invadiu Nellie, uma ideia se
formando lentamente enquanto ela prendia a respiração. — Qual o tamanho
desse laboratório, Pony?
— Equipamento grande. Era usado para fabricar lotes de remédios.
Remédios para resfriado. E todo mundo tem resfriado!
— Então a infraestrutura está lá... — Nellie mordeu o lábio. — Isso poderia
significar... realmente poderia. Faz sentido.
— Estou esperando que faça o download em mim, deusa.
— Amy estava certa. Os capangas que foram atrás deles... a força deles.
Seu poder. Não foi apenas Pierce quem tomou o soro! Ele usou o trabalho de
Sammy e... e usou para criar aqueles paus mandados superfortes. Há uma razão
para ele ter comprado esse laboratório.
Pony a encarou sem entender.
— Ele vai fabricar o soro! Está planejando sua produção em massa! Por
que mais ele compraria um laboratório?
— E isso seria ruim?
Nellie se levantou e andou pela extensão da sala.
— Seria catastrófico. Ele poderá fazer qualquer coisa! Criar
um exército de super-homens. Esquadrões de tática, líderes. Tudo sob o seu
controle. Porque ele teria o controle do soro. Você não vê? Ele pode criar o
exército mais poderoso do mundo! Se ele for o único a tomar decisões, será o
uníco a controlar quem pode bebê-lo... ele poderia criar toda uma rede de
seguidores de Pierce. Pessoas fortes e inteligentes o bastante para fazer
qualquer coisa. Sem escrúpulos. Gente que mataria crianças sem sequer piscar
um olho. O terror faria parte da vida diária. O resto de nós seria apenas...
— Seus fantoches — concluiu Pony.
— Sammy está lá — declarou Nellie. — Eu sei que sim. Pierce não se
livraria dele. Preferiria usá-lo. Sammy é o único que está preparado para fazer
isso. Agora ele tem que terminar o que começou.
Nellie se virou.
— Eu tenho que fazer as malas... encontrar equipamentos de vigilância...
— Nellie? Só mais uma coisa — Pony se levantou. — Na tentativa de
enganar April May, fiz uma descoberta. WALDO invadiu o Sistema da CCTV em
Londres. Você sabe, o circuito fechado de televisão que a Scotland Yard usa? E
Amy e Dan estão a caminho de lá.
— Londres? Você está dizendo que Pierce poderia segui-los através da
CCTV?
— É difícil, mas possivelmente factível, com o programa certo. Mas,
basicamente? Sim.
Ela olhou para os novos smartphones sobre a mesa, pensando bastante.
— Temos que entregar os telefones para eles — declarou. — Mas eu não
posso enviá-los. Não confio em mais nada ou ninguém.
— Você pode pegar um voo, entregá-los pessoalmente — disse Pony,
dando de ombros.
Ela olhou para Pony.
— Ou você poderia.
— Eu?
— Você. Eu não posso sair agora, Pony. E você poderia verificar os
telefones dos irmãos Rosenbloom também. Você tem que ter certeza de que
todo o sistema esteja seguro.
— Eu não posso simplesmente fazer as malas e ir — respondeu Pony. — Eu
tenho um gato.
— Você pode trazer o gato para cá. Eu tenho uma babá de gatos.
A melhor do mundo – minha mãe. Ela ama gatos.
— Eu não posso voar. Sou alérgico a amendoim.
— Fiz-lhe biscoitos de manteiga de amendoim na segunda-feira porque
você disse que eles eram o seu favorito.
— Eu não tenho uma mala.
— Eu te empresto uma. Pony, eu preciso de você — Nellie falou. —
O mundo precisa de você.
— Eu? Não. Você não entende, Nellie — os suaves olhos castanhos de
Pôny estavam cheios de uma nova emoção – medo. — Eu nunca estive em
qualquer lugar. Quero dizer, além de virtualmente.
Nellie movimentou os dedos pelo celular.
— Espere um segundo... eu finalmente consegui falar com Jonah Wizard.
Você pode voar com ele em seu avião privado.
— J-Jonah Wizard? — Pony gaguejou.
— O astro?
— Ele também é um Cahill. Primo de Amy e Dan — Nellie finalmente
percebeu o olhar de absoluto terror no rosto de Pony ao pensamento de
encontrar um artista de hip-hop mundialmente famoso. Ela sorriu. Jonah tinha
toda a pompa de uma estrela – o avisão privado, o estilo, a atitude – mas por
baixo de tudo, era um garoto legal. — Não se preocupe — tranquilizou-o. — Ele
é legal. Ele estará no Logan em... — Nellie consultou o relógio — duas horas. Aí
vocês dois podem voar para Londres. Você consegue, Pony.
— Eu acho...
Ela pousou a mão em seu braço.
— É o seguinte. Se você nunca esteve em qualquer lugar, não é hora de
começar?
Ele engoliu em seco.
— Se você diz...
***
Vinte minutos depois, chegou Pony na casa dela com um saco de papel
cheio de roupas e seu gato em uma caixa. Nellie passou-lhe uma mochila. Ela já
tinha embalado para ele um sanduíche, biscoitos e uma maçã. Pony se sentia
como no jardim de infância, mas estava grato por Nellie concordar em ajudá-lo
a atravessar o terror.
E então ele teria que ficar a sós com o fantástico Jonah Wizard.
Durante horas. Ele tinha certeza de que diria algo idiota.
Nellie entrou na sala de segurança para colocar o código. Pony, do lado de
fora, andava de um lado para o outro. Será que aviões privados tinham linhas de
segurança? Será que ele teria que tirar os sapatos? Ele não conseguia se
lembrar se sua meia tinha furos ou não. Sentia-se um total perdedor. Era
exatamente por isso que ele não participava da vida real! Tudo era real demais!
Ele estendeu a mão e levantou a tampa da caixa de correio. Havia algumas
malas diretas, mas tinha também um pequeno envelope endereçado a Amy
Cahill. Ele enfiou-o na mochila. Ele, provavelmente, estragaria tudo.
Sempre que ele participava da vida real, as coisas davam errado. Mas o
mínimo que podia fazer era levar o envelope para Amy Cahill.
Capítulo 26
Londres, Inglaterra
O problema com os Estados Unidos da América era que eles nunca tiveram
um ditador. Todos aqueles senadores traquinas, os tribunais, os juízes, o povo –
por eles, para eles... Só estragavam as coisas.
Pierce se virou, irritado, quando Debi Ann entrou na sala. Ela ainda parecia
cansada do jet lag. Ela não tinha a mesma resistência que ele. Logo no início, ele
tomara a decisão de não dar a ela as adaptações do soro. Afinal de contas, cada
soro era calibrado de acordo com o resultado desejado. Ele, naturalmente, tinha a
dose mais potente. Quanto a Debi Ann, a América precisava de um membro da
sua família com quem eles pudessem se identificar: alguém não fabuloso, ao
contrário dele mesmo e de seus filhos. A normalidade de Debi Ann o enviaria
para a Casa Branca.
Ainda assim...
Ele se olhou no espelho, então para ela. Era inegável que ele estava
parecendo mais jovem, e ela, mais velha.
Ela olhou para o espelho por trás dele, ajustando o cabelo loiro para que
batesse no queixo no ângulo certo.
— Uhum.
— Se tudo seguir do jeito que deve, Debi Ann – e seguirá – você terá que
encontrar outra causa. Quero dizer, sério. Ursos de pelúcia? Você não pode achar
um interesse mais... estilo primeira dama?
Debi Ann continuou falando, mas Pierce perdeu o fio da conversa. O que
ele não previu depois que ganhou as habilidades dos Lucian era que acharia sua
esposa de repente tão chata. Era tarde demais para mudar, de qualquer modo.
Uma vez que ele estivesse no alto escalão... um pouco de simpatia por um
viúvo enlutado seria bom, não é?
Capítulo 27
Assim que eles desembarcaram e taxiavam para o terminal, o celular de
Jake tocou. Um número desconhecido surgiu no identificador de chamadas.
Amy atendeu com nervosismo. Para seu grande alívio, era Nellie.
— Ele pegou o celular do Ian por engano. Nellie, temo que eles estejam
sendo seguidos! — Amy falou freneticamente.
— Acabamos de pousar.
— Escuta, eu não tenho muito tempo. Mandei Pony com o Jonah – eles vão
te encontrar no Hotel Greensward, na King’s Cross, às 3 da tarde. Eles
entregarão novos celulares seguros. Eu vou para Delaware.
— É melhor assim.
— Não!
— E agora eles podem estar atrás do Atticus e do Jake — Amy tentou ligar
para o número de Ian novamente, rezando para que Jake atendesse.
Quando ouviu a voz dele, ela caiu para trás contra o assento.
— Jake, é a Amy.
— Ouça rápido, porque eu acho que tem um rastreador GPS no seu celular.
Você está com o celular do Ian e ele está com o seu. Onde você está agora?
— Indo para o nosso hotel. Nós não conseguimos um voo até amanhã de
manhã.
— Sim...
— Não vá para lá. Eles podem estar esperando. Eles podem estar te
seguindo agora. Tem um hotel perto da estação King’s Cross chamado
Greensward. Fique na multidão, ande por aí, e nos encontre lá daqui a meia hora.
Amy, Dan e Ian correram para fora do avião e entraram no terminal. Eles
passaram por uma banca de jornal no caminho para a escada rolante. A manchete
gritava para eles.
Ela encimava uma foto de Amy e Dan.
Amy gemeu.
— Eu odeio essa foto — Ian comentou. — Era a foto da escola. O caimento
desse blazer é simplesmente horrível.
Uma mulher olhou para Amy, então sussurrou para seu acompanhante, que
a encarou.
— Vamos sair daqui — Amy murmurou. — Vai ser bem mais fácil o Pierce
nos achar se os paparazzi estiverem atrás da gente!
— Odeio sucumbir aos transportes públicos, mas o trem será mais rápido.
Sigam-me.
Amy olhou para ele sem vê-lo. Era isso o que significava ser um Cahill?
Ter medo de confiar em um estranho que os ajudasse? Sempre paranoico, sempre
vigilante, nunca confiando? Sempre à procura do mal, não do bem?
Se isso é verdade, eu também não quero ser uma Cahill, ela pensou de
repente, olhando para Dan. O irmão fitava o túnel e, em seguida, o relógio,
batendo o pé nervosamente.
— Não, Ian — ela respondeu. — Não é culpa sua. Nós não somos super-
heróis. Somos apenas crianças, Ian. Apenas crianças.
***
Jake olhou para o telefone de Ian. Parecia queimar os seus dedos. Ele queria
atirá-lo na lata de lixo mais próxima, mas esse tipo impulso não iria ajudá-los.
— Era a Amy, Jake? Ela mudou de opinião? — Atticus pulava de um pé,
para o outro.
Ele não queria assustar seu irmão mais novo. Eles estavam agora em uma
rua comercial movimentada, com muitas lojas com vitrines de vidro laminado.
Parecida com espelhos. Isso poderia ajudá-lo. Jake parou na frente de uma loja.
Atrás dele, ele conseguia ver o fluxo constante de pedestres. Apenas pessoas
passeando, ou apressados com um compromisso. Turistas andando devagar, à
procura de lembranças para levar para casa.
Jake estava agora hiperconsciente dos seus arredores. Toda vez que passava
por uma vitrine, verificava atrás deles. Ele precisava parar e ver se isso assustava
alguém.
— Olha, tem uma livraria ali na frente — era a única coisa que atrairia
Atticus. — Vamos dar uma olhada.
Um homem de calça jeans e jaqueta preta passou por eles, então parou do
lado de fora de um pub e olhou para o relógio, como se estivesse esperando por
alguém.
Poderia ser apenas uma pessoa qualquer falando ao telefone. Mas algo
sobre o jeito reto e seguro como ele estava...
— Att? Temos que dar no pé. Porta dos fundos. E então teremos que correr.
Tem uns homens grandões estão lá fora, procurando pela gente.
— Nós temos que despistar esses caras. Não podemos levá-los até a Amy e
o Dan. Vamos.
— Meu irmão está passando mal. Essa porta leva para fora...
Eles correram até a rua Oxford. Jake viu um ônibus parando do outro lado
da rua.
Eles chegaram em segurança na calçada oposta. Atrás dele, Jake podia ver
os dois homens tentando atravessar o tráfego. Um saltou por cima de um carro.
Saltou um carro?
Jake não tinha tempo para pensar. O ônibus começava a andar quando ele
ergueu seu irmão magro e colocou-o sobre o degrau, em seguida, pulou a bordo,
agarrando o corrimão e puxando-se acima.
Não por muito tempo. Porque agora eles eram um alvo, também.
Capítulo 28
Mensagem de April May para J. Rutherford Pierce, encaminhada para
Segurança 1:
CCTV mostra os alvos passando pela estação Kings Cross. Pegaram novamente a
Euston Rd. Perdidos em algum lugar entre as estações Euston e na Pancras.
Quatro hotéis no trecho de dois quarteirões. Sugiro busca por terra.
***
Pony estava cercado por biscoitos, chantilly cremoso, geleia e bolo quando
Amy, Dan e Ian chegaram no restaurante do Hotel Greensward. Jonah
descansava nas proximidades, com o rosto famoso obscurecido por um boné
torto e óculos escuros. Ele deu um salto quando os viu.
— Manos! — Jonah abraçou Amy e bateu os punhos com Dan e Ian. Ele
apontou para o Pony. — Esse é o segundo chá dele. Ele curte creme.
Embora as palavras de Jonah fossem leves, Amy podia ver como ele ficou
aliviado ao vê-los. Pony pulou, limpando a boca, e eles o apresentaram a Ian.
Ela cruzou os dedos por baixo da mesa. Sabia que era um gesto infantil,
mas estava ansiosa demais para se importar.
Amy se sentia muito nervosa para prestar atenção. Ela descruzou os dedos e
olhou para o relógio. Onde eles estavam? Se alguma coisa acontecesse com Jake
e Atticus...
— Essa pode ser a oportunidade perfeita para lhe dar o antídoto. — Amy
observou. — Ele vai estar se misturando, apertando mãos, comendo e bebendo...
— Vamos rezar para que não sejam trinta e nove — Amy disse, e eles
sorriram com tristeza um para o outro.
***
Nellie tinha reservado para eles um quarto de hotel, só por precaução. Pony
tinha descido ao lobby para pegar a chave. Eles todos se enfiaram nos elevadores
e seguiram até o décimo quarto andar e montaram o acampamento. Empurraram
a mesa para o meio da sala e colocaram o livro de Olivia sobre ela juntamente
com uma pilha de papel e lápis.
Em seu coração, ela prometeu pra si mesma que nada aconteceria com eles.
Ela morreria primeiro.
***
***
— “Agora pegue o que é teu de direito, conte oito e no sexto, pause. / Pegue
esse sexto, combine com o primeiro que os Romanos trouxeram”... O que quer
dizer, “o que é teu de direito”? — Dan perguntou.
— Eu tenho direito sobre o meu avião — Jonah apontou. — E sobre três
chalés. Mas não totalmente. Um deles está hipotecado.
Atticus riu, mas Jake olhou para Dan por um longo momento. Amy olhou
para Jake. Seu olhar se desviou de seu irmão para ela.
— Olivia tinha cinco filhos — Amy disse. — Ela queria que Madeleine
reunisse a família. Madrigal podia ser um apelido para ela!
— Não faço ideia do que ele quer dizer — Pony falou, estendendo-se na
cama — mas ele é meu herói, mano.
— O resto está em italiano. Jake, você é melhor traduzindo. Eu sou melhor
com línguas mortas — Atticus disse.
— “Após a morte da minha mãe, a tristeza que sentimos foi tão profunda
que meu pai decidiu viajar para a terra em que estudou quando jovem. Aos
quatorze anos eu viajei primeiro para Milão, onde conheci o companheiro de sua
juventude, agora grande e famoso professor. Ele me fez secretamente a sua
aprendiz, apesar de ser uma garota, depois de ter visto alguns desenhos e esboços
meus. Estudamos em segredo, e talvez fosse a conspiração do aprendizado que
nos levou à amizade mais profunda da minha vida.” — Jake olhou por cima do
papel. — Ela o chama de maestro di vita, como no poema. É Leonardo, é claro.
Ela continua dizendo que ele lhe ensinou botânica, anatomia, desenho, pintura...
E então, quando ela tinha dezessete anos, “Meu destino apareceu um dia na porta
do estúdio. Meu Gideon.”
— Eles casaram quando ela tinha dezenove anos. Havia algum tipo de
dote...
— “Legado a mim pelo meu professor, que sabia que Gideon iria usá-lo
bem. Urbes Perditae Codex” — Atticus traduziu por sobre o ombro de Jake. —
O Códex das Cidades Perdidas. “Copiado e aqui escrito.”
Finalmente, Jake largou a caneta e passou a mão pelo cabelo mais uma vez.
Atticus sentou-se.
— Que deu para sua antepassada — Atticus contou a eles. — Olivia Behan
Cahill.
— Então esse códex – Olivia copiou toda a informação para seu livro? —
Amy perguntou.
— “e virar a batalha não com armas, mas com sabedoria adquirida da antiga
região / mantida próxima e passada de mão em mão” — ela recitou baixinho.
Dan continuou.
— Mas por que isso estaria no códex de qualquer forma? — Ian perguntou.
— Gideon usou os segredos do livro para fazer o soro, e Olivia o usou para o
antídoto. Tem que estar em uma parte do livro dela.
— Aí esta — Dan apontou. — Outra busca mundial. Pelo menos são apenas
sete civilizações, não trinta e nove. Mas onde fica Troia? Eu não sabia que ela era
real. Quero dizer, era real no filme, mas...
— É um lugar de verdade. — Jake respondeu. — As ruínas estão na
Turquia.
— Como podemos fazer um antídoto com coisas que não existem mais? —
Ian perguntou.
— O Jonah está certo. Nós não podemos receber um não como resposta —
Amy declarou. — Eu digo que vamos para Turquia e veremos o que
conseguimos achar. E veremos sobre o silphium, também, quando o tempo vier.
Nós não temos escolha. Temos que tentar.
— You Only Live Once, Você Só Vive Uma Vez em inglês — Pony
traduziu.
***
Ela deu um passo para frente e apertou os botões para fazer o elevador parar
a cada andar no caminho para baixo.
— Quero falar com você a sós, e sinto que esta é a minha única chance —
Amy fez uma pausa. As portas do elevador se abriram em um corredor vazio,
então se fecharam. — Eu sinto muito. Sinto muito por tê-lo envolvido em tudo
isso.
— Certo — Jake disse, olhando para o chão. — Eu lembro. Nós não somos
uma família.
— Bem, sim. Por que você deveria sacrificar tudo por nós?
— Eles nos viram, Amy! Por tudo o que sei, a essa hora eles têm
um dossiêcompleto por agora. Estamos juntos nisso, quer você goste ou não.
Minha única esperança para proteger o meu irmão é impedir Pierce. Da mesma
forma que é a sua única forma de proteger Dan.
— Já entendi, Amy!
Ele queria dizer Ian, é claro. Ela estava prestes a protestar, mas as portas se
abriram novamente. Isso deu-lhe tempo para pensar. Ian? Jake estava com
ciúmes.
Talvez seja melhor desta forma, ela pensou. Assim, ele vai se afastar.
Eles correram para a estrada da Euston Road. Atrás eles, os homens saíram
da portaria do hotel e vieram andando rapidamente, mantendo todos à vista.
Havia seis deles.
— Vou com você — concordou Ian. — Meu pai doou alguns manuscritos
indianos raros para a biblioteca. Eu poderia ter alguma influência, também.
— É? Bem, então posso aplicar duas doses nela. O resutlado não vai ser
bonito. Entendeu?
Jake e Atticus ainda estavam no balcão de recepção com Ian. Amy viu um
borrão de movimento. Um sobretudo comprido esvoaçando quando um garoto de
rabo de cavalo se afastava. Foi apenas um vislumbre com o canto dos olhos. Uma
mão se esgueirando para dentro do bolso...
Pony colocou dois pequenos itens no chão. Amy não saberia dizer o que ele
fazia. Ela podia ver o medo em seu rosto, mas determinação, também.
Dan deu um passo adiante. Ele atirou um braço para frente, em seguida, o
outro.
Amy procurou por Jake na multidão. Ele tinha parado e estava assistindo
Dan e Pony, o rosto enrugado em uma carranca.
Oh, não. Ele não conhece a dança. Ele não balança os quadris o suficiente.
Ele é apenas... Jake. Ele pode nomear cada ópera de Mozart, mas não sabe
dançar hip-hop.
O hall foi à loucura. Todo mundo no salão entrou na batida e cantou com
uma só voz. Eles dançaram, rindo e cantando, gritando a letra. A canção era um
megahit, e todos no salão conheciam o vídeo. Se eles adoravam a música ou não,
não importava – era um sucesso global. Eles conheciam a letra, e conheciam a
dança.
— Vamos esperar — o homem atrás dela falou, e ela sabia que ele falava o
que pensava.
Era hora de ir, enquanto o local ainda estava em euforia. Pony estava de
olhos arregalados, tentando dançar com uma jovem estudante loira. Amy
sinalizou para ele, e ele se inclinou para pegar seu equipamento. Jonah piscou
para ela e a seguiu. Jake, Atticus e Ian começaram dançavam na direção das
portas, Ian estava rígido, mas tentando se soltar, e Jake se movia com graça
surpreendente.
Ela viu os outros comparsas, agora vestidos com o uniforme verde escuro
dos paramédicos da EMT. Eles tentavam atravessar pelo mar de gente. Um deles
foi esbofeteado por uma mão que balançava.
Impossível. April May encarou sua tela de computador. Ela passara as duas
últimas horas checando e conferindo e olhando mais uma vez, e continuava
chegando à mesma conclusão. Ela teve que encarar o fato de que só
porque pensava que algo era impossível de acontecer, não queria dizer que não
era possível.
Como, por exemplo, que WALDO teve acesso à rede CCTV das grandes
capitais europeias.
Seu alerta de e-mail apitou. April clicou nele. Outro e-mail de Pierce, este
apenas com três frases:
Cahill em movimento novamente. Visto pela última vez na Livraria Britânica.
ENCONTRE-OS OU VOCÊ ESTÁ DESPEDIDA.
O que aconteceu com esses garotos e ameaças? Ele vivia por eles. April
respondeu furiosamente.
Istambul.
April sentiu raiva e ressentimento inundando-a, duas emoções que ela não
permitia na vida ou no trabalho. Sentou-se calmamente, deixando as emoções
aumentarem de intensidade, em seguida, equilibrando-as. Imaginou uma onda
quebrando, em seguida, um mar tranquilo. J. Rutherford Pierce tinha um jeito
de mexer com seus nervos.
Mas enquanto ela procurava, encontrou uma bala perdida nas falésias de
Moher. Uma jovem tinha saído de barco quando, de repente, uma bala acertou
o painel de instrumentos do seu barco. A embarcação afundara e ela foi
resgatada por um Jet Ski.
Ela deixou a fita rodar. E viu como Dan e Amy mantiveram contato visual o
tempo todo. Viu como Dan estava nas pontas dos pés, pronto para atacar
aquele homem imenso. Aqueles dois eram mais do que próximos. Dan estava
pronto para morrer ela.
— Isto não está na descrição do meu trabalho — disse April em voz alta.
Ela hesitou, os dedos sobre as teclas. Estava começando a perceber que este
trabalho não era o que parecia. Seu cliente estava mentindo para ela. Por quê?
O que ele queria?
Ela tinha que descobrir. Isso significava que ela teria que quebrar o
precedente e fazer algo que nunca tinha feito antes: trabalho de campo.
Capítulo 31
Em algum lugar do Mar Mediterrâneo
— Então um cara na década de 1870 decidiu que Troia não era lenda, era
real, e começou a pesquisar — Dan continuou.
Pierce.
***
Quando o avião pousou e eles taxiavam para o terminal, Dan falou.
Jake sorriu.
— Com um pouco de sorte você não chegará tão perto, Dan. Os leopardos
de Anatólia estão em extinção há quase quarenta anos. Eles viviam nas florestas
e as colinas do Mar Egeu e Mediterrâneo. Eram reverenciados pelos etruscos e
caçados pelos romanos. Caçado por todos, atualmente. É por isso que estão
extintos.
— Aposto que esse sistema pode ser destrinchado em uma base regular —
ele continuou. — É visível. De qualquer forma, aqui está o que quero. Invadi a
câmera principal da rede. A maior parte dos bandos de animais pulam direto,
certo? Mas eles também têm uma seção de comentários internos no
alimentador. Procurei o arquivo, fiz um rápido programa de busca por palavra, e
tive o retorno dos mais recentes relatos de algumas pessoas que acham ser um
leopardo e outras que pensar ser apenas um lince, ou outro tipo de animal
selvagem, por isso, eles foram pessoalmente ver o que era, e encontraram uma
pegada, mas eles estão todos não podemos liberar esta informação ainda e
coisa e tal, assim... — Pony virou o laptop para eles. Uma foto apareceu na tela,
uma pegada impressa na sujeira. — Aí está o seu leopardo.
Capítulo 32
Wilmington, Delaware
Nellie dirigira todo o caminho do sul de New Jersey Turnpike até a última
saída, a Delaware Memorial Bridge. Ela tinha se perdido três vezes tentando
encontrar o laboratório, e sempre acabava na Pennsylvania. Delaware era um
estado pequeno.
Carteira de motorista, Nellie pensou. Ele tem uma lista. Verificando duas
vezes...
Nellie bateu o dedo no volante. O que tinha Pony tinha dito? Pierce
despedira a todos. Então, agora eles estavam contratando.
Nellie pegou o telefone e mandou uma mensagem para Ian. Ele tinha
contatos em todos os lugares e poderia conseguir referências falsas para ela.
Nos próximos trinta minutos, ela teve que criar um currículo totalmente
falso em uma lan house. Ela era agora Nadine Gormey, brilhante jovem química,
com um diploma do MIT.
Dentro de uma hora, ela prendeu seu brilhante cabelo preto e natural para
trás, fez uma tatuagem temporária e comprou um terno conservador azul-
marinho. Também comprara o mais feio par de sapatilhas sensatas que já tinha
tido a infelicidade de colocar em seus pés.
É claro que o fato de que ela não sabia absolutamente nada sobre
laboratórios, química ou ciência farmacêutica poderia vir a ser um pequeno
problema. Mas ela sabia que em algum lugar em certo laboratório secreto,
Sammy estava sendo forçado a produzir novas experiências com o mais
mortífero soro conhecido pela humanidade.
Era o seu rosto, Hamilton sabia. Seu rosto grande e idiota de adolescente
americano. Era seu cabelo loiro e seu sorriso largo. Todos pensavam que ele era
um alvo, um adolescente de mochila pronto para eles tirarem vantagem.
Normalmente, eles estavam certos. Ele era um Cahill, mas não tinha herdado
muito das ideias sagazes dos Lucian, ou o charme dos Janus. Ele era um Tomas,
nascido e criado. Se você quisesse escalar uma montanha ou escalar um
penhasco, ele era o cara. Se quisesse que ele abrisse uma porta com uma
cabeçada, ele podia lidar com isso. Mas teria que lhe apontar a porta.
Hamilton se virou. Atrás dos óculos escuros, ele viu seu amigo Jonah
Wizard.
— Cara!
— Bróder!
O resto dos motoristas se afastou, sabendo que tinham perdido uma corrida.
Jonah levou Hamilton em direção às portas. Nenhum deles notou que um homem
musculoso de óculos de sol vestido de preto os seguiu.
***
Adil virou em uma rua de mão dupla em Antália. De um lado, Dan podia
ver a baía curva azul-turquesa e ao fundo os picos gloriosos e sombrios das
Montanhas Taurus. Eles passaram zunindo por palmeiras e vans de turismo como
a deles enquanto se dirigiam para o porto. Na luz da noite, a baía estava cintilada
em rosa, e o céu tinha manchas roxas. As pessoas passeavam, verificavam os
diferentes menus dos restaurantes ou simplesmente sentavam-se do lado de fora
tomando café. Perigo e leopardos pareciam uma realidade distante.
Por que estou sempre em lugares como este, sem nunca realmente vê-
los?, Dan pensou. Pela primeira vez ele gostaria de ir para um lugar incrível sem
ter que olhar por cima do ombro. Ele gostaria de viajar o mundo de novo, desta
vez sem ser perseguido ou ser alvo de tiros.
— Vocês acham que posso pedir um duplo mocha grande descafeinado sem
creme com um pouco de avelã aqui? — Dan perguntou.
Eles pediram café, que chegou alguns minutos depois em pequenos copos
elegantemente estampados. O café era espesso e escuro, com espuma flutuando
em cima. Copos de água também foram colocados em cima da mesa, juntamente
com uma pequena tigela de cubos de açúcar.
— Ele tem a aparência de quem pode capturar um leopardo com uma mão e
arrancar os bigodes com os dentes — Dan sussurrou.
— Você pode dizer a ele que Adil nos enviou? — Jake perguntou.
Sadik foi para lá, levando o seu café. Ele colocou o copo na mesa com
cuidado, então se sentou.
— Nós não pensamos assim. E estamos dispostos a pagar bem pelo seu
tempo. Precisamos de alguém para nos levar para um determinado ponto e vamos
ver se podemos rastrear o leopardo.
— Estou vendo.
Jake esperou. Todos eles esperaram. Dan deu um gole no café forte e
precisou de toda a sua força para não se engasgar. Ele tomou um gole de água,
observando o rosto do homem enquanto ele considerava. Dan tentou parecer
maduro e pronto para qualquer coisa.
— Eu não tenho tanta certeza sobre isso — Jake falou. — Talvez nós não
devêssemos nos dividir.
— Certo — Jake respondeu, embora ele não parecesse acreditar nisso nem
um pouco.
— Vamos, Amy — Ian pediu. Ele pegou sua mão para ajudá-la a subir na
van, e Jake se virou.
Amy olhou para frente enquanto Sadik dava a partida. Ela se recusou a
olhar para trás. Não queria ver Jake diminuindo à distância. Ela não queria
chorar.
***
Eles pararam em uma pequena aldeia para pegar dois amigos de Sadik,
Orhan e Derin. Os picos da Taurus apareciam contra um céu azul brilhante, a
neve acumulada nos cumes altos. Sadik pegou uma estrada na montanha que
levava a uma série de ziguezagues que fizeram Amy se segurar em seu assento.
Ele parou em uma pequena área de estacionamento em um pasto alto. Eles eram
o único no carro.
Os guias falavam em voz baixa, e ela viu-os, também, olhando por cima dos
ombros.
Eles estavam perto das coordenadas do GPS agora. Dan estava tendo um
pouco de dificuldade e teve que usar seu inalador. Eles estavam em uma
paisagem acidentada de pedras e vegetação. Acima havia falésias altas, subindo
como uma parede à frente. Sombras estranhas apareciam sobre a superfície.
Orhan disse algumas palavras em turco para Sadik e começou a andar mais
acima na trilha.
— Você acha que há mais alguém lá fora? — Amy perguntou quando ele
voltou.
Estava perto do anoitecer agora. Derin fez uma pergunta à Sadik. Sadik
apontou para a trilha. Provavelmente Derin estava perguntando sobre Orhan.
Sadik ignorou Dan. Ele ouviu atentamente a fala rápida de Orhan. Balançou
a cabeça, mas Orhan apenas falou com mais insistência.
— Uma pegada de pata. Orhan jura que é uma pegada de leopardo. Não de
um lince, não de um chacal. De um leopardo.
— Sim. Nós vamos dormir com os rifles esta noite. E vocês ficarão com as
pistolas de dardos também. Devemos estar todos armados.
***
O museu acabou por ser uma casa particular que tinha se tornado o Museu
de Curiosidades Históricas e Antigas. Numa placa desgastada se lia: BEM-
VINDOS, TURISTAS! Em outra: BATA NA PORTA AO LADO PARA VER O
CURADOR.
— Posso ajudá-los?
— Sabe, alguns dos artefatos mais interessantes você pode encontrar nestes
pequenos museus — Atticus comentou.
Ele apontou para o fundo do museu. Um diorama tinha sido colocado com
uma aproximação da paisagem ao seu redor. Um leopardo empalhado estava no
meio dele.
Eles pararam.
Amy abriu os olhos. Jake estava com a mão sobre sua boca.
— O quê?
— Eles estão vindo rápido — Dan disse. — Nós podemos ficar presos no
cume. Posso até ver a manchete. CRIANÇAS CAHILL PERDEM ALTITUDE
RAPIDAMENTE. — Ela podia ouvir o medo debaixo do tom de brincadeira.
— Sigam-me!
— Olha, acho que estamos bem no final do alcance deles. Veem o padrão
das balas? Eles não conseguem alcançar a falésia, eu acho.
— Eles terão alcance logo, no entanto. Nossa única chance é escalar essa
falésia agora.
— Hamilton está certo — Amy disse. — Temos que tentar a sorte e escalar.
— Vamos ficar o mais próximo que pudermos, mas não vai ter uma caverna
que caiba todos nós.
Ela se lançou para cima e começou a subir. Agora que estava perto, podia
ver que as pedras eram porosas e ofereciam lugares para apoiar os pés e as mãos.
Só havia a luz da meia lua e do céu cheio de estrelas para iluminar o caminho, se
ela fosse cuidadosa. Ela se obrigou a se concentrar. Pense, Amy.
Ela podia ver uma caverna se abrindo poucos metros acima dela. Tinha
tamanho suficiente apenas para ela.
Ela entrou ali na hora em que mais uma rodada de tiros explodiu na face do
penhasco.
— DAN!
Ela viu seu rosto branco a poucos metros de distância. Ele estava
comprimido em segurança em uma caverna. Hamilton estava um pouco acima.
Jake e Ian tinha encontrado uma caverna grande o suficiente para os dois.
O penhasco brilhava à luz do luar, sereno. Ela mandou uma mensagem aos
outros.
Através dos olhos turvos ela viu como os homens lenta e inexoravelmente
faziam o seu caminho até a montanha. Eles montaram acampamento abaixo da
falésia. Arrumaram metodicamente os sacos de dormir e se sentaram em torno de
uma pequena fogueira. Um deles estava sentado com um rifle sobre os joelhos,
de frente para a falésia. De vez em quando ele atirava na face do penhasco,
apenas por diversão.
Seu celular vibrou. Ela olhou. Era de Jake para todos eles.
Hamilton lutaria. Jake também. Todos iriam. Mas ela tinha visto aqueles
homem em ação. Eles tinham um reforço Tomas, e isso os levava perto do
indestrutível. Ela não achava que seria uma luta que os Cahill podiam ganhar.
Ela os tinha trazido para esta montanha. Ela tinha que tirá-los.
Amy podia até ver as manchetes. Ela apertou as mãos com força contra os
olhos. A lua pálida reverberava na escuridão por trás de suas pálpebras fechadas,
luzes sangrando e pulsando... como fogos de artifício na bruma, Amy pensou, e
se perguntou se estava delirando.
Então, ela ouviu um som baixo, intenso. Algo entre um rosnado e um
ronronar. Os pelos em sua nuca se eriçaram. O medo fez seu corpo inteiro
paralisar. Aguçando os ouvidos, ela escutou.
Havia uma corrente na caverna. Então ela devia vir de algum lugar. O chão
estava inclinado de forma mais acentuada para cima agora, e ela lutou para não
escorregar enquanto subia. Amy continuou andando, seguindo o som ruidoso e
baixo.
Suas narinas se contraíram. Ar fresco. Ela podia sentir o cheiro. Havia outra
abertura na caverna!
Amy logo começou a ver uma luz fraca à frente. Ela teve que se ajoelhar,
mas se arrastou para fora da caverna, seguindo para o cume da montanha. A luz
fraca era lançada pelas incontáveis estrelas.
E Grace. Ela pensou em Grace. Sua avó estaria, assim como ela, encarando
a presença do animal, e ela não recuaria.
Amy olhou na escuridão onde sabia que a outra presença estava. O terror a
deixou e ela sentiu uma espécie de comunhão com a vida que estava a poucos
metros de distância, sob as árvores, sendo caçado, o último de sua raça.
Eu preciso de algo seu. Não irá te machucar. Mas se você me der essa
dádiva, salvará o meu povo, assim como você gostaria de ter salvado o seu.
Enquanto a luz crescia e brilhava, ela olhou para trás e viu que estava de pé
de frente a uma vista ampla. Muito abaixo ela podia ver homens correndo até a
trilha. Eles usavam uniformes. Então os guias os tinham deixado, mas tinham ido
buscar ajuda.
Ela se virou de volta para onde o leopardo tinha estado. Não havia nada lá.
A luz tocou em uma pedra plana e algo brilhou. Ela caminhou para a frente.
Seis bigodes.
Ela se agachou. Eles eram reais? Ela tocou neles com a mão. Uma
substância se prendia a um deles, algo com cor de caramelo, um caco bonito de
pedra, e ela o limpou.
— Isso é impossível.
— Mas o impossível pode ser possível. — Ela disse e caiu contra ele. Ele a
segurou.
— Eu estou tão tonta... — ela falou. Ela estava feliz em apoiar-se nele
agora.
— Acho que você está enjoada por causa da altura — Jake observou. —
Estou falando sério, Amy. Precisamos tirar você dessa montanha.
Ela estava tentando julgar o local exato onde vira os olhos verdes brilhantes
do leopardo.
Ela passou por Jake, procurando no chão. Era tudo pedras e xisto.