39 Clues - Unstoppable 01 - Sem Saída

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 162

The 39 Clues: Unstoppable - Sem Saída

A família Cahill tem um segredo. Durante quinhentos anos, eles guardaram as


39 pistas, trinta e nove ingredientes de um soro que transformaria quem o
bebesse na pessoa mais poderosa na Terra. Se o soro caísse em mãos erradas, o
desastre tomaria o mundo. Assim, sempre foi missão dos Cahill manter o soro
seguro, escondido e trancado. Até agora.
Dan Cahill, um garoto de treze anos, e sua irmã mais velha, Amy, são os
últimos guardiões das pistas. Eles pensam ter feito tudo certo, porém um pequeno
erro os leva à catástrofe. O soro pode ter sido roubado, e Dan e Amy tem que
recuperá-lo e parar de que o roubou... antes que haja Game over para todos.
Prólogo
Em algum lugar próximo à costa do Maine

Havia apenas uma casa na ilha. O resto era uma floresta de pinheiros, uma
visão densa e escura que sombreava a praia durante grande parte dos dias
ensolarados de verão. Ela também ocultava a maioria dos edifícios, as três
piscinas – a interna, a externa, e a de raias – as quadras de tênis, o heliporto, a
pista de pouso e a garagem de quatro vagas para qualquer veleiro de passagem.
Apenas turistas se aproximavam. Os moradores não caíam nessa.
Eles sabiam que os homens musculosos de camisetas pretas justas em
rápidos barcos infláveis cortariam sua linha de pesca ou gritariam um aviso no
megafone que poderia fazer seus tímpanos sangrar.
Eles sabiam das correntes traiçoeiras, também. Sabiam como o vento
parecia chicotear através do canal a uma velocidade e ferocidade que você não
sentiria no porto. Eles sabiam permanecer longe.
As notas de um violino atravessavam o ar. Uma menina de dezesseis anos
observava seus dedos se movimentarem sem errar, as notas deslizando e soando
como água pura. O que costumava confundi-la agora fluía. Ela sabia que se
trabalhasse em suas habilidades, teria sucesso mesmo que não tivesse talento.
Era o que o seu pai lhe dizia.
O garoto de treze anos de idade acabara de derrotar seu instrutor de tênis
profissional em sets consecutivos sem suar a camisa. Ele viu a surpresa no rosto
do instrutor. Espere só até o cara descobrir que estava demitido. O pai do menino
sempre demitia um instrutor após ele ser derrotado.
Falta a eles instinto assassino, seu pai dizia. Você quer acabar assim?
Ele atirou a bola de tênis com força, fazendo-a passar por cima da rede. O
treinador havia se abaixado para pegar sua bolsa, e a bola acertou suas costas. Ai.
Aquilo deve ter doído. Ele sabia por experiência própria.
— Nunca dê as costas a um adversário! — o garoto zombou.
Era o que seu pai lhe dizia.
Instinto assassino.
Longe ao mar, um homem nadava, movendo-se de forma tão precisa e
incansável quanto uma máquina. Mesmo que possuísse três piscinas, preferia
nadar no mar aberto. Este ano, as focas estavam nadando cada vez mais perto da
costa. Isto significava, ele sabia, que os grandes tubarões brancos estavam à
espreita, movendo-se constantemente a fim de se alimentar.
Acrescentava um... toque especial à atividade.
O homem chegou à doca com diversas braçadas poderosas. Ele se ergueu e
caminhou em direção à casa. Um homem baixo mas incrivelmente musculoso
metido numa camiseta preta atirou-lhe uma toalha, que ele usou para enxugar o
rosto e depois descartou para o chão. Ele não se preocupava com toalhas. Elas
seriam apanhadas, lavadas e dobradas novamente. Ele não tinha que ver ou
pensar nisso. Estava sempre tendo pensamentos mais profundos, como agora.
Pensamentos grandes e complexos o suficiente para abarcar o mundo.
Ele entrou na sala de estar pelas portas duplas. Quase se encolheu ao ver as
centenas de olhos vidrados encarando-o. Sua esposa organizava e reorganizava
sua coleção. De novo. Ele se apressou, correndo antes que ela tivesse uma chance
de falar com ele.
Seu escritório era fresco e silencioso. Ele vestiu um roupão e ativou os
muitos monitores transparentes. Dados surgiram neles, e ele absorveu tudo rápida
e completamente. As coisas eram tão diferentes agora. Seu pensamento
estratégico era quase tão rápido quanto os dados do computador cruzando suas
telas.
Quase ali. Tão perto que ele podia tocar.
Só havia duas pessoas vivas no planeta que podiam pará-lo.
Era hora de eliminá-los.

***

Em algum lugar perto do Monte Washington, New Hampshire

Na pequena cidade onde os homens de vez em quando buscavam


suprimentos, a história era de que eles estavam em um retiro corporativo,
testando suas habilidades no deserto. Os homens – eram todos homens – eram
extraordinariamente parecidos. Eram todos musculosos e em forma, os cabelos
quase raspados. Eles geralmente usavam calças largas e camiseta, ou roupas de
caminhada. Eram amigáveis, mas não acessíveis. Depois que saíam, o lojista ou o
atendente do posto de gasolina percebiam que era difícil diferenciá-los. Eles
tinham nomes comuns: Joe, Frank, John, Mike.
Mais de cem homens entravam e saíam do campo, mas nas últimas quatro
semanas, o grupo foi reduzido a seis. Os seis melhores, os seis mais brilhantes, os
seis mais confiáveis.
Eles sempre estavam em forma; era o trabalho deles. Mas neste último mês
eles tinham duplicado suas forças e, em seguida, duplicaram-nas novamente.
Haviam subido a montanha quatorze vezes. Frequentavam aulas de direção
ofensiva, vigilância e artes marciais. Eles foram equipados com ternos italianos,
sapatos de sola de borracha feitos à mão e casacos com bolsos que manteriam
seus armamentos próximos e indetectáveis.
Eles estavam preparados. Só não sabiam para quê.
Tudo o que sabiam era que nunca tinham se sentido tão poderosos. Tão no
auge.
Enquanto estavam sentados nas cadeiras duras assistindo uma simulação de
fuga de uma área metropolitana, o líder dos homens ouviu o apito de uma
mensagem de texto. Ele era o mais alto, e o mais bronzeado. Seus dentes eram
muito brancos e alinhados; os verdadeiros tinham sido arrancados em uma briga
de bar anos atrás na Córsega. Seu rosto não registrava emoção enquanto ele
contava aos outros que estava na hora de se mobilizar. Eles haviam recebido seus
alvos.
Ele conectou seu telefone ao computador. Na grande tela transparente
surgiram duas fotografias.
— Alvo Um, Alvo Dois — ele falou em um tom monótono.
Os homens não demonstraram emoção. Ainda que os alvos fossem crianças.
Capítulo 1
Attleboro, Massachusetts

Era um dia lindo e ensolarado. Um dia que fazia você se sentir grato por
estar vivo.
Pena que Amy Cahill estivesse cercada pelos mortos.
Amy abaixou a cabeça e fechou os olhos com força. Ela tinha apenas
dezesseis anos, mas já comparecera a funerais demais. Dissera adeus vezes
demais.
Seis meses atrás, ela tinha enterrado sua prima e seu tio, e hoje, uma lápide
seria colocada para William James McIntyre, o advogado da família e amigo
profundamente amado.
Seu celular tocou em seu bolso. Ela o tirou e leu a mensagem. Era de seu
namorado, Jake Rosenbloom. Eram seis horas mais tarde em Roma, onde ele
morava. Estava quase anoitecendo lá, e ele estaria guardando seus livros e
começando a pensar no jantar.

Sei que o funeral é esta manhã. Eu queria poder estar aí com você. Você está
bem?

O dedo de Amy pairava sobre o teclado. Seu olhar vagou pela colina
gramada até onde uma lápide cinza polida brilhava ao lado de lápides antigas e
tortas, as muitas gerações da família Tolliver que tinham vivido em Attleboro
desde antes da Guerra da Independência. Estava muito longe para ela poder ler o
nome, mas não precisava vê-lo.
EVAN JOSEPH TOLLIVER
Ela guardou seu celular de volta no bolso. Lágrimas encheram seus olhos.
Ela havia colocado um vestido preto e ido ao velório de Evan seis meses atrás. A
mãe dele tinha fechado a porta na cara dela. Amy entendera. Afinal, ela se
culpava pela morte de Evan tanto quanto a mãe dele a culpava. Se não fosse por
Amy, Evan ainda estaria vivo. Ele ainda seria voluntário no abrigo local, ainda
seria presidente do clube de informática, ainda implicaria com sua irmã mais
nova, ainda estaria na fila para comprar café com creme de avelã e chantilly. Ele
estaria vivo sobre a terra, sentindo o vento, apreciando o céu, tendo todos os
sentidos alertas para este dia no início da primavera. Em vez disso, ele estava
debaixo da terra. Ele fora seu namorado e morrera por ela. E ele nunca soube que
ela planejava dispensá-lo por Jake.
Ela nunca estivera em um encontro antes de ter uma queda por Evan. Era
simplesmente Amy Cahill, a estudante de jeans e tênis que só tirava A. Nada
impressionante, nunca notada. Ela não era o tipo de garota que os meninos
percebiam. Então ela notou Evan, e ele a notou.
Ela achou que estava apaixonada. Até que conheceu o intenso e carismático
Jake Rosenbloom, e percebeu que ela não tinha ideia do que se apaixonar era
realmente.
Se ela apenas pudesse se lembrar da alegria que sentiu quando, pela
primeira vez, percebeu que Jake a amava de volta. Agora havia tanta tristeza e
culpa em seu coração que ela sentia como se estivesse cercada por neblina.
Ela se levantou de manhã, escovou os dentes, e fez seu plano de aulas. Ela e
seu irmão, Dan, agora eram educados em casa por sua antiga au pair, Nellie
Gomez, e vários outros tutores. Tinha sido um outono chuvoso e um inverno frio.
Os dias se dissolveram em cinzas. Os livros que costumavam confortá-la tinham
se desfocado diante de seus olhos. Aulas de italiano, aulas de história, problemas
de matemática, ensaios, projetos.
Nos últimos seis meses ela mal saiu de casa, apenas saindo para fazer cross
country por longos e duros quilômetros. Durante a noite ela vagava pela casa,
repensando todas as decisões que tomou durante a batalha contra a organização
criminosa Vesper. Onde errara? Ela deveria ter se recusado a deixar Evan ajudá-
los? Deveria ter mandado o Sr. McIntyre voltar para os EUA? Muitas pessoas
que ela amava morreram. Ela tinha poder para forçá-los a sair do perigo, mas não
o fez.
Por que ela não tinha usado esse poder?
Aos dezesseis anos de idade, Amy era a líder dos Cahill, a família mais
poderosa do mundo. Seu ancestral, Gideon Cahill, formulara um soro
extraordinário no início do século XVI. Desde aquela época, os cinco clãs da
família tinham lutado, espionado, mentido, roubado, traído – tudo por um único
propósito. Cada um dos clãs tinha uma parte do soro. Se o soro completo fosse
fabricado, tornaria quem o tivesse tomado a pessoa mais poderosa do mundo.
Depois de centenas de anos, Amy e Dan foram os primeiros a descobrir a
fórmula do soro. Mas eles e os outros membros mais jovens da família Cahill
tinham percebido, finalmente, que o soro era perigoso demais para sequer pensar
em produzi-lo. Agora, a fórmula – uma lista de trinta e nove ingredientes, a
calibração complicada e as quantidades precisas – estava guardada em segurança.
No cérebro brilhante de seu irmão de treze anos.
O olhar de Amy se desviou para o seu irmão de cabelo louro. Era difícil
acreditar que o garoto franzino que deslizava secretamente um verme para dentro
da bolsa da tia Beatrice poderia ser o garoto mais poderoso do mundo.
Protegê-lo – proteger todos os Cahill – era seu trabalho como líder da
família.
Acho que eu não fiz um bom trabalho com você, Mac, Amy murmurou para
a urna de mármore, seus olhos se enchendo de lágrimas. Assassinado em um
quarto de hotel em Roma.
Ela secou os olhos. Tinha esperado seis meses para enterrar as cinzas do Sr.
McIntyre. Ele era sua última amarra à segurança.
McIntyre tinha sido mais do que seu advogado; fora seu melhor e mais
confiável conselheiro, e talvez seu melhor amigo.
Agora, aqui estavam eles, as únicas pessoas de luto, exceto pela tia
Beatrice, que tinha começado a manhã reclamando que sua rinite estava atacando
e que era melhor o agente funerário “começar logo com aquilo”.
A elegante caixa de mármore repousava sobre uma pequena mesa. Ela
continha o que restava do Sr. McIntyre. Apenas cinzas. Sua bondade, sua astúcia,
a sua inteligência – tudo havia desaparecido do mundo. Agora havia apenas uma
caixa.
O agente funerário, a qual Dan ficava chamando pelas costas como “Sr.
Morte”, chegara tarde. Nervoso, ele limpou o suor da testa com um lenço.
Quando colocou a caixa de mármore sobre a mesa, ele quase a deixou cair.
— É o primeiro funeral dele? — Dan sussurrou.
O padre, alto e musculoso, parecia mais um treinador de futebol. Ele trouxe
um buquê de rosas vermelhas murchas. Nem um pouco o estilo do Sr. McIntyre.
Amy não sabia se ria ou se chorava. A coisa toda parecia surreal. Ela quase
esperava que o Sr. McIntyre saísse de uma comprida limusine preta e dissesse
“Primeiro de Abril”.
— Isso é uma desgraça. — Tia Beatrice murmurou. — Apenas três pessoas
no enterro!
— Henry Smood está no hospital com apendicite. — Amy disse, referindo-
se ao sócio do Sr. McIntyre e seu novo advogado. — Ele ficou muito chateado
por não poder vir. E o hospital não quis liberar Fiske.
Tia Beatrice fungou.
— Eu estava falando da família — ela disse. — Quando alguém que
trabalhava para a família era sepultado, os Cahill apareciam. Mesmo que nos
detestássemos, costumávamos saber quão importante eram as aparências.
— Tia Beatrice enterrou o empregado dela? — Dan sussurrou para Amy.
— Eu apenas joguei o meu no vaso sanitário e dei descarga.
Amy pisou no pé dele. Seu irmão fazia piadas quando estava nervoso ou
com medo. Ela estava acostumada com isso, mas a tia Beatrice não.
— O Sr. McIntyre era família. — Amy respondeu.
— Querida, — Tia Beatrice respondeu, — apenas família é família.
Amy sacudiu a cabeça. Tia Beatrice estava tornando o funeral de difícil em
insuportável.
— Os Cahill Templeton sempre usaram os serviços de McIntyre e Smood
— Tia Beatrice continuou. — E os Cahill Duhram. E certamente os Starling
deviam ter aparecido! Denise Starling usou McIntyre por anos até que decidiu
que ele era próximo demais de Grace e lhe enviou aquela carta escrita com tinta
venenosa. Mesmo que fosse veneno de verdade, ela deveria ter deixado o passado
no passado. E Debra usou-o para o seu acordo pré-nupcial com aquele homem
desagradável com o nome estranho. Ela nunca deveria ter se casado com ele em
primeiro lugar...
Tia Beatrice continuou, nomeando Cahill atrás de Cahill de quem Amy e
Dan nunca tinham ouvido falar.
— Eles não vieram porque eu não os convidei, tia Beatrice — Amy
interrompeu.
— Mas o Sr. McIntyre era o advogado da família! — Tia Beatrice cuspiu.
Ela estreitou os olhos redondos para Amy. — Você sequer contou a alguém o
que estava fazendo?
— Não. — Amy disse. — Eu não estou interessada na opinião deles. Eu
tomei uma decisão. — Tia Beatrice abriu a boca, mas Amy levantou a mão. — E
ponto final.
A boca de tia Beatrice fechou e abriu como a de um peixe.
— Mandou bem — Dan murmurou.
Amy deu um pequeno sorriso. Às vezes era difícil de ser a líder da família,
mas quando era com a tia Beatrice, ela não tinha problema algum.
— Prontos para começar? — o agente funerário sussurrou. Amy o viu
espiar o relógio antes de olhar para baixo respeitosamente. Ela quase podia
imaginá-lo dizendo: “Cara, vamos botar pra quebrar”.
O padre leu um versículo da Bíblia em uma voz desajeitada. Então fechou o
livro e assentiu para Amy.
— Adeus, Sr. McIntyre — Amy falou. — Você era nosso protetor e nosso
amigo. O melhor dos melhores. Descanse em paz.
— Adeus, Mac. — Dan disse. — Desculpe pela vez em que coloquei um
sapo na sua calça. Obrigado por cuidar da gente.
Tia Beatrice espirrou.
O padre apontou para a pilha de terra da cova aberta.
— Vocês gostariam de jogar um punhado de terra na sepultura? — ele
perguntou.
— Oh, pelo amor de Deus. Eu tenho jardineiros para esse tipo de coisa —
Tia Beatrice respondeu. — E tenho hora marcada com o alergista.
Amy se abaixou e jogou terra na sepultura. Dan fez o mesmo. O clérigo lhe
entregou as rosas e ela as jogou lá também. Desculpe, Mac, ela disse a ele
silenciosamente. Eu sei que você prefere tulipas. Uma memória repentina veio a
ela, do Sr. McIntyre no jardim de Grace, em uma camiseta sem mangas, num
belo dia de maio, observando um canteiro de tulipas amarelas, dizendo: Agora
sim uma flor alegre!
Lágrimas encheram seus olhos. Ela quase pediu a tia Beatrice um lenço de
papel, mas ela já tinha se afastado. Seu motorista corria para abrir a porta do
carro.
Sr. Morte tinha ido, também – ele estava quase correndo enquanto fazia o
seu caminho através das lápides até o seu carro.
Isso é estranho, Amy pensou. Por que o agente funerário foi embora tão
rápido? Ele nem se despediu.
O padre se inclinou para pegar a pá. Amy achou que não suportaria ver o
túmulo cheio.
Quando ela se virou, algo duro atingiu a parte de trás de sua cabeça. Dor a
cegou, e ela se sentiu ser empurrada para a sepultura aberta.
Capítulo 2
Amy caiu no chão de quatro, sentindo o choque fazendo seus ossos
tremerem. Ela olhou para cima. A luz era bloqueada por um objeto pesado que
vinha voando na direção dela. Ela se esquivou por instinto ao invés de por
pensamento, se encolhendo em uma bola contra a parede do túmulo.
Dan caiu com um grito. Ela ouviu o ar deixar o corpo dele com um arquejo
abafado.
— SOCORRO! — Amy gritou.
Em resposta, uma pá de terra caiu sobre seu rosto erguido. Ela cuspiu.
— Você está bem? — perguntou ao irmão.
Ele assentiu, e seu rosto ficou pálido por causa do medo e da dor. Sua
respiração estava curta, e ele enfiou a mão no bolso para pegar o inalador. Dan
tinha asma, e Amy podia ver as nuvens de terra flutuando no ar, prontas para
tapar suas vias respiratórias.
Ela gritou por ajuda novamente, mas tudo o que viu foi o brilho da pá
enquanto mais terra chovia sobre eles.
— Ele me empurrou — Dan falou, sufocando e ofegando. —
Deliberadamente...
Isso não pode estar acontecendo!
Pânico estremeceu através dela. Sua mente girava. Eles não tinham mais
nenhum inimigo. Eles uniram a família, tinham dizimado uma organização
criminosa global. Haviam voltado a ser duas crianças que viviam em uma
mansão que era grande demais para eles, assombrados por todas as coisas que
tinham feito e visto. Seus únicos inimigos eram memórias.
Então por que estava acontecendo novamente? O horror a dominou,
fazendo seu cérebro zumbir em vácuo. Ela não conseguia pensar ou respirar.
Amy foi atingida por mais terra. Quem quer que estivesse tentando enterrá-los
trabalhava rápida e metodicamente, sem sequer espreitar por sobre a borda.
Não importa quem está fazendo isso. Você tem que sair daqui.
Amy podia sentir terra em seu cabelo, embaixo de seu colarinho e em seus
ouvidos. Ela se lembrou da pilha de terra perto da cova aberta. Quanto tempo
levaria até que o túmulo estivesse completamente cheio? Quanto tempo levaria
para sufocar, até que a terra enchesse sua boca e seus ouvidos e seus olhos...
É a matemática da quinta série mais uma vez, ela pensou loucamente. Se
um homem pode encher uma pá a cada dez segundos, e a sepultura tem seis
metros de profundidade...
— Amy! — O rosto pálido de Dan de repente estava afiado enquanto o
zumbido do pânico desaparecia. Ele apertou urgentemente seu braço. — Nós
precisamos sair daqui!
Seu cérebro clareou. Instinto se juntando com experiência; tudo se acelerou
e ela se sentiu mais calma. Ela olhou ao redor, avaliando, planejando. Mediu a
sepultura com um rápido olhar. Provavelmente três metros quadrados. O lados
eram íngremes. Amy tentou subir, mas a terra se desintegrou em suas mãos. Ela
tentou enfiar o dedo do pé na terra, mas ela não conseguia se erguer. Ok,
próximo plano.
— Cuidado! — Dan se jogou contra ela, derrubando-a de lado, enquanto a
caixa de mármore era atirada dentro da cova também. Ela não atingiu o crânio de
Amy por uma fração de centímetro e caiu no pé de Dan. Ele soltou um gemido de
dor e se curvou.
Agora eram só os dois e as cinzas do Sr. McIntyre.
Amy olhou para a caixa. Não era só uma caixa. Era um degrau. Tinha uns
30 centímetros, só o que ela precisava. Era uma chance. E ela só teria uma.
— Dan — Amy sussurrou. — Suba na urna. Rápido!
Dan sabia o que ela queria que ele fizesse sem ela mesmo perguntar. Ele se
equilibrou sobre a caixa. Flexionou os joelhos, fazendo um apoio com suas mãos.
Amy olhou para cima, cronometrando seu movimento. Um, dois, três e
subiu, mãos nos ombros do irmão; em seguida, usando a parede da cova para
manter-se estável, ela se equilibrou, subindo nos ombros dele. Ela sentiu o corpo
de Dan tremer com seu peso. Ele precisava aguentar, apenas esperar por mais três
segundos. Ela estava contando com a eficiência mecânica de seu atacante, a
precisão do tempo com que ele usava a pá. Dois, um...
Ela se endireitou e saltou assim que o brilho da pá surgiu por cima da borda
do túmulo. A ponta de metal se chocou contra a sua cabeça – mais dor, muito
obrigada – mas ela agarrou-a e puxou com força, então caiu para trás na cova
enquanto Dan se pressionava contra a parede.
Ela caiu de joelhos, atordoada e sangrando – mas ela segurava a pá.
Um rosto apareceu contra o retângulo de céu azul. O homem havia
arrancado o colarinho de clérigo. Ele deu um sorriso, os dentes brancos e retos.
— Bom trabalho, mocinha. Você conseguiu seu brinquedinho. Vai se
enterrar mais fundo?
O rosto desapareceu. Eles ouviram o som de passos se afastando. Ele estaria
de volta logo.
Não havia tempo para hesitar, não havia tempo para pressionar algum
tecido contra o sangue em sua testa, só havia tempo de tirá-lo dos olhos. Ela
pulou de volta na caixa de mármore, pegou a pá pelo cabo longo, e fincou-a
contra a parede da cova o mais forte que pôde. A pá caiu, a terra solta incapaz de
segurá-la. Ela tinha que enfiar mais fundo.
— Me ajuda, Dan! — Ele ficou atrás dela, e, juntos, segurando o cabo, eles
forçaram-na contra a parede de terra. Dan segurou a pá e assentiu para ela. Seus
olhos verdes brilhavam contra a sujeira e o sangue espalhado em seu rosto.
— Eu te dou cobertura — ele disse a ela. — Vai.
Tinha que ser ela, ambos sabiam disso. Ela era uma alpinista, uma
escaladora, ela sabia como encontrar os minúsculos nichos, como plantar seu
corpo contra a parede e se erguer. Ela ergueu-se sobre o cabo da pá e enterrou os
dedos na terra, fechando os olhos enquanto fazia uma saliência para a ponta dos
dedos. Dan arrancou a pá e ela ficou pendurada ali enquanto ele enfiava a pá
trinta centímetros mais alto. Ela o ouviu ofegar com força rapidamente. Ela
testou o cabo.
— Pronto?
— VAI! — Dan grunhiu, e ela usou o cabo para subir até o topo do buraco.
Cada músculo de seu corpo tremia, mas ela sabia que podia
conseguir. Tinha que conseguir. As mãos dela tocaram o chão sobre a borda.
Seus músculos do braço tremeram quando ela rapidamente examinou o
cemitério. O homem agora estava a cerca de cinquenta metros de distância. Ele
corria em direção ao galpão de ferramentas. Atrás dele, outro homem apareceu,
segurando uma pá.
Amy reuniu cada partícula de força que tinha e ergueu-se para fora do
buraco. O rosto dela bateu no chão. Ela teve tempo para respirar – apenas uma
vez – antes de se levantar.
Algo fez seu atacante se virar, algum movimento visto pelo canto do olho, e
ele a viu. Os dois homens começaram a correr. Na direção dela.
Ela fez um cálculo rápido. Eles eram rápidos, muito mais rápidos do que ela
esperava. Não havia maneira alguma de ela ter tempo suficiente de tirar Dan lá
de dentro. Ela teria que atraí-los para longe dele.
Ela correu descendo o morro. Sentia o benefício de ter se forçado a fazer
aquelas corridas como punição. Dan tinha dito que eles estavam a salvo agora,
ela não tinha que ser assim tão... intensa, mas Amy encontrara consolo nas
corridas matinais. Agora elas iriam ajudá-la.
Ela os levou para baixo até uma colina inclinada, saltando sobre as lápides.
Durante o tempo todo ela procurara freneticamente por ajuda, seu olhar varrendo
o cemitério em busca de qualquer sinal de pessoas. Eles não iriam atacá-la se
houvesse pessoas ao redor.
Ela esperava.
Ela estava quase nas lápides dos Tolliver agora. Calculara mal. Eles
estavam quase em cima dela. Como eles podiam ser tão rápidos? Ela tinha uma
vantagem tão grande!
Amy saltou por cima de uma lápide velha caindo aos pedaços, e sentiu mais
do que ouviu o deslocamento de ar quando a pá foi erguida. Com uma guinada
repentina, ela se virou para trás e viu o olhar de surpresa do segundo homem
quando ela mudou de direção e lhe aplicou um chute giratório clássico, bem na
garganta.
Ela bateu forte.
Então por que ele não tinha caído? Ele não estava nem mesmo sem fôlego.
Ele apenas se afastou e levantou a pá, e ela abaixou no último minuto. A pá
acertou o granito polido atrás dela. O cabo de madeira quebrou, mas o aço no fim
da ferramenta quebrou a borda da pedra.
VAN JOSEPH TOLLIVER
A visão da lápide profanada de Evan rendeu-lhe tal surto de raiva que ela
pegou o pedaço de mármore fragmentado e o atirou na cabeça do homem.
Sangue jorrou de sua boca. Ele sorriu. Ela tinha uma impressão confusa de olhos
da cor das lápides, sangue escorrendo dos dentes brancos e perfeitos.
Ele levantou o lado lascado do cabo. Ela se escondeu atrás da pedra de
Evan enquanto o homem atacava.
Evan a protegeria uma última vez.
O cabo bateu na pedra e rachou, e ela estava correndo antes que ele pudesse
pegar o cabo novamente. Ele estava em seus calcanhares. Ela podia ouvir sua
respiração. Tão perto. Ela sabia que a qualquer momento ele agarraria seu cabelo,
lhe daria um soco e a derrubaria... E então ela viu o outro à sua frente, os joelhos
flexionados e pronto para mudar de direção caso ela escolhesse desviar do
caminho. Eles iriam alcançá-la, e por algum motivo que ela nunca saberia, eles a
matariam e, em seguida, voltariam para pegar Dan.
De repente, ela viu um carro entrar na estrada do cemitério, um Toyota
vermelho brilhante. Era a melhor visão do mundo. Pessoas.
Amy virou no último segundo e começou a descer a colina, saltando sobre
as lápides, agitando os braços e gritando, “EI!”
O carro parou. Uma mulher ainda jovem saiu. Amy ficou confusa quando,
em vez de ajudar, ela começou a tirar fotos de Amy com uma câmera de lente
para longas distâncias.
Outro carro parou. Agora Amy estava verdadeiramente confusa. Dois
homens saíram e começaram a tirar fotos também. O que estava acontecendo?
Seus atacantes pareciam ter simplesmente evaporado. Num momento eles
estavam em seus calcanhares, e no próximo eles estavam a caminho do carro
preto, andando rapidamente, como pessoas de luto ansiosas para ir para casa.
Amy virou-se e correu para o túmulo de McIntyre. Ela se abaixou e olhou
para o Dan.
— Eles se foram. Você está bem?
O rosto de Dan estava pálido. Ela viu a tensão em torno de sua boca e sabia
quão assustado ele estava sobre o fato de que outra pessoa poderia ter voltado.
— Claro. Eu só fui enterrado vivo. Nunca estive melhor.
— Espera aí. Eu vou pegar uma escada. — Ela se apressou e desceu o
morro até o galpão de ferramentas. Para seu alívio, havia uma escada encostada
na lateral. Ela ergueu-a e voltou rapidamente para Dan. Amy escorregou a escada
para dentro do buraco e um segundo mais tarde seu irmão havia subido.
— Eu estou com a aparência tão ruim quanto a sua? — Dan perguntou. —
Por que você parece uma zumbi. O que faz sentido, considerando que nós saímos
de uma cova...
Um jipe amarelo brilhante virou para o cemitério, vindo rápido demais.
Amy sorriu. Havia apenas uma pessoa que ela conhecia que poderia se atrasar
para um funeral e depois acelerar para dentro um cemitério. Nellie.
Capítulo 3
Dan sentiu suas pernas tremendo enquanto eles corriam em direção ao carro
de Nellie. Ele rapidamente mergulhou no banco de trás do jipe enquanto Amy
sentou na frente. Ele não queria que elas soubessem como ele esteve
aterrorizado, esperando aqueles longos minutos no fundo de uma cova.
— Pirralhos! Me desculpem! Eu perdi tudo? — Nellie torcera o tronco e
estava remexendo nas coisas do banco de trás, tentando endireitar suas tralhas de
sempre, o que Dan considerava uma tarefa impossível.
A familiaridade do gesto, o cheiro habitual do carro – o que era,
exatamente? Uma mistura de pipoca, maçãs, e aquele frasco de shampoo com
cheiro de grama molhada que Nellie tinha derramado um ano atrás? – o que quer
que fosse, o ajudou a se sentir seguro.
Quando Nellie retornara para a faculdade no período de inverno, ela tentou
por alguns dias suavizar sua aparência, mas agora seu cabelo estava novamente
no seu estilo louco de costume, preto com pontas brancas platinadas. Ela estava
sempre atrasada, mas alegava que era porque ela estava “loucamente ocupada.”
Além de ser tutora deles, possuía carga completa de aulas na Universidade de
Boston, enrolava, pelo menos, dois namorados, e cozinhava em um café em
Boston às quartas-feiras e nas noites de sábado. Dan sorriu quando viu sua
dificuldade para varrer o caos do banco de trás para o chão: em seu braço havia
uma nova tatuagem temporária. A palavra FOCO brilhou pra ele do antebraço
bronzeado dela.
Nellie já havia sido a au pair deles, o que significa que ele uma vez teve a
melhor au pair da história da civilização. Ela viajou o mundo com eles na caça às
39 pistas, cuidando deles e os protegendo. Agora, ela era como uma mistura de
irmã mais velha e melhor amiga.
Nellie tirou vários itens – uma garrafa de água, uma toalha, um livro de
receitas, um saco de maçãs – do assento enquanto falava.
— Eu tive uma manhã daquelas — ela falou, jogando um sanduíche meio
comido de volta no saco de papel. — Meu celular ficou maluquinho. Deletou
todas as minhas fotos! E então seu tio Fiske ligou, ele está bem, mas acho que
devemos visitá-lo. E então eu esqueci completamente que tinha colocado rolinhos
de canela no forno, e corri para chegar aqui a tempo, embora eu soubesse que a
tia Beatrice me mataria se eu estivesse atrasada... e aí um carro vermelho me
fechou... — A cabeça de Nellie apareceu. — Ei, eu acho que é aquele carro! —
ela exclamou, apontando para o Toyota vermelho. Então, finalmente, ela olhou
para Amy e Dan. — Por que vocês estão tão sujos? Isso é SANGUE?
— Nós estamos bem — Amy tranquilizou-a, pegando a toalha.
— Vocês definitivamente NÃO estão! O que aconteceu?
— Eu te conto enquanto dirige — Amy disse. — Tem um monte de
fotógrafos aqui, por algum motivo. Talvez alguém famoso vá ser enterrado hoje
— Amy limpou seu rosto e então jogou a toalha para o Dan.
Nellie colocou o carro em marcha e dirigiu para os portões do cemitério.
— Ok, desembucha, porque estou a ponto de enlouquecer totalmente.
Vocês caíram de uma árvore ou algo assim?
— Nós caímos em uma cova — Dan respondeu. — Por que nós fomos
empurrados. Então algum valentão tentou nos enterrar vivo.
— Dois deles me perseguiram pelo cemitério — Amy acrescentou.
Nellie quase saiu da estrada quando se virou para olhar o Dan.
— Não é engraçado.
— Eu também não acho que tenha sido — Dan disse, limpando o último
resíduo de terra do rosto.
As mãos de Nellie agarraram o volante. Ele viu seu rosto mudar. Ela, assim
como eles, era uma Madrigal, o clã da família que agora estava no comando de
todos os Cahill.
— Alguma ideia de quem eram? — ela perguntou.
— Nós não sabemos — Amy respondeu. — Esse é o problema. — Ela
olhou pela janela. — Está começando de novo Nellie. Eu sinto isso.
Nellie deu olhada rápida para ela.
— O quê?
— Alguma escuridão que a gente não consegue ver. Está vindo em nossa
direção. De novo.
— Você tem certeza que não foi só uns caras malucos aleatórios...
Dan podia ver o rosto de Amy no espelho retrovisor. Ele conhecia aquele
olhar. Ela estava analisando os detalhes, pensando em cada palavra, cada gesto.
Ela balançou a cabeça firmemente.
— Não. Isso foi planejado. Eles devem ter pagado o agente funerário. E...
— Eles sabiam quem a gente era — Dan disse. — Eu tenho certeza disso.
— Cahill ficando irritados? — Nellie sugeriu.
Amy e Dan consideraram. Mesmo que agora a família Cahill houvesse
concordado com a paz, e a rede deles houvesse conectado todos os clãs, eles não
conheciam cada Cahill pessoalmente.
— Acho que não — Amy respondeu lentamente. — Havia algo...
profissional sobre eles. Tipo capangas contratados.
— Capangas é a palavra certa — Dan concordou. — Aquilo não era um
pastor. Eu achei estranho o cara parecer uma versão ilustre do Incrível Hulk.
— Quem quer que fossem, aqueles caras eram atletas olímpicos de
primeira. — Amy disse. — Quando eu chutei o cara, foi como bater em uma
parede.
Nellie mordeu o lábio.
— Nós vamos descobrir — ela falou.
Sua voz estava confiante, mas Dan sabia que quando Nellie mordia o lábio,
ela estava seriamente apavorada. Eles ficaram em silêncio pelo resto da viagem.
Eles atravessaram as estradas de volta para Attleboro até que chegaram à
propriedade Cahill. Nellie digitou o código nos portões de ferro e dirigiu pela
estradinha sinuosa. Assim que os portões se fecharam atrás deles, Dan relaxou.
Ele percebeu que suas mãos estavam fechadas em punhos.
A elegante mansão de Grace apareceu logo à frente, através de uma
campina e atrás de um grupo de árvores. Dan deixou escapar um longo
suspiro. Lar.
Nellie estacionou em frente da porta da cozinha e desligou o motor.
— Vamos acessar a rede Cahill e ver se há algum alerta.
Pendurando suas jaquetas no átrio, eles tomaram as escadas pulando dois
degraus de cada vez. Eles não usavam muito da casa agora – apenas a cozinha, os
quartos e a biblioteca de Grace, um lugar onde muitas vezes se reuniam no final
da tarde, com um fogo na lareira, a cabeça de Amy inclinada sobre um livro. Dan
a ouvia perambular pela casa à noite. Ele sabia que não havia nada que ele
pudesse fazer para sumir com sua tristeza.
Eu sou uma das crianças mais ricas do planeta, e não posso fazer nada.
Há dois anos, após a caça às 39 pistas, Amy fizera um grande plano para
reformar a mansão da avó deles. Ela sabia que havia problema chegando, então
construiu um centro de comando, com um monte de quartos de hóspedes,
banheiros e uma cozinha separada, caso os Cahill precisassem ficar por lá.
Amy tinha até comprado um satélite em órbita para suas necessidades de
comunicação, que ela nomeou de Gideon por causa do primeiro Cahill. Ajudava
bastante ter um zilhão de dólares. Amy não era o tipo de garota que comprava
suéteres e bolsas. Ela comprava satélites. Isto praticamente fazia dela a irmã mais
legal da galáxia, ele imaginava.
Agora Dan usava o computador do centro de comando para manter pelo
menos dois jogos de xadrez ao mesmo tempo com seu melhor amigo, Atticus
Rosenbloom, que vivia em Roma, com seu irmão, Jake. Dan sabia que algo não
estava bem entre sua irmã e o Jake agora, mas ele preferia comer um prato de
geleia de salamandra do que perguntar a ela sobre isso.
Quando ele entrou na sala, viu imediatamente que ele tinha perdido. Atticus
tinha deixado uma mensagem: PERDEDOR.
Perdi para um garoto de onze anos. Bem, pelo menos o Atticus era um
gênio. Ele já tinha se graduado no ensino médio e fora aceito por Harvard, Yale e
pela Universidade de Chicago. Dan escreveu de volta: NÃO POR MUITO
TEMPO.
Ele viu sua irmã estremecer quando passou pela entrada. Ele sabia que este
quarto a lembrava de Evan.
Saladin se esfregou contra seus tornozelos e ele o pegou. Colocou o gato no
colo quando se sentava em frente ao computador principal. Ele começou a
verificar o mural dos Cahill.
— Nada fora do comum — anunciou. Ele deixou escapar um suspiro de
alívio. Pelo menos sua família estava segura.
Nellie se sentou no segundo computador, a testa franzida.
— Seu sistema de alerta pessoal está apitando que nem louco, no entanto.
Olha todos esses acessos.
Amy se inclinou sobre seu ombro.
— É um site de fofoca — ela disse, em tom surpreso.
Nellie clicou no link, e uma imagem apareceu. Amy e Dan na frente da sede
da Interpol.
CAHILL MIMADOS ROUBAM OBRAS DE ARTE POR DIVERSÃO!,
gritava o título. Embaixo, em fonte menor, estava: Alegam que os roubos foram
“apenas pegadinhas”. Teriam pago por sua liberdade?
— O quê? — Amy exclamou.
— Nós nunca falamos que os roubos foram pegadinhas! — Dan protestou.
— E não subornamos ninguém! E a Interpol entendeu totalmente que a gente
roubou aquelas coisas para resgatar os reféns!
— E eles concordaram em deixar a história em off. — Amy disse. — Então
como um site de fofoca conseguiu essa foto?
Nellie engoliu em seco.
— Eu tirei essa foto. Meu celular foi hackeado!
— Mas foi só essa manhã. — Amy apontou.
— Eu só notei essa manhã — Nellie corrigiu, sua voz sombria enquanto ela
clicava em mais links. — Pode ter acontecido semanas ou meses atrás. Eu quase
não uso a câmera.

CRIANÇAS CAHILL FOGEM DAS ACUSAÇÕES DE ROUBO

A fotografia foi tirada anos atrás, Dan e Amy andando de patins.


— Essa foto é minha com toda a certeza. — Nellie disse. Ela começou a
digitar freneticamente. — Eu tenho que fazer o nosso gênio da tecnologia dar
uma olhada nisso.
Dan cutucou a Nellie para que ele pudesse tomar seu lugar no teclado do
computador.
— Olha para isso — ele disse. — É de hoje.
Amy viu uma fotografia de si mesma que pulando sobre uma lápide. Sua
boca estava aberta, o cabelo estava voando, e parecia que ela estava rindo. Ela
sabia o momento em que a fotografia foi tirada. Ela estava gritando para a jovem
que havia levantado a câmera em seu rosto. Mas comparando com o título da
matéria, parecia que ela estava tendo o melhor momento de sua vida.
AMY DIZ: “CADÁVERES SÃO LEGAIS”
CRIANÇAS CAHILL ESCOLHEM CEMITÉRIO HISTÓRICO PARA UMA
FESTA SELVAGEM

— Estão fazendo a gente parecer pirralhos ricos e mimados. — Amy disse.


— Como isso aconteceu?
Dan clicou para passar a foto, e rapidamente saiu da página.
— Isso é um monte de baboseira. Não precisamos ver isso.
— O que foi? Vamos, eu já vi o pior — Amy clicou no botão para voltar.
Ela prendeu a respiração quando o rosto de Evan apareceu.

A MORTE TRÁGICA QUE ASSOMBRA AMY


Ela foi a causa da morte do seu primeiro amor?

Dan olhou para o rosto arrasado de sua irmã. Rapidamente ele tirou da
página.
— Não importa o que diz. É só lixo.
— Ele só estão tentando criar polêmica — Nellie falou. — Não há muita
coisa acontecendo com as celebridades de Hollywood, então escolheram um alvo
novo. O que não entendo é por que vocês dois. E por que o ataque de hoje.
— Você acha que eles estão conectados? — Amy perguntou.
— Os dois são ataques, não são? — Nellie disse, tirando o teclado de Dan.
Ela começou a clicar e descer a tela. — Um foi físico, e o outro em suas
reputações.
Nellie rapidamente compilou as histórias em uma planilha. Dan a viu
clicar e arrastar, em busca de um padrão.
— Vamos colocar esses sites e tabloides num site de busca e ver quais são
as empresas-mãe deles — Nellie disse. Em minutos, eles tiveram o resultado.
— Eles são todos de propriedade de um aglomerado de mídias. — Amy leu.
— Founders Media.
— Nunca ouvi falar — Dan respondeu.
— É de um cara rico chamado J. Rutherford Pierce — Nellie disse. — Eu
não sabia que ele era proprietário de sua própria companhia de mídias.
— Você já ouviu falar dele? — Amy perguntou.
— Claro. — Nellie disse. — Quero dizer, não é minha praia – se você não
está em um programa de cozinha, eu não sei quem você é, basicamente – mas ele
é tipo um grande comentarista político. Ele tem seu próprio programa de TV e
rádio, e seu Twitter tem mais de um milhão de seguidores. Nunca ouviu falar dos
“Piercers”?
Ao ver os rostos completamente confusos de Amy e Dan, ela voltou ao
teclado novamente.
— É como ele chama seus seguidores. “Piercers”. Seu programa se
chama Intelecto Perfurante. Eles tem essa veneração pelos Fundadores e blá blá
blá. Olha, não me entenda mal, os Fundadores eram caras legais, mas se você
pensar sobre isso, o que eles saberiam sobre, você sabe, as mudanças do clima, as
dívidas europeias...
— Nellie? — Dan deu um giro em sua cadeira. — Está perdendo a gente.
— Aqui, a biografia do Pierce.
Amy a olhou rapidamente.
— Nascido no Maine, foi a quarta geração a entrar em Harvard... mas
olha, seu currículo de negócios não é tão bom se você ler nas entrelinhas. Três
companhias no qual ele trabalhou faliram. E então ele concorreu para o senador
do estado e perdeu...
— Dois filhos, Galt e Cara, e olha, eles tem as nossas idades, treze e
dezesseis. E uma esposa, Debi Ann — Dan leu. Ele estudou a foto dela. —
Cabelo estilo capacete.
— Ele comprou um jornal e foi assim que ele conseguiu sua fortuna. —
Nellie continuou. — Olha, é só relatório parlamentar padrão. Não nos dá a coisa
verdadeira. Nós vamos ter que cavar fundo para isso.
— Olha as datas. — Dan disse. — Ele comprou esse jornal há dez anos.
Mas, de repente, nos últimos seis meses ele vem adquirindo coisas como revistas
e emissoras de TV e sites...
— Você está certo, Dan. — Nellie notou. — Ele construiu um império da
mídia em menos de um ano. Como se faz isso? Ele deve ser um megagênio.
— Um megagênio que não terminou Harvard — Dan observou. — Ele
terminou na Faculdade Comunitária Politécnica de Springfield. Onde seu pai
construiu o novo centro aquático moderno.
— Isso é um monte de informações — Nellie disse. — Mas não diz muita
coisa. E definitivamente não diz porque ele está atrás de vocês.
Dan girou na cadeira três vezes. Então parou, colocando uma mão na mesa.
— Nós não vamos descobrir só ficando sentados aqui — ele disse. — Nós
devíamos apenas perguntar para o cara.
— Você não simplesmente parte para cima de um cara assim — Amy
respondeu. — Você tem que passar por uns sete assistentes e por um monte de
recepcionistas, e então ele diz não.
— Então nós o emboscamos — Dan disse.
Amy assentiu.
— Nós vamos ter que seguir sua rotina... escolher um local provável... É
factível, mas precisaremos de alguma vigilância.
— Eu amo quando você começa a falar como uma espiã mirim — Dan
disse. — Ou, nós podemos simplesmente aparecer aqui.
Ele estendeu a mão por sobre o ombro de Nellie para ampliar uma das
janelas no computador.

RUTHERFORD PIERCE LEVARÁ REPÓRTERES NUM TOUR NA SEDE


DA FOUNDERS MEDIA NO CENTRO DE BOSTON
Protestos planejados.

— Conseguiremos chegar a Boston a tempo? — Amy perguntou.


Nellie sorriu.
— Se eu dirigir, conseguiremos.
Capítulo 4
Eles pularam no jipe e Nellie acelerou o carro pela longa estradinha curva.
Ela digitou o código e os portões elétricos se abriram.
Carros estavam agora estacionados nas margens gramadas da pista, todos
em ângulos esquisitos. Fotógrafos saltaram para frente, com os rostos
obscurecidos pelas câmeras.
O barulho das câmeras clicando soava como uma centena de grilos em uma
noite de verão.
— Abaixem-se! — Nellie gritou.
Amy se abaixou, mas não antes de ver uma câmera tirando uma foto de seu
rosto assustado.
Nellie acelerou o motor e passou rapidamente por eles. Ainda tirando fotos,
os fotógrafos correram para seus carros.
— Você consegue despistá-los? — Amy perguntou, seu coração acelerado.
Ela se sentia caçada e encurralada.
— Tá brincando? — Nellie acelerou pela rua, em seguida, fez uma curva à
direita para uma estrada curta de terra. Ela chiou por cima dos arbustos para se
desviar da entrada de uma garagem. — Os Fieldstones não vão ligar. — ela disse.
— Eu dei a Marylou minha receita de bolo de café.
Ela saiu da calçada, pulou em um campo gramado, contornou uma rede de
badminton, em seguida, fez uma curva fechada à direita para uma estrada
secundária que corria ao longo de um lago.
— Nós podemos pegar a autoestrada daqui.
Nellie fez várias curvas rápidas e se aproximou da rodovia. Ela virou o
carro para a pista de retorno sob a placa escrita BOSTON.
— Viu? — Ela disse confiante. — Tudo limpo.
Dan se contorceu atrás dela.
— Uh, não. Eu acho que estou vendo aquele Toyota vermelho de novo. E
outros carros. Eles devem ter adivinhado que nós iriamos para a cidade.
A viagem foi curta e tensa. Nellie ia tão rápido quanto ousava, mas os
carros continuavam se aproximando, tentando conseguir uma foto. Os fotógrafos
atravessaram três faixas de tráfego, tirando fotos pendurados na janelas, em cima
dos tetos solares.
— Tem alguns chapéus aí atrás — Nellie disse. — Tentem cobrir o rosto,
daí eles não vou conseguir tirar foto de vocês. Talvez eles desistam.
Dan remexeu pelos chapéus. Ele segurou um sombrero mexicano.
— Ahn, Nellie?
— Noite do chapéu de graça na Cantina do Don José. — Nellie explicou.
— Vocês tem que provar as chimichangas.
— Já ouviu falar do Dia do Boné no estádio? — Dan resmungou.
Ele vestiu um chapéu de inverno xadrez com protetores de orelha e
entregou a Amy um chapéu de praia de lona. Ela o puxou até as sobrancelhas.
Ela não conseguia ouvir os estalos das câmeras, mas sentia
seus cliques martelando dentro de seu cérebro.
Nellie puxou o volante de repente para a direita e saiu da estrada, deixando
dois carros cheios de fotógrafos para trás, com olhares cômicos de surpresa em
seus rostos.
— Até mais, otários! — Nellie zombou enquanto atravessava com toda
velocidade o farol na luz amarela, fazia duas curvas sucessivas rápidas à direita,
e, em seguida, mergulhava no tráfego notório de Boston.
Depois de alguns minutos de fuga, Nellie parou em uma faixa de ônibus
com um grito de satisfação.
— Eu domino Beantown!
Eles esticaram o pescoço e olharam para cima do esqueleto de um arranha-
céu do outro lado da rua.

Um motorista de ônibus atrás deles jogou o peso sobre a buzina.


— Mandem uma mensagem quando terminarem — Nellie disse. —
Encontro vocês aqui.
Ignorando o som da buzina, Nellie examinou a calçada.
— Tem um monte de seguranças. Como é que vocês vão entrar?
— Só siga minha primeira regra da vida — Dan disse, saindo do jipe. —
Todo mundo precisa comer.

***

Quinze minutos depois, Amy e Dan caminharam até ao lado da construção,


os dois carregando um saco de comida. O aroma tentador das almôndegas saía
dali.
Três operários da obra estavam sentados em um banco improvisado de
madeira e tijolos, logo na frente de uma porta marcada com CANTEIRO DE
OBRAS: NÃO ENTRE.
— Vocês conhecem o Joe? — Dan perguntou, mostrando o saco. — É o
pedido dele.
— Apenas entre lá e chame — um deles respondeu. — Ele deve estar no
escritório.
Amy e Dan entraram pela porta.
— Como você sabia que havia um cara chamado Joe que trabalhava aqui?
— Amy perguntou enquanto eles deixavam o saco de comida em uma mesa.
— Essa é a minha segunda regra da vida — Dan respondeu. — Sempre tem
um cara chamado Joe.
Ele pegou dois capacetes amarelos e jogou um para Amy.
— Está começando a me assustar o quanto você sabe sobre invasão de
domicílio — Amy observou, colocando o capacete.
Eles ficaram no hall de entrada, se perguntando por qual caminho deveriam
ir. O edifício tinha vigas e gessos que marcavam algumas salas. Pilhas de
madeira e vidro estavam espalhadas, juntamente com rolos de isolamento e
longos feixes de vergalhões. Baldes de plástico apoiavam xícaras de café vazias e
pedaços de metal e madeira. Pintado com spray laranja nas paredes havia letras e
números misteriosos. Grandes colunas de concreto sustentavam o espaço, e
poeira flutuava no ar através dos feixes de luz.
— Eu sinto cheiro de algo — Dan disse.
— Perigo? — Amy perguntou.
— Perigo cheira como biscoitos?
Amy cheirou o ar.
— E café.
— Se tem um tour, talvez haja café para a imprensa. — Dan observou. —
Talvez a gente possa se misturar entre eles sem sermos notados.
Seguindo seus narizes, eles foram para a parte frontal do edifício. Logo
conseguiram ouvir vozes murmurando.
— Eles estão murchos — alguém disse.
— Olha, eles são de graça. O café não tá tão ruim.
Amy e Dan espiaram ao redor do muro. Cerca de uma dúzia de repórteres
devorava biscoitos e engolia os cafés em canecas de papéis.
Eles se esgueiraram e ficaram na borda do grupo.
— De onde vocês são? — um dos repórteres perguntou a Dan. Ele tinha um
cabelo vermelho espetado e parecia tão jovem quanto eles.
— Uh... em uma revista infantil nacional — ele respondeu. —
Homeschooling Mensal.
O cara assentiu.
— Parece legal. Eu queria ter tido aulas em casa. Só não com, você sabe,
meus próprios pais. Eu sou de uma revista virtual, Celebrity Dish.
— Ela não é da Founders Media? — Amy perguntou. — Então, o Sr. Pierce
é meio que seu chefe?
Ele deu de ombros.
— Todos somos parte da companhia. Sua revista também, você só não sabe
disso. Você acha que esse cara quer divulgação ruim? Ele já tem uma pilha de
violações neste edifício. Está lançando uma sombra num jardim da comunidade –
você viu os manifestantes? E algum pobre homem que trabalhava na construção
foi morto no mês passado. Eles estão construindo com tanta pressa que inspetores
de segurança estão bafejando em seus pescoços... e então eles desaparecem
misteriosamente. Ei, você já tem a sua pergunta pronta? Só podemos fazer uma.
Eu vou perguntar qual é a cor do pijama que ele veste.
— Você vai perguntar sobre pijamas? — Dan perguntou.
— Eu não vim aqui para ganhar um Pulitzer, cara. Só quero manter o meu
emprego. Se o Pierce dizer bolinhas, eu já tenho uma matéria.
— Amei essa notícia contundente — Dan murmurou.
Uma jovem elegante de terno vermelho entrou na sala, seus saltos estalando
pelo chão. Ela usava, Dan percebeu, um pequeno fone de ouvido debaixo do
cabelo, um fio prateado fino pairando perto do canto de sua boca.
— Olá, pessoal! Eu sou Arabella Kessler. Sou a assistente pessoal do Sr.
Pierce, e vou acompanhá-los vocês da sala de estar para a sala da recepção. —
Ela balançou seu capacete amarelo. — Vamos todos colocar o capacete! Agora
me sigam ao sexagésimo quinto andar!
Eles seguiram Arabella Kessler e seus saltos barulhentos até um grande
elevador, na lateral do edifício. Os repórteres se enfiaram ali dentro. O elevador
subiu e subiu, muito acima da cidade. Uma rajada de vento balançou o elevador
feito de tela de arame. Alguns dos repórteres ficaram verdes.
— A melhor vista de Boston. — Arabella disse, e abriu a porta.
Eles saíram em um espaço semelhante ao piso térreo. Concreto, pilhas de
vidro, máquinas desocupadas. Fios pendiam da grade do teto, enrolados como
cobras prestes a dar o bote.
A sala tinha sido enquadrada com colunas metálicas. Em uma das
extremidades um púlpito havia sido colocado, com cortinas vermelhas
penduradas atrás dele. O vento soprava através do espaço aberto. Mesmo que
eles não estivessem nem perto da borda, Amy estremeceu.
Os repórteres se agruparam nervosamente. Todos se sentiam expostos, tão
acima da cidade, sem paredes para protegê-los.
Arabella Kessler ficou atrás do púlpito e falou ao microfone. Sua voz ecoou
e saltou de um pilar de concreto para outro.
— Bem-vindos ao sexagésimo quinto andar da nova sede da Founders
Media, o conglomerado de mídias número um nos Estados Unidos!
Houve silêncio, então poucas pessoas aplaudiram. Aparentemente era o que
os outros deveriam ter feito.
— Sim, não é emocionante? O design inovador da sede da Founders Mídia
incluirá um complexo de um quarteirão com três prédios distintos, todos unidos
por passarelas para pedestres! Os edifícios vão oferecer escritórios, varejo,
restaurantes e os estúdios de televisão da Founders. Depois de uma breve
conferência de imprensa durante a qual vocês poderão fazer suas perguntas pré-
aprovadas, vocês terão um tour pessoal na inovadora sede da Founders Media
liderado pelo próprio J. Rutherford Pierce. Senhoras e senhores, eu lhes
apresento J. Rutherford PIERCE! — Ela quase gritou seu último nome.
Um homem alto, com cabelos grisalhos e um sorriso de estrela de cinema
atravessou as cortinas. As luzes ricochetearam em sua pele lustrosa. Ele parecia
brilhante e saudável e pronto para enfrentar o mundo.
— Estou tão feliz de estar aqui hoje, meus amigos! — ele disse, tomando o
lugar no pódio. — Responderei algumas perguntas antes do tour.
— Qual é seu segredo para o sucesso? — alguém perguntou.
— Trabalhar duro e amar seu país.
— O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
— Brincar com o meu cachorro, Sport, e grelhar uma boa carne!
— Contanto que ele não grelhe o Sport — Dan murmurou para a Amy. O
repórter ao lado deles ouviu e tentou segurar uma risada.
— Como você explica sua ascensão espetacular?
— Eu trabalhei muito duro e amei meu país.
Dan gemeu no ouvido de Amy.
— Falando em perguntas chatas. Como é que vamos falar com ele?
— No tour — ela disse.
— Não com todos esses manipuladores por perto. Eu sugiro que a gente
agite um pouco as coisas — ele ergueu a voz. — Quanto custa nesses dias
subornar um inspetor de segurança?
Os repórteres ficaram instantaneamente em silêncio. O repórter ruivo se
virou e gesticulou freneticamente para o Dan calar a boca.
— Quero dizer, o custo aumenta ou abaixa, dependendo de quão perto você
está de terminar o prédio? — Dan continuou.
— Desculpe, eu não consegui ouvir — Pierce espiou a plateia, mas não
conseguiu ver Amy e Dan, que estavam atrás de repórteres mais altos. Seu olhar
se desviou para Arabella Kessler, sujo olhar afiado escaneou a plateia.
— Alguma outra pergunta? — ele olhou para os repórteres.
— E quanto ao trabalhador que foi morto? — Amy perguntou. — Será que
isso aconteceu porque o senhor está cortando fundos na segurança?
O jornalista ruivo lançou um olhar de admiração a Amy e Dan. Amy o viu
dar de ombros. Ele levantou a mão.
— E como a viúva dele conseguiu um milhão de dólares se ele não tinha
seguro de vida? Ela foi paga?
— Importa-se de comentar sobre isso? — alguém gritou.
Pierce piscou uma vez. Duas vezes. Seu sorriso não oscilou. Ele girou em
direção a Arabella Kessler. Ela foi para frente rapidamente enquanto Pierce
desaparecia atrás da cortina vermelha.
— Nós estamos sem tempo! — ela anunciou alegremente. — Houve um
imprevisto, e o Sr. Pierce precisa ir. Eu dirigirei o tour.
Amy exclamou:
— Ei, e as fotos?
Os repórteres assumiram a questão e começaram a gritar com Arabella
Kessler. Amy e Dan se moveram rapidamente para frente e entraram atrás da
cortina, à procura de Pierce.
— Lá está ele — Amy sussurrou.
Atrás de uma coluna de concreto, eles viram Pierce escolher seu caminho
em torno de uma pilha de pisos de madeira.
Desviando-se de baldes e ferramentas e rolos de faixas de isolamento, eles
encontraram Pierce enquanto este se movia através do edifício. Eles podiam ver
que ele estava indo em direção aos elevadores do lado leste do edifício.
— Sr. Pierce! — Amy gritou, correndo atrás dele. — Nós temos uma
pergunta!
Ele virou, seu sorriso congelou. Amy viu algo atravessar seu rosto quando
ele a viu: reconhecimento.
Ele sabe quem somos.
E, em seguida, um segundo pensamento, mais surpreendente enquanto seus
olhos cinzentos permaneciam no rosto dela.
Ele me odeia.
— E quem seriam vocês? — ele perguntou.
— Você sabe quem somos — Amy respondeu. — Amy e Dan Cahill. As
crianças que você esteve atormentando através de suas mídias.
— Eu não tenho nada a ver com os conteúdos nas minhas revistas e nos
meus sites — Pierce respondeu. — É disso que se trata o Terceiro Aditamento,
imprensa livre.
— Primeiro Aditamento — Amy devolveu, e notou duas manchas
vermelhas nas bochechas dele por causa de sua correção. — E a liberdade de
imprensa significa que o governo não pode censurar a mídia. Isso não significa
que o senhor não pode proibir seus funcionários de escrever histórias
sensacionalistas e mentirosas apenas para vender jornais.
— Mas meu trabalho é vender jornais, mocinha — Pierce disse. — E
revistas, e conteúdo de sites. Mas se está chateada sobre algo, sugiro que contate
o escritório da imprensa. Eles lhe guiarão até a pessoa certa.
— Você é a pessoa certa — Dan disse. — Você é o chefe.
Dois seguranças apareceram, usando bonés e óculos escuros. Amy e Dan
não os ouviram chegar, mas lá estavam eles, tão sólidos e inflexíveis quanto os
pilares de concreto ao redor deles.
— Ei, camaradas — Pierce disse para eles. — Deus, é por isso que temos
um tour guiado, crianças. Vocês não podem ficar vagando por aí sozinhos. As
construções são lugares perigosos. Acidentes acontecem facilmente quando se
está sessenta e cinco andares acima do solo em um arranha-céu sem paredes.
Especialmente quando se é os aventureiros Cahill! Nós não queremos que vocês
morram agora, não é?
Amy olhou para ele, assustada. Ele estava mesmo os ameaçando?
Impossível. Ele era um homem de negócios. Uma grande celebridade da mídia...
— Mostrem-lhes a eles a saída, senhores — Pierce disse aos guardas de
segurança. — A saída rápida, digo.
Dan se dobrou e espirrou várias vezes. Enquanto Pierce se afastava, com
uma expressão de desgosto em seu rosto por causa dos espirros, Dan mergulhou
a mão no balde de plástico ao lado e, em seguida, a enfiou no bolso.
Pierce rosnou para os seguranças.
— Por que vocês continuam parados aí?
Um dos guardas grosseiramente empurrou Dan para a frente.
— Anda.
Os seguranças os levaram na direção oposta dos repórteres. A mente de
Amy acelerou. Algo não estava certo. Por que eles não estavam sendo levados de
volta para o grupo?
Eles estavam sendo encurralados em direção à extremidade do edifício.
Saíram do corredor de gesso, e Amy, de repente teve a visão desbloqueada de
Pierce. Ele apertava repetidamente o botão do elevador. A partir desta posição
Amy também podia ver o que Pierce não podia – a multidão de repórteres
correndo na direção dele, Arabella atrás, agitando os braços. Pierce não podia vê-
los... mas podia ouvi-los. Ela pode dizer pelo olhar severo de irritação em seu
rosto.
Aconteceu em um estalar de dedos. Amy piscou quando Pierce pegou uma
corda pendurada nas proximidades, pulou para o ar vazio, em seguida, caiu na
ponte estreita de metal parcialmente concluída um andar abaixo. Ele rapidamente
a atravessou por ela, sessenta e quatro andares acima da cidade, e em seguida,
entrou no esqueleto do prédio ao lado e desapareceu.
O que foi isso? O cara tinha acabado de pular três metros, aterrissado em
uma viga... e se equilibrado através dela?
— Anda, mocinha — um dos homens disse, empurrando Amy.
Os guardas os empurraram através de uma cortina espessa de folhas de
plástico. Ali, a construção não estava tão avançada quanto no resto do andar.
Vigas estendiam-se no ar vazio. Não havia gesso algum, apenas um piso de
concreto. Equipamento de construção os rodeava. Um pedaço de fita amarela
atuava como uma frágil barreira entre eles e ao ar livre.
— Opa, sem elevador. Acho que nós nos enganamos — um dos seguranças
disse. — Então acho que vocês terão que pegar o caminho mais rápido para
descer.
— Você tá zoando? — Dan perguntou.
— Eu não sei — o guarda disse com um sorriso horrível. — Estou?
Os dois homens os empurraram mais perto da borda. Amy e Dan tiveram
que se afastar.
— Qual é, vocês são aventureiros, não são? — o outro disse. — Vamos ver
o que vocês podem fazer. Se andarem nas vigas, podem quase chegar ao prédio
ao lado. Se puderem pular essa distância — ele gargalhou.
Eles estavam perto da borda agora. Amy não queria olhar para baixo, mas
não podia evitar. Ela podia ver pequenas pessoas que se deslocavam abaixo,
carros e ônibus que se pareciam com os brinquedos que Dan costumava deixar
espalhados pelo chão, quando tinha cinco anos.
— Você está me assustando! — Dan disse de repente. Ele estremeceu, as
duas mãos em seus bolsos. — E-eu tenho medo... de altura! NÃO! NÃO! — ele
gritou.
— Cala a boca, pirralho!
Dan se moveu como um raio. Suas mãos saíram dos bolso e ele jogou
esferas de aço no chão entre eles.
Amy não precisou que dissessem algo. Ela sabia o que Dan estava
planejando apesar de nenhuma palavra ter sido trocada entre eles. Ela e Dan
correram na direção oposta das bolas descontroladamente rolantes. Ouviram os
palavrões dos guardas enquanto eles balançavam os braços descontroladamente,
tentando manter o equilíbrio e correr ao mesmo tempo. Ambos caíram no chão.
Amy e Dan sabiam que eles tinham apenas alguns segundos antes que os
seguranças fossem atrás deles novamente. Eles atravessaram as folhas de
plásticos grossas e começaram a correr.
— Por aqui — Dan disse, apressando-se por um corredor.
Amy o seguiu sem questionar. Ela sabia que a memória fotográfica de seu
irmão tinha gravado o layout do andar em sua cabeça. Ele provavelmente os
estava levando de volta ao elevador que tinham tomado para chegar até lá, na
esperança de que Arabella tivesse finalmente encurralados os repórteres. Haveria
segurança em uma multidão.
Eles ouviram o farfalhar da tela de plástico, em seguida, o tum-tum de
passos correndo. Os guardas estariam sobre eles a qualquer momento.
Em seguida, Amy ouviu o zumbido do elevador. Dan já havia seguido em
direção ao som.
— Eles estão ali! Pegue eles! — Eles ouviram as vozes guturais atrás deles,
mas seria perda de tempo se virar. Eles só tinham segundos agora.
Eles irromperam para fora do corredor bem a tempo de ver a metade
superior do elevador enquanto os repórteres desciam passando pela altura chão.
— Nossa única chance. — Amy disse ao Dan. — Vamos.
Ambos correram em direção à gaiola que descia e pularam.
Amy sentiu a gaiola chacoalhar quando ela pousou. Dan pousou ao lado
dela. Arabella Kessler gritou, e um dos jornalistas gritou: “Ei!”
Amy e Dan caíram de joelhos e entrelaçaram os dedos através da tela. O
vento frio ameaçou derrubá-los do topo da gaiola. Amy olhou para baixo através
da gaiola de arame. O rosto irado de Arabella a encarava.
— Descendo? — Dan perguntou.
Capítulo 5
— Aquilo foi bem — Nellie disse, girando o volante ferozmente enquanto
pegava a rodovia para Attleboro. — Só uma observação: supõe-se que as pessoas
devam viajar dentro do elevador. Vocês estão malucos?
— Nós só estávamos tentando fugir! — Dan protestou. — Você tinha que
ver aqueles caras! Eles iam nos matar!
— Ou nos assustar — Amy acrescentou.
— Nos matar de susto — Dan observou. — Nós poderíamos ter virado
panqueca no pavimento!
Amy balançou a cabeça em frustração.
— Por que esse Pierce nos escolheu como alvo? Não é só para vender
jornais.
— Ele nos reconheceu, Amy — Dan lembrou. — De alguma maneira, ele
conhece a gente. Você viu o jeito como ele olhou para você?
Amy estremeceu ao se lembrar daquele olhar, cinza gelado e implacável.
— Ele me odeia. E eu nunca o encontrei antes de hoje!
— Uou, se abaixem! — Nellie gritou de repente. — Os abutres ainda estão
circulando.
Uma fileira de carros ainda esperava do lado de fora dos portões dos Cahill.
Nellie forçou o motor enquanto os portões se abriram e se voltaram para dentro.
Assim que eles estavam fora de vista, Amy e Dan ergueram-se novamente.
Dan estendeu o telefone para Amy com um gemido. Havia uma foto no site
da Exploiter de Dan e Amy se equilibrando em cima da gaiola do elevador. Eles
estavam fazendo uma careta pelo esforço de se segurar, mas pareciam sorrir. A
manchete era CAHILL COLOCAM PEDESTRES DE BOSTON EM PERIGO
POR DIRVESÃO.
Amy apertou a cabeça com as mãos.
— Isso é um pesadelo. E nem sequer temos uma pista. Esse homem
apareceu do nada.
— Todo mundo tem uma história — Dan lembrou. Ele caçou algo em seu
bolso. — E um dos seguranças deixou isso cair. — Ele ergueu um pedaço de
papel.
— É uma nota fiscal de um pedágio de Nova Jersey — Amy falou,
examinando-o. — Isso não nos diz muita coisa.
— Bem, podemos colocá-los na estrada em uma determinada data e hora —
Dan respondeu. — Talvez Pierce tenha estado em algum lugar ao sul de Nova
Jersey nesse dia, e quem sabe possamos ir até lá e descobrir alguma coisa.
— Vale a tentativa — Amy concordou.
O telefone de Nellie apitou enquanto ela destravava a porta de trás.
— Espero que seja Pony — ela disse.
— Ela falou alguma coisa sobre um pônei? — Dan perguntou a Amy
enquanto eles tiravam seus casacos.
— Nosso cara da tecnologia — Nellie murmurou enquanto lia a mensagem.
— Ele está reportando sobre o meu celular ter sido hackeado. O Pony é rápido.
— Ela disse que tem um pônei rápido? — Dan perguntou. — Por que
sempre somos os últimos a saber das coisas?
Enquanto Nellie digitava um número, Dan e Amy subiram as escadas de
volta para o centro da comunicação. Quando eles ligaram os computadores, um
alerta vermelho apareceu. Ao mesmo tempo, eles ouviram o som de passos
apressados e Nellie irrompeu na sala.
— Desligue o sistema! — ela gritou. — Vão ao Nível Cinco!
Rapidamente Dan digitou no teclado. O sistema fora projetado para desligar
e reiniciar, como se tivesse havido um surto de energia. Mas todas as
informações sobre as unidades do disco rígido seriam limpas e substituídas –
nomes dos contatos dos Cahill, endereços, casas seguras – tudo seria falso, com
partes verdadeiras o suficiente para enganar até mesmo o hacker mais astuto.
Quem violasse a rede não saberia que os Cahill estavam preparados.
Nellie inclinou-se por sobre o ombro de Dan enquanto a tela ficava preta,
em seguida, reiniciava imediatamente.
— Eu não sei o que está acontecendo, mas o Pony disse para desligar.
Só então o telefone de Amy tocou, e ela checou o número. Ela lançou um
olhar questionador a Dan.
— É o Sr. Smood — ela revelou, falando do advogado e sócio de McIntyre.
— Está tudo bem, você pode falar no celular, só não use o e-mail. — Nellie
respondeu.
— Amy, é você? — O tom usual calmo de Henry Smood era agitado. —
Tenho uma notícia inquietante para você. Parece que você está sob investigação
federal por peculato. Eles têm um mandado de busca. Você tem que deixá-los
entrar, mas não responda a nenhuma pergunta até eu chegar aí. Nenhuma, está
me ouvindo?
— Mas nós não fizemos nada errado! Não temos nada a esconder.
O Sr. Smood limpou a garganta.
— Ah. E pessoas inocentes nunca vão para a cadeia.
— Ok, entendi o que quer dizer — ela respondeu. — Vamos manter nossa
boca fechada.
— Tudo bem, segure a fortaleza. Estou chegando.
— Mas você acabou de sair de uma cirurgia.
— Eu me dei alta. Não preciso do meu apêndice. Mas você precisa de um
advogado.
Amy ouviu o clique afiado do receptor. Ela nunca tinha ouvido o Sr. Smood
parecer tão enervado.
Dalí de cima, as batidas na porta não foram muito altas, mas eram
insistentes.
Dan correu para a janela.
— Eles estão aqui — anunciou.
Capítulo 6
Os agentes foram educados, mas eficientes. Invadiram a casa, dando
atenção especial para o centro de comando. Ficou claro que os dois estavam
impressionados e desconfiados pela complexidade do sistema de computador.
Eles empacotaram e levaram tudo. O Sr. Smood apresentou-se e se sentou com
Dan e Amy na mesa da cozinha, enquanto os agentes levavam arquivos e
computadores da casa. Nellie fez chá e trouxe os rolinhos de canela que assara
naquela manhã. Ninguém queria comer.
Uma chuva fria e forte começou a cair. Finalmente, os agentes foram
embora. Enquanto isso, a presença dos veículos federais negros inflamaram
os paparazzi. Eles se atreveram a subir ao longo do muro de pedra e estavam no
gramado, ocupados filmando e tirando fotografias.
— Somos prisioneiros — disse Amy, espiando detrás de uma cortina
quando os fotógrafos clicavam os agentes que carregavam caixas e equipamentos
para fora.
Os agentes federais entraram em seus carros e foram embora. O Sr. Smood
saiu, prometendo chegar ao fundo da questão. Logo, mesmo os paparazzi
obstinados desistiram e correram para os seus carros. Um por um, os carros
foram embora.
Amy pegou um rolinho, quebrando em pedaços com os dedos. Ela não
conseguia se lembrar de uma época em que se sentiu tão impotente. Sem seus
computadores, eles não poderiam seguir o seu esguio boicotador. Alguém deu
três batidas rítmicas na porta dos fundos. Eles mal ouviram por sobre o som da
chuva. Cautelosamente, Nellie abriu a porta.
Um rapaz de cerca de dezenove anos cambaleou para dentro, a capa de
chuva escorrendo água por seus tornozelos e pelo chão da cozinha. Seu cabelo
estava preso em um rabo de cavalo úmido, e seus óculos de armação preta
estavam embaçados. Ele parecia um cruzamento de texugo afogado com o
monstro de Lago Ness. Estendeu os braços como Frankenstein, cego por seus
óculos embaçados.
— Uh, Nellie?
Nellie esticou o braço e tirou seus óculos. Ela limpou-os em sua camisa.
— Você deve ser Pony.
— Como você sabe?
— Eu sou um gênio — disse ela, entregando-os de volta para ele. — Vamos
lá, sente-se. Eu vou pegar uma toalha. Esta é Amy e ele é Dan. Gente, esse é
Pony, nosso conselheiro tecnológico.
— Eu prefiro cowboy digital — disse Pony.
— Vocês dois nunca se encontraram? — perguntou Amy.
— Somente online — explicou Pony, dando de ombros. — Eu não sou uma
pessoa analógica.
— Sente-se, parceiro — Nellie convidou-o, repassando-lhe vários panos de
prato. Enquanto ele se secava, ela voltou-se para Amy e Dan. — Ele criou nosso
sistema e o vem mantendo desde então. E, aparentemente, nós temos um
problema.
— Um problemão — disse Pony. Seu rosto longo e triste dava-lhe a
aparência de um cão de caça, e quando ele lambeu os lábios enquanto olhava
para os rolinhos de canela, a semelhança se tornou completa.
Amy empurrou o prato para ele.
— Sirva-se.
Ele pegou um rolo e terminou-o em duas mordidas.
— Ok. Suas informações perdidas estão fora do mapa, mas há esperança.
Eu posso construir o sistema novamente – só vai levar um tempo. Por isso eu
trouxe isso para você — ele abriu a capa de chuva, revelando um grande bolso
interno — este bebê — ele falou, deslizando para fora um pequeno netbook. —
Está limpo. E — ele colocou a mão dentro do grande bolso interno mais uma vez
— eu programei novos smartphones. Estes já estão criptografados, para que
possam enviar mensagens, mas ainda não posso garantir total segurança. Não
deixem passar nada realmente crucial até que eu obtenha uma pista de quem está
perseguindo vocês — ele enfiou outro rolinho na boca. — Quem quer que seja o
hacker, é alguém bem furtivo. Megapotente. Assim como esses bolinhos, por
sinal.
— O que você pode dizer sobre ele? — perguntou Nellie.
— Ele foi capaz de invadir um sistema projetado por mim. Isso restringe as
possibilidades para talvez umas dez pessoas no planeta.
— Modesto, não? — comentou Dan.
— Cara, não há nenhuma modéstia em hackear. Você vai comer o seu
rolinho? — Dan empurrou sobre a mesa. Pony enfiou metade para dentro da boca
e o restante ficou pendurado. — Agora, deixem-me ver o sistema.
— Não tem como. Os agentes federais o levaram uma hora atrás.
— Oh, nossa. Sério? — Pony caiu para trás em sua cadeira. — Isso é tão
horrível! — ele estremeceu. — Ok, reinicialização... me entreguem seus
telefones antigos. Eu poderia – poderia, estou dizendo – ser capaz de rastrear a
invasão através deles. Na minha linha de trabalho, se você pensa que algo é
impossível, é. Até que você decide que é possível e você faz.
Amy, Dan e Nellie entregaram seus telefones. Ele jogou-os no bolso
interno. Então guardou os rolinhos restantes no bolso de fora e se levantou.
— Adiós, amigos — ele despediu-se. Ele mancou até a porta, abriu-a e
desapareceu na chuva espessa.
Dan ficou observando Pony.
— Nosso destino está nas mãos daquele cara?
— Ele é o mais esperto das paradas — respondeu Nellie, mas mesmo ela
parecia incerta.
Amy sentou-se, pensando muito.
— Se você pensa que algo é impossível, é — repetiu ela. — Até que você
decide que é possível. Então é possível. Não foi isso o que ele disse?
— Soou como isso — concordou Dan. — Se você adicionar meio rolinho
de canela ao discurso.
A sensação de desconforto que fora torturante para ela de repente se
transformou em puro horror. Informações acenderam. Conexões foram feitas.
Uma conexão impossível após a outra.
— Amy? — Nellie tocou em seu braço. — Você está bem? Parece prestes a
vai desmaiar. — Ela levantou-se e colocou a mão no pescoço de Amy. —
Coloque a cabeça entre os joelhos. Respire, garota.
— Não — a voz de Amy estava abafada porque sua cabeça estava agora
entre os joelhos. A terrível verdade a encarava nos olhos. Algo que ela não queria
nem vislumbrar, muito menos confrontar. Ela afastou a mão de Nellie e se
levantou. — Não pode ser! Apenas não pode ser, mas... — sua voz foi sumindo.
— ... acho que ele o fez. De alguma forma. .
— O quê? — perguntou Dan. — Você está nos assustando, cara.
Amy respirou fundo e olhou para eles.
— Pierce tomou o soro!
Capítulo 7
O que acontece quando seu pior pesadelo acaba de se tornar realidade?
Amy não conseguiu pensar por um minuto. Não conseguiu respirar. O
pensamento de que o soro poderia estar lá fora era muito aterrorizante.
Um soro que poderia fazer de alguém o todo-poderoso. J. Rutherford
Pierce. Alguém sem escrúpulos algum...
... poderia se tornar a pessoa mais poderosa do mundo.
Os olhos de Amy se arregalaram de horror.
Ele já está no caminho.
É por isso que ele nos tomou como alvo.
Porque nós somos os únicos que podemos expô-lo.
Que podem detê-lo...
— Amy? — Nellie agarrou a borda da mesa. — Você está nos assustando.
Pierce não poderia ter tomado o soro. É imposs...
— Não! — Amy bateu com a mão em cima da mesa. Foi um gesto tão
inesperado que Dan e Nellie pularam. — Basta ouvir. Há quatro clãs dos Cahill
além dos Madrigal. Quatro conjuntos separados de habilidades. Dan, lembra
como Pierce saiu da construção e desceu naquela ponte de pedestres? Como é
que um homem da meia-idade faz isso? O que ele te lembra?
— Um Tomas — respondeu Dan. O clã, eles sabiam, que tinha acelerado
habilidades físicas. Ele negou com a cabeça. — Mas...
Amy balançou a cabeça, impaciente, não querendo ouvir. Ela tinha que
fazê-los ver.
— E, Nellie – lembre-se do que dissemos – que sua ascensão à fama
simplesmente desafiava qualquer senso de lógica? Era uma falha depois da outra,
e, em seguida, em menos de um ano, sobe ao topo. Ele aproveitou todas essas
aquisições, englobou tantas empresas tão rapidamente... e entrou no ramo de
políticos e agentes do poder...
— Como um estrategista. Um Lucian — completou Nellie. — Ok, mas...
— E cada artigo menciona seu pensamento fora da caixa, e como ele é
charmoso – ele consegue encantar milhões de pessoas, sem nunca permitir que
alguém o ultrapasse! Como um Janus! E agora Pony nos diz que o nosso sistema
de computadores absolutamente impenetrável foi violada.
— Ekat — disse Dan. — Mas nós vimos o que o soro faz. Quando Isabel
Kabra o tomou, ela não parecia com um ser humano normal. Ela meio que...
brilhava.
— Dan, pense nisso. Pierce não era brilhante, mas ele parecia... eu não
sei... reforçado. Você percebeu como a pele dele tinha um tom de ouro?
— Bronzeado artificial — apontou Nellie.
— Não — Amy balançou a cabeça com firmeza. — Lembro-me de
perceber como as luzes refletiram nele quando ele subiu no púlpito. Mas não
havia luzes acesas. E se é verdade, o restante faz sentido – por que ele nos tomou
como alvo em primeiro lugar. Por que ele está fazendo todos nos olharem
como... socialites, como idiotas. Porque quem iria nos escutar se tentássemos
expô-lo? Mas agora talvez ele vá mais longe ainda – ele quer nos assustar. Ou
nos matar — Amy se virou para Dan. — Quando aqueles seguranças nos
disseram para descer pelas vigas... acho que eles estavam falando sério. Você não
acha?
Dan engoliu em seco e assentiu com a cabeça.
— Acho.
— Amy, posso ver por que está desconfiada, mas você está esquecendo um
detalhe — disse Nellie. — Não há soro. Em qualquer lugar do mundo. Nós nos
certificamos absolutamente disso. E a única pessoa que conhece a fórmula é Dan.
— Eu sei.
Dan deu um passo para trás. Ela viu o pânico nos olhos dele.
— Eu não contei a ninguém!
— Eu sei disso — respondeu Amy. — Mas você chegou a fazê-lo. Seis
meses atrás. Quando pensou que era a única maneira de salvar o mundo.
Amy respirou fundo. Ela não queria que fosse verdade. Ela não queria
rastrear o soro de volta para Dan. Se ele fosse o responsável pela descoberta do
soro, a culpa poderia esmagá-lo. Ela podia ver as reveladoras manchas vermelhas
nas bochechas que significavam que ele estava ficando chateado.
— Eu sei que não é culpa sua, Dan — Amy acrescentou rapidamente. —
Eu sei disso. Mas se o impossível aconteceu – se a fórmula do soro foi
descoberta de alguma forma – temos que descobrir como. Poderia haver algum
Cahill aleatório por aí que encontrou...
— Pouco provável — apontou Nellie.
De repente, Dan desabou no chão, a cabeça entre as mãos.
— Não — ele disse, a voz abafada. — Deve ser culpa minha. De alguma
forma — ele olhou para elas, lágrimas em seus olhos. — Façam as contas. Eu
fabriquei o soro secretamente cerca de seis meses atrás. Na mesma época em que
Pierce começou sua escalada ao poder.
— Coincidência — devolveu Nellie, mas sua voz soou trêmula.
Amy abaixou-se ao lado de Dan. Ela colocou a mão sobre o braço do irmão.
— Conte-me o que aconteceu naquele laboratório — disse ela. Ela nunca
lhe pedira detalhes. Sabia que ele lamentava profundamente o que tinha feito.
A voz de Dan tremia.
— Procurei todos os ingredientes sozinho. E eu tinha ouvido falar sobre o
nosso primo Sammy Mourad – uma espécie de gênio bioquímico estudante de
pós-doutorado na Universidade de Columbia. E-eu entrei em contato com ele e
pedi-lhe para me fazer uma mistura — ele secou suas bochechas. — Mas tomei
todas as precauções! Não sou estúpido. Dei a Sammy alguns dos ingredientes,
mas não todos. Apenas o material que tinha que ser feito em laboratório. Então
levei o meu próprio frasco e fiz eu mesmo a versão final.
— Onde? — perguntou Amy.
— No laboratório de Sammy. Mas eu trouxe o resultado final comigo!
Sobrou um pouco, que joguei na pia. Não havia como qualquer um descobrir a
fórmula! Nem mesmo Sammy.
Amy balançou a cabeça.
— Não há outra possibilidade. Sammy tem de ser a chave. Você fez tudo
certo, Dan, mas de alguma forma...
— Mas, mesmo que de alguma forma, de algum jeito Sammy tenha
descoberto a fórmula, o que eu não acredito, por que ele passaria fórmula
adiante? — perguntou Dan. — Ele é um Cahill.
— Sim, e já vimos que poços de integridade os Cahill são — Amy
devolveu, com uma sobrancelha levantada.
Nellie saiu de sua cadeira e sentou-se no chão ao lado deles.
— Se é realmente o soro lá fora... — ela sussurrou. Ela não conseguiu
terminar a frase. Os três se entreolharam. O horror que sentiam era refletido nos
olhos de cada um. Nellie engoliu. — Temos que enviar um alerta Cahill.
Precisamos de ajuda.
— Ainda não — Amy insistiu. — Nós ainda não sabemos com o que
estamos lidando. Primeiro temos de falar com Sammy. Pessoalmente — ela
olhou para o relógio. — Se sairmos agora, estaremos lá por volta das onze horas.
Nellie levantou-se.
— Nós estamos no alerta nível cinco, lembram-se? Se sairmos de casa, será
Endgame. Peguem suas coisas.
Eles tinham estabelecido a estratégia Endgame logo depois de voltarem
para casa após da batalha contra os Vesper. Se alguma vez se sentissem em
perigo de verdade, tinham que estar preparados para se esconder. Suas mochilas
já estavam guardadas com o essencial, e eles tinham maços de dinheiro e
passaportes presos em cintos e fitas para usar sob a camiseta.
— É provável que voltemos. Mas é melhor prevenir do que remediar —
apontou Nellie.
Ela foi para a despensa, onde tudo estava guardado. Ela trouxe as mochilas
e os cintos e lhes entregou. Silenciosamente, eles os vestiram. A
palavra Endgame ecoava na cabeça de Amy. Isto era o pior. Tudo o que eles
temiam. Pierce estava disposto a matá-los para conseguir o que queria.
E o que seria isso? Amy se perguntou. Se ele tivesse todo o poder do
mundo, o que faria?
Capítulo 8
Em algum lugar no interior australiano

A habitação pré-fabricada fora projetada para ser levada em poucos


minutos. Dentro da lona flexível esticada sobre barras de alumínio havia quartos
de dormir rudimentares, mas de tecnologia ultramoderna. Telefones equipados
com satélite, computadores, tablets. Geradores de emergência. E uma caixa de
dispositivos termonucleares.
A poeira se erguia em torno de três homens enquanto eles caminhavam de
um helicóptero militar para a primeira construção. O calor era uma força cega,
saltando da habitação, seguindo pela terra arrasada e atingindo a pele exposta.
O homem baixo, musculoso e de barba vermelha era ladeado pelos dois
homens mais altos. Um deles usava óculos de sol e um coldre de ombro com uma
arma automática. O outro era magro, e empurrava nervosamente os óculos para
cima com um dedo suado.
O homem de cabelos grisalhos com a aparência de um ator hollywoodiano
já estava na tela.
— Vocês estão atrasados — ele falou quando os três homens entraram na
linha de visão da câmera.
— Nós acabamos de explodir um dispositivo termonuclear, Sr. Pierce — o
homem com a barba ruiva disse. — Penso que temos autorização para uma
pequena margem para manobra.
— Eu não dou margem para manobra, Sr. Atlas. Especialmente quando se
trata de dispositivos termonucleares. Resultados?
O homem de aparência nervosa empurrou os óculos para cima.
— Eu enviei todos os dados. Atividade sísmica, níveis de radiação, cálculos
de impacto, modelos de especificação...
— Alguma reação local?
— Vários relatos de um brilho no céu, terremoto... isso faz o papel em
Perth...
— Nós cuidaremos disso — Atlas interrompeu. — Na medida em que o
público sabe, foi a queda de um meteorito.
— Investigação do governo?
— Nós cuidaremos disso também. É para isso que você nos paga — Atlas
sorriu sem humor.
De volta a seu escritório em Boston, Pierce escondeu sua alegria. O plano
estava funcionando! Ele encontrou o grupo e investigou-os bem. Atlas era um ex-
mercenário. Tinha desenvolvido um negócio global de testar e vender armas
nucleares. Ele havia comprado vários locais de teste em todo o mundo – cerca de
meio milhão de hectares no interior, um par de ilhas desabitadas do Pacífico e,
provavelmente, alguns lugares desconhecidos a Pierce – e fornecia um serviço
especializado para os governos desonestos, terroristas e visionários como Pierce.
— Então você fica com as armas até que eu solicite — continuou Pierce. —
E as envia para onde eu precisar delas?
— Em qualquer lugar do mundo.
— A evidência...
— Será plantada. Relaxe, Sr. Pierce. Nós estamos aqui para servi-lo.
— Entrarei em contato.
Pierce cortou a ligação e foi até a janela. Ele estava quase lá. A última peça
estava no local. Anos de planejamento culminaram nisto, e agora as coisas se
moveriam rapidamente.
O ponto era que era muito fácil começar uma guerra mundial. A história lhe
ensinara isso. Precisava-se apenas de estratégia e coragem suficientes para
encomendar várias explosões nucleares simultâneas nas principais cidades ao
redor do globo. Plante algumas provas, e o próximo passo será os governos
começando a se acusar. Começando a se mobilizar.
Como presidente, ele poderia intensificar a guerra. E quando a invasão
parecesse ameaçar tudo e as pessoas olhassem para ele em busca de salvação, ele
assumiria o controle total. O mundo lhe pediria que tivesse poder absoluto, o que
ele aceitaria com gratidão. E, em seguida, ele dominaria o mundo, o limparia e o
reconstruiria. Logo, apenas aqueles com lealdade absoluta seriam capazes de
apreciar as coisas boas da vida. Habitação, transporte, informação. Os seguidores
de Pierce seriam os poderosos, e todas as riquezas do mundo iriam para eles. Os
mais dignos.
Só um problema permanecia. Ninguém poderia saber sobre o soro.
Ninguém poderia descobrir a fonte de seu poder.
Uma vez, o fato de que os dois Cahill conseguiram ser mais espertos que
seus seguranças teria lhe desagradado. Não mais.
Usar o seu império da mídia para desacreditá-los tinha sido um golpe
brilhante. Agora, o público pensava que eram riquinhos tolos. Aventureiros
irresponsáveis. Mortes acidentais não seriam mais investigadas. Algumas
manchetes, e tudo estaria terminado.
Ele voltou o pensamento e pôde ver a garota mais de perto. Seu cabelo tinha
o tom castanho avermelhado de uma folha de outono... tão perto da cor que a
mãe dela tivera. Ela tinha a mesma curva do lábio superior.
Quando a viu pessoalmente, foi como ver um fantasma. Um fantasma em
um pesadelo de vergonha. Só lembrar de Hope Cahill fazia o seu sangue subir. A
garota não apenas se parecia com ela, ela era uma cópia do que Hope tinha sido.
Vê-la o fez querer esmagar alguma coisa, matar alguma coisa...
Sim, a garota parecia tanto com a mãe dela.
Ele sorriu. Logo elas estariam descansando lado a lado...
Capítulo 9
New York

A escuridão caiu enquanto se dirigiam para Nova York. Os limpadores de


para-brisa marcavam o seu progresso com um constante wish, wish. Dan estava
sentado na parte de trás, encarando uma paisagem borrada. A cada quilômetro, a
culpa o apertava mais forte.
Se o soro estivesse solto no mundo... a culpa era dele.
Se Sammy Mourad tinha vendido a fórmula... a culpa era dele.
Minha culpa, minha culpa, minha culpa.
Wish, wish, wish.
Ele estava prestes a mergulhar num túnel do horror.
Se Pierce realmente tivesse o soro...
... o item mais destrutivo conhecido pela humanidade...
... Minha culpa, minha culpa, minha culpa.
Wish, wish, wish.
Eu não posso mais fazer isso, Dan pensou.

***

Dan tinha mandado uma mensagem para Sammy do carro para perguntar se
ele estava trabalhando até tarde e se Dan poderia levar uma pizza. O texto
retornando foi de apenas uma palavra:

pepperoni.

Sammy esperava do lado de fora do prédio de química no campus da


Universidade de Columbia. Estava recostado a uma parede de pedra, sem se
importar com a garoa. Seus grossos cabelos longos e pretos eram agitados pela
brisa, e as mangas de seu suéter cinza estavam dobradas até os antebraços. Ele
tinha um nariz reto, um meio sorriso no rosto e grossas sobrancelhas escuras
encimando olhos negros líquidos.
— Oh. Meu. Deus — disse Nellie em três respirações curtas. —Dan, você
falou que ele era um gênio Ekat. Esqueceu da parte em que ele era uma obra de
arte.
— O quê? — Dan se virou. Mesmo Amy estava encarando. — Ah sim.
Desculpe. Não achei que a parte da beleza fosse relevante.
— É sempre relevante, garoto — respondeu Nellie.
Sammy se aproximou, sorrindo.
— Dan! Você é o cara! Trazer um lanche para um estudante de graduação
faminto conta como status de herói por aqui.
Dan entregou a pizza para Sammy e rapidamente apresentou Nellie e Amy.
Sammy entrou no prédio com o seu cartão de identificação, e eles seguiram-
no para o andar superior para seu laboratório. Era limpo e arrumado, com pilhas
de pastas de arquivos e blocos de anotação. Uma pirâmide de latas de
refrigerante de laranja fora grudada com fita adesiva roxa e enfeitava uma grande
janela. Sammy mandou alguns bancos de rodinhas na direção deles e empurrou
algumas pastas para abrir espaço para a pizza sobre a mesa de laboratório. Então
ele abriu uma gaveta de arquivos e voltou com pratos de papel, guardanapos,
orégano, pimenta vermelha moída, alho e sal.
— Aos trabalhos — ele falou com satisfação. — Veem o sal de alho? Eu
não cozinho com ele – prefiro controlar o alho e o sal separadamente. Mas para
pizza, você tem que usar isso. É um clássico — ele colocou fatias de pizza nos
pratos e entregou-os a Amy e Nellie, juntamente com guardanapos.
— Palavra — concordou Nellie, estendendo a mão para pegar a pimenta. —
Ninguém consegue cozinhar com sal de alho. O que você gosta de cozinhar?
— Bem, eu comecei com comida egípcia, por causa da minha avó. Meus
pais são egípcios, mas eles não cozinham. Ela me ensinou de verdade. Agora que
vivo no meu próprio apartamento, estou diversificando. Só tive uma aula de
culinária vietnamita, e foi incrível.
Nellie soltou a pizza.
— Espera aí! Vietnamita é o meu favorito!
Dan a chutou. Eles vieram para descobrir se Sammy os havia traído. Se
Nellie começasse a falar sobre culinária, nunca seriam capazes de ter uma
conversa relevante.
Ela pegou um pedaço de queijo fora de sua fatia e comeu enquanto olhava
nos olhos escuros de Sammy. Dan estava surpreendido por Sammy não ter
explodido em chamas. A pizza ficou parada no ar, a centímetros de sua boca,
enquanto ele olhava para Nellie. Segundos se passaram. Dan a chutou mais forte.
— Na verdade — falou Nellie — há uma razão para estarmos aqui.
Queríamos lhe fazer algumas perguntas.
— Manda — respondeu Sammy.
Seu sorriso era tão aberto e amável que Dan esperava que Amy estivesse
errada. Sammy não poderia ter repassado o soro para um estranho.
— Sammy — disse Dan — você se lembra daquele favor que fez para mim
no ano passado?
— Claro. Eu misturei uma pequena poção para você.
— Quando entrei em contato, você disse que manteria segredo.
Sammy parecia desconfortável. O coração de Dan começou a bater mais
rápido.
— Precisamos saber exatamente o que aconteceu — falou Amy.
Sammy parecia engolir seu pedaço de pizza com esforço. Ele limpou a boca
com força com um guardanapo.
— A coisa é, eu sou um cientista. E a principal característica que você
precisa para ser um cientista é a curiosidade.
A voz de Dan saiu rouca.
— O que você fez?
— Eu trabalho com substâncias que têm de ser eliminadas de acordo com
os regulamentos — Sammy falou. Ele apontou para uma caixa vermelha
depositada no balcão que apontava resíduos perigosos. — Uma pia para lavar
vidraria. Outra para produtos químicos. Há um reservatório na pia que eu esvazio
de tempos em tempos.
Dan afundou. O pedaço de pizza em seu estômago revirou.
— Eu joguei o resto no ralo...
— Para dentro do reservatório — completou Sammy. — Então, eu tinha um
pouquinho. Um resíduo. Mas foi o suficiente.
— O suficiente para quê? — perguntou Amy com a voz cortante.
— Para fazer experimentos.
Nellie soltou o ar que estava segurando.
— Oh, não.
— Eu sou um Cahill em ambos os lados — disse Sammy. — Minha mãe é
Lucian, meu pai é Ekat. Meu pai fazia parte do círculo de liderança antes de sair.
Ele sabia sobre o soro, me contou sobre isso também. Então, quando Dan Cahill
entrou no meu laboratório... Eu não podia deixar minha curiosidade de lado.
— Você replicou o soro? — perguntou Amy. — Percebe quão perigoso que
foi?
Sammy ergueu as duas mãos. Seus olhos confessavam para eles.
— Eu sei! Tomei muito cuidado! Eu sei que não deveria ter feito isso! Mas
supõe-se que seja a substância mais potente na história da humanidade. Então eu
não pude resistir a apenas fazer alguns testes simples. Quero dizer, pensem nisso.
Como a mente humana realmente funciona? É biologia e química ou algum
híbrido nem sequer nomeamos ainda? O soro em si traz tantas perguntas
fascinantes.
— Ele traz — respondeu Nellie. — Traz totalmente. — Ela limpou a
garganta. — Mas essas não são questões que você tivesse permissão, hã, de
formular.
— Essas são perguntas que, se pudéssemos responder, beneficiariam
a todos — Sammy declarou, inclinando-se atentamente. — E quanto mais eu
pensava nisso, mais lembrei sobre todas aquelas lendas Cahill sobre a força física
dos Tomas, e da forma como a mente Lucian funciona... e imaginei como essas
cepas do soro se entrelaçam com o DNA... e eu pensei, tudo bem, se eu apenas
fizer algumas experiências, talvez possa encontrar algo de bom a partir deste soro
maluco. E se certas partes pudessem ser recalibradas e eu pudesse diminuir os
efeitos colaterais, impulsionar os elementos separadamente e personalizá-lo para
qualquer pessoa que desejasse ou precisasse? E se eu pudesse eliminar o fator de
DNA? Apenas torná-lo uma espécie de medicamento? Apenas como um
experimento — acrescentou rapidamente. — Pensem nisso. Houveram saltos
enormes no campo da bioquímica desde os tempos de Gideon Cahill. Se ele
soubesse o que sabemos, o que teria feito? Como ele poderia ter tornado o soro
mais seguro? O que poderia ter curado?
— Você não pode torná-lo seguro — disse Amy. — Esse é o ponto. É um
poder destrutivo! Isso pode levar a... coisas terríveis.
— Eu sei disso — Sammy respondeu rapidamente. — Foi por isso que dei
fim à pesquisa.
Amy perdeu a firmeza.
— Você fez isso?
— Percebi rapidamente que eu estava indo por um caminho perigoso. Se
formos capazes de aumentar artificialmente coisas como destreza física,
criatividade, a parte do cérebro que controla a estratégia e análise... bem, quem
controlaria isso? Quem decidiria quem fica com o quê? Há algumas coisas que é
melhor não serem inventadas. Quero dizer, esse tipo de coisa vai contra a
filosofia Ekat, mas minha mãe me criou direito.
— Sammy, acreditamos que você não queria fazer nenhum mal — falou
Amy. — Mas existe alguma maneira de alguém ter colocado as suas mãos em
suas experiências?
— Claro que não! — exclamou Sammy. — Eu sei quão sensível é este
assunto. Minhas anotações foram codificadas e ocultas por um firewall enquanto
eu fazia as experiências, e eu as apaguei quando terminei. O laboratório está
sempre trancado. E eu sempre destruí os soros que formulei — ele olhou para
cada um de seus rostos. — De qualquer forma, sabem a fórmula original de
Gideon? É basicamente uma sentença de morte.
— Sentença de morte? — perguntou Amy. — Sabíamos que era perigoso,
mas...
— É a forma como ele reage com o sistema nervoso humano. Ele desliga.
Levaria cerca de uma semana e então...
— Assim, com estas experiências, o que exatamente você conseguiu? —
perguntou Nellie.
— Eu experimentei pequenas doses em uma variedade de cargas —
explicou Sammy. — Agora temos centrífugas, analisadores automáticos...
máquinas e procedimentos que Gideon não poderia sequer sonhar. Eu,
basicamente, alterei a fórmula de uma forma sofisticada.
— Você alterou a fórmula?
— Bem, a primeira parte foi para torná-lo menos tóxico. Eu era capaz de
fazer isso.
— Então a sua versão não é uma sentença de morte?
— Eu não penso assim – mas não posso dizer que não haveria efeitos
colaterais. Não teria como saber realmente sem testes em animais, e eu não vou
fazer isso. Pude fazer um esforço rudimentar em impulsionar alguns dos traços
separadamente e depois baixá-los para uma dose diária – um pequeno traço do
soro em suspensão num líquido – suco de frutas funcionou bem. Eu até fiz quatro
cepas com a fórmula para cada clã: Lucian, Ekat, Tomas e Janus. O próximo
passo seria descobrir exatamente como combiná-los em diferentes intensidades.
— Tem certeza de que não contou a ninguém? — perguntou Nellie.
— Positivo — concordou Sammy.
Dan fechou os olhos. Alívio o inundou. O vazamento de informações não
tinha vindo dele. Amy pegou sua fatia de pizza.
— Exceto por Fiske, é claro — continuou Sammy. — E ele ficou bem
quando falei que não me sentia mais confortável ao continuar com a pesquisa.
Ele concordou.
Amy derrubou a pizza.
— O quê?
—Você quer dizer o nosso Fiske? — Dan engasgou.
Sammy assentiu.
— Seu tio Fiske. Cara alto, jeans e cabelos pretos? Reconheci-o a partir da
descrição do meu pai. Ele veio me ver, ah, cerca de cinco ou seis meses atrás?
Me falou que Dan lhe contara sobre a fabricação do soro, e ele adivinhou o que
eu tinha imaginado. Contei-lhe sobre as experiências. Então ele pediu todas as
minhas anotações e disse que elas pertenciam ao arquivo Madrigal.
— Arquivo Madrigal? — perguntou Amy. — Vocês sabem algo sobre isso,
Nellie? Dan?
Os dois balançaram a cabeça.
Dan engoliu em seco.
— Em que... em que mês você o conheceu?
— Outubro.
— Fiske estava na reabilitação durante todo o mês de outubro — Amy
sussurrou.
A voz de Sammy tremeu.
— Você está me dizendo que o homem com quem falei não era Fiske
Cahill?
— Eu duvido que fosse — disse Dan.
Ele sentiu-se nauseado.
— Mas ele sabia muito sobre os Cahill — Sammy parecia pálido.
Amy olhou para o relógio e pulou.
— Nós temos que falar com Fiske. Agora mesmo!
Capítulo 10
O Instituto Callender ficava em Upper East Side de Manhattan, perto do rio,
em um bairro tranquilo de moradias familiares e postes de luz âmbar. Foi como
voltar no tempo. Nellie dobrava pelas ruas, à procura de uma vaga para
estacionar, mas não conseguiu encontrar uma. Finalmente, ela achou em uma
calçada, em frente a uma placa de NEM PENSE EM ESTACIONAR AQUI.
— Aposto que James Bond nunca se preocupa com estacionamento —
comentou ela.
Eles entraram no instituto. Ele fora criado como uma casa particular, com
grossos tapetes coloridos sobre o piso de madeira polida e paisagens marinhas
nas paredes. Lâmpadas acesas discretamente lançavam sombras em uma mesa de
mogno polido, atrás da qual estava uma mulher mais velha em um vestido azul-
marinho.
— Nós gostaríamos de ver o nosso tio, Fiske Cahill — solicitou Amy.
— Como a senhorita sabe, nós não temos pernoite para quem visita o
instituto — respondeu a mulher educadamente. — E não permitimos visitantes
após às dez.
— É muito importante para nós vê-lo — disse Nellie. — E sabemos que ele
é uma coruja noturna.
A mulher sorriu para eles de uma forma paternalista.
— Tenho certeza de que o que precisam falar com seu tio pode esperar até
de manhã.
— Na verdade, não pode — disse Dan. Ele atirou um olhar não temos
tempo para isso para Amy e simplesmente passou pela mulher. Amy seguiu-o. A
mulher fez o movimento de pegar o telefone. Nellie colocou a mão sobre ele,
impedindo-a de puxá-lo.
— Acho que deve ter muito cuidado com isso — ela falou docemente. —
Você tem uma escolha aqui. Pode comprometer seriamente os planos para a ala
Grace Cahill que está programada para abrir em dois anos. Ou pode olhar para o
outro lado em exatamente cinco minutos.
Ela fechou os olhos.
— Acho que vou ler minha revista — disse a mulher.
— Isso é exatamente o que eu estava pensando — concordou Nellie. Com
um floreio, ela sentou-se em uma poltrona estofada para esperar.

***

— Não existe um arquivo Madrigal — disse Fiske. — Eu nunca conheci


Sammy Mourad. Nem nunca fui ao campus de Columbia.
Eles tinham encontrado o tio lendo na cama sob uma piscina de luz
amarela, seus óculos apoiados no nariz. Ele franziu a testa profundamente
enquanto os irmãos lhe contavam a história, e Amy ficara chocada com o quanto
mais velho ele parecia. Sua pele estava pálida, e as linhas ao redor da boca
pareciam mais profundas. Fiske sempre foi magro e forte, mas depois de passar
pela fisioterapia por causa do quadril ruim, ficara levemente debilitado. Em
seguida, o inverno lhe devolveu uma saúde robusta. Tinha descruzado os dedos
quando ele retornou às suas aulas de tae kwon do e começou a pintar e cozinhar
novamente. Mas então ele ficara doente novamente em março. Agora ele parecia
cansado e velho. Amy sentiu medo em seu coração. Ela colocou a mão sobre a
dele, onde ela repousava sobre o cobertor.
— Está se sentindo bem, tio Fiske? — perguntou Amy.
— Muito bem — Seu sorriso era reconfortante, mas Amy percebeu como
sua mão tremia quando ele pegou seu copo de água. — O Dr. Callendar diz que a
fisioterapia tem sido muito benéfica. Acho que estarei em casa na próxima
semana — ele tomou um gole de água. — Nós precisamos chegar ao fundo disto.
Devemos informar todos os Madrigal, chamar uma equipe...
Amy balançou a cabeça.
— Ainda não.
— Senão agora, quando? — Fiske franziu a testa. — Você acha que essa
pessoa tomou o soro. Isso poderia ter consequências desastrosas para o mundo,
Amy. Sem mencionar que você e Dan são agora um alvo — Amy olhou para ele,
surpresa. Ele levantou uma mão. — Sim, Nellie me contou. Como ela deveria ter
feito. Não me trate como um inválido. Se o que Sammy disse é verdade, isso
significa que Pierce poderia tomar uma dose diária, mais fraca do soro, mas com
um efeito cumulativo. Todos os dias, ele fica mais forte. Temos que encontrar
uma maneira de recuperar o soro... sem que ninguém saiba o que é e o que
significa. Esta é a pior coisa que poderia ter acontecido.
Dan deu alguns passos para trás, o rosto na sombra. Fiske olhou para ele.
— E isso não é culpa de ninguém — falou ele com firmeza. — Nem de
Sammy, nem de Dan, nem de ninguém. Temos um adversário muito
inteligente. Temos que parar J. Rutherford Pierce.
— Nós não seremos capazes de detê-lo a menos que descubramos mais
sobre ele — disse Amy. — Se nós nos cercamos de pessoas, elas apenas se
tornarão alvos, também. Agora ele acha que só eu e Dan sabemos, e ele quer nos
parar.
Fiske olhou para Amy sobre seus óculos.
— Ele quer matá-los.
— É o risco que teremos que tomar — disse Amy. — Não posso pedir a
outros que sacrifiquem sua segurança. Não depois... depois... — sua voz
engrossou, e ela parou.
Fiske olhou para a mão de Amy em seu braço. Houve um longo silêncio.
— Amy — ele falou com grande delicadeza — é uma fonte de dor terrível
para mim, assim como foi para sua avó, que vocês tenham sido arrastados para
isso tudo. Se eu pudesse voltar atrás e dar a você e Dan uma vida normal, se
pudesse dar minha vida para isso, eu o faria. Mas você é o que é. Você é uma
Cahill, a líder dos Cahill. E você não alcançará a paz quanto a isso até entender
algo. — Ele apertou sua mão e olhou para ela com força. — Esta é a sua vida
agora. Você pode fazer o seu melhor, mas não pode proteger a todos que ama.
Você não é responsável por todas as vidas ao seu redor. Só é responsável por
seus próprios atos.
— Eu tenho que protegê-los — disse Amy. — Como chefe da família,
eu devo.
— O melhor que você puder, sim. Mas não significa que excluí-los irá
ajudá-los!
Amy tensionou a mandíbula teimosamente.
— Ainda não — ela insistiu.
O olhar de Dan ia e voltava entre Fiske e Amy, a batalha de duas fortes
vontades.
— Tudo bem — concordou Fiske. — Então vocês têm que deixar o país.
Hoje à noite.
— O quê? — perguntou Dan. — Isso parece extremo.
— Não. É o único caminho — Fiske endireitou-se. — Há algo que estive
esperando para lhes contar. O Sr. McIntyre tinha uma vontade.
— Eu sei — disse Amy. — Ele deixou tudo para Henry Smood.
— Nem tudo. Grace deixou uma casa na Irlanda. Ela queria que ele a
mantivesse pronta para vocês. É chamado Bhaile Anois, e agora é sua. É para
onde vocês devem ir.
Amy fez uma careta.
— Como poderemos lutar contra Pierce se estivermos na Irlanda?
— Vocês ainda não sabem contra o que estão lutando — apontou Fiske
urgentemente. — Vocês precisam de tempo para procurar, investigar... planejar.
O sistema de computador caiu. Vocês não podem fazer muito daqui de qualquer
maneira. E vocês devem confiar em Grace. Suas instruções eram muito claras.
Quando não se tem a quem recorrer, você deve ir para lá.
— Mas...
Fiske interrompeu a objeção de Amy. Por um momento, ele se pareceu com
o velho Fiske – feroz, forte, pronto para saltar.
— Assim que tivemos certeza de que o sistema está livre de intrusos, você
terá novamente acesso à rede. Poderão usá-la facilmente da Irlanda assim como
em Attleboro — Amy balançou a cabeça lentamente. Ela tinha que admitir que
era verdade. Fiske se inclinou para frente. — Estou feliz que concorde. Há um
avião privado esperando por vocês no aeroporto de Teterboro, em Nova Jersey.
Lentamente, Amy sorriu.
— Como de costume, você está muito à frente de mim.
— Apenas um pequeno passo.
— Mas e você? — perguntou Dan, avançando para fora da sombra. — Nós
não queremos deixá-lo aqui.
— Este é o lugar mais seguro em que posso estar — respondeu Fiske. — É
um centro médico de renome mundial. De qualquer forma, ninguém está atrás de
mim. Eles estão atrás de vocês — ele virou-se para Amy. — Dan é a única
pessoa que conhece a fórmula do soro. E onde Dan estiver, você estará.
Amy e Dan trocaram um olhar.
— Tudo bem — disse ela. — Nós odiamos deixá-lo...
— Nós estaremos juntos novamente — Fiske prometeu. — Até lá, fiquem
em segurança.

***
Quando eles voltaram à sala de recepção, Nellie já tinha ido. A mulher de
vestido azul olhou para cima.
— Ela correu para fora — a recepcionista falou com um ar de satisfação. —
Acho que o seu carro está sendo rebocado.
Amy e Dan lançaram-se pela porta da frente. Nellie corria pela rua atrás de
um caminhão de reboque.
— Nellie! — Dan chamou.
Mas sua voz foi abafada quando um carro preto parou no meio-fio. Dois
homens saíram. Um deles mostrou um crachá.
— Agentes federais. Vocês estão sendo detidos.
Capítulo 11
Eles não tiveram muito tempo para pensar. Nellie tinha dobrado a esquina,
correndo atrás do caminhão de reboque.
Se nós formos com ele, o Sr. Smood pode nos tirar em questão de horas,
Amy pensou. Se lutarmos, seremos presos.
Mesmo enquanto pensava sobre isso, os agentes os apressavam para o
banco de trás do carro preto. Amy deslizou para dar espaço para Dan.
Os dois agentes se sentaram na parte da frente do carro. Amy olhou para a
porta. Não havia maçanetas. O carro partiu.
— Qual é a acusação? — Amy perguntou.
Não houve resposta.
Ela se inclinou para frente.
— Posso ligar para o meu advogado?
Não houve resposta.
Ela pegou seu celular. Sem sinal.
— Deve haver um dispositivo bloqueador no carro — Dan sussurrou.
Para onde eles estão indo? Amy se perguntou. A maioria dos escritórios
federais ficava no centro. Mas para sua surpresa, eles dirigiram a oeste pelo
Central Park e depois viraram para o norte em direção ao Bronx.
Ela e o Dan trocaram olhares. Algo não parecia certo.
A Avenida Amsterdam estava tranquila. Já passava da uma da manhã agora.
Algumas pessoas estavam nas ruas, andando rapidamente, ombros curvados para
se proteger do frio. Um grupo de jovens saía de um bar, rindo alto. Um
comerciante saiu e endireitou as pilhas de papéis do lado de fora de sua loja.
Parecia tão estranho ver as pessoas fazendo ações tão comuns enquanto eles
iam... onde? Amy tateou a porta com os dedos, em busca de uma trava ou de uma
maneira de abrir a janela. Não havia nada.
O carro serpenteou por ruas desconhecidas, fazendo várias voltas. Ele
cruzou ao lado de um parque cheio de mato. Amy vislumbrou uma torre à
distância. A área era deserta. O sangue de Amy gelou. Parecia incrível que eles
ainda estivessem em Manhattan, e não havia uma alma-viva ao redor.
— Sugiro que, assim que eles abrirem a porta, nós corremos — Dan
murmurou.
O carro diminuiu a velocidade e parou. O coração de Amy agora martelava
tão forte contra suas costelas que doía. Ela agarrou o assento do carro, pronta
para saltar. Os dois agentes na frente saíram.
Ambas as portas se abriram simultaneamente. Eles não tiveram chance de
correr. Foram agarrados bruscamente e tirados do carro. Os braços de Amy
estavam presos ao lado de seu corpo e seus pulsos mantidos juntos atrás das
costas.
Eles foram forçados a andar sobre uma passarela ampla para pedestres
coberta por arbustos. Passaram por uma praça de chão de tijolinhos e ela viu uma
ponte em arco imponente a sua direita. Era alta e graciosa, metade aço, metade
pedra. Havia faróis de carro sobre eles. Eles atravessavam o rio e a rodovia.
Ela foi escoltada através do parque. O aperto em seus pulsos era tão forte
que ela quase podia sentir os ossos finos se partirem. Ela conseguia ouvir a
respiração de Dan atrás dela.
Ainda não tinha visto os rostos de seus captores. Mas, quando passaram sob
um poste de luz, ela avistou o perfil do agente.
Era o homem sorridente do cemitério.
O medo a gelou. Embora ela não mexesse a cabeça, seus olhos percorriam
os arredores, à procura de uma possibilidade de fuga. O caminho estreito era
cercado por encostas íngremes emaranhadas com a moita. Ela aguçou os ouvidos,
mas tudo o que escutou foi um leve zumbido de tráfego ao longe.
Eles foram empurrados grosseiramente para uma escada íngreme. A torre se
erguia acima. Através da escuridão, ela só conseguia enxergar uma placa.

Amy sentiu o suor pingar em suas costas. De repente, ela estava ciente de
tudo – o frescor da brisa, a forma das folhas, o som pesado dos passos de seus
captores. Ela tentou pensar em uma maneira de fugir, mas o aperto em seu pulso
era impiedoso e ela não podia deixar Dan. Ele estava sendo puxado para frente
tão rápido que seus pés arrastavam no chão. Sua garganta se fechou. O homem
que a segurava a empurrou com força para a frente.
O caminho fazia uma curva, e ela viu a ponte como uma aparição estranha.
Metade aço, metade pedra, ela se erguia a centenas de metros acima do rio
Harlem e das rodovias próximas a ele. Ela sabia que era para lá que se dirigiam.
Duas enormes portas de metal negras guardavam a ponte. Elas eram uma
mistura de pichações e cadeados, uma corrente grossa enrolada como trinco. Em
uma placa lia-se ENTRADA PROIBIDA. Ela sentiu um alívio momentâneo, mas
terminou quando o capanga usou a outra mão para tirar a corrente da porta. Ela
não teve tempo de registrar o choque porque foi empurrada através e pela ponte.
Ela ouviu as portas serem trancadas atrás dela. Empurrando e puxando, os
homens os forçaram a seguir em frente.
Em outras circunstâncias, ela teria notado que a vista era de tirar o fôlego.
As luzes de Manhattan brilhavam na escuridão da noite. As estradas eram fitas de
luz.
— Vocês podem fazer uma escolha — a voz era baixa em sua orelha.
Apesar de todo o esforço, ele não ofegava. — Podem pular no rio ou na rodovia.
O rio parecerá concreto de qualquer modo.
O outro bufou uma risada. Ele era baixo e musculoso, com um corte loiro
raspado.
— Vê como somos é bonzinhos? Estamos deixando vocês escolherem.
Ela viu o queixo de Dan tremendo. Em seguida, ele cerrou os dentes.
— Um par de anjinhos — ele forçou.
Amy queria tanto chegar até ele, pegar sua mão.
— Sim, espertinho — o homem mais baixo segurando Dan falou. — E
vocês são um par de aventureiros, fazendo baderna na ponte. Eu até consigo ver a
manchete.
— Escolha, ou escolheremos por vocês — o homem segurando os pulsos de
Amy sorriu ironicamente.
Amy viu o reluzir de dentes brancos e perfeitos. Ela o viu de perto, a textura
de seus poros, a forma de suas sobrancelhas, seus ouvidos. Ele era alguém que
ela não olharia duas vezes na rua. Alguém na fila para o café, ou esperando por
um ônibus, ou levando o seu cão para um passeio. Que tipo de pessoa, ela
pensou, atiraria duas crianças de uma ponte como se tudo fosse apenas mais um
dia de trabalho?
Eles os arrastaram até o corrimão. O rio era um canal oleoso escuro. A faixa
de luzes de carros na estrada, as luzes dos prédios baixos, o som fraco de uma
buzina de carro – Amy ouviu tudo com a mesma clareza estranha. Seus dentes
batiam. Ela olhou para o céu luminoso.
— Rio — ela falou.
Eles soltaram seus pulsos. Ela agarrou a mão de Dan com firmeza. Sentiu a
textura de sua pele, seus dedos leves. A sensação deles fez lágrimas arderem em
seus olhos. Seu irmão mais novo. Ela não podia salvá-lo, não podia protegê-lo...
Ela havia passado meses e meses correndo, treinando, levantando pesos e
estudando artes marciais. E ali estavam eles, naquela ponte alta, sem ter para
onde correr. Eles não pulariam sem lutar, mas ela sabia que eles perderiam. Eles
seriam jogados se não pulassem. Ela preferia ser jogada. Ela preferia morrer
lutando.
A grade só chegava na altura da cintura. Ela sentiu a mão de Dan, apertado
a dela. Sabia que ele estava esperando que ela desse o sinal.
— Vamos, pirralhos, eu não tenho o dia todo. Escalem a grade.
A grade de metal estava molhada e fria. Amy curvou seus dedos em torno
dela. Ela colocou a mão por cima da de Dan. Aguçando os ouvidos, pensou ter
escutado o som de um carro. Mas vinha da direção da passarela de pedestres.
— Vão logo! — o homem trás dela rosnou.
Ele colocou as mãos na cintura dela e a ergueu bruscamente por cima da
grade. Amy sentiu o seu equilíbrio oscilar, enquanto se pendurava na grade.
Pânico se espalhou por ela quando começou a tombar para frente.
— Amy! — Dan gritou.
O homem tentou arrancar as mãos dela do corrimão. Ela não tinha tempo de
se virar e lutar, e estava sem equilíbrio. Amy não conseguia respirar enquanto ele
a apertava pela cintura e ela chutava, tentando empurrar a grade de metal e tirar o
equilíbrio dele. Era como tentar desequilibrar uma montanha.
O barulho do motor de carro se transformou de distante para perto, e de
repente faróis varreram a ponte. Um caminhão corria na direção deles. Um
caminhão de reboque com um jipe amarelo sendo puxado loucamente atrás dele.
Ela mal tinha registrado sua surpresa quando foi subitamente arremessada
da passarela. Amy gritava enquanto o rio se aproximava rapidamente dela. Ela
ouviu Dan gritando, o guincho de freios...
E alguém tinha agarrado seu tornozelo. O rosto de Dan, olhando para ela, a
boca aberta, os olhos arregalados com terror. Ele estava com as duas mãos
envoltas em seu tornozelo, enquanto o capanga atrás dele tinha o braço em volta
do pescoço de Dan. O rosto de Dan estava roxo.
Gritando, Amy balançava no ar.
O rio negro tão abaixo. Reflexos vermelhos em sua superfície. Sua própria
pulsação em seus ouvidos, rugindo...
O aperto de Dan se afrouxou. Ele estava perdendo ar, ele estava a perdendo,
ela estava perdendo, eles estavam perdendo...
O arco de aço da ponte, se ela apenas pudesse... de alguma forma... agarrar
aquela viga que dava sustentação à grade... O aperto de Dan se afrouxou de novo,
e ela gritou quando o rio se aproximou, mas o impulso só a fez balançar um
pouco.
Mais... uma... chance...
Ela tinha feito várias aulas de trapézio – um presente de aniversário de
Fiske – e sua memória muscular disse a ela o que fazer: usar o balanço, estender
os braços, dedos esticados, prontos para agarrar...
O barulho estridente de metal assaltou seus ouvidos, bloqueando o som de
sua respiração dificultosa e rápida, e o leve ruído de tráfego. Seus dedos
atingiram o cano assim que o Dan a soltou e ela foi capaz de segurar firme. O
peso de seu corpo caindo quase a fez soltar o cano, mas ela se segurou. Ela agora
pendia acima do rio, segurando-se com uma mão só. Seu braço parecia estar
sendo arrancado do ombro.
Terror brilhou através de seus dedos. Ela ergueu seu outro braço e pegou o
tubo de alumínio. Não desperdiçaria sua energia gritando. Ela mordeu o lábio e
ergueu o corpo para cima, os músculos do braço tremendo com o esforço.
Ela deitou-se de barriga para baixo sobre a viga em seu estômago e foi
capaz de tomar o fôlego uma vez antes de deslizar, centímetro por maldito
centímetro, mais perto da ponte. As mãos dela bateram contra a borda e ela se
permitiu um soluço de alívio quando se levantou para o topo da grade.
Enquanto se erguia, ela viu o Jeep preso no reboque atropelar os dois
homens. Eles saíram voando. Mesmo dali, ela ouviu o estalo do crânio contra o
pavimento.
As mãos de Dan estavam sob suas axilas, puxando-a para cima, e isso foi
uma coisa boa, porque agora as suas pernas não estavam funcionando. O corpo
de Dan estremeceu com soluços. Juntos, eles se deixaram cair na passarela. As
lágrimas dele misturadas com o suor de seu rosto.
— Eu soltei você! Eu achei que você tinha caído!
— Não... Eu não caí. Eu não caí — Amy sentiu gosto de sangue em sua
boca e percebeu que tinha rompido a pele em seu lábio.
Sobre o ombro de Dan, ela viu o caminhão de reboque estacionar em um
ângulo estranho. Um dos capangas lutava para se levantar, balançando a cabeça
para clareá-la. A cabeça de Nellie apareceu.
— ENTREM! — ela gritou.
Dan ajudou Amy ficar de pé, e eles correram. Nellie abriu a porta e eles
pularam dentro da cabine do caminhão. Ela acelerou.
— O que tem no fim dessa passarela? — ela gritou.
— Eu não sei! — Amy gritou. — Mas provavelmente os mesmos portões
de metal do outro lado. Eles têm uma corrente e um cadeado!
— Não, hoje eles não têm. Esse bebê foi feito como um tanque. Apertem o
cinto e se segurem!
Eles aceleravam pela passarela, a agulha do velocímetro subindo cada vez
mais. As duas portas de metal negro apareciam à frente. Amy sabia que elas
estavam trancadas firmemente, e que eram fechadas do outro lado com uma
corrente grossa de metal.
— Segurem firme!
O caminhão acertou o portão com um estrondo e Nellie continuou com o pé
no pedal. O solavanco os fez voar, esticando seus cintos de segurança ao
máximo.
O caminhão não foi suficiente. O metal amassou e só abriu o portão por
apenas centímetros. Eles estavam encravados no meio, presos entre eles. A
corrente manteve as portas juntas.
Nellie olhou para frente.
— Bem. Isso quase funcionou. — Ela olhou para trás. — E nós estamos
prestes a ter companhia.
Amy se virou e olhou para trás. Os dois homens corriam pela passarela na
direção a eles.
— Saiam pela janela e subam pelo capô. — Nellie ordenou. Nellie se
contorceu para fora de sua janela aberta, espremeu-se pela abertura entre o
caminhão e as portas de metal, e gritou: — Amanhã eu começo uma dieta! —
enquanto descia do capô. Amy e Dan a seguiram.
Eles escorregaram pelo capô e pularam, seguros na calçada e encarando o
parque escuro e montanhoso. Com um olhar rápido para trás, viram os homens
saltarem para a parte de trás do caminhão de reboque e escalarem por cima.
— Corram — Nellie ordenou um tanto desnecessariamente.
O caminho se virava para uma subida íngreme. Eles correram por um
conjunto de escadas de pedra. Sem fôlego, pararam no topo, e viram abaixo os
dois homens ainda correndo atrás deles, suas pernas tão poderosas e regulares
quanto pistões em um motor. Os três começaram a correr novamente, cruzando
trilhas. Se continuassem a subir, esperavam eventualmente chegar a uma estrada.
Amy sentiu sua respiração quente e áspera em seu peito. Seus pulmões estavam
desistindo. A luta para voltar à ponte tinha tirado a maior parte de sua força.
Finalmente, eles acabaram em uma rua escura e vazia. Amy quase chorou
de decepção. Não havia ninguém por perto. As lojas estavam fechadas, os
portões de metal trancados.
Um carro passou o sinal vermelho e dobrou na rua. Um dos homens saltou
pelo o muro de pedra. Nellie correu para o meio da rua enquanto o carro se
aproximava na direção dela. Ela não se moveu. Fechou os olhos.
Com um guincho dos freios, ele parou a poucos centímetros dela. Uma
cabeça saiu pela janela. Amy não podia ouvir o que ele dizia, mas captou o senso
geral de indignação, alarme e irritação. Ela e Dan correram em direção ao carro
enquanto Nellie deslizava sobre o capô e cruzava os braços.
— Você tá maluca, mulher? — O homem afroamericano de cabelos
brancos berrava irritado. — Estou indo para o meu trabalho! Não me deem
problemas agora!
— Eu só preciso de uma carona — Nellie disse. — Eu e meus amigos.
— Eu tenho cara de ônibus?
Os dois homens estavam na calçada agora, observando. Amy sabia que não
levaria muito tempo até eles tomarem uma decisão. Com a mesma neutralidade
assustadora, eles poderiam matar o homem do carro, também.
Ela correu, já pegando o dinheiro em seu cinto. Deu ao homem uma nota de
cem dólares.
— Aqui está seu bilhete.
Ele olhou para o dinheiro.
— Acho que comecei uma empresa. Serviço de Carros do Ernie. Entrem.
Eles saltaram no banco de trás e Ernie partiu. Levou um minuto inteiro para
os corações deles desacelerarem.
— Belo resgate. — Dan comentou. — Como você conseguiu o caminhão?
— Eles não deviam ter parado para tomar café — Nellie respondeu, e
piscou.
Capítulo 12
Ernie estava indo para seu trabalho em uma padaria no centro, e
gentilmente os deixou no Upper West Side.
Nellie havia contatado Fiske no carro e, para seu grande alívio, um carro
preto de último modelo s esperava na esquina da Broadway e a 110. Ficaram lá
por um minuto, tremendo no repentino vento frio. A chuva começou a tamborilar
pelas ruas.
— Tá legal, pirralhos — disse Nellie. — Depois dessa noite, acho que
vocês estarão mais seguros na Irlanda.
— Tem mais uma coisa — Amy falou. — Os capangas; vocês acham que
havia algo de insano no quão fortes eles eram?
— O que você quer dizer com isso? — Nellie perguntou.
— Um deles partiu a corrente do portão com uma mão — Amy lembrou. —
E o jeito como eles correram... eles nos alcançaram muito rápido.
— Eles nem sequer suaram — Dan concordou. — E você tinha acabado
atropelá-los com o carro.
— Vocês acham... — Nellie não terminou a sentença.
— Eu não sei. — Amy respondeu. — Poderia Pierce ter usado os
experimentos de Sammy para dar um reforço a eles?
— Acho que ele é capaz de tudo — Nellie apontou. — Nós vimos isso esta
noite.
— Isso significa que estamos lutando contra com um monte de caras
impulsionados pelo soro? — Dan perguntou.
Nellie sentiu a desesperança de repente engolfá-los, tão implacável quanto a
chuva varrendo Broadway.
— Nós os venceremos — Amy falou. — Nós os venceremos porque
precisamos.
Nellie sorriu. Amy resumiu tudo. Simples e claramente.
Nellie queria chorar. Queria dizer como estava orgulhosa deles. Em vez
disso, tinha que deixá-los partir sozinhos.
— O carro irá levá-los ao Aeroporto de Teterboro de Nova Jersey. — falou
a eles. — Há um jato particular lá reservado para os Swift. Quando pousarem em
Dublin, alguém os encontrará lá. — Ela os abraçou. — Boa sorte, pirralhos.
Lembrem-se – contato mínimo daqui para frente, mas sempre me deixem saber
aonde estão. Mantenham-se discretos. Assim que o Pony conseguir colocar o
sistema para funcionar, nós pensaremos em alguma coisa. Nós os venceremos.
— Porque precisamos — os três completaram.

***

Nellie correu pela deserta Broadway contra a luz. Ela não queria que Amy e
Dan soubessem para onde ela ia, porque senão teriam insistido em ir também.
Esta noite ela tinha percebido duramente que Pierce não pararia por nada para
chegar a qualquer pessoa com acesso ao soro. Ele estava disposto a jogar duas
crianças de uma ponte – as duas crianças dela.
Eles sobreviveram, mas o terror que haviam sentido esta noite os
assombraria. Nellie tocou seu ombro. A cicatriz do ferimento à bala ainda estava
vermelha. Ela tinha sido uma refém. Ela sabia sobre pesadelos.
Havia mais um alvo. Um que ela percebeu enquanto no carro de Ernie. A
única outra pessoa que sabia da fórmula do soro.
Eles nunca deveriam ter deixado o Sammy sozinho.
Sammy tinha mencionado que ficaria lá a noite toda. Com alguma sorte, ele
ainda estaria lá, são e salvo e todo nerd e adorável em seu laboratório. Nellie
tentou mandar uma mensagem para ele e correr na direção do prédio de química
ao mesmo tempo.

VOCÊ AINDA ESTA AÍ


SAMMY É A NELLIE

Não houve resposta.


Quando ela chegou ao edifício de química, o guarda não a deixou subir e
não pôde confirmar se ele tinha saído.
— Mas eu estava aí agora a pouco! — Nellie protestou. — Eu tinha trazido
pizza pra ele.
Um jovem saía enquanto ela falava.
— Você é amiga de Sammy? Sou o colega de quarto dele, Josh.
— Sim! Ele ainda está aqui?
— Ele saiu mais ou menos meia hora atrás — Josh falou. — Havia alguma
emergência de família. Eles chamaram o Sammy, o tio dele esteve aqui.
Nellie trocou o peso dos pés.
— Tio?
— É. Eu estava preocupado, então depois de um minuto, eu o segui. Ele
estava com uns caras no meio-fio. Estavam conversando, e então ele meio que
desabou. Devia ter sido uma notícia muito ruim. Eles o ajudaram a entrar no
carro. Cara, espero que a família dele esteja bem. Fiquei mandando mensagens
para ele, mas ele não respondeu.
Nellie engoliu contra a bola de medo em sua garganta.
— Você notou algo sobre o carro?
— Era uma SUV preta. Eu não sei qual era marca. Não presto atenção em
carros.
— Nada sobre...
— Primeiro estado.
Nellie balançou a cabeça, confusa.
— A placa do carro dizia “primeiro estado”. Notei isso porque eu não sabia
que existia um primeiro estado. Ei, se você achá-lo, pode pedir para ele me ligar?
Nellie agradeceu e se afastou um pouco. Ela tirou o celular do bolso e
entrou no seu site de buscas preferido. Escreveu primeiro estado.

Delaware foi o primeiro estado a ratificar a Constituição dos Estados Unidos.


“Primeiro estado” estava em suas placas de carro.
— Delaware — Nellie murmurou. — Isso realmente reduz as coisas.
Capítulo 13
Dublin, Irlanda

Eles chegaram em Dublin sob uma chuva forte. Tudo o que viram foi uma
cortina cinza. Passaram pela alfândega rapidamente e entraram na sala de estar.
Um jovem com um gorro de lã escuro puxado abaixo de suas sobrancelhas se
levantou.
— Sarah e Jack Swift? — ele perguntou em um sotaque irlandês forte. Ao
acenar de cabeça de Amy, ele acrescentou: — Acho que vocês pousaram, afinal.
Amy e Dan olharam para ele, confusos. O voo havia sido adiantado.
— O pássaro — ele explicou. — Swifts, Andorinhões, em inglês. A lenda é
que eles passam a vida toda no ar e nunca pousam. Ah, não importa. Bem-vindos
à Irlanda. Eu sou Declan. Sigam-me.
Eles o seguiram até o estacionamento, onde uma caminhonete maltratada os
esperava.
— Está chovendo bastante — Dan comentou.
— Chamamos isso de garoa por aqui — Declan subiu atrás do volante. —
Vocês podem se sentar na parte de trás, há um cobertor aí – aquecimento não é o
melhor nessa lata-velha. É uma longa viagem. Há sanduíches e uma garrafa
térmica de chá na cesta para o seu jantar. Nós não faremos paradas.
— Tudo bem — Amy concordou. — Qual é o nome da cidade?
— Meenalappa. Não se animem, não há muita coisa lá.
— Quanto tempo demora a viagem?
— O tempo que precisar, eu diria.
Declan ligou o motor e dirigiu. Logo eles estavam em uma rodovia, e Amy
e Dan perderam a noção de onde estavam indo ou por quê enquanto a monotonia
entorpecente de uma viagem rodoviária na chuva os dominava.
Amy tinha caído num sono exausto no avião, e agora estava bem acordada.
Ela queria poder cair naquele esquecimento sombrio novamente. Porque, pela
primeira vez desde que pairou sobre um túmulo aberto apenas 24 horas antes, ela
teve tempo para pensar sobre a última vez em que viu Jake.
Ela e Dan e Fiske tinham voado para Roma para o Ano Novo. De alguma
forma, longe de Attleboro, longe de todas aquelas lembranças de Evan e do que
ela havia perdido, Amy sentiu-se voltar à vida novamente. Ela ainda se lembrava
do jantar da véspera de Ano Novo que Jake preparara para todos eles. Atticus
havia colocado pequenos pisca-pisca em todo o apartamento escuro e sombrio até
que este brilhasse com alegria. Ela lembrou-se de repente da neve que
surpreendentemente havia começado a cair enquanto eles comiam a sobremesa, e
como Jake segurara a mão dela e dissera:
— Vamos caminhar.
Aquela caminhada à meia-noite através da neve havia lhe dado um
vislumbre de uma nova vida, uma nova forma de ser. Uma Amy que não era
torturada por memórias e esmagada pela culpa.
Ela olhou para a chuva fria e cinzenta, perguntando-se como uma memória
que uma vez lhe dera esperança poderia ferir tanto seu coração.
Ela tinha mandara uma mensagem para Jake enquanto esperava na pista em
Nova Jersey.

Tenho que me distanciar por um tempo. Sem internet. Entrarei em contato.

Ela tinha acrescentado um eu te amo e apagado. Como poderia demonstrar


isso dessa forma, quando possivelmente ficaria fora por um longo tempo? Como
ousaria usar a palavra amor, quando ela nunca sabia, de um dia para o outro, o
que seria de sua vida? Ela estava voando pelo ar, como um andorinhão, nunca
sendo capaz de pousar.

***

A escuridão caiu, e o som da chuva batendo no teto embalou-os em um


cochilo. Quando acordaram, já estavam fora da rodovia e dirigiam por uma série
de pequenas estradas. Eles podiam sentir o cheiro do mar. Declan dirigia mais
rápido do que Amy gostaria, já que ela não podia ver nada além dos faróis. Mas
ele parecia conhecer cada curva.
A caminhonete engrenou por uma pequena subida e, em seguida, fez uma
virada brusca para o que parecia ser uma fileira de arbustos. A abertura era larga
apenas o suficiente para a caminhonete passar.
Através da chuva eles vislumbraram uma casa caiada, comprida e baixa.
Declan parou e desligou o motor. Sem dizer uma palavra, ele saiu do banco da
frente e começou a andar para longe.
— Nós temos que segui-lo? — Dan perguntou.
— Acho que sim.
Eles saíram na chuva. Declan havia aberto a porta da frente, virou-se e deu
as chaves para Amy.
— Minha irmã veio mais cedo para ligar o aquecedor e abastecer a
despensa. Tem tudo o que vocês precisam lá dentro. As bicicletas estão na
garagem. É uma pedalada de quinze minutos até a aldeia.
Ele voltou em direção ao carro.
— Para que lado? — Amy perguntou para ele.
Ele apontou, mas era difícil de ver através da chuva se ele se referia à
esquerda ou à direita. Ele saltou de volta para o carro e foi embora.
— Ah, o lendário charme irlandês de que tanto ouvi falar — observou Dan.
Eles entraram. Declan tinha acendido as luzes, e sala parecia brilhante e
acolhedora. Havia uma pequena lareira com dois sofás confortáveis na frente
dela. Amy espiou o próximo cômodo, uma cozinha grande com outra lareira. A
escada em caracol levava aos quartos, todos com lençóis limpos. Nas pias
estavam escovas de dente novas, creme dental e sabonetes.
A chuva açoitava os vidros escuros. Eles não sabiam onde estavam, ou por
que estavam ali, ou o que fariam no dia seguinte. Estavam exaustos demais para
se importar. Caíram nos lençóis – que tinham cheiro de lavanda e lembravam-
lhes de Grace – finalmente sentindo-se seguros o suficiente para dormir.
***

Quando Amy acordou, o céu estava azul do lado de fora de sua janela. Ela
espiou no quarto de Dan, mas a cama estava vazia. Olhou pela janela dos fundos.
Um gramado inclinado atrás da casa levava a uma cais com uma lancha presa a
uma estaca. A entrada serpenteava em direção à baía azul enevoada.
Dan estava no gramado, de costas para ela. Vestia roupas casuais, mas tinha
os pés descalços, o vento bagunçando seus cabelos.
Ela começou a se virar, mas parou. Havia algo tão... solitário e triste com
aquela cena. Algo sobre sua postura, a maneira como as mãos pendiam ao lado,
dizia-lhe que ele estava sofrendo.
Ela enfiou os pés dentro de seu tênis, desceu as escadas e abriu a porta da
cozinha. O cheiro do gramado fresco e do mar salgado atingiu suas narinas
enquanto ela subia a inclinação para ficar ao lado de Dan.
— Você notou que a casa está em uma cavidade? — Dan perguntou sem se
virar para ela. — É invisível da estrada. Temos três pontos de saída – a estrada, o
mar e o campo. Esta é a casa segura de Grace.
— Eu não tinha pensado dessa maneira. — E doeu ver que seu irmão mais
novo tinha pensado assim. Ele devia estar jogando beisebol, não descobrindo
rotas de fuga.
Dan encarava a enseada duramente. Seu queixo tremia.
— Eu soltei — ele falou. — Na ponte. Eu a segurava, e eu soltei.
— Você me salvou — Amy corrigiu calmamente. — Você me pegou
enquanto eu caía. E segurou enquanto um capanga o estrangulava.
— Amy... — Dan se virou para ela. Seu rosto estava angustiado. — Eu
senti você escorregando. Eu tinha você, mas não consegui segurar. Eu não
consegui segurar! Pensei que você tivesse morrido!
— Você me pegou! — Amy gritou. — Você salvou minha vida! E eu estou
aqui, Dan. Estou aqui por sua causa.
— Eu sou a razão por nós termos que fugir — ele devolveu. — Fui tão
idiota! Eu arrastei a gente para essa bagunça. Eu sou a razão de Pierce ter o soro.
Agora ele está tentando nos matar, e o FBI deve estar procurando a gente,
também. Eu baguncei tudo, de verdade. Eu nunca faço nada certo.
— Você faz o certo o tempo todo. Talvez não o tempo todo. Mas ninguém
faz. Especialmente não eu.
— Eu seguirei em frente quanto a isso — Dan disse. — Eu preciso; fui eu
que comecei. Nós vamos parar o J. Rutherford Pierce juntos. Mas depois disso,
estou fora.
— O que você quer dizer com isso? — Amy perguntou, assustada.
Dan respirou fundo.
— Não quero que pense que esta é uma das minha decisões impulsivas.
Porque não é. Eu não quero mais ser um Cahill.
— Você não pode apenas... cair fora!
— O Fiske saiu. Ele foi embora. Ele renunciou a família. Ele desapareceu,
viajou o mundo inteiro...
— O Fiske era adulto quando fez isso! Você só tem treze anos! — Amy
balançou a cabeça. — Olha, Dan. Nós dois quisemos desistir várias vezes – nós
já chegamos ao fundo do poço. E nós sempre descobrimos um jeito de continuar.
A boca de Dan estava torcida com o esforço para não chorar.
— Isso é diferente!
— É sempre diferente — Amy respondeu suavemente. — Mas então nós...
— NÃO! — Dan gritou, e a boca de Amy se fechou. — Não. — disse ele,
em voz mais baixa, e esse tom a assustava mais do que a explosão anterior. — Eu
não tinha percebido ainda. Mas já passei pelo suficiente. Eu fiz o suficiente para
saber disso: Eu não quero ser mais um Cahill. Não quero mais viver em
Attleboro. Eu não quero nada disso.
Amy sentiu essas palavras como uma facada no coração.
— Você quer... me deixar?
— Claro que não! — Dan bateu a mão na perna em frustração. —Eu
só... não consigo... viver assim. Talvez eu possa viver com a Nellie em algum
lugar... por um tempo. Talvez o Fiske vá embora de novo e eu vá com ele. Não
para sempre. Você pode ficar treinando, pode manter a rede Cahill funcionando,
e se manter alerta para o próximo vilão que aparecer. Por que
sempre haverá mais um. Mas eu não quero. Eu... não consigo! — As palavras
foram arrancadas de sua garganta. Ela viu os ombros dele tremerem. Ele segurou
a cabeça com as duas mãos. — Você não sabe como é — ele sussurrou. — Como
é ter o soro em sua cabeça.
Amy abriu a boca, mas não saiu nada. É claro que ela não sabia. Não era
possível ela saber. O que ela deveria fazer? Gritar com Dan? Argumentar com
ele? Dizer-lhe que ele a estava abandonando? Quando, obviamente, esta era
decisão mais difícil que ele já tinha tomado?
Não era isso o que ela queria para ele? Segurança? Um pouco de
normalidade? Não importasse o quanto custasse. Não importasse o quanto isso a
machucasse.
— Tudo bem — ela disse. — Nós faremos dar certo. Eu não o impedirei.
— Você ainda será minha irmã. Isso não vai mudar.
— Eu sei.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo o farfalhar da grama. Amy
se sentiu virada do avesso pela dor de Dan. Seu irmão parecia tão jovem naquele
momento, esticado na grama com os pés descalços, o cabelo bagunçado. Mas
seus olhos pareciam mais velhos. Mais velho do que os olhos de um garoto de
treze anos devia parecer.
Se ele tivesse que deixá-la para ter uma vida normal, a coisa certa, a coisa
corajosa, seria deixá-lo ir. Mas ela poderia fazer isso?
Nuvens cobriram o sol, e a enseada era agora era como ferro cinzento
fundido com manchas brancas. Amy estremeceu.
Se ela deixasse que Dan fosse, ela estaria sozinha.

***
Depois de um café da manhã apressado, eles tiraram as bicicletas da
garagem e se dirigiram para a estrada.
— Esquerda, ou direita? — Amy perguntou.
— Acho que lembro de ter visto os faróis virarem à direita na noite passada.
— E é morro abaixo — Amy disse. — Vamos tentar.
Eles pedalaram por alguns minutos em silêncio. Logo viram outro ciclista
vindo na direção deles.
— Com licença, senhor? Qual é o caminho para a vila? — Amy perguntou.
— Não muito longe — ele deu a resposta curta, e rapidamente pedalou para
longe.
Eles continuaram a pedalar. Depois de um tempo, viram uma mulher sair de
uma casa de campo à beira da estrada e parar para regar um vaso cheio de flores
vermelhas brilhantes.
— Com licença, este é o caminho para a vila? — Dan perguntou.
— Claro, se você continuar, vai parar em um lugar ou outro — a mulher
respondeu, e se virou de volta para casa rapidamente.
— Pessoal super McAmigável aqui na terra dos leprechaun — Dan
observou.
Mas, depois de cerca de dez minutos de bicicleta, a estrada fez algumas
curvas e a vila apareceu, um aglomerado de casas e lojas. Eles pularam de suas
bicicletas e as apoiaram contra a lateral de uma mercearia com uma porta azul
brilhante.
O sino tocou quando eles entraram. Uma jovem mulher estava sentada atrás
do balcão, lendo um livro. Ela não olhou para cima.
Pegando uma cesta de vime, eles a encherem com comida. Colocaram a
cesta em cima do balcão.
— É uma vila bonita. — Amy comentou. — Você vive aqui há muito
tempo?
— Tempo o suficiente — ela passou as compras deles.
— Existe um bom lugar para almoçar nas proximidades? — Dan perguntou.
— O povo diz que o Sean Garvey é bom, mas se vocês pensarão o mesmo
não é algo que eu posso prever — a garota disse.
— Podemos deixar nossas compras aqui por um momento? — Amy
perguntou.
— Acho que podem.
— Bom te conhecer, também — Dan disse.
Eles saíram. Do outro lado da rua, eles viram uma placa para o Sean Garvey
e abriram a porta. O bar estava lotado com os moradores locais, e todos eles
ficaram em silêncio quando Amy e Dan entraram. Um garçonete bonita de cabelo
e olhos castanhos avermelhados levou-os a uma mesa perto da janela e colocou
dois cardápios na frente deles.
— Estou começando a ter a sensação de que não me querem aqui. — Dan
disse.
— Acho que eles não estão acostumados com estranhos — Amy apontou.
Dan estudou o cardápio.
— Acho que vou pular as vitaminas batidas e as batatas amassadas. Sinto
como se eu já tivesse sido batido e amassado o suficiente.
Eles pediram sanduíches e observaram os moradores. Dan continuava a ter
uma sensação estranha, como se estivesse em um lugar familiar. Ele nunca
estivera nesta parte da Irlanda, ou nesta vila, mas algo sobre ela lhe era familiar.
A garçonete franziu a testa enquanto dobrava os guardanapos, e Dan sentiu
um choque.
Ela parece com a Amy.
O que era? A forma como a boca havia abaixado? A forma do seu rosto?
Ele olhou para Amy enquanto ela mordia o seu sanduíche. Agora ela não
parecia nada com a garçonete, de verdade. Ele devia estar louco.
Depois do almoço, eles compraram mochilas e peças de roupas em uma
pequena loja. Em seguida, caminharam através do cemitério nas proximidades.
Pelo menos eles não tinham que se preocupar com as pessoas olhando para eles.
Dan fez uma pausa para descansar, inclinando-se contra uma rocha maciça
riscada de musgo.
— Dan, o que você está fazendo? Pode ser uma lápide.
— Não é uma lápide, é só uma rocha. — Dan se afastou e passou as mãos
ao longo da pedra. — Vê? Não tem gravuras.
Assim que ele falou isso, seus dedos traçaram uma depressão na pedra. Ele
seguiu a linha para cima, desceu um pouco, para cima novamente, traçando uma
letra na pedra. Ele raspou no musgo com uma unha, limpando-a.
— Amy... olha isso.
Ela se inclinou.
— Eu não vejo nada.
Dan continuou a trabalhar na pedra, raspando o musgo. Em seguida, deu um
passo para trás e eles prenderam a respiração.
Era o M de Madrigal.
Capítulo 14
A menina estava na mesma posição na mercearia, ainda lendo um livro.
— Nós estávamos caminhando no adro da igreja — Amy comentou em um
tom casual. — E notamos uma rocha gigante lá.
— Um dos nossos pontos turísticos mais emocionantes aqui na vila — a
garota explicou. Ela virou uma página do livro.
— Há um M traçado na superfície da rocha — Dan disse. — E parece muito
antigo.
— É só uma rocha — a garota disse. — Duvido que haja algo traçado lá.
Dan sabia que a menina estava mentindo pela maneira como ela virou a
página de seu livro. Ela não podia ter lido a anterior tão rápido. Ele mostrou a
foto que tinha tirado em seu celular. Fotografara e e enviara para Nellie.
A menina deu uma olhada rápida.
— Não estou vendo nada. Deixe-me ajudar com suas compras. — Ela se
virou e inclinou para pegar o saco.
Dan deu uma cutucada forte em Amy. Tatuado na parte inferior das costas
da garota estava claramente um M de Madrigal.
Amy ergueu o saco.
— Se é só uma pedra — ela falou — por que o mesmo M está tatuado em
suas costas?
Pela primeira vez, eles viram emoção no rosto da menina quando sua pele
pálida ficou salpicada com rosa.
— É um símbolo da aldeia — ela respondeu, levantando o queixo e tirando
uma mecha de cabelo escuro de seus olhos. — Meenalappa.
— Então por que não explicou sobre a rocha?
— Devo ter conversas sobre rochas com cada turista eejit que vem em
minha loja? — ela perguntou desafiadoramente. — Agora voltem para o seu
ônibus de turismo e vão beijar minha Pedra Blarney.
— Nós não somos de um ônibus de turismo — Dan respondeu. — Estamos
hospedados em uma casa de campo aqui perto. Bhaile Anois.
A garota olhou para eles. Seu olhar se desviou de Dan para Amy e depois
para ele novamente. Em seguida, a tensão deixou o seu corpo, e ela sorriu.
— Esse Declan. Ele é grosso como uma prancha. É de se imaginar que o
seu próprio irmão lhe apresentaria quem ele levou para a casa na noite anterior.
Eu soube que havia um ônibus de turismo na aldeia aqui perto – eles têm uma
bela igreja lá, a trilha é turística. Às vezes o pessoal desce até aqui para almoçar
no pub. Desculpe a grosseria. Nós somos muito protetores com a nossa aldeia,
especialmente quando há pessoas que ficam no Bhaile Anois.
— Tudo bem — Dan disse. Era incrível como um sorriso mudava o rosto da
garota.
— Vocês são bem a cara dos Cahill — a garota comentou. — Eu devia ter
percebido.
— Nós somos os netos da Grace — Amy revelou.
— Dan e Amy, é claro. De qualquer modo, nós temos um ditado em minha
casa e na aldeia. Qualquer coisa pela Grace. Agora isso inclui vocês. Ah, onde
está minha educação? Eu sou Fiona Kilhane. Minha avó era zeladora da casa –
era uma boa amiga de Grace. Sinto muito por sua morte.
— Obrigada — Amy disse.
— Nos conte sobre a rocha — Dan pediu.
— É tão antiga quanto a própria aldeia. Ela vai além da memória, por volta
dos folclores, eu acho. Crianças de todas as gerações contam histórias sobre a
moradora que a rocha representa. Há centenas de anos, ela nasceu aqui. Partiu
por um longo tempo, voltou e teve uma filha, só para ir embora novamente. As
crianças a chamam de bruxa branca. Dizem que ela protegia a vila da praga, que
ela era uma selkie de Atlantis, que transformava palha e outro. Seu nome era...
— Olivia — Amy ofegou o nome.
— Exatamente — Fiona disse. — Grace deve ter te contado a lenda. Anos
depois, sua filha voltou para cá. Ela gravou um M na rocha.
— Madrigal — Dan disse.
— Ah sim, nós conhecemos esse nome. Nós a chamamos de rocha dos
Madrigal. É um símbolo da aldeia, eu acho, nosso Madrigal.
Dan sentiu a animação de Amy igualar a sua. Fiona estava falando sobre
sua antepassada, Olivia Cahill. Sua filha Madeleine havia sido a primeira
Madrigal.
Esta é a nossa aldeia ancestral, Dan pensou. Este é o lugar onde Olivia
Cahill nasceu.

***

Amy e Dan pedalaram de volta para Bhaile Anois. Agora, a paisagem


parecia fresca e significativa para eles. Este era o lugar de onde eles vieram.
— Por que um M, afinal? — Dan perguntou Amy.
— Porque ela não podia colocar uma pedra com o nome de sua mãe —
Amy adivinhou. — Seria muito perigoso. Talvez a palavra Madrigal tivesse
algum significado secreto para elas.
Eles ultrapassaram a cerca alta, e a casa da fazenda parecia confortável e
brilhante em seu côncavo. Dan percebeu Amy ao lado dele, as mãos descansando
levemente no guidão. Ela também estava olhando para a casa. Ele sabia que ela
pensava a mesma coisa. Era aquele elo mental que acontecia com eles tantas
vezes.
— Grace tinha um motivo, ela queria que nós viéssemos aqui — ele falou.
— E não é só pela proteção.
— Eu sei.
Eles guardaram as bicicletas na garagem e levaram suas compras para
dentro de casa.
— Sempre que nós precisávamos dela, ela estava lá — Amy disse. —
Mesmo depois que ela se foi. Ela nos deu McIntyre e Fiske e Nellie. E agora nos
trouxe até aqui.
— Está aqui — Dan disse. — Seja lá o que for. Tem algo na casa.
Eles trocaram um breve olhar, em seguida, entraram em ação. Amy se
dirigiu à cozinha. Ela procurou no balcão e nas prateleiras. Pressionou o rosto
contra o assoalho e bateu contra as paredes.
Dan subiu as escadas. Procurou em todos os quartos, movendo aparadores e
procurando pelo chão por uma tábua solta. Analisou a lareira de pedra cinzenta
no quarto principal, onde Amy havia dormido. Se arrastou ao longo dos pisos dos
quartos pequenos restantes. Bateu com os nós dedos nas paredes dos quartos.
Finalmente, ele subiu a escada de madeira em espiral até o quarto do sótão,
tão reduzido que tinha espaço apenas para uma cama e uma mesa pequena. Uma
janela circular no alto dava um leve vislumbre do céu azul. Não havia armário,
apenas uma fileira de estacas ao longo de uma parede.
Frustrado, ele começou a descer as escadas novamente. Chegou ao patamar
e fez a curva, pisando duro nos degraus restantes.
Ele parou.
Subiu as escadas de novo.
Então desceu.
Dan caiu de joelhos. Examinou cada centímetro da escada, subindo e
descendo. Quando chegou ao final, viu Amy de pé no corredor, observando-o.
— É — ele disse. — Eu provavelmente estou maluco. Mas há algo
diferente no som dos últimos degraus de cima. É apenas uma coisinha, mas...
Ele parou. Amy tinha se inclinado ao lado de um candeeiro de vela. O
candeeiro tinha um pequeno espelho na parte de trás, para que a luz da vela fosse
refletida e iluminasse melhor. No reflexo turvo, ele tinha visto. O par do
candeeiro na parede oposta era um pouco diferente. Os arabescos de metal na
borda tinha um padrão diferente. Mas em todos os outros aspectos, os candeeiros
eram completamente iguais.
Ele correu os dedos ao longo dos arabescos. Cuidadosamente, puxou o
candeeiro. Ele se moveu sob sua mão, e Dan rapidamente tentou pegá-lo. O
candeeiro ficou pendurado, ainda ancorado à parede, mas a poucos centímetros
de distância. Dan puxou-o por inteiro, e a escada começou a subir.
Além dela, havia uma sala secreta.
Dan deu alguns passos e olhou lá dentro. Então, virou-se para Amy.
— Depois de você — ele disse.
Capítulo 15
Amy passou pela abertura. Endireitou-se e procurou ao longo da parede por
um interruptor de luz. O interruptor acendeu uma bonita lanterna de vidro de tom
azul, apoiada sobre uma mesa branca.
Dan a seguiu. Eles estavam em um quarto pequeno e quadrado. As tábuas
eram pintadas de branco e o teto de azul celeste, talvez para compensar a falta de
janelas. A sala estava escondida sob o beiral. Amy imaginou que, por fora, seria
impossível dizer que ela existia.
Ao lado da mesa branca estava uma cadeira de madeira com uma almofada
roxa sobre o assento. Ela podia enxergar Grace sentada na cadeira com as costas
eretas. Havia uma pintura em uma das paredes, e na outra, um espelho de ouro
ornamentado.
Ela se aproximou da mesa e se inclinou para estudar a pintura. Os traços
infantis representavam bosques coloridos, o céu e um toque de amarelo contra
um campo verde. Ela reconheceu imediatamente. Tinha dado a Grace de
aniversário, aos nove anos. Ela trabalhou nele com tanto cuidado – era a vista da
janela de Grace na biblioteca. O lugar em que elas costumavam se sentar com
uma xícara de chocolate quente e um prato de cookies. Ela pintara na primavera,
quando o imenso arbusto de forsitía florescia. Grace tinha nomeado o arbusto de
“George”, porque ela enterrara seu peixinho dourado favorito ali anos antes. “Oh,
vejo que George está pronto para florescer”, ela dizia no início da primavera.
Dan foi até um armário de madeira ao lado da mesa. Ele abriu uma gaveta e
folheou os arquivos. Amy ficou de pé, olhando por cima do ombro dele. Os
arquivos estavam marcados pela forte caligrafia de Grace.

CONTAS DA CASA
Entrega de lenha
Eletricidade
Coleta de lixo
Telefone
Conta na mercearia

Amy os folheou.
— Estas são cópias — ela falou. — Os mesmos itens estão lá embaixo, no
estúdio.
— Por que a Grace precisaria de cópias desses arquivos? — Dan se
perguntou.
— Porque eles são um disfarce — ela falou.
Amy começou a remover os arquivos, empilhando-os cuidadosamente sobre
a mesa. Em seguida, estendeu a mão para a gaveta. Com alguns puxões,
descobriu que havia um painel na parte inferior. Ela o levantou, em seguida,
retirou de lá uma caixa de metal.
— Isto era o que deveríamos achar.
Dan estudou a fechadura.
— Uma fechadura com a combinação do alfabeto. Então, nós precisamos de
uma palavra, não de números.
— Algo que só nós iriamos saber — Amy observou. Ela mordeu o lábio. —
Sempre que Grace deixa algo que espere que a gente ache, ela nos dá uma pista.
Tem que haver alguma pista por aqui.
Dan olhou em volta.
— Não tem muita coisa aqui para começar.
Eles examinaram os arquivos com cuidado, mas não acharam nada. Em
seguida, examinaram o cômodo, mas era tão vazio quanto ele parecia.
— Tem que haver algo — Amy falou.
O olhar de Amy pousou na pintura. O arbusto amarelo estava tão mal
pintado. Foi bondade da Grace pendurá-lo. Especialmente quando ela tinha feito
pinturas muito melhores que essa.
Algo que só nós iriamos saber...
Ela se voltou para caixa. Girou as letras.
G-E-O-R-G-E
A tampa se abriu.
Amy tirou um caderno, e embaixo disso, havia outra caixa, essa embrulhada
em um barbante. Dan pairou sobre seu ombro enquanto ela o desembrulhava. Ela
abriu a parte superior da caixa. Dentro estava uma brochura, pouco maior do que
um livro de bolso. Tinha capa de couro, e ela podia ver as páginas amarrotadas e
amareladas pela lateral.
— Parece antigo — ela murmurou.
— Cheira a antigo — Dan concordou.

Era verdade. Cheirava como papel velho, mofado e seco, mas também outra
coisa... algo medicinal. Amy o abriu com cuidado. Devia ter havido plantas ou
ervas prensadas nas páginas uma vez – ela podia ver os traços fantasmagóricos
que eles deixaram nas páginas amareladas. Havia belas representações à tinta de
plantas, folhas e flores. Virando cuidadosamente as páginas, viu uma receita para
um cataplasma contra a malária, o melhor método para tirar manchas de cortinas,
uma lista de preços ao lado de itens como parafusos de linho, barris de vinho,
chá...
— É um livro de contas doméstico — Amy falou. — Definitivamente
escrito por uma mulher. E um tipo de diário. Quero dizer, você pode descobrir
sua vida lendo o que ela fazia todos os dias. Parece que tem algumas partes em
latim... ou italiano? Ambos, eu acho.
— De quem era? — Dan perguntou. — E por que a Grace o escondeu?
Amy voltou para a parte interna da capa.

Olivia Behan Cahill


Livro de cuidados domésticos
Anno Domini 1499

Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Dan soltou uma longa exalação.


— Uau — exclamou ele. — É o livro da nossa tatara-tatara-tatara-etcetera-
vó!
Amy olhou para a capa traseira do livro. Em uma caligrafia forte e clara,
desaparecendo ao longo do tempo, estava escrito: Retornado para proteção ao
cuidado da aldeia de Meenalappa. 1526 M.C.
— Madeleine Cahill — Amy ofegou. — Ela trouxe o livro de volta para
Meenalappa em 1526. Depois que sua mãe morreu. E de alguma forma ele
sobreviveu, todos esses anos! Incrível. — Ela cuidadosamente folheou as
páginas. — Olha, Dan, há uma lacuna aqui. Cinco páginas completamente
pintadas de tinta.
— Por que alguém faria isso? Para encobrir alguma coisa?
— Talvez — tinta era escura e preta, borrando linha após linha até encobrir
cada parte do papel em branco. Havia algo sombrio e assustador sobre isso. Algo
que a fez lembrar dos dias sombrios que passara após os funerais de Evan,
Alistair, Natalie... — Ou talvez essas páginas sejam um memorial. — Amy disse
devagar. — Lembra da história? Que o Gideon foi morto, e as suas quatros
crianças se separaram... Estas cinco páginas são a sua dor. E depois, olha, ela não
escreve nada, até 10 de julho de 1508... — Amy contou nos dedos. — Essa pode
ser a data do nascimento de Madeleine! Olha, aqui ela desenhou o M de
Madrigal.
Ela apontou para o M grande, desenhado à mão, no meio de uma página
adornada com flores e folhas. Novamente, havia receitas e medicamentos, as
listas de ingredientes e quantidades...
— Olha. — Amy disse. — Ela para de escrever aqui. Deixou dez páginas
em branco. E copiou um poema. E aqui, ela escreve, I miei viaggi. “Minhas
viagens”. — Amy traduziu. — Depois disso o resto do livro está escrito em
código!
— Imagino que a gente tenha que desvendar — Dan falou.
— Talvez Grace já tenha feito isso!
Animada, Amy pegou o caderno de Grace.
Apenas cerca de um terço dele estava preenchido. Havia listas de palavras
em latim e traduções do italiano antigo para o italiano moderno. Em seguida,
havia notações que não faziam sentindo algum.
— Acho que Grace tentou desvendar o código, mas não conseguiu. — Amy
opinou.
Dan gemeu.
— Por que nunca nada é fácil?
Enquanto ela folheava as páginas, um envelope caiu.
O coração de Amy vibrou.
— É de Grace — ela disse para Dan.
A carta não era longa.

— O segredo foi revelado para o mundo. — Dan disse. — O soro.


Amy tocou na letra G, tão grossa, tão forte.
— Ela temia que esse dia chegasse.
— Em algum lugar aqui — Dan falou, apontando para o livro — está a
resposta para o nosso problema. Grace nos deu um jeito de combater J.
Rutherford Pierce!

***

À noite, eles tiveram que desistir. O livro de Olivia era uma visão
fascinante sobre a vida na Irlanda no início do século XVI, mas eles não podiam
ver como o que ela escreveu poderia ajudá-los. E eles não conseguiam quebrar o
código.
— Tem muito latim e italiano — Dan observou, sonolento, de bruços no
chão. — E se eu tiver que ler mais uma receita de cataplasma, vou arrancar meus
próprios cabelos. — Ele se ergueu sobre os cotovelos. — Sabe quem a gente
deveria chamar? Atticus e Jake conhecem essas línguas mortas. Eles poderiam...
— Não — Amy o interrompeu.
Dan se sentou.
— Enquanto estamos aqui sentados, Pierce está ganhando força a cada dia
com o soro. Nós somos os únicos que podemos impedi-lo. Temos de usar tudo o
que pudermos, todos que pudermos. Você pode querer proteger todos — ele
continuou. — Eu entendo. Mas se o mundo todo se despedaçar, que bem vai
fazer?
Amy se levantou.
— Apenas vamos para a cama.
As palavras de Dan martelavam na cabeça de Amy enquanto ela enfiava o
livro debaixo do braço e o seguia pelas escadas de madeira desgastadas até os
seus quartos. Ela queria dizer-lhe que ele estava errado. Queria dizer, Você não
sabe como é estar no comando. Ela queria acusá-lo. É você quem quer fugir!
Você não tem mais o direito de votar! Mas ela estava cansada demais para brigar.
Ela vestiu o suéter que tinham comprado na cidade, escovou os dentes e
apagou a luz.
O sono não vinha. Ela se mexeu e remexeu por uma hora. Quando fechava
os olhos, sentia-se caindo, o rio oleoso e escuro se aproximando cada vez mais.
Ela sentia o aperto de Dan enfraquecendo. Em pânico, estendeu a mão para o
interruptor. Apoiou-se em seus travesseiros e pegou o livro de Olivia.
Enquanto lia, suas sobrancelhas franziam. Todos esses anos eles se
perguntaram sobre o fascinante Gideon Cahill, o homem que tinha tentado parar
uma praga e desenvolveu um soro poderoso. Quem saberia que sua mulher,
Olivia, era tão fascinante e brilhante quanto ele? O diário deixava claro que
Olivia era quem reunira os ingredientes do soro, Olivia que ajudara Gideon no
laboratório, Olivia que manteve a família unida. Amy leu as palavras de Olivia.

O poder que ele procurava pela cura se transformou em uma fera. Uma besta
com o poder de uma grande destruição. E por isso, ele deve ser destruído. Para
cada um existe o seu oposto. O oposto nega o outro.
Ela olhou novamente para o poema antes do final codificado do livro. Amy
o havia lido naquela noite tantas vezes, mas ainda não o tinha entendido. Ela o
leu novamente, o seu batimento cardíaco ressoando em seus ouvidos.

Quatro almas, quatro elementos, agora dispersados.


Era como a minha família, amaldiçoado
e sobrecarregado – veja! para atravessar anos
de Contenda, Calúnia, Medos.
No entanto, sob o meu Coração pulsante meu Segredo me trazia alegria e
esperança —
um futuro avistado — não aproveitado. Minha Alegria, você tem força suficiente
para lidar
e virar a batalha não com armas, mas com sabedoria adquirida da antiga
região
mantida próxima e passada de mão em mão
por mio maestro di vita, a ti, mulher atemporal, homem universal.
Então ele me legou, e a sabedoria ofereceu
e eu, através de seus próprios métodos, escondi.
Usando-a, reuni as partes. E com uma essência emendar o que foi dilacerado. E
para o monte de cinzas enviar.
Aproveito e aqui registro o que meu guia tem guardado
sem bordas entrevendo, o esboço sombrio do segredo concedido.
Minha Alegria, minha Canção, o meu dever é seu. Agora pegue o que é teu de
direito, conte oito e no sexto, pause.
Pegue esse sexto, combine com o primeiro que os Romanos trouxeram e impeça
o ataque sobre as Leis da Natureza.

Quatro almas, quatro elementos. Era claro para Amy o que essa parte
queria dizer. Os quatros elementos eram as crianças: Luke, Thomas, Katherine,
Jane.
Quatros elementos: quatro partes do soro.
Dispersados: foram dadas às crianças cada parte do soro, e elas se
dispersaram, severamente divididos. Olivia não conseguira manter sua família
unida. O soro era poderoso demais. Assim como as gerações de Cahills, como
Olivia previra. Assassinatos, conspirações, mentiras, vinganças... estendendo-se
durante cinco séculos, colocando Cahill contra Cahill.
Miséria proferida, geração após geração.
No entanto, sob o meu Coração pulsante meu Segredo me trazia alegria e
esperança.
Esta era Madeleine, a criança que Olivia carregava quando fugiu da
destruição de sua casa.
Em seguida, as referências de juntar... o quê? Para fazer uma essência. Um
pouco de soro?
Não, Amy pensou. Olivia odeia o soro. Isso é óbvio.
Minha Alegria, minha Canção, o meu dever é seu.
Ela está dizendo para Madeline fazer algo...
Amy sentou-se na cama. Poderia ser? Fazia sentido. Fazia perfeito sentido.
— Sim! — ela exclamou. Era isso, essa era a resposta. Essa era a chave!
Ela atravessou o corredor até o quarto de Dan. Sacudiu-o.
Ele acordou.
— O que está acontecendo? Cadê as minhas calças?
— Dan, acorda! Fiquei lendo o livro de Olivia — Amy esperou até que o
torpor do sono deixasse os olhos de Dan. — Acho que sei no que Olivia estava
trabalhando. Ela estava criando o antídoto para o soro. Essa é a chave para
impedir o Pierce!
Capítulo 16
Attleboro, Massachusetts

A casa parecia tão grande sem Fiske, Amy e Dan. Nellie não estava
acostumada a tal silêncio. Ele parecia ecoar contra seus tímpanos. Quando
atravessou o piso de madeira polido, os passos soaram altos como os de um
gigante. Ela tirara as botas e agora andava por aí de meias.
Ansiedade a consumia. Ela correra para um enorme beco sem saída. Era
como se Sammy tivesse desaparecido no ar.
Nelly enfiou a mão no bolso e tirou o bilhete do pedágio de Nova Jersey.
Seja lá quem fosse o dono, tinha viajado o percurso inteiro. O pedágio terminava
na Delaware Memorial Bridge.
Ela reconheceu a batida de Pony – três toques rítmicos. Em seguida, as
batidas se transformaram em um esmurro. Ela correu para deixá-lo entrar, o
telefone ainda na mão. Pony entrou, deu uma olhada em seu laptop aberto e se
aproximou dele em dois passos.
— O que você está fazendo? — Nellie perguntou enquanto ele digitava
rapidamente.
— Pegando um rato — ele respondeu.
— Achei que você tivesse dito que o laptop estava seguro.
— Estava — Pony continuou digitando, suas mãos aparentemente
desajeitadas ágeis nas teclas. — Eu te peguei, ratinho — ele murmurou. — Siga
o queijo...
— Você está escrevendo para alguém?
— Código. Estou caçando-os enquanto eles me caçam.
— Mas você vai atraí-los para cá!
— Porcos! — Pony bateu as mãos na mesa, e depois voltou a digitar. —
Não você, deusa. Olha, não é com... aqui... que estou preocupado.
Eles sabem onde você está. É... Dan e Amy...
— Estão rastreando eles?
— Eles estão tentando. Você recebeu algo deles?
— Só uma foto...
Pony murmurou entre seus dentes.
— Estou reencaminhando... através de Johannesburg... para Pequim... E
então... venha ratinho, me siga...
Nellie cruzou os dedos, e então fechou os olhos.
— TE PEGUEI! — Pony fechou o laptop com força.
— Funcionou? — Nellie perguntou.
— Eles provavelmente estão procurando-os agora em Moçambique.
— Você conseguiu rastrear o computador deles?
Pony balançou a cabeça.
— Quase, mas não consegui localizá-los. Não estão nos EUA. Algum lugar
na Europa.
— Isso não reduz exatamente as coisas.
Ele coçou a orelha.
— Foi o melhor que pude fazer em trinta segundos. Mas não tenho cem por
cento de certeza que eles não tiveram uma localização geral de D e A antes de eu
conseguir desviá-los.
— É melhor eu dizer para o Dan e a Amy saírem de lá.
— Com esse celular, não — Pony estendeu a mão. — Você conectou o
celular ao laptop alguma hora?
— A foto veio por SMS, então eu a transferi para...
Ele jogou o telefone no chão e esmagou-o com seu sapato.
— Não!
— Pony, você está me assustando.
Ele olhou para ela, as mãos nos bolsos.
— Você deveria estar assustada. Nós todos deveríamos estar assustados.
Esta é uma situação completamente desastroficalítica. Nós fomos mastigados
pela imperatriz suprema.
— Pony, eu te imploro. Por favor fale inglês. É nossa língua comum.
Nellie enfiou as mãos sob as axilas. Ela odiava quando suas mãos
começavam a tremer. Pelo olhar no rosto de Pony, ela sabia que era ruim. O que
quer que Pony diria agora, ela sabia de uma coisa: era hora de passar por cima de
Amy. Eles precisavam de ajuda.
Ele suspirou enquanto examinava minuciosamente o telefone quebrado
através de seus dedos e o guardava no bolso.
— Eu descobri quem hackeou seu sistema. Quem
provavelmente ainda está tentando rastrear vocês.
— Quem? — Nellie perguntou, aturdida. Fosse que fosse, dava para ver que
assustava Pony.
Ele se inclinou e baixou a voz, como se a própria casa não fosse mais
segura. Talvez não fosse.
— Waldo — ele sussurrou.
Capítulo 17
Localização desconhecida

April May ganhou o seu primeiro celular quando tinha quatro anos. Claro
que era um antigo de sua mãe e ela não conseguia nem fazer ligações, mas era o
seu brinquedo favorito. Ela o desmontou, o que fez seus pais rirem. Mas quando,
aos dez anos, ela abriu a placa-mãe de seu pai, eles não levaram tão bem.
April sempre teve uma queda por segredos. Enquanto outras crianças
tinham melhores amigos imaginários, ela construía suas próprias identidades
múltiplas. Ela poderia ser qualquer pessoa que quisesse na Internet. Isso era
liberdade, algo que faltava em sua casa. Sua mãe queria saber tudo o que ela
estava pensando e seu pai queria saber tudo o que ela estava fazendo.
Não havia privacidade em sua casa. A única vez em que ela tentou manter
um diário, seu pai o havia lido, em seguida devolvendo-o com suas próprias
correções em caneta vermelha. Sua mãe fez cópias dele e as enviou para o
terapeuta para que ela pudesse discutir os problemas de April “no contexto de
minha própria personalidade.”
April logo aprendeu a fabricar uma fachada falsa, um lugar que seus pais
poderiam acessar, enquanto seu verdadeiro eu vagava livre em outro local: na sua
imaginação, no seus sonhos... e na Internet. Foi quando ela percebeu pela
primeira vez que lá as pessoas podiam ser o que quisessem. Elas poderiam visitar
sites, escrever e-mails, participar de comunidades que não tinham nada a ver com
seu verdadeiro eu.
Ela nunca se importou com brincadeiras no pátio da escola. Ela preferia se
esgueirar de volta para a sala de aula e invadir o celular de seu professor, em
seguida, ler todos os seus e-mails.
Segredos eram poder.
Seus pais logo aprenderam a alterar suas senhas com frequência. Não
ajudava muito. Ela ainda hackeava o e-mail de seu pai quando tinha doze anos.
Não gostou do que encontrou lá, mas usou isso a seu favor. A próxima coisa que
ela sabia, era que estava em um internato. Foi quando começou a hackear pra
valer.
Na escola, enquanto suas habilidades aumentavam, ela descobriu que havia
um mundo de sombras inteiro lá fora, cheio de pessoas como ela. As pessoas que
viam que firewalls digitais eram apenas um desafio a ser superado. April se
importava cada vez menos com estudos sociais e hóquei de campo ou música e
matemática, todas essas preocupações do ensino médio que, de repente, pareciam
idiotas se comparado com este emocionante mundo secreto. Por que se preocupar
em estudar para um teste de matemática quando se podia dizer a seu professor
que você sabia sobre as suas viagens secretas de fim de semana para um cassino
em Atlantic City – viagens que a esposa dele não tinha conhecimento? Por que se
preocupar em fazer amizade com seu colega de quarto se você sabia que ele
mandava enviando sms sobre quão estranho você é? Mais fácil viver em um
mundo de sombras.
Mas mesmo April tinha escrúpulos. Expor a hipocrisia era o seu jogo. Ela
não hackeava para destruir, apenas para revelar. Claro, ela poderia invadir a CIA,
mas queria isso? Ainda não, de qualquer forma.
Nos últimos um ou dois anos, tinha encontrado outra excitação: fazer
dinheiro. Monte deles. Para alguns clientes selecionados, o dinheiro não era
objeto. Ela era exigente com seus clientes. Só invadia as contas de pessoas ou de
organizações que ela não aprovava. Atores, políticos, celebridades bobas,
bilionários que só ficavam ricos por terem mentido, enganado e roubado.
Ela chamava a sua empresa de WALDO. Chegara a contratar alguns
hackers, mas apenas alguns. Ninguém nunca a tinha visto. Não havia fotografias
de April May na Internet, e ela tinha a intenção de continuar assim.
Ela agora tinha alguns confortáveis milhões de dólares residindo em uma
conta muito segura nas Ilhas Cayman.
Seu mais recente cliente, J. Rutherford Pierce, era possivelmente o seu
maior. Ela não gostava muito dele, mas ele tinha testado suas habilidades, e isso
era uma coisa boa. Graças a ele, ela invadira vários sites de busca e manipulado
os resultados. Ele estava de olho em uma carreira política, e April May tinha
descoberto cedo neste negócio que quase todo mundo tinha algo a esconder.
Ele estava atingindo locais, também. Através dele, ela poderia invadir a
mídia e, possivelmente, a política, e em seguida, o céu seria o limite.
E ela não gostava de dois pirralhos intitulados ricos que apesar de tudo
precisavam causar problemas onde quer que fossem, também. Se negociar
informação em troca de dinheiro significava humilhar pessoas em um punhado
de tabloides, talvez mexer seriamente com suas vidas... ei, era a vida.
Eles haviam contratado algum especialista em segurança, isso era certo.
Paredes atrás das paredes. April estava quase começando a gostar do jogo.
As crianças não estavam em Moçambique. Ela tinha certeza. O hacker
podia enviar uma corrente falsa, mas ela não ia cair nessa.
Ela clicou em outra linha de código. April inclinou-se para frente. Esta era
uma boa notícia que ela podia dar ao seu último cliente. A conta dos Cahill
estava esquentando.
Capítulo 18
Em algum lugar a oeste da Irlanda

Abaixo deles, paredes de pedra, campos verdes, manchas de amarelo,


manchas de ferrugem. Nuvens cheias e brancas em um céu azul. Era um belo dia
para voar. As mãos de Pierce descansavam levemente sobre os controles. Ele
adorava aviões de pequeno porte. Não gostava de rodovias. Estava sempre com
pressa, agora que tinha um destino em mente. Ele olhou para suas mãos. Um dia,
em breve, elas segurariam todo o poder do mundo.
Muito em breve.
Cada passo que ele dera havia sido planejado tão meticulosamente.
Magnata da mídia. Confere.
Milhões de seguidores. Confere.
Financiamento de bilionários secretos. Confere.
Exército secreto. No caminho.
Estoques de armas. Confere.
Seguinte: a presidência dos Estados Unidos.
E agora, o empurrão final. Anunciar sua candidatura. Contratar Atlas para
iniciar algum tipo de guerra em algum lugar. Detonar um par de ogivas. Em
seguida, culpar o atual presidente dos EUA por isso.
Galt e Cara sentaram nas cadeiras atrás dele. Eles pareciam entediados. Não
estariam em breve.
Cada um filho de político perfeito – ele tinha certeza disso. Menino
jogador, menina musicista. Loiros e até mesmo de classe como a mãe. Cara era
bonitinha – um pouco do tipo meigo, como Debi Ann – mas isso funcionava a
seu favor. Políticos com filhos lindos tem o tipo errado de atenção da mídia. O
foco precisava estar nele. Galt era bonito, com apenas treze anos e já parecia com
Pierce. Nariz reto, queixo bom, olhos cinzentos. Instinto assassino.
Graças ao seu novo regime para as crianças, eles deixaram de lado dúvida,
desafio, peso e ética... todas aquelas coisas irritantes que ele costumava desprezar
neles.
— Hey, crianças — ele chamou por causa do barulho do motor. — Como
vocês estão se sentindo desde que comecei a lhes dar as vitaminas? Mais fortes,
estou certo? Talvez até mesmo mais inteligentes? Mais rápidos?
— Eu me sinto incrível — disse Galt.
— Super, papai — concordou Cara.
Por que ela sempre soava como se estivesse zombando dele? Pierce olhou
para ela rapidamente, mas devolveu-lhe o olhar de forma pacífica.
— O que você está pensando agora? — Ele disparou contra ela.
— Eu gosto do melhor sabor de manga — ela respondeu prontamente.
— Não é um pensamento muito interessante — comentou Pierce — mas é
aceitável.
Começou como um jogo, quando eles eram jovens. Como os dois
costumavam gritar de prazer quando ele lhes perguntava isso! Ele havia
inventado o jogo. As crianças tinham que responder dentro de um segundo, para
que ele pudesse ter certeza de que eles não estavam mentindo. Mal sabiam eles,
aos três, aos quatro, aos cinco anos, que ele os estava treinando. Qual é a
utilidade dos filhos a menos que você possa contar com sua lealdade?
Todas as manhãs ele se levantava cedo para digitalizar os jornais. Cortava
os artigos que queria que eles lessem e colocava em seus pratos. As noites eram
para impressões e artigos de revistas. Estava formando suas mentes para que eles
pudessem ser como ele.
Ultimamente imaginava que a web era grande demais para controlar.
Assim, elaborou um plano para eliminar certas partes da história, de modo que
seus filhos não conseguiam acessar a menos que ele aprovasse.
Cara estava pegando seus fones de ouvido. Ele ia perdê-la para uma
sinfonia em um segundo. Ele precisava de sua atenção.
— Ah crianças, lembrem-se, é o nosso segredo, certo? Sua mãe, vocês
sabem como ela é. Ela quer proteger seus bebês. Ela ainda os manteria com
compota de maçã e purê de cenouras, se pudesse.
Galt riu.
— Vocês estão prontos para um último teste? Estão prontos para isso?
— Sim! — Disse Galt, erguendo um punho. — Vamos lá!
— Eu sei que vocês são leais — disse Pierce — sei que são inteligente. E
sei que estão em excelente condição física. O que eu não sei – e preciso saber – é
se vocês podem operar de forma independente.
Cara olhou cautelosamente para ele.
— O que você quer dizer?
— Eu preciso saber se vocês podem ser deixados em uma situação –
qualquer situação – e atravessá-la, entregar resultados. Vocês estão prontos para
a sua tarefa?
— Pronto — respondeu Galt.
— Eu tenho jornalistas de todo o mundo à procura de Amy e Dan Cahill.
Aqueles dois são procurados na web como ninguém. E tenho o local onde eles
estavam, mas não sei onde estão agora.
— Estamos indo para Londres? — perguntou Cara.
— Ainda não. Estamos ao longo da costa oeste da Irlanda agora. Sua tarefa
é encontrar Amy e Dan Cahill e passar suas coordenadas para mim a tempo de
enviar alguns paparazzi atrás deles.
As duas crianças pareceram duvidosas. Pierce precisava deles nesse
negócio. Ele dificilmente conseguiria enviar seus guarda-costas para bater perna
ao longo do interior da Irlanda. Galt e Cara seriam perfeitos. Ninguém prestaria
atenção m crianças.
— Basta fingir que são estudantes fazendo mochilão pela Europa — disse-
lhes.
— Isso não soa muito desafiador — Galt disse de mau humor.
— Eu acho que soa divertido — respondeu Cara, olhando para fora da
janela. — É um país lindo. E enquanto eu não tiver que dormir ao ar livre, estou
bem com isso.
“O que é bom, porque vocês não têm escolha’’ Pierce pensou, mas sabia
que não devia dizer em voz alta.
— Onde estão as mochilas? — perguntou Cara.
— Logo atrás de seus assentos. Com os paraquedas. Tony vai ajudá-los
com o equipamento.
O homem que as crianças tinham presumido se tratar de um comissário de
bordo se aproximou de onde estava nos fundos do avisão, fora do alcance de voz.
— P-paraquedas? — Cara gaguejou. — Mas nós nunca saltamos de
paraquedas!
— Não se preocupe. Eu não falei que vocês estavam em condição física
superior?
Tony começou a deslizar algumas alças sobre os ombros de Galt.
— Pai? Eu não tenho tanta certeza sobre isso! — exclamou Galt. — Não foi
possível encontrar um aeroporto bom para pousar?
— Não quero deixar uma trilha de papel — disse Pierce — Além do mais,
será divertido. Estarei de olho em vocês.
— Eu não quero f-fazer isso — disse Cara quando Tony conduziu-a para a
parte traseira do avião.
— Pare de choramingar — ordenou Pierce, e Tony abriu a porta da cabine.
Capítulo 19
Quando Amy e Dan pedalaram até a vila na manhã seguinte, Fiona colocou
a cabeça para fora da mercearia e fez um gesto frenético para eles.
— Tenho uma mensagem de casa para vocês. Seus telefones não são mais
seguros. Você deveriam destruí-los. Se precisarem se comunicar, devem ir a um
cibercafé. Há um na próxima vila. E há uma chance muito pequena de que sua
localização tenha sido comprometida. O conselho é ficarem quietos por
enquanto. Eu deveria dizer-lhes que o Pony vai verificar tudo?
— Tudo bem — disse Amy, assentindo. Ela sentiu seus nervos tensos com
a notícia.
— Não se preocupem. Vamos mantê-los seguros. A vila inteira está em
alerta. E é por isso... — Fiona foi até a janela e olhou para fora através da
sombra. Em seguida, voltou. — Há alguém na cidade pedindo indicações de
Bhaile Anois. Ele se instalou tarde da noite na pousada.
Amy e Dan trocaram olhares inquietos.
— Como ele se parece? — perguntou Amy.
Fiona estreitou os olhos.
— Sorrateiro, com certeza — respondeu ela. — E ele é um grande gastador.
Bom em nada além de reclamar. Nora, da pousada, disse que ele nunca está
satisfeito com a temperatura do chá, e ele pediu mantas de cashmere para seu
quarto.
Amy e Dan trocaram outro olhar.
— Ian — disseram juntos, e suspiraram.
— Vocês conhecem o eejit? — perguntou Fiona.
— O eejit é... nosso primo — explicou Amy.
— Primo distante — Dan acrescentou. — Muito, muito distante.
Eles caminharam até a frente da pousada, onde Ian Kabra discutia com o
funcionário da recepção. Seu primo alto e elegante apoiava um dedo em uma
bicicleta raquítica, como se fosse se contaminar nela. Nesta aldeia rural, ele
estava vestido com calças jeans apertadas, uma jaqueta azul marinha e uma
camiseta escura de seda.
Ele tinha apenas dezesseis anos, mas parecia mais velho.
— Você está realmente me dizendo, meu bom homem, que este é o único
meio de transporte na vila? Certamente deve haver um serviço de carro. Ou uma
garagem, onde se pode alugar um carro? Mesmo neste fim de mundo?
O jovem de cabelos vermelhos colocou as mãos nos quadris.
— Por que o senhor não procura, me boyo? Faça um voo rápido para a
garagem mais próxima por si mesmo? E então você pode...
Dan avançou e pegou o braço de Ian.
— Nós vamos levá-lo a partir daqui. Obrigado.
— Dan! Amy! Graças a Deus vocês estão aqui — disse Ian em seu sotaque
britânico emplumado. — Os moradores têm sido extremamente inúteis — Ian
estreitou os olhos escuros. — Fiquei perdido por horas nas estradas secundárias
na noite passada porque quando perguntei a uma mulher se aqui era Meenalappa,
ela respondeu que não. E eu estava bem no meio da aldeia! Se eu vir aquela
jovem novamente, eu vou... — os olhos de Ian se arregalaram. Fiona estava
atravessando a rua para o pub. — L-lá está ela! — ele gaguejou.
— Oi, Fiona! — cumprimentou Dan, acenando.
— Oi, Danny boy! — ela vibrou volta.
— Está familiarizado com essa criatura?
— Relaxa, Ian — Dan tentou esconder seu sorriso. — Ela estava apenas
tentando nos proteger.
— Será que Nellie o chamou? — perguntou Amy. Irritação era visível em
sua pergunta.
— É claro que ela chamou. E Hamilton e Jonah, também — Ian disse,
nomeando seus outros primos. — Eles estão em estado de alerta. Reagan e
Madison viriam, também, mas estão ambas treinando para os Jogos Olímpicos, e
Hamilton não iria deixá-las. Eles estão na reserva, apesar de tudo.
Amy rangeu os dentes.
— Eu disse a Nellie para não alertar ninguém.
— Bobagem — Ian respondeu rapidamente. — Somos Cahill. Estamos
nisso juntos. Agora, vamos para a casa de Grace. Tem que ser melhor do que
essa pousada de má qualidade.

***

Ian encarou a cama de solteiro com a colcha de algodão e lençóis lisos e


brancos.
— Falei cedo demais. Por que, oh por que Grace não sabia sobre contagens
de fios? — ele gemeu.
— Eu não tenho ideia sobre o que está falando, cara, mas se insultar Grace
na minha presença mais uma vez, ganhará um lábio muito inchado — Dan falou
alegremente. — Ou dois.
— Eu não estou insultando-a — devolveu Ian. — Só estou indicando a
minha preferência. Se apenas Natalie estivesse aqui, ela saberia exatamente o que
eu quero dizer.
De repente, o rosto de Ian fechou. Natalie tinha morrido há apenas seis
meses, sua irmã caçula. Amy sabia que a ferida ainda deveria estar
insuportavelmente fresca. Ian limpou a garganta e rapidamente se afastou. Sua
voz saiu mais alta e apertada.
— Uma vez que estou sozinho nessa, não direi mais uma palavra. Lidarei
com colchas esfarrapas e lençóis arranhando como um cavalheiro.
Amy poderia dizer pelo jeito que Ian examinava a cama que ele estava à
beira das lágrimas. Ninguém estava interessado em afofar seu travesseiro.
— Nós sentimos falta dela, também, Ian — ela falou suavemente.
Ele limpou a garganta.
— Obrigado.
Seria como perder Dan, ela pensou.
Ela teve um vislumbre da grande e inesgotável dor, e se pudesse conseguir
uma manta de cashmere para Ian naquele momento, ela teria ficado feliz em
fornecê-la.
— Nós realmente precisamos da sua ajuda — acrescentou ela.
O rosto de Ian iluminou, e ela sabia que tinha sido a coisa certa a dizer. Ele
queria ser necessário agora.
Ian seguiu-os ao descer as escadas.
— Eu sei que vocês dois vão precisar de alguma estratégia de Lucian — ele
sentou-se no sofá estofado. — Portanto, relaxem e me contem como posso
resolver todos os seus problemas.
Era quase um flashback do antigo Ian arrogante que tinham conhecido, mas
agora ele terminava o comentário com um sorriso que zombava de seu velho
egocentrismo. A perda de Natalie o fizera mudar.
Amy sentiu seus olhos embaçarem. Com toda a sua preocupação de coloca-
lo em perigo, ela não tinha parado para pensar que Ian podia precisar deles
também.

***

Eles se sentaram no gramado novamente. Amy tinha aberto um cobertor de


linho e trouxera uma bandeja com um bule e xícaras bastante descasadas – Grace
sempre tinha colecionado relíquias chinesas – e um prato de biscoitos. O tempo
tinha ficado mais quente e brilhante, e a brisa suave balançou as páginas do livro
de Olivia.
Ian sabia latim melhor do que Amy, por isso ele foi capaz de traduzir
algumas coisas que a tinham confundido.
— Esta referência é intrigante — disse Ian. — Ela continua se referindo a
“isso”, mas não sabemos do que se trata. É um lugar, ou dinheiro, ou animais, ou
objetos?
— Aparece muitas vezes — Amy concordou. — Mesmo depois de Gideon
estar morto.
Amy olhou para ele. Seus rostos estavam muito próximos. Ela se lembrou
de quando aqueles expressivos olhos escuros a faziam tremer por dentro, quando
estar perto dele a faria corar e gaguejar. Não mais, porém. Uma sombra caiu
sobre o cobertor.
— Ora, ora. Se não são os dois aconchegados aí.
Protegendo os olhos, Amy olhou para cima e, com um surto de surpresa
desconfortável, viu Jake. Seu coração começou a bater forte. Ele estava de pé
contra o sol, e ela não podia ver sua expressão. Era oficial. Ela ia matar Nellie.
Sentindo-se culpada, ela ficou de pé. Agora podia ver seu rosto, o nariz forte,
olhos castanhos, cabelo escuro bagunçado. Ele parecia cansado. E irritado.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, confusa.
— Nellie nos contatou e disse que você precisava de ajuda.
— Eu disse a ela para não fazer isso!
— Sim, e posso ver porque — o olhar de Jake relanceou para Ian. — Você
já estendeu a mão para ajudar, não é? Desculpe interromper a festa do chá.
— Nossa rede caiu — ela explicou. — Nós até tivemos que desistir dos
nossos telefones. Eu não podia avisá-lo.
Ele deu de ombros, tenso.
— Não importa. Você não tem que me explicar. Eu entendo.
Seu olhar pétreo moveu-se para Ian.
— Não, você não entendeu — disse Amy.
Ian levantou-se.
— É bom vê-lo, Jake. Espero que tenha trazido o seu irmão mais novo. Há
um pouco de italiano medieval para traduzir...
Só então Atticus subiu com Dan. Atticus era meio-irmão de Jake, mas não
eram muito parecidos. Atticus era magro e moreno, e tinha herdado o espesso
cabelo encaracolado da sua mãe afroamericana, que ele usava em dreadlocks até
os ombros.
— Isso não é fantástico? — perguntou Dan. — Jake e Atticus em pessoa!
— Dan socou Atticus no braço. — Professor! Você foi socado assim por
aparecer sem avisar!
— Você não tem telefone! — Atticus respondeu com um sorriso — foi um
obstáculo intransponível, cara!
Embora Atticus fosse um ano e meio mais novo que Dan, ele falava com
um vocabulário que poderia levar um professor universitário a consultar o
dicionário.
— Você não deveria estar na faculdade? — perguntou Dan. — Como você
conseguiu tempo livre?
— Fazendo estudo independente — explicou Atticus. — Meu pai disse que
eu deveria adiar Harvard até estar emocionalmente maduro o suficiente para ir.
— Emocionalmente maduro? — Dan assobiou. — Seu pai vai ter que
esperar cerca de um bilhão de anos, cara!
— Eu não vou ter que esperar tanto quanto você, cara! — Atticus ajeitou os
óculos enquanto olhava para baixo sobre o cobertor. — Ei, esse é o livro de que
Nellie nos contou?
Os olhos de Jake focaram no livro de Olivia.
— Você o trouxe aqui fora no sol? Está louca?
Amy cruzou os braços.
— Nós estamos tendo cuidado.
— Não é sobre cuidado, este é um manuscrito quinhentos anos! Vocês
deveriam estar usando luvas – Atticus trouxe alguns pares – e mantê-lo fora da
luz solar.
— Não demorou muito tempo para começar a despejar ordens! —
exclamou Amy, seu rosto ruborizando. — Mas, então, você sempre sabe mais,
não é?
— Alguém tem que ser maduro nesta situação — replicou Jake, seu olhar
indo para Ian, que estava agora atentamente tentando escovar migalhas doe
biscoito para fora de suas calças.
— Verdade. Nesse caso, preferimos consultar o seu irmão mais novo —
disse Ian com um sorriso. Os manuscritos medievais são o seu campo, estou
certo?
— Tecnicamente, é início do Renascimento — corrigiu Jake.
— Obrigado pela correção, meu bom homem. Amy está certa –
você sabe mais — Ian passou o braço em torno de Amy. — Ela é tão perspicaz.
Uma das muitas coisas que adoro nela.
— Está ficando frio. Por que não vamos para dentro? — Amy sugeriu
brilhantemente enquanto tentava sair do círculo do braço de Ian.
Ian aproveitou a oportunidade para esfregar seu ombro.
— Você parece bastante fria — concordou ele. — Vamos sentar perto do
fogo. Jake, já que você está tão interessado em manuseio adequado, por que não
pega o livro?
Jake pegou o livro e furiosamente saiu pisando duro em direção à casa.
— Você se esqueceu de usar luvas! — Ian gritou para ele.
Amy o empurrou.
— Sinceramente, Ian.
— Que cara sensível — comentou Ian. — Francamente, eu não sei o que
você vê nele — ele fez uma careta quando a porta da cozinha bateu, em seguida,
olhou para o rosto vermelho de Amy. — Hmmm. Pode ser um bom momento
para fazer uma caminhada.
Capítulo 20
A casa estava subitamente lotada. Dentro de um par de horas, tinha sido
transformada. A animada curiosidade focada dos irmãos Rosenbloom fazia o ar
zunir.
A sala já estava repleta de xícaras, guardanapos e pratos usados com
sanduíches meio comidos, sapatos no chão e lápis quebrados ao meio, papeis de
rascunho descartados e a escova de dentes do Atticus, porque Atticus disse que
teve suas melhores ideias, enquanto escovava os dentes.
O laptop de Jake era seguro, por isso, pelo menos agora eles poderiam fazer
pesquisas na web. Através de seu pai, o Dr. Mark Rosenbloom, arqueólogo, eles
tinham acesso a bibliotecas on-line que Amy e Dan nunca poderiam ter
consultado.
Desde que passou o inverno em Roma, o italiano de Jake era quase fluente,
e Atticus era um estudante de latim. Eles haviam traduzido em poucas horas o
que teria levado dias para Amy.
— A minha pergunta é a seguinte: Por que uma mulher irlandesa naquela
época era fluente em italiano? — observou Jake. — Isso é altamente incomum.
— Ela era uma estudiosa — disse Amy. — Ela menciona que seu pai lhe
ensinou latim.
— Latim eu entendo, embora seja incomum para ela aprender isso — Jake
falou.
— Ela veio de uma família de bardos, Jake — disse Atticus.
— Barbados? — perguntou Dan.
— Bardos — Atticus corrigiu com uma risada — poetas. Os eruditos da
Irlanda.
— Mesmo assim, aposto que eles tinham barbas — disse Dan.
Atticus riu e jogou uma borracha nele.
— Os irlandeses têm uma história acadêmica incrível — comentou Jake. —
Bardos eram mais que poetas. Eles fundaram escolas, geralmente tinham
patronos nobres. Eles eram reverenciados na Irlanda. Mas...
— Eram todos homens — concluiu Amy. — Típico.
— Isso simplesmente não se acrescenta — disse Jake, franzindo a testa. —
E este código na parte de trás...
— Isso é incomum, também? — perguntou Dan.
— Sim e não — disse Jake. — Na verdade, a criptografia foi amplamente
utilizada na Europa do século XVI. A Rainha Elizabeth tinha uma escola de
espionagem. Foi um pouco mais tarde, mas ainda assim, não estou surpreso com
o código. Mas por que ela o usaria em um livro de contas domésticas? E é tão
estranho ver... lembra-me de algo que eu não posso colocar.
— Você sabe o que o pai diz — Atticus lembrou. — Quando está perdido,
volte ao início — ele se virou para Amy — posso ver o quarto secreto?
— Claro. Eu vou te mostrar.
Eles subiram as escadas até o segundo andar. Amy puxou a arandela para
baixo, e entrou na sala secreta.
— Isso é simplesmente fantástico — exclamou Atticus, saltando para o
espaço revelado. Ele olhou para ela, os olhos arregalados e curiosos por trás dos
óculos. — Você acha que Grace poderia ter deixado uma pista? Sobre o código
no livro, quero dizer. Dan me falou que ela deixou uma pista sobre a fechadura
com as letras.
— Se ela deixou, eu não encontrei — Amy se jogou cansada na cadeira
branca, as mãos entrelaçadas. — A carta dizia que a luta nunca está terminada, é
apenas abandonada. Ela sabia que, mesmo que destruísse o soro, nunca poderia
ser livre.
— Isso é o que assusta Dan — Atticus falou, andando ao redor da sala. —
Ele continua à espera de uma vida normal. Isso nunca acontece. Ele está
superassustado pensando que esse dia nunca chegará.
Ela sorriu fracamente.
— Como é que você conhece o meu irmão melhor do que eu?
— Ah. Com Dan você tem que ouvir o seu interior, sabe? Não tanto o que
ele diz. De qualquer forma, eu sei como ele se sente. Desde que minha mãe
morreu, meu pai acha que é Indiana Jones. Continuo esperando que ele se
acalme, mas em vez disso, Jake e eu apenas somos empurrados ao redor o
mundo.
— Eu sinto muito, Atticus — disse Amy. — Pensei que você gostasse de
viver em Roma.
Ele sorriu.
— Eu gosto. Agora. Apenas tive que deixar de esperar algo diferente, isso é
tudo. E perceber que a minha vida é muito legal. E ter um irmão como Jake me
apoiando é incrivelmente legal, também.
— Eu sempre soube que você era inteligente, mas não sabia que você era
tão sábio.
— Não sou tão inteligente se não posso ajudá-la — devolveu Atticus,
corando furiosamente. — Então, há alguma coisa aqui que lhe parece uma dica?
Há algo estranho, algo que simplesmente não parece ser de Grace?
— É tudo de Grace, na verdade. Ela amava branco e azul. A mesa antiga, a
cadeira Windsor... — ela olhou através da sala e viu-se refletida no espelho, uma
menina sem pistas. — Tudo além desse espelho... eu acho. Quer dizer, ela não
gostava de coisas ornamentadas, e é ouro... e se você se sentar nesta cadeira, você
olha direto para o seu reflexo...
Atticus olhou para o espelho. Ele ajeitou os óculos no nariz, gesto
característico que significava que ele estava pensando muito.
Então ele se virou e riu.
— Meu cérebro está explodindo! Amy, é o código mais fácil do mundo!
Não é código, é escrita espelhada!
— Escrita espelhada? Você tem certeza?
— Elementar! Venha!
Eles desceram correndo para o térreo, onde Atticus contou aos outros sobre
sua descoberta.
— É claro! — exclamou Jake. Ele bateu levemente na lateral da cabeça. —
Às vezes, as coisas são muito óbvias.
— Isso não deve ser tão difícil — apontou Atticus.
— Olivia está escrevendo uma instrução para Madeleine, certo? “Minha
Alegria, minha Canção, o meu dever é seu”. Se ela tornasse tudo muito difícil,
Madeleine não teria sido capaz de descobrir.
— É por isso que as referências poderiam ter sido coisas que ambas
conheciam — disse Jake, batendo com o lápis contra a mesa. — Um vocabulário
familiar. Como o modo como Grace falou com Amy e Dan. Usando o familiar.
— Talvez tenha algo a ver com o que a professora Olivia fala no poema? —
perguntou Amy. — “Mio maestro.”
— É mais do que uma professora, na verdade — apontou Jake. —“... mio
maestro di vita”. Mestre de vida. Implica alguém que ensina mais do que fatos –
todos os aspectos da vida, uma maneira de viver... Como um mentor.
Dan recitou de memória.
— ... e virar a batalha não com armas, mas com sabedoria adquirida da antiga
região / mantida próxima e passada de mão em mão / por mio maestro di vita, a
ti, mulher atemporal, homem universal.
Atticus sentou-se, seus dreads balançando.
— O que Grace diz em sua carta? — ele indagou à Amy com urgência
repentina — sobre a luta?
Amy pegou a carta de Grace.
— “Me desculpem por dizer que nossa luta nunca está terminada, é apenas
abandonada”. — Ela olhou para cima. Os dois irmãos estavam levantando de
suas cadeiras, seus rostos cheios de descrença, descoberta, revelação... Ela
levantou-se também. — O quê?
— “A arte nunca está terminada, é apenas abandonada”! — Atticus
exclamou. — É uma citação. Muito famosa, na verdade.
— Não para nós, cara — disse Dan.
— É uma velha brincadeira que Jake e eu costumávamos fazer. Você sabe,
memorizar citações de pessoas famosas na história.
— Sempre — concordou Dan.
— E o espelho — disse Jake. — E o homem universal, é claro! O Homem
Vitruviano!
Amy fez uma careta.
— Aquele famoso desenho do homem com os braços aberto? Mas isso é
por...
— E mulher atemporal! — Atticus falou. — A Mona Lisa!
Amy sentiu o rugido do conhecimento através de seu corpo.
— Vocês estão falando sobre Leonardo da Vinci?
— Meu Deus — disse Dan. — Até mesmo eu já ouvi falar dele.
— Leonardo foi o professor de Olivia — Atticus percebeu. — É por isso
que ela sabia italiano.
Jake animadamente voltou para o livro.
— É disso que trata as páginas codificadas. Um relato de suas viagens, mas
no meio deve haver algo que Leonardo deu a ela. “Então ele me legou, e a
sabedoria ofereceu / e eu, através de seus próprios métodos, escondi”. Agora
que sabemos disso, podemos decifrar o código, eu sei que sim.
— Isso é tão incrível — Atticus tomava fôlego. Ele olhou para Dan e Amy
maravilhado, como se de repente fossem obras de arte de valor inestimável. — O
homem mais famoso do Renascimento, e ele ensinou sua tatara-tatara...
— ... tatara-tatara-etc-avó — Dan terminou.
— O antídoto está naquelas páginas codificadas — Amy falou. — Eu
simplesmente sei disso.
O que torna o livro tão perigoso quanto o soro. Porque se nós o possuímos,
alguém vai querê-lo. Sim, Grace. A luta nunca está terminada. Você sabia disso.
Jake sentou-se, tomando notas em um pedaço de papel. Atticus batia sua
escova de dentes em cima da mesa enquanto olhava por sobre o ombro de Jake.
Ele balançava suas longas pernas magras, e os seus pés cobertos por meias
vermelhas brilhantes pareciam grandes demais para seu corpo.
Ele era apenas um garoto.
E Jake... o jeito como abriu espaço para Atticus, a maneira como
casualmente colocou a mão na escova de dentes para impedir o movimento...
Jake era quem zelava por Atticus, era seu protetor.
Eles tinham um pai distante, a mãe morta.
Os dois estariam perdidos sem o outro.
Lá estavam eles, vivos no momento, vida preciosa correndo por eles. Se ela
permitisse que ajudassem, eles poderiam morrer.
E ela estaria de pé sobre outro túmulo aberto.
Tanta emoção brotou em seu peito que ela temia irromper em soluços.
Amy limpou a garganta. Ela olhou para os dois irmãos.
— Vocês vão ter que ir embora.
Capítulo 21
Ian pegara uma bicicleta e fora na direção oposta de Meenalappa. Levara
exatamente três minutos para perceber que o lugar era um fim de mundo. Um
pub, uma mercearia, uma igreja e uma loja eu vendia botas de borracha e chapéus
de tweed. Não, obrigado. Ele iria para a aldeia maior de Ballycreely.
Ele pedalou forte, esfriando suas bochechas aquecidas. Pela primeira vez
ele não se importava com a neblina. Se não estava chovendo na Irlanda, ou iria
chover ou isso já acontecido.
Ele provavelmente deveria ter sido mais amigável com Jake. Não que ele
não gostasse do cara. Era só que quando Jake e Atticus apareceram, ele ficou,
bem...
Com ciúmes.
Ciúmes que Amy não tivesse olhos para ninguém além Jake e tentasse
esconder isso. De como Dan se iluminou quando viu Atticus.
Ninguém se iluminava ao olhar para Ian.
Ele sabia que não era a pessoa mais legal... Natalie entendia. Ela havia sido
tão... não legal quanto ele.
Mas ele estava tentando! Ele estava aprendendo! As pessoas não eram boas
pelo acaso, eram? Elas tinham pais que eram legais. Boas com seus filhos, boas
para outros. Os pais dele... bem, eles não entendiam o conceito de “bom”.
E eles nunca, nunca teriam entendido o conceito de “sozinho”.
Essa palavra nunca tinha estado no vocabulário Kabra, mas vinha saltando
ao redor da cabeça de Ian recentemente. Foi chocante quantas vezes ele
encontrou-se dizendo: “Se apenas Natalie estivesse aqui...”
Ele brigara com Natalie, ficava chateado com ela e às vezes até sentia que a
desprezava, mas ela tinha sido a sua melhor amiga. Talvez sua única amiga.
Perder a irmã... bem, acabou por ser muito mais difícil do que ele esperava.
Claro, ele não tinha mais que seguir Natalie até a Harrods, carregando as suas
compras, mas ele não sabia o que devia fazer, exatamente. Quando Nellie lhe
telefonara dizendo que Amy e Dan precisavam de sua ajuda, ele entrou em ação
imediatamente. Fez uma mala rápida e decolou imediatamente. Ele não tinha
nem mesmo carregado suas calças.
Ninguém gosta de você, ninguém gosta de você, ninguém gosta de você.
Minha irmã está morta, minha irmã está morta...
As rodas de bicicleta rodavam e rodavam, deslizando sobre a estrada de
terra molhada
As palavras giravam em sua cabeça.
E de repente ele percebeu que estava muito longe da casa, e perdido.
A névoa agora era chuva. Ian queria se chutar, mas provavelmente cairia da
bicicleta.
Ele diminuiu para fazer a volta e pegou seu telefone para consultar o GPS.
Então lembrou-se que Pony o desativara por motivos de segurança. A capinha do
celular dizia KEEP CALM AND CARRY ON. Mantenha a calma e
continue. Ele bufou. Será que realmente tinha escolha agora?
Naquele momento, uma Range Rover surgiu da curva, fazendo-o tropeçar
para dentro do mato. O carro acertou sua bicicleta, que voou atrás dele.
O motorista da Range Rover pisou no freio. Com um guincho de pneus, o
carro parou.
— Você é um louco assassino! — Ian berrou.
Uma menina de cabelo vermelho colocou a cabeça para fora da janela do
lado do motorista.
— Bem, aquilo não vai bem. O que você estava fazendo no meio da
estrada? — perguntou ela.
Ele ouviu o sotaque cadenciado na voz dela. Mal podia esperar para voltar a
Londres, onde as pessoas tinham música em suas vozes.
Ian bateu de pé.
— Eu não estava no meio da estrada! Estava no meio-fio!
— Caso você não tenha notado, esta estrada não tem um meio-fio — ela
respondeu. — É uma estradinha, não muito maior do que uma trilha, na verdade.
Você tem que prestar atenção nas nossas estradas, seu turista.
Ian se irritou ao ser chamado de turista.
— Talvez você tenha que prestar atenção em sua direção!
Ela sorriu, e Ian de repente percebeu que a menina era encantadoramente
bonita. Ela tinha uma covinha na bochecha esquerda. Que tipo de garota tem
apenas uma covinha? Ian não se importava com a assimetria, mas de alguma
forma esta em particular... funcionava.
— Claro, suponho que sim — disse ela. — Mas é o carro do meu pai, assim
eu gostaria de devolvê-lo enlameado para lhe dar mais trabalho. A propósito,
você está bem?
— Acho que sim, obrigado pela preocupação tardia — respondeu Ian.
A careta dela se transformou em um sorriso. Ela abriu a porta e saltou para
fora.
— Oh, olhe a sua bicicleta. Temo tê-la amassado um pouco.
Ian viu que a roda da frente tinha dobrado.
— Isso apenas piora meu dia.
— Não se preocupe, eu tenho um carro grande e bom tempo de sobra.
Antes de Ian pudesse protestar, ela ergueu a bicicleta com uma facilidade
surpreendente e depositou-a no porta-malas do carro.
— Agora, onde posso deixá-lo?
Normalmente, isso seria considerado como um dia estelar. Ele trocaria de
bom grado uma bicicleta esmagada por uma menina bonita em um carro muito
caro. Mas não hoje. Ele tinha que voltar para Bhaile Anois.
A discussão com Jake tinha sido mesquinha e estúpida.
— Não se preocupe, não sou uma criminosa. Sou apenas uma garota no
carro de seu pai que está disposto a salvá-lo. Eu sou Maura, por sinal.
— Roger — Ian respondeu, porque apesar da beleza desta garota, ele ainda
era um Lucian, e um Kabra. Qualquer informação pessoal era liberada com base
na necessidade de adquirir conhecimento.
— Hey, você deixou cair seu telefone — ela se abaixou e o devolveu a ele.
Seus dedos se tocaram brevemente, e Ian sentiu alguma coisa, algum tipo
de choque a partir do toque. Ele sentiu seu rosto esquentar. Isso nunca aconteceu.
Para disfarçar, deixou cair o telefone no bolso.
— Você poderia me dar uma carona para Ballycreel — a vila era
suficientemente grande e daria cobertura. E ele poderia caminhar de volta para
Bhaile Anois de lá.
— Você está hospedado lá, então? No Arms ou no Pocket of Fish?
— Pocket of Fish — respondeu Ian.
— Suba — disse ela. — Eu conheço um atalho.
Ian entrou. Maura acelerou, dirigindo rápido demais. Ian tentou não se
agarrar na maçaneta da porta.
— Nós vivemos em Dublin, mas temos uma casa em Doolin. É mais como
um castelo. Prefiro um castelo irlandês a um escocês, não mesmo? A melhor
sensação de todas. Mais modernos, melhores, se você me perguntar. Aqueles do
século XVI têm correntes de ar, não importa o quanto eles bombeiem o
aquecimento central.
Ok, ela não só era bonita, mas podia comparar os méritos dos castelos. Era
completamente o seu tipo de garota.
— Eu não tenho muita experiência com castelos — observou Ian. Apesar
do fato de que seu pai agora vivia em um. Ela lhe lançou um rápido olhar.
— Não seja tão modesto. Seu casaco é cashmere da última temporada da
Brioni. Seus sapatos são John Lobb feitos à mão. E nem vou falar do seu corte de
cabelo.
— Na verdade, eu prefiro uma propriedade — disse Ian. — Do início do
século XIX, com aquecimento central. Você está certa. Castelos têm correntes de
ar.
Ela sorriu.
— Aqui está o atalho.
Ela puxou o volante, e o Range Rover virou para uma trilha de terra que
era, provavelmente, para os ovinos. Enquanto o carro chacoalhava, Ian gritou:
— Isso é uma estrada?
— Sim, se eu disser que é! — Maura berrou de volta. — Eu falei que
gostaria de devolvê-lo enlameado! Só gosto de meu pai quando ele está furioso!
— ela deu uma gargalhada que fez Ian rir. Ele já escutara o termo “risada
contagiante” antes, mas nunca entendeu. Ele raramente ria, e certamente não iria
fazê-lo só porque alguém ria.
Mas quando o Range Rover atingiu uma vala e sua cabeça bateu no teto, ele
não se importou.
Ele não parava de rir.

***

Ela parou na rua principal de Ballycreel.


Ian puxou a bicicleta do porta-malas.
— Eu me ofereceria para pagar por isso, mas sei que você pode — ela
disse.
Um pequeno respingo de lama manchava a covinha de Maura. Seu rosto
estava vermelho de seu passeio selvagem, e seus olhos verdes dançavam. Eles
fizeram o seu coração pular, de alguma forma. Sensação estranha.
— Obrigado pela carona — ele falou. — Se é que se pode chamar assim.
— Ligue-me algum dia — disse ela. Ela colocou um pequeno cartão no
bolso.
Com um último olhar de flerte, ela pulou de volta para o carro e foi embora.
Ian olhou para o cartão. MAURA DEVON CARLISLE. Havia um número
abaixo do nome. O cartão era liso e pesado em sua mão. A fonte era discreta e
ainda forte. Exatamente o que ele teria escolhido.
Assim que o Range Rover saiu de vista, ele rasgou o cartão e jogou fora.
Era melhor não ser tentado. Melhor deixá-la ir.
Ian deixou a bicicleta em um beco. Começou a longa caminhada de volta
para Bhaile Anois, seus passos soando na estrada asfaltada, o ritmo constante e
certo em seus caros sapatos feitos à mão.
Solitário. Solitário. Solitário.
Capítulo 22
Atticus parou de balançar as pernas. Jake sentava-se olhando para Amy.
Dan estava estático no sofá. Os olhos verdes de sua irmã eram geralmente
calorosos, mas agora pareciam tão duros quanto metal. O que ela estava
fazendo?
— O que você disse? — perguntou Atticus.
Amy ergueu o queixo.
— Esta é a questão Cahill. Resolvê-lo é nossa responsabilidade.
— Desculpe-me? — Jake se pronunciou. — Atticus acabou de quebrar o
código do espelho. Você percebe o que tem aqui neste livro? É um presente
incomensurável para uma bolsa de estudos – quem sabe as informações que
contém sobre Leonardo!
— Este não é um seminário de faculdade — Amy falou uniformemente. —
Esta é uma batalha que não é sua. Somos gratos por sua ajuda. Mas vocês devem
retornar a Roma de manhã.
— Mas... — Dan começou, mas Amy o silenciou com um olhar de fique
fora disso. Dan ficou calado, mas sentiu seu sangue começando a ferver.
A boca de Jake estava aberta. Ele parecia ter levado um soco na cabeça.
Ou no estômago. Algum lugar muito, muito ruim.
— É um assunto de família — Amy continuou. — Os Cahill podem
assumir daqui.
Atticus parecia prestes a chorar. Atrás de seus óculos, ele piscava
rapidamente.
— Ei, podemos fazer uma votação quanto a isso? — Dan sugeriu.
— Não — o tom de Amy era firme. — Eu sou a chefe
da família. Esta decisão é minha.
— Você pode ser a chefe da família — Dan respondeu furiosamente. —
Mas não é uma ditadora!
Ian entrou pela porta.
— Vocês não vão acreditar no que aconteceu comigo... — ele
começou, então parou, seu olhar indo de Jake para Amy, então para Dan e
Atticus. Ele atirou seu telefone sobre a mesa. — O que eu perdi?
O telefone caiu bem ao lado de Jake. Dan leu as palavras KEEP CALM AND
CARRY ON. Como era estranho que os dois garotos, de
temperamentos tão diferentes, tivessem a mesma capa de celular.
A tão conhecida frase girava em torno em sua cabeça.
Ele não se sentia calmo. Ele não sentia como se quisesse continuar. Ele
queria jogar ambos os telefones no vaso sanitário por dizer-lhe para fazer algo
tão pouco convicente, quando tudo o que ele queria fazer era gritar e mudar o
que estava acontecendo.
— Nada — disse Jake. — Você não perdeu coisa alguma.

***
— Ela não quis dizer aquilo — Atticus sussurrou para
Jake mais tarde. — Dava pra ver pelos seus olhos.
Jake pegou suas roupas e enfiou-as na mochila.
— Ela quis dizer cada palavra.
— Jake, se você pudesse apenas conversar com ela...
— Eu conversei com ela. Ouça, irmãozinho, paramos aqui. Esta é a última
coisa que fizemos pelos Cahill — ele falou a última
palavra com amargura.
— Ela realmente não quer que a gente vá — Atticus falou
miseravelmente. — E Dan definitivamente não quer também!
— Dan não é o chefe. Amy é. E ela foi bem clara — Jake fechou o zíper de
sua mochila. — Arrume suas coisas. Liguei para a vila e
aluguei um carro. A primeira coisa que faremos pela manhã será ir para o
aeroporto.

***

Primeira luz. Amy ouviu o baque fraco da porta se fechando. Ela correu
para a janela. As formas escuras de Jake e Atticus indo para um carro parado na
estrada. Atticus parecia esmagado pela enorme mochila que carregava nos
ombros. Jake pendurara a sua num ombro só, e caminhou rapidamente na
direção ao carro, como se não pudesse fugir rápido o suficiente.
Ela queria descer correndo as escadas, se arremessar e abrir a porta e
implorar-lhes para ficar. Em vez disso, ela desviou o olhar.
A porta do quarto se abriu. Dan apareceu no vão da porta.
— Você está acordada — ele parou na porta. — Esta foi uma coisa
realmente ruim.
Amy pressionou a testa contra o vidro frio.
— Dan, você se lembra daquela ponte? Lembra daquele terror? Como
posso pedir a eles para arriscar suas vidas por nós?
— Você não está pedindo nada de ninguém — Dan observou. — Somos
todos voluntários aqui. E eu sei de uma coisa. Você está errada. Jake e
Atticus são família. Você está se transformando na Tia Beatrice!
— Isso não é justo! — exclamou Amy. — Eu tenho que tomar as decisões.
Você é aquele de nós que quer deixar a família! Por que você
deveria ter um voto de confiança, Dan? Você optou por sair, lembra?
— Eu estou aqui agora! — Dan atirou de volta. — Vendo você ser
mesquinha!
Eles se encararam, furiosos.
Ouviram uma batida insistente na porta lá de baixo. Ela e Dan
mergulharam para as escadas.
Amy chegou à porta primeiro. A mão de Fiona estava erguida para bater
novamente, seu cabelo escuro brilhando com gotículas da névoa da manhã.
— Há um SUV preto na — ela falou. — Eles estão à sua procura. Vocês
tem que sair daqui.
A mente de Amy parou e ela mudou para o modo de sobrevivência.
— Como?
— Barco.
— Dê-nos cinco minutos.
Amy e Dan correram para o andar superior e acordaram Ian. Eles jogaram
coisas em mochilas, envolveram o livro de Olivia em um saco impermeável e em
cinco minutos tinham trancado a casa e corrido até o cais.
Fiona esperava no convés de um pequeno barco a motor.
Ela estendeu a mão para ajudar Amy e Ian subirem a bordo.
— Eu vou tirar vocês daqui, não se preocupem. Conheço cada pedra e cada
brisa nessa baía. Tenho alguns conhecidos na aldeia para ajudar – e alguns
burros. Eles vão bloquear a estrada. Declan nos encontrará na água. Você pode
jogar essa corda para mim, Danny?
Dan jogou a corda sobre o barco e saltou para dentro. Fiona dirigia
habilmente através das curvas sinuosas da entrada.
— Vou para o norte e depois seguirei para Angra Runnybeg.
Não está no mapa e nós podemos chegar lá — ela explicou. — Poucas pessoas
sabem chegar lá.
Antes de dobrarem a última curva, um barco escuro surgiu da névoa
cinzenta, cortando a entrada em linha reta na direção deles.
Capítulo 23
— Segurem-se! — Fiona gritou, e ela girou o volante para a esquerda. O
barco girou de lado e ela atravessou a entrada, deslizando entre aglomerados
de rochas. — Nós teremos que ir para o canal — ela gritou. — Não posso
reverter e voltar para Runnybeg agora.
Dan olhou para trás. O barco preto estava mais lento, sem dúvida porque
não tinha o conhecimento de Fiona sobre as rotas. As rochas poderiam fazer um
buraco no casco. O barco parecia ser uma máquina poderosa, um tubarão
escuro se movendo na água.
— Você certeza de que pode ultrapassá-los? —
Fiona olhou para trás por uma fração de segundo, e ele viu uma sombra de
dúvida passar pelo seu rosto. — Possivelmente, não — ela respondeu, erguendo
o queixo. — Mas eu posso enganá-los — quando ela disse isso, de repente deu
uma guinada e enfiou o barco em um canal estreito que Dan não tinha notado.
Enquanto fazia as inúmeras curvas, ela aumentou gradualmente a velocidade, e
então um porto abriu na frente deles.
As horas estavam passando, e a água cinzenta começava a ficar salpicada
de rosa. Os barcos de pesca já se distanciavam do outro lado do porto. Moviam-
se para águas mais profundas.
Fiona ziguezagueou entre as embarcações ancoradas, as mãos seguras e
especialistas no volante. O barco maior teve problemas em segui-la, por isso,
desviou-se para o lado mais profundo do porto.
— Eles estão tentando nos cortar! — Amy gritou por sobre o som do vento
e da água batendo contra o casco.
Fiona não respondeu. Ela apertou os lábios e seus olhos se estreitaram. Ao
deslizar através dos barcos ancorados, ela começou a fazer um ângulo em
direção à costa.
— Nós vamos ganhar algum tempo quando a baía alargar — ela berrou. —
Eles estão muito longe para pegar a gente. Pelo menos um pouco.
Um pouco não soou muito encorajador, Dan pensou, mas sentiu uma onda
de alegria quando o barco disparou em águas abertas. Fiona acelerou. O barco
cortou as ondas, molhando o rosto deles.

Eles estavam à frente agora, e se distanciando. Dan olhou para trás


novamente. Mesmo que eles tivessem disparado à frente, a julgar pela
velocidade do outro barco não levaria muito tempo para serem alcançados.
Eventualmente, a embarcação os ultrapassaria.
Ele se aproximou de Fiona.
— Qual é o plano? — perguntou.
— Se eu conseguir superá-los e levá-los para as falésias, posso fazê-los se
perder. Há um caminho.
— Falésias?
— As Falésias de Moher. Elas ficam ao sul. Se eu puder chegar lá rápido o
suficiente. É onde Declan e seus amigos estão.
— Mas como é que ele pode nos ajudar?
— SEGUREM-SE! — Fiona gritou, de repente virando o volante com
dificuldade para a direita. O barco fez uma curva vertiginosa enquanto Dan se
pendurava no corrimão da cabine. Ele viu uma boia passar a centímetros de seu
nariz.
Eles estavam em mar aberto agora, as ondas impedindo o seu progresso.
O barco balançava enquanto eles atravessavam as ondas, e Dan sentiu seu
estômago embrulhar. Ele manteve os olhos no horizonte.
— Eles estão nos alcançando — Ian falou da popa.
— Eu não posso ir mais rápido — Fiona disse entredentes. — Estamos
quase lá.
Então o sol rompeu a névoa e nevoeiro, e através dos raios fracos eles
viram as falésias surgirem diante deles, majestosas e tocadas pela luz da manhã.
Aves marinhas mergulhavam e giravam acima deles.
— Uau — Dan exclamou. — Essas são as falésias? Qual a altura delas, uns
trezentos metros?
— Quase... o mais alto tem cerca de 215 metros — disse Fiona, olhando
para o barco preto logo atrás. — É a nossa única chance – eles nos alcançarão
em um ou dois minutos. Mas teremos a companhia da água, pelo menos. As
Aileens estão se formando. Sorte para nós, se não afundarmos.
Dan imaginou uma equipe de meninas irlandesas correndo pelas falésias.
Porque isto iria ajudá-los?
— Quem são as Aileens? — perguntou Amy.
— Aill Na Searrach. É uma onda perfeita — Fiona explicou. — Se as
condições forem adequadas, e hoje elas são, elas podem chegar a dez, doze
metros.
— Você disse doze metros? — Ian exclamou.
— O que são aquelas ilhas? — Amy perguntou, apontando para montes
enormes a frente deles.
Dan viu Fiona segurar o volante com dificuldade.
— Não são ilhas. São ondas.
Dan olhou para longe. Não pareciam ser ondas. Pareciam
ilhas distantes que se moviam lentamente até aumentarem de tamanho e se
transformarem em paredes maciças de água.
O barco balançou e girou para a esquerda, deixando-os mais perto da
costa. Mais perto das Aileens.
— Não conseguirei nos manter nessas ondas! — Fiona gritou. — Nós
vamos quebrar! E se eu sair para o mar, eles vão nos alcançar!
Dan podia ver figuras no convés, homens estavam vestidos de preto com
óculos escuros. Ele reconheceu um deles, um homem baixo com uma loira
estampada em sua camisa justa. Era o homem que o segurara na ponte. O
homem levantou um rifle.
— Abaixem-se! — Dan exclamou.
Fiona não se mexeu. A bala acertou o painel de instrumentos, quebrando o
velocímetro.
Dan se arrastou e puxou Fiona para baixo. Ela manteve uma mão no
volante.
— Você está louca?
O rosto dela estava branco e seus dentes
batiam.
— Não achei que eles iam atirar de verdade! — ela olhou para o painel
quebrado. — Com balas de verdade!
— Apenas fique abaixada — Dan ordenadou.
— Se eu não puder ver, não posso pilotar! — ela respondeu. — Nós vamos
bater nas rochas ou seremos arrastados para a onda, e será o nosso fim!
Dan olhou para trás.
— Acho que é isso o que eles estão esperando — ele respondeu.
Os homens estavam de pé, os rifles prontos nas mãos. Ele podia sentir o
gemido barco movendo-se contra as ondas. Se eles permitissem que Fiona
conduzisse direito, não havia dúvida de que ela seria morta. Mas se eles não
permitissem, iriam na direção daquela onda de nove metros ou das rochas.
Houve um som gritante, e o barco estremeceu.
— Nós batemos em alguma coisa! — Fiona gritou. — Ian, você descer?
Ian se inclinou e meio rastejou, meio engatinhou, até a portinhola
enquanto outra rajada de balas acertava o barco. Abriu-a e desceu a escada.
Um momento depois, ele colocou a cabeça para fora.
— É ruim — ele revelou. — Nós batemos numa pedra, e
há água entrando pelo casco.
— Eles vão nos apanhar se saltarmos na água — Fiona falou. Ela ainda
estava pálida, mas já não tremia. Seu queixo estava trincado enquanto ela
esquadrinhava a baía atrás deles. — Onde está você, Declan, seu eejit? — sua
voz quebrou enquanto ela procurava freneticamente por trás do barco.
Amy se arrastou para a frente para se sentar com Dan, as costas contra a
porta da cabine. O barco agora deslizava para um lado. Outra onda os atingiu, e
eles deslizaram um pouco mais na direção das pedras. Não levaria muito tempo
agora que o asco rachara. Os homens na outro barco pegaram seus rifles,
esperando que eles pulasem para a água fria.
— Fiona — Amy falou.
Dan sabia o que ela queria dizer. Outra inocente.
Outra vida que tinha colocado em perigo.
— Eu tenho que ter certeza de que ela conseguirá — Amy
disse. — Então você... apenas nade. O mais rápido possível. A água estará fria.
Você precisa manter seus músculos aquecidos. Pegue o livro de Olivia. E não
olhe para trás. Ficarei com Fiona. Vou levá-la até a costa.
Dan olhou para a água turva. As rochas. Os penhascos. Seria um milagre se
eles conseguirem chegar até a costa. Mas ele não tinha
intenção de pulas na água sem ter a certeza de que Amy estava bem. Menos de
uma hora atrás ele tinha ficado furiosa com ela. Agora, faria qualquer coisa para
salvá-la.
— Moleza — respondeu ele.
— Lá estão eles! — Fiona exclamou.
Dan olhou contra o sol. Pequenas formas escuras se moviam rapidamente,
voando sobre o superfície da água... Jet Skis. Cada um tinha um piloto e um
passageiro, e puxavam algo longo e fino.
— Pranchas? — perguntou Dan.
— É Declan e seus colegas — disse Fiona. — Os Jet Skis os rebocam através
do pico das ondas, e eles as surfam. Eles são os poucos loucos o suficiente para
surfar em Aileens.
— Eles surfam nessas ondas? — indagou Ian, incrédulo.
Os Jet Skis deram a volta e vieram na direção deles. O caminho iria levá-los
direito entre o barco deles e a embarcação negra. Os homens rapidamente
ergueram seus rifles.
Os Jet Skis chegaram mais perto, formando uma cunha e indo direto para
o barco. Um dos surfistas levantou um megafone.
— Precisam de ajuda aqui?
— Sim! — Fiona gritou, de pé e acenando.
Os Jet Skis cercaram o barco. Os capangas da outra embarcação não se
atreveriam a atirar agora.
Declan estava sentado de carona, vestido em um colete molhado.
— Parece que vocês precisam de um ascensor aí — ele gritou. Ele apontou
para os surfistas empoleirados nas costas dos jet skis. — Estes são meus
companheiros Sean, Rory e Patrick. Subam a bordo.
— Você primeiro, Fiona — disse Amy. Ela hesitou, em seguida, empurrou o
livro de Olivia nas mãos de Fiona. — Tome cuidado com isso.
— Darei um passeio com Sean, então — Fiona disse, indicando um menino
de cabelos vermelhos com brilhantes olhos azuis, que estavam fixados em
Fiona. — Ele vai me levar de volta para a praia de Doolin. Vou levar suas
mochilas; temos espaços para guardar sob o
assento.
Em apenas um momento, as mochilas e o livro de Olivia estavam
guardados.
— É para lá que vão nos levar? — Dan perguntou enquanto subia a bordo
atrás Declan.
— Não é possível. O barco só iria segui-los e alcançá-los quando
chegassem às docas — Declan disse. — E há caras na costa em Doolin,
esperando. Vocês terão que chegar à costa de outra maneira.
Amy deslizou do barco e montou atrás de Rory. Com uma careta, Ian subiu
atrás de Patrick. Eles saíram do barco no mesmo instante em que ele afundou.
Água encobriu o convés.
— Você me deve um barco, Fee! — Declan gritou para sua irmã, sorrindo.
Dan foi jogado para trás quando o Jet Ski deu partida. Ele estava feliz por
deixar os bandidos para trás, mas seria bom se no momento ele não estivesse
indo na direção de um conjunto de ondas de nove metros de altura.
— Você está nos levando para a praia? — ele perguntou no ouvido de
Declan.
Declan apontou para uma onda tão alta quanto um edifício.
— Só há uma maneira de chegar lá, companheiro. Os Jet Skis não podem
dar a volta nessas ondas.
— Nós vamos... — Dan engoliu seco. — Surfar?
— Você estará na praia em menos de três minutos! — Declan gritou. —
Tudo o que tem que fazer é se segurar.
O Jet Ski cortou a água. Estavam agora além da crista. O Jet Ski subiu na
altura da onda, então desceu pelo outro lado.
Quando penetrou na onda, Dan sentiu o baque nos seus ossos.
— Eles vêm em grupos de sete — Declan gritou. — Nós vamos nos
equilibrar no pico. Vê a forma de barril? Isso é bom. Nós entraremos direto em
uma delas.
Dan engoliu em seco. Ele tremia de frio e medo. Ele olhou para Amy. Ela
ergueu um polegar trêmulo. Ian apenas pareceu determinado e aterrorizado ao
mesmo tempo.
O garoto que pilotava o Jet Ski olhou para o oceano. Aparentemente, viu
algo que Dan não podia ver.
— Aqui vamos nós! Próximo conjunto!
Os jet skis foram desligados agora, e eles podiam se ouvir.
— É hora de subirmos nas pranchas — disse Declan.
Cautelosamente, Dan foi para a água. Declan ensinou-lhe como se segurar.
Os dentes de Dan estavam batendo tão alto que ele podia ouvir o ritmo
irregular constante.
— Não vai demorar muito agora, companheiro — disse Declan. —Só um
minuto ou dois.
Dan olhou para os lados. Ian e Amy estavam nas pranchas também.
— Não há tempo a perder — Patrick gritou, apontando com o queixo para
o barco preto. Eles apenas podiam assistir os homens no convés, ainda
observando-os. Um deles tinha binóculos apontados para eles.
Agora Dan podia ver o movimento da onda, como um enorme Leviatã
movendo-se através a água.
— Quando a onda estiver sobre o recife, vai começar a quebrar — explicou
Declan.
— Vamos! — o piloto do Jet Ski chamou, e eles seguiram em frente em
alta velocidade. Declan levantou-se graciosamente, seus pés distanciados na
prancha, equilibrando-se facilmente da mesma forma que a prancha cortava a
água.
Eles se inclinaram dentro da onda em formação. Dan sentiu seu corpo
agachado na prancha como algo congelado, sua mente gritando uma palavra.
Nããããããão!
Em seguida, a parede de água rugiu na direção deles e a prancha disparou
para frente.
Capítulo 24
Dan sentiu como se seu estômago estivesse caindo com a força da onda que
os apanhou e os arremessava para frente. Ele estava à mercê de uma força tão
grande que parecia que o ar estava sendo sugado de seus pulmões e sua cabeça
foi preenchida com uma expansão primal energia que expulsou todos os
pensamentos de seu cérebro e a fez pulsar com sentimento puro.
Eles atravessaram um túnel de gelo verde que era a água. Ele pensou ter
gritado, mas o barulho das ondas era muito alto em torno dele e segurar a borda
escorregadia da prancha era muito difícil. Cada movimento de Declan, cada
mudança de peso enviava outro choque de terror puro pelo corpo de Dan.
Através do túnel de água ele podia ver outro surfista à frente, mantendo
Amy a bordo. Estavam paralelos à costa, descendo a curva da onda. Dan podia
sentir o poder da água caindo atrás deles.
— Segure aí, vamos fazer a curva! — Declan gritou.
Como se ele pudesse se segurar em mais alguma coisa! Declan moveu seu
corpo, e a prancha guinou em direção à costa. Dan piscou para olhar em volta. À
frente, o outro surfista tinha feito o mesmo. Ele viu Amy deslizando pelo
comprimento da prancha, e então ela caiu, tombando na água agitada!
Ele não hesitou. Pulou na água gelada.
Imediatamente sentiu a fúria da onda, e se esforçou para manter a cabeça
acima do turbilhão de espuma. Ele era como um pedaço de pau balançando na
força propulsiva da água. A onda era como um animal, algo vivo que poderia
facilmente partir seu corpo em dois.
Ele esticou seu corpo, mantendo-o em linha reta, boiando no alto da onda.
Ele se afogaria se fosse pego no recuo do mar. Ele tinha que continuar, encontrar
Amy em algum lugar daquela onda.
À sua frente, ele teve um vislumbre de algo marrom – uma alga? Não, o
cabelo de Amy flutuando atrás dela! Ela, também, estava tentando boiar com seu
corpo. Declan tentava retardar sua prancha, tentando manter Amy à vista.
Os minutos pareciam não passar. Dan sentiu o sal em seus olhos e não
conseguia mais sentir os dedos. Ele podia ver a praia em frente, e estendeu a mão
para Amy, tentando agarrar seu pé, ou sua roupa...
A onda explodiu em torno dele, rugindo, quebrando, e ele sentiu o recuo da
onda puxando-o para trás, mas ele lutou para ficar, ficar à frente, nadando agora
pela sua vida, nadando em direção a Amy...
Que agora estava se agitando, os braços dentro do suéter de lã pesada
arrastando-a para baixo. Dan mergulhou. A força do recuo da onda diminuiu, e
ele podia ver apenas a forma pálida da mão de Amy flutuando.
Ele nadou mais fundo, chegando, se aproximando da mão. E agarrou-a.
Ele a puxou para si, nadando até que pensou que seu coração fosse explodir
em seu peito. Colocou o braço ao redor dela e fez força para cima, em direção à
luz fraca.
Ele rompeu a superfície, engasgando, e Declan estava lá, montado em sua
prancha, seu rosto angustiado. Ele estendeu a mão e puxou Dan e Amy para
cima. Em seguida remou até a costa.
Os outros surfistas e Ian vieram rapidamente.
Juntos, eles levaram Dan e Amy para a praia. Amy ajoelhou-se, tossindo.
Declan se sentou, a cabeça entre os joelhos, todo o seu corpo trêmulo. Sua
atitude arrogante apagada pelo desastre que quase aconteceu.
Dan estava na praia, tentando recuperar o fôlego.
Amy olhou para cima através do emaranhado de seu cabelo molhado.
— Salvou a minha vida de novo, irmão — ela falou asperamente. — Te
devo duas.
Lá em cima, Sean e Fiona desciam pela trilha Switchback do penhasco,
com os braços cheios de cobertores. Amy tentou se levantar.
Sem dúvida, os joelhos estavam tão moles quanto os de Dan. Ian tirou areia dos
bolsos de sua calça.
— Declan, temos que ir — disse Patrick. — Temos apenas alguns minutos
antes que eles chamem a guarda costeira e lhes digam que chegamos nas falésias.
— Certo. — Declan levantou, tirando seu cabelo escuro dos olhos.
O barco preto era apenas um ponto à distância, voltando pelo mesmo
caminho em que vieram.
Dan percebeu que estava congelando, tremendo tanto que tinha dificuldades
para andar. Fiona correu até a praia e jogou um cobertor
em torno de Amy, depois de Dan.
— Vamos lá — ela falou. — Não há tempo.
Eles seguiram os surfistas até a trilha para uma caravana de veículos.
Declan foi até a sua caminhonete e abriu as portas para eles.
— Volto em um segundo — disse ele, e então desapareceu na van
estacionada ao lado deles.
Os irmãos caíram dentro do caminhão, tremendo. Fiona passou uma garrafa
térmica e copos.
— Está bem quente; vai aquecê-los. Declan os levará ao aeroporto. Há um
avião particular lá. Aqui está o número do piloto. Ele s levará a qualquer lugar
que precisem ir. — Seus olhos azuis eram ferozes. — Vocês estarão seguros, eu
juro. Declan pode dirigir como o diabo e ele conhece que essas estradas como
ninguém.
— Ele surfa como o diabo, também — comentou Dan. O tremor estava sob
controle.
Declan reapareceu, agora vestindo jeans e uma camisa de lã grossa, o
cabelo alisado novamente. Ele deslizou para trás do volante.
— Tchau, Fiona — despediu-se Amy. — Obrigada por tudo. Isso não é
suficiente, mas...
— Não se preocupe. Nós nos encontraremos novamente. Tenho certeza
disso. — Ela fechou a porta, em seguida, deu um tapinha na caminhonete.
Declan ligou a ignição e eles se foram, espalhando terra enquanto se
distanciavam rapidamente.

***

Eles não se aqueceram completamente até que estarem a meio caminho do


aeroporto de Dublin, e Amy sentiu seu cérebro começar a trabalhar novamente.
— Como eles nos encontraram? — ela perguntou. — Nós não usamos os
telefones para nos comunicarmos. Mal saímos da casa nos últimos dois dias.
— Com exceção de Ian — disse Dan. — Você notou algo suspeito quando
saiu para sua caminhada?
Ian balançou a cabeça.
— Não havia nenhuma vigilância. Eu teria notado. Só eu e minha bicicleta.
Claro, eu quase fui atropelado, mas foi um acidente.
— Acidente? — perguntou Amy rapidamente.
— Minha moto bateu no pára-choque de uma Range Rover — Ian
respondeu. — Para minha sorte, eu não estava nela no momento. O motorista me
deu uma carona até como Ballycreel.
As suspeitas de Amy instantaneamente estavam de pé.
— Qual era o nome dela?
— Como você sabe que era uma garota?
— Porque, se eu estivesse tentando encontrar um de nós através de você, eu
usaria uma garota — respondeu Amy.
— O nome dela era Maura, e ela não parecia uma espiã, ela era uma jovem
muito rica e muito amável dirigindo o carro caro de seu pai, e me ofereceu um
curto passeio ao longo alguns campos com estradas bastante esburacadas até o
vilarejo mais próximo — Ian disse defensivamente. — Fim da história.
— Como foi o acidente? — Dan perguntou.
— Eu não aprecio ser investigado — Ian falou. — Sou um Lucian. Eu sei o
que estou fazendo. Não falei o meu verdadeiro nome para a garota. Eu me
certifiquei que ela tivesse ido embora antes de voltar para Bhaile Anois.
— Essa garota pediu para usar seu celular? — Amy perguntou.
— Não. Ele esteve sempre em minha posse. Exceto... — Ian parou de
repente. Seu rosto ficou vermelho. — Exceto quando ela acertou a bicicleta. Eu
procurei cobertura e o celular caiu das minhas mãos...
— E ela o pegou — Amy completou, estendendo a mão. — Deixe-me ver
seu telefone.
— Isto é ridículo!
No entanto, Ian suspirou e procurou em sua mochila de couro. Ele
entregou o celular para Amy. As palavras KEEP CALM AND CARRY ON
estavam escritas na capa. Amy ligou o aparelho. Olhou-o e em seguida, entregou-
o de volta.
— Você tem que colocar ua senha.
Ian digitou seu código numérico.

SENHA ERRADA
Tente Novamente

Ian digitou novamente.

SENHA ERRADA
Tente Novamente
Ele virou o aparelho para o outro lado.
— Este não é o meu celular! Está todo desgastado e riscado. — Ele olhou
para cima. — Jake deve ter pego o meu por engano.
Pensamentos giraram na cabeça de Amy. Tudo fazia sentido.
— Ela colocou um rastreador em seu telefone. Foi assim que eles nos
rastrearam até aqui. Mas Jake levou o seu celular por engano esta manhã. Isso
significa que eles vão rastrear a ele agora. —
Amy rapidamente discou o número de Ian. A voz de Ian entrou na linha. — Você
ligou para mim. Deixe um recado. Não torne isto tedioso. Adeus. Ele não está
atendendo — Amy falou freneticamente.
— Se há um rastreador em seu telefone, Pierce e os seus homens sabem onde ele
está. Eles vão atrás dele e de Atticus!
Capítulo 25
Attleboro, Massachusetts

Nellie havia descoberto algo sobre Pony: Ele era mais dócil se fosse
alimentado.
Ela poderia facilmente arranjar uma refeição francesa cinco estrelas, mas
Pony preferiu o básico. Seu queijo grelhado o fez desmaiar. Especialmente
quando ela fazia batata frita caseira, utilizando azeite e sal marinho.
— Muito mais saudável para você, cara — ela disse para ele.
Ela fizera jantar e lanches para ele por dias agora. Ele não parecia muito
mais perto de dar o que ela queria: uma rede digital segura. Ainda assim, ele era
um gênio. E era difícil ficar completamente irritado com alguém que a tinha
apelido de sua “deusa”.
Pony gemeu quando deu a última mordida no spaghetti carbonara. Ele
recolheu o resto das migalhas do pão de alho com um dedo indicador
umedecido. Então se inclinou para trás, fechou os olhos, e arrotou.
Ainda com os olhos fechados, ele disse:
— Em algumas culturas, isto é um elogio. Embora eu não tenha certeza de
que seja realmente verdade.
— Se eu tivesse acesso à internet, eu poderia pesquisar — Nellie
respondeu, apontando para seu prato.
— Ui. Estou operando no máximo — ele protestou. — Esse serviço de
hacking está fora das tabelas. É de April May que estamos falando —
acrescentou, baixando a voz do jeito como sempre fazia quando falava da
hacker. — Ela – ou ele – é uma suprema fantasma das redes, imperatriz de
todos os tempos. Ela invadiu AT&T, agências federais, o governo da Bulgária...
até mesmo a Disney World! Eu não posso limpar a sua rede até ter certeza de
que ela está totalmente protegida. Entende? Tem que ser uma fortaleza
impenetrável.
Ela colocou uma tigela de sorvete caseiro de doce de manteiga, o favorito
dele, sobre a mesa, mas manteve a colher no ar.
— Eu não posso continuar correndo para cafés de Internet aleatórios, e
nem Amy e Dan. Precisamos de telefones!
— Bem, já que não posso decepcionar minha senhora,
darei-lhe um presente — Pony enfiou a mão em um de seus enormes bolsos e
tirou uma pilha de smartphones. — Sua própria fortaleza pessoal da
inexpugnabilidade Cahill. E, se tudo correr bem, conseguirei um laptop para
você hoje mais tarde. Agora que sei com quem estou lidando, serei capaz de
garantir que o acesso é seguro. E estarei monitorando o tempo todo. Agora
pode me dar a colher?
Nellie entregou a ele, então abraçou o celular.
— Onde você esteve durante toda a minha vida? —
ela sussurrou para ele.
Pony riu.
— Eu tenho brincando de gato e rato com April May. Exceto que o gato é
invisível, e o rato ambém. Ela não faz idéia que encontrei um jeito de entrar.
Estou espionando-a, também. Usei a porta dos fundos. Uma pequena brecha
que ela nunca vai descobrir, mas o suficiente para me dizer as coisas. Estou mais
do que perto de criar uma fortaleza, de fato.
Pony olhou para o pote de cobertura de chocolate quente que Nellie
deixara em cima da mesa.
— E se você passar a cobertura, revelarei uma pepita de informação que
vai agradá-la e me fazer retornar imediatamente às boas graças da deusa.
Nellie empurrou o pode para frente.
— Abra. Não a cobertura de chocolate. A boca e as informações.
— Embora eu tenha estado diligentemente trabalhando na segurança de
sua rede, tive alguns minutos de inatividade em que pude me concentrar em
seus outros pedidos.
Nellie se inclinou para frente.
— Você descobriu algo sobre Pierce.
— De fato — Pony colocou na boca uma colher cheia de sorvete. — Além
de englobar companhias de mídia à torto e à direito e ter uma variedade de
empresas de fachada, nosso Malfeitor Maléfico, Rutherford J. Pierce, adquiriu
recentemente um laboratório de pesquisas farmacêuticas próximo a
Wilmington, Delaware...
— Delaware! — exclamou Nellie.
— ... e demitiu todos os funcionários — com a colher ainda na boca, ele
colocou a mão no bolso e puxou de lá um pedaço de papel. Ele empurrou-o
sobre a mesa na direção de Nellie. — Aqui está o endereço.
— Por que ele compraria... — o medo invadiu Nellie, uma ideia se
formando lentamente enquanto ela prendia a respiração. — Qual o tamanho
desse laboratório, Pony?
— Equipamento grande. Era usado para fabricar lotes de remédios.
Remédios para resfriado. E todo mundo tem resfriado!
— Então a infraestrutura está lá... — Nellie mordeu o lábio. — Isso poderia
significar... realmente poderia. Faz sentido.
— Estou esperando que faça o download em mim, deusa.
— Amy estava certa. Os capangas que foram atrás deles... a força deles.
Seu poder. Não foi apenas Pierce quem tomou o soro! Ele usou o trabalho de
Sammy e... e usou para criar aqueles paus mandados superfortes. Há uma razão
para ele ter comprado esse laboratório.
Pony a encarou sem entender.
— Ele vai fabricar o soro! Está planejando sua produção em massa! Por
que mais ele compraria um laboratório?
— E isso seria ruim?
Nellie se levantou e andou pela extensão da sala.
— Seria catastrófico. Ele poderá fazer qualquer coisa! Criar
um exército de super-homens. Esquadrões de tática, líderes. Tudo sob o seu
controle. Porque ele teria o controle do soro. Você não vê? Ele pode criar o
exército mais poderoso do mundo! Se ele for o único a tomar decisões, será o
uníco a controlar quem pode bebê-lo... ele poderia criar toda uma rede de
seguidores de Pierce. Pessoas fortes e inteligentes o bastante para fazer
qualquer coisa. Sem escrúpulos. Gente que mataria crianças sem sequer piscar
um olho. O terror faria parte da vida diária. O resto de nós seria apenas...
— Seus fantoches — concluiu Pony.
— Sammy está lá — declarou Nellie. — Eu sei que sim. Pierce não se
livraria dele. Preferiria usá-lo. Sammy é o único que está preparado para fazer
isso. Agora ele tem que terminar o que começou.
Nellie se virou.
— Eu tenho que fazer as malas... encontrar equipamentos de vigilância...
— Nellie? Só mais uma coisa — Pony se levantou. — Na tentativa de
enganar April May, fiz uma descoberta. WALDO invadiu o Sistema da CCTV em
Londres. Você sabe, o circuito fechado de televisão que a Scotland Yard usa? E
Amy e Dan estão a caminho de lá.
— Londres? Você está dizendo que Pierce poderia segui-los através da
CCTV?
— É difícil, mas possivelmente factível, com o programa certo. Mas,
basicamente? Sim.
Ela olhou para os novos smartphones sobre a mesa, pensando bastante.
— Temos que entregar os telefones para eles — declarou. — Mas eu não
posso enviá-los. Não confio em mais nada ou ninguém.
— Você pode pegar um voo, entregá-los pessoalmente — disse Pony,
dando de ombros.
Ela olhou para Pony.
— Ou você poderia.
— Eu?
— Você. Eu não posso sair agora, Pony. E você poderia verificar os
telefones dos irmãos Rosenbloom também. Você tem que ter certeza de que
todo o sistema esteja seguro.
— Eu não posso simplesmente fazer as malas e ir — respondeu Pony. — Eu
tenho um gato.
— Você pode trazer o gato para cá. Eu tenho uma babá de gatos.
A melhor do mundo – minha mãe. Ela ama gatos.
— Eu não posso voar. Sou alérgico a amendoim.
— Fiz-lhe biscoitos de manteiga de amendoim na segunda-feira porque
você disse que eles eram o seu favorito.
— Eu não tenho uma mala.
— Eu te empresto uma. Pony, eu preciso de você — Nellie falou. —
O mundo precisa de você.
— Eu? Não. Você não entende, Nellie — os suaves olhos castanhos de
Pôny estavam cheios de uma nova emoção – medo. — Eu nunca estive em
qualquer lugar. Quero dizer, além de virtualmente.
Nellie movimentou os dedos pelo celular.
— Espere um segundo... eu finalmente consegui falar com Jonah Wizard.
Você pode voar com ele em seu avião privado.
— J-Jonah Wizard? — Pony gaguejou.
— O astro?
— Ele também é um Cahill. Primo de Amy e Dan — Nellie finalmente
percebeu o olhar de absoluto terror no rosto de Pony ao pensamento de
encontrar um artista de hip-hop mundialmente famoso. Ela sorriu. Jonah tinha
toda a pompa de uma estrela – o avisão privado, o estilo, a atitude – mas por
baixo de tudo, era um garoto legal. — Não se preocupe — tranquilizou-o. — Ele
é legal. Ele estará no Logan em... — Nellie consultou o relógio — duas horas. Aí
vocês dois podem voar para Londres. Você consegue, Pony.
— Eu acho...
Ela pousou a mão em seu braço.
— É o seguinte. Se você nunca esteve em qualquer lugar, não é hora de
começar?
Ele engoliu em seco.
— Se você diz...

***

Vinte minutos depois, chegou Pony na casa dela com um saco de papel
cheio de roupas e seu gato em uma caixa. Nellie passou-lhe uma mochila. Ela já
tinha embalado para ele um sanduíche, biscoitos e uma maçã. Pony se sentia
como no jardim de infância, mas estava grato por Nellie concordar em ajudá-lo
a atravessar o terror.
E então ele teria que ficar a sós com o fantástico Jonah Wizard.
Durante horas. Ele tinha certeza de que diria algo idiota.
Nellie entrou na sala de segurança para colocar o código. Pony, do lado de
fora, andava de um lado para o outro. Será que aviões privados tinham linhas de
segurança? Será que ele teria que tirar os sapatos? Ele não conseguia se
lembrar se sua meia tinha furos ou não. Sentia-se um total perdedor. Era
exatamente por isso que ele não participava da vida real! Tudo era real demais!
Ele estendeu a mão e levantou a tampa da caixa de correio. Havia algumas
malas diretas, mas tinha também um pequeno envelope endereçado a Amy
Cahill. Ele enfiou-o na mochila. Ele, provavelmente, estragaria tudo.
Sempre que ele participava da vida real, as coisas davam errado. Mas o
mínimo que podia fazer era levar o envelope para Amy Cahill.
Capítulo 26
Londres, Inglaterra

O problema com os Estados Unidos da América era que eles nunca tiveram
um ditador. Todos aqueles senadores traquinas, os tribunais, os juízes, o povo –
por eles, para eles... Só estragavam as coisas.

Pierce se virou, irritado, quando Debi Ann entrou na sala. Ela ainda parecia
cansada do jet lag. Ela não tinha a mesma resistência que ele. Logo no início, ele
tomara a decisão de não dar a ela as adaptações do soro. Afinal de contas, cada
soro era calibrado de acordo com o resultado desejado. Ele, naturalmente, tinha a
dose mais potente. Quanto a Debi Ann, a América precisava de um membro da
sua família com quem eles pudessem se identificar: alguém não fabuloso, ao
contrário dele mesmo e de seus filhos. A normalidade de Debi Ann o enviaria
para a Casa Branca.

Ainda assim...

Ele se olhou no espelho, então para ela. Era inegável que ele estava
parecendo mais jovem, e ela, mais velha.

Ela olhou para o espelho por trás dele, ajustando o cabelo loiro para que
batesse no queixo no ângulo certo.

— Farei algumas compras esta manhã, querido — ela falou.

— Uhum.

— Às vezes acho que os britânicos apreciam ursos de pelúcia mais do que


nós, receio dizer...

Pierce tentou conter o seu aborrecimento, mas não conseguiu evitar.

— Se tudo seguir do jeito que deve, Debi Ann – e seguirá – você terá que
encontrar outra causa. Quero dizer, sério. Ursos de pelúcia? Você não pode achar
um interesse mais... estilo primeira dama?

Debi Ann fungou.

— Não são ursos de pelúcia, são ícones. Símbolos da inocência da infância.


Brinquedos de qualidade para as crianças de qualidade — ela falou, repetindo o
slogan do seu grupo Salvem os Ursinhos. — É sobre a conservação do nosso
patrimônio cultural que são as pelúcias. E a saúde das nossas crianças, querido. E
nem me fale sobre o enchimento.

Não, ele não queria falar sobre o enchimento.

Debi Ann continuou falando, mas Pierce perdeu o fio da conversa. O que
ele não previu depois que ganhou as habilidades dos Lucian era que acharia sua
esposa de repente tão chata. Era tarde demais para mudar, de qualquer modo.

Pierce olhou para si mesmo no espelho novamente. Na verdade...

Uma vez que ele estivesse no alto escalão... um pouco de simpatia por um
viúvo enlutado seria bom, não é?
Capítulo 27
Assim que eles desembarcaram e taxiavam para o terminal, o celular de
Jake tocou. Um número desconhecido surgiu no identificador de chamadas.

Amy atendeu com nervosismo. Para seu grande alívio, era Nellie.

— Amy, é você? Por que está com o celular do Jake?

— Ele pegou o celular do Ian por engano. Nellie, temo que eles estejam
sendo seguidos! — Amy falou freneticamente.

— Você está em Londres?

— Acabamos de pousar.

— Escuta, eu não tenho muito tempo. Mandei Pony com o Jonah – eles vão
te encontrar no Hotel Greensward, na King’s Cross, às 3 da tarde. Eles
entregarão novos celulares seguros. Eu vou para Delaware.

— Delaware? O que tem lá?

— Longa história. Sammy está desaparecido, e eu vou encontrá-lo. Garota,


receio que esse plano seja maior do que pensamos. Você estava certa sobre os
capangas. Acho que Pierce deu a eles um reforço dos Tomas. Mas acho que
foram só as primeiras cobaias. Ele produzirá em massa.

Amy se sentiu enjoada.

— Produzir em massa... o soro? Você tem certeza?

— Ele comprou um laboratório farmacêutico. É para lá que estou indo.

— Sozinha? Você não pode...

— É melhor assim.

— Não!

— Eu tenho que ir. Mantenha contato.

Nellie desligou. Amy rapidamente contou tudo a Ian e Dan.

— Produzir o soro em massa... — Ian repetiu. — Isso não pode...

— ... acontecer. — terminou Dan. — Isso seria...

— Inimaginável — Amy disse. — Ele pode fazer um exército desses caras.


— Uma força invencível — Ian completou. — Imparável.

— E agora eles podem estar atrás do Atticus e do Jake — Amy tentou ligar
para o número de Ian novamente, rezando para que Jake atendesse.

Por favor atenda, Jake. Por favor...

Quando ouviu a voz dele, ela caiu para trás contra o assento.

— Jake, é a Amy.

— Amy, que foi? — o tom de Jake era frio.

— Ouça rápido, porque eu acho que tem um rastreador GPS no seu celular.
Você está com o celular do Ian e ele está com o seu. Onde você está agora?

— Indo para o nosso hotel. Nós não conseguimos um voo até amanhã de
manhã.

— Você pagou o hotel com um cartão de crédito?

— Sim...

— Não vá para lá. Eles podem estar esperando. Eles podem estar te
seguindo agora. Tem um hotel perto da estação King’s Cross chamado
Greensward. Fique na multidão, ande por aí, e nos encontre lá daqui a meia hora.

— Eu não estou entendendo...

— Livre-se do celular depois que nós desligarmos. Não podemos ter


certeza, Pierce talvez queira eliminar nossos amigos, também. E isso quer dizer
você e o Atticus. Apenas tenha certeza de não estar sendo seguido. — Amy
desligou antes que Jake pudesse protestar.

Amy, Dan e Ian correram para fora do avião e entraram no terminal. Eles
passaram por uma banca de jornal no caminho para a escada rolante. A manchete
gritava para eles.
Ela encimava uma foto de Amy e Dan.

— Ah, não — Amy respirava em rajadas curtas. — Aqui também não!

Outro jornal estampava:

ELES PRECISAM DE UMA BABÁ.

E, o pior deles: uma foto de Ian, parecendo gracioso vestindo blazer e


gravata.

APENAS OUTRO PEGUETE, OU É FINALMENTE O VERDADEIRO AMOR


DE AMY?

Amy gemeu.
— Eu odeio essa foto — Ian comentou. — Era a foto da escola. O caimento
desse blazer é simplesmente horrível.

Uma mulher olhou para Amy, então sussurrou para seu acompanhante, que
a encarou.

— Vamos sair daqui — Amy murmurou. — Vai ser bem mais fácil o Pierce
nos achar se os paparazzi estiverem atrás da gente!

Ian olhou seu relógio.

— Odeio sucumbir aos transportes públicos, mas o trem será mais rápido.
Sigam-me.

Eles correram através da estação, subiram as escadas rolantes e entraram na


multidão até chegarem à plataforma. Amy olhou de um lado para o outro, seus
nervos gritando.

Se algo acontecer com eles, eu vou...

Eu não sei o que fazer...

Ian tocou o braço dela.

— Sinto muito. Cometi o erro mais elementar e idiota que um Cahill


poderia cometer. Eu confiei em um estranho.

Amy olhou para ele sem vê-lo. Era isso o que significava ser um Cahill?
Ter medo de confiar em um estranho que os ajudasse? Sempre paranoico, sempre
vigilante, nunca confiando? Sempre à procura do mal, não do bem?

Se isso é verdade, eu também não quero ser uma Cahill, ela pensou de
repente, olhando para Dan. O irmão fitava o túnel e, em seguida, o relógio,
batendo o pé nervosamente.

— Não, Ian — ela respondeu. — Não é culpa sua. Nós não somos super-
heróis. Somos apenas crianças, Ian. Apenas crianças.

***

Jake olhou para o telefone de Ian. Parecia queimar os seus dedos. Ele queria
atirá-lo na lata de lixo mais próxima, mas esse tipo impulso não iria ajudá-los.
— Era a Amy, Jake? Ela mudou de opinião? — Atticus pulava de um pé,
para o outro.

— Não... — Jake respondeu.

Ele não queria assustar seu irmão mais novo. Eles estavam agora em uma
rua comercial movimentada, com muitas lojas com vitrines de vidro laminado.
Parecida com espelhos. Isso poderia ajudá-lo. Jake parou na frente de uma loja.
Atrás dele, ele conseguia ver o fluxo constante de pedestres. Apenas pessoas
passeando, ou apressados com um compromisso. Turistas andando devagar, à
procura de lembranças para levar para casa.

— Eu peguei o celular do Ian por engano — Jake falou. — Ela só queria me


avisar.

— Ah — Atticus disse em voz baixa. — Ela quer nos ver?

— Nós vamos lá encontrá-los no hotel deles.

— Uhu! — Atticus comemorou. — Talvez ela tenha mudado de opinião.

Jake estava agora hiperconsciente dos seus arredores. Toda vez que passava
por uma vitrine, verificava atrás deles. Ele precisava parar e ver se isso assustava
alguém.

À frente deles, várias mulheres elegantes batiam perna, segurando sacolas


de compras e conversando.

Jake puxou o braço de Atticus.

— Olha, tem uma livraria ali na frente — era a única coisa que atrairia
Atticus. — Vamos dar uma olhada.

Ele rapidamente foi na direção da livraria, esbarrando nas mulheres. Assim


que o fez, deixou cair o telefone em uma das sacolas de compras.

— Eles têm livros antigos! — Atticus correu em direção à entrada.

Um homem de calça jeans e jaqueta preta passou por eles, então parou do
lado de fora de um pub e olhou para o relógio, como se estivesse esperando por
alguém.

— Podemos entrar? Nós temos tempo? — Atticus perguntou.

— Claro — Jake concordou.


Eles empurraram a porta e Atticus foi para as prateleiras que diziam
LITERATURA CLÁSSICA. Jake ficou perto da janela. Desse ângulo, ele ainda
conseguia ver o homem de pé na frente do pub. Ele usava um fone de ouvido, o
fio desaparecendo para dentro de sua jaqueta, e Jake viu sua boca se movendo.

Poderia ser apenas uma pessoa qualquer falando ao telefone. Mas algo
sobre o jeito reto e seguro como ele estava...

Jake esquadrinhou a calçada do outro lado da rua. Se sentindo afundar, ele


viu outro homem lá. Um homem de roupas escuras, esperando por um ônibus.
Exceto que o ônibus havia acabado de partir, e ele não entrou.

Jake foi até Atticus.

— Att? Temos que dar no pé. Porta dos fundos. E então teremos que correr.
Tem uns homens grandões estão lá fora, procurando pela gente.

Atticus arregalou os olhos.

— Estamos sendo seguidos? — Jake assentiu.

— Nós temos que despistar esses caras. Não podemos levá-los até a Amy e
o Dan. Vamos.

Atticus e Jake caminharam em direção à parte traseira da loja,


surpreendendo um funcionário com uma pilha de livros.

— Com licença, senhor? Essa é uma área privada...

— Meu irmão está passando mal. Essa porta leva para fora...

Atticus fez um som de engasgo convincente.

O funcionário deu passo para trás.

— O beco. Ah, nossa, sim, pode sair.

— Para onde leva?

— Dá para a rua Oxford...

Jake abriu a porta, protegendo Atticus. O beco estava vazio.

O beco seguir por algumas lojas, em seguida, dobrava à direita. Jake e


Atticus correram por ele. Após a esquina eles puderam ver a rua Oxford à frente,
a rua mais movimentada de Londres. Jake pensou rápido. Haveria ainda mais
pessoas lá, e ônibus. Muitos ônibus.
Eles haviam quase chegado lá quando Jake ouviu o som de passos correndo.
Ele se virou e viu o homem que estava do lado de fora do pub. Ele já tinha
coberto a metade da distância até o beco. Ele era rápido.

— Corra — Jake falou.

Eles correram até a rua Oxford. Jake viu um ônibus parando do outro lado
da rua.

— Fique comigo, amigão — ele correu para o tráfego, levantando a mão


para parar os carros. Buzinas soaram. — Foi mal! — Jake gritou. — Turista
americano idiota!

Ele e Atticus correram através do tráfego.

— Segurem o ônibus! — Jake pediu.

— Vocês dois são malucos? — alguém gritou.

Eles chegaram em segurança na calçada oposta. Atrás dele, Jake podia ver
os dois homens tentando atravessar o tráfego. Um saltou por cima de um carro.

Saltou um carro?

Jake não tinha tempo para pensar. O ônibus começava a andar quando ele
ergueu seu irmão magro e colocou-o sobre o degrau, em seguida, pulou a bordo,
agarrando o corrimão e puxando-se acima.

Atticus agarrou-se ao corrimão, ofegando, mas sorrindo de alívio. Jake


olhou para trás. Os homens estavam correndo pela calçada, tentando alcançar o
ônibus, mas se depararam com uma multidão de turistas e o ônibus dobrou a
esquina.

Eles estavam seguros.

Não por muito tempo. Porque agora eles eram um alvo, também.
Capítulo 28
Mensagem de April May para J. Rutherford Pierce, encaminhada para
Segurança 1:

CCTV mostra os alvos passando pela estação Kings Cross. Pegaram novamente a
Euston Rd. Perdidos em algum lugar entre as estações Euston e na Pancras.
Quatro hotéis no trecho de dois quarteirões. Sugiro busca por terra.

***

Pony estava cercado por biscoitos, chantilly cremoso, geleia e bolo quando
Amy, Dan e Ian chegaram no restaurante do Hotel Greensward. Jonah
descansava nas proximidades, com o rosto famoso obscurecido por um boné
torto e óculos escuros. Ele deu um salto quando os viu.

— Manos! — Jonah abraçou Amy e bateu os punhos com Dan e Ian. Ele
apontou para o Pony. — Esse é o segundo chá dele. Ele curte creme.

Embora as palavras de Jonah fossem leves, Amy podia ver como ele ficou
aliviado ao vê-los. Pony pulou, limpando a boca, e eles o apresentaram a Ian.

Eles puxaram as cadeiras, mas Amy mantinha os olhos ansiosamente nas


portas de entrada. Jonah tinha escolhido bem. Eles estavam em uma varanda,
podendo inspecionar o lobby, com vista aberta para todas as direções. De onde
estavam, poderiam descer as escadas até a entrada principal, ou procurar uma
saída lateral seguindo por um corredor curto. O hall de entrada estava repleto de
turistas, mas o restaurante estava relativamente vazio. Eles tinham privacidade, e
ainda assim uma visão completa. Perfeito.

— Bora mostrar as novas tecnologia, mano — Jonah disse ao Pony.

Pony sorriu com orgulho e deslizou os novos smartphones pela mesa.

— Estes estão totalmente seguros quanto uma fortaleza. Encriptação, et


ecetera – seus fossos básicos, arame farpado e cercas elétricas. Um programa
executará verificações de segurança constantemente. Colocarei a mesma função
nos celulares de Atticus e Jake.
— Este é o celular de Jake — Amy disse, passando para ele. — Eles devem
chegar logo.

Ela cruzou os dedos por baixo da mesa. Sabia que era um gesto infantil,
mas estava ansiosa demais para se importar.

Ian e Dan rapidamente contaram a Jonah e Pony o que haviam descoberto


na Irlanda.

Amy se sentia muito nervosa para prestar atenção. Ela descruzou os dedos e
olhou para o relógio. Onde eles estavam? Se alguma coisa acontecesse com Jake
e Atticus...

Então, de repente, lá estavam eles, atravessando rapidamente as portas e


entrando no lobby. Amy sentiu um alívio maravilhoso tomar conta dela. Ela
queria pular e gritar, mas em vez disso, esperou calmamente até Jake começar a
esquadrinhar o espaço, os olhos logo varrendo a varanda. Ela ergueu a mão.

Eles subiram as escadas rapidamente e se juntaram a eles na mesa.

— Vocês foram seguidos? — Amy perguntou.

— Nós os despistamos — Jake respondeu, sentando-se. Ele atirou um jornal


em cima da mesa. Amy fez uma careta quando viu a manchete FINALMENTE O
AMOR VERDADEIRO sobre ela e Ian, mas Jake apenas passou as páginas para
apontar para outra manchete. PRESIDENTE PIERCE? Uma foto de J.
Rutherford Pierce apertando as mãos de um primeiro-ministro apreensivo
dominava a página. — Eu li o artigo. Pierce está em sua turnê de apresentação,
que terminará numa conferência de imprensa em sua ilha no Maine. Daqui duas
semanas. Espera-se que ele anuncie sua candidatura à presidência. Fará esse
enorme coquetel para os seus apoiadores.

— Essa pode ser a oportunidade perfeita para lhe dar o antídoto. — Amy
observou. — Ele vai estar se misturando, apertando mãos, comendo e bebendo...

— Ótimo plano — Dan concordou. — Exceto que nós não temos o


antídoto. Não deciframos o código ainda.

— Ou descobrimos a fórmula — Jonah acrescentou.

— Ou juntamos os ingredientes — Ian adicionou.

— Vamos rezar para que não sejam trinta e nove — Amy disse, e eles
sorriram com tristeza um para o outro.

Amy olhou nos olhos de Jake. Ele rapidamente desviou o olhar.


— Duas semanas? Sem problemas — Atticus disse. — Vamos começar.

Pony tirou os olhos do seu bolo de creme.

— Cara, vocês são maneiros — ele falou.

***

Nellie tinha reservado para eles um quarto de hotel, só por precaução. Pony
tinha descido ao lobby para pegar a chave. Eles todos se enfiaram nos elevadores
e seguiram até o décimo quarto andar e montaram o acampamento. Empurraram
a mesa para o meio da sala e colocaram o livro de Olivia sobre ela juntamente
com uma pilha de papel e lápis.

Amy observou quando Atticus tirou os tênis e apontou um lápis. Jake se


debruçou sobre o livro. Ele não tinha olhado para ela sequer uma vez. Ele nunca
a perdoaria por tê-lo mandado embora da casa na Irlanda.

Em seu coração, ela prometeu pra si mesma que nada aconteceria com eles.
Ela morreria primeiro.

***

Mensagem de texto do Segurança 1 para Segurança 3:

Vigilância do Hotel Renaissance concluída. Passar para Hotel Clarke na Pancras


Rd.

***

— “Agora pegue o que é teu de direito, conte oito e no sexto, pause. / Pegue
esse sexto, combine com o primeiro que os Romanos trouxeram”... O que quer
dizer, “o que é teu de direito”? — Dan perguntou.
— Eu tenho direito sobre o meu avião — Jonah apontou. — E sobre três
chalés. Mas não totalmente. Um deles está hipotecado.

Jake sorriu ironicamente para Jonah e eles deram um toque.

— Pelo o que Amy me contou, quando Olivia Cahill perdeu a propriedade


da família em um incêndio, eles tiveram que seguir seus próprios caminhos.
Então, se ela está falando com a filha, elas talvez não tivessem nada.

— Nós temos direito ao que somos — Dan disse. — Quero dizer,


basicamente, quando você não tem nada, pelo menos você tem isso — ele bateu
no peito. — Eu, Dan. Você, Atticus.

Atticus riu, mas Jake olhou para Dan por um longo momento. Amy olhou
para Jake. Seu olhar se desviou de seu irmão para ela.

— O nome dela — eles disseram juntos.

— “O que é teu de direito” – é o nome dela — Amy explicou para os


outros.

— Madeleine. Nove letras — Jake continuou.

Amy balançou a cabeça.

— Não pode ser, então. Olivia diz “oito”.

Dan trotou até eles sem sapatos, só de meias.

— Sua alegria, sua Canção — ele lembrou. — Não há uma canção


madrigal?

— Uma canção medieval sem instrumentos — Jake disse. — De quatro a


seis vozes...

— Olivia tinha cinco filhos — Amy disse. — Ela queria que Madeleine
reunisse a família. Madrigal podia ser um apelido para ela!

— Oito letras — Jake contou.

O lápis de Atticus se movia furiosamente.

— É um código de alfabeto simples! — ele exclamou. — “combine com o


primeiro que os Romanos trouxeram” – os romanos nos trouxeram o alfabeto!

— Pare no sexto — Jake disse.


— M-A-D-R-I-G — Amy contou. — Começando com um G. Combine
com o primeiro, significa...

Atticus já estava trabalhando, seu lápis voando.

— Substituir G por A como a primeira letra — ele murmurou. — Isso


significa que G na verdade é A, e a próxima letra, H, é na verdade B, e por aí
vai... moleza.

Ele levantou o papel.

— Esse é o novo alfabeto. Agora eu posso trabalhar de verdade.

Jake estava ocupado decodificando.

— Espera... há uma nulidade — ele disse a Atticus.

— Uma nulidade? — Dan perguntou.

— Um termo de criptografia. É uma letra ou um número, normalmente, que


não significa nada. Só é jogado na mistura para confundir. Neste caso é apenas
uma letra consecutiva. Fácil de perceber. — Jake se inclinou sobre sua página de
novo.

— Não faço ideia do que ele quer dizer — Pony falou, estendendo-se na
cama — mas ele é meu herói, mano.
— O resto está em italiano. Jake, você é melhor traduzindo. Eu sou melhor
com línguas mortas — Atticus disse.

— Isso é porque você é um estudante zumbi da destruição — Dan disse a


ele.

Atticus atravessou cambaleando o quarto até onde Dan estava e eles


começaram a ter uma luta zumbi, mas pararam e se aproximaram quando Jake
começou a ler em voz alta, traduzindo enquanto o fazia.

— “Após a morte da minha mãe, a tristeza que sentimos foi tão profunda
que meu pai decidiu viajar para a terra em que estudou quando jovem. Aos
quatorze anos eu viajei primeiro para Milão, onde conheci o companheiro de sua
juventude, agora grande e famoso professor. Ele me fez secretamente a sua
aprendiz, apesar de ser uma garota, depois de ter visto alguns desenhos e esboços
meus. Estudamos em segredo, e talvez fosse a conspiração do aprendizado que
nos levou à amizade mais profunda da minha vida.” — Jake olhou por cima do
papel. — Ela o chama de maestro di vita, como no poema. É Leonardo, é claro.
Ela continua dizendo que ele lhe ensinou botânica, anatomia, desenho, pintura...
E então, quando ela tinha dezessete anos, “Meu destino apareceu um dia na porta
do estúdio. Meu Gideon.”

Jake pausou, traduzindo enquanto falava.

— Eles casaram quando ela tinha dezenove anos. Havia algum tipo de
dote...

— O dote! — Ian exclamou. — Eu sabia! De quanto?

— “Legado a mim pelo meu professor, que sabia que Gideon iria usá-lo
bem. Urbes Perditae Codex” — Atticus traduziu por sobre o ombro de Jake. —
O Códex das Cidades Perdidas. “Copiado e aqui escrito.”

Jake passou a mão pelo cabelo.

— Isto é inacreditável. Um manuscrito perdido de Leonardo, transcrito pela


sua antepassada!

— Mas o que isso é? — Amy perguntou. — E o que tem a ver com o


antídoto?

— Nos dê um minuto — Jake pediu.

Ele estendeu os papéis sobre a mesa, em seguida, consultou o livro. Atticus


ergueu um espelho, e, juntos, falando em voz baixa, eles traduziram as páginas
de Olivia enquanto Amy andava pra lá e pra cá, Dan ficava de pernas para o ar,
Jonah observava a janela, Ian tentava ajudar e a cabeça de Pony tombava e ele
soltava um ronco alto.

Finalmente, Jake largou a caneta e passou a mão pelo cabelo mais uma vez.

Atticus sentou-se.

— Ok. Minha cabeça está oficialmente explodindo.

— Aparentemente... — Jake parou e respirou. — Isso é tão difícil de


entender... mas este documento dado a Olivia trata das grandes civilizações
perdidas do mundo – sete delas. Até o fim eles mantiveram suas maiores
sabedorias – suas curas, poções, medicamentos – e as escreveram. Os escritos
foram passados para os últimos sobreviventes, e ao longo de anos foram
compilados em um documento – que passava de mão em mão para o maior
estudioso da época. Até que, finalmente, chegou a Leonardo da Vinci.

— Que deu para sua antepassada — Atticus contou a eles. — Olivia Behan
Cahill.

— Então esse códex – Olivia copiou toda a informação para seu livro? —
Amy perguntou.

— Para escondê-lo — Jake explicou. — Suponho que cada proprietário


copiou as informações de modo que fosse mais fácil de manter e passar adiante.

Amy já tinha memorizado o poema.

— “e virar a batalha não com armas, mas com sabedoria adquirida da antiga
região / mantida próxima e passada de mão em mão” — ela recitou baixinho.

Dan continuou.

— “por mio maestro di vita, a ti, mulher atemporal, homem universal. /


Então ele me legou, e a sabedoria ofereceu / e eu, através de seus próprios
métodos, escondi.”

— “Através de seus próprios métodos” – isso significa a escrita espelhada.


Leonardo usou isso, também — Atticus observou. — Mas tem um problema.

— Sempre tem um problema, mano — Jonah notou. — Bem-vindo à Terra


dos Cahill.

Jake bateu na mesa.


— Pelo o que li, o códex é apenas o que diz. Sob cada civilização há textos
curtos que dão conselhos, lista de medicamentos, até venenos – todos os tipos de
coisas. Diz como curar picada de cobra, matar um inimigo, até como induzir um
coma. Mas não há nada aqui que pareça ter sido adicionado por Olivia. Então...

— Não há fórmula para o antídoto — Amy terminou.

— Pelo menos não uma fórmula óbvia. Também há listas enumeradas


embaixo de cada civilização — Jake explicou. — Por exemplo, Cartago tem
quinze, Angkor Wat tem vinte e dois, Tikal tem doze. Mas... sem fórmula.

— Mas por que isso estaria no códex de qualquer forma? — Ian perguntou.
— Gideon usou os segredos do livro para fazer o soro, e Olivia o usou para o
antídoto. Tem que estar em uma parte do livro dela.

— Mas eu já o li de capa a capa! — exclamou Amy. — Mais de uma vez.

— Espera um segundo — Dan falou energicamente. — Nós já descobrimos


o que todo o poema significa, exceto por uma linha. E quanto a “sem bordas
entrevendo, o esboço sombrio do segredo concedido”?

— Você está certo, Dan — Amy concordou, animada.

Ela virou as páginas dos livros.

— Escuro sombrio... as páginas negras, talvez?

Amy olhou para elas, e então para a página com o M de Madrigal.

— Espere um minuto. Olivia disse que usou os próprios métodos de


Leonardo, certo? Alguém tem uma lupa?

Atticus procurou em sua mochila e lhe entregou uma. Amy estudou a


página com o M de Madrigal através da lupa. Era uma página escura, manchada
de tinta, com o M no centro, e com folhas entrelaçadas, ervas e flores em volta
dele.

— Eu li sobre Leonardo no celular do Jake — ela falou. — Ele trabalhou


na Mona Lisa por quase vinte anos. Os historiadores de arte acham que é porque
ele usou uma pequena escova e uma lente de aumento. A técnica é chamada
de sfumato, “fumaça de Leonardo.” Tem camadas e camadas e camadas na
pintura. Ele não queria que você visse quando as cores mudavam para outras – as
bordas.

O rosto de Amy estava perto do livro agora.


— Estou vendo! — ela exclamou. — Olivia escondeu letras na hachura.
Tem um texto que serpenteia em volta do M. Está escondido nas folhas. Não dá
para vê-lo a olho nu! Eu vejo a palavra Cartago – a cidade perdida. “Extraia uma
medida”. E o número oito. Você não disse que os ingredientes eram enumerados,
Jake?

— Espere aí — Jake virou as páginas do livro. — Número oito na sessão


Cartago é... silphium. Seja lá o que for.

— Continue, Amy — Dan pediu. — O que vem depois?

Amy pegou a lupa novamente. Trabalhando com cuidado, porém


rapidamente, ela encontrou as sete civilizações, números de ingredientes e
quantidades. Jake as escreveu.

Troia: seis bigodes do leopardo de Anatólia, moídos até o pó

Cartago: Silphium, extrair uma medida

Tikal: cristal fendido, uma medida transformada em pó

Angkor: meio jigger de veneno da cobra Tonle Sap aquática

Pueblo: uma cabeça de @

Britannia: asa da borboleta Paralucia spinifera

Abissínia: raízes fervidas de três plantas dingetenga

— Em que país fica Cartago? — Dan perguntou.

— Na Tunísia dos dias de hoje — Atticus respondeu.

— Angkor é a Camboja — Ian disse. — E Tikal?

— Uma das maiores civilizações da história do mundo — Atticus falou. —


Remonta ao quarto século a.C Você pode visitar as ruínas na Guatemala.

— Aí esta — Dan apontou. — Outra busca mundial. Pelo menos são apenas
sete civilizações, não trinta e nove. Mas onde fica Troia? Eu não sabia que ela era
real. Quero dizer, era real no filme, mas...
— É um lugar de verdade. — Jake respondeu. — As ruínas estão na
Turquia.

— Talvez devêssemos começar lá. — Amy disse. — Turquia não fica a um


voo longo daqui.

— Seis bigodes de um leopardo? — Dan perguntou. — Fico feliz que seja


tão fácil. O que devemos fazer, correr atrás dele com um par de pinças?

Jake franziu a testa sobre seu laptop.

— Espera. Tenho má notícias. Silphium é uma planta usada na antiguidade


clássica. Está extinta. Assim como o leopardo de Anatólia.

— Ah, cara. — Jonah disse do chão, onde estava deitado, com um


travesseiro sob a cabeça. — Isso é sacanagem.

— Como podemos fazer um antídoto com coisas que não existem mais? —
Ian perguntou.

O clima na sala desinflou instantaneamente. Era como se a busca tivesse


acabado antes de ter começado.

— Ei, manos — Jonah disse, saltando de pé em um movimento suave que


lhe rendeu o título do videoclipe mais visto de todos os tempos. — Só porque é
difícil ,não significa que não podemos resolver o problema. Nós achamos trinta e
nove pistas, caras. Nós podemos achar alguns bigodes.

— O Jonah está certo. Nós não podemos receber um não como resposta —
Amy declarou. — Eu digo que vamos para Turquia e veremos o que
conseguimos achar. E veremos sobre o silphium, também, quando o tempo vier.
Nós não temos escolha. Temos que tentar.

— YOLO — concordou Jonah. Os outros pareceram confusos. —


Explique, bróder. — Jonah pediu, apontando para Pony.

— You Only Live Once, Você Só Vive Uma Vez em inglês — Pony
traduziu.

— Precisamente — Ian concordou. — Se formos e exploramos, daremos


um jeito.

— E a melhor coisa que podemos fazer agora — Jake falou — é sair de


Londres.
— Avião abastecido e pronto para ir, mano — disse Jonah. — Próxima
parada, Istambul.

***

Mensagem de Texto de Segurança 1 para Segurança 3:

Hotel Clarke limpo. Próxima busca: Hotel Greensward.


Capítulo 29
Estavam todos entrando nos elevadores a caminho do saguão. O primeiro
elevador estava lotado e, de alguma forma, no meio da confusão, Amy
encontrou-se sozinha em um elevador com Jake. Eles ficaram em um silêncio
desconfortável. Era agora ou nunca. Amy estava criando coragem. Ela não podia
continuar assim, com Jake evitando o olhar dela.

Ela deu um passo para frente e apertou os botões para fazer o elevador parar
a cada andar no caminho para baixo.

— O que você está fazendo? — Jake perguntou.

— Quero falar com você a sós, e sinto que esta é a minha única chance —
Amy fez uma pausa. As portas do elevador se abriram em um corredor vazio,
então se fecharam. — Eu sinto muito. Sinto muito por tê-lo envolvido em tudo
isso.

— Certo — Jake disse, olhando para o chão. — Eu lembro. Nós não somos
uma família.

— Bem, sim. Por que você deveria sacrificar tudo por nós?

— Se você não sabe a resposta para isso, esqueça.

As portas se abriram para um casal de turistas.

— Desculpe! — Amy exclamou, e apertou o botão FECHAR do painel.

— Você não entende — começou a Amy.

Jake interrompeu furiosamente.

— Eu acho que entendo. No último outono estávamos sob uma situação de


pressão, nós ficamos muito próximos, e agora estamos de volta à realidade. Você
se sente de forma diferente agora.

— Eu apenas acho que — Amy falou cuidadosamente — que se nós


pudéssemos ser amigos... seria ótimo. Porque nós temos um monte de trabalho a
fazer, e se você não puder nem mesmo me olhar nos olhos, isso pode
comprometer a nossa missão.

As portas se abriram para um corredor vazio, então fecharam.

— Ah, então agora eu sou um risco à segurança — Jake falou


amargamente.
— Não foi isso que eu quis dizer! Eu não quero Atticus esteja em perigo.
Você ainda tem a chance de sair. Se você voltar a Roma...

— Eles nos viram, Amy! Por tudo o que sei, a essa hora eles têm
um dossiêcompleto por agora. Estamos juntos nisso, quer você goste ou não.
Minha única esperança para proteger o meu irmão é impedir Pierce. Da mesma
forma que é a sua única forma de proteger Dan.

As portas se abriram para um homem de negócios. Ele começou a avançar,


viu seus rostos tempestuosos, e disse:

— Eu vou esperar o próximo.

— De qualquer forma, você está certa — Jake falou quando a porta se


fechou novamente. — A missão é mais importante. Eu entendo agora. Se você
tem algum documento antigo para decodificar, eu sou a pessoa. Mas quando se
trata de precisarde alguém... bem, você prefere me ignorar.

— O que eu sinto não tem importância agora. Sentimentos não ajudam. De


fato, só fazem o oposto. — As palavras não ditas “eles machucam” pareciam tê-
lo atingido como um soco. Ela viu um lampejo de dor nos olhos dele. — Jake...

— Já entendi, Amy!

As portas abriram. Quarto andar.

— Se nós pudermos apenas ser amigos...

Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans.

— Sim, os sentimentos apenas atrapalham, não? Então vamos ignorá-los.


Vá em frente, encontre alguém menos... exigente. Como o Sr. Smooth.

Ele queria dizer Ian, é claro. Ela estava prestes a protestar, mas as portas se
abriram novamente. Isso deu-lhe tempo para pensar. Ian? Jake estava com
ciúmes.

Talvez seja melhor desta forma, ela pensou. Assim, ele vai se afastar.

As portas se abriram no segundo andar. Dois dos capangas de Pierce


estavam no corredor.

Por um momento o tempo parou e eles se fitaram, igualmente surpresos.

Em seguida, eles se moveram rapidamente. Amy mergulhou para o botão


FECHAR da porta. Os capangas saltaram para frente. A porta começou a fechar
quando um deles tentou entrar. Ele ficou com a metade do corpo para dentro. Seu
rosto estava amassado contra a porta enquanto Amy continuava apertando o
botão.

Jake se jogou do fundo do elevador, chutando diretamente na barriga do


homem. Uma fração de segundo depois, Amy seguiu Jake e chutou a garganta do
bandido. Jake o empurrou e o capanga caiu de volta no carpete do corredor. As
portas se fecharam, e o elevador desceu.

— Eles vão descer pelas escadas — disse Jake.

Amy mandou uma mensagem freneticamente para Dan.

Eles estão aqui. Saiam agora.

Quando as portas se abriram, ela e Jake se viram no mezanino. Mais ao


fundo do corredor, eles podiam ver a porta de entrada e as escadas de
emergência. Esta última se abriu, e os dois homens apareceram de repente.

Amy e Jake correram pelo amplo mezanino. Um grupo de turistas tinha


parado perto do restaurante, suas bagagens empilhadas em torno deles. Amy
saltou por cima da pilha, e Jake em seguida. Ela arriscou um olhar para baixo,
então viu Dan verificando seu telefone. Ele olhou para eles, em seguida, para a
saída. Mas ele e os outros não se mexeram.

Não poderia haver outra razão. Eles estavam cercados.

Ela desceu a vasta escadaria rapidamente, em seguida, saltou por cima do


corrimão e desceu os metros abaixo.

— Eles estão do lado de fora, também — Dan avisou.

— Saída lateral — disse Amy.

O grupo se aglomerava no saguão e bloqueava a entrada.

Eles correram para a estrada da Euston Road. Atrás eles, os homens saíram
da portaria do hotel e vieram andando rapidamente, mantendo todos à vista.
Havia seis deles.

— O que devemos fazer? — Dan murmurou.

— Ficaremos na Euston por enquanto — disse Amy. — É lotada. Eles não


querem causar alvoroço.
— Eu tenho uma ideia — disse Jake. — Estamos perto da Biblioteca
Britânica. Podemos ser capazes de despistá-los lá. Então, podemos voltar para a
estação de metrô.

— Vale a pena tentar — Ian concordou.

— Agora é com você, cara — disse Jonah.

Pony respirava com dificuldades.

— Espero que eles tenham bancos.

Com uma sensação arrepiante de pavor, Amy reconheceu o homem que


quase a jogou da ponte. Lembrou-se da força de suas mãos, como algemas de
ferro em seus pulsos, de ser colocada contra uma parede contra a qual não podia
lutar.

A praça em frente à biblioteca estava cheia de estudantes e suas mochilas.


Seria fácil se misturar à multidão.

Eles passaram apressadamente por uma escultura e rumaram para as portas


da frente. Amy olhou furtivamente por sobre o ombro. Para seu espanto, viu os
seis homens espalhando-se na frente da praça.

Eles entraram no edifício. O hall da recepção tinha cinco andares de altura e


estava lotada de gente se aglomerando na área de exibição, ou de pé perto do
balcão de informações. Um grupo estava reunido em torno de um professor que
falava sobre a arquitetura do edifício.

— Há três saídas — disse Dan. — E há um homem em cada uma delas.

— Três deles estão se deslocando através da multidão — notou Ian.

— Vamos tentar uma coisa — sugeriu Jake. — Usarei as credenciais do


meu pai para nos levar em uma área privada. Então poderemos usar a saída dos
funcionários. Há sempre uma saída separada.

— Vou com você — concordou Ian. — Meu pai doou alguns manuscritos
indianos raros para a biblioteca. Eu poderia ter alguma influência, também.

O grupo se aproximou do balcão e Jake se inclinou para falar com o jovem


atrás dele. Amy olhou para trás. Ela deu de cara com os olhos do homem que a
atirou pra fora ponte. Ele sorriu.

— Dan — sua voz estava sem fôlego. — Nós temos que...


— Eu o vi. Relaxe — Dan murmurou para ela enquanto ele e Amy
tentavam afastar o homem dos outros. — O que ele pode fazer conosco? Estamos
em um lugar público.

— Basta perguntar Sammy Mourad — respondeu Amy. — Nós não


podemos deixá-los chegar muito perto de Atticus.

Ela havia perdido o homem de vista. Seus olhos examinaram a multidão.


De repente, sentiu algo contra suas costas. Uma mão fechada em torno de sua
nuca.

— Agulha hipodérmica — disse o homem.

Seus olhos se arregalaram. Dan congelou.

— É isso mesmo, amiguinho. Tenho uma agulha apontada direto para o


pescoço dela. E quando eu usá-la, ela não vai sentir as pernas. Vai parar de falar
e vai cair, ok? E junto às portas estão três homens da EMT. Bem,
eles parecem seguranças da EMT. Eles entrarão com os paramédicos em um
segundo. A levarão daqui com uma maca. E você virá junto porque se importa
com ela, certo?

— Ou então eu posso gritar agora — Dan disse.

— É? Bem, então posso aplicar duas doses nela. O resutlado não vai ser
bonito. Entendeu?

Dan não disse nada. Seus olhos estavam cheios de fúria.

— E então, tenho a sua colaboração? Bom. Em seguida, todos os seus


amiguinhos farão o mesmo, iremos para algum lugar isolado e agradável — a
mão apertava o pescoço de Amy. — Podemos terminar o que começamos,
querida?

Jake e Atticus ainda estavam no balcão de recepção com Ian. Amy viu um
borrão de movimento. Um sobretudo comprido esvoaçando quando um garoto de
rabo de cavalo se afastava. Foi apenas um vislumbre com o canto dos olhos. Uma
mão se esgueirando para dentro do bolso...

O homem que a prendia usava um fone de ouvido. Sem dúvida, esperava o


sinal de que seus comparsas estavam no local. Amy sabia que, se ela se mexesse,
ele injetaria o líquido nela. Ela podia ver que Dan procurava por estratégias
desesperadas. Seu olhar correu ao redor do saguão.
— Continue pensando, amigo. Não vai chegar a lugar algum, mas é
divertido assistir o seu pequeno cérebro em movimento — o homem riu.

Pony colocou dois pequenos itens no chão. Amy não saberia dizer o que ele
fazia. Ela podia ver o medo em seu rosto, mas determinação, também.

Uma batida explodiu nos alto-falantes.

DadaDAdadada, dadaDAdadadada, DadaDA...

Pony mexeu um braço, depois o outro. Em seguida, moveu-se para o lado.


Ele estava perfeitamente no ritmo da batida. Em seguida, deslizou para o outro
lado.

Ele balançou a cabeça.

Deu um passo para frente.

A batida contagiou todos ao redor. Era um hit mundial, o “Faça-me feliz ou


então ficarei triste”, de Jonah Wizard. As pessoas começaram a se virar.

Ele deu um passo para trás.

Se movimentou como um robô.

Amy arregalou os olhos para Dan. Ela conhecia a dança. Metade da


população do mundo deveria conhecê-la. O vídeo de Jonah tinha viralizado.

Um pequeno espaço se abriu em torno Pony.

E de repente a multidão se afastava, e Jonah Wizard deslizava de joelhos na


direção de Pony pelo piso polido. Era a marca do movimento Wizard.

As pessoas ficavam o mais próximo que podiam e aplaudiam. As meninas


gritaram. Os garotos assobiaram. Jonah levantou-se e começou a dançar ao lado
de Pony.

— JONAH WIZARD! — alguém gritou.

Dan deu um passo adiante. Ele atirou um braço para frente, em seguida, o
outro.

Deu mais um passo.


E voltou outro.

Ele fez a dança do robô.

— Que diabos... — o bandido atrás de Amy murmurou.

— Isso está sendo filmado? — perguntou uma menina.

Amy procurou por Jake na multidão. Ele tinha parado e estava assistindo
Dan e Pony, o rosto enrugado em uma carranca.

Oh, não. Ele não conhece a dança. Ele não balança os quadris o suficiente.
Ele é apenas... Jake. Ele pode nomear cada ópera de Mozart, mas não sabe
dançar hip-hop.

Jake mexeu o quadril. Ele balançou um braço.

A multidão se moveu novamente.

Jake foi incrível.

Atticus se juntou a ele. Os dois estavam em perfeita em sincronia quando a


voz de Jonah trovejou.

Tristeza em meu coração, só faz ECOAR

Varre toda a minha vontade de VOAR...

— É UM FLASH MOB! — Amy gritou, e a sala explodiu.

O hall foi à loucura. Todo mundo no salão entrou na batida e cantou com
uma só voz. Eles dançaram, rindo e cantando, gritando a letra. A canção era um
megahit, e todos no salão conheciam o vídeo. Se eles adoravam a música ou não,
não importava – era um sucesso global. Eles conheciam a letra, e conheciam a
dança.

— Vamos esperar — o homem atrás dela falou, e ela sabia que ele falava o
que pensava.

Amy se atreveu a erguer um braço. Um jovem ao lado dela sorriu, pegou a


mão dela e a puxou para longe. Ela voou para frente, direto para a multidão que
surgia. Ela era agora parte da multidão, imitando os movimentos, gritando as
palavras. Amy tentou se aproximar de Dan e dos outros.
Porque tudo o que quero é ser fe-liz

E não chorar como um chafariz

Faça o meu dia, acena e diz...

Era hora de ir, enquanto o local ainda estava em euforia. Pony estava de
olhos arregalados, tentando dançar com uma jovem estudante loira. Amy
sinalizou para ele, e ele se inclinou para pegar seu equipamento. Jonah piscou
para ela e a seguiu. Jake, Atticus e Ian começaram dançavam na direção das
portas, Ian estava rígido, mas tentando se soltar, e Jake se movia com graça
surpreendente.

Eu nunca soube que ele dançava...

Ela viu sobre as cabeças que os capangas os procuravam pela multidão


dançante e cantante, furiosos porque ela tinha escapado.

Ela viu os outros comparsas, agora vestidos com o uniforme verde escuro
dos paramédicos da EMT. Eles tentavam atravessar pelo mar de gente. Um deles
foi esbofeteado por uma mão que balançava.

Ainda imitando a dança, o grupo serpenteou seu caminho para a frente.


Enquanto a multidão irrompia em aplausos, eles fugiram.
Capítulo 30
Isso nunca tinha acontecido antes. Nunca, jamais, nenhuma vez. Ninguém
nunca tinha feito isso e muitos estavam tentando.

Impossível. April May encarou sua tela de computador. Ela passara as duas
últimas horas checando e conferindo e olhando mais uma vez, e continuava
chegando à mesma conclusão. Ela teve que encarar o fato de que só
porque pensava que algo era impossível de acontecer, não queria dizer que não
era possível.

April May tinha sido hackeada.

Não só hackeada, mas belamente hackeada.

O programa era elegante e simples. Se ela não sentisse vontade de pegar


seu computador e quebrar na cabeça do criador desse código supremo, ela lhe
compraria um Red Bull e o contrataria. Ou a contrataria.

A beleza da coisa – o hacker tinha criado um sistema completamente falso.


Um cavalo de Troia, poderia-se dizer – e não era uma analogia boba,
considerando o próximo destino dos Cahill – que tinha imitado um sistema real
o suficiente que até ela tinha gasto todo o seu tempo monitorando-o. E então,
se ela usasse informações falsas, o hacker as mandava de volta para o sistema
dela. Que tinha firewalls e alertas e alarmes, mas ele ou ela conseguiu controlar
por tempo suficiente para talvez descobrir alguma informação com que April
May não ficou totalmente feliz.

Como, por exemplo, que WALDO teve acesso à rede CCTV das grandes
capitais europeias.

Tinha sido um golpe de sorte ela ter conseguido passar a informação de


que Amy e Dan estavam na estação de King’s Cross.

Ela fora capaz de entregar as informações a J. Rutherford Pierce, que


manteve seu exigente cliente feliz por um nanossegundo antes ele começar a
bafejar novamente em seu pescoço.

Seu alerta de e-mail apitou. April clicou nele. Outro e-mail de Pierce, este
apenas com três frases:
Cahill em movimento novamente. Visto pela última vez na Livraria Britânica.
ENCONTRE-OS OU VOCÊ ESTÁ DESPEDIDA.

O que aconteceu com esses garotos e ameaças? Ele vivia por eles. April
respondeu furiosamente.

Istambul.

April sentiu raiva e ressentimento inundando-a, duas emoções que ela não
permitia na vida ou no trabalho. Sentou-se calmamente, deixando as emoções
aumentarem de intensidade, em seguida, equilibrando-as. Imaginou uma onda
quebrando, em seguida, um mar tranquilo. J. Rutherford Pierce tinha um jeito
de mexer com seus nervos.

As crianças Cahill foram descobertas a oeste da Irlanda. Ela pesquisara


novas contas. Nenhum paparazzi aparecera para fotografar os Cahill malucos
fazendo algo arriscado. Não existiam fotos ou menções. Não era por isso que
Pierce queria encontrá-los? Assim poderia entregar uma de suas “notícias”?

Mas enquanto ela procurava, encontrou uma bala perdida nas falésias de
Moher. Uma jovem tinha saído de barco quando, de repente, uma bala acertou
o painel de instrumentos do seu barco. A embarcação afundara e ela foi
resgatada por um Jet Ski.

Alguns pescadores reclamaram dos barcos correndo através de um porto...

April se inclinou para frente e clicou no circuito da CCTV. Várias janelas


apareceram, e ela pôde acompanhar cada cena com cuidado. Quando descobriu
a câmera que estava procurando, ela congelou a imagem. Então ampliou-a.

Não havia paparazzi na Biblioteca Britânica. Havia um homem musculoso,


e um brilho prateado em seus dedos. Ele estava segurando o pescoço de Amy
Cahill com uma mão, impedindo-a de se mover pela multidão. E aquele brilho
prateado era...

Uma agulha hipodérmica.


Ela ampliou os rostos de Amy e Dan Cahill. Medo. Desespero. Fúria. Tudo
ali para ver nos músculos tensos de seus rostos, seus olhos arregalados.

Ela deixou a fita rodar. E viu como Dan e Amy mantiveram contato visual o
tempo todo. Viu como Dan estava nas pontas dos pés, pronto para atacar
aquele homem imenso. Aqueles dois eram mais do que próximos. Dan estava
pronto para morrer ela.

A batida do hit de Jonah Wizard começou. A boca de April contraiu. Ela


assistiu a performance do flash mob. Percebeu alegria e movimento, mas seus
olhos se fixaram em Dan e Amy e... ali estavam eles e seus amigos. Ela isolou a
imagem e selecionou os quadros, até que eles foram carregados em seu
software.

O e-mail apitou novamente.

Istambul? Descubra por que.

— Isto não está na descrição do meu trabalho — disse April em voz alta.
Ela hesitou, os dedos sobre as teclas. Estava começando a perceber que este
trabalho não era o que parecia. Seu cliente estava mentindo para ela. Por quê?
O que ele queria?

Ele estava tentando matar Amy e Dan Cahill?

A sensação de mal-estar cresceu dentro dela. April se sentou calmamente,


repassando a fita da CCTV de novo e de novo. A agulha hipodérmica prata. Os
bandidos musculosos que se deslocavam através da multidão.

April sentiu muito frio. Descobriu que tremia.

— Isto não está na descrição do meu trabalho — ela sussurrou.

Pierce estava envolvido nisso? Será que ele sabia?

Ela tinha que descobrir. Isso significava que ela teria que quebrar o
precedente e fazer algo que nunca tinha feito antes: trabalho de campo.
Capítulo 31
Em algum lugar do Mar Mediterrâneo

Com um saco de cheeseburgers e refrigerantes na mão, eles estavam


todos no avião de Jonah. Tinham comido, cochilado, e agora estavam a uma
hora do aeroporto de Istambul e prontos para ouvir sobre Troia.

— Eu não entendo — disse Dan, espreitando as anotações de Atticus. — O


que é lenda, e que é fato? Esse garoto Paris se apaixona por Helena e a leva
para longe de seu marido, para Troia. Então, todo mundo fica muito bravo e há
uma guerra. Tipo, por dez anos. Agamenon é cunhado de Helena, então ele vai
para a propriedade de Paris e há esse grande cerco. Há um monte de batalhas –
heróis como Aquiles e Ájax tornam-se grandes. Aí Paris morre, e ele que
começou a coisa toda. Finalmente os gregos ficam impacientes e fingem que
desistiram. Eles dão aos troianos um gigantesco cavalo de madeira como
presente de despedida, tipo “Uau, caras, estamos indo embora, vamos para
casa.” Só que eles se escondem dentro do cavalo e enquanto os troianos
estavam festejando, eles saíram e iniciaram uma batalha e, desta vez, ganharam
a guerra. Exceto basicamente que todos os caras legais morreram, então o que
eles ganham, de qualquer maneira?

— Esse é o resumo mais curto da Ilíada de Homero que já ouvi — falou


Atticus com admiração.

— E um grande resumo da maior parte das guerras — Jake comentou. — O


que eles ganham, de qualquer maneira?

— Maneiro — Jonah adicionou, acenando com a cabeça. Ele recostou-se


na poltrona de couro, os olhos semicerrados. Ele tinha voado da Califórnia para
Boston, depois para Londres e agora estava quase em Istambul. Estava
acostumado com turnês, mas o roteiro dos Cahill eram os piores.

— Maneiro, mesmo — disse Pony. Ele tinha praticamente repetido cada


frase de Jonah desde que embarcaram.

— Então um cara na década de 1870 decidiu que Troia não era lenda, era
real, e começou a pesquisar — Dan continuou.

— Frank Calvert — Atticus falou. — Mas Heinrich Schliemann geralmente


recebe o crédito, mesmo que ele não tenha treinamento arqueológico real e
meio que estrague tudo. Mas ele descobriu que Troia realmente existiu. Então,
agora sabemos que foi real. Há sete níveis, eu acho...

— Na verdade, nove — disse Jake. — Cada um deles vem de um período


histórico diferente. Então para os nossos propósitos, o mais recente seria o que
está em cima – o nível nove. Troia foi parte do Império Romano. Havia um
aqueduto e sistema de água, banhos públicos, um mercado central, teatro –
uma civilização impressionante.

— Então, como ela poderia simplesmente... morrer? — perguntou Ian. —


Como todas as cidades puderam morrer? O que as pessoas fizeram de errado?

— Há muitas razões — respondeu Jake. — Às vezes é um desastre natural


da qual eles não se recuperaram. Ou um ditador que faliu a tesouraria e matou
o seu povo de fome. Ou iniciou-se uma série de guerras que nunca terminaram
até a civilização ser destruída. Pode ser uma combinação de fatores, também.
Toda civilização é vulnerável, não importa quão poderosa seja — ele acenou
com a cabeça para Atticus. — Atticus e eu temos visitado civilizações mortas.
Estamos acostumados a ter uma visão de longo prazo.

— Mas não é como se isso pudesse acontecer hoje — Amy disse. — Eu


quero dizer, aqui estamos viajando de uma grande cidade para outra. Cidades
cheias de táxis e teatros e restaurantes e museus e pessoas... tudo não poderia
simplesmente acabar. A América não poderia simplesmente ir embora.

— Leu os jornais ultimamente? — perguntou Jake. — As armas nucleares,


as alterações climáticas, governos instáveis...

— Uma pessoa — disse Amy. — Um ditador com poder suficiente tomar


decisões erradas...

— Criando um exército indestrutível — Ian continuou.

— Poderia mudar o mundo — completou Atticus.

Eles ficaram em silêncio. Havia um nome em cada uma de suas mentes.

Pierce.

***
Quando o avião pousou e eles taxiavam para o terminal, Dan falou.

— Correndo o risco de ser um total corta-clima, eu tenho que perguntar.


Será que temos um plano?

— Estive pesquisando sobre leopardos — Jake disse. — Eles são atletas


tremendos. Podem correr até 58 quilômetros por hora e saltar seis metros para
frente em um único salto. Para o alto, até três metros. Eles se escondem em
árvores altas. Eles podem levantar quarenta e cinco quilos ou mais. Caçam
durante a noite e tem visão e audição aguçadas. Perseguem suas presas, então
as esmagam facilmente e matam-na com uma mordida na garganta.

— Puxa, obrigado, Jake — disse Dan. — Informações que eu adoraria


saber.

Jake sorriu.

— Com um pouco de sorte você não chegará tão perto, Dan. Os leopardos
de Anatólia estão em extinção há quase quarenta anos. Eles viviam nas florestas
e as colinas do Mar Egeu e Mediterrâneo. Eram reverenciados pelos etruscos e
caçados pelos romanos. Caçado por todos, atualmente. É por isso que estão
extintos.

Amy olhava uma foto de um leopardo em seu celular.

— Isso é tão triste. Eles são tão bonitos.

— A última aparição oficial, dizem, foi em 1974. Mas li em alguns artigos


online pessoas que juram ter visto um. Uma organização da vida selvagem
colocou uma rede de câmeras nas montanhas – elas ficam em constante
movimento, na esperança de avistar algo.

Pony pegou o computador.

— Qual é o nome do grupo?

— A Associaçao Internacilnal da Vida Selvagem — respondeu Jake. — AIVS.

— Há mais — disse Amy. — Tem um pequeno museu no sudoeste da


Turquia – no caminho para as montanhas – que tem um leopardo de
empalhado. Enviamos e-mails para o endereço, mas eles não responderam.
Estão abertos apenas nos finais de semana. Rudimentar, mas definitivamente
vale a pena conferir. Nós temos a esperança de que, se houver um leopardo, ele
ainda conserve seus bigodes.

— Há uma tonelada de lendas sobre os bigodes de leopardo — observou


Jake. — Eles supostamente têm propriedades curativas, ou até mesmo mágicas.

— Então, nós encontraremos um leopardo extinto, o derrubamos com


uma droga paralisante e arrancaremos alguns bigodes — disse Dan. — Sem
problemas.

— Você só precisa de seis — Jake observou.

— Bem, nesse caso — respondeu Dan — é fácil, fácil.

Pony olhou para cima.

— Entrei. Geralmente esses tipos de organizações governamentais


simplesmente não têm os firewalls que deveriam. Porque, vamos lá, por que
eles deveriam gastar seus dólares para contratar alguém como eu? É tão cruel –
parece complicado, mas é estúpido. Irritante, irritante, eu sei.

— Ele está falando inglês? — Atticus perguntou para Dan.

— Não, ele está falando linguagem de hacker — Jonah respondeu,


alongando-se e bocejando. — O cara é incrível. Basta ouvir.

Pony corou com prazer.

— Aposto que esse sistema pode ser destrinchado em uma base regular —
ele continuou. — É visível. De qualquer forma, aqui está o que quero. Invadi a
câmera principal da rede. A maior parte dos bandos de animais pulam direto,
certo? Mas eles também têm uma seção de comentários internos no
alimentador. Procurei o arquivo, fiz um rápido programa de busca por palavra, e
tive o retorno dos mais recentes relatos de algumas pessoas que acham ser um
leopardo e outras que pensar ser apenas um lince, ou outro tipo de animal
selvagem, por isso, eles foram pessoalmente ver o que era, e encontraram uma
pegada, mas eles estão todos não podemos liberar esta informação ainda e
coisa e tal, assim... — Pony virou o laptop para eles. Uma foto apareceu na tela,
uma pegada impressa na sujeira. — Aí está o seu leopardo.
Capítulo 32
Wilmington, Delaware

— Bem, isso depende do que entendem por autorizado — Nellie


resmungou ao ver a placa. Ela colocou o binóculo na altura dos olhos. — É
difícil manter Nellie Gomez do lado de fora se ela decide entrar.

Ela só não tinha pensado em como, ainda.

Nellie dirigira todo o caminho do sul de New Jersey Turnpike até a última
saída, a Delaware Memorial Bridge. Ela tinha se perdido três vezes tentando
encontrar o laboratório, e sempre acabava na Pennsylvania. Delaware era um
estado pequeno.

Do outro lado da rua, no minimercado do estacionamento, ela tinha uma


visão muito clara do enorme do estacionamento do laboratório. O prédio longo e
baixo era ligeiramente maior na parte de trás. Luz do sol fraca refletia nos tetos
dos carros.

O de estacionamento não estava muito lotado. A maior parte dos


funcionários fora demitida, de acordo com Pony. Ela tinha visto uma caravana de
SUVs pretas entrar apenas uma hora antes. Homens e mulheres uniformizados
tinham saído dos carros e caminhado rapidamente para dentro do prédio.

Havia uma guarita na entrada e uma cerca de arame. Câmaras de vigilância


a cada poucos metros. Luzes brilhantes que iluminavam o estacionamento à
noite. Ela viu tudo isso e soube que não havia como pular aquela cerca sem ser
apanhada.
Ela teria que encontrar outra maneira.

Uma jovem mulher entrou no minimercado do estacionamento. Ela saiu,


ajustando a saia de seu terninho cinza escuro. Seu cabelo estava puxado para trás
em um rabo de cavalo apertado. Suas sapatilhas tinham um salto moderado. Ela
entrou no mercado e saiu um minuto depois, bebericando um suco de laranja.
Olhou para o relógio três vezes pelo tempo que levou a beber o suco. Então
atirou a embalagem vazia no lixo e voltou para o carro.

Nellie reconheceu todos os sinais. A moça estava matando tempo antes de


uma entrevista de emprego. Ela viu quando a candidata ao emprego voltou para o
carro e dirigiu algumas centenas de metros estrada abaixo. Ela dobrou para a
Trilon Laboratories. O guarda se inclinou para ela, as mãos estendidas.

Carteira de motorista, Nellie pensou. Ele tem uma lista. Verificando duas
vezes...

Nellie bateu o dedo no volante. O que tinha Pony tinha dito? Pierce
despedira a todos. Então, agora eles estavam contratando.

Ela não sabia nada sobre produtos farmacêuticos ou químicos.

Mas por que deixar isso detê-la?

Nellie pegou o telefone e mandou uma mensagem para Ian. Ele tinha
contatos em todos os lugares e poderia conseguir referências falsas para ela.

Nos próximos trinta minutos, ela teve que criar um currículo totalmente
falso em uma lan house. Ela era agora Nadine Gormey, brilhante jovem química,
com um diploma do MIT.

Dentro de uma hora, ela prendeu seu brilhante cabelo preto e natural para
trás, fez uma tatuagem temporária e comprou um terno conservador azul-
marinho. Também comprara o mais feio par de sapatilhas sensatas que já tinha
tido a infelicidade de colocar em seus pés.

É claro que o fato de que ela não sabia absolutamente nada sobre
laboratórios, química ou ciência farmacêutica poderia vir a ser um pequeno
problema. Mas ela sabia que em algum lugar em certo laboratório secreto,
Sammy estava sendo forçado a produzir novas experiências com o mais
mortífero soro conhecido pela humanidade.

Naquele longo prédio baixo e cinzento, um horripilante futuro estava


começando a tomar forma. Ela iria expô-lo, ou morrer tentando.
Capítulo 33
Istambul, Turquia

Hamilton Holt caminhou rapidamente através do terminal do Aeroporto de


Ataturk. Seu voo tinha sido adiado, e ele tinha apenas alguns minutos para pegar
um táxi até o terminal do avião particular. O aeroporto estava lotado de pessoas
se acotovelando para recuperar sua bagagem, pegar comida, saborear um café.
Perto das portas de saída, homens andavam, oferecendo transporte. Hamilton os
observou, procurando o que parecia mais honesto.

Transporte, senhor? Transporte? Táxi mais limpo da Turquia! Motorista de


segurança! Transporte, senhor? Eu cobro mais barato! Eles se aglomeravam ao
redor dele.

Era o seu rosto, Hamilton sabia. Seu rosto grande e idiota de adolescente
americano. Era seu cabelo loiro e seu sorriso largo. Todos pensavam que ele era
um alvo, um adolescente de mochila pronto para eles tirarem vantagem.
Normalmente, eles estavam certos. Ele era um Cahill, mas não tinha herdado
muito das ideias sagazes dos Lucian, ou o charme dos Janus. Ele era um Tomas,
nascido e criado. Se você quisesse escalar uma montanha ou escalar um
penhasco, ele era o cara. Se quisesse que ele abrisse uma porta com uma
cabeçada, ele podia lidar com isso. Mas teria que lhe apontar a porta.

Um dos homens chegou mais perto e agarrou sua manga.

— Precisa de umas rodas, bróder?

Hamilton se virou. Atrás dos óculos escuros, ele viu seu amigo Jonah
Wizard.

— Cara!

— Bróder!

Eles bateram os punhos, depois as palmas.

— O que você está fazendo aqui? — Hamilton perguntou. — Nellie me


disse para encontrá-lo no terminal privado.

— Nós chegamos cedo. Eu tô com a galera em uma van, à espera de sua


ilustre presença. Estamos decolando para Antália, na costa. Depois vamos para as
montanhas caçar um leopardo.
Hamilton não pareceu abatido.

— Bora nessa, cara.

O resto dos motoristas se afastou, sabendo que tinham perdido uma corrida.
Jonah levou Hamilton em direção às portas. Nenhum deles notou que um homem
musculoso de óculos de sol vestido de preto os seguiu.

***

O motorista, Adil, explicou a eles que a cidade de Antália era parte da


chamado “Costa Turquesa”, e Dan soube o motivo do nome quando vislumbrou
o cintilante mar azul-esverdeado e a areia dourada enquanto dirigiam. Palmeiras
eram balançadas por brisas leves, quentinhas e eles abriram as janelas para sentir
o cheiro do mar.

Adil virou em uma rua de mão dupla em Antália. De um lado, Dan podia
ver a baía curva azul-turquesa e ao fundo os picos gloriosos e sombrios das
Montanhas Taurus. Eles passaram zunindo por palmeiras e vans de turismo como
a deles enquanto se dirigiam para o porto. Na luz da noite, a baía estava cintilada
em rosa, e o céu tinha manchas roxas. As pessoas passeavam, verificavam os
diferentes menus dos restaurantes ou simplesmente sentavam-se do lado de fora
tomando café. Perigo e leopardos pareciam uma realidade distante.

Por que estou sempre em lugares como este, sem nunca realmente vê-
los?, Dan pensou. Pela primeira vez ele gostaria de ir para um lugar incrível sem
ter que olhar por cima do ombro. Ele gostaria de viajar o mundo de novo, desta
vez sem ser perseguido ou ser alvo de tiros.

Se restar um mundo quando Pierce pôr as mãos nele.

Quando eles perguntaram a Adil o melhor lugar para encontrar guias de


montanha que fossem confiáveis e pudessem manter a boca fechada, ele os
indicou um café em Antália e lhes disse para perguntarem por Sadik. Eles
fizeram o check-in no hotel com vista para a praia, que estava repleto de turistas
felizes. Em seguida, saíram.

O sol se pôs no momento em que se dirigiam para a cidade antiga, chamada


de Kaleiçi, uma área de ruas sinuosas e becos. Eles fizeram várias curvas erradas,
apesar de estarem usando o GPS dos seus celulares. Finalmente, localizaram o
beco.
Não havia nenhuma placa do lado de fora, mas várias mesas ocupavam a
calçada, onde gente se sentava tomando café e comendo doces. O grupo adentrou
no estabelecimento. Fumaça ondulava no ar, e o zumbido de conversa era
energizante. O café era principalmente repleto de homens sentados ao redor de
pequenas mesas, tomando café preto em copos delicados. Havia várias poltronas
posicionadas frente a frente, e as lâmpadas de vidro em forma de globos com
cores semelhantes a gemas pendiam do teto. Tapeçarias enfeitavam as paredes e
espelhos refletiam a fumaça.

Eles pararam por um momento enquanto todos se viraram para encarar os


recém-chegados, em seguida, viraram-se de volta, e o burburinho das conversas
retornou.

Os Cahill se sentaram em uma mesa no canto.

— Vocês acham que posso pedir um duplo mocha grande descafeinado sem
creme com um pouco de avelã aqui? — Dan perguntou.

— Tente — sugeriu Jake. — Eu gostaria de ver o quão longe você seria


chutado para fora da porta.

Eles pediram café, que chegou alguns minutos depois em pequenos copos
elegantemente estampados. O café era espesso e escuro, com espuma flutuando
em cima. Copos de água também foram colocados em cima da mesa, juntamente
com uma pequena tigela de cubos de açúcar.

Jake perguntou ao garçom se Sadik estava ali. O garçom apontou para o


canto oposto. Um homem de meia-idade, sentado sozinho, às vezes tomando um
pequeno gole de café. Havia algo assustador sobre ele. Ele parecia mais áspero
do que os homens urbanos e sofisticados ao seu redor. Vestia calças de veludo
dentro de pesadas botas e uma camisa branca, aberta no pescoço.

— Ele tem a aparência de quem pode capturar um leopardo com uma mão e
arrancar os bigodes com os dentes — Dan sussurrou.

— Você pode dizer a ele que Adil nos enviou? — Jake perguntou.

O garçom se dirigiu até a outra mesa. Ele se inclinou e falou. O homem


desviou seu olhar para a mesa deles. Levou um longo momento estudando-os.

Sadik foi para lá, levando o seu café. Ele colocou o copo na mesa com
cuidado, então se sentou.

— Adil contou à vocês sobre mim?


— Ele disse que você era um guia de montanha — Jake respondeu. —
Precisamos de um para nos conduzir através das Montanhas Taurus. Somos
estudantes de zoologia. Estamos à procura de um leopardo.

Ele deu de ombros.

— Não há mais leopardos.

— Nós temos razões para acreditar que há um.

Ele balançou a cabeça.

— Impossível. Eu estive em todo canto naquelas montanhas e nunca vi


provas disso. Apenas histórias que evaporam como contos de fadas.

— Nós não pensamos assim. E estamos dispostos a pagar bem pelo seu
tempo. Precisamos de alguém para nos levar para um determinado ponto e vamos
ver se podemos rastrear o leopardo.

— Se vocês tem tanta certeza, caçar leopardos é um jogo perigoso. O que


fariam se vissem um?

— Atiraríamos nele com um dardo paralisante para podermos fotografá-lo.

Ele olhou para Jake com os olhos castanhos impassíveis.

— Estou vendo.

— Nós pagaríamos o dobro pelo seu serviço.

Ele inclinou a cabeça para o lado.

— Com uma gorjeta de cinquenta por cento, se localizarmos o leopardo.

Ele tomou um gole de café.

— Você pode conseguir rifles com dardos tranquilizantes? — Jake


perguntou.

— Eu construo com minhas próprias mãos o que for necessário, se o preço


for justo.

Jake esperou. Todos eles esperaram. Dan deu um gole no café forte e
precisou de toda a sua força para não se engasgar. Ele tomou um gole de água,
observando o rosto do homem enquanto ele considerava. Dan tentou parecer
maduro e pronto para qualquer coisa.

— Nós saímos ao amanhecer — disse Sadik.


Capítulo 34
Sakid apareceu no hotel em um Jeep. Agora que chegou a hora de se
separar de Pony, Jonah, Atticus e Jake, Amy se sentia incerta. Ela percebeu que
não tinha sido totalmente honesta consigo mesma. Havia batido o pé na Irlanda e
disse que não precisava de Jake. Tinha doído lhe dizer isso, mas ela tinha feito.
Mas agora que estava aqui... de repente precisava dele desesperadamente. Ela
odiava esse sentimento.

Eles se despediram de pé no Jeep.

— Nós vamos te mandar uma mensagem assim que entrarmos no museu —


Jonah disse. — Então não se preocupe, caras, te daremos cobertura.

— Eu não tenho tanta certeza sobre isso — Jake falou. — Talvez nós não
devêssemos nos dividir.

— Você acha que a gente não dá conta de um leopardo? — Dan perguntou.


— Você já deu uma boa olhada no Sadik? Ele é o Darth Vader e o Han Solo
combinados! As chances são de que nós estaremos juntos de volta ao hotel em
um ou dois dias.

— Certo — Jake respondeu, embora ele não parecesse acreditar nisso nem
um pouco.

— Vamos, Amy — Ian pediu. Ele pegou sua mão para ajudá-la a subir na
van, e Jake se virou.

Amy olhou para frente enquanto Sadik dava a partida. Ela se recusou a
olhar para trás. Não queria ver Jake diminuindo à distância. Ela não queria
chorar.

De repente, a porta do passageiro se abriu. Uma mochila foi jogada para


dentro, seguida por Jake, que subiu no banco, respirando com dificuldade.

— Jonah e Atticus dão conta do museu. Eu vou junto — os olhos de Amy


se encontraram com os de Jake no espelho retrovisor. — Acho que você dá conta
de uma escalada na montanha e de um leopardo. Mas talvez não os dois de uma
vez.

***
Eles pararam em uma pequena aldeia para pegar dois amigos de Sadik,
Orhan e Derin. Os picos da Taurus apareciam contra um céu azul brilhante, a
neve acumulada nos cumes altos. Sadik pegou uma estrada na montanha que
levava a uma série de ziguezagues que fizeram Amy se segurar em seu assento.
Ele parou em uma pequena área de estacionamento em um pasto alto. Eles eram
o único no carro.

— Se querem encontrar um leopardo, temos que tomar o caminho menos


percorrido — ele falou. — Difícil de escalar.

— Nós conseguimos — Amy disse, saltando do carro.

Sadik liderou o caminho. Os três guias não falavam muito. Andaram à


frente do grupo, com os pés firmes como cabras na trilha. Amy e os outros
lutaram com as rochas soltas e solo escorregadio. Era difícil manter o equilíbrio.
Apenas Hamilton era capaz de manter o ritmo com os guias.

Escalar era exaustivo. Eles montaram acampamento na primeira noite e os


guias espalharam sacos de dormir em torno de uma fogueira.

O grupo se levantou ao amanhecer, comendo pão torrado, laranjas e um


maravilhoso queijo que Sadik chamava de beyaz peynir no café da manhã. Os
guias moeram o café preto forte a que Amy já estava quase acostumada.

Eles partiram, subindo de forma constante a montanha, apontando as


cabras que escalavam as rochas. O ar era limpo e frio, com manchas de neve que
pontilhavam a paisagem. As árvores começaram a rarear, e coníferas definiam a
paisagem. Eles se depararam com um campo de campânula-branca, e Amy
começou a sentir que tinha escalado para um mundo místico e mágico.

— As montanhas da Turquia são cheias de lendas — Jake comentou. —


Pode-se dizer que o primeiro concurso de beleza ocorreu no Monte Ida. Paris
tinha que escolher a deusa mais bonita – Hera, Atena, ou Afrodite. Afrodite lhe
disse que, se ele a escolhesse, ele poderia ter a mulher mortal mais bonita do
mundo como sua esposa. Essa era Helena.

— Ah — disse Amy. — Então a guerra de Troia começou.

— Os deuses assistiram a queda de Tróia em Monte Ida — continuou Jake.


— Você pode sentir as lendas aqui. A história está nas pedras e no solo. Até no
cheiro do ar. As mesmas ervas selvagens crescem aqui. Você quase pode pensar
que nós encontraremos um leopardo — ele sorriu.

— Com a ajuda dos deuses, é claro.


As palavras de Jake giravam em sua cabeça enquanto escalavam. Ela,
também, sentia algo no ar que não conseguia explicar. Para Jake, era história e
lenda. Para ela, era uma presença à espreita atrás deles. Houve momentos em que
ela se sentia como se o leopardo estivesse perseguindo a eles.

Ela tropeçou no caminho, e Jake a pegou.

— Você está bem? — ele perguntou.

Ela percebeu que se sentia um pouco tonta, e sua cabeça doía.

— Eu estou bem — respondeu.

Os guias falavam em voz baixa, e ela viu-os, também, olhando por cima dos
ombros.

Eles estavam perto das coordenadas do GPS agora. Dan estava tendo um
pouco de dificuldade e teve que usar seu inalador. Eles estavam em uma
paisagem acidentada de pedras e vegetação. Acima havia falésias altas, subindo
como uma parede à frente. Sombras estranhas apareciam sobre a superfície.

— Cavernas — Sadik explicou. — O penhasco é de calcário. A rocha é


porosa. Podemos estar de pé sobre um rio subterrâneo agora mesmo.

— Tem como subir? — Hamilton perguntou.

— Há uma trilha. Mas nós precisamos acampar aqui. A trilha é estreita e é


perigosa ao anoitecer. Amanhã.

Orhan disse algumas palavras em turco para Sadik e começou a andar mais
acima na trilha.

— Onde ele está indo? — Jake perguntou.

— Explorar para amanhã — Sadik respondeu. — Às vezes pode haver


deslizamentos de rochas que bloqueiam o caminho.

Eles começaram a montar acampamento. A noite caía rapidamente. Sadik


foi inspecionar e ficou por um longo tempo observando.

— Você acha que há mais alguém lá fora? — Amy perguntou quando ele
voltou.

— Sempre há mais alguém lá fora — Sadik respondeu. — Nós não somos


donos da montanha. — Ele agachou-se perto da fogueira. — E também há as
coisas que não vemos. Os espíritos dos deuses. Os fantasmas dos leopardos.
Talvez seja isso que você esteja perseguindo. Um fantasma que anda. — Ele
piscou para ela.

Amy sentiu um calafrio na espinha. Jake se aproximou.

— Ele está brincando com você. Não deixe que a assuste.

Mas ela estava assustada. Ela se sentia cansada e esgotada, e quando


colocou a mão na testa, percebeu que estava quente. Provavelmente por causa da
fogueira.

Estava perto do anoitecer agora. Derin fez uma pergunta à Sadik. Sadik
apontou para a trilha. Provavelmente Derin estava perguntando sobre Orhan.

De repente, eles ouviram o som de passos, de rochas deslizando pela colina.


Orhan vinha rápido, correndo na direção deles. Ele disse uma palavra em turco.

— O que ele falou? — Dan perguntou.

Sadik ignorou Dan. Ele ouviu atentamente a fala rápida de Orhan. Balançou
a cabeça, mas Orhan apenas falou com mais insistência.

— O que foi? — Jake perguntou.

Sadik se virou para eles.

— Uma pegada de pata. Orhan jura que é uma pegada de leopardo. Não de
um lince, não de um chacal. De um leopardo.

— Ele tem certeza?

— Sim. Nós vamos dormir com os rifles esta noite. E vocês ficarão com as
pistolas de dardos também. Devemos estar todos armados.

***

O museu acabou por ser uma casa particular que tinha se tornado o Museu
de Curiosidades Históricas e Antigas. Numa placa desgastada se lia: BEM-
VINDOS, TURISTAS! Em outra: BATA NA PORTA AO LADO PARA VER O
CURADOR.

— Isso parece uma furada pra mim — Jonah comentou.


— Se o Pony estivesse aqui, provavelmente diria que é um museu de araque
— Atticus respondeu. — Sorte que ele ficou no hotel.

— Bem alto no medidor de araque — Jonah concordou. — Mas aqui


estamos nós.

Eles caminharam ao lado de uma pequena casa e bateram com força.


Depois de alguns momentos, um homem de meia-idade, com olhos vivos e
cabelo escuro respingado de cinza abriu a porta. Ele carregava um jornal.

— Posso ajudá-los?

— Nós gostaríamos de ver o museu.

Seu rosto foi tomado por um largo sorriso.

— Excelente! Pegarei as chaves.

Ele desapareceu por um momento e depois reapareceu. Eles voltaram para o


museu e ele ajustou a chave na fechadura. A porta prendeu, e o homem
empurrou-a com o ombro.

— Segurança excelente, como podem ver — ele disse. — A porta está


emperrada! — Rindo, ele os levou para dentro e acendeu as luzes.

Lá dentro parecia um museu de verdade. As paredes eram brancas e


forradas com exibições. Atticus parou perto de uma exposição de artefatos
romanos.

— Sabe, alguns dos artefatos mais interessantes você pode encontrar nestes
pequenos museus — Atticus comentou.

— Exatamente — o curador confirmou. — Esta área é tão rica em culturas


antigas. Não se pode caminhar sem tropeçar em uma moeda romana. Heh. E nós
temos algumas belas peças de âmbar que preservam insetos antigos...

— Fascinante — Atticus disse.

— Cara — Jonah falou, animação em sua voz. — Eu vejo nossa presa.

Ele apontou para o fundo do museu. Um diorama tinha sido colocado com
uma aproximação da paisagem ao seu redor. Um leopardo empalhado estava no
meio dele.

— Sim, nosso leopardo de Anatólia — o curador disse. — Um dos últimos


de sua raça.
Eles se aproximaram.

— Estou interessado em taxidermia — Atticus disse. — Os olhos...

— De vidro. Mas eles se parecem com os olhos de leopardo, não parecem?


Verdes e penetrantes. Místicos...

— Os bigodes? — Jonah perguntou. — São de verdade?

— Plástico. Tão reais!

Jonah e Atticus trocaram olhares. Derrotados. Eles se viraram para ir


embora.

— Temos uma loja de presentes! Não se esqueçam! — O curador correu


atrás deles. — Adoráveis peças de âmbar, réplicas de moedas romanas, monte de
presentes para trazerem na volta!

Eles continuaram andando.

— E se vocês estão interessados em leopardos, e quem não está, criaturas


magníficas! Eu tenho alguns artefatos preservados em âmbar; bigodes de
leopardo...

Eles pararam.

— Você tem bigodes de leopardo preservado em âmbar? — Atticus


perguntou.

— Sim! Na exposição de âmbar antigo... — O curador parou. Ele estendeu


um dedo. Empurrou a porta da frente da vitrine. Ela se abriu. Houve uma pausa
curta. Então ele gritou, — Nãooooo!

— O que está faltando? — Atticus perguntou, mas ele já sabia a resposta.

— CADÊ OS MEUS BIGODES DE LEOPARDO?


Capítulo 35
Amy sonhou com Afrodite e Atena, e com Olivia, cortando ervas,
embebendo-as em águas da primavera. Banhando a sua a testa. Colocando uma
mão fria sobre os seus lábios. A mão era... maior e mais áspera do que ela
esperava.

Amy abriu os olhos. Jake estava com a mão sobre sua boca.

— Algo está acontecendo — ele sussurrou.

Ela lutou para acordar.

— O quê?

— Eu ouvi barulhos. Há luzes na trilha abaixo. Acho que fomos


encontrados.

— O quê? Onde está Sadik e os guias?

— Eles saíram — Dan disse, se aproximando. — Nós temos que nos


esconder. São os homens que nos atacaram em Nova York e em Londres. Seis
deles. Eu os vi através dos binóculos infravermelho.

— Mas aonde nós vamos? — Amy perguntou.

— Há apenas uma direção — Hamilton respondeu. — Para cima.

Eles rapidamente enrolaram seus sacos de dormir. Amy sentia- como se


estivesse se movendo através da água. Era como um pesadelo, exceto pelo fato
de que ela estava completamente acordada. Vestiu seu casaco e seus sapatos e
rapidamente seguiu Dan, Jake Hamilton e Ian, que iam o mais silenciosamente
possível até a trilha.

O caminho se estreitava enquanto eles faziam curvas e davam voltas. As


luzes atrás deles se moviam incansavelmente para frente. Suas respirações eram
uma fumaça branca no ar gelado.

— Eles estão vindo rápido — Dan disse. — Nós podemos ficar presos no
cume. Posso até ver a manchete. CRIANÇAS CAHILL PERDEM ALTITUDE
RAPIDAMENTE. — Ela podia ouvir o medo debaixo do tom de brincadeira.

Hamilton olhou para a face do penhasco acima deles.

— Vocês acham que conseguiremos subir até aquelas cavernas?

— No escuro? — Dan olhou para cima.


De repente, uma bala acertou a terra apenas alguns centímetros abaixo
deles. Todos mergulharam no chão e se agarram nele.

— Uh, eu consigo — Dan disse. — Com toda certeza.

— Eles devem ter escopos de infravermelho nos rifles — Hamilton disse,


apontando seus binóculos para baixo da montanha.

Outra bala acertou uma pedra nas proximidades.

Hamilton derrapou de barriga pra baixo, rastejando para longe.

— Sigam-me!

Ele os levou em segurança atrás de uma plataforma de pedregulhos pelo


penhasco enquanto um bala, depois outra, acertava a terra.

Hamilton olhou para a falésia.

— Olha, acho que estamos bem no final do alcance deles. Veem o padrão
das balas? Eles não conseguem alcançar a falésia, eu acho.

— Você acha? — Ian perguntou.

— Eles terão alcance logo, no entanto. Nossa única chance é escalar essa
falésia agora.

— E então o quê? — perguntou Jake.

— Nos escondemos nas cavernas. Esperar que ajuda chegue.

— Nós estamos no meio do nada! — Ian protestou.

Com mais uma saraivada de tiros do rifle, eles trocaram olhares.

— Hamilton está certo — Amy disse. — Temos que tentar a sorte e escalar.

— As aberturas da caverna são pequenas. — Jake disse.

— Vamos ficar o mais próximo que pudermos, mas não vai ter uma caverna
que caiba todos nós.

Amy pressionou a mão contra a testa.

— Amy? — Jake olhou para ela, preocupado. — Você está bem?

— Pare de me perguntar isso — ela disse rispidamente. — É claro que


estou.
Sua cabeça doía, mas ela tinha problemas maiores. Amy se levantou e
encarou a falésia. Era difícil se concentrar. Ela se sentia tonta, e não tinha certeza
que poderia escalar o penhasco.

Atrás dela, outra bala bateu em uma rocha.

Eu posso escalar o penhasco.

Ela se lançou para cima e começou a subir. Agora que estava perto, podia
ver que as pedras eram porosas e ofereciam lugares para apoiar os pés e as mãos.
Só havia a luz da meia lua e do céu cheio de estrelas para iluminar o caminho, se
ela fosse cuidadosa. Ela se obrigou a se concentrar. Pense, Amy.

Ela podia ver abaixo da encosta as luzes se movendo constantemente para


cima. Dan estava bem atrás dela, Ian e Jake abaixo dele, e Hamilton escalava a
parede ao seu lado, o mais rápido de todos eles.

De repente, uma bala bateu na rocha. Estilhaços voaram.

— Estamos dentro do alcance! — Hamilton gritou. — Depressa!

Ela podia ver uma caverna se abrindo poucos metros acima dela. Tinha
tamanho suficiente apenas para ela.

— Dan! — ela exclamou. — Aqui!

Ela entrou ali na hora em que mais uma rodada de tiros explodiu na face do
penhasco.

— DAN!

Ela viu seu rosto branco a poucos metros de distância. Ele estava
comprimido em segurança em uma caverna. Hamilton estava um pouco acima.
Jake e Ian tinha encontrado uma caverna grande o suficiente para os dois.

O penhasco brilhava à luz do luar, sereno. Ela mandou uma mensagem aos
outros.

Reportem. Td mundo blz? Sem machucados?

Uma por uma, as respostas chegaram. Todo mundo estava a salvo.

Amy sentou-se e olhou para fora, observando as luzes avançarem.


***

À medida que a noite avançava, o frio se estabelecia nos ossos de Amy. O


suor tinha secado em sua pele, fazendo-a tremer. Sua pele estava quente. Ela
sabia que estava febril.

Através dos olhos turvos ela viu como os homens lenta e inexoravelmente
faziam o seu caminho até a montanha. Eles montaram acampamento abaixo da
falésia. Arrumaram metodicamente os sacos de dormir e se sentaram em torno de
uma pequena fogueira. Um deles estava sentado com um rifle sobre os joelhos,
de frente para a falésia. De vez em quando ele atirava na face do penhasco,
apenas por diversão.

Seu celular vibrou. Ela olhou. Era de Jake para todos eles.

Estão esperando a gente sair.

Os homens estavam à espera de luz do dia, Amy pensou, descansando a


cabeça contra a pedra. Ela umedeceu os lábios sedentos. Como ela queria ter tido
a chance de levar água. Ela descansou a testa quente contra a pedra fria da parede
da caverna.

Hamilton lutaria. Jake também. Todos iriam. Mas ela tinha visto aqueles
homem em ação. Eles tinham um reforço Tomas, e isso os levava perto do
indestrutível. Ela não achava que seria uma luta que os Cahill podiam ganhar.

Ela os tinha trazido para esta montanha. Ela tinha que tirá-los.

Estavam todos separados por poucos metros no precipício. Se eles se


aventurassem lá fora, seria fácil acertá-los. Fazer parecer um acidente de alguma
forma, as crianças Cahill imprudentes buscando emoções em uma montanha e
caindo até morte com seus amigos.

Amy podia até ver as manchetes. Ela apertou as mãos com força contra os
olhos. A lua pálida reverberava na escuridão por trás de suas pálpebras fechadas,
luzes sangrando e pulsando... como fogos de artifício na bruma, Amy pensou, e
se perguntou se estava delirando.
Então, ela ouviu um som baixo, intenso. Algo entre um rosnado e um
ronronar. Os pelos em sua nuca se eriçaram. O medo fez seu corpo inteiro
paralisar. Aguçando os ouvidos, ela escutou.

Ela ouviu o rosnado novamente.

Estava atrás dela.

Amy achatou-se contra a parede da caverna. Ela inspirou e expirou,


tentando se acalmar. Tentando pensar através do pânico.

Ela não podia sair da caverna. A sentinela a veria.

Tampouco ela podia ficar sentada lá a noite inteira esperando o leopardo


atacá-la. Podia não ser um leopardo. Podia ser... algo não tão letal. Outros
animais rosnavam assim, não? Um lince, um chacal, Sadik tinha dito.

Amy pegou a pistola de dardos paralisantes de sua cintura.

Seus olhos estavam acostumados com a escuridão agora. Ela se moveu


cuidadosamente em direção ao fundo da caverna. Depois de um tempo, o chão se
inclinava para cima. O ar parecia próximo e cheirava a umidade. Ela ouviu
alguma coisa... um ping, ping, ping. Enquanto se movia para frente, percebeu que
seus pés estavam molhados.

Havia uma corrente na caverna. Então ela devia vir de algum lugar. O chão
estava inclinado de forma mais acentuada para cima agora, e ela lutou para não
escorregar enquanto subia. Amy continuou andando, seguindo o som ruidoso e
baixo.

Suas narinas se contraíram. Ar fresco. Ela podia sentir o cheiro. Havia outra
abertura na caverna!

Amy logo começou a ver uma luz fraca à frente. Ela teve que se ajoelhar,
mas se arrastou para fora da caverna, seguindo para o cume da montanha. A luz
fraca era lançada pelas incontáveis estrelas.

Ela ouviu o rosnado ronronante novamente. Amy congelou. Ela só


conseguia ver uma pilha de pedregulhos cerca de vinte metros à frente. Ela
apertou a pistola de dardos.

De repente, na escuridão, viu um par de olhos verdes brilhando. O choque


da visão e as mãos tremendo a fizeram largar a pistola. Ela a ouviu deslizar para
longe, cair no xisto escorregadio direto para a escuridão.

O terror a paralisou. Ela não tinha para onde ir.


O rosnado veio novamente, gelando seu sangue.

Os olhos verdes a lembravam de algo. De seu sonho. Olivia tinha aqueles


olhos, verdes e claros...

Ela pensou naquele momento em sua antepassada. Pensou na coragem e na


persistência que tinha vislumbrado nas páginas daquele diário. De Madeleine,
que tinha criado os Madrigal, que também nunca tinha desistido.

E Grace. Ela pensou em Grace. Sua avó estaria, assim como ela, encarando
a presença do animal, e ela não recuaria.

Amy olhou na escuridão onde sabia que a outra presença estava. O terror a
deixou e ela sentiu uma espécie de comunhão com a vida que estava a poucos
metros de distância, sob as árvores, sendo caçado, o último de sua raça.

Eu preciso de algo seu. Não irá te machucar. Mas se você me der essa
dádiva, salvará o meu povo, assim como você gostaria de ter salvado o seu.

A escuridão estava começando a sumir. Ela podia ver as silhuetas das


coisas. Os troncos de árvores, as pedras, as folhas.

Enquanto a luz crescia e brilhava, ela olhou para trás e viu que estava de pé
de frente a uma vista ampla. Muito abaixo ela podia ver homens correndo até a
trilha. Eles usavam uniformes. Então os guias os tinham deixado, mas tinham ido
buscar ajuda.

Os homens abaixo estavam rapidamente guardando seus equipamentos.


Eles estavam recuando.

Dan e os outros estavam a salvo.

Ela se virou de volta para onde o leopardo tinha estado. Não havia nada lá.
A luz tocou em uma pedra plana e algo brilhou. Ela caminhou para a frente.

Seis bigodes.

Ela se agachou. Eles eram reais? Ela tocou neles com a mão. Uma
substância se prendia a um deles, algo com cor de caramelo, um caco bonito de
pedra, e ela o limpou.

Ela se virou quando ouviu xistos deslizando. De repente, um dos capangas


pulou por cima da borda da falésia. Era o baixinho e musculoso com o corte loiro
raspado. Ele usou o impulso de seu salto para continuar, indo na direção dela.
Amy entrou em pânico. Ela tentou dar uma voadora. Sua perna parecia feita
de chumbo. A voadora quicou no corpo duro do capanga enquanto ele dava o
último passo na direção dela. Ele passou suas mãos gigantes em torno de pescoço
de Amy e o apertou. Ela conseguia sentir o cheiro do suor dele e podia ver a
determinação em seu olhar. Mas seus olhos pareciam tão mortos...

Pontos negros dançaram em sua visão. Seus joelhos se dobraram.

A careta de satisfação no rosto de seu captor se transformou em surpresa.


Seus olhos reviraram, e ele caiu pesadamente no chão.

Jake estava atrás dele, com uma pistola paralisante na mão.

Ele correu até ela.

— Você está bem?

Amy caiu de joelhos, ofegante, e ele se agachou até ela.

— Tudo bem — ela murmurou. — Obrigada.

Seus dedos tocaram o pescoço dela gentilmente.

— Você vai ficar com uma marca.

— Não importa — ela lutou para ficar em pé.

— Amy, não! Espera...

— Eu tenho que... te mostrar. — Ela tropeçou em direção À rocha. — O


leopardo esteve aqui. Ele me deixou isso. — Amy ergueu os bigodes.

Jake andou até a rocha.

— Isso é impossível.

— Mas o impossível pode ser possível. — Ela disse e caiu contra ele. Ele a
segurou.

— Eu estou tão tonta... — ela falou. Ela estava feliz em apoiar-se nele
agora.

— Acho que você está enjoada por causa da altura — Jake observou. —
Estou falando sério, Amy. Precisamos tirar você dessa montanha.

— Eu a vi, Jake! Vi os olhos dela...


Enquanto a luz aumentava, a confusão em sua cabeça estava começando a
clarear.

— Por ali — ela falou.

Ela estava tentando julgar o local exato onde vira os olhos verdes brilhantes
do leopardo.

Ela passou por Jake, procurando no chão. Era tudo pedras e xisto.

Exceto por um fragmento transparente de terra. Ela se agachou para


examiná-lo. Não era uma pegada da pata de um leopardo. Era de uma bota...

Você também pode gostar