O Esporte Na Cultura Escolar

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JURACY DA SILVA GUIMARÃES

O ESPORTE NA CULTURA
ESCOLAR – COM A PALAVRA O
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Belo Horizonte
2002
2

JURACY DA SILVA GUIMARÃES

O ESPORTE NA CULTURA
ESCOLAR – COM A PALAVRA O
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Trabalho apresentado como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação pelo programa de
pós-graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais, sob a orientação da Profª.
Drª. Eustáquia Salvadora de Sousa e Co­
orientação do Profº. Dr. Luís Alberto
Oliveira Gonçalves.

Belo Horizonte
2002
3

Dissertação defendida e aprovada, em 21 de junho de 2002,


pela banca examinadora constituída pelos professores:

Profª. Drª. Eustáquia Salvadora de Sousa


Orientadora

Profº. Dr. Luis Alberto Oliveira Gonçalves


Co–orientador

Profº. Dr. Tarcísio Mauro Vago


Examinador

Profª. Drª. Anna Maria Salgueiro Caldeira


Examinadora
4

Ando devagar porque já tive pressa


E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei,
Ou nada sei.
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso o amor para poder pulsar
É preciso paz para poder sorrir
É preciso a chuva para florir.
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada
Eu vou... estrada eu sou.
Todo mundo ama um dia todo mundo chora
Um dia a gente chega e o outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua própria história
E Cada ser em si carrega do Dom
De ser capaz
De ser feliz.

(Tocando em frente – Almir Sáter/Renato Teixeira)


5

AGRADECIMENTOS

1. Aos professores, funcionários e coordenadores do Programa


de Pós-graduação da FAE/UFMG pela inestimável
colaboração durante todo o percurso deste estudo.
2. Aos membros da banca examinadora, pela leitura atenta e
pelas contribuições apresentadas para a conclusão do estudo.
3. À CAPES pelo subsídio financeiro em parte do percurso.
4. A todos os professores do Curso de Educação Física da
Universidade Federal de Goiás (Jataí e Goiânia) pela
compreensão durante meus breves “afastamentos” –
especialmente aos amigos Adriano, Waltinho, Almandino e
Nilva.
5. Aos professores que participaram da pesquisa o
reconhecimento pela disponibilidade apresentada e pela
credibilidade neste trabalho, desde o início.
6. Ás Unidades escolares visitadas, à Subsecretaria Regional de
Ensino de Jataí pela possibilidade de aproximação com todo
tipo de material solicitado.
7. Ao Grupo de Estudos sobre o Esporte Escolar da Faculdade
de Educação Física da UFG – alunos e amigos – pela
cobrança e incentivo para a construção de um trabalho de
qualidade.
8. À professora Luciana Marcassa da FEF/UFG, pela revisão
nos textos iniciais.
9. À professora Sônia Maria D’Albuquerque da
UNIVERSO/Goiânia, pela criteriosa revisão deste estudo.
10. Aos colegas – que se tornaram amigos – das turmas do
mestrado e do doutorado, pelo convívio e pela cumplicidade
todo o tempo.
11. À minha família mineira – Dona Nilde, Seu João, Sérgio, Luís
– e ao meu “amigo/irmão” Marcus Vinicius Tondato pela
acolhida e condução nos primeiros momentos em Belo
Horizonte.
12. Ao senhor Jarbas Valadares Santana e toda a sua família,
pela acolhida carinhosa e respeitosa quando de minha
integração à mesma.
1. Aos companheiros Justino, Débora e Janete, pela acolhida em
BH e pelos longos papos sobre “coisa nenhuma”.
6

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

1. Aos meus pais – Seu Nazaré (>) e Dona Rosa – pela existência,
pela persistência, pela fé na vida, pela fé no homem e pela fé no
que virá.

2. Aos meus filhos – Victor e Pedro – que souberam, como


ninguém, suportar minha ausência por tantos finais de semana;
tomara que possamos recuperar este tempo.

3. À minha esposa – Florence – pelo exemplo como companheira,


como amiga, como crítica, como ouvinte e como mulher.

4. Às minhas três “novas filhas” - Scarlet, Bárbara e Evellyne –


pela convivência sempre renovadora em casa.

1. Ao professor Luís Alberto Oliveira Gonçalves, pela enorme


contribuição prestada na fase final deste estudo.

2. À professora Eustáquia, pelo incansável trabalho de orientação


desempenhado. Por vezes acadêmica, por vezes pessoal; mas
sempre no sentido de contribuir para meu crescimento enquanto
pessoa humana.
7

DEDICATÓRIAS

No Campo institucional

À Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás


Lugar de estudos, encontros e desencontros; mas, sobretudo, um
lugar um lugar de luta constante.

No Campo acadêmico

Aos vários professores de educação física


que, como eu, vivenciam as alegrias e tristezas do mundo do
esporte

No Campo pessoal

À professora Florence Rodrigues Valadares


minha mais severa crítica e grande companheira
8

SUMÁRIO

Introdução................................................................................... 11
1 – O PERCURSO METODOLÓGICO.......................................19
1. – Natureza do estudo........................................................
19
2. – A Caracterização da realidade pesquisa.......................
20
1.3 – Critérios para escolha dos sujeitos....................................24
1.3.1 – A Formação Profissional dos professores pesquisados.28
1.3.2 – A experiência esportiva dos professores........................31
1.4 - A escolha do instrumento e a coleta de dados.................. 34
1.5 – Porque ouvir os professores.............................................. 38
2 - A ESPORTE ENSINADO PELOS PROFESSORES.............40
2.1 – Como os professores “escolhem” modalidades................ 41
2.2 – O processo de “composição” das turmas.......................... 49
2.2.1 – Habilidades, Gênero e Sexualidade como parâmetros.. 51
2.3 – Os eventos esportivos como lugar dos esportes...............63
2.4 – O “labirinto” dos registros das atividades.......................... 70
3 – AS REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES................ 77
3.1 – As expectativas sobre o esporte que ensinam..................78
3.2 – As estratégias de ensino do esporte................................. 84
3.3 – As representações dos professores sobre a “escola” e o
esporte que ensinam.................................................................. 87
3.3.1 – De onde vem o esporte do qual falamos........................91
3.3.2 – Classificações e Princípios do esporte...........................93
3.3.3 – A legislação sobre o esporte escolar..............................96
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................105
5 – LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E ESQUEMAS.............112
9

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ....................................113


10

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo geral a compreensão do


processo de construção das representações dos professores de educação
física sobre o esporte que ensinam no ambiente escolar. Com este objetivo,
foram realizadas entrevistas com professores de educação física da cidade de
Jataí, no estado de Goiás, que atuam com o ensino de esporte em suas aulas
e que foram selecionados a partir de critérios como sua formação inicial, tempo
de carreira docente, sexo e condições de trabalho. Além de evidenciarem
expectativas e objetivos bastante diferenciados em relação ao esporte que
ensinam em suas aulas, o relato dos sujeitos deste estudo destacou elementos
como as questões de gênero, a sexualidade e a habilidade técnica como
parâmetros para a composição de suas turmas. As características locais da
realidade pesquisada bem como alguns elementos do relato dos professores
pesquisados apontaram, num primeiro momento, para o ensino do esporte com
características de exclusão, de competitividade e com objetivos voltados para a
formação de equipes com vistas à participação nos eventos esportivos
escolares promovidos pela Secretaria da Educação do Estado de Goiás. Aliás,
características estas, que pareceram ser determinadas por elementos
constituintes da cultura das escolas pesquisadas como o horário das aulas de
educação física , o processo de composição das turmas e a impressão dos
demais segmentos da escola sobre as aulas de educação física. Entretanto, ao
analisar as expectativas dos professores pesquisados, em relação ao esporte
que ensinam, é possível identificar um movimento na direção da construção de
uma cultura esportiva escolar que buscava, mesmo na participação em eventos
esportivos escolares de características meritocráticas e excludentes,
“subverter” a ordem estabelecida. Por fim, é importante destacar que o
processo de construção das percepções dos professores sobre o esporte que
ensinam no ambiente escolar são influenciadas e não determinadas tanto
pelos elementos da cultura da escola quanto pelos princípios do esporte
institucionalizado.
11

ABSTRACT

The present work had as objective generality the understanding of the


process of construction of the perceptions of the professors of physical
education on the sport who teach in the pertaining to school environment. Whit
this objective, interviews with professors of physical education of the city of
Jataí had benn carried through, in the state of Goiás, who act with the education
of sport in its lessons and that they had been selected from criteria as its initial
formation, time of teaching career, Sex and conditions of work. Besides
evidencing expectations and objectives sufficiently differentiated in relation to
the sport that teach in its lessons, the story of the citizens of this study detached
elements as the questions of sort, the sexuality and the ability technique as
parameters for the composition of its groups. The local characteristics of the
reality searched as well as some elements of the story of the searched
professors had pointed, at a first moment, with respect to the education of the
sport with characteristics of exclusion, competitiveness and with objectives
come back toward the formation of teams with sights to the participation in the
pertaining to school sporting events promoted by the Secretariat of the
Education of the State of Goiás. By the way, characteristics these, that had
seemed to be determined by constituent elements of the culture of the schools
searched as the schedule of the lessons of physical education, the process of
composition of the groups and the impression of the too much segments of the
school on the lessons of physical education. However, when analyzing the
expectations of the searched professors, in relation to the sport who teach, are
possible to exactly identify a movement in the direction of the construction of a
pertaining to school sporting culture that it searched, in the participation in
pertaining to school sporting events of merit and exculpatory characteristics,
subvert the established order. Finally, it is important to detach that the process
of construction of the representations of the professors on the sports who teach
in the pertaining to school environment is influenced and not determined in such
a way by the elements of the culture of the school how much for the principles
of the institutionalized sport.
12

INTRODUÇÃO

...eu não vejo a educação física na escola sem o


esporte não... mesmo que esteja precisando de
adaptações de acordo com a unidade escolar,
mesmo com todas as críticas que , até mesmo eu
faço, eu acho ele fundamental para nós professores
de educação física... (Relato do professor Léo, 2000)

Busquei, no relato dos professores de educação física que se


dispuseram a participar comigo desta investigação sobre o esporte escolar, um
pronunciamento relacionado à temática, que pudesse ilustrar o início deste
estudo. Dentre os vários encontrados selecionei, intencionalmente, o citado
acima em função de acreditar, como Minayo (1996), que

...nada pode ser intelectualmente um problema, se não


tiver sido, em primeira instância, um problema da vida
prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não
emerge espontaneamente, da mesma forma que o
conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e
circunstâncias socialmente condicionados, frutos de
determinada inserção no real, nele encontrando suas
razões e seus objetivos (p.90)

Nesse sentido, convém destacar que meu envolvimento com o esporte


iniciou-se na adolescência e perdura até os dias atuais; num percurso que
contemplou a vivência como atleta, treinador, como árbitro em várias
modalidades esportivas e como professor de educação física.
Como professor de educação física – licenciado em 1986 – o
envolvimento com o fenômeno esportivo tornou-se cada vez mais presente e
determinante na minha conduta como profissional da área de educação física.
Desenvolvia meu trabalho como professor de educação física numa escola
pública de Goiânia/Goiás de forma idêntica ao de um técnico de uma escolinha
de iniciação esportiva. Tal semelhança tinha como base o fato de priorizar o
ensino dos gestos técnicos esportivos com objetivos voltados para a
participação em competições esportivas, assim como faziam meus colegas
13

que atuavam como técnicos das categorias de base1 do Goiás Esporte Clube.
Acreditava que a educação física podia atingir todos os seus objetivos
educacionais através da prática esportiva.
Quando do ingresso na carreira do magistério em nível superior, a partir
de 1989 – coincidentemente, quando da criação do segundo curso de
graduação em Educação Física do Estado, pela Universidade Federal de Goiás
– senti a necessidade de me reaproximar das “leituras de caráter pedagógico”
(terminologia muito utilizada no interior dos cursos de formação de professores,
especialmente entre os acadêmicos, para designar as publicações não
relacionadas às disciplinas técnicas) da área de educação física. Até então,
julgava o suficiente para o desempenho da função de professor de educação
física a experiência da prática esportiva (acumulada por vários anos!)
amparada pelos vários livros/técnicos ou manuais, amplamente divulgados até
então e os conhecimentos adquiridos durante o curso de graduação. Tal
reaproximação me fez conhecer uma série de análises2 sobre a educação
física e o ensino do esporte no ambiente escolar que denunciavam valores
como a competitividade, a seleção e a busca do rendimento na prática
pedagógica do professor de educação física, no que diz respeito ao ensino do
esporte no ambiente escolar.
Surgiam então meus primeiros questionamentos em relação à forma
como se ensinava o esporte nas aulas de educação física. Ou seja, será que o
trabalho desenvolvido com o esporte, baseado na experiência como ex-atleta e
como treinador de equipes escolares, só servia para selecionar, para excluir e
para competir? Será que o esporte no ambiente escolar, como eu o concebia,
somente reproduzia os valores da sociedade capitalista, como afirmava Bracht
(1992)? Será que existia algum aluno que não gostava de nenhuma
modalidade esportiva e, por isso, estivesse sendo desrespeitado em sua
liberdade de escolha?
Sem conseguir respostas para minhas indagações, preocupava-me, o
fato destas análises orientarem-se por questões ou interesses da educação
física, muitas delas sem a devida aproximação com o cotidiano da escola e

1
Grupos de atletas, divididos em faixas etárias distintas para o treinamento de habilidades esportivas
específicas do futebol para futuro ingresso nas equipes semiprofissionais e profissionais do referido clube.
2
Dentre elas: Medina (1983), Guiraldelli Jr. (1988), Lino Castellani Filho (1988) e Bracht (1992).
14

com os diversos atores sociais envolvidos no processo de ensino e


aprendizagem desenvolvido naquele espaço. Preocupava-me também o fato
de, parte destas análises estabelecerem uma relação, quase que mecanicista,
entre os valores do esporte ensinado nas escolas e os valores relacionados à
ideologia capitalista; isto é, a competição entre os vários segmentos da
sociedade em busca de um melhor resultado e a seleção dos mais aptos em
detrimento dos menos aptos, dentre outros.
Atualmente o esporte tem sido alvo de estudos por parte das mais
variadas áreas do conhecimento humano, dentre elas a psicologia, a filosofia, a
história, a antropologia, a educação física e a sociologia. Tal importância pode
ser atribuída, em grande parte, ao vultuoso investimento que alguns setores da
sociedade (indústria, comércio, prestação de serviços etc.) empreendem em
torno de sua espetacularização e mercadorização. Para ficar com apenas um
exemplo, basta citar o investimento feito pelas empresas brasileiras de
telecomunicações para a transmissão dos grandes eventos esportivos. Ao
comentar os preparativos para o segundo jogo da decisão do campeonato
brasileiro de futebol de 2001, Armando Nogueira, em sua coluna no Jornal O
Popular de 21/12/2001, aponta que é inegável a força e o prestígio do esporte
enquanto mercadoria que interessa a todas as emissoras de rádio e de
televisão... mesmo quando se enfrentam equipes sem tanta tradição em
decisões como o são Atlético/PR e São Caetano/SP.
Outro fator, que parece contribuir para despertar o interesse das
diversas áreas do conhecimento humano, em relação ao esporte, é o que tem
a ver com a população envolvida diretamente nos eventos esportivos.
Quantidades, estas, que podem variar de vinte e dois (o número mínimo para
a realização de uma partida de futebol) até sessenta mil pessoas (público
presente na partida final do campeonato brasileiro de futebol de 2001, entre
São Caetano, de São Paulo e Atlético do Paraná)3.
Uma vez tendo atingido tamanha repercussão entre os vários segmentos
e classes sociais, o esporte foi se constituindo num campo, extremamente fértil,
de investigações científicas. Campo este que foi sendo ocupado em função da
demanda apresentada por um grupo de profissionais com as mais variadas

3
Conforme jornal O Popular de 23/12/2001, Goiânia – Goiás.
15

especificidades. Segundo Bourdieu (1983), o esporte de rendimento, com o


objetivo de maximizar a eficácia e minimizar os riscos dos praticantes, acarreta
a necessidade de um pessoal técnico especializado e de uma verdadeira
gerência científica, capaz de organizar racionalmente o treinamento e a
manutenção do capital físico dos profissionais (p.145).
Numa outra esfera de manifestação do esporte – no ambiente escolar e
durante os eventos esportivos escolares – outros “atores” desempenham os
papéis de atletas e de treinadores; são os alunos e os professores de
educação física. Neste contexto, algumas adaptações parecem ocorrer para
atender (ou, pelo menos, para se aproximar disto!) aos objetivos de
competitividade e de busca do rendimento, que são característicos do modelo
de esporte que acontece e é veiculado fora do ambiente escolar.
A compreensão da escola como um espaço social permeado de
disputas de poder, com ritmos, rituais e linguagens próprias de seus atores
além de um sistema próprio de regulação e transgressão, nos faz superar a
idéia reducionista de que a escola assume simplesmente o papel de um
aparelho ideológico do estado encarregada de reproduzir as desigualdades
sociais e culturais. Forquim (1993), ao discutir a questão da cultura e a escola,
destaca a importância das características sociais do indivíduo como um dos
fatores que podem influenciar o espaço da escola e seus sistemas. Segundo o
autor:

É fato que os alunos de diferentes meios sociais chegam


à escola portando certas características culturais que
influenciam diretamente a maneira pela qual eles
respondem às solicitações e as exigências inerentes à
situação de escolarização (p.167).

No âmbito da educação física, entretanto, esta “reprodução” parece vir


se configurando no que diz respeito ao ensino do esporte nas aulas de
educação física. Ou seja, o esporte de alto rendimento – com suas regras
internacionais, gestos técnicos específicos, mecanismos de premiação e
seleção – parece vir influenciando (em alguns casos, determinando!) a forma
como os professores de educação física ensinam o esporte.
16

Bracht (1992), ao analisar a legitimidade da educação física no ambiente


escolar, sugere a existência de dois tipos de “esportes” presentes no ambiente
escolar. Um com subordinação aos códigos da instituição esportiva4, como um
prolongamento desta no ambiente escolar, caracterizando o esporte NA escola.
E um outro tipo de esporte que é praticado de acordo com as especificidades
do ambiente escolar (locais e tempos para a prática de esportes,
equipamentos disponíveis etc.) e de seus praticantes (com interesses, objetivos
e níveis técnicos diferenciados em relação à prática do esporte) que pode ser
denominado de esporte DA escola.
Vago (1996), ao discutir as relações da escola com as diversas práticas
culturais de esporte, estabelece um “diálogo” com Bracht (op. cit.) e aponta
para a necessidade de se pensar num processo de “tensão permanente” e não
de “negação” entre os dois tipos de esporte presentes na escola; admitindo que
a escola pode produzir uma cultura escolar de esporte que, ao invés de
reproduzir as práticas de esporte hegemônicas na sociedade,(...) estabeleça
com elas uma relação de tensão permanente intervindo na história cultural da
sociedade (p.4)
As relações estabelecidas entre os vários atores sociais do contexto
escolar entre si e com a sociedade têm servido como base para a realização de
estudos etnográficos com o objetivo de desvelar as tensões existentes no
cotidiano escolar bem como as relações de seus diversos atores com os
demais elementos da cultura escolar (conteúdos, currículos, símbolos, ritmos e
ritos).
Nesse sentido, para que pudesse delimitar meu objeto de estudo,
enquanto aluno do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais, senti necessidade de buscar o apoio
dos estudos que buscaram, de alguma forma, compreender a manifestação do
esporte no contexto escolar.
Dentre os estudos que se propuseram a analisar, in loco, a prática
pedagógica do professor de educação física em relação ao esporte destaco os
trabalhos, recentes, de Borges (1995), Assis de Oliveira (1999) e Faria

4
Segundo Bracht (1992), os códigos da instituição esportiva podem se resumir em princípios do
rendimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes, regulamentação
rígida, sucesso esportivo e sinônimo de vitórias e racionalização de meios e técnicas (p.22).
17

(2001)5, que serviram como antecedentes básicos para este estudo. Como
identificação, preliminar, dos estudos temos os seguintes dados.
O estudo de Borges (1995) buscou compreender o processo de
construção dos saberes docentes por parte dos professores de educação física
que atuavam em, pelo menos, duas realidades profissionais diferenciadas
(escolas públicas municipais e estaduais e escolas privadas) e abordou
questões relacionadas à formação inicial, à trajetória esportiva e profissional
dos dois professores de educação física da cidade de Belo Horizonte/MG, que
serviram como sujeitos de pesquisa para o estudo de caso desenvolvido no
início da década de 90. Após minucioso trabalho descritivo e interpretativo do
processo de construção dos saberes docentes de seus sujeitos de pesquisa, a
autora aponta, entre outras contribuições, para a necessidade de realização de
mais estudos etnográficos no interior do cotidiano escolar ou envolvendo os
vários segmentos, atores, situações, conteúdos e práticas que ali se
relacionam. Estudos, estes, que deveriam dar voz ao professor, ouvir o que
este tem a dizer a respeito de seus saberes e dos saberes da formação
acadêmica, retraduzidos em sua prática (p.168).
Assis Oliveira (1999) tem como questão central a reinvenção do esporte
como possibilidade da prática pedagógica do professor de educação física.
Após uma consistente revisão bibliográfica sobre estudos sociológicos e
historiográficos, relacionados à área de educação física, o autor analisa os
dados coletados, em um estudo de caso realizado na cidade de Recife/PE
durante o ano letivo de 1997, à luz de um referencial teórico de inspiração
marxista. Enquanto contribuição do seu estudo, destaco, neste momento, o
aprofundamento dos estudos em relação ao esporte e à prática pedagógica do
professor de educação física no sentido de construir propostas de trabalho que
privilegiem a inversão da lógica presente no tratamento do esporte por parte
dos professores de educação física. Isto é, sair da tematização de atividades
esportivas de caráter essencialmente competitivas e eventualmente lúdicas
para uma tematização essencialmente lúdica e eventualmente competitiva.
O estudo de Faria (2001) teve como foco central a identificação, análise
e compreensão dos usos e significados atribuídos ao esporte, nos vários

5
Todos em nível de dissertação de mestrado e que, com exceção do último, tornaram-se livros.
18

espaços e tempos escolares, pelos diferentes atores sociais presentes no


cotidiano escolar. Com este objetivo, a autora realizou um estudo etnográfico
que teve os dados coletados a partir da realização de entrevistas com
professores de educação física e alunos além da observação do cotidiano
escolar (incluindo-se aqui não somente as aulas de educação física mas
também o recreio escolar, a entrada e a saída para as aulas). Em suas
análises finais a autora destaca, entre outros aspectos, o fato do professor de
educação física e suas intervenções contribuírem para a construção dos
significados que assumem o esporte nas aulas de educação física e no
ambiente escolar como um todo.
Entre os pontos de tangência entre os estudos citados, destaco os
seguintes aspectos:

1. A compreensão da escola como um espaço capaz de promover


reconceituações e ressignificações dos conteúdos através das
interações entre os vários atores sociais nela inseridos.
2. O reconhecimento do esporte como conteúdo hegemônico das aulas de
educação física.
3. A preocupação com o processo de construção dos saberes docentes,
essencialmente, com a formação inicial e continuada, as condições de
trabalho e as experiências esportivas dos professores de educação
física.
4. A indicação da necessidade de estudos envolvendo os atores sociais
(alunos e professores) envolvidos diretamente com a prática esportiva
escolar.

Entretanto, para além das indicações feitas pelos autores citados acima,
me pareceu existir, ainda, uma lacuna no que diz respeito à compreensão do
processo de construção das representações que os professores têm do esporte
que ensinam. Assim, desenvolvi este estudo com o objetivo de contribuir para
o esclarecimento das seguintes perguntas:

1. Que percepções os professores têm do esporte que ensinam e como as


constróem?
19

2. Que objetivos defendem/expressam os professores de educação física


ao incluir o esporte como conteúdo de ensino em suas aulas?

Para tratar dessas perguntas, aproximei-me de professores de educação


física e das circunstâncias que os envolvem em suas escolas. Assim,
constituíram fontes privilegiadas os relatos dos professores, os seus diários de
classe e as informações coletadas junto às instituições de ensino e de
administração escolar da cidade de Jataí/Goiás. O estudo foi estruturado da
seguinte maneira:
O Primeiro Capítulo apresenta a proposta metodológica, os
procedimentos adotados na seleção dos sujeitos e uma caracterização de cada
um e da realidade social onde se graduaram e onde estão inseridos
atualmente. Descreve ainda o processo de definição do instrumento de coleta
de dados e as condições onde ocorreu o mesmo.
Dos relatos dos sujeitos de pesquisa se destacaram a produção e/ou
reprodução de percepções acerca do esporte ensinado pelos professores de
educação física pesquisados.
Assim, no Segundo Capítulo, são abordados elementos como o
processo de enturmação, a escolha das modalidades esportivas e a
importância dos eventos esportivos escolares para a caracterização do esporte
ensinado pelos professores pesquisados.
No Terceiro Capítulo, são discutidas as percepções dos professores de
educação física pesquisados em relação ao esporte que ensinam a partir de
aspectos relacionados às suas expectativas, estratégias de ensino e
representações sobre os demais segmentos da escola. Também neste
capítulo, relaciona-se o relato dos professores com as classificações e
legislação existentes sobre o ensino do esporte para que se possa realizar a
análise final.
Nas Considerações Finais são discutidos os aspectos evidenciados no
estudo relacionando-os ao processo de construção das percepções por parte
dos professores de educação física sobre o esporte que ensinam, procurando
apresentar uma contribuição para sua compreensão no contexto da escola.
20

1. O PERCURSO METODOLÓGICO

1.1 – A Natureza do estudo

Ao caracterizar os estudos realizados no campo da educação, Trivinõs


(1987) aponta a existência de três tipos diferenciados de acordo com sua
finalidade. Segundo o autor, existem estudos exploratórios, estudos
experimentais e estudos descritivos.
Num estudo do tipo exploratório o pesquisador parte de uma hipótese e
aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando
antecedentes, maior conhecimentos para, em seguida planejar uma pesquisa
descritiva ou experimental (p.109). Já no estudo do tipo experimental os
pesquisadores partem de uma exata formulação do problema e das hipóteses
que permitem uma delimitação precisa das variáveis que atuam sobre o
fenômeno, fixando com exatidão a maneira de controlá-las (p.112).
Por estudos do tipo descritivo Trivinõs (1987) identifica aqueles em que
o foco essencial reside no desejo de conhecer a comunidade, seus traços
característicos, suas gentes, seus problemas, suas escolas, seus professores,
sua educação, sua preparação para o trabalho (...) os métodos de ensino etc.
(grifos meus)(p.110).
Assim, em função dos objetivos propostos e do foco de interesse, o
presente trabalho se caracteriza como um estudo do tipo descritivo.
Este estudo foi construído a partir das seguintes etapas:

• Na etapa exploratória foram feitos os levantamentos e as aproximações


necessárias: para a caracterização da realidade pesquisada; para a seleção
dos professores a serem pesquisados; para a definição do instrumento de
coleta de dados e para a escolha da melhor maneira de realizá-la.
• Na etapa da coleta de dados foram realizadas três entrevistas com os
sujeitos selecionados (uma coletiva e duas individuais), a busca de
documentos referentes ao planejamento e realização de atividades
(encontros, eventos, etc.) além dos diários de classe e planejamentos dos
professores de educação física selecionados para a pesquisa.
21

• Por fim, na etapa da análise e interpretação dos dados coletados, o eixo


central adotado foi o da investigação e análise das percepções, produzidas
pelos professores de educação física sobre o esporte que ensinam, a partir
dos fatores e situações da realidade pesquisada e dos aspectos da
trajetória de vida dos sujeitos de pesquisa que se relacionam com este
processo.

Todavia, convém destacar que o presente trabalho contou com uma


revisão prévia da literatura sobre a educação física e o ensino dos esportes e
formação de professores – que constam nas referências bibliográficas deste
estudo – que contribuiu para a análise dos dados coletados.
A seguir, apresento uma caracterização da realidade social onde estão
inseridos os professores de educação física pesquisados, para depois
apresentar os critérios que nos levaram até eles.

1.2 – A Caracterização da realidade pesquisada

Por que a opção por uma cidade do interior do Estado de Goiás?


Vários fatores concorreram para que a escolha recaísse na cidade de
Jataí como locus de realização da pesquisa, uma cidade do interior do Estado
de Goiás, com aproximadamente 80.000 habitantes e localizada a 320 Km da
capital do Estado. Dentre eles, podem ser destacados:

1. A facilidade de aproximação com os profissionais da área de educação


física da cidade em função de atuar no curso de formação de
professores de educação física, mantido pela Universidade Federal de
Goiás naquela cidade;
2. A participação, como aluno, do convênio firmado entre a Universidade
Federal de Goiás (Campus Avançado de Jataí) e a Universidade Federal
de Minas Gerais, para a realização de um curso de pós-graduação, em
nível de mestrado; um dos primeiros (senão o primeiro!) Programa de
Mestrado Interinstitucional reconhecido pela CAPES6;

6
Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior.
22

3. Conhecer as percepções que os professores têm do esporte que


ensinam em uma realidade próxima da de boa parte dos municípios
goianos/brasileiros; isto é, cidades de pequeno e médio porte e que não
são capitais; e
• O fato de residir e trabalhar, à época da pesquisa, naquela cidade.

No que diz respeito às possibilidades de manifestação do fenômeno a


ser estudado, as percepções dos professores de educação física em relação
ao esporte que ensinam, o fato de já conhecer algumas características de
trabalho dos professores de educação física da cidade – principalmente os que
se envolviam com os eventos esportivos escolares do estado – foi decisivo. Isto
é, diante da diversidade de comportamentos e atitudes apresentadas durante
os eventos esportivos escolares (em relação aos regulamentos/regras,
arbitragem, premiação, etc.), era possível supor que o estudo das
representações dos professores sobre o esporte pudesse contribuir para a
compreensão da prática pedagógica dos mesmos. Além disso, o conhecimento
prévio de determinados aspectos do objeto a ser estudado e da realidade onde
o mesmo se manifesta é condição básica para a realização de um estudo
científico. Segundo Minayo (1996):

Ninguém coloca uma pergunta se nada sabe da resposta,


pois então não haveria o que perguntar. Todo saber está
baseado em pré-conhecimento, todo fato e todo dado já
são interpretações, são maneiras de construirmos e de
selecionamos a relevância da realidade (p.93).

Ainda sobre a cidade de Jataí, convém destacar alguns dados sobre os


seus sistemas de ensino que podem contribuir para a análise dos depoimentos
e impressões coletadas junto aos professores.
A Educação Básica7 conta com a assistência de trinta e seis escolas
públicas (vinte e uma da rede municipal, quatorze da rede estadual e uma da
rede federal), além de outras seis escolas particulares, configurando um

7
Terminologia adotada pela lei 9394/96 para designar os estudos desenvolvidos nos níveis da educação
infantil (de 0 a 6 anos), do ensino fundamental (de primeira a oitava série) e do ensino médio (do
primeiro ao terceiro ano) que constituem a educação básica no Brasil.
23

esquema de distribuição dos estabelecimentos de ensino com o seguinte


gráfico:

Gráfico 1 – Distribuição dos estabelecimentos de ensino da cidade de Jataí/Go.

25

20
Municipio
15
Estado
10 Particular
União
5

0
Escolas

Fonte: Subsecretaria Regional de Ensino de Jataí (2001)

Com relação à estrutura organizacional do sistema estadual de ensino,


o governo do Estado de Goiás mantém nas cidades do interior uma estrutura,
com poderes administrativos e pedagógicos restritos à cidade e/região em que
se encontra, denominada Subsecretaria Regional de Ensino - SRE. No caso
específico da cidade de Jataí, este órgão é responsável pelo planejamento,
execução e avaliação de todas as ações desenvolvidas pelas Unidades
Escolares – escolas – a ela jurisdicionada, ou seja, as escolas da rede
estadual. Entretanto, convém destacar que as atividades, principalmente as
que envolviam diretamente o trabalho de professores de educação física, como
o planejamento dos eventos esportivos escolares proposta pela SRE, contava,
à época da pesquisa, com a participação de professores das redes municipal e
federal, como pude constatar nas entrevistas dos professores selecionados
para participar deste estudo.
No que diz respeito à área de educação física, no sistema educacional
público de Jataí, até o final do ano de 1999, não existia uma coordenação
específica da área – nem no interior da SRE nem tampouco da Secretaria
Municipal de Educação – o que me levou a questionar a forma como eram
planejadas as atividades coletivas desenvolvidas pelos professores de
educação física desta cidade. Em um levantamento realizado junto ao
24

Departamento Pedagógico da SRE, fui informado de que todos os professores


de educação física se reuniam no início de cada ano letivo para o planejamento
anual e por ocasião da realização dos eventos esportivos escolares. Embora
todos os professores pesquisados tenham se referido a estes encontros em
seus relatos, nenhum registro (atas, listas de presença, fotos, propostas, etc.)
foi localizado dos mesmos.
Em relação à ocorrência das aulas de educação física nas escolas da
cidade de Jataí, obtive a informação (preliminarmente pelo Departamento
Pedagógico da SRE e depois a confirmação, por intermédio dos professores
entrevistados), de que nas escolas públicas estaduais não existiam aulas de
educação física nem treinamento de equipes na primeira fase do ensino
fundamental (primeira a quarta série). Elas eram ministradas somente a partir
da quinta série do ensino fundamental por professores de educação física; nas
duas escolas particulares eram oferecidas aulas de educação física, desde a
primeira série do ensino fundamental. No âmbito da Secretaria Municipal de
Educação, apenas três escolas ofereciam aulas de educação física e a partir
da quinta série do ensino fundamental. Por sua vez, a única escola mantida
pelo governo federal – o Centro Federal de Educação Tecnológica/CEFET –
oferecia educação física para seus alunos em todos os níveis de ensino.
No mesmo levantamento no qual obtive as informações sobre as escolas
que ofereciam aulas de educação física, também fui informado de que as
turmas de educação física eram divididas entre turmas masculinas e turmas
femininas e as aulas aconteciam em horário diferente do das demais
disciplinas do currículo escolar.
Com relação aos profissionais encarregados de ministrar aulas nas
escolas, tive a informação que algumas escolas públicas estaduais contavam
com professores graduados, acadêmicos e leigos em seu quadro de
profissionais com tratamentos iguais em relação a salários, carga horária
semanal etc. No caso dos professores vinculados à Secretaria Municipal de
Educação, apenas dois professores possuíam o curso superior de educação
física. A escola mantida pelo governo federal contava com todos os seus oito
professores de educação física com curso superior na área de educação física.
As informações sobre a formação dos professores vinham ao encontro
dos critérios estabelecidos para a escolha dos professores de educação física
25

com os quais pretendia interagir neste estudo: estar vinculado a um sistema


público de ensino. Aliás, este “pré-requisito” – que se baseia no fato de ter
acreditado poder estabelecer conexões entre as análises decorrentes deste
estudo e a formação de professores de educação física no estado de Goiás; na
qual estou inserido desde 1989.
Primeiro porque teria a possibilidade de conhecer as representações
sobre o esporte dos professores de educação física da maioria das escolas da
cidade; e, segundo, por acreditar que as possibilidades de uma futura
proposta de intervenção ou interação com professores de escolas públicas
seriam mais bem recebidas que numa escola particular.
Esclarecidos estes aspectos da estrutura organizacional da educação
física na cidade de Jataí, vejamos, então, como se deu o processo de seleção
dos professores que participaram deste estudo.

1.3 – Critérios para escolha dos sujeitos

Como já dito anteriormente, fiz um levantamento junto a SRE e à


Secretaria Municipal de Educação de Jataí, para identificar em quais escolas
aconteciam aulas de educação física, quem ministrava essas aulas, que
qualificação possuíam os professores e que condições (de qualificação,
atualização, de materiais, etc.) lhes eram oferecidas.
No contexto caracterizado anteriormente, a escolha dos professores que
participaram deste estudo foi feita a partir dos seguintes critérios:

• Terem, no mínimo, o curso de graduação em educação física;


• Serem de sexos diferentes; e
• Terem tempos de carreira diferenciados.

Além da possibilidade de contribuir para a discussão sobre o processo


de formação de professores de educação física no Estado de Goiás já citada
como uma possível contribuição deste estudo, a exigência do curso de
graduação em educação física, como requisito para a escolha dos sujeitos da
pesquisa, teve como argumento central o fato de entender a formação em
26

nível superior como um importante elemento no processo de construção e


mobilização dos saberes docentes. Segundo Tardif et al (1991, p.218 - 220), o
saber que o docente mobiliza em sua prática cotidiana representa o resultado
de uma mistura mais ou menos coerente de saberes provenientes de quatro
fontes distintas a saber:

1. Da formação profissional - representado pelo conjunto de saberes


transmitidos pelas instituições de formação dos professores.
1. Das disciplinas – correspondem aos saberes sociais, sistematizados sob
a forma de disciplinas e transmitidos pela universidade. Emergem da
tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.
2. Dos currículos – correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e
métodos, a partir dos quais, a instituição escolar categoriza e apresenta
os saberes sociais que ela definiu e selecionou para serem transmitidos.
3. Da experiência - são aqueles que os professores desenvolvem no
exercício de sua função. Brotam da experiência e são validados por ela.

A opção por sujeitos de pesquisa de diferentes sexos se fundamentou,


inicialmente, no fato de os alunos serem separados em turmas masculinas ou
femininas para as aulas de educação física. Talvez esta separação fosse o
suficiente para a construção de diferentes representações sobre o esporte a
ser ensinado para os meninos e para as meninas. Entretanto, como destaca
Louro, 1992 (p. 56) é importante lembrar que quando falamos em gênero,
estamos nos referindo a uma construção social e histórica de sujeitos femininos
e masculinos, então é imprescindível entender que há diferentes construções
de gênero numa mesma sociedade.
Além da particularidade das aulas de educação física ocorrerem para
turmas separadas entre meninos e meninas – comum a outras cidades do
interior goiano até o final do ano de 2001 – merece destaque, também, o fato
de alguns estudos de gênero apontarem para uma caracterização do esporte
como uma prática generificada e generificadora no ambiente escolar (Sousa,
1994 e Altmann, 1998). Ou seja, a opção por determinadas modalidades
esportivas pode estar sendo condicionada por questões específicas da
27

realidade, por sua história de vida e por suas relações com o esporte que, por
sua vez, servem para construir representações acerca do esporte que ensinam.
Outro aspecto que me pareceu importante para sustentar a escolha de
sujeitos de pesquisa de ambos os sexos foi o fato – conhecido previamente em
função de minha proximidade com as práticas esportivas da realidade social
onde ocorreu a pesquisa – de existir entre os professores de educação física
da cidade um certo “receio”, um certo “constrangimento”, porque não dizer, um
certo “preconceito” em relação à prática do voleibol por atletas do sexo
masculino. Preconceito, este, que parece necessitar de um maior debate entre
os professores de educação física e a comunidade escolar. Principalmente se
levarmos em consideração, como Louro (1992) que

... é preciso entender a homossexualidade ou a


heterossexualidade dominante como social e
historicamente determinadas. Uma sociedade, em dado
momento histórico, decide (e essa decisão dá-se
usualmente através de disputas e conflitos e não de modo
consensual) o que ou quem é adequado
sexualmente.(p.59-60).

Finalmente, em relação ao tempo de carreira dos sujeitos, optei por


professores que estavam no início, no meio e já se aproximando do final de
suas carreiras docentes8, tendo por referência os estudos desenvolvidos por
Huberman (1992). Segundo esse autor, é possível relacionar o tempo de
carreira do professor com determinadas reações, atitudes e opções que o
mesmo assume em seu cotidiano profissional. Mesmo advertindo para o fato
de que o desenvolvimento de uma carreira constitui um processo (e não uma
série de acontecimentos lineares), em que podem ocorrer progressões,
regressões, “becos sem saída”, momentos de arranque e descontinuidades, o
autor sugere algumas fases para a carreira docente (p.47):

1. De 1 a 3 anos de carreira – Entrada e tateamento das possibilidades


2. De 4 a 6 anos de carreira – Estabilização, Consolidação de um
repertório pedagógico.

8
Considerando a legislação trabalhista brasileira que prevê a aposentadoria por tempo de serviço a partir
dos vinte e cinco anos de carreira como professor.
28

3. De 7 a 25 anos de carreira – Diversificação e ativismo profissional,


levando ao questionamento de sua situação profissional.
4. De 25 a 35 anos de carreira – Serenidade, distanciamento afetivo que
pode levar ao conservantismo.
5. De 35 a 40 anos de carreira – Desinvestimento que pode ser sereno ou
amargo.

No caso da realidade dos profissionais da educação no Brasil, convém


destacar que as fases citadas por Huberman (1992) necessitam de uma
contextualização. Isto é, os trabalhadores brasileiros aposentam-se, salvo
exceções, quando completam trinta e cinco anos de contribuição previdenciária
e, no mínimo, cinqüenta e três anos de idade. Com base nos dados a respeito
dos professores pesquisados, parece, também, que o terceiro estágio da
carreira docente - o da diversificação, do ativismo e do questionamento – só
dura até os vinte e cinco anos de carreira, em raríssimos casos, quando há um
envolvimento com o movimento estudantil e/ou sindical.
Além do exposto, para a seleção dos sujeitos considerei o fato destes
professores terem aceitado, desde o primeiro contato, o convite para participar
da presente pesquisa.
Foram selecionados, então, cinco docentes, sendo três professores e
duas professoras, apresentados no quadro a seguir:

Quadro 1 – Caracterização dos professores pesquisados

Nome 9 Tempo de carreira Nível de ensino Tipo de escola


Edson 28 anos Fundamental e Médio Estadual
Ana 17 anos Fundamental e Médio Estadual/federal
Léo 14 anos Fundamental e Médio Municipal – convênio
Carlos 03 anos Fundamental e Médio Estadual
Cássia 03 anos Fundamental Estadual – municipal

9
Conforme combinado com os participantes da pesquisa serão utilizadas nomes fictícios ao me referir a
eles assim como não será mencionado o nome de suas escolas com o objetivo de garantir-lhes o
anonimato
29

A seguir, apresento algumas informações sobre o processo de formação


dos professores e de suas experiências no esporte.

1.3.1 – A formação profissional dos professores pesquisados

Por ter, entre os sujeitos de pesquisa selecionados, um professor cuja


graduação ocorreu no início da década de 70 (1974) e por perceber, já nos
primeiros contatos, que este professor exerce grande influência sobre os
demais julguei necessário esclarecer alguns aspectos da formação de
professores de educação física no Brasil. Nesse sentido, merece destaque o
debate, nada recente na área, em relação ao perfil do profissional a ser
formado pelas instituições de ensino superior. Por várias décadas, as
instituições encarregadas de formar profissionais para a área de educação
física estiveram sob a responsabilidade da instituição militar e com os objetivos
definidos em torno do fortalecimento do estado e do aprimoramento da raça e
se formavam profissionais nos níveis técnicos, especialistas, monitores e
professores (cf. Faria Júnior, 1987). Após o golpe de 1964, as universidades
brasileiras passaram por inúmeras modificações em decorrência dos acordos
firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e alguns organismos
financeiros internacionais. Segundo Ghiraldelli Jr. (1988), a “tecnoburocracia”
militar que chegou ao governo influenciou (determinou!) a ênfase na técnica, no
desporto de alto nível e na competitividade presente nos currículos de
formação de professores daquela época. O perfil do profissional a ser formado
estava relacionado à busca de medalhas olímpicas, através de uma
racionalização despolitizadora que visava o rendimento educacional e
esportivo.
Depois do acirramento do debate sobre o perfil do profissional para a
área de educação física a ser formado nas instituições de ensino superior,
especialmente no final da década de 70 e início da década de 80, o governo
federal editou uma resolução (03/87) que definiu o “perfil profissiográfico” do
licenciado, do bacharel e do técnico desportivo e apresentou uma proposta de
currículo mínimo para caracterizar cada um destes profissionais. A partir desta
30

resolução cada uma das instituições deveria dar uma forma, fazer os ajustes
necessários e implantar o currículo definido pela medida.
Assim, como a prática pedagógica do professor de educação física sofre
influência da formação profissional e dos saberes ali veiculados, como afirma
Borges (1995), parto do pressuposto de que, esta mesma formação pode
contribuir para a formação das percepções dos professores sobre o esporte.
Vejamos alguns aspectos da formação dos professores pesquisados.
O professor Edson graduou-se em educação física no início dos anos
70, pela Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás – ESEFEGO
(Goiânia), quando o curso podia ser concluído em três anos e com grades
curriculares distintas para homens e mulheres. A ênfase na técnica e no
desporto de alto rendimento que norteava os currículos das instituições
formadoras de professores de educação física naquele período (cf. Ghiraldelli
Jr., 1988) parece ter exercido importante influência na construção dos saberes
docentes do professor, como se pode perceber durante seu depoimento.
Segundo ele próprio, especializou-se na modalidade de Natação na década de
1980, somente para obter acesso a outro nível de sua carreira como professor
do sistema público estadual, uma vez que sempre preferiu trabalhar com o
futebol e o futsal. Durante o seu curso de graduação, sempre que possível,
participou de competições nas mais variadas modalidades esportivas. Segundo
o professor, essas vivências lhe garantiram e garantem sucesso profissional.
Como egressos do curso superior na década de 80, temos os casos do
professor Léo e da professora Ana.
Embora tenham se graduado, aproximadamente, na mesma época, os
professores percorreram trajetórias bastante diferenciadas. O professor Léo é
ex-atleta profissional de futebol, envolveu-se, tanto quanto pode, no movimento
estudantil quando da realização de seu curso de graduação na Universidade
Estadual de Londrina/PR e afirma, com orgulho, ter participado de várias
passeatas e manifestações em favor do movimento nacional pelas “Diretas
Já!”, em 1984. A professora Ana, por sua vez, afirma ter concluído seu curso
de graduação em educação física na ESEFEGO, com o firme propósito de
retornar para sua cidade natal (Jataí/Goiás) e constituir sua família. Em
momento algum de seu relato a professora parece arrepender-se do que, ela
própria, chamou de “passar pelo curso” e não ter se envolvido nos debates
31

que se faziam presentes no interior da área de educação física, à época.


Ambos buscaram prosseguir seus estudos no nível de especialização lato
sensu em áreas de conhecimento ligadas às disciplinas tecnico-desportivas do
curso de educação física.
Atualmente, o professor Léo encontra-se vinculado a uma escola do
sistema público municipal de ensino com carga horária semanal de 40 horas, e
também a uma escola do sistema público estadual com carga horária de 21
horas semanais; ocupa, ainda, um cargo na diretoria do Sindicato dos
Professores da cidade de Jataí. A professora Ana, por sua vez, encontra-se
vinculada ao Estado de Goiás como professora de educação física, mas em
função de convênio firmado entre a Secretaria Estadual de Educação e o
CEFET, trabalha com alunos, turmas e todo o apoio estrutural e didático­
pedagógico do CEFET/Jataí. Ou seja, mesmo estando vinculada a uma escola
estadual, a professora desempenha suas atividades com seus alunos
(distribuídos em turmas organizadas por modalidades esportivas, por sexo, por
habilidades esportivas e no período extraturno) no interior de uma instituição
com características completamente diferentes das demais escolas da rede
pública estadual. Atua, também, como professora de natação em um clube da
cidade.
A professora Cássia e o professor Carlos se graduaram no final do ano
de 1997 pela Universidade Federal de Goiás na cidade de Jataí. Trata-se de
um curso já criado e estruturado a partir das diretrizes apontadas pela
Resolução 03/87 do Conselho Federal de Educação. Isto é, com um perfil do
profissional a ser formado definido em torno do estudo da motricidade humana,
na perspectiva de uma formação humanista, de desenvolvimento técnico e no
aprofundamento de conhecimento de natureza teórico prático (art. 3º da
Resolução 393/95 do Conselho Coordenador de Ensino e Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás).
E, embora tenham se formado na mesma turma, é bastante significativa
a diferença de opinião dos dois sobre o curso que fizeram.
A professora Ana, por sua vez, afirma não ter sido instrumentalizada
minimamente para o desempenho de sua função como professora,
especialmente no que diz respeito ao ensino dos esportes. Já o professor
Carlos, talvez se apoiando em sua experiência esportiva anterior ao seu
32

ingresso no curso superior, afirma que seu curso de graduação lhe foi muito útil
para sua prática pedagógica atual. Atualmente a professora Ana – que possui
também o curso superior de Direito – ministra aulas de história e de educação
física numa mesma escola da rede municipal de Jataí, enquanto que o
professor Carlos coordena um projeto de iniciação esportiva mantido pela
prefeitura municipal de Jataí, onde atua com as modalidades de basquete e
handebol além de atuar como instrutor de musculação em uma academia da
cidade.

1.3.2 – A experiência esportiva dos professores

Dentre os aspectos apontados por Borges (1995), como constitutivos da


trajetória de vida dos professores de educação física10, a experiência esportiva
dos professores que participaram deste estudo evidenciou-se,
recorrentemente, como suporte de suas práticas pedagógicas atuais. Razão
pela qual, pareceu-me importante identificar suas experiências esportivas como
contribuição para o processo de identificação das representações
desenvolvidas em torno do esporte.
O professor Edson foi atleta profissional da modalidade de Futebol de
Campo no início da década de 70 e, após o agravamento de algumas lesões
articulares e musculares mal tratadas, atuou como árbitro de futebol e futsal. O
Professor Léo foi praticante amador de várias modalidades esportivas tendo
acentuado suas experiências esportivas como atleta profissional da modalidade
de futebol. O professor Carlos, da mesma forma que os anteriores, atuou como
atleta profissional na modalidade de futebol e experimentou a prática, como
atleta amador, de várias outras modalidades esportivas, concentrando suas
participações amadoras nas modalidades de handebol e futsal; relatou ainda
uma pequena experiência como árbitro da modalidade handebol. As
professoras Ana e Cássia praticaram, no nível do amadorismo, a modalidade
do handebol. Elas não relataram nenhuma experiência como atleta ou como
árbitro, técnico e dirigente em qualquer outra modalidade esportiva. A

10
Segundo a autora, constituem a trajetória de vida dos professores de educação física as experiências
adquiridas como praticantes/atletas, como alunos do curso de graduação e como profissional inserido no
mercado de trabalho.
33

professora Ana afirma ter sido “obrigada” a aprender a trabalhar com as


modalidades de natação e basquetebol em função de terem sido essas as
opções que se apresentaram para ela no início de sua carreira docente e que,
hoje, adora trabalhar com a natação.
Assim, ao relacionar o ano de formação inicial dos sujeitos com as
experiências esportivas temos o seguinte quadro:

Quadro 2 – Distribuição de professores segundo instituição formadora, ano de


conclusão e experiência esportiva

Professor IES/ano de formação Experiências esportivas(*)


Edson Esefego/ GO – 1973 Atleta – Futebol
Ana Esefego/GO – 1982 Praticante – Natação
Léo UEL/ PR – 1983 Praticante – Futebol
Carlos UFG/ GO – 1997 Atleta – Futebol
Cássia UFG/GO – 1997 Praticante– Handebol
(*) Para efeito deste estudo são considerados atletas aqueles que praticaram algum tipo de
esporte profissionalmente, e praticante, os que vivenciaram esta experiência de forma
amadora

Diante do exposto, pode se ver que os professores participantes deste


estudo apresentam algumas características semelhantes em suas trajetórias de
vida. Todos tiveram vivências práticas em determinada modalidade esportiva,
alguns alcançando mais destaque que outros, o que parece ter sido
fundamental para a escolha do curso de graduação em educação física. Ou
seja, somente após alguma experiência esportiva é que os sujeitos deste
estudo optaram pela carreira docente na área de educação física.
Ainda no âmbito da caracterização dos sujeitos de pesquisa ficou
evidente que tanto os professores quanto as professoras parecem ter a
experiência com o esporte (que praticaram antes e durante seus cursos de
graduação) incorporada às suas trajetórias, possibilitando uma retradução dos
princípios e valores do esporte que vivenciaram para o esporte que ensinam.
Com relação à avaliação que fazem da influência de seus cursos de
graduação em suas carreiras, é curioso notar que o espaço de tempo de
34

aproximadamente vinte e cinco anos entre a formatura do mais velho e dos


mais novos na profissão parece não evidenciar nenhum distanciamento em
relação à orientação que cada um dá à suas práticas pedagógicas. O professor
Edson, que se graduou no início da década de 70, e o professor Carlos, que
se graduou no final da década de 90, por exemplo, citam suas experiências
esportivas anteriores ao seu ingresso no curso superior como a base de suas
práticas atuais, assim como evidenciam a importância da experiência na
modalidade esportiva com a qual irá trabalhar.
No caso das professoras Ana e Cássia a avaliação que fazem da
influência de seus cursos de graduação em suas práticas pedagógicas atuais,
tende à rejeição dos mesmos para sustentação de suas práticas atuais. A
primeira, mesmo não tendo tido boa relação com determinadas modalidades
esportivas durante seu curso de graduação, lamenta o fato de ter que trabalhar,
justamente, com a qual teve menor envolvimento. E a segunda, por sua vez,
atribui ao seu curso de graduação sua limitada capacidade de ensino das
diferentes modalidades esportivas, com exceção do handebol, praticado por
ela antes de seu ingresso no curso superior de educação física.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de três dos cinco
professores pesquisados terem buscado prosseguir seus estudos, em cursos
de especializações lato sensu em áreas específicas do esporte. Isso pode,
também, contribuir para a compreensão de suas concepções e percepções
sobre o esporte que ensinam em suas aulas de educação física.
Principalmente se levarmos em consideração o fato de que, ao ingressarem em
cursos de pós-graduação, os professores evidenciaram suas intenções de se
tornarem especialistas em determinada modalidade esportiva.

Em síntese, diante da caracterização apresentada, pode-se deduzir que,


mesmo tendo concluído seus cursos de graduação em instituições de ensino e
períodos distintos, a trajetória dos professores pesquisados aponta para um
processo de construção das representações sobre o esporte com grandes
aproximações. Entretanto, é necessário estar atento para a forma como cada
um desses sujeitos pareceu retraduzir essas influências no seu cotidiano
profissional.
35

A seguir, discutem-se os instrumentos e as estratégias utilizados para a


coleta dos dados referentes ao processo de construção das percepções sobre
o esporte, por parte dos professores selecionados.

1.4 – A escolha do instrumento e a coleta de dados

Firestone e Dawson (apud Lüdke e André, 1986) apontam a observação


direta das atividades do grupo e as entrevistas com os informantes do grupo
como métodos básicos de coleta de dados dos estudos qualitativos. No caso
do presente estudo, ao me aproximar do campo de investigação bem como dos
sujeitos de pesquisa e observar certo constrangimento destes últimos em ter
suas aulas observadas foi possível perceber que teria grande dificuldade em
adotar a observação direta como método de coleta de dados ou, o que é pior,
poderia ocorrer um falseamento dos dados da realidade em função da
proximidade pessoal entre observador e observados. Optei, então, pela
realização de entrevistas com roteiros semi-estruturados para a coleta dos
dados e para o esclarecimento de quaisquer dúvidas surgidas a partir dos
mesmos.
Ao fazer opção pela entrevista, levei em consideração sua adequação
aos estudos qualitativos e o fato de ser esta uma das principais técnicas de
trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais.
Segundo Lüdke e André (1986) a entrevista, mais que qualquer outro de tipo de
instrumento de coleta de dados, possibilita o estabelecimento de uma relação
de interação entre o pesquisador e o pesquisado. Segundo as autoras:

Mais que outros instrumentos de pesquisa, que em geral


estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador
e o pesquisado, como na observação unidirecional, por
exemplo, ou na aplicação de questionários ou de técnicas
projetivas, na entrevista a relação que se cria é de
interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca
entre quem pergunta e quem responde (grifo meu) (p.33).

Assim, por atender aos requisitos básicos dos estudos qualitativos, por
facilitar o acesso às informações que buscava e por possibilitar a troca de
experiências durante a coleta de dados, é que optei pela entrevista.
36

Os roteiros das entrevistas tiveram como objetivo principal nortear a


investigação no sentido de não perder de vista o objeto de estudo – a
representação do professor sobre o esporte ensinado na escola. O que foi
utilizado na primeira entrevista foi estruturado de forma a obter o maior número
de informações, manifestações, atitudes e posturas que pudessem contribuir
para a identificação das maneiras de representar e praticar o esporte por parte
dos professores de educação física a serem entrevistados. Foram enfocados,
entre outros aspectos, a trajetória de vida dos sujeitos, os planejamentos das
aulas, a percepção dos demais segmentos da escola (além do próprio
professor de educação física) sobre o esporte, os critérios adotados na escolha
das modalidades que são ensinadas e a forma de organização das turmas e/ou
equipes representativas das escolas nos jogos escolares.
Antes das entrevistas, propriamente ditas, mantive um contato inicial,
realizado individualmente nos locais de trabalho de cada um dos professores,
com o objetivo de esclarecer questões sobre a intenção de pesquisa e a
problemática que seria abordada na entrevista, e ainda, sobre o anonimato dos
participantes, de suas declarações e das escolas às quais se vinculavam.
Após várias tentativas, frustradas, de realizar as entrevistas com os
sujeitos desta pesquisa, em função de impedimentos tais como “a semana de
planejamento”, “a greve dos professores” e “as férias escolares”, agendei para
os dias 10, 11 e 12 de dezembro de 1999 o primeiro contato e somente para os
dias 30 e 31 de março de 2000, para o segundo contato. Entre uma entrevista
e outra, ouvi a gravação das anteriores para que pudesse aproveitar as
conexões e interferências feitas nas mesmas para as entrevistas
subseqüentes. E, finalmente, após ouvir, transcrever as fitas e identificar
algumas dúvidas nas falas dos professores, retornei aos mesmos, já no início
do ano de 2001, para os esclarecimentos necessários.
Cada entrevista apresentou características próprias, que pareceram ter
contribuído para que os professores pesquisados se sentissem mais à vontade.
A professora Ana, por exemplo, foi entrevistada em sua própria casa, onde teve
a liberdade para fazer várias pausas para um “cafezinho” e tecer comentários
sobre sua história de vida e trabalhos atuais. O professor Edson escolheu a
casa de sua mãe como local para nosso encontro. A professora Cássia sugeriu
que ela fosse entrevistada em seu local de trabalho, no final da tarde, onde
37

disse sentir-se mais inspirada para falar de seu trabalho. O professor Léo, que
inicialmente havia escolhido a sede do Sindicato dos Trabalhadores em
Educação de Goiás/Jataí (SINTEGO) como local da entrevista, pediu para
transferi-la para um bar, nas proximidades do Sindicato. Por último, o professor
Carlos foi entrevistado em sua própria casa e na companhia de sua esposa
(que parecia estar tomando conhecimento, naquele encontro, da trajetória de
vida de seu esposo).
Todos os professores mostraram-se bastante à vontade durante a
entrevista, ressaltando que a liberdade de terem podido escolher o local e a
hora em que seriam entrevistados foi muito importante para que sentissem tal
sensação.
As entrevistas duraram, em média, noventa minutos, tendo sido
gravadas em fita cassete. A transcrição das entrevistas foi feita associando à
fala dos professores, algumas anotações sobre as circunstâncias da realização
de cada uma delas, assim como os gestos e expressões usados por eles.
Busquei, também, colher a maior quantidade de informações possíveis
sobre a prática pedagógica dos professores pesquisados e o esporte ensinado
– vivenciado – pelos mesmos. Foram também utilizadas as informações que
constavam nos diários dos professores, nos planejamentos de ensino e nos
documentos/relatórios que me foram disponibilizados pelas secretarias das
escolas onde os professores atuavam e pela SRE de Jataí. Convém destacar
que a coleta dos documentos, citada anteriormente, teve como base o ano de
1999 por ser este o período estabelecido como básico para a coleta de dados
deste estudo.
Quando da construção do relatório final deste estudo foram identificadas
algumas inconsistências entre o relato dos professores e os registros contidos
nos documentos coletados – existentes em pequena quantidade nas
secretarias das escolas onde os sujeitos de pesquisa atuavam – que
dificultariam ou fragilizariam o “processo de triangulação” (apresentado por
Trivinõs, 1987, e sugerido durante o processo de orientação deste estudo).
Assim, recorri, novamente, à entrevista com os professores pesquisados. Desta
vez, entretanto, o roteiro semi-estruturado da entrevista foi construído com a
preocupação de esclarecer pontos específicos do relato e dos diários de classe
de cada um dos professores.
38

No caso da professora Ana, os principais pontos abordados foram: sua


vinculação a uma escola estadual e atuação profissional com alunos e com o
apoio pedagógico de uma escola federal; o planejamento de ensino assinado
por mais de um professor e o registro dos conteúdos de ensino nos diários sob
a forma de códigos. Com os professores Carlos e Edson, que atuam numa
mesma escola, e os professores Léo e Cássia, que também atuam numa
mesma escola, busquei esclarecer, principalmente, os registros encontrados
em seus diários que indicavam conteúdos negados pelos professores em seus
relatos. Também o processo de organização das turmas de educação física foi
alvo de esclarecimentos nesta segunda etapa de entrevistas com todos os
professores. Em relação a este assunto, embora os registros formais (diários,
planejamentos, etc.) apontem a existência de turmas de educação física com a
mesma organização das demais disciplinas, o relato de todos os professores
apontaram para uma outra forma de organização de suas turmas, que será
discutida no capítulo dois deste estudo.
O processo de triangulação, no caso do presente estudo, envolveu os
seguintes elementos: 1. O relato dos professores, suas representações sobre o
esporte que ensinam; 2. Os registros formais (diários, planejamentos,
propostas de ensino, etc.); e 3. As informações sobre a escola e sobre a
realidade social onde estavam inseridos os sujeitos de pesquisa.
De forma esquemática, a presente pesquisa apresenta o seguinte
desenho, a partir da técnica de triangulação proposta por Trivinõs (1987, p.140)
39

Processos e produtos originados na estrutura socio-econômica e cultural dos sujeitos


Processos de generificação e seleção das modalidades esportivas a serem ensinadas na
escola, formas de registro das atividades ministradas nas aulas, processo de organização das
turmas de educação física, etc.

Processos e produtos centrados no Elementos produzidos pelo meio do


sujeito, produzidos pelo pesquisador sujeito
e pelo próprio sujeito
Documentos oficiais, diários,
Relato dos professores sobre o esporte regulamentos de competições, listas de
que ensinam, suas representações, presença em reuniões, convocações,
objetivos e concepções. etc.

1.5 – Por que ouvir os professores

Antes de passar às questões referentes ao ensino dos esportes, torna­


se importante esclarecer os motivos que me levaram a ouvir os professores,
uma vez que a observação direta das aulas poderia ser de extrema utilidade
para a análise da prática pedagógica do professor.
Na verdade, a observação foi realizada, mas os dados, dela
provenientes, não foram considerados neste estudo por problemas técnico­
metodológicos.
Enquanto estratégia de coleta de dados, a observação, foi pouco
planejada, levando a “deformações” de dados, uma vez que grande parte do
observado limitou-se a uma dimensão muito pequena da prática dos
professores. Em geral, buscou-se observar uma ou outra aula ministrada, sem
que isto se constituísse em um verdadeiro “mergulhar” em sua prática, com o
intuito de compreender o sentido e significado de suas ações cotidianas.
Compreendeu-se que, para efeito do presente estudo, a observação
deveria integrar um processo de pesquisa etnográfica que exigiria mais tempo
de imersão no campo por parte do pesquisador.
Para Goodson (1992), as análises educacionais não podem prescindir
do ponto de vista dos sujeitos que praticam a educação, no caso desse
40

trabalho, os professores de educação física. Para o autor não existe justificativa


consistente para a não utilização dos dados coletados através da fala dos
professores como fonte de pesquisa. Para o autor:

...uma das razões por que estes dados não têm sido
utilizados devem-se ao fato de os investigadores os
rotularem de demasiados “pessoais” ou “inflexíveis” em
suma, mais um exemplo da utilização seletiva da “voz” do
professor. Ou seja, o investigador só escuta o que quer
ouvir e sabe o que tem melhor aceitação por parte da
comunidade científica (p. 70).

É evidente que os dados pessoais coletados nas entrevistas podem


parecer irrelevantes e redundantes em suas essências. Mas, o que importa
num estudo, como o presente, é ouvir o que o professor tem para dizer,
respeitar e analisar cuidadosamente os dados que forem introduzidos por ele,
em seu depoimento.

Esclarecido o caminho metodológico, seguido neste estudo, apresento,


nos dois capítulos seguintes, os depoimentos dos professores, destacando
como categorias centrais os aspectos que contribuíram para a caracterização
do esporte ensinado e para o processo de construção das percepções dos
professores sobre o mesmo.
41

2 – O ESPORTE ENSINADO PELOS PROFESSORES

2.1 – Como os professores “escolhem” as modalidades

Ainda na fase exploratória deste estudo, fui informado de que todos os


professores de educação física da cidade organizavam suas aulas em torno
das modalidades esportivas de quadra (basquete, futsal, handebol e voleibol),
assim como planejavam suas atividades a partir do calendário dos eventos
esportivos escolares do estado de Goiás. Mais tarde, após a realização das
entrevistas com os professores, percebi que as informações iniciais se
confirmavam, quase que totalmente, entre os professores pesquisados; ou
seja, as aulas de educação física escolar eram organizadas a partir das várias
manifestações do esporte (grandes jogos, jogos de iniciação desportiva,
torneios entre as turmas de educação física, etc.), assim como preparação para
os eventos esportivos escolares. Em função desta situação pensei, numa
primeira avaliação, que o processo de seleção dos conteúdos a serem
ensinados pela área de educação física não fosse relevante para este estudo
uma vez que todos os professores declararam suas preocupações com os
eventos esportivos escolares e suas práticas docentes.
Entretanto, no depoimento dos professores, pude perceber que tal
seleção parecia estar relacionada a um conjunto de circunstâncias que
variavam de professor para professor e que extrapolavam o círculo de
interesses nos eventos esportivos escolares. Busquei, então, compreender
melhor este processo; perguntando-lhes como definiam os conteúdos
(modalidades esportivas!) que abordavam durante o ano letivo.
O fato de os professores, espontaneamente, terem se preocupado em
justificar suas preferências, fez com que este dado fosse tratado com mais
atenção. Ao agirem desta forma, os professores evidenciaram suas
preferências pessoais como um dos principais critérios observados na definição
das modalidades oferecidas.
Comecemos pelo depoimento da professora Ana. Segundo ela:
42

...se for para trabalhar eu trabalho de tudo (iniciação


ou treinamento) não tem problema. Mas se for para
escolher eu prefiro a iniciação esportiva ... é ótimo
ver os meninos que não sabiam nada no início
chegarem ao final do ano eles darem conta de fazer
as coisas. Eu sempre achei que nunca iria trabalhar
com nenhuma dessas duas modalidades (basquete
e natação), no entanto as primeiras opções de
trabalho que surgiram foi nessas duas áreas. Eu
tinha antipatia delas (as modalidades esportivas) por
causa dos professores que eu tive na graduação.
Desde o estágio essas duas matérias me
perseguem.

Em seu relato, a professora deixa claro as modalidades esportivas com


as quais prefere não trabalhar (embora declare ter tido que trabalhar com
outras modalidades no início de sua carreira). Sua opção por determinadas
modalidades esportivas apoiou-se em decisões de caráter pessoal e,
sobretudo, de caráter profissional.
Neste caso, pode se ver que a influência do curso de graduação e de
sua trajetória esportiva anterior ao mesmo não determinou sua opção por esta
ou aquela modalidade esportiva. Outrossim, sua preferência pela iniciação
esportiva na modalidade do handebol – sustentada no argumento de poder
perceber ao final de cada ano o progresso de seus alunos – possibilita à
professora uma avaliação mais imediata entre os processos de ensino e
aprendizagem deles derivada. Talvez seja, esta situação, um dos exemplos em
que se vê, com maior clareza, como se processam as modificações no
comportamento do educando, a partir de uma ação concreta, proposta pelo
professor. Isto é, a professora parece estabelecer uma relação direta entre a
aprendizagem dos gestos técnicos básicos da modalidade de handebol com
sua prática avaliativa.
Ainda sobre a forma como escolhe as modalidades com as quais vai
trabalhar durante o ano, é importante destacar, em relação à professora Ana,
que os documentos que registram as atividades docentes da professora Ana
(plano de curso, diários, etc.) dos anos de 1998 e 1999, indicaram a existência
de uma estrutura de ensino em sua escola, que lhe possibilita o trabalho
específico com uma modalidade esportiva durante todo o ano letivo. No caso
da professora, ainda que tenha vinculação empregatícia com o governo
43

estadual, o regime de organização do trabalho pedagógico que segue é o do


Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/Jataí. Ou seja, os alunos
são agrupados – após uma consulta realizada no início de cada ano letivo – em
turmas separadas por sexo, por habilidade específica, por faixa etária e
buscam o aprendizado e aprimoramento técnico em uma modalidade esportiva.
Fator, este, que serve para evidenciar uma série de diferenciações entre a
representação da professora e dos demais professores pesquisados sobre o
esporte que ensina em suas aulas de educação física.
Enquanto os demais professores de educação física da rede pública
estadual que atuam na cidade de Jataí convivem com dificuldades com seu
local de aula (quadras de esportes sucateadas e, por vezes, até mesmo a
ausência delas), a professora tem à sua disposição um ginásio poliesportivo
com cobertura, além de uma sala de musculação e outra de ginástica equipada
com espelhos, barras e aparelhagem de som. Ou, ainda, enquanto os demais
professores são levados a criar estratégias de ensino que lhes possibilite
despertar o interesse de uma turma com até quarenta (40) alunos e uma única
bola a professora Ana dispõe de uma bola para cada grupo de dois ou três
alunos.
Ainda que não seja um fator determinante para que o professor de
educação física ministre uma boa aula, ou escolha determinada modalidade
esportiva, não se pode deixar de considerar que as “facilidades” advindas da
existência do material pedagógico adequado (em quantidade e qualidade!)
exerce importante influência na prática docente. Torna-se compreensível, no
caso da professora, o fato de existir no planejamento de suas atividades anuais
uma extensa relação de conteúdos de uma única modalidade (basquetebol!), a
serem abordados com seus alunos durante o ano letivo. Além das turmas de
educação física com as quais atua serem organizadas por modalidades
esportivas, a proposta de trabalho da equipe de professores de educação física
de sua escola pressupõe a “iniciação” – no sentido de
apresentação/aprendizagem das habilidades motoras básicas de determinada
modalidade esportiva – e o “treinamento” – no sentido de aprimoramento das
habilidades motoras adquiridas no nível de iniciação – esportivo como etapas a
serem oportunizadas aos alunos.
44

Entre outros aspectos, o estudo de Garíglio (1997), sobre a educação


física no interior de um Centro Federal de Ensino Tecnológico – CEFET (Belo
Horizonte/MG), identificou uma perspectiva de ensino relacionada diretamente
com a busca do rendimento e da técnica esportiva, como o apontado no relato
da professora Ana. Convém destacar, entretanto, o fato de que a professora
“estende” essa mesma forma de seleção dos conteúdos adotada no CEFET
bem como os “benefícios” advindos da existência do material pedagógico, aos
alunos da escola estadual para os quais ministra aulas no interior da instituição
federal. E, ao fazê-lo, parece estender também a concepção de educação
física e de esportes presentes no interior de instituições de ensino como o
CEFET aos alunos inseridos, apenas em termos legais, em uma outra
realidade escolar.
Por sua vez, o professor Edson também fez um breve relato de sua
trajetória esportiva, como se buscasse justificativa para a utilização da mesma
enquanto sustentação de suas escolhas atuais, segundo ele:

não sei se é por causa da formação que eu tive com


os "grandes" professores Tomazinho e Paulo
Ventura e colegas como o Ademir Marinho11, eu
sempre gostei de ensinar futebol. No início eu
“apanhei” (no sentido de perder os jogos que
realizava contra outras equipes) demais dos
professores mais experientes... eu tive que dar aula
de basquete, e não jogava nada desse esporte...sem
contar que na faculdade meus professores não
tinham a menor paciência com quem não jogava –
acho que tomei birra desse esporte por causa deles.

Como se pode ver, o professor Edson também estabelece uma relação


direta entre sua experiência esportiva no curso de graduação e a modalidade
esportiva que prefere ensinar. A influência dos professores do curso de
graduação do professor Edson pode ser observada como advinda de dois
grupos distintos. O primeiro deles tem a ver com os professores que
conseguiram conquistar sua simpatia, que lecionavam disciplinas com as quais
tinha afinidade (dentre elas o futebol) e o segundo, dos professores que

11
Todos eles, treinadores de futebol e futsal, com atuação destacada nas décadas de 70 e 80 no estado
de Goiás.
45

lecionaram disciplinas com as quais ele não tinha a menor afinidade ( no caso
do professor, o basquete).
O fato de os professores do curso de graduação do professor Edson não
terem a menor paciência com quem não jogava indica uma valorização dos
melhores e de uma exclusão dos menos habilidosos, estabelecendo uma
relação direta com princípios como a competitividade, a exclusão e a busca do
rendimento12 por parte destes professores.
Se considerarmos, como Tardif et al (1991), o habitus como um
dispositivo adquirido na e pela prática real, com capacidade de fixar-se em um
estilo, em “macetes”, em traços da personalidade profissional, expressando um
saber fazer e um saber ser, validados pelo trabalho cotidiano (apud Borges,
1998, p. 111) e a noção de transposição didática de Perrenoud (1993),
enquanto o conjunto de transformações que recebem os saberes para se
tornarem ensináveis, talvez se possa compreender melhor o relato do professor
Edson. Isto é, o fato de este professor trabalhar com uma única modalidade
esportiva em suas aulas de educação física (o futsal!) e o nível de treinamento
de equipes da escola se apoia no fato desta modalidade esportiva, em forma
de competições esportivas (escolares e profissionais) ter estado presente em
todas as etapas de sua trajetória de vida e, em determinados momentos, se
confundindo com a mesma. A transposição didática, neste caso, parece se
evidenciar na prioridade dada à “especialização” aos elementos básicos do
futebol na prática pedagógica do professor.
A professora Cássia, em seu relato sobre a escolha dos
conteúdos/modalidades esportivas a serem trabalhados durante o ano, fala da
sua opção pelo trabalho com iniciação esportiva do handebol por não se achar
competente para trabalhar com treinamento de equipes da escola. Para esta
professora, a sustentação de sua prática pedagógica está associada à sua
trajetória esportiva anterior ao seu ingresso no curso de graduação. Segundo a
professora, os alunos, através dos meios de comunicação (principalmente a
televisão!), têm adquirido conhecimentos sobre as inovações das várias
modalidades esportivas numa velocidade bem superior àquela que a
professora necessita para se apropriar, assimilar e transpor didaticamente

12
Citados por Bracht (1997), como princípios básicos do esporte moderno de alto rendimento ou
espetáculo.
46

estas mesmas informações. Isto parece servir como argumento para a


professora evitar o trabalho com equipes de treinamento em sua escola.
Segundo ela:

...Todo dia eles vêem um jogo de futsal ou de futebol


pela televisão e já chegam na aula “achando” que
sabem de tudo e é por isso que eu gosto de
trabalhar com a iniciação esportiva... se tiver que
trabalhar nas equipes de treinamento a gente tem
que estudar demais para dar conta....eu priorizo o
handebol, porque eu joguei muito tempo, tenho mais
facilidade. Os outros esportes eu só vi na faculdade
e eu acho que na faculdade eu não tive tanta base
assim para ensinar. Você sabe, eu sou da primeira
turma daqui de Jataí, né?

Ao relacionar seu “passado esportivo” com sua prática pedagógica atual,


a professora Cássia difere do professor Edson por não incluir suas
experiências durante o curso de graduação entre os elementos que dão
sustentação à sua prática pedagógica. O argumento, apresentado no final de
seu depoimento, de que, por fazer parte da primeira turma do curso de
graduação em educação física da Universidade Federal de Goiás, na cidade de
Jataí, não se sente capacitada para ensinar outro esporte que não seja o
handebol poderia ser analisado sob dois aspectos: o primeiro como uma crítica
em relação à qualidade de seu curso de graduação e o segundo como uma
forma de reação frente às dificuldades encontradas quando de seu ingresso no
mercado de trabalho.13
O aspecto da “crítica”, no caso da professora, está relacionado às
condições precárias às quais tiveram que se submeter em função de serem,
estas, as únicas condições disponíveis para a realização do curso de
graduação em educação física na cidade de Jataí. Segundo a professora, a
infra-estrutura para o funcionamento do curso (laboratórios, quadras, piscinas,
campos etc.), os materiais pedagógicos (bolas, suportes, redes, aros etc.)
foram adquiridos durante o transcorrer do curso e na proporção de um (01)
para cada grupo de dez (10) alunos; e, até mesmo, os professores do curso

13
Sobre este assunto, ver o estudo da professora Renata Machado de Assis GORI (2000) sobre as
dificuldades do professor de educação física iniciante.
47

que passaram por um complicado processo de adaptação ao curso que estava


sendo implantado em uma realidade social desconhecida para sua grande
maioria.
Ocorre, porém, que as dificuldades, apresentadas pela professora,
pareceram não influenciar tanto na sua prática docente quanto sua experiência
esportiva anterior à sua entrada na carreira docente como profissional de
educação física. Ou seja, a professora opta pela modalidade do handebol por
tê-la praticado por muito tempo e por acreditar, baseando-se nisso, que tem
mais “facilidade” de trabalhar com a mesma, desconsiderando, quase que
totalmente, as experiências vivenciadas durante seu curso de graduação. Isso
parece caracterizar certa negação de sua formação inicial.
Tardif et al (apud Borges,1998) apontam tal negação, como uma
característica apresentada pelos professores que encontram as primeiras
dificuldades em sua prática pedagógica. Segundo os autores:

...quando os professores percebem os limites dos seus


saberes pedagógicos, são levados a criticar sua formação
pedagógica, podendo decorrer daí, entre outras reações,
uma rejeição completa à formação anterior e uma
supervalorização dos aprendizados da prática –
reafirmando a presença de uma dicotomia na relação
teoria e prática nos cursos de formação...(p.60-61)

Em se tratando da professora pesquisada, a rejeição à formação inicial


evidencia sua preferência pelos conhecimentos adquiridos quando de sua
experiência como praticante da modalidade do handebol em detrimento dos
conhecimentos de seu próprio curso de graduação como espaço “significativo”
de formação profissional.
Neste sentido, a rejeição da professora parece indicar a necessidade de
reflexão sobre a questão do esporte no processo de formação do professor de
educação física. Ou seja, que papel o esporte tem desempenhado na formação
do profissional de educação física? Que competências o profissional de
educação física deve obter/adquirir em relação ao ensino do esporte durante o
seu curso de formação?
Legalmente, de acordo com a proposta de Diretrizes Curriculares para
os Cursos de Graduação em Educação Física (1999), tem-se que o esporte
48

deveria ser tematizado, nestes cursos, de forma a instrumentalizar o futuro


profissional no sentido de torná-lo capaz de identificar os princípios, métodos e
técnicas das modalidades esportivas/manifestações da cultura corporal de
movimento dentro de uma perspectiva crítica de formação do indivíduo.
No caso da professora Cássia, a tematização, oferecida ao esporte
durante seu curso de graduação, parece não ter sido suficiente para qualificá-la
para tanto. O que a faz recorrer aos seus pré-conhecimentos (adquiridos antes
de seu ingresso no curso de graduação) sobre a modalidade de handebol para
escolher a modalidade com a qual prefere trabalhar como professora de
educação física em sua escola.
Ainda que o depoimento da professora, tomado de forma isolada e
referindo-se à sua prática pedagógica atual, não deva servir como ponto de
partida para a indicação de uma análise do currículo do curso de formação de
professores de educação física, convém salientá-lo como um dos aspectos a
serem observados com mais detalhes em relação ao seu curso.

Já o professor Léo, por sua vez, não opta claramente por um ou outro
nível técnico (iniciação ou treinamento) para a definição de suas turmas, mas
deixa claro qual a modalidade que gosta de trabalhar durante o ano. Ao
apontar suas preferências o professor relata:

eu trabalho com voleibol, futsal, handebol e só fica


de fora o basquete porque eu não tenho nenhuma
habilidade e nem tampouco material específico para
essa prática...

Destaca-se no depoimento do professor, o argumento, apresentado


também por outro professor pesquisado, sobre a necessidade de uma
experiência prática na modalidade com a qual irá atuar e o fato de associar a
tematização da modalidade de basquetebol à necessidade de existência de
material e instalações específicas para esta modalidade.
Os dois argumentos apresentados pelo professor parecem indicar para
uma concepção de educação física e esportes, centrada na busca do
rendimento dos alunos a partir de métodos e técnicas de treinamento das
competências que são exigidas dos alunos. Aponta, preliminarmente, para o
49

reconhecimento da escola como um lugar de “transmissão” de conhecimentos


e um processo de ensino-aprendizagem que coloca o professor como grande
responsável e centro das atenções no processo.
Em se tratando do único professor em uma instituição de ensino superior
de outro Estado e em época diferente dos demais (década de 80), é
interessante observar que suas escolhas, no âmbito das modalidades
esportivas, obedecem à mesma lógica presente no relato dos demais
professores pesquisados; ou seja, somente as modalidades esportivas com as
quais se tem ou teve-se alguma experiência prática e aquelas em que se
dispõe de material didático pedagógico oficial, devem ser tematizadas em suas
aulas. O que nos leva a concluir, no âmbito deste estudo, que a opção por
trabalhar com modalidades esportivas com as quais se tem vivência prática,
não constitui uma característica exclusiva dos profissionais graduados no
estado de Goiás nem tampouco em uma determinada época. Ao contrário,
parece constituir uma “regra geral” entre os professores pesquisados.
A “escolha” dos conteúdos/modalidades esportiva com as quais se irá
trabalhar durante o ano letivo, na realidade pesquisada, tem relação direta com
a experiência esportiva acumulada do professor (quer tenha sido ela antes ou
durante o curso de graduação) e vem sendo condicionada pelos
materiais/equipamentos didático-pedagógicos disponíveis em cada escola onde
atuam os professores. Novamente, apontando para uma concepção de esporte
baseada na busca do rendimento ou do aprimoramento técnico de seus alunos,
por parte dos professores pesquisados.
Analisando sob o enfoque da especificidade e seletividade da cultura
escolar, apresentado por Forquin (1993), é possível dizer que as práticas
esportivas selecionadas pelos professores, que são submetidas à transposição
didática e ao habitus dos mesmos, constituem apenas uma “parte”
extremamente restrita de tudo o que constitui a experiência coletiva, a cultura
viva de uma comunidade humana. Parte que parece sofrer influências de
alguns elementos de uma cultura da escola que apresenta características de
vida própria, seus ritmos e seus ritos, sua língua, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de
gestão de símbolos (p.167).
50

Vejamos, então, como a organização das aulas de educação física


(horários, processos de enturmação, etc.), inserida na cultura da escola se
relaciona com a percepção dos professores sobre o esporte que ensinam.

2.2 – O processo de composição das turmas

Como já dito neste estudo, até o final do ano 2000 na cidade de Jataí, as
aulas de educação física não eram oferecidas no mesmo turno em que são
ministradas as demais aulas, ou seja, quem estava matriculado no turno
vespertino fazia aula de educação física pela manhã e vice-versa. Aliás, tal
sistemática estava amparada na proposta de matriz curricular construída pela
própria SRE/Jataí, da seguinte forma:

A proposta da matriz curricular feita pela Subsecretaria de


Educação de Jataí/Go estabelece que a Educação Física
deverá ser praticada em turno que não seja aquele no
qual ocorrem as aulas teóricas (Documento-Justificativa
SRE/Jataí, 2000, p.1 ).

Não bastasse a separação/exclusão da educação física do horário das


demais disciplinas (o que, por si só, já mereceria uma análise crítica, no sentido
de sua marginalidade enquanto área de conhecimento ou componente
curricular da educação básica) do contexto educacional de Jataí, o documento
argumenta ainda que

...a Educação Física em horário diferente do período das


aulas teóricas já é prática antiga e bem aceita pelos
alunos, pais e professores (...) quando a prática da
Educação Física ocorre no mesmo período das aulas
teóricas, os alunos tendem a ficar ansiosos à espera da
mesma (...) caso a Educação Física ocorra em período
anterior ao das aulas teóricas, tem-se depois, em sala,
alunos cansados, suados, excitados pelos
acontecimentos durante a Educação Física (ibidem, 2000,
p.1)

Ao observar o referido documento, para além da tentativa de manter o


modelo de educação física já legitimado histórica e socialmente na cidade e
51

região, pode se perceber que as atividades desenvolvidas pelos profissionais


da área de educação física são analisadas a partir dos “transtornos” que
podem causar para as demais áreas de conhecimento no cotidiano escolar.
Desconhece, o referido documento, a educação física enquanto área de
conhecimento capaz de promover ou realizar atividades que contribuam para o
desenvolvimento integral do aluno, condenando-a a permanecer como uma
atividade para a educação do corpo, dissociada das atividades de educação
para a “mente” ; o que caracteriza uma visão dualista e restrita do processo
educativo e do próprio conhecimento humano, construída histórica e
socialmente.
O apelo para a tradição que as aulas de educação física construíram em
horários distintos das demais disciplinas, entre alunos, pais e professores,
contidos no documento, parece necessitar de uma análise mais aprofundada e
de alguns questionamentos. Isto é, será que existe ou existiu uma consulta aos
três segmentos citados no documento, com relação ao horário das aulas de
educação física? Será que foi oferecida a opção de os alunos poderem fazer
suas aulas de educação física em outro horário que não fosse o já existente?
E, por último mas não menos importante, até quando o sistema público de
ensino – especialmente no caso da cidade de Jataí – deixará de considerar o
fato de que a grande maioria de seus alunos é “obrigada” a contribuir, quando
não estão na escola, para o seu próprio sustento e o de sua família, quer seja
na execução de pequenas tarefas domésticas, quer seja com o trabalho
assalariado?
Talvez este último questionamento, associado ao fato de que a
população brasileira – em quase todas as classes sociais – passa por um
processo de “proletarização” sem precedentes, possa servir para sensibilizar o
sistema público de ensino, para a questão da inserção da educação física no
horário das demais disciplinas, numa proporção bem maior que os apelos
pedagógicos da área.
É importante destacar, ainda em relação ao processo de composição
das turmas de educação física, o fato de que as faixas etárias em que eram
organizadas as referidas turmas guardava estreita relação com as faixas de
idade em que são disputadas as competições esportivas escolares no estado
52

de Goiás. É do professor Edson o relato mais contundente em relação a esta


separação. Segundo ele:

...dependia do biotipo e da capacidade do aluno –


por que às vezes tinha um aluno novo mais
“fortinho”, mais “parrudão”, e aí a gente aproveitava
ele nas turmas de outras faixas etárias; assim como
tinha outros de idade mais avançada que era muito
pequeno e aí a gente aproveitava ele nas categorias
dos “baixinhos” ... mas mesmo assim eu sempre
tinhas alunos nas diversas categorias de 10 e 11
anos, de 12 a 14 anos, de 15 a 16 anos e acima de
16 anos.

As faixas etárias citadas pelo professor são as mesmas em que são


disputadas as competições esportivas escolares oficiais do Estado de Goiás
(de acordo com o artigo 5º do Regulamento Geral dos Jogos Escolares do
Estado de Goiás, 1999). O que parece indicar uma profunda ligação entre seu
planejamento, a divisão de suas turmas e a participação nos eventos
esportivos escolares.
Nenhum outro professor estabeleceu, explicitamente, como parâmetros
para a composição de suas turmas de educação física características físicas
dos alunos. Entretanto, apontaram para critérios como a habilidade técnica, o
gênero e a orientação sexual como fatores delimitadores dos componentes de
suas turmas. Vejamos, a seguir, como estes critérios pareceram influenciar na
construção das percepções dos professores sobre o esporte escolar.

2.2.1 – Habilidades, Gênero e Sexualidade como parâmetros

Através do relato do professor Carlos, pode se perceber a existência de


testes para a escolha dos alunos que comporão cada uma de suas turmas.
Segundo o professor

...comigo as turmas são de iniciantes e de


treinamento; eu pego os alunos no começo do ano e
faço um teste, daí quem passar vai fazer parte da
53

equipe da escola e fica comigo, quem não passar vai


fazer aula com outro professor

Quando questionado, durante a segunda entrevista, sobre o tipo de teste


que era aplicado aos alunos o professor esclareceu que não existe um tipo
“padrão” de teste a ser realizado para a definição dos níveis dos alunos e que
cada professor estabelece seus próprios critérios e seus próprios patamares de
exigência para a inclusão ou não dos alunos em suas turmas.
É importante destacar, entretanto, que, mesmo sendo adepto da
realização de testes de habilidades específicas para a aceitação nos diversos
níveis de turmas a serem organizadas, o professor estipula tempos
diferenciados de observação da performance para alunos que julga ter
“potencial para se desenvolver”. Para ele:

Às vezes eu coloco os meninos para jogarem e


observo a execução dos fundamentos e a malícia de
cada um. E é assim que eu monto minhas turmas...
às vezes aparece um menino que a gente percebe
que ele tem potencial aí eu deixo ele junto com a
turma por pelo menos um mês para observar ele
direito...Ainda que o professor relate algumas
variações em sua forma de avaliar os alunos que se
submetem aos testes, fica evidente a observância de
princípios como o rendimento e a exclusão dos
menos habilidosos em favor dos mais habilidosos. A
variação do tempo de duração do teste de aptidão
física/técnica para a modalidade ensinada pelo
professor parece representar uma preocupação de
não aproveitar um aluno com “talento” para a
referida modalidade esportiva, posição, esta, que vai
ao encontro da perspectiva de ensino da educação
física baseada na descoberta de talentos esportivos
nos vários níveis da educação física escolar,
expressada no Decreto 69.450/71.

Além disso, o fato de o professor prorrogar o tempo de observação de


alguns dos alunos que estão sendo testados representa uma insegurança em
relação a validade do processo avaliativo adotado para este fim.
Permeando ainda o relato do professor, outro aspecto se evidencia
como uma variável importante na escolha da modalidade para as aulas de
54

educação física trata-se da homossexualidade e a modalidade voleibol. Para o


professor:

...algumas modalidades esportivas daqui da cidade,


conseguem mais apoio do que outras....só os de
quadra. Menos o voleibol masculino que de uns 4
anos pra cá não se consegue formar equipe.... por
causa daquele bando de “boiolas” que dominam
essa modalidade aqui na cidade de Jataí.... eu acho
que os meninos até hoje correm dessa modalidade
por causa do tanto de veado mesmo nesse
esporte...eu, por exemplo, só trabalho com
basquete e handebol..

Quando relata a existência do que representam como um bando de


boiolas que dominam essa modalidade (o voleibol), o professor refere-se a uma
equipe de voleibol masculino da categoria adulta que representou, em várias
competições e com relativo sucesso no estado de Goiás, a cidade de Jataí.
Segundo o próprio professor Carlos, esta equipe era constituída por atletas
“declaradamente homossexuais”.
Com relação à questão da homossexualidade e a não opção pela
modalidade voleibol na escola onde trabalha, o professor demonstra uma forte
tendência à legitimação do preconceito, que diz existir, por parte da sociedade
jataiense. Sua atitude, de evitar o trabalho com a modalidade, reforça o referido
preconceito e impede seus alunos de terem acesso à modalidade do voleibol.
Segundo Louro (1992), tanto a homossexualidade como a
heterossexualidade, devem ser compreendidas como social e historicamente
determinadas. Para a autora:

Uma sociedade, em dado momento histórico, decide (e


essa decisão dá-se usualmente através de disputas e
conflitos e não de modo consensual) o quê ou quem é
adequado sexualmente (grifos meus); quais os sujeitos
possíveis de eleição sexual, quais as formas de
aproximação e de realização da conjunção sexual, qual o
momento da vida de seus membros em que essa
aproximação deve acontecer, etc. (p. 60).

No caso da realidade onde estão inseridos os sujeitos deste estudo, a


existência de uma equipe de voleibol constituída por atletas considerados
55

homossexuais (pelos professores entrevistados e, segundo eles, por toda a


sociedade jataiense), parece continuar a determinar e a reproduzir um
preconceito sexual em relação aos praticantes desta modalidade.
Se observarmos a história do esporte moderno e a diferenciação
hierarquizada entre os sexos, talvez possamos compreender a origem do
preconceito que parece se evidenciar da atitude/postura do professor. Sousa
(1994), ao analisar as relações de gênero na história do ensino de educação
física e esportes em Belo Horizonte14, observou que

na hierarquia esportiva, a mulher manteve-se como


perdedora, porque era um corpo frágil diante do
homem.(...) O corpo da mulher era, assim, dotado de
docilidade e sentimento, qualidades negadas ao homem
pela natureza. Preconizou-se para os homens o futebol e
o judô, esportes que exigiam maior esforço, confronto
corpo a corpo e os movimentos violentos; para as
mulheres, os esforços moderados, a suavidade de gestos
e a distância de outros corpos, garantidos pela ginástica
rítmica e pelo voleibol (p.33).

No caso da modalidade do voleibol, é importante destacar que, no


contexto cultural brasileiro, ele foi se legitimando como um esporte feminino.
Entretanto, após o destaque da equipe de voleibol masculino do Brasil nas
competições internacionais (especialmente nos campeonatos e ligas mundiais,
além dos jogos olímpicos realizados no final da década de 80 e início da
década de 90), ele deixou, em muitos lugares, de ser considerado um esporte
apenas feminino. Contudo, esta idéia parece manter-se em evidência na
cidade de Jataí - ou pelo menos no âmbito de atuação dos professores
pesquisados.
Com uma visão muito próxima à do professor Carlos, o professor Edson
indica a homossexualidade como fator determinante na escolha das
modalidades de esportes que são ensinadas na escola onde atua. Segundo o
professor:

...o voleibol masculino eu abandonei há algum


tempo, por não aceitar a infiltração de alguns
elementos “perniciosos” no meio dos meninos mais

14
Evidenciadas em sua pesquisa de doutoramento, concluído em 1994.
56

sérios ...ultimamente eu não tenho visto os esportes


de quadra com bons olhos....

Ao declararem seus preconceitos e deixar que os mesmos interfiram na


escolha das modalidades a serem ensinadas nas aulas de educação física, os
professores Edson e Carlos parecem querer evitar que seus alunos sejam
influenciados pelo que chamaram de bando de boiolas e/ou elementos
perniciosos.
Num outro foco de análise, o da legislação, a atitude dos professores
pesquisados e de suas escolas de não oportunizarem a prática de voleibol
entre seus alunos, parece ir de encontro ao previsto no artigo 3, inciso II das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1998), que diz:

II – Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas


deverão explicitar o reconhecimento da identidade
pessoal de alunos, professores e outros profissionais e a
identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos
sistemas de ensino.

Além disso, se reconhecemos que as aprendizagens são constituídas


pela interação dos processos de conhecimento com os de linguagem e os
afetivos, em conseqüência das relações entre as distintas identidades dos
vários participantes do contexto escolarizado, como prevê o inciso III do
documento citado anteriormente, novamente a atitude do professor representa
um cerceamento dos direitos de seus alunos.

A professora Cássia também inclui no processo de escolha da


modalidade a ser ensinada, a preocupação com a homossexualidade e com a
generificação imposta por algumas modalidades esportivas. Segundo ela:

...o handebol para as meninas e o futsal para os


meninos... “eles” (os meninos!) acham que handebol
é esporte de mulherzinha e voleibol é coisa de
“veado”. No caso do voleibol então... por causa de
algumas “figuras” daqui ... os meninos odeiam...Eu
conheço alguns pais de alunos que vão até a escola
e pedem que seus filhos não sejam obrigados a
jogar voleibol.
57

Além de reforçar os depoimentos dos professores Edson e Carlos em


relação à questão da homossexualidade, o relato da professora Cássia traz as
questões de gênero interferindo na escolha das modalidades de esporte a
serem ensinadas em suas turmas. Neste caso, uma influência declarada e
aceita pela professora de forma bastante clara. Ou seja, os “meninos” e as
“meninas” da cidade de Jataí – segundo o relato da professora – parecem ter
“assimilado” que a prática de algumas modalidades esportivas pode servir
para identificar, no âmbito de suas relações, seu sexo e numa análise mais
detalhada, sua opção sexual.
Outro aspecto que se destaca no depoimento da professora é o fato de
seus alunos classificarem a prática da modalidade handebol como coisa de
“mulherzinha” – no sentido de ser uma prática com características
consideradas delicadas. No entanto, entre os profissionais do meio esportivo, o
handebol é tido como um dos esportes mais violentos. Tal fato nos leva a
deduzir que o depoimento da professora quanto à impressão de seus alunos,
sobre as modalidades de voleibol e handebol parece estar alicerçado mais em
suas representações sobre os referidos esportes no contexto sociocultural em
que está inserida sua escola e seus alunos do que em dados concretos dessa
mesma realidade.
A professora Ana, por sua vez, ao falar do processo de composição de
suas turmas prefere relacionar a aplicação dos "testes" – realizados também
em sua escola no início do ano letivo – como um artifício para manter, sempre
elevado, o nível de participação de seus alunos em suas aulas. Para ela:

De acordo com as capacidades ou desejos do aluno


é que a gente “monta” a grade de opções das
modalidades a serem oferecidas tanto para iniciação
quanto para treinamento...eu não acho muito legal
essa coisa de fazer só um teste no começo do ano;
o aluno evolui muito durante um ano... eu falo
sempre para os meus alunos que só depende deles
a promoção para a seleção da escola...

Do depoimento da professora Ana, embora declare não aceitá-las,


percebe-se a existência de duas estratégias de seleção de alunos para a
composição das turmas. Uma, quando realizam os testes no início de cada
58

ano, e outra, quando a professora "promove" algum de seus alunos para a


seleção da escola. Nesta última estratégia convém salientar que nem sempre
esta "promoção" depende apenas do esforço do aluno, pois, envolvidos neste
processo, existem outros sujeitos (o professor da turma e o professor da
equipe) que podem avaliar de formas diferenciadas o "esforço" do aluno. Ou
seja, ao colocar a possibilidade de ascensão à equipe da escola como algo
atingível, simplesmente, pelo próprio esforço do aluno, a professora pode estar
gerando em seus alunos uma expectativa que pode vir a não se concretizar.
Com relação ao teste realizado no início de cada ano letivo, também em
encontro posterior, a professora esclareceu que os professores responsáveis
pelas equipes de sua escola reúnem os interessados e interessados numa data
previamente estipulada e faz um único teste com os mesmos. Segundo a
professora:

... como eu já disse, eu não concordo com essa


forma de testar os alunos... as vezes, o aluno pode
não estar bem naquele dia e aí é reprovado... ainda
mais que eles são colocados para jogar com uns
meninos que eles nunca jogaram juntos e são
avaliados a partir do que eles conseguem jogar...não
acho justo.

Como acontece com as turmas na escola onde atua o professor Carlos,


o teste realizado na escola da professora Ana aponta para a adoção de uma
concepção de educação física/esportes voltada para a descoberta de talentos
esportivos e a observância de valores como o da seleção, o da competitividade
e o da busca do rendimento. Aliás, num outro momento da entrevista da
professora, quando questionada sobre a separação entre meninos e meninas
nas turmas de educação física, pode se perceber a ratificação da concepção
de ensino voltada para a busca da homogeneidade entre os alunos das turmas
como forma de se obter o melhor rendimento esportivo. Segundo a professora:

Às vezes pode até ter mistura nas turmas de


iniciação esportiva que não tem problema não; mas
nas de treinamento não. Atualmente não tem
nenhuma não (...)na verdade não é problemas não é
só a questão do rendimentos dos alunos que cai
muito né?
59

Outro aspecto que deve ser destacado é o fato de os


professores, da escola onde a professora Ana atua, oferecerem uma "grade de
opções de modalidades esportivas" a serem escolhidas pelos alunos e colocar
tal oferta como o atendimento dos desejos do aluno. Neste caso, os desejos
dos alunos somente são atendidos se estiverem relacionados à prática de
alguma modalidade esportiva e na qual consiga aprovação no teste ao qual é
submetido.
Dentre os professores pesquisados, apenas o professor Léo não
mencionou existência de nenhum tipo de seleção de alunos para a composição
de suas turmas. Entretanto, ao rever os dados de identificação dos sujeitos
pesquisados e constatar que este professor desempenha suas atividades
docentes na mesma escola da professora Cássia, pude perceber, que na
composição das turmas do professor também havia um tipo de escolha.
Escolha esta feita pela professora Cássia que selecionava - através de
consulta verbal – os alunos de menor capacidade técnica para suas turmas e
“deixava” para as turmas do professor Léo os alunos de melhor nível técnico;
agrupando-os da forma mais homogênea possível. Ao ser questionada sobre
os possíveis equívocos que uma consulta verbal poderia acarretar para o
processo de composição das turmas a professora colocou a “proximidade”
entre os alunos e os professores de educação física como um mecanismo
capaz de garantir uma relação mais verdadeira. Segundo a professora...lá na
escola todo mundo conhece todo mundo, eles não vão mentir para a gente
sobre isso não.
Assim, a escolha das modalidades esportivas por parte dos professores
pesquisados e o processo de composição das turmas vêm sofrendo influências
significativas de fatores como a experiência prática do professor com a
modalidade, a realização de testes específicos e a questão do gênero e da
sexualidade.
Em relação à experiência prática com a modalidade, os professores
pesquisados confirmaram sua necessidade, como requisito básico para o
exercício do magistério. Ainda que tenham reconhecido (em alguns casos!) a
contribuição da experiência adquirida durante o curso de graduação, os
professores apontaram sua experiência esportiva anterior, como a base de
sustentação de suas práticas docentes. Ao agirem desta forma, os professores
60

pesquisados confirmaram o que Borges (1998) destaca como importante fonte


de conhecimentos para a construção dos saberes docentes dos professores de
educação física – a experiência esportiva. Ou seja, os professores tendem a
organizar suas turmas e selecionar os conteúdos com os quais irão trabalhar, a
partir das experiências que já vivenciaram praticamente, preferindo sempre
começar o ano letivo a partir daquelas com as quais tenha tido mais contato.
No caso da realização de teste de aptidão específica, para a “escolha”
dos alunos, os professores pesquisados pareceram entendê-lo com algo
necessário para a organização de suas turmas. O que vai ao encontro do
princípio básico da educação nacional (expresso no item I do artigo 3º da lei
9394/96) de liberdade e igualdade de acesso e permanência à escola e suas
atividades; uma vez que o referido teste, segundo os professores pesquisados,
“possibilita” a todo aluno a chance de participar das equipes representativas de
suas escolas.
Parece, entretanto, neste caso, que o princípio expresso na lei precisa
ser mais bem compreendido. Isto é, se o esporte é uma atividade/conteúdo da
educação básica (e, como tal, com acesso e permanência garantidos pela lei),
então não deveria existir nenhum tipo de teste (qualquer que seja!), aos quais
os alunos tenham que se submeter para ter acesso ao mesmo.
Além disso, o fato de os professores realizarem testes de aptidão
específica como estratégia para a composição de suas turmas parece indicar,
também, que os mesmos continuam trabalhando dentro da perspectiva de que
a formação de atletas é tarefa da escola e que esta instituição representa a
base da pirâmide do esporte de alto rendimento. Esta perspectiva de trabalho
se aproxima das diretrizes do decreto 69.450/71 que indicava o ensino dos
esportes a partir da 5ª série do ensino fundamental até o nível superior. Mas os
distancia dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e das Diretrizes
Curriculares Nacionais (1998) - que indicam o aprendizado de todas as formas
de manifestação da cultura corporal de movimento, e, não apenas o esporte.
As questões relativas ao gênero, por sua vez, apresentaram-se sob dois
aspectos distintos. Primeiro, em relação à opção declarada das duas
professoras pesquisadas pelo nível de iniciação esportiva, enquanto que os
três professores, também declaradamente, preferiram o nível de treinamento
de equipes. E, segundo, se refere à opção dos alunos pelas modalidades
61

esportivas (em alguns casos o futebol para os meninos e o handebol para as


meninas).
Com base nos estudos de Sousa (1994) e Altmann (1998), que
abordaram a questão do gênero na educação física escolar, entendo que a
opção das professoras pelo nível de iniciação em detrimento do nível de
treinamento (escolhido pelos professores) caracteriza uma forma de
legitimação da construção histórica e social do masculino e do feminino no que
diz respeito à formação e atuação do professor e da professora de educação
física: os homens se encarregariam das tarefas “supostamente” mais difíceis,
de “treinar” equipes, enquanto que as mulheres se encarregariam das tarefas
“supostamente” mais amenas, de “iniciar” equipes.
No caso da professora Ana, esta opção pode ter tido sua origem no fato
de a mesma ter sido formada em um curso superior de educação física que
separava suas turmas e grades curriculares por sexo. No entanto, a professora
Cássia, que se graduou em um curso com grade curricular única para homens
e mulheres e ,cerca de 15 anos depois, apresenta a opção de trabalhar com o
nível de iniciação esportiva. Isto leva a deduzir que, pelo menos no âmbito das
professoras pesquisadas e em função das características culturais do contexto
em que vive, a categoria gênero influencia diretamente na opção pelo nível de
trabalho.
No que diz respeito à opção dos alunos e alunas por determinadas
modalidades esportivas, merece destaque a interferência de algumas
características da realidade pesquisada. Por se tratar de uma cidade do interior
do estado de Goiás – onde a estrutura e o comportamento das famílias
tradicionais determinam os de toda a sociedade – era de se esperar que as
opções fossem as mais tradicionais possíveis, ou seja, as modalidades
escolhidas seriam o futebol para os meninos e qualquer outra modalidade para
as meninas. Ocorre, porém, que mesmo se tratando de uma cidade
interiorana, existe um aumento considerável (segundo relato do professor
Edson) dos praticantes da modalidade de futsal entre as alunas, o que parece
representar um movimento “inovador” entre as preferências esportivas, já
consagradas, das alunas da cidade de Jataí. O que nos leva a crer que as
opções dos alunos dependem mais da liberdade de escolha que lhes é
62

facultada pelos professores do que de preconceitos em relação a determinadas


modalidades esportivas.
Com relação à homossexualidade e a modalidade de voleibol nas
escolas de Jataí, me parece correto supor que as circunstâncias históricas e
sociais, de determinada época, contribuíram para destacar e relacionar ao
homossexualismo, algumas características, do grupo de atletas citado pelos
professores. Tal fato não deveria servir para “alimentar” qualquer preconceito
(como parece ocorrer com os professores pesquisados) e, sim, para contribuir
para a compreensão e reflexão sobre este tema.
A relação, estabelecida pelos professores pesquisados, entre e os
praticantes do voleibol e o homossexualismo, parece contribuir para a
construção de uma determinada percepção sobre estes praticantes.
Segundo Alves-Mazzoti (1994) é nas conversações diárias, em casa e
no trabalho que somos levados a construir conceitos e consensos que nos
orientam frente as várias situações que vivemos e nos fazem integrantes de
um determinado grupo. Para a autora:

...estas interações sociais vão criando “universos


consensuais” no âmbito dos quais as novas
representações vão sendo produzidas e comunicadas,
passando a fazer parte desse universo não mais como
simples opiniões, mas como verdadeiras teorias do senso
comum, construções esquemáticas que visam dar conta
da complexidade do objetivo, facilitar a comunicação e
orientar condutas. Estas “teorias” ajudam a forjar a
identidade grupal e o sentimento de pertencimento do
indivíduo ao grupo.(p.61)

Neste sentido, os professores pesquisados parecem orientar suas


condutas e práticas, em relação ao homossexualismo e à prática do voleibol, a
partir de conceitos (preconceitos!) que parecem ser consensuais e indicadores
de uma mesma percepção sobre o ensino do voleibol para seus alunos.
Até aqui – após a caracterização do processo de enturmação nas aulas
de educação física e os parâmetros observados para a escolha dos
participantes de cada uma destas turmas – parece correto supor que as
representações dos professores sobre o esporte que ensinam estão sendo
63

condicionadas pelos valores, princípios e significados da cultura da escola. Isto


é:

1. As aulas de educação física devem ocorrer em horário diferente do das


demais disciplinas e em turmas separadas por sexo e com
características corporais e técnicas, mais homogênea possível, para que
se possam manter os espaços e tempos escolares já consagrados por
professores e alunos;

2. O conteúdo central das aulas de educação física deve continuar a ser o


esporte em função de os professores terem sido preparados (terem
experiências práticas anteriores) através da prática esportiva; e

3. Os meninos podem praticar todas as modalidades esportivas com


exceção do voleibol e as meninas devem praticar, preferencialmente, as
modalidades com características femininas (voleibol, basquete e
handebol), em função de serem estas as modalidades esportivas que
são legitimadas pela sociedade para ambos os sexos.

Por outro lado, em alguns outros momentos do cotidiano dos


professores entrevistados, o tratamento dos conteúdos (cognitivos e
simbólicos) que foram selecionados e organizados de forma a serem
transmitidos pareceu apresentar certo “movimento” na direção da
ressignificação de princípios como a busca do rendimento e a competitividade
no esporte ensinado nas escolas. Até porque não se pode deixar de considerar
o fato de que a cultura da área de educação física e a própria cultura do
professor “imprime” marcas no esporte que vem sendo ensinado nas escolas.

Assim, destaco a seguir, a forma como os professores vêm os eventos


esportivos escolares e suas contribuições para o processo de construção da
identidade do esporte que ensinam.

2.3 – Os eventos esportivos como lugar dos esportes


64

Antes de analisar o depoimento dos professores pesquisados sobre a


participação de seus alunos nos eventos esportivos escolares e a influência
dos mesmos em suas práticas pedagógicas, torna-se necessário esclarecer
que tipos de eventos esportivos escolares ocorrem na realidade onde atuam os
sujeitos desta pesquisa.
A Secretaria Estadual de Educação realiza anualmente uma competição,
envolvendo, obrigatoriamente, todas as escolas públicas do estado de Goiás
sendo facultativa a participação das escolas particulares. Para a organização
desta competição, o Programa de Desporto Educacional da referida Secretaria
divide todo o estado em nove (09) regiões, formadas pela união de quatro (04)
Subsecretarias Regionais de Ensino, dentre as trinta e seis (36) existentes em
todo o estado, sendo que cada uma destas instituições busca reunir em seus
eventos internos, todas as unidades escolares de aproximadamente dez (10)
cidades circunvizinhas.
O sistema de disputa da referida competição é o de classificação dos
melhores de cada modalidade esportiva de uma fase, para a fase
imediatamente posterior, podendo haver diferença entre os sistemas de disputa
das fases municipais para o sistema adotado a partir da fase regional. Ou seja,
cada município tem a liberdade de poder criar seu próprio sistema de
classificação de seus representantes na primeira fase (entre as turmas das
escolas) e na segunda fase (entre as escolas do município), desde que
observe o critério de classificar apenas um representante em cada
modalidade esportiva para a fase “Delegacional” (a terceira fase da
competição). A partir daí, todas as cidades devem seguir o regulamento geral
das competições promovidas pelo Programa de Desporto Educacional. No
caso da cidade de Jataí, a partir do momento em que cada escola define seus
representantes (ao final de suas competições internas), são obedecidas as
regras e regulamentações da fase final da competição estadual.
Neste sentido, para que a equipe, representativa de uma unidade
escolar, possa participar da fase estadual – fase final da competição – é
necessário que ela percorra o seguinte caminho:
65

1. organize primeiro sua competição interna (os jogos interclasses ou


interturmas) e selecione as equipes campeãs;
2. vença os jogos escolares no âmbito de sua cidade;
3. vença os jogos escolares envolvendo todas as cidades jurisdicionadas à
sua Subsecretaria de Ensino; e
4. vença os jogos escolares envolvendo todas as cidades de sua região.

Ainda sobre estes eventos, é importante destacar, que a faixa de idade


dos participantes varia de 13 a 17 anos, tendo sofrido alterações nas últimas
seis edições de acordo com os interesses econômicos e de publicidade da
empresa que assume o patrocínio financeiro dos mesmos15.
Com relação ao número de participantes, a fase final/estadual desta
competição reúne cerca de dois mil e quinhentos (2.500) atletas de ambos os
sexos nas modalidades de basquete, voleibol, futsal, handebol, capoeira,
natação, tênis de mesa, xadrez e atletismo.
Além deste evento oficial, acontecem jogos isolados (de uma ou outra
modalidade esportiva) entre as equipes representativas das escolas com o
objetivo de prepará-las para as competições que forem participar; organizadas
pelos próprios professores interessados.
Dos cinco professores pesquisados, quatro sugeriram a formação de
equipes e a conseqüente participação destas nos eventos esportivos escolares
oficiais como um dos principais objetivos de suas aulas. Comecemos pelo
professor Carlos, para ele

...o engraçado é que a gente trabalha com o objetivo


de vencer as competições (que participamos) mas
morremos de medo de classificar e ter que viajar
para outra cidade... porque aí nem a escola nem os
pais dos alunos dão apoio para a gente ir...

No relato do professor destacam-se duas situações. Uma caracterizada


pelo apoio aos princípios norteadores dos eventos esportivos quando monta

15
Em 1998, por exemplo, ano de eleições estaduais e de início do processo de privatização dos Bancos
Estaduais, o governo do Estado de Goiás assumiu o patrocínio total do evento e determinou que a idade
limite dos participantes deveria ser alterada para 18 anos e teriam direito, como premiação, a abrir contas
correntes e cadernetas de poupança, isentas de qualquer taxa de serviço.
66

suas equipes, compete e busca a vitória. A outra situação revela a indignação


do professor com a falta de apoio da escola e dos pais caso sua equipe vença
e tenha se deslocar para outras cidades para continuar participando das
competições. Neste caso, a competição ou a seleção entre seus alunos parece
não representar nenhum problema. Ao contrário, o problema começa quando a
participação na competição tiver que ser interrompida; mais grave ainda se
esta interrupção não for motivada pela derrota de sua equipe e sim pela falta
de apoio da escola e dos pais. Ou seja, o sentido que o professor dá à
participação nos eventos esportivos é coerente com os princípios do mesmo ­
vencer, continuar competindo e vencer e assim por diante; e qualquer
interrupção neste processo faz com que o professor "morra de medo".

Já o professor Léo considera a participação de seus alunos nos eventos


esportivos como um momento de avaliação. Segundo ele:

as competições internas ou os jogos interclasses são


organizados pelos alunos e partindo da vontade
deles.... eu acho muito proveitosos esses jogos...a
gente vê o resultado do nosso trabalho nos jogos,
né? A gente vê se eles estão aprendendo ou não o
que a gente tem ensinado durante as aulas

No caso do professor Léo, as competições esportivas escolares – com


seus princípios e regulamentos – servem como uma espécie de espelho que
reflete, de forma direta, as imagens que ele próprio acredita ser um bom
resultado; aquilo que ensinou e esperava que seus alunos tivessem aprendido.
O ganhar e o perder - resultados possíveis numa competição esportiva ­
servem como critérios de avaliação do trabalho do professor e da
aprendizagem dos alunos. O que evidencia uma concepção de avaliação que
parece priorizar apenas o resultado final, em detrimento do processo.
Ainda na fala do professor Léo, destaca-se o fato de o mesmo ver a
iniciativa dos alunos em organizar os eventos esportivos da escola como algo
ligado à própria natureza dos alunos. Como se não existisse nenhum estímulo
externo - da mídia, das outras escolas da cidade e até mesmo das experiências
anteriores na própria escola - que os levassem a encarar a competitividade e o
rendimento esportivo como algo a ser alcançado nas aulas de educação física.
67

É claro que tanto as abordagens oferecidas pelo professor aos eventos


esportivos, quanto as influências externas contribuem para a legitimação do
modelo de evento esportivo “escolhido” pelos alunos.

O professor Edson, por sua vez, utiliza como argumento em favor da


participação nos eventos esportivos o efeito “integrador” do esporte. Segundo
ele:

...Acho que essa é a importância de se treinar, de


fazer equipes na escola... acho que deveria ter uns
dois jogos internos pelo menos por ano pois isso
ajuda muito o aluno a se integrar e também no
aprendizado dele... é um momento de
congraçamento, de integração dos alunos entre eles
mesmos e com a sociedade. E é bom ver aquelas
rixas – no sentido de disputas acirradas – entre as
escolas.

Ao argumentar em favor da realização e participação de seus alunos em


eventos esportivos escolares, o professor amplia o sentido atribuído à
integração ao retomar o ideal olímpico de "congraçamento dos povos através
do esporte", dando um significado diferenciado para o mesmo. Em outras
palavras, apesar das disputas acirradas, os jogos servem para integrar os
alunos no interior de suas equipes com as outras equipes e com os demais
participantes dos eventos esportivos; tais como torcida, dirigentes, árbitros etc.
O relato do professor nos leva a repensar algumas posições teóricas que
vêem as competições esportivas escolares, prioritariamente, como momentos
de exclusão e de seletividade, onde participam os "melhores" em detrimento
dos "piores". Ainda que persista a exclusão dos perdedores para as fases
subsequentes da competição, o fato de terem se “encontrado” e disputado uma
partida seguindo as mesmas regras e com os mesmos objetivos, é possível
dizer que ocorreu um tipo de integração, um tipo de socialização. Uma
integração por se encontrarem num mesmo espaço e participando de um
evento onde todos se enfrentam seguindo as mesmas regras e uma
socialização no sentido de todos “terem “ que se adaptar às condições exigidas
para a prática do esporte em questão.
68

Prosseguindo na tentativa de compreender a participação nos eventos


esportivos escolares, vejamos o depoimento da professora Ana. Para ela:

os alunos (que compõem as turmas de educação


física) chegam logo num estágio onde, se não
competirem, eles não vão se sentir motivados a
continuar treinando; e eu acho que o aluno tem que
ser incentivado, motivado pelo professor. Não é só
fundamentação. Eles precisam de situações
concretas de táticas e técnicas de jogos.

Logo no início de seu relato, Ana admite que, na prática esportiva


escolar existem etapas a serem cumpridas e, em uma delas, a competição se
faz necessária. Ou seja, a competitividade não predomina em todas as etapas
do aprendizado de seus alunos. E ainda, a professora deixa claro que uma
parte do conteúdo, e não todas elas precisam de situações de competição. O
que nos leva a deduzir que, princípios como a busca do rendimento ou da
competitividade16 são observados, apenas parcialmente, na prática da
professora. O significado atribuído às competições esportivas pela professora,
portanto, tem um sentido prático; isto é, são momentos nos quais os alunos vão
experimentar/praticar aquilo que aprenderam durante as aulas.

Quando questionada sobre a participação de seus alunos nos eventos


esportivos escolares, a professora Cássia apresentou o seguinte depoimento:

Nós já tentamos uma vez mudar o regulamento geral


uma vez; mas quase nos “bateram”. Então a gente
tenta fazer os alunos todos jogarem o máximo, nas
nossas próprias aulas de educação física. A gente
faz eles jogarem “Dez ou Dois”17 e tenta por todo
mundo para jogar... mesmo assim eles (os alunos!)
ainda tentam enganar a gente para jogar mais...

Antes de analisarmos o depoimento da professora convém esclarecer a


qual regulamento a professora se refere assim como as alterações que foram
propostas e os autores dessas propostas.

16
Citados por Bracht (1997).
17
Atividade recreativa da modalidade futebol de salão onde duas equipes se enfrentam pelo tempo
máximo de dez minutos, ou até que uma delas sofra dois gols, quando a perdedora deixa a quadra.
69

Num segundo encontro, realizado com o objetivo de esclarecer alguns


aspectos da primeira entrevista, como a tentativa de alteração no regulamento
dos jogos, a professora apresentou três propostas básicas

... eu acho muito pouco o número de alunos que


pode participar destes jogos, deveria ser pelo menos
uns 15 atletas em cada modalidade e cada escola
deveria poder inscrever quantas equipes quisesse
(...) acho também que todo mundo deveria receber
uma premiação, ainda que fosse simbólica (quem
sabe até um certificado de participação) e o sistema
de disputa tinha que ser mudado também (...) acho
que todo mundo deveria jogar com todo mundo que
se inscrevesse neles

Ela não explicita a autoria de tais idéias, informando apenas que o


diretor de sua escola estava de acordo com as mesmas.
É interessante notar, pela primeira vez entre os professores
pesquisados, uma iniciativa de se tentar mudar o regulamento geral dos
eventos esportivos.
Quando a professora relata que quase nos bateram quando da
apresentação das sugestões de mudanças no regulamento geral dos jogos
(entre os anos de 1996 e 1998 – não se recorda exatamente o período), ela
refere-se à reprovação, quase que unânime, dos demais professores de
educação física da cidade de Jataí e região, que participavam das reuniões de
planejamento dos referidos jogos.
Por não ter conseguido a aprovação das propostas de alteração no
regulamento geral, que possibilitaria uma maior participação de seus alunos
nos eventos esportivos, a professora parece tentar minimizar os efeitos
“excludentes” do referido regulamento com a inclusão de algumas atividades
adaptadas em suas aulas. Um exemplo desta tentativa pode ser identificado no
próprio depoimento da professora, quando coloca que a gente tenta fazer os
alunos todos jogarem o máximo, nas nossas próprias aulas de educação
física. A gente faz eles jogarem “dez ou dois”.

Mais uma vez, se evidencia a estreita relação entre as práticas


cotidianas dos professores pesquisados e a participação nos eventos
70

esportivos escolares promovidos pela Secretaria Estadual de Educação. Para


os professores que atuam com o treinamento de equipes representativas de
suas escolas(caso dos professores Edson, Carlos e Léo), suas aulas de
educação física devem servir para a especialização dos gestos técnicos e
movimentações táticas das modalidades com as quais trabalha. Neste mesmo
sentido, os que atuam com o nível de iniciação esportiva (caso das professoras
Ana e Cássia) utilizam seus tempos pedagógicos para a preparação de seus
alunos no sentido de atingirem os níveis técnicos exigidos para que ingressem
nas referidas equipes e, conseqüentemente, participem das referidas
competições.
A associação entre a prática pedagógica dos professores pesquisados e
a realização dos eventos esportivos escolares, no que diz respeito ao
tratamento dado aos conteúdos de ensino, leva a deduzir que eles continuam
tematizando o esporte em suas aulas dentro da perspectiva da formação de
equipes e da descoberta de talentos, como determinava o Decreto Lei
69.450/71. Entretanto, mesmo tematizando o esporte dentro de uma
perspectiva considerada tradicional, os professores apresentaram em seus
depoimentos, a preocupação com valores e comportamentos por parte de
seus alunos, que apontam na direção de uma prática pedagógica voltada para
a superação ou resignificação de alguns dos princípios do esporte que
ensinam em suas escolas. Princípios como a busca do rendimento e a
competitividade são redefinidos de acordo com as possibilidades de cada
escola, de cada grupo de alunos e não somente de acordo com o regulamento
geral das competições esportivas escolares.

Ainda em relação a identidade do esporte que os professores ensinam


em suas aulas, a questão do registro das atividades se evidenciou como um
dado importante para a compreensão do processo de construção da mesma.
Vejamos, a seguir, que registros foram esses.
71

2.4 – O “labirinto” dos registros das atividades

Ainda que tenha optado pela entrevista como fonte privilegiada de coleta
dos dados que sustentariam empiricamente este estudo, durante o percurso de
construção desta Dissertação, observei que havia a necessidade de estar
relacionando os dados coletados junto aos sujeitos de pesquisa com algo mais
que apenas os pressupostos teóricos defendidos pelos vários autores que
abordaram a temática. Neste sentido, busquei – depois de mais de um ano da
realização da primeira entrevista – todos registros que os professores
pesquisados pudessem ter de sua prática docente nos anos de 1999 e 2000
(referências deste estudo). Busca esta que suscitou uma nova entrevista com
os professores pesquisados para o esclarecimento de alguns aspectos
conflitantes entre o registro encontrado e os relatos anteriores dos professores.
O primeiro deles diz respeito ao documento de registro dos conteúdos
trabalhados pelos professores. Neste caso, embora os professores tenham
relatado que o processo de enturmação ocorria a partir de parâmetros como
tamanho, idade, sexo, nível técnico e modalidades esportivas, verifiquei que o
registro das atividades era feito em diários semelhantes ao das demais
disciplinas do currículo escolar. Ou seja, em diários com turmas mistas e
separadas apenas pela estrutura de seriação anual do sistema escolar.
Ao retornar ao campo para um novo contato com os professores
pesquisados e perguntar-lhes sobre os diários de classe, os professores
apontaram para este “instrumento” como uma formalidade a ser cumprida. A
professora Cássia, por exemplo, diz apenas cumprir uma formalidade. Segundo
ela:
...já sei, já sei; tá todo mundo num diário só né?
Aquilo lá é só para cumprir a formalidade legal
mesmo... na verdade as turmas são separadas entre
meninos e meninas que tenham o mesmo tamanho,
o mesmo desenvolvimento e idades mais ou menos
iguais para facilitar o nosso trabalho.

Além de confirmar o registro “falacioso” das atividades desenvolvidas em


um documento que não retrata o resultado do processo de enturmação que
ocorreu, a professora aponta em seu relato para uma forma de organização de
72

turmas que busca a homogeneidade entre os participantes das mesmas.


Forma esta que, além de demonstrar sua conivência com a atual situação de
registro de suas atividades, se relaciona diretamente com uma concepção de
educação física escolar e esportes baseada na busca da aptidão física para os
esportes nos vários níveis de ensino, como preconizava o decreto 69.450/71.

O professor Léo responsabiliza a estrutura burocrática da Secretaria


Municipal de Educação como a principal responsável pelos registros apenas
“parcialmente” verdadeiros de suas atividades. Segundo o professor:

... sabe o que acontece, a secretaria da escola


estava tendo muitas dificuldades em ter listas
separadas de acordo com as turmas de educação
física, não se conseguiu um acerto sobre isso nas
secretarias... por causa desse desacerto é que nós
registramos assim... um dia para os meninos e outro
dia para as meninas, tudo obedecendo a uma
sequência lógica... foi o único jeito de a gente não
ser tão incoerente assim com o conteúdo que a
gente trabalha

Ao relacionar as atividades desenvolvidas, separando-as em aulas


masculinas e femininas, o professor transmite uma idéia de organização de
turmas que se aproxima um pouco mais da realidade que ocorre em suas
aulas do que o registro realizado pela professora Cássia. Entretanto, ao
registrar suas atividades em dias alternados para meninos e meninas o
professor relaciona conteúdos que não foram abordados para, pelo menos,
metade de seus alunos.
Para além dos problemas burocráticos, que podem advir no caso de
uma fiscalização por parte dos órgãos competentes, o registro do professor
aponta para a conivência com a atual situação “marginal” da educação física
no contexto escolar.
Para o professor Edson, que atua na mesma escola que o professor
Carlos, o sistema adotado anteriormente atendia melhor às necessidades da
área e se aproximava mais da realidade do que o atual. Segundo ele:
73

A gente fazia os diários da modalidade, a gente


pegava os alunos de 6ª a 8ª séries e colocava eles
num diário só. A gente anotava o nome, a idade, a
turma e ele fazia três aulas por semana com a
gente... Cada professor fazia os diários depois de
escolher os alunos dele, aí ele colocava o nome
deles e avaliava cada um deles. Antes tinha tudo
organizado em diários separados e todo mundo
sabia quem jogava o quê... mas hoje...

Também por parte do professor Edson, parece ficar caracterizada a


perspectiva da aptidão física para os esportes como eixo norteador de sua
prática pedagógica, principalmente quando se refere à importância de saber
quem jogava o quê nas aulas de educação física.

Fazendo coro com seu colega de escola, o professor Carlos não


concorda com a atual forma de registro de suas atividades e aponta para o
sistema anterior de controle das atividades como mais eficiente para a área.
Para ele:

Eu era responsável pelas turmas das quintas séries


e tinha aluno meu que fazia modalidades com outros
professores e aí a gente pegava o nome deles, a
turma e ia procurar as notas e as freqüências deles
com outros professores do colégio inteiro... a gente
tinha que reunir os professores de educação física e
passar a nota para os diários de cada um... só para
ficar bonitinho.... antigamente eu tinha meus alunos,
minha lista de chamada, independente de ser de
uma série ou de outra e a gente tinha um dia coletivo
para fechar os diários da área de educação física....

Talvez o posicionamento dos professores Carlos e Edson de apontar o


sistema antigo de registro das atividades desenvolvidas como mais funcional
se deva simplesmente ao fato de ainda não ter se acostumado ao novo
sistema. Por outro lado, o posicionamento dos professores indica também que
os mesmos continuam preferindo orientar, prioritariamente, suas atividades
para o ensino de esportes em suas aulas de educação física; o que nos
remete, novamente, para a perspectiva da aptidão física para os esportes,
preconizada pelo decreto 69.450/71.
74

A professora Ana, que atua com alunos de uma escola estadual e outra
federal, dentro de uma mesma turma e tem o apoio didático pedagógico da
estrutura federal de ensino, registra suas atividades sob a forma de códigos
que correspondem ao conteúdo relacionado no plano de ensino apresentado
do início de cada ano. Porém, a professora também registra as notas e
freqüências nos mesmos diários de classe das demais disciplinas cursadas
pelos alunos; ou seja, turmas mistas e separadas apenas pelo nível definido
pelo sistema de seriação anual de ensino adotado pela Secretaria Estadual de
Educação do Estado de Goiás.
O registro das atividades da professora Ana difere dos demais
professores pesquisados pelo fato de a mesma apresentar, no início do ano
letivo, um planejamento de atividades por modalidades esportivas que pode ser
utilizado desde o nível de iniciação esportiva até o nível de treinamento. Ao
explicar a forma de registro de suas atividades a professora coloca que

a gente trabalha com uma papeleta onde a gente faz


todas as anotações da freqüência e das notas dos
alunos e passa para a coordenação. Ele (o
coordenador) recolhe todo o material dos
professores e passa para o diário que vai para o
arquivo. Nós temos um plano de curso com todo o
conteúdo que a gente vai trabalhar e também o
código desses conteúdos e o tempo que a gente vai
gastar com cada um deles... tem turmas que eu
tenho dois alunos, outras eu tenho cinco, seis; nem
sempre são alunos de uma turma só.

Conforme já colocado anteriormente, o documento de registro das


atividades dos professores pesquisados representa um dado importantíssimo
para a construção da identidade do esporte que vem sendo ensinado pelos
professores, se observarmos o mesmo para além das complicações
burocráticas do sistema escolar.
Se tomarmos, por exemplo, exclusivamente os registros contidos nos
diários dos professores, é possível concluir que o esporte é o conteúdo central
das aulas de educação física e que é tematizado, durante todo o ano letivo, sob
a forma de modalidades esportivas juntamente com uma série de outros
conteúdos como os exercícios de ginástica de solo, de alongamento, de
75

marcha, de “ordem unida” etc. Entretanto, o relato dos professores aponta


para a diferenciação deste esporte para cada turma de meninos e de meninas.
Associando os apontamentos contidos nos diários de classe dos
professores pesquisados18 ao depoimento dos mesmos é possível identificar,
portanto, um grande distanciamento entre o que se registra e o que se faz
efetivamente.
Mas por que os professores pesquisados registravam em seus diários
atividades diferentes das que realmente desenvolviam? Por que registravam
conteúdos diferentes dos que realmente ensinam?
Segundo os professores pesquisados:

...isso aí é tudo mentira. Trabalhava era fundamento


mesmo; pura formalidade, banalidade... só para
encher lingüiça para fichar um programa
bonito...igual a proposta do estado (Profº. Carlos)

...não tenta entender isso não professor, isso tudo


era ajeitamento que a gente tinha que fazer para
atender à burocracia ou “burrocracia” da escola a
gente tinha que lançar conteúdos diferentes para o
ano todo (Profº. Edson).

É uma adequação que tem lá na escola. Todo


mundo coloca as notas na papeleta e repassa para o
coordenador (Profª. Ana )

Você sabe é aquele “caderninho” de conteúdos do


Estado que a gente seguia... ele já vem com os
conteúdos para a gente trabalhar (Profª. Cássia)

Ainda que tenha indicado o preenchimento dos diários como o


cumprimento de uma formalidade, os professores pesquisados evidenciaram
através dos conteúdos registrados uma concepção de educação física e
esportes. Isto é, ao relacionar (prioritariamente) os fundamentos técnicos, os
exercícios/ jogos introdutórios das várias modalidades esportivas como
conteúdos de suas aulas, os professores apontam para a perspectiva de

18
Foram localizados, nas secretarias das escolas onde atuam os professores pesquisados, apenas os
diários de classe de parte das turmas de educação física dos professores pesquisados e referentes aos anos
de 1999 e 2000.
76

ensino voltada para a aprendizagem através do esporte, como eixo norteador


de sua prática pedagógica.
Isto, por sua vez, serve para indicar o tipo de representação coletiva –
entendida aqui como um conjunto muito genérico de conceitos, mitos e
ideologias – que os professores pesquisados têm do esporte que ensinam em
suas aulas; uma espécie de “senso comum coletivo” característico do grupo de
professores pesquisados, que me atrevo a organizar nos seguintes tópicos:

1. Todos os alunos devem praticar algum tipo de esporte na escola;


2. O esporte deve ser o conteúdo central das aulas de educação física;
3. Os objetivos das aulas de educação física são os mesmos do esporte; e
4. Os jogos ou exercícios executados fora da prática esportiva devem se
relacionar com o aprendizado dos esportes.

Por outro lado, é importante destacar que o fato de se preocupar com a


inclusão de alguns conteúdos (mesmo não tendo sido abordados durante as
aulas), sob o pretexto de tornar seus diários mais bonitos ou para o
atendimento da burocracia escolar; parece reforçar o “sentimento de
pertencimento” a um grupo de professores que têm representações coletivas
semelhantes sobre a importância do esporte na educação física escolar. Ou
seja, mesmo que “tenham” que registrar em seus diários alguns conteúdos que
figuram na proposta de educação física da Secretaria Estadual da Educação
(1992), o “caderninho”, os professores pesquisados mantiveram o registro, em
seus diários de classe, de atividades voltadas para o ensino do esporte, tais
como: fundamentos táticos e técnicos das modalidades esportivas, jogos pré­
desportivos, histórico e regras oficiais etc.
Tais registros, entretanto, não permitem deduzir que os professores
pesquisados têm a mesma percepção sobre o esporte que ensinam. É preciso,
ainda, o suporte de informações sobre as impressões e expectativas dos
professores em relação ao esporte que ensinam para a compreensão do
complexo processo de construção de suas percepções.
O próximo capítulo tratará, então, das expectativas, das estratégias e
das impressões dos professores sobre o esporte que ensinam.
77

3 – AS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES

3.1 – As expectativas sobre o esporte que ensinam

A socialização de comportamentos, hábitos e valores considerados


recomendáveis para os alunos, se evidenciou recorrentemente no depoimento
dos professores como uma expectativa para o esporte que ensinam em suas
aulas. Para a professora Ana, por exemplo, o envolvimento com o esporte é
considerado algo capaz de solucionar grande parte dos males sociais.
Segundo ela:

A partir do momento que você coloca o adolescente


envolvido mais com o esporte, você tira ele da rua.
Mostrando para ele as vantagens de se praticar o
esporte, você evita que ele se envolva com outras
coisas que a sociedade mostra de tudo que é jeito e
a toda hora para eles...

Neste caso, ao considerar o esporte como atividade capaz de tirar o


adolescente das ruas, merece destaque a compreensão do termo rua e como
essa unidade sociológica estabelece e controla seus padrões de
comportamento e relacionamento.
Para Freyre (1985), a rua, ainda que represente um espaço coletivo, é
onde os indivíduos estabelecem relações impessoais e tendem a desenvolver
comportamentos mais voltados para sua individualidade. Existem também os
códigos e as normas de caráter impessoal e coletivo a serem seguidas, como
no caso de locais e equipamentos públicos (banheiros coletivos, praças e
telefones públicos). E como responsáveis pelo controle das relações que
ocorrem nestes espaços, estão os sistemas de segurança pública e/ou a
polícia. Por outro lado, a casa representa o local das relações e controles
pessoais, dos valores éticos e restritos pelos laços familiares.
Se tomarmos o termo rua, citado pela professora Ana, dentro da
perspectiva acima citada, temos que proceder algumas adaptações e
contextualizações. No caso da cidade de Jataí, as manifestações de violência
urbana (assaltos, acidentes de trânsito, seqüestros, assassinatos, etc.), em
78

função de suas características de uma cidade do interior do estado, ocorrem


numa proporção bem inferior às que ocorrem nos grandes centros urbanos do
país o que, por sua vez, determina ações de controle por parte das instituições
responsáveis, também mais amenas que nos grandes centros urbanos.
Neste sentido, a preocupação da professora parece estar relacionada
com uma tentativa de evitar o contato de seus alunos com qualquer
manifestação que tem lugar na rua que possa influenciar o seu comportamento;
o que não ocorreria, segundo a professora, se estivesse praticando esportes na
escola. Tal visão da prática esportiva escolar desconsidera o fato de que
também no interior da escola ocorrem interações entre os próprios alunos que
podem levá-los à legitimação dos valores e códigos da rua.

Também preocupado com a socialização de “bons hábitos” e com a


influência de “más companhias” o professor Edson colocou que

o esporte serve para tirar nossos alunos dos vícios,


do mau caminho..., desde novinhos os alunos aí
estão se enveredando por caminhos errados... com
drogas, álcool, más companhias e praticando outras
coisas que não o esporte.

Aqui, o professor ratifica a percepção do esporte como uma prática


capaz de retirar os alunos do meio em que, provavelmente, teriam contato com
situações e práticas indesejáveis socialmente. Novamente, a intervenção do
esporte se dá no nível do indivíduo e, com características de prevenção, em
relação a multiplicidade de influências do meio em que vivem os alunos.
Parece-me, entretanto, que as preocupações dos professores Edson e
Ana extrapolam os limites de possibilidades de influências de fatores como a
violência urbana, consumo de drogas e de álcool na realidade social em que
estão inseridos seus alunos. Talvez, pelo fato de se encontrarem “alarmados”
pela grande quantidade de informações veiculadas, diariamente, sobre a
crescente marginalidade dos grandes centros urbanos do país, os professores
indiquem tais preocupações em seus depoimentos. Não se pode dizer,
entretanto, que a cidade de Jataí represente uma “cidade sem problemas” em
relação à educação, segurança, delinqüência juvenil e o consumo de drogas e
79

álcool com sua população jovem. Entretanto, pode se dizer, sim, que a
incidência destes problemas é bem menor que nos grandes centros urbanos.
Desta forma, a socialização, a ser desenvolvida pelo esporte – de
acordo com os professores Ana e Edson – esta diretamente relacionada à
aquisição de uma forma de comportamento social aprovado pelo grupo social
ao qual pertencem. E, neste sentido, o esporte que ensinam em suas aulas
parece servir como elemento de adaptação às regras e normas impostas pelo
sistema de ensino e pelo esporte de alto rendimento; o que nos parece traduzir
uma visão restrita de socialização e das possibilidades de socialização do
esporte que tem lugar na escola.

Mudando um pouco o “foco” no que diz respeito à expectativa sobre


esporte ensinado na escola, a professora Cássia destaca o uso político e
ideológico do esporte por parte dos dirigentes, ressaltando ainda a capacidade
alienadora do esporte. Segundo a professora:

...eu acho que o esporte é uma coisa muito


importante no “mundo atual”... só que anda meio
deturpado. Tem uma política dos romanos usada
antigamente – você conhece né? – que era de
oferecer para acalmar o povo “o pão e o circo”. Hoje
“eles” fazem a mesma coisa; cesta básica + futebol =
felicidade. É uma forma alienante de dominar o
povo....

Para que pudesse compreender o relato da professora – e a partir daí


analisá-lo – surgiu a necessidade de esclarecer alguns detalhes sobre o
mesmo. Para isso, foram utilizados os esclarecimentos prestados pela própria
professora quando da realização de sua segunda entrevista.
Quando a professora utiliza o termo “mundo atual”, ela se refere às
várias esferas onde se manifesta o esporte (incluindo aí suas aulas de
educação física); quando cita a política romana do “pão e circo”, utiliza uma
metáfora, para relacionar a prática de oferecimento de grandes espetáculos
associada a uma pequena quantidade de alimentos (utilizada por alguns
imperadores romanos para conseguir o apoio popular para suas medidas) com
80

as políticas públicas brasileiras atuais de apoio ao esporte e aos menos


favorecidos economicamente.
Analisando o relato, para além das críticas embutidas nas metáforas,
entendo que a professora aponta para um posicionamento de reflexão em
relação ao esporte e a forma “deturpada” como tem sido ensinado na escola.
Ocorre, porém, que a consideração do esporte como uma deturpação
pressupõe a compreensão de outros aspectos do depoimento da professora. O
primeiro deles tem relação com o modelo de esporte que a professora admite
como legítimo em sua prática pedagógica. Ou seja, que esporte é esse que a
professora afirma estar sendo deturpado?
Através do depoimento da professora pode se perceber que ela se
refere ao modelo de esporte de rendimento ou espetáculo. Especialmente os
que se relacionam aos grandes eventos internacionais, e não apenas ao
esporte praticado no contexto de sua escola.
Recorrendo novamente ao conceito de “cultura escolar de esporte” de
Vago (1996), parece equivocado o posicionamento da professora no que diz
respeito ao esporte que ensina e suas influências no cotidiano escolar. Isto é, o
esporte que ela ensina em suas aulas pode não estar sendo tão alienante
quanto os grandes eventos internacionais de esporte podem ser na vida de
seus alunos. Nas palavras de Vago (1996):

... a escola, como instituição social, pode produzir uma


cultura escolar de esporte que, ao invés de reproduzir as
práticas de esporte hegemônicas na sociedade, como
escreveu Bracht (1992), estabeleça com elas uma relação
de tensão permanente, num movimento propositivo de
intervenção na história cultural da sociedade (p. 4)

Outro aspecto que chama atenção no relato da professora é o fato de a


mesma considerar o esporte como uma forma alienante de dominar o povo. O
destaque para tal análise da professora justifica-se pelo fato de entendermos
(apoiado nos estudos de Elias, 1998) dominação e alienação como situações –
individuais ou coletivas – que podem se relacionar a vários aspectos da vida
humana. Um indivíduo pode ser alienado no aspecto político e não o ser
socialmente; assim como pode ser alienado socialmente e não o ser
esportivamente falando. Portanto, conceber o esporte como algo com a
81

capacidade alienante de dominar o povo pode representar uma análise que


ultrapassa os limites de intervenção do mesmo, que dá mais importância do
que realmente tem o esporte na vida dos indivíduos.
Assim, e mesmo com toda a importância do fenômeno esportivo nas
sociedades modernas, o esporte não pode ser analisado (isoladamente!) como
um fenômeno que leva a alienação de um povo. Pode, sim, ser analisado como
um fenômeno capaz de contribuir para o processo de alienação parcial de um
determinado segmento da sociedade, quando utilizado como meio de
divulgação de ideologias, produtos, políticas, marcas etc. Como no caso citado
pela própria professora, por exemplo.

O professor Léo, ao ser argüido com relação a sua expectativa sobre o


esporte que ensina em sua escola, declara percebê-lo como uma prática
capaz de promover uma maior aproximação entre alunos e professores. Neste
sentido, ele coloca que

Eu trabalho com crianças carentes; lá na minha


escola todos eles são muito carentes.... de uma
classe social menos favorecida em termos de grana,
então a gente tem que criar, que adaptar o esporte
para as condições deles. Às vezes até a gente se
aproxima mais dos alunos por causa disso.

Para que pudesse realizar uma análise mais detalhada sobre a


expectativa do professor Léo em relação ao esporte que ensina foi necessário
retornar ao professor e questionar-lhe sobre as “adaptações” que eram feitas.
Neste sentido, o professor relacionou, entre outras, a confecção e utilização de
materiais alternativos (bolas de meia, bambolês com mangueiras, redes de
voleibol improvisadas a partir de cordas amarradas entre dois postes e traves
de gol representadas por tijolos ou garrafas descartáveis de refrigerante cheias
de água) e a mudança das regras.
Segundo o professor, o fato de proceder adaptações no esporte que
ensina deveria ser o suficiente para promover uma maior integração entre os
alunos e, destes com os professores. Ainda sobre essas adaptações, é
importante destacar os seguintes questionamentos:
82

1. Será que todos os alunos do professor têm necessidade de praticar o


mesmo esporte que os demais alunos das outras escolas da cidade?
Penso que não!
2. Será que os alunos do professor poderiam praticar outro tipo de
esporte?
Penso que sim!
Mesmo que estejam, os alunos e os professores submetidos à lógica do
esporte de competição (em função da realização periódica de eventos
esportivos escolares baseados neste princípio) me parece, como para Bracht
(2000), acertado acreditar na possibilidade da prática de um esporte escolar
que atribui um significado menos central ao rendimento máximo e à competição
(p.19).
Antes de passar adiante, me parece ser importante esclarecer que tipo
de socialização estão falando todos os professores pesquisados.
Revendo alguns conceitos básicos sobre socialização, temos que:

1. Para os estudiosos da psicologia social, a socialização pode ser entendida


como o processo pelo qual um indivíduo aprende a adaptar-se ao grupo
pela aquisição de comportamento social aprovado pelo grupo (Dicionário
de Sociologia, 1980, p.1138).

2. Para sociólogos e estudiosos do desenvolvimento, todas as crianças,


cujas capacidades não são severamente limitadas, participam da interação
social e ao fazê-lo adquirem comportamentos sociais, o processo é
essencialmente de aprendizagem (Newcomb,1950, p.51).

No caso dos professores de educação física pesquisados, a concepção


de socialização a ser desenvolvida pelo esporte em suas aulas tem relação
direta com a internalização de condutas e hábitos considerados “aceitáveis”
pela sociedade em que estão inseridos os seus alunos. Segundo Bracht (1992)
a socialização através do esporte pode ser considerada uma das mais severas
formas de controle social, pois passa pela adaptação dos praticantes aos
códigos e valores pré estabelecidos para aquela prática esportiva e ainda os
83

leva a aceitar, passiva e naturalmente seu fracasso ou sua derrota. Segundo o


autor
um dos papéis que cumpre o esporte escolar em nosso
país, então, é o de reproduzir e reforçar a ideologia
capitalista, que por sua vez, visa fazer com que os valores
e normas nela inseridos se apresentem como normais e
desejáveis . Ou seja, a dominação e a exploração devem
ser assumidas e consentidas por todos, explorados e
exploradores, como natural (p.61).

Numa primeira análise, a socialização, esperada e incentivada pelos


professores pesquisados, em relação ao esporte que ensinam em suas aulas
parece assumir características de conformação e não de questionamento e
inquietação. O respeito às regras, aos regulamentos e, até mesmo, a exclusão
das equipes representativas de sua escola (em favor dos mais aptos!)
representam os mecanismos que são utilizados pelos professores para ofuscar
os conflitos que poderiam advir destas (ou nestas!) situações.
Ao relacionar a caracterização das expectativas em relação ao esporte
com as representações sobre os eventos esportivos escolares, entretanto,
outra forma de socialização se evidenciou. Trata-se da integração, ainda que
para pequenos grupos de alunos, que ocorre quando da disputa de alguma
partida ou competição. Como já foi dito neste estudo, os alunos, que são
envolvidos na disputa de uma partida, estabelecem relações (de amizade, de
admiração, de inveja, etc.) com seus companheiros de equipe e com seus
adversários. Relações, estas, que podem proporcionar aprendizagens,
desencadear conflitos e gerar questionamentos que podem se estender ao
espaço das aulas de educação física e aos demais alunos das turmas que
fazem parte.
Diante disso, é importante perguntar se os professores de educação
física pesquisados têm consciência deste “emaranhado de socializações” que
são possíveis através do esporte que ensinam?
Novamente, é provável que não!
Imagino que os professores pesquisados proporcionam a seus alunos
uma oportunidade para uma socialização com “características críticas”, sob o
argumento de uma socialização do “tipo funcional”. Entretanto, esta análise
será retomada nas considerações finais deste estudo. Vejamos, antes, que
84

estratégia os professores utilizam para o ensino do esporte em suas aulas de


educação física.

3.2 – As estratégias de ensino do esporte

Ainda tentando identificar os objetivos do esporte, ensinado pelos


professores, foi-lhes perguntado sobre as estratégias que utilizavam para
atingir seus objetivos. É interessante notar a relação entre os objetivos
propostos pelos professores e as estratégias utilizadas pelos mesmos.
Vejamos o relato da professora Cássia sobre suas aulas:

... a gente tenta fazer os alunos jogarem nas nossas


próprias aulas de educação física. A gente faz eles
jogarem “dez minutos ou dois gols” e tenta por todo
mundo para jogar... a gente tem que dar um jeito de
todo mundo jogar (pelo menos aqui dentro da
escola). Os meus horários estão quase todos cheios
de alunos por causa disso...

O fato de tentar colocar todos os seus alunos para jogarem o maior


tempo possível durante suas aulas significa que a professora admite o esporte
como o principal (senão o único!) conteúdo a ser tematizado em suas aulas e
que, quanto mais seus alunos vivenciarem esta experiência, será melhor para
todos. Significa, também, que a professora – mesmo tendo “liderado” um
movimento em favor da mudança no regulamento geral dos jogos escolares –
trabalha no sentido de legitimar o modelo de evento esportivo (excludente e
competitivista, segundo a professora) que é realizado pelas secretarias
municipal e estadual de educação. Por outro lado, o fato de a professora
Cássia “criar” situações onde o maior número de alunos possa participar das
atividades desenvolvidas em suas aulas evidencia uma preocupação com o
princípio da inclusão e participação (apontados pela 1ª Conferência Brasileira
de Esporte Educacional, 1996, como princípios básicos do desporto-educação).
Ainda que pareça paradoxal o posicionamento da professora no que diz
respeito à tentativa de mudança no regulamento geral dos eventos esportivos
e a tematização, quase que exclusiva, dos elementos do esporte em suas
aulas, acredito que a preocupação com a inclusão de seus alunos e com a
85

aceitação de suas aulas sejam os eixos norteadores de sua prática. Ou seja, a


professora parece preocupar-se com a inclusão dos alunos como forma de
legitimar sua prática pedagógica no contexto escolar da cidade de Jataí que,
conforme já colocado neste estudo, caracteriza-se por apresentar uma cultura
escolar de educação física voltada para o ensino dos elementos do esporte.
O professor Edson, por sua vez, ao defender a participação de seus
alunos nas competições escolares (mesmo em modalidades nas quais a escola
não possui equipes de treinamento) também parece contribuir para a
legitimação do modelo de eventos esportivos que são realizados normalmente
pelos órgãos já identificados neste estudo. Além disso, diferentes formas de
trabalho foram citadas pelo professor, como “artifícios” para se evitar uma
decepção no campo esportivo. Segundo o professor:

É uma questão de consenso já entre a gente,


professor... a gente treina umas 2 ou 3 semanas
antes da competição para os meninos não entrarem
nas competições sem uma base... eu
particularmente acho bom que eles participem... é
melhor que ficar só treinando, treinando....

Neste caso, a intenção primeira do professor parece ser tentar


“amenizar”, com atividades aparentemente estranhas ao seu cotidiano, os
efeitos negativos de uma participação de sua escola – sem a devida
preparação – nos referidos eventos esportivos.
Por outro lado, ainda que tenha colocado como uma questão de
consenso entre os professores, o fato de alterarem suas rotinas de trabalho,
nas duas ou três semanas que antecedem as competições esportivas, me
permite deduzir que durante o restante do ano letivo a perspectiva de trabalho
do professor pode não estar direcionada somente para a participação nos
eventos esportivos escolares.
Situação semelhante é apresentada pelo professor Léo ao relatar que

...quando chega a época da competição a gente


separa o grupo e treina mais específico ...
normalmente a gente separa dentro da turma
mesmo... agora quando precisa mesmo a gente
treina em outro horário.. a gente ainda acompanha e
86

treina os meninos é porque a gente gosta


mesmo....os alunos de lá são animados demais e
muito carentes para a gente deixar eles na mão.

Além da separação já existente durante as aulas de educação física com


turmas de iniciação e treinamento desportivo, o professor relata outra
separação dentro no interior do grupo de alunos que orienta; separando, entre
os já separados por terem mais habilidade que os demais, apenas os que
poderão participar da referida competição. Também no caso deste professor,
suas estratégias de ação parecem relacionar-se diretamente com o objetivo de
participação nos eventos esportivos escolares que são promovidos pelos
órgãos oficiais do Estado de Goiás.
Além disso, o relato do professor Léo alerta, também, para o fato de que
seus alunos parecem se motivar mais em função da participação nas
competições esportivas, dispondo-se, inclusive, a se submeterem a
treinamentos em horários extra-curriculares com vistas à uma melhor
preparação. Fatos, estes, que contribuíram para aguçar a tentativa de
compreensão de tal motivação.
Assim, que motivos estariam levando os alunos, e até mesmo o
professor, a se empolgarem com a participação de sua escola em um evento
esportivo onde somente um pequeno grupo19 poderá participar?
Se observarmos que a motivação dos alunos para as aulas de
educação física e/ou treinamentos acentua-se com a aproximação do período
de competições, podemos deduzir que esta forma de tematizar o esporte –
através da competição – pode servir não apenas, para o acirramento de
princípios como o da busca do rendimento, competitividade e seleção (como
sugerem Bracht, 1997 e Oliveira, 1999) mas, também, como um importante
elemento motivador de alunos e professores. Capaz, até, de alterar a rotina
escolar; de romper com algumas estruturas de aula e de horários já
consagrados pelo cotidiano da escola.
O relato dos professores pesquisados, no que diz respeito à sua forma
de ensinar o esporte, sugere uma estreita relação com os objetivos de
participação nos eventos esportivos escolares. Mas, propõem, também, para

19
De acordo com o artigo 32 do Regulamento Geral dos Jogos Escolares Goianos/2001 cada escola
poderá inscrever apenas uma equipe com, no máximo, 16 atletas em cada modalidade.
87

uma resignificação de alguns princípios do esporte moderno, apontados por


Bracht (1997). Ou seja, por terem como objetivo a constituição de equipes em
suas escolas e a socialização de determinados valores, os professores tentam
oportunizar a seus alunos, em suas aulas/treinamentos, a maior quantidade
possível de experiências com o modelo de esporte praticado nos eventos
esportivos escolares; mas reconhecem o esforço e a motivação de seus alunos
em participar dos referidos eventos.

Outro aspecto, que pareceu relacionar-se diretamente com a prática dos


professores pesquisados, diz respeito à impressão que estes sujeitos têm
sobre os demais segmentos da escola e o esporte que ensinam.
Vejamos, então, como os professores pesquisados vêem estes “outros
segmentos” em relação ao esporte que ensinam.

3.3 – As percepções dos professores sobre a “escola” e o


esporte que ensinam

É importante destacar, em princípio, que a visão que os professores têm


da escola e, desta, sobre o esporte que ensinam, será apresentada e analisada
a partir do relato dos professores, mesmo correndo o risco de analisar este
aspecto a partir da impressão de um único segmento. Esclareço também que,
em função destes mesmos depoimentos, a identificação, ainda que parcial, da
visão que os demais segmentos da escola têm do esporte, constituiu
importante aspecto para a compreensão das representações dos professores
sobre o esporte que ensinam.
Assim, comecemos pelo depoimento do professor Carlos, que coloca
seu alto grau de exigência com seus alunos como conseqüência da cobrança
que sofre (ou pode vir a sofrer!) institucionalmente. Segundo o professor:

...eu exijo muito de meus alunos mesmo... eu faço


de tudo para eles ganharem as competições que
participamos. Além de achar que eles devem se sair
bem eu ajo assim porque sei que a direção, os pais
deles vão vir me cobrar depois....às vezes a gente
participa, mas me dá até vontade de perder porque
88

se nós ganharmos a fase daqui da cidade a gente


vai continuar sem apoio e aí como é que nós
fazemos para viajar para outras cidades?

Ao colocar a possibilidade de uma derrota em função da falta de apoio, o


professor parece tentar justificar, previamente, qualquer insucesso que venha a
ocorrer com seus alunos no decorrer das competições que participa. Ou seja,
se por acaso, alguma de suas equipes não conseguir obter êxito nas
competições, o professor poderá atribuir tal fracasso à “falta de apoio”20 da
Direção da escola e dos pais de seus alunos, ao invés de ver imputado aos
seus métodos de treinamento – e por conseguinte, à sua competência – o
desempenho insatisfatório da equipe.
Numa análise textual do relato, o posicionamento do professor parece
contraditório quando coloca que às vezes a gente participa, mas dá até
vontade de perder após ter afirmado que... eu exijo muito de meus alunos
mesmo eu faço de tudo para eles ganharem. Para que pudesse
compreender melhor o relato do professor, retornei aos dados referentes à
caracterização dos sujeitos deste estudo e pude perceber que a atitude do
professor de exigir o máximo rendimento de seus alunos vai ao encontro das
experiências que tem acumulado em sua trajetória esportiva. Uma vez que
esteve sempre envolvido com a rotina das competições esportivas e da
preparação para elas, o que, certamente, tem contribuído, para a construção
de sua prática docente (cf. Borges, 1998). É como se o professor buscasse
reproduzir para (em) seus alunos os valores e significados do esporte que
vivenciou.
Também o professor Edson aponta a interferência, no sentido de
cobrança por melhores resultados e participação, dos demais segmentos da
escola em sua prática pedagógica. Para ele:

A direção não tem muito embasamento na área de


esporte e com a saída de alguns colegas eu perdi a
vontade de brigar... o pessoal da direção e da
secretaria municipal só quer saber de cobrar da

20
Ao serem questionados sobre o que significaria “apoio” para a área, os professores pesquisados
relacionaram uma série de itens; dentre eles: aquisição e renovação de materiais pedagógicos (bolas,
redes, etc.) e de jogo (uniformes, bolas, etc.), dispensa das demais aulas quando da participação nos
eventos oficiais e apoio financeiro para a realização de viagens de intercâmbio e competição.
89

gente mas na hora de ajudar... ninguém tá nem aí


para nós...

Assim como no caso do posicionamento do professor Carlos, a “falta de


apoio” e a cobrança por parte da direção da escola e da própria Secretaria
Municipal parecem estar sendo apresentada como uma “justificativa prévia”
para os eventuais fracassos que possam advir. Merece destaque, entretanto, a
afirmação do professor em relação ao embasamento da direção da escola
sobre a área dos esportes. Neste caso, o depoimento do professor extrapola os
limites de sua área de atuação, para estabelecer um julgamento, à revelia21, de
outro segmento da escola; o que, cremos, se assemelha ao posicionamento
que o professor diz adotar os outros segmentos da escola em relação à sua
área.
O professor Léo, por sua vez, também não esconde sua insatisfação
com a atual situação do esporte em sua escola. Segundo o professor:

... quando a gente ganha alguma coisa a direção fica


contente e às vezes faz até festa, mesmo assim eles
não incentivam a gente a participar de nada.

Ao observar o relato dos professores Carlos, Edson e Léo pude perceber


que os três apontam a “falta de apoio” da direção e dos pais de alunos como
fator interveniente em suas práticas docentes. Por outro lado, ao recuperar os
dados referentes às experiências esportivas contidas em suas trajetórias, pude
perceber que, ainda assim, o apego aos princípios e valores do esporte
moderno, que praticaram naquele período, fazem com que os professores
busquem meios de superar esta carência de apoio. Ou seja, os professores
tendem a exigir de seus alunos a mesma competitividade e o mesmo
compromisso com a vitória – custe o que custar – que orientaram suas
experiências esportivas anteriores.
É importante, também, destacar a forma como estes professores
parecem assimilar as cobranças e as “pressões” da direção da escola e dos
pais dos alunos em relação ao rendimento esportivo/atlético.

21
Termo jurídico que indica a ausência ou a falta de conhecimento de uma das partes.
90

A avaliação dos pais e da direção parece significar mais para os


professores do que a própria avaliação de seus alunos. Aliás, uma forma de
“controle externo” da relação professor-aluno, a qual, nenhum dos professores
mostrou-se satisfeito em ser submetido a ela, buscando, inclusive, formas de
se isentar da mesma. Ou seja, não podem nem os pais dos alunos nem a
direção da escola, exigir um bom rendimento dos alunos nas atividades
relacionadas à área da educação física/esportes uma vez que não dão o
“devido apoio” para a mesma.
Contudo, esta forma de controle externo nos remete a outros dois
questionamentos. Primeiro, se existe esta forma de controle externo em
relação ao desempenho dos alunos em relação às demais áreas de
conhecimento abordadas pela escola? E, segundo, como os professores
destas áreas, assimilam tal controle?
É sabido que o controle dos pais e direção da escola em relação ao
desempenho dos alunos nas demais áreas do conhecimento ocorre através da
verificação dos conceitos/notas obtidos nas avaliações periódicas. Entretanto,
nesta forma de controle, apenas o resultado obtido pelo aluno é observado
diretamente e o trabalho desenvolvido pelo professor, dificilmente, é
questionado em função dos resultados insatisfatórios nas avaliações –
principalmente se houver casos de bons resultados na turma22. Ao passo que,
na avaliação da participação de uma equipe num evento esportivo, o resultado
coletivo (vitória ou derrota!) é que determinará o “conceito” do aluno e do
trabalho desenvolvido pelo professor. Diante disso, talvez fosse interessante a
realização de estudos que buscassem compreender melhor a relação dos
mecanismos externos de controle e a prática dos professores.
Todavia, é importante salientar que o argumento, apresentado, com
muita habilidade, pelos professores pesquisados, não pode servir como
justificativa para o “insucesso” – no sentido de não vencer as competições que
participam – de seus alunos, nem tampouco para reforçar a adoção de
princípios como a exclusão e a competitividade em suas abulas. Ao contrário,
deve servir como mais um ponto de apoio para a análise do esporte que vem
sendo praticado e ensinado em suas escolas.

22
Enquanto professor da rede pública no estado de Goiás, no período de 1992 a 1996, tal situação se
verificava sempre quando da realização dos momentos de avaliação coletiva e encontros de planejamento.
91

Diante do exposto neste capítulo, poder-se-ia deduzir, de acordo com o


depoimento dos professores, que os objetivos do esporte que ensinam estão
voltados para a socialização de princípios e valores que julgam legítimos para
seus alunos; e que, para atingir esses objetivos, utilizam atividades e situações
voltadas para a competição esportiva, sendo avaliados e controlados (também)
por segmentos externos à relação aluno-professor.
Entretanto, será necessário, para a análise final, a recuperação de
alguns aspectos da realidade social concreta onde se desenvolveu a pesquisa.
Antes de se fazer qualquer análise, por exemplo, em relação à prática
dos professores e os princípios do esporte moderno – aparentemente,
presentes no esporte que ensinam em suas aulas – é necessário, primeiro,
destacar a origem do esporte do qual estamos falando, que princípios norteiam
sua prática e em que bases legais estão assentados os mesmos para que
possamos compreender a “retradução”23 que parece ser feita pelos
professores.

3.3.1 – De onde vem o esporte do qual falamos

Ao analisar a gênese do esporte, Elias (1992) localiza, na Inglaterra do


final do século XVIII, as primeiras manifestações do que hoje conhecemos por
esporte moderno. Segundo este autor, o declínio dos jogos populares da
nobreza inglesa, em função do avanço dos processos de industrialização e
urbanização e o caráter de complementariedade do processo de auto
pacificação, desencadeado na Inglaterra do Século XVIII, fez com que vários
destes jogos se tornassem práticas comuns também entre os integrantes das
classes populares. Isto é, o esporte deveria servir para canalizar a necessidade
de exercer uma “violência sob controle”. Para o autor

O desporto, tal como outras atividades de lazer, no seu


quadro específico, pode evocar através dos seus
desígnios , um tipo especial de tensão, um excitamento
agradável e, assim, autorizar os sentimentos a fluírem
mais livremente (...) destina-se a movimentar, a estimular

23
No sentido de conhecer o tratamento dado ao esporte, independente das considerações de Bracht (1997)
sobre os princípios norteadores do esporte moderno.
92

as emoções, a evocar tensões sob a forma de uma


excitação controlada. (p.79)

Sobre o processo de declínio dos jogos populares da nobreza inglesa,


Bourdieu (1983) observa que a “distinção”, conferida aos praticantes de alguns
esportes, foi desaparecendo em função de sua popularização. E a perda deste
“valor de distinção” dos jogos praticados pela nobreza inglesa acelerou o
processo de popularização e esportivização dos mesmos. Além disso, destaca
o autor,

Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte


propriamente dito tenha se realizado nas grandes escolas
reservadas às elites da sociedade inglesa...onde os filhos
das famílias da aristocracia ou da grande burguesia
retomaram alguns jogos populares, isto é, vulgares,
impondo-lhes uma mudança de significado e de função
(p.139).

Em um estudo introdutório sobre sociologia dos esportes, Bracht (1997),


apoiando-se nos estudos de Elias (1992) e Guttmann (1979), identifica cinco
características básicas do esporte moderno, que são: a competição, o
rendimento físico técnico, record, racionalização e cientificização do
treinamento. Características, estas, que foram se constituindo em princípios
básicos a serem observados pelos professores de educação física que atuam
com o ensino do mesmo. Também neste estudo, o autor contrapõe a teoria da
origem do esporte moderno a partir de um processo de desenvolvimento linear
dos jogos gregos, com uma teoria que enfatiza a descontinuidade, a ruptura
representada por esta forma cultural do movimentar-se humano (o esporte). O
que, segundo o autor, não representa uma ausência de continuidade, e sim
que aspectos centrais desta prática são novos.
Oliveira (1999), num esforço para retraçar a gênese do esporte
moderno, adverte para o fato de que não se deve considerar o esporte como o
resultado de um processo linear de desenvolvimento desta ou daquela
manifestação cultural, nem tampouco como uma instituição completamente
autônoma. O esporte, neste sentido, deve ser considerado e analisado como
uma produção humana que foi produzida num dado momento histórico,
localizada num contexto social e que, como tal, pode ser modificada,
93

ressignificada e revalorizada. Segundo este autor existe alguns pontos


consensuais nos vários textos e estudos que abordam a questão do surgimento
do esporte moderno. São eles:

1. O esporte moderno surge na Inglaterra a partir do século XVIII;


2. Surge da transformação de alguns jogos populares;
3. As public schools têm um papel fundamental nesse processo; e
4. Da Inglaterra, o esporte se espalha por todo o mundo e torna-se a
principal expressão da cultura corporal e das ocupações de lazer.

Na antigüidade clássica, as manifestações esportivas ocorriam tanto


para celebrar uma boa colheita quanto para relembrar a morte de um
imperador ou governante, sendo conceituados, de acordo com os objetivos que
atendiam, como jogos festivos, jogos fúnebres etc.
Enquanto fenômeno moderno, o esporte iniciou sua história como uma
atividade voltada para o lazer das classes dominantes e atingiu o status de
prática corporal hegemônica.
Neste percurso, mais especificamente no interior da história da
educação física brasileira, o esporte tem sido alvo de inúmeras diferenciações
que são traduzidas sob a forma de classificações distintas que trazem consigo
princípios e particularidades específicas de cada um deles. Vejamos que
princípios são esses.

3.3.2 – Classificações e Princípios do esporte

Entre os estudiosos brasileiros, mesmo reconhecendo a multifacetude


do fenômeno esportivo, parece existir um consenso no que diz respeito à
classificação apresentada, entre outros autores, por Bracht (1997), para o
fenômeno esportivo, é a seguinte:
94

1. Esporte de alto rendimento ou espetáculo;


2. Esporte enquanto atividade de lazer.

Ainda segundo o autor (op. cit.), toda prática esportiva assume


características educacionais ao se inserir no âmbito da instituição educacional,
independente da concepção de ensino que adote o professor de educação
física ao tematizá-lo. A simples adjetivação do fenômeno esportivo, que se
manifesta na escola, de esporte educacional, é, portanto, redundante e
falaciosa. Tende a encobrir a vinculação do modelo de esporte ensinado nas
aulas de educação física ao esporte de alto rendimento. Para o autor :

não existe uma forma específica de esporte que seja


educativa. O esporte praticado no âmbito da instituição
educacional pode, na verdade, vincular a uma das duas
perspectivas citadas anteriormente (p. 16).

Em outro texto, Bracht (2000) busca esclarecer o que chamou de


equívocos e mal entendidos no âmbito da relação entre o esporte na escola e o
esporte de rendimento e suas classificações. Segundo o autor, numa análise
mais detalhada do fenômeno esportivo e a escola, a oposição entre os do
rendimento x os do lúdico (os do formal x os do informal; os do alto nível x os
do EPT) constitui uma forma equivocada de entendimento do esporte. Para ele

a crítica é à hegemonia da razão técnico-instrumental;


que numa determinada perspectiva marxista, significa a
coisificação de todas as relações sociais-humanas.
Parece-me que a contraposição a esta tendência não
deveria se fazer pela afirmação de seu contrário (...) e
sim, pela mediação, pelo reconhecimento da ambigüidade
de nosso ser/estar (n)o mundo, pela superação qualitativa
da razão instrumental e não pelo “retorno” ao sensível
original (p. XVII).

Assim, parece correto, do ponto de vista teórico e para efeito deste


estudo, entender o esporte como uma construção histórico-social humana em
constante transformação e que pode sofrer várias “determinações” em função
do contexto onde estiver sendo observado/analisado (escola, clubes, praças
etc.).
95

No âmbito do desporto-educação (ou esporte educacional) o governo


brasileiro realizou, em parceria com a Universidade Gama Filho, em 1996 a
primeira (1ª) Conferencia Brasileira de Esporte Educacional e apresentou uma
sistematização dos seguintes princípios para o ensino do esporte escolar: o
princípio da totalidade; o princípio da co-educação; o princípio da cooperação;
o princípio da participação; o princípio da emancipação e o princípio do
regionalismo.
Com a finalidade de sintetizar as principais diferenças entre os princípios
gerais do esporte de rendimento e os do esporte educacional, apresento o
quadro a seguir:

Quadro 3 - Comparação entre os princípios do esporte de rendimento e do


esporte escolar.
Esporte de rendimento Esporte Educacional
Seletividade Participação de todos
Competitividade Cooperação
Busca do rendimento Co-educação e participação
Cientificização do treinamento Totalidade e Regionalismo
Busca do Record Totalidade e Participação

Fonte: Conferência Nacional de Esporte Educacional (1996)


Ainda que pudessem ser feitas críticas a cada um dos princípios,
apresentados pelo programa citado anteriormente, destaco, intencionalmente,
os princípios da totalidade e do regionalismo.
No caso do Princípio da Totalidade é importante destacar que o esporte
é apontado como “antídoto” para algumas mazelas da sociedade brasileira
(consumo de drogas e álcool, comportamentos desajustados, etc.) e não como
um conteúdo pedagógico da educação física escolar, que pode ser tematizado
de forma crítica, com objetivos e finalidades próprias. O que evidencia uma
forma de legitimação heterônoma24 do esporte a ser ensinado pelo professor.

24
Cf. Bracht (1992) e Vago (in: Sousa e Vago, 1997) quando a importância pedagógica da atividade
depende diretamente de sua repercussão social, esta atividade não constitui uma prática legitima por si
própria.
96

Com relação ao princípio do Regionalismo, a principal crítica recai sobre


o fato de se utilizar o processo de esportivização pelo qual tem passado
determinadas manifestações corporais com significados sociais, culturais e
históricos (entre elas a Capoeira!) como justificativa para o referido princípio no
esporte educacional. Ao contrário, penso que o processo de descaracterização
(em função de sua tematização restrita ao âmbito do esporte) da Capoeira é
que deveria ser alvo de maiores e melhores abordagens nas aulas de
educação física.
Depois de identificar a origem do fenômeno esportivo que se manifesta
na escola e de explicitar as diversas classificações que lhe são atribuídas,
percebo que a revisão de alguns aspectos da legislação sobre a educação
física e o esporte se impõe para a consolidação do quadro teórico deste
estudo. Isto, principalmente, se considerar o fato de que alguns dispositivos
legais da área de educação física parece refletir/normatizar os usos e costumes
que são legitimados pelos professores em suas práticas cotidianas, que, por
sua vez, são frutos de suas representações sobre as mesmas.

3.3.3 – A legislação sobre o esporte escolar

Convém destacar que opto, intencionalmente, por abordar a legislação e


as iniciativas governamentais que tiveram lugar no Brasil, a partir da década de
40, em função de representar, este período, um importante marco histórico da
institucionalização do esporte brasileiro. Segundo Oliveira (1983), foi a partir
deste período que se registrou a expansão do Método Desportivo Generalizado
– uma das bases da educação física escolar brasileira até os dias atuais.
Segundo Linhales (1996), a emergência dos conflitos de grupos
organizados em torno das instituições desportivas serviu de motivo para o
Estado brasileiro intervir no setor esportivo – com destaque para o período em
que ocorreu a intervenção do Estado Novo, através do Decreto Lei nº 3199/41.
Segundo a autora, o modelo de institucionalização do esporte brasileiro,
decorrente desta intervenção, perdurou por cinqüenta anos, resistindo,
inclusive, às diferentes variações ocorridas no período democrático pós-45, na
ditadura militar pós 64 e adentrando na Nova República. Neste período a
97

história da educação física parece confundir-se com a das várias formas de


manifestação do fenômeno esportivo.
Neste sentido, levada pela popularidade e pela recorrência com que se
apresentou o esporte nas várias tendências de ensino da educação física, a
legislação brasileira assim como alguns programas institucionais se
encarregaram de legitimá-lo enquanto conteúdo básico da área; vejamos
alguns exemplos disso.
Como legislação superior brasileira, a Constituição Federal de 198825,
levando em consideração alguns dos itens da proposta da Comissão de
Reformulação do Desporto Brasileiro, além de agrupar todas as formas de
prática esportiva em Esporte Formal e não Formal, determina a liberdade de
expressão e o respeito às manifestações regionais como princípios norteadores
da prática esportiva em todo o território nacional. Até hoje, alguns aspectos
desta lei, como a implantação dos conselhos estaduais e municipais de
desporto26, carecem de aprovação de leis complementares para seu perfeito
funcionamento. No Estado de Goiás, por exemplo, o Conselho Estadual de
Esportes e Lazer – CEDEL somente foi criado no ano de 1998; portanto, dez
anos depois da promulgação da Constituição Federal do Brasil.
Para o âmbito escolar é importante destacar a antiga Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (5.692/71), e sua legislação específica para a área de
educação física (Decreto 69.450/71), uma vez que estabelecia objetivos e
conteúdo da educação física para os diferentes níveis de ensino com estreita
relação com o ensino dos esportes. Aliás, orientações estas, que pareceram
sobreviver nas representações dos professores de educação física
pesquisados, no que diz respeito ao esporte que ensinam atualmente.
Segundo o Decreto 69.450/71, no “ensino primário” – hoje denominado
de 1ª fase do ensino fundamental – o aluno deveria ser apresentado às
diferentes formas de movimentos naturais, que em sua essência corresponde
ao preparo para o aprendizado do esporte. Na etapa seguinte da trajetória
escolar, quando o aluno ingressava no “ginásio” – hoje denominado de 2ª fase
do ensino fundamental – este deveria ter acesso aos movimentos básicos dos
vários esportes, o que constituiria uma espécie de fase pré-desportiva. O

25
Em seu artigo 217.
26
Condição essencial para o recebimento de verbas e subvenções do governo federal.
98

terceiro momento da trajetória escolar, quando o aluno atingia o “científico” –


hoje denominado de ensino médio – devia ser orientado no sentido de
especialização dos movimentos pré-desportivos entrando, assim, em uma fase
desportiva. E, finalmente, quando chegava ao ensino superior, a educação
física – hoje oferecida e cursada facultativamente neste nível de ensino –
deveria ser orientada no sentido de incentivar os alunos a participarem das
equipes e seleções esportivas universitárias.
Depreende-se, portanto, deste dispositivo legal, a concepção de
educação física e esportes vinculados à descoberta e desenvolvimento dos
talentos esportivos com vistas à competitividade e à seleção dos melhores e
mais aptos para representarem melhor o país. Isto representava, salvo raras
exceções, a síntese do pensamento pedagógico dos professores de educação
física da época.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96)
parece ter sintetizado, de uma outra forma, o pensamento e as propostas
existentes no interior da área de educação física para a reformulação e
reestruturação do ensino da educação física e do esporte no ambiente
escolar.27 Ao observar, por exemplo, os princípios indicados para a educação
nacional percebe-se nitidamente a influência dos pressupostos teóricos
defendidos pelos autores vinculados à perspectiva crítica de educação e de
sociedade. Em seu artigo 3º a lei sugere, entre outros, os seguintes princípios
para a educação nacional:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência


na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
X – valorização da experiência extra-escolar

Ao refletir sobre a aplicação dos princípios citados anteriormente e a


prática do esporte no ambiente escolar, pode-se deduzir que todo aluno deverá
poder participar de todas as atividades oferecidas pela instituição escolar e não
27
Castellani Filho (1998) procede criteriosa revisão das tendências de ensino de educação física/esportes
que tiveram lugar na história da educação física brasileira; classificando-as em não propositivas e
propositivas, sendo que estas últimas podem se apresentar de forma sistematizada e não sistematizada.
99

somente os melhores ou os mais aptos, devendo ainda ser respeitada sua


cultura esportiva anterior ao ingresso na escola; o que vai de encontro aos
testes realizados pelos professores pesquisados no processo enturmação.
Por outro lado, ao indicar em seu artigo 27, item IV, como diretriz para os
conteúdos curriculares da educação básica a promoção do desporto
educacional e apoio às práticas esportivas não formais, a nova LDB ratifica o
esporte como importante manifestação da cultura corporal de movimento no
ambiente escolar e o coloca novamente em evidência, possibilitando sua
permanência como eixo norteador da definição dos conteúdos curriculares da
educação básica. Desta forma, esta diretriz possibilita aos professores de
educação física continuar a organizar seus conteúdos curriculares em torno do
esporte ou da aptidão física para os esportes, bastando para isso, que tal
proposta esteja “integrada a proposta pedagógica da escola”.
Outro dispositivo legal, de abrangência nacional sobre o sistema de
ensino brasileiro, é representado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais –
DCN`s (1998) do ensino fundamental28, que representam o conjunto das
definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem
adotados na educação básica e, portanto, de relevância acentuada para o
processo de compreensão do fenômeno esportivo no ambiente escolar.
Ao abordarem a questão da organização curricular das unidades
escolares, as diretrizes curriculares nacionais mantêm a orientação voltada
para o respeito à ética, para a formação crítica, para o exercício da cidadania,
para o respeito à diversidade cultural e para a igualdade de chances de acesso
e permanência no sistema de ensino brasileiro, instituindo, ainda, em seu artigo
3º, item IV, a educação física como uma das áreas de conhecimento que
integram a base comum nacional.
Assim, na perspectiva apontada pelas DCN’s (1998), a educação física e
o esporte no ambiente escolar se aproximam de uma perspectiva crítica de
educação e os distanciam das perspectivas tradicionais.
Mesmo sem a força de um dispositivo legal, o programa curricular
mínimo para o ensino fundamental (1992) e o programa de atividades extra­
curriculares do Programa de Desporto Educacional (2000), ambos da

28
Refere-se, neste estudo, às DCN’s do Ensino Fundamental em função de ser o nível onde os professores
pesquisados afirmaram ter a maior parte de seus alunos.
100

Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás, que foram citados pelos


professores de educação física pesquisados como referências para sua prática
pedagógica, são apresentados a seguir.
Citada recorrentemente pelos professores pesquisados, a proposta de
ensino para a área de educação física foi sistematizada durante todo o ano de
1991 e publicada pelo Governo do Estado de Goiás em 1992. Nela existe uma
relação de conteúdos específicos para cada grupo de duas séries anuais do
ensino fundamental (1ª e 2ª séries; 3ª e 4ª séries; 5ª e 6ª séries e 7ª e 8ª
séries), o que parece apontar para uma organização do tempo pedagógico que
se aproxima da proposta de ciclos de desenvolvimento, sistematizada para a
área de educação física pelo Coletivo de Autores (1992).

Enquanto justificativa de sua implantação, a proposta critica com


veemência o tradicionalismo pedagógico e o espontaneísmo como práticas que
pareciam obstruir a construção de uma nova perspectiva de educação física no
Estado de Goiás. Segundo os autores da proposta29:

...estas práticas pedagógicas, a grosso modo, estão de


imediato, comprometendo um novo projeto pedagógico. A
realidade social distanciou-se da ação educativa, o saber
pedagógico escolar, além de fragmentado, esvaziou-se de
conteúdos de formação globalizadora e o espaço
educativo afastou-se de sua prática social e da própria
emancipação do homem (p.24)

Com relação à avaliação, a proposta aponta para uma forma de avaliar


contínua como a única solução para o problema da avaliação em educação
física. Uma avaliação que contemplasse os domínios motor, afetivo, cognitivo e
social, e que não priorizasse os desempenhos físicos, desportivos ou não, do
aluno.
No detalhamento dos conteúdos a serem abordados, entretanto, a
proposta sugere os mesmos conteúdos desportivos que o decreto 69.450/71.

29
Um coletivo de professores de educação física e pedagogos da Universidade Federal de Goiás e da
Secretaria Estadual de Educação de Goiás.
101

Isto é, dentro do conteúdo esporte escolar30 são sugeridas atividades práticas


voltadas para a aprendizagem de modalidades esportivas como o atletismo, a
ginástica artística, o handebol, o futebol de salão e o voleibol (para os alunos
que estiverem cursando as 5ª e 6ª séries) e de handebol, basquete, voleibol e
futebol de salão (para os alunos que estiverem cursando as 7ª e 8ª séries).
No que diz respeito aos objetivos a serem alcançados, a proposta do
Estado de Goiás mantém o elemento “esporte” no interior dos mesmos. Para
os conteúdos de 5ª e 6ª séries temos, na proposta, que os professores deverão

dinamizar práticas que orientem os alunos a conhecerem


o próprio corpo, analisando e refletindo sobre a pedagogia
escolar e esportiva e sua influência social e cultural (p.51)

Já em relação aos conteúdos das 6ª e 7ª séries, o objetivo do professor


deve ser

Oportunizar práticas educativas que levem o aluno a


concretizar conhecimentos e vivências, analisando a
complexidade do seu corpo, em relação ao mundo que o
cerca, e ainda, desenvolvendo a criatividade e o gosto
pela prática esportiva (p.59)

Ao rever os diários de classe dos professores pesquisados (os que


foram disponibilizados), pude perceber que o “elencado” de conteúdos, que
consta da proposta do governo do Estado de Goiás, constitui a referência
seguida pelos mesmos. Ou seja, ao relacionarem os conteúdos de cada uma
das séries com as quais trabalham, os professores parecem copiar ( na mesma
ordem inclusive) os que constam na referida proposta.
Como os professores, que participaram como sujeitos deste estudo,
citaram o preenchimento dos diários como sendo uma formalidade a ser
cumprida, não considero tais conteúdos como a fiel expressão dos conteúdos
que foram trabalhados com os alunos. Longe disso, mais parece um artifício
utilizado pelos professores para atenderem (pelo menos no que diz respeito ao

30
Entendido pela proposta como uma função pedagógica socio-cultural de especial significância, no
desenvolvimento orgânico, na formação motora e corporal, da personalidade e da ludicidade inerente ao
ser humano (p.52)
102

registro dos conteúdos) a proposta do governo estadual.

Destaco, ainda, enquanto contribuição para a análise final dos dados


coletados, uma iniciativa do governo do Estado de Goiás que se relaciona
diretamente com o ensino do esporte no ambiente escolar. Trata-se do
Programa de Desporto Educacional.
Com a atual denominação e estrutura, o Programa de Desporto
Educacional foi criado em 1998 com o objetivo geral de incentivar, organizar e
promover o desporto educacional. Antes disso existia, também no interior da
Secretaria da Educação, uma Superintendência do Desporto Escolar.
A partir do mês de março de 2001, através da Portaria 2098, a
Secretaria da Educação do Estado de Goiás instituiu o programa de atividades
extra-curriculares e incumbiu o Programa de Desporto Educacional de
coordená-lo.
Este programa tem como ponto central o incentivo da prática esportiva
por parte dos alunos da rede pública estadual através do “financiamento” de
projetos específicos de treinamento desportivo. Para que possam receber (sob
a forma de acréscimo em sua carga horária de até 12 horas/aula por semana)
o apoio para o treinamento, em horário distinto do das aulas de educação física
das equipes representativas de suas escolas, os professores devem construir,
apresentar e conseguir a aprovação dos referidos projetos. Por caracterizar
uma prática que possibilita ao professor de educação física reunir um grupo de
alunos com interesses específicos no treinamento de uma única modalidade
esportiva,31 o referido programa tem recebido uma grande aceitação desde a
sua implantação.
Tal aceitação tem refletido diretamente no aumento do número de
escolas participantes nas duas últimas edições dos Jogos Escolares do Estado
de Goiás32. Entretanto, é importante destacar que o referido programa, embora
tenha conseguido aumentar o número de participantes nos eventos esportivos
escolares oficiais do governo do Estado de Goiás, pode estar contribuindo para
o processo de “re-marginalização” – no sentido de colocar novamente à

31
O que vai ao encontro da perspectiva de enturmação desenvolvida pelos professores pesquisados.
32
Cf. Relatório geral de atividades do Grupo de Estudos sobre o esporte escolar da Faculdade de
Educação Física da Universidade Federal de Goiás (2001).
103

margem – ou até mesmo de exclusão das aulas de educação física do contexto


escolar.
Dito de outra maneira, o Programa de Atividades extra-curriculares da
Secretaria da Educação do Estado de Goiás pode vir a se constituir na maior e
melhor justificativa para que os professores de educação física tematizem
apenas o esporte em suas aulas; até porque tal tematização pode lhes garantir
um maior número de alunos (atletas!) interessados em participar das atividades
de treinamento desportivo que ocorrem no horário extra-turno. Além disso, é
importante destacar que, também no contexto escolar de todo o Estado de
Goiás, o conteúdo “esporte” goza de um grau de prestígio e legitimidade que,
nenhum outro conteúdo da cultura corporal de movimento alcançou até o
momento atual, não podendo ser negligenciado ou desprezado no universo de
conteúdos a serem tematizados pelos professores de educação física. Motivos
estes que devem servir como ponto de partida para outros estudos em relação
ao ensino do esporte no ambiente escolar.

Retomando a intenção inicial deste estudo, que é a de analisar as


percepções dos professores sobre o esporte que ensinam e levando em
consideração o relato dos sujeitos envolvidos no mesmo, é possível fazer as
seguintes análises.
Quando os professores Edson, Carlos e Cássia apontam os princípios
da seleção e da busca do rendimento, como base do trabalho desenvolvido
com seus alunos, é importante destacar que tais princípios podem ter outro
significado em suas aulas. Podem significar, por exemplo, a preocupação dos
professores em fazer com que seus alunos não sejam expostos a situações
que lhes pareçam estranhas. Ou, ainda, significar a preocupação dos
professores com relação à preparação de seus alunos para a competição –
cada vez mais acirrada – das práticas esportivas. Em outras palavras, numa
visão menos pessimista da situação, a preocupação dos professores pode
representar, também, a melhor/única contribuição que conseguem oferecer
aos seus alunos.
Em outra situação, o caso da professora Ana, a “tradução” do princípio
da competitividade assume um significado diferenciado. Ao relacionar a
experiência em situações de competição, como elemento motivador de suas
104

aulas, a professora parece acreditar que a experimentação cotidiana seja


capaz de promover a desmistificação do princípio da competitividade em suas
aulas.
A Professora Cássia que, em dado momento de sua entrevista, sugere
uma série de mudanças no regulamento geral dos eventos esportivos como
alternativa para obter uma maior participação de seus alunos nos referidos
eventos, se destaca dos demais professores por apresentar uma preocupação
com a inclusão em sua prática pedagógica. Ainda assim, além de não retirar os
alunos de suas turmas dos referidos eventos, a professora consente na
participação dos que se encontram minimamente preparados e tenta
possibilitar uma vivência esportiva semelhante à dos eventos esportivos para
os demais alunos de suas turmas.
Embora pareça contraditória, entendo que a postura, “flexível” e por
vezes ambígua, da professora Cássia pretende minimizar os efeitos
excludentes de um modelo de evento esportivo, com o qual não concorda
assim como tenta atender aos anseios dos alunos em relação à participação
nos mesmos. Talvez a “flexibilidade” adotada pela professora tenha sido a
única estratégia capaz de garantir alguns avanços em relação à situação atual
do esporte que tem lugar na escola.
Situação semelhante parece ocorrer no caso do professor Léo, que diz
adotar uma perspectiva de ensino que busca a inclusão de todos os alunos nas
várias modalidades esportivas até o surgimento dos eventos esportivos
escolares. A partir daí, suas aulas assumem características de um treinamento
específico e seu grupo de alunos é reduzido a uma equipe representativa da
escola.
Assim, feitas estas considerações sobre o ensino do esporte e sobre a
realidade do mesmo no Estado de Goiás, vejamos que síntese se pode extrair
do presente estudo.
105

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de considerações finais deste estudo, penso ser adequado


resgatar as perguntas que deram origem e sustentaram a investigação que foi
desenvolvida. Primeiro, para orientar a construção desta parte do estudo e
segundo, para perceber as limitações que o mesmo ainda apresenta. Assim:

1. Que percepções os professores têm do esporte que ensinam e como as


constróem?
2. Que objetivos defendem/expressam os professores de educação física ao
incluírem o esporte como conteúdo de ensino em suas aulas?

Em função destas perguntas priorizei a fala dos professores em relação


ao esporte que ensinam em suas aulas, mas buscou-se também a identificação
dos fatores que poderiam estar influenciando a construção das representações
que, inevitavelmente, emergiriam dos relatos dos sujeitos de pesquisa.
Ao empreender tal investigação, busquei o preenchimento de uma
lacuna, que julguei existir na produção teórica da área de educação física,
especialmente no que diz respeito à voz do professor e suas representações
em relação ao esporte que ensinam. Isto é, os estudos que buscaram analisar
a prática pedagógica dos professores de educação física (alguns deles citados
neste estudo) identificaram, sem exceção, a necessidade de se repensar o
ensino do esporte enquanto conteúdo da educação física escolar. Alguns
propuseram sua ressignificação (Coletivo de Autores, 1992), outros, sua
transformação (Kunz, 1994) e outro grupo de estudos, sua reinvenção
(Bourdieu, 1983; Castellani Filho, 1998 e Oliveira, 1999). Entretanto, mesmo
reconhecendo a importância destas análises e propostas para a área de
educação física, percebi que faltava um estudo que desse centralidade à voz
do professor. Um estudo que buscasse compreender como este importante
ator social, o professor de educação física, constrói suas percepções sobre os
vários conteúdos que ensina, especialmente sobre o mais criticado e mais
popular entre eles – o esporte. Foi o que busquei neste estudo.
106

Como suporte teórico para a análise dos dados coletados, buscou-se


identificar as principais produções teóricas sobre o fenômeno esportivo dentro
e fora do ambiente escolar, destacando as que abordavam o fenômeno
esportivo de forma crítica. Revisitei, também, os dispositivos legais que
orientaram (e orientam!) o ensino do esporte no país e as publicações do
governo brasileiro (programas, projetos, iniciativas, etc.) sobre o assunto.
Após ouvir os professores pesquisados, em três momentos distintos,
selecionei como categoria central de análise, as percepções que os mesmos
têm do esporte que ensinam. Evidenciaram-se dados relacionados à: 1)
escolha das modalidades esportivas a serem ensinadas, 2) o processo de
composição das turmas (seus parâmetros) e 3) os eventos esportivos,
enquanto lugar do esporte. Já em relação aos objetivos do esporte, ensinado
pelos professores pesquisados, evidenciaram-se alguns aspectos sobre as
expectativas, as estratégias de ensino e as representações que têm dos
demais segmentos da escola em relação ao esporte que ensinam.
Para os professores Edson e Carlos, o esporte que ensinam em suas
aulas de educação física se identifica como uma prática que deve buscar o
rendimento máximo de seus alunos, que deve ser praticada por um grupo
homogêneo (também no que diz respeito à preferência sexual) e no interior da
qual, a exclusão é fruto da própria incompetência individual do aluno. Com esta
identidade, o esporte ensinado pelo professor Edson tem como objetivo
principal a participação nos eventos esportivos escolares. Além disso, o
esporte deve ser capaz de evitar o envolvimento com drogas, com “más”
companhias e de se tornarem homossexuais.
As professoras Ana e Cássia também identificam o esporte que ensinam
em suas aulas como uma prática que deve se basear na busca do rendimento
de seus alunos e que deve ser praticada por um grupo homogêneo de alunos.
Entretanto, as professoras preferem não admitir a exclusão como uma
responsabilidade exclusiva do aluno. Talvez a opção por trabalhar com o nível
de iniciação esportiva sirva como uma forma de reação contra a estrutura das
turmas/equipes existente nas escolas onde atuam. A professora Cássia tentou,
inclusive, alterar um dos elementos constitutivos e legitimadores desta
estrutura ao propor alterações no regulamento geral dos eventos esportivos
escolares. Enquanto objetivos para o esporte que ensinam, as professoras
107

referendam todos os objetivos apresentados pelos professores Carlos e Edson


e acrescentam a preocupação com a ascensão de seus alunos às equipes
representativas como um de seus principais objetivos pedagógicos.
O professor Léo distancia-se um pouco de seus colegas, pois identifica o
esporte que ensina como uma atividade que pode ser praticada, em momentos
específicos do ano letivo, por grupos heterogêneos (somente em relação ao
nível de habilidade) e que pode apresentar rendimentos diferenciados numa
mesma turma. Como objetivos para o esporte que ensina, o professor Léo
confirma todos os apresentados por seus colegas e relaciona-os ao que
chamou de “educação integral” de seus alunos.
No campo dos objetivos, citados pelos professores pesquisados para o
esporte que ensinam, é importante destacar a questão da socialização. Bracht
(1992) define a socialização empreendida pelo esporte como uma socialização
voltada para a adaptação e para o conformismo em relação aos determinismos
impostos pela instituição esportiva, tais como, as regras oficiais e únicas, a
exclusão, a derrota etc. No caso dos professores pesquisados, porém, a noção
de socialização parece se ancorar na internalização, por parte dos alunos, de
valores e comportamentos que são legitimados pela sociedade e defendidos
por um de seus representantes no processo – o professor. Ainda assim,
distante de uma socialização crítica, que busque o questionamento, a
ressignificação e a superação dos limites individuais e coletivos.
Além disso, é importante notar que os sujeitos de pesquisa atribuíram ao
esporte que ensinam a capacidade de solucionar problemas de ordem social,
tais como: o consumo de drogas e álcool ou o envolvimento em brigas,
pequenos furtos etc. como se o esporte fosse capaz de resolver todos os
problemas sociais dos jovens e adolescentes da cidade de Jataí.
Em síntese, a noção de socialização dos professores pesquisados,
extremamente funcionalista e distante de uma socialização crítica, sustenta-se
numa perspectiva de valores e atitudes que são (ou foram!) legitimados
histórica e socialmente no contexto da realidade onde foi desenvolvida a
presente pesquisa.
Talvez fosse suficiente, para a compreensão do processo de construção
das percepções que os professores pesquisados têm do esporte que ensinam,
a identificação das expectativas e dos objetivos deste esporte. Entretanto,
108

algumas particularidades da realidade social onde foi desenvolvida a presente


pesquisa evidenciaram-se como determinantes neste processo. São elas:

1. O processo de enturmação nas aulas de educação física – O fato das turmas


de educação física serem organizadas a partir de critérios como a habilidade
técnica, a idade e sexo, faz com que os professores não oportunizem aos
seus alunos, outras práticas que não sejam ligadas ao ensino de modalidades
esportivas. Mais do que isso, tal estrutura, associada aos conservadorismo e
tradicionalismo característicos da cidade de Jataí, faz com que se estabeleçam
posições preconceituosas também em relação ao esporte praticado no interior
das escolas. Como exemplo destas posições tem o preconceito em relação ao
homossexualismo e a prática do voleibol e a generificação de modalidades
esportivas (na maioria dos casos, o futsal para os meninos e o handebol para
as meninas).

2. O registro “falacioso” das atividades desenvolvidas pelos professores – O


fato de serem “obrigados” a registrar suas atividades, num documento que não
corresponde à realidade profissional, parece servir como argumento para que
esse registro seja feito de qualquer maneira, sem a preocupação de relacionar,
realmente, o conteúdo que foi ensinado.

3. As políticas públicas de incentivo ao esporte escolar, tanto no âmbito do


governo federal quanto do governo estadual, continuam priorizando a
realização de eventos esportivos escolares e a implantação de projetos
específicos de treinamento de pequenos grupos de alunos no interior das
escolas. E, enquanto medidas legitimadas pelo sistema no qual estão inseridos
os professores pesquisados, tais iniciativas vêm influenciando
significativamente a prática pedagógica dos professores pesquisados uma vez
que se vêm “obrigados” a participar de determinados eventos, mesmo sem o
devido apoio da própria escola.
Os aspectos destacados acima têm relação direta com a segunda
pergunta norteadora deste estudo qual seja: será que, num contexto como o
descrito, os professores estão mesmo reproduzindo os princípios do
capitalismo ao ensinarem o esporte? Será que os professores procuram
109

inculcar em seus alunos a busca dos melhores resultados e a exclusão dos


mais fracos em nome de uma ideologia?
Acredito que não!
Acredito que os professores pesquisados buscam, sim, fazer com que
seus alunos obtenham os melhores resultados possíveis em todas as
atividades, nas quais venham participar, como uma forma de levá-los à
superação de seus próprios limites e possibilidades.
Penso, também, que os professores pesquisados parecem ter
consciência de que o esporte, como é apresentado socialmente, deve ser
submetido a uma transposição didática para se tornarem ensináveis e
assimiláveis no ambiente escolar. Mesmo que estejam submetidos a horários
de aulas, processos de enturmação e sistemas de registro de atividades33 é
preciso destacar a preocupação que alguns professores apresentaram no
sentido estar procedendo a adaptações e criando situações, onde o esporte
parecia ser ressignificado; especialmente no caso das professoras Ana e
Cássia e do professor Léo. E, no interior deste “movimento”, que parece buscar
a superação da “estagnação” imposta por algumas características da cultura da
escola, acredito ser possível vislumbrar a existência do que Vago (1996)
chamou de cultura escolar de esporte. Isto é, o esporte ensinado pelos
professores em suas escolas não reproduz, pura e simplesmente, os princípios
e valores do esporte de alto rendimento ou da instituição esportiva de maneira
geral. Numa direção um pouco diferente desta, os professores têm buscado
fazer adaptações e “subversões” em relação à ordem estabelecida.
Finalmente, como os professores de educação física constróem suas
representações sobre o esporte que ensinam e que percepções são essas?

Assim, diante dos dados apresentados e numa direção parcialmente


contrária à apontada por grande parte das publicações que trataram do ensino
do esporte no ambiente escolar, percebo que os professores de educação
física pesquisados norteiam sua prática pedagógica a partir de uma
representação social sobre o esporte que

33
Que parecem constituir, para efeito deste estudo, o que Forquin (1993), chamou de cultura da escola.
110

1. Entende-o como a principal manifestação da cultura corporal de


movimento34, que deve ter lugar em suas práticas pedagógicas.
2. Como uma prática que é capaz de solucionar problemas, de inculcar
valores, incentivar atitudes e premiar esforços individuais e coletivos.
3. Como um conteúdo que sofre influências significativas (em alguns
casos, determinantes!) de vários elementos da cultura da escola e da
realidade social em que estão inseridos os sujeitos.

Falta compreender, entretanto, como estes professores constróem estas


percepções sobre o esporte.

Reportando-me aos dados coletados sobre a trajetória de vida dos


sujeitos35 e sobre a realidade social onde foi realizada a pesquisa, pude
perceber que os professores pesquisados constróem suas percepções sobre o
esporte que ensinam em suas aulas de educação física a partir de três
aspectos básicos:

1. A experiência esportiva que tiveram antes (em alguns casos, durante!)


do ingresso no curso de graduação em educação física;
2. As experiências que tiveram durante sua formação inicial; e
3. Os fatores condicionantes da realidade social onde desenvolvem suas
atividades docentes.

Ainda que apresentem em suas práticas pedagógicas um certo


“movimento” em relação ao distanciamento dos aspectos citados acima, é
importante destacar que as representações sempre se constróem sobre um “já
pensado” objeto ou fenômeno. No caso do presente estudo, esta
“familiarização” com alguns dados da realidade parece favorecer um quadro de
posições preestabelecidas que utilizam mecanismos de classificação, de

34
Conceito introduzido por Kunz (1994) para representar o universo de conhecimentos de que se ocupa a
educação física.
35
Na concepção de Borges (1995), que entende a trajetória de vida dos professores de educação física
como o resultado das experiências vivenciadas no campo esportivo, no campo acadêmico e no campo
profissional.
111

categorização e de rotulação, tanto do esporte que ensinam quanto das


propostas de inovação do mesmo.
Faria (2001) conclui que cada cultura escolar, numa mescla de
reprodução, apropriação e produção, é capaz de produzir significados que
tensionam os padrões culturais, os modelos esportivos (p.156-157). Neste
sentido e até para reforçar tal conclusão, compreendo que os trabalhos
realizados no interior desta mesma cultura escolar devem ouvir, mais, o que
têm a dizer os atores sociais envolvidos neste processo para saber deles, que
percepções têm dos conteúdos, do sistema de ensino, da sociedade, dos
alunos/professores.
Nesta perspectiva, foi o que busquei fazer neste estudo no que diz
respeito ao professor de educação física. Penso que outras pesquisas
poderiam contribuir para a compreensão do esporte no ambiente escolar se
buscassem compreender, primeiro, como os demais atores do contexto escolar
(alunos, funcionários e professores de outras disciplinas) constróem suas
representações sobre o esporte que vêm, praticam e/ou rejeitam.
Penso que muito tem ainda a ser feito!
Muito tem a ser esclarecido ainda sobre o ensino do esporte no
ambiente escolar; oxalá, o presente trabalho tenha servido como uma
contribuição para este fim.
112

5 – LISTAS DE QUADROS, GRÁFICOS E ESQUEMAS

Quadro 1 – Caracterização dos professores pesquisados..............27

Quadro 2 – Distribuição de professores segundo instituição


formadora, ano de conclusão e experiência esportiva....................32

Quadro 3 – Comparação entre os princípios do esporte de


rendimento e do esporte escolar.....................................................95

Gráfico 1 – Distribuição dos estabelecimentos de ensino da cidade


de Jataí/Goiás.................................................................................22

Esquema 1 – Triangulação dos dados coletados...........................38


113

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