BrunoLeonardoBezerraDaSilva DISSERT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

BRUNO LEONARDO BEZERRA DA SILVA

A PRESENÇA DE HOMENS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


LUGARES (DES)OCUPADOS

NATAL/RN
2015
Bruno Leonardo Bezerra da Silva

A PRESENÇA DE HOMENS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


LUGARES (DES)OCUPADOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Educação – PPGE – do
Centro de Educação, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação, na linha
de pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículo.
Orientadora: Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho.

Natal/RN
2015
Bruno Leonardo Bezerra da Silva

A PRESENÇA DE HOMENS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


LUGARES (DES)OCUPADOS

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________
Profa. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________
Profa. Dra. Ilane Ferreira Cavalcante
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN)
AGRADECIMENTOS

A tarefa de agradecer é algo quase que obrigatório, ou pelo menos deveria ser,
após percorrermos tantos caminhos que nos levam à realização de um objetivo pessoal e
profissional, neste caso, à concretização de um sonho. Acredito que ninguém anda
sozinho na vida, desde que nascemos tudo que fazemos e somos tem interferência
de/no(s) outro e outros. Portanto, para agradecer a culminância dessa jornada
investigativa, necessito olhar para trás para que eu possa reconhecer esses outros que
interferiram no que fiz, no que sou e no que poderei ser um dia. Poderei “pecar” em não
citar textualmente alguém aqui, pode ser, depois de uma longa caminhada alguns lapsos
de memória podem ocorrer, confesso, mas prefiro cometer esse pecado do que não
nominar, reconhecer e homenagear quem contribuiu significativamente para a
realização dessa pesquisa dissertada aqui. Pois bem, agradeço, do fundo do meu
coração:
À Deus, que nos deu a vida, o mundo e principalmente a fé! Fé que me moveu
até aqui, até o fim, que não é bem o fim, mas o começo de muitas outras coisas.
Aos meus queridos pais, João Jair e Zélia, os primeiros, eternos e melhores
professores que já tive, sempre com palavras sábias, com cuidados carinhosos,
exemplos e muito, muito, muito amor ensinaram-me princípios e valores que me
formaram o que sou hoje, um ser incompleto, cheio de defeitos, mas pronto para sempre
aprender, aprender a ser e fazer o melhor que eu possa.
Aos meus irmãos e melhores amigos Adriano e Gaby que sempre estiveram do
meu lado, dando-me força para vencer todo e qualquer obstáculo! Não posso esquecer-
me da minha linda Lilice, minha linda sobrinha Alice, que tio ama e também agradece
por tê-la em minha vida, alegrando-me com o sorriso mais lindo e cativante do mundo
ela me deu forças para persistir nessa empreitada.
A todos os meus familiares, meus avós, tios e primos que sempre acreditaram
no meu potencial.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação que possibilitou a minha
entrada, caminhada e conclusão do mestrado.
À minha orientadora Karyne, não só por ter me aceitado como seu primeiro
orientando de mestrado, mas pela sua extrema dedicação, paciência, competência e,
fundamentalmente, pelos seus ensinamentos que certamente vão bem além do universo
acadêmico.
À professora Mariangela Momo pela sua presença e ajuda em todas as fases da
pesquisa.
Aos membros da banca avaliativa que aceitaram analisar o meu texto
dissertativo.
A todos os meus professores, sem exceção, da Educação Infantil a pós-
graduação, com destaque aos meus queridos e queridas professores do curso de
Pedagogia da UFRN que tanto me incentivaram a entrar, cursar e concluir o mestrado.
À minha querida professora Erika, minha orientadora de TCC e de bolsa do
PIBID, pelo apoio em momentos delicados que vivi e por ela fui acolhido.
Aos meus colegas e minhas colegas do curso de Pedagogia que sempre
confiaram na minha competência.
Aos meus colegas do Grupo de Estudos Culturais e Educação que trouxeram
pertinentes contribuições para o desenvolvimento da pesquisa.
Aos meus colegas da PROGESP/UFRN, especialmente as minhas “chefas”
Mirian e Raquel que me deram o suporte que me manteve de pé no momento em que
quase fui ao chão.
Aos meus amigos de trabalho da CCEP/UFRN pela total confiança, apoio e
incentivo desde a seleção até a conclusão do mestrado.
Aos meus ex-alunos e ex-colegas do CMEI Fernanda Jalles que deram, além de
muito amor, subsídios relevantes para desenvolver as minhas investigações.
Dedico este trabalho a vocês, EDU 01 e EDU 02,
que, mesmo no anonimato, se fizeram presentes, de
forma essencial para o desenvolvimento da pesquisa.
Não há por que temer debates ou tensões teóricas;
eles podem significar novas e produtivas alianças,
podem resultar em outros modos de análise e de
intervenção social, talvez capazes de alterar, de
forma mais efetiva, as complexas relações sociais de
poder. (LOURO, 2004, p.159)
RESUMO

A partir da abordagem investigativa da multirreferencialidade, com base em Jacques


Ardoíno, e tendo como lentes teóricas os conceitos de cultura e de gênero, discutidos
respectivamente por Victor Hell, Stuart Hall, Alfredo Veiga-Neto, e Joan Scott, Guacira
Lopes Louro, Dagmar Meyer, este estudo tem como objetivo analisar as implicações da
presença de homens docentes na Educação Infantil, problematizando as relações de
gênero a partir de um amálgama de atravessamentos sociais, históricos e culturais. Para
tanto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dois homens que exercem a
função de educador infantil na rede pública de ensino do Município de Natal/RN/Brasil.
A análise das entrevistas possibilitou a organização dos dados em quatro focos de
discussão. O primeiro deles refere-se às figuras masculinas (re)produzidas no cotidiano
da Educação Infantil, cujas representações discursivas constroem o homem como
“perigoso”, “poderoso” e “respeitado”, ajudando a perpetuar os vínculos histórica e
culturalmente estabelecidos entre a figura masculina e as imagens de autoridade,
liderança, comando, ao mesmo tempo em que reforça o suposto caráter natural das
relações entre a figura feminina e o cuidado infantil. O segundo foco de discussão trata
da polarização entre os elementos do binômio masculino/feminino, ativado
constantemente nas relações que se estabelecem entre homens e mulheres no cotidiano
da Educação Infantil, tornando as instituições desta etapa de ensino um local de
concretização dos mais diversos significados de gênero. O terceiro foco de discussão
problematiza a necessidade de afirmação da heterossexualidade dos educadores infantis
entrevistados, destacando-se a associação (geralmente feita por gestores, por colegas de
trabalho e pelas famílias das crianças) entre a heterossexualidade masculina e o
adequado exercício da função docente. O quarto e último foco de discussão trata das
lacunas da formação inicial e continuada de educadores infantis, enfatizando que, de
modo geral, os cursos que formam professores para atuar em instituições de Educação
Infantil tendem a desconsiderar a inserção profissional de homens nessa etapa de
ensino. Assim, a Dissertação que ora apresentamos tem como escopo a desnaturalização
de estereótipos de gênero no cotidiano da Educação Infantil, entendendo que este é
também um contexto muito profícuo para o exercício de resistência às imagens cultural
e historicamente associadas a homens e mulheres.
Palavras-chave: Homens na Educação Infantil. Relações de Gênero. Cultura. Formação
de professores.
SUMÁRIO

1 UMA HISTÓRIA PARA INÍCIO DE CONVERSA .................................................... 10


1.1 E A HISTÓRIA CONTINUA... .............................................................................. 13
1.2 HOMENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL? ................................................................. 15
1.3 OS CAPÍTULOS DA HISTÓRIA... ........................................................................ 18

2 CERCANDO O TEMA .......................................................................................... 20


2.1 O QUE JÁ SE VEM DIZENDO ............................................................................. 20
2.2 A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO .................................................................... 23

3 LENTES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ................................................................ 30


3.1 MULTIRREFERENCIALIDADE ........................................................................... 30
3.2 CULTURA ......................................................................................................... 32
3.3 GÊNERO ........................................................................................................... 37

4 O HOMEM COMO EDUCADOR INFANTIL ............................................................ 41


4.1 PERCURSOS TRILHADOS: AS ENTREVISTAS ...................................................... 41
4.2 FIGURAS MASCULINAS ..................................................................................... 45
4.2.1 O HOMEM PERIGOSO ...................................................................................... 45
4.2.2 O HOMEM PODEROSO ..................................................................................... 53
4.2.3 O HOMEM RESPEITADO .................................................................................. 57
4.3 FUNÇÕES GENERIFICADAS ................................................................................ 63
4.4 AFIRMAÇÃO DA HETEROSSEXUALIDADE MASCULINA ..................................... 70
4.5 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE EDUCADORES INFANTIS ..................... 79

5 CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS ......................................................................... 93

6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 98
1 UMA HISTÓRIA PARA INÍCIO DE CONVERSA

Para iniciar as discussões do presente texto dissertativo quero, antes de tudo,


contar uma breve história. Mas não é uma história qualquer, é uma história que vai fazer
com que se compreenda, em parte, o porquê de esta pesquisa ter sido realizada. Uma
história que tornou possível e de algum modo acabou por constituir os próprios
conhecimentos construídos ao longo desta Dissertação. Pois bem, vamos à história...
Era uma vez um advogado com experiência em direito administrativo,
especialmente em análise de processos licitatórios. Ele trabalhava no Tribunal de Contas
do Estado do Rio Grande do Norte, juntamente com conselheiros, auditores, advogados,
membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, dentre outros de prestígio social.
Era relativamente bem remunerado e estava satisfeito com o seu desempenho
profissional. Planejava seguir a carreira na magistratura, em busca de se tornar um
“poderoso” juiz de direito.
Só que algo além do universo jurídico lhe inquietava desde o tempo em que
cursou Direito: os aspectos educacionais. Ele teve algumas dificuldades com
determinados professores do curso, pois sentia que muitos “não sabiam ser professor”,
eram profissionais de sucesso no âmbito jurídico, advogados renomados, juízes ou
procuradores com destaque no cenário jurídico, a maioria dos alunos se espelhava neles
para projetar os seus respectivos postos funcionais. Mas muitos não sabiam “passar a
matéria” adequadamente, outros não sabiam avaliar os alunos, alguns não sabiam
“lidar” com o processo educativo em sala de aula e a grande maioria não tinha uma boa
“didática”.
Tais inquietações afloraram mais ainda quando ele começou a frequentar um
“cursinho” jurídico especializado em concurso público, que acabou por desencadear a
necessidade por busca de respostas científicas. Assim, após ficar afastado do mundo
acadêmico por alguns anos, ele resolveu cursar graduação em Pedagogia, um curso que
lhe daria subsídios para compreender suas inquietações relativas ao campo da educação.
“Que coisa! Deixar de ser advogado para ser Pedagogo? Nessa altura do
campeonato? Você já tem quase 30 anos de idade!” “O que aconteceu com você? Está
10
maluco?” “Quer passar fome é?” “Isso não é coisa de mulher não?” “Os poucos homens
que tem lá não são homens!” “O que faz uma pedagoga?” “Vai querer virar babá de
criança?” Esses foram alguns dos diversos questionamentos e afirmações com os quais
tal personagem se deparou, oriundos de amigos, familiares, ex-professores de Direito e
colegas de profissão.
Em sua turma de Pedagogia, eram trinta e oito mulheres, com idade média de
dezoito anos, e dois homens, contando com ele: um contraste de gênero que viria a se
intensificar antes de terminar o primeiro semestre, pois ele se tornaria o único homem
da turma (o outro desistiu e abandonou o curso na metade do primeiro semestre).
Tal cenário se repetia nas demais turmas do curso, nas quais sempre havia uma
grande maioria de mulheres. Era possível conhecer todos os homens do curso, pois os
poucos se “destacavam” da “normalidade” pelo simples fato de serem “estranhos no
ninho”.
É bem verdade que ele já esperava encontrar um cenário de maioria feminina,
pois na sua cultura já está bem difundida essa concepção de que Pedagogia é um lócus
feminino, e ele sabia disso antes de optar pelo curso. Entretanto, uma coisa é saber que
tal fato acontece, a outra, bem diferente e com repercussões também diferentes, é
vivenciar o fato. Era tudo novo, não só o curso, mas a convivência nesse universo “dito”
feminino.
Contrastando com as dificuldades iniciais de interação interpessoais com as suas
colegas, as interações com as áreas de conhecimento do curso estavam cada dia melhor.
Ele estava apaixonado por tudo. E essa paixão, movida também pela busca de respostas
para sua inquietação, contribuiu para que o nosso personagem buscasse romper
possíveis barreiras de gênero e fosse interagir melhor com suas colegas de turma. Foi aí
que ele percebeu que o curso “dito” feminino também tinha espaço para o homem. Mas
que lugar seria esse? Seriam os mesmos das mulheres?
Muitos dos questionamentos iniciais permaneciam, agora, vindo, também, de
alguns professores e demais alunos do curso: o que você está fazendo aqui? Por que
você quis cursar Pedagogia? Ele sempre finalizava a sua resposta perguntando, em tom
de brincadeira, “se Lev Vygotsky, Edgar Morin, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Paulo Freire eram todos formados em Direito, por que eu também não posso atuar na
educação?”.

11
Talvez pela formação jurídica, somando ao fato de ser homem, ele sentiu por
parte do curso um sutil direcionamento para que estudasse as Políticas Educacionais ou
a Gestão Escolar, áreas sem muito contato com as crianças. Ouviu de alguns: “Você
seria um ótimo diretor de escola!” “Eu lhe vejo como um excelente pesquisador”.
Todavia, começou a estudar e pesquisar os mais diversos temas educacionais
inerentes ao novo curso, sem restrição. Participou de vários eventos acadêmicos,
publicando e apresentando artigos que traziam o resultado de pesquisas realizadas em
quase todas as áreas do curso, a saber: Educação Especial, Políticas Educacionais,
Processo de Alfabetização, Educação Infantil, Práticas Educacionais, Currículo,
Didática, etc.
Ele gostava de tudo, mas sabia que deveria direcionar seu interesse para alguma
área. Foi então que se viu diante da oportunidade de ser bolsista num programa de
iniciação à docência. Durante este período, questionou-se: “será que eu quero ser
professor de crianças?” “Será que eu posso ser professor de crianças?”. Ainda com
certas dúvidas, decidiu concorrer a uma das vagas.
Ao ser selecionado como bolsista do programa e, à medida que foi tendo
experiência em sala de aula, ele adquiria mais certeza que era aquilo que queria fazer.
No mesmo período, em função de sua aprovação em concurso público, foi nomeado
para ocupar o cargo de educador infantil na Rede Municipal de Ensino de Natal/RN. A
felicidade foi tão grande quanto os desafios que passaria a enfrentar a partir daquele
momento: adiantar os componentes curriculares do semestre letivo, solicitar o
aproveitamento de disciplinas, pedir a dispensa de disciplina, solicitar colação de grau
antecipada para, só assim, conseguir o diploma de graduação em Pedagogia para
assumir o cargo para o qual fora nomeado.
Contudo, foi impedido de tomar posse por não possuir o diploma do Ensino
Médio na modalidade normal (exigência contida no edital do concurso). Assim, teve
que recorrer à justiça estadual para conseguir um mandado de segurança que garantisse
a posse no referido cargo. Após o mandado concedido pelo juiz, peregrinou por diversos
dias pela Prefeitura Municipal e Secretaria Municipal de Educação, em companhia do
oficial de justiça, para poder tomar posse como educador infantil.
Após a devida posse, dirigiu-se para a Secretaria Municipal de Educação
objetivando ser encaminhando para o seu futuro local de trabalho. Entretanto, foi mais
uma vez surpreendido: foi informado que não poderia ir trabalhar (exercer a sua
12
profissão, ser professor) na instituição de ensino a que fora encaminhado pelo simples
fato de ser homem, pois em tal instituição ainda não se sabia se teria turmas de
“crianças grandes”, ou seja, a partir dos quatro anos de idade.
Deste modo, ele não poderia exercer as funções de educador infantil, pois: “um
homem não pode ser professor de crianças pequenas”, “só quem pode cuidar e ensinar
essas crianças são as mulheres”, “as famílias não aceitariam você como professor”, “é
uma profissão feminina”, “não sei o motivo pelo qual homens inventam de fazer
concurso para educador infantil se já sabem que vai ser um problema”. Essas foram
algumas das frases proferidas pelos responsáveis ao encaminhamento de educadores
infantis na rede municipal de ensino de Natal/RN. Frases escutadas por quem tem
formação adequada conforme a lei e foi aprovado em concurso público, nomeado e
empossado no cargo de educador infantil.
A história acima é, resumidamente e com diversos recortes, a síntese de parte da
minha história na área da educação, que não terminou na negação por parte da
Secretaria Municipal de Educação de Natal/RN, pois consegui, por força da justiça, ser
professor na instituição de ensino a que fui encaminhado originariamente, sendo bem
recebido pelos gestores, colegas, alunos e familiares, sem que houvesse qualquer
restrição ou censura pelo fato de ser homem. Exerci a docência por um ano letivo.
Atualmente, não estou ocupando o cargo de educador infantil, mas minha saída
deu-se devido a circunstâncias alheias ao fato de ser um homem exercendo a docência
em turmas de Educação Infantil. Mesmo optando por trabalhar em outra área, continuei
vinculado, e com muitas inquietações, ao campo da educação. Essa vinculação se deu
no âmbito da pesquisa, com minha inserção no curso de Mestrado, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRN.

1.1 E A HISTÓRIA CONTINUA...

Como podemos observar na breve história inicial, a docência na Educação


Infantil – exercida, no Brasil, em sua maioria por mulheres consideradas “naturalmente”
aptas para a função – quando exercida por homens, pode ser um local considerado
avesso à sua presença. Quem são esses homens? Como se fizeram educadores infantis?
Como ocorreram/ocorrem as relações interpessoais desses homens com os demais
13
agentes da Educação Infantil? Como se sentem hoje na profissão? Quais as suas
perspectivas?
Tendo tais questionamentos como movedores investigativos, definimos como
objeto desta pesquisa: a presença de homens docentes na Educação Infantil. Como
objetivo geral, tem-se: analisar as implicações da presença de homens docentes na
Educação Infantil, problematizando as relações de gênero a partir de um amálgama de
atravessamentos sociais, históricos e culturais. Assim, este trabalho tem como escopo a
desnaturalização de estereótipos de gênero associados a homens e mulheres no
cotidiano da Educação Infantil.
Os motivos que me movem a pesquisar tal objeto é fruto de inquietações
pessoais, profissionais e acadêmicas, todas intrinsecamente interligadas.
As inquietações de ordem pessoal e profissional decorrem, como referido na
seção anterior, do fato de eu ter tido a oportunidade de ocupar, por quase um ano, o
cargo de educador infantil1 na rede municipal de educação de Natal/RN, o que me
possibilitou presenciar e vivenciar diversas situações e debates acerca desse tema,
experimentando diretamente uma mistura de sensações advindas: da discriminação pelo
fato de eu ser um homem exercendo a docência de uma turma da Educação Infantil; do
reconhecimento profissional que obtive como resultado de minhas ações; da impotência
que experimentei em resolver determinadas situações no exercício da função; da
felicidade de ser bem aceito por alunos, famílias e colegas; ou seja, satisfações e
insatisfações que geraram as inquietações responsáveis por estimular e conduzir a
investigação que desenvolvi no curso de Mestrado.
As inquietações acadêmicas que motivam esse estudo decorrem do fato de que
pesquisas sobre este tema já vem sendo motivo de diversos trabalhos acadêmicos nas

No município de Natal/RN existem dois cargos em que se pode exercer a docência em turmas da
1

Educação Infantil: o cargo de educador infantil (Lei Complementar nº 114/2010) com o qual só se pode
atuar na Educação Infantil; e o cargo de professor (Lei Complementar 058/2004), com o qual se pode
exercer o magistério tanto na Educação Infantil quanto nos anos inicias do Ensino Fundamental.
Conforme informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação, a docência em turmas da Educação
Infantil em Natal/RN está sendo exercida, atualmente, em grande maioria (não foi informado
precisamente o percentual), por profissionais que ocupam o cargo de educador infantil. Existe, portanto,
cargos com nomenclaturas e carreiras distintas, havendo, deste modo, reconhecimentos, direitos e
vantagens distintos. Não ser denominado como professor denota, para alguns educadores infantis, uma
certa forma de desprestígio pela função. Atualmente, os ocupantes do cargo de educador infantil lutam
pela unificação das carreiras para que sejam equiparados, em nome e em direito, com os que ocupam o
cargo de professor. Entretanto, tal unificação vem enfrentando barreiras jurídicas, tendo em vista que os
cargos foram criados por meio de legislações próprias. A presente pesquisa refere-se ao profissional que
exerce o magistério na Educação Infantil seja como professor, seja como educador infantil.
14
últimas décadas, no Brasil. Contudo, na esfera da rede municipal de ensino de
Natal/RN, o mencionado debate ainda encontra-se pouco problematizado
cientificamente. A constatação de que efetivamente há homens atuando como docentes
em instituições de Educação Infantil (tanto em âmbito nacional, quanto regional e
local), e de que localmente isso tem sido pouco investigado, justifica a relevância e
necessidade de pesquisas científicas acerca dessa temática, para aportar um fenômeno
educacional existente, porém pouco explorado academicamente.
Além disso, outra justificativa para a realização deste estudo consiste na
invisibilidade dessa questão nos documentos oficiais responsáveis pelas análises
quantitativas acerca da ocupação dos cargos de professor nos níveis de educação
brasileiros2, tal como exposto na seção que segue.

1.2 HOMENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada em 24


de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), define a Educação Infantil como a primeira
etapa da Educação Básica e que tem como finalidade: propiciar o desenvolvimento
integral da criança de até cinco anos3, salientando a necessidade da promoção dos
aspectos físicos, psicológicos, sociais e intelectuais dessas crianças.
Nesse sentido, a Educação Infantil tem por objetivo garantir a educação, a
alimentação, a assistência à saúde e à segurança, bem como o cuidado em todos os
aspectos, dando condições materiais e benefícios culturais e sociais às crianças por meio
da educação formal institucionalizada (KRAMER, 1999).
A Educação Infantil é, portanto, uma etapa do ensino formal que se refere ao
atendimento educacional em creches (para crianças de até três anos de idade) e pré-
escolas (crianças com quatro ou cinco anos de idade), não necessariamente

Conforme a LDBEN, a educação escolar é composta por dois níveis de ensino: Educação Básica e
2

Superior. A Educação Básica possui três etapas: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio.
A LDBEN foi promulgada em 1996 e definia inicialmente no seu art. 29 que a Educação Infantil
3

contemplaria as crianças de até 6 anos idade. Todavia, a Lei nº 12.796, de 2013, modificou a redação do
art. 29 da LDBEN, alterando de 6 anos para 5 anos a idade máxima das crianças a serem atendidas pela
etapa da Educação Infantil. Portanto, muitos documentos oficias e publicações acadêmicas, divulgados
anteriores a 2013, ainda fazem referência em seus textos à idade anteriormente estipulada, ou seja 6 seis
anos.
15
desvinculadas nos âmbitos organizacionais e estruturais, ou seja, existem instituições de
ensino que ofertam o atendimento em creche e pré-escola, sendo muitas delas
denominadas Centros (ou escolas) de Educação Infantil.
No tocante ao profissional docente para atuar na Educação Infantil, a LDBEN
estipula (em seu art. 62) a necessidade de ele possuir nível superior, em curso de
licenciatura, de graduação plena, ou no mínimo o Nível Médio na modalidade Normal.
Existem diversos documentos oficias do Ministério da Educação (MEC)4 que
objetivam nortear a prática, a formação e o perfil profissional para o exercício da
docência na Educação Infantil. Contudo, atualmente não existe no Brasil documento
oficial que problematize o/a profissional de Educação Infantil do ponto de vista das
questões de gênero5, apesar de inúmeros trabalhos de dissertação, teses e artigos
científicos ligados aos estudos de gênero e masculinidade abordarem essa questão.
O que de forma embrionária aponta que existe alguma “preocupação” de cunho
oficial sobre tal questão é o fato de que os levantamentos estatísticos divulgados pelo
MEC – no documento intitulado Sinopse Estatística da Educação Básica6– trazem, a
partir de 2007, os dados quantitativos dos professores estratificando por sexo7. No
entanto, chama-se a atenção aqui para o fato de que apenas pesquisar e divulgar os
dados desta forma não significa que se esteja tendo um olhar problematizador para as
questões de gênero, ainda que tais dados possam servir para subsidiar a análise acerca
do tema.
O mais recente levantamento estatístico divulgado pelo MEC (BRASIL, 2014)
aponta que existiam em 2014 no Brasil 498.785 (quatrocentos e noventa e oito mil,
setecentos e oitenta e cinco) professores na Educação Infantil, sendo: 483.082
(quatrocentos e oitenta e três mil e oitenta e dois) do sexo feminino (96,65%) e 15.703
(quinze mil setecentos e três) do sexo masculino (3,3%). No Rio Grande do Norte os
dados são semelhantes aos de âmbito nacional: em 2014 existiam 8.055 (oito mil e

Referenciais curriculares nacionais, diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores,


4

indicadores e parâmetros de qualidade, orientações, políticas, planos, etc.


Refiro-me a documentos nacionalmente difundidos pelo MEC. É possível que exista algum documento
5

que traga a problematização de gênero no perfil docente da Educação Infantil em âmbitos mais restritos
(redes de ensino municipais, estaduais e/ou de alguma instituição de ensino específica), porém, nas
pesquisas que realizei, não encontrei nenhuma referência nesse sentido.
Sinopse realizada e divulgada pelo MEC anualmente desde 1994.
6

Em 1999, o MEC divulgou o Censo do Professor (BRASIL, 1999), que trouxe dados quantitativos dos
7

professores estratificados por sexo referentes a 1997. Porém, os dados eram referentes a toda a Educação
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e não trazia informações específicas
acerca da Educação Infantil. O censo apontou que na Educação Básica 14,1% dos professores eram
homens e 85,7% mulheres.
16
cinquenta e cinco) professores na Educação Infantil, sendo: 7.808 (sete mil oitocentos e
oito) do sexo feminino (96,93) e 247 (duzentos e quarenta e sete) do sexo masculino
(3,06%).
No tocante ao município de Natal/RN, a sinopse em questão não apresenta dados
catalogados por cidades. Contudo, realizei um levantamento em documentos oficiais da
Secretaria Municipal de Educação (SME) e constatei que: dos 1.005 (mil e cinco)
aprovados no primeiro concurso público para provimento de educadores infantis
efetivos realizado em 2007 foram nomeados 47 (quarenta e sete) educadores do sexo
masculino (4,6% do total). Porém, não pude verificar quantos desses 47 (quarenta e
sete) tomaram posse, pediram exoneração, foram demitidos, estão exercendo outras
funções (coordenação e direção) ou foram readaptados para outras funções dentro da
própria SME ou em outros órgãos.
Apesar de os documentos oficiais não apresentarem informações mais
detalhadas quanto a isso, sabe-se que há, hoje, homens exercendo a docência em creches
e pré-escolas, tanto na esfera nacional quanto na rede de ensino de Natal/RN.
Assim sendo, acredito que a presença do homem não pode ser ignorada e,
mesmo que em número bastante reduzido se comparada à presença da mulher, faz-se
necessário refletir e pesquisar com afinco como vem sendo realizada a inserção do
homem nesse território até então ocupado, em sua maioria, por mulheres.
Ignorar as repercussões da inserção de tais profissionais na Educação Infantil
também é, do mesmo modo, ignorar alunos, familiares, colegas, gestores e a sociedade
em geral que vem interagindo com esses homens professores. Tais interações, mesmo
que ainda incipientes, são existentes no cenário educacional brasileiro e local, e
precisam ser problematizadas para que se vislumbre a possibilidade de desnaturalização
de estereótipos de gênero associados a homens e mulheres no cotidiano da Educação
Infantil.
Entretanto, tanto nos vários documentos alusivos à Educação Infantil
provenientes do MEC quanto nas diversas legislações pertinentes ao tema, não se
encontra qualquer referência com relação à especificidade da presença e inserção do
homem como professor nessa etapa de ensino. Muito pelo contrário, em vários
documentos, o profissional que atua no magistério na Educação Infantil é denominado
de “professora”.

17
É importante ressaltar que, conforme os dados estatísticos do MEC (BRASIL,
2014), a profissão docente em todos os níveis e etapas de ensino no Brasil é ocupada em
sua maioria por mulheres. Destaca-se o fato de que a proporção de homens aumenta
diretamente proporcional à idade média dos alunos a serem atendidos na etapa/nível de
ensino e ao salário pago para tais profissionais, ou seja, quanto mais idade tiver os
alunos e maior for o salário, maior será a quantidade de homens como docentes,
demonstrando a hierarquia presente nas relações de gênero na ocupação de cargos de
trabalho.
Assim, diante desse cenário, destacamos a necessidade de que pesquisadores,
professores, gestores, famílias e sociedade em geral busquem formas de pensar, gerir e
tratar a inserção dos homens na docência na Educação Infantil, tendo-se em conta as
implicações da presença masculina nesta etapa de ensino. A pesquisa que ora
apresentamos pretende contribuir nessa discussão.

1.3 OS CAPÍTULOS DA HISTÓRIA...

[...] além de nossas crenças mais comuns e, muitas vezes pré-


concebidas, o que sabemos sobre como atuam professores em
instituições de Educação Infantil? (SAYÃO, 2005, p.16)

Tendo o questionamento de Sayão (2005) como provocação, e para dar conta do


desafio investigativo a que nos propomos, esta Dissertação de Mestrado foi organizada
em cinco capítulos.
O primeiro capítulo, que é este em questão, faz uma introdução ao texto
dissertativo, apresentando o objeto, o objetivo e a justificativa do estudo. Traz alguns
dados estatísticos em âmbitos nacional, regional e local acerca do quantitativo da
ocupação dos cargos de professor, apontando que os documentos oficias relativos à
Educação Infantil não consideram a especificidade da presença e inserção do homem
como professor nessa etapa de ensino.
O segundo capítulo se propõe a cercar o tema desta pesquisa e, para tanto,
apresenta alguns estudos realizados no Brasil que versam sobre a atuação profissional
do homem na Educação Infantil, bem como discute o processo da feminização do

18
magistério, que constituiu a profissão docente como sendo ocupada em sua maioria por
mulheres.
O terceiro capítulo apresenta as lentes teórico-metodológicas através das quais
esta pesquisa foi realizada, com ênfase para a perspectiva da multirreferencialidade e
para os conceitos de cultura e de gênero.
O quarto capítulo faz a caracterização da entrevista como principal
procedimento metodológico deste estudo, e analisa os dados da pesquisa, apresentando
e discutindo os resultados a que chegamos.
O quinto e último capítulo faz algumas considerações transitórias, retomando de
modo sintético os achados da pesquisa e apontando que, ao mesmo tempo em que a
docência na Educação Infantil é um território de conflitos de gênero, ela se constitui
também num contexto muito profícuo para o exercício de resistência às imagens cultural
e historicamente associadas a homens e mulheres.

19
2 CERCANDO O TEMA

2.1 O QUE JÁ SE VEM DIZENDO

No Brasil, uma das pesquisas pioneiras acerca do tema em apreço foi a


realizada por Saparolli (1997), que fez um levantamento da presença de homens como
educadores infantis no município de São Paulo/SP, encontrando, por meio das respostas
a um longo questionário, mais semelhanças que diferenças entre mulheres e homens na
docência. Para a pesquisadora, a feminização atribuída à função de educador infantil
(indicada por intermédio do grau de aceitação ou não de homens como educadores)
estaria associada à concepção de educação e à estruturação das propostas pedagógicas
de cada tipo de instituição de ensino: quanto mais doméstica a concepção de educação,
mais difícil é a aceitação de homens e mais associada a características femininas é a
função de professor na Educação Infantil; quanto mais profissional a proposta da
instituição, mais articulada enquanto projeto pedagógico, menos feminilizada a
ocupação e maior a presença de homens como educadores.
Cruz (1998) também enfoca a feminização da função de educador infantil nas
creches e a articulação dessa compreensão com uma perspectiva doméstica, em que a
creche e suas trabalhadoras seriam concebidas como substitutas maternas, em oposição
a uma perspectiva profissional, na qual trabalhadores do sexo masculino teriam mais
espaço.
Kramer (2001, p.96) atrela o debate à luz da questão cultural, aludindo a
vinculação do trabalho feminino com as atividades de cuidado. Tais atividades são
interpretadas socialmente como sendo algo que para ser executado “exige pouca
qualificação”. Para ela:

As atividades do magistério infantil estão associadas ao papel


sexual, reprodutivo, desempenhado tradicionalmente pelas
mulheres, caracterizando situações que reproduzem o cotidiano,
o trabalho doméstico de cuidados e socialização infantil. As
tarefas não [eram] remuneradas e têm aspecto afetivo e de
obrigação moral (KRAMER, 2001, p.97).

20
Sayão (2005) buscou entender as trajetórias pessoais e profissionais de
professores homens da Educação Infantil, almejando identificar os motivos pelos quais
estes profissionais optaram pela profissão docente e como desenvolvem seu trabalho.
Por intermédio das narrativas de professores e professoras, a pesquisadora analisou as
relações de gênero na constituição do trabalho docente com crianças pequenas e como a
questão do cuidado aparece atrelada à condição feminina e a uma suposta predisposição
natural das mulheres para o exercício de cuidar. Sayão (2005) apontou que a concepção
do professor na Educação Infantil como profissão feminina precisa ser repensada
porque qualquer noção sobre as mulheres implica necessariamente suas relações com os
homens. A pesquisa verificou que em creches e pré-escolas é possível desenvolver
ações que contribuam para superar muitos binarismos como “público e privado”,
“masculino e feminino”, “corpo e mente”, entre outros. Para isso, é necessário
implementar mudanças na formação docente, conquanto não se possa perder de vista
suas limitações no que tange a esse intento.
Silva (2008) considera que a naturalidade com que foi erguida a associação
entre mulher e criança pequena dentro e fora dos ambientes domésticos decorre da
maneira por meio da qual os sexos foram segregados a partir da divisão social do
trabalho e no interior do processo de constituição das esferas pública e privada, que
acabou por definir as posições que homens e mulheres ocupariam na família e na
sociedade.
Já Cardoso (2004), em pesquisa realizada na rede municipal de Educação
Infantil de Belo Horizonte/MG, constatou que os professores homens não identificam o
magistério como uma profissão feminina, embora discursos tenham sido criados para
associar o magistério às mulheres, como uma tarefa que exige dedicação, docilidade,
cuidado e paciência. Cardoso também percebeu que os professores homens fugiam de
atuar em classes de alfabetização, havendo uma preferência dos homens em assumir as
aulas de educação física ou funções de gestão da educação, espaços notadamente ainda
demarcados para as vivências de suas masculinidades. Eles parecem acessar os cargos
disponíveis nas escolas com mais facilidade que as mulheres, contando, inclusive, com
elas para que isso seja possível. Os resultados a que Cardoso (2004) chegou em sua
investigação apontam para a ocorrência da reprodução das relações sociais de gênero,
em que os homens continuam dispondo de mais privilégios na hierarquia de cargos

21
considerados de maior prestígio, em funções administrativascaracterizadas pelo
exercício de controle e poder.
Sousa (2011) constatou em seus estudos que existe uma representação do
trabalho docente na Educação Infantil como uma profissão feminina partilhada por uma
significativa parcela de sujeitos que entendem ser mais adequado que mulheres exerçam
a função por terem mais jeito com crianças e os homens são considerados inadequados
por causa dos inúmeros casos de pedofilia de que se ouve falar através da mídia. Este
pesquisador também percebeu que o fato de o professor ser uma pessoa conhecida na
comunidade o credencia para trabalhar com as crianças. Todavia, para as crianças o
elemento decisivo para sua aceitação ou não do professor seria apenas a experiência
positiva ou negativa que tiveram com o docente, independentemente de ser homem ou
mulher.
No mesmo sentido, uma das principais constatações da pesquisa de Ramos
(2011) é que, para além do período probatório exigido legalmente, todos os professores
homens da Educação Infantil abordados em sua pesquisa necessitaram de um tempo
para demonstrarem as competências e as habilidades com a educação e o cuidado das
crianças pequenas matriculadas nas instituições públicas: tempo que o autor chamou de
“período comprobatório”.
Mattos (2011), em pesquisa realizada em um Centro Municipal de Educação
Infantil localizado na cidade de Curitiba, no Estado do Paraná, revelou que ainda
existem poucos estudos sobre essa temática e que as próprias professoras (educadoras
infantis) acreditam que cabe à mulher a educação das crianças, que a docência na
Educação Infantil não é uma atividade masculina e que a discussão de gênero não fez
parte de sua formação.
Pierangeli (2012) realizou entrevistas semi-estruturadas com dois professores
homens em turmas de Educação Infantil de Ribeirão das Neves/MG e verificou que os
homens pesquisados buscaram o campo da Educação Infantil como um meio de renda e
estabilidade que um concurso público proporciona. Porém, percebeu que só o concurso
público não é suficiente para legitimar sua presença nessa profissão. Os professores
homens precisam se tornar conhecidos nas creches e pelos pais, e com certeza, esses
docentes lidam com uma constante vigilância dos mesmos.
Monteiro (2014) desenvolveu uma pesquisa que analisou as trajetórias
profissionais de professores homens que atuam na rede municipal de ensino de
22
Campinas/SP. O estudo apontou que o ingresso e a permanência na profissão foram
marcados tanto por desafios característicos da área de atuação quanto por dificuldades
decorrentes de uma noção hegemônica de masculinidade que levou a questionamentos
acerca da presença masculina na Educação Infantil.
Ao buscar pesquisas que configuram o que já vem se dizendo no Brasil sobre a
presença/ausência de homens em instituições da Educação Infantil percebi que, apesar
de apresentarem diferenças teórico-metodológicas, quase todas elas referem em suas
análises a centralidade do processo de feminização do magistério.
Assim, dada a importância do referido processo para a compreensão da
conjectura do perfil docente, e também como forma de continuar cercando o tema desta
pesquisa (conteúdo deste segundo capítulo), a seção a seguir trata dos aspectos
históricos que constituíram a profissão docente no Brasil como sendo ocupada em sua
maioria por mulheres.

2.2 A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO

A feminização do magistério tem sido objeto de investigação por parte de


historiadores da educação e sociólogos ocidentais, a fim de se entender o que aconteceu
na escola quando as mulheres gradativamente foram tomando esse espaço constituindo,
quase na sua totalidade, o corpo docente das instituições de ensino, especialmente as de
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, como afirmam Faria Filho et
al. (2005, p.53):

Já no início do século XX, as mulheres vão se tornando maioria


no exercício da profissão docente, enquanto os homens vão
ocupando os postos superiores na hierarquia burocrática. Hoje
assistimos à presença cada vez menor dos homens nesse
cenário. O crescente desprestígio da profissão docente,
sobretudo como decorrência dos baixos salários, explica em
algumas pesquisas, em grande parte, o processo cada vez maior
de evasão de professores e professoras, que atinge sobremaneira
os docentes do sexo masculino.

De acordo com este autor, a história dos países ocidentais tem como marco da
feminização do magistério o período a partir da segunda metade do século XIX. Essa

23
marca se deve principalmente ao avanço do capitalismo, que gerou a criação das
grandes indústrias e com ela o surgimento da hierarquia das profissões, que eram
categorizadas de acordo com as exigências do mercado de trabalho, ou seja, aquelas
mais importantes para as indústrias eram colocadas no topo do ranking e aquelas que
não tinham influência direta na evolução e progresso das fábricas ocupavam as
colocações mais baixas. A creche era um local destinado aos filhos dos/as
trabalhadores/as das fábricas. O surgimento da creche está ligado ao fenômeno a partir
dos anos de 1960 da entrada das mulheres no mercado de trabalho, resultado de lutas e
reivindicações de mulheres e feministas. E é justamente nesse contexto que o magistério
e a carreira de professor de educação básica sofrem gradativos abalos, o que culmina no
desprestígio da profissão.
Deste modo, é importante que se busque analisar o processo de feminização do
magistério a partir da história social e sua responsabilidade na construção da identidade
do profissional docente da Educação Infantil, ou melhor, da profissional docente, uma
vez que a associação entre Educação Infantil e trabalho feminino tem sido considerada
“natural” nos mais diferentes contextos e segmentos sociais. Tal processo também pode
ser visto (entendido) com o olhar no processo de formação de tais profissionais.
A questão da formação de professores é um assunto que acompanha o processo
educacional no Brasil. Nas diferentes fases históricas do nosso país, a formação foi
impactada por circunstâncias culturais que permearam cada período histórico.
Ao mostrar a formação e o papel dos docentes do início da história da educação
no Brasil, Romanowski (2006, p.32) aponta a presença masculina nas salas de aula:

No Brasil, após a expulsão da Companhia de Jesus em 1740, as


reformas adotadas por Marquês de Pombal assumiam o início
da criação das escolas públicas. Foram criadas as “aulas régias”
que consistiam em aulas avulsas ministradas por um professor o
qual tinha conhecimento de uma disciplina, um assunto. Esses
professores eram religiosos e/ou intelectuais.

Já no Brasil do século XIX, necessidades econômicas, políticas e sociais deram


início a um processo de crescimento e intensa urbanização em várias regiões brasileiras
desde a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, bem como a abertura dos
portos pelo príncipe regente D. João VI em 1808. Essas medidas e revoluções foram

24
fatores significativos para a intensificação da vida urbana brasileira. Segundo Gomes
(2007, p.107):

No dia 28 de Janeiro [....] apenas uma semana depois de aportar


em Salvador, D. João foi ao senado da Câmara assinar seu mais
famoso ato em território brasileiro: a carta régia de abertura dos
portos ao comércio de todas as nações amigas.

Essa manobra feita pela coroa portuguesa em território brasileiro permitiu que o
país definitivamente entrasse no processo de crescimento econômico e urbano. No ano
de 1835, no Rio de Janeiro, foi criada a primeira escola normal com a finalidade de
preparar e formar professores. O tempo de duração desse curso era de dois anos e o
nível de ensino era secundário.
De acordo com Fernando de Azevedo (apud ARANHA, 1996, p.195):

Em 1846 é criada (...) a primeira escola normal de São Paulo,


destinada somente a homens, e com um único professor,
Manuel José Chaves, catedrático de filosofia e moral no curso
anexo à Faculdade de Direito; essa escola funcionava numa sala
do Cabido, contígua à Sé Catedral, e foi suprimida em 1867,
tendo formado cerca de 40 professores em perto de 20 anos
(dois, em média, por ano).

Posteriormente, o magistério transformou-se em profissão praticada por docentes


de ambos os sexos. Entretanto, convém mencionar que havia diferença entre as
disciplinas oferecidas aos futuros professores. Enquanto as jovens professoras
desenvolviam as habilidades manuais e estéticas, aos professores foram destinadas as
disciplinas de Matemática e Geometria, outro dado que revela as distinções de gênero
no que tange às ocupações dos cargos de trabalho. Mais tarde, outras disciplinas como a
Psicologia, Puericultura e Higiene Escolar ampliaram as áreas de conhecimento das
professoras e, consequentemente, o currículo das escolas. Esse acontecimento revela a
preocupação das instituições normais, responsáveis pela formação das professoras, com
o desenvolvimento infantil.
Louro (1997, p.457) esclarece: “Esses campos vinham ganhando prestígio nas
últimas décadas, buscando demonstrar tanto o desenvolvimento normal das crianças,
como as formas mais adequadas e mais modernas de tratá-las”.

25
O exercício do magistério foi seguindo novos caminhos, os professores homens
estavam, aos poucos, abandonando as salas de aula. Esse acontecimento foi denominado
como “processo de feminização do magistério” provocado, dentre outros
acontecimentos, pelo crescente processo de urbanização e industrialização do Brasil,
que garantia novas possibilidades no mercado de trabalho aos homens. Além disso,
Louro (1997, p.450) justifica que a nova demanda de professoras em sala de aula
aconteceu em razão da valorização de características ditas femininas na educação de
crianças:
As mulheres tinham “por natureza” uma inclinação para o trato
com as crianças, que elas as primeiras e “naturais educadoras”,
portanto, nada mais adequado do que lhes confiar a educação
escolar dos pequenos. Se o destino primordial da mulher era a
maternidade, bastaria pensar que o magistério representava, de
certa forma, “a extensão da maternidade”, cada aluno ou aluna
vistas como um filho ou uma filha “espiritual”

Esse argumento, o da maternidade natural e, por conseguinte, da natural


afinidade da mulher com a educação dos pequenos era consenso de muitos estudiosos,
inclusive Rousseau (2004, p.7-8), que afirmou na obra O Emílio:

A primeira educação é mais importante e cabe


incontestavelmente às mulheres. Se o autor da natureza
houvesse desejado que ela coubesse aos homens, ter-lhes-ia
dado leite para alimentar as crianças. Assim, falai sempre de
preferência às mulheres em vossos tratados sobre a educação,
pois além de estarem em condições de tratá-la mais de perto do
que os homens e de influírem sempre mais, o êxito também lhes
interessa muito mais, já que a maior parte das viúvas se acha
como que à mercê dos filhos e eles então lhe fazem sentir
vivamente, no bem e no mal, o efeito da maneira como foram
criados.

Os tempos passaram e a presença feminina em sala de aula, principalmente na


Educação Infantil, é significativamente maior do que a masculina, e é reafirmada na
literatura, na religião, nas artes, entre outros, com o argumento de uma certa natureza
feminina. De certa forma, isso quer dizer que a docência na Educação Infantil apresenta
uma conotação maternal. Todavia, quando não se tinham tantas possibilidades laborais
para o homem, ele “convenientemente” ocupava tal função.

26
Ao percorrer essa história por meio da investigação dos caminhos do ensino
básico no Brasil, no período entre o século XIX e XX, encontra-se que as mulheres
antes do Período Republicano brasileiro já “constituíam a maioria dos alunos das
escolas normais” (CATANI et al., 1997, p.26).
Essa possibilidade ocorreu, pois socialmente era vista como a única profissão
que conciliava as funções domésticas da mulher com o trabalho fora do lar. Esse
panorama indicava que o trabalho da mulher fora de casa era visto mais como um
prolongamento do seu papel de mãe dentro do mercado de trabalho, incorporando-se na
escola a “ideologia da domesticidade e da submissão feminina” (id.).
Os estudos de Demartini e Antunes (1993) demonstram que há uma coincidência
entre feminização do magistério e a desvalorização econômica e social da profissão
docente. Bruschini e Amado (1998, p.66) afirmam:

Algo do espírito que determinava, no início do século, que se


ensinassem trabalhos de linha e agulha às mulheres ao invés da
geometria, e se pagasse menos a quem desconhecesse
geometria, persistiu, determinando e legitimando a progressiva
perda, por parte do magistério, da autonomia de ação e
conhecimento.

Então, é possível combinar dois fatores: políticas de formação de professores e o


menosprezo pelo feminino, escondido nos baixos salários, resultando numa concepção
de que a “escola normal e secundária, e por muitas vezes, por extensão, os cursos de
Pedagogia, acabaram por serem opostos, de certa forma, à formação intelectual”
(CATANI et al., 1997, p.26).
Educadas para a esfera doméstica, com a propensão de ocupar cargos
desvalorizados socialmente. Como explicam Catani et al. (1997, p.28):

Para que a escolarização se democratizasse era preciso que o


professor custasse pouco: o homem, que procura ter
reconhecido o investimento na educação, tem consciência de
seu preço e se vê com direito à autonomia, procura espaços
ainda não desvalorizados pelo feminino.

Atrela-se o feminino a cargos como secretária, babá, faxineira, enfermeira,


cozinha e professora. É também por meio disso que foram exaltadas, através dos
discursos patriarcais ao longo dos séculos XIX e XX, características ditas femininas

27
como assexualidade, altruísmo, abnegação, bondade, recato, espírito de sacrifício, para
justificar uma profissão secundária, menor, essencialmente prática e não intelectual.
Isso explica em parte o fato de as escolas de Educação Infantil e Ensino
Fundamental, bem como os cursos de Magistério e Pedagogia, terem tanto o corpo
docente quanto o discente compostos em sua maioria por mulheres.
Catani et al. (1997) afirmam que há um grande número de estudos ligados à
profissão docente, utilizando a categoria gênero como uma possibilidade de enfatizar a
voz e a condição das mulheres. No entanto, há um perigo eminente nesse processo de
feminização do magistério que se constitui numa análise somente do feminino e das
mulheres, deixando de lado o estudo sobre como os homens constroem as relações com
o conhecimento, com a escola, com a leitura e a profissão (FARIA FILHO et al., 2005,
p.54).
Cumpre ressaltar que nos afastamos desse uso mais simples da categoria de
gênero e para efeitos de nossas análises compartilhamos do entendimento de Scott
(1990, p.6), ao conceituar que:

“Gênero”, como substituto de “mulheres”, é igualmente


utilizado para sugerir que a informação a respeito das mulheres
é necessariamente informação sobre os homens, que um implica
no estudo do outro. Este uso insiste na idéia de que o mundo
das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado
dentro e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade
interpretativa da idéia das esferas separadas e defende que
estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que
uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada
a ver com o outro sexo. O seu uso rejeita explicitamente as
justificativas biológicas, como aquelas que encontram um
denominador comum para várias formas de subordinação no
fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma
força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira
de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente
social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às
mulheres [...] O gênero é, segundo essa definição, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a
proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se
tornou uma palavra particularmente útil, porque ele oferece um
meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às
mulheres e aos homens.

28
Assim, o uso da categoria gênero para análise e estudo de professores, em
especial na Educação Infantil, demanda também pensar questões culturais que
atravessam as relações sociais definidoras de papeis atribuídas a homens e mulheres,
ampliando, portanto, o debate para além da codificação do feminino como conotação
neutra. Scott (1990) abre a possibilidade da intercessão entre gênero e cultura,
interpretação que nos é extremamente útil na crítica do magistério como um território
cujas relações (que se estabelecem nos processos de profissionalização docente nas
escolas e entre os atores nelas envolvidos) seguem uma cultura sexista, machista e
heteronormativa.
Eis aqui a articulação entre o segundo e o terceiro capítulos desta Dissertação: a
aproximação que fizemos ao tema em tela (e que está apresentada neste segundo
capítulo) nos levou à seleção de conceitos chaves deste estudo, dentre os quais se
destaca o conceito de gênero. Conectado a ele, percebemos a utilidade do conceito de
cultura para as análises desta investigação. Ambos os conceitos (de cultura e de gênero)
constituíram-se como as lentes teórico-metodológicas escolhidas sob a perspectiva da
multirreferencialidade a partir da qual a pesquisa foi desenvolvida (discussões que
constituem o capítulo a seguir).

29
3 LENTES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

3.1 MULTIRREFERENCIALIDADE

O percurso desta investigação é o da multirreferencialidade (ARDOÍNO,


1998), pois não pretendo me amoldar aos fundamentos da racionalidade positivista e
cartesiana, que propõem o distanciamento entre sujeito e objeto. Pelo contrário, a ideia
de implicação, que emerge a partir da abordagem da multirreferencialidade, considera
sim o engajamento pessoal e coletivo do pesquisador, inserindo elementos interditados
no positivismo, como suas motivações mais profundas, seus desejos, seus conflitos, sua
trajetória pessoal e suas representações (MARTINS, 1998).
O fato de ter tido a experiência de ser Educador Infantil na rede de ensino de
Natal/RN não só motivou o início da presente pesquisa, mas, certamente, esteve
presente em todo o percurso investigativo, influenciando desde a interação com os
sujeitos entrevistados até a escrita final deste texto.
Assim, apoio-me na perspectiva da multirreferencialidade, que propõe a
construção do conhecimento como resultado sempre incompleto de uma conjugação de
saberes disciplinares. Na multirreferencialidade, o pesquisador trilha por territórios de
modo a não se restringir a um único paradigma metodológico e epistemológico. O
conhecimento é tecido como bricolage8.
Conectado a isso, este estudo também adota um conceito de análise sob a
concepção de Ardoíno (1998). Para ele, a análise de um objeto precisa considerar sua
complexidade, que se antepõe à análise cartesiana, cuja característica é a decomposição
e desmonte, buscando ao final uma síntese, isto é, uma explicação e depuração desse
objeto (BURNHAM, 1998).

Na perspectiva da multirreferencialidade, o termo bricolage consiste, nas palavras de Ardoino (1998,


8

p.203), em “ir aqui e lá, eventualmente para obter, pelo desvio, indiretamente, aquilo que não se pode
alcançar de forma direta”. Esse procedimento não escusa o rigor da produção de um conhecimento
científico. Trabalha-se, então, com uma abordagem que constrói espaços para o entrecruzamento de
múltiplas perspectivas, uma multiplicidade de linguagens sem “misturá-las e reduzi-las” umas às outras,
objetivando, assim, compreender os fenômenos. O conhecimento produzido nesta perspectiva seria,
portanto, um conhecimento “bricolado” “montado”, “tecido”...
30
A análise proposta por Ardoíno (1998) reconhece a opacidade do objeto,
considerando sua complexidade como processo, e não como objeto estático e
individual. Ao investigar o presente objeto de pesquisa, sob a perspectiva da
multirreferencialidade, a elucidação desse processo de produção do conhecimento “se
renova, se recria, na dinâmica intersubjetiva da penetração, na sua intimidade, na
multiplicidade de significados” (BURNHAM, 1998, p.41). Assim, o homem que
exerce a docência em instituições de Educação Infantil não é algo, é alguém, alguém
complexo, dinâmico e imbricado de complexidades e múltiplos significados que, por
ventura, também podem ser contraditórios, mas nunca estáticos, sempre com o caráter
da transitoriedade.
Essa abordagem propõe rupturas epistemológicas, ao possibilitar uma análise
do objeto a partir de leituras plurais, sob vários ângulos, não somente diferentes, mas
sobretudo outros. Porém, a multirreferencialidade não pretende ser uma integração
desses saberes, visto que, quanto mais se conhece, mais se criam áreas de não-saber.
Como afirma Ardoíno (1998, p.39), “a abordagem multirreferencial não é nem idealista,
nem espiritualista [...] sua única ambição limita-se a fornecer uma contribuição analítica
à inteligibilidade das práticas sociais”, como a presença de homens enquanto docentes
na Educação Infantil.
Diante desse questionamento epistemológico, do apelo deliberado à
complexidade através da pluralidade de olhares, supõe-se como exigência a capacidade
do pesquisador de tentar ter um olhar múltiplo e diverso. Para Ardoíno (2000, p.551), o
objeto “se complexifica a partir do momento em que uma inteligência da desordem
se elabora para refinar, enriquecer e tomar mais sutil o olhar que se dirige aos
fenômenos”.
E nesse sentido que a perspectiva da multirreferencialidade promove rupturas
com a fragmentação do conhecimento, a neutralidade do saber, o distanciamento do
pesquisador em relação ao objeto, a homogeneização dos caminhos metodológicos e a
sua auto-legitimação como único paradigma capaz de possibilitar todo o conhecimento.
Para Martins (2004, p.93), a multirreferencialidade

restaura o espaço de sentido de cada participante da relação e


nos permite pensar esse espaço restaurado como
circunscrevendo o discurso de um sujeito falante – tanto para
aquele que se diz pesquisador como para aquele que é olhado
como objeto – libertando o homem da sua condição de objeto.
31
Tal perspectiva possibilita novos debates acerca das relações humanas e
emerge a necessidade de articulação de conceitos pertinentes que subsidiam o olhar
pesquisante.
Nesse sentido, considerando a perspectiva da multirreferencialidade em suas
relações com o tema desta investigação, elegemos dois conceitos chaves da pesquisa, a
saber: cultura e gênero, tematizados respectivamente nas duas próximas seções. A
escolha por esses dois conceitos deve-se à possibilidade de, a partir deles e com eles,
ampliar-se a compreensão/análise do tema desta pesquisa, permitindo-nos trilhar por
caminhos que possam ir além da naturalização dos comportamentos atribuídos ao
homem e à mulher.

3.2 CULTURA

Segundo Hell (1989), o conceito de cultura foi inserido em discussões


epistemológicas mais especialmente a partir do século XIX. O desenvolvimento desse
conceito foi se aproximando da educação e da instrução, a partir da ideia de que um
homem culto consistiria num ser humano letrado, dotado de um espírito ilustrado.
Assim foi se estabelecendo uma espécie de dicotomia em que o homem culto seria um
“ser iniciado em formas consideradas superiores de conhecimentos, que se distingue da
massa de seus concidadãos pelas qualidades intelectuais” (HELL, 1989, p.6).
Tal ideia desencadeou uma generalização excessiva e a redução da cultura a um
elenco de atividades consideradas nobres. Nesse sentido, o conceito de cultura ou
Bildung foi considerado como formação intelectual, moral e estética do ser humano:
não como um meio, mas como um fim. Para Goethe e Fichte (apud HELL, 1989), a
Bildung assegura a primazia da cultura em relação à política, com base na ideia de que
era a partir da cultura ou Bildung que os homens poderiam se tomar livres e
autônomos.
Assim entendido, o conceito de cultura ao longo da modernidade caracterizou-se
por possuir um viés diferenciador e excludente. A articulação da cultura com a
civilidade constituiu-se em um “apanágio dos homens e das sociedades superiores”
(VEIGA-NETO, 2003, p.9). A ideia de um universalismo idealista também se fez
32
presente nos modelos educativos e, com base nisso, a educação passou a ser vista por
muitos como a solução natural para a “elevação cultural de um povo”, isto é, a educação
constituiu-se num instrumento para levar informações, suprindo a assimetria de saberes
entre os seres humanos considerados não cultos.
Para Coutinho e Pinheiro (2014, p.78), este entendimento conservador, elitista e
hierarquizador de cultura, que a concebe como herança coletiva e patrimônio intelectual
da humanidade,

esteve vigente desde a segunda metade do século XIX e


dominou por mais de cem anos as análises culturais no
ocidente. [...] Embora com atravessamentos diversos, a visão
conservadora da cultura ainda hoje tem efeitos sobre a
organização do pensamento e das práticas educacionais, já que a
principal ideia que se originou dessa visão foi o cultivo do bom
gosto e da alta cultura, sendo esse cultivo tarefa da educação.

Em contraposição à ideia restritiva de cultura como produto da erudição e como


universal, fixa, estável e herdada, foi se desenvolvendo ao longo do século XX outro
entendimento de cultura, identificando-a com “toda e qualquer manifestação humana
que se dê no âmbito dos costumes, dos valores, das crenças, do simbólico, da fabricação
de coisas, das práticas sociais, da estética, das formas de expressão etc.” (COUTINHO;
PINHEIRO, 2014, p.80). Para as autoras, a movimentação teórica e política que se
articulou contra as concepções elitistas e hierárquicas de cultura passou a denunciar os
vários tipos de exclusão a que certos grupos culturais foram historicamente submetidos.
Segundo Barros (2004, p.57),

negligenciava-se o fato de que toda vida cotidiana está


inquestionavelmente mergulhada no mundo da cultura. Ao
existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo
cultura, sem que para isto seja preciso ser um artista, um
intelectual, ou um artesão. A própria linguagem, e as práticas
discursivas que constituem a substância da vida social,
embasam esta noção mais ampla de Cultura.

As discussões teóricas e políticas que se seguiram a esses dois entendimentos


gerais de cultura, concebendo-a por um lado como produto da erudição e por outro lado
como todo e qualquer modo de vida de um grupo ou de uma população determinada,

33
deslocaram o conceito de cultura com ênfase para a sua centralidade nas práticas
sociais, entendendo-a não tanto como produto, mas como produção de significados.
Com relação a isso, destaca-se a teoria da cultura de Raymond Williams, que
considera a cultura como um modo de vida global. Conforme sua teoria, a cultura não é
apenas prática, nem a soma de costumes e culturas populares, mas perpassa por todas as
práticas sociais e constitui a soma dos inter-relacionamentos das mesmas (HALL,
2003).
O conceito de cultura assume, na perspectiva de alguns autores, sentidos mais
amplos, passando a incluir não apenas as artes e as formas de produção intelectual
tradicionais, “mas também todas as práticas significativas, desde a linguagem até o
jornalismo, a moda e a publicidade, que agora constituem esse campo complexo e
necessariamente extenso” (WILLIAMS, 2000, p.13). Segundo Escosteguy (2006, p.6):

Raymond Williams propôs tanto o reconhecimento das práticas


comuns quanto das obras criativas na composição do conceito
de cultura. Dessa forma, o modo de vida global não se refere
meramente a uma expansão antropológica e descritiva da
cultura [...]. Sua concepção, embora implicasse no
reconhecimento das práticas culturais populares, não
pressupunha a exclusividade destas como constituintes da
cultura.

Sobre a centralidade da cultura e o interesse pelas questões culturais na


atualidade, vale referir Veiga-Neto (2003, p.5):

Assiste-se atualmente a um crescente interesse pelas questões


culturais, seja nas esferas acadêmicas, seja nas esferas
políticas ou da vida cotidiana. Em qualquer caso, parece
crescer a centralidade da cultura para pensar o mundo. Mas tal
centralidade não significa necessariamente tomar a cultura
como uma instância epistemologicamente superior às demais
instâncias sociais – como a política, a econômica, a
educacional; significa, sim, tomá-la como atravessando tudo
aquilo que é do social. Assim, assiste-se hoje a uma
verdadeira virada cultural, que pode ser resumida com o
entendimento de que a cultura é central, não porque ocupe
um centro, uma posição única e privilegiada, mas porque
perpassa tudo o que acontece nas nossas vidas e todas as
representações que fazemos desses acontecimentos.

34
Corroborando com essa ideia, Guareschi et al. (2003, p.45) destacam que “a
questão do sujeito nessa perspectiva passa a ser pensada através da cultura, dentro dela
[...]. Os sujeitos e suas subjetividades são, então, produzidos parcialmente de modo
discursivo e dialógico”.
Para Hall (1997a, p.16), a cultura, como um campo de lutas, assume papel
central na constituição da subjetividade, da própria identidade e da pessoa como ator
social: “toda ação social é cultural, pois todas as práticas sociais expressam ou
comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação”.9
Nessa perspectiva, entende-se que os significados são produzidos pela
linguagem, cujo caráter produtivo encontra-se articulado com a noção de representação.
A representação por sua vez envolve práticas de significação através das quais estes
significados possibilitam compreender as experiências da vida, sendo específicas em
espaços e tempos históricos singulares.
Na obra Work of Representation, Hall (1997b) analisa o conceito de
representação. Para ele, a linguagem funciona através da representação, ou seja, os
significados culturais têm efeitos reais e regulam práticas sociais. O reconhecimento
desses significados contribui na constituição de identidades e nos interpelam a ocupar
posições construídas em práticas discursivas.
Ao conceber a cultura como produção de significados, Silva (2003, p.20) alerta
que ela nunca é apenas consumo passivo, ou seja:

Os significados, os sentidos recebidos, a matéria significante, o


material cultural são sempre, embora às vezes de forma
desajeitada e oblíqua, submetidos a um novo trabalho, a uma
nova atividade de significação. São traduzidos, transpostos,
deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem,
enfim, um complexo e indeterminado processo de
transformação.

Com base nisso, Coutinho e Pinheiro (2014, p.85) ressaltam que “esse trabalho
de produção de significados, atribuídos aos discursos e às práticas, envolve uma série de

A associação do conceito de cultura às práticas de significação é central nas pesquisas realizadas no


9

campo dos Estudos Culturais que “se movimenta no entrecruzamento de diversas disciplinas. Mais do que
interdisciplinar, é um campo anti-disciplinar que rejeita qualquer tipo de definição que se pretenda fixa
e/ou exata. Tem como principal eixo de pesquisa os aspectos culturais da sociedade contemporânea em
torno do qual se movimentam, circularmente, as mais variadas temáticas, analisadas a partir de seu
envolvimento em relações de poder” (COUTINHO, 2010, p.23).
35
negociações em torno dos significados que devem ser mais ou menos valorizados”. E as
autoras continuam:

Mas as decisões sobre quais serão valorizados e quais serão


inferiorizados não dependem do significado em si, já que ele,
como criação, não existe sem que a ele se atribua alguma
valoração, algum juízo de valor. Sendo assim, as decisões sobre
quais significados serão valorizados e quais serão inferiorizados
dependem, então, das redes e das tramas que compõem um
determinado contexto de relações sociais, econômicas,
culturais, geográficas, políticas de uma determinada sociedade.

Considerando esse caráter produtivo da cultura, não é difícil perceber a


importância desse conceito para o estudo ora apresentado. Se concordarmos com a
afirmação de Silva (2003, p.23) de que a cultura “implica relações de poder, onde
significar é fazer valer significados particulares de um grupo social sobre o significado
de outros grupos sociais”, e se olharmos para a atuação dos educadores infantis como
uma prática social atravessada por questões culturais, pode-se então questionar: que
relações de poder10 estão envolvidas na inserção profissional de homens na Educação
Infantil?
Sobre o campo de conflitos, lutas e disputas que intentam fazer valer alguns
significados (valorizados como desejáveis e adequados) em detrimento de outros
(considerados menores e inferiores), Coutinho e Pinheiro (2014, p.85) questionam: “dos
significados constantemente produzidos pela cultura, quais serão considerados mais
legítimos do que outros? E por que alguns significados são considerados válidos e
outros nem tanto, no interior de uma determinada sociedade?”
Inspirados por esses questionamentos, passamos a olhar a inserção profissional
do homem docente na Educação Infantil, tentando perceber os significados
culturalmente produzidos que orientam essa prática social, e outro conceito, além do de

Neste estudo, adotamos um conceito de gênero como sendo atravessado por relações de poder, sob o
10

viés de Louro (1997) que, com base na perspectiva foucaultiana, entende tais relações como redes tensas
e continuamente ativas, em que não se permite a posse do poder, mas apenas a capacidade de exercê-lo
em múltiplas instâncias e intensidades. Assim, o poder tem seus efeitos atrelados a manobras, técnicas,
táticas e mecanismos, tendo resultados sobre as ações dos sujeitos que o exercem, possibilitando o
rompimento com a polarização entre o feminino/masculino, uma vez que impede a aceitação de que
somente um dos dois pólos detém o poder, enquanto o outro é totalmente e incontestavelmente submetido
a ele. Portanto, as diversas formas de sexualidade e de gênero são interdependentes, isto é, afetam umas
às outras. É na esteira disso que afirmamos que os gêneros se produzem nas e pelas relações de poder.

36
cultura, se tornou premente e profícuo nesta análise: o conceito de gênero, de que trata a
seção a seguir.

3.3 GÊNERO

O conceito de gênero, como categoria de análise, encontra-se atualmente em


intenso processo de construção e engendra-se em outras construções teóricas e políticas,
sendo atravessado pelas diferentes culturas e sociedades (SCOTT, 1990). Em definições
dicionarizadas, gênero pode ser entendido como: 1. Agrupamento de indivíduos,
objetos, etc. que tenham características comuns. 2. Classe, ordem, qualidade. 3. Modo,
estilo. 4. Antrop. A forma como se manifesta, social e culturalmente, a identidade
sexual dos indivíduos. 5. Biol. Reunião de Espécies (FERREIRA, 2009, p.430-431).
Com base nessas definições, pode-se entender gênero como o conjunto de
características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas, econômicas
designadas às pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo biológico, pelas
características físicas, anatômicas, fisiológicas, reconhecidas a partir de dados corporais
(genitais) com os quais se nasce: macho ou fêmea, masculino ou feminino.
Para Fernández (2001, p.37),

Nascemos com um organismo, significado como corpo, a partir


de quem espera ou antecipa um filho. Quando esse filho nasce,
a primeira pergunta que responde apenas com sua presença se é
menino ou menina.
[...] A partir deste fato, que mostra o organismo, o recém-
nascido deverá construir seu projeto identificatório. De onde vai
obter o material significante para construir um corpo sexuado,
pertencente somente a uma das possibilidades que a biologia
permite?
[...] Penso que este corpo masculino ou feminino, produto e
produtor de sua história e de seu projeto identificatório, vai se
construindo com o material que é proporcionado à criança a
partir de dois espaços. Por um lado, a partir de seu organismo
(que mostra vagina e clitóris ou mostra pênis e testículos) e, por
outro, a partir do que cerca essa criança, pela forma como é
simbolizado o fato de ter nascido homem ou mulher e pelo mito
em relação ao que é ser mulher ou homem para este meio.

37
Assim, ampliando-se concepções dicionarizadas, as características ditas naturais
de gênero passam a ser entendidas como construções socioculturais que têm uma
história, estão na história e, por isso, modificam-se e diferenciam-se, de um grupo
étnico a outro, no tempo e no espaço. Refere-se ao que cada grupo social considera
como masculino e feminino, aos papéis reprodutivo e produtivo que cada um
desempenha, envolvidos, sobretudo, em relações de poder que se estabelecem no seio
de cada sociedade. Como asseveram Silva e Silva (2005, p.166):

A definição mais corrente de gênero é a que a considera uma


categoria relacional, ou seja, gênero é entendido como o estudo
das relações sociais entre homens e mulheres, e como essas
relações são organizadas em diferentes sociedades, épocas e
culturas. Os pesquisadores que utilizam essa categoria de
análise fazem questão de frisar que no campo das relações entre
homens e mulheres há uma distinção entre a esfera biológica,
que é o sexo propriamente dito e suas características físicas, e a
esfera social e cultural que é a identidade de gênero.

Alguns temas, tais como identidade, subjetividade e corpo foram/são centrais


para a produção e o desenvolvimento dos estudos sobre o conceito de gênero, na medida
em que eles chamaram a atenção para a ideia de que estudar gênero não é só estudar
mulheres. Como afirma Carvalho (2005, p.89)

Muitas vezes, entendem-se estudos de gênero como sinônimo


de estudos sobre as mulheres e pouco se aproveita de todo o
potencial analítico oferecido pela categoria de análise de
gênero, como vem sendo desenvolvida no campo dos estudos
feministas.

Nesse sentido, gênero se torna um conceito, uma categoria de análise, uma


epistemologia. Os estudos de gênero dialogam com a filosofia contemporânea e
possuem uma bibliografia que questiona, problematiza uma série de questões que
envolvem essa temática.
O enfoque de gênero aqui presente permite visualizar e reconhecer as hierarquias
e desigualdades entre os gêneros, expressas nos discursos e nas práticas escolares que
produzem e reproduzem a cultura, sabendo que essa produção histórica é suscetível de
ser transformada.

38
Atualmente, sabemos que os estudos de gênero são muito mais abrangentes que
os estudos feministas. Na virada das décadas de 1970 para 1980, na chamada terceira
onda do feminismo, Joan Scott vai afirmar que gênero não é sexo, tampouco uma
manifestação cultural de sexo. Scott (1990, p.117) salienta que, especialmente nas
últimas décadas,
os Estudos de Gênero criaram um paradigma metodológico no
que tange a ruptura com o sexo biológico e com a
dessubstancialização das categorias naturalizadas de homens e
mulheres. Afirmaram a primazia metodológica de investigar as
relações sociais de gênero sobre a investigação das concepções
de cada um dos gêneros; afirmaram a possibilidade cultural de
um número indefinido de gêneros; afirmaram a possibilidade
dos processos de diferenciação e indiferenciação de gênero
Apontaram a primazia da diferenciação sobre as diferenças
construídas, isto é, a primazia das relações entre os gêneros
sobre as concepções de cada um dos gêneros.

Assim, de acordo com Scott (1990), é necessário compreender que o conceito


de gênero legitima e constrói as relações sociais (e também culturais, econômicas,
políticas...), existindo uma natureza recíproca entre gênero e sociedade, que se
concretiza de formas particulares e situadas historicamente.
Da mesma forma, conforme Anyon (1990), é importante questionar que a
construção social de gênero não é um processo unilateral de imposição da sociedade,
pois homens e mulheres são sujeitos ativos e ao mesmo tempo determinados, recebendo
e respondendo às determinações e contradições sociais. Por ser gênero permeado por
relações de poder, estas oferecem resistência.
É importante ressaltar que o gênero é uma categoria em que não há uma
posição única, consensual e harmoniosa que represente a sociedade como um todo.
“Não só há diferentes proposições em conflito, defendidas por grupos sociais em luta,
como há também proposições contraditórias e conflitantes dentro de um mesmo grupo
social” (LOPES, 1994, p.25).
Deste modo, gênero é uma categoria de análise e a partir dela pode-se analisar o
corpo, a sexualidade e a identidade; é um elemento constitutivo das relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos; e é, por isso, um primeiro modo
de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1990).

39
Na mesma direção, Butler (2003) afirma que se tornou impossível separar a
noção de gênero das interseções políticas e culturais em que ela invariavelmente é
produzida e mantida. A manutenção de um sistema cartesiano, binário e oposto de
análise nos leva à exclusão de pessoas, gerando conflitos: cartesiano porque pensa
apenas em binarismos como: homem/mulher, macho/fêmea,
homossexual/heterossexual; por ser um sistema fechado em si mesmo, não admite o que
está fora da norma, gerando o preconceito.
É mister pensar na complexidade das relações de gênero e poder de modo que as
classificações normativas sejam definitivamente questionadas no âmbito da escola,
espaço privilegiado de construção de conhecimento, de relação com o outro onde os
seres humanos em tese deveriam se humanizar, de fato.
Conforme Butler (2003, p. 20), “se alguém é uma mulher, certamente não é tudo
que esse alguém é”. Tal constatação vale, logicamente, para o homem; interessa saber
quem é essa pessoa além do gênero que se constituiu dentro de um contexto histórico-
cultural.
Nesse sentido, a categoria gênero pode ser entendida como um conceito
epistemológico que pode proporcionar um olhar diferenciado das relações humanas
existentes no ambiente escolar, auxiliando no processo de construção do conhecimento
ao permitir a instauração de problematizações acuradas acerca de como é trilhado o
processo de produção e interprodução das identidades de gênero.
Inspirados nisso, foi com as lentes do conceito de gênero (e também de cultura)
que olhamos e tentamos compreender o objeto de estudo desta investigação. Assim,
tendo os conceitos de cultura e gênero como chaves da análise acerca da presença de
homens docentes na Educação Infantil, o próximo capítulo apresenta e discute os dados
obtidos através das entrevistas realizadas com dois educadores infantis.

40
4 O HOMEM COMO EDUCADOR INFANTIL

4.1 PERCURSOS TRILHADOS: AS ENTREVISTAS

No afã de empreender a pesquisa empírica foi necessário, para atingir seu


objetivo, contatar homens que exercem a docência em instituições de Educação Infantil
em Natal/RN, tarefa que se mostrou bastante difícil, dado o reduzido número de homens
desempenhando esta função. Inicialmente, entramos em contato com nove educadores
infantis. O fato de existirem poucos homens na função provocou certo desconforto neles
em se disporem a colaborar com a pesquisa, pois, segundo eles, seriam facilmente
identificados e temiam censura ou represálias por parte dos gestores, colegas de
profissão ou familiares de alunos, mesmo sendo garantidos a eles procedimentos éticos
de uma pesquisa científica, tais como o anonimato e a prévia leitura, por parte deles, de
tudo que fosse dito a seu respeito.
Outra justificativa dada pelos professores para a sua não participação na
pesquisa foi o fato de muitos terem atribuições laborais em dois e/ou três turnos,
restando escasso o tempo para que eles pudessem contribuir com o estudo. Mesmo
diante desse cenário de certo modo desfavorável, dois educadores infantis se dispuseram
e participaram com afinco de todo o percurso investigativo. Eles serão aqui
identificados como EDU 01 e EDU 02.
EDU 01 tem entre trinta e quarenta anos de idade, e possui a seguinte
formação: Ensino Médio na Modalidade Normal, graduação em Pedagogia, graduação
em outro curso da área de humanas (cursado depois de Pedagogia e de ter assumido o
cargo de educador infantil) e Especialização em Educação Infantil. Possui mais de dez
anos de experiência docente, já tendo atuado em turmas iniciais do Ensino Fundamental
e em turmas de Berçário (bebês de quatro meses a um ano de idade) e Nível III
(crianças com quatro anos de idade) da Educação Infantil. Além da experiência em sala
de aula, EDU 01 também já ocupou por três anos a função de gestão (diretor de escola)
na Educação Infantil.
EDU 02 também tem mais de trinta anos de idade e possui graduação em
Pedagogia. Possui apenas dois anos de experiência docente. Só teve experiência com
41
turmas do Nível IV (crianças com cinco anos de idade). Além do vínculo estatutário
(concursado), ele possui outro vínculo celetista (temporário) com a rede de ensino de
Natal/RN, também na Educação Infantil. Assim, trabalha em duas turmas, uma no turno
da manhã e outra no turno vespertino, ou seja, ele tem uma jornada dupla de trabalho
(comum para muitos professores da Educação Básica), com duas turmas diferentes e em
duas escolas distintas.
Para preservar o anonimato dos educadores, optamos por uma caracterização
bastante geral de cada um, trazendo para o texto da Dissertação apenas as informações
estritamente necessárias à análise, de modo a garantir que não sejam facilmente
identificados. Tais restrições de caracterização não comprometerão o alcance dos
objetivos desta pesquisa, na medida em que são agregados elementos qualitativos que
permitem que a ausência de informações específicas acerca dos entrevistados não
prejudique a problematização desenvolvida.
Conforme consta no segundo capítulo desta Dissertação, na perspectiva da
multirreferencialidade adotada na pesquisa, a análise é qualificadora e o olhar do
pesquisador tenta mais entender que explicar, pois tem por objeto uma realidade
explicitamente heterogênea. A análise, então, partiu da realidade (nesse caso o
professor da Educação Infantil) vista a partir de seu contexto concreto, de seu
protagonismo e discurso.
Como procedimento investigativo, foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas com os dois educadores infantis, nas quais elencamos três eixos
norteadores que tiveram o objetivo metodológico de planejamento organizacional dos
temas e questionamentos a serem desenvolvidos junto com os entrevistados. Os eixos
referem-se à atuação dos entrevistados como docentes na Educação Infantil, e foram
assim definidos: 1) Como cheguei? 2) Como estou? 3) Onde quero chegar?11
No primeiro eixo, os questionamentos feitos versam sobre a chegada desses
professores à Educação Infantil (trajetória pessoal, acadêmica e profissional), tentando
enfatizar as motivações da escolha da profissão e as expectativas que eles tinham ao
ingressar no cargo público. O segundo eixo é composto de questões que buscam revelar
a trajetória docente até o momento das entrevistas, bem como as sensações iniciais e
atuais como professores na Educação Infantil. Já o terceiro eixo traz elementos que

A experiência que tive como educador infantil auxiliou na busca de caminhos e subsídios durante a
11

coleta de dados, especialmente no tocante ao planejamento das entrevistas efetivadas.


42
buscam instaurar reflexões acerca das perspectivas que os professores traçam para o seu
futuro profissional.
A entrevista consiste num dos instrumentos fundamentais para a coleta de
dados. Ela é, na verdade, uma técnica de trabalho amplamente utilizada nas pesquisas
educacionais. Como entendem Lüdke e André, (1986, p.34), “a grande vantagem da
entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da
informação desejada”. Contudo, a divisão em três eixos, a partir dos aportes teóricos e
metodológicos que adotamos, não seguiu rígida e cronologicamente a sequência do
primeiro eixo, depois o segundo e, por fim, o terceiro. Em muitos encontros os
educadores foram explicitando informações pertinentes a mais de um eixo, expondo, em
algumas situações, temas que não tinham sido previamente planejados pelo pesquisador.
Como foram entrevistas semi-estruturadas, não existiu um instrumento de
entrevista rígido e linear. A maior preocupação foi ter uma postura de pesquisador
condizente com os princípios metodológicos adotados, ou seja: percepção além do que
está imediatamente exposto; escuta por intermédio de olhares, gestos e múltiplas
linguagens; reconhecimento das complexidades, transitoriedades e contextos dos
entrevistados; tentativa de olhar de forma múltipla e diversa; e, especialmente,
aproximação entre pesquisador e entrevistado.
A aproximação entre entrevistador e entrevistados, por muitos defendida como
profícua, por outros tida como um “pecado”, no meu caso, não só pelos referenciais
adotados, mas também pelas circunstâncias, foi inevitável e de profunda pertinência:
falando perante um “igual” que já passou por situações semelhantes, os entrevistados
sentiram-se, conforme os seus próprios relatos, mais confortáveis em explicitarem
alguns assuntos, permitindo que eles falassem sobre o tema proposto (ou falassem de
questões que eles mesmo propuseram) de forma não rígida ou restritiva, oportunizando
espaços de autenticidade, espontaneidade e liberdade de expressão.
Ao estabelecer um paralelo entre as afinidades políticas e as escolhas de cunho
teórico-metodológico que tecem a construção das pesquisas acadêmicas, Louro (2004)
diz que a forma pela qual pesquisamos, como conhecemos e como escrevemos é
marcado por nossas preferências teóricas, políticas e afetivas. Nesse mesmo sentido,
Grossi (1992) afirma que o gênero do próprio autor da pesquisa interfere na forma pela
qual ele percebe e interpreta o objeto investigado.

43
Na medida em que se realizavam os momentos de entrevista, promovia-se um
maior clima de confiança entre entrevistador e entrevistado, permitindo inclusive que,
em algumas situações, os papéis se invertessem, dando vez a ricos momentos de troca
de experiência. A aproximação entre entrevistador e entrevistado permitiu que as
últimas entrevistas ganhassem um status de “conversas”, em conformidade com os
referenciais metodológicos adotados.
As entrevistas ocorreram individualmente e foram todas gravadas em áudio.
Além da gravação, em todas as entrevistas foram realizadas anotações para que não
ficassem perdidas as expressões de excitação, exaltação, assombro, alegria, etc., com a
finalidade de que, na análise de dados, a interpretação contasse com o maior número de
elementos possível. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-
verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal, cuja
captação é muito importante para a compreensão e a validação do que foi efetivamente
dito.
Foram realizados oito encontros com EDU 01 e doze encontros com EDU 02,
no período de fevereiro a outubro de 2014. A duração e o local dos encontros foram
variados.
A análise das entrevistas possibilitou a organização dos dados em quatro focos
de discussão.
O primeiro deles refere-se às figuras masculinas (re)produzidas no cotidiano da
Educação Infantil, cujas representações discursivas constroem o homem como
“perigoso”, “poderoso” e “respeitado”, ajudando a perpetuar os vínculos histórica e
culturalmente estabelecidos entre a figura masculina e as imagens de autoridade,
liderança, comando, ao mesmo tempo em que reforça o suposto caráter natural das
relações entre a figura feminina e o cuidado infantil.
O segundo foco de discussão, intitulado funções generificadas, trata da
polarização entre os elementos do binômio masculino/feminino, ativado constantemente
nas relações que se estabelecem entre homens e mulheres no cotidiano da Educação
Infantil, tornando as instituições desta etapa de ensino um local de concretização dos
mais diversos significados de gênero.
O terceiro foco de discussão problematiza a necessidade de afirmação da
heterossexualidade dos educadores infantis entrevistados, destacando-se a associação

44
(geralmente feita por gestores, por colegas de trabalho e pelas famílias das crianças)
entre a heterossexualidade masculina e o adequado exercício da função docente.
O quarto e último foco de discussão trata das lacunas da formação inicial e
continuada de educadores infantis, enfatizando que, de modo geral, os cursos que
formam professores para atuar em instituições de Educação Infantil tendem a
desconsiderar a inserção profissional de homens nessa etapa de ensino.
Sumariamente apresentados os quatro focos de discussão depreendidos da
análise das entrevistas, passemos ao primeiro deles.

4.2 FIGURAS MASCULINAS

4.2.1 O homem perigoso

As entrevistas realizadas com EDU 01 e EDU 02 destacam que uma das


preocupações de quem exerce a gestão, no momento de distribuição das turmas, é a de
deixar os educadores homens na docência de turmas de crianças de maior idade,
afastando-os das crianças menores – decisão vinculada à crença de que se devem
minimizar as interações mais íntimas entre homem e crianças pequenas.
Conectada a isso, está a concepção naturalista de que a mulher seria a mais
adequada para permanecer com as crianças e que, então, quanto mais idade elas tiverem,
menor seria o “impacto” causado caso a turma esteja sob a responsabilidade de um
educador ao invés de uma educadora. E percebemos que, enquanto sujeito inserido
nessa cultura formativa, o homem geralmente não se constrange em ter esse direito
cerceado, apesar de, somente após ser provocado por mim, EDU 02 ter explicitado um
sutil incômodo quanto ao isso, e também ter expressado o privilégio de estar na turma
de crianças mais velhas, condição disputada por educadores de modo geral.

Veja bem, todo mundo quer o Nível IV [turmas de crianças de


05 anos de idade] né? Todo ano era uma briga na escola, mas
depois que eu cheguei a diretora já disse para todas “o nível IV
será sempre dele” [do próprio entrevistado]. Rapaz, o zum zum
zum foi grande. [...] Eu concordo, sabe, pois com os menores
seria mais complicado, teria que dar banho. [...] Realmente, não

45
é bacana ser tratado diferente por sermos homem [...] Algumas
vezes eu parei para refletir sobre isso, mas no final de tudo eu
confesso: é melhor ficar com os grandes mesmo. (EDU 02)

Nesse mesmo sentido, destacam-se os três seguintes trechos:

Logo quando eu cheguei [referindo-se ao início da carreira de


educador infantil] peguei de cara uma turma de Berçário. A
diretora foi logo avisando: “Você vai ficar com os meninos e
ela [a outra educadora] ficará com as meninas” [...] “Na hora do
banho, é tudo com ela e com a auxiliar, você fica arrumando as
coisas na sala” [...] Eu aceitei e entendi a decisão da gestão
[satisfação]. Afinal, não me sentia bem em dar banho nas
crianças. [...] O pior é que eu não sabia mesmo como fazer o
“negócio” [dar banho]. A gente não aprende isso na faculdade
[risos]. (EDU 01)12

Como você sabe, minha turma não toma banho aqui [na escola].
Mas teve um dia que uma aluna não conseguiu se segurar e fez
xixi na roupa. Ficou toda molhada. Todos [as outras crianças da
turma] ficaram rindo dela. Tive que tomar uma atitude rápida.
[...] Era a primeira vez, depois de quase seis meses aqui que
tinha acontecido isso na minha sala. [...] Quando eu estava
caminhando com ela em direção ao banheiro para dar o banho
nela, a professora [professora de outra turma da escola] gritou lá
da porta da sala dela, gritou mesmo “Você tá louco? Deixa que
eu vou mandar [nome de uma auxiliar de creche] dar banho
nela. Pode deixar! Pode deixar!”. Não gostei da forma que ela
agiu. Não precisava gritar daquela forma! [...] Eu sabia que eu
não iria fazer nada de errado com a menina, não sou pedófilo,
mas foi melhor mesmo assim [suspiro]. [...] Entendi minha
colega, ela só estava preocupada com a reação dos pais da
menina. [...] é claro que tem coisas que elas [as mulheres]
fazem melhor do que a gente né? [risos] Ah! Mas na hora de
pegar no pesado elas sabem me chamar ligeiro [risos]. Acho
natural essa divisão [divisão de tarefas entre homens e

Para dar destaque aos trechos das entrevistas, optamos por apresentá-los aqui com bordas externas,
12

independente de sua extensão. Assim, pode-se melhor diferenciar o que é citação que nos serviu como
corpus analítico (as falas dos entrevistados) daquilo que é citação que nos serviu como aporte teórico-
metodológico do trabalho (frases dos autores de base deste estudo). As sensações dos entrevistados estão
transcritas entre colchetes, bem como as explicações de termos e demais situações necessárias ao bom
entendimento dos trechos das entrevistas.
46
mulheres]. Eu sei que poderia ser diferente, que eu poderia fazer
tudo, ou quase tudo que elas fazem, mas tá bom assim
[conformidade]. (EDU 02)

Eu quase nunca ia no fraldário, muito menos quando tinha uma


mãe amamentando. Ali era o espaço delas [mulheres] (EDU
01).

Evidencia-se nestes trechos algo de bastante preponderância: a naturalização


do cuidado à criança como sendo essencialmente feminino, derivando daí o desconforto
por parte de homens e mulheres diante de situações em que o homem tem que cuidar
das crianças. Isso se complica quando esse cuidado exige algum contato físico mais
direto, como é o caso dos momentos de troca de fraldas e banho, especialmente quando
o homem educador necessita interagir com crianças do sexo feminino.
Estes trechos nos levam à ideia de que não se podem desconsiderar os fatores
culturais como influenciadores das práticas humanas, segundo os quais a mulher é,
desde menina, preparada de certo modo para a maternidade e, nesse sentido, também
estaria mais capacitada do que o homem (que de modo geral não foi estimulado) a dar
banhos nas crianças, tendo em vista que a socialização é diferente da de meninos e faz
com que determinadas práticas culturais condicionem papéis de gênero.
Isso fica mais evidente quando se percebe que os cursos de formação docente
não ensinam essa competência. Assim sendo, por que as mulheres são consideradas
hábeis para o cuidado das crianças (como o banho, por exemplo) e os homens não são,
se todos eles (mulheres e homens) passaram pelos cursos de formação?13 Aonde é que
as mulheres aprenderam melhor que os homens a cuidar de uma criança, senão por meio
dessa cultura de “prontidão” das mulheres à maternidade, como se todas elas nascessem
prontas para cuidar de uma criança?
Nesse sentido, a associação que se faz entre mulher e cuidado infantil,
excluindo os homens dessa capacidade, é culturalmente constituída; ou seja, as
mulheres são geralmente mais capacitadas do que os homens para higienizar uma
criança, mas isso se dá mais em função de fatores culturais do que de supostas

A questão da formação inicial e continuada dos educadores infantis será discutida mais adiante nesta
13

Dissertação.
47
condições naturais femininas. E trata-se de fatores culturais que sobrevivem e se
recriam a todo momento também nessas experiências captadas nas entrevistas desta
pesquisa. Ou seja, há uma face pedagógica de produção permanente desses estereótipos
de gênero, face da qual as falas dos entrevistados são emblemáticas. Isso não significa
que é na escola infantil que essas coisas se originam. Significa apenas que, imersas
nessa cultura já constituída, as experiências vividas por homens e mulheres na escola
infantil acaba por perpetuar a própria cultura estereotipada. Assim sendo, a escola
infantil é um dos locais em que essa cultura pode funcionar e se refazer em suas ideias.
Ainda com relação à fala de EDU 02, percebe-se que ele não demonstra total
desconforto em não assumir a função do banho e, conformado, diz concordar com a
decisão institucional de lhe afastar dessa tarefa. A conformidade do entrevistado quanto
a isso pode ser entendida em função dos fatores culturais sobre os quais vimos falando
nesta seção. E implícita nestes fatores culturais está também a ideia de minoridade da
função do cuidado, na medida em que ela supostamente não demandaria trabalho
intelectual. Nesse sentido, a atividade de higienizar a criança, por exemplo, acaba sendo
considerada na cultura escolar como naturalmente feminina, de baixa complexidade e de
pouco prestígio laboral. É também por meio dessa “sutileza” que os homens aceitam
tranquilamente atribuir às educadoras mulheres a tarefa do cuidado das crianças que são
de sua turma, afinal, implícita a essa aceitação está a ideia, culturalmente muito bem
tecida ao longo dos anos, de que a mulher seria naturalmente apta e mais capaz para
executar essa tarefa considerada de baixo prestígio cognitivo se comparada a outras
atividades que professores e professoras realizam na escola, dando aos homens um certo
privilégio profissional em relação às mulheres.
Outro ponto a ser destacado nesta análise são as interelações da instituição de
Educação Infantil com os familiares das crianças, quando estes se deparam com a
designação de um homem para desempenhar a função de educador de seus filhos ou
suas filhas. Referindo-se aos pontos de inflexão entre as famílias e as instituições, Sayão
(2005, p.178) afirma que “esta relação geralmente evidencia tensões e conflitos”, o
que pode ser também observado nas falas dos entrevistados EDU 01 e EDU 02,
respectivamente:

Os pais dos alunos são os que mais rejeitam a gente na sala de


aula, tem uns que não admitem de forma alguma deixar seu

48
filho com um professor homem, a confusão é grande. [...] Já
tive que fazer [na função de diretor] vários remanejamentos de
alunos para apaziguar os ânimos. [...] Mudo o aluno para outra
turma, faço a permuta com outra professora, essas coisas, mas
quando é possível. [...] Justamente quando ele [professor
homem] chegou aqui só tínhamos um Nível IV, duas mães
vieram aqui e disseram que não aceitariam, eu conversei,
expliquei a situação, chamei o professor para se apresentar, mas
não teve jeito, as duas tiraram seus filhos [...] Ele ficou sabendo
que elas [as crianças] saíram por ele ser homem, abri o jogo
logo de início. [...] Acho que ele não gostou muito. [...] Isso não
é bom, certamente ele ficou mais inseguro. Eu mais do que
ninguém sei o quanto é possível o homem desenvolver bem o
seu papel de educador infantil, mas vou lhe ser bem sincero,
como gestor, hoje, eu prefiro receber uma professora do que um
professor, mas é só mais por causa desses problemas com os
familiares, com elas [professoras] a gente consegue contornar,
elas têm que aceitar, querendo ou não. Os pais não, o problema
fica é maior, bem maior. [...] Não digo que ele [professor
homem] não possa trabalhar aqui, ou que eu não aceite um
homem aqui, o que lhe digo é que prefiro uma professora, mas
se um dia chegar outro professor, pode ter certeza, ele será
muito bem recebido por mim [nervosismo]. (EDU 01)

A gente sempre fica um pouco receoso em como os pais vão


nos ver aqui. [...] Eu mesmo, se já fosse pai, ficaria com o pé
atrás se chegasse na escola e tivesse um homem como professor
do meu filho. [...] Não é questão de desconfiar, é mais por causa
de não ser algo tão comum. [...] Comigo é assim: nos primeiros
dias eles [familiares] ficam nos olhando com aquele olhar sabe?
Um olhar de quem não tá gostando muito. [...] Não são todos,
mas a maioria estranha quando chegam e sabem que serei eu o
professor. Mas com o passar do tempo, eles vão me
conhecendo, vou ganhando a confiança deles, eles vão
percebendo que sou um profissional e que não irei fazer nada de
errado com os seus filhos. [...] Ah! As meninas [professoras]
são aceitas de cara [rapidamente] pelos pais. [...] Mesmo assim
[após ser aceito pelos familiares como professor dos seus filhos]
eu ainda fico pisando em ovos [...] Sinto que estou sempre
vigiado, que qualquer deslize pode acabar com a confiança
conquistada. [...] Não é preciso que eu cometa alguma coisa
errada, se eu fizer algo que aparente ser errado, acabou! (EDU
02).

49
O ponto alto deste último trecho está no momento em que o entrevistado
afirma que se ele fosse o pai e soubesse que um homem seria o educador de sua filha ou
filho também ficaria receoso e desconfortável. O fato de o próprio sujeito (que passa por
esse tipo de situação) afirmar que agiria do mesmo modo, numa hipotética situação
inversa, evidencia a força que culturalmente tem essa ideia de estranheza da presença do
homem na docência em turmas de Educação Infantil.
O que não parece ser problema para as crianças, assusta suas famílias:

Eu nunca recebi uma criança reclamando aqui porque o seu


professor é um homem [risos]. Mas falando sério, para as
crianças não faz muito diferença [ter como professor/a um
homem ou uma mulher], o que faz a diferença para elas são as
qualidades que ele tem [...] Ser atencioso, dedicado, respeitar as
crianças, essas coisas fazem a diferença mesmo. [...] É, ser
carinhoso também, mas [enfático] como já comentamos, tem
carinhos que é melhor o homem não fazer. [...] Não, não, as
crianças não ligam para isso [carinhos dos professores homens],
o problema maior é a família, as professoras que ficam
censurando eles, essas coisas, não pelas crianças. [...] Acho que
pode prejudicar [o professor não poder demonstrar o seu afeto
pelos alunos da mesma forma que a professora pode], mas é
melhor que seja assim, para evitar problemas maiores para ele
[professor] e para a escola. [...] É difícil, muito difícil mesmo
[fazer algo para mudar a situação de proibição aos homens e/ou
aceitação dos outros], não sei, acho que ainda vai levar muito
tempo para que se mude algo assim, é algo muito enraizado na
cabeça das pessoas, mas é verdade, se nunca for feito nada,
nada mudará [...] Talvez quando se mudar a sociedade lá fora,
as coisas mudem por aqui [...] Entendo o papel transformador
que a educação possui, mas não adianta a gente remar contra a
maré. (EDU 01).

Ainda com relação às manifestações de afeto, segue outro trecho que


consideramos forte e que sutilmente situa o homem como alguém perigoso no contexto
da docência na Educação Infantil:

Eu acho que de todo mundo que a gente convive aqui [na


escola], as crianças são as que a gente tem menos problemas.
Elas nos adoram [o “nos” refere-se aos homens]. Muitas não

50
têm pai, ou o pai não convive com elas. A gente acaba se
tornando a figura paterna para elas. [...] Tem certas coisas que
procuro evitar fazer com meus meninos [alunos e alunas]. Dar
carinho mais afetuoso, você entende né? [...] Tipo beijar,
acariciar, essas coisas. [...] Teve um dia que eu estava sentado
na cadeira e lendo uma historinha para a turma, eles gostam de
ficar perto da gente nessas horas, daí veio uma aluna e se sentou
no meu colo, eu fiquei sem saber o que fazer. Fiquei um pouco
chocado. Dei uma parada na história, mas continuei a contação.
Ainda bem que nesse dia eu estava sem auxiliar de sala, pois ela
iria ter notado o meu nervosismo e ter pensado outras coisas.
[...] Eu sei que eu não tinha maldade, sei que eu não estava
fazendo nada de errado, mas se outras pessoas fossem ver a
cena poderiam imaginar outra coisa né? [...] Mas aquilo [criança
sentada no colo dele] estava me incomodando. Ainda bem que
no meio da história eu tive que tirar ela do meu colo, pois o
restante da turma queria sentar no meu colo também [risos] [...]
A partir desse momento já ficou estabelecido nas contações de
história que todos deveriam ficar sentados nas almofadas. (EDU
02)

Estando a cultura escolar fundamentada em concepções culturais mais amplas,


cristalizadas e socialmente constituídas, acerca das relações de gênero, percebe-se que
existe a possibilidade de as interações afetuosas entre homens e crianças, na Educação
Infantil, serem associadas à pedofilia e à perversão sexual, ao mesmo tempo em que a
figura da mulher é concebida como sinônimo de pureza, delicadeza e com aptidão
natural para o trabalho com crianças pequenas. Tomando como referência os estudos de
Louro (2004) e de Sayão (2005), é possível observar nas entrevistas certa (re)produção,
um tanto ingênua, da ideia de que as mulheres são indivíduos incapazes de cometerem
qualquer perversão sexual com as crianças: já os homens são concebidos, ainda que de
modos muito sutis, como naturalmente predispostos a molestar as crianças. Essa visão
do homem perigoso é também alimentada por uma chaga social, historicamente
construída por inúmeros casos de violência sexual de homens contra crianças e
mulheres em diversos contextos. Com relação a isso, vale atentarmos para o que afirma
Sayão (2005, p.16):

São evidentes os preconceitos e estigmas originários de ideias


que veem a profissão como eminentemente feminina porque
lida diretamente com os cuidados corporais de meninos e
meninas. Dado que, historicamente, e como uma continuação da
51
maternidade, os cuidados com o corpo foram atributos das
mulheres, a proximidade entre um homem lidando com o corpo
de meninos e/ou meninas de pouca idade provoca conflitos,
dúvidas e questionamentos, estigmas e preconceitos. É
indubitável a crença disseminada de um homem sexuado, ativo,
perverso e que deve ficar distante do corpo das crianças. Em
contrapartida, há formas explícitas de conceber as mulheres
como assexuadas e puras e, portanto, ideais para este tipo de
trabalho.

Sintonizada com o que a autora afirma, a fala do entrevistado EDU 01 é


bastante emblemática do que se vem apontando nesta seção:

Tem coisas que a gente precisa evitar para que se evitem


maiores problemas. Aqui [na escola] já tivemos um rapaz que
veio assumir uma turma por seis meses. [...] Quando terminou o
ano letivo ele saiu para outra escola mais perto da casa dele. [...]
Quando ele chegou aqui me disse que se sentia bem por ter me
encontrado aqui, por não ser o único homem da escola. Ele
tinha vindo assumir uma vaga no Nível I, mas quando vi que se
tratava de um homem eu tive que remanejar uma professora do
Nível IV para o Nível I para ele ficar no Nível IV. Isso deu uma
confusão viu? Mas depois a professora entendeu a situação. [...]
Claro que tivemos [ele e o novo professor] uma conversa antes.
[...] Fui logo dizendo para ele não ficar com muitos carinhos
com as crianças, trabalhar de forma séria, para evitar problemas
com a família. [...] Ah! [exaltação] você sabe que tem que ser
diferente mesmo, uma mãe não se importaria de ver sua filha
sentada no colo de uma professora, mas se for de um professor
[exaltação] a conversa é outra. [...] Não quero problemas com
ninguém, posso até entender que o rapaz [o novo professor] não
é pedófilo, sei que ele é um profissional, assim como eu, mas vá
falar isso com uma mãe! A gente vê tantos casos de pedofilia na
TV. E são só homens que cometem esses crimes. Você já viu
alguma reportagem falando de uma pedófila? [...] Então, é
melhor evitar problemas desse tipo. [...] Acho que ele entendeu,
pelo menos não reclamou nada. (EDU 01)

O final desta fala do entrevistado EDU 01 indica a imbricação do que acontece


na cultura escolar daquela instituição com outros artefatos culturais mais amplos, como
os midiáticos, por exemplo, em que circulam informações, acerca de casos de pedofilia,
que também acabam por orientar as decisões institucionais quanto à distribuição das
52
turmas de criança por professor/a da escola. Assim, é possível que as concepções pré-
concebidas sobre pedofilia presentes nas falas dos entrevistados tomem como referência
as informações culturalmente veiculadas acerca de diversos casos de pedofilia que têm
homens como executores.
A brutalidade dos casos noticiados, tomados como generalizáveis à figura do
homem, justificaria por si só a necessidade de se manter os homens afastados das
crianças, especialmente as menores, na escola infantil, encobrindo-se o caráter
preconceituoso e discriminatório dessa ação. Podemos falar no caráter preventivo de tais
ações, tendo em vista os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes,
principalmente em seus meios familiares, tendo como agressores homens próximos às
crianças, como pais, tios, padrastos, etc. Na impossibilidade de deslocar a função do
homem na escola infantil, percebem-se as tentativas de minimizar a estranheza e o
desconforto causados por sua presença, colocando-o em turmas de crianças de maior
idade, que não requerem necessariamente formas de interação tais como o banho, por
exemplo.
Nessa trama de gênero existente nas práticas docentes das instituições de
Educação Infantil, especialmente acerca das interações corporais entre adulto/crianças,
os próprios homens consideram um tanto estranho o lugar que ocupam, corroborando
com a ideia de que o cuidado das crianças seria uma atividade mais propícia às
mulheres.
Dentre os muitos artifícios utilizados nas instituições para afastar das crianças
o homem considerado perigoso e deixar perto delas as mulheres consideradas como
“naturalmente boas”, destaca-se o encaminhamento dos homens às funções de gestão. É
também dessa forma que os homens passam de perigosos a poderosos, como trata a
seção que segue.

4.2.2 O homem poderoso

Com o aval das mulheres que trabalham na escola infantil, a decisão


institucional de encaminhar os homens às funções de gestão é, muitas vezes, uma
alternativa às questões apresentadas na seção anterior. Para se livrar do suposto “perigo”
que os homens representam especialmente nas turmas de crianças menores, o exercício
53
da gestão escolar (direção, vice-direção, coordenação pedagógica) se apresenta como o
caminho mais adequado aos homens, evitando assim que sua presença na docência
cause problemas à instituição. Tendo a gestão como seu destino supostamente natural, o
homem perigoso se transforma em homem poderoso, já que destinar cargos de
administração e liderança a um homem é algo em perfeita sintonia com as
representações culturais que se tem do masculino nas nossas sociedades.
Vejamos o trecho abaixo, transcrito de uma das entrevistas realizadas com EDU
01:

Não me deixaram passar seis meses no Berçário. Quando voltei


de férias eu já estava no Nível III. [...] Antes de terminar o ano
eu já fui convidado para assumir a coordenação da creche. [...]
Na gestão a responsabilidade aumenta, mas o trabalho é muito
menos desgastante fisicamente. [...] Senti sim ser mais fácil
assumir a gestão por ser homem. [...] É porque eles [gestores da
secretaria municipal de educação] não veem com bons olhos a
gente [educadores homens] em sala de aula, mas como
passamos no concurso, eles não tem o que fazer. [...] A gestão é
o caminho quase que natural para muitos homens [...] Conheço
muitos que nunca mais voltaram para sala de aula, são
coordenadores, diretores. (EDU 01)

A fala evidencia que o sair da sala de aula e assumir funções de gestão –


associadas às ideias de “ser chefe”, “(co)mandar” – é um percurso facilitado aos homens
em instituições de Educação Infantil. EDU 01 admite explicitamente e com satisfação
que o fato de ser homem lhe facilita a ocupar tal posição, como se fosse um “caminho
natural” masculino. Ou seja, a mulher “submissa” ao homem, e ocupando naturalmente
as posições consideradas de menor prestígio e relevância social, dá lugar ao homem
considerado poderoso e naturalmente líder. E é claro que essas representações são muito
bem vindas à instituição que almeja resolver o “problema” de se ter homens como
docentes na Educação Infantil.
É nessa direção que a escola, como instituição social de grande alcance, se
transforma por meio da cultura e ao longo da história, e vai (re)constituindo os sujeitos
que a compõem. Muito embora as representações da figura da professora também
tenham se transformado, atualmente a presença de homens docentes na Educação
Infantil requer uma problematização do fato de se vincular o professor homem à

54
autoridade, à liderança e ao conhecimento, enquanto se vincula a professora mulher ao
maternal da aprendizagem.
Nesse sentido, Izquierdo (1994, p.82) afirma:

As capacidades específicas das fêmeas têm a ver com atividades


de gênero consideradas de segunda ordem para o
funcionamento e desenvolvimento da sociedade, precisamente
as relativas à produção da vida humana. As atividades
específicas dos machos, relativas à produção e administração
das coisas, consideram–se fundamentais, de primeira ordem. A
partir dessa valorização distinta do masculino e do feminino
constrói-se uma hierarquia dos gêneros. A hierarquia dos
gêneros conduz ao estabelecimento de relações de
dominação/subordinação entre o gênero masculino e o
feminino.

Assim, as análises realizadas aqui apontam que a gestão, no que se refere tanto
às suas relações quanto à sua ocupação, é um local de disputas de poder também
influenciado por questões culturais de gênero, em que homens e mulheres se constituem
mutuamente nessa trama do âmbito escolar. Vejamos o trecho que segue.

Penso sim em ser gestor. Quero ser diretor daqui. [...] As


meninas [educadoras] me incentivaram a participar do processo
seletivo, mas deixei para a próxima. [...] Acho que o meu
caminho para eu entrar na gestão será facilitado, elas
[educadoras] querem que eu seja. (EDU 02)

Ao enunciarem sua preferência de que a direção da escola seja assumida pelo


docente homem, as professoras fazem mais do que simplesmente enunciar: elas acabam,
de certa forma, efetivando o que dizem, dando materialidade ao que dizem,
transformando aquilo em verdade. Ou seja: no momento em que as mulheres constatam
que determinada função deve ser inquestionavelmente destinada ao único homem que
atua como docente na instituição de Educação Infantil, elas fazem com que ele se torne
efetivamente o único sujeito possível a desempenhar tal papel: cria-se um campo dentro
do qual o homem se encaixa; mas, ao fazer-se isso, cria-se, principalmente e ao mesmo
tempo, um campo onde as mulheres não se encaixam, a não ser que não se tenha a
presença de algum homem para desempenhar a função. Quanto mais esse tipo de

55
formulações acontece entre as professoras, tanto mais as classificações de funções
relativas a homens e a mulheres na Educação Infantil são definidas e reforçadas.
O trecho que segue é também elucidativo dessas questões:

Sempre tive vontade de exercer a gestão escolar, você sabe o


quanto eu gosto disso, o quando eu batalho aqui dentro, na
secretaria de educação, eu não sossego enquanto eu não consigo
as coisas. Faço o possível e o impossível para administrar tudo
isso [...]. Eu sempre tive a consciência da responsabilidade de
assumir isso aqui [gestão]. No início tive medo do tamanho da
responsabilidade [...]. Não me sentia totalmente preparado para
ocupar essa função [...]. Falta de experiência administrativa e de
conhecimentos mesmo [...]. Agora, as minhas colegas desde o
início me incentivaram a ser diretor [...]. Foram elas que me
deram força, pediam para eu assumir e arrumar as coisas que
estavam bagunçadas. (EDU 01)

Além disso, a figura do professor homem, especialmente em instituições de


Educação Infantil, conforme a fala de EDU 02 transcrita abaixo, pode ser concebida
como o da figura do pai, pois “na estrutura familiar, o homem se configura como peça
central, responsável pelas decisões, administração do patrimônio, ocupando o topo de
uma hierarquia com poderes sobre a mulher e filhos” (SILVA, 2013a, p.106). Dessa
maneira, a cultura escolar pode trazer elementos dessas representações e distribuições
de papéis do âmbito familiar.

[...] estou querendo muito sair de sala de aula, é muito puxado


[cansativo] lidar com crianças pequenas. [...] Quero ir para
gestão, quem sabe uma direção, mas também poderia ser uma
coordenação pedagógica. [...] Acho que todos [homens e
mulheres] querem um dia sair da sala de aula, é muito
trabalhoso, você lembra né? [risos] Para elas [mulheres] ficar
em sala de aula é mais fácil, a gente [homens] precisa mesmo é
ocupar esses cargos de gestão. [...] eu sei que o trabalho
[realizado por homens] em sala de aula é possível sim, não
estou dizendo que não pode ser, mas o trabalho da direção e
coordenação eu diria que seria mais apropriado. (EDU 01)

Assim, se por um lado o exercício da docência na Educação Infantil quando


realizado por professores homens é questionado pelas professoras mulheres, por outro
56
lado assumir um cargo de gestão na instituição escolar, hierarquicamente superior, é
visto com naturalidade por ambos.

4.2.3 O homem respeitado

As entrevistas realizadas evidenciaram que a figura masculina no contexto da


Educação Infantil ocupa certo destaque, ainda que esteja entre seus iguais no que se
refere à função desempenhada. Sua simples presença na instituição já é o suficiente para
lhe conferir um status diferenciado. Ou seja, não é necessário que o homem ocupe cargo
de gestão para que se atribua a ele um tratamento singular, constituindo-se, assim,
naquele contexto, a figura do homem respeitado.
As análises realizadas nesta pesquisa mostraram que a representação masculina
do homem respeitado aparece no cenário da Educação Infantil em relações que ele
estabelece com: 1) sua chefe mulher; 2) suas colegas docentes; 3) as crianças da
instituição – nesses três casos exercendo ele a função de docente; 4) as docentes
mulheres – neste último caso exercendo ele a função de diretor.
O primeiro caso (educador infantil em relação à sua chefe mulher) pode ser
verificado nas falas respectivamente dos entrevistados EDU 02 e EDU 01:

Minha diretora é excelente! É exigente, mas é competente! [...]


Ela é uma pessoa calma, mas quando quer chamar atenção de
alguém, vira bicho! [...] Comigo ela nunca faltou com o
respeito. Mas com as outras [referindo-se às educadoras] ela
solta o verbo! [risos]. [...] Acho que o fato de eu ser homem
intimida um pouco. Comigo ela fala com jeitinho, as meninas
[educadoras] ficam com ciúmes, dizem que sou o protegido
dela [gargalhadas]. (EDU 02)

[...] mulher gosta de ser mandada por homens [gargalhadas].


Mas sério, um homem impõe mais respeito [...] A diretora fala
com elas [professoras] e parece que entra num ouvido e sai pelo
outro. Agora... se fosse um homem [enfático] eu queria ver elas
não atenderem... [...] Um homem mandando é diferente. (EDU
02)

57
Esses dois trechos das entrevistas encontram nos estudos de Louro (2004) uma
possibilidade de serem analisados, na medida em que esta autora trabalha com a ideia de
que a escola não apenas produz conhecimento, mas também fabrica sujeitos, produz
identidades étnicas, de gênero e de classe. É, portanto, nesse lócus produtivo de
identidades de gênero docente que a figura do homem respeitado vai se construindo nas
relações estabelecidas no cenário da Educação Infantil.
Assim, percebe-se na fala de EDU 02 a concepção histórica e culturalmente
constituída de dominação masculina perante o feminino, como se este fosse um
fenômeno natural, encobrindo-se o seu caráter arbitrário e preconceituoso. EDU 02
expressa a ideia de que o homem seria naturalmente apto a ocupar a posição de mandar
e a mulher a de obedecer. Mesmo quando na relação interpessoal a mulher exerce uma
função hierarquicamente superior a do homem (como na relação trabalhista diretora-
professor), a inferioridade hierárquica do homem é minimizada também pelas mulheres
que ocupam cargos superiores na hierarquia do trabalho. Como sujeitos sociais imersos
numa cultura machista, as mulheres agem em consonância com essa cultura, atribuindo
à figura masculina o poder de ser respeitado pela figura feminina, simplesmente por se
tratar de uma relação homem-mulher, desconsiderando-se, assim, os outros aspectos
envolvidos na relação, como os trabalhistas, por exemplo.
Na mesma direção, EDU 02 reafirma a concepção de supremacia masculina
quando expressa a ideia de que a autoridade de um diretor homem com as mulheres é
mais legitimada do que a de uma diretora mulher em relação ao mesmo grupo de
mulheres. É como se as mulheres fossem aptas a obedecer aos homens e os homens
fossem aptos a serem autoritários e mandarem nas mulheres. Tendo a mesma
concepção, EDU 01 explicita abaixo a forma pela qual as relações de poder entre
mulher (chefe) e homem (subordinado) se fizeram presentes em sua experiência
docente:

Ela [a diretora] era daquele tipo bem durona, gritava com as


meninas [outras educadoras], gritava mesmo. Era bruta! [risos].
Mas comigo era diferente, nunca inventou de alterar a voz pra
cima de mim. Quando eu não concordava com ela, eu falava
mesmo. Não tinha medo dela. [...] Só teve uma vez que ela
ficou nervosa comigo. Um dia de segunda-feira eu não tinha

58
como chegar na hora, pois estava voltando lá de [cidade em que
ele nasceu], telefonei para o celular dela avisando que iria
atrasar e tal, daí ela começou a querer se alterar, ficou
reclamando e me chamando de irresponsável. Não chegou a
gritar, mas falava toda bruta. Veja só! Mas não deixei por
menos, disse que problemas acontecem e não era culpa minha.
[...] Quando eu cheguei na creche ela estava lá na minha sala,
com minhas crianças, entrei, assumi a sala e não dei nem bom
dia a ela. Mas ela também não veio falar comigo. Saiu
caladinha e nunca mais tocou no assunto. [...] Eu também não,
fingi que não tinha acontecido nada, mas aconteceu e não iria
permitir que acontecesse outra vez. (EDU 01)

Destaca-se nesse último relato a ênfase que o entrevistado dá ao dizer que não
tinha medo da gestora. Segundo ele, a diretora gritava com as demais educadoras, mas
com ele, o “homem do pedaço”, a história era e deveria ser diferente. A relação
hierárquica entre chefe e subordinados deveria ser diferenciada quando a mulher (chefe)
fosse “abordar” o homem acerca de qualquer questão, ainda que se tratasse de uma falha
do servidor.
O segundo caso que constitui o homem respeitado (educador infantil em relação
com suas colegas docentes) é evidenciado na seguinte fala de EDU 02:

Eu gosto muito de trabalhar com mulheres, é melhor do que


com homens [risos]. [...] Elas são mais dóceis, homem é muito
bruto. [...] Mas também chega uma hora que a gente tem que se
impor com elas [professoras] né? [...] Se não tivermos cuidado,
elas montam na gente, daí a gente perde a moral. [...] Não
podemos deixar com que elas mandem na gente, como se
fossem melhores, não [enfático], elas não são melhores! [...]
Talvez por serem mais antigas aqui, ou por saberem mais do
que a gente, mas elas querem se achar superiores. [...] Ficam
pedindo demais, se aproveitando da nossa boa vontade [...]
Pedindo tudo, tudo que você imaginar, mulher adora pedir a
homem né? [gargalhadas]. Teve uma que veio gritar comigo um
dia desses, vê se pode uma coisa dessa! [exaltação] [...] Eu
devolvi com um grito ainda maior. [...] Se eu ficasse calado, ela
e as outras iriam achar que tinham o direito de gritar comigo,
temos que nos impor. [...] Até hoje não nos entendemos bem
[em relação à professora que gritou]. Ela quer me enfrentar né,
fica querendo arrumar confusão. [...] Sei que também não tenho
o direito de gritar, mas quando ela grita comigo eu tenho que

59
gritar também, não posso me rebaixar [...] No geral, os
relacionamentos são bons, só essa que fica criando problema
comigo. [...] As outras eu respeito e elas me respeitam. [...]
Gosto muito delas [...] Não [questionado sobre as diferenças
entre homens e mulheres], acho que tem que ter direitos iguais,
ninguém é melhor do ninguém, mas como elas são maioria,
temos que nos impor para não sermos tratados como inferiores
a elas. (EDU 02)

A fala de EDU 02 evidencia uma preocupação em impor uma posição de


respeito masculino perante as professoras. Existe uma preocupação em perder esse
posto de relativo domínio, como se qualquer ação das professoras que não forem
condizentes com a da figura submissa ao homem fosse interpretada como uma ameaça
ao poder masculino, refletindo, portanto, o conflito dicotômico entre o homem
dominador e a mulher dominada.
Louro (2004, p.33) explica que essa concepção dicotômica que concebe o
homem como sendo a medida, o padrão e a referência de todo discurso legitimado

supõe que a relação masculino-feminino constitui uma oposição


entre um pólo dominante e outro dominado — e essa seria a
única e permanente forma de relação entre os dois elementos. O
processo desconstrutivo permite perturbar essa ideia de relação
de via única e observar que o poder se exerce em várias
direções. O exercício do poder pode, na verdade, fraturar e
dividir internamente cada termo da oposição. Os sujeitos que
constituem a dicotomia não são, de fato, apenas homens e
mulheres, mas homens e mulheres de várias classes, raças,
religiões, idades, etc. e suas solidariedades e antagonismos
podem provocar os arranjos mais diversos, perturbando a noção
simplista e reduzida de “homem dominante versus mulher
dominada”.

Se a maioria feminina é considerada como naturalmente apta ao trabalho na


Educação Infantil, ela pode também representar uma ameaça ao único homem da
instituição: o risco que EDU 02 corre de ser tratado como inferior num grupo de maioria
feminina é, pois, a justificativa que ele encontra para impor ainda mais o respeito que a
ele é atribuído. Assim, nessa trama de poderes ecoa uma série de facetas que mostram a
complexidade e as contradições nos fios que vão tecendo as relações estabelecidas no
cotidiano da Educação Infantil.

60
O terceiro caso que constitui o homem respeitado (educador infantil em relação
às crianças da instituição) pode ser percebido no trecho que segue:

Elas [professoras] vez ou outra vêm aqui na minha sala e pedem


para eu ir lá na sala delas dar bronca na turma delas. [...]
Acredito que é por causa da voz e da imponência que a gente
[homens] tem. O homem impõe mais moral, quando eu vou lá e
falo bem sério com eles [alunos de turmas de professoras] eles
ficam bem quietinhos. [...] Eu me sinto bem quando elas
[professoras] me chamam, é sinal que tenho o meu espaço aqui
né? [...] Acho que elas [professoras] me chamam porque as
crianças me respeitam mais por causa da diferença entre homem
e mulher mesmo, o homem impõe mais pressão e respeito. [...]
Eu concordo com isso. (EDU 02)

Como se vê, a figura do homem respeitado no contexto da Educação Infantil não


se limita à convivência entre os adultos, mas se estende à convivência entre adultos e
crianças, reforçando a imagem de respeito e autoridade atribuída aos homens em relação
tanto a mulheres quanto a crianças.
Esse trecho das entrevistas traz para o cenário escolar elementos patriarcais que,
de acordo com Costa (2007, p.4), são caracterizados como uma

organização sexual hierárquica da sociedade [que se] alimenta


do domínio masculino na estrutura familiar (esfera privada) e na
lógica organizacional das instituições políticas (esfera pública)
construída a partir de um modelo masculino de dominação
(arquétipo viril).

Esse modelo de dominação masculina, esse poder de gênero, evidencia-se no


âmbito escolar a ponto de os professores exigirem (e considerarem “normal” e
desejável) um tratamento diferenciado pelo simples fato de serem homens
“subordinados” a uma mulher. Para Costa (2007, p.4),

o domínio patriarcal (masculino) apresenta na sociedade


distintas manifestações. Ele está presente no cotidiano do
mundo doméstico e do mundo público. Não é preciso praticar a
discriminação aberta contra a mulher ou a violência explícita
para demonstrar sua presença na medida em que esse poder de

61
gênero está assegurado através dos privilégios masculinos e das
desigualdades entre homens e mulheres.

É dessa forma que as próprias mulheres acabam por atribuir aos homens um
certo destaque, traduzido por determinados privilégios de voz e de ação, (re)produzindo
nuanças de superioridade do masculino sobre o feminino, como no caso em que a
supremacia da voz masculina se coloca diante das crianças, ainda que o homem seja
professor de outra turma. Para refletir sobre este caso, vale referir Osterne e Silveira
(2012, p.101), para quem as diferenças nas relações de gênero não emergem meramente
do fator biológico:

entendemos que a desigualdade estabelecida nas relações de


gênero é construída através da elaboração cultural dos papéis
sociais impostos a homens e mulheres. Tais papéis são
transmitidos por meio do processo de socialização dos
indivíduos.

Tomando como exemplo o último caso aqui analisado, fica evidente que as
crianças estão sendo inseridas nessa cultura de supremacia masculina também por suas
próprias professoras mulheres. Assim, as desigualdades entre homens e mulheres não
são simplesmente dadas, mas são constructos elaborados por intermédio das relações de
poder existentes no processo de socialização e produção cultural de seus agentes, de
modo que homens e mulheres são coautores dessa trama de poderes.
O quarto caso que constitui o homem respeitado (diretor em relação às docentes
mulheres) é verificado na seguinte fala:

As meninas [professoras] todas me respeitam, me chamam de


senhor, diretor, assim, bem formal mesmo. [...] Claro, eu
também respeito todas, evidentemente. [...] A relação
[profissional] entre homem e mulher e a relação entre chefe e
subordinadas são bem parecidas, por isso temos que tomar
cautela [...] Se parecem por causa do respeito que precisa ter e
da separação natural [...] Temos que separar o lado profissional
do relacional, manter um certo distanciamento, pois não
podemos nos aproximar tanto, brincar muito, senão pode virar
bagunça e a gente perde a moral com elas [risos]. Se a gente
deixar, elas tomam conta da gente [risos] [...] Comandar essa
ruma [referindo-se à quantidade] de mulheres não é fácil [risos].

62
[...] Tem momento que tenho vontade de entrar na brincadeira,
mas, na posição de chefe, tenho que me conter [...] Elas
precisam saber que sou o chefe delas, não sou amigo aqui
dentro, sou o responsável por tudo isso aqui, lá fora, quem sabe,
mas aqui a relação é outra. [...] Relação de cobranças e de
autoridade mesmo. [...] Do mesmo jeito [quando foi chefe de
um professor], tratava do mesmo jeito que elas. [...] Verdade
que por sermos homem a gente [ele e o professor] tinha mais
assuntos em comum. [...] A gente falava muito sobre futebol
[...] A gente zoava muito um com o outro [quando um dos times
perdia um jogo]. Mas tudo dentro dos limites [questionado
sobre as brincadeiras e as conversas sobre futebol com o
professor], na hora de cobrar eu falava sério com ele também,
da mesma forma que eu cobrava as meninas [professoras]. Trato
e cobro todos da mesma forma... [sinal de tensão] Não
[questionado se a relação de chefia é melhor com um homem],
tanto faz, o que importa é a individualidade de cada um. (EDU
01)

A situação exposta acima (homem sendo o chefe de um grupo de mulheres) é


relativamente comum de ocorrer na Educação Infantil, embora haja uma grande maioria
de mulheres exercendo a profissão, em relação a uma minoria de homens.
Percebemos na fala de EDU 01 a tentativa de demonstrar a igualdade nas
formas de tratamento e interações com homens e mulheres na sua gestão. No entanto,
percebe-se a contradição do discurso ao afirmar que na época em que foi diretor de um
homem ele brincava e falava sobre assuntos informais, mas quando se trata das
professoras há um distanciamento constantemente alimentado.
Percebe-se assim que, se o homem respeitado figura no cenário da Educação
Infantil enquanto professor – seja nas suas relações com sua chefe, com suas colegas e
com as crianças da instituição de modo geral –, seu status se intensifica ainda mais
quando assume funções de gestão, caminho visto como natural, conforme discutido na
seção precedente.

4.3 FUNÇÕES GENERIFICADAS

No tocante à Educação Infantil, o trabalho com crianças pequenas em sala de


aula necessita ser realizado, em muitas situações, diretamente por no mínimo dois

63
profissionais, de modo que cada um dos dois entrevistados, quando na experiência da
docência, dividiu suas atividades com suas respectivas auxiliares de turma, sempre do
sexo feminino. As relações estabelecidas entre os entrevistados e suas colegas de
trabalho (auxiliares ou outras professoras da escola) foram o tema mais discutido por
eles nas entrevistas de campo, trazendo à tona o binarismo masculino/feminino presente
especialmente na definição das funções de homem e de mulher no cotidiano da
Educação Infantil, tal como evidenciam os próximos três trechos das entrevistas:

Quando vou lá botar moral [nas turmas das outras professoras, a


pedido delas], elas ficam tomando conta da minha turma. Mas
eu não faço isso de graça não né? [risos]. Boto elas para fazer
umas coisinhas pra mim [gargalhadas] [...] Ah! Preparar
materiais, essas coisinhas aqui [apontando para materiais
didáticos construídos com cartolina, papelão, isopor, entre
outros]. Eu até sei fazer, participei de uma oficina só sobre a
produção desses materiais, as crianças adoram. Mas elas
[professoras] têm mais jeito para isso, olha só esse aqui
[construído por ele] e esse aqui [feito por elas]. Olha a diferença
[demonstrando que o material produzido pelas colegas é melhor
do que o dele]. Não me sinto diminuído e também não acho que
fazer essas coisinhas é função só para as mulheres. Tenho
capacidade de fazer, mas o delas é bem melhor, você não acha
não? [risos] Não, não! Fazer isso [produzir os materiais] não é
algo que diminui ou denigre ninguém [nervosismo]. Eu não
disse isso, disse apenas que elas sabem mais do que a gente
[homens]. Muito pelo contrário, eu invejo elas, queria fazer
como elas. [...] Deve ter homens que conseguem fazer tão bem,
mas parece que eu não nasci com essa habilidade [risos]. (EDU
02)

Mas tem horas que a gente [homens] é explorado por elas


[mulheres colegas de trabalho]. Toda vida, mas toda vida que
falta uma auxiliar de sala nas turmas delas, a minha, que por
sinal é a pior de todas, vai substituir a faltosa da turma delas.
[...] Toda semana, ou quase todos os dias falta uma auxiliar de
creche, e quem é o prejudicado? Eu né? [insatisfação] No início
a ordem vinha da própria direção, fui lá reclamar e a diretora
me entendeu. [...] Mas elas [professoras] ainda vêm aqui pedir
para eu ceder a minha auxiliar dizendo que eu sou homem e que

64
por isso tenho mais condições de lidar com 20 ou 25 crianças ao
mesmo tempo. [...] Eu acabo cedendo né? [...] De certa forma
elas têm razão, o trabalho é pesado mesmo, e ficar sozinho com
uma turminha dessa é preciso ter um bom preparo físico [risos].
(EDU 02)

Eu brinco muito com elas [crianças]. Faço cada loucura. [...]


Pego elas, coloco na minha corcunda, levanto pelas pernas,
rodo elas, jogo pra cima e seguro [risos]. Elas adoram, ficam
disputando a vez pra eu jogar [...] Essas coisas as meninas
[professoras] não fazem. [...] Quando as crianças das outras
turmas veem ficam loucas para eu fazer também. Tem umas
[crianças de outras turmas] que saem da sala delas e correm
para mim, correm para eu fazer com elas também, a disputa é
grande viu?! [risos]. As professoras não fazem isso com elas,
daí é novidade pra elas, criança gosta de novidade [risos] [...]
Acho que é por causa da força [referindo-se ao motivo de as
professoras não brincarem com as crianças da forma que ele
brinca] e também do estilo de brincadeira. Mas o que importa é
que elas [as crianças] gostam muito! [satisfação]. (EDU 02)

Neste último relato, EDU 02 explicita que há formas de interação com as


crianças que são próprias dos homens: ações junto às crianças que podem ser realizadas
por homens, sem que se tenha qualquer problema de estranhamento por parte dele ou de
quem esteja presenciando tais ações (ou seja, sem correr-se o risco de incorporar a
figura do homem perigoso, discutida na seção anterior). Mas o interessante é que, de
acordo com o entrevistado, tais ações não só são práticas masculinas, como também são
práticas não-femininas dentro da escola.
No trecho abaixo, EDU 02 aponta elementos que indicam a existência de
espaços distintos para homens e mulheres no âmbito escolar. Ele explicita que tal
concepção também se faz presente fora da escola.

Acho que é normal que as meninas [professoras] tenham o


espaço delas e que a gente tenha o nosso. [...] Claro, tem que
existir o respeito por ambas as partes, sempre, em tudo, mas
quando um tenta invadir o espaço do outro pode dar confusão.
É normal! [tranquilidade] Mas isso não é só aqui [na escola].
Em todos os lugares também é assim. Tem coisas que são mais

65
para mulheres, tem coisas que são mais para os homens. [...]
Entendo que existem coisas em comum, mas não podemos
deixar de considerar que diferenças existem [...] Outro dia vi
uma reportagem que um homem não queria viajar no avião que
era pilotado por uma mulher [gargalhadas] [...] Quando é um
homem pilotando ninguém fala nada, pois é natural, mas
quando é uma mulher... [tom de desconfiança]. Sei que ela [a
pilota de avião] pode até ser capaz, igual a qualquer homem,
mas é diferente [...] Aqui [na escola] também é assim, tudo que
é diferente gera confusão [...] Quase sempre! (EDU 02)

Os trechos aqui referidos nos levam a questionar o fato de que a identificação


de determinadas funções como sendo de homens e outras determinadas funções como
sendo de mulheres é realizada sem levar-se em conta o caráter fabricado e contingente
disso; e essa identificação é, na maioria das vezes, efetivada por meio de pequenas
sutilezas que, ao serem praticadas e repetidas no cotidiano da Educação Infantil, acabam
por conformar os papéis dos profissionais na instituição, contribuindo para a
legitimação e disseminação de ideias excludentes de gênero.
Trata-se de imagens que circulam nos ambientes educacionais de modo geral (e
também fora deles) como códigos nem sempre explícitos, mas facilmente
compreendidos por todos dentro da instituição. Os enunciados sobre o que seria relativo
ao masculino e ao feminino geralmente tendem a ser tomados como parâmetros para as
relações estabelecidas no contexto da Educação Infantil, mas raramente questionam-se
as formas pelas quais tais marcas enunciativas foram/estão sendo fabricadas na
instituição. De forma geral, as marcas são identificadas com formas de classificação
naturalmente aceitas, sobre as quais devemos tomar alguma posição. Ou seja, o homem
e a mulher, quando desempenhando funções escolares, seriam dotados de determinadas
características e capacidades supostamente intrínsecas a eles.
A questão é que as práticas profissionais (com ênfase aqui para o âmbito da
Educação Infantil) não são, por natureza, de homens ou de mulheres. Elas só acabam
sendo de homens e de mulheres porque assim dizemos que são – porque assim elas são
por nós construídas e simbolizadas. Essas práticas vistas como naturais constrói
estereótipos associados a homens e mulheres. As práticas docentes consideradas
masculinas jamais existiriam sem as práticas docentes consideradas femininas, o que
equivale a dizer que uma prática só é considerada masculina em sua relação com uma

66
prática presumivelmente feminina. Nós estabelecemos uma diferença entre essas duas
categorias; diferença imprescindível para que possamos classificar e, assim, atribuir
sentidos às práticas realizadas na instituição. Cada elemento da oposição binária
masculino/feminino ou homem/mulher é, pois, fabricado um em comparação com o
outro e só ganha significado quando colocado frente a frente com seu opositor.
Acontece que a tais elementos nunca se atribui o mesmo juízo de valor...
Esse binarismo é ativado a quase todo o momento nas práticas escolares.
Entretanto, dificilmente ele é problematizado enquanto uma construção intimamente
conectada a relações de poder. Quando damos significados às práticas, classificando-as
como “de homem” ou “de mulher”, estamos, antes de tudo, operando com relações de
poder. Para Foucault (1995, p.243), “aquilo que define uma relação de poder é um modo
de ação que não age direta ou imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua
própria ação. Uma ação sobre ação, sobre ações eventuais, ou atuais, ou futuras, ou
presentes”.
O que a construção e o reforço das categorias masculino e feminino fazem é, de
certa forma, delimitar o campo de atuação de homens e mulheres nas instituições de
Educação Infantil. Essas categorias agem não exatamente nos homens e nas mulheres –
dominando-os, subjugando-os, tornando-os prisioneiros de uma situação de opressão
(como sugere a concepção do poder soberano e centralizado) –, mas agem sobre as
ações dos homens e sobre as ações das mulheres, determinando e delimitando seus
possíveis atos, operando em seus comportamentos, conduzindo suas maneiras de se
comportarem, ao mesmo tempo em que se ocultam enquanto relações de poder. Essa
regulação das ações acaba tornando-se cada vez mais fácil na medida em que os homens
e as mulheres começam a interiorizar certos saberes/códigos/regras sobre como se
comportarem, como agirem em determinadas situações institucionais na Educação
Infantil, e passam a controlar mutuamente a distribuição de suas funções profissionais.
E isso também inclui a maneira com que as classificações relativas às funções
masculinas e femininas são significadas. Os sentidos atribuídos a essas categorias estão
intimamente associados às formas pelas quais os sujeitos classificam a si mesmos em
suas relações com os outros, bem como ao modo como os sujeitos veem os espaços que
ocupam e como se veem nesses espaços. Em outras palavras, os sentidos atribuídos a
tais categorias têm a ver com a forma como os sujeitos selecionam o que pode/deve ser
dito sobre as relações que estabelecem no interior das instituições de Educação Infantil.
67
E a possibilidade de se selecionar algumas coisas dizíveis sugere a necessidade de se
excluir outras: a construção de sentidos para as práticas, entendendo-as como de
homens ou de mulheres, passa por esse movimento seletivo, normalizador.
A polarização entre os elementos do binômio masculino/feminino é, pois,
construída e reforçada por meio de rituais escolares em que circulam diferentes
proposições que, ao serem reunidas, combinadas, ajustadas e selecionadas (não sem
descontinuidades ou resistências), acabam fazendo com que as pessoas envolvidas com
a escola atribuam determinados significados a quase tudo o que se passa no cotidiano
escolar tomando-se como referência essas naturalizações de distribuição de papéis em
função do gênero.
Osterne e Silveira (2012, p.101) explicam que essas distinções nas distribuições
de papéis entre homens e mulheres são oriundas desde a infância através de mecanismos
sociais que difundem tais ideais.

A sociedade atribui às mulheres, desde crianças,


comportamentos dóceis, delicados e passivos. Em contrapartida,
os homens são educados para tomar iniciativa, extravasando sua
agressividade no cotidiano. À mulher cabem os sentimentos, as
emoções, e a sensibilidade, enquanto ao homem compete a
razão, a altivez e a superioridade. Esses mecanismos de
propagação da ideologia machista e patriarcal constroem,
solidificam e naturalizam as desigualdades entre homens e
mulheres.

Assim, meninos e meninas se constituem homens e mulheres nesse processo


formativo imerso na distinção de suas funções e características cristalizadas como
verdades e que, muitas vezes inquestionavelmente, devem ser naturalmente aceitas.
Quando consideramos os gêneros masculino e feminino concebidos por meio das
interações socioculturais, concordamos que

[...] o equipamento biológico sexual inato não dá conta da


explicação do comportamento diferenciado masculino e
feminino observado na sociedade. Diferentemente do sexo, o
gênero é um produto social, aprendido, representado,
institucionalizado e transmitido ao longo das gerações. E,
segundo, envolve a noção de que o poder é distribuído de
maneira desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma
posição subalterna na organização da vida social (COSTA;
BRUSCHINI, 1992, p.15-16).

68
Assim, não é somente pelo fato de um professor ter nascido biologicamente
homem e de uma professora ter nascido biologicamente mulher que, necessariamente,
se constituem atores com papéis tão distintos. De acordo com Meyer (2008, p.14),

[...] ao longo da vida e através das mais diversas instituições e


práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres,
num processo que não é linear, progressivo ou harmônico e que
também nunca está finalizado ou completo. Inscreve-se, nesse
pressuposto, uma articulação intrínseca entre gênero e educação
e, também, uma ampliação da noção de educativo, uma vez que
se enfatiza que educar engloba um complexo de forças e de
processos (que inclui, na contemporaneidade, além das
instâncias usualmente implicadas nisso, os meios de
comunicação de massa, os brinquedos, a literatura, o cinema, a
música) no interior dos quais indivíduos são transformados em
– e aprendem a se reconhecer como – homens e mulheres, no
âmbito das sociedades e grupos a que pertencem. [...] as
análises e as intervenções empreendidas devem considerar, ou
tomar como referência, as relações – de poder – entre mulheres
e homens e as muitas formas sociais e culturais que os
constituem como “sujeitos de gênero”.

A instituição de Educação Infantil, nesse sentido, torna-se um local onde


constantemente se concretizam “lutas” em torno dos mais diversos significados
generificados. Assim, enunciados como esses recortados das falas dos entrevistados tem
como efeito a produção de sentidos em torno do que é de homem e de mulher na escola
infantil, fazendo com que esses sentidos circulem pela instituição, atravessando as
condutas de professoras e professores, gestoras e gestores, funcionárias e funcionários,
crianças e suas famílias: é por isso que a construção desses significados não acontece
sem estar envolvida com relações de poder, exatamente porque esses significados
acabam por conduzir, influenciar, modificar, regular, enfim, normalizar as ações de
todos dentro da instituição.
No entanto, uma ressalva: quando falamos em produção de sentidos no ambiente
escolar, trata-se de uma produção que é, claro, baseada em (e permeada por) uma série
de verdades já instituídas histórica, cultural, econômica e politicamente sobre os papéis
masculinos e femininos na sociedade. Portanto, a cultura escolar sofre interferência da
(e também interfere a) cultura familiar e social hegemônica.
É no cotidiano das relações sociais que se criam os constructos acerca do “ser
homem” e do “ser mulher”, constituindo-lhes certas identidades que gradativamente vão
se consolidando como verdades naturais, por muitas vezes inquestionáveis devido a esse
69
status naturalista. Como efeito, constroem-se modos de ser, viver e pensar que
disciplinam os sujeitos em seus comportamentos tipificados de gênero. De acordo com
Louro (2004, p.63),
Nosso olhar deve se voltar especialmente para as práticas
cotidianas em que se envolvem todos os sujeitos. São, pois, as
práticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras banalizados
que precisam se tornar alvo de atenção renovada, de
questionamento e, em especial, de desconfiança. A tarefa mais
urgente talvez seja exatamente essa: desconfiar do que é tomado
como natural.

Entendido que a constituição dos sujeitos se dá em vários espaços, a questão está


em se desconstruir os modos como, no seio da escola, se formam os binarismos de
gênero. Desconfiar do que é tido como natural é tarefa complexa e requer a instauração
de reflexões acerca de nós mesmos em conexão com o que nos rodeia. A constatação de
que o cotidiano das instituições de Educação Infantil tem sido marcado por uma
naturalização do feminino, quando é enfatizado o predomínio de mulheres como
profissionais dessas instituições, permite o entendimento de que a categoria gênero é
uma dimensão decisiva da organização da igualdade e da desigualdade em nossa
sociedade, já que as estruturas hierárquicas repousam sobre percepções generalizadas da
relação pretensamente natural entre masculino e feminino (SCOTT, 1990).

4.4 AFIRMAÇÃO DA HETEROSSEXUALIDADE MASCULINA

Conectada às representações de masculinidade (homem perigoso, homem


poderoso, homem respeitado) e às funções generificadas, a afirmação da sexualidade é
outro ponto que apareceu recorrentemente nos relatos dos entrevistados. A preocupação
de serem considerados homossexuais é latente em suas falas, como se a sua inserção
profissional na Educação Infantil colocasse em xeque a sua sexualidade. Também são
perceptíveis traços homofóbicos que disseminam uma visão da homossexualidade como
“perversa”, “contagiosa” e “desviante”. Embora de modo sutil, o trecho a seguir indica a
preocupação de EDU 01 em referir que sua convivência com mulheres não interfere na
sua orientação heterossexual:

70
Ah! Eu achava era bom ficar arrudeado [rodeado] de mulher.
Meus colegas me zoavam, mas quando me viam com elas
ficavam com inveja de mim [gargalhadas]. Elas me adoravam e
eu adorava elas, é claro que em alguns momentos era eu no meu
lugar e elas no delas. [...] Sempre gostei desse universo
feminino! Mas não sou gay não, viu? [risos]. (EDU 01)

Ao falar sobre a possibilidade de ser rotulado como homossexual por estar


imerso na Educação Infantil, ele diz:

Isso não me afeta, de forma alguma [enfático], sei quem sou e o


que sou [heterossexual], minha mulher [esposa] sabe, minha
família também, meus amigos também, pra mim, isso já basta
[enfático]. [...] Por acaso eu vou deixar de ser macho só por
estar trabalhando aqui? [exaltação] Você sabe que não, você
sabe que não. [exaltação] Nunca [ser rotulado como
homossexual] afetou o meu desempenho aqui [exaltação].
Também não vou deixar por conta de uma besteira dessa, tô
nem aí. (EDU 01)

Nessa fala, EDU 01 afirma que não lhe afeta o fato de ser rotulado de
homossexual por atuar na Educação Infantil e isso tampouco o desestimula a
permanecer na profissão. Entretanto, ao manifestar exaltação em diversos momentos e
ao ser tão enfático em dizer que todos sabem que ele é heterossexual, revela-se, assim
como no trecho anterior, certo desconforto de sua parte em ocupar uma profissão que
pode ensejar desconfianças acerca de sua orientação sexual.
Acerca do mesmo assunto, EDU 02 diz:

No curso eu já senti um pouco de discriminação. Eu não tenho


traço algum de homossexual, você sabe né? [riso] Mas muita
gente achava que eu era gay só por causa do curso, veja só...
[pausa] Que absurdo! [insatisfação]. Mas eu não tava nem aí, eu
sabia que eu não era. Mas se eu fosse, qual o problema? [risos].
Na minha turma tinha uns dois que eram gays, por sinal, os
melhores da classe. Alguns colegas perguntavam o motivo de
eu estar fazendo Pedagogia, eu mostrava o resultado do
concurso. [...] Alguns professores e colegas ficavam me
censurando, mas eu nem ligava. [...] Eu já imaginava como

71
seria aqui né, só mulher mesmo. [...] Ser taxado de gay? Num
tava nem aí, imaginava o meu futuro salário e tudo de ruim
passava. Eu queria mesmo era ser nomeado. (EDU 02)

Mesmo tendo experiências diversas, ambos os educadores entrevistados


tiveram sensações de desconforto semelhantes. Para Saparolli (1997), os obstáculos ao
ingresso de homens em profissões tidas como femininas dá-se, especialmente, pelo
surgimento de preconceitos e discriminações, pois, ao se inserirem nessas profissões, a
sexualidade desses homens pode ficar “sob suspeita”, sob o risco de serem rotulados de
homossexuais apenas pelo fato de estarem exercendo o cargo de educador infantil.
Com relação a isso, vale referir Louro (2004, p.139), quando afirma que: “a
normalização tem como referência a heterossexualidade e coloca a homossexualidade e
o sujeito homossexual como desviantes”. Segundo a autora, os corpos ganham sentido
socialmente: a sexualidade é uma invenção social por se constituir historicamente a
partir de múltiplos discursos acerca do sexo; discursos que normatizam, à medida que
instauram saberes e produzem verdades. Portanto, “a produção da heterossexualidade é
acompanhada pela rejeição da homossexualidade” (LOURO, 2001, p.89).
Para Silva (2008, p.89),

a heterossexualidade é o referencial dominante da sexualidade,


o que lhe confere privilégios, legitimidade e autoridade. As
identidades homossexuais são representadas como sujas,
imorais, nojentas, aberrações, desviantes, ilegítimas, e em
expressões simpáticas ou politicamente corretas como
alternativas.

Assim, os professores entrevistados fogem dessa rotulação de ser homossexual


culturalmente tida como negativa, ao mesmo tempo em que fazem questão de se
autovangloriar por serem homens rodeados de muitas mulheres, explicitando uma
autoafirmação da virilidade masculina. Conforme Borrillo (2009, p.35-36),

o aprendizado do papel do homem se efetua por meio de uma


oposição constante à feminilidade. A virilidade não é dada a
priori, ela deve ser fabricada. O defeito mais grave da
maquinaria destinada a produzir a virilidade é a produção de um
homossexual. Ser homem significa ser rude (ou até mesmo
grosseiro), competitivo, desordeiro; ser homem implica olhar as
mulheres com superioridade. [...] Para um homem
72
heterossexual, confrontar-se com um homem efeminado
desperta a angústia em relação aos elementos femininos de sua
própria personalidade. Ainda mais que essa última teve de se
constituir em oposição à sensibilidade, à passividade, à
vulnerabilidade e à doçura, como atributos do “sexo frágil”.

Desta maneira, ser considerado homossexual representa uma ameaça de se


perder o status de privilégio e dominação que ocupa o “ser heterossexual”. Assim, ao
fazer questão de não ser considerado homossexual, o professor tenta afastar a ameaça de
ser considerado frágil, sensível e, especialmente, incapaz de ser o “dono do pedaço”, o
respeitado, o forte, o que tem poder, demonstrando de certo modo ideias carregadas de
traços homofóbicos de rejeição à identidade homossexual14.
O receio de EDU 02 em ser rotulado de homossexual culmina no seu
afastamento de coisas associadas ao universo feminino, conforme observamos no relato
que segue:

Mas isso [enfeitar a sala] é coisa de mulher né? [...] Ela


[professora que ocupa a sala dele em outro turno] é quem fez
tudo isso [cartazes, painéis, calendários, alfabeto, etc.] Ela
compra o material e a gente racha a conta no final [divide os
custos], fica bem melhor assim né? [...] Eu não sei fazer nada
disso [risos] Já tentei, mas não tenho jeito [risos] Não sei se irei
aprender, acho que nunca farei tão bom assim [aponta os
produtos construídos pela professora] [...] Esse ano ela me
pediu para comprar tudo [os materiais], pois estava sem
condições de ir [...] Andei no ônibus com tudo aquilo na mão
[gargalhadas]. O povo ficava me olhando com uma cara...
[enfático] Talvez achassem que eu fosse um artesão, ou um gay
né? [gargalhadas] [...] Ela pediu para comprar tantos enfeites
que parecia que eu iria fazer um carro alegórico para o carnaval

14
Entendemos a homofobia, conforme Junqueira (2007, p.151), como envolvida em “processos de
produção de diferenças culturais” nos quais “se examinam e se assinalam os indissociáveis vínculos entre
homofobia e processos de construção de padrões relacionais, preconceitos e mecanismos discriminatórios
relativos a questões de gênero”. Nesse sentido, uma prática homofóbica pode ser entendida como
“situações de preconceito, discriminação e violência contra pessoas (homossexuais ou não) cujas
performances e/ou expressões de gênero (gostos, estilos, comportamentos etc.) não se enquadram nos
modelos hegemônicos”. Portanto, a homofobia também diz respeito a “valores, mecanismos de exclusão,
disposições e estruturas hierarquizantes, relações de poder, sistemas de crenças e de representação,
padrões relacionais e identitários”. Tais aspectos são “voltados a naturalizar, impor, sancionar e legitimar
uma única sequência sexo-gênero-sexualidade, centrada na heterossexualidade e rigorosamente regulada
pelas normas de gênero”, transcendendo, desta forma, “tanto os aspectos de ordem psicológica quanto a
hostilidade e a violência contra pessoas homossexuais” (JUNQUEIRA, 2007, p.152-153).
73
[gargalhadas] [...] Eu já avisei, nunca mais... [risos] [...] Não,
não [questionado se não iria mais comprar por ser considerado
homossexual], também é trabalhoso demais ficar escolhendo
essas coisinhas. (EDU 02)

Em outro momento, EDU 02 acrescenta:

Qualquer coisinha elas [professoras] ficam chorando [...]


Mulher chora demais [risos] [...] Mas a gente tem que entender,
elas são mais assim [...] Sensíveis, melosas, carinhosas [...] O
homem é mais bruto, forte. [...] Homem também chora né, eu
choro, mas não aqui na frente de todo mundo. [...] Não me sinto
bem que os outros me vejam chorando. (EDU 02)

Percebe-se, assim, que o medo (de vivenciar práticas associadas ao feminino


como ser sensível, chorar, demonstrar fraqueza) e a repulsa que os professores têm por
tudo aquilo que foge da naturalização concebida ao gênero masculino acabam por
disseminar ainda mais a ideia de generificação de certas funções e comportamentos, tal
como ressalta Bento (2009, p.45-46):

A interdição do choro, da fala, da afetividade é algo


extremamente opressor para os homens. Existe um núcleo
privado e íntimo que deve ser preservado, escondido,
esquecido, sob pena dele se expor a rotulações e ser tratado de
fraco, ou gay. Em uma sociedade profundamente homofóbica
como a nossa, o homem admitir que tem vontade de chorar, que
sofre, tem inseguranças emotivas, profissionais, sexuais é o
mesmo que dizer: olha o meu lado feminino aflorando.

Assim, do mesmo modo que EDU 02 rejeita o “ser homossexual”, também


rejeita o “ser feminino”, atribuindo à mulher determinadas características que seriam
exclusivas dela, e não possíveis de pertencerem ao cotidiano do homem. Conforme
observa Santos (2008, p.78), essas rejeições não são dadas biologicamente, mas
construídas e reconstruídas ao longo da existência humana:

É através dos jogos sociais, e na dinâmica de sua interação com


outros atores como pai, mãe, colegas, professores, vizinhos,
parentes, etc., que o menino aprende que ser homem é ser
diferente da mulher e, sendo diferente, a desejá-la. Em outras
74
palavras, que é necessário desvincular-se do modelo feminino
em si. Assim a mulher torna-se o centro da rejeição, transforma-
se num inimigo interior que deve ser combatido sob pena de, ao
ser associado a uma mulherzinha, ser mal tratado. Portanto o
menino assimila que há uma necessidade masculina interior de
se distinguir dos fracos, das mulherzinhas e dos “veados”, ou
seja, daqueles que são considerados como não-homens.

Constituídos por mecanismos socioculturais historicamente produzidos, através


da misoginia definida por Santos (2008), os homens vão excluindo de suas maneias
elementos e características que consideram como “não-homem” e “não-natural”, ou
seja, mulher, feminino, homossexual, bissexual, transexual, etc.

Esses mecanismos operam, fortemente, no campo da


sexualidade. Aqui, uma forma de sexualidade é generalizada e
naturalizada e funciona como referência para todo o campo e
para todos os sujeitos. A heterossexualidade é concebida como
“natural” e também como universal e normal. Aparentemente
supõe-se que todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para
eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos
e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto.
Consequentemente, as outras formas de sexualidade são
constituídas como antinaturais, peculiares e anormais.
(LOURO, 2010, p.10)

Ressalta-se, nas entrevistas, que a rejeição ao professor homossexual


(caracterizada por traços nítidos de homofobia) não é algo exclusivo dos professores
dessa instituição de Educação Infantil, mas se estende às famílias das crianças,
conforme os relatos abaixo:

Uma das primeiras coisas que eles [familiares dos alunos] me


perguntam é se eu sou casado. [...] Acho que para saber se eu
sou gay ou não né? [...] Quase todos perguntam [...]. Quando
digo que não sou casado, eles perguntam logo se já sou pai ou
se tenho namorada, essas coisas. [...] Acho que eles não querem
um “viadão” [termo pejorativo para um homem homossexual]
como professor dos filhos dele né? [risos] [...] Acho que por
causa da má influência, também têm muitos evangélicos
[familiares de alunos] aqui, eles são bem preconceituosos com
os homossexuais, daí fica difícil eles aceitarem né? [...] Eles
[familiares] desconfiam um pouco, mas quando digo que tenho

75
namorada eles ficam aliviados. [...] Eu fico falando mais grosso
[com voz e tom graves] nos primeiros dias [gargalhadas] [...] As
professoras também investigam [se ele é homossexual], mas
acho que para elas não tem tanto problema. [...] Acho que elas
gostam, toda mulher quer ter um amigo gay [gargalhadas] [...]
Não é por ser gay que ele deixará de ser um bom professor, ele
[professor homossexual] é capaz, assim como eu, como você ou
como elas [professoras]. (EDU 02)

Destaca-se aqui o peso conferido pelas famílias das crianças à sexualidade do


professor, revelando o sentimento geral de desconfiança que paira sobre ele, podendo
acarretar em demérito de seu trabalho. Pela fala do entrevistado, depreende-se que
muitos familiares mostram-se mais confortáveis ao constatar indícios de que o professor
é heterossexual, condicionando o bom exercício da função docente à
heterossexualidade, muitas vezes secundarizando outros aspectos mais significativos a
se saber acerca do professor do seu filho, tais como a formação profissional, a proposta
pedagógica, etc.
EDU 01 segue a mesma tônica, porém nos revela, talvez por ocupar a função
gestora (que acaba tendo um contato mais amplo com situações coletivas), algumas
especificidades que não aparecem nas falas de EDU 02:

Quando avisei que ele [professor homem] estava para começar


aqui, as meninas [professoras] ficaram logo perguntando: “um
homem?” “de onde ele vem?” “você o conhece?” “ele é
casado?” “já é pai?” [...] Foram muitas perguntas, mas eu não
sabia de nada, só tinha visto ele uma vez lá na Secretaria
[Secretaria Municipal de Educação] [...] Mas uma coisa eu
disse: “acho que ele não é gay”, porque o cara [professor]
estava com a camisa do [time de futebol] [...] Elas ficaram
perguntando se ele era solteiro, se tinha namorada, mas eu
cortei logo [encerrou o assunto], já estavam querendo
extrapolar. [...] Senti que ele foi mais bem recebido [pelas
professoras] do que se fosse um homossexual. [...] Eu sei,
porque lá na outra escola chegou um “viadinho” [homossexual]
que está sofrendo viu? [...] Diretora, coordenadora, professoras,
pais, ninguém quer ele lá. [...] Ela [diretora da escola em que o
professor está sendo mal recebido] me disse que ele é muito
depravado, vai fazer de tudo para devolver ele para a Secretaria
[remoção de ofício]. [...] Não, não [sobre a possibilidade de o

76
professor rejeitado na outra escola ir para a escola que ele
dirige], deixa eu aqui com meus problemas, já tenho muitos.
[...] É possível que ele seja tão capaz quanto qualquer uma aqui,
mas seria um problema. [...] Eu entendo que ser homossexual
não é sinal de incompetência, mas vá falar isso para os pais dos
alunos... (EDU 01).

Além do estereótipo existente na associação entre heterossexualidade e vestir


camisa de time de futebol, notamos na fala de EDU 01 que, ao contrário do que afirmou
EDU 02, as professoras também se preocupam com a orientação sexual do professor,
havendo a possibilidade de o rejeitarem caso seja homossexual. Assim, quando as
professoras descobrem que o professor é heterossexual elas o recebem melhor,
conferindo ao professor heterossexual uma condição de superioridade e de prestígio. E
mais: na fala do entrevistado, percebe-se que os próprios gestores podem assumir essa
postura excludente com relação ao professor homossexual, valorizando essa informação
em detrimento das capacidades profissionais, e enfatizando o inconveniente de se ter no
quadro um docente que gerará conflitos, seja com familiares, seja com professoras.
Tais concepções classificatórias e excludentes presentes também na esfera da
Educação Infantil interferem no (e sofrem interferências do) meio social mais amplo15.
Apontam-se os meios de comunicação de massa como sendo um dos preponderantes
propulsores deste processo constituinte, em conformidade com o que diz Santos (2008,
p.78)

A família, a escola e a sociedade em geral vão sujeitando o


indivíduo para que este ocupe o lugar – de homem ou de mulher
– que lhe cabe no meio social. Dentro desta lógica,
estrategicamente, os meios de comunicação de massa –
especialmente a televisão – assim como os brinquedos, os jogos
eletrônicos, o cinema, a música, etc., formam um conjunto de
procedimentos pedagógicos que vão educando subliminarmente
meninos e meninas a incorporarem os gêneros masculino e
feminino. Desta maneira, naturalmente, vamos reconhecendo o

Com a proliferação de pesquisas realizadas no entrecruzamento entre o campo dos Estudos Culturais e
15

o campo da Educação, verifica-se em âmbito nacional uma quantidade relativamente grande de


investigações sobre a constituição das identidades infantis de gênero a partir da análise de uma variedade
de artefatos culturais. Na UFRN, tais investigações vêm sendo realizadas especialmente pelo Grupo de
Estudos Culturais e Educação, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, dentre as quais se
destacam os trabalhos de: Silva (2013b); Silva e Momo (2014a, 2014b, 2014c, 2015); Dantas (2013);
Dantas, Rocha e Momo (2013); Rocha, Dantas e Momo (2013); Dantas e Momo (2014a, 2014b, 2014c,
2015); Machado e Coutinho (2014b).
77
eu e o outro, aquele diferente de mim, no qual eu inscrevo todas
as marcas das diferenças daquilo que me constitui como sujeito,
onde eu me reconheço como o normal e o outro o anormal.

Imersos num ambiente em que se difundem diversas práticas tidas como


femininas, esses professores vão lidando com aproximações e distanciamentos a
práticas consideradas não masculinas, que ensejam a temida e insistentemente negada
homossexualidade. Trata-se de um contexto em que, quem não se enquadra num padrão
de comportamento pré-estabelecido, é logo classificado como diferente. E esse mesmo
contexto “acaba por produzir a diferença como pejorativa, percebendo-a como um
desvio da norma, como uma falha que precisa ser corrigida” (COUTINHO, 2009, p.14).
Referindo-se aos processos de normalização que classificam os sujeitos de
determinados jeitos, Coutinho (2008, p.169) ressalta que tais processos “funcionam
como um mecanismo para tornar o caos e a diferença inteligíveis: processo arbitrário, de
lutas, de poderes, de arena interna, mas que recobre a si mesmo, legitimando-se,
tornando-se verdadeiro e naturalizado”.

Nessa lógica, todos os mínimos atos dos sujeitos estão


constantemente sendo medidos – por outros e por si mesmos –
em função de um modelo “normal” que permite diferenciar,
atribuir juízo de valor e comparar os comportamentos de
determinado indivíduo ou grupo (COUTINHO, 2006, p.32).

Nesses processos constituintes de identidades, gêneros e sexualidades


socialmente aceitas existem procedimentos de disputas e conflitos de poder que
provocam inclusões e exclusões, bem como rejeições, aceitações e valorações
diferenciadas. Portanto, quando um sujeito afirma “o que sou” ou “quem sou”, também
podemos entender que ele disse o “que não sou” “e quem não sou” ou até mesmo, “o
que ou quem não quero ser”. Nessa perspectiva de constituição dos sujeitos,
concordamos com Louro (2000, p.6) quando ela afirma que:

Muitos consideram que a sexualidade é algo que todos nós,


mulheres e homens, possuímos “naturalmente”. Aceitando essa
ideia, fica sem sentido argumentar a respeito de sua dimensão
social e política ou a respeito de seu caráter construído. A
sexualidade seria algo “dado” pela natureza, inerente ao ser
humano. [...] No entanto, podemos entender que a sexualidade
envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos,
78
convenções... Processos profundamente culturais e plurais.
Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural” nesse
terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo
de natureza. Através de processos culturais, definimos o que é
— ou não — natural; produzimos e transformamos a natureza e
a biologia e, consequentemente, as tornamos históricas. [...] As
possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os
desejos e prazeres — também são sempre socialmente
estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais
são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas
são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade.

Assim sendo, é nessa trama de relações de poderes que professoras e


professores, gestoras e gestores, familiares e crianças vão interagindo e produzindo uma
rede de discursos e práticas que implica de forma significativa no exercício da profissão
docente e na constituição de identidades e subjetividades desses sujeitos, pois, quando
homens adentram um ambiente tido como feminino, emergem diversos conflitos, dentre
os quais se destacam os relativos à vivência de sua sexualidade que, de assunto privado,
vem à tona como preocupação pública, com efeitos sobre as vidas de todos.

4.5 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE EDUCADORES INFANTIS

A formação docente inicial e continuada no âmbito da Educação Infantil é


outro foco de discussão depreendido na análise das entrevistas. Em vários trechos, os
entrevistados mostram-se preocupados com as lacunas formativas, afirmando que
tiveram/têm uma formação que ignora o desenvolvimento de certas competências
essenciais ao exercício de sua função.
Sabe-se que, assim como em qualquer outro processo de profissionalização,
dificilmente contemplam-se o desenvolvimento de todas as competências em cursos de
formação inicial. Para tanto, urge a necessidade da formação continuada (formação em
serviço, atualização pedagógica, capacitação profissional, formação permanente, etc.)
que pode, de forma suplementar, preencher as lacunas deixadas na formação inicial.
A formação continuada, como sustenta Kramer (2002), é um direito dos
professores e da população para assegurar uma escola de qualidade, além de aprimorar a
prática pedagógica. Porém, na interpretação de Pimenta (2007), a estratégia mais

79
frequente utilizada em experiências de formação continuada ainda são os cursos, que
têm se mostrado pouco eficientes para modificar a prática pedagógica, pois geralmente
não tomam como ponto de partida a realidade e a prática docente nos seus mais
diferentes contextos.
A respeito da ênfase na formação continuada, Mello e Basso (2002, p.297)
chamam a atenção para a:
importância das ações de educação continuada, as quais possam
estar proporcionando aos professores os espaços necessários
para a reflexão e a apropriação de atitudes mais intencionais em
suas aulas, bem como o desenvolvimento de ações na esfera não
cotidiana.

Portanto, formação continuada não é sinônimo exclusivo de participação em


cursos formais, mas principalmente de oportunidades e espaços que possam promover a
troca entre pares, almejando-se a reflexão da prática docente, de maneira a tornar
consciente a intencionalidade das ações educativas. Assim, as estratégias de formação
continuidade devem consistir em possibilidades de discussão, estudo, contextualização e
problematização da prática realizada no cotidiano escolar.
Entretanto, conforme atestam os trechos que seguem, além das dificuldades de
participação em experiências de formação continuada (dificuldades impostas pelo
cotidiano profissional), as poucas experiências das quais os entrevistados participaram
não surtiram tantos efeitos positivos no que se refere ao desenvolvimento de
competências essenciais à função que exercem.

Até agora só consegui participar do JENATs16[...] Fica difícil


participar de oficinas e procurar atualizações [...] Já fiz curso de
contação de histórias, oficinas para construir brinquedos. [...]
Também fiz um [curso] sobre as brincadeiras de antigamente
[...] Falta tempo disponível, trabalho o dia todo, quando chego
em casa só dá tempo de tomar um banho e dormir. [...] Procuro
ler artigos na internet [..] Já comprei um monte de livros que
ensinam um pouco da prática com crianças, têm ajudado muito
[...] Muita coisa [que aprendeu] foi na prática mesmo, olhando
as colegas fazerem. [...] Não me sinto totalmente seguro, tem

A Jornada de Educação das Unidades de Ensino de Natal (JENAT) é um evento formativo que reúne
16

os professores da rede de ensino de Natal com a realização de cursos, palestras, oficinas, mesas redondas
e apresentação de trabalhos realizados pelos professores da rede.
80
muita coisa que ainda tenho dificuldade [...] Eu sei que estou
habilitado para trabalhar em qualquer nível daqui [Educação
Infantil], mas não saberia mesmo trabalhar com bebezinhos [...]
Ainda não sei nem pegar direito [colocar o bebê nos braços],
imagina cuidar, limpar, não sei mesmo [risos]. Por enquanto
não [ser docente de bebês], tá bom aqui mesmo, deixa isso com
elas [professoras]. [...] Participei de uma oficina no JENAT
sobre a prática de cuidar de bebês, mas de prática não tinha
nada, só teoria [risos], não aprendi nada de prático né? (EDU
02)

Na mesma direção do que EDU 02 aponta acima, EDU 01 traz a visão do


gestor acerca das especificidades da formação continuada de educadores infantis de
Natal. Segundo ele, a formação inicial é muitas vezes falha quanto ao desenvolvimento
de competências relativas ao cuidado de crianças, o que poderia ser sanado em
experiências de formação continuada; entretanto, não é o que vem acontecendo, como
revela o trecho abaixo:

A situação [da formação continuada] já melhorou muito, mas


estamos muito longe do perfeito. [...] É importante que todos se
atualizem, procurem fazer cursos, pós-graduação, mas é difícil
porque a maioria não tem tempo [a maioria dos professores
possui dois ou três empregos]. [...] Já tive muito problema para
liberar professora para fazer um curso, mas fazer o quê? Não
posso liberar e deixar os alunos sem aula. Algumas
[professoras] chegam aqui sem saber cuidar direito das crianças,
mas a maioria já chega com “pós-graduação” nisso [não se
refere à titulação, mas ao conhecimento prático do cuidado de
crianças]. Elas aprendem rápido, não precisam de algo
específico. [...] É verdade que para os homens tudo é novo,
acho que eles sim, eles precisariam aprender a prática de
algumas coisas. [...] Concordo que os cursos de Pedagogia não
ensinam isso, poderia ensinar mesmo, mas você acha que os
doutores [professores da graduação em Pedagogia] vão ensinar
essas coisas? [gargalhadas e sinal de negação] Eu acho que nem
eles sabem [gargalhadas]. Ah! Acho que eles sabem bem a
teoria, só, mas não sabem a prática, aposto que a maioria nem
troca as fraldas dos próprios filhos, eles não têm tempo, rotina
pesada, muitas responsabilidades, e também não vão ensinar o
que não sabem, ensinar uma coisa tão básica [menor, sem
prestígio acadêmico] assim numa universidade. [...] Eles

81
[educadores infantis] vão aprendendo aqui mesmo, com a
prática mesmo. (EDU 01)

Percebemos na fala de EDU 01 que, para ele, as poucas professoras que, por
ventura, não saibam proceder com o cuidado de crianças têm mais facilidade para
desenvolver tais competências do que os professores (que também não sabem),
demonstrando, mais uma vez, uma visão de naturalização da aptidão da mulher como
professora da Educação Infantil.
EDU 01 reconhece que existem lacunas no processo formativo, mas aponta um
cenário pouco promissor para a inclusão dessas competências no currículo dos cursos de
Pedagogia. Dentre os possíveis motivos apresentados pelo entrevistado para o fato de os
professores da graduação não trabalharem esses temas, destaca-se o seu entendimento
de que o cuidado de crianças é tema considerado de pouca relevância para ser
desenvolvido no âmbito da “elite” acadêmica. EDU 01 ainda diz que, diante desse
cenário, a “solução” para essas lacunas formativas encontra-se inevitavelmente e quase
que exclusivamente na prática cotidiana dos educadores infantis. Tais considerações
reafirmam o desprivilegio acadêmico e social de alguns procedimentos de cuidar
entendidos como essenciais no cotidiano da Educação Infantil. Como efeito, o lócus de
aprendizado desses procedimentos limita-se a observações informais cotidianas, sem
sistematização e tratamento acadêmico e científico.
É evidente que temos que considerar a importância formativa de tais maneiras
de aprendizado (informais). Assim como a formação continuada, o exercício docente
pode propiciar interessantes e sólidos processos de construção de conhecimentos. Não
obstante, chama-se a atenção para a centralidade dessas questões nos cursos de
formação inicial: tratando-se de questões essenciais à prática da docência na Educação
Infantil, ignorá-las ou secundarizá-las significa relegá-las a um plano inferior,
dispensando um tratamento acessório àquilo que é fundamental ao adequado exercício
da função.
Com relação a isso, chama-se a atenção para as lacunas formativas nos cursos de
graduação em Pedagogia no tocante ao desenvolvimento de competências essenciais
para o exercício da docência na Educação Infantil. E isso parece ter se acirrado ainda
mais desde que foi homologada a Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006, do
Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
82
Curso de Graduação em Pedagogia (DCNP), que surgiram17 na perspectiva de atender
ao que preceitua a LDBEN:

Art. 64 – A formação de profissionais de educação para


administração, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional para a educação básica será feita em
cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida,
nesta formação, a base comum nacional.

De acordo com o que determina a LDBEN, as DCNP expressam em seu art. 4º


uma grande amplitude formativa para o pedagogo, que deverá ser formado para exercer
a docência
na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos.

O mesmo artigo estabelece que as atividades desse profissional também


compreendam a participação na “organização e gestão de sistemas e instituições de
ensino, englobando: planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e
avaliação de tarefas próprias do setor da Educação e de projetos e experiências
educativas não-escolares”, além da produção e difusão do conhecimento científico-
tecnológico do campo educacional (em contextos escolares e não-escolares). Ressalta-se
que as DCNP eliminam a possibilidade de habilitações18 (art. 10) e estabelece que um
único curso de licenciatura seja capaz de formar professores para atuação em todas as

A formulação da LDBEN e das DCNP foi fruto de múltiplas determinações que, segundo Macedo
17

(2008), não se sobrepõem de forma verticalizada, mas em macros e micros contextos que se mesclaram
em amplos e históricos processos de disputa de poder. Foi nessa conjuntura que se teve a construção e
materialização dos documentos, na qual vozes foram silenciadas ou ouvidas, compondo o que Macedo
(2008, p.94) chama de “micropolíticas que se entrelaçam na estrutura do Estado”. Apesar de um tema
importante e em consonância com as discussões desta seção, não iremos nos deter aqui na análise do
processo constitutivo dos referidos documentos oficiais, considerando que tal problematização extrapola
os limites dos objetivos desta Dissertação. Nossa intenção é, portanto, tão somente a de chamar a atenção
para a formação do pedagogo generalista que passou a ser implementada no Brasil a partir de 2006, com a
homologação da Resolução CNE/CP nº 01/2006.
Conforme o Parecer CFE 252/69 e a Resolução CFE n. 2/1969, o curso de Pedagogia era composto de
18

uma base comum (matérias básicas à formação) e outra base com as habilitações específicas em
Administração, Orientação, Supervisão e Inspeção Escolar, formando, portanto, profissionais
específicos para cada área de atuação. Outras habilitações poderiam ser criadas pelas próprias
instituições de ensino (SILVA, 1999).
83
funções mencionadas, eliminado a formação fragmentada caracterizada no documento
como tecnicista.
Desde 2006, as DCNP estipulam que o aluno do curso de Pedagogia deve ser
formado como generalista. Por um lado, tal iniciativa pode ser considerada interessante
na medida em que toma o princípio da docência como eixo, com a intenção de formar
um pedagogo apto a uma visão global e sistêmica da educação, permitindo-o transitar
por todos os níveis e modalidades de ensino. Por outro lado, há uma série de ressalvas
apontadas por estudiosos da área, dentre as quais destacamos aqui a de Libâneo (2006,
p.859-860) quando afirma que:

[as DNCP] trazem consequências graves para a formação


profissional, entre elas: [...]; c) o inchamento de disciplinas no
currículo, provocado pelas excessivas atribuições previstas para
o professor, causando a superficialidade e acentuando a
precariedade da formação; d) O rompimento da tradição do
curso de pedagogia de formar especialistas para o trabalho nas
escolas (diretor de escola, coordenador pedagógico), para a
pesquisa, para atuação em espaços não-escolares.

Ao analisar os currículos dos cursos de pedagogia pós DCNP, Gatti (2009,


p.54-55) ressalta:

Os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na educação


básica [...] comparecem apenas esporadicamente nos cursos de
formação; na grande maioria dos cursos analisados, eles são
abordados de forma genérica ou superficial no interior das
disciplinas de metodologias e práticas de ensino, sugerindo
frágil associação com as práticas docentes. [...] A escola,
enquanto instituição social e de ensino, é elemento quase
ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de
caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto
onde o profissional-professor vai atuar.

Libâneo (2006, p.861) acrescenta que:

[...] é uma incongruência formar em 3.200 horas, num mesmo


curso, três ou quatro profissionais. Para se atingir níveis
mínimos desejáveis de qualidade da formação, ou se forma um
bom professor, ou se forma um bom gestor ou coordenador
pedagógico ou um bom pesquisador ou um bom profissional
84
para outra atividade. Não é possível formar todos esses
profissionais num só curso, nem essa solução é aceitável
epistemologicamente falando. A se manter um só currículo,
com o mesmo número de horas, teremos um arremedo de
formação profissional, uma formação aligeirada, dentro de um
curso inchado (2006, p.84).

Como se vê, as ponderações dos autores apontam que o processo de formação


do pedagogo conta com conteúdo reduzido no tocante ao desenvolvimento de
competências específicas para a atuação em cada nível/modalidade de ensino. Se, por
um lado, o perfil do profissional contemplado nas DCNP pode ser considerado profícuo
para que o futuro pedagogo construa uma concepção ampliada e sistêmica do processo
educativo – transitando nas várias esferas e possibilidades de um profissional da
educação –, por outro lado, tantas competências dificilmente são desenvolvidas com a
carga horária destinada à formação inicial, fazendo com que ela não contemple
especificidades de cada campo de atuação, tal como ressaltam os autores aqui citados, e
tal como se pode perceber nas entrevistas realizadas, que apontam as dificuldades no
exercício da profissão docente na Educação Infantil, não consideradas na formação
inicial.
Assim, em se tratando da formação inicial de professores para atuarem na
Educação Infantil é importante refletirmos acerca das especificidades desta etapa de
ensino. Kramer (2002) afirma que esta primeira etapa da Educação Básica tem o papel
de considerar tanto os conhecimentos quanto as necessidades das crianças de zero a
cinco anos de idade, assegurando condições mínimas para o seu pleno desenvolvimento.
Para isso, requer-se um profissional qualificado na compreensão das características
infantis, a fim de que possa trabalhar com diferentes infantes e em diferentes realidades.
Nesse sentido, Kramer (2002) aponta que a formação docente para tal etapa deve
acontecer numa ampla variedade de tempos e espaços distintos, a saber:

 Formação no Ensino Médio ou Superior: aquisição/construção de


conhecimentos básicos nas diferentes áreas, tais como português,
matemática, história, ciências, conhecimentos referentes à infância, dentre
outras;

85
 Formação em movimentos sociais: ocorre em locais como partidos,
associações, sindicatos e pode ter um cunho político ou abordar temas
gerais e específicos;
 Formação na instituição de Educação Infantil em que o profissional atua:
horário de estudo conjunto, debates, leitura e discussões acerca da realidade
vivida e seus desafios;
 Formação cultural: experiências com Artes, tais como Música, Teatro,
Artes Plásticas e Visuais, Cinema, Dança, Literatura, entre outras
possibilidades que abordam o sentido da vida para além da dimensão
pedagógica e didática.

Percebe-se que a formação ocorre em diferentes espaços e tempos e não


somente circunscrita à escola e a outros ambientes formais de educação. Isso se faz tão
mais necessário na medida em que se entende que a Educação Infantil exerce,
simultaneamente, uma função educativa e social, já que atualmente a escola partilha
com a família a função de propulsora da socialização da criança, função esta que
anteriormente era destinada exclusivamente à família (BASSEDAS, HUGUET &
SOLÉ, 1999). Concomitantemente, há a função educativa para desenvolver as
capacidades dos alunos por meio de conteúdos e propostas apropriadas à idade de cada
criança. Daí a relevância de uma sólida e ampla formação dos profissionais que atuam
com crianças pequenas, considerando-se as dimensões do cuidar e do educar, cuja
dissociação está há bastante tempo discutida no campo de estudos da Educação Infantil.
Nas palavras de Didonet (2002, p.88), essa etapa envolve “o cuidado e a
educação como aspectos intrínsecos e indissociáveis”. Em documento organizado pelo
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, Bujes (2002, p.115) corrobora
com essa ideia, como pode ser verificado na seguinte afirmativa:

a educação da criança pequena envolve simultaneamente dois


processos complementares e indissociáveis: educar e cuidar. As
crianças desta faixa etária, como sabemos, têm necessidades de
atenção, carinho, segurança, sem as quais elas dificilmente
poderiam sobreviver. Simultaneamente, nesta etapa, as crianças
tomam contato com o mundo que as cerca, através das
experiências diretas com as pessoas e as coisas deste mundo e
com as formas de expressão que nele ocorrem. Esta inserção
86
das crianças no mundo não seria possível sem que atividades
voltadas simultaneamente para cuidar e educar estivessem
presentes.

Embora o cuidado já esteja implícito na educação, o que se verifica na prática


educativa é que o binômio educar/cuidar é encarado como uma dicotomia (KRAMER,
2005). Quanto a isso, os Referencias Curriculares para a Educação Infantil apontam:

O cuidado precisa considerar, principalmente, as necessidades


das crianças, que quando observadas, ouvidas e respeitadas,
podem dar pistas importantes sobre a qualidade do que estão
recebendo. Os procedimentos de cuidado também precisam
seguir os princípios de promoção da saúde. Para se atingir os
objetivos dos cuidados com a preservação da vida e com o
desenvolvimento das capacidades humanas, é necessário que as
atitudes e procedimentos estejam baseadas em conhecimentos
específicos sobre desenvolvimento biológico, emocional, e
intelectual das crianças, levando em conta diferentes realidades
sócio-culturais (BRASIL, 1998, p.25).

Apesar de o cuidado ser entendido na produção teórica e nos documentos


oficias da área como indissociável à educação e, portanto, como essencial à prática
docente na Educação Infantil, as entrevistas realizadas nesta investigação revelam o
quanto foi negligenciada na formação dos entrevistados a construção de competências
relativas ao cuidado de crianças, em especial no tocante ao desenvolvimento de
habilidades necessárias a procedimentos de higienização (troca de fraldas, banho,
escovação), alimentação, preparo para o sono e/ou repouso, entre outros19.
Tal déficit formativo emerge de uma formação inicial que geralmente dissocia
o cuidar do educar, e isso pode indicar que essa formação, de certo modo, também parte
do pressuposto da naturalização feminina dessas ações: considerando que o público dos
cursos que formam docentes para atuar na Educação Infantil é em sua maioria feminino,
e considerando a associação histórica e culturalmente disseminada entre mulheres e
cuidado de crianças, quais seriam as vantagens e a necessidade de se investir nesse
aspecto da formação, se isso já estaria naturalmente dado?
Assim, tomando como pressuposto a concepção de que a docência na Educação
Infantil estaria voltada de modo mais adequado para as mulheres que, desde pequenas,

É possível que isso mantenha estreitas relações com a figura do homem perigoso, já discutida nesta
19

Dissertação.
87
formam-se como cuidadoras de crianças (brincando de cuidar de bonecas, ajudando com
os cuidados de bebês, exercitando ludicamente funções relativas à maternidade, etc.),
para quê “perder tempo” com isso dentro de uma instituição de Ensino Superior se
supõe-se que a futura professora já sabe cuidar de crianças?
Constata-se, mais uma vez, a reafirmação da ideia de feminilização do
magistério, tal como discutida no capítulo 2 desta Dissertação e que vem permeando os
resultados desta pesquisa em todos os focos de discussão que emergiram da análise dos
dados. E essa constatação aponta, novamente, para o fato de que geralmente os homens
são desconsiderados enquanto potenciais alunos de cursos que formam docentes para
atuar na Educação Infantil e, consequentemente, são vistos como “fora de lugar” ao
exercerem a função de educadores infantis.
Desse modo, as entrevistas realizadas neste estudo apontam a centralidade das
funções generificadas, que também se fazem presentes nas falas dos entrevistados
acerca dos motivos que os levaram a optar pela docência na Educação Infantil e pelo
curso de licenciatura em Pedagogia. Essa escolha, permeada de conflitos relativos às
relações de gênero, é carregada de tensões que dizem respeito à sua aceitação em
atividades (formativas e profissionais) consideradas como essencialmente femininas.
Quanto a isso, Sayão (2005, p.65) afirma que:

Ao optarem, por várias razões, por uma profissão considerada


“feminina” os professores fomentam estratégias envolvendo
relações que moldam parte de um pacto que consiste na sua
“aceitação” como membros do espaço institucional da creche.
Tais estratégias são elaboradas e se desenvolvem pelo
enfrentamento das diferenças e concepções de gênero e de
Educação Infantil, além de elementos objetivos e subjetivos
abrangendo os afetos, as emoções, a sexualidade, a raça/etnia e
classe social que compõem a identidade do/a profissional. Os
primeiros momentos dos professores e sua chegada na
Educação Infantil conformam uma espécie de Ritual de
Passagem [...].

O ritual de passagem a que se refere a autora assemelha-se a um período


probatório de aceitação, no qual o homem é analisado e avaliado como apto para ser
professor de crianças, mesmo que já tenha se titulado para tanto. De forma um pouco
redundante e com uma voz que indicava certo desconforto, EDU 01 relata:

88
Eu já sabia que não iria encontrar muitos homens trabalhando
lá. [...] Eu já sabia que enfrentaria preconceitos por ser homem!
Eu já sabia! Mas não poderia me intimidar, estudei e passei no
concurso, assim como todas que estavam por lá. Sou digno, e eu
sei disso! [...] nunca tinha tido experiência na Educação Infantil.
[...] Paguei [cursei] duas disciplinas apenas, mas muita teoria e
nada de prática. [...] O meu estágio foi numa turma do 5º ano do
Fundamental [turma com crianças de 09 anos de idade] Você
sabe bem como é né? Trabalhar com criança pequena é
totalmente diferente. (EDU 01)

Ainda que EDU 01 não refira expressamente, as relações de gênero e poder na


cultura escolar já eram percebidas por ele antes mesmo de iniciar sua atividade como
educador infantil, pois desde o Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia (embora
tenha se realizado no Ensino Fundamental) ele já havia se deparado com situações que o
fizeram perceber tais questões, presentes no âmbito acadêmico e profissional.
Apesar de os conflitos de gênero estarem evidenciados desde a formação
docente, os entrevistados relataram que em nenhum momento das suas experiências
formativas tais temas foram problematizados com caráter científico ou oficial; segundo
eles, isso somente acontecia em momentos de informalidade, através de opiniões
veladas e falas preconceituosas acerca da ocupação de um homem num curso de
Pedagogia e no exercício da prática docente.
Portanto, percebe-se aqui mais uma lacuna dos cursos que formam professores
para atuar na Educação Infantil: de modo geral, não consideram os conflitos de gênero
de seu próprio público. É importante ressaltar que a formação docente não se constrói
(ou não deveria se construir) por acumulação de conhecimentos desvinculados das
realidades educacionais e pessoais dos futuros profissionais, mas, especialmente, por
intermédio de um trabalho de reflexividade crítica sobre quem desempenha e onde
acontece a função docente, considerando seus possíveis condicionantes.
Não sendo um campo neutro de ação, já que engendra intenções e finalidades,
a formação de professores corresponde, em sua trajetória histórica, a determinados
conceitos que se dinamizaram em face dos processos concretizados em sua prática. O
tema formação de professores requer análise e reflexão acerca das concepções que
norteiam este processo e as formas como ele se materializa na profissão docente. De
acordo com Garcia (2005), falar de formação de professores implica assumir

89
“determinadas posições (epistemológicas, ideológicas e culturais) relativamente ao
ensino, ao professor e aos alunos”.
Nesse sentido, as propostas de formação docente que pretendem problematizar
a inserção profissional de homens na Educação Infantil, devem considerar as
identidades pessoal e profissional do professor enquanto cidadão em formação,
devendo, segundo Marin (2002), partir do pressuposto da educabilidade do ser humano,
numa formação que se dá num continuum, em que existe um ponto que formaliza a
dimensão inicial, mas não existe um ponto que possa finalizar a continuidade desse
processo. Assim, tal formação possibilitaria, em si, um espaço de interação entre as
dimensões pessoais e profissionais que, de acordo com Eyng (2003, p.14), teria “a
formação e o desenvolvimento profissional estreitamente vinculados à formação e ao
desenvolvimento pessoal” de mulheres e homens que ocupam a função docente na
Educação Infantil.
Ainda que não se refira especificamente à formação de professores da
Educação Infantil, e para ressaltar o caráter de continuum da formação, concordamos
com Garcia (2005, p.26) quando ele afirma que:

A formação de professores é a área de conhecimentos,


investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito
da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos
através dos quais os professores – em formação ou em exercício
– se implicam individualmente ou em equipe, em experiências
de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os
seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes
permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu
ensino, do currículo e da escola.

Como a formação compreende uma ideia de processo, Garcia (2005, p.137)


chama a atenção para a necessidade de se considerar o conceito de desenvolvimento
profissional dos professores, pois “o conceito de desenvolvimento tem uma conotação
de evolução e continuidade que nos parece superar a tradicional justaposição entre
formação inicial e aperfeiçoamento dos professores”. Considerando o desenvolvimento
profissional como um elemento articulador no processo educativo, o autor defende a
“necessidade de estudar e compreender a formação de professores em íntima relação
epistemológica com [...] a escola, o currículo e a inovação, o ensino e os professores”
(GARCIA, 2005, p.139).
90
Na esteira disso, o campo da formação de professores fundamenta-se no
“conhecimento sobre desenvolvimento organizacional, conhecimento sobre
desenvolvimento e inovação curricular, conhecimento sobre o ensino e conhecimento
sobre o professor e sua formação”. (GARCIA, 2005, p.140, grifo nosso). Neste mesmo
sentido, Nóvoa (1992, p.29, grifo nosso) faz referência à importância de “articulação
entre formação, gestão escolar, práticas curriculares e necessidades dos professores”.
Deste modo, o desenvolvimento profissional do professor é entendido como um
processo amplo e complexo, no qual fatores pessoais, profissionais, políticos e
socioculturais devem-se se fazer presentes.
Tomando essas ponderações como norte, pode-se questionar: até que ponto as
necessidades dos professores homens estão sendo consideradas no desenvolvimento de
sua formação profissional? E em que medida os currículos dos cursos de formação
inicial contemplam discussões amplas de gênero, na intenção de minimamente
problematizar os conflitos que ocorrem no interior tanto das escolas quanto dos próprios
cursos em que os professores estão sendo formados?20
Ao problematizarem o binarismo apresentado em projetos e programas
educacionais que definem corpos-homens e corpos-mulheres, Machado e Coutinho
(2014a, p.2) afirmam ser
de extrema importância para professor@s o estudo sobre
questões de gênero e sexualidade no currículo, sob olhares
diferenciados, visando não só a compreensão das
representações sociais, tão reforçadas por estereótipos através
da cultura, mas também permitindo-se ir além do
questionamento do conhecimento como socialmente adquirido,
a fim de se aventurar na busca do que ainda não foi construído
nem contemplado nos discursos e práticas curriculares.

Ao falarem em currículo, as autoras ampliam o seu conceito para além de


elementos como conteúdos, disciplinas, atividades, objetivos, metodologia, etc.,
chamando a atenção para a produção de significados que atravessa esses e outros
elementos das práticas curriculares:

Podendo-se entender o currículo de modo múltiplo, tanto como


documento (tal como o PCN, por exemplo), quanto como um

Com relação a isso, destacam-se os estudos sobre a produção das desigualdades de gênero em
20

documentos curriculares oficiais, realizados por Machado (2013) e Machado e Coutinho (2014a, 2014b,
2015).
91
campo aberto para recriação e reinvenção cultural, cabe
valorizar a linguagem e discursos curriculares como
atravessadores das práticas e questioná-los. Isso porque a escola
e seus educador@s, além de não poderem mais ignorar que as
fronteiras de gênero e sexualidade não só se multiplicaram,
como estão em permanentes mudanças, também carecem de
compreensão de como esses “novos” sujeitos estão
apresentados nos discursos pedagógicos oficiais [...].
(MACHADO; COUTINHO, 2014a, p.6)

A inserção profissional de homens na Educação Infantil, conforme vem sendo


discutida na presente investigação, precisa ser considerada em cursos que formam
professores também para esta etapa de ensino, na medida em que há diversas situações
conflituosas acerca das relações de gênero – atinentes, por exemplo, às representações
de masculinidade (homem perigoso, homem poderoso, homem respeitado), às funções
generificadas, à afirmação da heterossexualidade, entre outras – que estão sendo
negligenciadas, a despeito de sua recorrência e do impacto que têm sobre as práticas
docentes quando do exercício da função de educador infantil.

92
5 CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

Reconhecendo os limites de uma pesquisa em nível de Mestrado, entendemos


este estudo como um recorte relativamente pequeno de um amplo cenário de discussões
sobre a inserção profissional de homens na Educação Infantil, que possibilita uma série
de outras investigações envolvendo diferentes lentes teórico-metodológicas e campos
empíricos diversos. Assim, o estudo que apresentamos aqui consiste num recorte que
pretende contribuir para a problematização da temática em questão.
Nesse intuito, inicialmente nos aproximamos dos dados alusivos ao quantitativo
de homens como docentes na Educação Infantil e a forma pela qual é oficialmente
concebida a sua presença nesta etapa de ensino. Constatou-se que as mulheres
constituem a grande maioria do corpo docente nesta etapa; no entanto, apesar de sua
menor percentualidade, a presença de homens não pode ser ignorada, necessitando de
problematização científica, uma vez que repercute em toda a organização e
funcionamento da comunidade escolar onde eles estejam atuando. Por outro lado, vimos
que os documentos oficiais do MEC ignoram tais repercussões, configurando a
invisibilidade da inserção profissional de homens na Educação infantil.
Para além dos documentos oficiais, envolvemo-nos então na busca pelo que já
havia sido estudado acerca do tema em âmbito nacional e, apesar de se tratar de um
fenômeno relativamente recente e pouco explorado academicamente, as pesquisas nos
revelaram informações pertinentes que contribuíram sobremaneira para o
desenvolvimento desta investigação. No levantamento realizado, com destaque para as
pesquisas de Saparolli (1997) e Sayão (2005), verificamos que os estudos acentuavam o
processo de feminização do magistério como sendo fundamental para a problematização
aqui proposta.
As leituras que passamos a fazer nessa direção contribuíram na compreensão da
concepção da mulher materna como sendo a mais apta para exercer uma função
desvalorizada economicamente, com o homem ocupando outras posições sociais de
maior valoração social. Foi nesse cenário de leituras e estudos que, sob a perspectiva
metodológica da multirreferencialidade, elegemos os conceitos centrais de nossa

93
pesquisa – cultura e gênero – com os quais e a partir dos quais olhamos para as
entrevistas realizadas com os dois educadores infantis.
Assim, as entrevistas foram planejadas, executadas e analisadas com tais lentes
teóricas que nos permitiram encontrar alguns “achados”, dispostos em quatro focos de
discussão, interligados entre si, apresentados e debatidos no quarto capítulo desta
Dissertação, quais sejam: 1) figuras masculinas: o homem perigoso, o homem poderoso,
o homem respeitado; 2) funções generificadas; 3) afirmação da heterossexualidade
masculina; 4) formação inicial e continuada de educadores infantis.
A figura masculina do homem perigoso nos remete à concepção naturalista de
que, antes de tudo, a mulher seria supostamente inofensiva e, portanto, mais apta para o
trabalho com crianças pequenas. Histórica e culturalmente, os procedimentos de
cuidado infantil são atribuições tidas como femininas e estigmatizadas como sendo de
baixo prestígio laboral; daí também que o homem perigoso, que se constitui ao mesmo
tempo como homem respeitado também em função do perigo que representa, não pode
realizar tal tarefa. Além de implicar uma série de conflitos com os sujeitos no interior de
instituições de Educação Infantil, essa constatação também gera um lapso na atuação
profissional desse homem, pois cuidar (de forma indissociável do educar) é uma
atribuição de todo e qualquer profissional docente da Educação Infantil, seja mulher ou
homem.
Conectada à figura do homem perigoso, encontra-se também a figura do homem
poderoso: afastado das funções de cuidado infantil em função do perigo que representa
e do respeito a ele atribuído, o homem líder, patriarca e superior passa a ter como
caminho natural a ocupação de cargos de gestão (coordenação e/ou direção). No mesmo
sentido, a mulher (auto)representada como sendo submissa, frágil e desprestigiada
aceita de forma quase que inquestionável tal ocupação masculina. Ao se afastar o
homem perigoso das crianças, aproxima-se o homem poderoso da liderança e do
prestígio social e econômico, tendo em vista que o exercício de funções gerenciais o
torna chefe das mulheres e administrador da instituição, bem como acarreta em
gratificações salariais.
Em intrincadas conexões com essas duas figuras, e de certa forma atravessando-
as, encontra-se a figura do homem respeitado, que possui um status diferenciado em
grande parte das relações que estabelece na instituição. Quando exerce a função de
docente, o homem respeitado figura em suas relações com sua chefe mulher, com suas
94
colegas docentes e com as crianças da instituição; quando exerce a função de diretor, o
homem respeitado figura em suas relações com as docentes mulheres e de modo geral
com toda a comunidade escolar. Tal figura masculina expõe claramente parte da
intrincada trama de constituição dos poderes relacionais na instituição no tocante ao
gênero, em que os elementos culturais de supremacia masculina evidenciam-se nas
muitas formas de relações interpessoais existentes no cotidiano da Educação Infantil.
Na análise do que chamamos de funções generificadas (segundo foco de
discussão apresentado nesta Dissertação), a divisão de tarefas docentes por gênero
evidencia a força do binarismo masculino/feminino que carrega consigo certa ideia de
aptidão natural de mulheres e homens ao desempenho de determinados papeis escolares,
contribuindo, assim, para legitimação e propagação de concepções excludentes de
gênero na prática docente. Portanto, essa constatação implica não só uma divisão das
tarefas, mas, fundamentalmente, a exclusão delas pelo fato de termos homens e
mulheres ocupando seus considerados respectivos espaços específicos, muitas vezes
sem ter a possibilidade de ocupação mútua ou de transitividade entre eles. Ao se
conceber tal divisão (exclusão), a escola está negligenciando a uma turma que, por
exemplo, tem um homem na docência o desenvolvimento das crianças por intermédio
da interação com tarefas tidas como exclusivas de serem exercidas por mulheres. Além
disso, a força dessa separação impulsiona o homem e a mulher a não ocupar espaços e
desempenhar funções consideradas como exclusivamente masculinas e femininas,
provando, deste modo, outro lapso profissional, pois são espaços/funções significativos
e que podem (devem) ser ocupados e exercidos pelo profissional docente da Educação
Infantil, independentemente de ser homem ou mulher.
Essa possível mistura de papeis aliada ao fato de que a docência na Educação
Infantil é considerada como uma profissão feminina provoca um questionamento acerca
da orientação heterossexual do homem que exerce tal função (terceiro foco de discussão
depreendido na análise das entrevistas). Podem-se perceber dois pontos fundamentais
nessa questão: o receio do homem em ser considerado homossexual e as implicações
que tal possibilidade acarreta. A hipótese da rotulação em ser homossexual pelo simples
fato de um homem estar inserido numa instituição tida como feminina é duplamente
preconceituosa, pois além de considerar a orientação sexual de alguém apenas pelo fato
de desenvolver um trabalho profissional tido como feminino também expõe a visão
difundida culturalmente de hegemonia natural da heterossexualidade, atribuindo, assim,
95
valores pejorativos a qualquer orientação sexual que foge de uma suposta naturalidade
hetero. Em consonância com isso, o fato de ser considerado homossexual pode implicar,
do mesmo modo, no afastamento da hegemonia e domínio masculino, talvez por isso
tenha-se a latente afirmação da heterossexualidade masculina. Se pretendemos
desconstruir essa concepção preconceituosa, responsável por uma série de conflitos
relativos à inserção profissional de homens na Educação Infantil, é necessário que
docentes e demais sujeitos da comunidade escolar comecem a problematizar essa
questão, discutindo a ideia de que a orientação sexual de um profissional em nada
interfere na qualidade da sua função docente, desmistificando, também, as
naturalizações biológicas e acenando para a importância dos aspectos socioculturais na
constituição das identidades dos sujeitos.
Os cursos que formam docentes para atuarem também na Educação Infantil
(quarto e último foco de discussão depreendido na análise das entrevistas) podem ser
um bom local de pulverização dessa problematização, além de outras que são relegadas
a segundo plano, deixando lacunas formativas dos profissionais para esta etapa de
ensino. Tais lacunas ficaram ainda mais evidentes com o advento das DCNP, que
preveem um profissional generalista e, do mesmo modo, sem os conhecimentos
essenciais para desenvolver um trabalho de qualidade na Educação Infantil.
As questões relacionadas ao gênero evidenciam-se, assim, como
preponderantes obstáculos a serem vencidos para o homem exercer a função de docente
na Educação Infantil, pois implica transformações na ordem sociocultural que ainda não
o vê como profissional apto para realizar as atividades que o cargo requer.
Apesar de crescer a cada dia o número de pesquisas acadêmicas acerca do
tema, a questão de gênero (no tocante ao exercício docente na Educação Infantil) é
ignorada ou relegada a segundo plano, tanto por documentos oficiais quanto pela
formação de tais profissionais. No entanto, é um fenômeno que se faz presente nos
sistemas formais de ensino e que, conforme percebemos em nossa investigação, acarreta
em significativas implicações para a prática educativa desenvolvida numa instituição de
Educação Infantil que possua no seu quadro de professores um ou mais homens.
Assim, entendemos que é preciso que as discussões realizadas no âmbito das
pesquisas acadêmicas sobre a presença de homens na Educação Infantil se façam
presentes, também, nos cursos de formação docente (inicial e continuada), além de
serem contempladas nos documentos norteadores oficiais.
96
Sabemos que isso não seria a solução para os problemas que envolvem a
docência de homens na Educação Infantil, nem temos como objetivo apontar alguma
solução. O que defendemos é a necessidade de que se fale, se discuta e se reflita sobre
algo que existe e que impacta, de forma significativa, a vida de todos os sujeitos da
comunidade das escolas infantis. Nesses termos, o processo formativo desses homens e
mulheres poderia representar uma busca pela ressignificação da prática diária
compartilhada, onde “a professora e o professor põem em ação pensamentos e
concepções, valores, culturas e significados” (ARROYO, 2010, p.151) que lhes são
próprios.
Assim, ao mesmo tempo em que a docência na Educação Infantil é um território
de conflitos de gênero, tal como discutido ao longo desta Dissertação, ela se constitui
também num contexto muito profícuo para o exercício de resistência às imagens cultural
e historicamente associadas a homens e mulheres.

97
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