Reconstruindo o Caminho Do Neocalvinismo
Reconstruindo o Caminho Do Neocalvinismo
Reconstruindo o Caminho Do Neocalvinismo
NEOCALVINISMO HOLANDÊS:
(RE) CONSTRUINDO O ITINERÁRIO
LINHA DE PESQUISA
FENÔMENO RELIGIOSO: INSTITUIÇÃO E PRÁTICAS DISCURSIVAS
CAMPINAS
2021
MARIA ANGÉLICA DE FARIAS JURITY
NEOCALVINISMO HOLANDÊS:
(RE) CONSTRUINDO O ITINERÁRIO
PUC-CAMPINAS
2021
Ficha catalográfica elaborada por Vanessa da Silveira CRB 8/8423
Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas
121 f.
Orientador: Breno Martins Campos.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
PROF. DR. LAURI EMÍLIO WIRTH (UMESP)
_______________________________________________________
PROF. DR. PAULO AUGUSTO DE SOUZA NOGUEIRA (PUC-CAMPINAS)
_______________________________________________________
PROF. DR. BRENO MARTINS CAMPOS – Presidente (PUC-CAMPINAS)
Rua Professor Doutor Euryclides de Jesus Zerbini, 1.516 – Parque Rural Fazenda Santa Cândida – CEP 13087-571 - Campinas
(SP) Fone: (19) 3343-7408 – correio eletrônico: [email protected]
Ao meu esposo, Presley H. Martins, em quem
encontrei a dádiva do amor e a felicidade de se
viver o presente.
Aos meus pais, Antônio e Maria Luíza, pela
dádiva da vida e por perseverarem junto a mim.
AGRADECIMENTOS
À PUC-Campinas,
Universidade que me acolheu desde a graduação, abrindo-me portas para a realização dos meus
sonhos, dentre os quais, o sonho de seguir a carreira acadêmica. Onde também encontrei
verdadeiras inspirações, que me encorajaram a caminhar em direção ao mestrado. Refiro-me,
especialmente, à Profa. Dra. Ana Paula Bolfe, Profa. Dra. Camilla Massaro e ao Prof. Dr. Agenor
José Teixeira Pinto Farias.
Por sua orientação durante a Iniciação Científica, cuja contribuição – para além das técnicas de
pesquisa – refere-se, especialmente, aos diálogos apaixonados sobre a mística feminina, levando-
me a refletir até os dias atuais, sobre a dinamicidade e beleza de Deus.
Pela bolsa de estudos concedida, possibilitando-me a realização desta pesquisa e a formação tão
almejada.
Orientador e mestre, que confiou em meu potencial acadêmico desde a graduação, abrindo-me
portas e horizontes com suas palavras sábias e serenas.
Aos professores Dr. Lauri Emílio Wirth e Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira,
Por ter tornado essa jornada leve com seu companheirismo, cuidado e compreensão. Também
profícua, pelos diálogos e reflexões proporcionados, os quais, seguramente, foram essenciais a
esta pesquisa.
Aos meus irmãos e cunhados, Ana Paula, Guilherme, Wesley, Jefferson e Léia,
Por se alegrarem e incentivarem minhas conquistas. Pelo apoio e amparo em todas as horas.
Aos meus queridos amigos, Tayná Lucio, Victor Marques Varollo, Mayara França, Marizilda e Luiz
Semente,
A Deus,
This research has as object of study the Dutch Neocalvinism, movement of religious and
cultural reform inaugurated by the Calvinist Abraham Kuyper in the 19th century. With a
very fertile academic and political trajectory, Kuyper expanded Calvin's theology, seeking
to point to Calvinism as a comprehensive system of life, with a historical, philosophical
and political meaning. Neocalvinism was born amid the transformations of the modern
world, which affected the cultural status of religion, placing it alongside other spheres of
value. These transformations, having begun in the preceding centuries with the shock of
Enlightenment rationalism, combined with the profound crisis of Protestant orthodoxy, led
Kuyper to propose a return to theological objectivity to safeguard the Christian heritage,
which he considered threatened by modern worldviews. Thus, the theologian goes back to
Calvinist thought, pointing out his contributions to religion, politics, science and art. Dutch
Neocalvinism enters Brazil from the first publications of the American theologian Francis
Schaeffer and the paraecclesiastical institution L'Abri, responsible for spreading
Schaefferian thinking and making known neocalvinist authors, whose works aim to
instrumentalize believers for their involvement in public spaces. The para-ecclesiastical
institution “L’Abri Brazil” is thus characterized as an important interlocutor in this process.
In this way, we seek to explore the roots of Dutch Neocalvinism welcomed in Brazil, (re)
building, therefore, its itinerary to Francis Schaeffer, which may have implied an
“Americanization” of the movement. This research is justified by the need to contribute to
the discussions about religious activism in the public sphere, pointing to an object that,
inserted in historical Protestantism, is little explored in the field of Sciences of Religion
under a sociological approach. Our commitment is to interpret the manifestations of
religion, without, however, questioning the religious experiences of the individuals involved
in the research. The objective is: 1) to present the theological tradition in which Dutch
Neocalvinism is inserted: Calvinist Protestant; 2) to identify the context of its emergence
and discuss its proposal, especially with regard to the relationship between religion and
politics from its main exponents: Abraham Kuyper and Herman Dooyeweerd; 3) analyze
the content of Francis Schaeffer's speeches, seeking to identify his relationship with the
movement and point out its impacts in the political sphere; 4) to analyze the aspects that
stand out in the itinerary covered, thus providing theoretical elements for a critical and
cautious reading of the reception of Neocalvinism in our context. With regard to the
method, it is an exploratory research combined with the technique of bibliographic
research. To understand the data collected, we opted for qualitative treatment based on
the hermeneutic-dialectic method and the analysis of the content of the discourse.
1 INTRODUÇÃO
como principal referencial teórico, uma vez que a sociologia weberiana busca “[...]
interpretar a pessoa individual, a instituição, o ato ou o estilo de trabalho [...] como um
‘documento’, a ‘manifestação’, ou a ‘expressão’ de uma unidade morfológica maior”
(WEBER, 213, p. 39). Para o autor, os resultados das ações nem sempre condizem com a
intenção, não havendo espaço, portanto, para discutir categorias como moral, verdade,
bem/mal, apenas afinidade eletiva. O que se pretende mostrar é a existência de certos
elementos correlatos entre uma ética religiosa, no caso neocalvinista, e um
comportamento político. Além disso, reforçando a interdisciplinaridade da área 1, não se
abre mão do argumento teológico enquanto este lança luz à pesquisa. Pode-se perguntar:
que papel tem ou poderia desempenhar a teologia no espectro das ciências da religião e
as ciências da religião no espectro da teologia? Acredita-se, em consonância com Soares
(2007), que ambas servem como delimitadores benéficos ao avanço da reflexão:
[….] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com
vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas
pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta
de intuições (GIL, 2002, p. 41).
Cultura Cristã; para esta pesquisa, será utilizada a segunda edição da mesma editora.
Nessa obra, o autor aponta a extensão do calvinismo na interface com a religião, política,
ciência e arte, dedicando um espaço para discutir sua agenda para o futuro.
A segunda fase na Holanda tem como autor substancial Herman Dooyeweerd,
com a obra Estado e Soberania: ensaios sobre cristianismo e política, cujo título original é
The Christian Idea of the State e the Context about the Concept, publicada no Brasil pela
Editora Vida Nova em 2014. Esta obra apresenta dois discursos do autor: o primeiro
proferido, em 1936, para a juventude antirrevolucionária holandesa, sobre a teoria geral
do Estado; e o segundo, proferido em 1950, por ocasião do 70º aniversário da
Universidade Livre de Amsterdã, da qual Dooyeweerd foi reitor naquela época, trata da
disputa sobre o conceito de soberania. No crepúsculo do pensamento Ocidental: estudos
sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico é sua segunda obra de relevância;
organizada a partir de uma série de conferências proferidas pelo autor nos Estados
Unidos e Canadá, em 1958, com a primeira publicação brasileira em 2010, pela Editora
Hagnos – a qual será lida. Esta obra é porta de entrada à filosofia cosmonômica de
Dooyeweerd; nela, o autor aborda temas como o historicismo e o sentido da história, a
distinção entre filosofia e teologia, e uma antropologia bíblica. Propõe uma “reforma do
pensamento”, ao dizer que só a filosofia cristã pode ser crítica, do contrário ela é
inevitavelmente dogmática. A terceira obra de Dooyeweerd é Raízes da cultura Ocidental:
as alternativas pagã, secular e cristã. Publicada originalmente nos USA com o título Roots
of Western Culture: Pagan, Secular, and Christian Options, pela editora reformada Paideia
Press Ltd., em 2012. A primeira edição publicada no Brasil é de 2015, pela Editora Cultura
Cristã, a que será utilizada nesta pesquisa. Nela, Dooyeweerd sustenta que o
pensamento teórico não é neutro, sendo sempre movido por um motivo básico religioso.
Nessa mesma fase, mas no contexto norte-americano, temos as obras de Francis
Schaeffer, escritas sob forte influência do pensamento de Dooyeweerd. O teólogo
Schaeffer foi o responsável por popularizar o pensamento de Dooyeweerd na América.
Para nossa pesquisa, selecionam-se duas obras: Verdadeira Espiritualidade e Como
Viveremos?
O livro Verdadeira Espiritualidade, cujo título original é True Spirituality, foi
publicado originalmente em 1971, no qual o autor busca retornar à tradição cristã para
dizer o que é de fato espiritualidade. Esta obra é importante para nós porque o autor
conta sua própria experiência de fé e como surgiu a ideia da comunidade L’Abri. E a
edição acolhida neste trabalho será a da editora Fiel, de 1993.
18
2 O termo é uma expressão em latim que significa “condição sem a qual não”. Indica uma condição
necessária para o acontecimento de um evento.
22
João Calvino procede de uma família que, embora não aristocrática, ascendeu
rapidamente, acompanhando o “surto” da burguesia do século XV: “[...] tanto quanto
possível ele se aproximará da nobreza, de que partilhará a cultura, os gostos e os
preconceitos” (BIÉLER, 2012, p.111). Seu pai manteve uma grande amizade com a
poderosa e nobre família Hangest, na qual Calvino fora recebido de modo bastante
caloroso, tendo, desde a infância, uma educação sofisticada. Calvino, relatando a
preocupação de seu pai com o avanço social, escreveu: “Desde que eu era ainda um
menino, meu pai me havia destinado à teologia; mais tarde, porém, considerando que a
ciência das leis comumente enriquece aqueles que a seguem, esta esperança o levou
bem logo a mudar de ideia” (CALVINO apud BIÉLER, 2012, p.112).
Aos 14 anos, é enviado a Paris, onde estudou por cinco anos em um colégio de
“pura ortodoxia católica” (BIÉLER, 2012, p. 113). Em 1528, volta-se para o direito, mas
devido à indisposição de seu pai com a Igreja, deixa de receber apoio para seu avanço
acadêmico. Após a morte de seu pai, Calvino se vê liberado a prosseguir seus estudos
em sua área de interesse. Instala-se novamente em Paris para completar sua formação
literária.
23
Vosso será, porém, ó Rei sereníssimo, o não afastar nem os ouvidos nem a alma
de tão justo apoio, sobretudo ao se tratar de tão grande matéria, a saber: de que
modo a verdade de Deus retenha sua dignidade, de que modo o reino de Cristo
permaneça em sua perfeição entre nós; matéria digna de vossos ouvidos, digna
de vosso conhecimento, digna de vosso tribunal. Pois um tal pensamento faz
ainda um verdadeiro rei: reconhecer-se ministro na administração do reino de
Deus. Pois não é um rei, mas um salteador, o que não reina para servir à glória de
Deus (CALVINO, 2008, p. 15-16, t.1).
Ninguém, com razão ainda mais forte nenhuma autoridade política, se pode
esquivar de pronunciar-se em favor da verdade de que depende toda a existência
dos indivíduos e das sociedades. O próprio Deus fixou uma regra de interpretação
da Escritura ao alcance de cada um. Quem quer que a aplica honestamente, e
sem preconcepções, pode reconhecer a verdade. Trata-se da regra da analogia da
fé: a Palavra de Deus não tem outros critérios senão ela própria. Nenhuma
autoridade exterior (igreja, tradição, ciência, sentimento religioso, consciência)
pode determinar o seu sentido (BIÉLER, 2012, p. 125-126).
como de sua organização, não se sabia ainda exatamente pelo que se haveria de
substituir” (BIÉLER, 2012, p. 132). A igreja ainda mantinha relação com o magistrado, por
isso havia necessidade de reorganização não apenas eclesiástica, mas também social,
política e moral. Farel já havia lançado bases sólidas para a Reforma, mas viu em Calvino
o potencial necessário para levá-la adiante.
Calvino dará início, desse modo, ao seu empreendimento teológico, com
artigos acerca do governo da igreja, formas de cultos e sacramentos, costumes dos fiéis,
matrimônio, doutrina confessada e disciplinas. Contudo, em 1538, o Conselho Geral de
Genebra aceita as propostas de oposição aos refugiados franceses e as ordenações
litúrgicas de Berna em relação a Genebra que contrariam as ideias dos reformadores,
posteriormente obrigados a deixar a cidade. Calvino vai para Estrasburgo, adquire
experiência e amadurece suas reflexões. Estrasburgo, que havia se tornado uma
referência intelectual com os esforços dos magistrados e teólogos, combinados ao ímpeto
humanista, será o modelo da nova ordem social implantada em Genebra por Calvino em
seu retorno.
O período em que Calvino se ausentou de Genebra foi suficiente para as
autoridades espirituais, que ali haviam se estabelecido, se distraírem, e o povo voltasse
aos antigos hábitos. Católicos e bernenses, também aproveitaram a oportunidade para
disputarem espaço, a fim de reconquistar a cidade, fazendo emergir um ressentimento
popular. Após um apelo pessoal, Calvino retorna a Genebra em 13 de setembro de 1541.
O apelo por carta dizia:
Uma vez antes havíamos distinguido duas formas de governo que concernem ao
homem, e já falamos suficientemente da primeira, que consiste no governo da
alma, ou do homem interior, e visa à vida eterna, é preciso agora tratar da
segunda forma, que diz respeito somente à justiça civil e à reforma dos costumes.
De fato, ainda que tal explanação pareça estranha à teologia e à doutrina da fé
que tratamos, o andamento da matéria provará que é oportuno estudá-la; sou
compelido a fazê-lo sobretudo porque, por um lado, não faltam desatinados e
bárbaros que tentam arruinar toda a autoridade estabelecida por Deus (CALVINO,
2009, p. 875, t.2).
Calvino se opõe aos Anabatistas por proclamarem muito mais uma realidade
imanente da religião do que espiritual. O movimento liderado por Thomas Müntzer 4
defendia os camponeses, colocando-se na contramão da servidão, tributos religiosos e
impostos sobre terras, sendo Omnia sunt communia (“Tudo é de todos”) a síntese de suas
pregações (SANTOS, 2009). O reformador acreditava haver – em termos modernos –
traços anarquistas nas ideias desse movimento, pois, para ele, era inconcebível construir
uma sociedade sem uma organização hierárquica (MORAES, 2014).
Para Calvino, uma sociedade não regulada pela lei e pelo magistrado civil estaria
condenada à ruína. Seu modelo de organização eclesiástica podia ser copiado
para o modelo de organização civil da sociedade. Foi isso que aconteceu com as
várias ramificações calvinistas que se espalharam pelo mundo afora (MORAES,
2014, p. 153-154).
Pode-se dizer, desse modo, que seus estudos jurídicos foram bastante
influentes, não apenas na redação das Institutas, cujo objetivo era fornecer um “corpus de
definições dogmáticas precisas” e “uma organização eclesiástica eficaz” (PARKER apud
SILVESTRE, 2003, p. 114), mas também na sua visão legalista da organização social.
4 Um dos primeiros teólogos alemães após a Reforma, que liderou a Guerra dos Camponeses entre
1524-1525.
26
O advogado começa com o primeiro dado de autoridade. Ele lida com uma regra
de ação imposta por um superior, à qual um inferior é obrigado a obedecer. A
santidade dessa autoridade é a primeira condição da ordem social, e a
manutenção dessa ordem é absolutamente necessária ao mundo do Advogado.
Calvino, o teólogo, é Calvino, o advogado, transferindo seu pensamento da esfera
da jurisprudência humana para a do divino. Ao contrário do outro grande jurista-
teólogo, Hugo Grotius, da Holanda, sua concepção de Deus é a de juiz e não a de
governador. A teologia de Calvino, como toda teologia que atinge seu prumo direto
até o fundo, também era uma teodiceia, e é apenas essa avaliação teodicista dela
que apresenta tanto o pensamento inicial quanto o cerne de todo o seu sistema.
Sua concepção do universo é essencialmente teísta. O mundo é teológico?
Originado por Deus; é teocêntrico? Centrado em Deus; é teocrático — governado
por Deus; é teológico — tem sua lógica em Deus. Deus é Criador e Governador de
todos; mas acima de tudo, Ele é Juiz de tudo; e este é o princípio jurídico em que
ele constrói todo o seu sistema (MILTON, 1909, p. 214, tradução nossa). 5
Calvino, ao discutir sobre o poder civil, aponta que “[…] o governo não é menos
necessário aos homens que o pão, a água, o sal e o ar” (2009, p. 877, t.2). Para o
reformador, a lei e o magistrado são indispensáveis à bem-aventurança de uma nação,
concedidos por Deus “para remediar os maus juízos humanos” (2009, p.881, t.2), sendo
investidos de autoridade divina todos aqueles que cumprem sua função. Além disso, o
poder civil tem o papel de estabelecer uma legislação que zele pela verdadeira religião.
Assim, vemos que Calvino associa a função dos magistrados a uma vocação
dada por Deus. Seus comentários a Romanos 13 colabora para essa noção, quando diz:
“Não chegaram a esta elevada posição por sua própria faculdade, mas foram postos ali
pela mão do Senhor” (CALVINO, 2001, p. 460).
O Reformador também se dedica à análise de três formas de governo, a saber:
monarquia, aristocracia e democracia.
A própria natureza nos ensina que é dever dos príncipes usar a espada, não
somente para corrigir as faltas dos súditos, mas também para defender o território
que está sob seus cuidados quando este for invadido. Na Escritura, o Espírito
Santo nos declara que tais guerras são legítimas. Se alguém objetasse que não há
qualquer testemunho ou exemplo no Novo Testamento pelo qual se possa provar
que é lícito aos cristãos fazerem guerra, respondo que continuam válidas as
razões do Antigo Testamento; sustento ainda que não há motivo algum que
impeça aos príncipes de defenderem seus vassalos e súditos. Em segundo lugar,
sustento que não é necessário buscar nenhuma declaração apostólica
concernente a esse assunto, já que a intenção dos apóstolos era pregar o reino
espiritual de Cristo, e não a legislar para os reinos temporais. Respondo, enfim,
que nada alterou as disposições do Antigo. Porque, se a disciplina cristã, como
disse Agostinho, condenasse todo tipo de guerra, então João Batista teria
aconselhado aos soldados, que tinham vindo até ele para saberem da salvação,
que abandonassem as armas, que deixassem de ser soldados e procurassem
outra ocupação. Ele, porém, lhes proibiu que cometessem violência ou dano
injusto, e que se bastassem com seu soldo. Ao dizê-lo, evidentemente não os
proibiu de guerrear (Lc 3:14) (CALVINO, 2009, p. 886-887, t.2).
punição, ainda que os meios para que isso ocorresse fossem distintos. Já a lei cerimonial
era aplicável somente aos judeus, com o objetivo pedagógico de ensiná-los até o tempo
da plenitude, isto é, até a vinda de Cristo. A lei judicial foi dada aos judeus, para que
pudessem viver uma vida justa, de acordo com a lei moral. Não tinha outro fim a não ser a
“conservação da caridade preceituada na Lei de Deus” (CALVINO, 2009, p. 889, t.2). Por
fim, Calvino conclui que os Estados modernos têm a liberdade para definir suas leis,
segundo as necessidades atuais, no entanto, devem sempre estar de acordo com as leis
morais dispostas na lei mosaica, pois estas são eternas:
[A] lei moral, a qual se expressa em dois artigos principais: um manda honrar
sinceramente a Deus com verdadeira fé e piedade sincera; o outro manda amar
aos homens com verdadeira caridade. Eis aí a verdadeira e eterna regra da
justiça, estabelecida para todos os homens em qualquer lugar do mundo, caso
queiram conformar sua vida segundo a vontade de Deus, porque sua vontade
eterna e imutável é que o honremos e nos amemos mutuamente (CALVINO, 2009,
p. 889, t.2).
numa época em que se tratava os governados como súditos, por isso é muito comum vê-
lo se dirigir ao povo dessa forma ao longo das dez seções que abordou o assunto. Como
vimos, Calvino trata os magistrados como representantes de Deus, seja para mostrar
bondade divina ao povo ou para puni-los:
Assim, cabe aos súditos honrar o governo estabelecido, o que torna a resistência
uma desobediência ao próprio Deus:
Pois, uma vez que não é possível resistir ao magistrado sem que esteja resistindo
também a Deus, ainda que alguém ache que pode desprezar ao magistrado que
se mostra medíocre e incapaz, Deus é poderoso o bastante para vingar esse
desprezo de sua vontade (CALVINO, 2009, p. 896, t.2).
Até agora falamos da figura do magistrado tal como deve ser, para que
corresponda genuinamente a esse título, isto é, pai da pátria que governa, pastor
do povo, guardião da terra, mantenedor da justiça, conservador da inocência: não
resta dúvida de que se mostra insano quem se opõe a esse governo (CALVINO,
2009, p. 896, t.2).
livre, “com essas afirmações, ele pretende dizer que é indiferente a condição em que nos
encontramos, bem como as leis de que país vivemos, porquanto o reino de Cristo não
consiste nessas coisas” (CALVINO, 2009, p. 876, t.2).
Calvino insiste na obediência ao governo, mesmo que este seja tirano. Para
isso recorre a uma série de passagens bíblicas do Antigo Testamento, nas quais as
autoridades injustas não representavam nada menos que a ira de Deus, cumprindo, desta
forma, a vontade divina. Calvino cita o governo tirânico do rei Nabucodonosor:
Em Jeremias há uma passagem que é mais oportuna citar; embora seja mais
longa, resolverá a questão de modo exemplar: ‘Eu fiz a terra, o homem e os
animais que estão sobre a face da terra, com meu grande poder e com meu braço
estendido, e a dou àquele que me convêm. Agora, pois eu entreguei todas estas
terras nas mãos de Nabucodonosor, rei de Babilônia, meu servo, e a ele servirão
todas as nações e grandes reis, até vir o tempo de sua terra. E sucederá que os
povos e reinos que ao rei de Babilônia não tiverem servido, visitá-los-ei com
espada, fome e peste: servi, pois, ao rei da Babilônia e vivereis’ (Jr. 27. 5-8, 17).
Essas palavras demonstram que tipo de obediência o Senhor quis que fosse
tributada àquele tirano perverso e cruel, pelo único fato de que possuía o reino.
Esse domínio por si só mostrava que aquele soberano fora elevado ao trono por
disposição divina, e justamente pelo fato de ter sido elevado à majestade real, não
devia ser lesada. Quando estiver bem clara e estabelecida em nosso
entendimento que a vontade de Deus, em virtude da qual se firma a autoridade
dos reis, é a mesma que escolhe os soberanos elevando-os à posição de
autoridade, jamais nos virão à mente essas ideias insanas e sediciosas de que um
rei deve ser tratado segundo seus méritos, e que é razoável nos revoltarmos
contra aquele que não age como bom rei em relação a nós (CALVINO, 2009, p.
898-899, t.2).
devemos obedecer aos homens? O Senhor, portanto, é o rei dos reis, e a ele
devemos ouvir acima de todos tão logo abra a sua boca. De forma secundária,
devemos estar sujeitos aos homens que têm preeminência sobre nós, mas
somente sob a autoridade de Deus. Se as autoridades ordenam algo contra o
mandamento de Deus, devemos desconsiderá-la completamente, seja quem for o
mandante (CALVINO, 2009, p. 902, t.2).
Desta feita, vimos Calvino chegar ao fim dessa discussão com certa
obscuridade, talvez insegurança, especialmente quando diz: “Sei muito bem que tipo de
perigos podem advir desse posicionamento de firmeza que aqui reivindico, porque os reis
não toleram sofrer contradição, e sua indignação, como disse Salomão, é prenúncio de
morte” (CALVINO, 2009, p. 902, t.2). Mais uma vez, seu discurso teológico, colocado em
termos abrangentes, dá margem para múltiplas interpretações e ações que sucederam
posteriormente entre os calvinistas.
Quanto à religião e política de Calvino em Genebra, após o seu retorno à
cidade em 1541, como vimos anteriormente, o reformador impôs algumas condições ao
magistrado para sua permanência. Cabe destacar que sua influência na cidade não se
deu de forma irrestrita, pois não detinha poder político. Sua influência foi antes
persuasiva, através do papel que exercia na igreja.
[…]. Sua ideia básica era a de não controlar o Estado, mas influenciá-lo a tal ponto
que ele representasse os valores e princípios defendidos pela Igreja. Na sua visão,
a Igreja era uma agência do Reino de Deus, mas o Estado também deveria ser
uma agência desse mesmo Reino. Guardadas as autonomias de ambas as
instituições, elas deveriam trabalhar em prol de uma visão teocêntrica que
glorificasse a Deus (MORAES, 2014, p. 135).
para decidir assuntos que incluíam a moralidade e costumes do povo genebrino, não
lançou mão da força do magistrado para julgar as transgressões cometidas. O
instrumento mais problemático criado por Calvino foi o Consistório, decisivo no caso de
Servetus. Ele surge em 1542 com o objetivo de policiar a ortodoxia religiosa e assegurar o
“império cristão reformado” (ANÉAS, 2018, p. 176).
A vida da Igreja é controlada pelo Consistório, composto pelos pastores e por doze
anciãos escolhidos pelas autoridades. O Consistório fiscaliza tudo na Igreja e o
poder civil se encarrega de fazer aplicar as suas decisões. Existe, em princípio,
uma clara distinção entre o poder civil e o poder eclesiástico. Não obstante, eles
estão muito ligados, pois o Estado intervém na nomeação dos ministros e o
Consistório é uma emanação do poder civil. Calvino deseja edificar a cidade cristã
de Genebra. As pessoas da Igreja são juízes da atividade do Estado. […].
Prescrições minuciosas regulamentam toda a vida dos genebrinos. São
numerosas as condenações à morte. Os conflitos entre pessoas são frequentes.
Mais graves, os conflitos doutrinais assumem um aspecto dramático quando
Miguel Servet é queimado em 1553 por haver negado a Trindade (COMBY, 1994,
p. 155).
6 Jérôme-Hermès Bolsec, parisiense e médico, voltou-se contra Calvino por não concordar com doutrina
da predestinação. O Pequeno Conselho de Genebra resolveu bani-lo em 23 de dezembro de 1551.
Sébastien Castellion (1515-1563) rejeitava um trecho do Credo Apostólico e discordava da doutrina da
predestinação, além disso, chegou a fazer uma tradução do Novo Testamento em linguagem popular, a
qual foi rejeitada. Também teceu críticas aos pastores genebrinos, o que contrariou Calvino, levando-o a
solicitar intervenção junto às autoridades de Genebra, que o proibiram de exercer o ministério pastoral.
Após isso, deixou a cidade, mas tornou a ser perseguido após a publicação da sua obra que apontava
para tolerância e tecia duras críticas a Calvino.
7 Assunto abordado na seção anterior: “O Pensamento Político de Calvino”.
34
a ideia está presente, inclusive nos ensinamentos de Cristo, sobre os quais o próprio
Calvino faz uma transposição para o âmbito político. Além disso, no mesmo contexto do
reformador, tivemos indivíduos que se colocaram em oposição a qualquer radicalidade.
Sebastian Castellion, teólogo francês que, por anos, foi aliado de Calvino, ousou apontá-
lo “[…] através de vários livros e com uma miríade de argumentos, que como cristão ele
não tinha direito de mandar matar quem quer que fosse, especialmente alguém que
meramente discordasse dele” (ALMEIDA, 2014, p. 14). Entre as críticas feitas a Calvino,
Castellion escreveu:
8 Para Agostinho de Hipona, o Mal adentra ao mundo por um único homem, Adão, cuja culpa é
transmitida a toda humanidade. “Analisando o pensamento agostiniano, percebe-se que o mesmo
aponta de maneira muito precisa para a incapacidade do ser humano, para sua falibilidade e para sua
inadequação. O homem agostiniano é o homem decaído, afetado pela queda. Antes desta, segundo
Agostinho, o homem vivia feliz em seu estado de felicidade plena, gozando da felicidade dos anjos”
(MORAES, 2014, p. 113).
35
9 Em Lutero, “uma coisa antes de mais nada era absolutamente nova: a valorização do cumprimento do
dever no seio das profissões mundanas como o mais excelso conteúdo que a autorrealização moral é
capaz de assumir” (WEBER, 2004, p, 72).
36
O século XVII experimentou uma crise geral, tendo sido marcado por grandes
revoluções em toda a Europa. Trevor-Roper (1972) aponta que quando se tentava
10 É importante destacar a diferença que existe entre “razão” e “racionalismo”, sobre isso McGrath
escreve: “A razão é a capacidade humana básica de pensar, baseando-se em argumentos e evidências.
E um conceito teologicamente neutro que não representa ameaça alguma à fé—a menos que seja
considerado como a única fonte de conhecimento sobre Deus. Nesse caso, portanto, a razão se
transforma em racionalismo, que representa a dependência exclusiva e única da razão humana e a
recusa em aceitar que se atribua algum crédito à revelação divina” (2010, p.226).
38
Segundo Tillich (2000), a ortodoxia também teve importância política, visto que era
necessário definir o status da religião no período pós-Reforma.
É nessa intermitência que ocorre a Guerra dos Trinta anos (1618-48). “Ela é
resultado da Contra-Reforma, na qual estados católicos e estados protestantes lutaram
por questões políticas e religiosas” (ANÉAS, 2018, p. 124). A Europa estava dividida entre
países católicos e protestantes. Já entre os protestantes existiam também tensões,
principalmente da parte dos luteranos e calvinistas contra os anabatistas, que eram vistos
como radicais.
É importante destacar que “a Teologia”, nesse período, “era uma teologia de
príncipes territoriais” (TILLICH, 2000, p. 273). Havia, por parte das nações, uma luta pela
unidade nacional, de modo que viesse alimentar sua soberania política. E, por parte dos
grupos religiosos, a necessidade de construir e afirmar uma identidade, que acabou por
nascer da dicotomia “nós e eles”, isto é, do conflito.
Na Alemanha, que fora o principal palco da Guerra dos Trinta anos, príncipes e
muitos de seus conselheiros, ‘utilizaram as diferenças religiosas como desculpa
para conseguir seus próprios propósitos políticos’. Ou seja, definir claramente a
religião de cada local geográfico governado por algum rei ou imperador é algo
importantíssimo, pois tem relação direta com questões sociopolíticas. (ANÉAS,
2018, p. 123).
mas sempre que podemos conferir tais acusações elas se revelam confiáveis
numa escala surpreendente (HILL, 1987, p.45).
[…] Carlos I, para governar sem Parlamento, manda examinar velhas leis e
costumes, querendo utilizar tudo o que é recurso legal que o dispense dos
impostos parlamentares; os expedientes a que chega acabam com toda e
qualquer política econômica (dissuadem os investidores), e mesmo
financeiramente são de pouco alcance, além de irritarem profundamente os
súditos. Ainda assim o rei governa sem Parlamento de 1629 a 1640. Mas a que
preço? A Europa está devastada pela última guerra de religião, a dos Trinta Anos
(1618-48), e que teve no próprio cunhado de Carlos, Ferdinando, rei da Boêmia, o
pivô, o campeão protestante. Os nacionalistas ingleses, protestantes, desejosos
de uma política externa agressiva, imperial, anti-espanhola, querem que seu rei
intervenha na guerra. A ‘paz do rei’ requer, portanto, a submissão às potências
católicas, e desmorona quando o reino da Escócia se revolta contra a tentativa de
impor à sua Igreja oficial, presbiteriana, formas de governo episcopal. (HILL, 1987,
p. 13).
Nesse período, uma vez que a política externa era a favor da Espanha e,
consequentemente, do catolicismo romano, os protestantes puritanos foram perseguidos,
41
razão pela qual muitos partiram para a América. No entanto, as crises se acentuaram ao
longo do tempo, principalmente na relação com a Escócia, levando Carlos I a convocar o
Parlamento em 1640, o qual exigiu reparação das decisões tomadas pelo rei. No entanto,
as negociações com o Parlamento não foram bem-sucedidas; em 1642, Carlos I não quer
mais ceder e parte para o ataque. “O Parlamento continua em Westminster e comanda a
guerra contra o rei (em nome do Rei, porém, e da Coroa; em nome das antigas
instituições que, com razão, o Parlamento acredita violadas por Carlos, mas que agora
também ele viola)” (HILL, 1987, p. 15). Oliver Cromwell, sempre rememorado quando se
trata desse conflito, assume a liderança do exército “- é o New Model Army, ou Exército de
Novo Tipo, de cujos comandos são excluídos todos os lordes e a maior parte dos
deputados, e que tem por principal critério o valor e mérito pessoais dos soldados” (HILL,
1987, p. 15).
Além disso, os puritanos, que viam o trabalho como um dever para com Deus 12,
eram adversários do capitalismo sustentado pelo Estado sob o governo dos Stuart 13, para
11 Ver seção “O Pensamento Político de João Calvino”.
12 Uma vez que a questão fundamental de Calvino era cosmológica, partindo da doutrina da soberania de
Deus, preocupava-se, então, em como glorificá-lo neste mundo, uma vez que a salvação não pode ser
garantida pelos próprios meios. Os puritanos entenderam que deveriam fazer isso através de uma
conduta de vida excelsa, refletida principalmente no trabalho e em suas transações comerciais, como
bem explorou Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
13 Nesse período havia uma “[…] constituição social ‘orgânica’ de formato fiscalista-monopolistas adotada
na Inglaterra sob os Stuart, particularmente nas concepções de Laud: - aliança do Estado e da Igreja
com os ‘monopolistas’ sobre a base de uma infraestrutura social-cristã […]” uma “espécie de capitalismo
de comerciantes, subcontratadores e mercadores coloniais, um capitalismo sustentado pelo Estado”
(WEBER, 2013, p. 163). Os puritanos privilegiavam iniciativas pessoais e se orgulhavam de sua própria
42
eles, a moral dos seus negócios era o verdadeiro alvo das perseguições que sofriam
(WEBER, 2013). Nesse sentido, a Revolução Puritana foi uma ação política, com
motivações econômicas, que, dentro da conduta ética puritana, é inseparável da religião.
Com a chegada do partido puritano ao poder no Parlamento, inicia-se, por
solicitação da Câmara dos Comuns em 1645, a formulação da Confissão de Fé de
Westminster para a Igreja da Inglaterra. Os Cânones de Dort que haviam sidos
elaborados antes nos países baixos, serviu de inspiração. Passaremos, dessa forma, à
análise desses documentos nas próximas seções.
moral de negócios burguesa; buscavam negociar apenas com seus pares, uma vez que a participação
numa seita lhes garantia qualificação moral (WEBER, 1982).
43
O relacionamento comercial com a Espanha era visto pelo clero calvinista como
uma possível abertura para impureza na igreja holandesa. Este argumento estava
exclusivamente preocupado com a “pureza” da igreja ou tinha influência deste
contexto político? Certo é que o grupo de mercadores se uniu aos arminianos e os
contrários a relação com a Espanha aos que defendiam as teses de Gomaro.
(ANÉAS, 2018, p. 136).
1. Que Deus, por um decreto eterno e imutável em Cristo antes que o mundo
existisse, determinou eleger, dentre a raça caída e pecadora, para a vida eterna,
aqueles que, através de Sua graça, creem em Jesus Cristo e perseveram na fé e
obediência; e que, opostamente, resolveu rejeitar os inconversos e os descrentes
para a condenação eterna (Jo 3.36). 2. Que, em decorrência disto, Cristo, o
Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que Ele
obteve, pela morte na cruz, reconciliação e perdão pelo pecado para todos os
homens; de tal maneira, porém, que ninguém senão os fiéis, de fato, desfrutam
destas bênçãos 0o 3-16; 1 Jo 2.2). 3. Que o homem não podia obter a fé salvífica
de si mesmo ou pela força de seu próprio livre-arbítrio, mas se encontrava
destituído da graça de Deus, através de Cristo, para ser renovado no pensamento
e na vontade (Jo 15.5). 4. Que esta graça foi a causa do início, desenvolvimento e
conclusão da salvação do homem; de forma que ninguém poderia crer nem
perseverar na fé sem esta graça cooperante, e consequentemente todas as boas
obras devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Todavia, quanto ao modus
operandi desta graça, não é irresistível (At 7.51). 5. Que os verdadeiros cristãos
tinham força suficiente, através da graça divina, para enfrentar Satanás, o pecado,
o mundo, sua própria carne, e a todos vencê-los; mas que se por negligência eles
pudessem se apostatar da verdadeira fé, perder a felicidade de uma boa
consciência e deixar de ter essa graça, tal assunto deveria ser mais
profundamente investigado de acordo com as Sagradas Escrituras (OLSON, 2013,
p.41).
44
No entanto, as reações políticas não foram favoráveis aos arminianos, uma vez
que o príncipe Maurício de Nassau ficou do lado dos calvinistas e mesmo Johan Van
Oldebarnevelt, que trabalhava nas negociações com a Espanha, em favor dos
arminianos, não pôde fazer nada a respeito, pois foi preso (ANÉAS, 2018). Assim, foi
convocado o Sínodo de Dort, do qual participaram 27 representantes de igrejas de várias
partes do mundo, com o objetivo de refutar a doutrina arminiana.
O Sínodo rejeitou os cinco pontos arminianos e adotou outras resoluções, que
foram registradas no que é chamado de Os Cânones de Dort ou Os Cinco Artigos Contra
os Remonstrantes. A doutrina reformada foi sistematizada nos seguintes pontos: a eleição
incondicional, a expiação definida, a depravação total, a graça irresistível e a
perseverança dos santos14. “Cada Cânone consiste de uma parte positiva e de outra
negativa. A primeira é uma exposição da doutrina bíblico-reformada do assunto tratado, e
a última é a refutação do erro arminiano correspondente” (CÂNONES DE DORT, 2017, p.
113-114). O documento está estruturado em cinco capítulos, seguido de uma conclusão.
O primeiro capítulo é composto por dezoito artigos, os quais tratam da eleição
e reprovação divina. O primeiro, sexto e décimo quintos artigos são suficientes para
compreender a posição calvinista acerca desse assunto:
14 Eleição incondicional: Deus elege quem salvará, não estando esta baseada em nenhuma ação
humana; expiação indefinida: Cristo morreu somente pelos eleitos, embora o sacrifício fosse suficiente
para salvar a todos; depravação total: o homem é corrompido pelo pecado, sendo incapaz de exercer
sua livre vontade, especialmente para salvação; graça irresistível: a graça de Deus age nos eleitos de
modo que não podem recusá-la; perseverança dos santos: uma vez que é Deus quem garante a
salvação dos eleitos, esses permanecem na fé.
45
O terceiro capítulo e quarto capítulo são compostos por 17 artigos ao todo, os quais
versam sobre a corrupção do homem. É evidente a ideia de que o homem é incapaz de
direcionar-se, por si mesmo, à salvação.
Como vimos, dois aspectos são sempre reafirmados nos artigos dos Cânones
de Dort: a incapacidade do ser humano de salvar a si mesmo e a eleição de uns para
salvação em detrimento de outros. O homem agostiniano, isto é, decaído, recuperado por
46
15 Trata-se de um pacto pessoal de Deus com o homem: “[…] Deus estabeleceu um pacto de graça com a
semente de Abraão, o que pode somente ser apropriado pela fé, que também é um dom de Deus e por
essa razão pessoal” (CAMPOS, 2014, p. 7).
16 Disponível em: https://www.ipb.org.br/ipb/doutrina. Acesso em: 21/05/2020.
48
Capítulo 5: Da Providência
1. Pela mui sábia e santa providência, segundo a sua infalível presciência e o livre
imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as
coisas, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e
misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações
delas e todas as coisas, desde a maior até a menor. […]
4. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a bondade infinita de Deus, de tal
maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira
queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma
mera permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e
poderosamente os limita, regula e governa em uma múltipla dispensação; mas
essa permissão é tal que, a pecaminosidade dessas transgressões procede tão
somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode
ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo. […]
7. Como a providência de Deus se estende, em geral, a todas as criaturas, assim,
pois, de um modo muitíssimo especial, essa mesma providência cuida de sua
igreja e tudo dispõe a bem dela (ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER, p. 6-7).
O ortodoxo tenta preservar o velho. O herege tenta destruir o velho, para que o
novo nasça. O ortodoxo tem medo do novo, da surpresa, do inesperado. Eles
ameaçam sua salvação. O herege vê o velho apenas como um caminho na
direção do novo. O velho não é definitivo. É o provisório. Etapa a ser ultrapassada.
Visões de mundos que se opõem. O ortodoxo vê um mundo petrificado, acabado,
completo, fixo, imutável. O herege vive num mundo que se move, ainda
incompleto, aberto, inacabado. Mundo onde é necessário buscar. Processo
descontínuo, de saltos qualitativos, onde a vida e a liberdade se mantêm pela
dialética da morte e ressurreição. Quem preserva o passado está condenado a
viver nele. Perdeu o futuro. O mundo da ortodoxia é aquele que foi um dia criado
por homens então vivos. Mas eles morreram. […]. A ortodoxia afirma a eternidade
deste mundo morto. Usa-se como uma jaula onde a vida deve ser encerrada
(ALVES, 1982, p. 275).
51
3 O NEOCALVINISMO HOLANDÊS
20 Segundo Carvalho (in DOOYEWEERD, 2010, p. 18), esta frase foi proferida por Kuyper numa palestra
proferida em 20 de outubro de 1880, na Niewkerk, em Amsterdã. Nem mesmo Carvalho teve acesso a ela
diretamente; ele retira de BRATT, James D. Abraham Kuyper: A Centennial Reader, 1998, p. 488, obra a
que não temos acesso no presente momento.
53
Abraham Kuyper (1837-1920) foi um teólogo e filósofo holandês, com forte atuação
nas áreas acadêmicas e políticas de seu país. Em 1872, tornou-se editor-chefe do jornal
diário De Standard e fundou o partido Antirrevolucionário Holandês em 1879. Em 1880,
fundou a Universidade Livre de Amsterdã, onde atuou como docente e administrador.
Entre os anos de 1901 a 1905 assumiu a função pública de Primeiro-Ministro da Holanda.
54
Assim, talvez a melhor interpretação do termo “liberal” seja a que se aplique a “um
teólogo que, segundo a tradição de Schleiermacher e Tillich, esteja interessado na
reformulação dogmática em resposta à cultura contemporânea”, o que descreve
muitos dos escritores modernos conhecidos (MCGRATH, 2010, p. 140).
22 Entre os muitos temas que perpassam nossa pesquisa, encontra-se o movimento do protestantismo
liberal. No entanto, em virtude da necessidade de delimitação do nosso objeto de estudo, esta e outras
temáticas não podem ser analisadas exaustivamente; limitamo-nos somente contextualizar, para que
nosso leitor possa se localizar em nossa discussão.
56
4) um nome científico: em sentido histórico, filosófico ou político; histórico porque foi a via
pela qual a reforma protestante se moveu; filosófico porque é um sistema de concepções
que sob o empenho da mente do teólogo João Calvino propôs pensar nas diversas
esferas da vida; e político porque indica um movimento que se comprometeu com a
liberdade das nações em governo constitucional, inicialmente em países como a Holanda,
Inglaterra e os Estados Unidos no século XVIII. O Neocalvinismo amplia, portanto, a
ênfase da tradição reformada em relação à cultura e envolvimento social.
Kuyper, enraizado nas doutrinas-chave da tradição agostiniana-calvinista,
elaborou um novo dogma, denominado de graça comum. Há elementos dessa doutrina
que podem ser encontrados nos escritos de Calvino, no entanto, foi Kuyper que,
efetivamente, o desenvolveu. A graça comum é a misericórdia de Deus que restringe o
pecado e seus efeitos à medida que também capacita o homem a desenvolver a criação
como originalmente ele desejou. “Esta graça, contudo, não aniquila a essência do pecado,
nem salva para a vida eterna, porém impede a execução completa do pecado, do mesmo
modo como o discernimento humano impede a fúria de animais selvagens” (KUYPER,
2014, p. 130). Desse modo, Kuyper concilia a doutrina da depravação total – isto é,
doutrina que afirma que, por meio da corrupção original, todos ficaram impossibilitados de
praticar o bem e são inteiramente inclinados a todo mal – com a presença do bem entre
os “não regenerados”. Foi desenvolvido, ainda, um segundo dogma, o mandato cultural,
que pode ser entendido como “a ordem divina para que o homem explore de forma
criativa e responsável os recursos da criação” (CARVALHO apud RAMLOW, 2012, p.
1708). Esse mandato é anunciado a Adão antes da queda, e, na perspectiva kuyperiana,
não foi alterado. Desse modo, “o propósito, em última instância, não é salvação de
pecadores, mas a redenção do cosmo” (PRONK, 2010, p. 14). Observamos a doutrina da
predestinação arraigada nessa concepção, uma vez que relembra o dever dos cristãos
de empregar os dons concedidos por Deus no mundo. “Crer na predestinação nada mais
é do que a penetração do decreto de Deus em suas próprias vidas pessoais; ou, se vocês
preferirem, no heroísmo pessoal para aplicar a soberania da vontade decretiva de Deus a
suas próprias existências” (KUYPER, 2014, p. 121). Foi exatamente essa ênfase na
doutrina da predestinação que imputou o calvinismo como “[…] o verdadeiro elemento de
perigo político, e assim, atacado enquanto tal por aqueles no poder” (WEBER, 2013, p.
130), durante o século XVII.
A combinação das doutrinas mencionadas, assentadas na doutrina da
soberania de Deus, chave na concepção de governo civil de Calvino, fundamenta a
58
proposta de sua teologia pública, cujo princípio é a autonomia das esferas. Para ele, a
confissão calvinista é, na verdade, uma fé política, que se expressa brevemente em três
teses: 1. Somente Deus, e não criaturas possuem direitos soberanos sobre o destino das
sociedades. 2. O pecado no campo político tem destruído o governo direto de Deus, por
isso foi conferido o propósito do governo aos homens como “remédio mecânico”. 3. O
homem não possui autoridade sobre seu semelhante, senão por uma autoridade que
emana de Deus.
Para o teólogo a doutrina da soberania de Deus foi fundamental nas liberdades
civis, ao passo que confere ao calvinismo conquistas na América e Inglaterra, bem como
na Holanda, onde “[…] o pluralismo religioso […] a partir do séc. XVII […] caracterizou a
vida político-religiosa holandesa” (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 44). Neste ponto,
contudo, fica aparente a demasia atribuída às contribuições do calvinismo.
Segundo Witte (1999), Kuyper não leva em conta a multiforme e plasticidade
da tradição calvinista ao traçar linhas diretas de Genebra para América, Holanda e
Inglaterra. Os puritanos do século XVII e XVIII não se basearam na doutrina divina de
Calvino, mas, sim, na doutrina da aliança 23, que forneceu uma compreensão distinta e
integrada das religiões, sendo, também comum a ortodoxos, católicos e protestantes.
Vemos assim que, Kuyper entende o calvinismo “[…] como mais que uma
religião, é ‘um sistema de vida abrangente’, que transcende a esfera do sagrado. A própria
separação entre duas esferas – sagrado e secular – no Neocalvinismo é rejeitada em
busca de uma fé mais integral” (ALENCAR, 2018, p. 109), que o torna como o único
sistema capaz de oferecer respostas e uma agenda para o futuro.
23 Pacto das obras. É uma aliança natural e não um privilégio, no qual participam apenas os eleitos.
59
Deus poderia ter criado os homens como indivíduos separados, estando lado a
lado e sem conexão genealógica […]; mas este não foi o caso. O homem é criado
a partir do homem e em virtude de seu nascimento ele está organicamente unido a
toda raça. Nós formamos juntos uma humanidade, não somente com aqueles que
estão vivos atualmente, mas também com todas as gerações antes de nós e com
todas aquelas que irão depois de nós, embora possamos estar pulverizados em
milhões (KUYPER, 2014, p. 96-87).
Kuyper aponta que a sede inata do homem pela liberdade é um meio ordenado por
Deus para refrear o despotismo, sendo a relação entre autoridade e liberdade somente
24 Kuyper se refere a Aristóteles, quando este afirma que o homem é um ser político.
60
possível porque o calvinismo colocou no primeiro plano, como verdade primordial, que
Deus instituiu os magistrados por causa do pecado (KUYPER, 2014, p. 88).
O autor segue com sua exposição, refletindo sobre os dois lados do Estado: o lado
de luz e o lado sombrio. Em seu lado de luz, o Estado cumpre o dever de preservação;
devido ao pecado, seria impossível a humanidade conviver sem lei, governo e autoridade
governante. Em seu lado sombrio, o Estado não se harmoniza com a natureza humana;
sua autoridade é exercida por homens pecadores, sujeitos a ambições despóticas. Assim,
Kuyper afirma:
Na relação entre o Estado e povo, o autor adverte que o povo não deve ser
considerado elemento principal na política, pois a humanidade existe para glória de Deus
e, consequentemente, segundo suas ordenanças, devendo cumpri-las para que sua
sabedoria possa brilhar publicamente (KUYPER, 2014, p. 89). Destaca ainda que nenhum
homem tem o direito de governar sobre outro homem, somente Deus tem esse direito.
Nesse sentido, Kuyper demonstra seu desacordo com a teoria do contrato social:
Na esfera do Estado, Kuyper enfatiza que é um homem livre e, por assim ser,
não se curva diante de qualquer homem, diferente da esfera familiar, na qual governa
laços orgânicos (KUYPER, 2014).
A segunda afirmação calvinista é que: “toda autoridade de governo sobre a
terra originou-se somente da Soberania de Deus” (KUYPER, 2014, p. 90). Desta feita,
toda aquele que se opuser à autoridade resiste às ordenanças do próprio Deus. Para
Abraham Kuyper, o magistrado é um instrumento da graça comum, cuja função é conter
toda desordem e violência.
61
Assim Deus, ordenando os poderes que existem, a fim de que através de sua
instrumentalidade possa manter sua justiça contra os esforços do pecado,
concedeu ao magistrado o terrível direito da vida e da morte. Portanto, todos os
poderes que existem, quer em impérios ou em repúblicas, em cidades ou estados
governam ‘pela graça de Deus’ (KUYPER, 2014, p. 90).
Para Kuyper, a Escola Alemã tem uma concepção “mística” do Estado. Coloca-
se em lugar da soberania de Deus, a soberania do Estado; o direito não mais transcende
de Deus, mas emana da lei.
O Estado foi considerado como um ser misterioso com um ego oculto; com uma
consciência de Estado desenvolvendo-se lentamente; e com uma poderosa
vontade de Estado crescendo, a qual por um processo lento esforçou-se para às
cegas alcançar o mais alto propósito do Estado. O povo não foi entendido como
sendo a soma total dos indivíduos como com Rousseau. Foi corretamente visto
62
espada da ordem para frustrar em seu país toda rebelião violenta” (KUYPER, 2014, p.
100). Especialmente no tocante à promoção da justiça, o estadista reafirma esse dever e,
em segundo lugar, chama atenção para o cuidado que se deve ter com a unidade, seja no
interior do país ou frente ao exterior, para que a existência nacional não sofra dano.
Nesse contexto, Kuyper adverte que os atritos são recorrentes devido à autoridade
mecânica do governo, que tende a invadir a vida social e arranjá-la mecanicamente. No
entanto, a vida social se esforça para livrar-se da sua investida, e aponta que toda vida
sadia do povo foi sempre resultado do conflito desses dois poderes; prova disso é o
chamado “governo constitucional”, que, para o autor, teve como apoio fundamental o
calvinismo.
Ao tratar da autoridade orgânica na diferenciação das pessoas, Kuyper afirma:
“não há igualdade de pessoas” (2014, P. 102); com isso, o estadista quer dizer que o
domínio é exercido em toda parte, mas é um domínio orgânico, sem impulso do Estado,
mas da própria vida.
O Estado nunca pode tornar-se um octópode que asfixia a totalidade da vida. Ele
deve ocupar seu próprio lugar, em sua própria raiz, entre todas as outras árvores
da floresta, e assim deve honrar e manter cada forma de vida que cresce
independentemente em sua própria autonomia sagrada (KUYPER, 2014, p.103).
A esfera do Estado não é profana. Mas tanto a Igreja como o Estado devem, cada
um em sua própria esfera, obedecer a Deus e servir para esferas, mas na esfera
do Estado somente através da consciência das pessoas investidas com
autoridade. [….]. Mas isto nunca pode ser realizado exceto através das
convicções subjetivas daqueles que estão em autoridade, segundo seus conceitos
pessoais sobre exigências deste princípio cristão com relação ao serviço público
(KUYPER, 2014, p. 111).
No dever para com a Igreja, em matéria de unidade, o governo não deve interferir,
pois não tem dados suficientes para julgamento, não podendo dizer, portanto, qual Igreja
é ou não verdadeira. Nesse sentido, Kuyper afirma que os calvinistas sempre lutaram por
liberdade, pela soberania da Igreja:
Ela tem sua própria organização. Possui seus próprios oficiais. E de um modo
similar ela tem seus próprios dons para distinguir a verdade da mentira. Portanto,
é seu privilégio, e não do Estado, determinar suas próprias características como a
Igreja verdadeira e proclamar sua própria confissão como a confissão da verdade
(KUYPER, 2014, p. 112).
uma consciência que nunca está sujeita ao homem, mas continuamente ao próprio Deus
(KUYPER, 2014, p. 114). Assim, segundo o estadista é dever do governo proteger essa
liberdade, fazendo-a, inclusive, ser respeitada pela Igreja; nenhum cidadão pode ser
compelido a permanecer numa Igreja que sua consciência o obriga a deixar. Por outro
lado, no entanto, em nome da esfera de soberania da Igreja, esta não pode ser forçada a
tolerar um indivíduo como membro que não esteja em conformidade com suas
ordenanças. Kuyper ressalta, ainda, que essa liberdade pessoal não se destina a
crianças, mas somente ao homem maduro.
Na conclusão da palestra, o estadista afirma a necessidade de garantir a
liberdade contra o despotismo e dá as honras da liberdade de consciência, expressão e
adoração primeiro à Holanda calvinista, ainda que, no primeiro momento, os reformadores
esforçaram-se para impedir a expansão da literatura que viam com maus olhos,
censurando-as e rejeitando suas publicações. Kuyper reconhece, por fim, que nas terras
romanas o despotismo espiritual e político foi derrotado pela Revolução Francesa, mas
lembra que, sobretudo na França, por muito tempo, todos aqueles que cultivavam um
pensamento diferente não escapavam de execuções; nesse sentido, portanto, o
Calvinismo e a liberdade na Revolução Francesa, segundo o estadista, são duas coisas
completamente diferentes: “Na Revolução Francesa uma liberdade civil para todo cristão
concordar com a maioria incrédula; no Calvinismo, uma liberdade de consciência, que
habilita cada homem a servir a Deus segundo sua própria convicção e os ditames de seu
próprio coração” (KUYPER, 2014, p. 115).
A seguir trataremos do pensamento de Herman Dooyeweerd, autor da segunda
geração do Neocalvinismo holandês. Dooyeweerd aprofundou a teoria das esferas de
soberania de Abraham Kuyper, conferindo a ela um caráter filosófico.
Para ele, o pensamento e a ação cristã não podem se acomodar, de maneira acrítica,
“aos padrões de pensamento, valores e estruturas da cultura moderna” (2010, p. 21).
Nesse sentido, o ponto de partida de Dooyeweerd permanece o mesmo que o de
Abraham Kuyper; para ambos, existe uma contradição irreconciliável entre o cristianismo
e a modernidade. No entanto, diferente de Kuyper, Dooyeweerd critica o calvinismo
escolástico e alimenta a ideia de um retorno ao próprio Calvino, ainda que se possa
continuar a identificá-lo como um filósofo “agostiniano-calvinista-kuyperiano”.
Em relação à influência da filosofia alemã, essa se justifica devido à
proximidade geográfica e afinidade cultural entre a academia holandesa e academia
alemã (DOOYEWEERD, 2010). Num primeiro momento, Dooyeweerd esteve sob
influência da filosofia neokantiana, apropriando-se, inclusive, do método transcendental
para “explicar a experiência humana e compreender a relação entre a razão, a moral, o
direito e a fé” (DOOYEWEERD, 2010, p. 23), mas houve uma mudança em seu
pensamento; Dooyeweerd submeteu a própria ideia da autonomia da razão a uma crítica
filosófica e concluiu que deveria abandonar a própria filosofia transcendental
(DOOYEWEERD, 2010, p. 23).
25 “Originally I was strongly under the influence first of the Neo-Kantian philosophy, later on of HUSSERL's
phenomenology. The great turning point in my thought was marked by the discovery of the religious root of
thought itself, whereby a new light was shed on the failure of all attempts, including my own, to bring about
an inner synthesis between the Christian faith and a philosophy which is rooted in faith in the self-sufficiency
of human reason. I came to understand the central significance of the ‘heart’, repeatedly proclaimed by Holy
Scripture to be the religious root of human existence. On the basis of this central Christian point of view I saw
the need of a revolution in philosophical thought of a very radical character. Confronted with the religious root
of the creation, nothing less is in question than a relating of the whole temporal cosmos, in both its so-called
‘natural’ and ‘spiritual’ aspects, to this point of reference. In contrast to this basic Biblical conception, of what
significance is a so-called ‘Copernican’ revolution which merely makes the ‘natural-aspects’ of temporal
reality relative to a theoretical abstraction such as KANT's ‘transcendental subject’?” (DOOYEWEERD, 1969,
p. 2).
68
26 DOOYEWEERD, Herman. A New Critique of Theoretical Thought, 4 vols. Jordan Station, Ontario:
Paideia Press, 1984.
27 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Philosophando Coram Deo: uma apresentação panorâmica da vida,
pensamento e antecedentes Intelectuais de Herman Dooyeweerd. São Paulo: Fides Reformata, v. XI, n.
2, 2006, p. 73-100.
69
entanto, iremos nos ater apenas a seis. Não trataremos do tempo cósmico e da distinção
entre o conhecimento resultante da experiência concreta e o conhecimento resultante do
pensamento teórico.
O primeiro princípio se refere ao conceito de religião. Dooyeweerd herda de
Kuyper também o conceito de religião; para ambos os autores, a vida, desde a natureza,
perpassando pela cultura, até a ciência, tem uma raiz religiosa. “Por religião, Dooyeweerd
entende a natureza essencial da própria realidade na sua relação inseparável com aquele
que a criou, pois tudo existiria ‘por causa de, em e para’ Deus (OLIVEIRA, 2006, p. 83).
O segundo princípio diz respeito à realidade. Para Dooyeweerd, a realidade é
criada e, uma vez sendo, possui significado. O significado da realidade aponta para além
de si mesmo, isto é, para o seu Criador. Nesse sentido, “[…] o ser da realidade criada que
é relativo e permanece insuficiente em si mesmo à parte do seu Criador, de quem deriva a
sua razão de existir” (OLIVEIRA, 2006, p. 86).
O terceiro princípio é a ideia da Lei e a ordem divina da criação, que diz
respeito à vontade soberana e pessoal de Deus sobre tudo o que foi criado. Trata-se de
“uma ordem estruturadora de tudo quanto existe” (OLIVEIRA, 2006, p. 83-84) e que é
inalterável. Segundo Dooyeweerd, toda filosofia tem uma ideia de Lei ou ideia
cosmonômica, isto é, uma ideia de origem, diversidade e unidade dessa mesma
diversidade. Também a filosofia de Dooyeweerd, ou Filosofia da Ideia Cosmonômica “é
dominada pela ideia de uma estrutura a priori de significado estabelecida por Deus, que
tornaria possível toda a experiência humana neste mundo, incluindo o pensamento
teórico” (OLIVEIRA, 2006, p. 84, grifo do autor).
O quarto princípio se refere à antítese religiosa e os motivos básicos religiosos.
Dentre todos os outros, este princípio – na percepção desta pesquisa – é o que sustenta
não apenas a filosofia reformacional dooyeweerdiana, como todo o movimento holandês
de reforma religiosa e cultural. Tanto para Dooyeweerd, como para Kuyper, a fé cristã
estabeleceu uma antítese no mundo, a partir da queda do homem no pecado. “Essa
antítese diz respeito à relação entre a criatura e seu Criador, e assim toca a raiz religiosa
de toda vida temporal” (DOOYEWEERD, 2015, p. 21). Com isso, Dooyeweerd quer dizer
que todos os aspectos da cultura e sociedade não se eximem da queda e estão em
completa oposição ao Reino de Deus. Portanto, a antítese religiosa, uma vez que é
absoluta, não permite conciliação entre pontos de partida cristãos e não cristãos.
70
[…] uma linha divisória entre grupos cristãos e não cristãos. É uma batalha
incessante entre dois princípios espirituais que influenciam o país e, de fato toda a
humanidade. Ela não tem respeito pelos reconhecidos santuários do estilo de vida
cristão e seus modelos (DOOYEWEERD, 2015, p. 16).
Seja como for a ‘renovação espiritual’ tornou-se uma palavra de ordem para o
período pós-guerra. Nós a adotaremos prontamente. Para agir com seriedade, no
entanto, não podemos nos contentar com a superficialidade, mas procurar a
renovação a fundo. Para que o ‘diálogo’ do pós-guerra possa contribuir para a
renovação espiritual da nossa nação, ele deve penetrar nessa dimensão profunda
da vida humana onde uma pessoa não pode mais fugir de si mesma. É
precisamente aí que devemos chegar para desmascarar as diversas visões sobre
a importância e o alcance da antítese. […]. Toda pessoa que queira, com
seriedade, partir por esse caminho, não desprezará apressadamente meus
argumentos sob o pretexto de que são ‘pesados’ demais para serem digeridos
pelo leitor comum. […]. Esse caminho é, de fato, acessível a todo leitor sério e
não simplesmente a um seleto grupo de ‘intelectuais’. Esse é o caminho do
autoexame e não o caminho da pesquisa teórica abstrata (DOOYEWEERD, 2015,
p. 19, grifo do autor)
[…] é apenas nessa relação religiosa central com a sua origem divina que o ego
pensante pode colocar a si mesmo, e a diversidade modal de seu mundo
temporal, na direção do absoluto. A tendência interna de fazê-lo é um impulso
religioso inato do ego. Pois sendo o ponto de concentração da totalidade do
sentido, que ele encontra disperso na diversidade modal de seu horizonte de
experiência temporal, o ego humano aponta além de si mesmo para a origem de
todo o sentido, cuja absolutidade reflete-se no ego humano como o assento
central da imagem de Deus. […] O impulso religioso inato do ego, no qual a
relação em direção à origem divina encontra expressão, toma seu conteúdo de um
motivo-base religioso como o poder espiritual centra de nosso pensamento e ação.
Se esse motivo é de caráter apóstata, ele distanciará o ego de sua origem
verdadeira e direcionará seu impulso religioso para nosso horizonte temporal de
experiência, buscando nesse tanto a si mesmo quanto à sua origem. Isto fará com
73
Uma vez que se compreenda que toda teoria está necessariamente sujeita a tal
processo, o corolário é que 1) nenhuma dimensão dos cosmos, previamente
abstraída, pode ser, de fato, a origem do cosmo e 2) toda teoria que insiste no
contrário é, com efeito, reducionista. Em outras palavras, ela reduz a pluralidade
do real apenas uma de suas dimensões (RAMOS; FREIRE in DOOYEWEERD,
2014, p. 24).
29 “Nota dos tradutores para língua portuguesa: em termos históricos, o termo Reveil refere-se a um
movimento de renovação ou avivamento espiritual que ocorreu no protestantismo europeu (Suíça,
partes da França, Alemanha e Holanda) no século 19. Tal movimento destaca-se por seu caráter
evangélico conservador em uma época em que o racionalismo se espalhava pelas igrejas protestantes
europeias” (RAMOS; FREIRE in DOOYEWEERD, 2014, p. 42)
78
Nesse sentido, para o autor, o Estado e todas as relações sociais deveriam ser
manifestações da Igreja supratemporal (DOOYEWEERD, 2014).
essas fossem partes do seu todo é pagã, opondo-se diretamente ao governo integral de
Deus. Dooyeweerd afirma:
[….] nem casamento, nem família, nem relação sanguínea, nem os tipos
independentes de existência social, organizados ou não, podem ser tomados
como partes de um Estado todo-abrangente. Cada relacionamento social recebeu
de Deus sua própria estrutura e lei de vida, soberana em sua própria esfera
(DOOYEWEERD, 2014, p. 51).
O autor reivindica, ainda, exclusividade a essa visão: “Há uma e somente uma
visão cristã acerca dos relacionamentos humanos que, de fato, leva a sério, sem
concessões, o princípio bíblico do reino de Deus” (DOOYEWEERD, 2014, p. 51, grifo do
autor).
Adiante, Dooyeweerd (2014), aponta para a visão bíblica de Calvino a respeito
da lei, cujo centro é o serviço a Deus de todo coração. Para ele, Calvino possibilita que a
Bíblia seja compreendida novamente, pois o reformador concebe a natureza humana
como raiz religiosa da existência que, somente a partir de Cristo é regenerada, uma vez
que este cumpre a lei de Deus em seu pleno sentido.
função qualificante e sua própria função fundante, ambas determinadas tais pelo princípio
estrutural interno” (DOOYEWEERD, 2014, p. 85).
Em relação ao princípio estrutural do Estado, Dooyeweerd aponta que “sua
função fundante típica é dada no aspecto histórico da realidade”, sendo “uma forma
histórica de poder, organização monopolística do poder da espada sobre um dado
território” (DOOYEWEERD, 2014, p. 86). Para o autor, onde quer que seja função
fundante esteja ausente, não se pode falar de um Estado. Nesse sentido, percebe-se um
diálogo com a sociologia de Max Weber e sua teoria do Estado 31. Weber também observa
o Estado como um poder monopolista de coerção. Contudo, para Dooyeweerd, esse
poder não é sua função qualificante, isto é, sua finalidade. Enquanto que para Weber, sim.
A função qualificante do Estado para Dooyeweerd é a manutenção de uma comunidade
pública jurídica de governantes e sujeitos. “Apenas no caso do Estado, a comunidade
jurídica em si opera como uma função qualificante, mas sempre fundada na organização
territorial do poder da espada” (DOOYEWEERD, 2014, p. 88).
Segundo Dooyeweerd, se a relação entre o Estado e as demais estruturas
sociais for entendida como relação entre o todo e as partes, não é possível que a justiça
prevaleça em face do bem, pois o Estado terá uma competência absoluta de autoridade,
que coloca ele próprio acima da lei, enquanto que “[…] a justiça demanda uma
delimitação e uma harmonização equilibradas de jurisdição” (DOOYEWEERD, 2014, p.
88). O Estado
Por fim, Dooyeweerd enfatiza que somente a ideia cristã do Estado, é a
verdadeira ideia de Estado constitucional.
31 O Estado, bem como as associações políticas que o precederam historicamente, é uma relação de
dominação (Herrschaft) de seres humanos sobre seres humanos, apoiada no instrumento da violência
legítima (isto é, violência considerada legítima) (WEBER, 2015, p. 317).
83
No que diz respeito à fé, Dooyeweerd afirma que o Estado tem uma limitação
intrínseca, determinada pela sua estrutura interna, por isso não pode assumir uma
estrutura eclesiástica, não pode vincular-se a uma confissão doutrinária. No entanto, sua
segunda afirmação nega essa primeira:
O cristianismo bíblico […] nunca pode assumir esse slogan liberal de separação
entre igreja e Estado sem um suicídio espiritual. A soberania das esferas não
produção uma compartimentalização estanque ou uma divisão mecânica entre as
áreas da vida. Trata-se, como temos visto, de um princípio coerente
84
Essa unidade, raiz de todas esferas da vida, é o motivo básico bíblico criação –
queda – redenção. Como dito, para Dooyeweerd, todo cosmo se assenta nessa unidade,
não sendo possível, portanto, separar a fé de outros âmbitos da vida. Nesse sentido,
como aponta Pieper (2019),
[…] do ponto do fiel, a dimensão religiosa acaba penetrando nas demais. Ele, por
exemplo, entende a política a partir das suas crenças. Ele não é cidadão e, depois
religioso. Ele entende sua inserção no espaço público, por exemplo, a partir da
sua convicção religiosa (PIEPER, 2019, p. 13).
[…] atuar no contexto das práticas culturais com vistas a recompô-las segundo
uma visão cristã, e assim, ‘cristianizar’ grupos diferentes de atores (culturais,
políticos, intelectuais, etc) não cristãos. Uma das principais características dos
fundamentalistas reformistas é o estabelecimento de alianças
interdenominacionais e inter-religiosas que se pautem por interesses específicos
mútuos, a fim de fortalecer a disseminação de seus valores cristãos evangélicos
em diferentes espaços sociais, o que dá a esta corrente uma roupagem mais
‘aberta’ e ‘dialogal’ (SOUZA, 2017, p. 76).
da década de 1930 e início da década de 1940, Schaeffer travou uma luta contra as ideias
protestantes liberais e neo-ortodoxas, pois, de acordo com o evangelista, imperava em
seus dias um pensamento relativista, responsável pelo reconstrucionismo e
desconstrucionismo do conceito de verdade. A partir da década de 1960, Schaeffer
intensifica sua produção literária, com o intuito de transmitir uma cosmovisão cristã que
abrangesse todos os aspectos da vida. O pensamento e as práticas de Schaeffer foram
orientadas pelas formulações do Neocalvinismo holandês. Schaeffer teve seu primeiro
contato com o pensamento kuyperiano através do seu professor Cornelius Van Til (1895-
1987)32.
Van Til se dedicou profundamente ao estudo das obras de João Calvino e
Abraham Kuyper, autores bastante influentes no seu método de apologética
pressuposicionalista – “escola que reconhece o lugar dos pressupostos em nossa
percepção da realidade” (PORTO, 2015, p. 14) – e foi um importante ator do
evangelicalismo fundamentalista do século XX nos Estados Unidos (SOUZA, 2017). A
propósito, Van Til nasceu na Holanda, no entanto, imigrou para os Estados Unidos aos 10
anos de idade com sua família; uma típica família calvinista 33. Mais tarde, Van Til se
formou e lecionou no Seminário Teológico de Princeton, rompendo com a instituição
devido a sua guinada para a perspectiva liberal 34. Com sua saída de STP, Van Til compôs
o quadro docente do Seminário Teológico de Westminster, onde lecionou a disciplina de
apologética até sua aposentaria em 1974 (SOUZA, 2017).
O método da apologética vantiliano, como apontado por Souza (2017), baseia-
se no “conhecimento verdadeiro de Deus”; somente a consciência cristã garante um
completo conhecimento de si mesmo e da realidade circundante. Para ele, ser cristão é
32 O pensamento de Van Til não é objeto de estudo desta pesquisa, no entanto, é importante contextualizá-
lo, dada sua influência sobre Francis Schaeffer. Também cabe destacar que existem diferenças
conceituais entre os autores, mas não é objetivo desta pesquisa aprofundá-las. Pretende-se apenas
demonstrar como se deu o contato de Schaeffer com a tradição neocalvinista. Para uma análise mais
aprofundada do autor, indicamos a seguinte tese: SOUZA, Andreia Silveira de. O legado
fundamentalista do seminário teológico de Westminster: reformistas x reconstrucionistas no espaço
público americano. Juiz de Fora: UFJF, 2017, 154 p. Tese (Doutorado em Ciência da Religião) Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2017.
33 A presença dos holandeses na América a partir do século XX é bastante forte. Os holandeses como
uma subcultura étnica, como aponta Bratt (2002), foram americanizados e moldados pelas igrejas e
organizações desse continente. Curiosamente, as famosas Stone Lectures, sobre a qual abordamos no
segundo capítulo, foram proferidas por Kuyper nos Estados Unidos e não na Holanda. Houve também
um esforço de Dooyeweerd para escrever suas obras em inglês. Ao que tudo indica, existe, portanto,
uma “afinidade eletiva” – nos termos de Weber (2004) – entre o Neocalvinismo holandês e o
fundamentalismo reformista, por sua maior difusão na América. Considera-se também o fato dos
neerlandeses terem sido colonos na América, fundando, a partir de 1614, a chamada Nova Amsterdã.
34 Percebe-se, pois, que o liberalismo teológico representou um inimigo para Abraham Kuyper, Herman
Dooyeweerd e também Van Til; como já mencionado.
87
uma condição ontológica, pois, em concordância com João Calvino 35, todo ser humano
tem em si certo conhecimento de Deus. Por outro lado, no entanto, o pecado impede que
o ser humano reconheça a Deus.
Este [o pecador redimido] está restaurado para o relacionamento correto. Mas ele
está restaurado apenas em princípio. Existem amarras sobre ele. Seu ‘velho
homem’ quer que ele interprete a natureza à parte da revelação sobrenatural na
qual ele opera. A única proteção que ele tem contra esse impedimento histórico é
testar suas interpretações constantemente pelos princípios da Palavra escrita. E
se a teologia for bem-sucedida em apresentar mais claramente a profundidade das
riquezas da revelação bíblica de Deus nas Escrituras, o filósofo ou o cientista
cristão terá prazer em fazer uso dessa interpretação mais clara e completa e, por
consequência, mais verdadeiramente reveladora de Deus. Não pretendemos aqui
defender nenhuma subordinação da filosofia ou ciência à teologia, O teólogo é
simplesmente um especialista no campo da interpretação bíblica tomada no
sentido mais restrito. O filósofo está sujeito diretamente à Bíblia e deve, em última
análise, depender daqueles de sua própria interpretação da Palavra. Mas ele pode
aceitar ajuda daqueles que estão mais constante e exaustivamente engajados no
estudo bíblico do que ele pode estar (VAN TIL, 2010, p. 66).
35 Para Calvino cada ser humano possui o conhecimento de Deus, devido ao sensu divinitatis [sentido da
divindade]: “está inscrito no coração de todos um sentimento de divindade” (CALVINO, 2008, p. 43, t.1).
88
como Dooyeweerd, Van Til critica a autonomia da razão para alcançar esse
conhecimento, pois, se assim fosse, o ser humano seria superior ao seu próprio seu
Criador.
Van Til considera que a autonomia, tão defendida e valorizada pelos filósofos
modernos, coloca o ser humano em condições de estabelecer a verdade ou
falsidade do que quer que seja, bem como todo e qualquer critério de análise que
valide ou não certas premissas e conclusões (SOUZA, 2017, p. 66).
Percebe-se, além disso, uma ênfase de Van Til à teologia “bem-sucedida”; para
o apologista apenas uma é capaz de apresentar a verdadeira perspectiva cristã da
história, e esta é a teologia calvinista. Essa ênfase dada ao calvinismo como o arauto da
mensagem cristã é uma herança da própria tradição; a radicalização da doutrina da
predestinação pela ortodoxia protestante produziu uma visão de supremacia dos
indivíduos que aderem a suas confissões. Somada a esta, a antítese religiosa, isto é,
duas forças diametralmente opostas (do Reino de Deus e do mundo) que se manifestam
em duas categorias de pessoas – crentes e descrentes – e não pode ser mediada nem
mesmo pela graça comum, a qual, em princípio, seria um ponto de contato, mas logo
revela sua impossibilidade por estar abaixo da graça especial36, conferem aos calvinistas,
tais como Kuyper, Dooyeweerd, Van Til e Schaeffer, legitimidade e poder para iniciar um
projeto de futuro segundo suas crenças.
Esta dicotomia entre crente e incrédulo resulta para Van Til, assim como para
Kuyper, em duas visões de mundo distintas e conflitantes, que marcam não
somente as diferentes perspectivas a partir das quais diferentes homens existem e
veem o mundo, mas, também, marcam aquilo a que eles conferem autoridade
(SOUZA, 2017, p. 69).
36 Dentro da tradição reformada, calvinista e neocalvinista, a graça comum é subserviente à graça especial
ou salvadora – esta que é concedida por Deus, em sua soberania, somente aos eleitos –, ou seja, não é
capaz de contrair o abismo entre crentes e descrentes ou apaziguar o conflito entre o Reino de Deus e o
mundo. Para Van Til, “Nem a Confissão nos permite minimizar o caráter rígido do contraste absoluto
entre a graça e a maldição de Deus pela ideia da ‘graça comum’. A graça comum é subserviente à graça
salvadora ou especial. Como tal ela ajuda a manifestar o próprio contraste entre essa graça salvadora e
a maldição de Deus. Quando os homens têm sonhos de um paraíso, trazido pela graça comum, estes
apenas manifestam a ‘forte desilusão’ que recai como punição de Deus por sobre aqueles que abusam
de sua revelação natural” (VAN TIL, 2010, p. 58).
89
Em 1951 e 1952 enfrentei uma crise espiritual em minha vida. Muito antes, eu me
convertera do agnosticismo tornando-me cristão. Servi como pastor durante dez
anos nos Estados Unidos. Depois, minha esposa Edith e eu trabalhamos vários
anos na Europa. Durante esse tempo todo eu sentia avolumar-se pesada carga
pela posição cristã histórica e pela pureza da igreja visível. Contudo, gradualmente
fui-me dando conta de um problema – o problema da realidade. Esta se compunha
de duas partes: Primeira – parecia-me que entre muitos daqueles que
sustentavam a posição ortodoxa via-se pouca prática real das coisas que Bíblia
claramente diz que deviam resultar do cristianismo. Segunda – aos poucos fui
tomando consciência de que em mim mesmo a realidade era menor do que havia
sido nos primeiros dias depois de haver-me tornado cristão. Percebi que, a bem da
honestidade, eu tinha de retornar e repensar toda minha posição. […]. Ao repensar
minhas razões por que ser cristão, vi de novo que havia razões totalmente
suficientes para saber que o Deus pessoal e infinito existe e que o cristianismo é
verdadeiro (SCHAEFFER, 1993, p. 5 – 6).
Após esse período de profunda reflexão, Schaeffer retorna aos Estados Unidos
em 1953 e apresenta, num acampamento bíblico, princípios que foram elaborados no
tempo que esteve em Champêry. Essa experiência foi a verdadeira razão que o levou a
mudar radicalmente sua atuação como cristão reformado e a iniciar um novo projeto.
Em 1955, Francis e sua esposa Edith Schaeffer retornam à Europa e fundam o
L’Abri37 (“O Abrigo”), uma instituição paraeclesiástica, cujo papel foi “fundamental no
37 “L'Abri Fellowship começou na Suíça em 1955, quando Francis e Edith Schaeffer decidiram pela fé abrir
sua casa para ser um lugar onde as pessoas pudessem encontrar respostas satisfatórias para suas
perguntas e demonstração prática de cuidado cristão evangélico. Foi chamado de L'Abri, a palavra
francesa para ‘abrigo’, porque eles buscavam fornecer um abrigo contra as pressões do século 20,
implacavelmente secular. […]. Houve talvez quatro ênfases principais no ensino de L'Abri. Primeiro, que
o cristianismo é objetivamente verdadeiro e que a Bíblia é a palavra escrita de Deus para a humanidade.
Isso significa que o cristianismo bíblico pode ser defendido racionalmente e perguntas honestas são
91
desenvolvimentismo de suas ideias e de sua atuação junto aos jovens, revelando ser,
posteriormente, um importante instrumento de luta de segmentos evangélicos contra a
cultura secular da segunda metade do século XX” (SOUZA, 2017, p. 80).
bem-vindas. Em segundo lugar, porque o Cristianismo é verdadeiro, ele fala a toda a vida e não a uma
esfera estritamente religiosa, e muito do material produzido por L'Abri tem como objetivo ajudar a
desenvolver uma perspectiva cristã nas artes, política e ciências sociais etc. Terceiro, na área de nosso
relacionamento com Deus, a verdadeira espiritualidade é vista em vidas que, pela graça, são livres para
ser totalmente humanas, em vez de tentar viver em algum plano espiritual superior ou de alguma forma
negativa cinzenta. Quarto, a realidade da queda é levada a sério. Até que Cristo volte, nós e o mundo
em que vivemos seremos afetados pela desfiguração do pecado. Embora o lugar da mente seja
enfatizado, L'Abri não é um lugar ‘apenas para intelectuais’. Estamos tão preocupados em viver quanto
estamos em pensar e, desde o início, a preocupação é que a verdade seja exibida tanto na vida
cotidiana quanto defendida na discussão. Não fazemos isso perfeitamente, é claro, mas dependemos do
Senhor para trazer à luz uma medida de realidade em nossa vida diária.” Disponível em:
<http://labri.org/history.html>. Acesso em 3 nov. 2020.
92
Esta nota especial é primeiramente para cristãos. Primeiro, é preciso lembrar qual
é a marca distintiva do pensamento humanista na geração atual. É a aceitação da
dicotomia, a separação do otimismo sobre o sentido e de valores da área da
razão. Uma vez aceita esta separação, o que um indivíduo coloca no campo do
irracionalismo é secundário. A marca da forma atual do pensamento humanista é
esta metodologia existencial. Não podemos, enquanto cristãos, desenvolver a
nossa própria forma de metodologia existencial. E é isto que estaremos fazendo
se tentarmos nos apegar aos sistemas de valores, ao sistema de sentido, e aos
‘assuntos religiosos’ dados na Bíblia e ao mesmo tempo ignoramos o que a Bíblia
diz acerca do cosmos, da História e dos mandamentos especificamente para a
moral. Se começarmos a orientar o que a Bíblia diz sobre o cosmos, História e
mandamentos absolutos quanto à moral de acordo com os padrões culturais,
estaremos seguindo a nossa própria forma de metodologia existencial. E se
fizermos isso, a próxima geração certamente acabará em desvantagem, no que
diz respeito ao Cristianismo histórico. E, mais, se nós mesmos alimentarmos a
marca distintiva da nossa geração, não seremos capazes, no presente momento
da História, de ser a voz que deveríamos ser para a nossa geração empobrecida e
fragmentada; não seremos capazes de ser o sal restaurador que se supõe que os
cristãos devam ser para a sua geração e para a sua cultura, e estaremos nos
deixando igualmente marcar por uma metodologia existencial. E se nos deixarmos
marcar desta maneira, então já não teremos absoluto real algum para nos deixar
93
[…] enquanto cristãos, não basta só conhecer a visão de mundo correta, a visão
de mundo que nos diz a verdade sobre o que existe, mas também agir
conscientemente de acordo com aquela visão de modo a influenciar a sociedade o
máximo que pudermos em todas as suas áreas e aspectos e por toda a nossa
vida, na total extensão dos nossos dons individuais e coletivos (SCHAEFFER,
2013, p. 169-170).
38 Existem diferenças entre a análise de conteúdo e análise de discurso; o que se pretende fazer é
justamente a análise de conteúdo, uma forma tradicional de interpretação muito presente nas ciências
humanas e sociais. Segundo Orlandi, “[…] a análise de conteúdo considera a linguagem transparente e
busca, atrás de suas formas, um conteúdo a ser extraído […]. Em geral parte de pressupostos teóricos
de suas disciplinas específicas e encontra, nos textos, comprovação do que diz, através da análise […].
A análise de conteúdo se caracteriza assim apenas como um instrumento prático, que não considera a
ordem da linguagem em si” (2007, p. 148).
39 O termo cosmovisão, como apontado no segundo capítulo, é um termo apropriado por Abraham Kuyper
do alemão Weltanschauung, para designar uma visão abrangente da realidade.
40 A ideia de “cosmos” é também aponta para a relação de Schaeffer com o Neocalvinismo holandês,
muito presente nas obras de Herman Dooyeweerd. “Dooyeweerd, às vezes, usa ‘cósmico’ no sentido de
estrutural, de ‘cosmológico’, como nas expressões ‘esfera modal cosmicamente anterior’, ou ‘tempo
cósmico’, ou ‘sentido cósmico’” (CARVALHO in DOOYEWEERD, 2010, p. 272). Com este termo ele
pretende se referir a toda realidade criada, à criação.
94
41 Segundo Carvalho (in DOOYEWEERD, 2010, p. 18), esta frase foi proferida por Kuyper numa palestra
proferida em 20 de outubro de 1880, na Niewkerk, em Amsterdã. Nem mesmo Carvalho teve acesso a
ela diretamente; ele retira de BRATT, James D. Abraham Kuyper: a Centennial Reader, 1998, p. 488 –
obra a que não temos acesso no presente momento.
95
Schaeffer expõe a teoria das esferas de soberania formuladas por Kuyper nas
Stone Lectures e, posteriormente, desenvolvidas por Dooyeweerd em sua obra filosófica.
Conclui-se que é notável, portanto, a apropriação da teologia neocalvinista no conteúdo
de seus discursos. Apropria-se da ênfase dada ao âmbito público da vida dos sujeitos,
seguindo uma hierarquia das relações. Compromete-se primeiro em refletir a verdade do
cristianismo nos âmbitos político, econômico-social e, por fim, familiar e eclesial,
possivelmente como aplicação do mandato cultural, essa ordem para dominar a cultura de
acordo com a cosmovisão cristã. Com isso, no entanto, não queremos dizer que o âmbito
privado é desprezado por esses autores, mas supomos que, sendo para eles um âmbito
composto por eleitos e, portanto, salvos, estes devem estar comprometidos em ordenar
sobre a verdade no mundo, visto que detêm a autoridade e legitimidade concedida pelo
próprio Deus.
Explanamos, portanto, sobre os pressupostos teológicos presentes no
pensamento e obra de Francis Schaeffer, destacando a relação que sua trajetória de vida
estabelece com eles. Além disso, analisaremos, na próxima seção, em que contexto
Schaeffer instrumentalizou a teologia holandesa em decorrência do seu ativismo político-
religioso.
no XX” (CAMPOS, 2015, p. 117), tendo como um dos marcos principais a publicação da
42 O fundamentalismo é um fenômeno abrangente, por isso nos limitamos apenas a contextualizá-lo para o
leitor. Esse é um dos muitos temas que atravessam nossa pesquisa, mas não se configura como nosso
objeto de estudo.
96
avant la lettre que precisa ser considerado e que pode ser identificado como espírito
anterior ao nome de batismo” (2016, p. 237). Deve-se dar uma atenção especial ao
Seminário Teológico de Princeton43, onde nasceu um dos dogmas mais caros à ortodoxia
história dos Estados Unidos” (2002, p. 37), pois esta é uma sociedade que, aspirando a
dos benefícios trazidos pela modernidade e pela secularização, ansiando pela segurança
da direita cristã, que ganhou força através da aliança entre líderes religiosos e pastores
preservação de valores morais e religiosos em uma sociedade cada vez mais secular e
(2012) afirma que esse período foi marcado pela incidência dos evangélicos reformados
político holandês.
43 É importante não perdermos de vista que, dos autores que buscamos trabalhar nesta dissertação,
Abraham Kuyper proferiu as Stone Lectures no Seminário de Princeton e Van Til se formou e lecionou
nesse mesmo seminário.
44 “Historically on the fringes of evangelicalism but moving steadily closer to the American evangelical orbit
during the twentieth century, Reformed evangelicals infused the growing coalition with a theological rigor
and a history of political activism brought from the Netherlands” (SWARTZ, 2012, p. 135, tradução
nossa).
97
Pressões extremas estão sendo criadas para sobrecarregar as pessoas que não
têm absolutos, mas apenas os pobres valores de paz pessoal e prosperidade.
Estas pressões estão progressivamente preparando o homem moderno a aceitar
um governo manipulativo e autoritário. Infelizmente, muitas dessas pressões estão
sobre nós agora (SCHAEFFER, 2013, p. 170).
da América com certo pesar. Para ele, os valores absolutos – ou: valores evangélicos –
ameaçava vir à tona. Schaeffer acreditava que as pessoas, por não terem mais valores
Para Schaeffer, havia ameaças reais, tais como a crise econômica, sérias
americana, mas para todo o ocidente. Sua preocupação era se o Ocidente tinha
que não tiveram a base bíblica dos países do Norte, depois da Reforma. Em meio à
A bomba atômica é uma ameaça especialmente concreta para uma geração que
se afastou de maneira tão completa da existência de um Deus objetivo, e que por
isso passou a acreditar que existe apenas o homem para olha com inteligência
para o pôr do sol ou o voo dos pássaros (SCHAEFFER, 2013, p. 162).
“Vimos indicações de como as pessoas desistem das liberdades mesmo que seja para
que a ameaça de guerra seja pelo menos levemente minimizada” (SCHAEFFER, 2013, p.
diminuição de riqueza dos indivíduos e países que têm garantido crescente capital
Nesse sentido, Schaeffer mais uma vez demonstra preocupação com governos
autoritários que podem silenciar as liberdades individuais. O problema maior não é a
diminuição das riquezas, mas a consequência disso em face da concentração de poder,
pois, novamente, pela ausência dos valores absolutos, as pessoas estarão dispostas a
abrir mão de suas liberdades em nome do crescimento econômico.
Outro aspecto da opressão destacada por Schaeffer é a crescente falta de
alimentos e outros recursos naturais. Para ele, a sociedade, sem os valores absolutos do
cristianismo, caminha apenas para o utilitarismo, logo, não haverá solidariedade entre as
pessoas, e a carência de alimentos poderá exercer pressão para que os indivíduos
aceitem – novamente – uma onda crescente de autoritarismo que prometa soluções.
99
[…] o modo de vida cristão não pode ser realizado no plano individual, porque as
instituições da sociedade, principalmente o governo, a mídia e a rede pública de
ensino são controlados por humanistas de várias origens, associados […] aos
comunistas, banqueiros, hereges e judeus (CASTELLS, 2002, p. 40).
Assim, o Estado deve se manter longe do âmbito privado dos indivíduos, mas
os indivíduos, especialmente cristãos evangélicos, devem exercer influência. Nas
palavras do próprio Schaeffer:
100
Muitos Líderes dos países que costumavam ter uma boa base cristã agora a veem
composta por homens ‘modernos’. Felizmente existem raras exceções, mas são
exceções. A tentativa de ser autônomo – independente de Deus e do que ele
ensinou na Bíblia e da revelação de Deus em Cristo – tem consequências sérias
tanto para os líderes políticos quanto para os professores universitários e pessoas
comuns. A grande maioria desses líderes também pensa em termos de síntese,
não de padrões fixos e absolutos, e isso se evidencia por todas as ações políticas,
tanto em seus países quanto em assuntos internacionais. A síntese venceu em
ambos os lados da cortina de ferro: as pessoas não veem o certo e o errado como
algo fixo e definitivo, mas apenas uma mistura, tanto nos negócios públicos quanto
na moral privada, tantos nos assuntos externos quanto internos […]. Em
circunstâncias como essa, ao que tudo indica, só nos restarão duas alternativas no
fluxo natural dos eventos: seguir a ordem imposta ou então a sociedade voltar a
reconhecer a base primeira que viabilizou uma liberdade sem caos – a revelação
de Deus na Bíblia e a revelação dele por meio de Cristo. […]. Os valores cristãos,
entretanto, não podem ser aceitos como se eles representassem algum tipo de
utilitarismo superior, só como um meio para um fim. A mensagem bíblica é tão
verdadeira que demanda um comprometimento com a verdade. […] é a verdade
que dá a unidade a todo o conhecimento e toda a vida. Esta segunda alternativa
significa que indivíduos chegam a um ponto que têm esta base e influenciam o
consenso. Cristãos assim não precisam representar uma maioria para exercer
influência sobre a sociedade (SCHAEFFER, 2013, p. 165-167, grifo do autor).
mas enquanto nele estiver, deve ser “o sal restaurador” (SCHAEFFER, 2013, p. 169) e
fazer tudo, inclusive sobreviver à batalha cultural instalada, com vistas à volta de Cristo.
Como o próprio Kuyper disse: “A vida cristã como peregrinação não foi mudada, mas o
calvinista tornou-se um peregrino que, durante sua caminhada para a nossa mansão
eterna, ainda deve cumprir uma importante tarefa sobre a terra” (2014, p. 136).
A luta deve ser intensificada, bem como firmados os acordos necessários com a
política institucional, porque, o tempo urge. O ‘fim dos tempos’ aproxima-se, o que
faz que nos arrependamos e purifiquemos nossa sociedade, para que estejamos
prontos para o retorno de Jesus Cristo, que dará início a uma nova era, um novo
milênio de paz e prosperidade sem precedentes. Porém, esse é um período de
transição perigoso, porque teremos de sobreviver à terrível Batalha de
Armagedon, que terá origem no Oriente Médio e deverá se alastrar por todo o
mundo. Israel e a Nova Israel (os Estados Unidos), finalmente sairão vitoriosos
ante seus inimigos, contudo a um preço altíssimo, e contando somente com a
capacidade de regeneração de nossa sociedade. Daí a transformação da
sociedade (por uma política cristã inflexível para o povo) e a regeneração do ser
(por uma vida devota e familiar) constituírem elementos necessários e
complementares. (CASTELLS, 2002, p. 41).
45 Escatologia cristã é um tema amplo discutido pela teologia. São diversas as correntes teológicas sobre
o assunto, com suas diferenças e nuances. Contudo, não é nossa intenção aprofundá-la, mas
mencionar, em linhas gerais, seu significado para os cristãos, sejam eles católicos, luteranos,
calvinistas, neocalvinistas, pentecostais ou neopentecostais, e quais implicações são geradas na esfera
político-social.
102
Também na obra Como vivemos?, Schaeffer faz uma longa análise da decisão
da Suprema Corte dos Estados Unidos em relação ao feto humano, cujo background foi o
caso de Roe vs. Wade em 197347. Para Schaeffer, a decisão da Suprema Corte foi
arbitrária tanto do ponto de vista médico quanto legal.
46 “By the end of the 1970s, Schaeffer had emerged as the foremost evangelical opponent of abortion,
which he portrayed as the primary issue demanding Christian response. In Whatever Happened to the
Human Race, which Schaeffer co-wrote with the future surgeon general, C. Everett Koop, he argued, “Of
all the subjects relating to the erosion of the sanctity of human life, abortion is the keystone.” Schaeffer
contended that the permissibility of abortion meant America had abandoned respect for human life. The
book connected abortion to a host of dehumanizing practices, including euthanasia, torture, and suicide.
The final pages of Whatever Happened to the Human Race featured various figures pictured in cages:
African-American slaves, Jewish immigrants, a handicapped girl, and a premature infant. Schaeffer
concluded that “we must stand against the loss of humanness in all its forms.” He saw abortion as
murder of innocents, and his book popularized that interpretation among conservative Protestants.
Perhaps more important, Schaeffer disseminated a view of political involvement that encouraged—even
demanded—that evangelicals cooperate with non-evangelicals in order to achieve political success”
(DOWLAND, 2009, p. 612-613).
47 Em 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu o direito à interrupção da gravidez nos
primeiros meses de gestação. Norma McCorvey (conhecida pelo pseudônimo Jane Roe) versus Henry
Wade (Procurador Distrital do Condado de Dallas) foi o caso concreto para que o processo judicial
pudesse ser movido contra o Estado, questionando a constitucionalidade da lei, em matéria de aborto,
que vigorava na época.
103
projeto de reordenação da esfera pública e política americana (SOUZA, 2017), que faz
ressoar do seu interior a afirmação dos Estados Unidos como a nação escolhida.
Como mencionamos, na vida de Schaeffer houve um momento de profunda
crise espiritual, mas que possibilitou a ele uma transformação de suas práticas religiosas
e político-sociais. As ações de Schaeffer se circunscreveram num âmbito simbólico, a
partir do discurso48. Primeiro, porque Schaeffer percebeu a necessidade de buscar
respostas na Bíblia para sua realidade (SCHAEFFER, 1993). A Bíblia pode ser observada
como um livro de discursos, o que coloca a interpretação como uma relação necessária,
“embora na maior parte das vezes negada pelo sujeito” (ORLANDI, 2007, p.20). Segundo,
porque Schaeffer percebe o discurso como um meio para “ensinar respostas cristãs
históricas e dar respostas honestas a perguntas honestas” (SCHAEFFER, 1993, p. 6). E
ele encontra no texto e na ideia de uma comunidade paraeclesiástica, os suportes
essenciais à disseminação dos seus discursos, pois, mesmo que não estivesse
totalmente clara para ele, a interpretação “intervém decisivamente na relação do sujeito
com o mundo (natural e social” (ORLANDI, 2007, p. 20).
Nesta seção, destacamos a presença de Schaeffer, através da sua produção
bibliográfica, no cenário político americano entre as décadas de 1970 e 1980. Buscamos
apontar a relação dos seus textos com a pauta da direita cristã desse período, portanto, o
impacto dos seus discursos e o seu modo de ativismo religioso-político. Também
buscamos demonstrar, sobretudo, o ponto de contato entre o pensamento de Schaeffer e
o Neocalvinismo holandês, afirmando a hipótese de que este forneceu o arcabouço
teórico às práticas religiosas e político-sociais do fundador do L’Abri.
Na próxima seção, aprofundaremos um pouco mais acerca da instituição
paraeclesiástica L’Abri enquanto lugar de instrumentalização dos crentes, o qual é,
também, um dos principais interlocutores da recepção do Neocalvinismo holandês no
Brasil.
48 O discurso é tomado aqui como um espaço simbólico, mas que se materializa numa instância concreta
da relação do homem com o mundo, a partir do texto, por exemplo. O texto é constituído pela relação de
sentidos que derivam e apontam para outros, tornando-o uma questão aberta, onde todos os sentidos
são possíveis (ORLANDI, 2007). Mas isso não quer dizer que ele “possa se desenvolver em qualquer
direção: há uma necessidade que rege um texto e que vem da relação com a exterioridade” (ORLANDI,
2007, p. 15).
104
O primeiro L’Abri, como vimos, foi fundado nos Alpes Suíços em 1955, por
vida, iniciou o projeto em sua própria casa, proporcionando, deste modo, um ambiente
acolhedor a todos que desejassem ouvi-los. Schaeffer, oferecia “aulas, estudos dirigidos,
permitindo que L’Abri fosse fundado em outros países como Austrália, Canadá, Inglaterra,
Os livros de Schaeffer tiveram amplo alcance, e ele pôde palestrar nas principais
universidades do mundo, como Oxford, Harvard e o MIT. Suas séries de vídeo
também se tornaram populares. Além disso, o fundador de L’Abri influenciou
pessoas cujos nomes se destacam em diversos campos do conhecimento: Os
Guinness, na sociologia; Nancy Pearcey, na matemática, filosofia da ciência, e
apologética de cosmovisão; Lane T. Dennis, no mercado editorial; Jerram Barrs,
na missiologia; William Edgar, na apologética; e Richard Winter, na psicologia, são
alguns dos que sofreram influência direta do evangelista — como Schaeffer se
denominava (PORTO, 2015, p. 14).
cristianismo como opção relevante para a cultura a partir dos anos 50, tendo mantido sua
influência mesmo depois de sua morte, Schaeffer fundou o L’Abri como também um lugar
de construção de sentidos, que impactou intimamente cada indivíduo que por lá passou.
49 Para caracterizar o L’Abri, optamos pelo substantivo “lugar” ao invés do substantivo “espaço”, pois
aquele reflete uma apropriação conceitual do antropólogo francês, Marc Augé (1935 –). A noção de
lugar, para Marc Augé, está entrelaçada a um espaço identitário e relacional; “[…] o lugar antropológico
é simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para
quem o observa” (AUGÉ, 1994, p. 51). Assim, como veremos, o L’Abri é lugar que, mediado pela
religião, promove sentido para os indivíduos.
105
Entre os nomes citados por Porto (2015), Nancy Pearcey, que é, atualmente, uma das
tentam responder aos dilemas humanos. Com isso – reavivando a ideia de Abraham
sistema de vida abrangente, capaz de salvar a herança cristã. Ademais, pode-se também
dizer que, embora Schaeffer se mostrasse bastante aberto ao diálogo com a cultura, seu
publicações das obras de Francis Schaeffer através da editora ABU – Aliança Bíblica
comunidade, hospitalidade e reflexão cristã […]” 50, assim como o primeiro L’Abri fundado
por Schaeffer.
quatro semanas e durante a estadia têm um tutor para definir uma rotina de estudos,
reformas, hortas. “A proposta é que durante um período mais estendido no L’Abri o cristão
seja munido de assuntos variados e tenha um espaço para refletir sobre sua fé”
(ALENCAR, 2018, p. 107). Atualmente, o valor da estadia está entorno de R$180,00 por
50 “[…] Nossa missão é demonstrar a realidade de Deus e recuperar a riqueza da nossa humanidade, por
meio de Jesus Cristo.” Disponível em: <https://www.labri.org.br/>. Acesso em 8 nov. 2020.
107
dia, o que, de acordo com Alencar (2018), pode significar que, geralmente, quem
frequenta a instituição são jovens de classe média e com alto grau de escolaridade.
Existem também outras atividades oferecidas pelo L’Abri, como Retiros Temáticos, que
são realizados aos finais de semana ou em feriados prolongados, por exemplo, durante o
R$800,00, de sexta a terça-feira (valores para 2021). Na agenda para 2021, estão
previstos os seguintes temas: Uma visão cristã dos Direitos Humanos; A Igreja em uma
era secular e seus desafios (semana L'Abri para Pastores e Líderes); O que é uma
com carga horária de 204h/a divididas em três módulos, mais as horas dos retiros
A Igreja evangélica brasileira vive, hoje, uma grande crise de identidade e muitos
cristãos sofrem dificuldades em sua caminhada pela ausência de uma visão
sólida, prática e fiel da fé cristã. Desde sua fundação em 1955, por Francis
Schaeffer, o L’Abri se empenha na vocação de falar a verdade com amor,
defendendo a pureza da mensagem Cristã e demonstrando seu valor para o
mundo contemporâneo. E para servir melhor à comunidade evangélica, foi
organizado o curso L’Abri de Teologia e Vida Cristã
Para recuperar a visão mais antiga e clássica da vida cristã, enfatizada por muitos
mestres e santos cristãos, o curso foi organizado em torno das três virtudes
principais citadas por Paulo em 1 Coríntios 13:13. Assim o curso tem três módulos:
A Fé Cristã, a Esperança Cristã e o Amor Cristão. Cada módulo corresponde a
uma das três virtudes e procura mostrar a relação delas com a vida do cristão
contemporâneo51.
Teologia Viva: tratando-se de uma teologia fundada na tradição reforma, esta é entendida
como mais que uma construção abstrata; segue-se de perto o debate contemporâneo,
programa, cada aluno é orientado sobre seu estilo de vida espiritual, sua relação com a
igreja e sua vocação no mundo. 3) Diálogo com a Cultura: todas as reflexões propostas
51 Disponível em: <https://www.labri.org.br/teologia>. Acesso em 08 de nov. 2020.
108
por L’Abri têm um corte apologético da tradição de Francis Schaeffer e Hans Rookmaaker
hospitalidade seja uma realidade vivenciada pelos alunos entre seus amigos, famílias e
R$2500,00 mais R$300,00 de matrícula. As diárias dos retiros não estão inclusas.
atuasse fundamentalmente com esse propósito, podemos dizer que suas portas, muito
mais que o L’Abri Brasil, estavam abertas a um público mais amplo, pessoas que ainda
não tivessem sido convertidas ao cristianismo, como o caso de Nancy Pearcey. Para os
temas que o L’Abri Brasil busca abordar em seus retiros, é necessário que antes os
legado teológico de Francis Schaeffer, para que possam dialogar com os campos da arte,
Contudo, isso não quer dizer que sua influência seja restrita, pelo contrário. O L’Abri
Brasil, além de, enquanto campo religioso, ser “[…] construído socialmente por atores que
dão significado a ele e dele recebem significado” (CAMPOS, 2006, p. 4), é promotor de
mundo” (2009, p. 9, grifo do autor). Os indivíduos, portanto, que recebem esse sentido,
política, se não atuarem diretamente, esses ainda, sim, fornecem bases mais sólidas nas
Francis Schaeffer e da fundação L’Abri Brasil, pode ter contribuído e ainda contribuir para
também por não evangélicos, que vinculam o repertório religioso do Neocalvinismo “às
pautas de ‘defesa da família’ e dos ‘valores da família’, que historicamente tem sido uma
agenda capaz de mobilizar sentimentos morais e formar alianças na esfera pública entre
Cabe agora discutir suas possíveis implicações para o campo político brasileiro a partir
dos seus, aproximadamente, vinte anos de recepção; contudo, esta já é tarefa para uma
próxima e, bastante necessária, pesquisa. Como proposta para a última seção deste
entendimento, mais se acentuam em todo itinerário que fizemos neste trabalho, para que,
Propõe-se nesta seção refletir sobre alguns aspectos que, ao nosso entendimento,
Schaeffer. Itinerário este que buscamos (re) construir para que pudéssemos, a partir dele,
movimento; com isso queremos dizer que o Neocalvinismo holandês compromete-se com
seguiu no tocante à relação com a esfera temporal. Calvino, como tratamos no primeiro
capítulo, preocupava-se em como honrar e servir a Deus, uma vez que a salvação era
2014).
necessariamente, têm raízes calvinistas. Cabe ainda destacar que o prefixo “neo” não foi
atribuído ao movimento no Brasil, por isso não buscaremos referência nas discussões
acerca de novos movimentos religiosos brasileiros, que também carregam esse distintivo
em suas nomenclaturas.
as quais, duas foram objetos do nosso estudo nesta pesquisa. Essa mesma doutrina,
quando levada pelos puritanos à Nova Inglaterra, ganhou outras proporções, tendo sido
considerada, como aponta Weber (2013), um perigo para o Estado. É essa mesma
doutrina, como demonstramos neste capítulo, que confere aos neocalvinistas legitimidade
e poder para iniciar um projeto de futuro, e afirmar os Estados Unidos da América como
nação escolhida. Sobre a consciência da eleição, Cavalcante (2017) diz justamente que,
percebemos, portanto, que existe uma tendência dentro da tradição calvinista, que numa
imagem, corresponde a uma espiral, cuja tendência é alcançar novas dimensões sobre a
mesma base.
mundo, esta, que embasada numa interpretação ipsis litteris da Bíblia, aparenta ser a
representado pelos incrédulos. Os crentes, pela eleição e pelo mandato cultural, têm o
traz. Não existe conciliação entre forças diametralmente opostas. Nesse sentido,
conforme Ribeiro (2017), existir mais de uma visão de mundo é uma ameaça porque a
cristianismo pensa na ideia de um único reino. Não por acaso, para Kuyper (2014), é
enfraqueceu diante do modernismo, assim ele propõe que o (neo)calvinismo assuma essa
tarefa.
movimento. Segundo Souza (2017), no entanto, o uso de termos técnicos serve para
modernidade.
calvinista, ampliando seu corpus teológico e sua possibilidade de ação. Ao passo que
rejeita projetos gestados na modernidade, seus pensadores propõem outro projeto, que
A Igreja não pode, por exemplo, interferir nos assuntos do Estado, mas o indivíduo
Dooyeweerd (2014) afirma que os limites entre as esferas sociais não podem ser
definidos pelo Estado, apenas por Deus, coloca-se um paradoxo: como Deus realizará
essa tarefa? À medida que nos aproximamos das suas formulações teóricas e
percebemos os elementos teológicos que as sustentam, fica claro que cabe ao cristão
uma igreja está sujeito à sua autoridade, havendo uma relação íntima entre as partes que
(NOBBS, 2017, p. 4). Nesse sentido, o que caracteriza a relação da religião e política na
presença do religioso.
instrumentaliza a religião para atingir seus objetivos, pode aliciar pessoas bem-
intencionadas e sinceras em suas crenças, mas a ação desses indivíduos surte efeitos
113
5 CONCLUSÃO
forneceu importantes elementos para a formação da direita cristã nos EUA, período em
que o fundamentalismo religioso ressurgiu e impactou a política americana. Com isso,
comprovamos que o Neocalvinismo holandês, na verdade, atingiu mais amplitude nos
Estados Unidos da América. Por uma questão histórica, a própria cultura holandesa foi
modelada pela sua forte presença na América. Não por acaso, conforme vimos, as
palestras de Kuyper foram proferidas no seminário de Princeton, que também tem uma
forte relação com o fundamentalismo bíblico. Ademais, como também dito, Dooyeweerd
esforçou-se para traduzir suas obras em inglês. Portanto, podemos dizer que o
Neocalvinismo holandês passou, na verdade, por um processo de americanização. O que
sugere a necessidade de pesquisas que possam aprofundar sua relação também com o
fundamentalismo. Isso também nos coloca em atenção para a sua presença no contexto
brasileiro. Como vimos, o Neocalvinismo é interdenominacional, dentro das igrejas
reformadas, estando possivelmente articulado a várias situações concretas da nossa
política, o que deve ser também investigado em futuras pesquisas. Acredita-se que este
estudo fornece uma boa base teórica para que possam ser realizadas.
Por fim, cabe reafirmar que o Neocalvinismo holandês está assentado em toda
tradição reformada. Assim, como o calvinismo foi radicalizado pelos puritanos nos EUA (a
Nova Inglaterra), foi também lá que ele ganhou novas proporções. A teologia reformada,
de Calvino a Francis Schaeffer, tende a absolutizar sua visão de mundo, e com pontos de
partidas absolutos o diálogo com perspectivas diferentes é embargado. Então, como
podemos imaginar que sua presença na esfera pública brasileira propiciará tolerância e
visará ao bem comum? O que se terá, na verdade, é uma tentativa de consolidar, cada
vez mais, um projeto político-religioso, incompatível com a pluralidade religiosa brasileira,
a qual é, por sua vez, um traço distintivo da nossa cultura e garantida
constitucionalmente.
116
6 REFERÊNCIAS
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. São Paulo: Paulus, 1985.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e mitologia. 4 ed. São Paulo: Fonte, 2008.
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã [Tomo 1]. São Paulo: Ed. UNESP,
2008.
CALVINO, João. A instituição da Religião Cristã [Tomo 2]. São Paulo: Ed. UNESP,
2009.
CAMPOS, Breno Martins. Ciências Sociais da Religião: estado da questão. In: PASSOS,
João Décio; USARSKI, Frank (Org.). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo:
Paulinas, 2013. p. 191-203.
CAMPOS, Breno Martins; MARIANI, Ceci M. C. Baptista. Peter Berger e Rubem Alves:
religião como construção social entre a manutenção do mundo e a libertação.
Protestantismo em Revista, v. 36, n.1, p. 3-20, 2015.
CAPES. Documento da Área 44: Ciências da Religião e Teologia. Brasília, DF, 2019.
Disponível em:
<https://www.capes.gov.br/images/Documento_de_%C3%A1rea_2019/ciencia_religiao_te
ologia.pdf.>Acesso em: 1 dez. 2019.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 3 ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.
COMBY, Jean. Para ler a histórica da igreja: do século XV ao século XX. São Paulo:
Loyola, 1994.
DOWLAND, Seth. Family Values and the Formation of a Christian Right Agenda. Church
History, 78:3, September, 2009.
FILORAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus,
1999.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
HALSEMA, Thea B. João Calvino era assim: a vibrante história de um dos grandes
líderes da Reforma. Recife: Clire, 2009. Edição do Kindle.
KENNEDY, James C. The Problem of Kuyper’s Legacy: the Crisis of the Anti-
Revolutionary Party in Post-War Holland. Journal of Markets & Morality, v.5 n. 1, p. 45–
56, 2002.
LUTERO, Martinho. As 95 teses e a essência da Igreja. São Paulo: Editora Vida, 2016.
MINTON, Henry Collin. John Calvin, Lawyer. Iowa: The North American Review, v. 190,
n. 645, p. 212-221, 1909. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/24106429. Acesso
em: 3/12/2019.
OLSON, Roger. Teologia arminiana – mitos e realidades. São Paulo: Reflexão, 2013.
PACKER, J. I. Prefácio. In: SCHAEFFER, Francis. O Deus que se revela. São Paulo:
Cultura Cristã, 2002.
PORTO, Allen Ribeiro. Sobre o ponto de contato: Cornelius Van Til, Francis Schaeffer e
a apologética pressuposicionalista. São Paulo: Centro Presbiteriano Andrew Jumper,
2015. 230 p. Dissertação (Mestrado em Teologia). Programa de Pós-Graduação em
Teologia. Centro Presbiteriano Andrew Jumper, São Paulo, 2015.
PRONK, Cornelis. Neocalvinismo: uma avaliação crítica. São Paulo: Os puritanos, 2010.
SANTOS, José Sidério dos. Política e religião: um estudo da bancada evangélica eleita
por São Paulo em 2002 para o Congresso Nacional. São Paulo: Mackenzie, 2007. 140 p.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com a ciência da religião. In:
USARSKI, Frank (Org.). O espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo:
Paulinas, 2002.
SWARTZ, David R. Richard Mouw and the Reforming of Evangelical Politics. In: Moral
Minority: The Evangelical Left in an Age of Conservatism. Pennsylvania: University of
Pennsylvania Press, 2012.
TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 2 ed. São Paulo: ASTE, 2000.
121
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. São
Paulo: ASTE, 1999.
VAN TIL, Cornelius. Apologética cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
VAN TIL, Henry Reinder. O conceito calvinista de cultura. São Paulo: Cultura Cristã,
2010.
WEBER, Max. A política como profissão e vocação. In: Weber: escritos políticos. São
Paulo: Ed. Folha, 2015.
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
WITTE, John. The Biography and Biology of Liberty: Abraham Kuyper and the
American Experience. Atlanta: Koers, v. 64, n. 2/3, p. 173-195, 1999.