Negro - Cruz e Sousa

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Cruz e Sousa – 1861 - 1898

1861 – Filho de escravos alforriados, recebe o nome de João da Cruz e é criado como filho
adotivo do Marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua esposa Clarinda Fagundes de Sousa.
1871 – Com dez anos, matricula-se no colégio Ateneu Provincial Catarinense, onde estuda
francês, latim, matemática e ciências naturais.
1877 – dedica-se ao magistério e começa a publicar seus versos em jornais da província.
Abolicionista, sofre perseguições por ser negro.
1885 – Estreia na literatura com o livro de poemas em prosa: "Tropos e Fantasias", em parceria
com Virgílio Várzea. Assume a direção do jornal “O Moleque”
1890 – Muda-se para o Rio de Janeiro
1893 – Casa-se com Gavita Rosa Gonçalves. Nesse mesmo ano, com a ajuda do editor, Cruz e
Sousa consegue publicar os livros: "Missal" (poemas em prosa) e "Broquéis" (poesias).
1898 - Cruz e Sousa faleceu na cidade de Sítio, em Minas Gerais.
DANTE NEGRO - CISNE NEGRO
SIMBOLISMO

INÍCIO - 1893 – Missal e Broquéis – Cruz e Sousa


ARTE DA SUGESTÃO – “sugerir, eis o sonho” – Mallarmé

Imagens vagas, nebulosas


Temática abstrata
Musicalidade (Aliterações e Assonâncias)
Cromatismo
Sinestesias
SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS TEXTOS

Zilma Gesser Nunes


COMPOSIÇÃO DA OBRA

Poemas
Textos em prosa poética
Textos jornalísticos
Correspondências
Escravocratas

Oh!. trânsfugas do bem que sob o manto régio Trânsfugas = desertores


Manhosos, agachados - bem como um crocodilo, Régio = real
Viveis sensualmente à luz dum privilégio Vergasta = chibata, açoite
Na pose bestial dum cágado tranquilo. Rutilo = brilho
Sacrário = sagrado
Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas Audaz = corajoso
Ardentes do olhar - formando uma vergasta Adamastórico = grandioso
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas, Colossal = imenso
E vibro-vos à espinha - enquanto o grande basta Estrépido = vibrante
Gongórico = exagerado
O basta gigantesco, imenso, extraordinário -
Da branca consciência - o rutilo sacrário
No tímpano do ouvido - audaz me não soar.

Eu quero em rude verso altivo adamastórico,


Vermelho, colossal, d' estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro - ouvindo-vos urrar!
(O Livro derradeiro. In: Poesia completa, p. 201).
CÁRCERE DAS ALMAS

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,


Soluçando nas trevas, entre as grades Calabouço = prisão
Do calabouço olhando imensidades, Grilhões = correntes
Mares, estrelas, tardes, natureza. = Assonância Etéreo = celeste, divino
Atroz = terrível
Tudo se veste de uma igual grandeza Funéreo = fúnebre
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades = Aliteração
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas


Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves, = Aliteração


Que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Publicado no livro Últimos Sonetos (1905).


O ASSINALADO

Tu és o louco da imortal loucura,


O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,


Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado


Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouca a pouco...

Na Natureza prodigiosa e rica


Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Publicado no livro ÚItimos sonetos (1905).


EMPAREDADO
Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da vasta edificação do
Mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram
acumulando, acumulando pedra sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí
estás agora o verdadeiro emparedado de uma raça.
Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa
parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se
caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta
do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares
para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda,
de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás,
ah! ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo — horrível!
— parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror
absoluto...
Para solenizar gentilmente, com todas as delicadezas do espírito, a fulgurantíssima ideia de
libertar escravos nesta aprazível terra, vamos contar aos amabilíssimos senhores e
particularmente às Exmas. senhoras, umas “histórias simples”, interessantes e leves e fáceis e
claras, uma espécie de croquis ligeiro do escravo no lar e na sociedade, com a mesma luz geral
do método racionalista, intuitivo e prático do grande alemão Froebel, um belo homem que à luz
do Jardim da Infância estabeleceu a fisionomia lógica do ensino primário nas sociedades
infantis do mundo, com a sua ciência liberal e fecunda de transcendentalismo pedagógico.
As “histórias simples” desfilarão por estas colunas como um cortejo de bênçãos e de ironias,
picantes e dóceis, como um perfume de corilopsis ou como um perfume de violeta.
Serão trabalhadas de estilo, brandamente esmaltadas de ideias como um céu esmaltado de
estrelas.
Baterão no assunto pelo que ele tiver de mais verdade, de mais penetrabilidade, de mais
objetivismo, de mais caráter. Descerão do trono de papelão o ridículo manequim do
preconceito oficial e improgressivo, numa grande risada salutar e vitoriosa, bem da alma, bem
de crítica e de análise.
Eis, pois, as
IAIÁ = História do suicídio de um escravo no mar,
buscando a liberdade
SINHÁ = História de uma mulher negra açoitada
NICOTA = História de uma mulher loura que sonha
que é uma escrava vendida e separada do filho
BILU = História de um jovem francês que fica
impressionado com a escravidão no Brasil
SANTA = Analogia entre os ensinamentos de cristo e
a luta pela liberdade
BIBI = Reflexão sobre a influência das escravas nas
sinhás brancas
NENÉM = História de uma mulher velha que parece
uma santa rezando na igreja, mas é terrível com seus
escravos
ZEZÉ = História de uma moça branca que tece um
tapete para um bazar a favor dos escravos
CONSCIÊNCIA TRANQÜILA
O ilustre, o douto homem rico, o abastado senhor de escravos está já, segundo a
previsão do seu médico, quase às portas da morte. (...) Muito, muito justo, sempre foi
muito justo em tudo! Homem distinto! Homem distinto! Este é dos poucos que podem morrer
com a sua consciência tranquila, perfeitamente tranquila!
(...) Mas, agora, todas as atenções se voltavam, alvoroçadas, ansiosas, para o velho moribundo,
que acordara afinal em sobressaltos, (...) E, ou fosse remorso ou fosse álgido medo da hora
extrema ou fosse mesmo agudo e histérico delírio imaginativo de senil e tábido celerado que
vai morrer, o certo é que todos, no auge do espanto, no mais esmagador dos assombros, sem
poder conter a súbita e estupenda torrente que lhe foi espumando e jorrando da boca bamba,
ouviram este cruel e amorfo monólogo, feito de lama e podridão
(...) – Ah! Ah! pois não era o meu ouro, só o meu ouro, sempre o meu ouro que comprava
tanta carne humana, desprezível, que eu via entrar nas senzalas, de volta do eito?! Negros
trêmulos, velhos e tristes, com o dorso curvado por uma remota subserviência ancestral,
atávica, fantasmas de pedra, mudos e cegos na sua dor absurda...
(...) No entanto, ah!, que risadas satânicas, diabólicas, que satisfação perversa me assaltava
quando o feitor, bizarro, mefistofélico, de chicote em punho, lanhava, lanhava, lanhava os
miseráveis e lindos corpos de certas escravas que não queriam vir comigo! Oh! lembra-me bem
de uma que mandei lanhar sem piedade. A cada grito que ela soltava eu gritava também ao
feitor: – Lanha mais, lanha mais! E o bizarro feitor lanhava! O sangue, grosso e lento, como
uma baba espessa, ia formando no chão um pântano onde os porcos vinham fuçar
regaladamente! Com que febre, com que alucinação inquisitorial eu gozava essas torturas!
TENEBROSA

Olhos grandes, largos, profundos, cheios de tropical sensualismo africano e abertos


como estrelas no céu da refulgente noite escura de ébano polido do rosto redondo —
alta, alta e negra, de uma quase gigantesca altura — lembras também o astro
nublado, caliginoso da Paixão, girando na órbita eterna da humanizada dolência da
Carne, como mancha na luz, ou soturna mulher da Abissínia, cujos luxuriosos
sentimentos panterizados sinistramente gelaram e petrificaram na muda esfinge dos
secos areais tostados.
E eu quisera possuir o teu amor — o teu amor, que deve ser como frondejante árvore
de sangue dando frutos tenebrosos. (...)
Assim amar-te e assim querer-te — nua, lúbrica, nevrótica, como a magnética serpente de
cem cabeças da luxúria — os olhos livorescidos, como prata embaciada; a fila rútila dos rijos
dentes claros cerrada no deslumbramento, no esplendor animal do coito; os nervos e
músculos contraídos e os formosos seios de cetinoso tecido elevados como dois pequenos
cômoros negros, cheios de narcotismos letais, impundonorosamente nus — nus como todo o
corpo! — excitantes, impetuosos, tensibilizados e turgescidos, na materna afirmação sexual do
leite virgem da procriação da Espécie! E que a tua vulva veludosa, afinal! vermelha, acesa e
fuzilante como forja em brasa, santuário sombrio das transfigurações, câmara mágica das
metamorfoses, crisol original das genitais impurezas, fonte tenebrosa dos êxtases, dos tristes,
espasmódicos suspiros e do Tormento delirante da Vida; que a tua vulva, afinal, vibrasse
vitoriosamente o ar com as trompas marciais e triunfantes da apoteose soberana da Carne!
O PADRE
Um padre escravocrata!... Horror!
Um padre, o apóstolo da Igreja, que deveria ser o arrimo dos que sofrem, o
sacrário da bondade, o amparo da inocência, o atleta civilizador da cruz, a
cornucópia do amor, das bênçãos imaculadas, o reflexo do Cristo...
Um padre que comunga, que bate nos peitos, religiosamente,
automaticamente, que se confessa, que jejua, que reza o — Orate fratres, que
prega os preceitos evangélicos, bradando aos que caem surge et ambula.
Um escravocrata de... batina e breviário... horror!
Fazer da Igreja uma senzala, dos dogmas sacros leis de impiedade, da estola
um vergalho, do missal um prostíbulo...
Um padre, amancebado com a treva, de espingarda a tiracolo como um pirata
negreiro ...
O ABOLICIONISMO

A ação que o Abolicionismo tem tomado nesta capital é profundamente significativa.


Nem podia ser menos franca e menos sincera a adesão de todos a esta ideia
soberana, à vista dos protestos da razão humana, do patriotismo e caráter nacional
ante tão bárbara e absurda instituição - a do escravagismo.

A onda negra dos escravocratas tem de ceder lugar à onda branca, à onda de luz que
vem descendo, descendo, como catadura do sol, dos altos cumes da ideia,
preparando a pátria para a organização futura mais real e menos vergonhosa.
Porque é preciso saber-se, em antes de se ter uma razão errada das coisas, que o
Abolicionismo não discute pessoas, não discute indivíduos nem interesses: discute
princípios, discute coletividade, discute fins gerais.
A GERMANO WENDHAUSEN
Desterro, 02 de abril de 1888
Caríssimo e nobre amigo Germano Wendhausen
Venho, mais uma vez, valer-me da sua proteção, da generosidade dos seus
sentimentos, pedindo-lhe que me faça a gentileza de me ouvir. Ilustre amigo, não sei
se sabe ou não da situação difícil da minha vida nem o estado de fatalidade em que
me acho; no entretanto, acreditando-me um indivíduo sério e leal, dará a atenção
devida às minhas palavras.
Acontece que, por largo espaço de tempo, me tenho visto embaraçado, muito
afogado de lutas, achando sempre contrariedade em tudo que proponho fazer para
melhorar de estado para trabalhar, ter um futuro mais garantido e seguro, nunca
encontrando o auxílio de ninguém.
(...) venho valer-me do seu prestígio e da sua generosidade jamais desmentidos,
pedindo-lhe encarecidamente para influir com o seu amigo e correligionário Virgílio
Villela sobre uma passagem, ou no caso de ser isso absolutamente impossível, (...)
fazer-me o supremo obséquio de me emprestar 50$000 réis para eu poder
transportar-me, pois, fica na honestidade do meu caráter e do meu brio satisfazer-
lhe essa importância desde que o trabalho me garanta mais poderes para isso.
A VIRGÍLIO VÁRZEA
Corte, 08 de janeiro de 1889
Adorado Virgílio
Estou em maré de enjoo físico e mentalmente fatigado. Fatigado de
tudo: de ver e ouvir tanto burro, de escutar tanta sandice e
bestialidade e de esperar sem fim por acessos na vida, que nunca
chegam. Estou fatalmente condenado à vida de miséria e sordidez,
passando-a numa indolência persa, bastante prejudicial à atividade
do meu espírito e ao próprio organismo que fica depois amarrado
para o trabalho.

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