Gilka
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1015
RIO DE *)RNEIRO
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6ilka a Costa m . machado
Crystaes partios
1^15
RIO D E 1RHEIRO
amiga
Crystaes partios
No forculo da frma o alvo crysfal do Musa, vamos polir, num labor viro esfrophes de ouro aps os versos que compes, os versos que
Sonho, componho,
Para sempre abandona esse teu ar esse teu taciturno, esse teu simples nesta artstica empreza, mister
Seja espelho o crysfal e, em se todo, a trgica feio que o horror comsigo e o infinito esplendor da belleza E, quando a rima soar, enlevada percufir no teu sr, que pela Arte
Silencio
R Hntonio Corra 'OIivelra
Mysteriosa expresso da alma das cousas mudas, Silencio pallio immenso aos enigmas aberto, espelho onde a tristeza universal se estampa. Silencio gestao das dores cruis, agudas, solenne imperador da Treva e do Deserto, estagnao dos sons, bero, refugio e campa. Silencio tenebroso e insondavel oceano, tudo quanto nos teus abysmos vive immerso, tem a secreta voz dos rochedos, das lousas. E's a concentrao do sr pensante, humano, a vida espiritual e oceulta do universo, a communicao invisivel das cousas. U m intimo pezar toda tua alma invade, 6 meu velho eremita! monge amargurado! Dentro da cathedral da verde natureza, ouo-te celebrar a missa da Saudade e invocar a remota effigie do Passado, dando-me a communho sublime da tristeza.
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Rncia azul
R Francisco "Julia da Silua
Manhans azues, manhans cheias do poll,en de ouro que das azas o Si levemente saccode!... quem dera que, numa ode, como numa redoma, eu pudesse conter o intangivel thezouro d a vossa luz, da vossa cr, do vosso aroma! Manhans azues, manhans em que as aves, em bando, entoam pelo espao o hymno da Liberdade! Que anceio formidando! Que sede de infinito o crebro me invade! Esta luz, esta cr, este perfume brando, que se evola de tudo e que, de quando em quando, o Vento acolyto mudo, passa thuribulando; esta mystica fala, que das cousas se exhala :
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e conclama, e resa em toda a natureza, como uma etherea la entoada vossa olympica belleza; tudo libertao, tudo ao prazer convida e faz com que a creatura ame um momento a Vida. Lindas manhans azues! manhans em que, qual-um zumbido de to intensa, a luz sa por todo o ambiente, echa-me no ouvido, e o Sol no alto espreguia as mltiplas antennas, quente, lcido e louro, como um bezouro de ouro. Manhans suaves, serenas, manhans to mansas, to macias, que pareceis feitas de pennas e melodias... Tiudo se espiritualisa vossa cr g sublime, suggestiva, onde ha dedos de luz levemente a accenar... a essa invencivel suggesto captiva, na aza abstracta da brisa, a alma das cousas sobe e fluctua pelo ar. Eu, como as cousas, sinto indefinidas ancias: a attraco do Ignorado, a attraco das Distancias,
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a attraco desse Azul, ao qual meu pobre ser quizera transportado vr-se, da Terra exul. E que gso sentir-me em plena liberdade! longe do jugo vil dos homens e da ronda da velha Sociedade a messalina hedionda que, da vida no eterno carnaval, se exhibe phantasiada de vestal. Manhans azues, manhans em que os vrides prados, pelo vento ondulados, parecem mares calmos, e os mares, mollemente espreguiados, sobre as praias espalmos, so vastos, verdes e floridos prados. Manhans em que nas estradas lindas romeiras, enfileiradas, diante do vosso smptuoso templo, que alto reluz as arvores contemplo, dansando todas, com gestos lentos, ao som dos ventos, na festa sacra da vossa luz! O' mgicas manhans! vs me trazeis ao crebro ancias vans. O fulgor que de vs se precipita, perturba minha vida de eremita, aora-me os sentidos
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na narcose do tdio amortecidos; ao vr a Natureza toda em festa, do seu pagode abrir as portas, par em par, o meu sr manifesta desejos de cantar, de vibrar, de gosar!... Esta alma que eu carrego amarrada, tolhida, num corpo exhausto e abjecto, ha tanto acostumado a pertencer Vida como um traste qualquer, como um simples objecto, sem gso, sem conforto e indifferente como um corpo morto; esta alma, acostumada a caminhar de rastos, quando fito estes cos, estes campos to vastos, aos meus olhos ascende e deslumbrada avana, tentando abandonar os meus membros j gastos, a saltar, a saltar, qual uma alma de creana. E analysando ento meus movimentos, indecisos e lentos, de humanisada lsma, eu tenho a sensao de fugir de mim mesma, de meu sr tornar noutro, e sahir, a cower, qual desenfreado ptro, por estes campos, escampos. De que vale viver, trazendo na existncia emparedado o sr? Pensar e, de continuo, agrilhoar as idas dos preceitos sociaes nas torpes ferropas;
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ter mpetos de voar, mas preza me manter no ergastulo do lar! sem a libertao que o organismo requer; ficar na inrcia atroz que o ideal tolhe e qubranta...
Ai! antes pedra sr, insecto, verme ou planta, do que existir trazendo a forma da Mulher!
Aves! Quem me dera tr azas, para acima pairar das cousas rasas, das podrides terrenas, e sahir, como vs, ruflando no ar as pennas, e saciar-me de espao, e saciar-me de luz, nestas manhans to suaves! nestas manhans azues, lyricamente azues!
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Natal
Natal. Cada rumor que se da Terra um bymno. No olhar de toda creana ha da alegria o brilho; neste dia nasceu o louro Deus-Menino, e um astro assignalou do co seu ureo trilho. Ante a tua infantil alegria, meu filho, vendo-te, qual Jesus, misero e pequenino, como de um crime r, toda minha alma humilho, ante o tremendo horror das trevas do Destino. No teve a Virgem-Me, quando o triste futuro de Jesus lhe era um dia annunciado, previsto, esta duvida atroz em que meu sr torturo! E por ti mando aos cos minhas supplicas mudais,: a h ! prefiro te vr soffredor como Christo, a. te saber na vida um mo, um vil, um Judas!
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Estiual
Ro Dr. mirana Ribeiro
Accende-se o Vero. A selva uma officina, onde operando esto todos os elementos naturaes; e, ao violento calor das forjas estivaes, a cigarra buzina, marcando as horas de descano e ebullio. O ar, que de azul se adensa, expelle irradiaes de polido crystal; o olhar se eleva e pensa que uma poeira de vidro cae da altura, que ha vidro em p no cho, na montanha, no vai. O Sol culmina, o Sol deslumbra, o Sol fulguraf um rutilo vitral, pondo todo o esplendor da sua illuminura no largo tecto azul da etherea cathedral. A gua se inflamma, o azul se inflamma, a terra parece toda em combusto; o olhar a custo se discerra e os olhos ardem, como brazas, diante da payzagem crmante do Vero. Longe, distingue-se a feio das casas qual uma singular constellao.
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O ar to morno que parece provir de uma occulta cratera, que a sensao nos traz do bafio de um forno. A natureza reverbera, e o Sol que se destaca no azul de um co fulmineo, uma accesa placa de alumineo. A toda vastido da selva inunda, invade, a solai claridade. Nas arvores se faz um tal sopr, n a s frondes ha uma tal oleosidade, que as arvores, supponho, solar claridade, esto tresuando de calor. D o meio-dia na hora, plena a quietao; nem uma ave apressada faz ouvir do seu vo a cadncia sonora, nem a expresso de um gesto o olhar divulga, nada se move, a Terra est como que asphyxiada; apenas, de onde em onde, echa pelo espao e sae de cada fronde um som agreste, um som nervoso e emocional, um som de verde-vegetal: a cigarra que canta, a cigarra que tece hymnos ao Sol, ao deus possante, ardente e louro! mas tal a solido na selva, que parece a natureza inteira estar cantando em coro.
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Perfume
R RIbertn oe Oliuzira
Vaga revelao das sensaes secretas, das mudas sensaes dos mudos vegetaes; arco abstracto que afina as emoes dos poetas e que ao violino da alma arranca sons iriaes. O ' perfume que a dr das plantas interpretas e enoprras, muita vez, desesperos mortaes! busco sempre sentir-te errar, nas noutes quietas, quando teu floreo corpo em somno immerso jaz. E ' s um espiritual desprendimento ao luar, si noute sonha a flor do clice no leito, e s a transpirao da planta luz solar. Mas, si acaso te extrahe o homem sr destruidor, perfume! decomposto, inane, liquifeito, s a essncia, s a vida, s o sangue da flor.
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Scmalo
R Rntonio Egas (Tioniz Barreto de Rrago
Quente, esdrxulo, activo, emocional, intenso, o sandalo espirala, o espao ganha, berra... e eu, que soffrga o sorvo em longos haustos, penso sr elle a emanao da volpia da Terra. Odor que o sangue inflamma e que ujm desejo immenso de prazeres sensuaes em nossas almas ferra, quer perfume o brancor de um rendilhado leno, quer percorra, a cantar, as brenhas, o ermo, a serra. Quando o aspiro a embriaguez em mim se manifesta, e ebria do amor transponho a virential floresta, onde a Luxuria, como uma serpente, assoma... Ha rumores marciaes, sangrentos, aggressores, de trompas, de clarins, corntas e tambores, na forte xhalao deste infernal aroma.
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Incenso
R Olauo Bilac
Quando dentro de um templo olente flor de prata, o thuribulo oscilla e todo o .ambiente incensa, fica fluctuando, no ar, frouxa, azulada, immensa, uma escada etheral, que aos poucos se des(ata... Emquanto bamboleia essa escada e suspensa paira, uma anci de cos o meu sr arrebata e, por ella, a subir, nu;ma fuga insensata, vae minha alma ganhando o rumo azul da Crena. O thuribulo um sino a dobrar, quando em quando... arde o incenso... um rumor ondula, no ar se espalma... andam no meu olfacto azas brancas roando... E, si acaso de um templo ,o largo umbral transponho, logo o incenso me enleva e ^transporta minha alma cathedral azul da religio do Sonho.
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Or 05 manacs
R 1. m . Soulart e Rnrae
De onde vem esta voz, este fundo lamento com vagas vibraes de violino em surdina? De onde vem esta voz que, ,nas azas, o Vento me traz, na hora violacea em que o dia declina? Esta voz vegetal, que o meu olfato attento ouve, certo a expanso de uma magua ferina, o odor que os manacs soltam,, num desalento, sempre que a brisa os plange e as frondes lhes inclina. Creio, aspirando-o, ouvir, numa metempsychose, a alma errante e infeliz de uma extincta creatura chamar anciosamente outra alma que a desposej.. Uma alma que viveu sosinha e incomprehendida, mas que, mesmo gosando uma vida mais pura, inda chora a illusao frustrada noutra vida.
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Rosas
R Luiz (Tlurat
I Cabe a supremacia rosa, entre o complexo das flores, pelo vio e pela pompa sua, e o aroma que ella traz sempre cqrolla annexo o corao humano excita, enleva, estua. Quando essa flor se ostenta luz tibia da Lu|a, o luar busca enlaal-a, amoroso, perplexo, e ella sonha, estremece, oscilla, ri, fluctua e desmaia, ao sentir esse etheral amplexo. Si rosea lembra carne ardente, palpitjante... nivea lembra pureza e nada ha que a supplante* rubra de certa bocca os lbios nella vejo. Seja qualquer a cr, por sobre o hastil de cada rosa, vive a Mulher, nos jardins flor tornada,: symbolo da Volpia a exci/tar o Desejo.
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partidas
II
Rosas cujo perfume, em noutes enluaradas, um sortilegio ethereo a transpor as rechans; rosas que noute sois risonhas, floreas fadas, de cutis de velludo e tenras carnes sans. Sejaes da cr do luar ou cr das alvoradas, rosas, sois no perfume e na alegria irmans, e todas pareceis, luz desabotoadas, a concretisao dos risos das Manhans!
O' rosas de carmim! O' rosas roseas e alvas! ha nesse vosso odor toda a maciez das malvas, a pbere maciez do pcego em sazo. Dae que eu possa gosar, ao vosso cojlo rente, esse perfume, a um tempo excitante e emolliente, numa dbia, sensual e suave sensao!
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Uioleta
R (Tlario Bameiro
E ' s , das flores, a flor que a primazia alcana, pois flor nao ha que tenha aroma, si ao teu l a d o ; Jesus, ao te beijar um dia, quando creana, o anhelito divino em ti deixou gravado. Sempre que o teu odor para os ares se lana, nelle, de um violoncello escuto o som maguado, som que a voz da Saudade e da Desesperana, e que me vem narrar a historia do Passado. Amo-te porque em ti vive a tristeza impressa, porque no s vaidosa e immersa vives, nessa perennal solido que o vio te no lesa. Como podes (commigo s vezes scismo, penso), sendo pequena, assim, conter perfume intenso e possuir essa austera e original belleza?
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5empre-uiua
Sempre-viva, teu nome exprime quanto vales, e, embora te no desse aroma a Natureza, quem, como eu, padecer o maior dentre os males, por fora ha de exalar-te a original belleza. Quer abroches num horto ou na campa assignales uma grata lembrana, eternamente accesa vive essa chamma de ouro inserida em teu calix, como um sol que a surgir illumine a deveza. Exposta ao sopro rijo e inclemente, do Vento, aos queimores que o Sol impiedoso te lana, no te rouba a tortura o fulgor opulento. E's como esta paixo (minha paixo estulta!), que o tmulo a enfeitar de uma extiricta Esperana, aos rigores da Sorte esplende, via, avulta!
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Rranhol uere
R Rodolfo machado
Embora queira dar-lhe nome, no sei como se chama esta viosa trepadeira que de alvas flores se recama; sei que, s vezes, supponho uma aranha invisivel ande tecendo viridente trama do meu telhado ao nivel... No tem um anno ainda, mas j completamente o meu quintal ensombra, e, por ser nova, inda mais linda no seu virgem ver dor velludoso de alfombra. Incansvel fiandeira eil-a que, prestes, no largo tear do' espao fios lana, todo o telhado encobre, alonga-o em glauco tecto, pelas paredes pende... e a minha choa
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j no tem aquelle aspecto avelhantado e pobre, como que se enriquece e se remoa; e minha choa como ficas prazenteira, e com que garbo, embora velha, vestes esse fato verde que te torna creana! Por uma destas noutes teve ella o parto das primeiras flores; e, dessa noute em deante, o meu olhar se estanca, ante essas flores de pellica branca, nas quaes ella resume a belleza da. frma e o encanto do perfume; flores cuja corolla no resiste do vento aos mais leves aoutes. Talvez fugindo aos investigadores olhos do Sol, de lume causticante, s pela noute escura ou quando a luz discreta do luar na treva rola, ella, a florea brancura, na escurido projecta. Sua sensual fragrancia, qual magntico fluido, entra o meu abandono, o meu descuido, chama, mesmo distancia, o meu olfacto,
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que, ao seu apello, sente, ^ qual pachorrento gato, o prazer emolliente de uma enluvada mo a acariciar-lhe o pllo.
Mal principia a ennoutecer, caminho, como que instinctivamente, para o seu pallio redolente, buscando de aspiral-a o espiritual prazer; e s vezes o silencio to pleno, t a m a n h o , a solido to grande," que ella, supponho, ao meu olhar se expande, sinto-a se elastecer e vejo-a polvo estranho os tentculos verdes distender!
Seu perfume melloso, tem qualquer cousa que emmacia, qualquer cousa subtil de luxuriante gso; nos meus sentidos de tal frma actua, que a minha pelle (incrvel cousa!) fica fria: como que me unto na fragrancia sua. Quando agonisa o Dia, poem-se os meus sentidos a gozar esse perfume* doce e lamuriento, alvo como luar, molle como ungu^ento.
Assim, si, sua sombra, a Ifneditar freqentemente seus viosos braos, num gesto languoroso, pendem pelos espaos... e, sensao de cada galho que me roa pelo frgil busto, apavorada a espio, num rpido arrepio de susto! Do meu socgo, sbito, arrancada suggestiva solido do ambiente, creio nella se encontre disfarada uma ignorada e vegetal serpente.
repouzo^
Vi-a nascer, crescer e florescer; cuidosa mo plantou-a um dia, para visual afegria do meu sr. Nesta ausncia total do meu prprio prazer, buscam sempre os prazeres exteriores, estes olhos cansados de fitar minhas intimas dores; e que gso estender pelas manhans o olhar no suspenso tapiz dos seus verdores! Mas, talvez por muito amal-a, uma ida presaga
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todo o meu sr abaia... que ha na planta que mev delicia amplamente estendida, a consistncia de uma phantasia: um fio a sua vida... Assim aberta, totalmente expansa, numa alegria alviareira, vejo-a reproduzir minha secca esperana, tecendo a trama da illuso primeira.
(No tenhas tu, formosa trepadeira, a curta durao dessa minha illuso...)
Quando, pelas caladas da noute, os olhos ergo sua renda espessa, e alvas, esphericas, paradas, contemplo as flores suas (talvez porque o seu cheiro me entontea), cuido esteja a florir sobre a minha cabai um verde co cheio de luas!
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Dentro a noute
R Rnnibal Carozo z Castro
As laranjeiras esto floridas e, sob o yo alvo do luar, de branco assim todas vestidas parecem virgens a caminho para o altar. 'A alma ns fica inteiramente preza de um mystico\ languor, ao\ pe/fump que, exhalam na deveza vs lar^njaes erh\ flor. Ha um ruido de orao, de longe em longe, anda o hyssope da Lua aspergindo todo o ar, e o Vento reza como um velho monge, para no altar da sombra as arvores casar. Emqwmto a noute fulge toda accesa p,arKa a festa do Amor, vo desflhando as flores da pureza <os laranjaes eni flor...
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E, fecundando as virosas vidas, as laranjeiras, par a par, assim se casam nas ermidas, nas ermidas lyriaes, lactescentes do luar.
Um pollen branco, de etheral leveza, porphyrisado amor, distribuem por toda a natureza os laranjaes em flor.
E, aos laranjaes que andam noivando, . vede: a alma goza um prazer secreto e salutar, adormecendo, como numa rede, neste perfume que anda a oscillar... a oscillar.
Julgo absorver a essncia da Pureza no vosso meigo odor, virgens laranjeiras da deveza! laranjaes em flor!
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Beijo
Beijo, beijo de amor ave em cuja aza crespai o espirito se eleva a paragens ethereas, ignivorra, nervosa e zumbdora vespa, que infiltra nas artrias , da volpia o fervente e orgiaco veneno; som que ao festivo som de um guiso se assemelha, que, a um s tempo gemido, gargalhada e tjhreno; semente, que a vermelha flor da luxuria vem plantar sobre o maninho solo da alma; licor que se contem da bocca na amphora coralina; espiritual carinho; bala rubra que espca no lbio; arredondada e rtila e sonora phrase que vem narrar do amor todo o ureo poema, e que entender s pde o ente que ama, que adora. Beijo de amor suprema delicia, original pomo da arvore da alma, cujo galho, a subir, vae pender sobre a ameia do lbio, pomo que ora excita e que ora acalma.
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Dentro, em ns, mais se ateia, ao contacto febril do lbio amado e amante, das ancias a fogueira), e dos beijos o ruido sr julgo o crepita dessa fogueira estuante. Beijo de amor olvido para os males da ausncia; astro canoro e rubro que no horizonte arcoal do lbio humano a p o n t a ; flor que adorna do affecto o sumptuoso delubro; aurifulgente conta que, Alma! vaes enfiar no oollar dos prazeres^ rumor que, em si, contem scintillas polycores, sonora confuso das boccas e dos seres; mixto de sons e odores, beijo, beijo de amor escandalosa la, que, na festa pagan do luxuriante gso, em louvor Cupido a humana bfocca entoa; elixir delicioso, que ao paladar nos traz dia saudade os resabios; remdio com que, Anci! esse teu mal ensalmasij beijo, beijo de amor matrimnio dos lbios concubito das almas.
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Sensual
Quando, longe de ti, solitria, medito ..este, affecto pago que envergonhada occulto, vem-me s narinas, logo, o perfume exquisito <[ue o teu corpo desprende e ha no teu prprio vulto. A febril confisso deste affecto infinito ha muito que, medrosa, em meus lbios sepulto, ^pois teu lascivo olhar em mim pregado, fito, - minha castidade como que um insulto. Si acaso te achas longe, a collossal barreira -dos protestos que, outr'ora, eu fizera a mim mesmas de orgulhosa virtude, erige-se altaneira. ?Mas, si ests ao meu lado, a barreira desaba, e sinto da volpia a ascosa e fria lsma aninha, carne polluir com repugnante baba...
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Olhos ueres
Ha na vibrante cr dos teus olhos, creatura, a virential frescura dos verdes e viosos vegetaes; teus olhos so, na cr e na espessura, florestas virginaes, onde das illusses o alacre bando passa, de quando em quando, cantando...
Olhos de expresses graves e fidalgas, postos na introverso dos ntimos scismares. Olhos que lembram solitrias algas, pompeando superfcie esmaecida dos mares.
Olhos onde do olhar alheio mal escondes a tua alma asteroide, a tua alma singular, pois, como atravs das frondes cam-se pelo espao as filandras do luar,
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tua alma os olhos te ablue, inunda, "transvasa e o rosto te illumina e banha de uma luz albuginea, luz estranha, luz que do luar supponho oriunda. Ha nos teus olhos a verdura intensa das guas mortas, das estagnaes, e quem os v, depressa, pensa vr tenros tinhores... Olhos de cujo olhar os gonfales desfraldas, *e deixas a rolar por todo o ambiente, como uma chuva undante, uma chuva esplendente* Tima dliquesencia de esmeraldas. 'Quando entreabro do sonho os fenestraes postigos -e aos teus olhos amigos, para melhor os vr, envio o olhar, tuas pupillas julgo orvalhados pascigos -onde, sempre a pastar, vive, das illuses prprias s das creaninhas, o armento de ovelhinhas. Olhos que lembram folhas pendidas, folhas do vento na aza levadas, postas em tristes, hiemaes jazidas de alvacentas estradas.
Olhos macios, cujos olhares supponho rios a desaguarem nos olhos meus; olhos de tal mysticismo feitos que, olhos herej< ficam sujeitos, s por fital-os, a crer em Deus.
Divinos olhos, cujas pupillas, langues, tranquillas, so duas malvas, malvas escuras, abertas sempre sobre as brancuras das corneas alvas...
Olhos com os quaes meus olhos maravilhas de luz, olhos que so abandonadas ilhas do oceano flux... ilhas distantes, apparecidas em alto mar, onde os meus olhos dous navegantes, andam buscando sempre aportar. Olhos serenos, olhos de creana, de olhar queixoso como onda mansa, como onda calma, que lasso, leve, langue se lana na praia solitria da minha alma.
Crystaes partidos 45
Olhos solennes e scismadores, verdes como os oceanos, como as franas, lhos embalsamadas esperanas postas sobre o brancor de estticos andores. Olhos tristdnhos, por onde vejo, em procisso e em coro, desfilarem verdes sonhos, sob os arcos triumphaes dos supercilios de ouro.
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Crystaes partidos 46
Olhos perfios
Olhos da triste cr dos ambientes mortuarios, onde paira uma luz de cirio a tremular; eu um dia suppuz que fosseis dous aivearios, porque havia um sabor de mel no vosso olhar.. Como no espelho arcoal de ptridos aqurios noute se reflecte o fulgor estellar, a vossa podridaoy olhos fataes e vrios, vem, s vezes, um lume estranho illuminar. Vejo, si em vosso todo acaso o olhar afundo, que, em vs, como no horror de um lodaal immundo geram-se occultamnte os micrbios de um mal. E eu, que buscava abrigo alma desilludida, toda me untei de lodo, infeccionando a vida, ao contagio da vossa emanao lethal!
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Crystaes partidos 47
5ino
Na solido claustral das torres sempre posto, o sino um monge eril, um monge solitrio, que reza de mansinho a orao do desjgsto, e desfia de sons lentamente um rosrio.
O sino a alma do templo, ao meu vr, ao meu gosto, vario o seu pezar, o seu prazer vario, pois, si elle geme triste, s horas do Sol-psto, canta, s vezes, alegre, u m canto extraordinrio.
Quando o templo festivo elle a saltar, bimbalha, e voa dos seus sons pelo espao a phalange, como de aves estranho e barulhento bando! Mas, quando veste o Sol do poente a urea mortalha, * sino plange e oscilla, o sino oscilla. e plange thuribulo de bronze o ar de sons impregnando.
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Uersos ueres
R Hermes Fontes
Esperana palmeira immensa,, erguida no Sahara da Vida, que o pallio protector da tua sombra espalmas caravana das almas. Esperana cigarra cancioneira, que a tua vida inteira passas, numa algazarra bizarra, do sol da juventude s claridades louras, cantando, at que estouras. Esperana floresta que eu transponho na tontura do sonho, floresta onde perdida, s vezes, vaga minha alma aziaga, anciando que desponte no horizonte,
Crystaes partidos 49 .
para aclarar-te, minha brenha escura! o astro radiante da ventura, ha tanto tempo posto, que me deixou na vida a noute do desgosto. Esperana vasto e verde pascigo onde eu folgava em creana, onde, despreoccupada, desde o roseo raiar da madrugada, eu ia apascentar, das phantasias minhas, as tenras ovelhinhas. Esperana arvore amiga, em cujas frondes se abriga das illuses a passarada; arvore que a crescer, numa etherea escalada, ergues supplicemente os torsos braos para os espaos, num gesto ancioso, num gesto afflicto, como que procurando alcanar o infinito. Esperana! Esperana ave que nos transportas, em tuas azas, s portas da Chanaan da Phantasia; essa tua magia faz com que os moribundos fiquem pensando noutros mundos, na anci illusoria de uma vida jamais vivida.
Crystaes partidos , 50
O' Esperana! tu s como a Phenix lendria, a tua durao indefinida, varia, vives a reviver das cinzas de; ti mesma; s da ventura humana o eviterno avanthesma, o avanthesma enganoso, a espiritual viso do inatingivel gso.
E m derredor de ti encresparn-se, uma a, uma, as martas da magua, e dos sonhos a espuma se levanta, se accende, procurando attingir o Ideal que no alto esplende... E tu, no emtanto, alheia a esse inconstante mar que ora em fria estrondeila,, ora triste solua e queixoso se espraia do corao na praia, ora ufano te mostra, ora busca tragar-te; impassvel, destarte, presa das almas nas tnues fibras, como uma alga orgulhosa te equilibras no caudaloso oceano do anceio humano.
O' Esperana minha! ave de arribao, fugitiva andorinha, com que carinho o ninho teceste no beirai da torre do meu sonho, e fugiste, supponho, progne erradiai mal previste chegar da descrena a invernia.
Crystaes partidos 5\
Em tudo, em todo sr a tua seiva impera, desde a mais frgil flor mais temvel fera, desde a lympha mais pura ao verme repellente, tudo, tudo te sente. Mal penetras a Terra, estranha sensao no imo das cousas erra, do.-: devaneios a horda alvoraada accorda, e toda a natureza em frmitos se agita, ao sentir-te, Esperana, a caricia bemdita; a alma das cousas jubilosa canta, desabrocha da flor o sorriso na planta, e abre-se em cada bocca a rosea flor do riso; pes no inferno da vida uns tons de paraizo, e fazes enflorar todo o sr que te encerra, Primavera da alma! Esperana da Terra!
Esperana luar pacificador, luar lento de bonana, luar mystico, luar santo, luar lavado pela enxurrada do pranto! luar consolador cuja luz triste e calma penetra a noute tempestuosa da alma! Da minha scisma as brumas illumina, Esperana, luz divina, luz triste, luz agonisante de Lua-minguante!
Crystaes partidos 52
Toda verde eu te sonho e no verde te vejo, busco atravs do verde o delicioso ensejo de poder partilhar da beno que tu, lanas aos seres, pelo gesto amigvel das franas. E ' verde o manto que por sobre o solo arrastas, verdes so essas tuas comas bastas, as tuas longas trancas, que derramas flor das guas mansas e emmaranhas nas frondes onde da humana vista a tua frma escondes. E ' verde o teu olhar, verdes teus olhos lampos, e rastros teus supponho os campos, e tudo reverdece ao teu divino assomo; brotas na podrido da existncia, assim como brota a vegetao na immundicie dos charcos. So verdes os teus marcos, verdes as emoes por ti sentidas, e so verdes as vidas alentadas no teu exhberante seio. E tudo quanto anceio, e tudo quanto por ti penso, de um verdor intenso! E ' verde a tua luz, verde a tua alvorada, no verde te achas concretizada.
Crystaes partidos
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f-
lEsperana! tu que s a estrella que nos guia na torva travessia da estrada curva da existncia, tem para mim clemncia! Aclara-me, afinal, todo o espinhoso e escuro caminho do Futuro... As tuas luzes promissoras lana no meu sr, Esperana!
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Crystaes partidos 54
Espirituaes
Do meu amor por ti como contar-te a historia, si nem sei desde quando em meu crebro o trago, erguido assim como uma igreja merencorea, da qual tu sempre foste o milagroso orago? De ha tanto no te vr, apenas, na memria, conservo do teu rosto um simulacro vago, e, como desse amor gso supremo e gloria, lembro de um teu sorriso o espiritual afago. O meu amor por ti intangvel e puro, desprovido de ardor, desprovido das ancias dos prazeres carnaes, ephemeros e escassos. Amor em que o meu sr totalmente depuro, amor que te dedico atravs das distancias, como um sol a outro sol, atravs dos espaos.
'
Crystaes partidos 55
II
O meu amor por ti uma arvore exilada, verde, em pleno vigor da juvenil chimera, que, na ampla vastido de solitria estrada, ama outra arvore que, de longe, a anceia e espera. Que importa da tristeza o hinverno ponha em cada folha sua uma ruga e a torne velha e austera? para que ella resurja, alegre e remoada, a Esperana vir qual uma Primavera. E ha-de este nosso amor esperanoso e lindo, os nossos coraes, meu longnquo amante! cada vez mais encher, frondejando... subindo... Amor mudo e soffrente, amor calmo e tristonho arvore a receber de outra arvore distante o alvo pollen da dor para a anthese do Sonho.
III
Para que deste amor nunca a memria laves vivamos sempre assim, a distancia sujeitos, tu ignorando sempre os meus defeitos graves, eu ignorando sempre os teus leves defeitos. Como duas eguaes e extraordinrias naves iro rumo do ideal nossas almas de eleitos, ambas vogando sobre os mesmos sonhos suaves, ao desejo que as move e imflamma nossos peitos. Cada vez entre ns mais a distancia augmento, para que esse almo ideal, tantos annos sonhado, no vejamos fugir num rpido momento, e sintamos, ento, immoveis, lado a lado' essa nusea, esse tdio, esse aniquilamento que vem sempre depois de um desejo saciado.
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Pala
O' voz desse a quem amo, voz flebil, macia! O' voz que, um dia, como um clarim festivo e promissor, despertaste o meu sr adormecido, annunciando-me ao ouvido o amanhecer triumphal do meu primeiro Amor. O' voz que os sonhos meus outr'ora alvoroaste e que hoje, num contraste, soltas, tristonha e calma, dentro da cathedral deserta da minha alma, os teus solennes brados, como um sino a dobrar, a dobrar a finados!... O' voz de plumas e de pennas, voz de remgios e trinados, que dos seus lbios nacarados saes, como esperto o Sol apenas, dos ninhos sae, de manhan cedo, cantando, o passaredo!
Crystaes 58
partidos
O' voz! escada de degros de seda por onde, luz do seu olhar tristonho, vae a minha alma, leda, subtilmente, galgando o varandim do O' voz de espiras odorosas, voz que me ebrias e pes louca! O' voz que saes daquella bocca como o perfume das rosas!
Sonho!
O' voz colleante. que deslizas e me perpassas pelo sr, na caricia macia e endermica das brisas, num frio e fluidico prazer! O' voz de humente murmrio, voz marulhosa, voz hiemal, que me entras a audio como u m queixoso u m lmpido, um cantante e liquido crystal! No teu rumor, voz divina! susjpiram flautas em surdina, ha sons soturnos e cinzentos de violoncellos em lamentos; sons espasmodicos de gosos, sons que se vo intercalando, a quando e quando, com sons violentos e nervosos de violinos vibrando!...
rio,
Crystaes partidos 59
Por no te ouvir os sons dordos a alma de sensaes trago vazia, mas guardo inda, na concha dos ouvidos, repercutidos, os gorgeios, as notas, os gemidos, dos teus ltimos sons vagos, dispersos, cuja dolente melodia eu quizera conter no rythmo dos meus versos.
* *
Fala! rede de pennas onde a minha alma se embala! Fala! jardim suspenso que trescala e que pelo ar se despetala... Ave que as azas mltiplas tatala... crystal que no ar se parte e estala... Meu sr ao co se eleva, se ala, pela chromatica escala dessa fala! Possa eu um dia inda escutal-a, essa que o sr todo me abala, divina voz, divina fala!...
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Crystaes partidos 60
Olhos
Ante palpebras, que so nveos tabernaculos sitos no rosto seu, voe, Musa, depor mil oblaes, com f, sem prever os obstculos^ a esses olhos, que so dous altares immaculos, onde u EspeMna accende um cirio ao nosso Amor.*
Crystaes partidos 61
Olhos feitos da cr das noutes de procella, quando fulge no co do raio a chamma clara. A' luz dos olhos teus minha magua se vela. Olhos - i - nesgas de co nocturno que se estrlla, cos que dessa tua alma a irradiao enluara. Do teu rosto na lage eburnea como o luar, so teus olhos, Amor, duas negras aranhas, das orbitas por entre os concavos, a fiar a teia luminosa e longa desse olhar, teia com que a minha alma envolves e emmaranhas'. Teus olhos do alento aos meus dias aziagos. Com teu olhar astral as minhas maguas curas. Quem me dera fitar sempre teus olhos magos! mananciaes de fulgor, dous alvissimos lagos, lagos onde a brincar vivem aves escuras. Da sclerotica sobre o lmpido brancor, essas tuas lustraes, lurulentas pupllas, julgo flores de untoso e espelhante trevor, estranhas, funeraes, desabrochadas por sobre hyalinos lenes de lagoas tranquillas. Teus olhos treva e luz, teus olhos dor e riso: ris e o fulvo irradiar dos teus olhos fascina, soffres e em teu olhar logo a, magua diviso.,! Cr-me: eu rejeitaria o prprio paraso para dos olhos teus habitar a retina.
O teu rosto glacial, pallida creatura! um claustro solitrio e, essas palpebras, so cellas onde a passear vivem monges de escura veste, de tredo aspeito e, em continua tristura, da saudade rezando a secreta orao. Na minha solido, no meu recolhimento, os meus olhos, da noute atravs da penumbra, buscam no co dous cos... do luar no raio lento encontrar brilho egual... (que louco pensamento!) luz dos olhos teus o prprio Sol se obumfora! Teus olhos, meu Amor, so bonanosos mares onde navegam dous pequeninos bateis, trazendo irradiaes dos mundos estellares! Olhos divinamente humanos, singulares, que dos meus olhos so amigos bons e fieis.
* *
Que importa os olhos teus, durante a vida inteira, no mais possa eu rever ? (inapagavel ha-de ficar na alma do cego a viso derradeira.) No mais teus olhos vr!... (que importa esta cegueira?) vejo-os na introverso constante da saudade.
-*&-
Crystaes partidos 63
Lago
R nogueira a Silua
Alma branca da selva, alma de maguas cheia, mal despontam no oriente os prenuncios solares, eis que o lago desperta, e se espreguia, e ondeia, das nymphas abrindo os florescentes luares. E, fitando a amplido que sobre elle se arqueia, tem frmitos azues, sente ancias aquilares, mas, qual Tantalo, soffre, em seus grilhes de areija, a tortura de olhar sem attingir os ares. A' noute, reflectindo os estellares lustres, sonha que encerra o co, que so flores lacustresl os reflexos astraes, e freme, e anceia, e estua... E na face pelluda e escura do Deserto, scintilla o liquido olho, idiotamente aberto, ante a nudez total e excitante da Lua.
-*&<-
Crystaes partidos 64
Rio
Da ptrea cathedral de esplendida cascata, como de monjas longa e estranha procisso, de guas alvo cortejo, em curvas, se desata, entoando religiosp e frio cantocho. 'b* E, s vezes, esbordoando as rochas, pela matta, ronca o rio raivoso em plena solido, e toda a frgil flor ripcula arrebata, sepultando o que nelle achara bero, ento. Ha no rio a tristeza, a clera e o prazer, em seu constante curso elle nos manifesta todas as vibraes vitaes do humano sr. E julgo-o, quando o vejo espreguiado sesta, um satyro, com o corpo encurvado, a lamber o ventre virginal e verde da floresta.
-+fS-
Crystaes partidos 65
Ironia o fTlar
Sa um grito de dr... e o detono de uma onda, como uma salva, atra e repercute, pelos longes do ar... De onde veio a voz o ouvido sonda e, em vo, busca escutar do naufrago os appellos. E o truculento Mar sinistramente esttronda, ruge, regouga, rola, espuma em rodopelos, e, talvez porque agora almo thezouro esconda, cada vez mais feroz se arrepia de zelos. Para a preza reter, barreiras de esmeralda ergue, e, num riso atroz de realisado gso, veste-a de rendas mil, de flores a engrinalda; move a cabea informe, as longas cans balana, e* alando a larga mo, num gesto victorioso, mostra cynicamente um cadver de creana.
-*3i--
Crystaes partidos 66
Bailao as onas
Vde-as: eil-as que vm eternas bailarinas, para a festa nocturna e fdica do luar, segue-as o coro alegre e alacre das ondinas, vde-s: eil-as qu vm, todas juntas, bailar. Corpos nus, braos nus, que flavas serpentinas cingem, abstractas mos de brancura polar surgem, despetalando orchideas argentinas, Sobre a pellucia azul do tapete do mar. De quando em vez, na praia, uma a sorrir se apruma, sobe num rodopio e alva coma de espuma desnastra, serpenteando o leve corpo no ar. E a Lua, erguendo a fronte eburnea e scismadora, deixa rolar no azul a cabelleira loura, pela praia alongando o indifferente olhar.
-+3K-
Crystaes partidos 67
Tristeza a sauae
Vens dos longnquos horizontes... J o extremo fulgor do Sol se apaga; pelo tapete verde e velloso dos montes a tua sombra se propaga,.. Caminhas lenta, em movimentos lassos, viso violacea e vaga, ,de violetas juncando os desertos espaos... e ora pelas estradas, talvez essncia tua, um perfume de ptalas fanadas, levemente, fluctua...
Essa que trazes, longa, arrastando pelo poente, tnica leve e transparente, entretecida de lilazes, tem a tristissima cr das gangrenas que em minha alma fez a Dor.
Crystaes partidos * 68
Dentro da etherea cathedral da Tarde, religiosa paz crepuscular, emquanto Venus, como um cirio trmulo, arde, ouo essa tua voz, lentamente, vibrar, n a soturna expresso de um sino collossal; e, sombria viso que erras atoa no ar, Saudade universal! sinos e coraes, tudo fica a dobrar, num grande funeral. O' sombra macerada e intangivel dos poentes! Saudade que vens, qual uma irman de caridade, velar cabeceira dos descrentes e pensar as profundas cicatrizes das almas infelizes! O' pallida coveira descarnada que, num labor insano, vives na eterna exhumao da ossada dos extinctos ideaes do corao humano! Crepuscular Saudade! que estranha suggesto a alma da Terra invade, quando, muda e scismatica, te pes, na tua mediumnidade, o espirito a invocar das mortas illuses! Saudade espiritual que o espao ensombras, que a natureza toda sente, que de aromas antigos, velhas sombras, enches este deserto e emmudecido ambiente!
Crystaes partidos 69
-Saudade que te apuras, quando as horas se vo tornando escuras, e anjo de azas pellucidas repouzas, ^voando da alma das cousas, na alma das creaturas. Ento, Saudade minha, a tua forma avulta, se accntua, e, luz da Lua, para mim caminha. Vens coberta de andrajos e de espinhos, has transposto por certo asperrimos caminhos -e, exhausta de fadiga, nestas, da noute j,, horas sombrias, mortas, minha Saudade antiga, entras-me da alma as portas. Oiutr'ora, tremula velhinha, tu me vinhas contar em toadas merencoreas, contos da Carochinha, longas, lindas historias; -e me falavas em chimeras flavas, aiuma terra encantada, onde se fruia uma ventura rara, ma ventura que ningum inda gosara... Terra situada alm... muito alm... muito alm <da obscurecida estrada de violetas do occaso, Terra, supponho, do Supremo Bem.
Cryst,es partidos 70
Nesse tempo remoto, abandonando-a num total descaso, a alma deixava errar, posta tua merc, e chorava em segredo, Saudade do Ignoto! -sem saber explicar a mim mesma porque. Eu te sentia, ento, minha Saudade linda, porm, era feliz, porque sonhava ainda. Como mudei e como tu mudaste! j se me vae encarquilhando a face e tu, nesse teu todo esguio de haste, tens o aspecto feral de um lirio que murchasse; de to alva, to leve, to etherea, lembras-me a Lua lactescente e langue, eu, bem vs como estou, o polvo da Misria chupou-me, pouco a pouco, a juventude e o sanguje.,
Minha Saudade antiga e pertinaz, hoje te sinto ainda e j no sonho mais! Si algumas vezes indecisa tento, preparando os sentidos, retrogradar a esse caminho poento dos dias j vividos; si a minha alma, vencida, tenta buscar uma ventura fruida, dentre o meu collectivo soffrimento,
por acaso, esquecida; frustrado o meu intento, lucta inglria! debalde me revolve o afflicto pensamento o vasto cemitrio da memria. Saudade, te sentir pelo Passado trazer na alma um bem supremo perpetuado. Infeliz quem, como eu, s no teu amargor conseguio avaliar da ventura o sabor. Bem merecido o mal desse que te sof-frer por um appetecido e gosado prazer. Infeliz quem, como eu, injustamente expia, em perpetua enxovia, o crime de um prazer to somente sonhado, vivendo, dia a dia, ao teu mando, ao teu lado, carcereira da Dr por teu olhar guardado. Saudade, minha tremula avosinha, j no me contas mais longas, lindas historias, de fadas louras, de venturas illusorias, quando, pela mudez tristssima desta hora, vens na minha alma te asylar; o nosso sr aos poucos se definha, minha Saudade singular. No mais o pranto os olhos meus irrora
Crystaes partidos 72 ,
por te sentir, por te soffrer, s me falas agora na suprema ventura do No-Ser. Minha Saudade congelada, Saudade que eu no posso decifrar, s uma dr mumificada, uma felicidade estatelada, uma esphinge de luar!... E assim queda, calada, pairas, etherea, vaga, indefinida, Saudade do Nada! dentro da minha vida.
-*35*-
Noctumos
R Rlexanre Dias
Crystaes partidos
75
Nodte amiga, piedosa do infortnio, velando o alonga pela Terra o teu d que eu possa dormir
enfermeira do doente humano somno, do ar* olhar dormente, para depois sonhar.
Todo o teu, sr aclara um jbilo fremente qmando, me negra, vens teus filhos alentar, na spargose etheral do tupiido crescente, dando-nos a beber o teu leite de luar.
Na morna quietao do teu seio convexo, no gso fraternal desse teu largo amplexo, dormem,. serenamerite, o Co, a Terra, o Mar.. Em ti se decompe e se frma a existncia, primeira viso da embryonaria inconsciencia, ultima imagem que hei de em meus olhos levar!
Crystaes partidos 77 -
Apraz-me sempre ouvir, s horas vespertinas, os preldios da Noute, os iriantes rumores que, mal rolam da sombra' as primeiras cortinas, fazem soar pelo espao os Arrebes, as Cores. Ha na violacea cr violinos em surdinas, vibram no ouro clarins ruidosos e aggressores, gemem flautas no verde, em notas tiples, finas, rufam dentro do rubro invisveis tambores. Soam na rosea cr accordes flebeis de harpas, travs o alaranjado ha guitarras chifrando, e os sons rolando vo nas ethereas escarpais... Ha uma breve fermata e, aps, exul, tristonho, solua um orgam do alto, em som pauzado, brando) dentro do azul do co, como um sonoro sonho.
II
Na extrema exhalaao da lcida existncia, o Sol, na alcova astral do poente, alm, perece; queda-se a Natureza em muda reverencia, o silencio recorda um xtase, uma prece. A Noute vem subindo, immensa magua vence-a? para o enterro do Sol traz dos astros a messe. A treva chove... ha como uma diliquescencia de onixes, no ar, qu,e, pouco a pouco, enltenebrece.. A Noute, a negra etherea, a negra dolorosa, projectando na terra o seu vulto de esphinge,^ galga, afinal, do espao a escada vaporosa. E, ao sentir o rumor das nocturnas passadas, de nuvens roxas todo o horizonte se tinge, ha como que no azul saudades esfolhadas...
Crystaes partidos 79
III
Anoutece. Ha por todo- este immovel ambiente a chorosa mudez, o silencio funereo de um lar, de onde sahido haja, recentemente, um fretro buscando a paz do cemitrio. Anoutece. De longe um sino, lentamente, annuncia da morte o insondavel mysterio, e a alma, todo o pungir que o espao sente, sentje. casa-se nossa dr ao soffrimento ethereo. O dia uma illuso, o occaso um camporsianto; as almas no so mais de que funereas lousas, dias e illuses! tendes egual destino! Um dia morto... uma illuso que morre... e, emlquanto, fora, o sino interpreta a tristeza das cousas, plange a tristeza em ns, como um soturno sino. <
IV
Chuva de cinzas... Cae a tarde l por fora na extatica mudez da Terra triste e viuva;; e da tarde ao cahir sinto a minha alma, agora, embua-se na scisma e no torpor se enluva. Hora crepuscular, hora de nevoas, hora em que de ignoto bem o humano sr enviuva; e, mquanto em cinza todo o espao se colora, o tdio, em ns, como uma cinerea chuva. Hora crepuscular concepo e agonia, hora em que tudo sente uma incerteza immensa, sem saber se desponta ou se fenece o Dia; hora em que a alma, a scismar na inconstncia da sorte, fica dentro de ns, oscillanjdo, suspensa, entre o sr e o no sr, entre a existncia e a morte.
Crystaes partidos l
Mudo arauto annunciando & Noute que vem perto, Vsper o astro da Tarde, ao despontar na altura, pe um marco de luz do espao no deserto, e arfa, e treme, e palpita, e fasca, e fulgura. Surge um estrella mais... e o lume, antes incerto, do firmamento, ao vir da escurido se apura; fulge o etheral palcio, em festa a,gora aberto, dos luzeiros expondo a iriante illuminura. Ha um frmito no espao: a Noute se arrepia,-, passa p Vento agitando a aza nervosa e fria, ave errante buscando um ninho onde se acoute. E as estrellas, lanando a, luz tremula e clara, lareiras do infinito, ardem suspensas, para aquecer e dar luz cmara da Noute.
Crystaes partidos 82
VI
Lsmas longas, por sobre a relva espreguiadas, lambendo a escurido, alvas, ermas, tranquillas, , pelos flanos da vrzea, alongam-se as estradas, das arvores transpondo as gigantescas filas. Uma luz, semelhante luz das alvoradas, no silencio escorrega... as estrellas ancillas da Noute, por tal lume agora deslumbradas, piscam, de quando em vez, occultando as pupillas. Destaca-se no longe a montanha altanedra; lenta, lctea, marmrea, enlanguescida e lampa, surge a Lua nocturna e velha carpideira. E, de manso, pranteando' a morte real dos Diasy ella deixa escorrer do infinito na campa, as lagrimas do luar, luminosas e frias.
Crystaes partidos 83
VII
O alvo frouxel do luar se estende pelo matto... Um perfume subtil, preguioso, fluctua, e, mal no espao o absorve, em vP perscruta P plfactor si elle subiu da Terra ou si desceu da Lua. Toma-me todo o corpo um languor insensato, fecho os olhos e sinto a alma aricia tua sonho! apenas a luz que me amacia o tacto r e, qual um pollen, cae na minha cutis nua. E ' a luz lunar que, humente e untosa, como collia*. escorre pelo azul... Vencei-a embora queira, j no crebro meu, atoa,; a ida rola... A Lua, algida flor de celica esponjexra, desabrocha na altura, a pallida corolla e desprende do luar a essncia dormideira.
Crystaes partidos 84
VIII
E' noute. Paira no ar uma etherea magia; nem uma aza transpe o espao ermo e calado^ e, no tear da amplido, a Lua, do alto, fia vos luminosos para o universal noivado. Supponho sr a treva uma alcova sombria, onde tudo repouza unido, acasalado. A Lua tece, borda e para a Terra envia, finos, fluidos fils, que a envolvem lado a lado. Uma brisa subtil, humida, fria, lassa, erra de quando em quando. E' uma noute de bodas. esta noute... ha por tudo um sensual arrepio. Sinto pellos no vento... a Volpia que passa, flexuosa, a se roar por sobre as cousas todas, como uma gata errando em seu eterno cio.
-*gf^
Crystaes partidos 85 .
Falano Lua
Triste como a saudade, a dr suprema, raias, Lua, do horizonte porta! vens aureolada por luzente estemma, como uma virgem morta. Como s formosa, minha Lua, quando, esparzindo no co teus raios lentos, as almas de tristezas vaes semeando, para colher lamentos!... Lua amiga, marmrea Lua-cheia, alma da Noute, mystica lanterna, minha dr traz luz, de luz semeia -a minha noute eterna! -Rosa que em pleno azul desabrochste, rosa, rosa de luz, astro maguado, perla immensa no ceruleo engaste, tmulo do Passado.
Crystaes partidos . 86
Ninho das minhas prfugas chimeras, diadema que da Noute a fronte cinges, sultana que, pompeando, do alto imperas, com mysterios de esphinges! Cofre de amor, inviolvel cofre! anjo que a minha solido povoas, consoladora amiga de quem soffre, irman das almas boas. Lua fogueira dos jardins celestes, que lanas magas, malfazejas luzes, e os nossos sonhos attrahindo, prestes. a cinzas os reduzes. Lua reflexo da immortal e pura alma da excelsa e celestial Maria, fonte que entornas da estrellada altura a tua luz sombria... E's a caoula que no co incensa, de Deus o solio, teu incenso feito dos ais que accolhes, ais de magua immensa,. que saem de algum peito. Da mysteriosa Noute s o mysterio, das almas s o livro, a triste historia; teu raio para mim balsamo ethereo, Lua merencorea!
Crystaes partidos 87
Mas, dize: porque sempre que te fito anjo ou demnio que no empyreo vagas fazes lembrar-me de um amor maldito, l, das ceruleas plagas? Porque razo os raios teus no agem contra esta magua, esta saudade crua, e desse que amo vens trazer-me a imagem na claridade tua? Oh! si possvel, astro meu, te fosse fazer esse ente dedicar-me affecto, como o viver, ento, ser-me-ia doce, de ventura repleto!... Ao menos, Lua branca, Lua fria, minora o mal que a alma me opprime e invade, nos raios teus um seu suspiro envia, leva-lhe esta saudade... Nada ha que o teu silencio desencante, astro onde os ais de um pobre amor aninho, e foges nivea pomba soluante, a procura de ninho...
-*&*-
Crystaes partidos 88
Ro som e um sino
Tange longe um sino, numa igreja (como o som do sino no meu sr um prazer ingnuo tudo manifesta, julgo a natureza um templo acceso, cujo ambiente incensa com o luar a
Tange longe um sino, tange alegremente, mas tristeza espessa ora minha alma encobre, que bem no fundo do meu sr soffrente, por ouvir o sino soar alegremente, da saudade o sino solta o triste dobre.
Passam moas rindo, prazenteiras, bellas, qual um bando alacre de anjos palradores; e eu recordo, ento, que tive a edade dellas,v moas, rudes, sim, porm felizes, bellas, e fui sempre velha pelos dissabores.
Crystaes partidos . 89
Anda assim minha alma divagando atoa, na penumbra triste do meu lar sem brilho; um rumor macio, preguioso, sa: a cano que solta, vagamente, atoa, minha irm buscando adormecer meu filho. Ah! meu pobre filho! que remorso immenso minha mente punge, minha paz trucida, sempre que te fito, sempre que em ti penso! Como devo expiar este meu crime immenso de te haver legado o grande mal da vida? Por um mero gso da matria immunda, vieste ao mundo fructo da volpia minha, tua dr ser desse prazer oriunda, e hei de ver-te posto na existncia immunda, na existncia humana, de prazer mesquinha. Hoje, no meu erro toda concentrada, com pezar eu vejo, com pezar eu sinto (quando j podia no restar mais nada,) que em teu frgil corpo se acha concentrada a alma immorredoura desse gso extincto. Ri, na e o vae das repica o sino galhofeiramente, minha alma agora uma saudade plange, rumor do sino, em minha pobre mente, resuscitando, galhofeiramente, chimeras minhas a feral phalange.
Crystaes partidos 90
Um perfume leve, mystico, tristonho, vem tocar-me o dlfacto, traspassando a porta, sorvo-o com delicia, faz lembrar um sonho... pois, noctivagando, mystico, tristonho, a alma me parece de uma flor j morta...
E relembro todo o meu fatal passado, de saudade enorme sinto-me possuda, por um gso estranho, nunca, pois, gosado! Que saudade enorme! no do meu passado, mas de uma outra vida, no por mim, vivida.
Tange longe um sino, tange alegremente, mas tristeza espessa ora minha, alma encobre, que bem no fundo do meu sr soffrente, por ouvir o sino soar alegremente, da saudade o sino solta o triste dobre.
-*f*<-
Crystaes partidos 91
Luar e hinuerno
Projecta-se na treva a amarellada chamma da Lua que parece um cirio a se exgotar; um luar de cera se derrama... -cerso torna-se todo o ar. Da tristega interior do meu sonho, contemplo a noute aberta como um templo abandonado, um carcomido templo. Do co na larga abobada ogival, fulge, de lado a lado, o lume das estranhas pupillas de polychromas aranhas, que abrem por toda a altura os olhos de cryst&l. Fina neblina, pelos espaos, em fios frios, em fluidos traos, passa, perpassa, o ar embaraa, a luz da Lua tornando baa.
Todo o ambiente arrefece, faz tanto frio, que o corpo sente um tremor persistente... D e quando em quando, do co sombrio, uma aranha escorregando, lentamente, por um fio luzidio, desce... i atravessa o infinito uma estrella cadente.
Embevecida e queda, fico-me, horas inteiras, a fitar, da neblina atravs da delgada a Lua, que se me afigura um capulho de seda a se desfiar num tear...
urdidura,
E a teia augmenta, na transparncia de u m a gaze s frouxa, fluctuante, alvacenta... Torna-se a luz astral imperceptvel qua^i. Calmamente, a subir, a Lua o zenith ganha, e tanto de neblina o ether se adensa e a vaporosa teia se emmaranha, que, a Lua, assim suspensa, supponho o vulo sr de uma celeste aranha.
Crystaes partidos 93
P fulgor magnetisante do olhar velado e incerto das estrellas, meu pensamento, num instante, ascende, vagueia pelas alturas, va, erra como uma bprboleta, atoa, e, estonteado pela flamma do olhar que o chamma, do olhar que o attrahe e que o fascina, sobe inda mais, sobe e, sorprezo, v-se, afinal, gelado, prezo, no amplo, sdoso e ethereo aranhol da neblina.
s-gg-e
ntimos
R Canida muniz Barreto da Costa
Minha avosinha, minha avosinha, hoje quo longe de mim te ests! Que linda Magua se me avisinha e me recorda os primaveraes dias vividos na infncia minha,, dias que nunca voltaro mais. E dessa estncia do meu Passado, s tu perduras por sobre as ruinas, e erguendo o vulto sereno e amado toda a povoas, toda a illuminas. Ah! como doce ao meu sr maguado essa lembrana que lhe propinas! E' que, na phase da minha infncia, me foste sempre qual protector anjo que, sobre o meu mal, minha anci, azas abria de nivea cr; e inda hoje, ausente, posta distancia, lanas-me o pallio do teu amor.
Crystaes partidos 95
Mesmo da infncia pelos caminhos tive os aculeos dos dissabores, transpuz misrias, transpuz maninhos desertos negros e aterradores, que tu, cuidosa, com teus carinhos, alcatifavas de olentes flores.
Sempre do gso para a anciedade aos lbios tive da dr o fel, pois, desde a minha mais tenra idade, foi-me o destino triste e revel; e s na tua doce bondade achei na vida um pouco de mel.
Os meus momentos mais enfadonhos por ti me foram sempre alegrados; os desenganos trdos, medonhos, de mim buscavas tr afastados, acalentando meus pobres sonhos na rede de ouro dos teus cuidados.
E, recordando aquellas antigas noutes, passadas no nosso lar, em que, vencida pelas fadigas, ia ao teu collo me aconchegar, escuto aquellas velhas cantigas que tu cantavas a me embalar.
Grystaes partidos 96
Hoje, que o sr trago envelhecido pela tortura, pelo cansao, e em vo abrigo busco ao vencido corpo, que sinto morrente e lasso, punge-me a dr de no ter morrido no fofo leito do teu regap.
-*SS"f-
Lunar
Velhinha boa, l vem a Lua subindo, como que a cambalear; a Noute dorme gelada e nua e, para o somno lhe suavisar, sobre o seu corpo desdobra a Lua largios e longos lenes de luar. Olhos luzentes, olhos dos campos, de luz incerta, luz polycor, alm, dos longes do espao, escampos, brilham lampyreos pelo treyor, lcidos olhos, olhos dos campos, de olhar curioso, investigador. Andam perfumes somnambulando, emquanto as cousas dormindo esto; o vento passa, de quando em quando, e tudo ao vento estremece, ento; , divagando, somnambulando, andam perfumes pela amplido.
Crystaes partidos ** 98
Num largo lago que alm se espalma fulgura todo o lume estellar, e a Lua ao vel-o, risonha, calma e embevecida, pe-se a mirar a sua, sombra sobre a gua espalma, na gua fluctuando qual nenuphar.
Passa do vento a secreta ronda, dizendo s cousas; E' j manhan! emquanto a 'Lua sobe, redonda, lembrando um seio, (que ida van!) e, ao chamamento da estranha ronda, j tudo pensa no diurno afan.
No entanto noute; mas, to branca a luz que a Lua lanando vem, que as cousas todas do somno arranca, as almas enche de um novo bem. Por uma noute de luar, to branca, pde ter somno siqer algum?!
Faz-se na terra uma nova orgia onde quer tudo se embbedar... A Lua. as cousas, de cima, espia,; e, amphora de mbar, suspensa no ar para a nocturna, terrestre orgia,, entorna o oleoso licor do luar.
Crystaes partidos 99
Em requebrados, em bmboleios, com gestos lentos, langues, sensuaes, mostram as frondes os verdes seios; rolam as flores dos laranjaes... e, ebrias, as plantas, em bmboleios, dansam as dansas das bacchanaes.
Ha sons de beijos pelos espaos, lentos lamentos, ais de prazer... tornam-se os olhos dos astros baos, de quando em quando, para no vr laos de braos, que, nos espaos, se abraam todos,, num s querer...
Ha paina solta nas fronderias, paina no espao, paina no cho; as nuvens^ no alto, de to macias^ flocos de paina julgo que so... e a Lua, vista entre as fronderias, parece um fructo sr de algodo.
Mantilhas brancas, chals de bruma, rolam da Noute nos hombros nus; o co agora todo se esfuma de nevoas que erram do espao flux. e a Lua, vista atravs da bruma, um incensorio lanando luz.
Ha espasmos brancos pelas alturas, espasma a Tetra., o Infinito, o Mar., e, j do sonho presa s tonturas, sinto-me como que desmaiar. Escorregando, pelas alturas, a prpria Lua desmaia no ar.
-+SH-
Ao pr do sol de uma Chimera, de uma Chimera ao sol se pr, da vida em plena primavera, perece o meu primeiro Amor. Que roxo occaso o da Chimera! Morrente Amor... sol a se pr... Era to manso, era um cordeiro ^ste meu casto Amor de creana, sempre a pastar o dia inteiro nos vastos campos da Esperana, *e eu a pascer este cordeiro, desde o ureo tempo em que era creana. Dos sonhos meus o alado bando, nm cantocho baixinho a entoar, vae meu Amor amortalhando em vestes alvas como o luar. Quo t r i s t e canta este ureo bando! parece um hymno JDr entoar.
Sempre ao surgir da tarde fiava, do meu Amor o cordeirinho, ancioso e trfego, buscava o aprisco azul do teu carinho; mas nunca, ao vir da tarde flaVa, abrigo teve o cordeirinho.
Role o leo santo desse olhar, chova a gua benta do meu pranto, para do meu amor untar o agonizante corpo e, emquanto o leo escorrer do teu olhar, chova a gua benta do meu pranto.
O' dos meus annos Primavera, das illuses traze-me a messe, para depor na campa austera do meu Amor que ora fenece! Traze-me, | linda Primavera, das illuses a florea messe!
E tu, meu pobre corao, que deste Amor fanado e pulchro o bero foste, agora, no s mais que um glido sepulchro; encerra pois, meu corao, todo este Amor fanado e pulchro.
Eis, pois, extincto o antigo culto que era o meu mal secreto e lento; ai! quem me dera o vr sepulto por sob o p do esquecimento! Porque no finda, com meu culto, o meu tristor secreto e lento?
E' que este Amor desventurado deixa-me ainda, ao meu pezar, como seu ultimo legado, a eterna dr de o recordar. Morre um Amor desventurado, mas nunca mais morre o pezar.
E, qual coruja, empqleirada sobre o cypreste de minha alma, soltando cynica risada, as azas tetricas espalma, a Dr coruja empoleirada sobre o cypreste de minha alma.
Das illuses de outr'ora as flores (oh! que painel desolador!), j vo perdendo as vivas cores, e, sobre a campa deste Amor, vo "se esfolhando, pobres flores! (Oh! que painel desolador!)
D a minha lcida Chimera no mais terei a interna aurora, e, no meu sr, a noute impera,! embora a luz fulja l fora. Ai! lindo sol, linda Chimera, que nunca mais ters aurora!
O bando alacre dos meus sonhos^ vae ascendendo, aos poucos, no ar, soltando cantos to tristonhos... talvez por nunca mais voltar. J da aza crespa dos meus sonhos ouo os remigios soarem no ar.
Tudo acabou, somente, agora, triste velhinha carpideira uma saudade, afflicta, chora a morte da paixo primeira. Do meu Amor que resta agora? esta velhinha carpideira.
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Temporal
R miguel monteiro
No aconchego nupcial dPs ninhos silenciados, sentem de um pezadello a tetrica tontura, as aves, despertando aos repetidos chiados do matto, a se estorcer, dentro ida noute escura. Tudo accorda. Ha no horror dPs cos congestionados a trgica expresso de uma etherea loucura; soam, dentro da selva, uivos, lamentos, brados, e o vento os ossos quebra s arvores, tortura. Do fuzil fura o espao a fulgida fagflhja, a fronderia, ao vento, estoura como uma ond^ &L* e logo aps se acalma, e logo aps inayrjulha. Num frio estillicidio a chuva tomba, agora, rpido, o raio risca a treva:, e estala,; e estronda, e o matto chia... e o vento geme... e a chuva chora...
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Noute seluagem
Entro na selva. A noute espessa. De centennsj de pyrilampos toda a matta se illumina; astros movem no espao as, rutilas antennas, como insectos de luz, numa etherea campina. Ergo ao co, deso terra a assombrada retina, e ante as luzes astraes e ante as luzes tferrenas, a terra e o co, o co e a terra, julgo,; apenas, um s co que se estende, alonga e nao termina. Em cima ha tanta luz que o olhar erguido pasmai! Cada estrella parece um luminoso miasma a medrar, a fulgir da treva na espessura. E a noute de to ndgtra, e to amplia, e to densa^ um pntano infinito, uma lalga immensa, a decompr-se em luz, a effervesoer na altura.
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Insomne
Noute feia. Estou s. Do meu leito no abrigo cae a luz amarella, e doentia do luar; tediosa os olhos fecho, a vr, si, assim ,consigo, por momentos siquer, o somno conciliar. D a janella transpondo o entreaberto postigo *ntra um perfume humano impellido pelo ar... E's tu meu casto Amor? s tu meu doce amigo, que a minha solido vens agora povoar? ^A insomnia me allucina; ando num passo incerto: E's tu que vens... s tu! reconheo este odor... corro porta, escancaro-a: acho a Treva e o Deserto. E este aroma que teu, aspirando, supponho que a essncia da tua alma, meu divino Amrl p a r a mim se exhalou no transporte de um sonhb.
-*S&-
Quaras simples
O ' Lua, velha fiandeira que andas mollemente a fiar, s vezes a noute inteira, o linho branco do luar! Porque eu tanto assim te queira, por tanto, Lua, te amar, d-me, na hora derradeira, uma mortalha de luar.
*
Certo, nas noutes de Lua, tua alma errante de poeta, em pleno espao fluctua numa escalada secreta. E, ao pallio que a Lua .espalma, buscando a tua encontrar, dentro da noute, a minha alma se eleva, tacteando no ar.
Ha-de, com toda a certeza, casar-se a minha alma tua, nessa capellinha accsa, na alva capella da Lua.
E, como um monge velhinho, rezando tremulo, o luar, ha-de, com todo p carinho, o nosso enlace abenoar.
Assim, pelas noutes calmas, num leve e mystico abrao, podero as nossas almas Tunir*-se, ao menos, no espao.
-*SS-
Ser mulher..*
Ser mulher, vir luz trazendo a alma talhada^ para os gosos da vida: a liberdade e o amor;; tentar da gloria a ethereia e, altivola escaS$a, na eterna aspirao de ,um sonho superior... Ser mulher, desejar outra alma pura e alada para poder, com ella, o infinito transpor; sentir a vida triste, insipida, isolada, busjpar um companheiro e encontrar um senhor... Ser mulher, calcular todo o infinito curto para a larga expanso do desejado surto, no ascenso espiritual aos perfeitos ideaes... Ser mulher, e, oh! atroz, tantalica tristeza! ficar na vida qual u m a guia inerte, p*eza nos pezados grilhes dos preceitos sociaes!
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Inuocao ao Somno
Somno! da tua taa bronzea e fria d que eu -ribssa sentir o ethr, a anesthesia. Eis-me: ccfe|po e alma inteira, para essa rua orgia. Busco esquecer a minha hypocondria na tua bebedeira. Quero sentir o teu deliquio brandp apoderar-se do meu sr, e cochilando, bamboleando, ir, lentamente, escorregando1 pelo infinito do prazer.
Vem meu languido amante, deixa-me, no teus,suave e remansoso seio, no teu seio gigante, ., sem ancias, sem pezar, sem dores, sem receio, repouzar um instante.
Vem! j de mim se apossa um sensual arrepio, todo meu sr se fica em total abandono... D-me o teu beijo frio, Somno! Deixa-me espreguiar o corpo esguio, sobre o teu corpo que , como um frouxel, macio. Eis-me, languida e nua, para a volpia tua. Faze a tua caricia, como um leo, passar pela minha epiderme; essa tua caricia, humectante e emolliente, * u e no corpt me pe colleios de serpente ' e indolencias de verme.
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A vida uma descida; mas tu, Somno, ni ds a ineffavel delicia de ensaiar a escalada para a Morte a ascenso gloria ambicionada!; n),s tu, Somno, s a calma, s a mudez propicia suave ..anteviso da ampla Chanaan do Nata. Quem, a dr e traz a ajma como atroz, numa e, em eu, da existncia, apenas, sente a realidade bruta, agonia persistente vo, onde mora a ventura perscruta,
s na tua embriaguez acha conforto. Lana-me agora e sempre essa tua blandicia, deixa-me descansar o corpo semi-morto e a alma desilludida... Faze com que, da tua paz fictcia, paz eterna me transporte, Somno morte da Vida! Somrto vida da Morte!
INDLGE
NDICE
No forculo da Fjj^nia o alvo crysfal do Sonho ^Silencio '. Luz ncia azul . . . . ; : . . ... .. Natal ' , Estivai \A Perfume. * Sandafo f Incenso *Odr dos manacs Kosas Violeta /.. oompre-viva ^rsnhol verda. Dettro da noute -. Beijo % .. Sensual ." Olhos verdes. . . . . .. .. Qlhos prfidos f Sino Versos verdes Espiritaes. ....
13 15 15 21 22 .24 25 26 2L* 28 30 31 32 37 39 41 42 46 47 48 54
IKI3IOE
Tala. Olhos. Laga. ' Rio Ironia do M a r . ... . Bailado das o n d a s . Tristeza da s a u d a d e . Noctfirnos. .,.
-*t
Falando L u a . Ao som de um sino- Luar de hinvernq. ' ntimos. Lunar. . '* Temporal Noute ^^pfagem. . . Infohne Ser mulher Jnvdteao ao S p m n o . . .. pBpdras simples.'." C a n o de uma doente.
r
A Terminou-se a impresskdeste livro, aos 'trinta; e um de Dezerrbif de mil novecentos e quinze/finas efficas grapMca da Reyita dos Tribunaes RuW do C/irmo, numero cincoenta e cinco Rio de Janefro..
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