Filinto Elísio - Obras IIII
Filinto Elísio - Obras IIII
Filinto Elísio - Obras IIII
DE F ILINTO E LSIO
TOMO IV
ODE
A FILINTO
Musa vetat mori.
HORAT.
OM sacrlego arrojo o Cu tentaram, Fitando o trono eterno, mpios gigantes; Porm a Dextra, que maneja o raio, Trocou a audcia em cinza. Tal dos zoilos que s Musas se atreveram Confundindo o rancor do Engenho ao brilho Mostrou baldadas da Calnia as artes, Contra imortais esforos. Na torrente dos sculos profunda Imprios, geraes desaparecem: Mas nomes como o teu, Filinto ilustre, Comum destino escapam. Quem, como tu, do Luso plectro arranca Olimpacos sons; quem vibra as cordas Da Orfeia Lira, que ameigou das sombras O desabrido Nmen; No teme horrores do Aqueronte avaro: Se a fortuna se obstina, Morte cede; Mais dceis que os mortais, curvam-se os anos Ao poder d'harmonia. Transpondo o negro vau, que absorve as chamas Do ignaro vulgo; as miserandas terras Tu deixars Filinto, e das idades Ters a vida e culto. Embora da existncia o pego incerto Ostente ora procela, ora bonana: O sbio em seu propsito seguro, Plcido sulca as ondas. Sem medo Morte, sobranceiro Inveja Indmito a desastres, e a tiranos, Igual o encontra na verdade absorto, Fado severo, ou meigo. Desta arte o Sbio a Eternidade atinge, E quando as Musas seu renome exaltam, Distinto entre imortais seu nobre assento
Raia brilhante ao Mundo. Tal se me antolha teu destino excelso, Quando, Filinto, aos ares te remontas, E rpido cruzando a etrea via, Fulguras entre os astros. Da Moral, da Virtude aceso lustre Tu, farol Venusino, inda mais brilhas, Pois a negrura teu fulgor no doura, De coroados monstros. Tu, rgido sectrio da Verdade, Seu preclaro cantor, nunca aviltaste, Divino metro sobre as torpes aras Da srdida lisonja. Da estpida Arrogncia os Simulacros J Tu mais incensaste. Eis porque a ptria Perdeste, e a paz, e os bens; que te arrancara Malfico Alvedrio. Cus! que horrvel Mistrio a Lusa glria, Cobriu sempre de luto? Ah! que elementos Estranhos combinou! Mrito, exlio, Talento, e desventura! Depois, que Gnio mau de Lsia acerbo, Avarento, fantico Cime, Dominou seu solar, de Stgia peste, Infectou seu regao. Da Intriga as Serpes que o vil dio nutre Com venenoso bafo amorteceram Os louros de Pacheco, e o rico Esmalte, Que lhe adornara as cinzas. De Lsia desde ento lavrou no seio, O atroz flagelo da Grandeza sua, Que em menoscabo da nativa glria, Deu seu alarde a estranhos. Prfugo assim da ptria, que idolatras, Que inda serves, Filinto, Ah! porque gemes? Justa ao mrito alheio, a ptrios dotes, No adversa Lsia. Se o corao simptico no mente, Sua voz ouo alegre minha unir-se, E grata ao nome teu, folgar, soberba, De dar-te o bero e o aplauso. Mas de seu nome os inimigos feros, Seu seio devorando, ho decretado, Perseguio em prmio Sapincia, Ao Engenho extermnio. Ah! e at quando, expiadores Fados, Sofrereis tal labu, de Lsia indigno? Mas, qual palma Idumeia a Glria surge, Ao peso que a comprime. O dia da Virtude, inda que turvo, Perante os da Fortuna, sempre belo; E no seu ocidente a nuvem despe, Que a Inveja lhe criara.
Assim rotos os vus da tempestade Que, densos, Cu estivo enegreceram, Torna o sol mais formoso, e nova gala Reveste a Natureza. V. P. NOLASCO. [I] Cheltenham, 4 de Setembro, de 1813
SONETO
ODE DE FILINTO ELSIO
Melhor que os Cisnes, discantou Marreco.
STANCES
UN POTE PORTUGAIS EXIL
Ni l'exil, ni les fers de ces tyrans du Tage N'enchaneront ta gloire aux lieux o tu mourras; Lisbonne la rclame, et voila l'hritage Que tu lui laisseras. Ceux qui l'ont mconnu regrettent le grand homme, Athne ses proscrits ouvre le Panthon, Coriolan expire, et les enfants de Rome Revendiquent son nom. Aux rivages des morts, avant que de descendre, Ovide lve au ciel ses suppliantes mains, Aux Sarmates grossiers il a lgu sa cendre, Et sa gloire aux Romains. ALPHONSE DE LAMARTINE
SONETO
A FILINTO, PELO SEU AMIGO E ADMIRADOR OLINTO
Descends du haut des cieux, auguste Vrit, Rpands sur mes crits ta force et ta clart. VOLT. Henr.
ODE
Niort, 23 de Maro de 1814
Rapiamus, amice, Ocasionem de die... Obducta solvatur fronte senectus. HORAT. Epod. 10.
ODE
10
Oh Cisne de Ulisseia Exulta, exulta... o teu Filinto caro Vencendo a Morte, e o Tempo Hoje feliz ditosos anos conta. ureas Liras cantai, cantai sonoras Seus faustos anos, seu plausvel Dia. Maior do que seu Fado, Da Inveja as lanas, da Ignorncia as iras No broquel da Virtude Sossegado aparou, baldou superno. E ousou o Tribunal infame e prfido Do bom saber algoz tenaz e inquo, Roubar Ptria Lusa Tanto esplendor e Gnio, tal triunfo?... Graas ao canto amigo Que astcias lhe frustrou, burlou desvelos!... Venceu enfim, zombou dos feros Bonzos, Aos ps calcou o rude Fanatismo, E as Neptuninas Ondas Em veleiro baixel cortando afouto, Na valorosa Glia Livre, adorvel paz contente goza. Bero d'Heris, Alcar de Minerva, Egrgia Frana! Tu lhe abriste os braos Que a Ptria lhe negara!... Plcido, puro asilo da inocncia, Ao proferir teu nome Que mgoa extrema o peito me assoberba! Quantos em ti fecundos Gnios vagam, Que em Lusitnia reluzir deveram! Entregues do Infortnio Aos pesados grilhes a vida arrastram Em erma soledade... Obscuros vivem, faltam-lhes Mecenas. E a pujante Verscia, o pedantismo, A lisonja venal, o crime infenso Alta a cerviz entonam!... Qual, debatendo as cortadoras plumas, Manso retalha os ares, guia altiva de Febo scrutadora, E c'os opacos olhos, aves tmidas O acelerado, trilho apenas seguem, Assim, caro Filinto, Sobre as da Fama penetrantes asas Da Glria ao Templo voas, Exttica deixando a turba ignara. POR BENTO LUS VIANA [IV]
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A FILINTO ELSIO
Quam tibi grandiloquo lyrici peperere labores, Gloria per populos non peritura volat.
ODE
ORFIADAS fadigas que Honra e Glria Agora me prescrevem, caro amigo, Pulsar a doce Lira Rigorosas m'o vedam. Aos que a Natura esconde Arcanos ureos, A aflita mente esparge a curta vista. Do Alcar de Lineu e de Esculpio No desliza importuna minha ideia, E quando em lassas horas Lies de Horcio escuto, Eterna admirao em mim trasborda, De Poeta assomos descoroado perco. Ontem que, modulando, me ensaiava A cantar-te, qual canta Ismeno Cisne, No papel inda a pena Soberba no rugia, Quando etreos espaos dividindo, No alvergue meu desmonta Apolo irado. Corisco estragador, troante raio Que de mim junto o berro vomitasse, De terror to disforme Meu peito no ferira: Fraco mortal, depe a rouca Lira, (Me diz o Deus) o bjugo Cabeo Subir no ouses, tu, a quem meu Estro Arrojados negou os altos voos Se encmios tecer queres Ao meu Filinto amado, A altas Liras o d, Cantores outros Que co' a Fama o seu Nome aos astros levem. PELO MESMO
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Sume superbiam, Qusitam meritis, et illi Delphica Lauro cinge, e volens, Melpomene, Comam. HORAT. Lib. 3. Od. 24.
SONETO
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SONETO
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OBRAS INDITAS
DE
FILINTO ELSIO
ODE
A EL-REI D. JOO VI.
Oh ditoso o Vate De lisonja insuspeito, que nas cordas Da Lira ingnua teus louvores puros, Melhor que os desse Augusto, ou de Alexandre, Ferir com mo ousada. RAMLER
ESTROFE I.
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EPODO I. As Leis melhores, o mais sbio Orculo Da Divina imortal Filosofia Tens de encontrar na Europa, Scrates e Plato, de quem dimanam Os luzeiros, com que hoje se esclarecem To activos Ingenhos; Que, a, que beberam, santa e s doutrina, Derramam no Universo, generosos. ESTROFE II. Deu novo bero s Musas renascidas A Itlia; a Frana acolhe Com risonho semblante, ampara, e preza O Saber foragido. C'os despojos da Grcia se enriquece; E os que de Constantino o Imprio deixam Os sobe aos tronos Clssicos A Glia de cincias cobiosa Se o duro Maom os ps em fuga. ANTISTROFE II. Aqui ressoa o Eco modulado Dos que, em Liceus, Atenas Cantos ouvira a Alceu, Pndaro, Homero. L Sfocles... AMRICA Toou na Lira! O som que eu no tocava, Musa, tu com teu plectro, tu o feriste. Porque das Gregas raias Me arredas as lembranas harmoniosas? Os tons, que emulam ir banhar-se em Dirce? EPODO II. Porque me impeles, Musa, a que enobrea Os de Amrica germes generosos! Vem teu ignoto impulso Dalgum pujante mrito, ou faanha Influda por ti? por ti ganhada? Move pois por diante As cordas, e no atento ouvido entoa Sons, com que Vares tais sublime adornes. ESTROFE III. Houve Homem justo, das Virtudes molde, Que ansioso, em terra estranha, De ir delas desparzir splndidos raios, Deixou da Ptria o seio, Em que bebera as mximas sagradas
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Do Brio, do Valor, e as da Justia. Partiu da Elsia ilustre Co' a Esposa, que nos mritos o iguala, E qual astro segundo co'ele brilha. [V] ANTISTROFE III. Assim vai Cadmo, em busca de Hermione; Assim ao Filho manda Que estranhos mares corra, ignotos Climas, T que a enganada Europa, No falaz Touro nmio-confiada Encontre, ou tome rumo, onde a depare. Cabral! Oh mui ditoso! Ditosa a Tempestade, que ante os olhos Te ps o ureo Brasil de gemas rico! EPODO III. Quo mais ditoso, se entalhando a viras Calope, nos serros pontiagudos Da Barra da Metrpoli, O nome de Joo, suas virtudes, Seu digno esforo, no deixar a Ptria (De saudades centro!) [VI] Deixar os Povos que ama, e ir ser amado Dos que vai aditar c'o Real semblante. FRANCISCO MANUEL
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ODE
RAINHA DONA CARLOTA
Assim, merc de Febo, a nosso arbtrio Fazemos cidados da Eternidade A mil e mil, c'o poderoso crmen De nctar borrifado. ALFENO CNTIO
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Em brando, em desejado cativeiro, No espargir almo riso, espargir laos Que os nimos nos cingem. Se, a Deus, piedosa, as mos Reais levantas, Vm descendo dos Cus, em nuvem grata, Graas que te ornam, graas que mor culto Nos teus Lusos inspiram. FRANCISCO MANUEL
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ODE
23 de Dezembro de 1817
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ODE
BEM CLARO FICA, etc.
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Do nosso Mathevon honrada prole. Ah no sejas de tantos dons avaro: Abre as portas luz, que em ti escondes; Aponta ao teu Filinto As calcadas veredas; Que, aps teus passos, no rejeito ousado Subir do gran Dirceu ao alto assento. Se tu me ds a mo, que speras rochas De alcantilados, ngremes despenhos Podem acobardar-me? Que louro h to subido, Ou to defeso aos Dlficos alunos, Que, em ti fiado, intrpido eu no colha? J, qual sinto, no sei, na alma ferir-me Celeste raio de entendido lume, Que me esclarece, e anima! Que mo potente, e sbita Me arrebata de mim, de mim me arranca, E por stios ignotos me caminha? L vejo um serro altivo, que ameaa Com duas pontas o sagrado Olimpo Que vento impetuoso De sopro inteligente Vem desta longa, cavernosa gruta? So vozes, so acentos numerosos. Aqui Apolo veio, quando ovante Despiu da vida a tbida Serpente. Sim, esforado Apolo, Deus, mais que muito ousado, Tu no temeste os ttricos alentos, O terrfico som do atroz Destino. Intrpido caverna te arremessas, Talhando as vagas do feroz sussurro E em cheio te embebeste No fatdico arcano: Deus, cheio do Deus, anunciaste O segredo dos Fados encobertos. Tu deste Ptia os rbidos furores, O torvo olhar da retorcida vista, As erriadas comas, As cores assanhadas, Lvidas, roxas, na tremente face, E a rouca voz no afadigado peito. J no me espanto do Cames divino, Da tuba que entoou furiosa e dura; Do Adamastor fragoso, Nem dos pressgios negros, Que despediu, de clera abafando, Ao corao impvido do Gama. Nesta caverna acolho, atento, agudo (Ouo uma voz, que todo me estremece) S Vates sublimados, Que entre muitos escolho.
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ODE
AO SENHOR DOUTOR FLIX DA SILVA DE AVELAR BROTERO [
. Nec, si quis scribat uti nos Sermoni propiora, putes hunc esse Poetam. HORAT. Lib. 1. Satyr. 5.
IX]
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J de pica fadiga me encarregam; Grita-me, l da China, Ora rico, ora s garras cos lagartos, O Ferno Mendes Pinto, Nunca atqui de Apolo celebrado... De Didos, e de Circes Trao as brandas paixes, trao os furores: Novo Cames, ou Tasso Novas ilhas de Amor, novas Armidas, Com pincel desenvolto, Pinto aos vindouros em soberbos quadros... J Pindricas Odes Abocanho daqui, dali, absorto... O vulgo se embasbaca No alto voo do novo cavaleiro; E os Heris mais grados, De meu canto uma nesga me suplicam... Mas, oh desastre infando! Ah! que no sei de nojo como o conte! Mal da Helicnia fralda Comeo a resfolgar os ares puros; Eis que o ruim ginete Insofrido da carga no celeste, D saces, escoucinha, E me estira, como um Cao, por terra. Nem deve esperar menos Quem, co'a fronte de neves salpicada, Os favores requesta De malignas Donzelas logrativas. A travessa Fortuna, Filsofo Avelar, tu bem o sabes Toma por passatempo Desmanchar bem traados pressupostos; Qual o rapaz traquinas Se diverte c'o embaralhar os bilros Da aguosa rendeira; Ou de inveja do amigo habilidoso, C'o dedo malfazejo, O castelo das cartas lhe escangalha.
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EPIGRAMA
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ODE
AD SODALES
. Dissipat Evius Curas edaces. HORAT. Lib. 2. Od. 11. Di purpureo licor tazze spumanti I molesti pensier, spargan d'oblio; E fra festive danze, e suoni, e canti Trapassiamo, d'Amor fidi seguaci, In grembo del piacer, lore fugaci.
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Dos que afogam no vinho as amarguras, As ambies, as iras, as vinganas, Os sustos, cor de cera. Apontou-me pendentes das videiras Mil formas de risonhos passatempos, Cupidinhos a atar macias Damas C'os famintos Amantes. Daqui frvidos sculos reclamam; Dalm ressoam choros namorados, Arde o Campo em desejos, ardem almas Nas frguas do Deleite. Jazem nas camas uns de moles parras, Coas mentes vagabundas por Elsios; Outros, coa taa em punho, se abalanam A girar grandes Mundos. Esta glria te espera, e a teus Amigos, Mal que vos humedea o louro Brmio. Disse: e cansado enceta a taa ardente Cos rorantes bigodes.
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EPIGRAMA
OPRANDO os dedos Febo assim gritava: Morramos, Clio, que no temos fogo. E Clio, que de frio tiritava: Tens mais (lhe diz) que ardermos j e logo Coplas, Romances, picos modernos, E aquentarmo-nos bem, por quatro Invernos! [XI]
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MOLHADURA
DE CERTA OBRINHA
... Barb'rous nations, and most barb'rous times Debas'd the majesty of verse to rhymes. Maudit soit le premier dont la verve insense .. Voulut arec la rime enchaner la raison. BOILEAU Maldito consoante a quanto obrigas, Que fazes serem brancas as formigas!
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Acaso cuida o desenvolto Vate, Que h no mundo uma velha Filaminta, Que s conhece os versos, quando arrastam Por fixo rabo-leva, os consoantes? Maldito consoante, ensosso filho Do bastardo saber presumptuoso, Ind'-hoje por Poetastros perfilhado, Para aleijado espeque de ms trovas, Para entufar Soneto campanudo, Ou dum Outeiro a Dcima ranosa. Como sua, e tresssua o triste Orate, Quando teimosa, oh Rima, lhe escoucinhas No pecante toutio amartelado! Quantas penas forrara, quanto enojo, Com mandar tbua a Rima arisca, Com gastar o esperdcio dessas horas, Em bons versos, que soltos brilhariam! Porque no dispendeu profcuo o tempo Em traar tal fico com gosto puro, Em solto verso, que contente os sbios, Pela valente, e bem polida frase? Vi eu Poeta, obediente Rima, (Que com ele jogava as escondidas) Dar maior torcedor ao pobre ingenho Que no d tratos pcaro Alfaiate Ao pano escasso, co a fiel medida, Quando arma a surripiar ou manga, ou nesga, Sem que o Dono o perceba, o talhe o sinta. Digam que usou Cames, que usou Bernardes E Ferreira, e Caminha, e tanta gente Pr, nas fraldas do verso, esses cadilhos Pendurados; que em Odes muito guapas Do Dinis, do Garo campam coleiras Mui garridas de chocalheiros guizos, Que eu direi, que os no louvo, nem reprendo. [XIII] Se esses Poetas bons, que eu amo, e estimo, Inda, mau grado seu, grudam a rima A bons versos, quem sabe se assim usam Por ameigar, co' essa lisonja, ouvidos Estragados; ou se que ps a pena, Chocalhinhos no verso, afeita, h muito, De usana antiga, a consonos badalos; E por irem co' as turbas; ou por pejo, (Pejo mau!) que Tarelos, que Mulheres Lhe arguam no ter posses consoanteiras. Alguns h, que talvez pem, sem resguardo, (Tal j me sucedeu) algumas rimas, Que imprevistas, e esconsas lhe escaparam. Que assim vai a Devota, (em companhia Da comadre, ou vizinha, a vida alheia Descosendo, e trincando) uma trs outra, Passando as contas do tenaz Rosrio, Sem cuidar, que conversa, e que no reza.
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Tu falas contra o belo consoante (Me diz dali mui lpido um Peralta) Porque veia no tens; no tens nos cascos Cabedal de Poeta; e co' essa prosa Mal amanhada, que alcunhaste VERSOS, Nos desgostas da rima, que no trincas; Como a Raposa de uvas, que so verdes. Delambido Peralta, (lhe retruco) No consiste, em vencer dificuldades, O mrito dum Vate, a Apolo aceito. J, para ser corrente, e sonoroso Tem que empenhar sobejo esforo, e lida, Sem lhe ajoujar da Rima o atroz trambolho No seja o Vate volantim de corda, Que equilibre a maroma, e dance teso, C'os ps dentro dum saco, para gozo De pretos, ou de pcaros basbaques. A rima, que te enleva e que assim gabas; Quanto achada, depois de mil torturas, Fez perder ao Poeta um pensamento, De mais valor, que cem milhes de rimas; Deslavou toda a cor, mareou o brilho Do verso, que ia enrgico sem ela. Como rompe da Aurora o alegre carro, Trazendo a Luz, que as terras alumia, Vinha rompendo na alma do Poeta Uma fico mui guapa, mui luzida... Eis que emperrada a sarrazina rima Deita fico um vu de esquecimento, Que chupa, que desbota, que desmancha A polpa, a cor, o fio bem traado, D com tudo a travs, ou j desmedra Que morte-cor, o que era imagem viva. Bem foi de certos Moos a ufania Tanger com garbo, no pandeiro Dlfico, As soalhas dos ados, idos, osos, Cuidando tantas lanas meter na frica Do Pindo, quantas rimas garganteavam. Mas luziu-lhe a Razo, quando maduros; Sentiro que o tim-tim dos consoantes, Em vez de modular, faziam grulha, Contra as leis do bom gosto; e os proscreveram. Para a Razo quadrar c'o consoante, Era fora estirar o pensamento; E o que num verso cabe, sem aperto, Torna lugar sobejo em dous; que a Rima desse desperdcio a causadora. Sentiram, que era fora pr inteis Eptetos, pr cunhas, e mais cunhas, Para dar do repique as badaladas, No mtrico-sonante campanrio. No vi eu tal Poeta consoanteiro Arrumar o enxadrez de inos, e anos
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Antes que lhe apontasse o pensamento, Com que havia de encher as casas vagas Do tabuleiro seu? No vi por isso O soneto sair tal e quejando; Por ser, para o Patau metrificante, A rima tudo, e o pensamento nada? O pesado grilho do consoante Arrastra as asas do Estro sempre altivo; E quebra o sofrimento, c'o aturado Cavar da rima; embota-lhe a agudeza, Com que penetra no mago do assunto; Destrui a ideia, se no trouxe rima, Quando nasceu, ou no achou Padrinho, Que, ao bautismo, lha desse; e encaixa-lhe outra Ideia, em seu lugar, sensaborona, Mui somenos, que lhe abortou rimada. Razo, que s bastara a bons juzos Para a Rima enterrar no esquecimento: Que se conforme fora da Poesia Natureza a Rima, a Natureza A dera a Gregos, e Latinos, quando Lhes deu benigna o metro harmonioso. Mas (me direis) os Gregos, e os Latinos Tinham os espondeus, tinham os dctilos, Com que a seus versos davam formosura. Quem vos tolhe (digo eu) dar-lhes, como eles, Medindo, e modulando o ritmo vosso, Igual canto, ou diverso no concerto, To mimoso aos ouvidos, que bem valha, Sem rima, o canto Grego, ou j Latino? No deu a Itlia canto harmonioso, Sem socorro de ensossos consoantes? No o deu a Castela? e ns, os Lusos No cantmos tambm sem essa rima? Inda o Milton, na sibilante lngua Da Britana Albion, no deu Poema, Em branco verso, que ganhou renome, Nas naes eruditas desta Europa, Ao seu Autor? Ptria? Lede, Lede. Deixo j de falar (tempo perdido!) C'o tal Peralta, que me cansam nscios. Eis me vem abafar os sons da c'rela Minha gorda Pachorra, amiga velha, E c'um tal segredinho, que me emborca Nos atentos ouvidos, me d parte Da matreira inteno, porque esses Bichos Pela patroa Rima tanto punem. Sabei, que esta os defeitos lhes disfara Co'a zanga tonadilha: que sem ela, vergonha do mundo apareceram: E que o valente, e puro verso solto, De que Milton usou, usaram Mestres Na arte de poetar destros pintores
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Pede vasto saber, pede mestria Na erudio da lngua, afim que as vozes Escolhidas com arte a luz espalhem Na teia da fico; essa a causa Porque no seu Perdido Paraso, Usa hiprbatos, usa latinismos, Usa palavras, usa antigas frases (Que Addison tanto louva em seu estilo) Por desviar-se da comum loquela, Armazm dos pedantes consoanteiros. Sim; que com siso creu, que a peca rima Nunca apsito foi frisante, e guapo Para ornar Poesias de rduo empenho; Mas somente ouropel, que a triviais trovas De guapice, com falsos luze-luzes; Ou muleta, que ajude os aleijados Versinhos de m morte. Uso, e mau uso Lhes deu voga; e correntes, e moentes Tgora os deixou ir por esse mundo, Para empecilho serem, serem seca Do genuno Vate. O Ingls Homero Jamais imaginou, que desinncias To sensabores fossem harmonias, Que mimosos ouvidos deleitassem. Sentia muito bem, que a quantidade Das slabas, saber bem altern-las, (Como as falsas, e consonas, na msica) Vari-las num verso e noutro verso, quem d boa msica poesia. Tanto mais, que antes que ele, o tinham feito Peritos Espanhis, e Italianos, Tornando antiga liberdade as Musas, Solto, o poema herico, dos cepos. Demos, que Homero, vindo dos Elsios, Desse c volta ao mundo, curioso De saber como cantam c os Cisnes Descendentes de Godos, e Sicambros; Demos, que encontre certa mulherinha, Que faz beicinho a versos no rimados. Como lhe vejo arcar a sobrancelha, Olhar por cima do ombro, e com desprezo Dizer-lhe: Tola! E quem te deu licena De falar, ante mim, da poesia? Cuidas, que ser Poeta, a fraca indstria De marchetar com rimas peca prosa? Pega na agulha os trapos arremenda De teu marido, e as cozinhais rodilhas. Deixa os versos a quem no sp'rito ferve, Estro ardente, um Ingenho alto, e facundo, Que com sublimes sons enleva as almas, Debuxa ao vivo, e as cores do conceito Reluz no corao, na ideia cala, Onde abrase, estremea, onde lastime.
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Tais so da poesia os dons valiosos; Tais, se souberas ler-me, em mim os viras, Em Pndaro, em Virglio, e Horcio os viras, No rimas, e iguais drogas atavios Lidados, mal assentes, e enojosos. Mil consoanteiros tomos delambidos De Acadmicas trovas sero lixo, Se concorrem c'uma Ode, onde rutilem Os dotes da facndia ousada, e nobre, Os rasgos do pincel, raiando vida, Aco, afeitos, em seu breve quadro... Mais ia por diante. Eis que repara Que, com a boca aberta, a Filaminta Ouvia tudo, e nada compreendia. Vai ter com quem o entenda, e deixa a velha. E ns deixemos l o Homero, amigos; Falemos entre ns no nosso assunto. Reflecti sem paixo na traquinada Do ajoujado zam-zam dos consoantes, (Traquinada pueril) e achareis certo, Que o que neles disfara o absurdo, o uso Em que estais de os ouvir: que assim no ferem Os ouvidos da antiga vizinhana, Do ferrador os mazorrais martelos. Ponde ante os olhos sempre este axioma, Que Estro quem faz bons versos, no a rima: Que esta os versos to pouco aformoseia, Que antes lhes ridculo flagelo; E que um frenesi disparatado Teimar contra a razo, que a desaprova, Contra o bom Gosto, e santa Antiquidade, [XV] Que nunca conheceu tais consoantes, E que, se os conhecera, os apupara. Um crime (e esse bem grave!) bastaria Para a perptuo exlio enviar a rima: O enojo que ela d a exmios Vates, E a tarefa de at-la ao pensamento. Vede Corneille, to difuso s vezes, To enleiado em declarar a ideia Que hardido concebeu com estro activo, Quando encostado aos mais divinos quadros, Lhes reverbera a cor nos seus poemas. Quem foi r desse enleio? Foi-o a rima. Dize-me, Apolo, que conceito fazes Disto, que chamam rima uns melquetrefes, Uns biltres, umas certas sabichonas, Regateiras de trovas bordalengas, Que ignorantes da slida poesia, Do celeste falar, do arrebatado Voo, que enfia o Estro (desdenhando Preceitos de gramticos magrios, De Autores de poticas, que nunca Viram a luz de teus potentes raios)
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Vai beber, no congresso dos celcolas, As lies da virtude, os sos louvores Dos Heris (que orna o Vate com seu Canto. Dize; e no me encareas a resposta, Que quero um piparote dar, com ela, A certo Bonzo, a certa Bruxa tonta, Rebutalho do Pgaso enjoado. Bruxa, que inchada, ao ver-se arrumadora Dumas regras compridas, e outras curtas, Em que, como atafais de arrieiro novo, Entranou ela alagartadas rimas, Nos quer desbautizar do nome Dlfico, Quantos nos versos o zam-zam desprezam, Quantos sabem ser versos, e bons versos, Os que cantaram Gregos e Latinos, E nas lnguas modernas mil poemas, Que essa prvoa no leu, ou no entende. Nem para ouvidos tais, de lio baldos, Poetaram to nclitos Ingenhos..., Mas largando ia eu mais rdea aos chascos; Que tem largas ensanchas este assunto... (Doutro golpe vir, se no vem deste.) Quando. [XVI] Eis me atalha um ronco strepitoso, Com que se abre a parede, ao rs da banca, Em que, por desfastio, escrevo a mido As trovas, que aqui vendo para ajuda De comprar po, feijes, e s vezes carne, Nos dias domingueiros; e oh prodgio! Eis que rota despede um brao nu, C'um bilhete na mo, e em Grega nota. Foi gran ventura achar-se minha ilharga, Noutro lado da banca, estudioso Escrevendo stengrafas rabiscas, O pacato Pinheiro, que l Grego. Ele me acoroou, e deu sentido s greguices do escrito, as quais rezavam: Ao vir ao mundo o Filho duma Virgem, Todo o Nume at ento Orac'li-parla Perdeu a voz: Eterno cadeado Lhes ps o Deus Menino, que no gosta De gente, que d muito taramela. Mas, como no tolheu a nota escrita, E como sei, d'h muito, que s mimoso Das nove Raparigas do Parnasso, Espera um pouco, enquanto aqui te arrumo, Noutro papel, um conto acontecido Nas fraldas desta bfida montanha. Enquanto espero, tiro de algibeira O leno, e logo a caixa de tabaco, Resfolgo uma pitada retumbante, E atuardo-lhe a resposta pachorrento, Comentando o sucesso, c'o Pinheiro. Ei-lo, que torna o mensageiro brao,
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Ei-lo o Pinheiro, que traduz, do Grego, O prometido conto, e assim dizia: Quando Virglio, beira do Permesso Ouviu falar de rima, e consoante, E que ningum sem rima ousava agora Cantar Hinos, falar em seus amores, Nem Baco saudar num Ditirambo; Franziu logo o nariz, e deu aos ombros, Com desprezo de quem de tal usava. Que pfia poesia! Eis se despede Menencrio no rosto, e vai-se em busca De Horcio, e de Catulo, a quem reconta Assim o seu enojo. Vocs sabem Que droga consoante? Ou tm ouvido Desses, que descem do canoro monte, Do conselho das Musas, que mania Prendeu nessas Muchachas, para urdirem Tal zigue-zague em mlicos lavores? Sem esses perendengues farfalhudos No eram nossos versos, e os dos Gregos Bem lidos, bem prezados? E inda agora Os genunos Vates no se ilustram Co' a nossa imitao? Ou porventura Cuidam esses Pataus que a aguada rima Lhes d a graa, que aos nossos versos falta? Como so nscios! Que no st na rima A Dlfica donosa formosura; Na fico nova st, e na urdidura, Na valentia, e cores do fraseado, Na gala da aluso, no ousado tropo, Ousado, mas pedido, mas frisante, Que regale, que enleve, ouvido, ou lido. Dem-lhe alma, dem-lhe rosto ao pensamento, Que ele singelo em seu formoso asseio, Rejeitar mal postas maravalhas. E eu, d'antemo, bem firme lhes seguro Que quem lhe ouvir seus versos, mal atente Se trazem guizo, ou no, de consoante. Acho, que tens razo (lhe diz Horcio) Mas tambm acho, que connosco perdes Tua eloquente apstola parlenda. Razes disseste l, que ns na ponta Da lngua temos, como tu, sabidas; Que, por sab-las bem, bem pratic-las, Com deleite so lidos nossos versos, E de cor os memora quem bem sabe. Mas dessa, com que vens secar-nos, rima, No sei mais novas, que da velha Serpe. Aqui perto, neste mbito de murtas, Ouvimos conversar Chiabrera, e Tasso: Mais modernos que ns, talvez que indiquem Alguma luz, que te esclarea o ponto. Bons dias, meus amigos (diz Catulo
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Entrando o mrteo cerco). [XVII] Que tal corre, C pelo stio, a veia Cabalina? H por hi novas Odes altaneiras, Que o Carro a Febo, a Jove Raio roubam, A Vnus a Cintura, o No s Graas? H poemas de altssona escritura? Nova Argos, novo Tifis sulcam mares, Estranhados das velas atrevidas? Mas no Vimos os trs de rexa [XVIII] velha Saber de vs, que Bicho, ou que Aventesma Seja o que chamam rima, e qual influxo, Ou qual prstimo tenha. O bom Virglio, S de ouvir falar nela, por acaso, Todo se estramunhou, depressa veio Tirar de ns, do enigma a quinta essncia; Mas ns, que estamos to patinhos que ele No caso, que a pedrinha no sapato Lhe deitou, aqui vimos que desates, Mui tim tim por tim tim o n da cousa. No direi o que rima (acode o Tasso) Que enfadou-me ela muito e quis lan-la margem, como mula des-servia. Bem o sabe o Chiabrera. Sim (diz este) Mas eu ta explicarei, sem ser difuso: Sem que por tanto cuides que eu a estimo; Antes sou da opinio do amigo Tasso. A rima um cascavel, que os Trovadores Punham na cauda a certa prosa insulsa. Ignorantes do verso harmonioso, E ps cadentes dos poemas vossos; (Como a quem negou Febo o dom celeste,) Capucharam discantes enfezados, Fundados (quem o sabe) nuns tais versos Leoninos chamados, porque davam, Co' a desinncia, estalos nas ilhargas, Como faz o Leo, quando co' a cauda Aouta os dous quadris para assanhar-se. Aos homens e mulheres dessa quadra, Meio broncos, ou stpidos guerreiros, Lhes toou mui gaiteira a chocalhada Da rima, e lhes fez eco, no ouco da alma; Como o som dos badalos das garridas, Como o som da tremonha dos Moinhos, E o som da nora, na calmosa sesta, Como o som dos chocalhos da manada, E outros mil de montona toada. Ouviste este ada, ada? pois rima: Que a fiz sem o querer. Que gosto lhe achas? (Catulo) Que enjoo! Que bestial sensaboria? Como tu, Horcio, nos ouvidos toscos, Nem tu, Catulo, brecha abrir puderas,
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Puderam bem entrar neles a frouxo As verdoengas trovas coleiradas C'o chocalho da rima zanga-zanga. Depois viemos ns, a quem foi cargo Ornar de guizos a teorba nossa, E pr negaa a gostos corrompidos, Para os colher na rede, e doutrin-los Na scola das virtudes, e altos feitos. Este todo o mistrio, e o mais pulha. Mas, meu Chiabrera (o Tasso lhe replica) No dizes tudo. Dize, que eu zangado Co' a rima, quis compor em verso solto; Que ordinrio clamei, que a consonncia Da rima dissonncia do bom senso. Que se por gro Poeta celebrado Pelo vulgo, e por sabiches da moda, Vencedor de barrancos consoanteiros E volteador de corda mui famoso, Quem troca os ps com graa, e quem ufano Quis ostentar instinto, e pacincia, Aperreado rima, e leis modernas De metro, nunca em Grcia, ou Roma usadas, Um Acrstico mau, um bem suado Mau labirinto o preo ganhariam, Em concurso c'uma Ode a mais formosa, qual faltasse a ffia tranquitana. Pois vai Filosofia cerceando A escravido feudal, os desafios, Desmedremos tambm os altos cantos Do cativeiro do insensato emprego, De andar ao faro da fugiente rima, Qual podengo a perdiz aforoando. Cortemos-lhe esses feios barambazes Dos consoantes, que nas mesmas eras, A literria Europa acometeram, C'os duelos, de rondo; [XIX] ferropeando, Qual escrava, a Poesia, que liberta, Desde o seu nascimento, campeara, No sofrendo mais leis, que as leis suaves, Que lhe ditou, com gosto, a Natureza. Quebrem-se quantas peias, quantos laos Nos ps, nas mos das Musas to senhoras, Escoimados gramticos ataram. Passeiem, corram, voem as Camenas, Soltas, e airosas, ostentando ao mundo. Ora o rpido tiro de seu voo, Ora o brio dos passos mesurados. Eu sempre ri de mim (torna o Chiabrera) Quando arrumei no verso os consoantinhos: Fiz-me comparao c'o fogueteiro, Que arruma no canudo os ingredientes, E os estouros, que ho-de atroar os ares, C'o rompante foguete de respostas.
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Que frisante que vem o teu apodo! (Diz dum canto o Garo que solapado Tinha ouvido a conversa.) Eu assim sempre Que ouvi strofes Pindricas do Pina Ou Soneto, Tarouca, do Baa, Bem campanudo, bem aconsoantado, Por bem fogueteada noite o tinha Em arraial bizarro, onde se esmera Crio de Nazar, ou da Atalaia. Vocs no viram tal. Perderam muito.
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SONETO,
DE FREI JERNIMO BAA A UM GIRASSOL
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APOLOGIA
DAS OBRAS NOVAMENTE PUBLICADAS POR FRANCISCO MANUEL EM PARIS
Ode, que quis ser Ode, e quis ser Stira, e parou em cousinha desenxabida: quis soltar canto de Cisne, e destampou em grasnido de marreco
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Para nada no faas aparelho. Fala como falaram teus passados, E se Poeta s, ajunta a rima; Porm eu, que de ti penso o contrrio Conselho-te a fazer um Dicionrio. Se os olhos no cantares de Marfisa E as ternas graas em suave verso, Talvez que possas com melhor efeito Adequirir mais fama, e mais proveito. ~~~~~~~~~~ Eu no sei fazer crticas annimas. A quem me quiser responder, aqui ponho o meu nome, e a minha residncia. Clemente de Oliveira e Bastos. [XX] Boulogne-sur-Mer, vis--vis la Paroisse.
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A VARIEDADE
GARATUJA POTICA DEDICADA AO SENHOR H. J. B.
UANDO me lembro ter entrado em Mafra, Num imenso salo, vestido em roda, Dalto-abaixo, de estantes ajoujadas De enfadonhos, quimricos delrios; Que apenas c, e l, luz um Salstio, Entre as trevas de sbios embelecos Mais longe um Pndaro, um Virglio, um Tasso, Quasi quasi corridos de se verem Entre bruta, e enojosa companhia, Digo entre mim: Oh quanto a melhor uso O bom Gosto assentara aqui seu templo! Com que nsia eu no iria requerer-lhe, Que mandasse primeiro os seus Meirinhos Fazer penhora nestes grossos fardos, E postos em leilo, no Pelourinho, os Comprassem, por dez ris de mel coado, As tendas, para embrulhos de alfazema, Por secula sem fim. Ento lustrando, Com gua benta da Castlia pura, Estas polutas, rncidas estantes, Entraras em triunfo a tomar posse Da sadia morada. Ali, contigo; Sentada em junto slio, mui graciosa, Cortejada de Agrados, de Prazeres, Viria enfeitar tudo a VARIEDADE, Com leis fceis, leis brandas, e agradveis. Oh gracioso primor da Natureza, Atractiva, donosa Variedade, Que quanto airosa tocas, formoseias! Tu, pelo Mundo informe, bruto, e feio, Lanaste, no principio, as ricas roupas Do vistoso matiz variegado: Tu s meu Nume, Nume dos que aspiram Ao renome imortal do Desfastio. O tempo, que correndo atropelado, C'os ps arrasa, ou com a fouce estraga Os soberbos, fundados Monumentos, As leis do teu Imprio contribui,
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Co' as multmodas faces que renova, Duma s que arruinou. Tudo o que agrada, Tem na mudana, tem no vrio aspecto Fundamento aprazvel. Sem a indstria Dessa tua inventora dextra, o Mundo De perdurvel forma, sempre o mesmo Cansaria o desejo, mais que a vista; E os homens morreriam definhados, Mais de enojo, que de rida doena. Ah! vem, oh deleitosa Variedade: Acode-me c'o teu risonho enleio, E borrifa de agrado estas rabiscas! Quando tu desces do celeste Coro, Onde, com diversssimos concertos, Divertes os Celcolas ditosos, Vm todos teus Ministros diligentes, C'os cheios cofres de riqueza imensa, C'os artfices vasos de elegantes Invenes multicores, esquisitas. Aos teus joelhos vs prostrados logo, Os Alunos das Artes elegantes; Clio te vem pedir festivo enfeite, Para o verso sublime, ou delicado, Que na mente do Vate, seu mimoso, Com ingenhosas mos, traou aguda; E Urnia um perfumado ramilhete, Com que d gala, ajunte louania A complicados clculos austeros, Que alvo p sinalou em negro mrmor. Se a tua mo viosa no arruma Os quadros, na opulenta galeria Do frvido Poeta, escravo do Estro, Na pomposa fico altissonante, Com tristonhos, pesados ps, o Tdio Vem tomar posse da pecante obrinha, Toma-a nas frias mos, a aperta, e gela; Com desbotado acesso chega a Obrinha Ao sfrego Leitor, que a cada lauda, Depara co' a incivil sensaboria: Boceja, as mos lhe afrouxam, cai em terra O Livro, ou o Papel desenxabido. Como so para ver! como recreiam Verdes Campinas de felpuda relva, Quando as esmalta de coradas flores A liberal, vistosa Primavera! Tais so os Cantos dum sublime Vate, Traados por Calope divina, Se vir bord-los queres engraada, C'os teus garridos, lcidos matizes. Ento o Tdio, que anda sempre alerta De tudo quanto o Ingenho em si revolve, Mal v, favnias, da venusta Deusa s mos cheias, verter vivido ornato
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Nos versos de Garo, de Elpino, e Alfeno, Volta as costas, e os olhos retorcendo, Murmura, em sua dor, raivosas pragas Contra o Nume, que o seu Imprio estreita: Vai sentar-se, escumando, em amplo trono De dourados, no lidos, larga margem, Volumes Silvianos, , e Cujcios , E os outros empoeirados bacamartes, Que pejam, com desonra, as Livrarias. Para ensossas espaldas da cadeira Das Cadavais Exquias fez escolha, Com outros livros mais amplo-stampados Das Cerimnias da perluxa Roma. Com capa carmesim de trciopelo, Brochas douradas de gua, est acenando Sensaboro encosto, sobre a mesa A Henriqueida, empolas assoprando, Soporfero cofre de fastio, Que entranha o sono, pelo cotovelo De quem nele se encosta, e vai trepando Pelo brao, pescoo, e face acima, T que entra nos retretes [XXII] das pestanas. Que direi dos profundos volumaos De Lgica, aguada de argumentos Em Brbara, em Barroco, em Baralipton? Que direi eu com vozes competentes De pontos melindrosos da Escritura, Tratados, discutidos, explicados, Enucleados sempre, e sempre escuros? Junto s paredes, em comprido fio, Postos em rumas pelas mos do Tdio, Os Feitos, os Sermes, Genealogias No plido salo de enojo eterno Sonolentas fumaas vaporando, Do vgados de ilusa doutorice, A Leitores de crassa catadura. Pelo cho (gravunhadas alcatifas), Se estendem antigas clogas de Albano, Mil versinhos anes, trovas de outeiro, Poemas, sem potico chorume, Farfalhudos de Rpios, e de Rimas, Cabedal de Tarelos do Parnasso! Nas caligantes frestas, leves pendem, Dando lbrega luz passage esquiva, As cortinas de fumo dum magrio, Remendam de fartados brases de armas, Das muitas que no tecto, em pergaminhos, Desenrolou o Tdio, ltimo emplastro, Com que amodorra o Esp'rito mais gaiteiro. Aqui, muito a pedir de boca, vinha Dar notcia cabal de Pagens, Servos, De Conselheiros, Leis, Usos, Costumes Deste Anarca, e de seus Estados mornos;
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E eu vos contara tudo por extenso, Se no fora, que alguns dos que hoje vivem, (Por modestos, moda do Talaia) No folgaram de ver seu nome escrito Andar a, por bocas desse mundo. Agradeam-me o d, que deles tenho: Bem que muitos me tenham merecido (Por inveja, ou malvola calnia), Que, a barao, e prego, eu os levasse Pelas praas, e ruas literrias. A pena quer correr; que vasto o assunto Quando os Autores maus entram em rstia: Mas mais que muito, oh Musa tagarela, Pede fim a longussima carreira; E j me olha jovial-malcio o Nume, Que invoquei no rompante do Poema. C'um tom de voz galante, e despejado, Que aqui ponha o remate me aconselha, Se ao Tdio no quiser pagar tributo: E apontando umas letras verde-scritas, No campo da peanha[XXIII] em que preside, Li dous versos, que um douto Amigo, h muito (Frutos de gosto so, lidado estudo!) Na afortunada Elsia me inculcava: LONGOS VERSOS INFLUEM LONGO ENOJO. ESCARMENTA NAS ODES DO BEZERRA.
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A PRIMAVERA
ALVE, oh Divina, oh rsea Primavera, Que a Terra visitar, donosa Virgem Vem, para a cumular de benefcios! Vem; que aborridos, longo tempo os Campos Esperando-te esto. Vem; que as florestas Solitrias muito h que te desejam. Parecida c'os Zfiros livianos, Chegas apenas, que co' a area planta Vs animando os prados, que discorres. Das pegadas te brota, oh Me de flores, E ri, nascendo, a mole Violeta. Mal chegas, vm contigo as gorjeiadas Alvoradas dos bosques; Maio lindo Primognito do Ano, coroado De fastosas grinaldas multicores, Te vai fazendo alegre comitiva. Com meiga luz raiando a alegre Aurora Debrua o dia dos erguidos montes; Aclamada dos matos, das Campinas, Sada os prados, que alma enriquecera Co' a renascente espiga, que se nutre Para a ansiada fouce do Ceifeiro. No espalha inda o Sol do meio-dia Crestado ardor, nem fende inda o seu raio Da Terra o seio, nem as frescas sombras Busca a Juvenca ainda; entre o florido Trevo, acesa em desejos, olha, e berra. Possante Primavera, remoado Sente o redil lanoso o teu influxo, Pelas relvas do arroio alegre pula; Com mor rudo as torrentes vm rodando A despenhar-se nos umbrosos vales. Os pastios fecundos se alentaram, Os altivos Narcisos, rgias Tulipas Ouviram tua voz. J se embalanam, Chegam-se, ameigam-se, e por Ti criadas Te obedecem, amando, e sendo amadas. Diligente o Cochicho alteia o voo Ousado aos ares, e c'o Canto inspira Na alma do Lavrador contentamento. Ai! que no sente a prfida arte humana!
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A quem suaves quebros no desarmam. Ao terno Rouxinol a mgica arte Da melodia s tu quem lha ensinaste; De ouvi-lo pasmam os auritos bosques, Seus modulados hinos entram na alma, E a preparam do Amor aos meigos toques. No delicado ramo do Espinheiro Recm florido, embalanar-se deixa Do bocejo do Zfiro, e l solta Brilhantes sons, que lavram na espessura. Suspensa busca em vo v-lo a Pastora, Que a ouvir-lhe o canto, v que o Amor o inspira. Ds novo lustre s faces das donzelas, Que as Graas dotam de p'rigoso agrado; Na alma dos Jovens brotam os desejos Vvido novo ardor, que lhes ensina A adivinhar suspiros amorosos. J vagar vejo cobiosas vistas De tudo conquistar: vejo olhos pretos, Que brilham, subjugando os mais rebeldes: Azuis lnguidos olhos; que sem custo Triunfam da iseno, por feiticeiros! Na flor da idade, como o teu influxo Deixarei de sentir? Tua viva flama Me arreda da Cidade, e seu bulcio. Louco bulcio! A Ti, oh Primavera Busco no campons sagrado asilo. Vejo-te, e em brinco bando Risos, Jocos; Vejo Vnus, co seu maldoso Filho; [XXIV] Vejo as Ninfas, co'as Graas meio-nuas, Que ora fogem dos prfidos Cupidos, Ora leves trs eles vo correndo. Deitado sombra de entranadas Tlias Cada dia virei ver-te, e encostar-me Nas margens deste arroio, t que o sono, Guiado pelas mos do Amor, me enleve, E me encante c'um sonho deleitoso. Vos, que ao vero deleite dais valia, Que imolais os prazeres da Cidade, A gozos mais suaves, vinde; as Terras Primavera fugaz curto visita. Gozai do breve prazo, que ela outorga. E vs, Moas formosas, vinde v-las As sombras namoradas, onde esperam Suspiram vossa vista Amantes meigos. A rsea Primavera nos inveje
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O ESTIO
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Qual, do segundo Esposo em braos, leda. Aceita a Viva as maritais carcias; Mas inda, na lembrana, lhe vislumbra Do primeiro Marido o amante beijo. Que lindo, que era o seu primeiro Esposo! Que tem de ver, c'os seus estes abraos? Este, que ora me cinge, no aquele, Que, primeiro, me deu toques no peito; Meu Bem, que toda a posse tomou na alma. Assim consigo fala; e Amor em tanto Vai da sua saudade triunfando, E lhe entranha o prazer. Assim a Terra Dos agrados do Estio toma gosto, Mas no to vivo, como o da outra Quadra. Estio Soberano formidvel Fez aliana c'o Sol, que dobra ardores, E c'os acesos raios abre as fendas, Nos grossos pastos, arde nas Campinas, Que enverdeceu mimosa a Primavera. Deixam as feras os gostosos prados, Para se ir embrenhar pelas florestas; Vde-as ir aodadas, sequiosas, Cortar, correndo, os plainos ressequidos, A se dessedentar no fresco arroio. Nos amenos vergis lasso o rebanho Deslembra o pasto, seu deleite outrora, E as frescas sombras s, calmoso busca. Baixa a fronte, rumina o Boi tristonho; Todo o bruto, insofrido, a tarde espera. Touro, a quem ensoou o meio-dia, J no restruge os vales, com mugidos; V em roda estiradas as Bezerras, E junto delas, sem paixo se deita, Tardio, como um monte, que se alui. Em tanto o Sol se pesa sobre os trigos, De todo o seu incndio abraseado, Na Sfera azul l reina solitrio, Sem que invejosos Austros o seu disco Ousem toldar, com inimigas nuvens. O Trigo mansamente amadurece. Coa mo na fouce, o Segador espera Impaciente; e o calor do Estivo raio Vai, em tanto as, c'roadas de ureas flores Cabeas, inclinando, ressequidas.
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Vem, vem, Amigo, antes que o Estio escape; Vem j. Vers do Campo o novo aspecto: Que aqui no tem de vir azoar-te o enxame Importuno dos ftuos, que no sentem Quais prazeres no Campo of'rece o Estio. Arma o Ceifeiro a mo; dum talho, e doutro Bastas espigas caem; tais na Guerra Brnzeo trovo horrendo inteiras filas Derriba, uma aps outra, at que os montes, Vo medrando, dos plidos cadveres. Como o Soldado alegremente brada Quando ensaca os despojos do inimigo; Alegre o Lavrador rende ao Cu graas, Ver, sem sustos assomar o Inverno; Dar de rosto , que ele traz, penria. Talvez te agrade mais, Amigo, a sombra Das rvores, que aos raios devorantes Do Sol a entrada neguem: vem sentar-te Comigo no vergel, que opaco frio, C'o folhado espaldar, nos oferece. Estes ramos curvados te convidam C'o saboroso peso de seus frutos. Delicioso gosto! No enjeites As ddivas amigas, que benfica Esta rvore, em meu nome, te apresenta. Vs Baco embalouar-se nessas parras? Fazer negaa ao Sol c'os cachos de mbar? Que anncios nos no d grato, e risonho! J dana, nesses bagos, a Alegria, Que h-de vir embeber-nos de deleites. Vem des-negociar-te, nestas vinhas. s leis do corao demos largueza, At que Ocidentais escuras nuvens A ns encaminhadas, nos avisem Da borrasca, que mate d no dia. Quando a Legio das Gralhas se alevante D'ao p de ns, no bosque prximo a abrigar-se, Manso deixando este campestre stio, Iremos, dos troves acompanhados, Que ao longe toam, escapar chuva.
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O OUTONO
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Vem, em nosso favor! bizarro Outono; No embuces, na nuve, [XXV] a linda face, Que meiga nos sorri; traze por scios Os algeros Zfiros amenos, E o trovo fragoroso nos ausenta. Deixa as tmidas Moas, que inda habitem Retiros, que o ardor seu folgar lhes viram, Quando, com rseas c'roas, nestas relvas, Danavam, ou nos braos dos Mancebos Caam, para deles lhe ir fugindo. Estas rvores, inda abobadadas, Ao Amador feliz dar sombra podem; Pode, em nossos vergis, colher ainda; Mais saborosos, mais contentes frutos, Que tu, na rvore estiva, lhe ofereces. Amor lhe dita a escolha, quando, em mimo, Ele os teus colhe, para a sua Amada; Ou se ela os foi colher, e lhos presenta, Na benfica dextra, ele, a milhares, Imprime gratos beijos amorosos. Qual dia iguala os deleitosos dias, Que enfeita para ti, oh meigo Outono, Benigno o Sol, com branda amenidade! Teus Zfiros ento, correndo os Campos Se alcanam uns aos outros, e se afagam. J as Beldades, oh Sol, de ti no fogem; Antes, pelos jardins, te andam buscando; Tu l lhes sts sorrindo, e l teus raios Moderados, lhes vm pousar nos peitos, Que a seus amantes beijos se no negam. Um bando (em vo!) de nuvens invejosas Vem dar combate ao Sol, e espalha a noite, Pelas jeiras; o Sol vence o combate, Triunfa; e vo fugindo, de medrosas, Ante o seu vitorioso vulto, as sombras. Cuidoso, e manso, e as nove Irms donzelas Ladeando-o, vai um Vate atravessando Risonho vale: assim ia j Thompson, Cada aspecto da Madre Natureza Consid'rando, e cantando seus primores. Tu vs, Outono, o Vate; e ouves atento Do teu Mimoso o Canto arrebatado: Tu lho agradeces, meigo-estremecendo, Nas movedias folhas do arvoredo, No arroio, que serpeia murmurando.
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At que o Sol se esconde fugitivo, Detrs dos bosques, e um sorriso aos vales D, de relance, e foge; a alva Donzela, Dos abraos do Amante, assim lhe foge, E, na fuga sorri, voltando o rosto. Dos balces do Oriente, se ergue a Lua Argenti-fronte, e muda olha, e contempla Os vastos Campos, vindo acompanhada De Orbi-vagos Planetas: nenhum deles Tem, contudo, mais que Ela Terra afecto. Calada a Natureza, nada quebra O seu sacro silncio. O Amante Jovem, quem s, no ar, espalha seus queixumes. Melanclico geme, c'o ermo arroio, Ou sinistros fantasmas se lamenta. Amparado da noite, corre o Cervo, Co' a Companha, os outeiros to prezados, E l, sem sustos, pasta, com delcia, Nos Campos inimigos, cujo Dono, Lasso de o perseguir, a frouxo dorme. Cantars, Musa, o cruento passatempo Da Caa, que inventou Guerreiro ocioso? Da trompa cantars os sons ferozes, (Cruel prazer!) que estruge spessos matos? E os Ces, dobrando horrficos latidos? A crueza humana, ah! no a imortalizes, Com teus sons; quanto o Cu criou destrui. Rompeu a paz, que unia as Criaturas, (Paz que tinha fundado a Natureza!) Antes que ele feroz as perseguisse. C 'o seu clamor terrfico alvorota O Javali, que jaz; que em nobre fria Aceso, a seu contrrio d ruim paga. Matar tmido Cervo, dar clamores Lhe apraz, e a Casa decorar c'os Cornos! Convida a redes prfidas, as Aves De terna condio; chumba os donosos Msicos da floresta; regalando Sua sangunea mesa, com milhares, Que mata. Menos cru o Aor, que ele. No cantes, Musa minha, tais cruezas: Do tope dos outeiros pampinosos, Te est Brnio clamando, que o discantes. Tudo clama alegria; que a Celeste Bondade nos c'roou as esperanas.
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Alegres brados do Mancebos; Moas; Vindimando, lhe escapa o dia curto. Os Moos, os teus dons, fecundo Outono Sfregos colhem, nesta, e aquela cepa, C'o exemplo das Amantes, animados. Este rouba das faces bem coradas, Vindimador robusto, acesos beijos, E ao peito palpitante aperta a Bela, Rindo do seu rival, que o v de longe, Com olhos, que fascam de cime. brio o Deus pampinoso, c'o seu nctar, Vai-se, e festivo clama, ao pr do dia. Como outrora partiu, do anual festejo, Quando avistou de longe ansiosa, e mesta Do ancio Cretense Rei, a linda Filha. Nessa incgnita praia, oh Ariadna aflita, Onde, a dormir, Teseu te deixa infido Te deparou Lieu; nem foi to squivo, Que alm fosse; antes colhe aos leves Tigres A brida, e eles submissos logo param. Ei-lo se achega a ti; e lastimando-te, Parece tomar parte em tuas mgoas; Na face o pranto, com beijar-te, o enxuga. No Carro, oh Deusa, te acolheu: tu logo De suspirares, por Teseu, cessaste.
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O INVERNO
ONGO-ausente acolhei-me, oh santos prados; No seio manso vosso; e bem que nua Do verde adorno esteja a vossa face, E pelos ps do Inverno magoada, Torpecida, muito h, que eu vos suspiro. Bem que no soem, pelos verdes bosques, Voz de Prazer, Canes de Primavera, Nem, pelos dons de Ceres, dance o Zfiro, Nem da Maceira a buliosa rama Por entre os bastos frutos, lhe revolva. De teu divino rosto, assaz e muito, Oh vivfico Sol, me vi privado; E de teu alto brilho, oh Cu purssimo. Santo prado acolhei-me; lasso venho Da Cidade, e de seus folguedos tristes. Farto venho de festas insensatas, Que os dias, e inda as noites lhes consumem. Langue a Alegria l; boceja, dorme, Quem no gosta da taa profanada Das sem-sabores graas dos praguentos. Corro insofrido a vs, como o Cativo, Que o grilho roto, do atro crcer foge. O claro dia, e a ti, oh Sol benfico, Meus olhos abenoam; teu luzeiro Restaurador a longos tragos bebem. Nas veias corre mais ligeiro o sangue, Mais largo o corao sente a influncia Deste ar mais puro. Eu j respiro, e sinto-me Medrado em vida nova; a fronte alisa-me O Amigo que me ri, nos braos tendo-me. Nada h que iguale as tuas roupas Em des-nevada alvura, Luminosas, Com que cobres a Terra: em balde a vista, Para te olhar segura, toma alento; Torna atrs, de teu brilho deslumbrada. E o Sol, vitorioso, os raios frecha Sem estorvo; em teu lcido ornamento; Que vido os agasalha, e ufano, coeles Se enfeita, e manda Sfera aberta, e limpa A disparada luz, com splendor novo.
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No grmio do repouso os bosques dormem; Vasta nudez, profunda paz os prende; Mudo o rumor se some: ouve-se raro Gorjeio dalguma Ave anacoreta, Que errante, e vaga, o pasto, em neves, busca. Ergue-se, e baixa, com tinido horrvel Destruidor machado; a dobres golpes, Na selva antiga fere o tronco amigo, Que aceso aquece o Filho; o tronco, que antes Cobrira o Pai, com benfeitora sombra. Salteada do Aquilo, que investe, e ruge, Cada tronco do bosque curva, e geme, Geme, e sacode a neve amontoada Pelo tope, e alongados broncos braos, Para a chover na prole dos arbustos. Que lindo enfeite, o destes troncos cndidos! Quo magnfico brilha, ali pendendo Dos ramos o Cristal! Sem que o derreta O Sol, que franca entrada tem, no bosque, Hoje despido da folhuda rama. Mais louo, que antes, o gigante Pinho Salva, co verde tope, os troncos todos; Verde, que o Inverno desbotar no pode; E se ufana, com fresca juventude, Entre a gelada alvura deslumbrosa. E o Rio, que (pouco h) rodava fero, No raso campo, a linfa, e parecia Infiel, na incerta via, flrea margem, Hoje esquece o correr; na espdua dura Homens sofre, e sustm Cavalos, Carros. Bando hardido arma os ps alvoroados, E foz do Rio, em seu deslizo, voga. Tal, solto o pano, a Nau dirige barra A fita proa, e escapa, no gil voo, Ao curioso olhar, que a vai seguindo. Como rpido esvai o dia, em meio De Invernais passatempos! Todo assombros Olho estas cenas, t que a vespertina, Solitria mudez a novos gozos A mim, e a meus amigos nos convida. Junto ao rstico lar nos sto chamando. Com calor mais benigno nos penetra, Que os ecnomos fogos da Cidade, Quando, em roda, sentado c'os amigos, Mansamente entranamos os discursos;
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Neles versa a benvola Amizade, Versa, e diverte ingnuo, alegre esp'rito. Com prfido sorriso, no se atreve A vil Maledicncia dar um passo, Nem mostrar entre ns seu torpe vulto. Jovial Gracejo, Irmo do airoso brinco, Que entrar no temes, no meu tecto humilde, Tu, no nosso congresso, te abres praa. Ai do Vcio, e da Afectao ridcula, Que deparou cair em nosso grmio. Prende o Silncio toda a voz em torno, Mora o sossego em Casa, e pela Aldeia; Menos que, ardente, no presepe prximo, Mova o Cavalo as crinas, c'os ps bata, Pedindo, com relinchos, o sustento. Graciosa a Lua, de astros ladeada, Nossa atrevida planta ao Jardim chama. Ento nos olha o Cu to majestoso, E os seus Mundos, sem nmero, nos olham, Solenemente tcitos vagando. No se cansem meus olhos de admirar-te, Cu, assento, e morada do Ente eterno: Nunca de ouvir-te canse o meu ouvido, Quando entoas, com sons melodiosos, Do Criador a vasta Omnipotncia. Quando infiarei da minha vida o curso Ditoso sempre, sempre sossegado? Sempre dado Amizade, e ao srio estudo? Quando ibernos vireis. Seres solenes, A mim, Musa, aos meus amigos dados? Ouve-me, oh Fado; e assenta-me uma Choa A mim, e a Dafne, nestes santos prados: Que eu grato aceitarei, junto da Amada, Esse ermo Inverno, a cujo aspecto treme O ocioso habitador das turvas Cortes. Quo breve corre o Dia! e as Horas voam Insensveis, se emprego til lhe damos! Nem se sabem contar, nem se percebem, Quando, Amor, lhes ds asas, ds nascena Aos afeitos, que as Horas santificam! Quo veloz foge o Dia! o Sol, l do alto, Nos v, se regozija: ali deter-se, Por star connosco, grato desejara; Mas fora que se apresse; j no alcance Lhe vem a Noite, amiga dos Amantes.
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Ricas Horas, (ariscas a Importunos!) Os mais puros prazeres vos completam. Oh rica solido, eu te sado. Tu me entranhas de gosto a cada instante Quando Dafne querida me acompanha; E, entretida em lavores de seu sexo, Corre c'os dedos rpidos as obras, Que interrompe algum tanto, e vem beijar-me, Aplaudir-me, afagar-me, dar-me o prmio Do Amor, que estou cantando, ou da Amizade. No nos falta quem ame vir a ver-nos, Neste nosso retiro. Amigos caros, Vs sois de nossas prticas o assunto; Os hinos repetimos, que cantastes Virtude, ao Amor, e Amizade. Desejo (s vezes), que inspirou o Afecto, Num trenel nos conduz um caro Amigo. Que felizes que somos! Nossa porta, Que no ama importunos Visiteiros, S prazenteira se abre a quem nos ama. Pisa (Mas raro!) o umbral com p profano Que vem c'o amiga; mas de ns desmente. E vai-se; que esta nossa humilde Choa Se esquiva a Parvos, acham-se mal quistos: Os Ftuos, os Malvados, mal aceitos.
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ODE
AO IL.MO E EX.MO COMENDADOR JOS MANUEL PINTO EMBAIXADOR DE PORTUGAL EM ROMA
Ad summam, sapiens uno minor est Jove. HORAT. Lib. 1. Ep. 1.
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EPITFIO
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ODE
LIBERDADE
DEDICADA AO IL.MO E EX.MO SENHOR MARQUS DE BOMBELLES, EMBAIXADOR DE S. M. CRISTIANSSIMA EM PORTUGAL
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Neptuno enfurecido Do slio se arremessa, E c'o brao potente abala o fundo Do mar, que se amontoa, e se espedaa; Que encapelado atira De serra a serra, os descorados lenhos. Eis j, Cabral, descobres Os Brasis no buscados: C'os salgados vestidos gotejando, Pesado beijas as douradas praias; E, aos Povos, que te hospedam Ignaro do vindouro, os grilhes lanas. A Bondade, a Inocncia, Que imemoriais imperam Nos Reinos no avaros de urea veia, Dos costumes da Europa espavoridas, As gentes desamparam Miserandas.... Ento a Liberdade, As asas, no manchadas De baixa tirania, Soltou isenta pelos ares livres; Mal que avistou a Escravido ao longe: Roupas trajando santas, Vir estes climas demandar ditosos. Ao vento se desfraldam, E as velas j branquejam, Que as leis escuras trazem, sanguinosas; Trazem cordas, grilhes; trazem segures, (Da Liberdade em troco) Para as Naes, que o crime mal conhecem. Geme a Amrica ao peso, Que insolente lhe agrava Dos Vcios a coorte maculosa: O veneno da Europa se derrama, E os mudos vales troam C'o trmulo fragor do bronze rouco. Tmis, co' as mos ao rosto, Sbito os olhos cerra, Quando encara as fogueiras flamejando, O Rei maniatado, o algoz sedento, Pelo ouro mal-devoto Decepando as cabeas inocentes. Mas.... Que doce violncia Me retira de tanta Cena de horrores? Qual me esparges nctar Musa, pelo mortais, pesados membros; Que mal toco, ligeiro, As azuladas, transparentes ondas?
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Deste licor banhado, O dulcssono Orfeu, Assim seguia a prvida Calope, Desde os mares da Grcia, ao Nilo ignoto; Quando o mistrio Egpcio Quis registrar, do alto saber avaro. Salve, copado Bosque, Salve: plcido asilo Da casta, foragida Liberdade. L vejo o Templo seu prico,[XXVII] imenso, Que encerrar-se no deixa De brnzeas portas, artesoados tectos. L vejo, inda entalhado Nessa rvore robusta, Do humanssimo Penn o nome grato: Inda os costumes sos, que ele plantara, Recendem nestas veigas, Orvalhados de amiga tolerncia. Aqui, nos terres toscos Sentados, aceitavam Os Selvagens indgenas o preo Da terra j alm dada: exemplo insigne, Que insculpir infmia Nos que as plagas no suas cativaram! No mais, no mais, oh Musa; No mais furor me acendas. Sinto o sangue correr atropelado, O crebro assaltar-me aguda chama De fatdico incndio: J, do futuro, a Jove arranco as chaves. Como risonha, e destra Treze Regies discorre: Como co' as alvas mos lhes quebra o jugo, E as toma, a Liberdade, em anel firme! Como as dextras lhe enlaa, Sopra em seus peitos brios, esperanas! Soltam-se os pendes livres Ao teu sisudo aceno, Filsofo Franklin, que arrebataste Aos Cus o Raio, o Ceptro Tirania; E ao teu aviso, em Boston O Lrio ajudador tremula, ovante. De honra e valor armado, Washington, ali te ergues, E ao Congresso indeciso a f abonas.
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Tu s sua muralha, e seu escudo; Qual, outrora no Lcio, O Fbio tardador, aflita Roma. Os Scios protegidos, Os Tiranos exaustos So eternos brases da tua glria, Que cresce triunfal na redondeza, Como os crculos crescem Em lago, que no centro foi ferido. Neste limpo terreno Vira assentar seu trono A s Filosofia, mal aceita; E Leis mais brandas regero o mundo, Quando homens mais humanos, C'o raio da Verdade, a luz espalhem. J de Sapincia ricos Exames Filadlfios Vo conquistar com almo ensino a Europa; Sem baionetas, sem canhes escravos Vo plantar generosos Ramos da restaurada Liberdade: Quais, do flrido Himeto Melficas abelhas, Entre as asas do Zfiro amparadas, Vo demandar, com voo desejoso, As remotas devesas, Que ho-de adoar c'os fabricandos favos.
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LIRAS
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ODE
AO SENHOR AUGUSTO MARQUET DURTUBISE
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No corao, que puro: Pelas portas das lbregas masmorras Mete serenos dias O puro irrefragvel testemunho Da benfica vida, ao Crime adversa. Conquanto no me exprobre atroz remorso Malficas lembranas, Que me importa que os Bens, a Vida, a Fama Sejam lano do Embuste? Que pelo p me arraste, desvalido, A traidora Fortuna, caprichosa? Duro no peo ao soberbo piedades Nem quartel ao injusto: Agravado, inocente, mal punido Tenho de ser ditoso, Co' a paz suave, na cabana humilde, Entre os braos do puro Regozijo. Porque hei-de cobiar os bens sobejos De que desdenha o Sbio, E porque tanto o imprudente anela? Assim, por leves nadas, Caem dos olhos, lgrimas mimosas Aos ignorantes, vidos meninos. Prvido Fado o Bem, o Mal reparte: Ora meigo nos leva Por prados, que de rosas nos tapia; Ora, para arrancar-nos Da mo ferrenha do contente Vcio, Por veredas de abrolhos nos empucha. Da luta audaz c'o indcil Apetite Te lembrars com gosto, Quando se abrir um dia tua mente Esta harmonia, esta Ordem Que, do futuro austero o vu nublado A nossos olhos temerrios veda.
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ASTCIA
CONTRA AMOR
INHA Amor resoluto a assetear-me: Eis, que eu lhe oponho um Odre aos cegos tiros. Farpo sobre farpo cuida encravar-me, Ouvindo astutos, lnguidos suspiros. Quando vazia a aljava, E a voz morta me sente, A ver o estrago o Atirador chegava, E as feridas contar na rs jacente. Mas, do meu couto, pelas asas cruas Colho o Daninho; Nas nalgas nuas Pesadas mos colrico lhe assento. O Coitadinho, No seu tormento, Em vo me chora, Piedade implora; Que eu surdo a rogos, surdo a terno pranto, Por me vingar de tanto insulto e tanto, Que em minha vida, Este homicida Me fez acintemente Com ira incontinente, No odre, que me amparou, sanhudo o afogo, Onde deu um arranco, e morreu logo.
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ODE
MINHA MUSA APETITOSA DE CORRER MUNDO
Tu, nisi ventis debes ludibrium, Cave. .. HORAT. Lib. 1. Od. 14.
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SONETO
MOTE A mgica Poesia os Cus encanta. GLOSA
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SONETO
AOS ANOS DA SENHORA D. E. V. M. J. M.
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AD GALLOS
Quum ortis inter Magistratus dissidiis, aceptisque in Italia cladibus, nova belli civilis incendia nuntiarentur.
ANNO VII
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TRADUO
H desatino! oh fria! Qual (tristes!) cego vrtice nos volve? Se aos homens nada enfreia, Sorte melhor aos brutos coube. Onde ides Assomados? Que novos Cocares embebeis nos capacetes? Que lanas, que fogachos Empunhais co' essas mos despiedadas? Ser, quem ponha o fogo Frana a dextra vossa? Ai! mais que muito Com stragadores dios Se combateu tqui. Poupai, magnnimos Sangue Francs, Franceses: Vertei na hostil coorte as vossas iras. Infiam.... nem j escutam Avisos meus. Mortal silncio lhe ata Os lbios. No despenho Lana, a esse bando nscio, nsia de errarem? Ou lhes faz o Erro fora? Nos Cabos, na Repblica a Confiana Vacila: de prudncia Falta, delira a Cria. Paga-o o Povo Inocente. Oh Discrdia, Onde impeles as mentes transviadas? No inda bastante O j vertido sangue? E bem vos pesa No ter desarraigado Do stio os tristes restos deste Imprio? Cumpre (oh mgoa!) que s mortes Mortes se unam, e a estragos mais estragos? Delcias de Albion nvida! Tectis squalida dirutis, Oppressisque silent artibus oppida: Desertis dolet in viis Pubes immeritis orba parentibus; Indignoque terit pede Fraternis silices cdibus ebrias; Et cultore carent suo Versis in gladios arva ligonibus. Urget dedecus additum Damnis, inque dies vix medicabili Gliscit pernicies malo, Dum rerum bona pars irrita defluit. Ingens prsidium et jubar Sublatum ex oculis qurimus anxii: Adsit qui velit improbas Fraudes et rabiem tollere civicam; Adsit qui PATRI STATOR Scribi, ac terrificam strenuus audeat
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Refrnare licentiam, et Libertate nova luxuriantibus Metas figere aheneas; Prsens Ille suis carus et exteris. O Navis, tibi creditam (Seram orbis requiem, fataque postera) Serves depositum, precor: Quamvis remigio nudaque linteis, Tot defuncta periculis, Mauros o utinam, rite faventibus Euris, effugias sinus; Spem gentisque bouam votaque sospites! Esqulidas as vilas emudecem, Esbroadas as Casas, As Artes oprimidas: as Crianas Nas ermas ruas, rfs Choram dos pais as mortes no devidas; Com p sanhudo, as pedras Roxas do sangue fraternal, pisando. Forjados em alfanjes Os enxades, de seu Cultor carecem As jeiras. Sobreposta Carrega sobre as Perdas, a Desonra. No mal, quasi incurvel Dum dia em outro, o extremo dano cala, Enquanto em balde escoa Boa parte dos bens. O esteio ingente O splendor, que dos olhos Nos desviaram, ansiosos inquirimos. Acuda quem destrua mprobas fraudes, Cvicas vinganas. Acuda quem se atreva A ter nome de Pai da Ptria; e as rdeas Aos devassos terrores Encolher alentado; e pr balizas De bronze aos desmandados Co a Liberdade nova, aos seus (presente) Amado assunto, e a estranhos. Rogo-te, oh Nau, que salves a confiana Em ti depositada (Tardo Sossego do Orbe, e extremos Fados!) Bem que desarvorada De mastos, e velame; e tantos p'rigos Hajas corrido. Oh praza A Deus, que s praias Mouras bons Favnios Te escondam, e nos rimas Da Frana o anelo, e as esperanas boas!
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EFEITOS
DO AMOR MAL CORRESPONDIDO
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ODE
LA FORTUNE, DE J. B. ROUSSEAU
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ODE
FORTUNA, DE J. B. ROUSSEAU
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Ne sont que des crimes heureux. Quoi! Rome et l'Italie en cendre Me feront honorer Sylla? J'admirerai dans Alexandre Ce que j'abhorre en Attila? J'appelerai Vertu guerrire Une Vaillance meurtrire Qui dans mon sang trempe ses mains? Et je pourrai forcer ma bouche louer un Hros farouche N pour le malheur des humains? Quels traits me prsentent vos Fastes, Impitoyables Conqurants? Des vux outrs, des projets vastes, Des Rois vaincus par des Tyrans: Des murs que la flamme ravage; Des Vainqueurs fumans de carnage; Un Peuple au fer abandonn: Des Mres ples et sanglantes, Arrachant leurs Filles tremblantes Des bras d'un Soldat effrn. Vejo traies, furores, crueldades... Que hediondas Virtudes! Bruto parto do enorme ajuntamento Dos mais horrendos Vcios. Sabe, oh Deusa, que s a Sapincia Produz Heris perfeitos; Que ela acusa os senes dos que esse nome Por merc tua alcanam: Nem brases, que forjou vitria injusta, Tm cabimento co' ela. O Acaso os granjeou, no teus validos; E tais hericos feitos Com vista stica os sobre-v e os conta, Entre os ditosos crimes. Honrarei Sila? porque a Itlia e Roma Meteu a ferro e fogo? Louvarei de Alexandre a crua insnia; Que em tila aborreo? Queres que chame blica Virtude Os brios homicidas, Que as brutas mos ensopam no meu sangue? No dobrarei a Lira A que entoe um Heri feroz, nascido Para estrago dos homens. Abro os vossos anais, Lees sedentos; Daqui, dali descubro Sobejas ambies, largos projectos.
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Aqui rasas muralhas, L Reis atropelados por tiranos. Do golpeado povo Em sangue quente o Vencedor fumeia; E as Mes sem cor, e esqulidas Dos braos do soldado infrene arrancam As tremebundas Filhas. Juges insenss que nous sommes, Nous admirons de tels exploits! Est-ce donc le malheur des Hommes Qui fait la Vertu des grands Rois? Leur gloire fconde en ruines, Sans le meurtre et sans les rapines Ne saurait-elle subsister? Images des Dieux sur la terre, Est-ce par des coups do tonnerre Que leur Grandeur doit clater? Mais je veux que dans les alarmes Rside le solide Honneur. Quel Vainqueur ne doit qu' ses armes Ses triomphes et son bonheur? Tel qu'on nous vante dans l'Histoire, Doit peut-tre toute sa gloire la honte de son rival. L'inexprience indocile Du compagnon de Paul-mile Fit tout le succs d'Annibal. Quel est donc le Hros solide, Dont la gloire ne soit qu' lui? C'est un Roi que l'quit guide, Et dont les Vertus sont l'appui; Qui prenant Titus pour modle, Du bonheur d'un Peuple fidle Fait le plus cher de ses souhaits: Qui fuit la basse Flatterie; Et qui, l're de sa Patrie, Compte ses jours par des bienfaits. Vous chez qui la guerrire Audace Tient lieu de toutes les Vertus, Concevez Socrate la place Du fier meurtrier de Clitus. Vous verrez un Roi respectable, Insensatos Juizes admiramos Tais feitos, tais runas! Faz a virtude pois os Reis preclaros Co' as desditas dos homens? Nem seus louros fecundos de destroos, Sem mortes, sem rapinas No se podem suster? Deuses da terra, Imagens dos do Olimpo,
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Quereis patentear o poder vosso No estampido, nos raios! Surja embora da guerra, e das conquistas A perdurvel Honra. Qual vencedor deveu mera lana Os felices triunfos? Quanto Heri no ganhou na Histria quadro, A quem rendeu mais glria O desar do rival, que o prprio esforo? O indcil e inexperto Varro, co' infausta intrepidez de Canas, Esclareceu a Anbal. Mas qual , Musa, o Heri que em si s funda Da sua glria a base? L vejo um Rei, que firme na virtude, Toma por Mestre a Tito; E na Equidade os olhos encravando, Pe seu mais doce anelo Em bem afortunar o leal povo; Que espanca a vil Lisonja E vero Pai da Ptria, com bondades Assinala os seus dias. Tu, ante quem a blica afouteza Vale as virtudes todas, No auge de fero matador de Clito Pe Scrates benigno; Vers um Rei grandioso, respeitvel, Humain, gnreux, quitable, Un Roi digne de vos autels. Mais la place de Socrate, Le fameux Vainqueur de l'Euphrate Sera le dernier des Mortels. Hros cruels et sanguinaires, Cessez de vous enorgueillir De ces lauriers imaginaires, Que Bellone vous fit cueillir. En vain le Destructeur rapide De Marc-Antoine et de Lpide Remplissait l'Univers d'horreur: Il n'et point eu le nom d'Auguste, Sans cet Empire heureux et juste Qui fit oublier ses fureurs. Montrez-nous, Guerriers magnanimes, Votre Vertu dans tout son jour. Voyons comment vos curs sublimes Du Sort soutiendront le retour. Tant que sa faveur vous seconde, Vous tes les Matres du Monde,
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Votre gloire nous blouit. Mais au moindre revers funeste, Le masque tombe; lHomme reste; Et le Hros s'vanouit. L'effort d'une Vertu commune Suffit pour faire an Conqurant. Celui qui dompte la Fortune, Mrite seul le nom de Grand. Il perd sa volage assistance, Sans rien perdre de la constance Dont il vit ses honneurs accrus: Et sa grande me ne s'altre Ni des triomphes de Tibre, Ni des disgrces de Varus. Um Rei humano e justo, Digno de teus altares: mas o altivo Conquistador do Eufrates Ser, se o pes de Scrates no posto, O repdio dos homens. Heris cruis, Heris sanguinolentos, Cessai de empavonar-vos Dos quimricos louros, mal colhidos Nos campos de Belona. Em vo o Destruidor arrebatado De Lpido, e de Antnio, De horror cobria o mundo; que de Augusto Nunca alcanara o nome, Se os seus furores no lavara manso Com justo, almo governo. Exponde clara luz vossa virtude, Magnnimos Guerreiros; Volva a Fortuna a roda. Como a aguardam Esses peitos sublimes? Enquanto ela as proezas vos bafeja Senhores sois do mundo; Co' brilho nos cegais. Mas se os azares Despede carrancuda, Cai a mscara aos ps, desfaz-se o Heri! E que nos resta? O Homem. Para um Conquistador sobeja esforo De trivial virtude: Mas s merece bem de Grande o nome, Quem subjuga a Fortuna; Quem perde os seus afagos, sem que tora Da rgida constncia, Com que susteve as cumuladas honras; Nem lhe verga a alma ilustre C'o triunfo invejoso de Tibrio, Nem co' a rota de taro.
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La Joie imprudente et lgre Chez lui ne trouve point d'accs; Et sa crainte active modre L'Ivresse des heureux succs. Si la Fortune le traverse, Sa constante Vertu s'exerce Dans ses obstacles passagers, Le Bonheur peut avoir son terme: Mais la Sagesse est toujours ferme, Et les Destins toujours lgers. En vain une fire Desse D'ne a rsolu la mort; Ton secours, puissante Sagesse, Triomphe des Dieux et du Sort. Par toi, Rome, aprs son naufrage, Jusque dans les murs de Carthage, Vengea le sang de ses Guerriers; Et suivant ses divines traces, Vit au plus fort de ses disgrces Changer ses Cyprs et Lauriers. s imprudentes, leves alegrias Fecha as modestas portas; E o desatino das ditosas quadras Rege c'o argos receio; Quando a Fortuna o vexa com reveses, O af robusto emprega Contra os empeos, que em seu rumo topa. Encurte-se-lhe a dita: Que ele, c'os ps seguros na Sapincia, Zomba dos leves Fados. Em vo a altiva Deusa decretara A morte a Eneias pio. Tu, potente Sapincia o defendeste Da Fortuna e dos Deuses. Por ti vingou a naufragante Roma, Nos muros de Cartago, A afronta de Varro, de Emlio o sangue; E os passos teus trilhando, Mudar viu, no rigor de seus desastres, Em louros os ciprestes.
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ODE
FELIZ ACLAMAO DA FIDELSSIMA RAINHA DE PORTUGAL A SERENSSIMA SENHORA D. MARIA I.
No dia 13 de Maio, do ano do 1777.
Enquanto apascentar o largo Plo As estrelas, e o sol der luz ao mundo, Onde quer que eu viver, com fama e glria Vivero teus louvores na memria. BARRETO. Liv. 1. Estanc. 132.
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Encerra em Letras faustas. L-as; e nega-te a cantar, se o podes. Povos, ouvi atentos Orculos divinos, Que beberam meus olhos assombrados. Que grande luz se espalha Na mente, e ao peito desce Doce, e suave, e de prodgios cheia! Eis os tempos ditosos, Desejados dos Lusos. Que em folhas, na Cumeia lapa ondearam, Consigo as eras de ouro, No peito, e no semblante Nos traz ao trono a cndida Rainha; No assento Majestoso Quo bela representa As ss virtudes, que lhe pulsam na alma! Nunca no trono Assrio Semramis famosa Ganhou tais cultos do vencido Oriente. J correm a amparar-se Da sua rgia sombra As Artes, as Cincias desveladas. Oh quo bem que entenderam! J, com mo benfeitora, Lhe abre na ptria prvidos asilos. Os portos franqueados, Vm depor na Ulisseia Veli-vagos baixis do Orbe as riquezas; E as Quinas vo ufanas Nos ombros de Neptuno Levar a ambos os Plos, teus louvores. Vem, sculo ditoso, Dos bens enriquecido, Afortunar os fortes Lusitanos: Outras graves conquistas, Outras pazes honrosas Venham com novos Gamas, e Albuquerques. Do teu formoso rosto, Dos olhos refulgentes Trasborda o amor dos teus vassalos: Das tuas mos grandiosas J caem cento a cento As benignas mercs, bem repartidas. Teu Povo afortunado Aos Cus envia as graas
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Da Rainha, antes Me, mais que Rainha: E as arredadas gentes Buscam na Elsia abrigo, Do teu brando governo convidadas. Aos vaidosos Monarcas Dars roedora inveja, Pors grilhes lngua da Calnia, Que exprobrava odiosa Ser fraca a mo femnea Para as rdeas suster dum grande imprio. Tu, de Prncipes dignos Benemrita herdeira Os passos pisars, que eles correram: Na strada da Vitria, Do mrito no templo Tens por Norte os Avs, o Pai por Mestre. J num lugar excelso O slio te preparam Entre Cat'rina ilustre, e Isabel santa E j com alvoroo Tecem teu elogio, Quando sfera imortal mui tarde subas.
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DEBIQUE
OFERECIDO AO SENHOR H. J. B. .
Compadecido de que a las hermosuras legas, por justos juicios se les aya revestido en el cuerpo tan extraa gerihabla, y viendo que los clamistas de noche, al son de campilla dicen: Acurdense hermanos de los que esta en pecado mortal, y de los que andan por la mar, y de aquellos, y aquellas que estn en poder de Francelhos. Por todas estas cosas he resuelto QUEVEDO.
IS que, como Quevedo, me resolvo A debicar convosco, meus Francelhos, Que vos desempulhais de meus socates, C'um baboso dizer Patro da lancha Carregada das drogas da antigualha. Cuidais que me insultais: e eu tenho em honra Ter os Clssicos lido, e ter lembrana De suas nobres frases, quando escrevo. Que assim luzia Freire, assim Vieira, Dous lumes da eloquncia Portuguesa No sculo anterior. Que (por disgraa Da lngua nossa!) os outros Escritores Imitar no souberam. Sucedeu-lhes Um frasear mesquinho um mui poupado Meneio de palavras. J dessa Era Todo o termo por nscios no sabido Era a desterro injusto condenado. Ento se entrou a arremessar no Olvido Soer qui, mau grado, apraz, azinha, E outras vozes de enrgica estreiteza, (Nobres na Castro, nobres nos Lusadas) Para as substituir com termos oucos, Com palavres sesquipedais, bazfios, Com advrbios de longo rabo-leva, Como este, que dum verso a casa ocupa: MISERICORDIOSISSIMAMENTE, Que se cantou por fecho dum soneto, Impresso numas festas muito rgias. Veio, por fado mau, fortuna insulsa, Depois, para desonra deste sculo, Um falar mascavadas francesias, Que se apossou dos cascos dos Tarelos, E ps o peito barra, muito ufano, A enlabuzar a lngua Lusitana
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Com certa mixtifria frandulagem. Vendo que no pegavam tais unturas, Mais que em carinhas tolas, macaqueiras, Mais que nuns certos Naires, certos Bonzos Nalgumas Mulherinhas de refugo, Ou Rapazes da ffia; e que homens lidos, E os de juzo assente os apupavam, Deram-se ento a baforar vapores Com que o lustre da lngua mareassem, E assim se desforrassem dos remoques, Com que o Dinis , e Elsio os chasqueavam. Como vos enganais; meus badamecos! A lngua Portuguesa pura, e clara Viver quanto vivam amadores Da Latina facndia, Me da Lusa, Quanto vivam Cames, vivam Ferreiras: E a vossa lngua, eivada de Galeno, Morrer, como as modas dessa Laia. Morrero os Telnios, as Malbrukas; Morrero as Condutas, os Afrosos, Com os mais da rel do francesismo. Quando a primeira vez ouvi as falas Desses Francelhos, que na lngua Lusa Metiam Francesias, cismei muito Donde esse destempero acarretaram. Cismei, ... cismei, ... e fora de cismar-lhe, Adormeci cismando. Eis vem-me um sonho: E como em sonho aprendo muito, agora Direi o que sonhei, que vem a plo. Vi um vasto Palcio, com feitio De Alfndega Mourisca, onde as fazendas Eram missangas, talcos, azeviches, Toucados francesa, schalls Turca. Mil Bonifrates, mil Tarinas scias Rodeavam tais fardos, e os cheiravam, Namorados da guapa mercancia. .... Eis que se abre uma porta. Vou entrando, Na sala, que era trrea, e por paredes, Por tecto, e por caixilhos das janelas, Tinha papel pintado, sem mais nada, Unido, e preso por painis, por cantos Com cordas de viola, sem mais pedras, Mais cal, mais tbuas, mais ferrage, ou tornos, Que o tal papel... Eis vejo um Cavalheiro De mui pretos bigodes retorcidos, Castelhano no traje, e na postura, Com carinha de escrnio... Este Quevedo (Disse eu logo entre mim) Que bom encontro! EU No me dir que stio este?QUEVEDO
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Amigo; Este o Reino da moda. Eu vim c v-la, Para dela contar as maravilhas Aos meus pataus; como meu uso antigo, Chasque-los com sonhos de caveiras, Chafurdas de Pluto, Latini-parla... EU Meu Senhor, meu Quevedo, Cavalheiro De Santiago, e Momo do Parnasso, J que em Latini-parla aqui me toca, No me dir (des-que anda nestes stios) Se co' a Galici-parla deu de acerto? QUEVEDO Que me diz l. Besta , que eu no conheo, A tal Galici-parla. No meu tempo Chamavam falar culto o intermeado De Latim na conversa, e na escritura, Mas entranar francs mais asneira. Que ao menos o Latim vislumbres dava De quem aulas cursou, sintaxe soube; Mas francs, ... de que deu lies um birba, Um... EU Meu senhor, vai o tiro inda mais longe. No seu tempo o latim l se falava Metido em rstea com atqui, com ergo: Hoje o francs se fala em assembleias Mui de cutiliqu, muito entonado, Por quem nem steve, nem nasceu em Frana; E inda os que mais grados se espanejam, No sabem o que lem, que no comprendem A aluso deste dito, a fora, o chiste Daquela frase, ou da acepo genuna Dos termos mais correntes. Lem Molire, La Fontaine, e jejuam da finura, Que encerra a voz, que lem a trxe mxe. QUEVEDO Eu inda no entrei ness' outra sala, Cujas portas, bem v, que bipatentes Tm quatro concluses por almofadas: Inculcam bem sabena. Talvez demos L dentro co' a instruo, que haver pretende. Entremos. Lano a vista pela sala, Onde, em palmos de Arraz traci-comidos
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Toda a Ilada em quadros entrevejo Lacerados, e noutros s os fios Despidos da l tinta; os mveis eram Os de Nestor... ou netos do Dilvio. Deito-me logo a ver, com srio afinco, Os gestos das Figuras, que compunham O conspcuo auditrio. Vejo barbas, E grisalhas melenas de Profetas, Quais vo na Procisso de S. Francisco; Um que aponta c'o dedo o p, e as cinzas, Em que todos nos temos de tornar, Outro ossos descarnados, e a caveira Despertadora do final arranco. Mas o que mais l vimos, nunca visto, Foi umas tantas Velhas desdentadas Com caras de Sibilas. Eram doze; No feitio, nos trajos diferiam, Uma da outra, mas todas eram velhas, E um rolo de papis cada uma tinha Na mo direita: os olhos tinham fitos Na imagem do Futuro, que era um Vulto Anuviado, e esquivo, e ss uns visos Dava, de vez em quando, pouco claros, Que sbito as Sibilas escreviam. EU No vejo aqui fazenda, que me quadre. Em que haja de parar o Galicismo Muito h que eu j o sei. Escrnios, vaias Esperam ajoujar esses Tarelos, Que traficam linguage hermafrodita. Vejamos, se h aqui sala do passado, Que da Galici-parla a moda asntica Descubra na raiz. QUEVEDO Vamos mais dentro Aqui vejo uma porta acobertada De velhos manuscritos quasi cegos; Foroso que haja dentro antigas cousas. EU No muito antiga a moda, J taludo Era eu, quando pariu na nossa Elsia Certa m Fada o tal falar mestio. Mas entremos, talvez ache o que eu busco. QUEVEDO No entre. Vejo muitos Petimetres, Muitos Bonzos de buo amoladinho,
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Damas la Titus... Ali h mrcia; Que agoo de Francelhos diz o rtulo. Vamos l. Como tudo afestoado Est de Orelhas d'asno!!! orelhas d'asno D o Bedel a quantos vm sentar-se Em frente do Orelhssimo francelho: Ouamos o que diz, que h-de ser guapo. FRANCELHO-MOR Elves meus charmants eu sou gostoso De ver quanto foisonna a nossa moda. Graas vos dou da contumaz conduta, Com que este nosso affre interessante Puxais com nobre ardor, e dais ressura A Damas, Bonzos, piruetantes Naires De falar culto, sem saber mais lngua, Que nacos de livrinhos de fitinha, Vede quanto vos poupo do trabalho, De estudos, de gramticas prolixas, De ler Barros, Lucenas, Britos, Freires, E tantos alfarrbios afonsinhos, Com que Elpino, Garo, Filinto, Alfeno Tm queimado as pestanas. Vs entre eles, Campais nas mais brilhantes assembleias, E os acanhais, mistificais-los todos Quando querem falar, moquamos deles; De modo que se calam; muito apenas Lanam um golpe de olho de travs Sobre ns, que garante irrefragvel Do interditos que ficam destas vozes, Que lhes frapam no mais sensvel da alma. Pois se ns lhe atiramos mui redondos Cum sentimento, (bem que escuro seja A ns, e a muitos seu significado) Ento vo-los dou eu por concludos. E olhando-se entre si, levam espduas: Eu os vi que flancando-lhe um ressorte, Um bem gritado afroso, estremeciam, Espantados da nossa vasta cincia. Eles no ousam deployar dos lbios Termo, ou frase, que no lhes traga o cunho Dalgum ranoso autor, que ns no lemos; E nos pourvu que do francs nos venha A palavra, ou a frase, temos gudio De lhes dar corrimaa, e persiflage. Quem nos defende afrancesar a lngua C'os termos desse sculo gabado De Lus quatorze, e autores de alto rango, Que estima toda a Europa, a Europa estuda. Se em Francs so sublimes, mais sublimes Daro ao Portugus lustre eclatante. Desterremos com eles esta affrosa
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Platitude da lngua seiscentista. Toda a clssica frase, que ignorarmos, Gritemos logo Drogas da antigualha Insultemos as Obras de Filinto, As de Alfeno, Bocage, e outros sdios. Digamos, que o Garo, se ele aprendera A falar como ns, fora um portento; Fora o melhor Poeta Lusitano, Que nem o Cames mesmo lhe chegara Ao bico de sapato. O Dinis... esse Inteiro se perdeu co' a tal Arcdia. Tomasse ele as lies da nossa scola, Talvez que com seus versos igualasse Do Telmaco nosso a bela prosa, E mesmo alguns sermes, nossos conscios, Ter-lhe-amos aqui dressado sttua. Verdade , que Escrives temos bem poucos Que os fins recuem desta lngua scia; Mas o nosso Telmaco mil vale. Se no teve atqui chalans em barda, Que acudissem compra, ele o motivo Que inda a lngua ranosa tinha muitos Partidrios, e que o nosso falar culto Poucos adoradores tenha. Poucos, Desses amantes do falar dos Barros, S para o criticar, de dio banzando, O lero... mas acharam-se bem dupes; Que o nosso stilo a que arrivar no podem Lhes fez perder o gosto de ir avante De mais de duas laudas. Em revanche, Pelo Reino, e Colnias estendemos Muito ao largo este nosso seduisante Falar francs, que aflige esses ranosos, Po seu pato puristas obstinados. Assim falou. Quevedo logrativo, Voltando a mim o rosto: Que tal acha A destampada arenga? EU Obra de nscios. ~~~~~~~~~~~ Amor da Ptria, e desejos de que se no escurea inteiramente a glria que nos granjearam entre as naes estranhas os bons Autores do nosso bom sculo literrio, e no outro algum motivo, me incitaram a destruir (se me possvel) com as armas do ridculo a seita do francesismo, que tanto desonra a clssica linguagem Portuguesa. Bem sinto em mim no ter foras bastantes para a empresa; mas arvoro o pendo, e vou mostrando o caminho a outros mais valentes do que eu. Eia, moos astuciosos, amantes de bom Cames, terai as lanas, e arremetei-me com esses espantalhos; derrotai-me esse exrcito ingrato, que se rebela contra a Ptria, e contra os que com suas doutas penas a ilustraram. Se soubessem os tais Francelhos a estimao que os
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estrangeiros doutos fazem da nossa lngua, quando a entendem, e que tm Lusadas, ou algum dos nossos Escritores de bom sculo; e se soubessem a mofa que eles fazem dos que os no sabem imitar, porque no sabem o preo avaliar da lngua que ora falam, e em que, por desdouro seu, agora escrevem, envergonhar-se-iam (se ainda de pejo conservam algum retrao), e se tivessem juzo, cuidariam em desaprender essa gria da tal Galici-parla.
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SONETO
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EPODO
Illi robur, et s triplex Circa pecus erat, qai fragilem truci Commisit pelago ratem. HORAT. Lib. 1. Od. 3.
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Entre as frvidas Damas. A mui formosa Alcipe descorada C'os sopros da Doena Cansada chamar o seco Albano, Quando ler seus Poemas. Quem far ressoar em roda os montes C'os louvores de Alcipe, Quando os aplausos da Prelada eleita, Em nocturno Parnasso, Puserem franca a contumaz janela, Coro das Musas Lsias? No ouviremos mais, como arrancava Alcides o membrudo O ladrador trifauce a boca abrindo, Dentre as exiles sombras; Nem como a Pitonisa rabeando Na trpode sagrada (Do fatdico Deus a mente cheia) Convulsa pelos membros, Cabelos eriados, rosto em brasa, Alienada de si, Borbotava enigmticos furores, Pela fumante boca. Glria da Elsia, glria do alto Pindo, Formosa, e douta Alcipe, No ters quem te diga: Se estou triste, Mal volto mente a vista, Transtorno-me de triste em ser contente. Tu, Filinto queixoso, Filinto triste, louvars a Dafne Com raros toscos versos.
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FBULA
A LEOA, E O RAPOSO
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Tu, por guardar-te, no bem que acordes? Se no corres, enquanto tens sade, Corrers quando hidrpico; e se os livros E a luz no pedes, antes que abra o dia; Se no fitas no estudo, e honestas cousas O teu nimo, apenas que despertes, Tem de te dar tortura o Amor, a Inveja. Se no dize: porque a tirar-te apressas O que te empece vista, se demoras, Para alm do ano, o que a alma te consume? Metade avana da obra o que a comea. Arroja-te a saber. Enceta. Aquele, Que furta o corpo a melhorar de vida bem como o Aldeo, na aba do rio, Que espera que ele escoe; e o rio corre, E correr volvel eras, e eras. Toda a mira se aponta em ter dinheiro, Em ter mulher formosa, nobre, e rica, Que lhe procrie filhos; e a que o arado Domestique maninhos, e devesas. No queira mais quem tem suficiente: No Casas, no Herdades, nem Dinheiro Despedem febres, salvam de cuidados. Convm que o possuidor ande sadio Se intenta dar bom uso a seu granjeio. A quem cobia e teme, tanto valem Casas, ou Cabedais, quanto Pinturas Aos olhos emplastados, ou gota Fomentaes, ou Ctara a ouvidos Doridos das matrias neles podres. Quanto deitas em sujo vaso azeda, Despreza os apetites: Apetite Que se compra com mgoas danoso. Sempre vive em pobrezas o Avarento. Pe alvo abalizado a teus desejos. Definha-se o Invejoso, em ver o estranho Medrado em bens. Os Sculos tiranos Mor tormento que a Inveja no traaram. Quisera o que no foi mo Ira, No ter feito o que fez mal conselhado Da dor, da mente ruim, se prepotente Se assomou no punir com dio inulto. Insnia breve a Ira. Tu modera A vontade, que se ergue c'o domnio, Se a no trazem sujeita; esta sopeia Com freio, com grilhes. Enquanto dcil O potro, e a cerviz tenra, o Mestre o adestra A seguir o caminho, que lhe ensina O Cavaleiro. O Caador cachorro, Desque soube ladrar, na sala, pele Do Veado, guerreia pelas selvas. Recolhe agora oh Moo, estas palavras No peito, que ainda tempo; e te oferece
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A quem melhores, saiba. Longos tempos Conserva a infusa o cheiro, em que embedida Foi, quando nova. E, ou fiques, ou brioso Te adiantes; ronceiro, no te aguardo; Nem lido eu me ombrear c'os que ante-correm.
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Com mo profana as lbregas entranhas Da terra revolvido.... E tu, Vulcano, que as Lipreas Ilhas Regias indomvel, Regido foste, e a sbias mos sujeito; Para os humanos Joves, Em dura scola, trabalhaste os raios, Que estalam com runa Nas cerradas falanges, nos reparos Das munidas Cidades. As Estrelas, os Orbes despedidos Reconheceram regras; E o Raio assustador, que vago, e solto Estendia, ou quebrava O roxo trilho do farpado incndio, Hoje a Franklin submisso, Pela perita barra, ingrata via, Relutante discorre. S resistia ufano, e mal sofrido, Ao tentame frustrado, Do vasto Eolo o Imprio mal seguro, Difanas campinas. Os rijos Aquiles, Euros fogosos C'o sopro amedrentavam A prognie arriscada de Japeto: As guas infamadas C'o nome do Mancebo mais-que-afoito Com descorados medos A empresa ambiciosa represavam. Debalde a Natureza Ao pertinace esforo se esquivava De sustos povoando, O largo plaino dos desertos ares, Desamparadas quedas Opondo, escarnecidas, por barreiras! O Disvelo incansado Que agua a vista Sensao reflexa, Arremessado rompe Pelos montes de obstculos, e investe C'os penetrais vedados A arrancar o segredo perigoso, Para escalar os Astros Intexe um Globo, imitador dos Orbes, Que giram no ar vazio.... Eu mesmo o vi. Obediente ao mando Deixou airoso a terra; Sobre as frentes dos homens assombrados Levantado Planeta, Sulcava as raras ondas majestoso: (Em soberbo triunfo A regrada Cincia aos Cus subia) E furtando-se aos olhos A nova Estrela prefazia o giro.
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Tal Jpiter subido Tira bizarro, pelo etreo campo, Os satlites fidos, De um Plo, ao outro Plo passeando, Na clara, estiva noite.
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TRADUCTION
DE LODE PRCDENTE
EST ainsi que jadis, d'un vol audacieux, Ddale osa franchir l'immensit des cieux, Et que, planant soudain au-dessus des nuages, A ses pieds orgueilleux il foula les orages, De l'empire des airs il traa le chemin; Mais dans les noirs replis d'un vaste souterrain, La nature, en courroux contre ce tmraire, Enferma son secret: et sa prudence austre Contre un dsir fatal voulant nous prmunir, En droba l'entre aux races venir, Et les enveloppa d'un voile de tnbres. Mortels ambitieux! pour que vos noms clbres Passent de sicle en sicle vos derniers neveux, Que ne surmontez-vous? Quel prcipice affreux A vos bouillans dsirs peut servir de barrire? Les hros, emports par leur fureur guerrire, D'un regard intrpide, en volant l'honneur, Ont fix du trpas le glaive destructeur; Ils ont, d'un fer sanglant dirigeant la victoire, De leurs noms redouts ternis la gloire. De l'austre vertu, d'autres suivant les lois, Ont de la calomnie touff les cent voix, Et sans craindre l'effet de sa dent venimeuse, D'un pied hardi foul sa tte insidieuse. Mprisant les fureurs du perfide lment L'homme avait asservi l'empire da trident. Emport vers les lieux o le jour vient d'clore, Il avait salu le berceau de l'aurore, Et l'astrolabe en main, le pied sur les glaons, Parcouru des autans les sauvages prisons; Sur un mobile pin, faible jouet de l'onde, Des mortels inquiets, aux limites da monde, Avaient dj port le ravage et la mort, Et s'taient confis aux caprices du sort, Dans des climats lointains, o l'il dcouvre peine De quelqu'tre vivant une trace incertaine. La terre avait senti leur sacrilge main, Mesurer ses hauteurs et dchirer son sein. Toi qui, dans Lipari, tenais le rang suprme, Indomptable Vulcain, tu fus contraint toi-mme De flchir sous la main d'un habile artisan; Dans un troit fourneau, resserr, mugissant, Tu te vis oblig de forger le tonnerre, Pour en armer les bras de ces dieux de la terre,
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Qui dans les murs d'acier des bataillons presss, Et les dbris sanglans des palais renverss, Se font jour, et prs d'eux font marcher le carnage. Bientt on vit dans l'air suivre une rgle sage, A ces corps dgags, ces globes radieux, Qui jusque-l semblaient tre errants dans les cieux. La foudre en vains clats consumant sa puissance, A nos fers aimants soumit sa rsistance. Du vaste dieu des vents les fluides clats Rsistaient glorieux vos vains attentats; Ce dieu gouvernait seul ses transparens domaines; Des fiers enfants du nord les sifflantes haleines Effrayaient de Japet les fils aventuriers. Cet Archipel fameux, dont les flots meurtriers Ont hrit du nom du tmraire Icare, A leurs projets hardis ouvraient un gouffre avare. Pour dompter leurs dsirs sans cesse renaissans, La nature toujours prit des soins impuissans, Des champs ariens peupla les vastes plaines, De soucis dvorants et de chutes certaines, Leur fit voir des rochers les sommets dcharns. Leurs trpas instruisant les peuples consterns... Mais rien ne les retient et rompant les barrires, De ces lieux interdits leurs yeux tmraires, En arrachent soudain les secrets dangereux. Un globe, tel que ceux qui roulent dans les cieux, Gonfle ses vastes flancs d'une vapeur lgre, Monte avec son auteur, et plane sur la terre. Moi-mme je l'ai vu, d'un air majestueux, A son ordre docile tonnant tous les yeux, S'lever dans les airs et voguant avec grce, Laisser loin aprs lui l'empreinte de sa trace. C'est alors qu'emport sur ce char glorieux Le gnie alla prendre un rang parmi les dieux; Puis en astre nouveau, loin de nos yeux profanes, Dcrire son orbite aux plaines diaphanes. Tel un beau soir d't du Monarque des cieux, L'astre resplendissant se soustrait nos yeux Et marchant entour de ses gardes fidles, Trace d'un ple l'autre un sillon d'tincelles.
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SONETO
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HINO A BACO
Dulce periculum est, O Lene, sequi Deum Cingentem viridi tempora pampino, HORAT. Lib. 3.
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Despedes das contentes companhias Rancor pesado, Seco silncio, Grave Etiqueta; Tinges de meiga cor nossos costumes, E a fronte do sisudo desencrespas. Por ti, ri a Virtude Ao Amor, e a seus brincos buliosos. V Vem, Baco, de mos dadas Co a mole Ociosidade voluptuosa; Vimneos cestos De almas botelhas Stiros leves Dos ombros fulos, ante mim deponham, Aqui vazem rubi, aqui topzio De trasbordada escuma, Aqui rindo, o sedento seio alaguem. VI Oh Nictleo valente, S de entoar na lira os teus louvores, No sei que flama Vivida, flgida Serpeia, e corre A assetear, c'os petulantes raios, As costas encurvadas dos Pesares... Eis que trepa eis que sobe casa da Razo, e m'a alumia. VII Novo discernimento Com novo rdio estrema ideias novas. Cruzam em bandos Gentis conceitos Louos, garridos. Nova srie de aces de Heris corados Passam mostra no espelho do Futuro: Outro Povo, outros Tempos Se me ofrecem, me esperam, me convidam. VIII Que furor me arrebata! Que novos Cus descubro, novos Mundos! Tudo so vinhas! Tudo parreiras.... Um mar vermelho Se estende, e ondeia crespo de navios
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Sem flmulas, sem velas No so dornas; So frotas, so armadas De undvagos tonis conquistadores. IX C descem das montanhas Despenhadas correntes auri-dulces Do Carcavelos, Do bom Setbal, Que aquece o seio, Que ameiga, que aviventa a alma dos Velhos. Aqui dormentes sombras prazenteiras Se debruam das parras Sobre alastradas moitas de Bacantes. X Como ronca o Sileno Entre vazios potes do cheiroso Nctar sadio! Pelos bigodes A crespa escuma Lhe ondeia ao som do flego cantante. Arrepiados, strdulos adufes Ali jazem cansados C'os pampinosos vingadores tirsos. XI Sobre esteios nodosos Repousa, e estende os racimosos braos A alegre vide; C'o inchado bojo Regala a vista O bago aceso; guapo as mos convida, Entre as viosas folhas reluzindo. Que de enfeitados templos De Devotos, que o bom Evan consola! XII Destemido me assento Ante esta ara divina, e rubicunda.... Como apressados Mil sacerdotes De ps fendidos, Carregados de vtimas undosas Vm ornar-me este altar! Ponde no meio A grande, a das quatro asas, E ma adornai com basties de frascos. XIII
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Pela micante borda Desta bojuda taa espanca-enfados Saltam Prazeres... V como pulam, V como estoiram, C'os ps brinces, as apinhadas bolhas! E no meio do lago que derrama, ... Olha nadando as Ninfas As Ninfas da Alegria galhofeira. XIV Olha, atravs das ondas Que talham co'alvo peito l no fundo Baco risonho, Mui recostado Num trono de hera, Que me acena co' tirso folheado. Eu vou, eu vou, Leneu irresistvel. Nos palcios do seio Meu hspede sers. Entra de golpe. XV Oh como um Deus grande! Onde quer que aposenta, ocupa tudo. Os quartos da alma, Os da memria, T qui to cheios De mordazes tristezas, de infortnios, Tudo desalojou, tudo acha estreito Para a pousada sua. Baco embebeu-me todo, e eu sou um Baco. XVI Em fogosos Etontes Nos leve a repeles Apolo o dia; Como nos instantes As Horas voem; Tcita a Lua No carro argnteo acolha o fugaz Tempo: Que eu transbordando Baco, zombo e rio Do seu bater das asas, E lhe dou vaias c'o tinir dos copos. XVII Vaias lhe dou sonoras, Quando cheio de Ti, por Ti Poeta, Nos bordes grossos Da cava Lira
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Dou quatro golpes, Com que este ar freme, atroa, estruge, E vai pelas cavernas rimbombando, T que acorda a Delmira, Que do foguedo de onte'inda hoje dorme. XVIII Onde foste esconder-te Deslavado Dorindo, que os mistrios Do augusto Brmio Celebrar hoje Foges esquivo! Vem beber cores, vem beber sade Mas sacras taas deste altar perene: Afoga-me esses filtros Com que Esculpio te danou o peito. XIX Tu por acaso julgas Que uma gua sem sabor, sem cor, sem fora, Nas frouxas veias Pinte, apressure Plido sangue? Encha de ardor o corao ensosso, E discretas fascas mande testa Donde alegria aos olhos Desa, e desa boca o dito agudo? XX S foi dado a Lieu Povoar de altas ideias o juzo; No verde Pindo O douto Horcio Nunca viu Ninfas, Sem que a mente primeiro confortasse Com sangue de bacelo. Dali versos De atrevida harmonia, Dali Prazer lhe vinha, vinha fora. XXI Cheio de ousado brio, Que esta c'roa me d de Louro, e de Hera. Aqui aguardo, E os desafio C'o copo em punho, Os duros Valentes famigerados Da viosa Chamusca, ou Lavradio: No h hi desalmado Gigante, Encantador, que eu no arroste.
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XXII Acende em roda os fachos De resinoso crepitante pinho: Entre mil lumes Trmulos, rtilos Bebo esta grande Taa ao grande vio, estoura a ti, Delmira, Que auri-crinante chegas oportuna... Ai como os campos danam! Dana a mesa! Dobrados vejo os frascos!
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ODE
AO SENHOR M. J. DE C.
Neque fervidis Pars inclusa caloribus Mundi, nec Bore finitimum latus, Duratque solo nives Mercatorem abigunt? horrida calidi Vincunt quora navit? HORAT. Lib. 3. Od. 24.
IPRINA, ou louro nctar, Que do peito os cuidados afugenta; Trabalhados manjares, Da Lira os sons, das aves os gorjeios No matam sede de ouro, Que se aferra nas ntimas entranhas Desse torvo avarento, A quem nunca, nos olhos sempre alerta, Coou plcido Sono: O Sono, que antes busca a choa humilde Do simples Pegureiro, Do que os dourados tectos dos Monarcas. O que em riqueza excede Quanto frica possui, e inda ureas minas, Que virgens guarda a Terra, Bem que quasi dous teros da Cidade Abarque o seu alcar; Se o Nume, que s leis todas d de rosto, NECESSIDADE dura, Os cravos de diamante nele enterra, Sua alma ali cativa De sustos se no salva, e a cerviz sua Curva sujeito ao lao, Que, com certeira mo lhe atira a Morte. Oh quanto com mais siso O Scita guia a casa vagabunda, Onde mais se lhe alvitra! Quanto aprouve melhor Natureza Dar campinas sem marcos, Lavouras dum s ano, aos duros Getas! O mar erguido em serras, Ou quando o Arcturo desce, ou sobe o Capro, Ao sbio no demove, Contente da sua urea mediania:
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Pedrisco, o no assusta, Que as esperanas quebra ao Vinhateiro; Nem crestadas searas, Nem burladas as rvores de frutos: Arda o Sol gele o Inverno, Que h que enoj-lo possa? Os bens, que ele ama Imortais so, como ele. Homem s tu feliz! Homem s rico! Se as honras ambiciosas, Se os Palcios, que roam pelas nuvens, Se a ambrsia, e doce nctar O peito no contentam, que se nutre S do tranquilo abono Da conscincia s, do mal lavada, Com que fim solto o pano, A correr mares, merc de Eolo? Perigos apalpando, Por colher os tesouros de mil climas? Debalde impam riquezas Na alma, em que sfrega ansia a fio nasce. Talha, vido mercante, Desde a Aurora ao Poente, o mar iroso, Cerca do Norte ainda At Maura areia, meio mundo; Com mproba fadiga, Vai, se o podes, fugindo de ti mesmo... Mas fugir te vedado Do Sobrosso, que te urge, e Sobressalto, Que do baixel o leme Meneia a bel prazer. Mas eu que a Musa Ama, farei que os ventos Por Albion semeiem meus pesares: Por Albion, que agora Tisfone atribula, e que esmorece Com ver, oh Castro, os lenhos, Que aparelha o mimoso da Fortuna.
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SONETO
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DESFECHO POTICO
..Credat, Compadris, et istud Certum habeat, fertur quod vates nemo sobradi Levantasse casas. Imo experientia mostrat Andare hos miseros semper pingando, nec unquam, Qua matent fomem, vel panis habere fatiam. Queixumina.
como vem sereno, ladeado, Das Musas, pelos ares deslizando, O Senhor Febo Apolo! Pela pinta O conheci, mal o avistei de longe. Eis se apeiam da lcida quadriga, Batem porta, e entrados j no ptio, Enfiam a escadinha ao canto esquerdo, Sobem de pastucada. Eu de barrete, E os surrados chichelos arrastrando, Os recebo corts, lhe of'reo a Casa Ei-los sentados. Mui sob'rano, e dino O Deus, que cria o ouro, e cria os versos, Assim se explica... Venho de propsito, Os dons oferecer-te, que possuo. Que desejas de mim? Dize-o sem pejo, No gosto de acanhados; pede afouto; Que esse teu termo honesto, e cs honradas, E mais que tudo, os gratos elogios, Que me tens dado, e s nove Mocetonas; Muito h que esto por ti mercs clamando. Eu, meu rico Senhor, (torno em resposta) Que lhe posso pedir? D-me dinheiro, Que s quanto me falta: que os tais versos D-os vossa merc a quem lhos pea, Para castigo seu, e inveja alheia. Ficou mamado o Deus do verde Pindo; Que tal retruque, dum Poeta velho Nunca ouvi-lo cuidou. Mas disfarando, Mudou conversao, e disse a Clio: Tu, que sabes que gnero mais ama De Poesia, e em que ele mais se exerce, Tira-o dessa algibeira, e d-lho a rodo. Mui lampeira a Mocinha desenrola Odes, mais Odes, mais... Deus nos acuda. Deito a fugir gritando; Senhor Febo, Guarde as Odes, que de Odes j me enfado; E mais do que eu, se enfadam meus Leitores. Corre a Musa traz mim pela guarina Me agarra co' as mozinhas de alabastro
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Escuta, escuta (diz) meu pobre velho, Olha estas guapas Odes, escolhidas, Entre mil de estrondosa bandarrice: So trs, para os teus grandes trs amigos, Pinheiro, Brito, Olindo, que o salgado Neptuno vomitou do verde bojo.... Adeus, Senhora Clio; gratifico-a. C'um abrao, que eu d em cada um deles, Bem rijo, avano mais, que com dez Odes.
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SONETO
120
ODE
FELIZ INAUGURAO DA ESTTUA EQUESTRE DO FIDELSSIMO REI DE PORTUGAL DOM JOS I.
No dia 6 de Junho, de 1775
Non imerenti marmoribus super Ex re signum Lysia consecrat; Josephus ille est quem sonoro Per populos agit ore Fama; Clo inserendus sic Patri Pater Princepsque terris incolumis diu Spectetur, ternumque regnet In domina, Reparator Urbe. ANT. MATHEVON DE CURNIEU.
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No cncavo da Tuba Mantuana Ondeiam hoje ainda Do pio Heri os sempre claros feitos; E, na santa Solima, Guerreia ainda o Capito ilustre. Sim: dignos Filhos do imortal Tonante, Vs demandais meus versos. Eis solto a voz, eis lano mo da Lira: Do bifrente Parnasso, C'os dons das Musas, vos farei eternos. Dai lugar, Antoninos, e Trajanos, Ao novo Pai da Ptria; Com arrojado salto o vau transpondo Do Trtaro invejoso, Jos, deixa aps si os Alexandres. Jos magnnimo ente vs sublime, Entrando gosta o nctar, E na aula marchetada alto repousa. As Musas apressadas A festej-lo com os Hinos correm. A Fama com cem lnguas pregoeiras Atroa o azul convexo. As Virtudes se alegram, se gloreiam No bem medrado Aluno Da sua sapiente, alma doutrina. Todo o Templo do so Merecimento Se alvoroa, e revolve: Em tropas, uns aos outros se perguntam, Os Vares excelentes, Quem da tanto rumor ao manso templo? Erguem-se do alto assento, os degraus descem, Amiudando os passos, Joo segundo, Manuel afortunado O justioso Pedro, O gro Dinis, os blicos Afonsos. Musa, que ao brando Orfeu, no fausto Oriente, Em braos acolheste, E a voz suave, douta modulaste, Sustm meu canto agora, Move na lira a trepidante dextra. Alto Varo, de respeitada frente, Os graves passos move Ao novo Semi-deus encaminhado, Joo Quinto, o Grande,
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A quem escuta o Valoroso Filho. Fizeste o que no pude. Cinge o louro, Que o Deus, que aqui nos rege, Guardado tinha para quem, com brio Os Monstros aterrasse, E Virtude, e Cincia Altar erguesse. Dos ditosos Vassalos Rei ditoso, Abre virtuoso exemplo Para a tua Nao, para as estranhas; E longas eras vive, Adorado dos Bons, dos Maus temido. Assim disse: e Minerva que honrar traa O Heri do seu ensino Depe a desgrenhada gide torva; Ligeira Divindade D dois passos, e porta Emprea aponta. Numa urea nuve eis desce ao rico leito, Em que o Tejo recosta A verde testa do diadema ornada, E s Tgides, que escutam, Sob'rana ordena hericos lavores. Tu, nas (que eu te ensinei) telas falantes Recamars, Lgea, De Jos Pio a provida Abundncia; O paternal carinho, Com que acudiu lgubre Lisboa; Quando rasgado o seio em mil voragens, De flamvomo alento, De Vulcano, e Neptuno acometida, Tremeu nos duros eixos, E de cinza alastrou a coma de ouro. Quero que Tu, Olmida, noutro quadro Mo bordes destemido, Calcando com p firme asp'ros abrolhos De malvolo Embuste: Saia radioso do vencido assalto. E Tu, que em imitar-me te assinalas; Dextrssima Ortia, Co' a sbia agulha as cores enleando Tira na tela ao vivo A Cincia, voltando aos Reinos Lusos; Os Liceus despejados de quimeras, E de inteis ambages; A clara luz no centro desparzida
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Dos penetrais escuros Do recndito estudo, emaranhado. Vs dareis alma seda auri-mesclada, C'os duradouros feitos, Enquanto eu a mim tomo a empresa altiva De inspirar novos cantos, Do novo Augusto, a novos Mantuanos.
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SONETO
MOTE Tanto pode um Cime atraioado. GLOSA
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ODE
Haia, no dia 4 de Julho de 1794
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S na enzinha, e em seu fruto afadigava; Houve homem mais humano, Que ao bom Jove implorou celeste alvio De to sobejos males; Que a Jove comoveu. Ento dos homens, Dos Divos o Monarca Do mais nobre, e mais ntimo do Peito, Deu aberta Amizade, (Qual a Palas Minerva lhe rompera Da fronte radiosa).
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SONETO
AO S.R D. M. J. R. D.
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ODE
Unde nil maius generatur ipso Nec viget quidquam simile aut secundam, HORAT. Lib. 1. Od. 12. Par toi la Vrit dmasqua lImposture: Tu fus de nos tyrans la terreur et leffroi, Et le vengeur, de la Nature, Et l'interprte de sa loi. A. M. DE C.
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MANIFESTO
130
ODE
Assim como em selvtica alagoa As rs, no tempo, antigo, Lcia gente CAMES.
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Dous olhos de gordura? Pois viste a efgie da Holands [XXXI] caraa, E o bolho, que ergue as folhas na fervura Remeda o fumo, que bochechas lhe incha, Quando cachimba, e sorna. Com mudez emperrada a fala aaima: E se algum monosslabo lhe escapa, Pe cadeado aos outros, que no mexam, Mais do que um, d'hora em hora. Pois as bebas das caras das mulheres; Nem por mais brancas, nem melhor coradas Se salvam de mui mudas, de mui bestas Sem sal, sem gesto, ou gala. Se se impertiga um Btavo Peralta, Mono de mal assentes francesias, Para ento quero eu risos, e remoques De ameno desfastio. Como me lembra ento o bom Fontaine? Quando nos conta os ademais bizarros, Com que o Burro da Fbula arremeda Gaifonas do fraldeiro? O Francs bonifrate em seus meneios, D graa a mil risveis mogigangas; Que o Btavo pesado mal afecta Com sensabor nojoso. Dos homens apupado, e escarnecido Aborrido dos Numes, e enjeitado, Mal poder Saturno, a quem semelham Salv-los d'embeleco. Talvez, que Jove, um dia, em que lhe rale Juno olhi-toura os bofes, com cimes, Converta, de agastado, estes Lapuzes, Em verdenegros sapos. Ento, (se a tanto se me alarga a vida!) Dou por c um rabisco, a ver-lhe as caras Mudadas em trombferos focinhos, De que o cachimbo tromba. Mal pena cabe a embezerrados monos, Esquivos da amigvel convivncia, qual Deus destinou os homens, quando Lhes deu a fala em dote.
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SONETO
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SONETO
COM CONSOANTES FORADOS
MOTE Para ti corre a flux a Cabalina. GLOSA PARA ti se teceu Cambraia fina, Para ti Febo os vates examina, Para ti dana a fofa urea Menina, Para ti anda a Nau sempre bolina. Para ti perdem Musas a Para ti nasce a Rosa Para ti a sanfona o Cego Para ti bate o adufe na cetrina, purpurina, afina petrina.
Para ti d nas Moas m mofina Para ti canta e chora a Caterina Para ti pisca os olhos l da esquina. Para ti mal se bole de Para li clama a Fama na Para ti corre a flux a franzina, buzina, Cabalina.
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SONETO
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ODE
Dedimus, profecto grande patienti documentum, et sicut vetus tas vidit quid ultimum in libertate esset, ita nos quid in servitute, adempto perinquitiones et loquendi audiendique commercio; memoriam quoque ipsam cum voce perdidissemus, si tam in nostra potestate esset oblivisci, quam tacere. TACIT. In vita Agricol.
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Mas l vem longe, c'um basto de ferro, A Desesperao tardia e certa: L no trono, mo cheia descarrega, O ruinoso golpe. Cai o Tirano, ou assustado corre A arredar-se dos olhos da vingana; E o negro bando, que embruscava o trono Fende medrosa estrada. A culpa, vossa inrcia ponde, oh Povos, Que deixais reforar-se em vosso sangue Essa hidra, que com bocas cento e cento Vos chupa, e vos devora; E esses astutos Malandrins, que as mentes, Com fsforos teolgicos vos cegam, Para melhor as garras vos ferrarem Nas mseras cervizes; E vendados, e presos arrastrar-vos, Se tendes sangue, ao pasto dos abutres, Ou ao cepo do algoz, se tendes lngua, Que os vcios lhe descubra. JOS PINHEIRO DE CASTELO BRANCO
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ERROS DA VIDA
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SONETO
139
ODE
. Naturaque mitior illis Contigit; ut qudam, sic non manifesta videri Forma potest hominis. OVID. Metamorph. Lib. 1. Quiconque est loup, agit en loup. LA FONTAINE
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SONETO
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ODE
Quo me, Bache, rapis tui Plenam .. HORAT. Lib. 3. Od. 25.
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De quem dobres no roda em terra estranha, Perdi amigos, e mui meigas Damas Na saudosa Ptria Mas falei, sem mordaa inquisitria; Escrevi, sem temer malsins Censrios, Dei dous trincos bem rijos para os Bonzos, E mais dous para os Naires. Lugduni Batatiphagorum
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ODE
AO SENHOR FRANCISCO JOS MARIA DE BRITO
No dia 23 de Dezembro, de 1793, dia dos meus anos
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De meiga lngua, de celeste canto, Que as almas vos enleva. Contam, que Apolo, e as nove Irms, um dia, Que vinham de tomar seu regabofe, Nas salas de cristal, de bzio, e ncar, Do barbi-longo Oceano, Puseram ps nas praias Batatfagas, Curiosos de ver com os seus olhos (No crer Jornais, e desmentir Viagens) O refugo do Mundo. Que haviam de eles ver? Viram areias, Viram charcos, lagoas verdoengas, Animais de dous ps sem pluma, ou cauda, Pasmados da visita. Que ao ver caras de gente; ouvir voz meiga, Tal grito estrugidor, tais alaridos Levantaram as Rs, os verdes Sapos E os trombudos Pigas, Que Apolo, e as Musas, com voaz arranco, Trilharam estrada do ar, tapando ouvidos; E longe de tais berros, tais bezerros Se puseram em salvo. Cobrados da assoada, ali Apolo Consultou as Pirides des-surdas: Que castigo, que maldio cabia matula azoinante? O susto atroador ento deposto, Tlia abriu os j risonhos lbios, E soltou a sentena em ureos ditos De zombadora graa: Sejam Sapos, e Kokem seus cantares: Sejam Saturnos, sem social deleite: Fiquem mudos; ou rasguem voz to ruda, Que raspe, quando a empurrem.
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FBULA
O DEUS PAN, E UM ALDEO
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Festeja-se amanh se eu bem me lembro O Deus Pan; faz ao caso Deslumbr-lo com ddivas. O hipcrita, A certo logro se arma, Que no lhe saiu bem. Rosnou consigo, Que os Deuses ter propcios Custa caro, e que ponto nunca deram (Como os frades) sem n. E que toleima imp-los com ofrendas, Que nos saiam da bolsa; Mais val, que os convidemos com o alheio. (Dorme, que noite velha) O Vizinho, e na vinha h ricas uvas; Demos-lhe uma saltada. Vai manso, e manso, e falseando o trilho.... Velhaco tolo, ignoras Que no h para os Numes noite escura? Entra na vinha, apanha Os mais chorudos cachos.... Ai do msero! Que eis na mais clara glria Se espeta ante ele o Deus co'a dextra armada Dum tancho rechonchudo. Dize, infame blasfemo, aqui te colho (Disse o Deus Pan severo) Do que os pssaros comem fazes queixas? No sabes, que so todos Os animais do Criador feituras; Que herdaram o que apanham? E que sempre o Cu justo em seus decretos? Queres que morra tudo Que Deus criou, e comam s os homens? Vivam todos; que s Aves Deu Deus os campos para seu sustento: Do seu comem sem culpa. No so bons os precalos, quando as caas, E as levas ao mercado? Das Costelas, do visco tiras lucros? Mas com que lei, malvado, Tomas auso de usar do bem alheio? Mui beato, mui concho Lhe responde o Aldeo: Meu bom fidalgo, Se o fiz, foi para ofrenda Ao Deus Pan, que melhor, que algum dos Numes, Merece o nosso culto, E acatamento, e f. Ah gro velhaco (Replica o Deus colrico) Infame exemplo sejas para sempre! O templo ornar com roubos! Fazeres-lhe presentes de maldade! Disse Pan, e mau-tente Chove nele bordoadas, como pedra. Por d (diz) no te mato. No d de ti, mas d dos teus crianos.
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A eles o agradece. Mas lembra-te da Lei que claro fala E na alma est sculpida: Teme os Numes, no faze a algum agravo. Ters gradas searas E do Deus Pan esta lio aceita. Dos tais beatos anda o mundo inado: Cuidado co' essa gente de olhos baixos, Mais daninhos mil vezes que os raposos, Mais ruins que o pulgo, e que a lagarta. Santos no parecer, por a andam Contas na mo, punhal na faldriqueira, Falando em Deus a mim, a ti, a todos, Palavrinhas de mel, alma de canto. Ao som de trompa espalham as esmolas, Enfeitam santos, mandam dizer missas: Mas muito a mido, custa alheia.
148
ODE
AO IL.MO E EX.MO SENHOR D. JOS MARIA DE SOUSA E PORTUGAL
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Os prmios de teu peito franco, e nobre, Na Lira de Filinto, grata aos Lusos De ndole no esquiva.
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PRDICA BERNARDA
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ODE
A ALCIPE, E DAFNE, DEPOIS DE LARGA AUSNCIA
Vos ego Spe meu vos carmine compellabo. CATUL. De nuptiis Pelei.
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Instiga o Sol flamvomos cavalos, Que a ngreme vereda a pulos tomam Fogosos, escumando. Este era o dia prspero, e risonho, Em que eu tornei a ver Alcipe, e Dafne, Dia, a mim, mais feliz, que o feliz dia, Que me lanou ao mundo. Apenas raia, no alto, a luz serena Dos olhos flgidos das minhas Vnus, O Abutre da tristeza, erguendo o voo, Me desafronta o peito: O exrcito das vidas saudades, E a torpe Fria, General raivoso, Mordendo os braos; e a silvar-lhe as serpes, Ao Trtaro fugiram.
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CONTO
NTRAVA pela loge dum Barbeiro Certo Rapaz ansioso de ter barba Avie, Senhor Mestre, (lhe dizia) E o pachorrento Mestre, que no via, No liso rosto, um s sinal de barba, Lho lava, e lho re-lava: J lhe alteiam na cara Batidos, rebatidos, todo espumas Trs altos de sabo. Eis que ora o Mestre Toma um cachimbo, acende-o, e vai sentar-se porta, ver quem passa, mui serdio. O Rapaz, de esperar desesperado, Lhe pergunta, que faz, que o no barbeia? Mui logrativo o Mestre lhe responde: Estou sperando, que lhe aponte o pelo.
154
ODE
AO SENHOR TIMOTHEO LECUSSAN VERDIER
Nam quis iniqu Tam patiens urbis, tam ferreus ut teneat se? JUVEN. Sat. I.
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Regalo aquecedor! no lar ardente Ondadas labaredas! Cuidar que hei-de ir, com barretada humilde, Pedir, coa bolsa em punho, Ao soberbo Estanceiro, repimpado No trono mercantil, Carrada escassa de velhaca lenha: Por que no venha a Parca Coas fadadas tesouras, cos novelos Visitar-me imatura... Ver que o quente sertum acolchoado, O lanoso vestido, O Lusitano, tpido capote So de subido preo, E que a bolsa engelhada em vo escorro, Sem que deite chorume, So flechas mais pungentes, que as do Inverno. Hoje virei-lhe o buxo; E ela do sujo, esfarrapado forro, Entre coto sedio, Dez ris vomitou ss, muito esfalfados. E vs, cr-lo-eis, Vindouros! Eu, que no vira nunca da Pobreza A magra catadura; Que, sombra dos herdados arvoredos, Descansado dormia, No regao da intacta Probidade: Eu que no altar da Honra, Do rgido Dever queimava incensos; Que Ptria, aos meus, sem termo Dei quando pude, e soube; e dera o sangue, Se o sangue meu pudera Resgat-la do ignaro cativeiro... Eu vivo desterrado, Roubados os meus bens, roubado ainda O prmio da Virtude! E o Geral des Bernardos; que s teve Por disvelo, e doutrina, Anafar brando as roscas do cachao; Rode sege, e dobres, D roupas, d brilhantes, jogue rijo... Oh Terra amaldioada! Qual cheiroso Anans, se foi plantado Entre aldeanas couves, Esmorece, definha, e no d fruto Ou d-o ensosso, e peco; E finalmente morre atassalhado Das rsticas razes: Tal vive e Sbio, peregrina planta, Em terreno ignorante.
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EPIGRAMA
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ODE
Damnosa quid non imminuit dies? HORAT. Od.
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159
ODE
. Fugit retro Lvis juventas, et decor arida Pellente lascivos amores Canitie. HORAT. Od.
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Vers danar na bolsa As valem-tudo, flgidas carinhas. E com novo vigor espairecido, Ora, na Lira, cantars as noites Dos ledos Aciprestes; Ora o rival dAriosto transladando, Tomas quinho na glria Da Tarasca imortal, sem par Donzela.
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O DOUTO MDICO
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ODE
A DELMIRA
No dia 20 de Julho de 1783
Felice chi vi mira; Ma pi felice chi per voi sospira: Felicissimo poi Chi sospirando fa sospirar voi. Ben ebbe amica stella Chi per Dona si bella Pu far contento in un locchiu, e ldesio, E sicuro pu dir quel core mio. Del Cavalier Guarini.
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Me diz Filinto eu te amo! Como suave fogo vai calando At o mago da alma, quando ao colo Me lana os lentos braos torneados, E a face me oferece? No sou mortal ento: divino alento Me ca pelas veias estranhadas; A alma absorta se engolfa cos sentidos Num pego de prazeres. At que as praias do vido Cocito Orfeu saudou coa Lira lacrimosa, Despedaado pela raiva amante Das Rdopes donzelas, Sobre um ermo rochedo sobranceiro, Para o Hebro piedoso debruado, As guas que paravam para ouvi-lo, Saudoso entristecia. Das Ninfas de rend-lo cobiosas (Embebido em seu pranto) no curava; Crebros desejos, com que ardia o monte, No lhe prendiam na alma. Leves conquistas de ofrecidas, graas No valem o carinho saboroso Do vencido desdm: nasce o Fastio No cho do Gozo fcil.
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SONETO
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ODE
Non est meum si mugiat Africis Malas procelis, ad miseras preces Decurrere. HORAT. Lib. 3. Od. 29.
OBE acima dos Reis o home animoso, Que do peito insofrido arreda o peso Dos sustos, com que a Estima de si prprio Tiranos abafaram. Clio o remonta nas lembradas asas, E no Templo imortal vai recost-lo; Enquanto a bem ganhada Saudade Lhe tece o elogio. Jazem na ignbil treva sepultados Mil duros vencedores; nunca a pluma A mo amiga do facundo Vate Pejou em seu abono. Pisa do Elsio a afortunada grama Viriato, que coa dextra vingadora Os corpos apontava golpeados Pelas traies Romanas. Ao lado aceita esse Aio malogrado, Que ao fantico Moo predissera Os ruins conluios, e a forjada runa Em Africanas terras. No se escalam com louco atrevimento Do oculto Fado os muros diamantinos; Mas a Pendncia entre-descobre ao sbio Um albor do Futuro. O Piloto sagaz pressente ao longe O zunido da enxrcia, o masto roto Coa fria do tufo que vem no ventre Da naufragosa nuvem. J na prvida mente apresta os braos Para inclinar o leme ao salvamento; Ou com eles romper, na irada spuma, Sonoros rolos de gua, Sentimos, Silva, o mal que acurva a triste Ptria, que ameaa, com mais turva estrela, Os Netos: mas assaz forosos somos, Que possamos tolh-lo? Por onde quer que as ondas nos arrojem, Da salva praia, aos scios acenemos; E a voragem que sorve, e a sequaz vaga Brademos ansiosos.
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167
ODE
.Horrida bella Ausi omnes immane nefas. VIRGIL. neid. 6. Svit amor ferri, et scelerata insania belli. neid. 7. v. 461.
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CONVERSAO
ANTNIO
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ODE
No dia 4 de Julho de 1805
Jam Procyon furit, Et stella vesani Leonis, Sole dies referente siccos. HORAT. Lib. 3. Od. 29.
ESPEDIDA a Estao, que s flores dava, Com benvolo orvalho, brilho, e cores, Vem, com ardentes fogos, o Co Srio Secar quanto ornou Maio. Secas as ervas, secas as gargantas, Cuidem na rega os horteles curvados: Ns cuidemos em des-rolhar garrafas De vinhos, de licores. Bebamos sade dos bizarros Amigos, que das garras dos Tartufos Me salvaram; e do com que ora os brinde, Suficiente modo. Bebamos a Arajo, a Sousa, a Brito, E quele, que imprimir seu nome veda; Mas que eu estampo eterno, no meu grato Corao. Bebamos; Que o Sol vem furioso, e nos dispara Virotes de secura. Rapaz, deita Desse louro licor, que deu Borgonha, Para alegrar espritos. Quem me dera que ouvissem as sades, E o tinir alegrssimo dos copos Os vis familiares, e seus Bonzos E, ouvindo-as, enraivassem! Mando Stige as lembranas desabridas Deste dia, e o Citote Inquisitrio. Venha assistir-me a Deusa da Amizade, E os seus leais Devotos. S dela, e deles quero recordar-me; Que a vida, e o salvamento bem lhos devo, Venham tambm os novos (que graciosa Me deu a Frana) Amigos. Entre honrados louvores, entre brindes, Um San, um Fouinet vero seus nomes; Vero nos olhos meus, no meu semblante Raios de amiga escolha. Que meu prazer colher nos meus Alunos O prmio de benvolas fadigas, Quando o gosto lhes vejo, o empenho assduo
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Com que as entranhas sondam Da Lusitana Lngua, dos bons versos, Que a Dinis, que a Garo tanto afamaram, Fundados em Cames, na lio pura De Gregos, de Latinos. Contente, oh Clio, bebe aqui connosco Um copinho social de Gotas de Ouro: Cantars mais suave, e mais brilhante Meus dias hoje salvos.
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ODE
AO SENHOR DOUTOR VICENTE PEDRO NOLASCO DA CUNHA [
XX]
Floresa, fale, cante, oua-se e viva a Portuguesa Lngua. FERREIRA. Carta a Pero Caminha.
173
174
ODE
Haia, 9 de Agosto de 1795
Vis consili expers mole ruit sua, Vim temperatam diiqloque provehunt In majus: iidem odere vires Omne nefas animo moventes. HORAT. Lib. 3, Od. 4.
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DESCRIO
INTAM o Ingenho um Moo denodado Na cor ardente, os olhos penetrantes; Sobre a cabea uma guia: um inflamado Globo, dentre as madeixas ondeantes, Busca o cimo dos Cus, donde h baixado; Dos ombros rompem-lhe asas navegantes; Na dextra um arco donde estala a seta, Ou j como Orador, ou j Poeta.
176
ODE
4 de Julho de 1779
Occidit, occiedt Spes onis et fortuma nostri Nomilis. HORAT. Lib. 4. Od. 4.
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Mais nclito Jos, melhor Carvalho, Lustrado o Templo, expulsa a vil coorte Restauraro meu culto. Ento, para o Saber, francas as portas, Nestes meus penetrais achareis armas, Que ponham em derrota irreparvel O pestfero bando. Sustentados com mximas robustas Dareis abalo ao crcome, s razes Dessa rvore, de tantos fustigada, Que s de mim se teme. Inda, golpeada de acerados ferros, Segura o tronco as ramas estendidas: Dum rijo vaivm meu, prostrado em terra. Chorar as razes. Vtimas da verdade, perseguidos, Afrontados sereis pela Ignorncia: Mas sempre foram gratos os trabalhos Que do crdito s foras. E passado o mortfero negrume, Que o Fanatismo resfolgou morrendo, Dias mais claros, dias bonanosos Vos abrirei sem termo.
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SONETO
179
ODE
Paris, 23 de Dezembro, de 1779
. Io triumphe, Non semel dicemus, io triumphe, Civitas onmis, dabimusque divis Thura benignis. HORAT. Lib. 4. Od. 2.
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Rasgar o vu do Engano, arremessar-se s detestveis portas; Arrombar, arrasar... Olhar o centro Desse antro de atrocssimas cruezas; Pasmar de indignao, vendo mistrios De bruta barbaria; Arredar o tropel de familiares, De carcereiros ttricos, de algozes, Despedaar cordis, e cavaletes, E os arrancos dos tratos; Queimar processos, destroar denncias: E os Deputados, verem, cabisbaixos, De par em par abertas as masmorras, E os Rus luz do dia. Vem, vem, Dia feliz, e suspirado, Dar alegria Europa, aos Sbios honra; Aos Sbios, que acenderam essa tocha, Com que a Iluso se abrasa.
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A MANH
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ODE
AO SENHOR JOO DANIEL DE BRUYN
Neque, Si chart sileant, quod benefeceris, Mercedem tuleris. HORAt. Lib. 4. Od. 8.
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O sangue dArquimedes; Jove dela extraiu ao Pintor Rdio As mercs de Demtrio. No se abrem menos prontos aos talentos Os cancelos de Dite; E os caminhos Tartreos vo cobertos De suspiradas almas. Nem tu, De Bruyn, os Cressos, os Sejanos Creias mais venturosos: A vida alonga o que melhor a emprega, O que a mo benfeitora Estende ao inocente, inteiro amigo; E aos reveses o esquiva, Que a recatada Inveja lhe prepara; Ou que o toma nos braos Quando a Calnia o ofusca, ou cum encontro, O derriba da roda.
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MEDEIA
TRAGDIA DE SNECA
ACTO PRIMEIRO CENA I MEDEIA
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Desatando a carreira pelos ares, Dome os brutos de bocas flamejantes. Abrase-se Corinto, e a praia dobre, Os dous mares, mesclando as ondas, sorvam. Mas s me falta o prnubo Pinheiro; Levar-lho eu mesma ao tlamo; e acabados Os rogos, e oblaes, ferir-lhe as Reses No altar votado Rasga, se s Medeia, Pelas entranhas, porta ao gro castigo. Se inda do antigo ousar traos conservas, Despe o fmeo pavor, verte os espritos De empedernido Cucaso inumano. Sim: que este Istmo ver quanto atentado J o Ponto, e o Fsis viu. De tropel na alma; Surgem-me hrridas, brutas feridades, terra, aos Cus estranhas; e tremendas. Feridas, mortes, e a funrea Cloto Vagando pelas veias... Leves feitos, Ensaios juvenis, quando eu Donzela. Mas hoje, que sou Me, dor mais pesada Forjo no meu saber, mores cruezas. Apresta-te, Ira minha, o furor todo Disfere em perdio Fique em memria Que emparelhou coa voda o meu repdio. Mas, qual deixas, Medeia, o teu Esposo?... Como quando o segui.Rompe as tardanas. A F, que o Crime atou, o Crime a rompa. CORO De mulheres Corntias, que cantam o Epitalmio das vodas de Jason, e de Creusa Aos tlamos dos Reis, prsperos Numes, Os Deuses, que o Cu pisam, que o mar regem, Assistam; e os devidos, faustos votos, Povos, exponde. O dorsi-branco touro, o colo erguendo, Se prostre ante os ceptri-geros Celestes: Novilha de alvo plo, ao jugo pronta Dobre a Lucina. Rs mais tenra a quem ata s mos sanguneas Do torvo Marte, e amiga infestas gentes: No trasbordado corno ampla abundncia Prvida guarda. Vem coas teias leais, e a Noite espanca Coa dextra auspiciosa, aqui, (cingida Co rseo lao a fronte) os passos brios Mrcido guia. Astro, que o dbio dia abres, e cerras; (Tardo aos amantes) vidas suspiram Mes, e Esposas que os teus, quanto antes, soltes Lcidos raios.
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Sobejo a Virgem vence em formosura ticas Noivas; nos Taigeteus serros; Quantas nas artes mancebis exerce Sparta sem muros; Quantas no sacro Alfeu, na linfa Ania Se banham. Ceda ao General Esnio (Se ao garbo dais a palma) a Prole salva Do mprobo raio, Que os tigres junge ao carro; e da aspra Virgem O louro Irmo, que as trpodes revolve. Ceda Plux, e ceda o Irmo, que os Cestos Destro meneia. Moradores do Olimpo, assim vos peo. Realce a Esposa a todas as Consortes; E a todo o Esposo em garbo em gentileza Jason realce. No Coro virginal, quando Creusa Se presentou, gentil superou todas; Que assim perdem co Sol a formosura Alvas estrelas; Foge das Pleias o apinhado bando, Quando acurvando a Lua as cheias pontas, Com luzeiro no seu, no trilho usado, O Orbe rodeia. Tal cora alvo marfim, quando banhado Na Tria concha; ou tal da nova Aurora Orvalhado o Pastor, de Apolo encara Lcido o brilho. Ania Virge ( grato agora aos Sogros) D a mo, Noivo feliz, que arrebatamos; A quem tmido, oh mproba Medeia, No hrrido leito, Com mo forada, contra ti, cingias. Folgai, Moos, cos lcitos dictrios; Lanai s Npcias versos alternados, Moos, e Moas. Do raras largas contra si os Amos. Briosa Prole de Lieu tirsgero, Tempo era j de lanar fogo ao pinho Basti-rachado. Cos brios dedos a solene chama Lhe sacudi: palreiro Fescenino Convcios festivais derrame; e a turba Solte os seus ditos. Em muda escuridade busque o leito, Aquela, que co Esposo forasteiro, Anelou desposar-se, indo fugida De iras paternas.
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EPITFIO
QUE UM MARIDO GRAVOU NA SEPULTURA DA SUA CONSORTE
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ODE
. Mea Virtute me involvo, probamque Pauperiem sine dote quro. HORAT. Lib. 5. Od. 29.
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Estende o manto escuro; e vai sem conto Engastando no pavilho celeste Diamantinos fogos. Vem rodando Outra carroa ento, com luz mais branda, Que os coraes consola, e que os inclina A meditar sensveis. Uma Deusa Por condutora tem, que muda, e queda Vem de Endimio colher amantes cultos. Brilhante esse arco, em lindas cores tinto, Que dum plo se encurva ao outro plo, So passos luminosos, que estampara ris, trazendo terra ordens de Juno. So Zfiros, Tifes, Gnios que sopram Ora teis viraes, ora tormentas; Auras brandas, que brincam pela Sfera: Austro, Euros, que lutam, que batalham, Para alvrotar o mar em caches roto. Nas fraldas dessa encosta h uma gruta Da fresquido, e do remanso asilo; L duma inexaurvel urna emborca A benfica Ninfa arroio frtil, Que os prados rasga; dessa gruta a Ninfa Ouve os votos da ntida Donzela, Que contempla, na cristalina veia, Os atractivos seus. No opaco bosque, Que morada das Drias, dos Silvanos, No se embebe em silncio, nem soidade Vossa alma, sim em susto arcano. Efeito Da divina (presente) majestade.
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ODE
AO SENHOR *** FILOLUSO
Centum potiore signis Munere donat. HORAT. Lib. 4. Od. 2.
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SONETO
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ODE
AO SENHOR ANTNIO MATHEVON DE CURNIEU
. Quid ternis minorem Consiliis animum fatigas? HORAT. Lib. 2, Od. 11.
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Ao som da branda lira; Ora brilhando em crculo discreto Co dito agudo, coa tenaz memria Alegra, anima, instrui, Sem revolver futuros.
195
ODE
4 de Julho, de 1799
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O estranho, pio lenho, Que aos dentes lhe roubava o bom Filinto. Eis, destorcendo a cauda, Vai-se arrastrando lento, e do Rocio Na caverna se enrosca, T que em Lsia abra o dia, que j sobre As Pireneias cimas As luzes solta; e onde os Piris flamgeros Assomados escumam Transpor da Espanha o tracto, e desse Lobo Que honras, e vidas mi, Vir-lhe ao covil calcar, com ps de bronze, A catadura hedionda.
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SONETO
198
SONETO
AOS MANES DE J. J. ROUSSEAU
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ODE
A DELMIRA
Amor in altra parte non mi sprona; N i pi sano altra via: ne le man come Lodar si possa in carte altra persona. PETRARCA. 77. 1.
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Quais, pelo bosque despedidas, seguem O galhudo veado temeroso; Quais, depostas as roupas avarentas, Nadando se debatem. Tens patente, Filinto, o meu tesouro. Nada te encubro, nada te defeso: Prendas, Beleza, sfregas Meiguices A tua escolha aguardam. Mas no escolhes? Pensativo, e mudo, Entre ti recolhidos os sentidos... Achas escasso o prmio? No to vedo; Escolhe uma das Graas. Nem mais podes pedir, nem mais eu dar-te. Que ao meu leal Petrarca, a Anacreonte Nunca os prendei, co mais seguro enfeite Da minha formosura. Sou-te grato, Ericina (lhe respondo) Delmira me fiel, Delmira meiga: Nela tenho, de todo o teu tesouro, A jia de mais preo.
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MADRIGAL
MOR, onde hs teu ninho, No rosto de Delmira, ou no meu peito? Soberano, e daninho Nos seus olhos, o mundo tens sujeito. No corao te sinto Pelos estragos, pela viva flama, Por desejo faminto, Que as entranhas devora a quem bem ama. Mas tu, Rei poderoso, Que te ufanas de obrar tantos portentos, Um feito generoso S te peo, e sers, em meus acentos, Nume sobre os mais Numes; Se mudando pousada, Comigo, e com Delmira despegada, Vens ao meu rosto, e o peito lhe consumes.
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ODE
Paris, 23 de Dezembro de 1797, dia dos meus anos
Cervi luporum prda rapacium Sectamur ultro, quos opimus! Fallere et efugere est triumphus. HORAT. Lib. 4, Od. 4.
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Conjurata mori aut vincere pectora? Retrovertere liberas Gentes nempe jubet regia turgido Fastu nixa superbia, et Miscere imperii cuncta libidine: At Fas juraque rumpite; Pugnate exsiliis Carceribus, rogis; Perstabit Ratio tamen, Perstabit vegeto robore Gallia: Qu si in Danubium simul Et Gangem validas injiciat manus, Quis vos, quis Deus aut fuga Armis expediet Sceptra sequacibus? Latine vertit A. M. DE CURNIEU. ~~~~~~~~~~~~~ O si sera tamen quoque Libertas placido lumine viderit, Abstergens veterem situm, Qui Btim, patrium quique Tagum bibunt! Si lux aurea ferream Noctem discutiat! qum gelido libens Vates liber ab exule Fiam marmore Civis Ulysse!
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EPITFIO
DE CERTO P.
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DESTEMPERO
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ODE
. Quod adest avaro Usu occupemus. Postera quodlibet Fortuna volvat: juverit invidas Parcas fefelisse, et severis Particulam hanc rapuisse Fatis. Saisissons un moment certain; Cest autant de pris sur les Parques. HOUDART DE LA MOTHE
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S merece de Sbio o nome, e a Dita, Quem fecha os livros de disputas oucas, Em que desponta o Ingenho. Nem h saber, que iguale O instante, que doiramos de Alegria De tres-dobrado bronze estende em roda Do corao, um muro, em que despontem As aguadas setas, As retrincadas unhas Do esquadrinhado, velador Engano Que nos no desse Deus mais, que um s lume De embotado, e malvisto entendimento, Contra as to derramadas, Imperceptveis redes, Em que a singela Candidez se prende! Que nos no desse Deus um vivo facho De rutilante Luz, penetradora, Com que do falso amigo A mscara aparea, E aparecida a abrase o santo lume! Tu, que cem olhos tinhas disvelados Contra os assaltos seus cobertos, surdos, A teu mau grado viste Aberta larga brecha Na moeda, e no alcar da Amizade Desgraada Lio, mas proveitosa, Contra novos vaivns da arteira Astcia; Tu, com cinzel tardio Tens de agravar no Templo Do velho Desengano, escarmentado. O corte escasso, que da teia Jove Talhou, convm bordar-mo-lo de flores S vives longo tempo, Quando Tristeza encolhes As asas, que ao Prazer, prudente, largas. O Fado, que se encobre, e se desvia Da vista perspicaz, cuida ansiar-nos Co arcano do Futuro. Incauto! que no soube, Que, do ante-gosto, nos privou, da Pena. Assim o Nobre, nos defesos quartos, Evita agudos olhos do Entendido, Que na alma investigar-lhe Pode o impotente Orgulho, E a Parvoce v, coberta de ouro. Se o Valido, que bebe, a longos tragos, Da Fortuna o favor, visse o alfange, O desvalido cepo, Nas folhas do Destino; Fel lhe fora o favor fel a bebida E se entre adoraes, visse no espelho, As cavadas costuras da doena, Que lhe ameaa o rosto,
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Aborridos, e negros Passara a Dama os juvenis instantes. S so nossos os dias, que ladinos Sabemos apanhar das mos das Parcas. D coas portas no rosto Mgoa, ao bando escuro De algozes da alma, que trs si arrastra. Se ao Deus alegre da Outonal vindima, E criadora Me da Natureza Ds sbrio o incenso justo, O Letes perguioso Volver teu Pesar na tarda veia. E, co leque arraiado, e divertido, A folgaz Loucura, dando vento, reverenda calva, Te arredar do rosto As tempors, avelhentadas rugas.
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ENIGMA
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EPIGRAMA
ERMITA Deus (dizia moribunda A Tisfone Elvira a seu marido) Que se eu morro, e tu casas, atrevido!... Cuma Megera acertes furibunda, Ciosa, e destampada... Meu Bem, vai descansada: Que o Cura, ao casamento Com tua Irm, por impedimento.
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GLOGA
AIXAVA o claro dia; uma Pastora, Que dos olhos (por fim) da Me se esquiva, A um bosque espesso, do casal distante, O tardo andar do amplo rebanho apressa: Que muito, e seu mau grado a des-socega Ser j passado o prazo, dado a Tirso. Chega: mas, Cus! quais foram seus disvelos, No o avistando, em toda aquela sombra? Em vo inquieta ansiada o chama a vozes; Que Eco s lhe responde Tirso, Tirso. Ira lhe acendem trbidas suspeitas; E a mente encosta mais cruel de todas. Tirso perdeu-me o amor. No pde o falso Ser leal juntamente, e ser ditoso. Perde coele o valor Pastora amante. Se eu no o amara, inda ele me amaria. Antes de o conhecer, quanto me ho dito? Amante bem querido esfria e vai-se; nem mais, que os seus desejos, o Amor dura. Esperana o mantm, Deleite o mata. Assim, bem que aceitava na alma o culto, Que me rendia, envolto em mil finezas, Quatro vezes dourou o Sol os trigos, Sem que eu mostrasse ouvir suas endeixas. Quanto enfrear o Amor, que na alma ardia, Me custou, quando a f lhe exprimentava! Com que foras comprei, com que martrios, A quimera de amar com segurana! Cruel ao meu Pastor, a mim mais crua, De rigor, de desdm fazia alarde: Mas um dia fatal ao meu segredo Tirso me diz mui terno o amor, que sente. T quando (inda hoje o lembro!) me dizia, Sers de rocha ao fogo, em que me abraso? Temes, to linda, aos ps rendido de outra, Ver-me ofrecer-lhe os meus suspiros ternos? Se eu vivo, oh Cus! e sem te amar, Pastora, Quebre-se a flauta, o canto meu enfade, E os pssaros que ensino, s mos me morram. Nem me d flor o prado, o pomar fruto. Meus ndios touros, mansas ovelhinhas Co suco de ms ervas se envenenem: E eu mesmo as desampare ao roaz Lobo, Eu, alvo em que vossa ira empregueis toda, Aos Cus antes a ti o juro, oh Flis; (Que amor te fez meu Nume, nico Nume.) Nunca este amor se extinguir. Confia, Que te amo, que o jurei; e que s formosa.
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O enleio, o amante olhar, silncio inquieto Tudo ento mo abonava de constante. A to forosos golpes quem resiste? Traidor enleio! Presos os sentidos, Alheada, e inquieta... e quasi sem quer-lo Me dou vencida ao fementido amante. Amo-te (disse) e sou feliz, se pode Minha alma achar, na tua, igual fineza: Prometo sempre amar-te, oh caro Tirso. Desta f penhor seja este cordeiro: Cresa, como ele cresce, a nossa chama; E amemo-nos (se dado) inda mais que hoje. Quem dir o que ento nos ns dissemos? Quem mais amor? maiores juramentos? Quanto h de mais firmeza, e de mais mimos, Nesse instante feliz, da alma o dissemos. Caro instante! meiguices mais que curtas! Ou durai mais, ou no penetreis tanto. Mal que aos desejos seus o nimo entrego, Turba a Noite o singelo passatempo: Cumpre arrancar-nos de to doces raptos. Ergo-me, e de gua os olhos se nos rasam; E as mos cerrando, ao prazo de partir-nos, Nada mais que amanh dizer pudemos. Desde esse airoso dia, sempre a ponto Vem tomar, antes que eu, este retiro: Mas hoje o ingrato, em vo por ele espero, Frio no seu disvelo, a mim no corre; Ah que o prfido, aos ps de outra Pastora, Lhe faz, cruel, da minha dor fineza; E por mais a adular, de mim zombando, Perjuro ri da minha crena ufana. No amante desleal vinga a inocncia, Cu, que do meu pudor a entrega olhaste. Ela acabava: quando, eis Tirso assoma; E vista do Pastor fogem as iras; E meiga, ansiosa, ingnua diz somente: E sou eu, Tirso, quem convm que espere! Pastora, no te enfades (tornou Tirso) Nesta relva te aguardo alm duma hora: Eis que chegavas...quando... Oh mal sobejo! Sbito um Lobo aos olhos meus se ofrece. Que susto para mim! oh Cus!... que arrastra O teu penhor, o amado cordeirinho. Que infausto agouro ao meu amor, oh Deuses! Vers como desprezo a tua sanha. E sem rafeiro, e inerme. Amor me esfora!... E deste esgalho o sentirs nos golpes . Nem at ao covil o ruim me escapa; Que a golpes meus perdeu a preza, e a vida. Na morte lhe vinguei tardados gostos. Que menor pena, a quem nos separara? Disse: e a Pastora os medos seus reconta.
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Tirso fiel replica com queixumes; Que, dcil s lies, Flis aplaca, E com favores mil lava as suspeitas.
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ODE
A DELMIRA
No dia 20 de Julho de 1786
Si tu veux que je boive, ami, Buvons celle que jadore; Je ny saurais boire demi, Verse-moi tout plein, verse encore; Ni lAmour ni Bacchus nen seront point jaloux, Sils avaient vu celle que jaime, LAmour y boirait comme nous, Et Bacchus laimerait de mme. Tendr. Bacch. Tom. I.
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Da nossa sem-razo a graa alegre; T que dos Cus baixando Venham trincar connosco os roxos copos. Alvssaras, Amigos!... Ei-los, que descem. Como vm risonhos! Que fumo este? nuvem, Em que baixam a ns, encapotados? Saiam, saiam sem pejo. Eu j topei com um; j tenho em punho O venerando Baco. E Vnus... olhai bem... Ei-la de fronte! Eu com Deuses mesa! Moo, renova o vinho; presto, presto. Pe-me aqui sete copos; Que sete letras tem, no mais, Delmira: Sete letras pouco, Para lhe festejar to grande dia. Contai comigo a ponto, E enchei meus sete copos, sete vezes. Acompanhai meu brinde; Que eu, fiel companheiro vos prometo. Igual festejo s vossas.
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ENIGMA
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ODE
MORTE DUMA SENHORA
Donne, voi che miraste sua beltade E langelica vita Con quel celeste portamento in terra Di me i doglia, e vincavi pietate. PETRARCA
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SONETO
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ODE
SAUDADE
Deux beaux yeux sont lempire Pour qui je soupire: Sans eux rien ne mest doux; Donnez-moi cette joie Que je les revoie; Je suis Dieu comme vous. MALHERBE. Liv. 5.
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V J creio, que assomando radiosa Ao piedoso muro, A vejo debruar, pousando a medo O alvo, mrbido seio; Que j me estende a mo, que a minha toca; Que me infunde o prazer coa meiga boca. VI Na boca (oh Cus) me pousa um Cu inteiro. Ali veloz me acode A alma toda a colher to doce alento. Que voluptuoso rapto! Em que juntos, trocados, confundidos Se alheiam, morrem, sentem os sentidos! VII Oh formosa Delmira, de quais astros Tomaste a luz formosa, Com que acenais os nimos mais frios? De qual Deusa o deleite, Que no teu brando rosto aceso brilha, Seno da Deusa, das espumas Filha? VIII Ah! no os volvas sobre mim to ternos, Que o peito me derretes. Um lento fogo pelas veias coa, Que os membros me quebranta. Ou no me olhes com vista assim mimosa, Ou no sejas to longe, e to medrosa. IX Mas que digo, insensato! A quem os rogos Envio delirados! Tanto, Delmira, neste esprito moras, E tanto te contemplo; Que o retrato, que na alma est gravado, Mo vem pr, ante os olhos, meu Cuidado. X Oh Deusa da ternssima saudade, Nmen de amantes tristes, Tu, que asas ds ao leve pensamento, Move a alma descuidada De Delmira distante. Oferecida Ters no Templo teu a minha vida.
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ODE
EPITALMICA
Vem coas teias leais, e a Noite espanca Coa mo auspiciosa: aqui (cingida Co rseo lao a fronte) os passos brios Mrcido guia. SENEC. Medeia.
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NSIA DE DISTINGUIR-SE
ERTO valido rico, e muito nobre Dizia a um Charlato astuto e pobre: Dar-te-ei quanto quiseres, Se um alvitre me deres, Com que eu me dessemelhe dessa gente, Que anda a p pela ruas: V, se coas artes tuas, Me achas modo fidalgo, que alimente, Sem comer com a boca despreziva. Com ajudas, Senhor Oh bravo, viva!
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CARTA
AO SENHOR TIMTHEO LECUSSAN VERDIER
Paris, 3 de Setembro de 1785
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Sobe-me mente logo o desamparo Que me aperta inocente em terra estranha, Os bens perdidos, a manchada fama, E o que mais val, que os bens os meus amigos. Meu caro Verdier, cum livro aberto, Aqui (digo entre mim) as verdes ruas Pisava deste bosque; ele mo disse Quando eu to mal cuidava de pis-las. Que bem lembram palavras dos amigos, Nas longas horas da calada ausncia! Ali quisera ver-te a mim tornado, Como quando em Lisboa entre os sabores Da lhana companhia prazenteira, Debicvamos pontos delicados Do bem, do mal, que despartiu no mundo A to gabada, escusa Sociedade. Quer dar-me algum a crer, que te hs mudado, Que os mares, que as montanhas que entremeiam, Qual, da vista, me arredam de teu peito, Que emprego hs feito de amizades novas... (Como que fcil fora cos amigos. Mudar nas estaes, como cos trajes) Mas to esquivo estou de acredit-los, Que antes crerei nas bruxas malfazejas, Nos trasgos, nos fadados lobisomes, Nas fadas e nos frades..., que um minuto De crdito a quem diz que te mudaste, E do teu bom Filinto te esqueceste.
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ODE
SENHORA V. B.
Un bacio solo tante pene, Cruda? Un bacio a tanta fede? La promessa mercede Non si paga baciendo: il bacio segno Di futuro diletto, E par che dica anch egli, i ti prometto Con si soave pegno. Intanto or godi e taci Che son damor mute promesse i baci. Del Cavalier Guarini.
EPIGRAMA
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229
ODE
.. Multa petentibus Desunt multa. Bene est cui Deus obtulit Parca quod satis est manu. HORAT. Lib. 3. Od. 16.
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Se eu, resvalando da vereda antiga, Casse s plantas torpes Da caiada Lisonja, infame vcio. Tambm Tu, nobre Costa, Nos meus sinceros versos ters parte, Tu, que guardar soubeste No enleio de Paris, no embate escuro De paixes, e de embustes, Inteiro o fio da Amizade, e da Honra; Que, ausente involuntrio, No perdeste a lembrana de Filinto; Bem que cruzaste as ondas Do deslembrado Oceano, que foi Letes A quantos daqui foram.
231
ODE
Immortalia ne speres. HORAT. Lib. 1. Od. 9.
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EPIGRAMA
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ODE
Quid leges sine moribus Van proficiunt? HORAT. Lib. 3. Od. 24.
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235
ODE
Extremum Arethusa, mihi concede laborem; Pauca meu Galo. .. Carmina sunt dicenda: neget quis carmina Gallo? VIRG. Eclog. X.
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E pode quem Ministro meu se chama Armar-se coas segures Da seva tirania? Assim se imita Um Deus, que deu o sangue Por dar das culpas o resgate aos servos? Sbito acena afvel serena Amizade, que do seio Eterno luz sara, E que a seus ps, no trono, tem assento, V salvar de Filinto Os no culpados, sempre ingnuos dias; E Compaixo ordena Que dos ltimos seus tenha disvelo. Eu vi, Tibrcio, a Deusa Pelos lquidos ares vir descendo, Guiar a mim o voo, Alvas e roxas desfraldando ao vento As enfunadas roupas.... Que brandura no gesto lhe vertia! Que doces, meigas falas! Que cuidado benigno a des-socega vista de afligidos! Eu no sei... Ou me engana a vista absorta Em tantos resplandores, Que das abertas nuvens vm aos olhos: Mas vi em seu semblante Tuas nobres feies, tua brandura No gesto mavioso. AGOSTINHO SOARES DE VILHENA E SILVA [XXIII]
237
ODE
Quippe ita formido mortaleis continet omneis Quod multa in terris fieri cloque tuentur, Quorum operum caussas nula ratione videre Possunt ac fieri divino numine rentur. LUCRET.
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AO LEITOR
. Stulta est clementia cum tot ubique Vatibus ocurras peritur parcere chart. JUVENAL. Satyr.
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Recebem com estima os Estrangeiros! Que acanhados, modestos, Contentes co louvor alheio, os Francos, Em si cerrados, mudos, Se esquivam de inventar sistemas, modas! O Alemo, quo brilhante, Adamado, inventivo se espaneja! Quem no louva as Espanhas, Librrimas, industres sem v glria? E p-de-boi o Belga, Nobre no trato, odeia o engano, a usura. O Cristo puro, e honrado No d tratos, no queima, no confisca: Traz do nariz na ponta O Pundonor. E o Turco, quanto o louvo Do bem que nos imita! J bebe vinho, e diz quanto tem na alma. Ainda Era mais ditosa Para os Netos, as Parcas vo fiando. Inda mores prodgios Desfrutareis, Vindouros: alto orgulho Recolhei nas entranhas, E dai-me as graas, que cantai condigno De vossos Pais o acerto.
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ARRAZOADO
Si vacat, et placidi nationem admititis, edam JUVENAL. Satyr. 1.
me fizeram cargo os meus Censores De ter muito Latim portuguesado. Mais honra me fizeram, que eu mereo, Em dar sobejo preo os tais Senhores, Dar sobeja importncia a quatro trovas, Que nuns borres lancei por desenfado, E luz dei s por mngua de dinheiro. Mas pois to alto vai esse arrudo; Permitam-me acudir por meu Cliente. Se cunho Portugus dei a Latinas Vozes, e Crime pr-lhe cunho alheio; Rus desse crime so quantos escrevem Depois de tantos sculos na Europa, Que, co roubado estofo dos Romanos, Cobriram a nudez desses Vasconos, Que com vil lodo a face enxovalhavam Da Terra, a sfios Brbaros sujeita. Ru quero, com Cames, ser desse crime Voluntrio; e no dar Francs bastardo, Qual d da nova seita o soez cardume. Sujeita a antiga Europa antiga Roma, Falou polida a lngua vencedora; Vencidos os Romanos pela bronca Hiperbrea rel, Sicambros, Cimbros, Ns Lusitanos com farragem Goda, Logo a Latina tela entretecemos; E no contentes inda, a bordadura De engasgado Mourisco lhe cosemos, Coa franja multicor de tantas lnguas, Quantas no deu Babel no louco arrojo De querer ter mirante sobre as nuvens. Convinha povoar as terras ermas Das gentes, que segou a fouce avara Dos belicosos Reis Conquistadores. Chamaram-se de incgnitas Provncias Povos de estranhas lnguas, que o tecido Da nossa com mais tinta alagartaram. Eis que comea de apontar na Itlia Das Boas Letras a bem vinda Aurora: Acorrem dum, e doutro Reino, a Ela Os Moos, de Cincia cobiosos;
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Abraam com ardor as doutas lnguas E vm contentes derramar seu lustre Pelo escuro serto do ptrio idioma. Resta agora entender, se foi acerto Nos que a lngua to rude nos poliram Co Romano esmeril, tornando-a ao grmio Da perdida opulncia, ou se deix-la No Vndalo pal, Suevo, ou Godo? Quem no diz que mais val desbastar hoje Do brbaro falar a Lngua Lusa, Introduzindo os termos da Latina, Que o Vascono primevo desbastara, Que estrag-la com vozes alforrecas, Babujem, que nas ribas Portuguesas Lana a lio de scios Bonifrates, Que de alheio Pas s balbuciam! Gerigona bastarda, mal intrusa. Muitos, dos que hoje escrevem, franceseiam; Muitos, que nada escrevem, franceseiam; Francesear agora to absurdo Quanto o fora nos sculos Latinos Vandalear, falar Suevo, ou Godo. Francesear em Lngua Portuguesa Se atrevem quatro tolos vangloriosos Duns laivos, que puseram mal assentes Na face maternal, que se envergonha Como eu quisera ver, pelos Franceses Apupados na praa esses basbaques, Que um termo ou frase Lusa entermeassem Em discurso Francs falado, ou scrito. Se no sofre um Francs, se ri, se zomba De quem com arrogncia, ou com desprezo Do presente falar, clssico, e puro Estraga a lngua com falar mestio, Como sofremos seja franco a um biltre, Que ignora os livros dos Autores Lusos Nos meta queima-roupa, muito ufano Contrabando Francs? Alguns macacos Dafrosos, massacrais, sentimentistas Versejam francesia a trxe-mxe: Quem me dir se mais por se arredarem Do Latim, que no bom Garo e Elpino, No Cames os enoja, ou se penria De custoso saber, e vo direitos Pela strada Coimbr da nscia moda? Contudo, no direi (que fora absurdo!) Que na lngua domstica se encravem Latinos palavres, como o fizeram Certos fidalgos ftuos: Oh Charonte Aproxima essa cimba, que vicioso Todo o extremo, inda em obras de virtude. Mas se eu Confessor fora em reservados Casos, ao sacrilgio em Belas Letras,
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E pureza de lngua, penitncia Mais leve dera a quem latinizasse, Que aos Tarelos, pedantes la moda, Que, hoje, por nscio timbre franceseiam. Vede o Crtico-mor, o culto Horcio Como aprova os que mesclam Gregas vozes Na Latina urdidura. Assim mesclava, (Encostado em Horcio) o Vate Luso No raso Portugus o ouro Latino. Quantos no vedes vs nestes ss versos De origem Lcia peregrinos termos: Sbito o Cu sereno se obumbrava; No fundo aquoso, a leda lassa frota? Quando escrevia: Sirtes arenosas, Estridentes farpes, e Co tri-fauce, Falava Pinas, Paivas, e Azuraras, Ou falava arremedos de Virglio? E quando Cames diz, com frase pura Que famas lhe prometes, e que histrias, Que palmas, que triunfos, que vitrias? Quando diz salso argento, cervis dura, Fala a lngua Latina, ou fala a nossa? Fala, Tarelos, Portugus ornado Coa louania, que nica d gala nossa lngua, ouro precioso, e perlas, No maravalhas de baforinheiros, Com que lhe descompondes o semblante. Pode Ferreira, sem que algum lho argua Dar, de Horcio, em vulgar, versos inteiros, Com que honre, e enfeite a lngua que ama e preza. Que bem que soa em delicado ouvido Este verso (no tem parceiro em Veiga!) Que mil Naus, que dez anos no puderam Virglio na dico, no som Virglio, Com cunho Portugus, Latinas vozes. Que bem disse numa Ode o bom Alfeno Calcando ilesa trbidas procelas! Latino todo o verso, e todo Luso. Todo quasi Latim da melhor cepa As soberbas falanges de almos Hinos Dirceus, que bem cantou Garo numa Ode. S tu, pobre Filinto, atar no podes Mais um termo Latino, aos termos Lusos, Atar mais uma rosa s outras rosas Da grinalda que os Clssicos teceram? Foi lcito a Garo, a Elpino, a Alfeno Foi-lhes muito aplaudido o pressuposto De escorar na Latina a lngua Lusa, E nada ser lcito a Filinto? Tantas iras nos nimos Censrios! Quem l os nossos bons, adverte e sente, Que no Stilo elevado, a nossa lngua Se encosta no Latim, vozes Latinas
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Enfeitam seu dizer por toda a estrada. E o meio de arrancar da grossaria Novas lnguas de brbara prognie, E lim-las coas frases dos Virglios, Dos Cceros, e Horcios; que a quem delas Tomou algum sabor, tanto namoram. Nenhuma, com mais gosto, abre o seu seio, Que a lngua Portuguesa, voz Latina; Nem, sem muita razo, de Vnus, disse O bom Cames : Na qual, quando imagina Com pouca corrupo cr, que a Latina. Mas diz muito espinhado algum Tareco: No entendem Latim os sapateiros. E eu respondo que Horcio, que Virglio Nunca escreveram para os Sapateiros De Roma: nem Cames, nem Garo nunca Para os taes de Lisboa poetaram. Poetas, por Poetas sejam lidos: Os sapateiros leiam Sarrabais ou Autos Da Imperatriz Porcina, ou Maria Parda; Leiam prosas de ensosso consoante, Ou versinhos anes bem deslavados. Mas as Mulheres? (me replica o Nscio) Vi Mulheres (respondo) e muitos viram Que em leitura, e juzo valem Homens E mais que certos Homens, que censuram Por inveja, por dio, ou fraco ingenho. Mas inda essas Mulheres que se empregam A ler prosas, ou versos corriqueiros, Quantos, sem entender, passaram termos Latinos, ou na Corte pouco usados, E contritas choraram maviosas As angstias penais de Jesus Cristo, Ao lerem a Divina Fortaleza; Ou lendo as mgoas, queixas e amarguras Da Imperatriz Porcina, ou Mangalona? Ou cos Zagais, cos Reis se comprazeram Do nosso Redentor na fausta Aurora, Lendo as Loas, que no Natal Divino, Em tempos mais singelos, que os de agora, Diante de prespios mui vistosos, Representmos j? E eu fui um desses Que no Auto dos Pastores, e em mais outros Fiz meu papel a gosto dos vizinhos. Mulheres conheci sem arte ou studo Mas de ingenho no rstico, que liam Com prazer o Cames, e com proveito E se uma, ou outra voz as represava No fio da leitura, perguntarem (Que assim pergunta muita gente boa), E arredado o tropeo, seguir via. Eis que escreveu Cames para Mulheres; E para Sapateiros escrevera,
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Se Sapateiros perguntar quisessem. Esmerar-se em falar linguagem pura Limpa de francesismos, tem seu custo: Encostar-se ao Latim, estrada nobre Do polido falar com senso e gala Pede estudo e saber, e pede escolha, Que no cabe no instinto de macacos Enviscados de ignara ensossa moda. Por se forrar a estudos, os tais monos Besuntam de Francs falas, e livros, E censuram a esmo a mim, e aos outros, Que no sabemos francesiar, como eles. Cuidam esses pataus, que se eu quisesse Como eles escrever afrancesado, Me faltariam posses? Eu que vivo H vinte anos e mais, entre Franceses; Falando muito raro, e ouvindo menos Portugus puro, falto de bons livros, Que a castigada frase me renovem Que me acudam com termos esquecidos; Como um pobre soldado sem socorro Sem vitualhas, em stio prolongado; No tendo um Dicionrio, onde consulte O sentido, ou pureza do que escrevo! Mas absit, que eu jamais renegue a lngua Do meu Cames, de Coridon, de Elpino, Para falar tarelo galicismo. Falo e escrevo, limalhas desluzidas De ouro cavado (h muito!) em bons Autores, Tesouros de linguagem Portuguesa, Bem descontente de que os mal imito. Sou qual Mineiro, que poupado e velho, Em seus cansados anos come e gasta Os restos dessas minas, que cavara Nos sertes do Brasil, e v com pena Ir-lhe minguando o amuo dos cartuxos, E faltar-lhe outras minas, outras foras, Outra idade, para ir cavar mais ouro. Enfim, Amigo, inda eu mais largo fora Em to largo sujeito, se no crera Enojar-te coas mui sobejas provas, Que do bico da pena vm saindo, Vm correndo em tropel, sem maior custo, Que o custo de enfi-las na carreira; Bem lhe eu poupara ao meu amado Amigo O enfado de me ler, e a mim o enfado De escrever to midos argumentos: Mas vai to mal o sculo perverso, Despido de bom senso, e s leitura, Que a lagarta, e pulgo prende nas folhas Prende nos frutos, em que ardidos mordem. E o msero Poeta, que trabalha Por dar teis, por dar prazer sem vcio
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De bastarda dico, culpado assunto, Colhe por galardo de seus suores Risos de nscios, mofas de Tarelos.
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MADRIGAL
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AVISO AO LEITOR
1 LERTA, alerta, Amigos; olho vivo. Corramos a aprender melhor linguage; Demos cores da moda, e scio traje Ao albornoz do Portugus nativo. 2 No Francs se acha tudo: at a lngua. Haja vista ao Telmaco capado; Que tendo o Bluteau bem folheado S deparou com aspereza, e mngua. 3 De nobres, de espanficos Doutores, Que dizem massacrar, rango, conduta, Afroso, aferes venha devoluta A cpia, a ornar os Vates, e Oradores. 4 Ponhamos Barros, Sousa, e o bom Ferreira No cadoz de sedias Livrarias, Que enraivem l das guapas bizarrias, Do falar culto dum cabal Faceira. 5 Este se a esmo leu livro Francs, Tem de verter lies de lngua Lusa: E ns de ir tal fonte encher a infusa, Pexotes, que s lemos Portugus.
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SONETO
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ODE
Ultra Sauromatas fiere hinc libet, et glacialem Oceanum. JUVENAL. Satyr. 2. Sous un climat moins aquatique Je veux respirer dsormais; Adieu, Messieurs les flegmatiques, Bonjour, bonsoir pour jamais.
Que triste festa, Aguiar, que hoje nos fazes, No dia dos teus anos! Longe de tua Clris, entre arrufos De focinhudo acinte, D-te volta o juizo, atassalhado Da reforma iminente, E do dente roaz, nsia curiosa De adivinhar despachos. O bom Monge que sonha noite e dia Pintadas Indianas, Tem mais longo o nariz, mais cova a face, Tem mais grisalha a grenha. Alfndegas, Malsins, como uns duendes, O sprito lhe manteiam. E a Chocolat co vulto abraseado Lhe acena co Espadilha. Delmira (coitadinha!) faz resenha De quanta enfermidade Escurece os canhenhos de Galeno, E encara, uma aps uma, Qual lhe vem mais quadrada nos sintomas, No tidos, mas cismados; Faz trombas, se a acudir-lhe s vs doenas, Pronto se no desunha Filinto. Este olhos longos, saudosos, Em Paris encravados, No v, no ouve, no atenta a nada, Que a partida no seja Fora destes pais, apetecida, Cobiada, anelada. Tudo lhe enfada, tudo o desconforta; S quer Frana, e mais Frana. Com tais caras de enojo, e de fastio Esperas de alegrar-te? Guarda esta festa, guarda o espalhafato De pratas, porcelanas, De luzes, massapes, cafs, Licores, Para as terras alegres,
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EPIGRAMA
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SONETO
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ODE
Il nappartient qu ceux, que leurs vertus suprmes Egalent aux Dieux mmes, De savoir estimer le langage des Dieux. J. B. ROUSSEAU. Od. au Prince Eugne. Gaudet enim virtus testes sibi jungere Musas Carmen amat quisquis carmine digna gerit. CLAUDIAN.
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E salva ambgua vida. Ou como tu, com brao de ouro abrange, E encosta ao brando seio o desvalido, Que a tormenta, entre as ondas implacveis Lanou sobre os escolhos.
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SONETO
MOTE Dos Cus toda a beleza peregrina. GLOSA
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LUTA DE HRCULES
COM O RIO ACHELOO
OVID. Metam. 9.
A mocha fronte a causa lhe pergunta O Heri Neptuneo, e a causa dos gemidos; E assim responde o Calidnio Rio, Que a coma hirsuta cinge de canios: Triste emprego me pedes. Que vencido Ama dar relao de seus combates? Por inteiro os direi; que mais formosa Me foi a briga, que a vencida feia. To grande Vencedor me afrouxa a mgoa! De Dejanira o nome a teus ouvidos Devia de chegar; Virgem mui bela, Foi de muitos gals nsia e cobia. Mal do buscado Sogro em casa, coeles Entro: Por Genro teu me aceita (disse) Oh filho de Parton. Diz-lhe Alcides Igual frase. A ns dous os mais cederam. Conta este, que por Sogro dava Noiva A Jove, e os decantados seus trabalhos, E da Madrasta as bem cumpridas ordens. Desdoura-se em ceder a um home um Nmen. (Lhe tornei) (Que inda Alcides Deus no era...) Em mim vs o Senhor das fertis guas, Que serpeiam, descendo, em teus Estados: Nem Genro hspede sou, de estranhos vindo, Mas teu Patrcio, e de teus bens comparte; Se no me obsta o no ser da rgia Juno Aborrido, e faltar-me o complemento Das bem lidiadas ordens. Se me jactas Que a Alcmena tens por Me, por Pai a Jove, Ou falso o Pai, ou vem-te o Pai dum crime: Sem adltera Me tal Pai te frustras. Ou Jpiter, (escolhe) Pai fingido, Ou foi desonra tua o nascimento. J h muito, que me olhava carregado Falar-lhe assim; j mal foroso as iras Acesas sogigava... Eis me responde: Eu mais hbil que a lngua tenho a dextra: Conquanto na peleja te conquiste, Vence-me embora em falas. Feroz trava O combate. Corri-me de ceder-lhe, Eu, que inda h pouco feros arrojava. Dos ombros lano ao longe o verde manto, Os braos solto, e arcadas na postura Abro ante o peito as mos, luta os membros.
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Co p, que apanha nas cavadas palmas, Me sparge, e a seu turno se enlourece Coa ruiva areia, que por si derrama. Eis me abrange a cerviz, eis as micantes Coxas; ou de abrang-las faz desgnio; Daqui, dali me investe; mas em balde Me busca, que o meu peso me defende, No menos, o rochedo, que acometem, Com gro murmrio as vagas, e ele firme No prprio peso seu imvel jaz. Retrados, tornmos refrega, J no desplante, e em no ceder seguros: P contra p, j lhe entro todo o peito, E meus dedos cos seus entresachando, Fronte a fronte, coa minha empuxo a sua. Taes concorrer j vi torosos Touros, Quando ansiado prmio da peleja Da devesa a novilha mais egrgia; Duvidam sobre qual caia a vitria De tamanho domnio. Sem proveito Trs vezes rejeitar forceja Alcides Meu peito, que a seu peito sobrestava; Na quarta (o abrao sacudindo) solta Os revirados braos, e me impele, (Verdade professei dizer) coa dextra Me vira sbito, e me encurva as costas Com todo o seu pendor. Cuidei que tinha (Nem finjo vozes, com que o pejo encubra) Um monte sobre mim. De certo o abono. Mal que os braos entrecho, que escorriam De sobejo suor, e os anis firmes Dos membros descingi, eis me persegue (Eu arquejava) e aspirar foras me tolhe, J me abarca o pescoo, e cos joelhos Bato, por fim, co cho, e mordo a areia. Recorro astcia, de inferior no esforo. Eis, longa cobra, dele me deslizo, E arcando o corpo em retorcidos colos, Com fero silvo bato lngua as farpas. Das minhas artes ri, e zomba Alcides: Desde o bero aprendi a domar cobras, (Me diz) e quando a muitos dragos medres, Que escasso que s, vista dum s vulto Dessa Lerneia Echidna, to fecunda Nos prprios cortes seus. Das cem cabeas No cortas uma, que no brotem duas, Que herdem mais fortes na cerviz morada; Cobras trs cobras no ramoso colo, Medrando para mal, dos cortes pulam. E eu domei-a, e domada a impus da vida. Em que te fias, quando alheias armas Em falsa serpe disfarado moves.
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Disse: e cerviz tal n cos dedos me arma, Que no me ansiara mais tenaz ferrenha, As fauces, que das mos remir debato. Vi-me vencido; e s de bravo Touro Me resta a forma, e val: nela mudando Os membros, re-pelejo. Pela esquerda Me aperta o bojo cos nervudos braos, E segurando a presa, a instiga, e segue. T que me humilha os cornos, e mos crava No duro cho, baqueado eu na alta areia. Nem se deu por cabal: coa fera dextra Quebra o corno que empunha, e mo destronca Da mocha fronte. As Naias o sagraram De frutos cheio, e de cheirosas flores, E no meu corno a boa cpia rica.
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ODE
. At fides et ingenii Benigna vena est, pauperemque dives Me petit. HORAT. Lib. 3. Od. 17.
O banquete dos Deuses convidados Freis, Amigos, se do Cu bem quisto Na arca rodassem flgidas medalhas, A sabor da Vontade. Em dourada baixela, em porcelana Viriam preciosas iguarias Aguar desdenhosos apetites Co regalado cheiro. Altos Lacaios com librs custosas Em polidos cristais derramariam Carssimo Tokai, fino Constncia Em borbulhosas ondas. Mas quem almoa aqui depe porta Arrotos de bazfias opulentas, Cum prato de Amizade, e uma f pura Singelo se contenta.
261
SONETO
AOS ANOS DA EX.MA S.RA D. A. AP.
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BILHETE
UM quarto de papel (no todo limpo) Que entalado no espelho achei acaso, Nesta erma sala, em que falece tudo, Quando viva chora ausentes Amos, Escrevi estas regras de queixumes Contra a rija investida porfiada, Que embruscando-me a mente, que esguardava As estocadas da matreira lngua, Deixou entrada falsa ao sorrateiro Borgonha tavernal, que cala a furto, Co rudo da prfida algazarra, A deitar fogo ao Templo da barriga. Ah! manhosa investida! Tu, Troiano Cavalo, foste, prenhe de maranhas, Que deste s modorradas sentinelas Soporfera morte; com teus fachos Ergueste incndio de veloz lavoura, Que ateou pelas veias espantadas Precipitado ardor em todo o corpo. Tu mandavas, Sinon astucioso, Ao da Razo alcar refulgente Frequentes globos de aleivoso fumo, Que traava enublar seu raio activo. Ela o rompeu; mas foi lidado o esforo; E no saiu sem custo coa vitria. O calor lavra longo nas entranhas, Nas roxas cinzas, que a gua mal extingue; E noite o avivam, com mordazes beijos, Os ftidos famintos percevejos.
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ODE
Non semper idem floribus honos Vernis. HORAT. Lib. 2. Od. 11.
PERDES, Andrada,
coa tardia vinda O mais guapo lavor, os mais amenos Dias, que inda teceu a Primavera Para brio dos Campos. Quanto receio, triste te arrependas Das malogradas horas, que no tornam; Des-que escapam no carro despedido Do flamejante Febo! Com mo escassa esparge a Natureza Dourados dias de aprazvel face Neste enublado frgido contorno, Em que me ps a sorte. Flora o matiz de alegre bordadura Lanou sobre as vistosas verdes roupas. J os frutos avivando o colorido, Co a madurez vizinha, s flores do cime; e deleitando Ao que ama antes sabor, que cor sem suco, Dos amantes de Flora, e de Pomona Dispartem a contenda. Os bosques j recendem cos morangos, Convidando a colh-los mos gulosas. Cum pedao de po num guardanapo, E na garrafa a pinga, Na dextra a cuia da alva palangana, E o tempero do acar no mesquinho; Podemos merendar, tripa forra, Morangos na floresta.
[XXIV]
264
SONETO
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RABOLEVA DO SONETO
266
ODE
Scribis ut oblectem studio lacrimabile tempus, Ne pereant turpi pectora nostra situ. Difficile est quod amico mones: quia carmina ltum Sunt opus, et pacem mentis habere volunt. Nostra per adversas agitur fortuna procelas, Sorte nec ulla mea tristior esse potest OVID. Trist. Lib. 5.
267
MADRIGAL
ISTES vs, pelo albor da madrugada Vir um Zfiro brando descosendo Do embruscado horizonte o manto horrendo De nuvens com que a Noite era abafada? Pois minha alma assim stava em treva escura. Eis que de Mrcia, ao longe o albor diviso; Eis que o Zfiro alado, de um sorriso Vem dissipar-me as nuvens de amargura.
268
SONETO
AOS ANOS DA SNR D. MARIANA DE AMORIM E SOUSA,
E DA SUA FILHA A SNR D. ANA ISIDORA L. DE SOUSA.
269
ODE
Voi c havete gli scheni sempre Contra larco damor ch indarno tira. PETRARCA. Sonet 24.
UNTANDO as pontas da ebrnea lua Tiraste, sem cessar, flechas a Nise, Amor, em vo tqui. Ela sorrindo, De teus farpes zombava. Com a alva mo as setas disparadas As vai do corao des-caminhando, E, cadas no cho, as quadra em pilha Para trofu isento. Queres tu no falsar do peito a senda: Amor, que raivas de baldar os tiros? De meus suspiros numa spessa nuvem Os teus farpes envolve. E porque a sequido de esquiva Nize No resista; e antes cale na alma o golpe, Molha os tiros nas lgrimas caudais, Que de ternura verto. Vinga-me; e vinga-te. Que gro desdouro Do brao, que humilhou o ingente Alcides, Ser vencido da imprvida esquivana Duma inerme Donzela.
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EPIGRAMA
IA um Autor.... (No digo bem) cantava Um canhenho, sem sal de Poesia; E a gente, que os versinhos mal ouvia, Em cousas mui diversas cogitava. Leu, e cansou. (Perg.) Dos versos repetidos Quais acharam melhores? (Resp.) Os no lidos.
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SONETO
MOTE Uma Prelada de virtudes cheia. GLOSA
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LA CULTA GALLICI-PARLA
ULTA Gallici-parla um tempero A todo o molho do falar moda. Conduta, aferes, rango em viva roda Mexe um Peralta com afroso esmero. Pois se vai mais a pino a algaravia, Descarta-lhe um ressorte, uma insnia: E fica muito inchado O Patau, de outros tais pataus louvado.
273
ODE
Sed licet asperiora cadant spolierque relictis Non te deficient nostr memorare camn. TIBULL. Lib. 4, Panegyr. ad Messal.
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FBULA
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ODE
Quis desiderio sit pudor, aut modus Tam cari capiti? HORAT. Lib. 1. Od. 24.
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FBULA DE J. DE LA FONTAINE
O DOUDO QUE VENDE SISO
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SONETO
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ODE
No dia dos meus anos, 23 de Dezembro de 1798
Ingrata misero vita ducenda, in hoc, Novis ut usque supetam doloribus. HORAT. Epod.
279
ODE
A UMA AUSNCIA
Fazer poder ausncia que eu no veja Aquela viva imagem no far Que da alma onde anda escrita se me aparte. FERREIRA. Sonet. 15.
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V Se me ofrece, por fim, pincel afouto Amor, sobrano do Orbe, ingnuas Graas Com meigo n prendidas, No peito o corao me indica a pulos O retrato de Mrcia, Sobrana de meus ternos pensamentos.
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ODE
Ao ano 1756
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Que se agastado o ordena O Fado; e se esvoaando sobre a triste Cidade infortunosa O Anjo da Morte traa que troveje Contra ela o fulminante Bronze, aludos os seus merles soberbos Esmagaro na runa Quantos os vm tomar por seu Amparo, Qual rpido contgio Lavra pelo brinco lanoso gado, Ou qual verna geada Que os topes cresta das nascentes flores. Fana a sorte da Guerra Num golpe a croa prspera, e destri O precioso edifcio, Da Ventura, que um sclo de trabalhos Em assentar lidara. Apenas volta os olhos o Colono, Que no v nem relquias Da passada fortuna. Bem disseras Que h longo tempo lavra Na sua herdade peste arruinadora. V soltos em desordem Servir de ofrenda ao dolo da guerra Da sua indstria os frutos. Gemendo, e lastimoso os v, passando Desconsolada vida, T que desesperado, ou famulento O lao lhe desata. No mais renhido da peleja cae A ltima vergntea Dum tronco ilustre. O destemido Moo Era a vida esperana Da sua alta linhagem, mais da Ptria. Salteado de homicidas Cau; e logo em pntanos de sangue Seus matadores caem Remordendo raivosos, t que arrancam Sua alma atassalhada De desejos de morte, e de vinganas... Pra, oh Musa; e estas terras Embebidas em sangue desampara; Destes objectos hrridos Arreda a vista, oh Musa; e nunca entoes Os dias das batalhas, Da clera de Deus; no prostituas Teus hinos aos louvores Do Vencedor. Celebrem muito embora Com mtrica ufania E mandem-lhe as proezas aos Vindouros; Que ainda que os meus Cantos Houvessem de adquirir imortal glria Nunca eu o altar das Musas
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Profanarei co incenso da Lisonja Tributado a Tiranos. Oua stpido o vulgo essa nomeada, Que vai de Plo a Plo; Se o pregoa o clarim, o adulam Vates, Que conquistou tal Reino, Derrotou tal exrcito. Com que dio Vero nossos vindouros O orgulho desse Heri embriagado De glria, e de Ventura? Calado ento das armas o tumulto Tm de o julgar os Sbios, E ao Mrito a Verdade pe o cunho; Sem que s aces esconda Desta a fraqueza, nem daquela o vcio. Quem que ameaa o Mundo Com horrvel estrago? e quem o cobre De mortes, de desordens? Que dextra tantas move armadas hostes?... Afastemos, oh Musa O Fantasma intrincado da Poltica, Que os olhos nos fascina Co seu falso ouropel. Paixes vorazes, Ao lume dela acende O seu facho a Discrdia. Altivo Orgulho E barbara Filucia, Lvida Inveja, Impulso vingativo, De vossos Cofres tiram O direito das gentes os Tiranos. Correi, ide esconder-vos Onde nunca aparea a face vossa No conspecto das gentes; Vs de todos os males deste Mundo, Sois a fonte, e o flagelo. Se a Heri, contudo, fora vestir armas, Correr da Glria ao Templo Sem que turva Ambio iluso o arraste, Que ensanguentados louros Deteste; e contra a voz da Humanidade No aferrolhe o peito, Nem a mseros brados cerre o ouvido; Que saiba por barreiras crueza, e console os afligidos, Com benvola dextra; Nos prsperos sucessos lhano e humilde Que se vena a si prprio, Quando o cingem os louros da vitria: Quando com mo terrvel (Que abate o forte, ampara o desvalido;) Ento direi a brados Heri digno de Fama por virtudes; Seu sacro simulacro Tem sempre de luzir no Templo eterno.
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Ante Aquele que abrange O passado, o presente, e inda o vindouro Com ideia infinita, Pensamento no h, que se lhe encubra. Oh Deuses c do mundo, Ele scruta o interior de vossos peitos; E querereis vs sempre Da clera Celeste ser o aoute? Da divina Bondade Sede antes as imagens, reforando Da paz pblica as bases: Assinalai somente o poder vosso Por amplos benefcios; Deponde-me essas armas carniceiras; Vinde colher louvores E nossas bnos, dando paz ao mundo. E tu, oh Paz amvel, Vem bem-aventurar os lassos Povos, Que te esto implorando, Que os braos te abrem, que por ti suspiram, Assaz, e mais que muito No mundo reina a trbida Discrdia. No sofras que raivosa Essa Fria infernal, sanguenta Erinis Nos desmanche o sossego, Seu poder malfeitor do Mundo arranca. Seus vnculos sagrados sombra da Oliveira, que tu amas Vo apertar festivos A cndida Inocncia, co Descanso. Quanto respira no Orbe Tem de alegrar-se coessa amvel Dita, Dita que eterna dure. Naes, contra Naes no mais se vejam, Nem Guerreiros furiosos Medir-se de alto a baixo ameaando-se: Nem mais se cubram plainos Com searas de lanas faiscantes; Nem clame ao morticnio Brnzeo Clarim; intil seja o gume Das lanas. Curvos sejam Em fouces os alfanjes, e em arados As lminas cruentas.
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DILOGO
ENTRE UM AMIGO E UM AUTOR
AMIGO
286
ODE
Mitte civiles super urbe curas. HORAT. Lib. 3. Od. 3.
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EPITFIO
QUI jaz neste mudo moimento Um Tesaurisador to avarento, Que em s tomar, e em nunca dar sonhava. Por no gastar, Quaresmas jejuava: Nem Pscoa, nem Natal tinham valia, Nem de Entrudo, contra o jejum, o dia. Ningum lhe trincou nunca po, nem pada, Do seu?... ningum provou: que ele era arisco. Do seu?... no digo bem. Comum petisco Dava sua mulher, dele aprovada.
288
ODE
Hic alies vere mihi faustus atras Eximet curas. .. HORAT. Lib. 3, Od. 14.
289
Depois sada o Brito, hoje espraiado; Sada ao longe o nome de Delmira; E inda mais longe lana um grito, que oua Arajo o teu brinde.
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EPIGRAMA
A UM AUTOR QUE TRADUZIU HORCIO EM PORTUGUS
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CONSOLAO
292
ODE
PAZ
Nunc est bibendum, nunc pede libero Pulsanda telus. HORAT. Lib. 3. Od. 3.
293
ODE
A MADAMA RONCON
La tua chiara virtute, onde fioriva Honestate e valor, la Fama accoglie. GUARINI, Sonet. 8.
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SAUDOSAS LEMBRANAS
NISE
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FBULA
O PRNCIPE E O ROUXINOL
M Prncipe, e seu Aio passeavam Num bosque, e como de uso, se enfastiavam; Que condo da Grandeza. Ouvem um Rouxinol, que ali seu pranto Em doce canto, Pela devesa Magoado despedia. O Prncipe entre as folhas o descobre, Gaba-lhe a melodia O garbo nobre. Como Prncipe que , vem-lhe o desejo De apanh-lo, E dencerr-lo Em dourada priso. Eis com despejo Lana a mo faz rudo, Mas pressentido O Rouxinol abala; e sua Alteza Embasbacado Diz agastado: Como, Ave de tal canto e gentileza Vive agreste no mato, e espantadia, Enquanto o meu Palcio digno dela Inado de pardais! Tomai lio, Senhor; que exemplos tais Vereis, quando buscado da Cobia (Que em vos roubar mercs s sonha e vela) Vos cansem, vos ofusquem Enxames de ruins, e de ignorantes. Ponde ante os olhos rgios, vigilantes: Que o Mrito se esconde, e quer que o busquem.
296
EPITFIO
AOS MEUS VERSOS
Jai fait un peu de bien; cest mon meilleur ouvrage. VOLT. Epit. Hor. Abstulit clarum cita mors Achilem. HORAT. Lib. 2, Od. 16.
297
E cos olhos famintos os devora. Eu vi o torpe Monstro estar tragando Dourados livros, a gro custo impressos Na Real Officina Sylviana: E remoendo estampas, e flores Na peonhenta boca arreganhada, Judiava, trincando nas censuras. Inda lhe lembro (Ah! com que mgoa o digo!) Ver por terra os retraos bajulados (Relquias da dentua estragadora!) Retraos Genealgicos, e Henriqueidos, Tantos lauros fidalgos na poeira... E vs, Versinhos meus, duros e antigos; Cuidais que escapareis? Baixai os olhos: Bebei sem murmurar guas do Letes, Se bebestes j na Haia as do desprezo No era assim no seio de lia ou Mrcia!
298
SONETO
S. D. V. A. DE S. R.
299
ODE
Exoriare aliquis nostris ex ossibus. VIRG. Lib. 4.
300
EPIGRAMA
IM: seu marido (um Mdico dizia) Tem astma, tem doena prolongada. Tem muito que sofrer. Pobre coitado! (Lhe responde a Mulher) Mas bem podia, Senhor Doutor, cur-lo de maneira, Que o despene depressa, e no Cu posto, Eu de o ver padecer forre o desgosto, E ele de assim viver forre a canseira.
301
ODE
Hic posuisse gaudet. HORAT. Lib. 1. Od. 34.
302
ODE
AD CURIONEM
Umbram et secessum viro sapienti convenire
303
304
Provendo a si, e ptria, estorce as alas De frutferos troncos; E o Carvalho que planta, ser de uso vindoura prognie. Na doce casa o prendem com carcias, Com jogos os filhinhos, E com castos costumes, com agrados A cuidadosa sposa; Passando ledo os dias, sem que falte No quedo enterro a Nnia, Quando em urna lhe entrar regada a cinza De lgrimas amigas.
305
FBULA
Homo doctus in se semper divitias habet. Phdr.
306
Que em roda tambm Templos, e Palcios Os gritos, o tropel, o estrago, a morte, Ais, soluos, mortferos arrancos Pem em fugida os peitos mais valentes: Foge a piedade, foge o parentesco; At o Amor deixava ao desamparo A suspirada Amante. J os dous Cidados, a pr-se em cobro, O rico, e o Pobre fogem. Ambos levam... Levam o que s prprio, Que com eles sempre anda, E em que no tem poder tremor, nem fogo: Leva ignorncia o Rico, e o Pobre estudos. Com seu saber, profcuo em tal desastre, O Pobre acha agasalho, acha respeito; O Rico, sem riqueza, acha ludbrio.
307
SONETO
AO SENHOR DOMINGOS MAXIMIANO TORRES
308
ODE
Haia, 23 de Dezembro de 1794, dia dos meus anos
Tdet alieno vivere more. Reges et dominos habere debet Qui se non habet. MART.
309
EPIGRAMA
IU-ME Vnus jurar, contra Delmira, De no tornar (enquanto eu viva) a v-la. Prfida rindo disse: Aplaca essa ira; Que as juras faz quebrar Cara to bela.
310
CARMEN
Conscientia bene act vit multorumque benefactorum recordatio jucundissima est. SENEC.
311
AD FRANC. MANUEL
312
ALLICA cum Latin Musa mentitur faciem et Ora sonosque Mus, Jure timet sibique Parva difidens, oculos Consulit eruditos; Ne gravis et severus Censor informem reprobet Nec satis expolitam: Tu bonus hanc magistra Arte concina, et nitidum Redde, vel abde cella.
313
SONETO
SENHORA D. M. J. R. D.
314
CARTA
AO SNR. J. A. C. D. C.
EM QUE SE FALA DA PERA DE PARIS
315
Conversarem mo desempachados, s escuras o Mundo, os Cus parados, Corre oTempo, e de regra o Orbe jejua. As almas dos Elsios muito humanas, Todas corpos de carne, e de apetite, Dentro, e fora da cena do convite s paixes mais gulosas, mais mundanas. Simulacros de ingnua singeleza De mansa condio, de honesta calma, Tormentas furiosas erguem na alma, Que ouro amansa, chovido com largueza. O Palcio de Armida mui formoso, Todo de papel pardo num instante Mil Duendes do Inferno flamejante O queimam cum fogacho strepitoso. Dormia uma Pastora (sem ter sono), E o seu mui terno esperdiado amante Pedia a Filomela que no cante, Que a no acorde com algum tritono; Enquanto ele, com voz de trovoada, Os bambolins, e Cus daquela cena Faz tremer, quando o canto desempena Da robusta garganta arrepiada. No te digo as carrancas, e trejeitos Que Homens, e Damas fazem, quando cantam: Choram crianas, que de as ver se espantam; E foroso cal-las com confeitos. Esto longe do mimo, e da doura Com que o bom Metastsio, e o Peres brando Os cantos, e as palavras animando, Se deram vida, alem da sepultura. Guadagni, Egizzielli (que saudade!) Com que extasi escutei o sonoroso Canto vosso no Templo majestoso, Que a Amor ergueu Jos, e Heroicidade.
316
ODE
Dii me tuentur, Diis pietas mea Et Musa cordi est: hinc tibi copia Manabit ad plenum benigno Ruris honorum opulenta cornu. Horat.. Lib. 1, Od. 17.
317
Os Pesares ferrenhos. Vs dais mais pura luz ao claro dia: Dourais os toscos tectos Das palhoas vils, e lhes dais cores Que enjeitam desdenhosos Emprestar aos Palcios arrogantes. Dais vvida sade, Dais todo o Bem ao mui ditoso humano, Que honrais co tosto vosso. Co desuso to longo acerto apenas (Absorto!) em conhecer-vos! Suspirados Ausentes, abraai-nos: Beijai na branda face A mimosa Delmira, que inda sente No paladar amargo O ressbio prolixo do Infortnio, Mal devido s virtudes. Ficai connosco, lpida Alegria: Ficai, doce Amizade; Debaixo deste colmo soem sempre Vossa voz, vosso riso. Que eu farei, que aqui desa a acompanhar-vos Coa Lira o louro Febo, Co tirso folgazo o louro Baco; E entre as Graas, e os Jocos De quem nos deu descanso tal, o nome Discantaram as Musas.
318
AMIZADE A LA MODA
FBULA
319
FRAGMENTO
320
ODE
POESIA
321
Robustos arvoredos, Abrigo de animais, soberba coma [XXVI] Da encosta vecejante, De multi-cor bonina matizada; Ou j, se aos semideuses Voltas a mo, de rduo pincel armada, Para Ti se abrem francas Da Fama honrosa as portas bipatentes; Ali padro glorioso Pes por alvo ao valor caro e profcuo Ali o primor da arte Apurando no Heri de nclito peito, Lhe disferes o brao, Com que decepa as pululantes frentes Do multi-forme vcio. Sim; agora, sublime e clara Deia, Que finges no alto quadro Efgies imortais, com que as virtudes Dos Heris mais prestantes Salvas do pego do Acheronte avaro; Agora te insto afouto Designes de **** o peito nobre Vaso de sos costumes, A mo bizarra, o esprito penetrante, Gosto reflexo, e paro. Esta ddiva afvel ta merece A Lira ingnua, e grata.
322
ODE
AO DOUTOR ANTNIO RIBEIRO SANCHES
Sunt verba et voces, quibus hunc lenire dolorem Possis et magnam morbi depellere partem. HORAT. Epist.
323
Da Me no seio esconde a face, a vista, E, com a vista, o susto. Tu viste, oh Sanches, cruentar as Parcas As tesouras nos fios dos Amigos; Mas um sacrrio ainda te reservas A Lachesis vedado. Tu com Scrates podes, com Aurlio Adoar as mordazes amarguras, Que os Deuses (quasi digo que invejosos) Te enviam pelo Tempo. Nada a Molstia, nada as cruas Perdas Podem curvar uma alma, que se arrima Ao pedestal robusto da agradvel Leitura, que varia.
324
SONETO
MOTE De Amor afronto a feia tempestade. GLOSA
325
MADRIGAL
326
EPIGRAMA
E aos homens se mostrasse toda nua, (Diz Plato) a Virtude encantaria. Em muitos a vi eu bem nua e crua, E em vez de encanto dava zombaria.
327
ODE
Illum aget penna metuente solvi Fama superstes. HORAT. Lib. 2. Od. 2.
328
SONETO
329
ONHEI, que tarde, num calmoso dia, Sentado porta do meu pobre alvergue, Tomando o fresco sombra da parreira, Que me faz verde alpendre bulioso, Via chegar um venerando velho De trajo no comum, que me sada Junto de mim se assenta, e com amena E divertida prtica experiente At fechada a noite me entretm. Convido-o co agasalho do tugrio, Cos frutos do vergel componho a mesa, Dou-lhe um leito, despeo-me estranhado Do muito que lhe ouvi raro e profundo. Na manh do outro dia me agradece O acolhimento, e me insta que lhe aceite Um parco dom de gratido sincera. Arredado que fora da pousada, Fui, curioso, ver o dom que deixa. Vi uma Caixa de arte primorosa De lavores antigos. Mal que, aberta Com pouco custo; ao disparar da vista, Dou cum retrato... move-se a pintura, Vai pouco a pouco... Oh pasmo! oh maravilha! Avultando em figura. A Caixa mesma, Em mole cama de nevada alvura Se convertia, quasi sem que os olhos Dessem f da mudana mal sentida. Tambm se ala, e transforma a bem-lavrada Cobertura de Caixa, e j disfere Cortinas, sobrecu; este em sanefas, Aquelas em festes, em apanhados, Com franjas, com cordes, com borlas de ouro, Sustinham pavelho gracioso e rico, Consagrado ao prazer, formosura, Que, estendida no leito, figurava Ter dado mrbida atitude as cores Do Albano Vnus: Eis sorrindo terna... Aqui ponho balizas; que no cabem No papel os remates do tal sonho.
330
331
DESEJO
DUM PECADOR PIRANGA
332
ODE
Nec Lstrigonia Bacchus in amphora Languescit mihi HORAT. Lib. 3. Od. 19.
333
SONETO
AOS ANOS DA S.RA D. M. J. R. D.
MOTE Dana-se muito, canta-se porfia. GLOSA
334
ODE
Tale facis carmen docta testudine, quale Cynthius impositis temperat articulis. PROPERT. Lib. Eleg. 34.
335
336
LIRAS
337
SONETO
338
FALA
DE PIGNOTTI
SOMBRA DE POPE
PLACA, oh Vate; O enfado aplaca, e nesta altiva empresa D-me auxlio, e favor. Ah! se a mido Senti ao som de teus sublimes versos Pelo peito correr tremor suave, Que nos sensveis nimos desperta A harmonia do Pindo; e se os abalos Que outrora te agitaram, quando as belas Imagens, que ante os olhos te surgiam, Tanto na alma me entravam, que tremia, Como acorde coa unssona harmonia, Treme, e ressoa a no tocada corda, Ao tremor da vibrada companheira. Se o voo teu seguindo, tinha a vista No portento do ardor, com que rompias Pela nvoa dos Fados. Se maviosos Prantos verti sobre as amargas notas Da afligida Elosa, quando pugna Contra os sentidos seus alvorotados, Dos Cus, do Mundo rebatida vaga; Qual baixel contrastado do Austro e Noto, Ao Cu severo ofrece incertos votos, E entre o Amante, e entre Deus pende perplexa. Empresta-me em tal nsia, oh Vate egrgio, A lira tua, que em silncio amigo, Pende, armada de cordas sonorosas.
339
SONETO
340
ODE
Huc vina et unguenta et nimium breves Flores amen ferre jube ros, Dum res et tas et sororum Fila trium patiuntur atra. HORAT. Lib. 2. Od. 3.
341
EPIGRAMA
342
SONETO
343
ODE
Em 23 de Dezembro de 1792, dia dos meus anos
la vita appunto um fiore Da goderne in un sol matino; Sorge vago, ma vicino A quel sorgere il cader. METASTAS.
344
Os sustos do Futuro espavorido Com duro cadeado Cerrai nas covas do profundo Olvido: Colhei a flor somente Da colorada veiga dos sucessos. Sem tocar nas espinhas Da muda Reflexo consumidora. Bebei suave alento Da aura cheirosa dos jardins de Idlia; Lavai o Esprito inquieto Nos tanques de Lieu bordi-spumantes: E quando em altos mares Soprar furioso o vento do Infortnio, Coroai-vos de rosas, Que amansam as procelas, ou lhe encobrem Os amarelos sustos: Erguei aos Numes as Canes prezadas, Libai com roxo sumo Neptuno e Eolo; o Zfiro macio Infunar as velas, E entre empinados retinidos brindes Entrareis pela barra.
345
SONETO
346
DESCRIO
H Cus, quanto aprazvel stio este! E quanto este alto pltano copado Solta prazer vista! No encanta Coas verdes folhas s, que ao longe estende, Nem com a majestosa, alada fronte; Mas de flores se veste e de perfume. Quem das lmpidas guas se no logra To frescas desta fonte, e to ligeiras? Das ofrendas, que as margens lhe povoam, Colho, que sacra s Ninfas, e a Acheloo. Sentis, quo meigo Zfiro recreia Este ar, que se respira, entrelaando Sua frescura ao canto harmonioso? Mas, tu, mais croas deste stio a graa, Tu, relvoso verdor; que a Natureza Lanou airosa pela encosta amena Deste combro, que plcido convida A recosto, e repouso os passageiros.
347
ODE
Em 23 de Dezembro de 1795, dia dos meus anos
Sit me sedes (utinam!) Senect, Sit modus lasso malis et viarum. HORAT. Lib. 1. Od. 3.
348
SONETO TRADUZIDO
349
O TEMPLO DO DESTINO
350
ODE
De cada vez te falta mais cabelo. GARO. Sonet. 30.
351
SONETO
352
CARTA
SADE A ALFENO O SEU FILINTO ENVIA
353
Embora as Velhas, e os ruins versitas, Extticos, babando-se celebrem Sonetos de Saveiro, e Pobre ou rico, E as Endechas sua Lavandeira. Inda melhor, que explicaes do Credo Saibam de cor cruezas de Damiana, E suspiros de Albano; embora inculquem As outavas da eterna madrugada; Que as Tendas, com muita nsia, ambas as Rimas, J lhe esto esperando para embrulhos. E j, co gancho erguido o Esquecimento, Ameaa aferrar-lho no seu nome, E arrast-lo s voragens, onde jazem Tantos mil seus iguais em prosa, ou rima .
354
ODE
SR.A D. M. J. R. D.
Par n campi del Ciel Rosa nascente, Ch ogni preggio immortale ha in seno accolto, E sul labbro di mele ha una sorgente: Che qual Palma fiorisce, il cui bel volto Somiglia un sol, ch dogni macchia essente. BADINI. Catica delle Cantiche.
1 E as nuvens de ouro rasga apavonadas O sol radioso, e na gua reverbera, Imagino ver Mrcia Que arredando as cortinas do ureo leito, Se ergue, e anima o cristal co astro do rosto; 2 Se o rouxinol saudoso esmera o canto, Por dar ao Sol festivas alvoradas, Imagino ouvir Mrcia, Da perfumada boca disferindo Na Lira de Anfio Canes de Safo. 3 Se as terras matizadas deixa Maio Coas cores da florida Primavera, Imagino que Mrcia Correu aqueles prados, e coa vista Deu vida, e deu matiz quelas flores. 4 Se nus os peitos, junto de uma fonte Cntia orna a coma com gentis boninas Logo imagino Mrcia, Nos tesouros, que Flora lhe oferece, No vendo flor, que ao v-la no desmaie. 5
355
Tudo acende de Amor, tudo conquista Co doce riso, cos formosos olhos A muito linda Mrcia; Rendido o Mundo a v, rendido a adora. Quem no ser daquele rosto amante?
356
NOVO BVIO
PARA NOVOS HRCULES
357
SONETO TRADUZIDO
358
ODE
EM DIA DO ANO BOM
359
SONETO
360
RETRATO
DE DAFNE
1
361
ODE
Aux yeux, que Calliope claire, Tout brille, tout pense, tout vit. GRESSET. Epit. au P. Bougant.
362
SONETO
363
EPITFIO
DA SR.A D. M. J. R. D.
364
ODE
lenvi laissons-nous saisir Aux transports dune douce ivresse: Quimporte, si cest un plaisir Que ce soit folie ou sagesse? LA MOTTE HOUDART
365
EPIGRAMA
366
SONETO
367
ODE
Quem fors dierum cunque dabit, lucro Appone: nec dulces amores Sperne, puer, neque tu choreas: Donec virenti canities abest Morosa. HORAT. Lib. 1. Od. 9.
368
Debaixo do Capote. D de mo s Demandas; fecha os livros; Arruma Ordenaes; no ouas queixas, No trapaas do astuto Requerente, Que a Parte, e o Juiz logra. No dorme a Parca, torce o veloz fuso, E a nossa vida corre, como o fio Da ampulheta incansada, at que pra Solto em poeira inerte.
369
SONETO
370
QUARTETOS
I
371
ODE
Cor mio, deh, non languire, Che fai teco languir lanima mia. Odi i caldi sospiri: a te sinvia La pietade e il desire; Si ti potesse dar morendo aita, Morrei per darti vita. CAVAL. Guarini.
372
Deixou, para ir benigna Anos compridos aditar o Mundo. Emprega o teu furor noutros sujeitos De inferiores dotes, Em Heris, em Monarcas, Que eu Terra mandei para servi-la. Assim disse. Amparado eu fui de Apolo, Deus tutelar dos Vates. Tu, mimosa de Jove, Brilha, que ao Cu gratulo ambas as vidas.
373
SONETO
374
EPIGRAMA
375
AD F. M. POETAM LUSITANUM
Ex gravi morbo convalescentem
CARMEN
Hac lege rerum callidus arbiter Mundique Rector ambiguo semel Mortalibus concessit uti Munere, ne nimium beati, Fretique vanis artibus, ebrios, Dum fluxa sensus gaudia detinent, Hanc lucis usuramque vit Perpetuam propriamve sperent. Ergo querelis pone modum tuis, Condisce vitam, nec muliebriter Frangi neque extoli insolenter Socraticum patiare pectus. Est vir ferendo: tu neque desines, Recti decorique officii tenax, Per damna, per fraudes, malorumque Insidias animosus ire Quo prisca virtus, quo Patri vocat
376
Cura instruend consilio et manu; Scriptisque fales seu jocosis Tdia, seu libeat severis. Olim procelas et celerem fugam Nosti, relinquens (non avibus bonis) Laresque mrentesque amicos, Et Patriam reditus negantem. Sed liberales vertere spiritus Injuriosum non valuit nefas, Nec magna divinis sonantem Carminibus cohibere venam. Te nuper pessima febrium Formidoloso proruit impetu: Quam pone non tangenda furv Stamina subsecuere Parc! Laborioso cum tibi anhelitu Virile tussis concuteret latus Horrenda (vidi) luridusque Marcida tingeret ora pallor. Flevisse Clio, Melpomene suum Flevisse fertur, visa iterum sibi Lugere Flaccum: sed rapaci Te Deus herbi-potens ab Orco Salvum reduxit, non sine plurimo unde quaque plausu: reddere debitum Carmen memento, nec reposta Pulchra dies careat Lagena. Sic te benigno numine Delius Diu sororum servet amans choro, Longamque depelat senectam Difficilem querulosque morbos.
TRADUO
certo: e no sem causa te lastimas Com gemidos, das penas Infligidas triste prole humana, Votada a longas lidas. Como ardem negros Males! como os Mdicos (Ai!) mor ardor lhe sopram! Brigam na alma estuosos alvorotos Que incita, e que revolve J do Amor, j da Fama nsia frentica: Inda entra neste quadro A Pobreza, que aos Sbios, quasi a fio, Com frrea mo comprime, E lhes embota o gume dos Ingenhos! Desse modo a Ampulheta, Volvendo a mida areia movedia, Nos desiguala os lances;
377
Nem (mesclando as douras cos amargos) A algum, repouso fixo Outorga o Fado. Quem primeiro alento Nos concedeu, balizas Assinalou ao derradeiro arranco, Ns curta primavera Corremos no Orbe, e logo submetemos s curvas cs o vulto, E s rugas duradouras. Lei foi esta, Com que, rbitro sabido, O Criador do Mundo deu licena Que dessa ambgua ddiva Logrssemos: a fim que mais que muito Ditosos, confiando Em nossas artes vs (enquanto os gostos, De si resvaladios Embriaguez lavrassem nos sentidos) No pusssemos fito Em ter por prprio, e requerer perptuo Da Luz, e Vida o logro. Assim pe termo a lastimar-te; e a tempo O que viver aprende, Sem deixar quebrantar-te mulhermente; Nem que insolente se alce Teu Socrtico peito lho consintas. Saber sofrer de homem. Ferrenho em teu dever honrado, e justo No faltes animoso A atravessar por danos, dolos, riscos Onde te chama a antiga Fora, e disvelo de acudir Ptria Co brao, coa doutrina, Vai enganando o enojo co que escrevas Jovial, ou severo. Com ruins auspcios, j, deixando os Lares, Os saudosos Amigos, A Ptria, que voltar te nega injusta, Dos sustos, das tormentas, Da desenvolta fuga te inteiraste. Ah! que no poude tanto A malvada Calnia, que minguasse Teu solto, e nobre Ingenho, Nem conteve os divinos sons que rompem Da grandloqua veia. Pouco h que, com medonho insulto, a Febre Pssima te prostrou. Quo perto a fusca Parca ps o game Nos no-tocandos fios! Quando, horrenda (eu a vi!) o viril peito Te sacudia a Tosse
378
Com trabalhoso anhlito, e tingia Coa palidez da Morte O teu murcho semblante. Chorou Clio, E inda outra vez Melpmene Cuidou carpir ( fama) o seu Horcio. Mas com bastante aplauso E universal, o Nume herbi-potente Te arrancou da garganta Do Orco voraz. Oh lembra-te da dvida De agradecidos versos: E em dia to formoso no nos falte Recndita botelha. Assim com raio amigo, Apolo ao Coro Anio longos anos Te guarde; e enfermos ais, rabuje idosa Desterre de ti longe.
379
SONETO
380
DITIRAMBO
Juvat integros acelere fontes Atque hauire; juvatque novos decerpere flores Insignemque meo capiti petere inde coronam, Unde prius nulli velarint tempora Mus. LUCRET. Lib. 4.
381
Quem me verte aqui vinho Dessa Ilha fortunada, em que Amor reina? Evan, Evan, Evo! J rpidos rasgmos Dos alvos Cus a estrada omni-patente. Em meu atento ouvido Pitagrica soa Dos orbes a harmonia escasso instante, De frico tigre a mosqueada pele, Que as espduas me cinge, Se erria, se arreganha Contra o negrume, que em ameao nosso Zurra, e berra... Mas j do azul abismo Surdem musgosas testas De escarpados rochedos.... Ai que a Ilha! E o Coche desce... O Coche pra... Chipre: Sim: que Evan me aclamou seu sacro nome. Evan, Evan, Evo? A Alegria me arranca, e voa correndo quela gruta florida... Tu me acenas de l, Taa bojuda! Vermelhas ondas De arroio manso Da alma gruta perenes escorregam; E os combros verdes Das pampinosas Ramas distilam Gota a gota os rubis na augusta pia. Sentados pelas bordas os Amores Se humedecem co rbido deleite: E tomados de insano Afouto entusiasmo Lies de Ditirambos do, e as tomam. J descem trpidos copa undi-sona, E de Lieu, folgando, a face enrugam. Os lbios mrbidos No humor dulcfico Molhando sfregos, J, debatendo as asas marulhadas, Turbam, encrespam a vida lagoa. Um que se azoa, despenhado afunda, Beija o poro do vaso; Mas, rindo, a salvo, os Deuses o repescam. Ei-lo, que vergonhoso Numa aselha da taa vai secar-se. Acocorado, e tiritando espera Que o vapor encantado Do licor mui sobejo V descendo, e a Alegria restitua. Mas... j se ergue.... Eis debate as soltas asas E de odoro chuveiro nos borrifa. Amores, debruai-vos,
382
Ponde-me a peito esse frasco santo, Que eu sou de Baco aluno: Ele mesmo no rpido-rodante Coche me trouxe aos pmpanos desta Ilha; Por que eu bebesse... Ai! e os Numes, que espreitam curiosos Por me ver escorrer dum trago herico O frasco estanque!... O licor, com que Jpiter se ensopa Nos dias festivais, no to doce, Inda quando o tempera coa Ambrsia. Mas como assim, oh Brmio, Oh Padre, e quo pequena a minha taa! Dme vaso maior. Que o peito anela Num dilvio de vinho mergulhar-me. Tanto me encanta, e endeusa, Que em sua fonte meiga Bebera o Olvido, e at bebera a Morte. Que o que l aparece!... um gordo almude Parri-crinito: o bojo, Dali me faz negaas. Vem a mim, barrigudo, rubi-nctar, Enfrasca-me os velhacos gorgormilos... E o couro meigamente Coas, licor Divino, Nos mais encruzilhados reconcvios! Qual esperta Gazela Pula de rocha em rocha, De pico em pico, folgazona, e leve, Em dias de cerrado nevoeiro: Assim vou eu saltando Por prados, que a saltar danam comigo, Comigo cambaleiam. Da Idlia selva os troncos vejo-os dobres: E os freixos, descarnadas as razes Vm correndo trs mim.... Pasmam as Drades De ver como lhes fogem as pousadas. Os Rouxinis puxados Na folhagem vivaz volteiam trbidos, E tonos cantam Bquicos. Onde corre essa Ninfa espavorida, Que atravs das florestas vai fugindo Com a cinta na mo, Porque Rosais, ou Silvas, no a estorvem? Cuma infusa atestada De vinho, um Fauno bbado a persegue, Tremelica, e resvala a cada passo; E o vinho salta, e espirra, Desborca, e vai golfando nas estevas. Pra, formosa Ninfa, (diz) detm-te; Que a amar quero ensinar-te. Ah bebe, oh cara Ninfa: que, bebendo, Atinei que te amava.
383
Olha. V como bebo... Eis toma o bojo Da infusa, ala-a boca, que almejava... Por faces por orelhas desgarrado Rosnando em terra cai, e se esperdia. Ento turvado e trpego Busca a Ninfa, que lhe escapou dos olhos, Contra a Ninfa braveja, e contra a infusa, Que lhe toa a vazio: Ao cho a arroja, e em cacos mil a quebra. Eu que a Ninfa espreitava em sua fuga, Pela fresca pegada Sigo o alcance (Ah maligna!) e quasi a colho Pela cinta... Eis j volve A mim donoso olhar cum gesto meigo, Que ansioso lhe beijara. Ei-la se est mirando Com largo fasto Sobre o espelho do rio, nova Ttis. No atenta no v Que eu manso junto dela A mo estendo, abranjo-lhe a cintura... Ladina!... que entre os dedos Me deixa a subtil roupa, Que qual vapor das flores se esvaece. Com que vergonha o digo! A Cruel se arremessa ao fio da gua; E as ondas reverentes Longe de mim... Ai!... Longe dos meus olhos Cobiosos, a levam. L se fende, e marulha o grande lago. Neptuno mui sereno e majestoso Ergue a trisulca lana e alhana as ondas. Cos recncavos bzios, TRIUNFO verdes vm Trites troando; Porque nesta Ilha entra hoje a Deusa dela Formosa e refulgente. J vem chegando e vem sorrindo Vnus Na concha multi-cor, multi-lustrosa. Assim brilhou, quando a fecunda espuma A confiou praia. Desenrugando miudinhas ondas, As guas humilhadas, quasi mudas florescente Deusa Cousa como hino entoam. Penduradas do ramo as avezinhas Alegres a sadam. Debaixo de seus ps alabastrinos Flora brotando vai lous boninas, Que a beijar-lhos se curvam. Tigres, Lees se arrastam respeitosos, Ante os seus ps mimosos, Lambendo o sacro cho que Vnus pisa. J cercada dos Jocos, dos Amores,
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Das Graas, e dos Risos, moradores Nos lbios das Donzelas, A Cpria se avizinha: Amor que fecha a marcha do cortejo, Vai dardejando os seus farpes mais meigos Nas ledas Ninfas Desenfadadas; Que olham, que riem, que levemente zombam; E como chufas Lhe vo soltando: Amor, ol! no tens farpes mais rijos, Na derrengada aljava? Mas onde a vista cravarei inquieta Entre o vago tropel, que se lhe ofrece De lpidos transumptos Por toda a parte prontos a enlevar-me, A enfeitiar-me O nimo absorto? Trs mim retinir ouo os sons festivos, O canto harmonioso, a frauta, a avena, Os brados da alegria, Com que estes insulanos Festejam a Rainha dos Amores. Nas praias danam floridas Zagalas Junto da bela Deusa, Com leve planta o cho cheiroso pulsam. Trava duma, outra encara Vnus, que estrema as mais donosas delas Para ao coro as juntar das Ninfas suas. Qual se ergue acesa ao longe Poeira, sobre a terra, strepitosa?... Baco, sim: Baco; E do vinho de Chipre a Divindade! As Mnades ante ele amotinadas Vm correndo esparzidos os cabelos, Na sestra mo os fachos fulgurando, Ferem coa dextra os mosqueados tigres Que o coche triunfal do Nume tiram. Os Silvanos Caprpedes, Os temulentos Stiros Em chusma transmalhada o mato fusco Vm de longe trilhando, Enquanto Baco apressurado acolhe A Deusa, e com grinaldas de corimbos Lhe enastra a ebrnea testa, as ondas de ouro. Com vagarosos passos vm descendo Pelas frteis encostas s verdejantes fraldas. J l chegam Ao consagrado templo de Ericina. Os outeiros derreiam Com o Celeste encargo as duras costas. Oreadas, Napeias vo diante Folheadas saltando, e dis-cantando:
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Invejoso adejando Sentado em cima da quila alterosa Jove das altas nuvens as contempla. Desferrolhadas As bi-patentes Portas do Templo, De mil amplas caoulas de ouro fino Remoinhos cheirosos esfumeiam. Ante os formosos Numes Os sacros Vates, seus Ministros, prostram-se; E no xadrez de jaspe guas lustrais entornam recendentes. Tibulo, Horcio, e o velho Convidado de Vnus So os Ministros. Seus imortais cantos Delcias foram das felices Eras; Hoje os reveste flgido renome.
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ODE
AOS TIROS DEL-REI D. JOS PRIMEIRO
Quis scit an adjiciant hodiern crastina sum Tempora Dii superi? HORAT. Lib. 2. Od. 7.
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EPIGRAMA
M Nobre (porm coxo) desposado Com Senhora de rara formosura, Casei com Vnus. Tinha por ditado E a gente que o ouvia Assegurava ser verdade pura O que o Nobre dizia. Mas tanto a apregoou o tal Esposo, Que se fez enojoso; E um (dos que muito o ouviu) sonso, e magano, Que, sem a Dama ver, via o Marido A quem mais perto achou, disse ao ouvido: Vnus deve ela ser; que ele Vulcano.
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ODE
AMIZADE
Ite procul durum cur genus, ite labores, Fulserit hic niveis Delius alitibus. Vos modo proposito dulces faveatis, amici, Neve neget quisquam me duce se comitem. TIBUL. Lib. 1, Eleg.
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Uma Deusa de plcida presena, Trajando airosa simples vestiduras Era a meiga Amizade; Que a mim se inclina, e coa mimosa dextra Limpando o corao de toda a ndoa Me arrojou fora o fel dos infortnios, E o livor da Tristeza. Mais se lhe avivam com mais graa os olhos, E arraiando de fausto e santo lume Senhoril semblante, rompe neste Alentador pressgio: Viro inda outros dias venturosos Que apaguem os vestgios denegridos Do injusto exlio, infausto ao Erro armado, Quo festivo a Filinto: Em que na ufana Elsia entoaremos A prudente fugida vencedora, A pobreza invejada, e os superados Trabalhos, sem desonra.
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MORALIDADE
PARA O DIA DE FINADOS
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ODE
AOS POETAS LUSITANOS
.. Mediocribus esse Poeris Non homines, non Di, non concessere column. HORAT. De Arte. Sparge rosas, audiat invidus Dementem strepitum l.icus. ID. Lib. 3. Od. 19.
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E por afouto modo vai tecendo Pindricos delrios. Um Bocage, um Targini, com Vicente Correm a colher louros no Parnasso; E as Musas se do pressa a lhe enramarem As merecidas croas. Que no pode esperar a Elsia Terra De Cesrio jovial? Donosa Musa A frouxo lhe emborcou na mente ingnua O sal, e o mel de Atenas. Enquanto humildes Vates afanando Nos atolados lodos de Aganipe, Se prendem das estevas, sem poderem Trepar esquiva encosta.
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SONETO
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EPIGRAMA
OM fivelas de oval abrilhantado, Abrilhantada a cifra, que cobria A correia com rasgo entrelaado, Passeiava, parava, e se revia Moo, de tanta prata glorioso. Quo pouco basta para ser ditoso!
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SONETO
MOTE Aquela graa, aquela formosura. GLOSA
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ODE
DE M. HOUDART DE LA MOTTE
TRADUZIDO
TRADUO LATINA
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Nave Charon. Quod adest avaro Usu occupemus. Postera quod libet Fortuna volvat: juverit invidas Parcas fefellisse, et severis Particulam hanc rapuisse Fatis. Ergo potenti nunc decet uvida Explere vino corda: quid interest Prudens an insanus voceris, Certa modo subeat voluptas;
TRADUO
EBAMOS: que veloz transpe a Idade Despenhada carreira. Em curto espao, Se Deus no-la acanhou, saneemos todos Do fugaz Tempo os danos. Qui perene sono cerre o dia, Que ora caminha a passo despejado: Qui amanh Charon, na fusca barca Nos navegue. Colhamos Sfregos o que ora h: volva a seu gosto Vindoura sorte os casos. Triunfemos De haver burlado as Parcas invejosas, Roubado ao Fado esquivo Tnue poro. As almas ensopemos, Eia, em potente Baco. E a que importa Que sisudos nos chamem, chamem loucos, Se o deleite seguro?
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ENIGMA
NQUANTO dous vizinhos (Que eu conheci!) sem se ajuntar viveram, Ambos tivera Honras, carinhos; Ambos a todos agradar souberam. De graas animados, De presuno inchados, Tributos recebiam, Que entre si, sem distrbio repartiam. Tinham quinze anos, quando luz saam To guapos, to formosos, Tanto a si parecidos, to airosos, Que os disseras num molde ambos fundidos. Cos rditos de ofrendas, vassalagens E adquiridas ventagens Viveram abastados, e crescidos, Muitos anos, mas secos, e arrufados. T que enfim de enchimento assoberbados, A si mesmo enfadonhos Pesados, e tristonhos Vieram a ajuntar-se, A achegar-se, A beijar-se Com tanto afinco e to estreitamente, Que sempre unidos, Um com outro cosidos, Fizeram nojo gente Que os amava, Enquanto largo rego os separava.
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ODE
PAZ DE PORTUGAL COM FRANA EM 1797
. Est animus tibi Rerumque prudens, et secundis Temporibus, dubiisque rectus. HORAT. Lib. 4. Od. 9.
TRADUZIDA
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Tales delicias, ludicra gaudia, Et viles dominos simul Lethis abigit ludibrium vadis. At caros populis duces Post mortem Lybithin eripit, et bonis Civem civibas utilem Ultro congeneres evehit ad Deos. Purus vivit Aristides, Vivunt Scipiades et geminus Cato, ternus Deciis honos Perstat pro patria non dubiis mori. Chartis Illa perennibus Qu commisit, amat nomina pertinax Alis protegere aureis: Incassum furias spirat et halitus Tetros Invidi; assidet Non segnis rabiem et tela retundere Armis vindicibus Dea. Nunc, nunc egregium, Pieri, selige Cantu quem celebres virum, Et voce et cithara prome reconditi Thesauros modulaminis, Quale falciger non violent manus. Araujo resonet Chelys, Araujo Tagus et Sequana personent Discordes populos modo Nexu difficili jungere callidum. A M. DE CURNIEU
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ODE
No dia dos meus anos, 23 de Dezembro de 1797
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ODE
Quantus eram, pharetra cum protinus ille soluta Legit in exitium spicula facta meum, Lunavitque genu sinuosum fortiter arcum, Quod canas, Vates, accipe, dixit opus. Me miserum, certas habuit puer ille sagittas! Uror, et in vacuo pectore regnat amor. OVID. Lib. 1, Amor. Epist. 1.
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Co joelho em terra, ao prfido, que foge Brado em desfeito pranto: Perdoa, ingente Nume; Amor perdoa. No quero Heris cantar; louros enjeito. Meu Heri, minha glria, minha Musa Ser desde hoje Anfrisa.
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ODE
None videre Nil aliud sibi Naturam latrare, nisi ut quum Corpore sejunctus dolor absit, mente fruatur Jucundo sensu, cura semota, metuque. LUCRET.
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SONETO
MOTE Triunfe na ilustrssima Abadessa. GLOSA
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ODE
PTRIA
Invenies aliquem qui me suspiret ademptum, Carmina nec siccis perlegat ista genis. OVID. Trist. Lib. 1.
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Tu s em meu sentido Noite, e dia incessante me apareces; Ora trajada de ouro, Com reluzente ceptro, em alto slio Majestosa sentada, Ao Indo Hidaspe, ao Gange as leis mandando: Em gravadas bandejas Aceitando os tributos, as coroas De tantos Reis Vassalos Do altivo Oriente, da frica guerreira. Os trofus, as conquistas To vrias, to valentes, to remotas Orno os altos tectos Da sala artesoada, em quadro imenso De duradoura Histria. Ora afligida, e de funreas cinzas Espargida a cabea, Teus filhos mortos, longe derramados, Transidos de pavores, As mos erguidas, arrasados olhos De compungido pranto, Pedindo ao Cu misrrimo socorro Sobre a trmula terra, Que em fendas se rasgava, e das entranhas Vertia impuro alento. Lgrimas tristes, lgrimas de gosto Doa fiel lembrana Dos infortnios teus, dos teus triunfos. Assaz lhe so devidas! Tu me elevaste, luz recm-nascido, s Musas me elevaste, E em meu favor benvola obtiveste De Clio almo sorriso, Com que animou a mui submissa veia, Que hoje em louvar-te esforo Tu me deste as lies, em verdes anos, De ser profcuo aos homens, Com estudo dos bons, e as mos me abriste Para o amparo alheio. A ti devo o caminho abalizado, Que da Honra s aras guia, Meu lado ornaste, na ngreme subida, De leais Companheiros, O so Merecimento, a s Virtude: Nas asas me encostaste Do prazenteiro Agrado, quando o peito Quis conquistar honrado, E pudica esquivana de Delmira. Em seu corao frio Tinha provado Amor os seus poderes: Mil vezes apagados Os factos viu de crepitante lume, Que lhe apontou de perto.
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Os escassos talentos, com que apenas Lucrei mui breve nome Na Elsia saudosa, e estranhos Lares, Bem foram mercs tuas. Ah! Tu, que foste ninho to prezado Desses Vares egrgios, Que em letras, que em batalhas te enobrecem; E tu, que Armnia, e Anarda Alagaste contente em teu regao, E de claras virtudes O peito lhe abondaste; tu, que deste Ao dcil Arajo Imensos dons, que em climas arredados Requerem sumo obsquio Ptria egrgia, que tais filhos brota. Tu, que ao nascer cingiste Com amorosas fachas, e a teu seio Apertaste mimosa Um Brito, exemplo de honra, e de bondade... Como a tanto desceste Que deixes ir a imrito desterro Teus inocentes filhos; E a voz no soltas, hrrida no fechas As despiedadas portas; No amparas nos braos?... no rechaas As frechas da Calnia? Devo-te a vida, a luz; mas triste, estranho Consintas em teu grmio Monstros de alma cruel, que te desonram! Malvolos poderes, Dos bens, da fama honrada estrago, e abismo, De infames lnguas couto! Porque as indignas vidas no enjeitas, Que enjeitaria averso Esse inspito Cucaso feroce, E a antropfaga terra? Que mal cometi eu contra um covarde, Contra uma vil prognie Dum Heri to famoso no Oriente, Para ir com sujo bafo Empanar o meu nome intacto e limpo? Foi culpa inexpivel Ter eu mais honra que ele? mais virtudes, Ter alma, que no tora A baixezas, a crimes, como a sua? Daqui tomou peonha, Inquo Delator, com que ps ndoa No manto ingnuo, e puro Que talhar para ele, e seus consortes Rejeita a Natureza.
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EPIGRAMA
domnio de Terra Deus o entregou a Ado. No se encerra Numa Arca, e toma posse Das guas. Quem do fogo o Senhor fosse No o reza a Escritura, Menos que ao Demo caiba. Ao coxo Nume Do ceptro sobre o Lume Os Gregos, que aviavam Divindades, Qual ns Paternidades. No ar, Ddalo reinou com pouca dura: Mas o Francs mais leve Por secula sem fim no ar ceptro obteve.
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SONETO
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ODE
Num te qu tenuit dives Achmenes Aut pinguis Phrigi Mygdonias opes Permutare velis crine Marili Plenas aut arabum domos. HORAT. Lib. 2. Od. 12.
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