Habilidades Sociais e TEA
Habilidades Sociais e TEA
Habilidades Sociais e TEA
Elaboração de objet ivos comport ament ais e de int ervenção a part ir da análise funcional do c…
Alessandra Bonassoli Prado
Cmpt o em Foco
Rayane Campos
Teoria e Formulação de Casos em Análise Comport ament al Clínica De Farias, Fonseca Nery
T haís Torres
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
Conceitos e aplicações a processos educativos,
clínicos e organizacionais
Organizadores
Nádia Kienen
Silvia Regina de Souza Arrabal Gil
Universidade Josiane Cecília Luzia
Estadual de Londrina Jonas Gamba
Como citar este capítulo (APA)
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2018). A relação entre habilidades sociais e análise
do comportamento: história e atualidades. In: N. Kienen, S. R. de S. A. Gil, J. C.
Luzia, & J. Gamba (Orgs). Análise do comportamento: conceitos e aplicações a
processos educativos clínicos e organizacionais (pp. 39-53) Londrina: UEL, 2018
(ISBN 978-85-7846-537-7). Livro eletrônico disponível em
http://www.uel.br/pos/pgac/publicacoes/
A relação entre habilidades sociais e análise do
comportamento: história e atualidades 1 1
Almir Del Prette
Universidade Federal de São Carlos
Zilda A. P. Del Prette
Universidade Federal de São Carlos
1 Endereço para O objetivo deste capítulo é apresentar informações sobre a história e o desenvolvimento do campo
correspondência:
[email protected] teórico-prático e de pesquisa das habilidades sociais em sua relação com a Análise do Comportamento
2 O termo Análise (AC)2. Com base na análise de vários textos teóricos e empíricos produzidos especialmente a partir da
do Comportamento
engloba, neste texto, as
década de 1970, é enfatizado que essa relação ocorreu em mão dupla: de um lado, a contribuição da
expressões correntes AC na constituição do campo teórico prático das habilidades sociais, incluindo a adoção de técnicas
como, por exemplo,
“análise experimental comportamentais no Treinamento de Habilidades Sociais; de outro, a contribuição do movimento do
do comportamento”, Treinamento de Habilidades Sociais ao desenvolvimento inicial da Análise Comportamental Aplicada, em
“análise funcional do
comportamento” e particular, da Terapia Comportamental. Nesse sentido, descreve-se a fase inicial da constituição do campo
outras designações das habilidades sociais, com ênfase na aplicação do THS sob a perspectiva da AC, esclarecendo a relação
assemelhadas desde
que derivadas dos entre os movimentos das habilidades sociais e do treinamento assertivo, seguido de questões relacionadas a
princípios operantes
formulados por Skinner
seu estatuto atual e trajetória de inserção na Psicologia em nosso país.
e pesquisadores
associados (Catania,
1968/1975; Skinner, História passada
1953/1967; 1957/1978; O campo teórico-prático e de pesquisa das habilidades sociais teve seu início na Inglaterra, próximo dos
1974/2006;).
anos de 1970, na Universidade de Oxford, com Michael Argyle (Argyle, 1967/1978, 1969) e pesquisadores
associados (Argyle & Kendon, 1967; Argyle, Bryant & Trower, 1974). O interesse de Argyle pelas interações
sociais é anterior, desde a década de 1960, quando utilizou, pela primeira vez, os conceitos do campo das
habilidades sociais, ainda em formação. Entretanto, conforme Kelly (2002, p. 175), com frequência os termos
treinamento de habilidades sociais e treinamento assertivo foram utilizados como equivalentes. Com o
objetivo de dirimir qualquer dúvida sobre isso, pode-se afirmar que esses movimentos são independentes
e, segundo Hargie, Saunders e Dickson (1981/1994), os termos habilidades sociais e treinamento de
habilidades sociais foram adotados antes que os conceitos de assertividade e treinamento assertivo tivessem
sido completamente definidos.
Mesmo considerando a concomitância temporal, os movimentos das habilidades sociais e do
treinamento assertivo se iniciaram independentes quanto aos países, respectivamente Inglaterra e Estados
Unidos e, também, em relação aos seus objetos. O Treinamento Assertivo (TA) se referia, e ainda se
refere, exclusivamente a classes e subclasses de comportamentos assertivos que se opõem, por um lado, a
comportamentos indicativos de passividade e, por outro, de agressividade (Lange & Jakubowski, 1976; Wolpe,
1976; Wolpe & Lazarus, 1966). Do campo das habilidades sociais derivou-se o Treinamento de Habilidades
Sociais (THS), cuja abrangência incluía, inicialmente, classes de habilidades sociais amplas como, por
exemplo, dar aulas (Argyle, 1967/1978) e coordenar grupo (Hargie, Saunders e Dickson 1981/1994), bem
como subclasses relacionadas à civilidade (cumprimentar, apresentar-se, agradecer etc.), comunicação em
geral (fazer e responder perguntas, gratificar, manter conversação etc.), expressão de sentimentos positivos,
além das assertivas (fazer e recusar pedidos, lidar com críticas, discordar etc.).
40 O TA continua sendo utilizado, como terapia principal ou como coadjuvante de outras intervenções,
quando a avaliação diagnóstica aponta para déficits específicos em habilidades assertivas. No caso de
dificuldades em assertividade, associadas a outras classes de habilidades sociais, a opção preferencial tem
sido para o emprego do THS (Bornstein, Bellack & Hersen, 1977), inclusive na educação infantil (ver
Dowd & Tierney, 2005). O TA, desenvolvido inicialmente por Wolpe (1976) sob a perspectiva da AC foi,
3 O primeiro livro
de Robert E. Alberti e
posteriormente, mesclado com outras abordagens (ver Alberti & Emmons, 1970; Lazarus, 1980).
Michael L. Emmons A partir da década de 1970, o THS ganhou evidência, nos Estados Unidos e Canadá, aplicado ao
(1970) foi publicado
no Brasil em 1978, processo de ressocialização de pacientes psiquiátricos para a vida em comunidade, principalmente na
com base na primeira esteira do movimento contrário aos manicômios tal como eram então estruturados (ver Bellack, & Hersen,
edição americana. Uma
segunda publicação veio 1978; Bellack, Hersen, & Turner 1976; Goldsmith, & McFall, 1975; Hersen, & Bellack, 1976; Liberman,
a público, com título Nuechterlein, & Wallace, 1982). Na sequência, e em parte concomitantemente, o THS passou a ser utilizado
modificado (Como se
tornar mais confiante como estratégia principal ou coadjuvante no atendimento a pessoas com outros problemas “psiquiátricos
e assertivo), baseada
na versão americana
e psicológicos”, como depressão (ver Wells, Hersen, Bellack, & Himmelhoch, 1979), problemas de
de 2008, já bastante comportamento, no caso de crianças (ver Bornstein, Bellack, & Hersen, 1977; Gresham, 1997) e, ainda ao
ampliada. O título
do original é Your treinamento de profissionais, por exemplo, de saúde (Durlak & Mannarino, 1977).
perfect right: A guide to
Assertive Living.
4 Como exemplo de
História atual
difusão da abordagem A partir dos anos de 1980, as publicações sobre o THS continuaram aumentando, sendo que alguns
teórico-prático do
campo das habilidades relatos de intervenções incluíam também habilidades assertivas (ver Hops, 1983). Esse período é marcado
sociais nos Estados por um aumento expressivo nas publicações dos handbooks, com estudos teóricos e relatos de intervenções
Unidos, pode-se
destacar a adoção dos com THS (ver entre outros: Curran & Monti, 1982; Greene & Burleson, 2003; Holin & Trower, 1984; L’ Abate
princípios educacionais & Milan,1985; O’Donohue & Krasner, 1995). Concomitantemente, o aumento na quantidade de livros com
das HS para crianças
e jovens, que ficou propostas de programas de THS para problemas específicos evidenciava a difusão considerável desse campo
conhecida por Boys em diferentes setores de aplicação (serviço social, enfermagem, ensino universitário, educação fundamental
Town Model. Esse
modelo é derivado do etc.), na sociedade americana4. Verifica-se uma vasta literatura, desse período e seguintes, endereçada a
nome de uma instituição
conhecida por “Cidade
pais, educadores e terapeutas sobre o uso do THS em diversos problemas em que os déficits em habilidades
dos Meninos”, voltada sociais estejam presentes.
para a assistência e
programa educacional A expansão e atualização do campo das HS pode ser vista também na inclusão de outras classes
destinados a crianças de de habilidades sociais, tanto na perspectiva teórica como da prática, como empatia (Del Prette & Del
diferentes faixas etárias
(mais detalhes em A. Prette, 2001; Falcone, 2000) e habilidades sociais profissionais (Cournoyer, 2008; Del Prette & Del Prette,
Del Prette & Del Prette, 2003; Lopes, Gerolamo, Del Prette, Musetti, & Del Prette, 2015; Pereira-Guizzo, Del Prette & Del Prette,
2011).
2012). No Brasil, novas classes de habilidades sociais foram também propostas e vêm sendo investigadas,
com destaque para as habilidades sociais educativas (Bolsoni-Silva, 2003; Del Prette & Del Prette, 2001;
Del Prette & Del Prette, 2008; Del Prette & Del Prette, 2009; Vieira-Santos, Del Prette & Del Prette,
2018), parentais (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011) e conjugais (Del Prette & Del Prette, 2001; Cardoso
& Del Prette, 2017), entre outras. Adicionalmente, vale ressaltar que as habilidades sociais em geral, e
as habilidades sociais específicas, vêm sendo avaliadas por instrumentos padronizados tanto visando
programas de THS como em pesquisas de caracterização e validação nomológica de relação com outras
variáveis. Em Del Prette e Del Prette (2009) pode-se localizar resumos dos principais instrumentos
padronizados produzidos ou adaptados para uso no Brasil.
Ao longo da evolução do campo teórico-prático das habilidades sociais, várias questões foram sendo
enfrentadas e debatidas, tanto em seu aspecto teórico, quanto em relação à aplicabilidade do THS. Como
já referido, o THS pode ser entendido como derivado do campo teórico-prático das habilidades sociais.
Nesse sentido, o termo habilidades sociais pode se referir à base teórica do campo como também às classes
de comportamentos assim designadas. Quando se refere à base teórica (atualmente designada por campo
teórico-prático e de pesquisa), ela inclui vários modelos explicativos para o comportamento social. Entre
esses modelos, desde as primeiras teorizações formuladas por Argyle e colaboradores (ver referências
TABELA 1
Transtornos psicológicos para os quais o THS é indicado como intervenção
principal ou complementar
Como se pode constatar, os problemas e transtornos para os quais o THS é indicado como intervenção
principal são aqueles que apresentam maior comprometimento nas relações interpessoais, associado a
déficits de habilidades sociais e/ou a comportamentos concorrentes. Tais problemas têm sido encaminhados
a diferentes profissionais de saúde e educação, como psicoterapeutas, psiquiatras, psicopedagogos etc.
No caso de intervenção complementar, o THS pode ser utilizado como um recurso importante, algumas
vezes desde o início do processo e outras vezes como uma intervenção que se inicia após algum tempo e
que “se aproveita das melhoras do organismo”, ampliando contatos sociais que fortaleçam as aquisições
comportamentais.
60
Frequência
40
20
0
Até 1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014
Quinquênios
Figura 1
Distribuição dos artigos teóricos, empíricos e de revisão, produzidos sobre Habilidades
Sociais produzidos até 2015, por quinquênio de publicação (Fonte: Del Prette & Del
Prette, 2016).
Conforme se observa na Figura 1, houve uma evolução exponencial das publicações, de pesquisadores
brasileiros, no país e no exterior, com crescimento inclusive dos ensaios conceituais. Parte desses ensaios
destacou a contribuição específica da AC na constituição da área (ver por exemplo, Bolsoni-Silva, 2002;
Bolsoni-Silva & Carrara, 2010; Carrara, Silva, & Verdu, 2006; 2009; Del Prette & Del Prette 2009; 2010). Em
outro ensaio, Del Prette e Del Prette (2009) faz uma análise de relações entre classes de habilidades sociais
e categorias de operantes verbais de Skinner, apontando para uma importante linha de estudos que foi
Esse posicionamento encontra respaldo em autores do campo da AC, que defendem as habilidades
sociais como “bem da cultura”, o que está alinhado com a dimensão ética da Competência Social. Conforme
Carrara, Silva e Verdu (2006; 2009), os programas de habilidades sociais se situam entre as práticas
compatíveis com uma perspectiva ética aplicada ao comportamento social e benéficas à cultura.
Em geral, os estudos de intervenção com THS ocorreram em uma perspectiva da AC, tanto no período
inicial quanto em períodos subsequentes à sua utilização nos Estados Unidos, expandindo-se posteriormente
para outros países da Europa e alguns países da Ásia (Colepicolo, 2015). Pode-se constatar que muitas
intervenções em THS eram publicadas em periódicos de “terapia comportamental” e vários livros e manuais
sobre o desenvolvimento da AC aplicada traziam capítulos sobre o THS (ver, por exemplo, Twentyman &
Zimmering, 1979).
As principais técnicas derivadas da Análise do Comportamento, utilizadas no THS têm sido as
de: reforçamento, instrução, ensaio comportamental, modelação, modelagem, ensaio comportamental
(behavioral rehearsal), troca de papéis (role reversal), desempenho de papéis (role play) e tarefas de casa (ver
Monti, Corriveau, & Curran, 1982). Com a difusão crescente do THS (e também do TA) e a importância de
testar técnicas específicas derivadas dos experimentos de laboratório, muitos estudos enfatizaram a eficácia
de algumas técnicas e fizeram comparações entre elas. Apenas como exemplo, destacamos alguns estudos
enfocando: modelação e ensaio comportamental (Hersen, Kazdin, Bellack, & Turner, 1979); modelação
e role playing (Gutride, Goldstein, & Hunter, 1973), instrução (Zahavi & Asher, 1978), comparação de
procedimentos (Linehan, Goldfried, & Goldfried, 1979) modelação, modelação encoberta, troca de papéis
(role reversal) e tarefas de casa (ver Monti, Corriveau, & Curran, 1982).
Neste estudo defende-se, com base na análise de uma ampla literatura que, na história passada e atual,
há uma bidirecionalidade da relação entre AC e HS, desde a consolidação desse campo, conforme ilustrado
a seguir.
Figura 2
Bidirecionalidade da relação entre HS e AC (Fonte: Os autores).
Assim, de um lado, se constata que os princípios da AC e técnicas dela derivadas, estão na origem
dos programas de TA e THS, o segundo englobando posteriormente as classes de habilidades assertivas.
Por outro lado, as aplicações do THS foram gradativamente se expandindo em áreas da AC aplicada que
impulsionaram o desenvolvimento inicial da Terapia Comportamental e continuam se expandindo para
outros campos de aplicação da Psicologia sob a perspectiva da AC.
Conclusão
O interesse sobre o campo teórico-prático e de pesquisa das HS no Brasil vem aumentando
significativamente, o que levou a considerar esse fenômeno como um movimento social (ver Del Prette &
Del Prette, 2016). O interesse pela AC também é crescente, não apenas nas instituições de ensino superior,
mas também na sociedade de maneira geral. Neste capítulo buscou-se explicitar a relação histórica de mão
dupla entre esses dois campos de conhecimento: o campo teórico-prático e de pesquisa das habilidades
sociais e a Análise do Comportamento. Ainda que alguns estudos tenham focado a relação entre AC e HS
(conforme referidos), eles não contemplaram a história pregressa, a bidirecionalidade e a inserção desses
dois campos de conhecimento no Brasil. Este capítulo tem, portanto, o objetivo principal de sanar essa
lacuna, oferecendo aos interessados uma razoável fonte de informações que sustentam essa ideia de relação
de mão dupla.
Lembrando Argyle, as habilidades sociais parecem ser fáceis de serem apreendidas, porém na verdade
formam um campo complexo e de difícil compreensão. Por analogia o mesmo pode se dizer sobre a AC. O
equívoco é reduzir o campo teórico e de pesquisa das habilidades sociais a uma lista de classes e subclasses
de habilidades interpessoais e a uma técnica de terapia (THS) tipo panaceia. Por analogia, o mesmo pode-
se dizer na Análise do Comportamento e o equívoco seria reduzir esse campo tão vasto, em suas bases
filosóficas, experimentais e aplicadas, principalmente à teoria do reforço, com ênfase em algumas terapias
“não profundas”.