Mensuração de Desempenho No Setor Público Pacheco 2009

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 149

OS TERMOS DO DEBATE

Mensuração de desempenho no setor público: os termos do debate1

Regina Silvia Pacheco2

RESUMO: A mensuração de resultados constitui um dos pilares das reformas em curso em diversos países nas
últimas duas ou três décadas, sendo a base para outras inovações como agencificação, contratualização de
resultados, remuneração variável por desempenho, parcerias, Estado-rede e outras. As polêmicas em torno da
aplicação desta ferramenta de gestão no setor público são intensas – tanto entre adeptos como entre críticos e
defensores. Este texto busca sistematizar os termos do debate sobre mensuração de desempenho no setor público,
a partir da literatura internacional e das visões presentes no debate brasileiro. O objetivo é contribuir para o
avanço do debate.

PALAVRAS-CHAVE: mensuração de resultados no setor público, setor público, indicadores de produto x


impacto, incentivos, debates em curso.

ABSTRACT: Performance measurement is one of the pillars of recent public sector reforms in many countries,
and the basis for other innovations as agencification, results-based contracts, pay for performance, partnerships,
governing by networks. Applying this managerial tool to the public sector has been discussed intensively, giving
rise to many controversial issues about its adequacy to public organizations. This paper aims to present the
debate on this subject among international researchers and its main arguments and issues, and its feature in the
Brazilian context.

KEYWORDS: performance measurement in public sector, public sector, performance indicators outputs x
outcomes, incentives, controversial issues.

Introdução

O objetivo deste trabalho é contribuir para a sistematização do debate sobre mensuração de


desempenho no setor público. O tema é polêmico e sua implementação nas duas últimas
décadas tem sido acompanhada de inúmeros artigos e estudos. Para alguns autores, a
mensuração de desempenho no setor público tem contribuído para o alcance de múltiplos
objetivos, dentre eles a transparência de custos e de resultados, a melhoria da qualidade dos
serviços prestados, a motivação dos funcionários, sendo um dos pilares mais importantes da
nova governança em torno do Estado-rede (GOLDSMITH e EGGERS, 2006; BEHN, 1995).
Para seus críticos, no entanto, trata-se de uma transposição indevida de um instrumento
1
Este trabalho está publicado na Biblioteca Virtual TOP com permissão do autor.
2
Professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e coordenadora do Mestrado Profissional
em Gestão e Políticas Públicas. Foi presidente da ENAP Escola Nacional de Administração Pública entre 1995 e 2002. E-mail: regina.
[email protected].

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 149 20/08/10 10:09


150 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

desenvolvido para a gestão empresarial, que gera graves distorções quando aplicado ao setor
público (DUNLEAVY e HOOD, 1994; HOOD, 2007).
Apesar da polêmica, as experiências de mensuração de desempenho e contratualização de
resultados têm-se expandido tanto em outros países como no Brasil; diferentes governos vêm
enfrentando as dificuldades introduzidas por essa nova forma de gestão e procurando
aperfeiçoar metas e indicadores.
A mensuração de desempenho é central nas mudanças em curso. É o pilar de sustentação de
duas das três inovações responsáveis pela melhoria de desempenho das organizações públicas,
segundo pesquisa comparada compreendendo sete países: a contratualização de resultados e o
orçamento por produto aliado à contabilidade gerencial (JANN e REICHARD, 2002)3.
A mensuração de resultados é uma ferramenta constituinte de um conjunto abrangente de
mudanças que incluem a revisão da macroestrutura do Estado e a criação de arm’s lenght
organizations (agências e organizações públicas não estatais), a definição prévia de resultados a
alcançar, a concessão de flexibilidades à organização que se compromete previamente com
resultados e o reconhecimento do papel do public manager, a quem é concedida maior autonomia
e imputada nova responsabilização pelos resultados visados. Tais mudanças são acompanhadas,
portanto, de uma nova distribuição de responsabilidades, ou accountability por resultados.
A montante, tais inovações requerem o recurso ao planejamento estratégico a fim de que sejam
clareados os objetivos e fixados os resultados visados; a juzante, novas formas de controle são
desenvolvidas, menos baseadas no controle formal de procedimentos, e mais voltadas à
comparação de resultados obtidos por organizações similares, ou simplesmente maior
transparência quanto ao uso dos recursos públicos por meio do acompanhamento dos resultados
alcançados. Esta é também a base para o desenvolvimento de novas formas de relacionamento
entre entidades públicas e parceiros – públicos, públicos não estatais ou privados.

Duas orientações distintas

Apesar de parte da literatura remeter a gestão pública por resultados a uma única visão – a que vê
a gestão privada como superior e quer introduzir seus métodos no setor público –, há autores que
identificam pelo menos duas visões distintas como fontes de inspiração das mudanças em curso.

3
Os países pesquisados têm diferentes histórias administrativas e contextos políticos: Dinamarca, Estados
Unidos, Holanda, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Suíça. A terceira inovação identificada pela pesquisa
refere-se a mudanças nas relações de trabalho, diminuindo as diferenças entre os contratos de trabalho nos
setores público e privado e introduzindo flexibilidades na gestão de pessoas.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 150 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 151
OS TERMOS DO DEBATE

Kettl (1997) organiza essas duas correntes em torno de dois lemas distintos: por um lado, “make
managers manage”, reunindo países que criaram incentivos visando influenciar comportamentos;
por outro, “let managers manage”, expressando a visão de que há inúmeras barreiras a serem
removidas, regras, procedimentos e estruturas rígidas que impedem o administrador público de
administrar. No primeiro caso, a contratualização de resultados representa uma nova forma de
controle e vem acompanhada do estabelecimento de sanções positivas e negativas; o país que
levou mais longe tal perspectiva foi a Nova Zelândia, com a primeira geração de reformadores.
No segundo caso, o acordo de resultados é visto como instrumento de coordenação: ajuste e
aprendizado organizacional. A experimentação, e não o controle, é a aposta para a melhoria do
desempenho; esta tem sido a marca das reformas na Austrália e Suécia.
De maneira similar, Jann e Reichard (2002) também fazem referência a dois grupos de
inspiração distinta, ao analisar a contratualização de resultados. Os autores identificam um
dos grupos como os defensores da eficiência (ou minimizadores do custo); o outro, como
reformadores em busca da melhoria de desempenho do setor público (maximizadores dos
resultados). O primeiro grupo recorre a mecanismos de punição e recompensas de acordo com
o desempenho alcançado; para o segundo, o alvo é o aprendizado baseado em relações de
confiança como caminho para alcançar melhores resultados. Os autores identificam a escolha
racional e a teoria da agência como referência do primeiro grupo, ao adotar o contrato de
resultados como um novo instrumento de controle para enfrentar o problema do comportamento
maximizador do autointeresse; na segunda vertente, é destacado o comportamento cívico dos
agentes, que dá sustentação à lógica do aprendizado mútuo.
Trosa (2001) também destaca as diferentes visões acerca da mensuração de resultados e seu
uso por diferentes países e governos. Suas análises são análogas às já citadas; no caso do uso
radical da mensuração e contratualização de resultados como nova forma de controle, a autora
vê o risco de um novo formalismo e rigidez. Após ter acompanhado a experiência de vários
países, Trosa concluiu que os resultados são melhores quando as metas são negociadas (e não
impostas unilateralmente) e quando as flexibilidades são concedidas tendo metas a alcançar
como contrapartida.
As orientações sobre o tema são tão distintas que levaram alguns autores a defender a existência
de uma forma de “mensuração de desempenho à la nórdicos”4. Para eles, a perspectiva nórdica

4
Uma edição especial da Financial Accountability and Management foi dedicada ao tema [v. 22, n. 3, 2006],
introduzida por Johnsen, Norreklit e Vakkuri (2006), que explicitam e defendem “a nordic perspective on public
sector performance measurement”.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 151 20/08/10 10:09


152 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

afasta-se da anglo-saxã, já que esta associa o desempenho à incentivos financeiros individuais,


enquanto aquela valoriza o aprendizado:

Given the egalitarian values, many Scandinavians may well be puzzled by the importance
imputed to individual financial incentives in the Anglo-American culture. Organisational
learning ... may better suit the Nordic approach. Naturally, in the Nordic countries too,
individuals are assessed and rewarded for their contribution to organizational effectiveness,
viability and so on, but probably not as extensively, and certainly not as taken-for-granted in
such a manner as seems to prevail in some Anglo-American cultures (...) (JOHNSEN,
NORREKLIT e VAKKURI, 2006, p. 208).

Distinguir esses dois grupos de inspiração pode ajudar a clarear o debate no Brasil. Aqui,
muitos críticos referem-se apenas às experiências mais difundidas, dos países anglo-saxões,
que levam a atribuição de recompensas e penalidades até o nível individual. Também é
interessante que os formuladores da política de gestão conheçam a experiência dos países
nórdicos e possam optar por um modelo ou outro, conhecendo as implicações de ambos.

Polêmicas e problemas frequentes

Apesar de vários autores ressaltarem a importância da gestão por resultados para a melhoria
do desempenho do setor público, eles apontam também para as polêmicas e os problemas
frequentes associados a essa nova forma de gestão. Tais problemas não têm justificado o
abandono do modelo; têm, ao contrário, levado ao seu aprofundamento, buscando corrigir
rotas e superar os obstáculos identificados.
Parte dos problemas relacionados à mensuração de desempenho pode ser atribuída à adoção
prematura, ou isolada, apenas desta ferramenta, desvinculada do conjunto de mudanças que a
acompanham e que constituem elementos de uma ampla reforma da organização e
funcionamento do Estado. Assim, são grandes as chances de insucesso quando a mensuração
de desempenho é adotada sem que as demais inovações na gestão estejam presentes. O grande
risco é que a mensuração se torne um fim em si mesmo, desvinculada do objetivo maior que
é a melhoria do serviço público prestado ao cidadão (BEHN, 1995).
Além desse aspecto, a adoção parcial e isolada da mensuração de desempenho, é possível
sintetizar as polêmicas em torno da mensuração de resultados em três grupos de temas: a discussão
em torno do que mensurar – produtos (outputs) ou impactos (outcomes); a adoção de sanções
positivas e negativas e a vinculação de parte da remuneração individual ao desempenho.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 152 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 153
OS TERMOS DO DEBATE

Em texto anterior, sistematizamos o debate em torno do que mensurar – outputs x outcomes


(PACHECO, 2006). A defesa da mensuração de impactos (outcomes), ou a contribuição
efetiva para a resolução de um problema, tem levado alguns analistas, tanto no Brasil como
em outros países, a criticar boa parte das experiências em curso, já que a maioria delas se
inicia pela mensuração da prestação de determinados serviços previamente especificados
(outputs). Mas há autores que consideram tal debate inócuo; para esses autores, ambas as
opções apresentam vantagens e inconvenientes. Na mensuração de impactos, é difícil
estabelecer relações de causalidade entre as ações empreendidas e o resultado observado – é
difícil isolar, dentre as inúmeras variáveis que afetam a situação, aquelas diretamente ligadas
aos serviços prestados por uma determinada organização pública. Por vezes, as ações requerem
um longo tempo de maturação para que os impactos possam ser observáveis. Os impactos
desejados podem depender de mudanças substanciais no comportamento dos cidadãos. Por
outro lado, mensurar produtos pode levar a um foco excessivo no curto prazo.
Para Trosa (2001), ambas as formas de contratação são importantes e respondem a duas
perguntas distintas. A mensuração de outputs permite conhecer o que é efetivamente produzido
com os recursos públicos; já a preocupação com outcomes, ou impactos, permite indagar sobre
a eficácia e utilidade daquilo que é produzido. Segundo a autora, a resposta a esse debate deve
ser pragmática: governos devem começar pelos serviços prestados, cuja mensuração é mais
fácil, e ir evoluindo em direção aos impactos, por meio da construção da cadeia lógica que liga
as ações aos objetivos visados, relacionando impactos, resultados intermediários e ações.
Já Behn (2004) defende enfaticamente a mensuração de outputs, dentre outras razões, porque
é um instrumento poderoso a ser utilizado pelo dirigente de uma organização pública para
motivar seus funcionários; para o autor, o objetivo do administrador é motivar, enquanto o
objetivo do economista é controlar. Outra vantagem da opção pela mensuração de produtos é
que deste modo é possível definir metas claras a serem buscadas; o autor ressalta que cabe à
atividade de avaliação do programa estabelecer os elos entre os impactos visados e os produtos
ou serviços a serem prestados, de forma que os nexos lógicos entre estes e aqueles sejam
sempre explicitados.
Assim, não há evidências que comprovem a superioridade da mensuração de impactos sobre
a mensuração de produtos. As tentativas de opor as duas formas de medidas parecem não
fazer sentido, à luz das lições aprendidas da experiência internacional. Países que contrataram
extensivamente resultados via produtos (outputs) – como a Nova Zelândia – trataram de
corrigir os excessos, introduzindo a mensuração de impactos; países que privilegiaram a
mensuração de outcomes – como a Austrália – deixaram espaço amplo demais às organizações
sem cobrar delas um compromisso com as ações diretamente mensuráveis.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 153 20/08/10 10:09


154 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

Também há variações de um setor a outro. Na saúde, desenvolveram-se os indicadores de


produto e de resultados intermediários, e as cadeias lógicas entre produtos e impactos estão
mais claramente estabelecidas e aceitas. Na educação, têm-se multiplicado as políticas onde a
mensuração de impactos é adotada via avaliação externa do rendimento dos alunos.
No Brasil, o setor de saúde parece muito mais preparado para conviver com a mensuração do
que a área da educação, talvez porque a própria lógica de remuneração do SUS, via
procedimentos, tenha aberto caminhos para a mensuração de serviços prestados. Segundo
depoimento de um gestor municipal, o foco em procedimentos foi tão disseminado pelo SUS
que hoje impede avanços para uma visão de “linha de cuidados” ou para procedimentos não
finalísticos, como supervisão médica5. Na Grã-Bretanha, a política de mensuração de resultados
em saúde se aprofunda, com a adoção recente da mensuração da satisfação do paciente sobre
a qualidade da atenção médica recebida, com impactos para a remuneração do médico.
Já na área da educação, no Brasil, a adoção de avaliação externa da aprendizagem dos alunos
(impacto) tem provocado reação aguda dos sindicatos de professores, com exceção talvez do
Estado de Minas Gerais6. A principal alegação das lideranças sindicais e de especialistas em
pedagogia diz respeito à autonomia do professor, que seria desrespeitada ao se impor a ele
metas de aprendizagem a serem alcançadas por seus alunos. Também se alega impossibilidade
de atribuição de causalidade entre a atuação do professor e o rendimento do aluno, que estaria
condicionado por múltiplos fatores extraclasse, tornando impossível medir o impacto da ação
do professor – em sintonia direta com o que foi relatado antes sobre as dificuldades de
mensuração de outcomes.
Médicos e professores da rede pública fazem parte do segmento denominado por Lipsky
(1980) como street level bureaucrats, ou funcionários de ponta, especializados, para quem a
deontologia de sua profissão está acima de seu vínculo com o Estado, e que resistem a serem
submetidos a controles externos. A adoção de medidas de desempenho provoca sentimento de
perda de autonomia, que tende a mobilizar uma reação contrária à política. No entanto, temos
visto maiores avanços na saúde do que na educação.
Outra explicação para essa diferença, além da já assinalada, pode ser associada ao status do
gerenciamento nos dois setores: enquanto o diretor de hospital desempenha um papel já aceito
e destacado entre os profissionais da área da saúde, o diretor de escola pública é encarado

5
Palestra da Secretária-adjunta da Saúde de Curitiba, GV Saúde, abril de 2009.
6
A maior aceitação, pelos professores mineiros, pode ter como parte da explicação o fato de se tratar de uma
política abrangente de governo para todos os setores; em outros casos, trata-se de uma política setorial isolada.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 154 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 155
OS TERMOS DO DEBATE

como um entre pares, não sendo visto como autoridade legítima responsável pelos resultados
da escola que dirige e, portanto, sem poder de direção sobre os outros professores que ali
atuam. Outro motivo pode estar vinculado à introdução do novo formato organizacional na
saúde – a mensuração de desempenho difunde-se no momento em que são criados os hospitais
no novo formato de organização social de saúde, enquanto as escolas públicas permanecem
como parte da administração direta, onde ainda impera a ausência praticamente total de
autonomia de gestão.
Na área da cultura, a mensuração de resultados está apenas começando; e, também, encontra-
se ligada à adoção do formato “organização social”. No Estado de São Paulo, adotaram-se os
indicadores de produção, bastante simplificados e homogêneos para instituições de natureza
distinta. Assim, o desempenho de museus passou a ser medido em termos de número de dias
abertos ao público, número de exposições realizadas e número de visitantes, sem distinção
entre um museu com vocação para grande público e outro especializado. Um equipamento
cultural dedicado à interação entre arte e tecnologia não conseguiu fazer valer o número de
acessos ao seu site como indicador de presença junto ao público – a Secretaria Estadual da
Cultura insistiu em contar apenas as visitas físicas ao local.
O debate sobre o que e como medir não chegou à imprensa, a não ser por meio do conflito
entre lideranças sindicais dos professores e Secretaria da Educação. Assim, a polêmica fica
restrita aos especialistas e afetados pela mensuração, sem que a opinião pública ou os
beneficiários do serviço público possam se envolver e pressionar por avanços. Em alguns
casos, quando usuários tomam conhecimento do sistema de metas, passam a pressionar por
punições caso elas não sejam atingidas – o que nem sempre é o fim visado pelo gestor da
política de mensuração de resultados.
O ex-secretário de Modernização Administrativa de Santo André relatou as dificuldades que
enfrentou junto aos representantes dos usuários ao adotar a mensuração de resultados nas
unidades básicas de saúde – queriam punição aos funcionários a cada vez que uma meta não
era cumprida; no entanto, o objetivo da política municipal adotada era o de promover o
aprendizado sobre como melhorar o serviço prestado, e não o de aplicar punições em caso de
dificuldades com o cumprimento das metas7.
Na seção anterior, apresentamos as duas visões sobre o tema das recompensas e punições.
Tais visões se desdobram, também, na questão da remuneração variável. Assim, os defensores

7
Marcio Bellisomi, palestra, FGV-EAESP.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 155 20/08/10 10:09


156 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

da “perspectiva nórdica” consideram que os problemas da mensuração de desempenho


aparecem quando se vinculam os resultados às recompensas financeiras:

In fact, much of the perverse learning from performance measurement may be due to
using performance measurement in close conjunction with organisational objectives and
financial rewards. Performance measurement has a number of functions, including
enhancing transparency, improving organisational learning and appraising performance.
The more performance measurement is used compulsively for more of these functions,
the more the performance measurement will be experienced as unfair (JOHNSEN,
NORREKLIT e VAKKURI, 2006, p. 208).

A associação entre mensuração de desempenho e recompensas financeiras é menos difundida


do que se crê: segundo pesquisa realizada pela OCDE, junto aos seus países-membros8,
apenas 18% relacionam orçamento a resultados (Nova Zelândia, Holanda...), sendo que
poucos têm mecanismos formais de premiação ou punição segundo resultados; 41% não têm;
só 11% dos países sempre vinculam salário ao alcance de metas e 26% fazem tal vinculação
esporadicamente9.
Outro estudo ressalta que o sucesso de sistemas de remuneração variável segundo desempenho
depende de fatores como transparência na definição de metas, nas regras segundo as quais os
funcionários serão avaliados e nas relações entre medidas de desempenho e remuneração
(PERRY, ENGBERS e JUN, 2009, p. 14).
Portanto, mensurar desempenho não implica sempre adotar remuneração variável, ou
recompensas financeiras segundo o desempenho. O tema é polêmico e imerso em controvérsias.
Há um número significativo de países que adotam a mensuração de desempenho e divulgam
os resultados obtidos, globalmente pelo governo ou setorialmente; apenas parte desses países
tem atribuído recompensas financeiras a funcionários e, dentre os que o fazem, muitos adotam
valores de impacto moderado sobre a remuneração, a fim de não provocar desvios de
comportamento importantes.
Em outros casos, aprofundam-se as consequências a partir da avaliação de desempenho. O
presidente Barack Obama, em seu primeiro pronunciamento sobre a política educacional nos
EUA, afirmou que o mau desempenho de estudantes em avaliações externas de aprendizagem
poderá levar à demissão de professores – dando seguimento e aprofundando à política de seu

8
Dos 30 países-membros da OCDE, 27 responderam à pesquisa.
9
OECD / World Bank Budget Practices and Procedures Database, 2003.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 156 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 157
OS TERMOS DO DEBATE

antecessor denominada “No Child Left Behind” (NCLB), que introduziu metas para
aprendizagem de estudantes em escolas públicas em todo o país.
No Brasil, um dos problemas relacionados à remuneração variável por desempenho tem sido
sua adoção isolada de outras medidas reformadoras. Na administração federal, a remuneração
variável por desempenho foi generalizada no segundo governo FHC, sem que tenham avançado
as outras medidas propostas de contratualização de resultados; no governo Lula, os valores
variáveis foram aumentados significativamente, passando a representar mais de 50% da
remuneração total em muitos casos, para em seguida tudo ser revertido em aumento salarial,
incorporando 100% da parcela variável aos salários (transformados em “subsídio”).

“Doenças” da mensuração de resultados no setor público

Além das polêmicas frequentes em torno da mensuração de resultados, a literatura aponta


problemas inerentes às formas de mensuração de resultados no setor público. Assim,

A plethora of unintended, negative consequences are documented. Teachers are teaching


the test; ambulances are waiting outside of the hospital to improve response times; waiting
lists are reduced by creating waiting lists for waiting lists; follow up visits are cancelled;
delayed trains are wrongly registered as broken and ‘creative accounting’ is abound (...)
(VAN DOOREN, 2008).

Bouckaert e Balk (1991) sistematizaram um conjunto de problemas relativos à medida de


desempenho em organizações públicas, apresentando-os como “doenças”, e apontaram as
suas prováveis “curas”. Os autores organizam as doenças com relação a três diferentes
aspectos: 1) alegações para não medir o desempenho; 2) problemas com a percepção das
medidas e 3) problemas relacionados às próprias medidas. Ao todo, os autores apontam doze
tipos de “doenças” relacionadas à mensuração de desempenho no setor público.
As justificativas para não medir, abrangem a “doença do Dr. Pangloss”10 ou a insistência em
não medir algo por acreditar que aquilo não existe; “doença da impossibilidade”, que alega
ser impossível medir; “hipocondria”, que considera que no setor público não se deve vangloriar
de algo que tenha resultados positivos.
As doenças relativas à percepção dos números e volumes abrangem a “doença do côncavo /
convexo”, que leva à percepção aumentada ou diminuída do que está sendo medido; “hipertrofia

10
Em referência à obra de Candido Voltaire.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 157 20/08/10 10:09


158 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

/ atrofia”, na qual o ato de medir estimula a produção desnecessária de mais output ou sua
redução indesejada; e a “doença de Mandelbrot”, que ignora o fato de que o resultado da
medida depende de como se mede.
Quanto às medidas propriamente, os autores elencam as seguintes “doenças”: “poluição”, ou
o fato de misturar diferentes elementos daquilo que está sendo medido; “inflação”, ou o uso
desnecessário de grande número de medidas; “doença dos iluminados ou top-down”, pela
qual os dirigentes decidem sozinhos o que e como medir e impõem o conjunto à organização
sem suficiente comunicação, levando à desmotivação dos funcionários; “doença do curto
prazo”; “miragem”, quando se mede algo diferente do que se considera estar medindo; e a
“doença de desvio de comportamento” (shifting disease), causada por medidas que não
contemplam a finalidade da organização e acabam provocando comportamento adverso.
Parte desses problemas é também ressaltada por outros autores. Goldsmith e Eggers (2006)
referem-se à competição entre diferentes provedores pelos casos mais fáceis, visando melhorar
seu desempenho medido. Ou ainda os prejuízos à qualidade do serviço quando as medidas
enfatizam economias, o que pode levar a cortes de custo que prejudicam a qualidade. Os
autores também fazem referência à polêmica sobre o que medir – insumos, produtos ou
impactos. E apontam problemas decorrentes da ausência de dados confiáveis sobre a situação
inicial a ser medida – quando sub-avaliados, podem levar a metas frouxas, muito fáceis de
atingir, que podem provocar críticas da imprensa, por exemplo.
Outros autores referem-se ao cream skimming, a atitude de prestar os serviços mais fáceis ou
atender os usuários mais fáceis, de modo a obter tempos de atendimento menores ou maior
número de casos atendidos.
Jann e Reichard (2001) também relataram problemas referentes a metas pouco ambiciosas e
falhas no seu monitoramento, dentre outros problemas frequentes.

Lições aprendidas

Em boa parte dos problemas identificados na literatura, mesclam-se as dificuldades de


mensuração de resultados no setor público com a introdução de formas de contratualização de
resultados, pilar das reformas em curso. Ainda assim, muitos autores consideram ambas como
avanços irreversíveis, que continuarão na agenda da modernização do Estado nos próximos
anos (LAPSLEY, 2008).
Como buscamos apontar, as dificuldades relativas à mensuração de desempenho no setor
público são substantivas, tanto no Brasil como nas experiências internacionais em curso. Não

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 158 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 159
OS TERMOS DO DEBATE

se trata de atitudes intencionais voltadas à manipulação de dados ou ao falseamento dos


resultados; são, antes, dificuldades ligadas à natureza das atividades desempenhadas pelo
Estado e ao fato de estarmos diante de um grande empreendimento reformador, do qual a
mensuração de resultados é apenas um dos instrumentos – isolá-la do conjunto das reformas
em curso é uma distorção que pode comprometer seus resultados.
Os comportamentos adversos não derivam, como vimos, de intenções individuais; são
explicados pela assimetria de informações ou por outros construtos da teoria dos jogos,
podendo estar presentes em diferentes contextos institucionais ou tradições político-
administrativas – não são, portanto, derivados de práticas clientelistas ou desvios de conduta.
Na prática, no Brasil, nenhuma denúncia de grande vulto foi associada à mensuração de
desempenho ou aos novos formatos organizacionais que a vêm adotando (organizações
sociais).
Apesar das dificuldades, o sentido das experiências em curso é o de aprofundar as reformas
na direção da gestão voltada para resultados. Isso implica enfrentar as dificuldades de
mensuração de desempenho, ultrapassando as justificativas simplistas para não medi-lo ou as
críticas superficiais que veem nessas iniciativas a “privatização do Estado”, simplesmente
porque emprestam técnicas antes aplicadas pelas empresas privadas. Adaptações são
requeridas, assim como esforços continuados de aperfeiçoamento das medidas e dos medidores,
já que há evidências suficientes que comprovam a contribuição da mensuração de desempenho
para a efetiva melhoria de resultados alcançados pelas organizações públicas – principalmente
aquelas que prestam serviços, onde é mais fácil mensurar atividades e produtos do que nas
secretarias formuladoras de políticas públicas.
As contribuições da mensuração de resultados para a transparência são notáveis. Por mais
problemas que tenham os indicadores, é melhor contar com eles do que não os ter. A emenda
à lei orgânica do Município de São Paulo, proposta por iniciativa de um conjunto de entidades
da sociedade civil, obriga os prefeitos eleitos a partir de 2008 a traduzirem suas promessas de
campanha em um plano com metas e indicadores de desempenho. O conjunto de 223 metas
apresentadas à cidade, no último dia de março, constitui uma base para o acompanhamento
das ações de governo pela sociedade11. É possível que haja várias das doenças mencionadas
– inflação, poluição, top-down; a não estipulação de metas de impacto. Algumas destas são
excessivamente genéricas, outras pontuais demais – ainda assim, melhor tê-las e debatê-las
em audiências públicas em todas as regiões da cidade do que não as ter.

11
Disponível em: www.prefeitura.sp.gov.br/agenda2012. Acesso em: 24 fev. 2010.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 159 20/08/10 10:09


160 MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
OS TERMOS DO DEBATE

O mesmo pode ser dito dos avanços recentes da Previdência Social. Ter indicadores e metas
sobre o tempo de concessão de benefícios é requisito indispensável para chegar a se conceder
aposentadorias em trinta minutos. Pode haver cream skimming ou perda de qualidade, caso
não haja outros indicadores associados ao tempo de concessão do benefício. Mas uma cesta
de indicadores combinados pode contribuir para evitar a shifting disease.
Outras experiências em curso merecem atenção por serem abrangentes e constituírem um
elemento central, de uma política pública voltada para a gestão – os casos das prefeituras de
Curitiba e Porto Alegre e do governo de Minas Gerais. São laboratórios a serem acompanhados,
de onde sairão várias lições sobre possibilidades de melhorar o desempenho do setor público,
trabalhando e retrabalhando medidas de desempenho, tanto de outputs como de outcomes,
como um dos elementos de um conjunto de ações de modernização do Estado.

Referências

BEHN, R. D. The big questions of public management. Public Administration Review, v. 55,
n. 4, p. 313-24, 1995.
BEHN, R. D. Why public managers must measure outputs? Public Management Report, v. 1,
n. 10, jun. 2004.
DUNLEAVY, P.; HOOD, C. From old public administration to new public management.
Public Money and Management, v. 14, n. 3, p. 9-16, 1994.
GOLDSMITH, S.; EGGERS, W. Governar em rede. O novo formato do setor público. Brasília:
ENAP, 2006.
HOOD, C. Public service management by numbers: why does it vary? Where has it come
from? What are the gaps and the puzzles? Public Money and Management, v. 27, n. 2,
p. 95-102, 2007.
JANN, W.; REICHARD, C. Melhores práticas na modernização do Estado. Revista do Serviço
Público, v. 5, n. 3, p. 31-50, 2002.
JOHNSEN, A.; NØRREKLIT, H.; VAKKURI, J. Introducing a Nordic perspective on public
sector performance measurement. Financial Accountability and Management, v. 22, n. 3,
p. 207-12, 2006.
KETTL, D. F. The global revolution in public management: driving themes, missing links.
Journal of Policy Analysis and Management, v. 16, n. 3, p. 446-62, 1997.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 160 20/08/10 10:09


MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO: 161
OS TERMOS DO DEBATE

LAPSLEY, I. The NPM Agenda: back to the future. Financial Accountability and Management,
v. 24, n. 1, p. 77-96, 2008.
LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New
York: Russell Sage Foundation, 1980.
PACHECO, R. S. Brasil: avanços da contratualização de resultados no setor público.
In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CENTRO LATINOAMERICANO DE
ADMINISTRACIÓN PARA EL DESARROLLO, 11, 2006, Ciudad de Guatemala. Ciudad de
Guatemala: CLAD, 2006.
PERRY, J. L.; ENGBERS, T. A.; JUN, S. Y. Back to the future? Performance-related pay,
empirical research, and the perils of persistence. Public Administration Review, v. 69, n. 1,
p. 1-31, 2009.
TROSA, S. Gestão pública por resultados. Quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro:
Revan; Brasília: ENAP, 2001.
VAN DOOREN, W. Performance indicators: a wolf in sheep’s clothing? Mimeo, 2008.

Artigo recebido em 17/11/2009. Aprovado em 14/12/2009.

CADERNOS GESTÃO PÚBLICA E CIDADANIA, V. 14, N. 55 – JUL./DEZEMBRO DE 2009

08-cap07.indd 161 20/08/10 10:09

Você também pode gostar