Mensuração de Desempenho No Setor Público Pacheco 2009
Mensuração de Desempenho No Setor Público Pacheco 2009
Mensuração de Desempenho No Setor Público Pacheco 2009
OS TERMOS DO DEBATE
RESUMO: A mensuração de resultados constitui um dos pilares das reformas em curso em diversos países nas
últimas duas ou três décadas, sendo a base para outras inovações como agencificação, contratualização de
resultados, remuneração variável por desempenho, parcerias, Estado-rede e outras. As polêmicas em torno da
aplicação desta ferramenta de gestão no setor público são intensas – tanto entre adeptos como entre críticos e
defensores. Este texto busca sistematizar os termos do debate sobre mensuração de desempenho no setor público,
a partir da literatura internacional e das visões presentes no debate brasileiro. O objetivo é contribuir para o
avanço do debate.
ABSTRACT: Performance measurement is one of the pillars of recent public sector reforms in many countries,
and the basis for other innovations as agencification, results-based contracts, pay for performance, partnerships,
governing by networks. Applying this managerial tool to the public sector has been discussed intensively, giving
rise to many controversial issues about its adequacy to public organizations. This paper aims to present the
debate on this subject among international researchers and its main arguments and issues, and its feature in the
Brazilian context.
KEYWORDS: performance measurement in public sector, public sector, performance indicators outputs x
outcomes, incentives, controversial issues.
Introdução
desenvolvido para a gestão empresarial, que gera graves distorções quando aplicado ao setor
público (DUNLEAVY e HOOD, 1994; HOOD, 2007).
Apesar da polêmica, as experiências de mensuração de desempenho e contratualização de
resultados têm-se expandido tanto em outros países como no Brasil; diferentes governos vêm
enfrentando as dificuldades introduzidas por essa nova forma de gestão e procurando
aperfeiçoar metas e indicadores.
A mensuração de desempenho é central nas mudanças em curso. É o pilar de sustentação de
duas das três inovações responsáveis pela melhoria de desempenho das organizações públicas,
segundo pesquisa comparada compreendendo sete países: a contratualização de resultados e o
orçamento por produto aliado à contabilidade gerencial (JANN e REICHARD, 2002)3.
A mensuração de resultados é uma ferramenta constituinte de um conjunto abrangente de
mudanças que incluem a revisão da macroestrutura do Estado e a criação de arm’s lenght
organizations (agências e organizações públicas não estatais), a definição prévia de resultados a
alcançar, a concessão de flexibilidades à organização que se compromete previamente com
resultados e o reconhecimento do papel do public manager, a quem é concedida maior autonomia
e imputada nova responsabilização pelos resultados visados. Tais mudanças são acompanhadas,
portanto, de uma nova distribuição de responsabilidades, ou accountability por resultados.
A montante, tais inovações requerem o recurso ao planejamento estratégico a fim de que sejam
clareados os objetivos e fixados os resultados visados; a juzante, novas formas de controle são
desenvolvidas, menos baseadas no controle formal de procedimentos, e mais voltadas à
comparação de resultados obtidos por organizações similares, ou simplesmente maior
transparência quanto ao uso dos recursos públicos por meio do acompanhamento dos resultados
alcançados. Esta é também a base para o desenvolvimento de novas formas de relacionamento
entre entidades públicas e parceiros – públicos, públicos não estatais ou privados.
Apesar de parte da literatura remeter a gestão pública por resultados a uma única visão – a que vê
a gestão privada como superior e quer introduzir seus métodos no setor público –, há autores que
identificam pelo menos duas visões distintas como fontes de inspiração das mudanças em curso.
3
Os países pesquisados têm diferentes histórias administrativas e contextos políticos: Dinamarca, Estados
Unidos, Holanda, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Suíça. A terceira inovação identificada pela pesquisa
refere-se a mudanças nas relações de trabalho, diminuindo as diferenças entre os contratos de trabalho nos
setores público e privado e introduzindo flexibilidades na gestão de pessoas.
Kettl (1997) organiza essas duas correntes em torno de dois lemas distintos: por um lado, “make
managers manage”, reunindo países que criaram incentivos visando influenciar comportamentos;
por outro, “let managers manage”, expressando a visão de que há inúmeras barreiras a serem
removidas, regras, procedimentos e estruturas rígidas que impedem o administrador público de
administrar. No primeiro caso, a contratualização de resultados representa uma nova forma de
controle e vem acompanhada do estabelecimento de sanções positivas e negativas; o país que
levou mais longe tal perspectiva foi a Nova Zelândia, com a primeira geração de reformadores.
No segundo caso, o acordo de resultados é visto como instrumento de coordenação: ajuste e
aprendizado organizacional. A experimentação, e não o controle, é a aposta para a melhoria do
desempenho; esta tem sido a marca das reformas na Austrália e Suécia.
De maneira similar, Jann e Reichard (2002) também fazem referência a dois grupos de
inspiração distinta, ao analisar a contratualização de resultados. Os autores identificam um
dos grupos como os defensores da eficiência (ou minimizadores do custo); o outro, como
reformadores em busca da melhoria de desempenho do setor público (maximizadores dos
resultados). O primeiro grupo recorre a mecanismos de punição e recompensas de acordo com
o desempenho alcançado; para o segundo, o alvo é o aprendizado baseado em relações de
confiança como caminho para alcançar melhores resultados. Os autores identificam a escolha
racional e a teoria da agência como referência do primeiro grupo, ao adotar o contrato de
resultados como um novo instrumento de controle para enfrentar o problema do comportamento
maximizador do autointeresse; na segunda vertente, é destacado o comportamento cívico dos
agentes, que dá sustentação à lógica do aprendizado mútuo.
Trosa (2001) também destaca as diferentes visões acerca da mensuração de resultados e seu
uso por diferentes países e governos. Suas análises são análogas às já citadas; no caso do uso
radical da mensuração e contratualização de resultados como nova forma de controle, a autora
vê o risco de um novo formalismo e rigidez. Após ter acompanhado a experiência de vários
países, Trosa concluiu que os resultados são melhores quando as metas são negociadas (e não
impostas unilateralmente) e quando as flexibilidades são concedidas tendo metas a alcançar
como contrapartida.
As orientações sobre o tema são tão distintas que levaram alguns autores a defender a existência
de uma forma de “mensuração de desempenho à la nórdicos”4. Para eles, a perspectiva nórdica
4
Uma edição especial da Financial Accountability and Management foi dedicada ao tema [v. 22, n. 3, 2006],
introduzida por Johnsen, Norreklit e Vakkuri (2006), que explicitam e defendem “a nordic perspective on public
sector performance measurement”.
Given the egalitarian values, many Scandinavians may well be puzzled by the importance
imputed to individual financial incentives in the Anglo-American culture. Organisational
learning ... may better suit the Nordic approach. Naturally, in the Nordic countries too,
individuals are assessed and rewarded for their contribution to organizational effectiveness,
viability and so on, but probably not as extensively, and certainly not as taken-for-granted in
such a manner as seems to prevail in some Anglo-American cultures (...) (JOHNSEN,
NORREKLIT e VAKKURI, 2006, p. 208).
Distinguir esses dois grupos de inspiração pode ajudar a clarear o debate no Brasil. Aqui,
muitos críticos referem-se apenas às experiências mais difundidas, dos países anglo-saxões,
que levam a atribuição de recompensas e penalidades até o nível individual. Também é
interessante que os formuladores da política de gestão conheçam a experiência dos países
nórdicos e possam optar por um modelo ou outro, conhecendo as implicações de ambos.
Apesar de vários autores ressaltarem a importância da gestão por resultados para a melhoria
do desempenho do setor público, eles apontam também para as polêmicas e os problemas
frequentes associados a essa nova forma de gestão. Tais problemas não têm justificado o
abandono do modelo; têm, ao contrário, levado ao seu aprofundamento, buscando corrigir
rotas e superar os obstáculos identificados.
Parte dos problemas relacionados à mensuração de desempenho pode ser atribuída à adoção
prematura, ou isolada, apenas desta ferramenta, desvinculada do conjunto de mudanças que a
acompanham e que constituem elementos de uma ampla reforma da organização e
funcionamento do Estado. Assim, são grandes as chances de insucesso quando a mensuração
de desempenho é adotada sem que as demais inovações na gestão estejam presentes. O grande
risco é que a mensuração se torne um fim em si mesmo, desvinculada do objetivo maior que
é a melhoria do serviço público prestado ao cidadão (BEHN, 1995).
Além desse aspecto, a adoção parcial e isolada da mensuração de desempenho, é possível
sintetizar as polêmicas em torno da mensuração de resultados em três grupos de temas: a discussão
em torno do que mensurar – produtos (outputs) ou impactos (outcomes); a adoção de sanções
positivas e negativas e a vinculação de parte da remuneração individual ao desempenho.
5
Palestra da Secretária-adjunta da Saúde de Curitiba, GV Saúde, abril de 2009.
6
A maior aceitação, pelos professores mineiros, pode ter como parte da explicação o fato de se tratar de uma
política abrangente de governo para todos os setores; em outros casos, trata-se de uma política setorial isolada.
como um entre pares, não sendo visto como autoridade legítima responsável pelos resultados
da escola que dirige e, portanto, sem poder de direção sobre os outros professores que ali
atuam. Outro motivo pode estar vinculado à introdução do novo formato organizacional na
saúde – a mensuração de desempenho difunde-se no momento em que são criados os hospitais
no novo formato de organização social de saúde, enquanto as escolas públicas permanecem
como parte da administração direta, onde ainda impera a ausência praticamente total de
autonomia de gestão.
Na área da cultura, a mensuração de resultados está apenas começando; e, também, encontra-
se ligada à adoção do formato “organização social”. No Estado de São Paulo, adotaram-se os
indicadores de produção, bastante simplificados e homogêneos para instituições de natureza
distinta. Assim, o desempenho de museus passou a ser medido em termos de número de dias
abertos ao público, número de exposições realizadas e número de visitantes, sem distinção
entre um museu com vocação para grande público e outro especializado. Um equipamento
cultural dedicado à interação entre arte e tecnologia não conseguiu fazer valer o número de
acessos ao seu site como indicador de presença junto ao público – a Secretaria Estadual da
Cultura insistiu em contar apenas as visitas físicas ao local.
O debate sobre o que e como medir não chegou à imprensa, a não ser por meio do conflito
entre lideranças sindicais dos professores e Secretaria da Educação. Assim, a polêmica fica
restrita aos especialistas e afetados pela mensuração, sem que a opinião pública ou os
beneficiários do serviço público possam se envolver e pressionar por avanços. Em alguns
casos, quando usuários tomam conhecimento do sistema de metas, passam a pressionar por
punições caso elas não sejam atingidas – o que nem sempre é o fim visado pelo gestor da
política de mensuração de resultados.
O ex-secretário de Modernização Administrativa de Santo André relatou as dificuldades que
enfrentou junto aos representantes dos usuários ao adotar a mensuração de resultados nas
unidades básicas de saúde – queriam punição aos funcionários a cada vez que uma meta não
era cumprida; no entanto, o objetivo da política municipal adotada era o de promover o
aprendizado sobre como melhorar o serviço prestado, e não o de aplicar punições em caso de
dificuldades com o cumprimento das metas7.
Na seção anterior, apresentamos as duas visões sobre o tema das recompensas e punições.
Tais visões se desdobram, também, na questão da remuneração variável. Assim, os defensores
7
Marcio Bellisomi, palestra, FGV-EAESP.
In fact, much of the perverse learning from performance measurement may be due to
using performance measurement in close conjunction with organisational objectives and
financial rewards. Performance measurement has a number of functions, including
enhancing transparency, improving organisational learning and appraising performance.
The more performance measurement is used compulsively for more of these functions,
the more the performance measurement will be experienced as unfair (JOHNSEN,
NORREKLIT e VAKKURI, 2006, p. 208).
8
Dos 30 países-membros da OCDE, 27 responderam à pesquisa.
9
OECD / World Bank Budget Practices and Procedures Database, 2003.
antecessor denominada “No Child Left Behind” (NCLB), que introduziu metas para
aprendizagem de estudantes em escolas públicas em todo o país.
No Brasil, um dos problemas relacionados à remuneração variável por desempenho tem sido
sua adoção isolada de outras medidas reformadoras. Na administração federal, a remuneração
variável por desempenho foi generalizada no segundo governo FHC, sem que tenham avançado
as outras medidas propostas de contratualização de resultados; no governo Lula, os valores
variáveis foram aumentados significativamente, passando a representar mais de 50% da
remuneração total em muitos casos, para em seguida tudo ser revertido em aumento salarial,
incorporando 100% da parcela variável aos salários (transformados em “subsídio”).
10
Em referência à obra de Candido Voltaire.
/ atrofia”, na qual o ato de medir estimula a produção desnecessária de mais output ou sua
redução indesejada; e a “doença de Mandelbrot”, que ignora o fato de que o resultado da
medida depende de como se mede.
Quanto às medidas propriamente, os autores elencam as seguintes “doenças”: “poluição”, ou
o fato de misturar diferentes elementos daquilo que está sendo medido; “inflação”, ou o uso
desnecessário de grande número de medidas; “doença dos iluminados ou top-down”, pela
qual os dirigentes decidem sozinhos o que e como medir e impõem o conjunto à organização
sem suficiente comunicação, levando à desmotivação dos funcionários; “doença do curto
prazo”; “miragem”, quando se mede algo diferente do que se considera estar medindo; e a
“doença de desvio de comportamento” (shifting disease), causada por medidas que não
contemplam a finalidade da organização e acabam provocando comportamento adverso.
Parte desses problemas é também ressaltada por outros autores. Goldsmith e Eggers (2006)
referem-se à competição entre diferentes provedores pelos casos mais fáceis, visando melhorar
seu desempenho medido. Ou ainda os prejuízos à qualidade do serviço quando as medidas
enfatizam economias, o que pode levar a cortes de custo que prejudicam a qualidade. Os
autores também fazem referência à polêmica sobre o que medir – insumos, produtos ou
impactos. E apontam problemas decorrentes da ausência de dados confiáveis sobre a situação
inicial a ser medida – quando sub-avaliados, podem levar a metas frouxas, muito fáceis de
atingir, que podem provocar críticas da imprensa, por exemplo.
Outros autores referem-se ao cream skimming, a atitude de prestar os serviços mais fáceis ou
atender os usuários mais fáceis, de modo a obter tempos de atendimento menores ou maior
número de casos atendidos.
Jann e Reichard (2001) também relataram problemas referentes a metas pouco ambiciosas e
falhas no seu monitoramento, dentre outros problemas frequentes.
Lições aprendidas
11
Disponível em: www.prefeitura.sp.gov.br/agenda2012. Acesso em: 24 fev. 2010.
O mesmo pode ser dito dos avanços recentes da Previdência Social. Ter indicadores e metas
sobre o tempo de concessão de benefícios é requisito indispensável para chegar a se conceder
aposentadorias em trinta minutos. Pode haver cream skimming ou perda de qualidade, caso
não haja outros indicadores associados ao tempo de concessão do benefício. Mas uma cesta
de indicadores combinados pode contribuir para evitar a shifting disease.
Outras experiências em curso merecem atenção por serem abrangentes e constituírem um
elemento central, de uma política pública voltada para a gestão – os casos das prefeituras de
Curitiba e Porto Alegre e do governo de Minas Gerais. São laboratórios a serem acompanhados,
de onde sairão várias lições sobre possibilidades de melhorar o desempenho do setor público,
trabalhando e retrabalhando medidas de desempenho, tanto de outputs como de outcomes,
como um dos elementos de um conjunto de ações de modernização do Estado.
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