Gestopblica Governana Participativaeo Papelda Liderana

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Gestão pública, Governança Participativa e o Papel da Liderança

Article · December 2015

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1 author:

Ana Bela Bravo


Academia Militar, Lisboa
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Gestão pública, Governança Participativa e o Papel da Liderança1

Ana Bela Santos Bravo2

Resumo

A utilização crescente no sector público dos modelos manageriais, cujo expoente máximo
é o newpublic management (NPM),foi uma consequência daalteração do papel do estado
na economia, às pressões dos cidadãos por maior eficácia e qualidade nos serviços
públicos e aos desafios de um contexto em rápida mudança impulsionada pelo
desenvolvimento das TIC e da globalização.O objecto deste artigo centra-se na análise
dos modelos de gestão que inspiraram as reformas das administrações públicas de
numerosos países, incluindo Portugal, ao longo das últimas três décadas. O objectivo
principal não é a revisão da literatura, que é vasta, mas sim, analisar criticamente a
evolução que a gestão pública registou, desde o NPM ao modelo da governança pública
e realçar o papel que este último confere à liderança. É descrita uma aplicação específica
do modelo de qualidade, conhecida por CAF, em Portugal, mostrando o modo como, este
e outros instrumentos de gestão coexistem como modelo da governança pública.

Abstract

The increasing use of management systems in the public sector, the most well known is
new public management (NPM), was a consequence of the change in the role of the state
in the economy, of pressures from citizens for greater efficacity and quality of public
services and the need to face the challenges resulting from the development of ICT and
globalization. This paper is not aimed primarily at surveying the literature, which is vast,
It presents a critical analysis of the evolution of public management, from NPM to public
governance, emphasizing the role of leadership. It describes a specific application of the
quality model, known as CAF in Portugal, showing as this and other management
methods co-exist with the public governance model.

1. Introdução

A reforma da administração pública tem sido uma das prioridades governos não só em
Portugal como de todos os países, sobretudo naqueles onde o sector público, na óptica
das despesas, controla cerca de metade do produto nacional. De facto, temos
administrações públicas concebidas para as sociedades da época industrial, que se

1
Texto de Artigo publicado na PROELIUM, Revista da Academia Militar, 2015, nº9, p. 31-52.
2
Professora Catedrática da Academia Militar em Economia e Administração Militar. Membro da APDR,
Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional.

1
tornaram desajustadas na era da informação e da economia global. A concorrência global,
a mobilidade do capital internacional, os surpreendentes avanços das telecomunicações e
da capacidade de armazenagem e processamento da informação originaram uma
economia do conhecimento, que alterou o modo de organização do trabalho na função
pública e os cidadãos exigem serviços e soluções de qualidade, com uma ampla gama de
escolha. Estes desafios chocam com as pesadas burocracias, as quais foram organizadas
para fornecer serviços homogéneos e estandardizados, enquanto que, actualmente,
enfrentam uma procura de produtos ‘por medida’ determinada por preferências e
situações de mercado que estão sempre a mudar. Assim, a desburocratização, a
reestruturação orgânica, a racionalização e a inovação nos serviços públicos tem sido vista
como uma exigência por parte dos cidadãos e uma condição essencial do
desenvolvimento económico e social.
As experiências de reforma da Administração Pública desenrolaram-se desde os anos 80
e ao longo dos anos 90 em vários países. Nas décadas anteriores já tinham sido
introduzidas alterações de cariz gestionário nos sistemas de planeamento, programação,
orçamentação e controlo públicos 3 cuja implementação, salvo o caso de alguns
departamentos da administração central ou local, ficou quase sempre muito aquém dos
ambiciosos objectivos propostos. Como é reconhecido na literatura, os novos modelos de
gestão pública foram consideravelmente inspiradas nos princípios gerais da reforma
iniciada por Margareth Thatcher no RU durante os anos 80, que ficou conhecida por New
public management (NPM) e pelo programa de reforma de Al Gore nos EUA, iniciada
em 1993, denominada de Reinvenção da Administração 4. Desde o início deste milénio
que a literatura nesta temática parece revelar ou “uma convergência da NPM para a
governança” (Souza e Siqueira 2007) ou uma alteração de paradigma (Vrie 2010). Neste
texto apresentam-se algumas reflexões sobre esta questão.
O texto está organizado em cinco pontos: o primeiro é dedicado a esta introdução; no
segundo apresenta-se uma breve caracterização dos vários modelos, distinguindo-os entre
si mas, salientando os elementos comuns; o terceiro ponto tece algumas reflexões sobre
a aplicação prática dos modelos gestionários, nas reformas públicas, com destaque para
o new public management e o modelo da qualidade; o quarto descreve o modelo de
governança pública e o quinto ponto discute a utilização do modelo de qualidade CAF
para avaliar serviços na administração pública em Portugal, descrevendo suas
componentes e critérios.

2. Breve incursão pela evolução dos modelos de gestão pública

2.1. Os modelos gerenciais e as reformas da administração pública

As reformas da administração pública desenvolvidas em alguns sectores ao longo das


últimas três décadas incorporaram objetivos, técnicas de gestão e medidas divulgadas

3
Por exemplo, denominado sistema integrado PPBS – Planning, programming and budgeting system, no
final dos anos 60.
4
Foi divulgada pelo Relatório National Performance Review de Al Gore (2010).

2
pelas teorias de gestão empresarial, as quais tinham sido, anteriormente, testadas com
sucesso no sector privado. Não é o objectivo principal desta comunicação, efectuar uma
revisão dos modelos de gestão pública, que podemos consultar em análises especializadas
(por ex., Stoker (2006), Carapeto e Fonseca (2006) e Martins e Marini (2010). No entanto,
considerámos ser de utilidade elencá-los e tecer breves referências, já que as abordagens
da governança pública incorporam muitos dos contributos dos modelos de gestão pública
e dos sistemas e técnicas que têm advogado. Assim, seguindo o resumo apresentado em
Bravo(2002) podemos sintetizar, numa ordem que se baseia numa sequencia histórica, as
seguintes abordagens:

(a) A Nova Gestão Pública - New Public Management (NPM),é uma denominação
que abarca vários desenvolvimentos dos modelos manageriais mas,embora estes
mantenham as características essenciais do precursor public management foram
influenciados pelas teses das teorias das escolhas públicas (PublicChoice)e,
algumas, também da teoria da agência (Principal-Agent), de modo a incorporarem
os comportamentos dos agentes que determinam as escolhas nas áreas das
políticas e gestão públicas. Baseavam-se nos seguintes objetivos para a
organização: definir um claro sentido de missão, delegar poderes e
responsabilidades, reduzindo o staff dos órgãos centrais de decisão (“pilotar
menos remar mais”), substituir regulamentos por incentivos, procurar soluções
mercantis sempre que possível e abrir à concorrência (nomeadamente através da
concessão ou contratação com privados). As teses identificadas pela denominação
NPM foram divulgados sobretudo no Reino Unido e nos países de origem anglo-
saxónica, tendo inspirado, posteriormente, as reformas efetuadas em numerosos
países ao longo dos anos 80 e 90.
(b) O modelo de Reinvenção da administração pública (Re-inventing Government)
foi a versão do modelo managerial que foi introduzido nos EUA em 1993, onde a
reforma enfatizou a inovação nos processos, tendo sido implementado um
programa a nível federal durante a vice-presidência de Al Gore que foi divulgado
através do National PublicReview (NPR)5. Baseava-se bastante em práticas como
as de re-engenharia de processos6(ou seja, a inovação nos processos) adaptadas
ao contexto público inicialmente por Gaebler e Osborne (1993)e ainda na
restruturação do trabalho com base em missões, no team-work e na capacitação
dos funcionários (empowerment); previlegiava a organização do trabalho segundo
uma orientação horizontal, contrariando a organizaçãoburocrática vertical (ou em
silos) dominada por “feudos” departamentais altamente hierarquizados e com
pouca ligação entre si.

d) Os modelo da Qualidade, embora de inspiração managerial, não foram tão


radicais nas suas propostas de reestruturação da administração pública, tendo, por
isso, revelado capacidade para coexistir com outras abordagens, como a
reinvenção de processos, o NPM e a gestão para resultados. A gestão centrada na

5
Al Gore (2000).
6
Michael Hammer é o inventor do termo re-engineering pela primeira vez num artigo em 1990
(Hammer,1995).

3
melhoria da qualidade nas várias áreas de atuação do Estado assenta na
reorientação da provisão dos serviços para as necessidades e preferências do
consumidor, ou utente, propondo sistemas de avaliação dos serviços baseados na
auto-avaliação e na utilização de inquéritos junto dos utentes. A metodologia ou
modelo CAF- Common Assessment Framework (Estrutura Comum de
Avaliação), será desenvolvida na secção seguinte.
(e) A gestão estratégica surge na sequência da necessidade das organizações
enfrentarem a mudança rápida e a complexidade do ambiente externo e seus
contextos de modo a aproveitarem as oportunidades e a reduzirem o efeito das
ameaças que advêm, nomeadamente ao nível do aumento de concorrência. Entre
os precursores podemos citar Ansoff (1979), Mintzberg (1985), Porter (1987) e
“A organização é vista como um sistema aberto, a liderança é predisposta à
mudança e à inovação e confia no planeamento estratégico. Este requer a
utilização de sistemas de controlo interno e de avaliação da performance” (Bravo
etal 2012: apresenta uma aplicação do planeamento estratégico ao contexto do
ensino superior).
(f) Os sistemas de gestão pelo desempenho (performance management systems–
PMS)foram utilizados em muitas reformam. Há vários sistemas, sendo,
actualmente, em regra enquadrados no planeamento estratégico mas todos
assentam na gestão centrada nos resultados e na monitorização de indicadores; um
dos mais conhecidos é o BalancedScorecard(BCS).
(f) A gestão do valor público (Publicvalue management) pode entender-se como
uma necessidade de substituição ou “renovação” do NPM, querpara fazer face às
crescentes pressões sociais contra os cortes nas despesas e a redução do peso do
Estado advogadas pelas reformas, quer para acompanhar a evolução da literatura
em gestão. Porém, Kelly e Muers (2002) analisam a gestão do valor como um
paradigma diferente da NPM de acordo com uma série de parâmetros
(nomeadamente, muda os objetivos, menor ênfase sobre a contratualização da
provisão pública para os métodos que potencializam amanutenção eficaz dos
sistemas, como o trabalho em rede - ver Quadro 1). Adaptando teorias de gestão
empresarial, como o modelo da cadeia de valor de Porter, ao contexto da
administração e à missão das entidades públicas, o valor público é entendido como
valor para a sociedade. Logo, deixa mais espaço para a concertação com os
parceiros sociais, sendo de natureza mais negocial. Assim, as reformas das
administrações públicas não deveriam colocar oênfase em aumentar a eficiência
pela redução de despesas/actividades/serviços mas no aumento de valor obtido
por cada euro/libra dispendido. A reforma da administração Britânica no governo
Trabalhista de Tony Blair adoptou este lema. A OCDE, que tinha promovido a
NPM, passou a incentivar o modelo da gestão de Valor Público OCDE (2010),
com propostas semelhantes às da governança mas, adaptada aos novos contextos.

2.2. Caracteristicas comuns aos modelos de gestão pública manageriais

4
◼ Adoptam uma visão tecnocrática: Separação entre esferas política e
administrativa.
◼ Centram-se nos objetivos conhecidos como os três Es – Economia, Eficiência e
Eficácia –Defendem o downsizing (redução da dimensão e do número de
efectivos), sendo associada à ideologia política neoliberal pela enfase na redução
do papel do Estado social. O modelo de valor público diverge um pouco deste
ênfase.
◼ Apostam na privatização de empresas públicas que laboram em setores onde o
mercado não fracassa e possam ser abertos à concorrência e no recurso mais
alargado à contratação, concessão ou parcerias com o setor privado, não só nas
áreas tradicionais como obras públicas, limpeza, segurança mas na gestão de
serviços como as unidades hospitalares do SNS e das plataformas informáticas.
◼ O new public management, foi, sem dúvida o modelo mais popularizado da
abordagem managerialista; porém deu maior atenção aos aspetos específicos da
administração e da decisão pública, onde os respetivos agentes se assumem com
interesses distintos, cujo estudo foi objeto de teorias da economia pública como a
Public Choice, e da teoria da Agência.
◼ A seguinte citação, referindo-se ao modelo de reinvenção, expressa a orientação
reformista de outros modelos, como o NPM“A nossa meta é tornar a
administração federal menos dispendiosa e mais eficiente, e alterar a cultura da
burocracia do nosso país, libertando-a da apatia e da redução à tradicional função
de fonte de subsídios, rumo à iniciativa e à devolução de poder. É nossa intenção
reestruturar, reinventar e revitalizar toda a administração pública do nosso país”
7
.
◼ A gestão por resultados, a avaliação do desempenho, os sistemas de qualidade, a
orientação do serviço para a satisfação do cliente,sãometodologias comuns, ou
sobrepostas, a todos estes métodos.

2.3.Análise crítica dos diferenças entre os vários modelos

◼ Poder-se-à concluir que, embora as abordagens citadas possam apresentar


elementos de conflito entre si – já que assentam em concepções da administração
pública diferentes –, a experiência americana conhecida por Re-inventing
Government8 mostrou que, optando por uma perspectiva relativamente eclética,
na sua aplicação prática, é possível conciliar alguns dos objectivos das várias
modernas teorias da gestão 9 e aproveitar muitas das medidas que estas têm
preconizado unificando-as através de um modelo coerente adaptado às
particularidades da administração pública. Para além disso, procurou ir mais
longe, acentuando a necessidade de introduzir uma nova cultura na administração
nascida no seio desta e não imposta por gestores visionários, envolvendo e
estimulando a iniciativa dos próprios departamentos e serviços na produção de

7
Presidente Bill Clinton, 9-3-93, citado em Al Gore (2000).
8
O termo e a teoria subjacente foi da autoria da dupla Osborne e Gaebler (1992).
9
Amplamente divulgadas nas obras de Kanter (1983) e Drucker (1968)

5
inovações ao nível da reestruturação interna e dos procedimentos e, ainda,
apostando na formação do pessoal com vista à aprendizagem e inovação contínuas
aos vários níveis e na valorização das carreiras.
◼ A confirmar a aplicação simultânea, por vezes bem combinada, outras vezes não,
de técnicas e metodologias dos vários modelos nas reformas das administrações
públicas, está o facto da criação pela OCDE de programas de apoio aos países
membros em Public Management, defendido como uma condição essencial para
modernizar, enfrentar novos desafios e para o desenvolvimento económico e
social 10 . Também a ONU e outras organizações internacionais promoveram
programas para a adopção de boas práticas de gestão pública e de boa governança,
tendo em vista um desenvolvimento sustentável; houve várias iniciativas, entre
elas, realço a Agenda 21 vocacionada para apoiar os governos regionais e locais
a enfrentarem os desafios no século 21.

No seguimento da onda reformista das administrações públicas, a aplicação das


ideias e instrumentos dos modelos de public management e a listagem de boas
práticas que enumeraram, foram frequentemente acusadas de pecarem por
empiricismo casuístico, derivado da cópia das experiências de reforma que se
desenvolveram no RU, nos EUA, na Australia e N. Zelândia e no empolamento dos
traços que as distinguiam do modelo burocrático-jurídico. Desenvolveu-se, uma
extensa literatura nesta avaliação crítica das reformas da gestão pública, da qual se
destacam referências como, entre muitas, Flynn(1990I, Hood(1989, 1991), Pollitt
1990. Porém, a literatura apologética é muito mais numerosa durante os anos 90.Mais
recentemente, Hood and Peters (2013:268) defendem que “como todas as divindades,
a NPM transformou-se em algo essencialmente místico, algo em que se acredita
como sendo a resposta adequada às limitações do modelo burocrático-jurídico mas,
não havia dois autores dessa era que listassem as mesmas caraterísticas ao enumerar
os traços da NPM”.
Com efeito, as várias abordagens que se desenvolveram à sombra do chapéu que se
denominou NPM foram evoluindo, refinando as suas análise, sendo correto
identificar várias etapas nas reformas (por exemplo, Barzelay 2000a, 2000b e Lane
2000). Quando passaram a figurar na agenda de programas impulsionados por
organismos internacionais como o Banco Mundial e a OCDE, geraramà sua volta
uma atividade lucrativa para as empresas de consultoria, com especialistas em
consultoria aos organismos públicos. Kelly e Muers (2002) apresentam um resumo
que sintetiza e distingue dois dos principais modelos de gestão pública – a NPM e o
modelo de gestão do Valor, contrapondo as suas vantagens em relação ao modelo
tradicional da administração pública. Apresentamos uma síntese no Quadro 1. Kelly
e Muers (2002) argumentam que a NPM já atingiu a idade madura e, os resultados
da intervenção pública que inspiraram já podem ser avaliados com algum
distanciamento, portanto, é natural que surjam análises que evidenciam os paradoxos

10
Além de enunciar as bases de reforma, a OCDE mantém no seu website informação nessa temática, e
publica os resultados das experiências de reforma nos vários países (www.oecd.org).

6
e as surpresas, ou seja, os resultados não esperados dos modelos aplicados. Há uma
literatura na área dos sistemas sociais complexos que tem tradição na análise de
paradoxos, entre eles, o managerial paradox. Complex business models demand
leaders capable of communicating an overarching vision, building inconsistent
organizational designs,managing ongoing conflict and of long term, integrative
thinking

Quadro 1 – Diferenças entre modelos de administração/ gestão pública

Parâmetros Adm. Pública NPM Gestão do Valor


Tradicional New public mangement Público

Objetivos • Autorização • Eficiência, eficácia e • Obtenção de valor para


centrais politica dos meios responsabilização face a sociedade e parceiros
(OE) aos eleitores • Melhorar sistemas e
• Controlo jurídico • Atenção ao utente maximizar output por
cada € gasto
Interesse • Definido por • Agregação de prefe - • Obtidas por processos
publico politicos ou técnicos; rencias individuais de interação e consulta
• Não associado a (eleitor mediano, (stakeholders)
resultados inquéritos, grupos de
pressão)
Papel dos • Assegurar • Cumprir metas, • Gerir networks para
gestores cumprimento lei e indicadores e avaliar decidir e controlar
regulamentos desempenho provisão serviços
• Prestar contas, • Coperação
reportar instucional
Liderança • Formal, • Transformacional •Informal - Pelos valores/
bureaucacia • Transacional pelo exemplo
•Transacional(agencias)
Papel • Monopolio de • Produção pública é • Eliminação do
Estado serviços publicos ineficiente; monopólio de serviços –
na • Zela por interesse introduçãode criação de agências
provisão público concorrencia • Valores e serviços
de serviços • Parceiras com partilhados
privados; outsourcing
• Assegurada pelo • Controlo dos • Modelo negocial,
Democrati sistema político políticos/ eleitores partilha de
za-ção das do estado de sobre burocracia e informações
decisões direito grupos de pressão • Avaliarção e reporte
• cumprimento dos • De resultados
objetivos
Fonte: baseado em Kelly e Muers (2002)

3. O New public management,o modelo de qualidade e a governança pública

7
Apesar de ter havido uma evolução do managerialismo para a governança,
coexistem elementos dos vários modelos nas reformas públicas identificadas
genericamente como sendo inspiradas no NPM: combinam sistemas e/ou
instrumentos de gestão associados ao modelo de Qualidade, à Gestão Estrategica, à
Gestão por Objetivos e ao PMS - Performance Management Systems. Quase todas
as reformas defendem a introdução de: (1) uma estrutura horizontal de gestão onde
os empregados e gestores são responsabilizados e as decisões satisfazem os clientes/
utente; (2) uma cultura de aprendizagem em vez da cultura tradicional baseada na
aplicação de regulamentos intemporais e no controlo jurídico; (3) um sentido claro
de direcção/ visão estratégica e objectivos, e politicas orientadas para resultados;
(4)um empenhamento em fornecer serviços públicos de alta qualidade; (4)aposta na
associação a terceiros para a provisão ou gestão de serviços, nomeadamente a
contratação com empresas privados.
Hood, and Peters, (2004:267), num conhecido artigo defendem que a NPM atingiu
a sua idade madura, questionando-se se não estaria a deixar o seu estatuto de
paradigma na literatura da gestão pública para dar lugar a outras abordagens.
Referem que os académicos parecem ter-se centrado na análise das surpresas e
paradoxos que parecem caraterizar as reformas recentes dos serviços públicos. De
facto, a coexistência de elementos do modelo tradicional ou burocrático com os
modelos manageriais e, mais recentemente, com o advento da governança, seria de
esperar que surjam situações paradoxais e, dada a instabilidade financeira e
menores taxas de crescimento económico, as políticas com pendor para a
austeridade causam surpresas, no sentido que alteram os comportamentos das
pessoas e condicionam as previsões, o que até tem justificado a inclusão de análise
de riscos na maioria dos programas públicos 11.
O modelo de qualidade total oferece uma estrutura integradora que parte de quatro
componentes essenciais dos sistemas de gestão, comuns aos outros modelos mas,
dando mais relevo à liderança e à articulação- integração desses componentes nos
sistemas de gestão do modelo. Essa integração apresenta-se de forma resumida na
figura 1.

Figura 1- Componentes-chave dos sistemas de gestão


os
a liderança processos,

Missão
Visão
Estrategia

as
a inovação,
pessoas

11
O Relatório do Orçamento do Estado para 2014 reserva um capítulo para a análise dos riscos de não se
cumprirem as metas de consolidação (ww.dgo.pt).

8
O modelo de qualidade mais divulgado é o da European Foundation for Quality
Management (EFQM),que que teve grande importância na promoção da qualidade em
diversos sectores, privado público e social. É concebido como um modelo de Excelência
porque a utilização desta estrutura vai para além da qualidade dos processos e dos
resultados mas, recolhe também elementos de outras metodologias de gestão, como a
gestão estratégica e a gestão pelo desempenho e, oferecendo um guia para a aprendizagem
do sistema não só para servir de mapa detalhado para as equipas de gestão mas para
orientar todos as pessoas da organização, possibilitando que desemvolvam espírito de
missão, identifiquem o seu contributo para atingir os resultados planeados. Influenciou as
reformas em várias áreas e sectores da administração pública, nomeadamente ao nível das
entidades que, dentro do sector público, possuem autonomia financeira, como os
estabelecimentos de ensino superior, os de formação profissional ou de cuidados de
saúde.
Os vários programas de implementação da qualidade nos serviços públicos eram
desenvolvidos através dos critérios que eram exigidos para a atribuição do Prémio
Europeu da Qualidade. Estes critérios fazem também parte da estrutura de avaliação CAF,
que foi desenhado especificamente para as administrações públicas europeias e ao qual
Portugal aderiu em 1999. Quer o modelo de excelência da EFQM, quer o seu herdeiro
CAF, desenvolvem um sistema articulado com os seguintes módulos componentes, que
se repete em numerosos artigos e documentos oficiais 12:

- Política e estratégia: Desenvolvimento de uma visão, baseada em valores e orientada


para a prossecução de objetivos, através da elaboração de planos e acções, que traduzam
os princípios da qualidade na gestão da organização.
- Liderança: O papel dos dirigentes é importante na definição e internalização dos
valorese do espírito de missão, no estabelecimento da visão e incentivando
comportamentos que sustentarão a cultura de qualidade /excelência.
- Recursos: Assenta na gestão eficaz e eficiente dos recursos humanos, financeiros,
comunicacionais e tecnológicos.
- Gestão de pessoas: Agestão dos funcionários procura motivá-los a aplicar o seu
potencial na melhoria contínua do serviço.
- Processos: Implica a identificação, gestão, avaliação e melhoria contínua de todas as
actividades, com valor acrescentado para a organização.
- Satisfação dos agentes envolvidos: Procura a satisfação das necessidades e expectativas
dos cidadãos externos/utentes, clientes, e dos funcionários.
- Impacto na sociedade: Satisfação das necessidades e expectativas da comunidade em
que se insere o Organismo e no aumento do valor para a sociedade.
- Resultados: Requer o reporte de resultados, avaliando o grau de concretização de
objectivos definidos.
A integração destes vários componentes ou critérios – que estão identificados uns como
sendo meios e outros como resultados – é apresentado frequentemente pelo esquema que
abaixo apresentamos na figura 2, que foi traduzido da literatura e reproduzido por vários
autores, ente os quais Carpeto e Fonseca (2006:58). Verifique que realça a dinâmica dos
meios para os resultados e a avaliação e reporte dos resultados e, produzindo um feed-
back, assegura um processo de aprendizagem da organização. Os sistemas de gestão que
incorpora são comuns ao NPM mas, permite uma integração das várias componentes e
um processo de aprendizagem. Incluímos no diagrama os aspectos do reporte e dos
stakeholders, o que, em nossa opinião, compatibiliza mais adequadamente o modelo de

12
Por exemplo, Carapeto e Fonseca (2006),

9
qualidade com o de governança, demonstrando que, na prática, se podem, e devem,
complementar.

Figura 2 – Síntese do modelo de qualidade em contexto de governança pública

Meios Resultados
Liderança

Gestão de Gestão de Resultados -


processos,
pessoas pessoas

Avaliação e reporte de
da
mudança

Resultados
Estratégia e e da resultado para a
participação sociedade
planeamento dos
stakeholders
Recursos Resultados
parastakehold
parcerias
ers
Inovação e aprendizagem

Fonte: elaborado pela autora baseado no esquema da CAF.

4. A governança pública é um novo paradigma?

Como Vrie (2010) expôs de forma clara, o New public management (NPM) relaciona-se
com a alteração do equilíbrio de poder entre as teorias económicas desde os anos 80.É
uma altura em que a teoria Keynesiana parecia desatualizada pela incapacidade para
explicar a combinação de inflação e desemprego de longo prazo (estagflação), sendo
atacada pelas alternativas do monetarismo, supplyside economics e teorias da public
choice.“A combinação destas ideias é conhecida genericamente como neo-liberalismo. A
economia neoliberal está atualmente com problemas profundos em consequência da crise
financeira. Não terá isto também um efeito no NPM, que é claramente um rebento da
hegemonia neoliberal?” (Vrie, 2010: 2). Será que “a NPM está realmente a morrer”, como
defende Dunleavy et al (2006), que advoga a sua substituição pela governança da era
digital (digital era governance – DEG)? Tal parece ser também defendido por Ketl (2000)
que se refere a uma revolução na gestão. Poderá a governança ser vista como uma “nova
narrativa para a da NPM? Esta é a posição de Stocker (2006) e a de outros autores como
Souza e Siqueira (2007), os quais, ao analisarem mais de 198 artigos em revistas
estrangeiras sobre esta temática, consideraram a governança como resultado da
convergência da NPM para um modelo de regulação em que as entidades públicas atuam
em parceria com diversos atores institucionais e sociais, adaptando-se a um novo contexto
social, económico e político.
Outros defendem estar de facto a assistir-se, desde os fins da década de 90 e início deste
milénio, a uma mudança de paradigma com o desenvolvimento da public governance,por
exemplo, Kickert, (1997) e Kennett (2005). Segundo Vrie (2010:3) a governança em rede

10
tem-se desenvolvido no seio da NPM, e estaainda não morreu mas, a investigação
crescente nessa área e a sua evolução para uma posição dominante na condução das
políticas, pode fazer sair a governança do seu “cocoon” e esta vir a tornar-se num novo
paradigma, embora possa continuar a coexistir, quer com a NPM, quer com aspetos
organizacionais do modelo burocrático.
Na realidade, a governança, talvez não deva ser entendido como apenas um modelo de
gestão pública. Com efeito, é um modelo de governação de cariz democrático-
participativo, que assenta numa regulação política das relações, entre administrações
públicas (aos seus vários níveis – central, regional e local), mercado e parceiros sociais.
Embora também se fundamente nas boas práticas de gestão que garantem a qualidade a
racionalidade económica e a sustentabilidade, tem uma natureza menos “economicista”
que os modelos manageriais e muito mais institucional, social e política, por isso, é mais
abrangente, acentuando-se os seguintes aspectos: a exigência por uma gestão com base
em transparência e valores éticos, a expansão da organização em rede (segundo as
técnicas de policy networks) proporcionadas pela crescente inovação nas TIC e a
participação dos atores sociais (“stakeholders”) nas decisões e politicas públicas e
conduziu ao modelo de governança publica. Realça ainda a importância do desenho das
instituições públicas e da sua colaboração para a eficácia das políticas e a introdução de
uma cultura administrativa baseada numa organização flexível, em processos de team-
work, de decisão e execução concertados entre chefias, funcionários e os vários agentes,
aumentando o protagonismo dos cidadãos e dos parceiros sociais na preparação e
implementação de programas e na supervisão da qualidade dos serviços.

4.1. Dimensões da governança: Os princípios éticos e o papel da liderança

Tal como a corporategovernance, a governança pública pressupõe que as boas práticas e


a responsabilidade social das organizações assentam, primeiro que tudo, na importância
dos valores éticos. Foram definidos em 1992 pelo Cabdury Report 13 como sendo
essencialmente: Abertura, Integridade e responsabilização (Openness,
Integrity,Accountability). Contudo, esses princípios foram desenvolvidos pelo Committee
on Standards in Public Life (the Nolan Committee U.K.), ficando conhecido pelo Nolan
Report, que identificou sete principios gerais de conduta que deveriam estar subjacentes
a toda a vida pública e recomendava que todas as entidades públicas elaborassem códigos
de conduta que incorporassem os referidos princípios:

– integridade, tansparência, prestação de contas, objectividade, honestidade e liderança.

Como vimos na figura 2 a liderança é um dos pilares do modelo de qualidade e também


da governança e, conjuntamente com os restantes princípios, a sua descrição pode
condensá-los e refiná-los de modo a serem aplicados ao contexto do sector público;têm
sido definidos do seguinte modo:
• Abertura ou transparência é essencial para assegurar que os stakeholders confiem
nos processos de decisão, nas atividades e na gestão das entidades públicas e nos agentes
que nelas trabalham. Implica a consulta dos stakeholders, a comunicação clara e precisa
da informação que permite o controlo das politicas públicas.

13
Cadbury Committee (U.K.). Report of the Committee on the Financial Aspects of Corporate Governance,
December 1992.

11
• Integridade é baseada na honestidade e na objetividade e em altos padrões de
probidade no uso de fundos e recursos públicos. Depende dos mecanismos de controlo
efetivo e da qualidade do reporte de resultados financeiros e do desempenho.
Prestação de contas (Accountability) é o processo pelo qual as entidades do setor público
e dos seus agentes são responsabilizados pelas suas decisões, ações, desempenho e gestão
de fundos, submetendo-se a escrutínio externo apropriado. Pressupõe que cada
agente/ator tenha um entendimento claro das suas responsabilidades, dada uma atribuição
de tarefas definidas por uma forte estrutura de objetivos. Por isso, a gestão de objetivos e
a gestão por resultados são instrumentos que asseguram o cumprimento da missão de uma
organização e facilitam o controlo e a supervisão. Recentemente, a preocupação pela
clarificação da missão e pelos valores está patente na maior parte dos serviços públicos
em Portugal, como por exemplo a empresa para serviços partilhados na administração
portuguesa: “Em tudo o que fazemos, temos como princípio a criação de valor para o
Estado e a prevalência do interesse público, através da eficácia e eficiência dos nossos
serviços”(www.espap.pt/Valores).
• A Liderança – dela dependem essencialmente os padrões de comportamento e de
desempenho, pelo modo como a gestão da organização exerce a liderança, quer no que
respeita à definição dos valores e standards que determinam a cultura organizacional, quer
no que influencia o comportamento dos agentes envolvidos. O modelo de liderança
assenta bastante na liderança pelo exemplo, como a seguinte definição demonstra:
Leadership is seen as Members of governing bodies of public sector entities need to
exercise leadership by conducting themselves in accordance with high standards of
behavior, as a role model for others within the entity”. (IFAC, 2001:14).
Por outro lado, a gestão da mudança exige sempre uma liderança empenhada em
transformar e inovar, pelo que podemos aplicar também o conceito da liderança
transformacional. Em contextos de grande evolução tecnológica e do conhecimento, o
líder pode influenciar os comportamentos pelo exemplo não só dos valores como da
competência “O nível hierárquico dá autoridade ao líder, o seu comportamento inspira
respeito” (Duluc, 2000:83, cit. In Carapeto e Fonseca, 2006:127). Estes autores
apresentam um óptimo resumo das metodologias de análise da liderança no contexto da
gestão pública, pelo que nos isentamos de as repetir aqui. Contudo, é curioso os resultados
de um estudo dos anos 90 em 300 serviços na administração pública americana, citado na
sua revisão de literatura de Blaug (2006:49), que aponta para que as principais causas do
aumento da inovação eram atribuídas à alteração na liderança em penas 8% dos casos,
enquanto as oportunidades criadas por melhorias ligadas à informatização eram 15% e a
existência de problemas ou dificuldades em atingir metas foi considerada a mais
importante em 35% dos serviços inquiridos/analisados, talvez pela pressão da tutela.

• Estruturas e processos organizacionais— dependem de como o top management nas


organizações é nomeado e organizado, como são definidas as suas responsibilidades e
como presta contas;

• controlo— é entendido como a rede de vários controlos estabelecidos pela gerência de


topo para avaliar a eficácia e a eficiência das operações, a veracidade dos relatórios
internos e externos e o cumprimento da legislação e regulamentos internos.

12
• stakeholders– é um elemento-chave da governança pública que costuma ser definido
de forma abrangente pelos seguintes grupos de individuos: os que podem eleger um
conselho ou órgão governativo (exemplos, os eleitores de uma autarquia, os docentes
numa universidade), os que são responsáveis pelo financiamento (tutela política,
credores) pelo fornecimento de bens e serviços (fornecedores), os funcionários, os
contribuintes, os grupos de pressão, os parceiros, as entidades responsáveis pelaavaliação
do desempenho, ou pela qualidade dos serviços, os destinatários dos serviços prestados
por uma organização ou das políticas e programas públicos. Podem abranger ainda, os
analistas financeiros, as agências de rating e os media (IFAC, 2001:12).
A consideração dos componentes acima definidos – liderança, estruturas, processos e
controlo é semelhante aos do modelo de gestão estratégica, gestão por resultados e da
qualidade total mas, o ênfase nos valores e no princípio de responsabilização face aos
stakeholders, com a garantia da representação destes em estruturas de decisão, conselho
ou controlo (como a anterior citação expressa) é uma das caraterísticas distintivas da
governança democrática-participativa. A figura 2 permite visualizar as dimensões, ou os
pilares, da governança.

Figura 3 - Dimensões da governança

Standards de
Comportamento
Honestidade, integridade
Liderança
objetividade, probidade

Estruturas Controlo
e processos Reporte

Nas estruturas e processos englobam-se: prestação de contas estatutária, prestação de


contas financeiras; os postos e responsabilidades (órgãos de decisão, hierarquia, politica
de remunerações); comunicação com os stakeholders (órgãos e mecanismos de consulta,
rede de informação e comunicação). No Controlo incluem-se: a gestão de riscos; o
controlo interno; a auditoria interna; o comité de auditoria interna. No Reporte exige-se:
o relatório anual; as normas e procedimentos contabilísticos adequados e conformes à
legislação; os indicadores de resultados e os sistemas de avaliação do desempenho ao
nível dos funcionários, das chefias e dos serviços, em termos de eficácia e eficiência;
auditoria externak faz parte da fiscalização.

13
Martins e Marini (2010:13) referem-se ao modelo de governança como a governança por
resultados, definindo-a como um quadro conceptual que agrega um conjunto de
instrumentos que, nas sociedades atuais se torna essencial para a “consolidação dos ideais
do estado de direito e do estado social enquanto instrumentos da promoçãodo bem-estar
social e do desenvolvimento”. Com efeito, a mudança nas sociedades atuais é dominada
por aspetos que se prendem com a consolidação das democracias em torno da cidadania
ativa, do respeito pelos direitos humanos, do desenvolvimento da sociedade civil e a
expansão do setor social, a inovação e a formação para assegurar sociedades inteligentes
e resilientes num contexto de globalização, menor crescimento, insegurança e questões
ambientais.
Talvez possamos concluir que a governança procurou produzir um realinhamento dos
modelos de governação e de gestão com ao contexto em mudança. O modelo de
governança pública pretende corresponder à necessidade desse realinhamento e às
pressões que o contexto analisado tem trazido ao nível de maior sustentabilidade, já que,
reinterpreta as bases conceptuais da gestão numa otica sistémica e multidisciplinar.
Utiliza as ferramentas da gestão mas desenvolve novas estruturas e integra-as num
modelo de administração pública que responde às novas solicitações. As estruturas de
governance assentam em Redes sociais, capital social, comunidades e sociedade civil.Por
esta razão implicam uma determinada transformação da cultura das organizações e da
sociedade, acompanhando uma série de tendências como: a emergência dos movimentos
sociais, o fortalecimento do Terceiro Sector – ONGs, IPSS, associações várias, a
valorização dos direitos humanos e sociais e da cidadania, a maior consciencialização e
educação ambiental, a exigência de experimentação democrático-participativa por parte
da sociedade civil e as crescentes potencialidades de organização social e de partilha
através das TICs.

5. A aplicação do modelo de qualidade CAF em Portugal

A CAF (CommonAssessment Framework) é um modelo europeu que serve para avaliar e


melhorar o desempenho organizacional, tendo como referência os princípios da
Excelência. Foi promovido pelo EIPA –Inst Europeu para a Adm. Pública e é gerido,
partilhado e atualizado pela EUPAN- European Public Administration Network. É
específico para o setor público e a sua utilização é gratuita. Portugal, já utiliza a CAF
desde o início do milénio, há treze anos, tal como cerca de 2 800 organizações públicas
europeias. A descrição da versão actual do modelo está descrita e é disponibilizada em
DGAEP (2013). É um modelo de autoavaliação do desempenho organizacional com
linguagem adaptada e exemplos de boas práticas específicas para o sector público. O
referencial CAF, bem como as suas ferramentas de apoio, estão no domínio público,
sendo a sua utilização gratuita. Os utilizadores da CAF podem ver reconhecidos os seus
esforços, com a introdução da qualidade total na organização, através da distinção de
nível europeu “Effective CAF User”. A CAF tem uma versão específica para o setor da
educação (CAF Educação).
É baseado no modelo EFQM que lhe esteve na origem, como já descrevemos logo, é
muito semelhante à representação da CAF no diagrama da figura 2. O modelo CAF
baseia-se no pressuposto de que as organizações atingem resultados excelentes ao nível
14
do desempenho na perspetiva dos cidadãos/clientes, e dos stakeholders, em geral, e da
sociedade, pressupondo que têm lideranças que conduzem a estratégia, o planeamento, as
pessoas, as parcerias, os recursos e os processos. As revisões que o Modelo CAF tem
sofrido acompanham a evolução e desenvolvimento da sociedade e da gestão pública, por
isso, atualmente usamos a versão de 2013.
Segundo consta da página da DGAEP, a última revisão tornou o Modelo CAF mais
robusto do que antes, melhor preparado e equipado para apoiar o setor público em
benefício de todas as partes interessadas em geral e dos cidadãos em particular. Foram
aprofundados os conceitos de orientação para o cliente, desempenho público, inovação,
ética, parcerias eficazes com outras organizações e responsabilidade social, visando um
maior desenvolvimento das organizações do setor público, o que prova a incorporação
dos princípios da governança.
O modelo é utilizado para a avaliação da qualidade de bastantes serviços públicos, sendo
baseado na auto-avaliação que constará de um relatório que consubstanciará
posteriormente a avaliação por entidades externas. Pressupõe-se que a autoavaliação
permite uma reflexão interna por parte dos elementos que compõem a organização em
torno dos seus pontos fortes e das suas fraquezas.
A avaliação refere-se a 9 critérios – que são os módulos que representámos apresentamos
na figura 2, havendo ainda 28 subcritérios. Nestes, os 8 Princípios de Excelência foram
transpostos para o setor público e desenvolvidos os níveis de maturidade da
organização, no contexto do Processo de Feedback Externo da CAF (PEF). Os critérios
1 a 5 dizem respeito aos meios, ou seja, o que a organização faz e como realiza as suas
atividades para alcançar os resultados desejados. Nos critérios 6 a 9 são avaliados os
resultados alcançados ao nível dos cidadãos/clientes, pessoas, sociedade e desempenho-
chave através de medidas de perceção e indicadores internos.

Os passos que a autoavaliação envolve estão apresentados no quadro 2.

Quadro 2 – Passos da Autoavaliação no modelo CAF

PASSOS TAREFAS
1.º Passo Organizar e planear a autoavaliação
2º Passo Divulgar o processo de autoavaliação internamente
3.º Passo Criar a equipa de autoavaliação
4.º Passo Formar e sensibilizar as pessoas envolvida
5.º Passo Realizar a autoavaliação (AA)
6.º Passo Elaborar um relatório que descreva os resultados da
autoavaliação
7.º Passo Elaborar o plano de melhorias com base no relatório de
AA
8.º Passo Divulgar o plano de melhorias
9.º Passo Implementar o plano de melhorias
10.º Passo Planear a autoavaliação seguinte

A aplicação deste modelo de qualidade demonstra que, na prática, as reformas já


efetuadas nas administrações públicas combinam instrumentos dos vários modelos que
15
descrevemos resumidamente nos pontos anteriores, porque, na maior parte das áreas de
formulação e implementação das políticas públicas já se utilizam as boas práticas e o
discurso da governança democrático-participativa, quer ao nível da administração central
quer, sobretudo, na administração local, onde os orçamentos participativos são utilizados
por um número crescente de autarquias.

Conclusão

Ao longo deste artigo foi apresentada uma breve descrição dos modelos de gestão pública,
tecendo algumas reflexões sobre a evolução registada. O que parece evidente e simples
na análise teórica, é de facto difícil de aplicar na prática, o que se comprova pela
dificuldade em implementar estas abordagens de gestão de uma forma integrada, usando,
antes, receitas casuísticas, com avanços e recuos, quase nunca se traduzindo em resultados
marcantes nas reformas da administração pública. Aspectos relevantes das metodologias
inovadoras que referimos coexistem, na prática com modos de organização do modelo
burocrático tradicional, o que pode gerar incoerências. Apesar das medidas casuísticas e
avulsas, como vimos no caso do CAF, tem havido melhorias consideráveis e a governança
apresenta muitas potencialidades. Porém, a democracia participativa requer novos
arranjos institucionais e procedimentais, visto o número de atores ser alargado, de molde
a que facilitem o trabalho em rede e a consulta dos stakeholders. Estamos no campo de
sistemas sociais, económicos e políticos de grande complexidade e referimos teorias
recentes que investigam os dilemas e paradoxos que implicam para a gestão. A eficácia
das políticas requer uma integração e cooperação interinstitucional aos níveis de
administração local, regional e com outros setores da sociedade, o que só pode ser feito
com networks, ou redes; o sucesso destas está muito dependente, não só de boas
infraestruturas digitais mas, da capacidade dos atores interagirem em formas de
organização e de liderança que tendem a ser informais, o que choca com a tradicional
formalidade e com esquemas de liderança baseados em hierarquia vertical. Ora esse é
também um desafio para a liderança.

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