Regulacao Democratica Dos Meios de Comun
Regulacao Democratica Dos Meios de Comun
Regulacao Democratica Dos Meios de Comun
meios de comunicação
JONAS VALENTE
1
2
SUMÁRIO
Apresentação 05
Introdução 07
Capítulo 1
09
Por que regular os meios de comunicação?
O papel da mídia na sociedade
Regulação das comunicações, liberdade de expressão e censura
Capítulo 2 22
Como as comunicações são reguladas
Modelos tradicionais de regulação das comunicações
Capítulo 3 36
Regulação das comunicações no Brasil
As comunicações brasileiras já são reguladas
Como as comunicações brasileiras estão reguladas hoje
Capítulo 4 74
As propostas de regulação democrática da
mídia no país
Conclusão 89
Referências bibliográficas 93
3
4
Apresentação
A diretoria
Fundação Perseu Abramo
5
6
Introdução
8
Por que regular os meios
de comunicação?
11
Regulação democrática dos meios de comunicação
têm sentido o efeito dessa postura. Pesquisa realizada pelo Coletivo In-
tervozes sobre a cobertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
criada para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) mostrou que o movimento é ouvido em apenas uma a cada cinco
matérias nas quais é citado (Intervozes, 2011). No universo pesquisado,
que envolveu reportagens de jornais, revistas e telejornais, o MST é retra-
tado negativamente em 60% dos casos. Ou seja, o movimento é tema
das matérias, mas, em geral, para ser criticado sem sequer ser ouvido,
como ocorreu na maioria dos textos analisados.
Mas a influência dos meios de comunicação vai além e tem pas-
sado nos últimos anos pela Internet. Em 2013, o Brasil viveu um dos
maiores momentos de mobilização popular de sua história. A organi-
zação dos atos que chegaram a levar mais de um milhão de pessoas
às ruas, no dia 20 de junho, passaram fundamentalmente pelas redes
sociais. A onda de mobilizações, iniciada em São Paulo com os pro-
testos do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das tarifas
do transporte público, espalhou-se para outras cidades com pautas di-
versas, mas sobretudo por recursos para serviços públicos como saúde,
educação, transporte e medidas para combater a corrupção. O Face-
book tornou-se a principal plataforma de agendamento dos atos, por
meio da função de marcação de eventos.
Os programas também moldam comportamentos. Principal
produto da televisão brasileira, as telenovelas ficaram conhecidas pela
atração que exercem e pelos modelos que projetam. Isso vai das trilhas
sonoras, que alavancam a carreira de artistas, às roupas e acessórios
usados pelos atores. “Em duas semanas o estoque inteiro de bolsas
laranjas da grife carioca Sophia Gomes esgotou-se. O motivo foi a apa-
rição da peça nos braços de Antonia, personagem de Letícia Spiller na
novela Salve Jorge, da Rede Globo” (Ferreira, 2013).
Na música, os programas de auditório e a execução das mesmas
nas rádios são os principais instrumentos utilizados por gravadoras para
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Regulação democrática dos meios de comunicação
21
Como as comunicações
são reguladas
Rádio e TV (radiodifusão)
Nas últimas décadas, consolidou-se um modelo, na grande
maioria dos países, baseado na exploração dos serviços de comunica-
ções de forma direta ou por meio de terceiros, ou seja, para que alguém
possa ter uma emissora, o Estado deve conceder uma licença. Em al-
guns países, como na Inglaterra, a radiodifusão é considerada um ser-
viço público. Em outros, como nos Estados Unidos, ela é considerada
uma atividade que deve ser baseada no interesse público. “Se a escolha
terminológica é por Interesse Público, fica claro que são as condições,
omissas ou expressas, para a cessão do espectro à exploração de ne-
gócio privado. Ao se usar o termo Serviço Público, claramente se refere
à obrigatoriedade do Estado em garantir um direito aos cidadãos que
representa, seja direta ou indiretamente” (Santos; Silveira, 2007).
Na Europa, o rádio e a TV nasceram como um monopólio es-
tatal. Só havia emissoras controladas pelo Estado. Foi assim que sur-
giu a BBC e suas congêneres, como RAI (Itália), ARD (Alemanha), RTVE
22
(Espanha) e RTP (Portugal). Esses veículos foram criados baseados em
um modelo de financiamento apoiado na cobrança de taxas junto à
população e com instâncias de gestão que incluíram a participação da
sociedade (Moyses; Valente; Pereira, 2009). Esse fenômeno veio anco-
rado em uma noção que misturava a preocupação com a garantia dos
direitos dos cidadãos, à informação e ao conhecimento, com o uso des-
ses instrumentos conforme os interesses dos governos de plantão. Para
financiar esses aparatos, foram criados impostos. Dessa forma, o rádio e
a TV eram vistos da mesma forma que serviços de luz e de água, pelos
quais o cidadão precisava pagar para ter acesso. Na segunda metade do
século XX, em especial nos anos 1980, os países do velho continente
quebraram seus monopólios e abriram o setor para a iniciativa privada.
Ainda assim, permaneceu a ideia de que esse é um serviço público, e
como tal, mesmo quando é prestado por terceiros, deve estar submeti-
do a um conjunto de regras e obrigações.
Já nos Estados Unidos, o sistema nasceu fundamentalmente
comercial. A aprovação das duas primeiras leis para a área – o Radio Act,
de 1927, e o Communications Act, de 1935 –, consolidaram a explora-
ção dos canais de rádio e TV por grupos comerciais, a partir de licenças
do Estado. As regras permitiram a formação de redes e abriram espaço
para a hegemonia do modelo de financiamento calcado na venda de
espaços publicitários. Diferentemente do caso europeu, a radiodifusão
não era vista como serviço público, que deveria ser necessariamente
garantido pelo Estado, mas como uma atividade cujos prestadores
deveriam observar os conceitos de “interesse público, conveniência e
necessidade”. “Isto significa que a programação deve estar atenta às
necessidades e problemas da comunidade local de licença. Para isso,
cada estação licenciada deve identificar as necessidades e problemas
e, em seguida, tratar especificamente as questões locais que considere
significativas nas notícias, assuntos públicos, políticos e outras progra-
mações que vão ao ar” (FCC, 2008, apud Valente, 2013). Mas, na práti-
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Regulação democrática dos meios de comunicação
TV por assinatura
A regulação dos serviços de TV por assinatura, em geral, abrangem
a expedição de licenças e as diretrizes de programação. O primeiro, assim
como nos demais serviços de comunicações, é a definição do órgão regu-
lador que disciplinará a prestação e expedirá as licenças. Levantamento
realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre os
modelos de regulação desses meios, em 2008, houve, entre os países
pesquisados, a opção por um órgão que regula os parâmetros relativos à
programação de televisão, entendidas aí a aberta (radiodifusão) e a paga.
Alguns países caminharam para a fusão de órgãos reguladores, como no
caso da Federal Communications Comission (FCC) norte-americana e do
Office Of Communications (Ofcom) britânico. (Pieranti; Festner, 2008).
Um dos instrumentos utilizados na regulação da TV por assina-
tura para promover a diversidade e assegurar a veiculação de canais que
normalmente não seriam incluídos nos pacotes das operadoras é o carre-
gamento obrigatório (must carry, na denominação adotada em inglês). No
levantamento feito pela Anatel, 80% dos países pesquisados apresenta-
vam esse tipo de recurso (16 das 20 experiências internacionais analisa-
das). “Inicialmente pensado para obrigar a transmissão das emissoras de
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Regulação democrática dos meios de comunicação
Telefonia
A regulação dos serviços de telefonia não está relacionada ao
conteúdo das mensagens, ao contrário dos demais abordados nesta se-
ção. Ela trata, em geral, da oferta do serviço, do compartilhamento ou
não da infraestrutura e do financiamento. Esse setor foi historicamente
considerado um “monopólio natural” pelos altos custos de montagem
das redes nos países. Isso gerava dois problemas: 1) a dificuldade de com-
petidores “duplicarem” a rede; e 2) a tendência de, caso isso ocorresse,
essa atuação limitar-se apenas às áreas com clientes com maior poder
de consumo. Este último ponto, inclusive, foi utilizado como justificati-
va para a noção de “monopólio natural”, pois o estabelecimento de uma
companhia nacional permitiria a oferta do serviço nas áreas consideradas
“não rentáveis”, a partir da renda obtida nas regiões consideradas “lucrati-
vas”. Com base nessa justificativa, os países adotaram modelos baseados
em uma grande operadora nacional. Seja ela estatal, como foram o Siste-
ma Telebras, no Brasil, e a Telefónica, na Espanha, seja ela privada, como
foi a AT&T nos Estados Unidos.
28
Como as comunicações são reguladas
Internet
A Internet possui regulação semelhante à da telefonia (fixa e
móvel), por utilizar uma infraestrutura semelhante para o tráfego de
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Como as comunicações são reguladas
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Regulação das
comunicações no Brasil
4. Em 2012 as Organizações Globo tiveram faturamento de 12,59 bilhões de reais, com cres-
cimento de 36% do lucro em relação a 2011 (Manzano, 2013). E o faturamento do segmento
TV aberta chegou a valores estimados de 19,7 bilhões de reais (Jimenez, 2012).
43
Regulação democrática dos meios de comunicação
Seu, 2013). Uma pesquisa feita pelo professor da Fundação Getúlio Var-
gas (FGV), Samy Dana, sobre a banda larga em quinze países mostrou
o Brasil como o segundo mais caro (UOL, 2013). A ideia dessa rápida
recapitulação não foi esgotar o histórico das políticas de comunicação
do país, o que demandaria um outro livro apenas para isso. Procuramos
identificar grandes momentos ao longo da evolução do setor que servi-
ram de base para o estado atual, esse é o tema a ser discutido adiante.
- Princípios Constitucionais
- Grandes grupos de serviços (radiodifusão e telecomunicações)
- Radiodifusão:
- Sistemas (privado, público e estatal)
- Serviços (sons e sons e imagens)
- Modalidades de outorga (radiodifusão, educativa, comunitária)
- TV (radiodifusão de sons e imagens):
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Regulação das comunicações no Brasil
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Regulação democrática dos meios de comunicação
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Regulação democrática dos meios de comunicação
Congresso Nacional
A Câmara dos Deputados e o Senado têm como atribuições
elaborar Leis sobre o setor e fiscalizar o cumprimento das normas vi-
gentes. Também é papel das Casas analisar os pedidos de concessão e
de renovação de emissoras de rádio e TV.
Governos estaduais
Os governos estaduais atuam em relação à política de comuni-
cação pública e de governo em âmbito estadual, na definição dos crité-
rios de aplicação das verbas publicitárias, na implantação de políticas de
acesso à Internet e na execução de programas próprios de fomento ao
audiovisual e a outros veículos de comunicação. Para formular diretrizes
para essas ações, há casos em que houve a implantação de conselhos de
comunicação estaduais, como na Bahia e em Alagoas.
Governos municipais
A esfera municipal é a que possui menos atribuições na área das
comunicações. As prefeituras são responsáveis pela comunicação de
governo e pelo estabelecimento de critérios para a aplicação das verbas
publicitárias. No primeiro caso, são poucas as prefeituras que mantêm
veículos de radiodifusão próprios. Em sua maioria, o principal veículo é
o site. Também há poucos casos de políticas de fomento ao audiovisual
e a outros veículos de comunicação. Há exceções, como a empresa pú-
blica MultiRio, que promove ações importantes de estímulo aos produ-
tores da cidade e também veicula conteúdos realizados por ela.
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Regulação democrática dos meios de comunicação
3. Ela explora diretamente três canais (TV Brasil, em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, São
Luís, Belo Horizonte e Porto Alegre, a NBR, que é disponibilizada na TV por assinatura, e TV
Brasil Internacional, que já chega a 69 países) e por meio de parceria com universidades ou-
tros três (TV Universitária de Mato Grosso, em Cuiabá, TV Universitária da Paraíba, em João
Pessoa, e TV Universitária de Roraima, em Boa Vista). A EBC também opera oito estações
de rádio: Rádio Nacional da Amazônia (operando em ondas curtas), Nacional Brasília (FM e
AM), Nacional do Rio de Janeiro (AM), MEC (AM e FM no Rio de Janeiro e AM em Brasília) e
Nacional do Alto Solimões (AM e FM sediada em Tabatinga, no Estado do Amazonas). Infor-
mações retiradas da página oficial da empresa: www.ebc.com.br.
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Regulação das comunicações no Brasil
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Regulação democrática dos meios de comunicação
Radiodifusão
À exceção da EBC, que se orienta pela regulamentação do art.
223 da Constituição as emissoras são organizadas a partir das outorgas
previstas no Código Brasileiro de Telecomunicações e de suas regula-
mentações. Há três tipos de licenças desse tipo: o de radiodifusão, o
de radiodifusão educativa e o de radiodifusão comunitária. A “radio-
difusão” comportaria qualquer tipo de exploração, mas, pelo fato do
critério central para a escolha de quem vai estar à frente do canal ser
a licitação com base em quem pode pagar mais, esse tipo de licença
passou a ser concedida fundamentalmente a empresas4. Na radiodifu-
são, há rádios e TVs. No caso das primeiras, a outorga tem prazo de 10
anos, enquanto nas segundas, ele é de 15 anos. As rádios (entendidas
dentro da licença de “radiodifusão”) se diferenciam nas que operam em
Frequência Modulada (FM), de maior qualidade e menor alcance; Ondas
Médias (OM, mais conhecido como AM), de menor qualidade e alcance
médio; e Ondas Curtas (OC) e Ondas Tropicais (OT), de alcance maior
e qualidade mais reduzida. As TVs se diferenciam entre geradoras, re-
transmissoras e repetidoras5.
Podem explorar o serviço qualquer brasileiro nato ou natura-
lizado há mais de 10 anos ou pessoa jurídica constituída no país, de
acordo com o art. 222 da Constituição Federal. É permitido que o grupo
interessado possua capital estrangeiro, mas no limite de até 30% do
capital votante. Há uma polêmica em torno da possibilidade de depu-
tados e senadores poderem ser proprietários de emissoras. O art. 54
da Constituição diz que essas autoridades não poderão “[...] ser pro-
prietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor
4. O que faz com que essa licença seja inclusive confundida como “comercial”. No entanto,
não há impedimento, pelo menos formalmente, para que um ente sem fins lucrativos atue
por meio dessa concessão.
5. As geradoras, como o nome diz, geram programação própria. As retransmissoras retrans-
mitem programação de uma geradora (com algumas exceções) e as repetidoras são estru-
turas de ligação do sinal de TV.
56
Regulação das comunicações no Brasil
e o controle público da mídia”, publicado pelo Intervozes em 2007. A publicação está dispo-
nível em: <www.intervozes.org.br/arquivos/interliv005asotvdr>.
8. Dados do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (FSBTVD) constantes no
documento “Resumo do Avanço da TV Digital no Brasil e Vantagens da TV Digital”, sem data.
Disponível em: <http://forumsbtvd.org.br/theoffice/wp-content/uploads/2011/08/re-
sumo_tv_digital_no_brasil.pdf>. Acesso em 22 set. 2013.
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Regulação das comunicações no Brasil
Rede Digital, uma estrutura única que faria a transmissão dessas TVs
(TV Brasil, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, TVs Educativas etc.), mas,
até o presente momento, não há sinalização de que essa iniciativa será
realmente levada adiante. O único avanço, ainda que tímido, foi a cria-
ção do Canal da Cidadania, previsto no Decreto n° 5.820, de 2006. Ele
terá alcance municipal e operará em multiprogramação, com uma faixa
de conteúdo para poder público municipal, uma para o poder público
estadual e duas para associações comunitárias.
9. “Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas por li-
citação, FHC autorizou 357 concessões educativas sem licitação. Figueiredo distribuiu 634
e José Sarney 958 – basicamente comerciais – igualmente sem licitação. A distribuição foi
concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta da Veiga (PSDB-MG), coor-
denador da campanha de José Serra, esteve à frente do Ministério das Comunicações. Ele
ocupou o cargo de janeiro de 1999 a abril de 2002, quando, segundo seus próprios cálculos,
autorizou perto de cem TVs educativas. Pelo menos 23 foram para políticos. A maioria dos
casos detectados pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de Pimenta da Veiga”. Lobato,
Elvira. FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos. Folha de S. Paulo. 24 de agosto
de 2008.
64
Regulação das comunicações no Brasil
Rádios comunitárias
A regulação da comunicação comunitária no Brasil só assegu-
rou espaço na plataforma aberta ao rádio. As TVs ficaram relegadas à
TV a Cabo, primeiramente, e ao Serviço de Acesso Condicionado, seu
sucessor, mais recentemente. Pela Lei n° 9.612, de 1998, as estações
comunitárias devem cumprir objetivos como “[...] dar oportunidade à
difusão de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da
comunidade”; “[...] oferecer mecanismos à formação e integração da
comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social” e “[...]
prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de de-
fesa civil, sempre que necessário” (Brasil, 1998). A programação deve
atender a princípios como “[...] preferência a finalidades educativas, ar-
tísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral
da comunidade”; “[...] promoção das atividades artísticas e jornalísticas
na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendi-
da” e “[...] não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais,
convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas rela-
ções comunitárias” (Brasil, 1998).
O problema, no entanto, está no conjunto de restrições e dis-
criminações em relação às estações comerciais estabelecidas na men-
cionada Lei. Segundo a norma, as rádios comunitárias só podem operar
com potência de até 25 watts e ficam restritas a apenas um canal (que
fica tão no início do dial que há aparelhos que não o sintonizam). A re-
gulamentação da lei especificou que o raio máximo de transmissão é de
um quilômetro; os dirigentes devem morar na área atendida, o que pelo
baixo alcance permitido reduz fortemente o raio, dificultando a monta-
gem das associações que vão explorar o serviço; a formação de redes é
proibida, exceto em casos como calamidades públicas. O caráter restri-
tivo da Lei se comprova no modelo de financiamento apontado. O art.
18 permite patrocínio na forma de apoio cultural, mas “[...] desde que
restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendi-
65
Regulação democrática dos meios de comunicação
Telecomunicações
O modelo de regulação das telecomunicações nasceu do pro-
cesso de privatização do Sistema Telebras com a promessa de trazer
competição, melhoria da qualidade dos serviços e preços mais baixos.
Os operadores privados seriam os responsáveis pela prestação dos ser-
viços. Ao Estado caberia fixar a política para o setor, definir regras em
normas como o Plano Geral de Metas de Universalização e o Plano Na-
cional de Outorgas, instituir ou extinguir serviços e, fundamentalmen-
te, realizar a fiscalização do mercado por meio da Agência Nacional de
Telecomunicações.
Telefonia
A Lei Geral de Telecomunicações (9.472, de 1997) dividiu os ser-
viços entre aqueles prestados em regime público e em regime privado.
O primeiro compreendia os serviços entendidos como fundamentais e
que, portanto, deveriam estar sujeitos a metas de universalização, con-
tinuidade e ao acompanhamento do reajuste das tarifas. Entrou nes-
se grupo apenas a telefonia fixa. Já o regime privado compreenderia
aqueles serviços cuja expansão se daria por meio do mercado, cujos
operadores seriam submetidos a regras mais leves. Os maiores repre-
66
Regulação das comunicações no Brasil
TV por assinatura
Até 2011, a TV por assinatura era regulada por plataforma. A TV
a Cabo era disciplinada pela Lei n° 8.977, de 1995; o serviço de Distri-
buição Multicanal Multiponto (MMDS, na sigla em inglês), pelo Decreto
n° 2.196, de 8 de abril de 1997; e o serviço por satélite direto para casa
(DTH, na sigla em inglês), pela Portaria n° 321, de 21 de maio de 1997.
Em 2006, foram apresentados três projetos no Congresso Nacional
para unificar essas normas. Depois de muita discussão, em 2011 foi
aprovada a Lei n° 12.485, que ficou conhecida com Lei do SeAC.
A norma abriu o setor às empresas de telefonia, o que era proi-
bido pela Lei do Cabo. Também extinguiu o limite de 49% de capital
estrangeiro para a empresa que for explorar o serviço. Caiu ainda a lici-
tação para escolher quem vai atuar, bastando uma autorização da Ana-
tel. A Lei estabeleceu uma separação entre quem comercializa o serviço
e o distribui aos usuários e quem produz o conteúdo. As prestadoras de
interesse coletivo só podem ter até 30% do capital de emissoras de
68
Regulação das comunicações no Brasil
Para além do que não fez, a Lei do SeAC traz também proble-
mas pelo que promoveu. Em primeiro lugar, potencializou a interna-
cionalização do setor de TV por assinatura, que em diversos locais do
mundo caminha para ser o principal espaço do audiovisual, assumindo,
assim, o lugar relevante na formação da cultura, na difusão de conteú-
dos e no agendamento do debate público. Em segundo lugar, ao repre-
sentar um arranjo de mercado entre operadoras de telecomunicações e
emissoras de rádio e TV, serve como anteparo às propostas de mudan-
ça estrutural na legislação de cunho democratizante (que veremos no
próximo capítulo).
70
Regulação das comunicações no Brasil
Internet
No Brasil, a Internet é regulada fundamentalmente do ponto de
vista do acesso. Os prestadores desse serviço devem obter uma licença
do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). O país adota uma pers-
pectiva de Competição entre Redes, que parte do princípio de que a
concorrência entre as diversas plataformas (ADSL, Cabo, móvel) será
suficiente para atender o conjunto da população com qualidade e a
preços razoáveis. Por isso, apesar de estar prevista na Lei Geral de Tele-
comunicações, a desagregação de redes (unbundling) nunca foi efetiva-
mente implantada no país. Assim, as detentoras da rede podem vender
o tráfego de dados no atacado para outras prestadoras de serviço a pre-
ços mais altos, inviabilizando a competição. O modelo de custos (me-
todologia por meio da qual se descobre quanto custa esse tráfego, pos-
sibilitando que a agência reguladora impeça que as detentoras de rede
possam discriminar outras operadoras), 16 anos depois da aprovação da
LGT, ainda não existe. A direção da Anatel preferiu abrir mão dessa regra
utilizada em todo o mundo por acreditar que o Plano Geral de Metas de
Competição (PGMC), é suficiente para garantir a concorrência no setor.
O PGMC se baseia em um modelo de regulação que identifica empre-
sas com maior poder de mercado (ou Poder de Mercado Significativo) e
impõe mais exigências sobre essas operadoras.
Um outro tema relevante e polêmico foi a troca dos Postos de
Serviços de Telecomunicações (PSTs, espaços com telefone e fax que
deveriam ser implantados pelas concessionárias de telefonia fixa) pela
implantação de redes de Internet banda larga (backhaul) chegando a
todos os municípios, feita em um acordo entre o governo federal e as
teles, em 2008. Como essa infraestrutura foi implantada junto àquela
da telefonia fixa (que é pública e deveria retornar ao Estado após os
contratos de concessão), não ficou claro na normatização da Anatel o
que estaria na categoria de “bem reversível” (nome técnico utilizado
para essa infraestrutura) e o que não estaria. Como a fiscalização da
71
Regulação democrática dos meios de comunicação
Anatel sobre esses bens é falha (o que foi afirmado pelo Tribunal de
Contas da União no Acórdão 2468-35/10-P, de 2010), a exploração do
backhaul pelas operadoras junto da rede pública poderia significar uma
alienação dessa, que é estimada em 71 bilhões de reais pela Associa-
ção Proteste (Posseti, 2013a). A organização entrou com uma ação na
Justiça contra o governo pela troca e pela ausência de fiscalização dos
bens reversíveis.
Outra dimensão da regulação da Internet no país está relacio-
nada à qualidade do serviço. Em 2011, foram aprovadas metas de velo-
cidade para os pacotes de banda larga (no Regulamento de Qualidade
do Serviço de Comunicação Multimídia). A velocidade média (a média
das medições feitas na rede de uma operadora específica) mínima terá
de ser 70% a partir de 31 de outubro de 2013 e 80% a partir de 31
de outubro de 2014. Ou seja, se o usuário comprou um pacote de 10
megas por segundo, a operadora vai ter que assegurar, em média, uma
velocidade de 7 megas por segundo, em 2013, e 8 megas por segundo,
em 2014.
Em 2010, o governo lançou o Programa Nacional de Banda
Larga (PNBL)11. A Telebras foi reativada para atuar como operadora na
venda de tráfego de dados no atacado para prestadoras de serviço. Ela
faria isso por meio da administração de fibras óticas de empresas pú-
blicas, como Eletronorte e Petrobras. Com a posse do ministro Paulo
Bernardo, em 2011, o PNBL tomou um outro rumo, baseado no modelo
reivindicado historicamente pelo setor empresarial: redução dos preços
dos pacotes e investimentos na ampliação da oferta do serviço a partir
da isenção de impostos. O pacote de desoneração para investimentos
em ampliação da infraestrutura, estimado em 6 bilhões de reais, anun-
ciado em 2013, fez com que o Partido dos Trabalhadores (PT), legenda
do ministro Paulo Bernardo e da presidenta Dilma Rousseff, aprovasse
uma resolução conclamando “o governo a rever o pacote de isenções
73
As propostas de regulação
democrática da mídia no país
75
Regulação democrática dos meios de comunicação
78
As propostas de regulação democrática da mídia no país
CAMADA DE CONTEÚDO
CAMADA DE SERVIÇOS
CAMADA DE REDES
no caso do cabo), sem fio (por rádio) ou móveis (como nos pacotes
vendidos por operadoras de celular), e estariam submetidas ao regime
público. Assim, o poder público poderia estabelecer metas de univer-
salização para a penetração de infraestruturas, preços de referência de
comercialização dos dados no atacado e um plano básico que todas as
prestadoras que fossem comprar o serviço das redes que o vendem
no atacado teriam que oferecer aos usuários (Campanha Banda Larga
É Direito Seu, 2013). Haveria exceções para determinadas companhias
detentoras de rede, especialmente as que possuem rede própria e não
exploram o espólio do Sistema Telebras.
A camada dos serviços de comunicações estaria submetida ao
regime privado. Ou seja, teria obrigações menores. Mas os prestadores
(as operadoras que venderiam os pacotes ao cidadão) deveriam respei-
tar as exigências fixadas para a camada de redes. Quando uma mesma
empresa for participar da camada de redes e da camada de serviços,
ela teria que fazer a “separação funcional”, criando duas unidades “es-
truturadas como pessoas jurídicas diversas, assegurando-se condições
isonômicas às demais prestadoras atuantes” (op. cit.). No entanto, essas
operadoras não poderiam entrar na camada conteúdo, afirmando a se-
paração entre quem distribui e quem produz e programa.
Na área dos direitos e dos protocolos, o debate contemporâneo
mais importante no Brasil é o do Marco Civil da Internet. O Projeto de
Lei n° 2126, de 2011, construído a partir de forte discussão com a so-
ciedade civil, encontrou resistência do lobby do setor empresarial no
Congresso Nacional. A proposta de marco civil afirma direitos como
a liberdade de expressão e o acesso à informação, a proteção de da-
dos pessoais e da privacidade dos usuários, a preservação da natureza
participativa da rede e a garantia da neutralidade de rede. Este último
ponto provocou a maior polêmica. As operadoras de telecomunicações
pressionaram os parlamentares a retirar o item sob a alegação de que
isso interferiria no modelo de negócios praticado por elas. As empre-
86
As propostas de regulação democrática da mídia no país
Órgãos reguladores
O Projeto de Lei da Mídia Democrática propõe um tripé para a
regulação, tendo no centro a criação de um Conselho Nacional de Polí-
ticas de Comunicação, e a execução da política dividida entre a Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Cinema
(Ancine). O CNPC teria caráter semelhante ao do Conselho Nacional de
Saúde: caberia a ele a elaboração das diretrizes para as políticas públicas
e para a regulação do setor, bem como acompanhar a sua implantação.
Ele seria formado por representantes do governo (7), do Congresso Na-
cional (3), dos prestadores de serviço de comunicação (4), das entidades
profissionais ou sindicais (4), da comunidade acadêmica e da sociedade
civil (4) e de movimentos sociais (4), além de um da Procuradoria Fede-
ral dos Direitos do Cidadão e de um Defensor dos Direitos do Publico, a
ser criado. Pela proposta, seriam implantados conselhos congêneres nos
estados. A Anatel ficaria responsável pela camada de conteúdo, ela man-
teria a prerrogativa de administração do espectro, mas passaria a outorgar
os serviços de infraestrutura. Já à Ancine, caberia a camada de conteúdo,
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Regulação democrática dos meios de comunicação
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As propostas de regulação democrática da mídia no país
Conclusão
92
Referências
bibliográicas
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e extingue LGT. Telesíntese Análise, n° 275, 21 jan. 2011.
UOL ECONOMIA. Banda larga no Brasil é a 2ª mais cara entre 15
países, diz pesquisa. Publicada em 14 de maio de 2013. Disponível em:
<http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/05/14/banda-
-larga-no-brasil-e-a-2-mais-cara-entre-15-paises-diz-pesquisa.htm>.
Acesso em 25 set. 2013.
WOHLERS, Márcio. RIBEIRO, Carolina. Mudanças na comunica-
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no Brasil 2011-2012: vol 1, indicadores. Brasília: Ipea, 2012.
Legislação citada:
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100
Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.
Diretoria
Presidente: Marcio Pochmann
Vice-presidenta: Iole Ilíada
Diretoras: Fátima Cleide e Luciana Mandelli
Diretores: Artur Henrique e Joaquim Soriano
Coordenação editorial
Rogério Chaves
Assistente editorial
Raquel Maria da Costa
Equipe de produção
Reiko Miura (org.)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7643-184-8
CDU 659.3
CDD 302.23