Artigo Cemitério Dos Pretos Novos Até 1830 PDF

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GERMINAL: MORTE

E SEPULTAMENTO
DE PRETOS NOVOS
NO RIO DE JANEIRO

DO SÉCULO XIX*

ARTIGO
JÚLIO CÉSAR DE MEDEIROS**

Goiânia, v. 10, n.2, p. 173-185, jul./dez. 2012.


Resumo: este artigo examina a morte e o sepultamento de escravos recém-chegados, que
ocorreram no Rio de Janeiro, dos séculos XVIII e XIX, no Cemitério dos Pretos Novos que
se situava na região do Valongo, parte noroeste da Corte do Rio de Janeiro. A pesquisa his-
tórica demonstrou que, sem nenhum aparato religioso, os escravos que faleciam no mercado
do Valongo, eram lançados em covas rasas como se indigentes fossem. Seus corpos eram en-
terrados sem qualquer rito de sepultamnto, mas a redescoberta de suas ossadas pode ajudar
a compreender o legado deixado por eles.

Palavras-chave: Cemitérios. Morte. Ritos Funerários. Antropologia. História Cultural.

R ecentemente, o Brasil foi surpreendido por uma importante redescoberta: vestígios do


Cais do Valongo foram encontrados na região da Zona Portuária do Rio de Janeiro, dan-
do inicio a uma série de pesquisas que privilegiam a história de milhões de escravos que
adentraram a região para serem usados em todo trabalho compulsório (HAAG, 2011).
Grupos de pesquisadores das mais diversas áreas uniram-se no propósito de
explicar aspectos poucos conhecidos da escravidão, no Brasil. Evidenciava-se a impor-
tância do achado, acoplado a descoberta do funcionamento de “um complexo” que
remontava ao porto de entrada, os galpões de venda, lazaretos e cemitério. Sobre este

* Recebido em: 14.06.2012.


Aprovado em: 12.03.2012.
*** Professor na Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus de Chapecó/SC. E-mail: lino@uffs.
173 edu.br
último, a arqueologia tem procurado confirmar a consistência dos dados históricos que
assombraram o Rio de Janeiro, quando da descoberta, em 1996, que dava conta do fato
de que ali, os corpos dos escravos jamais eram sepultados.

Pelo lado do fundo está tudo aberto, dividido do quintal de uma propriedade vizinha por
uma cerca de esteiras, e pelos outros dois lados com mui baixo muro de tijolos, e no meio
uma pequena cruz de paus toscos mui velhos, e a terra do campo revolvida, e juncada de
ossos mal queimados (FREIREYSS, 1984).

O texto acima é de um dos primeiros que se debruçaram sobre o nefasto


campo santo, cuja peculiaridade residia no fato de que ali os corpos eram devidamente
sepultados, ou seja, nunca receberam ao menos um pouco de terra sobre os seus restos
mortais. Freireyss, o viajante alemão que descreveu acima o referido cemitério notou
horrorizado que, naquele local, a única marca da égide da Igreja era “uma pequena cruz
de paus toscos mui velhos” fincada no centro do terreiro e cercada por ossadas inse-
pultas (FREIREYSS, 1984) ao lermos a sua descrição vêm a nossa mente a imagem do
caos e da desolação reinante, quase somos levados a perceber a descrição de uma terra
que parece estar regada de sangue escravo, de ossos que brotam da terra, contorcidos,
queimados, esmagados pela infâmia da escravidão.
Aterrado pelas marcas do desenvolvimento urbano o cemitério foi tão apa-
gado da memória social quanto o depoimento de Freireyss, entretanto, cerca de 174
anos depois, em 1996, uma obra realizada na casa dos senhores Petrucio e Mercedes
trouxe à tona parte de passado escondidamente soterrado na Zona Portuária do Rio
de Janeiro. Tratava-se do antigo cemitério dos “Pretos Novos”1. O único cemitério de
escravos recém-chegados ao porto do Rio de Janeiro que fora mencionado pelo viajante
acima citado como um local onde se praticavam sepultamentos em valas comuns. Um
testemunho histórico da forma pela qual os escravos que morriam nos barracões féti-
dos do Valongo, onde se situava o maior mercado de escravos entre os séculos XVII e
XIX, no Rio de Janeiro eram sepultados sem nenhum respeito. Portanto, vale a pena
passarmos a limpo alguns dados históricos sobre este cemitério destacando, sobretudo,
a importância dos achados arqueológicos não apenas para a história, mas também para
outros campos de conhecimento. As contribuições das diversas pesquisas empreendidas
ali, hoje, podem ajudar na compreensão não só acerca dos escravos ali sepultados, mas
também revelar aspectos sociais extremamente contraditórios que atravessam todo nos-
so passado escravista e, cruzando o Atlântico, ancora no continente africano, berço da
humanidade. Este artigo caminha neste sentido.
O Cemitério dos Pretos Novos não chamou a atenção apenas do viajante
alemão chamado Freireyss (1984), moradores do entorno, no início do século XIX
também reclamaram do estado do campo santo pela forma qual os escravos eram
ali enterrados. O terreiro se situava no antigo caminho da Gamboa, que ficou co-
nhecido como Rua do Cemitério e mais tarde Rua da Harmonia (a atual Pedro
Ernesto). O Cemitério foi criado em 1722 (SOARES, 2000), e viveu a sua fase final
no período de 1824 a 1830, tendo recebido nesse intervalo de tempo cerca de 6.000
corpos em um espaço físico de mais ou menos 100 m². Os registros dos óbitos foram
arrolados no livro de óbitos da freguesia de Santa Rita, responsável pelos sepultamentos
ali praticados. Neste livro de óbitos, nossa principal fonte de pesquisa, encontramos os
seus respectivos navios, suas nações ou portos de origem, os seus respectivos donos e a 174
idade dos “escravos novos”, bem como as marcas que os mesmo recebiam por ocasião
do embarque em seus Tumbeiros.
Para descrevermos um pouco da história deste cemitério lançamos mão de vá-
rias fontes primárias, dentre elas, jornais de época, relatos de viajantes, ofícios dirigidos
à Câmara de Vereadores e abaixo-assinados dos moradores do Valongo que pediam o
fim do cemitério. Nesse sentido, entendemos através da noção de representação social
(CHARTIER, 2000), o aparelho simbólico que conferia aos pretos novos a possibili-
dade de serem lançados à flor da terra, desprovidos de qualquer ritual religioso, bem
como aparatos como mortalhas, roupas e orações 2. Inseridos em sociedade escravista
e extremamente hierarquizada, os pretos novos ocupavam o patamar mais baixo da
população3. Sendo-lhes vedada qualquer forma de tratamento respeitoso e de conside-
ração, até mesmo na hora da morte.
As razões para o alarde em torno do funcionamento do cemitério estão em con-
sonância com o crescimento desordenado da cidade, bem como um intenso tráfico ne-
greiro, presenciado fortemente após a vinda da família Real para o Brasil, em 1808. Tudo
isso fez com que os habitantes da Corte tivessem os mortos por parede-meia, gerando um
conflito de interesses onde estavam em jogo, como veremos, o prestígio da igreja, a via-
bilização do discurso higienista e os interesses mercantis em face à imobilidade decisória
do Estado. O cemitério dos Pretos Novos pode, então, se revelar tanto como medida das
tensões sociais e conflitos sociais, como capaz de nos conduzir a indícios de elementos
comuns urdidura social escravagista, onde a noção de lucro, religiosidade e cultura estão
definitivamente permeadas pelas ações cotidianas de pessoas comuns e por que não dizer,
na forma como sepultavam os seus mortos (GINZBURG, 1991).
Sabe-se que o cuidado na hora da morte sempre foi um tema delicado em
todas as sociedades conhecidas. Ao longo dos séculos, a ideia de morrer foi ora arre-
messada para longe de qualquer lembrança ou contato, ora foi trazida para bem perto
dos olhos e do convívio social. O cristianismo conseguiu, dentro da tradição semita, se
impor como uma religião inumista e trazer os sepultamentos para dentro das cidades,
algo impensável na lei judaica, uma vez que todos os sepultamentos eram feitos em
locais afastados do perímetro urbano, se possível fora dos muros da cidade. Este foi o
caso de Jerusalém, cidade cujos sepultamentos eram feitos extramuros.
O cuidado com o morto foi tão importante que Orígines advertia na obra
Contra Celsum sobre o cuidado que se devia ter com relação aos mortos, bem como
o uso da procissão fúnebre (CATROGA, 1999). A procissão fúnebre medieval já era
comum e nela já se encontravam elementos que perdurariam por toda a Idade Média,
ou seja, os cantos fúnebres, o carregamento de estandartes da cruz e as relíquias dos
santos. Os mortos cada vez mais faziam parte da vida dos vivos.
Os primeiros cristãos tinham o costume de sepultar os seus mortos, com ritos
próprios, e em lugares separados, aos quais chamavam de coemeterium (palavra latina deri-
vada do grego koimètérium, forjada a partir do termo Koimâo, que tem por significado “eu
faço dormir”). Nesses espaços, com o intuito de fugir da perseguição vigente, sobretudo nos
primeiros séculos do “Nosso Senhor Jesus Cristo”, os cristãos se reuniam para celebrar o seu
culto nos mesmos lugares onde sepultavam os seus mortos. Talvez não fizesse sentido sepa-
rar vivos e mortos, uma vez que a morte apontava para a finitude da vida na mesma medida
em que sinalizava o início da eternidade no paraíso, portanto, longe de Roma e seus algozes.
Mais tarde, já com a Igreja aceita e apropriada pelo Estado, a construção de igre-
175 jas se daria ao lado das criptas e catacumbas e, a partir do século IV, primeiramente os reis
e, mais tarde, todos os seus súditos, passariam a ser sepultados dentro das igrejas respei-
tando, é claro, a hierarquia social em vida de forma que os locais privilegiados, mais perto
do altar e dos santos, fossem separados para as figuras mais notórias em vida terrena.
A morte passara, mesmo que de uma forma simbólica, a pertencer aos cui-
dados da Igreja, porquanto abadias, irmandades, corporações religiosas e de ordem
terceiras, passaram a dominar este terreno que se tornava de jurisdição sacerdotal. Era
o enterro ad Sanctus.
Sabe-se que no Brasil os sepultamentos durante o período colonial e parte do
Império eram do mesmo modo realizados ad Sanctus, ou seja, nas igrejas; nesse tempo,
a ideia da “boa morte” ainda estava vinculada ao momento do óbito da pessoa e o seu
local de enterramento4. Nesse sentido, dentro de uma mentalidade ainda marcada pela
época medieval, estar enterrado em uma igreja era estar perto de Deus, o que significava
uma maior possibilidade de uma vida feliz no além (REIS, 1997). Assim, as igrejas no
Brasil recebiam os corpos de seus fiéis desde que tivessem sido na vida secular, pessoas
de certa posição social, e que os seus pudessem arcar com as despesas do sepultamento.
Desta feita, quanto mais alta a posição social do defunto, maior sua proximidade com
o templo, quando não do próprio altar (RODRIGUES, 1997). Sepultamento e a con-
dição social, tal qual se evidenciou na Europa, deu-se da mesma forma aqui.
Contudo, os escravos inseridos no mesmo contexto sociocultural da época
também almejavam ser enterrados nos templos diante de algum tipo de cerimônia
religiosa. Muito embora esse ritual para eles pudesse ter outra conotação, eles somente
conseguiam ser sepultados em igrejas por intermédio das Irmandades, as quais propi-
ciavam aos seus membros um sepultamento dentro dos padrões tidos como dignos.
Todavia, os corpos dos escravos chamados pretos novos5, os quais ainda não haviam
sido inseridos no contexto social - a despeito de já terem recebido o batismo cristão
ocidental, quer fosse na África ou nos porões dos navios negreiros - eram simplesmente
lançados à flor da terra, em covas rasas (PEREIRA, 1997).
Era esse o caso do cemitério dos Pretos Novos, no qual as condições de enter-
ramento eram extremamente precárias. Para termos uma ideia de como eram sepultados
tantos escravos em um espaço tão pequeno, recorremos ao livro de óbitos da Freguesia de
Santa Rita, para realizar a quantificação de dois anos cruciais para o referido Campo Santo.
Partindo de 1824-25, da abertura do livro até 1830, ano do fim do mesmo, observamos:

Tabela 1: Sexo e faixa etária dos escravos novos sepultados no Cemitério dos Pretos
Novos, 1824-25
Sexo e Faixa etária de escravos novos # %
Escravos novos 815 72.38
Escravas novas 104 9.23
Moleques novos 57 5.06
Molecas novas 33 2.93
Crias 35 3.12
Outros 6
82 7.28
Total 1.126 100%
Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de óbitos de escravos da freguesia de Santa Rita,
1824-1830. 176
De 13 de dezembro de 1824 a 27 de dezembro de 1825 foram sepultados
1.126 escravos, a grande maioria de escravos adultos do sexo masculino, 73%. Em se-
gundo lugar figuram as escravas adultas, com uma taxa de 9,23% do total. Quanto às
crianças, pode-se dizer que novamente o número de escravos do sexo masculino sobres-
sai (cerca de 5,06% de meninos contra 2,93% de meninas). Pela taxa de mortalidade,
somos tentados a achar que os homens morriam mais que as mulheres. Porém, essa
ideia não pode ser sustentada frente a outros números, como o de entrada de escravos,
que indicam que o número de homens era sempre maior que o de mulheres, fato este
que gerava um problema na demografia escrava.
Outros dados interessantes também foram retirados desse livro de Óbitos.
Procuramos quantificar o último ano do cemitério a fim de verificarmos se a taxa de
mortalidade se mantinha estável ou não. No caso de confirmação, poderíamos concluir
que medidas para evitar a morte dos escravos não haviam sido tomadas. Se não con-
firmada nossa expectativa, restava apenas verificar quais foram as circunstâncias que
trouxeram esta variação, conforme a tabela abaixo:

Tabela 2: Sexo e faixa etária dos escravos novos Sepultados no Cemitério dos Pretos
Novos, 1829-1830
Sexo e Faixa etária de escravos novos # %
Escravos novos 621 91.59
Escravas novas 40 5.92
Moleques novos 02 0.29
Molecas novas 03 0.44
Crias 03 0.44
Outros 7
09 1.32
Total 678 100%
Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de óbitos de escravos da freguesia de Santa Rita,
1824-1830.

Como se pode observar, o número total de escravos enterrados caíra para 621,
menor mesmo que o número de escravos homens no ano de 1825, que foi de 815. En-
tretanto, fica aqui um registro importante: a taxa de mortalidade estava caindo drasti-
camente, o que pode apontar para a hipótese de que o tráfico negreiro tenha diminuído
às vésperas do cumprimento do acordo entre o Brasil e Inglaterra para o fim do Tráfico
Transatlântico de escravos. O final do tráfico previamente anunciado elevava o preço
do escravo por conta do risco, mas diminuía a entrada de negros novos pelo porto do
Rio de Janeiro, consequentemente, o número de sepultamentos também diminuía. Isto
prova que o cemitério dos Pretos Novos era exclusivamente destinado ao sepultamento
de escravos recém-chegados.
O livro de óbitos do cemitério ainda nos indicou outro dado importante: a
origem de cada escravo sepultado. Verificamos que quase 70% deles eram provenientes
da África Central Atlântica, ou seja, do tronco linguístico banto e que tinham uma for-
ma diferenciada de entender e de se comportar diante da morte8. Na cosmologia banto,
o mundo encontrava-se dividido em duas partes que se completavam, ou seja, duas
177 dimensões: a do mundo “perceptível” que seria esta na qual vivemos, e a do mundo
das “causas invisíveis” onde qualquer acontecimento excepcional, fosse bom ou ruim,
era fruto de obras realizadas em outro mundo, por outro lado, os bantos praticavam o
culto aos ancestrais, no qual a figura dos antepassados era de suma importância para
cada linhagem bem como para o sucesso nas colheitas, na pesca, e para a manutenção
da própria vida. Nesse sentido, morrer longe dos seus, ou não ser sepultado significava
um corte drástico na manutenção da vida em comunidade. Morrer desta maneira sig-
nificava ficar sem linhagem e sem uma perspectiva de vida futura (SILVA, 2002). Além
disto, o mar era visto como o um local da travessia para o mundo do além, ou, como
na língua banto, a “Kallunga”, que fazia divisa com o lugar onde os mortos habitavam,
que neste caso estava repleto de brancos9.
É neste sentido que o conhecimento da cultura africana e o seu modo de en-
carar a morte nos serve como chave de entendimento do motivo pelo qual os escravos
buscaram se filiarem à irmandades, como no caso da irmandade do Rosário (SOARES,
2000, p. 175). Em primeiro lugar eles temiam que seus os corpos fossem inumados sem
nenhum tipo de ritual, lançados à terra sem nenhum paramento religioso, não porque
temessem as covas da indigência, mas porque para eles morrer assim significava, antes
de tudo, morrer longe dos seus ancestrais, e em segundo; ser sepultado no cemitério
dos Pretos Novos significaria um corte definitivo na linhagem dos antepassados e a
impossibilidade, no pensamento africano, de reviver junto aos seus do outro lado do
Atlântico, no continente africano.
O cemitério dos Pretos Novos estava cravado no Valongo desde 1769, quan-
do o Marquês do Lavradio, insatisfeito com modo precário pelo qual os escravos
eram expostos no mercado que funcionava próximo ao Paço Imperial, mandou que
o mesmo fosse transferido para o Valongo que, hoje compreende a atual zona por-
tuária, formada pelos bairros da Gamboa e Santo Cristo. Essa mudança do mercado
da Praça XV para o Valongo fez com que o cemitério dos Pretos Novos fosse trans-
portado do largo de Santa Rita para a rua que ficou conhecida como a antiga Rua do
Cemitério, depois Rua da Harmonia e hoje, Rua Pedro Ernesto pertencente ainda à
jurisdição da freguesia de Santa Rita. Foi nesse período que o cemitério vivenciou a
maior concentração de corpos.
No final do século XVIII, a concentração comercial no local trouxe um au-
mento populacional intenso (LAMARÃO, 1991), fazendo com que o cemitério fosse
cercado de casas. Ocorreu um “adensamento populacional na região do bairro Saúde,
Valongo e da Gamboa, onde morros, encostas e enseadas são paulatinamente ocupadas
por residências” (RODRIGUES,1997, p. 71). O entorno do cemitério foi tomado por
casas, geralmente por famílias pobres e que não tinham condição de se mudar da fre-
guesia de Santa Rita, quer fosse por conta das poucas obras de aterramento; quer fosse
por se tratar de pessoas pobres, sobretudo negros libertos que precisavam estar junto ao
porto e ao centro comercial da cidade para poder ganhar alguns réis para sua subsistên-
cia. Ou seja, os vivos, por forças das circunstâncias, se tornaram vizinhos dos mortos.
Seguir os vestígios do cemitério dos Pretos Novos é, também, seguir os ras-
tros deixados pelas reclamações e ofícios de queixas contra o mesmo. A partir de 1820,
pode-se encontrar vários protestos que descrevem o cemitério da pior forma possível,
geralmente versando sobre o mau cheiro ali exalado10 e acusando-o dos miasmas que
grassavam na cidade11.
Não tardou muito e, em 1821, os vizinhos do “indesejável” cemitério redi-
giram dois requerimentos endereçados ao príncipe regente, nos quais pediam que o 178
cemitério fosse transferido para um local “mais remoto”, “em razão dos grandes males”
produzidos à população local. O primeiro destes dizia que os moradores “sofriam” en-
fermidades, e o segundo destes requerimentos tinha um teor bem parecido:

Já não podem sofrer mais danos nas suas saúdes. Por causa do cemitério dos pretos novos,
que se acha sito entre eles, em razão de nunca serem bem enterrados os cadáveres; como
também por ser mito impróprio em semelhante lugar haver o referido cemitério, por ser hoje
ema das grandes povoações (CUNHA, 1822).

Como se pode ver no requerimento a cima, os corpos não eram enterrados, ou


seja, eram deixados à flor da terra, sem nenhum tipo de cuidado, o que deve ter feito
com que os odores dos cadáveres insepultos incomodassem os vizinhos sobremaneira.
No caso do cemitério dos Pretos Novos, o intendente de polícia João Inácio
da Cunha solicitou ao juiz do crime do bairro de Santa Rita que fosse averiguar os
fatos. Quando o juiz se dirigiu ao cemitério, teve péssimas impressões e, mais tarde,
responderia em outro ofício o que havia constatado. Segundo o seu parecer, o cemitério já
era pequeno para tantos corpos o local era “impróprio para semelhante fim”, e, por outro
lado, o drama dos moradores era o de agora, depois do crescimento da cidade, se verem lado
a lado a um cemitério de escravos.
As testemunhas do Valongo foram arroladas e ouvidas pelo juiz do Crime e
todas elas contaram a mesma versão: o cemitério incomodava, cheirava mal e estava
abandonado. Observando o rol das testemunhas nota-se que todas eram brancas, ape-
nas uma era militar e o restante era, em sua maioria, comerciantes que provavelmente,
mais do que as suas saúdes, viram ameaçados os seus bolsos por terem um cemitério
mal cuidado por vizinho. É importante observar que esse número de pessoas arroladas
como testemunhas não pode servir como única fonte de amostragem da condição so-
cial dos moradores do Valongo; por certo, esses moradores que redigiram as petições
tinham acesso às informações médicas que circulavam nos meios de comunicação dis-
ponível aos letrados.
No ano seguinte, em 12 de março de 1822, o intendente de polícia se dirigiu
até a Secretaria de Estado para prestar as informações e sugerir soluções sobre o caso.
Em primeiro lugar ele disse que se achava “aquele lugar já quase todo rodeado de ca-
sas.” Em seguida, relata sobre o mal estado do cemitério que tinha apenas uma cerca
de esteiras como fundo do terreno, paredes laterais baixas que davam ao cemitério a
impressão de inacabado e uma pequena “cruz de paus toscos”, por lembrança da égide
da Igreja naquele local.
Segundo o intendente de Polícia, não era fácil se encontrar um outro lugar
para sepultamento, principalmente um que fosse próximo ao porto.

Não é fácil, porém achar-se terreno [...] as circunstâncias [...] para servir de cemitério; porque
perto não o há, e longe é um tanto incômodo para a condução dos cadáveres; e então pertencia
a outra freguesia, em prejuízo dos rendimentos e do atual vigário (CUNHA, 1822).

Ao mesmo tempo, o intendente de polícia nos revela um episódio novo, uma


suposta disputa pela posse do cemitério, ou seja, pela renda dele advinda. Fontes in-
dicam que, anteriormente, já havia sido sugerida a mudança do cemitério para outro
179 lugar, bem como o desmembramento da freguesia. Em 1814, pois, segundo solicitação
dos moradores do Valongo, o cemitério passaria à freguesia de Santana. No entanto,
o vigário de Santa Rita, temendo a perda “dos advindos dos trabalhos paroquiais exer-
cidos no dito”12, conseguiu manter o cemitério sob sua jurisdição e renda proveniente
dos sepultamentos. Por último, o intendente dá as ordens para que se melhore o enter-
ramento naquele local:

Que se ordene ao vigário da freguesia da Santa Rita, a cujo distrito pertence o cemitério,
que contrate o terreno que lhe fica coontíguo para aumentar o cemitério existente, que o
cerque todo de muro alto pelos quatro lados; que ponha pessoa capaz, que cuida em fazer
enterrar bem os corpos; e finalmente que olhe para a decência, e decoro do cemitério como
deve, e é de esperar do seu caráter, conhecimentos e probidade. (CUNHA, 1822).

Os documentos do Arquivo Geral da Cidade não possibilitaram verificar se o


cemitério de fato fora aumentado ou se fora trazida uma “pessoa capaz em fazer enterrar
os corpos”. No entanto, as reclamações dos moradores cessaram pelo menos por um
tempo e, entre 1823 e 1828, não se ouviu mais falar no cemitério.
Em 23 de janeiro de 1829, o editorial do jornal Aurora Fluminense rompeu
esse silêncio e publicou uma matéria contra o “cemitério dos Pretos Novos”.13 O teor do
publicado é praticamente o mesmo de 1822. Voltavam as mesmas reclamações após seis
anos, com os moradores mobilizados novamente para pressionar o poder público. Mais
uma vez os vivos já não aceitavam conviver “parede e meia” com os mortos.
Ao final da década de vinte de 1800, as diversas transformações que ocor-
reram no perímetro urbano, aliada as constantes epidemias que graçavam na cidade
motivaram o surgimento de novas posturas municipais que regulassem o espaço pú-
blico, saneando as prisões, açougues e matadouros. Nota-se uma forte influência do
higienismo que procura legitimar e tomar para si, aliado ao Estado, um novo campo
de ação (COSTA, 1983).
A proposta é a de que se deixe a prática de sepultamentos intramuros, ou seja,
dentro da cidade, e se procurasse criar cemitérios fora da área urbana, onde os odores e
miasmas seriam afastados do contato como os vivos.
Em 1829, o Juiz Presidente da Câmara da Corte Luiz Paulo de Araújo Bastos
remeteu um ofício à Câmara Municipal, alegando ser o “assunto da competência da
municipalidade, devido a um decreto imperial de 1828”. Segundo o mesmo, a Câmara
deveria ser incumbida da transferência de cemitérios para fora dos templos, “bem como
tudo o que fosse relativo à saúde pública” (RODRIGUES, 1987, p. 77).
Em 13 de março de 1830, se deu o último sepultamento no cemitério dos
Pretos Novos, fim do cemitério. As pesquisas podem indicar que o fim provável
do cemitério, não tenha sido ocasionado pela pressão higienista, nem dos meios de
comunicação, ou mesmo fruto do clamor dos moradores. A hipótese mais aceita
sobre o fechamento do campo santo é a de que em 1830, por ter se dado o acordo
de proibição de tráfico de escravos, firmado entre Brasil e Inglaterra, o Brasil tenha
sido forçado a extinguir o campo santo por não poder justificar a existência de um
cemitério de escravos recém-chegados da África, em face de, pelo menos em tese, não
haver mais tráfico negreiro14.
Do século XIV até o século XVIII, o local de inumação foi se diferenciando
de acordo com a classe social à qual pertencia o morto, bem como o seu lugar de enterro
e o modo de fazê-lo. Entretanto, a desigualdade terrena se refletia na hora derradeira 180
em que, a alma iria prestar contas do que fez por aqui. Entende-se, pois, que logo há
separação entre “mortos” e “mortos”, de sorte que os despossuídos desta vida terrena
podiam ser lançados em um lugar qualquer, sem assistência, nem ritual fúnebre, ou
seja, à flor da terra.
O Cemitério dos Pretos Novos cumpre o seu papel que é o de receber os
corpos dos africanos que nem chegaram a ser vendidos e por isso, na hierarquia social
deveriam prefigurar no patamar mais baixo. O Cemitério dos Pretos Novos era assim
o “lugar de reprodução simbólica do universo social.” �����������������������������
(URBAIN, 1978)���������������
em que a desi-
gualdade no além espelha a falta de equidade praticada na terra.
Contudo, o sepultamento dos milhares de africanos escravizados naquele lo-
cal não foi de todo em vão, pois como dissemos no início deste artigo, a redescoberta
deste cemitério tem alavancado as pesquisas no campo não apenas da escravidão, mas
também de outros campos de saberes tem demonstrando que o assunto está muito
longe de ser superado. Se os ossos dos escravos sepultados deixados à flor da terra foram
encobertos pelo tempo, agora eles ressurgem como indícios da crueldade e ambição
humana.
É que a equipe de pesquisadores, coordenada pela Prof.ª Drª Sheila Men-
donça de Souza, composta por pesquisadores das mais diversas áreas de conhecimen-
to, publicou um excelente artigo na Revista Ciência hoje, nº291, em que analisam
parcialmente os dados encontrados no Cemitério dos Pretos Novos. Através da aná-
lise do estrôncio15 tais pesquisadores chegaram à conclusão de que os pretos novos
inumados naquele campo santo vieram de diferentes áreas do continente africano,
reforçando a afirmativa que a necrópole é, de fato, constituída por pessoas de origem
africana (SOUZA et al. 2012, p. 27).
Recentemente, também a dissertação de Mestrado defendida pelo arqueólogo
Reinaldo Bernardes Tavares, arqueólogo do Núcleo de Pesquisa do Instituto de Me-
mória e Pesquisa Pretos Novos, trouxe nova luz a questão arqueológica no tocante ao
espaço que o cemitério ocupava. A dissertação intitulada “Cemitério dos Pretos Novos
no Rio de Janeiro, século XIX: uma tentativa de delimitação espacial” junto ao pro-
grama de Pós-graduação em Arqueologia do Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Museu Nacional), sob a orientação da profª Drª Tânia Andrade, demonstrou que, de
fato, o espaço reservado para os sepultamentos era muito menor do que imaginávamos.
Reinaldo B. Tavares passou a utilizar toda a metodologia necessária para o
esclarecimento acerca posição real do cemitério, pois este era o primeiro momento em
que a arqueologia deparava-se com a possibilidade de se encontrar ossadas e artefatos
arqueológicos desde o “salvamento” realizado em 1996.
Após a execução de “uma série de poços-testes” (TAVARES, 2012, p. 97),
“poços de sondagem”, cotejamento de mapas e fontes históricas e a aplicação da
metodologia pertinente ao campo arqueológico, Reinaldo B. Tavares concluiu que
o terreno deveria ter cerca de 4.235m2 e não os supostos 690m² (levando em conta
somente a informação do muro em 50 braças em quadra). Tal consideração não in-
viabiliza a proposta de que o espaço era pequeno para tantos sepultamentos em tão
pouco tempo, já que a inumação era realizada, na sua totalidade, em valas comuns,
que eram necessariamente retrabalhadas para receberem mais corpos. Porquanto,
o processo de destruição dos ossos se mostrou extremamente violento, pois foram
encontrados ossos queimados, calcinados e quebrados espalhados pela superfície da
181 necrópole. Isto foi feito em decorrência da necessidade de se reduzir ao máximo o
volume dos remanescentes ósseos para que novos corpos pudessem, em tão pouco
tempo, pudessem ali ser sepultados.
A pesquisa encontrou também um sítio de contato indígena, possivelmente
um acampamento de pesca, o que demonstra que a região do Valongo foi uma impor-
tante via de acesso para os diversos colonizadores portugueses que se mesclaram aos in-
dígenas em mesmo espaço, já que foram encontradas cerâmicas indígenas tupi-guarani
ao lado de cerâmicas europeias.
Durante as pesquisas, no momento da reforma do salão que iria abrigar o
memorial dos Pretos Novos, tanto na sondagem 02, quanto na sondagem 03, foram
encontrados vários fragmentos de artefatos que normalmente não estão associados a
um cemitério aos quais, Tavares não pode se furtar a análise e, após todos os cuidados
metodológicos afirmou ali haver:

Fragmentos de cerâmica, de faiança inglesa, portuguesa, fragmentos de metal ferroso e restos


alimentares. Tudo estava misturado, não somente corroborando uma das nossas duas hi-
póteses, mas ampliando a sua abrangência. Pois, se imaginávamos que o terreno da antiga
necrópole havia sido utilizado como depósito de detritos urbanos, após o seu fechamento,
constatamos que ele foi utilizado como depósito de lixo urbano ainda durante o seu uso, o
que ao nosso ver, é simbolicamente muito mais grave (TAVARES, 2012, p. 136).

Também foram encontrados diversos artefatos como, por exemplo: contas de


vidro, miçangas brancas e azuis, além de ossos de animais (restos alimentares deposi-
tados como lixo urbano), fragmentos de material construtivo (telhas, tijolos e pedras
de mão) e fragmentos de cultura material africana. Mas uma coisa, entre tudo, muito
chamou atenção por serem testemunhas de individualidade dos povos africanos e dos
próprios indivíduos. Como ele mesmo afirma:

Surpreendentemente também, encontramos pequenas contas de vidro e miçangas que esta-


vam espalhadas no solo. Neste caso, não se tratava de lixo urbano, mas sim de fragmentos
da cultura material dos africanos submetidos à escravidão. Foram encontradas miçangas
brancas e azuis (de diversas tonalidades), além de contas vermelhas, verdes, brancas e azuis
(TAVARES, 2012, p. 138).

Os ossos dos escravos estavam deixados sem nenhuma organização espacial,


torcidos, queimados em diferentes graus de exposição ao fogo (cremados, carbonizados
e calcinados), quebrados, lascados, soltos ao solo sem nenhuma conexão anatômica.
Aqui, arcadas dentárias em meio a ossos longos; ali, ossos curtos com o indício de te-
rem sido quebrados após a descarnação; mais adiante, fragmentos de crânios em meio a
artefatos variados. Tudo isto à mostra em um espaço revelando todo contexto descrito
pelo Intendente de Polícia João Ignácio da Cunha “ [...] a terra do campo revolvida e
juncada de ossos mal queimados.” Citado ao longo deste artigo.
O paradoxo deste achado, corroborado pelas pesquisas empreendidas, con-
siste no fato de que foi justamente a violência simbólica cometida contra os africanos
escravizados, mortos e descartados como lixo no Cemitério dos Pretos Novos, ser agora
a fonte mais reveladora sobre a forma e as condições de vida e morte que os nossos an-
tepassados foram submetidos no Brasil. Ele é a prova inconteste de que o ser humano é
capaz de tratar de forma atroz o seu semelhante pelo simples fato de lhe negar a condi- 182
ção primordial do ser que é o da humanidade. Entrementes, é impossível caminhar na
Zona Portuária sem tropeçar em um fragmento de osso torcido que, ao germinar da
terra onde um dia foi lançado, insiste em revelar o incomodo passado que nenhuma
reforma urbana jamais poderá ocultar.

GERMINAL: DEATH AND BURIAL OF YOUNG BLACKS IN RIO DE


JANEIRO IN THE NINETEENTH CENTURY

Abstract: this paper examines to death and burial of new black slaves that occurred in
Rio de Janeiro, the eighteenth and nineteenth centuries, the Cemetery of New Blacks in
the region of Valongo, northwestern of the Court of Rio de Janeiro. Historical research
has shown that slaves buried without religious care or funeral. The deceased also buried
without any funeral rites, but the rediscovery of their bones can help us understand the
legacy left by them.

Keywords: Cemeteries. Death. Funeral Rites. Anthropology. Cultural History.

Notas

1 Pretos novos é a nomenclatura escravista designada para africanos escravizados recém-chegados, ou


boçais, ou seja, que ainda não sabiam nem os costumes nem a língua, muito menos foram revendidos
em solo brasileiro.
2 Mariza Soares chama atenção para o fato de que os sepultamentos realizados, principalmente, pelas
irmandades, consistiam em procedimentos como o pagamento do padre, a mortalha, o esquife, a
sepultura, missa e velas (SOARES, 2000, p. 152).
3 “No Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII é impossível pensar a hierarquia social sem levar em
conta a hierarquia dos homens e dos santos... no outro extremo desta hierarquia estão os africanos
recém-chegados, chamados ‘pretos novos’, ‘boçais’ e ‘infiéis’” (SOARES, 2000, p. 136-7).
4 Os estudos de J. J. Reis e de Claudia Rodrigues são abrangentes a esse respeito.
5 Logo que eram vendidos ou aprendiam a o português, os escravos passavam a ser chamados de
“ladinos”. Para este trabalho preferimos o termo “pretos novos” porque a documentação assim trata
e porque o termo dá nome ao cemitério a que nos referimos.
6 Sepultamentos de escravos ladinos.
7 Sepultamentos de escravos ladinos.
8 Para o historiador Robert Slenes (1995), a cultura banto é importante posto que o Rio de Janeiro
recebera, durante a vigência do tráfico negreiro, um contingente expressivo de africanos oriundos
de regiões que compartilhavam os mesmos traços culturais.
9 Não só a cor branca significava a morte, mas também os homens brancos eram tidos como os próprios
mortos, uma vez que habitavam o outro lado da Kalunga. É o que observa Mary Karash quando
traz um relato onde um exemplo de “crença de canibalismo”, presenciado pelo francês Dabadie, que
presenciara “gritos agudos” de um “escravo novo”, que gritava aterrorizado se escondendo em baixo
da cama de um hotel. Espantado o francês procurou indagar aos presentes o motivo do acontecido
e de pronto, recebeu explicações de um garçom que lhe afirmara que era comum entre os africanos
recém-chegados, a ideia de que seriam literalmente devorados pelos brancos. O escravo retirado de
baixo da cama ressalta o francês, “tremia da cabeça aos pés” (KARASCH, 2000, p. 78).
10 João Reis, estudando a “cemiterada” na Bahia, chega a conclusão de que a partir de um dado mo-
183 mento, o “cheiro dos defuntos” começa a incomodar as pessoas, principalmente os defuntos que
eram inumados nas igrejas, e os enterrados no Campo da Pólvora, o qual passou a desfrutar do ódio
dos seus vizinhos (REIS, 1997).
11 O historiador J. J. Rei alerta que fora justamente no século anterior, séc. XVIII, que se alastrara por
toda a Europa usa, especialmente pela comunidade científica de França, a doutrina dos “miasmas”,
na qual se acreditava que “matérias orgânicas em decomposição, especialmente de origem animal,
sob influência de elementos atmosféricos”, tais como calor, direção dos ventos, “formavam vapores
ou miasmas daninhos à saúde”, logo os “gazes” emanados dos cadáveres foram acusados de serem
causadores de várias doenças, das quais os moradores do Valongo se queixavam com frequência
(REIS, 1997, p. 75).
12 Folder da exposição Africanos Novos na Gamboa, Um Portal para Arqueologia. Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro. 1996, p. 13.
13 BNRJ. II- 34, 26, 3. Jornal Aurora Fluminense. (23 de jan. de 1829).
14 Entre 1824 e 1826, foi firmado um acordo antitráfico, assinado em 23 de novembro de 1826. No qual
o Brasil se comprometia a extinguir o tráfico negreiro ao fim de três anos. Porém um novo acordo
foi tratado para que de 1827, fim do prazo de extinção, fosse prorrogado até 13 de março de 1830.
A partir desta data, os negreiros que estivessem atuando no litoral africano teriam um prazo de seis
meses para retornarem ao Brasil, porém, como se sabe, está lei se transformou em um verdadeiro
engodo, e ficou conhecida como a “lei para inglês ver”. Conf. FLORENTINO, Manolo Garcia.
Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro
(séculos XVII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 50.
15 Estrôncio é um elemento comum em solos e água potável. Ele existe em pequenas quantidades em
todos os ossos e é da mesma família química como magnésio e cálcio. O estrôncio extraído de uma
arcada dentária pode revelar dados significativos sobre o morto, podendo, inclusive, atraves de uma
comparaão de solos, verificar o local de origem do falecido.

Referências

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