O Homem Teimava

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BARIANI ORTENCIO

Ilustrações
SÉRGIO PALMIRO

ABUTI

6ª edição

Conforme a nova ortografia


Copyright © Bariani Ortencio, 1997

Editora: CLÁUDIA ABELING-SZABO


Assistente editorial: NAIR HITOMI KAYO
Suplemento de trabalho : ROSANE LÍMOLI PAIM PAMPLONA
Coordenação de revisão : PEDRO CUNHA JR. E LILIAN SEMENICHIN
Gerência de arte: NAIR DE MEDEIROS BARBOSA
Finalização de capa: MAURO MOREIRA
Diagramação: MAURO MOREIRA
Produtor gráfico: ROGÉRIO STRELCIUC

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ortencio, Bariani, 1923-


O homem que não teimava / Bariani Ortencio ; ilustrações
Sérgio Palmiro. — São Paulo : Saraiva, 1998. — (Jabuti)

ISBN 978-85-02-02538-7

1. Literatura infantojuvenil I. Palmiro, Sérgio. II. Título. III. Série.

98-0040 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:


1. Literatura infantojuvenil 028.5
2. Literatura juvenil 028.5

9» tiragem, 2017

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Tel.: (0XX11) 4003-3061
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Todos os direitos reservados à Saraiva Educação S.A.

CL: 810111
CAE: 571376
sumário
Vicente Carvalho, 5
Metade mineiro e metade goiano, 8
Micróbios, 9
O homem que não teimava, 10
Não teimava mesmo, não!, 12
Festa de quinze anos, 14
Cadastro de banco, 16
Avião atolado, 19
Essa estrada vai para a cidade?, 21
Pimenta mansa, 22
O animal com o rabo onde teria de ter a cabeça, 24
Remédio ruim pra tosse, 26
O que enxergava muito e o que escutava demais, 28
As caixas estão pesadas?, 30
Isso tudo é frio?, 32
Esposa de Jesus, 33
80 cavalos de força!, 35
Morreu como um passarinho…, 37
Consolando viúva, 38
Sal e algodão, 39
O emplasto, 41
Consulta de graça, 43
Deus está certo, 44
Semáforos, 46

3
A vaca que conhecia sinais de trânsito, 47
A pinga do compadre, 49
O táxi que voava, 51
O acidente, 52
Perigo de congestão, 53
A pedra de diamante, 54
O profeta, 57
Vencimento de promissória, 60
Cardápio com abóbora, 62
Nada como o que é da gente, 64
Com o Ministro da Agricultura, 66
À guisa de banco, 68
Uma questão de interpretação, 71
A promessa, 72
O mergulhador, 74
Vicente, rábula matreiro, 76
Final, 79

4
vicente
carvalho

Vicente, quando está no seu sítio, é um roceiro boa-vida


que vive no seu canto, calado e matutante, acompanhado do
seu indefectível aparato de fazer os intermináveis cigarros de
palha. Palhas bem escolhidas, que ele fica horas no paiol sepa-
rando. Traz sempre, no bolso traseiro da calça, uma cabeça de
palha. Palha lambida e entre os dedos, o canivete Corneta com
a lâmina gasta, o torete de fumo legítimo de Bela Vista. E haja
tempo para Vicente ficar na pachorra, até enrolar o palheiro,
dar mais uma lambida para fechar o seu cigarro. Com a binga
feita do fruto seco de jequitibá (árvore também conhecida por
bingueiro) cheia de algodão queimado, um pedaço de lima de
aço para chispar na pedra “fígado de galinha”, pronto, está feito
o fogo para o cigarro de Vicente. Soltar uma baforada, tapar o
isqueiro, guardar os apetrechos, dar uma olhada para o mundo
e... está pronto, apto para enfrentar as vicissitudes do dia.
Foi nessa hora que surgiram dois estudantes e pararam
em frente ao seu rancho, onde o sertanejo se achava sentado
no seu luzente tamborete.
Esses estudantes estavam de férias, sendo um da capital,
convidado de Alcides, que, apesar de ser filho do dono da fa-
zenda, vizinho de Vicente, tinha pouca ligação com ele.
— Bom dia, seu moço — cumprimentou o rapaz falante,
de nome Marcolino. Alcides era calado e ficava só reparando.
O roceiro tirou o cigarro da boca, olhou para cima, deu uma
manjada no sol e respondeu:
— Não será boa tarde, não, seus moços?
— De acordo! Boa tarde, então!
— Boa tarde. Vamos entrar pra dentro, que entrar pra
fora não tem jeito...
— Não tem mesmo, não, mas muito obrigado. Nós esta-
mos apenas passando.

5
— Descansa um pouco. O sol tá muito quente...
— Como é mesmo o nome do senhor?
— Vicente.
— Só Vicente?
— Vicente Carvalho, seu criado...
— Vicente Carvalho?! Não brinca! O grande poeta san-
tista, do Deixa-me Fonte?!
Vicente ficou sem saber, mas respondeu:
— Não sou esse, não senhor. Quer dizer, santista até que
posso ser, porque sou da igreja dos padres, mas esse outro
trem aí, eu não sei o que é, não...
— Ora, não saber quem foi Vicente Carvalho, o genial
poeta de Deixa-me Fonte!
— Sim, senhor... Não sei, não.
— O senhor não tem família?
— Tenho não, senhor. Vivo só mais Deus...
— Tem água aí pra gente beber?
— Deus me livre se não tivesse. Deixar sem água um
chegante é pecado que Deus não perdoa. Vamos entrar pra
dentro. Se abanquem, sejam servidos, o pote tá aí no canto.
A água foi recolhida de já hoje, tá fresquinha. Podem servir,
não se acanhem não. É casa de pobre, mas é tudo limpo.
— Ninguém aqui é acanhado não, seu Carvalho.
— Se não é acanhado, então tem uma perninha no “c”, né?
— Ora, ora, vejam só! O senhor é muito sabido, hein,
seu Vicente? Está dando até lição na gente!
— É ... Dando tempo pra gente matutar, dá pra respon-
der nos conformes.
Beberam, elogiaram a água e pediram, também, o que
comer, aliás, só Marcolino pediu, que Alcides ficava só com
aquela cara de riso:
— Seu Carvalho, a água estava boa, matou a sede, mas
água não mata a fome.
— Mata mesmo, não.
— O senhor tem aí alguma coisa pra gente mastigar?
— Tem canjica, que fiz, tirei do fogo indagorinha.

6
— Canjica? Que bicho é esse, seu Carvalho?
— Uai, é canjica, não sabe não?
O filho do fazendeiro, acostumado, continuava a rir. Era
a primeira vez que Marcolino, paulista, aliás, paulistano, saía
da capital.
— Não sabemos, mas de qualquer forma irá muito bem,
porque estamos com a barriga roncando; eu, principalmente.
— Como se diz, “quem tá perdido não escolhe caminho”.
— É isso aí, seu Carvalho! Vamos à canjica, pessoal!
As panelas alumiavam de limpas e o roceiro trouxe uma
tigela de louça, também reluzente, o que muito animou os es-
tudantes a enfrentarem o prato sertanejo, milho cozido com
leite, rapadura, amendoim torrado e socado no pilão. Ao se-
rem servidos, o espirituoso Marcolino perguntou, fazendo cara
de desdém:
— O que é mesmo isso, seu Carvalho?
— Canjica. Pode comer que é muito especial de boa.
— Afinal, canjica é feita de quê, seu Carvalho?
— Uai, de milho! Milho cozido.
— Ah, não! O senhor vai me desculpar, seu Vicente
Carvalho, mas eu não como milho cozido!
— Uai, então quem vai me desculpar é o senhor, porque
o milho cru acabou ainda hoje cedo no trato dos porcos e das
galinhas.

7
metade mineiro
e metade goiano

Vicente não é goiano, chegou de


Minas ainda rapazinho. Nunca mais voltou,
nem para passear, tão bom achou aqui em
Goiás. Trabalhou quase sempre na roça,
de carregador de boia, de enxadeiro, com
salários diários, mensais, empreitos...
Perambulou pela cidade fazendo servicinhos
de limpa de quintal, foi ajudante de caminhão,
toda espécie de biscate que aparecesse, porque
o que ele sempre teve foi muita disposição
para o trabalho (embora algumas pessoas
não achem). Mas o que mais gostava mesmo
era da roça. Lá ele se sentia em casa, no seu
meio, seu hábitat, gente simples como
ele, a companheirada, os pagodes mais
animados do que os da cidade, enfim, a
verdade entre gente simples. Na cidade,
via malandro querendo passar os outros
para trás. Em questão de dinheiro, então, nem se fala. O que
dá é ladrão enfiando a mão na algibeira alheia, e ai se não tiver
dinheiro, batem e até matam a gente. Na roça que é o bom do
bom. Melhor não existe.
Vicente sempre teve as suas respostas na ponta da lín-
gua, não se sabe se ensaiadas ou mesmo no de repente, intui-
ção. Um dia lhe perguntaram (aliás, deve ter respondido a essa
pergunta diversas vezes):
— Vicente, o senhor é goiano ou mineiro?
— Sou metade mineiro e metade goiano.
— Como assim?
— Uai, eu quando vim de Minas pesava 30 quilos e agora
tô pesando 60!
— Tá certo...

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