O Homem Teimava
O Homem Teimava
O Homem Teimava
Ilustrações
SÉRGIO PALMIRO
ABUTI
6ª edição
ISBN 978-85-02-02538-7
98-0040 CDD-028.5
9» tiragem, 2017
CL: 810111
CAE: 571376
sumário
Vicente Carvalho, 5
Metade mineiro e metade goiano, 8
Micróbios, 9
O homem que não teimava, 10
Não teimava mesmo, não!, 12
Festa de quinze anos, 14
Cadastro de banco, 16
Avião atolado, 19
Essa estrada vai para a cidade?, 21
Pimenta mansa, 22
O animal com o rabo onde teria de ter a cabeça, 24
Remédio ruim pra tosse, 26
O que enxergava muito e o que escutava demais, 28
As caixas estão pesadas?, 30
Isso tudo é frio?, 32
Esposa de Jesus, 33
80 cavalos de força!, 35
Morreu como um passarinho…, 37
Consolando viúva, 38
Sal e algodão, 39
O emplasto, 41
Consulta de graça, 43
Deus está certo, 44
Semáforos, 46
3
A vaca que conhecia sinais de trânsito, 47
A pinga do compadre, 49
O táxi que voava, 51
O acidente, 52
Perigo de congestão, 53
A pedra de diamante, 54
O profeta, 57
Vencimento de promissória, 60
Cardápio com abóbora, 62
Nada como o que é da gente, 64
Com o Ministro da Agricultura, 66
À guisa de banco, 68
Uma questão de interpretação, 71
A promessa, 72
O mergulhador, 74
Vicente, rábula matreiro, 76
Final, 79
4
vicente
carvalho
5
— Descansa um pouco. O sol tá muito quente...
— Como é mesmo o nome do senhor?
— Vicente.
— Só Vicente?
— Vicente Carvalho, seu criado...
— Vicente Carvalho?! Não brinca! O grande poeta san-
tista, do Deixa-me Fonte?!
Vicente ficou sem saber, mas respondeu:
— Não sou esse, não senhor. Quer dizer, santista até que
posso ser, porque sou da igreja dos padres, mas esse outro
trem aí, eu não sei o que é, não...
— Ora, não saber quem foi Vicente Carvalho, o genial
poeta de Deixa-me Fonte!
— Sim, senhor... Não sei, não.
— O senhor não tem família?
— Tenho não, senhor. Vivo só mais Deus...
— Tem água aí pra gente beber?
— Deus me livre se não tivesse. Deixar sem água um
chegante é pecado que Deus não perdoa. Vamos entrar pra
dentro. Se abanquem, sejam servidos, o pote tá aí no canto.
A água foi recolhida de já hoje, tá fresquinha. Podem servir,
não se acanhem não. É casa de pobre, mas é tudo limpo.
— Ninguém aqui é acanhado não, seu Carvalho.
— Se não é acanhado, então tem uma perninha no “c”, né?
— Ora, ora, vejam só! O senhor é muito sabido, hein,
seu Vicente? Está dando até lição na gente!
— É ... Dando tempo pra gente matutar, dá pra respon-
der nos conformes.
Beberam, elogiaram a água e pediram, também, o que
comer, aliás, só Marcolino pediu, que Alcides ficava só com
aquela cara de riso:
— Seu Carvalho, a água estava boa, matou a sede, mas
água não mata a fome.
— Mata mesmo, não.
— O senhor tem aí alguma coisa pra gente mastigar?
— Tem canjica, que fiz, tirei do fogo indagorinha.
6
— Canjica? Que bicho é esse, seu Carvalho?
— Uai, é canjica, não sabe não?
O filho do fazendeiro, acostumado, continuava a rir. Era
a primeira vez que Marcolino, paulista, aliás, paulistano, saía
da capital.
— Não sabemos, mas de qualquer forma irá muito bem,
porque estamos com a barriga roncando; eu, principalmente.
— Como se diz, “quem tá perdido não escolhe caminho”.
— É isso aí, seu Carvalho! Vamos à canjica, pessoal!
As panelas alumiavam de limpas e o roceiro trouxe uma
tigela de louça, também reluzente, o que muito animou os es-
tudantes a enfrentarem o prato sertanejo, milho cozido com
leite, rapadura, amendoim torrado e socado no pilão. Ao se-
rem servidos, o espirituoso Marcolino perguntou, fazendo cara
de desdém:
— O que é mesmo isso, seu Carvalho?
— Canjica. Pode comer que é muito especial de boa.
— Afinal, canjica é feita de quê, seu Carvalho?
— Uai, de milho! Milho cozido.
— Ah, não! O senhor vai me desculpar, seu Vicente
Carvalho, mas eu não como milho cozido!
— Uai, então quem vai me desculpar é o senhor, porque
o milho cru acabou ainda hoje cedo no trato dos porcos e das
galinhas.
7
metade mineiro
e metade goiano